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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN` Ana Paula Franchi Poder Imperial e legitimaªo no sØculo IV d.C.: o caso do Panegirico de Constantino CURITIBA 2009

Poder Imperial e legitimação no século IV d.C.: o caso do “Panegirico de Constantino”

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dissertação de mestrado

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN Ana Paula Franchi Poder Imperial e legitimao no sculo IV d.C.: o caso do Panegirico de Constantino CURITIBA2009 Ana Paula Franchi Poder Imperial e legitimao no sculo IV d.C.: o caso do Panegirico de Constantino Curitiba 2009 DissertaoapresentadaaoCursodePs-GraduaoemHistria,Departamentode Histria, Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes,UniversidadeFederaldoParan,como parte das exigncias para a obteno do ttulo de Mestre em Histria. Orientador: Prof. Dr. Renan FrighettoAGRADECIMENTOS Durante estes dois anos de intenso trabalho, inmeras pessoas me auxiliaram nodesenvolvimentodestapesquisa,diretaeindiretamente.muitodifcil,no entanto, nomear todas elas neste momento. Por este motivo, gostaria de deixar aqui meu agradecimento aos professores, pesquisadores, amigos e colegas que tiveram participao neste trabalho, enviando textos e referncias, discutindo, lendo os meus esboos e comentando-os. Contudo,seriamuitoindelicadosenodestacassealgunsnomesque contriburamdiretamenteparaqueestadissertaopudesseserconcretizada. Agradeo em especial: AoConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientficoeTecnolgico(CNPq) pelo apoio financeiro, sem o qual seria invivel a finalizao desta pesquisa. Ao professor e orientador Renan Frighetto pelo acompanhamento e conduo doprocessodepesquisa,semprefazendocolocaesdegrandepertinnciaque engrandecerammeutrabalho.Tambmagradeoasuapacinciaemrelaoaos pequenos imprevistos durante esta jornada. Sem sua compreenso e ateno este trabalho no teria sido concretizado. AosprofessoresMarcosLuisEhrhardteDennisondeOliveirapelas observaes e sugestes valiosas durante o exame de qualificao. s professoras Margarida Maria de Carvalho e Ana Teresa M. Gonalves pela grandeajudaduranteaelaboraodoprojetodepesquisaepelaindicaoda coletnea de discursos panegirsticos utilizado como fonte para este trabalho. Aosmeuspais,queconseguiramcompreenderminhaausncia,eem particular a minha me, que foi essencial na produo do Abstract desta dissertao. E finalmente,mas nomenos importante, gostaria de agradecer ao Rodrigo, meu companheiro de todos os momentos, que nas ocasies mais difceis, com sua serenidade,carinhoeateno,foiimprescindvelparaasuperaodestes obstculos. RESUMO Estetrabalhoabordaaproblemticadalegitimaodopoderimperialno sculoIVd.C.,combasenodiscurso panegirsticoconhecidocomoPanegiricode Constantino,proclamadonoanode310d.C.emhomenagemaoimperador Constantino.EsteimperadorsedestacounahistriadoImprioRomanopor conseguirconsolidarsua legitimaoetornar-semonarcaabsolutoemumperodo de grande instabilidade da poltica imperial, tomando como apoio principal um novo modelopoltico-ideolgicodepoderqueentoseconfigurava,conhecidocomo Dominato.Devidoaofatodeascenderaopoderpelaaclamaomilitar, Constantinopreocupou-seemdistanciarsuaimagemdosdemaisaspirantesao poder (os chamados usurpadores), utilizando para este fim, uma ampla propaganda deseugovernoporintermdiodediscursospronunciadosemsuahomenagem. Estesdiscursos,conhecidoscomopanegricos,eramencomendadosaosmelhores oradores do Imprio, e em seguida proclamados em comemoraes festivas oficiais. Desta forma, percebemos que os panegricos alcanavam uma grande amplitude, e conseqentemente,haviaumafortedifusodasidiasnelescontidas.Como grande nmero de produes deste gnero ocorridas em um curto espao de tempo, podemosdestacaragrandeeficinciadosmesmosemrelaopromooda polticaimperial.Buscamosenfatizaroquantoaproduopanegirsticacontribuiu paraacriao deumapoiotericoarespeitodasconcepesdopoder imperiale sualegitimidade,adaptando-sesempreaosacontecimentosdomomentohistrico que era correspondente. Neste sentido, procuramos atravs da anlise do discurso panegirsticoutilizadocomofonteparaestapesquisa,destacaroselementos utilizados pelo orador que poderiam auxiliar na construo desta nova concepo de poderimperial,etambmabordarcomoaformacomqueesteselementoseram empregadoscontribuaparaaconsolidaodomonarcaexaltado,quenocasodo nosso objeto de estudo, foi o Imperador Constantino. Percebemos por fim, com base nestes resultados, que as usurpaes do poder imperial no sculo IV d.C. no foram decorrentesde umainsatisfaocomapolticadoregimeimperial,ouseja,coma concentrao de poder cada vez mais efetiva nas mos do soberano, neste sentido, no existia a proposta de uma redefinio do sistema poltico imperial. A anlise dos dadosnospossibilitouacompreensodequeosinstrumentosutilizadospelo imperador Constantino em seu processo de legitimao no poder eram osmesmos queostericosempregavamemproldafundamentaodoDominato.Logo, justifica-se a grande preocupao propagandstica imperial baseada na produo de inmerosdiscursospanegirsticos,permitindoquedestacssemosopoderda comunicaoimperialcomofundamentalparaaconsolidaodestenovomodelo poltico-ideolgico. Palavras-chave:Poderimperial,legitimao,discursopanegirstico,Imperador Constantino. ABSTRACT This paper approaches the problem of imperial power legitimation in the fourth centuryafterChrist,basedonthepanegyristicspeech,knownas"Constantines panegyric proclaimed in 310 after Christ, in honor to the emperor Constantine.The emperorwasrecognizedinthehistoryofRomanEmpirebecausehecould consolidatehislegitimationandbecomeabsolutemonarchoveraperiodofgreat instabilityoftheimperialpolicy,consideringasmainsupportanewpolitical-ideological model of power established at that time, known as Dominato. Due to the fact he had risen to the power by "acclamation military," Constantine was concerned tokeephisimageawayfromtheotheraspirantstothepower(theso-called usurpers), by means of a wide publicity of his government through speeches made in his honor. These speeches, known as panegyric, were ordered to the best speakers oftheEmpire,andthenproclaimedinofficialfestivecelebrations.Thus,werealize thatthepanegyricreachedalargerange,andconsequentlytheideaswhichwere presentedwiththespeecheshadastrongdiffusion.Withthelargenumberof productionsofthiskindthattookplace in ashortperiodoftime,wecanpointtheir great efficiency related to the promotion of imperial policies. We emphasize how the panegyristic production contributed to the creation of a theoretical support about the conceptionsofimperialpoweranditslegitimacy,alwaysadaptingtotheeventsof correspondenthistorymoment.Byanalyzingthepanegyristicspeechusedasa source for this research, we point the factors used by the speaker that could help to build this new conception of imperial power, and also approach how the way in which theseelementswereemployedcontributedtotheconsolidationoftheexalted monarch,thatwastheEmperorConstantine thecaseof ourobjectofstudy.Based on these results, we finally realize that the usurpations of imperial power, in the fourth centuryafterChrist,werenotfromdissatisfactionwiththepolicyoftheimperial regime,thatis,theconcentrationofmoreeffectivelypowerinthehandsofthe sovereign, in this direction, did not exist the proposal of a redefinition of the imperial politicalsystem.Thedataanalysisallowedustounderstandthattheinstruments usedbytheemperorConstantineintheprocessofpowerlegitimation,werethe sameasthoseemployedbythetheoreticalforthefoundationofDominato. Therefore,themajorconcernwiththeimperialpublicitybasedontheproductionof numerous panegyristic speeches is justified, making it possible we point the power of imperial communication as essential to the consolidation of a new political-ideological model. Keywords: imperial power, legitimacy, panegyristic speech, Emperor Constantine. LISTA DE ILUSTRAES O Imprio Romano nos tempos de Constantino ............................................ 88 A diviso do Imprio em Provncias ................................................................ 89 Provncias sob a administrao de Constncio Cloro ................................... 90 Provncias sob a administrao de Galrio ..................................................... 91 Provncias sob a administrao de Maximiano ............................................... 92 Provncias sob a administrao de Diocleciano ............................................. 93 SUMRIO INTRODUO ................................................................................................. 09 CAPTULO 01: contextualizao poltica ..................................................... 14 1.1. A Antigidade Tardia e a construo do Dominato ............................. 14 1.2. Diocleciano e a Tetrarquia: a busca pela estabilidade ........................ 27 CAPTULO 02: O discurso panegirstico ...................................................... 33 2.1 O discurso panegristico e a Antigidade Tardia .................................. 33 2.2 Um instrumento de legitimao ............................................................... 37 CAPTULO 3: O Imperador Constantino ........................................................ 46 3.1 A ascenso ao poder imperial .................................................................. 46 3.2 As virtudes imperiais.................................................................................. 49 3.3 A dissociao do Tirano-usurpador ......................................................... 54 3.4 Panegrico de Constantino: um processo de legitimao .................. 58 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 71 ANEXO I ............................................................................................................. 76 ANEXO II ............................................................................................................ 79 ANEXO III .......................................................................................................... 88 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................. 949INTRODUO Este trabalho tem como principal objetivo formular uma abordagem acerca da questodalegitimidadedopoderimperialnosculoIVd.C..Paraestefimfoi selecionado como objeto central de estudo o Imperador Constantino, e a fonte que sustentar esta anlise, consiste em um discurso panegirstico pronunciado em sua homenagem no ano de 310 d.C. O interesse por esta questo surgiu a partir da constatao de um movimento particular na histria do Imprio Romano. Foi neste perodo, que engloba o sculo III d.C.eIVd.C.principalmente,queasbasesquefundamentavamadominao romana,comooidealdecidadoapartirdarespublica,converteram-se paulatinamenteemumaestruturadepodercentralizadanoImperador,fortemente influenciada pelas organizaes monrquicas orientais e helensticas.Percebemos neste sentido uma crescente participao das elites provincianas noquedizrespeitopolticaimperial,entreoutrosfatores,justificadapelaampla participaodasmesmasnoexrcitoromano,e,aomesmotempo,umacrise configuradapelasriedeusurpaesnoplanopolticodecorridasdesta influncia. Estasquestescontriburamparaoabalodalegitimidadedopoderimperial,que tambm se agravou por uma conjuntura de crise perceptvel nos diversos setores do Imprio Romano, sobretudo no econmico.Se concebermos que esta aparente desordem pde revelar as fragilidades do sistemaestabelecido,estesconflitospuderamserconvertidosemelementosde ordem,considerandoqueordemedesordemconjugadascomomito,oritoea tradio podem contribuir para um continuum histrico. Partindodestepressuposto,seriamestesconflitosquepossibilitaramem grande medida a reestruturao sentida na esfera da organizao imperial, sendo os governosdeDiocleciano(284-305d.C)eConstantino(306-337d.C.)osprincipais responsveispelasadaptaesadministrativasepelafundamentaoideolgica, necessriasaestanovarealidadequeseconfiguravaeficouconhecidacomo Dominato.Desta forma, procurou-se fixar o recorte temporal deste trabalho at o ano de 310d.C,pois, almdeestaseradatade proclamaoda nossafonte Panegirico deConstantino,foinestemomentoquepudemosperceberumgrande 10desenvolvimentodasmovimentaesdoimperadorConstantinoemproldesua legitimao,oqueacabouconduzindo-oatornar-seonicosoberanodoImprio Romano no ano de 324, aps sua campanha vitoriosa contra Licnio. OmeioutilizadoporConstantinonaascensoaopoderimperialpossibilitou uma possvel contestao de sua legitimidade nesta posio. Ele havia alcanado o poder atravs da fora militar, rompendo neste sentido, com a pequena estabilidade configuradaduranteatetrarquiadeDioclecianoatoanode305d.C..Este acontecimentoreacendeuainflunciadoexrcitonanomeaodosoberano(cujo apogeu apresenta-se durante da Anarquia Militar entre 235 d.C e 284 d.C).Estesacontecimentosforamfrutosdeumcontextodetransformaesqueo ImprioRomanoatravessavanossculos IIId.C.eIVd.C., equeoconduziupara umacentralizaodepodercadavezmais concretanasmosdoimperador.Efoi comopartedestecontextoqueaascensodeConstantinoaopoderpde caracterizar-locomointegrantedeumasociedadepolticaqueprocurava estabelecer os fundamentos da autoridade imperial baseada em uma monarquia de direitodivinoe,conseqentemente,alegitimidadedestanovaformadegoverno, objetivando assim a construo da legalidade desta prtica. Foi neste sentido que a reestruturao terica e ideolgica acerca do poder e legitimidadedosoberanofoiamplamentetrabalhadaemdiversossetores,e destacamosnestetrabalho,ocampodacomunicao,essencialmenteaproduo literriaoficialdoImprio,comumcarterenfticoemrelaopropagandada poltica imperial e promoo dos fundamentos do Dominato. Porconseguinte,aproduopanegirsticadosculoIVd.C.ganhougrande evidncia,caindonasgraasdediversosimperadores,eumasriedediscursos destegneropassouaserencomendadaperiodicamenteapsacontecimentos relevantes e datas comemorativas. Como necessidade de fundamentar sua legitimidade e tambm a legitimidade daconcentraodepodernasmosdomonarca,Constantinoseguiuestas movimentaes,etambmatribuiugrandeimportnciaaquestodacomunicao imperial,principalmentenojreferidocarterpropagandsticodogoverno.Logo, esteimperadorfoiobjetocentraldediversosdiscursospanegirsticos,quedentro destecontexto,procuravamatravsdaexaltaodesuaimagem,criarumapoio terico poltica do Dominato. 11Opanegricoescolhidocomofonteparaestapesquisafoiescritoporum oradorannimo,enquadradopordiversosestudosnogrupodosdiscursos produzidosporautorespagos.Estefatodeveserabordadocomdelicadeza,pois nestemomentodebuscapelaunidadeimperialedesenvolvimentotericoda concentraodepodernasmosdosoberano,aprpriareligiopagsofriauma reconfiguraoembuscadaadaptaodasteoriasdepoderestarealidadedos sculos III d.C. e IV d.C. Desta forma, percebeu-se um paulatino crescimento de um monotesmodentrodoprpriopaganismo,evidenciadonocorpodotextode diversos discursos panegirsticos do perodo. Umavezqueestetrabalhotemcomonfaseabuscapelalegitimidadedo poderimperialporConstantinoeorecortetemporaldelimitadopelafonteutilizada encerra-senoanode310d.C.,nosentimosanecessidade,nestemomento,de adentrarnasdiscussesarespeitodoPaganismoXCristianismo,nemmesmona religiosidade deste imperador. Destemodo,procuramosdividirestetrabalhoemtrseixosprincipais: contextualizaodorecortetemporalestabelecido,discussoemtornoda importnciadosdiscursosenquantoinstrumentoslegitimadoreseporltimo,a ascenso e legitimao do imperador Constantino. Sentimos a necessidade de dedicar o primeiro captulo a contextualizao dos sculos III d.C. e IV d.C., pois sem o conhecimento do mesmo, no conseguiramos identificararazodafortenfasedapropagandapolticaimperialnomomentoda ascenso de Constantino. Procuramos ento destacar que o Imprio Romano sofria uma reconfigurao das bases que fundamentavam sua dominao e garantiam sua unidade, e que esta nova realidade que se formava no surgia de modo repentino. Ela seria resultado de uma adaptao da organizao imperial clssica s presses einflunciasexternaseinternas,surgindocomoummeioparagarantira manuteno do Imprio. Concomitante a discusso sobre a construo do Dominato, procuramos fazer umaabordagemsobreoperododenominadoAnarquiaMilitarqueacabou possibilitando,ouatmesmofacilitando,ainstauraodaTetrarquiacomo imperadorDiocleciano,em284d.C.,poisfoinestemomentoqueConstantino ganhoudestaquedentrodapoltica imperial,porintermdiodeseupaiConstncio Cloro, nomeado como csar em 293 d.C.. 12Procuramos encerrar este captulo com o reincio das disputas imperiais aps arennciadeDioclecianodoanode305d.C.,deixandoparaoterceirocaptuloa abordagem sobre a ascenso de Constantino ao poder, por acreditar ser necessrio discutiraquestodosdiscursosenquantolegitimadoresdapolticaimperialantes deste assunto. Destaforma,iniciamososegundocaptulocomumaabordagemsobrea importncia dos discursos enquanto instrumentos de promoo ideolgica, uma vez quedefendemosaconcepodequeacomunicaonoestdesvinculadadas questessociaisepolticas,mesmonomundoromano.Paraisso,procuramos destacarautilizaodaproduopanegirsticanaantiguidadeeoempregoda retricaeoratrianestetipodeproduo,oqueatribuiuaestesdiscursosum grandepotencialenquantomeiodecomunicaooficialdoimprio,eenfatizouo crescimentodeumapolticaeducacionalporpartedediversosimperadoresque compreendiam o poder da palavra enquanto agente ideolgico. Tendoemvistaestasconsideraes,iniciamosoterceirocaptulocomuma abordagemmaisdelimitadasobreaascensodeConstantinonocolgioimperial, procurandoentodestacaralgunselementoscontidosnospanegricosemsua homenagem,queauxiliaramemsuapolticadelegitimao,umavezquea ascenso ao poder no pode ser confundida com permanncia neste poder. Procuramos ento destacar as alianas realizadas por Constantino at o ano da proclamao de nossa fonte, 310 d.C., principalmente a aliana com Maximiano, acontecimento que foi utilizado como um dos primeiros argumentos em prol de sua legitimidade.Emumsegundomomento,procuramosbuscaralgunselementosque serviam de amparo terico para a concentrao de poder nas mos do soberano e auxiliavam na construo do processo de legitimao de Constantino. Comisso,dedicamosumaabordagemsobreasvirtudesimperiais,que caracterizaram Constantino como um bom prncipe em contraposio imagem do mau governante, simbolizada pelo conceito do Tirano-usurpador. A contraposio da imagem de Constantino em relao aos demais usurpadores, permitiria amenizar a polmica ascenso ao poder deste imperador por intermdio da aclamao de suas tropas. Porfim,procuramosencerrarestecaptulocomautilizaododiscurso panegirsticode310Panegirico deConstantinonoprocessode legitimaodeste imperador,destacandoatravsdaestruturaecontedododiscurso,oselementos 13que permitiram a consolidao da poltica do Dominato e do Imperador Constantino no poder por um longo perodo. 14CAPTULO 1: contextualizao poltica Primeiramente, acreditamos ser de extrema importncia fazer uma discusso sobreomomentohistricoqueoimperadorConstantinochegouaopoder.Esta importncia deve-se pelo fato de que sua legitimao no poder imperial s tomou a configuraoexpostanestetrabalhodevidoaocontextodetransformaoqueo Imprio Romano passava ao procurar garantir sua unidade poltica. Nas palavras de Arther Ferrill: Adefesadefronteirasremotasparecemuitomenosimportanteaos ImperadoresdaCasernadoqueaproteodoregimeimperial.Na tragdiadesteperodo,oidealdeum impriounidopermaneceuforte, masarealidadedeumcrculodecivilizaofraturado,porvezes indefeso ao redor do mediterrneo passou muito nas mentes.1 EsteautorutilizaotermoImperadoresdaCasernaparadenominaro perodo que abrange os anos entre 235 e 284, que em nosso trabalho ser tratado comoAnarquiaMilitar.Comoveremosaseguir,esteperodofoideextrema importnciaparaaconfiguraodapolticadoDominato,merecendoassimnosso destaque. 1.1. A Antigidade Tardia e a construo do Dominato: Ao estudar o sculo IV d.C.2 nos deparamos com discusses historiogrficas arespeitodomomentohistricoaoqualesteperodopertence.Ahistoriografia tradicionalcostumadividirosperodosdahistriaemIdadeAntiga,IdadeMdia, IdadeModernaeIdadeContempornea.Porm,jumconsensonaatualidade, queestetipodedivisobaseia-senacronologialigadalongadurao, desconsiderando,portanto,osperodosdemediaoquecaracterizamatransio 1FERRILL,Arther.AquedadoImprioRomano:aexplicaomilitar.RiodeJaneiro:JorgeZahar Editor, 1989. P. 33. 2TodasasdatasdestetrabalhoseremetemaoperodoposterioraonascimentodeCristo,salvo quando destacado o contrario.15de uma idade outra e at mesmo os diferentes momentos histricos no interior das mesmas. Hilrio Franco Jnior3, por exemplo, acredita que esta diviso e denominao dosperodoshistricospodemserconsideradascomortulos,umavezqueso produtoshistricosouhistoriogrficosqueprocuramresponderanecessidadede certa poca em relao a um determinado passado. Desta forma, procura-se dividir enomearosperodosapartirdeumbalanceamentofeitoentreacronologiaeos processos em curso. Dentrodestecontexto,operododatransiodaAntigidadeparaaIdade Mdia bastantediscutido.Vriasdenominaessurgemparatentarespecific-lo, comoporexemplo,Fimdomundoclssico,AntigidadeTardia,AltaIdade MdiaouatmesmoPrimeiraIdadeMdia.Estascorrenteshistoriogrficas consideram,demodogeral,queoperododosculoIIIaosculoVIIItem especificidadesqueosdiferenciamdaAntigidadeClssicaetambmdoMedievo Feudal,masconcebemaexistnciadecontinuidadeserupturasqueligamestes dois momentos histricos.Podemosponderarquemuitasdestasformulaesconceituaisbaseiam-se primeiramente nos limites cronolgicos desse perodo, tanto no incio, como no fim e acabamestabelecendoesteslimitesapartirdepontosdeobservaoespecficos. Desta forma, para citar alguns exemplos, Henri-Irne Marrou defende o conceito de Antigidade Tardia(sculoIIIaosculoVI), PeterBrownaborda operodoquevai dosculoIIIaosculoVIIIcomoFimdoMundoClssico,emedievalistas,como Hilrio Franco Jnior e Ruy de Oliveira Andrade, defendem a idia de Primeira Idade Mdia (que englobaria o inicio do sculo IV at meados do sculo VIII). Nossoobjetivocomestadiscussoenfatizaraimportnciadesteperodo histrico, que teria como questo essencial a fixao dos limites entre a Antigidade eaIdadeMdia.AtaproximadamenteoinciodosculoXX,omesmoera retratado como um perodo de decadncia, no s das estruturas imperiais romanas, mastambmdaculturaeeconomia,oquesuscitouumavisodepreciativado perodo, tal quais diversos outros rtulos aplicados em outros momentos, como por 3 FRANCO JNIOR, H. Antigidade Tardia ou Primeira Idade Mdia? In: ANDRADE FILHO, R. de O. (org.) Relaes de poder, educao e cultura na Antigidade e Idade Mdia: estudos em homenagem aoprofessorDanielValleRibeiro.ICIEAM,VIICEAM.SantanadaParnaba,SoPaulo:Editora Solis, 2005. Pg. 233-242. Entrevista. P. 233-234. 16exemplo,aantigadenominaodeIdadedasTrevasutilizadapararetrataro medievo.OconceitodeAntigidadeTardiadifundiu-senahistoriografiaapartirdos anosde1950,sendoprimeiramenteacolhidoporalgunsautoresalemes. Entretanto,somenteapartirde1977que constatamosumaampladifusodeste conceito com Henri-Irne Marrou, que buscava associar ao perodo uma conotao positiva, em oposio corrente historiogrfica dominante at o sculo XIX.Em sua obra Decadncia Romana ou Antigidade Tardia, Marrou defende a importncia deste momento de mediao entre a Idade Antiga e a Idade Mdia, que secaracterizarianosomentecomoumaltimafasedeumdesenvolvimento contnuo, mas sim como [...] uma outra civilizao, que temos de reconhecer na sua originalidade e julgar por si prpria e no atravs de cnones de pocas anteriores4. Dentrodestalinhaargumentativa,eleprocuracontraporaidiadefendida, entreoutros, porJacobBurckhardt,dequeaarte eaculturadoperodoatento conhecidocomoBaixoImprio,remontariaaumadissoluodefinitivadosistema estruturalqueRomaherdaradosgregos.Nestesentidodefendeumareavaliao deste perodo, uma vez que [...] a denominao Antigidade Tardia encontra razo para estabelecer-se, identificando um tempo de transio rico em mudanas e muito distante de um conceito de simples decadncia5. Esta nova concepo que baseia o conceito da Antigidade Tardia, segundo Henri-IrnnMarrou,seriaresultadodosprogressosdainvestigaohistricano sculoXXetambm[...]dependentedastransformaesoperadasnoplanoda experinciaestticaenasensibilidadecontempornea,entreofimdo expressionismo e o aparecimento da arte abstrata [...]6. Todavia, a denominao Tardia pode, implicitamente, configurar-se em uma descaracterizaodesteperodoemrelaoAntigidade.OImprioRomano encontrousriosobstculosreferentessuamanuteno,desdefatoresinternos, como instabilidade poltica (anarquia militar) e econmica (estagnao do modo de produo escravo), e no contexto externo, presses nas fronteiras. Configurou-se,portanto,anecessidadedeumareestruturaopolticae ideolgicadasbasesimperiaiscomoumatentativadesustentaraautoridadeea 4 MARROU, Henri-Irne. Decadncia Romana ou Antigidade Tardia. Lisboa: Editorial ster. 1979. P. 15. 5 OLIVEIRA, W. F. A Antigidade Tardia So Paulo: Editora tica, 1990.. P. 06. 6 Opus citarum, p. 14. 17manutenodoImprioRomano.Caberessaltarqueacrescentedominao romana (imperium) s havia tornado realidade a partir de alianas ocorridas entre a aristocraciasenatorialromanaeaseliteslocaiseregionais.Estasalianas fundamentadaspelaciuitassinalizavamaparticipaodestaseliteslocaisno universo romano de fato.Contudo, Renan Frighetto7 enfatiza que a partir do sculo II, devido a tenses tantodecarterinternocomoexterno,aciuitascomeouareduzirpaulatinamente suaimportnciaemtermospolticoseinstitucionais.Estefatoacabou enfraquecendo as instituies municipais, que deixaram de impulsionar as carreiras pblicas, e tornaram-se pouco interessantes aos membros das aristocracias locais e regionais.Destaforma,ospoderesregionaiscomearamaaparecercomo concorrentesdopoderimperialcentral,quenomaisrespondiaasnecessidades deste setor.Nestecontexto,configurou-se,portanto,umanovarealidadepoltica, econmicaesocialdoperodo,porm,comotodomomentodetransio,esta realidadenosurgiudemaneirainexplicveledealgoinslito.Foidecorrentede umaadaptaodaestruturaimperialclssicaspresseseinflunciasexternase internas, como uma alternativa para estagnar as tenses que o imprio sofria. Estas adaptaesnoserestringiamaosmbitosdaadministraoeeconomia,como abordadopordiversosautores,elasafetariamasociedadecomoumtodo, principalmente no que condiz ideologia dominante da poca. Renan Frighetto8 ir contrapor a idia de ruptura deste perodo (sculos III ao VIIII) com a Antigidade Clssica, afirmando, por exemplo, a permanncia de idias evirtudesrelacionadasaoImperador,edemonstraapossibilidadedeadotaro conceito de Antigidade Tardia ao analisar aspectos vinculados ao binmio poltica e poder. Estaconexodar-se-iaatravsdaforadatradioquelegitimavaos detentoresdopoderpolticonocampoideolgico.Aassociaoentreopoder imperialesmbolosdombitosagradoeraumarealidadedesdeoperodoalto imperial,principalmentepelainflunciahelnica,todaviaestaprticafoi 7FRIGHETTO,R.EstruturassociaisnaAntigidadeTardiaOcidental(sculosIV/VIII).In RepensandooImprioRomano:perspectivassocioeconmicas,polticaecultural.RiodeJaneiroe Vitria: Maud Editora e EDUFES, 2006. P. 226. 8FRIGHETTO,R.PolticaepodernaAntigidadeTardia:umaabordagempossvel.In:Histria RevistaRevistadoDepartamentodeHistriaedoProgramadePs-GraduaoemHistria. Goinia, v.11. n. 1, p. 161-173, jan./jun. 2006. P. 161-173. 18potencializadanosculoIVatravsdabuscadejustificaesideolgicasdeum poder imperial que buscava consolidar um sistema monrquico centralizado. O orador do panegrico de 310 Panegirico de Constantino aborda a ligao da legitimidade do poder atravs do sagrado e o resgate da tradio quando discorre a respeito da ascenso de Constantino ao poder imperial: Tnoentrasteenestesagradopalaciocomouncandidatoalimperio, sinocomounemperadordesignadoeinmediatamenteloslares paternosvieronentiellegitimosucesor.Estabafueradedudaquela herenciadebacorresponderalprimerhijoqueloshadoshaban otorgado al imperador.9 Neste sentido, torna-se invivel desconsiderar as permanncias deste perodo emrelaoAntigidade,pormfaz-senecessrioenfatizarqueaAntigidade Tardia conduz a uma nova realidade. Buscou-se uma continuidade do imperium, que s foi possvel a partir de uma amplareestruturaodaorganizao imperial,demodoque,aomesmotempoem quebuscava-sealegitimaoatravsdatradiocomumapreocupaona centralizaodopoder,oImpriopaulatinamentecaminhouparauma regionalizaodestepoder,seconsiderarmosaconcorrnciadaselitesregionais provincianas com o poder imperial central, que aos poucos viu-se obrigado a ceder a estaspresses,possibilitandooaparecimentodesoberanosoriundosdestas regies. MuitasdascidadesconquistadasquefaziampartedoImprioRomano haviamconservadoumaautonomiamuitoamplanasquesteslocaisemum primeiromomento.Estaautonomia,nodecorrerdotempo,permitiuum desenvolvimentodegrandepartedestascidadestalqualaimagemdeRoma, reproduzindo suas instituies, seus monumentos, ou seja: Deestasuerte,lasprovnciasllegaronacomponerse,pocoapocode unmosaicodemunicipios,queconstituansusclulaspolticas.Cada unodeellosteniaporncleounaciudad,queerasucentro 9 An., Paneg. 310 (IV, 1) In: LLORENTE, Victor-Jos H. (trad.) Biografos y panegiristas latinos. Madri. Tollf, Lege. Aguilar, 1969. P. 1219. 19administrativo;stasehallabarodeadaporunterritriobastante extenso a ela sometido.10 Percebe-se ento que a prpria questo da romanizao permitiu que a elite, ouseja,aaristocraciadestasregies provincianas,sedesenvolvessenosmesmos moldesqueaaristocraciasenatorialromana,enestesentido,ainserodas mesmas na poltica imperial era uma questo de tempo. Outro fator que foi produto deste ambiente de transformaes, permanncias e rupturas do poderio romano em relao antiguidade clssica, foi a to polmica crisedosculoIIIquefundamentouasmudanasdogovernoimperialcom Diocleciano e Constantino. GonzaloBravo11colocaqueadinmicapolticadesteperodointroduzum novoelementonosesquemasdegovernoimperial,opoderiomilitar.Identificado como perodo da Anarquia Militar este momento seria o ponto onde, segundo Ana TeresaM.Gonalves12,seexternamasforasdaslegiesnaimposiode imperadoreseautilizaodeprincpiosadvindosdeumacrescenteinfluncia oriental.Desdeoperodofinaldafaserepublicana,constataram-sealgumas mudanasdentrodestaquestomilitar.Oslegionrios,queimpulsionavamgrande parte da economia imperial (uma vez que as guerras eram os principais meios para aobteno de escravos,sendoosmesmosabaseeconomiaromana),notinham ganhossatisfatrios:recebiampagamentoilusrioepoderiamserdemitidos bruscamentesemqualquertipodeindenizao,foraosatritoscomaaristocracia, que no tinha o interesse em dividir as riquezas geradas pela expanso. Oresultadofoicriar-seumatendnciadentrodosexrcitos republicanosposterioresaumdesviodalealdademilitarparaforado Estado,queeracanalizadaparaosgeneraisvitoriosos,quepodiam 10 GRIMAL, Pierre. Las ciudades romanas. Barcelona: Vergara Editorial, 1956. Pg. 12-13. 11 BRAVO, G. El ritual de la y su significado poltico y religioso en la Roma imperial (conespecialreferenciaalaTetrarquia).In:Gerin:RevistadelDepartamentodeHistoria Antigua/Facultad de Geografia e Historia, Universidad Complutense. Madrid, n. 15, p. 177-191, 1997. P. 190. 12 GONALVES, A. T. M. A legitimao do poder imperial e os problemas sucessrios nos brevirios de Histria Romana produzidos no IV sculo d.C. In: Histria Revista Revista do Departamento de Histria e do Programa de Ps-Graduaoem Histria. Goinia, v.11. n. 1, p. 01-15, jan./jun. 2006.P. 5.20garantiraspilhagensdeseussoldadosouosdonativos porseupoder pessoal.13 Nestaperspectiva,ovnculoentrelegionrioecomandantecresceu, sobretudo,depoisdeMrioeSilanosculoIa.C,quandoossoldadosbuscavam emseusgeneraisumareabilitaoeconmicaeosgenerais,emcontrapartida, apoiavam-se em seus soldados para algum avano poltico.Arther Ferrill destaca que a dinastia dos Severos (193-235) pecou ao permitir aosmilitaresumpapelpordemaisproeminentenavidapblicaromana14,eo assassinatodeSeveroAlexandreporMaximino(umdeseusgenerais)acabou inaugurando a to fragilizada fase da Anarquia Militar. Aindadentrodestaquestomilitar,tambmobservamosacrescente influnciapolticadasprovnciasnopoderimperial.Comoestemeiodestacou-se comoumadasformasdeprogressosocial,onmerodeprovincianos(eat mesmobrbarosaliados)aumentoudentrodaslegies.Logo,oadventodopoder imperialpassoucomregularidadeaosgeneraisprovenientederegiesforada pennsula Itlica. ParaPerryAnderson,Arazomaisbviaparaaascensodestes governantesdaPanniaoudaIlriafoiopapeldasprovnciasdoDanbioeas Balcnicasnofornecimentoderecrutasparaoexrcito15.Nestamesmalinha argumentativa,podemosdestacaroestudodeE.Barker,queaoabordaro desenvolvimentodeumacidadaniaimperialcomum,destacaoimportantepapel desempenhadopeloexrcito,queacabariaconduzindoaumanovaformaodo corpo cvico, incluindo os provincianos: [...]oserviomilitarconferiaacidadaniaromana;ecomoastropas eramrecrutadasprincipalmentenasprovncias,abriu-seumagrande perspectiva para a emancipao dos provincianos.16 13 ANDERSON, P. Passagens da Antigidade ao Feudalismo. So Paulo: Brasiliense, 2007. P. 65. 14FERRILL,Arther.AquedadoImprioRomano:aexplicao militar.RiodeJaneiro:JorgeZahar Editor, 1989. P. 17. 15 ANDERSON, P. Passagens da Antigidade ao Feudalismo. So Paulo: Brasiliense, 2007. P. 85. 16BARKER,E. OconceitodeImprio.In:BAILEY,Cyril(org.).OlegadodeRoma.RiodeJaneiro: Imago editora, 1992. P. 82. 21O orador do panegrico do ano de 310 Panegirico de Constantino, ao longo do seu discurso, demonstra a fora que o exrcito tinha dentro da poltica imperial ao fazerrefernciaaoseupapeltantonadefesaterritorial,naaclamaodos imperadores(nocasoConstantino)enaparticipaoemdisputas,comoatravada entre Maximiano e Constantino, mesmo queesta abordagem seja camuflada pelo idealdelealdade/fidelidade,oquedecertaformainduziriaaumarelativizaodo papel das tropas enquanto grupo participante das disputas pelo poder. Percebemosapartirda,umprocessomaisslidododeslocamentodoeixo dopoderimperial,distanciando-sedoeixotradicionaldeRomaedaaristocracia senatorialromana,seguido,portanto,deumasriedeusurpaesdestepoderpor partedosgeneraisdastropas.Estasusurpaessobtiveramxitodevidoaj abordada fragilidade do Imprio neste momento, que alm de sofrer com uma crise econmica e poltica, sofria fortes presses nas suas fronteiras. Inmeros imperadores ascenderam ao poder no perodo que vai dos anos de 235 a 284 (ano do advento de Diocleciano prpura imperial), e o que possibilitou a caracterizaosobanomenclaturaAnarquiaMilitarforamalgunsfatoscomuns, como: [...] [os imperadores] a) eram aclamados pelos legionrios estacionados nasfronteiras,naprocuradebonsgeneraiscapazesderechaaras invaseseprotegeroslimitesdoImprio;b)ficarampoucotempono governo;c)acabaram morrendopelas mosdosinvasoresourevoltas dentrodastropasinsatisfeitascomsuasestratgiasdecombate;d) raramenteconseguiamindicarseussucessores;e)dificilmentetinham tempodeimputarumacaractersticaprpriaaoseugoverno,queno fosse a necessidade de defender as fronteiras.17 Nesteperododequasecinqentaanos,oImprioRomanoassistiua ascensodecercade20imperadoreseinmerosaspirantesprpuraimperial, ondeamaioriaeramgeneraisquehaviamascendidoatravsdastropas.Destes, somenteCludiomorreudecausasnaturais,earespeitodeTcitoaindaexistea controvrsia,seadoeceuefaleceu,ousesofreualgumaconspiraoporpartede alguns chefes militares. 17GONALVES,A.T.M.OsSeveroseaAnarquiaMilitar.In:SILVA,G.V.da;MENDES,N.M. RepensandooImprioRomano:perspectivassocioeconmicas,polticaecultural.RiodeJaneiroe Vitria: Maud Editora e EDUFES, 2006.P. 185-186. 22Seria neste contexto da Anarquia Militar e no perodo imediatamente posterior mesma,quepercebe-sedeformaclaraasprincipaismudanasque caracterizaram a Antigidade Tardia. As seguidas usurpaes acabaram por abalar a autoridade do cargo imperial, o que acarretou em uma transformao na forma de seconceberteoricamenteopoder,afastando-secadavezmaisdatradio republicanaedoprincipadodeAugusto,ondeopodernomaissefundamentaria numaestreitarelaoentreoimperador,asinstituiesmilitareseaaristocracia senatorial.Alis, o prprio Principado j simbolizava um processo de absoro gradativa dopoderefetivopeloprinceps,ondeestaaparentediarquiaentreSenadoe princeps, entre princpio republicano e governo de um imperador, foram dissolvidas aolongodosculoIIIeIV.CabedestacaraquiqueoSenadoatentohavia representado o papel de regulamentador da poltica do Estado buscando afastar seu funcionamento de uma administrao de carter pessoal e monrquica. Percebe-senestesentido,emconcordnciacomGonzaloBravo18,quea transioparaoDominatofoiumprocessodelentaevoluo,queremontaaesta polticadoPrincipado,tendoemvistaquenestesdoismodelossoperceptveis tendncias autocrticas similares com um poder pessoal cada vez mais presente. Paraaaristocraciasenatorial,anomeaopeloimperadordeseusucessor atravsdaindicaodomelhorhomem,omaisvirtuosoeaptoagovernar, simbolizava que o comando do imprio ainda estava sobre seu controle, ao contrrio das dinastias hereditrias, que restringiriam este poder ao mbito de uma s famlia.Contudo,nestecontextoondeasantigasmagistraturasnomais representavam um meio de ascenso e participao poltica das elites locais, e esta relao com o poder central passou a ser garantida principalmente pelo controle no exrcito (que havia se tornado o meio mais eficaz na nomeao dos imperadores), a busca pela continuidade desta participao no poder conduziu a esta reorganizao das bases imperiais, o que acabou aproximando cada vez mais a poltica imperial ao modelo do monarca helenstico. Porm, em termos de fundamentao terica do poder, a produo intelectual procurounoestabelecerumarupturadrsticacomasinstituiestradicionais 18 BRAVO, G. El ritual de la y su significado poltico y religioso en la Roma imperial (conespecialreferenciaalaTetrarquia).In:Gerin:RevistadelDepartamentodeHistoria Antigua/Facultad de Geografia e Historia, Universidad Complutense. Madrid, n. 15, p. 177-191, 1997.P. 187-188. 23senatoriais.Estetipodeformulaopodeserpercebidonotextodopanegricodo ano de 310, que mesmo construindo a legitimao de Constantino baseada em uma linhagemfamiliarededireitodivino,procurouinseriremsuaargumentao elementoscomunsdaprticadaadoptio,quesimbolizariaaaparentecontinuidade da participao deste setor na poltica imperial. Neste sentido, ao abordar questes sobre a reputao e valentia de Constantino no captulo XI, o orador defende a idia de que este personagem seria o mais competente e apto para conduzir o imprio. Entretanto, a proximidade com as monarquias orientais, conduziu o Dominato no s a uma teorizao do poder imperial amparada na sacralizao, na concepo depoderdescendenteeemumimperadorpelagraadivina.Paulatinamente constatou-seainstauraodeumnovopadrodeorganizaoscio-poltica,a partirdasuperaodoescravismo(quenoeraofundamentodaeconomianas provnciasorientais)etambmdereformasnamquinapblica,nosentidode perpetuar a unidade imperial.Neste sentido, Gilvan Ventura da Silva e Norma MuscoMendes entendemo Dominato como: [...]umaentidadepolticafundadanumadinmicaparticularde interao entre o Estado e a sociedade que se desenvolveu como uma estratgiareguladoradiantedeumagravesituaodeinstabilidade polticacomafinalidadedegeriraspressesexternasedissenses internas. 19 Arestaurao imperialpropostapeloDominato,procurouconduzir,deforma maisconsistenteapartirdasmudanasempreendidasporDioclecianoeda consolidaodasmesmascomConstantino,aincorporaodenovossmbolosde poder,quefundamentariamapolticaimperialrumoamaisextremaformade governomilitarecentralizadosobasbasesdamonarquiadetipooriental,fato perceptvel atravs da incorporao do ritual cerimonial, influenciado pelo modelo do Grande Rei da monarquia sassnida, a exemplo da proskynses20. 19 SILVA, G. V. da; MENDES, N. M. Repensando o Imprio Romano: perspectivas socioeconmicas, poltica e cultural. Rio de Janeiro e Vitria: Maud Editora e EDUFES, 2006. P. 197. 20TAVEIRA,C.OmodelopolticodaautocraciaBizantina:fundamentosideolgicosesignificado histrico.405f.Tese(DoutoradoemHistria)-ProgramadePs-GraduaoemHistria. Universidade de So Paulo: So Paulo, 2002. P. 47. 24Gonzalo Bravo21 argumenta que freqente na historiografia a associao da praticadesteritualcomaascensodoDominatoe ogovernodeDiocleciano,mas que,seconsiderarmostodooprocessoevolutivodaconcentraogradativade poder nas mos do princeps ou imperator, elementos desta prtica podem remontar at o perodo Republicano, uma vez que a busca pela unidade imperial necessitava de um princpio de coeso entre os habitantes, onde a soluo encontrada centrava-se na divinizao do regente. Prosseguindoentoseuestudo,GonzaloBravodestacaqueantesda conquista do oriente por Alexandre, este rito era concebido somente como forma de cultoaosdeuses,pormjexistiamindicaesemHerdoto,nosculoVa.C., sobreocostumederealizaraproskynsesentreospersasnapresenadeseus reis. Entretanto,esteritualsomenteparticipoudadefiniodocultoimperial romano aps sofrer transformaes em sua natureza, que o conduziu a uma funo polticaimplcitanasuaprtica.Seriaesteritualmodificadoqueremontariao perodo baixo imperial, e que havia sido documentado por Lactncio em sua clebre obra Sobre la muerte de los perseguidores22, no captulo 21, itens 2 e 3. Neste sentido, o ritual da proskynses foi incorporado, em especial na poltica tetrrquicadeDiocleciano,comopartedesteprocessodemudanaspolticas, ideolgicasesociaisqueviriamafundamentarocomplexocerimonialdecorte monrquica, caracterstico na maioria dos imperadores romanos do Dominato. Asinflunciasdestasmonarquiasjeramcomunsnaparteorientaldo Imprio,epossibilitaramoreforodasprerrogativasimperiaisromanasatravsda reivindicao de uma natureza religiosa e transcendente baseada, mesmo dentro de uma tradio pag, em um monotesmo, possivelmente influenciado pelo culto solar, tambm de origem persa. Tem-sedestaqueentoocultoaMitra,quenozoroastrismopersa,erao Deusdaluz,Deussupremo,ouseja,oprprioSol,vivificanteeconquistadordo Universo. 21 BRAVO, G. El ritual de la y su significado poltico y religioso en la Roma imperial (conespecialreferenciaalaTetrarquia).In:Gerin:RevistadelDepartamentodeHistoria Antigua/Facultad de Geografia e Historia, Universidad Complutense. Madrid, n. 15, p. 177-191, 1997.Passim. 22 LACTANCIO. Sobre la muerte de los perseguidores. Madrid: Editorial Gredos, 2000. P. 125-126. 25Comoumafusodeelementospersasehelnicos,areligiomitraica alcanougrandepopularidade,emespecialnoexrcitoromano, conquistandoafervorosalealdadedemilhes.Adifusodomitraismo portodooImprioRomanofoianterioraosculoIII;masaascenso dadinastiasassnida,defensoraardorosadozoroastrismopuro,eos domniosdoexrcitoromano,comoseucultodeMitra,napoltica confusadaquelesculo,podemtercontribudoparaaimportncia fundamental que agora assume a adorao ao Sol23 Destaforma,CelsoTaveira24ressaltaquedopontodevistapago, processava-sehmuitotempo,umatransformaodatradioreligiosa estabelecidatambmnocultoaosancestrais,queseriafreqentementeexplicada pela incapacidade da antiga religio em atender as demandas espirituais e polticas do Baixo Imprio. Tudoindica,portanto,quenestemomentodahistriadoImprioRomano, presenciou-seumaredefiniodosparmetrosdarelaodohomemcomo sagrado,ondeadefiniodopoderdoimperadorpassouaterumcarter eminentementereligioso.Comomaisumdoselementosutilizadosnesta reestruturao terica acerca da concepo de poder, os intelectuais da antigidade ampararam-se ento no significado da Basilia. AorigemdaBasiliaremeteaomundogrego,etinhaemsuateorizaoa preocupaoemdesenvolverumaclaradistinoentrearealezaeatirania, considerandonestesentido,aBasiliacomoamelhorPolitia25.Apartirdeste pressuposto, concebia-se a Basilia como umamelhor forma de vida poltica, onde os mais capacitados detinham a autoridade de governar. NoconturbadocontextodetransformaesdossculosIIIeIV principalmente,queviriamaconsolidaroDominato,averiguou-seafusodas influnciasvindasdestasmonarquiasorientaisdenaturezareligiosacomas concepes da Basilia, que passou a ser simbolizada por uma ntima sntese entre o sagrado e o profano, onde os imperadores eram considerados heris enviados por deus(es), com a funo de restabelecer a ordem. 23BARKER,E. OconceitodeImprio.In:BAILEY,Cyril(org.).OlegadodeRoma.RiodeJaneiro: Imago editora, 1992. P. 89. 24TAVEIRA,C.OmodelopolticodaautocraciaBizantina:fundamentosideolgicosesignificado histrico.405f.Tese(DoutoradoemHistria)-ProgramadePs-GraduaoemHistria. Universidade de So Paulo: So Paulo, 2002. P. 138. 25 HIDALGO DE LA VEGA, M. J. El intelectual, la realeza y el poder poltico em el Imprio Romano. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1995. P. 29. 26 [...] o que se afirma desde ento a tendncia divinizao do imperador antesmesmodesuamorte,fenmenosimultneoaomovimentode redefiniodasfronteirasentreosagradoeoprofanoquejvinhase processando dentro do Imprio.26 Conseqentemente,noidealdaBasilia,serianecessrioo reconhecimentodestanaturezasuperiordoimperador.Mesmooexrcito continuandoaseroprincipalmeiodeascensoaopoderimperial,procurava-se argumentarqueaautoridadedosoberanoparagovernarderivariadeuma concessodasdivindades.Estasntesepodeserconsideradacomouma importantemudanapoltico-ideolgicadaconcepodopoderimperial,que diferentementedosentidotradicional,ondeestadivinizaoeraatribudae reconhecida pelo Senado, o poder passa a ser designado diretamente por um deus, que seria identificado pela devoo e adoo de seu nome pelo imperador. Estaquestopodeserobservadanosdiscursospanegirsticosdofinaldo sculoIIIeinciodeIV.Osoradoresprocuraramaolongodosdiscursossempre relacionarosimperadoreslouvadosaosobre-humano.Nodiscursodoanode307 PanegiricoenhonordeMaximianoyConstantino,apontadaligaodiretade MaximianoeConstantinocomHrcules,jnaobrade310Panegiricode Constantino, percebemos uma freqente referncia divindade de Constantino em diversospontos,sendoquenapartefinaldaobra,ooradordestepanegrico,ao solicitarumavisitadoimperadorasuaptria,abordalongamenteadevoode ConstantinoaApoloeolugarprivilegiadoqueestedeushaviaconquistadonas prticas ritualsticas imperiais. Comatransmutaodanaturezadosimperadores,niveladosnomesmo patamarqueasdivindades,aassistnciadeferidaporesteordenamentodivinoe suaverificaoestavarelacionadasprticasdasvirtudesdemonstradaspelos soberanos, [...] as quais garantiriam a reproduo sobre a terra da ordem divina27. Aassociaodosoberanoaobasileusoperou-seentoprincipalmentena linguagem de documentos de ordem pblica e privada no sculo IV ao VI, conforme 26 SILVA, G. V. da; MENDES, N. M. Repensando o Imprio Romano: perspectivas socioeconmicas, poltica e cultural. Rio de Janeiro e Vitria: Maud Editora e EDUFES, 2006. P. 201 27 Idem. 27atestado por Celso Taveira28 em seu estudo sobre a questo da titularia, a qual foi considerada como um importante veculo de propaganda e instrumento ideolgico. EstaassociaotambmhaviasidotrabalhadaporEdwardGibbon29,que procuroudemonstrarquedesdeosperodosmaisrecuadosdahistria,os soberanos da sia haviam sido exaltados no idioma grego pelo ttulo de basileus ou rei, e como este termo acabou caracterizando uma distino entre os homens, no tardouaser empregadopelosprovincianos doorienteemsuasinvestidasaotrono romano. Neste sentido, cada vez mais o imperador passou a ser revestido de atributos desalvadorerestaurador,sendoconsideradoummodelodevirtudeparaseus sditos, onde tudo o que lhe dizia respeito elevou-se tambm ao mbito do sagrado. Todavia,aconcepomsticadaBasiliachegarefetivamenteaoseuapogeu somentenogovernodeConstancioII,herdeirodeConstantino,emboraa divinizaodo imperadorjestejabemconsolidadanasteorizaessobreopoder desde a Tetrarquia. 1.2. Diocleciano e a Tetrarquia: a busca pela estabilidade: Umadasprincipaiscarnciasnoqueconcerneaorganizaodopoder imperialconsistianafaltadeumapolticasucessriaeficiente.Aausnciada mesma contribuiu para a desestabilizao poltica no sculo III, levadas ao extremo comasriedeusurpaesdaAnarquiaMilitarecomascriseseconmicase sociais.AchegadadeDioclecianoaopoderem284simbolizaoalavancodeuma sriedetransformaespoltico-administrativasesociaisseguindoesteintuitoda reorganizao do Imprio dentro deste contexto particular da Antigidade Tardia. 28TAVEIRA,C.OmodelopolticodaautocraciaBizantina:fundamentosideolgicosesignificado histrico.405f.Tese(DoutoradoemHistria)-ProgramadePs-GraduaoemHistria. Universidade de So Paulo: So Paulo, 2002. Pg. 60-66. 29GIBBON,E.DeclnioequedadoImprioRomano.SoPaulo:CompanhiadeBolso,2005.Pg. 187 28[...]ElcambiopolticoeideolgicodelaTetrarquianofueninguna improvisacinmotivadaporlascircunstancias[...]sinolaculminacin de un largo proceso de ensayos y tentativas fallidas.30 Dioclecianochegouaopoderemummomentoondeaspressesnas fronteirasimperiaisjhaviamsidoamenizadas,graas,principalmente,as campanhasempreendidasporAureliano(270-275,querepeliuainvasoda pennsula Itlica por parte dos alamanos e restabeleceu o controle romano sobre as Glias),Probo(276-282,queafastouosinvasoresgermanosdasmargensdo Reno),eCaro(282-283,querealizou importantereformamilitardestinadaaconter as investidas da Prsia sassnida no oriente).Nestesentido,eleencontrava-seemumasituaobastantepropciaparao empreendimento de reformas de princpios autocrticos, que no s se restringiria a estaconcepodopoderimperialdeificado,atravsdaregulamentaoda simbologiadoscerimoniaiserituais,mastambmatuariamnombitodeaspectos efetivosdoEstado,concernentesaadministrao,fiscalizaoequestomilitar,o que acabou propiciando um maior controle do Estado sobre a vida pblica. Ambasvertientesdegobiernoafectabanaesferasdelpoderdistintas, pero complementarias, porque la eficcia del poder imperial radicaba de hechoenfundamentarlajustificacinideolgicadelpoderenbases reales y, en ultima instancia, sociales.31 AoeliminaroltimousurpadorremanescentedaAnarquiaMilitar(Carino), Diocleciano tornou-se o nico titular da autoridade pblica, o que o deixou em uma posio bastante confortvel para o empreendimento destas reformas necessrias a manuteno da poltica imperial. Uma das mais importantes alteraes administrativas consistiu na criao da Tetrarquia,quebuscavaafastaralgunsdosproblemasquehaviamalimentadoa referida crise do sculo III, destacando-se a intensa e forte participao das legies 30 BRAVO, G. El ritual de la y su significado poltico y religioso en la Roma imperial (conespecialreferenciaalaTetrarquia).In:Gerin:RevistadelDepartamentodeHistoria Antigua/Facultad de Geografia e Historia, Universidad Complutense. Madrid, n. 15, p. 177-191, 1997.P. 189. 31 Ibidem, p. 190. 29situadasnasfronteirasnaescolhadosimperadores,eopequenoperodode governodecadasoberano,fatosqueeramatribudosemumprimeiromomento ausncia de uma poltica sucessria consistente.Nestesentido,eleprocurouotimizaraadministraoedefesadoamplo territrio sobre o controle imperial, atravs da diviso do mesmo entre dois ou mais titulares.Em286concedeuaMaximianoottulodecsar,encarregando-ode reprimirosrebeldesbagaudas.UmavezqueMaximianosaiubemsucedidonesta campanha,Dioclecianodecidiuinvesti-locomottulodeaugusto,antesqueesta vitria pudesse representar a continuidade das usurpaes. Todavia,DioclecianopercebeuqueaameaanasfronteirasdoImprio, mesmoqueemumgrauinferiordoquenoaugedaAnarquiaMilitar,continuavaa exigir nas diversas localidades a presena de um grande exrcito e do soberano, ou seja,doimperador.Estefatosimbolizavaquepormaisqueasteoriasdepoder primassempelaquestodopoderdescendente,aforamilitarcontinuavaaser essencial e indispensvel. Destaforma,Dioclecianomaisumavezreorganizouasestruturasdepoder, consolidando a Tetrarquia em 293, fundamentada na diviso dos encargos imperiais entre dois augustos e dois csares: Acadaumdessesmembrosfoiconfiadaumaparceladoterritrio romanoparadefesaeadministrao,demaneiraque,enquanto vigorouaTetrarquia,opoderencontrava-serepartidoentrequatro titulares, cada um com uma capital prpria [...].32 Assimsendo,DioclecianoproclamoucomoseucsarimediatoGalrioe MaximianoelevouaocesaratoCostncioCloro.DeacordocomEdwardGibbon33, ficouconfiadaaConstncioCloroadefesadeGlia,daHispniaedaBritnia. Galrio estava postado s margens do Danbio, para a proteo das provncias da Ilria.AItliaeafricaforamconfiadasaMaximiano,eDioclecianose responsabilizou pela Trcia, Egito e sia. 32 SILVA, G. V. da; MENDES, N. M. Repensando o Imprio Romano: perspectivas socioeconmicas, poltica e cultural. Rio de Janeiro e Vitria: Maud Editora e EDUFES, 2006. P. 199. 33 GIBBON, E. Declnio e queda do Imprio Romano. So Paulo: Companhia de Bolso, 2005. P. 172 30EstapolticadecolgioimperialdaTetrarquiasimbolizavaumaaparente concrdiaeunidade,quenaprticanoseconcretizava,umavezqueo funcionamento desta organizao poltica estava condicionado ao grau de fidelidade decadacsaraoseuaugusto,edaprimazianocolgioimperialporpartedo augustosenior,nocasoDiocleciano,fatoquedemonstravaqueahierarquizao social tambm atingia os representantes divinos do poder imperial.Mas, objetivando reforar ainda mais estes laos de fidelidade para garantir o funcionamentodosistema,Galriocasou-secomValria,filhadeDiocleciano,e Constncio Cloro repudiou sua primeira esposa (Helena, me de Constantino) para casar-se com Teodora, filha de Maximiano. Cada um dos quatro imperadores possua, portanto, igual competncia militar, poltica,legislativaeadministrativa,emboraahierarquizaodestemodelopoltico fossebemdemarcadanosentidodefornecerumamparoaumapolticade sucesso que objetivava o fim das usurpaes. Desta forma, em caso de morte, ou decorridosvinteanosdegoverno,oscsaresassumiriamaposiodeaugustos, nomeando novos csares como seus sucessores. Almdestahierarquizaofixada,dentreoutrosfatores,pelaantigidadeno cargoefidelidadeatravsdevnculosfamiliaresdeadooecasamento,a Tetrarquiaamparava-setambmnamudanapoltico-ideolgicadaafirmaodo carter divino do poder imperial. Diocleciano procurou de incio associar sua imagem aJpiter,sobaafirmaodequehaviatriunfadodadesordemdomesmomodo que este deus havia derrotado os Tits e restabelecido a ordem. Afiliao mtico-religiosadaTetrarquiaconsagravaasuperioridadeda auctoritasdoAugustosniorsobreseuscolegas[...].Aointitular-se Iovius, Diocleciano passava a representar a sagacidade,o domnio e a soberania.Maximiano,comoHerculius,representavaaforaea execuo.JosCsareseramconsideradosfilliAugustorum.Os Augustos,portanto,seencontravamemumpatamarmaiselevado, encarregadosdetraarapolticaimperialaserexecutadapelos Csares.34 34 SILVA, G. V. da; MENDES, N. M. Repensando o Imprio Romano: perspectivas socioeconmicas, poltica e cultural. Rio de Janeiro e Vitria: Maud Editora e EDUFES, 2006. P. 199-200. 31Entretanto, esta forma de organizao tetrrquica obteve sucesso e garantiu a estabilidadepolticasomenteatoanode305.Nestemomento,Diocleciano renunciou a posio deaugusto, uma vez que j havia decorrido vinte anos de seu governo.OslaosdefidelidadeconduziramtambmarennciadeMaximiano. Porm, estes mesmos princpios de sucesso, que primavam pela adoo poltica e casamento,relegavamumsegundoplanoparaahereditariedade,desmascarando assim, uma de suas fragilidades. ReceberamottulodeaugustoGalrioeConstncioCloro,eaprincipal divergnciasurgiuemdecorrnciadanomeaodosnovoscsares.Galrio nomeou como seu auxiliar imediato Maximino Daia, contudo, na posio hierrquica demaisaltograu,adeaugustosenior,impsanomeaodeSeverocomocsar sobConstncioCloro.Emdecorrnciadestesfatores,MaxncioeConstantino (filhosdeMaximianoeConstncioClororespectivamente)requisitaramsua participao no colgio imperial baseados pelo princpio da hereditariedade. Elsistematetrrquicoestababaseadoendosprincipios:lajerarquia, fijada fundamentalmente por la antigedad en el cargo, y la cooptacin consistenteenqueloscsaresparticipanenelpoderyrecogenla heranciadelosaugustos.Untercerelementobaseadoenlosvnculos familiares reforzaba, en principio este sistema. El resultado final fueram unaseriedecontradiccionesqueacabaronconelsistemapolticode Diocleciano.Laprincipalcontradicinpolticaconsistienquenose tuvoencuentaalosherderoagnaticios,ConstantinoyMajencio, mientras que se fijaba la filiacin adoptiva. A partir de aqui una srie de situacionescoyunturalesvanamostrarladebilidaddedichasistema poltico.35 Comamortedeseupaiem306,Constantinoreclamouparasiopoder imperial, sendo aclamado augusto por suas tropas na Glia, resgatando, portanto, a fora do poderio militar como eficaz instrumento de ascenso ao poder e rompendo, nestesentido,comapolticaeestabilidadedaTetrarquia,umavezquesua aclamao permitiu o reaparecimento das disputas em torno do poder imperial.A ascenso de Constantino ao poder imperial ser abordada de forma ampla noinciodocaptulo3,entretanto,percebemosqueelafazpartedesteamplo 35GERVS,ManuelJ.Rodrigues.PropagandaPoliticayOpininPblicaenlospanegiricoslatinos del bajo imprio. Salamanca: Universidade de Salamanca,1991. P. 34. 32movimento que objetiva consolidar a poltica do Dominato, e neste sentido, diversos artifciosforamutilizadospelosdetentoresdestepoderparaselegitimaremnesta posio. Grandenfasefoidadanestemomentoquestodacomunicaoe propagandaimperial,e,comoabordadonaintroduo,nosConstantino,como diversos outros personagens que chegaram ao poder, utilizam-se amplamente deste instrumentocomoformadepromoo.Nestesentido,aproduopanegirsticafoi valorizada, principalmente aps o governo de Diocleciano, como veremos a seguir. 33CAPTULO 02: O discurso panegirstico: Antesdeaprofundaraabordagemsobreaascensodoimperador Constantinoaopoderimperial,acreditamossernecessrioumadiscussosobrea importnciadodiscursopanegirsticocomofonteparaacompreensodeseu processo de legitimao. Comoveremosnodecorrerdocaptulo,Constantinofoiobjetodediversos discursosdestegnero,oquetornoupossvelumacompreensodocaminho percorridoduranteosanosemqueestevenafrentedoImprioRomano, possibilitando relacionar estes discursos e sua ampla utilizao, com o processo de legitimaodasmudanasestruturaisnaorganizaodogovernoimperialsofridas durante o sculo IV. 2.1 O discurso panegristico e a Antigidade Tardia NormaMuscoMendes36afirmaqueadiversidadedecomportamentoe conhecimentodemonstraaexistncianasociedadedeumasriedediscursosde naturezasdiferentes,taiscomo:textosdediversosgneros,esculturas,esttuas, esquemas variados de composio arquitetnica, imagens, ou seja, uma variedade deobjetosdeusocotidianoquepermitemaohistoriadorlevantarproblemasem relao aos valores, as prticas, as tenses e aos conflitos sociais. Nestecontextodetransformaogeraldasociedaderomanadoperodo tardo-antigo,presenciamosalgumaspermannciasemrelaoculturaclssica, principalmentenoquedizrespeitoproduodosretricos.Ascrescentes necessidadesburocrticasdoEstadoromano,associadaspaulatinaperdade influnciadoSenadoedemaismagistraturasteverepercussesnapoltica educativa. 36 MENDES, N. M. As relaes polticas entre o Princeps e o Populus Romanum atravs do transcrito pblico. In: Hlade, vol. 2, n. 1, p. 39-49, 2001. P. 39. 34Umdosgnerosestilsticosquesesobressaiueauxiliounafundamentao deste perodo foram textos discursivos com uma caracterstica laudatria particular, conhecidoscomopanegricos.Estegnerofoiextremamenterecorrentedentreas diversasproduesescritas,tantonomundogregoquantonoImprioRomano.Diversos estudiosos procuraram, desta maneira, ressaltar estas composies como importantes fontes de anlise histrica, transpondo os limites da literatura e esttica tal qual a compreendemos atualmente.Nestesentido,podemosconsiderarasobservaesdeMargaridaM.de Carvalho37,queprocuraabordarque independentedotipo dediscursoedapoca desuaelaborao,elespodemmascararinteressespolticoseculturais.Aautora segueafirmandoainda,queosdiscursosreferentesaosimperadoresso verdadeirosarrazoadospolticosporfazeremrefernciasatitudespolticas, filosficas e religiosas destes personagens. Destaforma,procuramosconsiderarqueestetipode produo literria, que fundamentavaacomunicaoepropagandaimperial,podeserapresentadacomo uminstrumentoativodepoder,aoinvsdesimplesmenterefletirumadada realidade poltica e social. Constatou-senestesentido,aamplautilizaodospanegricoscomo instrumentosdeconstruoeconsolidaodonovomodelopoltico-ideolgicoque configurava-senesteperododosprimeirossculosdaeracrist,atuando incisivamentecomomeiodepropagandaimperial,ondeeramenfatizadostanto personagens,quantolocalidades,quehaviamsedestacadodevidosuarespectiva importncia administrativa, econmica e poltica durante o Imprio Romano. Porm,nopodemosrestringirestegnerodiscursivoAntigidadeTardia: os panegricos eram discursos comuns no mbito da antigidade como um todo. O nomepeloqualsochamadospertencelinguagemdaretricagrega,sendo designado originalmente como um habitual complemento das assemblias solenes, fundamentado pela oratria e retrica. Nomundoromano,ateoriadaartedefalar,ouseja,retricaeoratria, tambmeramutilizadasdeformaamplapelosintelectuais,eenriqueceram-secom asinflunciastrazidaspelahelenizao.Passaramrapidamenteaserem 37 CARVALHO, M. M. de. Paidia e retrica no sc. IV d. C.: a construo da imagem do imperador JulianosegundoGregriodeNazianzeno.234f.Tese(DoutoradoemHistriaEconmica) Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo. So Paulo, 2002. P. 09. 35empregadascomopartedeumaeducaomaisavanada,oquepermitiua utilizaodestastcnicasemmuitoscasos,porgrupospertencentesaosaltos estratos sociais em prol da fundamentao terica da poltica imperial, que no caso do nosso recorte temporal, tinha um carter monrquico. Combasenestamesmalinhaargumentativa,EttoreParatorediscorreque [...]ahelenizaodaculturafoiumatraduonecessriaemtermosdevida espiritual,doimpulsoautocrticoparticularimprimidopeloImperadorao funcionamentodoEstado38.Oratriaeretricaexerciamdestaforma,uma influncia crescente sobre a literatura romana durante a poca imperial39.Astcnicasempregadasnestetipodeproduofizeramdaeloqnciauma arte,oquepossibilitouaosgruposquesemantinhamnopoder,enxergarseu potencial enquanto interessante e eficiente meio de comunicao imperial. Emboraseucarterpragmticoeutilitriosemantivessesempre,a oratria pode ser considerada como um dos gneros literrios em prosa nomomentoemqueapreocupaocomabelezaformaldoquese dizia,tornouodiscursoemalgomaisdoquesimplesconjuntosde palavras destinadas a impressionar.40 Seguindoesteflorescimentodaretricacomoaartedepersuasomais influentenomundoromano,GilvanVenturadaSilva41procuraargumentarqueo conhecimentoedomniodestaprticachegaramatmesmoasuplantarafilosofia naAntigidadeTardia,fatocomprovadopelaconstataodapresenade professores desta disciplina em praticamente todas as cidades do Imprio, de forma que alguns centros de ensino recebiam privilgios, sendo mantidos com os recursos da municipalidade ou do poder central, e seus professores muitas vezes acabavam desempenhando a funo de oradores pblicos oficiais. Aodiscorrersobreaposiodestesintelectuaisnaantigidade,MariaJos HidalgodelaVega42procurouressaltaraimportnciaqueestespersonagens 38 PARATORE, E. Histria da Literatura Latina. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1983. P. 836. 39 KYTZLER, B. Breve dicionrio de autores griegos y latinos. Madrid: Editorial Gredos, 1989. P. 434. 40 CARDOZO, Z. de A. A literatura latina. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1989. P. 140. 41SILVA, G.V.Reis, santosefeiticeiros:ConstncioIIeosfundamentos msticosdabasilia337-361. Vitria: Edufes, 2003. P. 146. 42 HIDALGO DE LA VEGA, M. J. El intelectual, la realeza y el poder poltico em el Imprio Romano. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1995. P. 49-53. 36alcanaramnaquestodacomunicaoentreoEstadoeosdemaissetoresda populao,tantoatravsdaproduoliterria,quantooratria,empregadatalqual abordado acima. Para esta autora, estes detentores do saber sempre foram os responsveis porpreocupaesacercadaproblemticadajustificaodopoderpoltico, elaborandoemodelandoascategoriasideolgicasdopensamentocoletivo, principalmentepelofatodeque,sendoaeducaoprivilgiodeumaelite, acabavamporfundamentarelegitimaraspreocupaesdestegrupoaoqual pertenciam.Dentrodestaabordagem,percebemosapreocupaoatualquealguns estudiososdaantigidadetiveramemprocurarestabelecerpermannciase descobrirsemelhanasentreospanegiristastardo-antigosecertosautores clssicos. Muitas vezes os panegiristas desta poca so associados Ccero devido a utilizao da retrica como mtodo de comparao das virtudes do elogiado, com os vciosdoseuopositor,etambmpelofatodeestabelecerumacorrelaoentreo personagem exaltado no discurso e os heris (mticos ou histricos) da Antigidade. Percebe-se tambm atravs das obras de Ccero, que era comum no perodo republicano,ofatodequeosconsulares,aofalardiantedaassemblia,fizessem elogiosaseuspares,comoumadasformasdeexprimirseureconhecimento43. Portanto, percebemos que os oradores do sculo IV, cada vez mais utilizavam deste gneroliterrio,fundamentadopelaretricaeoratria,emdiscursoscomvis poltico, em peas solenes e encomisticas, como o caso da produo panegirstica. AutorescomoCceroeQuintiliano,noperodorepublicanoenoincio da fase imperial, baseavam seus estudos e aprimoravam suas tcnicas persuasivas aproveitando o material retrico-filosfico grego e, assim, a heranadestediscursofoipassadaparaoutrasgeraes,sendo sempre admirada e adaptada a novos contextos histricos.44 43 GALLETIER, E. Pangyriques Latins. Paris: Socit dedition Les Belles Lettres, 1952. Tomo I. P. VIII. 44 CARVALHO, M. M. de. Paidia e retrica no sc. IV d. C.: a construo da imagem do imperador JulianosegundoGregriodeNazianzeno.234f.Tese(DoutoradoemHistriaEconmica) Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo. So Paulo, 2002. P. 25. 37FoiseguindoestalinhaargumentativaqueMiguelArcanjoM.deOliveira45 procurousalientarqueestacaractersticacomumdelaudatio-preocupadaem fundamentarapolticaimperialatravsdacelebraodaglriadecidadesou indivduosemparticular-apareceusomenteapartirde380a.C,sendocomesta principalcaractersticaqueospanegricosseapresentaramnaAntigidadeTardia, adaptando-seaestecontextodeintensastransformaes,principalmenteno perodo ps Anarquia Militar, onde a fundamentao ideolgica do Dominato estava em um momento de construo e consolidao. Sem dvida, a maior parte dos panegricos se apresentou no sculo IV sob a forma de elogios aos imperadores, mas a retrica e a oratria deste tipo de discurso permitiu que se extrapolassem os limites da laudatio em seu sentido stricto, atuando, deste modo, na fundamentao poltico-ideolgica do poder. Ospanegricos,documentosoficiaisquelouvamourepudiamafigura deumimperador,nosomeramenteexercciosretricosqueno dizemnada;so,portanto,documentosfundamentaisparase compreenderoregimemonrquicodosculoIV,poisfalardo Imperador era o mesmo que falar do governo.46 ,portanto,emdecorrnciadograndenmerodediscursospanegirsticos pronunciadonosculoIVedeseualcancepoltico-ideolgico,quetornou-se necessriotratarnestemomento,dautilizaodosmesmosenquantoinstrumento de legitimao utilizado pelo imperador Constantino aps sua subida ao poder. 2.2 Um instrumento de legitimao Ao propor o estudo das obras panegirsticas como uma das bases utilizadas peloimperadorConstantinoemsualegitimaoenquantoaugustonocolgio 45 OLIVEIRA, M. A. M. O Imprio Romano e o Reino dos Cus: a construo da imagem sagrada do imperadoremDeLaudibusConstantini,deEusbiodeCesaria.159f.Dissertao(Mestradoem Histria) - Centro de Cincias Humanas e Naturais. Universidade Federal do Esprito Santo: Vitria, 2005. P. 20-21. 46 Ibidem, p. 121. 38imperial,partimosdaconsideraodequeacomunicao,conseqentementea linguagemeproduoliterria,noestejamdesvinculadasdasquestessociaise polticas no Imprio, sendo uma de suas principais preocupaes adequar as teorias de poder s novas realidades que se estabeleciam no perodo do sculo IV. Nestesentido,osdiscursospanegirsticospassaram,conformeadiscusso do item anterior, a serem utilizados como instrumentos de promoo ideolgica, uma vez que percebemos que a preocupao de seus autores, principalmente nas obras em homenagem Constantino, era centrada na fundamentao da organizao do Dominatoetambmnaboaaceitaodestanovaestruturadecartermonrquico peranteasociedadeimperialcomoumtodo,queaospoucossedescaracterizava enquanto cidado, e se aproximava cada vez mais do status de sdito. AprpriapautaretricadosculoIV,segundoMargaridaM.deCarvalho deveria girar em torno da aceitao ou no da figura dos imperadores, tratando-se, portanto, [...] da elaborao de uma teoria poltica que justifica a monarquia e est documentada nos panegricos47. AcrescenteinflunciadaselitesregionaiselocaisnoImpriotambmfoi sentidanestembitodapolticaeducativa,umavezqueestanovaformade organizaoestatalcentralizadanafiguradoimperadorfacilitava,eatmesmo necessitava, a incorporao de indivduos com certo grau de instruo e muitas das provnciastinhamumarededeinstituiesescolaresdegrandeprestgio. Estabelecia-se,portanto,umarelaocadavezmaisestreitaentreestesgrupos educativos e o grupo dominante da aristocracia provincial.Emboraestaquestoeducacionalfosseumprivilgiodeumapequena parceladapopulao,arepercussodoinvestimentopbliconestesetoracabou caracterizando-o,paramembrosdecamadasmaisinferiores,enquantoumadas poucaspossibilidadesexistentesdeascensosocial,ondeatarefadesimples professormuitasvezespoderiasersubstitudaporumacolaboraodiretacomo Imperador. 47 CARVALHO, M. M. de. Paidia e retrica no sc. IV d. C.: a construo da imagem do imperador JulianosegundoGregriodeNazianzeno.234f.Tese(DoutoradoemHistriaEconmica) Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo. So Paulo, 2002. P. 28. 39A carreira atrai sempre homens humildes, alforriados ou senadores em desgraa;entretanto,maisfreqentementequeentreosmaissimples gramticos,hretricosquechegamfortuna,shonras,porvezes, noBaixoImprio,aosmaisaltoscargosestataise,comEugnio,at mesmo ao trono.48 Aparticipaodestesprofessoreseoradoresenquantomembrosinfluentes da poltica imperial era atribuda basicamente sua eficincia enquanto profissional, contudo tambm apresentava-se intimamente relacionada a sua prpria posio ou origem dentro da escala social. A este respeito, Manuel J. Rodrigues Gervs chama a ateno para o fato de que: [...] el llegar a rtor o gramtico oficial se determina, fundamentalmente, porlascualidadesprofesionales,msqueporotrascausas;pero conseguirunaposicinscio-econmicarelevantevienedeterminado por circunstancias favorables en la carrera poltica, desde ser nombrado tutor de un princepe, conspirar en favor de un pretendiente al Imprio o por nacimiento.49 Acreditamos que os discursos, em sua definio, podem ser entendidos como uma combinao de elementos lingsticos, onde o respectivo autor/orador exprime atravs do contedo da obra seus pensamentos e tambm sua ao sobre o mundo. Nocasoparticulardospanegricos,emdecorrnciadesuafunoinicialde comunicaoimperial,suaamplautilizaoacabouatingindotodososnveisdas relaessociais,manifestando-secomoumelementofavorvelconsolidaoda ideologia imperial. No que envolve as questes acerca da ideologia, procuramos compreend-la comoalgoquetranscendeocampopurodasidias,oquenosconduzapartilhar dos pensamentos de Eliana R. de Freitas Dutra, que entende que [...] as ideologias tentamtornarassituaessociaiscompreensveis,econstru-lasdetalmaneira, quesejapossvelagirdentrodeseuquadro50.Refletidasobreestevis, 48MARROU,Henri-Irne.HistriadaeducaonaAntigidade.SoPaulo:E.P.U-Editora Pedaggica e Universitria Ltda, 1975. P. 437. 49GERVS,ManuelJ.Rodrigues.PropagandaPoliticayOpininPblicaenlospanegiricoslatinos del bajo imprio. Salamanca: Universidade de Salamanca,1991. P. 18. 50DUTRA,E.R.deF.Histriaeculturaspolticas:definies,usosgenealogias.In:VariaHistria, Belo Horizonte, n. 28, p. 13-28, dez. 2002. P. 17. 40entendemosqueaquestoideolgicaacabaporatuarnocampodaproduode sentidos, na sua circulao e sua recepo. Ponderandoestasquestes,compreendemosqueafunoideolgicados panegricos consiste em uma definio do quadro imperial romano ao mesmo tempo em que procura construir as bases do sistema emergente do Dominato, atravs da defesadaconstituiodedinastiasfamiliaresehereditrias,fundamentadasna questo do poder por direito divino. Ospanegiristasbuscavamfundamentarestesideaisatravsdeabordagens queprefiguramaimagemdohomenageadoemquesto,pormeiodoresgatede vnculosqueestabelecemligaesentreopresenteeopassado,utilizando-sedo ideal da tradio enquanto fonte legitimadora deste novo contexto poltico. Comoexemplodestasponderaes,observamosnodiscursopronunciado em310PanegiricodeConstantinoqueesteresgateconcretiza-se,entreoutros argumentos,naconstruodeumalinhagemfamiliarqueremeteoimperador Constantino a Cludio, o Gtico, personagem que conquistou grande fama entre os habitantes do imprio ao sair vitorioso na batalha contra o avano dos brbaros na Anarquia Militar. Henri-IrneMarroudefendea idiadeque ohomempolticodeveriasaber conquistarofavordamultido,conseguirovotodeumaassembliaeatmesmo persuadirumtribunal51.Foicomestasignificaoqueosautoresdospanegricos procuraramutilizararetricaeaoratriaparafundamentarsuaargumentaono sentido de objetivar uma persuaso do seu interlocutor, no que diz respeito ao grau deimportnciadopersonagemexaltadoemquesto,etambmdatesedasua legitimidade no comando do Imprio: Ladisposicindeideas,ascomolasfigurasretricasutilizadas respondenaformulasbienprecisasyaprendidasenlasescuelasde oratria, con el nico objetivo de provocar la adhesin de los oyentes a lo que se esta exponiendo. 52 51MARROU,Henri-Irne.HistriadaeducaonaAntigidade.SoPaulo:E.P.U-Editora Pedaggica e Universitria Ltda, 1975. P. 378. 52GERVS,ManuelJ.Rodrigues.PropagandaPoliticayOpininPblicaenlospanegiricoslatinos del bajo imprio. Salamanca: Universidade de Salamanca,1991. P. 21 e 27. 41Acompreensodopoderdapalavraenquantoagenteideolgicopodeser remetidaemespecialaostemposdadinastiadosFlvios(69-96),comaforte preocupaoporpartedeseusimperadorescomosaspectoseducacionais.O governoimperialacaboumuitasvezessendolevadoapraticarumapolticade interveno,concedendofavoresdeordemfiscalemuitasvezesencarregando-se da responsabilidade de remunerao dos docentes.Noentanto,nodecorrerdahistriadoImprioRomano,autilizaodeste saberenquantoinstrumentodecomunicaooficialporpartedopodercentral ganhou fora, o que acabou condicionando boa parte da produo literria em prol do interesse deste grupo. V-sepois,noBaixoImprio,ointeressedosimperadorespela educao tornar-se mais direto, mais ativo, mais eficaz. No se trata de apenasumefeitododesenvolvimentogeraldoembargodoestado sobre todas as manifestaes da atividade pblica, mas, antes, de uma vigilncia especial, uma deliberada solicitude.53 Nodomniodaproduopanegirstica,fatoqueosdiscursoseram encomendadosaosmelhoresoradoresenagrandemaioriadasvezesestes oradores teriam sido indicados pelo prprio imperador, evento que poderia ocasionar queocontedodasobrasfossecompostopordeclaraespolticasorientadas diretamente pelo soberano ou que o texto final passasse pelo seu aval. AoiniciarsuaabordagemarespeitodolevantedeMaximianocontra Constantino no ano de 310, o orador do Panegirico de Constantino deixa clara esta possibilidade de interferncia do poder imperial na composio destas obras, porm, procurarelativiz-laaoexpressarestaquestosobaformadeumpedidode conselho: Taleseranlostrabajosque,enbeneficioyprestigiodelimperio, retenantuatencincuandolasnuevasagitacionesdeaquelhombre, quemsquenadiehubieradebidofavorecertusexitos,lasdesviaron 53MARROU,Henri-Irne.HistriadaeducaonaAntigidade.SoPaulo:E.P.U-Editora Pedaggica e Universitria Ltda, 1975. P. 471. 42hacia l. Todava no s demasiado bien de qu manera he de hablar de l y espero un consejo de un gesto de tu divinidad.54 Mesmoconsiderandoofatodamaioriadosoradorespertenceremaum estratosocialelevado,comefetivaparticipaonosistemadedominaoromano, percebemos atravs de suas obras a inteno de se posicionarem enquanto porta-vozes de uma opinio geral da sociedade imperial.Comoprocuravamlegitimarestaprticadapolticaimperialcombases monrquicas,buscavamconstruirumidealacercadosoberanoqueafirmava-se oriundodopensamentocoletivo.Estaestratgiaconduziriaaumasuposta unificaoeumnivelamentodasopiniesdosdiferentesgrupossociaisque compunhamoImprio,possibilitandoaconsolidaodapolticadoDominatonos moldes das monarquias helnicas sem maiores conflitos. Dentrodestaperspectivadepromooideolgicaemproldamaterializao da poltica imperial doDominato, e conseqentemente da legitimao do soberano, aproduopanegirsticaconquistaumpapeldefinitivocomoelemento propagandstico,oqueocasionouemumaumentoconsiderveldonmerode produesdestetipoemumcurtointervalodetempo,sendoestesdiscursos considerados como obrigatrios aps algum acontecimento ou atitude gloriosa por parte do imperador. Erampronunciados,porexemplo,apsaascensoaopoderdealgum aspirante ao Imprio, nas comemoraes de aniversrio de elevao do soberano prpura e, em muitos casos, aps campanhas militares vitoriosas contra os inimigos do Estado. Comoexpressodacomposiodestesdiscursosemumcurtoespaode tempo,podemosobservarocasodaobrapanegirsticaselecionadaparaeste trabalho, que faz parte de uma coletnea de discursos pronunciados entre os anos de289e389,comseucontedotransitandodesdehomenagensaDioclecianoe Maximiano, chegando at os tempos de Teodsio55. 54 An., Paneg. 310 (XIV, 1) In: LLORENTE, Victor-Jose H. Biografos y Panegiristas Latinos. Madrid: Aguilar, 1969. P. 1224. 55 Para a anlise destes discursos foram utilizadas as obras de GALLETIER, E. Pangyriques Latins. Paris:SocitdeditionLesBellesLettres,1952.TomoIeII.,eLLORENTE,Victor-JoseH. Biografos y Panegiristas Latinos. Madrid: Aguilar, 1969.43O Panegirico de Constantino pronunciado no ano de 310 ir transparecer no seucorpodetexto,determinadascaractersticascomunssdemaisobrasque integramestacoleo,eestefatopossibilitouautilizaodealgunsdosdemais discursos como auxilio da anlise empreendida. Foramselecionadasnestesentido,asobrasemhomenagemaoimperador Constantino,sendoelas:PanegiricoenhonordeMaximianoyConstantino(307), Discursodeacciondegracias,dirigidoaConstantinoAugusto(312),Panegirico en honor de Constantino (313) e o Panegirico de Constantino Augusto (321). Boapartedosdiscursosdestacoletnea,deacordocomE.Galletier56,foi pronunciada em cidades fora da pennsula itlica, o que nos permite estabelecer um elo com a crescente influncia das regies provincianas na participao poltica. Em continuidade,esteautordiscorresobreoalcancequeasescolasderetrica, sobretudo as gaulesas, tiveram na questo da fundamentao de normas e hbitos escolaresemrelaosprticasdeeloqnciaeexercciodaoratriaportodoo imprio. Nestesentido,tornou-sepossvelestabelecersemelhanasestilsticasentre estesdiscursospanegirsticosselecionados,nosquaisseusoradores desempenhamcomdesenvolturaasregrasdaretricaempregadasnestegnero laudatrio.Emtodasestasobrasoelogioaoimperadorpermanececomoeixo indispensveleimportantedodiscurso,poisseratravsdaconstruodasua imagemqueospanegiristasiroestruturarasargumentaesquefundamentam ideologicamente o Dominato. Acredita-sequeestesdiscursospanegirsticostenhamsidoelaboradoscom base em um mesmo arqutipo, e o fato de seus autores tambm serem provenientes deumamesmaregiopossibilita odesenvolvimentodeumaquestocentradanas disputas que objetivavam uma maior influncia e participao desta elite provinciana dentro da poltica imperial.Nestesentido,almdeteremcomoobjetivocomumalegitimaodeum governo monrquico, os oradores procuravam supervalorizar suas posies atravs danormatizaodecondutasporvaloresmoraisqueconduziamasprticas aristocrticas nas provncias. 56 GALLETIER, E. Pangyriques Latins. Paris: Socit dedition Les Belles Lettres, 1952. Tomo I. P. VII-XVI. 44 Comn a todos ellos, sin embargo, es una misma ideologia, formalizada atravsdelosvaloresmoralesdelaaristocraciaprovincialque interiorizaelmosmaiorum,atravsdelosexempladepersonajes gloriosos del pasado romano.57 Henri-IrnnMarrou58destacaqueomosmaiorumalgomaiorqueuma ticaouumestilodevidanobre,eleimplicariaemumensinoqueseestenderiaa todos os aspectos da atividade humana, inclusive tcnicos. DentreasobrasquehomenageiamConstantino,somenteoPanegiricode ConstantinoAugusto,pronunciadonoanode321,chegouaosdiasatuaiscoma autoriaconhecida.Contudo,esteelementononospossibilitaextrairinformaes maisconcretasequalitativamentesuperioresdoqueosoutrostextoscomautoria desconhecida,poisoquesabemosamaispraticamentesonomedoautor: Nazrio. Apesardestaausncianominaldoautordopanegricodoanode310 PanegricodeConstantino,nopodemosconsiderarestefatorcomoumentrave na anlise, ou uma impossibilidade de se executar com eficincia a mesma. A partir dasconsideraesrealizadassobreaeficciaeimportnciadosdiscursoscomo agentesdepromooideolgica,possvelidentificarnaprpriadefiniodo discurso panegristico elementos que identifiquem a posio social do orador e sua colocaoenquantoportavozdosanseiosdeumgrupoespecfico,principalmente aoconsiderarmosaquestodadistinosocialamparadapeloprivilgioda educao. Na estrutura dos discursos podem ser encontrados elementos utilizados pelo autor que o caracteriza enquanto participante de uma dada formao social, que no caso do nosso estudo, remete a fundamentao ideolgica do Dominato, ou seja, a defesa da manuteno de um sistema imperial centralizado no monarca. Comoestesdiscursosforampronunciadosemsuamaiorianapresenados imperadoreshomenageados,osoradoresaproveitavam-sedestetipodesituao 57GERVS,ManuelJ.Rodrigues.PropagandaPoliticayOpininPblicaenlospanegiricoslatinos del bajo imprio. Salamanca: Universidade de Salamanca,1991. P. 25. 58MARROU,Henri-IrneHistriadaeducaonaAntigidade.SoPaulo:E.P.U-Editora Pedaggica e Universitria Ltda, 1975. P. 361. 45paraincorporarnocorpododiscursoalgumasaspiraesparticulares,oquenos auxilia em grande medida na identificao de elementos da vida deste autor. Nocasododiscursodoanode310PanegiricodeConstantino,oorador permitir o conhecimento, entre outros elementos (que sero abordados no captulo 3, subitem 4 deste trabalho) de sua cidade natal, a provvel data de seu nascimento e de funes administrativas ocupadas por ele, seu filho e seus discpulos. Mientras tanto, puesto que, gracias a tu estima, he llegado al colmo de misdeseosyhepodidoconsagraratusodosestavoz,pormuy mediocrequesea,quesehaejercitadoendiversastareasdelavida privadaydelpalacio,rindoatudivinidadmismsvivasaccionesde gracias. [...] considero tambin mos en todos aquellos que yo he hecho llegar a la defensa de los pleitos del Foro o a los cargos del palacio59 Desta forma, procuramos ao longo deste captulo discorrer que uma vez que produo panegirstica no estava desvinculada das questes sociais e polticas no Imprio, ela tinha como principal objetivo, adequar a teoria do poder imperial nova realidade que se formulava no sculo IV. Neste sentido, pde-se compreender que a elaboraodestesdiscursosficavacondicionadaaumafunopropagandstica da poltica imperial, o que no sculo IV focava-se na concentrao de poder nas mos de um nico monarca, em busca de uma unidade poltica. Funo esta que devido suaimportncia,nopoderiaseratribudaaleatoriamente,destaforma,aautoria dospanegricosficava limitadaa umpequenogrupo queparticipava, ouaomenos concordava, com a conduo desta poltica imperial rumo ao Dominato. 59 An., Paneg. 310 (XIII, 1). In: LLORENTE, Victor-Jose H. Biografos y Panegiristas Latinos. Madrid: Aguilar, 1969. P. 1229-1230. 46CAPTULO 3: O IMPERADOR CONSTANTINO: UmavezjabordadoocontextodaascensodeConstantinoaopoder imperialearespectivaimportnciadosdiscursosenquantoinstrumentosde legitimaoepoderpartiremosparaaanlisedoimperadorConstantinoemsi, iniciando com a sua ascenso ao poder imperial e sua preocupao em afastar sua imagem da dos demais usurpadores, chegando por fim, a relao estabelecida entre a fonte selecionada para este trabalho Panegirico de Constantino com o processo de legitimao e consolidao como soberano at o ano de 310. 3.1 A ascenso ao poder imperial: Com a renncia de Diocleciano a poltica tetrrquica sofreu um forte impacto, entretanto,devemosressaltarqueospontosafetadosdizemrespeitosquestes que envolvem o soberano, e no a concentrao de poder monrquica. As reformas administrativas,econmicasesociaisqueobjetivavamaestabilidadeea concretizaodaideologiadoDominatonoforaminterrompidas,ouatmesmo modificadas de forma estrutural pelos sucessivos personagens que transitaram pelo poder imperial no sculo IV. Os usurpadores, como veremos a seguir, no contestavam a legitimidade do regime,massim,quandosentiam-selesados,contestavamalegitimidadedo governoencarnadonesteounaqueleimperador60.Percebe-se,portanto,queno existianocasodasusurpaesapsarennciadotetrarcaDioclecianoem305, uma proposta de redefinio do modelo poltico do Dominato, ainda em formao.Oquepresenciamosatransiodopoderdeumcolgioadministrativo restrito para a pessoa de um nico soberano: AolongodasprimeirasdcadasdosculoIVassistimos transformaodoDominado,naformaTetrrquicaqueDiocleciano 60 SILVA, G. V. Interesses subjacentes e interesses manifestos no contexto das usurpaes romanas (284-395 d.C.). In: Phonix / UFRJ, Rio de Janeiro, p. 91-100, 1996. P. 98. 47tentouinstituir,paraoDominadosobogovernonicodeConstantino [...]61 O fato que, como neste perodo do sculo IV ainda no esto configuradas ebemestabelecidasasbasesdestenovomodelopoltico-ideolgicoquese afastavadaformatradicionalrepublicana,asdisputasentreospretendentesdo poder imperial logo voltaram a ocupar espao no cenrio romano. O estopim destes conflitos, como abordado no captulo 1, foi a aclamao de Constantinoporsuastropasem306.Comovimos,apolticatetrrquicade Diocleciano havia objetivado amenizar a questo da usurpao do poder atravs da formaodedinastiascombasesnoprincipiodaadoptio,porm,oexrcitono havia perdido seu forte potencial enquanto instrumento de ascenso ao poder, fato quecontinuavaasersimbolizadopelosvnculosentreosgeneraisesuastropas, mesmo entre os que j ocupavam legitimamente postos no colgio tetrrquico. AquestodaformaodedinastiaspelaTetrarquia,emfusocoma construo deumamonarquia,reconfigurou asdiscussesemtornodanomeao dosimperadores,relativizandoaindamaisopapeldasaristocraciassenatoriais neste setor. Esta fuso que configurou um dos elementos da ideologia do Dominato permitiuresgatarosprincpiosdahereditariedade,ondeoimperiumvoltouaser considerado como elemento de uma herana familiar. Estefoiumdosprincipaisargumentosutilizadospelosdoisiniciais pretendentesaopoder(ConstantinoeMaxncio),queforamdesconsideradosna formao,digamosassim,dasegundaTetrarquiaem305.Galrio,quehavia recebido o ttulo de augusto em substituio de Diocleciano, percebendo a imagem pblicapositivadeConstantinoeseupoderiomilitar,procurouafastaraspossveis novasusurpaesreconhecendoConstantinocomocsarsobSevero,quetinha ascendido ao posto de augusto aps a morte de Constncio Cloro. Porm, Constantino no recuou em sua posio, e novos fatores contriburam paradesestabilizaraindamaisaorganizaoimperialtetrrquica,entreeles,a aclamaodeMaxncio(filhodeMaximiano)comoaugustopelospretorianos. 61TAVEIRA,C.OmodelopolticodaautocraciaBizantina:fundamentosideolgicosesignificado histrico.405f.Tese(DoutoradoemHistria)-ProgramadePs-GraduaoemHistria. Universidade de So Paulo: So Paulo, 2002. P. 167. 48Gilvan Ventura da Silva62 coloca a questo que dentre os motivos que podem gerar umausurpao,encontramosainsatisfaodosque,deacordocomopadrode distribuiodaautoridade,sentem-sedesprestigiadosouprivadosdealgoquepor direito dever-lhes-ia pertencer. Eestesforamosprincipaismotivosparaque,nocompassodestes acontecimentos,novospretendentes,juntamentecomosmembrosoficiaisda TetrarquiaeatmesmoMaximianoquehaviarenunciadoem305,passassema disputaraprpura imperialnoseumaisaltograuhierrquico,odeaugustosnior. Constatamos,portanto,entreosanosde306a308,cercadeseispersonagens nestadisputa:Maximiano(inconformadoporterqueabandonaropoderporuma deciso unilateral de Diocleciano), Constantino e Maxncio (excludos dos encargos de csar por manobra de Galrio), Galrio, Maximino Daia (insatisfeito pelo fato de Licniotersidonomeadoaugustoemseulugar,antesmesmodeterocupadoo cargo de csar) e Licnio. Neste contexto, tornou-se indispensvel a formao de alianas polticas, fato que uniu inicialmente Constantino, Maximiano e Maxncio, o qual havia conseguido uma importante vitria sobre Severo em 307. Esta aliana caracterizou uma disputa destes trs auto-aclamadosaugustos, que tinha seu principal apoio nos territrios ocidentaisdoimprio,contraGalrio,quenestemomentopreocupava-seem conseguir restabelecer nos moldes tetrrquicos a indicao de Licnio como augusto neste mesmo territrio ocidental. Todavia,nesteperododegrandeinstabilidadepoltica,apermannciano poderrequeriaalgoamaisqueaaclamaomilitareatporvezesaaclamao popular, e as teorias acerca da concepo divina do poder e resgate de elementos tradicionais(comoaassociaoapersonagensconsideradosgloriosos)tpicasda fundamentao ideolgica do Dominato, cumpriam esta funo. Configurou-se ento, uma nfase na necessidade de se estabelecer critrios rgidosdesucessoetambmumarelaodefidelidadeforte,entreos personagensqueparticipavamdamesmaaliana,emproldegarantir reconhecimentoelegitimidade.FoinestecontextoqueConstantinorepudiousua primeira esposa para casar-se com Fausta, filha de Maximiano. 62 SILVA, G. V. Interesses subjacentes e interesses manifestos no contexto das usurpaes romanas (284-395 d.C.). In: Phonix / UFRJ, Rio de Janeiro, p. 91-100, 1996. P. 93. 49AproduopanegirsticanosculoIVcriouumapoiotericoaestas questes,eseadaptou,comodecorrerdosanos,smudanasqueocorriamna esferadestasalianaspolticas.Nestesentido,obomoradorcontinuava fundamentandoosideaisdoDominato,contudo,suaabordagemseconstruiriaa partirdasrealidadesmateriaisdomomentoemqueescrevia,procurandosempre amenizar os pontos de contradio entre um momento e outro. A estratgia poltica de Constantino foi bemempregada neste sentido, e sua supostasuperioridadeirserconsolidadaquandoestepersonagemfinalmentese consagroumonarcaabsolutoem324,apsavitoriosadabatalhacomseultimo oponente, Licnio. 3.2 As virtudes imperiais: Apalavravirtudeengloboudiversasconotaesaolongodahistria,mas quasequeemsuatotalidade,estasconotaestransitamaoredordequalidades positivas em conformidade com o que correto e desejvel. Desta forma, podemos entender virtude como uma qualificao moral particular, que em conformidade com o bem, por meio da vontade e do hbito, caracteriza-se pela busca de um equilbrio, e sua realizao consuma a excelncia ou perfeio do ser. Podemospensarnaexistnciadeumidealdevirtude,ouseja,queestas boasqualificaes,aplicadascondutahumana,indicariamquecadaindivduo possua uma virtude prpria, condizente com sua natureza e seu papel social. Desta forma,percebemos,nocasodaantigidade,queosintelectuaisbuscavam fundamentaratravsdestaquestodavirtude,teoriasquepossibilitassem racionalizareatmesmoconduziravidadohomempblico,criandomodelosde conduta que configurariam um homem ideal, atravs dos princpios da unidade e da universalidade. Logo,entendemosavirtudenocomoumaqualidadeespecficadecarter, mascomoummododeatuao,quenonossocaso,serenenaformaodo 50homemromano:[...]oquesechamatonaturalmenteavirtuderomanano seno a moral da cidade antiga [...]63. Percebemos neste sentido, que esta formao do homem pblico, bem como aconfiguraodesuasprticas,soestabelecidasprincipalmentenasprodues intelectuaissobaformadaassociaodedeterminadospersonagensa qualificaespositivasquecomporiamoconjuntodasvirtudes,sendoquea justificaodestasatribuiessepautariampelafamaehonradosfeitosdeste personagem. Oconjuntodasvirtudesenglobadiversostiposdequalificaes,entretanto, abordaremosnesteitemalgumasdelas,queserelacionamdiretamentecoma conotaopolticacrescentequeasmesmasadquiriramaolongodahistriado Imprio Romano, principalmente no recorte temporal do Dominato, onde a utilizao dasmesmaspelostericosdopoderajudounamaterializaoefundamentao destamudanap