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Poemas da Juventude Mauro Mota Recife, abril de 2011

Poemas da Juventude - Fundação Joaquim Nabuco · que cure a imensa chaga que se esconde pelas entranhas do teu ventre aflito! E a maior dor das tuas grandes dores ... ora uma sombra

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Poemas da Juventude Mauro Mota

Recife, abril de 2011

Poemas da Juventude Mauro Mota

Poemas extraídos doTimbaúba Jornal e do A Voz de Nazaré(1927-1931)

Apresentação

A ideia de reunir os poemas de Mauro Mota escritos entre 1927 e 1931 — anos de sua juventude passada entre os municípios da Mata Norte de Pernambuco, Nazaré da Mata e Timbaúba — nasceu do interesse de divulgar essa produção literária ainda verde e de esquecida memória do então futuro autor de Elegias.

Os poemas foram localizados pelas bibliotecárias Lúcia Gaspar e Virgínia Barbosa, por ocasião da pesquisa bibliográfica e documental por elas desenvolvida para a elaboração do A presença de Mauro Mota no acervo da Fundação Joaquim Nabuco: inventário documental,1927-2010. A Elizabeth Dobbin, coube fazer a transcrição dos poemas dos periódicos Timbauba-Jornal e A Voz de Nazareth, possibilitando disponibilizá-los ao público de forma mais ampla. Laís Moutinho, estagiária de design da Biblioteca Central Blanche Knopf, incumbiu-se da arte gráfica desta publicação.

Ao trazer à luz os versos inaugurais de Mauro Mota, esperamos contribuir para os estudos biográficos e de crítica literária sobre ele e sua geração; sem esquecer que trazem inscritas as marcas do seu tempo nos poemas de Pierrô dedicados à Colombina, na emoção das tardes dos footings, dos cocktails e flirts na porta da Confeitaria Glória, no espectro da tísica e no silêncio do spleen. Ao leitor, esclarecemos que os poemas originais tiveram sua ortografia atualizada, sendo mantidos no original apenas os termos que expressam a procedência de novos costumes que estavam sendo incorporados às práticas e à sociabilidade urbanas do Recife dos anos 1920 e 1930, palavras dotadas de especial significado sociocultural.

Os Poemas de Juventude, assim como o inventário acima referido, integram as homenagens prestadas pela Fundação Joaquim Nabuco àquele que foi seu ex-diretor executivo entre 1956 e 1970, no transcurso da passagem de seu centenário natalício.

Rita de Cássia de AraújoHistoriadora e diretora de Documentação da Fundaj

Sonambulismo

É noite erma. Silêncio. Ergo-me do aposento,que é pequeno demais para conter meu sonho,sonâmbulo abro a porta, a alameda transponho;— a lua— Salomé — dança no firmamento!

Ao mundo falo então: “Sou um poeta tristonho,Minh’alma é um bandolim que plange lento... lento...Miriam onde está?! Vim buscá-la e acalentona balada de amor que, há dois anos, componho...”

E o mundo — velho rei — disse baixando o açoite“A mulher que sonhastes — ai que dores infindas! —é bonita demais para ornar meu reinado!”

E quando o sol nasceu encontrou-me na noitea buscar, pelo céu, nas estrelas mais lindas,os dois olhos azuis deste Amor encantado!...

Nazareth.

Timbauba-Jornal, 24 dez. 1927.

Miragem...

Amigo:A vida é um lago cristalino...Ele guarda consigoo segredo eternal do teu destino!Vês? É uma noite de prata!E, lá no fundo do lago,a lua se retrata...

Numa atitude de cegonha,sonhador, como quem sonhaum sonho vago,contempla aquela imagem lá no fundodo lago...

Ela é a felicidade deste mundo!

No entanto,si a buscasses tocando a superfície quieta,a água se turvaria! morreria o teu cantode poeta...

É que, por culpa tua,desvendando o segredo do destino,jamais verias, no lago cristalino,a imagem da lua! a imagem da lua!

Nazareth.

Timbauba-Jornal, 31 dez. 1927.

Se ela viesse...

Se ela viesse aqui, como eu desejo,e me encontrasse triste, a pensar nela...E si quebrasse, com o rumor dum beijo,o silêncio claustral de minha cela...

Se ela viesse ouvir tudo o que eu digoneste momento de saudade e dor...E se ficasse a conversar comigoe me lançasse o olhar cheio de amor...

Se ela viesse... Ai! se ela pudesseSorver o pranto que minh’alma chora...Eu não sei que faria! Até pareceque nem a amava tanto como agora!...

Nazareth.

Timbauba-Jornal, [1928?].

Sóror Felicidade

Sob o outono sem luz, nesta tarde amarela,Uma rosa de Deus lentamente fenecee se estorce de dor e agoniza na cela...Lusco-fusco. Tristeza. O sol morre. Anoitece...

Tem quinze anos somente! é tão moça! é tão bela!Com seus lábios sem cor balbucia uma prece.Atira o último olhar através da janela:vê a Vida lá fora e a lua que aparece.

Eis meus olhos ciriais velando-lhe a agonia,Lentamente fenece e, assim, lívida e calma,é uma santa do céu! Santa Melancolia!

Mas, súbito, na cela, um frêmito de ânsia corre,E, no Claustro da Dor Imensa de Minh’alma,Sóror Felicidade abre os braços e morre.

Nazareth.

Timbauba-Jornal, 28 jan. 1928.

Minha N. S. da Esperança

Eu corri, todo ansioso, a recebê-lanuma manhã sem sol, de cerração,e ela entrou, como o brilho duma estrelado céu, para alumiar meu coração.

Tornou-se muito minha amiga então,Era tão linda! ai quem me dera tê-lajunto a mim! mas já foi, já partiu pelatarde do meu jardim — rosa em botão! —

É debalde, minh’alma, que lhe gritas.Neste mundo não há quem a definacom seu vestido branco e verdes fitas.

Teu brado, na distância, não a alcança.Pois fiquei a pensar que essa meninaera Nossa Senhora da Esperança...

Nazareth.

Timbauba-Jornal, 4 fev. 1928.

O romance banal de Colombina e Pierrô

Para você...

Entre seda, confeti e serpentina,desse mundo no imenso carnaval,tu surjiste, ─ visão de Colombina! ─para a alma de Pierrô sentimental...

Ante a musica, ante o éter que alucina,nós tecemos do amor o madrigal...A essa luz dos teus olhos de meninaPierrô sonhou um sonho emocional!...

O que foste afinal em minha vida?!Dize! retira a mascara divina!─ Quarta-feira de cinzas dolorida!

Mas somente depois que ela passou,pude ver a chorar que Colombinaera a Felicidade de Pierrô!

Nazareth.

Timbauba-Jornal, 18 fev. 1928.

Grito de angústia

A BALTHAZAR DE OLIVEIRA ─ O POETAD’A CACHOEIRA...

Minh’alma! Árvore! Vem de tua frondea encarnação da dor num grande grito!abres os braços, gritas ao infinito,mas a voz do silêncio é quem responde!

Tão moça és! No entanto, não sei ondepossa encontrar o bálsamo benditoque cure a imensa chaga que se escondepelas entranhas do teu ventre aflito!

E a maior dor das tuas grandes doresé a de viver aos sóis das Primaverassem a fecundação que, ansiosa, esperas.

Tua verdura simboliza o luto!— Talvez fosse melhor nunca dar floresDo que florir, somente, e não dar fruto!

Nazareth.

Timbauba-Jornal, 25 fev. 1928.

Versos ao meu cigarro...

Falam tanto de ti, pobre cigarro:“Veneno que entorpece e que asfixia!”No entanto, o teu aspecto bizarrotraz-me, à memória, uma filosofia.

Nessa ânsia de viver tão destemidavieste ao mundo deixando a carteirinha.O fósforo aceso transmitiu-te a vidae a tua vida foi igual à minha...

Começaste a viver entre os meus dedos.Levei-te aos lábios. Trêmulas volutasde fumo azul fiando mil segredosdesprenderam-se no ar bailando astutas...

Fumo! Sonho! Ideal da mocidade!Tu formas tudo quanto a gente quer:ora uma sombra vaga de saudade,ora um perfil querido de mulher!...

Ó meu cigarro! ó fumo azul amigo,quantas vezes — mistério singular! —minh’alma não bailou contigoapaixonadamente pelo ar?!

Ai! quem me dera o fumo azul de outrora!...Cigarro! dei-te o trago derradeiro!De ti, amigo, só me resta, agora,Uma saudade e a cinza no cinzeiro!

Nazareth.

Timbauba-Jornal, 10 mar. 1928.

Os balões de papel...

A minha vida de meninoFoi uma eterna noite de S. João!Eu tinha fé no meu destino,no meu destino fiel,libertando a sorrir do coraçãoos meus balões de papel...

Soltava-os a cantarolar, ao léu,e eles — coloridos! — num momento,iam levados para o céupelasasas do vento...

E é por isso que, hoje, o firmamentoé tão cheio de estrelas... Nazareth.

Timbauba-Jornal, 31 mar. 1928.

Teia de Aranha...

Sobre o lindo beiral, ebriada a aranhafia... vai fiando a trabalhar em prolda trama de oiro com da glória a sanha!— Pequena artista de petit-guignol!

Um dia paira! Oh sensação estranha!Vê a teia pronta... deslumbrante o solentre os fios seus raios emaranhainundando de luz todo o aranhol!...

Mas o sol morre... A noite vem... E o ventosoprando forte, bem violentamente,desfaz a linda teia num momento!

Tempestade da vida! Esse beiralé o mundo, a aranha é simplesmente a gentefiando a teia do sonho e do ideal...

Nazareth.

Timbauba-Jornal, 14 jul. 1928.

Bucólica...

As árvores verdes,Perto, um riacho de águas claras,Margaridas... boninas... boas-noites...As borboletas desabrochando e voandoentre os acordes sentimentaisda música dos coqueiros...

Entre a aquarela tropicalse alteiauma cabana branca e pequenina,que, sob o imenso abajur do céu astral,tem por lâmpada verde a lua cheiana noite cristalina...

Queres vir? Ouvirás, logo depois,o ritmo feliz dos lábios tersos,— o gorgeio dos beijos de nós dois... E serás a princesadeste ambiente de amor e de pobrezadiademada de flores e de versos...

Timbauba-Jornal, 21 jul. 1928.

Dentro da noite cheia de lua-cheia...

Venha cá, meu amor! olhe: a lua prateadafica zangada quando lhe vê!É inveja que ela sente de Você!Você é linda como um Sonhovestido de seda... É por isso que eu ponhoa minha vida na sua mão de fada...

A minha mão fria na suamão... Mas esta carícia silenciosa é poucae, até, pode ser feita com artifício...O silêncio subiu, foi conversar com a lua...O amor, meu amor, não mede sacrifício:Uma sua boca à minha boca...

Depois olhe pra mim...assim... assim...como só Você sabe olhar!Como seus olhos são lindos! E eu vejoos meus olhos lá no fundo do seu olhar...Dê-me outro beijo.Meu amor, satisfaça o meu desejo,dê-me outro beijo porquese Você não m’o der não lhe darei minh’almapara Vocêguardar dentro de sua alma!...

Timbauba-Jornal, 28 jul. 1928.

Alma Tisica(inédito)

No bojo do meu corpo infeccionado,a tossir, a tossir — que estranha tosse —sinto a alma de um poeta desgraçado,minada pela tísica precoce.

Ando ao léu, pelo mundo, alucinado.Não há mais alegria que a alvoroce.Vivo longe de tudo, abandonado,carpindo a espiritual tuberculose.

Febre à tarde. Suor. Sonambulismo.Minh’alma vai morrendo pouco a pouco,na exaltação do sentimentalismo.

Ó bacilos de Koch, não sois perversos!Fazeis-me ter na vida como um loucohemoptises cândidas de versos!...

Timbauba-Jornal, 15 dez. 1928.

O coqueiro(inédito)

Dizem que ao vento o coqueirosoluça plangentemente!...Ai! não soluça o coqueiroé a terra quem chora e sente!

Na tua copa altaneira,o destino oculta a mão!Cada coqueiro é um punhaldesta terra brasileira,cravado no coração!...

Timbauba-Jornal, 15 dez. 1928.

A divina mentira

Eu dizia:“Quando ela partir eu hei de chorar tanto... Serei a imagem da melancolia toda cheia de pranto...”

No entanto,uma lágrima, sequer, dos meus olhos caiu...Eu não senti saudade — a mais leve emoção! — — Quando ela partiu levou meu coração!...

Nazareth.

Timbauba-Jornal, Timbaúba, [1929?].

Trovas SoltasPRA VOCÊ

A Natureza em troféuna noite linda da aldeia,pôs na vitrola do céu,o disco da lua cheia...

Continue a odiar-me assim que é justamente porque você tem ódio de mim que eu quero bem a você!

Verde, cheia de picote,Recife vaidosa exibea faixa de chamalotedo rio Capibaribe.

Felicidade — uma tela que um pintor moderno pinta: de longe, seduz e é bela, de perto, é um borrão de tinta.

Meu grande amor se inflamandofaz na minh’alma um fogão:o combustível é teus olhos,— duas pedras de carvão!...

Timbauba-Jornal, 5 jan. 1929.

Versos pra ColombinaOriginal de Mauro Mota

No eterno carnaval, cumpro a rir minha sinade viver genuflexo ante ti, Colombina!Tens tua exaltação no meu verso porque éslinda desde o penteado ao mignon dos teus pés!No teu corpo de grega, um frêmito ansioso passa,és a estatua pagã e olímpica da Graça,um pouco de mulher e um pouco de meninacom o perfume de Vlan, cheia de serpentina!Irmanou-nos assim, na arte, nosso destino,E poeta e sonhador fez-me desde menino!Escuta, Colombina: o instrumento que adoras,plange com tanta vida em tuas mãos sonoras,que eu penso, nessas mãos, a alma há de palpitarde Beethoven, Chopin, de Puccini ou Mozart!Mas eu sei muito bem que te dizem assim:“Busca outro amor qualquer, talvez o de Arlequim!...”Que te dizem também o que eu digo, o que eu sou:“Um pobre, e desgraçado, e mísero Pierrô”como se eu te não desse esta felicidade,— a pujança febril de minha mocidade.Como si eu te não desse esta esbelta coroada poesia sutil, que, em minha alma, reboa,como se eu te não desse este amor tão profundo,o mais puro, o mais leal, o mais rico do mundo!Da esperança — um ritual — sou o estranho levitana glorificação duma santa bonita!Na balada— um altar — que, ha dois anos, componho,Comunga Colombina, a hóstia verde do sonho!

PIERRÔ

Timbauba-Jornal, 9 fev. 1929.

Meu lindo frasco de perfume

O teu corpo pequeno de meninaencerra uma alma grande de mulher,como um vidro contém a essência finade Caron, de Coty ou Chanteclair!

E as palavras de amor, que alucinado fazem-me aqui na paz desta alameda, é esse perfume volatílizado na tua voz melífica, de seda!

Timbauba-Jornal, 16 fev. 1929.

Atrapalhação

Não se zangue comigo... Estou arrependidode ter todo esse afeto imenso, que lhe hei tido...Eu deveria ter amado outra mulherque não fosse você! Outra mulher qualquerdum donaire de lindeza, esbelta, um tanto magra,do porte igual a uma boneca de Tanagra,de quinze anos em flor, olhos de santa, loura,tal se fosse Beatriz ou se fosse Eleonora...Cheio de orgulho, eu desejava a Minha Eleitacomparável somente à Beleza Perfeita!Escute: se eu tivesse amado outra mulherque não fosse você... outra mulher qualquer,este poema a compor, nesta atrapalhaçãonão estaria, sem achar comparação,gastando tinta e de papel quase uma resma,sem poder comparar você com você mesma!

Timbauba-Jornal, 13 abr. 1929.

Bilhete Indiscreto

Mademoiselle Presunção: Conquisteum idiota qualquer... Não diga queeu vivo apaixonado por você:eu nem me lembro que você existe!

Continue a ferir com a lança em riste de sua inveja Meu Amor, porque você é exótica, ela é linda e vê que o seu grande despeito subsiste!

Nunca, lhe dei a honra dum bom-dia!Dela, você se finge amiga e a afetatanto, Mademoiselle Hipocrisia!

Desista!... Deixe em paz a vida alheia! Você é feia, eu sou poeta, e poeta não olha nunca para moça feia!

A Voz de Nazareth, 20 abr. 1929.

Nordestinismo

Quando o espectro da secachegou aniquilando tudo e o raio Xdo solde fogueira de S. João declarouo Nordeste tuberculoso,ele — coitado! —magro,tossindo,comendo mandacaru e palmatória,começou a gritar com a voz débil:“Eu morrode sede! eu morrode sede!Só então,o Presidente dos Estados Unidos do Brasilmandou oferecer-lhe com desprezoas três ou quatro coités d’água dos açudes!

Timbauba-Jornal, 11 maio 1929.

(Do poema : CANÇÃO AURIVERDE!)

Eu Gosto Muito de Você!

Talvez você saiba, talvez,talvez nãosaiba bemdesta muito espirituale romântica paixão,que vive em meu coração,desde a hora sonâmbula, na qual,linda como ninguém,você me apareceu pela primeira vez !

Eu, um fino galanteador,─ nem precisa dizer ! como todo rapaz,doidinho por você, que é, como ninguém, linda,não consegui aindadizer-lhe uma palavra lírica de amorou uns versos sentimentais.As inúmeras mulheres,que, sempre, namorei por distração,sabiam, logo, do meu pensamento !No meioesplêndido dum salão,às vezes, muito cheiode gente, ou em outra qualquer parte,com um engano sutil e muita arte,eu desfolhava os malmequeresde suas mãos e lhes dizia, num momento,mil frases de galanteio!

Mas você vêquequando me animo parafazer-lhe uma levíssima declaraçãosinto um aperto no coração!O amor puro e sincero nunca se declara:eu gosto muito de você!

Timbauba-Jornal, 29 jun. 1929.

Poema marca Cadillac

O automóvel silencioso vinha me perseguindo.Lá longe,na escuridão da Avenida,eu destacava somenteos dois faróis de luz incandescente!(Por isso pensei no automóvel.)

Na escuridão da Avenida,corri com medo de perder a vidanum atropelo.Mas o automóvel silencioso continuou me perseguindo.

Se eu tivesse encontrado um guarda noturno...

Depois a noite morreu.Destaquei todo o teuvulto helênico e nada mais !─ Maldita a ilusão óptica dos teus olhos!

Timbauba-Jornal, 5 out. 1929.

Na areia da Praia

Nas manhãs luminosas de verão,sinto um ciúme mórbido do mar!(Ah!, se viesses te banharno mar de amor que há em meu coração...)

Porém, na praia do Farol, o mar orgulha-se para abraçar teu corpo alvimoreno de menina e imaterialíssimo de Ondina!, beija-te a boca, beija-te o seio num devaneio de Pierrô, que recebesse Colombina encantadora, vestidinha de maiô!

Ondas vieram roubar o teu rastro na areia. Ouço teu canto lírico de sereia... Teu perfume suavíssimo e romântico converteu em perfume a água toda do Atlântico!

Timbauba-Jornal, 26 out. 1929.

Tristeza(especial para A Semana)

Eu vivia feliz tendo a Quimeraem minha casa, e o coração risonho,ela entrou, despertou-me do meu sonho,falou comigo sem dizer quem era.

O tempo se passou, mas ela imperaem mim no pobre verso que componho!nunca mais me deixou! Vivo tristonhomas minha vida nunca desespera!

Ela gosta de mim: sou seu amigo,chora comigo a lagrima que choro,vive comigo, há de morrer comigo!

Minh’alma aos seus encantos, já tem presaduma maneira tal que só deploroos momentos que passo sem tristeza!...

Timbauba-Jornal, 9 nov. 1929.

Spleen

Nesta noite, febril, fecho os olhos e sonho...Evoco as moças, que vivi a namorar...Releio cartas, madrigais velhos, tristonho,sem poder ir à rua, ao cinema, ao bilhar!

Estou nervoso. Escrevo e fumo suavemente...Na sombra do abajur, que minha irmã pintou,meu espectro romântico e doenteé um vulto pálido e tísico de Pierrô!

O vento frio esfuziou pelas janelas...Na penumbra do quarto, há o silêncio do spleen.... Foram tantas ... Recordo ... E penso em todas elastendo a ilusão de que alguma pensa em mim!

A Voz de Nazareth, 4 jan. 1930.

Enferma!

Fantasio o interior, o quieto ambiente do teu quarto melancólico de doente, onde há um bocadinho de natureza e algo super-romântico de spleen, — a lâmpada velada semiacesa, — luinha sob o céu do abajur de cetim!

Tu, que és quase menina e és quase moça, no leito perfumado reclinada sob o pálio de tule das cortinas: — princezinha morena de balada, minha boneca lírica de louça!

Quem me dera beijar as tuas mãos franzinas!Velar-te na sombria cabeceira,fazer-te uma carícia doce, doce,como se minha mão esguia fosseum pente suave em tua linda cabeleira!

— Minha saudade é a tua lânguida enfermeira...

Timbauba-Jornal 11 jan. 1930.

Pierrô

Com a sua bandurra ao lado,do jardim no último banco,vê-se um Pierrô contristado,muito meigo e muito branco...

Pierrô infeliz e pobrequer... mas, não pode falar...A lua é o pompom, que o cobrede pó de arroz de luar...

Ah! Toda a gente, que o vênessa amargura perene,não se admira porqueele é o Pierrô de Verlaine...

Lá longe, um vulto sombriopassa... Tísico, ele canta...Tem de voz um tênue fio,que lhe morre na garganta...

Eterna, sem que se enfade,vai cumprindo a sua sina,a de morrer de saudade,saudade de Colombina...

Antigamente, ele ia,a boca cheia de risos,dizendo sua alegriapelo tilintar dos guizos...

Pierrô balbucia a precedo seu ritual de agora:antes ela não viesseporque veio e foi embora!

Pra ver a sombra fagueira,que a sua vida resume,passa a noite, a noite inteira,cheirando lança-perfume!...

Ergueu-se! já vai a passos...lentos... O olhar como um círio.Cruz de marfim os seus braçoscrucificando o Martírio.

Débil canto resoouna rua dizendo assim :“A gente é, sempre, Pierrôe os outros são Arlequim...”

Timbauba-Jornal, 1º mar. 1930.

Hora Verde de FOOTING

Dia do footing pela cidade!As horas correm! o sol é lindo!Quanto alvoroço! que hilaridade!De seda se ouve leve frou-frou,porque as mulheres passam exibindomodelos chics de Jean Patou!

Cocktails! Flirts! Porta da Glória!De emoção vibra toda a minha arte!Faiance esgalga, fútil, ilusória,vens de vestido pando, lilás...— Trazes-me o ímpeto de coroar-tede abraços, beijos e madrigais!

Ah! que lacuna fazia a tuaausência triste deste bazar,aonde vieste, dernier-cri,Tanagra frágil perambular!...— Teus passos marcam ritmos na ruasilhuetinha de Mata-Hary!

— Vede as gurias da Rua Nova!(Oh que gurias civilizadas!)Olhai: são tantas: loiras, morenas...A cada uma digo uma trova...(Felicidade dum poeta é, apenas,versos, cigarros e namoradas!...

A Voz de Nazareth, 19 abr. 1930.

Feira

Dia de sábado! dia de feira na minha terra!Logo de manhãzinha,começam a chegar os cavalos cansadose trôpegos sob o peso dos caçuás!As mulheres arrumam as verdurasainda molhadinhas de sereno, sadiase frescas nos tabuleiros longos.Que cheiro bom e acido de frutas maduras!Laranjas, bananas, mangas,abacaxis, pitombas e cajás!Que movimento intenso nas vendas e nas padarias!O estalido dos níqueis nos cocos secos!...Cargas enormes de queijos do sertão e rapadurasno mercado! Feijão preto e mulatinho!Retórica lugar-comum de camelôs ridículos...Cachimbos. Chapéus de carnaúba.Expressões da gíria prosaica dos coronéisdiscutindo o preço do açúcar e a política local.Fumo de rolo. Bancas de jogo. Parati.Moças passeiam no pátioda feira de sombrinhas abertas.As crianças compram panelinhas de barro.Um cego canta ao violão.Ambrósio bêbado quer fazer estripulia.Carreiras. Gritaria.A intervençãodum soldado empunhando o facão.(À tardinha quando a feira se acaba,vem a carrocinha da Limpeza Públicajuntar as cascas de frutas e os bagaços de cana.Os moleques procuram os tostõesque os matutos perderam na areia!)

A Voz de Nazareth, 27 jun. 1931.

Tinha razão Felix d’Avers

Minha querida amiga... Apenas, minha amiga...Sinto desejo. Sinto. Mas não sei se diga!É melhor não dizer... Desde a apresentação,vendo os seus olhos e apertando a sua mão...Se eu lhe dissesse tudo o que nunca lhe disse,naturalmente, ela diria

— Que tolice!Mas... Quem sabe?! Talvez... Ontem, fui visitá-la.Seu olhar era a luz na penumbra da sala.Falamos de cinema, arte e literatura...Sim! As quadras?

— Você como vai de pintura?— Ele está sujo! Vá embora, Gib, vá...Mas eu acariciava o gatinho angorá!Nisso, ela, olhando as silhuetas da almofada,perguntou-me quem era a minha namorada.Essa pequena dos poemas, a pequenaque vive em meu amor...

— Será loura ou morena?─ Os cabelos? a boca? em que rua? — Decerto,tive desejo de dizer: ela está perto,tão perto sem saber, poderia alcançá-lao gesto mais banal que eu fizesse na sala!

A Voz de Nazareth, 19 dez. 1931.