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Cidades- Comunidades e Territórios Jun. 2001, n.0 2, pp. 57-71 Pobreza, Exclusão Social e Transições em Ciclo de Vida (Re)Traçando Trajectórias (ln)comuns em Contexto Europeu Isabel Baptista * Ana Cardoso ** Pedro Perista *** Resumo: O texto que aqui se apresenta resulta do trabalho de investigação desenvolvido no quadro de um projecto transnacional realizado no âmbito do Programa TSER da União Europeia, e que decorreu entre 1997 e 2000, tendo como principal objecto de análise o Painel dos agregados domésticos privados da União Europeia. Neste projecto, privilegiou-se a análise dinâmica e comparativa dos dados - entre os países representados no estudo -, recorrendo-se, para tal, às segunda e terceira vagas, correspondentes aos anos de 1995 e 1996, as mais recentes actualmente disponíveis. No presente artigo dá-se conta dos princi- pais resultados obtidos no que respeita à relação entre a pobreza e a exclusão social, tendo-se privilegiado um enfoque específico sobre a análise de quatro transições em ciclo de vida: transição para a vida adulta; para a monoparentalidade; para uma situação de doença/deficiência; e para a reforma. Assim, a par da persistência de problemas de natureza estrutural da sociedade portuguesa, e que são transversais a todas as transições é possível identificar problemas que afectam especificamente cada um destes grupos con- tribuindo para a sua maior ou menor vulnerabilidade face aos fenómenos da pobreza e da exclusão social. Palavras-chave: pobreza; exclusão social; análise dinâmica; transições em ciclo de vida. Nota Introdutória A análise da expressão contemporânea dos fenómenos da pobreza e da exclusão social num espaço- a União Europeia- onde se estima exis - tirem mais de 60 milhões de pessoas que vivem em situação de pobreza (European Commission, 1999) exige um investimento teórico e meto- dológico que permita compreender a natureza e complexidade destes fenómenos. A incidência da pobreza e da exclusão social no espaço europeu é variável; di versas são também as estruturas familiares e os t ipos de agregados mais vul- neráveis à pobreza e à exclusão, bem como as circunstâncias concretas em que vivem estas famílias; diferentes são, finalmente, as combi- nações que se desenham na interrelação mercados, famílias e apoios estatais, configu- rando diferentes tipos de estados (ou socie- dades?) providência. O presente artigo1 insere-se precisamente no contexto desse investimento teórico-me- todológico que se propõe melhorar a nossa capacidade de análise e compreensão dessas variações int ra-europeias, recorrendo a um instrumento estatístico - o Painel dos Agregados ' Antropóloga. Investigadora no CESIS · Centro de Estudos para a Intervenção Social. Contacto: cesis@mail.telepac.pt. "Socióloga. Investigadora no CESIS - Centro de Estudos para a Intervenção Social. Contacto: cesis@mail.telepac.pt. "'Sociólogo. Investigador no CESIS - Centro de Estudos para a Intervenção Social. Contacto: cesis@mail.telepac.pt. 1 E, em particular, o trabalho de investigação que está na sua origem e que foi desenvolvido por uma equipa do CESIS no âmbito do Projecto "Estruturas Familiares, Participação no Mercado de Trabalho e Dinâmicas da Exclusão Social". Trata-se de uma investigação inserida no Programa TSER - Targeted Socio-Economic Research, da União Europeia, e que foi levado a cabo entre 1997 e 2000 por uma equipa composta por representantes de sete organizações de seis países europeus: Alemanha, Áustria, Grécia, Nomega, Reino Unido e Portugal. O projecto tinha como principal objectivo melhorar a compreensão dos processos de exclusão social e reintegração social na Europa, usando uma perspectiva explicitamente dinâmica e focalizada sobre quatro situações de transição: duas que dizem respeito a situações de transição que fazem parte do percurso de vida dos indivíduos -1) transição para a vida adulta; 2) transição para a reforma- e duas que dizem respeito a situações para as quais há a possibilidade de os indivíduos efectuarem uma transição- 3) transição para uma situação de monoparentalidade; 4) transição para uma situação de doença/deficiência. 57

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Cidades- Comunidades e Territórios Jun . 2001, n.0 2, pp. 57-71

Pobreza, Exclusão Social e Transições em Ciclo de Vida (Re)Traçando Trajectórias (ln)comuns em Contexto Europeu

Isabel Baptista *

Ana Cardoso **

Pedro Perista ***

Resumo: O texto que aqui se apresenta resulta do trabalho de investigação desenvolvido no quadro de um projecto transnacional realizado no âmbito do Programa TSER da União Europeia, e que decorreu entre 1997 e 2000, tendo como principal objecto de análise o Painel dos agregados domésticos privados da União Europeia. Neste projecto, privilegiou-se a análise dinâmica e comparativa dos dados - entre os países representados no estudo -, recorrendo-se, para tal, às segunda e terceira vagas, correspondentes aos anos de 1995 e 1996, as mais recentes actualmente disponíveis. No presente artigo dá-se conta dos princi­pais resultados obtidos no que respeita à relação entre a pobreza e a exclusão social, tendo-se privilegiado um enfoque específico sobre a análise de quatro transições em ciclo de vida: transição para a vida adulta; para a monoparentalidade; para uma situação de doença/deficiência; e para a reforma. Assim, a par da persistência de problemas de natureza estrutural da sociedade portuguesa, e que são transversais a todas as transições é possível identificar problemas que afectam especificamente cada um destes grupos con­tribuindo para a sua maior ou menor vulnerabilidade face aos fenómenos da pobreza e da exclusão social.

Palavras-chave: pobreza; exclusão social; análise dinâmica; transições em ciclo de vida.

No ta Introdutória

A análise da expressão contemporânea dos fenómenos da pobreza e da exclusão social num espaço- a União Europeia- onde se estima exis­tirem mais de 60 milhões de pessoas que vivem em situação de pobreza (European Commission, 1999) exige um investimento teórico e meto­dológico que permita compreender a natureza e complexidade destes fenómenos. A incidência da pobreza e da exclusão social no espaço europeu é variável; di versas são também as estruturas familiares e os tipos de agregados mais vul­neráveis à pobreza e à exclusão, bem como as

circunstâncias concretas em que vivem estas famílias; diferentes são, finalmente, as combi­nações que se desenham na interrelação mercados, famílias e apoios estatais, configu­rando diferentes tipos de estados (ou socie­dades?) providência.

O presente artigo1 insere-se precisamente no contexto desse investimento teórico-me­todológico que se propõe melhorar a nossa capacidade de análise e compreensão dessas variações intra-europeias, recorrendo a um instrumento estatístico - o Painel dos Agregados

' Antropóloga. Investigadora no CESIS · Centro de Estudos para a Intervenção Social. Contacto: [email protected]. "Socióloga. Investigadora no CESIS - Centro de Estudos para a Intervenção Social. Contacto: [email protected]. "'Sociólogo. Investigador no CESIS - Centro de Estudos para a Intervenção Social. Contacto: [email protected]. 1 E, em particular, o trabalho de investigação que está na sua origem e que foi desenvolvido por uma equipa do CESIS no âmbito do Projecto "Estruturas Familiares, Participação no Mercado de Trabalho e Dinâmicas da Exclusão Social". Trata-se de uma investigação inserida no Programa TSER - Targeted Socio-Economic Research, da União Europeia, e que foi levado a cabo entre 1997 e 2000 por uma equipa composta por representantes de sete organizações de seis países europeus: Alemanha, Áustria, Grécia, Nomega, Reino Unido e Portugal. O projecto tinha como principal objectivo melhorar a compreensão dos processos de exclusão social e reintegração social na Europa, usando uma perspectiva explicitamente dinâmica e focalizada sobre quatro situações de transição: duas que dizem respeito a situações de transição que fazem parte do percurso de vida dos indivíduos -1) transição para a vida adulta; 2) transição para a reforma- e duas que dizem respeito a situações para as quais há a possibilidade de os indivíduos efectuarem uma transição- 3) transição para uma situação de monoparentalidade; 4) transição para uma situação de doença/deficiência.

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Domésticos Privados da União Europeia – cujanatureza genuinamente comparativa entre difer-entes países da União e o seu carácterlongitudinal, abrem novas perspectivas depesquisa, nomeadamente no que se refere àsdinâmicas da pobreza e da exclusão social e àanálise das trajectórias individuais e familiaresao longo de diferentes ciclos de vida.

Do ponto de vista teórico, é já hoje um dadoadquirido a necessidade de recorrer a abordagensque adoptem conceitos – seguramente o deexclusão social, mas também o de pobreza 2 – queincorporem formas de exclusão que não resultamexclusivamente da insuficiência de recursos.Torna-se, pois, incontornável a adopção dedefinições de natureza simultaneamente maisabrangente e multidimensional que melhortraduzam as situações de desvantagem económicae social, bem como os processos através dos quaisas mesmas se interligam em diferentes configu-rações espacio-temporais.

Neste sentido, propõe-se com este artigo aapresentação e discussão dos principais resulta-dos da análise dinâmica efectuada com base nassegunda e terceira vagas3 do Painel dos agregadosdomésticos privados da União Europeia,incidindo sobre as quatro transições em ciclo devida anteriormente identificadas, utilizando paratal a linha de pobreza definida como 60% damediana dos rendimentos dos indivíduos4, mastambém um conjunto de indicadores não-mo-netários que evidenciam a situação dos agregadosfamiliares face à privação em três grandesdomínios: conforto da habitação; posse de bensduráveis; e necessidades básicas 5.

Pobreza e Privação – TransiçõesSingulares, Idênticas Dificuldades

A análise dos quatro grupos de transiçãoconsiderados neste estudo, permitiu constatar aexistência de diferenças significativas nos riscosa enfrentar por parte de cada um dos grupos. Noentanto, simultaneamente, surgiu realçada a per-sistência de problemas de natureza estrutural,transversais às diferentes transições, bem como orecurso a estratégias idênticas, que se desen-

volvem tendo em vista a superação dessas dificul-dades.

Enquanto que a vulnerabilidade à pobreza eà privação surge claramente associada à transiçãopara a reforma e para a doença/deficiência, omesmo não se verifica em relação à transiçãopara a vida adulta. De facto, ao contrário dosrestantes grupos, a incidência de pobreza entre osjovens adultos é mais baixa do que entre a popu-lação em geral. A análise dinâmica permitiuigualmente confirmar a vulnerabilidade dos indi-víduos em situação de monoparentalidade, masmostrou também claramente como a situação seagrava no subgrupo das famílias monoparentaiscompostas por uma mãe de idade mais avançadacom filhos não-dependentes, situação quase ine-xistente nos restantes países representados nainvestigação, mas que em Portugal representauma larga percentagem dos agregados mono-parentais.

Foram identificados determinados factoresresponsáveis pelo aumento da vulnerabilidadedos indivíduos. A idade é um desses factores,aumentando o risco de pobreza ou privação.Estar-se em situação de monoparentalidade outer-se já ultrapassado a idade de reforma aumentao risco de se entrar em pobreza, assim como de seexperimentar níveis de privação mais elevados.Da mesma forma, os indivíduos em situação dedoença/deficiência que se encontram em pobrezatêm uma maior probabilidade de serem mais ve-lhos do que outros indivíduos adultos em situaçãode pobreza. Seja como for, é entre a populaçãoreformada que é possível encontrar as taxas maiselevadas de pobreza e privação, sendo que noconjunto dos países considerados no estudo, astaxas mais elevadas registam-se entre os reforma-dos portugueses.

Os baixos níveis de escolaridade podemtambém ser identificados como um capital emsentido negativo. É em Portugal que os jovenstêm níveis de educação mais baixos e uma menorpresença no mercado de trabalho. São os indiví-duos em situação de doença/deficiência comníveis educacionais mais baixos que registamtaxas de pobreza mais altas. Do mesmo modo, asmães em situação de monoparentalidade commenores níveis de educação têm uma maior pro-

2 Vide, nomeadamente, o conceito de pobreza operacionalizado por Townsend já em 1979.3 A não utilização da primeira vaga do Painel (1994) fica a dever-se à menor fiabilidade desta em relação às duas vagas seguintes.4 Definição actualmente utilizada pelo Eurostat.5 O conforto da habitação inclui itens como ausência de cozinha, de instalações de banho ou duche; a posse de bens duráveis refere-se à impossi-bilidade de adquirir bens como televisão a cores ou telefone; o indicador relativo às necessidades básicas pretende identificar situações em que oagregado não tem possibilidades de ter uma refeição de carne ou peixe de dois em dois dias, comprar roupa nova ou receber a família ou amigospara almoçar ou jantar.

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babilidade de serem pobres do que as mães emsituação de monoparentalidade na sua generali-dade.

A inactividade é outro capital negativo,fazendo aumentar a vulnerabilidade dos indiví-duos à pobreza, contrariamente à participação nomercado de trabalho, que actua no sentido deproteger os indivíduos, bem como, muitas vezes,as suas famílias, da pobreza monetária.

O recurso ao apoio familiar surge como umadas estratégias utilizadas pelos indivíduos nosgrupos de transição para fazer face à pobreza e àprivação. Dos países representados no estudo,Portugal é aquele onde os jovens adultos ficamaté mais tarde em casa dos pais, casa essa ondemuitas vezes se permanece, mesmo após o casa-mento. É também em Portugal – e na Grécia –que se registam os valores mais elevados de ca-sais que vivem com os filhos, quer dos que vivemcom filhos dependentes, quer dos que vivem comfilhos não dependentes.

No que respeita aos doentes/deficientes, éinteressante verificar que, ao contrário do queacontece nos outros países representados noestudo, em que estes indivíduos vivem sobretudosozinhos ou só com o cônjuge, em Portugal háuma percentagem comparativamente elevada dedoentes/deficientes que vivem com o cônjuge ecom pelo menos um filho dependente, enquantoque a percentagem daqueles que vivem sozinhosé a mais baixa no conjunto dos países analisados.

Entre os reformados, as situações maiscomuns são o viver com o cônjuge sem filhos, e aresidência em “outros tipos de agregado”. Talinclui situações como as famílias extensas, situ-ação que consiste, muitas vezes, em reformadosque vivem com os seus filhos adultos e respecti-vas famílias.

Em todas estas transições é possível veri-ficar a importância das redes familiares, o quepode ser explicado não só de uma perspectivacultural mas também como uma estratégia demodo a fazer face às dificuldades dos indivíduosem diferentes etapas das suas vidas. Para osjovens, a permanência em casa dos pais podeajudá-los a enfrentar as dificuldades que encon-tram na sua transição para a vida adulta,dificuldades não apenas em termos de inserçãolaboral mas também em termos habitacionais.

Tais dificuldades podem estar igualmentesubjacentes ao facto de haver um largo número demães em situação de monoparentalidade que resi-dem com os seus filhos adultos. As dificuldadeshabitacionais e os baixos rendimentos podemtambém ajudar a explicar a elevada percentagem

de reformados que vivem com os seus filhos adul-tos, dificuldades que podem ser mais facilmentesuperadas quando o rendimento do agregadodepende principalmente de salários e não de pen-sões.

Os baixos níveis das prestações sociais são,sem dúvida, responsáveis pela situação depobreza em que muitos dos reformados portugue-ses vivem. Para além do mais, estes resultadosmostraram que, qualquer que seja a transição queconsiderarmos, os agregados que dependem prin-cipalmente de pensões e de outras prestaçõessociais são recorrentemente identificados comotendo maiores probabilidades de viver empobreza e privação do que aqueles que dependemde salários.

Pobreza e Exclusão Social: dinâmi-cas em ciclo de vida

Um primeiro dado a retirar em termosdinâmicos é o menor dinamismo da pobreza emrelação à privação, como pode ser constatado apartir da figura 1. No que se refere à análise dasdinâmicas da privação entre 1995 e 1996 é pos-sível constatar diferenças importantes entre ostrês indicadores utilizados, resultantes em grandemedida da sua própria natureza.

Assim, é no indicador relativo ao conforto dahabitação que se verifica uma menor dinâmica,traduzida nas menores percentagens de indiví-duos que saem (3%) ou entram (2%) nestasituação de privação, o que reflectirá, segura-mente, o facto de o indicador ser composto poritens como ter ou não casa de banho e ter ou nãouma cozinha separada, itens muito básicos e comuma considerável estabilidade inerente. Apesarda natureza básica deste indicador verifica-seque é, porém, bastante alta a percentagem daque-les que não conseguem evitar a entrada neste tipode privação.

Por outro lado, é no indicador relativo àposse de bens duráveis, indicador composto poritens de natureza muito mais volátil, que é pos-sível encontrar uma maior dinâmica tendo ematenção as duas vagas consideradas. Simultanea-mente, é neste indicador que se verifica apercentagem mais elevada de indivíduos que per-maneceram em situação de privação (22%). Daconjugação destes dois factores resulta que qua-tro em cada dez indivíduos passaram por umasituação de privação em termos da posse de bensduráveis em pelo menos um dos anos sob análise.

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Finda esta breve apresentação de alguns dosprincipais resultados relativos às dinâmicas dapobreza e da exclusão para o total da população,pretende-se, nos próximos pontos, aprofundar aanálise no que diz respeito às quatro transiçõesque constituem o objecto principal da pesquisa.

Os Jovens Adultos6 e a Vulnerabili-dade à Pobreza: qual o papel daeducação e do trabalho?

Apesar da falta de dados de natureza longi-tudinal, vários estudos demonstraram já aexistência de uma “reprodução intergeracional”da pobreza em Portugal, o que se traduz na fortepropensão para que as crianças pobres o conti-nuem a ser ao longo do seu ciclo de vida.Manuela Silva et al. (1989), num estudo queincidiu nas principais áreas urbanas degradadasdo país, mostrou que 79% daqueles que conside-ravam os seus pais pobres, consideravam-se elestambém como tal.

Esta “reprodução” é gerada por sucessivosprocessos de discriminação que têm sido denomi-nados como “ciclos viciosos da pobreza”. Em

resultado da consciência da existência de talciclo, e da incapacidade relativa de algumasinstituições (nomeadamente da escola) em oromper, as crianças e os jovens passaram, nosúltimos anos, a constituir o principal grupo-alvode projectos de intervenção local, nomeadamentede luta contra a pobreza. Por outro lado, o cresci-mento do emprego juvenil, da toxicodependênciae da delinquência juvenil são alguns dos aspectosque têm contribuído para emprestar uma facejovem à exclusão social em Portugal.

Contudo, a taxa de pobreza entre os jovens émenor do que a média para o total da população:17% e 24%, respectivamente. Em termosdinâmicos, é possível verificar que a percenta-gem de jovens que nunca estiveram numasituação de pobreza (78%) é mais elevada do quea percentagem de adultos7 na mesma situação(72%). Para além do mais, a pobreza parece sermenos persistente entre os jovens do que entre apopulação adulta – 73% dos adultos que erampobres em 1995 eram-no também em 1996, aopasso que entre os jovens esta mesma percen-tagem desce para 68%.

E se o risco de cair numa situação depobreza é similar em ambos os casos, os jovenstêm uma maior probabilidade de sair daquela

6 Definido no âmbito do Projecto como grupo em transição para a vida adulta, constituído por todos os indivíduos com idades compreendidas entreos 16 e os 29 anos.7 Considerados como os indivíduos com 16 e mais anos.

Figura 1. As dinâmicas da pobreza e da privação entre 1995 e 1996

Bens duráveis: 8%Necessidades básicas: 7%Pobreza: 6%Conforto da habitação: 3%

Conforto da habitação. 2%Necessidades básicas. 4%Pobreza: 8%Bens duráveis. 10%

Percentagem de indivíduos que semantiveram em situação de pobreza ouprivação entre 1995 e 1996

Percentagem de indivíduos que semantiveram fora da pobreza ou da privaçãoem 1995 e 1996

Fora da

pobreza / fora

da privaçãoPobreza / Privação

Bens duráveis22%Pobreza

15%

Conforto dahabitação

12% Necessidadesbásicas

11%

Bensduráveis

60%

Pobreza71%

Conforto dahabitação

83% Necessidadesbásicas

77%

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situação (32% dos jovens que eram pobres em1995 já não o eram em 1996, face a 28% dosadultos), o que estará relacionado não só comuma diferença (óbvia) entre gerações mas tam-bém com o facto de a juventude se caracterizarpor vários processos/transição como, por exemplo,a transição da escola para o trabalho, que signi-fica a passagem de uma situação de dependênciapara uma situação de independência em termoseconómicos.

Trajectórias Escolares – a inclusão (im)possível

Para uma melhor compreensão desta tran-sição no contexto actual da sociedade portuguesaé fundamental ter em atenção uma das mudançasmais relevantes ocorridas nas últimas trêsdécadas: o aumento generalizado dos níveis deescolaridade da população portuguesa.

O alargamento da escolaridade obrigatória,da rede de escolas públicas e a melhoria genéricados níveis de vida da população são factores quelevaram ao aumento dos níveis educacionais edas aspirações a qualificações mais elevadas porparte das gerações mais novas. De acordo com osdados do Painel, 8% dos indivíduos entre os 25 eos 29 anos têm mais do que o 12º ano de escola-ridade, enquanto que entre a totalidade dosadultos essa percentagem é de 5%. Apesar detudo, Portugal é o país em que os níveis de esco-laridade entre os jovens são ainda compara-tivamente baixos, o que é simultaneamente factorde pobreza e consequência de uma vida em si-tuação de precariedade(s).

No entanto, o sistema escolar português nãoconseguiu ainda ser eficaz na correcção dedesigualdades sociais e na promoção de criançase jovens das famílias mais desfavorecidas. Osdados do Painel confirmam o carácter selectivo dainstituição escolar, mostrando que os jovenspobres têm níveis educacionais mais baixos doque os não pobres. De facto, e usando dados re-ferentes à terceira vaga, 81.5% dos jovens pobrestêm menos do que o 12º ano, ao passo que entreos jovens não pobres essa percentagem descepara 69%.

A análise dinâmica evidencia o nível deescolaridade alcançado como um factor /causa depobreza já que os jovens com um nível deinstrução mais baixo têm uma maior probabili-dade de entrar ou de permanecer numa situaçãoque os posiciona abaixo do limiar considerado:

9.9% e 11.2%, respectivamente, daqueles quetêm menos do que o 12º ano, face a 6.3% e 4.7%daqueles que têm mais do que o 12º ano.

Contudo, o nível de escolaridade não consti-tui o único factor explicativo das entradas esaídas da pobreza. De facto, é possível constatarque aqueles que encetaram um processo de (pelomenos aparente) mobilidade ascendente são,curiosamente, um pouco menos escolarizados(85% têm menos do que o 12º ano) do que aque-les que entram ou permanecem em pobreza (82%com menos do que o 12º ano), o que parece su-gerir a existência de outras estratégias, à margemde um percurso escolar orientado, como forma deescapar à pobreza.

Para além do mais, embora a probabilidadede ser pobre se reduza com o aumento dos níveisde escolaridade, estes não são, evidentemente,uma garantia completa, verificando-se uma per-centagem (6.3%) daqueles que, tendo mais doque o 12º ano, entraram na pobreza entre as duasvagas consideradas.

Dado o número limitado de vagas do Painelactualmente disponíveis, não é possível assegurara consistência destes movimentos dinâmicos deentrada e saída da pobreza, no entanto, nãoparece arriscado afirmar a existência de doistipos de situação, correspondentes a duas estraté-gias diferentes seguidas pelos jovens.

Por um lado, para os jovens pobres, o deixara escola tem como objectivo a obtenção, tão cedoquanto possível, de um emprego que lhes possi-bilite escapar (ainda que temporariamente) àpobreza. De acordo com os dados do Painel, osjovens que saíram da pobreza entre 1995 e 1996são mais novos do que a média e têm uma proba-bilidade mais elevada de estarem já a trabalhar.

Por outro lado, a extensão da vida escolarpor parte dos jovens não pobres, mais velhos doque a média, tem em vista a obtenção de umemprego não só melhor mas também mais ade-quado às suas expectativas, mesmo que issoimplique períodos de desemprego e de stressfinanceiro.

Tal como é realçado por Sérgio Grácio (s.d.),“o desemprego tem custos nas ambições; asambições têm custos no desemprego”. Isto si-gnifica que os jovens com ambições profissionaismais reduzidas (e que tendem a coincidir com osmais pobres e menos escolarizados) tenderão aencontrar trabalho mais facilmente, na medidaem que são menos exigentes em relação ao tipode trabalho. Os outros, que têm objectivos maiselevados, parcialmente criados pela maior esco-laridade podem encontrar maiores dificuldades,

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especialmente quando o nível atingido não é sufi-cientemente alto para se tornar raro ou altamentequalificado.

Este é um aspecto que se reflecte, em algu-mas zonas do país, no crescimento de um“desemprego mais escolarizado”, o que levaalguns a afirmar que a escola, em vez de con-tribuir para a redução do desemprego, tal como édefendido no Livro Branco sobre a Educação e aFormação funciona, sobretudo, ao nível doaumento das qualificações dos/as desemprega-dos/as.

Inserção Profissional e Estratégias Familiares

– em busca da autonomia

Como é reconhecido, o emprego continua arepresentar não só uma fonte de rendimento mastambém um meio importante de inserção social,contribuindo para a aquisição de um status sociale para o estabelecimento de redes de sociabili-dade mais alargadas. Porém, as consequênciasmais visíveis da participação no mercado de tra-balho passíveis de serem encontradas nos dadosdo Painel dizem respeito, apenas, à protecçãocontra a pobreza em termos monetários.

De facto, entre pobreza e desemprego existecomo que um movimento de entradas e saídas desentidos opostos, ou seja, é entre os que nuncaestiveram em pobreza que se verifica uma maiorpercentagem de indivíduos com emprego(61.9%); por outro lado, é entre aqueles quesaem da pobreza que é possível encontrar a per-centagem mais elevada de indivíduos que entramno mercado de trabalho (25%); é, ainda, entreaqueles que entram em pobreza que se regista apercentagem mais elevada de indivíduos quedeixaram de trabalhar (12.8%).

Porém, e tal como foi referido acerca daeducação, parece que a dicotomia entrada/saídado mercado de trabalho não constitui a únicaexplicação para as saídas e entradas em pobrezaou para a permanência nesta situação. As ca-racterísticas do próprio mercado de trabalho têmtambém a sua influência, o que significa que nãobasta actuar na perspectiva de “inserir no mer-cado de trabalho” quem está fora dele, mas,sobretudo, tornar esse mercado mais inclusivo, talcomo se pode constatar através dos exemplosseguintes.

Primeiro, a percentagem de jovens traba-lhadores que permaneceu em situação de pobrezaé de 55.8%, o que reflecte a precariedade dosempregos e, especialmente, os baixos salários.

O salário anual médio daqueles que permanece-ram em pobreza nos dois anos considerados é de554 910 escudos, face a 756 054 escudos daque-les que nunca estiveram em pobreza.

Segundo, é entre os que permaneceram e osque entraram em pobreza que é possível encon-trar as percentagens mais elevadas de trabalhopor conta própria, o que levanta a questão desaber até que ponto é que este não constitui umaforma de disfarçar o desemprego.

Terceiro, os jovens trabalhadores a tempoparcial são mais vulneráveis à pobreza.

Em aparente contradição com a hipótesecolocada da participação do mercado de trabalhocomo factor de protecção à pobreza monetária,surge o facto de ser entre os que nunca estiveramem pobreza que é mais elevada a percentagemdos que se mantiveram fora do mercado de tra-balho. A contradição, porém, anula-se quando seequacionam as duas “estratégias juvenis” acimareferidas, onde a família joga um papel central eonde os projectos de constituição de famíliaprópria são, por vezes, adiados.

Embora, movidas por razões diferentes asestratégias accionadas por jovens pobres e nãopobres intersectam-se precisamente nessa pro-longada dependência face à família de origem.Com efeito, é entre os jovens que permanecem napobreza, bem como entre os que nunca a co-nheceram, que se constata a mais elevadapresença (75% em ambos os casos) de jovens quevivem em casa dos pais; é também nestes doisgrupos que predominam os indivíduos solteiros.

Para os primeiros, serão certamente as difi-culdades financeiras (relacionadas com os baixossalários ou ausência de rendimentos e/ou com oselevados preços da habitação) que provocarãouma descoincidência nas fases de transição paraa idade adulta: na maioria dos casos estes jovensjá deixaram a escola, não alcançaram ainda umainserção segura no mercado de trabalho e aindanão conquistaram uma autonomia familiar.

A prova da importância das condiçõesfinanceiras para a concretização da autonomia,encontra-se no facto de ser entre os jovens quesaíram da pobreza que se regista a maior percen-tagem dos que abandonaram o seu agregadofamiliar de origem (20%), bem como a mais ele-vada proporção daqueles que se casaram (23%).

Para os segundos, ou seja, para os quenunca experimentaram a pobreza, as expectativasde atingirem níveis de instrução mais elevados,leva-os a permanecer na escola até mais tarde(repare-se que é neste grupo que se encontra amaior percentagem de estudantes), projecto esse

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que é apoiado, e suportado, pela família, mas queconduz a uma mais prolongada dependência e aum retardamento da transição para a vida adulta.

A Transição para a Monoparentalida-de 8: género, idade e responsa-bilidades familiares

Processando-se num contexto de fraca pro-tecção social, a situação das famílias mono-parentais em Portugal tem sido sistematicamentereferenciada por vários autores como uma situa-ção particularmente vulnerável à pobreza e àexclusão social. (Ferreira, 1993; Perista, 1993;Almeida et al., 1992; Silva et al., 1991). Maisrecentemente, os primeiros resultados obtidos apartir da aplicação do Rendimento MínimoGarantido realçaram, uma vez mais, essa si-tuação.

Contudo, a análise dinâmica das transiçõesefectuadas pelas mães em situação de mono-parentalidade9 que se mantiveram nessa situaçãoem 1995 e 1996 mostra que os movimentos deentrada e saída da pobreza dos agregados mono-parentais é bastante similar aos movimentos dageneralidade dos agregados. Há, porém, quesalientar que a probabilidade de entrada napobreza durante o período referido era maior paraos agregados monoparentais do que para os agre-gados em geral (9.4% contra 6.3%, respectiva-mente). Simultaneamente, a incidência dapobreza entre as mães em situação de mono-parentalidade é maior do que entre os casais e osadultos em geral.

Heterogeneidade e Singularidade de uma“Transição em Família”

Em 1995, a taxa de pobreza mais elevadaentre as famílias monoparentais (34%) registava--se entre as mães com filhos dependentes, situa-ção que, a nível nacional, é também pior do que adas mães monoparentais com filhos não depen-dentes. No entanto, a situação relativa destasúltimas surge como a pior no contexto dos paísesenvolvidos no estudo.

O facto de as famílias monoparentais comfilhos dependentes apresentarem níveis mais ele-vados de participação no mercado de trabalhoparece ajudar a prevenir, pelo menos até certoponto, taxas de pobreza mais elevadas.

Determinadas características como a menorescolarização, uma idade mais avançada, a viu-vez, a inactividade e a doença aumentam avulnerabilidade à pobreza dos agregados mono-parentais onde existem filhos não dependentes.

O maior peso deste “tipo tradicional demonoparentalidade” em países como Portugal temsido ligada e três factores distintos: “a morte deum dos cônjuges, o celibato associado ao nasci-mento de uma criança fora do casamento e aausência/emigração de um dos cônjuges” (Wall,1997). Este tipo de monoparentalidade tem, comofoi anteriormente referido, um peso significativono contexto português, e representa uma situaçãorecorrentemente identificada como uma das maisvulneráveis face à pobreza e à exclusão social.Esta vulnerabilidade deriva não só da situação demonoparentalidade em si, mas também dasobreposição desta situação com o ser-se mulhere com a velhice e os problemas a ela associadoscomo a fragilidade da saúde, as baixas pensões, oisolamento, etc.

De facto, apesar de se ter verificado que asfamílias monoparentais com filhos dependentestêm uma maior probabilidade de permanecerempobres entre as duas vagas consideradas, verifi-cou-se também que têm uma taxa de saída dapobreza mais elevada e que as famílias mono-parentais com filhos não dependentes têm umaprobabilidade duas vezes superior de entraremem pobreza no mesmo período.

Estas dinâmicas, em conjunto com os resul-tados referentes às famílias monoparentais queeram pobres em 1995 confirmam que as famíliasmonoparentais pobres com filhos não depen-dentes constituem, de uma perspectiva dinâmica,um grupo particularmente vulnerável, dado quecaem mais facilmente numa situação de pobrezae parecem ter menos hipóteses de saída. Tal si-tuação parece estar ligada às característicasacima mencionadas associadas à generalidadedas famílias monoparentais com filhos não depen-dentes.

8 São considerados como estando em situação de monoparentalidade todos os indivíduos com 16 e mais anos e que estejam abaixo da idade legalde reforma e que vivam: 1) sem um parceiro coabitante mas com pelo menos um filho dependente (com idade inferior a 16 anos, ou que seja estu-dante a tempo inteiro ou; 2) sem um parceiro coabitante mas com filhos, todos eles não dependentes.9 Em virtude do número residual de famílias monoparentais masculinas, a análise efectuada incidiu exclusivamente sobre as famílias mono-parentais femininas.

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Ao contrário do que acontece em outrospaíses representados no estudo, nomeadamentena Alemanha e no Reino Unido, em Portugal nãoparece representar uma mais valia o facto de umagregado contar com a presença de filhos maisvelhos, filhos esses que poderiam representarfontes de rendimento adicionais e, potencial-mente, uma porta de saída da situação depobreza.

Este paradoxo aparente deve ser entendidono contexto das características acima referidas,das famílias (e não apenas as monoparentais)que, em Portugal, vivem com filhos não depen-dentes e que são, relembra-se, jovens de 16 oumais anos, que não estejam a estudar a tempointeiro.

Este tipo de coabitação encontra-se, muitasvezes, ligado a dificuldades que são experimen-tadas por estes indivíduos, quer em relação à suainserção no mercado de trabalho, quer em relaçãoà sua inserção em termos habitacionais. A únicaopção disponível é, muitas vezes, continuar aviver com os pais, os quais, por sua vez,enfrentam também eles, muitas vezes, condiçõesde vida difíceis. Daí resulta que estes riscos acu-mulados podem facilmente traduzir-se numapobreza mais persistente, de onde há menoresoportunidades de se escapar.

Privação Múltipla e Monoparentalidade

Também ao nível da análise das dinâmicasda privação é possível identificar aspectos simul-taneamente paradoxais e interessantes deste tipode abordagem.

Apesar de se registarem diferenças, espe-radas, entre os resultados obtidos para cada umdos três tipos de privação não monetária (confortoda habitação, posse de bens duráveis e necessi-dades básicas), há tendências que perpassam ostrês domínios.

Uma dessas tendências é reflectida no factode as mães em situação de monoparentalidadecom filhos não dependentes registarem taxas depermanência em privação mais elevadas do queaquelas que têm filhos dependentes (em termosde conforto da habitação, por exemplo, 20% con-tra 11%, respectivamente, permaneceram emprivação entre as duas vagas consideradas). Háque salientar porém que têm também uma maiormobilidade de saída da situação.

Uma segunda tendência diz respeito à si-tuação particular das mães que vivem em casal

que têm filhos não dependentes e cujos níveis deprivação são muito elevados, sendo em algunscasos mesmo mais elevados do que os das mãesem situação de monoparentalidade com filhosdependentes.

O facto de as mães monoparentais com fi-lhos não dependentes terem uma probabilidademais elevada de permanecer em privação, parti-cularmente ao nível do conforto da habitação e daposse de bens duráveis, pode implicar a existên-cia de uma pobreza persistente (provavelmentemais fácil de encontrar entre as mais velhasdestas mulheres abaixo da idade de reforma), quenão lhes permitiu superar as dificuldades em ter-mos habitacionais e/ou o acesso a bens duráveis.Por outro lado, as mães em situação de mono-parentalidade com filhos dependentes parecemter dificuldades maiores em superar a privaçãoem todas as áreas consideradas.

Uma explicação plausível para este factopode ser dada pelo facto de entre as famílias comcrianças mais novas tender a haver menos recur-sos disponíveis para despesas que não estãodirectamente relacionadas com as crianças. Paraas mães monoparentais com filhos não depen-dentes, esta necessidade não existe e, por isso, asprioridades podem ser definidas de forma dife-rente, nomeadamente na procura de melhorescondições habitacionais ou na satisfação de ou-tras necessidades.

A relação entre as dinâmicas da pobreza eda privação no caso das mães em situação demonoparentalidade com filhos não dependentesaparenta alguma ambiguidade. São estas famíliasque, em situação de pobreza em 1995, registam amais elevada taxa de persistência em pobreza em1996, assim como menores possibilidades de delaescapar do que as famílias monoparentais comfilhos dependentes. Contudo, as famílias com fi-lhos não dependentes que se encontravam emsituação de privação em 1995 registam umamenor taxa de persistência em privação e maioresprobabilidades de sair de privação em 1996 doque as que têm filhos dependentes.

A superação de uma situação de privaçãonão significa necessariamente a saída de umasituação de pobreza, isto é, ser auto-suficiente emtermos de recursos económicos. As mães em si-tuação de monoparentalidade e de pobreza, comfilhos não dependentes podem ter sido capazes desuperar a privação durante este período de tempoatravés do acesso a determinados itens, por estaou aquela razão, nomeadamente através desuporte familiar. Porém, tal facto não significanecessariamente que a disponibilidade dos recur-

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Pobreza, Exclusão Social e Transição em Ciclo de Vida

sos se mantenha continuamente. Superar umasituação de pobreza tem outras implicações, denatureza mais permanente e exige o acesso aoutro tipo de recursos.

Entrada na Reforma10, Entrada naPobreza... Trajectórias, Escolhas eConstrangimentos

A transição para a reforma tem sido forte-mente associada à pobreza e à exclusão social emPortugal11, situação que se caracteriza pela suanatureza multidimensional.

Um dos factores que concorre para essamultidimensionalidade é a taxa de pobrezaextremamente elevada que se regista entre osreformados, a maior entre os países representadosno estudo. Um outro prende-se com os níveis deescolaridade extremamente baixos que, normal-mente, caracterizam esta população. Um terceirodiz respeito às condições habitacionais precáriasem que esta população vive, traduzida por umafalta das condições mínimas e por níveis de pri-vação elevados. Finalmente, o valor extrema-mente baixo das pensões de reforma e a sua rela-tiva falta de eficácia na prevenção da pobrezanum grupo que delas depende como principalfonte de rendimento, o que origina, muitas vezes,a necessidade de se efectuar trabalho remuneradoapós a reforma.

A análise dinâmica das segunda e terceiravagas do Painel não só confirma a já referidaextrema vulnerabilidade deste grupo no contextoda sociedade portuguesa, como permite ilustraralgumas dimensões específicas desta transição.

O primeiro aspecto importante prende-secom o facto de os adultos com mais de 45 anosque passaram à situação de reforma em 1996terem uma probabilidade quase duas vezes supe-rior de entrarem em pobreza nessa vaga do que ototal dos adultos (15% face a 8%). Torna-se, pois,claro que a entrada na reforma representa umrisco real de entrada numa situação de pobreza.

Entrada na Reforma– ruptura ou continuidade?

Permanecer pobre configura-se como umasituação de elevada probabilidade: entre a popu-lação pobre regista-se uma taxa de persistênciana pobreza muito elevada, quer entre aqueles quepermaneceram em situação de reforma (74%),quer entre a população adulta em geral (75%).Entrar na reforma surge quer como uma transiçãode risco para os não pobres (20% dos que sereformaram entre 1995 e 1996 entraram napobreza) quer como uma situação persistente,despoletada antes da transição para a reforma(80% dos indivíduos que entraram na reforma em1996 eram pobres e continuaram pobres).

Por outro lado, aqueles que continuaramreformados e que não eram pobres em 1995 sãoaqueles que apresentam a probabilidade maiselevada de evitar a pobreza (92%), mesmo com-parando com os adultos em geral. Pareceplausível que estes indivíduos, “sobreviventes”de uma transição arriscada como o é a transiçãopara a reforma conseguiram, simultaneamente,evitar a entrada na pobreza, tendo tambémalcançado a possibilidade de encarar o futurocom mais segurança e menor risco.

Uma análise mais aprofundada deste grupoespecífico de reformados revela algumas dasrazões que podem explicar este facto. Trata-se deindivíduos com maiores probabilidades de apre-sentarem níveis de escolaridade mais elevados ede os respectivos agregados dependerem princi-

10 São considerados reformados todos os indivíduos com mais de 45 anos de idade que se declaram como reformados, e todos os indivíduos queembora não se declarem reformados estão acima da idade de reforma e não estão a trabalhar 16 ou mais horas por semana.11 Desde os primeiros estudos sobre a pobreza em Portugal (Bruto da Costa et al., 1985), vários autores têm referido a particular vulnerabilidadedos idosos - que dependem exclusivamente das suas pensões - à pobreza e à exclusão social. Estes estudos salientam os valores extremamentebaixos das pensões estatais que acabam ou por piorar uma já de si vulnerável situação de indivíduos e famílias cuja vida profissional se caracteri-zou pela precariedade, ou por introduzir a pobreza nas vidas de idosos cujo novo status social se traduz numa perda significativa em termos decondições de vida.

Foto de Alexandra Castro

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palmente de salários; e menores probabilidadesde viverem sozinhos, de serem solteiros e deserem doentes/deficientes.

A educação, as redes familiares, a saúde e aprincipal fonte de rendimento parecem, pois, re-presentar um papel positivo nas vidas dosindivíduos, não apenas na fase mais tardia da suatrajectória, mas ao longo de toda a vida namedida em que, muito provavelmente, terão sidovitais na forma como esta foi sendo sucessiva-mente construída e moldada, permitindo-lhesfazer face às situações mais difíceis.

Inserção Laboral na Pós-Reforma– ainda a precariedade…

Particularmente interessante nas trajectóriasda população reformada, surge a situação daque-les que, tendo deixado a situação de reformadosde uma vaga para a outra – o que significa quecomeçaram a trabalhar – conseguiram sair dapobreza. São menos de 10% os indivíduos paraquem essa opção significou uma saída efectivada pobreza. Na medida em que o recurso a umtrabalho remunerado após a idade de reformapoderia constituir uma estratégia para lidar comas dificuldades financeiras por parte daquelesque dependem das pensões como principal fontede rendimento, o facto de haver uma percentagemtão baixa que consegue escapar à pobreza atravésdeste meio levanta várias questões. Desde logo,surge uma interrogação básica sobre o tipo de tra-balho a que estes indivíduos acedem e orendimento que o mesmo proporciona. Por outrolado, importa questionar a relação existente entreo rendimento individual e o rendimento do agre-gado deste subgrupo no contexto da populaçãoreformada.

Um olhar mais atento ao subgrupo referidopermite constatar que este revela sinais de vul-nerabilidade que parecem confirmar que aestratégia que estes indivíduos desenvolvem, ape-sar de parecer poder atenuar situações deprivação, não é, de todo, uma estratégia comsucesso para se escapar à pobreza.

Trata-se maioritariamente de situações emque inserção laboral significa trabalho por contaprópria, sector este muitas vezes associado aomercado informal, o que, em conjunto com aidade avançada e os baixos níveis de escolari-dade que estes indivíduos apresentam, pode

ajudar a explicar o porquê do insucesso destaestratégia de superação da pobreza.

Há, porém, que salientar a ligeira subidaregistada no rendimento destes agregados e nãoesquecer outros impactos importantes que pos-sam ter decorrido dessa reinserção laboral,nomeadamente no que se refere à forma como osindivíduos auto-percepcionam o seu status e utili-dade social, à eventual elevação da auto-estima,assim como a outros aspectos que não podem seravaliados numa perspectiva estritamente mo-netária.

Pobreza e Privação:uma interacção nem sempre linear

Um aspecto relevante decorrente da análisedinâmica prende-se com a relação aparentementeparadoxal entre as dinâmicas da pobreza e da pri-vação. Os indivíduos que deixaram o estatuto dereformado entre a duas vagas do Painel conside-radas e que estavam em situação de privação em1995 são os que apresentam maiores probabili-dades de sair dessa situação em 1996,especialmente no que diz respeito à privação emtermos de necessidades básicas.

A este respeito, deve ter-se em atenção queos itens que compõem este indicador (substituirmobília usada; poder comer carne ou peixe pelomenos de dois em dois dias, comprar roupasnovas, etc.) são de natureza muito volátil. Comotal, não surpreende que mais de dois em cadatrês indivíduos que saíram da situação de refor-mado entre as duas vagas tenham tambémdeixado de ter este tipo de privação.

Por outro lado, a complexidade destes pro-cessos dinâmicos e a sua interacção podemtambém ser ilustradas por três movimentos dife-rentes – embora inter-relacionados – de entrada esaída da pobreza e da privação em termos denecessidades básicas.

- Os indivíduos reformados que entram empobreza na terceira vaga têm a maior probabili-dade de nunca12 terem estado em situação deprivação;

– Os indivíduos reformados que saem dasituação de pobreza na terceira vaga têm a proba-bilidade mais elevada de sair da situação deprivação em que se encontravam na segundavaga;

12 No contexto da presente análise, esta expressão “nunca” deve ser entendida como “em nenhuma” das duas vagas consideradas.

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– Os indivíduos reformados que per-manecem em situação de pobreza nas duas vagasconsideradas são os que registam a maior proba-bilidade de permanecer em situação de privaçãona terceira vaga.

Os indivíduos que se mantém reformadosem ambas as vagas e que entram em situação depobreza na terceira vaga foram, provavelmente,capazes de evitar a privação a diversos níveis,dado que dispunham dos recursos financeirospara o fazer. Contudo, entrar-se em situação depobreza e ter de se lidar com a falta de recursospode imediatamente accionar comportamentos elevar a que os indivíduos façam cortes em algunsdos itens que compõem o indicador das necessi-dades básicas. Isto poderá, eventualmente,explicar que 15% dos reformados tenham entradosimultaneamente em situação de pobreza e deprivação.

No segundo caso – saída da pobreza – solu-cionar-se o problema da falta de recursos podeser o meio para que se possa passar a aceder aalgumas das necessidades básicas e, assim, sairda situação de privação. No entanto, deve-se terem conta que ter-se estado em situação depobreza tem, por vezes, efeitos a longo prazo epode adiar a possibilidade de se sair da privação.O facto de mais de um em cada quatro reforma-dos que saíram da pobreza continuar em privaçãopoderá ilustrar bem a complexidade da pobreza,não apenas nas suas causas, mas também nosefeitos que tem nas vidas, escolhas e estratégiasdos indivíduos e das famílias.

Finalmente, aqueles reformados que per-maneceram em pobreza parecem ter tido poucashipóteses de sair de privação, dada a ausênciados recursos financeiros necessários.

A precarização ao longo de ciclo de vida é,sem dúvida, um dos aspectos-chave da transiçãopara a reforma. A entrada neste grupo de tran-sição significa, muitas vezes, um agravamento noprocesso continuado de condições de vidaprecárias que caracterizou as vidas dos indi-víduos durante a sua vida activa. Para outros,pelo contrário, pode significar uma reduçãoabrupta dos seus recursos financeiros (e emo-cionais, entre outros), tornando-se uma das portasde entrada para uma situação de pobreza eexclusão social.

Os Doentes/Deficientes13: fazer faceà pobreza e à privação com recursosdebilitados

Um dos primeiros aspectos a realçar emrelação ao grupo dos doentes/deficientes é que setrata de um grupo altamente dinâmico, particular-mente no que diz respeito às taxas de saída entrea segunda e terceira vagas. De facto, cerca de umem cada três indivíduos que se encontravamneste grupo de transição em 1995 já dele nãofaziam parte em 1996, situação que se acentuaespecialmente entre os homens.

A situação de doença/deficiência é tambémuma situação que parece afectar um largo númerode indivíduos. Efectivamente, cerca de um emcada dez indivíduos com mais de 15 anos quecompõem o Painel passaram por essa situação empelo menos um dos anos considerados no estudo.

No que diz respeito à relação deste grupocom a pobreza, um primeiro dado é que asmaiores frequências de entrada em pobreza seregistam junto daqueles que saem do grupo, oque poderia apontar para a existência de umasituação na qual os doentes/deficientes, pela si-tuação em que se encontram, estariam protegidoscontra a pobreza por um sistema de protecçãosocial eficaz.

Porém, no contexto do Estado-Providênciavigente em Portugal, esta é uma hipótese algofrágil, ideia que é apoiada pelo facto de nenhumdos indivíduos que saiu do grupo de 1995 para1996 estar a receber assistência social noprimeiro destes anos e 80% não estar a receberquaisquer subsídios de doença ou deficiência.

Por outro lado, também a análise das tran-sições destes indivíduos em termos de actividadeprincipal, composição do agregado, e principalfonte de rendimento, etc., revela estabilidadenestes aspectos e não as mudanças que poderiamajudar a explicar os dados obtidos.

Assim, parece ser razoável pensar que asituação de doença/deficiência é uma situaçãocujos impactos se farão sentir sobretudo no médioe no longo prazo, pelo que com o reduzidonúmero de vagas do Painel actualmentedisponível se torna difícil um aprofundamentodas relações causais por detrás dos resultadosobtidos.

13 Os indivíduos em situação de doença/deficiência, são todos os indivíduos com 16 e mais anos de idade e que estejam abaixo da idade legal dereforma e cujo estado de saúde (auto-percepcionado) seja em geral muito mau ou que esteja severamente condicionado (auto-percepção) nas suasactividades diárias por questões de saúde/deficiência.

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Fazendo incidir a análise em termos dosindicadores não monetários, um primeiro resul-tado que sobressai é que aqueles que estiveramnuma situação de doença/deficiência em pelomenos uma das vagas consideradas revelam umamaior probabilidade de já ter estado numa situa-ção de privação. Um segundo dado deriva dofacto de o indicador relativo ao conforto dahabitação ser composto por itens de naturezamuito básica que têm, simultaneamente, umcarácter mais permanente. Este é o indicadoronde, comparativamente, se registam percenta-gens mais elevadas de indivíduos que “nunca”estiveram em situação de privação.Simultaneamente, é o indicador onde as dinâmi-cas da privação são menos acentuadas.Contrariamente ao que acontece em relação aosbens duráveis e especialmente em relação àsnecessidades básicas, os itens relativos ao con-forto da habitação não são tão facilmenteadquiridos ou perdidos, o que faz com que hajarelativamente poucos indivíduos que tenhamentrado ou saído da situação de privação entre asegunda e a terceira vagas do Painel.

O indicador relativo às necessidades básicasparece, pois, ser aquele que é mais rapidamenteafectado pelas mudanças na vida dos indivíduos,nomeadamente no rendimento. Para além domais, todos os itens que o compõem podem origi-nar respostas de natureza mais subjectiva do queas dadas em relação, por exemplo, ao indicadorda posse de bens duráveis, pelo que um aumentono rendimento disponível do agregado, ao origi-nar alterações se não em termos objectivos, pelomenos ao nível das percepções subjectivas doindivíduo, pode alterar por completo a tendênciado indicador. Tal parece ser suportado pelo factode ser entre aqueles que saem da situação dogrupo de transição que se regista o valor maiselevado de indivíduos que saem de privação.

Feita esta breve análise das dinâmicasglobais da pobreza e da privação no que se refereaos doentes/deficientes, os próximos parágrafostentarão explorar algumas das características quepodem influenciar a entrada na pobreza daquelesque transitam para este grupo de risco.

Trajectórias, Mobilização de Recursos eCapitais – elementos protectores face àpobreza

Desde logo, um olhar mais atento aos queconseguiram evitar a pobreza em ambas as vagas,

mas que passaram a fazer parte do grupo dosdoentes/deficientes na terceira vaga, permiteidentificar determinadas características que osparecem proteger desta ocorrência negativa, evi-tando que entrem também em pobreza.

No que se refere a características pessoais,enquanto que o género não parece ser particular-mente significativo (as mulheres são apenasligeiramente menos vulneráveis à entrada napobreza quando em situação de doença/deficiên-cia), a idade parece ser mais relevante.Efectivamente, aqueles com idades compreendi-das entre os 30 e os 44 anos conseguem evitar aentrada na pobreza mais facilmente, registandouma probabilidade de efectuar esta mudançaduas vezes menor do que aquela que registam osindivíduos entre os 45 anos e a idade de reforma,e que é apenas um terço da que registam osjovens adultos entre os 16 e os 29 anos.

Apesar de estes jovens adultos serem, emtermos genéricos, menos vulneráveis à pobreza doque os adultos com 30 e mais anos (como foi jáexplorado no ponto relativo à transição para aidade adulta). Contudo, a entrada numa situaçãode doença/deficiência parece poder alterar estasituação. Estando os jovens integrados, elespróprios, numa fase de transição, em que aautonomia está, muitas vezes, ainda no processode ser conseguida, a entrada numa situação dedoença/deficiência pode constituir uma dificul-dade adicional difícil de superar.

O casamento ou a coabitação parecem igual-mente ter um efeito protector, originando que osindivíduos nesta situação sejam muito menos vul-neráveis à pobreza do que os/as viúvos/as (quasecinco vezes menos) e os/as solteiros/as (um poucomais de cinco vezes), situação que coincide comcaracterísticas já identificadas anteriormente,nomeadamente em relação à situação dos/asviúvos/as.

Por outro lado, tais dados podem tambémser relacionados com a maior necessidade deapoio (em termos de cuidados mas também emtermos financeiros) sentida por aqueles queentraram numa situação de doença/deficiência eem cuja ausência a probabilidade de entrar empobreza será, seguramente, maior.

Outra característica que parece poder cons-tituir-se como um factor protector é o nível deescolaridade do indivíduo. De facto, aqueles quetêm uma escolaridade inferior ao 12º ano têmuma probabilidade uma vez e meia superior deentrar em pobreza ao entrar numa situação dedoença/deficiência do que aqueles que têm pelomenos aquele nível educacional.

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No que diz respeito à situação perante o tra-balho, é entre os/as domésticos/as que se registaa probabilidade mais elevada de entrar empobreza ao entrar numa situação dedoença/dependência, probabilidade que é maisde cinco vezes superior à daqueles que estãointegrados em trabalho remunerado e quase vintevezes superior à daqueles que se encontram emsituação de reforma.

Depender de apoio social ou de umemprego por conta própria14 aumenta em 1.5 e1.7 vezes, respectivamente, a probabilidade dese entrar em pobreza, comparando com aquelescuja principal fonte de rendimento é um salário,o que não surpreende tendo em conta a fracaprotecção dada pelo apoio social e sabendo-seque o trabalho por conta própria corresponde,muitas vezes, a trabalho não coberto pelo sis-tema de segurança social e, por vezes, com umacomponente forte de precariedade associada.Beneficiar de subsídio de doença ou invalidezparece ter um efeito mínimo na probabilidade dese entrar em pobreza.

Por outro lado, estar-se coberto por umseguro médico privado (quer seja directamente ouatravés de um familiar) reduz praticamente a zeroa probabilidade de se entrar em pobreza tendo-seentrado em situação de doença/deficiência. Deve--se, porém, realçar que os indivíduos cobertospor este seguro tinham, já em 1995, uma situaçãofinanceira melhor. Enquanto que estes registavamuma média de 75.4 em termos da sua localizaçãopor percentis de rendimento, aqueles que não ti-nham a cobertura deste tipo de seguro registavamuma média de 60.1.

Debilidade Física e Fragilidade Económica eSocial: uma inter-relação complexa

A análise das condições de saúde em 1995daqueles que, em 1996 entraram numa situaçãode doença/deficiência revelou que estes indiví-duos recorriam já nessa altura mais a cuidados desaúde, assim como a apreciação que faziam dasua saúde era já mais negativa do que a feita poraqueles que conseguiram evitar a entrada empobreza.

Para além do mais, o cruzamento dacondição de saúde do indivíduo com a sua si-tuação em termos de pobreza e privação mostrouque aqueles que efectuaram a transição para uma

situação de doença/deficiência entre as duasvagas consideradas tinham, já em 1995, umaprobabilidade mais elevada de estarem empobreza e privação do que aqueles que não efec-tuaram tal transição.

Condição de saúde e pobreza parecem, pois,estar fortemente relacionadas. Da mesma formaque a saúde parece ser um capital importantepara a protecção dos indivíduos contra situaçõesde pobreza e privação, as condições em que osindivíduos vivem parecem igualmente desempe-nhar um papel importante na definição da suamaior ou menor probabilidade de entrar numasituação de doença/deficiência. Como tantas ou-tras questões, a saúde não é apenas uma variávelsimples que influencia uma transição em termoseconómicos. Deve, antes, ser considerada tendoem consideração a complexidade da realidadesocial, realidade onde estas questões são muitasvezes, em simultâneo, causa e efeito.

Pobreza e Exclusão Social emPortugal – contributos para a investi-gação e definição de políticas

A partir de dados de natureza longitudinal épossível traçar uma análise transversal dos resul-tados numa dupla perspectiva: uma apresentaçãoe discussão das implicações em termos de políti-cas que resultam dos principais resultados; e aspotencialidades e novas perspectivas para ainvestigação portuguesa neste domínio e para adefinição das orientações em termos de definiçãode políticas.

No que diz respeito às implicações em ter-mos de políticas, a análise dinâmica das quatrotransições realçou a persistência de alguns pro-blemas estruturais na sociedade portuguesa, queafectam as vidas, as escolhas e as estratégias dosindivíduos e das famílias. Habitação, educação emercado de trabalho são as áreas nas quais estesproblemas ganharam uma maior visibilidade aolongo das diferentes etapas de análise.

A falta de habitações a custos comportáveis(quer em termos de compra, quer em termos dealuguer) que afecta uma parte significativa dapopulação tem consequências particularmentesérias nas gerações mais jovens, particularmenteentre aqueles cuja frágil situação económica nãopermite fazer face aos elevados custos habita-

14 Inclui o trabalho efectuado por conta própria em actividades agrícola.

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cionais. Permanecer em casa dos pais é, pois,muitas vezes, a única escolha disponível e aúnica ajuda que aqueles podem dar.

Por outro lado, medidas recentementeimplementadas na área da habitação (como, porexemplo, o incentivo ao arrendamento jovem)vieram beneficiar principalmente os jovens com

reduzir os níveis de privação nestas zonasurbanas. Contudo, a população idosa residentenos centros das cidades em casas alugadas alta-mente degradadas não foi, em muitos casos,beneficiada pelos programas de renovação lança-dos e que se dirigem, sobretudo, aos proprie-tários.

Nesta análise, os baixos níveis de escolari-dade têm sido sistematicamente relacionadoscom elevados níveis de vulnerabilidade àpobreza. De facto, até agora o sistema educativonão foi capaz de transformar o carácter exclusivo(isto é, reprodutor das desigualdades sociais exis-tentes) da instituição escolar num sistemainclusivo. Tal facto contribui, pois, para a aindaelevada proporção de jovens que abandona aescola sem ter concluído a escolaridade obri-gatória.

A inserção no mercado de trabalho foi, aolongo do estudo, um dos mecanismos que pareceproteger os indivíduos da pobreza. Foi, porém,igualmente realçado que o facto de se ter umemprego pode não ser suficiente para evitar aentrada numa situação de pobreza (ilustrado pelocaso dos indivíduos reformados que começam atrabalhar e que não conseguem sair da pobreza).Condições de trabalho precárias (baixos salários,falta de protecção social, contratos a termo certo)acompanham muitas vezes a trajectória laboraldos indivíduos e contribuem para a sua vulne-rabilidade à pobreza e à exclusão social.O emprego por conta própria parece, por vezes,ser um disfarce para o desemprego, ao invés deconstituir uma alternativa real a um emprego porconta de outrem

O acesso a serviços de saúde e outrosequipamentos sociais (como creches, jardins deinfância e centros de dia para os idosos) foi tam-bém apontado como uma das áreas a ter emconta, de modo a facilitar as vidas das famíliasem geral e, em particular, as dos mais privados.

Finalmente, e no que se refere às impli-cações em termos de políticas, deve realçar-seque deveria ser dada uma atenção particular àsfamílias enquanto principais prestadoras decuidados. É no seio da família que muitassoluções continuam ainda a ser encontradas, querpara as crianças, quer para os jovens em processode autonomia, quer para os idosos. Este papeltradicional de suporte das famílias (e particular-mente das mulheres) tem funcionado quer comodesculpa, quer como compensação para o tam-bém tradicional baixo suporte estatal dado estas.É já tempo de o Estado reconhecer e apoiar opapel vital desempenhado pelas famílias.

situações mais estáveis, visto que os critérios deelegibilidade deixam de fora uma parte significa-tiva desta população, nomeadamente os maisprivados.

Os elevados níveis de privação que se regis-tam em termos de conforto da habitação revelamoutro dos principais problemas nesta área: ascondições habitacionais precárias que continuama afectar inúmeros agregados, e principalmente osidosos e os indivíduos residentes em meio ruralou em zonas desfavorecidas das grandes cidades.Os grandes programas de realojamento lançadosnos últimos anos (e mais recentes do que as vagasdo Painel já disponíveis) terão contribuído para

Foto de Miguel Baltazar

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Pobreza, Exclusão Social e Transição em Ciclo de Vida

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No que se refere ao contributo do Painelpara a investigação sobre a pobreza e exclusãosocial em Portugal, há que referir a importânciade se dispor, pela primeira vez, de dados longitu-dinais de painel. A possibilidade de se seguirtrajectórias – em tão grande escala – e de ascomparar ao nível da União Europeia é vital parauma melhor compreensão dos mecanismos queempurram os indivíduos para dentro e para fora

da pobreza e da privação. Ao mesmo tempo,alarga as perspectivas metodológicas para a com-plementaridade entre métodos extensivos eintensivos. Se explorar as causas da pobreza podeser mais eficazmente conseguido através da uti-lização deste novo instrumento, o estudo dos seusefeitos nas vidas dos indivíduos e das famíliaspode agora ganhar um renovado interesse porparte da comunidade científica.

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