Política do livro didático GARCEZ

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Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade de Brasília

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA FACULDADE DE EDUCAO MESTRADO EM EDUCAO POLTICAS PBLICAS E GESTO DA EDUCAO BSICA

POLTICA DO LIVRO DIDTICO PARA O ENSINO MDIO:FUNDAMENTOS E PRTICAS

Fernando Garcez de Melo

Braslia, abril de 2012

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Fernando Garcez de Melo

POLTICA DO LIVRO DIDTICO PARA O ENSINO MDIO:FUNDAMENTOS E PRTICAS

Dissertao apresentada como exigncia parcial do Programa de Mestrado em Educao da Faculdade de Educao da Universidade de Braslia na Linha de Pesquisa: Polticas Pblicas e Gesto da Educao Bsica. Orientadora: Prof Dr Maria Abdia da Silva.

Braslia, abril de 2012

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Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Braslia. Acervo 999566.

M528p

Melo, Fernando Garcez de. Poltica do livro didtico para o ensino mdio: fundamentos e prtica / Fernando Garcez de Melo. - - 2012. xii, 160 f.: il. 30 cm. Dissertao (mestrado) - Universidade de Braslia, Faculdade de Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao: Polticas Pblicas e Gesto da Educao Bsica, 2012. Inclui bibliografia. Orientao: Maria Abdia da Silva. 1. Ensino mdio. 2. Poltica pblica - Educao Livros didticos. I. Silva, Maria Abdia da. II . Ttulo. CDU 371.671.1(81)

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Agradecimentos Agradecer reconhecer as manifestaes e atitudes de apoio, de incentivo e de estima a mim, sejam elas relacionadas especificamente com o texto acadmico ou de amparo emocional, financeiro e de paz a esse incipiente pesquisador, que em conversas e trocas de experincias tambm aprendeu. tambm uma forma de relembrar o percurso realizado, da euforia do ingresso, passando por um intrincado caminho, at a culminncia na defesa. Agradeo: minha famlia, que v o filho caula alar voo outrora inimaginvel, pelo amor e disposio em colaborar, cada um sua maneira. Minha me, Marli, que da experincia do campo e a falta de escola me proporcionou a esperana e a crena de que mudanas so possveis. Meu pai, Luiz, que tem orgulho das minhas conquistas, maior do que eu prprio s tenho. Meus irmos, Andra e Rodrigo, com quem sempre pude contar. Minhas avs Clarinda e Maria, e meu av Francisco. Os tios Carlos e Batista, e tias Maria e Marlene que sempre pede que sejam derramadas bnos sobre todos ns. E aos novos membros da famlia, Cid e Sabrina, que nos brindam com suas companhias. s minhas fontes de inspirao e de dedicao pelo ato de educar, meu afilhado Pedro e o sobrinho Gabriel, cheios de travessuras e amor, mostram que caractersticas to distintas que formam um nico ser humano. famlia Pedroza Aderbal, Clia, Reigler, Poliana e Danilo sempre acolhedores e motivadores, amigos, companheiros de lutas e alegrias. Aos sempre amigos e amigas, meu primo Bruno, Fagner, Vanessa Rodrigues, Arlindo, Alessandra Barreiro, Leonardo, Rosirene, Rafael Canedo, Bruno Edson, Margarete Zambeli, Regiane e todo o pessoal com que convivi na Colina, por me inspirarem e instigarem ao estudo acadmico, pelas boas conversas e risadas, por me ouvirem e, dessa forma simples, mas amigvel, renovar s minhas foras. A todas e todos da escola municipal Moiss Santana um forte abrao, representados nas pessoas de Ktia Calile e Chirley Couto, vocs so especiais. equipe da Universidade Aberta do Brasil, Faculdade de Educao Fsica da UnB, onde ao orientar pude aprender, reconhecimento que estendo a equipe do Prlicenciatura. Faculdade de Educao, Universidade de Braslia, pela recepo e inmeras oportunidades de aprendizagem, das quais me empenhei em incorporar nesse trabalho, mas que pela riqueza e diversidade exigem de mim maior tempo para assimilar. Tais momentos foram frutos das disciplinas ministradas por Jos Vieira, Bernardo Kipnis e Remi Castioni. Na Faculdade de Educao Fsica, UnB, Dulce Suassuna me abriu novos horizontes.

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s companheiras Carolina Mendes e Margareth Macedo, sempre tero meu carinho, vocs bem sabem o itinerrio feito. Aos participantes do grupo de pesquisa em polticas pblicas da educao bsica, Kttia, Adriano e Marianna, pelos debates, regrados a biscoitos e caf, e que podem muito bem continuar. Na qualificao, a professora Rensia Filice no poupou esforos para colaborar na minha pretensiosa incurso no campo da histria, um muito obrigado. Ao professor Itamar Freitas, pela arguio instigante no momento da qualificao e a participao na banca de defesa. Ao professor Clio Cunha, que me acompanhou desde a entrevista da seleo para o mestrado, pelas ideias e reflexes no Ceduc e nos Fruns Internacionais promovidos. Maria Abdia da Silva, por abrir as portas da pesquisa acadmica, pela disciplina ministrada e a orientao ao longo do mestrado, e que o transcende. Agradecimento especial aos professores e professoras entrevistados(as) e estudantes participantes, com os quais aprendi muito, para vocs o meu humilde desejo em retribuir altura com essa pesquisa. A Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) pelo financiamento da pesquisa, item imprescindvel para todos os momentos referidos acima. A Deus que por formas que eu nunca compreendi muito bem, mas que propiciou a concluso dessa fase e me induz para novos desafios.

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MELO, Fernando Garcez de. Poltica do livro didtico para o ensino mdio: fundamentos e prticas. 2012. 161 f. Dissertao (Mestrado em educao) Faculdade de Educao, Universidade de Braslia, Braslia, 2012. E-mail: [email protected] RESUMO Essa pesquisa tem como objeto a poltica do livro didtico para o ensino mdio e traou o objetivo de analisar o processo de implementao da poltica do livro didtico materializada pelo PNLD-Ensino Mdio com foco nas aes entre o governo federal e os sujeitos escolares (docentes e discentes). Para apreender o objeto delineou a questo, como a poltica do livro didtico possibilitou o acesso ao conhecimento escolar de histria para os estudantes do ensino mdio pblico diurno no municpio de Goinia, de 2007 a 2011? Os pressupostos metodolgicos se inspiram na dialtica de cunho marxista e situam na perspectiva qualitativa. Ao eleger como categorias fundantes a contradio e a prtica social emergiu-se os sujeitos escolares (docentes e discentes) como participes da histria que carregam um potencial significativo na construo e implementao da poltica investigada. Dessa forma no programa perpassa interesses antagnicos, pondo em pugna fins econmicos e educacionais. No obstante s influncias e intervenes externas sobre a poltica, os dados indicaram que os estudantes se apropriam do livro didtico de forma diversificada, tendo ainda no professor sua principal referencia na mediao do conhecimento. O PNLD-Ensino Mdio incide sobre a atuao dos professores, em especial, no processo de escolha e na prtica educativa, numa trama marcada por aproximaes e tenses entre as aes governamentais e os princpios dos educadores. Nesta dinmica, o estudo revela evidncias da microrregulao e traos da autorregulao tico-poltico, sendo aspectos constituintes da implementao da poltica do livro didtico e das formas com que os estudantes tm acesso ao conhecimento.

Palavras-chave: Poltica do livro didtico; Ensino mdio; Implementao de poltica; Livro didtico.

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ABSTRATC

This research aims of the policy textbook for middle school and outlined the purpose of analyzing the process of implementing the policy of the textbook materialized by the PNDL-Ensino Mdio with a focus on the actions of the federal government and school subjects (teachers and students). To grasp the object outlined the issue, as the policy of the textbook gave access to school know ledge of history to students in public high school day in assumptions are qualitative way. the city of Goinia, from by 2007 to of

2011? The methodological nature and located in a

inspired

the marxist dialectic as founding

When elected

categories

contradiction and social practice emerged was the subject school (teachers and students) as a partaker of the story that carries a significant potential in the construction and implementation of the investigation, so the program runs through antagonistic interests, putting in wrestling ends economic and educational. Despite external influences

and interventions on the policy, the data indicated that students take ownership of the textbook so diverse, but the teacher still has its main reference for the mediation of knowledge. The PNLD-Ensino Mdio focuses on the performance of

teachers, especially in the selection process and in educational practice, in a plot marked by similarities educators. In and tensions this dynamic, between government the study reveals actions and the principles of of micro-

evidence of traces

regulation and ethical-political self-regulation, and constitutive aspects of the policy of the textbook and the ways in which students have access to knowledge.

Keywords: Politics textbook; High school; Policy implementation; Textbook.

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LISTA DE SIGLAS Abrale Associao Brasileira de Autores de Livros Educacionais Andes Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior Anped Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao CAPES Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal de Ensino Superior CBL Cmara Brasileira do Livro Cedes Centro de Estudos Educao e Sociedade CNLD Comisso Nacional do Livro Didtico CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNTE - Confederao Nacional dos Trabalhadores da Educao Colted Comisso do Livro Tcnico e do Livro Didtico CPB - Confederao de Professores do Brasil EBCT Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos Enem Exame Nacional do Ensino Mdio FAE Fundao de Apoio ao Estudante Fename Fundao Nacional do Material Escolar FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Inep Instituto Nacional de Pesquisa e Estudos Educacionais Ansio Teixeira INL Instituto Nacional do Livro LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional MEC Ministrio da Educao PCN Parmetros Curriculares Nacionais PEE-GO Plano Estadual de Educao de Gois PL Projeto de Lei PLIDEF Programa do Livro Didtico para o Ensino Fundamental

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PLIDEM Programa do Livro Didtico para o Ensino Mdio PLIDES Programa do Livro Didtico para o Ensino Superior PLIDESU Programa do Livro Didtico para o Ensino Supletivo PNBE Programa Nacional de Biblioteca Escolar PNE Plano Nacional de Educao PNLA Programa Nacional do Livro Didtico para a Alfabetizao de Jovens e Adultos PNLD Programa Nacional do Livro Didtico PNLD-Ensino Mdio Programa Nacional do Livro Didtico para o Ensino Mdio PNLEM Programa Nacional do Livro para o Ensino Mdio PUC-GO Pontifcia Universidade Catlica de Gois PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica SEB Secretaria de Educao Bsica do Ministrio da Educao SEE-GO Secretaria de Estado da Educao de Gois SEF Secretaria de Educao Fundamental Simad Sistema de Material Didtico SNEL Sindicato Nacional dos Editores de Livros UFG Universidade Federal de Gois Unesco Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura Usaid United States Agency for International Development USP Universidade de So Paulo

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LISTA DE QUADROS Quadro 1: Produes selecionadas sobre o livro didtico (1997-2009). . . . . . . . . . . . . .6 Quadro 2: rgos responsveis pela execuo da poltica do livro didtico. . . . . . . . 25 Quadro 3: Legislao da poltica do livro didtico para o ensino mdio. . . . . . . . . . . .66 Quadro 4: Sujeitos selecionados para a investigao. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75 Quadro 5: Caracterizao dos docentes participantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Quadro 6: Demonstrativo de aquisio do PNLD-Ensino Mdio/2008. . . . . . . . . . . . .88 Quadro 7: Como gerir uma poltica do livro didtico de Histria conduzida pelo Estado?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .130

LISTA DE TABELAS Tabela 1: Vendas de livros e livros didticos no Brasil, 1998-2006. . . . . . . . . . . . . . . 69 Tabela 2: Principais formas de acesso ao livro no Brasil (por classe social). . . . . . . . 69 Tabela 3: Gasto anual pelo FNDE para a distribuio de livros didticos para o ensino fundamental, mdio e alfabetizao de jovens e adultos, em reais. (1997-2009). . . . . 70 Tabela 4: Matrculas do ensino mdio por dependncia administrativa em Gois: 20002010. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .80 Tabela 5: Matrculas em Goinia do ensino mdio por dependncia administrativa: 2000-2010. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

LISTA DE GRFICOS Grfico 1: Livros distribudos para as escolas de ensino mdio em Goinia, 2008. . . .89 Grfico 2: Homens e mulheres entre os estudantes do ensino mdio. . . . . . . . . . . . . . 92 Grfico 3: Faixa etria dos estudantes participantes da pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . .93 Grfico 4: O uso do livro didtico pelos estudantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99 Grfico 5: Avaliao sobre o livro didtico de Histria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .100 Grfico 6: Meios em que buscam o conhecimento histrico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .101

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SUMRIO

INTRODUO 1. O objeto da investigao: a poltica do livro didtico para o ensino mdio 2. Relevncia acadmica, poltica e social do objeto 3. Pressupostos metodolgicos CAPTULO I LIVRO DIDTICO: A CONSTRUO DE UMA POLTICA SOCIAL 1.1. Vicissitudes da poltica do livro didtico (1938-1964) 1.2. A poltica do livro didtico na Ditadura Militar 1.3. O Programa Nacional do Livro Didtico/PNLD (1985-1994) CAPTULO II UMA INCURSO SOBRE OS FUNDAMENTOS DA POLTICA DO LIVRO DIDTICO 2.1. As atribuies do Estado brasileiro e suas marcas na poltica educacional 2.2. As diversas e oscilantes formas de regulao na educao pblica 2.3. A revitalizao do PNLD: regular e avaliar para qualificar

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2.4. O Programa Nacional do Livro Didtico para o Ensino Mdio/PNLD-Ensino Mdio: lgica e processos CAPTULO III POLTICA DO LIVRO DIDTICO ENTREMEADA NO ENSINO MDIO DE GOINIA 3.1. O percurso de captao dos dados empricos 3.2. Notas sobre o sistema estadual de ensino mdio pblico em Goinia 3.3. As razes do PNLD-Ensino Mdio e repercusses nos atores escolares 3.4. As perspectivas dos estudantes sobre o livro didtico de Histria 73 73 77 83 91 62

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CAPTULO IV A POLTICA DO LIVRO DIDTICO INCIDE NA ATUAO DOS EDUCADORES 103

4.1. Sentidos do livro didtico: a expresso subjetiva elaborada nas condies objetivas 4.2. O processo de escolha: participao e percalos 104 110

4.3. A regulao pelo Estado via livro didtico: avanos e limites nas contingncias do ensino mdio 121

4.4. Da gesto da poltica atuao dos educadores na mediao do conhecimento Eplogo Referncias Apndices 129 140 145 159

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INTRODUO 1. O objeto da investigao: a poltica do livro didtico para o ensino mdio Trata-se de um estudo situado na Linha de pesquisa de Polticas Pblicas e Gesto da Educao Bsica do Programa de Ps-Graduao, Faculdade de Educao, da Universidade de Braslia, que elege como objeto a poltica do livro didtico materializada por meio do Programa Nacional do Livro Didtico para o Ensino Mdio1 (doravante denominado PNLD-Ensino Mdio) no contexto de Goinia-GO, no perodo de 2007 a 2011. A minha inquietao com o universo educacional e poltico iniciou no curso em Educao Fsica2. No decorrer do curso e, posteriormente, ao me deparar com o mercado de trabalho, a formao foi se deslocando do foco em preparao fsica em ambientes no-escolares para uma formao ampliada que articula escola e sociedade. Assim, a primeira experincia profissional foi como professor de Educao Fsica na rede estadual de Gois. A labuta era grande e os desafios que as escolas impunham eram ainda maiores, mas, cheio de perspectivas, busquei o aperfeioamento no curso de especializao em Educao Fsica escolar (2008-2009). Neste curso, a partir de uma discusso em aula, surgiu o interesse por um livro didtico de Educao Fsica. Isto porque a Secretaria Estadual de Educao do Paran, por meio de seu programa Projeto Folhas, publicou em 2006 o livro intitulado Educao Fsica3, elaborado pelos prprios professores da rede, cujo objetivo era construir saberes interrelacionados com o contexto dos estudantes e promover a sua formao continuada. O resultado dessa experincia resultou na monografia de especializao, intitulada Educao Fsica e o livro didtico: primeiras aproximaes (MELO, 2009). Dessa maneira, a descoberta das mltiplas facetas desse objeto e o alerta de Choppin (2008) quanto importncia de se considerar sua dimenso poltica direcionaram-me para o universo das polticas do livro didtico executadas pelo governo federal, em especial para o ensino mdio.1

Criado em 2003, o programa recebe a denominao de Programa Nacional do Livro para o Ensino Mdio, o PNLEM. A partir de 2007, passa a ser tratado em documentos oficiais tambm como PNLD para o Ensino Mdio. Com a existncia de termos distintos para uma mesma ao governamental, optamos em trat-lo com a mesma denominao PNLD-Ensino Mdio, salvo quando for transcrio exata de documentos oficiais dos quais manteremos o termo utilizado no mesmo. 2 Realizado na Faculdade de Educao Fsica da Universidade Federal de Gois. Nesta instituio, posteriormente realizei minha especializao. 3 VRIOS AUTORES. Educao Fsica. Curitiba: SEED-PR, 2006.

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Na definio do livro didtico h divergncias entre os pesquisadores, assim, o tomamos numa larga noo como sendo aquele em que o escritor/editor faz a mediao de parte do conhecimento cientfico para as linguagens escolarizadas, conforme os nveis e sries de ensino, com a finalidade de favorecer o estudo e as aprendizagens de docentes e discentes. E, concomitante ambincia escolar, constroemse saberes e prticas que influem sobre o conhecimento cientfico e a cultura erudita. Trata-se, pois, de um objeto manufaturado que, alm do escritor, pode envolver uma diversificada equipe de especialistas4, e para ser utilizado nas escolas pblicas necessita de uma autorizao5 de equipe tcnico-poltica designada pelo Estado, que tambm providencia a sua distribuio. um instrumento poltico, social e pedaggico destinado aos processos educacionais, visto que difunde determinados contedos, ideias, ideologias, valores e culturas. E, desse modo, pode servir tanto como organizador das aulas dos professores (fins pedaggicos), uma vez que aglutina parte substantiva do currculo nacional (fins polticos) quanto para auferir mais-valia para a indstria do livro (fins mercadolgicos) (LAJOLO, 1996; MUNAKATA, 1997; BITTENCOURT, 2002; CASSIANO, 2007). O livro didtico, fruto desse intrincado processo de produo, distribuio e consumo, foi alado como questo educacional e poltica no primeiro quartel do sculo XIX, para condicionar o leitor professor, criana e jovem a abordar a leitura de forma homognea, tendo uma compreenso exata das palavras, com um sentido nico (BITTENCOURT, 2008, p. 27), aforismo que amide ressoa na histria como meio de enraizar na populao seu iderio e ideais. Esta concepo poltica possui um carter etnocntrico por subentender a existncia de uma verdade nica e universal. A implicao dessa tica na poltica pblica incorre na adoo do princpio da homogeneidade, como fim de uma poltica pblica ou como meio de sua operacionalizao, [...] no tratando os grupos sociais considerados diferentes como tais, mas na perspectiva de os igualar (BONETI, 2007, p. 22-23). Entretanto, o desenrolar dessa perspectiva na prtica social foi contraditrio, pois o mesmo objeto que deveria incutir a viso hegemnica dotava o indivduo da capacidade de leitura e, com4

Essa equipe pode envolver os seguintes profissionais: editor, consultor tcnico (ou didtico), coordenador de edio, assistente editorial, editor de texto, preparador de texto, pesquisador iconogrfico, revisor, editor de arte, coordenador grfico, diagramador, arte-finalista, ilustrador, fotgrafo, digitador, capista (MUNAKATA, 1997). 5 Os livros didticos (e similares: compndio, livro escolar, apostila) utilizados nas escolas privadas do Brasil no precisam de autorizao do governo.

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esta, as suas mltiplas possibilidades de apropriao. Nesse sentido, alarga a compreenso de um fenmeno medida que articulamos o real e suas possibilidades: a compreenso do contexto social atua como uma possibilidade, o porvir, que o planejamento de aes visando sua alterao. Dessa maneira, Boneti (2007), ao conceituar as polticas pblicas, compreende-as como:[...] as aes que nascem do contexto social, mas que passam pela esfera estatal como uma deciso de interveno pblica numa realidade social, quer seja para fazer investimentos ou para uma mera regulamentao administrativa. Entende-se por polticas pblicas o resultado da dinmica do jogo de foras que se estabelece no mbito das relaes de poder, relaes essas constitudas pelos grupos econmicos e polticos, classes sociais e demais organizaes da sociedade civil (BONETI, 2007, p. 74).

A compreenso de Boneti (2007) acerca da poltica pblica traz implcita a possibilidade de entend-la como resultado da dinmica do jogo de foras, visto que denota a historicidade de sua construo, movimentos e conflitos. E, ao explicitar os preceitos das intervenes pblicas, supera vises que veem as aes como uma mera regulamentao. Admite ainda que a poltica pblica, nesse jogo de foras, pode assumir um carter social que influencia no seu tempo histrico na perspectiva de superar a estrutura de desigualdade e explorao social. Sendo assim, uma poltica social resulta de um processo contraditrio e de antagonismo/luta entre as classes sociais, constituindo-se como resultado das divergncias, tenses, cooptao,

reivindicaes, consenso e conflitos. , pois, ponto de chegada possvel, mesmo que provisrio. Ento, nessa conjuntura, elegeu-se o problema de pesquisa: como a poltica do livro didtico possibilitou o acesso ao conhecimento escolar de Histria para os estudantes do ensino mdio pblico diurno no municpio de Goinia, de 2007 a 2011? O PNLD-Ensino Mdio, concebido pela Resoluo n. 038, de 2003, passa a atender gradualmente as diferentes disciplinas que formam o currculo do ensino mdio. Desde ento, tambm ocorreram alteraes quanto legislao e aos mecanismos procedimentais para sua execuo. A disciplina de Histria, recorte deste estudo, passou a ser contemplada pelo programa a partir de 2008 e, assim, o marco cronolgico nos remete ao ano de 2003 e se estende at 2011, com a realizao do processo de escolha das obras e colees didticas. E para analisar a experincia da poltica do livro didtico, elegeu-se o municpio de Goinia que, conforme o Sistema de Material

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Didtico (Simad), em 2008, atendeu 77 escolas com livros didticos de Histria. 2. Relevncia acadmica, poltica e social do objeto A relevncia acadmica deste estudo, que trata da poltica do livro didtico de Histria, decorre da busca para superar sua aparente banalidade por vulgarizar o conhecimento (ALVES, 2006) e revelar sua complexidade poltica e educativa. Assim o faz Bittencourt (2008) ao tomar a histria do livro escolar, apresentando o caminho metodolgico de tomar o livro didtico de forma ampla: significa compreend-lo desde a sua concepo at a sua utilizao em sala de aula. Dentre as concluses, refere-se compreenso de que o saber escolar no significa mera transposio didtica do conhecimento cientfico, sendo, pois, construdo e transformado na prtica escolar. O trabalho investigou o perodo entre 1810 e 1910 e abriu alas para uma srie de investigaes como, por exemplo: a formulao de polticas do livro didtico, a influncia desse material no processo de ensino e aprendizagem, o uso realizado em ambientes educacionais e a sua metamorfose. Nessa perspectiva de historicizar o livro didtico, Munakata (1997) analisa a sua dimenso do mercado brasileiro, a relao desse mercado com as aes do Estado principal consumidor desse produto , mas tambm as reaes e aes dos agentes efetivos nos vrios momentos dessa relao. No exame da produo de livros didticos realizado por Gatti Jnior (2004), que, ao investigar o perodo de 1970 a 1990, evidenciou a transmutao de uma obra produzida individualmente e quase artesanal para o estabelecimento das equipes tcnicas, dentro da moderna indstria editorial, responsvel pela elaborao desses produtos para o mercado escolar. E, dessa forma, foi capaz de exercer sua dupla funo: de portadores dos contedos explcitos e de organizadores das aulas de Histria nos nveis fundamental e mdio da educao escolar brasileira (GATTI JNIOR, 2004, p. 16). A centralidade do livro didtico na educao escolar tambm foi legitimada, por processos globais, tais como os estudos tcnicos formulados pelos organismos financeiros internacionais, que lograram aglutinar o currculo nacional, sendo o livro didtico uma estratgia significativa (CASSIANO, 2007). No obstante reconhecer as determinaes sobrepostas ao livro didtico que, tanto pelo mercado quanto pelas decises polticas estatais (ASSUNO, 2009), revela a interferncia da sociedade civil e desconstri a influncia linear da infraestrutura sobre a superestrutura.

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A diversidade de concepes do livro didtico foi posta como intrnseca realidade brasileira, alm da trama entre os agentes envolvidos em sua constituio6, da formulao e avaliao ao uso em sala de aula, resultando em convergncias e divergncias acerca da acepo desse material escolar (SOUZA, 2009) e desdobrandose em prticas que aproximam ou distanciam-se do iderio da poltica social do livro didtico. Esses estudos sobre o livro didtico evidenciam muitas facetas e articulam os aspectos polticos e econmicos na sua constituio e tambm nos remetem a considerar a experincia cotidiana dos professores e estudantes, tal como foi realizado por Lima (2004) ao investigar a leitura do livro escolar de Histria por estudantes da 5 srie. Lima (2004) concluiu que, na interao com a realidade, o estudante sujeito concreto e cognoscente que detm uma autonomia relativa na produo do conhecimento e no direcionamento de sua concepo de mundo. Em meio a esses aspectos, cabe ainda ressaltar o papel da poltica do livro didtico como estratgia para melhorar a qualidade do ensino no Brasil. Tal foi a anlise empreendida por Mantovani (2009), que apresenta a importncia da realizao e aperfeioamento da avaliao das colees didticas feitas pelo MEC, resultando tanto na melhora dos aspectos editoriais quanto dos contedos explcitos. A relevncia poltica e social do estudo evidencia-se pela preponderncia dada ao livro didtico pela poltica pblica educacional como fator que assegura o acesso e permanncia do aluno no ensino mdio e ao conhecimento socialmente produzido. Por outro lado, ao fornecer o acesso informao e cultura por meio desse material, pode tornar-se uma presuno de controle sobre as necessidades sociais de professores e estudantes.

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Os agentes considerados nessa composio foram: o MEC, o gestor do Programa Nacional do Livro Didtico e seus pareceristas; a Academia, com seus pesquisadores do tema; a mdia e os jornalistas que opinam polemicamente sobre os livros didticos; a Associao Brasileira de Autores de Livros Educacionais (Abrale); e os professores de Histria da rede pblica (SOUZA, 2009).

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Quadro 1: Produes selecionadas sobre o livro didtico, 1997-2009.Dados da obra Autor/Instituio Circe M. F. Bittencourt Livro* (2008) Ttulo Livro didtico e saber escolar: 1810-1910 Sinopse Aborda a histria do livro didtico no processo de constituio do ensino escolar brasileiro no decorrer do sculo XIX e no incio do sculo XX. A proposta pensar o livro didtico de forma ampla, acompanhando desde a sua concepo at a sua utilizao em sala de aula. Analisa a dimenso do mercado brasileiro de livros didticos, a relao desse mercado com as aes do Estado principal consumidor desse produto , mas tambm as reaes e aes dos agentes efetivos nos vrios momentos dessa relao. O trabalho se insere no campo da histria das disciplinas escolares e concentra-se no exame da mudana dos contedos e formas editoriais em livros didticos de Histria, no perodo entre as dcadas de 1970 e 1990. Versa sobre as prticas de leitura de estudantes, relativamente a livros didticos de Histria. Conclu que, na interao com a realidade, o aluno sujeito concreto que goza de uma autonomia relativa na produo do conhecimento e no direcionamento de sua concepo de mundo. Apresenta a resultante de duas dcadas da implementao do Programa Nacional do Livro Didtico no Brasil como tambm as alteraes ocorridas no mercado dos livros escolares. Objetivouse explicitar que processos globais resultam em determinaes de mercado para o currculo desenvolvido nas escolas.

Kazumi Munakata PUC-SP, Doutorado (1997) Dcio Gatti Jnior Livro** (2004)

Produzindo didticos e paradidticos

livros

A escrita escolar da Histria: livro didtico e ensino no Brasil (1970-1990) As mltiplas leituras e vises de mundo nos livros didticos de Histria

Elicio G. Lima UNICAMP, Mestrado (2004)

Clia C. de F. O mercado do livro Cassiano didtico no Brasil: da PUC-SP, criao do Programa Doutorado Nacional do Livro (2007) Didtico (PNLD) entrada do capital internacional espanhol (19852007) Marcelo M. de Concepes de livro Identificou as concepes de livros didticos de Souza didtico: entre Histria do ensino fundamental II em suas PUC-SP, convergncias e divergncias e convergncias. Mestrado (2009) divergncias Katia P. O Programa Analisou a importncia da avaliao do livro didtico Mantovani Nacional do Livro feita pelos programas do governo e o impacto na USP, Didtico: qualidade do ensino pblico. Conclu que percebeu Mestrado (2009) impacto na qualidade avanos na qualidade editorial e nos contedos dos do ensino pblico livros didticos. Cristina A. de A Ditadura Militar Analisa os livros didticos de histria do Brasil Assuno, retratada nos livros escritos no perodo da Ditadura Militar e observa se PUC-SP, didticos de Histria em seus textos h correspondncias com os preceitos Mestrado (2009) do Brasil de 1964 a da ideologia de segurana nacional implementado pelo 1985. novo regime. Fontes: Banco de Teses Capes/MEC; Biblioteca Digital da PUC-SP SAPIENTIA; e Biblioteca Digital da UNICAMP. Elaborao prpria. * Fruto da tese Livro didtico e conhecimento histrico: uma histria do saber escolar (1993). **Resultado da tese Livro didtico e ensino de Histria: dos anos sessenta aos nossos dias (1998).

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Como nos mostra Cavalcante (2002), os custos indiretos decorrentes de gastos com vesturio, transporte, alimentao, livros didticos, podem contribuir para o abandono de estudantes do ensino mdio e, dentre estes itens, os livros didticos representam os maiores gastos. Dessa forma, a assuno por parte do Estado de distribuir material didtico-escolar pode contribuir para a) induzir um currculo nacional; b) a permanncia do aluno na escola pblica; e c) o acesso ao conhecimento pelo estudante. Nesses termos, o estudo busca, como objetivo geral, analisar o processo de implementao da poltica do livro didtico de Histria materializada pelo PNLDEnsino Mdio com foco nas aes entre o governo federal e os sujeitos escolares (docentes e discentes). E define os objetivos especficos: (i) compreender a dinmica e as aes do governo federal para concretizar uma poltica para o livro didtico no Brasil; (ii) desvelar os fundamentos do PNLD-Ensino Mdio; (iii) elucidar como a poltica do livro didtico adentrou-se no ensino mdio pblico diurno; e identificar as prticas e sentidos postos pelos estudantes em relao s obras e colees didticas distribudas pelo PNLD-Ensino Mdio; (iv) deslindar, no contexto da prtica educacional desencadeada pelo PNLD-Ensino Mdio, as tenses e aproximaes entre as aes dos rgos governamentais e dos professores. Destes, desencadeiam-se as questes norteadoras: quais so os pilares do Estado nacional para a constituio da poltica do livro didtico para o ensino mdio? Quais as tenses e aproximaes que perpassam as relaes poltico-educacionais entre governos e professores? Como aconteceu o processo de escolha dos livros didticos na escola? Quais os sentidos dados a este processo pelos professores de Histria? Pode o livro didtico qualificar o trabalho docente? De que maneira?

3. Pressupostos metodolgicos Nas discusses e anlises da educao bsica, os pressupostos tericometodolgicos fornecem as bases para sua realizao e demarcam os posicionamentos daqueles que realizam a investigao e o direcionamento do pesquisador para determinados elementos a passar por escrutnio. Este trabalho pauta-se, pois, numa abordagem qualitativa orientada para a

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compreenso de fenmeno educacional e social perpassado por mltiplas facetas (SANDN ESTEBAN, 2010). Sua ateno ao contexto e experincia humana faz com que correlacione diversos aspectos a fim de revelar aes, circunstncias, tenses e afluncias, que ultrapassam o locus investigado e refina o conhecimento, este entendido sempre como uma aproximao do real, inacabado e provisrio. Seu potencial intrnseco se equivale s dificuldades da empreitada e impe limites ao pesquisador que pondera a abrangncia das descobertas e sua construo terica. Com inspirao na dialtica, partiu-se da premissa de que as bases da realidade so os indivduos reais, sua ao e suas condies materiais de existncia, tanto as que eles j encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua prpria ao. Essas bases so, pois, verificveis por via puramente emprica (MARX; ENGELS, 2007, p. 10). Disto, a cientificidade deste enfoque ser a prtica social, o mundo material social elaborado e organizado pelo ser humano no desenvolvimento de sua existncia como ser racional (TRIVIOS, 2006, p. 122). No curso da pesquisa, na interao com os sujeitos, a noo de experincia (THOMPSON, 1981, p. 185) como ferramenta terica permitiu uma explorao aberta do mundo e de ns mesmos. Ainda segundo o autor, so os homens e mulheres,[...] no como sujeitos autnomos, indivduos livres, mas como pessoas que experimentam suas situaes e relaes produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida tratam essa experincia em sua conscincia e sua cultura (as duas outras expresses excludas pela prtica terica) das mais complexas maneiras (sim, relativamente autnomas) e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, atravs das estruturas de classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situao determinada (THOMPSON, 1981, p. 182).

A noo de experincia, irredutvel a um trecho de sua obra, implica entender que um fenmeno se realiza na sua ao, na sntese da relao produo/consumo7. A pertinncia dessa categoria neste estudo possibilita superar uma compreenso do livro didtico como entidade metafsica dotada de um texto que se transplanta para o crebro dos leitores e para investigar a concretude em que se efetiva7

Como apresenta Marx (1997, p. 209), apenas o consumo, ao absorver o produto, lhe d o retoque final; porque a produo no se desencadeou enquanto a atividade objetivada, mas como mero objeto para o sujeito ativo. Um exemplo feito pelo prprio Marx (1997, p. 209): Uma estrada de ferro em que no passam comboios, que no se usa, no consumido, s no domnio da possibilidade dnmei [abstrata] e no no da realidade estrada de ferro.

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esse instrumento poltico-pedaggico. Por essa maneira, elegeu-se a poltica do livro didtico que se realiza no movimento entre a formulao das obras didticas e a apropriao por professores e estudantes. Na tica dialtica, entender o homem como sujeito histrico nos remete sua viso de mundo que orienta seu agir, sentir e pensar. No significa a priori que seja uma orientao coesa e sistemtica, tampouco organicamente articulada com sua condio de vida ou classe social. Ademais, pode mesmo se manifestar de forma sincrtica e desarticulada, inclusive com o que ele idealiza ser o melhor para si. Embora possamos identificar um amplo e disperso conjunto de vises de mundo, essa aparente aleatoriedade guarda elementos objetivos comuns que constituem as classes sociais. Estas no so estticas, mas formam-se ao longo da histria, em meio s continuidades e rupturas, e imbricadas na luta de classe (THOMPSON, 1987). Esse estudo se detm em dois projetos de sociedade que caracterizam as classes sociais e travam um conflito no mundo contemporneo: por um lado, o que entende que na sociedade existe um grupo ou classe em que seus integrantes so dotados de faculdades que legitimam postarem-se como representantes universais da humanidade e, consequentemente, soberanos para tomar decises para os demais; e, por outro lado, que na sociedade todos os membros so sujeitos ativos na construo de sua histria (GRAMSCI, 1978). Mais especificamente, consideramos os projetos em pugna do liberal-corporativismo (cuja expresso ideolgica o neoliberalismo) e da democracia de massas (COUTINHO, 2000) que guardam uma organicidade, porm tem suas disparidades e conflitos internos. Nesse sentido, elucidar as formas como ocorre a relao dominao e subordinao torna-se primordial para nortear as aes dos indivduos e, igualmente, desfetichizar a imagem aistrica de uma contnua e permanente dominao ao revelar as prticas e experincias de sujeitos concretos que, em seu cotidiano, manifestam formas de resistncia e alavancam o conhecimento cientfico e poltico. Foi por este ltimo caminho que Thompson (2001, p. 211) apresentou a importncia da histria vista de baixo que o levou a privilegiar o aspecto ativo, voluntarista, criador de valores da cultura popular: o povo faz e refaz sua prpria cultura. E por esses meandros, definimos que os professores e estudantes sejam fontes essenciais para se compreender uma poltica fruto de embates, reivindicaes e concesses em torno desses sujeitos amide renegados pela histria.

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Tendo o contexto social como eixo metodolgico desta pesquisa, para captar as caractersticas fundamentais do PNLD-Ensino Mdio elegeu-se as categorias de regulao (BARROSO, 2006) e contradio (CURY, 1987) para apreender o processo da poltica. O valor da categoria de regulao decorre da tentativa do Estado em manter o direcionamento das polticas educacionais, concomitantemente a presso popular que exige a partilha desse papel (BARROSO, 2006); e a compreendemos como um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal funo assegurar o equilbrio, a coerncia, mas tambm a transformao desse mesmo sistema (BARROSO, 2005, p. 733), definio que remete a dois fenmenos diferenciados, mas interdependentes: os modos como so produzidas e aplicadas as regras que orientam a aco dos actores; os modos como esses mesmos actores se apropriam delas e as transformam (BARROSO, 2006, p. 12). A existncia de aes e perspectivas diversas, confluentes ou antagnicas, pode ser analisada sob a categoria da contradio que tambm expresso do real. Como ferramenta terica, auxilia a captar as relaes, as pugnas, as possibilidades do devir; e medida que as elucidam, alarga e enriquece a compreenso da realidade, sempre mutvel e fugidia (CURY, 1987). Em uma avaliao de poltica ou avaliao poltica, implica a emisso de juzo de valor (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1986) e situar parmetros ou metas considerados prementes ou profcuos para a realizao de uma determinada poltica. E, a partir daqueles elementos, investiga-se o contexto no qual se efetiva a poltica a fim de se comparar em que medida guarda consonncias ou dissonncias entre o dito e o feito. Dessa maneira, podem estabelecer, com algum grau de preciso, a efetividade e a eficcia do objeto avaliado e deferir sua avaliao. Por seu turno a anlise de poltica debrua no processo e nas mediaes (CURY, 1987). O processo representa os mecanismos, as dinmicas e as aes que induzem para resultados afeitos ou que destoam dos objetivos proclamados. Portanto, a anlise guarda aproximaes entre o processo e os fins ou desdobramentos. , pois, na perspectiva de anlise de poltica que se delineia a elaborao deste estudo. Na poltica do livro didtico, tem-se, como atribuio precpua e proclamada, a distribuio de livros didticos. Assim sendo, o Ministrio da Educao (MEC) realiza uma triagem tcnica para examinar os aspectos fsicos do livro didtico, designando uma instituio federal de ensino superior para examinar sua composio

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didtica, pedaggica, tica e poltica. Esse livro didtico tambm carrega a funo de difundir o conhecimento e, em outros termos, possui o objetivo de garantir o acesso ao conhecimento escolar aos docentes e aos discentes. Mas como analisar a realizao desse objetivo? Uma possibilidade, no enfoque quantitativo, remete verificao da adeso dos estados e municpios aos programas do livro didtico, neste caso, no PNLDEnsino Mdio. Ou se os livros escolares foram distribudos para todos os estudantes de escolas pblicas desse nvel de ensino, aspectos que se distanciam deste estudo. Em outra direo, com enfoque qualitativo, almeja-se deslindar o processo de implementao do Programa e como se efetiva o acesso ao conhecimento no mbito escolar. Isso porque, tomo de emprstimo as palavras de Kosik (1976, p. 72), de certo modo a cotidianidade desvenda a verdade da realidade, pois a realidade margem da vida de cada dia seria uma irrealidade transcendente, isto , uma configurao sem poder nem eficcia. Ou seja, um processo intrincado do qual participam organismos internacionais, aparelhos burocrticos e representantes do setor editorial (nacional e internacional) que incidem nas prticas educativas de professores e de estudo dos alunos. * * * A dissertao est organizada em quatro captulos. No primeiro Livro didtico: a construo de uma poltica social realiza uma digresso a fim de compreender a dinmica da poltica do livro didtico com foco nas aes do governo federal, entre 1938 e 1994, que, numa relao conflituosa com a sociedade civil e marcada por vicissitudes, logrou difundir sua ideologia e conformar prticas. O captulo 2 Uma incurso sobre os fundamentos da poltica do livro didtico realiza uma incurso sobre os fundamentos da poltica do livro didtico e apresenta as bases histricas e polticas que o sustenta. Apresenta a concepo de Estado ampliado de Gramsci e as diversas e oscilantes formas de regulao da educao como constituintes dessa poltica, bem como mostra que houve um aperfeioamento dessa poltica com a implementao da avaliao governamental sobre os livros didticos, a partir de 1995. Dos fundamentos passamos ao entremear da poltica do livro didtico no ensino mdio de Goinia, foco do captulo 3 Poltica do livro didtico entremeada no ensino mdio de Goinia. Neste apresentamos o percurso de captao de dados empricos, notas sobre o sistema de educao pblica desse municpio e as razes para a

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implementao dessa poltica na perspectiva docente. Alm disso, investigamos as prticas e os sentidos dados pelos estudantes s obras ou colees didticas distribudos, e mostramos que so constituintes dessa poltica pblica. Por fim, ao concatenar as discusses antepostas, no captulo 4 A poltica do livro didtico incide na atuao dos educadores, nos embrenhamos no mbito da cultura escolar, locus fundamental para apreender o processo de implementao como um jogo de foras entre as aes governamentais e sujeitos escolares.

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C APTULO I L IVRODIDTICO : A CONSTRUO DE UMA POLTICA SOCIAL

O desenvolvimento da tecnologia alavancou a produo e difuso do conhecimento e saberes, a ponto de nomearem o mundo hodierno de sociedade do conhecimento, que no se dissocia da sociedade da iluso (DUARTE, 2003). A questo foi que a leitura e o acesso s informaes foram alargadas tanto pela universalizao da escola quanto pela internet. O computador, e sua verso porttil, aglutinou em espaos muito menores os acervos das bibliotecas. E mais recentemente com a criao dos tabletes questiona-se se os livros iro perdurar, e neste sentido o indicativo de Bauman (2003) foi da coexistncia dos diferentes suportes para o texto: os impressos e os digitais. Desses meandros e das necessidades econmicas e tecnolgicas, percebeuse as tentativas de difundir a leitura e o conhecimento. E, nesse sentido, o livro didtico ocupa o centro das preocupaes por ser o mais consumido e o mais lido, ou melhor, usado (BATISTA, 2007). Fato que desperta os interesses das editoras e dos governos, mas tambm de professores, pais, estudantes e da mdia. Com tantos e diversos interesses sobre si, o livro didtico acabou por manifestar muitas faces, como mercadoria, difusor de ideologia e cultura, organizador dos contedos explcitos (BITTENCOURT, 2002; GATTI JNIOR, 2004). Todavia, os estudos e anlises de livros didticos tenderam a focar seu contedo e encontraram tanto a ideologia hegemnica liberal (FARIA, 1984) quanto as tradicionais e modernas formas de manifestaes racistas (SILVA, 2008), bem como a transmutao das obras clssicas em vulgatas (ALVES, 2006). Numa leitura dessas obras, constatou-se a desconsiderao dos sujeitos envolvidos na prtica pedaggica, acreditando que o dito no livro didtico transforma-se diretamente no entendido e incorporado pelos seus leitores. Elas desconsideram ou subjugam, assim, as mediaes e as possibilidades do conhecimento humanizador pela determinao alienante. Para captar as possibilidades do livro didtico para formao livre e universal do indivduo (DUARTE, 2004) requer adentrar nos nexos polticos por meio dos quais o Estado interfere na poltica educacional. Sendo assim, o captulo tem como

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objetivo compreender a dinmica e as aes do governo federal para concretizar uma poltica para o livro didtico no Brasil.

1.1. Vicissitudes da poltica do livro didtico (1938 -1964) A concepo, formulao e implementao de uma poltica, independente do seu foco, pode expressar a sntese das discusses de determinado tema ou a prevalncia de determinado iderio poltico. Por isso, uma poltica compreendida como jogo de foras (BONETTI, 2007) e de arenas decisrias (CASTRO, 1996) tem seus fins proclamados nem sempre coincidentes com o realizado. Dessa forma, o que importa so os processos, aes e dinmicas de construo que tendem a revelar as tenses, conflitos, dissensos, obstculos, em suma, suas vicissitudes. E por esta via buscou-se captar os elementos estruturantes de uma poltica de cunho social para o livro didtico. Os elementos estruturantes da poltica do livro didtico podem ser situados, em 1938, com o Decreto-Lei 1.006, quando houve uma interveno do Estado, de forma sistematizada, para disciplinar a produo e o consumo dos livros escolares. Preceituou o decreto:

DECRETO-LEI 1.006 DE 30 DE DEZEMBRO DE 1938 Estabelece as condies de produo, importao e utilizao do livro didtico O Presidente da Repblica, usando da atribuio que lhe confere o artigo 180 da Constituio, decreta: DA ELABORAO E UTILIZAO DO LIVRO DIDTICO Art. 1. livre, no pas, a produo ou a importao de livros didticos. [...] Art. 9. Fica instituda, em carter permanente, a Comisso Nacional do Livro Didtico. Art. 10. Compete Comisso Nacional do Livro Didtico: a) examinar os livros didticos que lhe forem apresentados, e proferir julgamento favorvel ou contrrio autorizao de seu uso. [...] Art. 12. A autorizao para uso do livro didtico ser requerida pelo interessado, autor ou editor, importador ou vendedor, em petio dirigida ao Ministro da Educao, [...]. Arts. 20 e 21: [Definem elementos que impedem uma obra de receber autorizao para uso. Ao todo so 16 itens. Dentre eles]: Art. 20: h) que desperte ou alimente a oposio e a luta entre as classes sociais; Art. 21: b) que apresente o assunto com erros de natureza cientfica ou tcnica; [...] Art. 28. Uma vez autorizado o uso de um livro didtico, o preo de sua venda no poder ser alterado, sem prvia licena da Comisso

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Nacional do Livro Didtico.

Este decreto um marco histrico do livro didtico por conta da questo da nacionalidade do livro didtico [que] , com efeito, um tema presente nos discursos e projetos de nacionalizao do ensino, culminando na legislao de 1938 [evidenciando uma] preocupao oficial com o livro didtico no Brasil (OLIVEIRA; GUIMARES; BOMNY, 1984, p. 24). Alm de estatuir o modus operandi da elaborao utilizao (Captulo I), cria a Comisso Nacional do Livro Didtico/CNLD (captulo II), define o processo de autorizao (captulo III) e estabelece as clusulas impeditivas de uso (Captulo IV). Essa estrutura legislativa organiza a regulamentao desse instrumento poltico-pedaggico e principia as bases do seu desenvolvimento, ento, como direito civil8. Na letra, o Decreto-Lei 1.006/1938 incorpora esse direito civil como dever do Estado em tom assistencialista, isto , o cultivo do problema social sob a aparncia da ajuda (DEMO, 1996). Explcito em seu:Art. 8: Constitui uma das principais funes das caixas escolares9, a serem organizadas em todas as escolas primrias do pas, com observncia do disposto no art. 130 da Constituio [1937], dar s crianas necessitadas, nessas escolas matriculadas, os livros didticos indispensveis ao seu estudo.

Para aprofundarmos a anlise, convm situar a criao do Instituto Nacional do Livro10 (INL), em 1937, a elaborao do Decreto-Lei 1.006/1938 e sua CNLD como integrantes das prticas autoritrias de Getlio Vargas (1930-1945). A expanso das escolas pblicas caminhou junto com a formao de hbitos

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Segundo Ramos (2005, p. 245), os direitos civis tm sua formao entrelaada com as revolues burguesas nos sculos XVII e XVIII e dizem respeito personalidade do indivduo (liberdade pessoal, de pensamento, de religio, de reunio e liberdade econmica), tambm conhecidos por direitos de primeira gerao; e requerem do Estado uma atitude de renncia, de absteno diante dos cidados. Desse contexto, emerge a informao como um direito, mas to somente um direito informao, denotando uma concepo restrita, embora fundamental para o exerccio da cidadania. 9 A caixa escolar uma forma de arrecadar contributos dos menos necessitados no ato da matrcula. Como expresso no art. 130 da Constituio Federal de 1937: O ensino primrio obrigatrio e gratuito. A gratuidade, porm, no exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasio da matrcula, ser exigida aos que no alegarem, ou notoriamente no puderem alegar escassez de recursos, uma contribuio mdica e mensal para a caixa escolar. Por esse caminho, o Estado pde distribuir livros aos estudantes carentes sem investimento pblico. 10 Embora conste do stio do FNDE a data de 1929 para a criao do Instituto Nacional do Livro (INL), constatamos sua formulao legal no Decreto-Lei n. 93, de 21 de dezembro de 1937 (DOU, 1937: 25586). Portanto, ser a data de 1937 tomada como referncia neste trabalho.

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de leitura e de escrita, basilares para o progresso da sociedade: no h cultura possvel sem livro e livro barato, livro que penetre nas massas populares e lhes erga o nvel mental (LOBATO apud BRAGANA, 2009, p. 224). Esta fora a defesa de Monteiro Lobato, jornalista e escritor, que se dedicou ao desenvolvimento de editoras e da produo de livros. E arrematou: que nos vale ter picos como Rui Barbosa, se a plancie apresenta um dos mais baixos nveis culturais do mundo? Ao ser concebido, o INL teve como atribuies, segundo Bragana (2009, p. 227): a de editar toda sorte de obras raras ou preciosas; promover as medidas necessrias para aumentar, melhorar e baratear a edio de livros no pas, bem como para facilitar a importao de livros estrangeiros, e incentivar a organizao e auxiliar a manuteno de bibliotecas pblicas em todo o territrio nacional. A partir das reformas de Francisco Campos (1930-1932) e Gustavo Capanema11

(1934-1945), o termo livro didtico foi definido como: livro adotado na

escola e destinado ao ensino, cuja proposta obedece aos programas curriculares escolares. As reformas empreendidas por eles tinham, no conjunto, o iderio centralista e fortemente burocratizado. Na sala de aula, professores e estudantes leem e realizam as atividades propostas nesses livros, o que no significa que adotassem imediatamente as ideologias intrnsecas. Segundo Vieira (2007, p. 153), h um antagonismo entre o homem e o Estado: o homem em busca da conservao de sua vontade e o Estado pretendendo a uniformidade das vontades humanas e a confirmao incontrastvel da sua fora institucional. Desde o Decreto-Lei n. 1.006/1938, cabe ao professor o direito de escolher o livro a ser adotado, mesmo que limitado por uma lista de obras aprovadas por uma comisso do governo. Com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), tendo Ansio Teixeira e Fernando Azevedo como expoentes dessa defesa alavancou a necessidade de instruir e educar o povo, tarefa premente na qual se pretendia o desenvolvimento econmico e cultural no Brasil. Fato que contribuiu para a discusso e luta, inclusive na dcada de 1940, em defesa da escola pblica, gratuita, laica e obrigatria. A construo de escolas, a formao de professores, o fornecimento de merenda escolar e o ensino para todos eram desafios a ser superados. Em respeito infncia, fase da vida com peculiaridades a ser tratada por educadores e adultos, o11

Gustavo Capanema esteve frente do Ministrio de Educao e Sade durante onze anos consecutivos.

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ensino deveria propiciar prazer e ter funcionalidade. Para tanto, a reorganizao dos contedos para sua assimilao pelos alunos propiciou a construo de livros voltados para essa fase da vida e para o ambiente escolar. Didaticamente, esta pode ser uma justificativa para o desenvolvimento dos livros didticos naquele perodo. No campo poltico e cultural, ocorreram aes para a difuso de ideologia, normas e hbitos para formar um novo homem para o Estado novo. O golpe realizado por Getlio Vargas, em 1937, obteve xito pela conjuntura internacional de guerra e de fortalecimento de regimes autoritrios pelo mundo, mas tambm por sua capacidade de reunir em torno do projeto de construo da identidade nacional diferentes correntes ideolgicas (FERREIRA, 2008, p. 21). O senso nacionalista, esparramado e incorporado, serviu para constituir a nao brasileira articulada s prerrogativas desse governo, sendo o ento Ministrio da Educao e Sade, chefiado por Gustavo Capanema, ponto fundamental para sua ocorrncia. Por conseguinte, o livro didtico somou-se s prticas de governo que pretendeu padronizar comportamentos, atividades e interesses da juventude brasileira. Apesar de o livro didtico ter sido posto como objeto de controle da educao, o alcance desse objetivo ficou aqum do esperado devido a obstculos na materializao de sua poltica. A veiculao da ideologia dominante, junto burocracia do Estado, marca significativa na formulao de polticas para o livro didtico. Em razo dela, traou-se mecanismos para vigiar sua produo que foram expressas no Decreto-Lei n. 1.006/1938, em seu artigo 20, no qual enumera onze impedimentos relacionados questo poltico-ideolgica. A burocracia montada para realizar a difuso ideolgica adequada aos propsitos do governo emperra o processo de autorizao das obras, o que implica em sucessivas alteraes na lei para adaptao. Por exemplo, como eram poucos os membros da CNLD para avaliar o volume de livros didticos, em 29 de maro de 1939, o presidente da Repblica Getlio Vargas (1930-1945) assina o Decreto-Lei n. 1.177 que amplia para dezessete o nmero de membros da CNLD com o intuito de avaliar as obras didticas, visto que o referido decreto-lei entraria em vigor no dia 1 de janeiro de 1940. Contudo, decorreu o ano e a Comisso sequer havia sido estabelecida, gerando presso sobre Francisco Campos por parte dos estados, pois queriam saber quais as obras que poderiam ser adotadas. As dificuldades em sanar o problema agravaram-se, mesmo tendo

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estabelecido que, entre os membros da CNLD, fossem formadas doze sees, cada uma composta de trs membros, e que cada seo apresentasse o parecer de 30 obras, no mnimo, ao final do ms. A realizao de um balano em julho de 1941 sobre a quantidade de obras a ser avaliadas teve um diagnstico desalentador, visto que ainda aguardavam para exame 1.986 livros, fato que demandava a contratao de examinadores e um gasto extra assaz significativo. A alternativa foi simplificar o processo e a Comisso props:a) contrato de servio extra pela CNLD; b) reunio diria da Comisso at que se conclua a tarefa pendente; c) permisso para que o livro didtico, autorizado sob a condio de nele serem feitas modificaes e correes, possa circular sem novo exame da Comisso; d) extino do recurso [jurdico], para o Ministro, das decises no unnimes da Comisso (OLIVEIRA; GUIMARES; BOMNY, 1984, p. 40).

Com essas medidas, a CNLD acreditava sanar os problemas, mas ainda em 1941 o presidente da Associao Profissional das Empresas Editoras de Livros e Publicaes Culturais expe as dificuldades dado o volume de trabalho, no s em avaliar as obras, mas especialmente em caso de reformulao de uma obra, pois no haveria tempo hbil para tal trabalho. possvel que ao final da gesto Capanema 30 de outubro de 1945 no se tivesse, ainda, assistido aos resultados esperados e to anunciados desde 1938. O pas movimentava-se politicamente, no ps-45, mas j em outro cenrio. Fora to politizado de origem o projeto do livro didtico, que os tempos de abertura acabaram afrouxando grande parte dos ns de sua rede de sustentao. A retrica do civismo exacerbado to presente e to fortalecida em momentos de poltica autoritria perde muito ou quase tudo de sua importncia em momentos de normalidade da vida poltica. Evidentemente que a literatura didtica no se restringe aos ttulos de natureza poltica. Mas, pelo que vimos no Decreto-Lei n 1.006, o aspecto poltico se no se sobreps ao didtico, ocupou um espao at descabido, pedagogicamente (OLIVEIRA; GUIMARES; BOMNY, 1984, p. 43).

A concepo e a definio de uma poltica pblica para o livro didtico ligada CNLD desvelam uma postura centralizadora do Estado brasileiro ao concentrar e definir as prioridades dos estados e municpios. Contudo, essa centralidade foi marcada, em sua origem, por uma imensa burocracia e incapacidade de executar e

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materializar a poltica do livro didtico. A preocupao com aspectos polticos e ideolgicos dificultou, contraditoriamente, o processo pedaggico que era o objetivo da prpria lei. Como constata Ferreira (2008, p. 9):Embora tenha sido a primeira comisso nacional instituda pelo governo brasileiro para controle do contedo ideolgico e pedaggico dos livros didticos, h indicaes de que a burocracia administrativa e conflitos de interesses poltico e econmico impediram a aplicao efetiva desta medida no campo prtico.

Houve reaes por parte dos estados e um deles, So Paulo, inaugurou, por assim dizer, a resposta poltica centralizadora ao estabelecer por meio da Lei 1.536 de 28 de dezembro de 1951 a Comisso Estadual do Livro Didtico. Assim, conforme o Decreto n. 8.460 de 194512, ento vigente e regulador da poltica do livro didtico, a ao de So Paulo confrontava-se com as decises federais. Segue-se, no perodo subsequente, uma srie de crticas poltica centralizadora na CNLD, pois, com o estabelecimento da Constituinte de 1946, a descentralizao do ensino (artigos 170 e 171) tornou-se eixo constitutivo da poltica educacional, isto , os estados e Distrito Federal adquiriram autonomia para legislar sobre seu sistema, mbil do sistema federativo, cabendo Unio cooperar com estes sistemas para sua concretizao. Tal descentralizao no aconteceu na poltica do livro didtico. O fim do Estado Novo e a promulgao da Constituio Federal de 1946 incitam crticas continuidade da CNLD, tendo em vista os reclames da sociedade civil por liberdade de expresso. Conforme Oliveira, Guimares e Bomny (1984, p. 44): Ao contrrio do momento de fechamento poltico no incio do Estado Novo, assiste-se agora, em 1947, aos apelos pela liberdade de ctedra, de reforo qualificao profissional do magistrio, enfim, reformulao do ensino pelo vis da pedagogia. A implementao do Decreto-Lei n. 8.460, de 26 de dezembro de 1945, que Consolida a legislao sobre as condies de produo, importao e utilizao do livro didtico. Apesar de essa consolidao referir-se, basicamente, ao aumento do nmero de membros na CNLD e os novos mecanismos de regulao, o significativo dessa poltica foi a manuteno da estrutura legislativa do Decreto-Lei 1.006/1938 e sua12

Este decreto consolida o Decreto-Lei 1.006, de 1938, deliberando sobre trs grandes blocos: a) deliberaes relativas ao processo de autorizao para adoo e uso de livros didticos; b) deliberaes relativas ao problema de atualizao e substituio dos mesmos; c) deliberaes que representam algumas precaues em relao especulao comercial.

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vigncia durante as dcadas de 1950 at 1966, quando da aprovao do Decreto n. 53.887, de 14 de Abril de 1964, que revogou o Decreto n. 53.583, de 21 de fevereiro de 1964; posteriormente seria aprovado o Decreto n. 58.653, de 16 de Junho de 1966, que, por sua vez, logo foi substitudo pelo Decreto-Lei n. 59.355, de 4 de Outubro de 1966, que Institui no Ministrio da Educao e Cultura a Comisso do Livro Tcnico e do Livro Didtico (Colted). A nsia por estabelecer uma identidade nacional e evitar a propagao de outras ideologias contribuiu, por meio das medidas burocrticas, para emperrar o processo de autorizao dos livros didticos. Nossas fontes de pesquisa, em especial os trabalhos de Oliveira, Guimares e Bomny (1984); Freitag, Costa e Motta (1989) e Ferreira (2008), indicam mais uma incapacidade do Estado em operacionalizar seus prprios preceitos de difuso de sua ideologia, pois o mau funcionamento do processo revelava as tenses, distores entre governo federal, estados e municpios. Antes de prosseguirmos, ressalta-se o Decreto n. 53.583, de 21 de fevereiro de 1964, assinado pelo presidente Joo Goulart (1961-1964), que dispe sobre edio de livros didticos, dando outras providncias e que considera ser obrigao do Estado o fornecimento de recursos indispensveis promoo da educao popular, de modo a assegurar iguais oportunidades a todos e que a substituio anual dos livros didticos e sua diversificao constituem um dos fatores de encarecimento do ensino:Art. 1 O Ministrio da Educao e Cultura fica autorizado a editar livros didticos de todos os nveis e graus de ensino, para distribuio gratuita e venda a preo de custo em todo o Pas. Pargrafo nico. A distribuio gratuita ser feita a estudantes carentes de recursos e s bibliotecas escolares. Art. 2 Os livros didticos editados pelo Ministrio da Educao e Cultura sero obrigatoriamente includos pelos estabelecimentos de ensino, pblicos e particulares, entre os que forem selecionados para as diferentes disciplinas e sries.

Os dois artigos so elucidativos de uma proposta que visa assegurar a promoo da educao, porm houve controvrsias. O Estado assumiria o papel ativo de, inclusive, editar obras e fazer distribuio gratuita e venda a preo de custo. Contudo, a Cmara Brasileira do Livro (CBL), o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e o Sindicato dos Professores de Ensino Secundrio de So Paulo destacaram que isso ocorreria pela distribuio de um livro nico, favorecendo a instituio no pas da promessa mais ou menos velada da instituio no Brasil da orientao ideolgica da nossa juventude, prtica abominvel que todos ns temos

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obrigao de repudiar com veemncia (FILGUEIRAS, 2010, p. 152). Outra peculiaridade foi a meno aos alunos que, conforme artigo 3: Cada estabelecimento pblico ou particular dar conhecimento a seu aluno do direito que lhes assiste de escolha dos livros. Assim, esperava-se permitir (art. 4) que os alunos realizem as tarefas escolares e possam fazer o estudo regular da disciplina com a utilizao dos livros pelos quais tenham feito opo. Pelo texto da lei, preceituava viabilizar o conhecimento escolar com a participao dos estudantes na escolha dos livros didticos. Ao consider-los, o Estado assinala reconhec-los como partcipes na construo do saber escolar, o que, portanto, demandou a participao no processo de escolha. Todavia, o curto perodo de vigncia do decreto, ao todo foram 53 dias, impediu algum impacto no contexto escolar. Dessa forma, o perodo compreendido entre 1938 e incio de 1964 foi marcado pela construo da poltica do livro didtico por meio da dinmica de funcionamento no Decreto-Lei 1.006/1938 e atravessada por obstculos para sua efetivao. Ao ter como fundamento o ideal de uma formao nacionalista, foram criados mecanismos de controle sobre a produo das obras, o que exigia a avaliao pela CNLD. Com a fragilidade de funcionamento dessa Comisso e da prpria

legislao que se alastrou para alm do perodo da ditadura, esses so fatores que balizaram a sua dinmica e aes, nessa fase, marcada por dificuldades para vigorar a poltica do livro didtico.

1.2. A poltica do livro didtico na Ditadura Militar Com os acontecimentos de 1964, mais que um golpe militar houve uma alterao nas formas do Estado e na qualidade do processo sociopoltico (NOGUEIRA, 2004, p. 18). Aps uma fase democrtica, retomou-se o regime ditatorial, dessa vez, de uma combinao de grupos conservadores com o capital monopolista e que colaborou para a exploso do capitalismo, mas sem sustentao13. A ligao entre a sociedade poltica e a civil se arrefece nos anos iniciais e comea a ganhar novo flego com a crise

13

Como assinala Nogueira (2004, p. 19): a situao poltica derivada do golpe e de sua radicalizao em 1968 logo chegaria a um beco sem sada. Primeiro foi a falncia do milagre brasileiro. O ciclo expansivo dos anos 1968-1973 no teve como se sustentar e jogou o pas numa grave crise de carter recessivo.

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fadada do processo desenvolvimentista que agravou as desigualdades sociais. Na educao, destacam-se dois movimentos atuantes como eixos axiolgicos: a ideologia tecnocrtica e a proletarizao docente. A concepo tecnocrtica desdobra-se de um pensamento autoritrio e da teoria econmica do capital humano14 (SCHULTZ, 1967). O autoritarismo foi o cerceamento da democracia e um conjunto articulado de ideias, valores, opinies e crenas, segundo o qual a tecnocracia era a melhor forma de se governar a sociedade brasileira (FERREIRA JNIOR; BITTAR, 2008, p. 342) somado a crena da educao como propulsora do desenvolvimento econmico. Para a difuso dessa ideologia, o livro didtico assumiu o papel de colaborador ao expor a viso harmnica da sociedade e de interesse dos grupos hegemnicos e, acrescenta-se, o processo de proletarizao dos professores15, pois interessa mais seres complacentes do que seres com atitudes que pudessem desencadear a desordem (FERREIRA JNIOR; BITTAR, 2006). No entanto, o livro escolar no se resumiu ao propsito governamental, mas tambm aos de grupos antagnicos ao regime (FERREIRA, 2008). Tal jogo de foras produziu vicissitudes e tergiversaes no debate acerca do livro didtico nesse perodo. Doravante, podem ser postos, prioritariamente, em torno de dois temas: a) centralizao versus descentralizao da poltica do livro didtico16; b) livro didtico para todos versus livro didtico para os carentes (FREITAG; COSTA; MOTTA, 1989, p.31). Estes dois eixos foram balizadores das polticas para o livro didtico a partir de 1966 de modo que as aes do Estado esto sistematizadas no quadro 2 (p. 25). Segundo Freitag, Costa e Motta (1989, p. 14), na dcada de 1960, aps o golpe polticomilitar, so assinados acordos entre o MEC e a Usaid, criando juntamente a Comisso do Livro Tcnico e do Livro Didtico (Colted).

14

Essa concepo tecnocrtica atribuda ao modo como foi transportado a proposta de gerencia em fbricas, desenvolvidos por Taylor e Fayol, para o ambiente escolar sem as devidas consideraes sobre as peculiaridades da dinmica de ensino e aprendizagem. 15 No caso brasileiro, conforme Ferreira Jnior e Bittar (2006, p. 1162), a proletarizao do professorado no significou apenas o empobrecimento econmico, mas tambm a depauperao do prprio capital cultural que a antiga categoria possua, ou seja, a velha formao social composta de profissionais liberais como advogados, mdicos, engenheiros, padres etc. constitua um cabedal cultural amealhado em cursos universitrios de slida tradio acadmica. Ao contrrio, as licenciaturas institudas pela reforma universitria do regime militar operaram um processo aligeirado de formao com graves consequncias culturais. 16 Cabe observar que esse tema no exclusivo da poltica para o livro didtico, mas perpassa todo o sistema educacional ento vigente, e seu debate perdura.

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Elza Nascimento Alves, assessora do MEC naquela ocasio, explica que o convnio firmado em 06/01/67 entre o MEC/SNEL/Usaid17 tinha como objetivo tornar disponveis cerca de 51 milhes de livros para os estudantes brasileiros no perodo de trs anos. Essa distribuio seria gratuita (FREITAG; COSTA; MOTTA, 1989, p. 14).

Esse acordo tornou-se impulsionador do mercado de livros escolares, porm, em contrapartida, exigia a qualidade dos livros didticos. E isso no agradou ao Sindicato Nacional dos Editores de Livros [SNEL] e as editoras, que precisariam reformular seus manuais (FILGUEIRAS, 2010, p. 199). Para Romanelli (1978), mais do que a exigncia da qualidade, o acordo MEC-Usaid18 foi uma manifestao de autoritarismo do Estado brasileiro que articulado com a Usaid definiam a forma de atuar na educao:Ao MEC e ao SNEL caberiam apenas as responsabilidades de execuo, mas aos rgos tcnicos da Usaid todo o controle, desde os detalhes tcnicos de fabricao do livro at os detalhes de maior importncia como: elaborao, ilustrao, editorao e distribuio de livros, alm da orientao das editoras brasileiras no processo de compra de direitos autorais de editores no brasileiros, vale dizer, americanos (ROMANELLI, 1978, p. 213).

Um elemento decisivo para o investimento em livros didticos foi a preeminncia da concepo pedaggica produtivista. Esta tendncia, constituda pela teoria do capital humano, que, a partir da formulao inicial de Theodore Schultz, se difundiu entre os tcnicos da economia, das finanas, do planejamento e da educao. Ela adquiriu fora impositiva ao ser incorporada legislao na forma dos princpios da racionalidade, eficincia e produtividade19, com os corolrios do mximo resultado com o mnimo de dispndio e no duplicao de meios para fins idnticos (SAVIANI, 2008, p. 365). Estes so os corolrios da pedagogia tecnicista, na qual:O elemento principal passa a ser a organizao racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posio secundria, relegados que so condio de executores de um processo cuja concepo,17

Ministrio da Educao, Sindicato Nacional de Editores de Livros e Agncia Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional, respectivamente. 18 Os acordos MEC-Usaid decorreram da constatao de uma crescente demanda pela educao, fato que justificou firmar o convnio para assistncia tcnica e cooperao financeira dessa agncia organizao do sistema nacional brasileiro. 19 Para ter uma viso tcnica e liberal desses princpios, confira Bresser Pereira (1998). Para uma viso que faa contraponto, leia Draibe (2001). Neste trabalho, no desconsideramos a pertinncia desses princpios, porm alertamos para a importncia de articula-los a princpios de bem estar social.

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planejamento, coordenao e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organizao do processo converte-se na garantia da eficincia, compensando e corrigindo as deficincias do professor e maximizando os efeitos de sua interveno (SAVIANI, 2008, p. 382).

Uma das caractersticas desta proposta foi de circunscrever as solues dos problemas educacionais s questes metodolgicas, sem tratar explicitamente dos problemas estruturais da sociedade envolvidos na definio das finalidades e dos compromissos sociais que precisavam ser assumidos pela educao brasileira. Disto, essa concepo tecnicista se articulou poltica do governo militar20 na medida em que permitiu escamotear os problemas sociais e concentrar-se em aspectos pedaggicos, e neste caso o livro didtico, por passar pelo crivo de seus avaliadores, ser um instrumento privilegiado como meio de promover a educao sob seus prprios preceitos. Concomitantemente, e em contraste, tivemos, durante toda a ditadura poltico-militar, a luta de professores do ensino primrio, secundrio e ensino superior pela democratizao poltica e pela universalizao e ampliao da educao oferecida populao. Segundo Cunha, no podemos desconsiderar o papel desempenhado por movimentos sociais, urbanos e rurais, para a constituio da escola no Brasil. Como assinala: se os pedagogos oficiais buscavam pela educao produzir as condies de viabilidade do regime autoritrio a longo prazo, no faltaram os que, de maneiras mais ou menos formalizadas, procuraram educar no sentido contrrio (CUNHA, 1991, p. 58). O embate entre governo militar e movimentos sociais da educao desencadeou diferentes estratgias, digamos, de ataque. Do lado do governo, eles deterioram a carreira docente pela reduo dos salrios e desvalorizao da profisso 21 e aposentaram compulsoriamente diversos professores discordantes da agenda

governante. De outro lado, houve a criao de entidades de professores das escolas pblicas20

de

1

e

2

graus,

bem

como

de

nvel

superior,

tais

como:

Apesar das medidas de controle e restries de liberdade em seu regime, nele tambm houve criao de entidades que promoveram a pesquisa no pas, como o Conselho Nacional de desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPQ) e a Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES). 21 Para ilustrar esse fato, Cunha (1991, p. 75) apresenta que o professor primrio da rede estadual de So Paulo tinha o salrio mdio por hora equivalente a 8,7 vezes o salrio mnimo, em 1967. J em 1979, esta mdia havia baixado para 5,7 vezes (BALZAN; PAOLI, 1988). No Rio de Janeiro, de onde se dispe de sries mais longas, o salrio equivalia a 9,8 vezes o salrio mnimo em 1950, despencando para 4 vezes em 1960 e atingindo 2,8 vezes em 1977 (FERNANDES, 1978). Treze anos depois, desceu ainda mais: 2,2 salrios mnimos.

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Quadro 2: rgos responsveis pela execuo da poltica do livro didtico. Perodo rgo Programas executados 1938 - 1966 1966 - 1971 1971 - 1976 INL MEC-Usaid INL Programa do Livro Didtico Programas de livro didtico e biblioteca escolar Programa do Livro Didtico para o Ensino Fundamental (PLIDEF) Programa do Livro Didtico para o Ensino Mdio (PLIDEM) Programa do Livro Didtico para o Ensino Superior (PLIDES) Programa do Livro Didtico para o Ensino Supletivo (PLIDESU) Programa do Livro Didtico para o Ensino Fundamental (PLIDEF) Programa do Livro Didtico para o Ensino Mdio (PLIDEM) Programa do Livro Didtico para o Ensino Superior (PLIDES) Programa do Livro Didtico para o Ensino Supletivo (PLIDESU) 1983 a 1984: Programa do Livro Didtico para o Ensino Fundamental (PLIDEF) Programa do Livro Didtico para o Ensino Mdio (PLIDEM) Programa do Livro Didtico para o Ensino Superior (PLIDES) Programa do Livro Didtico para o Ensino Supletivo (PLIDESU) Em 1985: Programa Nacional do Livro Didtico/PNLD (1 a 4 srie do ensino fundamental) Programa Nacional do Livro Didtico/PNLD (1 a 8 sries do ensino fundamental) 1997: Programa Nacional de Biblioteca Escolar (PNBE) 2003: Programa Nacional do Livro para o Ensino Mdio (PNLEM) 2007: Programa Nacional do Livro Didtico para a Alfabetizao de Jovens e Adultos (PNLA) 2010: PNLD Dicionrios 2010: Programa Nacional Biblioteca da Escola 2011: Programa Nacional do Livro Didtico do Campo.

1976 - 1983

Fename

1983 - 1997

FAE

1997 - 2012

FNDE

Fonte: Elaborao do autor (2011).

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a Confederao de Professores do Brasil (CPB), a Confederao Nacional dos Trabalhadores da Educao (CNTE), o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior (Andes), entre outras. Esse movimento, em especial na dcada de 1980, sinaliza um vigoroso movimento organizativo-sindical envolvendo os professores dos trs graus de ensino (SAVIANI, 2008, p. 404) que ajudaram os educadores a encaminhar formas de resistncia e de polticas educacionais para superar as desigualdades. Entretanto, a manuteno da educao superior, de certa forma, gerou um revs para o governo, pois a produo de conhecimento da ps-graduao em educao se transformou em livros-textos dos cursos de formao de professores, acionando-se um processo de difuso em cascata (CUNHA, 1991, p. 60), que contribuiu para a crtica do prprio regime autoritrio e suas polticas educacionais. Essa vertente de anlises crticas sobre as polticas alinhou-se aos movimentos que buscavam a revalorizao do professorado e melhores condies de trabalho, inclusive de materiais didticos, como foram o Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Norte, a Associao dos Professores do Ensino Oficial do Estado de So Paulo e a Sociedade Estadual de Professores do Rio de Janeiro. Essa tenso entre governo e movimentos sociais fez com que oscilasse a fora da regulao sobre os livros didticos. Por exemplo, nos chamados anos duros do regime, os livros escolares sofreram rgido controle. Os autores desse perodo tenderam a) a defender o sistema poltico vigente; ou b) alguns posicionaram de maneira neutra para continuarem no mercado editorial. Todavia, a partir de 1979, as manifestaes polticas e sindicais possibilitaram a abertura para novos autores de livros didticos que manifestaram sua crtica ao governo e tentavam animar a juventude para superar a poltica vigente (ASSUNO, 2009). Nota-se que, no perodo da ditadura militar, as aes do governo foram descontnuas, embora tenha ocorrido forte investimento em livros didticos em razo do convnio MEC/Usaid que abarcou um perodo. O decreto que instituiu a Colted foi revogado pelo Decreto n. 68.728, de 09 de junho de 1971, e transferiu para o INL o pessoal e o acervo. Ainda assim, o perodo de 1971 a 1976 foi talvez o de maior ressonncia e atividade vivido pelo INL, criado na gesto Gustavo Capanema (OLIVEIRA; GUIMARES; BOMNY, 1984, p. 57). Tambm as atividades revelam a

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diversidade de programas e a populao atendida de diferentes nveis de ensino, a fim de efetivar o processo educativo traado pelo regime. Para tanto, os objetivos bsicos do INL foram: a) coeditar livros didticos para os respectivos nveis, b) baratear o seu custo, fato que no se efetivou (FILGUEIRAS, 2011), e c) suprimir resistncias e opinies contrrias ao governo (SAVIANI, 2008). Essa alterao de uma distribuio gratuita para a coedio22 em relao poltica do livro didtico se deve aos menores recursos de que dispunha o INL em relao Colted23. Esta, por conta do aporte dos Estados Unidos, tinha amplo financiamento. Sem este, o INL teve que se adequar s novas condies, da a coedio, bem como o incio da articulao com os estados para angariar verba para o Fundo do Livro Didtico. Entretanto:A crena de que essa medida pudesse propiciar o surgimento de uma tica de responsabilidade era uma profecia que estava fadada a no se cumprir, uma vez que se estimulava a participao e o envolvimento dos estados nos custos do processo, reduzindo-se ao mesmo tempo a participao nas decises do mesmo. As consequncias do processo centralizador fizeram-se sentir em todos os aspectos, desde os relacionados questo do beneficiamento aos alunos carentes quanto do aproveitamento pedaggico de um investimento de tal monta (OLIVEIRA; GUIMARES; BOMNY, 1984, p. 59).

No Congresso Nacional e em outras instncias, ocorreram debates sobre o formato do livro. Para barate-lo e distribu-lo para todos, e no somente aos estudantes desfavorecidos economicamente, exigiam-se algumas alteraes que podiam no condizer com aspectos pedaggicos, por exemplo a padronizao do livro didtico. Esta proposta diminuiria o gasto, mas a custo do prprio ensino, pois num pas de proporo territorial continental e vasta diversidade sociocultural a padronizao de contedos torna-se algo complexo. Ainda sob a gesto do INL, houve a presuno de aprimorar a formao docente atravs da criao do manual do professor que tenta minimizar as dificuldades relacionadas formao do novo quadro docente e colaborar para o seu trabalho, sua

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A coedio resulta do convnio entre o INL e as secretarias estaduais de educao para fornecer livros gratuitos para os estudantes carentes e subsidiados para os demais de escolas pblicas. 23 A Colted foi criada com base nas recomendaes da XXII Conferncia Internacional de Instruo Pblica, realizada em Genebra, em 1959. Para sua criao, justificava o investimento nos livros tcnicos e didticos como um instrumento de aperfeioamento do ensino, em especial o primrio, devido ao aumento da populao estudantil em todo o pas (FILGUEIRAS, 2010).

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prtica cotidiana, na preparao das aulas, provas e atividades (FILGUEIRAS, 2010, p. 228). Tambm, a partir de 1971, o governo militar conseguiu garantir um mercado razoavelmente estvel para essas editoras que, inclusive, expandiram. A mudana da gesto da poltica do livro didtico do INL para a Fename24 enfraqueceu o incentivo leitura e o acesso cultura. O primeiro, alm do programa de livros didticos, realizava o desenvolvimento da biblioteca escolar, enquanto o segundo se restringiu s obras didticas. Permanece, todavia, a tnica de padronizao, criao de livro nico e uniformizao do material didtico que foram as principais propostas de alterao no funcionamento dessa poltica, deixando evidente a sobreposio do econmico sobre o educativo. E mais o agravante de se desconsiderar um dos principais autores do processo de ensino e aprendizagem: o professor. No se garante, por decreto, a utilizao e aproveitamento do material didtico. Se os professores esto excludos dessa engrenagem, no se sentem absolutamente responsveis pelo seu funcionamento (OLIVEIRA; GUIMARES; BOMNY, 1984, p. 65). A poltica do livro didtico sob a execuo da FAE, que o assumiu em 1983, colocou em marcha alteraes na Fename. A primeira mudana ocorreu em 1984 com o fim do sistema de coedio, passando o MEC a ser comprador dos livros produzidos pelas editoras participantes. A segunda foi a extino da avaliao federal dos livros didticos em junho de 1980, por meio da Portaria n. 409, do ento Ministro da Educao Eduardo Portella, que passou a ser de inteira responsabilidade dos estados, com a justificativa de que seriam elaborados critrios que melhor atendessem as peculiaridades locais e regionais (OLIVEIRA; GUIMARES; BOMNY, 1984, p. 65). Por fim, podemos elencar que, dos anos finais da dcada de 1940 at o incio de 1980, as polticas do livro didtico foram marcadas por discusses regulares e permeadas de conflitos. Sob os auspcios de um governo centralizador, o livro didtico tornou-se instrumento privilegiado para o desenvolvimento do ensino e mecanismo de difuso de uma ideologia. Nesse sentido, Filgueiras (2010) aponta que sempre houve um controle sobre as editoras, contedos e metodologias, bem como a inteno de assegurar requisitos de qualidade para esse material. Em relao participao de professores e estudantes na construo dessa poltica, oscilou entre a possibilidade de24

O Decreto-Lei n 77.107, de 04 de fevereiro de 1976, que disps sobre a edio e distribuio de livrostextos, transferindo para a Fename a competncia de realizao do Programa do Livro Didtico atravs da sistemtica da coedio.

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escolha a partir de uma pr-lista, a recepo de materiais nicos e o livro do professor. Dessa maneira, podemos assinalar um misto de conflito, vigilncia e expanso do livro escolar. Ao empregamos o sentido de regulao25 proposto por Barroso (2005), percebemos que ela ocorreu em dois sentidos: tanto na forma de controle e viglia sobre os contedos e mtodos quanto na exigncia de padres de qualidade das obras editadas pelas empresas privadas que foram feitas pelas comisses de avaliao. E a expanso da oferta do livro didtico pelo aumento da populao atendida que dos primeiros anos do primrio se estendeu at o ensino secundrio.

1.3. O Programa Nacional do Livro Didtico/PNLD (1985-1994) Sem justia e sem direitos, a poltica social no passa de ao tcnica, de medida burocrtica, de mobilizao controlada ou de controle de poltica, quando consegue traduzir-se nisto (VIEIRA, 2007, p. 59). Com o mote de Vieira (2007) quanto s mediaes fundamentais que concretizam uma poltica social, buscar-se- compreender a poltica do livro didtico no perodo ps-ditadura militar ou de redemocratizao. Garantir o direito restritivamente pela lei cai na abstrao, pois o direito se efetiva na medida em que so disponibilizados meios/instrumentos que permitam aos indivduos exerc-los. E o perodo de redemocratizao do pas, segundo Vieira (2001), foi inundado de polticas sociais sem direitos sociais. Sendo assim, a Constituio Federal de 1988 decreta:Captulo II - Dos Direitos Sociais Art. 6 So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio26.

Portanto, para alm da educao como direito social na letra da lei cabe ao Estado prov-la mediante o Artigo 208. VII atendimento ao educando, no ensino fundamental, atravs de programas suplementares de material didtico-escolar, transporte, alimentao e assistncia sade. O texto constitucional ratificou um25

Nesse momento, tratamos a regulao, num sentido restrito, como um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal funo assegurar o equilbrio, a coerncia, mas tambm a transformao desse mesmo sistema (BARROSO, 2005, p. 733). 26 Est em vigor a redao dada pela Emenda Constitucional n. 64, de 2010, Art. 6. So direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio.

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direito j expresso no Decreto n. 91.542, de 19 de agosto de 1985, que Institui o Programa Nacional do Livro Didtico, dispe sobre sua execuo e d outras providncias, e que tambm decretou no Artigo 1: Fica institudo o Programa Nacional do Livro Didtico, com a finalidade de distribuir livros escolares aos estudantes matriculados nas escolas pblicas de 1 Grau. O PNLD estabeleceu ento como meta o atendimento de todos os estudantes da primeira quarta srie do primeiro grau das escolas pblicas federais, estaduais, territoriais, municipais e comunitrias do pas e priorizou os componentes bsicos Comunicao e Expresso e Matemtica. Segundo Castro (1996, p. 12), as alteraes substantivas que o diferenciariam do Programa do Livro Didtico para o Ensino Fundamental (PLIDEF) foram:- Escolha do livro didtico a nvel da escola, com a participao dos professores do ensino de 1 grau mediante anlise, seleo e indicao dos ttulos; - Adoo de livros didticos reutilizveis com o fim do livro descartvel e alterao de sua qualidade pela elevao das especificaes tcnicas a serem obedecidas quando de sua produo, abrindo a possibilidade de implantao de bancos de livros didticos; - Universalizao do atendimento a todos os alunos de 1 e 2 sries das escolas pblicas e comunitrias.

Nessa transio do PLIDEF para o PNLD (1984-1985), Hfling (1993) destaca que no foi encontrada nenhuma referncia sobre o programa anterior, dando a entender que o segundo fosse completamente novo. Isso se configura como uma medida recorrente na histria da administrao pblica brasileira: a constante alterao nas denominaes de projetos j existentes, justificando novas nomeaes, novas contrataes, novos lanamentos, novas inauguraes (HFLING, 1993, p. 191). Esse dado assinala, conforme Draibe (1988), que as polticas educacionais so um espao em que ocorre o uso clientelstico da mquina social, ou seja, so decorrentes dos princpios: i) extrema centralizao poltica e financeira no nvel federal das aes sociais do governo; ii) fragmentao institucional; iii) excluso da participao social e poltica da populao no processo de deciso, iv)

autofinanciamento, v) privatizao, vi) ausncia de mecanismos pblicos de controle. O uso clientelstico da mquina social:Seja sob as formas tpicas da poltica de favores levada a cabo sob o

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regime militar, seja mais claramente sob o regime civil ps [19]85, o certo que o uso clientelista do aparelho social tem sido constante, constituindo para governo, partidos, personalidades inestimvel recurso de poder (DRAIBE, 1988, p. 26).

A produo do PNLD e o consequente apagamento do existente condizem com uma estratgia poltica cujo objetivo foi de agregar valor positivo a determinado governo, que no quer ter sua imagem poltica associada ao governo anterior que, nesse caso, era uma ditadura. Ainda mais pela FAE, e particularmente a sua poltica de livro didtico (o PLIDEF), configurar-se como uma medida assistencialista e conjuntural (HFLING, 1993), contribuindo para uma educao de baixa qualidade ofertada para a populao em situao de risco. Entretanto, esse perodo de transio democrtica representou tambm um dos momentos de maior mobilizao e organizao no campo educacional. A criao de entidades educacionais somadas aos movimentos sindicais expressou a preocupao com o significado social e poltico da educao e, por conseguinte, a busca por melhor qualidade. Essas organizaes pressionaram o governo para que fossem atendidas as reivindicaes populares e dos trabalhadores, evidenciando que a poltica foi o resultado desse jogo de foras. Em seu estudo, Hfling (1993, p. 9-10) indica que o processo de redemocratizao e a promulgao da Constituio Federal de 1988 desdobrou-se em alteraes significativas nas polticas educacionais, visto que a assistncia ao estudante passa a ser um dever do Estado e, portanto, reconhecido como direitos sociais, pelo menos em termos legais27. O estudo de Castro (1996) investigou o Processo de Gasto Pblico28 da poltica de livro didtico do incio da dcada de 1980 at o comeo de 1990, envolvendo o PLIDEF e sua transio para o PNLD. Por essa via, a investigao sobre o programa do livro ultrapassa a questo da adequao de seus objetivos com a demanda educacional e engloba a compreenso das are