88
ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. BOATE KISS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLCOS. FALHA E NEGLIGÊNCIA NA AUTORIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO FUNCIONAMENTO DO ESTABELECIMENTO. INDENIZAÇÃO FIXADA NÃO COMPORTA MAJORAÇÃO. POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DA AUTORA, JULGANDO PREJUDICADO O RECURSO DA RÉ. APELAÇÃO CÍVEL SEXTA CÂMARA CÍVEL Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801- 51.2016.8.21.7000) COMARCA DE SANTA MARIA ALESSANDRA STANGHERLIN OLIVEIRA APELANTE/APELADO SANTO ENTRETENIMENTOS LTDA APELANTE/APELADO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL APELADO MUNICIPIO DE SANTA MARIA APELADO

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

1

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL.

BOATE KISS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS

ENTES PÚBLCOS. FALHA E NEGLIGÊNCIA NA

AUTORIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO

FUNCIONAMENTO DO ESTABELECIMENTO.

INDENIZAÇÃO FIXADA NÃO COMPORTA

MAJORAÇÃO.

POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO DO

APELO DA AUTORA, JULGANDO PREJUDICADO O

RECURSO DA RÉ.

APELAÇÃO CÍVEL

SEXTA CÂMARA CÍVEL

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-

51.2016.8.21.7000)

COMARCA DE SANTA MARIA

ALESSANDRA STANGHERLIN OLIVEIRA

APELANTE/APELADO

SANTO ENTRETENIMENTOS LTDA

APELANTE/APELADO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

APELADO

MUNICIPIO DE SANTA MARIA

APELADO

Page 2: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

2

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível

do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar parcial provimento ao

apelo da parte autora, julgando prejudicado o recurso da ré.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes

Senhores DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE), DES. JORGE

LUIZ LOPES DO CANTO, DES. NEY WIEDEMANN NETO E DES. LÉO ROMI

PILAU JÚNIOR.

Porto Alegre, 02 de dezembro de 2016.

DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA,

Relatora.

Page 3: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

3

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA (RELATORA)

Trata-se de ação indenizatória por danos morais ajuizada por

ALESSANDRA STANGHERLIN OLIVEIRA em face de SANTO ENTRETENIMENTOS

LTDA (BOATE KISS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e MUNICIPIO DE SANTA

MARIA.

A autora é vítima sobrevivente da tragédia ocorrida no dia

27.01.2013, no interior da Boate Kiss, em Santa Maria/RS. No interior da boate

havia freqüentadores em número superior à capacidade do espaço físico, que

ainda não contava com saídas de emergência, apenas uma porta para entrada e

saída do público, a sinalização de emergência era inadequada, tanto que, no

momento do incêndio, muitos pensaram que as portas dos banheiros eram de

saídas, dos poucos extintores de incêndio que havia, muitos estavam vazios.

Também a espuma usada para revestimento acústico era de baixa qualidade e

alta combustão, tanto que durante o incêndio que tomou conta do local foram

liberados gases tóxicos, inalados pela demandante. O incêndio teve início a partir

da utilização de fogos de artifícios, o que acontecia de forma corriqueira. Da

mesma forma, os seguranças mostram-se despreparados para agir naquela

Page 4: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

4

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

situação, chegando a barrar a saída dos clientes que não tinham as comandas

pagas. Inegável, portanto, a responsabilidade da casa noturna pelo ocorrido

Por parte do Município de Santa Maria, imputou a conduta de

comissiva de conceder licença para funcionamento da boate, mediante Alvará de

Localização, apesar de expirado o prazo de validade do documento expedido

pelo Corpo de Bombeiros, quanto à segurança da casa noturna, e ausência de

fiscalização.

Já a conduta omissiva do Estado, constitui-se na ausência vistorias

e fiscalização por parte Corpo de Bombeiros acerca do cumprimento das

exigências para prevenção, uma vez que decorrido o prazo de validade do

documento anteriormente concedido, mesmo com as irregularidades acima

referidas.

Até sair da boate em chamas, Alessandra aspirou a fumaça tóxica

oriunda da combustão da espuma que revestia o teto do estabelecimento. Disse,

ainda, que o fato de ter vivenciado a tragédia lhe trouxe grandes transtornos

psicológicos, necessitando acompanhamento contínuo de profissional

especializado. Postulou a condenação dos réus ao pagamento de indenização

Page 5: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

5

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

por danos morais, em valor a ser arbitrado pelo Juízo. Requereu a AJG, fl.22.

Juntou documentos (fls. 13/20).

Recebido pela Pretora Deniza Terezinha Sassi, o feito foi

redistribuído ao Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública, em virtude da tramitação

de Ação Coletiva e complexidade da matéria (fl. 21).

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apresentou contestação (fls.

33/67). Preliminarmente, arguiu sua ilegitimidade para causa, pois os danos

suportados pela autora são decorrentes da conduta do músico da Banda

Gurizada Fandangueira, que utilizou equipamento pirotécnico no interior da

boate, bem como do proprietário, que permitiu o uso.

Com base na Lei Estadual nº 10.987/97, de caráter geral, a

atividade de prevenção e combate a incêndios é do Corpo de Bombeiros,

podendo os Municípios em normas suplementares, pois detêm privativamente o

poder de polícia e a fiscalização das edificações que não possuam de sistema de

segurança contra incêndios ou estejam em descompasso com as normas. A

responsabilidade de fiscalização do estabelecimento era do Município de Santa

Maria, competente para legislar acerca de assuntos de interesse local. Nesse

sentido, o Município editou leis que permitem a expedição de licenças a

Page 6: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

6

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

estabelecimentos que não cumprem a legislação referente à prevenção e

combate de incêndios, ao passo que a casa noturna não deveria estar em

funcionamento, em virtude das alterações supervenientes à concessão do alvará

pelo Corpo de Bombeiros, o que era incumbência do Município verificar.

A concessão do alvará de prevenção contra incêndios Pelo Corpo

de Bombeiros à casa noturna se deu em 2011, quando o estabelecimento reunia

os requisitos previstos pela legislação vigente. As significativas alterações

ocorridas no interior da boate, sem qualquer comunicação ao corpo de

bombeiros, acabaram por anular o alvará concedido, conforme previa o próprio

instrumento. A atuação do corpo de bombeiros se encerra com a vistoria e

concessão do alvará, cabendo ao Executivo Municipal a fiscalização. Requereu o

acolhimento da preliminar, ou que seja afastada a condenação em face do

Estado, em razão da ausência de responsabilidade pelo evento. Caso procedente

a ação, deve ser considerada a atenuação da responsabilidade do Estado na

fixação de indenização, bem como o valor a título de honorários advocatícios

não seja superior a 5% da condenação. Juntou cópia do relatório final do

inquérito policial militar (fls. 68/233).

Page 7: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

7

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O MUNICÍPIO DE SANTA MARIA apresentou sua contestação (fls.

234/260). Iniciou alegando que não existem provas e argumentos contundentes

para configurar o nexo causal entre a conduta do Município e evento danoso,

uma vez que o incêndio da boate não pode ser entendido como dano evitável.

Não restou claro também se a busca pela responsabilização do Município se

deve a uma suposta omissão na fiscalização ou uma concessão indevida do

alvará de localização. Disse que a emissão do referido alvará se deu em respeito

à legislação pertinente, não podendo ser entendido como uma conduta ilícita

comissiva. Nesse sentido, o MP realizou pedido de arquivamento do inquérito

policial em relação aos agentes do Poder Municipal, o que foi deferido pelo Juiz

que conduzia o processo criminal n° 027/2.13.0000696-7.

Reportou-se ao o fundamento usado pelo MP para o pedido de

arquivamento do inquérito Civil n° 00864.00006/2013: “a investigação do

Ministério Público não permite afirmar que os servidores públicos municipais

tenham adotado condutas que configurem improbidade administrativa”. Voltou a

sustentar que o evento ocorrido na Boate Kiss é decorrente de atos de terceiros,

quais sejam, os proprietários do estabelecimento, integrantes da Banda Gurizada

Fandangueira, Corpo de Bombeiros e até mesmo das próprias vítimas em razão

Page 8: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

8

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de seu estado de embriaguez, o que não era possível o Município evitar. Pediu o

julgamento de improcedência em sua face. Juntou documentos (fls. 261/327).

MAURO LONDERO HOFFMANN apresentou contestação às fls.

328/339. Alegou que Mauro não era sócio de fato da empresa Santo

Entretenimentos, mas sim mero cessionário de cotas, um “sócio-oculto”, sem

qualquer poder de administração. Denunciou a lide aos causadores do

incêndio, ou seja, os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que

utilizaram artefato pirotécnico inadequado para o local, diferente do usado pela

própria Boate. Discorreu acerca da culpa exclusiva de terceiros. Impugnou os

pedidos da autora. Requereu a AJG. Juntou documentos (fls. 341/406).

Houve réplica pela parte autora (fl. 408/414). Impugnou a

preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Estado do Rio Grande do Sul,

em razão da evidente omissão do Corpo de Bombeiros na fiscalização das reais

condições de prevenção de incêndios na casa noturna, havendo, inclusive,

denuncia do MP relativas à liberação irregular de PPCIs e alvarás na cidade. No

mérito, reiterou a responsabilidade dos réus pelo evento e os danos suportados

pela autora.

Page 9: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

9

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em decisão saneadora (fl. 418), o Juízo conheceu da

contestação apresentada por Mauro Hoffmann como sendo em nome da

pessoa jurídica ré SANTO ENTRETENIMENTOS LTDA, restando prejudicada a

preliminar de ilegitimidade passiva suscitada. Foi relegada para momento

posterior a arguição de ilegitimidade do ERGS, pois confunde-se com o

mérito. Também, indeferido o pedido de denunciação da lide ao produtor e

ao vocalista da Banda Gurizada Fandangueira, em razão da relação de

consumo e possibilidade de posterior ação regressiva pela ré SANTO

ENTRETENIMENTOS LTDA.

Durante a instrução do feito, foram ouvidas as mesmas

testemunhas arroladas em outros dois processos conexos. (CDs soltos nos autos).

A parte autora e o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

apresentaram memoriais (fl. 431/433 e 434/439).

O Ministério Público declinou da intervenção, em razão de não

verificar interesse público suficiente para tal (fl. 440/440v).

Sobreveio sentença, da lavra da Magistrada Eloisa Helena

Hernandez de Hernandez, com o seguinte dispositivo (fls. 441/452):

‘’ III – DISPOSITIVO.

Page 10: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

10

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente AÇÃO

INDENIZATÓRIA movida por ALESSANDRA

STANGHERLIN DE OLIVEIRA, a fim de condenar SANTO

ENTRETENIMENTOS LTDA ME ao pagamento de

indenização por danos morais fixada em R$20.000,00. Os

valores serão corrigidos pelo IGP-M desde a data da

sentença, e terão incidência de juros de 1% ao mês desde

a citação.

JULGO IMPROCEDENTES os pedidos em relação ao

MUNICÍPIO DE SANTA MARIA e ao ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL.

Condeno a autora ao pagamento de 60% das custas

processuais e honorários aos procuradores do Município

e Estado fixados em R$2.000,00 para cada um. Suspensa

a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça já

deferida. Condeno a Santo Entretenimentos ao

pagamento de 40% das custas processuais e honorários

ao procurador da autora fixados em 10% do valor

atualizado da condenação. Suspensa a exigibilidade em

razão da gratuidade de justiça ora deferida, já que a

empresa encontra-se com o seu patrimônio todo

bloqueado.’’

Mauro Londero Hoffmann opôs embargos de declaração (fls.

455/457) quanto ao ponto da sentença que lhe imputa a qualidade de

Page 11: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

11

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Cessionário das quotas, mas ao mesmo tempo reconheceu sua qualidade de

sócio da empresa. Referiu, assim, que a figura de sócio é adversativa à figura de

cessionário, devendo ser a questão esclarecida pelo Juízo. Os embargos

declaratórios foram recebidos e desacolhidos (fl. 184).

A parte autora interpôs recurso de apelação (fls. 458/465). Em

suas razões, sustentou que não se pode alegar que a tragédia da Boate Kiss foi

causada exclusivamente pelo fogo de artifício utilizado no interior da boate, pois

se tivessem sido realizadas as fiscalizações pelo Município e Estado a tragédia

não resultaria em tantas mortes. Em relação ao montante indenizatório fixado,

referiu que é insuficiente para reparar os abalos que terão reflexos durante toda

a vida da apelante. Postulou o provimento do apelo, para que sejam condenados

solidariamente os dois entes públicos réus, bem como seja majorado o valor

fixado à título de indenização por danos morais.

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apresentou suas

contrarrazões ao recurso de apelação (fls. 485/506).

Mauro Londero Hoffmann apresentou recurso de apelação, em

nome próprio (fls. 508/524). Em suas razões recursais, alegou que o contrato

de cessão de cotas nunca teve força geradora de responsabilidade ao

Page 12: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

12

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

cessionário ora apelante, uma vez que o termo inicial do ônus social dos sócios

se dá a partir da averbação do contrato de cessão perante a junta comercial.

Trata-se então da sua ilegitimidade passiva, não podendo haver o alcance de seu

patrimônio. Impugnou, por fim, o valor a que foi condenado ao pagamento

solidariamente a título de danos morais.

A parte autora apresentou contrarrazões ao recurso de apelação

(fls. 526/531).

Vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA (RELATORA)

Desde sua inauguração, em julho/2009, até a data do incêndio

(27.01.2013), que consumiu mais de duas centenas de vidas, a Boate Kiss, por

longos períodos, inclusive no dia da tragédia anunciada, funcionou normalmente,

promovendo shows de bandas e festas, sempre de forma irregular, por falta de

licença de operação ambiental, ou de alvará sanitário, alvará de prevenção de

Page 13: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

13

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

incêndio expedido pelo Corpo de Bombeiros com destacamento na cidade de

Santa Maria, ou por ausência de alvará de localização.

A Lei Municipal 330/1991, que dispõe sobre normas de

prevenção e proteção contra incêndios, em seu art. 2º rege que no Município de

Santa Maria compete à Prefeitura, através do 4º Grupamento de Incêndio,

estudar, analisar, exigir e fiscalizar todo o Sistema de Prevenção e Proteção

Contra Incêndio. A qualquer tempo, a Prefeitura Municipal poderá determinar

vistorias com objetivo de fiscalizar as instalações preventivas contra incêndios

(§1º). Na função fiscalizadora poderá vistoriar qualquer imóvel, estabelecimento

ou documentos relacionados com a segurança contra incêndios (§2º).

O Decreto Executivo 32/2009 regula a expedição de alvarás de

localização e sanitário, licenças ambientais e registro no serviço de inspeção

municipal (SIM) a autônomos, estabelecimentos comerciais e industriais,

empresas de prestação de serviços e de entidades associativas. No §1º do art. 3º

dispõe que o alvará de localização tem o fim específico de autorizar o tipo de

atividade do estabelecimento do local e é o primeiro a ser concedido, sendo que

as demais licenças ficam a ele vinculadas. Para sua obtenção, boates, danceterias,

clubes sociais, casas de show, estabelecimentos com música ao vivo ou mecânica

Page 14: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

14

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

e similares que reúnam expressiva quantidade de pessoas, devem apresentar

estudo de impacto de vizinhança, laudo técnico de isolamento, licença ambiental,

alvará sanitário e alvará de prevenção e proteção contra incêndio (art. 11º, §§2º e

3º - Quadro II – Lista de atividades sujeitas a exigências prévias e especiais). O

exercício da atividade sem as licenças necessárias sujeita o estabelecimento ao

fechamento pelo órgão fiscalizador (ar. 16º), à cassação do alvará de localização

e imediata cessação da atividade desenvolvida, até a regularização e expedição

de nova licença (art. 17, §3º). O Alvará de localização deverá ser cassado, dentre

outras hipóteses, caso haja informação restritiva do corpo de Bombeiros da

Brigada Militar ao estabelecimento ou atividade licenciada pelo Poder Público

Municipal e solicitação do referido órgão para que as atividades sejam

suspensas.

Em caráter geral, a Lei Estadual 987/97 determina que o Corpo de

Bombeiros, nos município em que possua destacamento, realizará inspeção anual

nos prédios considerados de riscos grande e médio, e a cada dois anos nos

prédios considerados de risco pequeno (art. 1º, §1º), Aquele que não apresentar

plano de prevenção e proteção contra incêndio, descumprir os prazos

assinalados para instalação dos itens de segurança necessários ou instalá-los em

Page 15: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

15

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

desconformidade com as especificações oficiais, fica sujeito às sanções de

advertência, multa e interdição (art. 2º, caput). Os prédios que oferecerem risco

de vida aos seus usuários ou transeuntes, por apresentarem elevada

probabilidade de incêndio ou desabamento, ou aqueles tornados perigosos pela

ausência de itens mínimos de segurança contra incêndios poderão ter sua

evacuação ou interdição determinada pelo Corpo de Bombeiros (art. 5º)

O Decreto Estadual 37380/97 define os requisitos mínimos

exigidos nas edificações e nos exercícios de atividades profissionais (excetuadas

as unidades unifamiliares, estabelecendo especificações para segurança contra

incêndios no Estado do RGS (arts. 2ª e 3º). O exame dos planos e inspeções dos

sistemas de prevenção de incêndios em prédios serão feitos pela Brigada Militar,

por meio do Corpo de Bombeiros. Também é de competência do Corpo de

Bombeiros, a qualquer tempo, planejar, analisar, estudar, aprovar, vistoriar e

fiscalizar todas as atividades, instalações e equipamentos de prevenção e

proteção contra incêndios e outros sinistros em todo o território do Estado (art.

3º). A solicitação é feita pelo proprietário, sendo expedido laudo numerado de

correção ou liberação. A classificação de risco de incêndio segue as normas do

Page 16: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

16

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Não sendo encontrada a classificação

específica, a tarefa caberá ao Corpo de Bombeiros.

Foram trazidos ao processo copia do inquérito policial instaurado a

requerimento do MP, para verificar se o Prefeito à época, Cezar Shirmer, incorreu

em conduta típica de improbidade administrativa, que foi arquivado sem

indiciamento (2º volume do processo).

Mas ainda no 1º Volume ( a partir da fl. 69) e parte do 2º Volume

(até fl.233), juntou o Estado cópia do Relatório Final do Inquérito Policial Militar

(IPM), instaurado pela Portaria Nº 1115/PM/2013, de 28.01.2013, com a

finalidade de apurar imputações de falhas do Corpo de Bombeiros na

fiscalização do funcionamento da boate e da condutas dos policiais militares que

atenderam a ocorrência, no que tange ao isolamento do local, combate ao

incêndio e socorro às vítimas. Para tanto, foram criadas Comissão de Perícia do

Incêndio e Comissão de Auditoria, que enfrentaram alguns entraves na reunião

dos elementos a serem investigado.

Foram solicitadas cópias de requisições do MP, em face do

Inquérito Civil Público sobre a poluição sonora causada pela boate, bem como

as irregularidades do estabelecimento frente ao Corpo de Bombeiros e Prefeitura

Page 17: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

17

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Municipal (cópia do processo administrativo que culminou na concessão de

alvará de localização, antecedida de requerimento de prorrogação de prazo para

inspeção, por alteração da parte elétrica do prédio).

Vejamos a cronologia dos fatos:

A Boate Kiss foi inaugurada em 31.07.2009, mesmo tendo expirado

o prazo de validade do alvará de proteção e prevenção de incêndio expedido

pelo Corpo de Bombeiros. Nova vistoria só ocorreu em 28.08.2009, com a

emissão no mês seguinte do primeiro alvará, que também expirou, continuando

a boate a funcionar até 08.08.2010, na mais pura negligência e ilegalidade. Em

08.11.2010, os proprietários foram notificados a apresentar o certificado de

treinamento do pessoal para a situação de possível acidente, que jamais foi

entregue. No mês de fevereiro/2011, os donos solicitaram vistoria do Corpo de

Bombeiros, que ocorreu em 11.04.2011, em relação aos extintores, iluminação,

saídas e mangueira de gás, manutenção das portas e desobstrução das saídas.

Em nova inspeção em 25.07.2011, o sargento responsável atestou o

cumprimento das exigências anteriores. O alvará só não foi emitido por falta de

pagamento da taxa de inspeção. Paga a taxa, em uma terceira inspeção, no dia

11.08.2001, com tudo regular, foi expedido novo alvará com validade até

Page 18: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

18

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

11.08.2012. Notificados os proprietários do vencimento do prazo, dias após

pagaram nova taxa, o imóvel foi vistoriado, sendo que extintores estavam em

perfeitas condições. Porém, no Relatório de Investigação de Sinistros 01/2013,

elaborado pela Comissão nomeada para o Inquérito, constatou que os extintores

não funcionavam e a última recarga se deu em 10/2012, havendo provas de que

o sócio Elissandro Spohr, por questão de estética, retirava os extintores.

Os proprietários da boate foram notificados em 03.12.2012 acerca

do vencimento do alvará de prevenção e proteção a incêndio no dia 11.11.2012,

com advertência e possível aplicação de multa. Não obstante isso, o pagamento

da taxa de inspeção só foi efetuada em 17.10.2012. Porém, a inspeção não

chegou a ser realizada porque, devido ao excesso de demanda, o requerimento

entrou em fila de espera de 1036 requerimento, na posição nº 541. Para

instrução do Inquérito Civil, também instaurado pelo MP, houve requisição do

Promotor de Justiça da comarca de informações das pendências verificadas na

inspeção de 11.04.2011, relativas aos extintores de incêndio, iluminação de

emergência, saídas de emergência e mangueira de gás.

Tramitava simultaneamente outro inquérito Civil Público que

investigava a ocorrência de poluição sonora, tendo sido requisitadas informações

Page 19: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

19

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

em 06.09.2011. Relatório de medição de pressão sonora elaborado pela 1ª

Companhia do 2ª Batalhão de Polícia Ambiental concluiu que os níveis de

pressão sonora não atendiam às legislações vigentes, restando caracterizada a

poluição sonora. Em Temo de Ajustamento de Condutas firmado com o MP e a

proprietária da boate, fixou-se prazo para contratação e elaboração de projeto

de isolamento acústico por profissional habilitado. O alvará de localização

originalmente expedido autorizou a boate a dar início à sua atividade em

14.04.2010, anteriormente ao alvará de prevenção e proteção contra incêndio

expedido em 11.08.2011. Fisicamente, o prédio era dividido em duas partes: Uma

destinada à boate, que funcionava de segunda-feira a sábado; outra, ao PUB,

com isolamento acústico feito com gesso e lã de vidro.

Os proprietários da boate apresentaram petição, requerendo

alterações de cláusulas do Temo de Ajuste, bem como descrições dos serviços a

serem projetados e requerimento de prorrogação do prazo de execução. Na

planta-baixa entregue não constam os guarda-copos de entrada (transversal) e

lateral, á esquerda de quem entra (instalados em outubro/2011). – de separação

das pistas 1 e 2 e margeamento do salão central. A casa possuía duas portas de

entrada, ao invés de três, e o palco instalado após no fundo, à esquerda.

Page 20: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

20

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No memorial descritivo das correções que deveriam ser realizada,

apresentado em 19.12.2011, e que foi executado, segundo engenheiro

responsável até fevereiro/2012 o palco foi levado para o fundo da boate e

levantado e as paredes de alvenaria atrás do palco foram levantada com altura

de 1,50m para facilitar o escoamento de saída do salão. Secretários de diligência

do MP estiveram no estabelecimento e contataram a mudança do palco, o

rebaixamento do teto em gesso, duplagem da parede contígua ao prédio

vizinho. Em que pese a vizinhança não ter sentido melhora no isolamento

acústico, após consulta à Companhia Ambiental da cidade, o acordo foi dado

por cumprido. Com o incêndio, o procedimento perdeu objeto.

Faz menção o Relatório de inúmeras manifestações da CTPI

referentes aos dois processos de concessão de alvarás em 2009 e 2011 à Boate

Kiss: 1ª impossibilidade de interdição da casa, pois não se tratava o prédio com

elevada probabilidade de incêndio ou desabamento, pela ausência de itens

mínimos de segurança; 2º a não concessão de alvará no ano de 2012 esbarrava

na incapacidade material do Corpo de Bombeiros de realizar a inspeção do local

por falta de efetivo; 3º os extintores de incêndio estavam, em tese em ordem,

carregado, conforme nota fiscal de 19.10.2012 apresentada; 4º porém,

Page 21: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

21

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

permaneciam obstáculos físicos em desacordo com a NBBR 9077, posicionados

incorretamente, prejudicando a utilização das saídas; 5º o revestimento acústico

(material tóxico) foi alterado após a inspeção de 2011, assim como layout não

foram comunicadas ao Corpo de Bombeiro, mudando as condições de segurança

contra incêndios, agravando o risco; 6º estimativa de público de 691 para

463m² e o número de portas de saída estavam adequados; o uso de artefato

pirotécnico em ambiente fechado foi uma das causas do incêndio, levando em

conta a superlotação e os obstáculos às duas portas de saída; 7º também a ação

dos seguranças, bloqueando as portas, retardou a evacuação.

Também o CREA verificou que a iluminação na boate era

ineficiente, a sinalização deveria ser abundante e fixada no teto, paredes e piso,

tanto que no dia do fato, os freqüentadores dirigiam-se às saídas, mas a fumaça

tóxica e o guarda-copos transversal foram obstáculos intransponíveis. No

Inquérito Policial Militar, protege-se o Corpo de Bombeiros, alegando que as

alterações posteriores à última vistoria, por si só, invalidariam o alvará expedido

em 2009, constando tal advertência no documento.

Porém, a falha do Município em autorizar e mesmo fazer vistas

grossas ao funcionamento da boate que funcionava diariamente sem qualquer

Page 22: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

22

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

segurança aos usuários, quando era sua a obrigação, pelo poder de polícia que

detém, de permanecer vigilante. A boate era alvo de constantes reclamações de

proprietários próximos pela falta de isolamento acústico eficiente. Estava em

constante dívida com o Município no que tange às licenças necessárias à

expedição do alvará de localização. E agindo de forma coordenada com o Corpo

de Bombeiro, sabia, ou deveria saber de que colocava para dentro do precário

ambiente centenas de pessoas sem ao menos ter alvará válido do Corpo de

Bombeiros quanto ao cumprimento das normas de proteção e prevenção de

incêndio.

Por sua vez, o Corpo de Bombeiros, braço do Estado, agiu de

forma leniente, burocrática, na fiscalização do procedimento de adequação da

boate às regraS de segurança, pondo o expediente em uma fila de espera de

mais de 1000 requerimentos, desconsiderando o fato de que a maior vigilância

era necessária, dado o número de vidas que diariamente freqüentavam o local. A

cidade é de pequeno porte e população considerável de universitários, que se

mantém mais ou menos constante. Tratam-se de jovens e adolescentes que

estudam, mas procuram diversão. É de conhecimento público que a Boate Kiss

era a casa noturna que angariava maior público e que promovia festas com

Page 23: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

23

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

bandas atrativas, como a Banda Gurizada Fandangueira que apelava para a

pirotecnia, no caso, uso de artefato Sputnik, que lança faíscas de fogo que

chegam a 4m de altura e que jamais poderia ser usado em ambiente fechado.

Lógico que a causa direta do incêndio foi o uso do artefato pela

banda e a combustão gerada a partir da espuma altamente tóxica instalada na

forração da casa. A precária iluminação aliada à fumaça tóxica desnorteava os

jovens à procura de rotas de fuga, que, em verdade, restringia-se à porta de

entrada da boate, falta de extintores para a situação, pior, extintores sem

condições de funcionamento, instalação de obstáculos no meio do caminho e

bloqueio inicial dos seguranças, até que percebessem o incêndio iniciado no

fundo, junto ao palco.

A casa noturna, aqui nos autos, representada por Mauro Londero

Hoffman, o que foi reconhecido antes da sentença, não há qualquer discussão

quanto à sua responsabilidade, por irresponsabilidade e negligência dos sócios,

em face do evento.

De forma indireta, por omissão e leniência, quando tinham o dever

de agir e fiscalizar, tanto do Município, como do Estado, contribuiu em muito o

agir ilícito dos proprietários da casa noturna, descaso completo, que eliminou de

Page 24: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

24

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

forma estúpida as vidas de mais de duzentos jovens, causou lesões permanentes,

em grande parte, pela inalação do gás tóxico em dezenas de outros. A autora foi

uma vítima sobrevivente.

A sentença refere que Alessandra recebeu tratamento psicológico

custeado pelo Estado. Não há prescrição médica para continuidade do

acompanhamento, não deixando de reconhecer que viveu o inferno e presenciou

a trágica morte de colegas e amigos. Por isso, a indenização por dano moral é

mais do que devida.

O valor indenizatório fixado na sentença (R$ 20.00,00) não se

mostra inexpressivo, inclusive guarda coerência com indenizações já deferidas

em ação aforada por pais de outra vítima fatal.

Posto isso, voto pelo não provimento do recurso da ré, e

parcial provimento ao recurso da autora, para condenar também o Município

de Santa Maria e o Estado do Rio Grande do Sul, de forma solidária com a

empresa, ao pagamento da indenização fixada pela sentença de primeiro

grau. Custas e honorários advocatícios na totalidade pelos réus, que

aumento em 20% sobre o valor da condenação em face ao trabalho

Page 25: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

25

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

desenvolvido em sede recursal pelo patrono da demandante (art. 85, §§ 2º e

11º, do CPC).

DES. LÉO ROMI PILAU JÚNIOR

Acompanho a em. Relatora no caso concreto, quanto ao resultado

adotado, pelos fundamentos que alinho, no que toca à responsabilidade dos

entes públicos.

Ao que se colhe do exame dos autos, a presente demanda está

alicerçada nos eventos que circundaram a madrugada de 27 de janeiro de 2013,

marco da tragédia de imensurável magnitude que vitimou jovens na Boate Kiss,

localizada em Santa Maria.

Primeiramente, sinala-se que o sistema jurídico brasileiro adota a

responsabilidade objetiva do Estado lato sensu e das prestadoras de serviço

público sob a forma da Teoria do Risco Administrativo, com base no art. 37, §6º,

da CF1. Contudo, nos casos de omissão genérica, a responsabilidade do Estado

1 Art. 37, § 6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Page 26: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

26

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(e do Município, in casu) passa a ser subjetiva, ou seja, depende da existência de

dolo ou culpa por parte do agente causador do dano.

Oportuna a lição de Carlos Roberto Gonçalves sobre omissão do

Estado2:

A omissão “configura a culpa ‘in omittendo’ e a culpa ‘in vigilando’. São casos de ‘inércia’, casos de ‘não atos’. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por ‘inércia’ ou ‘incúria’ do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o ‘bonus pater familiae’, nem como o ‘bonus administrator’. Foi negligente, às vezes imprudente e até imperito. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito, se não previu as possibilidades da concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à ideia de inação, física ou mental”

Bem como, no tocante à omissão genérica, cito doutrina

pertinente3:

2 GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil, vol. 4, 7º Ed., SP:

Editora Saraiva, 2012, p. 140.

3 CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de Responsabilidade Civil, 10ª ed., rev. e amp. SP: Atlas, 2012,

p. 268-289.

Page 27: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

27

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

“Em contrapartida, a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em

que não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando

a Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por

exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua

omissão concorre para o resultado, caso em que deve prevalecer o

princípio da responsabilidade subjetiva.

(...)

Como se vê, na omissão genérica, que faz emergir a

responsabilidade subjetiva da Administração, a inação do Estado,

embora não se apresente como causa direta e imediata do dano,

entretanto concorre para ele, razão pela qual deve o lesado provar

que a falta do serviço (culpa anônima) concorreu para o dano, que

se houvesse uma conduta positiva praticada pelo Poder Público o

dano poderia não ter ocorrido.

Conforme introduzido, a caracterização da responsabilidade do

Poder Público, no caso dos autos, depende, além da conjugação dos requisitos

elementares da responsabilidade civil, da perquirição acerca da existência de

culpa dos entes públicos.

Partindo-se dessa premissa, após análise minuciosa do caderno

processual, além de se atentar, por evidente, à legislação estadual e municipal

vigente quando da ocorrência dos fatos declinados, conclui-se que resta

suficientemente verificada conduta culposa dos réus. Acerca da questão, por

Page 28: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

28

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

oportuno, trago os seguintes julgados, a fim de elucidar o entendimento ora

esposado:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

RESPONSABILIDADE CIVIL. PROGRAMA HABITACIONAL "MINHA

CASA, MINHA VIDA". AUSÊNCIA DE APROVAÇÃO DE

FINANCIAMENTO HABITACIONAL PELA CAIXA ECONÔMICA

FEDERAL. NÃO IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO HABITACIONAL

PELO MUNICÍPIO. OMISSÃO GENÉRICA. RESPONSABILIDADE

SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE PROVA DA CULPA DO MUNICÍPIO.

DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. I. Nos termos do art. 14, do

CPC/2015, a norma processual não retroagirá, respeitados os atos

processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a

vigência da norma revogada. Dessa forma, aplicam-se as

disposições constantes do CPC/1973, em vigor quando do

ajuizamento da ação, da prolação da sentença e da interposição

do presente recurso. II. Preliminar. Nulidade da sentença. Conexão.

Nos termos do art. 103, do CPC/1973, reputam-se conexas duas

ou mais ações quando Ihes for comum o objeto ou a causa de

pedir. Todavia, no caso concreto, não há falar em conexão do

presente feito com o processo nº 028/1.11.0007958-7, uma vez

que aquela demanda foi interposta por terceira pessoa, alheia à

presente lide, não havendo a possibilidade de ocorrer decisões

conflitantes. Preliminar rejeitada. III. Preliminar. Ilegitimidade

passiva. É de ser afastada a referida preliminar, pois o Município

de Santa Rosa foi o responsável pela divulgação e implementação

Page 29: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

29

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

do programa "Minha Casa Minha Vida", tendo inclusive convocado

os interessados que possuíam terreno para darem

encaminhamento à documentação que se fazia necessária para a

realização do projeto. Preliminar rejeitada. IV. Mérito. A

responsabilidade dos entes da administração pública, em regra, é

objetiva, ou seja, independe de culpa, bastando a comprovação do

prejuízo e do nexo de causalidade entre a ação (comissiva ou

omissiva) e o dano. Inteligência do art. 37, § 6°, da Constituição

Federal. No entanto, há situações que ensejam a verificação da

culpa para se configurar a responsabilidade civil do Estado. V.

Quando se trata de danos causados por omissão, é imperioso

distinguir a omissão específica da omissão genérica. A omissão é

específica quando o Estado, diante de um fato lesivo, tinha a

obrigação de evitar o dano, sendo objetiva a responsabilidade. É

genérica quando o Estado tinha o dever legal de agir, mas, por

falta do serviço, não impede eventual dano ao seu

administrado, razão pela qual, a responsabilidade é subjetiva,

havendo necessidade de prova da culpa. VI. No caso, o autor

postula indenização por danos morais em virtude da frustração

gerada pela não-implementação do projeto habitacional "Minha

Casa Minha Vida" pelo Município, no qual haviam sido

selecionadas 49 pessoas para participar do programa. VII.

Entretanto, não há falar em quebra de expectativa ou mesmo de

rescisão de contrato, uma vez que a documentação enviada pelos

interessados no referido projeto habitacional nem sequer chegou a

ser aprovada pe vista a existência de muitos terrenos em nome de

terceiros, o que geraria alto risco ao empreendimento. VIII.

Ademais, o ente público agiu no exercício regular de direito, não

Page 30: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

30

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

podendo ser responsabilizado pela negativa de crédito, pois ínsita

a qualquer tipo de negociação imobiloiária. Ademais, são notórios

os entraves e a demora na aprovação de projetos desse porte, e a

simples frustração da expectativa do autor, desatrelada da prova

de qualquer prejuízo, não é passível, por si só, de indenização por

danos morais. IX. Prequestionamento. O Órgão Colegiado não está

obrigado a enfrentar todos os argumentos e dispositivos legais

suscitados pelas partes, mas a analisar fundamentadamente a

matéria devolvida pelo no recurso. X. Redimensionamento da

sucumbência, considerando o integral decaimento da parte autora,

nos termos do art. 20, § 3º e 4º, do CPC/1973. PRELIMINARES

REJEITADAS. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº

70066496845, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 31/08/2016) –

grifei.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZATÓRIA POR

DANOS MATERIAIS. QUEDA DE ÁRVORE EM VIA PÚBLICA SOBRE

VEÍCULO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO.

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. OMISSÃO GENÉRICA. CASO

CONCRETO NO QUAL NÃO SE PODE PRESUMIR A NEGLIGÊNCIA

DO MUNICÍPIO. - Falha do serviço (faute du service). Embora a

regra seja a responsabilidade objetiva (art. 37, §6º, CF/88),

quando se cuida de responsabilidade por omissão estatal,

incide a responsabilidade subjetiva, com aferição de culpa.

Precedentes das Cortes Superiores. Em situações assim, deve-se

perquirir se era ou não de se esperar a atuação do Estado, se

Page 31: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

31

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

havia ou não o dever de agir; pois, do contrário, se corre o risco

de, na perspectiva da socialização dos prejuízos, elevar o ente

público ao patamar de um segurador universal. - Caso concreto.

Árvore em via pública aberta que caiu após episódios de ventos e

chuvas. Hipótese na qual não há como exigir da municipalidade

que exerça uma fiscalização constante nas condições fitossanitárias

de todas as vegetações que a guarnecem, sob pena de se exigir

vigilância irrestrita e absoluta do Estado sobre bens, em especial

porque não houve situação de omissão específica como, por

exemplo, requerimento de vistoria ou poda desatendido

administrativamente ou estar a árvore localizada dentro de um

parque, o que pela sua utilização permite exigir um cuidado maior.

Assim, não configurada a culpa, ausente o dever de indenizar.

APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº

70065063000, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 26/08/2015) – grifei.

Os nuances do atuar dos agentes públicos, os quais conduzem à

cognição de constatação de culpa, sobrelevam-se, em especial, quando

analisadas as circunstâncias que circundaram o funcionamento da casa noturna,

bem como os seus desdobramentos.

Nesse sentido, o agir irregular dos réus, mormente no que toca à

ausência de fiscalização do estabelecimento, restou, deveras, demonstrado no

desenvolver dos autos, conforme se infere da análise dos documentos carreados

Page 32: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

32

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

pelas partes. Diante de tal, in casu, a irregularidade da boate importa, por

evidente, falha no dever de fiscalização dos agentes públicos, ao não se prezar

pela efetivação da adequação da casa noturna. Merece enfoque o fato de que o

encargo legalmente imposto à Administração Pública, qual seja, de fiscalização,

não cessa quando da concessão do alvará. Agir repressiva e preventivamente,

mediante a fiscalização contínua do estabelecimento, exigindo-se a sua

conformidade com a legislação, consistia (e consiste) no dever legal dos

requeridos – conforme a legislação vigente na época da materialização dos

eventos – e que não se verificou na hipótese.

Quanto ao mais, no plano fático, o atuar dos requeridos (ou não-

atuar, no caso), consideradas as peculiaridades acima delineadas, claramente

influiu para a consubstanciação do dano na hipótese.

Ora, não há como se ignorar que a irregularidade na conduta dos

réus é, com efeito, revestida de relevância jurídica, em especial por conduzir o

processo causal para a ocorrência dos fatos, mediante a ausência de fiscalização

retratada.

Com isso em mente, depreende-se que, em que pese a existência

de uma causa imediata para a ocorrência material do incêndio e para a eclosão

Page 33: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

33

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

dos conhecidos e lastimáveis episódios, a falha na fiscalização compõe, de fato, a

cadeia causal, afastando-se, por conseguinte, a caracterização de culpa exclusiva

de terceiro.

Vale lembrar que, para a doutrina: “O nexo causal é o liame que

une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que

se conclui quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A

responsabilidade objetiva dispensa culpa, mas nunca dispensará o nexo causal.

Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o

ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida”. 4

Por oportuno, atente-se ao seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INCÊNDIO EM

CASA DE ESPETÁCULO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.

INEXISTÊNCIA.

RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO. CARACTERIZAÇÃO.

SÚMULA 7 DO STJ.

CUMULAÇAO DE DANOS MORAIS E ESTÉTICOS E REDUÇÃO DO

VALOR DA INDENIZAÇÃO. SÚMULA 284/STF.

4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: v.4, responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas,

2010. pag. 56.

Page 34: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

34

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(...)

3. No caso, o acórdão assegura, com base nos elementos

probatórios coligidos aos autos, que o Município de Belo

Horizonte, embora conhecedor das irregularidades que ocorriam

na casa de espetáculos onde ocorreu incêndio durante um show,

com resultados fatais, não agiu com o dever legal de fiscalizar o

estabelecimento, a fim de impedir ou minimizar o evento danoso.

4. Desse modo, tem-se a presença do dano (incêndio), para o

qual concorreram as falhas da Administração municipal (nexo

de causalidade) na fiscalização das condições do local onde

ocorreu a tragédia (omissão no cumprimento de dever legal).

Encontram-se configurados os elementos necessários para o

reconhecimento da responsabilidade omissiva estatal.

5. Para a modificação de tais conclusões, seria necessário o

revolvimento dos elementos fático-probatórios coligidos aos autos,

medida sabidamente vedada em sede de recurso especial nos

termos do disposto na Súmula 7/STJ.

(...)

(REsp 1281555/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA

TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 12/11/2014)

Com fundamento nas razões de fato e de direito anteriormente

deduzidas, acompanho a conclusão da em. Relatora.

Page 35: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

35

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE)

De acordo com o Eminente Desembargador Ney Wiedemann Neto,

no sentido de manter a sentença e negar provimento aos apelos.

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO

De acordo com a ilustre Relatora, tendo em vista que as

peculiaridades do caso em análise autorizam a conclusão exarada no voto

quanto ao reconhecimento da responsabilidade dos Entes Públicos no evento

em questão.

No caso em tela assiste razão à parte autora ao imputar ao

Município de Santa Maria e ao Estado do Rio Grande do Sul a responsabilidade

pelos danos ocasionados, tendo em vista ser fato incontroverso da lide, na forma

do artigo 334, do Código de Processo Civil, com correspondência no art. 374 da

novel legislação processual.

Ademais, trata-se de fato público e notório, com repercussão

internacional, o incêndio ocasionado na “Boate Kiss”, no dia 27/01/2013, sendo

que a parte autora estava presente no local, tendo experimentado evidentes

Page 36: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

36

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

transtornos e abalos psicológicos causados pela tragédia, bem como tendo

expirado a fumaça tóxica oriunda da combustão da espuma que revestia a

Boate.

Ressalta-se que a presente ação deverá ser analisada sob dois

enfoques, diante da necessidade de aferir a responsabilidade pelas condutas

omissivas e comissivas dos agentes estatais.

Preambularmente, frise-se que a Administração Pública tem

responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa

qualidade, causarem a terceiros, nos termos do § 6º do artigo 37 da Constituição

Federal, o que dispensaria a parte prejudicada de provar a culpa do Poder

Público para que ocorra a reparação, bastando à relação de causalidade entre a

ação ou omissão administrativa e o dano sofrido.

No entanto, o ente público se exonera do dever de indenizar caso

comprove a ausência de nexo causal, ou seja, provar a culpa exclusiva da vítima,

força maior, caso fortuito, ou seja, fato exclusivo de terceiro nesta última

hipótese. Da mesma forma, terá o quantum indenizatório reduzido se comprovar

Page 37: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

37

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

culpa concorrente da vítima para o evento danoso. Sobre o tema em foco ensina

o doutrinador Meirelles5 que:

Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora

dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder

público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a

indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o

risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração

deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo

particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada

da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa

total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda

Pública se eximirá integralmente ou parcialmente da indenização.

No mesmo sentido são os ensinamentos de Cavalieri Filho6 ao

lecionar que:

Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da

culpa da administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade

nos casos de exclusão do nexo causal – fato exclusivo da vítima, caso

fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo,

repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade

administrativa, e não pela atividade administrativa de terceiros ou da

própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da natureza, estranhos à sua

atividade. Não significa, portanto, que a Administração deva indenizar

5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 28ª ed.,atual. por Eurico de

Andrade Azevedo e outros. SP: Malheiros, 2003, P. 623. 6 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., rev. e amp. SP:

Atlas, 2007, p. 239.

Page 38: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

38

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular. Se o

Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação

de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá

lugar a aplicação da teoria do risco administrativo e, por via de

conseqüência, o Poder público não poderá ser responsabilizado.

No que concerne a cronologia dos fatos, colaciono parte da bem

lançada fundamentação utilizada no voto de lavra da culta Relatora,

Desembargadora Elisa Carpim Correa, a fim de evitar desnecessária tautologia,

consoante o que segue transcrito:

A Boate Kiss foi inaugurada em 31.07.2009, mesmo tendo expirado o

prazo de validade do alvará de proteção e prevenção de incêndio

expedido pelo Corpo de Bombeiros. Nova vistoria só ocorreu em

28.08.2009, com a emissão no mês seguinte do primeiro alvará, que

também expirou, continuando a boate a funcionar até 08.08.2010, na

mais pura negligência e ilegalidade. Em 08.11.2010, os proprietários

foram notificados a apresentar o certificado de treinamento do pessoal

para a situação de possível acidente, que jamais foi entregue. No mês de

fevereiro/2011, os donos solicitaram vistoria do Corpo de Bombeiros, que

ocorreu em 11.04.2011, em relação aos extintores, iluminação, saídas e

mangueira de gás, manutenção das portas e desobstrução das saídas. Em

nova inspeção em 25.07.2011, o sargento responsável atestou o

cumprimento das exigências anteriores. O alvará só não foi emitido por

falta de pagamento da taxa de inspeção. Paga a taxa, em uma terceira

inspeção, no dia 11.08.2001, com tudo regular, foi expedido novo alvará

com validade até 11.08.2012. Notificados os proprietários do vencimento

do prazo, dias após pagaram nova taxa, o imóvel foi vistoriado, sendo

Page 39: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

39

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que extintores estavam em perfeitas condições. Porém, no Relatório de

Investigação de Sinistros 01/2013, elaborado pela Comissão nomeada

para o Inquérito, constatou que os extintores não funcionavam e a última

recarga se deu em 10/2012, havendo provas de que o sócio Elissandro

Spohr, por questão de estética, retirava os extintores.

Os proprietários da boate foram notificados em 03.12.2012 acerca do

vencimento do alvará de prevenção e proteção a incêndio no dia

11.11.2012, com advertência e possível aplicação de multa. Não obstante

isso, o pagamento da taxa de inspeção só foi efetuada em 17.10.2012.

Porém, a inspeção não chegou a ser realizada porque, devido ao excesso

de demanda, o requerimento entrou em fila de espera de 1036

requerimento, na posição nº 541. Para instrução do Inquérito Civil,

também instaurado pelo MP, houve requisição do Promotor de Justiça da

comarca de informações das pendências verificadas na inspeção de

11.04.2011, relativas aos extintores de incêndio, iluminação de

emergência, saídas de emergência e mangueira de gás.

Tramitava simultaneamente outro inquérito Civil Público que investigava

a ocorrência de poluição sonora, tendo sido requisitadas informações em

06.09.2011. Relatório de medição de pressão sonora elaborado pela 1ª

Companhia do 2ª Batalhão de Polícia Ambiental concluiu que os níveis

de pressão sonora não atendiam às legislações vigentes, restando

caracterizada a poluição sonora. Em Temo de Ajustamento de Condutas

firmado com o MP e a proprietária da boate, fixou-se prazo para

contratação e elaboração de projeto de isolamento acústico por

profissional habilitado. O alvará de localização originalmente expedido

autorizou a boate a dar início à sua atividade em 14.04.2010,

anteriormente ao alvará de prevenção e proteção contra incêndio

expedido em 11.08.2011. Fisicamente, o prédio era dividido em duas

partes: Uma destinada à boate, que funcionava de segunda-feira a

Page 40: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

40

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

sábado; outra, ao PUB, com isolamento acústico feito com gesso e lã de

vidro.

Os proprietários da boate apresentaram petição, requerendo alterações

de cláusulas do Temo de Ajuste, bem como descrições dos serviços a

serem projetados e requerimento de prorrogação do prazo de execução.

Na planta-baixa entregue não constam os guarda-copos de entrada

(transversal) e lateral, á esquerda de quem entra (instalados em

outubro/2011). – de separação das pistas 1 e 2 e margeamento do salão

central. A casa possuía duas portas de entrada, ao invés de três, e o

palco instalado após no fundo, à esquerda.

No memorial descritivo das correções que deveriam ser realizada,

apresentado em 19.12.2011, e que foi executado, segundo engenheiro

responsável até fevereiro/2012 o palco foi levado para o fundo da boate

e levantado e as paredes de alvenaria atrás do palco foram levantada

com altura de 1,50m para facilitar o escoamento de saída do salão.

Secretários de diligência do MP estiveram no estabelecimento e

contataram a mudança do palco, o rebaixamento do teto em gesso,

duplagem da parede contígua ao prédio vizinho. Em que pese a

vizinhança não ter sentido melhora no isolamento acústico, após consulta

à Companhia Ambiental da cidade, o acordo foi dado por cumprido.

Com o incêndio, o procedimento perdeu objeto.

Faz menção o Relatório de inúmeras manifestações da CTPI referentes

aos dois processos de concessão de alvarás em 2009 e 2011 à Boate Kiss:

1ª impossibilidade de interdição da casa, pois não se tratava o prédio

com elevada probabilidade de incêndio ou desabamento, pela ausência

de itens mínimos de segurança; 2º a não concessão de alvará no ano de

2012 esbarrava na incapacidade material do Corpo de Bombeiros de

realizar a inspeção do local por falta de efetivo; 3º os extintores de

incêndio estavam, em tese em ordem, carregado, conforme nota fiscal de

19.10.2012 apresentada; 4º porém, permaneciam obstáculos físicos em

Page 41: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

41

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

desacordo com a NBBR 9077, posicionados incorretamente, prejudicando

a utilização das saídas; 5º o revestimento acústico (material tóxico) foi

alterado após a inspeção de 2011, assim como layout não foram

comunicadas ao Corpo de Bombeiro, mudando as condições de

segurança contra incêndios, agravando o risco; 6º estimativa de público

de 691 para 463m² e o número de portas de saída estavam adequados; o

uso de artefato pirotécnico em ambiente fechado foi uma das causas do

incêndio, levando em conta a superlotação e os obstáculos às duas

portas de saída; 7º também a ação dos seguranças, bloqueando as

portas, retardou a evacuação.

Também o CREA verificou que a iluminação na boate era ineficiente, a

sinalização deveria ser abundante e fixada no teto, paredes e piso, tanto

que no dia do fato, os freqüentadores dirigiam-se às saídas, mas a

fumaça tóxica e o guarda-copos transversal foram obstáculos

intransponíveis. No Inquérito Policial Militar, protege-se o Corpo de

Bombeiros, alegando que as alterações posteriores à última vistoria, por

si só, invalidariam o alvará expedido em 2009, constando tal advertência

no documento.

No que tange as condutas comissivas dos agentes, salienta-se que

foram expedidos alvarás de localização sem as condições necessárias para a

segurança do público, apesar de o alvará do Corpo de Bombeiros estar expirado

(expirado o Alvará de Prevenção e Proteção contra Incêndio em 10/08/12) e de o

projeto arquitetônico do local não estar aprovado.

Nesse sentido, quanto às normas de prevenção e proteção contra

incêndios, a Lei Municipal nº 3301/91, dispõe de forma expressa em seus artigos

Page 42: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

42

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

os requisitos indispensáveis para a prevenção nos prédios e estabelecimentos do

Município de Santa Maria, considerando, principalmente, a segurança das

pessoas, que seguem transcritos:

Art. 10 – É obrigatória a iluminação de emergência nas escadas dos

seguintes tipos de edificações e estabelecimentos.

I – prédios com quatro ou mais pavimentos, com locais de reuniões em

andares superiores ou térreo, tais com: salas de aula, auditórios,

restaurantes e assemelhados;

II – prédios de escritórios, repartições públicas, bancos, consultórios e

assemelhados, com altura superior a 12 (doze) metros entre a soleira de

entrada e o piso do último pavimento;

III – prédios residenciais com altura superior a 15 (quinze) metros entre a

soleira de entrada e o piso do último pavimento;

IV – prédios de ocupação mista, com altura superior a 15 (quinze) metros

entre a soleira de entrada e o piso do último pavimento ou com área

superior a 300 m2 (três mil metros quadrado).

Art. 11 – Os prédios de uso não residencial com mais de dois

pavimentos ou mais de 750 m2 (setecentos e cinqüenta metros

quadrados) e de acesso ao público, deverão ter estes pavimentos ou

área, dotados de iluminação de emergência que deverá ser executada de

acordo com as exigências da Norma da ABNT, que regula a matéria.

[...]

Art. 14 – A sinalização de saída deverá obedecer o que prescreve a NBR-

9077.

[...]

Page 43: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

43

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Art. 17 – É vedado o emprego de material de fácil combustão e/ou que

desprenda gases tóxicos em caso de incêndio, em divisórias,

revestimento e acabamentos seguintes:

I – estabelecimentos de reunião de público, cinemas, teatros, boates e

assemelhados;

[...]

§2º - As paredes resistentes ao fogo deverão ultrapassar em 50

(cinqüenta) centímetros os telhados ou coberturas que dividem.

§3º - O afastamento frontal entre aberturas de setores e compartimentos

será de três metros e, de um metro e quarenta centímetros entre

abertura situada no mesmo alinhamento, em lados opostos da parede

resistente ao fogo.

Neste último caso, será dispensado o afastamento quando houver aba

perpendicular ao plano das aberturas com cinqüenta centímetros.

Já quanto à emissão/suspensão de alvará, a Lei Orgânica Municipal

em seu artigo 9º, dispõe que competem ao Município de Santa Maria as

seguintes atribuições, consoante o que segue:

Art. 9º - Compete ao Município, no exercício de sua autonomia, dentre

outras, as seguintes atribuições:

XVIII - Conceder e cassar os alvarás de licença dos estabelecimentos que,

por suas atividades, se tornarem danosos à saúde, à higiene, ao sossego,

à segurança, ao meio ambiente, ao bem-estar público ou aos bons

costumes;

[...]

Page 44: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

44

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

XXXIX - Licenciar para funcionamento os estabelecimentos comerciais,

industrial, de serviços e similares, mediante a expedição de alvará de

localização;

XL - Suspender ou caçar o alvará de localização de estabelecimento que

infringir dispositivos legais;

Ainda sobre o tema, o Decreto Executivo 32/2009 regula a

expedição de licenciamento municipal referente aos Alvarás de Localização,

dispondo o que segue:

Art. 3º. Para autônomos e estabelecimentos comerciais, industriais, de

prestação de serviço ou entidades associativas é de competência do

Município a expedição:

I.Do Alvará de Localização;

[...]

§ 1º. O Alvará de Localização tem o fim específico de autorizar o tipo de

atividade do estabelecimento no local e será o primeiro a ser emitido,

sendo que as demais licenças municipais devem ficar vinculadas a este.

[...]

Art. 11. Para requerer a inscrição municipal e licenças próprias, bem

como o registro das alterações, o requerente dará abertura de processo

único no Protocolo Geral do Município.

§ 1º. O procedimento inicial é a apresentação do formulário padrão,

adotado na municipalidade (FID 1), que é parte integrante, anexa, deste

decreto (ANEXO 01 = FID 1), acompanhada dos documentos necessários,

de acordo com o processo, conforme Quadro I – DO PROCESSO E DA

DOCUMENTAÇÃO, abaixo.

Page 45: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

45

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

§ 2º. Atendidas as exigências legais e apresentados os documentos

conforme o quadro I, ocorrerá a expedição do Alvará de Localização.

§ 3º. O disposto no parágrafo anterior não se aplica a estabelecimentos e

atividade previstas no Quadro II – LISTA DE ATIVIDADES SUJEITAS A

EXIGENCIAS PRÉVIAS E ESPECIAIS, para os quais, obrigatoriamente,

serão necessários os licenciamentos prévios para a expedição do

alvará de localização, conforme previsto no próprio Quadro II, de

acordo com a atividade.

De acordo com o quadro7 II mencionado, verifica-se que no caso

dos autos existiam exigências prévias e especiais para a expedição de alvará de

localização, sendo que para boates, danceterias, casas de show e

estabelecimentos com música ao vivo (dentre outros), que reúnam expressiva

quantidade de pessoas é necessário, ainda: estudo de impacto de vizinhança,

laudo técnico de isolamento acústico, licenças ambientais, alvará sanitário e

alvará de prevenção e proteção contra incêndio.

Deste modo, verifica-se que os agentes municipais agiram em

desacordo com a legislação local, com a expedição de alvará de localização sem

as condições necessárias para a segurança do público, apesar de o alvará do

Corpo de Bombeiros estar expirado e de o projeto arquitetônico do local não

estar aprovado, restando evidente a conduta ilícita praticada pelos agentes.

7 Disponível em: < https://www.santamaria.rs.gov.br/docs/noticia/2013/02/D27-463.pdf> .

Acesso em: 24 de novembro de 2011.

Page 46: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

46

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Por outro lado, também se faz necessária a análise sobre a

responsabilização subjetiva dos agentes públicos, restando verificar, então, a

ocorrência de conduta culposa pelo ente municipal e estadual para aferir o dever

de indenizar por parte destes.

A esse respeito são as sempre pertinentes lições de Sérgio

Cavalieri Filho8 trazidas à colação a seguir:

Já ficou registrado que a Constituição responsabiliza o Estado

objetivamente apenas pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade,

causarem a terceiros. Logo, não o responsabiliza por atos predatórios de

terceiros, como saques em estabelecimentos comerciais, assaltos em via

pública etc., nem por danos decorrentes de fenômenos da Natureza,

como enchentes ocasionadas por chuvas torrenciais, inundações,

deslizamento de encostas, desabamentos etc., simplesmente porque tais

eventos não são causados por agentes do Estado. (...) Trata-se de fatos

estranhos à atividade administrativa, em relação aos quais não guarda

nenhum nexo de causalidade, razão pela qual não lhes é aplicável o

princípio constitucional que consagra a responsabilidade objetiva do

Estado.

A administração só poderá vir a ser responsabilizada por esses danos se

ficar provado que, por sua omissão ou atuação deficiente, concorreu

decisivamente para o evento, deixando de realizar obras que

razoavelmente lhe seriam exigíveis. Nesse caso, todavia, a

responsabilidade estatal será determinada pela teoria da culpa anônima

8 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., rev. e amp. SP:

Atlas, 2007, p. 243/244.

Page 47: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

47

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ou falta do serviço, e não pela objetiva, como corretamente assentado

pela maioria da doutrina e jurisprudência.

Arnaldo Rizzardo9 acrescenta lição relevante a respeito do tema

atinente à responsabilidade civil decorrente de culpa na atuação estatal ao

afirmar que:

Todavia, se não dispõe o Poder Público meio de acorrer ao chamado de

uma providência, como se avisado da iminência de invasão de terras por

hordas de malfeitores; na onda de sucessivos ataques desferidos por

assaltantes em uma região distante e sem condições para a defesa, na

súbita epidemia que acontece em uma localidade sem infra-estrutura

médica. Muito menos assiste a responsabilidade nos danos provenientes

de incêndios, de enchentes, de depredações causadas por revoltas

populares, de assaltos e outros crimes.

A responsabilidade subjetiva dos entes públicos só podem ser

reconhecida quando provada a conduta culposa por seus agentes, contrária aos

ditames legais e ao ordenamento jurídico vigente. Imprescindível, neste caso, a

comprovação da culpa, a este respeito são os ensinamentos de Arnaldo

Rizzardo10 colacionados a seguir:

Todavia, adquire a culpa dimensões mais extensas ou um tanto diferentes

que as comumente conhecidas e exigidas para conceder a indenização

9 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 365/366.

10 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 360.

Page 48: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

48

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de modo geral. Não se trata apenas e propriamente do erro de conduta,

da imprudência, negligencia ou imperícia daquele que atua em nome e

em favor do Estado. Essas maneiras de agir também, e mais

enfaticamente, levam à indenização. No caso da administração pública,

deve-se levar em conta o conceito ou a idéia do que se convencionou

denominar ‘falta do serviço’ (faute du service), ou a ‘culpa do serviço’,

que diz com a falha, a não prestação, a deficiência do serviço, o seu não

funcionamento, ou o mau, o atrasado, o precário funcionamento.

Responde o Estado porque lhe incumbia desempenhar com eficiência a

função. Como não se organizou, ou não se prestou para cumprir a

contento a atividade que lhe cumpria, deixou de se revelar atento,

diligente, incorrendo em uma conduta culposa.

Nesse diapasão é oportuno trazer à baila, ainda, a lição de

Bandeira de Mello11 acerca da responsabilidade subjetiva do Município, que a

seguir se transcreve:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do

Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é

de se aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o

Estado não agiu, não pode, logicamente, se ele o autor do dano. E, se

não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir

o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu o dever

legal que lhe impunha obstar o evento lesivo.

Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o

acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de

11 MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo: Malheiros,

2005, p. 942/944.

Page 49: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

49

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a

responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por

comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é

necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita

do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente

de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado

propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).

Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade

subjetiva.

(...)

Em síntese: se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu

ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que

normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria,

negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano

não evitado quando, de direito, deveria sê-lo. Também, não socorre

eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos.

No tange ao tema em discussão, a Constituição Estadual em seu

artigo 1312 prevê expressamente o dever de o Município exercer o poder de

polícia administrativa nas matérias de interesse local, sendo que tinha o dever de

fiscalizar o regular funcionamento da casa noturna em questão.

12 Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do

Estado: I - exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como

proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente,

ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às

leis e regulamentos locais;

Page 50: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

50

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Igualmente, o Município réu deveria fiscalizar se estavam sendo

cumpridas as exigências quanto às normas de prevenção e proteção contra

incêndios, o que não fez, restando omisso e permitindo que a tragédia em

questão ocorresse e tomasse as proporções que tomou, com mais de duzentos

óbitos de jovens estudantes da cidade.

Nesse sentido, no que tange à omissão do Município quanto às

normas de prevenção e proteção contra incêndios, a Lei Municipal nº 3301/91,

anteriormente mencionada, dispõe de forma expressa em seus artigos acerca da

exigência de fiscalização por parte do Município, que segue transcrita:

Art. 2º - No Município de Santa Maria, compete a Prefeitura Municipal,

através do 4º Grupamento de Incêndio (4º GI), estudar, analisar, exigir e

fiscalizar todo o Sistema de Prevenção e Proteção Contra Incêndio,

conforme o estabelecido nestas normas.

§1º - A Prefeitura Municipal poderá, a qualquer tempo, determinar

vistorias com missão fiscalizadora das instalações preventivas contra

incêndio.

§2º - Os elementos investidos das funções fiscalizadoras poderão

vistoriar qualquer imóvel, estabelecimento ou documentos relacionados

com a segurança contra incêndio.

[...]

Page 51: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

51

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Já a lei Municipal nº 3.916/95, dispõe sobre o poder de polícia

administrativa municipal, cabendo às autoridades competentes zelar pela

observância dos preceitos da lei, prevendo, ainda, as seguintes regras quanto aos

locais de divertimentos públicos, in verbis:

Artigo 01 - Este código dispõe sobre o poder de polícia administrativa de

competência municipal.

Artigo 02 - Cabe às autoridades competentes zelar pela observância dos

preceitos desse Código.

Artigo 31 - Em todas as casas de diversões públicas e similares serão

observadas as seguintes disposições, além das estabelecidas no código

de edificações do município:

[...]

II - As portas e os corredores para o exterior serão amplos e conservar-

se-ão sempre livres de grades, móveis ou quaisquer objetos que possam

dificultar a retirada do público em casos de emergência, obedecendo as

especificações da Norma Brasileira (NBR) 9077.

III - Todas as portas de saídas serão encimadas pela inscrição “saída”,

legível à distância.

IV - Os aparelhos destinados à renovação do ar deverão ser em número

suficiente em relação ao tamanho do ambiente e deverão ser

conservados e mantidos em perfeito funcionamento.

V - Serão tomadas todas as precauções necessárias para evitar incêndios;

para tanto, os extintores de fogo serão obrigatórios e instalados em

Page 52: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

52

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

locais visíveis e de fácil acesso, cumprindo exigências da Lei Municipal No

3301/91 e as normas técnicas atinentes.

[...]

Artigo 115 - A licença de localização poderá ser cassada nos seguintes

casos:

II - como medida preventiva, a bem da higiene, da moral ou do

sossego e segurança públicas;

Com relação à responsabilidade do Estado no caso em tela,

salienta-se que a Lei Estadual nº 10.987/97, também estabelece normas sobre

sistemas de prevenção e proteção contra incêndios, consoante a regra inserta

nos artigos 1º, 2º e 5º que seguem transcritos:

Art. 1º - Todos os prédios com instalações comerciais, industriais, de

diversões públicas e edifícios residenciais com mais de uma economia e

mais de um pavimento, deverão possuir plano de prevenção e proteção

contra incêndio, aprovado pelo Corpo de Bombeiros da Brigada Militar

do Estado do Rio Grande do Sul.

Parágrafo 1º - O Corpo de Bombeiros, nos municípios em que possua

destacamento, realizará inspeção anual nos prédios considerados de risco

grande e médio e a cada dois anos nos prédios considerados de risco

pequeno.

Art. 2º - Aquele que não apresentar plano de prevenção e proteção

contra incêndio, descumprir os prazos assinalados para a instalação dos

itens de segurança julgados necessários ou instalá-los em

Page 53: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

53

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

desconformidade com as especificações oficiais incorrerá nas seguintes

sanções:

I - advertência;

II - multa;

III - interdição;

[...]

Parágrafo 5º - Os prédios que oferecerem risco de vida aos seus usuários

ou transeuntes, por apresentarem elevada probabilidade de incêndio ou

desabamento, e aqueles tornados perigosos pela ausência de itens

mínimos de segurança contra incêndios poderão ter sua evacuação ou

interdição determinada pelo Corpo de Bombeiros.

No mesmo sentido, o Decreto nº 37.380/97 que aprovou as

normas técnicas de prevenção de incêndios e determinou outras providências

estabelece em seu artigo 4º que: “O exame dos planos e as inspeções dos

sistemas de prevenção de incêndio nos prédios serão feitos pela Brigada Militar

do Estado através do Corpo de Bombeiros”. No anexo único do mesmo decreto,

o Art. 3º dispõe:

Art. 3° - Compete ao Corpo de Bombeiros da Brigada Militar do Estado

do Rio Grande do Sul, a qualquer tempo, planejar, estudar, analisar,

aprovar, vistoriar e fiscalizar todas as atividades, instalações e

equipamentos de prevenção e proteção contra incêndio e outros sinistros

em todo o território do Estado.

Page 54: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

54

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ainda, a Lei Estadual nº 10.991/97, que dispõe sobre a

Organização Básica da Brigada Militar do Estado traz a competência da Brigada

Militar, a seguir transcrita:

Art. 3º - Compete à Brigada Militar:

VI - executar o serviço de prevenção e combate a incêndio;

[...]

XI - planejar, estudar, analisar, vistoriar, controlar, fiscalizar, aprovar e

interditar as atividades, equipamentos, projetos e planos de proteção e

prevenção contra incêndios, pânicos, desastres e catástrofes em todas as

edificações, instalações, veículos, embarcações e outras atividades que

ponham em risco a vida, o meio ambiente e o patrimônio, respeitada a

competência de outros órgãos; (Incluído pela Lei nº 11.736/02)

No caso em tela as provas produzidas foram suficientes a

comprovar que o incêndio só tomou a proporção que tomou em razão de a

casa noturna estar em pleno funcionamento, quando não deveria estar, eis que o

local estava com a licença de funcionamento vencida, utilizava em seu interior

material proibido e extremamente tóxico.

Portanto, embora a causa direta do incêndio tenha sido a

utilização de artefato pirotécnico pela banda que tocava no dia da tragédia, tal

circunstância não exclui a responsabilidade do Município de Santa Maria e do

Estado do Rio Grande do Sul que tinham o dever de fiscalizar àquele

Page 55: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

55

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

estabelecimento, não havendo qualquer rompimento do nexo de causalidade. A

propósito do exposto são os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho13 que

seguem:

Em contrapartida, a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em que

não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a

Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por exemplo,

do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua omissão concorre

para o resultado. Em síntese, na omissão específica o dano provém

diretamente de uma omissão do Poder Público; na omissão genérica, o

comportamento omissivo do Estado só dá ensejo à responsabilidade

subjetiva quando for concausa do dano juntamente com a força maior

(fatos na natureza), fato de terceiro ou da própria vítima.

[...]

Como se vê, na omissão genérica, que faz emergir a responsabilidade

subjetiva da Administração, a inação do Estado, embora não se apresente

como causa direta e imediata do dano, entretanto concorre para ele,

razão pela qual deve o lesado provar que a falta provar que a falta do

serviço (culpa anônima) concorreu para o dano, que se houvesse uma

conduta positiva praticada pelo Poder Público o dano poderia não ter

ocorrido.

Ressalta-se que o Estado demandado, ao tentar se eximir da

responsabilidade, afirma em contrarrazões que na data do ocorrido não mais

havia alvará de prevenção contra incêndio em vigor e que a casa noturna

13

13

CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 11ª ed., rev. e amp. SP: Atlas, 2014, p. 298/299.

Page 56: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

56

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

funcionava sem a chancela do corpo de bombeiros ou do Estado do Rio Grande

do Sul. Contudo, tal situação só demonstra ainda mais a culpa da administração

pública ao não realizar a fiscalização do local, ainda mais quando a legislação dá

plenos poderes para ambos os réus, Estado e Município de assim proceder

através do poder de polícia administrativo.

Assim, restou caracterizada a negligência do Município e do

Estado, omitindo-se em adotar as providências necessárias, em tempo hábil, a

fim de evitar a ocorrência do evento danoso, estando evidenciada a culpa

daqueles, haja vista que indubitável o dever do ente público de fiscalizar o

funcionamento dos estabelecimentos que funcionam como casa de shows, que

reúnem um grande número de pessoas, e de interditar os locais que não

cumpram as exigências legais, como era o caso da “Boate Kiss”, que estava com

inúmeras irregularidades, com licença de funcionamento por parte do Corpo de

Bombeiros vencida e não atendia às normas de prevenção e proteção contra

incêndio.

No caso em análise o Instituto Geral de Perícias elaborou laudo

após o incêndio no qual ficou demonstrado que houve alteração de

característica construtiva do local, layout e distâncias a percorrer até a saída,

Page 57: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

57

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

bem como que o alvará de prevenção de incêndio estava expirado desde agosto

de 2012.

A par disso, é possível se aferir, que tanto o Estado quanto o

Município falharam no dever de fiscalizar o funcionamento da boate, sendo que

ambos tinham o poder de polícia e podiam ter interditado o local, omissão esta

que configura conduta negligente de ambos os entes públicos ao não adotar as

medidas necessárias a fim de evitar eventos como o narrado na inicial.

Nesse sentido colaciono jurisprudência do egrégio Superior

Tribunal de Justiça sobre a possibilidade de responsabilização da fazenda pública

diante da omissão no dever de fiscalização, consoante o que segue:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INCÊNDIO EM CASA DE

ESPETÁCULO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA.

RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO. CARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 7

DO STJ. CUMULAÇAO DE DANOS MORAIS E ESTÉTICOS E REDUÇÃO DO

VALOR DA INDENIZAÇÃO. SÚMULA 284/STF.

1. Os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar

obscuridade ou eliminar contradição no julgado, vícios que não ocorrem

no presente caso, pois a questão relativa aos requisitos exigidos para a

caracterização da responsabilidade civil, foi discutida pelo Tribunal de

origem.

2. Para a constatação da existência da responsabilidade estatal por

omissão, é necessário que sejam verificados: o dano; o nexo causal entre

a lesão e a conduta estatal; a omissão do Poder Público; e o

Page 58: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

58

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

descumprimento de um dever legal originado a partir de um

comportamento omissivo.

3. No caso, o acórdão assegura, com base nos elementos probatórios

coligidos aos autos, que o Município de Belo Horizonte, embora

conhecedor das irregularidades que ocorriam na casa de espetáculos

onde ocorreu incêndio durante um show, com resultados fatais, não agiu

com o dever legal de fiscalizar o estabelecimento, a fim de impedir ou

minimizar o evento danoso.

4. Desse modo, tem-se a presença do dano (incêndio), para o qual

concorreram as falhas da Administração municipal (nexo de

causalidade) na fiscalização das condições do local onde ocorreu a

tragédia (omissão no cumprimento de dever legal). Encontram-se

configurados os elementos necessários para o reconhecimento da

responsabilidade omissiva estatal.

5. Para a modificação de tais conclusões, seria necessário o revolvimento

dos elementos fático-probatórios coligidos aos autos, medida

sabidamente vedada em sede de recurso especial nos termos do

disposto na Súmula 7/STJ.

6. Em relação aos temas relativos à cumulação dos danos morais e

estéticos, bem como ao valor da indenização, o recorrente não indicou

os dispositivos legais tidos por violados, sendo certo que a mera

transcrição de ementas não se presta sequer à comprovação da

divergência jurisprudencial invocada. A deficiência na fundamentação do

recurso impede o seu conhecimento atraindo a incidência da Súmula

284/STF.

7. A título de obiter dictum, esta Corte Superior firmou posicionamento

consubstanciado na Súmula 387 de que é lícita a cumulação das

indenizações de dano estético e dano moral.

Page 59: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

59

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

8. De outra parte, a revisão dos valores fixados a título de indenização

por danos morais somente é cabível em sede de recurso especial quando

exorbitantes ou irrisórios, o que não se verifica no caso vertente,

porquanto fixados em R$ 23.250,00 (vinte e três mil e duzentos e

cinquenta reais), em atenção aos princípios da proporcionalidade e

razoabilidade.

9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.

(REsp 1281555/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA,

julgado em 14/10/2014, DJe 12/11/2014)

Por fim, é oportuno destacar que sequer pode ser aplicável ao

caso dos autos o Resp nº 1518995, tendo em vista que o Superior Tribunal de

Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial mencionado, deixou expresso

que a jurisprudência daquela Corte é pacífica no sentido de que não é cabível

recurso para reexaminar questões relativas à verificação dos requisitos para a

antecipação dos efeitos da tutela, ou seja, não há naquela egrégia Corte de

Justiça qualquer manifestação quanto ao mérito da causa em análise, cuja

ementa segue transcrita:

PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. SÚMULA

735/STF. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, ART. 535, II, DO CPC. FALTA DE

PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. OFENSA À DISPOSITIVO

CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF.

1. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil,

uma vez que o Tribunal a quo julgou integralmente a lide e solucionou

a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.

2. A indicada afronta do art. 165 do CPC não pode ser analisada, pois o

Tribunal de origem não emitiu juízo de valor sobre esse dispositivo legal.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável o conhecimento do

Page 60: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

60

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recurso Especial quando os artigos tidos por violados não foram

apreciados pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de Embargos

de Declaração, haja vista a ausência do requisito do

prequestionamento. Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ.

3. É importante registrar a inviabilidade de o STJ apreciar ofensa aos

artigos da Carta Magna, uma vez que compete exclusivamente ao

Supremo Tribunal Federal o exame de violação a dispositivo da

Constituição da República, nos termos do seu art. 102, III, "a".

4. A orientação jurisprudencial do STJ é pacífica no sentido de que

não é cabível Recurso Especial para reexaminar questões relativas à

verificação dos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela ou

apreciação de medida liminar, em virtude da sua natureza precária,

sujeita à modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmada

ou revogada pela sentença de mérito. Incidência da Súmula 735/STF.

5. A apontada divergência deve ser comprovada, cabendo a quem

recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os

casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre

eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos

acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre

ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal

divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art.

541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o

conhecimento do Recurso Especial com base na alínea "c", III, do art. 105

da Constituição Federal.

6. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que

não existe divergência jurisprudencial, quando o contexto fático dos

acórdãos confrontados apresenta disparidade, como in casu.

Enquanto o acórdão paradigma consigna que é inviável a concessão de

tutela antecipada com nítido caráter individual, enquanto não

Page 61: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

61

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

determinados no processo os sujeitos lesados, no decisum confrontado a

hipótese apenas ressalta que os requisitos da tutela antecipada devem

ser analisados.

7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(REsp 1518995/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,

julgado em 27/09/2016, DJe 11/10/2016).

Desse modo, ressalto, uma vez mais, que inexiste deliberação

quanto à responsabilidade dos entes públicos no Superior Tribunal de Justiça

quanto ao caso dos autos, ainda, sequer houve o exame da tutela antecipada

pretendida a qual foi afastado em função de que aquela excelsa Corte entender

que descabe discutir requisitos deste tipo de tutela em sede de recurso especial.

Da indenização devida pelos danos morais

Dessa forma, o demandado deve ressarcir os danos morais

causados, na forma do artigo 186 do novo Código Civil, cuja incidência decorre

da prática de conduta ilícita, a qual se configurou no caso em tela diante da

negligência do ente público réu ao não realizar a fiscalização do local, omitindo-

se de cumprir o seu dever legal e zelar pela segurança das centenas de jovens

que frequentavam a casa noturna.

Cumpre ressaltar que é perfeitamente passível de ressarcimento o

dano moral causado no caso em exame, decorrente da parte autora ter

Page 62: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

62

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

experimentado sentimento de frustração, dor e angústia em razão da tragédia

ocorrida, sem que houvesse injustamente provocado, tal medida abusiva resulta

na violação ao dever de respeitar esta gama de direitos inerentes a

personalidade de cada ser humano, em especial a imagem daquela.

Com relação ao valor a ser arbitrado a título de indenização por

dano moral há que se levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem

como, as condições do ofendido, in casu, estudante, presumindo-se de

condições modestas, mesmo porque litiga ao amparo da assistência judiciária, a

capacidade econômica dos ofensores, Estado do Rio Grande do Sul, Município

de Santa Maria e pessoa jurídica de direito privado (Boate Kiss).

Acresça-se a isso a reprovabilidade da conduta ilícita praticada e,

por fim, que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho

desmesurado, deixando de corresponder à causa da indenização.

Nesse sentido, Cavalieri Filho14 discorre sobre este tema com rara

acuidade jurídica, afirmando que:

Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente

tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o

14

CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., rev. e amp. SP: Atlas, 2007, p.90.

Page 63: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

63

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não

há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais

completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior

importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.

Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do

razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo

que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa

proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios

e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para

que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela

estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os

meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção

seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano

moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente

arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a

intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a

capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do

ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.

Dessa forma, levando em consideração as questões fáticas, a

extensão do prejuízo, bem como a quantificação da conduta ilícita e capacidade

econômica do ofensor, é de ser mantida a indenização por danos morais em R$

20.000,00 (vinte mil reais).

Ainda, reputando que o quantum arbitrado corresponde à quantia

suficiente à reparação do dano sofrido, bem como atendendo ao caráter

Page 64: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

64

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

reparatório e punitivo deste tipo de indenização, haja vista a negligência do ente

público.

A respeito do quantum indenizatório em casos análogos

colacionam-se arestos desta Câmara:

APELAÇÕES CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. QUEDA DE ESCORREGADOR

DE PRAÇA MUNICIPAL. LESÃO FÍSICA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO

MUNICÍPIO. DANOS MORAIS. DEVER DE INDENIZAR VERIFICADO.

MANUTENÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. 1. É subjetiva a

responsabilidade civil da administração pública em razão dos danos

decorrentes da omissão do Município. O conjunto probatório demonstra

fartamente que o município foi omisso ao deixar de prestar a devida

manutenção nas instalações do Parque de Exposição notadamente nos

brinquedos do playground, de modo a potencializar a ocorrência de

acidentes com os menores frequentadores da pracinha de recreação. 2.

Danos morais caracterizados e decorrentes da conduta omissiva do

município, que implicou em ofensa à integridade física e atingiu os

direitos da personalidade da autora. Valor fixado em consonância com a

gravidade da lesão, observados os critérios econômicos e sociais do

ofendido e do ofensor, bem como os aspectos gerais e específicos do

caso concreto. 3. Honorários mantidos na espécie. Verba que deve ser

fixada com base nos §§ 3° e 4° do art. 20 do CPC e remunerar com

dignidade o labor do profissional. RECURSOS DESPROVIDOS. (Apelação

Cível Nº 70063946529, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 27/05/2015)

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.

RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEDA DE PEDESTRE EM CALÇADA. ATO

Page 65: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

65

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

OMISSIVO ESPECÍFICO. MÁ CONSERVAÇÃO. RESPONSABILIDADE

OBJETIVA. DANOS MORAIS E NEXO CAUSAL COMPROVADOS.

INDENIZAÇÃO DEVIDA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM. JUROS

MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO. MATÉRIA DE

ORDEM PÚBLICA. I. Preliminar de ilegitimidade passiva. Descabe a

preliminar porque é dever do ente municipal a responsabilidade pela

manutenção e conservação das calçadas, visando propiciar melhores

condições de segurança à população. Preliminar rejeitada. II. Em se

tratando de ato omissivo específico do Município de São Leopoldo, eis

que a este incumbe a manutenção e conservação das calçadas, a

responsabilidade é objetiva, bastando a comprovação do prejuízo e do

nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano. Aplicação da

teoria do risco administrativo. Art. 37, § 6°, da Constituição Federal. III.

Nestas circunstâncias, considerando que restaram comprovados os danos

(trauma no punho direito e fratura distal articular com descolamento

volar) e o nexo de causalidade entre a conduta omissiva do ente público

e o dano sofrido pela autora, imperiosa a condenação do Município à

indenização pretendida. No caso, em razão das lesões causadas à

demandante, a hipótese dos autos reflete o dano in re ipsa ou dano

moral puro, uma vez que o sofrimento, o transtorno, o abalo psicológico

causados são evidentes, conferindo o direito à reparação sem a

necessidade de produção de provas sobre a sua ocorrência. IV.

Manutenção do quantum indenizatório, tendo em vista a condição social

da autora, o potencial econômico do réu, a gravidade do fato, o caráter

punitivo-pedagógico da reparação e os parâmetros adotados por esta

Câmara em casos semelhantes. A correção monetária pelo IGP-M incide a

partir da data de arbitramento, nos termos da Súmula 362, do STJ, como

posto na sentença. V. Entretanto, tratando-se de relação extracontratual,

os juros moratórios incidem a partir do evento danoso. Inteligência da

Súmula 54, do STJ. Tratando-se matéria de ordem pública, o termo inicial

Page 66: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

66

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

dos juros moratórios pode ser alterado de ofício, independentemente de

pedido, sem implicar em reformatio in pejus ou em decisão extra petita.

Precedentes do STJ. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

ALTERADO, DE OFÍCIO, O TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS.

(Apelação Cível Nº 70064318488, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça

do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 16/12/2015)

Ante o exposto, acompanho o voto da ilustre Relatora, a fim de

desprover o recurso da ré e dar parcial provimento ao apelo da parte autora

para condenar também o Município de Santa Maria e o Estado do Rio Grande

do Sul de forma solidária com a empresa ré.

DES. NEY WIEDEMANN NETO

Com a devida vênia à eminente relatora, entendo que não há nexo

causal que possa imputar responsabilidade aos entes públicos.

Por isso, nego provimento a ambos os recursos, e mantenho a

sentença por seus fundamentos, pelo que transcrevo o trecho da fundamentação

Page 67: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

67

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

da sentença que justifica a impossibilidade de condenação do Município de

Santa Maria ou do Estado do R.G.S.:

Por outro lado, no que se refere aos Entes Públicos,

a tese trazida pela autora atribui-lhes ação e

omissão, sem as quais o resultado danoso não teria

ocorrido. Diz que a conduta comissiva do Município

está configurada na expedição de alvará de

localização sem as condições necessárias para a

segurança do público. Estado (Corpo de Bombeiros)

e Município foram omissos porque deixaram de

fiscalizar o dia-a-dia do funcionamento da casa

noturna de forma que permitiram o atendimento ao

público sem que cumprissem as regras de prevenção

de incêndio, de lotação e tudo o mais que a

tornaram vulnerável.

Porém, juridicamente, para que exsurja o dever de

indenizar em ambos os regimes, seja objetivo (por

ação do agente público - art. 37, §6º da Constituição

Federal) ou subjetivo (por omissão na prestação do

serviço) é imprescindível o nexo de causalidade, além

do ato ilícito e do dano. No regime subjetivo, além

disso, há de se comprovar também o dolo ou culpa.

Page 68: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

68

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No caso dos autos, independentemente de qual o

regime analisado (ação ou omissão), está ausente o

nexo de causalidade, o que afasta o dever de

indenizar por parte dos Entes Públicos.

Restou demonstrado que houve omissão do Poder

Público em permitir o funcionamento da Boate, que

não seguia o estabelecido pelo plano de prevenção

e proteção contra incêndio, superlotada, sem

equipamentos necessários (principalmente extintores

válidos). Apesar disso, tais circunstâncias, para fins de

responsabilização civil, são causas que não se

mostram relevantes juridicamente para produção

do resultado danoso.

A “Boate Kiss” foi vistoriada pelo Corpo de

Bombeiros em agosto de 2011 e teve alvará de

prevenção e proteção contra incêndio expedido com

validade até 18 de agosto de 2012. O procedimento

para expedição de tal autorização pauta-se na Lei

Estadual 10.987/1997, Decretos Estaduais

37.380/1997 e 38.273/1998 e normas internas do

próprio Corpo de Bombeiros. Há, por ora, mera

cogitação de que houve fraude na expedição de tal

alvará por parte de alguns militares estaduais – que

chegaram a ser denunciados criminalmente pelo

Ministério Público na Justiça Militar e são alvos de

ação de improbidade administrativa nesta Justiça

Page 69: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

69

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Comum; nenhuma das ações possui condenação

definitiva. E, note-se que, mesmo havendo

responsabilização criminal e/ou administrativa dos

agentes públicos, tal circunstância não levará ao

reconhecimento do dever de indenizar do Estado e

Município.

Após a expedição do alvará de prevenção contra

incêndio, foi expedido pelo Município, que vistoriou

a boate em 19/04/2012, o alvará de localização, que

permite o funcionamento do estabelecimento. À

época, portanto, o alvará de prevenção e proteção

contra incêndio, que é requisito para a expedição do

alvará de localização, era plenamente válido.

No entanto, após tal data, houve alterações

estruturais no estabelecimento que tornaram o

anterior alvará de prevenção e proteção contra

incêndio inválido – tal advertência, aliás, constava no

alvará expedido pelo Corpo de Bombeiros. Conforme

constatou o laudo do Instituto Geral de Perícias

realizado após o incêndio, a situação da boate não

guarda conformidade com aquela verificada pelo

Corpo de Bombeiros em 2011: houve alterações de

características construtivas; layout e distâncias a

percorrer. Não obstante, o alvará de prevenção teve

Page 70: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

70

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

sua validade expirada em agosto de 2012, portanto

cinco meses antes do incêndio.

Diante dessa situação irregular, incumbia sim ao

Município, ao contrário do que alega, ter exercido o

seu poder de polícia e fiscalizado o estabelecimento,

exigindo a sua adequação. Tal dever decorre de

previsões da Constituição Federal, da Constituição

Estadual, da Lei Orgânica do Município e de

legislação esparsa.

A Constituição da República, em seu art. 30, V,

concede aos municípios competência para prestar os

serviços públicos de interesse local. A Constituição

do Estado do Rio Grande do Sul, por seu turno,

detalha, em seu artigo 13, tal competência,

dispondo:

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na

Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

I - exercer o poder de polícia administrativa nas

matérias de interesse local, tais como proteção à saúde,

aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e

proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à

funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades

por infração às leis e regulamentos locais;

Page 71: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

71

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

II - dispor sobre o horário e dias de funcionamento do

comércio local e de eventos comerciais temporários de

natureza econômica; (Redação dada pela Emenda

Constitucional n.º 58, de 31/03/10)

[...]

Já a Lei Orgânica do Município de Santa Maria

dispõe:

Art. 9º - Compete ao Município, no exercício de sua

autonomia, dentre outras, as seguintes atribuições:

[...]

XVIII - *Conceder e cassar os alvarás de licença dos

estabelecimentos que, por suas atividades, se tornarem

danosos à saúde, à higiene, ao sossego, à segurança, ao

meio ambiente, ao bem-estar público ou aos bons

costumes; *Redação original alterada pela Emenda 23, em

23/03/2004.

[…]

XXVII - regulamentar e fiscalizar os jogos esportivos, os

espetáculos e os divertimentos públicos;

[...]

XXXIX - *Licenciar para funcionamento os

estabelecimentos comerciais,industriais, de serviços e

similares, mediante a expedição de alvará de localização;

*Incluído pela Emenda 23, em 23/03/2004.

Page 72: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

72

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

XL - *Suspender ou caçar o alvará de localização de

estabelecimento que infringir dispositivos legais; *

Incluído pela emenda 23, em 23/03/2004. sic

[...]

O Código de Posturas do Município também

estabelece as precauções para evitar incêndios nas

casas de diversões públicas, incumbindo ao Poder

Público Municipal a fiscalização do cumprimento das

medidas:

Art. 41. Em todas as casas de diversões públicas e

similares serão observadas, além das estabelecidas nos

Códigos de Obras, Meio Ambiente e das previstas nas

normas de prevenção a incêndio, as seguintes disposições:

[...]

IV - Serão tomadas todas as precauções necessárias para

evitar incêndios; para tanto, os extintores de fogo serão

obrigatórios e instalados em locais visíveis e de fácil

acesso, cumprindo exigências da Lei Municipal No

3301/91 e as normas técnicas atinentes;

Art. 285. A fiscalização do disposto nesta Lei será

efetuada pela fiscalização do Poder Público Municipal.

Tal incumbência do Município em fiscalizar os

sistemas de prevenção contra incêndio nos prédios

da cidade vem também repetidas nos artigos 1º, 2º

e 3º da Lei Municipal 3.301/1991.

Page 73: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

73

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Além disso, o Município, em contestação, invoca o

art. 17, I, do Decreto Executivo Municipal 32/2006

para sustentar que o Corpo de Bombeiros é que

deveria ter comunicado a nulidade do alvará de

prevenção de proteção contra incêndio, em razão

das alterações estruturais feitas pela “Boate Kiss”,

bem como o seu vencimento, a fim de que fosse

possível a suspensão do alvará de localização.

Ocorre que o mesmo artigo 17 invocado, em seu

inciso IV, dispõe expressamente que o alvará de

localização deve ser cassado pela própria

Fiscalização Municipal, no regular exercício de seu

poder de polícia:

Art. 17. O Alvará de Localização deverá ser cassado nos

seguintes casos: […]

IV – Pela Fiscalização Municipal, no regular exercício do

Poder de Polícia, como medida preventiva, a bem da

higiene, do sossego e da segurança pública; […].

Nesse sentido, o TJ/RS já firmou jurisprudência de

que o Município possui competência para, no

interesse local, legislar sobre prevenção e proteção

contra incêndio de prédios localizados na sua

circunscrição, mesmo que eventual legislação traga

requisitos diversos daqueles positivados em Lei

Estadual. E esse exercício legislativo do Município

Page 74: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

74

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

obriga inclusive os demais Entes Federativos – i.e.

prédios públicos pertencentes ao Estado ou à União

devem observar a legislação municipal de segurança:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRETENSÃO

DE QUE O ESTADO OBEDEÇA À NORMA MUNICIPAL,

CUMPRINDO NORMA DE PREVENÇÃO E PROTEÇÃO

CONTRA INCÊNDIO NAS ESCOLAS MUNICIPAIS.

COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO. CABIMENTO. O município

tem competência para legislar supletivamente sobre

segurança urbana, criando normas de prevenção e

proteção contra incêndio, não estando os demais entes

públicos desobrigados de obedecer aos comandos da

norma municipal, em virtude de que não foram excluídos

de sua incidência. A segurança dos munícipes insere-se no

conceito de interesse local, assegurado pelo art. 30, I, da

CF. Fixação de prazo para o cumprimento da norma, com

procedência parcial da ação, apenas em relação ao

município que dispõe de norma municipal disciplinadora.

Apelação parcialmente provida. (Apelação Cível Nº

70004695797, TJ/RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro,

Em 20/11/2002).

O Município tinha o poder-dever de fiscalizar a casa

noturna e exigir a sua adequação às normas, e o

Corpo de Bombeiros também possuía tal obrigação,

ao contrário do que o Estado sustenta em sua

contestação.

Isso porque a Lei Estadual nº 10.987/1997, que

estabelece as normas gerais sobre prevenção e

Page 75: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

75

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

proteção contra incêndio, expressamente concede ao

Corpo de Bombeiros poder para interditar

estabelecimentos:

Art. 1º - Todos os prédios com instalações comerciais,

industriais, de diversões públicas e edifícios residenciais

com mais de uma economia e mais de um pavimento,

deverão possuir plano de prevenção e proteção contra

incêndio, aprovado pelo Corpo de Bombeiros da Brigada

Militar do Estado do Rio Grande do Sul.

Parágrafo 1º - O Corpo de Bombeiros, nos municípios em

que possua destacamento, realizará inspeção anual nos

prédios considerados de risco grande e médio e a cada

dois anos nos prédios considerados de risco pequeno.

[…]

Art. 2º - Aquele que não apresentar plano de prevenção

e proteção contra incêndio, descumprir os prazos

assinalados para a instalação dos itens de segurança

julgados necessários ou instalá-los em desconformidade

com as especificações oficiais incorrerá nas seguintes

sanções:

I - advertência;

II - multa;

III – interdição;

[…]

Parágrafo 5º - Os prédios que oferecerem risco de vida

aos seus usuários ou transeuntes, por apresentarem

elevada probabilidade de incêndio ou desabamento, e

aqueles tornados perigosos pela ausência de itens

Page 76: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

76

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

mínimos de segurança contra incêndios poderão ter sua

evacuação ou interdição determinada pelo Corpo de

Bombeiros.

Tal previsão é repetida na Lei Estadual nº 10.991/97,

em seu art. 3º, VI e XI, e também nos artigos 3º e 4º

do Decreto Estadual 37.380/1997.

Ora, é óbvio que o simples fato de a legislação

municipal prever idêntico poder de interdição ao

Município não invalida ou se sobrepõe à previsão da

legislação estadual. Não há óbice algum a que duas

das esferas da Administração Pública atuem

conjuntamente na fiscalização de determinada

questão – tal prática, aliás, é bastante comum, por

exemplo, em questões de defesa ambiental e de

proteção ao patrimônio histórico e cultural.

Dessa forma, tem-se que o Estado e o Município,

falharam no seu dever de fiscalizar e eventualmente

interditar a “Boate Kiss”, e que tal falha enseja

responsabilidade política dos dois Entes, e também

eventual responsabilidade administrativa e/ou penal

dos agentes envolvidos – mormente se restar de fato

demonstrada atuação doloso e/ou fraudulenta de

algum servidor. Todavia, tal conduta dos Entes

Públicos não gera dever de indenizar em razão da

Page 77: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

77

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ausência de nexo de causalidade direto com o

evento danoso, simplesmente porque terceiros

agiram ativamente e com suas condutas deram

causa ao resultado, logo, são esses terceiros que

deverão arcar com as reparações respectivas.

O Poder Público, mesmo nas atividades sujeitas a

sua fiscalização direta, não é garantidor universal. O

incêndio ocorreu em um estabelecimento privado, e

não público. A falha na prestação do serviço, pela

pessoa jurídica responsável pelo estabelecimento de

diversão noturna, não pode ser imputada a Estado

ou a Município.

O nexo de causalidade entre dano e determinada

conduta não pode regredir ao infinito,

responsabilizando-se agentes que tenham praticado

atos cuja relação com o evento é remota.

O incêndio na “Boate Kiss”, como restou

demonstrado pelo Inquérito Policial que apurou o

caso, iniciou em razão de uma centelha de um fogo

de artifício utilizado pela “Banda Gurizada

Fandangueira”, prestadora de serviço contratada e

atuando sob a responsabilidade do estabelecimento

comercial.

Page 78: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

78

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O produtor da banda, Luciano Augusto Bonilha Leão,

adquiriu o fogo de artifício e instalou o artefato em

uma luva colocada na mão do vocalista da banda,

Marcelo de Jesus dos Santos. O artefato foi então

acionado pelo produtor, por controle remoto, e o

vocalista, ao levantar a mão em direção ao teto, fez

com que uma centelha atingisse o forro, que possuía

isolamento acústico de material altamente

inflamável. Em poucos segundos o forro incendiou,

gerando uma fumaça preta e tóxica que intoxicou os

presentes.

Essa é a causa juridicamente relevante para o

evento danoso, que não guarda relação alguma

com anterior conduta seja do Estado, seja do

Município.

Tal ato, exclusivo de terceiro, rompeu, por evidente,

o nexo de causalidade entre o dano e as anteriores

condutas omissivas – ou até eventuais condutas

comissivas – dos agentes públicos estaduais e

municipais. Tal rompimento do nexo de causalidade

afasta o dever de indenizar.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a

oportunidade de analisar caso praticamente idêntico

ao incêndio na “Boate Kiss”. Trata-se do incêndio,

Page 79: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

79

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

também com resultado morte, ocorrido em 2001 na

casa de shows denominada “Canecão Mineiro”,

localizada em Belo Horizonte/MG.

No processo que chegou para a análise, via Recurso

Especial, ao STJ, também havia pedido de

condenação do Município ao pagamento de

indenização a uma das vítimas. Reconheceu-se nos

autos que a) o estabelecimento estava superlotado;

b) funcionava sem os alvarás necessários do Poder

Público; c) houve fiscalização deficiente do Poder

Público; d) o incêndio iniciou em razão de show

pirotécnico promovido dentro do estabelecimento.

As semelhanças com o incêndio ocorrido em Santa

Maria/RS são patentes, portanto.

Diante de tal quadro, o STJ definiu não haver

responsabilidade, e portanto dever de indenizar, do

Município de Belo Horizonte, justamente em razão

da prática de ato exclusivo de terceiro (show

pirotécnico), o que rompe o nexo de causalidade.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO

ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE

ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS".

DESAFIO AO ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE

NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E

Page 80: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

80

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O DANO - INCÊNDIO -. CULPA DE TERCEIROS.

PREJUDICADA A ANÁLISE DO CHAMAMENTO DO

PROCESSO.

1. Ação indenizatória em face de Município, em razão de

incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows,

ocasionando danos morais, materiais e estéticos ao autor.

[...]

4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no

sentido de que em se tratando de conduta omissiva do

Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve

ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se

no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva

do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder

Público o que depende é a comprovação da inércia na

prestação do serviço público, sendo imprescindível a

demonstração do mau funcionamento do serviço, para

que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a

circunstância em que se configura a responsabilidade

objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre

do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo

causado ao particular, que prescinde da apreciação dos

elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que

referidos vícios na manifestação da vontade dizem

respeito, apenas, ao eventual direito de regresso.

Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp

471606/SP; DJ 14.08.2007; REsp 647.493/SC; DJ 22.10.2007;

REsp 893.441/RJ, DJ 08.03.2007; REsp 549812/CE; DJ

31.05.2004) [...]

7. Deveras, em se tratando de responsabilidade subjetiva,

além da perquirição da culpa do agente há de se verificar,

Page 81: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

81

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

assim como na responsabilidade objetiva, o nexo de

causalidade entre a ação estatal comissiva ou omissiva e o

dano. A doutrina, sob este enfoque preconiza: "Se

ninguém pode responder por um resultado a que não

tenha dado causa, ganham especial relevo as causas de

exclusão do nexo causal, também chamadas de exclusão

de responsabilidade. É que, não raro, pessoas que

estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são

chamadas a responder por eventos a que apenas

aparentemente deram causa, pois, quando examinada

tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o

dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de

circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a

que estavam vinculadas. E, como diziam os antigos, 'ad

impossibilia nemo tenetur'. Se o comportamento devido,

no caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que

o dever foi violado.(...)" (pág. 63). E mais: "(...) é preciso

distinguir 'omissão genéria' do Estado e 'omissão

específica'(...) Haverá omissão específica quando o Estado,

por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência

do evento em situação em que tinha o dever de agir para

impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embrigado

atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada,

a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser

responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao

volante sem condições. Isso seria responsabilizar a

Administração por omissão genérica. Mas se esse

motorista, momentos antes, passou por uma patrulha

rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por

alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já

Page 82: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

82

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

haverá omissão específica que se erige em causa

adequada do não-impedimento do resultado. Nesse

segundo caso haverá responsabilidade objetiva do

Estado.(...)" (pág. 231) (Sérgio Cavalieri Filho, in "Programa

de Responsabilidade Civil", 7ª Edição, Editora Atlas).

8. In casu, o dano ocorrido, qual seja o incêndio em casa

de shows, não revela nexo de causalidade entre a suposta

omissão do Estado. Porquanto, a causa dos danos foi o

show pirotécnico, realizado pela banda de música em

ambiente e local inadequados para a realização, o que

não enseja responsabilidade ao Município cujas exigências

prévias ao evento não foram insuficientes ou inadequadas,

ou na omissão de alguma providência que se traduza

como causa eficiente e necessária do resultado danoso.

9. Neste sentido, bem preconizou a sentença a quo: "em

face dos elementos carreados aos autos, verifica-se que a

causa do incêndio foram as fagulhas provocadas pelo

show pirotécnico dentro do estabelecimento,

evidentemente promovido e autorizado pelos seus

administradores que não observaram, devidamente, o

aviso do fabricante, estampado na caixa dos fogos para

soltá-los em local amplo e aberto, ou seja, ao ar livre

'sendo desaconselhável seu uso perto de produtos

inflamáveis'. f. 151. Diante disto, não restaram dúvidas que

o ato culposo foi praticado por terceiros que, de forma

inescrupulosa decidiram promover o show pirotécnico,

sem qualquer zelo com as 1.500 pessoas que

superlotaram aquela casa noturna, não obstante terem

conhecimento possuía capacidade para 270 pessoas." (fl.

329)

Page 83: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

83

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

10. O contexto delineado nos autos revela que o evento

danoso não decorreu de atividade eminentemente estatal,

ao revés, de ato de particulares estranhos à lide. […]

(RESP 888.420 – MG. Superior Tribunal de Justiça.

Relator Min. Luiz Fux. Julgado em 07/05/2009).

Em âmbito local, o TJ/RS já firmou jurisprudência no

sentido de que, mesmo que o Estado possua o

dever de fiscalizar a condução de veículos de via

terrestre, não possui o dever de indenizar eventual

dano causado por motorista que dirige, em razão de

fiscalização ineficiente, sem habilitação, justamente

por haver rompimento do nexo de causalidade:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS

MATERIAIS E MORAIS. ATROPELAMENTO POR

CONDUTOR NÃO HABILITADO. PRETENSÃO À

RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO. INEXISTÊNCIA DE

NEXO CAUSAL. Tratando-se de ato imputado ao Estado

por falha do serviço, o dever de indenizar deve ser

analisado sob o prisma da teoria subjetiva, sendo

imprescindível a demonstração de uma conduta dolosa ou

culposa por parte do agente público. O fato de o autor

ter sido vítima de atropelamento por condutor de veículo

não habilitado não enseja responsabilidade do Estado, por

suposta falta de fiscalização e policiamento. Inexistência

de liame causal entre a ação estatal e ocorrência do

evento danoso. Fato de terceiro que elide o dever de

indenizar. Impossibilidade de se atribuir ao Estado o dever

de segurador universal, para coibir todas as práticas

Page 84: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

84

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ilícitas ocorridas no âmbito de sua circunscrição territorial.

Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO

DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70059640268, Décima

Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz,

Em 26/03/2015)

Também já se posicionou a Corte Local no sentido

de inexistir dever de indenizar do Município por

falha no dever de fiscalização de estabelecimento

que explorava prostituição infantil.

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL QUE PROMOVIA

EXPLORAÇÃO SEXUAL DE ADOLESCENTES. ALEGAÇÃO DE

OMISSÃO DO MUNICÍPIO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO.

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO.

NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CULPA DO

PODER PÚBLICO. NEGLIGÊNCIA ADMINISTRATIVA NÃO

CARACTERIZADA. MUNICÍPIO QUE EFETUOU DIVERSAS

FISCALIZAÇÕES NO ESTABELECIMENTO DEMANDADO EM

CURTO PERÍODO DE TEMPO. DESCABIMENTO DA

CONDENAÇÃO DO ENTE PÚBLICO AO PAGAMENTO DE

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. 1. De

acordo com o entendimento emanado dos Tribunais

Superiores, tratando-se de responsabilidade do Estado por

omissão, não se aplica o disposto no § 6º do art. 37 da

Constituição Federal, esteio normativo da

responsabilidade objetiva da Administração Pública,

devendo se perquirir e comprovar a ocorrência de culpa

por parte do Poder Público. 2. Na espécie, não restou

Page 85: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

85

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

demonstrada a negligência administrativa do ente público

municipal, que efetuou diversas fiscalizações no

estabelecimento demandado em curto período de tempo,

de modo que não se pode atribuir à municipalidade a

responsabilidade pela conduta dos demais requeridos,

que praticavam a exploração sexual de adolescentes no

estabelecimento, que possuía alvará para funcionamento

de atividades de bar noturno. Desse modo, ausente um

dos requisitos necessários para a responsabilização do

Estado por omissão - a demonstração da culpa -, é

descabida a sua condenação ao pagamento de

indenização por danos morais coletivos. DERAM

PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº

70058146531, TJ/RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Em

24/04/2014)

Esses dois últimos casos referidos, embora com

menos consequências danosas do que o incêndio

ocorrido na “Boate Kiss”, refletem o mesmo

entendimento jurídico no sentido de que, mesmo

que haja falha na fiscalização de incumbência do

Poder Público, não há nexo de causalidade quando o

dano é ocasionado por ato exclusivo e

absolutamente independente de terceiro.

Caso não prevalecesse tal entendimento, aliás, o

Poder Público converter-se-ia em reparador da

quase totalidade dos danos ocorridos, por exemplo,

Page 86: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

86

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

no mercado de consumo. É que o Estado (lato

sensu) tem o dever de zelar pela segurança de todo

e qualquer produto ou serviço colocado à disposição

dos consumidores, de modo que eventual

fiscalização ineficiente poderia levar à obrigação

estatal de reparar quaisquer danos ocasionados por

falhas nesses produtos ou serviços.

Além do já até aqui referido, a irrelevância jurídica

da conduta omissa da Administração Pública pode

ser comprovada pelo seguinte exercício de lógica:

mesmo que tivesse havido fiscalização eficiente,

mesmo que a “Boate Kiss” funcionasse com todos os

alvarás válidos e cumprisse todas as exigências

legais, não há garantia alguma de que o incêndio

não teria acontecido, e nem que teria menores

proporções. Por outro lado, há certeza absoluta de

que se não tivesse sido utilizado o artefato

pirotécnico pela banda dentro do estabelecimento

de diversão o evento fatídico não teria ocorrido.

Dito isso, reconhecida a culpa exclusiva de terceiros,

há rompimento do nexo de causalidade entre o

dano e a falha na fiscalização promovida pelo Poder

Público.

Page 87: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

87

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ressalto que, embora o dever de reparar o dano não

seja juridicamente atribuído aos Entes Públicos, o

fato é que os cofres públicos contribuíram, e

continuarão por muito tempo contribuindo com

grande parte do custo para minimizar as sequelas do

sinistro. A começar pelo atendimento inicial às

vítimas, ocasião em se mostraram eficientes,

superaram a falta de recursos financeiros e somaram

forças prestando socorro eficiente. Foram incansáveis

no atendimento, inclusive psicológico. Formaram

uma corrente, contando com total solidariedade da

população que não mediu esforços para tentar

diminuir o sofrimento das vítimas e familiares. Os

atingidos receberam pronta assistência médica,

medicamentosa, internações hospitalares e

tratamento psicológico.

VOTO NO SENTIDO DO NÃO PROVIMENTO DOS APELOS.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA - Presidente - Apelação Cível nº

70070346077, Comarca de Santa Maria: "POR MAIORIA, DERAM PARCIAL

PROVIMENTO DO APELO DA AUTORA, JULGANDO PREJUDICADO O RECURSO

DA RÉ."

Page 88: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA · ECC Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ECC

Nº 70070346077 (Nº CNJ: 0244801-51.2016.8.21.7000)

2016/CÍVEL

88

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Julgador(a) de 1º Grau: ELOISA HELENA HERNANDEZ DE HERNANDEZ