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FILOSOFIA – Capítulo 04 Platão e Aristóteles: os mestres do pensamento antigo PLATÃO: A CRIAÇÃO DA METAFÍSICA 01 ARISTÓTELES: IMPORTÂNCIA DA REALIDADE SENSORIAL 10 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 16 EXERCÍCIOS PROPOSTOS 17 SEÇÃO ENEM 18

Platão e Aristóteles: os mestres do pensamento antigo · em 427 a.C. em Atenas, Platão descendia da antiga nobreza daquela cidade. Pela sua descendência, ... amigo, já no leito

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FILOSOFIA – Capítulo 04

Platão e Aristóteles: os mestres

do pensamento antigo

PLATÃO: A CRIAÇÃO DA METAFÍSICA 01

ARISTÓTELES: IMPORTÂNCIA DA REALIDADE SENSORIAL 10

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 16

EXERCÍCIOS PROPOSTOS 17

SEÇÃO ENEM 18

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FRENTE

PLATÃO: A CRIAÇÃO DA METAFÍSICA

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Escola de Atenas, Rafael, 1506-1510. Afresco

500 cm × 700 cm. Palácio Apostólico, Vaticano.

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Platão e Aristóteles

Platão aponta para cima, numa clara referência ao mundo inteligível. Aristóteles tem sua mão direcionada para baixo, referindo-se à realidade sensorial.

Vida e contexto históricoFilho de Aristo e Perictona, Platão é um dos pensadores

mais importantes de toda a história da Filosofia. Nascido em 427 a.C. em Atenas, Platão descendia da antiga nobreza daquela cidade. Pela sua descendência, teve uma educação esmerada para se tornar um guerreiro bom e belo, tal como era comum àqueles que pertenciam à sua estirpe, frequentando o ginásio para formação do belo e sendo educado pela música e pela poesia para a formação do guerreiro bom. Ao mesmo tempo, foi formado para a política, na nova Areté, e para a guerra, segundo os antigos costumes da aristocracia.

Estudou com Crátilo, com o qual aprendeu as ideias de Heráclito. Aos vinte anos, tornou-se discípulo de Sócrates, tendo sido o mais importante de seus seguidores. Teve contato com os pitagóricos, com os quais aprendeu a importância da Matemática. Alguns defenderão que, com os pitagóricos, conheceu o pensamento de Parmênides.

Morreu em 347 a.C., aos 80 anos. Não se sabem as causas exatas de sua morte, mas, ao que tudo indica, foi acometido por alguma doença. Diz-se que, ao receber a visita de um amigo, já no leito de morte, em estado febril, solicitou à escrava que tocasse a lira enquanto conversava com seu visitante, como era de costume e fazia parte da hospitalidade ateniense. Segundo esse relato, algumas horas mais tarde a febre aumentou e Platão faleceu.

A Atenas que Platão conheceu em sua infância, a que vivia seu auge de desenvolvimento político, econômico, cultural e que despontava como centro do mundo, não foi a mesma Atenas de sua juventude e maturidade. A Atenas que Platão conheceu ao se tornar jovem estava em claro declínio, devido, principalmente, à Guerra do Peloponeso. Prestes a ser invadida pelas tropas da Macedônia, a grande polis grega havia perdido sua democracia e seu povo estava desorientado. Aos dois anos de idade, Platão vivenciou dois fatos importantes que representam os problemas aos quais a cidade estava submetida: a morte de Péricles, um dos mais importantes políticos atenienses, e uma peste, que matou milhares de pessoas, aprofundando ainda mais a grave crise ateniense. Devido a esses fatos, Atenas tentou, inclusive, negociar uma trégua com seus inimigos espartanos, trégua essa que durou curtos seis anos, sendo a guerra restabelecida até 404 a.C., com a vitória de Esparta.

Platão e Aristóteles: os mestres do pensamento antigo

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A segunda área em que Platão se destaca é na Acadêmica. A escola fundada por Platão, conhecida como Academia, foi o primeiro instituto de pesquisa filosófica do mundo. Em clara oposição à retórica sofística (Platão declarou uma verdadeira guerra contra este grupo), a Academia se diferencia por pregar a discussão e a dialética aplicada como o ideal e o espírito da educação, de forma que seus alunos possam se tornar autônomos no pensamento. Isso significa que Platão não tem um conjunto de saberes que são transmitidos como ideias prontas e acabadas, pelo contrário, o objetivo de sua escola é desenvolver no aluno o livre pensamento, estimular a pesquisa ética e política, induzir à busca pelas verdades que são postas à prova pelos argumentos contrários e pela discussão, método característico do processo dialético. A Academia manteve vivo e atuante o espírito socrático.

Platão e a fundação da metafísicaPor metafísica, entende-se aquilo que está para além

do mundo físico ou material. De acordo com a metafísica, também chamada de ontologia, os seres são formados por duas dimensões: a física, que compreende as coisas materiais e sensíveis, portanto mutáveis, e a essência, que se constitui naquilo que é imutável e que só é compreendido pela racionalidade humana. Dessa forma, pode-se dizer que a metafísica busca encontrar ou conhecer aquilo que é essencial do ser e que está para além de sua matéria.

Diz-se que Platão fundou a metafísica, pois a filosofia platônica foi a primeira a afirmar a existência de uma outra realidade superior à realidade do mundo sensível. Essa dimensão suprassensível, metafísica, ficou conhecida como o mundo inteligível ou, como é mais comumente chamada, mundo das ideias. É interessante ressaltar que, atualmente, existem algumas críticas a esse nome, pela confusão que pode trazer. No entanto, nessa concepção, deve-se entender por ideias não uma simples formulação racional da inteligência humana ou capacidade intelectiva, mas formas inteligíveis que existem por conta própria e que constituem a essência ou causa primeira da realidade sensível.

Platão está preocupado com um conhecimento do ser que ultrapasse a simples aparência, que pode gerar uma multiplicidade de saberes. Para ele, existe um saber único sobre as coisas, um saber imutável e essencial que deve ser encontrado para que o homem possua o conhecimento verdadeiro. Aqui encontramos a diferença entre Platão e Sócrates. Enquanto Sócrates está preocupado em conhecer a essência da ação, ou seja, os conceitos sobre os valores ou princípios que devem ser tomados como fundamentos das ações humanas – por isso sua discussão é sobre o que é justiça, coragem, amor, amizade, virtude, etc. –, Platão vai mais além em busca de uma teoria do ser. Com essa teoria, Platão buscará pensar uma natureza última dos seres,

As obras de Platão e a AcademiaDuas foram as grandes áreas em que Platão se destacou:

nos escritos e na Acadêmica.

Mosaico de Pompéia. A Academia de Platão.

Após muitos anos discutindo-se a autenticidade dos escritos de Platão, hoje se acredita que temos acesso à totalidade de suas obras. Estas se dividem em treze cartas, duas obras não dialogadas, escritas na forma de longos trechos expositivos (Apologia de Sócrates) e (Menexeno) e vinte e três diálogos, em que o personagem principal é sempre Sócrates, seu mestre, dialogando com um ou alguns homens. Quanto aos diálogos, podemos dividi-los em socráticos, aqueles nos quais Platão tenta ser fiel às ideias de Sócrates, e os não socráticos, nos quais Platão, apesar de continuar a se referir a Sócrates como protagonista, coloca na boca deste suas próprias ideias. Os diálogos não socráticos também recebem uma divisão: diálogos da mocidade (em que Platão ainda está bem próximo das ideias de Sócrates), da maturidade (não aporéticos, isto é, inconclusivos, em que Platão expõe com mais clareza as suas próprias ideias) e da velhice (em que Platão assume um tom menos de diálogo e mais de discurso).

Papiro Oxyrhynchus, com trecho da República, de Platão.

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em que tudo o que existe, sejam coisas materiais, ou

imateriais, se origine de algo que seria a verdadeira

perfeição dessas coisas ou seres. Dessa maneira, Platão

está procurando a natureza essencial do ser. Conhecer a

essência é conhecer validamente e perfeitamente o que a

coisa é em si e não somente o que se pensa sobre a coisa

a partir de sua manifestação visível nos seres.

É precisamente essa natureza essencial que Platão chama

de ideia ou forma e que está em um nível superior, no mundo

inteligível ou das ideias, como dito anteriormente. Essa

separação entre o sensível e o inteligível, entre o visível e o

invisível, está na base da teoria do conhecimento de Platão.

Assim, conhecer verdadeiramente o que uma coisa é significa

encontrar, por meio da razão, a ideia que a originou, a forma

inteligível, do mundo superior e perfeito das ideias, onde

estão as verdades, as essências de todas as coisas.

Rep

rodu

ção

Cena do filme Matrix, de 1999. Tal como na filosofia de Platão,

essa produção traz duas realidades, sendo uma falsa e outra

verdadeira.

É neste contexto que Platão fala do Demiurgo, uma

espécie de deus-artífice que criou todas as coisas do mundo

sensível. Assim, o Demiurgo, tomando como modelo as ideias

inteligíveis ou formas perfeitas, que são eternas e imutáveis,

plasmou, deu forma à matéria disforme (assim como o

Deus cristão, ao criar o homem, modelou o barro disforme),

imprimindo nessa matéria a forma, de acordo com o modelo

perfeito. Para compreendermos melhor: há uma forma (o

mundo ideal ou das formas perfeitas) que foi o modelo de

todas as coisas. A partir desse modelo, o Demiurgo criou

todas as coisas sensíveis, que são, por isso mesmo, uma

cópia (o mundo sensível). Sendo cópia, segundo Platão, o

mundo sensível é imperfeito, mutável, passageiro.

Alcançar a verdade última e essencial das coisas exige um

exercício de reflexão para que o homem alcance a própria

ideia em si, os modelos que foram utilizados para a criação.

Assim, a verdade para Platão não está na realidade sensível,

que não passa de cópia imperfeita, mas na imutabilidade, na

perfeição das ideias que devem ser buscadas pelo homem.

Encontrando-as, o homem encontra a verdade, a essência.

Desse modo, fica ainda mais fácil compreendermos a

diferença entre a filosofia de Platão e a de seu mestre.

A Sócrates interessa a vida do homem real, em sociedade,

e como esse homem deve agir. Por isso, é conhecido como o

“pai da ética”, pois sua preocupação é com o comportamento

do homem e com a vida em sociedade. Já para Platão a

filosofia é essencialmente teoria, tentativa de contemplar, por

um processo de abstração, a natureza verdadeira e última

dos seres. Sua preocupação é com o fundamento de toda

a realidade. É claro que Platão também se preocupa com

as ações humanas, como pode ser verificado na República

e na Carta sétima. No entanto, como estamos enfatizando

aqui, Platão funda uma teoria do conhecimento, mostrando

ao homem como é possível conhecer o mundo e as coisas de

forma verdadeira. Apesar de estarmos no mundo e também

participarmos de sua imperfeição, porque também somos

materiais, nossa alma, nossa inteligência deve buscar a

verdade dos seres, verdade esta que se encontra em uma

dimensão superior.

Como é possível conhecer: a epistemologia de Platão

Um dos pontos fundamentais da filosofia platônica é sua

resposta ao problema nascido do embate entre Parmênides

e Heráclito quanto ao ser e ao seu conhecimento. Heráclito

é o filósofo do devir, para ele, tudo está em constante

movimento. Segundo seu pensamento, não há o que se

conhecer, porque o objeto a ser conhecido muda o tempo

todo, assim como o sujeito conhecedor. Para Platão, o erro

heraclitiano foi o de considerar que a única coisa que existe

é o devir, não existindo nada além do mundo físico, da

materialidade das coisas sensíveis que estão, inegavelmente,

em constante transformação. Ao contrário de Heráclito,

Parmênides acredita que o que existe é somente o ser,

entendido como aquilo que é imóvel, imutável e eterno.

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Assim, para Parmênides só existiria a essência, sendo que a aparência, aquilo, que se transforma, seria o não ser. Segundo Platão, Parmênides também cometeu um erro, pois não há como negar a existência das coisas sensíveis.

Desse modo, Platão procura trazer uma resposta ao problema dos dois mais importantes pré-socráticos, ao propor que o ser e o não ser existem, mas cada um possui características fundamentalmente distintas. Ao pensar no mundo sensível e no mundo inteligível, Platão identificou o inteligível com a teoria proposta por Parmênides, pois as ideias inteligíveis são perfeitas e imutáveis. Já a tese de Heráclito é identificada com o mundo sensível, em que tudo está em constante movimento. O homem vive no mundo sensível, estando, portanto, à mercê da mudança e da transitoriedade. Porém, a alma do homem, que veio do inteligível, corresponderia àquilo que não muda, e é por meio dela que o homem busca as verdades, as ideias, as essências da realidade inteligível.

Com base no que foi discutido até aqui, nos perguntamos: como esse conhecimento, essa subida do sensível ao inteligível para atingir a verdade “em si e por si” acontece?

A ascensão dialéticaPara Platão, o conhecimento das ideias acontece por meio

da dialética, que busca a verdade num processo de ascensão, isto é, o homem não alcança a verdade de uma só vez, mas tal conhecimento se dá numa subida gradativa e constante até que o sujeito alcance a ideia em si mesma, ou seja, contemple, no final desse processo, a forma inteligível.

No livro VI da República, a exposição da teoria do conhecimento de Platão se dá na separação entre graus diferentes de conhecimento, fundamentando-se na separação entre mundo sensível e mundo inteligível. A alma, através de um processo de busca e ascensão, sairia do sensível, no nível mais básico do conhecimento, a eikasía – conhecimento baseado somente nas imagens dos seres – até atingir o mais alto conhecimento, a nóesis ou episteme, estando, no meio desse caminho, o conhecimento da pístis, ou doxa, e da diánoia. Platão resume esse processo em um diagrama, a “Similitude da linha”, que podemos representar da seguinte forma:

Ascensãoda alma

EIKASÍA

PÍSTIS OU DÓXA

DIÁNOIA

NÓESIS OU EPISTEME

Imagens das coisassensíveis – simulacros

Crenças e opiniões sobre as coisas sensíveis

Raciocínio dedutivo –conhecimento matemático

Intuição intelectivaou ciência – conhecimento

das ideias ou formas inteligíveis

MundoSensível

MundoInteligível

Pelo diagrama anterior, podemos compreender com mais clareza o que Platão chama de ascensão dialética. Segundo ele, o homem deve sair do grau mais baixo do conhecimento, que seria o conhecimento somente das imagens dos seres. Esse é um conhecimento de “segunda mão”, sendo comparado à imagem do ser refletida por um espelho. O homem não olha para o ser em si, enxergando somente seu reflexo.

Em um segundo momento, o conhecimento alcançaria um nível acima, ainda no mundo sensível, da mutabilidade e da imperfeição, que seria o conhecimento das coisas sensíveis ou materiais. Observe que tal conhecimento, por se basear nos dados sensíveis, é sempre imperfeito, já que parte de opiniões diversas, pois cada homem pode perceber os objetos de modo diferente e também porque os próprios objetos estão em constante mudança.

No terceiro momento, o homem já sairia do mundo sensível e atingiria o primeiro estágio do conhecimento do mundo inteligível, que seria o conhecimento matemático. A matemática é um modo superior de conhecimento porque ela não lida com as coisas sensíveis, é abstrata e racional, não dependendo dos sentidos, que são imperfeitos, para atingir a verdade. Vemos aqui claramente a influência do pensamento pitagórico na filosofia platônica e entendemos por que, na porta de sua Academia, havia uma placa com os seguintes dizeres: “Quem não é geômetra não entre!”. Apesar de o homem,

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nesse estágio, alcançar um modo superior de conhecimento, este ainda não é o maior e mais perfeito conhecimento. O último e definitivo estágio do saber seria quando o homem, por meio do exercício racional, atingisse a intuição intelectiva, que seria o conhecimento por excelência. Nesse estágio, o homem alcançaria as ideias perfeitas, as formas inteligíveis, as essências das coisas. Aqui ele atingiria o conhecimento de fato.

Devemos enfatizar que as ideias ou formas não são simples conceitos mentais, mas entidades ou essências que existem por si mesmas em um sistema hierárquico bem organizado. No topo dessa hierarquia, estaria a ideia do bem, a mais importante de todas as ideias. A passagem de um grau a outro se dá pela dialética, quando o homem encontra as contradições no nível de conhecimento inferior e passa ao grau seguinte. Nesse sentido, a educação ocupa papel fundamental na filosofia platônica, pois é por ela que a alma é direcionada (o que se conhece também como educação da inteligência) para vir a contemplar a ideia do bem. Dessa

forma, diz Platão:

a educação [...] seria uma arte da reviravolta, uma arte

que sabe como fazer o olho mudar de orientação do modo

mais fácil e mais eficaz possível; não a arte de produzir nele

o poder de ver, pois ele já o possui, sem ser corretamente

orientado e sem olhar na direção que deveria, mas a arte

de encontrar o meio para reorientá-lo.

PLATÃO. República. VII 518D.

A imagem mais conhecida e também a mais interessante utilizada por Platão para explicar sua teoria do conhecimento encontra-se no “Mito da Caverna”. Vejamos:

SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana,

em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica

que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada

subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda

extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as

pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem

os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não

podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura,

um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina

um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro

parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si

e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos

maravilhosos que lhes exibem.

GLAUCO – Imagino tudo isso.

SÓCRATES – Supõe ainda homens que passam ao longo

deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima

dele, figuras de homens e animais de toda a espécie,

talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais

objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam

em silêncio.

GLAUCO – Similar quadro e não menos singulares cativos!

SÓCRATES – Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-

me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus

companheiros algo mais que as sombras projetadas, à

claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?

GLAUCO – Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a

cabeça durante toda a vida.

SÓCRATES – E dos objetos que lhes ficam por detrás,

poderão ver outra coisa que não as sombras?

GLAUCO – Não.

SÓCRATES – Ora, supondo-se que pudessem conversar,

não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes

dariam os nomes que elas representam?

SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza

humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a

forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens

encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá

entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância,

têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que

permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão

diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto.

Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz

os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho

escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido

com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e

os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos

maravilhosos que lhes exibem.

GLAUCO – Imagino tudo isso.

SÓCRATES – Supõe ainda homens que passam ao longo

deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima

dele, figuras de homens e animais de toda a espécie,

talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais

objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam

em silêncio.

GLAUCO – Similar quadro e não menos singulares cativos!

SÓCRATES – Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me:

assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus

companheiros algo mais que as sombras projetadas, à

claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?

GLAUCO – Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a

cabeça durante toda a vida.

SÓCRATES – E dos objetos que lhes ficam por detrás,

poderão ver outra coisa que não as sombras?

GLAUCO – Não.

SÓCRATES – Ora, supondo-se que pudessem conversar,

não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes

dariam os nomes que elas representam?

GLAUCO – Sem dúvida.

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SÓCRATES – E, se, no fundo da caverna, um eco lhes

repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo

que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?

GLAUCO – Claro que sim.

SÓCRATES – Em suma, não creriam que houvesse nada de

real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.

GLAUCO – Necessariamente.

SÓCRATES – Vejamos agora o que aconteceria, se se

livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que

laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado,

obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a

andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer

tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa,

o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja

sombra antes via.

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Que te parece agora que ele responderia a quem lhe

dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que

agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais

reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-

lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o

obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua

grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era

mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?

GLAUCO – Sem dúvida nenhuma.

SÓCRATES – Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os

olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor?

Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos

ora mostrados?

GLAUCO – Certamente.

SÓCRATES – Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir

pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando

estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria

gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do

dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe

ia possível discernir os objetos que o comum dos homens

tem por serem reais?

GLAUCO – A princípio nada veria.

SÓCRATES – Precisaria de algum tempo para se afazer à

claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria

bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros

seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos

para a Lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os

astros da noite que o pleno resplendor do dia.

GLAUCO – Não há dúvida.

SÓCRATES – Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em

estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e

nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu

próprio lugar, tal qual é.

GLAUCO – Fora de dúvida.

SÓCRATES – Refletindo depois sobre a natureza deste

astro, compreenderia que é o que produz as estações e

o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo

modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros

viam na caverna.

GLAUCO – É claro que gradualmente chegaria a todas

essas conclusões.

SÓCRATES – Recordando-se então de sua primeira morada,

de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se

tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança

sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá

ficaram?

GLAUCO – Evidentemente.

SÓCRATES – Se na caverna houvesse elogios, honras

e recompensas para quem melhor e mais prontamente

distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com

mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam

juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes

predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos

tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos

e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de

Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo

no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que

antes vivia?

GLAUCO – Não há dúvida de que suportaria toda a espécie

de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.

SÓCRATES – Atenção ainda para este ponto. Supõe que

nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se

em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz

à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos

em trevas?

GLAUCO – Certamente.

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SÓCRATES – Se, enquanto tivesse a vista confusa – porque

bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem

de novo à obscuridade – tivesse ele de dar opinião sobre as

sombras e a este respeito entrasse em discussão com os

companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os

faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior,

cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se

alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes

a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?

GLAUCO – Por certo que o fariam.

SÓCRATES – Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar

com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que

antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível.

O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à

região superior e a contempla é a alma que se eleva ao

mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este,

pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é

verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te.

Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do

bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas

que, conhecida, se impõe à razão como causa universal

de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no

mundo visível, autora da inteligência e da verdade no

mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre

ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios

particulares e públicos.

PLATÃO. República. VII 515a – 517d

A caverna é o mundo sensível onde vivemos. A pouca luz

da fogueira que projeta as sombras na parede da caverna

é um reflexo da luz verdadeira sobre o mundo sensível.

Os prisioneiros são todos os homens que estão presos no

mundo sensível e imperfeito. As sombras são as coisas

sensíveis que os homens tomam como verdadeiras, mas

que não passam de cópias das ideias perfeitas. As correntes

são os preconceitos dos homens, a confiança nas opiniões

obtidas pelos sentidos. O instrumento que faz possível se

libertar das correntes para sair da caverna é a dialética.

O prisioneiro que escapa é a representação do filósofo que

busca o conhecimento e não se contenta com aquilo que é

“normal”. A luz que o prisioneiro vê é o próprio Sol, a ideia

do bem, que ilumina todo o mundo inteligível como o Sol

ilumina o sensível. O retorno à caverna com a intenção de

levar os homens para fora é o convite ao diálogo filosófico.

Dessa forma, o conhecimento, como representado no Mito

da Caverna, é um ato de libertação e de iluminação da

alma rumo à verdade; é a tentativa de retirar o homem da

ignorância das trevas e levá-lo à claridade do conhecimento.

A reminiscência da alma: “Conhecer é relembrar”

Será que todos os homens podem se libertar da caverna

para atingir a visão do Sol, alcançando a verdade? Todos

os homens podem sair da ignorância, do conhecimento

sensível e imperfeito e alcançar o conhecimento perfeito

e verdadeiro do inteligível? A resposta de Platão a essas

perguntas encontra-se na teoria da reminiscência da alma.

Utilizando-se de imagens, recurso didático muito

característico do filósofo, Platão tenta tornar claro seu

pensamento por meio do mito de Er, conhecido também

como o Mito da Reminiscência ou da Anamnese.

Nesse mito, Platão narra a história do pastor Er, que,

levado por uma deusa, visita o reino dos mortos, onde ficam

as almas de todos os homens serenamente contemplando as

ideias ou formas inteligíveis. Nesse lugar, as almas aguardam

um dia em que poderão se encarnar em novos corpos, sendo

que elas poderão escolher a vida que terão na Terra. Após

sua escolha, elas são encaminhadas ao rio do esquecimento,

Léthe (contrário a Alétheia, que significa verdade ou o

não esquecido). Aquelas almas que escolherem uma vida

de prazeres, desejos, luxúrias, fama, prestígio, riquezas,

bebem a água do rio do esquecimento em muita quantidade.

Aquelas almas que escolherem uma vida de conhecimento,

de sabedoria, bebem a água do rio em pouca quantidade.

Nesse caso, as almas que beberam muita água se afastam

quase por completo do conhecimento, pois esquecem as

ideias que um dia contemplaram. Já as almas que beberam

pouca água estão mais próximas do conhecimento, pois

facilmente podem se lembrar das ideias perfeitas que um

dia contemplaram. Estas últimas almas desejarão a verdade,

serão por ela atraídas, amarão o saber, pois nelas haverá a

vaga lembrança daquilo que um dia contemplaram.

Assim, podemos compreender por que, para Platão,

conhecer é relembrar. As ideias já foram contempladas, o

homem já as conhece pela alma. O processo de conhecimento

consiste em, por meio da dialética, levar a alma à lembrança

daquilo que já existe dentro dela.

A teoria da tripartição da alma: a psicologia platônica e a divisão entre corpo e alma

Vimos que, na filosofia platônica, é clara a separação

entre o sensível e o inteligível, os dois mundos ou as

duas realidades, o que nos leva à conclusão de que o

conhecimento desses dois mundos também é diferente,

sendo o conhecimento do sensível imperfeito e passageiro,

e o do inteligível, perfeito e verdadeiro.

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Sendo o homem constituído de corpo e de alma, qual

dessas duas realidades poderia alcançar o conhecimento

verdadeiro das ideias? Evidentemente, apenas a alma.

O corpo é constituído de matéria e nele estão os sentidos –

tato, olfato, paladar, audição e visão –, que só permitem um

conhecimento ilusório e passageiro dos seres, não levando à

verdade. A alma humana possui uma origem supraterrena,

e sua destinação é o conhecimento da verdade e do bem.

Por isso, ela busca o que é superior e não se prende àquilo

que é passageiro do mundo sensível.

Platão, em sua obra Fedro, utiliza o Mito do Cocheiro para

falar sobre a separação existente dentro da própria alma

do homem. Nesse mito, tem-se a imagem da carruagem,

que, guiada por um cocheiro, é puxada por dois cavalos, um

bom e obediente e outro mal e desobediente. A carruagem

é o próprio homem e sua alma é dividida em três partes:

1ª Parte racional ou alma racional: Representa o

cocheiro, aquele que deve conduzir a carruagem

ao seu destino. A parte racional deve comandar os

cavalos e dirigi-los ao conhecimento do inteligível.

É a sede do pensamento, sendo uma faculdade

ativa e superior. Está localizada na cabeça e é a

alma imortal.

2ª Parte colérica ou alma irascível: Representa no

mito o cavalo bom e obediente, aquele que é fiel

e obedece ao cocheiro. Essa parte da alma tem

como função garantir a manutenção e a segurança

do corpo e da vida. Protesta e se irrita contra tudo

o que possa ameaçar o homem e que seja fonte de

dor e sofrimento. É a faculdade combativa da alma.

Protege a vida contra todos os perigos das coisas

materiais e mundanas. Está localizada no peito, isto

é, no coração e é mortal.

3ª Parte apetitiva ou alma apetitiva ou concupiscente:

Representa o cavalo mal e desobediente. É a parte

da alma que busca as coisas materiais e a satisfação

dos desejos e prazeres corporais. Está preocupada

com bebida, comida, sexo e prazeres em geral,

ou seja, aquilo que é necessário à manutenção

da vida material. É a parte passional do homem,

que sempre está em busca da satisfação de seus

desejos passageiros. É mortal, sempre insatisfeita

e sedenta de mais prazer. Localiza-se no baixo

ventre, entre o “diafragma e o umbigo”. Precisa

ser controlada.

Com essa imagem Platão dirá que é necessário que a

alma racional, com a ajuda da alma irascível, domine a alma

apetitiva. O cocheiro, com a ajuda do cavalo bom, domina

o cavalo mal. A tarefa ética ou moral da alma racional é se

sobrepor e dominar as outras duas almas e harmonizá-las

consigo. A alma temperante é aquela que não cede aos

impulsos dos prazeres, que pode administrá-los de acordo

com a racionalidade, sabendo de seus limites. A razão

domina a alma irascível, que é aquela que administra,

coordena, domina a alma concupiscível. A virtude da alma

irascível é a coragem, a força, e por isso ela age diretamente

no domínio da alma apetitiva, controlando até onde podem

ir os desejos e prazeres, preservando a integridade do

homem e discernindo o que é bom e mau para a vida do

corpo, de forma a não deixar que o homem se perca na

busca indiscriminada dos prazeres.

O amor platônicoNa concepção do senso comum, o amor platônico é

entendido como um amor impossível de ser realizado, por isso

idealizado e inacessível. Um amor romântico e que não pode

ser concretizado. Uma amor irreal e enganoso. Porém, essa

acepção, presente inclusive em dicionários, foge às ideias de

Platão, pois, segundo o filósofo, o amor não é um sentimento,

mas sim uma força que impulsiona o homem a algum lugar.

Em Sua obra, o Banquete, Platão fala sobre a natureza do Amor.

A tumba Tuffatore (480 e 470 a.C.) Representa um típico Banquete ou festa particular feita pelos gregos.

Em Platão, o tema da beleza, da busca pelo belo, não se

restringe à estética, à arte, inclusive porque esta é vista

como uma forma ainda mais imperfeita de conhecimento, já

que seria a imitação daquilo que já é imitação, ou seja, a arte

é imitação do real e este, por sua vez, é cópia da ideia ou

forma perfeita. A beleza, que para Platão está junto ao bem,

ideia mais sublime, que no Mito da Caverna corresponde

ao Sol, deve ser buscada pelo eros, pelo amor. O eros,

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o amor, é a força mediadora entre o sensível e o inteligível.

O amor em si não é belo nem bom, mas é a força que leva o

sujeito à busca do belo e do bom. O amor não é o fim em si

mesmo, mas o caminho que leva ao conhecimento da ideia.

A filosofia está entre a ignorância e a sabedoria, pois é

o reconhecimento de que não se sabe, mas que se pode

saber. E o que faz com que o homem busque, se coloque a

caminho, se dedique ao exercício da dialética para encontrar

o conhecimento é exatamente o amor. A alma do homem,

que um dia contemplou as verdades, ao encarnar num

corpo material, passa por um processo de esquecimento.

Vivendo no mundo sensível, o homem está distante das

verdades, mas traz em si a nostalgia destas. Desse modo,

o amor é a força que leva o homem a buscar aquilo que um

dia contemplou. O amor é, portanto, a força geradora que

faz o homem buscar aquilo que um dia esteve junto de si

e pelo processo de esquecimento se tornou distante, mas

ainda sim alcançável pelo conhecimento.

O eros é justamente este anseio de voltar para o lugar

de onde veio, lugar este em que conhecia a beleza em

si, por meio da contemplação das idéias. O eros é este

desejo de voar novamente, depois de ter perdido as asas

e ter-se precipitado para cá embaixo. É a tentativa de

lembrar o que se esqueceu. O eros é a busca da recordação

daquela realidade primeira, onde o homem, neste mundo,

somente pela filosofia poderá satisfazer seu desejo de

transcendência.

TEIXEIRA, Evilázio Francisco. A educação do homem

segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 94.

A concepção política de PlatãoSendo um filósofo que se importou fundamentalmente

com a vida da cidade, Platão tratou em sua obra mais

importante, a República, da política e procurou apontar

quais são os caminhos adequados para que a cidade possa

ser corretamente governada, de forma a alcançar seu bem

maior: a felicidade dos cidadãos no cumprimento da justiça.

Segundo o filósofo, a finalidade da política não é outra senão

a realização da justiça para o bem comum da cidade, e

nunca a simples posse do poder. Nesse aspecto, o homem

livre é somente o cidadão da polis, sendo que sua liberdade

se realiza exclusivamente na cidade, vivendo junto aos seus

concidadãos. Sendo então a moral privada, particular, inferior

à moral pública, coletiva. Os interesses pessoais devem estar

abaixo dos interesses coletivos.

Contrariando os sofistas, Platão acredita que a cidade não

deve ser governada pelo melhor discurso, pois este pode

não ser a melhor ideia. O filósofo não acredita que qualquer

pessoa possa ocupar o governo da cidade, sendo averso à

democracia e à monarquia, acreditando que a cidade deve

ser governada pelos melhores em inteligência e sabedoria,

ou seja, por um governo de poucos a favor de todos,

sendo estes poucos os filósofos. Enfim, Platão propõe uma

sofocracia (Sophos: sábios; Kratia: poder).

Tal como a alma possui três partes ou faculdades, a polis

também é possuidora de três partes ou classes sociais distintas:

a dos magistrados, a dos guerreiros ou soldados e a do povo,

constituída pelos agricultores, comerciantes e artesãos.

Em um regime democrático, as três classes governam

conjuntamente. Na aristocracia tradicional, os guerreiros

poderiam ocupar a função de magistrados. Na monarquia,

um guerreiro ou um rico comerciante, artesão ou agricultor

poderia ocupar o posto de magistrado. O que há de errado

nessas formas de governo, segundo Platão, é que em

todas pode haver uma confusão de funções, o que levará à

injustiça, característica de cidades mal governadas.

Na concepção política platônica, o povo é responsável pela

sobrevivência da polis, ao produzir o que é necessário para

que a cidade se mantenha, como alimentos, construções,

manufaturas, etc. A classe social do povo corresponde, na

teoria da tripartição da alma, à parte inferior, à alma apetitiva

ou concupiscente e está preocupada com o bem pessoal,

com a riqueza e o prestígio. Se essa parte comandasse a

cidade, esta estaria à mercê do enriquecimento, da vida

luxuosa e de prazeres, o que não traria como consequência

o bem comum, finalidade última do governo.

A classe dos guerreiros, que corresponde à alma irascível,

é responsável pela defesa da cidade. Se essa classe ocupasse

o governo, prevaleceriam os combates, a guerra, o gosto

pela luta em busca de fama e glória. Nesse caso, a cidade

estaria envolvida em intermináveis conflitos, tanto externos

quanto internos, e, assim, fica evidente que o bem comum

não seria alcançado.

A terceira classe social, representada pelos magistrados,

a menos numerosa de todas, é encarregada de fazer as

leis e torná-las efetivas. Porém, como acontece na alma,

em que a parte racional pode estar dominada pelas outras,

desviando-se de seu objetivo, os magistrados podem se

ver dominados pelas outras classes sociais. O povo pode

dominá-la pela corrupção e os guerreiros pelo medo. Além

disso, os magistrados podem não conhecer verdadeiramente

a ideia de justiça, o que comprometeria a qualidade das leis.

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Segundo Platão, em sua nova proposta política, a cidade

deve ser governada pelos magistrados, desde que estes

sejam adequadamente preparados para isso, e deve haver

uma clara separação das funções de cada uma das outras

classes sociais. Os agricultores, artesãos e comerciantes

devem ser educados para o estrito cumprimento de sua

função, a de cuidar da sobrevivência da cidade. A classe

dos guerreiros ou soldados deve ser educada para guardar

e proteger a cidade. Os guerreiros devem ser escolhidos por

um processo de educação ainda quando crianças, processo

do qual participariam tanto homens quanto mulheres e em

que haveria uma escolha daqueles que devem seguir para

o treinamento cívico (ginástica, música, dança e arte).

Os soldados ou guerreiros não teriam absolutamente

nenhuma posse particular, nem mesmo formariam famílias.

Eles devem ser como cães de guarda: carinhosos e afáveis

com os seus e terríveis e implacáveis com os inimigos.

A classe dos magistrados seria constituída por aqueles

que seriam preparados para o governo da cidade. A função

destes seria promover a justiça e não simplesmente deter o

poder. E como estes homens seriam escolhidos e preparados

para se tornarem filósofos? O sistema educacional proposto

por Platão é bem particular.

Sistema educacional proposto por PlatãoInicialmente, todas as crianças receberiam a mesma

educação até os sete anos, quando se iniciariam as seleções

para a escolha dos futuros governantes da cidade, além da

divisão das demais classes sociais.

• 7 anos – Primeira seleção: Os menos aptos passariam

para a classe do povo, e os demais continuariam o

processo.

• 20 anos – Segunda seleção: Os menos aptos passariam

para a classe dos soldados e guerreiros.

• 30 anos – Terceira seleção: Os menos aptos passariam

a ocupar os cargos menos importantes na administração

pública.

• 35 anos – Quarta seleção: Os mais aptos seriam

escolhidos para iniciar seus estudos de ética, política e

física.

• 50 anos – Exame Final: Os melhores, aqueles que

se destacassem, tornariam-se os governantes da

cidade, pois teriam contemplado as ideias ou formas

inteligíveis.

Numa comparação com a teoria da tripartição da alma,

temos: razão (governantes-filósofos) dominam a coragem

(guerreiros) que dominam a concupiscência (povo).

A cidade justa é, portanto, aquela em que o filósofo governa,

o militar defende e protege, e o povo produz os meios de

subsistência de todos.

ARISTÓTELES: IMPORTÂNCIA DA REALIDADE SENSORIAL

Vida e contexto histórico

Busto de Aristóteles

Aristóteles nasceu em 384 a.C., em Estagira (por isso é

também conhecido como o estagirita), cidade grega situada

a noroeste da Península da Calcídia. Seu pai, Nicômaco, era

médico e, como tal, descendia de uma família de médicos,

pertencendo a uma corporação em que a prática da medicina

passava de pai para filho. Nicômaco era o médico particular

de Amintos, rei da Macedônia, sendo possível que Aristóteles

tenha passado a primeira infância na capital dessa região.

Apesar de perder o pai com 7 anos de idade, acredita-se

que Aristóteles tenha sido iniciado na ciência da Medicina,

pois, sendo pertencente a tal família, estava destinado a ser

também um médico. Essa iniciação e as práticas de medicina

de sua família marcarão seu grande interesse pela natureza,

pela Biologia, pelo estudo das plantas, dos animais, dos

astros e da alma.

Aos 18 anos, Aristóteles se transfere para Atenas e passa

a acompanhar as lições dadas por Platão na Academia.

Ali permaneceu por 19 anos, até a morte de seu mestre,

tornando-se seu discípulo mais importante. Deixou a

Academia de Platão, pois não concordava com os novos

rumos dados pelo novo diretor, Espeusipo (sobrinho de

Platão). Este transformou a escola platônica em um grande

centro matemático e astronômico, por acreditar que só por

meio da Matemática se poderia chegar às verdades.

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O pensamento de Platão influenciou decisivamente as

ideias de Aristóteles, apesar das críticas realizadas ao

mestre, principalmente no que diz respeito à divisão entre

mundo ideal e mundo real. A importância desses dois

pensadores foi tão grande que todo o pensamento ocidental

teve como base de sua origem e constituição os sistemas

filosóficos elaborados por eles.

Saindo de Atenas, Aristóteles passou por Eólida, Assos,

Aterneu, casando-se com Pítia, filha do rei Hémias. Depois

se transferiu para Mitilene e só então foi convidado por Filipe

da Macedônia para ser o preceptor de seu filho, Alexandre,

que mais tarde se tornou Alexandre, o Grande. Em 335 a.C.,

quando Alexandre herdou o trono de seu pai, Aristóteles

voltou para Atenas, onde fundou sua própria escola, o

Liceu. Situada num bosque perto da cidade, sua escola era

constituída por um prédio, um jardim e uma alameda para

passeio (perípatos). Devido a esse lugar e ao hábito de

Aristóteles de discutir filosofia e ministrar seus ensinamentos

caminhando com seus alunos é que a escola ficou conhecida

como Escola Peripatética.

Com a morte de Alexandre em 323 a.C., surgiram em

Atenas sentimentos antimacedônicos, o que fez com que

Aristóteles fosse acusado pelo povo da cidade de traidor, uma

vez que teve ligação com a Macedônia. Segundo o próprio

filósofo, ele saiu de Atenas e foi para a cidade de Eubéia,

“para evitar que um novo crime fosse cometido contra

a filosofia” (o primeiro foi a morte injusta de Sócrates).

Aristóteles veio a falecer em 321 a.C., aos 63 anos, devido

a uma doença no estômago que o acompanhara por alguns

anos.

Os escritosOs escritos de Aristóteles se dividem em dois grupos. O

primeiro é o dos “exotéricos”, destinados às pessoas de fora

da Escola, ao público em geral, e sendo compostos, em sua

maioria, de diálogos. O segundo é o dos “esotéricos” ou

“acromáticos”, destinados ao público interno do Liceu e que

tratavam de estudos e de ensinamentos mais especializados.

A maioria dos escritos de Aristóteles são cópias de suas

lições compiladas por seus discípulos e obras ditadas pelo

mestre e escritas pelos seus alunos. O primeiro grupo de

escritos se perdeu quase por completo, restando apenas

alguns fragmentos e títulos. Porém, a maior parte de sua

obra acromática resistiu às vicissitudes do tempo e das

contingências, chegando aos dias atuais, todas tratando de

problemas filosóficos e das ciências naturais. Alguns autores

defendem que, ao todo, seriam quatrocentas as obras de

Aristóteles. Outros dirão que esse número pode chegar ao

total impressionante de mil obras.

As diferenças e objeções de Aristóteles a Platão

Para se conhecer Aristóteles, é necessário antes

compreender a filosofia platônica. Isso porque muito da

filosofia aristotélica se apresenta como uma crítica àquilo que

seu mestre disse. Isso pode dar a impressão de inimizade ou

oposição entre os dois, mas, ao contrário, Aristóteles foi um

genuíno platônico, principalmente por desenvolver uma visão

crítica, ou seja, por ser um filósofo propriamente dito, aquele

que busca o saber com seus próprios esforços e atitude.

Partindo da teoria de seu mestre, Aristóteles tenta superá-la.

Uma diferença fundamental entre os dois é que Platão nutria

um grande interesse pela matemática, vista como meio de

alcançar o conhecimento verdadeiro, e não pelas ciências

empíricas, pois, para ele, a verdade está além da matéria,

além daquilo que pode ser experimentado. Aristóteles,

ao contrário, volta-se diretamente para os fenômenos da

natureza, para aquilo que pode ser experimentado, com

o objetivo de conhecer as coisas e o mundo por meio da

empiria.

Porém, a diferença mais importante entre os mestres da

filosofia antiga e ocidental é a rejeição de Aristóteles ao

dualismo platônico expresso nas duas realidades: o sensível,

mundo real e imperfeito, e o inteligível, mundo ideal, das

formas perfeitas. Aristóteles apontará as dificuldades de

se estabelecer as relações existentes entre o inteligível

e o sensível. Segundo ele, existem dois problemas em

se admitir a diferença entre essas duas realidades: como

garantir a existência da realidade superior e como admitir

os efeitos dessa existência para o conhecimento dos seres.

Aristóteles afirmará que aquilo que Platão chama de

ideia inteligível, que estaria na origem de todos os seres

– como a ideia de beleza –, não passa de uma característica

dos próprios seres, uma qualidade, não existindo, portanto,

uma ideia de beleza separada dos seres reais. Para o

estagirita, quando o homem conhece, por exemplo, a

beleza, o que permanece na mente são as representações

ou abstrações daquilo que se conheceu e não uma entidade

metafísica, uma ideia separada que existe por conta própria

fora do intelecto humano.

Aristóteles se esforçará para demonstrar que o inteligível

de Platão está no próprio sensível, sendo possível que

o homem conheça o próprio sensível e faça uma ciência

verdadeira a partir dele. A grande diferença entre os dois

maiores pensadores da Antiguidade é que, enquanto Platão

tentou explicar por que o mundo é como é, buscando

suas respostas no inteligível, fora da realidade sensível,

Aristóteles tentou explicar como o mundo é como é,

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buscando suas respostas no próprio sensível, nas coisas

em si, encontrando seu sentido e explicação nele mesmo.

De uma forma mais simples: segundo o estagirita, a divisão

que Platão faz da realidade é desnecessária e leva a uma

duplicidade incoerente, podendo tornar a vida e o mundo

sensível sem sentido. Desse modo, Aristóteles elaborará

uma filosofia em que o inteligível platônico está no próprio

sensível, sendo possível assim um conhecimento, uma

ciência verdadeira da realidade em si, isto é, é possível

conhecer as ideias universais ou as essências dos seres,

pois elas estão nas próprias coisas.

A divisão das ciênciasDe acordo com o que foi dito, para Aristóteles, a ciência

tem como objetivo conhecer verdadeiramente as coisas do

mundo. O conhecimento de todos os seres, dos modos de

ação do homem e dos objetos produzidos pelos homens é

a própria filosofia. Vale dizer que, desde Aristóteles até o

século XIX, não havia diferença entre filosofia e ciência.

Segundo o filósofo, as ciências se diferenciam de acordo

com o seu objeto de estudo. Desse modo, o estagirita divide

as ciências em três: ciências teóricas ou teoréticas, ciências

práticas e ciências produtivas ou poiéticas.

• Ciências teóricas ou teoréticas: São as ciências que

buscam o saber em si mesmo. Tais ciências investigam

as causas e os princípios dos seres que existem na

natureza independentemente da vontade e da ação

do homem e que se desenvolvem sem qualquer

participação humana. Como independem da ação

humana, o conhecimento desses seres só pode se dar

por teoria ou contemplação. Fazem parte das ciências

teóricas físicas (que investigam os seres que tem

movimento): a ciência da natureza (o que chamamos

de física), a biologia e a psicologia. Temos também

a ciência teorética matemática, que estuda as

coisas que, embora tenham existência física, podem

ser estudadas sem relação com a materialidade em

movimento. Fazem parte dessa ciência a aritmética, a

música, a geometria e a astronomia. Enfim, temos a

filosofia primeira ou metafísica ou teologia, que

se refere ao estudo mais importante e fundamental

da filosofia aristotélica, ou seja, ao estudo dos

primeiros princípios de todos os seres, ao estudo do

ser enquanto ser. Refere-se também ao estudo da

substância imóvel e independente do ser, aquilo que

está para além da mobilidade e da materialidade das

coisas. A filosofia primeira diz respeito também ao

princípio de todas as coisas, ao ser imutável que é o

princípio do mundo, ao ser absolutamente necessário

a tudo o que existe, se referindo àquilo que Aristóteles

chamará de primeiro motor imóvel.

• Ciências práticas: São as ciências que se ocupam

com as ações humanas. São aquelas cujo princípio

ou causa é o homem como agente da ação e cuja

finalidade é o próprio homem. Essa ciência se

refere às atividades humanas que têm sua origem

nas escolhas, nas vontades e na racionalidade dos

próprios homens. Fazem parte dessa ciência a ética,

que estuda a ação do homem enquanto ser que deve

ser preparado para viver na cidade, e a política,

que estuda o homem enquanto ser social, buscando

os fundamentos das ações humanas e as formas de

regimes políticos que seriam melhores para o bem

da comunidade.

• Ciências produtivas ou poiéticas: Referem-se à ação

do homem que fabrica as coisas. A finalidade da ação

está fora dela mesma, está no artefato, no produto,

no objeto produzido. Essas ciências são as técnicas

necessárias para a produção de coisas diferentes.

São tão numerosas quanto a capacidade produtiva

do homem, abrangendo a pintura, a escultura, a

arquitetura, a medicina, a guerra, a discussão,

a poesia, a engenharia, a tecelagem, a olaria,

a culinária, etc.

Dentre todas as ciências, evidentemente as mais elevadas,

aquelas que todos os homens deveriam buscar, são as

contemplativas ou teoréticas, pois elas dizem respeito

à natureza primeira e mais fundamental dos seres, ao

conhecimento verdadeiro, universal e necessário do ser,

sendo também chamadas de metafísica.

A metafísicaA metafísica é a busca por aquilo que está além da

matéria, ou seja, é a busca pela essência das coisas ou

daquela substância imaterial que seria o conhecimento

por excelência, o conhecimento do ser enquanto ser.

Na filosofia aristotélica, chamamos essa investigação de

filosofia primeira. A filosofia primeira ou metafísica é o

mais alto grau de conhecimento que o homem pode alcançar

sobre o mundo e o ser.

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Ao afirmar que “concebemos a filosofia como possuindo a

totalidade do saber, tanto quanto isto é possível, mas sem

possuir a ciência da cada objeto determinado”, Aristóteles

está dizendo que a filosofia primeira ou metafísica é a

mais difícil e a mais ampla de todas as ciências, uma vez

que sua busca se concentra nas coisas que estão mais

distantes das sensações, ou seja, nas essências que, apesar

de estarem nas próprias coisas, só podem ser concebidas

enquanto ideias ou conceitos dos seres. É precisamente a

ciência que se ocupa das realidades que estão acima das

realidades físicas. Dessa forma, a filosofia aristotélica busca

o conhecimento daquilo que está para além do mundo

empírico, uma realidade metaempírica. A metafísica,

sendo o conhecimento por excelência, tem sentido em si

mesma, não estando voltada para o conhecimento prático

e empírico, com utilidade imediata na vida dos homens.

A metafísica responde não às necessidades materiais da vida

humana, mas às necessidades espirituais, às necessidades

de saber, que são próprias e exclusivas do homem. Dessa

forma, o filósofo afirma que “todas as outras ciências

podem ser mais necessárias ao homem, mas superior a

esta nenhuma”.

Como compreender a realidade: a teoria do conhecimento

Ao contrário de Platão, Aristóteles concebia que a realidade

que existe é única e material. Enquanto Platão buscava

as verdades ou o conhecimento verdadeiro dos seres na

realidade inteligível, Aristóteles busca esse conhecimento,

a essência dos seres, na própria realidade existente. Essa

realidade é constituída por seres singulares, concretos e

mutáveis, e é nessa realidade que o homem deve buscar

as verdades através da experimentação desses seres.

É a partir das experiências da realidade empírica que

os homens devem estabelecer definições essenciais

dos seres e atingir o universal, que é o objetivo da

metafísica. Para isso, o sujeito conhecedor deve partir

dos dados sensíveis que lhe mostram o individual e o

concreto para alcançar, por um processo de indução

(da experiência dos seres particulares para um conceito

geral), as verdades universais ou essências dos seres.

Dessa forma, o conceito universal ou essência seria um

produto do intelecto humano e não uma ideia em si e por

si buscada em outra realidade, como queria Platão. Assim,

o homem poderia alcançar as estruturas primeiras dos seres

– o objeto da metafísica –, que seriam os conceitos gerais

obtidos por meio dos dados capturados pelos cinco sentidos.

Para compreendermos como é possível alcançar o

conhecimento dos seres, precisamos antes entender alguns

conceitos fundamentais da teoria do conhecimento de

Aristóteles.

Matéria e forma

• Matéria: É a matéria indeterminada da qual as

coisas são feitas. Segundo o estagirita, é a matéria

que compõe o mundo físico, aquilo de que uma coisa

é constituída. É o princípio de individualização do

ser. A matéria contém a potência ou a possibilidade

de o ser se transformar em outra coisa. Podemos

dizer que a matéria é aquilo que é perceptível

aos nossos sentidos. Por exemplo, a madeira é a

matéria, o substrato dos móveis de uma casa. Em si,

é indeterminada, pois pode receber a forma de uma

coisa ou outra. No exemplo anterior, a madeira pode

receber a forma de uma cadeira ou de uma mesa.

• Forma: É a maneira de acordo com a qual a matéria

de cada ser se individualiza e se dispõe. É o que

faz com que o ser seja aquilo que ele é. É a própria

essência do ser que lhe é intrínseca e faz com que ele

seja o que é. O que faz com que o objeto de madeira

seja cadeira é sua forma de cadeira.

Dessa maneira, a forma é comum aos indivíduos da

mesma espécie, sendo um princípio imaterial do ser. Assim,

a matéria contém as características particulares dos seres,

enquanto a forma é comum a todos os seres da mesma

espécie. As formas, na filosofia de Aristóteles, seriam as

ideias de Platão. Porém, se para este a ideia existe fora dos

seres, para Aristóteles, as ideias são abstraídas dos próprios

seres por meio do pensamento indutivo. Por exemplo:

a ideia de homem só é possível por meio de uma abstração

da forma que está contida em todos os homens reais. Pela

experiência de vários homens particulares, o intelecto separa

matéria e forma e alcança a forma, a ideia de homem por

meio da abstração.

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Substância e acidente• Substância: Na filosofia aristotélica, este conceito

tem duas definições. Substância pode ser entendida

como a existência de seres particulares, chamados

também de substâncias individuais ou essências

individuais (Ex. este cavalo, João, Maria, esta casa).

Também pode ser entendida como o objeto da

metafísica, que busca encontrar a substância do ser,

que seria o seu fundamento, sua causa e substrato,

aquilo que é imaterial dos seres, sendo que o seu

conhecimento representa o conhecimento verdadeiro.

No segundo sentido, Abbagnano dirá que esta é a

essência necessária ou substância, que é o verdadeiro

objeto do saber ou da ciência aristotélica. Sem a

essência, não poderíamos conhecer o ser em sua

realidade primeira. Segundo Aristóteles, faz parte da

substância do homem ser um animal racional e um

animal político.

• Acidente: É a característica circunstancial do ser.

Aquilo que varia entre os seres da mesma categoria

sem, no entanto, atingir ou modificar a sua essência.

O homem ser alto ou baixo, magro ou gordo são

características acidentais. Já o homem ser racional

e político é uma característica essencial.

• Necessidade e contingência: Juntamente à

essência e ao acidente, podemos diferenciar as

características do ser em necessárias e contingentes.

• Necessário é a essência ou substância, pois sem

elas as coisas não seriam o que são.

• Contingentes são as características não essenciais

do ser, os acidentes.

Potência e Ato

• Potência: Relaciona-se com a matéria. A matéria

madeira é potência, pois pode receber a forma de

uma cadeira, de uma mesa, de um objeto artístico,

etc. O bronze é potência da estátua porque possui

efetiva capacidade de receber e de assumir a forma

da estátua. O ferro é potência de inúmeros objetos

que podemos ser construídos com o ferro, pois pode

assumir as formas desses vários objetos.

• Ato: Relaciona-se com a forma. O ato é a atualização

da forma na potência. O ato é oposto à potência,

que é o ser na sua capacidade de se desenvolver.

Exemplo: A semente é a árvore em potência. A árvore

é o ato da semente.

A importância desses conceitos está na possibilidade

de se explicar o movimento de transformação dos seres.

Os seres se transformam da potência para o ato. Aquilo

que é possível se torna real, atualizado. A madeira é

potência e pode se transformar em uma cadeira. Quando

a transformação acontece, a potência se transformou

em ato.

A forma, por ser sempre um ato, é o real; a matéria,

por ser sempre uma potência, é o possível. O real é mais

perfeito do que o possível, por isso, a forma é mais perfeita

do que a matéria e a “empurra” para a atualização do

possível.

A teoria das quatro causas

Se a metafísica é o estudo das causas primeiras, temos

que definir então quais são essas causas a que Aristóteles se

refere. Ou seja, para se alcançar o conhecimento verdadeiro

dos seres, é necessário conhecer também as causas que o

constituem.

Causa material: É a matéria de que a coisa é feita.

Exemplo: A madeira é a matéria de que a cadeira é feita,

logo, a causa material da cadeira é a madeira.

Causa formal: É a essência que constitui a coisa. É o

princípio sem o qual a coisa não seria o que é. É a forma

ou modelo do ser. Exemplo: A cadeira é a forma do objeto

que a madeira adquire para se tornar uma cadeira real.

Causa eficiente: É aquela que realiza a transformação

de potência em ato. É o ser que age sobre a potência

imprimindo nela o ato. É o agente da transformação.

Exemplo: O carpinteiro é a causa eficiente da cadeira.

Causa final: É o objetivo, o porquê da coisa, a sua

finalidade. Exemplo: O carpinteiro que fez a cadeira para

ser utilizada como assento. Segundo Aristóteles, todas

as coisas existentes têm um propósito, uma finalidade,

e deveriam cumprir a finalidade pela qual existem ou

foram criadas.

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A psicologia

Aristóteles, em sua obra Sobre a Alma, trata da

complexidade da alma. Ao se referir não à alma, mas a

almas, entendemos que, como Platão, ele acredita que a

alma não é formada como uma só coisa, mas tem dimensões

distintas. O objetivo da psicologia aristotélica é descobrir a

natureza e a essência da alma, tentando desvendar seus

atributos e seus vários aspectos ou faculdades.

Segundo o estagirita, podemos identificar várias almas

dos seres vivos:

Alma ou faculdade nutritiva e reprodutiva: Existe

em todos os seres vivos. É responsável pelas faculdades

de sobrevivência e perpetuação por meio da reprodução.

Alma ou faculdade sensitiva: É característica somente

dos homens e dos animais. Está ligada à capacidade dos

seres de perceberem, sentirem as coisas. Diz respeito aos

cinco sentidos (tato, olfato, paladar, audição e visão). Está

na base do conhecimento, uma vez que este é obtido por

meio dos sentidos. À faculdade sensitiva estão ligadas as

funções de sentir dor e prazer e também da imaginação

e da lembrança, estas últimas presentes apenas nos

homens.

Alma ou faculdade locomotora-apetitiva: Essa

faculdade é responsável pela busca do prazer e fuga da dor.

Nos homens, refere-se não só à locomoção e sensações,

mas também à imaginação.

Alma ou faculdade racional: É característica exclusiva

do homem e tem como função o conhecimento intelectual.

Ética: o meio termo ou justa medida

Após tratar das ciências teoréticas, Aristóteles trata

das ciências práticas, aquelas que dizem respeito ao

comportamento dos homens vivendo em sociedade e o

fim que eles querem atingir, tanto indivíduos quanto como

seres políticos. O princípio fundamental que guiará toda a

reflexão aristotélica é a noção de felicidade. Para o filósofo,

todas as ações humanas têm um fim que devem alcançar,

que seria o seu “bem” último. Todas essas ações, em

conjunto, tenderiam para o bem supremo do homem, que

é a felicidade.

Por felicidade, Aristóteles entende a busca pelo

aperfeiçoamento. Dessa forma, o homem precisa se tornar

perfeito exatamente naquilo que o separa de todos os outros

seres, ou seja, na capacidade racional.

Felicidade não seria a posse de bens materiais, nem

o prazer do gozo e desmedido, nem a honra diante dos

homens. O homem, enquanto ser racional, tem como fim

a realização de sua natureza específica, a racionalidade.

É exatamente na realização de sua natureza de ser racional

que consiste a felicidade.

Como já vimos, o homem não tem somente uma alma

racional, mas possui também uma alma ou natureza

apetitiva que busca a satisfação dos prazeres. Porém, ele

não deve se entregar a esses prazeres, devendo submetê-los

à sua capacidade racional. Tais apetites e instintos se

opõem à razão, mas podem ser regulados e submetidos

a ela. Tal submissão ocorre por meio das virtudes éticas,

pelas quais a razão impõe sua determinação aos apetites

e instintos, podendo dominá-los. Tais virtudes constituem

o que conhecemos por “justa medida” ou “meio termo”,

que seria a medida entre o excesso e a falta. Exemplos:

O sentimento original é o prazer, seu excesso é a

libertinagem, sua falta é a insensibilidade, seu meio

termo ou virtude é a temperança. Honra: seu excesso é a

vulgaridade, sua falta é a vileza, sua virtude é o respeito

próprio. Generosidade: seu excesso é a prodigalidade, sua

falta é a avareza e sua virtude é a liberalidade.

Dessa maneira, praticando constantemente a virtude,

tornando-a hábito, modo de ser, ela se torna a vitória da

razão sobre os instintos. Segundo Aristóteles, o homem não

nasce bom, mas torna-se bom a partir da prática da virtude,

alcançando assim a felicidade.

A cidade e o cidadão: a política

Fonte: LAERTE. Classificados. São Paulo: Devir, 2001. p. 25.

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Segundo Aristóteles, o homem é um “animal político”. Isto significa que o homem nasceu para viver na cidade, em comunidade e não pode se realizar, encontrar a felicidade, sem que conviva com os demais homens. Aristóteles dirá que o homem político, o cidadão da polis, é aquele que participa da vida política da cidade, que ocupa cargos na administração pública. Os escravos e estrangeiros, assim como os homens livres que não tinham tempo para se dedicar à política, acabavam sendo meios para atingir a felicidade dos verdadeiros cidadãos. O pensamento aristotélico traz o preconceito claro da cultura grega de seu tempo: aqueles que não são cidadãos, os escravos (bárbaros presos de guerra) e estrangeiros têm uma natureza inferior à do homem grego.

Estela funerária de Mnesarete. Um jovem escravo encara sua falecida patroa. 380 a.C.. Glyptothek, Munique, Alemanha.

De acordo com o filósofo, o Estado pode ter diferentes formas de governo, ou seja, diferentes estruturas ou constituições. Assim, Aristóteles dirá que o Estado pode se organizar a partir do governo de um só homem, de vários homens ou de todos os homens. Porém, seja qual for sua organização, o governo do Estado deve sempre garantir o bem comum. Se assim não for, ele se torna corrupto, pois somente considera os anseios de alguns e não de todos.

Aristóteles assim classifica os modos de governo possíveis:

Governo a favor de todos – Formas corretas –

Governo a favor de poucos – Formas

corruptas –

Monarquia Despotismo ou tirania

Aristocracia Oligarquia

Politía Democracia ou demagogia*

Para o estagirita, as melhores formas de governo, em

abstrato, seriam a monarquia e a aristocracia. Porém, na

prática, a politía seria a mais adequada porque valorizaria

o segmento médio.

* Democracia seria um governo que se tornaria alheio ao bem comum e favoreceria de maneira desproporcional os interesses dos mais pobres. Segundo o filósofo, se todos os homens são iguais na liberdade, não necessariamente o seriam em outros aspectos da vida.

EXERCÍOS DE FIXAÇÃO

01. É neste contexto que Platão fala do Demiurgo, uma

espécie de deus-artífice que criou todas as coisas do

mundo sensível tendo como base as ideias ou formas do

mundo inteligível.

De acordo com o estudado, EXPLIQUE com suas palavras

a relação existente entre sensível e inteligível para Platão.

02. Você está acompanhando, Sofia? E agora vem Platão.

Ele se interessava tanto pelo que é eterno e imutável

na natureza quanto pelo que é eterno e imutável na

moral e na sociedade. Sim... para Platão tratava-se,

em ambos os casos, de uma mesma coisa. Ele tentava

entender uma “realidade” que fosse eterna e imutável.

E, para ser franco, é para isto que os filósofos existem.

Eles não estão preocupados em eleger a mulher mais

bonita do ano, ou os tomates mais baratos da feira. (E

exatamente por isso nem sempre são vistos com bons

olhos). Os filósofos não se interessam muito por essas

coisas efêmeras e cotidianas. Eles tentam mostrar o

que é “eternamente verdadeiro”, “eternamente belo”

e “eternamente bom”.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. Tradução de João Azenha

Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 98.

De acordo com o estudado sobre Platão, EXPLIQUE

o que querem dizer as referências feitas àquilo que

é “eternamente verdadeiro”, “eternamente belo” e

“eternamente bom” e por que tais termos são importantes

para a filosofia platônica.

03. Porém, a diferença mais importante entre os mestres

da filosofia antiga e ocidental é a rejeição de Aristóteles

ao dualismo platônico expresso nas duas realidades, o

sensível, mundo real e imperfeito, e o inteligível, mundo

ideal, das formas perfeitas.

EXPLIQUE, segundo o estudado sobre Aristóteles, por

que o filósofo rejeita o dualismo platônico e onde ele

acredita poder encontrar a verdade.

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EXERCÍCIOS PROPOSTOS

01. (UFMG) Leia este trecho:

A educação, disse eu, seria uma arte da reviravolta, uma

arte que sabe como fazer o olho mudar de orientação

do modo mais fácil e mais eficaz possível; não a arte de

produzir nele o poder de ver, pois ele já o possui, sem

ser corretamente orientado e sem olhar na direção que

deveria, mas a arte de encontrar o meio para reorientá-lo.

PLATÃO. República. VII 518D.

Na imagem proposta por Platão, sair da caverna

representa a educação como uma reviravolta.

Com base na leitura desse trecho e em outras informações

presentes nessa obra, REDIJA um texto explicando o que

significa essa reviravolta.

02. Como a temperança, também a justiça é uma virtude

comum a toda a cidade. Quando cada uma das classes

exerce a sua função própria, “aquela para a qual a sua

natureza é a mais adequada”, a cidade é justa. Esta

distribuição de tarefas e competências resulta do fato de

que cada um de nós não nasceu igual ao outro e, assim,

cada um contribui com a sua parte para a satisfação das

necessidades da vida individual e coletiva. [...] Justiça é,

portanto, no indivíduo, a harmonia das partes da alma

sob o domínio superior da razão; no estado, é a harmonia

e a concórdia das classes da cidade.

PIRES, Celestino. Convivência política e noção tradicional de

justiça. In: BRITO, Adriano N. de; HECK, José N. (Org.). Ética e

política. Goiânia: Editora da UFG, 1997. p. 23.

REDIJA um texto explicando o conceito de justiça para

Platão e como essa ideia é essencial para a felicidade da

cidade.

03. Conhecer é relembrar.

De acordo com o estudado sobre a teoria de Platão acerca

da reminiscência da alma, EXPLIQUE a citação anterior.

04. Sócrates – Tomemos como princípio que todos os

poetas, a começar por Homero, são simples imitadores

das aparências da virtude e dos outros assuntos de que

tratam, mas que não atingem a verdade. São semelhantes

nisso ao pintor de que falávamos há instantes, que

desenhará uma aparência de sapateiro, sem nada

entender de sapataria, para pessoas que, não percebendo

mais do que ele, julgam as coisas segundo a aparência?

Glauco – Sim.

PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo:

Nova Cultural, 1997. p. 328.

De acordo com o estudado sobre Platão, REDIJA um texto

explicando qual é a sua crítica às artes e FUNDAMENTE o

texto com argumentos da teoria do conhecimento de Platão.

05. Todos os homens, por natureza, desejam conhecer. Sinal

disso é o prazer que nos proporcionam os nossos sentidos;

pois, ainda que não levemos em conta a sua utilidade, são

estimados por si mesmos; e, acima de todos os outros,

o sentido da visão. [...] Por outro lado, não identificamos

nenhum dos sentidos com a sabedoria, se bem que eles nos

proporcionem o conhecimento mais fidedigno do particular.

Não nos dizem, contudo, o porquê de coisa alguma.

ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro.

Porto Alegre: Globo, 1969. p. 36 e 38.

REDIJA um texto caracterizando e explicando o tipo de

conhecimento expresso no trecho anterior.

06. (UFMG) Leia este trecho:

[...] aquele que não faz parte de cidade alguma [ápolis],

por natureza e não por acaso, é inferior ou superior a

um homem.

ARISTÓTELES. Política. 1253a.

Com base na leitura desse trecho e em outras informações

presentes nessa obra de Aristóteles, REDIJA um texto

justificando, do ponto de vista do autor, essa afirmação.

07. (UFMG–2006) Leia este trecho:

Voltemos novamente ao bem que estamos procurando

e indaguemos o que ele é, pois não se afigura igual

nas distintas ações e artes; é diferente na medicina, na

estratégia e em todas as demais artes do mesmo modo.

Que é, pois, o bem de cada uma delas? Evidentemente,

aquilo em cujo interesse se fazem todas as outras

coisas. Na medicina é a saúde, na estratégia a vitória,

na arquitetura uma casa, em qualquer outra esfera

uma coisa diferente, e em todas as ações e propósitos

é ele a finalidade; pois é tendo-o em vista que os

homens realizam o resto. Por conseguinte, se existe

uma finalidade para tudo que fazemos, essa será o bem

realizável mediante a ação [...] Mas procuremos expressar

isto com mais clareza ainda. Já que, evidentemente, os

fins são vários e nós escolhemos alguns entre eles [...],

segue-se que nem todos os fins são absolutos; mas o

sumo bem é claramente algo de absoluto. Portanto, se só

existe um fim absoluto, será o que estamos procurando

[...] Ora, nós chamamos aquilo que merece ser buscado

por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece

ser buscado com vistas em outra coisa [...] Ora, esse é

o conceito que preeminentemente fazemos da felicidade.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco (Livro I, 1097 a . 1097 b).

Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril

Cultural, 1979. p. 54-55.

Com base na leitura desse trecho e considerando outras

ideias presentes nessa obra de Aristóteles, JUSTIFIQUE

esta afirmativa:

É absurdo perguntar para que queremos ser felizes.

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08. (UFMG–2008) Leia este trecho:

Com efeito, ter a noção de que a Cálias, atingido de tal

doença, tal remédio deu alívio, e a Sócrates também, e,

da mesma maneira, a outros tomados singularmente, é

da experiência; mas julgar que tenha aliviado a todos os

semelhantes, determinados segundo uma única espécie,

atingidos de tal doença, como os fleumáticos, os biliosos

ou os incomodados por febre ardente, isso é da arte.

ARISTÓTELES. Metafísica. Livro I, cap. I. Tradução de

Vinzenzo Cocco. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

Com base na leitura desse trecho e considerando outras

informações presentes nessa obra de Aristóteles, REDIJA

um texto, explicando, do ponto de vista do autor, a

diferença entre arte (conhecimento técnico) e experiência.

SEÇÃO ENEM01. Logo, desde o nascimento, tanto os homens como os

animais têm o poder de captar as impressões que atingem

a alma por intermédio do corpo. Porém relacioná-las com

a essência e considerar a sua utilidade, é o que só com

tempo, trabalho e estudo conseguem os raros a quem

é dada semelhante faculdade. Naquelas impressões,

por conseguinte, não é que reside o conhecimento, mas

no raciocínio a seu respeito; é o único caminho, ao que

parece, para atingir a essência e a verdade; de outra

forma é impossível.

PLATÃO. Teeteto. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém:

Universidade Federal do Pará, 1973. p. 80.

Platão acredita que o conhecimento verdadeiro é possível

de ser alcançado pelo homem. A parte da filosofia que

trata da possibilidade do conhecimento é denominada

epistemologia. De acordo com a epistemologia de Platão,

para chegar ao conhecimento seguro, seria necessário que

A) os homens confiassem nas impressões que recebem do mundo sensível, pois estas levam à formação de ideias por meio da repetição das experiências.

B) as impressões fossem comuns a todos os homens, uma vez que todos possuem as mesmas capacidades sensitivas que permitem o conhecimento do mundo.

C) os homens desconfiassem dos sentidos, pois suas variações entre os indivíduos podem levar à imprecisão sobre os objetos, fonte do conhecimento.

D) o raciocínio humano a respeito das impressões fosse analisado em seus pormenores, uma vez que o conhecimento verdadeiro não pode admitir falhas ou erros.

E) os homens se dedicassem ao exercício da razão, uma vez que os sentidos, sendo imprecisos e variando em seus dados de homem para homem, podem levar ao engano.

GABARITO

Fixação01. Platão separa a realidade em duas dimensões.

A realidade imaterial ou inteligível é a realidade do mundo superior, em que existem as ideias perfeitas e imutáveis. A realidade material ou sensível é a realidade do mundo real que pode ser percebida pelos sentidos. Esta realidade sensível é a cópia da realidade inteligível. Lá estão as formas, os modelos ideais que foram utilizados pelo Demiurgo, espécie de semideus, para criar todas as coisas do sensível. O que há no inteligível só pode ser conhecido por meio da razão, enquanto o sensível pode ser conhecido pela experiência.

02. O “eternamente verdadeiro”, “eternamente belo” e “eternamente bom” referem-se às ideias do inteligível, ou ideias perfeitas, que são a origem e a essência do mundo sensível. A preocupação central da filosofia platônica é com o conhecimento verdadeiro, aquele que não é adquirido pela impressão das coisas no sensível, mas que é adquirido pelos homens na realidade superior, que é a realidade inteligível. Os termos se referem exatamente às ideias que são a perfeitas e imutáveis, por isso eternamente verdadeiras, eternamente belas e eternamente boas.

03. Aristóteles, apesar de ser discípulo de Platão, discorda de seu mestre em relação ao caminho para o conhecimento, o que é chamado na filosofia de epistemologia. Segundo Aristóteles, não haveria dois mundos, como Platão afirmara, diferenciando um como perfeito e imutável e outro como imperfeito e mutável. Para Aristóteles, existe uma única realidade, e é nela que os homens devem encontrar as verdades. Desse modo, sua metafísica não busca o que está fora dos seres, mas busca nos próprios seres sua substância ou essência, que são encontradas pelo método indutivo, partindo da experiência sensível dos seres.

Propostos01. Para Platão, o significado dessa reviravolta seria

a introdução de uma ciência numa alma que redirecionasse o olhar que estaria atrelado ao conhecimento sensível, este preso às crenças e opiniões (doxa), no qual poderíamos afirmar que não havia a “luz da verdade”. Esta passagem (poreia) ao conhecimento inteligível, este representado pela saída do “homem” da caverna (filósofo), se daria a partir do processo educacional (paideia) no qual homem seria corretamente orientado. Assim, após inúmeras ciências trabalhadas, o homem estaria apto a maior de todas as ciências, a dialética. Esta faria a conversão da alma, da noite para o dia, das trevas para a luz, e afastaria o “olhar” da alma da lama grosseira para elevá-la para a região superior (topos).

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02. Segundo Platão, justiça é a ordem determinada pela própria natureza última dos seres. Dessa forma, ser justo, seria obedecer tal ordem, pois esta faz com que as coisas estejam de acordo com sua própria finalidade. Na citação anterior, Platão trata de sua teoria política, da ordem natural da cidade, formando então a cidade justa. Nesta, os melhores em inteligência, educados adequadamente na dialética pelos filósofos, seriam os responsáveis pelo governo, os chamados reis-filósofos. Abaixo destes, estaria a classe dos guerreiros ou soldados que, fiéis aos governantes, fariam com que as leis determinadas por estes fossem cumpridas pelo povo, que ocuparia o último estamento dessa pirâmide hierárquica. Dessa maneira, cumpriria-se a justiça na cidade, uma vez que cada homem ocuparia seu lugar e realizaria suas atividades segundo sua própria natureza. Só assim, segundo o filósofo, a cidade poderia ser feliz, ou seja, cada homem seria feliz quando ocupasse seu lugar devido, de acordo com sua natureza, e a própria cidade, governada dessa forma, proporcionaria a todos as condições para a felicidade.

03. De acordo com a teoria do conhecimento de Platão, o conhecimento é resultado de um processo de lembrança de reminiscência. As ideias ou o conhecimento verdadeiro já estão no homem, que, uma vez no mundo inteligível, contemplava as ideias, como narra o mito de Er. Porém, a alma que um dia esteve na verdade perdeu suas asas e bebeu da água do rio do esquecimento, ao encarnar-se num corpo material. A partir desse momento, a alma daqueles que querem conhecer está em um contínuo processo de recordação, tentando, impulsionada pelo amor, recordar das ideias que um dia contemplou. Desse modo, o conhecimento é somente lembrança da verdade, que consiste nas ideias inteligíveis.

04. Segundo Platão, há duas realidades que são essencialmente diferentes. A realidade inteligível é perfeita e fonte de tudo o que existe na realidade sensível. Ou seja, o que há na realidade sensível é cópia imperfeita das ideias do inteligível. Uma vez que o homem busca o conhecimento, este deve ser daquilo que é verdadeiro em si, ou seja, das ideias e não das cópias. As obras de arte são as representações do que já é representação, é a cópia da cópia. Dessa forma, as obras de arte não aproximam o homem da verdade, mas o colocam mais preso às coisas materiais, não libertando a alma para que encontre o verdadeiro conhecimento.

05. O tipo de conhecimento da citação anterior é o conhecimento empírico ou sensível. Aristóteles acredita que o único caminho até o conhecimento verdadeiro é o uso da experiência, dos cinco sentidos. Dessa forma, a verdade é resultado das experiências do homem, quando este apreende, pelos sentidos, principalmente pela visão, os dados empíricos, sensíveis dos seres, que levam à ideia do ser, à sua essência ou substância. Tal processo lógico é conhecido como indução, pois parte das experiências particulares de seres da mesma espécie para se alcançar uma ideia geral sobre o ser.

06. Sabemos que Aristóteles coloca o homem como um “homem político”, “um ser social” dotado de um “instinto social”. Assim, o filósofo trabalha, nesse fragmento, a posição do homem perante a cidade a partir de dois pontos:

1º O homem poderia ser superior se pudesse subsistir somente com ele próprio, sem a necessidade do outro. Este homem seria, acima de qualquer outro homem, “normal”, uma vez que esse homem “normal” necessariamente precisaria de uma sociedade para viver.

2º O homem seria inferior, pois estaria fora da necessidade do homem da polis. Estaria em um estado de “condição natural”, ou seja, não estaria como homem, mas como um animal que não é político e subsiste de forma independente.

07. Ao analisarmos a obra de Aristóteles, Ética a Nicômaco, nos deparamos com o fato de que sermos felizes constitui uma atividade, e esta felicidade é realizada a partir de ações. Em cada ação, o homem busca um bem que é um bem si mesmo, um bem absoluto, e este bem se chama felicidade (eudaimonia). Ressaltamos que a busca da felicidade se dá a partir de ações que são realizadas no decorrer da vida, não somente restrita a um único momento. Dessa forma, seria absurdo perguntarmos para que queremos ser felizes, uma vez que a felicidade se constitui em cada ação realizada pelo homem, na busca do sumo bem (bem supremo) mediante a sua razão (atividade da alma segundo a razão). O homem deverá buscar o bem supremo, a felicidade, numa atividade constante, tendo assim o hábito para que atinja constantemente este bem maior no final de cada ação e no decorrer de sua vida, como ressaltado por Aristóteles. Para o filósofo, a felicidade plena é alcançada quando o homem exerce aquilo que o diferencia dos outros seres, a racionalidade, e esta, encontrando as virtudes entendidas com o justo meio entre os excessos e extremos, diz o que o homem deve fazer para se tornar um bom cidadão.

08. Para Aristóteles, a primeira forma de conhecimento que adquirimos se faz a partir da experiência. Esta é formada a partir das sensações, arquivadas na memória e que, com a repetição, funda uma experiência única. A experiência é um conhecimento singular, particular, no qual o homem que a executa sabe como fazer, porém não conhece as razões, nem os porquês, mas sabe que resultará em uma ação efetiva, por exemplo, o remédio que deu alívio a Cálias e, logo após, a Sócrates. No momento em que o homem consegue unir várias experiências e colocá-las a partir de princípios universais, de juízos universais, cria-se a arte, por exemplo, saber que todos os doentes atingidos por tal doença serão aliviados. Arte é o conhecimento dos homens teóricos, que dominam os conhecimentos técnicos e que, por sua vez, sabem fazer e sabem “os porquês”. Portanto, Aristóteles julga que há mais saber e conhecimento na arte do que na experiência, que os homens de arte são mais sábios que os homens de experiência. No entanto, a arte ainda não é o conhecimento por excelência, obtido somente com a teoria ou ciência (metafísica)

Seção Enem01. E

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