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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA POLÍTICA NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL: A PARTICIPAÇÃO DE NACIONAIS E DE COLONOS ALEMÃES – 1840/1889 MARCOS ANTONIO WITT Orientador: Prof. Dr. Marcos Justo Tramontini Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História, na área de História da América Latina. São Leopoldo, março de 2001.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

POLÍTICA NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL:

A PARTICIPAÇÃO DE NACIONAIS E DE COLONOS ALEMÃES – 1840/1889

MARCOS ANTONIO WITT

Orientador: Prof. Dr. Marcos Justo Tramontini Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História, na área de História da América Latina.

São Leopoldo, março de 2001.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor doutor Marcos Justo Tramontini, presença indispensável na

elaboração deste trabalho, pela orientação e acompanhamento; a Elma Strassburg Witt,

a qual dedico estas páginas, pelo amor e por ter confiado em mim; à historiadora Nilza

Huyer Ely, pelo diálogo constante e incentivo ilimitado; ao professor Ruy Ruben

Ruschel, In Memoriam, por toda a sua obra dedicada ao Litoral Norte do Rio Grande do

Sul; à professora doutora Eloísa Ramos, pelo sorriso e cooperação; à professora

doutoranda Véra Barroso, pelo entusiasmo e os Raízes; ao licenciado em Letras

Adalberto Pinto Nascimento, pelo ombro amigo e amparo nas horas de cansaço, bem

como pela troca de idéias e “bate-papo”; à licenciada em História Cleusa Mattos, amiga

desde o tempo da graduação, pelas leituras e sugestões; a Márcia Fernanda dos

Santos e a Ivonir Coimbra, pela correção gramatical; à mestre em História Juliane

Izidro, pela longa caminhada e correção técnica; aos mestrandos Leonice Alves e

Marcelo Bischoff, pela paciência e coleguismo; à equipe do Arquivo Histórico do Rio

Grande do Sul, pelo pronto atendimento; à CAPES, por ter disponibilizado a bolsa de

estudos; ao Programa de Pós-Graduação em História da UNISINOS, seus professores

e funcionários, por terem oportunizado mais um tempo de estudo; e aos demais colegas

do Mestrado, pela “troca” e “cafezinhos”. Enfim, a todos que permitiram o início, o meio

e o fim deste trabalho, o meu agradecimento.

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“É melhor tentar e falhar que

preocupar-se e ver a vida passar.

É melhor tentar, ainda que em vão,

que sentar-se fazendo nada até o final.

Eu prefiro na chuva caminhar que em

dias tristes em casa me esconder.

Prefiro ser feliz embora louco,

que em conformidade viver...”

Martin Luther King

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SUMÁRIO

ACERVOS CONSULTADOS.............................................................................................. 5

RESUMO.............................................................................................................................. 7

ABSTRACT ......................................................................................................................... 8

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 9

1 POLÍTICA E IMIGRAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL................................................ 18

1.1 A Província do Rio Grande do Sul no Contexto Imperial........................................ 19

1.2 As Vilas de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres ................. 37

1.3 A Imigração no Litoral Norte do Rio Grande do Sul................................................ 60

2 PROVÍNCIA X REGIÃO, REGIME ELEITORAL E HISTORIOGRAFIA....................... 83

2.1 O Embate Entre a Província e o Litoral Norte do Rio Grande do Sul .................... 84

2.2 O Regime Eleitoral no Império .............................................................................. 111

2.3 O Poder Local na Historiografia ............................................................................ 125

3 RELAÇÕES DE PODER LOCAL NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL.......................................................................................................................................... 143

3.1 A Política Como Fator de Integração/Dispersão................................................... 144

3.2 A Inserção dos Nacionais e Colonos Alemães na Esfera Política ....................... 185

CONCLUSÃO.................................................................................................................. 226

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 239

ANEXOS.......................................................................................................................... 263

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ACERVOS CONSULTADOS

Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AHRS

Fundos pesquisados: Assuntos Religiosos, Autoridades Municipais –

Correspondência das Câmaras, Autoridades Municipais – Correspondência das

Intendências, Coleção de Leis do Império, Diretor Geral das Colônias de São Leopoldo,

Documentação dos Governantes – Relatórios e Falas dos Presidentes da Província,

Eleições, Imigração, Terras e Colonização, Justiça, Polícia, Registro da

Correspondência Expedida pelos Presidentes da Província a Autoridades Provinciais,

Registro de Ordens, Portarias, Patentes e Provisões passadas pelos Governantes do

Rio Grande do Sul, Requerimentos e Secretaria da Agricultura.

Arquivo Público do Rio Grande do Sul – APRS

Fundos pesquisados: Inventários e Processos-Crime.

Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –

PUCRS

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Biblioteca Central da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

Biblioteca Setorial do Instituto Anchietano de Pesquisas

Biblioteca Setorial do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade

do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

Fundação Museu Antropológico Caldas Júnior

Fundo pesquisado: Correspondência Ativa da câmara municipal de Santo

Antônio da Patrulha.

Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul - IHGRGS

Museu de Comunicação Social Hipólito da Costa – MCSHC

Museu Histórico Visconde de São Leopoldo

Registros Paroquiais da Paróquia Evangélica de Três Forquilhas realizados pelo

pastor Carlos Leopoldo Voges

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal analisar a inserção de nacionais e

colonos alemães do Litoral Norte do Rio Grande do Sul na esfera política. O recorte

temporal estabelecido compreende os anos de 1840/1889 (II Reinado), com ênfase nos

anos finais do Império.

Para realizarmos tal pesquisa, buscamos uma metodologia que desse conta de

uma série de “estudo de casos”, os quais nos revelaram um mundo extremamente

dinâmico no que se refere à política. Ainda sobre o desenvolvimento do trabalho,

buscamos vinculá-lo com a “nova” história política, com o intuito de analisar as relações

entre uma “grande maioria” e os pequenos e médios chefes locais do Litoral Norte do

Rio Grande do Sul, todos atrelados ao sistema clientelístico do século XIX.

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ABSTRACT

This dissertation aims at analysing the insertion of country fellows and German

settlers from the North Coast of Rio Grande do Sul into politics. The period established

comprehends the years 1840 to 1889 (second Kingdomship), emphasising the late

years of the Empire.

In order to carry on such a research we had to find a methodology of work which

could appropriately cover a series of “study cases”. These very “study cases” revealed

an extremely dynamic world concerning politics. During the development of this work we

procured to bond it with the “new” history of politics, with the purpose of analysing the

relationship between a “vast majority” and the small and medium local chiefs from the

North Coast of Rio Grande do Sul, all of them deeply connected to the system of

clientele of the XIX century.

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INTRODUÇÃO

“Apesar de a elite rural ter sido muito menos rica do que a elite de eleitores urbanos, em uma terra de pobres artesãos e lavradores não era necessária muita riqueza para o exercício da política de patronagem... Mas, se mesmo esse centro mais restrito [São Paulo] pôde mostrar níveis razoáveis de participação popular, então é possível supor que estudos futuros, baseados em outras listas de eleitores de outras regiões do Brasil, mostrarão uma participação popular ainda maior no processo político.” 1

A proposta de estudar o Litoral Norte do Rio Grande do Sul (RS), em especial as

vilas de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres, no período de

1840/1889 (II Reinado), surgiu como uma continuidade da pesquisa que vínhamos

desenvolvendo. O que mudou foi a temática, visto que, até então, abordávamos a

questão étnica; agora, debruçamo-nos sobre a política,2 sobretudo as relações entre

nacionais e colonos alemães3 na esfera do poder local.

1 KLEIN, Herbert S. A Participação Política no Brasil do Século XIX: Os Votantes de São Paulo em 1880. In.: Dados. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, n.3, v.38, p.527-544, 1995. (p.540). 2 Usaremos o termo política conforme Bobbio, Matteucci & Pasquino, que o descreveram como algo mais do que o sistema político partidário. Para eles, o termo amplia -se, envolvendo, inclusive, o sociável e o social. Outro autor que também trabalhou com este mesmo tema foi Rémond, o qual entende que o

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Os objetivos os quais nos propomos alcançar complementam-se e são

basicamente dois. Temos como meta analisar a inserção tanto de nacionais quanto de

colonos alemães na política, verificando como estes dois grupos relacionaram-se entre

si e com os seus chefes locais. Para tanto, analisamos os inúmeros conflitos

desencadeados a partir de uma disputa política exacerbada, em que atuaram

“bandidos”, comerciantes, componentes da Guarda Nacional, delegados, desertores da

Guerra do Paraguai, juízes, lavradores, padres, pastores, entre outros. Esta lista de

“atividades e profissões” nos dá idéia da complexidade do quadro político do Litoral

Norte do RS, que estava dividido em inúmeras facções ligadas aos partidos

conservador e liberal.4 Obrigatoriamente, nossa análise contemplará a atuação dos

político “... tem relações com os outros domínios: liga-se por mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos os outros aspectos da vida coletiva. O político não constitui um setor separado: é uma modalidade da prática social. As pesquisas sobre o abstencionismo, os estudos sobre a sociabilidade, os trabalhos sobre a socialização, as investigações sobre o fato associativo, as observações sobre as correspondências entre prática religiosa e comportamento eleitoral contribuem para ressaltar tanto a variedade quanto a força das interações e interferências entre todos esses fenômenos sociais.” (p.35-36). Ver, respectivamente: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1986. (p.954-962) e RÉMOND, René. Uma História Presente. In.: RÉMOND, René (Org.). Por Uma História Política. Rio de Janeiro: UFRJ, FGV, 1996a. (p.13-36). Retomaremos o termo política no capítulo 3, nota n. 206. 3 O termo “nacional” será usado neste texto para designar os descendentes de portugueses e açorianos, bem como os demais elementos caracterizados como “brasileiros” (escravos libertos, por exemplo) e o “colono ale mão” (ou simplesmente “colono”) para os imigrantes alemães e seus descendentes. Embora saibamos que a Alemanha surgiu como estado unificado somente em 1871, quando Otto von Bismarck reuniu sob seu comando os reinos e principados de língua alemã, usaremos o termo “alemão” para identificar os imigrantes que vieram para o Brasil antes desta data. Ressaltamos que o termo “nacional” desqualifica o filho do imigrante, situação que perdura, realmente, até 1881, quando a lei Saraiva permite o ingresso destes homens de forma mais intensa na política. Infelizmente, em função do tempo limitado para a realização do Mestrado, não tivemos oportunidade de nos aprofundarmos na discussão referente aos filhos dos imigrantes, os quais, por tese, seriam “brasileiros”, portanto, “nacionais”. 4 Propositadamente escrevemos os nomes dos partidos políticos – partido conservador e partido liberal – com as iniciais em minúscula para não os destacar no texto, uma vez que eles devem aparecer como meros coadjuvantes (um dos elementos do processo político-partidário).

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conservadores e liberais, bem como suas vinculações com as câmaras municipais,

órgãos mediadores entre o litoral5 e o governo provincial.

Além destes dois objetivos, pretendemos, com este trabalho, participar da

retomada da história política,6 acrescentando outras nuances em relação a este tema

do que somente os grandes líderes, seus grandes feitos, ou a ligação destes com o

governo central.7 Interessa-nos, neste caso, o poder local, o pequeno e médio chefe

local, as relações de base clientelísticas entre uma grande maioria e seus

5 Caso não haja indicação contrária, o termo “litoral” servirá como sinônimo para “Litoral Norte do RS”. 6 Em relação à história política, consultamos algumas obras que se constituíram na base deste trabalho. A título de exemplificação, citamos a coletânea organizada por René Rémond, intitulada Por uma História Política, a qual é um dos marcos da retomada da história política. Em termos de Brasil, o texto de Francisco Falcon, História e Poder e a revista científica Logos, resultado de um seminário de 1997 promovido pela ANPUH-RS, seguem esta mesma orientação teórica. E, ainda, na linha das monografias e dissertações, o texto de Cláudio Pereira Elmir sobre as relações coronelísticas no planalto central e na serra, analisadas a partir da correspondência privada do Coronel Victor Dumoncel Filho e a dissertação de Sebastião Peres, em que contemplou o poder coronelístico na cidade de Santo Ângelo, complementam e inserem-se no elenco acima. Em termos de bibliografia brasileira, a partir de 1980, intensificaram-se os estudos sobre a “nova” história política. Os autores que citamos nesta nota representam uma parte do que foi produzido até então. Reportaremo -nos, também, a outras obras que estão disseminadas pelo restante do texto. Ver, respectivamente: RÉMOND, René (Org.). Por Uma História Política . Rio de Janeiro: UFRJ, FGV 1996c; FALCON, Francisco. História e Poder. In.: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. (p.61-89); LOGOS. Revista de Divulgação Científica. Canoas: ULBRA, n.1, ano 11, maio 1999 [especial de História e Política]; ELMIR, Cláudio Pereira. Olhares Sobre Si e o Outro: As Várias Faces do Coronelismo . In.: Caderno de Estudo. Porto Alegre: UFRGS, n.8. p.24-49, dez. 1993. [Curso de Pós-Graduação em História] e PERES, Sebastião. Coronéis & Colonos: Das Crises Internas do Poder Coronelístico à Emergência dos Colonos Como Sujeitos Autônomos . Porto Alegre, 1994. Dissertação [Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 1994. 7 Como bem expressou Marieta de Moraes Ferreira na apresentação de Por Uma História Política: “A nova história política, segundo René Rémond, preenche todos os requisitos necessários para ser reabilitada. Ao se ocupar do estudo da participação na vida política e dos processos eleitorais, integra todos os atores, mesmo os mais modestos, perdendo assim seu caráter elitista e individualista e elegendo as massas como seu objeto central.” Ver: FERREIRA Apud RÉMOND, op. cit. (1996c; p.7).

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“representantes”.8 Todavia, além da história política, nos propomos a apresentar uma

outra visão dos imigrantes alemães, visão esta que deve distanciar-se da “tese do

isolamento”, dos chavões estabelecidos pela historiografia clássica da imigração9 em

relação ao imigrante europeu, como “civilizado”, “pacífico”, “obediente”, entre outros, os

quais não contribuem para a análise da relação dos imigrantes e dos seus

descendentes com a sociedade nacional. Ao mesmo tempo, desejamos contribuir com

a historiografia que estuda o Litoral Norte do RS, espaço10 que se encontrava

praticamente “esquecido” pelos historiadores se comparado ao restante do Rio Grande

do Sul. O incremento aos estudos sobre o litoral deu-se a partir de 1990, quando se

iniciaram os Encontros dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, dos

quais falaremos adiante.

Para melhor compreensão e objetividade, dividimos este texto em três capítulos.

O primeiro localiza politicamente o Rio Grande do Sul na segunda metade do século

XIX e apresenta, resumidamente, os projetos de imigração para o Brasil, em especial os

8 O termo “representação” será usado neste trabalho como sinônimo de “clientelismo”. O fato de um nacional ou um colono exponencial representar alguém insere-o na rede clientelística do século XIX, inserção indispensável para a manutenção do poder de um chefe local. O que nos interessa é demonstrar que havia uma rede de clientes, na qual todos eram representados, desde o mais humilde morador de algum rincão até o político mais expressivo. A pirâmide do clie ntelismo encerrava-se na figura do imperador, última instância para um pedido ser encaminhado. Ver: GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. 9 Por historiografia clássica da imigração entendemos aquela de louvação étnica, na qual as características de um grupo, neste caso os alemães, se sobrepõem aos demais componentes da sua história. É de fundamental importância para esta historiografia destacar os termos “civilizado” e “trabalhador”, dentre outros, e suprimir tudo aquilo que poderia denegrir a imagem dos imigrantes e seus descendentes.

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que foram dirigidos para o Sul. Destacamos, ainda, os aspectos administrativos,

geográficos, políticos e sociais do Litoral Norte do RS neste mesmo período e a

instalação da Colônia Alemã das Torres em 1826. Como veremos, esta colônia não foi

implantada como um único núcleo, sendo dividida em dois. Os católicos ficaram em São

Pedro de Alcântara e os evangélicos em Três Forquilhas.

O segundo capítulo verifica as relações entre o litoral e o governo provincial,

momento em que percebemos as dificuldades enfrentadas pelos litorâneos para se

consolidar como um grupo político de pressão. Em seguida, fizemos uma pequena

compilação sobre o regime eleitoral no tempo do Império, visto que sentimos a

necessidade de explorar melhor a legislação eleitoral que regeu o Brasil no século XIX.

Sendo este um trabalho que tem como pauta principal analisar a dinâmica política de

uma região, este subcapítulo tem sua razão de existir, sobretudo porque era na época

das eleições que a atividade política ganhava dimensões agigantadas no que se refere

às lutas – tanto em discursos quanto em armas – entre os correligionários dos partidos

políticos. Por fim, no terceiro subcapítulo, apresentamos uma discussão historiográfica

sobre “coronelismo”, “poder local” e “clientelismo”, fazendo-se necessária, também,

uma pequena explicação. O diálogo com a historiografia perpassará todo o texto, tanto

a que aborda a política quanto a que se dedicou à imigração. No entanto decidimos

aprofundar a discussão destes conceitos num subcapítulo à parte, com o intuito de

10 O conceito de espaço está baseado em Milton Santos, nome de maior expressão da geografia

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mapeá-los no período imperial e republicano. Isto não significa, porém, que o restante

do trabalho esteja desprovido de um diálogo com a historiografia correspondente.

O terceiro e último capítulo analisa a inserção de nacionais e colonos alemães no

âmbito do poder local, fazendo uma clara distinção entre os “exponenciais”, isto é,

aqueles que se destacaram no cenário político e uma grande maioria a qual foi por eles

representada. Veremos, além disto, a participação destes homens nas eleições,

momento máximo da disputa política, em que todos desejavam, ardentemente,

demonstrar a sua força e capacidade de cooptar clientes, rede a qual estavam “presos”.

Enfim, o terceiro capítulo, assim como todo o trabalho, tem como objetivo demonstrar a

dinâmica do poder local no Litoral Norte do RS.

Os três capítulos apontados acima foram escritos de tal forma que não seguem

uma narrativa processual. Segundo René Rémond, “... a história política permanecia

uniformemente narrativa, escrava do relato linear, e no melhor dos casos, só temperava

a mediocridade de uma descrição submetida à cronologia pelo talento eventual do

autor...” 11. Por razões de ordem metodológica, buscamos o “esgotamento” das fontes

empíricas, isto é, os casos encontrados foram desdobrados de tal forma que, de um

acontecimento central, pudemos analisar uma série de relações, principalmente as da

esfera política. O exemplo mais bem acabado encontra-se no subcapítulo 3.1, no qual

humana, que sintetiza a natureza e o homem, relacionando-os entre si. Ver: SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. 4.ed. São Paulo: HUCITEC, 1996.

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analisamos a expulsão de dois juízes, sendo que, a partir deste fato, uma série de

outras situações vieram à luz. Metaforicamente, os casos foram “costurados” a fim de

não se constituírem em exemplos isolados, mas sim permitirem a construção parcial de

uma realidade. Acreditamos, desta maneira, que esta dinâmica de trabalho oportunizará

ao leitor aproximar-se de “estudo de casos”, os quais revelarão um quadro político-

partidário disputado de forma acirrada e violenta, repleto de momentos de tensão, como

era comum na política da época. Além de não se caracterizar por uma narrativa

processual, o texto também não apresenta dados quantificados, a não ser as tabelas

que elaboramos a partir das listas de votantes, as quais se encontram no subcapítulo

3.2. Os “estudos de casos” são representativos, isto é, selecionamos documentos

capazes de demonstrar a dinâmica social e política do Litoral Norte do RS sem que

para isto fosse necessário quantificá-los.12

O leitor perceberá, igualmente, uma forte carga empírica no texto, resultado de

uma pesquisa minuciosa no AHRS e no APRS, iniciada antes mesmo do curso de

Mestrado em História no Programa de Pós-Graduação da UNISINOS. Este longo tempo

de pesquisa em arquivo permitiu-nos a apropriação de uma grande quantidade de

documentos, sendo que somente uma parte foi usada neste trabalho. Reconhecemos

que em alguns momentos os dados empíricos seriam quase dispensáveis, pois não se

referem diretamente à questão norteadora do texto. No entanto dão luz e vida ao

11 Cf. RÉMOND, op. cit. (1996a; p.17).

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cenário do Litoral Norte do RS, o que possibilita ao leitor conhecer um pouco mais o

espaço o qual nos propomos estudar.

Sobre a pesquisa no AHRS e no APRS, contemplamos uma série de fundos

documentais, que estão listados nos “acervos consultados”. Esses fundos revelaram, de

um lado, a dinâmica política do litoral e, de outro, a organização social dos nacionais e

colonos alemães. Ao nos permitir analisar estes dois aspectos, consideramos relevante

apresentar situações (exemplos) que ratificam a questão norteadora deste texto. Para

isto, valemo-nos, em alguns momentos, das transcrições de parte dos documentos, as

quais tiveram a gramática atualizada sempre que possível, com exceção dos nomes

próprios.

Como não poderia deixar de ser, este trabalho tem os seus limites. Do ponto de

vista metodológico, precisávamos delimitar o tempo (II Reinado) e o espaço (Litoral

Norte do RS). Esbarramos, também, no tempo insuficiente concedido aos bolsistas da

CAPES – dois anos - para cursar as disciplinas, pesquisar nos arquivos, consultar a

bibliografia, realizar o estágio docente de quase um semestre e, por fim, escrever a

dissertação. Como exemplo deste limite temporal, não conseguimos pesquisar no

APRS os processos judiciais ocasionados por desentendimentos, às vezes violentos,

no período das eleições. Assim, dentro dessas condições, restringimos o tema à

12 Sobre a possibilidade de os documentos expressarem parte da realidade de um local ou de um grupo, ver a nota n. 200.

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política, conjugado à imigração, sem entrarmos em outras questões que poderiam ser

analisadas conjuntamente se as circunstâncias fossem outras.

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1 POLÍTICA E IMIGRAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL

“Se não tem havido jogo, Sr. Presidente, o que significa este telegrama, passado da corte? ‘Rio, 13 de fevereiro de 1879. Silveira Martins saiu do ministério por não querer sacrificar a idéia liberal. Na reforma constitucional não queria deixar nossos patriotas, filhos de alemães, por serem protestantes, abaixo dos ingênuos filhos de ventre escravo. O Imperador opôs-se e o resto do ministério cedeu à vontade imperial’.” 13

“No dia em que o Partido Liberal subir ao poder, se ele não for com o seu programa de reformas na mão; se ele se deixar inutilizar pelo poder pessoal, que nós todos conhecemos, que já foi denunciado no Parlamento por liberais e conservadores, eu não abandonarei as minhas convicções para acompanhar um partido que não realiza quando é governo o que promete quando oposição.” 14

“O fato de ter um país uma religião do estado não impede que nesse país se dê plena liberdade de cultos, nem tampouco reclama restrições de direitos civis àqueles que não seguem a religião do Estado. O Sr. Conselheiro Martins na Câmara dos Deputados falou da Turquia que, tão atrasada ontem, já decretara a liberdade de cultos; o nobre Deputado, o Sr. H. d’Avila lembrou nesta Casa a Inglaterra que tem religião de estado mas em cujo Parlamento entram também os que não

13 Discurso do deputado Francisco Clementino Santiago Dantas na Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul, na sessão de 14 de março de 1879. In.: PICCOLO, Helga Iracema Landgraf (Org.). Coletânea de Discursos Parlamentares da Assembléia Legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. 1835 - 1889. v.2. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, 1998. (p.448). 14 Discurso do deputado Ramiro Fortes Barcellos na Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul, na sessão de 14 de março de 1879. In.: PICCOLO, op. cit. (1998; p.454).

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19

a seguem, e eu citarei ainda a Áustria e a Itália que estão no mesmo caso.” 15

1.1 A Província do Rio Grande do Sul no Contexto Imperial

Este subcapítulo tem como objetivo apresentar o Rio Grande do Sul na segunda

metade do século XIX, bem como sua articulação política com o restante do Brasil,

sendo que este período tem como marco principal o embate entre a Corte e as

províncias, provocado, dentre outros motivos, pela política de centralização do Império.

Em relação ao Sul, a monarquia, ao olhar para este espaço, enxergava um território

que, paulatinamente, consolidava-se como brasileiro. A posição fronteiriça do Rio

Grande do Sul fez com que a relação estabelecida entre o Império e a província se

tornasse mais tensa do que entre o primeiro e as outras regiões do Brasil, uma vez que

a centralização por parte do Império se chocava de maneira intensa com os interesses

locais, mesmo que os chefes locais estivessem enquadrados na ordem instituída. Em

razão deste imbricamento entre estas três instâncias – Império, província e poder local -

entendemos ser necessária uma “retrospectiva” dos dois últimos quartéis do século XIX

a fim de vislumbrarmos o cenário no qual nacionais e imigrantes foram inseridos e como

se relacionavam no âmbito da política.

15 Discurso do deputado Ernesto Augusto da Cunha Matos na Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul, na sessão de 14 de março de 1879. In.: PICCOLO, op. cit. (1998; p.459).

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Politicamente, a província do Rio Grande do Sul, durante o II Reinado, foi

marcada por uma disputa exacerbada, travada entre conservadores e liberais,

entremeada pelo surgimento e consolidação do Partido Republicano Rio-grandense

(PRR).16 Em se tratando de Brasil, o imperador ora agraciava os conservadores,

chamando-os para governar, ora os liberais, quando concedia a estes o mesmo direito

de conduzir politicamente o país.

Cabe aqui verificar primeiramente uma das características mais significativas da

sociedade rio-grandense, senão a principal, que foi a militarização. A província sulina,

segundo Uricoechea, caracterizava-se por uma militarização diferenciada de todo o

Brasil, principalmente pelo aspecto geográfico, uma vez que faz fronteira com os

vizinhos platinos. Isso gerava uma sociedade fundamentada nos modelos e ideologia

da guerra, que, de tempos em tempos, se manifestava conforme os interesses do

Império brasileiro e/ou das repúblicas lindeiras.17 Como disse este mesmo autor:

“Não é possível avaliar a importância histórica das milícias brasileiras e o papel que desempenhavam na construção do estado sem trazer a foco a expressão que elas assumiram na província sulista do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai e a Argentina.” 18

16 Os partidos políticos serão abordados, novamente, neste mesmo texto, momento em que faremos uma explanação sobre a doutrina e a forma com que cada um se relacionou com o poder. 17 As considerações sobre a militarização do Rio Grande do Sul estão baseadas em URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial. A Burocratização do Estado Patrimonial Brasileiro no Século XIX. Rio de Janeiro, São Paulo: DIFEL, 1978a. (p.225-261). 18 URICOECHEA, op. cit. (1978a; p.225).

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A guerra foi, por assim dizer, o fenômeno que marcou as relações estabelecidas

entre os países platinos. A disputa pelo Sul e os conseqüentes acordos de paz, sendo o

tratado de Santo Ildefonso, de 1777, um dos mais relevantes, marcaram sensivelmente

o modo de viver dos rio-grandenses e platinos. Dessa forma, o transcorrer do século

XIX foi pautado por inúmeros conflitos os quais envolveram o Sul do Brasil, ainda

indefinido, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.

Desse permanente estado beligerante, originou-se uma sociedade militarizada

cujo produto final, segundo a historiografia tradicional,19 foi o gaúcho. Este personagem

atuou politicamente na região da fronteira do Rio Grande do Sul, variando de acordo

com sua posição social e a época, podendo ser um cavaleiro “rebelde”, ou então, um

estancieiro. Como chefe local, opôs-se às medidas centralizadoras que marcaram o

século XIX, reagindo politicamente de maneira mais intensa nos últimos anos do

Império. Conforme Piccolo, a década de 1870 caracterizou-se pelo sentimento

antimonarquista e pelas manifestações contra a centralização do Império para com a

província.20 A assertiva da historiadora visa evidenciar o quão resistente foi o Rio

19 Moysés Vellinho constitui-se num dos representantes mais expressivos deste grupo historiográfico. Para eles, “... ora o gaúcho é um dos defensores dos interesses brasileiros, pois através de sua coragem protegeu as fronteiras do Brasil contra os inimigos ‘castelhanos’; ora ele é o representante de interesses sul-rio -grandenses, defendendo e lutando para que o Rio Grande do Sul não fique marginalizado frente aos demais estados brasileiros, nem que para isso seja necessário o ‘separatismo’...” (p.4). Ver: IZIDRO, Juliane Maria. A Construção do Mito do Gaúcho Brasileiro Pela Historiografia Tradicional. São Leopoldo, 2000. Monografia [Identidade e Integração na América Latina Independente II]. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 2000. 20 Cf. PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. As Regiões e a Questão do Federalismo Passado e Presente. Palestra apresentada em: Primeiras Jornadas de História Regional Comparada . Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Porto Alegre, ago. 2000.

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Grande do Sul quando se tratava de aceitar as imposições decretadas da capital Rio de

Janeiro e como as idéias federativas tiveram influência e força no Sul.

Estas reações por parte das chefias locais davam-se especialmente pelos

partidos políticos, pois era através destas agremiações que acontecia o jogo de forças

entre Império, província e poder local. Todos se valiam destes canais – os partidos

políticos – para tentar concretizar as suas medidas na área política. Em razão disso,

vamos abordar, muito sintéticamente, os três partidos que mais se destacaram no

período estudado. É preciso esclarecer que levamos em conta o fato de, muitas vezes,

o prestígio de determinado político falar mais alto do que o próprio discurso do partido.

No entanto, de uma maneira geral, neste momento do trabalho, vamos considerar os

manifestos dos conservadores, liberais e republicanos como a expressão do todo, sem

entrar na discussão do poder individual de alguns líderes e nos desentendimentos

ocasionados pelas inúmeras facções que compunham o quadro político-partidário do

Rio Grande do Sul. Para tanto, faremos uma breve apreciação, destacando as

principais características dos três grupos políticos os quais atuaram na província

sulina.21

21 A apreciação que fizemos dos partidos conservador, liberal e republicano está baseada em PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. A Política Rio -Grandense no II Império (1868-1882). Porto Alegre: UFRGS, 1974. Muitas vezes os programas de governo dos conservadores e liberais confundiam-se, isto é, sob muitos aspectos os dois partidos eram semelhantes, especialmente no que tange à busca do poder e à aspiração de governar e fazer valer as suas determinações. Sendo assim, a apreciação dos três partidos, neste texto, tem como objetivo apresentar suas diretrizes básicas sem aprofundar as suas semelhanças e diferenças.

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Comecemos pelo partido conservador. De toda a sua trajetória como partido

governante ou oposição, deter-nos-emos na sua atuação, que mais se aproxima do

momento em discussão, a qual se deu entre os anos de 1868 e 1877. Esclarecedor é o

comentário de Piccolo a respeito do partido, que era:

“a favor do status quo: da centralização administrativa e do princípio de que o imperador reina, governa e administra.” 22

“Politicamente falando, são os conservadores intransigentemente monarquistas... Como monarquistas, não apenas temiam, mas combatiam as idéias republicanas veiculadas pela imprensa.” 23

Além de monarquistas, os conservadores opunham-se à abolição da escravidão

e viam com desconfiança os projetos de imigração. No seu discurso, o elemento

nacional e não o estrangeiro deveria ser privilegiado com as benesses da lei. De linha

conservadora, os correligionários deste partido depositavam no regime monárquico

todas as suas esperanças na tentativa de estancar as idéias liberais, de base

reformista, e imobilizar o quadro hierárquico da sociedade.24

22 PICCOLO, op. cit. (1974; p.46). 23 PICCOLO, op. cit. (1974: p.48). 24 O posicionamento do partido conservador sobre a escravidão e a imigração pode ser conferido nas várias publicações do jornal “O Conservador”. Como exemplo, podemos citar três artigos consecutivos publicados em dezembro de 1880, em que o partido manifesta-se a respeito dos conceitos acima. Ver: MCSHC - O Conservador, Porto Alegre, n. 289, ano II, sexta, 24 de dezembro de 1880 (533) p.1; MCSHC - O Conservador, Porto Alegre, n. 291, ano II, terça, 28 de dezembro de 1880 (535) p.1; MCSHC - O Conservador, Porto Alegre, n. 292, ano II, quarta, 29 de dezembro de 1880 (537) p.1. (Agradecemos ao historiador Paulo Moreira a gentileza de ter cedido este material).

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O partido liberal, por sua vez, de idéias contrárias às dos conservadores, lançou

seu manifesto em 30 de junho de 1863, no qual definiu seu programa, tendo como

princípios a:

“soberania nacional, responsabilidade dos ministros, temporariedade do Senado, eleição direta, representação da minoria, independência da magistratura, liberdade individual, emancipação da navegação de cabotagem, serviço militar obrigatório, descentralização administrativa, reforma das municipalidades.” 25

No Rio Grande do Sul, o partido liberal teve como um dos seus maiores

representantes Gaspar Silveira Martins. Na medida em que sua atuação como

parlamentar o projetava no cenário político brasileiro, sua atenção voltava-se a alguns

grupos marginalizados, incluindo neste rol os colonos alemães evangélicos. Sua

principal reivindicação foi o direito ao voto para os acatólicos, bandeira que empunhou

com todo o fervor, levando-o a renunciar ao cargo de ministro quando sua proposta não

foi aceita pela maioria, inclusive por seu companheiro de partido, o liberal Manuel Luis

Osório.26

25 PICCOLO, op. cit. (1974; p.27). 26 PICCOLO, op. cit. (1974; p.99). A atuação de Silveira Martins a favor dos acatólicos seguia as diretrizes de uma das facções do partido liberal, a qual entendia que também a estes deveria ser dado o direito de votar e serem votados. A população colonial, com um crescimento demográfico acentuado, era vista como um “curral eleitoral”, que poderia ser cooptado pelos liberais desde que houvesse uma mudança na legislação eleitoral permitindo a participação deste grupo de forma direta. Provavelmente, esta foi uma das razões pelas quais Silveira Martins dedicou-se à defesa dos acatólicos na esperança de que, se lhes fosse concedido o direito de votar, estes votos seriam direcionados ao seu partido.

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Além de Silveira Martins, que personificou a representação liberal entre os

colonos alemães, outro personagem deve ser mencionado, o jornalista Carlos von

Koseritz,27 político liberal, que também defendeu os interesses das comunidades

alemãs, usando para isto a imprensa, a qual se constituía num instrumento de longo

alcance. Koseritz escrevia seus artigos para jornais nos quais denunciava o “descaso”

das autoridades para com a população colonial. Em alguns momentos, o eco destas

vozes produziu efeitos positivos junto aos demais políticos, o que oportunizou,

parcialmente, o exercício da cidadania de alguns colonos alemães. Como exemplo de

conquista parcial destes direitos, podemos citar a lei Saraiva, de 1881, da qual

falaremos adiante.

O partido Republicano Rio-Grandense (PRR) teve seu manifesto lançado em

1870. Sua trajetória nesta década foi insignificante, pois o partido só ganharia vulto a

partir da sua fundação, em 1882. A bandeira defendida pelos republicanos estava

intimamente ligada à questão eleitoral, pois sem uma reforma na lei não conseguiriam

chegar ao poder. Para tal, propunham a eleição direta, sem a interferência do governo.

Piccolo reporta-se ao discurso esclarecedor de um republicano, quanto às aspirações

do partido:

27 Cf. MOTTER, além de Carlos von Koseritz, mais quatro teuto-brasileiros compuseram o legislativo gaúcho na época imperial: Guilherme Bartholomay (1881-1882), Frederico Hänsel (1881-1889), Wilhelm ter Brüggen (1887-1888) e Karl von Kahlden (1889). Ver: MOTTER, Ana Elisete. As Relações Entre as Bancadas Teuta e Luso-Brasileira na Assembléia Legislativa Provincial Rio -Grandense (1881-1889). In.: Estudos Leopoldenses. [Série História]. São Leopoldo: UNISINOS. n.2, v.3, p.103-114, jul./dez. 1999.

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“A fraqueza republicana e a identidade com os liberais, (sic) podem ser vistas no primeiro discurso pronunciado por Francisco X. da Cunha na Assembléia Provincial, na sessão de 16 de março de 1877, discurso que também é, no seu espírito, aparentado com o Manifesto de 1870. Destaca-se pelos aspectos políticos e não toca na estrutura sócio-econômica. Defende a eleição direta, que é a grande aspiração, porque pelo sistema eleitoral vigente, a interferência do governo nas eleições não permitia a vitória das idéias liberais e republicanas. A moralização das eleições era necessária para que elementos reformistas chegassem ao Parlamento, o que significava que as reformas no sistema político deviam ser feitas pacificamente. O mau funcionamento das instituições devia-se ao poder pessoal. Era necessária a interferência do povo no governo.”28

Esta breve apreciação dos partidos políticos que permearam a vida dos rio-

grandenses na segunda metade do século XIX permite -nos perceber que o duelo

travado entre conservadores e liberais com o objetivo de tomar o poder deu espaço

para que outro grupo se consolidasse e conquistasse o poder de forma paulatina e

crescente. Porém devemos estar atentos para não incorrermos no erro de uma análise

maniqueísta, isto é, entender o surgimento do PRR como fruto da incompetência dos

outros dois partidos. Os anos finais do Império foram marcados pelo fim da escravidão

e pelo surgimento de outros grupos sociais que exigiram uma nova proposta política,

momento oportuno para que o PRR surgisse e se consolidasse. Assim, quando o Brasil

se torna uma República, o Rio Grande do Sul passa a ser governado pelos

republicanos, grupo heterogêneo composto de homens realmente imbuídos do espírito

positivista, mas também de antigos conservadores e ex-liberais. Feito este pequeno

28 PICCOLO, op. cit. (1974; p.89-90).

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comentário, resta-nos verificar como se deu a imigração para o Brasil e quais as suas

implicações na dinâmica política brasileira.

No que tange ao estudo da política no período que compreende o II Reinado,

destacam-se três grandes temas: escravidão, terra e imigração, sendo que

abordaremos de forma mais panorâmica os dois primeiros temas, fazendo apenas os

comentários necessários que complementem o estudo da imigração. A escravidão foi

uma das maiores instituições que marcou a história brasileira, principalmente por ser o

motor do sistema produtivo. Teve seu início com a chegada dos portugueses e o seu

fim com a abolição em 1888. Durante os quase quatro séculos de sua existência, o

tráfico negreiro foi um dos negócios mais rentáveis para os traficantes, os quais

compravam os escravos na África e revendiam-nos na América e também para a

própria Coroa Portuguesa, desejosa de obter os impostos que este comércio lhe

proporcionava.

Com efeito, foi no decorrer do século XIX que a Inglaterra posicionou-se contra a

continuidade do tráfico, na esperança de que o trabalho escravo fosse substituído pelo

assalariado. Assim, uma série de imposições dos ingleses em relação a este negócio

culminou no aumento dos contrabandos e intensificou o deslocamento interprovincial de

escravos. Todavia o fim da escravidão ocorreria somente no final do século XIX, após

uma interminável discussão de como deveria, ou não, acontecer a libertação dos

escravos.

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28

O segundo tema que apontamos é a terra. De proporções continentais, o

território brasileiro permitiu o acesso à terra através de inúmeras situações, que vão

desde as legais, quando a Coroa Portuguesa instituiu o sistema de sesmarias, o qual

perdurou até o ano de 1822, até as posses “ilegais”, que aumentavam sensivelmente as

propriedades rurais, tornando-as extensos latifúndios. Como característica básica, o

Brasil possuía muita terra para pouca gente livre, o que gerava os maiores abusos em

relação à posse e à extensão das propriedades territoriais.

Em contrapartida a esta “desordem”, o governo promulgou a lei de Terras em

1850. Vejamos alguns aspectos que viabilizaram e fomentaram esta iniciativa: a

iminência da substituição da mão-de-obra escrava por outro modelo que inserisse o

país na nova divisão internacional do trabalho; a tentativa do Império em reduzir o

poder dos grandes proprietários rurais, verdadeiros senhores do território que

ocupavam, armados com suas milícias e dispostos a reagir à centralização imperial; e a

urgência de se definir de que forma e em que terras seriam instaladas as novas

colônias compostas de imigrantes europeus.29 No entanto a aplicabilidade da lei de

29 Sobre este ponto, em relação ao Sul do Brasil, ao obrigar a compra das terras, o governo desejava manter os imigrantes nas pequenas propriedades rurais. Sem recursos, os colonos não tinham condições de comprar grandes áreas e transformarem-se em latifundiários, a quem o governo desejava fazer oposição. Já para as regiões cafeeiras, sobretudo o Rio de Janeiro e São Paulo, a compra das terras tinha como objetivo direcionar a mão-de-obra imigrante para as grandes lavouras, uma vez que também lá os imigrantes não tinham grandes recursos para adquirir uma propriedade territorial. Cf. Carvalho, “... como a ocupação indiscriminada de terras dificultava a obtenção de trabalho livre, o parecer propunha que se vendessem as terras e não mais fossem doadas nem permitida sua ocupação.” (p.40). Saul, analisando esta mesma questão, apresenta duas tendências: “No que respeita à colonização por meio de trabalhadores livres, duas posições se definiram antagonicamente. Por um lado, a necessidade de criar um preço elevado para as terras públicas e o estabelecimento do imposto territorial apareciam como

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Terras foi inviabilizada, permitindo que muitos dos abusos em relação ao acesso à terra

continuassem sendo cometidos.30 Podemos anunciar desde já que durante nossa

pesquisa encontramos uma série de casos que corroboram estas afirmações, os quais

estarão diluídos por todo o trabalho.

O terceiro tema que consideramos relevante para o período estudado é a

imigração, movimento internacional que permitiu o deslocamento de trabalhadores,

principalmente da Europa, para outros continentes, fundamentalmente na segunda

metade do século XIX até meados do século XX. Por ser um dos temas centrais deste

texto, o abordaremos de forma mais específica e detalhada com o objetivo de inserir o

Rio Grande do Sul no projeto idealizado, defendido e concretizado pelo Império

brasileiro. Foi durante a estada da família real no Brasil que D. João VI definiu-se pela

imigração européia, acreditando que a vinda de famílias e também de solteiros, pois

precisava de soldados, traria novo alento a um país “desgraçadamente” habitado por

índios e negros.

fórmulas para forçar o colono imigrado a trabalhar nas fazendas, dificultando-lhe o acesso à propriedade da terra... A posição contrária... Propugnavam por uma política oposta à instituição de preços altos para as terras públicas. A terra deveria ser concedida graciosamente aos colonos como forma de atraí-los para o país e fixá-los em seu interior. O ponto decisivo residia em considerar como questão realmente importante para o país a colonização efetiva do território.” (p.32-33). Ver: CARVALHO, José Murilo. Modernização Frustrada: A Política de Terras no Império. In.: Revista Brasileira de História (ANPUH). São Paulo, n.1, p.39-57, mar. 1981; e SAUL, Renato. A Modernidade Aldeã. Porto Alegre: UFRGS, 1989. 30 Cf. CARVALHO, op. cit. “Em 1871 já se pedia a reformulação da lei [de Terras] por não ter nem mesmo impedido a invasão de terras públicas.” (1981; p.48).

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30

Os motivos pelos quais o Império decidiu trazer imigrantes europeus para o

Brasil são muitos e foram trabalhados pela historiografia que trata deste assunto.31

Entre os mais importantes, destacamos: a preocupação de D. João VI em branquear a

“raça”, uma vez que o número de negros no Brasil sobrepujava em muito a população

branca; a necessidade de povoar o imenso território brasileiro, com a intenção de definir

fronteiras; a indiscutível premência de se ocupar as terras que ainda estavam nas mãos

dos indígenas; a implantação da pequena propriedade para contrabalançar o poder do

grande proprietário de terras; a diversificação da produção de alimentos, direcionada ao

mercado interno; o desenvolvimento do artesanato, qualidade que introduziria o Brasil

no mundo tecnológico da época; a precariedade das forças militares brasileiras,

compostas de homens nos quais o Imperador não depositava a mínima confiança; e,

por fim, o Brasil precisava, gradativamente, inserir-se na nova divisão internacional do

trabalho. Para isso, haveria de surgir um novo tipo de mão-de-obra que, concomitante à

escrava, elevasse o país à categoria de “industrializado e moderno”.

Este último motivo apontado não deve dar a impressão de que os imigrantes

vieram ao Brasil apenas para substituir a mão-de-obra escrava. Os projetos de

31 Como exemplo da historiografia que estudou os motivos que levaram o Imperador a optar pela imigração, podemos citar: CESAR, Guilhermino. Os Gaúchos e a Política Imigratória do Império. In.: CESAR, Guilhermino et. al. Imigração Italiana: Estudos. Porto Alegre/Caxias do Sul: EST/Universidade de Caxias do Sul, 1979. (p.161-176), COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República : Momentos Decisivos. São Paulo: Ciências Humanas Ltda., 1979, LEMOS, Juvencio Saldanha. Os Mercenários do Imperador: A Primeira Corrente Imigratória Alemã no Brasil. Porto Alegre: Palmarinca, 1993 e OBERACKER Jr., Carlos Henrique. A Contribuição Teuta à Formação da Nação Brasileira. 4.ed. v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Presença, 1985.

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colonização foram amplamente debatidos nas assembléias provinciais, havendo os

mais diferentes pronunciamentos. Uns entendiam que a imigração traria avanços para o

país, beneficiando-o com um trabalhador “civilizado”, enquanto outros, defensores dos

interesses dos grandes proprietários que possuíam muitos escravos, denunciavam o

ingresso dos imigrantes como uma tentativa de acabar-se com a escravidão, o que

levaria o Brasil à ruína. O certo é que o Império, através da habilidade política,

conseguiu contornar as dificuldades causadas pelos que eram contrários ao seu

empreendimento, iniciando o processo de “importação” de europeus, dando o primeiro

passo na concretização de suas metas para o “desenvolvimento” do Brasil.

Em relação ao Sul, o Império já havia tentado a colonização com açorianos a

partir de 1715, com o propósito de dedicarem-se à agricultura, no plantio do trigo. No

entanto os resultados não foram os esperados, e os açorianos logo se dispersaram

entre a população de descendência portuguesa. Dessa iniciativa até a resolução de se

trazer imigrantes europeus, não houve a concretização de outros projetos de

colonização de maior relevância para o Brasil. Somente em 1818, o governo deu novo

alento ao seu empreendimento, instalando a colônia de Nova Friburgo, no Rio de

Janeiro, composta de suíços. Em 1824, foi a vez do Rio Grande do Sul receber

imigrantes, fixados na extinta Feitoria do Línhamo Cânhamo, futura colônia de São

Leopoldo. Ainda no final deste mesmo ano, foi realizada uma nova tentativa em São

João das Missões, totalmente infrutífera devido à longa distância de São Leopoldo e à

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falta de recursos, a qual permeou a vida dos colonos.32 E, finalmente, em 1826, ainda

sob a determinação do governo imperial, imigrantes alemães foram encaminhados para

o Litoral Norte do RS a fim de formarem a Colônia Alemã das Torres, objeto de nosso

estudo.33

Apesar destas tentativas, cada uma com suas peculiaridades e desenvolvimento

diverso, a colonização de São Leopoldo, a partir de 1824, internalizou-se na

historiografia da imigração alemã como o modelo mais eficaz e que produziu os

resultados mais esperados pelo governo. A data 25 de julho, dia em que os primeiros

imigrantes alemães chegaram à futura colônia de São Leopoldo, é comemorada como

feriado municipal e foi instituída como o Dia do Colono.34 As outras colonizações caíram

em relativo esquecimento e não foram alvo de estudos mais consistentes. O interesse

dos pesquisadores esteve centrado em São Leopoldo e na expansão da colônia velha

para as novas frentes de colonização.

32 Cf. ROCHE, os colonos remetidos à São João das Missões saíram de Porto Alegre em novembro de 1824 e chegaram ao seu destino em 6 de janeiro de 1825. Ver: ROCHE, Jean. A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul. v. 1 e 2. Porto Alegre: Globo, 1969a. (p.98). 33 HANDELMANN publicou uma “relação das colônias estrangeiras fundadas no Brasil de 1812 a 1855”, em que informa o sistema de aquisição de terras, nome, ano e fundador da colônia e a população, discriminada entre “habitantes” e “escravos”. A título de exemplo, citamos apenas as que mais se destacaram ou aquelas que a historiografia consagrou como as mais importantes. Ver: HANDELMANN, Henrique. História do Brasil. In.: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931. (p.646-650). O texto original de Handelmann foi escrito na década de 1850 e publicado em 1859. 34 WEBER, Roswithia. As Comemorações da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul: o “25 de Julho” em São Leopoldo, 1924/1949. Porto Alegre, 2000. Dissertação [Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2000.

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33

O desenvolvimento da colônia de São Leopoldo pode ser explicado por sua

proximidade e fácil comunicação com Porto Alegre. O pequeno porto da colônia junto

ao rio do Sinos era o centro aglutinador onde os colonos depositavam os seus produtos

agrícolas a serem transportados até Porto Alegre, de onde viriam mercadorias para

venda aos colonos. Dessa forma, estruturou-se um incipiente, mas crescente comércio

baseado na remessa dos produtos coloniais e no envio de artigos que não eram

produzidos pelos colonos. Em poucos anos, uma rede comercial havia sido

estabelecida, abarcando desde o colono mais distante até as casas comerciais de Porto

Alegre.35

Todavia não devemos centrar toda a nossa atenção na agricultura.

Paralelamente a este tipo de atividade, surgiu o artesanato, o que nos faz pensar sobre

as profissões que cada colono trouxe do velho mundo. Dois estudos podem nos auxiliar

nesse sentido. O primeiro foi realizado por Martin Dreher, o qual desvela que o número

de artesãos é superior ao apontado pela historiografia. Isso pode explicar, pelo menos

parcialmente, o rápido desenvolvimento do artesanato em São Leopoldo, onde se

produziam, por exemplo, produtos derivados do couro bovino, como selas, arreios e

calçados, especialmente botas. Dreher dividiu as profissões por categorias, sendo que

de cada grupo destacamos duas atividades a título de exemplificação. No setor

35 O desenvolvime nto das colônias alemãs através do comércio com Porto Alegre foi estudado por Dalva Neraci Reinheimer em sua Dissertação de Mestrado. Ver: REINHEIMER, Dalva Neraci. As Colônias Alemãs, Rios e Porto Alegre. Estudo Sobre Imigração Alemã e Navegação Fluvial no Rio Grande do Sul

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metalúrgico, a de ferreiro e serralheiro; no setor da alimentação, açougueiro e padeiro;

no setor da produção têxtil, tecelão e alfaiate; no setor do comércio, comerciante e

taverneiro; na atividade madeireira, marceneiro e carpinteiro; no setor coureiro,

sapateiro e curtidor; nas profissões liberais, músico e professor; no setor da construção,

pedreiro e pintor; Além desses, há representantes de outros setores, como o da

cerâmica, ourivesaria, transporte, imprensa e saúde.36

O segundo estudo ao qual referimos acima foi realizado por Magda Gans. A

autora analisou a presença de imigrantes alemães em Porto Alegre, cons tatando que a

participação deste grupo não estava restrita às grandes casas comerciais. Os teutos

também atuaram no “setor médio”, em que prevaleciam o artesanato e a prestação de

serviços. Além de debruçar-se sobre um espaço via de regra esquecido pela

historiografia da imigração – o urbano - a autora demonstrou que a presença teuta em

Porto Alegre foi mais atuante do que escreveu Jean Roche em sua obra clássica sobre

a imigração.37

Os trabalhos de Dreher e Gans referidos relativizam a constituição profissional

dos imigrantes. É possível deduzir que não foram somente os agricultores europeus

(1850-1900). São Leopoldo, 1999. Dissertação [Mestrado]. História da América Latina. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 1999. 36 Cf. DREHER, Martin Norberto. O Desenvolvimento Econômico do Vale do Rio dos Sinos. In.: Estudos Leopoldenses. [Série História]. São Leopoldo: UNISINOS. n.2, v.3, p.49-70, 1999a. O autor, ao começar o seu texto, explica que os dados apresentados são parciais, uma vez que se referem aos colonos evangélicos e foram retirados dos registros paroquiais elaborados pelo pastor Johann Georg Ehlers.

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35

que tentaram escapar de uma situação desfavorável em que a miséria advinda do

parcelamento e da expulsão da terra os havia marginalizado, a tal ponto que uma das

alternativas foi a emigração. Ao que parece, os artesãos, de um modo geral,

suplantados e incapazes de concorrer com as novas modalidades de trabalho

decorrentes da Revolução Industrial, viram-se confrontados com a miséria, optando

pela emigração para a América ou sendo obrigados a isso.38

Esta série de nuances sobre o projeto de imigração para o Brasil nos faz pensar

que poderíamos tratar o assunto no plural, isto é, projetos de imigração, imbricando-o

com outros temas como, por exemplo, escravidão, indígenas, política ou terra. Dessa

forma, não escreveríamos a “história da imigração” como algo isolado, desvinculado de

uma realidade que lhe é subjacente. Salutar seria, igualmente, relativizar cada uma das

iniciativas referentes à imigração, pois o espaço, o tempo e os objetivos são fatores que

as distinguiriam de tal forma que poderiam parecer coisas diferentes. No Sul, por

exemplo, houve situações que mereceriam uma análise baseada na formação de

núcleos de imigrantes pelo critério religioso, separando católicos e evangélicos; também

no Sul, uma parcela dos grandes proprietários opôs-se à instalação das pequenas

propriedades rurais, implantadas pelo Império, província, particulares e empresas

37 Cf. GANS, Magda Roswita. Presença Teuta em Porto Alegre no Século XIX (1850-1889). Porto Alegre, 1996. Dissertação [Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 1996. 38 Reportamo-nos à Revolução Industrial de uma forma sintética, sem verificar as suas especificidades. Ressaltamos que na Alemanha este fenômeno – a industrialização – teve seu boom na segunda metade do século XIX, mais precisamente após 1870. Com isto, os imigrantes que vieram ao Brasil antes desta

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colonizadoras,39 com o receio de que este novo elemento pudesse abalar o seu poder;

já no Sudeste, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, agigantaram-se os que

defendiam a mão-de-obra imigrante para as fazendas de café em contraposição aos

que propunham a manutenção da escravidão.40

Em relação ao tema maior deste trabalho – o poder local – torna-se difícil

abordá-lo sem contemplarmos os três temas mencionados anteriormente. Contudo, ao

optarmos por analisar de que forma os colonos alemães do Litoral Norte do RS

relacionaram-se com a política, daremos maior atenção à imigração. O que não quer

dizer que, em muitos momentos do texto, não abordaremos os outros dois – escravidão

e terra – pois não há como dissociá-los totalmente.

Retomando o que expomos até este momento, vimos que uma das principais

características do período estudado foi a tentativa de centralização por parte do Império

em relação às províncias, sendo que, no que concerne ao Rio Grande do Sul, o embate

entre essas duas instâncias deu-se de maneira mais intensa, uma vez que a chefia

local opôs-se tenazmente aos projetos ditados do Rio de Janeiro, os quais todos

data não o fizeram motivados pela industrialização pós-1870, mas sim pela gradativa deterioração do sistema artesanal provocado, em parte, pelos reflexos da Revolução Industrial da Inglaterra. 39 Ver: BISCHOFF, Marcelo Belmiro. As Companhias Particulares de Colonização e suas Influências no Padre Eterno. In.: XIV Simpósio de Colonização e Imigração. São Leopoldo, 14 a 16 de set. 2000. (No prelo). 40 Sobre os diversos modelos de imigração para o Brasil, sobretudo para São Paulo, ver: FAUSTO, Boris. Historiografia da Imigração para São Paulo . São Paulo: Sumaré/FAPESP, 1991 & FAUSTO, Boris. Imigração e Participação Política na Primeira República: o Caso de São Paulo. In.: FAUSTO, Boris (Org.). Imigração e Política em São Paulo. São Paulo: Sumaré/FAPESP, 1995. (p.7-26).

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deveriam acatar. Verificamos a permanente disputa política travada no Rio Grande do

Sul entre os partidos conservador e liberal, o surgimento e consolidação do PRR, que

chegou à República apto a tomar o poder, e contemplamos três grandes temas -

escravidão, terra e imigração - que consideramos os mais relevantes para o estudo da

política no século XIX, sobretudo nos dois últimos quartéis. Encaminhamo-nos, agora,

para a apresentação do Litoral Norte do RS, espaço privilegiado neste estudo, sobre o

qual nos debruçamos.

1.2 As Vilas de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres

Este subcapítulo tem como objetivo a apresentação do espaço sobre o qual

estamos nos referindo: o Litoral Norte do RS. Para tanto, optamos por fazer esta

abordagem a partir de 1809, quando o Rio Grande do Sul foi dividido em quatro

municípios, dentre eles Santo Antônio da Patrulha, o qual abarcava o espaço em

discussão, bem como os Campos de Cima da Serra, atingindo a freguesia da Nossa

Senhora da Oliveira da Vacaria. Além disso, é deste município que Conceição do Arroio

irá emancipar-se, levando consigo a faixa litorânea pertencente a Santo Antônio da

Patrulha.

Consideramos igualmente importante destacar os processos de emancipação de

Conceição do Arroio e Torres; verificar como se deram as criações e extinções das

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comarcas; demonstrar como ocorriam as disputas políticas, sobretudo na época das

eleições; analisar o caráter violento deste espaço, em especial os crimes ocorridos

entre os escravos e os seus senhores; e, por último, fazer uma breve consideração

sobre os Encontros dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, os quais

têm como meta reconstituir e tornar acessível à população do quadrante patrulhense a

história daquele município.

Ao iniciarmos a apresentação do espaço sobre o qual nos debruçamos,

acreditamos ser necessário relacioná-lo com a discussão maior deste texto. Guiando-

nos pelo conceito de espaço trabalhado por Milton Santos, entendemos que natureza e

homem formam um conjunto que deve ser analisado de forma integrada. Sendo assim,

as relações estabelecidas entre os nacionais e os colonos alemães na esfera política,

delimitadas por aspectos administrativos, geográficos e sociais, ocorreram num espaço

circunscrito e, por isso, precisamos conhecer, por exemplo, o local em que foram

instaladas as duas colônias alemãs no ano de 1826, a fim de verificarmos como

articularam-se no seu dia-a-dia. Damos Início a este cotejamento destacando alguns

aspectos do espaço em discussão, valendo-nos, para isso, de diversos autores que

contemplaram o Litoral Norte do RS em seus estudos.

Em nível de documentação, trabalhamos com as vilas de Santo Antônio da

Patrulha, Conceição do Arroio (hoje Osório) e Torres. Todavia contemplamos também,

de maneira mais periférica, o restante da área que compunha o grande município de

Santo Antônio da Patrulha. Os aspectos geográficos merecem destaque, pois

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constituem-se num rico e complexo sistema da natureza, onde encontramos mar,

lagoas, rios, planície costeira e serra geral.41 Por inúmeras vezes as câmaras

municipais valeram-se desta diversidade de barreiras naturais – lagoas e serra geral,

por exemplo – para “chorar” junto às autoridades provinciais. O “choro” mais expressivo

era aquele que solicitava a abertura ou o melhoramento dos caminhos que interligavam

o Litoral Norte do RS com a capital e os Campos de Cima da Serra.

Sobre este aspecto, contribuição importante acerca do espaço litorâneo

encontramos em Joseph Love e Ruy Ruben Ruschel. O primeiro define o litoral como

“... a menor das regiões, consiste na faixa litorânea e nas áreas aluvionais banhadas

pela Lagoa dos Patos e Lagoa Mirim; estende-se desde Torres, ao norte, até Santa

Vitória do Palmar, ao sul...”42. O autor divide o Rio Grande do Sul em três regiões,

dotadas de características econômicas e culturais semelhantes, que são o Litoral, a

Campanha e Cima da Serra. Apesar de questionável, a divisão do Rio Grande do Sul

em três regiões demonstra o esforço que o autor faz para identificá-las e relacioná-las,

numa tentativa que busca compreender a relação estabelecida entre o espaço e os

41 Em 1859, a câmara municipal de Conceição do Arroio remeteu uma série de relatórios ao presidente da província, descrevendo a geografia do município. Segundo as informações contidas neste documento, o distrito de Conceição do Arroio contava com 28 lagoas e 10 rios, arroios e sangradouros; o distrito de Palmar, com 22 e 4; o distrito de Maquiné, com 2 e 6; e o distrito de São Domingos das Torres, com 4 e 8, respectivamente. “Destes são 12 rios, 8 arroios e 8 sangradouros. Todos navegáveis em maior ou menor calado de água e além deste sangradouros há muitos outros; porque as lagoas se comunicam por meio deles, os quais se deixa de referir por não terem sido explorados e nem medidos.” O relatório refere-se, igualmente, aos treze passos de rios e lagoas existentes no município de Conceição do Arroio, que eram, nas palavras de hoje, “terceirizados” a possíveis interessados, os quais pagavam um tributo pelo direito de explorá-los por determinado período. AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1859.

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seus ocupantes, mesmo que esteja projetando estas áreas para a discussão principal

do seu texto, isto é, a política no Rio Grande do Sul durante a República Velha.

Ruschel, por sua vez, optou pela tentativa de reconstituir os dois caminhos

pioneiros do Rio Grande do Sul: o Caminho do Litoral e o Primeiro Caminho do

Planalto. Neste momento, interessa-nos o caminho que passava mais próximo da praia,

denominado, posteriormente, de Estrada da Laguna. Conforme o autor, esta via

estendia-se “... de nordeste a sudoeste ao longo do Oceano Atlântico, na planície

costeira que existe entre o sistema lacustre e o mar. Às vezes os historiadores

preferem chamá-la de Estrada da Laguna...”. 43 Concordamos com Ruschel quando ele

aproxima as províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina através deste meio

de ligação terrestre. O pesquisador apresenta ao leitor uma série de características

fisiográficas do trecho em destaque a fim de que o espaço possa ser compreendido em

sua totalidade. Do que mencionou, citamos:

“O mais antigo dos dois rumos de penetração percorre a planície arenosa quaternária que se prolonga desde o sul do atual Estado de Santa Catarina (Laguna) até a fronteira do Chuí. No trecho que nos interessa, o caminho permanece no estreito (2 a 3 Km) corredor entre o sistema lacustre litorâneo e o mar. Entra no Rio Grande do Sul na barra do Rio Mampituba... São aproximadamente 100 Km planos, quase ao

42 LOVE, Joseph L. O Regionalismo Gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975. (p.5). 43 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Dois Caminhos Pioneiros do Rio Grande do Sul. In.: BARROSO, Véra Lucia Maciel (Org.). Raízes de Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula e Tramandaí. Porto Alegre: EST, 1992. (p.215-233). (p.217).

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nível marítimo, com só dois obstáculos de monta a vadear, os dois rios que marcam seus extremos – Mampituba e Tramandaí.” 44

Ao mencionarmos a ligação entre as duas províncias sulinas, constatamos que

esta proximidade constitui-se, ainda, num aspecto pouco abordado na historiografia rio-

grandense. Entendemos não ser possível estudar a história do Litoral Norte do RS sem

considerarmos estes dois pólos atrativos – Laguna e Torres – pois a cidade de Laguna,

em razão de sua posição geográfica favorável, havia se tornado uma das portas de

entrada para a então Província do Rio Grande de São Pedro. Vale lembrar que, depois

da Laguna dos Patos, o próximo porto era Rio Grande, o qual oferecia uma série de

perigos às embarcações que nele atracavam, localizando-se bem mais distante de

Torres do que a cidade catarinense.

Outro autor que também se reportou àquele espaço foi Raymundo Faoro. Ele

considera a fundação de Laguna “em 1682 ou 84” uma estratégia do governo português

com o objetivo de garantir a posse do território sulino. Conforme Faoro, “a fundação de

Laguna, em 1682 ou 84, forneceu à Colônia um ponto de apoio mais próximo para

acudi-la das aperturas em que a colocavam o índio, industriado pelo jesuíta, e o

castelhano.”45 Para que o Sul estivesse definitivamente incorporado a Portugal, ainda

era necessário reconhecer o que estava além da linha imposta pelo Tratado de

Tordesilhas. Após a concretização desta medida:

44 RUSCHEL, op. cit. (1992; p.218).

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“O Reconhecimento determinou a ocupação definitiva do solo, a partir de Laguna para o sul, pela gente de Brito Peixoto e pelo próprio João Magalhães, passo a passo, via Tramandaí, buscando Viamão, rumo ao Guaíba, à magnífica rêde interior navegável do Continente, desde a barra do Rio Grande até aos afluentes do Guaíba... As estâncias invadem a faixa que vai do Tramandaí ao canal do Rio Grande, condensando-se na zona de Viamão, centro geográfico dêsse movimento de populações.” 46

Destacamos, ainda, dentre os autores que contemplaram Laguna em seus

estudos, Jean Roche. Sobre a relevância desta cidade catarinense e do litoral do Rio

Grande do Sul, ele escreve:

“Seus primeiros habitantes [do RS] vieram de um estabelecimento fundado em 1684 no território da Capitania-Geral de São Paulo, na extremidade da Baía de Santa Catarina, Laguna... armada por motivos econômicos, Peixoto mandou Magalhães ocupar, em 1725, o litoral entre Tramandaí e o Canal de Rio Grande, instalando-se êle no local de São José do Norte.”47

Aos trabalhos antes referidos, podemos acrescentar o censo de 1784/85, em que

é destacada a diversidade das propriedades rurais do Litoral Norte do RS. Em relação

ao censo, abordá-lo-emos novamente no capítulo seguinte. Com essa delimitação

geográfica, situamos o Litoral Norte do RS no cenário rio-grandense e, também,

brasileiro, demonstrando sua importância como elo de ligação entre o Sul e o restante

45 FAORO, Raymundo. Rio Grande do Sul: Linhas Gerais de Sua Formação Política. In.: Revista Brasileira de Cultura. Rio de Janeiro, n.3, ano II, p.87-109, jan./mar., 1970. (p.89). 46 FAORO, op. cit. (1970; p.90). 47 ROCHE, op. cit. (1969a; p.23).

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do Brasil desde o século XVI. 48 Destacadas, assim, as singularidades geográficas do

litoral, deter-nos-emos no desenvolvimento administrativo, burocrático e jurídico das

vilas que compunham o município de Santo Antônio da Patrulha.

Como já foi dito, em 1809 o Rio Grande do Sul foi dividido em quatro municípios:

Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha. Segundo Barroso, foi

pela Provisão de 7 de outubro de 1809 que o Príncipe Regente determinou que o Sul

recebesse uma nova divisão administrativa na forma das quatro vilas. Este

procedimento teria como objetivo aumentar a lavoura e o comércio do Brasil, conforme

o entendimento do Príncipe Regente.49

Todavia a instalação da vila de Santo Antônio da Patrulha ocorreria somente em

3 de abril de 1811, três anos após a sua criação. Ao receber o status de vila, o primeiro

passo a ser dado seria a eleição de vereadores e a conseqüente implantação da

câmara. Feito isso, os trabalhos iniciaram, estando muito mais ligados a questões de

ordem administrativa do que à prática política.

48 Sobre a importância do litoral sul para a consolidação do território brasileiro, ver: WITT, Marcos Antonio. As Incursões dos Jesuítas Portugueses no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. In.: BARROSO, Véra Lucia Maciel et al (Orgs.). Raízes de Santo Antônio da Patrulha e Caraá. Porto Alegre: EST, 2.000f. (p.313-316). No entanto, no que se refere à ligação de Laguna (SC) com o Litoral Norte do RS, há uma carência de trabalhos, sendo um assunto a ser investigado com maior profundidade. 49 Cf. BARROSO, Véra Lucia Maciel. Santo Antônio da Patrulha: Vínculo, Expansão, Isolamento (1803 - 1889) . Porto Alegre, 1979. Dissertação [Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 1979. (p.77). As informações que se seguirão sobre a criação e a instalação do município de Santo Antônio da Patrulha têm como fonte principal a Dissertação de Mestrado de BARROSO.

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O município “cobria uma área de 34.184 Km2, isto é, cerca de 12% do total rio-

grandense de 280.000 Km2...” 50. Aqui, vale observar que a extensão do município não

era o principal empecilho para que os vereadores desenvolvessem seus trabalhos, mas

sim a sua heterogeneidade geográfica, dividida, basicamente, em planalto e encosta.

Assim, os componentes da câmara tinham que percorrer grandes distâncias e vencer

obstáculos majestosos para cumprir com suas obrigações. A localização das atuais

cidades de São Francisco de Paula e Vacaria são exemplos do quanto era preciso

cavalgar para se atingir a vastidão do território patrulhense.

Na medida em que a câmara municipal de Santo Antônio da Patrulha conseguiu

organizar-se e, paulatinamente, atingir os confins do seu território, conflitos passaram a

ocorrer. A sede passou a ser o local de onde saíam as ordens as quais todos deveriam

cumprir. Não demorou para que os “incomodados” com este aumento de poder dos que

haviam sido eleitos vereadores propusessem a emancipação de determinadas

localidades. Foi assim que em 1857 Conceição do Arroio livrou-se do jugo patrulhense,

constituindo-se num novo município.

A liberdade de Conceição do Arroio provocou o acirramento das relações entre o

município-mãe e o filho recém-emancipado. Os inúmeros conflitos entre as lideranças

políticas das duas localidades transparecem na documentação que eles mesmos

compuseram. Intrigas políticas, denúncias de fraudes eleitorais, desentendimentos

50 BARROSO, op. cit. (1979; p.98).

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entre juízes, assassinatos, entre outros, são os exemplos mais típicos das relações

estabelecidas no decorrer da segunda metade do século XIX. Posteriormente, neste

mesmo subcapítulo, apresentaremos uma série destes episódios.

O mesmo estremecimento ocorrido entre Santo Antônio da Patrulha e Conceição

do Arroio deu-se entre este município e Torres. Em 1878, foi a vez da freguesia de São

Domingos das Torres tornar-se independente. Porém a emancipação de Torres tem um

caráter peculiar, pois em 1887 perde sua condição de vila, configurando-se novamente

como município somente em 1890.51 Este vaivém político demonstra claramente a

intensidade da disputa política consolidada entre aqueles que não queriam ceder um

pedaço do seu território e os que desejavam emancipar-se. Conceição do Arroio acusa

os torrenses inclusive de serem analfabetos, qualificação que os impediria de formar um

novo município.52

Entretanto não devemos limitar-nos aos processos de emancipação, mas

verificar também a criação das comarcas neste período, pois foi dentro destes espaços

jurídico-burocráticos que os juízes de direito exerceram a sua atividade, enquanto a

atuação do juiz municipal estava circunscrita aos termos e a do juiz de paz, às

51 Cf. BARROSO, Véra Lucia Maciel. O Processo Histórico Subjacente na Relação Santo Antônio da Patrulha–Torres. In.: BARROSO, Véra Lucia Maciel, QUADROS, Terezinha Conceição de Borba & BROCCA, Maria Roseli Brovedan (Orgs.). Raízes de Torres. Porto Alegre: EST, 1996a. (p.27). 52 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1859. Apesar de o parecer de Conceição do Arroio ter sido escrito dezenove anos antes da concretização da emancipação de Torres, pelo teor da sua manifestação, o documento é um exemplo claro da contrariedade política dos arroienses à pretensão dos torrenses de formar um novo município.

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freguesias e distritos. No que se refere à comarca de Santo Antônio da Patrulha, foi

criada em 16 de dezembro de 1857, pela lei n. 401, tendo como termos Santo Antônio

da Patrulha e Conceição do Arroio.53 Contudo os acirramentos políticos levaram o

governo a extinguir a comarca de Santo Antônio da Patrulha em 1878 pela lei n. 1152.

No seu lugar foram criadas duas novas comarcas, a de Maquiné, tendo como termos

Conceição do Arroio e São Domingos das Torres, e a do Rio do Sinos, tendo como

termos Santo Antônio da Patrulha e São Francisco de Paula de Cima da Serra. Sobre

os motivos que originaram a extinção e a criação das comarcas, abordá-los-emos no

capítulo 3.

Dois anos mais tarde, uma nova legislação trouxe alterações para as comarcas

do Litoral Norte do RS. Pela lei n. 1251, de junho de 1880, foi extinta a comarca de

Maquiné e anexado o termo de São Domingos das Torres à comarca do Rio do Sinos.

Em julho de 1889, a lei n. 1872 criou a comarca de Conceição do Arroio. Assim, no

momento da proclamação da República, a comarca do Rio do Sinos contava com os

termos de Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula de Cima da Serra e São

Domingos das Torres,54 dividindo juridicamente a colônia de Três Forquilhas. Dessa

53 Cf. FÉLIX, Loiva Otero, GEORGIADIS, Carolina & SILVEIRA, Daniela Oliveira. Tribunal de Justiça do RS: 125 Anos de História (1874-1999). Porto Alegre: Projeto Memória do Judiciário Gaúcho, 1999b. (p.33). 54 Cf. FÉLIX, GEORGIADIS & SILVEIRA, op. cit. (1999b; p.40-41).

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forma, o lado esquerdo do rio estava sob a jurisdição de São Domingos das Torres e o

direito, sob o domínio de Conceição do Arroio.55

Ao abordarmos a criação e a extinção das comarcas, salientamos a importância

destes ajustes jurídico-burocráticos, visto que extinguir ou manter uma comarca estava

muito mais ligado a questões de ordem política do que simplesmente jurídica. Se para o

governo provincial era interessante desmantelar o grupo rival que havia se formado

numa determinada comarca, indubitavelmente este núcleo poderia ser dissolvido.

Conforme essa postura, o assunto que mais provocava reações por parte do governo e

das lideranças políticas locais era a eleição, momento em que as forças eram medidas,

numa demonstração pública de poder.

Para demonstrar a atuação do juiz de direito junto à sua comarca, selecionamos

uma carta que o juiz de direito da comarca de Santo Antônio da Patrulha, Paulino

Rodrigues Fernandes Chaves, escreveu ao presidente da província. O magistrado

redigiu sua manifestação em Conceição do Arroio em 18 de agosto de 1876, delatando

as atividades do juiz municipal de Santo Antônio da Patrulha, que é o presidente da

55 Em 1848, as freguesias de Nossa Senhora da Conceição do Arroio e São Domingos das Torres foram delimitadas, tendo como um dos limites o rio Três Forquilhas. Desde então, a colônia de Três Forquilhas viu-se dividida jurídica e burocraticamente, fazendo com que alguns colonos tivessem seus direitos e obrigações legais ligados à Torres e outros à Conceição do Arroio. Esta longínqua arbitrariedade interferiu no processo de emancipação do Vale, ocorrido no final do século XX, colaborando para que fosse secionado em três partes. Ver: ELY, Nilza Huyer & BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Imigração Alemã: 170 Anos. Vale do Três Forquilhas. Porto Alegre: EST, 1996. (p.133-134).

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junta neste mesmo município.56 Paulino Chaves, do partido conservador, denunciou as

arbitrariedades que o juiz municipal, do partido liberal, cometia ao interpretar a lei

eleitoral. Segundo o denunciante, os adeptos do “partido da ordem” estavam sendo

prejudicados pelos procedimentos da junta, a qual tentava beneficiar-se, fazendo uma

interpretação da lei eleitoral da qual Paulino Chaves discordava.

Da leitura integral do documento, evidencia-se que a discussão principal girava

em torno do acirramento partidário, isto é, adeptos do partido conservador sentiam-se

prejudicados e denunciavam os seus rivais. Torna-se relevante destacar, também, a

participação dos juízes neste episódio. O de direito é conservador, enquanto o

municipal é liberal. Com isto, vemos que a política e a articulação entre as funções

jurídico-burocráticas provocam desentendimentos na magistratura.57 Outro aspecto que

salientamos é a comunicação que havia entre os correligionários. O documento escrito

pelo juiz de direito de Conceição do Arroio, denunciando que seus colegas

conservadores de Santo Antônio da Patrulha não estavam sendo respeitados nos seus

56 Cf. GRAHAM, op. cit. desqualificar o presidente da junta eleitoral era um passo importante para a garantia da vitória nas eleições. O autor cita, inclusive, um episódio em que um juiz de direito denunciou o presidente de uma junta por ter alterado a lista de qualificação de votantes. Como vemos, este mecanismo – denunciar para desqualificar – não era específico do Litoral Norte do RS. Algumas práticas eleitorais perpassavam todo o território brasileiro, permitindo-nos verificar que existiam certas semelhanças na disputa político-partidária do Brasil imperial. (p.180). 57 Embora Lamounier afirme que “somente eram considerados magistrados, para efeito de garantias, os juízes de direito e os membros dos tribunais de segunda instância” (p.287), estendemos o conceito ao juiz municipal, pois ele, assim como o de direito, também confundia sua atividade jurídica com a política. Ver: LAMOUNIER, Bolívar. Coronelismo, Enxada e Voto. In.: MOTA, Lourença Dantas (Org.). Introdução ao Brasil. Um Banquete no Trópico. 2.ed. São Paulo: SENAC, 1999. (p.275-292).

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direitos políticos, reforça nitidamente este aspecto. A fim de tornarmos mais palpáveis

estas intrigas políticas, transcrevemos parte do documento:

“A inaudita arbitrariedade com que esta junta selou quase todos os seus atos, encheu de indignação os membros do partido conservador, daquela localidade; [refere-se a Santo Antônio da Patrulha]... E a justa indignação destes cidadãos, que com a mais profunda convicção professam os princípios do partido da ordem, subiu de ponto, quando verificaram que o presidente da junta, que, pela sua posição e promessas, devia portar-se com a mais decidida imparcialidade, era justamente o autor de tudo, e por conseqüência o único responsável pelas graves ofensas que sofreram em seus direitos políticos. O prazo de cinco dias, que na 2ª reunião da junta municipal, o reg. de 12 de janeiro de 1876, no seu art. 72, concede as partes, cujos direitos foram contestados, serviu de arma terrível para essa junta, que sendo guiada pelo seu presidente, propositalmente sacrificaram os interesses do partido conservador, que ficariam completamente prejudicados, se por ventura o governo geral não tivesse reparado o grande inconveniente, que teria inevitavelmente de causar na presente eleição, se prevalecesse ainda a disposição do art. 107 parágrafo 4º do citado reg.” 58

Outra situação que demonstra o acirramento partidário e a inclusão dos juízes

nestes episódios está descrita num telegrama que os cidadãos votantes da paróquia da

Conceição do Arroio remetem ao presidente da província. Eles denunciam que o juiz de

paz não está realizando a entrega dos títulos, prejudicando assim os eleitores que vêm

58 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876. (grifos nossos). Neste momento, os conservadores estão no poder, o que facilitou a comunicação entre o juiz de direito e o presidente da província. O fato do pedido ser atendido resultou numa clara demonstração de prestígio do juiz frente aos litorâneos, especialmente os conservadores. Ter prestígio junto ao presidente da província era de vital importância para que os chefes locais mantivessem a sua liderança e, por conseqüência, continuassem exercendo o poder. Sobre a documentação das câmaras municipais, não foi possível pesquisar de forma mais profunda os Anais da câmara de Santo Antônio da Patrulha. Acreditamos que disporíamos de um número maior de detalhes no que tange as disputas político-partidárias. Por outro lado, a documentação que encontramos no AHRS respondeu-nos suficientemente sobre a participação política dos nacionais e colonos alemães, razão pela qual nos detivemos naquele arquivo.

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de muito longe para os retirar. Reclamam, igualmente, do atraso proposital na fixação

do edital junto à porta da igreja, estipulando o prazo de trinta dias para a retirada dos

títulos. Mais uma vez, denota-se a disputa entre os partidos conservador e liberal.

Chegamos a este veredicto, porque a primeira assinatura que consta na carta é a de

Antonio Marques da Roza, chefe do partido liberal em Conceição do Arroio.59 Apesar de

o documento não revelar explicitamente que o juiz de paz é conservador, esta

conclusão fica subentendida, porque os denunciantes estão sentindo-se prejudicados

com o seu procedimento. Novamente, transcrevemos um pequeno trecho da carta para

visualizarmos o seu conteúdo:

“Os abaixo assinados cidadãos votantes da paróquia da Conceição do Arroio, prejudicados, como começam a ser pelo procedimento irregular que está tendo o juiz de paz na distribuição dos títulos de votantes desta paróquia... Este juiz de paz... não para em sua casa, onde se deve conservar para a entrega dos títulos, os cidadãos que caminham dez e doze léguas somente para este fim, com o intuito, sem dúvida, de esgotar o prazo de trinta dias... Conceição do Arroio, 31 de agosto de 1876. Assinados: Antonio Marques da Roza, Pompeo Rodrigues Saraiva, Demetrio Ferreira dos Anjos, Antonio Cornelio Jacob, Felisberto Gomes Jardim, João Vicente de Andrade, Vigario Joaquim Ferreira Ramos, José Fernandes da Silva.” 60

Dois dias depois, o juiz de paz remete um telegrama ao presidente da província,

informando que “ontem as onze horas é que entrei em exercício e distribui os títulos

59 O nome de Antonio Marques da Roza transparece em outros documentos, os quais serão analisados nos capítulos subseqüentes. No entanto, desde já podemos afirmar que era um dos líderes políticos do Litoral Norte do RS, adepto, na década de 1870, do partido liberal. 60 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876.

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que procuraram.” 61 Pelo visto, a denúncia dos liberais surtiu efeito positivo, pois o juiz

declarou que havia começado a entregar os títulos àqueles que o procuraram.62

Todavia nem sempre o acirramento partidário limitava-se a denúncias via registro

escrito, em forma de relatório ou telegrama. A violência, algumas vezes, transcendeu o

“papel”, alterando os ânimos de tal forma que o juiz de direito viu-se obrigado a pedir

reforço policial a fim de manter a ordem pública. Com isso, vislumbramos que havia

duas esferas possíveis de negociação: uma se dava no “papel”, ou seja, denunciavam-

se mutuamente numa tentativa de cooptar forças e resolver os impasses que

atravancavam o processo eleitoral. Porém, se a discussão não fosse resolvida através

do diálogo, o chefe local reunia seus homens de confiança, e sua força falava mais alto

do que a justiça. Apelava-se, então, para a violência, que poderia ficar restrita às

ameaças ou alcançar o seu grau máximo de expressão, os assassinatos. Em 1876,

com receio de que algo grave pudesse ocorrer, o juiz de direito da comarca de Santo

Antônio da Patrulha, Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, remeteu um telegrama ao

presidente da província, solicitando reforço policial. Diz o telegrama:

“Há grande necessidade de uma força neste lugar para garantia da eleição e da tranqüilidade pública visto que aqui existem apenas seis praças, que nenhuma confiança merecem. Faço à V. Exça. esta

61 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876. 62 Embora fosse de praxe que o presidente da província atendesse o pedido dos conservadores, nem sempre isto era possível. Em alguns casos, era preciso ceder para que um “mal maior” não advisse sobre a comunidade, o que resultaria, muito provavelmente, em mais violência. O fato de o juiz de paz entregar os títulos a quem o procurasse não foi, portanto, uma vitória dos liberais, mas sim uma concessão estratégica dos conservadores com o intuito de permitir o “bom andamento das eleições”. Graham sustenta que, via de regra, os líderes políticos concediam à oposição alguma voz, para que ela se sentisse participante do processo eleitoral. Ver: GRAHAM, op. cit. (p.105).

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requisição porque entendo muito necessário: em porque, como primeira autoridade da Comarca, não devo deixar de pedir as providências que julgo de utilidade para o lugar.” 63

O governo provincial respondeu ao telegrama do juiz de direito, informando que

não havia força disponível para ser remetida àquela comarca. As inúmeras situações

que poderiam acarretar uma onda de violência não devem ser entendidas como algo

colossal, mas, sim como pequenos gestos que tinham por objetivo garantir a eleição.64

Assim, cada voto era disputado palmo a palmo, pois a perda de um único voto poderia

sinalizar a vitória do partido rival. Nesse mesmo ano, Onofre Pereira da Silva denuncia

que seu nome foi qualificado erroneamente e solicita que lhe seja entregue seu título de

eleitor, no entanto o presidente da câmara se nega a fazê-lo, mesmo estando o

reclamante apoiado pelo juiz de direito.65

Como vemos, a disputa movia os litorâneos de acordo com os seus interesses

políticos, polarizando-os em dois grupos rivais, a saber, conservadores e liberais.

Envolvia, como demonstraram os exemplos, desde magistrados até homens simples,

como Onofre Pereira da Silva, que não assinou a sua reclamação. Se era analfabeto,

63 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876. (grifos nossos). 64 Mais uma vez um conservador tenta conseguir prestígio frente aos seus colegas no âmbito local, requerendo algo ao presidente da província. Conforme o que expomos em nota anterior, nem sempre era possível ao governo conceder as benesses exigidas pelo correligionário. Este jogo de força política, em que um chefe local solicita favores a um superior, neste caso, o presidente da província, para demonstrar publicamente o seu poder no lugar em que atua, evidencia que influência e poder eram duas ferramentas fundamentais para o político da segunda metade do século XIX. 65 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876.

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não o sabemos, o certo é que o telegrama foi assinado como “a rogo de Onofre Pereira

da Silva, Franklin do Rego Rangel”.66 Além disso, a distância geográfica não chegava a

ser um empecilho quando um assunto vital precisava ser resolvido, como ficou evidente

no pronunciamento dos conservadores de Conceição do Arroio em favor dos colegas

correligionários de Santo Antônio da Patrulha. Conforme a situação exposta, o juiz de

direito, conservador, denunciou as atitudes do juiz municipal, liberal, no que se refere à

interpretação da legislação eleitoral. E, por fim, a violência transpareceu perpassando

as relações, algumas vezes de forma branda e, em outras, ocasionando sérios

desentendimentos.

Contudo a violência não transparecia somente nos duelos políticos, visto que

estes homens estavam envolvidos numa dinâmica social que ainda estava baseada na

escravidão. Como ilustração de pesquisas anteriores, ressaltamos os conflitos entre os

escravos e a população em geral no Litoral Norte do RS. Para tal, analisamos alguns

documentos que desvelam o grau de violência que perpassou a relação senhor-

escravo, personagens inseridos na “ordem escravocrata” brasileira.

66 KLEIN, op. cit. ao analisar a participação política na cidade de São Paulo, chega à conclusão de que houve uma significativa inclusão de analfabetos nas listas de votantes. (p.532 e 537). Onofre Pereira da Silva, segundo as considerações do autor, pode não ser uma exceção, mas sim integrar um grupo que erroneamente se pensava estar fora da política em nível municipal. GRAHAM, op. cit. também sustenta que os analfabetos participavam das eleições, embora os papéis principais fossem dados aos alfabetizados. Para o autor, “a concessão do voto aos analfabetos assegurava sua presença como atores secundários num drama teatral, onde os alfabetizados tinham sua supremacia social visivelmente reforçada.” (p.159).

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Os crimes, narrados na documentação que analisamos, aconteceram na área

que compreendia o grande município de Santo Antônio da Patrulha. Na vila, sede

administrativa e burocrática, centralizavam-se os serviços, inclusive o da polícia e, por

esta razão, muitas ocorrências eram registradas e assinadas na delegacia central sem

que, necessariamente, tivessem ocorrido ali. Resolvemos, após esta constatação,

abarcar em nossa análise toda a região, envolvendo o litoral e os Campos de Cima da

Serra.

Quanto aos documentos, reveladores de uma face violenta e desumana da

nossa história, podemos analisá-los sob dois pontos de vista. O primeiro denuncia a

dinâmica da escravidão no século XIX, período em que esta instituição já estava sendo

combatida por aqueles que defendiam a libertação dos escravos. Quanto ao segundo,

indica que a violência era fruto de uma hierarquização forjada, imperando a lei dos mais

fortes sobre os mais fracos. Entenda-se como mais forte aquele que possuía recursos

para comprar escravos e mantê-los em suas propriedades, inserindo-se, assim, na

estrutura social vigente; e como mais fraco, apontando para o óbvio, o ser humano

escravizado.

Destacados estes dois aspectos, defrontamo-nos mais diretamente com os

documentos. Dos vinte e três registros localizados, selecionamos seis para demonstrar

o grau de violência que perpassou o espaço litorâneo e serrano. Nesses exemplos,

encontramos os mais variados crimes, desde a referência a contrabando de escravos e

um provável assalto à vila de Santo Antônio da Patrulha, até agressões e assassinatos.

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O primeiro apresenta dados sobre possíveis desembarques de escravos no litoral.

Conforme a lei Eusébio de Queiróz, de 1850, o tráfico negreiro estava proibido. Todavia

o documento denuncia a possibilidade desta lei não estar sendo cumprida. Por

considerá-lo relevante, transcrevemos todo o registro, que diz:

“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Tenho a distinta honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que tendo percorrido as pontas principais de Sto. Antônio, Tramandahy e Estreito, nem um indício encontrei de contrabando de africanos, com tudo Excelentíssimo Senhor não desprezarei todo o cuidado na investigação deste assumpto, para com lealdade e submissão comunicar o que ocorreu ao sabio governo de Vossa Excelência. Deus Guarde a Vossa Excelência. Sto. Antônio 12 de abril de 1858 Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Conselheiro Angelo Muniz da Silva Ferraz Muito Digno Presidente da Província, Antônio Jose [ilegível] Pinto.” 67

O segundo narra que foi ferido o escravo Bernardo, propriedade de Francisco de

Souza Moraes, que registrou queixa contra os autores dos ferimentos, José Machado

da Silva e João Luis da Silveira Borges, vulgo João de Deos.68

O terceiro deixa evidente que houve uma agressão contra uma senhora. Lê-se

no documento:

[Preso o crioulo Adão, escravo de João Antonio da Silva Cardoso] “em razão de umas bordoadas que no dia 23 do p.p. mez de janeiro deu na

67 AHRS - Polícia - Maço 31 - Santo Antônio da Patrulha – 1858. 68 AHRS - Polícia - Maço 32 - Santo Antônio da Patrulha – 1861.

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pessoa de Senhorinha Rosa de Jesus, cujas pancadas resultou ferimentos graves e contusões... e Maria Ignacia dos Santos, como cúmplice, pois o escravo confessou que ela era a mandante.” 69

O quarto nos remete a um exame de corpo de delito realizado no cadáver do

preto José, que era escravo do capitão Albino José Gomes.70 O quinto descreve uma

petição que alerta para o fato de a vila de Santo Antônio da Patrulha ser assaltada por

desertores e escravos. O subdelegado pede reforço policial e conclama a população a

defender-se.71 E, por último, deparamo-nos com um assassinato. A ocorrência registra

a prisão do pardo Jacintho, escravo de João Alves de Albuquerque, por ter assassinado

um filho do seu senhor, de nome Felisberto, em Lagoa Vermelha. Através do que foi

narrado, podemos avaliar a relação senhor-escravo. 72

Para fins de análise, podemos classificar os seis crimes antes elencados em dois

grupos: de um lado, os de menor gravidade; de outro, os considerados hediondos. Com

efeito, temos que questionar a razão de tamanha violência e quais os detonadores

deste tipo de comportamento. Estas evidências relativizam as afirmações de que a

escravidão no Rio Grande do Sul teria um caráter menos violento, decorrente do tipo de

relação estabelecida entre senhor e escravo, que seria mais “flexível” por se dar num

espaço muito amplo: a Campanha.

69 AHRS - Polícia - Maço 31 - São Francisco de Paula de Cima da Serra – 1866. 70 AHRS - Polícia - Maço 31 - São Francisco de Paula de Cima da Serra – 1866. 71 AHRS - Polícia - Maço 31 - Santo Antônio da Patrulha – 1866. 72 AHRS - Polícia - Maço 32 - Santo Antônio da Patrulha – 1870.

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Ao mesmo tempo, a questão da violência no Litoral Norte do RS tem sido um dos

temas constantemente abordados nos Encontros dos Municípios Originários de Santo

Antônio da Patrulha, sobre os quais gostaríamos de fazer um breve comentário.73 Os

Anais destes encontros permitem o contato com pesquisas recentes, possibilitando ao

leitor conhecer um pouco mais da história do quadrante patrulhense. Naturalmente que

há trabalhos mais específicos de cunho municipalista que abrangem um município, uma

localidade ou, ainda, uma escola. Porém encontramos também uma produção

historiográfica de maior amplitude, que inter-relaciona o homem e a natureza dentro

daquele espaço. Como exemplo podemos citar os textos de Casimiro Medeiros Jacobs,

da geografia, Jorge Alberto Villwock, da geologia e Véra Lucia Maciel Barroso, da

história, todos publicados no Raízes de Terra de Areia.74

Estabelecendo uma relação entre estes encontros e os objetivos deste texto,

pode-se dizer, no mínimo, que a genealogia dos municípios que se originaram de Santo

Antônio da Patrulha indica que há um contínuo desmembramento do território original

73 Estes encontros são fruto de um projeto idealizado pela historiadora Véra Lucia Maciel Barroso. O primeiro ocorreu em 1990, sediado pela célula -mater. Desde então, mais dez encontros aconteceram, sendo que em 2.000 completou-se a décima primeira edição. Os eventos têm como objetivo acolher pesquisadores das mais diversas áreas, especialmente da geografia, geologia e história, bem como, a comunidade em geral. De cada encontro é editado um livro oportunizando a publicação de todos os trabalhos inscritos. Os temas apresentados são os mais variados, desdobrando-se em comunicações e palestras que abordam, por exemplo, as propriedades, as estradas, a pecuária, a agricultura e a imigração. Ano e localidade dos Encontros dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha: 1º - 1990 – Santo Antônio da Patrulha; 2º - 1991 - São Francisco de Paula; 3º - 1992 – Tramandaí; 4º - 1993 – Lagoa Vermelha; 5º - 1994 – Gramado; 6º - 1995 – Torres; 7º - 1996 – Vacaria; 8º - 1997 – Veranópolis; 9º - 1998 – Terra de Areia; 10º - 1999 – Santo Antônio da Patrulha e Caraá; 11º - 2.000 – Canela. 74 ELY, Nilza Huyer e BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Raízes de Terra de Areia. Porto Alegre: EST, 1999. Respectivamente: JACOBS (p.113-121); VILLWOCK (p.400-419) e BARROSO (p.180-192).

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em novas cidades. Incluímos aí, o conceito de política, pois é através destes embates

que os municípios vão desmembrando-se, tornando-se filhos, netos, bisnetos e trinetos

do outrora grande Santo Antônio da Patrulha. Algumas emancipações merecem

destaque, como a de Vacaria, que, após tornar-se independente em 1850, retorna, por

questões políticas, ao domínio da vila patrulhense, reconquistando seu direito à

liberdade 28 anos depois, em 1878.75 O caso de Vacaria demonstra que as

emancipações não foram fruto de relações pacíficas e de combinações que resultaram

em acordos definitivos. Basta acompanhar o que a mídia tem veiculado – o que não

requer uma análise rigorosa e profunda – para afirmarmos que a grande maioria das

emancipações originou-se de “duelos de forças políticas”. Para tornar ainda mais

evidente o que dispomos acima, anexamos a genealogia dos municípios originários de

Santo Antônio da Patrulha, que apresenta todos os desmembramentos ocorridos desde

o núcleo-mãe até os trinetos (ver anexo 1).

Estas questões políticas podem ser encontradas, também, nos historiadores

municipalistas de Santo Antônio da Patrulha. Como exemplo, podemos citar Antônio

Stenzel Filho, José Maciel Júnior, conhecido por Juca Maciel, Guido Muri, entre outros.

Esta historiografia é caracterizada por uma narrativa factual, não apresentando,

portanto, uma análise mais profunda dos fatos. Normalmente, não os relaciona entre si,

75 Cf. BARROSO, Véra Lucia Maciel. Vacaria foi Distrito de Santo Antônio da Patrulha? In.: KRAMER, Anamaria de Lemos et al (Orgs.). Raízes de Vacaria. Porto Alegre: EST, 1996b. (p.67-86).

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tratando-os como pontos isolados. Um outro aspecto que chama a atenção é que

inúmeras vezes as fontes pesquisadas não são citadas, não permitindo ao leitor

investigar o acontecimento que está sendo narrado. Por outro lado, o fator positivo que

consideramos é que estes escritores, como eram pessoas da própria localidade,

demonstram um conhecimento maior do cotidiano, possibilitando-nos captar um pouco

da “intimidade” daquele núcleo ou daquelas pessoas. Além disso, são importantes para

confrontarmos os nomes e a posição que determinadas pessoas ocupavam naquela

sociedade. Por essas razões, enxergamo-los como integrantes de um grupo

historiográfico que narra a história do Rio Grande do Sul de uma forma laudatória e

linear, mas nem por isto os consideramos uma leitura descartável.

Tínhamos, com este subcapítulo, o objetivo de apresentar em linhas gerais o

Litoral Norte do RS, destacando seus aspectos administrativos, geográficos e sociais,

bem como suas singularidades como província sulina e fronteiriça. Após termos

percorrido os processos de emancipação das três vilas que compunham a área

selecionada para estudo e a criação e extinção das comarcas, circunscrição jurídica na

qual atuavam os juízes, homens que se dedicavam, duplamente, à magistratura e à

política, e verificado como se deram as relações no campo político, sobretudo o

acirramento provocado pela proximidade das eleições, abordaremos a imigração alemã

no litoral. Para tanto, vamos situar no tempo e no espaço a Colônia Alemã das Torres.

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1.3 A Imigração no Litoral Norte do Rio Grande do Sul

Consideramos importante contextualizar as origens e a formação da Colônia

Alemã das Torres instalada no Litoral Norte do RS em 1826. Do projeto original que

previa um único assentamento, a colônia foi dividida em dois núcleos assim

denominados: São Pedro de Alcântara, onde foram assentados os católicos; e Três

Forquilhas, onde instalaram-se os evangélicos.76

São Pedro de Alcântara emancipou-se de Torres em 1996, constituindo-se num

pequeno município, tendo seu nome modificado para Dom Pedro de Alcântara. Já o

Vale do Três Forquilhas,77 cortado pelo rio homônimo, encontra-se secionado em três

municípios: Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas. Ambas as colônias situam-se

próximas à cidade de Torres, tendo como acesso principal a BR 101, a Estrada do Mar

e a Rota do Sol.

76 Hoje não podemos mais referirmo -nos aos habitantes do Vale do Três Forquilhas como “evangélicos”. A religião católica consolidou-se entre eles, formando um núcleo consistente no atual centro do município de Três Forquilhas. Além desta, o Sínodo Missouri e outras denominações evangélicas também conquistaram espaço entre os colonos. No entanto, como o nosso recorte compreende a segunda metade do século XIX, período em que os evangélicos predominavam na colônia de Três Forquilhas, usaremos o conceito neste sentido. Sobre a trajetória dos católicos no Vale do Três Forquilhas, ver: DELAI, Pe. Rizzieri. Três Forquilhas e Suas Comunidades. Três Cachoeiras: Gráfica Três Cachoeiras, 1999. 77 Cf. RUSCHEL: “Este vale, desde que se considere incorporado o pequeno vale da Sanga Funda e uma nesga da praia marítima, corresponde aos municípios de Terra de Areia, Itati (a instalar-se) e Três Forquilhas. Pensada como uma fatia transversal de parte do primitivo grande município de Santo Antônio, a região abrange os mesmos três ambientes já referidos, contados do mar ao alto da Serra.” (p.432-433). RUSCHEL, Ruy Ruben. Formação Humana do Quadrante Patrulhense e do Vale do Três Forquilhas. In.: ELY & BARROSO, op. cit. (1999b; p.432-438).

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A Colônia Alemã das Torres, posteriormente São Pedro de Alcântara e Três

Forquilhas, foi instalada a fim de cumprir com algumas obrigações, das quais

destacamos as três principais: ocupar a terra, produzir alimentos e ceder os seus

homens para servirem como soldados assim que fossem recrutados.78 A primeira

determinava que os imigrantes deveriam ocupar os seus lotes e garantir a posse do

território sulino para o Brasil. Deve-se ter em mente que a Questão da Cisplatina

continuava em vigor, sendo o Sul ainda um território em disputa entre o Império

brasileiro e os vizinhos platinos. A segunda obrigação era uma decorrência da primeira,

ou seja, a produção de alimentos, especialmente para as tropas que acantonavam nas

Torres. A ocupação das propriedades agrícolas e o início dos plantios geraram os

primeiros desentendimentos entre o administrador das colônias, Tenente Cel. Francisco

de Paula Soares, e os colonos. Assim que chegaram às Torres, foram surpreendidos

por uma enchente, que determinou a divisão do núcleo em dois. Entretanto não havia

terras disponíveis para todos, pois, além da enchente, o número de imigrantes

remetidos para o litoral foi praticamente o dobro do que havia sido previsto no projeto

original.79

78 Cf. LUNCKES, Mariseti Cristina Soares. Um Velho Projeto com Novos Rostos: Uma Colônia Alemã Para a Ponta das Torres. São Leopoldo, 1998. Dissertação [Mestrado]. História da América Latina. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 1998. 79 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Assentamentos Alemães em Torres, na Correspondência do seu Inspetor. In.: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.132, p.123-136, 1998.

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Por conseqüência, os evangélicos foram deslocados para um vale mais distante,

cortado pelo rio Três Forquilhas, e os católicos permaneceram mais próximos de

Torres. O assentamento católico, em especial, foi o mais problemático, pois os colonos

recusavam-se a receber as terras passíveis de inundação. Alguns provocaram sérios

desentendimentos, sendo encaminhados para a polícia em Porto Alegre. Outros

desejavam estabelecer-se mais próximos do rio Tramandaí, onde diziam haver terras

suficientes sem o perigo das cheias. A solução que o administrador encontrou foi

delimitar uma outra área, encravada entre as lagoas do Forno e do Jacaré, onde havia

terras disponíveis para todos os colonos distantes do rio Mampituba.80

A terceira obrigação que os colonos deveriam cumprir dizia respeito ao

recrutamento de homens para lutar na Cisplatina. No entanto os imigrantes logo viram-

se libertos deste papel, pois, no final da década de 1820, houve uma breve trégua na

disputa pelo Sul.81 Coube-lhes, então, ocupar definitivamente os seus lotes e produzir

alimentos, especialmente para a subsistência, uma vez que o comércio dos gêneros

agrícolas nos anos iniciais da colonização era incipiente.

80 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Por Que Foram os Colonos Separados por Motivos Religiosos? In.: ELY, Nilza Huyer (Org.). Terra de Areia: Marcas do Tempo . Porto Alegre: EST, 2000. (p.38-41). A palestra do professor Ruschel foi proferida no I Simpósio Sobre Imigração Alemã no Litoral Norte do RS, em Terra de Areia, onde elucidou o motivo pelo qual a Colônia Alemã das Torres foi dividida em dois núcleos: um católico e o outro evangélico. 81 De 1828 a 1835, houve um instante de paz na Questão da Cisplatina. Foi o tempo que os colonos tiveram para organizar-se, pois logo viram-se envolvidos na Revolução Farroupilha, de 1835 a 1845.

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No que se refere à trajetória dos colonos católicos, podemos resumi-la em

poucas linhas devido à ausência de estudos consistentes sobre o assunto. A respeito

de São Pedro de Alcântara, José Krás Selau lançou dois livros: um em 1995; e outro,

em 1999, através dos quais faz uma retrospectiva do núcleo católico, dedicando-se a

contar fatos ocorridos naquela localidade. As suas pesquisas são limitadas e, via de

regra, apontam para exageros e distorções históricas. Eduardo Festugato lançou, em

1994, “Torres de Antigamente – Crônicas e Memórias”, sendo também um livro que

narra somente fatos acontecidos na vila torrense, não se aventurando pela história da

colonização. Outra obra com caráter semelhante é “Remembranças de Torres”, de

Guido Muri, lançada em 1996. Nesse livro, o autor dedica um capítulo à colônia de São

Pedro de Alcântara, apresentando, de maneira superficial, fatos ocorridos no século XX.

Os trabalhos mais consistentes sobre este espaço foram publicados por Ruy Ruben

Ruschel. Suas pesquisas estendem-se a todo o Litoral Norte do RS, contemplando-o

desde o desbravamento do então Rio Grande de São Pedro, passando pelas investidas

dos jesuítas portugueses, no final do século XVI e início do XVII, até a invasão da “mais

bela praia gaúcha” pelos turistas nacionais e internacionais. Podemos apreciar em seus

estudos a dedicação e a curiosidade com que se debruçou sobre o projeto de imigração

alemã para as Torres, análise que se tornou fundamental para quem investiga a região.

Por sua vez, a trajetória dos evangélicos junto ao Vale do Três Forquilhas tem

sido alvo de diversos pesquisadores, dos quais destacamos: Elio Eugenio Müller,

Generi Máximo Lipert, Marcos Antonio Witt, Nilza Huyer Ely, Pe. Rizzieri Delai, Ruy

Ruben Ruschel e Véra Lucia Maciel Barroso. Além desses, ressaltamos o Trabalho de

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Conclusão de Ellen Fensterseifer, em que se dedicou ao estudo da colonização no Vale

do Três Forquilhas, dando ênfase aos anos iniciais; o livro Navegação Lacustre Osório-

Torres, de Marina Raymundo da Silva, no qual analisa os meios de transporte no Litoral

Norte do RS, dando primazia à navegação; e a Dissertação de Mestrado de Mariseti

Cristina Soares Lunckes, em que a autora investiga os motivos pelos quais os

imigrantes foram remetidos às Torres.

Conforme o que foi dito anteriormente, podemos constatar que houve uma

defasagem historiográfica entre os dois núcleos coloniais. Há uma lacuna a ser

preenchida, e gostaríamos de colaborar nesse sentido, especialmente no que diz

respeito à colônia de São Pedro de Alcântara. Não podemos prosseguir sem fazer uma

referência aos livros de José Krás Selau,82 nos quais o autor aponta distorções

históricas como verdades, o que não contribui, lamentavelmente, para a compreensão

da história daquele núcleo.

Em seu segundo livro, Selau tenta reconstituir os anos iniciais da imigração em

Torres. Sem citar fontes, apresenta uma série de hipóteses para a instalação da colônia

católica junto às lagoas do Forno e do Jacaré. Acusa, inclusive, o Tenente Cel.

Francisco de Paula Soares de ter obtido benefícios com a mudança de local, pois,

segundo o autor, o administrador teria terras próximas destas lagoas onde os colonos

82 SELAU, José Krás. Colônia de São Pedro: Um Pouco da sua História . Porto Alegre: Evangraf, 1995 e _________. Imigração Alemã em Torres: Por quê? Torres: Jornal Gazeta, 1999.

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foram assentados. Já Ruy Ruben Ruschel não aponta motivos que corroborem a tese

de Selau. Ao contrário, com citação de fontes e estudos minuciosos, Ruschel analisa a

imigração junto às Torres e não chega às mesmas conclusões apresentadas pelo

pesquisador municipalista.

Segundo Ruschel, a colonização das Torres com famílias de imigrantes alemães

está inserida num processo de consolidação do espaço sulino idealizado e concretizado

pelo Império brasileiro. Não foi por acaso e nem despropositadamente que o governo

imperial decidiu fundar uma colônia junto ao Presídio das Torres.83 A posterior divisão

das colônias em dois núcleos – São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas – ocorreu por

motivos de ordem administrativa e não por razões de ordem pessoal, como acusa

Selau.

Ainda sobre São Pedro de Alcântara, percebemos a necessidade de demonstrar

como os colonos reagiram ao processo de assentamento. Os conflitos não se limitaram

ao período embrionário, em que o Tenente Cel. Francisco de Paula Soares demarcou e

iniciou os procedimentos para que os colonos assumissem os seus lotes.

Posteriormente, os católicos continuavam reclamando das inúmeras irregularidades que

83 Ruschel dedicou-se ao estudo de Torres antes de 1826, verificando de que forma se deram a construção e a manutenção do Presídio das Torres. O pesquisador concluiu que aquela extremidade do litoral era uma área vulnerável por estar próxima de Laguna, onde as embarcações poderiam atracar com facilidade. Por esta razão, foi construído um presídio, não para receber condenados, mas sim para abrigar as tropas que acantonavam nas Torres, envoltas na Questão da Cisplatina. Ver: RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Fortes de Torres. Porto Alegre: EST, 1999a.

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permeavam o acesso e a fixação nas terras da colônia. A disputa pela terra pode ser

considerada um fator propulsor de um cotidiano violento, no qual proprietários

desejavam expandir as suas posses, gerando um número ilimitado de controvérsias

decorrentes de tal prática. Os exemplos que selecionamos para demonstrar a reação

dos colonos estarão dispostos neste mesmo texto e no decorrer do trabalho.

Entre os proprietários que insistiam na expansão das suas propriedades,

inserimos os colonos alemães do Litoral Norte do RS, que não desperdiçavam as

oportunidades as quais eventualmente lhes surgiam. Os dados empíricos analisados

demonstram o engajamento dos colonos nesta prática, o que nos dá idéia do valor que

a terra, paulatinamente, passou a ter para os litorâneos. Primeiramente, um valor de

base organizacional, pois era neste espaço que a família morava, plantava e colhia os

seus alimentos; depois, principalmente na segunda metade do século XIX, após a lei de

Terras de 1850, a terra adquiriu um valor pecuniário, isto é, passou a valer dinheiro e

simbolizar, efe tivamente, o poder. Todavia as terras foram valorizadas não somente

pela existência da lei de Terras, mas também por decorrência da consolidação da

imigração. As colônias velhas precisaram expandir-se, o que exigiu novas terras para

ocupação, levando-as ao encarecimento e fazendo com que ganhassem o status de

bem material.

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Metodologicamente, optamos por exemplificar com dados empíricos como se

deram o acesso, a fixação e a expansão das propriedades coloniais.84 Selecionamos,

propositadamente, situações que envolveram os católicos de Torres, demonstrando

como foi o comportamento destes colonos e dos litorâneos em relação à aquisição e à

posse de extensões territoriais. O primeiro aspecto que destacamos diz respeito à

medição das terras. Apresentamos quatro situações em que nacionais e colonos

envolveram-se neste exercício gerador de grandes desentendimentos entre lindeiros e

agrimensores. Iniciamos com um requerimento do colono Joanez Jacob, o qual não

sabe ao certo a quantidade de terras que possui. Para dirimir as suas dúvidas, solicita a

medição delas. O documento revela, também, que alguns colonos não estavam

aceitando os seus lotes agrícolas porque queriam ficar mais perto da povoação de

Torres;85 Caetano Xavier Pereira de Brito compra terras em Torres, no Morro do Forno,

no Espigão do Maciel e reclama que estas não foram ainda medidas;86 Elauterio

Silveira Lopes propõe a compra de um pedaço de terra devoluta no lugar chamado

Morro de Dentro. O “...terreno acha-se demarcado por todos 4 vizinhos e cujas

demarcações deixou estas sobras no meio... porém no caso que não seja preciso mais

medições mais sim, prevalecendo as mesmas picadas feitas pelos vizinhos”;87 por

último, o requerimento de Frederico Simsen, morador da colônia das Três Forquilhas,

estabelecido num dos lotes abandonados há vários anos. O suplicante é casado, pobre

84 “Propriedades coloniais” referem-se aos lotes agrícolas que cada colono recebeu do governo ou que, posteriormente, adquiriu de outra forma. 85 AHRS – Justiça – Maço 53 – Torres – 1833.

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e tem numerosa família. “Há uma confusão aos limites das colônias, conseqüência da

primeira organização viciosa na distribuição das terras que ocupa, e cujo mal poderia

ser remediado, se por meio de uma medição geral...”. Fica subentendido no

requerimento a sugestão para que o suplicante receba definitivamente o lote

requisitado.88

As situações que apresentamos em relação à aquisição e à posse de terras são

casos exemplares de um universo maior que nos apresentam diversidades no que se

refere à problemática da terra no Brasil da segunda metade do século XIX. Os

desentendimentos envolvem nacionais e colonos numa simbiose que desvela uma

realidade de convívio e conflitos na medida em que os distúrbios gerados pela disputa

da terra oferecem um quadro dinâmico da vida social no litoral. A distinção que

separava nacionais e colonos – a questão da cidadania – não era obstáculo para que

determinado objeto fosse requisitado, neste caso, um “pedaço de chão”.

O segundo aspecto capaz de detonar situações violentas é a posse ilegal de

terras. Num dos relatos que encontramos, reclamantes denunciam que cinco colonos e

mais alguns nacionais estão em propriedades que não lhes pertencem;89 Já outro

documento, ao denunciar que descendentes de imigrantes tomavam posse de terrenos,

86 AHRS – Requerimentos - Terras - Maço 124 – Torres – 1865. 87 AHRS – Requerimentos - Terras - Maço 145 – Torres – 1869. 88 AHRS – Diretor Geral das Colônias Alemãs – Lata 296 – Maço 67 – Ofício n. 2 – Três Forquilhas – 1852.

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revela uma problemática conceitual ao discutir quem é colono e quem tem direito à

terra, uma vez que a posse era um instrumento reconhecido e assegurava ao posseiro

o uso desta.90 Por sua relevância, transcrevemos um pequeno relatório que denuncia a

intransigência dos colonos em relação aos seus lotes agrícolas:

“Ilmo. Exmo. Senhor Presidente Sendo-me preciso nesta ocasião, pedir a V. Exça. esclarecimentos sobre as providências que devo tomar tenho a honra de dirigir-me a V. Exça. dizendo que achando-se as colônias dos alemães demarcadas, estão estes colonos todos os dias suscitando questões com os brasileiros que por sua desgraça são (ilegível) de lhes dizendo os primeiros que não tem o terreno que lhe foi mandado pelo Imperador empossar, e se querem apoderar das que são de seus vizinhos brasileiros que os destes são devoluto, e se vão assim introduzindo nas propriedades alheias, peço portanto a V. Exça. esclarecimento do que devo dizer a tal respeito. Deus guarde a V. Exça. muitos anos. Torres, 28 de setembro de1834. Ilmo. Exmo. Senhor Presidente desta Província. João Francisco da Silveira juiz de paz.” 91

Por fim, José Nolasco da Fontoura Pereira da Cunha e sua mulher requerem

medição em dois quartos de légua quadrada de terras devolutas sitas no Morro do

Forno, em Torres. Ocorre que, após a medição, Manoel Pereira Gabriel invadiu parte

desta propriedade, gerando uma disputa entre os dois vizinhos.92

89 AHRS – Justiça – Maço 53 – Torres – 1833. 90 AHRS – Justiça – Maço 53 – Torres – 1833. 91 AHRS – Justiça – Maço 53 – Torres – 1834. (grifos nossos). 92 AHRS – Requerimentos - Justiça – Maço 142 – Torres – 1869.

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Interessante destacar que os conflitos transcendiam a relação nacionais-colonos,

sendo que, entre estes últimos, havia disputa pela terra, como demonstra o relatório de

1834. Esta é uma das contendas que permanecerá durante o período em estudo, pois

no transcorrer da segunda metade do século XIX, a terra será cada vez mais um bem

altamente disputado, gerando, diariamente, as mais diversas situações, todas

conflituosas.

A terceira situação que consideramos violenta pode ser representada pelos

requerimentos de Felippe Deutsch, Antonio Kreutzburg, Miguel Magnus e outros. Eles

são moradores da colônia de São Pedro de Alcântara e reclamam da violência

praticada pelos vizinhos, os quais invadiram as suas propriedades. O documento

apresenta um pequeno histórico daquelas terras, informando que pertenciam ao

Brigadeiro João Maria Xavier Brito, as quais foram retiradas pelo governo e concedidas

a Elias Silveira. Logo depois, repartiram-nas em quatro colônias,93 dadas aos

suplicantes. O documento denuncia que os invasores envolveram os suplicantes em

processos dispendiosos e questões judiciais: “alguns colonos tem sido processados

pelas autoridades policiais do lugar, acontecendo simplesmente que as autoridades são

justamente aquelas que reclamam as terras, ou seus parentes e amigos.” No final, há

93 Neste caso o conceito de colônia está se referindo à pequena propriedade agrícola, também chamada de minifúndio, e não ao empreendimento agrícola composto de pequenas propriedades rurais, dispostas organizadamente e ocupadas por imigrantes, especialmente europeus. Ver: ROCHE, op. cit. (1969a; p.2-3).

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uma sugestão para que se proceda nova demarcação em toda a colônia das Torres,

pois o estado em que ela se encontra é um obstáculo ao seu desenvolvimento.94

O quarto e último aspecto que destacamos em relação à questão da terra no

Litoral Norte do RS refere-se à compra de terras. A lei de Terras trouxe como novidade

para os brasileiros a obrigatoriedade da compra, assim, as terras devolutas, a partir de

1850, não poderiam mais ser cedidas ou doadas e sim vendidas. Os dois documentos

selecionados indicam que, onde havia estradas, o interesse pela aquisição de terras

devolutas aumentava; por conseqüência, um grupo de interessados propõe-se a

comprar mil cento e cinqüenta braças na Praia Grande da Glória, no município de

Torres,95 e Pedro Frederico Petersen, colono em Três Forquilhas, manifesta o desejo

de adquirir uma data de terras, a qual encontra-se devoluta.96

Após listar esta série de exemplos, torna-se imprescindível que façamos algumas

considerações sobre eles. No que diz respeito às medições das terras, cabe salientar

que - antes e depois da lei de Terras - continuaram as dificuldades para se processar

as medições, havendo dúvidas sobre a competência e a exatidão das medidas, visto

que, muitas vezes, os interesses pessoais entre os envolvidos prevalecia sobre a

determinação legal. Quanto à posse ilegal da terra, os quatro documentos destacados

94 AHRS – Diretor Geral das Colônias Alemãs – Lata 296 – Maço 67 – Ofício n. 7 – Torres – 1851. 95 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – lata 114 – Maço 55 - Conceição do Arroio - 1860.

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denunciam questões anteriores à lei de Terras, o que não significa que depois desta as

discussões em torno da propriedade tenham sido plenamente resolvidas, mesmo

porque a aplicabilidade do que foi escrito foi paulatina e, conseqüentemente, permitiu

que abusos continuassem sendo praticados, confirmando a tese de José Murilo de

Carvalho, o qual afirma que: “a política de terras no Império muito pouco ou nada sairia

do legislativo. Ela seria sistematicamente sabotada e bloqueada ao nível da

implementação. Seria o primeiro grande exemplo nacional de lei que não pegou.” 97

Quase sempre a decisão final de uma causa judicial adequava-se às idéias do líder

exponencial da região, sendo assim, tornava-se difícil para muitos defenderem-se da

violência advinda deste tipo de sociedade, onde o poder local imiscuía-se com as

instâncias legais. Por último, apesar de a lei de Terras estabelecer que a única forma

de se conseguir um pedaço de chão seria através da compra e de os documentos

selecionados narrarem dois casos em que os interessados se propõem a pagar o valor

estipulado pelas propriedades, embora a historiografia que trata da lei de Terras aponte

para uma prática que ainda comunga com outras formas de aquisição, possivelmente

atreladas às esferas legais que respaldavam a ação dos “invasores”.

Após apresentar esta série de situações que envolveram os colonos católicos de

São Pedro de Alcântara, parece-nos difícil concordar com a tese de Selau, o qual

afirma de maneira inconsistente que os colonos foram ludibriados pelo Tenente Cel.

96 AHRS – Diretor Geral das Colônias Alemãs – Lata 296 – Maço 67 – Ofício n. 19 – Três Forquilhas –

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Francisco de Paula Soares no que tange à localização e distribuição dos lotes

agrícolas. Desde quando chegaram ao Presídio das Torres, em 1826, os imigrantes

souberam reivindicar e lutar por seus direitos, mesmo sendo de forma desordenada e,

muitas vezes, individual. O descontentamento não foi um sentimento reprimido pela

comunidade imigrante, pelo contrário, quando discordavam ou julgavam que aquilo que

lhes haviam prometido não estava sendo cumprido, a reclamação vinha em tom de

rebeldia, reclamações judiciais e, se isso não resolvia, apelava-se para a violência.

Importante frisar que estas medidas têm a capacidade de demonstrar que adotavam as

práticas locais na tentativa de resolver os seus impasses. Definitivamente, não eram

ilhas isoladas.

Retornando à análise da história do Vale do Três Forquilhas, onde foram

instalados os evangélicos, faz-se necessário destacar alguns momentos importantes da

sua trajetória. Um dos aspectos que deve ser apontado é a liderança espiritual exercida

pelo pastor Carlos Leopoldo Voges sobre este grupo. Antes de fixar-se definitivamente

em Três Forquilhas, Voges tentou permanecer em São Leopoldo atuando com seu

colega, o pastor Ehlers. Como não houve entendimento entre os dois, o governo propôs

a Voges que acompanhasse os colonos para o litoral.98 O jovem guia espiritual,

1852. 97 CARVALHO, op. cit. (1981; p.39). 98 Reportamo-nos a dois requerimentos que desvelam o grau de desentendimento entre os pastores. Ehlers, o pastor titular de São Leopoldo, acusa o seu colega auxiliar Voges de permanecer na colônia e tentar assumir o seu lugar junto à comunidade. Acusa-o, inclusive, de ter tido uma amante. Voges rebate o pronunciamento do seu rival tendo que aceitar, finalmente, a proposta de fixar-se definitivamente em

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resignado, aceitou a proposta e tornou-se não somente o pastor, mas também o

professor, o administrador, o comerciante, o proprietário de escravos, enfim, atribuiu

para si uma série de características que fizeram da sua pessoa o grande líder da

colônia de Três Forquilhas até a sua morte em 1893.

Suas preocupações estavam voltadas para o atendimento religioso, educacional

e administrativo dos colonos, pois a grande maioria não tinha a quem recorrer nos

momentos de dúvida e necessidade. Encontramos, inclusive, uma referência segundo a

qual o pastor recebeu uma verba da contadoria provincial no valor de 300$000 para ser

usada na construção da capela da colônia de Três Forquilhas.99 Isto desvela a sua

capacidade de articular-se com as autoridades provinciais, permitindo-lhe solicitar ajuda

pecuniária para a colônia que estava sob a sua responsabilidade e lhe dava respaldo

frente aos colonos. Assim, o pastor tornou-se o porta-voz dos evangélicos e, em alguns

momentos, também dos católicos, atendendo-os em situações extremas, quando não

dispunham de um padre para socorrê-los. Além do litoral, percorreu os Campos de

Cima da Serra, devido ao fato de, desde cedo, os colonos abandonarem os seus lotes e

subirem aos Campos a fim de tentarem outras atividades econômicas, como a criação

de gado e o comércio.

Três Forquilhas. AHRS – Requerimentos – Maços 38 e 42 – 1832. Tramontini contemplou a disputa entre os dois pastores, apontando para a situação de rivalidade que permeava a atividade dos religiosos já no início da colonização. Ver: TRAMONTINI, Marcos Justo. Ehlers, Voges e Klingelhoeffer: a Disputa. In.: ELY e BARROSO, op. cit. (1999a; p.209-212).

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Abordar a figura do pastor Carlos Leopoldo Voges é de fundamental importância

para a compreensão do desenvolvimento da colônia. Para tanto, valemo-nos, inclusive,

de dados biográficos, imprescindíveis para que possamos conhecer a fundo de que

forma os colonos relacionavam-se com esta liderança. Um dos itens mais questionáveis

do currículo do pastor diz respeito ao fato de possuir escravos. Sentimo-nos instigados

a desdobrar e dar seguimento às análises que Elio Eugenio Müller100 realizou sobre os

escravos do pastor. Ao optarmos por analisar a escravidão entre os colonos alemães

de Três Forquilhas,101 encontramos uma documentação que demonstra quais famílias

haviam comprado escravos e o plantel que cada uma possuía. Através desta variável –

ser proprietário de escravos – relativizamos a história destes imigrantes, inserindo-os no

contexto rio-grandense da segunda metade do século XIX.

99 AHRS – Imigração, Terras e Colonização – Lata 298 – Maço 73 – Sem data. Apesar de não constar a data no documento, supomos que ele deve ser da década de 1850, quando foi construído o templo de pedra dos evangélicos. 100 MÜLLER, Elio Eugenio. Três Forquilhas (1826 - 1899). Fase de Formação da Colônia. Curitiba: Fonte, 1992. 101 Ver: WITT, Marcos Antonio. Os Escravos no Vale do Três Forquilhas. São Leopoldo, 1998. Trabalho de Conclusão. Licenciatura Plena em História – UNISINOS, 1998. Durante a pesquisa, trabalhamos com três fontes documentais: inventários, escrituras de compra e venda de escravos e os registros paroquiais do pastor Voges. Nos inventários, encontramos outras famílias de Três Forquilhas que possuíram escravos: Mittmann, 1865, três escravos no valor total de um conto e oitocentos mil réis; Kellermann, 1867, dois escravos no valor total de oitocentos e cinqüenta mil réis; Schmitt, 1867, um escravo no valor de seiscentos mil réis; Grassmann, 1873, três escravos no valor total de um conto quatrocentos e cinqüenta mil réis; Jacob, 1883, dois escravos no valor total de oitocentos mil réis. Ressaltamos o inventário de Guilhermina Voges, de 1880, esposa de Adolpho Felippe Voges, filho primogênito do pastor, em que constam cinco escravos no valor total de dois contos e oitocentos e cinqüenta mil réis. Nas escrituras de compra e venda, constaram como compradores de escravos os Voges, Koenig e Schütt. E, nos registros paroquiais do pastor Voges, encontramos mais de vinte batizados de filhos de escravas realizados entre os anos de 1848 a 1871.

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Acreditamos que, ao estudo de Müller, podemos acrescentar outras variáveis de

análise como, por exemplo, questionar os valores cristãos e/ou humanos frente à

escravidão e, além disso, destacar que a inserção dos colonos alemães na estrutura

escravagista aponta para o fato de que estes desobedeciam à lei, uma vez que

estavam proibidos de ter escravos.102 Chama-nos a atenção, ainda, o fato de a família

do pastor ser a mais influente da colônia, distinguindo-se nos níveis político, econômico

e cultural. Indagamos, então: por que o pastor se manteve na posição de escravagista

se, em virtude de seus contatos e viagens, possivelmente teria conhecimento do debate

abolicionista que percorreu o Rio Grande do Sul na segunda metade do século XIX,

sobretudo após a década de 1870? Por que preferiu a mão-de-obra escrava se havia

colonos pobres, carentes de todo auxílio que pudessem receber? As respostas, no

nosso entendimento, estão justamente nas necessidades política, social e econômica

de inserir-se na sociedade rio-grandense da época, considerando-se que possuir

escravos ainda era uma norma totalmente válida para aqueles que possuíam recursos

para comprá-los. Sendo o pastor um líder, o fato de ter escravos trabalhando em sua

casa e em suas lavouras demonstrava o seu poder e inseria-o no meio litorâneo junto

aos nacionais.

Todavia o pastor Voges atribuiu ao seu currículo mais um título que merece ser

destacado: o de comerciante. As vendas, desde as menores até as grandes casas com

102 As leis 183, de 18 de outubro de 1850 e 304, de 30 de novembro de 1854, proibiam os colonos

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sede em Porto Alegre, tornaram-se a rede abastecedora da zona colonial do Rio

Grande do Sul. Já é clássica a divisão das vendas em, no mínimo, quatro estágios: o

pequeno estabelecimento junto às colônias; o armazém da picada; o intermediador, que

reúne os produtos destes armazéns e os despacha nos portos coloniais, e as grandes

casas comerciais de Porto Alegre, as quais recebem estes produtos e repassam os

manufaturados quer nacionais ou importados.103 A venda do pastor Voges situava-se

entre o pequeno estabelecimento da colônia e o armazém da picada, pois, pela

distância geográfica que havia entre Três Forquilhas e os outros núcleos coloniais, não

havia como instalar-se a estrutura comercial do modo como apresentamos acima.104

Com isso, os comerciantes da colônia - além de Voges havia outros -

estabeleceram a sua própria estratégia de venda: comprar o que os colonos produziam

e que poderia ser repassado adiante e vender-lhes o que não conseguiam tirar da terra.

Sobre a venda do pastor Voges, temos poucas informações, a não ser aquelas que

Müller apresenta em seu primeiro livro sobre a colonização em Três Forquilhas. Para

visualizarmos a importância deste tipo de comércio, optamos por apresentar um livro de

alemães de possuírem escravos. Retomaremos este assunto no capítulo 3, apresentando outras famílias que adquiriram mão-de-obra escrava para trabalhar em suas propriedades. 103 Cf. ROCHE, op. cit. (1969a) e CEM Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul - 1824/1924. Tradução de RAMBO, Arthur Blásio. São Leopoldo: UNISINOS, 1999. 104 ROCHE, op. cit. (1969a) chega a usar o termo “feudo” para caracterizar as atividades do comerciante. No entanto ressaltamos que a existência da venda não é específica da área colonial, sendo um fenômeno mais amplo, que atingiu todos os rincões da província do Rio Grande do Sul. Pela sua capacidade de concentrar produtos, dinheiro e informações, o vendeiro acumulava uma certa importância, a qual chegava ao campo da política. Voges parece ser um exemplo pertinente a este respeito.

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escrituração de conta corrente de outra venda, no qual aparecem como fregueses

colonos de origem alemã do Litoral Norte do RS.105

Analisaremos o material encontrado sob dois pontos de vista. O primeiro trata-se

do aspecto econômico. O documento revela não somente os produtos comercializados,

tais como tecidos, café, sal, fósforo, chumbo, charque, querosene, aguardente,

rapadura, dentre os muitos que constam em suas páginas, como também a

potencialidade e extensão deste tipo de comércio. A venda era mais do que um

entreposto comercial, visto que funcionava como um banco, sendo usado o referido

livro para o controle das contas, no qual havia duas colunas a serem preenchidas: deve

e haver. Nesses espaços constava algo mais do que o comerciante vendia ao colono

ou o que o freguês dava como parte de pagamento ao dono do estabelecimento.

Dívidas, empréstimos, venda de terras, negócios envolvendo outras pessoas são

105 O livro foi doado ao Museu Histórico Visconde de São Leopoldo pelo Sr. Alfredo J. Diehl. Na ficha-resumo elaborada por esta instituição, está indicado o “interior de Osório” como o local de fixação da venda. Não temos ainda como apontar o lugar exato da sede deste estabelecimento comercial. Estudos precisam ser feitos para delimitá-lo com maior precisão. No entanto dois historiadores podem nos auxiliar nesta busca. Silva nos relata que, “em Conceição do Arroio, instalou-se o neto do pastor Voges por parte de mãe, Adolpho José Diehl, no Pontal, na Lagoa das Malvas” (p.244) e Müller sustenta a possibilidade de a venda estar no interior da colônia de Três Forquilhas. Ao que parece, a hipótese com maior probabilidade de acerto é a defendida por Müller, principalmente pelo grande número de colonos que são fregueses daquela venda. O tempo histórico abrangido pelo livro vai de 1874 a 1901, o que nos indica não somente o marco temporal, mas também as possibilidades de pesquisa daí decorrentes. Ver: SILVA, Marina Raymundo da. Navegação Lacustre. Osório – Torres. In.: BARROSO, op. cit. (1992; p.243-248), MÜLLER, op. cit. (1992) e WITT, Marcos Antonio. O Livro Caixa de Uma Venda. In.: Anais do III Seminário Nacional de Pesquisadores da História das Comunidades Teuto-Brasileiras. Lajeado: Garten Sul, 2000g. (p.97-99).

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algumas das transações que podemos destacar, as quais conferem à venda um caráter

bancário, semelhante, desse modo, às instituições atuais.

No âmbito social, podemos distinguir um colono abastado de outro menos

afortunado através da dinâmica de compra e venda de produtos agrícolas e

manufaturados, conforme os exemplos relacionados abaixo. Dentro desse contexto,

faz-se relevante observar, igualmente, a diversidade do mosaico étnico que compôs o

Litoral Norte do RS, comprovado pela heterogeneidade do elenco de sobrenomes, entre

os quais encontramos também nacionais, alemães, italianos, africanos, entre outros.106

Para exemplificar os dois aspectos mencionados - econômico e social -,

destacamos alguns trechos do livro caixa: Christiano Thötböhl Filho compra tecidos

como algodão, chita e moleskim e também charque (p.26); Carlos Strasburg compra

tecidos como chita, de cor preta e roxa, lenços pretos, morim, algodão e botões.

Quando termina a relação das compras, a pessoa que registrava anotou: “para

mortalha de seu filho”. Dessa forma, sabemos que este colono perdeu um filho e

conhecemos parte do ritual funerário daquela comunidade (p.27); Carlos Thütböhl

compra querosene, fósforos, sal, chumbo, entre outros, e dá como parte de pagamento

“uma pipa”, evidenciando que havia um sistema de trocas entre a venda e os colonos, o

106 O livro caixa, um documento eminentemente econômico, nos indica, neste caso, que o panorama social era composto por diversas etnias, as quais poderiam sugerir uma discussão sobre as novas teorias da etnicidade e dos grupos étnicos. Todavia, por não ser o intuito deste trabalho, não entraremos neste debate.

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que nos pode sugerir o intercâmbio entre agricultor, artesão e comerciante (p.28).

Selecionamos, para exemplificar, os nomes de: Carlos Trüch, Carlos Weckmann,

Carolina Germann, Catharina Strassburg, Christiano Menger... porém, ao folhearmos o

livro, encontramos muitos outros sobrenomes, como Bobsin, Bruch, Huier, Machmann,

Mittmann107, o que demonstra o elevado número de fregueses de origem alemã que

aquela venda possuía (p.29). E, para encerrar, reafirmamos a multiplicidade étnica. São

fregueses daquela venda: Balbina Bruch, Bonifacio/Negro, Damazio Netto, Dorothea

Brem, Generoso Rodrigues, Jacob Schvartzhaubt, João Ricardo e João Schvartzhaubt

(p.34).

Sendo assim, esta pequena referência ao livro caixa de uma venda permitiu-nos

observar a relevância de tal empreendimento para os colonos. A venda agregava em si

mesma algo mais do que um entreposto comercial. Era a instituição que permeava a

vida financeira e social dos moradores daquela localidade ao criar uma certa

dependência entre os elos principais daquela corrente, que eram o vendeiro e o

agricultor. Por certo, o comércio permitiu ao pastor Voges um controle maior da

comunidade, não apenas por ser o maior vendeiro, mas também por dispor das

informações que chegavam “de fora” e eram transmitidas no seu estabelecimento

comercial.

107 A comparação destes sobrenomes com a listagem apresentada por MÜLLER, op. cit. (1992; p.59-95) nos permite afirmar que eram colonos instalados no Vale do Três Forquilhas.

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A análise das atividades do pastor Voges, quer como proprietário de escravos ou

comerciante, reforça a tese de que a relativização deve ser considerada quando se

seleciona um personagem como este para o estudo de uma localidade. Temos que

levar em conta as especificidades da religião e do exercício pastoral daquela época

para não condenarmos ou justificarmos as suas atitudes. Seus colegas Ehlers e

Klingelhoeffer também envolveram-se em situações que hoje despertam curiosidade e

pronunciamentos pejorativos em relação a eles. Em resumo, podemos dizer que Voges

se tornou líder dentro e fora da colônia de Três Forquilhas por agregar uma série de

funções, constituindo-se no “porta-voz” da maioria dos colonos nos níveis espiritual,

educacional e administrativo. No decorrer do texto, apresentaremos documentos que

comprovam a representação exercida pelo pastor junto aos colonos.

Já os imigrantes católicos e os seus descendentes, instalados em São Pedro de

Alcântara, não tiveram uma liderança com estas características. Os colonos estavam na

dependência de algum padre que, eventualmente, os atendesse. Analisando a trajetória

deste grupo, supomos que a falta de um líder tenha sido um dos fatores determinantes

para a rápida dispersão daquela colônia, o que resultou na diluição da sua população

por toda a área do litoral, especialmente nos pequenos vales entre Terra de Areia e

Torres. No início do século XX, mais precisamente em 1906, o viajante Roquette-Pinto,

em suas andanças pelo litoral, fez a seguinte observação em relação a São Pedro de

Alcântara:

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“O aspecto das casas era decadente. Apesar do clima, ideal, da uberdade do solo, a colônia declinou porque foi estabelecida no meio da solidão, longe de qualquer centro consumidor ou exportador, sem poder transportar os produtos da terra. O arraial de São Pedro, perdido naquela serra, entre vales belíssimos, tinha o ar de uma vila abandonada.”108

Numa breve retrospectiva, podemos dizer que o capítulo tinha como objetivo

apresentar algumas características básicas do Rio Grande do Sul na segunda metade

do século XIX, bem como o projeto de imigração para o Sul, além de verificar como se

deu a formação das três vilas – Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e

Torres -, que compunham o espaço em discussão e a instalação da Colônia Alemã das

Torres. Como capítulo introdutório, com ênfase na apresentação do espaço sobre o

qual nos debruçamos, buscamos introduzir o leitor a uma nova realidade – o Litoral

Norte do RS – muito pouco trabalhada pela historiografia rio-grandense. Em seguida,

analisaremos a relação entre a Corte, a província do Rio Grande do Sul e o Litoral

Norte do RS, a legislação eleitoral do século XIX e a produção historiográfica sobre

poder local e coronelismo.

108 ROQUETTE-PINTO, Edgard. Relatório da Excursão ao Litoral e à Região das Lagoas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1962. (p.31).

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2 PROVÍNCIA X REGIÃO, REGIME ELEITORAL E HISTORIOGRAFIA

“E se da elegibilidade dos naturalizados depende a emigração, por que sem ela se tem verificado até hoje, em tão grande cópia, nas províncias meridionais do Império? Vamos dize-lo sem refolhos, o emigrante alemão busca o Império atormentado pela desesperação famélica, pela falta de esperanças de mudar o seu estado de proletarismo na Europa, onde ele vive a vida dos desprezos e humilhações que lhes impõem as classes privilegiadas, a aristocracia, que em seu elevado orgulho, escandalizam pisando a pés a dignidade humana... E como retribuem os alemães os favores que encontram na emigração, como pagam eles o acolhimento dessa nova pátria, que lhes abre os braços para ampará-los na fome, na nudez e na humilhação, com uma igualdade que não se encontra em parte alguma? Conservando em toda a sua pureza os seus costumes, que transmitem com o EXCLUSIVISMO da língua até a terceira geração!!... Nestas condições o que deve fazer um governo patriótico? Em primeiro lugar, obrigar os brasileiros de segunda geração que não sabem a nossa língua, aprendê-la, e em segundo lugar mandá-los para a praça porque é nos riscos e perigos da vida militar que se aprende a amar esta pátria, objeto de tão duros sacrifícios!” 109

“Diga-se ao povo a verdade com franqueza. O defeito não está nas leis, sim nos costumes. Não espere pois ele o remédio do legislador somente: procure cada um concorrer com os seus esforços para que uma opinião pública mais forte que os partidos prejudique àqueles que recorrerem ao emprego da fraude e da violência. Os costumes não se corrigem tão prontamente como se alteram as leis: o resultado pois será

109 MCSHC - O Conservador, Porto Alegre, n. 292, ano II, terça, 29 de dezembro de 1880 (537) p.1.

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lento, mas infalível, e o povo não passará pela decepção sempre perigosa de esperar da lei o que ela não pode realizar.” 110

2.1 O Embate Entre a Província e o Litoral Norte do Rio Grande do Sul

O embate político111 estabelecido entre a província do Rio Grande do Sul e o

Litoral Norte tem origem no processo de centralização idealizado e colocado em prática

pelo Império. Para analisarmos como província e litoral relacionaram-se no âmbito

político, faz-se necessário observar com que olhar o governo provincial112 se dirigiu ao

litoral e quais as respostas dos litorâneos ao posicionamento adotado pela província em

relação a eles.

O modo como o governo se dirigiu ao litoral pode ser encontrado nos relatórios e

falas dos presidentes da província; já as respostas dos litorâneos, as localizamos na

correspondência das câmaras municipais, órgãos oficiais mediadores entre as vilas e o

governo provincial.

110 Parecer do Senado sobre a reforma eleitoral de 1855. In.: PINTO, Antonio Pereira (Org.). Reforma Eleitoral. Brasília: Universidade de Brasília, 1983. (p.202-203). 111 “Embate político” não como um duelo permanente, mas sim como um jogo de resistência e oposição entre o governo provincial e o Litoral Norte do RS. 112 Entendemos como “governo provincial” basicamente a figura do presidente da província, “... delegado do imperador, cuja função política mais importante era garantir a vitória eleitoral dos candidatos apoiados pelo governo.” Ver: LAMOUNIER, op. cit. (p.281).

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Os relatórios dos presidentes da província da década de 1850, mais

precisamente de 1853 e 1856, afirmam que Três Forquilhas e São Pedro de Alcântara

“já não podem mais ser consideradas colônias. Seus habitantes acham-se confundidos

na massa da população nacional.” 113 Dessa sentença, baseada nas informações que

foram remetidas aos presidentes da província, podemos fazer duas leituras: a primeira

nos dá idéia do que os governantes entendiam por “colônias alemãs”, ou seja, grupos

fechados que não se misturavam com os outros; a segunda demonstra a

“dinamicidade” do espaço litorâneo, o que resultou na aproximação entre os nacionais e

os colonos alemães.

A aproximação entre nacionais e colonos pode ser vista sob diversos ângulos.

Observando a posição geográfica de Três Forquilhas, vimos que a colônia ligava-se aos

Campos de Cima da Serra via Serra do Pinto; Já São Pedro de Alcântara, além de estar

mais próxima do povoado de Torres, interligava-se, igualmente, com Cima da Serra

através da estrada da Glória. Dessa forma, os dois núcleos mantinham relações com os

tropeiros, que desciam as escarpas da Serra Geral para comercializarem com os

113 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.03 – Relatório do presidente da província João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú – outubro/1853 e A7.03 – Relatório do presidente da província Jeronymo Francisco Coelho – dezembro/1856. Esta mesma afirmação podemos encontrar no pequeno capítulo que Jean Charles Moré dedicou a São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas. Em nota de rodapé, o autor diz que as duas colônias não existem mais, senão como distritos agrícolas. Sendo o livro impresso na década de 1860, temos que conjeturar se o autor e o presidente da província usaram a mesma fonte para realizar tal sentença. Para ambos, segundo a sentença que proferiram, o conceito de “colônia” estava intimamente ligado à definição de um núcleo homogêneo, composto de imigrantes assentados organizadamente em pequenas propriedades agrícolas. Ver: MORÉ, Jean Charles. De la Colonisation dans la Province de St. Pierre de Rio Grande do Sul, Brésil. Hambourg: Imprimerie de Langhoff, 1868. (p.202-203).

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litorâneos, estabelecendo, nos anos iniciais da colonização, um incipiente comércio,

muitas vezes realizado ainda num sistema de troca de produtos. Comumente, os

tropeiros “vendiam” charque aos colonos, e estes, aguardente e rapadura àqueles.114

Possivelmente o contato entre estes personagens tenha permitido ao presidente

da província dizer que as duas colônias já não se enquadravam mais nesta categoria.

Ao fazer esta afirmação, entendemos que estabeleceu comparações com outros

núcleos de imigrantes, certamente, na sua visão mais “puros”, qualidade que teria

derivado de um contato menos assíduo com os nacionais.115 A proximidade com São

114 Sobre a relação dos tropeiros com os colonos, ver: ELY, Nilza Huyer. Tropeirismo entre a Serra e o Litoral. In.: ELY, Nilza Huyer. Vale do Três Forquilhas: Veredas, Vidas e Costumes. Porto Alegre: EST, 1999b. (p.49-53). As relações comerciais que os litorâneos estabeleceram têm sido muito pouco estudadas. Acreditamos que o estudo destas práticas – troca e compra e venda de produtos agrícolas por outros bens – pode revelar outras nuances do cotidiano vivenciado pelos litorâneos. As informações que reunimos, embora esparsas, nos reforçam a idéia de um comércio realizado com os Campos de Cima da Serra e com a província de Santa Catarina, via tropeiros. Parece-nos que o Litoral Norte do RS manteve-se, por um certo tempo, muito mais direcionado a estas áreas do que propriamente à capital rio-grandense. Todavia reconhecemos que necessitamos de estudos mais aprofundados para tentar elucidar a teia das relações comerciais estabelecidas pelos litorâneos no desenrolar do século XIX. 115 A comparação que o presidente da província estabeleceu entre as colônias está, ao nosso ver, respaldada pelo gradativo e intenso comércio via São Leopoldo. O simples fato de os colonos do Litoral Norte do RS entrarem em contato com a população nacional não poderia ser o único fator de tal afirmação, pois a colônia de São Leopoldo também viu-se confrontada com os nacionais que já estavam na região do rio do Sinos antes da chegada dos primeiros imigrantes alemães. O comércio que a colônia velha firmou com Porto Alegre tornou-se de vital importância para a própria manutenção das duas estruturas – colônia e capital – a tal ponto que o governo provincial privilegiou a sua relação com este espaço. E mais, muito rapidamente a produção colonial de São Leopoldo viu-se incrementada pelo artesanato, “especialização” que praticamente não encontramos no Litoral Norte do RS. Como in forma a câmara municipal de Conceição do Arroio “neste município não há fábrica alguma de preparar ferro.” AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1862. Sendo assim, sem uma produção colonia l que pudesse chegar facilmente e com baixos custos ao mercado porto-alegrense e sem artigos manufaturados artesanalmente, o litoral não conseguiu ocupar a mesma posição que São Leopoldo. SAUL, op. cit. entende que “o processo de transformação dos métodos produtivos somente poderia manifestar-se de forma decisiva na medida em que a implantação das ferrovias suprimisse os elevados custos de transporte e possibilitasse que os cultivos avançassem em direção a terras novas e férteis.” (p.110). Para o autor, “.... a posição da economia inglesa no comércio internacional que determinará uma mudança na política de exportações de capital

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Leopoldo e a relativa facilidade com que esta colônia se comunicava com Porto Alegre

deram suporte aos governantes para que estabelecessem paralelos entre as primeiras

colônias, sendo São Leopoldo fundada em 1824 e Três Forquilhas e São Pedro de

Alcântara, em 1826.

A relação do governo provincial com São Leopoldo tem variantes que não

encontramos na ligação deste com as colônias do Litoral Norte do RS. Que razões

teriam proporcionado um certo privilégio para a colônia de São Leopoldo? Basicamente,

a razão mais importante está ligada ao fato de que a colônia tornou-se um importante

fornecedor de produtos agrícolas, os quais eram encaminhados para Porto Alegre via

rio do Sinos. Podemos apontar, também, com menos ênfase, a proximidade dos

colonos com a capital gaúcha, o que despertou, em alguns momentos, o medo de que a

população colonial pudesse revoltar-se e articular-se com grupos de oposição e da

situação. Estes fatores fizeram com que o governo olhasse mais de perto a colônia,

estreitando e dinamizando os seus laços, todavia outros motivos podem ser

enumerados: o próprio crescimento econômico de São Leopoldo aproximou-os da

capital; a rede comercial que se consolidou, desde a pequena venda no interior das

colônias até as grandes casas importadoras de Porto Alegre, fez com que diversos

para as áreas não desenvolvidas industrialmente. Até aproximadamente 1840, essas exportações realizavam-se preferencialmente por via de empréstimos públicos. Depois, somaram-se a elas as estradas de ferro e as empresas de serviços públicos.” (p.108). (grifos nossos). Compreende-se, então, por que o transporte ferroviário chegou, primeiramente, a São Leopoldo e, num segundo momento, foi estendido às novas áreas de colonização. O Litoral Norte do RS, mais uma vez, não foi contemplado por este meio de transporte que poderia ter facilitado o escoamento da produção agrícola.

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interesses se voltassem para aquele espaço; os componentes desta rede já dependiam

uns dos outros e era dever do governo zelar para que o comércio evoluísse a tal ponto

que a província se sobressaísse em nível “nacional”.116

Paralelo ao crescimento econômico de São Leopoldo, esteve o político, fruto dos

contatos que, obrigatoriamente, a colônia estabelecera com Porto Alegre. Não demorou

para que os colonos se consolidassem num grupo político de pressão junto ao governo

provincial. Ora, foi exatamente este aspecto que os litorâneos não conseguiram

desenvolver na sua relação com a província. Ficaram, então, à margem, numa situação

secundária, enquanto São Leopoldo despontava como a área colonial ideal, como

fornecedora de alimentos e promotora do crescimento econômico.

A referência à citação dos governantes é importante na medida em que revela

com qual olhar o governo contemplou todo o litoral. Lembremos que, a partir dos dois

últimos quartéis do século XIX, os latifúndios – em especial as estâncias da região

centro-sul polarizadas pelas charqueadas - passam a se concretizar no Rio Grande do

Sul, em extensão e poder. A região litorânea, por não possuir estas características, cai

em letargia. No nosso entendimento, o governo lançou um olhar revelador para a

situação econômica e política do Litoral Norte do RS e “discriminatório” no que se refere

116 O governo provincial, além de manter estável o comércio com a colônia de São Leopoldo, precisava garantir a segurança de Porto Alegre, ponto vulnerável por ser de fácil acesso via lacustre, e por sua importância política e econômica, consolidada a partir do século XIX. Para tanto, se fosse preciso, a população colonial deveria socorrer a capital, dispondo de seus homens como soldados.

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às colônias alemãs. Coube, portanto, às câmaras municipais manifestarem-se,

recorrendo ao “choro político” para obterem aquilo de que necessitavam. Como

exemplo, trazemos à tona as inúmeras tentativas de construir-se um porto em Torres, o

qual facilitaria o escoamento da produção agrícola do litoral. No entanto os projetos não

foram desenvolvidos. No máximo, foram realizadas algumas experiências,

principalmente a abertura de canais que ligariam as lagoas. O resultado desta iniciativa

foi infrutífero, sendo o porto de Torres preterido pelo da cidade de Rio Grande.117

O descaso do governo provincial para com o Litoral Norte do RS e/ou a falta de

força política deste explicam, parcialmente, o engajamento político dos litorâneos.

Acreditamos que o governo, ao dar pouca atenção à região do litoral, adotou uma

prática política que, ao mesmo tempo que impulsionava os litorâneos a requerer uma

participação política maior, dava liberdade para que os pequenos e médios chefes

locais cooptassem aliados e demonstrassem a sua força. Sem a mão operante do

governo provincial sobre si, pois este órgão estava preocupado com outras questões e

direcionado, politicamente, a outras áreas, os líderes locais sentiram-se rechaçados e

quase que obrigados a solicitar as “migalhas” do total de recursos destinados aos

municípios, prática esta que os atrelava ao sistema clientelístico do século XIX. Na lista

117 Em relação à construção do porto de Torres, ver: AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.07 - Relatório do vice-presidente comendador Patrício Correa da Camara – 1861.

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das petições118 que as câmaras constantemente enviavam à capital, foram incluídas as

“migalhas” que também eram direcionadas às colônias alemãs, subsidiadas somente

nos cinco primeiros anos. Assim, o pouco auxílio remetido a estes núcleos, de forma

indireta, ficou sob a responsabilidade das três câmaras municipais instituídas no século

XIX: Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres. Lamounier captou muito

bem a situação de penúria dos municípios brasileiros ao afirmar que a pobreza era

tamanha que dificultava a atuação dos “coronéis”. Para realizarem as obras mais

necessárias, como estradas e pontes, eram obrigados a recorrer ao governo provincial,

na esperança de que recursos fossem liberados para que os empreendimentos

pudessem ser concretizados e assim demonstrarem seu poder de articulação com o

poder provincial aos que lhes eram fiéis e também aos seus inimigos políticos.119

118 As petições ou requerimentos que as câmaras enviavam ao governo provincial estão exemplificadas durante o texto. É preciso esclarecer que, mesmo que os chefes locais atuassem na sua região, motivados por um governo que não lhes dava muita atenção, eram obrigados a agir dentro de uma ordem estabelecida, imposta por um regimento via de regra elaborado pelos maiorais do Império, posição que não ocupavam. Então, para requererem alguma coisa através das câmaras municipais, viam-se obrigados a aceitar esta “ordem” e cumprir com um cerimonial hierarquizado. Victor Nunes Leal trabalhou com esta premissa, analisando a dinâmica dos municípios brasileiros. Ao que tudo indica, a postura dos chefes locais do Litoral do Norte do RS enquadram-se na análise elaborada pelo autor. Ver: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. O Município e o Regime Representativo no Brasil. 4.ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1978. 119 Cf. LAMOUNIER, op. cit. (p.279 e 284). No que tange ao Litoral Norte do RS, as lideranças políticas também recorriam aos recursos oriundos do governo provincial. Interessante notar que nem sempre estas lideranças eram compostas de nacionais. Nos anos de 1878/79, Adolpho Felippe Voges assina um contrato com o governo para realizar “melhoramentos da serra denominada ‘Chico Pinto’ no município de Conceição do Arroio.” Segundo os relatórios dos presidentes da província, Adolpho Voges concluiu a obra e recebeu os 4:000$000, que haviam sido previamente acertados pela execução dos melhoramentos na “estrada de cargueiros.” Esta referência, além de demonstrar a articulação dos chefes locais com o governo provincial, desperta-nos para o envolvimento de colonos alemães nos campos político (por contratar um serviço com o governo provincial) e econômico (por ter recursos suficientes para realizar tal obra). AHRS – Documentação dos Governantes – Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.15 – Relatório do presidente da província Felisberto Pereira da Silva – 1879; A7.16 – Fala

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Dando continuidade à análise que vínhamos desenvolvendo, um relatório de

1859 acrescenta, em relação a São Pedro de Alcântara, que: “tem em uma linha de

norte a sul vinte e oito colônias. O resto da população colonial está disseminada pelo

distrito.”120 Consideramos este detalhe relevante, pois nos remete para a dinamicidade

daquele espaço, uma vez que os colonos não se limitaram aos seus lotes de terra e

nem a cumprir com o acordo inicial estabelecido com a província, ou seja, plantar e

produzir alimentos. Muito mais do que isso, as necessidades reais do dia-a-dia fizeram

com que eles se movessem, trocassem, vendessem ou arrendassem os seus lotes,

num total “desrespeito” ao que haviam acordado com o governo. Revela-se, então, uma

inadaptação do projeto de instalação das colônias à região, um desapego à tarefa

agrícola, um descontentamento com o modo de vida, fatores que devem ser levados

em consideração quando se fala de formação de núcleos populacionais desta ordem.

A inviabilidade comercial da agricultura e a falta de expectativa por parte dos

imigrantes e seus descendentes deram origem a diversas situações. Uma das mais

freqüentes consistia em o colono abandonar a terra, a qual, em seguida, era apropriada

por um parente ou vizinho. Normalmente, esta prática não possuía qualquer controle

legal, tornando-se, de fato, este novo “proprietário” o possuidor daquele terreno que

ficara vago. Isso sem falar, como já dissemos, nas trocas, vendas e arrendamentos.

do presidente da província Felisberto Pereira da Silva – 1879; A7.16 – Relatório do presidente da província Carlos Thompson Flores – 1880; A7.17 – Fala do 2º vice-presidente da província Joaquim Pedro Soares – 1881.

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Muitas vezes, o desespero dos mais fracos promovia os mais fortes. Neste mesmo ano

de 1859, o governo encomenda um relatório121 a fim de inteirar-se sobre algumas

invasões que estavam ocorrendo junto a São Pedro de Alcântara. Uma das dúvidas do

governo referia-se aos títulos de posse, pois alguns moradores negavam-se a mostrá-

los, indicando, segundo o relator, que aquelas terras deviam ter uma origem

questionável.122

O mesmo relatório prossegue apontando erros que datam do início da

colonização, isto é, 1826. Conforme o relator, inúmeras medições não foram realizadas

ou, se ocorreram, não estavam corretas. Além disso, como os limites não haviam sido

firmemente estabelecidos, as terras de uns avançavam sobre as dos outros, gerando

discussões, intrigas e um número ilimitado de controvérsias.123 O avanço sobre terras

devolutas também é referido neste relatório, acusando pilotos e agrimensores de terem

beneficiado ricos proprietários, ampliando suas propriedades.

Sobre a ampliação dessas propriedades, o relator refere-se, nominalmente, a

José Raupp, comerciante e proprietário de terras na colônia das Torres. Ele o acusa de

120 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Relatório do Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. (grifos nossos). 121 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Rela tório do Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. 122 URICOECHEA destaca esta mesma dificuldade em outras regiões do Brasil. O governo não tinha condições de obstruir a invasão de terras públicas, que eram tomadas sem nenhum controle legal. Ver: URICOECHEA, op. cit. (1978a; p.268).

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avançar sobre terras do governo, aproveitando-se do seu poder e influência para

aumentar ainda mais a sua riqueza. O guia que conduziu o relator a uma das posses de

José Raupp narra como em anos anteriores ele mesmo trabalhou na limpeza destas

terras:

“Foi neste lugar... que em dezembro de 1851, eu vim com outros camaradas trabalhar no mato virgem por conta de Juca Rapp [José Raupp], que nos conduzia ao trabalho, e aqui nas margens deste arroio, derrubamos pouco mais ou menos vinte e cinco braças quadradas de matos, como vedes, para alargar uma outra derrubada mais antiga, feita por um quilombo de escravos, que os caçadores desalojaram em 1848 ou 49.” 124

Como vemos, as acusações contra José Raupp agigantavam-se à medida que o

relator expunha as atividades do comerciante sobre o acesso às terras devolutas, que

tomava para si com o objetivo de “vende-las por bom preço”. Em contrapartida, o relator

informa sobre a grande maioria dos imigrantes, dizendo que:

“Bom número de famílias de origem alemã, hoje carregada de filhos vivendo com grandes necessidades sobre uma parte da herança, já muito subdividida, famílias cuja desgraçada posição reclama todo interesse paternal de V. Exça. e estou certo que tanto os mais pobres como os mais necessitados não se acham na lista de Juca Rapp.” 125

123 Sobre os conflitos oriundos da disputa pela terra, ver: WITT, Marcos Antonio. A Questão da Terra no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. São Leopoldo, 2000. Monografia [Identidade e Integração na América Latina Independente II]. Programa de Pós-Graduação em História - UNISINOS, 2000a. 124 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Relatório do Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. 125 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Relatório do Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859.

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Todavia o relator não se limitou a expor somente a péssima condição de vida da

maioria dos colonos, mas também a dos nacionais, acrescentando que havia, entre

Conceição do Arroio e Torres, duzentas famílias brasileiras vivendo em situação

precária, sendo que nem sempre conseguiam produzir farinha suficiente para

sobreviver. Ao descrever como viviam estes nacionais, o relator abre-nos uma pequena,

mas importantíssima lacuna, para pensarmos sobre um personagem pouco trabalhado

na historiografia que estuda o Litoral Norte do RS: o homem livre pobre brasileiro.126

Adentramos, assim, num incipiente estudo sobre o homem livre pobre do litoral.

Contudo sua análise não está desvinculada do nosso tema maior, porque ele integra o

rol dos habitantes do espaço em discussão. Os textos de Antonio Candido,127 Maria

Sylvia de Carvalho Franco,128 Francisco Carlos Teixeira da Silva 129 e Luís Augusto

126 A presença do homem livre pobre no litoral sul do Brasil pode ser detectada, de maneira mais intensa, a partir do século XVIII, quando algumas áreas começaram a ser ocupadas para a “pecuária”, como os campos de Tramandaí. SAUL, op. cit. faz a seguinte análise sobre o homem livre pobre brasileiro: “A agricultura de subsistência jamais chegaria a desenvolver-se suficientemente para atender às necessidades de alimentação dos grupos não vinculados diretamente às grandes plantações e a fome seria a marca permanente dos despossuídos. Além disso, esse processo de exploração econômica determinaria a inexistência de uma classe de pequenos e médios proprietários nessas regiões. Essa classe de produtores para o mercado interno foi sendo empurrada para zonas mais afastadas do interior do país, expulsa de suas terras pela violência do latifundiário e pelo avanço dos cultivos privilegiados.” (p.10). 127 CANDIDO, Antonio. Os Parceiros do Rio Bonito. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1964. 128 FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. 3.ed. São Paulo: Kairós, 1983. 129 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Pecuária e Formação do Mercado Interno no Brasil-Colônia. In.: REICHEL, Heloisa Jochims & GUTFREIND, Ieda (Orgs.). América Platina e Historiografia. São Leopoldo: UNISINOS, 1996. (p.21-59).

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Ebling Farinatti130 constituem-se em estudos profundos sobre este personagem. O

primeiro analisa o caipira, que é o homem livre pobre “paulista”. O autor tem como

metodologia de trabalho selecionar, aprofundar e, por fim, apresentar o seu tipo

humano para, a partir deste exercício, analisar a sociedade “paulista”, mais

especificamente a do interior, chamada de caipira. Sua visão não é generalizante,

laudatória ou engrandecedora. Ao contrário, parte do detalhe para revelar um mundo

extremamente dinâmico onde reside este tipo esquecido, envolto numa trama de

violência, subordinação e sobrevivência.

Franco, por sua vez, contempla o homem livre dentro de uma ordem

estabelecida, isto é, a escravocrata. O título do seu livro pode sugerir, erroneamente,

que a autora analisa a escravidão. No entanto, pelo conteúdo da sua obra, percebe-se

que o objeto de estudo é o homem livre, também pobre, que tangencia a sociedade dos

proprietários. Elucidativa é a explicação que a autora proporciona na introdução do seu

texto:

“A pesquisa refere-se à velha civilização do café que, no século XIX, floresceu nas áreas do Rio de Janeiro e de São Paulo pertencentes à região do Vale do Paraíba... A documentação coligida ora se refere a

130 FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Sobre as Cinzas da Mata Virgem: Lavradores Nacionais na Província do Rio Grande do Sul (Santa Maria, 1845-1880). Porto Alegre, 1999. Dissertação [Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 1999.

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esses limites, ora diz respeito à sociedade brasileira como um todo, ora circunscreve-se à cidade de Guaratinguetá e vizinhanças...”.131

O terceiro autor referido, embora analise a atuação do vaqueiro, o homem livre

pobre do Nordeste, no final do século XVII, deve ser incluído a este texto. O seu

trabalho é relevante, pois tem a capacidade de demonstrar a outra face da relação

estabelecida entre os grandes proprietários de terra e os que perambulavam pelas

fazendas. Incluí-lo significa, obrigatoriamente, realizar um esforço para vislumbrarmos

um todo maior, que abarque o homem livre pobre pelo tempo e espaço no Brasil.

Por último, Farinatti tratou de analisar o lavrador nacional no Rio Grande do Sul,

mais precisamente na região que hoje compreende a cidade de Santa Maria. O autor

optou por um espaço que está no limite de duas realidades distintas, mas que se

integram: os campos, com os latifúndios, e as pequenas propriedades, próximas às

áreas florestais. No seu trabalho, Farinatti demonstra o intercâmbio entre estes dois

mundos, relativizando a atuação do estancieiro. Para o autor, o lavrador nacional

confinado à sua pequena extensão territorial participou ativamente da sociedade

gaúcha, principalmente no que se refere à produção e ao fornecimento de gêneros

alimentícios para os pequenos povoados, os quais, posteriormente, tornaram-se

municípios.

131 FRANCO, op. cit. (p.16).

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Como síntese, entendemos que o homem livre pobre brasileiro, personagem que

também encontramos no Litoral Norte do RS, constituiu-se como um grupo atuante na

dinâmica social e integrou-se ao sistema político da época. Não esteve inteiramente

fora da sociedade litorânea, sendo cooptado pelos chefes locais quando havia

necessidade. No entanto não serviram apenas de “massa de manobra”, souberam dizer

não ou reivindicar quando sentiam-se prejudicados. Durante o trabalho, apresentamos

situações que demonstram a inserção deste grupo no cotidiano do litoral. Desse modo,

realizamos uma dupla tarefa: dialogar com a historiografia, com o intuito de conhecer

quem já trabalhou com temas ou situações semelhantes, e ampliar o nosso olhar em

relação ao espaço sobre o qual nos debruçamos, constatando que, consideradas as

particularidades regionais, o mesmo homem livre pobre perambula tanto pelo Sertão

Nordestino, São Paulo, Rio de Janeiro como pelo Rio Grande do Sul.

Dizíamos acima que faríamos um recorte para analisarmos o homem livre pobre

do litoral. Após uma breve consulta a quatro obras que selecionaram este mesmo

objeto para estudo, faz-se necessário observar como este homem relacionava-se com a

política. Cabe aqui um esclarecimento: não o indivíduo, mas ele e sua família, vizinhos

próximos e distantes, enfim, pessoas de sua relação. Retornaremos, igualmente, à

relação nacional-colono, ponto central deste estudo.

Para tanto, examinaremos, a partir de agora, as respostas dos litorâneos ao

tratamento dispensado pelo governo em relação a eles. Este posicionamento

encontramos, principalmente, na correspondência das câmaras municipais.

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Destacamos cinco aspectos que se encontram nesta documentação, assim

denominados: educação, cobrança de impostos, regulamentos internos das câmaras

municipais, produção de gêneros agrícolas e naturalização.

Quanto ao primeiro aspecto, a educação,132 as câmaras municipais, via de regra,

reclamavam da falta de professores, da conseqüente analfabetização e dos males que

isto causava à população. Para exemplificar, em setembro de 1859, a câmara de

Conceição do Arroio informou ao governo provincial que algumas escolas estavam sem

professor, solicitando que fossem enviados substitutos para aquelas vagas. Além disso,

descreveu um episódio em que três menores de Três Forquilhas foram interrogados e

houve a necessidade de intérprete, visto que não falavam a língua portuguesa.133 Isto

demonstra que, em primeiro lugar, havia realmente falta de escolas ou de professores

que pudessem ensinar a língua nacional; segundo, o fato de colonos não falarem outra

língua a não ser um dos dialetos do alemão provocou conflitos entre eles e os

nacionais; e, terceiro, foram estes conflitos que deram margem a que se discutissem,

no futuro, a formação de guetos, a inadaptação ao meio nacional e a posterior

“nacionalização dos estrangeiros”, consolidada por Getúlio Vargas.

132 Sobre a educação nas colônias alemãs do Litoral Norte do RS, ver: ELY, Nilza Huyer. Tietböhl – Uma Família Educando Gerações. In.: ELY, op. cit. (1999e; p.112-125). 133 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1859. A título de exemplo, anexamos o “mapa dos alunos que freqüentam a escola pública da Colônia de São Pedro de Alcântara”, de 1859, em que consta uma série de dados sobre os alunos e o seu aproveitamento em sala de aula. AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1859. (ver anexo 2).

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O segundo aspecto que destacamos, a cobrança de impostos, está diretamente

relacionado à centralização de recursos por parte da província. Da obtenção destes

dependia a manutenção do governo, a realização de obras públicas e a maior

independência possível do jugo imperial.134 Paulatinamente, a província adotou critérios

de cobrança mais rígidos e eficientes, não medindo esforços para que os seus objetivos

fossem concretizados e os recursos chegassem até a capital.

O esforço da província em melhorar a sua arrecadação não obedecia apenas a

critérios econômicos, mas também a políticos. Ao centralizar os recursos na capital, o

governo provincial tinha como objetivo subordinar as câmaras municipais, esvaziando,

para isto, os seus cofres. Os munícipes não dispunham de outra alternativa a não ser

enquadrar-se na ordem estabelecida e depender dos acordos políticos cujos resultados

normalmente eram impostos pelo presidente da província.

Inevitavelmente, no que se relaciona ao Litoral Norte do RS, encontramos duas

espécies de reclamações. Uma provém do governo, que acusa os litorâneos de não

pagarem os impostos devidos. Esta observação estende-se aos colonos de Três

134 Cf. SAUL, op. cit. “a instauração de um sistema de tributação próprio nas províncias, não raro à revelia das disposições legais existentes, contou com a conivência ou omissão da autoridade imperial, uma vez que essa era uma das formas, contraditória, é verdade, de manter a tranqüilidade em algumas províncias e assegurar a unidade do poder central.” (p.175). Deduz-se, da afirmação do autor, que a tributação não era um assunto apenas da alçada econômica, mas também do setor político. As “boas” relações entre Império e província dependiam, em parte, dos recursos que tramitavam entre o centro do Império e as regiões. Como veremos, a cobrança de impostos e o posterior repasse destes valores aos órgãos competentes, tanto imperiais quanto provinciais, provocavam mais desentendimentos do que conciliações.

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Forquilhas, pois, em julho de 1861, a câmara de Conceição do Arroio escreve ao

presidente da província solicitando que seja instituído dentro da colônia um agente de

cobranças, o qual ficaria com dez por cento do arrecadado.135 Dessa sugestão,

deduzimos que havia algum tipo de dificuldade em se cobrar os impostos. Infelizmente,

o documento não revela quais eram os motivos que levaram os colonos a burlarem a

lei.

Contudo, ao analisarmos a dinâmica da relação colônia-província, podemos

encontrar algumas respostas que nos auxiliarão no entendimento desta questão. A

colônia das Torres é implantada a partir de 1826, sendo subsidiada pelo governo até

1830. Após o término dos subsídios, os colonos estabelecem mecanismos de

sobrevivência, comercializando basicamente em três direções: com o próprio litoral,

com os Campos de Cima da Serra e com a província de Santa Catarina.136 O contato

direto com estes três universos, distantes da capital Porto Alegre, permitiu um processo

de compra e venda direto, no qual a mão operante do governo pouco se fazia sentir. À

medida que Conceição do Arroio e Torres emancipam-se, as vilas revestem-se de

aparelhos de coerção mais próximos dos colonos, como a câmara, a polícia, os fiscais,

135 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1861. 136 Sobre o contato dos colonos com os nacionais, o pastor Carlos Leopoldo Voges escreveu num relatório de 1855: “A colônia de Três Forquilhas manda os seus produtos, (ilegível), rapadura, açúcar, (ilegível) para diversos mercados como, em Cima da Serra, Vacaria, Lages até Curitiba, para várias paragens de Missões. A colônia das Torres (refere-se a São Pedro de Alcântara) fabrica aguardente e leva seus produtos ao mercado de Porto Alegre.” AHRS – Colonização – Lata 298 – Maço 73 – 1855. Moré também faz referência ao comércio que os colonos do litoral realizavam com os tropeiros de Cima

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dentre outros. Podemos dizer, então, que, concomitante ao transcorrer da segunda

metade do século XIX, ocorreu a pressão por parte da província para que o dinheiro

arrecadado chegasse até os seus cofres.

Por sua vez, a câmara de Santo Antônio da Patrulha também se manifesta

contra os proprietários de Torres, os quais se negam a pagar o imposto de 12$800 por

engenho ou alambique.137 Pela descrição que fazem, a hostilidade entre aquele que

deveria cobrar e os que deveriam pagar não é pouca, pois afirmam não haver força

policial a cavalo para escoltar o procurador.138 É preciso ressaltar que o manifesto da

câmara patrulhense é de 1854, portanto, antes da emancipação de Conceição do

Arroio. Isso desvela ter havido uma continuidade no processo de sonegação e recusa

dos impostos, perpassando as instalações dos municípios que se desmembraram de

Santo Antônio da Patrulha.

A outra reclamação que encontramos na documentação referente à cobrança de

impostos não foi proferida por órgãos oficiais, mas sim pelos próprios litorâneos,

descontentes com os abusos cometidos. Em 1852, a câmara de Santo Antônio da

Patrulha leva ao conhecimento do vice-presidente da província que os moradores de

da Serra e com a província de Santa Catarina. O autor chega a afirmar que mais de mil mulas trafegavam entre Três Forquilhas e Cima da Serra. Ver: MORÉ, op. cit. (p.202-203). 137 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1854. 138 Cf. GRAHAM, op. cit. este é um problema que ocorre em todo o Brasil. Em sua obra, o autor aponta inúmeros exemplos em que as autoridades reclamam da falta de policiais. Sem uma força adequada, não há como executar as tarefas que cabem a esta instituição. (p.91).

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Conceição do Arroio, Maquiné e Torres estão sendo prejudicados por uma

determinação provincial.139 Diz esta nova regulamentação que as aguardentes que

chegarem à capital devem estar acompanhadas de uma guia passada pelo coletor das

rendas da vila patrulhense. Considerando a distância que os moradores teriam que

percorrer para obter este documento, a câmara propõe ao governo que estabeleça

agentes nos três lugares referidos a fim de facilitar o transporte da mercadoria para

Porto Alegre.

Apesar de o documento partir de um órgão oficial - a câmara de Santo Antônio

da Patrulha -, o seu conteúdo expressa o descontentamento dos cultivadores e

processadores da cana-de-açúcar, os quais, a partir daquela determinação, teriam mais

um custo no transporte da sua mercadoria para a capital, visto que teriam que se

desviar do caminho para passar pela vila patrulhense.

Dois anos antes, esta mesma câmara levou ao conhecimento do presidente da

província o lamento dos moradores de São Domingos das Torres, que se queixavam do

imposto de 12$800 sobre cada engenho de fabricar aguardente. A câmara ratifica o

lamento dos plantadores e fabricantes, dizendo que: “...é verdade que o dito imposto...

é bastante pesado a maior parte dos moradores deste município, revertendo só em

139 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1852.

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benefício de alguns que fabricam grandes proporções de aguardente em seus

engenhos.” 140

Analisando a dinâmica da cobrança dos impostos junto aos litorâneos, vemos, de

uma maneira evidente, que duas forças duelam entre si: uma querendo cobrar, e a

outra procurando esquivar-se desta imposição. Considerando o contexto da segunda

metade do século XIX, entendemos que os dois grupos têm razões suficientes para, de

um lado, tentar cobrar e, de outro, não pagar. Foi no interior deste conflito que as

relações estabeleceram-se, moldando uma prática de sonegação respaldada por uma

série de dificuldades em se vender os produtos fabricados. Como exemplo de alguns

obstáculos que prejudicaram o comércio do litoral, podemos citar o peso adicional que o

próprio imposto representava sobre os produtos, a longa distância entre este espaço e

a capital, bem com os caminhos intransitáveis, além de uma prática política que não se

respaldava junto ao governo, não conseguindo obter maiores recursos e/ou benesses

para o Litoral Norte do RS.141

Em relação ao respaldo político dos litorâneos junto ao governo provincial,

constatamos que os políticos do Litoral Norte do RS não conseguiram despontar como

140 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1850. 141 Sobre a atividade política dos litorâneos, ver duas obras indispensáveis: BARROSO, op. cit. (1979) e RAMOS, Eloísa Helena Capovilla da Luz. O Partido Republicano Rio-Grandense e o Poder Local no Litoral Norte do Rio Grande do Sul – 1882/1895. Porto Alegre, 1990. Dissertação [Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 1990.

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um grupo de pressão que se fizesse representar de maneira impositiva junto à

província. Esta ineficiência política envolve tanto nacionais quanto colonos alemães, os

quais foram incapazes de reivindicar e concretizar grandes projetos no litoral.

O terceiro aspecto que consideramos relevante são os regulamentos internos

das câmaras municipais, normalmente formulados e registrados nas posturas destes

órgãos. Dentre vários, selecionamos um que especifica como e em que tempo a pesca

no rio Mampituba é liberada. A escolha desta normatização poderia indicar uma opção

por algo muito simples ou comum, no entanto, pela documentação pesquisada, a

consideramos importante, principalmente por inserir-se num cenário onde a pesca

constituía-se num componente suplementar à dieta dos moradores locais. O

administrador da colônia das Torres, Tenente Cel. Francisco de Paula Soares, num

relatório de 1830, já apontava para a abundância de peixes naquela região.142 Por

certo, o responsável pela instalação dos colonos em seus lotes agrícolas previu que a

pesca viria a ser uma atividade a mais na vida dos imigrantes.

142 AHRS – Colonização – Lata 298 – Maço 72 –1830. Outros autores também reportaram-se à “indústria” da pesca no rio Mampituba. Bastos informa que tão logo foi fundado o Presídio das Torres, famílias de Santa Catarina mudaram-se para o lado rio-grandense, desenvolvendo a atividade pesqueira. Roquette-Pinto, ao perambular pelo Litoral Norte do RS no início do século XX, fez menção à “indústria” do bagre nas proximidades de Tramandaí. Ver: BASTOS, Manuel E. Fernandes. Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. A Colônia de Três Forquilhas. In.: Revista do Museu Júlio de Castilhos e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial, n.8, p.5-17, 1957 e ROQUETTE-PINTO, Edgard. Relatório da Excursão ao Litoral e à Região das Lagoas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1962.

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Do regulamento selecionado, optamos por verificar como os colonos aceitaram

esta imposição por parte da câmara municipal. Em 1854, Santo Antônio da Patrulha

manifesta-se contra um colono católico, Antonio Francisco de Emerim, que é chamado

pelo juiz de paz Ricardo Ferreira Porto de “o mentiroso alemão”.143 O crime praticado

pelo colono foi ter infringido as normas que permitiam a pesca no rio Mampituba.

O comportamento desse colono remete-nos ao tipo de alimentação que os

moradores, de um modo geral, tinham em suas mesas. A dieta, formada por farinhas e

complementada por aquilo que conseguiam colher em suas hortas, necessitava de

carne de boi, porco ou galinha, nem sempre disponível em razão do seu alto custo.

Assim, a pesca gratuita e acessível tornava-se uma prática recorrente, oportunizando

ao colono incrementar a sua alimentação.

Este assunto era de uma relevância para a comunidade torrense, tanto que, logo

após a emancipação de Conceição do Arroio, a câmara desta municipalidade

encaminha novo regulamento de pesca no rio Mampituba, em 1861.144 Por um

determinado período, proíbem a pesca, impondo aos infratores primários das normas

estabelecidas a multa de trinta mil réis. Os reincidentes seriam multados pelo dobro do

valor e permaneceriam trinta dias na cadeia.

143 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1854. 144 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1861.

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O rigor das multas e a possibilidade de prisão atestam o cuidado com que a

câmara tratou este assunto. As punições tinham como objetivo evitar a escassez de

peixes, ocasionada por uma pesca sem controle, principalmente na época das desovas.

Consideramos o exemplo citado rico em detalhes, pois permite -nos vislumbrar que as

relações entre o poder instituído e os moradores nem sempre se davam de forma

submissa por parte daqueles que deveriam obedecer às normas legais e respeitá-las. E

mais, estes elementos apontam para a disputa dos poucos recursos locais, realmente,

para um colono pobre, cuja alimentação era fruto de trabalho pesado, seria difícil

convencê-lo de que não poderia pescar quando bem entendesse. Ainda, no que diz

respeito à historiografia a qual difundiu a idéia de um colono trabalhador e respeitador,

que não se envolvia em situações perturbadoras, o Emerim, de Torres, representando

seus pares, não se enquadra no falso estereótipo que propagaram.

O quarto aspecto destacado, a produção de gêneros agrícolas, é um dos itens

mais importantes que encontramos na documentação.145 O alimento produzido, além de

145 Sobre o tamanho e a diversidade da produção das propriedades agrícolas de Santo Antônio da Patrulha, recomendamos o censo de 1784/85, que se encontra no AHRS. Através daquela compilação de dados, é possível traçar paralelos e comparar o tamanho das propriedades, constatando que os imigrantes alemães não foram os primeiros a plantar em pequena propriedade rural. Como exemplo, destacamos quatro entrevistados do censo: Joaquim Jose de Azevedo, proprietário de um pequeno terreno, comprado a Antonio da Silveira Godal, o qual comprou a Manuel Gonçalves dos Santos, tendo lavoura, 6 gados, 2 bois e 4 cavalos; Manuel Nunes Benfica, proprietário de uma fazenda de 2 ½ léguas de comprido e 1 ½ de largura, comprada ao Cap. Manuel Fernandes Vieira, que a havia comprado ao Ten. Manuel de Abreu conforme sesmaria. Não tem lavoura. Possui 1.000 gados, 50 bois, 40 cavalos, 300 éguas, 20 potros, 30 burros e 4 mulas; Manuel da Costa, proprietário de um sítio, nas terras de Manuel Gonçalves Ribeiro, tendo lavoura, 20 gados (reses e cavalos mansos) e 4 cavalos; e Manuel Dias, proprietário de um sítio de 120 braças de frente e o mesmo de fds. Concedido por despacho do Gov. Veiga em 8/6/1781, tendo lavoura, 20 gados, 2 bois, 3 cavalos. Como referência bibliográfica sobre

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suprir a casa, era comercializado quando houvesse comprador ou condições para

transportá-lo até um mercado determinado. Em 1862, a câmara de Conceição do Arroio

expede um relatório elencando os diversos gêneros agrícolas produzidos naquele

município. Dos que citaram, apontamos: aguardente de cana, açúcar, rapaduras,

farinha de mandioca, feijão, milho, arroz, trigo, amendoim, cevada e centeio.

Da relação acima, fazemos a seguinte consideração: os gêneros agrícolas são

listados linearmente, o que significa que, aparentemente, não fizeram distinção entre os

produzidos pelos nacionais e os plantados pelos colonos em suas propriedades. Isso

demonstra uma homogeneização da produção agrícola, resultado de um aprendizado

compartilhado. Mariseti Lunckes destacou que, quando os imigrantes chegaram às

Torres, em 1826, havia naquele local uma população de mais ou menos quatrocentas

pessoas.146 Dessa maneira, foram eles que ensinaram aos colonos o que e como

o censo, citamos RÜDIGER, Sebalt. Colonização e Propriedade de Terras no Rio Grande do Sul: Séc. 18. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1965, que destaca a ordenação do Vice Rei para que procedessem o levantamento geral das posses de terras e gados e os dados que deveriam ser coletados junto aos entrevistados e o texto dos historiógrafos do AHRS, MIRANDA, Marcia Eckert e MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Nota Descritiva da Sociedade e da Economia da Freguesia de Santo Antônio da Patrulha – 1785: Santo Antônio, Lombas, Conceição do Arroio e Vacaria. In.: BARROSO, QUADROS & BROCCA, op. cit. (1996; p.165-179). Para efetuarmos uma comparação com as propriedades que os imigrantes receberam do Império, faz-se necessário salientar que as colônias possuíam, em média, 100 braças de frente e 800 a 1.600 de fundos Cf. ELY e BARROSO, op. cit. (1996; p.166-167). Ao estabelecermos as semelhanças e as diferenças, desmistificamos a idéia defendida por uma historiografia que exalta o trabalho alemão, dando a ele características de civilidade. Não sabiam eles que os colonos tiveram que aprender com os nacionais como e o que plantar para sobreviver. Cf. Bastos, “Effectivamente, não foram aquelles caboclos atrevidos que ensinaram a elles, colonos inexperientes, como se botava uma coivara em plena floresta? E quem lhes ministrou os primeiros conhecimentos sobre a plantação da cana? Quem lhes armou as moendas da engenhoca e lhes fez conhecer o ponto da garapa picada para o fabrico da aguardente, e o do melado e o da rapadura?” BASTOS, Fernandes. Noite de Reis. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1935. (p.33). 146 Cf. LUNCKES, op. cit. (1998).

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plantar. É por isso que, tão logo receberam os seus lotes, cultivaram a cana-de-açúcar

e produziram aguardente e açúcar, hábitos que não lhes eram comuns nas regiões da

Alemanha de onde vieram.

E, por último, o quinto aspecto relaciona-se com a naturalização dos

estrangeiros. Em 1853, a câmara de Santo Antônio da Patrulha escreve ao presidente

da província comunicando que recebeu uma portaria regulamentando a naturalização

dos colonos de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas.147 Curiosamente, há uma

ressalva nesta documentação, alertando que a possibilidade de tornarem-se cidadãos

brasileiros está restrita aos membros daquelas colônias.

Significativa é a demora com que os colonos irão reivindicar este direito, disposto

no decreto n. 397 de 3 de setembro de 1846. A câmara de Conceição do Arroio

responde ao presidente da província, em 1866, comunicando-lhe que somente um

colono, Cornelio Jacob, “declarou querer naturalizar-se”.148 Isso evidencia o quão

moroso foi este processo, reivindicado, em grande escala, somente com a proximidade

147 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras - Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1853. 148 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 56 – Conceição do Arroio – 1866. No fundo documental Requerimentos, localizamos a solicitação deste colono, em que expressa seu desejo de naturalizar-se. Neste documento, há uma pequena descrição da sua trajetória de vida: “Cornelio Jacobs, alemão de 47 anos de idade, casado com brasileira, vindo de dez anos de idade para a colônia de São Pedro de Alcântara em companhia de seus pais que vieram como colonos, onde residiu até o ano de 1848 e hoje residente no distrito de Maquiné...”. AHRS – Requerimentos – Naturalização - Maço 112 – 1864. Além deste colono, Henrique André Müller, de Torres, solicitou naturalização em 1874, portanto, dez anos após a de seu comparsa de Maquiné. AHRS – Requerimentos – Naturalização – Maço 183 –1874.

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da República. Ao contrário, em outras localidades, como Nova Petrópolis, Rio Pardo,

Santa Cruz e Santo Ângelo, a década de 1860 anuncia-se como um dos momentos em

que houve um despertar para a requisição da cidadania por parte dos “estrangeiros”.149

Constatamos, assim, que há uma lacuna entre a década de 1860 até a de 1880,

quando os “estrangeiros” recomeçam a requerer carta de naturalização. É notória a

manifestação de Santo Antônio da Patrulha, em 1887, quando consulta o presidente da

província, perguntando-lhe se tem competência para distribuir cartas de naturalização.

O motivo de tal indagação, segundo a câmara municipal, está no fato de que:

“muitos desses subditos que desejam servir a causa de nossa pátria, pela deficiência de recursos pecuniários, não podem fazer uma viagem deste termo a Porto Alegre, para a requererem.” 150

A consulta da câmara de Santo Antônio da Patrulha é pertinente à medida que

desvela o interesse que a naturalização despertou nos “estrangeiros”. Foi preciso que

transcorresse praticamente toda a segunda metade do século XIX para que,

paulatinamente, as pessoas tomassem conhecimento deste recurso que lhes abriria as

portas da cidadania brasileira.151 Isto nos leva a pensar na divulgação da lei que

149 Deparamo-nos, no AHRS, com um número significativo de solicitações neste período: Requerimentos – Maços 98, 100, 105 e 123. 150 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 157 – Maço 230 – Santo Antônio da Patrulha – 1887. 151 Tramontini relativiza a “cidadania” concedida aos estrangeiros, pois, “... para o governo imperial o colono ‘alemão’ é um estrangeiro principalmente quando se trata de afirmar seus direitos políticos, mas é um ‘nacional’ quando é recrutado para as forças imperiais nas campanhas platinas. Enquanto os colonos reafirmam sua diferença como força política para enfrentar pressões e fazer reivindicações, mas se

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concedia a naturalização aos “estrangeiros”. Os dados empíricos analisados revelam

uma morosidade surpreendente na sua divulgação, o que nos deixa dúvidas sobre a

real intenção do governo em conceder naturalização aos “estrangeiros”.

A documentação analisada demonstrou, de um lado, como as autoridades

provinciais enxergaram o Litoral Norte do RS e, de outro, como as câmaras municipais

expressaram as suas reivindicações e descontentamentos. Do interior dessa relação,

surgiu um mundo onde o conceito de dinâmica pode ser usado para demonstrar como

os grupos envolvidos nesta teia dialogavam. Parece-nos plausível a afirmação de que

os litorâneos não encontraram outra maneira de buscar “socorro” para a resolução dos

seus problemas a não ser através do “choro político”. A tentativa de resolver os

impasses diários envolvia negociações e interesses desiguais, em que forças políticas

eram medidas, representadas pelas figuras do presidente da província e dos chefes

locais. Como já dissemos, estes personagens enquadravam-se numa ordem

estabelecida, regida, também, por uma legislação eleitoral. Como os momentos mais

tensos destas relações ocorriam no tempo das eleições, veremos, em seguida, como

colocam como ‘iguais’ quando falam do direito à posse de terras e de escravos.” (p.240). Ver: TRAMONTINI, Marcos Justo. Diferença Como Isolamento ou Como Demarcação de Espaço Político: Os Primeiros Anos da Colonização. In.: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, PUCRS, n.1, v.XXVI, p.235-246, jul. 2000b. Enumeramos somente os maços de requerimentos de naturalização localizados no AHRS. Por não ser o intuito da pesquisa, não os transcrevemos. Consideramos importante elencá-los a fim de que outros interessados tenham acesso a este material. AHRS – Requerimentos – Naturalização - Maços 206, 231, 232, 243, 244, 254 e 255. Ressalta-se que todos estes requerimentos são da década de 1880.

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nacionais e colonos alemães comportaram-se frente à legislação eleitoral do século

XIX.

2.2 O Regime Eleitoral no Império

Ao abordarmos o regime eleitoral no Império, defrontamo-nos com os temas

coronelismo, poder local, clientelismo, entre outros. O objetivo deste texto é desvendar

o funcionamento da engrenagem eleitoral para, a partir desta compreensão,

analisarmos como as forças locais relacionaram-se com este mecanismo de coerção

política.

Conforme Maria de Lourdes Janotti, “o autoritarismo local, mais a força eleitoral,

fazem com que já se identifiquem várias atividades tipicamente coronelísticas, nos

inícios do segundo Reinado”.152 Concordamos com a autora, uma vez que a

documentação pesquisada nos arquivos histórico e público do Rio Grande do Sul

152 JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. O Coronelismo: Uma Política de Compromissos. 8.ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. (p.20).

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demonstrou inúmeras situações em que prevaleceram a ordem e a vontade do chefe

local.153

Podemos agregar ao pensamento de Janotti os trabalhos de Maria Sylvia de

Carvalho Franco e Helga Piccolo. Para a primeira, as relações entre o homem pobre

livre e o fazendeiro são estabelecidas através de um mecanismo denominado

“compadrio”. A autora contempla o período imperial, apontando para uma situação

desigual possível à medida que um é submisso ao outro. Nesse caso, o “afilhado”, que

pode ser um sitiante, recebe favores do seu “padrinho”, este quase sempre um

fazendeiro com posses suficientes para arregimentar um séquito de fiéis colaboradores.

Os préstimos que o subordinado recebe serão devolvidos nas eleições em forma de

voto, expressão máxima da devoção que este tem para com o seu “padrinho”.154

153 Cf. JANOTTI, op. cit. no período regencial as lutas políticas ocorreram em torno do princípio da autonomia provincial e municipal. As diversas revoltas que eclodiram pelo Brasil, neste período, atestam a afirmação da autora e, mais do que isto, inserem o Rio Grande do Sul nesta disputa, tendo como marco principal a Revolução Farroupilha. 154 Consideramos relevante citar um depoimento que FRANCO coletou: “Nas palavras do fazendeiro entrevistado: ‘se os sitiantes da redondeza estavam em dificuldades ou queriam comprar um pedaço de terra, emprestavam dinheiro de meu pai; em compensação esta gente sempre o acompanhava, eram seus eleitores ou seus cabos, pois ele era o chefe conservador da zona.’” Deste depoimento, a autora conclui: “Aí está a extensão da influência do fazendeiro sobre seus sitiantes: a dependência em que estes se encontravam tornava inelutável a fidelidade correspondente. Sua adesão em troca dos benefícios recebidos é tão automática que nem sequer são tomadas medidas que assegurem seu voto...”. (p.80). Destacamos, contudo, que as relações de compadrio estavam inseridas na esfera do poder local, que, por sua vez, se vinculava às eleições. Sobre o comprometimento dos votantes e eleitores com os chefes locais, sobretudo na época das eleições, a comissão de constituição que analisou a reforma eleitoral de 1855 expressou o seguinte: “... porque se atualmente os votantes e eleitores cedem às influências locais, estas, por seu lado, tendo de manter uma certa harmonia com os homens importantes de outras localidades, e mais que tudo da capital da província, visto que só por si não podem fazer a eleição, são por isso mesmo menos imperiosas e desabridas do que hão de ser desde o momento em que, com a divisão da província em distritos eleitorais, tiverem consciência de que

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Para a segunda autora, que analisa o desenvolvimento dos partidos conservador

e liberal no Rio Grande do Sul, as disputas políticas estavam polarizadas entre estas

duas agremiações, havendo constantes conflitos entre elas, quer em nível “nacional”,

provincial ou local. O desapego e a contrariedade à centralização integravam as

manifestações do partido liberal, o qual desejava um governo mais autônomo para o

Rio Grande do Sul.155

Tanto Janotti como Piccolo remetem-nos às eleições. Especificamente sobre o

regime eleitoral, faz-se necessária uma retrospectiva a fim de visualizarmos as

modificações que foram ocorrendo na legislação. Segundo Rodolpho Telarolli, a

primeira constituição brasileira, de 1824, instituiu o regime das eleições indiretas.

Profundamente limitada era a participação dos brasileiros neste tipo de votação. Em

primeiro lugar, o direito ao voto nas assembléias paroquiais ficava restrito a quem

tivesse renda líquida anual acima de 100$000, nas quais iriam eleger os eleitores.

Estes, por sua vez, deveriam ter renda líquida anual de 200$000 para poderem votar

nos deputados, senadores e membros dos conselhos de província. Em virtude dessa

nas suas mãos está a sorte da eleição do respectivo distrito, e de sua vontade absolutamente depende o resultado dela: a opressão será mais intolerável, e o vexame do povo crescerá na razão da eficácia que adquirirem com a nova ordem de coisas essas influências locais, tão pouco ilustradas, como eram dantes; porém agora mais violentas, porque sacodem o jugo das reservas e contemplações que a necessidade do apoio de influências estranhas ao seu círculo lhes impunha.” (p.221-222). Ver: FRANCO, op. cit. e PINTO, op. cit. 155 Cf. PICCOLO, op. cit. (1974) & PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. O Sistema Político Imperial e a Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. In.: Anais do III Simpósio da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978. (p.141-152).

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exigência, a participação se restringia aos que dispunham de renda, consolidando-os

num grupo seleto.156

Em relação à participação dos imigrantes nesse tipo de eleição, Piccolo

esclarece-nos que, pela lei, os estrangeiros naturalizados poderiam exercer este direito

junto às câmaras municipais. Entretanto, pela restrição do valor da renda líquida anual

apontada acima, a grande maioria dos colonos acabava não tendo acesso ao maior e

melhor recurso em que poderia apresentar suas reclamações e descontentamentos.

Sobre este fato, Piccolo afirma que:

“As eleições pelo texto da Carta, [de 1824] eram indiretas (art. 90), tendo voto nas eleições primárias (art. 91) os cidadãos brasileiros que estivessem no gozo de seus direitos políticos e os estrangeiros naturalizados. Mas a participação política dos imigrantes, no momento em que fossem cidadãos brasileiros, portanto, naturalizados, ainda assim seria bastante limitada por causa da renda”. 157

Por sua vez, os imigrantes que, extraordinariamente, conseguiam transcender a

limitação da renda tinham uma alternativa para manifestarem-se. Ainda, conforme

Piccolo, todos os votantes nas assembléias paroquiais poderiam ser eleitos para

vereadores, tendo como condição para isso residirem, no mínimo, há dois anos no

156 Cf. TELAROLLI, Rodolpho. Eleições e Fraudes Eleitorais na República Velha. São Paulo: Brasiliense, 1982. (p.12). 157 PICCOLO, op. cit. (1978; p.143).

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termo. Dessa forma, “estrangeiros naturalizados brasileiros e acatólicos tinham

possibilidades de participação a nível municipal, onde as eleições eram diretas.” 158

Após 1824, o Império realizou algumas adequações no regime eleitoral, visando

manter a centralização e garantir, assim, o poder sobre as províncias. Em 1840, o

governo central, através da lei de Interpretação do Ato Adicional, ampliou sua jurisdição

sobre os municípios. Uma das medidas adotadas foi cercear o poder do juiz de paz,

encarregando novos funcionários para funções que anteriormente estavam atribuídas a

este “funcionário da confiança dos senhores locais”.159 Sendo assim, parece-nos

evidente a idéia de que, na segunda metade do século XIX, o Império tentou estender a

sua autoridade, impondo às províncias uma série de leis que tentavam regular e

restringir a atuação dos chefes locais, principalmente os de maior envergadura.160

De 1840 a 1881, houve uma série de leis que trouxeram novos aspectos às

eleições, no entanto nenhuma delas foi tão significativa quanto as que ocorreram na

década de 1880. À medida que os debates pró-república aumentavam, fazendo-se

ouvir por todo o Império vozes que cantavam o seu descontentamento com a

monarquia, o governo central teve que afrouxar as rédeas do poder e conceder

algumas benesses na forma de lei. Estas concessões alcançaram o regime eleitoral e,

158 PICCOLO, op. cit. (1978; p.144). 159 JANOTTI, op. cit. (p.22).

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em 1881, a lei n. 3.029 conquistou, definitivamente, o seu lugar. Do que foi expresso na

lei Saraiva, o mais importante é a institucionalização das eleições diretas, o que,

teoricamente, deveria ter permitido que inúmeros não-votantes pudessem exercer o

direito de comparecer às urnas. Todavia a referida lei ampliou para todos os eleitores a

renda líquida anual de 200$000 como um dos requisitos para a participação nas

eleições, o que continuava marginalizando a maior parte da população.

Richard Graham foi um dos que analisou a lei Saraiva e concluiu que havia se

tornado um aparelho jurídico e eleitoral discriminador, pois não aumentou o número de

votantes. Ao contrário, reduziu os eleitores a um grupo seleto, marginalizando os

menos favorecidos que não conseguiam comprovar a renda líquida de 200$000.

Segundo o autor, a lei foi criada, justamente, para excluir a “massa” do processo

eleitoral. O motivo que teria levado os grupos dominantes a optarem por uma nova

legislação foi o medo ocasionado por uma iminente libertação dos escravos. Os

escravocratas não acreditavam que recém libertos e analfabetos poderiam escolher os

seus governantes. No entendimento daqueles homens, além do perigo de uma revolta

social, seria demasiado arriscado permitir que “o povo” escolhesse os futuros dirigentes

e legisladores do Brasil. O voto poderia ser destinado às pessoas erradas, que, sob a

sedução do poder, correriam o risco de inverter a ordem social, isto é, retirar os

160 Cf. GRAHAM, op. cit. (p.79), a reforma do Código Penal, em 1841, trouxe mudanças significativas para a atuação dos juízes: adicionou poderes aos de direito e transferiu parte do poder dos juízes de paz para os delegados e subdelegados.

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privilégios dos ricos e poderosos e distribuí-los aos pobres. Nas palavras do próprio

autor:

“A lei eleitoral de 1881 reduziu o número daqueles que votavam de um milhão para cerca de 150 mil pessoas, ainda que curiosa – e sintomaticamente – essa lei tenha sido mal interpretada, na época e mais tarde, como uma medida democrática, aclamada como uma grande vitória do esclarecimento e da liberdade.” 161

Herbert Klein também concluiu que houve um decréscimo no número de

eleitores, afirmando que:

“Apesar de Joseph L. Love (1970) haver argumentado que os eleitores pós-1881 eram iguais em número aos eleitores diretos pré-1881, isso é provavelmente um exagero, dada a eliminação dos analfabetos e as definições muito mais restritivas de propriedade. Pelos meus cálculos, os eleitores de segundo grau formavam 4% da população total antes de 1881, enquanto Love admite, mais tarde, que esse índice era menos de 1% da população total.” 162

E quanto aos imigrantes, o que esta lei trouxe de novidades? Piccolo responde-nos, acrescentando que:

“Em 1881, uma lei geral, teve para o elemento de origem estrangeira um grande significado. A reforma eleitoral consagrada na Lei Saraiva, outorgou aos acatólicos e naturalizados (e também libertos) uma ampla igualdade política. A todos os teuto-brasileiros ficou assegurada a possibilidade de se elegerem senadores e deputados e foram-lhes abertas as portas para altos cargos na administração civil e militar. A

161 GRAHAM, op. cit. (p.242). 162 KLEIN, op. cit. (p.542).

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conquista desta igualdade política fora um dos objetivos de von Koseritz e Silveira Martins.” 163

Como vemos, a lei Saraiva teve para o imigrante uma importância significativa,

permitindo-lhe exercer um dos direitos que há muito tempo reclamava. A garantia deste

direito culminou com a eleição de cinco deputados teuto-brasileiros para o legislativo

gaúcho, ainda no Império.164 A imediata adesão à política demonstra o grau de

ansiedade deste grupo em exercer e ocupar o seu lugar junto aos demais setores da

sociedade rio-grandense. Isso reforça o fato de haver uma articulação política entre os

imigrantes e seus descendentes, mesmo que a maior parte deles não pudesse exercer,

na prática, o ato de serem votantes e votados para a assembléia legislativa provincial.

Com a proclamação da república, em 1889, foi instituído o sufrágio universal,

eliminando, praticamente, todas as restrições que impediam o acesso ao voto. No

entanto as mulheres e os analfabetos ainda foram excluídos, não sendo, portanto, o

sufrágio tão universal quanto parecia. Este alargamento da participação eleitoral

permitiu e exigiu que se criasse uma gama maior de votantes, o que possibilitou aos

coronéis um aumento na prática da cooptação na forma de necessidade, uma vez que

alguém precisava guiar e controlar a “massa” de eleitores na hora da votação. Assim,

quanto maior o número de votantes, maior a chance dos coronéis de terem o seu poder

163 PICCOLO, op. cit. (1978; p.150). 164 Cf. MOTTER, op. cit. (1999).

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aumentado naquela região.165 Este foi um dos elementos que permitiu aos coronéis se

destacarem a partir da República, transformando-se em personagens centrais quando o

assunto era eleição.

Com a consolidação do poder coronelístico, as eleições passaram a ser alvo de

importantes disputas locais, em que as fraudes institucionalizaram-se de tal forma que

fraudar tornou-se um dos componentes essenciais para a garantia da vitória. Essa

prática já era recorrente no Império. Em 1860, a câmara municipal de Conceição do

Arroio escreve ao presidente da província relatando as inúmeras irregularidades

praticadas nas eleições paroquiais de São Domingos das Torres, sendo que a mais

grave, com certeza, diz respeito à atitude do Tenente Cel. Comandante do Corpo da

Guarda Nacional, Joaquim Antonio de Souza Netto, que:

“estabelecendo o quartel de seu comando em frente a igreja matriz daquela freguesia e por seus oficiais subalternos e inferiores fez vir no dia 7 a sua presença todos os guardas com os seus ascendentes para lhe entregarem as cédulas que traziam e receberem outras de sua mão caçando por esta forma a liberdade do voto...”.166

Desse episódio, destacamos dois aspectos principais: o primeiro diz respeito ao

poder exercido pelo Tenente Cel. Joaquim Antonio de Souza Netto, comandante do

165 Isto deve-se ao fato de que o Coronel era o articulador dos votos, o mediador entre o governo provincial e os votantes. Ver: FRANCO Apud TRINDADE, Hélgio. Aspectos Políticos do Sistema Partidário Republicano Rio Grandense (1882-1937). In.: DACANAL, José Hildebrando & GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. (p.119-191). (p.124). 166 AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1860.

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Corpo da Guarda Nacional. Ao estabelecer sua tropa em frente à igreja, demonstrou a

sua força e determinou de que forma ocorreria aquela votação. Inúmeras situações já

demonstraram que, quando um homem recebia um título da Guarda Nacional, isto lhe

conferia uma aura de poder, usada, normalmente, em seu próprio benefício ou para

garantir a vitória do seu partido. O texto de Uricoechea responde suficientemente às

nossas indagações a este respeito, constituindo-se num dos melhores trabalhos sobre

a Guarda Nacional. Para o autor, no período do pós-guerra, isto é, após 1865/70, a

Guarda Nacional passa a ter outra função, ou uma a mais: garantir a vitória nas

eleições do partido que está no poder, mesmo que para isto o Comandante da Guarda

Nacional, revestido do seu poder, tenha que abusar da sua autoridade, corrompendo o

sistema eleitoral. O caso que apresentamos, mesmo tendo ocorrido em 1860, corrobora

a afirmação do autor. Lamounier, ao tratar de assunto semelhante, faz a seguinte

colocação: “... sob o império, a máquina policial esteve sempre dominada pelo espírito

partidário.” 167 Outro recurso utilizado pelos que detinham algum título desta corporação

era o de defender-se de algum crime praticado, caso que exemplificamos com o

assassinato do juiz municipal de Santo Antônio da Patrulha, Antonio de Pádua Hollanda

Cavalcanti, ocorrido em Lagoa Vermelha, no ano de 1870. Ora, o principal suspeito era

Capitão da Guarda Nacional, título este que lhe serviu para intimidar a polícia local.

Curiosamente, o seu amigo e compadre, Athanasio José D’Oliveira, que emprestou os

167 Cf. URICOECHEA, op. cit. (1978a; p.248, 245-247) e LAMOUNIER, op. cit. (p.286).

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cavalos para os assassinos executarem o crime, denuncia-o por temer que a culpa

recaia sobre si, visto que não possuía nenhuma espécie de título.168

O segundo aspecto que destacamos, relacionado à fraude em São Domingos

das Torres, remete-nos ao próprio ato de fraudar, o qual, como já dissemos, era um

exercício integrante do processo eleitoral.169 A distância geográfica que havia entre a

sede da vila e os povoados, a mão inoperante e tendenciosa da justiça e uma força

policial minúscula e manipulada contribuíam para que os chefes locais determinassem o

andamento dos trabalhos, sobretudo quando estes relacionavam-se com as eleições.

Não caberia aqui elencar todos os documentos os quais localizamos nos arquivos já

referidos, que poderiam indicar a presença destes mecanismos do poder, normalmente

mais vitais e operantes do que as determinações que provinham do Império ou da

província. Todavia permitimo-nos afirmar que o cotidiano daquelas pessoas estava

muito mais próximo da vontade do líder local do que das determinações do Imperador

ou do presidente da província apesar de o chefe local articular-se com o poder

instituído.

168 AHRS – Polícia – Maço 32 – Santo Antônio da Patrulha – 1870. Sobre este mesmo fato, ver: BRANCO, Pércio de Moraes & WITT, Marcos Antonio. Novas Contribuições Acerca do Assassinato do Juiz Antônio de Pádua Hollanda Cavalcanti. In.: XI Encontro dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha : Raízes de Canela, 20 a 24 de maio 2000, Canela. (No prelo). 169 Cf. GRAHAM, op. cit. as fraudes constituíram-se num exercício integrante das eleições. No capítulo “O Poder de Coagir”, o autor demonstra inúmeras situações que ocorreram por todo o Brasil. Na maioria delas, a eleição estava sob o comando do chefe local mais poderoso, envolta numa disputa entre duas facções, ou mais, que desejavam ardentemente tomar o poder. (p.120-130). Além das fraudes, a violência integrava o processo eleitoral de tal modo que raramente se questionava o seu uso, pois amb os

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Interessante observar que os mecanismos fraudulentos, usados nas eleições

para a garantia da vitória, não são exclusivos do Rio Grande do Sul. Franco apresenta

dois exemplos em que a câmara de Guaratinguetá, SP, em 1856, descreve duas

situações fraudulentas. Na primeira, uma urna desapareceu e, na segunda, denuncia a

ação das “autoridades oficiais e oficiais da Guarda Nacional”, que estão coagindo o

voto livre.170 A citação destes dois casos demonstra que havia uma prática em relação

às eleições, em que o grupo mais forte, quando lhe era possível, usava de qualquer

artimanha para eleger o seu candidato ou confirmar a supremacia do seu partido.

Retomemos, agora, a análise da inserção dos imigrantes dentro deste debate.

Pela legislação eleitoral, os acatólicos foram alijados teoricamente do sistema eleitoral

até a promulgação da lei Saraiva, em 1881; os católicos já poderiam exercer o seu

direito desde que tivessem se naturalizado. Porém, como demonstrou Piccolo, a maior

parte dos imigrantes estava confinada à marginalidade em função da renda

estabelecida para a participação nas urnas. Analisando o comportamento deste grupo

junto aos nacionais do Litoral Norte do RS, verificamos que, embora fossem tolhidos do

direito de votar, exerceram, sim, uma prática política, dinamizada, basicamente, de

duas formas.

os lados valiam-se deste “recurso” para garantir a vitória do seu partido. Como diz o autor: “A violência – de um lado ou do outro, real ou apenas como ameaça – não ia contra o processo eleitoral, mas constituía parte essencial dele.” (p.166). 170 FRANCO, op. cit. (p.81).

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Os colonos que conseguiram se destacar, dentre os quais os Voges e os Raupp,

citando somente dois casos para exemplificar, mantiveram-se interligados com os

nacionais que efetivamente exerciam a prática política. O Major Adolpho Felippe Voges

era chefe do partido liberal em Três Forquilhas, comunicando-se com os líderes de

Cima da Serra, Torres, Conceição do Arroio e Santo Antônio da Patrulha. Os Raupp,

talvez a família de imigrantes mais abastada de Torres, logo no início embrenharam-se

na política, ocupando diversos cargos desde a emancipação de Torres em 1878.

Por outro lado, temos que lembrar da maioria dos colonos que não conseguiram

um lugar de destaque no cenário litorâneo, permanecendo na dependência de um

favor, solicitado quando necessário, a um “colega” exponencial. Com isso, queremos

dizer que havia um sistema de representação entre os colonos, certamente não escrito,

mas exercido no dia-a-dia, quando a necessidade obrigasse um contato entre aquele

que mal sabia expressar-se em português e o outro, capaz de resolver o problema do

seu par. Vislumbramos, neste tipo de relação, uma troca constante, caracterizada pela

responsabilidade recíproca, ou seja, a parte beneficiada com a realização de um favor

ficava compromissada com quem havia resolvido o assunto pendente.

Podemos deduzir, então, que a imbricação entre os colonos exponenciais e a

grande maioria que havia permanecido sem conquistar um lugar de destaque

funcionava como uma engrenagem de representação e, ao mesmo tempo, de

subordinação, em que um dependia do outro para manter-se na sociedade da época,

sendo que isso se constituía na base da força do chefe local. Da mesma forma, os

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nacionais e os colonos, através das relações estabelecidas ao longo dos anos, levados

por uma situação econômica e política que os impulsionava ao entendimento para

resolverem os seus problemas básicos, como estradas, transportes, pagamento de

impostos, entre outros, participaram ativamente deste mundo dinâmico, que vimos

demonstrando até este momento.

Vislumbramos, com este subcapítulo, o funcionamento da engrenagem eleitoral

no Império. O enfrentamento entre as forças locais e o desejo da centralização por

parte da política imperial marcaram essencialmente as últimas duas décadas do

Império. Mesmo que tenha sido um período atribulado, em que se discutiram questões

vitais como o fim da escravidão e os ajustes necessários na legislação eleitoral para

que a “grande massa” não dispusesse de direitos plenos, capazes de reverter a ordem

social, algumas concessões foram feitas, como a lei Saraiva. Concordamos

parcialmente com Piccolo quando afirma que a participação dos colonos na política

teria sido restrita devido, principalmente, ao alto valor da renda líquida anual, imposta a

quem quisesse se manifestar nos pleitos eleitorais, uma vez que os dados empíricos

(que serão trabalhados no capítulo 3) denunciaram uma prática política em nível

municipal significativa entre os colonos alemães do Litoral Norte do RS. De imediato,

passaremos a analisar a historiografia que abordou o poder local no Brasil e no Rio

Grande do Sul, verificando como as diversas correntes da história política dialogam

entre si.

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2.3 O Poder Local na Historiografia

Conforme o que expomos na introdução deste trabalho, abordaremos em

subcapítulo separado a historiografia que estuda o poder local com o intuito de

aprofundar o debate em torno deste tema. Esta análise não estaria completa se não a

enfocássemos no tempo do Império e da República, uma vez que estes “tempos” se

complementam. Para tanto, optamos por autores que têm se debruçado sobre a

política, explorando suas tendências e posicionamentos.

Em termos de Brasil e Rio Grande do Sul, diversos autores têm contemplado o

tema política em suas obras.171 No que se refere ao Litoral Norte do RS, percebemos

uma carência de trabalhos, havendo uma lacuna historiográfica a ser preenchida,

especialmente sobre as relações estabelecidas entre os nacionais e os colonos

alemães.

A carência historiográfica sobre a política no Litoral Norte do RS pode ser

entendida se considerarmos as especificidades da região. Como contraponto à posição

geo-política do litoral, impõem-se Porto Alegre, capital e centro político da província,

171 Como bibliografia básica, podemos citar: CARVALHO, José Murilo de. Teatro de Sombras: A Política Imperial. São Paulo: Vértice, Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988; LOVE, op. cit. (1975); LOVE, Joseph L. O Rio Grande do Sul como Fator de Instabilidade na República Velha. In.: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. Estrutura de Poder e Economia (1889-1930). 4.ed. Tomo III. São Paulo: DIFEL, 1985. (p.99-122); MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: HUCITEC; Brasília: INL, 1987 e URICOECHEA, op. cit. (1978a).

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além de pólo exportador e importador, e os grandes políticos que tinham sua origem na

Campanha, onde estavam as extensas propriedades territoriais. O litoral, por sua vez,

não se impôs politicamente, o que lhe valeu, inclusive na historiografia, um “certo

esquecimento”. Foi a partir da década de 1990 que houve um retorno à história política

do Litoral Norte do RS, retorno este impulsionado, talvez, pelos Encontros dos

Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, dos quais já falamos, e pela

implementação dos Programas de Pós-Graduação de algumas universidades no Rio

Grande do Sul.

Este estudo contempla um período em que a política no Rio Grande do Sul

encaminha-se para o extremo do acirramento partidário entre conservadores e liberais e

a consolidação do Partido Republicano Riograndense, que, após tomar o poder, sob o

comando de Júlio de Castilhos, permanecerá governando praticamente até 1930. Com

isso, todas as estruturas político-partidárias estarão envolvidas, a partir das últimas

décadas do século XIX, numa disputa exacerbada, a qual resultará na Revolução

Federalista.172 O jogo de forças, inicialmente, entre conservadores e liberais e, mais

tarde, entre federalistas e republicanos, promoverá uma das guerras mais sangrentas

172 Usamos o termo Revolução cf. FÉLIX: “... uso da palavra revolução: uma categoria totalizadora utilizada para denominar o ocorrido política e militarmente que, enquanto revolução militar, não ocorrera. A Revolução Federalista de 1893 foi uma demonstração clara de guerra de guerrilha, de assaltos.” (p.179). Ver: FÉLIX, Loiva Otero. Imprensa, Revolução e Discurso: A Construção de Categorias. In.: RAMBO, Arthur Blásio & FÉLIX, Loiva Otero (Orgs.). A Revolução Federalista e os Teuto-Brasileiros. São Leopoldo: UNISINOS; Porto Alegre: UFRGS, 1995c. (p.179-185).

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que o Rio Grande do Sul já presenciou, caracterizada pelos antagonismos e violência

desmedida.

Os colonos não estiveram passivos frente a estes acontecimentos, envolvendo-

se, de forma direta ou indireta, neste processo de lutas e afirmações partidárias.173 Nas

colônias alemãs do Litoral Norte do RS, especialmente entre os evangélicos, pois

praticamente não temos estudos consistentes referentes aos católicos, a oscilação

entre conservadores e liberais e, posteriormente, entre federalistas e republicanos se

fará representar por inúmeras lideranças, as quais chamamos de “líderes locais” ou

“chefes locais”.

Para embrenharmo-nos neste assunto tão polêmico, faz-se necessário observar

a estrutura do poder local que perpassava o espaço litorâneo. Evidencia-se uma rede

composta de pequenos e médios chefes locais, os quais eram imprescindíveis para que

a engrenagem política funcionasse. Mesmo antes da proclamação da República, esta

máquina já operava a todo vapor, cristalizando-se com a tomada de poder pelo PRR.

Com isso, queremos justificar o fato de o recorte temporal - 1840/1889 –

compreender o II Reinado e abordarmos não somente a historiografia própria do

173 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Últimos Combates Maragatos no Litoral. In.: ELY & BARROSO, op. cit. (1999c; p.447-450) e BASTOS, op. cit. (1935).

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Império, mas também parte da que analisa o poder local e o coronelismo174 na

República. Entendemos que estes dois momentos, Império e República, não estão

dissociados, visto que as estruturas do poder local na sua maioria transpuseram o

período imperial e republicano, em especial a República Velha.175 No Império, os chefes

locais estavam articulados politicamente através dos partidos conservador e liberal, o

que nos leva a crer que a presença “coronelística” já se fazia sentir antes de 1889,

apresentando-se de maneira mais intensa a partir desta data. Como marco fundamental

da transição política do Império para a República, denota-se a lei Saraiva, de 1881, que

foi o divisor de águas na questão eleitoral. A lei ampliou, pelo menos teoricamente, o

174 Cf. QUEIROZ, “apesar da passagem do Império à República, a estrutura econômico-política persistia, e com ela persistiam os ‘coronéis’, apelação que datava já do Império. De onde vinha este título marcial? Haviam-se originado dos títulos da Guarda Nacional, criada pouco depois da Independência para defender a Constituição, auxiliar na manutenção da ordem prevenindo as revoltas, promover o policiamento regional e local. Todos os habitantes livres do país se integravam nos diversos escalões da Guarda Nacional; os chefes locais mais prestigiosos automaticamente ocupavam nela os postos mais elevados, eram os ‘coronéis’.” (p.155-156). Ver: QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Coronelismo numa Interpretação Sociológica. In.: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. Estrutura de Poder e Economia (1889 – 1930). 4.ed. Tomo III. São Paulo: DIFEL, 1985. (p.155-190). 175 Cf. MAGALHÃES, “o vocábulo coronelismo, introduzido desde muito cedo em nossa língua com acepção particular, de que resultou ser registrado como brasileirismo nos léxicos aparecidos do lado de cá do Atlântico, deve incontestavelmente a remota origem do seu sentido translato aos autênticos ou falsos coronéis da extinta Guarda Nacional. Com efeito, além dos que realmente ocupavam nela tal posto, o tratamento de coronel começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado... a Guarda Nacional nasceu a 18 de agosto de 1831, tendo tido o Padre Diogo Antônio Feijó por pai espiritual... durante quase um século, em cada um dos nossos municípios existia um regimento da Guarda Nacional. O posto de coronel era geralmente concedido ao chefe político da comuna... Eram, de ordinário, os mais opulentos fazendeiros ou os comerciantes e industriais mais abastados, os que exerciam, em cada município, o comando – em – chefe da Guarda Nacional.” (p.85) e QUEIROZ, “o coronelismo tem sido entendido como uma forma específica de poder político brasileiro, que floresceu durante a Primeira República, e cujas raízes remontam ao Império; já então os municípios eram feudos políticos que se transmitiam por herança – herança não configurada legalmente, mas que existia de maneira informal.” (p.155). Ver: MAGALHÃES Apud CARONE, Edgard. Coronelismo: Definição Histórica e Bibliografia. In.: Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, n.3, v.11, p.85-92, jul./set. 1971 & QUEIROZ, op. cit.

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número de votantes, comprometendo os “grandes líderes” a atuarem de tal forma que

os votos fossem direcionados ao seu partido.176

Iniciando o cotejamento à questão poder local/coronelismo, destacamos duas

correntes teóricas que trabalham com esta problemática. A primeira aponta a figura do

“coronel”,177 caracterizando-o como o grande proprietário de terras da Campanha, que

reúne seus peões e agregados e faz deles sua milícia particular e seus eleitores. A

segunda contempla o “coronel burocrata”, uma espécie de chefe local que não se

enquadra no estereótipo do latifundiário. Ao contrário, pode ser um pequeno ou médio

proprietário rural, o qual articula-se politicamente com o poder central – articulação esta

que lhe dá respaldo para tornar-se e atuar como “coronel burocrata” - fazendo valer as

suas determinações numa circunscrição específica. A principal diferença entre estes

dois personagens está na base que sustenta o seu poder. O “coronel”,

economicamente mais forte, usa dos seus recursos para, em alguns momentos,

levantar-se contra o poder instituído, enquanto que o pilar que dá sustentação ao

176 Em termos de legislação eleitoral no Império, a lei Saraiva foi o grande acontecimento da década de 1880. A sua criação está intimamente ligada ao fundamento da questão coronelística, ou seja, à medida que possibilitou o ingresso de novos agentes como eleitores, tornou-se ainda mais vital a necessidade de um controle sobre os que depositariam as cédulas nas urnas. Podemos dizer, inclusive, que a lei Saraiva foi o primeiro grande ensaio dos coronéis no exercício de vigiar e conduzir os eleitores na hora da votação, sendo que com o sufrágio universal a atuação desses homens junto aos seus “currais eleitorais” se agigantou, uma vez que agora praticamente todos os homens, com exceção dos analfabetos, tinham acesso às urnas. Como obra fundamental que trata deste mesmo assunto, ver: LEAL, op. cit. 177 Em contraposição ao “coronel burocrata”, Félix apresenta-nos diversos conceitos usados pela historiografia para caracterizar outros tipos de coronéis, como “coronéis maragatos”, “coronéis situacionistas”, “coronéis autênticos” e “coronéis tradicionais – liberais gaúchos”. Todavia a autora usa, para si, o conceito de “coronel” para contrapor-se ao de “coronel burocrata”. Ver: FÉLIX, Loiva Otero. As

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“burocrata” é a sua vinculação com a ordem, para a qual solicita os favores que irá

repassar aos seus afilhados.

O “coronel burocrata” pode ter como atividades econômicas o comércio, a

ocupação de cargos públicos e até mesmo a agricultura e/ou a pecuária. Neste caso,

devemos ressalvar que as duas teorias formuladas tomam em conta outras realidades

que não o Litoral Norte do RS, não instrumentalizando, assim, suficientemente os

dados empíricos de que dispomos. O espaço sobre o qual nos debruçamos tem

especificidades que não permitem que o enquadremos de imediato nestes dois

conceitos apresentados pela historiografia. Partimos da constatação de que não

estamos numa zona onde haja o predomínio de grandes propriedades de terra, o que

nos leva a recusar o conceito de “coronel”. Temos, isto sim, pequenas e médias

extensões territoriais, onde alguns proprietários estão ligados à burocracia através dos

cargos públicos e alianças políticas. Essa evidência nos aproxima do “coronel

burocrata”, embora não se enquadre perfeitamente no modelo de chefia local

encontrado no Litoral Norte do RS, uma vez que o fracionamento político ocorrido

naquela região permitiu o surgimento de uma chefia local onde encontramos nacionais

e colonos alemães disputando o poder por “migalhas”, isto é, pequenas benesses

capazes de os projetar politicamente frente aos demais. Somado a isso, o peso dos

conceitos de “coronel” e “coronel burocrata”, cristalizados na historiografia e literatura

Relações Coronelistas no Estado Borgista: Discussão Historiográfica. In.: Estudos Leopoldenses. [Série

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brasileira, faz com que imaginemos um grande líder, realidade diversa daquela que

pensamos para o litoral no século XIX.

A fim de aprofundarmos esta discussão, iremos explorar ainda mais os temas

“poder local”, “corone lismo” e “clientelismo”, destacando algumas das suas

características mais relevantes. Iniciamos esta imersão com uma citação de José Murilo

de Carvalho em que o autor relativiza a aproximação exclusiva do latifundiário com o

coronel, apontando para as diversidades deste tipo de chefia. Concordamos com

Carvalho, quando afirma que:

“da imagem simplificada do coronel como grande latifundiário isolado em sua fazenda, senhor absoluto de gentes e coisas, emerge das novas pesquisas um quadro mais complexo em que coexistem vários tipos de coronéis, desde latifundiários a comerciantes, médicos e até mesmo padres.” 178

A figura do coronel aparece sistematizada provavelmente pela primeira vez no

trabalho de Victor Nunes Leal.179 Para o autor, o que estão em jogo são o município e a

sua articulação com a burocracia estatal. Sua análise compreende um período muito

extenso, desde as câmaras coloniais até 1946, o que possibilita ao leitor uma ampla

História]. São Leopoldo: UNISINOS, n.127, v.28, p.67-85, maio/jun. 1992. 178 CARVALHO, José Murilo. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. In.: CARVALHO, José Murilo. Pontos e Bordados: Escritos de História e Política. 1. Reimpressão. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. (p.130-153). (p.133). 179 LEAL, op. cit. Para Lamounier, op. cit. “Coronelismo, enxada e voto é uma das primeiras, se não for de fato a primeira análise rigorosamente ‘sistêmica’ da política brasileira. Digo ‘sistêmica’ no amplo sentido que este termo assume na ciência política: uma análise que busca estabelecer as interconexões relevantes para a compreensão do que de fato ocorre no processo político.” (p.275-276).

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visão do tema que está sendo discutido. Da sua obra deriva a matriz da discussão do

conceito de coronel, sendo aceito pela maioria dos historiadores que trabalharam com

este tema como o “pai” da história política brasileira no que tange à formulação e

análise do coronelismo.

No desenvolvimento da pesquisa sobre a política brasileira, Raymundo Faoro180

dedicou-se ao seu estudo, destacando os conceitos de patrimonialismo e estamento

burocrático, os quais lhe deram suporte para localizar outra base de poder no Brasil que

não o latifúndio. Carvalho elucida a concepção de Faoro acerca dos conceitos acima

apontados, esclarecendo que:

“... O Brasil teria seguido a evolução de Portugal, que desde o século XIV se havia livrado dos fracos traços de feudalismo e implantado um capitalismo de Estado de natureza patrimonial. Aos poucos formou-se um estamento burocrático, instrumento de domínio do rei que se tornou independente do próprio rei. A colonização foi empreendimento capitalista-mercantilista conduzido pelo rei e por esse estamento. O estamento, minoria dissociada da nação, é que domina, dele saindo a classe política, a elite que governa e separa governo e povo, Estado e nação.” 181

Outro autor importante para o nosso tema é Sérgio da Costa Franco, formulador

do conceito de “coronel burocrata”. Conforme este autor, o PRR permitiu:

180 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. v. I e II. 13.ed. São Paulo: Globo, 1998. 181 CARVALHO, op. cit. (1999; p.141).

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“... a criação de uma figura nova e desconhecida na sociologia política brasileira: a do ‘coronel’ burocrata, chefe municipal às vezes sem fortuna e sem raízes locais, porém armado de extraordinários poderes de coação, e inteiramente submisso à Executiva do Partido e ao Presidente.” 182

Dando desenvolvimento ao conceito analisado por Franco, o brasilianista Joseph

Love analisou a consolidação da República, apontando as origens da revolução de

1930. A sua obra tem o grande mérito de relacionar a história do Rio Grande do Sul

com a do Brasil, mostrando que, mesmo sendo o estado mais meridional da República,

conseguiu aliar-se a políticos de outros estados e chegar ao poder com Getúlio Vargas.

Love, em sua análise, pactua com a figura do “coronel burocrata”, reportando-se em

sua bibliografia a Faoro e Franco. Para este texto, os dois primeiros capítulos do

“Regionalismo Gaúcho”183 são imprescindíveis, pois auxiliam na compreensão do

cenário rio-grandense pré-república.184

Loiva Félix, por sua vez, não comunga desta mesma idéia, optando pela figura

do “coronel de situação”. A autora questiona a abordagem historiográfica que Franco e

seus seguidores fazem do “coronel burocrata”, explicitando que:

“As publicações mais recentes, especialmente da última década, algumas bastante conceituadas, de historiadores, sociólogos e cientistas políticos, ao abordarem tangencialmente a questão do coronelismo gaúcho difundiram um conceito: o de coronel burocrata que

182 FRANCO, Sérgio da Costa. O Sentido Histórico da Revolução de 1893. In.: Fundamentos da Cultura Rio-Grandense. Quinta Série. Porto Alegre: UFRGS, 1962. (p.193-216). (p.215). 183 LOVE, op. cit. (1975). 184 O período que denominamos de “pré-república” limita-se ao II Reinado, recorte temporal deste texto.

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consideramos, no mínimo, altamente discutível em seu uso e generalização para todo o estado. Pretendemos demonstrar não ser condizente com o processo desenvolvido no estado sulino... Portanto, nosso segundo objetivo é promover a reflexão sobre esta visão estereotipada e funcional (burocrata) do coronel gaúcho, que não encontra amparo, pelo menos com absoluta segurança, para a relação de poder local/poder estadual desenvolvida na área que serviu de suporte legitimador e de manutenção do borgismo: a região serrana do Planalto Médio.” 185

Ao questionar a atuação do “coronel burocrata”, Félix demonstra por quais

caminhos direcionará sua obra, a qual tem o objetivo de verificar a articulação do

governo estadual com os grandes proprietários rurais. No entanto ela ressalta:

“... a impossibilidade de uniformizar o Rio Grande do Sul, onde o coronelismo funcionava diferencialmente: mais hierarquizado (e controlado pelo PRR) no planalto, e tendo que celebrar ‘mais compromisso’ na zona da campanha, especialmente no período republicano, quando a política local no planalto pesava na balança política estadual.” 186

Tal uniformidade não se encontra, também, nos conceitos “coronelismo” e

“poder local” analisados pela autora e outros pesquisadores numa obra específica

sobre o poder local nas áreas de colonização. Segundo eles:

“É de fundamental importância deixarmos claro desde já que, obviamente nem todo o poder local é de cunho coronelista: Poder local e coronelismo não são sinônimos, embora muitas vezes em diferentes espaços e tempos tenham se apresentado historicamente com formas associadas. Esta ressalva é particularmente importante para a análise

185 FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, Borgismo e Cooptação Política. 2.ed. Porto Alegre: UFRGS, 1996a. (p.23). 186 FÉLIX, op. cit. (1996a; p.59).

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das relações de poder local nas áreas coloniais do RS onde não temos os exemplos clássicos de coronelismo, onde, a montagem e o funcionamento das relações de poder dá-se de forma própria em decorrência das especificidades da sociedade colonial.” 187

Concordamos com a autora, uma vez que o “coronel” diferenciava-se de outros

modelos conforme o local e o tempo que estava vivendo. Assim, o “coronel” da

Campanha não é o mesmo do planalto, bem como o do Império não é idêntico ao da

República. Conforme Félix, acentuaram-se, no final do século XIX, as diferenças entre

as regiões no Rio Grande do Sul. A título de exemplo, cita a obra de Aristides de

Moraes Gomes “Fundação e Evolução das Estâncias Serranas”, em que o autor relata

as singularidades do gaúcho da fronteira e dos serranos.188 Além disso, entendemos

pertinente a afirmação dos pesquisadores no que se refere ao fato de o poder local nem

sempre ser de cunho coronelístico, uma vez que a realidade encontrada no Litoral

Norte do RS ajusta-se a esse modelo no qual as relações políticas se tecem muito mais

pelas disputas micro de poder do que pelas vias do coronelismo.

Contrapõe-se ao conceito desenvolvido e defendido por Félix a pesquisadora

Celi Pinto. Conforme a autora:

“A nível regional, as peculiaridades do partido [PRR] eram ainda maiores, não só não dispunha da rede de relações coronelistas, que

187 FÉLIX, Loiva Otero, SILVA, Haike Kleber da & SCHMIDT, Benito Bisso. Relações de Poder Local X Poder Estadual nas Áreas de Colonização Alemã e Italiana do Rio Grande do Sul na República. [Relatório final de pesquisa – CNPq]. Porto Alegre, mar. 1992. (Agradecemos ao pesquisador Benito Bisso Schmidt pelo empréstimo do material e por ter permitido o seu uso nesta dissertação). 188 Cf. FÉLIX, op. cit. (1996a; p.61).

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mantinha os demais partidos regionais, como tinha de enfrentar a popularidade do partido oposicionista... Sem ser oligárquico e, portanto, sem dominar as relações de poder coronelistas, teve de articular outras forças de apoio. O PRR não lutou para conquistar para si o apoio dos coronéis, mas criou uma força de resistência a este.“189

Convém esclarecer que Pinto está se referindo ao “coronel de oposição”, que,

segundo ela, tornou-se um obstáculo ao programa político do PRR. A força que o

partido republicano buscou foi justamente dos pequenos e médios proprietários,

agregados por “um trabalho de elitismo, dirigido a partir da executiva do partido.”190 E

nem poderia ser diferente, uma vez que:

“... os jovens fundadores do PRR... não pertenciam à tradicional elite pecuária da campanha gaúcha, que quase em sua totalidade formava o Partido Liberal. Eram na sua maioria provenientes da região norte do estado, de ocupação recente e mais pobre do que a campanha, quer pela ausência da indústria do charque, quer pela distância dos centros consumidores. Portanto, se eram estancieiros, não eram membros da oligarquia política rio-grandense.”191

A discussão em torno destes dois conceitos-chave “coronel” e “coronel

burocrata” polarizou-se ao se investigar e analisar os estatutos do PRR. Para os

autores que se debruçaram sobre esta temática, duas questões precisavam ser

respondidas: a primeira, que tipo de coronel atuou no Rio Grande do Sul e, a segunda,

se este personagem foi cooptado pelo PRR para a consolidação do seu programa de

189 PINTO, Celi Regina J. Positivismo. Um Projeto Alternativo Político (RS:1889-1930). Porto Alegre: L&PM, 1986. (p.15). 190 PINTO, op. cit. (p.10). 191 PINTO, op. cit. (p.10).

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governo. O poder local, como uma esfera micro de poder, não foi substancialmente

contemplado nestes estudos, sendo envolvido na discussão conceitual do coronelismo.

Como já havíamos enunciado, deter-nos-emos em alguns autores que

contemplaram esta discussão no tempo do Império, com o objetivo de superar os limites

do conceito de “coronelismo” e “poder local”. De relevância fundamental para o nosso

estudo são os textos de Helga Piccolo, Richard Graham e Herbert Klein. Os três

autores, além de dedicarem-se à política, têm como objetivo demonstrar que, no século

XIX, em especial nas últimas décadas, quando houve um crescente embate em torno

da política, manifestavam-se não apenas os partidos políticos, mas também uma

parcela da população que não tinha acesso diretamente à disputa político-partidária.

Iniciamos este diálogo com Piccolo,192 que analisou a política no período de 1868 a

1882, permitindo ao leitor compreender os últimos anos do Império, bem como a

disputa acirrada entre o partido conservador e o liberal no Rio Grande do Sul. Deduz-se

da tese da autora que os chefes locais já existiam no Império, estando divididos entre

as inúmeras facções dos partidos conservador e liberal, nos quais atuavam como

articuladores políticos, fazendo a “ponte” entre correligionários, partidos, governo

provincial e Corte.

192 PICCOLO, op. cit. (1974).

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Em se tratando do período imperial, é imprescindível mencionar a obra de

Graham, na qual o autor analisa o conceito de clientelismo193 no II Reinado. Pela sua

análise, podemos vislumbrar uma atividade política no Brasil do século XIX, que tinha

como primeira missão perpetuar a hierarquização da sociedade brasileira. Todos

deveriam permanecer onde estavam: as mudanças tanto para cima quanto para baixo

eram perigosas e poderiam suscitar revoltas sociais incontroláveis. Para o autor, o

mecanismo que sustentou e manteve a sociedade brasileira de uma maneira uniforme

foi o clientelismo. Esta engrenagem social pode ser resumida como uma prática política

em que um indivíduo menos favorecido solicita favores a outro, que tem poderes para,

no mínimo, tentar resolver o problema daquele que o procurou. Assim, os laços

clientelísticos foram se estabelecendo, criando uma dependência entre os homens, que

resultou na teia política da segunda metade do século XIX. Em função desse tipo de

relação, o “clientelismo” supera o “coronelismo” e aproxima-se do conceito de “poder

local”, como veremos no capítulo seguinte.

O texto de Klein194 vai ao encontro do que Graham aponta em sua obra e, apesar

de este defender a idéia de que a lei Saraiva foi promulgada com o intuito de afastar as

massas das eleições, os dois autores concordam que havia o envolvimento de grupos

193 Para Graham, op. cit. o “clientelismo significava tanto o preenchimento de cargos governamentais quanto a proteção de pessoas humildes, mesmo os trabalhadores humildes sem terra... no Brasil do século XIX esses dois tipos de clientelismo entrelaçavam-se através das eleições.” (p.16). 194 KLEIN, op. cit. (p.527-544).

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marginais no processo eleitoral.195 Klein analisou a participação política dos votantes de

São Paulo na década de 1880 e, para ele, houve sim uma prática política que envolveu

uma parcela da população nacional, que até então vinha sendo desprezada pela

historiografia política. O autor se cercou de dados empíricos, quase que unicamente de

lista de votantes, e concluiu que a participação política dos grupos economicamente

menos favorecidos não era tão restrita quanto parecia. Klein dividiu,

metodologicamente, sua análise em alguns tópicos, como a idade, a condição civil, a

renda, a alfabetização e o local de moradia dos votantes – zona rural ou urbana – para

demonstrar como estas variantes influenciaram na prática política destas pessoas,

principalmente nas eleições, evento que estimulava a prática do clientelismo.

Após contemplarmos alguns pesquisadores que se debruçaram sobre o tema

política, tanto no Império quanto na República, nos deteremos em alguns aspectos

singulares que permearam suas obras. A diferenciação conceitual do coronelismo,

polarizada entre “coronel” e “coronel burocrata” não dá conta da instrumentalização dos

dados empíricos que dispomos, sendo que os dois conceitos não se enquadram

perfeitamente ao cenário espaço-temporal do Litoral Norte do RS, pois estamos

195 Como já foi apontado anteriormente, conforme Graham, a lei Saraiva não foi criada para dar uma abertura geral aos brasileiros no que se relacionasse às eleições. Ao contrário, a elite não sabia o que fazer para afastar as massas do processo eleitoral. O maior medo era que uma reforma eleitoral imprudente jogasse futuros libertos (ex-escravos) para o seio da sociedade, dando-lhes poderes para votar e serem votados. Contudo, apesar de todas as precauções, como as novas “provas” para a comprovação da renda, alguns segmentos da sociedade da época conseguiram um lugar ao sol e, através da lei Saraiva, iniciaram a sua prática eleitoral. Um destes grupos era os acatólicos, que, a partir desta lei, puderam exercer o seu direito de voto.

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trabalhando com um recorte espacial singular. A fim de ratificarmos essa idéia,

reportamo-nos ao relatório de pesquisa elaborado por Félix, Silva & Schmidt, no qual

estudaram o poder local nas zonas de colonização italiana e alemã. Os pesquisadores

concluíram que, nestes espaços, forma-se outro tipo de poder o qual que não pode ser

enquadrado nos conceitos de “coronel” ou “coronel burocrata”. As características

específicas das áreas coloniais permitiram a consolidação de pequenos e médios

chefes locais, que, segundo os pesquisadores, estão envoltos em/com instituições

sustentadoras do seu poder, tais como a Igreja e os diversos tipos de associações que

fundaram.196

Como contraposição ao argumento defendido por Félix, Silva & Schmidt,

salientamos que os nacionais e os colonos que se destacaram no litoral não se

manteriam no poder somente com as vinculações apontadas por eles. A articulação

com a Igreja e com as associações não seria suficiente para sustentá-los no campo

político, uma vez que essas instituições no Império não estavam totalmente

estruturadas como irá acontecer na República, quando despontarão no espaço colonial

sociedades dos mais diversos fins. O clientelismo trabalhado por Graham parece

196 Embora os pesquisadores tenham contemplado a Primeira República e dedicado-se, principalmente, ao estudo da área colonial italiana, consideramos o relatório uma fonte importante para quem analisa o fenômeno da imigração. Ao sustentarem que o poder local nas áreas de colonização não é o mesmo exercido pelo “coronel”, abrem ao leitor uma lacuna pouco explorada pela historiografia política. Apesar de termos o II Reinado como recorte temporal, acreditamos ser possível inserir alguns aspectos do relatório neste contexto. Como já apontamos, há uma continuidade entre o Império e a República, e este processo permeia o político, inclusive nas áreas de colonização. Ver: FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992).

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complementar e superar a idéia desenvolvida pelos pesquisadores, pois, para o autor,

foi o clientelismo que deu cor e vida à sociedade brasileira no século XIX. Esta forma de

relacionar-se permitiu que as instituições atravessassem Império e República sem

haver mudanças no status quo vigente. Mesmo os escravos sendo libertos, a alteração

na sua condição – de cativo para livre – não significou uma ascensão social. De

escravos passaram a libertos marginalizados, aumentando o “curral” eleitoral dos

coronéis da República. Os homens livres pobres também permaneceram na mesma

situação em que estavam, sendo que a troca de regime político praticamente não

alterou o seu cotidiano. Se antes da República eram clientes, não transpuseram esta

escala após novembro de 1889.

Desejamos com este capítulo compreender as relações estabelecidas entre o

governo provincial e o Litoral Norte do RS, verificar a legislação eleitoral do século XIX,

dentro da qual deveriam estar todos os que resolvessem participar dos pleitos eleitorais

e dialogar com a historiografia, que trabalhou com os conceitos de coronelismo, poder

local e clientelismo tanto no Império quanto na República, constatando que muitas

características do poder local transpuseram os dois períodos. No capítulo seguinte,

tentaremos demonstrar como nacionais e colonos relacionaram-se com a política,

transitando pelas instituições que havia no litoral e formando suas redes de clientes.

Nessa prática, beneficiavam-se tanto aqueles que se destacaram, os exponenciais,

quanto a grande maioria que foi representada pelos chefes locais.

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Estes chefes locais, mentores da política na pequena rede de municípios que

vimos analisando – Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres –

vincularam este espaço com as demais regiões do Rio Grande do Sul. Dentro deste

turbilhão político, atuaram imigrantes e descendentes, ocupando cargos públicos e

políticos à medida que lhes foi possível conquistá-los. É o que veremos em seguida.

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3 RELAÇÕES DE PODER LOCAL NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO

SUL

“É que a naturalização não concede plenos direitos de cidadão: segundo dispõe a constituição, o advena naturalizado é para sempre excluído (além dos cargos de regente e de ministro do Estado) da elegibilidade para a câmara dos deputados do império... Não ser eleito, pode ser indiferente a maioria ou mesmo desejável, mas não ser elegível é ofensivo; e o Brasil, se quer contar com uma imigração espontânea, deve tratar quanto antes de remover esses odiosos restos da antiga desconfiança dos Portugueses contra os estrangeiros... Devem igualmente ser abolidas as medidas legais que fazem depender em parte da fé católica o pleno gozo dos direitos de cidadão. Já dissemos que, segundo a constituição, no Brasil os acatólicos são excluídos da elegibilidade para deputados e são proibidas as formas exteriores da igreja, torres e sinos, nas casas de Deus dos acatólicos, e que a legislação vigente nega, ou pelo menos contesta, a validade de atos religiosos acatólicos, mormente os casamentos.” 197

“Esta análise das listas eleitorais de 1880 da cidade de São Paulo e das paróquias à sua volta contribui para reforçar a tese de uma participação popular significativa no processo eleitoral imperial do Brasil do século XIX. A alta incidência de eleitores de baixa renda, seu alastramento por todas as faixas etárias e a incidência igualmente alta de analfabetos sugerem que as recentes afirmações

197 HANDELMANN, op. cit. (p.993).

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dos pesquisadores, sobre a existência de uma participação popular no processo eleitoral no Brasil do século XIX, são corretas.” 198

3.1 A Política Como Fator de Integração/Dispersão

A política, como veículo de formação de agremiações político-partidárias, tem

a capacidade de integrar e/ou dispersar os seus correligionários, já que este

movimento de integração/dispersão intensifica-se na época das eleições e dirige-se

tanto vertical quanto horizontalmente, abrangendo diversos setores da sociedade. No

nosso caso, interessa-nos saber como se estruturaram as relações entre nacionais e

colonos alemães no âmbito do poder local. Partindo da análise de um espaço micro –

o Litoral Norte do RS – tentaremos demonstrar que o clientelismo foi a base da

política brasileira no século XIX, especialmente no II Reinado, graças à articulação

do poder central com o local.

Para verificar o poder local no Litoral Norte do RS, analisamos um inquérito

policial199 que demonstra o funcionamento desta engrenagem, o qual se constitui

num “estudo de caso” capaz de demonstrar a dinamicidade da relação estabelecida

entre os líderes políticos de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e

198 KLEIN, op. cit. (p.539). 199 AHRS - Polícia - Delegacia de Polícia - Inquérito Policial - Maço 6 - Conceição do Arroio – 1879.

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Torres.200 O fato ao qual nos referimos narra a expulsão de dois juízes de Conceição

do Arroio em julho de 1879. As vítimas são o juiz de direito da comarca de Maquiné,

Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, e o juiz municipal e de órfãos, Alexandre

Correia de Castro.201 Nessa trama, há o envolvimento de uma série de personagens,

dos quais três são da colônia de Três Forquilhas: Adolpho Felippe Voges, Jacob

Voges e Seraphim Agostinho do Nascimento.

Pela análise do documento referido, podemos inferir que a expulsão dos juízes

foi tramada na casa de Ignacio de Araujo Quadros a convite do Tenente Coronel

Antonio Marques da Roza 202 e de João Marques da Cruz Martins. A reunião “...era de

caráter inteiramente político e que tinha por fim a união do partido porque o doutor

200 Cf. THOMPSON, um detalhe, um documento, ou ainda outro fator aparentemente atípico podem revelar uma situação que representa o cotidiano de um grupo ou de uma vila, como é o caso do documento que selecionamos. Loiva Félix comunga da mesma idéia, considerando o detalhe como uma possibilidade de pesquisa e trabalho. Importante citar, também, Antonio Candido, que diz: “Aliás, o interesse pelos casos individuais, pelos detalhes significativos, constitui elemento fundamental neste estudo, elaborado na certeza de que o senso qualitativo é condição de eficiência nas disciplinas sociais...”. (p.5). Ver: THOMPSON, E. P. Folklore, Antropología e História Social. In.: Entrepasados. Revista de História. Buenos Aires, n.2, ano II, p.63-86, 1992, FÉLIX, Loiva Otero. Historiografia Política: Impasses e Rumos nas Décadas de 1970-90. In.: Logos. Revista de Divulgação Científica. Canoas: ULBRA, n.1, ano 11, p.5-11, maio 1999a & CANDIDO, op. cit. 201 GRAHAM, op. cit. dá exemplos em sua obra de uma série de autoridades que não foram respeitadas nas seguintes localidades: Santo Amaro, Santarém, Valença e Salvador. Como demonstrou o autor, o respeito às autoridades nem sempre foi uma regra. Assim como em Conceição do Arroio, em outros locais houve pessoas que discordaram e se manifestaram contrariamente aos subdelegados, delegados e juízes. (p.56-57). URICOECHEA, op. cit. exemplifica esta mesma situação com uma reclamação do juiz de direito da comarca do Rio Grande que escreve em 1853 ao presidente de Minas Gerais expondo as dificuldades em exercer a sua autoridade. (1978a; p.268). Outro exemplo destacado por este mesmo autor refere-se a um chefe local do Sertão da Bahia, chamado de Militão , que comete os mais variados crimes, saindo impune de todos eles. Segundo os denunciantes, Militão suborna ou expulsa os juízes do seu território, não sendo, portanto, condenado pelos seus atos. (1978a; p.271-274). 202 Cf. RAMOS, op. cit. Antônio Marques da Roza foi líder liberal na década de 1870, o que justifica sua participação neste episódio. (1990; p.150).

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Paulino com seus amigos queriam fazer novo partido e então aqueles homens, cujos

nomes declinou, trataram de obstar a divisão do partido criada pelo doutor Paulino e

seus amigos...”.203 Segundo consta em outro depoimento, “...Antonio Marquez da

Roza tinha feito uma reunião para este fim em casa de Ignacio de Araujo Quadros,

onde entre as pessoas que lá compareceram achavam-se Adolpho Felippe Voges e

Serafim Agostinho do Nascimento, que sendo convidados para expulsarem os juizes

declararam que não aceitavam semelhante convite...”.204

Ora, considerando a distância que separava a fazenda dos Quadros da vila de

Conceição do Arroio – mais ou menos 75Km – parece-nos plausível a idéia de que

havia intensa comunicação entre as lideranças políticas do Litoral Norte do RS.205

Dos líderes, salientamos a atuação de componentes da colônia de Três Forquilhas, o

que nos fez optar por uma análise que contemplasse não somente a história política,

mas também a da imigração, dando ênfase ao poder local.

Verificamos, assim, que, mesmo entre os acatólicos, os quais não tinham

direitos adquiridos como cidadãos brasileiros, operava-se uma rede hierárquica de

203 AHRS – Polícia – Maço 6 – Declarações de Ignacio de Araujo Quadros Filho. 204 AHRS – Polícia – Maço 6 – Depoimento de Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, juiz de direito da comarca de Maquiné. 205 No documento consta a distância de cerca de 12 léguas. Tomamos como referência a medida apresentada por Jean Roche, o qual estipula para cada légua o equivalente a 6 a 6,6Km. Ver: ROCHE, op. cit. (1969a).

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poder, que perpassava a esfera política.206 Por certo, estes colonos que se

projetaram não buscaram somente os seus interesses, mas também os dos seus

pares, estabelecendo um sistema de representação com cunho clientelístico junto às

autoridades, a quem grande parte dos colonos não tinha acesso.

Selecionamos cinco documentos a fim de exemplificarmos como ocorriam as

relações de base clientelística no Litoral Norte do RS. O primeiro narra que João

Brusch, morador na colônia das Três Forquilhas, requer que não seja incorporado à

Guarda Nacional, visto ser casado e pai de seis filhos menores. Para ratificar seu

pedido, anexa uma declaração do pastor Carlos Leopoldo Voges, o qual atesta como

verídica sua condição civil.207 Pela documentação pesquisada, deduzimos ser uma

prática recorrente a tentativa de esquivar-se do serviço militar. Uricoechea, ao

analisar a Guarda Nacional, relata a dificuldade em se recrutar homens para seus

206 Cf. BOBBIO, MATTEUCCI & PASQUINO, op. cit. o conceito de Política poder ser abordado sob dois significados: o clássico e o moderno. Para o primeiro, “Derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social... O termo Política foi usado durante séculos para designar principalmente obras dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se refere de algum modo às coisas do Estado...“ Já para o segundo, “...o termo perdeu seu significado original... passando a ser comumente usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, tem como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado. Dessa atividade a pólis é, por vezes, o sujeito, quando referidos à esfera da Política atos como o ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território, o legislar através de normas válidas erga omnes, o tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros, etc.” Para este texto, optamos pela primeira conceitualização dos autores, por entender que se estende sobre uma gama maior, contemplando, como dizem, o sociável e o social, porém, sem ignorar o segundo significado dado ao conceito de política, em razão das relações que o Estado estabeleceu com diversas esferas, dentre as quais os partidos políticos. (p.954-962). 207 AHRS – Requerimentos – Guarda Nacional Alemão – Maço 115 – 1865.

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corpos.208 No Litoral Norte do RS, a situação não foi diferente, visto que, em Torres,

o subdelegado reclama da dificuldade no recrutamento de homens para este tipo de

serviço.209

Já Christiano Mauer solicita ao presidente da província um requerimento e os

documentos que a ele estão anexos, porém, lamentavelmente, o conteúdo da

documentação não é revelado. O que mais se destaca é a representação do colono

pelo jornalista e advogado Carlos de Koseritz. Há de se buscar maiores informações

sobre este colono para verificar-se como ele pôde outorgar poderes a um imigrante

tão destacado.210 João Maurer, por sua vez, outorgou uma procuração ao professor

Seraphim Agostinho do Nascimento para que este o representasse junto ao cartório

de órfãos e ausentes quando tivesse que prestar contas sobre os seus tutelados.

Apesar de o documento não indicar os motivos que levaram o colono a optar pela

representação, entendemos que o procurador teria melhores condições de se

explicar com a justiça do que o outorgante, possivelmente com pouco estudo e

ínfima prática com a língua portuguesa.211 No entanto não somente colonos valiam-

se dos préstimos do professor Nascimento, mas também nacionais rendiam-se aos

seus favores. Em 1899, a menor Arcelina, “filha natural do finado Isaías de Almeida

Quadros”, ficou sob a tutela deste mesmo professor. Ela havia herdado 90 braças de

208 URICOECHEA, op. cit. (1978a; p.210-211). 209 AHRS – Polícia – Maço 6 – 1870. 210 AHRS – Requerimentos – Diversos – Maço 125 – 1866.

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terras de matos no sítio de Maquiné, avaliado em 720$000.212 Ainda, conforme

Bastos, “Era o homem [o professor Nascimento] que sabia redigir um officio, dirigir

um inquerito para determinados fins politicos, fazer um requerimento qualquer,

organizar papeis para um inventario, enfim, o melhor advogado administrativo que se

pudesse imaginar para aquelle meio e para aquelles tempos.” 213

Esta série de exemplos pode nos fazer pensar sobre as vantagens que estes

“pequenos poderes” concediam aos que os dominavam. Está claro que, através de

concessões e favores, estabelecia-se uma rede de compromissos.214 Interessante

notar o fato de a grande maioria representada obter, por este mecanismo, um

211 APRS – Processos-Crime – Cartório de Órfãos e Ausentes – n. 2 – Maço 1 – Estante 104 – Conceição do Arroio – 1874. 212 APRS – Contas de tutela – Tutor: Serafim Agostinho do Nascimento – n. 869 – Maço 28 – Estante 159 – Conceição do Arroio – 1899. 213 BASTOS, op. cit. (1935; p.144). GRAHAM, op. cit. ao analisar uma série de cartas de pretendentes a cargos públicos, constatou que um dos cargos mais procurados era o de juiz. Em primeiro lugar, os requerentes desejavam os postos de juiz de direito e municipal e, depois, “... uma porção considerável de pretendentes a cargos procurava colocações lucrativas como juízes de órfãos.” (p.283). O fato de ter a possibilidade de administrar os bens deixados pelos pais falecidos aos filhos órfãos despertava em alguns candidatos a preferência por este posto. Não sabemos se Seraphim Agostinho do Nascimento tornou-se juiz de órfãos. O mais importante é que, ao ser indicado como tutor, demonstra que possuía alguma influência naquele meio. 214 Cf. GRAHAM, op. cit. “se indiquei... que o clientelismo fluía do rei para baixo... outra pirâmide se cruzava com aquela num plano diferente e levava ainda mais além. A família e a unidade doméstica construíam e dependiam de generalizadas relações de dependência e deferência. Todo o grupo de um protetor, seus seguidores imediatos, assim como os que lhe prestavam lealdade e obediência como empregador, senhor de terra ou emprestador de dinheiro, procuravam-no em busca de proteção e apoio. Se os símbolos externos e os meios particulares de seu poder estavam no controle que ele exercia sobre cargos locais, fosse pela prerrogativa oficial de indicar candidatos, fosse pela expectativa não oficial de que os recomendaria, uma fonte igualmente rica de poder era o fato de ele possuir recursos físicos, como terra, escravos ou gado... Quer lutasse ele para ser reconhecido como chefe de uma única família extensa ou como o protetor de uma grande clientela, os cargos de autoridade eram cruciais.” (p.276-277). (grifos nossos). Reportando-nos aos exemplos de representação acima citados e a atuação do pastor Voges e do seu filho Major Adolpho Voges, parece-nos que os dois se enquadram na definição de Graham.

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determinado poder o qual, sem esta representação, não alcançaria. Em outras

palavras, os exponenciais tornavam-se dependentes das representações que lhes

eram outorgadas. O pedido de auxílio de um nacional ou de um colono era o que

legitimava o exercício de poder do chefe local. Cercados de uma massa incapaz de

resolver as suas próprias dificuldades, os chefes locais tiveram como estabelecer

uma rede de poder via clientelismo, o que os manteve na posição privilegiada de

líderes locais. Além do mais, conforme Graham, “proteger os pobres do recrutamento

forçado também significava formar uma clientela.” 215

Em Três Forquilhas, esta representação era exercida pelos Voges, os quais

detinham os poderes religioso, econômico e político. A história desta família, no

Brasil, remonta ao ano de 1826, quando imigrantes alemães foram enviados às

Torres. Juntamente com a primeira leva de colonos, chegou o pastor Carlos

Leopoldo Voges, líder espiritual, professor, comerciante e sucessor do Tenente Cel.

Francisco de Paula Soares na administração das colônias.216

215 GRAHAM, op. cit. (p.49). 216 É preciso relativizar a afirmação de que o pastor Voges substituiu o Tenente Cel. Francisco de Paula Soares na administração das colônias. Embora Bastos informe que em 1851 a Assembléia Provincial tenha aprovado a criação do cargo de diretor para as colônias, não encontramos, ainda, tal referência na documentação do AHRS. Localizamos no ano de 1850 uma nomeação de um subdiretor para a colônia de Santa Cruz, o que demonstra que em algumas localidades o governo designou a criação de tal cargo. No que se refere ao Litoral Norte do RS, em 1852 o governo provincial relata que o diretor geral das colônias, o Cel. Hillebrand, deve visitar a Colônia das Torres, uma vez que não há “diretores parciais” para ela. O relatório de 1850, do presidente da província José Antônio Pimenta Bueno diz que “é essencial, como depois direi, ter um diretor em cada uma delas [refere-se a São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas]” e em outro relatório, de 1852, do vice-presidente da província

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O fato de o pastor Voges integrar a primeira caravana que se dirigiu às Torres

permitiu que o Tenente Cel. Francisco de Paula Soares dividisse os colonos em dois

grupos, sendo os evangélicos remetidos ao Vale do Três Forquilhas, onde o pastor

tornou-se figura central. Ele estava a par da maioria dos acontecimentos, desde

aqueles ligados a questões religiosas, como batismos, confirmações, casamentos e

enterros, até os administrativos, como relatórios sobre o desenvolvimento da colônia,

as dificuldades na venda dos produtos agrícolas e a falta de recursos para a

implantação e manutenção de escolas. Por vezes, o pastor teve que enfrentar

situações difíceis, como em 1830, quando os subsídios destinados aos imigrantes

foram suspensos, não podendo a colônia assumir o seu sustento e o de sua família.

A “alternativa” mais conveniente foi abrir a própria venda, iniciando assim suas

Luís Alves de Oliveira Belo, lemos que “em 18 de dezembro do ano passado o diretor geral propôs a presidência a nomeação de um indivíduo para esse cargo, mas como ordenastes em a lei n. [14] 299 de 5 de dezembro de 1850 que os diretores parciais sejam também agrimensores e o indivíduo proposto o não era, não pode por isso ser nomeado.” No entanto, apesar de não termos a nomeação oficial do pastor Voges como diretor das colônias alemãs do Litoral Norte do RS, de fato ele tornou-se o articulador das colônias com o governo provincial, o que pode ser constatado nos inúmeros relatórios que enviou aos presidentes da província e a forte ligação política que sua família manteve primeiramente com o partido liberal e depois com o PRR. Ruschel, ao analisar a documentação deixada por Paula Soares, sustenta que em 1847 “... ele já não era Comandante ou Inspetor nas Torres, e residia em Porto Alegre...” (p.124). Acreditamos que com a saída de Paula Soares houve um vácuo de poder que foi preenchido informalmente pela figura do pastor Voges. Ver, respectivamente: BASTOS, op. cit. (1957; p.13); AHRS – Registro de Ordens, Portarias, Patentes e Provisões passadas pelos Governantes do Rio Grande do Sul – A6.09 – 1850; AHRS – Registro da Correspondência Expedida pelos Presidentes da Província a Autoridades Provinciais – A5.33 – 1852; ELY & BARROSO, op. cit. (1996; p.134-135) e RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Assentamentos Alemães em Torres, na Correspondência de Seu Inspetor. In.: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.132, p.123-136, 1998.

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atividades como comerciante, o que lhe renderia, no futuro, o título de “P. Voges,

maior vendeiro, industrial e capitalista da zona”.217

Durante sua longa trajetória no Litoral Norte do RS, o pastor Voges liderou os

colonos em períodos cruciais da história rio-grandense. Nove anos após a instalação

das duas colônias, eles defrontaram-se com a Revolução Farroupilha; de 1865 a

1870, descendentes de imigrantes participaram da Guerra do Paraguai218 e, de 1893

a 1895,219 assistiram à Revolução Federalista e viram-se envolvidos nela, sobretudo

em razão da atuação de guerrilhas que usavam a Serra do Pinto para o

deslocamento entre os Campos de Cima da Serra e o litoral. Todavia não viveram

somente de guerras, mas também de momentos políticos decisivos, como a

alternância dos partidos conservador e liberal no poder e as eleições, as quais tanto

inquietavam os chefes locais e os seus séquitos. Buscamos demonstrar, assim, que

os atos ligados à política, tanto em nível “nacional”, estadual quanto municipal,

perpassaram e interferiram no cotidiano das colônias, provocando reações sutis e

extremadas, proporcionais àquilo que estes atos representaram aos colonos.

217 Cf. HUNSCHE, Carlos Henrique. O Ano 1826 da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metrópole, 1977. (p.165). O autor não usa a alcunha para depreciar o pastor Voges, mas sim para tentar explicar os seus procedimentos como líder espiritual, comerciante e proprietário de escravos. Segundo Hunsche, o que poderia ser visto como uma anormalidade deve ser contextualizado. Somente desta forma se poderá fazer justiça em relação a estes dados singulares do currículo do pastor. 218 Cf. ELY, na Guerra do Paraguai lutaram “26 filhos de Três Forquilhas” Ver: ELY, Nilza Huyer. Coronel João Niederauer Sobrinho. Um Busto em Itati – Por Quê? In.: ELY, op. cit. (1999c; p.85-87). (p.85).

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No decorrer deste período, as atividades do pastor Voges foram-se ampliando,

delegando parte de suas responsabilidades ao seu filho primogênito, Adolpho

Felippe Voges, principalmente as ligadas ao comércio. Com isso, gradativamente, o

futuro Major220 Adolpho Voges assumiu a liderança econômica e política da colônia,

optando pelas diretrizes do partido liberal. Constituíram-se, dessa forma, na família

mais importante da colônia, extravasando, inclusive, seus limites. Tinham como

principais atores o pastor Carlos Leopoldo Voges, o seu filho primogênito, o Major

Adolpho Felippe Voges e, posteriormente, o Cel. Carlos Frederico Voges Sobrinho,

neto do pastor e filho do Major, detentor do poder local e chefe republicano absoluto

no Litoral Norte do RS, transcendendo, assim, o espaço das colônias alemãs.221

A partir da rede política estabelecida pela família do pastor, surge a

oportunidade de ampliarmos estas relações, trazendo novos elementos que atuaram

219 O pastor Voges não assistiu à violência ocasionada pela Revolução Federalista, pois faleceu em 3 de outubro de 1893. Neste momento, já havia transferido o poder da família para as mãos do seu filho Adolpho Felippe Voges. Cf. MÜLLER, op. cit. (1992; p.97). 220 Cf. GRAHAM, op. cit. aqueles que se destacavam nas eleições poderiam ser premiados com títulos. Os mais visados eram os da Guarda Nacional, que delegavam aos titulados uma série de poderes junto ao local onde viviam. (p.130-132). O Major Adolpho Felippe Voges, apesar de descender de um imigrante alemão e não professar a fé católica, recebeu este título por sua atuação junto ao partido liberal. O fato de este colono receber esta designação demonstra que em algumas situações os acatólicos conseguiam perpassar a esfera de poder dos nacionais e angariar premiações que os aproximava do círculo político maior. Hillebrand, da colônia de São Leopoldo, também conquistou um título desta modalidade, tornando-se Coronel. Para Uricoechea, op. cit. (1978a) o governo, ao distribuir títulos desta ordem, reconhecia a necessidade de promover aliança com os chefes locais a fim de que estes formassem as suas milícias e garantissem a vitória nas eleições para o partido que estava no poder. Parece-nos que, ao proceder de maneira semelhante com alguns colonos alemães, o governo firmava o mesmo “acordo” e reconhecia, nos Voges, uma família aliada, com poder suficiente para garantir a supremacia do partido liberal. 221 Cf. MÜLLER, Elio Eugenio. Aspectos Marcantes da Colônia Alemã de Três Forquilhas. In.: ELY, op. cit. (2000; p.55-62).

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em nível de província e de Brasil. Referimo-nos aos já mencionados Silveira Martins

e Carlos von Koseritz, ambos políticos, os quais defenderam projetos ligados à

emancipação política dos acatólicos. Pretensamente, relacionamos as atividades do

Major Adolpho Felippe Voges, chefe liberal na colônia de Três Forquilhas, com a vida

pública do deputado von Koseritz e do grande líder liberal Silveira Martins,

demonstrando que houve uma aproximação dos acatólicos com o partido liberal e

que as idéias liberais atingiram as zonas coloniais, mesmo que estivessem nos

confins da província.

Conforme Elio Eugenio Müller, o fato de o Major Adolpho Felippe Voges ser

chefe do partido liberal, e seu filho, o Cel. Carlos Frederico Voges Sobrinho, tornar-

se um republicano não significa que tenha havido uma ruptura na família, ao

contrário, foi uma articulação política idealizada e concretizada à medida que a

atuação dos liberais encaminhava-se para o “banditismo” sob influência e comando

do desertor da Guerra do Paraguai, Bahiano Candinho, também adepto do partido

liberal.222 Conforme Helga Piccolo, “(...) conhecendo-se o apelo às armas feito pelos

liberais em ocasiões anteriores, não é de admirar que fossem, pelos conservadores,

chamados de revolucionários.” 223 A afirmação da autora remete-nos à dicotomia

“ordem” e “bandido”. Seguindo essa lógica, ou se pertencia ao partido da ordem,

222 Cf. depoimento do autor a Marcos Antonio Witt em 10 de outubro de 1999, no Sítio da Figueira, em Itati/RS. Parte do que o autor narrou pode ser conferido em suas duas obras sobre a colonização no Litoral Norte do RS. Ver: MÜLLER, op. cit. (1992) e _________. Três Forquilhas (1900-1949). Tempos de República. Curitiba: Italprint, 1993.

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imagem reivindicada pelos conservadores e depois pelo PRR, ou se era classificado

como “bandido”, o que politicamente equivalia a liberal. Sobre a atuação do partido

liberal no Litoral Norte do RS, os enxergamos como um grupo que, quando

necessário, abandonava o discurso e pegava em armas. Em função disso, Adolpho

Voges, descontente com a atuação dos seus colegas partidários, mudou-se para sua

fazenda em São Francisco de Paula, onde permaneceu até a sua morte em 1912.

Com a retirada de Adolpho Felippe Voges, o caminho para a ascensão de

Carlos Frederico Voges Sobrinho estava aberto. De fato, segundo Müller, durante o

período republicano, o Cel. Voges assumiu a liderança política na colônia, com

reconhecimento em todo o litoral e nos Campos de Cima da Serra. A influência de

Júlio de Castilhos foi tamanha em sua vida que se deixou impregnar pelos ideais

castilhistas, tomou conhecimento da filosofia de Augusto Comte e adotou para si o

visual do líder republicano.224 Ainda, conforme este autor:

“Semelhante ao pai, Carlos Frederico retornara à colônia no posto de Capitão da Guarda Nacional, porém, ao invés de Liberal, viera como ‘Capitão da República’, sob a forte influência de Júlio de Castilhos...”.225

“Carlos Frederico Voges Sobrinho era conhecido de Borges de Medeiros, bem como de Getúlio Vargas, desde os tempos de estudo

223 Cf. PICCOLO, op. cit. (1974; p.77). 224 Cf. MÜLLER, op. cit. O autor publicou em seu segundo volume sobre Três Forquilhas uma fotografia do Cel. Voges, em que ele aparece com o mesmo corte de cabelo e tipo de bigode de Júlio de Castilhos. (1993; p.17-24). (p.21). 225 MÜLLER, op. cit. (1993; p.20).

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e da Guarda Nacional. Este fato foi, certamente, decisivo para que Voges passasse, sucessivamente, ao título de Tenente Coronel e de Coronel, como também líder do Partido Republicano Riograndense – PRR, no vale do rio Três Forquilhas.”226

A transferência de adeptos do partido liberal para o PRR também pode ser

entendida a partir do descontentamento que tomou conta de alguns liberais quando o

partido deixou de ser oposição e tornou-se situação. A proximidade entre estas duas

agremiações teve início mesmo antes da consolidação do PRR. Segundo Eloísa

Ramos:

“Bem arregimentado, o Partido Liberal possuía liderança e representatividade - na corte e na província – e um programa reformista e crítico. Assim sendo, alguns republicanos, para poderem atuar, procuraram abrigo no PL, como Francisco Xavier da Cunha, Ramiro Barcellos e Wenceslau Escobar” 227

A situação inverte -se no momento em que liberais descontentes procuram o

PRR para abrigarem-se politicamente. No Litoral Norte do RS, temos dois exemplos

que explicitam como se deu a passagem de liberais para o lado dos republicanos. O

primeiro caso envolve o líder liberal Antonio Marques da Roza, um dos envolvidos na

expulsão dos juízes. De liberal ferrenho, o Tenente Cel. Roza passa, em 1889, para

o PRR. O segundo exemplo que destacamos compreende a família Voges, à qual já

nos referimos. Cabe lembrar apenas que, no caso dos Voges, a transferência deu-se

de pai para filho. Em ambas as situações, o motivo que provavelmente suscitou a

226 MÜLLER, op. cit. (1993; p.24).

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mudança de partido foi a discordância do comportamento do partido liberal tanto na

corte como na província. Conforme Ramos:

“A postura do partido liberal, a partir de 1878, quando passou a ser poder no âmbito nacional e provincial, mudou. De um discurso reformista e crítico do regime, o PL acomodou-se e passou a defensor das instituições monárquicas... Com isso, o PL muda de discurso, substituindo o tom agressivo por outro, menos polêmico, mais ‘de acordo’ com sua condição de ser poder. Dessa maneira, atrai o desagrado daqueles que dele esperavam uma ação mais enérgica. Assim, enquanto o PL passa a ser cada vez mais conservador e defensor das instituições vigentes, o Partido Republicano firma-se para assumir posição, ocupando o espaço vazio que então se cria.” 228

Ao nosso ver, a hipótese formulada por Ramos responde suficientemente ao

fato de liberais do Litoral Norte do RS terem se transferido para o PRR. Inclusive,

manter-se fiel às idéias liberais enquadraria o político no grupo que estava “fora da

ordem”, situação que não permitiria o acesso às benesses que o PRR começou a

distribuir no momento que passou a ser poder.

Por outro lado, houve chefes locais que permaneceram fiéis às suas bandeiras

políticas. Um dos que podem ser enquadrados neste perfil é o desertor da Guerra do

Paraguai, Bahiano Candinho. Sua atuação merece destaque, pois tornou-se líder

político e, ao mesmo tempo, “bandido”, denominação que lhe foi atribuída em razão

de seu pretenso envolvimento com elementos criminosos, que praticavam roubos e

227 RAMOS, op. cit. (1990; p.68).

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assassinatos em Cima da Serra assim como na colônia e nos arredores.229

Candinho, cujo nome verdadeiro era Martinho Pereira dos Santos, chegou à colônia

em 1871, apresentando-se como Cândido Alves da Silveira.230 A partir de então, até

a sua morte em 1898,231 fixou moradia junto aos colonos, casando-se com Maria

Witt. Inúmeros motivos levaram-no a envolver-se com componentes de grupos nada

ordeiros, em que a prática do crime era uma constante.232 Durante sua trajetória

política vinculada ao partido liberal, galgou o posto de Major por sua atuação na

Revolução Federalista.

228 RAMOS, op. cit. (1990; p.22-23 e 75). 229 Os arredores da colônia se estendem à Cima da Serra (hoje São Francisco de Paula), e a planície litorânea, desde Palmares do Sul até Torres. 230 Cf. ELY, Nilza Huyer. Baiano Candinho: Um Personagem Controvertido. In.: ELY, op. cit. (1999d; p.92-96). 231 Cf. MÜLLER, op. cit. (1992; p.89). 232 O requerimento da viúva Anna Maria Hoffmann, fazendeira nos Campos de Cima da Serra, de abril de 1868, traz informações sobre as quadrilhas que roubavam gado. Segundo a requerente, “o mesmo dizem do assassínio de Joaquim Fabrício, que concorrera com outros seus comparças de Três Forquilhas para lhe tirarem a vida.... ainda tanto mais audaz se acha, quando se considera com um bando de criminosos, desertores e facinosos ao seu dispor, pelo apoio que lhes tem prestado, além das que já as tinha; esta nova quadrilha se aglomera a outra de Três Forquilhas, com a qual tem o mesmo Honorio as mesmas influências, e disposição, a qual percorrem a costa na saída daqueles caminhos e se conservam, ora pela roça do dito, ora por aqueles faxinais dos fundos da fazenda da suplicante e ao depois se retornam para Três Forquilhas.” AHRS – Requerimentos - Polícia – Maço 137 – 1868. Pelo relato da fazendeira, tomamos conhecimento de que já havia quadrilhas que praticavam o roubo de gado e aterrorizavam os moradores de Cima da Serra. Muito provavelmente, foi num destes grupos que Bahiano Candinho recebeu guarida. Outra constatação relevante é que, pelo que pesquisamos sobre os bahianos, eles não teriam estabelecido uma quadrilha própria, pois chegaram à colônia em 1871, mas sim foram aceitos naquelas que já existiam. Sobre os motivos que levaram Bahiano Candinho a envolver-se com estes grupos, não é possível enumerá-los de forma clara e concisa, porém arriscamo-nos a apontar alguns que podem vislumbrar uma resposta mais coerente: o fato de ser forasteiro, a sua fama de valente, o trabalho que desenvolveu junto às fazendas, onde a pecuária era a atividade principal, e a acolhida que os membros destas quadrilhas ofereceram-lhe quando mais precisava. Estas informações estão baseadas em BASTOS, op. cit. (1935).

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É oportuno, neste momento, relativizar o conceito de “bandido” atribuído a

Bahiano Candinho, uma vez que quem o designou como tal foram as autoridades

estabelecidas a quem fazia oposição, especialmente as ligadas à polícia e à justiça.

Além do mais, por ter optado pelas diretrizes liberais, a alcunha de “bandido” ou

“revolucionário” ganhou duplo sentido: “bandido”, pela possibilidade de ter-se

envolvido com elementos criminosos, e “revolucionário”, por ser liberal. No dia-a-dia,

porém, o limite entre estas atividades era muito tênue, pois o estilo de vida destes

homens permitia que mantivessem contato tanto com fazendeiros de Cima da Serra,

descontentes com o roubo do gado, quanto com os ladrões que assaltavam e

roubavam estas mesmas propriedades. Bahiano Candinho foi assim rotulado e, pelo

que se sabe, não lhe foi dada a oportunidade de posicionar-se frente a este conceito

de “bandido”.233

Bahiano Candinho enquadra-se no rol dos personagens que mereceriam uma

biografia. Sua vida foi muito pouco estudada e poderia lançar novas luzes sobre a

história das guerras, como a do Paraguai e a Revolução Federalista, do confronto

233 O título de “bandido” atribuído a Bahiano Candinho pode ser analisado do ponto de vista historiográfico. Num texto de Fernandes Bastos sobre Três Forquilhas, publicado primeiramente no jornal “A Federação”, em 1926, e depois na Revista do Museu Júlio de Castilhos e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, em 1957, verificamos que um dos seus informantes para escrever tal texto havia sido o Cel. Voges, neto do pastor Voges e líder republicano na região. Considerando estas evidências somadas aos fatos que Bastos também era ligado ao PRR, chegando a ser intendente de Conceição do Arroio, e que Bahiano Candinho era adepto do partido lib eral, constatamos o quanto de “político” havia nesta rotulação de “bandido”. Ver: BASTOS, op. cit. (1957; p.5-17) e FRANCO, Sérgio da Costa. Fernandes Bastos, O Cronista do Litoral Norte. In.: BARROSO, Véra Lucia Maciel, QUADROS, Terezinha Conceição de Borba & BROCCA, Maria Roseli Brovedan (Orgs.). Raízes de Torres. Porto Alegre: EST, 1996. (p.268-272).

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étnico e, principalmente, da política. Conhecemos tão infimamente este aventureiro

que não nos permitimos incriminá-lo ou absolvê-lo de todas as acusações que lhe

foram feitas. Não se sabe ao certo de que estado do Nordeste ele provinha.

Conforme Fernandes Bastos, “Bahianos foragidos já existiam por lá diversos. Que

fossem, propriamente, da Bahia, também não vinha ao caso. Bastava que fossem do

Norte para serem bahianos. Os do centro do Paiz, eram berivas. D’estes tambem

havia pela colonia.”234 O que foi levantado até este momento sobre Bahiano

Candinho comprova sua participação na vida política do Litoral Norte do RS,

demonstrando que se havia filiado ao partido liberal e atuado nas guerrilhas,

especialmente na década de 1890. Sua morte foi descrita por Bastos na obra Noite

de Reis, que, embora sendo um romance, narra com fidelidade os últimos anos que

antecedem o assassinato de Candinho numa noite de reis.235

234 BASTOS, op. cit. (1935; p.24). 235 Para se obter mais informações sobre Bahiano Candinho, ver: MÜLLER, op. cit. (1992; p.48 e 89), ELY, op. cit. (1999d; p.92-96), BASTOS, op. cit. (1935; 1957), LIPERT, Generi Máximo. Terra de Areia: Idéia, Sonho e Liberdade . Porto Alegre: Tchê, 1991. (p.72-78) e RUSCHEL, Ruy Ruben. Participação do Regimento de Torres na Revolução de 1893. In.: RAMBO, Arthur Blásio & FÉLIX, Loiva Otero (Orgs.). A Revolução Federalista e os Teuto-Brasileiros. São Leopoldo: UNISINOS; Porto Alegre: UFRGS, 1995b. (p.173-178). Localizamos no AHRS seis telegramas da polícia de Conceição do Arroio e um de Torres, que narram a atuação dos bandos durante a Federalista. Todas as mensagens são de 1893 e envolvem o nome de Candinho e/ou a colônia de Três Forquilhas. AHRS – Polícia – Maço 6; AHRS – Correspondência das Intendências – Lata 124V - Maço 367. Neste mesmo arquivo, num relatório do presidente da província, encontramos uma referência ao assassinato do irmão de Bahiano Candinho, conhecido por Pedro Bahiano, no ano de 1882. Consideramos este dado relevante, pois comprova o envolvimento dos bahianos em situações violentas. Além disto, este fragmento amplia o nosso olhar sobre a inserção destes elementos na vida da colônia. AHRS – Documentação dos Governantes – Relatórios e falas dos presidentes da província – A7.15 – Relatório de Francisco de Carvalho Soares Brandão – 1882. Por último, encontramos o nome de Bahiano Candinho num livro caixa de uma venda, o que parece demonstrar que ele era, no mínimo, um freguês daquele estabelecimento comercial. Ver: WITT, op. cit. (2.000g; p.97-99).

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Após nos debruçarmos sobre alguns personagens que atuaram como

pequenos chefes locais no Litoral Norte do RS, retomaremos o inquérito policial no

qual parte destes chefes estão inseridos. Do que foi exposto até agora, podemos

deduzir que havia intensa comunicação entre os líderes políticos do Litoral Norte do

RS, envolvendo, neste caso, nacionais e colonos de origem alemã; demonstramos,

igualmente, que a distância geográfica não era obstáculo para que idéias fossem

trocadas e, posteriormente, concretizadas. É preciso avaliar que tomar tal atitude, ou

seja, propor e executar a expulsão de duas autoridades,236 requer, no mínimo, uma

boa articulação das partes envolvidas, a elaboração de um plano capaz de produzir

os resultados propostos e, sem dúvida, coragem para se envolver em assunto de

desdobramentos tão imprevisíveis.

Um dos aspectos relevantes deste fato refere-se aos motivos pelos quais se

queria expulsar os juízes, citados nos depoimentos tomados pelo delegado de

236 Cf. GRAHAM, os cargos de juiz de direito e juiz municipal eram um dos mais procurados por aqueles que buscavam o poder através da magistratura. Segundo o autor, o motivo de tamanha procura estava no poder que recebiam para exercer as suas tarefas. Não era raro encontrar um juiz que excedia as suas atribuições, usando do seu cargo para beneficiar um amigo ou prejudicar um aliado do partido contrário. Félix, Silva & Schmidt destacam as mesmas situações para a área colonial italiana, onde juízes valeram-se de sua autoridade para anular ou alterar os resultados das eleições. A inserção dos juízes na política era um assunto tão importante para a época que o Senado referiu -se a ele quando discutiu a reforma eleitoral de 1855: “Organize-se a magistratura de modo que o magistrado ache grande interesse no exercício de seu lugar; liguem-se grandes vantagens ao acesso na sua carreira; seja o acesso dependente da antiguidade, e esta do efetivo exercício, e suas candidaturas diminuirão consideravelmente... Pelo contrário, se a exclusão dos magistrados lhes for imposta como necessidade, o descontentamento e má vontade de uma classe tão importante e que por suas ramificações exerce sobre toda a extensão do país grande influência moral, nunca será um fato indiferente e sem conseqüências do maior alcance.” (p.198). Ver: GRAHAM, op. cit. (p.283), FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992; p.120-121) e PINTO, op. cit.

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Conceição do Arroio. No entanto uma análise mais apurada do ocorrido revelou que

questões de ordem política podem estar por detrás das razões elencadas.

O primeiro motivo levantado no inquérito diz respeito a um exame de sanidade

mental que seria feito pelo juiz municipal e de órfãos em Jeronymo Silveira de Souza.

O suposto doente era irmão de Hildebrando Silveira de Souza, um dos que

desejavam a retirada dos juízes. Contudo o documento não revela maiores detalhes

sobre este procedimento e nem quais seriam as conseqüências advindas dele.237

O segundo motivo, relatado nos depoimentos do cônego Joaquim Ferreira

Ramos e de José Candido de Almeida, diz respeito a um processo judicial

envolvendo Ignacio de Araujo Quadros Filho e Jacob Stammetz.238 Os depoentes

ouviram dizer que, sendo retirados os juízes, acabar-se-ia o processo em que

Ignacio havia ofendido Jacob, livrando-se, portanto, de uma provável condenação.

237 Adentrando no perigoso terreno das hipóteses, questionamos se o Jeronymo Silveira de Souza, ao ser declarado como mentalmente incapaz, seria excluído de participar de uma eleição. Considerando que o voto de um cidadão era tremendamente disputado e que qualquer ato tornava-se válido quando o objetivo era diminuir o número de votantes do grupo contrário, corremos o risco de fazer tal indagação, mesmo que não tenhamos subsídios para comprová-la. 238 Cf. MÜLLER, op.cit. (1992; p.85) um Brummer chamado Jacob Steinmetz chegou ao Vale do Três Forquilhas entre 1851 e 1855. O autor não faz referências sobre a permanência deste imigrante na colônia. No AHRS localizamos o alistamento geral dos eleitores de Conceição do Arroio, de 1896, no qual figuram como votantes Jacob Staimttes e Jacob Staimttes Filho, ambos casados, de profissão negócio, o primeiro com 68 anos, e o segundo com 30 anos, sendo os dois de Maquiné (2ª Seção Eleitoral). Não podemos afirmar que se trata da mesma pessoa envolvida no processo judicial. Ao que tudo indica, há a possibilidade de estarmos falando do indivíduo que Müller apresentou como Brummer e que mais tarde teria fixado residência em Maquiné. Além do mais, ser apontado como eleitor e ter sua profissão designada de negócio sugere que possuía alguma importância naquele cenário, onde teria poder para conflitar-se com um fazendeiro da região. AHRS - Correspondência das Intendências – Lata 119V - Maço 349.

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No entanto entendemos que há razões mais profundas para se estabelecer tal clima

de instabilidade, que resultou na fuga dos juízes na véspera do dia em que seriam

expulsos.

No depoimento de Ignacio de Araujo Quadros Filho, lemos que a reunião tinha

por fim não permitir a desintegração de um partido político, que estaria sendo

promovida pelo juiz Paulino Chaves, acompanhado de outras pessoas. Apesar de

não citar a sigla, sabemos que se tratava do partido liberal, pois Antônio Marques da

Roza era seu líder em Conceição do Arroio, e o Major Adolpho Felippe Voges, em

Três Forquilhas. Além disso, pela saudação proclamada pela comunidade239 quando

saiu às ruas para comemorar a fuga dos juízes, que gritava “...morras aos pica-pau

apelido com que tratam o juiz municipal...”240, “...vivas a sociedade arroiense e

morras ao pica-pau apelido porque se trata o juiz municipal...”241 e que dava vivas

“...ao Gal. Osorio e a boa sociedade...”242, podemos supor que agraciavam o partido

liberal, pois o Gal. Osório era um dos grandes líderes desta agremiação. Ao

239 Apesar de constituir-se num terreno movediço, baseamo -nos em Jean-Jacques Becker para analisar o que o autor chama de opinião púbica . De acordo com sua análise, este tipo de manifestação deve ser levado em conta quando assume tais proporções, isto é, se um grupo expressa a sua opinião publicamente, enveredando por este ou aquele “caminho”, esta manifestação torna-se mensurável e peça fundamental para a compreensão do episódio. Assim, valorizamos o que foi expresso por parte da comunidade arroiense, quando saiu às ruas para comemorar a fuga dos juízes, uma vez que isto representa sua vontade política e/ou sua subordinação a alguns chefes locais. Graham apresenta uma série de situações em que uma comunidade, ou parte dela, manifestou-se a fim de comemorar uma vitória, ou outro acontecimento qualquer, sendo que “essas atividades às vezes viravam folguedos generalizados, ou degeneravam em confrontos armados...”. (p.151). Ver: BECKER, Jean-Jacques. A Opinião Pública. In.: RÉMOND, René (Org.). Por Uma História Política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. (p.185-211) e GRAHAM, op. cit. 240 AHRS – Polícia - Maço 6 - Depoimento de José Candido de Almeida.

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saudarem-no, demonstravam sua tendência política e/ou a subordinação aos líderes

que pretendiam expulsar os juízes.243 Outro aspecto que nos conduz a esta

suposição é o ódio demonstrado pela população contra o juiz municipal Alexandre

Correia de Castro, que recebeu a alcunha de Pica-Pau. No entanto não podemos

afirmar que caracterize, neste momento, um adepto do republicanismo, pois,

conforme Franco, o apelido seria cunhado somente durante a Revolução Federalista,

identificando as forças governistas.244

Especificamente sobre a denominação Pica-Pau, encontramos em dois

dicionários definições que podem nos auxiliar no entendimento deste vocábulo. No

primeiro, além de outras explicações, Pica-Pau é “agente de polícia cívica”245 e, no

segundo, “soldado de polícia”.246 No entanto não podemos afirmar que o termo

estivesse sendo usado nesse sentido, acusando, comparando ou depreciando a

figura do juiz. Quanto ao juiz municipal, Richard Graham sustenta que, através das

suas funções, este magistrado tinha a possibilidade de socorrer “os seus” e perseguir

241 AHRS – Polícia - Maço 6 - Depoimento de José da Silva Cabral. 242 AHRS – Polícia - Maço 6 - Depoimento de Manoel Vidal de Negreiros. 243 Uma das premissas que perpassa a obra de GRAHAM, op. cit. é aquela em que o autor entende o partido político não como uma agremiação que tem um programa de governo a ser apresentado à população e posteriormente desenvolvido. Para ele, o que está em jogo é o poder pessoal do líder e sua capacidade de articulação com os que estão acima e abaixo do seu posto. (p.198). 244 Cf. FRANCO, Sérgio da Costa. A Guerra Civil de 1893. Porto Alegre: UFRGS, 1993. (p.8). LOVE, op. cit. concorda com as explicações deste mesmo autor, discorrendo, também, sobre as denominações Pica-Pau, que identificava os republicanos; e Maragato, que caracterizava os federalistas. (1975; p.66). 245 GRANDE Enciclopédia Portuguesa e Brasileira . v. XXI. Rio de Janeiro/Lisboa: Editorial Enciclopédia Ltda., s/d. (p.573).

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os que lhe eram contrários. Estava, conforme o entendimento do autor, muito mais

ligado a questões de ordem local do que aos seus compromissos judiciais. Sendo um

homem da própria localidade, usufruía do seu conhecimento para exercer a sua força

e demonstrar o poder que o cargo lhe atribuía. Graham exemplifica com a seguinte

situação: “... um terceiro juiz municipal... mal ocupou o cargo, soltou um culpado de

assassinato e deixou de lado um pleito contra um ladrão de cavalo.” 247

Concretiza-se, dessa forma, uma querela política, na qual dissidentes ou

contrários do partido liberal desejavam fundar um novo partido no Litoral Norte do

RS. Não desprezamos os outros dois motivos apontados, pois é muito provável que

haja uma imbricação entre eles. Todavia, considerando que a década de 1880 se

aproximava insuflada pelos debates sobre as possíveis abolição da escravatura e

proclamação da República, que veio a constituir-se num dos momentos mais

intranqüilos da vida brasileira, trabalhamos com a probabilidade de uma disputa

política acirrada, conduzida por conservadores e liberais e, eventualmente, futuros

republicanos.

Por sua vez, a consulta a três pesquisadores, distintos teórica e

metodologicamente, pode revelar-nos outras variáveis no que tange à expulsão dos

246 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (Org.). Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1.ed. [2. Impressão]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. (p.1091). 247 GRAHAM, op cit. (p.95).

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juízes de Conceição do Arroio. O primeiro, Antônio Stenzel Filho,248 discorre sobre a

política local, definindo o juiz de direito, Paulino Chaves, como um articulador político

e responsável pela distinção entre os partidos conservador e liberal. Segundo este

autor:

“Havia em toda a Província dois partidos, o liberal e o conservador; aqui, o chefiado pelo Coronel Antônio Marques da Rosa, que se dizia liberal, e entretanto dava a sua votação aos conservadores; e o outro, cujo chefe era o Major João Marques, que se tinha como conservador, mas dava a votação ao partido liberal. Só mais tarde, com a chegada do Dr. Paulino Chaves, que veio como juiz de direito... foi que os partidos se discriminaram, terminando essa inversão, que eu não sei qualificar, porque nunca consegui saber o motivo dela.”249

Como vemos na análise do autor, os dois líderes que tramaram a expulsão

dos juízes seriam de partidos contrários e, mesmo assim, uniram-se em torno deste

propósito. Stenzel afirma, também, que faziam “uma política mansa, cheia de

tolerância e considerações...”250, do que discordamos face à violência explicitada nos

documentos pesquisados. Menciona, igualmente , que o chefe liberal “contava com

elementos de subido valor, sendo auxiliado por homens de prestígio do quilate do

248 Cf. STENZEL Filho, Antônio. A Vila da Serra (Conceição do Arroio): Sua descrição física e histórica, usos e costumes até 1872. 2.ed. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980. Podemos classificar a obra do autor como uma história municipalista, em que os fatos são narrados linearmente, sem que haja vínculo entre eles. Stenzel nasceu e viveu no Litoral Norte do RS, o que lhe permitiu conhecer a fundo o cotidiano daquelas comunidades e, posteriormente, registrá-lo em seu livro. Lamentamos, apenas, que ele não cita as suas fontes, impedindo-nos de buscar outras informações para cruzarmos com o documento que narra a expulsão dos juízes. 249 STENZEL Filho, op. cit. (p.77). 250 STENZEL Filho, op. cit. (p.78).

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Major Adolfo Felipe Voges, José Luís de Medeiros e professor Nascimento, de Três

Forquilhas...” 251 o que ratifica nossa hipótese de participação política de membros

das colônias alemãs.

Quanto ao segundo pesquisador, Helga Piccolo aponta-nos dois fatos que

consideramos oportunos para esta discussão. O primeiro diz respeito à queda dos

conservadores em princípios de 1878 e à ascensão dos liberais.252 Esta mudança é

notória, porque é dentro deste novo quadro político-partidário que os personagens do

Litoral Norte do RS atuaram. Toda e qualquer manifestação de grupos ligados à

política deve ser analisada levando-se em conta o panorama que se instalou a partir

de 1878, quando os liberais tomaram o poder e viram-se fragmentados pelas

inúmeras facções que passaram a discordar do seu comportamento como governo.

Apesar de todas essas pendengas internas, mantiveram-se como situação até serem

destituídos pelos republicanos.

O segundo fato apontado pela autora diz respeito ao desentendimento entre

Silveira Martins e Osório, momento em que há um cisma no partido liberal. Um dos

motivos que ocasionou a inimizade entre os dois líderes, além da questão dos

acatólicos referida anteriormente, foi a mudança de presidente no Rio Grande do Sul,

onde foi “nomeado a 5 de julho de 1879, tomou posse a 19 desse mesmo mês na

251 STENZEL Filho, op. cit. (p.78). 252 PICCOLO, op. cit. (1974; p.14).

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presidência da província, o Dr. Carlos Thompson Flores então juiz de direito de São

Sebastião do Caí.” 253

Primeiramente, destacamos a coincidência das datas: mesmo mês e ano em

que houve a expulsão dos juízes; em seguida, lembramos que a comunidade de

Conceição Arroio, quando soube que os juízes haviam fugido, deu vivas ao Gal.

Osório e não a Silveira Martins, demonstrando que possuía algum conhecimento ou

inclinação política. Seria “osorista” e não “gasparista”? A atitude destas pessoas que

se manifestaram pode ter sua origem na orientação dos seus chefes políticos.

Considerando que a comunidade se dividia pelos partidos conservador e liberal, é

natural que seguissem e participassem dos planos elaborados pela liderança

correspondente. Assim, é possível que o desentendimento entre os dois líderes

liberais, ocasionado em parte pela troca de presidente na província, tenha alterado a

rotina partidária do Litoral Norte do RS. Sobre este fato, lemos num dos depoimentos

que “... o promotor público esteve com esta testemunha [cônego Joaquim Ferreira

Ramos] em casa deste promotor lendo o jornal Reforma que recém havia chegado

no correio, ali conversavam sobre a nomeação do Senhor Presidente Flores...”.254

253 PICCOLO, op. cit. (1974; p.106-107). (grifos nossos). 254 AHRS – Polícia – Maço 6 - Depoimento do cônego Joaquim Ferreira Ramos. Consideramos esta citação relevante, pois demonstra que tinham conhecimento do que havia ocorrido na presidência da província. E mais, ao lerem o jornal “A Reforma”, que era da imprensa liberal, tornavam público sua tendência política. Cf. Piccolo, o jornal “A Reforma” foi criado em 1869 para divulgar as idéias liberais. (p.109). Ver: PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. A Política Rio -Grandense no Império. In.: DACANAL, José Hildebrando & GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. (p.93-117).

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Pelas leituras realizadas, sabemos que, normalmente, quando ocorria uma mudança

deste tipo no alto escalão – troca de presidente da província -, o efeito atingia as

esferas inferiores, neste caso, a vila de Conceição do Arroio.255 Contudo, após a

morte do Gal. Osório, o partido liberal retomou suas atividades sob o comando único

de Silveira Martins, que travou um constante duelo com o líder republicano Júlio de

Castilhos. Segundo Piccolo, “com a morte de Osório em outubro de 1879, caberia a

Silveira Martins a liderança absoluta do partido liberal no Rio Grande do Sul ...”.256

O terceiro pesquisador consultado é de Santo Antônio da Patrulha. José

Maciel Júnior,257 além de exercer o cargo de Oficial do Registro de Imóveis, dedicou-

se ao estudo de sua cidade e a recolher todo e qualquer documento que julgasse

importante, criando um rico acervo sobre a história da vila patrulhense. No seu livro,

o autor apresenta um episódio que ocorreu em 1878, envolvendo dois juízes.

Segundo Maciel:

“Acontece que nesses pequenos lugares as competições político-partidárias são, geralmente, agitadas, e Santo Antônio da Patrulha, município bastante amplo e, por isso importante, a luta entre conservadores e liberais às vezes se extremava, mas jamais chegou ao ponto de 1878/80, durante a campanha eleitoral.

255 Cf. RAMOS, op. cit. (1990; p.178-196 e 228). Em FAORO, op cit. encontramos outro exemplo desta prática. Cf. o autor: “Com o afastamento dos funcionários públicos, nomeação de republicanos, distribuindo à larga patentes da Guarda Nacional, sem desdenhar o uso da violência, o Partido Republicano desmontou, da cúpula à base, a máquina eleitoral do Partido Liberal, a mais poderosa do Império.” (1970; p.102). (grifos nossos). 256 PICCOLO, op. cit. (1974; p.107). 257 MACIEL Jr., op. cit.

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A passeata da noite de 18 de maio de 1878, que passou à história com o nome de ‘Quebra-Vidros’, promovida pelos liberais contra as casas dos conservadores... Em conseqüência desses acontecimentos, ocorreu sério incidente entre o Juiz de Direito da Comarca, dr. Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, conservador, e o Juiz Municipal, Francisco Antônio Caldas, liberal.” 258

Uma das conseqüências do desentendimento entre os juízes foi a extinção da

comarca de Santo Antônio da Patrulha, criando-se no seu lugar a comarca do Rio do

Sinos, com sede na vila patrulhense, e a comarca de Maquiné, sediada em

Conceição do Arroio, para onde foi transferido o juiz Paulino Chaves. Menos sorte

teve Vieira Caldas, que, em virtude deste incidente, foi processado. Os magistrados

que o julgaram entenderam que não cabia a condenação, sendo transferido para

Porto Alegre e, posteriormente, para Florianópolis.259

A fim de enriquecermos esta problemática, apresentamos outras situações na

qual o juiz Paulino Chaves está inserido. Em março de 1876 a câmara municipal de

Santo Antônio da Patrulha escreve ao presidente da província solicitando

esclarecimentos acerca de um pagamento que deveria ser feito a um dos escrivães

do município. Apesar de não revelar qual a origem do desentendimento, diz que “no

processo crime de responsabilidade em que foi acusado perante a mesma relação, e

absolvido, o juiz de direito desta Comarca Dr. Paulino Rodrigues Fernandes

258 MACIEL Jr., op. cit. (p.89-90). (grifos nossos).

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Chaves...”.260 Pelo teor do que foi escrito, o juiz envolveu-se em mais um episódio,

de ordem jurídica, o que nos auxilia a reconstituir a sua trajetória como magistrado e

a compreender a teia das relações que, paulatinamente, estabeleceu com a

comunidade litorânea.

O outro acontecimento refere-se novamente a desentendimentos entre Vieira

Caldas e Paulino Chaves. Num extenso relatório ao presidente da província, o juiz

Vieira Caldas defende-se das acusações que lhe foram feitas por João de Aguiar

Júnior, que o acusa de interpretar erroneamente a lei eleitoral. O motivo maior da

denúncia são as inclusões e exclusões dos votantes qualificados,261 tarefa que

estava a cargo deste juiz e que poderia dar vitória ao partido liberal, do qual era

adepto, desfavorecendo os conservadores.

Do documento mencionado, interessam-nos, particularmente, três

informações. Num certo momento, o acusador João de Aguiar Júnior chama o juiz

Vieira Caldas de “liberal exaltado”, o que significa não apenas rotular e tornar público

a que partido político o juiz pertencia, mas definir-se como um contrário, isto é, “se o

259 Cf. GRAHAM, op. cit. a vida jurídica dos juízes dependia de sua articulação com o governo. Via de regra, era o presidente da província que os nomeava, ou, então, removia e aposentava de acordo com os seus interesses e/ou do partido que representava. (p.95). 260 AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 157 - Maço 229 – Santo Antônio da Patrulha – 1876. 261 Cf. GRAHAM, op. cit. após 1875 os juízes de direito receberam o poder de excluir nomes da lista de qualificados para as eleições. Com isto, os dois juízes sentiam-se legalmente aptos a incluir e/ou excluir nomes desta lista, o que gerava desentendimentos “espinhosos” entre os dois. Este poder era

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outro é um liberal exaltado, eu sou um conservador”. A resposta de Vieira Caldas

para esta delação está intimamente ligada à atuação de Paulino Chaves, que,

segundo o juiz acusado, está por detrás desta artimanha, manipulando e protegendo

o seu acusador Aguiar Júnior. E a terceira informação desvela o grau de

desentendimento entre as duas autoridades. Vieira Caldas, ao mencionar o nome do

seu colega, diz que “o referido juiz figadal inimigo meu, que timbra em reformar as

decisões em que intervenho...”.262 As declarações de ambas as partes vem ratificar o

que vimos demonstrando em relação à prática política no Litoral Norte do RS. O

desfecho destes acontecimentos que perpassaram os anos de 1876 a 1879 deu-se

com a pretendida expulsão do juiz de direito Paulino Rodrigues Fernandes Chaves e

do juiz municipal Alexandre Correia de Castro. Parece-nos que foi no bojo de todas

estas “pendengas” político-partidárias que se gerou e concretizou a saída dos dois

juízes em julho de 1879. O fato de Paulino Chaves sair-se vitorioso e permanecer na

comarca e Vieira Caldas ser transferido para Porto Alegre marcou profundamente o

sentimento liberal dos seus colegas correligionários. À medida que houve a

oportunidade, os liberais não hesitaram em dar o “troco” e expulsar os

conservadores, respaldados agora no governo liberal junto à província e ao Império.

O ponto nevrálgico destes incidentes está na participação do juiz Paulino

Chaves. Uma acusação feita pelo próprio juiz em seu depoimento indica que pode

tão importante para a eleição que, quem conseguisse elaborar uma lista que trouxesse mais votantes

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haver um elo de ligação entre os acontecimentos de 1878/79. Conforme o que é

relatado pelo magistrado:

“... fora encontrado em Santo Antônio da Patrulha em casa do Doutor Caldas ao cair da tarde, Luiz Henrique Moura de Azevedo, Zeferino Antonio Gomes, Zeferino Antonio de Oliveira, João Jacques Nicós e João Pereira Filho, onde foram, segundo dizem, combinar o plano delineado por Luiz Henrique Moura de Azevedo.” 263

Buscamos acompanhar a trajetória política do Major Luiz Henrique Moura de

Azevedo nas eleições para deputado na assembléia provincial legislativa em 1887 a

fim de demonstrar os conchavos políticos que conservadores e liberais estabeleciam

para garantir a vitória. Da tabela abaixo, podemos observar:

para o seu partido, praticamente estava com a vitória garantida. (p.405). 262 AHRS – Eleições - Caixa 208 – Maço 3 – Santo Antônio da Patrulha – 1876. (grifos nossos). 263 AHRS – Polícia – Maço 6 – Depoimento do juiz de direito Paulino Rodrigues Fernandes Chaves. Nesta mesma oportunidade, o magistrado acusa o advogado Luiz Henrique Moura de Azevedo de ter aconselhado Antonio Marques da Roza e João Marques da Cruz Martins a promoverem a expulsão dos dois juízes. No entanto não dá os motivos que levaram o advogado a tal aconselhamento. Pesquisando os inventários no APRS, localizamos o do bacharel Luiz Henrique Moura de Azevedo, de 1893, no qual estão descritos os bens que possuía. Além de móveis e objetos requintados, deixou também “trinta e seis livros de direito, usados.” As suas propriedades constituíam-se de “uma casa coberta de telhas, nesta vila, com cinco janelas e uma porta na frente, com cozinha, também de telhas” e “uma casa, coberta de telhas e o competente terreno, cercado, situado na ‘porteira’.” O total dos bens foi avaliado em 3:398$680. O seu nome aparece em outros inventários, como no de Guilhermina Voges, esposa do Major Adolpho Felippe Voges, de 1880, quando foi contratado para providenciar a transmissão dos bens que cabia aos herdeiros e no de Benício Witt, de 1890, sendo-lhe outorgada uma procuração para representar os interessados. Destacamos estes dois documentos, pois demonstram que a atuação advocatícia de Azevedo estendia -se por todo o litoral e que, especialmente no caso dos Voges, mantinha relações com a família exponencial de Três Forquilhas, ao ponto de ser escolhido como seu advogado. APRS – Espólio de Luiz Henrique Moura de Azevedo – Curador: Julio Pinto Guimarães – n. 256 – Maço 9 – Estante 159 – 1893 – Conceição do Arroio – Ausentes, Arrecadações; APRS – Inventário de Guilhermina Voges – Autos 195 – Maço 6 – Estante 62 – 1880 – Conceição do Arroio – Cartório do Cível e APRS – Inventário de Benício Witt – n. 248 – Maço 8 – Estante 62 – 1890 – Conceição do Arroio – Órfãos e Ausentes.

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Candidatos Paróquia de

Conceição do

Arroio

Distrito de

Palmar

Distrito de

Maquiné

Paróquia de São

Domingos das

Torres

Antônio Caetano

Seve Navarro

51 votos 39 votos 29 votos 42 votos

José Rodrigues

Lima

18 votos 12 votos 16 votos 20 votos

Luiz Henrique

Moura de

Azevedo

17 votos 8 votos 17 votos 1 voto

Antes de fazermos algumas considerações sobre a tabela retro, lembremos

que o Major Luiz Henrique Moura de Azevedo esteve envolvido, segundo denúncias

do juiz de direito Paulino Chaves, no episódio da expulsão dos juízes e que mantinha

contatos com a família Voges, de Três Forquilhas, a tal ponto de ser escolhido como

advogado para conduzir o inventário da esposa de Adolpho Felippe Voges.

Analisando o seu desempenho nas eleições de 1887 no distrito de Maquiné,

podemos supor que seu colega liberal Adolpho Voges tinha influência nesta área,

onde fez dezessete votos, enquanto que, na paróquia de São Domingos das Torres,

fez somente um voto. Além de indicar a possibilidade de uma ligação política entre

os dois liberais, dentre outras hipóteses que poderíamos aventar, desconfiamos de

que, pelo menos nestas eleições, o chefe liberal Adolpho Voges não teve influência

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sobre o eleitorado de São Domingos das Torres, mesmo que esta paróquia

integrasse a área colonial do litoral.264

Além do que expomos acima, a ínfima votação do Major Luiz Henrique Moura

de Azevedo em Torres talvez possa ser explicada pelo fato de os torrenses estarem

assimilando as idéias republicanas. Conforme Eloísa Ramos:

“Com uma série de necessidades, como a abertura definitiva da barra do Mampituba, a construção de um porto no município e o impasse dos partidos monárquicos, que, por suas lideranças – como já vimos não conseguiram reverter o quadro de estagnação local, passaram os torrenses a buscar, mesmo que já no ano de 1889, uma nova saída. Uma alternativa poderia ser a adesão ao PRR, com a esperança de melhores dias. É o que se deduz das matérias que são mandadas deste distrito para o jornal ‘A Federação’, como um enérgico protesto dos comerciantes da praça de Torres visando à construção do porto e queixando-se da ‘indiferença e incuria’ com que seus assuntos eram tratados pelo governo provincial.” 265

Pela análise da tabela mencionada, podemos constatar que o candidato

conservador, Antônio Navarro, fez 42 votos contra 1 do liberal Azevedo. O resultado

da eleição estaria indicando uma aproximação com os republicanos via partido

264 Os dados para esta tabela encontram-se no AHRS – Eleições – Caixa 207 - Maço 1 – Conceição do Arroio – 1887 e AHRS – Eleições – Caixa 208 - Maço 4 – Torres – 1887. Os três concorrentes são descritos da seguinte forma: o primeiro, “Doutor e advogado em Porto Alegre”; o segundo, “Major e advogado na Palmeira”; e o terceiro, “Major e advogado na Comarca”. Apesar de buscarmos informações sobre o candidato Antônio Caetano Seve Navarro, não descobrimos muita coisa em relação a este político. Ari Martins apresenta pequenos dados biográficos sobre ele, resumidos da seguinte forma: “Pernambucano [nascimento]; Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1898. Bacharel pela Fac. De Dir. de Recife. Advogado em Pelotas. Juiz municipal em Livramento. Dep. à Assembléia Provincial do RS em várias legislaturas. Dep. Geral pelo RS, 1886-1889. Já em 1883, segundo Sacramento Blake, residia há vários anos no RS. Membro do Partido Conservador.” Ver: MARTINS, Ari. Escritores do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS/Instituto Estadual do Livro, 1978. (p.392).

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conservador? Para a autora, as manifestações pró-republicanas foram respostas de

questões não resolvidas, principalmente em Torres e Conceição do Arroio. Já

citamos o caso do porto de Torres e as inúmeras queixas dos arroienses em razão

das más condições das estradas.

A inclusão da tabela dos resultados da eleição de 1887 tinha como objetivo

demonstrar as oscilações na prática do poder local. Dando continuidade a esta

análise, Maciel aponta o juiz Paulino Chaves como um conservador, o que justificaria

o fato de ter sido expulso por um grupo liberal. Ao que parece, manteve-se adepto do

partido conservador até 1888, participando de três legislaturas como deputado

provincial: 1883/84, 1885/86 e 1887/88.266 Segundo Sérgio da Costa Franco,267 o

cargo de juiz de direito neste período servia como um trampolim para a política. A

condução da vida pública de Paulino Chaves sugere que a afirmação do historiador

esteja correta. Contudo existem momentos da trajetória do magistrado que ainda não

elucidamos totalmente. Por exemplo, o juiz desejava fundar um novo partido no

Litoral Norte do RS em 1879? Helga Piccolo informa que o Clube Republicano de

Porto Alegre foi fundado em junho de 1878 e o PRR em fevereiro de 1882.268 Com

265 RAMOS, op. cit. (1990; p.166-167). 266 Cf. AITA, Carmen, AXT, Gunter & ARAUJO, Vladimir (Orgs.). Parlamentares Gaúchos das Cortes de Lisboa aos Nossos Dias: 1821-1996. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1996. (p.49-50). 267 O Dr. Sérgio da Costa Franco concedeu uma entrevista ao autor, na qual teceu as afirmações acima. Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, 29/3/2000. GRAHAM, op. cit. ao analisar a atuação dos juízes junto à política, também os enxerga como elementos importantes para a vitória dos partidos aos quais pertencem. (p.299). 268 PICCOLO, op. cit. (1974; p.113 e 115).

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isso, questionamos se o juiz, mesmo sendo adepto do partido conservador, já estaria

assimilando as idéias republicanas; e mais, como conservador, como pôde em

dezembro de 1892 ser nomeado um dos sete desembargadores do estado em pleno

governo castilhista?269 e quanto à alcunha de Pica-Pau dirigida contra o juiz

municipal, o que significava este apelido em 1879? que atos e palavras deste

magistrado permitiram que fosse rotulado com este apelido? Não há respostas

definitivas. Para nós, o mais importante é que nos deparamos com um mundo no

qual a política tinha um lugar privilegiado e movimentava os seus partidários de tal

forma que inúmeros conflitos passaram a existir na disputa pelo poder.

Para entendermos a complexa rede de relações que os litorâneos

estabeleceram, faz-se necessário avançar um ano e constatar que, em junho de

1880, foi suprimida a comarca de Maquiné, anexando-se os seus termos –

Conceição do Arroio e Torres – novamente a Santo Antônio da Patrulha.270

Concordamos com Maciel quando afirma que os anos de 1878/80 foram

tremendamente turbulentos para a política no Litoral Norte do RS. Assistimos a atos

de violência (Quebra-Vidros), extinção e criação de novas comarcas, transferência

de juízes, expulsão de magistrados por seus inimigos políticos, enfim,

acontecimentos que impõem uma análise criteriosa da forma como estabeleciam as

269 Cf. FÉLIX, Loiva Otero. Persona: Des. Antônio Augusto Borges de Medeiros. In.: AJURIS. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.74, ano XXV, p.432-444, nov. 1998. (p.432-444). (p.439). 270 Cf. MACIEL Jr., op. cit. (p.108).

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relações entre os partidos e os seus correligionários, o que reforça o raciocínio de

Graham, o qual afirma que, no ano de 1878, os políticos brasileiros discutiram

acirradamente a reforma eleitoral. O autor aponta uma série de dificuldades nas

negociações, as quais impediram que chegassem a um consenso. O

desentendimento entre as facções postergou a reforma, concretizada somente em

1881 com a lei Saraiva, sendo que as discussões sobre a instalação de eleições

diretas acompanhadas, ou não, de sufrágio universal, provocaram desordem nos

altos escalões da política brasileira. Porém os reflexos do debate não se limitaram a

perturbar o cotidiano dos maiorais. Conforme o autor, “isto se reflete até nos confins,

nas vilas”. Ora, a turbulência dos anos 1878/79 em Santo Antônio da Patrulha e

Conceição do Arroio parecem ratificar a sua afirmação.271

A análise dos supostos motivos que poderiam ter ocasionado a fuga dos

juízes de Conceição do Arroio e a abordagem dos três pesquisadores – Antônio

Stenzel Filho, Helga Piccolo e José Maciel Júnior – indicaram algumas possibilidades

de compreensão. O intuito de se realizar este exercício foi o de desvendar as

relações políticas dentro do espaço litorâneo, especialmente os elos e os

rompimentos ligados à disputa político-partidária. A partir disso, tornou-se possível

verificar as articulações que nacionais e colonos alemães tiveram que estabelecer

para relacionarem-se com os pequenos e médios chefes locais.

271 Cf. GRAHAM, op. cit. (p.253).

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No que diz respeito às articulações políticas, a expulsão dos juízes pode

exemplificar de que forma os litorâneos as tramavam. Um documento expedido de

Torres comprova que houve comunicação entre eles e Conceição do Arroio,

demonstrando que a amplitude do acontecimento foi notória, pois fez com que a

liderança política dos dois povoados se manifestasse. Conforme um telegrama do dia

14 de julho de 1879, a câmara municipal torrense sugeria que:

“A Câmara Municipal desta Vila, convicta que da retirada dos atuais juízes de direito e municipal da Câmara do Maquiné depende a tranqüilidade pública dos habitantes da mesma e interpretando fielmente o pensamento inteiro de seus municipais, pede com instância a V. Exça. propor ao governo as remoções dos mesmos juízes, porque suas presenças podem continuar a alterar a tranqüilidade da câmara. Manoel Fortunato de Souza Vereador Presidente, Manoel Lima Porto, Quintiliano Raupp, Joaquim Custodio da Terra, Manoel Cardozo Vieira, Henrique André Müller.” 272

A leitura completa do inquérito policial revela que o promotor público de

Conceição do Arroio esteve em Torres por três dias, justamente no período em que

se deu a saída dos juízes. De acordo com o depoimento do juiz de direito da

comarca de Maquiné, Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, ele teria ido às Torres

convidar pessoas para participar do ato criminoso que resultaria na retirada dos

magistrados, porém a explicação formulada pelo promotor para justificar sua

ausência de Conceição do Arroio nega a afirmação do juiz. Em seu depoimento, ele

272 AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 97V - Maço 282. Telegrama endereçado ao presidente da província, expedido de Torres para Porto Alegre.

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diz que “fui a Vila de São Domingos das Torres pedir um pouco de dinheiro ao Sr.

Joaquim Ferreira Porto, para meu filho ir a Porto Alegre surtir a sua casa de

negócio...”.273 O telegrama expedido pela câmara municipal de Torres comprova que

eles obtiveram informações do que aconteceria em Conceição do Arroio, avisados,

provavelmente, pelo promotor público.

O percurso realizado entre Conceição do Arroio e Torres pelo promotor

público evidencia, de maneira incontestável, que havia comunicação entre os

núcleos populacionais do Litoral Norte do RS e que estes homens, os chamados

exponenciais, eram capazes de se articular politicamente, cooptando as forças

indispensáveis para a concretização de seus objetivos no que se refere à busca

pelas “migalhas” indispensáveis para sua perpetuação como liderança local.

Sobre esta capacidade de articulação política, interessa-nos dissecar a

atuação dos nacionais e colonos alemães do Litoral Norte do RS, embora estes

últimos não pudessem chegar às vias de fato, isto é, serem eleitos para cargos

políticos. A lei Saraiva passaria a existir somente em 1881, possibilitando aos

acatólicos e brasileiros naturalizados a efetiva participação nas eleições. Uma das

exceções na colônia de Três Forquilhas é Seraphim Agostinho do Nascimento, que

273 AHRS – Polícia – Maço 6.

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chegou à colônia para lecionar. Conforme Müller, “ingressou também no Partido

Liberal, tornando-se o braço direito do Major Adolfo Felipe Voges.”274

O professor Seraphim Agostinho do Nascimento chegou a Três Forquilhas por

volta de 1860,275 integrou-se à vida da comunidade, tornando-se membro da igreja

evangélica, aprendendo a língua alemã com o pastor Voges, falecendo em 1902,

sendo tido como um professor dedicado que entusiasmava seus alunos a

prosseguirem com os estudos.276

A sua atuação na colônia chegou até nós por ter sido citado em obras

bibliográficas e pelos documentos localizados no AHRS.277 A sua amizade com o

Major Adolpho Felippe Voges demonstra que a diferença étnica não foi empecilho

para que fortes laços fossem mantidos entre eles, mesmo sendo Seraphim um

nacional, e Adolpho, um descendente de imigrantes alemães. Ao contrário,

274 MÜLLER, op. cit. (1992; p.88). 275 Cf. um documento da câmara municipal de Conceição do Arroio, Três Forquilhas, em setembro de 1859, encontrava-se sem professor para as aulas de instrução primária, resultando no analfabetismo e no desconhecimento da língua portuguesa. Possivelmente, Seraphim Agostinho do Nascimento veio à colônia para suprir esta deficiência, pois a data da sua nomeação para lecionar em Três Forquilhas consta de 11 de abril de 1863. AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras - Lata 114 - Maço 55; AHRS – Documentação dos Governantes – Relatórios e falas dos presidentes da província – A7.13 - Relatório do presidente da província João Pedro Carvalho de Moraes - 1873. 276 MÜLLER, op. cit. (1992; p.87-88). 277 Para exemplificar, apresentamos três documentos que citam o professor Nascimento: o primeiro, que narra a expulsão dos juízes; o segundo, de maio de 1869, pelo qual ele solicita 15 dias de licença para ir a Rio Grande, visto o seu pai estar doente, e o terceiro, de abril de 1879, que informa que ele entrou “no gozo da licença de 60 dias”. Não informa os motivos de seu afastamento e diz que deixou um substituto, Alexandre José Maria Franklin, aceito pela câmara municipal de Conceição do Arroio. AHRS – Requerimentos – Maço 142 – Instrução Pública; AHRS – Autoridades Municipais - Correspondências das Câmaras – Lata 114 - Maço 57.

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demonstra que, no interior deste espaço colonial, conviveram líderes locais de etnias

diferentes, exercendo, cada um, a sua influência de tal forma que uma aliança entre

eles foi possível. Neste caso, o elo que permitiu e sustentou a divisão do poder entre

um nacional e um descendente de imigrantes alemães foi a bandeira liberal da qual

os dois eram adeptos.

Neste momento, é oportuno questionar se estes personagens enquadrar-se-

iam na figura do chefe local analisado por Félix, Silva & Schmidt,278 e/ou se

estabeleceram relações de base clientelísticas apresentadas e analisadas por

Richard Graham.279 Vejamos caso a caso: o juiz de direito Paulino Rodrigues

Fernandes Chaves era adepto do partido conservador e valia-se do seu cargo para

beneficiar a sua agremiação, sobretudo quando havia eleições.280 Durante sua

trajetória política no Litoral Norte do RS, formou um séquito, que o avisara, inclusive,

do perigo que corria se não escapasse de Conceição do Arroio; o pastor Carlos

Leopoldo Voges, líder dos colonos nos planos espiritual, educacional, administrativo

e econômico, manteve sua autoridade calcada na religião e no comércio, atendendo

a maioria dos colonos que não tinham a quem pedir socorro; seu filho primogênito, o

278 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992). 279 GRAHAM, op. cit. 280 Cf. GRAHAM, op. cit. “... as eleições testavam e ostentavam a liderança do chefe local. Através de um sistema de eleições indiretas de dois turnos, os votantes escolhiam as figuras mais proeminentes do local para formar os colégios ele itorais...”. (p.17). Torna-se evidente por que as eleições eram um acontecimento tão desejado e acirradamente disputado, visto que ser eleito para o colégio eleitoral significava estar à frente e sobre a maioria das pessoas; perder a eleição poderia rebaixar o chefe local à esfera de um simples homem da comunidade, posição que nenhum deles queria ocupar.

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Major Adolpho Felippe Voges, tornou-se chefe liberal e comerciante, firmando os

laços que seu pai estabelecera entre a colônia e os arredores, especialmente os

Campos de Cima da Serra e o restante do litoral; o forasteiro Bahiano Candinho fixou

moradia na colônia e nos Campos de Cima da Serra, assumindo as lides coloniais e

campeiras conforme os empregos disponíveis. Entrou para a política, adotando as

idéias liberais, o que lhe valeu em parte a alcunha de “bandido”. O último

personagem que destacamos é o professor Seraphim Agostinho do Nascimento,

sobre o qual nos deteremos um pouco mais.

O professor Seraphim Agostinho do Nascimento, embora não sendo um

colono, tornou-se líder na colônia de Três Forquilhas. Como subdelegado281 e

membro do partido liberal acumulou poderes para dirigir e orientar os colonos,

armando milícias, inclusive com o auxílio de Bahiano Candinho. Deve-se salientar

que sua atuação remonta ao Império, pois chegou à colônia por volta de 1860 e se

estende até 1902, quando falece, já no período republicano. Fernandes Bastos, ao

escrever o romance histórico Noite de Reis, dá a este personagem um vasto poder,

em que a sua atuação perpassava o administrativo, o político e a instituição policial.

Conforme José Murilo de Carvalho:

281 Cf. BASTOS, op. cit. (1935) e MÜLLER, op cit. (1992). Os dois autores referem-se ao professor Nascimento como subdelegado, cargo que lhe teria dado amplos poderes para atuar na colônia de Três Forquilhas, bem como no Litoral Norte do RS.

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“As tarefas do juiz e do delegado eram importantes para o controle da mão-de-obra e para a competição com fazendeiros rivais. Ser capaz de oprimir ou proteger os próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais, fazendo uso da política, era um trunfo importante na luta econômica. Como observou Oliveira Viana (1949), a justiça brasileira caracterizava-se, nessa época, pelas figuras do ‘juiz nosso’, do ‘delegado nosso’, isto é, era uma justiça posta a serviço dos interesses dos mandões.”282

A citação de Carvalho ratifica a importância que vimos destacando às figuras

dos juízes e delegados. O professor Seraphim Agostinho do Nascimento enquadra-

se na descrição do autor, pois, ao optar pelas diretrizes do partido liberal, passou a

usar de suas atribuições para coibir os adversários, sobretudo os inimigos políticos.

Após arrolarmos esta série de nomes, podemos nos perguntar o que há de

comum entre eles. Como chefes locais, exerceram liderança política e parece-nos

claro até aqui que o Litoral Norte do RS foi palco de disputas político-partidárias,

encabeçadas por pequenos e médios chefes locais; estes mesmos chefes locais

estabeleceram um sistema clientelístico, beneficiando os seus pares e perseguindo

os seus inimigos políticos. As inúmeras situações que apresentamos deram cores ao

clientelismo exercido pelos litorâneos na segunda metade do século XIX e, no que se

refere aos chefes locais de Três Forquilhas, sobretudo aos descendentes de

imigrantes alemães, exerceram um papel ativo no seu meio, inserindo-se na política

com o intuito de aproximar-se da sociedade “nacional”, da qual estavam legalmente

separados por uma série de imposições, sendo a principal a restrição à cidadania

282 CARVALHO, op. cit. (1999; p.138).

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brasileira. Nesta busca de afirmação política, transcenderam o espaço das colônias,

ampliando seu poder até os Campos de Cima da Serra e ao restante do litoral.

Concluímos, assim, que estes líderes formaram uma categoria diferenciada no que

tange aos padrões definidos pela historiografia, não sendo possível chamá-los de

“coronéis”, quer burocratas ou não. Em decorrência desta conclusão, no subcapítulo

seguinte demonstraremos como estes chefes locais exerceram o seu poder no Litoral

Norte do RS, especialmente na época das eleições, palco por excelência das

disputas político-partidárias.

3.2 A Inserção dos Nacionais e Colonos Alemães na Esfera Política

Ao chegarmos a este último subcapítulo, estamos convencidos de que os

nacionais e os colonos alemães do Litoral Norte do RS participaram da política rio-

grandense. Detectamos uma minoria que conseguiu sobressair-se, destacando-se

nos cenários político e econômico e uma maioria que foi representada por e

conforme os interesses dos chefes locais. Direcionemo-nos, agora, para o nosso

objetivo que é o de complementar o conteúdo desenvolvido anteriormente, dando

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ênfase às eleições, verificando deste modo como os litorâneos relacionaram-se com

a política e inseriram-se no processo eleitoral.283

Iniciamos esta análise com um documento de 1832. Segundo o que foi

narrado, a vila de Santo Antônio da Patrulha promoveu algumas reuniões entre os

juízes de paz de seus distritos. Um dos temas abordados pelos magistrados dizia

respeito aos estrangeiros que vagavam pelo litoral. Não cabe afirmar que sejam os

colonos alemães de São Pedro de Alcântara ou de Três Forquilhas, porém podemos,

no mínimo, suspeitar que alguns deles provinham do núcleo católico ou do

evangélico, pois colonos descontentes retornaram a São Leopoldo. Por sua

relevância, transcrevemos parte do que foi relatado:

“Declarou mais o Sr. Presidente que vagando de continuo muitos estrangeiros alemães, e outros homens desconhecidos de um para outros lugares sem portaria, ou passaporte, e constando que algumas vezes tem cometido pequenos roubos nos lugares por onde passam, e não convindo a segurança pública que tais homens sem ocupação alguma, nem fim determinado vaguem por nossas estradas, porque podem ser malfeitores, e ainda não o sendo podem agregados tornarem-se salteadores, por isso propunha que ninguém pode sair de um para outro distrito sem portaria do respectivo Juiz de Paz, e quando alguém der pousada a pessoa desconhecida, e sem a portaria acima dita, a pessoa que em sua casa a acolher, inquirindo o

283 Rémond reportou-se às eleições de forma esclarecedora quanto à sua importância no cenário político: “Que pode haver de mais natural que o fato de alguns historiadores terem se interessado desde cedo pelas eleições? Tinham vários bons motivos para fazê-lo. Primeiro, o papel decisivo da eleição nos regimes que há duzentos anos reconheciam a primazia da opinião pública e faziam depender de sua expressão, restrita ou geral, por intermédio da eleição, a atribuição do poder: quer ocorressem nas datas previstas pelos textos constitucionais, quer fossem provocadas inopinadamente, as eleições não ritmavam o desenrolar da vida política, dividin do-a em seqüências e organizando sua ‘periodização’?” (p.38). Ver: RÉMOND, René. As Eleições. In.: RÉMOND, René (Org.). Por Uma História Política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996b. (p.37-55). (grifos nossos).

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nome, lugar do domicílio, e lugar para onde se dirige, o fizer constar no dia seguinte ao delegado do distrito, para este o participar ao Juiz de Paz respectivo, a fim de que deste modo pela desconfiança de serem facilmente conhecidos, e apanhados se evitar a perpetração de algum crime, que pudessem intentar praticar.”284

Outra possibilidade de compreensão deste fato nos é indicada por Juvêncio

Lemos. Em sua obra, Os Mercenários do Imperador, o autor analisa a formação e a

dissolução de batalhões mercenários, importados pelo imperador a fim de servirem-

no pessoalmente e atuarem em momentos estratégicos da vida do país. Um destes

grupos é remetido ao Rio Grande do Sul, em 1828, via litoral, onde cometeu,

segundo relatos, uma série de tropelias.285 É possível que alguns destes soldados

tenham desertado ou perambulado por outras bandas do litoral, sendo alvo das

reclamações dos juízes de paz. Infelizmente, como não há uma relação nominal,

ficamos sem saber, realmente, quem eram estes alemães que estavam a inquietar

as autoridades locais.

Retroceder até o ano de 1832 é importante à medida que revela o caráter de

não-submissão dos alemães que vieram ao Brasil, quer como soldados, colonos ou

artesãos. Essa inconformidade está relacionada à ordem estabelecida no Brasil, que

284 AHRS – Justiça – Maço 41 – 1832. Ata da segunda seção e reunião da junta de paz da vila de Santo Antônio da Patrulha. (grifos nossos). 285 Estas tropelias foram descritas da seguinte forma: “... cometendo durante essa marcha quantas tropelias lhe aprouve, sem que seus oficiais os pudessem conter, e enfim chegando a Porto Alegre, em face do Presidente da Província, continuou a dar irrecusáveis provas de seu espírito turbulento cometendo violências, e atacando em grupo as casas e tabernas, a ponto de deixarem por mortos em um desses atos dois oficiais do 27º BC, que se achavam com licença na mesma cidade...”. Ver: LEMOS, op. cit. (p.412).

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os acolhia como mão-de-obra sem lhes dar plenamente o direito à cidadania,

dificultando-lhes a inserção na política, o que consistia numa tentativa de mantê-los à

margem da sociedade nacional. Ora, os imigrantes chegaram ao Litoral Norte do RS

em 1826 e, em 1832, a câmara municipal de Santo Antônio da Patrulha já está

denunciando uma situação que desvela inadaptação ao novo meio em que foram

inseridos.286 O fato de soldados desgarrarem-se de suas tropas, perambularem pelo

litoral em razão da sua dissolução e colonos não permanecerem em seus lotes e

cumprir com suas obrigações marcou sensivelmente o período inicial da colonização

no Litoral Norte do RS. O inspetor das colônias, Francisco de Paula Soares, fez

inúmeras queixas sobre estes mesmos problemas, denunciando, por exemplo, que

alguns colonos católicos não queriam aceitar as terras que estava oferecendo e,

conseqüentemente, ocupá-las e produzir alimentos.287

Este panorama inicial da colonização indica-nos a postura tomada pelos

colonos durante a sua trajetória. Para a grande maioria, um sentimento de

inconformidade, desilusão e abandono; para os que conseguiram se sobressair, a

286 Cf. SAUL, op. cit. “ainda que esse contingente [os imigrantes], progressivamente aumentado, se destinasse às atividades agrícolas, boa parte refluía para as cidades na busca de outras alternativas de vida. Esse refluxo se reproduziu por uma série de fatores conjugados, sobressaindo entre eles as condições existentes nas fazendas, as dificuldades de acesso à propriedade territorial, as fases de depressão dos cultivos de exportação, a inadaptabilidade dos colonos à vida rural, etc.” (p.136). (grifos nossos). Embora o autor refira-se ao último quartel do século XIX e à região cafeeira, podemos notar algumas semelhanças no comportamento dos colonos que vieram ao Brasil. 287 Parte da correspondência de Francisco de Paula Soares está transcrita na obra de ELY e BARROSO, op. cit. (1996; p.107-130).

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vila de Torres foi o baluarte que lhes proporcionou um futuro melhor, permitindo o

acesso à educação, à política e a outras possibilidades econômicas.

Ainda sobre o comportamento dos colonos em relação a suas obrigações,

examinaremos como era a relação dos católicos com seus párocos. No fundo

documental, Assuntos Religiosos, do AHRS, a colônia é referida várias vezes. Os

relatos são escritos por padres, os quais denunciam que os colonos de São Pedro de

Alcântara não se comportavam adequadamente, principalmente quando se tratava

de sepultamentos, pois não comunicavam ao vigário a morte da pessoa, decorrendo

daí o fato de que este não podia fornecer os dados para o relatório que era obrigado

a apresentar ao presidente da província e nem cobrar pelos seus serviços.288 Sobre

este fato, lemos num dos documentos:

“Ilmo. Exmo. Senhor Levo ao conhecimento de Sua Exça. que no dia 29 de maio morreu um alemão da colônia de S. Pedro de Alcântara, foi enterrado, sem encomendação, sem avisarem-me, sem fazer o assento no livro de óbitos desta freguesia, e sem pagarem-me os direitos paroquiais que me pertencem como vigário desta igreja, desde o dia 1º de março que tomei posse desta freguesia, na mesma colônia tem morrido sete crianças, sem encomendação, não me avisaram, nem se tem feito os respectivos assentos, há pouco tempo que soube sobre estas crianças. Como eu posso dar o mapa no 1º do mês que vem com exatidão como me exige o governo, se não me tem avisado, nem feito os respectivos assentos de óbitos, portanto para fazer observar as leis do império com as leis estatísticas, e respeito ao seu vigário, pois do

288 Cf. GRAHAM, op. cit. os padres recebiam, normalmente, salários modestos. Sua renda dependia, parcialmente, das taxas cobradas pelos batismos, casamentos e enterros. Talvez isto explique o comportamento do padre em relação aos colonos de São Pedro de Alcântara. (p.93).

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contrário este mal exemplo que dão os moradores da colônia se estenderá a toda esta freguesia e por as vizinhas. Portanto suplico de Sua Exça. se digne por fim a estes abusos, dando ordens para que a Irmandade de Nossa Senhora do Amparo seja a responsável e o Inspetor da Colônia seja responsável para que não se enterre naquele cemitério nenhuma pessoa da colônia e de fora, sem apresentar um bilhete do vigário e isto não se consegue se não com um exemplar, fazendo pagar alguma multa os filhos ou família do alemão que foi enterrado no dia 29 do mês passado, sem ser encomendado e sem dar parte a igreja, pois com este exemplo se acabará este abuso que pode trazer funestas conseqüências, uma delas é de não parar nenhum vigário nesta igreja por estes abusos, mas é meu dever participar a Sua Exça. para que ponha um remédio como seja de seu agrado, pois isto é o que meus antecessores deviam ter feito. Rogo a Sua Exça. me desculpar por escrever em espanhol, pois não queria que soubessem o que participei a Sua Exça. Rogando todos os dias ao Todo Poderoso por sua preciosa saúde para bem desta província, e administrar justiça para bem do Império, São Domingos das Torres, 24 de junho de 1857. O Vigário Blas Puerta Rodriguez”289

A carta escrita pelo vigário deixa transparecer alguns obstáculos que

impediam os católicos de proceder como a igreja ordenava. O maior deles era a

distância que separava a colônia da vila de Torres; além disso, havia o pagamento

dos serviços realizados pelo padre, que poderia pesar no orçamento familiar, ou

então incomodar os que discordavam de tal prática. O certo é que os colonos criaram

mecanismos de resistência ou estranhamento frente às cobranças que os párocos

lhes faziam, desrespeitando as suas ordens. Podemos, ainda, aventar que os

colonos estivessem se distanciando da religião, “esfriamento” causado em grande

parte pelos longos períodos que passavam sem a assistência religiosa.

289 AHRS – Assuntos Religiosos – Caixa AR11 - Maço 23. O documento encontra-se em espanhol no original. Foi traduzido para o português por Marcos Antonio Witt. (grifos nossos).

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O conflito estabelecido entre os colonos católicos e a igreja remete-nos ao

relatório de pesquisa de Félix, Silva & Schmidt.290 Apesar de os pesquisadores terem

se debruçado sobre o período republicano e concluído que o poder local perpassava

estas instituições – como a igreja, clubes e associações –, nem todos aceitavam as

determinações que lhes eram impostas. Assim, embora a comunidade estivesse

envolta com a religião e de certo modo necessitasse dos serviços dos padres e

pastores, houve quem os dispensasse e buscasse outras alternativas para

problemas que precisavam ser resolvidos de forma rápida e objetiva. Por certo, os

colonos católicos do Litoral Norte do RS não foram exceção no relacionamento

igreja-colonos. Tanto entre evangélicos quanto católicos, por inúmeras vezes,

conflitos eclodiram, evidenciando que nem mesmo a religião era capaz de soldar

suficientemente as relações dentro do espaço colonial.291 O comportamento

“rebelde” dos colonos de São Pedro de Alcântara sinaliza que, para este estudo, as

conclusões de Félix, Silva & Schmidt não respondem suficientemente às nossas

indagações.

290 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992). 291 O exemplo mais acabado de conflitos religiosos no Rio Grande do Sul, envolvendo colonos alemães, é o caso dos Mucker, que eclodiu na década de 1870, no atual município de Sapiranga. A bibliografia sobre a “revolta” dos Mucker é muito vasta e representa os diversos posicionamentos adotados pelos pesquisadores em relação ao movimento. Destacamos: o trabalho historiográfico de AMADO, Janaína. Conflito Social no Brasil: A Revolta dos “Mucker”. São Paulo: Símbolo, 1978 e o romance histórico de ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Videiras de Cristal. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

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De uma situação que demonstrou que alguns colonos hesitavam em

inserirem-se na ordem brasileira do século XIX, situação causada pela ambigüidade

que viveram no Brasil, passamos para a análise de outro grupo – os exponenciais –

que, para alcançarem seus objetivos, viam-se obrigados a buscar os canais

competentes da época. Destacam-se, da colônia de São Pedro de Alcântara, os

Creutzburg (Kras Borges), Emmerich (Emerim), Magnus, Müller, Raupp (Raup),292

entre outros. A análise da documentação encontrada no AHRS e no APRS

demonstrou que algumas famílias sobressaíram-se atuando firmemente na vila de

Torres. Como exemplo, podemos citar os Raupp, imigrantes católicos que chegaram

ao Litoral Norte do RS com as levas iniciais de 1826. No APRS, localizamos o

inventário de José Raupp, de 1873.293 A inventariante é sua esposa, Catharina

292 Mencionamos a grafia original e a forma escrita atualmente, verificando-se em alguns casos total distorção do sobrenome. Confrontando estes nomes com a listagem elaborada por Hunsche, podemos afirmar que fizeram parte da leva de imigrantes que chegou às Torres em 1826. Ver: HUNSCHE, op. cit. (1977; p.118-183). 293 APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 5 – Maço 1 – Estante 104 – Torres - 1873. A título de comparação, apresentamos também o inventário de Hipólito Antonio Rolim, outra família exponencial de Torres. A viúva Anna Nunes Rolim solicita a partilha amigável dos bens em 1863, totalizando a quantia de 10:611$280, estando incluído neste montante um plantel de 9 escravos. Possuíam terras, inclusive “quinze e meia braças de terras nas Três Forquilhas” e um engenho de cana. Apesar de José Raupp ter seu inventário aberto dez anos depois, seu patrimônio é sensivelmente maior do que a do nacional Rolim, havendo uma diferença de 28:759$390 e cinco escravos entre os dois. APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 4 – Maço 1 – Estante 104 – Torres - 1863. Para maiores efeitos de comparação, verificamos uma série de inventários localizados no APRS e selecionamos, aleatóriamente entre os anos de 1854 e 1895, 8 casos a fim de fazermos uma média no valor total dos bens. A soma total dos bens de cada inventário revelou a quantia de 5:746$766, sendo a média de 718$345 por cada um. Ver: APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 3 – Maço 1 – Estante 104 – Torres – 1854; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 43 – Maço 2 – Estante 104 – Torres – 1873; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 73 – Maço 2 – Estante 104 – Torres – 1880; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 88 – Maço 3 – Estante 104 – Torres – 1882; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 182 – Maço 5 – Estante 104 – Torres – 1895; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 181 – Maço 5 – Estante 104 – Torres – 1895; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 188 – Maço 6 – Estante 104 – Torres – 1895 e APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 37 – Maço 1 – Estante 104 – Torres – 1872. Ainda, no que se relaciona aos inventários de Torres, Hilda Flores

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Raupp, que solicita a partilha amigável dos bens. O que surpreende é a avaliação

total do que pertencia à viúva e aos seus herdeiros: 39:370$670, estando incluído

neste montante um plantel de 14 escravos, que totalizaram 7:900$000.294 As

analisou 31 casos entre os anos de 1896 e 1898. Segundo dados recolhidos pela autora, a média das moradias na vila de Torres estava em 237$000. Ver: FLORES, Hilda Agnes Hübner. O Cotidiano de Torres no Final do Século XIX. In.: BARROSO, QUADROS & BROCCA, op. cit. (1996; p.99-103). Tanto os inventários que analisamos quanto os que foram investigados por Flores denunciaram um cotidiano de vida simples, muitas vezes de pobreza. Ressaltamos que os dados que apresentamos referem-se ao valor total dos bens enquanto as informações que retiramos do texto de Flores restringem-se ao valor das moradias. Ambos os casos fazem contraponto à riqueza dos Rolim e dos Raupp, famílias exponenciais de Torres. 294 É de extrema importância referir que desde 1850 os imigrantes alemães e seus descendentes estavam proibidos de possuir escravos. No entanto, pela documentação pesquisada, constatamos que as leis n. 183, de 18 de outubro de 1850 e 304, de 30 de novembro de 1854 não foram cumpridas, desobedecendo-as tanto evangélicos quanto católicos. O que mais surpreende é que, muito provavelmente, os colonos tinham consciência desta proibição, pois a câmara municipal de Santo Antônio da Patrulha atesta que recebeu a cópia da lei e que a tornou pública nas duas colônias. AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 97V - Maço 282 - Santo Antônio da Patrulha – 9 de novembro de 1850. HANDELMANN, op. cit. que escreveu sua obra nesta mesma década, alertou: “... devemos ainda observar que, como em Santa Catarina, também no Rio Grande do Sul, pela lei de 18 de outubro de 1850, foi proibida a importação de escravos nas novas colônias; se com essa medida se queria criar realmente um território livre, ou se, antes pelo contrário, o fundo da questão não seria o propósito pessoal de conservar o reduzido número de escravos exclusivamente para os Brasileiros natos, é o que ainda resta saber.” (p.539). Reportamo -nos, ainda, a duas correntes historiográficas que analisaram a escravidão entre os colonos alemães. A primeira está representada por dois autores que negam ou relativizam a posse de escravos por parte dos imigrantes e seus descendentes. O primeiro afirma que: “Mas o colono não dispunha, ao tempo, de recursos para tornar-se senhor de escravos. E uma vez encaminhadas as tarefas de cada ‘colônia’, iniciadas as plantações, o negro representaria apenas uma boca a mais a consumir e a pesar, portanto, no orçamento doméstico, sem compensação na soma de trabalho produzida e da qual a própria família do colono poderia incumbir -se. Essas razões bastariam para ir afastando o elemento servil das zonas que o imigrante alemão ia colonizando, se sobre elas não pesasse, ainda, decisivamente, a repulsa natural que aquele havia, por força, de sentir pela condenada instituição.” (p.112) enquanto que o segundo encobre a presença dos negros entre os alemães, pois “na colônia de São Leopoldo os negros eram em número muito pequeno. As relações entre os colonos e os negros não tinham as conotações da relação entre portugueses e eles. Os negros chegaram a ter relações de emprego com os colonos, mas sem nenhuma conotação escravista, embora a relação fosse escalonada: branco é branco e preto é preto.” (p.238-239). A segunda corrente historiográfica a que nos referimos é representada por Tramontini, que analisou a escravidão entre os colonos alemães, constatando que “o estudo sobre a escravidão entre os imigrantes alemães no Sul do Brasil sempre esbarrou em alguns problemas, dentre os quais destacamos dois. Primeir o, a ênfase dada pelos estudos sobre a imigração para o papel de substituição da mão-de-obra escrava que fora reservada a estes estrangeiros pelas autoridades imperiais... Segundo, a historiografia produzida pelos ideólogos da identidade étnica destes imig rantes teutos no Sul do Brasil. Trabalhos que fazem questão de afirmar que os imigrantes/colonos não tinham escravos, que abominavam a escravidão

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atividades a que se dedicavam estão descritas da seguinte forma: “casa com

atafona, casa de olaria e seus pertences, engenho de cana, casa de morar no

curtume, casa de curtume e tanques, casa e pedra para moer casca” e uma “lancha

velha” e um “hiate”. Além disso, possuíam muitas propriedades territoriais, inclusive

em Lagoinhas, SC.

A referência ao inventário é importante à medida que esclarece de onde

provém o poder daquela família. Estabelecendo uma outra comparação, desta vez

dos Raupp com os Voges de Três Forquilhas, verificamos que, nestes dois casos, a

base econômica caminha paralelamente com a política, sendo duas variáveis

importantes que normalmente não há como dissociar. Muitas vezes, os exponenciais

estão relacionados a outros episódios, em que disputam algo valioso que aumente a

sua riqueza. Muito antes de sua morte, em 1850, José Raupp e outro colono, André

Verber, disputaram um pedaço de terra em Torres, na Itapeva.295 Pela decisão final

pois estariam imbuídos de uma cultura germânica que valorizaria o trabalho livre.” (p.1). No entanto, apesar da negação por parte da historiografia apontada pelo autor, ele conclui que colonos de São Leopoldo adquiriram este tipo de mão-de-obra. Neste trabalho demonstramos, igualmente, que colonos do Litoral Norte do RS possuíram escravos em suas propriedades. Tanto em São Leopoldo quanto nas colônias de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas, houve colonos que se destacaram e tiveram recursos para efetuar a compra de escravos. Isto relativiza a inserção dos estrangeiros na sociedade “nacional”, evidenciando que os limites entre os dois grupos eram mais tênues do que rígidos. Ver, respectivamente: TRUDA, F. de Leonardo. A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1930; MÜLLER, Telmo Lauro. Negros de Fala Alemã. In.: FISCHER, Luís Augusto & GERTZ, René E. (Orgs.). Nós, os Teuto-gaúchos. Porto Alegre: UFRGS, 1996. (p.238-239) e TRAMONTINI, Marcos Justo. A Escravidão na Colônia Alemã (São Leopoldo – Primeira Metade do Século XIX). In.: Primeiras Jornadas de História Regional Comparada. Porto Alegre: Disc Press, 2000c. (CD-ROM). 295 A disputa pela terra não ocorreu somente entre os colonos alemães do Rio Grande do Sul. Tão logo foi instalada a colônia de São Pedro de Alcântara, em Santa Catarina, no ano de 1829, estes mesmos problemas passaram a se suceder. Cf. HANDELMANN, op. cit. “O governo havia-lhes dado a

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da justiça, ficou esclarecido que a propriedade requerida pelos alemães pertencia

realmente a Antonio José Viegas, sendo condenados a desistirem dela. No final do

processo, há uma petição em nome dos colonos, solicitando que tal sentença seja

revista, porém não se tem uma resposta para este último requerimento.296

Cinco anos após, em 1855, Antonio Krasburg, Mathias Dais, João Magno e

Fellipe Chefre reclamam que suas terras foram invadidas por Manoel Mendes e

Manoel Luis, resultando num processo em que se constata que as terras foram

herdadas pelos invasores, não tendo, portanto, os colonos direito à reclamação.297

Os dois exemplos refletem uma situação em que os colonos requerem algo não

pertencente a eles e uma persistência em lutar por aquilo o qual julgam necessário e

de direito. São demonstrativos de que exerceram um papel ativo no espaço em que

viveram, sabendo reivindicar quando determinado objeto lhes interessava.

Ressaltamos, ainda, que nem todos estes colonos podem ser enquadrados entre os

exponenciais, todavia é possível que a presença destes tenha permitido ou

colaborado para a elaboração da reivindicação, inserindo-se assim na rede

clientelística.

posse de uma grande extensão de terras, com matas virgens; porém, somente quando ali ficou feita a roçada, resultou de improviso que, ao menos numa parte das mesmas terras, cidadãos brasileiros natos possuíam mais antigos direitos de posse; começou um processo de longos anos, que finalmente se apaziguou por meio de acordo e compra por parte dos alemães. Nestas condições, muitos abandonaram a colônia e se estabeleceram em outros sítios.” (p.513). 296 APRS – Processo-Crime – Cível e Crime – n. 266 – Maço 7 – Estante 159 – Conceição do Arroio – 1850. 297 APRS – Processo-Crime – Cartório do Cível – n. 235 – Maço 6 – Estante 159 – Conceição do Arroio – 1855.

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Outro aspecto analisado em relação aos exponenciais diz respeito a sua

capacidade de serem porta-vozes de seus interesses e da comunidade. Isso se

constata em inúmeras solicitações, como aquelas nas quais requerem dinheiro para

abertura ou manutenção de estradas. Em 1886, reivindicam 8:000$000 que serão

aplicados em reparos num caminho que “da Glória segue para Cima da Serra.”

Como vice-presidente da câmara municipal da vila de São Domingos das Torres,

assina Quintiliano Raupp, filho do José Raupp acima mencionado e, como secretário

interino, Ernesto André Müller.298 Como se vê, os colonos católicos não

desperdiçaram a oportunidade que a emancipação política de Torres lhes

proporcionou, assumindo rapidamente os cargos políticos e a condução

administrativa do novo município. No entanto não gastavam seu tempo somente

fazendo solicitações de auxílio pecuniário. Em 1881, Pedro Brendes e Primavera

propõe a criação de um grande engenho no Litoral Norte do RS para o fabrico de

açúcar. A câmara municipal de Torres requer ao governo uma taxa de juro especial

para a execução da obra, expondo os grandes benefícios que tal empresa traria para

eles. Assinam, dentre outros vereadores, Quintiliano Raupp, André Daniel Raupp e

André Müller.299

298 AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Maço 282 – Lata 97V – Torres – 1886. 299 AHRS - Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 97V - Maço 282 – Torres – 1881.

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Após listarmos estes exemplos, em que nacionais e colonos envolveram-se

em situações de disputa e conflito 300 e encaminharam questões de ordem política via

câmaras municipais, principal órgão de ligação entre o litoral e o governo provincial,

analisaremos como participaram das eleições nos anos de 1851, 1865 e 1896. Para

tal, montamos cinco tabelas, divididas nas categorias “profissão” e “nome de

votantes”. Propositadamente, a última lista que elaboramos apresenta números de

uma eleição ocorrida no período republicano, cujo objetivo é verificar como se deu a

participação política de nacionais e colonos a partir do sufrágio universal. Iniciamos

pela tabela 1, em que estão dispostos os votantes qualificados de Conceição do

Arroio “por profissão”, nos anos de 1851 e 1865.

TABELA 1 - “Lista geral dos votantes qualificados na freguesia de Nossa

Senhora da Conceição do Arroio” (por profissão).301

300 Cf. TRAMONTINI, op. cit. “Tentamos... destacar o papel fundamental dos conflitos, do enfrentamento das dificuldades, seja pelo trabalho, pela revolta, pela rebeldia, pela luta ou pela reivindicação – tanto frente a adversidades externas quanto internas -, na organização do mundo colonial.” (2.000b; p.237). Baseamo-nos nas considerações do autor para analisar os conflitos que envolveram nacionais e colonos alemães do Litoral Norte do RS, percebendo que a dinâmica social dos grupos envolvidos era perpassada por conflitos. Buscamos algo mais do que analisar o conflito como um acontecimento efêmero e excêntrico. Pelo contrário, vislumbramos sua longa duração e normalidade, verificando por quanto tempo durava aquele desentendimento e como interferia no cotidiano das pessoas. 301 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1851 e 1865. Algumas profissões não foram devidamente identificadas, por isso transcrevemos a palavra tal como a encontramos no documento.

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Profissão Ano: 1851 Ano: 1865 Percentual

Negociante 8 20

Lavrador 160 440

Barbeiro 1 ---

Ourives 1 ---

Vigário 1 1

Escrivão 1 ---

Sacristão 1 1

Sapateiro 3 1

Professor 2 ---

Alfaiate 1 1

Criador 73 189

Carpinteiro 8 ---

Capataz 6 ---

Ofício 7 6

Pescador 6 ---

Solicitador --- 1

Advogado --- 1

“Empo.” --- 9

Agência --- 6

Curtidor --- 3

Ilegível 1 5

Total 280 684 244,28%

O que se destaca nesta tabela é o aumento de 244,28% no número de

votantes qualificados na freguesia de Conceição do Arroio. A explicação para essa

diferença pode estar na emancipação de Conceição do Arroio em 1857, pois, a partir

de seu desvinculamento de Santo Antônio da Patrulha, certamente o novo município

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199

teve capacidade de arregimentar um número maior de votantes, principalmente entre

os lavradores, criadores e negociantes. Se considerarmos a emancipação de

Conceição do Arroio como o fator mais provável para o acréscimo demonstrado na

tabela, isto poderá nos auxiliar no entendimento das disputas político-partidárias e

por que um povoado desejava emancipar-se tão intensamente. Libertar-se do jugo

patrulhense permitiu a consolidação de uma nova chefia local, que pôde, a partir do

desvinculamento administrativo, exercer o seu poder político e aumentar,

consideravelmente, o seu eleitorado.

Porém, por não estarmos plenamente convencidos de que somente a

emancipação de Conceição do Arroio proporcionaria tal aumento na lista de

votantes, buscamos, ainda, respostas na Coleção de Leis do Império,302 entre os

anos de 1851 e 1857. Além desta fonte, recorremos aos debates sobre a reforma

eleitoral de 1855,303 que tinha como premissa revisar alguns aspectos da lei eleitoral

de 1846. Todavia não encontramos respostas claras e objetivas para os números

demonstrados na tabela retro em nenhuma das duas fontes, por outro lado, para não

descartá-las totalmente, parece-nos que a reforma eleitoral de 1855, em alguns

momentos, pode indicar pequenas possibilidades de compreensão para este fato.

Nas Emendas, ficou registrado que:

302 AHRS – Coleção de Leis do Império – Códices 81 a 94 – 1851 a 1857. 303 PINTO, op. cit.

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200

“Nenhum distrito eleitoral poderá ter menos de 120 eleitores. Em cada paróquia 25 votantes darão um eleitor. Os distritos que depois de feita a divisão não tiverem esse número, passarão a tê-lo. Para esse efeito cada uma das respectivas paróquias dará mais um eleitor, ou mais tantos quantos sejam necessários para que a soma total dos eleitores do distrito não seja inferior a 120, nem sobreexceda além da fração que for indispensável para inteirar esse número total.” 304

Apesar de não explicitar se isto acarretaria um aumento no número de

votantes, é possível que tenha colaborado neste sentido. Limitamo-nos, neste caso,

a apontar os números referidos na TABELA 1 e registrar que, entre 1851 e 1865,

Conceição do Arroio emancipou-se de Santo Antônio da Patrulha, o que certamente

conferiu aos chefes locais deste novo município maiores condições para aumentar o

número de votantes.

Por sua vez, este aumento do eleitorado na lista de 1865 reflete a ênfase que

o novo município deu à busca de eleitores. O acréscimo mais significativo ocorreu

entre os lavradores e criadores, atividades desenvolvidas no Litoral Norte do RS com

maior dinamicidade desde o século XVIII. Quanto aos lavradores, eles têm origem na

colonização açoriana de Santo Antônio da Patrulha a partir da metade do século

XVIII e, no que se refere aos criadores, as pastagens entre a serra geral e o mar

desde as primeiras incursões pelo Sul serviram de pouso para os viajantes, tropeiros

304 PINTO, op. cit. (p.213).

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201

e os que, mais tarde, se estabeleceriam nesta região como pequenos e médios

pecuaristas.305

TABELA 2 - “Lista dos cidadãos qualificados votantes na paróquia da vila de

Nossa Senhora da Conceição do Arroio no ano de 1865 – 4º Quarteirão” (por nome

de votantes).306

Nome Idade Estado Civil Profissão

André Hoffmann 25 C L

Cristovão Hoffmann 24 C L

Christiano Becker 28 C L

Frederico Belsens 29 C L

Felipe Mittmann 28 S L

João Hoffmann 26 C L

Pedro Mittman 32 C L

Adolfo Felipe Voges 27 C L

Benicio Vit 38 C L

Carlos Jacoby 34 C L

Carlos Strasburg 26 S L

Carlos Machman 29 C L

Christiano Mittman 33 C L

Carlos Prech 23 C L

305 Sobre a colonização açoriana em Santo Antônio da Patrulha, ver: BARROSO, Véra Lucia Maciel (Org.). Presença Açoriana em Santo Antônio da Patrulha e no Rio Grande do Sul. 2.ed. Porto Alegre: EST, 1997. 306 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1865. Codificação: C = casado; S = solteiro; L = lavrador.

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202

Carlos Schmanfran 24 C L

Carlos Frederico Voges 28 C L

Felipe Hapel 35 S L

Frederico Krás 28 C L

Guilherme Spenemberg 28 C L

Jorge Machman 31 C L

Jaco Krem 28 C L

João Jaco 29 C L

Jacob Spenamberg 33 C L

Jorge Spenamberg 31 C L

Paeul Becker 33 C L

Jacó Klipel 33 C L

Joaquim Brucker 33 C L

João Brucker 25 C L

João Spanemberg 26 C L

João Hoffmann 26 C L

Serafim Agostinho do Nascimento 27 C L

A listagem dos votantes qualificados do 4º quarteirão da paróquia da vila de

Conceição do Arroio apresenta como votantes 31 nomes de colonos alemães. Isso

evidencia, incontestavelmente, que pelo menos este grupo conseguiu inserir-se na

política. Helga Piccolo já havia alertado para o fato de que os colonos, desde que

comprovassem a renda, poderiam participar da política em nível municipal.307 Os 31

307 PICCOLO, op. cit. (1978; p.144).

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203

votantes listados na TABELA 2 atestam que esta análise é pertinente e, no mínimo,

foram inseridos entre os qualificados.

Da TABELA 2, destacamos:

a) Quanto à profissão, todos são listados como lavradores, o que não

corresponde à realidade, porque entre eles está Adolpho Felippe Voges, que

também era comerciante e Seraphim Agostinho do Nascimento, que tinha como

ocupação principal o magistério; entre os votantes, predominam os casados,

totalizando 28 e constam apenas 3 solteiros.308 Vemos a importância da família neste

cenário, que dava respaldo ao “chefe” para transcender o espaço familiar e atuar

também no campo político. Além disso, havia as uniões familiares que promoviam

casamentos com o propósito de assegurar os poderes econômico e político. Como

exemplo podemos citar o caso dos Voges, que, praticamente durante todo o século

308 Vigorava nesta época a determinação dos parágrafos I e II do Artigo 92 da Constituição Imperial de 1824, que dizia: “São excluídos de votar nas assembléias paroquiais: os menores de 25 anos, nos quais se não compreendem os casados e oficiais militares, que forem maiores de 21 anos, os bacharéis formados e clérigos de ordens sacras. Os filhos-família, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios públicos.” (p.333). Ver: DICIONÁRIO Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil. v.1. [Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro]. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922. (p.299-347). Explica-se, deste modo, através da lei, a importância do casamento para o acesso às eleições.

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204

XIX, davam preferência para que os matrimônios fossem realizados com os

Schmitt.309 Elio Eugenio Müller exemplifica da seguinte forma estas uniões:

“Carlos Jacoby... casou com Felipina Felisbina Schmitt, filha de Felipe Pedro Schmitt. Carlos Jacoby faleceu por volta de 1870, sem deixar descendência. A viúva decidiu por isto buscar a sobrinha Felisbina Schmitt, filha do cunhado Guilherme e mana Bárbara Schmitt. ‘Bininha’ criou-se assim aos cuidados da tia, sendo declarada herdeira do ‘Sítio da Figueira’ e outras propriedades na Serra. A viúva voltou a casar, unindo-se com o então viúvo Major Adolfo Felipe Voges. ‘Bininha’ casou com o filho deste, Carlos Frederico Voges Sobrinho”.310

A citação de Müller remete-nos ao estudo de Janaína Amado,311 no qual a

autora analisa a formação da parentela de elite, formação esta impulsionada por

casamentos contratados entre os economicamente mais fortes. O caso dos Voges

poderia ser enquadrado na análise de Amado. No entanto a contratação do

casamento não se dá apenas pelo econômico, mas também pelo “status” que a

união proporcionará às duas famílias. No âmbito do poder local, manter-se numa

posição elevada frente aos demais era de vital importância, sendo que o casamento

servia perfeitamente para este fim.

b) Quanto à faixa etária, prevalecem os votantes com idade entre 25 e 29

anos, somando 17. Depois, de 30 a 34 anos, totalizando 9; e somente 3 votantes

309 Esta afirmação tem como fundamento a análise que realizamos nos registros paroquiais do pastor Voges. 310 MÜLLER, op. cit. (1992; p.136). 311 Ver: AMADO, op. cit.

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205

entre 20 e 24 anos; e 2 entre 35 e 39 anos. Segundo Herbert Klein, poucos homens

votavam antes dos 25 anos de idade.312 A questão da faixa etária indica-nos que os

eleitores estavam entre uma idade relativamente jovem e mediana, ou seja, já

estavam com 25 anos e não haviam ultrapassado os 34. Apesar de não termos

realizado um estudo aprofundado sobre os óbitos, pelos registros paroquiais do

pastor Voges, podemos ver que as pessoas morriam com menos idade do que hoje.

A expectativa de vida não alcançava os números conhecidos atualmente, que se

encontram em 74 anos para as mulheres e 66,5 para os homens, na região Sul.313

c) Quanto aos casamentos, dos 26 eleitores que têm entre 25 e 34 anos, 24

são casados. Isso nos leva a crer que o casamento é uma das instituições que dá

sustento à atuação política e a viabiliza. Ellen Woortmann comparou as relações de

parentesco entre os colonos do Sul e os sitiantes do Nordeste, chegando à

conclusão de que por detrás de um casamento há muito mais do que o encontro de

duas famílias. Uma série de compromissos eram selados para que a união se

consolidasse, permitindo que se estabelecesse uma rede familiar, na qual entravam

312 KLEIN, op. cit. ao realizar seu estudo sobre a participação política no século XIX na cidade de São Paulo, analisou, além da dicotomia rural-urbano, a idade dos eleitores. Para o autor, “embora São Paulo tenha, obviamente, uma proporção de eleitores menor do que outras regiões, deve ser assinalado que os números para o Brasil como um todo subestimam a porcentagem real de eleitores efetivamente qualificados, já que poucos homens votavam antes dos 25 anos de idade.” (p.529). Para GRAHAM, op. cit. a situação é um pouco mais complexa, já que “os historiadores, como os contemporâneos, deparam-se com um emaranhado de ambigüidades na definição de quem podia legalmente votar... Embora a idade normal de voto fosse 25 anos, um homem votava desde os 21, contanto que fosse casado, tivesse recebido consagração religiosa ou uma patente de oficial militar.” (p.142). 313 Cf. ALMANAQUE Abril 2000 / Brasil. São Paulo: Abril, 2000. (p.98).

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206

não somente os noivos e seus pais, bem como padrinhos e afilhados. Richard

Graham comunga desta mesma idéia afirmando que “a família e a unidade

doméstica constituíam os fundamentos de uma estrutura de poder socialmente

articulada, e o líder local e seus seguidores trabalhavam para ampliar essa rede de

dependência.” 314 Esta mesma articulação realizada através do matrimônio

detectamos em alguns casos no Litoral Norte do RS.315

d) Observamos, por último, que a idade de Adolpho Felippe Voges não está

correta. Logo abaixo do seu nome encontramos o de seu irmão Carlos Frederico

Voges, de 28 anos, que não pode ser o mais velho, visto Adolpho ser o primogênito.

Conforme Müller,316 o primeiro filho do pastor nasceu em agosto de 1835, tendo,

portanto, em 1865, trinta anos. Ressaltamos este erro na idade de Adolpho Felippe

Voges para alertar que nem sempre os dados constantes nestas listagens

correspondem à realidade. A lista dos votantes qualificados servia, em primeiro lugar,

para garantir o maior número possível de eleitores para os partidos políticos e, se

fosse preciso, os dados eram alterados conforme a conveniência dos conservadores

ou dos liberais. Temos que considerar, além desses fatos, a própria ignorância dos

votantes e dos que elaboravam as listagens, incorrendo em erros por falta de

conhecimento. Conforme Graham, a idade não era o fator determinante para um

314 GRAHAM, op. cit. (p.17). 315 Cf. WOORTMANN, Ellen Fensterseifer. Herdeiros, Parentes e Compadres. Colonos do Sul e Sitiantes do Nordeste. São Paulo, Brasília: HUCITEC/EDUNB, 1995. 316 Cf. MÜLLER, op. cit. (1992; p.109).

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207

homem ser escolhido como votante, mas sim pesavam muito mais a vontade de

quem fazia a lista de votantes e a intenção de beneficiar este ou aquele partido

político. Para o autor, “... as qualificações legais para o voto – renda, ocupação,

residência e mesmo idade – tinham muito pouco a ver com quem votava. Como

percebeu um político: ‘No sistema atual, o que é votante? É um homem que,

qualificado hoje, amanhã é desqualificado por uma junta contrária.” 317 Ainda,

segundo Lamounier, “inventavam-se nomes, multiplicavam-se eleitores como no

milagre dos pães.” 318

TABELA 3 - “Lista dos cidadãos qualificados votantes pelo conselho de

qualificação da paróquia de São Domingos das Torres, no ano de 1865” (por

profissão).319

Profissão Quantidade

“E.P.” 8

Negociante 7

Fiscal 1

“Corp.” 3

Ferreiro 2

Pedreiro 2

“P.P.” 1

317 Cf. GRAHAM, op. cit. (p.146). 318 Cf. LAMOUNIER, op. cit. (p.289). 319 AHRS – Eleições – Caixa 208 – Maço 4 – Torres – 1865. As profissões que não identificamos foram transcritas conforme o original.

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208

Professor 1

Sapateiro 2

Marceneiro 2

“Agas.” 6

“Ors.” 1

Lavrador 345

Total 381

Na listagem dos votantes da paróquia de São Domingos das Torres,

destacam-se os lavradores, com 345 nomes. Como podemos ver, das outras

profissões, não há nenhuma que se destaca semelhantemente, denotando-se o

predomínio da lavoura como atividade principal desta área colonial. Apesar de

lavradores, estes têm poder econômico suficiente para serem qualificados como

votantes. Klein também analisou a participação dos lavradores nas eleições

municipais de São Paulo, dividindo-os entre eleitores urbanos e rurais e, embora

tenha detectado diferenças entre a renda de um e de outro, chegou à conclusão de

que ambos participaram efetivamente das eleições.320 Graham, por sua vez, dá mais

ênfase ao espaço rural no que se relaciona às eleições, dizendo que:

“os principais líderes políticos sempre viviam nas cidades, pelo menos enquanto o Congresso se reunia, e esse fato imprimia uma pátina urbana à ação política. Mas, sendo este o caso de uma

320 Cf. KLEIN, op. cit. (p.538-539).

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209

sociedade predominantemente rural, a verdadeira base da vida política assentava-se no campo, nas fazendas e estâncias.” 321

Lamounier, embora esteja se referindo ao período republicano, partilha da

mesma idéia acima, sustentando que: “... o município, no Brasil, representa o terreno

principal das campanhas eleitorais. Somando mais de 89% da população nacional,

os moradores do interior se veriam muito mais próximos e subordinados ao município

do que ao estado ou à União.” 322 Pelo estudo que vimos realizando, parece-nos que

Graham e Lamounier se aproximam mais da realidade brasileira, enfatizando o papel

do “rural” nas eleições.

TABELA 4 - “Lista dos cidadãos qualificados votantes pelo conselho de

qualificação da paróquia de São Domingos das Torres, no ano de 1865” (por nome

de votantes).323

Nome Idade Estado Civil Profissão

1º Quarteirão

João Francisco Cleza 36 C Ferreiro

Jacob Krás Borges 32 C Pedreiro

Nicoláo Krás Borges 26 S Pedreiro

João José Salles 25 S Ferreiro

2º Quarteirão

321 Cf. GRAHAM, op. cit. (p.33). (grifos nossos). 322 Cf. LAMOUNIER, op. cit. (p.283). 323 AHRS – Eleições – Caixa 208 – Maço 4 – Torres – 1865. Codificação: C = casado; S = solteiro; L = lavrador.

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210

João Jorge Raupp 31 C Negociante

3º Quarteirão

Albino Taix 30 S L

José Taix 33 C L

Jorge Taix 35 C L

José Bauer Filho 27 S L

Manoel Vitorino Kraz 45 C L

4º Quarteirão

Zeferino João Glz 28 S L

5º Quarteirão

João Ignacio Glz 45 C L

Manoel Ribeiro Glz 32 C L

6º Quarteirão

Não consta

7º Quarteirão

Não consta

8º Quarteirão

Guilherme Magno 30 C L

9º Quarteirão

Não consta

10º Quarteirão

Não consta

11º Quarteirão

André Bock 25 C L

Christovão Evald 37 C L

Caetano Lumerz 27 C L

Francisco Raupp 38 C L

Daniel Thomaz Enther 28 C L

José Luiz Raupp 27 S L

João Weber 26 S L

Jose Menguer 26 S L

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211

João Thomaz Enther Filho 27 C L

João Selau 30 C L

Jacob Dimer 29 C L

José Model 27 S L

José Jorge Benck 29 S L

Jacob Becker 27 S L

José Bock 26 C L

Mathias Dimer 30 C L

Pedro Mathias Anseret 31 C L

12º Quarteirão

João José de Bitencourt 58 C L

Luiz José de Bitencourt 30 S L

Manoel José de Bitencourt 31 C L

13º Quarteirão

Ignácio Jacob Lipert 26 C L

14º Quarteirão

Não consta

15º Quarteirão

Christovão Menguer 27 C L

Carlos Pedro Justino 28 S L

Carlos Henguel 29 C L

Carlos Maurer 28 C L

Carlos Anzempret 29 C L

Carlos Arzeret 32 C L

Carlos Pedro Maurer 36 C L

Christiano Jacob 30 C L

Frederico Schümites 32 C L

Frederico Popsim 30 C L

Felippe de Oliveira Nery 47 C L

Felippe Menguer 33 C L

Guilherme Becker 31 C L

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212

Henrique Becker 38 C L

Henrique Germanno 32 C L

Henrique Espanberg 31 C L

João Germanno 31 C L

João Becker Filho 26 S L

João Popsim 31 C L

Luiz Popsim 27 C L

Martinho Popsim 29 C L

Martinho Jacob 28 C L

16º Quarteirão

Não consta

A lista dos votantes da paróquia de São Domingos das Torres informa-nos que

foram selecionados 57 nomes de colonos alemães, distribuídos em 16 quarteirões.

Novamente, assim como na listagem de Conceição do Arroio, houve o predomínio

dos casados, que, dos 57 votantes, totalizaram 43, e somente 14 solteiros foram

incluídos. Conforme o que se viu anteriormente, o casamento era uma das bases

que permitia o acesso dos votantes às eleições. Dos 47 selecionados entre 25 e 34

anos, 33 são casados, e apenas 14 figuram como solteiros. Ratificamos a

importância das relações de parentesco para a conservação e transmissão do poder;

quanto à faixa etária, o eleitorado da paróquia de São Domingos das Torres mostrou-

se com idade mais avançada, havendo 26 votantes entre 25 e 29 anos e 21 entre 30

e 34. Os 10 votantes restantes estão distribuídos entre 35 e 58 anos.

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213

Reportamo-nos, novamente, a Klein, que, analisando a participação política no

século XIX, distribuiu os votantes por idade. Segundo o autor, “os eleitores não eram

uma oligarquia limitada pela idade, mas espelhavam perfeitamente a estrutura de

idade da população a que pertenciam.” Além disto, como já dissemos, a participação

efetiva nas eleições começava quando os homens atingiam os 25 anos. Os casos

apresentados até aqui, tanto em Conceição do Arroio quanto em São Domingos das

Torres, corroboram a tese do autor e demonstram similaridades entre as províncias

de São Paulo e do Rio Grande do Sul.324

Tabela 5 – “Alistamento geral de eleitores da 3ª Seção – Três Forquilhas” (por

nome de vontates).

“Sala das Sessões do Conselho Municipal da Conceição do Arroio, 20 de outubro de 1896. Passo as Vossas mãos, a cópia do Alistamento Geral dos Eleitores deste município a (ilegível) se procedeu em virtude da lei n. 35 de 26 de janeiro de 1892, e considerado definitivamente concluído em 30 de junho último pela Comissão Municipal. Saúde e Fraternidade. Ilustre Cidadão Dr. João Abbott Secretário do Estado dos Negócios do Interior e Exterior O Presidente do Conselho Luiz Jacintho de Moura” 325

324 Cf. KLEIN, op. cit. (p.530-531). 325 AHRS – Correspondência das Intendências – Lata 119V – Maço 349 – Três Forquilhas – 1896. Codificação: C = casado; S = solteiro; V = viúvo; L = lavoura/lavrador. Os nomes que aparecem desta forma “... Nacio Luis Farofa”, por exemplo, foram transcritos conforme o original. No total são 658 eleitores, assim distribuídos: 1ª seção – Vila – numeração dos eleitores: 1 a 190 – 17 nomes de não nacionais; 2ª seção – Maquiné – numeração dos eleitores: 193 a 369 – 16 nomes de não nacionais; 3ª

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214

Nome Idade Estado Civil Profissão

Antonio Pacheco Filho 45 C L

Antonio Luiz Farofa 32 C L

Antonio Gomes da Silva 29 C L

Agostinho Valintim Balasco 34 C L

Adolpho Hoffmann 48 C L

Antonio Agostinho do Nascimento

Neto

31 C L

Antonio Maire 26 C L

Andre Wickmann 28 S L

Adolpho José Dihel 30 C Negócio

Antonio Ernesto Teixeira de Barros 42 S Caixeiro

Adolpho Felippe Woges 60 C Capitalista

Adolpho Hoffmann Filho 22 S L

Carlos Mittmann 25 S L

Carlos Flor 32 C L

Carlos Agostinho do Nascimento 26 S L

Carlos Hoffmann 36 C L

Christiano Gross 30 C L

Carlos Erbaradt 45 C L

Christiano Ludwique 44 C L

Christiano Weckman 66 C L

Carlos Hauier 42 C L

Carlos Guilherme Weckman 41 S L

Christovão Justin 43 C L

Carlos Becker 28 S L

Carlos Maximan 31 C L

seção – Três Forquilhas – numeração dos eleitores: 371 a 494; 74 nomes de não nacionais; 4ª e 5ª seção – Palmares – numeração dos eleitores: 495 a 658 – 2 nomes de não nacionais.

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215

Carlos Frederico Woges 35 C L

Carlos Gross 32 C L

Christovão Shmitt 43 C L

Christiano Erbaradt 46 C L

Christiano Germano 23 S L

Christiano Becker 23 S L

Christiano Witt Primo 22 S L

Christiano Erbaradt Sobrinho 23 S L

Carlos Klein 26 C L

Francisco Marques da Silveira 30 C L

Frederico Hoffmann 45 C L

Frederico Diqsem Filho 26 C L

Frederico “Copecene” Sobrinho 28 C L

Frederico Woges 31 C L

Frederico Hoffman Primo 24 C L

Frederico Serafim Hoffman 29 C L

Frederico dos Santos 30 C L

Felipe Becker 35 C L

Frederico Heiseman 65 C L

Frederico Pedro Kleppel 60 C L

Felix Hermes 42 Viúvo Agência

Frederico Kellerman 34 S L

Francisco Cardozo de Aguiar 45 C L

Felisbino Raymundo 28 C L

Galdino José Fernandes 42 C L

... de Martins D’Espindula 40 C L

... Ardiano de Deos e Silva 32 C L

Guilherme Gross 45 C L

Guilherme Hoffman 30 C L

Gregorio Theodoro Casser 28 C L

Guilherme Schmitt Filho 30 C L

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216

Gustavo Rodolpho 22 S L

... Nacio Luis Farofa 29 C L

Joaquim Runel da Roza 34 C L

João Agostinho do Nascimento 30 C L

João Carlos da Silva Peixoto 31 C L

Jacob Justin 28 S L

João Becker Sobrinho 32 C L

Jorge Hoffman Sobrinho 32 S L

Jose Stumph 34 C L

João Shevatzhaup Sobrinho 33 S L

João Trix 46 C L

Jacob Kenevitz Filho 32 C L

João Frederico Shuvatzhaup 26 C L

João Ebelim 38 S L

Jorge Hoffman 36 C L

João Alves da Rocha 33 C L

João Becker 42 C L

João José de Souza 27 C L

João dos Santos 29 C L

João Dahal Filho 40 C L

João Maximan 39 C L

Jacob Hoffman 32 C L

João Pedro Jacoby 42 C L

Jacob Kellerman 40 C L

Jacob Trespach 38 C L

José Cardozo e Ag. Sobrinho 28 C L

José Antonio Alves 33 C L

Jorge Strasbörg 40 C L

Joaquim de Oliveira Mello 26 C L

João Brandão Feijó 23 C L

Jorge Becker 38 S L

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217

Jorge Erbaradt 23 S L

Luciano Silveira da Roza 30 S L

Luiz Agostinho do Nascimento 29 C L

Luiz Brandão Feijó 43 C L

Luiz Justin 46 C L

Leopoldo Becker 22 S L

Lourenço de Oliveira Mello 40 C L

Luciano Cardozo de Aguiar 36 C L

Manoel Gomes da Silva Bueno 45 C L

Manoel de Oliveira Mello Filho 39 C L

Maurício de Oliveira Mello 45 C L

Marcolino (Ilegível) dos Santos 46 C L

Manoel Alexandre da Silva 44 C L

Miguel Witt 45 C L

Manoel Theodoro Casser 46 S L

Manoel Antonio da Silva 40 C L

Manoel Antonio Alves Filho 38 C L

Manoel Soares de Almeida 26 C L

Manoel José de Barros 26 C L

Martim Klein 40 C L

Manoel Antonio Alves 62 C L

Manoel Serafim de Souza 22 S L

... Mittmam 63 C L

... Justim 23 C L

Pedro José de Souza 26 C L

Pedro Mathias Evelin 58 C L

Pedro Tique 50 C L

Pedro Schmitt 48 C L

Pedro Ignacio Cardozo 36 C L

Pedro Schmitt Filho 24 S L

Pedro Becker 22 S L

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Guerino Silveira Marques 28 S L

Pacifico Cardozo de Aguiar 70 C L

Serafim Agostinho do Nascimento

Filho

36 C L

Serafim Agostinho do Nascimento 61 C P. aposentado

Severino Antonio Alves 38 S L

Silveiro Cardozo de Aguiar 28 S L

Vergilio Alexandre da Silva 30 S L

A última tabela que apresentamos corresponde ao alistamento de eleitores de

Três Forquilhas no ano de 1896, já no período republicano.326 São 125 eleitores,

sendo classificados na mesma lista nacionais e colonos alemães. Quanto à

profissão, continua o predomínio da lavoura/lavrador, com 120 nomes, demonstrando

que a mudança de regime político no Brasil não alterou a economia do litoral, que

permaneceu baseada unicamente na agricultura até o surgimento e consolidação do

setor de turismo, que ocorreu na segunda metade do século XX em diante.

Interessante notar que Adolpho Felippe Voges é identificado como capitalista e

Seraphim Agostinho do Nascimento como “P. aposentado”, isto é, professor

aposentado e não mais como lavradores, profissão que lhes foi conferida na lista de

1865.

326 Neste período, o regime eleitoral havia passado por grandes mudanças, sendo a principal delas a implantação do sufrágio universal. O voto censitário estava definitivamente “enterrado” num passado que os republicanos repugnavam, pois relacionavam-no com o Império.

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Em relação a estes dois chefes locais, encontramos nesta mesma lista o nome

de seus filhos, como “Carlos Frederico Woges”, filho primogênito do Major Adolpho

Felippe Voges, e “Antonio Agostinho do Nascimento Neto, Carlos Agostinho do

Nascimento, João Agostinho do Nascimento, Luiz Agostinho do Nascimento e

Serafim Agostinho do Nascimento Filho”, todos filhos do professor Seraphim

Agostinho do Nascimento,327 o que nos faz pensar na transmissão do poder de pai

para filho. O fato de seus nomes constarem na lista de eleitores indica que os chefes

locais criaram mecanismos para manterem-se no poder e transmiti-lo aos seus

herdeiros. A “dinastia” Voges encerrou-se com a recusa de um dos filhos do Cel.

Carlos Frederico Voges Sobrinho em prosseguir com a vida política e, dos filhos do

professor Nascimento, não despontou nenhum líder que se destacasse no cenário

político.

Quanto ao estado civil, dos 125 eleitores, 94 eram casados, 30 solteiros e 1

viúvo. Mais uma vez confirma-se o predomínio dos casados entre os eleitores,

mesmo com o fim do requisito legal que impunha o casamento com uma das

condições para o acesso às eleições. Ao que se percebe, a família continuou tendo o

poder de sustentar as instituições sociais. Klein analisou apropriadamente o poder

econômico dos casados e solteiros, constatando que os homens solteiros das áreas

rurais tinham pouca diferença de renda dos homens casados e viúvos deste mesmo

327 Cf. os registros paroquiais de Três Forquilhas, realizados pelo pastor Voges.

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espaço. Concordamos, parcialmente, com o autor, pois, se por um lado não havia

grandes abismos em nível de renda entre os colonos, mesmo entre solteiros e

casados, é certo que o casamento lhes proporcionava um aumento dos bens, às

vezes significativo, quando se unia determinados valores e objetos das duas famílias.

Além do mais, havia “colonos” e “colonos”, isto é, não podemos comparar o

casamento de um Voges com um Schmitt com a união de outras duas famílias bem

menos favorecidas economicamente. O que um Voges e um Schmitt traziam para o

matrimônio era sensivelmente maior do que um “simples” casal tinha condições de

unir.328 Outra hipótese de análise para os casamentos realizados pelos Voges pode

se dar pelo étnico e pela religião, pois as uniões ocorriam com alemães e

evangélicos, dados que podem ser verificados nos registros paroquiais do pastor

Voges. Com tudo isso, Woortmann e Graham estão corretos em destacar o

casamento como uma instituição social relevante, capaz de promover alianças

familiares e acordos – políticos, econômicos, sociais - significativos.329

328 Os inventários que analisamos no APRS constituem-se num ótimo referencial para esta discussão, pois, através dos bens que foram arrolados, podemos acompanhar o desenvolvimento econômico daquele casal. Este enfoque – o desenvolvimento econômico via casamento – foi estudado por AMADO, op. cit. Diferentemente do seu enfoque, Emílio Willems vê esta instituição como a base da estrutura colonial. No seu livro A Aculturação dos Alemães no Brasil, o autor dedica um capítulo ao Sexo e Família (p.301-335), analisando como os imigrantes construíram o seu “mundo familiar”. Willems conclui que a organização dos colonos em famílias numerosas permitiu o seu desenvolvimento, pois era a célula base de trabalho. Ver: WILLEMS, Emílio. A Aculturação dos Alemães no Brasil. Estudo Antropológico dos Imigrantes Alemães e Seus Descendentes no Brasil. 2. ed. São Paulo: Nacional/Instituto Nacional do Livro, 1980. 329 WOORTMANN, op. cit. e GRAHAM, op. cit. (p.17, 32-41).

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Quanto à faixa etária, há um significativo prolongamento na idade, sendo que

14 votantes têm entre 20 e 24 anos; 25 entre 25 e 29 anos; 28 entre 30 e 34 anos; 14

entre 35 e 39 anos; 19 entre 40 e 44 anos; 15 entre 45 e 49 anos e 10 entre 50 e 70

anos. Isto se deve não somente ao fato de as pessoas estarem com mais idade,

como é o caso de Adolpho Felippe Voges e do professor Seraphim Agostinho do

Nascimento, mas também pela maior abertura que a República trouxe aos eleitores

através do sufrágio universal.

Por último, optamos por verificar quantos nomes podem ser classificados

como “nacionais” e “alemães”. Na categoria de “nacionais”, encontramos 51 e na de

“alemães”, 74, havendo um percentual de 45,09% a mais de colonos alemães em

Três Forquilhas em relação aos nacionais. Neste momento, podemos relativizar a

afirmação do presidente da província, apresentada no subcapítulo 2.1, o qual afirmou

que as colônias alemãs do Litoral Norte do RS não poderiam mais ser classificadas

de “colônias”, visto que os colonos encontravam-se “confundidos” entre os nacionais.

Mesmo que estes dados da lista de eleitores expressem somente uma realidade

parcial – números relativos aos que foram qualificados como eleitores – podemos

supor que, no cômputo geral, o número de colonos alemães seja superior ao dos

nacionais. Podemos, com isso, arriscar a afirmação de que faltou ao presidente da

província um olhar mais atento, o qual permitiria ver as colônias como uma área

colonial específica, diferente de São Leopoldo, onde os colonos forjaram-se como

um grupo político de pressão. No litoral, a prática política necessitava da participação

de todos – nacionais e colonos – pois faltavam-lhes força para se impor frente ao

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governo provincial. O que ocorreu não foi uma descaracterização de uma área

colonial, mas sim uma outra forma de organização social que resultou na eclosão de

minúsculas chefias locais.330

Cabe-nos, para encerrar, tecer algumas considerações sobre as cinco tabelas

que analisamos. No que tange às profissões, houve o predomínio de lavradores e

criadores, no entanto queremos ressaltar a diversidade profissional que compunha o

litoral. Não como São Leopoldo, que teve um desenvolvimento artesanal significativo,

mas como um espaço que também recebeu outro tipo de profissional. Além de

pessoas ligadas à agricultura e à pecuária, encontramos, por exemplo, curtidores,

marceneiros, ferreiros, funcionários públicos e negociantes. Martin Dreher analisou

os registros paroquiais dos evangélicos, em São Leopoldo, relativizando a

exclusividade dos agricultores naquela colônia, e Magda Gans concluiu, através do

seu estudo sobre os teutos em Porto Alegre, que a participação deste grupo na

330 Cf. TRAMONTINI, na colônia de São Leopoldo, o étnico transformou-se na principal bandeira política dos colonos alemães. Eles conseguiram formar uma homogeneidade via etnicidade, o que lhes permitiu a formação de um grupo político de pressão. No Litoral Norte do RS, a prática política não aconteceu por este mesmo viés. Os pequenos e médios chefes locais foram obrigados a articular-se, tanto nacionais quanto colonos alemães, e pelas inúmeras razões que apontamos durante o trabalho, não obtiveram respaldo frente ao governo provincial. Assim, coube-lhes as “migalhas” enquanto outras áreas da província eram privilegiadas e recebiam as melhores benesses. Como exemplo, citamos o incremento ferroviário que algumas áreas receberam, como a colônia de São Leopoldo, facilitando-lhes o escoamento da sua produção agrícola. Ver: TRAMONTINI, Marcos Justo. A Organização Social dos Imigrantes. A Colônia de São Leopoldo na Fase Pioneira (1824-1850). São Leopoldo: UNISINOS, 2000a.

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capital rio-grandense ia muito além do apontado pela historiografia sobre a

imigração.331

Quanto aos casamentos e à idade dos votantes, pudemos estabelecer uma

correlação entre estas duas variáveis. Via de regra, os qualificados tinham 25 anos

para mais e eram, predominantemente, casados. Através desta correlação,

evidencia-se a importância da família para a zona rural, célula base da economia

agrícola ligada à pequena propriedade.

A terceira consideração que fazemos remete-nos à passagem do Império para

a República. O corte estabelecido pelo fim da monarquia e o início do regime

republicano não trouxe mudanças significativas para o cotidiano do litoral. As famílias

que detinham o poder no período do II Reinado continuaram a detê-lo e a exercê-lo

na Primeira República e, no que se refere aos colonos alemães, participaram da

disputa político-partidária antes e depois de 1889. Acreditamos ter demonstrado que

uma minoria, chamados aqui de exponenciais, conseguiu destacar-se no cenário

político do Litoral Norte do RS e que uma grande maioria foi representada pelos

chefes locais quando houve necessidade jurídica, por exemplo, ou então, nos

momentos em que a liderança política precisou cooptar clientela para manter-se no

poder via eleições.

331 DREHER, op. cit. (1999a) e GANS, op. cit.

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Os acontecimentos apontados neste capítulo são suficientes para revelar uma

outra faceta da história dos colonos alemães do Litoral Norte do RS. A partir de

agora, ao falarmos de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas, teremos que

acrescentar outras variáveis ao seu cotidiano do que somente o isolamento,332 a

dispersão e a pobreza.333 Os colonos estabeleceram relações de mútuo auxílio e de

poder, engajando-se na política a fim de resolver os seus problemas. Reforçamos,

mais uma vez, a principal diferença desta área colonial com a de São Leopoldo: o

Litoral Norte do RS não despontou como um grupo político de pressão se comparado

ao que aqueles conquistaram no mesmo período. Participar das eleições tornou-se,

então, de vital importância para os litorâneos, pois somente dessa forma poderiam

recolher as “migalhas que caíam da mesa” do governo provincial. Com tudo isso,

recorreram à justiça, ludibriaram a Igreja, disputaram o melhor dos papéis que lhes

332 A tese do isolamento para as colônias alemãs do Litoral Norte do RS é difundida, entre outros, por Jean Roche, em sua obra clássica sobre a colonização. Ver: ROCHE, op. cit. (1969a; p.98-99 e 177-179). 333 Sobre a dispersão e a pobreza dos colonos católicos, o pesquisador municipalista José Krás Selau trabalha erroneamente com estes conceitos, distorcendo-os historicamente. A análise que faz sobre a colonização alemã nas Torres não é aceita pela maioria dos historiadores, que também se debruçaram sobre aquele espaço. Ver: SELAU, op. cit. (1999 e 1995).

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cabiam no cenário político, enfim, mostraram que construíram um mundo,

politicamente, dinâmico.

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CONCLUSÃO

“As formas de integração da economia nacional no mercado mundial e as condições existentes no mercado interno marcariam o rumo do processo de organização dos setores subalternos do campo e da cidade. As práticas que dominavam as relações entre os latifundiários e os homens livres, o processo de marginalização das atividades produtivas a que foi condenada grande parte da população rural, que as práticas de cultivos de subsistência dos colonos nas fazendas e a imigração maciça intensificaram, e as dificuldades de acesso ou permanência em terrenos devolutos, por parte dos trabalhadores livres, nacionais ou imigrados, colaboraram de forma notável para a não-formação de um campesinato brasileiro no sentido clássico do termo e para a não-consolidação dos movimentos de rebeldia no campo em formas de luta política organizada.” 334

Na introdução deste trabalho, fizemos referência a dois objetivos que se

complementavam: analisar a inserção de nacionais e colonos alemães na política

rio-grandense durante o II Reinado. Com o desenvolvimento dos três capítulos,

acreditamos ter demonstrado que estes personagens participaram da vida política

do Litoral Norte do RS, divididos entre uma minoria que conseguiu sobressair-se e

uma grande maioria que foi “representada” por estes exponenciais através de um

334 SAUL, op. cit. (p.178).

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sistema clientelístico. Apontamos, igualmente, que a rede de clientes envolvia

desde o mais humilde lavrador até “bandidos”, comerciantes, componentes da

Guarda Nacional, delegados, desertores da Guerra do Paraguai, juízes, padres,

pastores, entre outros. Assim, todos estavam “amarrados” a esta teia que permitia a

formação, consolidação e hierarquização da sociedade brasileira.335

Uma vez demonstrado que alcançamos os objetivos propostos, cabe verificar

se contribuímos para a historiografia da “nova” história política, da imigração e do

Litoral Norte do RS. De forma modesta, pensamos que sim, pois o trabalho

orientou-se e foi conduzido de tal maneira que se adequou a uma nova visão sobre

o político, em que contemplamos outros agentes históricos além dos grandes

líderes e dos seus grandes feitos. Interessou-nos o poder local e sua rede de

clientes, como este poder diluía -se entre nacionais e colonos alemães num espaço

micro, mas que mantinha relações políticas com a província e a Corte.

Neste mesmo campo, demonstramos que o sistema político brasileiro do

século XIX, sobretudo o do II Reinado, era praticamente o mesmo para todo o

Brasil. Alguns autores, como Franco, Graham, Klein e Uricoechea, dentre outros,

deixaram transparecer este aspecto nas suas obras. Os mecanismos que faziam

funcionar a engrenagem política no Litoral Norte do RS eram muito próximos dos

praticados no Nordeste e no Sudeste. Os exemplos apresentados por estes autores

335 Cf. GRAHAM, op. cit.

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são inúmeros: interesses públicos e privados se mesclavam na ordem brasileira;

autoridades foram “desrespeitadas” por todo o Brasil, assim como no Litoral Norte

do RS; o acirramento político-partidário na época das eleições detonava uma onda

de violência que varria o território brasileiro, chegando à província sulina; os chefes

locais, pequenos, médios ou grandes, apesar de poderosos, eram obrigados a

enquadrar-se na ordem instituída, obedecendo ao sistema clientelístico

hierarquizado do século XIX. Os chefes locais de Santo Antônio da Patrulha,

Conceição do Arroio e Torres não tiveram como escapar desta “ordem maior”. De

igual modo, os debates sobre a escravidão e a imigração, por conseqüência sobre a

terra, perpassaram todo o território brasileiro, visto que eram temas de interesse

geral, tanto no espaço urbano quanto no rural.

No que se refere à imigração, buscamos fugir da tese do isolamento, que

explica o processo imigratório através de uma história repleta de “choros e

amarguras”. Com certeza houve injustiça e desencanto, porém policiamo-nos para

avançar e apresentar ao leitor novos componentes desta história. Identificar,

analisar e concluir que colonos alemães do Litoral Norte do RS participaram da

política rio-grandense e que mantiveram relações político-partidárias com os

nacionais que estavam a sua volta insere-se na proposta teórico-metodológica que

pensamos para este texto, a qual amplia o conceito de político para algo mais do

que somente os partidos e as suas doutrinas. A própria manifestação dos colonos

em prol de seus direitos como seres humanos, que se dividiam entre o trabalho

(mão-de-obra) e o desejo de efetivamente ser aceitos como cidadãos brasileiros,

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pode ser tomada como um ato político, sem que necessariamente integrassem os

programas e/ou discursos dos partidos.

Em relação a teorias sobre a imigração, a história da colonização alemã no

Litoral Norte do RS não se enquadra, pelo menos, em duas destas correntes. A

primeira, que chamamos de “germanista”, caracteriza-se por louvar as qualidades

germânicas que determinado grupo conseguiu preservar. A segunda, a qual analisa

o desenvolvimento dos núcleos coloniais, seguindo a lógica do artesanato, pequena

indústria e grandes empresas, tem como um dos seus principais propagadores

Jean Roche. Ambas desprezaram a história da colonização no litoral por não

apresentar nenhuma das “qualidades” que julgavam imprescindíveis numa área

colonial. Assim, o contato de nacionais e colonos alemães foi visto como

aculturação, e o não-desenvolvimento de um artesanato que se transformasse em

indústria, como um espaço marginal, que não havia seguido a trajetória do

desenvolvimento. Estes dois fatores levaram o governo a sentenciar que aqueles

núcleos não eram mais colônias (como vimos no subcapítulo 2.1) e fizeram com

que poucos historiadores os olhassem de forma distinta, sem a comparação com

São Leopoldo, onde esta colônia era vista como modelo ideal e São Pedro de

Alcântara e Três Forquilhas, como algo que não deu certo.

Por terceiro, tínhamos a pretensão de inserir este estudo na historiografia

que vem se debruçando sobre o espaço que compunha o município de Santo

Antônio da Patrulha. Ao analisarmos parte do grande Santo Antônio, em especial a

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área litorânea, integramos o grupo de historiadores que, a partir da década de

1990, pesquisa com maior afinco a região Nordeste do Rio Grande do Sul,

movimento este que tem origem nos Encontros dos Municípios Originários de Santo

Antônio da Patrulha, projeto idealizado e concretizado pela historiadora Véra Lucia

Maciel Barroso.

Para encerrar, precisamos olhar mais de perto algumas questões que

perpassaram todo o texto. Parece-nos de fundamental importância retomarmos os

temas “coronelismo” e “poder local”. Quanto ao primeiro, houve um sensível

incremento na prática “coronelística” já com a lei Saraiva, que, reafirmamos, foi o

primeiro ensaio para que os coronéis assumissem seus lugares como formadores e

condutores dos seus “currais eleitorais”. O aumento na prática da cooptação de

votos deu-se com a passagem do Império para a República, o qual está

intimamente ligado ao sufrágio universal, que lançou uma massa de “homens livres”

no processo eleitoral. Estes novos agentes precisavam ser vigiados e conduzidos

na hora do voto, de acordo com os interesses dos grupos dominantes. No entanto,

antes mesmo de a República ser instalada no Brasil, os chefes locais já eram

personagens essenciais para o funcionamento das eleições. A sua missão principal

era garantir a vitória do partido que estava no poder. No momento em que

conseguissem “ganhar as eleições”, demonstravam a sua força aos demais,

consolidando o seu poder como chefes locais. Desejamos demons trar igualmente

que eram peças fundamentais da engrenagem política do século XIX,

principalmente pelo modo como a sociedade brasileira estava estruturada, isto é,

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hierarquizada sob um sistema clientelístico que se estendia do Imperador ao “mais

simples” dos brasileiros.

Quanto ao poder local, especialmente entre os colonos alemães, os dados

abaixo nos permitem observar que:

Voges (Três Forquilhas) Raupp (São Pedro de Alcântara)

Evangélico Católico

Comerciante Comerciante

Proprietário de escravos Proprietário de escravos

Pastor ---

Os dois líderes eram colonos alemães, provenientes da Colônia Alemã das

Torres, dividida, como vimos, em dois núcleos. Ambos conquistaram um lugar ao

sol se comparado à grande maioria que ficou à margem do título de exponencial.

Tanto o evangélico quanto o católico tiveram a capacidade de se fazerem

representantes desta grande maioria e de articular-se com os nacionais,

principalmente nas esferas política e econômica, capacidades que eram

fundamentais para os transformar e manter como líderes locais. As especificidades

de cada um dizem respeito à profissão e à área de abrangência. Voges também era

pastor, o que lhe permitiu alcançar de forma mais intensa os seus “clientes”,

socorrendo-os, inclusive, no plano espiritual. Além disso, parte do seu poder foi

repassado para o filho e, posteriormente, para o neto. Assim, houve uma

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continuidade na transmissão do poder da família.336 Quanto ao Raupp, sua atuação

estava mais restrita à área de Torres. Como família exponencial, participaram

ativamente da vida política, participação esta que podemos conferir na

documentação da câmara municipal, em que alguns dos seus descendentes

assinaram como vereadores. Além disso, envolveram-se em situações

“complicadas”, como o avanço sobre terras devolutas, invasão que ficou registrada

nos relatórios dos presidentes da província. Falta-nos, ainda, uma última

constatação: a importância do comércio, principal meio de obtenção dos recursos

para a compra da terra e de escravos.337 Não temos dúvida de que seria muito

difícil para os dois líderes acumular tal riqueza sem o comércio, motor propulsor do

seu enriquecimento.

Em se tratando de poder local, buscamos demonstrar que essa engrenagem

não estava desvinculada da ordem política do século XIX, isto é, havia um sistema

político vigente o qual deveria estender-se da Corte às províncias e destas para os

confins dos seus territórios. Por maior que fosse o poder de um pequeno, médio ou

grande líder, a sua atuação, obrigatoriamente, perpassava a ordem instituída.

Inúmeros exemplos demonstraram como o chefe local precisava adequar-se às

336 As análises de Amado e Willems, neste caso, são pertinentes, uma vez que demonstram a importância econômica e social do casamento no espaço colonial. Ver: AMADO, op. cit . e WILLEMS, op. cit. 337 FARINATTI, op. cit. em sua dissertação de mestrado, apontou a relevância dos comerciantes para região de Santa Maria/RS. Ampliamos o seu olhar e vislumbramos como o comércio era uma peça central na composição econômica e política do século XIX.

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normas estabelecidas caso desejasse manter-se no poder. Via de regra, os canais

que permitiam a comunicação entre o chefe local e o presidente da província eram

a câmara municipal e os cargos públicos. No caso dos nacionais, no momento em

que a província do Rio Grande do Sul foi dividida nos quatro municípios, em 1809,

desde logo eles já estavam presentes nestes órgãos mediadores entre região e

província. Lembremos das petições dos juízes aos presidentes da província,

solicitando reforço policial para manter a ordem na época das eleições ou para

obrigar um inimigo político a portar-se dentro da lei. No que tange aos colonos

alemães, enquanto não lhes era permitido ingressar de modo mais intenso na

política, restavam-lhes os conchavos políticos com os nacionais a fim de fazer valer

as suas reivindicações. Desta forma, as câmaras municipais e os cargos públicos

tinham um papel importantíssimo na rede de clientes, especialmente quando se

tratava de um espaço marginal como o Litoral Norte do RS. O documento que narra

a expulsão dos juízes de Conceição do Arroio exemplifica como ocorria esta

aproximação dos nacionais e dos colonos alemães no campo político.338

A análise acima, de base conclusiva, remete-nos a alguns dos atores

políticos os quais analisamos no decorrer do trabalho. O procedimento do professor

Seraphim Agostinho do Nascimento, dos três Voges – Carlos Leopoldo, Adolpho

Felippe e Carlos Frederico Sobrinho -, do juiz Paulino Rodrigues Fernandes Chaves

338 Ver subcapítulo 3.1.

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e de Bahiano Candinho, dentre outros, pode ser explicado pelo clientelismo,

espinha dorsal da sociedade brasileira do século XIX. Cada um com suas

especificidades tornou-se chefe local, ligado a uma rede de clientes, o que lhe

possibilitava representar uma grande maioria, operação que dificilmente se

realizaria sem as “migalhas” que os chefes locais buscavam junto ao governo

provincial e que deveriam ser suficientes para resolver os impasses dos que os

procuravam.

A opção por analisar a política no Litoral Norte do RS sob as luzes do

clientelismo nos faz concordar parcialmente com o relatório de pesquisa de Félix,

Silva & Schmidt,339 no qual apresentam um gráfico estabelecendo diferenças entre

a “grande propriedade” e a “pequena propriedade”. Quanto à dominação nestes

espaços, em relação ao minifúndio colonial, os autores sustentam que:

“Dominação por intermediação do Poder / Poder distribuído em redes institucionais ou não, de cunho associativista: Igrejas, sociedades recreativas, industrialistas e comerciantes.” 340

Embora o poder perpassasse associações como as citadas pelos autores,

ele não estava exclusivamente vinculado a estas redes institucionais. Pelo que

pudemos perceber, o poder local mantinha-se pela relação clientelística que

“representados” e “representantes” estabeleciam, a qual era de cunho personalista.

339 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992).

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A amizade, o compadrio, ou a dependência (econômica, política ou social) não

estavam, obrigatoriamente, sob as rédeas das instituições. Acreditamos que o

sistema clientelístico, típico do Brasil do século XIX, sobrepunha-se a isto tudo e

regulava o comportamento político-social dos nacionais e colonos alemães,

levando-os a se inserir dentro de grupos específicos, como os religiosos, políticos

ou comerciais. Relativizamos, mais uma vez, a afirmação dos autores quando

sustentam que:

“Áreas geo-históricas, como a teuta do Vale dos Sinos, marcada por forte espírito associativo e igualitário, vinculados ao espírito de autonomia, obrigatoriamente leva a diminuição da presença de relações clientelísticas como dominantes.” 341

Nosso estudo demonstrou que outras regiões do Brasil foram marcadas por

este mesmo espírito associativo e igualitário. Antonio Candido,342 para citar apenas

um exemplo, relatou uma série de situações em que homens (pobres, livres,

nacionais) mantinham uma estrutura social de cooperação, necessária para a

sobrevivência de quem estava à margem da sociedade da época. Então, esse

espírito dos imigrantes não pode ser tomado como única referência para sobrepô-

los aos demais e nem para desvinculá-los da rede de clientes a que estavam

submetidos. Os Voges e os Raupp são exemplos pertinentes de colonos alemães

que buscaram inserir-se de maneira ativa na sociedade em que viviam. Por tudo

340 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992; p.36). 341 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992; p.45-46).

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que analisamos, entendemos que as áreas coloniais foram perpassadas pelo

sistema clientelístico, consideradas as suas características próprias.

Sobre a questão do isolamento do Litoral Norte do RS, temos que fazer

algumas considerações que vão de encontro às idéias de diversos autores que

estudam este mesmo espaço. Em relação ao isolamento geográfico, o

consideramos óbvio se pensarmos na ligação do litoral com Porto Alegre.

Realmente, deslocar-se era uma dificuldade pela falta e/ou más condições dos

caminhos, bem como pelo quase total inaproveitamento das lagoas para a

navegação fluvial. No entanto o Litoral Norte do RS estava muito mais voltado para

os Campos de Cima da Serra e para a província de Santa Catarina do que para a

capital rio-grandense.343 Isso relativiza a “tese do isolamento” e abre lacunas

importantíssimas que ainda praticamente não foram estudadas, como a ligação do

litoral rio-grandese com o de Santa Catarina. Esta proximidade pode ser analisada

sob diversos aspectos: o trânsito humano entre as duas províncias, o comércio

instituído entre rio-grandenses e catarinenses, ou a relevância dos tropeiros para o

desenvolvimento destas regiões. Como último ponto sobre o isolamento, temos que

342 CANDIDO, op. cit. 343 Precisamos ressaltar que, quando o governo imperial decidiu fundar a Colônia Alemã das Torres, o local escolhido para o primeiro assentamento era a beira de uma estrada que comunicava o litoral com Cima da Serra. Então, o objetivo inicial desta colônia seria o de impulsionar a ligação destes dois espaços, servindo como mercado abastecedor e de trocas. Deduz-se deste fato que, pelo menos num primeiro momento, a Colônia Alemã das Torres não deveria cumprir o mesmo papel que São Leopoldo em relação a Porto Alegre. Cada uma fora criada para direcionar-se a regiões distintas, com propósitos definidos de acordo com o espaço e as habilidades de seus ocupantes. Ver: BASTOS, op. cit. (1957; p.6 e 9), ELY & BARROSO, op. cit. (1996) e LUNCKES, op. cit. (1998).

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considerar o fato de o Brasil, no século XIX, ser praticamente um país tomado pelo

“isolamento”, isto é, com a exceção de algumas cidades litorâneas, como o Rio de

Janeiro, a maior parte do território estava ainda nos sertões. Face a essa

constatação, a “tese do isolamento” passa a ser um argumento muito frágil para a

análise do Litoral Norte do RS, o qua l deve ser visto sob outras circunstâncias que

revelem a sua dinamicidade política e social.

Nesta busca, a pesquisa nos descortinou um espaço que não se impôs

politicamente frente ao governo provincial. A sua atuação econômica e política não

refletia diretamente no mercado agropecuário do Rio Grande do Sul do século XIX.

Por conseqüência, o governo provincial não destinou altos investimentos para o

litoral, que não passava, aos seus olhos, de uma área periférica. Como já

apontamos, o porto de Torres foi preterido pelo de Rio Grande, o que condenou o

espaço que estudamos à condição de marginal. Aliás, durante todo o texto,

estabelecemos pequenas comparações entre as duas áreas coloniais: Vale do

Sinos e Colônia Alemã das Torres. O objetivo de tal exercício foi demonstrar as

especificidades de cada uma, valorizando as suas características no

relacionamento nacional-colono.

Enfim, chegamos ao final deste trabalho, esperando ter enfatizado

justamente a relação dos nacionais com os colonos alemães na esfera política. O

nosso olhar buscou o diálogo que estes dois grupos estabeleceram, como

aproximaram-se ou distanciaram-se conforme as conveniências de cada um.

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Pensamos em “premiar” um espaço que, nos estudos da imigração, pouco vinha

sendo contemplado, fazendo, por isso, apenas as comparações indispensáveis com

São Leopoldo. Ansiamos, durante todo o texto, tornar em relevo os conflitos que

nacionais e colonos alemães vivenciaram na época das eleições, não com o intuito

de revelar um cenário de brigas e desentendimentos, mas sim mostrar que a

dinâmica política destes homens era parte integrante de um sistema que manteve a

sociedade brasileira estagnada durante boa parte do século XIX. Estes homens,

como que pintados num quadro de disputa político-partidária em pleno litoral do Rio

Grande do Sul, integraram-se ao restante do Brasil através do clientelismo,

amarrados a uma teia que os transformava em clientes ora representantes ora

representados.

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ANEXOS

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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ANEXO 4

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ANEXO 5

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ANEXO 6

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ANEXO 7

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ANEXO 8

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ANEXO 9

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