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Tribunal de Contas da União Secretaria das Sessões ATA Nº 20, DE 8 DE JUNHO DE 2016 - SESSÃO EXTRAORDINÁRIA - PLENÁRIO APROVADA EM 21 DE JUNHO DE 2016 PUBLICADA EM 22 DE JUNHO DE 2016 ACÓRDÃO Nº 1441

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Tribunal de Contas da União Secretaria das Sessões

ATA Nº 20, DE 8 DE JUNHO DE 2016

- SESSÃO EXTRAORDINÁRIA -

PLENÁRIO

APROVADA EM 21 DE JUNHO DE 2016

PUBLICADA EM 22 DE JUNHO DE 2016

ACÓRDÃO Nº 1441

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

ATA Nº 20, DE 8 DE JUNHO DE 2016

(Sessão Extraordinária do Plenário)

Presidência: Ministro Aroldo Cedraz de Oliveira (Presidente)

Representante do Ministério Público: Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin

Secretário das Sessões: AUFC Luiz Henrique Pochyly da Costa

Subsecretária do Plenário, em substituição: AUFC Elenir Teodoro Gonçalves dos Santos

Às 10 horas e 42 minutos, o Presidente Aroldo Cedraz declarou aberta a sessão extraordinária do

Plenário, com a presença dos Ministros Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Augusto Nardes,

Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro, Ana Arraes, Bruno Dantas e Vital do Rêgo, dos Ministros-

Substitutos Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira e do Procurador-

Geral Paulo Soares Bugarin. Ausente, com causa justificada, o Ministro-Substituto Augusto Sherman

Cavalcanti.

Comunicou, então, que a sessão extraordinária fora convocada para apreciação de Incidente de

Uniformização de Jurisprudência a respeito da prescrição da pretensão punitiva do Tribunal de Contas da

União e concedeu a palavra ao relator, Ministro Benjamin Zymler, para relatar o TC-030.926/2015-7.

Concluída a leitura do relatório, do voto e da minuta de acórdão pelo relator e apresentadas as

declarações de votos pelos Ministros Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes, Raimundo Carreiro,

José Múcio Monteiro, Bruno Dantas e Vital do Rêgo, foram colhidos os votos e o Plenário proferiu, por

maioria, o Acórdão nº 1441/2016, abaixo transcrito. Sagrou-se vencedora a proposta apresentada pelo

Ministro Walton Alencar Rodrigues (v. textos em anexo a esta Ata);

ACÓRDÃO Nº 1441/2016 – TCU – Plenário

1. Processo nº TC 030.926/2015-7

2. Grupo II – Classe de Assunto: VII (Incidente de uniformização de jurisprudência)

3. Interessado: Tribunal de Contas da União

4. Órgão/Entidade: não há

5. Relator/Revisor:

5.1. Relator: Ministro Benjamin Zymler

5.2. Redator: Ministro Walton Alencar Rodrigues

6. Representante do Ministério Público: Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin

7. Unidade Técnica: não há

8. Representação legal: não há

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência

suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues Chang,

Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC 007.822/2005-

4);

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as

razões expostas pelo Redator, em:

9.1. deixar assente que:

9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de

prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;

9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da

irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;

9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que trata

o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a

audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;

9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais

de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido

pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, sendo que a

paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos elementos

adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta

da diligência, nos termos do art. 160, §2º, do Regimento Interno;

9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da

parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992;

9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos

processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de

apreciação de recurso por este Tribunal;

9.2. determinar à Secretaria-Geral Adjunta de Tecnologia da Informação que adote as providências

necessárias para que seja desenvolvida, no sistema e-TCU, funcionalidade para o controle da interrupção

e suspensões de prazo prescricional de que trata este acórdão;

9.3. encaminhar cópia do acórdão, assim como do relatório e voto que o fundamentam, à Comissão

de Jurisprudência, nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno;

9.4. remeter os autos do TC 007.822/2005-4 ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos

do art. 91, § 2º, do Regimento Interno.

10. Ata n° 20/2016 – Plenário.

11. Data da Sessão: 8/6/2016 – Extraordinária.

12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1441-20/16-P.

13. Especificação do quorum:

13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (Presidente), Walton Alencar Rodrigues (Redator),

Benjamin Zymler (Relator), Augusto Nardes, Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro, Ana Arraes,

Bruno Dantas e Vital do Rêgo.

13.2. Ministros com voto vencido: Benjamin Zymler (Relator), Augusto Nardes e Raimundo

Carreiro.

13.3. Ministros-Substitutos presentes: Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder

de Oliveira.

ENCERRAMENTO

Às 13 horas e 27 minutos, o Presidente Aroldo Cedraz encerrou a sessão extraordinária, da qual foi

lavrada esta ata, a ser aprovada pelo Presidente e homologada pelo Plenário.

ELENIR TEODORO GONÇALVES DOS SANTOS

Subsecretária do Plenário, em substituição

Aprovada em 21 de junho de 2016.

AROLDO CEDRAZ DE OLIVEIRA

Presidente

ANEXO DA ATA Nº 20, DE 8 DE JUNHO DE 2016

(Sessão Extraordinária do Plenário)

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Relatório e Voto do Ministro Benjamin Zymler acerca do processo TC-030.926/2015-7, e as

declarações de votos apresentadas pelos ministros Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes,

Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro, Bruno Dantas e Vital do Rêgo, bem como o Acórdão nº

1441/2016, aprovado pelo Plenário.

GRUPO II – CLASSE IV – Plenário

TC 030.926/2015-7

Natureza: Tomada de Contas Especial (Incidente de Uniformização de Jurisprudência)

Interessado: Tribunal de Contas da União.

Representação legal: não há.

SUMÁRIO: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PRAZO

PRESCRICIONAL DAS SANÇÕES APLICADAS PELO TCU. SUBORDINAÇÃO AO PRAZO

GERAL DE PRESCRIÇÃO INDICADO NO ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL, CONTADO A PARTIR

DA DATA DE OCORRÊNCIA DA IRREGULARIDADE SANCIONADA. INTERRUPÇÃO, POR

UMA ÚNICA VEZ, COM A AUDIÊNCIA, CITAÇÃO OU OITIVA VÁLIDA. REINÍCIO DA

CONTAGEM LOGO APÓS O ATO QUE INTERROMPEU A PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO

PROCESSO QUANDO A MORA FOR IMPUTADA AO JURISDICIONADO.

RELATÓRIO

Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência instaurado para retomar as discussões

acerca do prazo prescricional das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas da União.

2. Inicialmente a matéria estava sendo tratada nos processos TC 007.822/2005-4 e

TC 011.101/2003-6, ambos de minha relatoria. Todavia, diante da importância do tema e da notória

divergência jurisprudencial, consignada inclusive nos Votos Revisores apresentados em ambos, entendi

que estavam presentes os requisitos para que este Tribunal resolvesse incidente de uniformização de

jurisprudência, nos termos do art. 91 do Regimento Interno do TCU.

3. Com o intuito de não deixar dúvidas acerca do objeto do presente incidente de uniformização,

serão transcritos os Votos apresentados e, também, o Parecer do Ministério Público (exarado com base no

art. 91, § 1º, do Regimento Interno do TCU).

Voto do Ministro Walton Alencar Rodrigues

“Trata-se de recursos de reconsideração interpostos por Manoel Catarino Paes Peró, Paulo César

de Lorenzo, Rildo Leite Ribeiro e Marilene Rodrigues Chang, contra o Acórdão 3.298/2011, Plenário,

que lhes julgou irregulares as contas e os condenou ao ressarcimento do débito e ao pagamento de

multa.

O E. Relator propõe conhecer dos recursos, para dar-lhes parcial provimento, em razão da

incidência da prescrição quinquenal no caso concreto. As razões que levam o relator a concluir por esse

prazo prescricional são apresentadas no voto que integra o Acórdão 1.314/2013, Plenário, que

reproduzo, em parte:

“22. Evoluindo entendimento anteriormente esposado em outras situações, devo admitir que a falta

de disposição legal a respeito do tema na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) implica extrair-se do

próprio Direito Administrativo, dada a sua independência científica, as bases para a integração dessa

lacuna, que impacta diretamente o poder sancionador desta Corte de Contas. Seguindo tal raciocínio,

penso que se há prazo próprio em ramo autônomo do Direito Público não há porque se insistir no uso, por

meio da analogia, de norma essencialmente disciplinadora das relações jurídicas privadas.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

23. Sendo assim, fazendo uso de tal critério de integração, entendo que o prazo prescricional para

que o TCU aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve mesmo ser o de cinco anos,

conforme previsto em diversas normas de direito público, a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei

8.429/1992, do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do Decreto 20.910/1932, do art. 174 do

Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999 e art. 1º da Lei 6.838/1980 e do art. 46 da Lei

12.529/2011.” (grifei)

A lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992) estabelece que as ações destinadas a impor

as sanções nela previstas podem ser propostas no “prazo prescricional previsto em lei específica para

faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo

efetivo ou emprego” (art. 23, inciso II). A Lei 8.112/1990, por sua vez, estabelece que o prazo de

prescrição para as infrações disciplinares “começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”

(art. 142, § 1º).

Conjugando esses dispositivos, conclui o relator que o prazo prescricional para imposição das

multas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei Orgânica é contado a partir da “data em que os fatos tidos

como irregulares se tornaram conhecidos no âmbito do Tribunal”.

Argumenta, por fim, que “a citação e a audiência válidas interrompem a prescrição para a

aplicação da multa”, nos termos dos arts. 202, inciso I, do Código Civil, e 219 do Código de Processo

Civil.

II

Com a devida vênia, no Acórdão 1.314/2013, o TCU não examinou o tema da prescrição. O

Plenário limitou-se a acolher a proposição, no sentido de “não conhecer da representação, haja vista o

não cumprimento dos requisitos de admissibilidade”, nos termos da proposta da Consultoria Jurídica do

TCU, autora da representação.

Desta forma, o Plenário não discutiu, nem deliberou, sobre a tese de prescrição quinquenal. As

considerações em favor de tal tese, naquele processo, não têm aptidão para inaugurar, no caso concreto,

novo entendimento jurisprudencial, ou servir de marco temporal para aplicação da prescrição, agora

com o novel prazo quinquenal.

Por essa razão, discordo, desde logo, da possibilidade de o Tribunal haver acolhido - naquela

assentada, ou em qualquer outro momento, ainda que de maneira reflexa - a tese da prescrição

quinquenal, para a aplicação de multas e passo a declinar as razões que me orientam e impelem nessa

convicção.

No Estado que se pretende Democrático de Direito, o primado da segurança jurídica consagra-se

como conquista fundamental e visa a excluir da prática estatal ações que hostilizam a legitimação do

Poder pela correção do procedimento.

A propósito, no Estado Democrático de Direito, já se supera “a ideia de ato discricionário e se

reconhece que apenas alguns aspectos do ato administrativo envolvem margem de liberdade de escolha

para o agente público. Os controles à atividade administrativa do Estado são cada vez mais amplos. É

inquestionável que toda liberdade atribuída ao agente estatal tem de ser exercida de modo compatível

com os princípios e regras fundamentais” (Curso de Direito Administrativo, Marçal Justen Filho, fl. 79).

O Estado Democrático de Direito caracteriza-se, sobretudo, pela obediência da Constituição, cuja

supremacia, no estabelecer a principiologia da legalidade, da universalidade de jurisdição e dos direitos

fundamentais, é plenamente adotada, com abrangente vinculação sobre a interpretação de todas as

normas. Nele, a legitimidade da ação estatal decorre da correção dos procedimentos adotados, sempre

com albergue na Constituição Federal.

No caso concreto, a contínua regulação do exercício da atividade estatal, no campo dos direitos e

garantias fundamentais dos cidadãos, está adequadamente exposta no art. 37, § 5º, da Constituição,

segundo o qual as ações destinadas a cominar sanções, decorrentes de prática de atos ilícitos, têm seus

prazos prescricionais fixados por lei, lei formal e material, com forma e conteúdo de lei, in verbis:

“Art. 37. (...)

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor

ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” (grifei)

Dessa forma, a partir da direta, inequívoca e abrangente expressão do texto constitucional, a fixar

a reserva da lei, a questão da possibilidade de incidência de prescrição da pretensão punitiva, no âmbito

do controle externo, já está claramente respondida.

As regras de prescrição, para o exercício do poder punitivo, por parte do Tribunal de Contas da

União, constituem, portanto, matéria de estrita reserva legal. É que “a lei estabelecerá”, e só a lei, não o

decreto, não a vontade do administrador ou do juiz. E esse expresso esquadro constitucional, a traçar

regra vinculatória da ação controladora, repele o instrumental da analogia e outros mecanismos de

exegese da lei.

Sobre o tema, trago à colação o elucidativo magistério de José Afonso da Silva, que, citando

Christian Starck, assim preleciona:

“Tem-se, pois, reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria

exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com

isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinadas.”1 (aspas do original; grifei).

O constitucionalista distingue três categorias de reserva de lei, a partir dos pontos de vista do

órgão competente, da natureza da matéria e do vínculo imposto ao legislador. Acerca da última

categoria, assim leciona, in vebis2:

“(3) do ponto de vista do vínculo imposto ao legislador, a reserva pode ser absoluta ou relativa.

Alguns admitem também uma terceira, dita reserva reforçada, que, na verdade, ingressa no campo da

reserva absoluta.

É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela

Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela

emprega fórmulas como: “a lei regulará”, “a lei disporá”, “a lei complementar organizará”, “a lei criará”,

“a lei poderá definir” etc.

É relativa a reserva constitucional quando a disciplina da matéria é em parte admissível a outra

fonte diversa da lei, sob a condição de que esta indique as bases em que aquela deva produzir-se

validamente. Assim é quando a Constituição emprega fórmulas como as seguintes: “nos termos da lei”,

“no prazo da lei”, “na forma da lei”, “com base na lei”, “nos limites da lei”, “segundo critérios da lei”.”

(grifei)

A expressão empregada pelo legislador constituinte originário na redação do art. 37, § 5º– “a lei

estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que

causem prejuízo ao erário (...)” (grifei) – revela que esses ilícitos podem subordinar-se à prescrição

apenas e somente se a lei fixá-la, ou seja, submete à absoluta reserva da lei formal qualquer tratativa

acerca da fixação de prazos de prescrição.

Assim, apenas lei formal poderá dispor sobre a matéria. Na falta dessa lei, não incide prescrição

ao exercício do poder-dever sancionador do Tribunal, consistente na aplicação de multas a gestores

faltosos, nos termos previstos na Lei 8.443/1992.

Em vista do magistério expresso da Constituição Federal, não é por mera simetria com outros

diplomas legais, atinentes à relação entre o Estado e o administrado, portanto, que se suprem lacunas de

tal naipe. Muito menos mediante a adoção de um e outro esparsos precedentes jurisprudenciais, cuja

validez apenas existe se conformes com a Carta Magna e no âmbito do caso concreto decidido.

A propósito, esse exatamente o entendimento externado pelos E. Ministros do Supremo Tribunal

Federal Menezes Direito e Carlos Ayres Britto, assentado nas recentes decisões que indeferiram, em

3/8/2009 e 14/2/2011, as liminares pretendidas nos mandados de segurança 27.395/DF e 29.272/BA,

respectivamente.

1 Curso de direito constitucional positivo. 30 ed. São Paulo : Malheiros, 2008, p. 422. 2 Op. Cit., p. 423-424.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Na ocasião, assim se pronunciou o Ministro Carlos Ayres Britto, reproduzindo a lição memorável

do Ministro Menezes Direito, in verbis:

“7. Quanto à alegação de prescrição, tenho que não é de ser acatada. É que “incabível (...) falar-se,

no caso, de prescrição administrativa, tendo em vista que o direito de invalidar, conforme a doutrina, não

é dotado de pretensão e por isso não é passível de prescrição, mas só de decadência, inaplicável ao caso.

Além disso, a prescrição é sempre dependente de lei, inexistente na espécie, não se podendo também

aplicá-la por analogia, bem como, nos termos do artigo 37, parágrafo 5º, in fine, da CF88, as ações que

visam o ressarcimento do erário são imprescritíveis” (MS 27.395-DF).” (negrito do original; sublinhados

meus).

Anoto, primeiramente, portanto, que é incabível a analogia e outros instrumentos subordinados de

interpretação, na fixação de critérios de prescrição.

O próprio Supremo Tribunal Federal tem negado eficácia a normas que violam o princípio da

reserva legal, declarando a nulidade de várias ações estatais, a exemplos dos julgados que transcrevo

abaixo, in verbis:

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidor público. Teto remuneratório.

Fixação por decreto do Poder Executivo. Impossibilidade. Violação do princípio constitucional da

reserva legal. Artigo 37, inc. XI, após alteração introduzida pela EC nº 19/98. Aplicabilidade

condicionada à promulgação de lei de iniciativa conjunta. Dispositivo não autoaplicável.

Precedentes.

1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a estipulação de teto remuneratório por

meio de decreto do Poder Executivo viola o princípio constitucional da reserva legal.

2. Pacífico o entendimento deste Tribunal de que o art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, com

a redação conferida pela EC nº 19/98, não era autoaplicável, pois sua incidência estava condicionada à

promulgação de lei federal de iniciativa conjunta, o que não ocorreu, razão pela qual permaneceu em

vigor a redação original do referido artigo.

3. Agravo regimental não provido.” (RE 583785 AgR, relator ministro Dias Toffoli; negrito do

original; grifos meus)

“SERVENTIAS – SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – DESMEMBRAMENTO,

DESDOBRAMENTO, EXTINÇÃO, ACUMULAÇÃO, DESACUMULAÇÃO, ANEXAÇÃO,

DESANEXAÇÃO, MODIFICAÇÃO DE ÁREAS TERRITORIAIS – RESERVA LEGAL –

INOBSERVÂNCIA – LIMINAR DEFERIDA. Alterações das serventias, presentes os citados

fenômenos, pressupõem lei em sentido formal e material, não cabendo a disciplina mediante resolução de

tribunal de justiça.” (ADI 4657 MC / DF, relator ministro Marco Aurélio; grifei)

Extrai-se da análise desses acórdãos do Pretório Excelso que, em razão da reserva legal, expressa

no dispositivo constitucional, não poderia o Tribunal de Contas da União autolimitar-se, no seu

indeclinável encargo constitucional de controle externo, fixando, sponte propria, parâmetros

incondizentes com a legitimação institucional pela higidez do procedimento, inerente ao Estado

Democrático de Direito, que respeita a Constituição e se estrutura a partir dela.

Tampouco, poder-se-á dizer da sua competência, em estabelecer prazos cambiantes de prescrição

– 5, 10, 20 anos – porquanto expresso na Constituição que tal só poderá ser feito por lei.

As minhas objeções para a adoção de critérios de prescrição para o controle externo, com o

delineamento administrativo de regras próprias, com cópia de diplomas legais específicos, em claro

exercício de descabida discricionariedade, decorrem de toda uma série de fatores:

a) violação do procedimento previsto no §5º do art. 37 da Constituição Federal;

b) açambarcamento de competências inerentes às atividades do Congresso Nacional, com

usurpação de sua exclusiva capacidade de decidir se e quando tais ou quais regras, atinentes à

prescrição, deverão ser veiculadas;

c) enfraquecimento do controle externo, uma vez que o próprio órgão constitucionalmente

encarregado de punir administradores, que malversaram recursos públicos, está decidindo que não vai

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

fazê-lo, a partir de regras de prescrição que ele próprio fixou, em analogia com outros diplomas

esparsos, que a ele não se aplicam e com prazos que mudam com a composição de cada colegiado.

A esse respeito, chamo a atenção para o risco da excessiva limitação temporal do jus puniendi do

TCU, a inviabilizar, em grande parte, o poder dissuasivo com que a Carta Constitucional investiu esta

Corte de Contas, exatamente para prevenir ou reprimir ilícitos administrativos afetos à sua jurisdição.

A incidência da imprescritibilidade, de que trata o art. 37, § 5º, da Constituição, às tomadas de

contas especiais, julgadas pelo TCU, foi examinada pela composição plenária do Supremo Tribunal

Federal no Mandado de Segurança 26.210/DF, relatado pelo ilustre ministro Ricardo Lewandowski.

O writ visava a impugnar o Acórdão 2.967/2005, 1ª Câmara, que condenou a impetrante, bolsista

junto ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), a devolver a importância percebida, atualizada

monetariamente e acrescida de juros de mora, mas não a condenou ao pagamento de multa.

Por essa razão, a Excelsa Corte não se manifestou especificamente quanto à imprescritibilidade do

exercício do poder-dever sancionador do Tribunal (CF, art. 71, inciso VIII). Por esclarecedor, reproduzo

a ementa do julgado, in verbis:

“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BOLSISTA

DO CNPq. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA

CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.

INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.

I - O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar

desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor.

II - Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau.

III - Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à

alegada prescrição.

IV - Segurança denegada.”

No entanto, em vários outros acórdãos, o Supremo Tribunal Federal denegou mandados de

segurança, impetrados contra deliberações do TCU, que condenaram os responsáveis ao recolhimento

de débitos e ao pagamento de multas, em uníssono, a exemplo dos MS 27.395/DF, 29.272/BA,

27.440/DF, 27.867/DF, sem consideração para a discriminação entre o débito e a multa.

Nesses julgados, o STF reafirmou o precedente consagrado no julgamento do Mandado de

Segurança 26.210/DF, no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário,

consoante estabelece, em caráter impositivo, a Constituição da República (art. 37, § 5º).

Esses acórdãos não diferenciaram o débito da multa, para efeito de incidência da prescrição.

Opuseram a imprescritibilidade tanto ao débito quanto à multa.

Por bem ilustrar o tema, reproduzo parte da decisão prolatada pelo nobre ministro Celso de Mello,

em 1/8/2013, no Mandado de Segurança 27.440/DF, com fundamento no art. 205, caput3, do Regimento

Interno do STF, in verbis:

“Trata-se de mandado de segurança impetrado com o objetivo de questionar a validade jurídica

de deliberação, emanada do E. Tribunal de Contas da União, que julgou irregulares as contas

referentes ao Procedimento de Tomada de Contas Especial nº 025.466/2007-1, sob a alegação “(...) de

fraude na utilização de certidão de tempo de serviço com declaração falsa para requerer aposentadoria”

(fls. 16/24). Na ocasião, aplicou-se, à ora impetrante, “(...) a multa prevista no art. 57 da Lei nº

8.443/1992, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais)”, além de ter sido autorizada, em seu desfavor,

“(...) a cobrança judicial das dívidas a que se referem os subitens anteriores”, que perfazem o valor de

R$ 152.671,83 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e um reais e oitenta e três centavos).

Impende destacar que o exame dos elementos produzidos nestes autos, notadamente do que se

contém no acórdão emanado da E. Corte de Contas (fls. 16/24) e da Certidão de Tempo de Serviço

3 Emenda Regimental 28, de 18 de fevereiro de 2009, alterou o art. 205, caput, do Regimento Interno do STF, delegando expressa competência ao relator, para,

em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de mandado de segurança, desde que a matéria versada constitua “objeto de jurisprudência

consolidada do Tribunal”.

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9

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

expedida pelo Ministério da Justiça, em 09/07/2003 (fls. 13/15), evidencia que os valores exigidos à

impetrante resultam da apuração de débitos que se originaram no período entre 04/05/1992 e 31/07/1996.

Sustenta-se, bem por isso, na presente impetração, a ocorrência da prescrição da pretensão do

Estado à obtenção do ressarcimento dos pagamentos indevidos realizados à ora impetrante mediante

fraude.

(...)

Passo a examinar o pleito em causa. E, ao fazê-lo, entendo assistir plena razão à douta

Procuradoria-Geral da República, eis que o acórdão ora questionado neste “writ” ajusta-se,

integralmente, à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou a propósito da matéria em

análise.

É que a pretensão deduzida na presente sede mandamental opõe-se à própria jurisprudência firmada

pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (MS 26.210/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI),

cuja orientação, no tema ora em exame, tem ressaltado a imprescritibilidade das ações de

ressarcimento ao erário, consoante prescreve, em caráter impositivo, a Constituição da República (art.

37, § 5º).

(...)

Em suma: os precedentes que venho de mencionar refletem a jurisprudência constitucional do

Supremo Tribunal Federal que, apoiando-se no § 5º do art. 37 da Constituição, tem proclamado, sem

maiores disceptações, a imprescritibilidade das ações que visam o ressarcimento ao erário.

Sendo assim, em face das razões expostas e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-

Geral da República, denego o presente mandado de segurança, tornando sem efeito a medida cautelar

anteriormente deferida.” (negritos do original; sublinhados meus)

Nesse mesmo sentido a decisão monocrática proferida pelo Ministro Dias Toffoli, no Mandado de

Segurança 27.867/DF, confirmada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em sede de

agravo regimental4.

Extrai-se idêntica lição da decisão monocrática prolatada pelo ilustre ministro Carlos Ayres Britto,

indeferindo a medida liminar pretendida no Mandado de Segurança 29.272/BA5. Nesse processo,

manifesta-se a Procuradoria-Geral da República em consonância com a tese ofertada pelo relator, in

verbis:

“Assim, sendo a Tomada de Contas Especial um processo administrativo, com intuito de identificar

responsáveis por danos causados ao erário e determinar o ressarcimento do prejuízo apurado, não há falar

em prescrição.” (grifei)

A Suprema Corte, em todos esses casos, não se ocupou em distinguir a prescrição da multa imposta

pelo TCU da prescrição do débito, colocando ambas a salvo da imprescritibilidade, consagrada na

Carta de outubro. Afastou, na verdade, a prescrição de ambos os comandos: do que impôs o dever de

ressarcir e do que sancionou os responsáveis com multa.

Aliás, se a regra incidente ao principal – da imprescritibilidade do débito – for divorciada do

acessório – a multa decorrente do débito – haverá sério gravame ao ordenamento jurídico, porque a

segunda, no mais das vezes, deriva diretamente da primeira.

Assim, tendo em vista que a Corte Constitucional não se posicionou pela prescrição do exercício

do dever-poder do TCU em cominar sanção, não deve o Plenário invadir a esfera de competência

própria do legislador, para suprir lacuna que somente pode ser preenchida por lei.

4 “Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por LUIZ ANTONIO DA COSTA NÓBREGA em face do TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, com o objetivo de anular, em relação ao impetrante, o Acórdão nº 2.202/2008-TCU/Plenário que o condenou, em Tomada de Contas Especial TC 004.499/2000-3, solidariamente com outros responsáveis ao ressarcimento ao Erário no valor de R$ de 85.516.861,71 (oitenta e cinco milhões,

quinhentos e dezesseis mil, oitocentos e sessenta e um reais e setenta e um centavos), acrescido de multa individual de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).” (Grifo

no original). 5 “Trata-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de medida liminar, impetrado por Carlos Cesar Faria Ferreira, contra ato do Tribunal de Contas

da União. (...) Tomada de contas, essa, que, instaurada pelo Tribunal de Contas da União, conduziu ao Acórdão 1.178/2009 da 1ª Câmara do TCU. Acórdão, a

seu turno, que julgou irregulares as contas do impetrante e o condenou ao ressarcimento ao Erário e ao pagamento de multa.” (Grifo no original).

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Afora o fato de diminuir o âmbito de sua ação na repressão aos ilícitos perpetrados contra a coisa

pública. E essa auto-limitação se dá mais por força do estabelecimento de teses internamente do que por

provocação externa.

Evidentemente, não desconheço que o E. Ministro Luís Roberto Barroso deferiu pedido liminar

formulado no Mandado de Segurança 32.201/DF, para determinar a suspensão da exigibilidade de multa

imposta pelo TCU, por considerar “plausível a incidência do prazo prescricional quinquenal às multas

aplicadas pelo Tribunal de Contas da União”. Trata-se, contudo, de decisão proferida em sede de exame

perfunctório, ainda não confirmado pelo Pleno da Suprema Corte. Há de ser observada, assim, com os

cuidados que inspiram as decisões não exaurientes e precárias.

Por essas razões, em caráter preliminar, apresento questão, com fundamento no art. 116 do

Regimento Interno, consistente na imprescritibilidade do exercício do poder-dever de sanção do

Tribunal, assentado no art. 71, inciso VIII, da Constituição Federal.

Apenas na hipótese de o Plenário rejeitar a preliminar que ofereço, tratarei do tema do prazo de

prescrição, assim como do seu dies a quo e das causas de interrupção e suspensão na discussão de

mérito.

(...)

Mérito

Trata-se de tomada de contas especial decorrente da conversão de processo de auditoria realizada

nas obras do Complexo Viário do Rio Baquirivu, em Guarulhos, objeto do Contrato 39/1999, celebrado

entre o Município e a Construtora OAS Ltda.

Na hipótese de o Plenário deliberar, no exame da questão preliminar, por não reconhecer a

imprescritibilidade do exercício do poder-dever de sanção, confiado ao Tribunal pelo legislador

constituinte originário, em vista da reserva legal e da ausência de norma, cumpriria determinar o prazo

prescricional incidente sobre a matéria, bem assim o seu dies a quo e as causas de interrupção e

suspensão.

O E. Relator propõe declarar extinta a punibilidade dos responsáveis, com relação à possibilidade

de aplicação das multas previstas nos artigos 57 e 58 da Lei 8.443/1992, em razão da incidência da

prescrição quinquenal no caso concreto. As razões que levam o relator a concluir por esse prazo

prescricional são apresentadas no voto que integra o Acórdão 1.314/2013, Plenário, que reproduzo, em

parte:

“22. Evoluindo entendimento anteriormente esposado em outras situações, devo admitir que a falta

de disposição legal a respeito do tema na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) implica extrair-se do

próprio Direito Administrativo, dada a sua independência científica, as bases para a integração dessa

lacuna, que impacta diretamente o poder sancionador desta Corte de Contas. Seguindo tal raciocínio,

penso que se há prazo próprio em ramo autônomo do Direito Público não há porque se insistir no uso, por

meio da analogia, de norma essencialmente disciplinadora das relações jurídicas privadas.

23. Sendo assim, fazendo uso de tal critério de integração, entendo que o prazo prescricional para

que o TCU aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve mesmo ser o de cinco anos,

conforme previsto em diversas normas de direito público, a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei

8.429/1992, do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do Decreto 20.910/1932, do art. 174 do

Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999 e art. 1º da Lei 6.838/1980 e do art. 46 da Lei

12.529/2011.” (grifei)

A lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992) estabelece que as ações destinadas a impor

as sanções nela previstas podem ser propostas no “prazo prescricional previsto em lei específica para

faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo

efetivo ou emprego” (art. 23, inciso II). A Lei 8.112/1990, por sua vez, estabelece que o prazo de

prescrição para as infrações disciplinares “começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”

(art. 142, § 1º).

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Conjugando esses dispositivos, conclui o relator que o prazo prescricional para imposição das

multas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei Orgânica é contado a partir da “data em que os fatos tidos

como irregulares se tornaram conhecidos no âmbito do Tribunal”.

Argumenta, por fim, que “a citação e a audiência válidas interrompem a prescrição para a

aplicação da multa”, nos termos dos arts. 202, inciso I, do Código Civil, e 219 do Código de Processo

Civil.

II

Penso que, se desacolhida a tese da imprescritibilidade da possibilidade de aplicação de multa, a

regra que melhor se ajusta ao processo de controle externo é a indicada no Código Civil, em razão da

natureza geral do comando contido no seu art. 205, que reproduzo:

“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.” (grifei)

Esta é a regra geral e não se pode ignorar que os institutos que integram a parte geral da

legislação civil codificada espraiam-se por todo o ordenamento jurídico, suplementando-o e integrando-

o.

Esse, aliás, o conhecido magistério de Maria Helena Diniz, in verbis6:

“Apesar de haver objeções à (...) inclusão [da parte geral] no Código Civil, grande é sua utilidade

por conter normas aplicáveis a qualquer relação jurídica. Deveras, o direito civil é bem mais do que

um dos ramos do direito privado; estabelece os parâmetros de todo ordenamento jurídico e engloba

princípios ético-jurídicos de aplicação generalizada e não restritiva às questões cíveis. (...) É na Parte

Geral que estão contidos os preceitos normativos relativos à prova dos negócios jurídicos, à noção dos

defeitos dos atos jurídicos, à prescrição e à decadência, institutos comuns a todos os ramos do direito.

Eis por que Planiol, Ripert e Bulanger sustentam que o direito civil continua sendo o direito comum,

compreendendo normas atinentes às relações de ordem privada, generalizando conceitos fundamentais

utilizados, frequentemente, por juspublicistas.” (grifei)

Nessa linha, adverte Paulo Nader que “a expressão Direito Civil já foi, equivocadamente,

empregada como sinônimo (...) de Direito Privado, em oposição ao Público”7. Acrescenta o civilista que:

“A Parte Geral, que dispões sobre Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos, é propriamente Teoria Geral do

Direito e indispensável à ordem jurídica como um todo, embora dê unidade ao Direito Civil. Não é,

portanto Direito Civil, como expõe Caio Mário da Silva Pereira: ‘Embora o direito civil se tenha como

um dos ramos do direito privado, a rigor é bem mais que isto. Enfeixa os princípios de aplicação corrente,

de aplicação generalizada e não restritiva à matéria cível... é dentro dele que o jurista nacional encontra

aquelas regras de repercussão obrigatória a outras províncias do seu direito.”8(grifei)

Aplica-se, assim, o prazo prescricional indicado no art. 205 do Código Civil a todas as situações

em que lei específica fixar prazo superior a dez anos, ou não dispuser sobre o tema.

Nesses termos, ao não dispor sobre o prazo de prescrição da pretensão punitiva do Estado, no

exercício do controle externo – ressalvando o meu entendimento pessoal - o único prazo admissível seria

a regra geral de prescrição, consignada no Código Civil.

O silêncio da Lei 8.443/1992, acerca da prescrição da multa, não abre lacuna a ser colmatada por

analogia, mas hipótese de incidência da regra geral de prescrição, contida na legislação civil codificada.

Haveria, portanto, quando menos, lei formal, dispondo sobre a prescrição do dever-poder

sancionador do Tribunal. A expressa disposição legal impede o uso da analogia, porque o instituto

somente tem lugar na hipótese de omissão da lei.

Essa, aliás, a dicção do art. 4º da Lei de introdução às normas do direito brasileiro, que

transcrevo, in verbis:“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia,

os costumes e os princípios gerais de direito.” (grifei)

No caso em exame, não há lacuna a ser preenchida por analogia com o direito público ou civil,

mas regra de incidência direta, assentada no art. 205 do Código Civil.

6 Curso de direito civil brasileiro. Volume 1: teoria geral do direito civil. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 55. 7 Curso de direito civil, volume 1: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2007, p. 4. 8 Op., cit., p. 25.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Por essas razões, afasto-me das conclusões trazidas pelo Relator, no sentido de que o Tribunal

haveria de subordinar seu poder-dever de impor sanções à prescrição quinquenal, por ser esse o prazo

preponderante “no microssistema do Direito Público”.

Manifesto-me, pois, pela incidência da regra geral de prescrição assentada no Código Civil,

aplicável a todos os casos em que a lei sobre ela não dispuser explicitamente.

Importa notar, por fim, que nenhum dos dispositivos legais invocados pelo relator tem aplicação

aos processos de controle externo, nos termos da jurisprudência do TCU e de precedentes do Supremo

Tribunal Federal (MS 21.468/CE, MS 27.867/DF).

Ainda que se pretendesse afastar da regra geral de prescrição, consagrada na legislação civil

codificada, para buscar guarida na analogia, não se poderia adotar como premissa a existência de prazo

geral de prescrição, a regular todas as matérias de direito público, porque tal entender não se mostra

compatível com a necessária ampliação dos prazos prescricionais para infrações potencialmente mais

graves. Essa a regra fundamental a permear o ordenamento jurídico pátrio.

Como entendo que os fatos que ensejam a aplicação de multa pelo TCU são fatos que atentam

contra a própria Administração e sociedade, desestruturadores do Estado Democrático de Direito, nada

mais compreensível do que a multa ser imprescritível, como acessória ao débito, no âmbito da

imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário.

O Código Penal estabelece prazos prescricionais maiores para crimes com penas privativas de

liberdade mais longas, e menores, para ilícitos mais singelos. De igual sorte, a legislação civil

codificada assenta a ocorrência de prazos prescricionais mais dilatados nos casos em que a pretensão do

autor visa a proteger bem jurídico mais caro à sociedade.

Também na seara do direito administrativo, observa-se tal solução. A Lei 8.112/1990 fixa

diferentes prazos prescricionais para ações disciplinares, consignando prazo de prescrição maior para

as infrações mais graves, puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e

destituição de cargo em comissão, e menor para as infrações que suscitam apenas advertência.

Por essa razão, não é adequado padronizar o prazo prescricional de cinco anos na seara do direito

administrativo. É certo que a infração que desperta o poder-dever de sanção do Tribunal, consagrado

nos artigos 57 e 58 da Lei 8.443/1992 é muito mais grave que singela infração de trânsito, por exemplo.

Aliás, a própria fixação administrativa pelo TCU de prazo prescricional por demais exíguo

conteria, até mesmo, negar vigência a previsão constitucional do art. 71, inciso VIII, segundo a qual

incumbe ao TCU “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de

contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao

dano causado ao erário”.

Necessário, portanto, que o interesse do Estado em reprimir as condutas lesivas ao Erário ou

contrárias ao interesse público encontre abrigo em prazo prescricional mais amplo que o assentado em

normas destinadas a sancionar os autores de infrações administrativas menos graves aos olhos da

sociedade.

III

Em relação ao dies a quo da contagem desse prazo, propõe o relator que o prazo prescricional seja

contado a partir da “data em que os fatos tidos como irregulares se tornaram conhecidos no âmbito do

Tribunal”, porque, por analogia, deveria o Tribunal combinar o que dispõe o art. 23, inciso II, da Lei

8.429/1992, com o conteúdo do art. 142, § 1º, da Lei 8.112/1990.

Concordo com o relator quanto ao dies a quo sugerido, divergindo, entretanto, dos fundamentos

apontados por Sua Excelência, porque não creio que se possa extrair tal regra do que dispõem a lei de

improbidade administrativa e o regime jurídico dos servidores públicos da União.

A contagem da prescrição, a partir da data em que o Tribunal toma ciência da irregularidade, tem

fundamento no princípio da actio nata, consagrado no art. 189 do Código Civil, segundo o qual a

contagem do prazo prescricional só tem início com a ciência da violação do direito por seu titular,

porque apenas nesse momento surge a possibilidade de ação.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Nessa quadra, enquanto a irregularidade autorizadora da imposição de sanção não for revelada

ao Tribunal, titular do poder-dever de sanção na seara do controle externo, não surge para o Estado a

possibilidade de agir e, por consequência, não se inicia a contagem do prazo prescricional.

O termo inaugural da prescrição há de ser avaliado no caso concreto, considerados o tipo e as

peculiaridades do processo. Na tomada de contas especial instaurada por órgão ou entidade da

Administração, a ciência da irregularidade ocorre, em regra, com o ingresso do procedimento

administrativo no Tribunal.

IV

Superada essa questão, no puro exercício da construção legislativa, há de se ocupar o Tribunal em

identificar as causas de interrupção e de suspensão do prazo prescricional.

Nos termos da legislação civil codificada, a prescrição é interrompida uma única vez, na presença

de uma das situações descritas no art. 202, caput, entre as quais o “despacho do juiz, mesmo

incompetente, que ordenar a citação” (grifei).

No processo civil, a demora no julgamento da lide não causa prejuízo ao autor da ação, porque a

prescrição recomeça a correr do último ato do processo, que, se for cognitivo, será o trânsito em julgado

(art. 202, parágrafo único).

No que se refere à regra do art. 202, parágrafo único, do Código Civil, peço vênias ao nobre

relator para divergir da interpretação de que “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do

ato que a interrompeu (a citação ou a audiência)”, porque não se aplica o recomeço da contagem da

prescrição a partir da data que a interrompeu na hipótese do inciso I daquele parágrafo (citação).

O art. 202 do Código Civil estabelece a interrupção a partir de atos processuais (citação do réu,

apresentação de título de crédito em juízo de inventário, ato judicial que constitua o devedor em mora) e

extraprocessuais (protesto, protesto cambial, ato extrajudicial que importe reconhecimento do direito do

devedor). Por isso, seu parágrafo único estabelece dois momentos distintos para retomada da contagem

do prazo prescricional: data do ato que a interrompeu ou último ato do processo para a interromper.

Aplica-se a primeira hipótese – data do ato que interrompeu a prescrição – apenas em relação à

pratica de atos extraprocessuais. No caso de atos processuais, a prescrição somente volta a correr a

partir do “último ato do processo para a interromper”. No caso da citação, a prescrição não volta a

correr a partir da sua efetivação, mas ato do processo correspondente.

Nesses termos, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que, ajuizada a ação

“no prazo adequado, não há que se falar em interrupção de prescrição, mas, simplesmente, da sua não

consumação”. Acrescentam que, “a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, nasce

NOVO prazo para a pretensão executória”9.

Ensina Fredie Didier Junior que, de “acordo com o art. 202, parágrafo único, do CC-2002, uma

vez interrompido pela citação, somente recomeça a correr o prazo prescricional a partir do último ato do

processo (que, se for cognitivo, será o trânsito em julgado)”10 (grifei).

Não se pode admitir, portanto, que a prescrição no processo de controle externo, interrompida pela

citação ou audiência, volte a correr da data desse ato. A solução ofertada pelo legislador importa

reconhecer o retorno da sua fluência com o trânsito em julgado do processo.

A aplicação desse conceito ao processo de controle externo, contudo, levaria a imprescritibilidade

da ação, depois de inaugurado o contraditório no Tribunal. A situação parece não se harmonizar à

relação processual atípica na seara do controle externo, em que o TCU não se incumbe apenas de dizer

o direito, do lado de fora da relação jurídica, mas, também, de impulsionar o processo.

Contando-se a prescrição intercorrente, restaria dúvida quanto ao momento em que ela volta a

correr.

A situação a ser enfrentada parece se assemelhar àquela relacionada à ação disciplinar de que

trata o estatuto dos servidores público federais. No dizer dessa lei, “a abertura de sindicância ou a

9 Novo curso de direito civil, volume I: parte geral, 12. ed., São Paulo : Saraiva, 2010, p. 523. 10 Curso de direito processual civil, volume 1: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 13. ed. Salvador : Juspudivm, 2011, p. 493.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade

competente” (art. 142, § 3º, da Lei 8.112/1990).

A interpretação literal do dispositivo sugere que a prescrição somente voltaria a correr a partir da

decisão final, ainda que proferida a destempo. Não é o que, de fato, ocorre.

O Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar a matéria, concluiu que “tomar ao pé da letra a parte

final do art. 142, § 3º, levaria à solução absurda de a mora da Administração na conclusão do processo

administrativo retardar sem limites o recomeço do curso do prazo prescricional interrompido com a sua

instauração” (MS 22.679/DF, relator ministro Sepúlveda Pertence).

Ancorado nesse entender, passou a Suprema Corte a considerar retomado o curso da prescrição

“na data em que se complete o prazo máximo para conclusão do processo administrativo – fixado em

140 dias, na conformidade dos arts. 152 e 167 da Lei do Regime Único – independentemente de haver ou

não ocorrido o seu efetivo encerramento” (MS 22.679/DF, relator ministro Sepúlveda Pertence).

Pela mesma razão, merece temperamento a incidência da regra contida no art. 202, parágrafo

único, do Código Civil, ao processo de controle externo, para considerar retomado o fluxo da prescrição

a partir do término do prazo que deveria o Tribunal decidi-lo. No caso de tomada ou prestação de contas

– objeto do caso concreto - do “término do exercício seguinte àquele em que estas lhe tiverem sido

apresentadas” (art. 14 da Lei 8.443/1992).

Em relação ao tema, não reconheço, como faz o relator, risco de colisão com os princípios

constitucionais da celeridade processual, segurança jurídica, devido processo legal e razoabilidade,

“dentre tantos outros”, porque a solução ofertada não permite ao Tribunal “punir [o responsável]

enquanto estiver o processo em andamento”, mas, apenas, no curso do prazo prescricional, considerado

o tempo definido em lei ou regulamento para seu processamento e decisão.

V

Estabelece o Código de Processo Civil causas de suspensão do processo, sem se referir à

suspensão da prescrição (art. 265). Deve-se a ausência dessa expressa previsão ao fato de a interrupção

no processo civil perdurar até o trânsito em julgado da ação.

No processo de execução, sujeito à prescrição intercorrente, a suspensão implica paralisar a

fluência do prazo prescricional, a despeito de previsão expressa no art. 791 do Código de Processo Civil.

Sobre o tema, dissertam Fredie Didier Jr. e outros11, in verbis:

“Durante o período de suspensão da execução, não corre o prazo prescricional, visto que a

prescrição pressupõe a inércia do exequente, o que, no caso, não existe.” (grifei)

Necessário, pois, que o Tribunal reconheça a possibilidade de suspensão do processo e, por

consequência, do fluxo prescricional, em face das peculiaridades do processo de controle externo,

notadamente por ser ele regido pelo princípio da verdade material, situação que acaba por dilatar o

exercício do contraditório e da ampla defesa pelos interessados.

Imperativo que os adicionais prazos de defesa conferidos aos responsáveis, assim como o tempo

necessário ao exame, pela unidade técnica, pelo Ministério Público e pelo relator, dos elementos

adicionais de defesa, sejam tratados como períodos de suspensão da prescrição, com fundamento no art.

265, inciso IV, alínea ‘d’, do Código de Processo Civil12, porque, nesses casos, não há inércia do

Tribunal, mas ampliação do exercício do contraditório e da ampla defesa pelo responsável.

Além disso, seria contraditório permitir que tais dilações temporais, havidas no interesse do

responsável, pudessem contribuir para a formação da prescrição intercorrente.

VI

Passo ao exame do caso concreto.

Adotadas as premissas indicadas neste voto, observa-se não ter havido a prescrição da pretensão

punitiva do Estado, confiado ao TCU pelo legislador constituinte.

11 Curso de direito processual civil: vol. 5, execução. 3. ed., Salvador : JusPodivm, 2011, p. 336. 12 “Art. 265. Suspende-se o processo: (...) IV – quando a sentença de mérito: (...); b) não puder ser proferida senão depois de

verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo” (Grifo no original).

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Informa o nobre relator que o Tribunal tomou ciência das irregularidades em julho de 2003, por

ocasião da realização da auditoria que deu origem às presentes contas especiais e que os responsáveis

foram ouvidos em audiência em novembro de 2003 e dezembro de 2010.

A notificação da responsável dirigida à responsável Sueli Vieira da Costa, em dezembro de 2010,

teve o condão de interromper a prescrição decenal inaugurada em 2003 e reinaugurar o prazo

prescricional, que somente vencerá em dezembro de 2020. No exame de mérito, entretanto, associo-me

ao relator, no sentido de que suas justificativas devem ser acolhidas.

Também não ocorreu a prescrição em relação aos responsáveis ouvidos em audiência no início de

novembro de 2003, porque autuado o processo naquele mesmo ano, a prescrição, interrompida pela

citação, somente voltou a correr do término do prazo estabelecido na Lei Orgânica para que o Tribunal

delibere sobre processo de contas: dezembro de 2004. Nesses termos, desconsiderados os pedidos de

dilação de prazo para apresentar razões de justificativa, fenômeno que suspende o andamento do

processo e o fluxo da prescrição, esta somente ocorreria em dezembro de 2014.

No que tange ao mérito, acolho as conclusões da unidade técnica e do Ministério Público,

reproduzidas no relatório.

Feitas essas considerações, voto por que o Tribunal de Contas da União aprove o acórdão que ora

submeto à apreciação deste Colegiado.”

Parecer do Ministério Público

“ Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 91 do Regimento

Interno do TCU, acerca do prazo prescricional das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas da União.

2. Justifica-se o presente incidente de uniformização de jurisprudência em razão da existência de

notória divergência em decisões do Tribunal acerca do assunto, o que pode ferir os princípios

constitucionais da igualdade e da segurança jurídica, ante a existência de decisões díspares para

situações semelhantes.

3. É importante observar que a matéria em tela é de grande relevância e envolve diversos

entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, em virtude da ausência de norma legal específica, a ponto

da questão relativa à prescrição no caso de imputação de débito ter sido discutida por muitos anos no

TCU, com posicionamentos pela imprescritibilidade ou pela utilização do prazo prescricional do Código

Civil, somente vindo a ser plenamente resolvida após o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ao

apreciar o Mandado de Segurança nº 26.210-9/DF, que ensejou a prolação do Acórdão nº 2709/2008 –

Plenário, por meio do qual se decidiu deixar assente no âmbito desta Corte de Contas que o art. 37 da

Constituição Federal conduz ao entendimento de que as ações de ressarcimento movidas pelo Estado

contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis.

II

4. Com relação ao prazo de prescrição do exercício da pretensão punitiva do TCU, verifica-se que

existem diversas deliberações neste Tribunal, destacando-se três teses principais, embora possam existir

outros posicionamentos, com pequenas variações.

5. A primeira tese refere-se à imprescritibilidade, até que sobrevenha lei específica que discipline a

matéria. Tal entendimento é fundamentado no fato de o § 5º do art. 37 da CF/88 estabelecer a

necessidade de lei para a regulamentação dos prazos prescricionais.

6. Nesse cenário, não caberia a integração da lacuna legislativa requerida pela Constituição

Federal por meio da analogia. Verificada a omissão legislativa requerida pela Constituição, abrem-se

apenas duas possibilidades: ou a omissão é suprida com a edição da respectiva lei ou o STF, por

intermédio do mandando de injunção, poderia atuar como legislador no caso concreto.

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16

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

7. A segunda tese defende a prescrição quinquenal, com base na analogia com diversas normas do

Direito Público. Os principais argumentos que fundamentam esse entendimento são:

a) A Lei nº 8.443/92 não disciplina a matéria da prescrição;

b) como existe uma lacuna na legislação, deverá ser feita pelo intérprete a devida integração

legislativa;

c) deve-se utilizar o instituto da analogia como técnica de integração de lacunas. Deve-se buscar

nas normas de Direito Público a analogia para a fixação do prazo;

d) seria despropositado utilizar a disciplina do Código Civil para extrair a norma jurídica

aplicável à prescrição da pretensão punitiva afeta às relações de Direito Público, haja vista a absoluta

diferença entre os fatos abarcados pelo espaço de incidência daquela regra jurídica – de natureza

eminentemente privada – e os inerentes à relação de Direito Público travada entre a União e os

administrados, no âmbito dos processos do TCU;

e) fazendo-se uso do critério de integração da analogia, o prazo prescricional para que o TCU

aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve ser o de cinco anos, conforme previsto em

diversas normas de Direito Público, a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei nº 8.429/92; do art. 142,

inciso I, da Lei nº 8.112/90; do art. 1º do Decreto nº 20.910/32; do art. 174 do Código Tributário

Nacional; do art. 1º da Lei nº 9.873/99; do art. 1º da Lei nº 6.838/80; e do art. 46 da Lei nº 12.529/2011;

f) o STJ já estaria decidindo dessa forma (Resp. 894.539/PI);

g) liminar em mandado de segurança no STF – Relator Min. Luís Roberto Barroso – entendeu

plausível a incidência do prazo prescricional quinquenal às multas aplicadas pelo TCU (MS 32.201/DF).

8. Convém salientar que as teses anteriormente expostas têm por finalidade, de fato, discutir a

possível mudança do entendimento desta Corte de adotar o prazo de prescrição previsto no Código Civil,

no caso de aplicação de sanções.

9. Com efeito, a terceira tese defendida no Tribunal trata da prescrição decenal, fundada nas

regras gerais estabelecidas no Código Civil para a prescrição da pretensão punitiva no âmbito dos

processos de controle externo, em face da ausência de norma específica. Assim, aplica-se o prazo

prescricional de dez anos, previsto no art. 205 da Lei Civil.

III

10. A existência de diversos posicionamentos sobre a matéria apenas indica o quão relevante e

oportuna é a presente discussão.

11. Nas diversas oportunidades que tive para me pronunciar sobre tão relevante tema, concluí pela

manutenção do prazo decenal do Código Civil, tendo em vista, entre outros aspectos, a estabilidade da

jurisprudência desta Corte.

12. Sobre o uso do Código Civil para extrair a norma jurídica aplicável à prescrição da pretensão

punitiva afeta às relações de Direito Público, entendo que, sem embargo de reconhecer os contornos

próprios de cada disciplina, não se pode delimitar de forma estanque as esferas entre Direito Civil e

Direito Administrativo, Direito Público e Direito Privado. Nesse sentindo, para alguns doutrinadores, a

crescente constitucionalização do Direito Civil (expoente do Direito Privado) e do Direito

Administrativo (expoente do Direito Público) contribui para a dificuldade, em qualificadas dimensões, na

contraposição pura e simples entre Direito Público e Privado.

13. Com efeito, nem tudo que está dentro do Código Civil é propriamente, ou exclusivamente,

matéria de Direito Civil. Não se pode olvidar que o CC/2002 também dispõe de matérias consideradas

de cunho administrativo, tais como: conceituação de pessoa jurídica de direito público (arts. 40 e 41);

responsabilidade civil de pessoa jurídica de direito público (art. 43); fundações (art. 62 e seguintes);

bens públicos (art. 98 e seguintes); desapropriação (art. 1.275, inciso V, considerada como causa de

perda da propriedade imóvel); as restrições ao uso anormal da propriedade (art. 1.277 e seguintes); a

passagem forçada (art. 1.285); a imposição de passagem de cabos e tubulações (art. 1.286); a regulação

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

das águas e questão dos aquedutos (art. 1288 e seguintes); a limitação entre prédios (art. 1.297) e o

direito de construir (art. 1299 e seguintes).

14. Da mesma forma, diversos institutos do Direito Civil são corriqueiramente utilizados pelo

Tribunal, inclusive em sua atuação sancionadora, a exemplo da solidariedade passiva (arts. 275 a 285

do CC/2002) e da desconstituição da personalidade jurídica de empresas (art. 50 do CC/2002).

15. Desta forma, data vênia, não se mostra despropositado ou inadequado utilizar a disciplina do

Código Civil para se estabelecer prazo prescricional aplicável ao TCU.

16. O instituto da prescrição é tratado na Parte Geral do Código Civil. Mais especificamente, o

art. 205 do CC/2002 dispõe:

‘A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.’

17. Assim, percebe-se que o prazo geral estabelecido foi o de dez anos.

18. Entretanto, normas específicas podem fixar outros prazos. É nesse contexto que se enquadram

todas as citadas normas específicas (Lei nº 8.429/92; Lei nº 8.112/90; Decreto nº 20.910/32; Lei nº

9.873/99; etc.). Todas têm em comum o fato de terem fixado seus prazos prescricionais em cinco anos.

19. Como a nossa Lei Orgânica não fixou prazo para a prescrição, nesse caso vale o prazo fixado

na lei geral, ou seja, o CC/2002.

20. Assim, não se pode falar em lacuna legislativa e consequentemente em integração por meio de

analogia. O prazo prescricional existe e está fixado em norma geral. Caso existisse norma específica

prevendo a prescrição da pretensão punitiva do Tribunal, o prazo seria o fixado por essa lei específica.

21. Nesse ponto é importante ressaltar que a aplicação do prazo previsto no Código Civil não se dá

pelo uso da analogia, mas sim, pela incidência direta da norma prevista no seu art. 205. Com efeito,

entendo que não seria possível a fixação de prazo prescricional por meio de analogia ou de

jurisprudência, dada a reserva legal para a disciplina da matéria.

22. Sobre o precedente do STJ citado, entendo que tal decisão é isolada e não enfrentou de forma

direta a questão da prescrição da pretensão punitiva do TCU. Verifico que a questão principal discutida

em muitos dos julgados do STJ diz respeito à prescrição da ação de ressarcimento, sendo que a

prescrição do exercício da pretensão punitiva do TCU foi abordada, em essência, de maneira incidental.

23. Assim, com as devidas vênias, considero que a análise da matéria no aludido precedente do

STJ, que tratou incidentalmente a questão fulcral debatida nos presentes autos, não possui o condão de

ensejar a reforma da jurisprudência majoritária do TCU sobre o assunto.

24. No caso do STF, a decisão proferida no MS 32.201/DF, da relatoria do E. Ministro Luís

Roberto Barroso, deu-se em sede de liminar ainda não apreciada no Plenário daquela Egrégia Corte.

Ademais, tal decisão, por não possuir efeitos erga omnes, vale apenas para aquele caso concreto, não

vinculando o Tribunal.

IV

25. Outras questões igualmente relevantes me fazem concluir pela adoção da prescrição decenal.

26. Observo que o prazo de dez anos se harmoniza com outro normativo do Tribunal que

estabelece a dispensa de TCE quando houver transcorrido prazo superior a dez anos entre a data

provável de ocorrência do dano e a primeira notificação dos responsáveis pela autoridade

administrativa competente (art. 6º, IN/TCU nº 71/2012).

27. Acaso adotado o prazo de cinco anos, acontecerá de várias Tomadas de Contas Especiais já

darem entrada sem a possibilidade de o TCU exercer sua função punitiva naqueles processos. Por certo

o Tribunal poderia alterar a citada IN nº 71/2012, reduzindo o prazo para cinco anos. Entretanto, à luz,

entre outros aspectos, da realidade histórica da atuação desta Corte, não parece que tal medida seria a

que melhor atenderia ao interesse público.

28. Outra questão de suma importância a ser analisada na hipótese de o Tribunal considerar o

lapso temporal de cinco anos como o prazo para a ocorrência da prescrição de sua pretensão punitiva,

refere-se à avaliação das consequências de tal entendimento no tocante à eficiência, eficácia e

efetividade do recurso de revisão interposto pelo MP/TCU, como instrumento processual que permite ao

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Tribunal cumprir sua missão constitucional de apurar a prática de ilícitos administrativos e punir

agentes infratores.

29. Como é cediço, a Lei nº 8.443/92, em seu art. 35, estabelece que de decisão definitiva caberá

recurso de revisão ao Plenário, sem efeito suspensivo, interposto por escrito, uma só vez, pelo

responsável, seus sucessores, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de cinco

anos, fundado nas hipóteses dos incisos I, II ou III.

30. Verifica-se, então, que são coincidentes os prazos previstos na Lei para a interposição do

recurso de revisão e aquele que se pretende fixar para que o Tribunal possa aplicar sanções. Ou seja,

todas as teses com prazo prescricional de cinco anos não se compatibilizam com o prazo previsto para

interposição de eventual recurso de revisão.

31. Assim, por hipótese, após o Tribunal proferir acórdão em que não foi imputada multa ao

gestor, caso o MP/TCU tenha conhecimento de documentos novos suficientes para interposição de

recurso de revisão, por exemplo, passados quatro anos e dez meses, portanto dentro do prazo para o

recurso de revisão, o Tribunal teria que deliberar em, no máximo, dois meses, de modo a não ocorrer a

prescrição de sua pretensão punitiva.

32. Na prática, restaria inviabilizado o recurso de revisão interposto pelo MP/TCU com intuito de

aplicação de penalidades a gestores (multas, inidoneidade, inabilitação para o exercício de cargo em

comissão).

33. Sendo assim, parece claro que a prescrição decenal é a que melhor se compatibiliza com o

prazo legal previsto para interposição do recurso de revisão, que é de cinco anos.

V

34. No que se refere ao termo inicial do lapso prescricional, entendo que deve ser o mesmo que

correntemente é utilizado pelo Tribunal, ou seja, a data da prática do ilícito administrativo.

35. Tal termo a quo fundamenta-se no princípio da actio nata, positivado no art. 189 do CC/2002,

in verbis:

“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição,

nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

36. A adoção do início da contagem do prazo a partir do conhecimento, pelo TCU, dos fatos tidos

como irregulares, data vênia, não deve ser adotado, tendo em vista a possibilidade de se estender por

prazo indeterminado a pretensão punitiva do Tribunal, afrontando a segurança jurídica.

37. No que se refere à interrupção do prazo prescricional e ao momento do reinício da contagem

do prazo, também entendo que deve ser mantida a sistemática atualmente vigente, qual seja, a

predominância da tese que considera a citação (ou a audiência) válida como causa interruptiva, com o

recomeço da contagem do prazo a partir da data do ato que interrompeu a prescrição (a citação ou a

audiência), em conformidade com o art. 202, parágrafo único, do Código Civil.

VI

38. Entendo que ao apreciar essa questão, que reconheço ser relevante, deve o Tribunal prestigiar

a solução que traga mais segurança jurídica aos jurisdicionados, proteja o interesse público e seja

simples e de fácil aplicação e entendimento por todos os interessados.

39. Note-se, a propósito, que esta Corte adota a prescrição decenal há décadas e não vislumbro, no

cenário atual, nenhum motivo, seja de natureza doutrinária, seja de natureza jurisprudencial, para

alteração tão brusca desse entendimento, mormente quando não há qualquer incompatibilidade jurídica

na solução adotada.

40. Considero que a manutenção da prescrição decenal é a solução que melhor atende aos

parâmetros da segurança jurídica, do interesse público, da simplicidade e facilidade de aplicação e

entendimento por todos os interessados.

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19

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

41. Reafirmo não ser adequada a aplicação de uma analogia sui generis, ou seja, selecionar

algumas partes de várias leis administrativas, de modo a criar uma norma que regulamente a prescrição

da pretensão punitiva no TCU. Nessa situação, estaria o Tribunal atuando indevidamente como

legislador positivo.

42. Ressalto que a aplicação das disposições do Código Civil dá-se por incidência direta dessa

norma aos casos em análise no TCU. Não se trata de analogia, visto não existir nenhuma lacuna a ser

integrada. A matéria de prescrição da pretensão punitiva do TCU é disciplinada por Lei (mesmo que

geral), nos termos exigidos pela nossa Constituição Federal. Importante registrar também que não há

qualquer incompatibilidade entre esse regramento e os processos no Tribunal.

43. Em suma, de acordo com a disciplina legal do CC/2002, a pretensão punitiva do TCU:

prescreve em 10 anos; tem como termo inicial a data do fato; é interrompida uma única vez com a

citação/audiência; reinicia sua contagem a partir da data do ato que a interrompeu.

44. Ante todo o exposto, o Ministério Público de Contas junto ao TCU, por intermédio de seu

Procurador-Geral, considerando que a questão sob exame não contempla integração analógica, visto

não existir nenhuma lacuna legal a ser integrada; considerando os imperativos da segurança jurídica e

do respeito ao interesse público primário; considerando que os fundamentos dos precedentes judiciais

mencionados não possuem o condão de alterar o entendimento predominante no TCU, tendo em vista

que não há uma posição firmada no âmbito do Poder Judiciário, em especial no âmbito do Supremo

Tribunal Federal, sobre o caso específico tratado nestes autos; manifesta-se no sentido de que continue a

ser adotado, para fins de aplicação de penalidades, no exercício do controle externo, a responsáveis que

cometam irregularidades na gestão de recursos públicos federais, o prazo de prescrição decenal a

contar da data da ocorrência do fato, previsto no Código Civil Brasileiro.”

É o Relatório.

VOTO

I

Preliminarmente, cabe louvar o excelente trabalho desenvolvido pelos eminentes Ministros que

apresentaram Declarações de Voto, bem como pelo douto Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin,

ressaltando que suas manifestações acerca de matéria deveras tormentosa prezam pela excelente

qualidade e precisão.

2. Avalia-se nesta oportunidade incidente de uniformização de jurisprudência instaurado para

retomar as discussões acerca do prazo prescricional das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas da

União.

3. Inicialmente a matéria estava sendo tratada nos processos TC 007.822/2005-4 e

TC 011.101/2003-6, ambos de minha relatoria. Todavia, diante da importância do tema e da notória

divergência jurisprudencial, consignada inclusive nos Votos Revisores apresentados em ambos, entendi

que estavam presentes os requisitos para que este Tribunal instaurasse incidente de uniformização de

jurisprudência, nos termos do art. 91 do Regimento Interno do TCU.

4. De fato, o incidente permite que a matéria seja apreciada de forma isolada e exauriente, distante

das demais questões factuais que, rotineiramente, são submetidas à apreciação do TCU nos casos

concretos. Dessa forma, o Tribunal proferirá uma única deliberação, abordando o tema da prescrição da

pretensão punitiva em tese, cujo entendimento servirá não somente para o exame dos dois processos

mencionados, mas também de todos os processos em que se vislumbrar a aplicação de sanção.

5. Antes de passar ao exame das principais nuances que envolvem o instituto da prescrição no

âmbito do TCU, convém esclarecer que as discussões aqui travadas não dizem respeito ao débito, dado

que este possui natureza jurídica completamente distinta das sanções. Lembro que o ressarcimento ao

erário é imprescritível, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição, da Súmula TCU 282 e da reiterada

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20

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (MS 26210/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, j.

4/9/2008, DJe 9/10/2008, dentre outros).

6. Superada a questão, entendo que este incidente deve examinar as seguintes controvérsias

envolvendo a prescrição: a) o poder-dever sancionador deste Tribunal submete-se a uma limitação

temporal?; b) diante da omissão legislativa acerca dos prazos prescricionais aplicáveis às sanções

previstas na Lei 8.443/1992, poderia o TCU deixar de apreciar alegação dos jurisdicionados acerca da

perda do poder punitivo no caso concreto?; c) em sendo prescritíveis as sanções do TCU, as atividades de

controle externo estariam sujeitas a quais normas?; d) qual seria o termo inicial da contagem do curso

prescricional?; e) incidiriam causas de interrupção e de suspensão?;e f) sendo afirmativa a pergunta

anterior, quais seriam essas causas?

II

7. Passo ao exame da primeira questão.

8. Criado com a finalidade de impor regras aplicáveis a todos os atores sociais, o Estado do Direito

tem como um de seus pilares centrais a segurança jurídica, que, no caso do direito de ação, tem como

consectário as regras prescricionais. Almeja-se, com o instituto da prescrição, a estabilização das relações

sócio-jurídicas em face da inércia do detentor original do direito. A imprescritibilidade, por se opor à

ideia de segurança jurídica, é exceção, sendo admitida em direito apenas quando expressamente prevista e

autorizada na Constituição ou na lei, o que não é o caso em exame.

9. Exemplos podem ser citados. Na seara reparatória, a Constituição Federal consignou

expressamente que as ações de ressarcimento ao erário são imprescritíveis (art. 37, § 5º). Indo para as

sanções, a mesma Carta admitiu a imprescritibilidade apenas para sanções decorrentes dos crimes de

racismo (art. 5º, inciso XLII) e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional

e o Estado Democrático (art. 5º, inciso XLIV). O fato de a Constituição ter dito expressamente quais

ações seriam imprescritíveis faz presumir, a contrário senso, a regra geral da prescritibilidade.

10. A mesma conclusão também é obtida por outros métodos interpretativos. Por entender a

Constituição como um conjunto de regras e princípios formadores de um todo harmônico, deve-se extrair

de seus dispositivos uma leitura que busque conferir maior efetividade às normas constitucionais. Assim,

interpretar que a falta de lei expressa torna imune, à ação do tempo, o poder sancionador não se coaduna

com diversos princípios constitucionais, tais como a segurança jurídica, a celeridade processual, a

eficiência administrativa, o devido processo legal, a razoabilidade, dentre outros tantos.

11. Portanto, a ausência de previsão legislativa acerca do prazo prescricional aplicável às sanções

do TCU não significa o silêncio eloquente do legislador, a ponto de justificar a imprescritibilidade das

sanções aplicadas em processos de controle externo. Nas palavras do Exmo. Ministro do Supremo

Tribunal Federal Luis Roberto Barroso:

“O fato de não haver uma norma dispondo especificamente acerca do prazo prescricional, em

determinada hipótese, não confere a qualquer pretensão a nota da imprescritibilidade. Caberá ao

intérprete buscar no sistema normativo, em regra através da interpretação extensiva ou da analogia, o

prazo aplicável.

Com efeito, o argumento de que o tema da prescrição seria de “direito estrito”, não admitindo por

isso analogia, não tem fundamento”. (BARROSO, Luis Roberto. A prescrição administrativa no direito

brasileiro antes e depois da lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de

Atualização Jurídica, v. 1, nº. 4, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em:

30/1/2014)

12. Acredito que a solução para o problema passa pela integração jurídica. É assim porque as

normas de Direito Público adotam, tanto a favor da administração, como contra ela, o prazo prescricional

quinquenal. Nos tópicos seguintes tratarei com mais detalhes a temática, oportunidade em que

mencionarei diversas normas aplicáveis às relações jurídicas com o poder público, além de trazer excertos

das obras de importantes doutrinadores brasileiros e de julgado de Tribunal Superior.

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21

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

13. Aliás, a atividade de integração não é estranha ao aplicador do direito, precipuamente diante da

usual incompletude das normas jurídicas e do princípio da indisponibilidade da jurisdição, que obriga o

magistrado, in casu, o julgador de Contas, a dizer o Direito mesmo nos casos em que o texto jurídico não

é expresso.

14. Ainda sobre a imprescritibilidade, a tese de que o art. 37, § 5º, da CF abarcaria as multas

impostas pelo TCU implica a conclusão de que todas as sanções impostas por esta Corte de Contas

inserem-se no âmbito de uma ação de ressarcimento, o que não é o caso, dada a natureza jurídica distinta

das sanções. Enquanto aquela visa recompor o patrimônio da pessoa jurídica de direito público que sofreu

o prejuízo, estas têm caráter nitidamente punitivo e, portanto, pedagógico. Repise-se: as multas não

possuem natureza ressarcitória e não podem ser vistas como substitutas do débito para fins da efetivação

do ressarcimento ao erário.

15. Diferentemente do Min. Walton Alencar Rodrigues, não vejo discricionariedade na fixação do

prazo prescricional, sobretudo porque, como já afirmado, a melhor integração jurídica fatalmente

conduzirá ao lapso quinquenal. Tampouco noto enfraquecimento do controle externo, causado por uma

suposta autolimitação de poderes, pois, por dever de coerência com as demais normas de Direito Público

atinentes à matéria, dificilmente o legislador ordinário instituiria prazo diverso para processos de controle

externo.

16. Sendo assim, respondendo à primeira pergunta posta, tenho que o poder-dever sancionador

deste Tribunal submete-se a uma limitação temporal. Isto é, o TCU deve observar um prazo determinado

para imputar sanções aos responsáveis - tais como as multas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei 8.443/1992

-, sob pena de, não observando essa limitação temporal, violar o princípio da segurança jurídica, da

celeridade processual, do devido processo legal, da razoabilidade, além de não permitir a consolidação

das relações sociais.

III

17. Inicio este tópico afirmando que a Lei 8.443/1992 não tratou da prescrição no âmbito do TCU.

Ocorre que a jurisdição estabelecida na CF/88 para a apreciação das contas impede que o Tribunal deixe

de apreciar essa matéria, sobretudo quando questionado pelos jurisdicionados. Deve o TCU, mesmo

diante de uma nítida omissão legislativa, dizer o direito, sob pena de, não o fazendo, reintegrar preceito

do Direito Romano do non liquet, há muito superado pela sociedade moderna. O art. 140 do Novo

Código de Processo Civil, por exemplo, diz que o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna

ou obscuridade do ordenamento jurídico.

18. Ainda que assim não se entenda, ou seja, que tal omissão só possa ser saneada pelo E. STF ou

pelos demais órgãos do Poder Judiciário via mandado de injunção, destaco a existência de diversas ações

anulatórias e mandados de segurança, em curso perante todas as instâncias do Poder Judiciário, que

reconhecem a prescrição quinquenal às sanções aplicadas pelo TCU. Portanto, embora com fundamentos

jurídicos diversos, a conclusão chegaria a um ponto comum, qual seja, a integração da lacuna jurídica

utilizando normas de Direito Público.

19. Interpretar a omissão legislativa como fator impeditivo para eventual reconhecimento da

prescrição dos ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, implica afirmar a

imprescritibilidade, vedada pela Carta Maior, bem como equiparar as punições às ações de ressarcimento.

Rememoro que a sanção e o débito têm naturezas jurídicas distintas. Ademais, a prescrição é a regra e a

imprescritibilidade, exceção, ou seja, depende de previsão expressa.

IV

20. Partindo-se da premissa de que as punições do TCU estão sujeitas a um prazo prescricional,

deve-se buscar no ordenamento jurídico brasileiro as normas que mais se aproximam das atividades de

controle externo.

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22

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

21 De início, anoto que nenhuma das posições defendidas – prescrição quinquenal por analogia a

diversas normas de Direito Público e prescrição decenal com base no Código Civil - foge aos padrões da

razoabilidade. A questão é controversa, mormente pela falta de disposição legal específica a regular o

instituto da prescrição nos processos de controle externo.

22. Reconheço que a jurisprudência majoritária desta Corte propugna pela aplicação dos prazos

prescricionais estabelecidos pelo Código Civil, tese essa também defendida pelos nobres Ministros

Walton Alencar Rodrigues e Bruno Dantas, bem como pelo E. Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin.

Cito, nesse sentido, os Acórdãos 1.803/2010–Plenário, 510/2005–Plenário, 2.495/2005–1ª Câmara,

3.036/2006–1ª Câmara, 2.011/2007–1ª Câmara, 53/2005–2ª Câmara, 3.132/2006–2ª Câmara, dentre

tantos outros.

23. Não vejo problemas em revisitar matérias até então pacíficas neste Tribunal. Como assevera o

filósofo alemão Hans-Georg Gadamer “uma interpretação definitiva parece ser uma contradição em si

mesma. A interpretação é algo que está sempre a caminho, que nunca se conclui.” (GADAMER, Hans-

Georg. A razão na época da ciência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p. 71).

24. Nesse sentido, deve-se ressaltar o caráter dinâmico da atividade hermenêutica, a qual, na busca

do escorreito sentido das proposições normativas ou da norma jurídica adequada à solução de uma lacuna,

é incapaz de oferecer respostas definitivas e atemporais aos problemas com que se depara.

25. Na mesma linha, a introdução de regras jurídicas em um sistema jurídico exige, sobretudo em

decorrência de construções doutrinárias e jurisprudenciais, por dever de coerência e completude do

ordenamento jurídico, o constante esforço de harmonização entre os diversos textos normativos

integrantes do sistema.

26. Segundo o filósofo italiano Emilio Betti:

“Na verdade, uma completude semelhante deve ser projetada não como um pressuposto e um ponto

de partida, mas, eventualmente, como um ponto de chegada ideal e uma meta, nunca definitivamente

atingida, do processo interpretativo. O complexo unitário da ordem jurídica deve ser continuamente

reelaborado e aprofundado por ocasião de cada norma: pois relacionar a norma à totalidade do sistema

já significa reformar sua unidade e renovar a integração, encontrando de cada norma a razão suficiente

e removendo as desarmonias”. (BETTI, Emílio. Interpretação da Lei e dos atos jurídicos. São Paulo:

Martins Fontes, 2007, p. LXIV).

27. Sendo assim, no esforço de contribuir para a evolução da matéria no âmbito deste Tribunal,

julgo que o debate jurídico trazido aos autos acerca da prescrição da pretensão punitiva em processo de

controle externo deve ser objeto de especial atenção, haja vista a importância da matéria e a existência de

correntes doutrinárias divergentes, tanto no âmbito desta Corte quanto no Poder Judiciário.

28. Após melhor refletir sobre a matéria, cheguei à conclusão de que o prazo decenal previsto no

Código Civil visa regulamentar relações eminentemente privadas. Por consequência, não caberia extrair

do art. 205 do Código Civil (“A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo

menor”) a moldura jurídica do prazo prescricional do poder-dever de sancionar do TCU. Ou seja, essa

solução jurídica residual deveria ser aplicada somente para o direito de ação de relações privadas não

estabelecidas no Código Civil ou em lei específica.

29. Diferentemente do Direito Privado, as relações de Direito Administrativo são assimétricas, não

sendo as partes iguais, tampouco existindo um regime de comutatividade. De um lado está o Estado com

suas potestades e, do outro, o administrado, que se submete ao poder estatal. Dessa forma, a importação

das normas de Direito Civil não se faz de forma automática, cabendo ao aplicador do direito promover

um juízo de ponderação e de proporcionalidade.

30. Esta é a razão pela qual os ordenamentos jurídicos tendem a estabelecer prazos menores em

desfavor do Poder Público. O prazo quinquenal aplicável às relações jurídicas com o poder público, ainda

que se considere pequeno se comparado com o previsto no Código Civil (dez anos), é maior que o de

países europeus e o dos Estados Unidos. Em estudo já citado neste Voto, o Ministro Barroso expõe:

“Mesmo fugindo da comparação com o sistema anglo-saxão, que adota prazos notadamente mais

exíguos, o direito comparado revela que, na França, por exemplo, a regra é a prescrição administrativa

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

quadrienal. E, na Itália, a média é de três anos”. (BARROSO, Luis Roberto. Ob. Cit. Salvador, CAJ -

Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 4, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>.

Acesso em: 30/1/2014)

31. Reitero: o Código Civil destina-se às relações de cunho eminentemente privado e só deve ser

aplicado nos processos de controle externo de forma supletiva, quando não houver normas aplicáveis à

relação do Estado com os cidadãos/administrados. Ao definir a sistemática de cumprimento das

declarações de inidoneidade (espécie de sanção), em especial quando houver cumulação de medidas

aplicadas pelo TCU, esta Corte valeu-se da analogia com outra codificação do direito público (Código

Penal). Vide trecho da parte dispositiva do Acórdão 348/2016-Plenário:

“9.2.4. a cumulação de mais de uma sanção de declaração de inidoneidade, cominada à mesma

licitante, com fundamento no artigo 46 da Lei 8.443/1992, está temporalmente limitada, em seu conjunto,

ao total de cinco anos, tendo por base a aplicação analógica da regra estampada nos §§ 1º e 2º do art.

75 do Código Penal Brasileiro, de sorte que sobrevindo nova condenação:

9.2.4.1. por fato posterior ao início do cumprimento da punição anterior, far-se-á nova unificação,

somando-se o período restante da pena anterior com a totalidade da pena posterior, desprezando-se,

para esse fim, o período de pena já cumprido; e

9.2.4.2. por fato anterior ao início do cumprimento da punição anterior, deve ser lançada no

montante total já unificado.”

32. Do exame do conjunto de normas existentes acerca do assunto, observo que prepondera, no

sistema do Direito Público, o prazo prescricional de cinco anos para a imposição de multas de natureza

administrativa. Nesse sentido, menciono o Decreto 20.910/1932, para a cobrança de dívidas passivas da

União, Estados, Distrito Federal e Municípios; a Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), para a

cobrança de crédito tributário; a Lei 6.838/1980, para a sanção disciplinar de profissional liberal, aplicada

por órgão profissional competente; a Lei 8.112/1990, para a ação disciplinar contra servidor público que

culmine a pena de demissão; a Lei 8.429/1992, para as ações destinadas à aplicação das sanções expressas

nessa lei, no caso de detentores de cargos e empregos públicos; a Lei 9.873/1999, no caso da pretensão

punitiva da administração no exercício do poder de polícia; a Lei 12.529/2011, para as ações punitivas da

administração pública federal, direta e indireta objetivando apurar infrações da ordem econômica e a

recente Lei 12.846/2013, para a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática

de atos contra a administração pública.

33. Vejo que o prazo de cinco anos é paradigmático para poder público, como pode também ser

observado na Lei 9.784/1999, que fixa em 5 anos o prazo decadencial da administração para anular os

atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, e como se deduz da própria

Lei Orgânica do TCU, que estabelece o mesmo prazo para o Ministério Público apresentar de ofício

recurso (de revisão) contra as decisões do Tribunal.

34. Retomando, embora as regras jurídicas listadas refiram-se à matéria distinta da atividade de

controle externo, creio que o tratamento uniforme acerca da matéria permite vislumbrar uma

incontestável inclinação do Direito Público no sentido de fixar o prazo prescricional de cinco anos para a

aplicação de sanções aos administrados e para a União ser cobrada pelas suas dívidas. Por essa primeira

razão, parece-me despropositado utilizar a disciplina do Código Civil para extrair a norma jurídica

aplicável à prescrição da pretensão punitiva afeta às relações de Direito Público.

35. No mesmo diapasão, colho a seguinte doutrina da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Não há regra alguma fixando genericamente um prazo prescricional para as ações judiciais do

Poder Público em face do administrado. (...) Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não

é a analogia com o Direito Civil, visto que, sendo as razões de Direito Público, posto que, sendo as

razões que o informam tão profundamente distintas que inspiram as relações de Direito Público, nem

mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte”. (MELLO, Celso Antônio

Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, p. 1033).

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

36. Ainda segundo o referido administrativista:

“Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em

regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando

reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal

explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que

concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações. (...) Isto

posto, estamos em que, faltando regra específica que disponha de modo diverso (...), o prazo para a

Administração proceder judicialmente contra eles [administrados] é, como regra, de cinco anos (...)”.

(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. Cit., p. 1034-1035).

37. O mesmo raciocínio é desenvolvido por Hely Lopes Meirelles, cujo excerto transcrevo a seguir:

“(...) quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos,

à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910⁄32), das punições

dos profissionais liberais (Lei 6.838⁄80) e para cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174)”.

(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.

654).

38. O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou nesse sentido, verbis:

“ADMINISTRATIVO. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. DANO AO ERÁRIO.

RESSARCIMENTO. IMPRESCRITIBILIDADE. MULTA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ART. 1º DA

LEI 9.873/1999. INAPLICABILIDADE.

1. A pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao Erário é imprescritível. Por decorrência

lógica, tampouco prescreve a Tomada de Contas Especial no que tange à identificação dos responsáveis

por danos causados ao Erário e à determinação do ressarcimento do prejuízo apurado. Precedente do

STF.

2. Diferente solução se aplica ao prazo prescricional para a instauração da Tomada de Contas no

que diz respeito à aplicação da multa prevista nos arts. 57 e 58 da Lei 8.443/1992. Em relação à

imposição da penalidade, incide, em regra, o prazo qüinqüenal.

3. Inaplicável à hipótese dos autos o disposto no art. 1º da Lei 9.873/1999, que estabelece que, nos

casos em que o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição

reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. Isso porque a instância de origem apenas consignou que as

condutas imputadas ao gestor público não caracterizavam crime, sendo impossível depreender do

acórdão recorrido a causa da aplicação da multa. Dessa forma, é inviável, em Recurso Especial,

analisar as provas dos autos para verificar se a causa da imputação da multa também constitui crime

(Súmula 7/STJ).

4. Recursos Especiais parcialmente providos para afastar a prescrição relativamente ao

ressarcimento por danos causados ao Erário”.

(REsp 894.539/PI, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em

20/08/2009, DJe 27/08/2009)

39. A discussão sobre as limitações temporais ao poder sancionador do TCU também está sendo

travada no Mandado de Segurança 32.201/DF, em tramitação no Supremo Tribunal Federal. O Relator,

Exmo. Min. Luís Roberto Barroso, deferiu a liminar pleiteada e determinou a suspensão da exigibilidade

da multa a que foi condenado o impetrante, por entender que a prescrição quinquenal havia ocorrido no

caso concreto. Transcrevo trecho da decisão monocrática:

“No entanto, como já defendi em estudo sobre o tema (‘A prescrição administrativa no direito

brasileiro antes e depois da Lei nº 9.873/99’, in: Temas de direito constitucional, tomo I, 2ª ed., 2006, p.

495-532), o direito administrativo tem autonomia científica, razão pela qual não há nenhuma razão

plausível pela qual se deva suprir a alegada omissão com recurso às normas de direito civil, e não às de

direito administrativo.

Como se sabe, o prazo prescricional referencial em matéria de direito administrativo é de cinco

anos, seja contra ou a favor da Fazenda Pública, como decorrência de um amplo conjunto de normas:

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Decreto nº 20.910/32; CTN, arts. 168, 173 e 174; Lei nº 6.838/80, art. 1º; Lei nº 8.112/90, art. 142, I; Lei

nº 8.429/92, art. 23; Lei nº 12.529/2011, art. 46; entre outros”.

40. Dando continuidade ao processamento do mandamus, parecer da Procuradoria-Geral da

República opinou pela concessão da ordem, ao reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do TCU. A

posição externada coincide com a do Min. Barroso, ou seja, afasta a aplicação do Código Civil e utiliza a

analogia com outras normas de Direito Público.

41. Os Tribunais Regionais Federais também estão inclinados a utilizar o prazo quinquenal. Ao

apreciar a apelação de ex-Prefeito de São Miguel de Taipu/PB, que pedia a desconstituição do Acórdão

TCU 755/2012-1ª Câmara, que julgou irregulares as contas do responsável, condenou-o em débito e

aplicou-lhe a multa do art. 57 da Lei 8.443/1992, a Quarta Turma do TRF-5 decidiu, à unanimidade,

negar provimento ao recurso. No entender do Relator, Desembargador Federal Bruno Teixeira de Paiva, é

indiscutível a aplicação do prazo quinquenal de prescrição para a cobrança da multa (AC 562574/PB, Rel.

Des. Federal Bruno Teixeira, Quarta Turma, j. 01/10/2013, DJe 03/10/2013). A Quinta Turma do TRF-1

também partilha do mesmo entendimento (AC 00041702920104014000, Rel. Des. Souza Prudente, j.

19/02/2014, DJe 11/03/2014).

42. Vejo que essas decisões judiciais não configuram casos isolados, pois com frequência

magistrados de 1º grau reafirmam o prazo quinquenal quando da apreciação dos processos de execução

das deliberações desta Corte. Na primeira oportunidade em que apresentei a tese aqui defendida (TC

021.540/2010-1), tratava-se de representação formulada pela Consultoria Jurídica deste Tribunal,

motivada, dentre outras razões, por essas sentenças proferidas por juízes da 1ª instância, que, em face da

experiência dessa Unidade Técnica no acompanhamento jurisprudencial do Poder Judiciário, propunha a

esta Corte a adoção do prazo de cinco anos para a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.

43. Em resumo, vejo que a tese central assumida pelos doutrinadores Celso Antônio Bandeira de

Mello e Hely Lopes Meirelles, pelos julgados do STJ, do TRF-1 e do TRF-5, pela decisão monocrática de

Ministro do E. STF e pelas sentenças de 1º grau se apoia na utilização do prazo quinquenal, em vez do

prazo geral de 10 anos estabelecido no Código Civil, sob o argumento de que a perda do direito punitivo

pode ser extraída de normas reguladoras do próprio Direito Público – especificamente do Direito

Administrativo. Por outro lado, o entendimento até então adotado pelo TCU assenta-se na inaptidão da

aplicação das prescrições das Leis 9.873/1999 e 9.784/1999 e do Decreto 20.910/1932 à atividade de

controle externo, o que impõe o uso da regra residual do Código Civil, à falta de disposição específica

sobre o tema.

44. Dessa forma, tomando por base os princípios da unidade e coerência do ordenamento jurídico,

parece-me que o prazo prescricional de 5 anos para imposição de sanção pelo TCU é a solução mais

acertada ante a falta de lei específica. Renovando mais uma vez as vênias por discordar dos Ministros

Walton Alencar Rodrigues e Bruno Dantas, seria um contrassenso admitir que as sanções aplicadas pelo

TCU estariam sujeitas à prescrição decenal.

45. Nesse particular, compreendo que a utilização do instituto da analogia, como técnica de

integração de lacunas, requer a busca de textos normativos que disponham sobre fatos similares ao que se

busca decidir, o que, diante da noção de unidade e coerência do ordenamento jurídico, impõe a adoção de

disposições pertencentes ao mesmo sistema jurídico da norma a ser editada.

46. Por esse motivo, entendo que a utilização das regras do Código Civil para a definição do prazo

prescricional aplicável à sanção aplicada pelo TCU no exercício da atividade de controle externo não

constitui procedimento adequado, haja vista a absoluta diferença entre os fatos abarcados pelo espaço de

incidência daquela regra jurídica – de natureza eminentemente privada – e os inerentes à relação de

direito público travada entre a União e os administrados, no âmbito dos processos do TCU.

47. Evoluindo entendimento anteriormente esposado em outras situações, devo admitir que a falta

de disposição legal a respeito do tema na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) implica extrair-se do

próprio Direito Administrativo, dada a sua independência científica, as bases para a integração dessa

lacuna, que impacta diretamente o poder sancionador desta Corte de Contas. Seguindo tal raciocínio,

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

penso que se há prazo próprio em ramo autônomo do Direito Público não há porque se insistir no uso, por

meio da analogia, de norma essencialmente disciplinadora das relações jurídicas privadas.

48. Com espeque nessas considerações, fazendo uso de tal critério de integração, entendo que o

prazo prescricional para que o TCU aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve mesmo ser

o de cinco anos, conforme previsto em diversas normas de direito público, a exemplo do art. 23 da Lei de

Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do

Decreto 20.910/1932, do art. 174 do Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999, do art. 1º

da Lei 6.838/1980, do art. 46 da Lei 12.529/2011 e do art. 25 da Lei 12.846/2013.

49. Além das questões de fato e de direito aqui expostas, não se pode esquecer que o Poder

Judiciário reconhece a incidência do prazo prescricional de 5 anos às multas aplicadas pelo TCU. Por

mais que a separação dos Poderes acarrete a independência das instâncias, decidir na contramão do

Judiciário implicará a multiplicação de ações e de recursos judiciais questionando a legalidade dos

acórdãos desta Corte de Contas.

V

50. Mesmo tomando-se como parâmetro as normas de Direito Público, concordo com o Min. Weder

de Oliveira quando afirmou, ao disponibilizar sua Proposta de Deliberação no TC 018.184/2014-6

(pendente de apreciação), que as legislações estabelecem diferentes termos iniciais para a prescrição.

Enquanto as ações punitivas da administração pública federal, direta e indireta, objetivando apurar

infrações da ordem econômica iniciam a contagem a partir da data da prática do ilícito (art. 46 da Lei

12.529/2011), para os atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, praticados pelas

pessoas jurídicas, o prazo é contado da data da ciência da infração (art. 25 da Lei 12.846/2013).

51. Na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), a solução depende da natureza jurídica

do vínculo que o agente mantém com a Administração Pública: se detentor de mandato, cargo em

comissão ou de função de confiança, as ações devem ser propostas em cinco anos após o término do

vínculo; nos casos de cargo efetivo ou emprego, inicia-se com a data do conhecimento do fato.

52. Apesar disso, acredito existir uma regra geral, aplicável quando as legislações não estabelecem

o contrário, segundo a qual a contagem do prazo prescricional tem início quando a violação do direito é

conhecida pela autoridade competente para exigir o cumprimento da obrigação (princípio da actio nata).

Ora, se a prescrição é a inércia do titular do direito em não exercer sua pretensão, não me parece razoável

que haja contagem do prazo anterior ao conhecimento do fato por parte da autoridade competente para

punir.

53. Pensar de forma diversa induz, a meu ver, comportamentos não desejados por parte de agentes

públicos e dos demais jurisdicionados, na medida em que estimularia gestores e terceiros a ocultarem suas

falhas para que, após certo tempo, se beneficiassem pela extinção de punibilidade. Haveria, nessa

hipótese, desrespeito ao princípio geral de direito segundo o qual ninguém pode se beneficiar da própria

torpeza.

54. Esse entendimento, a meu ver, é o que melhor se ajusta aos demais princípios do ordenamento

jurídico, dentre os quais destaco o da economicidade. Lembro que não é possível, por parte do TCU,

promover o controle concomitante de cada ato administrativo praticado pelos agentes públicos, de forma

que, por vezes, as irregularidades só são conhecidas após a consumação deles.

55. Não se pode perder de vista que o entendimento aqui exposto também constitui a regra quando

se está diante da apuração dos atos lesivos praticados contra a administração pública. É o caso, por

exemplo, da Lei Anticorrupção, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União e da Lei de

Improbidade Administrativa, quando o agente infrator ocupa cargo efetivo ou emprego.

56. Esse argumento já foi utilizado pelo Tribunal Regional da 5ª Região, como pode ser visto no

seguinte excerto:

“(...) 7. O termo inicial conta-se do conhecimento dos fatos pelo TCU, o que se deu em 14.04.2009,

data da autuação do processo TCE nº 009.800/2009-9, tendo sido proferido o Acórdão do TCU em

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

14.02.2012. Não há, no caso, a ocorrência de prescrição. (...)”(AC 562574/PB, Rel. Des. Federal Bruno

Teixeira, Quarta Turma, j. 01/10/2013, DJe 03/10/2013)

57. O conhecimento do fato pelo TCU também tem sido o parâmetro na apreciação da legalidade

dos atos de concessão de aposentadoria – posição esta ratificada pela jurisprudência consolidada do

Supremo Tribunal Federal. Nos embargos de declaração do MS 25.116/DF (Rel. Min. Teori Zavascki), o

Pretório Excelso afirmou expressamente que “o termo inicial do prazo de cinco anos, após o qual será

obrigatória a instauração de procedimento com ampla defesa e contraditório do ex-servidor junto ao

Tribunal de Contas da União, para efeito de registro de aposentadoria, é a data de recebimento, pelo

TCU, do ato concessivo de aposentadoria”. Apesar de se referir a matéria e a instituto diversos, os

fundamentos utilizados podem ser perfeitamente aplicados no caso em apreciação.

58. Mesmo os titulares de mandato ou os detentores de cargo em comissão ou de função de

confiança, a atuação desses agentes públicos, sob a ótica do TCU, em muito se assemelha aos ocupantes

de cargo efetivo ou emprego. Todos gerem recursos públicos federais e assumem, por isso, o dever de

prestar contas em um prazo pré-determinado, que independe da natureza do vínculo que o agente mantém

com a Administração pública. Não vejo, por isso, razões para diferenciar os temos iniciais do prazo

prescricional, tal como defende o Exmo. Ministro-Substituto Weder de Oliveira.

59. Na Lei de Improbidade, a situação é diversa. No art. 23, inciso I, a Lei 8.429/1992 pretende

impedir, por exemplo, que o titular do mandato se beneficie da sua própria torpeza, desestimulando

eventuais comportamentos para encobrir ilícios praticados durante sua gestão. Dessa forma, entendo que

não estão presentes, no processo de controle externo, razões legítimas para criar essa discriminação.

60. Antes de prosseguir, gostaria de ressaltar que a tese da prescrição quinquenal, a contar do

conhecimento do fato, não prejudica o exercício das prerrogativas conferidas ao Ministério Público junto

ao TCU, em especial a interposição do recurso de revisão. Inicio reafirmando que a competência do

Ministério Público restaria intocada em relação ao débito, dada a natureza imprescritível dele. Cinge a

discussão, portanto, ao recurso que pleiteia a aplicação de multas, a inabilitação para o exercício de cargo

em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública e a declaração de inidoneidade

do licitante fraudador para participar de licitação na Administração Pública Federal.

61. Tal como a ação rescisória, a admissibilidade do recurso de revisão requer o preenchimento de

requisitos específicos expressos na Lei Orgânica e no Regimento Interno, não bastando a mera

insatisfação com a decisão guerreada. Nesse sentido, observo que as hipóteses de cabimento estão

relacionadas, de uma forma geral, a situações não examinadas quando da decisão recorrida.

62. É o caso, por exemplo, de elementos eventualmente não analisados pelo Tribunal que justificam

a reabertura das contas (art. 288, § 2º, do Regimento Interno do TCU), da superveniência de documentos

novos ou da falsidade dos elementos juntados aos autos, contextos nos quais o TCU estaria diante de uma

realidade fático-probatória diversa da existente no julgamento inicial.

63. Portanto, considerando a particularidade do recurso de revisão, entendo que, em relação a esses

novos elementos, o termo a quo do prazo prescricional não poderá ser a data da autuação do processo

originário nesta Corte, mas o momento em que os fatos efetivamente se tornaram conhecidos pelo

Tribunal.

64. Como é cediço, eventual informação ou documento juntado a outro processo pode servir ao

Ministério Público para eventual recurso de revisão, não sendo necessário aguardar o trânsito em julgado

dos autos em que estiver contido. Basta que seja oportunizado o contraditório e a ampla defesa ao gestor a

ser apenado, condição satisfeita mediante citação, audiência ou oitiva.

65. Nesses casos, da mesma forma que no processo originário, a citação, ou a audiência, ou a oitiva

para fins punitivos dos responsáveis interrompe o prazo prescricional, reiniciando a contagem logo após.

A suspensão da contagem temporal também pode ocorrer, nos moldes que serão delineados em tópico

seguinte.

VI

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

66. O próximo assunto a ser tratado corresponde à ocorrência do instituto da interrupção do prazo

prescricional. Nele, percebo alinhamento entre a percepção do Min. Walton Alencar Rodrigues e a minha.

Concordamos quanto à manutenção do entendimento jurisprudencial desta Corte de Contas, segundo o

qual a citação e a audiência válidas interrompem a prescrição para a aplicação da multa, aplicando-se ao

caso a disciplina do art 219 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária no âmbito do Tribunal

(art. 298 do Regimento Interno do TCU. Precedentes: Acórdãos 330/2007-1ª Câmara, 904/2003-2ª

Câmara, 1.555/2005-2ª Câmara, 2.755/2006-2ª Câmara, 474/2011-Plenário e 585/2012 - Plenário).

Destaco que a interrupção só pode ocorrer uma única vez, nos termos do art. 8º do Decreto 20.910/32.

67. Divergimos, porém, acerca do momento do reinício da contagem. O Min. Walton, após

mencionar o processo civil, em que a citação interrompe a prescrição, recomeçando a correr da data do

último ato do processo que a interrompeu, expôs que a realidade do processo no âmbito do TCU seguia

um rito sui generis, com peculiaridades. Como exemplo, ponderou que, diferentemente do processo

judicial, a esta Corte é incumbido não apenas dizer o direito, como dar impulso ao processo, dentre outras

particularidades.

68. Assim, defendeu que, em analogia com o entendimento do STF sobre o processo administrativo

disciplinar previsto na Lei 8.112/90 (MS 22.679/DF, relator ministro Sepúlveda Pertence), o curso da

prescrição será retomado a partir do término do prazo que deveria o TCU decidir sobre determinado

processo. No caso de tomada ou prestação de contas, o reinício da contagem ocorreria ao “término do

exercício seguinte àquele em que estas [as contas] lhe tiverem sido apresentadas” (art. 14 da Lei

8.443/1992).

69. Divirjo do entendimento manifestado pelo Revisor. Não me parece razoável a solução alvitrada,

sobretudo porque o processo de controle externo tem suas particularidades e, na maior parte dos casos,

não existe um prazo pré-definido para julgamento, ao contrário do que ocorre no processo administrativo

disciplinar da Lei 8.112/90 (140 dias).

70. Adotar um prazo que seria “razoável” traz consigo grande subjetividade, que contribuiria para

aumentar a incerteza acerca da ocorrência ou não da prescrição. Por outro lado, reiniciar a contagem

somente após o encerramento do processo no âmbito do TCU, em analogia com o processo civil, também

não me parece a melhor solução, sobretudo porque o atraso no julgamento prejudicaria sobremaneira os

responsáveis e beneficiaria a administração pública, sabedora de que poderá punir enquanto estiver o

processo em andamento. Ressalto também que essa última solução poderia entrar em rota de colisão com

diversos princípios constitucionais, tais como a celeridade processual, a segurança jurídica, o devido

processo legal, a razoabilidade, dentre tantos outros.

71. Assim, entendo, em conformidade com art. 9º do Decreto 20.910/32, que a prescrição

interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu (a citação ou a audiência). São estes os

termos do mencionado dispositivo:

“Art. 9º A prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a

interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo”.

72. Trata-se de um dispositivo bem semelhante ao previsto no art. 202, parágrafo único, do Código

Civil. Noto que existem duas possibilidades para o termo a quo do reinício da contagem: i) o ato que

interrompeu o prazo; ou ii) o último ato ou termo do respectivo processo que interrompeu o prazo.

73. No processo judicial, de fato, o reinício da contagem do prazo somente ocorre após o

encerramento da lide, pois as partes submeteram a resolução do conflito a um terceiro (juiz). Eventual

atraso no julgamento da lide prejudica ambas as partes de forma proporcional, sobretudo porque o credor

ou devedor nada pode fazer, senão esperar pela resposta judicial.

74. Entretanto, a relação processual no âmbito do TCU é atípica, como ressaltado pelo Min. Walton,

razão pela qual defendo o reinício da contagem a partir do ato que interrompeu a prescrição. Isso porque

ao TCU não compete apenas dizer o direito, mas também impulsionar o processo, dentre outras

particularidades. Ou seja, a demora no julgamento do processo prejudicaria de forma desproporcional e

desarrazoada os responsáveis e, por outro, pouco afetaria a pretensão do TCU - e da própria

Administração Pública -, que a todo tempo poderia aplicar sanções aos jurisdicionados.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

75. Além disso, sendo a prescrição um instituto que trata da perda da pretensão em virtude do não

exercício do direito de agir, a partir do chamamento do responsável aos autos já é permitido ao Estado

exercer o poder sancionador, pois a relação jurídico-processual já foi aperfeiçoada, possibilitando aos

jurisdicionados o contraditório e a ampla defesa.

76. Observo que, quando se está em discussão o poder sancionador do Estado para com particulares,

esse raciocínio tem sido aceito, aplicado e, muitas vezes, positivado no ordenamento jurídico brasileiro. O

Código Penal - norma punitiva por excelência - afirma expressamente que, uma vez interrompido o curso

da prescrição, a contagem recomeça novamente do dia da interrupção (art. 117, § 2º).

77. Portanto, não existindo norma expressa em sentido contrário, entendo aplicável a regra geral,

isto é, a recontagem do prazo inicia-se do ato que a interrompeu.

78. Com espeque nessas considerações, concordo com o Min. Walton que a citação e a audiência

interrompem, por uma única vez, o prazo prescricional. Divergimos quanto ao momento em que a

contagem deve ser reiniciada, o que, para mim, ocorre logo após a sua interrupção.

79. Antes de prosseguir, porém, gostaria de destacar que a interrupção aqui defendida só pode

ocorrer pela citação ou pela audiência promovida pelo TCU, ou seja, pelo titular do poder punitivo.

Ocorre que na fase interna da tomada de contas especial (TCE) – etapa que é realizada no âmbito dos

órgãos e das entidades jurisdicionadas –, os responsáveis podem ser instados a apresentarem defesa

acerca das irregularidades, muitas vezes por meio de instrumento denominado “citação”. Essa intimação

interna inicial não compõe estrito senso o nosso processo de controle externo, não está prevista na Lei

8.443/1992, tampouco no Regimento Interno do TCU, razão pela qual não pode ser considerada para

efeitos de interrupção da prescrição.

80. Ademais, a ausência dessa comunicação ou eventuais vícios nela existentes não ensejam a

nulidade do processo, pois, como é do conhecimento de todos, esta Corte de Contas promove a citação

e/ou a audiência e/ou oitiva dos responsáveis, estas, sim, previstas no art. 22 da Lei 8.443/1992.

Traçando-se um paralelo com o processo penal, poder-se-ia verificar a semelhança entre a fase interna da

TCE e o inquérito policial, sendo que neste as intimações realizadas não têm o condão interferir no curso

do prazo prescricional. Nem mesmo o indiciamento goza de tais atributos.

81. Por fim, gostaria de ressaltar que a determinação do termo a quo será feita caso a caso. O fato

pode se tornar conhecido seja pela inserção de peças, seja pela constituição de processo específico. Ao

contrário do defendido pelo Ministro Raimundo Carreiro, entendo que as contas do órgão ou da entidade

não podem ser termo inicial do prazo prescricional.

VII

82. Passo ao exame do instituto da suspensão do prazo prescricional e da sua aplicabilidade aos

processos de controle externo. Antes, porém, menciono que a prescrição só ocorre quando for possível

supor que o titular do direito de ação permaneceu inerte por um determinado prazo.

83. No âmbito do controle externo, como citado pelo Min. Walton, é comum que a demora no

julgamento seja causada pelo responsável. Explico. Como é do conhecimento de todos, o Direito

Administrativo busca sempre a verdade material e, para tanto, recorre ao formalismo moderado,

permitindo-se aos agentes arrolados no processo, quer pessoa física ou jurídica, a juntada de novos

elementos de defesa a qualquer momento.

84. A consequência natural é o atraso no julgamento do processo. Vejam que, nesse exemplo, o

TCU não se manteve silente e, por isso, a ele não cabe a mora. Do contrário, seriam beneficiados com a

prescrição gestores e empresas que a todo momento apresentassem documentos supostamente elisivos de

suas responsabilidades, elementos esses que visariam apenas retardar a análise de mérito pelo Colegiado.

85. Nesse contexto, entendo perfeitamente aplicável à nossa realidade as disposições do art. 4º,

parágrafo único, do Decreto 20.910/1932. Se a demora pela administração pública na análise de

requerimento de determinado credor suspende o prazo prescricional (lembro que naquele normativo a

demora pela administração beneficiaria ela mesma), com muito mais razão deve ocorrer a suspensão da

prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais de defesa, ou mesmo quando

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido pela defesa, não

suficientemente documentada em sua manifestação processual. A paralisação da contagem do prazo

ocorreria no período compreendido entre a juntada dos elementos adicionais de defesa ou da peça

contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta da diligência.

86. Em resumo, concordo com o Min. Walton quanto à necessidade de suspender o prazo

prescricional toda vez que o responsável juntar documentos adicionais, isto é, além daqueles trazidos em

decorrência da citação/audiência. Divergimos apenas quanto à fundamentação jurídica. Por não trazer

resultados práticos relevantes, deixo de tecer maiores considerações acerca da nossa discordância.

87. Por fim, gostaria de incorporar à proposta de Acórdão as pertinentes colaborações trazidas pelo

Min. Augusto Nardes. Sua Excelência destaca o interesse público inerente ao instituto da prescrição,

razão pela qual propõe que a matéria seja analisada de ofício pelas unidades técnicas deste Tribunal,

independentemente de provocação dos jurisdicionados. Esse entendimento está positivado no art. 219, §

5º, do CPC. Por considerar oportuno, acrescento tal sugestão na parte dispositiva.

88. Ante todo o exposto, VOTO por que seja adotada a deliberação que ora submeto a este

Colegiado.

“9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência

suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues

Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC

007.822/2005-4),

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as

razões expostas pelo Relator, em:

9.1. deixar assente no âmbito desta Corte que:

9.1.1. o poder-dever sancionador deste Tribunal, que compreende a aplicação de multas, a

inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração

Pública e a declaração de inidoneidade do licitante fraudador para participar de licitação na

Administração Pública Federal, submete-se a uma limitação temporal, ou seja, é prescritível, em

conformidade com os princípios da segurança jurídica, da eficiência administrativa, do devido processo

legal e da razoabilidade;

9.1.2. no tocante ao prazo prescricional das sanções, as atividades de controle externo estão

sujeitas às normas de Direito Público (Lei 8.429/1992, Lei 8.112/1990, Decreto 20.910/1932, Lei

5.172/1966, Lei 9.873/1999, Lei 6.838/1980, Lei 12.529/2011, 12.846/2013, dentre outras), incidindo,

portanto, o período quinquenal para a imposição de reprimendas de caráter administrativo;

9.1.3. o termo inicial da contagem do prazo prescricional será a data em que os fatos tidos como

irregulares se tornaram conhecidos no âmbito deste Tribunal (princípio da actio nata);

9.1.4. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte, desde que esta última seja

utilizada para fins de punição, interrompe, por uma única vez, a prescrição, reiniciando a contagem do

prazo na data em que for ordenada a providência, em conformidade com o disposto no art. 240 do

Código de Processo Civil, c/c art. 8º do Decreto 20.910/1932;

9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos

adicionais de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato

novo trazido pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais,

sendo que a paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos

elementos adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou

da resposta da diligência;

9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da

parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992; e

9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos

processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de

apreciação de recurso por este Tribunal.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

9.2. remeter cópia do presente Acórdão (Relatório, Voto e Parte Dispositiva) à Comissão de

Jurisprudência, nos termos do § 3º do art. 91 do Regimento Interno;

9.3. remeter os autos ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos do § 2º do art. 91 do

Regimento Interno;

9.4. determinar à Segecex que oriente as suas unidades técnicas no sentido de que passem a avaliar

se ocorreu prescrição da pretensão punitiva quando da elaboração de instruções de controle externo.“

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016.

BENJAMIN ZYMLER

Relator

DECLARAÇÃO DE VOTO

Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência que busca firmar entendimento quanto à

prescrição das multas e das demais sanções aplicadas pelo TCU.

Quanto à tese da imprescritibilidade

No tocante à tese que sustenta a imprescritibilidade da multa, ante a ausência da lei a que se refere

o §5 do art. 37 da Constituição Federal, tenho posição semelhante à sustentada pelo relator, Ministro

Benjamin Zymler, no sentido de que as únicas penas imprescritíveis no Direito brasileiro são aquelas

expressamente assim tratadas pela Constituição.

No mais, havendo omissão do legislador na edição da lei prevista no §5º do art. 37 da Constituição

Federal, compete ao aplicador do direito encontrar no próprio ordenamento jurídico a resposta

constitucionalmente adequada, ainda que, para tanto, tenha de recorrer ao uso da analogia.

Prescrição é instituto jurídico que decorre do princípio da segurança jurídica, razão pela qual não

pode o aplicador do direito deixar de prestigiá-lo, sob pena de ofensa a direito fundamental de quem se vê

na condição de acusado.

Não por outro motivo, os mandados de segurança impetrados contra o TCU e citados no voto do

Ministro Walton Alencar Rodrigues tratam, sem exceção, apenas da prescrição do débito e, concluem,

pela sua imprescritibilidade. Nenhum dos mencionados precedentes cuida da prescrição da multa e nem

poderia, pois em nenhuma das aludidas ações os seus autores formularam pedido relativo à prescrição da

multa, o que impede o Poder Judiciário de se manifestar e de decidir sobre a matéria, por estar submetido

ao princípio da inércia.

Ou seja, até a superveniência do Mandado de Segurança nº 32.201, da relatoria do Ministro

Luis Roberto Barroso, não havia o STF sido provocado a examinar a prescrição da multa, o que

explica a razão de os precedentes citados pelo Ministro Walton Alencar Rodrigues tratarem apenas da

prescrição do débito. Por esse motivo, não se pode concluir que o silêncio do STF acerca da

prescrição da multa signifique entendimento favorável à sua imprescritibilidade. Como disse, o

silêncio do STF decorre apenas do fato de não ter sido provocado sobre a matéria até a entrada naquela

Corte do citado Mandado de Segurança nº 32.201, pendente de julgamento de mérito, mas com liminar

deferida pelo relator, que se manifestou pela prescrição da multa em cinco anos.

Não obstante essa ausência de decisão de mérito do STF quanto à prescrição da multa aplicada pelo

TCU, o STF já se manifestou contrariamente à tese da imprescritibilidade da pena na esfera

administrativa sob a argumentação de ausência de norma expressa sobre a matéria. Trata-se do

julgamento do MS 20.069, concluído em 24.11.1976, pelo Pleno do STF, no qual o Ministro Moreira

Alves, em seu voto-vista que, ao final, foi vencedor, fez a seguinte afirmação contra a tese da

imprescritibilidade por ausência de previsão normativa:

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

(...) se até as faltas mais graves – e, por isso mesmo, também definidas como crimes – são, de modo

genérico, suscetíveis de prescrição, no plano administrativo, não há como pretender-se que a

imprescritibilidade continue a ser o princípio geral, por corresponder ao escopo da sanção

administrativa, ou seja, o interesse superior da boa ordem do serviço público. (grifei)

Mais recentemente, no RMS 23.436, julgado pela Segunda Turma em 24.08.1999, o relator,

Ministro Marco Aurélio, também se posicionou contra a tese da imprescritibilidade da pena fora das

hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal, no seguinte sentido:

Por outro lado, não se coaduna com o nosso sistema constitucional, especialmente no campo

das penas, sejam de índole criminal ou administrativa, exceto relativamente ao crime revelado pela

ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático –

inciso XLIV do artigo 5º da CF/88, a inexistência de prescrição. Inconcebível é que se entenda,

interpretando os preceitos das Leis nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que, uma vez aberta a

sindicância ou instaurado o processo disciplinar, não se cogite mais, seja qual for o tempo que se leve

para a conclusão do feito, da incidência da prescrição. É sabido que dois valores se fazem presentes: o

primeiro, alusivo à Justiça. A direcionar a possibilidade de ter-se o implemento a qualquer instante; já o

segundo está ligado à segurança jurídica, à estabilidade das relações e, portanto, à própria paz social que

deve ser restabelecida num menor tempo possível. Não é crível que se admita encerrar a ordem

jurídica verdadeira espada de Dâmocles a desabar sobre a cabeça do servidor a qualquer momento.

(grifei)

Ao final, concluiu o Ministro Marco Aurélio, no que foi acompanhado pelos demais julgadores,

que, portanto, a ausência de previsão expressa de prazo de prescrição na Lei nº 8.112/90 quanto à

conclusão do processo disciplinar não autoriza decidir pela imprescritibilidade. Conforme constou da

própria ementa desse julgamento, trata-se de entendimento que apenas reiterou o que já havia decidido o

STF no MS 22.728, relator Ministro Moreira Alves, julgado pelo Pleno em 13.11.1998.

Por esses fundamentos, também entendo que a ausência da edição da lei a que se refere o §5º do

art. 37 da Constituição Federal não demite o TCU do dever de construir, pela via jurisprudencial, um

entendimento que, amparado pelo ordenamento jurídico, permite estabelecer, ao menos até a edição da

citada lei, um prazo prescricional para as sanções que lhe compete aplicar.

Sobre o prazo decenal

O Ministro Walton Alencar Rodrigues e o Ministro Bruno Dantas sustentam que as sanções

aplicadas pelo TCU devem prescrever no prazo genérico de 10 anos previsto no art. 205 do Código Civil,

tendo em vista que referido Código tem larga aplicação em todos os ramos do direito.

Com as devidas vênias, a aplicação em um determinado ramo do direito de institutos previstos

em outro ramo do direito não é circunstância que autorize desconsiderar as características de cada

ramo do direito e que permita aplicar indiscriminadamente os seus comandos em outro ramo

jurídico.

Aliás, o intercâmbio entre as várias disciplinas jurídicas decorre da característica do próprio direito,

como unidade, mas também como sistema aberto. Por essa razão, não apenas institutos do direito civil

tem aplicação em outras disciplinas jurídicas, mas também institutos jurídicos de outras disciplinas

repercutem em ramos diversos do direito.

Nessa linha, é certo que vários institutos do direito civil são aplicados em outros ramos do direito,

não apenas no direito administrativo.

São vários os exemplos de aplicação do direito civil ao direito penal, quando no Título VII do

Código Penal trata dos crimes contra a família e se utiliza, para tanto, do conceito civil de casamento ou

quando no art. 61, inciso II, alínea e, considera uma circunstância agravante o crime cometido contra

ascendente ou descendente, irmão ou cônjuge e, para tanto, utiliza-se, implicitamente, dos conceitos de

ascendente, descendente e cônjuge.

De igual modo, aplicam-se institutos do direito civil ao direito processual, tanto civil quanto

penal e administrativo, quando a norma processual trata das hipóteses de impedimento do magistrado e,

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

para tanto, usa os institutos do parentesco e da afinidade definidos pelo Código Civil (CPC, art. 144, CPP,

art. 252, Lei nº 9.784/99, art. 18, LOTCU, art. 94).

No entanto, não é só o direito civil que tem os seus institutos usados por outras disciplinas

jurídicas. O direito penal, por exemplo, recorre a institutos do direito empresarial quando usa o

conceito de cheque (CP, art. 171, §2º, inciso VI) e de duplicata (CP, art. 172), assim como usa institutos

do direito do trabalho ao tipificar, no Título IV do Código Penal, os crimes contra a organização do

trabalho, como também se vale de institutos do direito administrativo, quando dispõe no Título IX do

Código Penal acerca dos inúmeros crimes contra a Administração Pública.

E o direito administrativo, na mesma toada, se vale não apenas de institutos do direito civil,

mas também de outras disciplinas jurídicas. É o caso da parte geral do Código Penal à qual recorre o

direito administrativo sancionador, no tocante à teoria da pena, do que é exemplo o próprio TCU que se

vale intensamente do conceito de culpabilidade, como reprovabilidade da conduta, para fins de aplicação

das sanções de sua competência.

Mas é próxima também a relação entre o direito administrativo e o direito tributário, por

exemplo, pois é o direito administrativo que prevê e regula o exercício do poder de polícia, cuja atividade

é remunerada por taxa, que é um tributo (CF, art. 145, II, CTN, arts. 77 e 78). De igual modo ocorre com

o direito empresarial e com o direito econômico, cuja relação com o direito administrativo é

exemplificada pela exploração de atividade econômica do Poder Público por intermédio das empresas

públicas e sociedades de economia mista.

É de se notar, porém, que todas essas interseções entre as diversas disciplinas jurídicas ocorrem

sempre que um determinado ramo do direito precisa se valer de conceitos próprios de outro ramo do

direito. Ou seja, o direito penal usa institutos do direito civil quando precisa definir condutas criminosas

que envolvem conceitos do direito civil.

Contudo, o direito penal não usa o direito civil para disciplinar matérias próprias do direito penal,

isto é, para disciplinar o direito de punir, pois isso seria incoerente com a natureza jurídica do direito

penal.

Portanto, entendo que a aplicação de diversos institutos do direito civil em outros ramos do

direito não autoriza concluir pela aplicação dos prazos prescricionais contidos no Código Civil a

qualquer outra hipótese de prescrição cujo prazo não esteja expressamente previsto em lei.

Desse modo, a aplicação do prazo prescricional previsto no art. 205 do Código Civil não me parece

adequada, menos pelo fato de regular, originariamente, relações jurídicas de natureza privada, e mais pela

circunstância de se tratar de perda de direito de natureza econômica. Da leitura do artigo 206 essa

conclusão é inapelável, conforme se vê abaixo:

Art. 206. Prescreve:

§ 1o Em um ano:

I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio

estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;

II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para

responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a

anuência do segurador;

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela

percepção de emolumentos, custas e honorários;

IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital

de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;

V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o

prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.

§ 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se

vencerem.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

§ 3o Em três anos:

I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;

II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;

III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em

períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;

IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

V - a pretensão de reparação civil;

VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da

data em que foi deliberada a distribuição;

VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado

o prazo:

a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;

b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício

em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar

conhecimento;

c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;

VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas

as disposições de lei especial;

IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro

de responsabilidade civil obrigatório.

§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.

§ 5o Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores

pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos

ou mandato;

III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

Como se constata, todas as hipóteses do extenso art. 206 tratam exclusivamente de prescrição

relativa a direitos de natureza econômica. Desse modo, não vejo como proceder à leitura do art. 205

dissociada dessa realidade. A boa hermenêutica não autoriza a leitura isolada de um comando normativo,

pois, retirado de seu contexto, admitiria qualquer conclusão, ainda que distante dos seus limites.

Portanto, não vejo adequada a interpretação que confere ao art. 205 elasticidade suficiente para

regular a prescrição da pretensão punitiva. Não há em todo o Código Civil sequer um único dispositivo

que autorize tamanha extensão interpretativa, pois inexiste no citado Código disciplina relativa ao

exercício do poder punitivo e, mais ainda, à perda do direito desse exercício.

A inviabilidade da aplicação dos prazos prescricionais previstos no Código Civil aos

processos administrativos punitivos também já foi objeto de manifestação do Supremo Tribunal

Federal, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 21.562, cujo relator, Ministro Ilmar Galvão,

fez as seguintes considerações em voto que foi acompanhado pelos demais ministros:

Com efeito, são ontologicamente distintos os institutos da prescrição nos diversos campos do

direito.

Enquanto no cível corresponde a uma exceção do devedor, que tem por efeito extinguir a ação do

credor designada à efetivação da prestação (de dar, de fazer e de não fazer) objeto de seu crédito, no

crime, implica a perda, pelo Estado, do direito-dever de perseguir a punição do autor do delito. Por sua

vez, a prescrição, no campo do direito administrativo disciplinar, a nenhum dos dois institutos se afeiçoa

por inteiro.

Trata-se de discrepâncias que se devem, naturalmente, à diversidade de natureza dos objetivos

colimados nas esferas jurídicas enfocadas.

Com efeito, enquanto nos domínios do cível tem-se em mira, de modo geral, como já dito,

compelir o devedor ao cumprimento de uma prestação de natureza patrimonial em favor do credor; e ao

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

passo que, no crime, o que se objetiva, precipuamente, é submeter o criminoso a uma restrição em sua

liberdade de ir e vir; na ordem administrativa, nenhum comportamento concreto se pretende impor ao

servidor faltoso, inexistindo, de parte deste, possibilidade de opor-se fisicamente à imposição da pena.

Assim, conquanto exista, inegavelmente, alguma identidade entre os três institutos, predominam os

pontos de distinção, podendo-se indicar, entre outros, o fato de que, no cível, a regra é que da prescrição

só conhece o julgador quando provocado pela parte interessada, enquanto no crime e no processo

disciplinar, deve fazê-lo de ofício; de outra parte, se, no primeiro caso, a paralisação da ação, ou da

execução, por inércia atribuível ao credor, pode reabrir ensejo à prescrição, a requerimento da parte, nos

outros dois, a simples morosidade processual, ainda que inimputável ao autor da ação, é suficiente para

extinguir o próprio direito de ver punido o agente ou de ver-se-lhe aplicada a pena.

Aliás, conforme se extrai do voto do relator do precedente acima mencionado, há muito mais

identidade entre a prescrição penal e a administrativa do que entre esta e a cível, exatamente pela

circunstância de o direito civil e, particularmente, a prescrição prevista pelo Código Civil estar voltada

para a disciplina de matérias econômicas, ao passo que o direito penal assim como o administrativo

sancionador dizem respeito à pretensão punitiva do Estado. Exemplo emblemático dessa característica é o

Estatuto do Servidor Público Federal que, no Capítulo V, ao tratar das penalidades cabíveis ao servidor

público, estabelece no art. 142, §2º, da Lei nº 8.112/90, o seguinte:

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

§2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas

também como crime.

Por essas razões, entendo, com as devidas vênias, que o Código Civil não é fonte hábil a ser

invocada para fins de analogia, nem o art. 205 tem alcance suficiente para regular, por aplicação

direta, hipóteses que tratam de prescrição da pretensão punitiva na esfera administrativa, como bem

ressaltou o Ministro Ilmar Galvão no voto acima transcrito.

Sobre o prazo quinquenal

Respaldado na analogia com outras leis do direito público, o relator, Ministro Benjamin Zymler,

sustenta a aplicação do prazo quinquenal para a prescrição da multa e demais sanções aplicadas pelo

TCU.

Trata-se de prazo prescricional que também tenho defendido na Segunda Câmara, a exemplo do

Acórdão nº 3.763/2015 – 2ª Câmara, cujo fundamento, de igual modo, foi o recurso à analogia.

Conforme bem observa Miguel Reale, na analogia estende-se a um caso não previsto pela norma

aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de razões. Nas palavras do jurista

(REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 278):

A analogia atende ao princípio de que o Direito é um sistema de fins. Pelo processo analógico,

estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de

razões. Se o sistema do Direito é um todo que obedece a certas finalidades fundamentais, é de se

pressupor que, havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos análogos,

segundo um antigo e sempre novo ensinamento: ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio (onde há a

mesma razão deve haver a mesma disposição de direito). (grifei)

Não por outra razão, Karl Larenz adverte que (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito.

3. ed. Tradução: José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 541-542):

Na analogia jurídica trata-se sempre, portanto, de um processo de pensamento valorativo e não

unicamente de uma operação mental lógico-formal. Para conhecer que elementos da hipótese legal

regulada na lei são importantes para a valoração legal, e porque é que o são, é preciso recorrer aos fins e

ideias fundamentais da regulação legal, à ratio legis. (grifei)

Alinhado a esse entendimento, Norberto Bobbio ressalta que não é qualquer semelhança entre o

caso regulado e o não regulado que autoriza a analogia com determinada norma, mas apenas a

semelhança relevante, conforme se depreende das palavras do autor abaixo reproduzidas (BOBBIO,

Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 6. ed.

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 153):

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Para que se possa tirar a conclusão, quer dizer, para fazer a atribuição ao caso não-regulamentado

das mesmas consequências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante, é preciso que entre

os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, é preciso

ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente

pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras consequências. (itálico do original;

demais grifos, meus)

Por esses fundamentos, entendo que a analogia não deve ser feita com o art. 205 do Código Civil

que previu o prazo genérico de 10 anos, quando ausente norma sobre a matéria, pois não há a “igualdade

de razões” a que se refere Reale, porquanto a prescrição tratada pelo Código Civil diz respeito apenas a

questões econômicas, nunca à perda do exercício da pretensão punitiva. Conforme lembrou o autor, diz o

brocardo jurídico que “onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição de direito”. E não se

verifica essa condição no Código Civil em relação ao direito administrativo sancionador.

Assim como, com base nos ensinamentos de Larenz, “os fins e ideias fundamentais da regulação

legal”, ou seja, a “ratio legis”, são substancialmente distintos entre o Código Civil e o direito

administrativo. Ou ainda, na dicção de Bobbio, a semelhança existente entre a prescrição do Código Civil

e a do direito administrativo não é relevante.

Conforme ressaltei no voto que proferi na Segunda Câmara, Celso Antônio Bandeira de Mello

também entende que, neste caso, a analogia não pode ser feita com as regras do Direito Civil, mas, ao

contrário, deve ser realizada com as normas do Direito Público (BANDEIRA DE MELLO, Celso

Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros. 2013. p. 1079):

...parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito Civil, visto que, sendo as razões de

Direito Público, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas que inspiram as

relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte.

Esse é o entendimento também do STJ, externado quando do julgamento do REsp 894.539/PI, Rel.

Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 27/08/2009,

conforme registrei no precedente a que me referi e consoante o Ministro Benjamin Zymler, de igual

modo, faz registrar em seu voto.

E, ainda que não se tenha, até o momento, decisão colegiada do STF, convém lembrar que é no

mesmo sentido a posição tomada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, na decisão liminar que proferiu no

Mandado de Segurança nº 32.201.

Considerados esses argumentos, é de se ressaltar que o prazo prescricional de cinco anos é adotado

como regra, de forma larga e uniforme, nas leis de regência do direito público e, particularmente, direito

administrativo punitivo.

Está presente, por exemplo, no art. 23, inciso II, da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade

Administrativa), no art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais), no

art. 1º do Decreto 20.910/1932 (Dispõe sobre a prescrição quinquenal na Administração para as dívidas

passivas), no art. 21 da Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), no art. 174 da Lei 5.172/1966 (Código

Tributário Nacional), no art. 1º da Lei 9.873/1999 (estabelece o prazo de prescrição para o exercício do

poder de polícia), e no art. 46 da Lei 12.529/2011 (define a prescrição da ação punitiva estatal contra

infrações à ordem econômica), entre outros.

Por esses fundamentos, sustento, como o fiz no voto que fundamentou o Acórdão nº 3.763/2015 –

2ª Câmara, que o prazo de prescrição da multa e das demais sanções aplicadas pelo TCU deve ser de

cinco anos.

Sobre o critério de contagem do prazo inicial

Quanto ao critério a ser adotado para a contagem inicial do prazo de prescrição, eu havia

defendido, no precedente da Segunda Câmara anteriormente citado, a data do fato como prazo inicial. No

entanto, refletindo novamente sobre a matéria, evolui para o entendimento de que o termo inicial do prazo

prescricional deve ser a ciência do fato pelo Tribunal, o que se presume com a entrada do processo nesta

Corte.

Da coerência entre o termo inicial do prazo e a sistemática da prestação de contas

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

As razões para a superação do meu entendimento anterior estão assentadas no fato de que a

prestação de contas é, por natureza, fiscalização a posteriori. Isso significa que nem o próprio gestor

pode criar expectativa de direito acerca da prescrição quando o seu prazo para prestar contas

sequer venceu e quando, ele, de fato, sequer prestou contas.

No âmbito das finanças públicas essa é a lógica natural das coisas. Há um prazo para a execução

dos atos administrativos e outro para a prestação de contas. Vencidos esses dois prazos, aí sim começa a

correr o prazo para o órgão de controle se manifestar.

A circunstância de o TCU ter competência para realizar, por iniciativa própria, auditorias e

inspeções, nos termos do art. 71, inciso IV, da Constituição Federal, não afasta a conclusão acima

apresentada, pois as fiscalizações levadas a efeito pelo Tribunal são apenas um dos instrumentos de

controle e que não se prestam para aniquilar a lógica que o direito, de um modo geral, adota quando se

trata da prestação de contas de recursos alheios.

Assim afirmo porque o próprio Código Civil adota o critério de contagem do prazo a partir da

prestação de contas, ou seja, respeita essa lógica no art. 206 ao tratar de alguns casos de prescrição,

como, ocorre, nas hipóteses, do seu §3º, inciso VII, alínea b, e do seu §4º, assim redigidos (com grifos

meus):

Art. 206. Prescreve:

§ 3o Em três anos:

VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado

o prazo:

b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao

exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar

conhecimento;

§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.

A legislação eleitoral segue a mesma linha, conforme se depreende do disposto no art. 37, §3º, da

Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), com o seguinte teor (com grifos meus):

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da

importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (Redação dada

pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 3o A sanção a que se refere o caput deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo

período de um a doze meses, e o pagamento deverá ser feito por meio de desconto nos futuros repasses de

cotas do Fundo Partidário, desde que a prestação de contas seja julgada, pelo juízo ou tribunal

competente, em até cinco anos de sua apresentação. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

Não pode aquele que tem o dever de prestar contas ser beneficiado pelo início do prazo

prescricional se sequer cumpriu ainda o seu dever.

Lembro que a lógica ora sustentada não é estranha ao próprio STF, que já admitiu algo

parecido no julgamento do MS 24.781, quando firmou o entendimento de que o prazo de cinco anos, a

partir do qual o TCU deve abrir o contraditório para o aposentado, reformado ou pensionista, deve ser

contado a partir da entrada do processo no TCU e não a partir da concessão da aposentadoria, reforma

ou pensão.

Da incoerência da contagem do prazo a partir da ocorrência do fato com a sistemática das

tomadas de contas especiais relativas a transferências voluntárias

Chamo a atenção para o fato de que, assim como ocorre com os atos sujeitos a registro

(aposentadorias, reformas e pensões), o procedimento estabelecido pela legislação para a apresentação da

prestação de contas dos recursos relativos às transferências voluntárias e para a sua análise prevê a

atuação de, ao menos, um outro órgão antes do TCU, que é o órgão concedente dos recursos.

Isso significa que, se o prazo de prescrição começar a correr a partir da data do fato, muitos serão

os casos em que ocorrerá a prescrição da multa a ser aplicada pelo TCU antes mesmo de as respectivas

tomadas de contas especiais derem entrada nesta Corte.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Mesmo quando os fatos seguirem o seu curso normal, ou seja, mesmo quando não houver

prorrogação de prazo para a execução do convênio, o prazo de prescrição da multa já estará bastante

avançado quando da entrada da tomada de contas especial no TCU relativamente às transferências

voluntárias.

Isso porque, nesses casos, há um prazo para a execução do convênio, que pode ser de um ano ou

mais. O mesmo ocorrerá com o termo de colaboração e o termo de fomento, previstos na Lei nº

13.019/2014, cuja vigência teve início em janeiro de 2016, pois o prazo de execução também pode ser de

um ano ou mais.

Concluída a execução do convênio ou da parceria, há o prazo para a prestação de contas ao órgão

concedente. No caso de convênios, nos termos do art. 72, inciso I, da Portaria Interministerial 507/2011,

esse prazo é de 60 dias após o encerramento da sua vigência ou a conclusão da execução do objeto, o que

ocorrer primeiro.

No caso dos termos de colaboração e termos de fomento, o prazo para a apresentação da prestação

de contas é de até 90 dias a partir do término da vigência da parceria, prorrogável por mais 30 dias,

conforme previsto no art. 69, caput e §4º, da Lei nº 13.019/2014.

Prestadas as contas ao órgão concedente dos recursos, há ainda o prazo para que esse órgão analise

essa prestação de contas. No caso de convênios, o prazo é de um ano, prorrogável no máximo por igual

período, desde que devidamente justificado, consoante estabelecido pelo §8º do art. 10 do Decreto nº

6.170/2007.

Por outro lado, no tocante aos termos de colaboração e aos termos de fomento, tratados pela Lei nº

13.019/2014, o art. 71 da aludida lei dispõe que a administração pública apreciará a prestação final de

contas apresentada, no prazo de até cento e cinquenta dias, contado da data de seu recebimento ou do

cumprimento de diligência por ela determinada, prorrogável justificadamente por igual período.

Todavia, essa situação fica ainda mais dramática naqueles casos em que há prorrogação do prazo

de execução do convênio, o que não é raro de acontecer, e ainda naqueles outros em que o convenente é

omisso no dever de prestar contas ao órgão concedente. Nesta última hipótese, aconteceria exatamente o

que o direito rechaça, ou seja, o gestor omisso seria beneficiado pela própria torpeza, pois a sua omissão

contribuiria significativamente para o transcurso do prazo de prescrição a seu favor.

Expus o teor desses normativos para demonstrar que a própria legislação estabelece um rito

próprio para a prestação de contas, razão pela qual não me parece razoável ignorar essa realidade

e fixar o entendimento de que o prazo de prescrição da multa no TCU começa a correr antes

mesmo de concluído esse rito.

Se assim for, estaremos, por vias oblíquas, impondo ao Tribunal uma estratégia de controle

absolutamente inviável, que seria realizar auditoria em todos os jurisdicionados, inclusive nos

convenentes e demais beneficiários de recursos repassados por meio de transferências voluntárias, como

forma de esta Corte evitar a ocorrência da prescrição a contar da data do fato.

É preciso considerar, entretanto, que, caso o Tribunal viesse a tentar essa estratégia, estaria

praticamente tornando letra morta toda a sistemática de prestação de contas prevista na legislação. Além

disso, estaria também se sobrepondo aos órgãos concedentes dos recursos, fazendo um trabalho que, ao

menos em um primeiro momento, a legislação atribuiu a eles, qual seja, o da primeira análise da prestação

de contas, pois o TCU somente atua nesses casos quando a prestação de contas não é aprovada pelo órgão

repassador ou quando o gestor é omisso no dever de prestar as contas.

Eventual decisão do TCU que viesse a fixar o entendimento de que a prescrição ocorre a

contar da data do fato seria flagrantemente contrária à nova redação dada ao art. 73, §§2º e 3º, da

Lei nº 13.019/2014 pela Lei nº 13.204/2015, com o seguinte teor (grifos meus):

§ 2o Prescreve em cinco anos, contados a partir da data da apresentação da prestação de

contas, a aplicação de penalidade decorrente de infração relacionada à execução da parceria.

(Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)

§ 3o A prescrição será interrompida com a edição de ato administrativo voltado à apuração da

infração. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Ressalto que esse dispositivo tem como destinatário a própria Administração Pública, conforme se

depreende do caput do art. 73 da citada lei. Portanto, se em relação à própria Administração Pública

repassadora dos recursos a lei estabeleceu que o prazo prescricional começa a correr apenas a partir da

data da apresentação da prestação de contas ao órgão repassador, haveria grave ofensa a esse dispositivo

se o TCU, pela via jurisprudencial, viesse a estabelecer que a prescrição da multa começa a correr a partir

da data do fato.

O critério de contagem do prazo a partir da ocorrência do fato contraria o art. 19 da LOTCU

No entanto, ainda que o TCU viesse a tentar fazer isso, haveria outra questão de difícil solução. O

art. 19 da Lei Orgânica do TCU (Lei nº 8.443/92) estabelece que, quando julgar as contas irregulares, se

houver débito, aplicará a multa do art. 57 e, se não houver débito, aplicará a do art. 58.

Ora, como evitar a prescrição dessas multas, se o prazo prescricional começará a correr antes

mesmo de o processo de prestação de contas entrar no Tribunal e antes mesmo de o próprio gestor prestar

as contas, seja ao TCU, seja ainda, mais remotamente, ao órgão concedente dos recursos repassados por

meio de transferências voluntárias?

Ou seja, ao se admitir a contagem do prazo de prescrição a partir da data do fato se está

admitindo que o TCU terá contra si o curso do prazo antes mesmo que possa exercer o seu direito,

pois sem a entrada da prestação de contas no Tribunal não há que se falar em julgamento da

prestação de contas, nem, muito menos, na aplicação da multa respectiva a que se refere o art. 19

da sua Lei Orgânica. Portanto, entendo que o termo inicial da prescrição deve ser a data da ciência do fato pelo Tribunal,

o que se presume com a entrada do respectivo processo na Corte de Contas.

Da prescrição em relação a ilícitos praticados por quem não tem o dever de prestar contas

Poder-se-ia objetar que o critério ora sustentado é frágil em relação a ilícitos praticados por quem

não tem o dever de prestar contas, como, por exemplo, um pregoeiro. Isso porque, nesses casos, a

apuração do ilícito pode não ocorrer no processo de prestação de contas do órgão ou entidade no qual o

pregoeiro trabalha, o que significa que referido ilícito será apurado pelo TCU provavelmente em um

processo de fiscalização, como um relatório de auditoria, ou ainda por meio de uma denúncia ou

representação.

Argumenta-se que, nesses casos, se for adotado como termo inicial do prazo de prescrição a ciência

do fato pelo TCU, poderia ocorrer de esse prazo tender ao infinito.

Tal preocupação procede, mas entendo que há solução para o caso, que seria adotar algumas

presunções acerca da ciência do fato, na forma que ora proponho a esse Plenário.

Desse modo, proponho a inclusão do subitem 9.1.3.1, com a seguinte redação:

9.1.3.1. no caso de processo de contas, presume-se a ciência do fato com a entrada no TCU da

prestação de contas ou da tomada de contas especial respectiva ou, para as unidades dispensadas do dever

de prestar contas, a partir da entrada nesta Corte do relatório de gestão;

A lógica desse raciocínio assenta-se na premissa de que, ao menos em tese, a prestação de contas

deve abarcar todos os fatos da gestão do órgão ou entidade. Se o TCU não tomou conhecimento do fato

com a apresentação da prestação de contas ou até mesmo do relatório de gestão, entendo que pode ainda

ter ciência desse fato dentro do prazo de cinco anos, a contar da data da apresentação das contas ou do

relatório de gestão relativo ao órgão ou entidade no qual trabalha o pregoeiro ou, até, de prazo um pouco

maior do que os cinco anos, se ocorrer causas interruptivas da prescrição.

Apresento o seguinte exemplo: suponha que ocorreu uma irregularidade praticada por um

pregoeiro no ano de 2014 no órgão Y. A prestação de contas do ordenador de despesas desse órgão Y

deve ser apresentada ao TCU no ano de 2015, quando começará a correr a prescrição de 5 anos, cujo

prazo, hipoteticamente, vencerá em 2020, se não ocorrer nenhuma causa interruptiva da prescrição.

Suponha que esse ilícito não constou da citada prestação de contas, ou seja, o TCU não tomou

conhecimento dele ainda.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Suponha que, no ano de 2019, o TCU receba uma denúncia relativa ao ilícito praticado pelo

pregoeiro em 2014. Nesse caso, pelo critério que ora proponho, o TCU teria apenas um ano para apurar o

ilícito e aplicar multa ao pregoeiro, pois a prescrição ocorreria no ano de 2020.

No entanto, na realidade, entendo que esse prazo será maior, em face de outra proposta que ora

faço de inclusão do subitem 9.1.4.1, com a seguinte redação:

9.1.4.1. na hipótese do subitem 9.1.4, por analogia com o art. 142, §3º, da Lei nº 8.112/90, assim

como com a Lei nº 13.019/2014, que dispõe sobre as parcerias voluntárias entre o Poder Público e as

entidades civis, especificamente em relação ao seu art. 73, §§2º e 3º, com a redação dada pela Lei nº

13.204/2015, e ainda por analogia também com o art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.873/1999, a instauração de

processo de auditoria, denúncia ou representação tendente à apuração de fato específico não contemplado

na prestação de contas interrompe a prescrição, que recomeça a correr no dia imediatamente subsequente;

Referidos dispositivos assim estabelecem:

Lei nº 8.112/90:

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até

a decisão final proferida por autoridade competente.

Lei nº 13.019/2014:

§ 2o Prescreve em cinco anos, contados a partir da data da apresentação da prestação de contas, a

aplicação de penalidade decorrente de infração relacionada à execução da parceria. (Incluído pela Lei nº

13.204, de 2015)

§ 3o A prescrição será interrompida com a edição de ato administrativo voltado à apuração da

infração. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)

Lei nº 9.873/99:

Art. 2o Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de

2009)

I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação

dada pela Lei nº 11.941, de 2009)

II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;

Esclareço que, neste caso, deixo de aplicar a analogia também com a parte final do mencionado §3º

do art. 142 da Lei nº 8.112/90 porque, diferentemente do que ocorre com a sindicância e o processo

administrativo disciplinar, que têm prazo de conclusão fixado em lei, os processos de auditoria, denúncia

e representação não têm prazo fixado em lei para serem julgados pelo TCU. Portanto, não há como

aplicar a parte final do citado dispositivo nesses casos, pois isso poderia conduzir à perda de controle do

prazo prescricional.

Ou seja, a proposta que ora faço permitirá ao Tribunal ter, ao menos, cinco anos a contar da

autuação do processo de denúncia, representação ou auditoria, para apurar e, se for o caso, punir o

pregoeiro.

Portanto, nesse meu exemplo, interrompido o prazo prescricional no ano de 2019, o TCU teria até o

ano de 2024 para julgar o processo de denúncia, representação ou auditoria, ressalvada, ainda, a

possibilidade de prazo maior, em face da interrupção do referido prazo pela audiência ou eventual citação,

caso o processo de fiscalização seja convertido em tomada de contas especial.

Registro que, no caso de empresa privada, aplica-se a mesma lógica acima defendida, pois a

empresa privada somente é arrolada nos processos do TCU em virtude de alguma relação jurídica

com um órgão ou entidade sob a fiscalização do Tribunal.

Além disso, proponho também a inclusão dos seguintes subitens:

9.1.4.2. em se tratando de ilícito relativo à gestão de recursos federais repassados mediante termo de

colaboração e termo de fomento, previstos na Lei nº 13.019/2014, cujo prazo de prescrição de 5 anos

contido no §2° do art. 73 da citada Lei n° 13.019/2014, a contar do recebimento da prestação de contas

pelo órgão ou entidade concedente, esteja vencido em relação ao concedente, presume-se a ciência do fato

quando da entrada no TCU da prestação de contas do órgão ou entidade concedente dos recursos, ou, em

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

se tratando de unidade dispensada do dever de prestar contas, a partir da entrada nesta Corte do relatório

de gestão;

9.1.4.3. por analogia com a Lei n° 13.019/2014, aplica-se o disposto no subitem 9.1.4.2 aos ilícitos

relativos à gestão de recursos repassados mediante convênios e instrumentos congêneres, cujo prazo de 5

anos, a contar do recebimento da prestação de contas pelo órgão ou entidade concedente, esteja vencido.

Essa proposta busca, de igual modo, fixar um prazo limite para a atuação do Tribunal, mas sempre

observando a lógica da prestação de contas, mas, desta feita, ajustada à realidade das tomadas de contas

especiais decorrentes de transferências voluntárias e, ainda, guardando coerência com o prazo de

prescrição estabelecido pela Lei nº 13.019/2014 para o órgão concedente, a fim de que o prazo de

prescrição do TCU não seja menor do que aquele.

Dou em exemplo:

Suponha um Termo de Colaboração celebrado no ano de 2005. Suponha que o Concedente receba

a prestação de contas no ano de 2007. Pela §2° do art. 73 da citada Lei n° 13.019/2014, o concedente terá

o prazo de cinco anos, a contar do recebimento da prestação de contas, para aplicar ao gestor as

penalidades do referido art. 73 da citada Lei, ou seja, até o ano de 2012. Ora, a prestação de contas do

concedente relativa ao ano de 2012 tem de entrar no TCU no ano de 2013.

A minha proposta é no sentido de que, ao entrar essa prestação de contas do concedente no TCU,

presume-se que o Tribunal tomou ciência do ilícito praticado pelo gestor do Termo de Colaboração. Terá,

então, o Tribunal o prazo de cinco anos para apurar o fato, isto é, até 2018, ressalvadas as causas

interruptivas da prescrição que poderão implicar prazo maior.

Entendo que essa proposta, além de fixar um limite no tempo para as tomadas de contas especiais

de transferências voluntárias, contribui para que este Tribunal se aproxime de uma solução mais razoável

em relação aos órgãos concedentes que não cumprem a sua obrigação de analisar as prestações de contas

de transferências voluntárias dentro de prazo razoável.

Assim afirmo porque o Tribunal poderá, em cada Decisão Normativa relativa aos relatórios de

gestão e de prestações de contas, exigir dos concedentes que informem as prestações de contas com

prescrição já ocorrida, providência que certamente provocará mudanças de comportamento nos

concedentes.

De qualquer modo, essa proposta fixa um limite no tempo para as tomadas de contas especiais de

transferências voluntárias e respeita, uma vez mais, a lógica das prestações de contas.

Por fim, proponho ainda um ajuste no subitem 9.1.6, com o seguinte teor:

9.1.6. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais

de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido

pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, sendo que a

paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos elementos

adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta

da diligência, observado o prazo máximo de 1 ano e 4 meses;

O prazo que ora sugiro busca, de igual modo, fixar um limite no tempo. E esse prazo é o que fixa a

LOTCU para o julgamento das prestações de contas, ou seja, até o término do exercício seguinte ao da

sua apresentação. Como as prestações de contas têm sido apresentadas no mês de outubro, o TCU tem à

sua disposição 1 ano e 4 meses para tanto.

Com essas considerações, voto por que o Tribunal adote a deliberação que ora submeto à

apreciação desse Plenário.

“9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência

suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues

Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC

007.822/2005-4),

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as

razões expostas pelo Relator, em:

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42

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

9.1. deixar assente no âmbito desta Corte que:

9.1.1. o poder-dever sancionador deste Tribunal, que compreende a aplicação de multas, a

inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração

Pública e a declaração de inidoneidade do licitante fraudador para participar de licitação na

Administração Pública Federal, submete-se a uma limitação temporal, ou seja, é prescritível, em

conformidade com os princípios da segurança jurídica, da eficiência administrativa, do devido processo

legal e da razoabilidade;

9.1.2. no tocante ao prazo prescricional das sanções, as atividades de controle externo estão

sujeitas às normas de Direito Público (Lei 8.429/1992, Lei 8.112/1990, Decreto 20.910/1932, Lei

5.172/1966, Lei 9.873/1999, Lei 6.838/1980, Lei 12.529/2011, 12.846/2013, dentre outras), incidindo,

portanto, o período quinquenal para a imposição de reprimendas de caráter administrativo;

9.1.3. o termo inicial da contagem do prazo prescricional terá seu início na data em que os fatos

tidos como irregulares se tornaram conhecidos no âmbito deste Tribunal (princípio da actio nata);

9.1.3.1. no caso de processo de contas, presume-se a ciência do fato com a entrada no TCU da

prestação de contas ou da tomada de contas especial respectiva ou, para as unidades dispensadas do

dever de prestar contas, a partir da entrada nesta Corte do relatório de gestão;

9.1.4. quando o fato disser respeito a quem não tem o dever de prestar contas, o prazo de

prescrição começa a correr da ciência do fato pelo TCU, presumida, porém, a ciência do fato quando da

entrada do processo de prestação de contas neste Tribunal relativo ao órgão ou entidade no qual

ocorreu o fato ou, para as unidades dispensadas do dever de prestar contas, a partir da entrada nesta

Corte do relatório de gestão;

9.1.4.1. na hipótese do subitem 9.1.4, por analogia com o art. 142, §3º, da Lei nº 8.112/90, assim

como com a Lei nº 13.019/2014, que dispõe sobre as parcerias voluntárias entre o Poder Público e as

entidades civis, especificamente em relação ao seu art. 73, §§2º e 3º, com a redação dada pela Lei nº

13.204/2015, e ainda por analogia também com o art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.873/1999, a instauração

de processo de auditoria, denúncia ou representação tendente à apuração de fato específico não

contemplado na prestação de contas interrompe a prescrição, que recomeça a correr no dia

imediatamente subsequente;

9.1.4.2. em se tratando de ilícito relativo à gestão de recursos federais repassados mediante termo

de colaboração e termo de fomento, previstos na Lei nº 13.019/2014, cujo prazo de prescrição de 5 anos

contido no §2° do art. 73 da citada Lei n° 13.019/2014, a contar do recebimento da prestação de contas

pelo órgão ou entidade concedente, esteja vencido em relação ao concedente, presume-se a ciência do

fato quando da entrada no TCU da prestação de contas do órgão ou entidade concedente dos recursos,

ou, em se tratando de unidade dispensada do dever de prestar contas, a partir da entrada nesta Corte do

relatório de gestão;

9.1.4.3. por analogia com a Lei n° 13.019/2014, aplica-se o disposto no subitem 9.1.4.2 aos ilícitos

relativos à gestão de recursos repassados mediante convênios e instrumentos congêneres, cujo prazo de

5 anos, a contar do recebimento da prestação de contas pelo órgão ou entidade concedente, esteja

vencido.

9.1.5. a citação e a audiência válidas interrompem, por uma única vez, a prescrição, reiniciando a

contagem do prazo no dia imediatamente subsequente, em conformidade com o disposto no art. 240 do

Código de Processo Civil, c/c art. 8º do Decreto 20.910/1932;

9.1.6. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos

adicionais de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato

novo trazido pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais,

sendo que a paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos

elementos adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou

da resposta da diligência, observado o prazo máximo de 1 ano e 4 meses;

9.1.7. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da

parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992; e

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

9.1.8. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos

processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de

apreciação de recurso por este Tribunal.

9.2. remeter cópia do presente Acórdão (Relatório, Voto e Parte Dispositiva) à Comissão de

Jurisprudência, nos termos do § 3º do art. 91 do Regimento Interno;

9.3. remeter os autos ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos do § 2º do art. 91 do

Regimento Interno;

9.4. determinar à Segecex que oriente as suas unidades técnicas no sentido de que passem a avaliar

se ocorreu prescrição da pretensão punitiva quando da elaboração de instruções de controle externo.”

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016.

RAIMUNDO CARREIRO

Ministro

DECLARAÇÃO DE VOTO

De início, louvo os meus pares pela lucidez deste debate, destacando as valiosas contribuições

dadas por cada um em suas manifestações, que contêm, todas, sem exceção, teses jurídicas muito bem

elaboradas e compatíveis com a relevância do tema “prescrição da pretensão punitiva no TCU”, a

envolver, sobretudo, valores e princípios fundamentais insertos na Carta Constitucional.

2. A fixação de um único entendimento sobre a temática em questão é esperada há bastante tempo.

Pior que a preocupação sobre o acerto da decisão que advier desta sessão, essencialmente em vista de sua

validade e solidez perante o Poder Judiciário, é, com certeza, a falta de uniformização da matéria no

âmbito deste Tribunal. Trata-se de divergência por demais prejudicial ao jurisdicionado na medida em

que, calcada puramente em questão de direito, tem admitido julgamentos conflitantes a depender do

relator sorteado ou do colegiado competente, em descompasso com os parâmetros de equidade e de

isonomia.

3. Rememoro que este debate se originou de representação formulada pela Consultoria Jurídica

sobre a prescritibilidade da pretensão punitiva do TCU, especificamente quanto à aplicação de multa, nos

autos do TC 021.540/2010-1, inicialmente sob minha relatoria. Na peça representativa, relatou aquela

unidade de assessoramento a existência de precedentes jurisprudenciais nos quais se reconheceu prazo

prescricional de 5 (cinco) anos para a imposição de multa administrativa. Em especial, destacou o REsp

894.539/PI (Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/8/2009, DFe 27/8/2009),

em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) travou discussão sobre os efeitos da multa aplicada pelo

TCU em tomada de contas especial.

4. Em 29/6/2011, submeti pela primeira vez a matéria à apreciação deste Colegiado, no âmbito

daquela representação, propondo o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, no prazo de

5 (cinco) anos, contado do conhecimento do fato pelo TCU. Na ocasião, ante a lacuna normativa aplicável

aos processos de controle externo, vali-me do regramento previsto na Lei 8.112/1990, por analogia,

fundando-me, para tanto, basicamente nos mesmos argumentos ora pugnados pelo Ministro Benjamin

Zymler. O processo não foi a julgamento porque este Plenário entendeu conveniente, por sugestão do

próprio Ministro Benjamin, o deslocamento da matéria para processos futuros, em caráter incidental, no

exame de caso concreto.

5. Assim, em atendimento ao disposto acima, submeti novamente ao Colegiado a tese da prescrição

quinquenal por meio do TC 006.415/2008-8, na sessão de 7/12/2011, que não foi a julgamento em virtude

de pedido de vista formulado pelo Ministro Walton Alencar Rodrigues. Apresentado o voto revisor por

Sua Excelência, pautei mais uma vez o processo, em 21/11/2012, o qual novamente não foi apreciado em

razão de pedido informal feito por alguns ministros para que o feito fosse retirado de pauta de modo a

permitir prazo adicional para análise da matéria.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

6. Ato contínuo, ao assumir a presidência desta Casa, em janeiro de 2013, coube ao ministro

Benjamin Zymler a relatoria dos mencionados processos e a continuidade no trato desta temática que

reputo de enorme relevo, a qual, por sua vez, foi redirecionada para os processos TC 007.822/2005-4 e

TC 011.101/2003-6, culminando, por fim, neste incidente de uniformização de jurisprudência ora trazido

por Sua Excelência.

-II-

7. Depois de ponderar os argumentos favoráveis e contrários a cada uma das teses postas em

discussão, peço vênias, desde já, aos ministros revisores, e declaro anuência integral à tese defendida pelo

relator da matéria, ilustre Ministro Benjamin Zymler.

8. A única diferença entre a orientação que defendi no passado e a que expõe o relator nesta

assentada está na norma legal utilizada como analogia. Enquanto sustentei aplicação da Lei 8.112/1990,

Sua Excelência entende mais adequado o uso da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).

Concordo que ambas admitem o processo de integração, mas, repensando aquela que mais se assemelha à

atividade de controle externo exercida por esta Corte, revejo o meu posicionamento e adiro à posição

capitaneada pelo Ministro Benjamin Zymler.

9. Por considerar que a discussão está amplamente madura neste Tribunal, haja vista a profundidade

em que estão colocadas as teses e os argumentos que as amparam, abstenho-me de adentrar

especificamente cada um dos eixos centrais deste debate, definidos em: prazo prescricional, termo inicial

e causas interruptivas.

10. Limito-me apenas a reafirmar a argumentação desenvolvida pelo ilustre relator ao consignar em

seu voto que a falta de lei sobre matéria de prescrição não deve implicar conclusão pela

imprescritibilidade da pretensão punitiva. Em outras palavras, a reserva de lei atribuída pela Constituição

da República para ilícitos que causem prejuízos ao erário (art. 37, § 5º) – basicamente a multa prevista

nos arts. 57 e 58, inciso III, da Lei 8.443/1992, além das demais sanções previstas na referida norma legal

– não impede que o intérprete integre lacuna visando ao atendimento do princípio da segurança jurídica.

11. A regra geral do ordenamento jurídico, como se sabe, é a da prescritibilidade, de modo que a

utilização de analogia in bonam partem somente dá efetividade àquele valioso princípio inserto em nossa

Carta Constitucional.

12. Como bem ressaltou o relator, esse entendimento foi perfilhado recentemente em decisão

monocrática proferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso (MS 32.201/DF). Da mesma forma, há

diversas decisões adotadas no âmbito do Poder Judiciário que ratificam o uso da analogia em matéria de

prescrição da pretensão punitiva da Administração.

13. Outrossim, em pesquisa à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), noto a

existência de julgados que reafirmam essa posição, dos quais transcrevo, por elucidativo, a ementa da

decisão proferida no RMS 22.935/DF:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SINDICÂNCIA. REGISTRADOR.

OFÍCIO DE IMÓVEIS. CONDENAÇÃO À PENA DE MULTA. PRENOTAÇÃO. CANCELAMENTO

APÓS O PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. OBRIGATORIEDADE. DETERMINAÇÃO IMPOSTA EM

VISITA DE INSPEÇÃO. NORMAS TÉCNICAS IMPOSTAS PELO JUÍZO COMPETENTE.

DESCUMPRIMENTO. ARTIGOS 30, INCISO XIV, 31, INCISO I E V, 32, INCISO II, E 33, INCISO II,

DA LEI Nº 8.935/1994. PRAZO PRESCRICIONAL. APLICAÇÃO DA LEI 8.112/1990. ANALOGIA

LEGIS. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. MODIFICAÇÃO DO FATO IMPUTADO. NÃO

VERIFICAÇÃO. INDIVIDUALIZAÇÃO DA MULTA PARA CADA FATO OU ATO.

REGULAMENTAÇÃO DA PENA DE MULTA. DESNECESSIDADE.

1. Registrador de Ofício de Registro de Imóveis, sindicado, condenado em processo disciplinar por

não ter cumprido normas técnicas estabelecidas pelo Juiz competente e na legislação específica

(omissões quanto ao cancelamento de prenotações após o prazo do art. 205 da Lei nº 6.015/1973 e

desobediência do prazo para examinar os títulos e formular eventuais exigências para o registro).

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45

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

2. O fato de a Lei nº 8.935/1995 ser omissa quanto aos prazos prescricionais para cada uma das

possíveis penas disciplinares nela previstas (repreensão; multa; suspensão por noventa dias,

prorrogável por mais trinta; e perda da delegação) não viola o § 5º do art. 37 da Constituição Federal,

segundo o qual ‘a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,

servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento’.

Tal omissão pode ser suprida mediante a aplicação da analogia legis.

3. O exercício, mesmo como delegatários, de função ou atividade pública aproxima os

registradores de cartórios de imóveis dos servidores públicos quanto ao dever de bem cumprir as suas

tarefas, estando sujeitos, todos, a sanções disciplinares. Permite-se, assim, lançando mão da analogia

legis, aplicar, no caso concreto, relativo ao Distrito Federal, os prazos prescricionais pertinentes aos

servidores públicos da União.

4. A pena disciplinar de multa prevista no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da

União equivale à pena de suspensão, tendo em vista que essa poderá ser convertida naquela ‘quando

houver conveniência para o serviço’ (art. 130, § 2º, da Lei nº 8.112/1990). Consequentemente, seguindo

esse raciocínio lógico-jurídico, o prazo prescricional para a multa é de 2 (dois) anos, nos termos do art.

142, II, do mesmo diploma.

5. Relacionadas as infrações disciplinares a atos omissivos, o termo inicial do prazo prescricional,

respeitado o princípio geral da actio nata, coincide com a data inicial da omissão, ou seja, a partir do

momento em que deveria o recorrente ter praticado respectivo ato e não o fez. Afasta-se a prescrição,

portanto, em relação aos atos disciplinares cuja omissão teve início dentro de 2 (dois) anos da abertura

do procedimento administrativo disciplinar.

(...)

10. Recurso ordinário não provido.” (STJ - RMS: 22.935, Relatora: Ministra LAURITA VAZ,

Data de Publicação: DJ 02/12/2010) (grifei)

14. Além de todos os fundamentos aduzidos pelo Ministro Benjamin Zymler para afastar o prazo

geral de 10 (dez) anos estabelecido no Código Civil, vejo ainda que a mencionada Corte Superior já se

deparou exatamente com o mesmo dilema, ocasião em que prevaleceu a posição relativa ao prazo

quinquenal, por analogia, em vez da incidência direta da legislação civilista na seara do direito público.

15. Refiro-me ao REsp 1105442/RJ (Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, Data de Julgamento:

09/12/2009, S1 - Primeira Seção, Data de Publicação: DJe 22/02/2011), representativo de controvérsia,

com fundamento no art. 543-C do Código de Processo Civil, pelo qual a Primeira Seção daquela Corte

Superior deu provimento ao recurso para reformar a decisão impugnada que houvera adotado a tese

segundo a qual seria aplicável o então prazo vintenário previsto no Código Civil para efeito de prescrição

da pretensão de cobrança de multa administrativa pela via da execução fiscal, tendo admitido o manejo de

exceção de pré-executividade fundada em prescrição. A razão de decidir enfrentada foi que aquela sanção

teria natureza “não tributária” e que o Código Civil, apesar de disciplinar relações privadas, conteria

normas gerais de direito, aplicáveis às relações públicas quando omissa a legislação pertinente.

16. Para que melhor se entenda aquele debate e sua conexão com o presente julgamento, reproduzo

o seguinte trecho extraído do voto vencido de lavra do Ministro Herman Benjamin – cujos fundamentos

são bastante assemelhados aos defendidos pelos Ministros Revisores Walton Alencar Rodrigues e Bruno

Dantas, no sentido de que seja utilizado, por aplicabilidade direta, o prazo geral decenal regulado no

Código Civil:

“Em discussão o prazo prescricional para a cobrança de multa administrativa.

Peço vênia, mesmo que oralmente, para tecer algumas considerações.

Ao analisarmos temas desta natureza, devemos levar em conta que a Constituição atual, de modo

oposto ao da anterior, põe o interesse público na posição de sobreprincípio. Assim, se certas práticas ou

entendimentos eram admitidos no regime constitucional pretérito, caracterizado pelo individualismo e

pela ênfase nos interesses individuais, deve-se verificar sua adequação por meio de interpretação dos

valores que estão na base da Carta Constitucional.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Nesse aspecto, reputo ser importante, na delimitação do tema, a separação entre supremacia do

Estado versus supremacia do interesse público. O que defendemos no Superior Tribunal de Justiça e no

Supremo Tribunal Federal, na linha da orientação doutrinária em todo o Direito Comparado, mesmo

naqueles países que não têm uma Constituição welfarista como a nossa, é a supremacia do interesse

público, que não é necessariamente supremacia do Estado.

Ademais, o Código Civil foi, e continuará a ser, o regime comum tanto do Direito Privado como

do Direito Público. Indago: onde está, no Direito Público, a regulação do negócio jurídico público?

Onde está o sistema de invalidades dos atos administrativos antes da listagem da Lei da Ação Popular ou

mesmo da Lei da Improbidade Administrativa ou ainda da Lei da Licitação?

Não é porque o Código Civil, em regra, disciplina as relações jurídicas com enfoque no indivíduo

que se deva simplesmente afastar a sua aplicabilidade aos negócios jurídicos de Direito Público, pois

isso, a meu juízo, chocar-se-ia com o próprio sistema que impera no sistema jurídico brasileiro.

Especificamente no que tange ao prazo prescricional, deve-se entender que prescrição é matéria

de política legislativa. Isso quer dizer que cabe ao legislador estabelecer os prazos prescricionais,

considerando as circunstâncias próprias decorrentes da avaliação política no Parlamento.

O atual Código Civil, a partir do art. 206, institui prazos prescricionais diferenciados para

negócios jurídicos de Direito Privado – por exemplo, prazo de um ano para negócios jurídicos

relacionados a contratos de prestação de serviços com os hospedeiros ou fornecedores de víveres. No §

3º, estipula-se o prazo de três anos para os negócios jurídicos de locação. Por que três anos para

negócios jurídicos de locação e um ano para negócios jurídicos de hotelaria?

No § 5º da mesma norma, define-se o prazo de cinco anos para os negócios jurídicos de serviços de

natureza profissional liberal. Por que cinco anos? Por uma determinação do legislador, de natureza

política e não estritamente principiológica. Exceção a essa regra é a prescrição no campo penal porque

aí se leva em consideração indiretamente a gravidade do ilícito, já que se toma como parâmetro a pena

prevista no texto legal.

Concluo reportando-me ao Voto-Vista proferido nos Embargos de Divergência no Recurso

Especial 961.064⁄CE, de que foi Relator o eminente Ministro Teori Albino Zavascki, e no qual

acompanhei a divergência, pelo fato de que se tratava de terreno de marinha e havia norma expressa a

esse respeito. Lá afirmei o seguinte:

No caso dos terrenos de marinha, a Lei 9.636⁄1998 pela primeira vez disciplinou especificamente a

prescrição. Após as modificações promovidas pelas Leis 9.821⁄1999 e 10.852⁄2004, passou também a

regulamentar a decadência.

Como se sabe, o Direito Administrativo, em nosso ordenamento jurídico, não é codificado. Quer

isto dizer que é a legislação esparsa que dispõe sobre os seus institutos jurídicos. Não há, no entanto,

norma geral de Direito Público regulamentando a prescrição e a decadência em relação à cobrança dos

créditos não-tributários de titularidade da Administração Pública contra o administrado.

É equivocado o fundamento de que o princípio da simetria, no sentido de corolário do princípio da

isonomia, justifica a aplicação do prazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto 20.910⁄1932 para a

cobrança da taxa de ocupação dos terrenos de marinha. A premissa genérica de que, por se tratar de

relação de Direito Público, devem ser aplicadas contra a Administração Pública as regras publicistas

que foram criadas em seu favor, tende a aniquilar os pilares do regime jurídico administrativo, por

perigosamente anular a carga de eficácia dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do

interesse público. Lembremo-nos de que, em se tratando de Direito Administrativo, não é dado aplicar,

indistintamente, o princípio da isonomia formal entre o interesse público e o interesse particular.

Com essas observações, pedindo vênias ao judicioso voto do eminente Relator e sabendo que o

faço de maneira solitária, nego provimento ao Recurso Especial.

É como voto.” (grifei)

17. Em seu voto vencedor, o relator da matéria, Ministro Hamilton Carvalhido, assim se

pronunciou:

“(...)

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

É que decidiu o Tribunal a quo que a prescrição é vintenária, regendo-se pelo Código Civil,

afastando-se, assim, a legislação federal de natureza tributária, cuja incidência é postulada pelo

recorrente.

Isso estabelecido, a Administração Pública, por força de sua natureza e função, observado o due

process of law, tem o dever-poder de intervir no direito de liberdade e de propriedade dos administrados,

por meio do denominado ‘poder de polícia’.

(...)

Acerca do prazo para o exercício desse poder de polícia, doutrina e jurisprudência são uniformes

na submissão do poder do Estado ao tempo, em obséquio da segurança jurídica, um dos fins colimados

pelo Direito, eis que, como anota Hely Lopes Meirelles, citando J. J. Canotilho, ‘A segurança jurídica é

geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da

legalidade, um dos princípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito.’ (in Direito

Administrativo Brasileiro, 26ª edição, Editora Malheiros, pág. 90).

No sistema de direito positivo brasileiro, contudo, o poder de polícia não se mostrou,

anteriormente, submetido a prazos, estabelecendo-se apenas prazos prescricionais em favor da União,

Estados e Municípios, como é da letra do Decreto nº 20.910⁄32, que ‘Regula a prescrição quinquenal’.

Com efeito, falta previsão legal específica, aplicável à espécie.

É que não tem incidência o artigo 174 do Código Tributário Nacional, já que não se cuida de

crédito de natureza tributária, tampouco as regras de prescrição do Código Civil, uma vez que também

não se trata de relação jurídica de direito privado, mas, sim, de relação jurídica de direito público,

regendo-se, por força mesmo da natureza das coisas, pelas normas de Direito Administrativo, já que se

cuida de crédito de natureza evidentemente administrativa, oriundo do exercício do poder de polícia do

Estado.

Daí por que a doutrina vinha admitindo uniformemente a aplicação do prazo quinquenal

também contra a Fazenda Pública, por incidência isonômica do Decreto nº 20.910⁄32, à exceção de

Celso Antônio Bandeira de Mello que, também agora, passou a adotar o prazo quinquenal por ser uma

constante nas disposições gerais estatuídas em regras de direito público, quer relativamente ao Estado,

quer relativamente ao particular, como se recolhe no seguinte excerto de sua obra:

(...)

De todo o exposto resulta que, conquanto se entenda não atribuir à Lei nº 9.873⁄99 aplicação

subsidiária nos âmbitos estadual e municipal, eis que sua eficácia é própria do âmbito da Administração

Pública Federal, direta e indireta, resta incontroverso, de todo o constructo doutrinário e

jurisprudencial, que é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de

cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito,

com o vencimento do prazo do seu pagamento (cf. artigo 39 da Lei nº 4.320⁄64), aplicando-se o artigo 1º

do Decreto nº 20.910⁄32 em obséquio mesmo à simetria que deve presidir os prazos prescricionais

relativos às relações entre as mesmas partes e até autoriza, senão determina, a interpretação extensiva,

em função de sua observância.” (grifei)

18. Conquanto claras as diferenças havidas entre a situação enfrentada pelo STJ e aquela com a qual

nos deparamos neste momento, o fato é que aquele Tribunal superou a tese da incidência direta – ou

mesmo de analogia, para os que entendem admissível a utilização do instituto – do prazo geral do Código

Civil nas relações de Direito Público, tendo prevalecido a analogia com o Decreto 20.910/1932, por

razões de isonomia entre os sujeitos daquela relação jurídica controvertida (o Estado de um lado e o

cidadão comum do outro).

19. Por essas razões, acompanho na íntegra a proposta apresentada pelo eminente relator.

-III-

20. Na primeira oportunidade em que este processo foi pautado, formulei considerações pontuais

visando ao aperfeiçoamento da proposta do relator, nestas palavras:

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Adicionalmente, uma vez que prescrição é matéria de ordem pública, cabendo arguição de ofício

pelo juiz, entendo que o TCU não pode se descurar da obrigação de assim proceder, devendo, pois,

examinar, ainda que sem provocação da parte, a incidência desta causa extintiva de punibilidade.

Nessa linha, é prudente que a Secegex oriente as suas unidades técnicas no sentido de que passem

a avaliar se ocorreu prescrição da pretensão punitiva quando da elaboração de instruções de controle

externo.

Importante também deixar consignado que o entendimento a ser firmado pelo Tribunal deve se

aplicar, de imediato, não apenas aos novos processos autuados a partir deste marco, mas àqueles

pendentes de decisão de mérito ou de apreciação de recurso.

Portanto, proponho o seguinte adendo à minuta de acórdão apresentada pelo relator (acréscimo

dos subitens 9.1.6, 9.1.7 e 9.4):

‘(...)

9.1. deixar assente no âmbito desta Corte que:

(...)

9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da

parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992; e

9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos

processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de

apreciação de recurso por este Tribunal.

(...)

9.4. determinar à Segecex que oriente as suas unidades técnicas no sentido de que passem a avaliar

se ocorreu prescrição da pretensão punitiva quando da elaboração de instruções de controle externo.’

21. Logo vejo, nesta oportunidade, que o Ministro Benjamin Zymler incorporou à sua minuta de

voto as minhas singelas sugestões, pelo que agradeço à Sua Excelência e reitero, mais uma vez,

concordância integral com a sua proposta.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016.

Ministro JOÃO AUGUSTO RIBEIRO NARDES

Redator

VOTO REVISOR

Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência destinado a dirimir dúvida acerca da

subsunção da pretensão punitiva do Tribunal ao instituto da prescrição.

Integra o relatório apresentado pelo i. relator, ministro Benjamin Zymler, o voto revisor que proferi

nos autos do TC 007.822/2005-4 e a manifestação do Ministério Público especializado.

O Parquet apresenta, de forma sintética, os motivos da controvérsia:

“3. É importante observar que a matéria em tela é de grande relevância e envolve diversos

entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, em virtude da ausência de norma legal específica, a ponto

da questão relativa à prescrição no caso de imputação de débito ter sido discutida por muitos anos no

TCU, com posicionamentos pela imprescritibilidade ou pela utilização do prazo prescricional do Código

Civil, somente vindo a ser plenamente resolvida após o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ao

apreciar o Mandado de Segurança nº 26.210-9/DF, que ensejou a prolação do Acórdão nº 2709/2008 –

Plenário, por meio do qual se decidiu deixar assente no âmbito desta Corte de Contas que o art. 37 da

Constituição Federal conduz ao entendimento de que as ações de ressarcimento movidas pelo Estado

contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis.” (negritos do original, sublinhados

meus)

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Propõe o relator a adoção de prazo de prescrição quinquenal para o exercício do poder-dever de

punição do Tribunal. Fundamenta sua proposta em normas que integram o microssistema de Direito

Público (voto proferido por ocasião da prolação do Acórdão 1.314/2013, Plenário):

“22. Evoluindo entendimento anteriormente esposado em outras situações, devo admitir que a falta

de disposição legal a respeito do tema na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) implica extrair-se do

próprio Direito Administrativo, dada a sua independência científica, as bases para a integração dessa

lacuna, que impacta diretamente o poder sancionador desta Corte de Contas. Seguindo tal raciocínio,

penso que se há prazo próprio em ramo autônomo do Direito Público não há porque se insistir no

uso, por meio da analogia, de norma essencialmente disciplinadora das relações jurídicas privadas.

23. Sendo assim, fazendo uso de tal critério de integração, entendo que o prazo prescricional para

que o TCU aplique aos responsáveis as sanções previstas em lei deve mesmo ser o de cinco anos,

conforme previsto em diversas normas de direito público, a exemplo do art. 23, inciso II, da Lei

8.429/1992, do art. 142, inciso I da Lei 8.112/1990, do art. 1º do Decreto 20.910/1932, do art. 174 do

Código Tributário Nacional, do art. 1º da Lei 9.873/1999 e art. 1º da Lei 6.838/1980 e do art. 46 da Lei

12.529/2011.” (grifos meus)

Opina o Ministério Público especializado pela incidência do prazo geral de prescrição,

consagrado no Código Civil, à pretensão punitiva desta Corte de Contas:

“44. Ante todo o exposto, o Ministério Público de Contas junto ao TCU, por intermédio de seu

Procurador-Geral, considerando que a questão sob exame não contempla integração analógica, visto não

existir nenhuma lacuna legal a ser integrada; considerando os imperativos da segurança jurídica e do

respeito ao interesse público primário; considerando que os fundamentos dos precedentes judiciais

mencionados não possuem o condão de alterar o entendimento predominante no TCU, tendo em vista que

não há uma posição firmada no âmbito do Poder Judiciário, em especial no âmbito do Supremo Tribunal

Federal, sobre o caso específico tratado nestes autos; manifesta-se no sentido de que continue a ser

adotado, para fins de aplicação de penalidades, no exercício do controle externo, a responsáveis que

cometam irregularidades na gestão de recursos públicos federais, o prazo de prescrição decenal a

contar da data da ocorrência do fato, previsto no Código Civil Brasileiro” (negritos do original)

II

Assenta-se a controvérsia na interpretação de que a falta de disciplina da matéria na Lei

8.443/1992 revela a existência de lacuna a ser colmatada por meio de técnicas de integração,

notadamente a analogia.

Rejeitei, em manifestações anteriores, o uso da analogia no caso em exame, porque o

estabelecimento de regras para o exercício do poder punitivo, pelo Tribunal, constitui matéria de estrita

reserva legal, a teor do que dispõe o art. 37, § 5º, da Constituição Federal. Acerca do tema, assim me

pronunciei em assentadas anteriores:

“O Estado Democrático de Direito caracteriza-se, sobretudo, pela obediência da Constituição, cuja

supremacia, no estabelecer a principiologia da legalidade, da universalidade de jurisdição e dos direitos

fundamentais, é plenamente adotada, com abrangente vinculação sobre a interpretação de todas as

normas. Nele, a legitimidade da ação estatal decorre da correção dos procedimentos adotados, sempre

com albergue na Constituição Federal.

No caso concreto, a contínua regulação do exercício da atividade estatal, no campo dos direitos e

garantias fundamentais dos cidadãos, está adequadamente exposta no art. 37, § 5º, da Constituição,

segundo o qual as ações destinadas a cominar sanções, decorrentes de prática de atos ilícitos, têm seus

prazos prescricionais fixados por lei, lei formal e material, com forma e conteúdo de lei, in verbis:

“Art. 37. (...)

§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,

servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”

(grifos meus)

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Dessa forma, a partir da direta, inequívoca e abrangente expressão do texto constitucional, a fixar a

reserva da lei, a questão da possibilidade de incidência de prescrição da pretensão punitiva, no âmbito do

controle externo, já está claramente respondida.

As regras de prescrição, para o exercício do poder punitivo, por parte do Tribunal de Contas da

União, constituem, portanto, matéria de estrita reserva legal. É que “a lei estabelecerá”, e só a lei, não o

decreto, não a vontade do administrador ou do juiz. E esse expresso esquadro constitucional, a traçar

regra vinculatória da ação controladora, repele o instrumental da analogia e outros mecanismos de

exegese da lei.”

Em face do que dispõe o art. 37, § 5º, da Constituição Federal, manifestei minha opinião de que, na

ausência de lei específica acerca da incidência da prescrição ao exercício do poder-dever de sanção do

Tribunal, revela-se imprescritível tal pretensão.

Não acolhida a tese da imprescritibilidade da possibilidade de aplicação de multa, pelo Tribunal, o

único prazo prescricional aplicável ao processo de controle externo é aquele indicado no Código Civil,

em razão da natureza geral do comando contido no seu art. 205, que reproduzo:

“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”

Esta é a regra geral e não se pode ignorar que os institutos que integram a parte geral da legislação

civil codificada espraiam-se por todo o ordenamento jurídico, suplementando-o e integrando-o.

Esse, aliás, o conhecido magistério de Maria Helena Diniz, in verbis13:

“Apesar de haver objeções à (...) inclusão [da parte geral] no Código Civil, grande é sua utilidade

por conter normas aplicáveis a qualquer relação jurídica. Deveras, o direito civil é bem mais do que

um dos ramos do direito privado; estabelece os parâmetros de todo ordenamento jurídico e engloba

princípios ético-jurídicos de aplicação generalizada e não restritiva às questões cíveis. (...) É na Parte

Geral que estão contidos os preceitos normativos relativos à prova dos negócios jurídicos, à noção dos

defeitos dos atos jurídicos, à prescrição e à decadência, institutos comuns a todos os ramos do direito.

Eis por que Planiol, Ripert e Bulanger sustentam que o direito civil continua sendo o direito comum,

compreendendo normas atinentes às relações de ordem privada, generalizando conceitos fundamentais

utilizados, frequentemente, por juspublicistas.” (grifos meus)

Nessa linha, adverte Paulo Nader que “a expressão Direito Civil já foi, equivocadamente,

empregada como sinônimo (...) de Direito Privado, em oposição ao Público”14. Acrescenta o civilista que:

“A Parte Geral, que dispões sobre Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos, é propriamente Teoria Geral

do Direito e indispensável à ordem jurídica como um todo, embora dê unidade ao Direito Civil. Não é,

portanto Direito Civil, como expõe Caio Mário da Silva Pereira: ‘Embora o direito civil se tenha como

um dos ramos do direito privado, a rigor é bem mais que isto. Enfeixa os princípios de aplicação

corrente, de aplicação generalizada e não restritiva à matéria cível... é dentro dele que o jurista nacional

encontra aquelas regras de repercussão obrigatória a outras províncias do seu direito.”15(grifos

meus)

A moderna doutrina jurídica tem superado a ideia de que o Direito se divide em dois grandes

compartimentos, incomunicáveis: privado e público. Nessa quadra o magistério de Silvio de Salvo

Venosa16:

“A distinção entre direito público e privado, na vida prática, não tem a importância que alguns

juristas pretendem dar. O Direito deve ser entendido como um todo. Fazemos, porém, a distinção entre

direito privado e público, mais por motivos didáticos e por amor à tradição.” (grifos meus)

No mesmo sentido a lição de Caio Mario da Silva Pereira17:

“Não há cogitar, porém, de dois compartimentos herméticos, incomunicáveis, estabelecendo uma

separação total e absoluta das normas públicas e das normas privadas. Ao revés, intercomunicam-se com

13 Curso de direito civil brasileiro. Volume 1: teoria geral do direito civil. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 55. 14 Curso de direito civil, volume 1: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2007, p. 4. 15 Op., cit., p. 25. 16 Direito Civil: parte geral, v. 1. 5. ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 90. 17 Instituições de direito civil: volume 1, introdução ao direito civil: teoria geral do direito civil. 23. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2009, p. 11.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

frequência constante, tão assídua que muitas vezes se encontra regras atinentes ao direito público

nos complexos legais de direito privado, e, vice-versa, diplomas de natureza privada envolvem

inequivocamente preceitos juspúblicos.” (grifos meus)

Ainda sobre o tema, ensina Sílvio de Salvo Venosa que o conteúdo do Direito Civil ultrapassa as

fronteiras do direito privado, para alcançar outros ramos do Direito. É na técnica do Direito Civil –

leciona o autor – “que tomamos conhecimento da filosofia jurídica de um povo, do valor dado por ele ao

casamento, aos bens, à propriedade, enfim”18. É no Direito Civil, acrescento eu, que identificamos os

conceitos de pessoa jurídica – tanto de direito público, quanto de direito privado –, de domicílio –

inclusive das pessoas jurídicas de direito público –, de bens públicos e de prescrição.

Por todas essas razões, obtempera Sílvio de Salvo Venosa que “as noções fundamentais de Direito

Civil estendem-se a todas as áreas do Direito, não apenas ao direito privado, mas igualmente ao direito

público”19.

Aplica-se, a partir desse raciocínio, o prazo prescricional indicado no art. 205 do Código Civil a

todas as situações em que lei específica fixar prazo superior a dez anos, ou não dispuser sobre o tema.

Ao não dispor sobre o prazo de prescrição da pretensão punitiva do Estado, no exercício do controle

externo, o único prazo admissível é aquele indicado na regra geral de prescrição, consignada no Código

Civil.

O silêncio da Lei 8.443/1992, acerca da prescrição da multa, não abre lacuna a ser colmatada por

analogia, mas hipótese de incidência da regra geral de prescrição, contida na legislação civil codificada.

Haveria, portanto, quando menos, lei formal, dispondo sobre a prescrição do dever-poder

sancionador do Tribunal. A expressa disposição legal impede o uso da analogia, porque o instituto

somente tem lugar na hipótese de omissão da lei. Essa, aliás, a dicção do art. 4º da Lei de introdução às

normas do direito brasileiro, que transcrevo:

“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os

princípios gerais de direito.” (grifos meus)

No caso em exame, não há lacuna a ser preenchida por analogia com o direito público ou civil, mas

regra de incidência direta, assentada no art. 205 do Código Civil.

Por essas razões, afasto-me das conclusões trazidas pelo e. relator, no sentido de que o Tribunal

haveria de subordinar seu poder-dever de impor sanções à prescrição quinquenal, por ser esse o prazo

preponderante “no microssistema do Direito Público”.

Manifesto-me, pois, pela incidência da regra geral de prescrição assentada no Código Civil,

aplicável a todos os casos em que a lei sobre ela não dispuser explicitamente.

Ainda que se pretendesse afastar da regra geral de prescrição, consagrada na legislação civil

codificada, para buscar guarida na analogia, não se poderia adotar como premissa a existência de prazo

geral de prescrição, a regular todas as matérias de direito público, porque tal entender não se mostra

compatível com a necessária ampliação dos prazos prescricionais para infrações potencialmente mais

graves. Essa a regra fundamental a permear o ordenamento jurídico pátrio.

O Código Penal estabelece prazos prescricionais maiores para crimes com penas privativas de

liberdade mais longas, e menores, para ilícitos mais singelos. De igual sorte, a legislação civil codificada

assenta a ocorrência de prazos prescricionais mais dilatados nos casos em que a pretensão do autor visa a

proteger bem jurídico mais caro à sociedade.

Também na seara do direito administrativo, observa-se tal solução. A Lei 8.112/1990 fixa diferentes

prazos prescricionais para ações disciplinares, consignando prazo de prescrição maior para as infrações

mais graves, puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo

em comissão, e menor para as infrações que suscitam apenas advertência.

18 Direito Civil: parte geral, v. 1. 5. ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 95. 19 Loc. cit.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Por essa razão, não é adequado padronizar o prazo prescricional de cinco anos na seara do direito

administrativo. É certo que a infração que desperta o poder-dever de sanção do Tribunal, consagrado nos

artigos 57 e 58 da Lei 8.443/1992 é muito mais grave que singela infração de trânsito, por exemplo.

Aliás, a própria fixação administrativa pelo TCU de prazo prescricional por demais exíguo conteria,

até mesmo, negar vigência a previsão constitucional do art. 71, inciso VIII, segundo a qual incumbe ao

TCU “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções

previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao

erário”.

Necessário, portanto, que o interesse do Estado em reprimir as condutas lesivas ao Erário ou

contrárias ao interesse público encontre abrigo em prazo prescricional mais amplo que o assentado em

normas destinadas a sancionar os autores de infrações administrativas menos graves aos olhos da

sociedade.

III

Apresentei, na assentada anterior, proposta no sentido de que a fluência do prazo prescricional fosse

contada a partir do ingresso do processo no Tribunal, com fundamento no princípio da actio nata.

Permito-me, contudo, após maior reflexão, alterar esse entendimento, para aderir a regra geral de

contagem do prazo prescricional, posicionando seu dies a quo na data de ocorrência do fato irregular.

Em relação ao tema, adiro aos fundamentos apresentados pelo i. ministro Bruno Dantas, em voto revisor

apresentado neste incidente:

“48. Apenas para reflexão, relembro a lição de Pontes de Miranda para quem “o fundamento da

prescrição é proteger o que não é devedor e pode não mais ter prova da inexistência da dívida” –

hipótese que dá contornos ainda mais dramáticos à aplicação prática da tese da imprescritibilidade.

49. A pretensão nasce a partir da violação do direito e se extingue pela prescrição (Código Civil, art.

189). A tese apresentada pelo eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues entende que o prazo começa

a correr a partir da ciência da violação do direito por parte de seu titular, sugerindo que o titular do direito

seria o TCU.

50. Dissinto dessa construção. O titular do direito de punir é o Estado, enquanto o Tribunal é

apenas um instrumento para o exercício de tal pretensão. Nas relações submetidas à nossa jurisdição,

a União se faz presente de várias maneiras – e não apenas quando esta Corte toma ciência do fato. Um

contrato administrativo está sempre sob fiscalização do órgão contratante, um convênio sob a supervisão

do convenente. Além do mais, a jurisdição do TCU pode alcançar todos esses atos independentemente de

provocação.”

O reconhecimento da incidência do prazo de prescrição estabelecido pelo Código Civil implica

admitir sua interrupção pelo ato que ordenar a citação, audiência ou oitiva da parte (art. 202, inciso I),

bem como o retorno da sua contagem a partir da data em que tal ato foi praticado (art. 202, parágrafo

único, parte inicial).

Cuido, por fim, do tema atinente às causas de suspensão da prescrição.

Estabelece o Código de Processo Civil causas de suspensão do processo, sem se referir à suspensão

da prescrição (art. 265). Deve-se a ausência dessa expressa previsão ao fato de a interrupção no processo

civil perdurar até o trânsito em julgado da ação.

No processo de execução, sujeito à prescrição intercorrente, a suspensão implica paralisar a fluência

do prazo prescricional, a despeito de previsão expressa no art. 791 do Código de Processo Civil. Sobre o

tema, disserta Fredie Didier Jr.20:

“Durante o período de suspensão da execução, não corre o prazo prescricional, visto que a

prescrição pressupõe a inércia do exequente, o que, no caso, não existe.” (grifei)

20 Curso de direito processual civil: vol. 5, execução. 3. ed., Salvador : JusPodivm, 2011, p. 336.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Necessário, pois, que o Tribunal reconheça a possibilidade de suspensão do processo e, por

consequência, do fluxo prescricional, em face das peculiaridades do processo de controle externo,

notadamente por ser ele regido pelo princípio da verdade material, situação que acaba por dilatar o

exercício do contraditório e da ampla defesa pelos interessados.

Imperativo que os adicionais prazos de defesa conferidos aos responsáveis, assim como o tempo

necessário ao exame, pela unidade técnica, pelo Ministério Público e pelo relator, dos elementos

adicionais de defesa, sejam tratados como períodos de suspensão da prescrição, com fundamento no art.

265, inciso IV, alínea ‘b’, do Código de Processo Civil21, porque, nesses casos, não há inércia do

Tribunal, mas ampliação do exercício do contraditório e da ampla defesa pelo responsável.

Na lição de Fredie Didier Jr., o dispositivo trata de “suspensão em razão de uma questão preliminar

ao exame de mérito: a questão prévia que condiciona o próprio exame da questão de mérito”22. Ajusta-se

a tal conceito a permissão para que o responsável amplie o exercício do contraditório e da ampla defesa

prescritos na lei de regência do processo de controle externo.

Além disso, seria contraditório permitir que tais dilações temporais, havidas no interesse do

responsável, pudessem contribuir para a formação da prescrição intercorrente.

Em relação ao tema, apresentei, na assentada anterior, proposta grafada nos seguintes termos:

“9.1.5. a apresentação de elementos adicionais de defesa, pelo responsável, suspende a fluência da

prescrição, que somente voltará a correr após o exame desses elementos de defesa pela unidade técnica,

pelo Ministério Público e pelo relator”

O e. ministro Vital do Rêgo apresenta proposta que encerra pequena alteração em relação ao que

consignei. Acrescenta Sua Excelência, entre as hipóteses de suspensão, em que fato novo apresentado

pela parte, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, ensejar a realização de

diligências. Sugere, ainda, que a suspensão, interrompida por uma dessas situações, volte a correr com a

“análise dos referidos elementos ou da resposta da diligência”, isto é, com o término da fase de instrução

(art. 160, § 2º, do Regimento Interno).

A proposta oferecida pelo e. ministro Vital do Rêgo abrevia o período de suspensão da prescrição,

porque dele exclui o tempo despendido pelo Ministério Público e pelo relator para o exame dos adicionais

elementos de defesa oferecidos pelo responsável. Acolho tal proposição, porque ela imuniza o

responsável de eventuais delongas no julgamento do processo.

IV

Propõe o i. ministro Vital do Rêgo, que o Tribunal fixe, nesta assentada, a possibilidade de

prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos processos de controle externo, ser reconhecida

“independentemente de alegação da parte”. A proposta mostra-se correta e oportuna, porque a prescrição

é matéria de ordem pública, podendo, nesses termos, ser declarada de ofício, pelo juiz (CPC, 487, inciso

II).

Propõe, em acréscimo, o e. ministro Vital do Rêgo que o Tribunal aplique o entendimento

consagrado neste julgado “de imediato, aos processos novos (autuados a partir desta data) bem como

àqueles pendentes de decisão de mérito ou de apreciação de recurso por este Tribunal”. Tal proposta

apresenta-se igualmente adequada, porquanto aderente às regras de vigência aplicáveis às normas de

direito processual intertemporal.

Acolho, pelas razões expostas, tais proposições.

Feitas essas considerações, voto por que o Tribunal de Contas da União aprove o acórdão que

submeto à apreciação deste Colegiado.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016

WALTON ALENCAR RODRIGUES

21 “Art. 265. Suspende-se o processo: (...) IV – quando a sentença de mérito: (...); b) não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de

produzida certa prova, requisitada a outro juízo” (grifos meus). 22 Curso de direito processual civil: vol. 1, teoria geral do processo e processo de conhecimento. 7. ed., Salvador : JusPodivm, 2007, p. 521.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Revisor

DECLARAÇÃO DE VOTO

Primeiramente, quero dizer da minha satisfação de ver em debate teses de tão elevado

conhecimento e interpretação jurídica.

E não é por acaso. Decidir sobre prescrição nem sempre é fácil, mesmo quando se tem regras

específicas; então, em algo muito menos óbvio consiste a tarefa de aplicá-la relativamente às punições

próprias do processo do TCU, cuja Lei Orgânica não trata do tema.

Embora tenham chegado a propostas substancialmente distintas, no que diz respeito aos aspectos

principais, isto é, o prazo prescricional e o seu termo inicial de contagem, as linhas defendidas se

equiparam na boa fundamentação e na força argumentativa, circunstância que torna difícil a opção.

No entanto, considerando que prescrição é instrumento para dar segurança às relações jurídicas, de

modo que os conflitos não se arrastem indefinidamente, acolho a proposta que melhor cumpre esse papel.

No meu modo de pensar, é aquela emprestada do Código Civil para situações gerais, que fixa para a

prescrição o prazo de 10 anos, a contar da ocorrência que sujeita o responsável à sanção.

De fato, a alternativa do prazo quinquenal, conquanto possa fazer a prescrição operar mais

rapidamente se a irregularidade vier a ser conhecida dentro dos primeiros 5 anos, pode também, por outro

lado, gerar instabilidade ao inserir componente imprevisível na contagem do tempo, que começaria na

data em que o Tribunal tiver ciência do ato irregular.

Portanto, renovando elogios à discussão, acompanho integralmente a proposta do Revisor, Ministro

Walton Alencar Rodrigues.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em tagDataSessao.

JOSÉ MÚCIO MONTEIRO

Redator

DECLARAÇÃO DE VOTO

Cuida-se de incidente de uniformização de jurisprudência, instaurado com o fito de obter

pronunciamento do Plenário acerca de dois pontos:

a) incidência do fenômeno de prescrição da pretensão punitiva do Estado nos temas de competência

do Tribunal de Contas da União; e

b) em caso de resposta afirmativa da primeira questão, na definição do prazo prescricional aplicável

às sanções descritas na legislação de regência, afastada a possibilidade de prescrição do ressarcimento do

dano, por expressa dicção constitucional.

2. De pronto, louvo a qualidade dos pronunciamentos dos ministros que se posicionaram quanto a

essa matéria. Reconheço que resta facilitada a exposição de meu entendimento, porquanto os principais

aspectos atinentes à questão já foram exaustiva e didaticamente apresentados.

3. Antes de adentrar no exame de cada nuance que envolve a presente discussão, julgo pertinente

delimitar as premissas que pautam meu posicionamento e, a meu ver, devem nortear o presente

julgamento.

4. A prescrição é fenômeno material e não processual. Ela está associada ao próprio fundo de direito

e não ao veículo utilizado para obter a tutela estatal – seja jurisdicional, seja administrativa – da pretensão

lesionada ou ameaçada de lesão.

5. A legislação brasileira superou a confusão conceitual que pairou sobre o fenômeno da prescrição

até 2002. Afastada a noção vetusta de “perda do direito de ação pela inércia do titular”, optou-se

expressamente pelas posições alemã e suíça, em detrimento da italiana.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

6. Com efeito, ao positivar que a presunção implica a perda da pretensão (a “actio” do direito

romano, e a “anspruch” do direito alemão) pelo decurso do tempo, o art. 189 do Código Civil pôs fim a

um debate que durou quase todo o século XX.

7. Segundo Pontes de Miranda, “A prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra

jurídica fixa, a sua pretensão ou ação. Serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia das

pretensões e das ações. A perda ou destruição das provas exporia os que desde muito se sentem seguros, em paz, e

confiantes no mundo jurídico, a verem levantarem-se – contra o seu direito ou contra o que têm por seu direito –

pretensões ou ações ignoradas ou tidas por ilevantáveis.” (MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. 4 ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.)

8. Os fundamentos da prescrição são a paz social, a estabilidade das relações jurídicas e o

reconhecimento do direito fundamental à segurança jurídica. O que justifica sua existência é o interesse

da comunidade em que se reconheça a força do tempo para estabilizar situações de fato consolidadas,

protegendo o devedor, punindo a inércia do credor e evitando a proliferação infinita de controvérsias

intermináveis.

9. No dizer de J. J. Gomes Canotilho, “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua

vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como

elementos constitutivos do Estado de Direito.

(...)

Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos de orientação e realização

do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança,

designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos

poderes públicos.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed.

Coimbra: Almedina, 1999.)

10. Essas bases levam-me a pautar minha análise sobre essa questão por uma ótica teleológica e não

pela possibilidade de aumentar a probabilidade de o Tribunal vir a sancionar aqueles que cometam atos

irregulares. De fato, entendo que devamos assegurar o direito fundamental dos agentes jurisdicionados à

segurança jurídica.

11. Não se trata, portanto, de prognosticar qual o melhor prazo para o controle mais efetivo, o mais

justo no sentido material ou o que favorece a comunidade como um todo na punição de atos irregulares,

argumentos de política que têm lugar no momento de criação de uma nova legislação, no qual existe

discricionariedade e espaço para escolhas particulares. Como julgadores, é necessário que busquemos, no

sistema jurídico, o que o ordenamento constitucional e legal apresenta como resposta para essa questão.

12. Tenho defendido que, ao cotejar o problema em questão e as diversas regras e princípios

jurídicos incidentes, o julgador encontra-se vinculado à solução que emerge do sistema, não gozando de

liberdade e conveniência para escolher a opção que mais lhe agrada. Definitivamente, não possuímos

poder discricionário para escolher o critério que mais nos apraz!

13. Resumidamente, podemos elencar da seguinte forma as três principais posições defendidas aqui

neste Tribunal:

a) imprescritibilidade da pretensão punitiva, dada a ausência de lei específica que regule o tema;

b) prazo prescricional decenal para o exercício da pretensão punitiva, dado o enquadramento do art.

205 do Código Civil na previsão constitucional disposta na primeira parte do art. 37, § 5º, da Constituição

(“a lei estabelecerá os prazos de prescrição”);

c) prazo prescricional quinquenal para o exercício da pretensão punitiva, dada a aplicação

analógica de diversas normas integrantes do sistema de direito público, em conformidade com o art. 4º da

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

14. Em nome da cuidadosa e escorreita análise sobre o tema, é importante frisar, desde logo, que o

dissenso entre as duas últimas posições listadas não envolve a escolha sobre a norma mais adequada para

se aplicar a analogia.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

15. Vale dizer, ao contrário do que poderia parecer, não estamos em busca da melhor analogia: se

com as normas de direito público ou com as normas de direito privado. Trata-se de se confrontar duas

posições cujos métodos de solução são bastante antagônicos: (i) de um lado, a incidência direta do

código civil, que prevê dez anos como um prazo geral e residual, em matéria cuja regulação deve ser feita

por lei segundo a determinação constitucional; e (ii) de outro, a utilização da analogia para aplicação do

prazo quinquenal, visto que tal prazo é repetido em diversas normas de direito público, em especial, as de

direito administrativo estrito.

16. Dada a excelência dos votos já apresentados, permito-me manifestar pontualmente quanto à

essência da questão, sem reproduzir novamente os principais argumentos de uma ou outra parte.

II

17. Primeiramente, enfrento a preliminar de imprescritibilidade, tese aventada pelos eminentes

ministros Walton Alencar Rodrigues e Aroldo Cedraz.

18. Não creio que a opção do constituinte foi pela imprescritibilidade da pretensão punitiva,

conforme revela a leitura atenta do art. 37, § 5º, da Constituição, segundo o qual, “a lei estabelecerá os

prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos

ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.

19. Com base na ressalva final, prevaleceu o entendimento de que as ações de ressarcimento são

imprescritíveis, mas não a punição decorrente dos ilícitos praticados pelos agentes.

20. Sabemos que, no nosso sistema jurídico, a regra é a prescritibilidade das ações. É que, dada a

incidência do princípio da segurança jurídica, da estabilidade social e da previsibilidade sobre os

comportamentos humanos em geral, a Constituição elenca, de maneira expressa, quais as pretensões estão

resguardadas contra a passagem do tempo: o art. 5º, incisos XLII (prática de racismo) e XLIV (ação de

grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático) e a parte final do art. 37, § 5º

(ações de ressarcimento por prejuízo ao erário).

21. Todavia, o argumento mais sofisticado da tese levantada pelos meus nobres colegas defende não

exatamente a imprescritibilidade de modo geral, mas a impossibilidade do reconhecimento de qualquer

prescrição dada a ausência de lei que supra a reserva legal estabelecida pelo art. 37, § 5º, da Constituição

(norma de eficácia limitada, conforme classificação de José Afonso da Silva).

22. Estou de acordo com o entendimento de que omissão de regra adstrita à reserva legal não pode

ser suprida diretamente mediante acórdão. São bastante pontuais os casos em que a Constituição deixa a

cargo do Congresso Nacional, no exercício da função legislativa, densificar as regras que ela estabelece.

No entanto, nessas hipóteses, o princípio da separação dos poderes impede que outros órgãos ocupem tais

atribuições, ainda que os motivos sejam os mais nobres. Associo tal defesa ao princípio da conformidade

funcional, princípio de interpretação que orienta o hermeneuta a extrair da norma aquele sentido que

melhor preserve a repartição de funções constitucionalmente estabelecida e a separação dos poderes.

23. Por outro lado, não creio que a tese, ainda que intente preservar o princípio da separação dos

poderes, conduza-nos à imprescritibilidade, vez que essa solução ofenderia diversos princípios que

incidem no problema em questão, a exemplo do devido processo legal, da eficiência administrativa e,

sobretudo, à segurança jurídica.

24. Ao tempo em que elege a separação dos poderes como princípio fundamental (CF, art. 2º), a

Constituição também nos obriga a dar efetividade aos direitos fundamentais, dentre eles, o da segurança

jurídica. Ressalto que, reconhecida a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, tais garantias “não se limitam à função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder

público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição,

com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos,

judiciários e executivos” (SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009).

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

25. Esse aspecto objetivo dos direitos fundamentais “comunica-lhes, também, uma eficácia

irradiante, o que os converte em diretriz para a interpretação e aplicação das normas dos demais

ramos do direito” (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar

Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009). Em adição, há que se

considerar o princípio da máxima efetividade na interpretação das normas constitucionais, segundo o

qual, na dúvida, reconhece-se aquele sentido que dê maior eficácia aos direitos fundamentais.

26. Dessa forma, à luz dos direitos fundamentais, não me parece que a melhor solução seja admitir

que os agentes devam ficar indefinidamente com a espada de Dâmocles pairando sobre a sua cabeça,

aguardando o dia em que o Estado deixe sua inércia e resolva exercer sua pretensão punitiva. No limite,

estaríamos considerando razoável que, no fim da vida, as pessoas guardassem caminhões de documentos

sob o constante risco de serem punidas por irregularidades cometidas – ou não, o que é pior – há trinta ou

quarenta anos.

27. Julgo que devamos encontrar solução que preserve, de alguma maneira, a segurança jurídica do

jurisdicionado, aqui materializada no instituto da prescrição – o que não ocorre com a tese ora combatida.

28. Noto que estamos diante de um conflito entre bens jurídicos constitucionalmente protegidos, um

princípio fundamental (separação dos poderes) e um direito fundamental da mais alta hierarquia

axiológica (segurança jurídica). Nessa hipótese, de acordo com o princípio de interpretação da

concordância prática ou da harmonização, impõe-se buscar a solução que melhor coordene e combine tais

bens em colisão de modo a evitar o sacrifício total de qualquer deles em relação ao outro.

29. Esses princípios da interpretação constitucional (conformidade funcional, máxima efetividade e

harmonização), delineados segundo a doutrina de J. J. Gomes Canotilho, nortearam minha exegese sobre

as normas que regem a matéria para que eu pudesse construir meu entendimento sobre a solução

constitucionalmente adequada para a questão em debate, conforme comentado a seguir.

30. De qualquer forma, deixo consignada a minha convicção no sentido de que nossa discussão não

se estende do nada (prazo nenhum) ao infinito (imprescritibilidade), mas de cinco a dez anos como prazo

limite para o exercício da pretensão punitiva do Tribunal.

III

31. Considerando que a melhor interpretação do problema em questão não pode nos conduzir à tese

da imprescritibilidade, passo a me ater sobre a discussão acerca de qual seria o prazo adequado a ser

adotado pelo tribunal como limitação temporal ao exercício de sua pretensão punitiva.

32. A primeira tese, sustentada subsidiariamente pelo ministro Walton Alencar Rodrigues, defende

o prazo decenal estabelecido pelo Código Civil (art. 205).

33. A segunda tese, que defende o prazo quinquenal a partir de analogia com diversas normas de

direito público, é capitaneada pelo ministro Benjamin Zymler, mas também adotada por outros ministros

com pequenas variantes.

34. Quanto a essa questão, o ordenamento jurídico tem resposta constitucionalmente adequada tanto

no que diz respeito à observância dos direitos fundamentais do jurisdicionado quanto no que tange às

funções do Poder Legislativo diante do princípio da separação dos poderes. No meu entender, a aplicação

do Código Civil pelo Tribunal é a solução mais correta.

35. A Constituição reservou ao legislador o estabelecimento do prazo prescricional. O Poder

Legislativo, ao aprovar o Código Civil, definiu que a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não

houver fixado prazo menor.

36. Ou seja, a decisão do poder constituinte consubstanciada em destinar ao legislador – e só a ele –

o estabelecimento do prazo prescricional materializou-se diretamente na aprovação do art. 205 do Código

Civil. Restou definido que o prazo de dez anos seria aplicável a dois tipos de situações: quando houver lei

estabelecendo prazo maior e quando não houver lei (hipótese na qual se enquadra o caso em debate).

37. Não vislumbro possibilidade jurídica de desrespeitarmos essas duas vontades da mais alta

legitimidade no quadro de um Estado Democrático de Direito: a do poder constituinte, ao atribuir

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

unicamente ao legislador a decisão sobre o prazo prescricional aplicável; e a do legislador, ao definir que,

na ausência de lei específica, vigora o prazo geral de dez anos.

38. Colocadas essas questões, parece-me inadequada a adoção da analogia para resolver o caso. Em

primeiro lugar, a própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que a analogia será

utilizada pelo juiz “quando a lei for omissa”, o que definitivamente não é o caso, dada a previsão do

Código Civil. Ademais, e principalmente, temos que responder se é válida a utilização da analogia diante

de norma constitucional que reserva ao legislador o tratamento da matéria, conforme já alertado pelos

ministros que me antecederam.

39. Cabe destacar, ainda, que é indevida a oposição entre o público e o privado estabelecida com a

finalidade de afastar incidência da regra decenal. O alcance da parte geral do Código Civil não se limita

às relações privadas, enfeixando regras que conformam verdadeira “Teoria Geral do Direito”. Esse é o

entendimento da doutrina, nacional e estrangeira, citada no voto do Ministro Walton Alencar Rodrigues

(Caio Mário da Silva Pereira, Paulo Nader, Maria Helena Diniz, além de Marcel Planiol, Georges Ripert e

Jean Boulanger).

40. É dizer, as normas ali contidas aplicam-se a quaisquer relações jurídicas, orientando o

ordenamento jurídico como um todo.

41. Na nossa jurisprudência, é comum recorrermos à parte geral do Código Civil em busca do

conceito e do sentido de institutos aplicáveis a qualquer âmbito do direito, a exemplo das disposições

concernentes às pessoas jurídicas, ao domicílio, ao regime de bens etc.

42. Há anos aplicamos o instituto da desconsideração da personalidade jurídica com fundamento no

art. 50 do Código Civil e o princípio da boa-fé objetiva com base no mesmo código, além de todas as

normas atinentes aos negócios jurídicos. Em adição, não se pode olvidar a relevância da teoria do fato

jurídico de Pontes de Miranda, que, embora desenvolvida no seio da doutrina de Direito Civil, alcança e

influencia todos os ramos do direito, inclusive a teoria do ato administrativo.

43. Por fim, voto complementar do Ministro Benjamin Zymler menciona conversa informal em que

o Procurador-Geral, Paulo Soares Bugarin, teria atentado para o fato de que a Lei Orgânica do TCU (art.

35) prevê a interposição de recurso de revisão por parte do Ministério Público de Contas no prazo de até

cinco anos, motivada por razões como erro de cálculo ou insuficiência de documentos em que se fundou a

decisão recorrida, por exemplo.

44. Esse aspecto demonstra a impossibilidade da adoção do prazo prescricional de cinco anos sem

prejuízos à coerência do conjunto das normas de controle externo. É dizer, o sistema não fecha, porquanto

não é possível compatibilizar de maneira harmônica prescrição quinquenal para a pretensão de atuação do

Tribunal com a previsão legal de prazo recursal em cinco anos a ser exercido pelo Ministério Público, sob

pena de subtrair essa possibilidade de atuação do MP/TCU no tocante à aplicação de sanções pelo TCU.

IV

45. Muito embora adira ao prazo decenal, creio que, em um aspecto essencial, minha posição é

dissonante das demais: o início da contagem do prazo. E, neste ponto, creio que as principais teses

apresentadas deixaram de atentar para a necessidade de preservação da segurança jurídica, direito

fundamental dos agentes jurisdicionados ao Tribunal.

46. As principais teses defendidas pelos meus pares concordam que o início da contagem do prazo

prescricional deve ter por base o conhecimento dos fatos pelo Tribunal. Não creio que esse entendimento

seja o mais adequado.

47. Praticado determinado ato pelo agente, é desarrazoado considerar que a prescrição não corra até

o conhecimento dos fatos pelo TCU, o que pode se dar indefinidamente (por exemplo, se nunca viermos a

fiscalizar aqueles atos). Ou seja, o agente estaria à mercê do comportamento do Tribunal e só teria suas

expectativas estabilizadas se seus atos viessem a ser efetivamente fiscalizados por esta Corte.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

48. Por hipótese, imagino pilhas de documentos sendo protocoladas diariamente nesta Corte a partir

desta decisão, provenientes de gestores ansiosos por “dar conhecimento” ao Tribunal de seus atos para

que possam, um dia, descansar quanto ao risco de serem interpelados sobre seu comportamento passado.

49. Em 2009, por exemplo, o TCU fiscalizou as obras de Angra 3, que retomavam contrato

pactuado ainda no ano 1983. Considerando que até então o Tribunal nunca tinha vistoriado a obra,

questiono se seria razoável, dentro de um quadro de proteção aos direitos fundamentais, que os agentes

responsáveis pela elaboração dos projetos de engenharia fossem questionados e eventualmente apenados

por atos praticados há mais de 25 anos. Nosso Estado Democrático de Direito não conviveria bem com

ofensa de tal monta à estabilidade social e à segurança jurídica. Tratar-se-ia, em verdade, de uma

“imprescritibilidade disfarçada”. Tal situação seria incoerente sob a perspectiva de um ordenamento

jurídico no qual até um crime de homicídio teria prescrito após 20 anos da ocorrência do fato.

50. Apenas para reflexão, relembro a lição de Pontes de Miranda para quem “o fundamento da

prescrição é proteger o que não é devedor e pode não mais ter prova da inexistência da dívida” –

hipótese que dá contornos ainda mais dramáticos à aplicação prática da tese da imprescritibilidade.

51. A pretensão nasce a partir da violação do direito e se extingue pela prescrição (Código Civil, art.

189). A tese apresentada pelo eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues entende que o prazo começa

a correr a partir da ciência da violação do direito por parte de seu titular, sugerindo que o titular do direito

seria o TCU.

52. Dissinto dessa construção. O titular do direito de punir é o Estado, enquanto o Tribunal é apenas

um instrumento para o exercício de tal pretensão. Nas relações submetidas à nossa jurisdição, a União se

faz presente de várias maneiras – e não apenas quando esta Corte toma ciência do fato. Um contrato

administrativo está sempre sob fiscalização do órgão contratante, um convênio sob a supervisão do

convenente. Além do mais, a jurisdição do TCU pode alcançar todos esses atos independentemente de

provocação.

53. A hipótese mais próxima é a de um delito criminal, cujo início da prescrição não precisa

aguardar conhecimento do Estado: “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a

correr do dia em que o crime se consumou” (Código Penal, art. 111, inciso I), pois é quando nasce o ius

puniendi. De se observar que o Ministério Público não tem seu prazo relevado se a culpa da inércia estatal

deve ser atribuída ao responsável pelo inquérito policial: quem tem a pretensão fulminada pela prescrição

é o próprio Estado.

54. Evidentemente, me sensibilizo com as preocupações manifestadas quanto ao risco de que a ação

de controle externo fique condicionada à celeridade administrativa dos gestores diretamente envolvidos

com o objeto de controle. Trata-se de razões estratégicas da mais nobre importância, mas que não são

suficientes para afastar a necessidade de proteção dos direitos fundamentais, não podendo a eles se

sobrepor.

55. Registro que a nossa perspectiva aqui não é a da preservação do poder de punir do Estado, mas

a do reconhecimento da existência de um direito à segurança jurídica e à estabilidade social

proporcionadas pela existência de uma regra prescricional – o que vincula de forma determinante a nossa

decisão.

56. E não faria sentido, no meu entender, aplicar a prescrição com vistas a proteger o direito

fundamental do agente de ter sua situação jurídica estabilizada pelo transcurso do tempo, adotando como

marco temporal para tanto um fato que pode nunca vir a ocorrer.

57. Ademais, operando-se a prescrição em virtude de culpa ou dolo no atraso do encaminhamento

das informações ao Tribunal, caberá punição ao gestor omisso com base, por exemplo, no art. 74, § 1º, da

Constituição Federal e arts. 8º, caput, e 51 da Lei Orgânica do TCU. Na realidade, penso que toda essa

conjuntura servirá para ensejar a melhoria da atividade administrativa e do sistema de controle interno da

Administração Pública, contribuindo esta Corte para dar real efetividade ao princípio da razoável duração

do processo administrativo inserido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.

V

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

58. Adoto, portanto, o prazo de prescrição decenal, contado da prática do ato e interrompido

uma única vez na citação/audiência válida realizada pelo Tribunal, em conformidade com o art. 37, §

5º, da CF/88, c/c os arts. 205 e 189 do Código Civil e 219, caput, do Código de Processo Civil, e em

consonância com jurisprudência pacífica do Tribunal no sentido de que a citação válida e exigível é

apenas aquela realizada pelo TCU.

59. Adicionalmente às considerações já expostas, pondero que a posição que ora defendo encontra

suporte na tradição jurisprudencial construída pelo Tribunal nesse tema. E esse aspecto joga ainda mais

luz no princípio da segurança jurídica, agora sob uma nova óptica: a da previsibilidade e da

calculabilidade.

60. Todos sabemos que vem crescendo a importância dos precedentes no nosso ordenamento. A

doutrina mais moderna já sustenta que a segurança jurídica comporta elementos que exigem estabilidade,

certeza e duração da jurisprudência solidificada, dada a expectativa criada de que comportamentos

anteriores venham a ser seguidos em casos semelhantes: “é fora de dúvida que a jurisprudência consolidada condiciona comportamentos, gerando padrões de

conduta estáveis. Ao cristalizar-se nos debates pretorianos, o entendimento sólido dos tribunais a respeito de um

tema é um relevante dado do tráfego jurídico e que frequentemente é utilizado para a tomada de conduta individual.

É que muitos atos decisórios (...) assumem uma capacidade de generalização e irradiação que outras decisões

não possuem, sinalizando padrões de conduta para uma grande quantidade de casos similares. Trata-se de um

relevante aspecto da segurança jurídica, qual seja, a calculabilidade do resultado normativo de uma conduta

humana, que fornece aos indivíduos “segurança de orientação” na adoção de um comportamento.” (CABRAL,

Antônio do Passo. Estabilidade e Jurisprudência consolidada: proteção da confiança e a técnica do julgamento

alerta. In DANTAS, Bruno et al._(Coords.). O Papel da Jurisprudência no STJ. 1 ed. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2014.).

61. Também tenho defendido que a uniformidade interpretativa preserva o direito do

jurisdicionado à igualdade, à isonomia, à legalidade e à segurança jurídica, na medida em que a lei,

vocacionada a ter um único sentido correto, deve receber, sempre, a mesma interpretação desde que

presentes as mesmas condições fáticas relevantes ao julgamento (Direito fundamental à previsibilidade

das decisões judiciais. Revista Justiça & Cidadania. vol. 149; e Teoria dos Recursos Repetitivos – São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2015).

62. Observo, ainda, que o art. 926, caput, do novo Código de Processo Civil (de aplicação

subsidiária aos processos desta Corte) prevê que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e

mantê-la estável, íntegra e coerente.

63. Isso não significa que não possa haver evolução da jurisprudência, mas é necessário estarem

evidenciados motivos suficientes para tanto, que demonstrem o desacerto das decisões anteriores ou a

própria evolução do direito e da percepção dos julgadores sobre a matéria. Diante de duas soluções

igualmente razoáveis, deve-se optar por aquela que preserve a estabilidade da jurisprudência em nome da

segurança jurídica: “Uma decisão isolada não constitui jurisprudência; é mister que se repita, e sem variações de fundo. O

precedente, para constituir jurisprudência, deve ser uniforme e constante. Quando esta satisfaz os dois requisitos

granjeia sólido prestígio, impõe-se como relevação presuntiva do sentir geral, da consciência jurídica de um

povo em determinada época; deve ser observada enquanto não surgem razões muito fortes em contrário:

minime subt mutanda quoe interpretationem certam, semper habuerunt – ‘altere-se o menos possível o que teve

constantemente determinada interpretação’” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.)

VI

64. São essas as razões em que se funda minha posição de filiar-me à tese que defende o prazo

prescricional de dez anos, contado da prática do ato, conforme tradicional jurisprudência do TCU sobre o

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61

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

assunto, considerando que essa é a resposta constitucionalmente adequada para o problema e que esse

entendimento respeita e garante os direitos fundamentais dos envolvidos.

65. Embora razões de caráter pragmático (argumentos de política, no dizer de Dworkin) não tenham

o condão de sustentar uma decisão dessa natureza, julgo relevante trazer algumas reflexões de ordem

prática, ad argumentandum tantum.

66. Dados os inúmeros casos em que foi aplicada a jurisprudência do Tribunal ao longo dos anos,

creio que se formou uma práxis jurisprudencial de aplicação simples por todo corpo técnico e de efeitos

conhecidos por parte dos jurisdicionados.

67. A alteração do entendimento, nesta oportunidade, poderá ensejar a interposição de diversos

recursos com o intuito de rever as posições já consolidadas.

68. Ademais, caso, posteriormente, os tribunais superiores venham a verdadeiramente enfrentar a

matéria de maneira definitiva (não de maneira lateral ou em decisões de cognição sumária) – em

processos de caráter vinculante, talvez –, entendo que teremos de revisitar o assunto, independentemente

do que for decidido nesta oportunidade. Nessa hipótese, seria indesejável uma segunda modificação nesse

entendimento, com todas as implicações sobre processos já apreciados ou ainda em análise.

69. Aliás, julgo pertinente registrar um aspecto. Conquanto entenda que os precedentes judiciais

trazidos nos demais votos não nos vinculam, dadas as divergências e a superficialidade de algumas

análises em virtude do tipo de cognição aplicável, destaco que as principais teses aqui apresentadas não

encontram suporte nos tribunais superiores, como poderia parecer. Com efeito, nos casos concretos

apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, foi adotado o prazo

quinquenal, mas contado da prática do ato, e não da entrada do processo no Tribunal.

70. Mas, reforço, em consonância com o pronunciamento do Ministério Público de Contas no TC

021.540/2010-1, os precedentes que motivaram toda essa discussão não enfrentaram, em geral e na

profundidade requerida, a matéria em questão – razão pela qual não vislumbro necessidade de

modificação, ao menos por enquanto.

71. Por fim, registro que, como todos os ministros podem perceber nos processos que relatam, a

aplicação do prazo prescricional de dez anos, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal não tem

levado, em geral, à prescrição da pretensão punitiva.

VII

72. Percebo que a posição que ora adoto é a mesma defendida pelo representante do Ministério

Público de Contas que atuou nos autos.

73. Em vista de todo o exposto, cumprimentando meus ilustres pares pelo amadurecimento dessa

matéria aqui no Tribunal, bem como pela qualidade dos votos apresentados, Voto no sentido que o

Tribunal aprove a deliberação que submeto ao Plenário.

“9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência

suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues

Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC

007.822/2005-4);

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as

razões expostas pelo Revisor, em:

9.1. deixar assente que:

9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de

prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;

9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da

irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;

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62

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que

trata o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;

9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a

audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;

9.2. encaminhar cópia do acórdão, assim como do relatório e voto que o fundamentam, à Comissão

de Jurisprudência, nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno;

9.3. remeter os autos do TC 007.822/2005-4 ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos

do art. 91, § 2º, do Regimento Interno.”

74. Nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno, encaminhe-se o acórdão aprovado à

Comissão de Jurisprudência, considerando a presente decisão e a existência de inúmeros julgados nesse

mesmo sentido.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 11 de novembro de 2015.

Ministro BRUNO DANTAS

Revisor

DECLARAÇÃO DE VOTO

Sobre a mesa, incidente de uniformização de jurisprudência com intuito de discutir o prazo

prescricional para o exercício da pretensão punitiva por parte deste Tribunal de Contas da União.

2. Certamente, a Corte se depara com difícil missão: definir, na ausência de norma específica, como

aplicar o instituto da prescrição em seus processos. A despeito das diversas teses apresentadas pelos meus

pares, os quais saúdo pela excelência dos votos apresentados, é de comum consenso a necessidade de se

uniformizar o entendimento sobre a questão.

3. Em apertada síntese, atualmente existem duas linhas robustas acerca do prazo prescricional que

esta Corte de Contas vem adotando: dez e cinco anos. Importa registrar, ainda, a existência de corrente, de

forma minoritária, que defende a tese da imprescritibilidade da pretensão punitiva.

4. Seria bom que as nuances parassem por aí. No entanto, existem também discrepâncias acerca do

termo inicial de contagem do prazo prescricional: uns defendem que a ocorrência do fato deveria ser o

marco a ser considerado, enquanto outros simpatizam com a tese do conhecimento do fato pelo Tribunal.

5. Para complicar um pouco mais, existem divergências ainda acerca da interrupção e da suspensão

do prazo prescricional.

6. Após ler todos os votos apresentados pelos meus pares e o parecer do douto Procurador-Geral,

cheguei à conclusão de que todas as teses são bastantes plausíveis, tendo sido, todas elas, muito bem

fundamentadas, o que me levou a ter que refletir demasiadamente até decidir a respeito. Percebo que

todos os caminhos sugeridos conduzem a uma boa aplicação do direito. Fico à vontade, portanto, para

externar a minha convicção, pois tenho consciência de que não haverá vencidos nem vencedores, mas tão

somente a construção de uma única tese que representará o conjunto dos membros desta Corte de Contas.

II

7. De plano, adianto o meu entendimento. Defendo que a pretensão punitiva desta Corte de Contas

deve ser exercida no prazo de dez anos, a contar do acontecimento dos fatos que ensejam a punição,

interrompendo-se a prescrição uma única vez com a citação válida do responsável pelo Tribunal.

8. Eis a minha fundamentação.

9. O primeiro motivo que me leva a este pensamento é a coerência com os meus julgados,

porquanto, desde que assumi a honrosa cadeira de ministro desta Casa, venho defendendo a tese acima, ex

vi dos Acórdãos: 2.736/2015, 2.735/2015 e 2.535/2015, todos do Plenário, e 9.808/2015, 9.580/2015 e

6.667/2015 da 2ª Câmara, entre outros.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

10. Ademais, verifico que a grande maioria das decisões mais recentes desta Corte se inclinam para

a tese da prescrição decenal, a contar da ocorrência do fato. Até mesmo o Ministro Benjamin Zymler, que

defende, com a maestria que lhe é peculiar, a prescrição em cinco anos, reconheceu, por meio do voto

condutor do Acórdão 6.929/2015 – 1ª Câmara, que a jurisprudência milita em sentido contrário à sua tese,

consoante pode ser verificado na seguinte passagem: 15. No tocante a prescrição da pretensão punitiva, a jurisprudência até aqui predominante no Tribunal (v.g.

Acórdãos da 1ª Câmara 3242/2015, 3959/2015, 4088/2015, 4089/2015, 4460/2015, 4600/2015, 4089/2015,

4601/2015 e Acórdãos Plenário 2.568/2014, 2.391/2014, 2427/2015, 2512/2015 e 2534/2015) é pela aplicação da

regra geral de prescrição em dez anos a partir do fato - consoante o art. 205 do Código Civil -, interrompendo-se a

contagem do prazo prescricional com a citação válida do responsável, nos termos do que dispõe o art. 219 do

Código Processual Civil.

16. Ressalvo, porém, que adoto tal posição até a apreciação definitiva dos processos TC 007.822/2005-4 e

TC 011.101/2003-6, quando será deliberada a modificação ou não do entendimento mencionado.

11. Esses dois motivos já seriam bastantes para eu votar no sentido de se manter a tese

predominante até agora, uma vez que a modificação de entendimento da Corte tem o condão de gerar,

como é cediço, insegurança aos jurisdicionados.

12. Não teria, em absoluto, qualquer problema em me curvar às outras teses ora debatidas, caso as

considerasse mais robustas. Não me senti, contudo, suficientemente convencido para rever a minha

posição.

III

13. Inicio pela questão da prescritibilidade da pretensão punitiva.

14. Em nosso ordenamento jurídico, a imprescritibilidade deve ser vista como exceção. Não foi à

toa que o Poder Constituinte Originário fez questão de frisar, de forma expressa, as condutas criminosas

cujas ações são imprescritíveis: a prática de racismo (art. 5º, inciso XLII), a ação de grupos armados, civis

ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, inciso XLIV) e as ações de

ressarcimento cometidas por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário (art. 37, §

5º).

15. Assim o é porque a prescritibilidade tem como função levar harmonia ao mundo jurídico, uma

vez que o réu não poderia ficar ad aeternum à mercê da vontade do autor de ingressar com ação. Se

assim fosse, teríamos que guardar por prazo indeterminado, por exemplo, todos os recibos de pagamento

de concessionárias de serviços públicos. Nesse sentido, cumpre citar as sempre atuais lições de Pontes de

Miranda (in Tratado de Direito Privado, vol. 6, § 666, p.127): A prescrição, em princípio, atinge a tôdas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de

direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional.

16. Considero, portanto, que a imprescritibilidade somente pode ser aplicada quando o ordenamento

jurídico a tenha expressamente previsto, não podendo, de forma alguma, ser suscitada por analogia ou por

extensão interpretativa. Trata-se de regra de exceção, cuja interpretação deve se dar de forma restritiva.

17. Ora, se até mesmo os crimes contra a vida, que é o bem jurídico mais importante, prescrevem

em 20 anos, por que os crimes praticados contra a administração pública seriam imprescritíveis?

18. A corrente que pugna pela imprescritibilidade defende que a lei mencionada no art. 37, § 5º, da

Constituição Federal - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer

agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de

ressarcimento. – é de eficácia limitada. Assim, somente o Poder Legislativo teria competência para definir

o prazo prescricional para os ilícitos praticados contra a Administração.

19. Por conseguinte, não caberia a esta Corte de Contas definir, por meio de Acórdão, o prazo que

deveria ser utilizado em suas pretensões punitivas.

20. Concordo integralmente com a tese. Realmente, não pode esse Tribunal assumir o ônus de

definir os prazos prescricionais para aplicar as suas sanções. Haveria, caso assim fosse, total usurpação da

competência originária do Poder Legislativo.

21. Por outro giro, porém, o juiz deve decidir no caso concreto com aquilo que está posto no mundo

jurídico, não podendo abster-se de julgar por falta de dispositivo que regule a matéria. Sobre o tema,

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

convém trazer excerto da obra de Carlos Maximiliano (in Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed.

2005, p. 42): Tem o magistrado, nos países cultos, a obrigação peremptória de despachar e decidir todos os feitos que se

enquadrem na sua jurisdição e competência e estejam processados em regra. Não é lícito abster-se de julgar, sob o

pretexto, ou razão de ser a lei ambígua, omissa, obscura; não ter a mesma previsto as circunstâncias particulares do

caso; ou serem incertos os fatos da causa. As normas positivas, direta e inteligentemente interpretadas, o Direito

subsidiário e os princípios gerais da ciência de que o magistrado é órgão aplicador fornecem os elementos para

aquilatar a procedência ou improcedência do pedido.

22. Não julgo, no entanto, adequado defender a tese da imprescritibilidade ante a lacuna existente

na LOTCU na definição do prazo para pretensão punitiva por esta Corte de Contas. A corrente que pugna

por esta tese considera que, em razão a ilegitimidade do Tribunal para disciplinar o assunto, não poderia

haver restrição temporal para aplicação de sanção.

23. Ora, definir que a omissão da lei implica a imprescritibilidade significa disciplinar a questão, na

medida em que se opta por não adotar nenhum tipo de prazo. Assim, considero que, caso quisesse

reconhecer, de fato, a limitação da eficácia da norma, o Tribunal deveria deixar de aplicar a sanção, pois,

ao eleger qualquer prazo, a Corte estaria fazendo o papel de legislador.

24. Dessa forma, por entender que a imprescritibilidade deve decorrer exclusivamente da vontade

do Poder Constituinte, com as vênias de estilo, deixo de acolher a tese da imprescritibilidade e passo a me

debruçar sobre a definição do prazo prescricional.

IV

25. Uma vez que, consoante apontado no item 21 acima, o juiz não pode se furtar de decidir, o

Tribunal deve eleger um caminho a seguir quando instado a se manifestar em determinado caso concreto,

mesmo que, no futuro, o Poder legitimado para editar a norma o faça em prazo diverso ou o Poder

legitimado para dizer o direito venha a decidir em outra direção.

26. O que não pode ocorrer, contudo, é ausência de um caminho único a ser trilhado por este

Tribunal. Prefiro adotar a mesma decisão para todos a deixar ao alvedrio de cada julgamento o prazo que

será adotado, o que, certamente, traria muita insegurança aos jurisdicionados, sejam eles, de ontem, de

hoje ou de amanhã.

27. Considero, no entanto, que a decisão a ser adotada deve ser revestida de razoabilidade,

porquanto o Tribunal não pode pavimentar uma avenida para impunidade, tampouco se transformar em

órgão punitivo ad aeternum.

28. As duas frentes levantadas nessa discussão, conforme já mencionado alhures, cingem-se à

prescrição quinquenal e decenal. Ambas as teses são muito bem defendidas, mas, como já adiantei,

inclino-me ao prazo mais elástico.

29. Não adoto esta opção apenas para manter a linha jurisprudencial predominante nesta Corte até

então, mas por entender que não se trata de aplicação de analogia, mas sim de aplicação direta da lei.

30. Os que defendem o prazo de cinco anos o fazem por entender que a pretensão punitiva do TCU

é tema diretamente afeto ao Direito Administrativo, ramo do direito público, e que, portanto, para suprir a

lacuna deixada pela LOTCU, somente poder-se-ia buscar analogia em normas desse ramo do direito.

31. Julgo por demais pertinente essa regra, notadamente em razão do teor do art. 4º da Lei de

Introdução às Normas de Direito, que apresenta a seguinte redação: “quando a lei for omissa, o juiz

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

32. Ocorre, no entanto, que a lei a que se refere o art. 4º acima não pode ser entendido como,

exclusivamente, aquela a que está se querendo interpretar, mas sim ao sistema jurídico como um todo.

33. A Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, por exemplo, não estabelece nenhuma pena aos que

desrespeitam as suas regras. É claro que o juiz não pode criar uma pena para quem a descumprir ou, por

analogia, utilizar a pena prevista em outra norma. Deve, no entanto, saber se no mundo jurídico existe

alguma lei que defina penas para o descumprimento da LRF. Nesse caso, o juiz deve se valer das penas

previstas na Lei 10.028/2000, que acrescentou, ao Código Penal, a tipificação dos crimes contra as

finanças públicas.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

34. Nesse caso, não se trata de analogia, mas de aplicação direta da lei, mesmo que esta não esteja

no corpo da LRF.

35. Esse pensamento é o mesmo para definir o prazo de prescrição para a pretensão punitiva desta

Corte de Contas. O art. 205 do Código Civil é cristalino ao dizer que “a prescrição ocorre em dez anos,

quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

36. Resta saber se este dispositivo tem aplicação irrestrita ou se está limitado ao trato de relações de

direito privado. Antes de me aprofundar sobre o tema, valho-me da lição do Prof. Sílvio de Salvo Venosa

(in Direito Civil, Parte Geral, vol. 1. 3ª ed. 2003): A distinção entre direito público e direito privado, na vida prática, não tem a importância que alguns juristas

pretendem dar. O Direito deve ser entendido como um todo. Fazemos, porém, a distinção entre direito privado e

direito público, por motivos didáticos e por amor à tradição. (p. 88)

(...)

As noções fundamentais do Direito Civil estendem-se a todas as áreas do Direito, não apenas ao direito

privado, mas igualmente ao direito público. Ninguém pode arvorar-se em especialista em uma área de direito

público se não conhecer solidamente as noções de fato jurídico, ato jurídico, negócio jurídico, os defeitos desses

atos, os contratos etc. (p. 93)

37. Antes de prosseguir, gostaria de citar, em especial, o art. 15 do Código Civil: Art. 15 Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a

intervenção cirúrgica.

38. Certamente, o Código não está regulando somente os tratamentos que ocorrem no âmbito dos

hospitais particulares. Seria inadmissível pensar que o Estado pode se defender de algo que aconteceu em

um de seus hospitais alegando que esse dispositivo não lhe seja aplicável, porquanto uma norma de

direito público é que deveria regular a matéria.

39. Não estou defendendo, por oportuno, que não exista diferenciação dos direitos públicos e

privados e que não existam normas específicas dentro de cada ramo. Por exemplo, a Lei 8.666/1993

regula exclusivamente os contratos administrativos. O que quero dizer é que não se pode, de forma

absoluta, segmentar os ramos do direito sem permitir a tangibilidade entre eles.

40. Em relação ao tema, três são os motivos que me levam a optar pelo prazo decenal: coerência

com todas as minhas decisões desde que assumi o posto de ministro desta Corte; manutenção da linha

jurisprudencial do Tribunal; e aplicabilidade direta da lei em detrimento do uso da analogia.

V

41. Passo agora a cuidar do termo inicial da contagem do prazo prescricional.

42. É certo, e isso todos os doutrinadores e a jurisprudência assentem, que a prescrição tem como

principal mote a segurança jurídica e a paz social dela decorrente.

43. O princípio da segurança jurídica pode ser considerado um dos pilares do estado democrático de

direito e uma das formas de se pacificar as relações no mundo jurídico.

44. Nas palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso (in Temas de

Direito Constitucional. 2001, p. 50), a segurança jurídica “consiste na proteção conferida pela sociedade a

cada um de seus membros para conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades”.

45. No âmbito do TCU, a segurança jurídica em relação à prescrição da pretensão punitiva, pode

ser, então, entendia como a proteção conferida aos jurisdicionados para conservação de seus direitos e

propriedades.

46. O jus puniendi é do Estado, que deve ser visto de forma única. Não se pode confundir Estado

com o órgão legitimado para aplicar a sanção. Existem sanções que são aplicadas por órgãos do Poder

Executivo, a exemplo de multa imposta pela Receita Federal e outras pelo Poder Judiciário, a exemplo da

pena de restrição de liberdade em crime de homicídio. De toda sorte, em ambas foi o Estado que se

manifestou por meio de seus órgãos.

47. Nesse sentido, não poderia haver a diferenciação do termo inicial da prescrição para diferentes

órgãos da administração. Explico.

48. O nobre relator defende que o prazo prescricional deveria ser contado a partir do conhecimento

do fato pelo TCU, usando como analogia, basicamente, o art. 23, inciso II, da Lei 8.429/1992, c/c o art.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

142, inciso I, da Lei 8.112/1990. Pela leitura destes dois artigos, tem-se que o prazo para prescrição

deveria correr da data em que o fato se tornou conhecido.

49. Com as vênias de estilo, entendo que a interpretação emprestada para a expressão “que o fato se

tornou conhecido” não pode ser estendida para “que o fato se tornou conhecido pelo Tribunal”.

Conforme, mencionei acima, o direito de punir é do Estado. Assim, julgo que o conhecimento do fato

deve ter como sujeito o Estado e não algum órgão específico.

50. Pensar de maneira diversa seria aceitar que a pretensão punitiva do Estado, quando a

competência for do Poder Judiciário, somente começaria a correr no momento em que aquele Poder

tomou conhecimento da notícia-crime.

51. Por isso não comungo com a ideia apresentada pelo ilustre relator de que a prescrição deveria

começar a correr somente a partir do momento em que o Tribunal tomou conhecimento do fato.

52. Até poderia considerar correta a analogia feita pelo nobre relator se ele estabelecesse que o

termo inicial se daria a partir do momento em que o Estado tomou ciência do fato. No entanto, considero

que a melhor solução para o caso é utilizar como prazo inicial a data do acontecimento do fato, porquanto

o art. 189 do Código Civil estabelece que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão”.

53. Ademais, segurança jurídica somente pode ser invocada quando o particular sabe exatamente a

partir de quando ele pode deixar de se preocupar com a apreciação da legalidade dos atos por ele

praticados.

54. Não é à toa que, o Direito Penal, principal fonte do jus puniendi, adota, em geral, como termo

inicial da prescrição o dia em que o crime se consumou.

55. Caso seja adotada a tese defendida pelo ilustre relator, o jurisdicionado teria a obrigação de

preservar todos os documentos de sua gestão enquanto o TCU não analisasse formalmente todos os atos

relativos à sua administração. Nem mesmo o julgamento das contas do administrador teria o condão de

possibilitar que ele se livrasse de tais documentos.

56. Como é cediço, o art. 206 do RITCU dispõe que a decisão definitiva em processo de contas não

constitui fato impeditivo de aplicação de multa em outros processos, salvo se a matéria tiver sido

examinada de forma expressa e conclusiva.

57. Assim, a prevalecer a tese defendida pelo Ministro Benjamin Zymler, mesmo que o Tribunal

julgue as contas de um administrador relativas ao exercício de 2010, deixando, no entanto, de examinar

de forma expressa e conclusiva a legalidade de determinada contratação, o TCU, caso venha a receber

uma denúncia no ano de 2025 sobre esta contratação, terá, ao menos, até 2030, se adotado o tempo de

cinco anos para prescrição, para aplicar alguma sanção.

58. Isso, certamente, não se coaduna com a segurança jurídica. Como mencionei no parágrafo 27, o

Tribunal não pode ter o poder punitivo ad aeternum.

59. Assim, em nome da segurança jurídica, entendo que o prazo inicial para a contagem da

prescrição deve ser o do acontecimento dos fatos que ensejam a punição.

VI

60. Com relação à interrupção e à suspensão dos prazos prescricionais, acompanho a proposta

apresentada pelo revisor, Ministro Walton Alencar Rodrigues. Na linha defendida por Sua Excelência, a

interrupção ocorre uma única vez no momento em que é ordenada a notificação do responsável, voltando

a correr da data do ato que a interromper. Já a suspensão se dá quando o processo ficar paralisado por

culpa exclusiva do responsável, a exemplo do que ocorrer na apresentação de novos elementos de defesa

após encerrada a fase de instrução processual.

61. Por oportuno, também gostaria de incorporar à proposta de Acórdão as pertinentes colaborações

trazidas pelo Ministro Augusto Nardes. Sua Excelência destaca o interesse público inerente ao instituto da

prescrição, razão pela qual propõe que a matéria seja analisada de ofício pelas unidades técnicas deste

Tribunal, independentemente de provocação dos jurisdicionados. Esse entendimento decorre da

revogação do art. 194 do Código Civil por meio da Lei 11.290, de 2006.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Ante todo o exposto, acompanho a proposta apresentada pelo revisor, à exceção da questão

relacionada à suspensão, em que sigo o relator, e, por conseguinte, VOTO por que o Tribunal adote a

deliberação que ora elevo ao descortino deste Plenário.

“9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência

suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues

Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC

007.822/2005-4);

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as

razões expostas pelo Revisor, em:

9.1. deixar assente que:

9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de

prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;

9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da

irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;

9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que

trata o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;

9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a

audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;

9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos

adicionais de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato

novo trazido pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais,

sendo que a paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos

elementos adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou

da resposta da diligência;

9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da

parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992; e

9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos

processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de

apreciação de recurso por este Tribunal.

9.2. encaminhar cópia do acórdão, assim como do relatório e voto que o fundamentam, à Comissão

de Jurisprudência, nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno;

9.3. remeter os autos do TC 007.822/2005-4 ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos

do art. 91, § 2º, do Regimento Interno.”

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de junho de 2016.

Ministro VITAL DO RÊGO

Redator

ACÓRDÃO Nº 1441/2016 – TCU – Plenário

1. Processo nº TC 030.926/2015-7

2. Grupo II – Classe de Assunto: VII (Incidente de uniformização de jurisprudência)

3. Interessado: Tribunal de Contas da União

4. Órgão/Entidade: não há

5. Relator/Revisor:

5.1. Relator: Ministro Benjamin Zymler

5.2. Redator: Ministro Walton Alencar Rodrigues

6. Representante do Ministério Público: Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

7. Unidade Técnica: não há

8. Representação legal: não há

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência

suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues Chang,

Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC 007.822/2005-

4);

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as

razões expostas pelo Redator, em:

9.1. deixar assente que:

9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de

prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;

9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da

irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;

9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que trata

o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;

9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a

audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;

9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais

de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido

pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, sendo que a

paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos elementos

adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta

da diligência, nos termos do art. 160, §2º, do Regimento Interno;

9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da

parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992;

9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos

processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de

apreciação de recurso por este Tribunal;

9.2. determinar à Secretaria-Geral Adjunta de Tecnologia da Informação que adote as providências

necessárias para que seja desenvolvida, no sistema e-TCU, funcionalidade para o controle da interrupção

e suspensões de prazo prescricional de que trata este acórdão;

9.3. encaminhar cópia do acórdão, assim como do relatório e voto que o fundamentam, à Comissão

de Jurisprudência, nos termos do art. 91, § 3º, do Regimento Interno;

9.4. remeter os autos do TC 007.822/2005-4 ao Gabinete do Ministro Benjamin Zymler, nos termos

do art. 91, § 2º, do Regimento Interno.

10. Ata n° 20/2016 – Plenário.

11. Data da Sessão: 8/6/2016 – Extraordinária.

12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1441-20/16-P.

13. Especificação do quorum:

13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (Presidente), Walton Alencar Rodrigues (Redator),

Benjamin Zymler (Relator), Augusto Nardes, Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro, Ana Arraes,

Bruno Dantas e Vital do Rêgo.

13.2. Ministros com voto vencido: Benjamin Zymler (Relator), Augusto Nardes e Raimundo

Carreiro.

13.3. Ministros-Substitutos presentes: Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder

de Oliveira.