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Relatório de Pesquisa Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

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Relatório de Pesquisa

Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racialreflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

Missão do IpeaAprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria ao Estado nas suas decisões estratégicas.

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Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

Relatório de Pesquisa

Brasília, 2014

Governo Federal

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Ministro Marcelo Côrtes Neri

Fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

PresidenteSergei Suarez Dillon Soares

Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

Diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

Diretor de Estudos e PolíticasMacroeconômicasCláudio Hamilton Matos dos Santos

Diretor de Estudos e Políticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogério Boueri Miranda

Diretora de Estudos e Políticas Setoriaisde Inovação, Regulação e InfraestruturaFernanda De Negri

Diretor de Estudos e Políticas SociaisHerton Ellery Araújo

Diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

Chefe de GabineteBernardo Abreu de Medeiros

Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaçãoJoão Cláudio Garcia Rodrigues Lima

Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011*

Brasília, 2014

Relatório de Pesquisa

* Para desenvolvimento desta análise, foi organizado um grupo de estudos, do qual participaram alguns colaboradores, em diferentes momentos. Os elaboradores agradecem pela participação e pelos comentários às pesquisadoras Maria Inês Barbosa e Marta Lobo, do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Ipea, e aos servidores Andrea Magnavita e Sideni Lima, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP). Este estudo dedicou-se à análise dos PPAs 2004/2007 e 2008/2011 e seus respectivos modelos de gestão. Não incorpora qualquer avaliação sobre as mudanças promovidas nesses instrumentos após este período.

© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2014

FICHA TÉCNICA

Elaboração Josenilton Marques da Silva – Analista de Sistemas da Disoc/Ipea.Maria do Rosário de Holanda Cunha Cardoso – Coordenadora na DESOC/SPI, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP).Tatiana Dias Silva – Técnica de Planejamento e Pesquisa da Disoc/Ipea.

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.

Sumário

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................................... 7

2 INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO ............................................................................................. 10

3 IGUALDADE RACIAL NO GOVERNO FEDERAL ......................................................................................................... 13

4 A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO PPA 2004-2007 ................................................................................... 15

5 A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO PPA 2008-2011 ................................................................................... 22

6 TEMA RACIAL NOS PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS ............................................................................................ 25

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 30

REFERêNCIAS .......................................................................................................................................................... 32

1 iNTroDuÇÃoO orçamento pode ser considerado um dos pilares da política pública. É por meio dos instrumentos de planejamento e orçamento que a política governamental se estrutura. Por conseguinte, seu acompanhamento permite estabelecer canais de controle social, com meios para intervenção mais qualificada de agentes públicos e privados na agenda governamental.1 Desse modo, a institucionalização de uma política não pode prescindir de uma inserção articulada e consistente nas peças de planejamento e orçamento.

É certo que não são poucas as críticas dirigidas aos mecanismos atuais de planejamento e orçamento governamental. A fragmentação com que a política é apresentada nessas peças, o caráter predominantemente formal que imprimem, a dissociação dos instrumentos da práxis dos gestores públicos, entre outras, são questões recorrentes nessa discussão.

Em que pese a pertinência desse debate, a execução das políticas públicas está, atualmente, subordinada a esse sistema de planejamento e orçamento, e seus formuladores devem procurar inseri-la nesse contexto da maneira mais eficaz possível. Nesse ponto, a igualdade racial, recentemente introduzida na agenda governamental, tal como outras políticas transversais, resguarda ainda mais peculiaridades. No que tange ao orçamento, o objetivo não se restringe a ampliar a dotação e aprimorar as ações dos órgãos incumbidos de coordenar a política, mas o mais importante é garantir que todas as demais políticas sejam sensíveis ao objetivo de reduzir as desigualdades raciais e que procurem incluir, em suas ações setoriais, este desígnio. Por conseguinte, não é surpreendente que um dos temas que provocaram maior debate e polêmica na tramitação do Estatuto da Igualdade Racial tenha sido o financiamento da política.2

A despeito da importância do orçamento para implementação das políticas, ainda é pouco explorada a relação entre esse instrumento e a política de igualdade racial. Na área de políticas para as mulheres e de gênero, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria, por exemplo, monitora ações governamentais consideradas no âmbito do Orçamento Mulher, em que destacam tanto iniciativas que se destinam apenas a mulheres, como aquelas em que as mulheres sejam maioria entre os beneficiários, tenham formalizada sua participação no programa ou ainda sejam afetadas pela iniciativa (Graça, Malaguti e Vieira, [s.d.], p. 4). A execução orçamentária das duas temáticas também é acompanhada por meio de capítulos específicos no periódico Políticas sociais: acompanhamento e análise do Ipea. Já a transversa-lidade, em sentido mais amplo, tem sido objeto de discussão mais frequente (Ipea, 2009; Macedo, 2008; Bandeira, 2005).

Em outra perspectiva, há normativas que tratam da discriminação de recursos para a política de igualdade racial. É o caso do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). No Estatuto da Igualdade Racial há a determinação para que, durante os primeiros cinco anos subsequentes à sua publicação, os órgãos do Executivo Federal que desenvolvem ações afirmativas as discriminem em seus orçamentos.3 E, desde a LDO de 2008, há a previsão de publicização dos impactos dos programas voltados ao combate das desigualdades raciais.4

1. Constituição Federal de 1988 (CF/88), Artigo 167, inciso XI, § 1o “Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade” (Brasil, 1988).2. Para mais informações sobre a questão do financiamento durante a tramitação do Estatuto da Igualdade Racial, consultar Políticas Sociais: acompanhamento e análise, n. 19 (Ipea, 2011).3. Conforme § 2o, Artigo 56 da Lei no 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial. 4. Desde a Lei de Diretrizes orçamentária (LDO) de 2008 – sempre com a mesma redação –, há determinação para que o Poder Executivo divulgue na internet “até 15 de setembro, relatório anual, referente ao exercício anterior, de impacto dos programas voltados ao combate das desigualdades nas dimensões de gênero, raça, etnia, geracional, regional e de pessoas com deficiência (Brasil, 2007c).

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Essas indicações, cujas aplicações práticas ainda não foram plenamente concretizadas, e a indispensabilidade de se analisar mais profundamente a questão orçamentária para garantir uma política efetiva de promoção da igualdade racial, foram motivadoras para a análise aqui empreendida. Assim, a reflexão que será apresentada tem como ponto de partida os seguintes questionamentos: considerando o Plano Plurianual (PPA) como instrumento estrutural de planejamento e orçamento, como a temática racial está contemplada no PPA 2004-2007 e no PPA 2008-2011 e qual a capacidade do modelo de planejamento de lidar com os desafios da igualdade racial. Para empreender esta análise, nas seções seguintes, serão apresentados dois pontos basilares para a compreensão desse tema: os instrumentos de planejamento e orçamento e a política de igualdade racial.

Para esse exame, além da atuação específica da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), é fundamental considerar como a temática racial está presente nas diversas áreas do governo, de modo a alcançar o ideal de transversalização da política de promoção da igualdade racial. Para se empreender esta avaliação em relação ao PPA, contudo, enfrentam-se alguns desafios nada triviais.

A princípio, há que se definir o que se espera do planejamento e orçamento gover-namental para as políticas de promoção da igualdade racial. Com efeito, estando entre os desafios apresentados pelo governo no período em observação, almeja-se que esta diretriz seja apreendida pelos órgãos setoriais na implementação de suas ações. Em programas com desenho universal, avalia-se que uma das alternativas possíveis seria o monitoramento das atividades com base em dados desagregados por cor e raça, a fim de identificar e combater desigualdades raciais no desenvolvimento das ações.

De fato, faz parte do imaginário social atribuir às políticas universais, dirigidas a toda a população, como as ações de educação e saúde, caráter promotor da igualdade per si. Contudo, por essa via, desconhece-se o papel que o racismo, inclusive o estrutural, exerce no usufruto dos direitos a todos concedido, ou ainda o papel que os diferentes pontos de partida e condições de sobrevivência de vários grupos populacionais exercem no acesso a políticas universais. Por esta razão, a gestão de políticas universais não pode prescindir de avaliação criteriosa sobre possíveis elementos discriminatórios – por vezes não intencionais e naturalizados – que perpetuam e reforçam as desigualdades raciais.

Nesse sentido, no âmbito de políticas universais, a alteração da lógica dos programas, de modo a contemplar a questão racial, parece ser preferível à simples discriminação dos recursos destinados a beneficiários negros. Não parece ser desejável que um orçamento sensível à promoção da igualdade racial consista apenas em que os recursos destinados a cidadãos negros sejam discriminados. Além de não contribuir necessariamente para o combate à desigualdade racial – não é por atender mais alunos negros que brancos que o sistema edu-cacional público não reproduza desigualdades raciais –, uma discriminação desta natureza pode corroborar com visão restrita, mas amplamente partilhada, de que ao atender negros já se está fazendo promoção da igualdade racial, e ao considerar plenamente satisfeita esta diretriz, desestimular investimentos realmente transformadores da realidade.

Destarte, entende-se que as políticas universais, por sua natureza, podem ser monito-radas, em relação à promoção da igualdade racial, por indicadores de resultado e eficiência. Todavia, nesse caso, mesmo políticas sensíveis às desigualdades raciais permaneceriam “invisíveis” nas peças orçamentárias, ainda que primassem pela inclusão do tema, quer no conteúdo de projetos, em linhas preferenciais em editais públicos, quer na sistemática de acompanhamento de dados desagregados.

9Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

Há ainda outra forma de abordagem da temática racial na execução dos programas, que, como no primeiro caso, fica geralmente imperceptível em uma análise orçamentária. Ações de um determinado programa podem abarcar projetos específicos de combate à desi-gualdade racial, com recursos destacados, mas que somente se tornam públicos no momento da implementação, ou ainda nos relatórios setoriais de prestação de contas. É o caso do PLANSEQ Nacional Comércio e Serviços para Profissionais Afrodescendentes (PLANSEQ afrodescendente),5 com recursos oriundos do programa de qualificação profissional do tra-balhador, por exemplo. Nesses casos, há uma parcela de recursos canalizada para a redução das desigualdades raciais ou para o atendimento preferencial da população negra, que não aparece nos registros orçamentários. Esse tipo de iniciativa, por não estar definida nas peças orçamentárias, pode sofrer, de forma mais acentuada, reflexos de contenção orçamentária ou de alterações na gestão dos órgãos a quem estão vinculadas.

Outro grupo de programas, entre os investigados, dedica-se ao combate mais direto das desigualdades raciais – seriam os programas específicos –, entendidos como conjunto de ações que tivesse como objetivo principal enfrentar o racismo, o preconceito e a desigualdade racial em áreas específicas de atuação das políticas governamentais. Estariam especialmente dedicados a enfrentar um tipo singular de desigualdade racial ou ainda a promover a trans-versalização do tema em diferentes áreas.

Em síntese, podem-se considerar três tipos de programas e ações, conforme ilustra o quadro 1: i) os universais sensíveis à promoção da igualdade racial; ii) os universais com projetos específicos de promoção da igualdade racial; e iii) os específicos de promoção da igualdade racial. Evidentemente, por exclusão, haverá ainda um grupo, por razões diversas, indiferente ao tema.

QUADRO 1Programas com recorte racial nos instrumentos de orçamento e planejamento

Tipos de programa/ação com recorte racial

Característica

Programas/ações universais sensíveis à promoção da igualdade racial

Desenvolvem atividades universais, porém incorporam iniciativas que incluem a temática racial, em diferentes níveis e profundidade, quer no conteúdo de projetos, em linhas preferenciais em editais públicos, quer na sistemática de coleta e acompanhamento de dados desagregados, por exemplo.

Programas/ações universais com projetos específicos de promoção da igualdade racial

Desenvolvem atividades específicas de combate à desigualdade racial, com recursos destacados, porém, por estarem no âmbito de uma determinada ação, sem discriminação, não é possível identificá-los nos instrumentos de planejamento e orçamento.

Programas/ações específicos de promoção da igualdade racial

Desenvolvem atividades específicas de combate à desigualdade racial ou voltadas especialmente para a população negra, com recursos destacados nos instrumentos de planejamento e orçamento.

Elaboração dos autores.

Além da invisibilidade orçamentária característica de algumas iniciativas, não se identificam instrumentos de acompanhamento dos programas governamentais que permitam

5. O Plano Setorial de Qualificação (PLANSEQ) é uma das estratégias de implementação do Plano Nacional de Qualificação, financiado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Públicos, regiões e setores de atividades específicos são contemplados com esta modalidade. O PLANSEQ Nacional Comércio e Serviços para Profissionais Afrodescendentes (PLANSEQ afrodescendente) destina recursos específicos, dentro do Programa de Qualificação Social e Profissional para capacitação de beneficiários negros (Brasil, 2009b).

10 Relatório de Pesquisa

verificar em que nível as diretrizes governamentais foram realmente incorporadas. Exceto por alguns conjuntos de programas, como é, por exemplo, o caso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e da Agenda Social, no PPA 2008-2011, que recebem acompanhamento diferenciado,6 não há evidências de que os instrumentos disponíveis garantam a adequação, em última instância, entre os objetivos estratégicos e a execução tática e setorial do planejamento governamental.

Existe, nos dois PPAs analisados, uma série de metas prioritárias, que, ao lado do conjunto de programas prioritários, são objeto de avaliação anual – Avaliação da Dimensão Estratégica. Contudo, não há indícios de que esta avaliação tenha sido utilizada de forma estratégica para retroalimentação do processo de planejamento. As publicações dessa avaliação limitam-se a proporcionar indicadores com dados atualizados, sem, no entanto, oferecer uma reflexão sobre os resultados apresentados e as medidas corretivas a serem implementadas.

Após esta breve introdução, a seção 2 fará um apanhado dos principais instrumentos de planejamento governamental, com destaque para o PPA, e o modelo de gestão adotado para acompanhamento do orçamento federal durante o período analisado. Em seguida, disserta-se sobre a presença do tema da igualdade racial no âmbito do governo federal, possibilitando, ao final, identificar o contexto em que este tema é inserido na agenda governamental, para em seguida discutir a inserção nos instrumentos de planejamento.

A partir desse referencial, a análise se dará em duas etapas. A primeira irá avaliar como a temática se efetivou nos documentos do PPA, iniciando com uma avaliação da mensagem presidencial, dos programas a cargo da SEPPIR e dos relatórios de avaliação do PPA, que abarcam, além das atividades da SEPPIR, o alcance dos objetivos de governo que, nos dois quadriênios, incorporaram a questão racial.

A segunda etapa terá como propósito apreciar a inserção da temática racial nos demais programas governamentais, procurando identificar se e como a diretriz de transversalidade do tema raça, em certa medida explícita nos PPAs, foi efetivamente incorporada na agenda governamental.

2 iNSTrumENToS DE PLANEJAmENTo E orÇAmENTo

O texto constitucional estabelece os instrumentos fundamentais para viabilizar o processo de planejamento governamental – são eles o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual (LOA).7

O PPA estabelece, de forma regionalizada, as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública. Tem a mesma duração do mandato do chefe do Poder Executivo e, para evitar descontinuidade das políticas públicas, vigora até o final do primeiro exercício financeiro do mandato subsequente. Trata-se do principal instrumento de planejamento de médio prazo, uma vez que, além de conter ações para um horizonte plurianual, estabelece a diretriz que planos e programas nacionais, regionais e setoriais devem seguir.

6. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) é acompanhado diretamente pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do Ministério da Educação (SIMEC). O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é acompanhado diretamente pela Casa Civil, em articulação com os ministérios envolvidos. Como a mudança de gestão no início de 2011, seu acompanhamento será transferido para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP). Por sua vez, a Agenda Social contava inicialmente com acompanhamento por meio da Câmara de Políticas Sociais e seus comitês executivos.7. Artigo 165 da CF/88.

11Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

A LDO compreende, em conformidade com o PPA, as metas e prioridades da admi-nistração pública federal para o exercício financeiro subsequente, bem como a orientação para elaboração da Lei Orçamentária Anual. Como identifica as ações prioritárias para o exercício seguinte, atua como elo entre o PPA e a LOA. Esta última, por sua vez, estima a receita e fixa a programação das despesas para o exercício financeiro, devendo contemplar todas as receitas e despesas do governo.

Os projetos de lei relativos a esses instrumentos (PPA, LDO e LOA) são iniciativas exclusivas do Poder Executivo, que consolida todas as propostas, inclusive aquelas dos demais poderes, e as encaminha para apreciação do Legislativo.

Nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),8 aplicáveis a todos os Entes Federados, os instrumentos aqui tratados são mecanismos que devem permitir transparência na gestão fiscal, inclusive por meio da participação popular em seus processos de elaboração e discussão.

As atividades de planejamento e de orçamento federal, de administração financeira federal, de contabilidade federal e de controle interno do Poder Executivo Federal são organizadas sob a forma de sistemas.9 O Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, cuja finalidade é formular e gerenciar o planejamento estratégico nacional – por meio dos instrumentos descritos – e promover a articulação federativa necessária para seu desenvol-vimento, é constituído pelo órgão central, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e seus órgãos específicos e pelos órgãos setoriais que são as unidades de planejamento e orçamento dos ministérios, Advocacia-Geral da União (AGU) e Casa Civil.

2.1 o Plano Plurianual: antecedentes e modelo de gestão10

A proposta de planejamento e orçamento, nos moldes definidos pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), foi inaugurada com o PPA 1991-1995. Como à época o mandato presi-dencial era de cinco anos, ele teve vigência quinquenal. O PPA seguinte (1996-1999) já foi formulado no formato de quatro anos.

A elaboração dos programas do PPA inicia-se com a definição da estratégia que o governo vai adotar para o país no longo prazo. Com base no documento Orientação Estra-tégica de Governo,11 que expressa os desafios a serem superados, os ministérios elaboram suas respectivas orientações estratégicas, que são o desdobramento dos desafios do governo em objetivos setoriais. Com fundamento neste referencial, os programas são, então, formulados.

A figura 1 mostra os diferentes níveis hierárquicos do planejamento governamental no âmbito do governo federal. Embora se refira a um período específico, ilustra, em grandes linhas, a lógica do processo.

8. Lei Complementar no 101, Artigo 48, de 4 de maio de 2000.9. Lei no 10.180, de 6 de fevereiro de 2001.10. O modelo e as orientações do PPA foram alterados para o PPA 2012-2015.11. Mais informações sobre o processo de elaboração das orientações estratégicas do PPA 2004-2007 podem ser consultadas no Anexo I da Lei no 10.933/2004. Disponível em: <http://www.sigplan.gov.br/> ou <http://www.planobrasil.gov.br/>.

12 Relatório de Pesquisa

FIGURA 1Estrutura do planejamento governamental

Estratégiade

desenvolvimento

Dimensões

Desafios

ProgramasAções de governo

Orientação estratégicados ministérios

Orientação estratégicade governo

Objetivos setoriais

Fonte: Programa Um Brasil para Todos (Brasil, 2006).

Em tese, o programa, que tem como objetivo resolver um problema ou atender uma demanda social, desdobra-se em ações – orçamentárias ou não orçamentárias – que concorrem para a mesma finalidade.

O modelo de gestão do PPA prevê arranjos institucionais que sofrem algumas alterações em cada nova edição, mas que têm resguardado alguns aspectos em comum. A gestão e o acompanhamento do PPA estão delineados, em geral, de acordo com as seguintes orientações:

1) O órgão central de planejamento coordena os processos de elaboração, monitoramento, avaliação e revisão dos programas e do PPA.

2) Para tratar de normas e procedimentos gerais, relativos ao monitoramento e à avaliação dos programas do Poder Executivo, foi criado o Sistema de Avaliação do Plano Plurianual, composto pela Comissão de Monitoramento e Avaliação do Plano Plurianual (CMA) e pelas Unidades de Monitoramento e Avaliação (UMAs) de cada órgão.12

3) A gestão do plano no nível estratégico ficaria a cargo do Comitê de Gestão do PPA,13 pelas secretarias-executivas dos órgãos do Poder Executivo, pela CMA e pelas UMAs.14

4) Órgãos setoriais coordenam as iniciativas sob sua responsabilidade, por meio da Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração (SPOA) e de comitê de coordenação dos programas, com participação dos gestores da pasta.

5) A gestão de programa do PPA é de responsabilidade do gerente de programa, em conjunto com o gerente-executivo, e a gestão da ação é de responsabilidade do coordenador de ação, com apoio do coordenador-executivo de ação.

6) Para os programas transversais e multissetoriais, foram propostas estruturas de coordenação entre os diversos atores envolvidos – Comitê Gestor de Programa – e sob coordenação do gerente, ou ainda acompanhamento pelas respectivas Câmaras do Conselho de Governo e seus comitês executivos, ou por meio de grupos de trabalho específicos.

O Sistema de Avaliação do PPA congrega os atores na elaboração de relatórios de avaliação dos programas, dos órgãos setoriais e da dimensão estratégica de governo – projetos e metas prioritárias. É por meio desses instrumentos de planejamento e orçamento que se pretende analisar a inserção da política de igualdade racial no governo federal no período 2004-2011.

12. O Sistema de Avaliação do Plano Plurianual foi instituído pelo Decreto no 5.233, de 6 de outubro de 2004. 13. Criado em 2008 e integrado por representantes do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR).14. Ver Decreto no 6.601, de 10 de outubro de 2008.

13Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

3 iGuALDADE rACiAL No GoVErNo FEDErAL15

A desigualdade racial tem sido uma marca da sociedade brasileira. Tendo como origem a escravidão e alimentada, após a abolição, pela subordinação e invisibilidade dos negros, a desigualdade racial permanece como um dos mais perversos traços da iniquidade social no país.

No período pós-abolição, não foram criados mecanismos para promover a integração da população negra na sociedade; pelo contrário, para que fosse impedida sua mobilidade social, criaram-se novas estratégias de exclusão.16

Até a segunda metade do século XX, o Estado brasileiro ainda não havia incorporado ou sequer assumido a desigualdade racial como objeto de intervenção governamental. Vale ressaltar que a única norma a respeito em vigor até então era a Lei Afonso Arinos, de 1951, motivada pelo impacto internacional de atos discriminatórios sofridos por estrangeiros no país.17

Não obstante, várias experiências de resistência da população negra são desenvolvidas, na busca por garantia de direitos. A mobilização de organizações negras foi intensa, denunciando as desigualdades raciais, preservando a cultura afrodescendente e oferecendo alternativas para o projeto nacional de desenvolvimento.

Com a ditadura militar, os movimentos sociais experimentaram um momento de grandes constrangimentos, o que também repercutiu sobre as organizações do movimento negro. Nesse período, embora tenham sido ratificados importantes tratados sobre o tema,18 persistia-se refutando a desigualdade e a discriminação racial, a ponto de se eliminar a pergunta sobre cor no Censo Demográfico de 1970.

Com a redemocratização e a CF/88, ampliou-se a mobilização em torno da questão racial. Neste ano, é criada a Fundação Cultural Palmares, primeiro órgão federal dedicado à questão racial, voltado, no entanto, ao mote cultural.19

Após esse momento, verificam-se evidentes progressos no âmbito das políticas públicas. Nesse sentido, é importante destacar as Leis no 7.716/1989 e no 9.459/2007, respectivamente conhecidas com Lei Caó e Lei Paim, dedicadas ao combate à discriminação racial. Com a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 1995, o tema ganhou novo impulso. Em resposta, o governo de Fernando Henrique Cardoso (governo FHC) instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra, no âmbito do Ministério da Justiça (MJ), e outras iniciativas foram adotadas.

Enfim, esse movimento ganhou nova força, especialmente após a III Conferência Mundial contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2001.20 Várias medidas começaram a ser implementadas pelo governo federal. Entre 2001

15. Esta seção é uma versão atualizada do texto sobre a trajetória das políticas de igualdade racial publicada em Ipea (2010).16. É o caso do incentivo governamental à imigração, em detrimento da participação dos ex-escravos como força de trabalho, como desdobramento da estratégia de branqueamento orquestrada pela elite nacional. 17. Lei no 1.390, de 3 de julho de 1951 – inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor (Jaccoud et al., 2009). 18. Convenção 111 concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão: Organização Internacional do Trabalho (OIT), 1968; convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 1968; e a convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação: Organização das Nações Unidas (ONU), 1969. Além disso, o governo brasileiro participou das duas conferências mundiais contra o racismo (1978 e 1983). 19. A Carta de 1988 promoveu efetivamente significativos avanços na trajetória pela igualdade racial. O racismo foi disciplinado como crime inafiançável e imprescritível (Artigo 5o); foi reconhecida a propriedade definitiva das terras quilombolas (Artigo 68 – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias); e a diversidade cultural foi reconhecida como patrimônio a ser preservado e valorizado (Artigos 215 e 216). Para uma análise da trajetória das políticas de promoção da igualdade racial a partir da CF/88, ver Jaccoud et al. (2009).20. Convocada pela Assembleia Geral da ONU e realizada em Durban (África do Sul).

14 Relatório de Pesquisa

e 2002, foram iniciados programas de ação afirmativa em alguns ministérios,21 lançado o Programa Nacional de Ações Afirmativas22 e criado o Conselho Nacional de Combate à Discriminação Racial (CNCD).

Em 2003, com a posse do novo governo, três ações emblemáticas foram estabelecidas: a instituição da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir). Ainda em 2003, foi lançada a política nacional para a área. A criação de espaços institucionais tende a garantir continuidade e organicidade às ações e ao debate sobre a questão racial.

Desde então, o governo tem avançado na consolidação do combate às desigualdades raciais, à discriminação e ao racismo como área de intervenção estatal. Ressalta-se ainda a participação social no desenvolvimento da política, especialmente por meio da I e da II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir). A construção de planos setoriais – Plano Nacional de Implementação da Lei no 10.639/2003,23 Plano Nacional de Saúde Integral da População Negra, Agenda Social Quilombola e Programa Brasil Quilombola –, durante esse processo, baseados, inclusive em estudos e pesquisas do Ipea sobre desigualdades raciais em distintas áreas, apresenta o potencial de capilarizar ações para promoção da igualdade racial, além de comprometer atores e recursos. Outras ações têm sido objeto de grande reper-cussão, como as políticas de acesso ao ensino superior: ações afirmativas nas Universidades públicas e o Programa Universidade para Todos (Prouni).24

No entanto, a política de igualdade racial em curso ainda não conseguiu alçar esta temática à centralidade das estratégias de desenvolvimento nacional e a análise do PPA corrobora com esta constatação. É inegável o avanço alcançado nas últimas décadas para a população negra. Se antes a desigualdade racial nem era admitida, hoje, além das ações governamentais relativas à promoção da igualdade racial, verifica-se debate ampliado sobre o tema e incremento substancial de iniciativas de valorização da matriz africana na sociedade brasileira. Contudo, os negros permanecem como os menos beneficiados pelos progressos usufruídos pelo conjunto da população: são as principais vítimas de violência25 e estão sobrerrepresentados entre os analfabetos, entre os desempregados, entre os trabalhadores com ocupações precárias, entre os pobres e os miseráveis – em que pese a redução desses indicadores no período em voga.

O fortalecimento da política de promoção da igualdade racial depende em nível estraté-gico de mais apoio político, de forma a considerá-la como fundamental para o ideal nacional de justiça social e, complementarmente, em nível tático e operacional é essencial que os mecanismos de planejamento e orçamento sejam coordenados de forma a considerar suas especificidades e a apoiar sua adoção ativa pelos diversos campos de atuação governamental.

21. No Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no Ministério da Cultura (MinC) e no Ministério da Justiça (MJ), determinando o estabelecimento de cotas para negros em cargos de direção, no preenchimento de vagas em concurso público, na contratação por empresas prestadoras de serviço e por organismos internacionais de cooperação técnica. No Ministério das Relações Exteriores (MRE) teve início o Programa Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia, em favor de estudantes negros. E, em maio de 2002, o governo publicou o Decreto no 4.228, que institui, no âmbito da administração pública federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas. Contudo, adotadas no fim do governo, tais medidas não se efetivaram. 22. O referido programa – instituído pelo Decreto no 4.228/2002 – propõe o estabelecimento de “metas percentuais de participação de afrodescendentes, mulheres e pessoas com deficiência no preenchimento de cargos em comissão” (Brasil, 2002) da administração pública federal, bem como nas contratações de consultores e empresas prestadoras de serviço. Contudo, o decreto não foi regulamentado, não avançou nem foi efetivado pelo governo seguinte. Dessas iniciativas, apenas o Programa Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia, do MRE, foi efetivado e persiste até hoje.23. Inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e cultura afro-brasileira. 24. Para analisar com mais detalhes essas políticas, entre outras, sugere-se consultar o periódico Políticas sociais: acompanhamento e análise, do Ipea – capítulo Igualdade Racial –, disponível no site oficial do Ipea. 25. Enquanto a taxa de homicídio de brancos caiu 24,1% entre 2002 e 2007, a taxa de homicídio entre negros subiu 12,2% no mesmo período. Segundo o Mapa da Violência 2010, morrem proporcionalmente mais que o dobro de negros em relação à população branca (Waiselfisz, 2010).

15Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

Nesse sentido será discutida, a seguir, a inserção do tema racial tanto no discurso sobre a estratégica de governo como em sua operacionalização nos dois PPAs em tela.

4 A PromoÇÃo DA iGuALDADE rACiAL No PPA 2004-2007O PPA 2004-2007 marcou o início da nova institucionalidade da temática racial no governo federal. A SEPPIR foi criada em maio de 2003, já transcorridos alguns meses do início do novo governo.26 Assim, a nova estrutura dedicada à questão racial começou a se estruturar pratica-mente no fim do primeiro semestre de 2003, momento em que o debate em torno do novo PPA já seguia avançado no governo federal, inclusive com o desenvolvimento de um processo de escuta popular, em 27 fóruns regionais (Bandeira, 2005). A participação da nova estrutura nesse debate ficou, então, comprometida. A inclusão do tema racial como um desafio para o governo e como objetivo no processo de planejamento era igualmente novidade na agenda governamental. A mensagem presidencial27 que encaminhou o PPA 2000-2003 não tratava do assunto em nenhum de seus 28 objetivos. Desse modo, avalia-se que estes elementos – a criação tardia da SEPPIR e a inovação na agenda governamental – tenham comprometido uma inserção mais consistente da temática racial no planejamento governamental.

Há que se ressaltar, entretanto, o avanço que representou a introdução dessa temática no PPA, em que pese a visão fragmentada do tema e a percepção pouco estratégica presente nos instrumentos de planejamento ao tratar desta questão. Nessa seção inicialmente será discutida a presença do tema raça na mensagem presidencial que acompanhou o PPA, nos programas a cargo da SEPPIR e na avaliação do PPA empreendida pelos órgãos setoriais com orientação do Ministério do Planejamento.

4.1 A estratégia no discurso governamental: análise da mensagem presidencial no PPA 2004-2007

O texto da mensagem presidencial que acompanha a proposta do PPA (Brasil, 2003b) sintetiza a estratégia de governo consolidada no plano quadrienal. Os desafios postos na mensagem presidencial relativa ao período 2004-2007 destacavam a necessidade de eliminar a fome e a miséria e gerar riqueza com justiça social. A tônica da estratégia de longo prazo do PPA 2004-2007 consistia em inclusão social e desconcentração de renda, com crescimento do produto e do emprego, por meio da dinamização do mercado de consumo de massa.

Ainda que importante sob o ponto de vista de redução das desigualdades e da inclusão social, a estratégia central do PPA não trata, em longo prazo, da promoção da igualdade racial no projeto de desenvolvimento proposto para o país. No referido círculo virtuoso do crescimento, a população negra, majoritária nos estratos para os quais as políticas sociais seriam dirigidas, tende a ficar à margem dos processos de trabalho dos setores modernos de produção, por ser menos qualificada. Sem medidas que confrontem o círculo vicioso da hierarquia racial, esta população tende a permanecer em papel secundário no projeto de desenvolvimento.

As políticas, os programas e as ações que dariam forma a essa estratégia distribuíam-se em cinco dimensões: social, econômica, regional, ambiental e democrática. Estas se arti-culam em torno de megaobjetivos, que se desdobram em desafios a serem enfrentados por meio de programas compostos por ações.28 As diretrizes deste modelo estariam baseadas no

26. Criada pela Lei no 10.678, de 23 de maio de 2003. 27. A apresentação de cada PPA no Congresso Nacional é acompanhada por uma mensagem presidencial que geralmente expõe a estratégia do governo e os principais desafios a que se propõe.28. O plano foi composto de três megaobjetivos, 374 programas e cerca de 4.300 ações.

16 Relatório de Pesquisa

planejamento participativo, no fortalecimento do conceito de revisão periódica do plano e na visão de programa como unidade de planejamento, orçamento e gestão.

No detalhamento do modelo de planejamento, é apresentado o papel de temas considerados transversais. A questão racial, todavia, não é abordada nesta categoria, mesmo tratando-se de um dos desafios elencados para o governo.29

O documento correlacionava diretamente o desafio de promover a redução das desi-gualdades raciais a apenas um dos programas orçamentários, o único a cargo da SEPPIR, à época – Gestão da Política de Promoção da Igualdade Racial. Ainda no que tange ao megaobjetivo I (box 1), a população negra também é citada na discussão sobre saúde no desafio 3; no desafio 4, que trata de educação; e no desafio 9, que prevê a redução das de-sigualdades de gênero.

BOX 1megaobjetivos PPA 2004-2007

Megaobjetivo I – Dimensão Social (Inclusão social e redução das desigualdades sociais)

1) Combater a fome, visando a sua erradicação, e promover a segurança alimentar e nutricional, garantindo a inserção social e a cidadania.

2) Ampliar a transferência de renda para as famílias em situação de pobreza e aprimorar os seus mecanismos.3) Promover o acesso universal, com qualidade e equidade à seguridade social (saúde, previdência e assistência).4) Ampliar o nível e a qualidade da escolarização da população, promovendo o acesso universal à educação.5) Promover o aumento da oferta e a redução dos preços de bens e serviços de consumo popular.6) Implementar o processo de reforma urbana, melhorar as condições de habitabilidade, acessibilidade e

de mobilidade urbana, com ênfase na qualidade de vida e no meio ambiente.7) Reduzir a vulnerabilidade de crianças e adolescentes em relação a todas as formas de violência, apri-

morando os mecanismos de efetivação dos seus direitos.8) Promover a redução das desigualdades raciais.9) Promover a redução das desigualdades de gênero.10) Ampliar o acesso à informação e ao conhecimento por meio das novas tecnologias, promovendo a

inclusão digital.

Megaobjetivo II – Dimensões Econômica, Regional e Ambiental (Crescimento com geração de rmprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regionais)

11) Alcançar o equilíbrio macroeconômico com a recuperação e sustentação do crescimento e distribuição da renda, geração de trabalho e emprego.

12) Ampliar as fontes de financiamento internas e democratizar o acesso ao crédito para o investimento, a produção e o consumo.

13) Ampliar a oferta de postos de trabalho, promover a formação profissional e regular o mercado de trabalho, com ênfase na redução da informalidade.

14) Implantar um efetivo processo de reforma agrária, recuperar os assentamentos existentes, fortalecer e consolidar a agricultura familiar e promover o desenvolvimento sustentável do meio rural.

15) Coordenar e promover o investimento produtivo e a elevação da produtividade, com ênfase na redução da vulnerabilidade externa.

16) Ampliar, desconcentrar regionalmente e fortalecer as bases científicas e tecnológicas de sustentação do desenvolvimento, democratizando o seu acesso.

17) Impulsionar os investimentos em infraestrutura de forma coordenada e sustentável.

29. “Os temas transversais, como os de ciência e tecnologia, meio ambiente, emprego e gênero, mereceram um tratamento diferenciado na etapa de formulação do PPA 2004-2007 e terão destaque na implementação. Consideram-se temas transversais as questões que devem ser vistas obrigatoriamente como diretrizes orientadoras na elaboração das políticas públicas para o alcance dos objetivos de governo. Por essência, revelam noções de justiça e cidadania e merecem ser encaradas pela ótica da heterogeneidade dos grupos sociais e das diferenças regionais e culturais” (Brasil, 2003b, p. 36).

(Continua)

17Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

Megaobjetivo II – Dimensões Econômica, Regional e Ambiental (Crescimento com geração de rmprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regionais)

18) Reduzir as desigualdades regionais e intrarregionais com integração das múltiplas escalas espaciais (nacional, macrorregional, sub-regional e local), estimulando a participação da sociedade no desenvol-vimento local.

19) Melhorar a gestão e a qualidade ambiental e promover a conservação e uso sustentável dos recursos naturais, com ênfase na promoção da educação ambiental.

20) Ampliar a participação do país no mercado internacional, preservando os interesses nacionais.21) Incentivar e fortalecer as micros, pequenas e médias empresas, com o desenvolvimento da capacidade

empreendedora.

Megaobjetivo III – Dimensão Democrática

22) Fortalecer a cidadania com a garantia dos direitos humanos, respeitando a diversidade das relações humanas.

23) Garantir a integridade dos povos indígenas, respeitando sua identidade cultural e organização econômica.24) Valorizar a diversidade das expressões culturais nacionais e regionais.25) Garantir a segurança pública com a implementação de políticas públicas descentralizadas e Integradas.26) Preservar a integridade e a soberania nacionais.27) Promover os interesses nacionais e intensificar o compromisso do Brasil com uma cultura de paz, so-

lidariedade e de direitos humanos no cenário internacional.28) Implementar uma nova gestão pública: ética, transparente, participativa, descentralizada, com controle

social e orientada para o cidadão.29) Combater a corrupção.30) Democratizar os meios de comunicação social, valorizando os meios alternativos e a pluralidade de

expressão.

Fonte: Brasil (2003a). Elaboração dos autores.

Já no megaobjetivo II, a questão racial aparece apenas na referência a dados estatísticos sobre a população negra (desafio 13). No megaobjetivo III, menciona-se o tema racial em uma concepção de ideal democrático, sem desdobramentos operacionais.30

Apesar da significativa presença no discurso, além do programa da SEPPIR, não são definidas outras iniciativas para redução das desigualdades raciais, atreladas aos demais desafios do plano. O tema surge vinculado aos desafios sociais, mas não é sequer citado como transversal. A questão racial, quando mencionada em outros desafios, aparece dissociada de ação específica a cargo das demais pastas do governo. O problema da desigualdade racial, de forma geral, aparece mais como constatação do que como motivação para a ação. Na apresentação do plano do governo, é sintomático que o desafio de promoção da igualdade racial, esteja, na visão dos planejadores, praticamente circunscrito à SEPPIR, ao invés de ser apresentado, mais consistentemente, como uma estratégia para todos os órgãos. Também é importante ressaltar que a redução da desigualdade racial não estava nem ao menos mencionada nas 63 metas prioritárias, elencadas em 16 categorias.31

Evidentemente, não se pode negar que a inclusão do tema no texto da mensagem presidencial seja um progresso. Todavia, conforme apontado, uma análise da mensagem que encaminhou o PPA 2004-2007 (Brasil, 2003b) sugere fragilidades do plano para tratar da desigualdade racial, tanto no que se refere à sua abordagem nas dimensões estratégicas do

30. A estratégia prevê o desenvolvimento de relações plurais e democráticas, baseadas na equidade, sem preconceitos de raça e etnia e com oportunidades iguais em todos os aspectos da vida social. Serão fortalecidas e ampliadas as conquistas alcançadas pelas mulheres e será combatida, tenazmente, a discriminação racial, que não apenas causa danos materiais, simbólicos e culturais para toda a população, mas agride a essência da própria democracia. (Brasil, 2003a, p. 155)31. Saneamento, saúde, educação, habitação, entre outras.

(Continuação)

18 Relatório de Pesquisa

plano – estratégia de desenvolvimento de longo prazo, megaobjetivos, desafios –, como na dimensão tático-operacional – programas-ações.

Alguns fatores poderiam, como aventado, ter colaborado com esse quadro. Além do caráter inovador da matéria nas políticas públicas e a criação recente e pouco estruturada da SEPPIR, a falta de um compromisso consistente do governo, a resistência da burocracia em tratar do tema, além de frágil papel indutor do órgão central de planejamento poderiam ser destacados. Ademais, de forma geral, a estrutura formal do PPA – linguagem e organização programática – é avaliada como inapropriada – ou pouco explorada – para capturar os efe-tivos desafios do tema, limitando o seu papel como instrumento de planejamento indutor das políticas públicas.

Nesse sentido, é recorrente a avaliação de que a metodologia de formulação do PPA, orientada por uma linguagem32 bem particular e restrita a poucos atores, ao passo que distancia um debate mais partipacionista e um controle social mais ativo, aproxima sua construção de um registro “cartorial” de atributos das políticas públicas sob formato prees-tabelecido, em vez de capturar seus principais desafios e apontar as ações e os mecanismos de gestão necessários para sua superação. Sintomas típicos deste processo são o paralelismo entre planos e agendas dos órgãos setoriais e programas e ações registrados PPA, a redução da funcionalidade de seus instrumentos de gestão – avaliação, monitoramento –, a perda de sua capacidade de indução – paradigma das políticas, prioridades, orçamento, território – e, consequentemente, a própria fragilização do órgão central de planejamento.

Detendo-se ao desafio 8 do PPA 2004-2007 (reduzir desigualdades raciais), percebe-se que, no texto da mensagem, esta seção apresenta uma caracterização abrangente das desi-gualdades raciais. Entretanto, o último parágrafo, que dá conta das estratégias, é impreciso e, diferentemente do propósito do texto, avança em detalhamento sobre ações em vez de apontar diretrizes – por exemplo, trata pontualmente da concessão de bolsas e não da redução das desigualdades na educação.

4.2 Programa orçamentário – SEPPir

O único programa da SEPPIR em 2004, que tinha como objetivo original “coordenar o planejamento e a formulação de políticas setoriais e a avaliação e controle dos programas na área de promoção da igualdade racial” (Brasil, 2003a, anexo I, p. 325), agregava as ações a seguir.

QUADRO 2Programa Gestão da Política de Promoção da igualdade racial (2004)1

Ações orçamentárias Finalidade

Concessão de bolsas de estudo no combate à dis-criminação

Contribuir para o processo de reparação de desigualdades históricas do ponto de vista da justiça de gênero e da justiça social.

Apoio a iniciativas para a promoção da igualdade racial

Criar mecanismos de relação com municípios e estados que desenvolvam polí-ticas de promoção da igualdade racial, visando a sua potencialização nos vários âmbitos da administração pública.

32. A análise do modelo de planejamento restringe-se ao período em análise.

(Continua)

19Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

Ações orçamentárias Finalidade

Apoio à capacitação de afrodescendentes em gestão pública2

Qualificar homens e mulheres afrodescendentes com o objetivo de atuar no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal, visando especialmente implementar políticas de promoção da igualdade racial.

Atendimento às comuni-dades quilombolas

Contribuir para que as comunidades remanescentes de quilombos usufruam, de modo mais equânime, do acesso às oportunidades na sociedade brasileira. Contribuir para o fortalecimento das comunidades quilombolas, como grupos remanescentes de mão de obra negra africana trazida como escrava, as quais, historicamente, têm sido alijadas do processo de desenvolvimento da sociedade brasileira.

Formulação de políticas de ações afirmativas

Planejar e coordenar a execução e avaliação do Programa Nacional de Ações Afirmativas em geral e no governo federal.

Fomento ao desenvolvi-mento local para comu-nidades remanescentes de quilombos

Fomentar o desenvolvimento de comunidades remanescentes de quilombos de modo a desenvolverem atividades produtivas que lhes garantam sustentabilidade econômica e consequente inclusão social.

Elaboração dos autores.Notas: 1 Além dessas ações, faziam parte do programa: Gestão e administração do programa; Assistência pré-escolar aos dependentes dos servidores

e empregados; Auxílio-transporte aos servidores e empregados; Capacitação de servidores públicos federais em processo de qualificação e requalificação; Auxílio-alimentação aos servidores e empregados; Assistência médica e odontológica aos servidores, empregados e seus dependentes; Publicidade de utilidade.

2 A partir de 2005, esta ação passou a denominar-se fomento à qualificação de afrodescendentes em gestão pública.

Se o propósito de reduzir as desigualdades raciais, enunciado na apresentação do PPA, não encontra materialidade nas demais orientações setoriais no plano, verifica-se que, mesmo na área de coordenação da política, a cargo da SEPPIR, há relativa assimetria entre o objetivo proposto e as ações apresentadas. Este descompasso pode ser atribuído tanto a uma inadequação do instrumento orçamentário para abarcar os desafios do campo, como também pela visão pouco estratégica de como operacionalizar uma diretriz deste tipo, aliada a uma destinação orçamentária restrita.33 Uma análise da alteração das ações orçamentárias coordenadas pela SEPPIR vai demonstrar que este entendimento evolui ao longo do período.

Composto de 13 ações, sendo seis finalísticas, o programa passou por algumas alterações durante sua vigência. A primeira mudança importante foi a transferência, em 2005, das ações voltadas para as comunidades quilombolas para um programa específico – o Brasil Quilombola. Ações orçamentárias mais pontuais foram descartadas – como a Concessão de bolsas de estudo no combate à discriminação –,34 e outras, de cunho mais amplo e estratégico, foram inseridas na programação. É o caso das ações Apoio a conselhos e organismos governamentais de promoção da igualdade racial e Capacitação de agentes públicos em temas transversais, que procuraram dotar a política de institucionalidade, quer pelo suporte à difusão de instâncias governamentais voltadas à temática, quer pelo aspecto normativo, por meio da formação de profissionais que interagem com as políticas. Em face do peso do racismo institucional, verifica-se a inclusão de uma ação para inserir a temática racial – e também gênero e direitos humanos – nos cursos de capacitação de agentes públicos.

Uma mudança de visão também pode ser percebida na ação Apoio à capacitação de afrodescendentes em gestão pública que foi alterada para Fomento à qualificação de afrodescen-dentes em gestão pública. Em 2005, o público-alvo deixa de ser “ativistas anti-racismo” para ser “afrodescendentes, especialmente ativistas anti-racismo”; no final do período, a finali-dade também passa a ser “qualificar homens e mulheres, principalmente afrodescendentes”,

33. R$ 18,9 milhões previstos para o ano de 2004, em valores nominais. 34. Foi eliminada a ação orçamentária, mas a concessão de bolsas continua a ser desenvolvida, em um programa mais amplo.

(Continuação)

20 Relatório de Pesquisa

abrindo o diálogo e as ações para um espectro mais amplo de beneficiários, o que corrobora com a compreensão de que a desigualdade racial deve ser uma questão para todos e não apenas para a população negra.

À guisa de conclusão, cabe ressaltar que o PPA 2004-2007, somado à criação da SEPPIR, apresentou inovações significativas, ainda que insuficientes, mesmo em termos retóricos, à questão racial no governo federal. Além de destacar, de forma inédita, a promoção da igualdade racial entre os trinta desafios postos pelo novo governo, nesse período, passou-se a contar com um órgão dedicado a coordenar esse processo.

4.3 Avaliação do PPA O mandato da SEPPIR diz respeito à coordenação intersetorial da política de promoção da igualdade racial, o que em tese implica mais ações de articulação e negociação com as áreas que atividades realmente finalísticas. Por esta razão, a avaliação da programação orçamen-tária, em geral, não capta ganhos baseados na articulação e na inclusão do recorte racial em programas de diferentes pastas. Por sua vez, mesmo para iniciativas quantificáveis, os relatórios de avaliação não são elaborados de forma articulada com as ações e indicadores apresentados no PPA, o que dificulta a correspondência até mesmo daqueles resultados que têm rebatimento orçamentário direto.

O box 2 destaca fragmentos dos relatórios de avaliação que, a título de exemplo, ilus-tram resultados não orçamentários e/ou não diretamente vinculados às ações orçamentárias.

BOX 2resultados da avaliação do PPA 2004-2007

2004Inclusão dos afro-brasileiros, proporcionalmente à população das respectivas Unidades da Federação (UF), como público-alvo do Prouni.Criação do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPPIR), em maio.

2005Realização da I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (I Conapir).Lançamento do Programa de Atenção Integral à Pessoa com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias e o acréscimo de 50% nos recursos do Programa de Saúde da Família (PSF) para municípios com comunidades quilombolas em suas circunscrições.Criação do Grupo Especial da Organização dos Estados Americanos para a Elaboração do Projeto de Con-venção Interamericana de Combate à Discriminação, liderado pelo Brasil em reconhecimento ao esforço do Estado brasileiro em pautar o tema naquela organização. Inserção da atenção à saúde da população negra no Plano Nacional de Saúde.Lançamento do Programa Nacional de Combate ao Racismo Institucional no Sistema Único de Saúde (SUS).Censo Escolar Mostre sua Raça, Declare sua Cor, realizado pela primeira vez com recorte racial, em parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em março.

2006Fomento aos Planos Estaduais de Promoção da Igualdade Racial (PEPIRs) e sua elaboração por diversos governos estaduais.

2007Parceria com as instituições de ensino superior, por intermédio de 69 Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs) com o objetivo de apoiar iniciativas de formação de educadores da rede pública e privada para a aplicação da história e cultura afro-brasileira em sala de aula, bem como monitorar e avaliar o sistema de cotas nas instituições públicas de ensino superior.

Fonte: Brasil (2008).

21Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

De todo modo, vale destacar que, para além da assimetria referida entre as ações e da divulgação dos resultados alcançados, a ausência de clareza em relação às estratégias para alcançar os desafios parece prejudicar o processo de dotação orçamentária das ações ao impossibilitar um dimensionamento mais preciso de “onde se que chegar”, o que induz a um processo de alocação sem embasamento ou mesmo inercial.

Pode-se observar também, nos relatórios de avaliação, ênfase em resultados pouco expressivos e desarticulados – por exemplo, não se fala em articular uma rede de universidades, mas apoiar um determinado projeto de uma determinada universidade.

Destacam-se, nas avaliações da SEPPIR, as referências às restrições enfrentadas no cumprimento de seu mandato, em especial a baixa institucionalização da política, sem metas ou indicadores ou mecanismos consolidados; e a falta de conhecimento da questão racial pelos demais órgãos, além das reiteradas críticas à insuficiência de recursos material e falta ou inadequação de pessoal.

Além do relatório de avaliação de programas, é publicado um documento que se dedica à reflexão sobre a dimensão estratégica do PPA. A cargo do órgão central de planejamento, este documento destina-se a avaliar como foram alcançados os desafios de governo e metas prioritárias. Na avaliação da dimensão estratégica realizada ao final do plano (ano-base 2007), ao tratar da consecução do desafio de reduzir as desigualdades raciais, reconhecem-se, em diversas dimensões, indicadores que ilustram essa situação e apresentam-se as principais ações realizadas pelo governo para enfrentar o problema em cada área.

QUADRO 3Avaliação da dimensão estratégica – Desafio 8: reduzir as desigualdades raciais (ano-base 2007)

Problemas identificados Ações desenvolvidas entre 2004-2007

Desigualdades raciais na edu-cação – analfabetismo e baixa escolaridade

Programa Educação para Diversidade e Cidadania e Programa Universi-dade para Todos. Projeto de Lei no 3.627/2004, de implantação do Sistema de Reserva de Vagas.Incorporação do quesito raça/cor, conforme as categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao censo escolar.

Desigualdades raciais no mercado de trabalho (ênfase em rendi-mentos) e consequente reflexo na cobertura previdenciária

Programa de Qualificação Social e Profissional – aproximadamente 60% dos beneficiários dos cursos de qualificação foram negros e indígenasProjeto Trabalho Doméstico Cidadão (TDC).Iniciativa Brasil, Gênero e Raça instituída pelo MTE para identificação e combate às práticas discriminatórias nas relações de trabalho a partir da atuação das superintendências regionais do trabalho.1

Pobreza mais acentuada da população negra

Maior cobertura da população negra nos programas sociais.

Menores níveis de acesso à habita-ção e ao saneamento adequados e maior probabilidade de residir em favelas e outros assentamentosprecários

Programa Brasil Quilombola, que tem por objetivo o desenvolvimento sustentável das 3.524 comunidades remanescentes de quilombos iden-tificadas no território nacional.

Fonte: Brasil (2008). Elaboração dos autores. Nota: 1 Análises publicadas no periódico Políticas sociais: acompanhamento e análise dão conta de que os núcleos de combate à discriminação

implementados pelo MTE se voltaram mais para a causa das pessoas com deficiência que da população negra.

No documento, verifica-se referência a atendimento majoritário de negros em serviços públicos e programas sociais que são acessados em larga escala pela população mais pobre

22 Relatório de Pesquisa

– transferência de renda e cursos de qualificação profissional. De fato, o relatório acaba reproduzindo a comum inclinação de considerar o acesso às políticas, per si, como promotor de igualdade racial. E, embora identificado o problema, não há referência a ação concreta para a melhoria da habitação e saneamento da população negra, a não ser em áreas restritas como os quilombos.

Ainda no âmbito deste PPA, em 20 de novembro de 2007, foi lançada a Agenda Social Quilombola, que amplia o escopo, para além do programa orçamentário já destinado a esta população, de ações para acesso a direitos e infraestrutura no âmbito de diferentes órgãos governamentais. Gradativamente, as prioridades explícitas no PPA para a promoção da igualdade racial vão se dirigindo, ou melhor, se restringindo para a questão quilombola, o que vai se intensificar no próximo quadriênio.

5 A PromoÇÃo DA iGuALDADE rACiAL No PPA 2008-2011“o novo período de governo reafirma o compromisso por um Brasil no qual [...] o combate ao preconceito e à discriminação não encontre trégua” (Brasil, 2007b, p. 11)

O PPA 2008-2011 pode, de fato, ser considerado um plano de continuidade. O documento, que tem como título Desenvolvimento com inclusão social e educação de qualidade, traz como desafio principal “acelerar o crescimento econômico, promover a inclusão social e reduzir as desigualdades regionais” (Brasil, 2007b). Além de reafirmar a estratégia de consumo de massa, nessa edição, o documento incorpora a dimensão territorial, justificada, entre outros motivos, pelo objetivo de valorizar a diversidade cultural e étnica da população.

A seguir, como realizado na seção anterior, serão analisados a mensagem presidencial, os programas orçamentários a cargo da SEPPIR e os documentos incumbidos de proceder a avaliação do PPA do período.

5.1 A estratégia no discurso governamental: análise da mensagem presidencial no PPA 2008-2011

Na mensagem presidencial (Brasil, 2007b), são apresentados três eixos prioritários de ações – políticas prioritárias na estratégia de desenvolvimento do PPA35 –, que fazem parte da estratégia de desenvolvimento: o crescimento econômico, por meio do PAC; a educação de qualidade, por meio do PDE; e a Agenda Social.

Entre estes, a Agenda Social é o eixo que incorpora ações mais próximas ao objetivo da promoção da igualdade racial. Envolve políticas nas áreas de juventude, transferência de renda, segurança pública, além de outras que visam constituir-se em “iniciativas integradas para públicos historicamente expostos a situações de vulnerabilidade: criança e adolescente, pessoas com deficiência, quilombolas, mulheres e índios” (Brasil, 2007b, p. 14). Nesta agenda, não há menção à discussão sobre desigualdades raciais, concentrando-se apenas na questão quilombola.

As políticas públicas para quilombolas serão priorizadas no âmbito da Agenda Social com o objetivo de articular as ações existentes por meio do Programa Brasil Quilombola, com o intuito de melhorar as condições de vida das comunidades quilombolas. As ações previstas abrangem iniciativas voltadas para a ampliação do acesso à terra; o registro civil e a documentação básica; o desenvolvimento e a assistência social; o fortalecimento institucional e controle social; o acesso à saúde, à educação e à cultura; a melhoria da infraestrutura habitacional, de transporte e energia. (Brasil, 2007b, p. 15)

35. Conforme Relatório de avaliação da dimensão estratégia (ano-base 2008).

23Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

Como no interstício anterior, a questão racial também não encontra eco entre as dezenove áreas em que estão organizadas as metas prioritárias para o período 2008-2011. Nesse sentido, destaca-se que, para os povos indígenas, apresentam-se metas diferenciadas relacionadas a saneamento – aldeias indígenas com cobertura de abastecimento de água; aldeias indígenas com solução adequada de dejetos. Embora igualmente façam parte da Agenda Social e enfrentem os problemas semelhantes de saneamento e infraestrutura, as comunidades quilombolas não receberam o mesmo destaque no planejamento governamental.

No entanto, como no PPA anterior, a diretriz de promoção da igualdade racial é traçada entre os objetivos de governo. Nesse novo documento, houve redução do número de objetivos – denominados desafios no PPA anterior –, que passa de trinta para dez.

BOX 3objetivos de governo no PPA 2008-2011

1) Promover a inclusão social e a redução das desigualdades.2) Promover o crescimento econômico ambientalmente sustentável, com geração de empregos e distri-

buição de renda.3) Propiciar o acesso da população brasileira à educação e ao conhecimento com equidade, qualidade e

valorização da diversidade.4) Fortalecer a democracia, com igualdade de gênero, raça e etnia e a cidadania com transparência, diálogo

social e garantia dos direitos humanos.5) Implantar uma infraestrutura eficiente e integradora do território nacional .6) Reduzir as desigualdades regionais a partir das potencialidades locais do território nacional.7) Fortalecer a inserção soberana internacional e a integração sul-americana.8) Elevar a competitividade sistêmica da economia, com inovação tecnológica.9) Promover um ambiente social pacífico e garantir a integridade dos cidadãos.10) Promover o acesso com qualidade à seguridade social, sob a perspectiva da universalidade e da equi-

dade, assegurando-se o seu caráter democrático e a descentralização.

Fonte: Brasil (2007b).

No objetivo 3 – Propiciar o acesso da população brasileira à educação e ao conheci-mento com equidade, qualidade e valorização da diversidade –, trata-se das desigualdades raciais, mas, mais uma vez, não se apresentam ações ou metas diferenciadas para enfrentar o problema.

O tema passa a ser tratado efetivamente no objetivo 4 – Fortalecer a democracia, com igualdade de gênero, raça e etnia e a cidadania com transparência, diálogo social e garantia dos direitos humanos. Nessa seção, o texto da mensagem procura apresentar os principais problemas e, logo em seguida, apontar ações em curso no governo para enfrentar esses desafios nas respectivas áreas. Destaca as desigualdades na área da educação e apresentam-se os programas Educação para a Diversidade e Cidadania e Prouni.

Entretanto, após serem apontadas desigualdades raciais no mercado de trabalho, sane-amento e habitação, o texto oferece, novamente, como iniciativa de enfrentamento a todo esse complexo quadro, o programa Brasil Quilombola.

Essa referência tão desproporcional e reiterada é sintomática. São identificados problemas relevantes que afetam a população negra, mas não é apresentada nenhuma ação governamental, nem mecanismos específicos de acompanhamento, para superação das desigualdades raciais nas áreas de trabalho, habitação e saneamento, para apenas se ater ao declarado no texto.

Nesse caso, resume-se toda a questão racial ao programa de atenção às comunidades quilombolas. É inegável o importante papel das políticas voltadas para os remanescentes de

24 Relatório de Pesquisa

quilombos, tanto em termos de reconhecimento histórico e cultural, como no que tange à garantia de acesso a direitos. Todavia, é indiscutível que a desigualdade racial apresenta-se sob dimensão muito mais ampla e que precisa ser enfrentada de forma sistêmica. O foco limitado a este tema na estratégia de governo acaba reservando para a questão racial um lugar restrito no âmbito das políticas públicas, justificando, em certa medida, a inação em áreas estruturantes e mais conflituosas – e que terão, sem dúvida, como consequência, também benefícios para as comunidades quilombolas.

E mais: uma análise da programação permite verificar que, nem no foco restrito que foi concedido à questão racial no PPA desse período – cada vez mais circunscrito à questão quilombola –, há execução significativa das metas. Pode-se usar como exemplo a reduzida titulação de terras quilombolas nos últimos anos.36

5.2 Programas orçamentários – SEPPir

Não houve mudança significativa nos programas e nas ações a cargo da SEPPIR. Com efeito, o conjunto da programação orçamentária não sofreu muitas alterações de forma geral, coerente com tendência de continuidade entre os dois mandatos do presidente Lula.

O programa Gestão da Política de Promoção da Igualdade Racial foi substituído pelo programa Promoção de Políticas Afirmativas para a Igualdade Racial. Embora incorpore muitas ações do antecessor, a diferença consiste no fato de que o primeiro programa estava caracterizado como “gestão de políticas públicas” e o seguinte passa para a categoria de programa finalístico. No PPA 2004-2007, o primeiro programa agregava ações administrativas e finalísticas; no seguinte, o orçamento é mais bem organizado, com programas distintos para cada finalidade. As ações administrativas migraram para o programa Apoio Administrativo.

Outras mudanças pontuais podem ser destacadas.

• A ação Fomento à qualificação de afrodescendentes em gestão pública muda (em 2007) para Qualificação de afrodescendentes em cidadania, gestão pública e para o trabalho, incluindo novas temáticas em seu enunciado.

• A ação não orçamentária Inserção da perspectiva de raça nas políticas públicas deixa de existir e é criada a ação igualmente não orçamentária III Conferência Mundial sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas.

• Também é incluída a ação Apoio a centros de referência de promoção da igualdade racial, contudo não houve orçamento atribuído e a ação deixa de existir em 2009.

No programa Brasil Quilombola, comparando o último ano do PPA anterior (2007) e o primeiro ano do novo PPA (2008), é possível identificar algumas alterações.

• As ações37 a cargo do Ministério da Educação (MEC) foram agrupadas em uma única ação: Apoio ao desenvolvimento da educação nas comunidades remanescentes de quilombos.

• Foram criadas duas novas ações: Apoio à elaboração de diagnósticos setoriais sobre as comunidades remanescentes de quilombos e Apoio a Centros de Referência Quilombola em comunidades remanescentes de quilombos.

36. Enquanto o levantamento do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal aponta a existência de mais de 4 mil comunidades quilombolas (março/2010), menos da metade se encontra certificada pela Fundação Palmares e apenas 184 contam com seus territórios titulados.37. Apoio à distribuição de material didático para o ensino fundamental em escolas situadas nas comunidades remanescentes de quilombos; Apoio à ampliação e melhoria da rede física escolar nas comunidades remanescentes de quilombos; Apoio à formação de professores da educação básica para atuação nas comunidades remanescentes de quilombos.

25Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

• Duas ações não orçamentárias são incorporadas: Apoio sustentável a atividades produtivas de comunidades quilombolas (órgão: Banco do Brasil) e Articulação institucional para a melhoria da infraestrutura de acesso às comunidades remanescentes de quilombos (órgão: SEPPIR).

5.3 Avaliação do PPA

Conquanto apresentem informações relevantes sobre a implementação da política de promoção da igualdade racial, os relatórios de avaliação desse período reproduzem as lacunas identificadas no interstício anterior, em parte associadas ao formato do instrumento de avaliação. Mais uma vez, a avaliação sobre o alcance dos objetivos relativos à igualdade racial permanece restrita a apenas um dos dez desafios de governo e, nessa dimensão, são apenas apresentadas séries históricas, desagregadas por cor e sexo, sobre renda per capita ou taxa de desemprego. No entanto, não são tecidos quaisquer comentários sobre os referidos dados ou sobre iniciativas que eventualmente tenham se dirigido à alteração desse quadro.

Adicionalmente, embora sejam identificadas desigualdades raciais em diversos campos da vida social, são poucas e imprecisas, quando não ausentes, as referências a iniciativas voltadas a reduzi-las. Por exemplo, não obstante o texto da mensagem presidencial faça referência à desigualdade racial no campo da educação,38 as informações apresentadas sobre o tema, nos relatórios de avaliação da dimensão estratégica, não abordam esse problema.

Nesse período, com o advento da Agenda Social, o tema é tratado nesse espaço, para além daquele reservado à questão racial. Todavia, o tema na Agenda Social restringe-se ao eixo quilombola e a menção – sem detalhamentos – da população negra como público vulnerável no âmbito do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).

6 TEmA rACiAL NoS ProGrAmAS GoVErNAmENTAiS

Como já discutido, há uma significativa dificuldade em identificar, pela estrutura dos instrumentos de planejamento e orçamento analisados, valores e esforços dedicados à redução das desigualdades raciais. Um recurso recorrente, utilizado por pesquisadores e órgãos de governo, é a coleta de informações junto aos principais agentes das diversas políticas gover-namentais, indagando-os sobre eventuais recortes raciais no desenvolvimento das iniciativas sob sua coordenação.

Conquanto esse seja um método que permite aprofundar a análise sobre como o tema racial está contemplado nos diversos programas, tem como limitações demandar tempo e recursos elevados, além de se desenvolver com base em reduzido número de interlocutores em cada órgão. Ademais, uma análise dessa natureza é pontual e funciona como uma fotografia das atividades. O desejável é que o órgão coordenador da política estabeleça mecanismos de acompanhamento contínuo, os quais, além de viabilizar acesso a esse tipo de informação – que deve ser o mais amplamente divulgada –, seja capaz de concertar estratégias de intervenção propositiva no desenvolvimento da política.

Como parte do modelo de gestão do PPA no período analisado, cada programa contava com um gerente, que tinha, como uma de suas atribuições, a execução da autoavaliação anual de suas atividades. A avaliação deveria ser feita preferencialmente de forma participativa,

38. “Do mesmo modo, um olhar sobre as desigualdades educacionais entre as diversas regiões, o campo e a cidade, os diferentes segmentos de renda, bem como entre brancos e negros torna-se imprescindível para identificar os segmentos da população em desvantagem no acesso à educação de qualidade.” (Brasil, 2007b, p. 74)

26 Relatório de Pesquisa

envolvendo não somente a equipe gerencial, mas também, quando possível, parceiros e beneficiários dos programas (Brasil, 2006), com supervisão do secretário executivo da pasta. A autoavaliação seguia um roteiro específico e era realizada por meio do Sistema de Infor-mações Gerenciais e de Planejamento do Plano Plurianual (SIGPLAN).

Nos roteiros de avaliação relativos aos anos de 2006 a 2008, foi introduzida uma questão sobre a transversalidade dos programas, como exibe a figura 2. Assim, nesse período, registrou-se a avaliação dos gerentes de cada programa em relação à questão racial e outros temas considerados transversais.

FIGURA 2Tela do SiGPLAN – roteiro de avaliação de programas do PPA (Ano-base 2008)

Fonte: SIGPLAN. Disponível em: <www.sigplan.gov.br>.

Por conseguinte, essa foi a fonte escolhida para analisar a inserção da questão racial nos programas dos PPAs. Outro estudo, publicado pelo Ipea em 2009, também utilizou essas informações, tendo como objetivo avaliar a implementação da diretriz da transver-salidade no governo federal. Tomando por base o período 2004-2007, no que se refere ao tema racial – a análise foi realizada para todos os temas citados na figura 2 –, a referida pesquisa identificou que foi esta a temática que apresentou menor adesão e menor taxa de crescimento (Ipea, 2009).39

Já na pesquisa ora empreendida procurou-se, com base nas respostas da autoavaliação, captar a percepção dos gestores sobre a incorporação apenas da temática racial nos programas sob sua responsabilidade. As respostas foram classificadas em três categorias: programas que contemplam o tema racial, programas que fazem referência ao tema racial e programas que não contemplam o tema racial.

A classificação das respostas foi realizada da forma a seguir.

1) Quando a resposta à questão era positiva (os temas raça, gênero, pessoa com deficiência e/ou criança e juventude estão contemplados no âmbito do programa?), procedia-se à

39. A questão sobre transversalidade no roteiro da avaliação do PPA foi utilizada em 2004 e 2005, na avaliação setorial, e de 2006 a 2008, na avaliação dos programas. O estudo do Ipea (2009) utilizou como fonte as duas bases (setorial e por programa). No presente estudo, optou-se por utilizar apenas a avaliação por programa. Além de serem dados mais recentes (2006 a 2008), a avaliação por programa, em tese, é realizada diretamente por servidores mais envolvidos com as atividades – gerente do programa e equipe – e apresenta dados mais detalhados sobre a operação das políticas.

27Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

análise do detalhamento da resposta por tema (identifique no quadro abaixo de que forma estes temas estão sendo abordados: público-alvo, indicadores, ações específica etc.).

2) Verificava-se então se o tema raça estava contemplado no âmbito do programa, uma vez que havia a possibilidade de o gerente responder a primeira questão de forma positiva, mas somente se referir a outros temas diferentes da questão racial.

3) Na presença do tema racial, passava-se a analisar se havia elementos, no texto desenvolvido pelo gerente, que sustentasse a afirmação ou se era feita apenas referência ao tema.

Em várias situações, o respondente parecia impelido a mostrar adesão à temática, sem ter elementos concretos que atestassem isso. Esta tendência é apontada nos achados do citado estudo sobre transversalidade (Ipea, 2009), em que, dada essa tendência, são utilizadas seis categorias para classificar as práticas descritas pelos gerentes: transversal específico, concreto, vago, por adesão, universalista e social.40 Baseado nesse referencial, algumas respostas positivas para o tema racial foram classificadas apenas como referência ao tema.

As respostas classificadas apenas como referências ao tema, por sua vez, foram qualificadas nas subcategorias social, universalista ou vaga, adaptadas de Ipea (2009, p. 789).

1) Referência social: o gerente considera que o programa contempla o tema racial quando “atende aos pobres, ataca a desigualdade, promove a participação social ou alavanca desenvolvimento econômico e social de determinada região” (Ipea, 2009, p. 789).

2) Referência universalista: o programa não possui nenhum foco específico para a questão racial. O gerente discorda de políticas afirmativas ou considera que, ao atender todos, já está promovendo a igualdade racial.

3) Referência vaga: o gerente sente-se impelido a afirmar que seu programa trabalha com o tema raça, “porém não tem qualquer elemento concreto que explicite como o programa faz isto” (op. cit.). O tema racial “aqui é um conceito-curinga, vago, que suscita discurso circular e vazio de sentido ou conteúdo concreto” (op. cit.).

Por fim, as respostas positivas confirmadas pela análise do detalhamento da resposta no SIGPLAN, esboçando alguma prática efetiva com recorte racial, eram avaliadas com base em dois outros critérios: se eram dirigidas apenas a grupos específicos, como quilombolas, ou se apresentam elementos de que seriam operadas de forma transversal.

O processo de classificação das respostas relativas à avaliação dos programas, no caso do ano-base 2006, foi coletivo, executado por meio de reuniões com participação dos autores, de forma a criar consensos sobre os padrões de análise. Para os anos seguintes, a tarefa foi realizada individualmente e depois submetida à revisão por parte de outro autor envolvido. Esta estratégia buscava, enfim, reduzir as subjetividades na análise do discurso dos gerentes de

40. Transversal específico: o gerente alega que o programa objetiva solucionar especificamente questões ligadas a um dos grupos vulneráveis, como trabalho infantil, educação especial etc. Não necessariamente sua atuação faz-se de forma transversal em sentido estrito, isto é, o programa pode ou não promover práticas de gestão lateral e articulação intersetorial. Transversal concreto: o programa concretamente desenvolve ações ou iniciativas que trabalham de forma transversal no trato das minorias. É o tipo idealizado pela diretriz da transversalidade. Transversal vago: o gerente sente-se impelido a afirmar que seu programa trabalha com transversalidade, porém não tem qualquer elemento concreto que explicite como o programa faz isto. A transversalidade aqui é um conceito-curinga, vago, que suscita discurso circular e vazio de sentido ou conteúdo concreto. Transversal por adesão: o gerente alega que o programa faz parte de um ou mais espaço de articulação transversal, como mesas, grupos de trabalho ou planos governamentais. Este tipo revela mais claramente o trabalho realizado pelos gestores da transversalidade, no sentido em que os gerentes dos programas são chamados a atentarem para questões como violência sexual, acessibilidade etc. O que adere pode também ter ações concretas para promoção da transversalidade ou manter discurso vago sobre o tema. Transversal universalista: o programa não possui nenhum foco específico para lidar com grupos vulneráveis. O gerente desconhece ou discorda da perspectiva transversal dos planejadores e dos gestores da transversalidade e considera que esta deve ser obtida por meio de tratamento igualitário – no sentido de exatamente igual – a todos os cidadãos, independentemente de sexo, raça ou idade. É visão antitransversal, no limite. Transversal “social”: o gerente desconhece o que significa transversalidade e considera que o programa atinge esta diretriz quando atende aos pobres, ataca desigualdade, promove participação social ou alavanca desenvolvimento econômico e social de determinada região.

28 Relatório de Pesquisa

programa. Todavia, dificuldades como a pequena extensão do texto da maioria das respostas e a redação fragmentada em alguns textos, impuseram limites para maior objetividade na análise de alguns casos. No entanto, o resultado geral permite uma avaliação consistente da adoção da perspectiva racial nas políticas públicas.

TABELA 1Tema racial nos programas federais (2006-2008)

2006(%)

2007(%)

2008(%)

Programas do Executivo1 334 100 334 100 300 100

Contemplam o tema 43 13 45 13 56 19

Não contemplam o tema 291 87 288 86 237 79

Contemplam apenas grupos específicos 13 4 10 3 18 6

Contemplam de forma transversal 27 8 28 8 33 11

Fazem apenas referência ao tema racial

Referência social 1 0 1 0 2 1

Referência universalista 11 3 13 4 10 3

Referência vaga 20 6 16 5 11 4

Programas da área social2 115 100 117 100 105 100

Contemplam o tema 31 27 32 27 42 40

Não contemplam o tema 84 73 85 73 63 60

Contemplam apenas grupos específicos 9 8 6 5 10 10

Contemplam de forma transversal 20 17 21 18 29 28

Fazem apenas referência ao tema racial

Referência social _ _ _ _ 2 2

Referência universalista 7 6 9 8 5 5

Referência vaga 11 10 7 6 4 4

Fonte: SIGPLAN. Elaboração dos autores. Notas: 1 Consideram-se todos os programas do Executivo que foram avaliados, excetuando-se o programa sob responsabilidade do Ministério Público.

No período considerado, os programas avaliados do Executivo corresponderam, no mínimo, a 98% do total dos programas desse poder.2 Foram considerados programas da área social aqueles a cargo dos seguintes órgãos: Ministério da Previdência Social (MPS), Ministério da

Saúde (MS), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério do Desen-volvimento Agrário (MDA), Ministério da Cultura (MinC), Ministério do Esporte, Ministério da Justiça (MJ), Ministério da Educação, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria de Políticas para as Mulheres, Secretaria dos Direitos Humanos e Secretaria Nacional de Juventude. No anexo III do PPA 2004-2007, foram listados todos os programas considerados como sociais, incorporando além das pastas sociais clássicas, programas específicos em ministérios como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). No entanto, como esse anexo não foi editado no PPA seguinte, optou-se por adotar o critério adotado em Ipea (2009), considerando como sociais todos os programas a cargo das pastas aqui listadas, incluindo-se apenas a Secretaria Nacional de Juventude, criada em 2005.

Ao longo do tempo, é possível identificar um pequeno acréscimo no número de pro-gramas que afirmam contemplar o tema racial. Cabe salientar que, como esse montante está baseado na autoavaliação do gestor, pode não corresponder à atuação efetiva do programa. Ademais, mesmo que um programa seja estruturado de forma a contemplar essa temática, a sua prática, especialmente em políticas muito capilarizadas, pode diferir sobremaneira do discurso central. E vice-versa – ou seja, pode haver práticas sensíveis à questão racial que não são orientadas nem são captadas pelas diretrizes gerais da política (Ipea, 2009). Essas peculiaridades, embora relevantes, não foram objeto de apreciação.

Entre os programas em que o tema raça é contemplado, em 2008 cerca de 30% tratava apenas de grupos específicos41 – em geral, quilombolas –, o que demonstra a importância que esta discussão tem alcançado no âmbito das políticas de igualdade racial.

Analisando-se apenas os programas dos órgãos sociais, a adesão ao tema, como era esperado, é maior e cresce de forma mais acentuada. Também nesse conjunto de programas, constata-se

41. Correspondem a 24% entre os programas sociais.

29Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

redução do número daqueles cujos gerentes fazem apenas uma referência ao tema, o que pode indicar tendência a um maior entendimento da questão e maior adesão a essa diretriz.

Na maioria dos programas que contemplam a temática racial, pode-se considerar que a adesão se dá de forma transversal. Nessa avaliação se está considerando como transversais as iniciativas que introduzem o recorte racial de forma articulada com a atividade principal – em vez de atuar isoladamente, sem potencial de necessariamente interferir na lógica de ação do programa. Nesse sentido, acima de 60% dos programas que abordam a questão racial parecem desenvolver essa dinâmica, mesmo que em estágio inicial – o que é válido tanto para o conjunto de todos os programas analisados como para os programas sociais, em particular.

Foram considerados apenas os programas avaliados do Executivo,42 inclusive aqueles não orçamentários. Entre as respostas afirmativas sobre transversalidade de raça nos programas, há diferentes abordagens, dimensões e densidade dos programas. Tomando-se, por exemplo, a última avaliação disponível sobre essa temática (2008), podem-se identificar gerentes que informam que a temática racial está contemplada no programa nas seguintes situações:

• ao coletar dados desagregados – Sistema Único de Segurança Pública (SUSP); imple-mentação da Política de Promoção da Saúde;

• ao utilizar dados desagregados como indicadores – Promoção da capacidade resolutiva e da humanização na atenção à saúde;

• ao estabelecer como diretriz a priorização da população negra, em geral – Urbanização, regularização fundiária e integração de assentamentos precários; Qualificação social e profissional –, ou quilombola, em particular – Acesso à alimentação; Proteção social básica;

• ao abordar o tema no conteúdo programático – Programa Nacional de inclusão de Jovens (ProJovem); Programa Educação do Campo (Pronera) – ou na capacitação de profissio-nais envolvidos no programa – Promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa; ou ainda

• ao estimular o desenvolvimento de ações afirmativas para a população negra – Cida-dania e efetivação de direitos das mulheres.

De fato, ao se recorrer aos grupos delineados na introdução deste texto, pode-se considerar os exemplos citados como condizentes com a categoria dos programas e ações universais sensíveis ao tema racial.

As outras categoriais identificadas também encontram correspondência na análise da programação, como exemplificado no quadro 4.

QUADRO 4Programas e ações com recorte racial

Programas/ações com recorte racial PPA 2008-2011 (exemplos)

Programas/ações universais sensíveis à promoção da igualdade racial

• Transferência de renda com condicionalidades – Programa Bolsa Família (PBF): público prioritário inclui quilombolas.

• Estatísticas e avaliações educacionais: dados desagregados.

Programas/ações universais com projetos específicos de promoção da igualdade racial

• Programa nacional de Crédito Fundiário (PNCF) – Projeto Terra Negra Brasil.1

• Assistência jurídica integral e gratuita – Projeto Quilombolas.2

42. Exceto o programa sob responsabilidade do Ministério Público.

(Continua)

30 Relatório de Pesquisa

Programas/ações com recorte racial PPA 2008-2011 (exemplos)

Programas/ações específicos de promoção da igualdade racial

• Programa Ensino Profissional Diplomático – ação Concessão de bolsas de estudo a candidatos afrodescendentes à carreira diplomática.

• Programa Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar – ação Assistência técnica e extensão rural para comunidades quilombolas.

Elaboração dos autores.Notas: 1 No PNCF, foram previstos selos específicos, no âmbito de projetos de investimento comunitário, com recursos adicionais voltados para grupos

como população negra rural (Terra Negra Brasil), mulheres (PNCF Mulher) e jovens (Nossa Primeira Terra). Conforme destaca o Manual de Operações do Programa: “será incentivada a inserção de trabalhadores e trabalhadoras rurais negros nas associações. Nesse sentido, uma ação específica será estruturada nos estados participantes, intitulada Terra Negra Brasil, tendo como objetivo a ampliação, qualificação e fortalecimento da participação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais negros na implementação dos projetos produtivos e/ou comunitários.” (Brasil, 2009a, p. 79).

2 Projeto desenvolvido no âmbito de Acordo de Cooperação Técnica entre a Defensoria Pública da União (DPU) e a SEPPIR e que visa “imple-mentar ações voltadas para a prestação de assistência jurídica integral e gratuita às famílias quilombolas” (DPU, 2010, p. 26). Em 2009, foram capacitados 59 defensores públicos (federais e estaduais).

Em que pese a aparente evolução no tratamento da temática, é essencial desenvolver estudos em profundidade, a fim de identificar como, de fato, os programas cujos gerentes afirmaram contemplar a temática racial, estão procedendo e o impacto dessas iniciativas, caso persistam.

Outro ponto fundamental é constatar que em 2008, cinco anos após a criação da SEPPIR e quatro após o início da execução de um PPA que trazia a redução das desigualdades como um dos seus desafios, 80% dos programas do executivo – 60% nas pastas sociais – ainda não haviam incorporado a questão racial nem no nível mais elementar.

7 CoNSiDErAÇÕES FiNAiS

Esta pesquisa foi resultado da atividade de um grupo de estudo formado por profissionais vinculados ao Ipea e ao Ministério do Planejamento e que teve como objetivo inicial ana-lisar a inserção da temática racial no PPA no passado para contribuir com as reflexões para a elaboração dos próximos planos. Desse modo, procurou-se avaliar como o tema racial estava contemplado nos PPAs (2004-2007 e 2008-2011) e qual a capacidade do modelo de planejamento de lidar com os desafios da desigualdade racial.

Para a primeira tarefa, foram analisados os seguintes documentos: mensagem presidencial que acompanha o PPA, os programas do PPA e os relatórios de avaliação. Nessas fontes, buscou-se identificar a inserção da questão racial na estratégia proposta para o período, como as diretrizes eram aplicadas no nível tático e operacional, por meio dos programas, e quais os resultados e a leitura que os gestores fazem deles.

Dada a natureza especial dos temas considerados transversais, a repercussão da diretriz relativa à promoção da igualdade racial nos programas orçamentários foi analisada com base na autoavaliação dos gerentes dos programas.

Dessa pesquisa, pode-se concluir que, no período em questão, a estratégia de desen-volvimento apresentada pelo governo federal considerava a desigualdade racial como uma questão relevante, porém sem centralidade no projeto nacional de desenvolvimento. Essa conclusão se apoia em algumas evidências. O tema racial é ausente na formulação sobre a macroestratégia de desenvolvimento. Na apresentação dos desafios e objetivos de governo, as desigualdades raciais são ressaltadas em vários campos da vida social, mas a ação concreta de enfrentamento restringe-se a não mais que dois programas da SEPPIR, que, evidentemente, mesmo que não contassem com restrições específicas em sua formulação, não conseguiriam, isoladamente, dar conta desse imenso desafio.

(Continuação)

31Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racial: reflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

A fragilidade do tema nos PPAs também é retratada por sua reiterada ausência entre as dezenas de metas prioritárias do governo – 63 metas em 2004-2007 e 57 em 2008-2011. Por fim, o direcionamento do tema racial para a questão quilombola parece refletir falta de disposição para tratar da desigualdade racial de forma estrutural.

Se é evidente o avanço que o tema conquistou, tendo em vista que não estava sequer pautado como objetivo de governo até o PPA 2000-2003, também fica claro que os planos analisados apresentam enunciado generalista e universal, mas não constroem, no instrumento da programação, metas específicas que dessem concretude ao tema.

No que tange ao modelo de gestão dos planos, os relatórios de avaliação podem ser considerados um dos produtos finais dos diversos arranjos institucionais previstos para gestão e monitoramento do PPA, em seus diferentes níveis. Nesse sentido, alguns problemas podem ser destacados: tendência ao insulamento da questão racial no âmbito da SEPPIR; falta de correspondência entre os diagnósticos relativos à população negra e as ações apresentadas para enfrentar a desigualdade racial; não se verificam processos de retroalimentação do planejamento a partir da avaliação; não se verifica reflexão em torno do alinhamento dos resultados dos programas e ações com seus objetivos ou ainda com as orientações estratégicas que norteiam os planos. Não obstante as últimas questões levantadas representarem limites do modelo para quaisquer políticas, no caso de políticas como a igualdade racial, mais recentes e com menor nível de institucionalização, a fragilidade na capacidade de indução e monitoramento são mais relevantes.

É recorrente a análise de que o PPA não tem se apresentado como um instrumento efetivo de planejamento nem com potencial para tal, em seu presente formato. Entretanto, mesmo que propostas de mudanças para esse instrumento e para o processo de planejamento governamental, de uma forma geral, sejam imprescindíveis, não se pode negligenciar seus efeitos atuais de regulação das políticas públicas e que melhorias, ainda que incrementais, podem representar ganhos significativos para algumas áreas e que podem persistir em futuras configurações desse instrumento, inclusive aperfeiçoando-as.

Desse modo, tendo em vista os objetivos de transparência, controle social e capacidade de gestão atribuídos ao planejamento por meio do PPA, faz-se necessário avaliar como eles podem se refletir nas diferentes categorias de programas e ações com recorte racial. Dispor de meios para acompanhamento dessas atividades é condição mínima para que o modelo de planejamento forneça elementos para enfrentamento da desigualdade racial.

Segundo as categorias apresentadas nos quadros 1 e 4, as ações consideradas específicas são identificáveis no PPA, demandando, no entanto, esforço considerável. Pode-se então avaliar a oportunidade de, como já disponível para outros temas, desenvolver filtros espe-cíficos no SIGPLAN, que poderão trazer à análise dos interessados as ações e os programas destinados integralmente à promoção da igualdade racial, explicitando sua dotação, metas físicas e financeiras e outras informações fundamentais para realizar, acompanhar ou se informar sobre política de igualdade racial. Sempre que possível, este tipo de ação, de natureza específica, é desejável, pelo caráter delimitado que encerra, embora possa incorrer em riscos, como o de fragmentar um programa mais amplo.

Para as demais ações com recorte racial – universais sensíveis à promoção da igualdade racial ou universais com projetos específicos de promoção da igualdade racial –, pode-se avaliar a possibilidade de replicar, com outro escopo, o tipo de solução adotada para o roteiro de avaliação dos programas do PPA no SIGPLAN. Campos para detalhamento, por parte do gerente do programa ou ainda do coordenador da ação, podem ser inseridos – com maior

32 Relatório de Pesquisa

amplitude e estruturação –, não somente na fase de avaliação, em que a ação já foi em parte concretizada, mas antes mesmo, desde a elaboração e seu monitoramento, possibilitando um mecanismo gerencial com elevado potencial para acompanhamento de políticas transversais.

Essa alternativa de controle, por meio do próprio SIGPLAN, pode ainda prever, em seu desenvolvimento, algum nível de articulação com o próprio Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que extrapola o PPA, mas ao qual está totalmente vinculado. Assim, é provável que todo aprendizado já conquistado em ferramentas como aquela desenvolvida pela Secretaria de Políticas para as mulheres (SPM) para monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres,43 possa ser aproveitado em uma alternativa de integração do acompanhamento de temas transversais com as ferramentas centrais de monitoramento de programas no governo federal. Evidentemente, um esforço técnico de acompanhamento e monitoramento mais afinado depende sobremaneira de forte apoio político de alto nível no governo.

Por fim, como mencionado, a descontinuidade, em 2008, da questão sobre transversa-lidade no roteiro de avaliação dos programas impossibilitou, com base no método adotado, uma avaliação do cenário mais presente de inserção da diretriz de igualdade racial.

Outro ponto-chave para uma estratégia de acompanhamento dessa natureza diz respeito a uma reflexão sobre participação e transparência nos instrumentos de planejamento e orçamento, que deve passar por uma discussão sobre o papel dos conselhos e conferências temáticas no ciclo de acompanhamento desse conjunto de documentos.

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BANDEIRA, Lourdes. Fortalecimento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: Cepal; SPM, 2005.

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Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

EDITORIAL

CoordenaçãoCláudio Passos de Oliveira

SupervisãoEverson da Silva MouraReginaldo da Silva Domingos

RevisãoClícia Silveira RodriguesIdalina Barbara de CastroLaeticia Jensen EbleLeonardo Moreira de SouzaMarcelo Araujo de Sales AguiarMarco Aurélio Dias PiresOlavo Mesquita de CarvalhoRegina Marta de AguiarBarbara Seixas Arreguy (estagiária)Karen Aparecida Rosa (estagiária)Tauãnara Monteiro Ribeiro da Silva (estagiária)

EditoraçãoBernar José VieiraCristiano Ferreira de AraújoDaniella Silva NogueiraDanilo Leite de Macedo TavaresDiego André Souza SantosJeovah Herculano Szervinsk JuniorLeonardo Hideki Higa

CapaJeovah Herculano Szervinsk Junior

The manuscripts in languages other than Portuguese published herein have not been proofread.

LivrariaSBS – Quadra 1 − Bloco J − Ed. BNDES, Térreo 70076-900 − Brasília – DFTel.: (61) 3315 5336Correio eletrônico: [email protected]

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Cartão Supremo 250g/m2 (capa)Brasília-DF

Relatório de Pesquisa

Planejamento, Orçamento e a Promoção da Igualdade Racialreflexões sobre os planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011

Missão do IpeaAprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria ao Estado nas suas decisões estratégicas.

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