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Tribunal de Contas da União Secretaria das Sessões
ATA Nº 20, DE 8 DE JUNHO DE 2016
- SESSÃO EXTRAORDINÁRIA -
PLENÁRIO
APROVADA EM 21 DE JUNHO DE 2016
PUBLICADA EM 22 DE JUNHO DE 2016
ACÓRDÃO Nº 1441
2
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
ATA Nº 20, DE 8 DE JUNHO DE 2016
(Sessão Extraordinária do Plenário)
Presidência: Ministro Aroldo Cedraz de Oliveira (Presidente)
Representante do Ministério Público: Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin
Secretário das Sessões: AUFC Luiz Henrique Pochyly da Costa
Subsecretária do Plenário, em substituição: AUFC Elenir Teodoro Gonçalves dos Santos
Às 10 horas e 42 minutos, o Presidente Aroldo Cedraz declarou aberta a sessão extraordinária do
Plenário, com a presença dos Ministros Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Augusto Nardes,
Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro, Ana Arraes, Bruno Dantas e Vital do Rêgo, dos Ministros-
Substitutos Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira e do Procurador-
Geral Paulo Soares Bugarin. Ausente, com causa justificada, o Ministro-Substituto Augusto Sherman
Cavalcanti.
Comunicou, então, que a sessão extraordinária fora convocada para apreciação de Incidente de
Uniformização de Jurisprudência a respeito da prescrição da pretensão punitiva do Tribunal de Contas da
União e concedeu a palavra ao relator, Ministro Benjamin Zymler, para relatar o TC-030.926/2015-7.
Concluída a leitura do relatório, do voto e da minuta de acórdão pelo relator e apresentadas as
declarações de votos pelos Ministros Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes, Raimundo Carreiro,
José Múcio Monteiro, Bruno Dantas e Vital do Rêgo, foram colhidos os votos e o Plenário proferiu, por
maioria, o Acórdão nº 1441/2016, abaixo transcrito. Sagrou-se vencedora a proposta apresentada pelo
Ministro Walton Alencar Rodrigues (v. textos em anexo a esta Ata);
ACÓRDÃO Nº 1441/2016 – TCU – Plenário
1. Processo nº TC 030.926/2015-7
2. Grupo II – Classe de Assunto: VII (Incidente de uniformização de jurisprudência)
3. Interessado: Tribunal de Contas da União
4. Órgão/Entidade: não há
5. Relator/Revisor:
5.1. Relator: Ministro Benjamin Zymler
5.2. Redator: Ministro Walton Alencar Rodrigues
6. Representante do Ministério Público: Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin
7. Unidade Técnica: não há
8. Representação legal: não há
9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência
suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues Chang,
Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC 007.822/2005-
4);
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as
razões expostas pelo Redator, em:
9.1. deixar assente que:
9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de
prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;
9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da
irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;
9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que trata
o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;
3
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a
audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;
9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais
de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido
pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, sendo que a
paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos elementos
adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta
da diligência, nos termos do art. 160, §2º, do Regimento Interno;
9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da
parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992;
9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos
processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de
apreciação de recurso por este Tribunal;
9.2. determinar à Secretaria-Geral Adjunta de Tecnologia da Informação que adote as providências
necessárias para que seja desenvolvida, no sistema e-TCU, funcionalidade para o controle da interrupção
e suspensões de prazo prescricional de que trata este acórdão;
9.3. encaminhar cópia do acórdão, assim como do relatório e voto que o fundamentam, à Comissão
de Jurisprudência, nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno;
9.4. remeter os autos do TC 007.822/2005-4 ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos
do art. 91, § 2º, do Regimento Interno.
10. Ata n° 20/2016 – Plenário.
11. Data da Sessão: 8/6/2016 – Extraordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1441-20/16-P.
13. Especificação do quorum:
13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (Presidente), Walton Alencar Rodrigues (Redator),
Benjamin Zymler (Relator), Augusto Nardes, Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro, Ana Arraes,
Bruno Dantas e Vital do Rêgo.
13.2. Ministros com voto vencido: Benjamin Zymler (Relator), Augusto Nardes e Raimundo
Carreiro.
13.3. Ministros-Substitutos presentes: Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder
de Oliveira.
ENCERRAMENTO
Às 13 horas e 27 minutos, o Presidente Aroldo Cedraz encerrou a sessão extraordinária, da qual foi
lavrada esta ata, a ser aprovada pelo Presidente e homologada pelo Plenário.
ELENIR TEODORO GONÇALVES DOS SANTOS
Subsecretária do Plenário, em substituição
Aprovada em 21 de junho de 2016.
AROLDO CEDRAZ DE OLIVEIRA
Presidente
ANEXO DA ATA Nº 20, DE 8 DE JUNHO DE 2016
(Sessão Extraordinária do Plenário)
4
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Relatório e Voto do Ministro Benjamin Zymler acerca do processo TC-030.926/2015-7, e as
declarações de votos apresentadas pelos ministros Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes,
Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro, Bruno Dantas e Vital do Rêgo, bem como o Acórdão nº
1441/2016, aprovado pelo Plenário.
GRUPO II – CLASSE IV – Plenário
TC 030.926/2015-7
Natureza: Tomada de Contas Especial (Incidente de Uniformização de Jurisprudência)
Interessado: Tribunal de Contas da União.
Representação legal: não há.
SUMÁRIO: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PRAZO
PRESCRICIONAL DAS SANÇÕES APLICADAS PELO TCU. SUBORDINAÇÃO AO PRAZO
GERAL DE PRESCRIÇÃO INDICADO NO ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL, CONTADO A PARTIR
DA DATA DE OCORRÊNCIA DA IRREGULARIDADE SANCIONADA. INTERRUPÇÃO, POR
UMA ÚNICA VEZ, COM A AUDIÊNCIA, CITAÇÃO OU OITIVA VÁLIDA. REINÍCIO DA
CONTAGEM LOGO APÓS O ATO QUE INTERROMPEU A PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO
PROCESSO QUANDO A MORA FOR IMPUTADA AO JURISDICIONADO.
RELATÓRIO
Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência instaurado para retomar as discussões
acerca do prazo prescricional das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas da União.
2. Inicialmente a matéria estava sendo tratada nos processos TC 007.822/2005-4 e
TC 011.101/2003-6, ambos de minha relatoria. Todavia, diante da importância do tema e da notória
divergência jurisprudencial, consignada inclusive nos Votos Revisores apresentados em ambos, entendi
que estavam presentes os requisitos para que este Tribunal resolvesse incidente de uniformização de
jurisprudência, nos termos do art. 91 do Regimento Interno do TCU.
3. Com o intuito de não deixar dúvidas acerca do objeto do presente incidente de uniformização,
serão transcritos os Votos apresentados e, também, o Parecer do Ministério Público (exarado com base no
art. 91, § 1º, do Regimento Interno do TCU).
Voto do Ministro Walton Alencar Rodrigues
“Trata-se de recursos de reconsideração interpostos por Manoel Catarino Paes Peró, Paulo César
de Lorenzo, Rildo Leite Ribeiro e Marilene Rodrigues Chang, contra o Acórdão 3.298/2011, Plenário,
que lhes julgou irregulares as contas e os condenou ao ressarcimento do débito e ao pagamento de
multa.
O E. Relator propõe conhecer dos recursos, para dar-lhes parcial provimento, em razão da
incidência da prescrição quinquenal no caso concreto. As razões que levam o relator a concluir por esse
prazo prescricional são apresentadas no voto que integra o Acórdão 1.314/2013, Plenário, que
reproduzo, em parte:
“22. Evoluindo entendimento anteriormente esposado em outras situações, devo admitir que a falta
de disposição legal a respeito do tema na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) implica extrair-se do
próprio Direito Administrativo, dada a sua independência científica, as bases para a integração dessa
lacuna, que impacta diretamente o poder sancionador desta Corte de Contas. Seguindo tal raciocínio,
penso que se há prazo próprio em ramo autônomo do Direito Público não há porque se insistir no uso, por
meio da analogia, de norma essencialmente disciplinadora das relações jurídicas privadas.
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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
23. Sendo assim, fazendo uso de tal critério de integração, entendo que o prazo prescricional para
que o TCU aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve mesmo ser o de cinco anos,
conforme previsto em diversas normas de direito público, a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei
8.429/1992, do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do Decreto 20.910/1932, do art. 174 do
Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999 e art. 1º da Lei 6.838/1980 e do art. 46 da Lei
12.529/2011.” (grifei)
A lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992) estabelece que as ações destinadas a impor
as sanções nela previstas podem ser propostas no “prazo prescricional previsto em lei específica para
faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo
efetivo ou emprego” (art. 23, inciso II). A Lei 8.112/1990, por sua vez, estabelece que o prazo de
prescrição para as infrações disciplinares “começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”
(art. 142, § 1º).
Conjugando esses dispositivos, conclui o relator que o prazo prescricional para imposição das
multas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei Orgânica é contado a partir da “data em que os fatos tidos
como irregulares se tornaram conhecidos no âmbito do Tribunal”.
Argumenta, por fim, que “a citação e a audiência válidas interrompem a prescrição para a
aplicação da multa”, nos termos dos arts. 202, inciso I, do Código Civil, e 219 do Código de Processo
Civil.
II
Com a devida vênia, no Acórdão 1.314/2013, o TCU não examinou o tema da prescrição. O
Plenário limitou-se a acolher a proposição, no sentido de “não conhecer da representação, haja vista o
não cumprimento dos requisitos de admissibilidade”, nos termos da proposta da Consultoria Jurídica do
TCU, autora da representação.
Desta forma, o Plenário não discutiu, nem deliberou, sobre a tese de prescrição quinquenal. As
considerações em favor de tal tese, naquele processo, não têm aptidão para inaugurar, no caso concreto,
novo entendimento jurisprudencial, ou servir de marco temporal para aplicação da prescrição, agora
com o novel prazo quinquenal.
Por essa razão, discordo, desde logo, da possibilidade de o Tribunal haver acolhido - naquela
assentada, ou em qualquer outro momento, ainda que de maneira reflexa - a tese da prescrição
quinquenal, para a aplicação de multas e passo a declinar as razões que me orientam e impelem nessa
convicção.
No Estado que se pretende Democrático de Direito, o primado da segurança jurídica consagra-se
como conquista fundamental e visa a excluir da prática estatal ações que hostilizam a legitimação do
Poder pela correção do procedimento.
A propósito, no Estado Democrático de Direito, já se supera “a ideia de ato discricionário e se
reconhece que apenas alguns aspectos do ato administrativo envolvem margem de liberdade de escolha
para o agente público. Os controles à atividade administrativa do Estado são cada vez mais amplos. É
inquestionável que toda liberdade atribuída ao agente estatal tem de ser exercida de modo compatível
com os princípios e regras fundamentais” (Curso de Direito Administrativo, Marçal Justen Filho, fl. 79).
O Estado Democrático de Direito caracteriza-se, sobretudo, pela obediência da Constituição, cuja
supremacia, no estabelecer a principiologia da legalidade, da universalidade de jurisdição e dos direitos
fundamentais, é plenamente adotada, com abrangente vinculação sobre a interpretação de todas as
normas. Nele, a legitimidade da ação estatal decorre da correção dos procedimentos adotados, sempre
com albergue na Constituição Federal.
No caso concreto, a contínua regulação do exercício da atividade estatal, no campo dos direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos, está adequadamente exposta no art. 37, § 5º, da Constituição,
segundo o qual as ações destinadas a cominar sanções, decorrentes de prática de atos ilícitos, têm seus
prazos prescricionais fixados por lei, lei formal e material, com forma e conteúdo de lei, in verbis:
“Art. 37. (...)
6
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor
ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” (grifei)
Dessa forma, a partir da direta, inequívoca e abrangente expressão do texto constitucional, a fixar
a reserva da lei, a questão da possibilidade de incidência de prescrição da pretensão punitiva, no âmbito
do controle externo, já está claramente respondida.
As regras de prescrição, para o exercício do poder punitivo, por parte do Tribunal de Contas da
União, constituem, portanto, matéria de estrita reserva legal. É que “a lei estabelecerá”, e só a lei, não o
decreto, não a vontade do administrador ou do juiz. E esse expresso esquadro constitucional, a traçar
regra vinculatória da ação controladora, repele o instrumental da analogia e outros mecanismos de
exegese da lei.
Sobre o tema, trago à colação o elucidativo magistério de José Afonso da Silva, que, citando
Christian Starck, assim preleciona:
“Tem-se, pois, reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria
exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com
isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinadas.”1 (aspas do original; grifei).
O constitucionalista distingue três categorias de reserva de lei, a partir dos pontos de vista do
órgão competente, da natureza da matéria e do vínculo imposto ao legislador. Acerca da última
categoria, assim leciona, in vebis2:
“(3) do ponto de vista do vínculo imposto ao legislador, a reserva pode ser absoluta ou relativa.
Alguns admitem também uma terceira, dita reserva reforçada, que, na verdade, ingressa no campo da
reserva absoluta.
É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela
Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela
emprega fórmulas como: “a lei regulará”, “a lei disporá”, “a lei complementar organizará”, “a lei criará”,
“a lei poderá definir” etc.
É relativa a reserva constitucional quando a disciplina da matéria é em parte admissível a outra
fonte diversa da lei, sob a condição de que esta indique as bases em que aquela deva produzir-se
validamente. Assim é quando a Constituição emprega fórmulas como as seguintes: “nos termos da lei”,
“no prazo da lei”, “na forma da lei”, “com base na lei”, “nos limites da lei”, “segundo critérios da lei”.”
(grifei)
A expressão empregada pelo legislador constituinte originário na redação do art. 37, § 5º– “a lei
estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
causem prejuízo ao erário (...)” (grifei) – revela que esses ilícitos podem subordinar-se à prescrição
apenas e somente se a lei fixá-la, ou seja, submete à absoluta reserva da lei formal qualquer tratativa
acerca da fixação de prazos de prescrição.
Assim, apenas lei formal poderá dispor sobre a matéria. Na falta dessa lei, não incide prescrição
ao exercício do poder-dever sancionador do Tribunal, consistente na aplicação de multas a gestores
faltosos, nos termos previstos na Lei 8.443/1992.
Em vista do magistério expresso da Constituição Federal, não é por mera simetria com outros
diplomas legais, atinentes à relação entre o Estado e o administrado, portanto, que se suprem lacunas de
tal naipe. Muito menos mediante a adoção de um e outro esparsos precedentes jurisprudenciais, cuja
validez apenas existe se conformes com a Carta Magna e no âmbito do caso concreto decidido.
A propósito, esse exatamente o entendimento externado pelos E. Ministros do Supremo Tribunal
Federal Menezes Direito e Carlos Ayres Britto, assentado nas recentes decisões que indeferiram, em
3/8/2009 e 14/2/2011, as liminares pretendidas nos mandados de segurança 27.395/DF e 29.272/BA,
respectivamente.
1 Curso de direito constitucional positivo. 30 ed. São Paulo : Malheiros, 2008, p. 422. 2 Op. Cit., p. 423-424.
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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Na ocasião, assim se pronunciou o Ministro Carlos Ayres Britto, reproduzindo a lição memorável
do Ministro Menezes Direito, in verbis:
“7. Quanto à alegação de prescrição, tenho que não é de ser acatada. É que “incabível (...) falar-se,
no caso, de prescrição administrativa, tendo em vista que o direito de invalidar, conforme a doutrina, não
é dotado de pretensão e por isso não é passível de prescrição, mas só de decadência, inaplicável ao caso.
Além disso, a prescrição é sempre dependente de lei, inexistente na espécie, não se podendo também
aplicá-la por analogia, bem como, nos termos do artigo 37, parágrafo 5º, in fine, da CF88, as ações que
visam o ressarcimento do erário são imprescritíveis” (MS 27.395-DF).” (negrito do original; sublinhados
meus).
Anoto, primeiramente, portanto, que é incabível a analogia e outros instrumentos subordinados de
interpretação, na fixação de critérios de prescrição.
O próprio Supremo Tribunal Federal tem negado eficácia a normas que violam o princípio da
reserva legal, declarando a nulidade de várias ações estatais, a exemplos dos julgados que transcrevo
abaixo, in verbis:
“Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidor público. Teto remuneratório.
Fixação por decreto do Poder Executivo. Impossibilidade. Violação do princípio constitucional da
reserva legal. Artigo 37, inc. XI, após alteração introduzida pela EC nº 19/98. Aplicabilidade
condicionada à promulgação de lei de iniciativa conjunta. Dispositivo não autoaplicável.
Precedentes.
1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a estipulação de teto remuneratório por
meio de decreto do Poder Executivo viola o princípio constitucional da reserva legal.
2. Pacífico o entendimento deste Tribunal de que o art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, com
a redação conferida pela EC nº 19/98, não era autoaplicável, pois sua incidência estava condicionada à
promulgação de lei federal de iniciativa conjunta, o que não ocorreu, razão pela qual permaneceu em
vigor a redação original do referido artigo.
3. Agravo regimental não provido.” (RE 583785 AgR, relator ministro Dias Toffoli; negrito do
original; grifos meus)
“SERVENTIAS – SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – DESMEMBRAMENTO,
DESDOBRAMENTO, EXTINÇÃO, ACUMULAÇÃO, DESACUMULAÇÃO, ANEXAÇÃO,
DESANEXAÇÃO, MODIFICAÇÃO DE ÁREAS TERRITORIAIS – RESERVA LEGAL –
INOBSERVÂNCIA – LIMINAR DEFERIDA. Alterações das serventias, presentes os citados
fenômenos, pressupõem lei em sentido formal e material, não cabendo a disciplina mediante resolução de
tribunal de justiça.” (ADI 4657 MC / DF, relator ministro Marco Aurélio; grifei)
Extrai-se da análise desses acórdãos do Pretório Excelso que, em razão da reserva legal, expressa
no dispositivo constitucional, não poderia o Tribunal de Contas da União autolimitar-se, no seu
indeclinável encargo constitucional de controle externo, fixando, sponte propria, parâmetros
incondizentes com a legitimação institucional pela higidez do procedimento, inerente ao Estado
Democrático de Direito, que respeita a Constituição e se estrutura a partir dela.
Tampouco, poder-se-á dizer da sua competência, em estabelecer prazos cambiantes de prescrição
– 5, 10, 20 anos – porquanto expresso na Constituição que tal só poderá ser feito por lei.
As minhas objeções para a adoção de critérios de prescrição para o controle externo, com o
delineamento administrativo de regras próprias, com cópia de diplomas legais específicos, em claro
exercício de descabida discricionariedade, decorrem de toda uma série de fatores:
a) violação do procedimento previsto no §5º do art. 37 da Constituição Federal;
b) açambarcamento de competências inerentes às atividades do Congresso Nacional, com
usurpação de sua exclusiva capacidade de decidir se e quando tais ou quais regras, atinentes à
prescrição, deverão ser veiculadas;
c) enfraquecimento do controle externo, uma vez que o próprio órgão constitucionalmente
encarregado de punir administradores, que malversaram recursos públicos, está decidindo que não vai
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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
fazê-lo, a partir de regras de prescrição que ele próprio fixou, em analogia com outros diplomas
esparsos, que a ele não se aplicam e com prazos que mudam com a composição de cada colegiado.
A esse respeito, chamo a atenção para o risco da excessiva limitação temporal do jus puniendi do
TCU, a inviabilizar, em grande parte, o poder dissuasivo com que a Carta Constitucional investiu esta
Corte de Contas, exatamente para prevenir ou reprimir ilícitos administrativos afetos à sua jurisdição.
A incidência da imprescritibilidade, de que trata o art. 37, § 5º, da Constituição, às tomadas de
contas especiais, julgadas pelo TCU, foi examinada pela composição plenária do Supremo Tribunal
Federal no Mandado de Segurança 26.210/DF, relatado pelo ilustre ministro Ricardo Lewandowski.
O writ visava a impugnar o Acórdão 2.967/2005, 1ª Câmara, que condenou a impetrante, bolsista
junto ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), a devolver a importância percebida, atualizada
monetariamente e acrescida de juros de mora, mas não a condenou ao pagamento de multa.
Por essa razão, a Excelsa Corte não se manifestou especificamente quanto à imprescritibilidade do
exercício do poder-dever sancionador do Tribunal (CF, art. 71, inciso VIII). Por esclarecedor, reproduzo
a ementa do julgado, in verbis:
“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BOLSISTA
DO CNPq. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA
CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.
INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
I - O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar
desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor.
II - Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau.
III - Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à
alegada prescrição.
IV - Segurança denegada.”
No entanto, em vários outros acórdãos, o Supremo Tribunal Federal denegou mandados de
segurança, impetrados contra deliberações do TCU, que condenaram os responsáveis ao recolhimento
de débitos e ao pagamento de multas, em uníssono, a exemplo dos MS 27.395/DF, 29.272/BA,
27.440/DF, 27.867/DF, sem consideração para a discriminação entre o débito e a multa.
Nesses julgados, o STF reafirmou o precedente consagrado no julgamento do Mandado de
Segurança 26.210/DF, no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário,
consoante estabelece, em caráter impositivo, a Constituição da República (art. 37, § 5º).
Esses acórdãos não diferenciaram o débito da multa, para efeito de incidência da prescrição.
Opuseram a imprescritibilidade tanto ao débito quanto à multa.
Por bem ilustrar o tema, reproduzo parte da decisão prolatada pelo nobre ministro Celso de Mello,
em 1/8/2013, no Mandado de Segurança 27.440/DF, com fundamento no art. 205, caput3, do Regimento
Interno do STF, in verbis:
“Trata-se de mandado de segurança impetrado com o objetivo de questionar a validade jurídica
de deliberação, emanada do E. Tribunal de Contas da União, que julgou irregulares as contas
referentes ao Procedimento de Tomada de Contas Especial nº 025.466/2007-1, sob a alegação “(...) de
fraude na utilização de certidão de tempo de serviço com declaração falsa para requerer aposentadoria”
(fls. 16/24). Na ocasião, aplicou-se, à ora impetrante, “(...) a multa prevista no art. 57 da Lei nº
8.443/1992, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais)”, além de ter sido autorizada, em seu desfavor,
“(...) a cobrança judicial das dívidas a que se referem os subitens anteriores”, que perfazem o valor de
R$ 152.671,83 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e um reais e oitenta e três centavos).
Impende destacar que o exame dos elementos produzidos nestes autos, notadamente do que se
contém no acórdão emanado da E. Corte de Contas (fls. 16/24) e da Certidão de Tempo de Serviço
3 Emenda Regimental 28, de 18 de fevereiro de 2009, alterou o art. 205, caput, do Regimento Interno do STF, delegando expressa competência ao relator, para,
em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de mandado de segurança, desde que a matéria versada constitua “objeto de jurisprudência
consolidada do Tribunal”.
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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
expedida pelo Ministério da Justiça, em 09/07/2003 (fls. 13/15), evidencia que os valores exigidos à
impetrante resultam da apuração de débitos que se originaram no período entre 04/05/1992 e 31/07/1996.
Sustenta-se, bem por isso, na presente impetração, a ocorrência da prescrição da pretensão do
Estado à obtenção do ressarcimento dos pagamentos indevidos realizados à ora impetrante mediante
fraude.
(...)
Passo a examinar o pleito em causa. E, ao fazê-lo, entendo assistir plena razão à douta
Procuradoria-Geral da República, eis que o acórdão ora questionado neste “writ” ajusta-se,
integralmente, à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou a propósito da matéria em
análise.
É que a pretensão deduzida na presente sede mandamental opõe-se à própria jurisprudência firmada
pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (MS 26.210/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI),
cuja orientação, no tema ora em exame, tem ressaltado a imprescritibilidade das ações de
ressarcimento ao erário, consoante prescreve, em caráter impositivo, a Constituição da República (art.
37, § 5º).
(...)
Em suma: os precedentes que venho de mencionar refletem a jurisprudência constitucional do
Supremo Tribunal Federal que, apoiando-se no § 5º do art. 37 da Constituição, tem proclamado, sem
maiores disceptações, a imprescritibilidade das ações que visam o ressarcimento ao erário.
Sendo assim, em face das razões expostas e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-
Geral da República, denego o presente mandado de segurança, tornando sem efeito a medida cautelar
anteriormente deferida.” (negritos do original; sublinhados meus)
Nesse mesmo sentido a decisão monocrática proferida pelo Ministro Dias Toffoli, no Mandado de
Segurança 27.867/DF, confirmada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em sede de
agravo regimental4.
Extrai-se idêntica lição da decisão monocrática prolatada pelo ilustre ministro Carlos Ayres Britto,
indeferindo a medida liminar pretendida no Mandado de Segurança 29.272/BA5. Nesse processo,
manifesta-se a Procuradoria-Geral da República em consonância com a tese ofertada pelo relator, in
verbis:
“Assim, sendo a Tomada de Contas Especial um processo administrativo, com intuito de identificar
responsáveis por danos causados ao erário e determinar o ressarcimento do prejuízo apurado, não há falar
em prescrição.” (grifei)
A Suprema Corte, em todos esses casos, não se ocupou em distinguir a prescrição da multa imposta
pelo TCU da prescrição do débito, colocando ambas a salvo da imprescritibilidade, consagrada na
Carta de outubro. Afastou, na verdade, a prescrição de ambos os comandos: do que impôs o dever de
ressarcir e do que sancionou os responsáveis com multa.
Aliás, se a regra incidente ao principal – da imprescritibilidade do débito – for divorciada do
acessório – a multa decorrente do débito – haverá sério gravame ao ordenamento jurídico, porque a
segunda, no mais das vezes, deriva diretamente da primeira.
Assim, tendo em vista que a Corte Constitucional não se posicionou pela prescrição do exercício
do dever-poder do TCU em cominar sanção, não deve o Plenário invadir a esfera de competência
própria do legislador, para suprir lacuna que somente pode ser preenchida por lei.
4 “Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por LUIZ ANTONIO DA COSTA NÓBREGA em face do TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, com o objetivo de anular, em relação ao impetrante, o Acórdão nº 2.202/2008-TCU/Plenário que o condenou, em Tomada de Contas Especial TC 004.499/2000-3, solidariamente com outros responsáveis ao ressarcimento ao Erário no valor de R$ de 85.516.861,71 (oitenta e cinco milhões,
quinhentos e dezesseis mil, oitocentos e sessenta e um reais e setenta e um centavos), acrescido de multa individual de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).” (Grifo
no original). 5 “Trata-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de medida liminar, impetrado por Carlos Cesar Faria Ferreira, contra ato do Tribunal de Contas
da União. (...) Tomada de contas, essa, que, instaurada pelo Tribunal de Contas da União, conduziu ao Acórdão 1.178/2009 da 1ª Câmara do TCU. Acórdão, a
seu turno, que julgou irregulares as contas do impetrante e o condenou ao ressarcimento ao Erário e ao pagamento de multa.” (Grifo no original).
10
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Afora o fato de diminuir o âmbito de sua ação na repressão aos ilícitos perpetrados contra a coisa
pública. E essa auto-limitação se dá mais por força do estabelecimento de teses internamente do que por
provocação externa.
Evidentemente, não desconheço que o E. Ministro Luís Roberto Barroso deferiu pedido liminar
formulado no Mandado de Segurança 32.201/DF, para determinar a suspensão da exigibilidade de multa
imposta pelo TCU, por considerar “plausível a incidência do prazo prescricional quinquenal às multas
aplicadas pelo Tribunal de Contas da União”. Trata-se, contudo, de decisão proferida em sede de exame
perfunctório, ainda não confirmado pelo Pleno da Suprema Corte. Há de ser observada, assim, com os
cuidados que inspiram as decisões não exaurientes e precárias.
Por essas razões, em caráter preliminar, apresento questão, com fundamento no art. 116 do
Regimento Interno, consistente na imprescritibilidade do exercício do poder-dever de sanção do
Tribunal, assentado no art. 71, inciso VIII, da Constituição Federal.
Apenas na hipótese de o Plenário rejeitar a preliminar que ofereço, tratarei do tema do prazo de
prescrição, assim como do seu dies a quo e das causas de interrupção e suspensão na discussão de
mérito.
(...)
Mérito
Trata-se de tomada de contas especial decorrente da conversão de processo de auditoria realizada
nas obras do Complexo Viário do Rio Baquirivu, em Guarulhos, objeto do Contrato 39/1999, celebrado
entre o Município e a Construtora OAS Ltda.
Na hipótese de o Plenário deliberar, no exame da questão preliminar, por não reconhecer a
imprescritibilidade do exercício do poder-dever de sanção, confiado ao Tribunal pelo legislador
constituinte originário, em vista da reserva legal e da ausência de norma, cumpriria determinar o prazo
prescricional incidente sobre a matéria, bem assim o seu dies a quo e as causas de interrupção e
suspensão.
O E. Relator propõe declarar extinta a punibilidade dos responsáveis, com relação à possibilidade
de aplicação das multas previstas nos artigos 57 e 58 da Lei 8.443/1992, em razão da incidência da
prescrição quinquenal no caso concreto. As razões que levam o relator a concluir por esse prazo
prescricional são apresentadas no voto que integra o Acórdão 1.314/2013, Plenário, que reproduzo, em
parte:
“22. Evoluindo entendimento anteriormente esposado em outras situações, devo admitir que a falta
de disposição legal a respeito do tema na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) implica extrair-se do
próprio Direito Administrativo, dada a sua independência científica, as bases para a integração dessa
lacuna, que impacta diretamente o poder sancionador desta Corte de Contas. Seguindo tal raciocínio,
penso que se há prazo próprio em ramo autônomo do Direito Público não há porque se insistir no uso, por
meio da analogia, de norma essencialmente disciplinadora das relações jurídicas privadas.
23. Sendo assim, fazendo uso de tal critério de integração, entendo que o prazo prescricional para
que o TCU aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve mesmo ser o de cinco anos,
conforme previsto em diversas normas de direito público, a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei
8.429/1992, do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do Decreto 20.910/1932, do art. 174 do
Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999 e art. 1º da Lei 6.838/1980 e do art. 46 da Lei
12.529/2011.” (grifei)
A lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992) estabelece que as ações destinadas a impor
as sanções nela previstas podem ser propostas no “prazo prescricional previsto em lei específica para
faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo
efetivo ou emprego” (art. 23, inciso II). A Lei 8.112/1990, por sua vez, estabelece que o prazo de
prescrição para as infrações disciplinares “começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”
(art. 142, § 1º).
11
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Conjugando esses dispositivos, conclui o relator que o prazo prescricional para imposição das
multas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei Orgânica é contado a partir da “data em que os fatos tidos
como irregulares se tornaram conhecidos no âmbito do Tribunal”.
Argumenta, por fim, que “a citação e a audiência válidas interrompem a prescrição para a
aplicação da multa”, nos termos dos arts. 202, inciso I, do Código Civil, e 219 do Código de Processo
Civil.
II
Penso que, se desacolhida a tese da imprescritibilidade da possibilidade de aplicação de multa, a
regra que melhor se ajusta ao processo de controle externo é a indicada no Código Civil, em razão da
natureza geral do comando contido no seu art. 205, que reproduzo:
“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.” (grifei)
Esta é a regra geral e não se pode ignorar que os institutos que integram a parte geral da
legislação civil codificada espraiam-se por todo o ordenamento jurídico, suplementando-o e integrando-
o.
Esse, aliás, o conhecido magistério de Maria Helena Diniz, in verbis6:
“Apesar de haver objeções à (...) inclusão [da parte geral] no Código Civil, grande é sua utilidade
por conter normas aplicáveis a qualquer relação jurídica. Deveras, o direito civil é bem mais do que
um dos ramos do direito privado; estabelece os parâmetros de todo ordenamento jurídico e engloba
princípios ético-jurídicos de aplicação generalizada e não restritiva às questões cíveis. (...) É na Parte
Geral que estão contidos os preceitos normativos relativos à prova dos negócios jurídicos, à noção dos
defeitos dos atos jurídicos, à prescrição e à decadência, institutos comuns a todos os ramos do direito.
Eis por que Planiol, Ripert e Bulanger sustentam que o direito civil continua sendo o direito comum,
compreendendo normas atinentes às relações de ordem privada, generalizando conceitos fundamentais
utilizados, frequentemente, por juspublicistas.” (grifei)
Nessa linha, adverte Paulo Nader que “a expressão Direito Civil já foi, equivocadamente,
empregada como sinônimo (...) de Direito Privado, em oposição ao Público”7. Acrescenta o civilista que:
“A Parte Geral, que dispões sobre Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos, é propriamente Teoria Geral do
Direito e indispensável à ordem jurídica como um todo, embora dê unidade ao Direito Civil. Não é,
portanto Direito Civil, como expõe Caio Mário da Silva Pereira: ‘Embora o direito civil se tenha como
um dos ramos do direito privado, a rigor é bem mais que isto. Enfeixa os princípios de aplicação corrente,
de aplicação generalizada e não restritiva à matéria cível... é dentro dele que o jurista nacional encontra
aquelas regras de repercussão obrigatória a outras províncias do seu direito.”8(grifei)
Aplica-se, assim, o prazo prescricional indicado no art. 205 do Código Civil a todas as situações
em que lei específica fixar prazo superior a dez anos, ou não dispuser sobre o tema.
Nesses termos, ao não dispor sobre o prazo de prescrição da pretensão punitiva do Estado, no
exercício do controle externo – ressalvando o meu entendimento pessoal - o único prazo admissível seria
a regra geral de prescrição, consignada no Código Civil.
O silêncio da Lei 8.443/1992, acerca da prescrição da multa, não abre lacuna a ser colmatada por
analogia, mas hipótese de incidência da regra geral de prescrição, contida na legislação civil codificada.
Haveria, portanto, quando menos, lei formal, dispondo sobre a prescrição do dever-poder
sancionador do Tribunal. A expressa disposição legal impede o uso da analogia, porque o instituto
somente tem lugar na hipótese de omissão da lei.
Essa, aliás, a dicção do art. 4º da Lei de introdução às normas do direito brasileiro, que
transcrevo, in verbis:“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia,
os costumes e os princípios gerais de direito.” (grifei)
No caso em exame, não há lacuna a ser preenchida por analogia com o direito público ou civil,
mas regra de incidência direta, assentada no art. 205 do Código Civil.
6 Curso de direito civil brasileiro. Volume 1: teoria geral do direito civil. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 55. 7 Curso de direito civil, volume 1: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2007, p. 4. 8 Op., cit., p. 25.
12
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Por essas razões, afasto-me das conclusões trazidas pelo Relator, no sentido de que o Tribunal
haveria de subordinar seu poder-dever de impor sanções à prescrição quinquenal, por ser esse o prazo
preponderante “no microssistema do Direito Público”.
Manifesto-me, pois, pela incidência da regra geral de prescrição assentada no Código Civil,
aplicável a todos os casos em que a lei sobre ela não dispuser explicitamente.
Importa notar, por fim, que nenhum dos dispositivos legais invocados pelo relator tem aplicação
aos processos de controle externo, nos termos da jurisprudência do TCU e de precedentes do Supremo
Tribunal Federal (MS 21.468/CE, MS 27.867/DF).
Ainda que se pretendesse afastar da regra geral de prescrição, consagrada na legislação civil
codificada, para buscar guarida na analogia, não se poderia adotar como premissa a existência de prazo
geral de prescrição, a regular todas as matérias de direito público, porque tal entender não se mostra
compatível com a necessária ampliação dos prazos prescricionais para infrações potencialmente mais
graves. Essa a regra fundamental a permear o ordenamento jurídico pátrio.
Como entendo que os fatos que ensejam a aplicação de multa pelo TCU são fatos que atentam
contra a própria Administração e sociedade, desestruturadores do Estado Democrático de Direito, nada
mais compreensível do que a multa ser imprescritível, como acessória ao débito, no âmbito da
imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário.
O Código Penal estabelece prazos prescricionais maiores para crimes com penas privativas de
liberdade mais longas, e menores, para ilícitos mais singelos. De igual sorte, a legislação civil
codificada assenta a ocorrência de prazos prescricionais mais dilatados nos casos em que a pretensão do
autor visa a proteger bem jurídico mais caro à sociedade.
Também na seara do direito administrativo, observa-se tal solução. A Lei 8.112/1990 fixa
diferentes prazos prescricionais para ações disciplinares, consignando prazo de prescrição maior para
as infrações mais graves, puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e
destituição de cargo em comissão, e menor para as infrações que suscitam apenas advertência.
Por essa razão, não é adequado padronizar o prazo prescricional de cinco anos na seara do direito
administrativo. É certo que a infração que desperta o poder-dever de sanção do Tribunal, consagrado
nos artigos 57 e 58 da Lei 8.443/1992 é muito mais grave que singela infração de trânsito, por exemplo.
Aliás, a própria fixação administrativa pelo TCU de prazo prescricional por demais exíguo
conteria, até mesmo, negar vigência a previsão constitucional do art. 71, inciso VIII, segundo a qual
incumbe ao TCU “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de
contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao
dano causado ao erário”.
Necessário, portanto, que o interesse do Estado em reprimir as condutas lesivas ao Erário ou
contrárias ao interesse público encontre abrigo em prazo prescricional mais amplo que o assentado em
normas destinadas a sancionar os autores de infrações administrativas menos graves aos olhos da
sociedade.
III
Em relação ao dies a quo da contagem desse prazo, propõe o relator que o prazo prescricional seja
contado a partir da “data em que os fatos tidos como irregulares se tornaram conhecidos no âmbito do
Tribunal”, porque, por analogia, deveria o Tribunal combinar o que dispõe o art. 23, inciso II, da Lei
8.429/1992, com o conteúdo do art. 142, § 1º, da Lei 8.112/1990.
Concordo com o relator quanto ao dies a quo sugerido, divergindo, entretanto, dos fundamentos
apontados por Sua Excelência, porque não creio que se possa extrair tal regra do que dispõem a lei de
improbidade administrativa e o regime jurídico dos servidores públicos da União.
A contagem da prescrição, a partir da data em que o Tribunal toma ciência da irregularidade, tem
fundamento no princípio da actio nata, consagrado no art. 189 do Código Civil, segundo o qual a
contagem do prazo prescricional só tem início com a ciência da violação do direito por seu titular,
porque apenas nesse momento surge a possibilidade de ação.
13
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Nessa quadra, enquanto a irregularidade autorizadora da imposição de sanção não for revelada
ao Tribunal, titular do poder-dever de sanção na seara do controle externo, não surge para o Estado a
possibilidade de agir e, por consequência, não se inicia a contagem do prazo prescricional.
O termo inaugural da prescrição há de ser avaliado no caso concreto, considerados o tipo e as
peculiaridades do processo. Na tomada de contas especial instaurada por órgão ou entidade da
Administração, a ciência da irregularidade ocorre, em regra, com o ingresso do procedimento
administrativo no Tribunal.
IV
Superada essa questão, no puro exercício da construção legislativa, há de se ocupar o Tribunal em
identificar as causas de interrupção e de suspensão do prazo prescricional.
Nos termos da legislação civil codificada, a prescrição é interrompida uma única vez, na presença
de uma das situações descritas no art. 202, caput, entre as quais o “despacho do juiz, mesmo
incompetente, que ordenar a citação” (grifei).
No processo civil, a demora no julgamento da lide não causa prejuízo ao autor da ação, porque a
prescrição recomeça a correr do último ato do processo, que, se for cognitivo, será o trânsito em julgado
(art. 202, parágrafo único).
No que se refere à regra do art. 202, parágrafo único, do Código Civil, peço vênias ao nobre
relator para divergir da interpretação de que “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do
ato que a interrompeu (a citação ou a audiência)”, porque não se aplica o recomeço da contagem da
prescrição a partir da data que a interrompeu na hipótese do inciso I daquele parágrafo (citação).
O art. 202 do Código Civil estabelece a interrupção a partir de atos processuais (citação do réu,
apresentação de título de crédito em juízo de inventário, ato judicial que constitua o devedor em mora) e
extraprocessuais (protesto, protesto cambial, ato extrajudicial que importe reconhecimento do direito do
devedor). Por isso, seu parágrafo único estabelece dois momentos distintos para retomada da contagem
do prazo prescricional: data do ato que a interrompeu ou último ato do processo para a interromper.
Aplica-se a primeira hipótese – data do ato que interrompeu a prescrição – apenas em relação à
pratica de atos extraprocessuais. No caso de atos processuais, a prescrição somente volta a correr a
partir do “último ato do processo para a interromper”. No caso da citação, a prescrição não volta a
correr a partir da sua efetivação, mas ato do processo correspondente.
Nesses termos, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que, ajuizada a ação
“no prazo adequado, não há que se falar em interrupção de prescrição, mas, simplesmente, da sua não
consumação”. Acrescentam que, “a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, nasce
NOVO prazo para a pretensão executória”9.
Ensina Fredie Didier Junior que, de “acordo com o art. 202, parágrafo único, do CC-2002, uma
vez interrompido pela citação, somente recomeça a correr o prazo prescricional a partir do último ato do
processo (que, se for cognitivo, será o trânsito em julgado)”10 (grifei).
Não se pode admitir, portanto, que a prescrição no processo de controle externo, interrompida pela
citação ou audiência, volte a correr da data desse ato. A solução ofertada pelo legislador importa
reconhecer o retorno da sua fluência com o trânsito em julgado do processo.
A aplicação desse conceito ao processo de controle externo, contudo, levaria a imprescritibilidade
da ação, depois de inaugurado o contraditório no Tribunal. A situação parece não se harmonizar à
relação processual atípica na seara do controle externo, em que o TCU não se incumbe apenas de dizer
o direito, do lado de fora da relação jurídica, mas, também, de impulsionar o processo.
Contando-se a prescrição intercorrente, restaria dúvida quanto ao momento em que ela volta a
correr.
A situação a ser enfrentada parece se assemelhar àquela relacionada à ação disciplinar de que
trata o estatuto dos servidores público federais. No dizer dessa lei, “a abertura de sindicância ou a
9 Novo curso de direito civil, volume I: parte geral, 12. ed., São Paulo : Saraiva, 2010, p. 523. 10 Curso de direito processual civil, volume 1: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 13. ed. Salvador : Juspudivm, 2011, p. 493.
14
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade
competente” (art. 142, § 3º, da Lei 8.112/1990).
A interpretação literal do dispositivo sugere que a prescrição somente voltaria a correr a partir da
decisão final, ainda que proferida a destempo. Não é o que, de fato, ocorre.
O Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar a matéria, concluiu que “tomar ao pé da letra a parte
final do art. 142, § 3º, levaria à solução absurda de a mora da Administração na conclusão do processo
administrativo retardar sem limites o recomeço do curso do prazo prescricional interrompido com a sua
instauração” (MS 22.679/DF, relator ministro Sepúlveda Pertence).
Ancorado nesse entender, passou a Suprema Corte a considerar retomado o curso da prescrição
“na data em que se complete o prazo máximo para conclusão do processo administrativo – fixado em
140 dias, na conformidade dos arts. 152 e 167 da Lei do Regime Único – independentemente de haver ou
não ocorrido o seu efetivo encerramento” (MS 22.679/DF, relator ministro Sepúlveda Pertence).
Pela mesma razão, merece temperamento a incidência da regra contida no art. 202, parágrafo
único, do Código Civil, ao processo de controle externo, para considerar retomado o fluxo da prescrição
a partir do término do prazo que deveria o Tribunal decidi-lo. No caso de tomada ou prestação de contas
– objeto do caso concreto - do “término do exercício seguinte àquele em que estas lhe tiverem sido
apresentadas” (art. 14 da Lei 8.443/1992).
Em relação ao tema, não reconheço, como faz o relator, risco de colisão com os princípios
constitucionais da celeridade processual, segurança jurídica, devido processo legal e razoabilidade,
“dentre tantos outros”, porque a solução ofertada não permite ao Tribunal “punir [o responsável]
enquanto estiver o processo em andamento”, mas, apenas, no curso do prazo prescricional, considerado
o tempo definido em lei ou regulamento para seu processamento e decisão.
V
Estabelece o Código de Processo Civil causas de suspensão do processo, sem se referir à
suspensão da prescrição (art. 265). Deve-se a ausência dessa expressa previsão ao fato de a interrupção
no processo civil perdurar até o trânsito em julgado da ação.
No processo de execução, sujeito à prescrição intercorrente, a suspensão implica paralisar a
fluência do prazo prescricional, a despeito de previsão expressa no art. 791 do Código de Processo Civil.
Sobre o tema, dissertam Fredie Didier Jr. e outros11, in verbis:
“Durante o período de suspensão da execução, não corre o prazo prescricional, visto que a
prescrição pressupõe a inércia do exequente, o que, no caso, não existe.” (grifei)
Necessário, pois, que o Tribunal reconheça a possibilidade de suspensão do processo e, por
consequência, do fluxo prescricional, em face das peculiaridades do processo de controle externo,
notadamente por ser ele regido pelo princípio da verdade material, situação que acaba por dilatar o
exercício do contraditório e da ampla defesa pelos interessados.
Imperativo que os adicionais prazos de defesa conferidos aos responsáveis, assim como o tempo
necessário ao exame, pela unidade técnica, pelo Ministério Público e pelo relator, dos elementos
adicionais de defesa, sejam tratados como períodos de suspensão da prescrição, com fundamento no art.
265, inciso IV, alínea ‘d’, do Código de Processo Civil12, porque, nesses casos, não há inércia do
Tribunal, mas ampliação do exercício do contraditório e da ampla defesa pelo responsável.
Além disso, seria contraditório permitir que tais dilações temporais, havidas no interesse do
responsável, pudessem contribuir para a formação da prescrição intercorrente.
VI
Passo ao exame do caso concreto.
Adotadas as premissas indicadas neste voto, observa-se não ter havido a prescrição da pretensão
punitiva do Estado, confiado ao TCU pelo legislador constituinte.
11 Curso de direito processual civil: vol. 5, execução. 3. ed., Salvador : JusPodivm, 2011, p. 336. 12 “Art. 265. Suspende-se o processo: (...) IV – quando a sentença de mérito: (...); b) não puder ser proferida senão depois de
verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo” (Grifo no original).
15
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Informa o nobre relator que o Tribunal tomou ciência das irregularidades em julho de 2003, por
ocasião da realização da auditoria que deu origem às presentes contas especiais e que os responsáveis
foram ouvidos em audiência em novembro de 2003 e dezembro de 2010.
A notificação da responsável dirigida à responsável Sueli Vieira da Costa, em dezembro de 2010,
teve o condão de interromper a prescrição decenal inaugurada em 2003 e reinaugurar o prazo
prescricional, que somente vencerá em dezembro de 2020. No exame de mérito, entretanto, associo-me
ao relator, no sentido de que suas justificativas devem ser acolhidas.
Também não ocorreu a prescrição em relação aos responsáveis ouvidos em audiência no início de
novembro de 2003, porque autuado o processo naquele mesmo ano, a prescrição, interrompida pela
citação, somente voltou a correr do término do prazo estabelecido na Lei Orgânica para que o Tribunal
delibere sobre processo de contas: dezembro de 2004. Nesses termos, desconsiderados os pedidos de
dilação de prazo para apresentar razões de justificativa, fenômeno que suspende o andamento do
processo e o fluxo da prescrição, esta somente ocorreria em dezembro de 2014.
No que tange ao mérito, acolho as conclusões da unidade técnica e do Ministério Público,
reproduzidas no relatório.
Feitas essas considerações, voto por que o Tribunal de Contas da União aprove o acórdão que ora
submeto à apreciação deste Colegiado.”
Parecer do Ministério Público
“ Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 91 do Regimento
Interno do TCU, acerca do prazo prescricional das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas da União.
2. Justifica-se o presente incidente de uniformização de jurisprudência em razão da existência de
notória divergência em decisões do Tribunal acerca do assunto, o que pode ferir os princípios
constitucionais da igualdade e da segurança jurídica, ante a existência de decisões díspares para
situações semelhantes.
3. É importante observar que a matéria em tela é de grande relevância e envolve diversos
entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, em virtude da ausência de norma legal específica, a ponto
da questão relativa à prescrição no caso de imputação de débito ter sido discutida por muitos anos no
TCU, com posicionamentos pela imprescritibilidade ou pela utilização do prazo prescricional do Código
Civil, somente vindo a ser plenamente resolvida após o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ao
apreciar o Mandado de Segurança nº 26.210-9/DF, que ensejou a prolação do Acórdão nº 2709/2008 –
Plenário, por meio do qual se decidiu deixar assente no âmbito desta Corte de Contas que o art. 37 da
Constituição Federal conduz ao entendimento de que as ações de ressarcimento movidas pelo Estado
contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis.
II
4. Com relação ao prazo de prescrição do exercício da pretensão punitiva do TCU, verifica-se que
existem diversas deliberações neste Tribunal, destacando-se três teses principais, embora possam existir
outros posicionamentos, com pequenas variações.
5. A primeira tese refere-se à imprescritibilidade, até que sobrevenha lei específica que discipline a
matéria. Tal entendimento é fundamentado no fato de o § 5º do art. 37 da CF/88 estabelecer a
necessidade de lei para a regulamentação dos prazos prescricionais.
6. Nesse cenário, não caberia a integração da lacuna legislativa requerida pela Constituição
Federal por meio da analogia. Verificada a omissão legislativa requerida pela Constituição, abrem-se
apenas duas possibilidades: ou a omissão é suprida com a edição da respectiva lei ou o STF, por
intermédio do mandando de injunção, poderia atuar como legislador no caso concreto.
16
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
7. A segunda tese defende a prescrição quinquenal, com base na analogia com diversas normas do
Direito Público. Os principais argumentos que fundamentam esse entendimento são:
a) A Lei nº 8.443/92 não disciplina a matéria da prescrição;
b) como existe uma lacuna na legislação, deverá ser feita pelo intérprete a devida integração
legislativa;
c) deve-se utilizar o instituto da analogia como técnica de integração de lacunas. Deve-se buscar
nas normas de Direito Público a analogia para a fixação do prazo;
d) seria despropositado utilizar a disciplina do Código Civil para extrair a norma jurídica
aplicável à prescrição da pretensão punitiva afeta às relações de Direito Público, haja vista a absoluta
diferença entre os fatos abarcados pelo espaço de incidência daquela regra jurídica – de natureza
eminentemente privada – e os inerentes à relação de Direito Público travada entre a União e os
administrados, no âmbito dos processos do TCU;
e) fazendo-se uso do critério de integração da analogia, o prazo prescricional para que o TCU
aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve ser o de cinco anos, conforme previsto em
diversas normas de Direito Público, a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei nº 8.429/92; do art. 142,
inciso I, da Lei nº 8.112/90; do art. 1º do Decreto nº 20.910/32; do art. 174 do Código Tributário
Nacional; do art. 1º da Lei nº 9.873/99; do art. 1º da Lei nº 6.838/80; e do art. 46 da Lei nº 12.529/2011;
f) o STJ já estaria decidindo dessa forma (Resp. 894.539/PI);
g) liminar em mandado de segurança no STF – Relator Min. Luís Roberto Barroso – entendeu
plausível a incidência do prazo prescricional quinquenal às multas aplicadas pelo TCU (MS 32.201/DF).
8. Convém salientar que as teses anteriormente expostas têm por finalidade, de fato, discutir a
possível mudança do entendimento desta Corte de adotar o prazo de prescrição previsto no Código Civil,
no caso de aplicação de sanções.
9. Com efeito, a terceira tese defendida no Tribunal trata da prescrição decenal, fundada nas
regras gerais estabelecidas no Código Civil para a prescrição da pretensão punitiva no âmbito dos
processos de controle externo, em face da ausência de norma específica. Assim, aplica-se o prazo
prescricional de dez anos, previsto no art. 205 da Lei Civil.
III
10. A existência de diversos posicionamentos sobre a matéria apenas indica o quão relevante e
oportuna é a presente discussão.
11. Nas diversas oportunidades que tive para me pronunciar sobre tão relevante tema, concluí pela
manutenção do prazo decenal do Código Civil, tendo em vista, entre outros aspectos, a estabilidade da
jurisprudência desta Corte.
12. Sobre o uso do Código Civil para extrair a norma jurídica aplicável à prescrição da pretensão
punitiva afeta às relações de Direito Público, entendo que, sem embargo de reconhecer os contornos
próprios de cada disciplina, não se pode delimitar de forma estanque as esferas entre Direito Civil e
Direito Administrativo, Direito Público e Direito Privado. Nesse sentindo, para alguns doutrinadores, a
crescente constitucionalização do Direito Civil (expoente do Direito Privado) e do Direito
Administrativo (expoente do Direito Público) contribui para a dificuldade, em qualificadas dimensões, na
contraposição pura e simples entre Direito Público e Privado.
13. Com efeito, nem tudo que está dentro do Código Civil é propriamente, ou exclusivamente,
matéria de Direito Civil. Não se pode olvidar que o CC/2002 também dispõe de matérias consideradas
de cunho administrativo, tais como: conceituação de pessoa jurídica de direito público (arts. 40 e 41);
responsabilidade civil de pessoa jurídica de direito público (art. 43); fundações (art. 62 e seguintes);
bens públicos (art. 98 e seguintes); desapropriação (art. 1.275, inciso V, considerada como causa de
perda da propriedade imóvel); as restrições ao uso anormal da propriedade (art. 1.277 e seguintes); a
passagem forçada (art. 1.285); a imposição de passagem de cabos e tubulações (art. 1.286); a regulação
17
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
das águas e questão dos aquedutos (art. 1288 e seguintes); a limitação entre prédios (art. 1.297) e o
direito de construir (art. 1299 e seguintes).
14. Da mesma forma, diversos institutos do Direito Civil são corriqueiramente utilizados pelo
Tribunal, inclusive em sua atuação sancionadora, a exemplo da solidariedade passiva (arts. 275 a 285
do CC/2002) e da desconstituição da personalidade jurídica de empresas (art. 50 do CC/2002).
15. Desta forma, data vênia, não se mostra despropositado ou inadequado utilizar a disciplina do
Código Civil para se estabelecer prazo prescricional aplicável ao TCU.
16. O instituto da prescrição é tratado na Parte Geral do Código Civil. Mais especificamente, o
art. 205 do CC/2002 dispõe:
‘A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.’
17. Assim, percebe-se que o prazo geral estabelecido foi o de dez anos.
18. Entretanto, normas específicas podem fixar outros prazos. É nesse contexto que se enquadram
todas as citadas normas específicas (Lei nº 8.429/92; Lei nº 8.112/90; Decreto nº 20.910/32; Lei nº
9.873/99; etc.). Todas têm em comum o fato de terem fixado seus prazos prescricionais em cinco anos.
19. Como a nossa Lei Orgânica não fixou prazo para a prescrição, nesse caso vale o prazo fixado
na lei geral, ou seja, o CC/2002.
20. Assim, não se pode falar em lacuna legislativa e consequentemente em integração por meio de
analogia. O prazo prescricional existe e está fixado em norma geral. Caso existisse norma específica
prevendo a prescrição da pretensão punitiva do Tribunal, o prazo seria o fixado por essa lei específica.
21. Nesse ponto é importante ressaltar que a aplicação do prazo previsto no Código Civil não se dá
pelo uso da analogia, mas sim, pela incidência direta da norma prevista no seu art. 205. Com efeito,
entendo que não seria possível a fixação de prazo prescricional por meio de analogia ou de
jurisprudência, dada a reserva legal para a disciplina da matéria.
22. Sobre o precedente do STJ citado, entendo que tal decisão é isolada e não enfrentou de forma
direta a questão da prescrição da pretensão punitiva do TCU. Verifico que a questão principal discutida
em muitos dos julgados do STJ diz respeito à prescrição da ação de ressarcimento, sendo que a
prescrição do exercício da pretensão punitiva do TCU foi abordada, em essência, de maneira incidental.
23. Assim, com as devidas vênias, considero que a análise da matéria no aludido precedente do
STJ, que tratou incidentalmente a questão fulcral debatida nos presentes autos, não possui o condão de
ensejar a reforma da jurisprudência majoritária do TCU sobre o assunto.
24. No caso do STF, a decisão proferida no MS 32.201/DF, da relatoria do E. Ministro Luís
Roberto Barroso, deu-se em sede de liminar ainda não apreciada no Plenário daquela Egrégia Corte.
Ademais, tal decisão, por não possuir efeitos erga omnes, vale apenas para aquele caso concreto, não
vinculando o Tribunal.
IV
25. Outras questões igualmente relevantes me fazem concluir pela adoção da prescrição decenal.
26. Observo que o prazo de dez anos se harmoniza com outro normativo do Tribunal que
estabelece a dispensa de TCE quando houver transcorrido prazo superior a dez anos entre a data
provável de ocorrência do dano e a primeira notificação dos responsáveis pela autoridade
administrativa competente (art. 6º, IN/TCU nº 71/2012).
27. Acaso adotado o prazo de cinco anos, acontecerá de várias Tomadas de Contas Especiais já
darem entrada sem a possibilidade de o TCU exercer sua função punitiva naqueles processos. Por certo
o Tribunal poderia alterar a citada IN nº 71/2012, reduzindo o prazo para cinco anos. Entretanto, à luz,
entre outros aspectos, da realidade histórica da atuação desta Corte, não parece que tal medida seria a
que melhor atenderia ao interesse público.
28. Outra questão de suma importância a ser analisada na hipótese de o Tribunal considerar o
lapso temporal de cinco anos como o prazo para a ocorrência da prescrição de sua pretensão punitiva,
refere-se à avaliação das consequências de tal entendimento no tocante à eficiência, eficácia e
efetividade do recurso de revisão interposto pelo MP/TCU, como instrumento processual que permite ao
18
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Tribunal cumprir sua missão constitucional de apurar a prática de ilícitos administrativos e punir
agentes infratores.
29. Como é cediço, a Lei nº 8.443/92, em seu art. 35, estabelece que de decisão definitiva caberá
recurso de revisão ao Plenário, sem efeito suspensivo, interposto por escrito, uma só vez, pelo
responsável, seus sucessores, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de cinco
anos, fundado nas hipóteses dos incisos I, II ou III.
30. Verifica-se, então, que são coincidentes os prazos previstos na Lei para a interposição do
recurso de revisão e aquele que se pretende fixar para que o Tribunal possa aplicar sanções. Ou seja,
todas as teses com prazo prescricional de cinco anos não se compatibilizam com o prazo previsto para
interposição de eventual recurso de revisão.
31. Assim, por hipótese, após o Tribunal proferir acórdão em que não foi imputada multa ao
gestor, caso o MP/TCU tenha conhecimento de documentos novos suficientes para interposição de
recurso de revisão, por exemplo, passados quatro anos e dez meses, portanto dentro do prazo para o
recurso de revisão, o Tribunal teria que deliberar em, no máximo, dois meses, de modo a não ocorrer a
prescrição de sua pretensão punitiva.
32. Na prática, restaria inviabilizado o recurso de revisão interposto pelo MP/TCU com intuito de
aplicação de penalidades a gestores (multas, inidoneidade, inabilitação para o exercício de cargo em
comissão).
33. Sendo assim, parece claro que a prescrição decenal é a que melhor se compatibiliza com o
prazo legal previsto para interposição do recurso de revisão, que é de cinco anos.
V
34. No que se refere ao termo inicial do lapso prescricional, entendo que deve ser o mesmo que
correntemente é utilizado pelo Tribunal, ou seja, a data da prática do ilícito administrativo.
35. Tal termo a quo fundamenta-se no princípio da actio nata, positivado no art. 189 do CC/2002,
in verbis:
“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição,
nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”
36. A adoção do início da contagem do prazo a partir do conhecimento, pelo TCU, dos fatos tidos
como irregulares, data vênia, não deve ser adotado, tendo em vista a possibilidade de se estender por
prazo indeterminado a pretensão punitiva do Tribunal, afrontando a segurança jurídica.
37. No que se refere à interrupção do prazo prescricional e ao momento do reinício da contagem
do prazo, também entendo que deve ser mantida a sistemática atualmente vigente, qual seja, a
predominância da tese que considera a citação (ou a audiência) válida como causa interruptiva, com o
recomeço da contagem do prazo a partir da data do ato que interrompeu a prescrição (a citação ou a
audiência), em conformidade com o art. 202, parágrafo único, do Código Civil.
VI
38. Entendo que ao apreciar essa questão, que reconheço ser relevante, deve o Tribunal prestigiar
a solução que traga mais segurança jurídica aos jurisdicionados, proteja o interesse público e seja
simples e de fácil aplicação e entendimento por todos os interessados.
39. Note-se, a propósito, que esta Corte adota a prescrição decenal há décadas e não vislumbro, no
cenário atual, nenhum motivo, seja de natureza doutrinária, seja de natureza jurisprudencial, para
alteração tão brusca desse entendimento, mormente quando não há qualquer incompatibilidade jurídica
na solução adotada.
40. Considero que a manutenção da prescrição decenal é a solução que melhor atende aos
parâmetros da segurança jurídica, do interesse público, da simplicidade e facilidade de aplicação e
entendimento por todos os interessados.
19
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
41. Reafirmo não ser adequada a aplicação de uma analogia sui generis, ou seja, selecionar
algumas partes de várias leis administrativas, de modo a criar uma norma que regulamente a prescrição
da pretensão punitiva no TCU. Nessa situação, estaria o Tribunal atuando indevidamente como
legislador positivo.
42. Ressalto que a aplicação das disposições do Código Civil dá-se por incidência direta dessa
norma aos casos em análise no TCU. Não se trata de analogia, visto não existir nenhuma lacuna a ser
integrada. A matéria de prescrição da pretensão punitiva do TCU é disciplinada por Lei (mesmo que
geral), nos termos exigidos pela nossa Constituição Federal. Importante registrar também que não há
qualquer incompatibilidade entre esse regramento e os processos no Tribunal.
43. Em suma, de acordo com a disciplina legal do CC/2002, a pretensão punitiva do TCU:
prescreve em 10 anos; tem como termo inicial a data do fato; é interrompida uma única vez com a
citação/audiência; reinicia sua contagem a partir da data do ato que a interrompeu.
44. Ante todo o exposto, o Ministério Público de Contas junto ao TCU, por intermédio de seu
Procurador-Geral, considerando que a questão sob exame não contempla integração analógica, visto
não existir nenhuma lacuna legal a ser integrada; considerando os imperativos da segurança jurídica e
do respeito ao interesse público primário; considerando que os fundamentos dos precedentes judiciais
mencionados não possuem o condão de alterar o entendimento predominante no TCU, tendo em vista
que não há uma posição firmada no âmbito do Poder Judiciário, em especial no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, sobre o caso específico tratado nestes autos; manifesta-se no sentido de que continue a
ser adotado, para fins de aplicação de penalidades, no exercício do controle externo, a responsáveis que
cometam irregularidades na gestão de recursos públicos federais, o prazo de prescrição decenal a
contar da data da ocorrência do fato, previsto no Código Civil Brasileiro.”
É o Relatório.
VOTO
I
Preliminarmente, cabe louvar o excelente trabalho desenvolvido pelos eminentes Ministros que
apresentaram Declarações de Voto, bem como pelo douto Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin,
ressaltando que suas manifestações acerca de matéria deveras tormentosa prezam pela excelente
qualidade e precisão.
2. Avalia-se nesta oportunidade incidente de uniformização de jurisprudência instaurado para
retomar as discussões acerca do prazo prescricional das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas da
União.
3. Inicialmente a matéria estava sendo tratada nos processos TC 007.822/2005-4 e
TC 011.101/2003-6, ambos de minha relatoria. Todavia, diante da importância do tema e da notória
divergência jurisprudencial, consignada inclusive nos Votos Revisores apresentados em ambos, entendi
que estavam presentes os requisitos para que este Tribunal instaurasse incidente de uniformização de
jurisprudência, nos termos do art. 91 do Regimento Interno do TCU.
4. De fato, o incidente permite que a matéria seja apreciada de forma isolada e exauriente, distante
das demais questões factuais que, rotineiramente, são submetidas à apreciação do TCU nos casos
concretos. Dessa forma, o Tribunal proferirá uma única deliberação, abordando o tema da prescrição da
pretensão punitiva em tese, cujo entendimento servirá não somente para o exame dos dois processos
mencionados, mas também de todos os processos em que se vislumbrar a aplicação de sanção.
5. Antes de passar ao exame das principais nuances que envolvem o instituto da prescrição no
âmbito do TCU, convém esclarecer que as discussões aqui travadas não dizem respeito ao débito, dado
que este possui natureza jurídica completamente distinta das sanções. Lembro que o ressarcimento ao
erário é imprescritível, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição, da Súmula TCU 282 e da reiterada
20
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (MS 26210/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, j.
4/9/2008, DJe 9/10/2008, dentre outros).
6. Superada a questão, entendo que este incidente deve examinar as seguintes controvérsias
envolvendo a prescrição: a) o poder-dever sancionador deste Tribunal submete-se a uma limitação
temporal?; b) diante da omissão legislativa acerca dos prazos prescricionais aplicáveis às sanções
previstas na Lei 8.443/1992, poderia o TCU deixar de apreciar alegação dos jurisdicionados acerca da
perda do poder punitivo no caso concreto?; c) em sendo prescritíveis as sanções do TCU, as atividades de
controle externo estariam sujeitas a quais normas?; d) qual seria o termo inicial da contagem do curso
prescricional?; e) incidiriam causas de interrupção e de suspensão?;e f) sendo afirmativa a pergunta
anterior, quais seriam essas causas?
II
7. Passo ao exame da primeira questão.
8. Criado com a finalidade de impor regras aplicáveis a todos os atores sociais, o Estado do Direito
tem como um de seus pilares centrais a segurança jurídica, que, no caso do direito de ação, tem como
consectário as regras prescricionais. Almeja-se, com o instituto da prescrição, a estabilização das relações
sócio-jurídicas em face da inércia do detentor original do direito. A imprescritibilidade, por se opor à
ideia de segurança jurídica, é exceção, sendo admitida em direito apenas quando expressamente prevista e
autorizada na Constituição ou na lei, o que não é o caso em exame.
9. Exemplos podem ser citados. Na seara reparatória, a Constituição Federal consignou
expressamente que as ações de ressarcimento ao erário são imprescritíveis (art. 37, § 5º). Indo para as
sanções, a mesma Carta admitiu a imprescritibilidade apenas para sanções decorrentes dos crimes de
racismo (art. 5º, inciso XLII) e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional
e o Estado Democrático (art. 5º, inciso XLIV). O fato de a Constituição ter dito expressamente quais
ações seriam imprescritíveis faz presumir, a contrário senso, a regra geral da prescritibilidade.
10. A mesma conclusão também é obtida por outros métodos interpretativos. Por entender a
Constituição como um conjunto de regras e princípios formadores de um todo harmônico, deve-se extrair
de seus dispositivos uma leitura que busque conferir maior efetividade às normas constitucionais. Assim,
interpretar que a falta de lei expressa torna imune, à ação do tempo, o poder sancionador não se coaduna
com diversos princípios constitucionais, tais como a segurança jurídica, a celeridade processual, a
eficiência administrativa, o devido processo legal, a razoabilidade, dentre outros tantos.
11. Portanto, a ausência de previsão legislativa acerca do prazo prescricional aplicável às sanções
do TCU não significa o silêncio eloquente do legislador, a ponto de justificar a imprescritibilidade das
sanções aplicadas em processos de controle externo. Nas palavras do Exmo. Ministro do Supremo
Tribunal Federal Luis Roberto Barroso:
“O fato de não haver uma norma dispondo especificamente acerca do prazo prescricional, em
determinada hipótese, não confere a qualquer pretensão a nota da imprescritibilidade. Caberá ao
intérprete buscar no sistema normativo, em regra através da interpretação extensiva ou da analogia, o
prazo aplicável.
Com efeito, o argumento de que o tema da prescrição seria de “direito estrito”, não admitindo por
isso analogia, não tem fundamento”. (BARROSO, Luis Roberto. A prescrição administrativa no direito
brasileiro antes e depois da lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de
Atualização Jurídica, v. 1, nº. 4, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em:
30/1/2014)
12. Acredito que a solução para o problema passa pela integração jurídica. É assim porque as
normas de Direito Público adotam, tanto a favor da administração, como contra ela, o prazo prescricional
quinquenal. Nos tópicos seguintes tratarei com mais detalhes a temática, oportunidade em que
mencionarei diversas normas aplicáveis às relações jurídicas com o poder público, além de trazer excertos
das obras de importantes doutrinadores brasileiros e de julgado de Tribunal Superior.
21
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
13. Aliás, a atividade de integração não é estranha ao aplicador do direito, precipuamente diante da
usual incompletude das normas jurídicas e do princípio da indisponibilidade da jurisdição, que obriga o
magistrado, in casu, o julgador de Contas, a dizer o Direito mesmo nos casos em que o texto jurídico não
é expresso.
14. Ainda sobre a imprescritibilidade, a tese de que o art. 37, § 5º, da CF abarcaria as multas
impostas pelo TCU implica a conclusão de que todas as sanções impostas por esta Corte de Contas
inserem-se no âmbito de uma ação de ressarcimento, o que não é o caso, dada a natureza jurídica distinta
das sanções. Enquanto aquela visa recompor o patrimônio da pessoa jurídica de direito público que sofreu
o prejuízo, estas têm caráter nitidamente punitivo e, portanto, pedagógico. Repise-se: as multas não
possuem natureza ressarcitória e não podem ser vistas como substitutas do débito para fins da efetivação
do ressarcimento ao erário.
15. Diferentemente do Min. Walton Alencar Rodrigues, não vejo discricionariedade na fixação do
prazo prescricional, sobretudo porque, como já afirmado, a melhor integração jurídica fatalmente
conduzirá ao lapso quinquenal. Tampouco noto enfraquecimento do controle externo, causado por uma
suposta autolimitação de poderes, pois, por dever de coerência com as demais normas de Direito Público
atinentes à matéria, dificilmente o legislador ordinário instituiria prazo diverso para processos de controle
externo.
16. Sendo assim, respondendo à primeira pergunta posta, tenho que o poder-dever sancionador
deste Tribunal submete-se a uma limitação temporal. Isto é, o TCU deve observar um prazo determinado
para imputar sanções aos responsáveis - tais como as multas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei 8.443/1992
-, sob pena de, não observando essa limitação temporal, violar o princípio da segurança jurídica, da
celeridade processual, do devido processo legal, da razoabilidade, além de não permitir a consolidação
das relações sociais.
III
17. Inicio este tópico afirmando que a Lei 8.443/1992 não tratou da prescrição no âmbito do TCU.
Ocorre que a jurisdição estabelecida na CF/88 para a apreciação das contas impede que o Tribunal deixe
de apreciar essa matéria, sobretudo quando questionado pelos jurisdicionados. Deve o TCU, mesmo
diante de uma nítida omissão legislativa, dizer o direito, sob pena de, não o fazendo, reintegrar preceito
do Direito Romano do non liquet, há muito superado pela sociedade moderna. O art. 140 do Novo
Código de Processo Civil, por exemplo, diz que o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna
ou obscuridade do ordenamento jurídico.
18. Ainda que assim não se entenda, ou seja, que tal omissão só possa ser saneada pelo E. STF ou
pelos demais órgãos do Poder Judiciário via mandado de injunção, destaco a existência de diversas ações
anulatórias e mandados de segurança, em curso perante todas as instâncias do Poder Judiciário, que
reconhecem a prescrição quinquenal às sanções aplicadas pelo TCU. Portanto, embora com fundamentos
jurídicos diversos, a conclusão chegaria a um ponto comum, qual seja, a integração da lacuna jurídica
utilizando normas de Direito Público.
19. Interpretar a omissão legislativa como fator impeditivo para eventual reconhecimento da
prescrição dos ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, implica afirmar a
imprescritibilidade, vedada pela Carta Maior, bem como equiparar as punições às ações de ressarcimento.
Rememoro que a sanção e o débito têm naturezas jurídicas distintas. Ademais, a prescrição é a regra e a
imprescritibilidade, exceção, ou seja, depende de previsão expressa.
IV
20. Partindo-se da premissa de que as punições do TCU estão sujeitas a um prazo prescricional,
deve-se buscar no ordenamento jurídico brasileiro as normas que mais se aproximam das atividades de
controle externo.
22
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
21 De início, anoto que nenhuma das posições defendidas – prescrição quinquenal por analogia a
diversas normas de Direito Público e prescrição decenal com base no Código Civil - foge aos padrões da
razoabilidade. A questão é controversa, mormente pela falta de disposição legal específica a regular o
instituto da prescrição nos processos de controle externo.
22. Reconheço que a jurisprudência majoritária desta Corte propugna pela aplicação dos prazos
prescricionais estabelecidos pelo Código Civil, tese essa também defendida pelos nobres Ministros
Walton Alencar Rodrigues e Bruno Dantas, bem como pelo E. Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin.
Cito, nesse sentido, os Acórdãos 1.803/2010–Plenário, 510/2005–Plenário, 2.495/2005–1ª Câmara,
3.036/2006–1ª Câmara, 2.011/2007–1ª Câmara, 53/2005–2ª Câmara, 3.132/2006–2ª Câmara, dentre
tantos outros.
23. Não vejo problemas em revisitar matérias até então pacíficas neste Tribunal. Como assevera o
filósofo alemão Hans-Georg Gadamer “uma interpretação definitiva parece ser uma contradição em si
mesma. A interpretação é algo que está sempre a caminho, que nunca se conclui.” (GADAMER, Hans-
Georg. A razão na época da ciência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p. 71).
24. Nesse sentido, deve-se ressaltar o caráter dinâmico da atividade hermenêutica, a qual, na busca
do escorreito sentido das proposições normativas ou da norma jurídica adequada à solução de uma lacuna,
é incapaz de oferecer respostas definitivas e atemporais aos problemas com que se depara.
25. Na mesma linha, a introdução de regras jurídicas em um sistema jurídico exige, sobretudo em
decorrência de construções doutrinárias e jurisprudenciais, por dever de coerência e completude do
ordenamento jurídico, o constante esforço de harmonização entre os diversos textos normativos
integrantes do sistema.
26. Segundo o filósofo italiano Emilio Betti:
“Na verdade, uma completude semelhante deve ser projetada não como um pressuposto e um ponto
de partida, mas, eventualmente, como um ponto de chegada ideal e uma meta, nunca definitivamente
atingida, do processo interpretativo. O complexo unitário da ordem jurídica deve ser continuamente
reelaborado e aprofundado por ocasião de cada norma: pois relacionar a norma à totalidade do sistema
já significa reformar sua unidade e renovar a integração, encontrando de cada norma a razão suficiente
e removendo as desarmonias”. (BETTI, Emílio. Interpretação da Lei e dos atos jurídicos. São Paulo:
Martins Fontes, 2007, p. LXIV).
27. Sendo assim, no esforço de contribuir para a evolução da matéria no âmbito deste Tribunal,
julgo que o debate jurídico trazido aos autos acerca da prescrição da pretensão punitiva em processo de
controle externo deve ser objeto de especial atenção, haja vista a importância da matéria e a existência de
correntes doutrinárias divergentes, tanto no âmbito desta Corte quanto no Poder Judiciário.
28. Após melhor refletir sobre a matéria, cheguei à conclusão de que o prazo decenal previsto no
Código Civil visa regulamentar relações eminentemente privadas. Por consequência, não caberia extrair
do art. 205 do Código Civil (“A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor”) a moldura jurídica do prazo prescricional do poder-dever de sancionar do TCU. Ou seja, essa
solução jurídica residual deveria ser aplicada somente para o direito de ação de relações privadas não
estabelecidas no Código Civil ou em lei específica.
29. Diferentemente do Direito Privado, as relações de Direito Administrativo são assimétricas, não
sendo as partes iguais, tampouco existindo um regime de comutatividade. De um lado está o Estado com
suas potestades e, do outro, o administrado, que se submete ao poder estatal. Dessa forma, a importação
das normas de Direito Civil não se faz de forma automática, cabendo ao aplicador do direito promover
um juízo de ponderação e de proporcionalidade.
30. Esta é a razão pela qual os ordenamentos jurídicos tendem a estabelecer prazos menores em
desfavor do Poder Público. O prazo quinquenal aplicável às relações jurídicas com o poder público, ainda
que se considere pequeno se comparado com o previsto no Código Civil (dez anos), é maior que o de
países europeus e o dos Estados Unidos. Em estudo já citado neste Voto, o Ministro Barroso expõe:
“Mesmo fugindo da comparação com o sistema anglo-saxão, que adota prazos notadamente mais
exíguos, o direito comparado revela que, na França, por exemplo, a regra é a prescrição administrativa
23
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
quadrienal. E, na Itália, a média é de três anos”. (BARROSO, Luis Roberto. Ob. Cit. Salvador, CAJ -
Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 4, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>.
Acesso em: 30/1/2014)
31. Reitero: o Código Civil destina-se às relações de cunho eminentemente privado e só deve ser
aplicado nos processos de controle externo de forma supletiva, quando não houver normas aplicáveis à
relação do Estado com os cidadãos/administrados. Ao definir a sistemática de cumprimento das
declarações de inidoneidade (espécie de sanção), em especial quando houver cumulação de medidas
aplicadas pelo TCU, esta Corte valeu-se da analogia com outra codificação do direito público (Código
Penal). Vide trecho da parte dispositiva do Acórdão 348/2016-Plenário:
“9.2.4. a cumulação de mais de uma sanção de declaração de inidoneidade, cominada à mesma
licitante, com fundamento no artigo 46 da Lei 8.443/1992, está temporalmente limitada, em seu conjunto,
ao total de cinco anos, tendo por base a aplicação analógica da regra estampada nos §§ 1º e 2º do art.
75 do Código Penal Brasileiro, de sorte que sobrevindo nova condenação:
9.2.4.1. por fato posterior ao início do cumprimento da punição anterior, far-se-á nova unificação,
somando-se o período restante da pena anterior com a totalidade da pena posterior, desprezando-se,
para esse fim, o período de pena já cumprido; e
9.2.4.2. por fato anterior ao início do cumprimento da punição anterior, deve ser lançada no
montante total já unificado.”
32. Do exame do conjunto de normas existentes acerca do assunto, observo que prepondera, no
sistema do Direito Público, o prazo prescricional de cinco anos para a imposição de multas de natureza
administrativa. Nesse sentido, menciono o Decreto 20.910/1932, para a cobrança de dívidas passivas da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios; a Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), para a
cobrança de crédito tributário; a Lei 6.838/1980, para a sanção disciplinar de profissional liberal, aplicada
por órgão profissional competente; a Lei 8.112/1990, para a ação disciplinar contra servidor público que
culmine a pena de demissão; a Lei 8.429/1992, para as ações destinadas à aplicação das sanções expressas
nessa lei, no caso de detentores de cargos e empregos públicos; a Lei 9.873/1999, no caso da pretensão
punitiva da administração no exercício do poder de polícia; a Lei 12.529/2011, para as ações punitivas da
administração pública federal, direta e indireta objetivando apurar infrações da ordem econômica e a
recente Lei 12.846/2013, para a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática
de atos contra a administração pública.
33. Vejo que o prazo de cinco anos é paradigmático para poder público, como pode também ser
observado na Lei 9.784/1999, que fixa em 5 anos o prazo decadencial da administração para anular os
atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, e como se deduz da própria
Lei Orgânica do TCU, que estabelece o mesmo prazo para o Ministério Público apresentar de ofício
recurso (de revisão) contra as decisões do Tribunal.
34. Retomando, embora as regras jurídicas listadas refiram-se à matéria distinta da atividade de
controle externo, creio que o tratamento uniforme acerca da matéria permite vislumbrar uma
incontestável inclinação do Direito Público no sentido de fixar o prazo prescricional de cinco anos para a
aplicação de sanções aos administrados e para a União ser cobrada pelas suas dívidas. Por essa primeira
razão, parece-me despropositado utilizar a disciplina do Código Civil para extrair a norma jurídica
aplicável à prescrição da pretensão punitiva afeta às relações de Direito Público.
35. No mesmo diapasão, colho a seguinte doutrina da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Não há regra alguma fixando genericamente um prazo prescricional para as ações judiciais do
Poder Público em face do administrado. (...) Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não
é a analogia com o Direito Civil, visto que, sendo as razões de Direito Público, posto que, sendo as
razões que o informam tão profundamente distintas que inspiram as relações de Direito Público, nem
mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte”. (MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, p. 1033).
24
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
36. Ainda segundo o referido administrativista:
“Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em
regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando
reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal
explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que
concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações. (...) Isto
posto, estamos em que, faltando regra específica que disponha de modo diverso (...), o prazo para a
Administração proceder judicialmente contra eles [administrados] é, como regra, de cinco anos (...)”.
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. Cit., p. 1034-1035).
37. O mesmo raciocínio é desenvolvido por Hely Lopes Meirelles, cujo excerto transcrevo a seguir:
“(...) quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos,
à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910⁄32), das punições
dos profissionais liberais (Lei 6.838⁄80) e para cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174)”.
(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.
654).
38. O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou nesse sentido, verbis:
“ADMINISTRATIVO. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. DANO AO ERÁRIO.
RESSARCIMENTO. IMPRESCRITIBILIDADE. MULTA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ART. 1º DA
LEI 9.873/1999. INAPLICABILIDADE.
1. A pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao Erário é imprescritível. Por decorrência
lógica, tampouco prescreve a Tomada de Contas Especial no que tange à identificação dos responsáveis
por danos causados ao Erário e à determinação do ressarcimento do prejuízo apurado. Precedente do
STF.
2. Diferente solução se aplica ao prazo prescricional para a instauração da Tomada de Contas no
que diz respeito à aplicação da multa prevista nos arts. 57 e 58 da Lei 8.443/1992. Em relação à
imposição da penalidade, incide, em regra, o prazo qüinqüenal.
3. Inaplicável à hipótese dos autos o disposto no art. 1º da Lei 9.873/1999, que estabelece que, nos
casos em que o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição
reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. Isso porque a instância de origem apenas consignou que as
condutas imputadas ao gestor público não caracterizavam crime, sendo impossível depreender do
acórdão recorrido a causa da aplicação da multa. Dessa forma, é inviável, em Recurso Especial,
analisar as provas dos autos para verificar se a causa da imputação da multa também constitui crime
(Súmula 7/STJ).
4. Recursos Especiais parcialmente providos para afastar a prescrição relativamente ao
ressarcimento por danos causados ao Erário”.
(REsp 894.539/PI, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
20/08/2009, DJe 27/08/2009)
39. A discussão sobre as limitações temporais ao poder sancionador do TCU também está sendo
travada no Mandado de Segurança 32.201/DF, em tramitação no Supremo Tribunal Federal. O Relator,
Exmo. Min. Luís Roberto Barroso, deferiu a liminar pleiteada e determinou a suspensão da exigibilidade
da multa a que foi condenado o impetrante, por entender que a prescrição quinquenal havia ocorrido no
caso concreto. Transcrevo trecho da decisão monocrática:
“No entanto, como já defendi em estudo sobre o tema (‘A prescrição administrativa no direito
brasileiro antes e depois da Lei nº 9.873/99’, in: Temas de direito constitucional, tomo I, 2ª ed., 2006, p.
495-532), o direito administrativo tem autonomia científica, razão pela qual não há nenhuma razão
plausível pela qual se deva suprir a alegada omissão com recurso às normas de direito civil, e não às de
direito administrativo.
Como se sabe, o prazo prescricional referencial em matéria de direito administrativo é de cinco
anos, seja contra ou a favor da Fazenda Pública, como decorrência de um amplo conjunto de normas:
25
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Decreto nº 20.910/32; CTN, arts. 168, 173 e 174; Lei nº 6.838/80, art. 1º; Lei nº 8.112/90, art. 142, I; Lei
nº 8.429/92, art. 23; Lei nº 12.529/2011, art. 46; entre outros”.
40. Dando continuidade ao processamento do mandamus, parecer da Procuradoria-Geral da
República opinou pela concessão da ordem, ao reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do TCU. A
posição externada coincide com a do Min. Barroso, ou seja, afasta a aplicação do Código Civil e utiliza a
analogia com outras normas de Direito Público.
41. Os Tribunais Regionais Federais também estão inclinados a utilizar o prazo quinquenal. Ao
apreciar a apelação de ex-Prefeito de São Miguel de Taipu/PB, que pedia a desconstituição do Acórdão
TCU 755/2012-1ª Câmara, que julgou irregulares as contas do responsável, condenou-o em débito e
aplicou-lhe a multa do art. 57 da Lei 8.443/1992, a Quarta Turma do TRF-5 decidiu, à unanimidade,
negar provimento ao recurso. No entender do Relator, Desembargador Federal Bruno Teixeira de Paiva, é
indiscutível a aplicação do prazo quinquenal de prescrição para a cobrança da multa (AC 562574/PB, Rel.
Des. Federal Bruno Teixeira, Quarta Turma, j. 01/10/2013, DJe 03/10/2013). A Quinta Turma do TRF-1
também partilha do mesmo entendimento (AC 00041702920104014000, Rel. Des. Souza Prudente, j.
19/02/2014, DJe 11/03/2014).
42. Vejo que essas decisões judiciais não configuram casos isolados, pois com frequência
magistrados de 1º grau reafirmam o prazo quinquenal quando da apreciação dos processos de execução
das deliberações desta Corte. Na primeira oportunidade em que apresentei a tese aqui defendida (TC
021.540/2010-1), tratava-se de representação formulada pela Consultoria Jurídica deste Tribunal,
motivada, dentre outras razões, por essas sentenças proferidas por juízes da 1ª instância, que, em face da
experiência dessa Unidade Técnica no acompanhamento jurisprudencial do Poder Judiciário, propunha a
esta Corte a adoção do prazo de cinco anos para a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
43. Em resumo, vejo que a tese central assumida pelos doutrinadores Celso Antônio Bandeira de
Mello e Hely Lopes Meirelles, pelos julgados do STJ, do TRF-1 e do TRF-5, pela decisão monocrática de
Ministro do E. STF e pelas sentenças de 1º grau se apoia na utilização do prazo quinquenal, em vez do
prazo geral de 10 anos estabelecido no Código Civil, sob o argumento de que a perda do direito punitivo
pode ser extraída de normas reguladoras do próprio Direito Público – especificamente do Direito
Administrativo. Por outro lado, o entendimento até então adotado pelo TCU assenta-se na inaptidão da
aplicação das prescrições das Leis 9.873/1999 e 9.784/1999 e do Decreto 20.910/1932 à atividade de
controle externo, o que impõe o uso da regra residual do Código Civil, à falta de disposição específica
sobre o tema.
44. Dessa forma, tomando por base os princípios da unidade e coerência do ordenamento jurídico,
parece-me que o prazo prescricional de 5 anos para imposição de sanção pelo TCU é a solução mais
acertada ante a falta de lei específica. Renovando mais uma vez as vênias por discordar dos Ministros
Walton Alencar Rodrigues e Bruno Dantas, seria um contrassenso admitir que as sanções aplicadas pelo
TCU estariam sujeitas à prescrição decenal.
45. Nesse particular, compreendo que a utilização do instituto da analogia, como técnica de
integração de lacunas, requer a busca de textos normativos que disponham sobre fatos similares ao que se
busca decidir, o que, diante da noção de unidade e coerência do ordenamento jurídico, impõe a adoção de
disposições pertencentes ao mesmo sistema jurídico da norma a ser editada.
46. Por esse motivo, entendo que a utilização das regras do Código Civil para a definição do prazo
prescricional aplicável à sanção aplicada pelo TCU no exercício da atividade de controle externo não
constitui procedimento adequado, haja vista a absoluta diferença entre os fatos abarcados pelo espaço de
incidência daquela regra jurídica – de natureza eminentemente privada – e os inerentes à relação de
direito público travada entre a União e os administrados, no âmbito dos processos do TCU.
47. Evoluindo entendimento anteriormente esposado em outras situações, devo admitir que a falta
de disposição legal a respeito do tema na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) implica extrair-se do
próprio Direito Administrativo, dada a sua independência científica, as bases para a integração dessa
lacuna, que impacta diretamente o poder sancionador desta Corte de Contas. Seguindo tal raciocínio,
26
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
penso que se há prazo próprio em ramo autônomo do Direito Público não há porque se insistir no uso, por
meio da analogia, de norma essencialmente disciplinadora das relações jurídicas privadas.
48. Com espeque nessas considerações, fazendo uso de tal critério de integração, entendo que o
prazo prescricional para que o TCU aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve mesmo ser
o de cinco anos, conforme previsto em diversas normas de direito público, a exemplo do art. 23 da Lei de
Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do
Decreto 20.910/1932, do art. 174 do Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999, do art. 1º
da Lei 6.838/1980, do art. 46 da Lei 12.529/2011 e do art. 25 da Lei 12.846/2013.
49. Além das questões de fato e de direito aqui expostas, não se pode esquecer que o Poder
Judiciário reconhece a incidência do prazo prescricional de 5 anos às multas aplicadas pelo TCU. Por
mais que a separação dos Poderes acarrete a independência das instâncias, decidir na contramão do
Judiciário implicará a multiplicação de ações e de recursos judiciais questionando a legalidade dos
acórdãos desta Corte de Contas.
V
50. Mesmo tomando-se como parâmetro as normas de Direito Público, concordo com o Min. Weder
de Oliveira quando afirmou, ao disponibilizar sua Proposta de Deliberação no TC 018.184/2014-6
(pendente de apreciação), que as legislações estabelecem diferentes termos iniciais para a prescrição.
Enquanto as ações punitivas da administração pública federal, direta e indireta, objetivando apurar
infrações da ordem econômica iniciam a contagem a partir da data da prática do ilícito (art. 46 da Lei
12.529/2011), para os atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, praticados pelas
pessoas jurídicas, o prazo é contado da data da ciência da infração (art. 25 da Lei 12.846/2013).
51. Na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), a solução depende da natureza jurídica
do vínculo que o agente mantém com a Administração Pública: se detentor de mandato, cargo em
comissão ou de função de confiança, as ações devem ser propostas em cinco anos após o término do
vínculo; nos casos de cargo efetivo ou emprego, inicia-se com a data do conhecimento do fato.
52. Apesar disso, acredito existir uma regra geral, aplicável quando as legislações não estabelecem
o contrário, segundo a qual a contagem do prazo prescricional tem início quando a violação do direito é
conhecida pela autoridade competente para exigir o cumprimento da obrigação (princípio da actio nata).
Ora, se a prescrição é a inércia do titular do direito em não exercer sua pretensão, não me parece razoável
que haja contagem do prazo anterior ao conhecimento do fato por parte da autoridade competente para
punir.
53. Pensar de forma diversa induz, a meu ver, comportamentos não desejados por parte de agentes
públicos e dos demais jurisdicionados, na medida em que estimularia gestores e terceiros a ocultarem suas
falhas para que, após certo tempo, se beneficiassem pela extinção de punibilidade. Haveria, nessa
hipótese, desrespeito ao princípio geral de direito segundo o qual ninguém pode se beneficiar da própria
torpeza.
54. Esse entendimento, a meu ver, é o que melhor se ajusta aos demais princípios do ordenamento
jurídico, dentre os quais destaco o da economicidade. Lembro que não é possível, por parte do TCU,
promover o controle concomitante de cada ato administrativo praticado pelos agentes públicos, de forma
que, por vezes, as irregularidades só são conhecidas após a consumação deles.
55. Não se pode perder de vista que o entendimento aqui exposto também constitui a regra quando
se está diante da apuração dos atos lesivos praticados contra a administração pública. É o caso, por
exemplo, da Lei Anticorrupção, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União e da Lei de
Improbidade Administrativa, quando o agente infrator ocupa cargo efetivo ou emprego.
56. Esse argumento já foi utilizado pelo Tribunal Regional da 5ª Região, como pode ser visto no
seguinte excerto:
“(...) 7. O termo inicial conta-se do conhecimento dos fatos pelo TCU, o que se deu em 14.04.2009,
data da autuação do processo TCE nº 009.800/2009-9, tendo sido proferido o Acórdão do TCU em
27
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
14.02.2012. Não há, no caso, a ocorrência de prescrição. (...)”(AC 562574/PB, Rel. Des. Federal Bruno
Teixeira, Quarta Turma, j. 01/10/2013, DJe 03/10/2013)
57. O conhecimento do fato pelo TCU também tem sido o parâmetro na apreciação da legalidade
dos atos de concessão de aposentadoria – posição esta ratificada pela jurisprudência consolidada do
Supremo Tribunal Federal. Nos embargos de declaração do MS 25.116/DF (Rel. Min. Teori Zavascki), o
Pretório Excelso afirmou expressamente que “o termo inicial do prazo de cinco anos, após o qual será
obrigatória a instauração de procedimento com ampla defesa e contraditório do ex-servidor junto ao
Tribunal de Contas da União, para efeito de registro de aposentadoria, é a data de recebimento, pelo
TCU, do ato concessivo de aposentadoria”. Apesar de se referir a matéria e a instituto diversos, os
fundamentos utilizados podem ser perfeitamente aplicados no caso em apreciação.
58. Mesmo os titulares de mandato ou os detentores de cargo em comissão ou de função de
confiança, a atuação desses agentes públicos, sob a ótica do TCU, em muito se assemelha aos ocupantes
de cargo efetivo ou emprego. Todos gerem recursos públicos federais e assumem, por isso, o dever de
prestar contas em um prazo pré-determinado, que independe da natureza do vínculo que o agente mantém
com a Administração pública. Não vejo, por isso, razões para diferenciar os temos iniciais do prazo
prescricional, tal como defende o Exmo. Ministro-Substituto Weder de Oliveira.
59. Na Lei de Improbidade, a situação é diversa. No art. 23, inciso I, a Lei 8.429/1992 pretende
impedir, por exemplo, que o titular do mandato se beneficie da sua própria torpeza, desestimulando
eventuais comportamentos para encobrir ilícios praticados durante sua gestão. Dessa forma, entendo que
não estão presentes, no processo de controle externo, razões legítimas para criar essa discriminação.
60. Antes de prosseguir, gostaria de ressaltar que a tese da prescrição quinquenal, a contar do
conhecimento do fato, não prejudica o exercício das prerrogativas conferidas ao Ministério Público junto
ao TCU, em especial a interposição do recurso de revisão. Inicio reafirmando que a competência do
Ministério Público restaria intocada em relação ao débito, dada a natureza imprescritível dele. Cinge a
discussão, portanto, ao recurso que pleiteia a aplicação de multas, a inabilitação para o exercício de cargo
em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública e a declaração de inidoneidade
do licitante fraudador para participar de licitação na Administração Pública Federal.
61. Tal como a ação rescisória, a admissibilidade do recurso de revisão requer o preenchimento de
requisitos específicos expressos na Lei Orgânica e no Regimento Interno, não bastando a mera
insatisfação com a decisão guerreada. Nesse sentido, observo que as hipóteses de cabimento estão
relacionadas, de uma forma geral, a situações não examinadas quando da decisão recorrida.
62. É o caso, por exemplo, de elementos eventualmente não analisados pelo Tribunal que justificam
a reabertura das contas (art. 288, § 2º, do Regimento Interno do TCU), da superveniência de documentos
novos ou da falsidade dos elementos juntados aos autos, contextos nos quais o TCU estaria diante de uma
realidade fático-probatória diversa da existente no julgamento inicial.
63. Portanto, considerando a particularidade do recurso de revisão, entendo que, em relação a esses
novos elementos, o termo a quo do prazo prescricional não poderá ser a data da autuação do processo
originário nesta Corte, mas o momento em que os fatos efetivamente se tornaram conhecidos pelo
Tribunal.
64. Como é cediço, eventual informação ou documento juntado a outro processo pode servir ao
Ministério Público para eventual recurso de revisão, não sendo necessário aguardar o trânsito em julgado
dos autos em que estiver contido. Basta que seja oportunizado o contraditório e a ampla defesa ao gestor a
ser apenado, condição satisfeita mediante citação, audiência ou oitiva.
65. Nesses casos, da mesma forma que no processo originário, a citação, ou a audiência, ou a oitiva
para fins punitivos dos responsáveis interrompe o prazo prescricional, reiniciando a contagem logo após.
A suspensão da contagem temporal também pode ocorrer, nos moldes que serão delineados em tópico
seguinte.
VI
28
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
66. O próximo assunto a ser tratado corresponde à ocorrência do instituto da interrupção do prazo
prescricional. Nele, percebo alinhamento entre a percepção do Min. Walton Alencar Rodrigues e a minha.
Concordamos quanto à manutenção do entendimento jurisprudencial desta Corte de Contas, segundo o
qual a citação e a audiência válidas interrompem a prescrição para a aplicação da multa, aplicando-se ao
caso a disciplina do art 219 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária no âmbito do Tribunal
(art. 298 do Regimento Interno do TCU. Precedentes: Acórdãos 330/2007-1ª Câmara, 904/2003-2ª
Câmara, 1.555/2005-2ª Câmara, 2.755/2006-2ª Câmara, 474/2011-Plenário e 585/2012 - Plenário).
Destaco que a interrupção só pode ocorrer uma única vez, nos termos do art. 8º do Decreto 20.910/32.
67. Divergimos, porém, acerca do momento do reinício da contagem. O Min. Walton, após
mencionar o processo civil, em que a citação interrompe a prescrição, recomeçando a correr da data do
último ato do processo que a interrompeu, expôs que a realidade do processo no âmbito do TCU seguia
um rito sui generis, com peculiaridades. Como exemplo, ponderou que, diferentemente do processo
judicial, a esta Corte é incumbido não apenas dizer o direito, como dar impulso ao processo, dentre outras
particularidades.
68. Assim, defendeu que, em analogia com o entendimento do STF sobre o processo administrativo
disciplinar previsto na Lei 8.112/90 (MS 22.679/DF, relator ministro Sepúlveda Pertence), o curso da
prescrição será retomado a partir do término do prazo que deveria o TCU decidir sobre determinado
processo. No caso de tomada ou prestação de contas, o reinício da contagem ocorreria ao “término do
exercício seguinte àquele em que estas [as contas] lhe tiverem sido apresentadas” (art. 14 da Lei
8.443/1992).
69. Divirjo do entendimento manifestado pelo Revisor. Não me parece razoável a solução alvitrada,
sobretudo porque o processo de controle externo tem suas particularidades e, na maior parte dos casos,
não existe um prazo pré-definido para julgamento, ao contrário do que ocorre no processo administrativo
disciplinar da Lei 8.112/90 (140 dias).
70. Adotar um prazo que seria “razoável” traz consigo grande subjetividade, que contribuiria para
aumentar a incerteza acerca da ocorrência ou não da prescrição. Por outro lado, reiniciar a contagem
somente após o encerramento do processo no âmbito do TCU, em analogia com o processo civil, também
não me parece a melhor solução, sobretudo porque o atraso no julgamento prejudicaria sobremaneira os
responsáveis e beneficiaria a administração pública, sabedora de que poderá punir enquanto estiver o
processo em andamento. Ressalto também que essa última solução poderia entrar em rota de colisão com
diversos princípios constitucionais, tais como a celeridade processual, a segurança jurídica, o devido
processo legal, a razoabilidade, dentre tantos outros.
71. Assim, entendo, em conformidade com art. 9º do Decreto 20.910/32, que a prescrição
interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu (a citação ou a audiência). São estes os
termos do mencionado dispositivo:
“Art. 9º A prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a
interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo”.
72. Trata-se de um dispositivo bem semelhante ao previsto no art. 202, parágrafo único, do Código
Civil. Noto que existem duas possibilidades para o termo a quo do reinício da contagem: i) o ato que
interrompeu o prazo; ou ii) o último ato ou termo do respectivo processo que interrompeu o prazo.
73. No processo judicial, de fato, o reinício da contagem do prazo somente ocorre após o
encerramento da lide, pois as partes submeteram a resolução do conflito a um terceiro (juiz). Eventual
atraso no julgamento da lide prejudica ambas as partes de forma proporcional, sobretudo porque o credor
ou devedor nada pode fazer, senão esperar pela resposta judicial.
74. Entretanto, a relação processual no âmbito do TCU é atípica, como ressaltado pelo Min. Walton,
razão pela qual defendo o reinício da contagem a partir do ato que interrompeu a prescrição. Isso porque
ao TCU não compete apenas dizer o direito, mas também impulsionar o processo, dentre outras
particularidades. Ou seja, a demora no julgamento do processo prejudicaria de forma desproporcional e
desarrazoada os responsáveis e, por outro, pouco afetaria a pretensão do TCU - e da própria
Administração Pública -, que a todo tempo poderia aplicar sanções aos jurisdicionados.
29
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
75. Além disso, sendo a prescrição um instituto que trata da perda da pretensão em virtude do não
exercício do direito de agir, a partir do chamamento do responsável aos autos já é permitido ao Estado
exercer o poder sancionador, pois a relação jurídico-processual já foi aperfeiçoada, possibilitando aos
jurisdicionados o contraditório e a ampla defesa.
76. Observo que, quando se está em discussão o poder sancionador do Estado para com particulares,
esse raciocínio tem sido aceito, aplicado e, muitas vezes, positivado no ordenamento jurídico brasileiro. O
Código Penal - norma punitiva por excelência - afirma expressamente que, uma vez interrompido o curso
da prescrição, a contagem recomeça novamente do dia da interrupção (art. 117, § 2º).
77. Portanto, não existindo norma expressa em sentido contrário, entendo aplicável a regra geral,
isto é, a recontagem do prazo inicia-se do ato que a interrompeu.
78. Com espeque nessas considerações, concordo com o Min. Walton que a citação e a audiência
interrompem, por uma única vez, o prazo prescricional. Divergimos quanto ao momento em que a
contagem deve ser reiniciada, o que, para mim, ocorre logo após a sua interrupção.
79. Antes de prosseguir, porém, gostaria de destacar que a interrupção aqui defendida só pode
ocorrer pela citação ou pela audiência promovida pelo TCU, ou seja, pelo titular do poder punitivo.
Ocorre que na fase interna da tomada de contas especial (TCE) – etapa que é realizada no âmbito dos
órgãos e das entidades jurisdicionadas –, os responsáveis podem ser instados a apresentarem defesa
acerca das irregularidades, muitas vezes por meio de instrumento denominado “citação”. Essa intimação
interna inicial não compõe estrito senso o nosso processo de controle externo, não está prevista na Lei
8.443/1992, tampouco no Regimento Interno do TCU, razão pela qual não pode ser considerada para
efeitos de interrupção da prescrição.
80. Ademais, a ausência dessa comunicação ou eventuais vícios nela existentes não ensejam a
nulidade do processo, pois, como é do conhecimento de todos, esta Corte de Contas promove a citação
e/ou a audiência e/ou oitiva dos responsáveis, estas, sim, previstas no art. 22 da Lei 8.443/1992.
Traçando-se um paralelo com o processo penal, poder-se-ia verificar a semelhança entre a fase interna da
TCE e o inquérito policial, sendo que neste as intimações realizadas não têm o condão interferir no curso
do prazo prescricional. Nem mesmo o indiciamento goza de tais atributos.
81. Por fim, gostaria de ressaltar que a determinação do termo a quo será feita caso a caso. O fato
pode se tornar conhecido seja pela inserção de peças, seja pela constituição de processo específico. Ao
contrário do defendido pelo Ministro Raimundo Carreiro, entendo que as contas do órgão ou da entidade
não podem ser termo inicial do prazo prescricional.
VII
82. Passo ao exame do instituto da suspensão do prazo prescricional e da sua aplicabilidade aos
processos de controle externo. Antes, porém, menciono que a prescrição só ocorre quando for possível
supor que o titular do direito de ação permaneceu inerte por um determinado prazo.
83. No âmbito do controle externo, como citado pelo Min. Walton, é comum que a demora no
julgamento seja causada pelo responsável. Explico. Como é do conhecimento de todos, o Direito
Administrativo busca sempre a verdade material e, para tanto, recorre ao formalismo moderado,
permitindo-se aos agentes arrolados no processo, quer pessoa física ou jurídica, a juntada de novos
elementos de defesa a qualquer momento.
84. A consequência natural é o atraso no julgamento do processo. Vejam que, nesse exemplo, o
TCU não se manteve silente e, por isso, a ele não cabe a mora. Do contrário, seriam beneficiados com a
prescrição gestores e empresas que a todo momento apresentassem documentos supostamente elisivos de
suas responsabilidades, elementos esses que visariam apenas retardar a análise de mérito pelo Colegiado.
85. Nesse contexto, entendo perfeitamente aplicável à nossa realidade as disposições do art. 4º,
parágrafo único, do Decreto 20.910/1932. Se a demora pela administração pública na análise de
requerimento de determinado credor suspende o prazo prescricional (lembro que naquele normativo a
demora pela administração beneficiaria ela mesma), com muito mais razão deve ocorrer a suspensão da
prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais de defesa, ou mesmo quando
30
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido pela defesa, não
suficientemente documentada em sua manifestação processual. A paralisação da contagem do prazo
ocorreria no período compreendido entre a juntada dos elementos adicionais de defesa ou da peça
contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta da diligência.
86. Em resumo, concordo com o Min. Walton quanto à necessidade de suspender o prazo
prescricional toda vez que o responsável juntar documentos adicionais, isto é, além daqueles trazidos em
decorrência da citação/audiência. Divergimos apenas quanto à fundamentação jurídica. Por não trazer
resultados práticos relevantes, deixo de tecer maiores considerações acerca da nossa discordância.
87. Por fim, gostaria de incorporar à proposta de Acórdão as pertinentes colaborações trazidas pelo
Min. Augusto Nardes. Sua Excelência destaca o interesse público inerente ao instituto da prescrição,
razão pela qual propõe que a matéria seja analisada de ofício pelas unidades técnicas deste Tribunal,
independentemente de provocação dos jurisdicionados. Esse entendimento está positivado no art. 219, §
5º, do CPC. Por considerar oportuno, acrescento tal sugestão na parte dispositiva.
88. Ante todo o exposto, VOTO por que seja adotada a deliberação que ora submeto a este
Colegiado.
“9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência
suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues
Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC
007.822/2005-4),
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as
razões expostas pelo Relator, em:
9.1. deixar assente no âmbito desta Corte que:
9.1.1. o poder-dever sancionador deste Tribunal, que compreende a aplicação de multas, a
inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração
Pública e a declaração de inidoneidade do licitante fraudador para participar de licitação na
Administração Pública Federal, submete-se a uma limitação temporal, ou seja, é prescritível, em
conformidade com os princípios da segurança jurídica, da eficiência administrativa, do devido processo
legal e da razoabilidade;
9.1.2. no tocante ao prazo prescricional das sanções, as atividades de controle externo estão
sujeitas às normas de Direito Público (Lei 8.429/1992, Lei 8.112/1990, Decreto 20.910/1932, Lei
5.172/1966, Lei 9.873/1999, Lei 6.838/1980, Lei 12.529/2011, 12.846/2013, dentre outras), incidindo,
portanto, o período quinquenal para a imposição de reprimendas de caráter administrativo;
9.1.3. o termo inicial da contagem do prazo prescricional será a data em que os fatos tidos como
irregulares se tornaram conhecidos no âmbito deste Tribunal (princípio da actio nata);
9.1.4. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte, desde que esta última seja
utilizada para fins de punição, interrompe, por uma única vez, a prescrição, reiniciando a contagem do
prazo na data em que for ordenada a providência, em conformidade com o disposto no art. 240 do
Código de Processo Civil, c/c art. 8º do Decreto 20.910/1932;
9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos
adicionais de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato
novo trazido pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais,
sendo que a paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos
elementos adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou
da resposta da diligência;
9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da
parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992; e
9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos
processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de
apreciação de recurso por este Tribunal.
31
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
9.2. remeter cópia do presente Acórdão (Relatório, Voto e Parte Dispositiva) à Comissão de
Jurisprudência, nos termos do § 3º do art. 91 do Regimento Interno;
9.3. remeter os autos ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos do § 2º do art. 91 do
Regimento Interno;
9.4. determinar à Segecex que oriente as suas unidades técnicas no sentido de que passem a avaliar
se ocorreu prescrição da pretensão punitiva quando da elaboração de instruções de controle externo.“
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016.
BENJAMIN ZYMLER
Relator
DECLARAÇÃO DE VOTO
Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência que busca firmar entendimento quanto à
prescrição das multas e das demais sanções aplicadas pelo TCU.
Quanto à tese da imprescritibilidade
No tocante à tese que sustenta a imprescritibilidade da multa, ante a ausência da lei a que se refere
o §5 do art. 37 da Constituição Federal, tenho posição semelhante à sustentada pelo relator, Ministro
Benjamin Zymler, no sentido de que as únicas penas imprescritíveis no Direito brasileiro são aquelas
expressamente assim tratadas pela Constituição.
No mais, havendo omissão do legislador na edição da lei prevista no §5º do art. 37 da Constituição
Federal, compete ao aplicador do direito encontrar no próprio ordenamento jurídico a resposta
constitucionalmente adequada, ainda que, para tanto, tenha de recorrer ao uso da analogia.
Prescrição é instituto jurídico que decorre do princípio da segurança jurídica, razão pela qual não
pode o aplicador do direito deixar de prestigiá-lo, sob pena de ofensa a direito fundamental de quem se vê
na condição de acusado.
Não por outro motivo, os mandados de segurança impetrados contra o TCU e citados no voto do
Ministro Walton Alencar Rodrigues tratam, sem exceção, apenas da prescrição do débito e, concluem,
pela sua imprescritibilidade. Nenhum dos mencionados precedentes cuida da prescrição da multa e nem
poderia, pois em nenhuma das aludidas ações os seus autores formularam pedido relativo à prescrição da
multa, o que impede o Poder Judiciário de se manifestar e de decidir sobre a matéria, por estar submetido
ao princípio da inércia.
Ou seja, até a superveniência do Mandado de Segurança nº 32.201, da relatoria do Ministro
Luis Roberto Barroso, não havia o STF sido provocado a examinar a prescrição da multa, o que
explica a razão de os precedentes citados pelo Ministro Walton Alencar Rodrigues tratarem apenas da
prescrição do débito. Por esse motivo, não se pode concluir que o silêncio do STF acerca da
prescrição da multa signifique entendimento favorável à sua imprescritibilidade. Como disse, o
silêncio do STF decorre apenas do fato de não ter sido provocado sobre a matéria até a entrada naquela
Corte do citado Mandado de Segurança nº 32.201, pendente de julgamento de mérito, mas com liminar
deferida pelo relator, que se manifestou pela prescrição da multa em cinco anos.
Não obstante essa ausência de decisão de mérito do STF quanto à prescrição da multa aplicada pelo
TCU, o STF já se manifestou contrariamente à tese da imprescritibilidade da pena na esfera
administrativa sob a argumentação de ausência de norma expressa sobre a matéria. Trata-se do
julgamento do MS 20.069, concluído em 24.11.1976, pelo Pleno do STF, no qual o Ministro Moreira
Alves, em seu voto-vista que, ao final, foi vencedor, fez a seguinte afirmação contra a tese da
imprescritibilidade por ausência de previsão normativa:
32
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
(...) se até as faltas mais graves – e, por isso mesmo, também definidas como crimes – são, de modo
genérico, suscetíveis de prescrição, no plano administrativo, não há como pretender-se que a
imprescritibilidade continue a ser o princípio geral, por corresponder ao escopo da sanção
administrativa, ou seja, o interesse superior da boa ordem do serviço público. (grifei)
Mais recentemente, no RMS 23.436, julgado pela Segunda Turma em 24.08.1999, o relator,
Ministro Marco Aurélio, também se posicionou contra a tese da imprescritibilidade da pena fora das
hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal, no seguinte sentido:
Por outro lado, não se coaduna com o nosso sistema constitucional, especialmente no campo
das penas, sejam de índole criminal ou administrativa, exceto relativamente ao crime revelado pela
ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático –
inciso XLIV do artigo 5º da CF/88, a inexistência de prescrição. Inconcebível é que se entenda,
interpretando os preceitos das Leis nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que, uma vez aberta a
sindicância ou instaurado o processo disciplinar, não se cogite mais, seja qual for o tempo que se leve
para a conclusão do feito, da incidência da prescrição. É sabido que dois valores se fazem presentes: o
primeiro, alusivo à Justiça. A direcionar a possibilidade de ter-se o implemento a qualquer instante; já o
segundo está ligado à segurança jurídica, à estabilidade das relações e, portanto, à própria paz social que
deve ser restabelecida num menor tempo possível. Não é crível que se admita encerrar a ordem
jurídica verdadeira espada de Dâmocles a desabar sobre a cabeça do servidor a qualquer momento.
(grifei)
Ao final, concluiu o Ministro Marco Aurélio, no que foi acompanhado pelos demais julgadores,
que, portanto, a ausência de previsão expressa de prazo de prescrição na Lei nº 8.112/90 quanto à
conclusão do processo disciplinar não autoriza decidir pela imprescritibilidade. Conforme constou da
própria ementa desse julgamento, trata-se de entendimento que apenas reiterou o que já havia decidido o
STF no MS 22.728, relator Ministro Moreira Alves, julgado pelo Pleno em 13.11.1998.
Por esses fundamentos, também entendo que a ausência da edição da lei a que se refere o §5º do
art. 37 da Constituição Federal não demite o TCU do dever de construir, pela via jurisprudencial, um
entendimento que, amparado pelo ordenamento jurídico, permite estabelecer, ao menos até a edição da
citada lei, um prazo prescricional para as sanções que lhe compete aplicar.
Sobre o prazo decenal
O Ministro Walton Alencar Rodrigues e o Ministro Bruno Dantas sustentam que as sanções
aplicadas pelo TCU devem prescrever no prazo genérico de 10 anos previsto no art. 205 do Código Civil,
tendo em vista que referido Código tem larga aplicação em todos os ramos do direito.
Com as devidas vênias, a aplicação em um determinado ramo do direito de institutos previstos
em outro ramo do direito não é circunstância que autorize desconsiderar as características de cada
ramo do direito e que permita aplicar indiscriminadamente os seus comandos em outro ramo
jurídico.
Aliás, o intercâmbio entre as várias disciplinas jurídicas decorre da característica do próprio direito,
como unidade, mas também como sistema aberto. Por essa razão, não apenas institutos do direito civil
tem aplicação em outras disciplinas jurídicas, mas também institutos jurídicos de outras disciplinas
repercutem em ramos diversos do direito.
Nessa linha, é certo que vários institutos do direito civil são aplicados em outros ramos do direito,
não apenas no direito administrativo.
São vários os exemplos de aplicação do direito civil ao direito penal, quando no Título VII do
Código Penal trata dos crimes contra a família e se utiliza, para tanto, do conceito civil de casamento ou
quando no art. 61, inciso II, alínea e, considera uma circunstância agravante o crime cometido contra
ascendente ou descendente, irmão ou cônjuge e, para tanto, utiliza-se, implicitamente, dos conceitos de
ascendente, descendente e cônjuge.
De igual modo, aplicam-se institutos do direito civil ao direito processual, tanto civil quanto
penal e administrativo, quando a norma processual trata das hipóteses de impedimento do magistrado e,
33
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
para tanto, usa os institutos do parentesco e da afinidade definidos pelo Código Civil (CPC, art. 144, CPP,
art. 252, Lei nº 9.784/99, art. 18, LOTCU, art. 94).
No entanto, não é só o direito civil que tem os seus institutos usados por outras disciplinas
jurídicas. O direito penal, por exemplo, recorre a institutos do direito empresarial quando usa o
conceito de cheque (CP, art. 171, §2º, inciso VI) e de duplicata (CP, art. 172), assim como usa institutos
do direito do trabalho ao tipificar, no Título IV do Código Penal, os crimes contra a organização do
trabalho, como também se vale de institutos do direito administrativo, quando dispõe no Título IX do
Código Penal acerca dos inúmeros crimes contra a Administração Pública.
E o direito administrativo, na mesma toada, se vale não apenas de institutos do direito civil,
mas também de outras disciplinas jurídicas. É o caso da parte geral do Código Penal à qual recorre o
direito administrativo sancionador, no tocante à teoria da pena, do que é exemplo o próprio TCU que se
vale intensamente do conceito de culpabilidade, como reprovabilidade da conduta, para fins de aplicação
das sanções de sua competência.
Mas é próxima também a relação entre o direito administrativo e o direito tributário, por
exemplo, pois é o direito administrativo que prevê e regula o exercício do poder de polícia, cuja atividade
é remunerada por taxa, que é um tributo (CF, art. 145, II, CTN, arts. 77 e 78). De igual modo ocorre com
o direito empresarial e com o direito econômico, cuja relação com o direito administrativo é
exemplificada pela exploração de atividade econômica do Poder Público por intermédio das empresas
públicas e sociedades de economia mista.
É de se notar, porém, que todas essas interseções entre as diversas disciplinas jurídicas ocorrem
sempre que um determinado ramo do direito precisa se valer de conceitos próprios de outro ramo do
direito. Ou seja, o direito penal usa institutos do direito civil quando precisa definir condutas criminosas
que envolvem conceitos do direito civil.
Contudo, o direito penal não usa o direito civil para disciplinar matérias próprias do direito penal,
isto é, para disciplinar o direito de punir, pois isso seria incoerente com a natureza jurídica do direito
penal.
Portanto, entendo que a aplicação de diversos institutos do direito civil em outros ramos do
direito não autoriza concluir pela aplicação dos prazos prescricionais contidos no Código Civil a
qualquer outra hipótese de prescrição cujo prazo não esteja expressamente previsto em lei.
Desse modo, a aplicação do prazo prescricional previsto no art. 205 do Código Civil não me parece
adequada, menos pelo fato de regular, originariamente, relações jurídicas de natureza privada, e mais pela
circunstância de se tratar de perda de direito de natureza econômica. Da leitura do artigo 206 essa
conclusão é inapelável, conforme se vê abaixo:
Art. 206. Prescreve:
§ 1o Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio
estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para
responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a
anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela
percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital
de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o
prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
§ 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se
vencerem.
34
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
§ 3o Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em
períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da
data em que foi deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado
o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício
em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar
conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas
as disposições de lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro
de responsabilidade civil obrigatório.
§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
§ 5o Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores
pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos
ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
Como se constata, todas as hipóteses do extenso art. 206 tratam exclusivamente de prescrição
relativa a direitos de natureza econômica. Desse modo, não vejo como proceder à leitura do art. 205
dissociada dessa realidade. A boa hermenêutica não autoriza a leitura isolada de um comando normativo,
pois, retirado de seu contexto, admitiria qualquer conclusão, ainda que distante dos seus limites.
Portanto, não vejo adequada a interpretação que confere ao art. 205 elasticidade suficiente para
regular a prescrição da pretensão punitiva. Não há em todo o Código Civil sequer um único dispositivo
que autorize tamanha extensão interpretativa, pois inexiste no citado Código disciplina relativa ao
exercício do poder punitivo e, mais ainda, à perda do direito desse exercício.
A inviabilidade da aplicação dos prazos prescricionais previstos no Código Civil aos
processos administrativos punitivos também já foi objeto de manifestação do Supremo Tribunal
Federal, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 21.562, cujo relator, Ministro Ilmar Galvão,
fez as seguintes considerações em voto que foi acompanhado pelos demais ministros:
Com efeito, são ontologicamente distintos os institutos da prescrição nos diversos campos do
direito.
Enquanto no cível corresponde a uma exceção do devedor, que tem por efeito extinguir a ação do
credor designada à efetivação da prestação (de dar, de fazer e de não fazer) objeto de seu crédito, no
crime, implica a perda, pelo Estado, do direito-dever de perseguir a punição do autor do delito. Por sua
vez, a prescrição, no campo do direito administrativo disciplinar, a nenhum dos dois institutos se afeiçoa
por inteiro.
Trata-se de discrepâncias que se devem, naturalmente, à diversidade de natureza dos objetivos
colimados nas esferas jurídicas enfocadas.
Com efeito, enquanto nos domínios do cível tem-se em mira, de modo geral, como já dito,
compelir o devedor ao cumprimento de uma prestação de natureza patrimonial em favor do credor; e ao
35
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
passo que, no crime, o que se objetiva, precipuamente, é submeter o criminoso a uma restrição em sua
liberdade de ir e vir; na ordem administrativa, nenhum comportamento concreto se pretende impor ao
servidor faltoso, inexistindo, de parte deste, possibilidade de opor-se fisicamente à imposição da pena.
Assim, conquanto exista, inegavelmente, alguma identidade entre os três institutos, predominam os
pontos de distinção, podendo-se indicar, entre outros, o fato de que, no cível, a regra é que da prescrição
só conhece o julgador quando provocado pela parte interessada, enquanto no crime e no processo
disciplinar, deve fazê-lo de ofício; de outra parte, se, no primeiro caso, a paralisação da ação, ou da
execução, por inércia atribuível ao credor, pode reabrir ensejo à prescrição, a requerimento da parte, nos
outros dois, a simples morosidade processual, ainda que inimputável ao autor da ação, é suficiente para
extinguir o próprio direito de ver punido o agente ou de ver-se-lhe aplicada a pena.
Aliás, conforme se extrai do voto do relator do precedente acima mencionado, há muito mais
identidade entre a prescrição penal e a administrativa do que entre esta e a cível, exatamente pela
circunstância de o direito civil e, particularmente, a prescrição prevista pelo Código Civil estar voltada
para a disciplina de matérias econômicas, ao passo que o direito penal assim como o administrativo
sancionador dizem respeito à pretensão punitiva do Estado. Exemplo emblemático dessa característica é o
Estatuto do Servidor Público Federal que, no Capítulo V, ao tratar das penalidades cabíveis ao servidor
público, estabelece no art. 142, §2º, da Lei nº 8.112/90, o seguinte:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
§2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas
também como crime.
Por essas razões, entendo, com as devidas vênias, que o Código Civil não é fonte hábil a ser
invocada para fins de analogia, nem o art. 205 tem alcance suficiente para regular, por aplicação
direta, hipóteses que tratam de prescrição da pretensão punitiva na esfera administrativa, como bem
ressaltou o Ministro Ilmar Galvão no voto acima transcrito.
Sobre o prazo quinquenal
Respaldado na analogia com outras leis do direito público, o relator, Ministro Benjamin Zymler,
sustenta a aplicação do prazo quinquenal para a prescrição da multa e demais sanções aplicadas pelo
TCU.
Trata-se de prazo prescricional que também tenho defendido na Segunda Câmara, a exemplo do
Acórdão nº 3.763/2015 – 2ª Câmara, cujo fundamento, de igual modo, foi o recurso à analogia.
Conforme bem observa Miguel Reale, na analogia estende-se a um caso não previsto pela norma
aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de razões. Nas palavras do jurista
(REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 278):
A analogia atende ao princípio de que o Direito é um sistema de fins. Pelo processo analógico,
estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de
razões. Se o sistema do Direito é um todo que obedece a certas finalidades fundamentais, é de se
pressupor que, havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos análogos,
segundo um antigo e sempre novo ensinamento: ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio (onde há a
mesma razão deve haver a mesma disposição de direito). (grifei)
Não por outra razão, Karl Larenz adverte que (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito.
3. ed. Tradução: José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 541-542):
Na analogia jurídica trata-se sempre, portanto, de um processo de pensamento valorativo e não
unicamente de uma operação mental lógico-formal. Para conhecer que elementos da hipótese legal
regulada na lei são importantes para a valoração legal, e porque é que o são, é preciso recorrer aos fins e
ideias fundamentais da regulação legal, à ratio legis. (grifei)
Alinhado a esse entendimento, Norberto Bobbio ressalta que não é qualquer semelhança entre o
caso regulado e o não regulado que autoriza a analogia com determinada norma, mas apenas a
semelhança relevante, conforme se depreende das palavras do autor abaixo reproduzidas (BOBBIO,
Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 6. ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 153):
36
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Para que se possa tirar a conclusão, quer dizer, para fazer a atribuição ao caso não-regulamentado
das mesmas consequências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante, é preciso que entre
os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, é preciso
ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente
pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras consequências. (itálico do original;
demais grifos, meus)
Por esses fundamentos, entendo que a analogia não deve ser feita com o art. 205 do Código Civil
que previu o prazo genérico de 10 anos, quando ausente norma sobre a matéria, pois não há a “igualdade
de razões” a que se refere Reale, porquanto a prescrição tratada pelo Código Civil diz respeito apenas a
questões econômicas, nunca à perda do exercício da pretensão punitiva. Conforme lembrou o autor, diz o
brocardo jurídico que “onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição de direito”. E não se
verifica essa condição no Código Civil em relação ao direito administrativo sancionador.
Assim como, com base nos ensinamentos de Larenz, “os fins e ideias fundamentais da regulação
legal”, ou seja, a “ratio legis”, são substancialmente distintos entre o Código Civil e o direito
administrativo. Ou ainda, na dicção de Bobbio, a semelhança existente entre a prescrição do Código Civil
e a do direito administrativo não é relevante.
Conforme ressaltei no voto que proferi na Segunda Câmara, Celso Antônio Bandeira de Mello
também entende que, neste caso, a analogia não pode ser feita com as regras do Direito Civil, mas, ao
contrário, deve ser realizada com as normas do Direito Público (BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros. 2013. p. 1079):
...parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito Civil, visto que, sendo as razões de
Direito Público, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas que inspiram as
relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte.
Esse é o entendimento também do STJ, externado quando do julgamento do REsp 894.539/PI, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 27/08/2009,
conforme registrei no precedente a que me referi e consoante o Ministro Benjamin Zymler, de igual
modo, faz registrar em seu voto.
E, ainda que não se tenha, até o momento, decisão colegiada do STF, convém lembrar que é no
mesmo sentido a posição tomada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, na decisão liminar que proferiu no
Mandado de Segurança nº 32.201.
Considerados esses argumentos, é de se ressaltar que o prazo prescricional de cinco anos é adotado
como regra, de forma larga e uniforme, nas leis de regência do direito público e, particularmente, direito
administrativo punitivo.
Está presente, por exemplo, no art. 23, inciso II, da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade
Administrativa), no art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais), no
art. 1º do Decreto 20.910/1932 (Dispõe sobre a prescrição quinquenal na Administração para as dívidas
passivas), no art. 21 da Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), no art. 174 da Lei 5.172/1966 (Código
Tributário Nacional), no art. 1º da Lei 9.873/1999 (estabelece o prazo de prescrição para o exercício do
poder de polícia), e no art. 46 da Lei 12.529/2011 (define a prescrição da ação punitiva estatal contra
infrações à ordem econômica), entre outros.
Por esses fundamentos, sustento, como o fiz no voto que fundamentou o Acórdão nº 3.763/2015 –
2ª Câmara, que o prazo de prescrição da multa e das demais sanções aplicadas pelo TCU deve ser de
cinco anos.
Sobre o critério de contagem do prazo inicial
Quanto ao critério a ser adotado para a contagem inicial do prazo de prescrição, eu havia
defendido, no precedente da Segunda Câmara anteriormente citado, a data do fato como prazo inicial. No
entanto, refletindo novamente sobre a matéria, evolui para o entendimento de que o termo inicial do prazo
prescricional deve ser a ciência do fato pelo Tribunal, o que se presume com a entrada do processo nesta
Corte.
Da coerência entre o termo inicial do prazo e a sistemática da prestação de contas
37
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
As razões para a superação do meu entendimento anterior estão assentadas no fato de que a
prestação de contas é, por natureza, fiscalização a posteriori. Isso significa que nem o próprio gestor
pode criar expectativa de direito acerca da prescrição quando o seu prazo para prestar contas
sequer venceu e quando, ele, de fato, sequer prestou contas.
No âmbito das finanças públicas essa é a lógica natural das coisas. Há um prazo para a execução
dos atos administrativos e outro para a prestação de contas. Vencidos esses dois prazos, aí sim começa a
correr o prazo para o órgão de controle se manifestar.
A circunstância de o TCU ter competência para realizar, por iniciativa própria, auditorias e
inspeções, nos termos do art. 71, inciso IV, da Constituição Federal, não afasta a conclusão acima
apresentada, pois as fiscalizações levadas a efeito pelo Tribunal são apenas um dos instrumentos de
controle e que não se prestam para aniquilar a lógica que o direito, de um modo geral, adota quando se
trata da prestação de contas de recursos alheios.
Assim afirmo porque o próprio Código Civil adota o critério de contagem do prazo a partir da
prestação de contas, ou seja, respeita essa lógica no art. 206 ao tratar de alguns casos de prescrição,
como, ocorre, nas hipóteses, do seu §3º, inciso VII, alínea b, e do seu §4º, assim redigidos (com grifos
meus):
Art. 206. Prescreve:
§ 3o Em três anos:
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado
o prazo:
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao
exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar
conhecimento;
§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
A legislação eleitoral segue a mesma linha, conforme se depreende do disposto no art. 37, §3º, da
Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), com o seguinte teor (com grifos meus):
Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da
importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (Redação dada
pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 3o A sanção a que se refere o caput deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo
período de um a doze meses, e o pagamento deverá ser feito por meio de desconto nos futuros repasses de
cotas do Fundo Partidário, desde que a prestação de contas seja julgada, pelo juízo ou tribunal
competente, em até cinco anos de sua apresentação. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
Não pode aquele que tem o dever de prestar contas ser beneficiado pelo início do prazo
prescricional se sequer cumpriu ainda o seu dever.
Lembro que a lógica ora sustentada não é estranha ao próprio STF, que já admitiu algo
parecido no julgamento do MS 24.781, quando firmou o entendimento de que o prazo de cinco anos, a
partir do qual o TCU deve abrir o contraditório para o aposentado, reformado ou pensionista, deve ser
contado a partir da entrada do processo no TCU e não a partir da concessão da aposentadoria, reforma
ou pensão.
Da incoerência da contagem do prazo a partir da ocorrência do fato com a sistemática das
tomadas de contas especiais relativas a transferências voluntárias
Chamo a atenção para o fato de que, assim como ocorre com os atos sujeitos a registro
(aposentadorias, reformas e pensões), o procedimento estabelecido pela legislação para a apresentação da
prestação de contas dos recursos relativos às transferências voluntárias e para a sua análise prevê a
atuação de, ao menos, um outro órgão antes do TCU, que é o órgão concedente dos recursos.
Isso significa que, se o prazo de prescrição começar a correr a partir da data do fato, muitos serão
os casos em que ocorrerá a prescrição da multa a ser aplicada pelo TCU antes mesmo de as respectivas
tomadas de contas especiais derem entrada nesta Corte.
38
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Mesmo quando os fatos seguirem o seu curso normal, ou seja, mesmo quando não houver
prorrogação de prazo para a execução do convênio, o prazo de prescrição da multa já estará bastante
avançado quando da entrada da tomada de contas especial no TCU relativamente às transferências
voluntárias.
Isso porque, nesses casos, há um prazo para a execução do convênio, que pode ser de um ano ou
mais. O mesmo ocorrerá com o termo de colaboração e o termo de fomento, previstos na Lei nº
13.019/2014, cuja vigência teve início em janeiro de 2016, pois o prazo de execução também pode ser de
um ano ou mais.
Concluída a execução do convênio ou da parceria, há o prazo para a prestação de contas ao órgão
concedente. No caso de convênios, nos termos do art. 72, inciso I, da Portaria Interministerial 507/2011,
esse prazo é de 60 dias após o encerramento da sua vigência ou a conclusão da execução do objeto, o que
ocorrer primeiro.
No caso dos termos de colaboração e termos de fomento, o prazo para a apresentação da prestação
de contas é de até 90 dias a partir do término da vigência da parceria, prorrogável por mais 30 dias,
conforme previsto no art. 69, caput e §4º, da Lei nº 13.019/2014.
Prestadas as contas ao órgão concedente dos recursos, há ainda o prazo para que esse órgão analise
essa prestação de contas. No caso de convênios, o prazo é de um ano, prorrogável no máximo por igual
período, desde que devidamente justificado, consoante estabelecido pelo §8º do art. 10 do Decreto nº
6.170/2007.
Por outro lado, no tocante aos termos de colaboração e aos termos de fomento, tratados pela Lei nº
13.019/2014, o art. 71 da aludida lei dispõe que a administração pública apreciará a prestação final de
contas apresentada, no prazo de até cento e cinquenta dias, contado da data de seu recebimento ou do
cumprimento de diligência por ela determinada, prorrogável justificadamente por igual período.
Todavia, essa situação fica ainda mais dramática naqueles casos em que há prorrogação do prazo
de execução do convênio, o que não é raro de acontecer, e ainda naqueles outros em que o convenente é
omisso no dever de prestar contas ao órgão concedente. Nesta última hipótese, aconteceria exatamente o
que o direito rechaça, ou seja, o gestor omisso seria beneficiado pela própria torpeza, pois a sua omissão
contribuiria significativamente para o transcurso do prazo de prescrição a seu favor.
Expus o teor desses normativos para demonstrar que a própria legislação estabelece um rito
próprio para a prestação de contas, razão pela qual não me parece razoável ignorar essa realidade
e fixar o entendimento de que o prazo de prescrição da multa no TCU começa a correr antes
mesmo de concluído esse rito.
Se assim for, estaremos, por vias oblíquas, impondo ao Tribunal uma estratégia de controle
absolutamente inviável, que seria realizar auditoria em todos os jurisdicionados, inclusive nos
convenentes e demais beneficiários de recursos repassados por meio de transferências voluntárias, como
forma de esta Corte evitar a ocorrência da prescrição a contar da data do fato.
É preciso considerar, entretanto, que, caso o Tribunal viesse a tentar essa estratégia, estaria
praticamente tornando letra morta toda a sistemática de prestação de contas prevista na legislação. Além
disso, estaria também se sobrepondo aos órgãos concedentes dos recursos, fazendo um trabalho que, ao
menos em um primeiro momento, a legislação atribuiu a eles, qual seja, o da primeira análise da prestação
de contas, pois o TCU somente atua nesses casos quando a prestação de contas não é aprovada pelo órgão
repassador ou quando o gestor é omisso no dever de prestar as contas.
Eventual decisão do TCU que viesse a fixar o entendimento de que a prescrição ocorre a
contar da data do fato seria flagrantemente contrária à nova redação dada ao art. 73, §§2º e 3º, da
Lei nº 13.019/2014 pela Lei nº 13.204/2015, com o seguinte teor (grifos meus):
§ 2o Prescreve em cinco anos, contados a partir da data da apresentação da prestação de
contas, a aplicação de penalidade decorrente de infração relacionada à execução da parceria.
(Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
§ 3o A prescrição será interrompida com a edição de ato administrativo voltado à apuração da
infração. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
39
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ressalto que esse dispositivo tem como destinatário a própria Administração Pública, conforme se
depreende do caput do art. 73 da citada lei. Portanto, se em relação à própria Administração Pública
repassadora dos recursos a lei estabeleceu que o prazo prescricional começa a correr apenas a partir da
data da apresentação da prestação de contas ao órgão repassador, haveria grave ofensa a esse dispositivo
se o TCU, pela via jurisprudencial, viesse a estabelecer que a prescrição da multa começa a correr a partir
da data do fato.
O critério de contagem do prazo a partir da ocorrência do fato contraria o art. 19 da LOTCU
No entanto, ainda que o TCU viesse a tentar fazer isso, haveria outra questão de difícil solução. O
art. 19 da Lei Orgânica do TCU (Lei nº 8.443/92) estabelece que, quando julgar as contas irregulares, se
houver débito, aplicará a multa do art. 57 e, se não houver débito, aplicará a do art. 58.
Ora, como evitar a prescrição dessas multas, se o prazo prescricional começará a correr antes
mesmo de o processo de prestação de contas entrar no Tribunal e antes mesmo de o próprio gestor prestar
as contas, seja ao TCU, seja ainda, mais remotamente, ao órgão concedente dos recursos repassados por
meio de transferências voluntárias?
Ou seja, ao se admitir a contagem do prazo de prescrição a partir da data do fato se está
admitindo que o TCU terá contra si o curso do prazo antes mesmo que possa exercer o seu direito,
pois sem a entrada da prestação de contas no Tribunal não há que se falar em julgamento da
prestação de contas, nem, muito menos, na aplicação da multa respectiva a que se refere o art. 19
da sua Lei Orgânica. Portanto, entendo que o termo inicial da prescrição deve ser a data da ciência do fato pelo Tribunal,
o que se presume com a entrada do respectivo processo na Corte de Contas.
Da prescrição em relação a ilícitos praticados por quem não tem o dever de prestar contas
Poder-se-ia objetar que o critério ora sustentado é frágil em relação a ilícitos praticados por quem
não tem o dever de prestar contas, como, por exemplo, um pregoeiro. Isso porque, nesses casos, a
apuração do ilícito pode não ocorrer no processo de prestação de contas do órgão ou entidade no qual o
pregoeiro trabalha, o que significa que referido ilícito será apurado pelo TCU provavelmente em um
processo de fiscalização, como um relatório de auditoria, ou ainda por meio de uma denúncia ou
representação.
Argumenta-se que, nesses casos, se for adotado como termo inicial do prazo de prescrição a ciência
do fato pelo TCU, poderia ocorrer de esse prazo tender ao infinito.
Tal preocupação procede, mas entendo que há solução para o caso, que seria adotar algumas
presunções acerca da ciência do fato, na forma que ora proponho a esse Plenário.
Desse modo, proponho a inclusão do subitem 9.1.3.1, com a seguinte redação:
9.1.3.1. no caso de processo de contas, presume-se a ciência do fato com a entrada no TCU da
prestação de contas ou da tomada de contas especial respectiva ou, para as unidades dispensadas do dever
de prestar contas, a partir da entrada nesta Corte do relatório de gestão;
A lógica desse raciocínio assenta-se na premissa de que, ao menos em tese, a prestação de contas
deve abarcar todos os fatos da gestão do órgão ou entidade. Se o TCU não tomou conhecimento do fato
com a apresentação da prestação de contas ou até mesmo do relatório de gestão, entendo que pode ainda
ter ciência desse fato dentro do prazo de cinco anos, a contar da data da apresentação das contas ou do
relatório de gestão relativo ao órgão ou entidade no qual trabalha o pregoeiro ou, até, de prazo um pouco
maior do que os cinco anos, se ocorrer causas interruptivas da prescrição.
Apresento o seguinte exemplo: suponha que ocorreu uma irregularidade praticada por um
pregoeiro no ano de 2014 no órgão Y. A prestação de contas do ordenador de despesas desse órgão Y
deve ser apresentada ao TCU no ano de 2015, quando começará a correr a prescrição de 5 anos, cujo
prazo, hipoteticamente, vencerá em 2020, se não ocorrer nenhuma causa interruptiva da prescrição.
Suponha que esse ilícito não constou da citada prestação de contas, ou seja, o TCU não tomou
conhecimento dele ainda.
40
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Suponha que, no ano de 2019, o TCU receba uma denúncia relativa ao ilícito praticado pelo
pregoeiro em 2014. Nesse caso, pelo critério que ora proponho, o TCU teria apenas um ano para apurar o
ilícito e aplicar multa ao pregoeiro, pois a prescrição ocorreria no ano de 2020.
No entanto, na realidade, entendo que esse prazo será maior, em face de outra proposta que ora
faço de inclusão do subitem 9.1.4.1, com a seguinte redação:
9.1.4.1. na hipótese do subitem 9.1.4, por analogia com o art. 142, §3º, da Lei nº 8.112/90, assim
como com a Lei nº 13.019/2014, que dispõe sobre as parcerias voluntárias entre o Poder Público e as
entidades civis, especificamente em relação ao seu art. 73, §§2º e 3º, com a redação dada pela Lei nº
13.204/2015, e ainda por analogia também com o art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.873/1999, a instauração de
processo de auditoria, denúncia ou representação tendente à apuração de fato específico não contemplado
na prestação de contas interrompe a prescrição, que recomeça a correr no dia imediatamente subsequente;
Referidos dispositivos assim estabelecem:
Lei nº 8.112/90:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até
a decisão final proferida por autoridade competente.
Lei nº 13.019/2014:
§ 2o Prescreve em cinco anos, contados a partir da data da apresentação da prestação de contas, a
aplicação de penalidade decorrente de infração relacionada à execução da parceria. (Incluído pela Lei nº
13.204, de 2015)
§ 3o A prescrição será interrompida com a edição de ato administrativo voltado à apuração da
infração. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
Lei nº 9.873/99:
Art. 2o Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de
2009)
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação
dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
Esclareço que, neste caso, deixo de aplicar a analogia também com a parte final do mencionado §3º
do art. 142 da Lei nº 8.112/90 porque, diferentemente do que ocorre com a sindicância e o processo
administrativo disciplinar, que têm prazo de conclusão fixado em lei, os processos de auditoria, denúncia
e representação não têm prazo fixado em lei para serem julgados pelo TCU. Portanto, não há como
aplicar a parte final do citado dispositivo nesses casos, pois isso poderia conduzir à perda de controle do
prazo prescricional.
Ou seja, a proposta que ora faço permitirá ao Tribunal ter, ao menos, cinco anos a contar da
autuação do processo de denúncia, representação ou auditoria, para apurar e, se for o caso, punir o
pregoeiro.
Portanto, nesse meu exemplo, interrompido o prazo prescricional no ano de 2019, o TCU teria até o
ano de 2024 para julgar o processo de denúncia, representação ou auditoria, ressalvada, ainda, a
possibilidade de prazo maior, em face da interrupção do referido prazo pela audiência ou eventual citação,
caso o processo de fiscalização seja convertido em tomada de contas especial.
Registro que, no caso de empresa privada, aplica-se a mesma lógica acima defendida, pois a
empresa privada somente é arrolada nos processos do TCU em virtude de alguma relação jurídica
com um órgão ou entidade sob a fiscalização do Tribunal.
Além disso, proponho também a inclusão dos seguintes subitens:
9.1.4.2. em se tratando de ilícito relativo à gestão de recursos federais repassados mediante termo de
colaboração e termo de fomento, previstos na Lei nº 13.019/2014, cujo prazo de prescrição de 5 anos
contido no §2° do art. 73 da citada Lei n° 13.019/2014, a contar do recebimento da prestação de contas
pelo órgão ou entidade concedente, esteja vencido em relação ao concedente, presume-se a ciência do fato
quando da entrada no TCU da prestação de contas do órgão ou entidade concedente dos recursos, ou, em
41
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
se tratando de unidade dispensada do dever de prestar contas, a partir da entrada nesta Corte do relatório
de gestão;
9.1.4.3. por analogia com a Lei n° 13.019/2014, aplica-se o disposto no subitem 9.1.4.2 aos ilícitos
relativos à gestão de recursos repassados mediante convênios e instrumentos congêneres, cujo prazo de 5
anos, a contar do recebimento da prestação de contas pelo órgão ou entidade concedente, esteja vencido.
Essa proposta busca, de igual modo, fixar um prazo limite para a atuação do Tribunal, mas sempre
observando a lógica da prestação de contas, mas, desta feita, ajustada à realidade das tomadas de contas
especiais decorrentes de transferências voluntárias e, ainda, guardando coerência com o prazo de
prescrição estabelecido pela Lei nº 13.019/2014 para o órgão concedente, a fim de que o prazo de
prescrição do TCU não seja menor do que aquele.
Dou em exemplo:
Suponha um Termo de Colaboração celebrado no ano de 2005. Suponha que o Concedente receba
a prestação de contas no ano de 2007. Pela §2° do art. 73 da citada Lei n° 13.019/2014, o concedente terá
o prazo de cinco anos, a contar do recebimento da prestação de contas, para aplicar ao gestor as
penalidades do referido art. 73 da citada Lei, ou seja, até o ano de 2012. Ora, a prestação de contas do
concedente relativa ao ano de 2012 tem de entrar no TCU no ano de 2013.
A minha proposta é no sentido de que, ao entrar essa prestação de contas do concedente no TCU,
presume-se que o Tribunal tomou ciência do ilícito praticado pelo gestor do Termo de Colaboração. Terá,
então, o Tribunal o prazo de cinco anos para apurar o fato, isto é, até 2018, ressalvadas as causas
interruptivas da prescrição que poderão implicar prazo maior.
Entendo que essa proposta, além de fixar um limite no tempo para as tomadas de contas especiais
de transferências voluntárias, contribui para que este Tribunal se aproxime de uma solução mais razoável
em relação aos órgãos concedentes que não cumprem a sua obrigação de analisar as prestações de contas
de transferências voluntárias dentro de prazo razoável.
Assim afirmo porque o Tribunal poderá, em cada Decisão Normativa relativa aos relatórios de
gestão e de prestações de contas, exigir dos concedentes que informem as prestações de contas com
prescrição já ocorrida, providência que certamente provocará mudanças de comportamento nos
concedentes.
De qualquer modo, essa proposta fixa um limite no tempo para as tomadas de contas especiais de
transferências voluntárias e respeita, uma vez mais, a lógica das prestações de contas.
Por fim, proponho ainda um ajuste no subitem 9.1.6, com o seguinte teor:
9.1.6. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais
de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido
pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, sendo que a
paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos elementos
adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta
da diligência, observado o prazo máximo de 1 ano e 4 meses;
O prazo que ora sugiro busca, de igual modo, fixar um limite no tempo. E esse prazo é o que fixa a
LOTCU para o julgamento das prestações de contas, ou seja, até o término do exercício seguinte ao da
sua apresentação. Como as prestações de contas têm sido apresentadas no mês de outubro, o TCU tem à
sua disposição 1 ano e 4 meses para tanto.
Com essas considerações, voto por que o Tribunal adote a deliberação que ora submeto à
apreciação desse Plenário.
“9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência
suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues
Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC
007.822/2005-4),
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as
razões expostas pelo Relator, em:
42
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
9.1. deixar assente no âmbito desta Corte que:
9.1.1. o poder-dever sancionador deste Tribunal, que compreende a aplicação de multas, a
inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração
Pública e a declaração de inidoneidade do licitante fraudador para participar de licitação na
Administração Pública Federal, submete-se a uma limitação temporal, ou seja, é prescritível, em
conformidade com os princípios da segurança jurídica, da eficiência administrativa, do devido processo
legal e da razoabilidade;
9.1.2. no tocante ao prazo prescricional das sanções, as atividades de controle externo estão
sujeitas às normas de Direito Público (Lei 8.429/1992, Lei 8.112/1990, Decreto 20.910/1932, Lei
5.172/1966, Lei 9.873/1999, Lei 6.838/1980, Lei 12.529/2011, 12.846/2013, dentre outras), incidindo,
portanto, o período quinquenal para a imposição de reprimendas de caráter administrativo;
9.1.3. o termo inicial da contagem do prazo prescricional terá seu início na data em que os fatos
tidos como irregulares se tornaram conhecidos no âmbito deste Tribunal (princípio da actio nata);
9.1.3.1. no caso de processo de contas, presume-se a ciência do fato com a entrada no TCU da
prestação de contas ou da tomada de contas especial respectiva ou, para as unidades dispensadas do
dever de prestar contas, a partir da entrada nesta Corte do relatório de gestão;
9.1.4. quando o fato disser respeito a quem não tem o dever de prestar contas, o prazo de
prescrição começa a correr da ciência do fato pelo TCU, presumida, porém, a ciência do fato quando da
entrada do processo de prestação de contas neste Tribunal relativo ao órgão ou entidade no qual
ocorreu o fato ou, para as unidades dispensadas do dever de prestar contas, a partir da entrada nesta
Corte do relatório de gestão;
9.1.4.1. na hipótese do subitem 9.1.4, por analogia com o art. 142, §3º, da Lei nº 8.112/90, assim
como com a Lei nº 13.019/2014, que dispõe sobre as parcerias voluntárias entre o Poder Público e as
entidades civis, especificamente em relação ao seu art. 73, §§2º e 3º, com a redação dada pela Lei nº
13.204/2015, e ainda por analogia também com o art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.873/1999, a instauração
de processo de auditoria, denúncia ou representação tendente à apuração de fato específico não
contemplado na prestação de contas interrompe a prescrição, que recomeça a correr no dia
imediatamente subsequente;
9.1.4.2. em se tratando de ilícito relativo à gestão de recursos federais repassados mediante termo
de colaboração e termo de fomento, previstos na Lei nº 13.019/2014, cujo prazo de prescrição de 5 anos
contido no §2° do art. 73 da citada Lei n° 13.019/2014, a contar do recebimento da prestação de contas
pelo órgão ou entidade concedente, esteja vencido em relação ao concedente, presume-se a ciência do
fato quando da entrada no TCU da prestação de contas do órgão ou entidade concedente dos recursos,
ou, em se tratando de unidade dispensada do dever de prestar contas, a partir da entrada nesta Corte do
relatório de gestão;
9.1.4.3. por analogia com a Lei n° 13.019/2014, aplica-se o disposto no subitem 9.1.4.2 aos ilícitos
relativos à gestão de recursos repassados mediante convênios e instrumentos congêneres, cujo prazo de
5 anos, a contar do recebimento da prestação de contas pelo órgão ou entidade concedente, esteja
vencido.
9.1.5. a citação e a audiência válidas interrompem, por uma única vez, a prescrição, reiniciando a
contagem do prazo no dia imediatamente subsequente, em conformidade com o disposto no art. 240 do
Código de Processo Civil, c/c art. 8º do Decreto 20.910/1932;
9.1.6. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos
adicionais de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato
novo trazido pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais,
sendo que a paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos
elementos adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou
da resposta da diligência, observado o prazo máximo de 1 ano e 4 meses;
9.1.7. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da
parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992; e
43
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
9.1.8. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos
processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de
apreciação de recurso por este Tribunal.
9.2. remeter cópia do presente Acórdão (Relatório, Voto e Parte Dispositiva) à Comissão de
Jurisprudência, nos termos do § 3º do art. 91 do Regimento Interno;
9.3. remeter os autos ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos do § 2º do art. 91 do
Regimento Interno;
9.4. determinar à Segecex que oriente as suas unidades técnicas no sentido de que passem a avaliar
se ocorreu prescrição da pretensão punitiva quando da elaboração de instruções de controle externo.”
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016.
RAIMUNDO CARREIRO
Ministro
DECLARAÇÃO DE VOTO
De início, louvo os meus pares pela lucidez deste debate, destacando as valiosas contribuições
dadas por cada um em suas manifestações, que contêm, todas, sem exceção, teses jurídicas muito bem
elaboradas e compatíveis com a relevância do tema “prescrição da pretensão punitiva no TCU”, a
envolver, sobretudo, valores e princípios fundamentais insertos na Carta Constitucional.
2. A fixação de um único entendimento sobre a temática em questão é esperada há bastante tempo.
Pior que a preocupação sobre o acerto da decisão que advier desta sessão, essencialmente em vista de sua
validade e solidez perante o Poder Judiciário, é, com certeza, a falta de uniformização da matéria no
âmbito deste Tribunal. Trata-se de divergência por demais prejudicial ao jurisdicionado na medida em
que, calcada puramente em questão de direito, tem admitido julgamentos conflitantes a depender do
relator sorteado ou do colegiado competente, em descompasso com os parâmetros de equidade e de
isonomia.
3. Rememoro que este debate se originou de representação formulada pela Consultoria Jurídica
sobre a prescritibilidade da pretensão punitiva do TCU, especificamente quanto à aplicação de multa, nos
autos do TC 021.540/2010-1, inicialmente sob minha relatoria. Na peça representativa, relatou aquela
unidade de assessoramento a existência de precedentes jurisprudenciais nos quais se reconheceu prazo
prescricional de 5 (cinco) anos para a imposição de multa administrativa. Em especial, destacou o REsp
894.539/PI (Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/8/2009, DFe 27/8/2009),
em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) travou discussão sobre os efeitos da multa aplicada pelo
TCU em tomada de contas especial.
4. Em 29/6/2011, submeti pela primeira vez a matéria à apreciação deste Colegiado, no âmbito
daquela representação, propondo o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, no prazo de
5 (cinco) anos, contado do conhecimento do fato pelo TCU. Na ocasião, ante a lacuna normativa aplicável
aos processos de controle externo, vali-me do regramento previsto na Lei 8.112/1990, por analogia,
fundando-me, para tanto, basicamente nos mesmos argumentos ora pugnados pelo Ministro Benjamin
Zymler. O processo não foi a julgamento porque este Plenário entendeu conveniente, por sugestão do
próprio Ministro Benjamin, o deslocamento da matéria para processos futuros, em caráter incidental, no
exame de caso concreto.
5. Assim, em atendimento ao disposto acima, submeti novamente ao Colegiado a tese da prescrição
quinquenal por meio do TC 006.415/2008-8, na sessão de 7/12/2011, que não foi a julgamento em virtude
de pedido de vista formulado pelo Ministro Walton Alencar Rodrigues. Apresentado o voto revisor por
Sua Excelência, pautei mais uma vez o processo, em 21/11/2012, o qual novamente não foi apreciado em
razão de pedido informal feito por alguns ministros para que o feito fosse retirado de pauta de modo a
permitir prazo adicional para análise da matéria.
44
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
6. Ato contínuo, ao assumir a presidência desta Casa, em janeiro de 2013, coube ao ministro
Benjamin Zymler a relatoria dos mencionados processos e a continuidade no trato desta temática que
reputo de enorme relevo, a qual, por sua vez, foi redirecionada para os processos TC 007.822/2005-4 e
TC 011.101/2003-6, culminando, por fim, neste incidente de uniformização de jurisprudência ora trazido
por Sua Excelência.
-II-
7. Depois de ponderar os argumentos favoráveis e contrários a cada uma das teses postas em
discussão, peço vênias, desde já, aos ministros revisores, e declaro anuência integral à tese defendida pelo
relator da matéria, ilustre Ministro Benjamin Zymler.
8. A única diferença entre a orientação que defendi no passado e a que expõe o relator nesta
assentada está na norma legal utilizada como analogia. Enquanto sustentei aplicação da Lei 8.112/1990,
Sua Excelência entende mais adequado o uso da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).
Concordo que ambas admitem o processo de integração, mas, repensando aquela que mais se assemelha à
atividade de controle externo exercida por esta Corte, revejo o meu posicionamento e adiro à posição
capitaneada pelo Ministro Benjamin Zymler.
9. Por considerar que a discussão está amplamente madura neste Tribunal, haja vista a profundidade
em que estão colocadas as teses e os argumentos que as amparam, abstenho-me de adentrar
especificamente cada um dos eixos centrais deste debate, definidos em: prazo prescricional, termo inicial
e causas interruptivas.
10. Limito-me apenas a reafirmar a argumentação desenvolvida pelo ilustre relator ao consignar em
seu voto que a falta de lei sobre matéria de prescrição não deve implicar conclusão pela
imprescritibilidade da pretensão punitiva. Em outras palavras, a reserva de lei atribuída pela Constituição
da República para ilícitos que causem prejuízos ao erário (art. 37, § 5º) – basicamente a multa prevista
nos arts. 57 e 58, inciso III, da Lei 8.443/1992, além das demais sanções previstas na referida norma legal
– não impede que o intérprete integre lacuna visando ao atendimento do princípio da segurança jurídica.
11. A regra geral do ordenamento jurídico, como se sabe, é a da prescritibilidade, de modo que a
utilização de analogia in bonam partem somente dá efetividade àquele valioso princípio inserto em nossa
Carta Constitucional.
12. Como bem ressaltou o relator, esse entendimento foi perfilhado recentemente em decisão
monocrática proferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso (MS 32.201/DF). Da mesma forma, há
diversas decisões adotadas no âmbito do Poder Judiciário que ratificam o uso da analogia em matéria de
prescrição da pretensão punitiva da Administração.
13. Outrossim, em pesquisa à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), noto a
existência de julgados que reafirmam essa posição, dos quais transcrevo, por elucidativo, a ementa da
decisão proferida no RMS 22.935/DF:
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SINDICÂNCIA. REGISTRADOR.
OFÍCIO DE IMÓVEIS. CONDENAÇÃO À PENA DE MULTA. PRENOTAÇÃO. CANCELAMENTO
APÓS O PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. OBRIGATORIEDADE. DETERMINAÇÃO IMPOSTA EM
VISITA DE INSPEÇÃO. NORMAS TÉCNICAS IMPOSTAS PELO JUÍZO COMPETENTE.
DESCUMPRIMENTO. ARTIGOS 30, INCISO XIV, 31, INCISO I E V, 32, INCISO II, E 33, INCISO II,
DA LEI Nº 8.935/1994. PRAZO PRESCRICIONAL. APLICAÇÃO DA LEI 8.112/1990. ANALOGIA
LEGIS. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. MODIFICAÇÃO DO FATO IMPUTADO. NÃO
VERIFICAÇÃO. INDIVIDUALIZAÇÃO DA MULTA PARA CADA FATO OU ATO.
REGULAMENTAÇÃO DA PENA DE MULTA. DESNECESSIDADE.
1. Registrador de Ofício de Registro de Imóveis, sindicado, condenado em processo disciplinar por
não ter cumprido normas técnicas estabelecidas pelo Juiz competente e na legislação específica
(omissões quanto ao cancelamento de prenotações após o prazo do art. 205 da Lei nº 6.015/1973 e
desobediência do prazo para examinar os títulos e formular eventuais exigências para o registro).
45
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
2. O fato de a Lei nº 8.935/1995 ser omissa quanto aos prazos prescricionais para cada uma das
possíveis penas disciplinares nela previstas (repreensão; multa; suspensão por noventa dias,
prorrogável por mais trinta; e perda da delegação) não viola o § 5º do art. 37 da Constituição Federal,
segundo o qual ‘a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento’.
Tal omissão pode ser suprida mediante a aplicação da analogia legis.
3. O exercício, mesmo como delegatários, de função ou atividade pública aproxima os
registradores de cartórios de imóveis dos servidores públicos quanto ao dever de bem cumprir as suas
tarefas, estando sujeitos, todos, a sanções disciplinares. Permite-se, assim, lançando mão da analogia
legis, aplicar, no caso concreto, relativo ao Distrito Federal, os prazos prescricionais pertinentes aos
servidores públicos da União.
4. A pena disciplinar de multa prevista no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da
União equivale à pena de suspensão, tendo em vista que essa poderá ser convertida naquela ‘quando
houver conveniência para o serviço’ (art. 130, § 2º, da Lei nº 8.112/1990). Consequentemente, seguindo
esse raciocínio lógico-jurídico, o prazo prescricional para a multa é de 2 (dois) anos, nos termos do art.
142, II, do mesmo diploma.
5. Relacionadas as infrações disciplinares a atos omissivos, o termo inicial do prazo prescricional,
respeitado o princípio geral da actio nata, coincide com a data inicial da omissão, ou seja, a partir do
momento em que deveria o recorrente ter praticado respectivo ato e não o fez. Afasta-se a prescrição,
portanto, em relação aos atos disciplinares cuja omissão teve início dentro de 2 (dois) anos da abertura
do procedimento administrativo disciplinar.
(...)
10. Recurso ordinário não provido.” (STJ - RMS: 22.935, Relatora: Ministra LAURITA VAZ,
Data de Publicação: DJ 02/12/2010) (grifei)
14. Além de todos os fundamentos aduzidos pelo Ministro Benjamin Zymler para afastar o prazo
geral de 10 (dez) anos estabelecido no Código Civil, vejo ainda que a mencionada Corte Superior já se
deparou exatamente com o mesmo dilema, ocasião em que prevaleceu a posição relativa ao prazo
quinquenal, por analogia, em vez da incidência direta da legislação civilista na seara do direito público.
15. Refiro-me ao REsp 1105442/RJ (Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, Data de Julgamento:
09/12/2009, S1 - Primeira Seção, Data de Publicação: DJe 22/02/2011), representativo de controvérsia,
com fundamento no art. 543-C do Código de Processo Civil, pelo qual a Primeira Seção daquela Corte
Superior deu provimento ao recurso para reformar a decisão impugnada que houvera adotado a tese
segundo a qual seria aplicável o então prazo vintenário previsto no Código Civil para efeito de prescrição
da pretensão de cobrança de multa administrativa pela via da execução fiscal, tendo admitido o manejo de
exceção de pré-executividade fundada em prescrição. A razão de decidir enfrentada foi que aquela sanção
teria natureza “não tributária” e que o Código Civil, apesar de disciplinar relações privadas, conteria
normas gerais de direito, aplicáveis às relações públicas quando omissa a legislação pertinente.
16. Para que melhor se entenda aquele debate e sua conexão com o presente julgamento, reproduzo
o seguinte trecho extraído do voto vencido de lavra do Ministro Herman Benjamin – cujos fundamentos
são bastante assemelhados aos defendidos pelos Ministros Revisores Walton Alencar Rodrigues e Bruno
Dantas, no sentido de que seja utilizado, por aplicabilidade direta, o prazo geral decenal regulado no
Código Civil:
“Em discussão o prazo prescricional para a cobrança de multa administrativa.
Peço vênia, mesmo que oralmente, para tecer algumas considerações.
Ao analisarmos temas desta natureza, devemos levar em conta que a Constituição atual, de modo
oposto ao da anterior, põe o interesse público na posição de sobreprincípio. Assim, se certas práticas ou
entendimentos eram admitidos no regime constitucional pretérito, caracterizado pelo individualismo e
pela ênfase nos interesses individuais, deve-se verificar sua adequação por meio de interpretação dos
valores que estão na base da Carta Constitucional.
46
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Nesse aspecto, reputo ser importante, na delimitação do tema, a separação entre supremacia do
Estado versus supremacia do interesse público. O que defendemos no Superior Tribunal de Justiça e no
Supremo Tribunal Federal, na linha da orientação doutrinária em todo o Direito Comparado, mesmo
naqueles países que não têm uma Constituição welfarista como a nossa, é a supremacia do interesse
público, que não é necessariamente supremacia do Estado.
Ademais, o Código Civil foi, e continuará a ser, o regime comum tanto do Direito Privado como
do Direito Público. Indago: onde está, no Direito Público, a regulação do negócio jurídico público?
Onde está o sistema de invalidades dos atos administrativos antes da listagem da Lei da Ação Popular ou
mesmo da Lei da Improbidade Administrativa ou ainda da Lei da Licitação?
Não é porque o Código Civil, em regra, disciplina as relações jurídicas com enfoque no indivíduo
que se deva simplesmente afastar a sua aplicabilidade aos negócios jurídicos de Direito Público, pois
isso, a meu juízo, chocar-se-ia com o próprio sistema que impera no sistema jurídico brasileiro.
Especificamente no que tange ao prazo prescricional, deve-se entender que prescrição é matéria
de política legislativa. Isso quer dizer que cabe ao legislador estabelecer os prazos prescricionais,
considerando as circunstâncias próprias decorrentes da avaliação política no Parlamento.
O atual Código Civil, a partir do art. 206, institui prazos prescricionais diferenciados para
negócios jurídicos de Direito Privado – por exemplo, prazo de um ano para negócios jurídicos
relacionados a contratos de prestação de serviços com os hospedeiros ou fornecedores de víveres. No §
3º, estipula-se o prazo de três anos para os negócios jurídicos de locação. Por que três anos para
negócios jurídicos de locação e um ano para negócios jurídicos de hotelaria?
No § 5º da mesma norma, define-se o prazo de cinco anos para os negócios jurídicos de serviços de
natureza profissional liberal. Por que cinco anos? Por uma determinação do legislador, de natureza
política e não estritamente principiológica. Exceção a essa regra é a prescrição no campo penal porque
aí se leva em consideração indiretamente a gravidade do ilícito, já que se toma como parâmetro a pena
prevista no texto legal.
Concluo reportando-me ao Voto-Vista proferido nos Embargos de Divergência no Recurso
Especial 961.064⁄CE, de que foi Relator o eminente Ministro Teori Albino Zavascki, e no qual
acompanhei a divergência, pelo fato de que se tratava de terreno de marinha e havia norma expressa a
esse respeito. Lá afirmei o seguinte:
No caso dos terrenos de marinha, a Lei 9.636⁄1998 pela primeira vez disciplinou especificamente a
prescrição. Após as modificações promovidas pelas Leis 9.821⁄1999 e 10.852⁄2004, passou também a
regulamentar a decadência.
Como se sabe, o Direito Administrativo, em nosso ordenamento jurídico, não é codificado. Quer
isto dizer que é a legislação esparsa que dispõe sobre os seus institutos jurídicos. Não há, no entanto,
norma geral de Direito Público regulamentando a prescrição e a decadência em relação à cobrança dos
créditos não-tributários de titularidade da Administração Pública contra o administrado.
É equivocado o fundamento de que o princípio da simetria, no sentido de corolário do princípio da
isonomia, justifica a aplicação do prazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto 20.910⁄1932 para a
cobrança da taxa de ocupação dos terrenos de marinha. A premissa genérica de que, por se tratar de
relação de Direito Público, devem ser aplicadas contra a Administração Pública as regras publicistas
que foram criadas em seu favor, tende a aniquilar os pilares do regime jurídico administrativo, por
perigosamente anular a carga de eficácia dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do
interesse público. Lembremo-nos de que, em se tratando de Direito Administrativo, não é dado aplicar,
indistintamente, o princípio da isonomia formal entre o interesse público e o interesse particular.
Com essas observações, pedindo vênias ao judicioso voto do eminente Relator e sabendo que o
faço de maneira solitária, nego provimento ao Recurso Especial.
É como voto.” (grifei)
17. Em seu voto vencedor, o relator da matéria, Ministro Hamilton Carvalhido, assim se
pronunciou:
“(...)
47
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
É que decidiu o Tribunal a quo que a prescrição é vintenária, regendo-se pelo Código Civil,
afastando-se, assim, a legislação federal de natureza tributária, cuja incidência é postulada pelo
recorrente.
Isso estabelecido, a Administração Pública, por força de sua natureza e função, observado o due
process of law, tem o dever-poder de intervir no direito de liberdade e de propriedade dos administrados,
por meio do denominado ‘poder de polícia’.
(...)
Acerca do prazo para o exercício desse poder de polícia, doutrina e jurisprudência são uniformes
na submissão do poder do Estado ao tempo, em obséquio da segurança jurídica, um dos fins colimados
pelo Direito, eis que, como anota Hely Lopes Meirelles, citando J. J. Canotilho, ‘A segurança jurídica é
geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da
legalidade, um dos princípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito.’ (in Direito
Administrativo Brasileiro, 26ª edição, Editora Malheiros, pág. 90).
No sistema de direito positivo brasileiro, contudo, o poder de polícia não se mostrou,
anteriormente, submetido a prazos, estabelecendo-se apenas prazos prescricionais em favor da União,
Estados e Municípios, como é da letra do Decreto nº 20.910⁄32, que ‘Regula a prescrição quinquenal’.
Com efeito, falta previsão legal específica, aplicável à espécie.
É que não tem incidência o artigo 174 do Código Tributário Nacional, já que não se cuida de
crédito de natureza tributária, tampouco as regras de prescrição do Código Civil, uma vez que também
não se trata de relação jurídica de direito privado, mas, sim, de relação jurídica de direito público,
regendo-se, por força mesmo da natureza das coisas, pelas normas de Direito Administrativo, já que se
cuida de crédito de natureza evidentemente administrativa, oriundo do exercício do poder de polícia do
Estado.
Daí por que a doutrina vinha admitindo uniformemente a aplicação do prazo quinquenal
também contra a Fazenda Pública, por incidência isonômica do Decreto nº 20.910⁄32, à exceção de
Celso Antônio Bandeira de Mello que, também agora, passou a adotar o prazo quinquenal por ser uma
constante nas disposições gerais estatuídas em regras de direito público, quer relativamente ao Estado,
quer relativamente ao particular, como se recolhe no seguinte excerto de sua obra:
(...)
De todo o exposto resulta que, conquanto se entenda não atribuir à Lei nº 9.873⁄99 aplicação
subsidiária nos âmbitos estadual e municipal, eis que sua eficácia é própria do âmbito da Administração
Pública Federal, direta e indireta, resta incontroverso, de todo o constructo doutrinário e
jurisprudencial, que é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de
cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito,
com o vencimento do prazo do seu pagamento (cf. artigo 39 da Lei nº 4.320⁄64), aplicando-se o artigo 1º
do Decreto nº 20.910⁄32 em obséquio mesmo à simetria que deve presidir os prazos prescricionais
relativos às relações entre as mesmas partes e até autoriza, senão determina, a interpretação extensiva,
em função de sua observância.” (grifei)
18. Conquanto claras as diferenças havidas entre a situação enfrentada pelo STJ e aquela com a qual
nos deparamos neste momento, o fato é que aquele Tribunal superou a tese da incidência direta – ou
mesmo de analogia, para os que entendem admissível a utilização do instituto – do prazo geral do Código
Civil nas relações de Direito Público, tendo prevalecido a analogia com o Decreto 20.910/1932, por
razões de isonomia entre os sujeitos daquela relação jurídica controvertida (o Estado de um lado e o
cidadão comum do outro).
19. Por essas razões, acompanho na íntegra a proposta apresentada pelo eminente relator.
-III-
20. Na primeira oportunidade em que este processo foi pautado, formulei considerações pontuais
visando ao aperfeiçoamento da proposta do relator, nestas palavras:
48
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Adicionalmente, uma vez que prescrição é matéria de ordem pública, cabendo arguição de ofício
pelo juiz, entendo que o TCU não pode se descurar da obrigação de assim proceder, devendo, pois,
examinar, ainda que sem provocação da parte, a incidência desta causa extintiva de punibilidade.
Nessa linha, é prudente que a Secegex oriente as suas unidades técnicas no sentido de que passem
a avaliar se ocorreu prescrição da pretensão punitiva quando da elaboração de instruções de controle
externo.
Importante também deixar consignado que o entendimento a ser firmado pelo Tribunal deve se
aplicar, de imediato, não apenas aos novos processos autuados a partir deste marco, mas àqueles
pendentes de decisão de mérito ou de apreciação de recurso.
Portanto, proponho o seguinte adendo à minuta de acórdão apresentada pelo relator (acréscimo
dos subitens 9.1.6, 9.1.7 e 9.4):
‘(...)
9.1. deixar assente no âmbito desta Corte que:
(...)
9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da
parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992; e
9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos
processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de
apreciação de recurso por este Tribunal.
(...)
9.4. determinar à Segecex que oriente as suas unidades técnicas no sentido de que passem a avaliar
se ocorreu prescrição da pretensão punitiva quando da elaboração de instruções de controle externo.’
21. Logo vejo, nesta oportunidade, que o Ministro Benjamin Zymler incorporou à sua minuta de
voto as minhas singelas sugestões, pelo que agradeço à Sua Excelência e reitero, mais uma vez,
concordância integral com a sua proposta.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016.
Ministro JOÃO AUGUSTO RIBEIRO NARDES
Redator
VOTO REVISOR
Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência destinado a dirimir dúvida acerca da
subsunção da pretensão punitiva do Tribunal ao instituto da prescrição.
Integra o relatório apresentado pelo i. relator, ministro Benjamin Zymler, o voto revisor que proferi
nos autos do TC 007.822/2005-4 e a manifestação do Ministério Público especializado.
O Parquet apresenta, de forma sintética, os motivos da controvérsia:
“3. É importante observar que a matéria em tela é de grande relevância e envolve diversos
entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, em virtude da ausência de norma legal específica, a ponto
da questão relativa à prescrição no caso de imputação de débito ter sido discutida por muitos anos no
TCU, com posicionamentos pela imprescritibilidade ou pela utilização do prazo prescricional do Código
Civil, somente vindo a ser plenamente resolvida após o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ao
apreciar o Mandado de Segurança nº 26.210-9/DF, que ensejou a prolação do Acórdão nº 2709/2008 –
Plenário, por meio do qual se decidiu deixar assente no âmbito desta Corte de Contas que o art. 37 da
Constituição Federal conduz ao entendimento de que as ações de ressarcimento movidas pelo Estado
contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis.” (negritos do original, sublinhados
meus)
49
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Propõe o relator a adoção de prazo de prescrição quinquenal para o exercício do poder-dever de
punição do Tribunal. Fundamenta sua proposta em normas que integram o microssistema de Direito
Público (voto proferido por ocasião da prolação do Acórdão 1.314/2013, Plenário):
“22. Evoluindo entendimento anteriormente esposado em outras situações, devo admitir que a falta
de disposição legal a respeito do tema na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) implica extrair-se do
próprio Direito Administrativo, dada a sua independência científica, as bases para a integração dessa
lacuna, que impacta diretamente o poder sancionador desta Corte de Contas. Seguindo tal raciocínio,
penso que se há prazo próprio em ramo autônomo do Direito Público não há porque se insistir no
uso, por meio da analogia, de norma essencialmente disciplinadora das relações jurídicas privadas.
23. Sendo assim, fazendo uso de tal critério de integração, entendo que o prazo prescricional para
que o TCU aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve mesmo ser o de cinco anos,
conforme previsto em diversas normas de direito público, a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei
8.429/1992, do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do Decreto 20.910/1932, do art. 174 do
Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999 e art. 1º da Lei 6.838/1980 e do art. 46 da Lei
12.529/2011.” (grifos meus)
Opina o Ministério Público especializado pela incidência do prazo geral de prescrição,
consagrado no Código Civil, à pretensão punitiva desta Corte de Contas:
“44. Ante todo o exposto, o Ministério Público de Contas junto ao TCU, por intermédio de seu
Procurador-Geral, considerando que a questão sob exame não contempla integração analógica, visto não
existir nenhuma lacuna legal a ser integrada; considerando os imperativos da segurança jurídica e do
respeito ao interesse público primário; considerando que os fundamentos dos precedentes judiciais
mencionados não possuem o condão de alterar o entendimento predominante no TCU, tendo em vista que
não há uma posição firmada no âmbito do Poder Judiciário, em especial no âmbito do Supremo Tribunal
Federal, sobre o caso específico tratado nestes autos; manifesta-se no sentido de que continue a ser
adotado, para fins de aplicação de penalidades, no exercício do controle externo, a responsáveis que
cometam irregularidades na gestão de recursos públicos federais, o prazo de prescrição decenal a
contar da data da ocorrência do fato, previsto no Código Civil Brasileiro” (negritos do original)
II
Assenta-se a controvérsia na interpretação de que a falta de disciplina da matéria na Lei
8.443/1992 revela a existência de lacuna a ser colmatada por meio de técnicas de integração,
notadamente a analogia.
Rejeitei, em manifestações anteriores, o uso da analogia no caso em exame, porque o
estabelecimento de regras para o exercício do poder punitivo, pelo Tribunal, constitui matéria de estrita
reserva legal, a teor do que dispõe o art. 37, § 5º, da Constituição Federal. Acerca do tema, assim me
pronunciei em assentadas anteriores:
“O Estado Democrático de Direito caracteriza-se, sobretudo, pela obediência da Constituição, cuja
supremacia, no estabelecer a principiologia da legalidade, da universalidade de jurisdição e dos direitos
fundamentais, é plenamente adotada, com abrangente vinculação sobre a interpretação de todas as
normas. Nele, a legitimidade da ação estatal decorre da correção dos procedimentos adotados, sempre
com albergue na Constituição Federal.
No caso concreto, a contínua regulação do exercício da atividade estatal, no campo dos direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos, está adequadamente exposta no art. 37, § 5º, da Constituição,
segundo o qual as ações destinadas a cominar sanções, decorrentes de prática de atos ilícitos, têm seus
prazos prescricionais fixados por lei, lei formal e material, com forma e conteúdo de lei, in verbis:
“Art. 37. (...)
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
(grifos meus)
50
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Dessa forma, a partir da direta, inequívoca e abrangente expressão do texto constitucional, a fixar a
reserva da lei, a questão da possibilidade de incidência de prescrição da pretensão punitiva, no âmbito do
controle externo, já está claramente respondida.
As regras de prescrição, para o exercício do poder punitivo, por parte do Tribunal de Contas da
União, constituem, portanto, matéria de estrita reserva legal. É que “a lei estabelecerá”, e só a lei, não o
decreto, não a vontade do administrador ou do juiz. E esse expresso esquadro constitucional, a traçar
regra vinculatória da ação controladora, repele o instrumental da analogia e outros mecanismos de
exegese da lei.”
Em face do que dispõe o art. 37, § 5º, da Constituição Federal, manifestei minha opinião de que, na
ausência de lei específica acerca da incidência da prescrição ao exercício do poder-dever de sanção do
Tribunal, revela-se imprescritível tal pretensão.
Não acolhida a tese da imprescritibilidade da possibilidade de aplicação de multa, pelo Tribunal, o
único prazo prescricional aplicável ao processo de controle externo é aquele indicado no Código Civil,
em razão da natureza geral do comando contido no seu art. 205, que reproduzo:
“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”
Esta é a regra geral e não se pode ignorar que os institutos que integram a parte geral da legislação
civil codificada espraiam-se por todo o ordenamento jurídico, suplementando-o e integrando-o.
Esse, aliás, o conhecido magistério de Maria Helena Diniz, in verbis13:
“Apesar de haver objeções à (...) inclusão [da parte geral] no Código Civil, grande é sua utilidade
por conter normas aplicáveis a qualquer relação jurídica. Deveras, o direito civil é bem mais do que
um dos ramos do direito privado; estabelece os parâmetros de todo ordenamento jurídico e engloba
princípios ético-jurídicos de aplicação generalizada e não restritiva às questões cíveis. (...) É na Parte
Geral que estão contidos os preceitos normativos relativos à prova dos negócios jurídicos, à noção dos
defeitos dos atos jurídicos, à prescrição e à decadência, institutos comuns a todos os ramos do direito.
Eis por que Planiol, Ripert e Bulanger sustentam que o direito civil continua sendo o direito comum,
compreendendo normas atinentes às relações de ordem privada, generalizando conceitos fundamentais
utilizados, frequentemente, por juspublicistas.” (grifos meus)
Nessa linha, adverte Paulo Nader que “a expressão Direito Civil já foi, equivocadamente,
empregada como sinônimo (...) de Direito Privado, em oposição ao Público”14. Acrescenta o civilista que:
“A Parte Geral, que dispões sobre Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos, é propriamente Teoria Geral
do Direito e indispensável à ordem jurídica como um todo, embora dê unidade ao Direito Civil. Não é,
portanto Direito Civil, como expõe Caio Mário da Silva Pereira: ‘Embora o direito civil se tenha como
um dos ramos do direito privado, a rigor é bem mais que isto. Enfeixa os princípios de aplicação
corrente, de aplicação generalizada e não restritiva à matéria cível... é dentro dele que o jurista nacional
encontra aquelas regras de repercussão obrigatória a outras províncias do seu direito.”15(grifos
meus)
A moderna doutrina jurídica tem superado a ideia de que o Direito se divide em dois grandes
compartimentos, incomunicáveis: privado e público. Nessa quadra o magistério de Silvio de Salvo
Venosa16:
“A distinção entre direito público e privado, na vida prática, não tem a importância que alguns
juristas pretendem dar. O Direito deve ser entendido como um todo. Fazemos, porém, a distinção entre
direito privado e público, mais por motivos didáticos e por amor à tradição.” (grifos meus)
No mesmo sentido a lição de Caio Mario da Silva Pereira17:
“Não há cogitar, porém, de dois compartimentos herméticos, incomunicáveis, estabelecendo uma
separação total e absoluta das normas públicas e das normas privadas. Ao revés, intercomunicam-se com
13 Curso de direito civil brasileiro. Volume 1: teoria geral do direito civil. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 55. 14 Curso de direito civil, volume 1: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2007, p. 4. 15 Op., cit., p. 25. 16 Direito Civil: parte geral, v. 1. 5. ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 90. 17 Instituições de direito civil: volume 1, introdução ao direito civil: teoria geral do direito civil. 23. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2009, p. 11.
51
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
frequência constante, tão assídua que muitas vezes se encontra regras atinentes ao direito público
nos complexos legais de direito privado, e, vice-versa, diplomas de natureza privada envolvem
inequivocamente preceitos juspúblicos.” (grifos meus)
Ainda sobre o tema, ensina Sílvio de Salvo Venosa que o conteúdo do Direito Civil ultrapassa as
fronteiras do direito privado, para alcançar outros ramos do Direito. É na técnica do Direito Civil –
leciona o autor – “que tomamos conhecimento da filosofia jurídica de um povo, do valor dado por ele ao
casamento, aos bens, à propriedade, enfim”18. É no Direito Civil, acrescento eu, que identificamos os
conceitos de pessoa jurídica – tanto de direito público, quanto de direito privado –, de domicílio –
inclusive das pessoas jurídicas de direito público –, de bens públicos e de prescrição.
Por todas essas razões, obtempera Sílvio de Salvo Venosa que “as noções fundamentais de Direito
Civil estendem-se a todas as áreas do Direito, não apenas ao direito privado, mas igualmente ao direito
público”19.
Aplica-se, a partir desse raciocínio, o prazo prescricional indicado no art. 205 do Código Civil a
todas as situações em que lei específica fixar prazo superior a dez anos, ou não dispuser sobre o tema.
Ao não dispor sobre o prazo de prescrição da pretensão punitiva do Estado, no exercício do controle
externo, o único prazo admissível é aquele indicado na regra geral de prescrição, consignada no Código
Civil.
O silêncio da Lei 8.443/1992, acerca da prescrição da multa, não abre lacuna a ser colmatada por
analogia, mas hipótese de incidência da regra geral de prescrição, contida na legislação civil codificada.
Haveria, portanto, quando menos, lei formal, dispondo sobre a prescrição do dever-poder
sancionador do Tribunal. A expressa disposição legal impede o uso da analogia, porque o instituto
somente tem lugar na hipótese de omissão da lei. Essa, aliás, a dicção do art. 4º da Lei de introdução às
normas do direito brasileiro, que transcrevo:
“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.” (grifos meus)
No caso em exame, não há lacuna a ser preenchida por analogia com o direito público ou civil, mas
regra de incidência direta, assentada no art. 205 do Código Civil.
Por essas razões, afasto-me das conclusões trazidas pelo e. relator, no sentido de que o Tribunal
haveria de subordinar seu poder-dever de impor sanções à prescrição quinquenal, por ser esse o prazo
preponderante “no microssistema do Direito Público”.
Manifesto-me, pois, pela incidência da regra geral de prescrição assentada no Código Civil,
aplicável a todos os casos em que a lei sobre ela não dispuser explicitamente.
Ainda que se pretendesse afastar da regra geral de prescrição, consagrada na legislação civil
codificada, para buscar guarida na analogia, não se poderia adotar como premissa a existência de prazo
geral de prescrição, a regular todas as matérias de direito público, porque tal entender não se mostra
compatível com a necessária ampliação dos prazos prescricionais para infrações potencialmente mais
graves. Essa a regra fundamental a permear o ordenamento jurídico pátrio.
O Código Penal estabelece prazos prescricionais maiores para crimes com penas privativas de
liberdade mais longas, e menores, para ilícitos mais singelos. De igual sorte, a legislação civil codificada
assenta a ocorrência de prazos prescricionais mais dilatados nos casos em que a pretensão do autor visa a
proteger bem jurídico mais caro à sociedade.
Também na seara do direito administrativo, observa-se tal solução. A Lei 8.112/1990 fixa diferentes
prazos prescricionais para ações disciplinares, consignando prazo de prescrição maior para as infrações
mais graves, puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo
em comissão, e menor para as infrações que suscitam apenas advertência.
18 Direito Civil: parte geral, v. 1. 5. ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 95. 19 Loc. cit.
52
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Por essa razão, não é adequado padronizar o prazo prescricional de cinco anos na seara do direito
administrativo. É certo que a infração que desperta o poder-dever de sanção do Tribunal, consagrado nos
artigos 57 e 58 da Lei 8.443/1992 é muito mais grave que singela infração de trânsito, por exemplo.
Aliás, a própria fixação administrativa pelo TCU de prazo prescricional por demais exíguo conteria,
até mesmo, negar vigência a previsão constitucional do art. 71, inciso VIII, segundo a qual incumbe ao
TCU “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções
previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao
erário”.
Necessário, portanto, que o interesse do Estado em reprimir as condutas lesivas ao Erário ou
contrárias ao interesse público encontre abrigo em prazo prescricional mais amplo que o assentado em
normas destinadas a sancionar os autores de infrações administrativas menos graves aos olhos da
sociedade.
III
Apresentei, na assentada anterior, proposta no sentido de que a fluência do prazo prescricional fosse
contada a partir do ingresso do processo no Tribunal, com fundamento no princípio da actio nata.
Permito-me, contudo, após maior reflexão, alterar esse entendimento, para aderir a regra geral de
contagem do prazo prescricional, posicionando seu dies a quo na data de ocorrência do fato irregular.
Em relação ao tema, adiro aos fundamentos apresentados pelo i. ministro Bruno Dantas, em voto revisor
apresentado neste incidente:
“48. Apenas para reflexão, relembro a lição de Pontes de Miranda para quem “o fundamento da
prescrição é proteger o que não é devedor e pode não mais ter prova da inexistência da dívida” –
hipótese que dá contornos ainda mais dramáticos à aplicação prática da tese da imprescritibilidade.
49. A pretensão nasce a partir da violação do direito e se extingue pela prescrição (Código Civil, art.
189). A tese apresentada pelo eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues entende que o prazo começa
a correr a partir da ciência da violação do direito por parte de seu titular, sugerindo que o titular do direito
seria o TCU.
50. Dissinto dessa construção. O titular do direito de punir é o Estado, enquanto o Tribunal é
apenas um instrumento para o exercício de tal pretensão. Nas relações submetidas à nossa jurisdição,
a União se faz presente de várias maneiras – e não apenas quando esta Corte toma ciência do fato. Um
contrato administrativo está sempre sob fiscalização do órgão contratante, um convênio sob a supervisão
do convenente. Além do mais, a jurisdição do TCU pode alcançar todos esses atos independentemente de
provocação.”
O reconhecimento da incidência do prazo de prescrição estabelecido pelo Código Civil implica
admitir sua interrupção pelo ato que ordenar a citação, audiência ou oitiva da parte (art. 202, inciso I),
bem como o retorno da sua contagem a partir da data em que tal ato foi praticado (art. 202, parágrafo
único, parte inicial).
Cuido, por fim, do tema atinente às causas de suspensão da prescrição.
Estabelece o Código de Processo Civil causas de suspensão do processo, sem se referir à suspensão
da prescrição (art. 265). Deve-se a ausência dessa expressa previsão ao fato de a interrupção no processo
civil perdurar até o trânsito em julgado da ação.
No processo de execução, sujeito à prescrição intercorrente, a suspensão implica paralisar a fluência
do prazo prescricional, a despeito de previsão expressa no art. 791 do Código de Processo Civil. Sobre o
tema, disserta Fredie Didier Jr.20:
“Durante o período de suspensão da execução, não corre o prazo prescricional, visto que a
prescrição pressupõe a inércia do exequente, o que, no caso, não existe.” (grifei)
20 Curso de direito processual civil: vol. 5, execução. 3. ed., Salvador : JusPodivm, 2011, p. 336.
53
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Necessário, pois, que o Tribunal reconheça a possibilidade de suspensão do processo e, por
consequência, do fluxo prescricional, em face das peculiaridades do processo de controle externo,
notadamente por ser ele regido pelo princípio da verdade material, situação que acaba por dilatar o
exercício do contraditório e da ampla defesa pelos interessados.
Imperativo que os adicionais prazos de defesa conferidos aos responsáveis, assim como o tempo
necessário ao exame, pela unidade técnica, pelo Ministério Público e pelo relator, dos elementos
adicionais de defesa, sejam tratados como períodos de suspensão da prescrição, com fundamento no art.
265, inciso IV, alínea ‘b’, do Código de Processo Civil21, porque, nesses casos, não há inércia do
Tribunal, mas ampliação do exercício do contraditório e da ampla defesa pelo responsável.
Na lição de Fredie Didier Jr., o dispositivo trata de “suspensão em razão de uma questão preliminar
ao exame de mérito: a questão prévia que condiciona o próprio exame da questão de mérito”22. Ajusta-se
a tal conceito a permissão para que o responsável amplie o exercício do contraditório e da ampla defesa
prescritos na lei de regência do processo de controle externo.
Além disso, seria contraditório permitir que tais dilações temporais, havidas no interesse do
responsável, pudessem contribuir para a formação da prescrição intercorrente.
Em relação ao tema, apresentei, na assentada anterior, proposta grafada nos seguintes termos:
“9.1.5. a apresentação de elementos adicionais de defesa, pelo responsável, suspende a fluência da
prescrição, que somente voltará a correr após o exame desses elementos de defesa pela unidade técnica,
pelo Ministério Público e pelo relator”
O e. ministro Vital do Rêgo apresenta proposta que encerra pequena alteração em relação ao que
consignei. Acrescenta Sua Excelência, entre as hipóteses de suspensão, em que fato novo apresentado
pela parte, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, ensejar a realização de
diligências. Sugere, ainda, que a suspensão, interrompida por uma dessas situações, volte a correr com a
“análise dos referidos elementos ou da resposta da diligência”, isto é, com o término da fase de instrução
(art. 160, § 2º, do Regimento Interno).
A proposta oferecida pelo e. ministro Vital do Rêgo abrevia o período de suspensão da prescrição,
porque dele exclui o tempo despendido pelo Ministério Público e pelo relator para o exame dos adicionais
elementos de defesa oferecidos pelo responsável. Acolho tal proposição, porque ela imuniza o
responsável de eventuais delongas no julgamento do processo.
IV
Propõe o i. ministro Vital do Rêgo, que o Tribunal fixe, nesta assentada, a possibilidade de
prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos processos de controle externo, ser reconhecida
“independentemente de alegação da parte”. A proposta mostra-se correta e oportuna, porque a prescrição
é matéria de ordem pública, podendo, nesses termos, ser declarada de ofício, pelo juiz (CPC, 487, inciso
II).
Propõe, em acréscimo, o e. ministro Vital do Rêgo que o Tribunal aplique o entendimento
consagrado neste julgado “de imediato, aos processos novos (autuados a partir desta data) bem como
àqueles pendentes de decisão de mérito ou de apreciação de recurso por este Tribunal”. Tal proposta
apresenta-se igualmente adequada, porquanto aderente às regras de vigência aplicáveis às normas de
direito processual intertemporal.
Acolho, pelas razões expostas, tais proposições.
Feitas essas considerações, voto por que o Tribunal de Contas da União aprove o acórdão que
submeto à apreciação deste Colegiado.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016
WALTON ALENCAR RODRIGUES
21 “Art. 265. Suspende-se o processo: (...) IV – quando a sentença de mérito: (...); b) não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de
produzida certa prova, requisitada a outro juízo” (grifos meus). 22 Curso de direito processual civil: vol. 1, teoria geral do processo e processo de conhecimento. 7. ed., Salvador : JusPodivm, 2007, p. 521.
54
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Revisor
DECLARAÇÃO DE VOTO
Primeiramente, quero dizer da minha satisfação de ver em debate teses de tão elevado
conhecimento e interpretação jurídica.
E não é por acaso. Decidir sobre prescrição nem sempre é fácil, mesmo quando se tem regras
específicas; então, em algo muito menos óbvio consiste a tarefa de aplicá-la relativamente às punições
próprias do processo do TCU, cuja Lei Orgânica não trata do tema.
Embora tenham chegado a propostas substancialmente distintas, no que diz respeito aos aspectos
principais, isto é, o prazo prescricional e o seu termo inicial de contagem, as linhas defendidas se
equiparam na boa fundamentação e na força argumentativa, circunstância que torna difícil a opção.
No entanto, considerando que prescrição é instrumento para dar segurança às relações jurídicas, de
modo que os conflitos não se arrastem indefinidamente, acolho a proposta que melhor cumpre esse papel.
No meu modo de pensar, é aquela emprestada do Código Civil para situações gerais, que fixa para a
prescrição o prazo de 10 anos, a contar da ocorrência que sujeita o responsável à sanção.
De fato, a alternativa do prazo quinquenal, conquanto possa fazer a prescrição operar mais
rapidamente se a irregularidade vier a ser conhecida dentro dos primeiros 5 anos, pode também, por outro
lado, gerar instabilidade ao inserir componente imprevisível na contagem do tempo, que começaria na
data em que o Tribunal tiver ciência do ato irregular.
Portanto, renovando elogios à discussão, acompanho integralmente a proposta do Revisor, Ministro
Walton Alencar Rodrigues.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em tagDataSessao.
JOSÉ MÚCIO MONTEIRO
Redator
DECLARAÇÃO DE VOTO
Cuida-se de incidente de uniformização de jurisprudência, instaurado com o fito de obter
pronunciamento do Plenário acerca de dois pontos:
a) incidência do fenômeno de prescrição da pretensão punitiva do Estado nos temas de competência
do Tribunal de Contas da União; e
b) em caso de resposta afirmativa da primeira questão, na definição do prazo prescricional aplicável
às sanções descritas na legislação de regência, afastada a possibilidade de prescrição do ressarcimento do
dano, por expressa dicção constitucional.
2. De pronto, louvo a qualidade dos pronunciamentos dos ministros que se posicionaram quanto a
essa matéria. Reconheço que resta facilitada a exposição de meu entendimento, porquanto os principais
aspectos atinentes à questão já foram exaustiva e didaticamente apresentados.
3. Antes de adentrar no exame de cada nuance que envolve a presente discussão, julgo pertinente
delimitar as premissas que pautam meu posicionamento e, a meu ver, devem nortear o presente
julgamento.
4. A prescrição é fenômeno material e não processual. Ela está associada ao próprio fundo de direito
e não ao veículo utilizado para obter a tutela estatal – seja jurisdicional, seja administrativa – da pretensão
lesionada ou ameaçada de lesão.
5. A legislação brasileira superou a confusão conceitual que pairou sobre o fenômeno da prescrição
até 2002. Afastada a noção vetusta de “perda do direito de ação pela inércia do titular”, optou-se
expressamente pelas posições alemã e suíça, em detrimento da italiana.
55
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
6. Com efeito, ao positivar que a presunção implica a perda da pretensão (a “actio” do direito
romano, e a “anspruch” do direito alemão) pelo decurso do tempo, o art. 189 do Código Civil pôs fim a
um debate que durou quase todo o século XX.
7. Segundo Pontes de Miranda, “A prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra
jurídica fixa, a sua pretensão ou ação. Serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia das
pretensões e das ações. A perda ou destruição das provas exporia os que desde muito se sentem seguros, em paz, e
confiantes no mundo jurídico, a verem levantarem-se – contra o seu direito ou contra o que têm por seu direito –
pretensões ou ações ignoradas ou tidas por ilevantáveis.” (MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. 4 ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.)
8. Os fundamentos da prescrição são a paz social, a estabilidade das relações jurídicas e o
reconhecimento do direito fundamental à segurança jurídica. O que justifica sua existência é o interesse
da comunidade em que se reconheça a força do tempo para estabilizar situações de fato consolidadas,
protegendo o devedor, punindo a inércia do credor e evitando a proliferação infinita de controvérsias
intermináveis.
9. No dizer de J. J. Gomes Canotilho, “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua
vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como
elementos constitutivos do Estado de Direito.
(...)
Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos de orientação e realização
do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança,
designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos
poderes públicos.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed.
Coimbra: Almedina, 1999.)
10. Essas bases levam-me a pautar minha análise sobre essa questão por uma ótica teleológica e não
pela possibilidade de aumentar a probabilidade de o Tribunal vir a sancionar aqueles que cometam atos
irregulares. De fato, entendo que devamos assegurar o direito fundamental dos agentes jurisdicionados à
segurança jurídica.
11. Não se trata, portanto, de prognosticar qual o melhor prazo para o controle mais efetivo, o mais
justo no sentido material ou o que favorece a comunidade como um todo na punição de atos irregulares,
argumentos de política que têm lugar no momento de criação de uma nova legislação, no qual existe
discricionariedade e espaço para escolhas particulares. Como julgadores, é necessário que busquemos, no
sistema jurídico, o que o ordenamento constitucional e legal apresenta como resposta para essa questão.
12. Tenho defendido que, ao cotejar o problema em questão e as diversas regras e princípios
jurídicos incidentes, o julgador encontra-se vinculado à solução que emerge do sistema, não gozando de
liberdade e conveniência para escolher a opção que mais lhe agrada. Definitivamente, não possuímos
poder discricionário para escolher o critério que mais nos apraz!
13. Resumidamente, podemos elencar da seguinte forma as três principais posições defendidas aqui
neste Tribunal:
a) imprescritibilidade da pretensão punitiva, dada a ausência de lei específica que regule o tema;
b) prazo prescricional decenal para o exercício da pretensão punitiva, dado o enquadramento do art.
205 do Código Civil na previsão constitucional disposta na primeira parte do art. 37, § 5º, da Constituição
(“a lei estabelecerá os prazos de prescrição”);
c) prazo prescricional quinquenal para o exercício da pretensão punitiva, dada a aplicação
analógica de diversas normas integrantes do sistema de direito público, em conformidade com o art. 4º da
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
14. Em nome da cuidadosa e escorreita análise sobre o tema, é importante frisar, desde logo, que o
dissenso entre as duas últimas posições listadas não envolve a escolha sobre a norma mais adequada para
se aplicar a analogia.
56
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
15. Vale dizer, ao contrário do que poderia parecer, não estamos em busca da melhor analogia: se
com as normas de direito público ou com as normas de direito privado. Trata-se de se confrontar duas
posições cujos métodos de solução são bastante antagônicos: (i) de um lado, a incidência direta do
código civil, que prevê dez anos como um prazo geral e residual, em matéria cuja regulação deve ser feita
por lei segundo a determinação constitucional; e (ii) de outro, a utilização da analogia para aplicação do
prazo quinquenal, visto que tal prazo é repetido em diversas normas de direito público, em especial, as de
direito administrativo estrito.
16. Dada a excelência dos votos já apresentados, permito-me manifestar pontualmente quanto à
essência da questão, sem reproduzir novamente os principais argumentos de uma ou outra parte.
II
17. Primeiramente, enfrento a preliminar de imprescritibilidade, tese aventada pelos eminentes
ministros Walton Alencar Rodrigues e Aroldo Cedraz.
18. Não creio que a opção do constituinte foi pela imprescritibilidade da pretensão punitiva,
conforme revela a leitura atenta do art. 37, § 5º, da Constituição, segundo o qual, “a lei estabelecerá os
prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos
ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
19. Com base na ressalva final, prevaleceu o entendimento de que as ações de ressarcimento são
imprescritíveis, mas não a punição decorrente dos ilícitos praticados pelos agentes.
20. Sabemos que, no nosso sistema jurídico, a regra é a prescritibilidade das ações. É que, dada a
incidência do princípio da segurança jurídica, da estabilidade social e da previsibilidade sobre os
comportamentos humanos em geral, a Constituição elenca, de maneira expressa, quais as pretensões estão
resguardadas contra a passagem do tempo: o art. 5º, incisos XLII (prática de racismo) e XLIV (ação de
grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático) e a parte final do art. 37, § 5º
(ações de ressarcimento por prejuízo ao erário).
21. Todavia, o argumento mais sofisticado da tese levantada pelos meus nobres colegas defende não
exatamente a imprescritibilidade de modo geral, mas a impossibilidade do reconhecimento de qualquer
prescrição dada a ausência de lei que supra a reserva legal estabelecida pelo art. 37, § 5º, da Constituição
(norma de eficácia limitada, conforme classificação de José Afonso da Silva).
22. Estou de acordo com o entendimento de que omissão de regra adstrita à reserva legal não pode
ser suprida diretamente mediante acórdão. São bastante pontuais os casos em que a Constituição deixa a
cargo do Congresso Nacional, no exercício da função legislativa, densificar as regras que ela estabelece.
No entanto, nessas hipóteses, o princípio da separação dos poderes impede que outros órgãos ocupem tais
atribuições, ainda que os motivos sejam os mais nobres. Associo tal defesa ao princípio da conformidade
funcional, princípio de interpretação que orienta o hermeneuta a extrair da norma aquele sentido que
melhor preserve a repartição de funções constitucionalmente estabelecida e a separação dos poderes.
23. Por outro lado, não creio que a tese, ainda que intente preservar o princípio da separação dos
poderes, conduza-nos à imprescritibilidade, vez que essa solução ofenderia diversos princípios que
incidem no problema em questão, a exemplo do devido processo legal, da eficiência administrativa e,
sobretudo, à segurança jurídica.
24. Ao tempo em que elege a separação dos poderes como princípio fundamental (CF, art. 2º), a
Constituição também nos obriga a dar efetividade aos direitos fundamentais, dentre eles, o da segurança
jurídica. Ressalto que, reconhecida a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, tais garantias “não se limitam à função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder
público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição,
com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos,
judiciários e executivos” (SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009).
57
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
25. Esse aspecto objetivo dos direitos fundamentais “comunica-lhes, também, uma eficácia
irradiante, o que os converte em diretriz para a interpretação e aplicação das normas dos demais
ramos do direito” (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar
Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009). Em adição, há que se
considerar o princípio da máxima efetividade na interpretação das normas constitucionais, segundo o
qual, na dúvida, reconhece-se aquele sentido que dê maior eficácia aos direitos fundamentais.
26. Dessa forma, à luz dos direitos fundamentais, não me parece que a melhor solução seja admitir
que os agentes devam ficar indefinidamente com a espada de Dâmocles pairando sobre a sua cabeça,
aguardando o dia em que o Estado deixe sua inércia e resolva exercer sua pretensão punitiva. No limite,
estaríamos considerando razoável que, no fim da vida, as pessoas guardassem caminhões de documentos
sob o constante risco de serem punidas por irregularidades cometidas – ou não, o que é pior – há trinta ou
quarenta anos.
27. Julgo que devamos encontrar solução que preserve, de alguma maneira, a segurança jurídica do
jurisdicionado, aqui materializada no instituto da prescrição – o que não ocorre com a tese ora combatida.
28. Noto que estamos diante de um conflito entre bens jurídicos constitucionalmente protegidos, um
princípio fundamental (separação dos poderes) e um direito fundamental da mais alta hierarquia
axiológica (segurança jurídica). Nessa hipótese, de acordo com o princípio de interpretação da
concordância prática ou da harmonização, impõe-se buscar a solução que melhor coordene e combine tais
bens em colisão de modo a evitar o sacrifício total de qualquer deles em relação ao outro.
29. Esses princípios da interpretação constitucional (conformidade funcional, máxima efetividade e
harmonização), delineados segundo a doutrina de J. J. Gomes Canotilho, nortearam minha exegese sobre
as normas que regem a matéria para que eu pudesse construir meu entendimento sobre a solução
constitucionalmente adequada para a questão em debate, conforme comentado a seguir.
30. De qualquer forma, deixo consignada a minha convicção no sentido de que nossa discussão não
se estende do nada (prazo nenhum) ao infinito (imprescritibilidade), mas de cinco a dez anos como prazo
limite para o exercício da pretensão punitiva do Tribunal.
III
31. Considerando que a melhor interpretação do problema em questão não pode nos conduzir à tese
da imprescritibilidade, passo a me ater sobre a discussão acerca de qual seria o prazo adequado a ser
adotado pelo tribunal como limitação temporal ao exercício de sua pretensão punitiva.
32. A primeira tese, sustentada subsidiariamente pelo ministro Walton Alencar Rodrigues, defende
o prazo decenal estabelecido pelo Código Civil (art. 205).
33. A segunda tese, que defende o prazo quinquenal a partir de analogia com diversas normas de
direito público, é capitaneada pelo ministro Benjamin Zymler, mas também adotada por outros ministros
com pequenas variantes.
34. Quanto a essa questão, o ordenamento jurídico tem resposta constitucionalmente adequada tanto
no que diz respeito à observância dos direitos fundamentais do jurisdicionado quanto no que tange às
funções do Poder Legislativo diante do princípio da separação dos poderes. No meu entender, a aplicação
do Código Civil pelo Tribunal é a solução mais correta.
35. A Constituição reservou ao legislador o estabelecimento do prazo prescricional. O Poder
Legislativo, ao aprovar o Código Civil, definiu que a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não
houver fixado prazo menor.
36. Ou seja, a decisão do poder constituinte consubstanciada em destinar ao legislador – e só a ele –
o estabelecimento do prazo prescricional materializou-se diretamente na aprovação do art. 205 do Código
Civil. Restou definido que o prazo de dez anos seria aplicável a dois tipos de situações: quando houver lei
estabelecendo prazo maior e quando não houver lei (hipótese na qual se enquadra o caso em debate).
37. Não vislumbro possibilidade jurídica de desrespeitarmos essas duas vontades da mais alta
legitimidade no quadro de um Estado Democrático de Direito: a do poder constituinte, ao atribuir
58
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
unicamente ao legislador a decisão sobre o prazo prescricional aplicável; e a do legislador, ao definir que,
na ausência de lei específica, vigora o prazo geral de dez anos.
38. Colocadas essas questões, parece-me inadequada a adoção da analogia para resolver o caso. Em
primeiro lugar, a própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que a analogia será
utilizada pelo juiz “quando a lei for omissa”, o que definitivamente não é o caso, dada a previsão do
Código Civil. Ademais, e principalmente, temos que responder se é válida a utilização da analogia diante
de norma constitucional que reserva ao legislador o tratamento da matéria, conforme já alertado pelos
ministros que me antecederam.
39. Cabe destacar, ainda, que é indevida a oposição entre o público e o privado estabelecida com a
finalidade de afastar incidência da regra decenal. O alcance da parte geral do Código Civil não se limita
às relações privadas, enfeixando regras que conformam verdadeira “Teoria Geral do Direito”. Esse é o
entendimento da doutrina, nacional e estrangeira, citada no voto do Ministro Walton Alencar Rodrigues
(Caio Mário da Silva Pereira, Paulo Nader, Maria Helena Diniz, além de Marcel Planiol, Georges Ripert e
Jean Boulanger).
40. É dizer, as normas ali contidas aplicam-se a quaisquer relações jurídicas, orientando o
ordenamento jurídico como um todo.
41. Na nossa jurisprudência, é comum recorrermos à parte geral do Código Civil em busca do
conceito e do sentido de institutos aplicáveis a qualquer âmbito do direito, a exemplo das disposições
concernentes às pessoas jurídicas, ao domicílio, ao regime de bens etc.
42. Há anos aplicamos o instituto da desconsideração da personalidade jurídica com fundamento no
art. 50 do Código Civil e o princípio da boa-fé objetiva com base no mesmo código, além de todas as
normas atinentes aos negócios jurídicos. Em adição, não se pode olvidar a relevância da teoria do fato
jurídico de Pontes de Miranda, que, embora desenvolvida no seio da doutrina de Direito Civil, alcança e
influencia todos os ramos do direito, inclusive a teoria do ato administrativo.
43. Por fim, voto complementar do Ministro Benjamin Zymler menciona conversa informal em que
o Procurador-Geral, Paulo Soares Bugarin, teria atentado para o fato de que a Lei Orgânica do TCU (art.
35) prevê a interposição de recurso de revisão por parte do Ministério Público de Contas no prazo de até
cinco anos, motivada por razões como erro de cálculo ou insuficiência de documentos em que se fundou a
decisão recorrida, por exemplo.
44. Esse aspecto demonstra a impossibilidade da adoção do prazo prescricional de cinco anos sem
prejuízos à coerência do conjunto das normas de controle externo. É dizer, o sistema não fecha, porquanto
não é possível compatibilizar de maneira harmônica prescrição quinquenal para a pretensão de atuação do
Tribunal com a previsão legal de prazo recursal em cinco anos a ser exercido pelo Ministério Público, sob
pena de subtrair essa possibilidade de atuação do MP/TCU no tocante à aplicação de sanções pelo TCU.
IV
45. Muito embora adira ao prazo decenal, creio que, em um aspecto essencial, minha posição é
dissonante das demais: o início da contagem do prazo. E, neste ponto, creio que as principais teses
apresentadas deixaram de atentar para a necessidade de preservação da segurança jurídica, direito
fundamental dos agentes jurisdicionados ao Tribunal.
46. As principais teses defendidas pelos meus pares concordam que o início da contagem do prazo
prescricional deve ter por base o conhecimento dos fatos pelo Tribunal. Não creio que esse entendimento
seja o mais adequado.
47. Praticado determinado ato pelo agente, é desarrazoado considerar que a prescrição não corra até
o conhecimento dos fatos pelo TCU, o que pode se dar indefinidamente (por exemplo, se nunca viermos a
fiscalizar aqueles atos). Ou seja, o agente estaria à mercê do comportamento do Tribunal e só teria suas
expectativas estabilizadas se seus atos viessem a ser efetivamente fiscalizados por esta Corte.
59
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
48. Por hipótese, imagino pilhas de documentos sendo protocoladas diariamente nesta Corte a partir
desta decisão, provenientes de gestores ansiosos por “dar conhecimento” ao Tribunal de seus atos para
que possam, um dia, descansar quanto ao risco de serem interpelados sobre seu comportamento passado.
49. Em 2009, por exemplo, o TCU fiscalizou as obras de Angra 3, que retomavam contrato
pactuado ainda no ano 1983. Considerando que até então o Tribunal nunca tinha vistoriado a obra,
questiono se seria razoável, dentro de um quadro de proteção aos direitos fundamentais, que os agentes
responsáveis pela elaboração dos projetos de engenharia fossem questionados e eventualmente apenados
por atos praticados há mais de 25 anos. Nosso Estado Democrático de Direito não conviveria bem com
ofensa de tal monta à estabilidade social e à segurança jurídica. Tratar-se-ia, em verdade, de uma
“imprescritibilidade disfarçada”. Tal situação seria incoerente sob a perspectiva de um ordenamento
jurídico no qual até um crime de homicídio teria prescrito após 20 anos da ocorrência do fato.
50. Apenas para reflexão, relembro a lição de Pontes de Miranda para quem “o fundamento da
prescrição é proteger o que não é devedor e pode não mais ter prova da inexistência da dívida” –
hipótese que dá contornos ainda mais dramáticos à aplicação prática da tese da imprescritibilidade.
51. A pretensão nasce a partir da violação do direito e se extingue pela prescrição (Código Civil, art.
189). A tese apresentada pelo eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues entende que o prazo começa
a correr a partir da ciência da violação do direito por parte de seu titular, sugerindo que o titular do direito
seria o TCU.
52. Dissinto dessa construção. O titular do direito de punir é o Estado, enquanto o Tribunal é apenas
um instrumento para o exercício de tal pretensão. Nas relações submetidas à nossa jurisdição, a União se
faz presente de várias maneiras – e não apenas quando esta Corte toma ciência do fato. Um contrato
administrativo está sempre sob fiscalização do órgão contratante, um convênio sob a supervisão do
convenente. Além do mais, a jurisdição do TCU pode alcançar todos esses atos independentemente de
provocação.
53. A hipótese mais próxima é a de um delito criminal, cujo início da prescrição não precisa
aguardar conhecimento do Estado: “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a
correr do dia em que o crime se consumou” (Código Penal, art. 111, inciso I), pois é quando nasce o ius
puniendi. De se observar que o Ministério Público não tem seu prazo relevado se a culpa da inércia estatal
deve ser atribuída ao responsável pelo inquérito policial: quem tem a pretensão fulminada pela prescrição
é o próprio Estado.
54. Evidentemente, me sensibilizo com as preocupações manifestadas quanto ao risco de que a ação
de controle externo fique condicionada à celeridade administrativa dos gestores diretamente envolvidos
com o objeto de controle. Trata-se de razões estratégicas da mais nobre importância, mas que não são
suficientes para afastar a necessidade de proteção dos direitos fundamentais, não podendo a eles se
sobrepor.
55. Registro que a nossa perspectiva aqui não é a da preservação do poder de punir do Estado, mas
a do reconhecimento da existência de um direito à segurança jurídica e à estabilidade social
proporcionadas pela existência de uma regra prescricional – o que vincula de forma determinante a nossa
decisão.
56. E não faria sentido, no meu entender, aplicar a prescrição com vistas a proteger o direito
fundamental do agente de ter sua situação jurídica estabilizada pelo transcurso do tempo, adotando como
marco temporal para tanto um fato que pode nunca vir a ocorrer.
57. Ademais, operando-se a prescrição em virtude de culpa ou dolo no atraso do encaminhamento
das informações ao Tribunal, caberá punição ao gestor omisso com base, por exemplo, no art. 74, § 1º, da
Constituição Federal e arts. 8º, caput, e 51 da Lei Orgânica do TCU. Na realidade, penso que toda essa
conjuntura servirá para ensejar a melhoria da atividade administrativa e do sistema de controle interno da
Administração Pública, contribuindo esta Corte para dar real efetividade ao princípio da razoável duração
do processo administrativo inserido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.
V
60
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
58. Adoto, portanto, o prazo de prescrição decenal, contado da prática do ato e interrompido
uma única vez na citação/audiência válida realizada pelo Tribunal, em conformidade com o art. 37, §
5º, da CF/88, c/c os arts. 205 e 189 do Código Civil e 219, caput, do Código de Processo Civil, e em
consonância com jurisprudência pacífica do Tribunal no sentido de que a citação válida e exigível é
apenas aquela realizada pelo TCU.
59. Adicionalmente às considerações já expostas, pondero que a posição que ora defendo encontra
suporte na tradição jurisprudencial construída pelo Tribunal nesse tema. E esse aspecto joga ainda mais
luz no princípio da segurança jurídica, agora sob uma nova óptica: a da previsibilidade e da
calculabilidade.
60. Todos sabemos que vem crescendo a importância dos precedentes no nosso ordenamento. A
doutrina mais moderna já sustenta que a segurança jurídica comporta elementos que exigem estabilidade,
certeza e duração da jurisprudência solidificada, dada a expectativa criada de que comportamentos
anteriores venham a ser seguidos em casos semelhantes: “é fora de dúvida que a jurisprudência consolidada condiciona comportamentos, gerando padrões de
conduta estáveis. Ao cristalizar-se nos debates pretorianos, o entendimento sólido dos tribunais a respeito de um
tema é um relevante dado do tráfego jurídico e que frequentemente é utilizado para a tomada de conduta individual.
É que muitos atos decisórios (...) assumem uma capacidade de generalização e irradiação que outras decisões
não possuem, sinalizando padrões de conduta para uma grande quantidade de casos similares. Trata-se de um
relevante aspecto da segurança jurídica, qual seja, a calculabilidade do resultado normativo de uma conduta
humana, que fornece aos indivíduos “segurança de orientação” na adoção de um comportamento.” (CABRAL,
Antônio do Passo. Estabilidade e Jurisprudência consolidada: proteção da confiança e a técnica do julgamento
alerta. In DANTAS, Bruno et al._(Coords.). O Papel da Jurisprudência no STJ. 1 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2014.).
61. Também tenho defendido que a uniformidade interpretativa preserva o direito do
jurisdicionado à igualdade, à isonomia, à legalidade e à segurança jurídica, na medida em que a lei,
vocacionada a ter um único sentido correto, deve receber, sempre, a mesma interpretação desde que
presentes as mesmas condições fáticas relevantes ao julgamento (Direito fundamental à previsibilidade
das decisões judiciais. Revista Justiça & Cidadania. vol. 149; e Teoria dos Recursos Repetitivos – São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015).
62. Observo, ainda, que o art. 926, caput, do novo Código de Processo Civil (de aplicação
subsidiária aos processos desta Corte) prevê que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e
mantê-la estável, íntegra e coerente.
63. Isso não significa que não possa haver evolução da jurisprudência, mas é necessário estarem
evidenciados motivos suficientes para tanto, que demonstrem o desacerto das decisões anteriores ou a
própria evolução do direito e da percepção dos julgadores sobre a matéria. Diante de duas soluções
igualmente razoáveis, deve-se optar por aquela que preserve a estabilidade da jurisprudência em nome da
segurança jurídica: “Uma decisão isolada não constitui jurisprudência; é mister que se repita, e sem variações de fundo. O
precedente, para constituir jurisprudência, deve ser uniforme e constante. Quando esta satisfaz os dois requisitos
granjeia sólido prestígio, impõe-se como relevação presuntiva do sentir geral, da consciência jurídica de um
povo em determinada época; deve ser observada enquanto não surgem razões muito fortes em contrário:
minime subt mutanda quoe interpretationem certam, semper habuerunt – ‘altere-se o menos possível o que teve
constantemente determinada interpretação’” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.)
VI
64. São essas as razões em que se funda minha posição de filiar-me à tese que defende o prazo
prescricional de dez anos, contado da prática do ato, conforme tradicional jurisprudência do TCU sobre o
61
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
assunto, considerando que essa é a resposta constitucionalmente adequada para o problema e que esse
entendimento respeita e garante os direitos fundamentais dos envolvidos.
65. Embora razões de caráter pragmático (argumentos de política, no dizer de Dworkin) não tenham
o condão de sustentar uma decisão dessa natureza, julgo relevante trazer algumas reflexões de ordem
prática, ad argumentandum tantum.
66. Dados os inúmeros casos em que foi aplicada a jurisprudência do Tribunal ao longo dos anos,
creio que se formou uma práxis jurisprudencial de aplicação simples por todo corpo técnico e de efeitos
conhecidos por parte dos jurisdicionados.
67. A alteração do entendimento, nesta oportunidade, poderá ensejar a interposição de diversos
recursos com o intuito de rever as posições já consolidadas.
68. Ademais, caso, posteriormente, os tribunais superiores venham a verdadeiramente enfrentar a
matéria de maneira definitiva (não de maneira lateral ou em decisões de cognição sumária) – em
processos de caráter vinculante, talvez –, entendo que teremos de revisitar o assunto, independentemente
do que for decidido nesta oportunidade. Nessa hipótese, seria indesejável uma segunda modificação nesse
entendimento, com todas as implicações sobre processos já apreciados ou ainda em análise.
69. Aliás, julgo pertinente registrar um aspecto. Conquanto entenda que os precedentes judiciais
trazidos nos demais votos não nos vinculam, dadas as divergências e a superficialidade de algumas
análises em virtude do tipo de cognição aplicável, destaco que as principais teses aqui apresentadas não
encontram suporte nos tribunais superiores, como poderia parecer. Com efeito, nos casos concretos
apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, foi adotado o prazo
quinquenal, mas contado da prática do ato, e não da entrada do processo no Tribunal.
70. Mas, reforço, em consonância com o pronunciamento do Ministério Público de Contas no TC
021.540/2010-1, os precedentes que motivaram toda essa discussão não enfrentaram, em geral e na
profundidade requerida, a matéria em questão – razão pela qual não vislumbro necessidade de
modificação, ao menos por enquanto.
71. Por fim, registro que, como todos os ministros podem perceber nos processos que relatam, a
aplicação do prazo prescricional de dez anos, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal não tem
levado, em geral, à prescrição da pretensão punitiva.
VII
72. Percebo que a posição que ora adoto é a mesma defendida pelo representante do Ministério
Público de Contas que atuou nos autos.
73. Em vista de todo o exposto, cumprimentando meus ilustres pares pelo amadurecimento dessa
matéria aqui no Tribunal, bem como pela qualidade dos votos apresentados, Voto no sentido que o
Tribunal aprove a deliberação que submeto ao Plenário.
“9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência
suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues
Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC
007.822/2005-4);
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as
razões expostas pelo Revisor, em:
9.1. deixar assente que:
9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de
prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;
9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da
irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;
62
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que
trata o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;
9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a
audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;
9.2. encaminhar cópia do acórdão, assim como do relatório e voto que o fundamentam, à Comissão
de Jurisprudência, nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno;
9.3. remeter os autos do TC 007.822/2005-4 ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos
do art. 91, § 2º, do Regimento Interno.”
74. Nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno, encaminhe-se o acórdão aprovado à
Comissão de Jurisprudência, considerando a presente decisão e a existência de inúmeros julgados nesse
mesmo sentido.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 11 de novembro de 2015.
Ministro BRUNO DANTAS
Revisor
DECLARAÇÃO DE VOTO
Sobre a mesa, incidente de uniformização de jurisprudência com intuito de discutir o prazo
prescricional para o exercício da pretensão punitiva por parte deste Tribunal de Contas da União.
2. Certamente, a Corte se depara com difícil missão: definir, na ausência de norma específica, como
aplicar o instituto da prescrição em seus processos. A despeito das diversas teses apresentadas pelos meus
pares, os quais saúdo pela excelência dos votos apresentados, é de comum consenso a necessidade de se
uniformizar o entendimento sobre a questão.
3. Em apertada síntese, atualmente existem duas linhas robustas acerca do prazo prescricional que
esta Corte de Contas vem adotando: dez e cinco anos. Importa registrar, ainda, a existência de corrente, de
forma minoritária, que defende a tese da imprescritibilidade da pretensão punitiva.
4. Seria bom que as nuances parassem por aí. No entanto, existem também discrepâncias acerca do
termo inicial de contagem do prazo prescricional: uns defendem que a ocorrência do fato deveria ser o
marco a ser considerado, enquanto outros simpatizam com a tese do conhecimento do fato pelo Tribunal.
5. Para complicar um pouco mais, existem divergências ainda acerca da interrupção e da suspensão
do prazo prescricional.
6. Após ler todos os votos apresentados pelos meus pares e o parecer do douto Procurador-Geral,
cheguei à conclusão de que todas as teses são bastantes plausíveis, tendo sido, todas elas, muito bem
fundamentadas, o que me levou a ter que refletir demasiadamente até decidir a respeito. Percebo que
todos os caminhos sugeridos conduzem a uma boa aplicação do direito. Fico à vontade, portanto, para
externar a minha convicção, pois tenho consciência de que não haverá vencidos nem vencedores, mas tão
somente a construção de uma única tese que representará o conjunto dos membros desta Corte de Contas.
II
7. De plano, adianto o meu entendimento. Defendo que a pretensão punitiva desta Corte de Contas
deve ser exercida no prazo de dez anos, a contar do acontecimento dos fatos que ensejam a punição,
interrompendo-se a prescrição uma única vez com a citação válida do responsável pelo Tribunal.
8. Eis a minha fundamentação.
9. O primeiro motivo que me leva a este pensamento é a coerência com os meus julgados,
porquanto, desde que assumi a honrosa cadeira de ministro desta Casa, venho defendendo a tese acima, ex
vi dos Acórdãos: 2.736/2015, 2.735/2015 e 2.535/2015, todos do Plenário, e 9.808/2015, 9.580/2015 e
6.667/2015 da 2ª Câmara, entre outros.
63
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
10. Ademais, verifico que a grande maioria das decisões mais recentes desta Corte se inclinam para
a tese da prescrição decenal, a contar da ocorrência do fato. Até mesmo o Ministro Benjamin Zymler, que
defende, com a maestria que lhe é peculiar, a prescrição em cinco anos, reconheceu, por meio do voto
condutor do Acórdão 6.929/2015 – 1ª Câmara, que a jurisprudência milita em sentido contrário à sua tese,
consoante pode ser verificado na seguinte passagem: 15. No tocante a prescrição da pretensão punitiva, a jurisprudência até aqui predominante no Tribunal (v.g.
Acórdãos da 1ª Câmara 3242/2015, 3959/2015, 4088/2015, 4089/2015, 4460/2015, 4600/2015, 4089/2015,
4601/2015 e Acórdãos Plenário 2.568/2014, 2.391/2014, 2427/2015, 2512/2015 e 2534/2015) é pela aplicação da
regra geral de prescrição em dez anos a partir do fato - consoante o art. 205 do Código Civil -, interrompendo-se a
contagem do prazo prescricional com a citação válida do responsável, nos termos do que dispõe o art. 219 do
Código Processual Civil.
16. Ressalvo, porém, que adoto tal posição até a apreciação definitiva dos processos TC 007.822/2005-4 e
TC 011.101/2003-6, quando será deliberada a modificação ou não do entendimento mencionado.
11. Esses dois motivos já seriam bastantes para eu votar no sentido de se manter a tese
predominante até agora, uma vez que a modificação de entendimento da Corte tem o condão de gerar,
como é cediço, insegurança aos jurisdicionados.
12. Não teria, em absoluto, qualquer problema em me curvar às outras teses ora debatidas, caso as
considerasse mais robustas. Não me senti, contudo, suficientemente convencido para rever a minha
posição.
III
13. Inicio pela questão da prescritibilidade da pretensão punitiva.
14. Em nosso ordenamento jurídico, a imprescritibilidade deve ser vista como exceção. Não foi à
toa que o Poder Constituinte Originário fez questão de frisar, de forma expressa, as condutas criminosas
cujas ações são imprescritíveis: a prática de racismo (art. 5º, inciso XLII), a ação de grupos armados, civis
ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, inciso XLIV) e as ações de
ressarcimento cometidas por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário (art. 37, §
5º).
15. Assim o é porque a prescritibilidade tem como função levar harmonia ao mundo jurídico, uma
vez que o réu não poderia ficar ad aeternum à mercê da vontade do autor de ingressar com ação. Se
assim fosse, teríamos que guardar por prazo indeterminado, por exemplo, todos os recibos de pagamento
de concessionárias de serviços públicos. Nesse sentido, cumpre citar as sempre atuais lições de Pontes de
Miranda (in Tratado de Direito Privado, vol. 6, § 666, p.127): A prescrição, em princípio, atinge a tôdas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de
direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional.
16. Considero, portanto, que a imprescritibilidade somente pode ser aplicada quando o ordenamento
jurídico a tenha expressamente previsto, não podendo, de forma alguma, ser suscitada por analogia ou por
extensão interpretativa. Trata-se de regra de exceção, cuja interpretação deve se dar de forma restritiva.
17. Ora, se até mesmo os crimes contra a vida, que é o bem jurídico mais importante, prescrevem
em 20 anos, por que os crimes praticados contra a administração pública seriam imprescritíveis?
18. A corrente que pugna pela imprescritibilidade defende que a lei mencionada no art. 37, § 5º, da
Constituição Federal - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer
agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento. – é de eficácia limitada. Assim, somente o Poder Legislativo teria competência para definir
o prazo prescricional para os ilícitos praticados contra a Administração.
19. Por conseguinte, não caberia a esta Corte de Contas definir, por meio de Acórdão, o prazo que
deveria ser utilizado em suas pretensões punitivas.
20. Concordo integralmente com a tese. Realmente, não pode esse Tribunal assumir o ônus de
definir os prazos prescricionais para aplicar as suas sanções. Haveria, caso assim fosse, total usurpação da
competência originária do Poder Legislativo.
21. Por outro giro, porém, o juiz deve decidir no caso concreto com aquilo que está posto no mundo
jurídico, não podendo abster-se de julgar por falta de dispositivo que regule a matéria. Sobre o tema,
64
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
convém trazer excerto da obra de Carlos Maximiliano (in Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed.
2005, p. 42): Tem o magistrado, nos países cultos, a obrigação peremptória de despachar e decidir todos os feitos que se
enquadrem na sua jurisdição e competência e estejam processados em regra. Não é lícito abster-se de julgar, sob o
pretexto, ou razão de ser a lei ambígua, omissa, obscura; não ter a mesma previsto as circunstâncias particulares do
caso; ou serem incertos os fatos da causa. As normas positivas, direta e inteligentemente interpretadas, o Direito
subsidiário e os princípios gerais da ciência de que o magistrado é órgão aplicador fornecem os elementos para
aquilatar a procedência ou improcedência do pedido.
22. Não julgo, no entanto, adequado defender a tese da imprescritibilidade ante a lacuna existente
na LOTCU na definição do prazo para pretensão punitiva por esta Corte de Contas. A corrente que pugna
por esta tese considera que, em razão a ilegitimidade do Tribunal para disciplinar o assunto, não poderia
haver restrição temporal para aplicação de sanção.
23. Ora, definir que a omissão da lei implica a imprescritibilidade significa disciplinar a questão, na
medida em que se opta por não adotar nenhum tipo de prazo. Assim, considero que, caso quisesse
reconhecer, de fato, a limitação da eficácia da norma, o Tribunal deveria deixar de aplicar a sanção, pois,
ao eleger qualquer prazo, a Corte estaria fazendo o papel de legislador.
24. Dessa forma, por entender que a imprescritibilidade deve decorrer exclusivamente da vontade
do Poder Constituinte, com as vênias de estilo, deixo de acolher a tese da imprescritibilidade e passo a me
debruçar sobre a definição do prazo prescricional.
IV
25. Uma vez que, consoante apontado no item 21 acima, o juiz não pode se furtar de decidir, o
Tribunal deve eleger um caminho a seguir quando instado a se manifestar em determinado caso concreto,
mesmo que, no futuro, o Poder legitimado para editar a norma o faça em prazo diverso ou o Poder
legitimado para dizer o direito venha a decidir em outra direção.
26. O que não pode ocorrer, contudo, é ausência de um caminho único a ser trilhado por este
Tribunal. Prefiro adotar a mesma decisão para todos a deixar ao alvedrio de cada julgamento o prazo que
será adotado, o que, certamente, traria muita insegurança aos jurisdicionados, sejam eles, de ontem, de
hoje ou de amanhã.
27. Considero, no entanto, que a decisão a ser adotada deve ser revestida de razoabilidade,
porquanto o Tribunal não pode pavimentar uma avenida para impunidade, tampouco se transformar em
órgão punitivo ad aeternum.
28. As duas frentes levantadas nessa discussão, conforme já mencionado alhures, cingem-se à
prescrição quinquenal e decenal. Ambas as teses são muito bem defendidas, mas, como já adiantei,
inclino-me ao prazo mais elástico.
29. Não adoto esta opção apenas para manter a linha jurisprudencial predominante nesta Corte até
então, mas por entender que não se trata de aplicação de analogia, mas sim de aplicação direta da lei.
30. Os que defendem o prazo de cinco anos o fazem por entender que a pretensão punitiva do TCU
é tema diretamente afeto ao Direito Administrativo, ramo do direito público, e que, portanto, para suprir a
lacuna deixada pela LOTCU, somente poder-se-ia buscar analogia em normas desse ramo do direito.
31. Julgo por demais pertinente essa regra, notadamente em razão do teor do art. 4º da Lei de
Introdução às Normas de Direito, que apresenta a seguinte redação: “quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
32. Ocorre, no entanto, que a lei a que se refere o art. 4º acima não pode ser entendido como,
exclusivamente, aquela a que está se querendo interpretar, mas sim ao sistema jurídico como um todo.
33. A Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, por exemplo, não estabelece nenhuma pena aos que
desrespeitam as suas regras. É claro que o juiz não pode criar uma pena para quem a descumprir ou, por
analogia, utilizar a pena prevista em outra norma. Deve, no entanto, saber se no mundo jurídico existe
alguma lei que defina penas para o descumprimento da LRF. Nesse caso, o juiz deve se valer das penas
previstas na Lei 10.028/2000, que acrescentou, ao Código Penal, a tipificação dos crimes contra as
finanças públicas.
65
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
34. Nesse caso, não se trata de analogia, mas de aplicação direta da lei, mesmo que esta não esteja
no corpo da LRF.
35. Esse pensamento é o mesmo para definir o prazo de prescrição para a pretensão punitiva desta
Corte de Contas. O art. 205 do Código Civil é cristalino ao dizer que “a prescrição ocorre em dez anos,
quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.
36. Resta saber se este dispositivo tem aplicação irrestrita ou se está limitado ao trato de relações de
direito privado. Antes de me aprofundar sobre o tema, valho-me da lição do Prof. Sílvio de Salvo Venosa
(in Direito Civil, Parte Geral, vol. 1. 3ª ed. 2003): A distinção entre direito público e direito privado, na vida prática, não tem a importância que alguns juristas
pretendem dar. O Direito deve ser entendido como um todo. Fazemos, porém, a distinção entre direito privado e
direito público, por motivos didáticos e por amor à tradição. (p. 88)
(...)
As noções fundamentais do Direito Civil estendem-se a todas as áreas do Direito, não apenas ao direito
privado, mas igualmente ao direito público. Ninguém pode arvorar-se em especialista em uma área de direito
público se não conhecer solidamente as noções de fato jurídico, ato jurídico, negócio jurídico, os defeitos desses
atos, os contratos etc. (p. 93)
37. Antes de prosseguir, gostaria de citar, em especial, o art. 15 do Código Civil: Art. 15 Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a
intervenção cirúrgica.
38. Certamente, o Código não está regulando somente os tratamentos que ocorrem no âmbito dos
hospitais particulares. Seria inadmissível pensar que o Estado pode se defender de algo que aconteceu em
um de seus hospitais alegando que esse dispositivo não lhe seja aplicável, porquanto uma norma de
direito público é que deveria regular a matéria.
39. Não estou defendendo, por oportuno, que não exista diferenciação dos direitos públicos e
privados e que não existam normas específicas dentro de cada ramo. Por exemplo, a Lei 8.666/1993
regula exclusivamente os contratos administrativos. O que quero dizer é que não se pode, de forma
absoluta, segmentar os ramos do direito sem permitir a tangibilidade entre eles.
40. Em relação ao tema, três são os motivos que me levam a optar pelo prazo decenal: coerência
com todas as minhas decisões desde que assumi o posto de ministro desta Corte; manutenção da linha
jurisprudencial do Tribunal; e aplicabilidade direta da lei em detrimento do uso da analogia.
V
41. Passo agora a cuidar do termo inicial da contagem do prazo prescricional.
42. É certo, e isso todos os doutrinadores e a jurisprudência assentem, que a prescrição tem como
principal mote a segurança jurídica e a paz social dela decorrente.
43. O princípio da segurança jurídica pode ser considerado um dos pilares do estado democrático de
direito e uma das formas de se pacificar as relações no mundo jurídico.
44. Nas palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso (in Temas de
Direito Constitucional. 2001, p. 50), a segurança jurídica “consiste na proteção conferida pela sociedade a
cada um de seus membros para conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades”.
45. No âmbito do TCU, a segurança jurídica em relação à prescrição da pretensão punitiva, pode
ser, então, entendia como a proteção conferida aos jurisdicionados para conservação de seus direitos e
propriedades.
46. O jus puniendi é do Estado, que deve ser visto de forma única. Não se pode confundir Estado
com o órgão legitimado para aplicar a sanção. Existem sanções que são aplicadas por órgãos do Poder
Executivo, a exemplo de multa imposta pela Receita Federal e outras pelo Poder Judiciário, a exemplo da
pena de restrição de liberdade em crime de homicídio. De toda sorte, em ambas foi o Estado que se
manifestou por meio de seus órgãos.
47. Nesse sentido, não poderia haver a diferenciação do termo inicial da prescrição para diferentes
órgãos da administração. Explico.
48. O nobre relator defende que o prazo prescricional deveria ser contado a partir do conhecimento
do fato pelo TCU, usando como analogia, basicamente, o art. 23, inciso II, da Lei 8.429/1992, c/c o art.
66
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
142, inciso I, da Lei 8.112/1990. Pela leitura destes dois artigos, tem-se que o prazo para prescrição
deveria correr da data em que o fato se tornou conhecido.
49. Com as vênias de estilo, entendo que a interpretação emprestada para a expressão “que o fato se
tornou conhecido” não pode ser estendida para “que o fato se tornou conhecido pelo Tribunal”.
Conforme, mencionei acima, o direito de punir é do Estado. Assim, julgo que o conhecimento do fato
deve ter como sujeito o Estado e não algum órgão específico.
50. Pensar de maneira diversa seria aceitar que a pretensão punitiva do Estado, quando a
competência for do Poder Judiciário, somente começaria a correr no momento em que aquele Poder
tomou conhecimento da notícia-crime.
51. Por isso não comungo com a ideia apresentada pelo ilustre relator de que a prescrição deveria
começar a correr somente a partir do momento em que o Tribunal tomou conhecimento do fato.
52. Até poderia considerar correta a analogia feita pelo nobre relator se ele estabelecesse que o
termo inicial se daria a partir do momento em que o Estado tomou ciência do fato. No entanto, considero
que a melhor solução para o caso é utilizar como prazo inicial a data do acontecimento do fato, porquanto
o art. 189 do Código Civil estabelece que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão”.
53. Ademais, segurança jurídica somente pode ser invocada quando o particular sabe exatamente a
partir de quando ele pode deixar de se preocupar com a apreciação da legalidade dos atos por ele
praticados.
54. Não é à toa que, o Direito Penal, principal fonte do jus puniendi, adota, em geral, como termo
inicial da prescrição o dia em que o crime se consumou.
55. Caso seja adotada a tese defendida pelo ilustre relator, o jurisdicionado teria a obrigação de
preservar todos os documentos de sua gestão enquanto o TCU não analisasse formalmente todos os atos
relativos à sua administração. Nem mesmo o julgamento das contas do administrador teria o condão de
possibilitar que ele se livrasse de tais documentos.
56. Como é cediço, o art. 206 do RITCU dispõe que a decisão definitiva em processo de contas não
constitui fato impeditivo de aplicação de multa em outros processos, salvo se a matéria tiver sido
examinada de forma expressa e conclusiva.
57. Assim, a prevalecer a tese defendida pelo Ministro Benjamin Zymler, mesmo que o Tribunal
julgue as contas de um administrador relativas ao exercício de 2010, deixando, no entanto, de examinar
de forma expressa e conclusiva a legalidade de determinada contratação, o TCU, caso venha a receber
uma denúncia no ano de 2025 sobre esta contratação, terá, ao menos, até 2030, se adotado o tempo de
cinco anos para prescrição, para aplicar alguma sanção.
58. Isso, certamente, não se coaduna com a segurança jurídica. Como mencionei no parágrafo 27, o
Tribunal não pode ter o poder punitivo ad aeternum.
59. Assim, em nome da segurança jurídica, entendo que o prazo inicial para a contagem da
prescrição deve ser o do acontecimento dos fatos que ensejam a punição.
VI
60. Com relação à interrupção e à suspensão dos prazos prescricionais, acompanho a proposta
apresentada pelo revisor, Ministro Walton Alencar Rodrigues. Na linha defendida por Sua Excelência, a
interrupção ocorre uma única vez no momento em que é ordenada a notificação do responsável, voltando
a correr da data do ato que a interromper. Já a suspensão se dá quando o processo ficar paralisado por
culpa exclusiva do responsável, a exemplo do que ocorrer na apresentação de novos elementos de defesa
após encerrada a fase de instrução processual.
61. Por oportuno, também gostaria de incorporar à proposta de Acórdão as pertinentes colaborações
trazidas pelo Ministro Augusto Nardes. Sua Excelência destaca o interesse público inerente ao instituto da
prescrição, razão pela qual propõe que a matéria seja analisada de ofício pelas unidades técnicas deste
Tribunal, independentemente de provocação dos jurisdicionados. Esse entendimento decorre da
revogação do art. 194 do Código Civil por meio da Lei 11.290, de 2006.
67
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ante todo o exposto, acompanho a proposta apresentada pelo revisor, à exceção da questão
relacionada à suspensão, em que sigo o relator, e, por conseguinte, VOTO por que o Tribunal adote a
deliberação que ora elevo ao descortino deste Plenário.
“9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência
suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues
Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC
007.822/2005-4);
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as
razões expostas pelo Revisor, em:
9.1. deixar assente que:
9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de
prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;
9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da
irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;
9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que
trata o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;
9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a
audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;
9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos
adicionais de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato
novo trazido pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais,
sendo que a paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos
elementos adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou
da resposta da diligência;
9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da
parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992; e
9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos
processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de
apreciação de recurso por este Tribunal.
9.2. encaminhar cópia do acórdão, assim como do relatório e voto que o fundamentam, à Comissão
de Jurisprudência, nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno;
9.3. remeter os autos do TC 007.822/2005-4 ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos
do art. 91, § 2º, do Regimento Interno.”
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016.
Ministro VITAL DO RÊGO
Redator
ACÓRDÃO Nº 1441/2016 – TCU – Plenário
1. Processo nº TC 030.926/2015-7
2. Grupo II – Classe de Assunto: VII (Incidente de uniformização de jurisprudência)
3. Interessado: Tribunal de Contas da União
4. Órgão/Entidade: não há
5. Relator/Revisor:
5.1. Relator: Ministro Benjamin Zymler
5.2. Redator: Ministro Walton Alencar Rodrigues
6. Representante do Ministério Público: Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin
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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
7. Unidade Técnica: não há
8. Representação legal: não há
9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência
suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues Chang,
Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC 007.822/2005-
4);
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as
razões expostas pelo Redator, em:
9.1. deixar assente que:
9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de
prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;
9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da
irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;
9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que trata
o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;
9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a
audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;
9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais
de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido
pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, sendo que a
paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos elementos
adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta
da diligência, nos termos do art. 160, §2º, do Regimento Interno;
9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da
parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992;
9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos
processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de
apreciação de recurso por este Tribunal;
9.2. determinar à Secretaria-Geral Adjunta de Tecnologia da Informação que adote as providências
necessárias para que seja desenvolvida, no sistema e-TCU, funcionalidade para o controle da interrupção
e suspensões de prazo prescricional de que trata este acórdão;
9.3. encaminhar cópia do acórdão, assim como do relatório e voto que o fundamentam, à Comissão
de Jurisprudência, nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno;
9.4. remeter os autos do TC 007.822/2005-4 ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos
do art. 91, § 2º, do Regimento Interno.
10. Ata n° 20/2016 – Plenário.
11. Data da Sessão: 8/6/2016 – Extraordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1441-20/16-P.
13. Especificação do quorum:
13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (Presidente), Walton Alencar Rodrigues (Redator),
Benjamin Zymler (Relator), Augusto Nardes, Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro, Ana Arraes,
Bruno Dantas e Vital do Rêgo.
13.2. Ministros com voto vencido: Benjamin Zymler (Relator), Augusto Nardes e Raimundo
Carreiro.
13.3. Ministros-Substitutos presentes: Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder
de Oliveira.