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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Vigésima Quinta Câmara Cível
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VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0361623-28.2016.8.19.0001
APELANTE: JARDIM ESCOLA STOCKLER LTDA
APELANTES: ANA PAULA DE OLIVEIRA XIMENES E OUTROS
APELADOS: OS MESMOS
RELATOR: DES. SÉRGIO SEABRA VARELLA
APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO
DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS.
ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE BULLYING DENTRO DE
INSTITUIÇÃO DE ENSINO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
IRRESIGNAÇÃO DE AMBAS AS PARTES.
1. A prestação de serviços educacionais constitui relação de
consumo. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
2. O prazo prescricional foi interrompido com o ajuizamento da
medida cautelar de produção antecipada de provas, que foi
distribuída poucos meses após os fatos narrados na petição
inicial. Nos termos do art. 202, parágrafo único do CC, o prazo
prescricional recomeçou a partir do último ato praticado na
medida cautelar, no dia 03/09/2015. Assim, rejeita-se a
preliminar de prescrição do direito dos dois primeiros autores,
pois a demanda indenizatória foi distribuída pouco mais de um
anos após esta data.
3. A prova pericial da medida cautelar de nº 0301139-
57.2010.8.19.0001 foi realizada por psicóloga de confiança do
juízo e registrada no seu órgão de classe, cerca de um ano
após os fatos narrados na exordial, de modo que os
acontecimentos ainda eram recentes, não havendo lapso
temporal excessivo entre o evento danoso e a produção da
prova.
4. As partes foram intimadas acerca da data da realização da
perícia, nos termos do art. 431-A do CPC/73, vigente à época,
e com antecedência suficiente para que seus assistentes
técnicos acompanhassem as diligências, não havendo que se
falar em nulidade da prova pericial produzida na medida
cautelar.
5. Das provas dos autos se extrai que a terceira demandante era
vítima de violência física e psicológica por parte de outras
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colegas de turma. No entanto, a ré, apesar de ciente dos
fatos, não tomou as providências cabíveis para cessar a
prática de bullying.
6. Laudo pericial conclusivo, no sentido de que a terceira
demandante apresenta traumas e comportamento
compatíveis com aqueles experimentados por vítimas de
bullying.
7. Os administradores e funcionários das instituições de ensino
têm o dever de cuidado com as crianças e adolescentes que
ficam sob sua guarda. Houve falha na prestação do serviço
pela parte ré, uma vez que, apesar de informada pela mãe
acerca da prática de bullying contra a aluna, não foi tomada
nenhuma providência eficaz para coibir a violência psicológica
sofrida pela terceira autora, nas dependências da escola.
8. Danos morais caracterizados, decorrentes da violência
psicológica, do sofrimento, da humilhação e angústia
experimentados durante meses, os quais interferiram
intensamente no comportamento e no desenvolvimento da
menor. Danos morais reflexos sofridos apenas pela primeira
autora, mãe da menor. Quantum indenizatório arbitrado de
acordo com as provas dos autos.
9. Reforma da sentença, para julgar parcialmente procedentes
os pedidos.
10. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE
AUTORA, FICANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO
INTERPOSTA PELA RÉ.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da apelação cível nº
0361623-28.2016.8.19.0001, em que figuram como apelantes JARDIM ESCOLA
STOCKLER LTDA E ANA PAULA DE OLIVEIRA XIMENES E OUTROS, e como
apelados OS MESMOS.
A C O R D A M os Desembargadores que compõem a Vigésima
Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, em
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DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DOS AUTORES, FICANDO
PREJUDICADA A APELAÇÃO DA PARTE RÉ, nos termos do voto do Relator.
Adota-se, na forma do permissivo regimental (art. 92, § 4º, do
RITJERJ), o relatório da sentença que julgou improcedentes os pedidos autorais, nos
seguintes termos (indexador 289):
Trata-se de ação indenizatória proposta por ANA PAULA DE OLIVEIRA XIMENES,
ALBINO JOSÉ PINTO RODRIGUES e MARCELLA XIMENES RODRIGUES em
face de JARDIM ESCOLA STOCKLER. Alegam os dois primeiros Autores que
matricularam a terceira Autora na instituição Ré para cursar o 3º ano do ensino
fundamental em 2010. Afirmam que a terceira Autora passou a apresentar
comportamento incomum de tristeza e isolamento. Narram os dois primeiros
Autores que a terceira Autora informou que estava sofrendo ´bullying´ por parte de
outras duas alunas do mesmo ano e turma, que lhe agrediam física e verbalmente,
com pisões, tapas, deboche, piadas e palavrões. Relatam que entraram
imediatamente em contato com a coordenadora da instituição Ré, que prometeu
providências. Descrevem que as agressões continuaram e que, mesmo após
cientificada e alertada várias outras vezes, a instituição Ré se manteve inerte e
omissa ao problema. Asseveram que em razão do abalo emocional ocasionado, os
dois primeiros Autores transferiram a terceira Autora para outra instituição de ensino
para cursar o segundo semestre do ano letivo de 2010. Afirmam que a terceira
Autora foi submetida a diversas consultas com profissionais para tentar superar o
intenso abalo psicológico, que resta comprovado através de uma ação de produção
antecipada de provas proposta, que tramitou perante a 16ª Vara Cível da Comarca
da Capital. Entendem que houve despreparo dos profissionais da escola Ré. Pedem
a inversão do ônus da prova e a condenação da parte Ré ao pagamento de
reparação por danos morais no valor de R$ 35.000,00 para os dois primeiros
Autores e R$ 50.000,00 para a terceira Autora. Juntam os documentos de fls. 14/48.
A parte Ré oferece contestação às fls. 83/94, na qual argui preliminar de
incompetência relativa e prejudicial de prescrição. No mérito, a Ré nega os fatos
narrados na inicial. Afirma que eventuais conflitos entre colegas de classe jamais
ultrapassaram os limites da normalidade. Alega que não tolera a prática de ́ bullying´
dentro de sua instituição. Sustenta a imprestabilidade da produção antecipada de
provas, diante do tempo já decorrido e diante da ausência de seu assistente técnico.
Entende necessária a produção de nova perícia e oitiva da perita que atuou na
cautelar de produção antecipada de provas. Pugna pela improcedência do pedido.
Junta os documentos de fls. 95/111. Réplica às fls. 122/136. Decisão de
saneamento às fls. 178/179. Ata da Audiência de Instrução e Julgamento às fls.
234/237. Alegações finais da parte Ré às fls. 245/248 e da parte Autora às fls.
250/264. Interposto recurso de Agravo de Instrumento contra a decisão de
saneamento, não conhecido às fls. 269/273. Parecer final do Ministério Público às
fls. 280/283.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
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Trata-se de relação de consumo, fundada em contrato de prestação de serviços
educacionais, cujo prazo para pleitear reparação pelo fato do serviço prescreve em
05 anos, na forma do artigo 27 do CDC. Os fatos narrados na inicial ocorreram no
primeiro semestre do ano letivo de 2010, sendo que a menor, terceira Ré, foi
transferida para outra instituição de ensino em 02/08/2010, data da rescisão do
contrato, iniciando-se então o prazo prescricional para a ação indenizatória.
Contudo, com a propositura da cautelar de produção antecipada de provas, houve
a interrupção do prazo prescricional para o ajuizamento da demanda principal, que
somente foi retomado com o último ato proferido na cautelar, cuja sentença foi
homologada em 02/08/2012 (fls. 47), passando a contar a partir dali, o reinício do
prazo integral para pleitear a indenização. Neste sentido: AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO. PEDIDO
DE COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA POR INVALIDEZ
PERMANENTE. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. ANTERIOR AJUIZAMENTO
DE PRETENSÃO DE EXIBIÇÃO DA APÓLICE. INTERRUPÇÃO. 1. ´O ajuizamento
de ação cautelar de exibição de documentos pelo segurado, com a finalidade de
instrução da demanda principal, configura causa de interrupção do prazo
prescricional para exercício da pretensão indenizatória (artigos 202, inciso V, do
Código Civil de 2002 e 172, inciso IV, do Código Civil de 1916), cuja recontagem
inicia-se após o último ato praticado no âmbito do provimento de urgência.´ (AgRg
no AREsp 149.893/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em
18/10/2012, DJe 31/10/2012) 2. Prescrição da pretensão de complementação de
indenização afastada. Razões articuladas no agravo que não infirmam as
conclusões anteriormente expendidas. 3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1311843/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 19/02/2015). Deste modo,
considerando que a presente demanda foi ajuizada em 28/10/2016, pouco mais de
dois anos e dois meses após a sentença homologatória proferida na cautelar, não
merece prosperar a prejudicial de prescrição arguida em face dos dois primeiros
demandantes. Quanto à arguição de contestação genérica, verifica-se que a peça
de defesa se mostra bastante sucinta quanto à impugnação dos fatos descritos.
Ainda assim, ao contrário do que pretende a parte Autora, a parte Ré ofereceu
impugnação específica, ainda que concisa, à narrativa inicial, o que afasta a
aplicação dos efeitos da revelia. No que tange à alegação de vício na produção da
prova pericial, os efeitos da sentença proferida em ação cautelar de antecipação de
provas não vão além da simples homologação para instrução de demanda principal
futura, sem que seja exercido juízo de valor. Somente pode ser impugnada a prova
na cautelar por questões formais, circunscritas à violação do princípio constitucional
do devido processo legal, como cerceamento de defesa. Ocorre que não foram
arguidas quaisquer nulidades na cautelar, cujo laudo foi homologado por sentença
transitada em julgado, não cabendo à parte que discorda das conclusões do expert
se insurgir após o trânsito em julgado da cautelar. Da mesma forma, descabe a
realização de nova prova pericial sob a alegação de cerceamento de defesa,
somente porque o resultado é desfavorável a qualquer das partes. Não obstante a
isto, o julgador não está submisso unicamente ao resultado da perícia, sendo que a
análise da prova pericial deve se coadunar com os demais elementos probatórios
constantes nos autos. Passa-se ao exame do mérito. A terceira Autora narra ter sido
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vítima de ´bullying´, com agressões físicas e verbais por parte de duas colegas de
turma. Afirmam os pais da menor, primeiro e segundo Autores, que, apesar de
ciente dos problemas a instituição Ré não adotou as providências cabíveis para
solução do conflito entre as alunas. A instituição Ré, na posição de prestadora de
serviços educacionais, possui responsabilidade objetiva quanto aos danos
causados diretamente ao corpo discente e reflexamente aos responsáveis.
Restando inequivocamente evidenciado o ilícito, incumbe à prestadora dos serviços
excluir sua responsabilidade no evento, demonstrando a existência de caso fortuito
ou força maior, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro. Cabe observar que as
instituições de ensino possuem o dever de vigilância e preservação da integridade
física e psíquica dos alunos sob sua guarda. Desta feita, a instituição de ensino, ao
tomar conhecimento da ocorrência de agressões físicas, verbais ou, ainda,
psicológicas, ainda que veladas, deve adotar medidas necessárias à apuração e
correção da prática. De acordo com a Cartilha Bullying - Justiça nas Escolas, projeto
desenvolvido pela FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas de SP em conjunto
com o CNJ - Conselho Nacional de Justiça (Silva, Ana Beatriz Barbosa. Bullying:
cartilha 2010 - Projeto Justiça nas Escolas / E. Digital. Brasília, DF: CNJ; São Paulo;
FMU, 2011), o ´bullying´ é um termo da língua inglesa utilizado para qualificar
comportamentos agressivos no âmbito escolar, caracterizados por atos de violência
física ou psicológica, de forma intencional e repetitiva, contra um ou mais alunos,
que pode se dar de forma verbal, física e material, psicológica, moral, sexual e virtual
ou ciberbullying. As consequências da exposição à tais agressões são variadas,
sendo as mais comuns: o desinteresse pela escola, problemas psicossomáticos,
problemas comportamentais e psíquicos como transtorno do pânico, depressão,
anorexia e bulimia, fobia escolar, fobia social e ansiedade generalizada, entre
outros, além do possível agravamento de problemas preexistentes devido ao tempo
prolongado de estresse a que a vítima é submetida. Ainda de acordo com a
psiquiatra Autora da obra, para perceber que uma criança ou adolescente está
sofrendo bullying, são necessárias informações sobre o comportamento da vítimas
nos diversos ambientes que elas frequentam, sendo fundamental que os pais e os
profissionais da escola atentem especialmente para alguns sinais como isolamento
no recreio, aproximação de alguns adultos em busca de proteção, postura retraída
em sala de aula, faltas frequentes às aulas, tristeza, depressão e aflição,
segregação nos jogos ou atividades em grupo, desinteresse nas atividades e tarefas
escolares e, em casos mais dramáticos, hematomas, arranhões, cortes, roupas
danificadas ou rasgadas (da obra citada ´Bullying - Cartilha Justiça nas Escolas´ by
FMU Complexo Educacional, CNJ Conselho Nacional de Justiça, Ana Beatriz
Barbosa Silva). O cerne da questão no caso concreto consiste em perquirir se
efetivamente ocorreu ´bullying´ nas dependências da instituição Ré e, caso positivo,
se foram adotadas medidas necessárias e adequadas para sanar o problema. Para
a solução da lide, foram conjugadas duas modalidades de prova, sendo uma perícia
realizada em sede cautelar e duas oitivas de testemunha, ambas da parte Ré,
ouvidas como informantes nos autos principais. Com efeito, o laudo pericial
produzido na cautelar de produção antecipada de provas é categórico em afirmar
que ´... a menor foi vítima de intimidações e humilhações que caracterizam bullying.´
Em contraponto, os depoimentos das duas testemunhas ouvidas em juízo, ambas
arroladas pela parte Ré, refutaram a ocorrência de agressões de qualquer natureza
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perpetradas à menor. A sra. Vera Lúcia, diretora da unidade, afirmou, em síntese,
que: foi procurada pela mãe da menor Marcella uma única vez, com queixas sobre
o comportamento da criança; que procurou a professora e realizou dinâmicas de
grupo; que a menor participava das atividades em sala de aula; que não houve
queixas da menor ou queda de rendimento escolar; que nunca soube de agressões
físicas; que a menor não apresentou sinais de comportamento compatível com
vítimas de bullying; que após a dinâmica de grupo, os pais foram informados de que
a menor estava interagindo; que a menina participou da dinâmica e interagiu com o
grupo; que logo após a dinâmica, os pais retiraram a menor da escola. A sra.
Simone, ex-professora de Marcella, informou, sucintamente, que: a menor foi sua
aluna por aproximadamente 4 meses; que era uma aluna muito querida pela
professora e pelos colegas; que a professora sempre ficava presente durante o
período do recreio; que nunca notou qualquer comportamento diferente da menor;
que nunca foi procurada pelos pais; que teve contato com a mãe, nunca com o pai;
que os problemas percebidos entre alunos eram normais para a faixa etária da
turma; que não houve baixa de rendimento escolar; que a menor não costumava
faltar às aulas; que nunca presenciou qualquer agressão ou fatos anormais; que
não se recorda de ter orientado os pais a retirar a menor da escola, conforme
descrito no laudo pericial; que quando foi informada pela direção acerca da
reclamação dos pais, fez um reajustamento na sala de aula; que sempre troca os
alunos de lugar para todos interagirem; que a menor interagia em todas as aulas
extras (educação física, inglês, informática). Cabe observar que as duas
testemunhas também foram entrevistadas pela expert, sendo que não houve
contradições entre os depoimentos prestados em juízo e as declarações constantes
de fls. 39/40 do laudo. Ambas relataram que a menor era uma criança alegre, quase
não faltava às aulas, estava adaptada e interagia com os demais alunos. As
profissionais, inclusive, afirmaram surpresa com a preocupação da genitora acerca
do comportamento de tristeza da menor em casa, distinto daquele demonstrado nas
dependências da instituição Ré e nas dinâmicas de grupo. Destaque-se que as
reclamações e a alegada fobia escolar relatadas no laudo de fls. 37 se baseiam em
declarações unilaterais dos pais da menor, sendo que não há qualquer laudo
médico comprovando a manifestação de sintomas característicos das vítimas de
´bullying´, como os exemplificados na obra retro citada. Ou seja, no ambiente
escolar, não foram observados na terceira Autora os sintomas comuns em vítimas
de ´bullying´, como a fobia escolar, o isolamento, baixo rendimento, entre diversos
outros que devem ser observados e interpretados conjuntamente, não sendo
razoável que os profissionais percebam comportamentos não apresentados dentro
da instituição de ensino. Importante asseverar que a estudante, de acordo com o
laudo pericial, demonstra fortes traços de timidez, receio nas relações e fragilidade
emocional (fls. 42). É certo que os traços de personalidade descritos no laudo
cautelar demandam cuidado e atenção, tanto por parte dos profissionais da
instituição de ensino, quanto pela entidade familiar. E nesse contexto, a instituição
Ré, assim que acionada uma única vez pela genitora, adotou medidas de ajustes a
fim de observar o comportamento e evitar que eventual problema se transformasse
em algo efetivamente grave. Não se trata de menosprezar os sentimentos ou o
relato sincero da menina perante a expert. Todavia, é possível que tenha havido
algumas intercorrências entre a menor e colegas de turma que, se efetivamente
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ocorreram, fazem parte do ambiente escolar, comum na convivência entre crianças
e adolescentes, não se mostrando tão nocivas que, por si só, tenham gerado
repercussões futuras na saúde física e mental da terceira Autora. Tanto é assim que
na entrevista (fls. 42), a menor se mostrou prestativa e concentrada, se colocando
de forma clara e consciente, apesar do nervosismo e constrangimento, reações
normais dentro das circunstâncias de estar sendo avaliada. Destarte, diante da
ausência de prova efetiva nos autos das agressões relatadas na inicial, no curto
período de tempo em que a menor permaneceu na instituição Ré, de
aproximadamente 04 (quatro) meses, ou de consequências esperadas nas vítimas
de ´bullying´, não há como estabelecer qualquer nexo de causalidade confiável
entre os problemas relatados pelos pais e a convivência no ambiente escolar, a fim
de responsabilizar a Ré. Felizmente, ao que tudo indica, a menor fez novos amigos
e se encontra adaptada à sua nova escola, não havendo prova nos autos de que
tenha ocorrido a odiosa prática de ´bullying´ à menor terceira Autora nas
dependências da instituição Ré ou que esta tenha sido omissa no seu dever de
vigilância e preservação da integridade física da menor.
Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o feito com fulcro no
artigo 487, I, do CPC. Condeno a parte Autora ao pagamento das despesas
processuais e honorários advocatícios, que arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais),
na forma do artigo 85, §§ 2º e 8º do CPC. Dê-se vista ao Ministério Público. Após
cumpridas as formalidades legais, dê-se baixa e arquive-se. P.I. Na forma do inciso
I do artigo 229-A da Consolidação Normativa da Corregedoria deste Tribunal,
alterado pelo Provimento 20/2013, ficam cientes as partes de que os autos serão
remetidos a Central ou Núcleo de arquivamento.
Inconformado, o réu interpôs o recurso de apelação de indexador 333,
no qual alega que os honorários sucumbenciais, fixados em R$ 3.000,00 (três mil
reais), correspondem a 2,5% do valor da causa. Assim, requer que os honorários
advocatícios sejam arbitrados em 20% (vinte por cento) do valor da causa, nos termos
do art. 85, §2º do CPC.
Igualmente irresignada, a parte autora interpôs apelação no indexador
344, requerendo a reforma da sentença, para que a parte ré seja condenada a pagar
indenização a título de danos morais.
Certidão no indexador 362, acerca da tempestividade dos recursos e
do correto recolhimento das custas.
A parte ré apresentou contrarrazões no indexador 376, e os autores
no indexador 393.
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O Ministério Público apresentou parecer, opinando pelo provimento
do recurso dos autores, e desprovimento da apelação interposta pela ré (indexador
415).
É O RELATÓRIO.
Os recursos devem ser recebidos e conhecidos, eis que preenchidos
todos os seus requisitos de admissibilidade, ressaltando-se que as apelações foram
interpostas com fundamento no Código de Processo Civil de 2015, contra sentença
publicada sob a sua égide.
A matéria controvertida objeto do recurso, devolvida ao Tribunal para
conhecimento, consiste em verificar a ocorrência de falha na prestação do serviço da
parte ré, se os fatos narrados na petição inicial causaram danos morais aos autores,
e a adequação do valor fixado para os honorários advocatícios.
Inicialmente, cumpre salientar que se aplica à demanda o Código de
Defesa do Consumidor, o qual traz em seu bojo normas de ordem pública e de
interesse social, objetivando a proteção e defesa do consumidor, em razão de sua
vulnerabilidade.
Sobre o tema, colacionam-se os seguintes precedentes do Superior
Tribunal de Justiça, no sentido de que a prestação de serviços educacionais constitui
relação de consumo:
RECURSO ESPECIAL. SERVIÇOS EDUCACIONAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO.
APLICAÇÃO DO CDC. FATO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1.
Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, o contrato de prestação de
serviços educacionais constitui relação de consumo. 2. Nos casos de
responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, aplica-se o prazo prescricional
de 5 anos (artigo 27 do CDC). 3. O termo inicial da prescrição começa a fluir a partir
do momento em que o direito é violado, o qual coincide com o momento de
nascimento da pretensão. 4. Recurso especial não provido.
(RECURSO ESPECIAL Nº 647.743 – MG - RELATOR: MINISTRO RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA – Data de julgamento: 04/12/2012)
CONSUMIDOR. ENSINO SUPERIOR. INADIMPLÊNCIA. CURSO DISTINTO.
NEGATIVA DE MATRÍCULA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO
LEGAL. 1. Hipótese em que a corte de origem entendeu não haver amparo legal
para a Universidade recusar a matrícula de aluno aprovado em concurso vestibular,
por estar ele inadimplente com relação a mensalidades de curso anterior. 2. A
instituição de ensino alega negativa de vigência ao art. 5º da Lei 9.870/99, sob o
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argumento de que "a inadimplência sugerida na lei como óbice à matrícula de
alunos inadimplentes não se restringe aos contratos em andamento". 3. A
prestação de serviços educacionais caracteriza-se como relação de
consumo, motivo pelo qual devem incidir as regras destinadas à proteção do
consumidor, o qual, por ser a parte mais vulnerável, merece especial atenção
quando da interpretação das leis que, de alguma forma, incidem sobre as
relações consumeristas 4. A educação é um direito consagrado
constitucionalmente, tal como prevê o art. 205 da Constituição Federal, in verbis:
"A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho". 5. O dispositivo legal tipo por violado autoriza a negativa da instituição de
ensino superior em renovar a matrícula de aluno inadimplente. 6. No entanto, o
caso trazido à análise do Superior Tribunal de Justiça não diz respeito à mera
renovação de matrícula, mas sim à constituição de nova relação jurídica, ainda que
na mesma instituição de ensino. 7. Não se mostra razoável que se proceda a uma
interpretação extensiva da Lei em apreço de modo a prejudicar o consumidor, em
especial aquele que almeja a inserção no ambiente acadêmico. 8. A eventual
cobrança de valores em aberto poderá ser realizada, porém pelos meios legais
ordinários, não se admitindo a pretendida negativa de matrícula na forma
propugnada pela recorrente, uma vez que não há respaldo legal para tal ato. 9.
Recurso Especial não provido.
(RECURSO ESPECIAL Nº 1.583.798 – SC - RELATOR: MINISTRO HERMAN
BENJAMIN – Data de julgamento: 24/05/2016)
Sustentam os autores que no ano de 2010, a terceira demandante,
Marcella Ximenes Rodrigues, cursava o 3º ano do ensino fundamental na instituição
de ensino ré. Afirmam que após o início no período letivo, a menor passou a
apresentar um comportamento incomum, sempre muito triste e isolada.
Alegam que indagaram sua filha, terceira autora, sobre o que estava
ocorrendo, quando esta informou que estava sofrendo agressões físicas e verbais de
colegas de turma.
Prosseguindo, narram os demandantes que solicitaram à escola que
tomasse providências para cessar a prática de bullying contra a terceira autora.
Porém, segundo afirmam, a instituição de ensino não tomou nenhuma medida, razão
pela qual foram obrigados a transferir a menor para outra escola, após o
encerramento do primeiro semestre letivo de 2010.
Em sua defesa, a parte ré suscita, preliminarmente, a prescrição do
direito da primeira e do segundo autores e, no mérito, sustenta que a prática de
bullying dentro de sua instituição educacional não é tolerada.
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Afirma, ainda, que a prova pericial produzida na medida cautelar de
produção antecipada de provas de nº 0301139-57.2010.8.19.0001 não é válida, sob
o fundamento de que a perícia foi realizada um ano após o suposto evento danoso,
e que o seu assistente técnico não foi intimado para acompanhar a produção da
prova.
Primeiramente, rejeita-se a preliminar de prescrição do direito dos
dois primeiros autores, Ana Paula de Oliveira Ximenes e Albino José Pinto Rodrigues,
genitores da terceira demandante. Isso porque, o prazo prescricional foi interrompido
com o ajuizamento da medida cautelar de produção antecipada de provas, que foi
distribuída em 21/09/2010, poucos meses após os fatos narrados na petição inicial.
Note-se que, em consulta ao andamento processual no sítio
eletrônico deste Tribunal de Justiça, observa-se que o último ato praticado na referida
medida cautelar ocorreu no dia 03/09/2015, sendo esta a data em que o prazo
prescricional recomeçou a correr, nos termos do art. 202, parágrafo único do CC1.
Logo, considerando que esta demanda indenizatória foi distribuída em 28/10/2016,
não há que se falar em prescrição.
A propósito:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE AUTOR. DESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA EM REGRA. SITUAÇÃO
EXCEPCIONAL NÃO CARACTERIZADA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.
CAUTELAR DE ANTECIPAÇÃO DE PROVA. EFEITO INTERRUPTIVO. MEDIDA
PREPARATÓRIA DE AÇÃO INDENIZATÓRIA. CPC, ARTS. 219 E 846. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. I - O inadimplemento do contrato, por si só, pode
acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não
dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade.
Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer
desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do
desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade. Com
efeito, a dificuldade financeira, ou a quebra da expectativa de receber valores
contratados, não tomam a dimensão de constranger a honra ou a intimidade,
ressalvadas situações excepcionais. II - Na sistemática do Código de Processo
Civil de 1973, a cautelar de antecipação de prova interrompe a prescrição
quando se tratar de medida preparatória de outra ação, tornando inaplicável,
nesses casos, o verbete sumular nº 154/STF, editado sob a égide do CPC/1939.
1 Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.
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(RECURSO ESPECIAL Nº 202.564 – RJ - RELATOR: MINISTRO SÁLVIO DE
FIGUEIREDO TEIXEIRA – Data de julgamento: 02/08/2001)
Com relação à prova pericial produzida na medida cautelar de nº
0301139-57.2010.8.19.0001, ressalte-se que esta foi realizada por psicóloga de
confiança do juízo e registrada no seu órgão de classe, pouco mais de um ano após
os fatos narrados na exordial, de modo que os acontecimentos ainda eram recentes,
não havendo lapso temporal excessivo entre o evento danoso e a produção da prova.
Outrossim, não se vislumbra a alegada parcialidade da expert,
porquanto o laudo foi elaborado com base nas entrevistas realizadas com os autores
e com os prepostos da parte ré, conforme pontuou o Ministério Público em seu
parecer (indexador 415):
Verifica-se ainda que o referido laudo não foi baseado somente na oitiva dos
genitores como entendeu o Juiz a quo na sentença, mas também na oitiva das
testemunhas da ré (diretora e professora), bem como na visitação às
instituições de ensino (antiga/ré e a nova na qual a aluna se encontra
matriculada atualmente) e na entrevista da menor, que relata com clareza o
que ocorria no colégio, e que ao final, por não mais suportar a situação do
bullying que sofria através de duas colegas, Manuela e Maria Clara, pediu aos
genitores para sair do colégio.
Da mesma forma, por meio de despacho publicado em 20/06/2011,
ambas as partes foram intimadas acerca da data da realização da perícia, nos termos
do art. 431-A do CPC/732, vigente à época, e com antecedência suficiente para que
seus assistentes técnicos acompanhassem as diligências, não havendo que se falar
em nulidade da prova pericial produzida na medida cautelar.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE
DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS DE LEI FEDERAL.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. FALTA DE
COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO. DESIGNAÇÃO DE PERÍCIA. INTIMAÇÃO DAS
PARTES. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1.- Não se
viabiliza a abertura do Recurso Especial a alegada violação à Constituição Federal,
matéria reservada com exclusividade à apreciação pelo Supremo Tribunal Federal
em recurso próprio. 2.- O Tribunal de origem apreciou todas as questões relevantes
2 Art. 431-A. As partes terão ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova.
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ao deslinde da controvérsia nos limites do que lhe foi submetido. Não há que se
falar, portanto, em violação do artigo 535 do CPC ou negativa de prestação
jurisdicional. 3.- Os conteúdos normativos dos artigos tidos por violados não foram
objeto de debate no Acórdão recorrido, carecendo, portanto, do necessário
prequestionamento viabilizador do Recurso Especial, nos termos do enunciado 211
da Súmula desta Corte. 4.- Só se conhece do Recurso Especial pela alínea c, se o
dissídio jurisprudencial estiver comprovado nos termos exigidos pelos artigos 541,
parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, parágrafos 1º e 2º, do
Regimento Interno desta Corte, com a demonstração da similitude fática e os
pontos divergentes das decisões. Aplicável também ao Recurso Especial com
fundamento na alínea c o óbice imposto pela Súmula 7/STJ. 5.- Tendo sido as
partes intimadas da realização da perícia, não há falar em nulidade por falta
de participação dos assistentes técnicos. 6.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 120.113 – SP - RELATOR:
MINISTRO SIDNEI BENETI – Data de julgamento: 19/06/2012)
Dito isto, passa-se à análise do mérito do recurso.
Com efeito, nos termos do art. 227 da Constituição Federal3 e dos
artigos 17 e 18 do ECA4, é dever não apenas da família, como de toda a sociedade e
do Estado, a proteção à dignidade das crianças e dos adolescentes, coibindo
qualquer tipo de tratamento vexatório ou constrangedor, além da prática de violência
física ou psicológica contra os menores.
Conforme estabelece do art. 1º, §1º da Lei 13.185/2015, que institui
o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, “considera-se intimidação
sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e
repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo,
contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando
dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes
envolvidas”.
3 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 4 Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
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No artigo 2º a lei acima mencionada, estão elencados algumas
práticas que se caracterizam como intimidação sistemática (bullying), vejamos:
Art. 2o Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência
física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:
I - ataques físicos;
II - insultos pessoais;
III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV - ameaças por quaisquer meios;
V - grafites depreciativos;
VI - expressões preconceituosas;
VII - isolamento social consciente e premeditado;
VIII - pilhérias.
Nas entrevistas realizadas pela perita com os autores, estes
relataram que a prática de bullying contra a terceira autora se iniciou no final no ano
de 2009, quando duas alunas, chamadas Manuela e Maria Clara, começaram a
implicar com a demandante, criando um clube de meninas do qual apenas esta não
podia participar.
Narram que em 2010 a violência física e psicológica se intensificou,
e Marcella passou a sofrer com tapas, beliscões, arranhões, além de ter seu lanche
roubado. Nesse sentido, confira-se um trecho do relato da terceira autora à perita
(indexador 36):
No início se afastou delas e ficava com outras meninas da sala, mas com o tempo
foi piorando. Se elas tivessem oportunidade (saída da professora de sala ou falta
de inspetor no recreio) aproveitavam e colocavam o pé na frente para que
tropeçasse, passavam por ela na escada empurrando para que caísse ou tomavam
suas coisas e depois diziam que lhe pertenciam, devolvendo algumas vezes
somente depois da ajuda solicitada por Marcella à professora. Conta que uma vez
elas lhe empurraram em cima do balcão da cantina e chegou a sair sangue em um
ferimento que fez no pescoço, assim como também relembra um outro empurrão
que ocasionou a caída do lápis que apontava na lata de lixo, lhe obrigando a
remexê-lo para encontra-lo.
Ressalte-se, ainda, que a professora Regina, de quem a menor foi
aluna no ano de 2009, declarou que conversou com outras alunas após a
transferência da terceira autora para o Colégio Teresiano, as quais lhe
confidenciaram que Marcella era “chata”, o que demonstra que havia problemas de
relacionamento entre a demandante e suas colegas de classe (fl. 40, indexador 36).
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Da análise do laudo pericial (indexador 36), infere-se que a perita
constatou que a terceira autora apresenta traumas no seu desenvolvimento,
fragilidade emocional, além de forte timidez e receio nas relações.
De acordo com as técnicas utilizadas, Marcella demonstra significativa resistência
nos contatos interpessoais, com forte timidez, receio nas relações e fragilidade
emocional que resultam em sofrimento e angústia.
Foi possível ainda perceber traumas no seu desenvolvimento que parecem
contribuir para um maior retraimento e insegurança, com sentimentos de
impotência e menos valia, assim como fixações na figura materna, dificuldade de
se impor e mecanismos compensatórios como forma de lidar com a realizada.
Em resposta aos quesitos da parte ré, a expert relatou o seguinte (fl.
45, indexador 36):
6) Os testes e entrevistas aplicados na menor apontam traumas no seu
desenvolvimento e sugerem que os mesmos ocorreram em época recente, assim
como algumas técnicas possibilitaram que a menor pudesse reproduzir através da
brincadeira o que sofreu na instituição por parte de algumas colegas. O seu
ingresso na outra instituição foi percebido como alívio e segundo a coordenadora
do seu colégio atual ainda apresenta receio e dificuldades de interagir em grupo,
necessitando de estímulo e acolhimento;
7) Embora as intimidações ou implicâncias tivessem começado no final de 2009, a
menor não verbalizou com a família o que estava acontecendo, só o fazendo
quando foi pressionada pela mãe ao inventar desculpas e somatizações para faltar
às aulas em 2010;
(...)
9) A menor relata humilhações sofridas em sala de aula, quando a professora se
ausenta ou está distraída ou vira de costas para a turma para escrever no quadro,
assim como nos momentos em que a turma se desloca para o recreio quando a
professora está caminhando na frente do grupo de alunos e portanto, de costas e
mais distante da turma que vem atrás. Relata também agressões no pátio quando
as professoras se distraem conversando, ou na ausência do inspetor.
Assim, resta inequívoco que a terceira demandante, além de relatar
as humilhações sistemáticas e repetitivas por parte de duas colegas de sala, também
apresenta traumas e comportamento compatíveis com aqueles experimentados por
vítimas de bullying.
Em seu depoimento, a diretora da instituição de ensino ré, Srª Vera
Lúcia, que foi ouvida na qualidade de informante, declarou que recebeu uma
reclamação da mãe da menor, pois esta chegava da escola se queixando. Informou,
ainda, que os fatos foram relatados à coordenação e à professora da turma, razão
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pela qual foi realizada uma dinâmica na sala de aula, da qual a terceira demandante
participou, interagindo com os demais alunos.
A professora da turma do 3º ano do ensino fundamental, Srª Simone
Bastos da Costa, que também foi ouvida como informante, apontou que em virtude
do tempo decorrido não se recorda de todos os fatos, e que presenciou brigas entre
os alunos, as quais reputou normais para a idade, e declara que não foram tomadas
outras medidas pela parte ré, além da realização de uma dinâmica entre os alunos e
da reorganização dos assentos dos discentes.
Nesse ponto, importante destacar que os administradores e
funcionários das instituições de ensino têm o dever de cuidado com as crianças e
adolescentes que ficam sob sua guarda.
Entretanto, consoante a prova pericial realizada e os depoimentos
das informantes, houve falha na prestação do serviço pela parte ré, uma vez que,
apesar de informada pela mãe acerca da prática de bullying contra a aluna, não foi
tomada nenhuma providência eficaz para coibir a violência psicológica sofrida pela
terceira autora, nas dependências da escola.
Destaque-se que diante da falta de diligências eficazes por parte da
instituição de ensino, a primeira autora tentou conversar com as mães das duas
menores envolvidas nos fatos, sendo que uma delas quase agrediu fisicamente a
demandante.
Registre-se, por relevante, que o fato da terceira autora não ter
apresentado queda no seu rendimento escolar não afasta a ocorrência do bullying,
uma vez que não se pode esperar que todas as vítimas, notadamente menores de
tenra idade, como a autora à época dos fatos, apresentem a mesma reação.
Com efeito, o comportamento manifestado pela autora Marcella, que
apresentou traumas no seu desenvolvimento, com resistência nos contatos
interpessoais, forte timidez, receio nas relações e fragilidade emocional, além de
sentimento de impotência e menos valia, comprovam que a demandante foi vítima de
bullying, uma vez que são reações comuns àqueles submetidos à intimidação
sistemática.
Ademais, destaque-se que os pais da menor decidiram matricular a
terceira autora em outra escola, cuja mensalidade era em valor superior à da
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instituição de ensino ré, no meio do ano letivo (indexador 24), sendo que esta conduta
se coaduna com os fatos narrados na petição inicial, e demonstra que a parte ré,
apesar de ciente dos fatos, não tomou as providências cabíveis para cessar a prática
de bullying por parte das duas alunas apontadas pela vítima.
Nesse sentido é o parecer do Ministério Público:
Ressaltando que, na entrevista com a diretora do colégio/réu, a Srª Luciana
Bebrano, assevera que: “(...) quando a mãe esteve na escola para um primeira
reclamação, ficou surpresa...(...)”, comprovando assim, que a escola tinha ciência
do que ocorria com a menor, não juntando aos autos qualquer comprovante
das medidas que tomou para resolver a questão, bem como a menor em sua
entrevista afirma que a professora mandava as três para a coordenação, mas era
tudo em vão, pois a coordenadora nunca acreditava em seu relato, não havendo
portanto, um tratamento pedagógico correto.
A escola/ré não se desincumbiu do ônus de comprovar serem inverídicas as
alegações da parte autora, ou de haver culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro
ou caso fortuito, a eximir a sua responsabilidade.
Portanto, inequívoco o dano moral sofrido pela terceira autora,
decorrente da violência psicológica e física, do sofrimento, da humilhação e angústia
experimentados durante meses, os quais interferiram intensamente no
comportamento e no desenvolvimento da menor, devendo ser reconhecido o dever
de indenizar.
No que se refere aos demais autores, destaque-se em decorrência
do vínculo afetivo, é admitida a reparação pelos danos morais reflexos sofridos por
familiares ou genitores do principal ofendido, que no caso dos autos é a terceira
demandante.
Sobre o tema, colaciona-se o seguinte precedente do Superior
Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. LEGITIMIDADE DO FILHO E ESPOSA DA
VÍTIMA. MARIDO E PAI TETRAPLÉGICO. ESTADO VEGETATIVO. DANO
MORAL REFLEXO. ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS.
INOCORRÊNCIA. PREMISSAS, EXPRESSAMENTE, ASSENTADAS NA CORTE
LOCAL. PRECEDENTES: AGRG NO ARESP. 104.925/SP, REL. MIN. MARCO
BUZZI, DJE 26/06/2012; AGRG NO AG 1.413.481/RJ, REL. MIN. RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, DJE 19/03/2012; E RESP. 1.041.715/ES, REL. MIN.
MASSAMI UYEDA, DJE 13/06/2008. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. 1. Não obstante a compensação por dano moral ser devida,
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em regra, apenas ao próprio ofendido, tanto a doutrina quanto à
jurisprudência tem admitido a possibilidade dos parentes do ofendido e a
esse ligados afetivamente, postularem, conjuntamente com a vítima
compensação pelo prejuízo experimentado, conquanto sejam atingidos de
forma indireta pelo ato lesivo. 2. Trata-se de hipótese de danos morais
reflexos, ou seja, embora o ato tenha sido praticado diretamente contra
determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a
integridade moral de terceiros. É o chamado dano moral por ricochete, cuja
reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores.
3. No caso em apreço, não pairam dúvidas que a esposa e o filho foram moralmente
abalados com o acidente que vitimou seu esposo e pai, atualmente sobrevivendo
em estado vegetativo, preso em uma cama, devendo se alimentar por sonda,
respirando por traqueostomia e em estado permanente de tetraplegia, sendo que a
esposa jamais poderá dividir com o marido a vicissitudes da vida cotidiana de seu
filho, ou a relação marital que se esvazia, ou ainda, o filho que não será levado pelo
pai ao colégio, ao jogo de futebol, ou até mesmo a colar as figurinhas da Copa do
Mundo. 4. Dessa forma, não cabe a este Relator ficar enumerando as milhões de
razões que atestam as perdas irreparáveis que sofreram essas pessoas (esposa e
filho), podendo qualquer um que já perdeu um ente querido escolher suas razões,
todas poderosamente dolorosas; o julgamento de situações como esta não deve
ficar preso a conceitos jurídicos ou pré-compreensões processuais, mas leva em
conta a realidade das coisas e o peso da natureza da adversidade suportada. 5.
Esta Corte já reconheceu a possibilidade de indenização por danos morais indiretos
ou reflexos, sendo irrelevante, para esse fim, até mesmo a comprovação de
dependência econômica entre os familiares lesados. Precedentes: REsp.
1.041.715/ES, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 13/06/2008; AgRg no AREsp.
104.925/SP, Rel. Min. MARCO BUZZI, DJe 26/06/2012; e AgRg no Ag
1.413.481/RJ, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 19/03/2012. (AgRg
no RECURSO ESPECIAL Nº 1.212.322 – SP - RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO – Data de Julgamento: 03/06/2014) – Grifou-se.
Entretanto, no caso concreto, observa-se que o segundo autor, Albino
José Pinto Rodrigues, pai da terceira autora, não comprovou que tenha suportado
graves aborrecimentos.
Pela análise do exposto na petição inicial e dos demais elementos
dos autos, apenas a primeira autora, mãe da menor, compareceu à escola para
solicitar uma maior atenção à situação de sua filha e suportou aborrecimentos
relevantes na tentativa de solucionar o problema.
Logo, deve ser reformada a sentença, para julgar procedente o
pedido de recebimento de indenização a título de danos morais, apenas com relação
à primeira e à terceira autoras (Ana Paula de Oliveira Ximenes e Marcella Ximenes
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Rodrigues), que foram as partes que efetivamente demonstraram ter sofrido
aborrecimentos e angústia, decorrentes dos fatos narrados.
Com relação à avaliação do quantum indenizatório, o juiz, ao arbitrá-
lo, deve estimar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja
compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do
sofrimento experimentado pela vítima, dentre outras circunstâncias mais que se
fizerem presentes.
A matéria relativa à fixação da indenização por danos morais sujeita-
se à ponderação do magistrado, que deve avaliar as peculiaridades de cada caso
concreto e observar os critérios acima elencados.
O Superior Tribunal de Justiça bem ilustrou essa questão, quando do
julgamento do REsp 435119, assim:
Indenização. Danos morais. Critérios para indenização. Não há critérios
determinados para a quantificação do dano moral. Recomendável que o
arbitramento seja feito com moderação e atendendo às peculiaridades do
caso concreto. A indenização como tenho enfatizado em precedentes, deve
ser arbitrada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha
a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e
exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação,
proporcionalmente ao grau de culpa e à gravidade da lesão. A par destas
considerações, tenho que a quantia encontrada pelo acórdão impugnado não se
mostra irrisória. (in RESP 435119 - Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - DJ
29/10/2002). Grifou-se.
Nesse contexto, o valor da verba indenizatória deve ser fixado em R$
3.000,00 (três mil reais) para a primeira autora, e em R$ 8.000,00 (oito mil reais) para
a terceira demandante, o que perfaz o montante de R$ 11.000,00 (onze mil reais),
quantia esta que se revela compatível com as finalidades da indenização, e não é
capaz de gerar enriquecimento sem causa das demandantes.
Nesse sentido, colaciona-se o seguinte precedente deste Tribunal de
Justiça, no qual foi arbitrada a mesma verba indenizatória para a vítima de bullying e
agressões em instituição de ensino:
Recurso sob a égide do CPC/73. Estabelecimento de Ensino. Direito do
Consumidor. Autora, menor impúbere, relata sofrer agressões de outro colega na
escola desde os sete anos de idade. Réu afirma que a autora, apesar das
agressões, se manteve matriculada na escola desde 2011. Sentença de
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improcedência. Apelação da parte autora. Agressões e inércia do estabelecimento
comprovados por documentos e depoimentos de testemunhas. Falha do serviço.
Dano in re ipsa. Conhecimento e provimento do recurso para condenar a ré em
indenização por dano moral no valor de R$ 8.000,00.(Ocultar ementa)
(0169383-80.2014.8.19.0001 – APELAÇÃO - RICARDO ALBERTO PEREIRA -
VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR - Data de julgamento:
22/09/2016)
Quanto aos honorários de sucumbência, oportuno destacar que a
presente ação foi distribuída sob a vigência do Código de Processo Civil de 2015,
sendo esta, pois, a legislação aplicável à hipótese.
Assim, diante da sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar
com metade das custas processuais e pagar ao advogado da parte contrária
honorários advocatícios no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação, tendo em vista a vedação de compensação (art.85, §14, do CPC/2015).
Assim, considerando o provimento parcial do recurso dos autores,
fica afastada a incidência do art.85, §11, do CPC/2015.
Por tais razões e fundamentos, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO DA PARTE AUTORA, para julgar parcialmente procedentes os pedidos,
e condenar a parte ré a pagar indenização a título de danos morais no valor de R$
3.000,00 (três mil reais) para a primeira autora, e de R$ 8.000,00 (oito mil reais) para
a terceira demandante, acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês, a contar da
citação, e correção monetária a partir deste julgado.
Diante da procedência parcial dos pedidos autorais, FICA
PREJUDICADA APELAÇÃO INTERPOSTA PELA PARTE RÉ.
Considerando a sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar
com metade das custas processuais e pagar ao advogado da parte contrária
honorários advocatícios no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação.
Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.
Desembargador SÉRGIO SEABRA VARELLA
Relator