Política de Atendimento à Criança e Ao Adolescente Estabelecida No ECA

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Política de atendimento à Criança e ao Adolescente

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Poltica de Atendimento criana e ao adolescente estabelecida no ECAPoltica de Atendimento criana e ao adolescente estabelecida no Estatuto da Criana e do Adolescente:participao popular, descentralizao, trabalho em rede de serviosRESUMOO artigo apresentado parte do referencial terico a ser disponibilizado para Conselheiros de Direitos e Conselheiros Tutelares do Estado do Paran, denominado Material de apoio para a formao continuada aos conselheiros tutelares e dos direitos da criana e do adolescente, parte integrante do processo de formao continuada para Conselheiros Tutelares e de Direitos, realizado pela Secretaria Estadual da Criana e da Juventude do Estado do Paran. Prope-se a abordar aspectos relativos ao ttulo e sua relao com os Conselhos de Direito se Conselhos tutelares, por sua finalidade didtica, alm de apresentar questes estruturantes de reflexes e casos extrados de materiais didticos e apresentados para facilitar a coletivizao da discusso.1. INTRODUOO presente artigo faz parte do referencial terico a ser disponibilizado para Conselheiros de Direitos e Conselheiros Tutelares do Estado do Paran, denominado Material de apoio para a formao continuada aos conselheiros tutelares e dos direitos da criana e do adolescente, parte integrante do processo de formao continuada para conselheiros tutelares e de direitos, realizado pela Secretaria Estadual da Criana e da Juventude do Estado do Paran.Inscrito sob o ttulo Poltica de Atendimento criana e ao adolescente estabelecida no Estatuto da Criana e do Adolescente: participao popular, descentralizao, trabalho em rede de servios, este artigo compe o Curso 1 - Inicial para Conselheiro Tutelar, cujo tema Os marcos regulatrios da Proteo Integral Infncia, a Juventude e o ECA, juntamente com demais contedos Conveno Internacional de 1989 e Constituio Federal de 1988; Princpios que fundamentam o Estatuto da Criana e do Adolescente: proteo integral, direitos fundamentais, criana como sujeito de direitos e Direitos Fundamentais estabelecidos no Estatuto da Criana e do Adolescente.O trabalho visa a proposio de uma nova metodologia no processo de formao de conselheiros de direitos e conselheiros tutelares, prevendo contedos significativos, linguagem adequada e a disponibilizao de outras fontes de pesquisa para os participantes que compe segmento importante na garantia dos direitos da populao infanto-adolescente na esfera Estadual.Neste artigo busca-se compreender aspectos relacionados Poltica de Atendimento criana e ao adolescente estabelecida no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), Lei 8069/90, especialmente nos aspectos relativos participao popular, descentralizao, trabalho em rede de servios e de que forma a compreenso destes aspectos pelos conselheiros pode trazer reais contribuies para as intervenes prticas destes agentes na garantia dos direitos humanos e de cidadania das crianas e adolescentes paranaenses.Para sua confeco foram realizadas anlise e interpretao de leis e textos de referncia, alm de apresentar questes para reflexo e casos subsidirios para apreciao e discusso dos conselheiros.2. ASPECTOS CONCEITUAIS ACERCA DA POLTICA DE ATENDIMENTO CRIANA E AO ADOLESCENTE ESTABELECIDA NO ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTEPara que possamos compreender o que estabelece o Estatuto da Criana e do Adolescente- Lei 8069/90 acerca da Poltica de atendimento criana e ao adolescente de maneira a realmente garantir a plena efetivao dos direitos infanto-juvenis, compreendendo a necessria implicao dos aspectos -participao popular, descentralizao e trabalho em rede de servios, necessrio compreendermos que a poltica de atendimento exige a interveno de diversos rgos e autoridades, que possuem atribuies especficas e diferenciadas a desempenhar, mas tmigual responsabilidadena identificao e construo de solues dos problemas existentes, tanto no plano individual quanto coletivo do atendimento ao segmento infanto- adolescente.Estamos, portanto, indicando a existncia de um sentido de co-responsabilidade entre todos os atores que compem essa poltica,o que, por sua vez, exige uma mudana de mentalidade e de conduta por parte de cada um dos integrantes do chamado Sistema de Garantias dos Direitos Infanto-Juvenis, aos quais no mais se permite continuar a pensar e agir como institucional e culturalmente estabelecia o revogado Cdigo de Menores de 1927, como infelizmente continua ocorrendo em boa parte dos municpios brasileiros.Voc sabe o que significa Sistema de Garantia de Direitos? um conjunto articulado de pessoas e instituies que atuam para efetivar os direitos infanto-juvenis, dentre os quais podemos citar: Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente (com os gestores responsveis pelas polticas pblicas de educao, sade, assistncia social, cultura, esporte, lazer etc.), Conselho Tutelar, Juiz da Infncia e da Juventude, Promotor da Infncia e da Juventude, professores e diretores de escolas, responsveis pelas entidades no governamentais de atendimento a crianas, adolescentes e famlias etc.Observe que a concepo progressista de Sistema de Garantias no permite que apenas um rgo, instituio ou pessoa detenha a autoridade suprema na soluo de problemas ou nas decises referentes a criana e ao adolescente , como estabelecia o Cdigo de Menores ( para o qual o Juiz de Menores tinha ntida ascendncia em relao aos demais atores). Atualmente pelo nosso ordenamento jurdico, no h como estabelecer se h maior ou menor importncia de uma instituio sob a outra, mas sim que todas fazem parte de um Sistema incompleto, e que precisam umas das outras para cumprir a finalidade maior de sua existncia: a promoo e proteo de crianas e adolescentes. A existncia de cada uma complementar existncia das outras e o papel decada umde seus integrantesigualmente importantepara que a proteo integral detodasas crianas e adolescentes, prometida j pelo art. 1, da Lei n 8.069/90.Com a atual orientao emanada pelo ordenamento jurdico, na sistemtica atual, no mais admissvel aguardar que a violao de direitos da criana e do adolescente tenham sido efetivados para que - somente ento - o Sistema passe a agir. A Lei n 8.069/90 destinou um ttulo especfico preveno(Livro I, Ttulo III, arts. 70 a 85), veja o que estabelece o texto da lei no artigo 70: Art. 70. dever de todos prevenir a ocorrncia de ameaa ou violao dos direitos da criana e do adolescente lei 8069/90.Esta proteo integral tambm se d atravs da implementao depolticas pblicascom enfoqueprioritriona criana e no adolescente (cf. arts. 4, par. nico, alnea c c/c 87, incisos I e II), conforme artigos abaixo indicadosArt. 4 dever da famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria.Pargrafo nico. A garantia de prioridade compreende:a) primazia de receber proteo e socorro em quaisquer circunstncias;b) precedncia de atendimento nos servios pblicos ou de relevncia pblica;c) preferncia na formulao e na execuo das polticas sociais pblicas;d) destinao privilegiada de recursos pblicos nas reas relacionadas com a proteo infncia e juventude.E artigo 87 do Estatuto da Criana e do Adolescente:Art. 87. So linhas de ao da poltica de atendimento:I - polticas sociais bsicas;II - polticas e programas de assistncia social, em carter supletivo, para aqueles que deles necessitem;III - servios especiais de preveno e atendimento mdico e psicossocial s vtimas de negligncia, maus-tratos, explorao, abuso, crueldade e opresso;IV - servio de identificao e localizao de pais, responsvel, crianas e adolescentes desaparecidos;V - proteo jurdico-social por entidades de defesa dos direitos da criana e do adolescente.VI - polticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o perodo de afastamento do convvio familiar e a garantir o efetivo exerccio do direito convivncia familiar de crianas e adolescentes; (Includo pela Lei n 12.010, de 2009)VII - campanhas de estmulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianas e adolescentes afastados do convvio familiar e adoo, especificamente inter-racial, de crianas maiores ou de adolescentes, com necessidades especficas de sade ou com deficincias e de grupos de irmos. (Includo pela Lei n 12.010, de 2009)Tambm importante refletirmos acerca da mudana de foco na atuao dos diversos integrantes do Sistema de Garantias. Atualmente observamos a preocupao do legislador estatutrio com a soluo dos problemas com atuao no apenas no mbito individual de cada criana e adolescente, mas tambm na soluo de questes que se observam no plano da coletividade da infncia. no plano coletivo onde fica clara a necessidade de implementao depolticas pblicasvoltadas preveno e ao atendimento de casos de ameaa ou violao de direitos. Para que isso fique garantido de maneira permanente, participativa e criteriosa, foram criados mecanismos jurdico e polticos que garantem a permanente participao popular no controle social daquilo que se est fazendo na rea da infncia brasileira. Por intermdio dos Conselhos de Direitos da Criana e do Adolescente (cf. art. 88, da Lei n 8.069/90) observa-se que a existncia e funcionamento adequado dos Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares, alm de condio legal, representa que se busca , no plano das relaes polticas, a participao da populao na construo de um verdadeiro Estado Democrtico de DireitoArt. 88. So diretrizes da poltica de atendimento:I - municipalizao do atendimento;II - criao de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criana e do adolescente, rgos deliberativos e controladores das aes em todos os nveis, assegurada a participao popular paritria por meio de organizaes representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;III - criao e manuteno de programas especficos, observada a descentralizao poltico-administrativa;IV - manuteno de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criana e do adolescente;V - integrao operacional de rgos do Judicirio, Ministrio Pblico, Defensoria, Segurana Pblica e Assistncia Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilizao do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;VI - integrao operacional de rgos do Judicirio, Ministrio Pblico, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execuo das polticas sociais bsicas e de assistncia social, para efeito de agilizao do atendimento de crianas e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rpida reintegrao famlia de origem ou, se tal soluo se mostrar comprovadamente invivel, sua colocao em famlia substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei;(Redao dada pela Lei n 12.010, de 2009)VII - mobilizao da opinio pblica para a indispensvel participao dos diversos segmentos da sociedade.(Includo pela Lei n 12.010, de 2009)Este processo de construo de participao popular na rea da infncia e adolescncia no pode ser realizado sem a colaborao dos Conselhos Tutelares (cf. art. 136, inciso IX, da Lei n 8.069/90):Art. 136. So atribuies do Conselho Tutelar:IX - assessorar o Poder Executivo local na elaborao da proposta oramentria para planos e programas de atendimento dos direitos da criana e do adolescente;Desse modo, se no podemos mais aceitar uma atuao individual, autoritria ou solitria de apenas um rgo ou pessoa, na construo de polticas de garantias de direitos humanos de crianas e adolescentes, de outro, tambm no cabvel a concepo de mera transferncia de responsabilidade e do atendimento segmentado, permitindo que as crianas, adolescentes e suas famlias sejam atendidas no balco dos diferentes rgos e continuamente encaminhadas de um lado para outro, sem a efetiva escuta, atendimentos e intervenes qualificados, fazendo com que a criana ou adolescente passe de um rgo, programa ou servio para o outro, cada qual realizando um trabalho isolado,superficial,quando no preconceituoso com a infncia pobre e excluda.Isso pode ser observado quando o atendimento realizado por pessoas e instiruies que no dispem da qualificao profissional adequada ou condies de prestar um atendimento humanizado e acolhedor, que se preocupam em prestar um atendimento meramente formal, sem qualquer compromisso com a condio humana dos sujeitos destinatrios ou usurios. A precarizao dessa interveno, muitas vezes revela a falncia de um sistema histrico de distribuio de renda perverso que criminaliza a pobreza e culpabiliza a vtima!A professora da PUC do Rio de Janeiro e Pesquisadora da rea da infncia, Irene Rizzni nos ajuda a compreender melhor essa questo:... o Brasil considerado um dos quatro pases mais desiguais do mundo. O quadro das desigualdades transparece quando consideramos que mais da metade dessas crianas, adolescentes e jovens estava abaixo da linha de pobreza no ano de 2006.Da mesma forma as pesquisadoras Paula Correia de Miranda -Psicloga, aluna do curso de Especializao em Psicologia Jurdica da UERJ e a professora e doutora Maria Helena Zamora-Vice-Coordenadora do LIPIS. Doutora em Psicologia Clnica; Professora Depto. de Psicologia da PUC-Rio e do Curso de Especializao em Psicologia Jurdica da UERJ.Coimbra (2001) lembra que no incio do sculo XX, poca de acirramento das polticas de civilizao do espao urbano, os pobres representavam um perigo social que deveria ser combatido por todos. Data desse perodo a preocupao com a infncia pobre que comporia no futuro as classes perigosas sendo, portanto, alvo de polticas de controle, e em breve estariam nos internatos para os menores. Hoje, sculo XXI, com a poltica de desinstitucionalizao de crianas e adolescentes, as famlias pobres ainda so vistas como incapazes de cuidarem de seus filhos e como aquelas que os submetem condio de negligncia de direitos bsicos. importante entender as adversidades enfrentadas pelas famlias de espaos populares, percebendo que no depende apenas de ensin-las sobre como garantir os direitos e proteger seus filhos. No Brasil houve, por exemplo, uma reduo da renda mdia domiciliarper capita, principalmente nas regies metropolitanas. Na regio metropolitana do Rio de Janeiro diminuiu cerca de 3,6% entre 1995 e 2004, considerada um das maiores se comparada s outras regies do pas. (IETS, 2006).Diante de limitaes reais, essas famlias criam lgicas de funcionamento diferenciadas, difceis de serem compreendidas se olhadas a partir de esteretipos ou valores da lgica da classe mdia. Em uma mesma favela, tambm podemos perceber muitas diferenas no funcionamento de uma famlia e na composio de suas residncias. Uma anlise sobre famlias de espaos populares aponta para uma diversidade de arranjos.Concordamos, portanto, com a premissa de que inadmissvel estabelecer qualquer interveno junto a uma criana ou adolescente de forma dissociada do atendimento de suas famlias, desqualificando ou prescindindo a importncia do papel da famlia no processo de cuidar e educar e na efetivao dos demais direitos infanto-juvenis.3. O QUE PARTICIPAO POPULAR E COMO OS CONSELHOS DE DIREITOS E TUTELARES FAZEM PARTE DISTOA fim de esclarecermos de maneira simples o que o que participao popular e como os conselhos de direitos e tutelares fazem parte disto importante buscarmos explicaes conceituais acerca do assunto.Conforme ensina Weverson Viegas, 2002A participao popular um importante instrumento para o aprofundamento da democracia que, a partir da descentralizao, faz com que haja maior dinmica na participao, principalmente no mbito local.Como o Estado Brasileiro caracterizado por ser um Estado Democrtico de Direito, imprescindvel que haja a efetiva participao popular para que se d legitimidade s suas normas.Nessa ordem de idias, pensamos como Carlos Ayres Brito que diz que a participao popular no quebra o monoplio estatal da produo do Direito, mas obriga o Estado a elaborar o direito de forma emparceirada com os particulares (individual ou coletivamente). E justamente esse modo emparceirado de trabalhar o fenmeno jurdico, no plano de sua criao, que se pode entender a locuo Estado Democrtico (figurante no prembulo da Carta de Outubro) como sinnimo perfeito de Estado Participativo. notrio o reconhecimento de que o Estatuto da Criana e do Adolescente um instrumento de importante transformao na construo de uma nova concepo de criana e adolescente e de gesto das polticas voltadas para a infncia e adolescncia. A concepo histrica de menor abandonado e delinqente questionada e este passa a condio de criana e o adolescente, considerados sujeitos de direitos - visto que vivem em um Estado Democrtico de Direitos -, em condio peculiar de desenvolvimento - pois se encontram em reconhecido e especial processo de desenvolvimento fsico, mental, moral, espiritual e social -na condio de gozarem de prioridade absoluta.Da mesma forma, o Estatuto tambm prope mudanas no modelo gestionrio das decises acerca da poltica voltada para esse segmento populacional.Quando falamos em mudana de gesto o ECA estabelece dois princpios bsicos para a poltica de atendimento infncia e adolescncia: a descentralizao poltico-administrativa e a participao da populao por meio de suas representaes organizativas.Importante destacar que a participao da populao na formulao e fiscalizao das polticas sociais, est prevista e garantida tanto a Constituio Federal de 1988, quanto no Estatuto da Criana e do Adolescente, ambos abrem espao e ao mesmo impem a implantao de conselhos gestores de polticas pblicas, o que no caso da criana e do adolescente corresponde aos Conselhos de Direitos da Criana e do Adolescente, os quais devem organizar-se nos nveis municipal, estadual e federal,garantindo a articulao de polticas em todos os nveis, conforme estabelece artigo 86 do ECA Art. 86. A poltica de atendimento dos direitos da criana e do adolescente far-se- atravs de um conjunto articulado de aes governamentais e no-governamentais, da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios.Estes conselhos so a essncia da construo de um novo modo de fazer a poltica no Brasil, pois se caracterizam por serem rgos pblicos, paritrios, deliberativos e que controlam as aes, formulam polticas, e realizam o controle social, coordenam fiscalizam o desempenho de programas e aes realizadas por instituies governamentais e no-governamentais que compem a rede de servios e ateno criana e ao adolescente, atentando aos princpios de eficincia eficcia de funcionamento.Desse modo, medida que o papel dos conselhos formular as polticas de atendimento criana e ao adolescente na sua rea de abrangncia, estende-se como obrigao decorrente, a elaborao doPlano de Atendimento Criana e ao Adolescente.Esse plano deve ser construdo de maneira participativa, segunda diagnstico municipal, estadual ou federal que oriente as questes referentes necessria proteo de crianas e adolescentes. Ao ser elaborado deve oPlano de Atendimentoconsiderar todas as polticas que compem o Sistema de Garantias apregoado pelo ECA, ou seja, devem constar no plano, as Polticas Sociais Bsicas (destinadas todas as crianas e adolescentes como educao, sade, esporte e lazer, profissionalizao e proteo no trabalho, etc), as Polticas de Assistncia Social (considerando a Proteo Social Bsica e as Polticas de Proteo Especial (que envolve as crianas e adolescentes em situao de risco pessoal e social) e as Polticas de Garantias. Esse Plano de Atendimento no pode ser construdo sem a participao popular, incluindo representantes de diferentes segmentos sociais e principalmente do conselho tutelar.Embora essa seja a orientao jurdica e poltica emanada pelos instrumentos legais, muitos Conselhos de Direitos ainda encontram grandes desafios para formularem, de fato, polticas sociais universais e especiais.O que se verifica que, em grande medida, as conquistas presentes na legislao no foram incorporadas verdadeiramente por representantes estatais e so desconhecidos e inexigidos pela prpria sociedade, uma vez que tem havido um constante desmonte das polticas sociais, principalmente daquelas que so necessrias universalizao dos direitos civis, polticos e sociais.Importante ento reafirmar que alm de competncia tcnica os membros do CMDCA e o CT devem redimensionar o chamado Compromisso poltico coma construo de um novo modelo de sociedade, mais humano, democrtico e igualitrio, pois como ensina Murillo Digicomo, 2009:O Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente - CMDCA uma expresso da chamada democracia participativa, prevista no art. 1, par. nico e art. 204, II, da Constituio Federal, atravs da qual a sociedade civil organizada chamada a debater com o governo os problemas existentes na rea da infncia e da juventude e para estes encontrar solues efetivas e duradouras. O CMDCA , desta forma, o rgo pblico que detm, no municpio, a competncia e a legitimidade para deliberar acerca das polticas pblicas a serem implementadas pelo Poder Pblico local em prol da populao infanto-juvenil, incumbindo-lhe ainda fiscalizao da correta e adequada execuo dessas mesmas polticas (arts. 227, 7 c/c 204, da CF e art. 88, inciso II, do ECA). tambm encarregado, como dito acima, da articulao da rede de proteo criana e ao adolescente que o municpio deve possuir, bem como da conduo, a cada 03 (trs) anos, do processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar (art. 139, do ECA), e da gesto do Fundo Especial para a Infncia e a Adolescncia - FIA (cf. art. 88, inciso IV, do ECA).O CMDCA integra a estrutura administrativa do municpio e exerce uma parcela da Soberania Estatal. Vale lembrar que o governo faz parte o CMDCA, atravs dos rgos gestores das polticas pblicas, que em conjunto com a sociedade, aps amplo debate (do qual devero tambm participar o Conselho Tutelar, o Ministrio Pblico, o Poder Judicirio, as entidades e organizaes representativas da sociedade, alm de profissionais e tcnicos especialmente convidados), decidiro acerca das aes, servios e programas de atendimento a crianas, adolescentes e suas respectivas famlias a serem implementados. As decises do CMDCA, portanto, so resultantes do debate entre governo e sociedade e, uma vez formalizadas e publicadas, vinculam a administrao pblica, a qual incumbe seu cumprimento, em regime de prioridade absoluta (tal qual previsto no art. 4, caput e par. nico, do ECA e art. 227, caput, da CF), com todas as conseqncias da advindas, inclusive o aporte dos recursos oramentrios que para tanto se fizerem necessrios.A forma da lei 8069/90, ECA, estabelece de maneira objetiva como deve ser garantida da paridade na constituio do CMDCA, podendo cada Lei Municipal estabelecer condies de funcionamento desde que no firam tal preceito, conforme orienta tambm o Ministrio publico do Paran no Manual de Orientao aos Prefeitos 2009:Na forma da Lei n 8.069/90 e da Constituio Federal, o CMDCA composto por igual nmero de representantes do governo e da sociedade civil organizada, de acordo com o que dispuser a Lei Municipal que cria o rgo (cada lei municipal ir definir a quantidade de membros do CMDCA, devendo apenas respeitar a paridade entre governo e sociedade, tal qual previsto no art. 88, inciso II, do ECA), que se renem periodicamente (no mnimo, uma vez por ms) para discutir os problemas, as prioridades e as deficincias na estrutura de atendimento criana e ao adolescente no municpio e, a partir da, deliberar sobre quais as melhores formas de solucion-los. Cabe ao CMDCA definir as aes e as estratgias de atuao do Executivo municipal, por intermdio dos rgos encarregados da execuo das polticas pblicas (sade, educao, assistncia social, cultura, esporte, lazer etc.), que para tanto podero contar com o auxlio de entidades no governamentais (a atuao destas suplementar, sendo a responsabilidade primeira pela execuo das polticas e programas de atendimento do Poder Pblico),sempre de forma articulada e integrada, como acima mencionado (art. 86, do ECA). Como o CMDCA tomar decises que tero reflexo no oramento pblico municipal, tambm fundamental que participem das reunies do rgo (ainda que no o integrem em carter oficial) os responsveis pelos setores de planejamento e finanas do municpio. No mais, cabe administrao fornecer o suporte administrativo necessrio ao adequado funcionamento do CMDCA, o que inclui um local prprio para a realizao das reunies (que devem ser abertas populao), a divulgao das pautas a serem debatidas, a publicao de suas deliberaes e Resolues etc.Logo aps a posse e a nomeao de seu secretariado, o Prefeito dever nomear os representantes do governo junto ao CMDCA, de modo que o rgo possa tambm comear a agir desde logo, em respeito, inclusive, ao princpio da prioridade absoluta criana e ao adolescente e seus desdobramentos previstos nos arts. 4, par. nico e 259, par. nico, do ECA. Os representantes do governo junto ao CMDCA devem ser, preferencialmente, os prprios Secretrios e Chefes de Departamentos municipais direta ou indiretamente ligados rea da criana e do adolescente (educao, sade,assistncia social, cultura, esporte, lazer etc.), pois sero eles, a rigor, os destinatrios das deliberaes do rgo. Ao nomear os representantes do governo junto ao CMDCA, o Prefeito lhes estar delegando o poder de deciso quanto s polticas pblicas a serem implementadas pelo municpio no que diz respeito rea da criana e do adolescente. O mandato dos representantes do governo junto ao CMDCA vinculado ao mandato do Prefeito, sem prejuzo da possibilidade de substituio dos agentes nomeados, quando houver alterao no Secretariado municipal.Os representantes da sociedade civil organizada guardam completa autonomia em relao ao Prefeito, no podendo ser por este nomeado. Os representantes da sociedade so eleitos em assemblia popular, de acordo com o que dispuser a legislao municipal especfica e exercem um mandato determinado, que deve ser independente do mandato do Prefeito. A idia bsica da criao do CMDCA, alis, desvincular as polticas pblicas institudas na rea da infncia e da juventude da figura do Prefeito ou do partido poltico ao qual este pertena, de modo a evitar sua soluo de continuidade quando da alternncia do poder que da essncia do regime democrtico no qual vivemos. Cabe, portanto, aos representantes da sociedade junto ao CMDCA, assegurar a continuidade das polticas, servios pblicos e programas de atendimento a crianas, adolescentes e suas respectivas famlias em execuo no municpio.No com menor importncia na participao popular encontra-se oConselho Tutelar ,que definido pelo art. 131, do ECA, como rgo permanente e autnomo, no jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criana e do adolescente.... formado por representantes eleitos pelo povo. Os 05 (cinco) membros do Conselho Tutelar e seus suplentes so escolhidos pela comunidade local (preferencialmente pelo voto universal dos cidados), para um mandato de 03 (trs) anos, por intermdio de um processo democrtico conduzido pelo CMDCA e fiscalizado pelo Ministrio Pblico (arts. 132 e 139, do ECA). No podem ser nomeados pelo Executivo e nem ter seus mandatos abreviados ou prorrogados.So encarregado de aplicar medidas de proteo a crianas e adolescentes que se encontram com seus direitos ameaados ou violados, na forma do disposto nos arts. 98 e 105, do ECA, zelando para que famlia, sociedade e o Poder Pblico cumpram seus deveres. reconhecido como rgo pblico municipal especializado na defesa dos direitos infanto-adolescentes, cuja existncia e adequado funcionamento so essenciais ao mencionado Sistema de Garantias dos Direitos da Criana e do Adolescente idealizado pelo ECA.O funcionamento adequado e qualificado do Conselho tutelar deve estar garantido por recursos oramentrios suficientes previstos no oramento do municpio. Na forma do art. 134, par. nico, do ECA, constar da Lei Oramentria Municipal previso dos recursos necessrios ao funcionamento do Conselho Tutelar. Por meio de resoluo do CMDCA, quando da elaborao da proposta oramentria anual o municpio dever prever os recursos necessrios manuteno e ao funcionamento adequado e ininterrupto do Conselho Tutelar, o que inclui, alm dos salrios dos 05 conselheiros e seus eventuais suplentes, a manuteno de recursos humanos, da sua sede e veculo prprio ou de utilizao privativa, telefone, computador e material de expediente em quantidade suficiente s necessidades do rgo.O que se pode esperar da atuao de um Conselheiro Tutelar? Quais so suas atribuies como representante popular?So vrias e complexas as atribuies, e esto no exaustivamente previstas nos arts. 95, 131, 136, 191 e 194, do ECA. So todas relacionadas defesa dos direitos de crianas e adolescentes e fiscalizao dos rgos pblicos e entidades encarregados da execuo dos programas de atendimento que integram a Rede de Atendimento ou de Proteo. Dentre elas se encontra a de prestar assessoria ao Poder Executivo na elaborao da proposta oramentria, de modo a fazer com que esta contemple os recursos necessrios implementao e/ou manuteno de planos e programas de atendimento populao infanto-juvenil e suas respectivas famlias (art. 136, inciso IX, do ECA).Conforme destaca o Ministrio Pblico do Estado do Paran, no Manual de Orientao aos Prefeitos 2009:Mais do que qualquer outro rgo, o Conselho Tutelar tem a exata noo de quais as maiores demandas e deficincias estruturais que o municpio apresenta em sua Rede de Proteo acima referida, tendo assim plenas condies de apontar quais programas e servios devem ser criados, ampliados e/ou readequados realidade do municpio. Como tais programas e servios devem ser vinculados aos rgos encarregados da execuo das polticas pblicas, sendo assim custeados (em carter prioritrio, como visto acima), com recursos provenientes do oramento pblico, nada mais adequado que o Conselho Tutelar participe de sua elaborao e discusso, inclusive e especialmente junto ao CMDCA, bem como na Cmara Municipal.Ademais, trata-se de atribuio expressa, inerente atuao elementar do Conselho Tutelar na defesa dos direitos infanto-juvenis.O Conselho Tutelar, como dito acima, um rgo municipal especializado na defesa dos direitos infanto-juvenis, dotado de autoridade e de poderes-deveres equiparados aos do Juiz da Infncia e da Juventude, cuja atuao, nos casos de sua responsabilidade, substitui (cf. art. 262, do ECA).Embora o Conselho Tutelar atenda promova o encaminhamento de crianas, adolescentes e suas respectivas famlias aos servios e programas em execuo no municpio, no se trata, ele prprio, de um programa de atendimento.De nada adianta criar o Conselho Tutelar sem dot-lo de uma retaguarda de programas e servios capazes de tornar efetivas e eficazes as medidas aplicadas pelo rgo a crianas, adolescentes e suas respectivas famlias. Apenas com a articulao da Rede de Atendimento e Proteo e com a contnua fiscalizao de seu adequado funcionamento (tarefa que por sinal incumbe no apenas ao CMDCA, mas tambm ao Conselho Tutelar e aos demais integrantes do Sistema de Garantias dos Direitos da Criana e do Adolescente j referido), que ser possvel proporcionar a todas as crianas e adolescentes do municpio a proteo integral que lhes devida.A incansvel busca do adequado funcionamento dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criana e do Adolescente e do Conselho Tutelar tarefa que incumbe coletividade brasileira, especialmente aqueles que militam na defesa de direitos humanos. Toda a sociedade, entretanto, deve ser sensibilizada mobilizada a participar desse processo e exigir sua efetividade. Em especial por intermdio de organizaes representativas necessrioocupareste importante espao dedemocracia participativae, num legtimo exerccio decidadania, dar a sua parcela de contribuio para o real diagnstico e o eficiente e eficaz enfrentamento dos problemas que afligem a populao infanto-adolescente e suas famlias (e, em ltima anlise, a toda sociedade), atravs da mencionadas polticas.4. QUESTES PARA REFLEXOAs questes abaixo indicadas podem ser respondidas individual ou coletivamente, preferencialmente coletivizadas suas respostas e reflexes com os pares e com o Sistema de Garantia de Direitos e com a Rede de atendimento.Podemos refletir a partir das questes tratadas no texto e no Manual de Orientao aos gestores municipais - Municpio que respeita a criana do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justia da Criana e do Adolescente/ Ministrio Pblico do Paran e nos perguntar:1.O Estatuto da Criana e do Adolescente nos desafia: somos capazes de reconsiderar velhos hbitos e prticas, reconstruir nossos cotidianos, reavaliar nossa viso de mundo e transformar nossas prticas?2.Por que o Estatuto da Criana e do Adolescente mexeu tanto com valores, prticas, conceitos que j estavam arraigados e causa ainda polmica e reflexes?3.Por que se fala tanto em um novo paradigma para as questes referentes infncia e adolescncia? Que paradigmas so estes?4.Que mudanas se fazem fundamentais neste quadro, onde se fala tanto em direitos de crianas e adolescentes e participao popular?5.Sero os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares rgos genuinamente representativos da participao popular na poltica da infncia?6.Qual a importncia da implantao de polticas pblicas pelo municpio?7.O que a Rede de Proteo Criana e ao Adolescente? Como est organizada em nosso municpio? Quais aes, programas e servios devem integrar uma Rede de Proteo minimamente estruturada?8.Onde sero obtidos os recursos necessrios para implementao e/ou custeio de tal poltica?9.A quem incumbe a articulao da Rede de Proteo, em mbito municipal? Onde sero obtidos os recursos necessrios para estruturao,articulao e manuteno da referida Rede de Proteo?10.O que e qual a funo do Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente - CMDCA?11.Todos tm clareza de suas funes no Sistema de garantia de direitos? E sabem com clareza as funes dos outros rgos? O que podemos fazer para construir esse entendimento?12.Qual a relao do CMDCA com a Prefeitura? Como estamos efetivamente estabelecendo essa relao? Que podemos mudar? O que devemos Mudar?13.E se o CMDCA no delibera no sentido da implementao de polticas pblicas em prol da infncia e da juventude? E se houver recusa, por parte do Prefeito ou dos gestores pblicos, na execuo da poltica deliberada pelo CMDCA para a rea da infncia e da juventude?14.O Conselho Tutelar est devidamente organizado e funcionando com todos os recursos necessrios? Quem o responsvel pela manuteno do Conselho Tutelar?15.Conselho Tutelar no um programa de atendimento? Ento no basta criar e manter o Conselho Tutelar para garantir o adequado atendimento populao infanto-juvenil do municpio?16.Se o atendimento de crianas e adolescentes em situao de risco deve ser realizado pelo Conselho Tutelar, qual o papel da Justia da Infncia e da Juventude?Apresentamos abaixo trs situaes fticas vividas por crianas e adolescentes e apresentadas nos Cadernos Causos do ECA da Fundao telefnica e que podem orient-los em discusses sobre a Poltica de Atendimento criana e ao adolescente estabelecida no Estatuto da Criana e do Adolescente: participao popular, descentralizao, trabalho em rede de servios.Perguntem-se:1.Como se deu a articulao do Trabalho em Rede? Aconteceu ou no? Poderia ser diferente?2.Qual a participao do CMDCA e do CT nesses casos? Quais suas competncias? E o Sistema de Garantia de Direitos?3.Existem realidades semelhantes em nosso municpio? Como temos agido? Como podemos agir?Caso 1Em minha comunidade, surgiu um projeto sem fins lucrativos denominado Projeto Cultural Canarinhos, que tem como objetivo principal trabalhar a preveno das drogas e violncias afins, atravs do esporte, da msica e do teatro, utilizando-se da educao como alicerce bsico para a conquista da cidadania.Passei a frequentar com muito empenho o esporte (futebol), tendo a oportunidade de fazer amigos. Ingressei tambm no teatro e assumi a coordenao musical do grupo. Uma exigncia era feita dentro do projeto: a de que todos os participantes apresentassem mensalmente a folha de frequncia da escola, juntamente com as notas obtidas nas avaliaes,devidamente assinada pelos pais ou responsveis.Observei que todos os colegas seguiam corretamente as normas exigidas, porm havia trs meninos que sempre ficavam de lado, sem treinamento e sem a participao que tanto desejavam.Procurei a direo do projeto e fui informado de que eles, os colegas, no haviam apresentado nenhum documento de identificao, e aguardavam o comparecimento dos responsveis para resolver aquele impasse.O tempo passava e aquela situao comeou a me incomodar. Foi a que resolvi procurar pela famlia dos trs meninos, que assim como eu tinham o direito de fazer parte do projeto e desfrutar tudo de bom que ele oferecia.Descobri ento que nenhum deles possua Certido de Nascimento, bem como nunca haviam frequentado uma escola, por falta do referido documento, o que feria seus direitos elencados no ECA. A me dos mesmos tambm fora negligenciada na infncia e no possua o registro, repassando aos filhos a mesma situao. Disse-me ainda aquela senhora que os filhos haviam nascido em casa com a ajuda de parteira, pois no poderia ir para a maternidade por falta de documentos.Senti necessidade de ajudar aquela me e seus filhos. Foi ento que me dirigi at a Vara da Infncia e Juventude da cidade onde residem e, l chegando, foi solicitado o documento da me para poder regularizar a situao dos filhos.(Causos do ECA: Muitas histrias, um s enredo: O Estatuto da Criana e do Adolescente no cotidiano/desenhos Beth Kok. - So Paulo: Fundao Telefnica, 2010 140 p ISBN 978-85-60195-09-1 1. Direito das crianas - Brasil 2. Direitos dos adolescentes - Brasil 3. Direit0os humanos de crianas e adolescentes no Brasil - Estudo de casos 4. Estatuto da Criana e do Adolescente - ECA - Legislao - Brasil I. Fundao Telefnica. II. Kok, Beth. Pagina 28).Caso 2Era uma vez, duas lindas crianas que moravam em um casebre num bairro pobre da cidade de Curitiba junto com seus pais. Marcela, de olhos expressivos, pretos e amendoados tinha 6 anos e seu irmo Bruno, apenas 2. Na verdade, Marcela era filha s da me, seu pai biolgico havia morrido na priso, porm era cuidada pelo padrasto, que assumiu sua paternidade e a amava de todo o corao.A casa que habitavam parecia aquela da msica Era uma casa muito engraada, no tinha teto, no tinha nada..., mas, de engraada no tinha nada. Era suja, sem luz, sem descarga no banheiro. Todos dormiam e passavam a maior parte do tempo em que estavam em casa amontoados em um mesmo quarto. No quintal morava Bilu, cozinho faceiro, que em meio a um esgoto a cu aberto defendia a casa e seus moradores de qualquer visitante indesejado.A me de Marcela e Bruno, de 23 anos, fazia uso de drogas desde os 12, ou seja, onze anos de uso. Usava droga pesada, crack, o que no permitiu a ela a construo de um repertrio adequado como me, esposa ou cidad. Rompeu com toda a famlia, exceto com sua av. No se alfabetizou, contraiu HIV, se afastou do mundo e o mundo a afastou. Negligenciou tanto as crianas, que o prprio marido se viu na obrigao de denunci-la ao Conselho Tutelar, e o que era para ser uma advertncia, um susto, acabou se transformando em um longo perodo de afastamento dos filhos de casa. Mas nossa linda princesa Marcela no se deixou abater. Tendo como nicas armas sua inteligncia e seu poder de seduo, tornou-se protagonista de um lindo conto de transformao e amor.Em consonncia com o artigo 19 do ECA, que preconiza o direito de toda criana ou adolescente ser criado e educado no seio de sua famlia e, excepcionalmente, em famlia substituta, assegurada a convivncia familiar e comunitria em ambiente livre da presena de pessoas dependentes de substncias entorpecentes, Marcela e Bruno, aps uma rpida passagem por um abrigo, foram acolhidos por uma famlia por um perodo de sete meses.O cabelo de Marcela havia sido raspado no abrigo por causa dos piolhos que havia trazido de casa, seus dentes estavam cariados e sua sade bastante fragilizada. No incio s tinha as mesmas falas, que reproduziam o repertrio da me: minha me usa drogas; eu via ela fumar pelo buraco da fechadura do banheiro; o Bruno s toma leite frio porque sou eu que dou mam pra ele e minha me no deixa eu mexer no fogo; meu pai s vezes bebe; minha me levou um tiro quando eu estava na barriga dela, e assim por diante...A famlia que os acolheu, paciente e amorosa, levou-os ao mdico, ao dentista, igreja. Levou-os para passeios, para a praia. Bruno parou de usar fraldas e passou a usar chupeta s para dormir. Sua fala, que era ininteligvel, passou a ser compreendida. Socializaram-se na comunidade e cresceram, assim como o cabelo de Marcela.Enquanto isso, os pais das crianas travavam suas batalhas pessoais. Ela na luta contra o uso de drogas, ele na corrida contra o tempo para a reorganizao da casa para ter os filhos de volta. Ela engravida, sua me morre, seu humor se altera pela abstinncia. Ele sensvel se comove a toda hora e chora de saudades, de impotncia. O Programa Famlia Acolhedora,que acompanha e monitora a situao, leva e traz as crianas semanalmente para que no se rompa o vnculo que, apesar da gravidade da situao, to forte e bonito entre todos.As famlias inseridas no Programa no esto sozinhas, compartilhando com a Rede de Proteo Social do municpio o dever de garantir os direitos fundamentais de nossas crianas e adolescentes, como preconiza o artigo 4 do ECA: dever da famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e a convivncia familiar e comunitria.Dessa forma, o casal apoiado pela rede socioassistencial com atendimentos no Centro de Referncia de Assistncia Social (CRAS), na Unidade de Sade, e tratamento no Centro de Ateno Psicossocial (CAPS) para a drogadio da me. E no podemos nos esquecer da jovem bisav das crianas, que durante todo o processo se disponibilizou e se desdobrou para apoiar a famlia e ajud-los no seu processo de empoderamento.E assim foi. Casa construda, beb novo, me e pai abstmios reaprendendo o namoro, a cumplicidade, crianas de volta, transformadas, transformando. A cabea de todos cheia de planos: alfabetizao, emprego, casamento (a bisav com um vizinho da neta). Drogas, jura a me, nunca mais!E a nossa pequena princesinha, no dia do seu retorno definitivo para casa, cantarolava assim: A minha me bebia, meu pai bebia tambm, a eu e meu irmo fomos pro orfanato. As mulheres foram buscar a gente e levaram pra casa da tia. A gente ficou morando l. Agora a gente t voltando pra casa. A minha me me adora, a minha me me adora, me adora!.(Causos do ECA: Muitas histrias, um s enredo: O Estatuto da Criana e do Adolescente no cotidiano/desenhos Beth Kok. - So Paulo: Fundao Telefnica, 2010 140 p ISBN 978-85-60195-09-1 1. Direito das crianas - Brasil 2. Direitos dos adolescentes - Brasil 3. Direit0os humanos de crianas e adolescentes no Brasil - Estudo de casos 4. Estatuto da Criana e do Adolescente - ECA - Legislao - Brasil I. Fundao Telefnica. II. Kok, Beth. Pagina 43)Caso 3Trabalhei como educadora em uma creche mantida por uma associao situada numa pequena cidade. Ali todos tinham um medo: de falar.Isso me fazia imaginar outra realidade, para qualquer que fosse o lugar do mundo: que todos pensassem, ou melhor, agissem em defesa dos direitos violados. Ento, se coisa assim fosse possvel, no teria como contar-lhes este causo.Lecionava no perodo da tarde e no perodo da manh fazia servios de secretaria.E ali em meio a papis, com a assistente social, o diretor e gente que entrava e saa, vi,por vrias vezes, um direito fundamental sendo negado: o direito do atendimento criana na creche.Aproveitando-se da falta de conhecimento e da condio de pobreza da maioria dos pais, era fcil dizer-lhes: No h vagas!. Isso me incomodava, pois o que estava em jogo era o sentimento de justia ofendido.A minha indignao me fazia avaliar quem eram aquelas famlias que ficavam sem vagas,quais eram os seus sonhos e perspectivas de futuro. Constatei, assim, que muitas delas,se no fosse por alguns programas sociais, ficariam com a prpria condio humana comprometida.Percebi que tinham pouca - ou nenhuma - perspectiva para o futuro. Simplesmente recebiam respostas, legais ou ilegais, sem questionar.Dia e noite pensava nas crianas que tinham seus direitos negados. A frase No h vagas! soava, para mim, como Este lugar no te pertence, enquanto gente. Era um Se vira!, ilegal e cruel. Cada dia que passa, menos queremos mexer com a nossa misria social e pessoal. Fazia-se necessria a reviso de toda ideologia que sustentava a atitude dos professores, dos diretores, dos assistentes sociais e das famlias. Tudo isso ocorria h anos e se concretizava na frase as coisas sempre foram assim por aqui.Queria fazer alguma coisa. Fiquei no quero e no quero durante dois anos, imobilismo que foi fluindo num movimento tmido no pensamento, at que um dia consegui vislumbrar um horizonte. Percebi que existiam outros mundos possveis.A assistente social tinha muitos servios, e eu propus que ela fizesse as visitas,enquanto eu atenderia os pais para dizer No h vagas! e depois colocar os nomes na lista de espera.Comecei a minha batalha e lancei a semente: quando atendia os pais que ali procuravam vagas para as crianas, dizia: No h vagas, mas a vaga um direito de seu filho, independentemente de voc estar trabalhando ou no. E lia o que determina o ECA no artigo 54: dever do Estado assegurar criana e ao adolescente [...] atendimento em creche e pr escola s crianas de 0 a 6 anos de idade. A seguir, com o endereo do Conselho Tutelar nas mos, orientava muitos pais sobre como deveriam fazer para ter esse direito garantido. E,ainda, no satisfeita com algumas atitudes de conformismo de alguns conselheiros, resolvi anotar o endereo do Ministrio Pblico e indic-lo aos pais.Em pouco tempo chegou do Juizado da Infncia e Juventude a ordem para dar vaga quelas crianas. E, apesar da creche no comportar a demanda, confesso que foi um dia de felicidade. A minha vontade era a de lutar contra a ausncia de direito onde esse grita em silncio.Fui repreendida por estar indicando os caminhos que os pais deveriam seguir para ter uma vaga, porm me soava mais forte que quando nada fazemos estamos sendo covardes. A vaga um direito pblico subjetivo da criana, ningum pode neg-la.A creche passou de 70 para 180 crianas, mas havia outro problema: falta de funcionrios e de estrutura fsica. Este problema eu e alguns professores e conselheiros tutelares fizemos questo de solucionar: com uma denncia atrs da outra para o Ministrio Pblico,reivindicando aos polticos locais e instigando as outras pessoas a fazerem o mesmo.Consegui pais que me apoiassem nas reunies escolares. Houve dias em que o diretor ficava dentro da sala para ver o que eu iria dizer durante as reunies. Com os pais discutia alguns temas por meio de curtas ou dinmicas e descobri que as reunies escolares so a ocasio para se aprender cidadania.Em novembro de 2007 fui despedida, porm, no fui a nica. Chegou ao prefeito a ordem para resolver os problemas da creche, houve muitas investigaes de irregularidades na Associao e no houve outra sada, seno municipalizar.Todos os funcionrios foram demitidos em dezembro de 2007 em virtude da municipalizao.Com esse fato, houve concurso para professor, no qual eu passei em primeiro lugar! O prefeito construiu em outra escola espaos para atender demanda reprimida da creche.Hoje no existem listas de espera nas creches da cidade. Continuo como professora no mesmo lugar; l no se nega mais vagas e as crianas podem ser atendidas dignamente. Ver o ECA sendo cumprido, no s no que se refere s vagas, mas tambm qualidade do atendimento criana, me fez acreditar que apesar dos tempos sempre difceis possvel caminhar.E que so com as pequenas atitudes, uma aqui, outra ali, que podemos alcanar o que nos parecia inalcanvel.Percebi que a justia e o direito no florescem numa cidade ou pas pelo simples fato de as autoridades judiciais e policiais estarem prontas para fazer o trabalho que lhes cabe;cada um de ns tem de dar a sua contribuio para que isso possa ocorrer. preciso lanar a semente.O educador tem papel central na educao, tanto dentro da sala de aula quanto fora dela, devendo ter atitude diante das realidades injustas que presencia. Foi o que me propus a fazer, contra o meu medo de falar e contra as injustias que vi.O ECA um instrumento de trabalho da escola e da sociedade, que garante direitos fundamentais criana e ao adolescente, e vislumbra meios para alcan-los. Contudo, senti que a batalha estava ganha, mas no a guerra. Ainda h muito que fazer contra a ignorncia, a opresso, a misria moral e poltica que pretendem nos corromper cotidianamente.(Causos do ECA: Muitas histrias, um s enredo: O Estatuto da Criana e do Adolescente no cotidiano/desenhos Beth Kok. - SoPaulo: Fundao Telefnica, 2010 140 pISBN 978-85-60195-09-11. Direito das crianas - Brasil 2. Direitos dos adolescentes - Brasil 3. Direit0os humanos de crianas e adolescentes no Brasil -Estudo de casos 4. Estatuto da Criana e do Adolescente - ECA -Legislao - Brasil I. Fundao Telefnica. II. Kok, Beth.)5. INDICAO DE MATERIAL DE APOIOComo referncia para ampliao de acesso a recursos didticos e textos que podem ser utilizados de maneira complementar sugere-se os sites abaixo:Causos do ECAhttp://www.promenino.org.br/CausosdoECA/tabid/56/Default.aspxCentro de Apoio Operacional das promotorias da Criana e do Adolescente do Ministrio pblico do Paran- Doutrina.http://www.crianca.mppr.mp.br/Proteo, sade e educao de crianas.http://www.fundabrinq.org.br/portal/default.aspxArtigos para download (polticas para infncia abordagem nacional e internacional)http://www.ciespi.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=12Manual de Perguntas e Respostas para criao e estruturao dos: CONSELHOS MUNICIPAIS DOS DIREITOS DA CRIANA E DO ADOLESCENTE CONSELHOS TUTELARES FUNDOS MUNICIPAIShttp://www.dhnet.org.br/direitos/sos/c_a/manual_cedica.htm6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASEstatuto da criana e do adolescente. Lei n 8.069/90http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htmPublicado em: Direitos Humanos e Questo Social na Amrica Latina. Silene de Moraes Freire (org). Rio de Janeiro: Gramma, 2009.Populao Infantil e Juvenil: Direitos Humanos, Pobreza e DesigualdadesIrene Rizzinihttp://www.ciespi.org.br/media/artigo_pop_infantil_direitos_humanos_2009.pdfLABORE Laboratrio de Estudos ContemporneosPOLM!CARevista EletrnicaUniversidade do Estado do Rio de JaneiroR So Francisco Xavier, n 524 - 2 andar, sala 60 - Maracan - Rio de Janeiro - RJ CEP 24.590-013 Tels: (0xx21) 2587-7960/ 2587-7961e-mail:[email protected] DIREITOS FUNDAMENTAIS DE CRIANAS E ADOLESCENTES EM FAVELAS CARIOCAS: PROBLEMATIZANDO A PRODUO DA NEGLIGNCIAPAULA CORREIA DE MIRANDA Psicloga, aluna do curso de Especializao em Psicologia Jurdica da UERJ PROFA. DRA. MARIA HELENA ZAMORA Vice-Coordenadora do LIPIS. Doutora em Psicologia Clnica; Professora Depto. de Psicologia da PUC-Rio e do Curso de Especializao em Psicologia Jurdica da UERJ.O Sistema de Garantias de Direitos da Criana e do Adolescente e o desafio do trabalho em RedeMurillo Jos DigicomoPromotor de Justia no Estado do Paranhttp://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=390Cartilha para Prefeitos. Imagens extradas e convertidas da verso eletrnica do livro Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente e Conselho Tutelar: orientaes para criao e funcionamento, publicado pelo CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente, Braslia - 2007. A ilustrao Sistemas de Garantias de Direitos da Criana e do Adolescente cpia de desenho livre do Dr. Murillo Jos Digicomo.http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/cartilha_prefeitos_eleitos_v2.pdfCausos do ECA: Muitas histrias, um s enredo: O Estatuto da Criana e do Adolescente no cotidiano/desenhos Beth Kok. - So Paulo: Fundao Telefnica, 2010 140 p ISBN 978-85-60195-09-1 1. Direito das crianas - Brasil 2. Direitos dos adolescentes - Brasil 3. Direit0os humanos de crianas e adolescentes no Brasil -Estudo de casos 4. Estatuto da Criana e do Adolescente - ECA -Legislao - Brasil Fundao Telefnica. II. Kok, Beth. Pagina 28http://www.promenino.org.br/Portals/0/CAUSOS%206%20Portal.pdfAngela MendonaCuritiba, maio de 2011Sobre a autora:Angela Christianne Lunedo de Mendona Pedagoga, Bacharel em Direito, Especialista em Planejamento e Administrao Pblica pela UFPR e cursando Especializao em Estado Democrtico de Direito pela FEMPAR Fundao Escola do ministrio Publico do Paran. Assessora tcnica do CAOPCA MPPR - Centro de Apoio Operacional s Promotorias da Criana e do Adolescente do Ministrio Pblico do Paran.Fone: (41) 3250-4722E-mail:[email protected] relacionadas:(links internos) Causos do ECA Conselho Tutelar Poltica Socioeducativa