3
22-12-2018 | Revista E E 7 PORTUGAL DEU PRIORIDADE AO ENSINO DE INGLÊS. NÃO FOI MAIS LONGE. O RETRATO DO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS EM PORTUGAL NÃO É BOM TEXTO CRISTINA MARGATO INFOGRAFIA JAIME FIGUEIREDO Poliglotas? Nem por isso GETTY IMAGES fisga “QUEM SABE TUDO É PORQUE ANDA MUITO MAL INFORMADO” 22-12-18 04:14

Poliglotas? Nem por isso - Universidade de Coimbra · 2019-01-25 · se tornar, desde tenra idade, poliglota. Sendo a aprendizagem de línguas estrangeiras de ciente, o futuro dos

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Poliglotas? Nem por isso - Universidade de Coimbra · 2019-01-25 · se tornar, desde tenra idade, poliglota. Sendo a aprendizagem de línguas estrangeiras de ciente, o futuro dos

22-12-2018 | Revista E

E 7

PORTUGAL DEU PRIORIDADE AO ENSINO DE INGLÊS. NÃO FOI MAIS LONGE. O RETRATO DO ENSINO DE LÍNGUAS

ESTRANGEIRAS EM PORTUGAL NÃO É BOMTEXTO CRISTINA MARGATO

INFOGRAFIA JAIME FIGUEIREDO

Poliglotas? Nem por isso

GE

TT

Y IM

AG

ES

fisga“Q U E M S A B E T U D O É P O R Q U E A N DA M U I T O M A L I N F O R M A D O”

22-12-18 04:14

Page 2: Poliglotas? Nem por isso - Universidade de Coimbra · 2019-01-25 · se tornar, desde tenra idade, poliglota. Sendo a aprendizagem de línguas estrangeiras de ciente, o futuro dos

E 8

APRENDER UMA OU DUAS LÍNGUASESTRANGEIRAS POR PAÍSES E...Em percentagem

RoméniaLiechtenstein

FinlândiaLuxemburgo

FrançaPolóniaEstóniaLetónia

ChipreBélgica

BulgáriaEslováquia

MaltaSuécia

Rep. ChecaEslovénia

UE-28IslândiaHungriaÁustria

ItáliaAlemanha

HolandaLituânia

DinamarcaEspanha

PORTUGALIrlanda

R. UnidoGrécia

97,2

71

55,1

38,545,7

30,8

92,7

68,9

54

37,8

21

90,7

67

50,9

35,8

6,7

81,4

66

48,8

33,7

6,1

76,9

63,4

47,9

31,9

5,4

71,6

61,9

31,7

0,6

FONTES: EUROSTAT

FONTES: EUROSTAT

PRIMEIRO CICLO

TERCEIROCICLO

ENSINO SECUNDÁRIO

... POR CICLOSNa UE, em percentagem

25

20

15

10

5

0

EspanholAlemãoFrancêsInglês

A boa notícia é que nos últimos anos o país viu crescer o número de portugueses que falam pelo menos uma língua estrangeira.

A má notícia é que os portugueses, tirando a língua materna, pouco mais falam além do inglês. Mas há ainda a pior: pouco foi feito nos últimos anos para melhorar o ensino de línguas estrangeiras em Portugal. As estatísticas só o evidenciam, contrariando até algum senso comum de que os portugueses são bastante hábeis “a falar estrangeiro”. Provavelmente até são, tendo em conta que mais de 74 por cento garantem que falam uma língua estrangeira, segundo dados do INE. Na Europa, 47,9 por cento estudam duas ou mais línguas estrangeiras. Em Portugal, apenas 6,7 por cento o fazem. Não há dúvida: os portugueses estão na cauda da Europa no número de línguas aprendidas. Não são poliglotas; e logo, só comparáveis a dois outros países europeus, cuja língua materna é o inglês, como o Reino Unido e a Irlanda, e à Grécia. Há 11 anos, Paulo Peixoto, investigador da Universidade de Coimbra, publicou um artigo intitulado “A importância estratégica das línguas

NA EUROPA, 47,9 POR CENTO ESTUDAM DUAS OU MAIS LÍNGUAS

ESTRANGEIRAS. EM PORTUGAL, APENAS 6,7 POR CENTO O FAZEM.

NÃO HÁ DÚVIDA: OS PORTUGUESES ESTÃO NA CAUDA DA EUROPA

vivas no sistema educativo”, com base em dados relativos a 2007. Conhecidos os dados de 2017, a avaliação a ser feita não se altera: “Em dez anos pouco mudou.” Houve um crescimento no número de alunos que aprendem Espanhol, e introduziu-se a obrigatoriedade de aprender inglês a partir dos oito anos. Durante os dois primeiros anos do ensino básico, as crianças portuguesas não aprendem inglês, ao contrário do que acontece na maioria dos 28 países da União Europeia, grupo do qual faz parte, por exemplo, a vizinha Espanha: “Os alunos portugueses do 1º ciclo que aprendem inglês são 67,4 por cento, os gregos 97,8 por cento, os espanhóis 99,6 por cento, os holandeses 41,9 por cento segundo o Eurostat”, sublinha Paulo Peixoto.A agravar a situação há ainda o facto de o português (uma das línguas mais faladas no mundo) ser completamente secundária no contexto europeu. Aprender português na Europa não é uma prioridade. Depois da presença ‘esmagadora’ do inglês, os europeus preferem que as suas crianças e jovens aprendam o francês, depois o alemão, e, de modo mais residual, também o espanhol. Em 2016, segundo dados

fisga

Page 3: Poliglotas? Nem por isso - Universidade de Coimbra · 2019-01-25 · se tornar, desde tenra idade, poliglota. Sendo a aprendizagem de línguas estrangeiras de ciente, o futuro dos

E 9

SENDO A APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS DEFICIENTE, O FUTURO DOS ALUNOS NO ENSINO SUPERIOR FICA CONDICIONADO

do Eurostat, quatro em cinco crianças do ensino básico dos 28 países da União Europeia, ou seja 18 milhões de estudantes, estudavam inglês como segunda língua. As restantes línguas só são introduzidas na fase seguinte. Olhando os números absolutos conclui-se que o estudo de idiomas estrangeiros, durante os primeiros anos, tem vindo a aumentar para todas as línguas, à exceção do russo e do italiano (o português nem aparece referenciado). Mas a introdução noutros países de outras línguas estrangeiras, além do inglês, acontece sobretudo no primeiro ciclo e no secundário, e é nesta fase que Portugal se afasta dos restantes países europeus. Em 2016, mais de metade dos estudantes do ensino secundário falavam duas ou mais línguas estrangeiras (47,9 por cento). Também na Roménia (97,2 por cento), na Finlândia (90,7 por cento) ou no Luxemburgo (81,4 por cento), países onde os resultados são extraordinariamente elevados. Em Portugal, porém, a percentagem dos que falam duas ou mais línguas é de apenas 6,7 por cento. Reino Unido obtém 5,4 por cento; e Grécia 0,6 por cento. “No terceiro ciclo, o francês é a segunda língua mais estudada na UE, sendo estudada por 26,1 por cento (mas 96,2 por cento dos alunos estudam inglês), seguido em terceiro lugar pelo alemão (16,8 por cento) e depois pelo espanhol (12,6 por cento). 19, 5 por cento dos alunos portugueses do terceiro ciclo estudam espanhol, 95 por cento estudam inglês e 69,7 por cento estudam francês. A percentagem dos portugueses que estudam alemão no terceiro ciclo é residual. Na UE, a seguir ao inglês, o alemão é a língua estrangeira mais estudada pelos alunos do ensino profissional. A Alemanha aposta claramente em ensinar línguas estrangeiras aos alunos do ensino profissional,” destaca Paulo Peixoto.Ora, aprender uma língua permite-nos aceder a novos mundos. “É muito mais do que adquirir uma ferramenta de comunicação. É também aprender uma cultura, é abrir-se ao multiculturalismo, é adquirir uma nova maneira de ver as coisas e o mundo, é aumentar a disponibilidade para a mobilidade,” lembra o investigador. Porém, o que tem acontecido é que os portugueses aprendem línguas muito mais à custa do investimento privado, das viagens, das migrações e do esforço de sobrevivência do que através do que a escola lhes oferece. É comum os alunos portugueses chegarem ao ensino superior sem um conhecimento estruturado de diferentes línguas estrangeiras, como tem testemunhado Kevin Rose, professor de inglês na Universidade Católica. O nível de inglês dos alunos, explica o professor, depende da frequência de institutos de línguas, das possibilidades que estes tiveram de viajar e também das motivações. Ou seja, há razões de ordem social e económica. O dinheiro dos pais faz diferença. O ensino privado compensa muitas vezes a falha de um ensino público que está longe de dar uma resposta adequada à aprendizagem de línguas estrangeiras. Por um lado, aposta-se

tudo no inglês, o que não é muito diferente do que acontece no resto da Europa; por outro, só se permite um abordagem superficial a outros idiomas. “O contacto com as línguas estrangeiras é experimental. O ensino das línguas não é feito de modo contínuo, não é estruturado, não tem um fio condutor,” afirma Paulo Peixoto. Acima de tudo falta continuidade. Durante os quatro primeiros anos de ensino, mais de 30 por cento dos alunos não têm acesso à segunda língua, e só 0,5 por cento têm a mais do que uma língua estrangeira. Ou seja, uma ínfima percentagem, que se presume que seja frequentadora de uma instituição escolar privada, tem a possibilidade de se tornar, desde tenra idade, poliglota.

Sendo a aprendizagem de línguas estrangeiras deficiente, o futuro dos alunos no superior fica condicionado. Paulo Peixoto recorda que a mobilidade dos alunos portugueses já é muito condicionada pela questão económica. “Os nossos alunos dificilmente podem estudar em países como o Reino Unido, devido ao custo económico que isso representa. É por isso que escolhem países como a Polónia.” A língua é outro entrave, ainda mais tendo em conta que os portugueses adquirem sobretudo a capacidade de falar inglês, e a pergunta que tem de ser feita é: “Aprender inglês é suficiente para se ser bem sucedido numa Europa multicultural e multilingue?” As línguas, sublinha Paulo Peixoto, são uma competência fundamental, em termos de acesso ao emprego, mobilidade para aceder a estudos europeus, ou mesmo em Portugal, país com um significativo crescimento na área turística nos últimos anos. Kevin Rose reconhece que algumas coisas têm mudado nos últimos anos, mas não necessariamente no melhor sentido, “tendo em conta que a realidade se altera mais depressa do que a educação”. b