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Poesias AZEVEDO Carlito - Monodrama

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2009 © Carlito Azevedo

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da LínguaPortuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.

Produção editorialDebora FleckIsadora TravassosMarília GarciaValeska de Aguirre

Editora-assistenteLarissa Salomé

RevisãoCristina Parga

Foto de capaSergio Fonseca

Imagens internasMarília Garcia

Produção gráficaIsabelIa Carvalho

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÁO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

A986MAzevedo, CarlitoMonodrama / Carlito Azevedo. Rio de Janeiro:7Letras, 2009.156p.

"Este livro foi selecionado pelo Programa PETROBRAS

Cultural"

ISBN 978-85-7577-625-4I. Poesia brasileira. I. Programa Perrobras Cultural. Il. Tírulo.

CDD: 869.1CDU: 821.134.3(81)-1

Viveiros de Castro Editora Lrda.Rua Coerhe, 541 BotafogoRio de Janeiro RJ CEP 22281-020

[email protected] [21] 2540-0076

SUMÁRIO

Emblemas

Um imigranteOs rostosEntre tantosUns olhos negrosAgora o empresárioAgora ele está láNo saguão do bancoEla tem um sanduícheA gente podiaSem desgrudar os olhosMas agora quemUm imigrante tomandoNinguém se chama SovieteAs balasSubimos e subimos

o tuboParaísoPurgatóriolnfirno

Garota com xilofone

Uma tentativa de retrará-la

As metamorfoses

Pálido céu abissal

Um confeiteiro ...

Conto da galinha

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495]53555658

Drummond 65 Margens 121Pequenas humilhações diárias 68 Nem procurar, nem achar

Sobre portas 70 De modo que a lanterna

Rua dos cataventos 71 (O cachecol, ainda)

Dois estrangeiros 73Por isso essepoema nãoQuando chegamos ao nosso

a) Efeito lupa Vtlificar mais difícil estacionarb) Ela Ele me pergunta se

Limpeza do aparelho 86 Ele me perguntou

Handgun carrying case 89 Rachei WhitereadEstou falando de dias ensolarados

Monodrama 91 (epílogo)As vozes saíamNinguém pense contudo H. 135A sua versão do paraíso H.

Um vento frio bate Beijo

A foto do santuário de De/fos Motores

(Interregno: notas do caderno azul) Ritual

Há também(Interregno: notas do caderno azut;(Interregno: notas do caderno azul)Eu pergunto se

O anjo boxeador 109Por trás dos óculos abaulados 110Café 113O anjo boxeador tenta descrever 114O anjo foge 120

Para Marília

I I

EMBLEMAS

Um imigrantebate fotos trepadono toldo deum qUIosquea multidão gritaem frente ao Bancoaparece um malabaraparece um pastorimagens da puradesconexãoaparecem as montanhaslilases do Cáucasomas na foto buscada sóaparece a Imagemda meninacom seu coelhode pelúcia

sua dobracor de ferrugemcontra a luminosidade

Os rostosse sucedemnos monitores

dentro dasala de segurança

do Bancocomo projeçãode slides

Entre tantosmanifestan tesé ela quem arrancaa pnmelraereção do diado segurançade óculos espelhados:

todos ali riemquando veemum falsoVladimir Ilitch

bêbadose engraçandocom a jovemolhos de guepardoleitora de Rilke

seios grandes

uma pequenavibraçãoem um dia cheiode vibrações

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Uns olhos negrosque vi na Turquia

reaparecemno rostodo novo inquilinopara água quentebasta girar estedisco de cores atéo rubroo incandescente

Agora o empresárioagora o demitidoagorao secretário-geralagorao guarda-florestalexplicandoo cogumelo

vermelho com pintas brancasa casa de J. M. Simmelmas um dos monitorestransmite continuamentea ima em aradade um deserto

1415

Ela diz na carta:não era russa era alemã

e não era cientologia

era tiberologiamas foi sim do russoque ela traduziua tabuleta em frente

ao prédio:"Os preceitos de Lêninsão verdadeiros"

A economia já previao desabar da chuvano interstício de algumcálculo diferencial?

pensa o jovem líricoem frente à janela

Agora ele está lá

sentado sobrea máquina de lavar

do subsolomastigando pasteizinhose lendo De Lillo,digo, lendo Modianoele tem semprecigarros ou florese envia todo o tempocartões- postais

"gostei de imediatodo novo inquilinodo seu jeito desegurar a caneta"

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No saguão do bancoas paredes estãocobertas de tapeçariasrepresen tandobardos célebresda Ásia cen trai

Suba na minha asa esquerdae eu lhe mostrarei(vamos voar!)os mais ocul tos recantos

dessa potência comercial

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Ela tem um sanduíchee uma bolsa-sanduíchegosta de fotografaras manifios meetingsme fala de uma

portuguesaque conheceuno 12 de maioe que depoisse deitaram na gramacheia de esquilos velozes

a vida também era sóvelocidade e esquilossob os feixes luminososdo 12 de maio

Uma descoberta sexual:

a ui ni n uém tre~~ois das manifestações

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A gente podiaconversar rnais vezesnão amigos certamentemas tampouco inimigosadorei aquela tardeno hotel do Cosme Velhoo pOnto mágicodo morro na janela

"O lírio gravado noombro de Miladypermitiu a O'Artagnanreconhecer nelaLImaenvenenadorajá punida no passadopelos seus crimes"

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20 21

Como a irmãzinhacaçula de um conto russovocê saltava da camacom um cobertorsobre os ombrose rosnava imitandoum pinsherpara o ondular das cortinas

na penumbra fluodo quarto de hotel:

Sem desgrudar os olhosdo monitor o segurançapensa que aquela alibem mereciaumas porradaso lírico pensaé só o amor querendo nascerpor vias tortasse ela o vissejá sonharia com o bebêque os dois empurrariamnum carrinho pela orlase ele pudesse

imaginarcomo seriam felizesmorando numprédio de tijolinhos

Nitidez é um caso dessa luzseu perigo e

seu desmoronar

o que não excluiria

as porradasesporádicas

22 23

Mas agora quemtirava fotos no quiosquetoma uma cervejano bar em frenteao qUIOsquea menina com o coelhotoma um achocolatadopelo canudinhoe gira até ficarcompletamenteenviesadana cadeira para vera areia da praia

Um imigrante tomandouma cerveja sentadono meio-fio pode serum grande passo

Uma menina imigrantepondo os pés na areiada praia podeser um grande passo

Nós os vemos(você segurando firme'1'11 minha asa).lcs não nos veem

Adorei aquela tardeno Hotel da Lapaeu nunca imagineique você tivesseseios tão apóstolosseu coração está aí atrás?

Um falso atorno quarto ao ladodecorava a peça russatentava dizer ao outrocom as pontas dos dedoso que é a fidelidadedo homem queele ama

Ninguém se chama Soviete- Alguém se chama Soviete- Um soviete é um mamífero- Todo soviete é mortal

Qual a palavraque escrevemosno vidro do Banco

com as pontas dos dedossobre a poeira brancadas bombase da espumano vidro do Banco?

Uma ordem rnacabra chegapelos fones de ouvidodo segurançao lírico pensao amor não pode morrero amor está seriamenteameaçadoenquanto admirauma admirável irrupçãode herpes no espelho(admirável mundo novo)ele imagina que alguémprecisa fazer algumacoisa o amor está querendorespirar dentro da câmarade oxigênio do saguãosem oxigênio algumpara respiraro segurança chegaao saguãoe vê agorapor trásdas porras de vidroe à frentedas lentes espelhadasum grupo demanifestan tes

As balassão de borrachao amorestá saLvo

Nem portuguesasamantes de esquilostrepamdepois das manifie meetingsele diz desole

Subimos e subimose subimosmas no alto da escadaria

não havia Templo do Solsó um falso Cardenalvendendo sortilégios,digo, souvenirs

Então descemose descemos e descemosparamos no qUIosquepara uma Coca-colae perguntamosao imigranteque batia fotosqual o nome de sua filha

com o coelhoferrugem-dobrade pelúcia

Ela?

Ela se chama Soviete

Bônus track:

Sua peleno hotel doCosme Velhoolhadaaté àincandescência

(Seu coração está aí, atrásdos ossos?)

o TUBO

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PARTE I: PARAÍSO

Foi quando a luzvoltou e vimoso tosto da jovemque se picava juntoà rnureta do Aterro,a camiseta salpicada,

. .a serInga SUja."Nenhum poemaé mais difícildo que sua época",você disseem meu ouvido

sem que eu soubessese era a ela que sereferia ou se ao livroque passava das mãospara o bolsoda jaq ueta.Distinguimoslá longea Ilha Rasa,calçamosos tênise seguimossem atropelosentido enseada.

PARTE 2: PURGATÓRTO

(nas Paineiras)

eu disse: vocêpodia por favorresponder mais uma

1 . I t-o?vez àque a rrunna ques a .eu disse: vamos aproveitaresse sol frio, belo,que furou as nuvens,essa boa caminhadaaté o estacionamento,e conversar mais umpouco sobre aquilo?eu entendi bemo que você dissemas depois acabeime distraindo, medistraí com algumacoisa, não sei bemo quê, talveza coragem daquelasmulheres sob a

queda da águatão fria que explodiarochedo abaixoou o que gritavamaquelas mulheres sobaqueda da água

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tão fria que explodiarochedo abaixo,talvez os lagartos

que, assustados,disparavam espavoridosrochedo acima,espessura a dentro.eu disse: os lagartosmudavam de cor.o fato é que euqueria que porfavor você merepetisse aq uiloque me disse.será que você poderiarepeti-lo? eu disse:às vezeseu sonho comum grande acidente.e eu às vezes sonhocom átomos se reunindo

para gerar aquilo

que podemos chamar deo grande acidente,the big one,com que cada umcedo ou tardevai ter que seenfrentar e ver.

eu disse: e é sem recomo um aís

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se dando contade ue entrouem uerra, um diaum país se dá contade

por exemplo,abra os olhos e veja:num zeptossegundonão há mais lagartosagora, nem rochedoagora, ou quedad' água tão friaagora, ou mulheres

gritando agora. .

as cOisas maissin ularese irrepresentáveis,

e tudo se passaem uma es éciede videostream ou"uma lacuna navida ou na lin ua empor onde enetram

eu disse: viu?

é exatamente assimque ocorre

em .meus sonhadosacidentes

eu me lembroque você falou

qualquer coisa quetinha a ver compresença e metajisica.eu disse:

ah, ali está o carroo 4x4 vermelhobem debaixodaquelas árvores,debaixo daquela chuvade pétalas amarelas,roxas, desmanteladas.outro dia qualquerantes de sua voltaaprenderei o nomede todas essas árvoressobre as quaisvocê me pediuinformações queeu não estavatalnpouco

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apto a fornecer, da temporada e, de fato,está bem? da cor do chumbo,me ocorreu agora da cor da cor do chumbo,lhe pergu ntar se você e nem que eu repetisseseguiu em frente isso mil vezescom os escritos? daria uma ideia de comovocê gostava muito eram da cor da cor do chumbodos escritos, aquelas nuvensde escrever, que cobriam completamentecomo dizíamos, a paisagem que a gentee você tinha umas tinha feito tanto esforço,ideias verdadeiramente tinha caminhado tantoluminosas sobre isso. tempo para ver,você não vai me para achar uma localizaçãolevar a mal e vai mais alta possívelme fazer esse favor, para ver e acaboude repetir o que não dando cerrorespondeu à minha ou melhor,questão, não é? tudo deu certo sevai significar como você dissemuito para mim, sabia? o nosso plano secreto,bem, talvez secreto até paravocê não se lembre nós mesmos,afinal tudo era meio era procurarinterrompido o melhor mirantepelas risadas que a das Paineiras para vergente dava e pelo as nuvens mais colossaisespanto que a gente e cor do chumbosentia ao ver que e cor da cor do chumbonuvens enormes, da temporadà cobrindoas mais gigantescas o céu e a paisagem, não é?

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o que não seria

de modo algumdesprezível

do ponto de vistado místico que diziafumar para pôrum pouco de névoaentre ele e o mundo.

eu disse: eu precisolhe dizer o que graveicomo sendo o queaproximadamentevocê disse,mas é claro quenão vai ser oque realmente vocêdisse, é apenas

uma adaptaçãoe que por ISSO

mesmo só pode existirembaciando ainformação original,só se dará como á1idasombra da coisaem si brilhante e luminosa:o seu ob'eto sin ular.e se lhe repito essaspalavras não é para quevocê pense que eupor um instante sequerimaginei que você

fosse capaz de dizeruma coisa óbvia,por favor, não lhe passealgo do gêneropela cabeça,

é apenas para quevocê saiba do queestou falando e merecorde e explique,devolvendo ao tópicotoda a complexidadequea contragostolhe subtraí

eu me lembro que vocêmexeu um pouco esseseu cabelo tão bonitoe eu me lembroque ele fez um somounem era um some sim algo que deveproceder do micromundodas vibrações sonoras,e eu fiquei arrepiado,me arrepiei, a nucainteira, de imediato, e

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depois você tambémespantou uma abelhaacintosa 9ue bordejavaa sua latinha e entãovocê disse qualquer

ex erimento, ex erimentotodos os dias,"acho que se entãoacabei me distraindo,me distraí, foiporque algum tempodepois - você lembra?

tínhamos dado nomáximo uns vintepassos sobre o morro -se abriu um buracono meio das nuvens,um tubo ou coisa assim,

ue trouxe até nós,

de cima:o sol, brilhando

com os seus cem sóis

e de baixo:o fundo do abismo,

a cidade,o torvelinho,

o ren ue de almeirasde al uma ruairreconhecívelao menos ara mim,mas que eu gostariade ficar olhando porum longo, indeterminadotem po de uma tardede verão, e por um segundofez todo o sentido do mundoo nosso absurdo ir e virpor entre atletas,

nossas vozes dizendoo ue diziam e como,

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e os rumores de tudo ali:os atletas, os lagartos,as quedas d'água, oscães malabaristas etudo o que entãopoderianum zeptossegundoter sua escalade grandeza modificadae sua existência postaem dúvida num acidente

colossal

eu disse:acho que você tinha

que pensar bemnaquilo dos escritos,eu gostei dos seusescritos desde sempre,

você sabia?eu sinceramente nãosei como você canse uiu--------- ---cheg~~~modotãorá idoe definitivo a ai o~r'!..~~i!.!!...R.ermaneceindefinível eine~g~!..ávelfonte de sobressaltos.-------- -

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o ue você escreviatinha a capacidadede roduzir de imediato

eu disse:claro que vão deixarvocê escrever por lá,

tem cabimento uma dúvidadessas? ei

para que tipo de lugarvocê pensa que estásendo levada?

oxalá eu não tenhatambém mais uestóescom a metafísica ea resença, comovocê bem dissee meu caso se resumaao fato de quesimplesmente sou

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uma pessoa do silêncio,

de sua equipe,ou melhor,

o silêncio é meuequipamento.eu disse:o silêncioé meu equipamento.mas me diga (eu disse)não era uma coisa assim,que partia dessa baseque expus de formasumaríssima, masque em sua voz eexpressão sabialogo desdobrarum rol de consequênciasinesperadas, desfolharum jorro de pertinênciasagudas, corrosivas,como as pétalas da

sick rose,fazer um girodesregradopotente e incisivo,até magnificar-seem uma formulaçãoa um só tempolímpida e biunívoca?

PARTE 3: INFERNO

povres jamefetespovres hospitaulxpovres gens

P. VILLON

Você a reconheceu

como sendo a meninacoreana da Centralde Fotocópias do Cateteaquela com

camiseta salpicadapresilhas fluomuretae hipodérmica pendentedo braçoe me abraçou eme olhou com um olharque me atravessavae ia atingiratrás de mimbem lá na frenteno bazar futuro dos diasno meio das bugigangasespelhadas, espalhadas

um outro crepúsculo cinzauma outra noite chuvosae sem luzem que veríamos

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o inferno refletido

nos olhos de umvira-lata que cruzavaas pistas do aterrovarado pelos

feixes dos faróis(relâmpagos denenhum céu)dos 4x4a toda velocidade.

iAROTA COM XILOFONE E FLORESNA TELEGRAPH AV.

( uando ela

rão incrivelmente linda'orno você dizia

I"S revia os poemas que escrevia

("eu entendo que não levássemos tão a sério os poemas que elal:t incrivelmen te lindars revia

~:I'ando de dentro de uma bolsa ácida com pins coloridos

[e motivos opos menores lápis de cor que vimos em toda a vidapnra improvisar

.1 qualquer hora e sobre qualquer superfícieo~ poemas que ela escrevia

"t'ls dizíamos que não havia mesmo nada ali.tI ~11ldo pitorescoiuda mesmo

.10 menos para dois rapazes passados dos trinta

II·h ricando café entre desespero e risos explosivos/lIdo e vindo de aíses diversamente destruídosI t"tluilibrando entre os dedosI~ moedas contadaso Gm do amor

I 10111 vontades contrárias e confusasdi' d slocamentoI 111 visibilidade

III.I~refletidos no espelho de um café em BerkeleyI II'/ldo sim provavelmente toda a razão

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ao dizer que não havia mesmo nada aliquando ela escrevia os poemassempre os mesmosque ela escrevia com aqueles dedos que nos impressionavam

cheios de anéis de pedra brutae aqueles olhoschapadosolhos verde-rãnão havia nada alia não ser talvez um homemsem pre o mesmoque reencontrava enfim lima garotasempre a mesmae dizia sou eue sempre uma revoada de tão incrivelmente fantásticas

[Rores repetia sim veja é elee no fim das contas umasempre a mesmagarota concordava sim sim é você mesmo e todos os seus colaressó para depois tornarem a se perder um do outrocomo numa espécie de outra mágica revoada

e isso sim haviaem todosem absolutamente todos os poemas delatão incrivelmente linda sime lá se vão dezou treze anose eu simplesmente nuncaas/aconsegui esquecer

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UMA TENTATIVA DE RETRATÁ-LA

Num dancing é mais difícilpela chuva de ouro nos cabelos,e a viagem circular absoluta pelapista. Mas o século 21 reservouainda as bibliotecas, sistema desistemas ue nos ermite ressu or

ue em sua bolsa convivam,como dois faunos se encarando,Lancôme e La Celestina.~ibli;;~a~ são~ém

esfor os infinitos, Ruxos im aráveis,luminescentes, olhos emzi ueza ue, vibração de mãospousando em páginas antigas,com mandíbulas de bolor, etodos os relâm a os ue há nisso.Um derradeiro "motivo" seria o daJovem Em Um Carro VelozFalando Ao Celular; clausura

móvel onde soletrar palavras deamor e perder tudo, manipularas intermitências do desejo (eperder tudo), imolar violetasretardatárias. O laneta tambémimola seus retardatários. Entreoperários na calçada, no frio,aguardando a sirene da mudançade turno? Talvez, talvez. De

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certo modo ela se parece cada

vez mais com o que escreveuo seu poeta favorito:"Piccolo, sem re iú iccolo.Pigmeo, sempre piú pigmeo".Por isso nem dancings, nembibliotecas nos bastam. Nema balada do automóvel insone.

Isso, e nem a cama alta onde

agora, contudo, sorriesses!1akespeariano animalque logo existe.

AS METAMORFOSES

orno um filme ue necessita de 2 uadros or se undo

Rara ue a ima em a resentada se mantenha ínte ra natela e à nossa vista, talvez o ser humano se'a uma acele-radíssima re etição de si mesmo

'spetáculo e visibilidade n~ma proporção de roo uadrospor bilionésimo de segundo. De modo que, por exemplo,

aquele jovem que está entrando pelas portas da discoteca

. rn um colete de explosivos sob o pulôver negro coriti-

nue pacificamente a ser aquele jovem que está entrando

p .las portas da discoteca com um colete de explosivos sob

II pulôver negro, e aquela pálida garçonete atrás do balcão

ti . um café do aeroporto aguardando apreensiva a aproxi-

mação da mãe de seu namorado que se atrapalha toda com

.I bolsa de onde retira uma pistola 9 milímetros continue

.1 ser nada mais do que aquela pálida garçonete atrás do

lulcâo de um café do aeroporto aguardando apreensiva a

.rproxirnaçâo da mãe de seu namorado que se atrapalha

tllda com a bolsa de onde retira uma pisto~a 9 milímetros,uulo de forma íntegra e ininterrupra, Ou quase. Pois as-irn omo a diferença ou sabotagem em um único foto-

p,I.\llla entre os 24 que deslizam divertidos ou solenes por

IlId:\ a extensão de seu mísero segundo cinematográfico11.10 hegaria a alterar a imagem que vemos na tela, dada a

!,'\' .ariedade do poder de percepção de diferenças de nos-11 humano olhar, a possível metamorfose daquele jovem de

1',,1 ver negro explodindo dentro da discoteca, ou da pálida

garçonete atrás do balcão com o peito perfurado por umabala 9 milímetros, e mesmo considerando-se a possibili-dade de uma metamorfose extremamente esdrúxula como

em boi, tapir ou bebê Radinbranath Tagore, desde que

limitada a um único quadro entre os roo daquele bilio-

nésirno de segundo, não seria captada por nosso precá-

rio sistema retiniano, e só lograríamos perceber de fato afenomenal e invejável continuidade do pulôver negro dojovem entre os destroços de discoteca e gente recolhidospela polícia e transportados para a calçada cheia de ventoe do piercing sobre o lábio da pálida garçonete caída portrás do balcão sobre uma poçazinha de sangue. Num con-certo em homenagem a Witold Lutoslawski, contudo, o

anjo boxeador logrou perceber diversas metamorfoses da

pianista Martha Argerich em cervo negro, dia de inverno,

borra de vinho, chuva de ouro e outros prodígios incontá-veis, metamorfoses essas que, entretanto, não chegaram adurar nem um bilionésirno de nanossegundo, o que per-mitiu que para os outros espectadores aquela bela criatura

de longos cabelos ao piano continuasse a ser durante todo

o transcorrer do concorrido espetáculo a renomada pianis-

ta argentina Martha Argerich.

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PÁLIDO CÉU ABISSAL

que não nos protege,é antes cúm lice, ou mentorintelectual dessas ruínas,de nossas mentes estro iadas.Ao passar por certas casas e ruassuburbanas, ocorre às vezesde nos depararmos com algoque brilha deslumbrante e dissimétrico ,e nos comove a ponto de nosperguntarmos se de sua apariçãoescandalosa, sua caudaluminosa de átomos e vazio,poderão surgir algum diamoças asseadas em vestidosde Rores, conduzindo pelamão crianças bem penteadaspara a Escola Municipal,o Sonho Municipal.Parei um dia em uma dessaspraças e, deitado sobre agrama, me us a escutar adesconexão absoluta detodas as falas do mundo, detodos os sonhos do mundo.Ao levantar-me para buscarum pouco de água no tanquevazio vi (me encarava)uma ratazana que aindaassim me lembrouDebra Wingersabandonada no deserto.

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UM CONFEITEIRO DA CIDADE DE X ...

OBSERVA A FOTO DO ASTEROIDE 433 EROS

CONTRA UM PUNDO DE ESTRELAS NUM

ÚNICO PIXEL ILUMINADO

Nos oito anos que passou em x ... , o anjo boxeador ex-

perimentou a vertigem e o assombro de uma rotina tão

inalterada que certo dia, enquanto pensava na vida médiade um nêutron ou nos pés inchados de Édipo, súbito foiatingido pela certeza de que para o dono da confeitaria

da esquina, diante de cujas vitrines passava pontualmentetodos os dias pela manhã, ele não poderia representar nada

além de uma estranha forma móvel, acinzentada, que cru-

zava a rua produzindo na limpidez de suas vitrines uma

tênue agitação membranosa, e cuja existência, ou apariçãodiária, com precisão astronômica, durava nunca mais doque doze segundos. Quando cinco vezes por dia um som

uase humano chamava das mesquitas para a reza, era pre-

cisamente nisso que pensava o anjo boxeador. Era na ine-

vitável ex losão da uelas vitrines, na eometria uase má-ica dos estilha os em suas tra'etórias im revisíveis ue ele

pensava uando em desafio aéreo ex unha o ró rio rostoà névoa radiosa do deserto. E uando buscava deses erado_

o céu multicolorido do ocaso sem' amais ter ali encontrado

~ edacinho ue fosse de lua, com rimia as têmporas

com os dedos, e deixava escorrer ela areia do deserto toda

a sua er lexidade com o fato de a hermenêutica se reo-~Ear tanto com a distância histórica e nem um ouco COlTl...-

o estudo da geo rafia celeste. "É a uerra. É a erra. É essa

maldita terra... ", ele entoava bem baixinho resi nado--- "tomando o rumo de volta ara casa, onde demorava tantoa chegar que já dava com as ortas da confeitaria fechadas,o ue, não fosse assim; aderia acrescentar, aos olhos ousistema de visão multies ectral do confeiteiro, doze se un-

dos su lementares à sua existência, ou a ari ão, em órbitaretroativa.

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Ao vento, sua dançaimóvel

redefi ne um

céu oblíquo,antro de nuvenssimultâneas,

assustado raso

CONTO DA GALINHA

(Meu paia trouxe para

Esta a casa

- por exemplo - um dia

abriu as asas, antes

pardas, de nos deixar,

contra o fundo talvez por

alaranjado isso tenha

de um muro sobrevivido

em ruínas: tanto tempo

fincou-se no a tantas

alto da pedra. intempéries.)

58 59

60 61

Em seusraros momentos

de elevação,

quando fica

num pé só,

imagina-sea orquídeada pedra.

" - Essas ervasHutuantes,

caídas sabe-se láde que cúpularadiosa, serãoo envenenamentode qualpaixão?"

Agora torna adescer para ciscar,bicar seus grãozinhosde gorduraque se esfarelamnas mãosdo menino

que osarremessa

e pronunCiaconstrangi daseu lamentode imperatriz:

quase se

mijando demedo,mas atendendoaos gritosdos tios

gordos edesargentés

que o despedaçariamcom a pJOrdas ofensas.

Terráquea,

pisa a própriabosta ea alheia,aceita asnodosidades

o sexo.

Hokusai

não ignorariao sortilégioamorosodessagalinha,o coraçãode fogoque a impelia

às vezes acorrer pelo

quintalem puro desperdícioaerodinâmico

A neblina que caipela manhã

sobre o terrenobaldio, enlameado,surpreende-aem sua túnicaasfixiante,

sempreflorescendo e

sempreodiando

A transparência

dessa hora

lembra atransparência

da asade uma mosca,a da pál peb rade uma galinha,

e deve muito

às duas.

nem as irmãzinhasdormindosobre aspedras de puzzle,na terra batida,esquecidas

do irmão maisnovoque deveriamproteger.

(Os velhos DRUMMOND

escroquespassamo dia na fábrica Sabe que nada mais agorafechada, poderá mover sua poesia.causam arrepIOsde medo e Cruza a avenida Rio Branco, o Aterro,vergonha a enseada, o túnel do Pasmadoquando saemà noite e (do mundo caduco, é a partecatam pelas que mais lhe agrada).encruzilhadas.)

Nem o vestido de flores da

filha do tipógrafo, nem os

pássaros de fogo que dele

partiam de vez em quando

(tudo perdido num an tigo

Velha, crepúsculo itabirano),

anda livre,mas já viveu Nem aquela vez,

atada por um quando pensou ouvir

barbanteapodrecido o rumor do mundo percutindo

aum as paredes do Outeiro

limoeirocintilante (havia um melro no alto

de teias do muro de cantaria negra).de aranha.

64 65

Cerra as mãos como quem porta

um segredo, e ainda que ninguémeis a quinta-essência doaprendizado? Maria Julieta está morta.

perceba, sente que sua revolução

está ocorrendo neste exato instante.

Cruza o túnel do Pasmado, e mais outro.Tudo somado, talvez esteja recitando:

Se apenas uma dessas indecifráveis

palmeiras pousasse o rosto no peito

''A Avenida Atlântica situa essascoisas numa palidez de galáxias".

do aviador cansado, ouviria

as bombas da ilusão de

com a natureza reduzindo a

pó a ilha mínima do eu.

autossuhciência e as bombas

da ilusão de unidade absoluta

Mas ele mesmo só pode ouvir os

ônibus lotados que passam rumo à

periferia, soltando no ar

grossos rolos de fumaça negra,

ou as mãos de quem costura

vestidos de flores baratos.

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PEQUENAS HUMILHAÇÕES DIÁRIAS

Em Siriushd meninos.

F. G. LORCA

A primeira, e disso Xerazade já sabia com respiração escas-

sa e tudo, é acordar. O sopapo da claridade. Que nos faz,

em vão, virar o rosto e tentar voltar para dentro do sonho

pela farsa, a um só tempo exígua e voluptuosa, da lingua-gem: você corria ao redor de uma cidadela desesperado,gritando para os de dentro da cidadela que um enormeperigo os ameaçava, que deveriam vir com você, que vocêsabia o caminho para longe da cidadela, que bastava seguir

a trilha dos ciprestes em chamas. Que louco espetáculo

de luzes, pensavam as mariposas, imantadas por seu ful-gor. E se no sonho o coração batia acelerado, os olhos se

moviam injetados e o suor cobria a testa, agora, depoisdas pequenas humilhações do espelho e do dentifrício, eisvocê debaixo de um penteado perfeito, tirando café pretoda garrafa térmica verde. Claro que vocês ouviram direito.

Café preto da garrafa térmica verde. Eu, se tivesse que ima-

ginar que somos a sitcom que alguma criança distraída nosespaços interestelares assiste de vez em quando, enfastiada

ou com assiduidade de fã, julgo que a grande gag, daque-

las que obrigatoriamente retomam a cada novo episódio,se dá quando todos juntos tiramos café preto da garra-

fa térmica verde. Sem falar na cena de fosfórico suspense

para a qual não se pode pensar em trilha mais oportuna

do que a música de Witold Lutoslawski, quando um de

68

nós, dando-se ares de original, comenta: "eu, se não tomo

o meu café preto da garrafa térmica verde de manhã, nãoFunciono o resto do dia" (risos de fita pré-gravada! Noutroplano: bombas chovem sobre a cidadela'). E uma tal bestanão se dá Conta de que com isso está dizendo nada mais do

que: "vocês para mim são pouco mais do que merda pisada

e repisada porque nem me dou ao trabalho de pensar quevocês também não funcionariam sem o café preto da gar-raFa térmica verde, que ninguém funcionaria jamais sem o·aFépreto da garrafa térmica verde, e anuncio a coisa comoe Fosse um sinal característico meu, pessoal e intransferí-

vel, como aquele trevoso sinal de nascença que tenho na

nuca e que se assemelha a uma silhueta de ouriço". Agora

pensem no outro coitado, o pobrezinho de paletó puído,

quase transparente, aquele num canto da mesa, esperando

que lhe venha a pálida garçonete tornar a encher o copo

de soda-fluo, o que diz baixinho, quando o primeiro en-

11mse cala, "eu parei com o café preto da garrafa térmicaverde há dois meses". Nem é orgulho, para ser justo, aquiloque sente quando Sussurra tal sussurro. Ao contrário do que

pode parecer, é masoquismo. Sabe que todo ser vivente

sob o céu dos vaticínios neste mesmo instante se dá ContaperFeitamente de que foi o café preto da garrafa térmicaverde que o deixou.

SOBRE PORTAS

"Atravessando cidades populosas(como disse Walt Whitman traduzido por Konrad Tom) "

CZESLAW MILOSi'.

Quando este mundo com cara de Goya(como disse Lawrence Ferlinghetti traduzido por Leminski)dissolve sabe-se lá que matéria impura do fundo mais espesso deseu centro incandescente e ergue, batendo-as, portas de ferro contranossas caras e pretensões democráticas, não há nuvem ue não desliv:pelo céu como uma irisada ser ente de ás, não há estrela uenão esboce o esto de reter a ró ria luz, mas tudo o quevemos, tudo o que podemos ver por trás de nossohumilde balcão pós-rnetahsico é a hesitação do

encanador e da pantera frente às duas portas

paralelas que se dublam no jogo de

espelhos das boates com asseráficas setas do Damase do CavaLheiros.

RUA DOS CATAVENTOS

Afier "grammatische konfession"de Eugen Gomringer

Quando explodiram a sinagoga, digo, a mesquita, digo, adiscoteca, ele podia ter estado presente, ele estava presente,

ele esteve presente, ele foi considerado suspeito, ele pode-ria ter sido considerado suspeito, ele poderá ser considera-do suspeito, ele colaborou, ele poderia ter colaborado, elevai colaborar. Bebeu o café que lhe ofereceram. Passaram ae referir a ele como "o bebedor de café".

Quando os conflitos de verdade começaram e tiros de gros-

o calibre e até uma ou outra explosão de relativa magni-

tude puderam ser ouvidos ele podia ter estado presente,ele estava presente, ele esteve presente, ele foi considera-do suspeito, ele poderia ser um provável suspeito, ele seráarrolado entre os suspeitos, ele colaborou, ele podia ter

olaborado, ele vai colaborar, ele jogou toda a culpa sobre

grupo, ele confirmou que ali se falava o tempo todo na

grandeza de cair em martírio, ele fez o jogç> do agente du-

plo, ele vai dançar conforme a música, ele vai colaborar,

le colaborou, ele dançou conforme a música. Passaram a

'e referir a ele como "o bailarino".

Quando os conflitos tomaram tal proporção que já se tor-nava um cruel eufemismo referir-se a eles simplesmente

.omo conflitos e os desaparecimentos de pessoas torna-ram-se tão rotineiros que não havia mais, sob o céu dos

71

vaticínios, quem não houvesse perdido pelo menos umparente ou um amigo, ele colaborou, ele podia ter colabo-rado, ele ia colaborar, ele vai colaborar, ele cantou a música

inteirinha, nota a nota, ele recitou o poema todo, verso

a verso. Passaram a se referir a ele como "o cantor" e "o

poeta", alternadamente.

Quando despejaram a seus pés, de dentro de grandes ca-

çambas brancas que estavam no caminhão, as cabeças dospossíveis responsáveis, ele estava presente e colaborou, eleesteve presente e ia colaborar, ele podia ter estado presente

e ele vai colaborar, ele foi chamado, ele tinha estado presen-

te, ele disse que tinha estado presente, ele afirmou que iacolaborar, ele colaborou, ele bebeu a água mineral que lhe

ofereceram, ele disse que sim que reconhecia todas e cada

uma aquelas pessoas.

DOIS ESTRANGEIROS

A) EFEITO LUPA

li isso no livro do filósoforusso

sobre pinturaholandesa

e agora o repitopara rrurn mesmo

enquanto observo odesabar da chuva

do lado de fora dohotel onde trabalho

uma atividade espiritualsem dúvida

75

Quem diz luz dizesse baixar de pálpebras

que você revelaao aparecer assim à minha frente

e o grande dramatisrnocom que me relata a dificuldade de conseguir um táxi

embaralhando os contornos já bastante di fusos

das tautologias sexuais

onde predominamevidentemente

a forma da sua bocao cheiro dos seus cabelos

Quem diz luzdiz o fundo do mar

o filósofo me previne contraum ngor que nasce

da aplicação de ideiasesquemáticas e rígidas

em lugar de seguir os contornossinuosos e móveis da realidade

o post-it me lembra a obrigação de comporum slogan para a nova marca de ketchup

num fim de semanapara aumentar a receita

e se uma nuvem de matériase chocasse

com outrade antimatéria?

77

Você: por isso não existe amnésiavocê: por isso o sol é uma tautologia

acordei com a voz do bandleaderdizendo: "Hiroitol"

II

I

I

Quem diz luzdiz algas diz cianobactérias

quem diz luzdiz impressão de espaço

diz: lago à noitecintilando para ninguém

de um só lance meu olharabraça os olhos da alpinista triste

e diagnosticapânico de check-in

seus pés já pisarammais lugares do que os meus

mas seu coração faz questãode cornpartilhá-los comigo

pelo menos no meu sonho, senhor coelho,no meu sonho de aniversário

79

80 81

Recordo mas caloalgo de Gombrowicz

Longe daquialguém leva desesperados numa chalana

sobre as nuvens invisíveisou sobre verões na estepe

alguém estuda as temperaturassupercondutoras

longe daquienquanto olho para o relógio

alguém percebe que nãose tornou um gênio do piano

e aos meus poemase pensam em mim todos os dias

deve haver alguém que choraquando sua amiga lhe lê

alguém vai e vempela margem de um rio barrento

longe daquino mundo intermediário da rua da Carioca

um poema deseu poeta preferido

alguém talvez gostasse de me ouvirdizer ue ara ser visível

os dois pedirão mais um cafée vão se despedir sob a marquise

um cor o deve emitir

radioatividade

congratulam-se pela decisão tomadaa sangue-frio de nunca se apaixonarem um pelo outro

longe daquitenho amigos que me amam

ela corre um quarteirão até sua casasob a chuva

ele salta para dentrode um ônibus lorado

até eu me emociono com as coisasque estão ocorrendo

no dia do meuaniversário

"Essa luz, você sabe, eu detesto essa luz"Eu guiava mas olhei para ondeEla estava apontando

Como se fosse obrigatório comprarO amor delasNão se esqueça disso quandoComeçar a me detestar"

B) ELA

E sorriu

A enseadaA água cinza chumboO céu cheio de prismas

"Deus pelo menos eu tenho certeza que vai anotar[tudo isso no meu liber uitae"

"Eu acho esse lugar tão horrível •

É tão obsceno issoLogo vão querer saber tambémQuanto eu ganho"

E quando na curva seguinteSaltou da sombra fria da montanhaUma névoa quase mágicaAbriu o vidro da janela e gritou-lhe:

E nem sei o que dizerDe toda essa gente perguntandoO tempo todo 'o que você faz?''Onde você mora?'

"E não admito nenhuma mitigação entendeu bem[senhor dos exércitos"

"E também odeio o jeito como tratam

As crianças por aqui

•Em silêncio pensei:

Pode acreditar!

Em vez dissoPerguntei se ela queria comer algoAntes de subirmos a serra

"Aquele carabiniere idiota

Pensava mesmo que ia me comerE eu quase vomitando só de olhar para a cara dele

Obrigado por ter ficado ao meu lado todo o tempo

82

Você sabeSeu país não é muito pior do que o m'euSó é mais estúpido e sentimentalPor isso odeio até as suas vozes"

Num restaurante à beira da estradaAfirmou que só voltaria aquiPor mim

Depois de pensar um poucoE acender um cigarroE ficar em silêncio:

"E por Rafael"

Corrigiu rapidamente"E por esse magnífico arroz de brócolis"Disse depois de uma garfada

E sorriu

"Chris costuma dizer que ser imigranteNão é uma questão de distânciaPor maior que seia

E já era uma segunda vez

Mas algo que envolve

Uma fronteiraOlhar a morte de frenteE reconhecer seu poder

Na África eu percebi uma imensa dignidadeQue não consigo ver aquiSerá a língua portuguesa avessa a isso?Ou vocês viraram de fatoUm país imbecilmente rico?"

LIMPEZA DO APARELHO

Você vai ver se consegue escrever aqui alguma coisa de que

acabe saindo um poema, mas é duro como esfregar grave-

tos em busca de algo mais do que mãos lanhadas e gravetos

esfia ados. Você acha que seu livro precisa de um pouco

de humor, você adoraria escrever alguns poemas bem hu-

morados, mas reconhece que agora, com mãe morta, amor

no exílio e sua melhor amiga dizendo que não pode mais

lhe ver e chorando porque acha que não presta para você,

vai ser meio difícil encontrar alguma graça. A sua tríade

pifou. Você poderia fazer outro poema no estilo desse

recém-terminado "Garota com xilofone na Telegraph

Av." de que afinal você acabou gostando bastante, apesar

de certa reticência, certa desconfiança mesmo, enquanto o

fazia. Talvez devesse tentar fazer mais alguns assim, e nãosó porque você imagina que se trabalhar um pouco aquilo,

aquela pegada, aquele tom, pode acabar fazendo mais umaou duas coisas interessantes. Mas não seria uma contradi-ção (para não dizer uma obscenidade) querer transformar

aquele poema em um procedimento? Ele nasceu assim

porque nasceu assim e antes só havia nascido uma vez mais

ou menos assim, no caso de "O monograma turqui", evocê só reparou na semelhança dele com "O monogra-

ma turqui" quando ou ele já estava escrito ou já estavanum estágio bem adiantado. Você já pensou certa vez em

desenvolver uma série chamada "Berkeley on my mind",

uma série poética com as suas lembranças daqueles seis

86

meses vividos em Berkeley, mas agora já não acha que seja

o caso. Aliás, está muito além das suas forças. E para falar

a verdade, você não se recorda de nada ou de quase nada

daqueles dias entre as colinas de Berkeley e o cheiro de

flores e pizza de Berkeley. Mas é claro que aí vem a imagem

de Ted em sua cabeça dizendo: ,"Não se lembra de nada?

Que sorte a sua, isso é melhor ainda, pois então você pode

simplesmente inventar tudo". E a prova de que você pode

simplesmente inventar tudo - parece prosseguir o velho

Ted - é a própria garota com xilofone e flores na Telegraph

Av. que não passa de uma pura e simples invenção sua.

Não sei se Chuang- Tsé era uma borboleta sonhando ser

Chuang-Tsé ou se a borboleta era Chuang-Tsé sonhan-do ser uma borboleta, mas quem imaginaria que aquela

borboleta presa na persiana era na verdade uma lagartixa?

Uma invenção sim, Ted, apesar de tudo ali ter existido de

verdade, a Telegraph Av., a garota, os poemas, o que os

poemas diziam, os olhos verde-rã, a bolsa, os pins antifas-

cistas (você ainda guarda um, que ela lhe deu de presente

quando foram juntos assistir "Lambassade" na cantina dafac. de teologia enquanto no cinema da fac. de teologia era

exibida uma sessão de Cidade de Deus'), nem preciso falar

das moedas contadas para o café, o croissant e a lavande-

ria, o amigo grego alcoólatra e inconsolável, e você mesmo

e tanto ódio guardado. Ela lhe disse que os poemas são a

transparência através da qual ela gosta de ver o mundo e

* Vocês cruzaram, ao pôr do sol, deslumbrante, todo o pátio verdetomado por jogadores de frisbee, carregando um projerorzinho velho.Maldita memória, Ted, maldita memória.

você disse que ela era a transparência através da qual você

gosta de ver o mundo e todos os poemas que há dentrodele e ela chorou e disse que ia embora e que não podia

mais lhe ver e que não prestava para você.

88

HANDGUN CARRYING CASE

Como rodas as crianças que brincam no ocaso, o anjo bo-

xeador quando está chorando ou é por medo da grama

crescendo transparente nos parques ou porque acaba decontemplar o espetáculo de mais uma corda estirada ver-

ticalmente no ar tendo em uma de suas extremidades um

galho bem resistente e na outra a cabeça de um índio. Ou,como ocorre agora, quando se vê hipnotizado pela man-cha de certa fotografia em um ônibus vertiginosamente

lento que cruza um pueblo peruano. Uma velha índia como pulôver cinza de universidade americana folheia uma es-

pécie de revista até se deter numa página que se desdobra,violeta e irnparável como um programa hípico de César,

sem que ninguém dentro do veículo, dos sacerdotes vesti-

dos de branco ao bando de colegiais em uniforme cor de

kiwi se dê conta de tais avanços consideráveis no espaçopenerrável, página que faz resplandecer no empoeiradoveículo a fotografia de uma beleza cadavérica local, um

autêntico índio exposto na vitrine de sua morte pendurada

e oscilante. O anjo fecha então os olhos e tenta transpor-

tar-se para um hotel barato de uma cidade em labirintoonde certa vez experimentou o mais relaxante banho de

banheira de sua vida enquanto aguardava um telefonema.Ao anjo boxeador cabia apenas dizer alô e se alguém, dooutro lado da linha, se identificasse assoviando a melodia

de Handgun carrying case, era certa a explosão da sede ofi-

cial de algum partido extremo ou mesmo de uma loja de

surfe em Biarritz e o anjo choraria o resto da noite. Uma

voz dentro da cabeça lhe diz que a vida agora é, apesar detudo, melhor, e o anjo se promete adestrar o pensamento

a esse novo conceito. Quando finalmente desce do ônibus,

diante de uma praça poeirenta do pueblito que o espera, dis-tingue um ajuntamento circular que, sob o sol, reza altoe bate tambores pelos filhos anônimos de grandes chefes,esses serezinhos, essas membranazinhas vibrantes de Deus,que, alguém já disse, serão os primeiros a entrar no céu.

Por uma corda.

MONODRAMA

As vozes saíamde um bar frequentadopelos remadores da região

- o Cap'tain Zombi-

dessincronizadase da mesma banda sonorado trava-línguase do senso comum

Mas tambémroladas no ar do Cap'tain Zombipareciam rochas espaciaisem sua mistura de tristeza esonhos de infânciainarticulados

por isso você tentava compreenderalguma coisauma sílaba que fosse

para preencher sua folha diáriade caderno azul

93

Ninguém pense contudo ter captadoaí sua máxima essência

"as ró alavrasestão efervescentes e tortas"

sim

pois você é ainda o absoluto-terrestrea melhor patinadorasob a lua vermelha dos verões daqui

deslizando pela pistaem busca dos ventos gigantes

dos verões daqui

94

a sua versão do paraísooucomo me descreveunuma carta manuscrita sobre papel vegetal

"o único lugar do mundoonde um cônego e um delegadodiscutem C. G. Jung de dedo em risteaté tombarem bêbadosabraçadossobre uma travessa demoelas condimentadas"

95

97

Duas ou três vezes ao dia vocêtambém gostava de dirigir até à casada estudante de cientologia e ficar olhandode dentro do carro para as janelas cobertas de gelo

do prédio vermelho-tijoloda estudante de cientologia

Ali ouviria

você tem certeza disso

" - Uma russa tão desesperadacom a ideia de que Moscou vire Los Angeles"

as palavras de que

olhandode dentro do carro para o céu azulsangrado sobre o prédio vermelho-tijoloda russa ilegalsua fornecedora de skunk

tanto necessitaria

para pagar os estudos- incríveis as pessoas que te amam -

de cientologia

para dizer algo que

de todo modo que

não poderia vir senão

uma forma qualquer senão

de cerro modo sim

o que não justifica a

A foto do santuário de Delfosno Édipo de Pasolinicolada no painel do seu carrono espelho do banheiro

e na caixa de remédiosme repeteque você não é menos tristedo que qualquer pessoaque eu conheçanesta cidadede imigrantesfantasmasà sombra doobsessor

Um vento frio bate em seu rostona calçada em frente ao bar dos remadoresprovoca um tremor tão tênuenas suas facese é como um esplendoro esplendor impossível do Cap'tain Zombie sua mascote:

um papa-formigas

99

(interregno: notas do caderno azul)

a)O cheiro de algasme traz outro acesso de tosse,dessa vez felizmente nenhum sinal

de sangue no lenço enrugado.

b)Aqui é um ar esfaqueado, um (... )

c)O cantor de frevoera o meu contato em Kuala Lumpur.

Daí vieram os estranhos acidentes,

a confiança se esvaindo.A carta selvagemfalando nos "patos de Pequim".

d)Aqui é contudo melhor (...)Aqui ...Aqui o melhor são os canais de áudio C .. )Aqui ...

e)Os vizinhos não estranhamos envelopes diários, sedex.Como esse de hoje, de Barcelona:"efeitos de realidade" diz, "sistema de velocidade

100

e de continuidaderelativas" diz, "turbulência" diz,"aceleração" diz, "constelação" diz.

f)

Fumar piora. Algas.

g)Abro a gaveta: um azul Novo Testamentoe a foto delaem KL folheandoum número de Su/fur.

h)

A tatuagem dela: dragão. Símboloda solução dos contrários.

i)Com Pola aprendi hoje a palavra quidditas.Vontade de nadar, nadar.

101

Há tambémao lado da camaa foto daquele

escritor que dissena entrevista tertido um irmão gêmeoe quando bebêschegaram a sertão idênticosque para diferenciá-Iasos pais amarravamfitas coloridas em

seus punhosum dia foramesquecidos na águado banho, da banheiraum deles se afogou

e como as fitasse tinham desatadona água ensaboadanunca se soube qualdos dois tinha morrido

"se eleou eu"

102

Munida de comprimidos e volumes de história naturalvocê passa horas tentando imaginar o mundohá trezentos milhões de anosquando por exemploas libélulasmediam trinta centímetrosde extensão

Depois são talvez os ventos gigantesprojetando-se no matagalpor trás da casacomo cine Omnimaxou levantando ondas crespas na praiaque te nutremdo opaco e do transparentede que o mundoé capaz

103

105

(interregno: notas do caderno azul) em barcos que giravamsobre ondas crespas,"Giravam como as chamas

giravam no fogo?"Ali era tim mundo an!es ou de ais

da mercadoria?--- ._--Ou era um mundo

Ela me disse"uma vez perguntei aobarqueiro o que faziacom o dinheiro

que ganhavatransportandotoda aquelagentee ele:

que investiaem ações"

à mercadoria? Ou era a naessência verti inosa

fluorescenteda mercadoria? Dubiamente

verti 1I10sacomo um blefede quidditas?

O própriolado de dentro damercadoria ouum seu resenteenvenenado?

Ela memostrava os barcos quechegavam no caisclandestinomesmo em noites tempestuosas.Os barqueiros pareciam

respeitar a essência

vertiginosadas mercadoriasque transportavamsob água e trovãoem barcos que giravamsob água e trovão,

I04

(interregno: notas do caderno azul)

Pola colecionava

ninhos de montanha,

reunira centenas

deles durante

toda a sua vida.Os homens da chalana

não paravam de

perguntar: "é verdade

isso? isso de fato

aconteceu?", sem que

eu pudesse saber

sobre o que é que

falavam exatamente.

Sentia frio e as vozes

que ouvia soavam

desencontradas como

as vozes no rádio de uma

aeronave. O de óculos

me ofereceu uma xícara de café

e um mapa: "Você tem ideia

de como vai ser difícil

I06

localizar um cadáver nessascircunstâncias?", o cônegome envolvia em

um cobertor grosso eresmungava e fungava:"você é a garota

mais sortuda que eu

já conheci em todaa minha vida."

107

Eu pergunto sevocê quer ir paracasa "Sim"

se está pensandoem grandes espaços vazios"Sim" se tudovai passartudo vaificar bem

"Sim sim"se realmentese apaixonouse pensou emmorrer "Sim"se eles cortaramos seus lindoscabelos.

108

o ANJO BOXEADOR

o primeiro a me dar os pêsames berrou: "Quando eunão tinha esta perna mecânica eu não sonhava com balsasatravessando o rio". O segundo a me esbofetear sussurrou:

"Meus filhos sempre imaginam, quando chego em casado trabalho na loja de malas, que eu trouxe secretamentemais um filho para casa, e passam boa parte de seu tempolivre procurando por esses irmãos que eu, por misteriosa

razão, estaria protegendo de sua indiscrição e violência".

O terceiro era um cão esquartejado jogado à minha porta,com uma medonha cartolina cor-de-rosa no pescoço onde

se podia ler: "Feliz aniversário". Sem olhar para trás, pudeimaginar minha mãe e meus amigos chorando escondidos,atrás da cortina.

1°9

POR TRÁS DOS ÓCULOS ABAULADOS

para WaLter Gam

:..E acordei me debatendo no carpetedo hotel miserabilizadoao som do mantra televisivo, convulsionado.

Um gole de café ajudou a dissipara aura ferruginosa do pesadelo.

Era isso o que eu sempre quis dizerquando falei em fundo do coração.

Toda a noite me obcecaram em sonhoaqueles peixes fluorescentes: fluxo cínico que eu

acompanhavada janelinha do avião; ou que justamenteme seguia? assustadoramente

me seguia?

lIa

o sorriso do efebo, talvez, retirando dos jeans surradosfotografias de afeto e destruição,todo ele, aliás, afeto e destruição, comome escreveu depoisnum guardanapo de papelcom encantadores desenhinhos?

Uns olhos que faziam tudo valer a pena? Os dagarota-esquimó, fã de Darwin, a quemeu desejaria dedicar um poema chamado"Galápagos" por ter ditoque eu agora tinha um lugarpara dormir?

A busca de meu próprio rosto no alfabetoazul-ozônio que subia, livre, tatuado,

braço acima e céu acima, até a praia de flamingosde um colo nu, órbita demiçangas lunares, sublunares .

I I I

Não há resposta, camponês, nunca houveem céu algum, vida alguma, isso de respostas,só a veemência de uns espelhos.

E assim, enquanto avançavam as horas no relógio de[Júlio de Abreu

e ficavam para trás todos os sorrisos ("e esquilos brincavamnesses sorrisos como se sobre ramas", sussurravauma voz volátil),dentro do táxi,no fundo do coração, disparado,

seguia comigoo rosto de Marília.

1I2

CAFÉ

o anjo boxeador senta-se no café do aeroporto e é comose caísse numa cratera de rem o. Tenta erceber de ue

matéria são feitos os se undos ali dentro, ue em nada

lembram fluxos matemáticos, adrões, se uências numé-

ricas clássicas, antes pétalas crescendo. Pressente que seu

raciocínio está cada vez mais próximo de chegar a uma

conclusão, mas é apenas o ponteiro da bomba-relógio a

aproximar-se do instante detonador. A grande explosãoocorrida a seguir em seu cérebro só se faz notar por umacintilação nas pupilas que a pálida garçonete toma por umestado de graça. Bebe um gole de café buscando captar

alguma vibração nos sentidos esfrangalhados: nota entãoque, agora, o rumor de uma bagagem de mão pousando

no carpete ou o de uma mochila verde-musgo retoman-do aos ombros do campeão mundial de windsurf abafa omotor dos aviões, que passeiam pela pista como criançasno ocaso.

II3

Enquanto a vida microscópicase vira como pode e

II5

1.

segundo as suas próprias leisos dois jovensseguem lendo efazendo círculoscom a fumaçados cigarroso que de restomal dissimulao não pequeno esforçode suster uma bicicletaentre os joelhos

o ANJO BOXEADOR TENTA

DESCREVER UMA CENA

Um jovem faz círculos com a fumaça

do cigarroe está deitadono chãolendo um livro

A sua frente há outro jovem quetambém faz círculos com a fumaçado cigarroe também está deitadono chãolendo um livro

o primeiro tem os joelhos erguidose entre os joelhosno arsustém a roda dianteira de uma bicicleta

o segundo também tem os joelhos erguidose entre os joelhosno arsustém a roda traseira de uma bicicleta

II4

2.

Ainda mais quemontada na bicicleta

suspensa no ar

pedalatomada de entusiasmouma meninade 8 anosque está fugindo de casacom toda a simplicidadee todos os espasmosestá fugindo de casacom todo o seu sexoe todas as manhãsestá fugindo de casacom toda a sua forçae todas as montanhas

II6

Acrescentemos agora quea sala onde se passaessa cena é toda negrado negrume espesso e betuminosodo alcatrãoo que dá aos círculos de fumaçaproduzidos pelos dois jovensdeitadosum aspecto luminosonão tão luminosocontudoquanto o rostodela

enquantotomada de frenéticoen tusrasmopedala efalasem pararpedalaparadae sem parar

1I7

II8 I19

4· dessa menina

Neste instanteo anjo boxeadorpara de descrevera cena a que está

assistindoe pensa que se aJgo de nós

sobrevive ao fimdo caniçopensantehipótese remota

simmas enfim hipótesemas enfim remota

então o anjo boxeadorse prometenessa improvável

hipóteseesgotar todas aspossi b il idadesde contrabandearna hora da mortee para dentro da morteburlandoa lavagem cerebraJdo araísoalguma coisaalgumamais mínima

o sornso

a cor dos seus olhosa forma desuas botinas

coisa

o ANJO FOGE

Foi quando você descobriu que tinha um tumor no cé-rebro. Quando sonhava todas as noites com um enormeretângulo de água. Quando teve que tentar com o outro

mapa. Quando o alarido eletrônico de um bando de ma-

ritacas entrou por sua janela. Quando constatou-se a co-

vardia da expedição. Quando ninguém mais dava atençãoà morte dos naturalistas. Um ano antes, você chegava àsIlhas Lofoten. E lhe mostraram o quarto exíguo que dali

em diante seria a sua casa. Uma cama e um pequeno ar-

mário com um copo de vidro virado para baixo e uma

garrafa de água. Foi quando deitou na cama com O seu

walkman e passou os primeiros dias ouvindo as fitas casse-

te que encontrou numa caixa de sapatos sob a cama, cheiasde gravações de vozes de pessoas cujas feições tentava ima-ginar: "En el vacío Ia velocidad no osa compararse, puedeacariciar el infinito" ou "EI dicho 'angel boxeador' se instaláen Crimea; aI cabo de un afio, en Sujumi, después en EIKubán, en Besarabia. En el país tocaran alarma." Em ou-

tra fita, uma 'mulher diz em polonês que lhe arrancaram

tudo por dentro. Mas já faz muito tempo. Agora, cansado,

você encosta o rosto na escotilha.

120

MARGENS

1.

Nem procurar, nem achar: só perder.

Como o tremulante cachecol florido de Andia flutuar no céu por alguns segundosantes de desaparecer completamente nanoite escura da Marina da Glória, onde,por causa da névoa, os barcos ancorados,com nomes como Estrela Guia e Celacanto,

também pareciam querer fugir de si mesmos.

123

124 125

2. 3. (O cachecol, ainda)

"De modo que a lanterna deste aqui por um instantedeixa de brilhar para como que reaparecer mais adiante,mais fulgurante, na popa daquele outroali. Olhe ao redor, estamos no Rio de Janeiroou fomos lan ados na aisa em com lexade um conto tradicional chinês?"

Ele rodopiouno ar e desenhou com uma das extremidadesvários círculos dourados, uma espécie de hélice.Parecia seguir para o mar, mas uma lufada olançou para o outro lado: uma seta acesa emaleável sobre o canteiro de gerânios, nadireção das pistas de alta velocidade

do Aterro do Flamengo. Batemos uma fotoe prometemos voltar amanhã. Não à Marina,mas ao Museu de Arte Moderna, e ver a"Biblioteca sem nome", o Monumentodo Holocausto da judenplarz,de Rachei Whi teread.

Por isso esse poema não começa com um menino,com um menino cantor sobre uma barca,com uma barca cortando a água e o nevoeiro,com um nevoeiro adensado por árias do folclore polonêse refrães militares prussianos na voz de um menino cantor.

126

"Quando chegamos ao nosso acampamento,

comemos alguma coisa, e nossas garotas logoforam se deitar. Nós ainda nos demoramos um poucovendo tevê, fumando, e pela janela não cessávamosde ver o fantástico fundo de chamasde todas as cores imagináveis:vermelho, amarelo, verde, violeta,

. e de repente ... "

127

6.

Vai ficar mais difícil estacionar carrosaqui na Judenplatz e não é um monumento bonitoe eu ter.ia preferido que tivessem por fim se decididoa utilizar aquela solução anti-spray pois ninguém tambémvai gostar de ver suásticas pintadas sobre ele, eu nãogosto dele, mas já que está aí eu e ninguém vaiquerer ver suásticas pintadas sobre ele.

128

"Ele me pergunta se minha garota já foi casadae eu: 'Não. Mas esteve muito apaixonada antes.Aquele que ela amava foi ferido, gravemente,seus órgãos saíam-lhe do corpo. Ela osrecolocou com suas próprias mãos, levou-opara o hospital. Ele morreu. Puseram-no navala comum, ela o exumou, deu-lhe umasepultura.' Para ele, este simplesepisódio é o cúmulo da virtude."

I29

8.

"Ele me perguntou: 'e se ela começa a gritarmuito alto você usa as mãos para cobrirsua boca ou deixa que ela grite o quantotiver para gritar?' Depois ele me perguntou:'E o que ela faz da vida?', e eu: 'Trabalha numaeditora alpina'. E ele: 'Ah, sim?', e eu: 'Sim, sim.

Ela escreveu e publicou guias de montanha. Elaeditou uma revista alpina."

130

Rachei Whiteread

(ao ver seu monumentofinalmente inaugurado):

- Foram cinco anos de inferno.

131

IO.

Estou falando de dias ensolarados,estou falando de dias escuros, quer dizer,estou falando de flores, sim, de lombadasde livros, portanto de douraduras, isso querdizer, de crianças brincando e nadando na águada inundação, de queimar as cartas do escritor famoso,

da fumaça subindo e deixando aquela manchano teto, eu não estou falando das colinas de Berkeleymas dos entregadores de pizza porto-riquenhos deBerkeley, dos entregadores de pizza húngaros deSantiago, dir-se-iam livros que não se abrem, deportas que não se abrem, de sonhos que não,de um pesadelo recorrente, de uma resina,

um cavalo correndo, não são livros de areia.

)

Il.

Con frecuencia, en artículos publicados en Ia prensa o en losmismos intercambios de Ia calle, los vienenses cuestionabantanto Ia "oportunidad" como Ia misma "necesidad" de recordarelHolocausto. Trasel estudio de losdistintos proyectos, eljuradoseleccionâ Iapropuesta de Iajoven escultora británica RacheiWhiteread En el camino quedaban múltiples obstáculos: des-de ia insistente oposición de ia ultraderecha (ahora sumada aIa coaiición gobernante), hasta Ias mismas organizaciones desobrevivientes {insatisfechos con el disefto de Whiteread porsu contenido excesivamente "abstracto"). ELLosargumentabanque ias víctimas dei extermínio "no murieron en abstracto".

133

134

H.

12. (epílogo, à maneira do teatro de Gertrude Stein)

Dir-se-iam pétalas.

Aquelas?

Estas.Antes profusão.Dir-se-iam montes de merda.Dir-se-iam céus.Cam uflagens.O que é a Legião Condor?Dir-se-ia fixo? fúcsia?Dír-se-ía farpado?

Figuração.Troncos.Cepos.Minas terrestres(mas aqui, aos teus pés,crescem agora essasflorezinhas azuis e roxas).Dir-se-iam maiúsculas.Toda a tarde?Entre lobo e cão.Dir-se-iam pescadores.Nada assemelha.Um chamado à ordem,e no entanto trovões.

Hematomas no lago,dir-se-ia entrever.Dir-se-ia chuva de ouro?

Eram vagões?Ali, hipoglicêmico.

H.

I.

Um telefonema comum me avisa que o estado deminha mãe no hospital é gravíssimo, pelo choro damulher do outro lado da linha posso acrescentarmentalmente: irreversível. Respira com a ajuda deaparelhos. A princípio reajo bem, chego a dizer paraa mulher do outro lado da linha que então deve-mos estar preparados, ela me diz soluçando que estápreocupada comigo, que ela tem seu marido e seusfilhos junto dela o tempo todo, mas que eu agora es-tou sozinho como nunca estive antes, digo que estoubem e desligo o telefone muito mais calmo do queera de se esperar. Hoje cedo, andando pelo centroda cidade vazio como em todo fim de semana, meemocionei com alguns velhinhos que silenciosamen-te perdiam um longo tempo diante das estantes de

um sebo, e admiravam certos livros antigos e cheiosde manchas como seus rostos, e os acariciavam commãos trêmulas como se eles fossem toda a sua vida.Quantas histórias deviam estar se passando ali. Nes-se momento pensei muito em minha mãe, internadahá duas semanas. Acho que nunca terminou de ler

um livro em toda a sua vida. Eu li todos os livrosda minha infância sentado ao pé dela, observandoao mesmo tempo as letras e ilustrações do livro e omovimento de suas sandálias simples e panturrilhasno pedal de uma máquina de costura Singer verde.

137

lI.

Passeio agora pela mesma casa de minha infância,

adolescência e vida adulta, consolado pela ideia dodescanso que ela terá de agora em diante. Sem pre-

cisar de ajuda para levantar da cama, sem precisar deajuda para tomar banho, sem precisar de ajuda paralimpar a própria merda. Passeio pela mesma casa de

então, do quarto para a sala, da sala para a cozinha,da cozinha para o quarto e assim por diante, mas co-

meço lentamente a perceber um sinal que me alarma:não tenho nenhum controle sobre meus passos e meserá impossível parar de caminhar do quarto para a

sala, da sala para a cozinha, da cozinha para o quarto

e assim por diante por decisão própria. A cada volta

observo com cada vez mais apreensão as paredes, nãosei se pelo temor de que me faltem a qualquer mo-

mento ou de que comecem a se estreitar sobre mim.Descubro desse modo bem cruel que não é assim tão

fácil livrar-me de um medo que vem sendo o meu

medo absoluto desde os quatro anos de idade.

IlI.

A ideia apavorante da morte de minha mãe, peloque vejo, ultrapassou a superfície gelada, deixando-a

intacta e está fazendo sutis estragos em regiões que

desconheço, não alcanço. E contudo estou aparente-

mente tão calmo. Venho escrever por medo de per-

der a razão, não pelo estardalhaço dos nervos, que

não há, mas pelo seu contrário sinuoso, a idiotia.Sinto que se conseguir escrever agora o que se passacomigo estarei salvo, repito isso a mim mesmo al-gumas vezes, como repito mentalmente o refrão deque onde há obra não há loucura e onde há loucuranão há obra e venho escrever. A ideia absurda de um

obsessor que se aproveitaria desse momento de paneem minha mente me passa pela cabeça quando umavoz em mim diz que devo queimar todos os meuscadernos no quintal de casa, numa grande foguei-ra, um rito de passagem. Agem em mim um medo

(irreal) de não sobreviver à sua morte e de que eles,

cadernos, sobrevivam a mim, com todo O mal (real)

que podem causar a pessoas que amo. Rio dessa ideia

e começo a ver nisso um sinal de melhora. De todomodo, apago do computador muitos arquivos antesde começar a escrever.

139

IV.

Antes de me dar conta de que ela estava com malde Alzheimer eu me irritava com minha mãe todasas noites por todas as noites me perguntar se meupai já havia voltado para casa, e me obrigar assim a,todas as noites, durante não sei quantos meses, lheexplicar que ele já tinha morrido havia dez anos. Etodas as vezes era como se recebesse a notícia pelaprimeira vez. Umas cem vezes lhe dei, ao anoitecer,com um contrafeito beijo de boa-noite, a notícia deque seu marido tinha morrido. Cem vezes viúva. Seumarido morreu cem vezes, mas só para ressuscitar nodia seguinte, quando, ao ir deitar-se, me perguntavase ele já havia voltado para casa. Cinco anos depoisde diagnosticado o caso, eu já estava completamenteacostumado com isso e não estranhei quando passei aser chamado primeiro de irmão, depois de marido, e,nos últimos tempos, pai. Pouco antes da crise que alevou para o hospital, Helena lhe perguntou quantosanos tinha: quinzeanos, respondeu. Apesar de morarhá cinquenta anos nesta casa da Ilha do Governador,ultimamente acordava de madrugada pedindo paraser levada para sua casa de verdade, no Méier, ondemorou quando adolescente. Coloco Quatuor pour iafin du temps, de Olivier Messiaen, e passo a esperar o

toque do telefone:

* O telefone tocou às 11h30.

140

BEIJO

I.

Depois de encaminhar "H." por e-rnail para algunsamigos, no intuito de avisá-los da morte de minha

mãe e consciente de que não conseguiria escrever

outra coisa qualquer sobre o assunto, descobri que

na pressa de escrever para não enlouquecer, acabeirevelando o que até o pequeno Stephen Dedalus

quando ainda vestia calças curtas já se envergonhava

de ser levado a admitir frente aos colegas de interna-

to. Quando eu me encontrava em casa à noite, mais

precisamente no horário em que minha mãe era pos-

ta por suas acompanhantes para dormir, lá pelas 20

horas, eu costumava dar-lhe um beijo de boa noite,no qual ela parecia encontrar agora menos a conti-

nuidade de um costume antigo do que certa doçura

narcótica que eu não lhe sabia recusar. Dirigia-me ao

seu quarto e costumava encontrá-Ia já quase adorme-cida. À luz reduzida do abajur, beijava a testa daqueleimenso inseto preso no âmbar.

141

11.

Semanas depois, quando consegui reler "H.", ou lê-lopela primeira vez destacado do ato de escrevê-lo ou

reescrevê-lo, senti-me acaso no mesmo beco sem saída

de Dedalus, arremessado na vala de água suja da ver-

gonha? Não. Mas perguntei a mim mesmo o que eu

recebia ali? Algo cinético e fluido.

lII.

Durante o velório beijei sua testa várias vezes, o rosto

molhado de lágrimas, mas sem desespero, nem a n-xação do teatro do século XVII pelo falso cadáver que

desperta. Antes de ser fechado o caixão, dei-lhe aindaum beijo na testa e sussurrei-lhe: "Este é o último,viu? Muito obrigado pela paciência. Te amo". E beijeia lona.

143

IV.

(imitado de um velho chanceler florentino)

Mesmo que a alma não morra - o que não desejo nemcreio - e o corpo ressuscite em outras mil formas - o

que desprezo -, o composto harmonioso que fazia de

H. minha mãe ficou destruído para sempre.

144

MOTORES

I.

A. e B. necessitam ouvir música para escrever, já M. e

W requerem nessa hora todo o silêncio possível, paraobedecer, talvez, a algum ritmo interno. Durante os

quatro últimos anos eu escrevi ouvindo, pelas manhãs,no quarto contíguo ao meu, o motor da máquinade hemodiálise e seu estrondo de lava-roupas amigo,por vezes interrompido por agudos sinais cuja funçãoseria advertir a enfermeira responsável por você, ocu-

pada em tomar café com bolinhos na cozinha, de que

algo não ia bem com a máquina ou em seu corpo.

145

11.

Nos primeiros meses eu tentava abafar o barulho

colocando música alta nos fones de ouvido, masisso atrapalhava ainda mais a escrita, e, por acrésci-

mo, transformou o meu medo (de ouvir o sinal dealarme disparar dizendo que algo ia mal no delicadoprocesso) em meu pânico (de não ouvi-lo disparar

dizendo que algo ia mal no delicado processo, e de

que tampouco o ouvisse a enfermeira responsável).

)

lH.

Acabei aprendendo a me virar com o rugir dessaturbina, com seu apito estridente sempre (inlespe-rado, nas manhãs de segunda, quarta e sexta. Como

o Alzheimer não lhe permitia gravar na mente a im-

portância de permanecer quieta durante as sessões dehemodiálise, você logo passou a ser atada à cama.

IV. RITUAL

Com sua morte, também esse som não participa

mais do sistema de rumores desta casa, sistema que

agora praticamente só inclui descarga, fechar e abrir

de portas e janelas, toque de telefone, teclado de

computador dentro da madrugada, jato de torneira,ducha contra piso vermelhão, bater de cabides entre

si e no cimo do armário quando puxo a roupa comforça e pressa demasiadas, fervilhar de água dentroda chaleira para o chá, batida de aparelho de barbear

descartável contra pia, minha chave dando voltas na

fechadura. Às vezes, num ônibus antigo, rumo aocentro, me volta o motor que te adiava esse buraco

na terra.

1.

Depois de quase duas horas de caminhada cega aodeixar o cemitério, caminhada durante a qual nãosei o que me terá impedido de morrer atropelado

como afinal coube a Roland Barthes, a fome trata

de apurar os meus sentidos e já posso até distinguir

na informe massa escura do universo, uns cinquentametros mais adiante, o letreiro do Habib's. Pela tra-jetória que suponho ter feito, devo ter passado porpelo menos uma dezena de lugares mais interessantespara comer, alguns deles com letreiros não menos cha-

rnativos. Mas se é justamente diante do pseudoárabe

que minha visão tornou a se adensar, julgo que aquideve realizar-se a cerimônia que planejo.

148)

I49____ 1 _

lI.

Partilhado com uma dezena de ruidosos adolescen-

tes festivos nas mesas circunvizinhas, meu banquetefúnebre será também esse campo elétrico que sintoao meu redor. O calor aqui dentro é perturbador eminhas lembranças de H. neste cenário parecem flu-

tuar como fumaça de cigarro soprada dentro da bola

de chiclete de um adolescente. Em cada um deles

vejo o filho que me negou três vezes: Ele não é meu

pai! Ele não é meu pai! Ele não é meu pai!'

* Em dado mamemo, do equipamento autornorivo de um opala ver-melho, passou a ser exalada uma música que fez com que quase todosos jovens ali presentes se atirassem a uma espécie de dança entre asmesas. Os participantes realizavam uma ronda sem fim, onde semprese alternavam alguém bastante sorridente e alguém bastante sério. Ossorridentes conduziam o jogo e eram na verdade os únicos a dançar.Cada par era formado por um jovem, garota ou garoto, e na verdadebastante assexuado, bulímíco e animado, e por uma garota ou garoroaparentemente estupefato. O que dançava parecia estender a mão pa.raaquele que queria arrastar em sua dança, mas que ainda não se haviasubmetido inteiramente. A beleza da cena resi ia no contraste entre aincrível potência rítmica dos que dançava: a paralisia dos que não.

III.

Assustadora simultaneidade: no exato instante em que

dou início a meu processo de mastigação da insossamassa branca de uma esfiha me dou conta de que

não procurei me informar sobre aquilo que, no fu-

turo, talvez me será, obscenamente, questionado, ouseja, se no girar dos dados imaginários, à minha mãe

lhe coube a morte boa ou a morte má. Tal simul-

taneidade me faz desconfiar, e por um segundo tera arrepiante certeza, de que o gesto físico da mor-dedura na massa gerou o pensamento tanto quanto

provocou, através do consequente rasgão, a liberaçãode uma nuvem de vapor do recheio de carne morta.De meu pai fiquei sabendo que gritava enfurecido na

cama do hospital e tentava esmurrar os médicos que

o atendiam até que o fui minasse um enfarto. Será

isso a morte má? Senti na época orgulho desse triste

Jacó em luta com seus anjos da morte, impermeável

a qualquer tipo de serenidade. Se bem a conheci, mi-nha mãe não reclamou muito nem esboçou qualquergesto, o que quer que estivesse sentindo. De todo

modo, e também orgulhoso, imagino-a, em minhafantasia, me dizendo:

L- Hb _

IV.

Hilda:

- Comparada com a larga eternidade de nada sentir,nada provar, nada "tocar, ver e ouvir que nos espera,a morte no sono, como dizem que coube a Chaplin,vale o que valem as dez costelas partidas, as orelhas

arrancadas, os dedos decepados, a laceração horrível

entre o pescoço e a nuca, a equimose larga e profunda

nos testículos, o fígado lacerado, o coração lacerado,o rosto inchado irreconhecível, os hematomas, últimaforma física assumida por Pasolini nesse louco planetaque agora, para você, gira também sem mim.

152

Agradecimentos e "coro" em Mouodrama:

Valeska de Aguirre, Phillippe Ariês, Bisa Azevedo, Pina Bausch,Samuel Beckett, Henri Bergson, Maria Barba, Jorge Viveiros deCastro, Pedra Germdn Cauallero, Aníbal Cristobo, René Depestre,Philip K. Dick, Hans Magnas Enzensberger. Debora Fleck,Zbigniew Herbert, Claude Lanzmann, Bia Lessa, [org« de Lima,Franka Potente, Nathalie Ouintane, Tzueran Todoroo, TomasTranstrõmer, Isadora Trauassos, Mark Tu/ain, Tristan Tzara.

Do AUTOR

• Collapsus linguae. Rio de Janeiro, Lynx: 1991.

• As banhistas. Rio de Janeiro, Imago: 1993.

• Sob a noite física. Rio de Janeiro, 7letras: 1996.

• Versosde circunstância. Rio de Janeiro, Moby Dick: 2001.

• Sublunar 1991-2001 (antologia que reúne poemas dostrês primeiros livros do autor, além da integralidade deVersosde circunstância). Rio de Janeiro, 7Letras: 2001.