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n _ _ - -.. . ~ --- - ~-- '11IIII: REVIS!ADOARQUIVOPUBUCODOESTAnODOroo DEJANEmO POLICIA E POLICIA POLrrICA NO RIO DE JANEIRO DOS AmOS 1920 Marcos Jjuiz Bretas Professor Doutor em Historia da Universidade Federal do Rio de Janeiro1 A polfcia polftica sempre foi urn tema que despertou grande interesse. Este tipo de assunto atrai aten~iio imediata, mas freqilentemente apresentou fortes obsh1cUlos it pesquisa. Existe uma vasta prodw;iio a respeito de algumas polfcias polfticas mas, ao mesmo tempo e por razoes 6bvias, pouco se sabe sobre como estes sistemas funcionam, alem dos lugares comuns dos romances de espionagem. A expansiio dos sistemas de policiamento polftico - especialmente daqueles que se espraiaram pelo Estado e pela sociedade - po de ter consequencias importantes para grupos sociais diversos, que podem ser divididos entre aqueles que exercem a tarefa de policiar, os policiados, e a maior parte da popula~iio, que e afetada ainda que nao esteja diretamente envolvida na questao. Para 0 Brasil dos anos 1920 niio existem muitas fontes impressas sobre 0 tema, e os arquivos - ao menos 0 que restou deles - come~am agora a ser abertos ao publico. 2 Este artigo se baseia em muito poucas fontes documentais, e tentara abordar duas questoes que parecem basicas e podem se beneficiar de novas evidencias: a rela~iio entre 0 policiamento polftico organizado e os levantes militares dos an os 1920, e a rela~iio entre policiamento polftico e urn dos grupos mais diretamente afetados por sua emergencia: a polfcia tout court. As revoltas militares dos anos 1920 provocaram uma certa inversao no desenvolvimento da polfcia polftica no Brasil, quando comparada com outros paises. Na maioria dos casos foi urn sistema de controle de membros da elite na oposi~iio que foi transferido para vigiar as organiza~oes de trabalhadores. No Brasil, a vigiHincia do movimento operario era anterior it organiza~iio formal da polfcia polftica, que teve de esperar 0 surgimento de urn grupo da elite capaz de amea~ar - ou parecer amea~ar - 0 controle do Estado. Niio demorou muito para que esta polfcia fosse empregada tambem contra 0 crescente medo do comunismo e contra o movimento operario. A organiza~iio de uma polfcia polftica pode ser inc1uida na redefini~iio do papel do Estado que come~a a ocorrer a partir da primeira guerra, e as primeiras medidas nesta dire~ao ja vinham sendo tomadas, mas foram as revoltas militares que forneceram 0 contexto apropriado para 0 crescimento do novo departamento. A emergencia hist6rica das polfcias polfticas ocorreu tanto dentro como fora dos departamentos policiais formais. A existencia de rivalidades entre as duas institui~oes e c1aramente percebida quando a polica polftica emergiu fora da polfcia oficial. A rivalidade e apresentada como conflito entre administradores em busca de mais poder, e uma estrategia de controle das institui~oes policiais e sugerida para .1 Este artigo foi origillalmente apreselltado no encolltro da Social Science History Association, em Baltimore, em novembro de 1992. Apesar de novas pesquisas realizadas desde entiio, decidi conservar suafonna original por me parecer que 0 argumento cemral cominua wilido. .2 Uma exce~iio que oferece uma analise academica do policiamento do movimento operario e Paulo Sergio Pinheiro, "Violellcia de Estado e Classes Populares". Dados, 22, 1979, pp. 5-24. 25 (AlaQUIVO P'OBLICO ---*-

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POLICIA E POLICIA POLrrICA NO RIO DE JANEIRO DOS AmOS 1920

Marcos Jjuiz BretasProfessor Doutor em Historia da Universidade Federal do Rio de Janeiro1

A polfcia polftica sempre foi urn tema que despertou grande interesse. Este tipo de assuntoatrai aten~iio imediata, mas freqilentemente apresentou fortes obsh1cUlos it pesquisa. Existe uma vasta prodw;iioa respeito de algumas polfcias polfticas mas, ao mesmo tempo e por razoes 6bvias, pouco se sabe sobre comoestes sistemas funcionam, alem dos lugares comuns dos romances de espionagem. A expansiio dos sistemas depoliciamento polftico - especialmente daqueles que se espraiaram pelo Estado e pela sociedade - pode terconsequencias importantes para grupos sociais diversos, que podem ser divididos entre aqueles que exercem atarefa de policiar, os policiados, e a maior parte da popula~iio, que e afetada ainda que nao esteja diretamenteenvolvida na questao.

Para 0 Brasil dos anos 1920 niio existem muitas fontes impressas sobre 0 tema, e os arquivos- ao menos 0 que restou deles -come~amagora a ser abertos ao publico. 2 Este artigo se baseia em muito poucasfontes documentais, e tentara abordar duas questoes que parecem basicas e podem se beneficiar de novasevidencias: a rela~iio entre 0 policiamento polftico organizado e os levantes militares dos anos 1920, e a rela~iioentre policiamento polftico e urn dos grupos mais diretamente afetados por sua emergencia: a polfcia tout court.

As revoltas militares dos anos 1920 provocaram uma certa inversao no desenvolvimentoda polfcia polftica no Brasil, quando comparada com outros paises. Na maioria dos casos foi urn sistema decontrole de membros da elite na oposi~iio que foi transferido para vigiar as organiza~oes de trabalhadores. NoBrasil, a vigiHincia do movimento operario era anterior it organiza~iio formal da polfcia polftica, que teve deesperar 0 surgimento de urn grupo da elite capaz de amea~ar - ou parecer amea~ar - 0 controle do Estado. Niiodemorou muito para que esta polfcia fosse empregada tambem contra 0 crescente medo do comunismo e contrao movimento operario. A organiza~iio de uma polfcia polftica pode ser inc1uida na redefini~iio do papel do Estadoque come~a a ocorrer a partir da primeira guerra, e as primeiras medidas nesta dire~ao ja vinham sendo tomadas,mas foram as revoltas militares que forneceram 0 contexto apropriado para 0 crescimento do novo departamento.

A emergencia hist6rica das polfcias polfticas ocorreu tanto dentro como fora dosdepartamentos policiais formais. A existencia de rivalidades entre as duas institui~oes e c1aramente percebidaquando a polica polftica emergiu fora da polfcia oficial. A rivalidade e apresentada como conflito entreadministradores em busca de mais poder, e uma estrategia de controle das institui~oes policiais e sugerida para

.1 Este artigo foi origillalmente apreselltado no encolltro da Social Science History Association, em Baltimore, em novembrode 1992. Apesar de novas pesquisas realizadas desde entiio, decidi conservar suafonna original por me parecer que 0argumento cemral cominua wilido..2 Uma exce~iio que oferece uma analise academica do policiamento do movimento operario e Paulo Sergio Pinheiro,"Violellcia de Estado e Classes Populares". Dados, 22, 1979, pp. 5-24.

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justificar a manuten~ao da dualidade. 0 que pretendemos mostrar aqui e a pequena rivalidade entre funciomiriosde segundo escalao, dentro do mesmo departamento, que tiveram de se adaptar ao surgimento de urn novo papele de urn novo conjunto de prioridades no trabalho policial, que num grau maior ou menor subvertia suas rotinasestabelecidas.

A hist6ria polftica dos anos 1920 tern sido bastante estudada. Por longo tempo a participa~aopolftica dos militares foi urn tema central na discussao do Brasil neste seculo, e tambem do resto da AmericaLatina. Boa parte dos eventos ocorridos ate 0 golpe militar de 1964 foram explicados como parte de urn processodesencadeado pelas revoltas militares iniciadas em 1922, e muitos dos jovens rebeldes de entao podiam serencontrados entre os lfderes militares dos anos 1960.3

Em poucas linhas, a hist6ria dos anos 1920 tern como urn dos seus eixos de analise asrebeli5es militares de 1922 e 1924, e na for~a rebelde que cruzou 0 pais nos tres anos seguintes. Esta for~aterminou por sair do pais, transformando-se num grupo de revolucionarios profissionais que - com umas poucasexce~5es, notadamente Prestes que voltou-se para a esquerda - retornaram vitoriosos em 1930. A chamadarevolu~ao de 1930 resultou da alian~a de for~as oligarquicas dissidentes, postas de lado no arranjo eleitoraldominante, de militares rebeldes e grupos sociais urbanos dedicados a reformas sociais. 0 prop6sito destaalian~a era extremamente vago; para alem de urn interesse comum na reforma da legisla~ao eleitoral, osrevolucionarios vitoriosos tinham vis5es muito distintas das necessidades do pais, e os anos seguintes atomada do poder seriam gastos em disputas entre os vencedores, habilmente guiadas pelo ditador Vargas, que semanteria no poder por quinze anos.

A longa permanencia de Vargas no poder e 0 envolvimento continuo dos militares napolftica fizeram dos acontecimentos de 1930 urn importante ponto de partida para a compreensao dos futurosacontecimentos polfticos. 0 que muitas vezes e esquecido e 0 elemento de continuidade deste processo; muitasdas tendencias polfticas da decada de 1930 estavam presentes nos anos anteriores, quando ja come~ava urnprocesso de reforma do Estado brasileiro. A revolu~ao de 1930 veio confirmar uma tendencia definida de expansaodo papel estatal na defini~ao de polfticas economicas e sociais.

A defini~ao de urn papel mais intervencionista para 0 Estado respondia em parte aocrescimento dos contlitos sociais, depois que a primeira guerra destruiu 0 credo liberal do seculo XIX, e tambemas poderosas alternativas intervencionistas que emergiam a direita e a esquerda. Neste contexto, a ideia devigiliincia polftica ganhava importiincia, e os primeiros passos para 0 estabelecimento de uma se~ao polftica napolfcia foram tornados, para depois serem apenas aperfei~oados pel as antigas vitimas deste policiamento, agoraos vencedores de 1930.

Marcar a origem da polfcia polftica e urn ato arbitrario. Uma de sua principais caracteristicas,o segredo, e parte central no trabalho policial; uma de suas principais fun~5es, fornecer informa~5es para osgovernantes, e uma fun~ao ha muito exercida. Num certo sentido, e possivel dizer que toda polfcia em sua forma

.' A bibliografia sobre os militares na republica brasileira e eJJor/lle. Para a republica velha a principal referencia e JoseMurilo de Carvalho, "As For~as Armadas na Primeira Republica: 0 poder desestabilizador". /n Historia Geral daCiviliza~iio Brasi/eira. Siio Paulo, /978. Para muitas outras referencias -em especial as do periodo -ver Paulo Cesar Farah(ed.) Tenellfismo: Bibliografia. Rio de Janeiro, 1978.

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original no antigo regime frances era polfcia polftica4; 0 relatorio das atividades do primeiro Intendente Geral dePolfcia do Rio de Janeiro, no infcio do seculo XIX, observava ter feito certos servic;:ospara 0 rei que nao deviamser mencionados - provavelmente servic;:os ligados ao medo da difusao de ideais da revoluc;:ao francesa - quetamMm eram uma forma de policiamento polftico.

Mas se optarmos por uma definic;:aomais estrita de polfcia polftica como urnramo organizadode uma forc;:apolicial estabelecida, ou uma forc;:apolicial criada especificamente para esta func;:ao,dedicada avigiar pessoas interessadas na mudanc;:ada ordem polftica, uma forc;:adeste tipa so vai aparecer no Brasil muitomais tarde. 0 Brasil imperial era extremamente descuidado com opositores polfticos e, ainda que seja possivelencontrar sinais de preocupac;:ao polftica no inicio da republica, estes nao apareciam de forma sistematica ouorganizada. Nao havia uma oposic;:ao significativa ameac;:ando 0 regime; 0 pequeno grupo de monarquistasativos nunca ofereceu urnrisco maior, ainda que fossem sujeitos a alguma vigilancia. A preocupac;:ao que crescea partir do inicio do seculo e 0 movimento operario, que ameac;:avamais a ordem social do que a polftica, mas quepermitiria justificar a formac;:ao de uma sec;:aode ordem polftica e social na Secretaria de Polfcia do DistritoFederal.s Na imprensa operaria, e mesmo na grande imprensa do periodo, e possivel encontrar referenciasfreqiientes ao policiamento de organizac;:6es de trabalhadores e a repressao violenta de greves. Poucos dias aposos disturbios contra os bondes ocorrido em janeiro de 1909, 0 jornal 0 Operario noticiava a expulsao de urnagente secreta da polfcia do Partido Operario Socialista. Seis meses depois, A Voz do Trabalhador comentava aimpossibilidade de realizar urnmeeting da Confederac;:ao Operaria Brasileira devido a perseguic;:ao policial.6 Nooutro lade do espectro da imprensa carioca, 0 Jamal do Commercia noticiava como os administradores daFabrica de tecidos Confianc;:a, ameac;:ados com uma greve caso nao demitissem urn fiscal, chamaram a polfcia eobtiveram uma forc;:a de 28 prac;:as da Polfcia Militar com carabinas para - como dizia 0 jornal- poder agir sem se

sentir ameac;:ados.7A preocupac;:ao cresceu junto com a agitac;:ao operaria. Depois de uma tentativa inicial de

apresentar a polfcia como uma observadora imparcial dos conflitos entre capital e trabalho, que seriam inerentesa uma sociedade moderna e industrializada - urnmodele com 0 qual as elites urbanas brasileiras adorariam seidentificar nos primeiros anos da republica - a polfcia passou para uma ac;:aomais intervencionista, na mesma

Ver 0 artigo classico de Jean-Paul Brodeur, "High Policing and Low Policing: Remarks about the policing of politicalactivities". In Kevin R. E. McCormick & Livy A. Visano, Understanding Policing. Toronto, 1992, pp. 277-300. Brodeur faza distin~iio entre alta polfcia, originada na Fran~a e dedicada a defesa do Estado, e baixa polfcia, de acordo com 0 modelobritiinico e dedicada a prote~iio do cidadiio.5 A separa~iio entre amea~as sociais e polfticas nunca funcionou na pratica. Ainda hoje as polfcias tem se~oes juntandoordem polftica e social como nos temidos DOPS da ditadura militar. Parece correto dizer que 0 movimento operario niio erauma amea~a a ordem polftica no inicio do seculo mas tambem e muito util apresentar quaisquer amea~as como amea~as asociedade em vez de ao Estado. A mesma 16gica pennite apresentar inimigos polfticos como criminosos "comuns ".6 0 Operario, 27/01/1909 e A Vozdo Trabalhador,22/07/1909.7 Jomal do Commercio, 19/03/1909. A mesma greve e noticiada com maiores criticas a polfcia no Correio da Manhii, citadopor She/dom Leslie Maram, Anarquistas, imigrantes e 0 movimento operario brasileiro, 1890-1920. Rio de Janeiro, 1979,pp. 35-36. Este livro e uma boafonte para 0 estudo da repressiio ao movimellfo operario.

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medida em que crescia a participa~ao anarquista no movimento openirio. 0 Chefe de Polfcia teve de reconhecerque os openirios nao 0 aceitavam como 0 arbitro imparcial e desinteressado que ele pensava ser. Mesmocontinuando a negar 0 uso de violencia escancarada, 0 discurso dos Chefes de Polfcia aproximou-se mais e maisdas praticas reais da repressao policial que encontramos nos relatos da imprensa.

Nesse mesmo periodo, intensificava-se a demanda pela especializa~ao dos servi~os policiais.Os agentes de investiga~ao - reconhecidamente escassos como eles sempre sao - deveriam ser organizados econcentrados em grupos encarregados de lidar com problemas especfficos. Isto havia sido proposto pelo Chefede Policia no relatorio do ana de 1911, onde ele sugeria que 0 Corpo de Investiga~ao e Seguran~a Publica - aunidade de investiga~ao civil criada em 1907 -deveria se dividir em oito se~6es, incluindo uma de "ordem social"para proteger direitos individuais e a ordem polftica, e uma "se~ao especial", que faria qualquer tipo de servi~oque pudesse ser necessario ao Chefe de Polfcia.

A reforma sugerida em 1911 foi levada a efeito em 1915, quando a Inspetoria de Investiga~aoe Capturas foi estruturada em dez se~6es. Em 1917 ela tinha 206 homens em servi~o, ainda que a sua lei deorganiza~ao previsse apenas 80. A "se~ao especial" sugerida em 1911 nunca foi criada, mas a "ordem social" foiteoricamente dividida em duas se~6es: "ordem social" e "seguran~a publica". Por medida de economia depessoal a separa~ao permaneceu no papel, ficando em 1917 urn grupo composto de urn comissario e sete agentesencarregado da seguran~a publica e da ordem social. Eles deveriam fazer a polfcia polftica e vigiar os anarquistas,socialistas e outros agitadores. Estes oito homens eram mantidos bastante ocupados, tendo produzido em 1916para os arquivos da polfcia fichas sobre 1843 pessoas.8

A sessao era ainda muito pequena, mas certamente sua importancia foi crescendo com 0passar dos anos. A Inspetoria recebeu uma nova organiza~ao em 1920, desta vez por decreto presidencial.Deveria ser composta por 237 homens divididos por oito s~6es com a ordem social e a seguran~a publicamantidas juntas, reconhecidas como uma so fun~ao. A se~ao de ordem publica e social mereceu urn statusdistinto das demais. Enquanto todas as outras eram subordinadas a urn dos tres sub-inspetores, a se~ao deordem publica respondia diretamente ao Inspetor.9 Esta polfcia polftica deveria logo passar por seu grande teste,pois logo come~ariam as rebeli6es militares. Quando, depois da primeira onda de revoltas, Artur Bernardesassumiu a presidencia em novembro de 1922 - acusado de ser urn dos principais responsaveis pelas revoltas porseu envolvimento no celebre episodio das Cartas Falsas - ele imediatamente fez uma pequena mas significativareforma na polfcia, no segundo decreto por ele assinado. Ele autorizou que urn oficial militar assumisse a Chefiade Polfcia-cargo ate entao reservado a bachareisem Direito -nomeando 0 mesmo marechal Carneiro da Fontouraque como com andante da regiao militar no Rio de Janeiro agira prontamente para sufocar 0 levante de julho. Nomesmo ato ele transformou a Inspetoria de Investiga~ao e Seguran~a Publica numa 43Delegacia Auxiliar, fazendodo anti go inspetor urn auxiliar direto do Chefe de Polfcia. Ao contrano dos outros tres delegados auxiliares, quetinham de ser advogados, 0 4° Delegado podia -e era de fato -ser selecionado entre os oficiais da PolfciaMilitar,uma pratica trazida dos tempos da Inspetoria. Bern alem da revolu~ao de 1930, 0 nome do 4° Delegado Auxiliar

8 Este paragrafo se baseia nas informa~jjes prestadas pelo Inspetor -Major Gustavo Bandeira de Melo da Policia Militar-em seu relatario para a Conferencia Judiciario-Policia de 1917. Annaes da Conferencia Judiciario-Policial, Rio de Janeiro,1918, vol. I, pp. 45-60.9 Decreto n° 14079,25/02/1920.

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continuaria a ser sinonimo de repressao politica.lOas esfor~os para controlar os protestos openirios cresceu em importancia no final da

decada de 1910, quando 0 movimento anarco-sindicalista atingiu seu auge com as greves de 1917-1919. A partirde entao a preocupa~ao e 0 temor com 0 movimento openirio parece diminuir por algum tempo, mas uma tarefamuito maior seria atribufda a policia polftica: a inquieta~ao militar.

a envolvimento militar na politic a marcou 0 nascimento da republica brasileira; em largamedida fruto de uma a~ao militar. Depois de dois presidentes militares eles deixaram de exercer 0 comando de fato,mas mantiveram cuidadosa observa~ao sobre as politicas governamentais. a desastre militar de Canudos em1897 motivou uma mudan~a de prioridades, refor~ando 0 desejo de estabelecer urn exercito mais profissional eenfatisando as quest6es intern as. Ainda assim, a Escola Militar estaria a frente dos eventos da revolta da vacinaem 1904. Nos anos seguintes se estabeleceria uma calma relativa, com uma grande preocupa~ao pro fissional, e osprotestos deixariam 0 quadro de oficiais para os escal6es inferiores.

No infcio dos anos 19200 descontentamento estava de volta. as novos oficiais profissionais,liderados por alguns homens treinados na Alemanha do pre-guerra, assistiam a chegada de uma missao francesapara treinar 0 Exercito brasileiro, a urn civil Ministro da Guerra, e constatavam que trinta anos de republica haviamapenas fortalecido os grupos politicos locais. Enquanto em 1910 as elites oposicionistas haviam tentado venceruma elei~ao presidencial contra urn candidato militar apoiado pelas oligarquias principais, em 1922 eles tentaramjogar os militares contra 0 governo. A campanha eleitoral de 1922 foi marcada por conflitos, com urn forte carateranti-militar acrescentado pela publica~ao na imprensa das Cartas Falsas, onde 0 candidato oficial supostamentedirigiria pesadas ofens as contra 0 marechal Hermes da Fonseca, 0 mais graduado oficial em servi~o, ex-presidenteda republica e entao presidente do Clube Militar.

A primeira metade de 1922 foi urn perfodo de intensa conspira~ao no Rio de Janeiro, e apolicia polftica deve fer estado bastante ocupada. A tensao crescia com a indisciplina militar se concentrando emtome de Hermes no Clube Militar e - apesar de nao termos fontes para precisar - aparentemente 0 govemo semanteve razoavelmente bem informado sobre 0 curso dos acontecimentos. Quando 0 levante ec10diu no infcio dejulho, as for~as legalistas estavam prontas e a espera.

A vigilancia da conspira~ao foi levada a efeito principalmente por grupos legalistas dentrodas for~as armadas. Em dezembro de 1921,0 General Carneiro da Fontoura, comandante da Regiao Militar,come~ou a construir uma rede de informa~6es, utilizando-se de sargentos do exercito como informantes.lI Apresen~a da policia e men os perceptivel, mas e1es tinham mesmo de ser extremamente cuidadosos pois policiarmilitares sempre foi urn ponto sensfve1. Desde 0 infcio da republica prevalecia uma alian~a informal entre osmilitares e os cidadaos para combater a policia; os manuais policiais tinham instru~6es detalhadas e especiaissobre os cuidados a tomar na prisao de militares.12 Mas a vigilancia existia; no livro de Joao Vicente sac

10 Sobre a polfcia dos anos 1930 ver Elizabeth Cancelli, 0 Mundo da Violencia. A Po[[cia da era Vargas. Brasflia, 1993; eMichael L. Conniff, Urban Politics in Brazil. The rise of Populism, 1925-1945. Pittsburgh. 1981, pp. 138-142.II Estas informafoes se baseiam em Sargento lofio Vicente, Revoluffio de 5 de lulho. s.d. EUJIIlivro muito illteressalJte,supostamente escrito por urn sargellto legalista narrando os esforfos de seu grupo contra os revoluciolltlrios. 0 autorlembrava-se claramente da desastrosa rebelifio de sargentos de 1915 e que ria assegurar-se que desta vez as coisas seriamdiferentes.

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REVISTADOARQillVO PUBUCO DO ESTAnO DO roo DE JANEffiO

encontradas men~6es a policiais envolvidos dos dois lados, incluindo uma curiosa historia em que a policiamilitar prende todos os presentes a uma reunHio de conspiradores legalistas, ocorrencia que ele atribui ao fato docomandante -oficial do exercito - do 3° Batalhao da Policia Militar ser contra 0 governo.13

Os eventos de julho de 1922 foram urn breve episodio na historia politica brasileira, mastiveram grande impacto sobre 0 policiamento politico.14 0 perigo nao era mais 0 openirio organizando uma greveou colocando uma bomba, mas uma conspira~ao contra 0 governo constituido por grupos que alcan~avam osaltos escal6es militares, e que eram capazes de empregar armamento pesado, contando com a simpatia - por vezesativa - de elites urbanas. 0 governo Bernardes, iniciado em novembro, funcionou com a cidade em estado desitio, e 0 governo atemorizado. Como ja observamos, Bernardes rapidamente moveu 0 comandante militar para apolicia, e elevou 0 nivel do funcionario encarregado da policia politica.

o primeiro efeito da rebeliao sobre a policia foi 0 aumento da imporHincia da Inspetoria deInvestiga~ao, feita 4" Delegacia Auxiliar. A tendencia a especializa~ao vinha sendo seguida pela expansao dasse~6es especializadas junto a Policia Central, em detrimento das delegacias de bairro. A policia politica tinha deser centralizada, e isto contribuiu ainda mais para a centraliza~ao do policiamento em geral, talvez mesmo absorvendoos procedimentos tradicionais a servi~o das necessidades politicas. Como veremos adiante, uma tentativa foifeita em 1926 de limitar a esfera da policia politica, segundo urn diagnostico de que ela havia paralisado asatividades rotineiras de investiga~ao policial.

As delegacias de bairro seriam for~adas a incorporar em sua rotina as novas demandas depolicia politica e os problemas politicos. Vizinhos denunciariam vizinhos que falavam mal das autoridades, evelhas rixas comuns passariam a ter convenientes motivos politicos. A razao de estado chegava as ruas; agoratudo possuia supostos motivos politicos. ISAs vezes existia se nao urn motivo politico, ao menos 0 envolvimentode poder derivado do clima politico. Pessoas come~aram a aparecer em delegacias, prendendo ou sendo pres as,capazes de produzir uma carta de alguem importante declarando possuir 0 portador algum tipo misterioso e mal

/1 Siio abulldantes os exemplos deste tipo de cOllflito. Podemos escolher algulls do livro de registro de ocorrellcias do 13°Distrito Policial, respollsavel pela area de prostituir;:iio da LapaJoco de atrar;:iiode soldados de folga, em busca de diversiioIlem sempre bem comportada: IlOdia 19 de setembro de 19230 comissario do distrito teve de pedir reforr;:osa Policia Celltralpara prellder algulls soldados desordeiros. Um deles, cabo do exercito, chegou Ila delegacia declaralldo que tillha sido presopor Iliio ter dillheiro, por que a policia Iliio prelldia quem tillha dillheiro. Dois meses depois, em 14 de Ilovembro, outro grupode soldadosfoi remetido sob guarda para 0 quartel ellquanto declaravam que Ilada acollteceria porque 0 exercito hd muitocOllhecia "os procedimentos irregulares da policia"./3 Epreciso cuidado com as acusar;:oes de Joiio Vicellte. 0 Millistro da Guerra - civil - tambem era contra 0 go verno.N A policia militar participou dos combates em Copacaballa, telldo perdido dois homells. As delegacias de policia civillliiocOllservam registro da revolta. No 5° Distrito, area do Clube Militar fechado pela policia tres dias antes da revolta, 0comissario de servir;:ode 5 para 6 de julho -0 servir;:ovai de meio dia a meio dia -allotou IlO livro que Ilada digllo de Ilotaocorreu...

/5 Mesmo queixas de greves, ollde a policia sempre atuou prolltamellte, recebiam sua raziio politica. Cardoso Mariallo &Cia telefollou para a delegacia para se queixar que os cortadores de capim haviam se reullido para votar uma greve. 0queixoso fazia questiio de observar que era fornecedor de capim do governo, que seria portanto prejudicado pela greve.Livro de Registro de Ocorrellcias da 19"DP. 16/01/1925.

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explicado de autoridade. No 13° DP, Gerale Katze foi preso por tentar agredir urn investigador; na delegacia eleapresentou urn documento informando que ele pertencia ao "servi~o reservado da polfcia".16

Quando 0 agente secreta efetuava uma prisao, 0 papel da delegacia local era reduzido, poisa responsabilidade pelo preso era transferida rapida e afortunadamente para a 4" Auxiliar. Mas levou urn certotempo para os policiais se acostumarem a esta nova autoridade. Na noite de 15 de agosto de 1922,0 sargento doExercito Jose Marques prendeu uma prostituta no Cafe Avenida, por estar "olhando insistentemente para ele".17Na delegacia ele explicou que estava a servi~o secreta do General Carneiro da Fontoura. 0 comissario de servi~oobservou - nao esque~amos que e ele que faz 0 relato - que era leviano fazer tal afirmac;ao num lugar publico. 0sargento ficou nervoso, e acusou 0 policial de proteger prostitutas. 0 comissario deu ordem para a sua prisaoenquanto 0 sargento praguejava e amea~ava 0 comissario de demissao. 0 delegado teve de ser chamado, eordenou que 0 sargento fosse transferido para 0 quartel - procedimento usual na prisao de militares. Meia horadepois ele estava de volta no Cafe Avenida, ridicularizando a autoridade do comissario "entre as prostitutas. Istoe uma lastima pois contribui para ridicularizar as autoridades de urn pais educado" .IX

Era inevitavel que se desenvolvesse a inveja e a competi~ao entre os policiais de delegaciae os de investigac;ao. A estrategia adotada pelas delegacias era a de evitar envolver-se em casos produzidos poragentes da 4GDelegacia, seja recusando-se a registrar a prisao, seja enviando 0 preso para a Polfcia Central. 19 Namaior parte do tempo, os agentes secretos e os problemas polfticos conservaram-se fora dos livros de registro deocorrencia; mas em momentos de tensao sua aparic;ao nao podia ser evitada. 0 mes de julho de 1924 assistiu asmais serias rebeli6es militares - ainda que 0 Rio tenha sido poupado, tendo sido cuidadosamente limpo deelementos suspeitos dois anos antes. 0 Chefe de Polfcia deu ordem de prontidao a delegacia do 5° Distrito nanoite de 30 de junho, telefonando as 2 horas da manha para ordenar ao delegado e aos comissarios que ficassemna delegacia.20 Logo os acontecimentos polfticos voltaram a aparecer nos registros. 0 centro da vida social da

16 Livro de Registro de Ocorrencias da 13"DP. 13/11/1923.17 Este nao eo unico caso onde este tipo de comportamelllo e razao suficiellle para uma prisao. A po[(cia po[(tica estava lapara ouvir e nao para ser vista.18 Livro de Registro de Ocorrencias da 5G DP. 16/08/1922. Estes livros registram a presen~a da rede de sargelllosorganizada pelo general Fontoura. Em 19 de agosto 0 sargelllo Erasmo Fernandes, do servi~o secreto da regiao militarinfonnou que havia encontrado no Clube dos Zuavos, a wna hora da manha, sete dos jovens expulsos da Escola Milirar. Elesriram dele e 0 chamaram de espiao, for~ando-o a abandonar 0 local. Depois deste registro 0 servi~o secreto conseguiupermanecer secreto.19Estes casos nao eramnecessariamellle po[(ticos. Em 17 de junho de 1923, ap6s receber queixas que policiais estavam

espancando wn cidadao honesto, 0 comissario de servi~o na 14GDP registrou que os agelltes acusados hal'iam tentado lheentregar 0 prisioneiro, sem explical' as razi5es da prisao "seu conhecido processo para evitar a responsabilidade pOI' seusabusos". Ele recusou-se a aceitar 0 preso e os encaminhou a poUcia central. 0 delegado ignorou a delllincia de violencia

policial. Livro de Registlv de Ocorrencias da 14GDP. 17/06/1923. Vel' 0 registro do dia 15/02/1925 para um caso de

transferencia depois de feito 0 registro, tamblm de um preso agredido, e 0 Livro de Registro de ocorrencias da 12GDP. 23/03/1925, para um caso explicitamellle polftico.

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REVIST!DOAROUIVOPUBUCODOESTADODOmo DEJANEIRO

cidade girava em tomo da Galeria Cruzeiro, na Avenida Central, e pelo menos duas brigas af ocorridas parecem termotivac;6es polfticas.21 No dia 3 de julho, a delegacia do 19°DP recebeu urn chamado do diretor de uma fabrica dechapeus pedindo protec;ao-concedida -para 0 dia seguinte, quando pretendia demitir cinco trabalhadores "quese recusavam a trabalhar". No mesmo dia, uma prisao foi feita por urn "encarregado de diligencias", que prendeuurn empregado da policia que 0 criticou "e as ac;6es da policia", quando era revistador num botequim. Poucosdias depois, Luiz Alvim foi preso por parecer suspeito e vagar em tomo da estac;ao telefOnica por tres dias.22

as boatos corriam a cidade como sempre, mas raras vezes chegavam oficialmente aoconhecimento da policia. No final do mes, urn sargento do exercito -mais urn - informou no 19°DP que ele haviasido inform ado por urn comissario de policia (os dois tern 0 mesmo sobrenome e provavelmente eram parentes)que 0 dono de urn teatro nas redondezas estava espalhando que 0 general Potyguara havia sido assassinado porseu ajudante de ordens, tenente Assunc;ao, que por sua vez havia sido morto pelas forc;as do govemo. asuposto boateiro s6 escapou de maiores inconvenientes porque 0 comissario de dia verificou que ele era"com padre eamigo" do Dr. Carlos de Campos, provavelmente algum notavellocal que podia responsabilizar-sepor ele.

Mas 0 maior problema ainda era vigiar e policiar oficiais militares suspeitos. Urn criador decasos exemplar era 0 Capitao tenente da Marinha Eduardo Henrique Sisson. Ele aparece duas vezes nos registrosde ocorrencia, acusado de desordem e embriaguez nas madrugadas. Da primeira vez ele agrediu 0 dona dacharutaria de urn bar e, levado a delegacia insultou as autoridades, do comissario de dia ate 0 presidente darepublica. Ele foi preso novamente seis meses depois, nas mesmas circunstancias, permitindo ao comissarioextender-se em comentarios sobre seu comportamento, seu 6dio as autoridades constitufdas, sugerindo quepara 0 bem da ordem publica ele deveria ser transferido para alguma regiao menos populosa do que 0 Rio, aIemda punic;ao disciplinar cabfvel.23

Com militares agindo como policia politic a, e outros militares submetidos a sua vigiliincia,uma relac;ao ambfgua entre estes camaradas/inimigos emergia. A policia foi cham ada, provavelmente para assumira culpa, em urn desses casos, quando urn sargento estava escoltando urn colega preso politico, transferido doHospital Militar para sua unidade, 0 3° Regimento de Infantaria. Prisoneiro e guardiao deviam ter muito boasrelac;6es, pois decidiram parar no caminho para ir a urn borde!. Para tristeza do sargento guardiao, 0 preso politicoterminou mais rapido, e ja havia safdo quando procurado por seu "companheiro". a guardiao terminou escoltado

1fJDurante todo 0 mes de julho. quando a luta era intensa em Siio Paulo, as delegacias se mantiveram de prolltidiio. No dia

28 de julho 0 delegado da 14GDP registrou a not{cia do Jim da rebeliiio da forra militar de Siio Paulo, agradecendo adedicariio e boa vOlltade de seus subordillados "durante estes dias Ilegros que enlamearam as brilhalltes paginas de Ilossahistoria ".2/ Em 9 dejulho ocorreu uma briga entre um estudante de medicina e umjomalista; no dia 13 0 Dr. Jose Mariano NunesCoelho queixou-se de ter sido agredido a bengaladas por Audemaro da Silva Magalhiies, que ele acusava de ser "capangado Macedo Soares", um proprietario dejornalligado a oposiriio.22A estariio telefollica do Meier era um importante elemento de ligariio com a Vila Militar.230 Capitiio Tenellte Sissonfoi preso em 3 de agosto de 1924 e em 22 defevereiro de 1925. Como e normal nestes casos, elee idelltijicado apenas pelo nome e posto. Niio sei qual e 0 seu parentesco com 0 capitiio Roberto Sisson, woo das principaisJiguras da esquerda militar dos anos 1930.

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REVISTADOARQUlVop(mUCODOESTADoDORIDDEJAREmo

pela policia para 03° RI como 0 novo prisioneiro.24Ao final do governo Bernardes, a situa~ao no Rio havia se acalmado, e uma mudan~a foi

tentada nas pniticas policiais. Em abril de 19260 marechal Carneiro da Fontoura foi substituido na chefia depolicia por Carlos da Silva Costa, urn experimentado promotor publico, que tinha nove meses ate a posse do novopresidente para tentar reformar a policia. Ainda que reconhecendo ter poderes especiais por causa do estado desftio, Silva Costa tentou agir sem usar tais poderes, para rest aurar a policia em suas fun~oes ordimirias. Ele agiu- em seu curto exercfcio do cargo - prioritariamente para criar novos instrumentos legais e estabelecer novasprioridades, acalmando a opiniao publica.

Silva Costa indicou para chefiar a 4GAuxiliar urn oficial da policia militar que se dedicou areduzir 0 cara.ter politico do departamento. 0 Tenente Coronel Bandeira de Melo criticou a mistura de investiga~aopolftica e criminal, notando que em momentos de crise politica as fun~oes policiais ficavam em segundo piano:"A policia polftica entre nos causou uma quase completa paralisia do verdadeiro trabalho de investiga~ao, e teveo efeito de relaxar a disciplina... Eo trabalho politico nao se beneficiou do emprego dos agentes policiais, aosquais faltavam as conec~oes para se infiltrar nos cfrculos onde os atentados contra os poderes publicos saoplanejados; sendo seu trabalho tao inutil quanto penoso e arriscado. Ate onde eu sei, nesta capital, nenhumaconspira~ao jamais foi descoberta por urn agente oficial".25

Em seis meses, 33 agentes haviam sido demitidos por razoes disciplinares, e Bandeira deMelo podia anunciar com satisfa~ao que 44% dos casos criminais haviam sido resolvidos, e 33% dos bensroubados haviam sido recuperados, fazendo crer que a 4GDelegacia voltara a sua fun~ao original.

Quando Coriolano de Goes assumiu a chefia de polfcia em novembro de 1926, a mudan~a degoverno e 0 fim do estado de sftio indicavam a normaliza~ao do trabalho policial. Ele come~ou por liberar ospresos sem processo sob as leis do sitio, soltando 356 pessoas - "a maioria individuos perigosos, com 0 piorpassado criminal"26 -daColonia de Dois Rios, e 161da prisaomilitarda Ilha dasCobras.Ele nao tinhaurn numeropreciso daqueles deportados para 0 norte do pais, agora autorizados a retornar, mas estimava-os em centenas.Ao mesmo tempo, Coriolano punha a 4'" Auxiliar a servi~o da repressao ao comunismo, 0 novo inimigo dasociedade.

Coriolano substituiu 0 4° Delegado e -pela primeira vez -mencionou as atividades da se~aode ordem polftica e social desta delegacia em seu relatorio anual. Durante os anos de 1927 e 1928 foram abertosdossiers sobre 2249 questoes politicas e sociais; 1231 sociedades recreativas e 144 associa~oes de c1asse. Foramfeitas tambem, em 1927, fichas de 220 locais de vendas de explosivos, armas e muni~oes. A se~ao realizou 1750prisoes (das quais apenas 92 em 1928), policiou 125 "greves fracassadas", 195 conferencias, 160 meetings e fez461 a~oes de vigiHincia secreta. No relatorio de 1929 as informa~oes desapareceriam novamente.

U Livro de Registro de Ocorrencias do ]20 Dp, 17/02/1925.25 Re/atorio do Chefe de Policia, 1926, pp. 71-73.16 Em periodos de agitariio a po/icia sempre prendia os suspeitos habitllais. Isto era util para se /ivrar dos indesejaveis, etambem para confundir agitariio politica com crime comunl.

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REVlST!DO !RQillVO PUBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEmO

Ao final dos anos 1920, 0 estabelecimento da polfcia polftica era uma realidade, de acordocom a tendencia de expansao dos poderes e das institui<;:oesligadas ao Estado. Era apenas questao de separarseus agentes do trabalho policial rotineiro, e providenciar urn inimigo suspeito a ser vigiado. A amea<;:amilitarestava desapareendo mas 0 novo Partido Comunista, fundado em 1922, estendia sua a<;:aosobre os incautosopenirios. 0 comunismo e os eventos de 1930 refor<;:ariama percep<;:aoda necessidade de uma polfcia polftica, ea manteriam em movimento por urn longo tempo. Destruir seu poder seria bem mais diffcil do que construl-Io.

Urn ponto mais diffcil de avaliar equal efeito teve a emergencia da polfcia polftica sobre apolfcia. Euma afirma<;:aoconsagrada de historiadores que foi a tarefa polftica que originou a violencia policial.Ate certo ponto isso e incorreto, pois a polfcia ja estava acostumada a agir alem de suas atribui<;:oes legais desdeseu papel no controle da escravidao e das tarefas de controle da cidade em crescimento desordenado sem muitosrecursos. Ao mesmo tempo, e imposslvel nao considerar que longos periodos de arbitrio -baseados em estadode sitio - e a interven<;:aodos servi<;:ossecretos com poderes extraordinarios muito semelhantes ao abuso puro esimples nao tenham como efeito ampliar a percep<;:aopolicial de agir acima da lei. Parece correto dizer que se 0policiamento polftico nao esteve nas ralzes da violencia policial, ele agiu como urn forte estimulo para a manuten<;:aodos velhos habitos, e contribuiu especialmente para a certeza de impunidade.

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ArqulVo e H1st6r1a Rio de Ja.neJro n.3 P 1-62 lout. 1997