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Denis Borges Barbosa Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ) Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP. 1 Polimorfos, Enantiômetros & coetera – Uma proposta de mudança legislativa. POLIMORFOS, ENANTIÔMETROS & COETERA – UMA PROPOSTA DE MUDANÇA LEGISLATIVA. ................... 1 O problema ...................................................................................................................................... 2 Polimorfismo ................................................................................................................................... 3 Enantiômetros .................................................................................................................................. 4 5. Reivindicações de seleção........................................................................................................... 5 Os condicionantes fáticos ................................................................................................................. 8 Novidade é uma só ......................................................................................................................... 10 Prudência na concessão de patente de seleção.................................................................................. 11 Da questão da atividade inventiva nos inventos de seleção............................................................... 13 Política pública subjacente.............................................................................................................. 15 6. Da questão do segundo uso médico ........................................................................................... 15 A questão do segundo uso farmacêutico .......................................................................................... 15 A questão, examinada em decisão judicial ....................................................................................... 16 Reivindicações de nova aplicação ................................................................................................... 17 A nova aplicação e a descoberta...................................................................................................... 19 A novidade pertinente..................................................................................................................... 21 Novidade, nova aplicação e novo emprego ...................................................................................... 23 A atividade inventiva como requisito .............................................................................................. 25 A questão do “uso” numa patente de uso ......................................................................................... 26 Um requisito diverso de aplicação industrial nas reivindicações de uso? ........................................... 27 A existência de patente de uso no Direito Brasileiro ........................................................................ 29 A distinção de “uso” e “processo” .................................................................................................. 30 Da conveniência de prever patentes de uso ...................................................................................... 32 A questão do alcance prático das reivindicações de uso ................................................................... 34 Conclusão quanto às reivindicações de uso...................................................................................... 37 Do segundo uso farmacêutico ......................................................................................................... 37 Um problema tipicamente francês ................................................................................................... 38 A vedação a métodos de tratamento em Direito Brasileiro................................................................ 41 Métodos de tratamento podem ou não ser inventos?......................................................................... 42 A opção pela imprivilegiabilidade mesmo se fosse invento .............................................................. 43 O produto usado em um método de tratamento ................................................................................ 44 A reivindicação suíça e o Direito Brasileiro..................................................................................... 45 A função e os limites das reivindicações no Direito Brasileiro.......................................................... 45 Equivalência e reivindicações de uso............................................................................................... 48 A licitude de reivindicações de uso do tipo suíço no Direito Brasileiro ............................................. 50 Conclusões sobre as patentes de uso farmacêutico ........................................................................... 51 7. Texto a alterar para as hipóteses 5. 6 e 7. ................................................................................... 51

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Denis Borges Barbosa Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ)

Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

1

Polimorfos, Enantiômetros & coetera – Uma proposta de mudança

legislativa.

POLIMORFOS, ENANTIÔMETROS & COETERA – UMA PROPOSTA DE MUDANÇA LEGISLATIVA. ................... 1

O problema ...................................................................................................................................... 2 Polimorfismo ................................................................................................................................... 3 Enantiômetros .................................................................................................................................. 4

5. Reivindicações de seleção ........................................................................................................... 5 Os condicionantes fáticos ................................................................................................................. 8 Novidade é uma só ......................................................................................................................... 10 Prudência na concessão de patente de seleção .................................................................................. 11 Da questão da atividade inventiva nos inventos de seleção ............................................................... 13 Política pública subjacente .............................................................................................................. 15

6. Da questão do segundo uso médico ........................................................................................... 15 A questão do segundo uso farmacêutico .......................................................................................... 15 A questão, examinada em decisão judicial ....................................................................................... 16 Reivindicações de nova aplicação ................................................................................................... 17 A nova aplicação e a descoberta ...................................................................................................... 19 A novidade pertinente ..................................................................................................................... 21 Novidade, nova aplicação e novo emprego ...................................................................................... 23 A atividade inventiva como requisito .............................................................................................. 25 A questão do “uso” numa patente de uso ......................................................................................... 26 Um requisito diverso de aplicação industrial nas reivindicações de uso? ........................................... 27 A existência de patente de uso no Direito Brasileiro ........................................................................ 29 A distinção de “uso” e “processo” .................................................................................................. 30 Da conveniência de prever patentes de uso ...................................................................................... 32 A questão do alcance prático das reivindicações de uso ................................................................... 34 Conclusão quanto às reivindicações de uso ...................................................................................... 37 Do segundo uso farmacêutico ......................................................................................................... 37 Um problema tipicamente francês ................................................................................................... 38 A vedação a métodos de tratamento em Direito Brasileiro................................................................ 41 Métodos de tratamento podem ou não ser inventos?......................................................................... 42 A opção pela imprivilegiabilidade mesmo se fosse invento .............................................................. 43 O produto usado em um método de tratamento ................................................................................ 44 A reivindicação suíça e o Direito Brasileiro ..................................................................................... 45 A função e os limites das reivindicações no Direito Brasileiro.......................................................... 45 Equivalência e reivindicações de uso............................................................................................... 48 A licitude de reivindicações de uso do tipo suíço no Direito Brasileiro ............................................. 50 Conclusões sobre as patentes de uso farmacêutico ........................................................................... 51

7. Texto a alterar para as hipóteses 5. 6 e 7. ................................................................................... 51

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Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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O problema

Recentemente, tem sido amplamente debatido o patenteamento de certos obje-tos, cuja característica central é permitir a manutenção do regime protetivo a cer-tas facetas da tecnologia, de caráter essencialmente anciliar.

Neste âmbito, vem sendo questionado o patenteamento do segundo uso médico, dos inventos de seleção, dos polimorfos, dos enantiômetros e das prodrogas. Nesta seção, discutiremos as propostas relativas aos polimorfos e enantiômetros.

Uma decisão judicial recente ilustra a questão:

Das matérias referentes à propriedade industrial a patente de medicamentos é das mais controversas, por permitir uma série de estratégias muito mais conceituais, do que inovadoras.

Ou seja, a criatividade, no caso, fica por conta do desenvolvimento de estratégias conhecidas como life cycle management ou overgreening, que consistem no pro-longamento de tempo do privilégio mediante a obtenção de múltiplas patentes, com base em diferentes atributos de um mesmo produto, visando a impedir, p. ex. a entrada de genéricos no mercado.

A questão do polimorfismo se insere neste quadro. Desde os anos 60 que se sabe que substâncias orgânicas podem se apresentar, no estado sólido, em diferentes formas, amorfas ou cristalinas, e que estas formas diferentes podem apresentar va-riações em algumas propriedades físicas como solubilidade, compressibilidade etc, propriedades estas que podem ser importantes para formulações farmacêuticas.

Desde o final dos anos 80, problemas havidos com algumas formulações evidenci-aram que o exato conhecimento do polimorfo usado na preparação de um medi-camento era importante para a sua prescrição terapêutica correta.

A partir de então, o estudo do polimorfismo das moléculas biologicamente ativas passou a ser rotina. E rotina é a antítese da inovação. Daí que a mera descoberta de formas polimórficas de um mesmo produto perdeu o atributo da inventividade, essencial para obtenção de uma patente.

O “evergreening” não se esgota em polimorfos. Muitos outros tipos de patentes triviais, como sais diferentes da mesma molécula-base, segundo uso de princípios ativos já conhecidos, novas formulações de medicamentos em uso etc, são subter-fúgios usados para obter novas patentes sobre velhas moléculas e assim, mediante táticas de modificação de registros, conseguir a manutenção da exclusividade de mercado e dos preços de monopólio de medicamentos. (AC 200551015078, 2ª

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da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria. Rio de Janeiro, 22 de setembro de 2009. DES. FED. MESSOD AZULAY NET)

Polimorfismo

Polimorfismo é o fenômeno que os sólidos apresentam de cristaliza-se em mais de uma estrutura cristalina, ou seja, podem ser constituídos de uma mesma molé-cula e terem estruturas tridimensionais de empacotamento cristalino bastante dis-tintas. Para se ter uma noção da abrangência dos polimorfos, moléculas com di-ferentes formas cristalinas, apresentam características físico-químicas bastante di-ferentes. Isso é particularmente importante no caso de fármacos polimórficos, que em termos mais específicos, constituem o mesmo princípio empacotado em diferentes formas de cristais.

As diferenças entre características físico-químicas se refletem, sobretudo, no pa-drão de desintegração/dissolução (Fase Farmacêutica) de um determinado fár-maco em meio biológico. Entende-se, portanto, que fármacos que apresentem cristais diferentes podem apresentar curvas de biodisponibilida-de/bioequivalência bastante distintas.

Polimorfismo é a capacidade de um determinado sólido adotar duas ou mais con-formações cristalinas:

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da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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Ao que se julgaria a presente eminência do problema, o polimorfismo é ainda uma hipótese relativamente rara de invenção no sistema brasileiro 1. Em especial os polimorfos tem sido objeto de ampla discussão, tendo o INPI emitido, para consulta pública, uma proposta de diretriz de exame 2. Contrário à posição do INPI (a favor do patenteamento desses objetos), foi proposta legislação que a denega 3.

A Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e seus De-rivados submeteu a seguinte questão:

A proposta de diretrizes de exame de pedidos de patente referente a polimorfos que o INPI colocou em consulta pública no seu site nos deixa extremamente pre-ocupados. Nos termos em que esta vazada ela é extremamente leniente ao apreciar a questão da atividade inventiva, posição exatamente oposta a que seria de se espe-rar. As diretrizes estão associando a existência de atividade inventiva ao fato da in-venção solucionar um problema técnico.

Enantiômetros

Enantiômetros são moléculas que são imagens no espelho uma da outra e não são sobreponíveis, nem por rotação nem por translação. A mistura de enantió-meros numa solução denomina-se mistura racémica. Enantiómero é um de dois estereoisómeros de um composto quiral e pode ser a base do efeito terapêutico pretendido. A maioria das moléculas presentes na estrutura dos organismos vivos

1 Jaqueline Mendes Soares, Liane Elizabeth Caldeira Lage, Marilena Cordeiro Dias Villela Correa, O PATEN-TEAMENTO DE FORMAS POLIMÓRFICAS NA ÁREA DE FÁRMACOS NO BRASIL, 5. Resultados e Discussão, encontrado em http://www.reciis.cict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/viewFile/331/555: “Dos pedidos analisados pela DIQUIM II entre o período de janeiro de 2008 a março de 2009 relativos às formas po-limórficas, observa-se que o maior número de pedidos analisados foi depositado no ano de 1998 e, portanto, caso venham a ser concedido terão um prazo de proteção além de 20 anos a contar da data de depósito, segundo o Art. 40 da LPI. Da análise da tabela 1 é possível depreender que dos 29 pedidos analisados, 15 foram indeferidos e 14 tiveram ciência de parecer. Através da leitura dos pareceres técnicos dos pedidos de patente que compõem a tabe-la 1 foi verificado que na grande maioria não foi possível aferir a novidade da forma polimórfica reivindicada, conforme o disposto no Art. 8° e 11 da LPI, uma vez que a mesma não estava devidamente caracterizada segundo as técnicas de análise mencionada na proposta de diretrizes de exame do INPI relativa a esta matéria”.

2http://www.direito2.com.br/acam/2008/jun/25/inpi-patente-de-polimorfos-favorece-inovacao-tecnologica; http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/discussoes-tecnicas/polimorfismo, visitados em 31/8/2009.

3 PL n. 2.511/2007 e seu apenso PL n. 3995/08, que busca proibir a concessão de patente aos polimorfos e aos segundo usos médicos.

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da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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são quirais 4. Por exemplo: Enantiô- metro: (S)-S-2-(diisopropylamino)ethyl O-ethyl me- thylphosphono-thioate:

5. Reivindicações de seleção

Diz Carlos Correa que seriam patentes (rectior, inventos) de seleção 5 sob as quais um único elemento ou um pequeno segmento dentro de um grupo mais abrangente conhecido é 'selecionado' e reivindicado independentemente, baseado numa característica particular não mencionada no grupo mais abrangente.

Outra definição seria a proposta por Grubb 6:

“caracteriza-se quando um único elemento de uma vasta fórmula já conhecida é selecio-nado e reivindicado de modo independente sob o argumento que este apresenta uma ca-racterística especial não mencionada na patente original”.

Como a bibliografia brasileira sobre esse tipo de patente é escassa 7, vale demorar um pouco sobre o ponto.

4 Vide Patents and enantiomers: Generics v Lundbeck, Brian Whitehead, Stuart Jackson, and Richard Kempner, Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2007, Vol. 2, No. 12.

5 “A “selection patent” is a patent under which a single element or a small segment within a large known group is “selected” and independently claimed, based on a particular feature not mentioned in the large group”. If the large group of elements is already Correa C. Integrating public health concerns into patent legislation in developing countries., encontrado em http://www.southcentre.org/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=13&Itemid= , visita-do em 2/2/2009.

6 GRUBB, P.W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals and Biotechnology. New York: Oxford, 2004.

7 Conta-se recentemente com a monografia de especialização do Eng. Fábio de Araújo Ottoni Ferreira, Patente de Seleção:Aspectos Farmacêuticos e Biotecnológicos de Proteção Na Área De Propriedade Industrial, apresenta-do à Pós-Graduação em Direito da Propriedade Intelectual da Pontifícia Universidade Católica - PUC/RJ em 2009, sob a orientação deste subscritor e, apenas de passagem, JANNUZZI, Anna Haydée Lanzillotti; VAS-CONCELLOS, Alexandre Guimarães; SOUZA, Cristina Gomes de. Especificidades do patenteamento no setor

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da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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Para usar exemplo bem prosaico: imaginemos que alguém – num tempo passado hipotético – chegue à solução técnica de se combinar massa e queijo, numa mis-tura de fim gastronômico. Localizando nosso exemplo na cidade grega de Sibaris, lá pelo ano 2000 AC, teríamos talvez aí uma patente gastronômica, que era então deferida pela lei local 8.

Pois imaginemos que um segundo inventor determina que – não qualquer massa, nem qualquer queijo, como constante da primeira patente – mas a combinação específica da massa bavette e do queijo Grana Padano produzem melhor efeito gustativo, numa combinação sem precedente e surpreendentemente agradável ao palato 9.

Massa e queijo são gêneros, bavette e Grana Padano espécies. Dentre o gênero anteriormente patenteado (em Sibaris....) se determinou uma espécie de combina-ção específica, que produza um efeito não descrito na patente anterior.

Para bordar nosso exemplo: imaginemos que a patente anterior use algum tipo de mensuração..... digamos, uma “estrela” do Guia Michelin para determinar o efei-to gustativo alcançado pela solução massa combinada com queijo.

Mas o problema técnico visado pela segunda patente é outro: o segundo inventor pretende, com sua combinação, alcançar três estrelas no Guia Michelin. Assim, ainda que a combinação bavette e Grana Padano esteja, em teoria, coberta pela combinação massa e queijo, o problema técnico resolvido pela nova combinação é diverso, ou, pelo menos, o salto de uma para três estrelas pela simples alteração de ingredientes é um espanto.

farmacêutico: modalidades e aspectos da proteção intelectual. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 6, June 2008 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008000600002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 Feb. 2009. doi: 10.1590/S0102-311X2008000600002.

8 "Phylarcus, wrote the following about the Sybarites: "Phylarcus, I say, states that "The Sybarites, having given loose to their luxury, made a law that...if any confectioner or cook invented any peculiar and excellent dish, no other artist was allowed to make this for a year; but he alone who invented it was entitled to all the profits to be derived from the manufacture of it for that time; in order that others might be induced to labour at excelling in such pursuits".RICH, Giles S. The exclusive right since Aristotle. Circuit Judge. Court of Appeals for the Federal Circuit. Foundation for Creative America. Bicentennial Celebration, United States Patent and Copyright Laws. May 9, 1990. Vide Foyer e Vivant, Le Droit des Brevets, PUF, 1991 e M_F., Una legge sulle invenzioni del' 500 a.c., Rivista di diritto industriale, 1965, p. 155.

9 O exemplo é inteiramente didático, e atende somente ao gosto pessoal do subscritor. Talvez fosse mais perto do parâmetro real de patenteabilidade se a combinação fosse da obscura massa polonesa pieroski com um queijo do yak nepalês albino.

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da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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A utilidade de se considerar a concessão da patente para bavette e Grana Padano depende, por puro bom senso, de alguns pressupostos. Primeiro, que o genérico “massa” não se resuma, como ocorria na experiência deste autor nos anos 50´, a macarrão e espaguete, e os queijos a minas e prato. Não há um invento na sele-ção do esperado, do descrito, do que, enfim, qualquer cozinheira de for no pre-pararia, lendo a receita patenteada.

Assim, para que haja invento nestes casos, a prática aponta que os requisitos constitucionais só aparecem quando a seleção compreenda, quase que em regra geral, um número tão significativo de espécies no gênero indicado, que uma hi-pótese específica (a) resolva um problema técnico diverso do já resolvido e (b) de uma forma que não esteja descrita anteriormente (c) e, além disso, que o faça de uma maneira que..... a cozinheira de forno e fogão, só com seu conhecimento e a receita, não chegasse naturalmente.

Essas condições práticas foram especificadas pelo Escritório Europeu de Paten-tes10

(a) a seleção deve representar uma pequena espécie em face do gênero já

revelado;

(b) a seleção não é antecipada por qualquer das características já apontadas

nos documentos do estado da técnica, principalmente, nos exemplos dos

pedidos de patentes; e

(c) a seleção deve ter um efeito técnico distinto do conhecido, ou seja, re-

solve um problema técnico distinto.

Entenda-se: não há requisitos específicos para o invento de seleção. Não poderia haver, pois o processo de patenteabilidade é sempre de direito estrito, e não cabe

10 European Patent Office. International academy seminar on examination in the field of pharmaceuticals. Mu-nich, 2000. Adaptamos a letra do texto da EPO ao sentido das nossas ponderações. Os requisitos correntes da EPO estão nos Guidelines for Examination in the European Patent Office (status December 2007), encontrado em http://documents.epo.org/projects/babylon/eponet.nsf/0/4C0AAA2182E5D2F2C125736700567D71/$File/guidelines_2007_complete_en.pdf, visitado em 4/2/2009.

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à EPO, ao INPI, nem a mais ninguém, senão o poder legislativo de cada país, es-tabelecer requisitos a mais - ou a menos - para a patente.

Assim, a seleção, como qualquer outro invento, será patenteável se atender aos requisitos constitucionais, e não estiver na lista do art. 18. Mas, na prática, o atendimento de tais requisitos legais e constitucionais, quando se trata de inven-tos de seleção, parece presumir a existência de condições fáticas como as descri-tas. Assim, verifica-se uma presunção de que a ausência destas situações de fato importe em não patenteabilidade das seleções.

Os requisitos apontados pela EPO constituem, assim, um teste e não a constru-ção de requisito legal.

Os condicionantes fáticos

Um muito citado julgamento inglês de 1930 11, que vem ser ainda a principal fon-te nos vários sistemas jurídicos, assim descreveu as condições fáticas pertinentes, que conduzem à presunção de que numa seleção possa haver patente12:

(a) deve haver alguma vantagem substancial a ser assegurada pelo uso

dos elementos selecionados;

(b) todos os elementos selecionados devem possuir tal vantagem (em-

bora raras exceções não invalidassem a patente); e

11 I. G. Farbenindustries Patents (1930) 47 RPC 239–289

12 Na versão constante da Monografia de Fábio Ottoni, op. cit. A decisão original é assim descrita: TERRELL, Thomas & Courtney TERRELL. Letters Patent For Inventions, 8º Edition by J. Reginald Jones. Londres: Sweet & Maxwell Limited, 1934, p.82: "The question is of importance in the case of chemical patents in which the in-vention often resides in the selection of a particular substance or group of substances for a particular purpose. The general principles governing the validity of such patents were discussed in I. G. Farbenindustrie A.G.'s Pa-tents (47 R. P. C. 289, at p. 322) by Maugham, J., who pointed out that the 'following conditions must be fulfilled: (1) The selection must be based on securing some advantage (or avoiding some disadvantage) by the use of the selected members; (2) all the selected members must possess the required advantage; but a few exceptions here and there would not be sufficient to make the patent invalid; (3) the selection must be for "a quality of a special character" which is peculiar to the selected group, and this quality must not be one which would be obvious to an expert. The learned Judge then went on to say that it is necessary "for the patentee to define in clear terms the na-ture of the characteristic which he alleges to be possessed by the selection ... he must disclose an invention; he fails to do this in the case of a selection for special characteristics, if he does not adequately define them."

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da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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(c) a seleção deve ser em relação a uma propriedade, a qual pode ser

justamente mencionada como sendo peculiar ao grupo selecionado 13.

A prática européia corrente apurou o critério IGFarben – no que toca à apuração da novidade da seguinte forma:

(a) A seleção deve compreender apenas uma parte pequena do gênero;

(b) A seleção deve ser adequadamente distante daquilo que o estado da ar-

te identificava como sendo a faixa onde melhor se daria a solução técnica

(se possível, essa faixa seria definida nos exemplos constantes da patente

anterior); e

(c) A seleção não pode resultar de uma escolha arbitrária dentre o gênero

já no estado da técnica, nem pode simplesmente expressar aquilo que já

fora anteriormente descrito, mas tem de levar a uma nova solução técnica

(ou seja, é uma seleção com um propósito determinado)14.

13 Carlos Correa, org., A Guide To Pharmaceutical Patents, VolI., South Center, Julho de 2008, nota que haveria dúvidas quanto à persistência do terceiro requisito: “Although the first two would still be valid in present practice, there is doubt regarding the third rule”. Não me parece, no entanto, descabido o requisito para a presunção: a so-lução técnica peculiar à seleção é exatamente onde se determina a atividade inventiva em face ao estado da técnica. É o que diz a clásula final do julgado, referente a este item 3): “and this quality must not be one which would be obvious to an expert.” O Manual de Exame britânico em vigor, mantendo a regra, reespecifica os fatores, exata-mente examinando atividade inventiva: Examination Guidelines for Patent Applications relating to Biotechnolog-ical Inventions in the UK Patent Office (May 2005), Inventive step - Paragraphs 2464, Section 3 of the Manual of Patent Practice, paragraph 3.2765 A "selection" invention should meet the criteria laid down in I G Farbenindus-trie AG's Patent, 47 RPC 289 at pages 322-3, namely, (1) the selection must be based on some substantial ad-vantage gained or some substantial disadvantage avoided, (2) substantially all the selected members must possess the advantage in question, and (3) the selection must be in respect of a quality of special character which can fairly be said to be peculiar to the selected group; this is not necessarily nullified if it transpires that some other mem-bers of the class from which the selection is made have this quality, but the claim may be invalid if it is found that the quality is common to many other members in addition to those selected. visitado em 4/2/2009, encontrado em http://www.southcentre.org/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=932&Itemid

14 Guide To Pharmaceutical Patents Southcenter 2008, op. cit., que menciona como fundamento T279/89 of 3.7.1991, ref. O.J. Supplement 6/1992 and discussed in B Hansen and F Hirsch Protecting Inventions in Chemis-try: Commentary on Chemical Case Law under the European Patent Convention and the German Patent Law (Wiley-VCH Berlin 1998) pp. 127–128. O texto original da citação é: “1) The chosen sub-range must be narrow. 2) It must be sufficiently distant from the preferred known range (as possibly defined by examples). 3) The cho-

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Denis Borges Barbosa Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ)

Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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A mais recente versão do Guia de Exame do Escritório Europeu indica mais um critério de presunção: a seleção entre um gênero indicado por uma só variável não traduz novidade; mas talvez o haja se o estado da técnica presume a combi-nação mais de uma variável: como no nosso exemplo sibarita: queijo e massa 15.

Tais parâmetros se mostram necessários, porque a reação ingênua e imediata pe-rante um solução técnica de seleção é questionar sua novidade. Pois o invento anterior já não havia contido a solução selecionada? Tal questão, embora ingênua, fundamenta grande parte da crítica ao patenteamento dos inventos de seleção.

Na verdade, a resposta é “não necessariamente”. Se a seleção apontar para uma solução técnica nova para um problema técnico existente, ou a solução para um novo problema técnico, poderá haver novidade. A aplicação dos critérios apon-tados visa auxiliar nessa determinação.

Os critérios apontados nesta seção, como iniciamos dizendo, não criam requisi-tos específicos de patenteamento. Apenas indicam, com base na pragmática de exame, que, presentes tais requisitos, haverá uma presunção de novidade. Ou, talvez melhor dizendo, afasta-se a presunção de que, numa seleção dentre um gê-nero no estado da técnica, não há novidade.

Novidade é uma só

Alguns autores, comentando a conveniência e oportunidade de se conceder pa-tentes de seleção, mencionam a existência de graus diversos de novidade, em propriedade industrial 16. Como a seleção importaria em uma diferente novidade, não caberia dar proteção. A falta de precisão conceitual se explica, eis que se trata de artigos de análise de política pública.

Em direito estrito, não existe diferentes graus de novidade. Patente é matéria de direito estrito, não de concessão discricionária. Nenhum órgão pode decidir “dar

sen range may not be an arbitrarily chosen section of that which is known, and cannot be a simple embodiment of what has been previously described, but must lead to a new invention (purposive selection)”. Os Guidelines 2007 da EPO, Cap. IV, 9.8, ii) também citam esse critério.

15 Giudelines EPO 2007, Cap. IV, 9.8 “In determining the novelty of a selection, it has to be decided, whether the selected elements are disclosed in an individualised (concrete) form in the prior art (see T 12/81, OJ 8/1982, 296). A selection from a single list of specifically disclosed elements does not confer novelty. However, if a selection from two or more lists of a certain length has to be made in order to arrive at a specific combination of features then the resulting combination of features, not specifically disclosed in the prior art, confers novelty (the “twolists principle”)”.

16 Em particular, Jannuzzi et allii, op. cit.

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ou não dar” patente em face de políticas públicas discricionárias. Nenhum órgão (no Brasil ou nos demais países onde existe Estado Democrático de Direito) po-de decretar novidades maiores ou menores. Ou há a única novidade fixada na lei, ou não há novidade nenhuma.

Assim, a ninguém se justifica, pelo argumento de trata-se de seleção, não atender aos pressupostos da novidade. A novidade aplicável é igual a todo e qualquer in-vento. Os critérios construídos pela prática internacional são testes para se de-terminar a existência de uma só e única novidade: a que vale para inventos de mecânica, astronáutica ou biotecnologia.

Como a determinação fática da existência da mesma e única novidade varia de di-ficuldade, constroem-se os testes específicos para assegurar que é a mesma e in-variável novidade que se verifica no caso em análise.

Prudência na concessão de patente de seleção

Na verdade, o abuso no patenteamento nessa variedade de criação, visando au-mentar o prazo de proteção mesmo quando não exista real novidade, aconselha a mais rigorosa atenção do exame na apuração da novidade de qualquer invento que se pretenda existir numa seleção.

Os parâmetros irrazoavelmente permissivos de exame de certos países centrais quanto aos inventos de seleção, especialmente, mas não só, os Estados Unidos 17, não devem dar pretexto, jamais, a um exame descuidado por parte do exami-

17 Quanto aos parâmetros americanos, que nos abstemos aqui de comentar devido exatamente à excessiva permis-sividade de critérios, vide Kaye Scholer LLp, Pharmaceutical and Biotech Patent Law, PLI New York #15140, 2008, § 7:2:3 e Landis on Mechanics of Patente Claim Drafting, 5th. Ed. PLI, New York, § 6:9. A crítica à le-niencia americana se lê no Guide, Southcenter 2008, op. cit., que menciona PW Grubb Patents for Chemicals, Pharmaceuticals and Biotechnology, Fundamentals of Global Law Practice and Strategy (Clarendon Press Oxford 1999) p. 197. Como se sabe, subsistem crítica veementes ao que é percebido como níveis baixos de exame ameri-cano, que têm causado reações recentes da Suprema Corte, no caso da atividade inventiva, e do tribunal especiali-zado, no caso da exigência do requisito de natureza técnica das soluções (In Re Bilski). Jacuzzi et alli notam: “Pa-tentes de seleção têm sido uma das principais facetas da estratégia de perpetuação da proteção patentária pelas in-dústrias farmacêuticas que, ao obterem maior número de patentes em torno de uma invenção original, maximizam as oportunidades de comercialização de produtos com inovações incrementais. O INPI parece mostrar uma ten-dência de acompanhamento dos mecanismos de análise de pedidos de patentes empregados por outros países de-senvolvidos, onde se denota o estabelecimento de escopos de proteção mais permissivos quanto à proteção deste tipo de invenções”.

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nador brasileiro 18. Mas, por descuido ou preguiça, isso ocorre, e mesmo a AN-VISA incorre em tal falta de diligência.

Aliás, como alvitra certa doutrina, a proibição de inventos de seleção poderia mesmo ser incluída na lei nacional, sem maior risco de violação de TRIPs 19. No entanto, como a exclusão desse tipo de patentes pode igualmente lesar interesses de desenvolvimento de solução nacionais singulares em patentes de gênero, vale ponderar a máxima abusus not tollet usus, e o dizer “não se verse o bebê junto com a água do banho” 20.

Boa ou má para o País, a proteção de inventos de selação é ineludivelmente co-berta pela lei em vigor. E a leitura constitucional deste tipo de patente impõe que se tenha a atenção mais estrita, a busca mais cuidadosa, o cuidado mais rebusca-do, para se fugir a algo que é costumeiramente usado para práticas abusivas, e

18 Guide, Southcenter, op. cit.: “By their very nature, selection inventions could allow patentees to extend the term of their patents beyond the mandated period since the selection patent might be selected from a large group of el-ements which are already covered under a patent (maybe when the existing patent/s are nearing expiry). The re-cent trend in developed countries is to allow selection inventions. This in effect means that even when certain claims are not novel, they are allowed to be patented. There are, however, exceptions as exemplified by the Ger-man approach”. A atitude alemã é assim descrita: “In Germany, the Bundesgerichtshof has held that even in a rel-atively large generic group of compounds, disclosure of the group is, to the skilled chemist, fully equivalent to a disclosure of each compound within the group. Selection inventions in the normal sense of the word may, hence, be regarded as unpatentable in Germany)”.

19 Guide, Southcenter, op. cit.: “The TRIPS Agreement does not provide any guidance as to how selection inven-tions are to be treated or whether at all they are to be allowed or disallowed. As a result of this, WTO members can decide on such cases according to their municipal laws and being guided by their own policy objectives. If de-veloping countries intend to exclude patent monopolies, where no genuine inventions are present, in order to al-low, for instance, for a broader access to medicines, then developing countries may disallow selection inventions. This would be unobjectionable under the TRIPS Agreement”. Este subscritor, no entanto, recomendaria prudên-cia na conclusão o Guide, pelas razões expostas em seu artigo Denis Borges Barbosa, Minimum standards vs. harmonization in the TRIPs context (The nature of obligations under TRIPs and modes of implementation at the national level in monist and dualist systems), in Carlos Correa, org., Research Handbook on Intellectual Prop-erty Law and the WTO, Elgar Law, 2009 (no prelo).

20 Jacuzzi et allii, “Destaca-se que se por um lado as patentes de seleção podem servir como uma oportunidade tecnológica e comercial, por outro, a aceitação deste tipo de patente pode constituir uma ameaça a uma política de acesso a medicamentos. A reedição de patentes baseadas em um mesmo fármaco, como a concessão de polimor-fos e enantiômeros puros, pode estender o tempo de monopólio sobre um determinado fármaco e retardar a en-trada da versão genérica no mercado visto que, para que estes sejam comercializados, é necessário que as patentes às quais fazem referência estejam em domínio público.Por outro lado, o desenvolvimento de invenções de menor custo como a construção de metodos, novas formas farmacêuticas, combinações de fármacos, pró-drogas e o 2º uso médico pode ser uma opção tática para países com capacidade tecnológica instalada como o Brasil. Sendo as-sim, conhecer os aspectos do patenteamento no setor farmacêutico é fundamental para que o país alcance maior desempenho na proteção de invenções neste campo tecnológico”.

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vem sendo objeto de práticas indevidamente descuidadas em jurisdições estran-geiras:

Tribunal Regional Federal da 2ª Região "Pretensão a estender a validade da patente de forma a que se prolongue por 36 anos ou mais, o que vai de encontro com a limitada ga-rantia constitucional de temporariedade das patentes, com prevalência ao "interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país". 1ª Turma Especializada, AI 2007.02.01.013465-9, JC Márcia Helena Nunes, DJ 02.04.2008

Da questão da atividade inventiva nos inventos de seleção

Como se sabe, a novidade é apenas um dos requisitos constitucionais para a pa-tente. O invento pode ser novo, pois nunca antes descrito daquela forma especí-fica, mas ser tão naturalmente depreensível, que seria desproporcional conceder uma patente na extensão e amplitude prevista em lei. A hipótese da massa espa-guete com queijo minas, no nosso exemplo casual, ilustra a questão: o cozinheiro de forno e fogão, tendo um mínimo de opções a sua escolha, teria naturalmente que chegar à ‘nova’ solução culinária 21.

A pragmática também constrói uma série de testes para determinar a presunção de atividade inventiva 22. Por exemplo, como ocorre em todos os campos da téc-nica, não haverá atividade inventiva se a espécie selecionada não demonstra ne-nhuma qualidade não existente no estado da arte, ou – havendo tal qualidade – a pessoa com conhecimento normal da matéria chegaria naturalmente à seleção 23:

21 Guidelines for examination in the European Patent Office (pre-2007), Part C, Chapter IV - Annex (Examples relating to the requirement of inventive step indicators), (3.1) Obvious and consequently non-inventive selection among a number of known possibilities. 3.1 Obvious and consequently non-inventive selection among a number of known possibilities: (iv)The invention consists merely in selecting particular chemical compounds or composi-tions (including alloys) from a broad field. Example: The prior art includes disclosure of a chemical compound characterized by a specified structure including a substituent group designated "R". This substituent "R" is defined so as to embrace entire ranges of broadly-defined radical groups such as all alkyl or aryl radicals either unsubsti-tuted or substituted by halogen and/or hydroxy, although for practical reasons only a very small number of spe-cific examples are given. The invention consists in the selection of a particular radical or particular group of radi-cals from amongst those referred to, as the substituent "R" (the selected radical or group of radicals not being specifically disclosed in the prior art document since the question would then be one of lack of novelty rather than obviousness). The resulting compounds (a) are not described as having, nor shown to possess, any advanta-geous properties not possessed by the prior art examples; or (b) are described as possessing advantageous proper-ties compared with the compounds specifically referred to in the prior art but these properties are ones which the person skilled in the art would expect such compounds to possess, so that he is likely to be led to make this selec-tion.

22 Vide Guidelines 2007, Cap. IV, 3. “Obvious Selections”, onde se propõe vários testes de atividade inventiva.

23 No local recém mencionado: “(iv) the invention consists merely in selecting particular chemical compounds or compositions (including alloys) from a broad field. Example: (…) The resulting compounds: (a) are neither de-

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mais uma vez, o caso da nossa cozinheira de forno e fogão preparando macarrão com queijo de minas 24.

Não se exige, de outro lado, que haja um novo problema a ser resolvido, mas simplesmente a resolução de uma forma inesperada – como no nosso exemplo do atingimento de um grau surpreendente de qualidade gastronômica, com mais duas estrelas no Michellin 25.

O problema mais específico dos inventos de seleção, desta feita, é o reconheci-mento da novidade, e não o elemento analítico subsequente da atividade inventi-va. Parece pacífico, assim, que existem hipóteses em que cabe reconhecer a exis-tência de atividade inventiva em seleções 26.

Daí a recomendação de Carlos Correa aos formuladores de política pública dos países em desenvolvimento: como regra, se os elementos da espécie já foram descritos ou reivindicados, não se presuma novidade; mas havendo vantagens inesperadas na espécie, deve-se aplicar as regras gerais da lei pertinente para se concluir pela patenteabilidade 27

scribed as having nor shown to possess any advantageous properties not possessed by the prior art examples; or (b) are described as possessing advantageous properties compared with the compounds specifically referred to in the prior art, but these properties are ones which the person skilled in the art would expect such compounds to possess, so that he is likely to be led to make this selection”.

24 Incidentalmente: queijo de minas curado, como se usava na década de 50´. O queijo frescal dá um resultado an-ti-intuitivo e anti-gastronômico.

25 Guidelines 2007, C. Cap. IV, “11.11 Selection inventions The subject-matter of selection inventions differs from the closest prior art in that it represents selected sub-sets or sub-ranges. If this selection is connected to a particular technical effect, and if no hints exist leading the skilled person to the selection, then an inventive step is accepted (this technical effect occurring within the selected range may also be the same effect as attained with the broader known range, but to an unexpected degree)”.

26 Carlos Correa, Guidelines for the examination of pharmaceutical patents:developing a public health perspective, January 2007 l ICTSD — UNCTAD -WHO “If a previous patent contains, for instance, a Markush-type claim with a large number of possible compounds without a detailed disclosure, and the compounds claimed in a sub-sequent patent are not found by simple experiments and show an unexpected advantage, far enough away from the completely disclosed compounds in the previous patent, an issue of inventive step will essentially arise in con-sidering the patentability of the selection.”

27 Correa, Guidelines, 2007, “Recommendation: As a general rule, selection patents should not be granted if the selected components have already been disclosed or claimed and, hence, lack novelty. If unexpected advantages of existing products were deemed patentable under the applicable law, the patentability of a selection could be con-sidered when an inventive step is present”.

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Política pública subjacente

A questão de reivindicações de seleção será, possivelmente, a mais abundante da formas patológicas do sistema patentária, e não exatamente a menos patogênica. A prática de se buscar a proteção de uma solução genérica, e depois proliferar as demandas em centenas ou milhares de patentes “se seleção” é das práticas mais correntes no sistema internacional.

Tomemos o exemplo do Fipronil, defensivo agrícola de excepcional importância: com a patente inicial extinta, só nos últimos 48 meses se notam mais de 800 no-vos pedidos, detalhando que para a larva da cana européia (ou individualmente uma infinidade de outras pragas), o ativo (em domínio público), mas uma quanti-dade X de solvente terá um efeito ainda não descrito no estado da técnica. Como após tais miríades de patentes não é possível aplicar o defensivo num eito sem extrair cada bicho tutelado por uma patente específica, o domínio público é ina-tingível.

Assim a política pública é de especificação de métodos de exame: legislar que, no caso de seleção, não há presunção de novidade pelo simples fato de não haver exata descrição no estado da técnica.

6. Da questão do segundo uso médico

A questão do segundo uso farmacêutico

Imaginemos que um inventor venha a sintetizar novo produto químico; das imensas possibilidades de tal criação, passa a testar seus possíveis efeitos, um a um.

Para que se tenha patente, não basta haver um novo produto, mas é preciso re-solver certo problema de natureza técnica, oferecendo uma solução que seja, ela também, técnica. Assim, o novo produto passa a ser, potencialmente, patenteá-vel, quando seja aplicável a um problema identificado como suscetível de tal so-lução. Pois que a patente não premia criações em geral, mas soluções técnicas.

Mas, especialmente após as tecnologias de síntese de um novo produto, não se chega - necessariamente de início - a todas as aplicações de uma nova criação. Em tese, é possível imaginar que, após se discernir uma aplicação, pela continua-ção de pesquisas se chegue a outra solução, ou a outro problema técnico, objeto

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da mesma solução 28. Solicitada proteção para uma primeira solução, como se tra-tará essa nova aquisição tecnológica?

Tradicionalmente, pela patente de nova aplicação.

Assim, antes de enfrentarmos o problema do segundo uso farmacêutico, exami-nemos a questão das reivindicações de uso, em geral.

A questão, examinada em decisão judicial

O acórdão antes mencionado no caso dos polimorfos assim está ementado:

APELAÇÃO – PROPRIEDADE INDUSTRIAL – PATENTE DE SEGUNDO USO – FALTA DE REQUISITOS DE PATENTEABILIDADE – RECURSO PROVIDO

I – Diz o art. 8º da Lei nº 9.279/96: “É patenteável a invenção que atenda aos re-quisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial”, e, ainda, o art. 11: “A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compre-endidos pelo estado da técnica”.

II - Do cotejo dos dispositivos extrai-se: primeiro, que a patente de segundo uso não atende ao requisito básico de novidade, à vista do segundo uso da mesma substância já pertencer ao estado da técnica. Segundo, o fato de uma mesma subs-tância ser utilizada para outra finalidade não resulta em matéria patenteável por não envolver um passo inventivo (de acordo com o TRIPs) ou atividade inventiva (de acordo com a lei brasileira). No máximo estaremos diante de uma simples des-coberta de um novo uso terapêutico, que não é considerado invenção nos termos do art. 10° da lei n° 9.279/96.

III - Ademais, a concessão de um novo monopólio - para um segundo uso de substâncias já conhecidas - prolongaria indefinidamente os direitos privados do ti-tular da patente sobre uma matéria que não apresenta os requisitos, internacional-mente aceitos, de patenteabilidade e, em contrapartida, reduziria o direito público

28 Dawson Chem. Co. v. Rohm & Haas Co., 448 U.S. 176, 221-22, 206 U.S.P.Q. 385 (1980) (The char-acteristic of practical chemical research are such that this form of patent protection is particularly im-portant to inventors in that field. The number of chemicals either known to scientists or disclosed by existing research is vast. It grows constantly, as those engaging in 'pure' research publish their discover-ies. The number of these chemicals that have known uses of commercial or social values, in contrast is small. Development of new uses for existing chemicals is thus a major component of practical chemical research. It is extraordinary expressive. It may take years of unsuccessful testing before a chemical had a desire property is identify and it may take several years of further test before a proper and safe method for using that chemical is developed.").

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de acesso aos novos conhecimentos pela sociedade brasileira, e impediria que pes-quisadores nacionais desenvolvessem novas formulações e novos medicamentos.

IV - Por fim, se dúvida houvesse de que a patente em questão possui os requisitos do art. 8º, restariam dirimidas com a simples leitura das respostas dos quesitos dos réus, especialmente, 13. 15, 16, 17, 21, 22, 23, 24, 26, 27, 30, 31, 32, 33, 34, 35.

V – Apelação e Remessa Necessária providas.

Não obstante o elevando espírito público demonstrado na decisão, fato é que os seus pressupostos técnicos incorrem em engano de monta.

O segundo, ou qualquer outro uso, de um mesmo elemento, não estará no estado da técnica se não estiver descrito numa só fonte, anterior ao momento do exercí-cio da pretensão do pedido de patente. Se um elemento conhecido for aplicado a solução de problema técnico diverso daquele revelado ao estado da técnica, como se exporá abaixo, a novidade existirá; a questão se reduz a existência ou não de atividade inventiva.

Tal fonte, ou documento, anterior pode mesmo não expressar consciência da so-lução técnica revelada; se assim for, novidade não existe, pois novidade é em to-dos casos uma questão de fato 29. De outro lado, se o elemento é conhecido, mas a solução no qual ele é empregado não foi antes revelada, novidade haverá – o que fundamenta a exclusividade é o problema resolvido, não o produto obtido, mesmo porque o produto despido de solução técnica invento não é, e não tem aplicação industrial.

Em seguida, enunciaremos as razões da solução normativa sugerida mais adiante.

Reivindicações de nova aplicação

A par das patentes de produto e processo há que se distinguir a invenção que consiste de uma nova aplicação de um produto ou um processo (ou patente de uso). A nova aplicação é patenteável quando objeto já conhecido é usado para obter resultado novo, existente em qualquer tempo a atividade inventiva e o ato criador humano.

29 BARBOSA, Denis Borges, A Anterioridade Inconsciente: uma nota sobre a novidade nas patentes, encontrado em http://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/inconsciente.pdf

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Trata-se, pois, de uma tecnologia cuja novidade consiste na “relação entre o meio e o resultado”, ou seja, na função 30. Assim, por exemplo, o uso de um corante já conhecido como inseticida – o DDT.

Note-se que esta modalidade de patente tem sido tradicionalmente aceita em Di-reito Brasileiro, como se nota da literatura clássica sobre o tema e pela previsão legislativa já no século XIX 31. Comum no sistema americano, assim como Direi-to Francês e no Alemão, só foi tornado mais corrente no sistema europeu após a decisão do caso G 2/88 decidido pelas Câmaras Reunidas do escritório Europeu de Patentes 32.

Tal modalidade de reivindicação está sujeita a critérios específicos de avaliação de novidade, atividade inventiva e, talvez, de utilidade industrial, o que exige nosso estudo mais detalhado. Torna-se igualmente necessário – não obstante o que já se disse antes quanto à tradição brasileira de patentes de uso - enfrentar as questões da legalidade da patente de uso, ou seja, se tal reivindicação é prevista na legisla-ção pátria em vigor desde 1996, e da hipótese de vedação de tal categoria, quando pudesse ser tida como método de tratamento ou diagnóstico.

30 Burst e Chavanne, Droit de la Proprieté Industrielles, 4ª. Ed. Dalloz, 1993, nr. 60. Diz Gama Cer-queira, Tratado, vol. II, tomo I, Parte 2, p. 64, Forense, 1952: A nova aplicação de meios conhecidos define-se como o emprêgo de agentes, órgãos e processos conhecidos para se, obter um produto ou re-sultado diferente daquele para. cuja, obtenção tais meios são comumente empregados. "Appliquer d'une manière nouvelle", explica Pouillet, "c'est purement et simplement employer des moyens connus, tels qu'ils sont connus, sans même y rien changer, pour en tirer un résultat différent de celui qu'ils avaient produit jusque-là." De outra parte, define Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado – Tomo XVI - parte especial Direito das Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade intelectual. Propriedade industrial, São Paulo, RT, 4ª edição, 1983, pgs. 274 à 276. “Aplicações Novas. - Pode ser nova apenas a relação que se criou entre certo meio e certo resultado. A relação não era, antes, estabele-cida; o inventor encontra a possibilidade de ligar meio e fim e aponta a aplicação como aplicação- em que nunca se pensara, na técnica”.

31 Após a Lei 9.279/96, concede-se tal modalidade de reivindicação como uma das usualmente solici-tadas na área farmacêutica: as de produto ou substância química; as de composição (formulação) farma-cêutica definida tanto qualitativamente quanto quantitativamente; de processo para obtenção do produ-to, na qual se exige parâmetros e etapas procedimentais bem definidas; de intermediário, ou seja, do emprego de novos compostos intermediários para obtenção de determinada substância farmacêutica; e, finalmente, a de uso, no caso de produtos de ação terapêutica conhecida, para os quais se descobriu no-va aplicação.

32 OJ EPO 1990, 93. Comentado em Singer, The European Patent Convention, Sweet & Maxwell, 1995, p. 170.

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Denis Borges Barbosa Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ)

Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

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Pela importância do tema, não se pode deixar de considerar os aspectos jurídicos da implementação de uma reivindicação de uso para assegurar a exclusividade da sua solução técnica na concorrência.

A nova aplicação e a descoberta

O primeiro aspecto da questão a ser examinado é o da natureza desse novo uso. Será ele uma descoberta 33?

O patenteamento de descobertas, a que se refere alínea f) do art. 10 do CPI/96, é universalmente vedado no sistema de patentes; nenhum país concede privilégio por simples descobertas. Isto se dá porque, pela concessão de patentes, tenta-se promover a solução de problemas técnicos - questões de ordem prática no uni-verso físico. Para a promoção da atividade científica pura, estéticas, ou de outra natureza, há outros meios de estímulo, como o Prêmio Nobel e semelhantes.

Diz, por exemplo, Chavane e Burst sobre o direito francês:

“Somente o produto industrial é patenteável. A descoberta de um produto natural não é, assim, suscetível de proteção, se não houver uma intervenção da mão hu-mana ” 34

Já no direito americano a situação é idêntica:

“Se começamos com a premissa de que o sistema das patentes é para promover o progresso da ciência útil, a conclusão que se pode chegar com isso é que não re-compensa descobertas científicas básicas exceto as incorporadas em invenções úteis.” 35

E, falando da teoria geral do direito de patentes ao mesmo tempo que do direito suíço, diz Alois Troller:

33 A questão é topicamente relevante. Lê-se no Valor Econômico de 31/8/2004, sob o título “Anvisa quer impedir as patentes de segundo uso”, “O segundo uso de uma patente farmacêutica é solicitado quando um laboratório descobre uma utilidade diferente do que a já conhecida de determinado remé-dio. Mas a gerente de regulamentação sanitária internacional da Anvisa, Ana Paula Jucá, diz que isso não é uma invenção, é apenas uma descoberta e, portanto, não preenche os requisitos da lei de patentes e dos acordos internacionais que prevêem que as novas descobertas precisam ter originalidade”.

34 Seul le produit industriel est brevetable. La découverte d’un produit naturel n’est donc pas protégeable à défaut d’une intervention de la main de l’homme. Droit de la Propriété Industrielle, Ed. Dalloz, nº 41

35 “If we start with the premise that the patent system is to promote the progress of the useful arts, the conclusion may follow that it does not reward basic scientific discoveries except as incorporated in use-ful devices” Choate e Francis, Patent Law, West Publishing, p. 471.

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“Os conhecimentos que retratam a essência das forças da natureza, ou seja, que ensinam sobre as criações da natureza nascidas independentemente da atividade do homem, são excluídas do alcance de proteção” 36

Explicando porque não se dá proteção patentária às descobertas, mas tão somen-te às invenções, diz por sua vez Douglas Gabriel Domingues:

“A par de ser a descoberta simples revelação de algo já existente, a mesma resulta do espírito especulativo do homem, na investigação dos fenômenos e leis naturais. Assim, a descoberta apenas aumenta os conhecimentos do homem sobre o mundo físico, e não satisfaz nenhuma necessidade de ordem prática. Finalmente, a desco-berta não soluciona nenhum problema de ordem técnica” 37

Ora, o que distingue uma descoberta de um invento industrial é exatamente que, naquela, inexiste a resolução de um problema técnico. O invento industrial é uma solução técnica para um problema técnico. Essa a noção que deriva do texto constitucional brasileiro relativo à propriedade industrial (art. 5º. Inciso XXIX).

A proteção, assim, se volta à ação humana, de intervenção na Natureza, gerando uma solução técnica para um problema técnico. Não têm proteção, mediante pa-tentes, a simples descoberta de leis ou fenômenos naturais, mas também outras ações humanas desprovidas de eficácia técnica, como as criações estéticas, ou as criações abstratas (não técnicas), como planos de contabilidade, regras de jogo ou programas de computador.

Neste sentido, diz o Manual de Exame do Escritório Europeu de Patentes:

Se uma propriedade nova de uma matéria conhecida ou de um objeto conhecido é descoberta, trata-se de uma simples descoberta que não é patenteável, pois a des-coberta em si mesma não tem nenhum efeito técnico e não é, pois, uma invenção no sentido do art. 52(1). No entanto, se essa propriedade é utilizada para fins prá-ticos, isso constitui uma invenção que pode ser patenteada. Assim, por exemplo, a descoberta da resistência ao choque magnético de um material conhecido não é patenteável, mas um dormente de estrada de ferro construído desse material pode sê-lo »38.

36 « Les connaissances donnant un aperçu de l’essence des forces de la nature, c’est à- dire qui renseignent sur les créations de la nature nées indépendamment de l’activité de l’homme, sont exclues du cercle de la protection” Précis du droit de la propriété immatérielle, Ed. Helbing & Lichtenhahn, p.37.

37 Direito Industrial - Patentes, Ed. Forense, p. 31. 38 Si une propriété nouvelle d'une matière connue ou d'un objet connu est découverte, il s'agit d'une simple découverte qui n'est pas brevetable car la découverte en soi n'a aucun effet technique et n'est donc pas une

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Respondendo assim à questão inicial, a revelação de um novo uso técnico de um elemento já conhecido será qualquer coisa, mas certamente nunca uma descober-ta. De outro lado, se atinar-se com aspectos estéticos ou esotéricos de uma subs-tância já conhecida, ter-se-á uma descoberta. Nesta hipótese, o leitor poderá economizar o percurso do restante deste estudo.

A novidade pertinente

O quid novi que garante a patenteabilidade é a “novidade da aplicação. Não é ne-cessário que o produto ou resultado visado seja novo, bastando que seja diferente dos até então obtidos pelos meios empregados. A diferença do produto ou resul-tado visado é essencial, pois é o que distingue esta classe de invenções da moda-lidade conhecida como combinação”39.

Enganam-se, e inexplicavelmente, as Diretrizes de Exame do INPI neste ponto, ao confundirem reivindicações de novo uso, reivindicações de produto stricto sensu e reivindicações de composição 40. Trata-se aqui de um erro frontal de di-reito, e não de técnica, como Gama Cerqueira já o indicava 41.

invention au sens de l'art. 52(1). Si, toutefois, cette propriété est utilisée à des fins pratiques, cela constitue alors une invention qui peut être brevetable. C'est ainsi, par exemple, que la découverte de la résistance au choc mécanique d'un matériau connu n'est pas brevetable, mais qu'une traverse de chemin de fer construite avec ce matériau peut l’être.

39 Gama Cerqueira, op. cit., loc. cit. Sobre patentes de combinação, veja o extenso tratamento da ques-tão no meu Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Ed. 2003, Lumen Juris. Uma patente de combinação não se confunde com a de um novo uso, porque” Central no conceito de invenção de combi-nação é que ela consiste em uma solução técnica distinta dos elementos combinados, buscando-se nela, e não em seus componentes, os pressupostos de patenteabilidade (novidade, utilidade, atividade inventiva), assim como o parâmetro para avaliar a sua eventual violação”.

40 Diretrizes de Exame – Biotecnologia: 2.39.2.1 Reivindicações do tipo: a) Produto X caracterizado pelo fato de ser usado como medicamento. b) Produto X caracterizado pelo fato de ser para o tratamento da doença Y. não são concedidas pelo fato de seu objeto não apresentar novidade, pois, conforme definido em (i) acima, trata-se de um produto conhecido, que, obviamente, não é novo no sentido do Art. 11. Observe-se que aqui está se tratando de invenções de segundo uso, ou seja, pressupõem-se que se trata de produto já conhecido. 2.39.2.2 Reivindica-ções do tipo: c) Composição farmacêutica caracterizada por conter o produto X (eventualmente com outros componentes). d) Composição para o tratamento da doença Y caracterizada por conter o produto X (eventual-mente com outros componentes). e) Composição caracterizada por conter o produto X (eventualmente com ou-tros componentes) para uso no tratamento da doença Y. f) Composição na forma de (tablete, gel, solução injetá-vel, etc.) caracterizada por conter o produto X (eventualmente com outros componentes) para uso no tratamento da doença Y. podem ser concedidas, desde que as composições a que dizem respeito sejam novas e apresentem atividade inventiva.

41 Gama Cerqueira, escrevendo sob o Código de 1945, confrontava-se com o mesmo contexto legal, no pertinen-te, que enfrenta o jurista sob o Código de 1996. Com efeito, o art. 169 do CPI/45, exatamente como o art. 42 do CPI/96 só se refere literalmente a reivindicações de produto ou de processo.

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A novidade assim, no caso, deve ser avaliada em relação ao resultado até então não conhecido; persiste, porém a discussão entre sistemas jurídicos quanto à sig-nificação das propriedades já intrínsecas, mas ainda não explicitadas, no estado da arte. O sistema europeu descarta a possibilidade de rejeição às propriedades in-trínsecas, mas ainda secretas 42·, o que não parece ocorrer no Direito Americano 43.

O enfoque europeu permite que se mantenha sem revelação uma parcela da tec-nologia, preservando assim a novidade do elemento oculto, que pode vir a ser a seu tempo oferecido como base de uma patente de uso. O mesmo não ocorreria necessariamente na perspectiva americana, pois não haveria novidade, mesmo se o elemento pertinente estivesse oculto, mas decorresse naturalmente do conhe-cimento já existente 44.

42 Vide o caso G 0006/88 – EBA das Câmaras Reunidas de Recurso da EPO: “In respect of this sub-mission, the Enlarged Board would emphasis that under Article 54(2) EPC the question to be decided is what has been "made available" to the public: the question is not what may have been "inherent" in what was made available (by a prior written description, or in what has previously been used (prior use), for example). Under the EPC, a hidden or secret use, because it has not been made available to the public, is not a ground of objection to validity of a European patent. (…)Thus, although document (1) described a method of treating plants with compounds in order to regulate their growth which, when carried out, would inevitably have been inherently a use of such compounds for controlling fungi, nev-ertheless it appears that the technical feature of the claim set out above and underlying such use was not "made available" to the public by the prior written description in document (1)” .

43 Citando Chisum, Donald S. & Jacobs, Michael A.. Understanding Intellectual Property Law Legal Text Series.: Ed. Matthew Bender, United States, 1992, pg. 2-22: E.g. In re Kin & 801 F.2d 1324,1326.231 U.S.P.Q. 136, 138 (Fed. Cir.. 1986) ("the discovery of a new use for an old structure based on unknown properties of the structure [may be] patentable to the discoverer as a process," but, “under the principles of inherency," a claim is anticipated of a structure in the prior art necessarily func-tion in accordance with the limitation of a process or method claim … "); In re May, 574 F.2d 1082, 197 U.S.P.Q. 601 (CCPA 1978) (the discovery that a known analgesic compound had the property of nonaddictiveness will not support a patent claiming the method of effecting "nonaddictive" analgesia by use of a certain generic class of compounds because the prior art showed one of the species com-pound within that generic class to effect analgesia).

44 “an inherent disclosure flows naturally from the teachings of the prior art reference”, MEHL, 192 F.3d at 1365 (quoting In re Oelrich, 666 F.2d 578, 581 (C.C.P.A. 1981)). Vide também adiante a noção de atividade inventiva, onde ressurge a questão do conhecimento intrínseco.

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Novidade, nova aplicação e novo emprego

Há que ter cuidado, no entanto, quanto à distinção, que Gama Cerqueira aponta, baseando-se na doutrina clássica francesa, entre nova aplicação e novo empre-go45:

Com a aplicação nova de meios conhecidos não se confunde o simples emprêgo novo. A diferença entre o emprêgo novo e a nova aplicação consiste em que, no primeiro caso, a aplicação muda apenas de objeto ou de matéria, não diferindo, quanto aos seus resultados ou efeitos, das aplicações anteriores; ao passo que, no segundo, a aplicação se caracteriza pela obtenção de resultado diferente. "Par exem-ple", escreve POUILLET, "si 'on se sert d'un appareil ou d'un procédé connu, de la façon dont on s'en est toujours servi, pour en obtenir le même résultat, en se bornant seulement d'employer pour une autre matière ou pour un autre objet ou est l'invention? ou est le service rendu à l'industrie?! ou est cette création, ce caractère de personnalité que justifie le droit exclusif de l'inventeur?" 46 O emprêgo novo não é privilegiável.

Túlio Ascarelli notava que, no caso de nova aplicação, se teria um “invento de translação”, enquanto que, no emprego, haveria uma simples construção sem re-sultado autônomo 47.

Essa distinção não se reduz à existência ou não de atividade inventiva 48. Trata-se aqui da resolução de um problema técnico, distinto daquele já resolvido anteri-ormente pelo elemento conhecido, ainda que nem o meio, nem o problema, se-jam em si novos. Assim é que se o problema fosse, antes, o de dar mobilidade a uma mesinha de televisão (através rodas apostas) não há problema diverso na

45 Gama Cerqueira, Tratado, p. 65. Para uma alentada discussão dessa distinção, e das teorias de Pouil-let, Allart, Casalonga e da construção jurisprudencial pertinente, vide Devant, Passeraud, Gutmann, Jacquelin e Lemoine, Les Brevets d; Invention, Dalloz, 1971, p. 50-59.

46 [Nota do original] Brevets d'Invention, Marques et Modèles, ns. 170 e segs.; Le Droit Intellectuel, vol. L O, ns. 261 a 286.

47 Teoria de La Concurrencia y de los Bienes Inmateriales, Bosch, Barcelona, 1970, p. 503.

48 Embora disso discordem Chavanne e Burst, Droit de la Proprieté Industrielles, 4ª. Ed. Dalloz, 1993. p.86 e Joana Schmidt-Slaweski, Droit de la Proprieté Industrielle, Dalloz, 1991, p. 12. Para os autores, a distinção se fazia à luz da legislação anterior a 1968, passando desde então a raciocinar-se em termos de falta de atividade inventiva.

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necessidade de dar mobilidade a um forno 49. “Aplicação”, no caso, vem a ser a solução de um problema técnico através dos meios em questão 50.

A doutrina, jurisprudência e prática de exame estrangeira detalham essa diferença. Na construção francesa mais recente, para que haja aplicação nova, e não só em-prego novo, tem-se que a) ou o resultado seja distinto da aplicação original, em natureza ou qualidade ou então b) que tenha havido uma adequação criativa ao novo ambiente 51.

A jurisprudência administrativa da EPO, interpretando o art. 54 da respectiva Convenção, distingue também o novo uso de uma coisa velha para um novo propósito (i.e., para resolução de um problema técnico distinto) – o que é paten-teável – do uso antigo de uma coisa velha para um novo propósito – o que não vale patente. Em qualquer caso, o importante é que se revele uma característica técnica funcional ainda não constante no estado da técnica.

No dizer do comentador,

49 É um exemplo clássico da jurisprudência francesa, num julgado do Tribunal de Paris de 20 de no-vembro de 1850.

50 Um novo uso não será, porém, uma forma melhor de um velho uso – cumulando um “invento” de uso e de seleção. Veja-se a decisão do caso Bristol-Myers Squibb (BMS) v. Baker Norton Pharmaceuti-cals and NaPro Biotherapeutics (UK Court of Appeal Decision, 23 May 2000), em que o tribunal inglês entendeu que a simples fixação de uma melhor dosagem não seria patenteável, pois tratar-se-ía realmen-te de um método de tratamento. Há, porém, decisões na EPO que contrariam esse entendimento.

51 Droit et Pratique des Brevets d’Invention, Delmas, . C8 ; « Pour qu'il y ait application nouvelle et non pas simple emploi nouveau, il faut: 1 ° Que le moyen utilisé procure, soit un résultat technique différent de celui qu'il avait procuré jusque-là, soit, tout au moins, des avantages industriels qu'il ne produisait pas dans ses utilisations précédentes. Ainsi, le fait de substituer dans une machine un moteur électrique à un moteur à essence, même si jamais un moteur électrique n'avait été employé à cet usage, n'est pas brevetable, car le résultat technique (entraînement de la machine) est le même, et les avantages de cette substitution (moindre coût, fonctionnement silencieux) ne sont pas différents de ceux que le moteur électrique procurerait dans sen utilisations du domaine public. (...) 2o. Que le moyen ne soit pas utilisé tel quel, mais que l'inventeur, par un effort véritablement créateur, ait introduit des modifications, une certaine adaptation du moyen à sa nouvelle destination. La Cour d'appel de Paris a rejeté la brevetabilité d'un système de train atterrisseur d'avion parce que l'inventeur n'a fait que transporter dans cette branche d'industrie la même combinaison déjà connue et employée dans d'autres industries, notamment celle des amortisseurs de portes et surtout celle très voisine des amortisseurs de fourches de cycles, pour y produire un effet technique identique et sans que son brevet indique qu'il y ait apporté une modification quelconque (...)

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“a combinação de um uso novo envolvendo um propósito novo, e uma caracterís-tica técnica funcional antes não conhecida, justifica a patenteabilidade se houver atividade inventiva 52.

A atividade inventiva como requisito

O outro aspecto enfatizado é realmente da exigência – talvez um tanto agravada – da não-obviedade do novo uso – a existência de atividade inventiva.

O Guia de Exame do Escritório de Patentes dos Estados Unidos precisa que a simples descoberta de um novo uso, nova função ou propriedade nova de um elemento já conhecido não resulta necessariamente em privilégio 53 mas o uso novo e dotado de atividade inventiva de um elemento conhecido poderá ser pa-tenteado 54. O Guia de Exame da EPO minudencia a questão do ponto de vista da atividade inventiva 55.

52 Singer, p. 171.

53 Something Which Is Old Does Not Become Patentable Upon The Discovery Of A New Property. The claiming of a new use, new function or unknown property which is inherently present in the prior art does not necessarily make the claim patentable. In re Best, 562 F.2d 1252, 1254, 195 USPQ 430, 433 (CCPA 1977).

54 Process Of Use Claims - New And Unobvious Uses Of Old Structures And Compositions May Be Patentable The discovery of a new use for an old structure based on unknown properties of the struc-ture might be patentable to the discoverer as a process of using. In re Hack, 245 F.2d 246, 248, 114 USPQ 161, 163 (CCPA 1957). However, when the claim recites using an old composition or structure and the "use" is directed to a result or property of that composition or structure, then the claim is antic-ipated. In re May, 574 F.2d 1082, 1090, 197 USPQ 601, 607 (CCPA 1978) (Claims 1 and 6, directed to a method of effecting nonaddictive analgesia (pain reduction) in animals, were found to be anticipated by the applied prior art which disclosed the same compounds for effecting analgesia but which was silent as to addiction. The court upheld the rejection and stated that the applicants had merely found a new property of the compound and such a discovery did not constitute a new use. The court went on to re-verse the rejection of claims 2-5 and 7-10 which recited a process of using a new compound. The court relied on evidence showing that the nonaddictive property of the new compound was unexpected.). See also In re Tomlinson, 363 F.2d 928, 150 USPQ 623 (CCPA 1966) (The claim was directed to a process of inhibiting light degradation of polypropylene by mixing it with one of a genus of compounds, includ-ing nickel dithiocarbamate. A reference taught mixing polypropylene with nickel dithiocarbamate to lower heat degradation. The court held that the claims read on the obvious process of mixing polypro-pylene with the nickel dithiocarbamate and that the preamble of the claim was merely directed to the result of mixing the two materials. "While the references do not show a specific recognition of that re-sult, its discovery by appellants is tantamount only to finding a property in the old composition." 363 F.2d at 934, 150 USPQ at 628 (emphasis in original).

55 1. Application of known measures? 1.1 Inventions involving the application of known measures in an obvious way and in respect of which an inventive step is therefore to be ruled out: (i) the teaching of

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A questão do “uso” numa patente de uso

O “uso” numa reivindicação respectiva se confunde com a utilidade ou aplicabi-lidade industrial; não se reduz ao fato empírico de se utilizar o objeto da patente. Um novo “uso” (empírico) de um objeto de patente pode ser simplesmente um emprego novo, como pode ser uma aplicação sem nenhuma relevância jurídica, como ocorre quem põe um artefato patenteado para efetuar circuncisão como calço de porta. É um requisito jurídico, a ser preenchido, imposto por lei como

a prior document is incomplete and at least one of the possible ways of "filling the gap" which would naturally or readily occur to the skilled person results in the invention; Example: The invention relates to a building structure made from aluminium. A prior document discloses the same structure and says that it is of light-weight material but fails to mention the use of aluminium. (ii) the invention differs from the known art merely in the use of well-known equivalents (mechanical, electrical or chemical); Example: The invention relates to a pump which differs from a known pump solely in that its motive power is provided by a hydraulic motor instead of an electric motor. (iii) the invention consists merely in a new use of a well-known material employing the known properties of that material; Example: Washing composition containing as detergent a known compound having the known property of low-ering the surface tension of water, this property being known to be an essential one for detergents. (iv) the invention consists in the substitution in a known device of a recently developed material whose properties make it plainly suitable for that use ("analogous substitution"); Example: An electric cable comprises a polyethylene sheath bonded to a metallic shield by an adhesive. The invention lies in the use of a particular newly developed adhesive known to be suitable for polymer-metal bonding. (v) the invention consists merely in the use of a known technique in a closely analogous situation ("analogous use"). Example: The invention resides in the application of a pulse control technique to the electric mo-tor driving the auxiliary mechanisms of an industrial truck, such as a fork-lift truck, the use of this tech-nique to control the electric propulsion motor of the truck being already known. 1.2 Inventions involv-ing the application of known measures in a non-obvious way and in respect of which an inventive step is therefore to be recognised: (i) a known working method or means when used for a different purpose involves a new, surprising effect; Example: It is known that high-frequency power can be used in in-ductive butt welding. It should therefore be obvious that high-frequency power could also be used in conductive butt welding with similar effect. However, if high-frequency power were | used for the con-tinuous conductive butt welding of coiled strip but without removing scale (such scale removal normal-ly being necessary during conductive welding in order | to avoid arcing between the welding contact and the strip), there is the unexpected | additional effect that scale removal is found to be unnecessary because at high frequency the current is supplied in a predominantly capacitive manner via the scale which forms a dielectric. In that case, an inventive step would exist. (ii) a new use of a known device or material involves overcoming technical difficulties not resolvable by routine techniques. Example: The invention relates to a device for supporting and controlling the rise and fall of gas holders, enabling the previously employed external guiding framework to be dispensed with. A similar device was known for supporting floating docks or pontoons but practical difficulties not encountered in the known applica-tions needed to be overcome in applying the device to a gas holder.

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Denis Borges Barbosa Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ)

Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

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forma de satisfazer o requisito constitucional de que, para as patentes, se exige uma aplicação técnica 56.

A noção de utilidade ou aplicabilidade industrial tem pelo menos duas accepções. Embora em ambas se exija a existência de um efeito real no mundo prático, cer-tos países se contentam em que essa aplicação seja potencial. Não se exige, em tais sistemas jurídicos, que se demonstre a efetividade de tal utilização, bastando que ela não seja impossível (como ocorre, por exemplo, com os chamados inven-tos de moto contínuo, que ofendem à segunda lei da termodinâmica) 57.

No sistema brasileiro, o entendimento do que seja aplicação industrial segue o critério mais genérico. Segundo as Diretrizes de Exame do INPI, “A invenção deve pertencer ao domínio das realizações, ou seja, deve se reportar a uma con-cepção operável na indústria, e não a um princípio abstrato” 58. No entendimen-to da autarquia, aplicabilidade industrial se identificaria com o conceito europeu de aplicação técnica (atividade física de caráter técnico) e não simplesmente apli-cação prática. O parâmetro da utilidade industrial não implica, no Direito e na prática brasileira, na efetiva implementação prática do invento, mas apenas na vi-abilidade técnica (operabilidade) da solução.

Um requisito diverso de aplicação industrial nas reivindicações de uso?

Mas existem indicações na jurisprudência comparada de que a reivindicação de uso presume um grau qualitativamente mais elevado de materialidade. Tal ocorre-ria pelo fato de o novo uso representar algo assim como um ônus suplementar

56 A Carta de 1988 não exige a utilidade industrial como requisito da proteção da propriedade intelectual; essa exi-gência é específica da patente. A Constituição prevê a possibilidade de outras formas de proteção das criações in-telectuais, por exemplo, idéias de negócios, mas através de outro sistema que não a das patentes; vide o nosso Uma Introdução à Propriedade Intelectual, quanto à noção de “criações industriais”, distintas da patente, para as quais pode-se prever uma simples aplicação prática, que não seja “técnica”.

57 www.aippi.org/reports/q180/q180_summary_e.pdf

58 Diretrizes de exame do INPI. 1.5.3 Não suscetível de aplicação industrial. O conceito de aplicação industrial deve ser analisado com a devida flexibilidade quanto a seu significado, sendo aplicável tam-bém às indústrias agrícolas e extrativas e a todos os produtos manufaturados ou naturais. O termo in-dústria deve ser compreendido, assim, como incluindo qualquer atividade física de caráter técnico, isto é, uma atividade que pertença ao campo prático e útil, distinto do campo artístico. A invenção deve per-tencer ao domínio das realizações, ou seja, deve se reportar a uma concepção operável na indústria, e não a um princípio abstrato. Caso o examinador opine pela inexistência de aplicação industrial, emitirá parecer desfavorável.

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em face do interesse público de se ter tecnologia em domínio público. O equilí-brio constitucional de interesses levaria a esse nível mais alto de exigência.

Assim apontou o julgado da Suprema Corte do Canadá no caso Apotex Inc. v. Wellcome Foundation Ltd, [2002] 4 S.C.R., decidido em 5/12/2002:

“A utilidade é parte essencial da definição legal de uma "invenção". O inventor deve poder estabelecer a utilidade já na data em que requereu a patente, com base em demonstração ou num sólido prognóstico baseado na informação e perícia disponíveis à época. Quando a objeto material da patente for um novo uso para um composto químico antigo, não é suficiente que a invenção esteja resumida a uma formatação prática e limitada por meio da formulação de uma descrição escrita ou oral. Tampouco é suficiente para que um titular da pa-tente possa suportar a especulação com a prova da pós-patente. Se uma patente que pretende se manter na base do sólido prognóstico sofre oposição, a oposição terá êxito se o prognóstico na data do pedido não for correto, ou, independente da solidez do prognóstico, houver prova da falta da utilidade referente a alguma das áreas abrangidas

(...) Onde o novo uso for o gravame da invenção, a utilidade requerida para a pa-tenteabilidade (s. 2) deve ser, a partir da data da prioridade, ou demonstrada ou possuir um sólido prognóstico baseado na informação e na perícia então disponí-veis”. 59

A tese aqui é que num caso de novo uso, o depositante do pedido tem o dever de assegurar-se que há uma suposição razoável de utilidade, que iria além da simples elaboração de um relatório e reivindicações. Não se poderia solicitar patente se, ao momento do depósito, não houvesse conhecimentos sólidos, ainda que não

59 “Utility is an essential part of the statutory definition of an "invention". The inventor must be in a position to establish utility as of the date the patent is applied for, on the basis of either demonstration or sound prediction based on the information and expertise then available. Where the subject matter of the patent is a new use for an old chemical compound, it is not enough that the invention is reduced to a definite and practical shape by the formulation of a written or oral description. Nor is it enough for a patent owner to be able to buttress speculation with post-patent proof. If a patent sought to be sup-ported on the basis of sound prediction is subsequently challenged, the challenge will succeed if the prediction at the date of application was not sound, or, irrespective of the soundness of the prediction, there is evidence of lack of utility in respect of some of the area covered. (...) Where the new use is the gravamen of the invention, the utility required for patentability (s. 2) must, as of the priority date, either be demonstrated or be a sound prediction based on the information and expertise then available”.

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completos e inexpugnáveis, sob pena de invalidade do título por falta de utilidade 60.

A existência de patente de uso no Direito Brasileiro

Note-se que, à leitura estrita do que reza o art. 42 do CPI/96, há respeitáveis opiniões no sentido de que tal patente não seria possível no Direito Brasileiro vi-gente. Em tal dispositivo, há referência apenas a patentes (na verdade, reivindi-cações) de processo ou de produto 61. Mas o mesmo ocorria há muito na legisla-ção 62, sem que se contestasse a possibilidade de tal tipo de reivindicação.

Há razões mais poderosas para afirmar a existência de patentes de uso em nosso sistema legal. No Direito Brasileiro, a proteção de patentes pela lei ordinária é prefigurada pela Constituição; cabe à lei realizar o mandato constitucional, na complexidade dos vários interesses em jogo, que nem de longe se reduzem ao texto do art. 5º., XXIX. Mas deste dispositivo decorre um elemento normativo básico, que é “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio tem-porário para sua utilização”.

Assim, salvo a realização de outros interesses gerais, protegidos constitucional-mente (como a vida, saúde, etc), que podem ser objeto de exceções genéricas ao patenteamento, todos os inventos - com os atributos fixados pela Constituição -

60 O Canadá é um dos raros países (com os Estados Unidos e a Austrália) em que se aplica um critério de utilidade e não de aplicabilidade industrial, o que talvez explique a decisão.

61 Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos: I - produto objeto de paten-te; II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.

62 A lei brasileira de 1882 era deliciosamente clara quanto a esses tipos de patentes: Lei n. 3.129, de 14 de outubro de 1882. Art. 1º - A lei garante pela concessão de uma patente ao autor de qualquer inven-ção ou descoberta a sua propriedade e uso exclusivo. § 1º - Constituem invenção ou descoberta para os efeitos desta lei:1º - a invenção de novos produtos industriais;2º - a invenção de novos meios ou a apli-cação nova de meios conhecidos para se obter um produto ou resultado industrial; 3º - o melhoramen-to de invenção já privilegiada, se tornar mais fácil o fabrico do produto ou uso do invento privilegiado, ou se lhe aumentar a utilidade. O Regulamento a que se referia o Decreto N. 16.264 de 19 Dezembro de 1923 assim rezava: Art. 33. Constitui invenção ou descoberta suscetivel de utilidade industrial:1.º, a invenção de novo produto industrial; 2.º, a invenção de novo meio ou processo ou aplicação nova de meios ou processos conhecidos para se obter um produto ou resultado prático industrial; Desde então, as leis subsequentes se calaram quanto a “aplicação nova de meios conhecidos”, sem que jamais se sus-citasse na doutrina a inexistência desse tipo de reivindicação.

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serão suscetíveis de proteção 63. Em outras palavras, todas as invenções novas, suscetíveis de utilidade industrial e – conforme a modalidade – dotadas de ativi-dade inventiva, serão dignas de patentes. A recusa de patenteamento exige men-ção legal específica, e mesmo assim sob crítica de constitucionalidade.

Neste sentido, pode-se afirmar a existência em nosso Direito de uma reivindica-ção de uso, como corporificação do direito constitucional, atribuído ao inventor, de conseguir patente para um invento industrial novo e dotado de atividade in-ventiva 64. Voltaremos a esse ponto mais adiante, ao discorrermos sobre a nature-za vinculada do procedimento de concessão de patentes.

Queremos crer, aliás, que qualquer patente de uso será da nova aplicação de um produto, ou de um processo, atendendo-se à literalidade da lei.

A distinção de “uso” e “processo”

A doutrina americana, no entanto, em um entendimento muito específico do seu sistema de direito, classifica todo novo uso como uma invenção de processo 65, do que certamente temos que dissentir, inclusive em face das vantagens proces-suais de que tais patentes são objeto no direito brasileiro 66.

63 Repetindo aqui, par ficar absolutamente claro, que a pressuposição constitucional em favor da con-cessão de uma patente não diminui em nada o dever do balanceamento de outros interesses protegidos pela Carta (levando em consideração valores como a saúde, a proteção do mercado como prevê o art. 219 da Carta, etc.), que pode levar à negativa genérica e impessoal, com estrita reserva legal, de catego-rias de privilégios.

64 Pontes de Miranda, nos seu Comentários à Constituição de 1967, enuncia a sede constitucional des-se direito à patente de uso: “Inventor, no sentido da legislação sobre propriedade industrial, que é o mesmo do art. 153, § 24, da Constituição de 1967, é a pessoa que cria objeto, e. g., aparelho, ou proces-so, de que provenha produto novo, meio novo, ou nova aplicação”.

65 35 U.S.C. 100(b) "The term 'process' means process, art, or method, and includes a new use of a known process, machine, manufacture, composition of matter, or material.". CHISUM, Donald S. & JACOBS, Michael A.. Understanding Intellectual Property Law. Legal Text Series.: Ed. Matthew Bend-er, United States, 1992, pg. 2-22. “A process includes "a new use of a known process machine, manu-facture, composition of matter, or material Invention who discover a new use of a known material, for example, an existing chemical compound's compound previously unknown therapeutic quality, cannot claim the old product because only new inventions are patentable, but patent law encourages the search for new use of existing materials by authorizing method-of-use claims.

66 Art. 42 (...) Haverá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente.

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A Convenção do Escritório Europeu de Patentes, em seus arts. 54.5 e 52.4 67, proíbe patentes de métodos de diagnóstico e tratamento, mas exclui dessa veda-ção especificamente os produtos e composições envolvidos em tais métodos; e entende poder haver novidade num produto (substância ou composição) já com-preendido no estado da arte, para aplicação exatamente num método de diagnós-tico e tratamento 68. Assim, resolve a questão da natureza do uso, quando se trata de um produto – insumo num método, distinto do método em si mesmo por disposição legal 69.

No tocante à proteção de outras invenções de uso, fora do âmbito farmacêutico, terapêutico e de diagnóstico, a jurisprudência administrativa da EPO distingue também método ou processo, de um lado e uso, de outro 70. O manual de exame da entidade prevê, inclusive, as hipóteses em que se pode transformar uma rei-vindicação de processo em uma reivindicação de uso 71. Assim, a assimilação de uso a processo é uma peculiaridade do Direito Americano.

67 A disposição foi transposta da lei francesa cf. Singer, p. 167. Com a revisão da Convenção da EPO de 2000, a questão dos métodos de tratamento e diagnóstico deixa o art. 52(4), para passar a constar no Art. 53(3) como sendo um caso de imprivilegiabilidade: “Article 53 Exceptions to patentability - Euro-pean patents shall not be granted in respect of: (c) methods for treatment of the human or animal body by surgery or therapy and diagnostic methods practised on the human or animal body; this provision shall not apply to products, in particular substances or compositions, for use in any of these methods”. E também foi alterado o art. 54, no pertinente: “(4) Paragraphs 2 and 3 shall not exclude the patentabil-ity of any substance or composition, comprised in the state of the art, for use in a method referred to in Article 53(c), provided that its use for any such method is not comprised in the state of the art.(5) Para-graphs 2 and 3 shall also not exclude the patentability of any substance or composition referred to in paragraph 4 for any specific use in any method referred to in Article 53(c), provided that such use is not comprised in the state of the art”.

68 Quanto ao segundo uso farmacêutico, vejamos abaixo.

69 É também o que conclui Cabanellas de las Cuevas, vide abaixo.

70 Singer, 365. A EPO distingue como categorias diversas de reivindicações a do produto, a de proces-so, a de aparelho e de uso. Regra 29. (2) Without prejudice to Article 82, a European patent application may contain more than one independent claim in the same category (product, process, apparatus or use) only if the subject-matter of the application involves one of the following: (a) a plurality of inter-related products; (b) different uses of a product or apparatus; (…)

71 "method" to "use" | The change from a process for the preparation of a product to the use of the product for a purpose other than previously described is also not allowable (T 98/85 and T 194/85, both not published in OJ). On the other hand, the change in a claim from a method in which a certain product is used to a claim to the use of that product in performing that same method is allowable (see T 332/94, not published in OJ). Vide Singer.

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Certo é que se podem reunir métodos ou processo e uso sob a mesma classifica-ção de inventos de atividade e não de coisa; mas distinguem-se claramente o pro-cesso de fabricação de um produto, como conjunto de passos técnicos levando à constituição da substância ou composto, e a aplicação de tal produto (ou proces-so) já constituído num propósito prático.

A invenção de uso presume a prévia existência de uma solução de um problema técnico através de certos meios; e a posterior utilização dos mesmos meios para solver problema diverso. Ora, a solução do problema anterior presumia também o uso dos meios em questão para a solução do problema; neste sentido, toda pa-tente é também uma patente de uso. Considerar um novo uso de um elemento anterior como uma “atividade” é uma operação lógica que resulta do fato de se ter que por entre parênteses o uso prévio.

Mas o uso, como predicado necessário de qualquer invento, de qualquer tipo, não faz de todas patentes, patentes de processo. Não o fará numa patente que é ...só... de uso.

Da conveniência de prever patentes de uso

Outra coisa completamente diversa é considerar se é boa política industrial pre-ver patentes de uso. Há sérias objeções a essa iniciativa:

“advertimos no Capítulo 2 que os países em desenvolvimento não devem sim-plesmente extrair da jurisprudência européia, que é comparativamente recente, a noção contra-intuitiva de que um produto pode ser considerado novo se for iden-tificado um novo uso do mesmo. O Trips não exige tal abordagem e é concebível a adoção de uma variedade de opiniões sobre a conveniência da concessão de pro-teção dessa forma, o que os países em desenvolvimento devem examinar com o devido cuidado 72.

A questão, aliás, se reduz à conveniência de as leis nacionais concederem patentes a todos os tipos de inventos, ou selecionar as modalidades que mais seriam perti-nentes à sua política industrial 73.

72 Relatório da Comissão sobre Direitos de Propriedade Intelectual, Londres, Setembro de 2002, Pu-blicado pela Comissão sobre Direitos de Propriedade Intelectual. http://www.iprcommission.org/

73 Idem, eadem. “A grande maioria das patentes concedida não se refere a compostos terapêuticos, mas a variações nos processos de produção, novas fórmulas ou formas cristalinas, novas combinações de produtos conhecidos e novos usos de fármacos conhecidos. No período de 1989 a 2000, 153 das 1.035 aprovações de novos fármacos concedidas pela FDA referiram-se, segundo consta, a medicamen-

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Neste sentido, a Decisão 486 da Comunidade Andina especificamente recusa a patente de segundo uso, em qualquer área 74; em decisão judicial recente, a Co-munidade rejeitou a tese de que esse dispositivo violaria o Acordo TRIPs 75. Essa mesma posição tem sido, a meu ver com razão, sustentada junto à OMC 76 e afirmada por Carlos Correa 77.

O aspecto talvez mais daninho da patente de uso é a possibilidade que ela assegu-ra a seu titular, de diferir a revelação do conhecimento tecnológico já conhecido, mas não revelado. Na medida em que a evolução autônoma dos competidores o permita, disso poderia resultar, na prática, uma vigência mais prolongada da pro-teção, ainda que a aspectos diversos do mesmo objeto. É o chamado efeito evergreen 78.

tos que continham ingredientes ativos novos e proporcionavam melhoria clínica significativa. Outros 472 foram classificados como moderadamente inovadores”

74 DECISION 486, Régimen Común sobre Propiedad Industrial. Artículo 21.- Los productos o pro-cedimientos ya patentados, comprendidos en el estado de la técnica, de conformidad con el artículo 16 de la presente Decisión, no serán objeto de nueva patente, por el simple hecho de atribuirse un uso dis-tinto al originalmente comprendido por la patente inicial.

75 RESOLUCION 476, Por la cual se resuelven los Recursos de Reconsideración presentados por el Gobierno de Ecuador y la compañía PFIZER contra la Resolución 423 que dictaminó el incumplimien-to por parte del señalado Gobierno en lo dispuesto en el artículo 16 de la Decisión 344: “Además de lo expuesto anteriormente, queda claro que el ADPIC en ninguno de sus artículos obliga a los miembros de la Organización Mundial del Comercio a patentar los segundos usos. En efecto, no hay ninguna mención a los segundos usos en este tratado internacional. (…) En conclusión: Tal como se ha men-cionado en el procedimiento administrativo de incumplimiento, en la Comunidad Andina no se permite el patentamiento de segundos usos en virtud de lo previsto por el artículo 16 de la Decisión 344. Siendo ello así, no se verifica algún grado de disminución de la compatibilidad de la normativa comunitaria an-dina frente a la multilateral, toda vez que en ningún momento -repetimos-, estuvo permitido el paten-tamiento de segundos usos.”

76 “40. The TRIPS Agreement requires Members to grant this protection only in respect of new chem-ical entities. There is no need to provide it for a new dosage form or for new use of a known product.” TRIPS: COUNCIL DISCUSSION ON ACCESS TO MEDICINES. Developing country group’s pa-per. Paper submitted by a group of developing countries to the TRIPS Council, for the special discus-sion on intellectual property and access to medicines, 20 June 2001. Doc. IP/C/W/296, encontrado em http://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/paper_develop_w296_e.htm

77 Carlos Correa, Integrating Public Health Concerns into Patent Legislation in Developing Countries, p. 23.

78 ‘Evergreening’ A related concern is that these processes might encourage ‘evergreening’ as a tactic to delay generic entry.Evergreening involves filing ‘new use’ patents toward the end of the patent. When this happens, the patent on the old use expires as usual, but the patent for the new use arises and con-tinues until its own expiry. This creates a complex situation in which generics may be sold for some us-

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De outro lado, alguns afirmam que os inventos de novo uso seriam mera inova-ção 79. Entendo que a nova aplicação não representa necessariamente uma mera inovação, pois que para evitar essa pecha, bastaria utilizarem-se os critérios de novidade e atividade inventiva em seus parâmetros normais, e, com razão ainda maior, nas modalidades mais minuciosas que a prática de outros países parece re-servar para esse tipo de reivindicação.

De outro lado, há relevantes questões éticas e de política de propriedade industri-al que favorecem, e não se opõem, às patentes de uso. A primeira delas é que a inexistência de tais reivindicações poderia reforçar o poder dos titulares das pa-tentes de produtos, tornando-os imunes às invenções de terceiros, que discernis-sem um novo uso 80, do que resultaria maior possibilidade de preço monopolista.

Certamente me afiliaria entre aqueles que questionariam a conveniência e opor-tunidade de se adotar, no direito brasileiro, as patentes de uso. Este estudo, po-rém, discorre sobre o direito que temos, e não sobre o que merecemos.

A questão do alcance prático das reivindicações de uso

A patente concedida apenas compreenderá a exclusividade do elemento novo, sem impedir o livre uso da aplicação anteriormente conhecida.

es of a drug but not for others”. Parlamento Australiano RESEARCH NOTE, no. 2004–05, No. 3, 21 July 2004, encontrada em http://www.aph.gov.au/library/pubs/RN/2004-05/05rn03.pdf. visitada em 16/9/2004. 79 Seria essa a posição das Diretrizes do INPI ao afirmarem que reivindicações de uso de um produto “não são concedidas pelo fato de seu objeto não apresentar novidade, pois, conforme definido em (i) acima, trata-se de um produto conhecido, que, obviamente, não é novo no sentido do Art. 11”. Novidade, porém, não é algo que se re-solva por imposição; ela existe ou não pela aplicação singela da regra de apuração do estado da arte.

80 “This proposed elimination of medical "new use" claims is startling, because the strong ethical ob-jections raised against medical product patents are often tempered by the existence of other patents containing "new use" claims. In the context of a "new use" patent "blocked" by an earlier product pa-tent, neither patent owner may lawfully practice the invention without a license from the other. In such a situation, both patentees must compromise to bring the product to market and, often, artificially ele-vated prices cannot be maintained because both patentees ultimately enter the market. Where no "new use" claims may be granted, the original patentee may forbid any use of the product and may extract monopoly prices for whatever new medical uses it, or others, develops. This perverse situation creates strong disincentives for the development (and disclosure) of new medical uses of a patented product by anyone other than the original patentee, since all financial benefits derived from the new use would re-turn to the original patentee instead of being shared by both inventors”, Joseph M. Reisman, Physicians And Surgeons As Inventors: Reconciling Medical Process Patents And Medical Ethics, Berkeley Tech-nology Law Jornal, Issue 10:2 (Fall 1995)

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Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

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Temos ai uma das mais relevantes questões quanto à patente de uso 81. A dificul-dade maior de tais reivindicações, levadas à implementação num caso prático, é que o uso empírico do objeto patenteado se faz fora do contexto industrial. Num exemplo crucial, quem vai usar um medicamento, com um uso patenteado, e ou-tro não, é o médico.

Diz Cabanellas de las Cuevas que casos em que não seja patenteável um produto com novo uso por faltar novidade, não se pode proibir a fabricação e venda do mesmo82

A questão, assim desse tipo de patente toca em uma série de aspectos singulares. O primeiro deles é a possibilidade jurídica de se formular uma reivindicação des-se tipo, que resultaria numa patente claramente voltada para o uso, e não para o produto ou processo anterior, de forma que o público e os competidores não fossem confundidos pelo novo título. Os autores notam que, por exemplo, o sis-tema inglês era, até 1978, muito formal no sistema de reivindicações, por oposi-ção ao sistema alemão, que enfatizava o relatório 83.

81 É óbvia a dificuldade de implementar esse tipo de reivindicação em aplicações ao mesmo tempo ra-zoáveis e práticas. “Note that such claims are infringed by practicing the claimed process, not by selling the composition, assuming the used composition or apparatus has other (old) uses. Enforcing such claims is difficult because it is the end customers who are likely to be the direct infringers. Suing each of them is impractical, and who wants to sue a potential customer anyway?” WEB PATENT NEWS--July, 2001 by Robert M. Hunter, encontrada em http://www.webpatent.com/news/news7_01.htm#II, vis-itada em 13/9/204.

82 Derecho de las Patentes de Invención, Editorial Heliasta, 2001, “…en estos casos no es patentable el producto de cuya nueva utilización se trata -pues tal producto carece de novedad-, no puede impedirse la fabrica-ción y venta de tal producto. Entrando tal producto en el libre flujo del comercio, y patentada cierta función tera-péutica del mismo, se hace prácticamente muy difícil impedir ese uso terapéutico. Podría sostenerse que el uso puede impedirse efectivamente a nivel de los fabricantes del producto que lo comercializan de forma de que tome las funciones terapéuticas patentadas. Pero para impedir tal uso será preciso demostrar que la presentación del producto está destinada a la función terapéutica patentada, y en tal caso ello implicará normalmente la existencia de alguna combinación, mezcla o compuesto con efectos específicos propios y susceptible de ser patentada sepa-radamente, sin recurrir al incierto camino del patentamiento de nuevas utilizaciones”.

83 O acórdão das Câmaras Reunidas de Recurso da EPO no caso G 0006/88 - EBA detalha também essa atitude: “Prior to the entry into force of the EPC in 1978, the role of patent claims in determining the protection conferred by a patent had developed differently within the national patent systems of the countries that are now Contracting States. Such different developments reflected somewhat different national philosophies underlying the concept of patent protection. In particular, the extent to which the wording of the claims determined the scope of protection varied considerably from country to country, and this factor significantly affected drafting practice. In some countries, in particular Germany, in practice the protection conferred by a patent depended more upon what was perceived to be the inven-tor's contribution to the art, as disclosed in the patent, by way of the general inventive concept, than

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O interesse público claramente exige, nestes casos, que se faça claro que a nova patente não continua a antiga. Como já disse, não vejo impedimento, no sistema jurídico brasileiro, para que se façam tais reivindicações, respeitando-se os limites do interesse público. Vide o que mencionamos quanto ao problema descrito na doutrina como evergreening.

A segunda questão é a da eficácia dessa patente, em face de competidores que possam deter o privilégio anterior, ou que usufruem a tecnologia já em domínio público. Há que se construir um espaço específico na esfera de produção ou co-mercialização, capaz de ser objeto de exclusividade 84.

A terceira questão é a da conciliação entre a reivindicação de uso, aplicada na prá-tica, e os interesses da sociedade. A lei brasileira, como muitas outras, sanciona penalmente a falsa alegação de patente – alguém que se arroga privilégio sem o ter, ou tendo-o aquém do que diz ter 85. De outro lado, há sanção igualmente pa-ra o abuso de patente, e por abuso de poder econômico relacionado com a exclu-sividade legal da patente 86. O gravame suplementar que representa a patente de uso 87 merece assim atenção especial dos reguladores (inclusive do CADE) e dos

upon the wording of the claims. In other countries, in particular the United Kingdom, the precise wording of the claims was regarded as crucial, because the claims were required to define the boundary between what was protected and what was not, for purposes of legal certainty”.

84 A questão da dificuldade de discernir qual o alcance das reivindicações num caso de violação tem si-do discutido extensamente pelos tribunais, em especial no voto do juiz Jacob no caso inglês Bristol-Myers Squibb Co v Baker Norton Pharmaceuticals Inc [1999] RPC 253. A decisão do tribunal neoze-landês no caso Pharmaceutical Management Agency v The Commissioner of Patents and Others (CA56/99), porém, enfrentou a questão de maneira ponderada: “The difficulties identified by Jacob J (difficulties in locating novelty and in enforcement) were considered. However, it was noted that similar difficulties with novelty arise in claims already well recognized as valid in patent law, specifically selec-tion inventions. In some situations infringement is dependent on the state of mind and purpose of the alleged infringer, for example exclusion from infringement for those practising bona fide research. The Court also noted that in the field of medicines with close regulation, proof of intention may not be too difficult “.(Comentário de Tom Syddall em www.legalmediagroup.com/mip/includes/print.asp?SID=367)

85 Lei 9.279/96, art. 195. Note-se que até a legislação americana, que não considera violação de patente como crime, fixa como tipo penal a falsa alegação de patente.

86 Por exemplo, com a licença compulsória prevista no art. 68 da Lei 9.279/86.

87 A expressão é da Suprema Corte do Canadá no caso indicado acima; mas a Suprema Corte Ameri-cana, em Sears, Roebuck & Co. v. Stiffel Co., 376 U.S. 225, 229-30 (1964): usa termo similar para des-crever a patente: “the heavy hand of tribute”.

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titulares de legitimidade para exercer direitos difusos, para resguardar a sociedade de abusos na implementação desses direitos de exclusiva específicos.

Mas não se admite que, sem base em lei, recusem-se reivindicações de uso pelas dificuldades de implementá-las no procedimento judicial pertinente.

Conclusão quanto às reivindicações de uso

Aceitas no Direito Brasileiro há pelo menos 120 anos, as reivindicações de uso não foram recusadas pela legislação vigente. Embora submetidas a certos requisi-tos especiais quanto à novidade, atividade inventiva e, talvez, utilidade industrial, resultantes de sua natureza específica, são plenamente manejáveis no direito pá-trio.

Não obstante tais conclusões, as reivindicações de uso merecem atenção especial do Direito, para assegurar que através delas se implemente o equilíbrio de inte-resses exigido pela Constituição, sem transformá-las em instrumento de extensão imerecida do privilégio, ou frustração dos interesses sociais no livre uso dos co-nhecimentos técnicos.

Do segundo uso farmacêutico

Superada a questão da legalidade e dos requisitos da patente de uso no Direito Brasileiro, vamos nos concentrar na especificidade do segundo uso farmacêutico.

O tema é de uso farmacêutico; o segundo uso, na verdade, é o novo uso de uma substância ou composto de que já se sabe o valor farmacêutico, e pode ser um terceiro, quarto, ou mais usos nesse setor. Já não teríamos o mesmo problema se o primeiro uso (na verdade, a reivindicação inicial do mesmo meio – substância ou composto) fosse não-farmacêutico 88.

Por que se teria uma situação especial neste caso? Os autores citam razões histó-ricas e práticas, sendo a mais relevante dessas a dificuldade de estabelecer a novi-

88 Pollaud-Dulian, Frédéric. Droit de la Propropriété Industrielle. Ed. Montchrestien, Paris, 1999, pgs.108 a 112. «En principe, com-me on vient de le voir, la nouvelle application d'un moyen connu est brevetable. Toutefois, traditionnellement, cette règle subit, en France comme dans la CBE, une exception controversée dans le domaine des médicaments. En effet, il est fréquent qu'une molécule connue pour le traitement d'une maladie donnée se révèle, ultérieurement, utile contre une autre maladie. Il suffit de songer à l'aspirine, dont on découvre régulièrement d'autres applications thérapeutiques que celle, traditionnelle, d'antalgique».

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dade do novo uso – problema que não parece, no entanto, ser distinto daquele que ocorre com todas as reivindicações de uso 89.

Um problema tipicamente francês

Poder-se-ía entender que o problema, neste instante, é tipicamente francês. Na verdade, a rejeição a esse segundo uso não tinha, senão na lei francesa 90, suporte legal explícito, e mesmo em tal regime legal, autores o classificam como “uma ci-catriz” do sistema anterior à Lei de 1968 91, que vedava a patente farmacêutica em si mesma 92. No resto do Europa, a rejeição anteriormente ocorria com base nas

89 Pollaud-Dulian , op. Cit.« Le fondement et l'opportunité de cette exception à la brevetabilité de l'application nouvelle font l'objet de discussions. Ses partisans soutiennent qu'une deuxième application thérapeutique ne peut pas être nouvelle, car l'administration de médicament au premier titre a nécessairement dû aussi produire des effets thérapeutiques au second titre , M. Mathély y voit une autre raison, liée au secret de la prescription médicale: on ne peut pas savoir à quel titre le médecin prescrit le médicament, c'est-à-dire en vue de laquelle des deux applications distinctes. On a aussi avancé l'idée que la deuxième application thérapeutique serait davantage une méthode de traitement (non brevetable) qu'une application industrielle . Peut-être y a t-il aussi là un reste de l'hostilité antérieure au principe même du brevet de médicament. En réalité, cette prohibition ne se justifie que difficilement et « de lege ferenda », on pourrait envisager d'y mettre fin. »

90 No momento, o artigo L. 611-11 do Código francês da Propriedade Intelectual: « les dispositions des alinéas précédents n'excluent pas la brevetabilité, pour la mise en oeuvre d'une des méthodes visées à l'article L 611-16, d'une substance ou composition exposée dans l'état de la technique, à condition que son utilisation pour toute méthode visée audit article ne soit pas contenue dans l'état de la technique ».

91 A lei de 1968, no artigo 10o, dizia : « une invention portant sur un médicament ne peut être valablement brevetée que si elle a pour objet un produit, une substance ou une composition présentée pour la première fois comme constituant un médicament».

92 Schmidt-Szalewski, Joanna & Pierre, Jean-Luc. Droit de la Propropriété Industrielle.Ed. Litec, deuxiéme édition, Paris, pg. 47. “Le régime français de brevetabilité porte une « cicatrice » de l'état du droit antérieur, qui excluait la protection des médicaments. Bien que ceux-ci soient aujourd'hui brevetables, reste cependant exclue la protection de la seconde application thérapeutique d'une composition connue. Cette règle résulte d'une lecture a contrario de l'article L. 611-11, alinéa 4 du Code de la propriété intellectuelle, qui conduit à exclure de la brevetabilité f utilisation, à des fins thérapeutiques, d;une substance ou composition déjà connue pour son application thérapeutique ou de diagnostic. Ainsi, celui qui mettrait au point un nouvel effet thérapeutique d'un médicament connu, ne pourrait breveter son invention (p. ex. un effet anticancéreux de l'aspirine ne serait pas brevetable). «Morceau de bravoure » de notre droit des brevets (J. M. Mousseron, Rép. com. Dalloz, V° Brevet d'invention, 2° éd. 1994, n° 130.), la règle demeure sans fondement satisfaisant (M. Vivante, La brevetabilité de la seconde application thérapeutique, JCP, a 1989, 3382 et E. II, 15541. - A. Casalonga et G. Dossman, La protection par le brevet d'invention de l'application thérapeutique et du produit pharmaceutique, JCP, E 1987, II, 14898). On aurait pu s'attendre à ce qu'elle devienne caduque, sous l'influence de la jurisprudence des chambres de recours de l'Office européen des brevets qui, à plusieurs

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práticas dos vários escritórios de patentes, basicamente como uma forma de afirmar a dificuldade de se discernir a novidade e atividade inventiva de tais in-ventos e na forma de se entender o alcance das reivindicações 93.

A mudança de perspectiva no resto da Europa se deu com a decisão do caso Pharmuka 94, pelas Câmaras Reunidas de Recursos do Escritório Europeu de Pa-tentes. A questão jurídica era o da interpretação do art. 52.4 da Convenção res-pectiva 95. A conclusão do julgado administrativo é que se poderia reivindicar um segundo uso farmacêutico desde que formulado como aplicação de um compos-to ou substância conhecida para se obter um medicamento destinado a uma utili-zação terapêutica nova e dotada de atividade inventiva 96. O mesmo uso seria, po-rém, recusado se formulado como “uso de X para tratar Y”.

reprises, déclarèrent protégeable par brevet européen la seconde application thérapeutique d'un produit (Gde ch. rec., Déc. 5 d6c. 1984: PIBD 1985, 368,111,146; D. 1986, somm. 137, obs. Mousseron; RTD com. 1985, 298, obs. Chavanne et Azema. - Ch. rec. techn., Déc. T. 19186 JOOEB 1989, p. 24. -Déc. T. 290186: JOOEB 1992, p. 414. -Déc. T. 958/94. JOOEB 1997, p. 241.) La Cour de Cassation a, toutefois, maintenu la règle, en censurant un arrêt d'appel qui avait admis la validité d'une telle invention (Cass. Com. 26 oct. 1993: PIBD 1994, 557,111,1; Ann. propr. ind. 1993, 89, note P. Mathély).

93 The European IP Bulletin. Issue 5, October 2003, encontrado em http://www.mwe.com/info/news/euroip1003-hottopics.htm , visitado em 14/9/2004: “Historically in Europe, patents for methods of treatment had been regarded as not being capable of industrial applica-tion and consequently not patentable. Only the first inventor of a new product suitable for use in medi-cal treatment was entitled to a claim to the product”.

94 G 0006/83 – EBA, cuja ementa é “I. A European Patent with claims directed to the use may not be granted for the use of a substance or composition for the treatment of the human or animal body by therapy. II. A European patent may be granted with claims directed to the use of a substance or com-position for the manufacture of a medicament for a specified new and inventive therapeutic applica-tion”.

95 Article 52 - Patentable inventions (4) Methods for treatment of the human or animal body by sur-gery or therapy and diagnostic methods practised on the human or animal body shall not be regarded as inventions which are susceptible of industrial application within the meaning of paragraph 1. This pro-vision shall not apply to products, in particular substances or compositions, for use in any of these methods

96 Seguindo o resumo de Polluad-Dulian: “La Grande Chambre des recours affirme qu'elle « ne perçoit pas, dans la règle d'exception de l'article 54 (5) de la CBE, l'intention d'exclure de deuxième ou d'ultérieure applications médicales, autrement que par la prohibition de revendications de produits d protéger en fonction de leur utilisation spécifique (...) L'intention d'exclure, de manière générale, de la brevetabilité une deuxième indication médicale - ou des indications ultérieures - ne peut être déduite ni de la lettre de la CBE, ni du développement dans le contexte historique des articles d appliquer (...) La Grande Chambre estime justifié d'admettre des revendications ayant pour objet l'application d'une substance ou d'une composition pour obtenir un médicament destiné à une utilisation thérapeutique,

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A essência do raciocínio do julgado é que não se distinguem razões nem da von-tade do legislador convencional, nem da lógica, que impedissem a aceitação de um segundo uso de uma mesma substância ou composto, só pelo fato de esse se-gundo uso ser farmacêutico; mas não caberia, dentro do sistema da Convenção da EPO, reivindicar tal uso como sendo um método de tratamento, eis que, para isso (como aliás, no Direito Brasileiro) haveria a vedação do art. 52.4 daquele tra-tado.

Surge, desta forma, a questão da reivindicação sancionada pelo caso Pharmuka, que, pela própria menção do julgado à decisão anterior do Escritório de Patentes da Confederação Helvética 97, passou a chamar-se “reivindicação suíça”.

Os tribunais europeus (com a egrégia exceção da Corte de Cassação francesa), notando a decisão no caso Pharmuka, aceitaram essa manifestação do órgão ad-ministrativo como uma declaração pertinente do direito aplicável – muito em-bora o Judiciário não esteja vinculado a tal manifestação, nem a Convenção da EPO determine a maneira pela qual uma patente vá ser aplicada em cada país eu-ropeu.

Assim é que o Judiciário inglês acatou imediatamente a reivindicação suíça 98, as-sim como o holandês 99, o sueco e o alemão 100.

Outros tribunais fora da Europa se seguiram nesta aceitação da razoabilidade do entendimento da EPO em face de seus respectivos sistemas nacionais 101. Julga-dos posteriores vieram, no entanto, a enfatizar que a reivindicação suíça não isen-

ceci même lorsque le procédé de préparation lui-même en tant que tel ne se distingue pas d'un procédé connu mettant en œuvre la même substance active ». Elle en conclut qu'un brevet européen ne peut être délivré « sur la base de revendications ayant pour l'objet l'application d'une substance ou d'une composition en vue du traitement thérapeutique du corps humain ou animal ». Mais elle ajoute qu'un brevet peut être délivré « sur la base de revendications ayant pour objet l'application d'une substance ou d'une composition pour obtenir un médicament destiné à une utilisation thérapeutique déterminée nouvelle et comportant un caractère inventif »

97 Caso G 0005/83 – EBA, parágrafo 19.

98 John Wyeth and Brothers Ltd's Application and Schering AG's Application (1985) RPC 545.

99 Bristol-Myers Squibb v Yew Tree Pharmaceuticals [Netherlands] (2000) ENPR 26

100 Sweden (Hydropyridine [Sweden] (1988) 19 IIC 815) e (Hydropyridine [Germany] OJEPO 1984, 26)

101 Por exemplo, o da Nova Zelândia no caso Pharmaceutical Management Agency v The Commis-sioner of Patents and Others (CA56/99).

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ta de análise, e talvez exija maior rigor, na avaliação de novidade e atividade in-ventiva 102.

O que se superou, nessa sucessão de decisões, é a noção de que um segundo uso farmacêutico careceria de utilidade industrial 103. Só isso.

A vedação a métodos de tratamento em Direito Brasileiro

Acima, já discutimos a questão da patenteabilidade, e impatenteabilidade, dos métodos de tratamento. Voltemos aqui ao ponto, no contexto das reivindicações de segundo uso médico.

No Direito Brasileiro, inexiste disposição específica, como existe no Direito Francês, vedando uma segunda aplicação no domínio farmacêutico. Entre nós, temos apenas vedação de patenteamento de métodos de diagnóstico e tratamen-to, o que se acha está no artigo que se refere ao que não é invento:

VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêu-ticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal;

Note-se, assim, que a nossa lei distingue métodos ou técnicas operatórias ou ci-rúrgicas 104, para aplicação humana ou animal, assim como, para iguais finalida-

102 Por exemplo, nos casos ingleses Bristol-Myers Squibb Company v Baker Norton Pharmaceuticals Inc and Napro Biotherapeutics Inc ((2000) EWCA Civ 169) e Teva Pharmaceutical Industries Ltd v Merck and Others ((2003) EWHC 5). Neles, se entendeu que não caberia dar patentes para simples es-pecificação de dosagem ou modalidades de aplicação de um medicamento.

103 O famoso julgamento da Corte de Cassação francesa que se recusou a seguir as conclusões do caso Pharmuka indicou que, preliminarmente, na França, havia uma lei específica em contrário, e que cabia ao legislador revogá-la. Narra Pollaud-Dullian, op. Cit: “Quant à sa propre solution, la Cour de Cassation indique que l'application nouvelle d'un principe actif connu correspond à un résultat nouveau dépourvu d'activité inventive, car « l'invention du principe actif induit toutes les applications thérapeutiques qui seront faites par la suite et qui existent potentiellement dans l'invention» De cette façon, la Cour a voulu choisir une protection à un « haut niveau d'abstraction » et éviter les discussions épineuses sur le caractère effectivement nouveau ou non de la deuxième application». O caminho apon-tado pela Corte de Cassação põe em questão o tema dos “efeitos intrínsecos”da jurisprudência ameri-cana, deixando de lado o entendimento da EPO de que apenas os efeitos revelados seriam levados em conta na apuração da novidade. 104 Diretrizes de Exame do INPI para o setor biotecnológico: Todo método que requeira uma etapa cirúrgica, ou seja, uma etapa invasiva do corpo humano ou animal (por exemplo, implantação de embriões fertilizados artifici-

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des, métodos terapêuticos 105 ou de diagnóstico 106. Segundo as Diretrizes de Exame do INPI, aqueles inventos reivindicados como sendo métodos terapêuti-cos não serão patenteáveis 107.

Métodos de tratamento podem ou não ser inventos?

Tratando de uma situação análoga ao Direito Brasileiro, a doutrina argentina 108 analisa o mesmo silêncio da lei quanto à existência de patente de novo uso, e a presença de um dispositivo que denega patente aos novos métodos de diagnósti-co e tratamento109.

A questão suscitada pelo autor é crucial. Pollaud-Dulian assim fixa o problema:

Vincular esta exclusão à questão de falta de aplicação industrial é discutível e realmente é

almente, cirurgia estética, cirurgia terapêutica, etc.), é considerado como método cirúrgico, incidindo naquilo que o Art. 10 (VIII) diz não ser invenção.

105 Ainda as Diretrizes de Exame do INPI para o setor biotecnológico: 2.36.2 Métodos terapêuticos são aqueles que implicam na cura e/ou prevenção de uma doença ou mau funcionamento do corpo humano ou animal, ou alívio de sintomas de dor, sofrimento e desconforto, objetivando restabelecer ou manter suas condições normais de saúde.2.36.3 Métodos de tratamento não-terapêuticos são aqueles que têm como ponto de partida as condições normais de saúde do ser, e não objetivam qualquer profilaxia ou cura de doenças, nem alívio de sintomas de dor ou desconforto. Exemplos de tais métodos seriam os tratamentos de animais para promover seu crescimento, ou melhorar a qualidade/produção de carne ou lã e métodos cosméticos que objetivam resultados apenas estéticos. 2.36.5 Métodos não terapêuticos, desde que apresentem um caráter técnico, não sejam essencialmente biológicos (processos biológicos naturais) e não sejam de uso exclusivamente individual, são patenteáveis.

106 2.37.1 Métodos de diagnóstico são aqueles que diretamente concluem quanto ao estado de saúde de um paci-ente como resultado da técnica utilizada, e não são patenteáveis de acordo com o Art. 10 (VIII) da LPI.

107 2.36.5 Exemplos de reivindicações de método terapêutico: Método para tratar a doença X caracterizado por se administrar o composto Y a um paciente sofrendo da doença X. Uso do composto Y caracterizado por ser para tratar a doença X. Uso do composto Y caracterizado por ser no tratamento de um paciente sofrendo da doença X.

108 Guillermo Cabanellas de las Cuevas, Derecho de las Patentes de Invención, Editorial Heliasta, 2001, p. 732, que por sua vez menciona a discussão pelos autores nacionais. Diz esse autor, por exem-plo, citando Carlos Correa, Bergel e outros: “Berge1 (Requisitos y excepciones a la patentabilidad, cit., p. 32.), tras considerar que la exclusión del carácter de invención de los elementos incluidos en el artícu-lo 6to., inciso e), de la LP responde más a consideraciones éticas que jurídicas, apoya la patentabilidad de los productos utilizados para los métodos descriptos en ese inciso, pero sin extender igual conclu-sión a las aplicaciones de tales productos. 109 Diz Cabanellas de las Cuevas (op. Cit): A nuestro entender, las nuevas utilizaciones de productos farmacéuticos no constituyen métodos de tratamiento terapéutico, ni están comprendidos en la exclusión establecida por el ar-tículo 6to., inciso e), de la LP. Un método implica un conjunto de pasos más complejo que la mera aplicación de las propiedades terapéuticas de un producto farmacéutico 109. No obstante ello, no puede desconocer se que la aplicación práctica de la patentabilidad de tales nuevas utilizaciones presenta ciertas dificultades considerables.

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discutida. Poder-se-ía ter uma exclusão especial quanto às raças animais e às variedades de

planta, ou então uma exclusão geral quanto aos satisfeita dos métodos (1). Como o bom sen-

so recusa a qualidade de invenção a determinadas realizações, a exigência da aplicação indus-

trial relaciona-se indubitavelmente àquelas que cruzaram esta primeira seleção. Mas os mé-

todos do tratamento ou do diagnóstico cirúrgico ou terapêutico não são, ao que nos parece,

mais “invenções”, como o definem o artigo L 611-10-2 do CPI ou 52-2 da Convenção da

Patente Européia, do que os métodos no exercício de atividades mentais, de jogos de idéias de

negócios. Entretanto, na decisão T116/85 12, um CRT emitiu opinião diferente, que en-

tendemos discutível. De acordo com tal decisão, os métodos do tratamento terapêuticos estão,

de fato, no campo das invenções apropriadas à aplicação industrial e é somente por uma ficção

legal que essas criações não são consideradas como tal pelo artigo 52-4 da Convenção da Pa-

tente Européia »110

A complexidade da matéria merece alongado tratamento, como o que lhe reserva o autor francês.

A opção pela imprivilegiabilidade mesmo se fosse invento

O certo é que se deve mesmo excluir o patenteamento de tais procedimentos, ainda que sejam inventos, como uma questão de interesse público, ou por razões morais, como o permite o art. 27 de TRIPs. A revisão da Convenção da EPO em 2000 seguiu esse entendimento 111. As conseqüências constrangedoras de patentes

110 Pollaud-Dulian, La Brevetabilité des Inventions, LITEC, Paris, 1997, p. 61. «Le rattachement de cette exclusion au défaut d’application industrielle est contestable et contesté. On aurait pu poser une exclusion spéciale comme pour les races animales et les variétés végétales, ou se satisfaire de l’exclusion générale des méthodes (1). Comme la foi refuse la qualité d’invention à certaines réalisations, l’exigence d’application industrielle concerne sans doute celles qui ont franchi cette première sélection. Mais les méthodes de traitement chirurgical ou thérapeutique ou de diagnostic ne sont, nous semble-t-il, pas plus des inventions au sens de l’article L. 611-10-2 du CPI ou 52-2 de la CBE, que les méthodes dans l’exercice d’activités intellectuelles, en matière de jeu ou dans le domaine dos activités économiques. Toutefois, dans la décision T116/85 12), une CRT a émis une opinion différente, à notre sens susceptible d’être discutée. Selon elle, les méthodes de traitement thérapeutique sont, en fait, des inventions susceptibles d’application industrielle et ce n’est que par une fiction juridique » qu’elles ne sont pas considérées comme telles par l’article 52-4 de la CBE ».

111 A Suprema Corte da Nova Zelândia apontou que essa é exatamente a razão possível para se rejeitar uma patente de métodos de tratamento, em Pharmaceutical Management Agency Limited v Commissi-oner of Patents and Others – Court of Appeal, CA 56/99; December 17 1999.

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Denis Borges Barbosa Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ)

Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

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sobre métodos cirúrgicos ou de tratamento já se fizeram sentir mesmo nos EUA, onde existe plena liberdade de concessão de privilégios 112, criando uma espécie de licença compulsória não remunerada nesses casos 113.

Mas, salvo pela ficção jurídica de considerar patentes de uso como patentes de processo – o que se construiu especificamente para o sistema jurídico americano, por razões que não são tópicas ao Direito Brasileiro -, não há porque, no direito em vigor, fazer incidir a proibição ao caso de patentes de uso.

O produto usado em um método de tratamento

Examinemos aqui uma questão a mais. Tanto o art. L616-11 do Código Francês quanto o atual art. 52(4) (futuro art. 53(c)) da Convenção da EPO, excluem cate-goricamente da proibição das invenções de métodos de tratamento ou diagnósti-co os produtos “em particular as substâncias e composições” necessários para por em prática esses métodos 114. A lei brasileira não prevê essa exclusão.

Poder-se-ía entender, então, que a vedação de patente na lei brasileira compreen-deria igualmente a vedação de privilégio aos produtos necessários para imple-mentar o método?

Não é esse o entendimento da doutrina 115. Também não parece compatível com a lógica que produtos que seriam, de per si, plenamente patenteáveis, sejam des-

112 Os Estados Unidos têm concedido tais patentes. Joseph M. Reisman, Physicians and surgeons as inventors: reconciling medical process patents and medical ethics, 10 Berkeley Technology Law Journal (1996), Silvy A. Miller, Should patenting of surgical procedures and other medical techniques by physi-cians be banned?, IDEA: The Journal of Law and Technology, 1996. A partir de setembro de 1996 uma alteração do 35 USC 287 fez com que uma patente relativa a um procedimento médico seja inoponível a um médico ou profissional de saúde, ou instituição médica.

113 Uma solução curiosa foi a seguida por uma decisão neozelandesa sobre a questão: “Bearing in mind the rationale for the method of treatment exception permitted under TRIPS, Art 27:3, - that there should be no interference with the medical practitioner's diagnosis and treatment of patients - perhaps the logical approach would be to permit claims to extend to the method of treatment using the com-pound or composition, but to require from the patentee a disclaimer of any right to sue the practition-er”. Pharmaceutical Management Agency Limited vs. The Commissioner of Patents and Others, CA56/99.

114 EPC: (4)(…) . This provision shall not apply to products, in particular substances or compositions, for use in any of these methods. CPI L611-16 Cette disposition ne s'applique pas aux produits, notamment aux substances ou compositions, pour la mise en oeuvre d'une de ces méthodes.

115 Dannemann, Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Forense, p. 46.

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providos dessa propriedade por se integrarem a um método terapêutico. Mas a questão se torna ligeiramente mais complexa se a utilidade industrial de um novo uso indicada é o método terapêutico, que a lei brasileira, por ficção, escolheu desprover de utilidade 116.

Assim, é prudente fixar a utilidade industrial em objeto próprio, distinto dos mé-todos de tratamento cuja proteção em Direito Brasileiro é denegada por operação legal. Claro está que esta eleição de utilidade não pode ser, ela mesma, ficcional. Passemos a examinar seus pressupostos.

A reivindicação suíça e o Direito Brasileiro

Superada aqui a questão de uma proibição formal, no nosso direito, de patentes de uso farmacêutico - que não existe -, cabe agora verificar a possibilidade de uma reivindicação ao estilo suíço em nosso sistema jurídico.

Não creio na mágica das reivindicações, de sorte que se possa transformar o im-possível no consagrado só pela habilidade de reivindicar de uma ou outra manei-ra. No entanto, construir a exclusividade das patentes através das reivindicações pode, efetivamente, conformar ou não o pedido à lei brasileira, desde que, simul-taneamente:

a lei assegure tal efeito à reivindicação;

o reivindicado satisfaça aos pressupostos legais para o efeito pretendido.

Vejamos, assim, qual é a função das reivindicações no nosso direito vigente.

A função e os limites das reivindicações no Direito Brasileiro

O papel usualmente reservado às reivindicações é o de estabelecer a extensão técnica da exclusividade – “objetivamente, o privilégio é limitado pelas reivin-dicações que integram o pedido: a exclusividade de uso da tecnologia circunscrita,

116 Diz a Proposta Básica do Secretariado da EPO para a mudança do dispositivo pertinente na mu-dança na Convenção em 2000: “The exclusion of methods of treatment and diagnostic methods cur-rently referred to in Article 52(4) EPC has been added to the two exceptions to patentability which ap-pear at present in Article 53(a) and (b) EPC. While these surgical or therapeutic methods constitute in-ventions, they have been excluded from patentability by the fiction of their lack of industrial applicabil-ity. It is undesirable to uphold this fiction since methods of treatment and diagnostic methods are ex-cluded from patentability in the interests of public health. lt is therefore preferable to include these in-ventions in the exceptions to patentability in order to group the three categories of exceptions to pa-tentability together in Article 53(a), (b) and (c) EPC”.

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e de nenhuma outra” 117. Mas não é menos certo que ao demarcarem internamen-te o conteúdo técnico, as reivindicações igualmente indicam os limites externos da exclusividade, as lindes além das quais o competidor comete violação da pa-tente.

Assim, tanto para limitação dos direitos (art. 41 da Lei 9.279/96) como para afirmação desses mesmos direitos perante terceiros, a reivindicação molda a ex-clusividade. Pode defini-la como uma exclusividade sobre a substância química (.... para resolver um determinado problema técnico) ou sobre a mesma substân-cia, aplicada à solução de outro problema técnico. E essa escolha da reivindica-ção, em cada caso, vai ensinar ao competidor o que ele pode fazer com a dita substância química, e no que ele comete ilícito.

As reivindicações deverão ser fundamentadas no relatório descritivo, caracteri-zando as particularidades do pedido e definindo, de modo claro e preciso, a ma-téria objeto da proteção 118. Objetivamente, o privilégio é limitado pelas reivindi-cações que integram o pedido: a exclusividade de uso é da tecnologia circunscrita, e de nenhuma outra.

Muito acertadamente, o art. 41 da Lei 9.279/96 estabelece que os privilégios são circunscritos objetivamente pela tecnologia exposta no relatório, tal como reivin-

117 Do nosso Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Edição, Lúmen Júris, 2003.

118 Diz o Ato Normativo INPI 127: Reivindicações 15.1.3.1 Quantidade, numeração e categorias a) a quantidade de reivindicações independentes e dependentes deve ser suficiente para definir corretamente o objeto do pedido; b) as reivindicações devem ser numeradas consecutivamente, em algarismos arábi-cos; c) as reivindicações podem ser de uma ou várias categorias (tais como produto e processo, proces-so e aparelho, produto, processo e aparelho, etc.), desde que ligadas por um mesmo conceito inventivo, sendo arranjadas da maneira mais prática possível. 15.1.3.2 Formulação das reivindicações a) as reivin-dicações devem, preferencialmente, ser iniciadas pelo título ou parte do título correspondente à sua res-pectiva categoria e conter uma única expressão "caracterizado por"; b) cada reivindicação deve definir, clara e precisamente, e de forma positiva, as características técnicas a serem protegidas pela mesma, evi-tando-se expressões que acarretem indefinição na reivindicação; c) as reivindicações devem estar total-mente fundamentadas no relatório descritivo; d) exceto quando absolutamente necessário, as reivindi-cações não podem conter, no que diz respeito às características da invenção, referências ao relatório descritivo ou aos desenhos, do tipo "como descrito na parte ... do relatório descritivo" ou "bem como representado pelos desenhos"; e) quando o pedido contiver desenhos, as características técnicas defini-das nas reivindicações devem vir acompanhadas, entre parênteses, pelos respectivos sinais de referência constantes dos desenhos se for considerado necessário à compreensão do mesmo, entendendo-se que tais sinais de referência não são limitativos das reivindicações. f) cada reivindicação deve ser redigida sem interrupção por pontos. k) não serão aceitas em reivindicações trechos explicativos com relação ao funcionamento, vantagens, e simples uso do objeto.

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dicada: "A extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo te-or das reivindicações interpretado com base no relatório descritivo e nos dese-nhos.”

Elemento crucial da funcionalidade do sistema de patentes, o relatório descritivo tem por finalidade expor a solução do problema técnico em que consiste o inven-to. Normalmente, o relatório inclui a descrição do problema, o estado da arte, ou seja, as soluções até então conhecidas para resolvê-lo, e a nova forma de solução - indicando em que esta altera o estado da arte.

Os limites técnicos da patente, circunscritos pelas reivindicações, são os existen-tes no relatório descritivo. Assim, a propriedade intelectual pertinente está neces-sariamente contida no relatório, embora não tenha que ser tão ampla quanto este. O primeiro objetivo do relatório é, desta forma, a definição do espaço reivindicá-vel.

Uma reivindicação é redigida de maneira a identificar geralmente o escopo da so-lução oferecida (por exemplo, "máquina de fazer tal coisa"), seguida de uma fór-mula convencional de indicar o início do reivindicado ('caracterizado por...") e, então, pela descrição mais exata possível do material reivindicado.

O quadro reivindicatório pode se referir a diversos elementos individuais de um mesmo conceito inventivo - um produto, o processo para se fabricar tal produto, o aparelho para fazer processar tal método de fabricação, etc - em várias reivindi-cações independentes entre si 119; mas pode haver reivindicações que apenas par-

119 Diz o Ato Normativo INPI 127: 15.1.3.2.1 Reivindicações independentes a) São aquelas que, man-tida a unidade de invenção, visam a proteção de características técnicas essenciais e específicas da in-venção em seu conceito integral, cabendo a cada categoria de reivindicação pelo menos uma reivindica-ção independente. b) Cada reivindicação independente deve corresponder a um determinado conjunto de características essenciais à realização da invenção, sendo que somente será admitida mais de uma rei-vindicação independente da mesma categoria se tais reivindicações definirem diferentes conjuntos de características alternativas e essenciais à realização da invenção, ligadas pelo mesmo conceito inventivo; c) as reivindicações independentes de categorias diferentes, em que uma das categorias seja especial-mente adaptada à outra, serão, de preferência, formuladas de modo a evidenciar sua interligação, em-pregando-se, na parte inicial da reivindicação, expressões, como por exemplo: "Aparelho para realização do processo definido na reivindicação...", "Processo para a obtenção do produto definido na reivindica-ção..." d) as reivindicações independentes devem, quando necessário, conter, entre a sua parte inicial e a expressão "caracterizado por", um preâmbulo explicitando as características essenciais à definição da matéria reivindicada e já compreendidas pelo estado da técnica; e) após a expressão "caracterizado por" devem ser definidas as características técnicas essenciais e particulares que, em combinação com os as-pectos explicitados no preâmbulo, se deseja proteger; f) as reivindicações independentes podem servir

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ticularizem ou aprofundem uma solução técnica já enunciada em uma outra rei-vindicação - da qual são dependentes 120. Quanto a estas, pertinente a regra acces-sorium sequitur principale.

O elemento mais sensível das reivindicações é a partícula que enuncia o que, nas patentes, é exclusividade, distinguindo dessa o que é simples informação tecno-lógica. Como preceitua a norma legal pertinente:

a) as reivindicações independentes devem, quando necessário, conter, entre a sua

parte inicial e a expressão "caracterizado por", um preâmbulo explicitando as ca-

racterísticas essenciais à definição da matéria reivindicada e já compreendidas pelo

estado da técnica;

b) após a expressão "caracterizado por" devem ser definidas as características téc-

nicas essenciais e particulares que, em combinação com os aspectos explicitados no

preâmbulo, se deseja proteger;

Equivalência e reivindicações de uso

O alcance da reivindicação não é, necessariamente, formal e literal. O que se pro-tege, na verdade é a solução nova para o problema técnico pertinente; a questão que se coloca, assim, é: as outras maneiras de resolver o mesmo problema são ou

de base a uma ou mais reivindicações dependentes, devendo, preferencialmente, ser agrupadas na or-dem correspondente ao título do pedido.

120 Diz o Ato Normativo INPI 127: 15.1.3.2.2 Reivindicações dependentes a) são aquelas que, mantida a unidade de invenção, incluem características de outra(s) indicação(ões) anterior(es) e definem deta-lhamentos dessas características e/ou características adicionais, contendo uma indicação de dependên-cia a essa(s) reivindicação(ões) e, se necessário, a expressão "caracterizado por"; b) as reivindicações de-pendentes não devem exceder as limitações das características compreendidas na(s) reivindicação(ões) a que se referem; c) nas reivindicações dependentes devem ser definidas, precisa e compreensivelmente, as suas relações de dependência, não sendo admitidas formulações do tipo "de acordo com uma ou mais das reivindicações...", "de acordo com as reivindicações precedentes...", ou similares; d) qualquer reivindicação dependente que se referir a mais de uma reivindicação (reivindicação de dependência múl-tipla) deve se reportar a essas reivindicações na forma alternativa ou na forma cumulativa (formuladas aditivamente), sendo permitida somente uma das formulações, ou alternativa ou cumulativa, para todas as reivindicações de dependência múltipla; e) as reivindicações de dependência múltipla na forma alter-nativa podem servir de base a qualquer outra reivindicação de dependência múltipla, desde que as rela-ções de dependência das reivindicações estejam estruturadas de maneira que permitam o imediato en-tendimento das possíveis combinações resultantes dessas dependências.

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não protegidas pela patente? A resposta é dada pela chamada teoria dos equiva-lentes.

O art. 186 do CPI/96 assim diz:

Os crimes deste Capítulo caracterizam-se ainda que a violação não atinja todas as reivindicações da patente ou se restrinja à utilização de meios equivalentes ao obje-to da patente.

Assim, tanto a violação parcial quanto a de fatores equivalentes é criminalmente punível (embora não exista uma disposição equivalente na definição do teor civil da patente).

Tal princípio teve sua definição mais precisa na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Winam v. Denmead, 56 US. (15 How) 330 (1953): “co-piar o princípio ou modo de operação descrito é uma violação de patente, embo-ra tal cópia seja diversa em forma ou em proporção”. Em outras palavras, o que se patenteia é a função, e não os ingredientes.

A noção de que a patente protege a idéia inventiva e não a literalidade reivindica-da é tradicional no nosso próprio direito. Dizia o clássico Gama Cerqueira a res-peito das patentes de invenção:

Dissemos, também, que, para verificar-se a infração, basta que tenha sido usurpada a idéia da invenção, objeto do privilégio. Qualquer modificação introduzida na forma, nas dimensões ou nas proporções do objeto, bem como a substituição de matéria, não excluem a contrafação. Estão no mesmo caso a substituição de peças ou órgãos de um maquinismo privilegiado por outro elemento equivalente, ou a sua modificação sem alteração das funções que desempenham, a substituição de substâncias de um produto químico por outro análogo. Toda a questão gira em torno deste ponto: saber se a idéia essencial da invenção foi usurpada.

Se a modificação introduzida no produto privilegiado puder ser considerada como aperfeiçoamento privilegiável nos termos da lei, ainda assim haverá infração da pa-tente, se o seu autor fabricar o produto sem licença do concessionário (...) 121 (gri-famos)

121 João da Gama Cerqueira, in "Tratado da Propriedade Industrial", 2ª ed., vol. 1, "Revista dos Tribu-nais", pp. 546-547.

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A busca, assim, da idéia essencial presume o entendimento da reivindicação atra-vés de sua leitura através do relatório e, além desse, pela crítica do relatório atra-vés do estado da arte 122.

A licitude de reivindicações de uso do tipo suíço no Direito Brasileiro

Assim, no nosso sistema, uma reivindicação só não faz verão. É preciso que a tecnologia revelada dê corpo ao reivindicado; que, dentre as soluções reveladas, a reivindicada não só se insira, mas lhe seja natural.

Atendidos tais pressupostos, não se vê porque não se possa reivindicar o "uso da substância farmacêutica X, já conhecida, na preparação de uma composição far-macêutica para o tratamento de (ou impedindo que aconteça) Y", desde que a tecnologia constante do relatório aponte a novidade e atividade inventiva dessa solução específica.

As Diretrizes de Exame do INPI 123 admitem a reivindicação ao estilo suíço 124.

122 A questão da teoria dos equivalentes tem direta importância no caso de patentes de uso, como nota Moureaux, R. & Weismann C, Manuels Dalloz de Droit Usuel – Les Brevets D’Invention. Librairie Dalloz, Paris, quatrième édition, 1971, pgs. 50 a 61; 102 a 107; 111 et 112 : “Dans le cadre de l'application nouvelle, la théorie des équivalents trouve deux applications. Tout d'abord, lorsque l'inventeur a spécifiquement envisagé la fonction et qu'il a précisé que le moyen ou les moyens particuliers qu'il a décrits ne constituent qu'un ou des modes de réalisation préférés de l'invention (...) Lorsque le brevet n'indique qu'un moyen particulier appliqué d'une manière nouvelle, le juge a-t-il le droit d'étendre sa portée à la mise en oeuvre d'autres moyens équivalents jouant la même fonction dans l'application nouvelle ? Parfois les tribunaux s'attachent à la lettre du brevet et, si le breveté n'a indiqué qu'un seul moyen sans suggérer aucune extension, ils limitent la portée du brevet à ce moyen précis, mais si le breveté a utilisé des phrases, telles que « ce moyen ou analogue s, « un moyen du type... », laissant entendre que le moyen particulier n'a été donné qu'à titre d'exemple, les tribunaux assurent une protection étendue ». 123 2.39.2.4 Reivindicações do tipo: i) Uso do produto X caracterizado por ser na preparação de um medi-camento para tratar a doença Y. j) Uso do produto X caracterizado por ser na preparação de um medicamento pa-ra tratar a doença Y, tratamento este que consiste em tal e tal. são as conhecidas como de “fórmula suíça”, e são quase que exclusivamente utilizadas em invenções de segundo uso médico. São privilegiáveis, observando-se quanto as considerações contidas no item 2.23 acima. No caso de reivindicações do tipo (j) se deve exigir a retira-da do texto que descreve o tratamento, não porque se estaria protegendo o método terapêutico, mas, sim, porque seria inconsistente com o objeto da proteção.

124 Embora por razões equivocadas Para se admitir a reivindicação descrita em 2.93.2.4 seria necessário – o que recusam as Diretrizes – a admitir reivindicações de uso; pois a expressão “preparação de um medicamento” não se resume a combinações.

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Conclusões sobre as patentes de uso farmacêutico

No atual sistema legal, não existe vedação nenhuma a uma reivindicação de uso farmacêutico, primeiro ou undécimo, desde que se provada à saciedade e com toda atenção que merece a proteção à vida e a saúde, a novidade e atividade in-ventiva do novo uso¸ em face ao estado da técnica.

Tal reivindicação não colide necessariamente, ademais, com a vedação aos méto-dos de tratamento e diagnósticos, prevista no art. 10, VIII da Lei. 9.279/96, des-de que o relatório descritivo suporte uma reivindicação dirigida a um fim dotado de utilidade industrial.

Assim, não se pode imaginar que o pronunciamento judicial inicialmente citado tenha resolvido a questão de política pública relativa às patentes de segundo uso médico; claramente enganado quanto aos pressupostos técnicos do sistema de patente, mas inspirado do ponto de vista da política pública, o acórdão cintila pe-lo espírito e se fragiliza pela incompatibilidade com o sistema jurídico da Propri-edade Intelectual.

No entanto, de lege ferenda, cabe efetivamente estabelecer um sistema de desin-centivo à concessão de tais patentes, sempre que não estejam evidentemente con-formes com os requisitos gerais de patenteamento segundo critérios estritos de exame. A proposta a seguir toma esse caminho.

7. Texto a alterar para as hipóteses 5. 6 e 7.

Na Lei 9.279/96:

Art. 29-A - Na apuração dos requisitos relativos aos art. 11 e 13, realizados de acordo com o art. 229-C e o Capítulo III do Título I desta Lei, observando, no que couber, o disposto na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, será seguido regime específico no exame de invento relativo:

I – À modificação de produto terapêutico ou agroquímico compreendido no estado da técnica, pa-ra a qual foi constatada emprego diverso daqueles já conhecidos;

II – Ao aspecto particular de um único elemento ou de um segmento selecionado em um grupo maior, já constante do estado da técnica.

III - A novas aplicações de produtos ou processos incluídos no estado da técnica, ainda que o pro-pósito para o qual devam ser usados difira daquele descrito no estado da técnica.

IV- A simples formulação, compreendendo produtos ou combinações já constantes, individual ou coletivamente, do estado da técnica, ainda que se alegue efeito técnico novo.

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V - Às formas polimórficas, os isômeros, o tamanho das partículas, bem como a associação da substância com sais, ésteres, éteres, metabólitos, e ainda os complexos, combinações ou outros deri-vados do produto compreendido no estado da técnica.

§ 1º. Nas hipóteses deste artigo, o processo administrativo conterá:

I - transcrição completa, nos autos do processo administrativo, do testemunho das buscas autô-nomas de anterioridades efetuadas diretamente pelo examinador, citando fontes e estratégia de busca, e justificando detalhadamente a eventual inexistência de novos achados;

II – o resultado das buscas realizadas por repartições de patentes estrangeiras, em relação aos do-cumentos a que a autarquia tenha convênio especial de acesso, se houver;

III – análise comparativa entre as fontes mencionadas nos incisos I e II deste parágrafo.

IV – metodologia usada para análise referente ao art. 13, se tiver sido demonstrada a satisfação do requisito do art. 11.

V – As razões pelas quais o examinador entenda haver suficiência descritiva, que permita o ple-no uso do objeto pretendido por terceiros, nas hipóteses legais em que caiba tal uso.

VI – A satisfação do requisito de aplicabilidade industrial, assim não se considerando as hipóte-ses em que a tecnologia só possa ser implementada em caráter privado e pessoal, ou de outra ma-neira cuja reprodução implique em intervenção humana a cada caso.

§ 2º. Nas hipóteses dos incisos do caput deste artigo, o exame administrativo ou judicial não pre-sumirá a existência dos requisitos dos art. 11 e 13 desta lei, incumbindo ao requerente ou titular prová-la.

§ 3º. Caso conclua pela existência dos requisitos dos art. 11 e 13, o examinador referirá automa-ticamente suas conclusões a grupo de revisão, constituído de três técnicos de igual ou superior qua-lificação, salvo se o pedido mereça indeferimento por aplicação de outros requisitos legais.

§ 4º. Ao fim de sessenta dias, salvo se a maioria dos revisores concluir pela existência dos pres-supostos de patenteamento, dar-se-á por exarada a manifestação pelo indeferimento.

§ 5º. – Será assegurado ao titular do pedido e a todos interessados, nos termos desta Lei e, no que couber, da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, o pleno acesso aos recursos e meios de de-fesa de seus interesses.

Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica.

Parágrafo único – Nas hipóteses do art. 29-A, a atividade inventiva será reconhecida quando se apurar um progresso técnico relevante em face do estado da técnica.

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Denis Borges Barbosa Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ)

Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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A solução aqui proposta, ao invés de escolher a proibição de patentes de segundo uso médico, seleção, segundo uso em geral (não só médico), reivindicações de simples formulação e às formas polimórficas, os isômeros, o tamanho das partí-culas, bem como a associação da substância com sais, ésteres, éteres e metabóli-tos, opta por estabelecer um procedimento significativamente mais rigoroso de exame, assegurando:

(a) A exigência de buscas feitas pelo examinador, de forma que o exame não se resuma a

simples repetição daqueles já executados no exterior, garantindo que em tais casos se efe-

tuará o exame completo, e não o abreviado ou resumido;

(b) Que haja a comparação da busca independente e os achados em buscas de outros escritó-

rios de patentes;

(c) No caso de exame da atividade inventiva, que se explicite o método seguido para deter-

minação, garantindo assim o devido processo legal no caso de contestação desse aspecto

técnico;

(d) A existência de um reexame necessário, por grupo de examinadores, assegurando prazo

máximo para essa providência, importando em denegação da pretensão se superado o

termo regular de sessenta dias.

A estratégia oferecida evita o questionamento perante a OMC, sempre provável, no caso de denegar incondicionalmente tais objetos. Como – em cada caso dos citados – cabe presumir a não-patenteabilidade por razões de inexistência de in-vento, novidade, atividade inventiva ou aplicabilidade industrial, a proteção só ocorrerá nas hipóteses em que essas condições estejam presentes e evidenciadas no procedimento administrativo, permitindo de outro lado plena contestabilidade técnica.

A solução se completa através de uma alteração do dispositivo da Lei 9.279/96 no qual se define a atividade inventiva. Vários são os testes correntes para apura-ção desse requisito 125, sendo o mais exigente deles o que exige a determinação de

125 Das Diretrizes do INPI: “Alguns fatores podem ser considerados como indícios da existência da atividade in-ventiva: - dados comparativos em relação ao estado da técnica que mostram a superioridade da invenção e são convincentes na demonstração da atividade inventiva; - existência de problema técnico cuja solução era necessária e desejada há muitos anos e a invenção é a resposta a esta necessidade; - a solução apresentada pela invenção é contrária às atividades normais na mesma área técnica e um técnico no assunto não pensaria em seguir o mesmo caminho; - sucesso comercial, se vinculado ao caráter técnico da invenção, e não devido à publicidade"

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Denis Borges Barbosa Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ)

Master of Laws (Columbia University School of Law) - Mestre em Direito Empresarial (UGF) Professor de Propriedade Intelectual nos programas de mestrado e doutorado do Instituto de Economia da UFRJ (PPED); do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI, e nos cursos de pós-graduação

da PUC/RJ, do GV- Law, e da ESA/SP.

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um progresso técnico relevante 126. Assim, entre as estratégias compatíveis com a noção de atividade inventiva do art. 27 de TRIPs, consagra-se o de mais alto ní-vel de exigência. A redação proposta determina aplicar tal critério em todos os casos ora identificados como limiares.

Em suma, a proposta não segue o caminho da rejeição direta dos objetos contes-tados, no pressuposto de que o risco de afrontamento com o art. 27 de TRIPs não justificam a fórmula. De outro lado, a proposta expressa o entendimento de que tais patentes devam ser desestimuladas, pela aplicação estrita dos critérios mais altos, compatíveis com o direito internacional aplicável ao País.

126 Esta análise é feita em nosso Como se lê em WIRTH, Das Mass der Erfìndungshohe. Berlin, Heymann, 1906 e em STEFANIS, Pietro. Novitá Inventiva e Novitá Intuitiva. Firenze: Societá Editrice Toscana, 1932, p. 24-36. Nota CABANELLAS.: "En un segundo grupo de países, el desarrollo de una noción clara de actividad inventiva se vio obstaculizada por su confusión con criterios basados en la utilidad de la invención o en el avance de la téc-nica logrado por ésta. Tal fue el caso, en particular, de Alemania. Estos criterios presentaban la dificultad de con-fundir un estándar esencialmente tecnológico, como es el de la diferencia existente entre la técnica anterior y la aportada por el supuesto inventor, con estándares de tipo económico -la ventaja competitiva derivada de la inven-ción-, finalista -la medida en que la invención satisface los propósitos para los que se la destina-, o cualitativos -el grado en que se pueden atribuir a una invención ventajas calificables como un "avance" y no meramente como una alternativa frente al estado preexistente de la técnica-. Tales dificultades condujeron a que la actividad inventi-va -o conceptos similares- no alcanzaran una identidad suficiente hasta su reconocimiento explícito por la legisla-ción". Note-se que a nossa lei prevê um requisito de Erfindungshöhe no sentido do progresso técnico do direito alemão antigo, para o caso de licenças compulsórias de dependência. Como nota PAGENBERG, Jochen. The Evaluation of the "Inventive Step" in the European Patent System - More Objective Standards Needed - Part Two, 9 IIC 121 (1978), encontrado em http://www.bardehle.de/fileadmin/bardehle/sonstiges/Publikationen/Inventive_Step_II.pdf, falando do aban-dono desse requisito pela lei alemã, após a aplicação da regra da atividade inventiva da Convenção de Munique: 'With the abolishment of technical progress as a prerequisite of patentability, to my mind the inventor under Eu-ropean law has the choice: the problem can either be to make something "better" (technical progress) or to make something "different" (alternative means without improvement)."