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Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)
2016/CÍVEL
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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
BOATE KISS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS
ENTES PÚBLCOS. FALHA E NEGLIGÊNCIA NA
AUTORIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO
FUNCIONAMENTO DO ESTABELECIMENTO.
INDENIZAÇÃO FIXADA NÃO COMPORTA
MAJORAÇÃO.
POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO DO
APELO DA AUTORA, JULGANDO PREJUDICADO O
RECURSO DA RÉ.
APELAÇÃO CÍVEL
SEXTA CÂMARA CÍVEL
Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-
51.2016.8.21.7000)
COMARCA DE SANTA MARIA
ALESSANDRA STANGHERLIN OLIVEIRA
APELANTE/APELADO
SANTO ENTRETENIMENTOS LTDA
APELANTE/APELADO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
APELADO
MUNICIPIO DE SANTA MARIA
APELADO
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Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar parcial provimento ao
apelo da parte autora, julgando prejudicado o recurso da ré.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes
Senhores DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE), DES. JORGE
LUIZ LOPES DO CANTO, DES. NEY WIEDEMANN NETO E DES. LÉO ROMI
PILAU JÚNIOR.
Porto Alegre, 02 de dezembro de 2016.
DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA,
Relatora.
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RELATÓRIO
DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA (RELATORA)
Trata-se de ação indenizatória por danos morais ajuizada por
ALESSANDRA STANGHERLIN OLIVEIRA em face de SANTO ENTRETENIMENTOS
LTDA (BOATE KISS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e MUNICIPIO DE SANTA
MARIA.
A autora é vítima sobrevivente da tragédia ocorrida no dia
27.01.2013, no interior da Boate Kiss, em Santa Maria/RS. No interior da boate
havia freqüentadores em número superior à capacidade do espaço físico, que
ainda não contava com saídas de emergência, apenas uma porta para entrada e
saída do público, a sinalização de emergência era inadequada, tanto que, no
momento do incêndio, muitos pensaram que as portas dos banheiros eram de
saídas, dos poucos extintores de incêndio que havia, muitos estavam vazios.
Também a espuma usada para revestimento acústico era de baixa qualidade e
alta combustão, tanto que durante o incêndio que tomou conta do local foram
liberados gases tóxicos, inalados pela demandante. O incêndio teve início a partir
da utilização de fogos de artifícios, o que acontecia de forma corriqueira. Da
mesma forma, os seguranças mostram-se despreparados para agir naquela
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situação, chegando a barrar a saída dos clientes que não tinham as comandas
pagas. Inegável, portanto, a responsabilidade da casa noturna pelo ocorrido
Por parte do Município de Santa Maria, imputou a conduta de
comissiva de conceder licença para funcionamento da boate, mediante Alvará de
Localização, apesar de expirado o prazo de validade do documento expedido
pelo Corpo de Bombeiros, quanto à segurança da casa noturna, e ausência de
fiscalização.
Já a conduta omissiva do Estado, constitui-se na ausência vistorias
e fiscalização por parte Corpo de Bombeiros acerca do cumprimento das
exigências para prevenção, uma vez que decorrido o prazo de validade do
documento anteriormente concedido, mesmo com as irregularidades acima
referidas.
Até sair da boate em chamas, Alessandra aspirou a fumaça tóxica
oriunda da combustão da espuma que revestia o teto do estabelecimento. Disse,
ainda, que o fato de ter vivenciado a tragédia lhe trouxe grandes transtornos
psicológicos, necessitando acompanhamento contínuo de profissional
especializado. Postulou a condenação dos réus ao pagamento de indenização
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por danos morais, em valor a ser arbitrado pelo Juízo. Requereu a AJG, fl.22.
Juntou documentos (fls. 13/20).
Recebido pela Pretora Deniza Terezinha Sassi, o feito foi
redistribuído ao Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública, em virtude da tramitação
de Ação Coletiva e complexidade da matéria (fl. 21).
O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apresentou contestação (fls.
33/67). Preliminarmente, arguiu sua ilegitimidade para causa, pois os danos
suportados pela autora são decorrentes da conduta do músico da Banda
Gurizada Fandangueira, que utilizou equipamento pirotécnico no interior da
boate, bem como do proprietário, que permitiu o uso.
Com base na Lei Estadual nº 10.987/97, de caráter geral, a
atividade de prevenção e combate a incêndios é do Corpo de Bombeiros,
podendo os Municípios em normas suplementares, pois detêm privativamente o
poder de polícia e a fiscalização das edificações que não possuam de sistema de
segurança contra incêndios ou estejam em descompasso com as normas. A
responsabilidade de fiscalização do estabelecimento era do Município de Santa
Maria, competente para legislar acerca de assuntos de interesse local. Nesse
sentido, o Município editou leis que permitem a expedição de licenças a
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estabelecimentos que não cumprem a legislação referente à prevenção e
combate de incêndios, ao passo que a casa noturna não deveria estar em
funcionamento, em virtude das alterações supervenientes à concessão do alvará
pelo Corpo de Bombeiros, o que era incumbência do Município verificar.
A concessão do alvará de prevenção contra incêndios Pelo Corpo
de Bombeiros à casa noturna se deu em 2011, quando o estabelecimento reunia
os requisitos previstos pela legislação vigente. As significativas alterações
ocorridas no interior da boate, sem qualquer comunicação ao corpo de
bombeiros, acabaram por anular o alvará concedido, conforme previa o próprio
instrumento. A atuação do corpo de bombeiros se encerra com a vistoria e
concessão do alvará, cabendo ao Executivo Municipal a fiscalização. Requereu o
acolhimento da preliminar, ou que seja afastada a condenação em face do
Estado, em razão da ausência de responsabilidade pelo evento. Caso procedente
a ação, deve ser considerada a atenuação da responsabilidade do Estado na
fixação de indenização, bem como o valor a título de honorários advocatícios
não seja superior a 5% da condenação. Juntou cópia do relatório final do
inquérito policial militar (fls. 68/233).
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O MUNICÍPIO DE SANTA MARIA apresentou sua contestação (fls.
234/260). Iniciou alegando que não existem provas e argumentos contundentes
para configurar o nexo causal entre a conduta do Município e evento danoso,
uma vez que o incêndio da boate não pode ser entendido como dano evitável.
Não restou claro também se a busca pela responsabilização do Município se
deve a uma suposta omissão na fiscalização ou uma concessão indevida do
alvará de localização. Disse que a emissão do referido alvará se deu em respeito
à legislação pertinente, não podendo ser entendido como uma conduta ilícita
comissiva. Nesse sentido, o MP realizou pedido de arquivamento do inquérito
policial em relação aos agentes do Poder Municipal, o que foi deferido pelo Juiz
que conduzia o processo criminal n° 027/2.13.0000696-7.
Reportou-se ao o fundamento usado pelo MP para o pedido de
arquivamento do inquérito Civil n° 00864.00006/2013: “a investigação do
Ministério Público não permite afirmar que os servidores públicos municipais
tenham adotado condutas que configurem improbidade administrativa”. Voltou a
sustentar que o evento ocorrido na Boate Kiss é decorrente de atos de terceiros,
quais sejam, os proprietários do estabelecimento, integrantes da Banda Gurizada
Fandangueira, Corpo de Bombeiros e até mesmo das próprias vítimas em razão
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de seu estado de embriaguez, o que não era possível o Município evitar. Pediu o
julgamento de improcedência em sua face. Juntou documentos (fls. 261/327).
MAURO LONDERO HOFFMANN apresentou contestação às fls.
328/339. Alegou que Mauro não era sócio de fato da empresa Santo
Entretenimentos, mas sim mero cessionário de cotas, um “sócio-oculto”, sem
qualquer poder de administração. Denunciou a lide aos causadores do
incêndio, ou seja, os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que
utilizaram artefato pirotécnico inadequado para o local, diferente do usado pela
própria Boate. Discorreu acerca da culpa exclusiva de terceiros. Impugnou os
pedidos da autora. Requereu a AJG. Juntou documentos (fls. 341/406).
Houve réplica pela parte autora (fl. 408/414). Impugnou a
preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Estado do Rio Grande do Sul,
em razão da evidente omissão do Corpo de Bombeiros na fiscalização das reais
condições de prevenção de incêndios na casa noturna, havendo, inclusive,
denuncia do MP relativas à liberação irregular de PPCIs e alvarás na cidade. No
mérito, reiterou a responsabilidade dos réus pelo evento e os danos suportados
pela autora.
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Em decisão saneadora (fl. 418), o Juízo conheceu da
contestação apresentada por Mauro Hoffmann como sendo em nome da
pessoa jurídica ré SANTO ENTRETENIMENTOS LTDA, restando prejudicada a
preliminar de ilegitimidade passiva suscitada. Foi relegada para momento
posterior a arguição de ilegitimidade do ERGS, pois confunde-se com o
mérito. Também, indeferido o pedido de denunciação da lide ao produtor e
ao vocalista da Banda Gurizada Fandangueira, em razão da relação de
consumo e possibilidade de posterior ação regressiva pela ré SANTO
ENTRETENIMENTOS LTDA.
Durante a instrução do feito, foram ouvidas as mesmas
testemunhas arroladas em outros dois processos conexos. (CDs soltos nos autos).
A parte autora e o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
apresentaram memoriais (fl. 431/433 e 434/439).
O Ministério Público declinou da intervenção, em razão de não
verificar interesse público suficiente para tal (fl. 440/440v).
Sobreveio sentença, da lavra da Magistrada Eloisa Helena
Hernandez de Hernandez, com o seguinte dispositivo (fls. 441/452):
‘’ III – DISPOSITIVO.
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JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente AÇÃO
INDENIZATÓRIA movida por ALESSANDRA
STANGHERLIN DE OLIVEIRA, a fim de condenar SANTO
ENTRETENIMENTOS LTDA ME ao pagamento de
indenização por danos morais fixada em R$20.000,00. Os
valores serão corrigidos pelo IGP-M desde a data da
sentença, e terão incidência de juros de 1% ao mês desde
a citação.
JULGO IMPROCEDENTES os pedidos em relação ao
MUNICÍPIO DE SANTA MARIA e ao ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
Condeno a autora ao pagamento de 60% das custas
processuais e honorários aos procuradores do Município
e Estado fixados em R$2.000,00 para cada um. Suspensa
a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça já
deferida. Condeno a Santo Entretenimentos ao
pagamento de 40% das custas processuais e honorários
ao procurador da autora fixados em 10% do valor
atualizado da condenação. Suspensa a exigibilidade em
razão da gratuidade de justiça ora deferida, já que a
empresa encontra-se com o seu patrimônio todo
bloqueado.’’
Mauro Londero Hoffmann opôs embargos de declaração (fls.
455/457) quanto ao ponto da sentença que lhe imputa a qualidade de
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Cessionário das quotas, mas ao mesmo tempo reconheceu sua qualidade de
sócio da empresa. Referiu, assim, que a figura de sócio é adversativa à figura de
cessionário, devendo ser a questão esclarecida pelo Juízo. Os embargos
declaratórios foram recebidos e desacolhidos (fl. 184).
A parte autora interpôs recurso de apelação (fls. 458/465). Em
suas razões, sustentou que não se pode alegar que a tragédia da Boate Kiss foi
causada exclusivamente pelo fogo de artifício utilizado no interior da boate, pois
se tivessem sido realizadas as fiscalizações pelo Município e Estado a tragédia
não resultaria em tantas mortes. Em relação ao montante indenizatório fixado,
referiu que é insuficiente para reparar os abalos que terão reflexos durante toda
a vida da apelante. Postulou o provimento do apelo, para que sejam condenados
solidariamente os dois entes públicos réus, bem como seja majorado o valor
fixado à título de indenização por danos morais.
O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apresentou suas
contrarrazões ao recurso de apelação (fls. 485/506).
Mauro Londero Hoffmann apresentou recurso de apelação, em
nome próprio (fls. 508/524). Em suas razões recursais, alegou que o contrato
de cessão de cotas nunca teve força geradora de responsabilidade ao
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cessionário ora apelante, uma vez que o termo inicial do ônus social dos sócios
se dá a partir da averbação do contrato de cessão perante a junta comercial.
Trata-se então da sua ilegitimidade passiva, não podendo haver o alcance de seu
patrimônio. Impugnou, por fim, o valor a que foi condenado ao pagamento
solidariamente a título de danos morais.
A parte autora apresentou contrarrazões ao recurso de apelação
(fls. 526/531).
Vieram-me os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA (RELATORA)
Desde sua inauguração, em julho/2009, até a data do incêndio
(27.01.2013), que consumiu mais de duas centenas de vidas, a Boate Kiss, por
longos períodos, inclusive no dia da tragédia anunciada, funcionou normalmente,
promovendo shows de bandas e festas, sempre de forma irregular, por falta de
licença de operação ambiental, ou de alvará sanitário, alvará de prevenção de
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incêndio expedido pelo Corpo de Bombeiros com destacamento na cidade de
Santa Maria, ou por ausência de alvará de localização.
A Lei Municipal 330/1991, que dispõe sobre normas de
prevenção e proteção contra incêndios, em seu art. 2º rege que no Município de
Santa Maria compete à Prefeitura, através do 4º Grupamento de Incêndio,
estudar, analisar, exigir e fiscalizar todo o Sistema de Prevenção e Proteção
Contra Incêndio. A qualquer tempo, a Prefeitura Municipal poderá determinar
vistorias com objetivo de fiscalizar as instalações preventivas contra incêndios
(§1º). Na função fiscalizadora poderá vistoriar qualquer imóvel, estabelecimento
ou documentos relacionados com a segurança contra incêndios (§2º).
O Decreto Executivo 32/2009 regula a expedição de alvarás de
localização e sanitário, licenças ambientais e registro no serviço de inspeção
municipal (SIM) a autônomos, estabelecimentos comerciais e industriais,
empresas de prestação de serviços e de entidades associativas. No §1º do art. 3º
dispõe que o alvará de localização tem o fim específico de autorizar o tipo de
atividade do estabelecimento do local e é o primeiro a ser concedido, sendo que
as demais licenças ficam a ele vinculadas. Para sua obtenção, boates, danceterias,
clubes sociais, casas de show, estabelecimentos com música ao vivo ou mecânica
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e similares que reúnam expressiva quantidade de pessoas, devem apresentar
estudo de impacto de vizinhança, laudo técnico de isolamento, licença ambiental,
alvará sanitário e alvará de prevenção e proteção contra incêndio (art. 11º, §§2º e
3º - Quadro II – Lista de atividades sujeitas a exigências prévias e especiais). O
exercício da atividade sem as licenças necessárias sujeita o estabelecimento ao
fechamento pelo órgão fiscalizador (ar. 16º), à cassação do alvará de localização
e imediata cessação da atividade desenvolvida, até a regularização e expedição
de nova licença (art. 17, §3º). O Alvará de localização deverá ser cassado, dentre
outras hipóteses, caso haja informação restritiva do corpo de Bombeiros da
Brigada Militar ao estabelecimento ou atividade licenciada pelo Poder Público
Municipal e solicitação do referido órgão para que as atividades sejam
suspensas.
Em caráter geral, a Lei Estadual 987/97 determina que o Corpo de
Bombeiros, nos município em que possua destacamento, realizará inspeção anual
nos prédios considerados de riscos grande e médio, e a cada dois anos nos
prédios considerados de risco pequeno (art. 1º, §1º), Aquele que não apresentar
plano de prevenção e proteção contra incêndio, descumprir os prazos
assinalados para instalação dos itens de segurança necessários ou instalá-los em
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desconformidade com as especificações oficiais, fica sujeito às sanções de
advertência, multa e interdição (art. 2º, caput). Os prédios que oferecerem risco
de vida aos seus usuários ou transeuntes, por apresentarem elevada
probabilidade de incêndio ou desabamento, ou aqueles tornados perigosos pela
ausência de itens mínimos de segurança contra incêndios poderão ter sua
evacuação ou interdição determinada pelo Corpo de Bombeiros (art. 5º)
O Decreto Estadual 37380/97 define os requisitos mínimos
exigidos nas edificações e nos exercícios de atividades profissionais (excetuadas
as unidades unifamiliares, estabelecendo especificações para segurança contra
incêndios no Estado do RGS (arts. 2ª e 3º). O exame dos planos e inspeções dos
sistemas de prevenção de incêndios em prédios serão feitos pela Brigada Militar,
por meio do Corpo de Bombeiros. Também é de competência do Corpo de
Bombeiros, a qualquer tempo, planejar, analisar, estudar, aprovar, vistoriar e
fiscalizar todas as atividades, instalações e equipamentos de prevenção e
proteção contra incêndios e outros sinistros em todo o território do Estado (art.
3º). A solicitação é feita pelo proprietário, sendo expedido laudo numerado de
correção ou liberação. A classificação de risco de incêndio segue as normas do
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Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Não sendo encontrada a classificação
específica, a tarefa caberá ao Corpo de Bombeiros.
Foram trazidos ao processo copia do inquérito policial instaurado a
requerimento do MP, para verificar se o Prefeito à época, Cezar Shirmer, incorreu
em conduta típica de improbidade administrativa, que foi arquivado sem
indiciamento (2º volume do processo).
Mas ainda no 1º Volume ( a partir da fl. 69) e parte do 2º Volume
(até fl.233), juntou o Estado cópia do Relatório Final do Inquérito Policial Militar
(IPM), instaurado pela Portaria Nº 1115/PM/2013, de 28.01.2013, com a
finalidade de apurar imputações de falhas do Corpo de Bombeiros na
fiscalização do funcionamento da boate e da condutas dos policiais militares que
atenderam a ocorrência, no que tange ao isolamento do local, combate ao
incêndio e socorro às vítimas. Para tanto, foram criadas Comissão de Perícia do
Incêndio e Comissão de Auditoria, que enfrentaram alguns entraves na reunião
dos elementos a serem investigado.
Foram solicitadas cópias de requisições do MP, em face do
Inquérito Civil Público sobre a poluição sonora causada pela boate, bem como
as irregularidades do estabelecimento frente ao Corpo de Bombeiros e Prefeitura
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Municipal (cópia do processo administrativo que culminou na concessão de
alvará de localização, antecedida de requerimento de prorrogação de prazo para
inspeção, por alteração da parte elétrica do prédio).
Vejamos a cronologia dos fatos:
A Boate Kiss foi inaugurada em 31.07.2009, mesmo tendo expirado
o prazo de validade do alvará de proteção e prevenção de incêndio expedido
pelo Corpo de Bombeiros. Nova vistoria só ocorreu em 28.08.2009, com a
emissão no mês seguinte do primeiro alvará, que também expirou, continuando
a boate a funcionar até 08.08.2010, na mais pura negligência e ilegalidade. Em
08.11.2010, os proprietários foram notificados a apresentar o certificado de
treinamento do pessoal para a situação de possível acidente, que jamais foi
entregue. No mês de fevereiro/2011, os donos solicitaram vistoria do Corpo de
Bombeiros, que ocorreu em 11.04.2011, em relação aos extintores, iluminação,
saídas e mangueira de gás, manutenção das portas e desobstrução das saídas.
Em nova inspeção em 25.07.2011, o sargento responsável atestou o
cumprimento das exigências anteriores. O alvará só não foi emitido por falta de
pagamento da taxa de inspeção. Paga a taxa, em uma terceira inspeção, no dia
11.08.2001, com tudo regular, foi expedido novo alvará com validade até
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11.08.2012. Notificados os proprietários do vencimento do prazo, dias após
pagaram nova taxa, o imóvel foi vistoriado, sendo que extintores estavam em
perfeitas condições. Porém, no Relatório de Investigação de Sinistros 01/2013,
elaborado pela Comissão nomeada para o Inquérito, constatou que os extintores
não funcionavam e a última recarga se deu em 10/2012, havendo provas de que
o sócio Elissandro Spohr, por questão de estética, retirava os extintores.
Os proprietários da boate foram notificados em 03.12.2012 acerca
do vencimento do alvará de prevenção e proteção a incêndio no dia 11.11.2012,
com advertência e possível aplicação de multa. Não obstante isso, o pagamento
da taxa de inspeção só foi efetuada em 17.10.2012. Porém, a inspeção não
chegou a ser realizada porque, devido ao excesso de demanda, o requerimento
entrou em fila de espera de 1036 requerimento, na posição nº 541. Para
instrução do Inquérito Civil, também instaurado pelo MP, houve requisição do
Promotor de Justiça da comarca de informações das pendências verificadas na
inspeção de 11.04.2011, relativas aos extintores de incêndio, iluminação de
emergência, saídas de emergência e mangueira de gás.
Tramitava simultaneamente outro inquérito Civil Público que
investigava a ocorrência de poluição sonora, tendo sido requisitadas informações
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em 06.09.2011. Relatório de medição de pressão sonora elaborado pela 1ª
Companhia do 2ª Batalhão de Polícia Ambiental concluiu que os níveis de
pressão sonora não atendiam às legislações vigentes, restando caracterizada a
poluição sonora. Em Temo de Ajustamento de Condutas firmado com o MP e a
proprietária da boate, fixou-se prazo para contratação e elaboração de projeto
de isolamento acústico por profissional habilitado. O alvará de localização
originalmente expedido autorizou a boate a dar início à sua atividade em
14.04.2010, anteriormente ao alvará de prevenção e proteção contra incêndio
expedido em 11.08.2011. Fisicamente, o prédio era dividido em duas partes: Uma
destinada à boate, que funcionava de segunda-feira a sábado; outra, ao PUB,
com isolamento acústico feito com gesso e lã de vidro.
Os proprietários da boate apresentaram petição, requerendo
alterações de cláusulas do Temo de Ajuste, bem como descrições dos serviços a
serem projetados e requerimento de prorrogação do prazo de execução. Na
planta-baixa entregue não constam os guarda-copos de entrada (transversal) e
lateral, á esquerda de quem entra (instalados em outubro/2011). – de separação
das pistas 1 e 2 e margeamento do salão central. A casa possuía duas portas de
entrada, ao invés de três, e o palco instalado após no fundo, à esquerda.
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No memorial descritivo das correções que deveriam ser realizada,
apresentado em 19.12.2011, e que foi executado, segundo engenheiro
responsável até fevereiro/2012 o palco foi levado para o fundo da boate e
levantado e as paredes de alvenaria atrás do palco foram levantada com altura
de 1,50m para facilitar o escoamento de saída do salão. Secretários de diligência
do MP estiveram no estabelecimento e contataram a mudança do palco, o
rebaixamento do teto em gesso, duplagem da parede contígua ao prédio
vizinho. Em que pese a vizinhança não ter sentido melhora no isolamento
acústico, após consulta à Companhia Ambiental da cidade, o acordo foi dado
por cumprido. Com o incêndio, o procedimento perdeu objeto.
Faz menção o Relatório de inúmeras manifestações da CTPI
referentes aos dois processos de concessão de alvarás em 2009 e 2011 à Boate
Kiss: 1ª impossibilidade de interdição da casa, pois não se tratava o prédio com
elevada probabilidade de incêndio ou desabamento, pela ausência de itens
mínimos de segurança; 2º a não concessão de alvará no ano de 2012 esbarrava
na incapacidade material do Corpo de Bombeiros de realizar a inspeção do local
por falta de efetivo; 3º os extintores de incêndio estavam, em tese em ordem,
carregado, conforme nota fiscal de 19.10.2012 apresentada; 4º porém,
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permaneciam obstáculos físicos em desacordo com a NBBR 9077, posicionados
incorretamente, prejudicando a utilização das saídas; 5º o revestimento acústico
(material tóxico) foi alterado após a inspeção de 2011, assim como layout não
foram comunicadas ao Corpo de Bombeiro, mudando as condições de segurança
contra incêndios, agravando o risco; 6º estimativa de público de 691 para
463m² e o número de portas de saída estavam adequados; o uso de artefato
pirotécnico em ambiente fechado foi uma das causas do incêndio, levando em
conta a superlotação e os obstáculos às duas portas de saída; 7º também a ação
dos seguranças, bloqueando as portas, retardou a evacuação.
Também o CREA verificou que a iluminação na boate era
ineficiente, a sinalização deveria ser abundante e fixada no teto, paredes e piso,
tanto que no dia do fato, os freqüentadores dirigiam-se às saídas, mas a fumaça
tóxica e o guarda-copos transversal foram obstáculos intransponíveis. No
Inquérito Policial Militar, protege-se o Corpo de Bombeiros, alegando que as
alterações posteriores à última vistoria, por si só, invalidariam o alvará expedido
em 2009, constando tal advertência no documento.
Porém, a falha do Município em autorizar e mesmo fazer vistas
grossas ao funcionamento da boate que funcionava diariamente sem qualquer
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segurança aos usuários, quando era sua a obrigação, pelo poder de polícia que
detém, de permanecer vigilante. A boate era alvo de constantes reclamações de
proprietários próximos pela falta de isolamento acústico eficiente. Estava em
constante dívida com o Município no que tange às licenças necessárias à
expedição do alvará de localização. E agindo de forma coordenada com o Corpo
de Bombeiro, sabia, ou deveria saber de que colocava para dentro do precário
ambiente centenas de pessoas sem ao menos ter alvará válido do Corpo de
Bombeiros quanto ao cumprimento das normas de proteção e prevenção de
incêndio.
Por sua vez, o Corpo de Bombeiros, braço do Estado, agiu de
forma leniente, burocrática, na fiscalização do procedimento de adequação da
boate às regraS de segurança, pondo o expediente em uma fila de espera de
mais de 1000 requerimentos, desconsiderando o fato de que a maior vigilância
era necessária, dado o número de vidas que diariamente freqüentavam o local. A
cidade é de pequeno porte e população considerável de universitários, que se
mantém mais ou menos constante. Tratam-se de jovens e adolescentes que
estudam, mas procuram diversão. É de conhecimento público que a Boate Kiss
era a casa noturna que angariava maior público e que promovia festas com
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bandas atrativas, como a Banda Gurizada Fandangueira que apelava para a
pirotecnia, no caso, uso de artefato Sputnik, que lança faíscas de fogo que
chegam a 4m de altura e que jamais poderia ser usado em ambiente fechado.
Lógico que a causa direta do incêndio foi o uso do artefato pela
banda e a combustão gerada a partir da espuma altamente tóxica instalada na
forração da casa. A precária iluminação aliada à fumaça tóxica desnorteava os
jovens à procura de rotas de fuga, que, em verdade, restringia-se à porta de
entrada da boate, falta de extintores para a situação, pior, extintores sem
condições de funcionamento, instalação de obstáculos no meio do caminho e
bloqueio inicial dos seguranças, até que percebessem o incêndio iniciado no
fundo, junto ao palco.
A casa noturna, aqui nos autos, representada por Mauro Londero
Hoffman, o que foi reconhecido antes da sentença, não há qualquer discussão
quanto à sua responsabilidade, por irresponsabilidade e negligência dos sócios,
em face do evento.
De forma indireta, por omissão e leniência, quando tinham o dever
de agir e fiscalizar, tanto do Município, como do Estado, contribuiu em muito o
agir ilícito dos proprietários da casa noturna, descaso completo, que eliminou de
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forma estúpida as vidas de mais de duzentos jovens, causou lesões permanentes,
em grande parte, pela inalação do gás tóxico em dezenas de outros. A autora foi
uma vítima sobrevivente.
A sentença refere que Alessandra recebeu tratamento psicológico
custeado pelo Estado. Não há prescrição médica para continuidade do
acompanhamento, não deixando de reconhecer que viveu o inferno e presenciou
a trágica morte de colegas e amigos. Por isso, a indenização por dano moral é
mais do que devida.
O valor indenizatório fixado na sentença (R$ 20.00,00) não se
mostra inexpressivo, inclusive guarda coerência com indenizações já deferidas
em ação aforada por pais de outra vítima fatal.
Posto isso, voto pelo não provimento do recurso da ré, e
parcial provimento ao recurso da autora, para condenar também o Município
de Santa Maria e o Estado do Rio Grande do Sul, de forma solidária com a
empresa, ao pagamento da indenização fixada pela sentença de primeiro
grau. Custas e honorários advocatícios na totalidade pelos réus, que
aumento em 20% sobre o valor da condenação em face ao trabalho
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desenvolvido em sede recursal pelo patrono da demandante (art. 85, §§ 2º e
11º, do CPC).
DES. LÉO ROMI PILAU JÚNIOR
Acompanho a em. Relatora no caso concreto, quanto ao resultado
adotado, pelos fundamentos que alinho, no que toca à responsabilidade dos
entes públicos.
Ao que se colhe do exame dos autos, a presente demanda está
alicerçada nos eventos que circundaram a madrugada de 27 de janeiro de 2013,
marco da tragédia de imensurável magnitude que vitimou jovens na Boate Kiss,
localizada em Santa Maria.
Primeiramente, sinala-se que o sistema jurídico brasileiro adota a
responsabilidade objetiva do Estado lato sensu e das prestadoras de serviço
público sob a forma da Teoria do Risco Administrativo, com base no art. 37, §6º,
da CF1. Contudo, nos casos de omissão genérica, a responsabilidade do Estado
1 Art. 37, § 6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
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(e do Município, in casu) passa a ser subjetiva, ou seja, depende da existência de
dolo ou culpa por parte do agente causador do dano.
Oportuna a lição de Carlos Roberto Gonçalves sobre omissão do
Estado2:
A omissão “configura a culpa ‘in omittendo’ e a culpa ‘in vigilando’. São casos de ‘inércia’, casos de ‘não atos’. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por ‘inércia’ ou ‘incúria’ do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o ‘bonus pater familiae’, nem como o ‘bonus administrator’. Foi negligente, às vezes imprudente e até imperito. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito, se não previu as possibilidades da concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à ideia de inação, física ou mental”
Bem como, no tocante à omissão genérica, cito doutrina
pertinente3:
2 GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil, vol. 4, 7º Ed., SP:
Editora Saraiva, 2012, p. 140.
3 CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de Responsabilidade Civil, 10ª ed., rev. e amp. SP: Atlas, 2012,
p. 268-289.
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“Em contrapartida, a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em
que não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando
a Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por
exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua
omissão concorre para o resultado, caso em que deve prevalecer o
princípio da responsabilidade subjetiva.
(...)
Como se vê, na omissão genérica, que faz emergir a
responsabilidade subjetiva da Administração, a inação do Estado,
embora não se apresente como causa direta e imediata do dano,
entretanto concorre para ele, razão pela qual deve o lesado provar
que a falta do serviço (culpa anônima) concorreu para o dano, que
se houvesse uma conduta positiva praticada pelo Poder Público o
dano poderia não ter ocorrido.
Conforme introduzido, a caracterização da responsabilidade do
Poder Público, no caso dos autos, depende, além da conjugação dos requisitos
elementares da responsabilidade civil, da perquirição acerca da existência de
culpa dos entes públicos.
Partindo-se dessa premissa, após análise minuciosa do caderno
processual, além de se atentar, por evidente, à legislação estadual e municipal
vigente quando da ocorrência dos fatos declinados, conclui-se que resta
suficientemente verificada conduta culposa dos réus. Acerca da questão, por
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oportuno, trago os seguintes julgados, a fim de elucidar o entendimento ora
esposado:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
RESPONSABILIDADE CIVIL. PROGRAMA HABITACIONAL "MINHA
CASA, MINHA VIDA". AUSÊNCIA DE APROVAÇÃO DE
FINANCIAMENTO HABITACIONAL PELA CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL. NÃO IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO HABITACIONAL
PELO MUNICÍPIO. OMISSÃO GENÉRICA. RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE PROVA DA CULPA DO MUNICÍPIO.
DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. I. Nos termos do art. 14, do
CPC/2015, a norma processual não retroagirá, respeitados os atos
processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a
vigência da norma revogada. Dessa forma, aplicam-se as
disposições constantes do CPC/1973, em vigor quando do
ajuizamento da ação, da prolação da sentença e da interposição
do presente recurso. II. Preliminar. Nulidade da sentença. Conexão.
Nos termos do art. 103, do CPC/1973, reputam-se conexas duas
ou mais ações quando Ihes for comum o objeto ou a causa de
pedir. Todavia, no caso concreto, não há falar em conexão do
presente feito com o processo nº 028/1.11.0007958-7, uma vez
que aquela demanda foi interposta por terceira pessoa, alheia à
presente lide, não havendo a possibilidade de ocorrer decisões
conflitantes. Preliminar rejeitada. III. Preliminar. Ilegitimidade
passiva. É de ser afastada a referida preliminar, pois o Município
de Santa Rosa foi o responsável pela divulgação e implementação
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do programa "Minha Casa Minha Vida", tendo inclusive convocado
os interessados que possuíam terreno para darem
encaminhamento à documentação que se fazia necessária para a
realização do projeto. Preliminar rejeitada. IV. Mérito. A
responsabilidade dos entes da administração pública, em regra, é
objetiva, ou seja, independe de culpa, bastando a comprovação do
prejuízo e do nexo de causalidade entre a ação (comissiva ou
omissiva) e o dano. Inteligência do art. 37, § 6°, da Constituição
Federal. No entanto, há situações que ensejam a verificação da
culpa para se configurar a responsabilidade civil do Estado. V.
Quando se trata de danos causados por omissão, é imperioso
distinguir a omissão específica da omissão genérica. A omissão é
específica quando o Estado, diante de um fato lesivo, tinha a
obrigação de evitar o dano, sendo objetiva a responsabilidade. É
genérica quando o Estado tinha o dever legal de agir, mas, por
falta do serviço, não impede eventual dano ao seu
administrado, razão pela qual, a responsabilidade é subjetiva,
havendo necessidade de prova da culpa. VI. No caso, o autor
postula indenização por danos morais em virtude da frustração
gerada pela não-implementação do projeto habitacional "Minha
Casa Minha Vida" pelo Município, no qual haviam sido
selecionadas 49 pessoas para participar do programa. VII.
Entretanto, não há falar em quebra de expectativa ou mesmo de
rescisão de contrato, uma vez que a documentação enviada pelos
interessados no referido projeto habitacional nem sequer chegou a
ser aprovada pe vista a existência de muitos terrenos em nome de
terceiros, o que geraria alto risco ao empreendimento. VIII.
Ademais, o ente público agiu no exercício regular de direito, não
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podendo ser responsabilizado pela negativa de crédito, pois ínsita
a qualquer tipo de negociação imobiloiária. Ademais, são notórios
os entraves e a demora na aprovação de projetos desse porte, e a
simples frustração da expectativa do autor, desatrelada da prova
de qualquer prejuízo, não é passível, por si só, de indenização por
danos morais. IX. Prequestionamento. O Órgão Colegiado não está
obrigado a enfrentar todos os argumentos e dispositivos legais
suscitados pelas partes, mas a analisar fundamentadamente a
matéria devolvida pelo no recurso. X. Redimensionamento da
sucumbência, considerando o integral decaimento da parte autora,
nos termos do art. 20, § 3º e 4º, do CPC/1973. PRELIMINARES
REJEITADAS. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº
70066496845, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 31/08/2016) –
grifei.
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZATÓRIA POR
DANOS MATERIAIS. QUEDA DE ÁRVORE EM VIA PÚBLICA SOBRE
VEÍCULO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. OMISSÃO GENÉRICA. CASO
CONCRETO NO QUAL NÃO SE PODE PRESUMIR A NEGLIGÊNCIA
DO MUNICÍPIO. - Falha do serviço (faute du service). Embora a
regra seja a responsabilidade objetiva (art. 37, §6º, CF/88),
quando se cuida de responsabilidade por omissão estatal,
incide a responsabilidade subjetiva, com aferição de culpa.
Precedentes das Cortes Superiores. Em situações assim, deve-se
perquirir se era ou não de se esperar a atuação do Estado, se
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havia ou não o dever de agir; pois, do contrário, se corre o risco
de, na perspectiva da socialização dos prejuízos, elevar o ente
público ao patamar de um segurador universal. - Caso concreto.
Árvore em via pública aberta que caiu após episódios de ventos e
chuvas. Hipótese na qual não há como exigir da municipalidade
que exerça uma fiscalização constante nas condições fitossanitárias
de todas as vegetações que a guarnecem, sob pena de se exigir
vigilância irrestrita e absoluta do Estado sobre bens, em especial
porque não houve situação de omissão específica como, por
exemplo, requerimento de vistoria ou poda desatendido
administrativamente ou estar a árvore localizada dentro de um
parque, o que pela sua utilização permite exigir um cuidado maior.
Assim, não configurada a culpa, ausente o dever de indenizar.
APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº
70065063000, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 26/08/2015) – grifei.
Os nuances do atuar dos agentes públicos, os quais conduzem à
cognição de constatação de culpa, sobrelevam-se, em especial, quando
analisadas as circunstâncias que circundaram o funcionamento da casa noturna,
bem como os seus desdobramentos.
Nesse sentido, o agir irregular dos réus, mormente no que toca à
ausência de fiscalização do estabelecimento, restou, deveras, demonstrado no
desenvolver dos autos, conforme se infere da análise dos documentos carreados
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pelas partes. Diante de tal, in casu, a irregularidade da boate importa, por
evidente, falha no dever de fiscalização dos agentes públicos, ao não se prezar
pela efetivação da adequação da casa noturna. Merece enfoque o fato de que o
encargo legalmente imposto à Administração Pública, qual seja, de fiscalização,
não cessa quando da concessão do alvará. Agir repressiva e preventivamente,
mediante a fiscalização contínua do estabelecimento, exigindo-se a sua
conformidade com a legislação, consistia (e consiste) no dever legal dos
requeridos – conforme a legislação vigente na época da materialização dos
eventos – e que não se verificou na hipótese.
Quanto ao mais, no plano fático, o atuar dos requeridos (ou não-
atuar, no caso), consideradas as peculiaridades acima delineadas, claramente
influiu para a consubstanciação do dano na hipótese.
Ora, não há como se ignorar que a irregularidade na conduta dos
réus é, com efeito, revestida de relevância jurídica, em especial por conduzir o
processo causal para a ocorrência dos fatos, mediante a ausência de fiscalização
retratada.
Com isso em mente, depreende-se que, em que pese a existência
de uma causa imediata para a ocorrência material do incêndio e para a eclosão
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dos conhecidos e lastimáveis episódios, a falha na fiscalização compõe, de fato, a
cadeia causal, afastando-se, por conseguinte, a caracterização de culpa exclusiva
de terceiro.
Vale lembrar que, para a doutrina: “O nexo causal é o liame que
une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que
se conclui quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A
responsabilidade objetiva dispensa culpa, mas nunca dispensará o nexo causal.
Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o
ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida”. 4
Por oportuno, atente-se ao seguinte julgado:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INCÊNDIO EM
CASA DE ESPETÁCULO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.
INEXISTÊNCIA.
RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO. CARACTERIZAÇÃO.
SÚMULA 7 DO STJ.
CUMULAÇAO DE DANOS MORAIS E ESTÉTICOS E REDUÇÃO DO
VALOR DA INDENIZAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: v.4, responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas,
2010. pag. 56.
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(...)
3. No caso, o acórdão assegura, com base nos elementos
probatórios coligidos aos autos, que o Município de Belo
Horizonte, embora conhecedor das irregularidades que ocorriam
na casa de espetáculos onde ocorreu incêndio durante um show,
com resultados fatais, não agiu com o dever legal de fiscalizar o
estabelecimento, a fim de impedir ou minimizar o evento danoso.
4. Desse modo, tem-se a presença do dano (incêndio), para o
qual concorreram as falhas da Administração municipal (nexo
de causalidade) na fiscalização das condições do local onde
ocorreu a tragédia (omissão no cumprimento de dever legal).
Encontram-se configurados os elementos necessários para o
reconhecimento da responsabilidade omissiva estatal.
5. Para a modificação de tais conclusões, seria necessário o
revolvimento dos elementos fático-probatórios coligidos aos autos,
medida sabidamente vedada em sede de recurso especial nos
termos do disposto na Súmula 7/STJ.
(...)
(REsp 1281555/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 12/11/2014)
Com fundamento nas razões de fato e de direito anteriormente
deduzidas, acompanho a conclusão da em. Relatora.
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DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE)
De acordo com o Eminente Desembargador Ney Wiedemann Neto,
no sentido de manter a sentença e negar provimento aos apelos.
DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO
De acordo com a ilustre Relatora, tendo em vista que as
peculiaridades do caso em análise autorizam a conclusão exarada no voto
quanto ao reconhecimento da responsabilidade dos Entes Públicos no evento
em questão.
No caso em tela assiste razão à parte autora ao imputar ao
Município de Santa Maria e ao Estado do Rio Grande do Sul a responsabilidade
pelos danos ocasionados, tendo em vista ser fato incontroverso da lide, na forma
do artigo 334, do Código de Processo Civil, com correspondência no art. 374 da
novel legislação processual.
Ademais, trata-se de fato público e notório, com repercussão
internacional, o incêndio ocasionado na “Boate Kiss”, no dia 27/01/2013, sendo
que a parte autora estava presente no local, tendo experimentado evidentes
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transtornos e abalos psicológicos causados pela tragédia, bem como tendo
expirado a fumaça tóxica oriunda da combustão da espuma que revestia a
Boate.
Ressalta-se que a presente ação deverá ser analisada sob dois
enfoques, diante da necessidade de aferir a responsabilidade pelas condutas
omissivas e comissivas dos agentes estatais.
Preambularmente, frise-se que a Administração Pública tem
responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, nos termos do § 6º do artigo 37 da Constituição
Federal, o que dispensaria a parte prejudicada de provar a culpa do Poder
Público para que ocorra a reparação, bastando à relação de causalidade entre a
ação ou omissão administrativa e o dano sofrido.
No entanto, o ente público se exonera do dever de indenizar caso
comprove a ausência de nexo causal, ou seja, provar a culpa exclusiva da vítima,
força maior, caso fortuito, ou seja, fato exclusivo de terceiro nesta última
hipótese. Da mesma forma, terá o quantum indenizatório reduzido se comprovar
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culpa concorrente da vítima para o evento danoso. Sobre o tema em foco ensina
o doutrinador Meirelles5 que:
Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora
dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder
público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a
indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o
risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração
deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo
particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada
da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa
total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda
Pública se eximirá integralmente ou parcialmente da indenização.
No mesmo sentido são os ensinamentos de Cavalieri Filho6 ao
lecionar que:
Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da
culpa da administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade
nos casos de exclusão do nexo causal – fato exclusivo da vítima, caso
fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo,
repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade
administrativa, e não pela atividade administrativa de terceiros ou da
própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da natureza, estranhos à sua
atividade. Não significa, portanto, que a Administração deva indenizar
5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 28ª ed.,atual. por Eurico de
Andrade Azevedo e outros. SP: Malheiros, 2003, P. 623. 6 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., rev. e amp. SP:
Atlas, 2007, p. 239.
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sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular. Se o
Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação
de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá
lugar a aplicação da teoria do risco administrativo e, por via de
conseqüência, o Poder público não poderá ser responsabilizado.
No que concerne a cronologia dos fatos, colaciono parte da bem
lançada fundamentação utilizada no voto de lavra da culta Relatora,
Desembargadora Elisa Carpim Correa, a fim de evitar desnecessária tautologia,
consoante o que segue transcrito:
A Boate Kiss foi inaugurada em 31.07.2009, mesmo tendo expirado o
prazo de validade do alvará de proteção e prevenção de incêndio
expedido pelo Corpo de Bombeiros. Nova vistoria só ocorreu em
28.08.2009, com a emissão no mês seguinte do primeiro alvará, que
também expirou, continuando a boate a funcionar até 08.08.2010, na
mais pura negligência e ilegalidade. Em 08.11.2010, os proprietários
foram notificados a apresentar o certificado de treinamento do pessoal
para a situação de possível acidente, que jamais foi entregue. No mês de
fevereiro/2011, os donos solicitaram vistoria do Corpo de Bombeiros, que
ocorreu em 11.04.2011, em relação aos extintores, iluminação, saídas e
mangueira de gás, manutenção das portas e desobstrução das saídas. Em
nova inspeção em 25.07.2011, o sargento responsável atestou o
cumprimento das exigências anteriores. O alvará só não foi emitido por
falta de pagamento da taxa de inspeção. Paga a taxa, em uma terceira
inspeção, no dia 11.08.2001, com tudo regular, foi expedido novo alvará
com validade até 11.08.2012. Notificados os proprietários do vencimento
do prazo, dias após pagaram nova taxa, o imóvel foi vistoriado, sendo
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que extintores estavam em perfeitas condições. Porém, no Relatório de
Investigação de Sinistros 01/2013, elaborado pela Comissão nomeada
para o Inquérito, constatou que os extintores não funcionavam e a última
recarga se deu em 10/2012, havendo provas de que o sócio Elissandro
Spohr, por questão de estética, retirava os extintores.
Os proprietários da boate foram notificados em 03.12.2012 acerca do
vencimento do alvará de prevenção e proteção a incêndio no dia
11.11.2012, com advertência e possível aplicação de multa. Não obstante
isso, o pagamento da taxa de inspeção só foi efetuada em 17.10.2012.
Porém, a inspeção não chegou a ser realizada porque, devido ao excesso
de demanda, o requerimento entrou em fila de espera de 1036
requerimento, na posição nº 541. Para instrução do Inquérito Civil,
também instaurado pelo MP, houve requisição do Promotor de Justiça da
comarca de informações das pendências verificadas na inspeção de
11.04.2011, relativas aos extintores de incêndio, iluminação de
emergência, saídas de emergência e mangueira de gás.
Tramitava simultaneamente outro inquérito Civil Público que investigava
a ocorrência de poluição sonora, tendo sido requisitadas informações em
06.09.2011. Relatório de medição de pressão sonora elaborado pela 1ª
Companhia do 2ª Batalhão de Polícia Ambiental concluiu que os níveis
de pressão sonora não atendiam às legislações vigentes, restando
caracterizada a poluição sonora. Em Temo de Ajustamento de Condutas
firmado com o MP e a proprietária da boate, fixou-se prazo para
contratação e elaboração de projeto de isolamento acústico por
profissional habilitado. O alvará de localização originalmente expedido
autorizou a boate a dar início à sua atividade em 14.04.2010,
anteriormente ao alvará de prevenção e proteção contra incêndio
expedido em 11.08.2011. Fisicamente, o prédio era dividido em duas
partes: Uma destinada à boate, que funcionava de segunda-feira a
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sábado; outra, ao PUB, com isolamento acústico feito com gesso e lã de
vidro.
Os proprietários da boate apresentaram petição, requerendo alterações
de cláusulas do Temo de Ajuste, bem como descrições dos serviços a
serem projetados e requerimento de prorrogação do prazo de execução.
Na planta-baixa entregue não constam os guarda-copos de entrada
(transversal) e lateral, á esquerda de quem entra (instalados em
outubro/2011). – de separação das pistas 1 e 2 e margeamento do salão
central. A casa possuía duas portas de entrada, ao invés de três, e o
palco instalado após no fundo, à esquerda.
No memorial descritivo das correções que deveriam ser realizada,
apresentado em 19.12.2011, e que foi executado, segundo engenheiro
responsável até fevereiro/2012 o palco foi levado para o fundo da boate
e levantado e as paredes de alvenaria atrás do palco foram levantada
com altura de 1,50m para facilitar o escoamento de saída do salão.
Secretários de diligência do MP estiveram no estabelecimento e
contataram a mudança do palco, o rebaixamento do teto em gesso,
duplagem da parede contígua ao prédio vizinho. Em que pese a
vizinhança não ter sentido melhora no isolamento acústico, após consulta
à Companhia Ambiental da cidade, o acordo foi dado por cumprido.
Com o incêndio, o procedimento perdeu objeto.
Faz menção o Relatório de inúmeras manifestações da CTPI referentes
aos dois processos de concessão de alvarás em 2009 e 2011 à Boate Kiss:
1ª impossibilidade de interdição da casa, pois não se tratava o prédio
com elevada probabilidade de incêndio ou desabamento, pela ausência
de itens mínimos de segurança; 2º a não concessão de alvará no ano de
2012 esbarrava na incapacidade material do Corpo de Bombeiros de
realizar a inspeção do local por falta de efetivo; 3º os extintores de
incêndio estavam, em tese em ordem, carregado, conforme nota fiscal de
19.10.2012 apresentada; 4º porém, permaneciam obstáculos físicos em
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desacordo com a NBBR 9077, posicionados incorretamente, prejudicando
a utilização das saídas; 5º o revestimento acústico (material tóxico) foi
alterado após a inspeção de 2011, assim como layout não foram
comunicadas ao Corpo de Bombeiro, mudando as condições de
segurança contra incêndios, agravando o risco; 6º estimativa de público
de 691 para 463m² e o número de portas de saída estavam adequados; o
uso de artefato pirotécnico em ambiente fechado foi uma das causas do
incêndio, levando em conta a superlotação e os obstáculos às duas
portas de saída; 7º também a ação dos seguranças, bloqueando as
portas, retardou a evacuação.
Também o CREA verificou que a iluminação na boate era ineficiente, a
sinalização deveria ser abundante e fixada no teto, paredes e piso, tanto
que no dia do fato, os freqüentadores dirigiam-se às saídas, mas a
fumaça tóxica e o guarda-copos transversal foram obstáculos
intransponíveis. No Inquérito Policial Militar, protege-se o Corpo de
Bombeiros, alegando que as alterações posteriores à última vistoria, por
si só, invalidariam o alvará expedido em 2009, constando tal advertência
no documento.
No que tange as condutas comissivas dos agentes, salienta-se que
foram expedidos alvarás de localização sem as condições necessárias para a
segurança do público, apesar de o alvará do Corpo de Bombeiros estar expirado
(expirado o Alvará de Prevenção e Proteção contra Incêndio em 10/08/12) e de o
projeto arquitetônico do local não estar aprovado.
Nesse sentido, quanto às normas de prevenção e proteção contra
incêndios, a Lei Municipal nº 3301/91, dispõe de forma expressa em seus artigos
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os requisitos indispensáveis para a prevenção nos prédios e estabelecimentos do
Município de Santa Maria, considerando, principalmente, a segurança das
pessoas, que seguem transcritos:
Art. 10 – É obrigatória a iluminação de emergência nas escadas dos
seguintes tipos de edificações e estabelecimentos.
I – prédios com quatro ou mais pavimentos, com locais de reuniões em
andares superiores ou térreo, tais com: salas de aula, auditórios,
restaurantes e assemelhados;
II – prédios de escritórios, repartições públicas, bancos, consultórios e
assemelhados, com altura superior a 12 (doze) metros entre a soleira de
entrada e o piso do último pavimento;
III – prédios residenciais com altura superior a 15 (quinze) metros entre a
soleira de entrada e o piso do último pavimento;
IV – prédios de ocupação mista, com altura superior a 15 (quinze) metros
entre a soleira de entrada e o piso do último pavimento ou com área
superior a 300 m2 (três mil metros quadrado).
Art. 11 – Os prédios de uso não residencial com mais de dois
pavimentos ou mais de 750 m2 (setecentos e cinqüenta metros
quadrados) e de acesso ao público, deverão ter estes pavimentos ou
área, dotados de iluminação de emergência que deverá ser executada de
acordo com as exigências da Norma da ABNT, que regula a matéria.
[...]
Art. 14 – A sinalização de saída deverá obedecer o que prescreve a NBR-
9077.
[...]
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Art. 17 – É vedado o emprego de material de fácil combustão e/ou que
desprenda gases tóxicos em caso de incêndio, em divisórias,
revestimento e acabamentos seguintes:
I – estabelecimentos de reunião de público, cinemas, teatros, boates e
assemelhados;
[...]
§2º - As paredes resistentes ao fogo deverão ultrapassar em 50
(cinqüenta) centímetros os telhados ou coberturas que dividem.
§3º - O afastamento frontal entre aberturas de setores e compartimentos
será de três metros e, de um metro e quarenta centímetros entre
abertura situada no mesmo alinhamento, em lados opostos da parede
resistente ao fogo.
Neste último caso, será dispensado o afastamento quando houver aba
perpendicular ao plano das aberturas com cinqüenta centímetros.
Já quanto à emissão/suspensão de alvará, a Lei Orgânica Municipal
em seu artigo 9º, dispõe que competem ao Município de Santa Maria as
seguintes atribuições, consoante o que segue:
Art. 9º - Compete ao Município, no exercício de sua autonomia, dentre
outras, as seguintes atribuições:
XVIII - Conceder e cassar os alvarás de licença dos estabelecimentos que,
por suas atividades, se tornarem danosos à saúde, à higiene, ao sossego,
à segurança, ao meio ambiente, ao bem-estar público ou aos bons
costumes;
[...]
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XXXIX - Licenciar para funcionamento os estabelecimentos comerciais,
industrial, de serviços e similares, mediante a expedição de alvará de
localização;
XL - Suspender ou caçar o alvará de localização de estabelecimento que
infringir dispositivos legais;
Ainda sobre o tema, o Decreto Executivo 32/2009 regula a
expedição de licenciamento municipal referente aos Alvarás de Localização,
dispondo o que segue:
Art. 3º. Para autônomos e estabelecimentos comerciais, industriais, de
prestação de serviço ou entidades associativas é de competência do
Município a expedição:
I.Do Alvará de Localização;
[...]
§ 1º. O Alvará de Localização tem o fim específico de autorizar o tipo de
atividade do estabelecimento no local e será o primeiro a ser emitido,
sendo que as demais licenças municipais devem ficar vinculadas a este.
[...]
Art. 11. Para requerer a inscrição municipal e licenças próprias, bem
como o registro das alterações, o requerente dará abertura de processo
único no Protocolo Geral do Município.
§ 1º. O procedimento inicial é a apresentação do formulário padrão,
adotado na municipalidade (FID 1), que é parte integrante, anexa, deste
decreto (ANEXO 01 = FID 1), acompanhada dos documentos necessários,
de acordo com o processo, conforme Quadro I – DO PROCESSO E DA
DOCUMENTAÇÃO, abaixo.
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§ 2º. Atendidas as exigências legais e apresentados os documentos
conforme o quadro I, ocorrerá a expedição do Alvará de Localização.
§ 3º. O disposto no parágrafo anterior não se aplica a estabelecimentos e
atividade previstas no Quadro II – LISTA DE ATIVIDADES SUJEITAS A
EXIGENCIAS PRÉVIAS E ESPECIAIS, para os quais, obrigatoriamente,
serão necessários os licenciamentos prévios para a expedição do
alvará de localização, conforme previsto no próprio Quadro II, de
acordo com a atividade.
De acordo com o quadro7 II mencionado, verifica-se que no caso
dos autos existiam exigências prévias e especiais para a expedição de alvará de
localização, sendo que para boates, danceterias, casas de show e
estabelecimentos com música ao vivo (dentre outros), que reúnam expressiva
quantidade de pessoas é necessário, ainda: estudo de impacto de vizinhança,
laudo técnico de isolamento acústico, licenças ambientais, alvará sanitário e
alvará de prevenção e proteção contra incêndio.
Deste modo, verifica-se que os agentes municipais agiram em
desacordo com a legislação local, com a expedição de alvará de localização sem
as condições necessárias para a segurança do público, apesar de o alvará do
Corpo de Bombeiros estar expirado e de o projeto arquitetônico do local não
estar aprovado, restando evidente a conduta ilícita praticada pelos agentes.
7 Disponível em: < https://www.santamaria.rs.gov.br/docs/noticia/2013/02/D27-463.pdf> .
Acesso em: 24 de novembro de 2011.
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Por outro lado, também se faz necessária a análise sobre a
responsabilização subjetiva dos agentes públicos, restando verificar, então, a
ocorrência de conduta culposa pelo ente municipal e estadual para aferir o dever
de indenizar por parte destes.
A esse respeito são as sempre pertinentes lições de Sérgio
Cavalieri Filho8 trazidas à colação a seguir:
Já ficou registrado que a Constituição responsabiliza o Estado
objetivamente apenas pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros. Logo, não o responsabiliza por atos predatórios de
terceiros, como saques em estabelecimentos comerciais, assaltos em via
pública etc., nem por danos decorrentes de fenômenos da Natureza,
como enchentes ocasionadas por chuvas torrenciais, inundações,
deslizamento de encostas, desabamentos etc., simplesmente porque tais
eventos não são causados por agentes do Estado. (...) Trata-se de fatos
estranhos à atividade administrativa, em relação aos quais não guarda
nenhum nexo de causalidade, razão pela qual não lhes é aplicável o
princípio constitucional que consagra a responsabilidade objetiva do
Estado.
A administração só poderá vir a ser responsabilizada por esses danos se
ficar provado que, por sua omissão ou atuação deficiente, concorreu
decisivamente para o evento, deixando de realizar obras que
razoavelmente lhe seriam exigíveis. Nesse caso, todavia, a
responsabilidade estatal será determinada pela teoria da culpa anônima
8 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., rev. e amp. SP:
Atlas, 2007, p. 243/244.
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ou falta do serviço, e não pela objetiva, como corretamente assentado
pela maioria da doutrina e jurisprudência.
Arnaldo Rizzardo9 acrescenta lição relevante a respeito do tema
atinente à responsabilidade civil decorrente de culpa na atuação estatal ao
afirmar que:
Todavia, se não dispõe o Poder Público meio de acorrer ao chamado de
uma providência, como se avisado da iminência de invasão de terras por
hordas de malfeitores; na onda de sucessivos ataques desferidos por
assaltantes em uma região distante e sem condições para a defesa, na
súbita epidemia que acontece em uma localidade sem infra-estrutura
médica. Muito menos assiste a responsabilidade nos danos provenientes
de incêndios, de enchentes, de depredações causadas por revoltas
populares, de assaltos e outros crimes.
A responsabilidade subjetiva dos entes públicos só podem ser
reconhecida quando provada a conduta culposa por seus agentes, contrária aos
ditames legais e ao ordenamento jurídico vigente. Imprescindível, neste caso, a
comprovação da culpa, a este respeito são os ensinamentos de Arnaldo
Rizzardo10 colacionados a seguir:
Todavia, adquire a culpa dimensões mais extensas ou um tanto diferentes
que as comumente conhecidas e exigidas para conceder a indenização
9 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 365/366.
10 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 360.
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de modo geral. Não se trata apenas e propriamente do erro de conduta,
da imprudência, negligencia ou imperícia daquele que atua em nome e
em favor do Estado. Essas maneiras de agir também, e mais
enfaticamente, levam à indenização. No caso da administração pública,
deve-se levar em conta o conceito ou a idéia do que se convencionou
denominar ‘falta do serviço’ (faute du service), ou a ‘culpa do serviço’,
que diz com a falha, a não prestação, a deficiência do serviço, o seu não
funcionamento, ou o mau, o atrasado, o precário funcionamento.
Responde o Estado porque lhe incumbia desempenhar com eficiência a
função. Como não se organizou, ou não se prestou para cumprir a
contento a atividade que lhe cumpria, deixou de se revelar atento,
diligente, incorrendo em uma conduta culposa.
Nesse diapasão é oportuno trazer à baila, ainda, a lição de
Bandeira de Mello11 acerca da responsabilidade subjetiva do Município, que a
seguir se transcreve:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do
Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é
de se aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o
Estado não agiu, não pode, logicamente, se ele o autor do dano. E, se
não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir
o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu o dever
legal que lhe impunha obstar o evento lesivo.
Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o
acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de
11 MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo: Malheiros,
2005, p. 942/944.
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suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a
responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por
comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é
necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita
do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente
de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado
propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).
Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade
subjetiva.
(...)
Em síntese: se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu
ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que
normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria,
negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano
não evitado quando, de direito, deveria sê-lo. Também, não socorre
eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos.
No tange ao tema em discussão, a Constituição Estadual em seu
artigo 1312 prevê expressamente o dever de o Município exercer o poder de
polícia administrativa nas matérias de interesse local, sendo que tinha o dever de
fiscalizar o regular funcionamento da casa noturna em questão.
12 Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do
Estado: I - exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como
proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente,
ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às
leis e regulamentos locais;
ECC
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Igualmente, o Município réu deveria fiscalizar se estavam sendo
cumpridas as exigências quanto às normas de prevenção e proteção contra
incêndios, o que não fez, restando omisso e permitindo que a tragédia em
questão ocorresse e tomasse as proporções que tomou, com mais de duzentos
óbitos de jovens estudantes da cidade.
Nesse sentido, no que tange à omissão do Município quanto às
normas de prevenção e proteção contra incêndios, a Lei Municipal nº 3301/91,
anteriormente mencionada, dispõe de forma expressa em seus artigos acerca da
exigência de fiscalização por parte do Município, que segue transcrita:
Art. 2º - No Município de Santa Maria, compete a Prefeitura Municipal,
através do 4º Grupamento de Incêndio (4º GI), estudar, analisar, exigir e
fiscalizar todo o Sistema de Prevenção e Proteção Contra Incêndio,
conforme o estabelecido nestas normas.
§1º - A Prefeitura Municipal poderá, a qualquer tempo, determinar
vistorias com missão fiscalizadora das instalações preventivas contra
incêndio.
§2º - Os elementos investidos das funções fiscalizadoras poderão
vistoriar qualquer imóvel, estabelecimento ou documentos relacionados
com a segurança contra incêndio.
[...]
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Já a lei Municipal nº 3.916/95, dispõe sobre o poder de polícia
administrativa municipal, cabendo às autoridades competentes zelar pela
observância dos preceitos da lei, prevendo, ainda, as seguintes regras quanto aos
locais de divertimentos públicos, in verbis:
Artigo 01 - Este código dispõe sobre o poder de polícia administrativa de
competência municipal.
Artigo 02 - Cabe às autoridades competentes zelar pela observância dos
preceitos desse Código.
Artigo 31 - Em todas as casas de diversões públicas e similares serão
observadas as seguintes disposições, além das estabelecidas no código
de edificações do município:
[...]
II - As portas e os corredores para o exterior serão amplos e conservar-
se-ão sempre livres de grades, móveis ou quaisquer objetos que possam
dificultar a retirada do público em casos de emergência, obedecendo as
especificações da Norma Brasileira (NBR) 9077.
III - Todas as portas de saídas serão encimadas pela inscrição “saída”,
legível à distância.
IV - Os aparelhos destinados à renovação do ar deverão ser em número
suficiente em relação ao tamanho do ambiente e deverão ser
conservados e mantidos em perfeito funcionamento.
V - Serão tomadas todas as precauções necessárias para evitar incêndios;
para tanto, os extintores de fogo serão obrigatórios e instalados em
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locais visíveis e de fácil acesso, cumprindo exigências da Lei Municipal No
3301/91 e as normas técnicas atinentes.
[...]
Artigo 115 - A licença de localização poderá ser cassada nos seguintes
casos:
II - como medida preventiva, a bem da higiene, da moral ou do
sossego e segurança públicas;
Com relação à responsabilidade do Estado no caso em tela,
salienta-se que a Lei Estadual nº 10.987/97, também estabelece normas sobre
sistemas de prevenção e proteção contra incêndios, consoante a regra inserta
nos artigos 1º, 2º e 5º que seguem transcritos:
Art. 1º - Todos os prédios com instalações comerciais, industriais, de
diversões públicas e edifícios residenciais com mais de uma economia e
mais de um pavimento, deverão possuir plano de prevenção e proteção
contra incêndio, aprovado pelo Corpo de Bombeiros da Brigada Militar
do Estado do Rio Grande do Sul.
Parágrafo 1º - O Corpo de Bombeiros, nos municípios em que possua
destacamento, realizará inspeção anual nos prédios considerados de risco
grande e médio e a cada dois anos nos prédios considerados de risco
pequeno.
Art. 2º - Aquele que não apresentar plano de prevenção e proteção
contra incêndio, descumprir os prazos assinalados para a instalação dos
itens de segurança julgados necessários ou instalá-los em
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desconformidade com as especificações oficiais incorrerá nas seguintes
sanções:
I - advertência;
II - multa;
III - interdição;
[...]
Parágrafo 5º - Os prédios que oferecerem risco de vida aos seus usuários
ou transeuntes, por apresentarem elevada probabilidade de incêndio ou
desabamento, e aqueles tornados perigosos pela ausência de itens
mínimos de segurança contra incêndios poderão ter sua evacuação ou
interdição determinada pelo Corpo de Bombeiros.
No mesmo sentido, o Decreto nº 37.380/97 que aprovou as
normas técnicas de prevenção de incêndios e determinou outras providências
estabelece em seu artigo 4º que: “O exame dos planos e as inspeções dos
sistemas de prevenção de incêndio nos prédios serão feitos pela Brigada Militar
do Estado através do Corpo de Bombeiros”. No anexo único do mesmo decreto,
o Art. 3º dispõe:
Art. 3° - Compete ao Corpo de Bombeiros da Brigada Militar do Estado
do Rio Grande do Sul, a qualquer tempo, planejar, estudar, analisar,
aprovar, vistoriar e fiscalizar todas as atividades, instalações e
equipamentos de prevenção e proteção contra incêndio e outros sinistros
em todo o território do Estado.
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Ainda, a Lei Estadual nº 10.991/97, que dispõe sobre a
Organização Básica da Brigada Militar do Estado traz a competência da Brigada
Militar, a seguir transcrita:
Art. 3º - Compete à Brigada Militar:
VI - executar o serviço de prevenção e combate a incêndio;
[...]
XI - planejar, estudar, analisar, vistoriar, controlar, fiscalizar, aprovar e
interditar as atividades, equipamentos, projetos e planos de proteção e
prevenção contra incêndios, pânicos, desastres e catástrofes em todas as
edificações, instalações, veículos, embarcações e outras atividades que
ponham em risco a vida, o meio ambiente e o patrimônio, respeitada a
competência de outros órgãos; (Incluído pela Lei nº 11.736/02)
No caso em tela as provas produzidas foram suficientes a
comprovar que o incêndio só tomou a proporção que tomou em razão de a
casa noturna estar em pleno funcionamento, quando não deveria estar, eis que o
local estava com a licença de funcionamento vencida, utilizava em seu interior
material proibido e extremamente tóxico.
Portanto, embora a causa direta do incêndio tenha sido a
utilização de artefato pirotécnico pela banda que tocava no dia da tragédia, tal
circunstância não exclui a responsabilidade do Município de Santa Maria e do
Estado do Rio Grande do Sul que tinham o dever de fiscalizar àquele
ECC
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estabelecimento, não havendo qualquer rompimento do nexo de causalidade. A
propósito do exposto são os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho13 que
seguem:
Em contrapartida, a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em que
não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a
Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por exemplo,
do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua omissão concorre
para o resultado. Em síntese, na omissão específica o dano provém
diretamente de uma omissão do Poder Público; na omissão genérica, o
comportamento omissivo do Estado só dá ensejo à responsabilidade
subjetiva quando for concausa do dano juntamente com a força maior
(fatos na natureza), fato de terceiro ou da própria vítima.
[...]
Como se vê, na omissão genérica, que faz emergir a responsabilidade
subjetiva da Administração, a inação do Estado, embora não se apresente
como causa direta e imediata do dano, entretanto concorre para ele,
razão pela qual deve o lesado provar que a falta provar que a falta do
serviço (culpa anônima) concorreu para o dano, que se houvesse uma
conduta positiva praticada pelo Poder Público o dano poderia não ter
ocorrido.
Ressalta-se que o Estado demandado, ao tentar se eximir da
responsabilidade, afirma em contrarrazões que na data do ocorrido não mais
havia alvará de prevenção contra incêndio em vigor e que a casa noturna
13
13
CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 11ª ed., rev. e amp. SP: Atlas, 2014, p. 298/299.
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funcionava sem a chancela do corpo de bombeiros ou do Estado do Rio Grande
do Sul. Contudo, tal situação só demonstra ainda mais a culpa da administração
pública ao não realizar a fiscalização do local, ainda mais quando a legislação dá
plenos poderes para ambos os réus, Estado e Município de assim proceder
através do poder de polícia administrativo.
Assim, restou caracterizada a negligência do Município e do
Estado, omitindo-se em adotar as providências necessárias, em tempo hábil, a
fim de evitar a ocorrência do evento danoso, estando evidenciada a culpa
daqueles, haja vista que indubitável o dever do ente público de fiscalizar o
funcionamento dos estabelecimentos que funcionam como casa de shows, que
reúnem um grande número de pessoas, e de interditar os locais que não
cumpram as exigências legais, como era o caso da “Boate Kiss”, que estava com
inúmeras irregularidades, com licença de funcionamento por parte do Corpo de
Bombeiros vencida e não atendia às normas de prevenção e proteção contra
incêndio.
No caso em análise o Instituto Geral de Perícias elaborou laudo
após o incêndio no qual ficou demonstrado que houve alteração de
característica construtiva do local, layout e distâncias a percorrer até a saída,
ECC
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bem como que o alvará de prevenção de incêndio estava expirado desde agosto
de 2012.
A par disso, é possível se aferir, que tanto o Estado quanto o
Município falharam no dever de fiscalizar o funcionamento da boate, sendo que
ambos tinham o poder de polícia e podiam ter interditado o local, omissão esta
que configura conduta negligente de ambos os entes públicos ao não adotar as
medidas necessárias a fim de evitar eventos como o narrado na inicial.
Nesse sentido colaciono jurisprudência do egrégio Superior
Tribunal de Justiça sobre a possibilidade de responsabilização da fazenda pública
diante da omissão no dever de fiscalização, consoante o que segue:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INCÊNDIO EM CASA DE
ESPETÁCULO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA.
RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO. CARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 7
DO STJ. CUMULAÇAO DE DANOS MORAIS E ESTÉTICOS E REDUÇÃO DO
VALOR DA INDENIZAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
1. Os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar
obscuridade ou eliminar contradição no julgado, vícios que não ocorrem
no presente caso, pois a questão relativa aos requisitos exigidos para a
caracterização da responsabilidade civil, foi discutida pelo Tribunal de
origem.
2. Para a constatação da existência da responsabilidade estatal por
omissão, é necessário que sejam verificados: o dano; o nexo causal entre
a lesão e a conduta estatal; a omissão do Poder Público; e o
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descumprimento de um dever legal originado a partir de um
comportamento omissivo.
3. No caso, o acórdão assegura, com base nos elementos probatórios
coligidos aos autos, que o Município de Belo Horizonte, embora
conhecedor das irregularidades que ocorriam na casa de espetáculos
onde ocorreu incêndio durante um show, com resultados fatais, não agiu
com o dever legal de fiscalizar o estabelecimento, a fim de impedir ou
minimizar o evento danoso.
4. Desse modo, tem-se a presença do dano (incêndio), para o qual
concorreram as falhas da Administração municipal (nexo de
causalidade) na fiscalização das condições do local onde ocorreu a
tragédia (omissão no cumprimento de dever legal). Encontram-se
configurados os elementos necessários para o reconhecimento da
responsabilidade omissiva estatal.
5. Para a modificação de tais conclusões, seria necessário o revolvimento
dos elementos fático-probatórios coligidos aos autos, medida
sabidamente vedada em sede de recurso especial nos termos do
disposto na Súmula 7/STJ.
6. Em relação aos temas relativos à cumulação dos danos morais e
estéticos, bem como ao valor da indenização, o recorrente não indicou
os dispositivos legais tidos por violados, sendo certo que a mera
transcrição de ementas não se presta sequer à comprovação da
divergência jurisprudencial invocada. A deficiência na fundamentação do
recurso impede o seu conhecimento atraindo a incidência da Súmula
284/STF.
7. A título de obiter dictum, esta Corte Superior firmou posicionamento
consubstanciado na Súmula 387 de que é lícita a cumulação das
indenizações de dano estético e dano moral.
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8. De outra parte, a revisão dos valores fixados a título de indenização
por danos morais somente é cabível em sede de recurso especial quando
exorbitantes ou irrisórios, o que não se verifica no caso vertente,
porquanto fixados em R$ 23.250,00 (vinte e três mil e duzentos e
cinquenta reais), em atenção aos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade.
9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.
(REsp 1281555/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA,
julgado em 14/10/2014, DJe 12/11/2014)
Por fim, é oportuno destacar que sequer pode ser aplicável ao
caso dos autos o Resp nº 1518995, tendo em vista que o Superior Tribunal de
Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial mencionado, deixou expresso
que a jurisprudência daquela Corte é pacífica no sentido de que não é cabível
recurso para reexaminar questões relativas à verificação dos requisitos para a
antecipação dos efeitos da tutela, ou seja, não há naquela egrégia Corte de
Justiça qualquer manifestação quanto ao mérito da causa em análise, cuja
ementa segue transcrita:
PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. SÚMULA
735/STF. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, ART. 535, II, DO CPC. FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. OFENSA À DISPOSITIVO
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF.
1. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil,
uma vez que o Tribunal a quo julgou integralmente a lide e solucionou
a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.
2. A indicada afronta do art. 165 do CPC não pode ser analisada, pois o
Tribunal de origem não emitiu juízo de valor sobre esse dispositivo legal.
O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável o conhecimento do
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Recurso Especial quando os artigos tidos por violados não foram
apreciados pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de Embargos
de Declaração, haja vista a ausência do requisito do
prequestionamento. Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ.
3. É importante registrar a inviabilidade de o STJ apreciar ofensa aos
artigos da Carta Magna, uma vez que compete exclusivamente ao
Supremo Tribunal Federal o exame de violação a dispositivo da
Constituição da República, nos termos do seu art. 102, III, "a".
4. A orientação jurisprudencial do STJ é pacífica no sentido de que
não é cabível Recurso Especial para reexaminar questões relativas à
verificação dos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela ou
apreciação de medida liminar, em virtude da sua natureza precária,
sujeita à modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmada
ou revogada pela sentença de mérito. Incidência da Súmula 735/STF.
5. A apontada divergência deve ser comprovada, cabendo a quem
recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os
casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre
eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos
acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre
ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal
divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art.
541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o
conhecimento do Recurso Especial com base na alínea "c", III, do art. 105
da Constituição Federal.
6. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que
não existe divergência jurisprudencial, quando o contexto fático dos
acórdãos confrontados apresenta disparidade, como in casu.
Enquanto o acórdão paradigma consigna que é inviável a concessão de
tutela antecipada com nítido caráter individual, enquanto não
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determinados no processo os sujeitos lesados, no decisum confrontado a
hipótese apenas ressalta que os requisitos da tutela antecipada devem
ser analisados.
7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1518995/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 27/09/2016, DJe 11/10/2016).
Desse modo, ressalto, uma vez mais, que inexiste deliberação
quanto à responsabilidade dos entes públicos no Superior Tribunal de Justiça
quanto ao caso dos autos, ainda, sequer houve o exame da tutela antecipada
pretendida a qual foi afastado em função de que aquela excelsa Corte entender
que descabe discutir requisitos deste tipo de tutela em sede de recurso especial.
Da indenização devida pelos danos morais
Dessa forma, o demandado deve ressarcir os danos morais
causados, na forma do artigo 186 do novo Código Civil, cuja incidência decorre
da prática de conduta ilícita, a qual se configurou no caso em tela diante da
negligência do ente público réu ao não realizar a fiscalização do local, omitindo-
se de cumprir o seu dever legal e zelar pela segurança das centenas de jovens
que frequentavam a casa noturna.
Cumpre ressaltar que é perfeitamente passível de ressarcimento o
dano moral causado no caso em exame, decorrente da parte autora ter
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experimentado sentimento de frustração, dor e angústia em razão da tragédia
ocorrida, sem que houvesse injustamente provocado, tal medida abusiva resulta
na violação ao dever de respeitar esta gama de direitos inerentes a
personalidade de cada ser humano, em especial a imagem daquela.
Com relação ao valor a ser arbitrado a título de indenização por
dano moral há que se levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem
como, as condições do ofendido, in casu, estudante, presumindo-se de
condições modestas, mesmo porque litiga ao amparo da assistência judiciária, a
capacidade econômica dos ofensores, Estado do Rio Grande do Sul, Município
de Santa Maria e pessoa jurídica de direito privado (Boate Kiss).
Acresça-se a isso a reprovabilidade da conduta ilícita praticada e,
por fim, que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho
desmesurado, deixando de corresponder à causa da indenização.
Nesse sentido, Cavalieri Filho14 discorre sobre este tema com rara
acuidade jurídica, afirmando que:
Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente
tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o
14
CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., rev. e amp. SP: Atlas, 2007, p.90.
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princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não
há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais
completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior
importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.
Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do
razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo
que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa
proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios
e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para
que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela
estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os
meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção
seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano
moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente
arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a
intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a
capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do
ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.
Dessa forma, levando em consideração as questões fáticas, a
extensão do prejuízo, bem como a quantificação da conduta ilícita e capacidade
econômica do ofensor, é de ser mantida a indenização por danos morais em R$
20.000,00 (vinte mil reais).
Ainda, reputando que o quantum arbitrado corresponde à quantia
suficiente à reparação do dano sofrido, bem como atendendo ao caráter
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reparatório e punitivo deste tipo de indenização, haja vista a negligência do ente
público.
A respeito do quantum indenizatório em casos análogos
colacionam-se arestos desta Câmara:
APELAÇÕES CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. QUEDA DE ESCORREGADOR
DE PRAÇA MUNICIPAL. LESÃO FÍSICA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO
MUNICÍPIO. DANOS MORAIS. DEVER DE INDENIZAR VERIFICADO.
MANUTENÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. 1. É subjetiva a
responsabilidade civil da administração pública em razão dos danos
decorrentes da omissão do Município. O conjunto probatório demonstra
fartamente que o município foi omisso ao deixar de prestar a devida
manutenção nas instalações do Parque de Exposição notadamente nos
brinquedos do playground, de modo a potencializar a ocorrência de
acidentes com os menores frequentadores da pracinha de recreação. 2.
Danos morais caracterizados e decorrentes da conduta omissiva do
município, que implicou em ofensa à integridade física e atingiu os
direitos da personalidade da autora. Valor fixado em consonância com a
gravidade da lesão, observados os critérios econômicos e sociais do
ofendido e do ofensor, bem como os aspectos gerais e específicos do
caso concreto. 3. Honorários mantidos na espécie. Verba que deve ser
fixada com base nos §§ 3° e 4° do art. 20 do CPC e remunerar com
dignidade o labor do profissional. RECURSOS DESPROVIDOS. (Apelação
Cível Nº 70063946529, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 27/05/2015)
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.
RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEDA DE PEDESTRE EM CALÇADA. ATO
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OMISSIVO ESPECÍFICO. MÁ CONSERVAÇÃO. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. DANOS MORAIS E NEXO CAUSAL COMPROVADOS.
INDENIZAÇÃO DEVIDA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM. JUROS
MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO. MATÉRIA DE
ORDEM PÚBLICA. I. Preliminar de ilegitimidade passiva. Descabe a
preliminar porque é dever do ente municipal a responsabilidade pela
manutenção e conservação das calçadas, visando propiciar melhores
condições de segurança à população. Preliminar rejeitada. II. Em se
tratando de ato omissivo específico do Município de São Leopoldo, eis
que a este incumbe a manutenção e conservação das calçadas, a
responsabilidade é objetiva, bastando a comprovação do prejuízo e do
nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano. Aplicação da
teoria do risco administrativo. Art. 37, § 6°, da Constituição Federal. III.
Nestas circunstâncias, considerando que restaram comprovados os danos
(trauma no punho direito e fratura distal articular com descolamento
volar) e o nexo de causalidade entre a conduta omissiva do ente público
e o dano sofrido pela autora, imperiosa a condenação do Município à
indenização pretendida. No caso, em razão das lesões causadas à
demandante, a hipótese dos autos reflete o dano in re ipsa ou dano
moral puro, uma vez que o sofrimento, o transtorno, o abalo psicológico
causados são evidentes, conferindo o direito à reparação sem a
necessidade de produção de provas sobre a sua ocorrência. IV.
Manutenção do quantum indenizatório, tendo em vista a condição social
da autora, o potencial econômico do réu, a gravidade do fato, o caráter
punitivo-pedagógico da reparação e os parâmetros adotados por esta
Câmara em casos semelhantes. A correção monetária pelo IGP-M incide a
partir da data de arbitramento, nos termos da Súmula 362, do STJ, como
posto na sentença. V. Entretanto, tratando-se de relação extracontratual,
os juros moratórios incidem a partir do evento danoso. Inteligência da
Súmula 54, do STJ. Tratando-se matéria de ordem pública, o termo inicial
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dos juros moratórios pode ser alterado de ofício, independentemente de
pedido, sem implicar em reformatio in pejus ou em decisão extra petita.
Precedentes do STJ. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
ALTERADO, DE OFÍCIO, O TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS.
(Apelação Cível Nº 70064318488, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 16/12/2015)
Ante o exposto, acompanho o voto da ilustre Relatora, a fim de
desprover o recurso da ré e dar parcial provimento ao apelo da parte autora
para condenar também o Município de Santa Maria e o Estado do Rio Grande
do Sul de forma solidária com a empresa ré.
DES. NEY WIEDEMANN NETO
Com a devida vênia à eminente relatora, entendo que não há nexo
causal que possa imputar responsabilidade aos entes públicos.
Por isso, nego provimento a ambos os recursos, e mantenho a
sentença por seus fundamentos, pelo que transcrevo o trecho da fundamentação
ECC
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da sentença que justifica a impossibilidade de condenação do Município de
Santa Maria ou do Estado do R.G.S.:
Por outro lado, no que se refere aos Entes Públicos,
a tese trazida pela autora atribui-lhes ação e
omissão, sem as quais o resultado danoso não teria
ocorrido. Diz que a conduta comissiva do Município
está configurada na expedição de alvará de
localização sem as condições necessárias para a
segurança do público. Estado (Corpo de Bombeiros)
e Município foram omissos porque deixaram de
fiscalizar o dia-a-dia do funcionamento da casa
noturna de forma que permitiram o atendimento ao
público sem que cumprissem as regras de prevenção
de incêndio, de lotação e tudo o mais que a
tornaram vulnerável.
Porém, juridicamente, para que exsurja o dever de
indenizar em ambos os regimes, seja objetivo (por
ação do agente público - art. 37, §6º da Constituição
Federal) ou subjetivo (por omissão na prestação do
serviço) é imprescindível o nexo de causalidade, além
do ato ilícito e do dano. No regime subjetivo, além
disso, há de se comprovar também o dolo ou culpa.
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No caso dos autos, independentemente de qual o
regime analisado (ação ou omissão), está ausente o
nexo de causalidade, o que afasta o dever de
indenizar por parte dos Entes Públicos.
Restou demonstrado que houve omissão do Poder
Público em permitir o funcionamento da Boate, que
não seguia o estabelecido pelo plano de prevenção
e proteção contra incêndio, superlotada, sem
equipamentos necessários (principalmente extintores
válidos). Apesar disso, tais circunstâncias, para fins de
responsabilização civil, são causas que não se
mostram relevantes juridicamente para produção
do resultado danoso.
A “Boate Kiss” foi vistoriada pelo Corpo de
Bombeiros em agosto de 2011 e teve alvará de
prevenção e proteção contra incêndio expedido com
validade até 18 de agosto de 2012. O procedimento
para expedição de tal autorização pauta-se na Lei
Estadual 10.987/1997, Decretos Estaduais
37.380/1997 e 38.273/1998 e normas internas do
próprio Corpo de Bombeiros. Há, por ora, mera
cogitação de que houve fraude na expedição de tal
alvará por parte de alguns militares estaduais – que
chegaram a ser denunciados criminalmente pelo
Ministério Público na Justiça Militar e são alvos de
ação de improbidade administrativa nesta Justiça
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Comum; nenhuma das ações possui condenação
definitiva. E, note-se que, mesmo havendo
responsabilização criminal e/ou administrativa dos
agentes públicos, tal circunstância não levará ao
reconhecimento do dever de indenizar do Estado e
Município.
Após a expedição do alvará de prevenção contra
incêndio, foi expedido pelo Município, que vistoriou
a boate em 19/04/2012, o alvará de localização, que
permite o funcionamento do estabelecimento. À
época, portanto, o alvará de prevenção e proteção
contra incêndio, que é requisito para a expedição do
alvará de localização, era plenamente válido.
No entanto, após tal data, houve alterações
estruturais no estabelecimento que tornaram o
anterior alvará de prevenção e proteção contra
incêndio inválido – tal advertência, aliás, constava no
alvará expedido pelo Corpo de Bombeiros. Conforme
constatou o laudo do Instituto Geral de Perícias
realizado após o incêndio, a situação da boate não
guarda conformidade com aquela verificada pelo
Corpo de Bombeiros em 2011: houve alterações de
características construtivas; layout e distâncias a
percorrer. Não obstante, o alvará de prevenção teve
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sua validade expirada em agosto de 2012, portanto
cinco meses antes do incêndio.
Diante dessa situação irregular, incumbia sim ao
Município, ao contrário do que alega, ter exercido o
seu poder de polícia e fiscalizado o estabelecimento,
exigindo a sua adequação. Tal dever decorre de
previsões da Constituição Federal, da Constituição
Estadual, da Lei Orgânica do Município e de
legislação esparsa.
A Constituição da República, em seu art. 30, V,
concede aos municípios competência para prestar os
serviços públicos de interesse local. A Constituição
do Estado do Rio Grande do Sul, por seu turno,
detalha, em seu artigo 13, tal competência,
dispondo:
Art. 13. É competência do Município, além da prevista na
Constituição Federal e ressalvada a do Estado:
I - exercer o poder de polícia administrativa nas
matérias de interesse local, tais como proteção à saúde,
aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e
proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à
funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades
por infração às leis e regulamentos locais;
ECC
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II - dispor sobre o horário e dias de funcionamento do
comércio local e de eventos comerciais temporários de
natureza econômica; (Redação dada pela Emenda
Constitucional n.º 58, de 31/03/10)
[...]
Já a Lei Orgânica do Município de Santa Maria
dispõe:
Art. 9º - Compete ao Município, no exercício de sua
autonomia, dentre outras, as seguintes atribuições:
[...]
XVIII - *Conceder e cassar os alvarás de licença dos
estabelecimentos que, por suas atividades, se tornarem
danosos à saúde, à higiene, ao sossego, à segurança, ao
meio ambiente, ao bem-estar público ou aos bons
costumes; *Redação original alterada pela Emenda 23, em
23/03/2004.
[…]
XXVII - regulamentar e fiscalizar os jogos esportivos, os
espetáculos e os divertimentos públicos;
[...]
XXXIX - *Licenciar para funcionamento os
estabelecimentos comerciais,industriais, de serviços e
similares, mediante a expedição de alvará de localização;
*Incluído pela Emenda 23, em 23/03/2004.
ECC
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XL - *Suspender ou caçar o alvará de localização de
estabelecimento que infringir dispositivos legais; *
Incluído pela emenda 23, em 23/03/2004. sic
[...]
O Código de Posturas do Município também
estabelece as precauções para evitar incêndios nas
casas de diversões públicas, incumbindo ao Poder
Público Municipal a fiscalização do cumprimento das
medidas:
Art. 41. Em todas as casas de diversões públicas e
similares serão observadas, além das estabelecidas nos
Códigos de Obras, Meio Ambiente e das previstas nas
normas de prevenção a incêndio, as seguintes disposições:
[...]
IV - Serão tomadas todas as precauções necessárias para
evitar incêndios; para tanto, os extintores de fogo serão
obrigatórios e instalados em locais visíveis e de fácil
acesso, cumprindo exigências da Lei Municipal No
3301/91 e as normas técnicas atinentes;
Art. 285. A fiscalização do disposto nesta Lei será
efetuada pela fiscalização do Poder Público Municipal.
Tal incumbência do Município em fiscalizar os
sistemas de prevenção contra incêndio nos prédios
da cidade vem também repetidas nos artigos 1º, 2º
e 3º da Lei Municipal 3.301/1991.
ECC
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Além disso, o Município, em contestação, invoca o
art. 17, I, do Decreto Executivo Municipal 32/2006
para sustentar que o Corpo de Bombeiros é que
deveria ter comunicado a nulidade do alvará de
prevenção de proteção contra incêndio, em razão
das alterações estruturais feitas pela “Boate Kiss”,
bem como o seu vencimento, a fim de que fosse
possível a suspensão do alvará de localização.
Ocorre que o mesmo artigo 17 invocado, em seu
inciso IV, dispõe expressamente que o alvará de
localização deve ser cassado pela própria
Fiscalização Municipal, no regular exercício de seu
poder de polícia:
Art. 17. O Alvará de Localização deverá ser cassado nos
seguintes casos: […]
IV – Pela Fiscalização Municipal, no regular exercício do
Poder de Polícia, como medida preventiva, a bem da
higiene, do sossego e da segurança pública; […].
Nesse sentido, o TJ/RS já firmou jurisprudência de
que o Município possui competência para, no
interesse local, legislar sobre prevenção e proteção
contra incêndio de prédios localizados na sua
circunscrição, mesmo que eventual legislação traga
requisitos diversos daqueles positivados em Lei
Estadual. E esse exercício legislativo do Município
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obriga inclusive os demais Entes Federativos – i.e.
prédios públicos pertencentes ao Estado ou à União
devem observar a legislação municipal de segurança:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRETENSÃO
DE QUE O ESTADO OBEDEÇA À NORMA MUNICIPAL,
CUMPRINDO NORMA DE PREVENÇÃO E PROTEÇÃO
CONTRA INCÊNDIO NAS ESCOLAS MUNICIPAIS.
COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO. CABIMENTO. O município
tem competência para legislar supletivamente sobre
segurança urbana, criando normas de prevenção e
proteção contra incêndio, não estando os demais entes
públicos desobrigados de obedecer aos comandos da
norma municipal, em virtude de que não foram excluídos
de sua incidência. A segurança dos munícipes insere-se no
conceito de interesse local, assegurado pelo art. 30, I, da
CF. Fixação de prazo para o cumprimento da norma, com
procedência parcial da ação, apenas em relação ao
município que dispõe de norma municipal disciplinadora.
Apelação parcialmente provida. (Apelação Cível Nº
70004695797, TJ/RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro,
Em 20/11/2002).
O Município tinha o poder-dever de fiscalizar a casa
noturna e exigir a sua adequação às normas, e o
Corpo de Bombeiros também possuía tal obrigação,
ao contrário do que o Estado sustenta em sua
contestação.
Isso porque a Lei Estadual nº 10.987/1997, que
estabelece as normas gerais sobre prevenção e
ECC
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proteção contra incêndio, expressamente concede ao
Corpo de Bombeiros poder para interditar
estabelecimentos:
Art. 1º - Todos os prédios com instalações comerciais,
industriais, de diversões públicas e edifícios residenciais
com mais de uma economia e mais de um pavimento,
deverão possuir plano de prevenção e proteção contra
incêndio, aprovado pelo Corpo de Bombeiros da Brigada
Militar do Estado do Rio Grande do Sul.
Parágrafo 1º - O Corpo de Bombeiros, nos municípios em
que possua destacamento, realizará inspeção anual nos
prédios considerados de risco grande e médio e a cada
dois anos nos prédios considerados de risco pequeno.
[…]
Art. 2º - Aquele que não apresentar plano de prevenção
e proteção contra incêndio, descumprir os prazos
assinalados para a instalação dos itens de segurança
julgados necessários ou instalá-los em desconformidade
com as especificações oficiais incorrerá nas seguintes
sanções:
I - advertência;
II - multa;
III – interdição;
[…]
Parágrafo 5º - Os prédios que oferecerem risco de vida
aos seus usuários ou transeuntes, por apresentarem
elevada probabilidade de incêndio ou desabamento, e
aqueles tornados perigosos pela ausência de itens
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mínimos de segurança contra incêndios poderão ter sua
evacuação ou interdição determinada pelo Corpo de
Bombeiros.
Tal previsão é repetida na Lei Estadual nº 10.991/97,
em seu art. 3º, VI e XI, e também nos artigos 3º e 4º
do Decreto Estadual 37.380/1997.
Ora, é óbvio que o simples fato de a legislação
municipal prever idêntico poder de interdição ao
Município não invalida ou se sobrepõe à previsão da
legislação estadual. Não há óbice algum a que duas
das esferas da Administração Pública atuem
conjuntamente na fiscalização de determinada
questão – tal prática, aliás, é bastante comum, por
exemplo, em questões de defesa ambiental e de
proteção ao patrimônio histórico e cultural.
Dessa forma, tem-se que o Estado e o Município,
falharam no seu dever de fiscalizar e eventualmente
interditar a “Boate Kiss”, e que tal falha enseja
responsabilidade política dos dois Entes, e também
eventual responsabilidade administrativa e/ou penal
dos agentes envolvidos – mormente se restar de fato
demonstrada atuação doloso e/ou fraudulenta de
algum servidor. Todavia, tal conduta dos Entes
Públicos não gera dever de indenizar em razão da
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ausência de nexo de causalidade direto com o
evento danoso, simplesmente porque terceiros
agiram ativamente e com suas condutas deram
causa ao resultado, logo, são esses terceiros que
deverão arcar com as reparações respectivas.
O Poder Público, mesmo nas atividades sujeitas a
sua fiscalização direta, não é garantidor universal. O
incêndio ocorreu em um estabelecimento privado, e
não público. A falha na prestação do serviço, pela
pessoa jurídica responsável pelo estabelecimento de
diversão noturna, não pode ser imputada a Estado
ou a Município.
O nexo de causalidade entre dano e determinada
conduta não pode regredir ao infinito,
responsabilizando-se agentes que tenham praticado
atos cuja relação com o evento é remota.
O incêndio na “Boate Kiss”, como restou
demonstrado pelo Inquérito Policial que apurou o
caso, iniciou em razão de uma centelha de um fogo
de artifício utilizado pela “Banda Gurizada
Fandangueira”, prestadora de serviço contratada e
atuando sob a responsabilidade do estabelecimento
comercial.
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O produtor da banda, Luciano Augusto Bonilha Leão,
adquiriu o fogo de artifício e instalou o artefato em
uma luva colocada na mão do vocalista da banda,
Marcelo de Jesus dos Santos. O artefato foi então
acionado pelo produtor, por controle remoto, e o
vocalista, ao levantar a mão em direção ao teto, fez
com que uma centelha atingisse o forro, que possuía
isolamento acústico de material altamente
inflamável. Em poucos segundos o forro incendiou,
gerando uma fumaça preta e tóxica que intoxicou os
presentes.
Essa é a causa juridicamente relevante para o
evento danoso, que não guarda relação alguma
com anterior conduta seja do Estado, seja do
Município.
Tal ato, exclusivo de terceiro, rompeu, por evidente,
o nexo de causalidade entre o dano e as anteriores
condutas omissivas – ou até eventuais condutas
comissivas – dos agentes públicos estaduais e
municipais. Tal rompimento do nexo de causalidade
afasta o dever de indenizar.
O Superior Tribunal de Justiça já teve a
oportunidade de analisar caso praticamente idêntico
ao incêndio na “Boate Kiss”. Trata-se do incêndio,
ECC
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também com resultado morte, ocorrido em 2001 na
casa de shows denominada “Canecão Mineiro”,
localizada em Belo Horizonte/MG.
No processo que chegou para a análise, via Recurso
Especial, ao STJ, também havia pedido de
condenação do Município ao pagamento de
indenização a uma das vítimas. Reconheceu-se nos
autos que a) o estabelecimento estava superlotado;
b) funcionava sem os alvarás necessários do Poder
Público; c) houve fiscalização deficiente do Poder
Público; d) o incêndio iniciou em razão de show
pirotécnico promovido dentro do estabelecimento.
As semelhanças com o incêndio ocorrido em Santa
Maria/RS são patentes, portanto.
Diante de tal quadro, o STJ definiu não haver
responsabilidade, e portanto dever de indenizar, do
Município de Belo Horizonte, justamente em razão
da prática de ato exclusivo de terceiro (show
pirotécnico), o que rompe o nexo de causalidade.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE
ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS".
DESAFIO AO ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE
NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E
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O DANO - INCÊNDIO -. CULPA DE TERCEIROS.
PREJUDICADA A ANÁLISE DO CHAMAMENTO DO
PROCESSO.
1. Ação indenizatória em face de Município, em razão de
incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows,
ocasionando danos morais, materiais e estéticos ao autor.
[...]
4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no
sentido de que em se tratando de conduta omissiva do
Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve
ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se
no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva
do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder
Público o que depende é a comprovação da inércia na
prestação do serviço público, sendo imprescindível a
demonstração do mau funcionamento do serviço, para
que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a
circunstância em que se configura a responsabilidade
objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre
do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo
causado ao particular, que prescinde da apreciação dos
elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que
referidos vícios na manifestação da vontade dizem
respeito, apenas, ao eventual direito de regresso.
Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp
471606/SP; DJ 14.08.2007; REsp 647.493/SC; DJ 22.10.2007;
REsp 893.441/RJ, DJ 08.03.2007; REsp 549812/CE; DJ
31.05.2004) [...]
7. Deveras, em se tratando de responsabilidade subjetiva,
além da perquirição da culpa do agente há de se verificar,
ECC
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assim como na responsabilidade objetiva, o nexo de
causalidade entre a ação estatal comissiva ou omissiva e o
dano. A doutrina, sob este enfoque preconiza: "Se
ninguém pode responder por um resultado a que não
tenha dado causa, ganham especial relevo as causas de
exclusão do nexo causal, também chamadas de exclusão
de responsabilidade. É que, não raro, pessoas que
estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são
chamadas a responder por eventos a que apenas
aparentemente deram causa, pois, quando examinada
tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o
dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de
circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a
que estavam vinculadas. E, como diziam os antigos, 'ad
impossibilia nemo tenetur'. Se o comportamento devido,
no caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que
o dever foi violado.(...)" (pág. 63). E mais: "(...) é preciso
distinguir 'omissão genéria' do Estado e 'omissão
específica'(...) Haverá omissão específica quando o Estado,
por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência
do evento em situação em que tinha o dever de agir para
impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embrigado
atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada,
a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser
responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao
volante sem condições. Isso seria responsabilizar a
Administração por omissão genérica. Mas se esse
motorista, momentos antes, passou por uma patrulha
rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por
alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já
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haverá omissão específica que se erige em causa
adequada do não-impedimento do resultado. Nesse
segundo caso haverá responsabilidade objetiva do
Estado.(...)" (pág. 231) (Sérgio Cavalieri Filho, in "Programa
de Responsabilidade Civil", 7ª Edição, Editora Atlas).
8. In casu, o dano ocorrido, qual seja o incêndio em casa
de shows, não revela nexo de causalidade entre a suposta
omissão do Estado. Porquanto, a causa dos danos foi o
show pirotécnico, realizado pela banda de música em
ambiente e local inadequados para a realização, o que
não enseja responsabilidade ao Município cujas exigências
prévias ao evento não foram insuficientes ou inadequadas,
ou na omissão de alguma providência que se traduza
como causa eficiente e necessária do resultado danoso.
9. Neste sentido, bem preconizou a sentença a quo: "em
face dos elementos carreados aos autos, verifica-se que a
causa do incêndio foram as fagulhas provocadas pelo
show pirotécnico dentro do estabelecimento,
evidentemente promovido e autorizado pelos seus
administradores que não observaram, devidamente, o
aviso do fabricante, estampado na caixa dos fogos para
soltá-los em local amplo e aberto, ou seja, ao ar livre
'sendo desaconselhável seu uso perto de produtos
inflamáveis'. f. 151. Diante disto, não restaram dúvidas que
o ato culposo foi praticado por terceiros que, de forma
inescrupulosa decidiram promover o show pirotécnico,
sem qualquer zelo com as 1.500 pessoas que
superlotaram aquela casa noturna, não obstante terem
conhecimento possuía capacidade para 270 pessoas." (fl.
329)
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10. O contexto delineado nos autos revela que o evento
danoso não decorreu de atividade eminentemente estatal,
ao revés, de ato de particulares estranhos à lide. […]
(RESP 888.420 – MG. Superior Tribunal de Justiça.
Relator Min. Luiz Fux. Julgado em 07/05/2009).
Em âmbito local, o TJ/RS já firmou jurisprudência no
sentido de que, mesmo que o Estado possua o
dever de fiscalizar a condução de veículos de via
terrestre, não possui o dever de indenizar eventual
dano causado por motorista que dirige, em razão de
fiscalização ineficiente, sem habilitação, justamente
por haver rompimento do nexo de causalidade:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS
MATERIAIS E MORAIS. ATROPELAMENTO POR
CONDUTOR NÃO HABILITADO. PRETENSÃO À
RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO. INEXISTÊNCIA DE
NEXO CAUSAL. Tratando-se de ato imputado ao Estado
por falha do serviço, o dever de indenizar deve ser
analisado sob o prisma da teoria subjetiva, sendo
imprescindível a demonstração de uma conduta dolosa ou
culposa por parte do agente público. O fato de o autor
ter sido vítima de atropelamento por condutor de veículo
não habilitado não enseja responsabilidade do Estado, por
suposta falta de fiscalização e policiamento. Inexistência
de liame causal entre a ação estatal e ocorrência do
evento danoso. Fato de terceiro que elide o dever de
indenizar. Impossibilidade de se atribuir ao Estado o dever
de segurador universal, para coibir todas as práticas
ECC
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ilícitas ocorridas no âmbito de sua circunscrição territorial.
Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO
DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70059640268, Décima
Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz,
Em 26/03/2015)
Também já se posicionou a Corte Local no sentido
de inexistir dever de indenizar do Município por
falha no dever de fiscalização de estabelecimento
que explorava prostituição infantil.
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL QUE PROMOVIA
EXPLORAÇÃO SEXUAL DE ADOLESCENTES. ALEGAÇÃO DE
OMISSÃO DO MUNICÍPIO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO.
NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CULPA DO
PODER PÚBLICO. NEGLIGÊNCIA ADMINISTRATIVA NÃO
CARACTERIZADA. MUNICÍPIO QUE EFETUOU DIVERSAS
FISCALIZAÇÕES NO ESTABELECIMENTO DEMANDADO EM
CURTO PERÍODO DE TEMPO. DESCABIMENTO DA
CONDENAÇÃO DO ENTE PÚBLICO AO PAGAMENTO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. 1. De
acordo com o entendimento emanado dos Tribunais
Superiores, tratando-se de responsabilidade do Estado por
omissão, não se aplica o disposto no § 6º do art. 37 da
Constituição Federal, esteio normativo da
responsabilidade objetiva da Administração Pública,
devendo se perquirir e comprovar a ocorrência de culpa
por parte do Poder Público. 2. Na espécie, não restou
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demonstrada a negligência administrativa do ente público
municipal, que efetuou diversas fiscalizações no
estabelecimento demandado em curto período de tempo,
de modo que não se pode atribuir à municipalidade a
responsabilidade pela conduta dos demais requeridos,
que praticavam a exploração sexual de adolescentes no
estabelecimento, que possuía alvará para funcionamento
de atividades de bar noturno. Desse modo, ausente um
dos requisitos necessários para a responsabilização do
Estado por omissão - a demonstração da culpa -, é
descabida a sua condenação ao pagamento de
indenização por danos morais coletivos. DERAM
PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº
70058146531, TJ/RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Em
24/04/2014)
Esses dois últimos casos referidos, embora com
menos consequências danosas do que o incêndio
ocorrido na “Boate Kiss”, refletem o mesmo
entendimento jurídico no sentido de que, mesmo
que haja falha na fiscalização de incumbência do
Poder Público, não há nexo de causalidade quando o
dano é ocasionado por ato exclusivo e
absolutamente independente de terceiro.
Caso não prevalecesse tal entendimento, aliás, o
Poder Público converter-se-ia em reparador da
quase totalidade dos danos ocorridos, por exemplo,
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no mercado de consumo. É que o Estado (lato
sensu) tem o dever de zelar pela segurança de todo
e qualquer produto ou serviço colocado à disposição
dos consumidores, de modo que eventual
fiscalização ineficiente poderia levar à obrigação
estatal de reparar quaisquer danos ocasionados por
falhas nesses produtos ou serviços.
Além do já até aqui referido, a irrelevância jurídica
da conduta omissa da Administração Pública pode
ser comprovada pelo seguinte exercício de lógica:
mesmo que tivesse havido fiscalização eficiente,
mesmo que a “Boate Kiss” funcionasse com todos os
alvarás válidos e cumprisse todas as exigências
legais, não há garantia alguma de que o incêndio
não teria acontecido, e nem que teria menores
proporções. Por outro lado, há certeza absoluta de
que se não tivesse sido utilizado o artefato
pirotécnico pela banda dentro do estabelecimento
de diversão o evento fatídico não teria ocorrido.
Dito isso, reconhecida a culpa exclusiva de terceiros,
há rompimento do nexo de causalidade entre o
dano e a falha na fiscalização promovida pelo Poder
Público.
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Ressalto que, embora o dever de reparar o dano não
seja juridicamente atribuído aos Entes Públicos, o
fato é que os cofres públicos contribuíram, e
continuarão por muito tempo contribuindo com
grande parte do custo para minimizar as sequelas do
sinistro. A começar pelo atendimento inicial às
vítimas, ocasião em se mostraram eficientes,
superaram a falta de recursos financeiros e somaram
forças prestando socorro eficiente. Foram incansáveis
no atendimento, inclusive psicológico. Formaram
uma corrente, contando com total solidariedade da
população que não mediu esforços para tentar
diminuir o sofrimento das vítimas e familiares. Os
atingidos receberam pronta assistência médica,
medicamentosa, internações hospitalares e
tratamento psicológico.
VOTO NO SENTIDO DO NÃO PROVIMENTO DOS APELOS.
DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA - Presidente - Apelação Cível nº
70070346077, Comarca de Santa Maria: "POR MAIORIA, DERAM PARCIAL
PROVIMENTO DO APELO DA AUTORA, JULGANDO PREJUDICADO O RECURSO
DA RÉ."
ECC
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Julgador(a) de 1º Grau: ELOISA HELENA HERNANDEZ DE HERNANDEZ