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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
POLÍTICA NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL:
A PARTICIPAÇÃO DE NACIONAIS E DE COLONOS ALEMÃES – 1840/1889
MARCOS ANTONIO WITT
Orientador: Prof. Dr. Marcos Justo Tramontini Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História, na área de História da América Latina.
São Leopoldo, março de 2001.
Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
AGRADECIMENTOS
Ao professor doutor Marcos Justo Tramontini, presença indispensável na
elaboração deste trabalho, pela orientação e acompanhamento; a Elma Strassburg Witt,
a qual dedico estas páginas, pelo amor e por ter confiado em mim; à historiadora Nilza
Huyer Ely, pelo diálogo constante e incentivo ilimitado; ao professor Ruy Ruben
Ruschel, In Memoriam, por toda a sua obra dedicada ao Litoral Norte do Rio Grande do
Sul; à professora doutora Eloísa Ramos, pelo sorriso e cooperação; à professora
doutoranda Véra Barroso, pelo entusiasmo e os Raízes; ao licenciado em Letras
Adalberto Pinto Nascimento, pelo ombro amigo e amparo nas horas de cansaço, bem
como pela troca de idéias e “bate-papo”; à licenciada em História Cleusa Mattos, amiga
desde o tempo da graduação, pelas leituras e sugestões; a Márcia Fernanda dos
Santos e a Ivonir Coimbra, pela correção gramatical; à mestre em História Juliane
Izidro, pela longa caminhada e correção técnica; aos mestrandos Leonice Alves e
Marcelo Bischoff, pela paciência e coleguismo; à equipe do Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul, pelo pronto atendimento; à CAPES, por ter disponibilizado a bolsa de
estudos; ao Programa de Pós-Graduação em História da UNISINOS, seus professores
e funcionários, por terem oportunizado mais um tempo de estudo; e aos demais colegas
do Mestrado, pela “troca” e “cafezinhos”. Enfim, a todos que permitiram o início, o meio
e o fim deste trabalho, o meu agradecimento.
“É melhor tentar e falhar que
preocupar-se e ver a vida passar.
É melhor tentar, ainda que em vão,
que sentar-se fazendo nada até o final.
Eu prefiro na chuva caminhar que em
dias tristes em casa me esconder.
Prefiro ser feliz embora louco,
que em conformidade viver...”
Martin Luther King
SUMÁRIO
ACERVOS CONSULTADOS.............................................................................................. 5
RESUMO.............................................................................................................................. 7
ABSTRACT ......................................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 9
1 POLÍTICA E IMIGRAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL................................................ 18
1.1 A Província do Rio Grande do Sul no Contexto Imperial........................................ 19
1.2 As Vilas de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres ................. 37
1.3 A Imigração no Litoral Norte do Rio Grande do Sul................................................ 60
2 PROVÍNCIA X REGIÃO, REGIME ELEITORAL E HISTORIOGRAFIA....................... 83
2.1 O Embate Entre a Província e o Litoral Norte do Rio Grande do Sul .................... 84
2.2 O Regime Eleitoral no Império .............................................................................. 111
2.3 O Poder Local na Historiografia ............................................................................ 125
3 RELAÇÕES DE PODER LOCAL NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL.......................................................................................................................................... 143
3.1 A Política Como Fator de Integração/Dispersão................................................... 144
3.2 A Inserção dos Nacionais e Colonos Alemães na Esfera Política ....................... 185
CONCLUSÃO.................................................................................................................. 226
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 239
ANEXOS.......................................................................................................................... 263
ACERVOS CONSULTADOS
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AHRS
Fundos pesquisados: Assuntos Religiosos, Autoridades Municipais –
Correspondência das Câmaras, Autoridades Municipais – Correspondência das
Intendências, Coleção de Leis do Império, Diretor Geral das Colônias de São Leopoldo,
Documentação dos Governantes – Relatórios e Falas dos Presidentes da Província,
Eleições, Imigração, Terras e Colonização, Justiça, Polícia, Registro da
Correspondência Expedida pelos Presidentes da Província a Autoridades Provinciais,
Registro de Ordens, Portarias, Patentes e Provisões passadas pelos Governantes do
Rio Grande do Sul, Requerimentos e Secretaria da Agricultura.
Arquivo Público do Rio Grande do Sul – APRS
Fundos pesquisados: Inventários e Processos-Crime.
Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
PUCRS
6
Biblioteca Central da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
Biblioteca Setorial do Instituto Anchietano de Pesquisas
Biblioteca Setorial do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
Fundação Museu Antropológico Caldas Júnior
Fundo pesquisado: Correspondência Ativa da câmara municipal de Santo
Antônio da Patrulha.
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul - IHGRGS
Museu de Comunicação Social Hipólito da Costa – MCSHC
Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
Registros Paroquiais da Paróquia Evangélica de Três Forquilhas realizados pelo
pastor Carlos Leopoldo Voges
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo principal analisar a inserção de nacionais e
colonos alemães do Litoral Norte do Rio Grande do Sul na esfera política. O recorte
temporal estabelecido compreende os anos de 1840/1889 (II Reinado), com ênfase nos
anos finais do Império.
Para realizarmos tal pesquisa, buscamos uma metodologia que desse conta de
uma série de “estudo de casos”, os quais nos revelaram um mundo extremamente
dinâmico no que se refere à política. Ainda sobre o desenvolvimento do trabalho,
buscamos vinculá-lo com a “nova” história política, com o intuito de analisar as relações
entre uma “grande maioria” e os pequenos e médios chefes locais do Litoral Norte do
Rio Grande do Sul, todos atrelados ao sistema clientelístico do século XIX.
ABSTRACT
This dissertation aims at analysing the insertion of country fellows and German
settlers from the North Coast of Rio Grande do Sul into politics. The period established
comprehends the years 1840 to 1889 (second Kingdomship), emphasising the late
years of the Empire.
In order to carry on such a research we had to find a methodology of work which
could appropriately cover a series of “study cases”. These very “study cases” revealed
an extremely dynamic world concerning politics. During the development of this work we
procured to bond it with the “new” history of politics, with the purpose of analysing the
relationship between a “vast majority” and the small and medium local chiefs from the
North Coast of Rio Grande do Sul, all of them deeply connected to the system of
clientele of the XIX century.
INTRODUÇÃO
“Apesar de a elite rural ter sido muito menos rica do que a elite de eleitores urbanos, em uma terra de pobres artesãos e lavradores não era necessária muita riqueza para o exercício da política de patronagem... Mas, se mesmo esse centro mais restrito [São Paulo] pôde mostrar níveis razoáveis de participação popular, então é possível supor que estudos futuros, baseados em outras listas de eleitores de outras regiões do Brasil, mostrarão uma participação popular ainda maior no processo político.” 1
A proposta de estudar o Litoral Norte do Rio Grande do Sul (RS), em especial as
vilas de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres, no período de
1840/1889 (II Reinado), surgiu como uma continuidade da pesquisa que vínhamos
desenvolvendo. O que mudou foi a temática, visto que, até então, abordávamos a
questão étnica; agora, debruçamo-nos sobre a política,2 sobretudo as relações entre
nacionais e colonos alemães3 na esfera do poder local.
1 KLEIN, Herbert S. A Participação Política no Brasil do Século XIX: Os Votantes de São Paulo em 1880. In.: Dados. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, n.3, v.38, p.527-544, 1995. (p.540). 2 Usaremos o termo política conforme Bobbio, Matteucci & Pasquino, que o descreveram como algo mais do que o sistema político partidário. Para eles, o termo amplia -se, envolvendo, inclusive, o sociável e o social. Outro autor que também trabalhou com este mesmo tema foi Rémond, o qual entende que o
10
Os objetivos os quais nos propomos alcançar complementam-se e são
basicamente dois. Temos como meta analisar a inserção tanto de nacionais quanto de
colonos alemães na política, verificando como estes dois grupos relacionaram-se entre
si e com os seus chefes locais. Para tanto, analisamos os inúmeros conflitos
desencadeados a partir de uma disputa política exacerbada, em que atuaram
“bandidos”, comerciantes, componentes da Guarda Nacional, delegados, desertores da
Guerra do Paraguai, juízes, lavradores, padres, pastores, entre outros. Esta lista de
“atividades e profissões” nos dá idéia da complexidade do quadro político do Litoral
Norte do RS, que estava dividido em inúmeras facções ligadas aos partidos
conservador e liberal.4 Obrigatoriamente, nossa análise contemplará a atuação dos
político “... tem relações com os outros domínios: liga-se por mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos os outros aspectos da vida coletiva. O político não constitui um setor separado: é uma modalidade da prática social. As pesquisas sobre o abstencionismo, os estudos sobre a sociabilidade, os trabalhos sobre a socialização, as investigações sobre o fato associativo, as observações sobre as correspondências entre prática religiosa e comportamento eleitoral contribuem para ressaltar tanto a variedade quanto a força das interações e interferências entre todos esses fenômenos sociais.” (p.35-36). Ver, respectivamente: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1986. (p.954-962) e RÉMOND, René. Uma História Presente. In.: RÉMOND, René (Org.). Por Uma História Política. Rio de Janeiro: UFRJ, FGV, 1996a. (p.13-36). Retomaremos o termo política no capítulo 3, nota n. 206. 3 O termo “nacional” será usado neste texto para designar os descendentes de portugueses e açorianos, bem como os demais elementos caracterizados como “brasileiros” (escravos libertos, por exemplo) e o “colono ale mão” (ou simplesmente “colono”) para os imigrantes alemães e seus descendentes. Embora saibamos que a Alemanha surgiu como estado unificado somente em 1871, quando Otto von Bismarck reuniu sob seu comando os reinos e principados de língua alemã, usaremos o termo “alemão” para identificar os imigrantes que vieram para o Brasil antes desta data. Ressaltamos que o termo “nacional” desqualifica o filho do imigrante, situação que perdura, realmente, até 1881, quando a lei Saraiva permite o ingresso destes homens de forma mais intensa na política. Infelizmente, em função do tempo limitado para a realização do Mestrado, não tivemos oportunidade de nos aprofundarmos na discussão referente aos filhos dos imigrantes, os quais, por tese, seriam “brasileiros”, portanto, “nacionais”. 4 Propositadamente escrevemos os nomes dos partidos políticos – partido conservador e partido liberal – com as iniciais em minúscula para não os destacar no texto, uma vez que eles devem aparecer como meros coadjuvantes (um dos elementos do processo político-partidário).
11
conservadores e liberais, bem como suas vinculações com as câmaras municipais,
órgãos mediadores entre o litoral5 e o governo provincial.
Além destes dois objetivos, pretendemos, com este trabalho, participar da
retomada da história política,6 acrescentando outras nuances em relação a este tema
do que somente os grandes líderes, seus grandes feitos, ou a ligação destes com o
governo central.7 Interessa-nos, neste caso, o poder local, o pequeno e médio chefe
local, as relações de base clientelísticas entre uma grande maioria e seus
5 Caso não haja indicação contrária, o termo “litoral” servirá como sinônimo para “Litoral Norte do RS”. 6 Em relação à história política, consultamos algumas obras que se constituíram na base deste trabalho. A título de exemplificação, citamos a coletânea organizada por René Rémond, intitulada Por uma História Política, a qual é um dos marcos da retomada da história política. Em termos de Brasil, o texto de Francisco Falcon, História e Poder e a revista científica Logos, resultado de um seminário de 1997 promovido pela ANPUH-RS, seguem esta mesma orientação teórica. E, ainda, na linha das monografias e dissertações, o texto de Cláudio Pereira Elmir sobre as relações coronelísticas no planalto central e na serra, analisadas a partir da correspondência privada do Coronel Victor Dumoncel Filho e a dissertação de Sebastião Peres, em que contemplou o poder coronelístico na cidade de Santo Ângelo, complementam e inserem-se no elenco acima. Em termos de bibliografia brasileira, a partir de 1980, intensificaram-se os estudos sobre a “nova” história política. Os autores que citamos nesta nota representam uma parte do que foi produzido até então. Reportaremo -nos, também, a outras obras que estão disseminadas pelo restante do texto. Ver, respectivamente: RÉMOND, René (Org.). Por Uma História Política . Rio de Janeiro: UFRJ, FGV 1996c; FALCON, Francisco. História e Poder. In.: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. (p.61-89); LOGOS. Revista de Divulgação Científica. Canoas: ULBRA, n.1, ano 11, maio 1999 [especial de História e Política]; ELMIR, Cláudio Pereira. Olhares Sobre Si e o Outro: As Várias Faces do Coronelismo . In.: Caderno de Estudo. Porto Alegre: UFRGS, n.8. p.24-49, dez. 1993. [Curso de Pós-Graduação em História] e PERES, Sebastião. Coronéis & Colonos: Das Crises Internas do Poder Coronelístico à Emergência dos Colonos Como Sujeitos Autônomos . Porto Alegre, 1994. Dissertação [Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 1994. 7 Como bem expressou Marieta de Moraes Ferreira na apresentação de Por Uma História Política: “A nova história política, segundo René Rémond, preenche todos os requisitos necessários para ser reabilitada. Ao se ocupar do estudo da participação na vida política e dos processos eleitorais, integra todos os atores, mesmo os mais modestos, perdendo assim seu caráter elitista e individualista e elegendo as massas como seu objeto central.” Ver: FERREIRA Apud RÉMOND, op. cit. (1996c; p.7).
12
“representantes”.8 Todavia, além da história política, nos propomos a apresentar uma
outra visão dos imigrantes alemães, visão esta que deve distanciar-se da “tese do
isolamento”, dos chavões estabelecidos pela historiografia clássica da imigração9 em
relação ao imigrante europeu, como “civilizado”, “pacífico”, “obediente”, entre outros, os
quais não contribuem para a análise da relação dos imigrantes e dos seus
descendentes com a sociedade nacional. Ao mesmo tempo, desejamos contribuir com
a historiografia que estuda o Litoral Norte do RS, espaço10 que se encontrava
praticamente “esquecido” pelos historiadores se comparado ao restante do Rio Grande
do Sul. O incremento aos estudos sobre o litoral deu-se a partir de 1990, quando se
iniciaram os Encontros dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, dos
quais falaremos adiante.
Para melhor compreensão e objetividade, dividimos este texto em três capítulos.
O primeiro localiza politicamente o Rio Grande do Sul na segunda metade do século
XIX e apresenta, resumidamente, os projetos de imigração para o Brasil, em especial os
8 O termo “representação” será usado neste trabalho como sinônimo de “clientelismo”. O fato de um nacional ou um colono exponencial representar alguém insere-o na rede clientelística do século XIX, inserção indispensável para a manutenção do poder de um chefe local. O que nos interessa é demonstrar que havia uma rede de clientes, na qual todos eram representados, desde o mais humilde morador de algum rincão até o político mais expressivo. A pirâmide do clie ntelismo encerrava-se na figura do imperador, última instância para um pedido ser encaminhado. Ver: GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. 9 Por historiografia clássica da imigração entendemos aquela de louvação étnica, na qual as características de um grupo, neste caso os alemães, se sobrepõem aos demais componentes da sua história. É de fundamental importância para esta historiografia destacar os termos “civilizado” e “trabalhador”, dentre outros, e suprimir tudo aquilo que poderia denegrir a imagem dos imigrantes e seus descendentes.
13
que foram dirigidos para o Sul. Destacamos, ainda, os aspectos administrativos,
geográficos, políticos e sociais do Litoral Norte do RS neste mesmo período e a
instalação da Colônia Alemã das Torres em 1826. Como veremos, esta colônia não foi
implantada como um único núcleo, sendo dividida em dois. Os católicos ficaram em São
Pedro de Alcântara e os evangélicos em Três Forquilhas.
O segundo capítulo verifica as relações entre o litoral e o governo provincial,
momento em que percebemos as dificuldades enfrentadas pelos litorâneos para se
consolidar como um grupo político de pressão. Em seguida, fizemos uma pequena
compilação sobre o regime eleitoral no tempo do Império, visto que sentimos a
necessidade de explorar melhor a legislação eleitoral que regeu o Brasil no século XIX.
Sendo este um trabalho que tem como pauta principal analisar a dinâmica política de
uma região, este subcapítulo tem sua razão de existir, sobretudo porque era na época
das eleições que a atividade política ganhava dimensões agigantadas no que se refere
às lutas – tanto em discursos quanto em armas – entre os correligionários dos partidos
políticos. Por fim, no terceiro subcapítulo, apresentamos uma discussão historiográfica
sobre “coronelismo”, “poder local” e “clientelismo”, fazendo-se necessária, também,
uma pequena explicação. O diálogo com a historiografia perpassará todo o texto, tanto
a que aborda a política quanto a que se dedicou à imigração. No entanto decidimos
aprofundar a discussão destes conceitos num subcapítulo à parte, com o intuito de
10 O conceito de espaço está baseado em Milton Santos, nome de maior expressão da geografia
14
mapeá-los no período imperial e republicano. Isto não significa, porém, que o restante
do trabalho esteja desprovido de um diálogo com a historiografia correspondente.
O terceiro e último capítulo analisa a inserção de nacionais e colonos alemães no
âmbito do poder local, fazendo uma clara distinção entre os “exponenciais”, isto é,
aqueles que se destacaram no cenário político e uma grande maioria a qual foi por eles
representada. Veremos, além disto, a participação destes homens nas eleições,
momento máximo da disputa política, em que todos desejavam, ardentemente,
demonstrar a sua força e capacidade de cooptar clientes, rede a qual estavam “presos”.
Enfim, o terceiro capítulo, assim como todo o trabalho, tem como objetivo demonstrar a
dinâmica do poder local no Litoral Norte do RS.
Os três capítulos apontados acima foram escritos de tal forma que não seguem
uma narrativa processual. Segundo René Rémond, “... a história política permanecia
uniformemente narrativa, escrava do relato linear, e no melhor dos casos, só temperava
a mediocridade de uma descrição submetida à cronologia pelo talento eventual do
autor...” 11. Por razões de ordem metodológica, buscamos o “esgotamento” das fontes
empíricas, isto é, os casos encontrados foram desdobrados de tal forma que, de um
acontecimento central, pudemos analisar uma série de relações, principalmente as da
esfera política. O exemplo mais bem acabado encontra-se no subcapítulo 3.1, no qual
humana, que sintetiza a natureza e o homem, relacionando-os entre si. Ver: SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. 4.ed. São Paulo: HUCITEC, 1996.
15
analisamos a expulsão de dois juízes, sendo que, a partir deste fato, uma série de
outras situações vieram à luz. Metaforicamente, os casos foram “costurados” a fim de
não se constituírem em exemplos isolados, mas sim permitirem a construção parcial de
uma realidade. Acreditamos, desta maneira, que esta dinâmica de trabalho oportunizará
ao leitor aproximar-se de “estudo de casos”, os quais revelarão um quadro político-
partidário disputado de forma acirrada e violenta, repleto de momentos de tensão, como
era comum na política da época. Além de não se caracterizar por uma narrativa
processual, o texto também não apresenta dados quantificados, a não ser as tabelas
que elaboramos a partir das listas de votantes, as quais se encontram no subcapítulo
3.2. Os “estudos de casos” são representativos, isto é, selecionamos documentos
capazes de demonstrar a dinâmica social e política do Litoral Norte do RS sem que
para isto fosse necessário quantificá-los.12
O leitor perceberá, igualmente, uma forte carga empírica no texto, resultado de
uma pesquisa minuciosa no AHRS e no APRS, iniciada antes mesmo do curso de
Mestrado em História no Programa de Pós-Graduação da UNISINOS. Este longo tempo
de pesquisa em arquivo permitiu-nos a apropriação de uma grande quantidade de
documentos, sendo que somente uma parte foi usada neste trabalho. Reconhecemos
que em alguns momentos os dados empíricos seriam quase dispensáveis, pois não se
referem diretamente à questão norteadora do texto. No entanto dão luz e vida ao
11 Cf. RÉMOND, op. cit. (1996a; p.17).
16
cenário do Litoral Norte do RS, o que possibilita ao leitor conhecer um pouco mais o
espaço o qual nos propomos estudar.
Sobre a pesquisa no AHRS e no APRS, contemplamos uma série de fundos
documentais, que estão listados nos “acervos consultados”. Esses fundos revelaram, de
um lado, a dinâmica política do litoral e, de outro, a organização social dos nacionais e
colonos alemães. Ao nos permitir analisar estes dois aspectos, consideramos relevante
apresentar situações (exemplos) que ratificam a questão norteadora deste texto. Para
isto, valemo-nos, em alguns momentos, das transcrições de parte dos documentos, as
quais tiveram a gramática atualizada sempre que possível, com exceção dos nomes
próprios.
Como não poderia deixar de ser, este trabalho tem os seus limites. Do ponto de
vista metodológico, precisávamos delimitar o tempo (II Reinado) e o espaço (Litoral
Norte do RS). Esbarramos, também, no tempo insuficiente concedido aos bolsistas da
CAPES – dois anos - para cursar as disciplinas, pesquisar nos arquivos, consultar a
bibliografia, realizar o estágio docente de quase um semestre e, por fim, escrever a
dissertação. Como exemplo deste limite temporal, não conseguimos pesquisar no
APRS os processos judiciais ocasionados por desentendimentos, às vezes violentos,
no período das eleições. Assim, dentro dessas condições, restringimos o tema à
12 Sobre a possibilidade de os documentos expressarem parte da realidade de um local ou de um grupo, ver a nota n. 200.
17
política, conjugado à imigração, sem entrarmos em outras questões que poderiam ser
analisadas conjuntamente se as circunstâncias fossem outras.
1 POLÍTICA E IMIGRAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL
“Se não tem havido jogo, Sr. Presidente, o que significa este telegrama, passado da corte? ‘Rio, 13 de fevereiro de 1879. Silveira Martins saiu do ministério por não querer sacrificar a idéia liberal. Na reforma constitucional não queria deixar nossos patriotas, filhos de alemães, por serem protestantes, abaixo dos ingênuos filhos de ventre escravo. O Imperador opôs-se e o resto do ministério cedeu à vontade imperial’.” 13
“No dia em que o Partido Liberal subir ao poder, se ele não for com o seu programa de reformas na mão; se ele se deixar inutilizar pelo poder pessoal, que nós todos conhecemos, que já foi denunciado no Parlamento por liberais e conservadores, eu não abandonarei as minhas convicções para acompanhar um partido que não realiza quando é governo o que promete quando oposição.” 14
“O fato de ter um país uma religião do estado não impede que nesse país se dê plena liberdade de cultos, nem tampouco reclama restrições de direitos civis àqueles que não seguem a religião do Estado. O Sr. Conselheiro Martins na Câmara dos Deputados falou da Turquia que, tão atrasada ontem, já decretara a liberdade de cultos; o nobre Deputado, o Sr. H. d’Avila lembrou nesta Casa a Inglaterra que tem religião de estado mas em cujo Parlamento entram também os que não
13 Discurso do deputado Francisco Clementino Santiago Dantas na Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul, na sessão de 14 de março de 1879. In.: PICCOLO, Helga Iracema Landgraf (Org.). Coletânea de Discursos Parlamentares da Assembléia Legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. 1835 - 1889. v.2. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, 1998. (p.448). 14 Discurso do deputado Ramiro Fortes Barcellos na Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul, na sessão de 14 de março de 1879. In.: PICCOLO, op. cit. (1998; p.454).
19
a seguem, e eu citarei ainda a Áustria e a Itália que estão no mesmo caso.” 15
1.1 A Província do Rio Grande do Sul no Contexto Imperial
Este subcapítulo tem como objetivo apresentar o Rio Grande do Sul na segunda
metade do século XIX, bem como sua articulação política com o restante do Brasil,
sendo que este período tem como marco principal o embate entre a Corte e as
províncias, provocado, dentre outros motivos, pela política de centralização do Império.
Em relação ao Sul, a monarquia, ao olhar para este espaço, enxergava um território
que, paulatinamente, consolidava-se como brasileiro. A posição fronteiriça do Rio
Grande do Sul fez com que a relação estabelecida entre o Império e a província se
tornasse mais tensa do que entre o primeiro e as outras regiões do Brasil, uma vez que
a centralização por parte do Império se chocava de maneira intensa com os interesses
locais, mesmo que os chefes locais estivessem enquadrados na ordem instituída. Em
razão deste imbricamento entre estas três instâncias – Império, província e poder local -
entendemos ser necessária uma “retrospectiva” dos dois últimos quartéis do século XIX
a fim de vislumbrarmos o cenário no qual nacionais e imigrantes foram inseridos e como
se relacionavam no âmbito da política.
15 Discurso do deputado Ernesto Augusto da Cunha Matos na Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul, na sessão de 14 de março de 1879. In.: PICCOLO, op. cit. (1998; p.459).
20
Politicamente, a província do Rio Grande do Sul, durante o II Reinado, foi
marcada por uma disputa exacerbada, travada entre conservadores e liberais,
entremeada pelo surgimento e consolidação do Partido Republicano Rio-grandense
(PRR).16 Em se tratando de Brasil, o imperador ora agraciava os conservadores,
chamando-os para governar, ora os liberais, quando concedia a estes o mesmo direito
de conduzir politicamente o país.
Cabe aqui verificar primeiramente uma das características mais significativas da
sociedade rio-grandense, senão a principal, que foi a militarização. A província sulina,
segundo Uricoechea, caracterizava-se por uma militarização diferenciada de todo o
Brasil, principalmente pelo aspecto geográfico, uma vez que faz fronteira com os
vizinhos platinos. Isso gerava uma sociedade fundamentada nos modelos e ideologia
da guerra, que, de tempos em tempos, se manifestava conforme os interesses do
Império brasileiro e/ou das repúblicas lindeiras.17 Como disse este mesmo autor:
“Não é possível avaliar a importância histórica das milícias brasileiras e o papel que desempenhavam na construção do estado sem trazer a foco a expressão que elas assumiram na província sulista do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai e a Argentina.” 18
16 Os partidos políticos serão abordados, novamente, neste mesmo texto, momento em que faremos uma explanação sobre a doutrina e a forma com que cada um se relacionou com o poder. 17 As considerações sobre a militarização do Rio Grande do Sul estão baseadas em URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial. A Burocratização do Estado Patrimonial Brasileiro no Século XIX. Rio de Janeiro, São Paulo: DIFEL, 1978a. (p.225-261). 18 URICOECHEA, op. cit. (1978a; p.225).
21
A guerra foi, por assim dizer, o fenômeno que marcou as relações estabelecidas
entre os países platinos. A disputa pelo Sul e os conseqüentes acordos de paz, sendo o
tratado de Santo Ildefonso, de 1777, um dos mais relevantes, marcaram sensivelmente
o modo de viver dos rio-grandenses e platinos. Dessa forma, o transcorrer do século
XIX foi pautado por inúmeros conflitos os quais envolveram o Sul do Brasil, ainda
indefinido, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.
Desse permanente estado beligerante, originou-se uma sociedade militarizada
cujo produto final, segundo a historiografia tradicional,19 foi o gaúcho. Este personagem
atuou politicamente na região da fronteira do Rio Grande do Sul, variando de acordo
com sua posição social e a época, podendo ser um cavaleiro “rebelde”, ou então, um
estancieiro. Como chefe local, opôs-se às medidas centralizadoras que marcaram o
século XIX, reagindo politicamente de maneira mais intensa nos últimos anos do
Império. Conforme Piccolo, a década de 1870 caracterizou-se pelo sentimento
antimonarquista e pelas manifestações contra a centralização do Império para com a
província.20 A assertiva da historiadora visa evidenciar o quão resistente foi o Rio
19 Moysés Vellinho constitui-se num dos representantes mais expressivos deste grupo historiográfico. Para eles, “... ora o gaúcho é um dos defensores dos interesses brasileiros, pois através de sua coragem protegeu as fronteiras do Brasil contra os inimigos ‘castelhanos’; ora ele é o representante de interesses sul-rio -grandenses, defendendo e lutando para que o Rio Grande do Sul não fique marginalizado frente aos demais estados brasileiros, nem que para isso seja necessário o ‘separatismo’...” (p.4). Ver: IZIDRO, Juliane Maria. A Construção do Mito do Gaúcho Brasileiro Pela Historiografia Tradicional. São Leopoldo, 2000. Monografia [Identidade e Integração na América Latina Independente II]. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 2000. 20 Cf. PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. As Regiões e a Questão do Federalismo Passado e Presente. Palestra apresentada em: Primeiras Jornadas de História Regional Comparada . Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Porto Alegre, ago. 2000.
22
Grande do Sul quando se tratava de aceitar as imposições decretadas da capital Rio de
Janeiro e como as idéias federativas tiveram influência e força no Sul.
Estas reações por parte das chefias locais davam-se especialmente pelos
partidos políticos, pois era através destas agremiações que acontecia o jogo de forças
entre Império, província e poder local. Todos se valiam destes canais – os partidos
políticos – para tentar concretizar as suas medidas na área política. Em razão disso,
vamos abordar, muito sintéticamente, os três partidos que mais se destacaram no
período estudado. É preciso esclarecer que levamos em conta o fato de, muitas vezes,
o prestígio de determinado político falar mais alto do que o próprio discurso do partido.
No entanto, de uma maneira geral, neste momento do trabalho, vamos considerar os
manifestos dos conservadores, liberais e republicanos como a expressão do todo, sem
entrar na discussão do poder individual de alguns líderes e nos desentendimentos
ocasionados pelas inúmeras facções que compunham o quadro político-partidário do
Rio Grande do Sul. Para tanto, faremos uma breve apreciação, destacando as
principais características dos três grupos políticos os quais atuaram na província
sulina.21
21 A apreciação que fizemos dos partidos conservador, liberal e republicano está baseada em PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. A Política Rio -Grandense no II Império (1868-1882). Porto Alegre: UFRGS, 1974. Muitas vezes os programas de governo dos conservadores e liberais confundiam-se, isto é, sob muitos aspectos os dois partidos eram semelhantes, especialmente no que tange à busca do poder e à aspiração de governar e fazer valer as suas determinações. Sendo assim, a apreciação dos três partidos, neste texto, tem como objetivo apresentar suas diretrizes básicas sem aprofundar as suas semelhanças e diferenças.
23
Comecemos pelo partido conservador. De toda a sua trajetória como partido
governante ou oposição, deter-nos-emos na sua atuação, que mais se aproxima do
momento em discussão, a qual se deu entre os anos de 1868 e 1877. Esclarecedor é o
comentário de Piccolo a respeito do partido, que era:
“a favor do status quo: da centralização administrativa e do princípio de que o imperador reina, governa e administra.” 22
“Politicamente falando, são os conservadores intransigentemente monarquistas... Como monarquistas, não apenas temiam, mas combatiam as idéias republicanas veiculadas pela imprensa.” 23
Além de monarquistas, os conservadores opunham-se à abolição da escravidão
e viam com desconfiança os projetos de imigração. No seu discurso, o elemento
nacional e não o estrangeiro deveria ser privilegiado com as benesses da lei. De linha
conservadora, os correligionários deste partido depositavam no regime monárquico
todas as suas esperanças na tentativa de estancar as idéias liberais, de base
reformista, e imobilizar o quadro hierárquico da sociedade.24
22 PICCOLO, op. cit. (1974; p.46). 23 PICCOLO, op. cit. (1974: p.48). 24 O posicionamento do partido conservador sobre a escravidão e a imigração pode ser conferido nas várias publicações do jornal “O Conservador”. Como exemplo, podemos citar três artigos consecutivos publicados em dezembro de 1880, em que o partido manifesta-se a respeito dos conceitos acima. Ver: MCSHC - O Conservador, Porto Alegre, n. 289, ano II, sexta, 24 de dezembro de 1880 (533) p.1; MCSHC - O Conservador, Porto Alegre, n. 291, ano II, terça, 28 de dezembro de 1880 (535) p.1; MCSHC - O Conservador, Porto Alegre, n. 292, ano II, quarta, 29 de dezembro de 1880 (537) p.1. (Agradecemos ao historiador Paulo Moreira a gentileza de ter cedido este material).
24
O partido liberal, por sua vez, de idéias contrárias às dos conservadores, lançou
seu manifesto em 30 de junho de 1863, no qual definiu seu programa, tendo como
princípios a:
“soberania nacional, responsabilidade dos ministros, temporariedade do Senado, eleição direta, representação da minoria, independência da magistratura, liberdade individual, emancipação da navegação de cabotagem, serviço militar obrigatório, descentralização administrativa, reforma das municipalidades.” 25
No Rio Grande do Sul, o partido liberal teve como um dos seus maiores
representantes Gaspar Silveira Martins. Na medida em que sua atuação como
parlamentar o projetava no cenário político brasileiro, sua atenção voltava-se a alguns
grupos marginalizados, incluindo neste rol os colonos alemães evangélicos. Sua
principal reivindicação foi o direito ao voto para os acatólicos, bandeira que empunhou
com todo o fervor, levando-o a renunciar ao cargo de ministro quando sua proposta não
foi aceita pela maioria, inclusive por seu companheiro de partido, o liberal Manuel Luis
Osório.26
25 PICCOLO, op. cit. (1974; p.27). 26 PICCOLO, op. cit. (1974; p.99). A atuação de Silveira Martins a favor dos acatólicos seguia as diretrizes de uma das facções do partido liberal, a qual entendia que também a estes deveria ser dado o direito de votar e serem votados. A população colonial, com um crescimento demográfico acentuado, era vista como um “curral eleitoral”, que poderia ser cooptado pelos liberais desde que houvesse uma mudança na legislação eleitoral permitindo a participação deste grupo de forma direta. Provavelmente, esta foi uma das razões pelas quais Silveira Martins dedicou-se à defesa dos acatólicos na esperança de que, se lhes fosse concedido o direito de votar, estes votos seriam direcionados ao seu partido.
25
Além de Silveira Martins, que personificou a representação liberal entre os
colonos alemães, outro personagem deve ser mencionado, o jornalista Carlos von
Koseritz,27 político liberal, que também defendeu os interesses das comunidades
alemãs, usando para isto a imprensa, a qual se constituía num instrumento de longo
alcance. Koseritz escrevia seus artigos para jornais nos quais denunciava o “descaso”
das autoridades para com a população colonial. Em alguns momentos, o eco destas
vozes produziu efeitos positivos junto aos demais políticos, o que oportunizou,
parcialmente, o exercício da cidadania de alguns colonos alemães. Como exemplo de
conquista parcial destes direitos, podemos citar a lei Saraiva, de 1881, da qual
falaremos adiante.
O partido Republicano Rio-Grandense (PRR) teve seu manifesto lançado em
1870. Sua trajetória nesta década foi insignificante, pois o partido só ganharia vulto a
partir da sua fundação, em 1882. A bandeira defendida pelos republicanos estava
intimamente ligada à questão eleitoral, pois sem uma reforma na lei não conseguiriam
chegar ao poder. Para tal, propunham a eleição direta, sem a interferência do governo.
Piccolo reporta-se ao discurso esclarecedor de um republicano, quanto às aspirações
do partido:
27 Cf. MOTTER, além de Carlos von Koseritz, mais quatro teuto-brasileiros compuseram o legislativo gaúcho na época imperial: Guilherme Bartholomay (1881-1882), Frederico Hänsel (1881-1889), Wilhelm ter Brüggen (1887-1888) e Karl von Kahlden (1889). Ver: MOTTER, Ana Elisete. As Relações Entre as Bancadas Teuta e Luso-Brasileira na Assembléia Legislativa Provincial Rio -Grandense (1881-1889). In.: Estudos Leopoldenses. [Série História]. São Leopoldo: UNISINOS. n.2, v.3, p.103-114, jul./dez. 1999.
26
“A fraqueza republicana e a identidade com os liberais, (sic) podem ser vistas no primeiro discurso pronunciado por Francisco X. da Cunha na Assembléia Provincial, na sessão de 16 de março de 1877, discurso que também é, no seu espírito, aparentado com o Manifesto de 1870. Destaca-se pelos aspectos políticos e não toca na estrutura sócio-econômica. Defende a eleição direta, que é a grande aspiração, porque pelo sistema eleitoral vigente, a interferência do governo nas eleições não permitia a vitória das idéias liberais e republicanas. A moralização das eleições era necessária para que elementos reformistas chegassem ao Parlamento, o que significava que as reformas no sistema político deviam ser feitas pacificamente. O mau funcionamento das instituições devia-se ao poder pessoal. Era necessária a interferência do povo no governo.”28
Esta breve apreciação dos partidos políticos que permearam a vida dos rio-
grandenses na segunda metade do século XIX permite -nos perceber que o duelo
travado entre conservadores e liberais com o objetivo de tomar o poder deu espaço
para que outro grupo se consolidasse e conquistasse o poder de forma paulatina e
crescente. Porém devemos estar atentos para não incorrermos no erro de uma análise
maniqueísta, isto é, entender o surgimento do PRR como fruto da incompetência dos
outros dois partidos. Os anos finais do Império foram marcados pelo fim da escravidão
e pelo surgimento de outros grupos sociais que exigiram uma nova proposta política,
momento oportuno para que o PRR surgisse e se consolidasse. Assim, quando o Brasil
se torna uma República, o Rio Grande do Sul passa a ser governado pelos
republicanos, grupo heterogêneo composto de homens realmente imbuídos do espírito
positivista, mas também de antigos conservadores e ex-liberais. Feito este pequeno
28 PICCOLO, op. cit. (1974; p.89-90).
27
comentário, resta-nos verificar como se deu a imigração para o Brasil e quais as suas
implicações na dinâmica política brasileira.
No que tange ao estudo da política no período que compreende o II Reinado,
destacam-se três grandes temas: escravidão, terra e imigração, sendo que
abordaremos de forma mais panorâmica os dois primeiros temas, fazendo apenas os
comentários necessários que complementem o estudo da imigração. A escravidão foi
uma das maiores instituições que marcou a história brasileira, principalmente por ser o
motor do sistema produtivo. Teve seu início com a chegada dos portugueses e o seu
fim com a abolição em 1888. Durante os quase quatro séculos de sua existência, o
tráfico negreiro foi um dos negócios mais rentáveis para os traficantes, os quais
compravam os escravos na África e revendiam-nos na América e também para a
própria Coroa Portuguesa, desejosa de obter os impostos que este comércio lhe
proporcionava.
Com efeito, foi no decorrer do século XIX que a Inglaterra posicionou-se contra a
continuidade do tráfico, na esperança de que o trabalho escravo fosse substituído pelo
assalariado. Assim, uma série de imposições dos ingleses em relação a este negócio
culminou no aumento dos contrabandos e intensificou o deslocamento interprovincial de
escravos. Todavia o fim da escravidão ocorreria somente no final do século XIX, após
uma interminável discussão de como deveria, ou não, acontecer a libertação dos
escravos.
28
O segundo tema que apontamos é a terra. De proporções continentais, o
território brasileiro permitiu o acesso à terra através de inúmeras situações, que vão
desde as legais, quando a Coroa Portuguesa instituiu o sistema de sesmarias, o qual
perdurou até o ano de 1822, até as posses “ilegais”, que aumentavam sensivelmente as
propriedades rurais, tornando-as extensos latifúndios. Como característica básica, o
Brasil possuía muita terra para pouca gente livre, o que gerava os maiores abusos em
relação à posse e à extensão das propriedades territoriais.
Em contrapartida a esta “desordem”, o governo promulgou a lei de Terras em
1850. Vejamos alguns aspectos que viabilizaram e fomentaram esta iniciativa: a
iminência da substituição da mão-de-obra escrava por outro modelo que inserisse o
país na nova divisão internacional do trabalho; a tentativa do Império em reduzir o
poder dos grandes proprietários rurais, verdadeiros senhores do território que
ocupavam, armados com suas milícias e dispostos a reagir à centralização imperial; e a
urgência de se definir de que forma e em que terras seriam instaladas as novas
colônias compostas de imigrantes europeus.29 No entanto a aplicabilidade da lei de
29 Sobre este ponto, em relação ao Sul do Brasil, ao obrigar a compra das terras, o governo desejava manter os imigrantes nas pequenas propriedades rurais. Sem recursos, os colonos não tinham condições de comprar grandes áreas e transformarem-se em latifundiários, a quem o governo desejava fazer oposição. Já para as regiões cafeeiras, sobretudo o Rio de Janeiro e São Paulo, a compra das terras tinha como objetivo direcionar a mão-de-obra imigrante para as grandes lavouras, uma vez que também lá os imigrantes não tinham grandes recursos para adquirir uma propriedade territorial. Cf. Carvalho, “... como a ocupação indiscriminada de terras dificultava a obtenção de trabalho livre, o parecer propunha que se vendessem as terras e não mais fossem doadas nem permitida sua ocupação.” (p.40). Saul, analisando esta mesma questão, apresenta duas tendências: “No que respeita à colonização por meio de trabalhadores livres, duas posições se definiram antagonicamente. Por um lado, a necessidade de criar um preço elevado para as terras públicas e o estabelecimento do imposto territorial apareciam como
29
Terras foi inviabilizada, permitindo que muitos dos abusos em relação ao acesso à terra
continuassem sendo cometidos.30 Podemos anunciar desde já que durante nossa
pesquisa encontramos uma série de casos que corroboram estas afirmações, os quais
estarão diluídos por todo o trabalho.
O terceiro tema que consideramos relevante para o período estudado é a
imigração, movimento internacional que permitiu o deslocamento de trabalhadores,
principalmente da Europa, para outros continentes, fundamentalmente na segunda
metade do século XIX até meados do século XX. Por ser um dos temas centrais deste
texto, o abordaremos de forma mais específica e detalhada com o objetivo de inserir o
Rio Grande do Sul no projeto idealizado, defendido e concretizado pelo Império
brasileiro. Foi durante a estada da família real no Brasil que D. João VI definiu-se pela
imigração européia, acreditando que a vinda de famílias e também de solteiros, pois
precisava de soldados, traria novo alento a um país “desgraçadamente” habitado por
índios e negros.
fórmulas para forçar o colono imigrado a trabalhar nas fazendas, dificultando-lhe o acesso à propriedade da terra... A posição contrária... Propugnavam por uma política oposta à instituição de preços altos para as terras públicas. A terra deveria ser concedida graciosamente aos colonos como forma de atraí-los para o país e fixá-los em seu interior. O ponto decisivo residia em considerar como questão realmente importante para o país a colonização efetiva do território.” (p.32-33). Ver: CARVALHO, José Murilo. Modernização Frustrada: A Política de Terras no Império. In.: Revista Brasileira de História (ANPUH). São Paulo, n.1, p.39-57, mar. 1981; e SAUL, Renato. A Modernidade Aldeã. Porto Alegre: UFRGS, 1989. 30 Cf. CARVALHO, op. cit. “Em 1871 já se pedia a reformulação da lei [de Terras] por não ter nem mesmo impedido a invasão de terras públicas.” (1981; p.48).
30
Os motivos pelos quais o Império decidiu trazer imigrantes europeus para o
Brasil são muitos e foram trabalhados pela historiografia que trata deste assunto.31
Entre os mais importantes, destacamos: a preocupação de D. João VI em branquear a
“raça”, uma vez que o número de negros no Brasil sobrepujava em muito a população
branca; a necessidade de povoar o imenso território brasileiro, com a intenção de definir
fronteiras; a indiscutível premência de se ocupar as terras que ainda estavam nas mãos
dos indígenas; a implantação da pequena propriedade para contrabalançar o poder do
grande proprietário de terras; a diversificação da produção de alimentos, direcionada ao
mercado interno; o desenvolvimento do artesanato, qualidade que introduziria o Brasil
no mundo tecnológico da época; a precariedade das forças militares brasileiras,
compostas de homens nos quais o Imperador não depositava a mínima confiança; e,
por fim, o Brasil precisava, gradativamente, inserir-se na nova divisão internacional do
trabalho. Para isso, haveria de surgir um novo tipo de mão-de-obra que, concomitante à
escrava, elevasse o país à categoria de “industrializado e moderno”.
Este último motivo apontado não deve dar a impressão de que os imigrantes
vieram ao Brasil apenas para substituir a mão-de-obra escrava. Os projetos de
31 Como exemplo da historiografia que estudou os motivos que levaram o Imperador a optar pela imigração, podemos citar: CESAR, Guilhermino. Os Gaúchos e a Política Imigratória do Império. In.: CESAR, Guilhermino et. al. Imigração Italiana: Estudos. Porto Alegre/Caxias do Sul: EST/Universidade de Caxias do Sul, 1979. (p.161-176), COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República : Momentos Decisivos. São Paulo: Ciências Humanas Ltda., 1979, LEMOS, Juvencio Saldanha. Os Mercenários do Imperador: A Primeira Corrente Imigratória Alemã no Brasil. Porto Alegre: Palmarinca, 1993 e OBERACKER Jr., Carlos Henrique. A Contribuição Teuta à Formação da Nação Brasileira. 4.ed. v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Presença, 1985.
31
colonização foram amplamente debatidos nas assembléias provinciais, havendo os
mais diferentes pronunciamentos. Uns entendiam que a imigração traria avanços para o
país, beneficiando-o com um trabalhador “civilizado”, enquanto outros, defensores dos
interesses dos grandes proprietários que possuíam muitos escravos, denunciavam o
ingresso dos imigrantes como uma tentativa de acabar-se com a escravidão, o que
levaria o Brasil à ruína. O certo é que o Império, através da habilidade política,
conseguiu contornar as dificuldades causadas pelos que eram contrários ao seu
empreendimento, iniciando o processo de “importação” de europeus, dando o primeiro
passo na concretização de suas metas para o “desenvolvimento” do Brasil.
Em relação ao Sul, o Império já havia tentado a colonização com açorianos a
partir de 1715, com o propósito de dedicarem-se à agricultura, no plantio do trigo. No
entanto os resultados não foram os esperados, e os açorianos logo se dispersaram
entre a população de descendência portuguesa. Dessa iniciativa até a resolução de se
trazer imigrantes europeus, não houve a concretização de outros projetos de
colonização de maior relevância para o Brasil. Somente em 1818, o governo deu novo
alento ao seu empreendimento, instalando a colônia de Nova Friburgo, no Rio de
Janeiro, composta de suíços. Em 1824, foi a vez do Rio Grande do Sul receber
imigrantes, fixados na extinta Feitoria do Línhamo Cânhamo, futura colônia de São
Leopoldo. Ainda no final deste mesmo ano, foi realizada uma nova tentativa em São
João das Missões, totalmente infrutífera devido à longa distância de São Leopoldo e à
32
falta de recursos, a qual permeou a vida dos colonos.32 E, finalmente, em 1826, ainda
sob a determinação do governo imperial, imigrantes alemães foram encaminhados para
o Litoral Norte do RS a fim de formarem a Colônia Alemã das Torres, objeto de nosso
estudo.33
Apesar destas tentativas, cada uma com suas peculiaridades e desenvolvimento
diverso, a colonização de São Leopoldo, a partir de 1824, internalizou-se na
historiografia da imigração alemã como o modelo mais eficaz e que produziu os
resultados mais esperados pelo governo. A data 25 de julho, dia em que os primeiros
imigrantes alemães chegaram à futura colônia de São Leopoldo, é comemorada como
feriado municipal e foi instituída como o Dia do Colono.34 As outras colonizações caíram
em relativo esquecimento e não foram alvo de estudos mais consistentes. O interesse
dos pesquisadores esteve centrado em São Leopoldo e na expansão da colônia velha
para as novas frentes de colonização.
32 Cf. ROCHE, os colonos remetidos à São João das Missões saíram de Porto Alegre em novembro de 1824 e chegaram ao seu destino em 6 de janeiro de 1825. Ver: ROCHE, Jean. A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul. v. 1 e 2. Porto Alegre: Globo, 1969a. (p.98). 33 HANDELMANN publicou uma “relação das colônias estrangeiras fundadas no Brasil de 1812 a 1855”, em que informa o sistema de aquisição de terras, nome, ano e fundador da colônia e a população, discriminada entre “habitantes” e “escravos”. A título de exemplo, citamos apenas as que mais se destacaram ou aquelas que a historiografia consagrou como as mais importantes. Ver: HANDELMANN, Henrique. História do Brasil. In.: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931. (p.646-650). O texto original de Handelmann foi escrito na década de 1850 e publicado em 1859. 34 WEBER, Roswithia. As Comemorações da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul: o “25 de Julho” em São Leopoldo, 1924/1949. Porto Alegre, 2000. Dissertação [Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2000.
33
O desenvolvimento da colônia de São Leopoldo pode ser explicado por sua
proximidade e fácil comunicação com Porto Alegre. O pequeno porto da colônia junto
ao rio do Sinos era o centro aglutinador onde os colonos depositavam os seus produtos
agrícolas a serem transportados até Porto Alegre, de onde viriam mercadorias para
venda aos colonos. Dessa forma, estruturou-se um incipiente, mas crescente comércio
baseado na remessa dos produtos coloniais e no envio de artigos que não eram
produzidos pelos colonos. Em poucos anos, uma rede comercial havia sido
estabelecida, abarcando desde o colono mais distante até as casas comerciais de Porto
Alegre.35
Todavia não devemos centrar toda a nossa atenção na agricultura.
Paralelamente a este tipo de atividade, surgiu o artesanato, o que nos faz pensar sobre
as profissões que cada colono trouxe do velho mundo. Dois estudos podem nos auxiliar
nesse sentido. O primeiro foi realizado por Martin Dreher, o qual desvela que o número
de artesãos é superior ao apontado pela historiografia. Isso pode explicar, pelo menos
parcialmente, o rápido desenvolvimento do artesanato em São Leopoldo, onde se
produziam, por exemplo, produtos derivados do couro bovino, como selas, arreios e
calçados, especialmente botas. Dreher dividiu as profissões por categorias, sendo que
de cada grupo destacamos duas atividades a título de exemplificação. No setor
35 O desenvolvime nto das colônias alemãs através do comércio com Porto Alegre foi estudado por Dalva Neraci Reinheimer em sua Dissertação de Mestrado. Ver: REINHEIMER, Dalva Neraci. As Colônias Alemãs, Rios e Porto Alegre. Estudo Sobre Imigração Alemã e Navegação Fluvial no Rio Grande do Sul
34
metalúrgico, a de ferreiro e serralheiro; no setor da alimentação, açougueiro e padeiro;
no setor da produção têxtil, tecelão e alfaiate; no setor do comércio, comerciante e
taverneiro; na atividade madeireira, marceneiro e carpinteiro; no setor coureiro,
sapateiro e curtidor; nas profissões liberais, músico e professor; no setor da construção,
pedreiro e pintor; Além desses, há representantes de outros setores, como o da
cerâmica, ourivesaria, transporte, imprensa e saúde.36
O segundo estudo ao qual referimos acima foi realizado por Magda Gans. A
autora analisou a presença de imigrantes alemães em Porto Alegre, cons tatando que a
participação deste grupo não estava restrita às grandes casas comerciais. Os teutos
também atuaram no “setor médio”, em que prevaleciam o artesanato e a prestação de
serviços. Além de debruçar-se sobre um espaço via de regra esquecido pela
historiografia da imigração – o urbano - a autora demonstrou que a presença teuta em
Porto Alegre foi mais atuante do que escreveu Jean Roche em sua obra clássica sobre
a imigração.37
Os trabalhos de Dreher e Gans referidos relativizam a constituição profissional
dos imigrantes. É possível deduzir que não foram somente os agricultores europeus
(1850-1900). São Leopoldo, 1999. Dissertação [Mestrado]. História da América Latina. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 1999. 36 Cf. DREHER, Martin Norberto. O Desenvolvimento Econômico do Vale do Rio dos Sinos. In.: Estudos Leopoldenses. [Série História]. São Leopoldo: UNISINOS. n.2, v.3, p.49-70, 1999a. O autor, ao começar o seu texto, explica que os dados apresentados são parciais, uma vez que se referem aos colonos evangélicos e foram retirados dos registros paroquiais elaborados pelo pastor Johann Georg Ehlers.
35
que tentaram escapar de uma situação desfavorável em que a miséria advinda do
parcelamento e da expulsão da terra os havia marginalizado, a tal ponto que uma das
alternativas foi a emigração. Ao que parece, os artesãos, de um modo geral,
suplantados e incapazes de concorrer com as novas modalidades de trabalho
decorrentes da Revolução Industrial, viram-se confrontados com a miséria, optando
pela emigração para a América ou sendo obrigados a isso.38
Esta série de nuances sobre o projeto de imigração para o Brasil nos faz pensar
que poderíamos tratar o assunto no plural, isto é, projetos de imigração, imbricando-o
com outros temas como, por exemplo, escravidão, indígenas, política ou terra. Dessa
forma, não escreveríamos a “história da imigração” como algo isolado, desvinculado de
uma realidade que lhe é subjacente. Salutar seria, igualmente, relativizar cada uma das
iniciativas referentes à imigração, pois o espaço, o tempo e os objetivos são fatores que
as distinguiriam de tal forma que poderiam parecer coisas diferentes. No Sul, por
exemplo, houve situações que mereceriam uma análise baseada na formação de
núcleos de imigrantes pelo critério religioso, separando católicos e evangélicos; também
no Sul, uma parcela dos grandes proprietários opôs-se à instalação das pequenas
propriedades rurais, implantadas pelo Império, província, particulares e empresas
37 Cf. GANS, Magda Roswita. Presença Teuta em Porto Alegre no Século XIX (1850-1889). Porto Alegre, 1996. Dissertação [Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 1996. 38 Reportamo-nos à Revolução Industrial de uma forma sintética, sem verificar as suas especificidades. Ressaltamos que na Alemanha este fenômeno – a industrialização – teve seu boom na segunda metade do século XIX, mais precisamente após 1870. Com isto, os imigrantes que vieram ao Brasil antes desta
36
colonizadoras,39 com o receio de que este novo elemento pudesse abalar o seu poder;
já no Sudeste, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, agigantaram-se os que
defendiam a mão-de-obra imigrante para as fazendas de café em contraposição aos
que propunham a manutenção da escravidão.40
Em relação ao tema maior deste trabalho – o poder local – torna-se difícil
abordá-lo sem contemplarmos os três temas mencionados anteriormente. Contudo, ao
optarmos por analisar de que forma os colonos alemães do Litoral Norte do RS
relacionaram-se com a política, daremos maior atenção à imigração. O que não quer
dizer que, em muitos momentos do texto, não abordaremos os outros dois – escravidão
e terra – pois não há como dissociá-los totalmente.
Retomando o que expomos até este momento, vimos que uma das principais
características do período estudado foi a tentativa de centralização por parte do Império
em relação às províncias, sendo que, no que concerne ao Rio Grande do Sul, o embate
entre essas duas instâncias deu-se de maneira mais intensa, uma vez que a chefia
local opôs-se tenazmente aos projetos ditados do Rio de Janeiro, os quais todos
data não o fizeram motivados pela industrialização pós-1870, mas sim pela gradativa deterioração do sistema artesanal provocado, em parte, pelos reflexos da Revolução Industrial da Inglaterra. 39 Ver: BISCHOFF, Marcelo Belmiro. As Companhias Particulares de Colonização e suas Influências no Padre Eterno. In.: XIV Simpósio de Colonização e Imigração. São Leopoldo, 14 a 16 de set. 2000. (No prelo). 40 Sobre os diversos modelos de imigração para o Brasil, sobretudo para São Paulo, ver: FAUSTO, Boris. Historiografia da Imigração para São Paulo . São Paulo: Sumaré/FAPESP, 1991 & FAUSTO, Boris. Imigração e Participação Política na Primeira República: o Caso de São Paulo. In.: FAUSTO, Boris (Org.). Imigração e Política em São Paulo. São Paulo: Sumaré/FAPESP, 1995. (p.7-26).
37
deveriam acatar. Verificamos a permanente disputa política travada no Rio Grande do
Sul entre os partidos conservador e liberal, o surgimento e consolidação do PRR, que
chegou à República apto a tomar o poder, e contemplamos três grandes temas -
escravidão, terra e imigração - que consideramos os mais relevantes para o estudo da
política no século XIX, sobretudo nos dois últimos quartéis. Encaminhamo-nos, agora,
para a apresentação do Litoral Norte do RS, espaço privilegiado neste estudo, sobre o
qual nos debruçamos.
1.2 As Vilas de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres
Este subcapítulo tem como objetivo a apresentação do espaço sobre o qual
estamos nos referindo: o Litoral Norte do RS. Para tanto, optamos por fazer esta
abordagem a partir de 1809, quando o Rio Grande do Sul foi dividido em quatro
municípios, dentre eles Santo Antônio da Patrulha, o qual abarcava o espaço em
discussão, bem como os Campos de Cima da Serra, atingindo a freguesia da Nossa
Senhora da Oliveira da Vacaria. Além disso, é deste município que Conceição do Arroio
irá emancipar-se, levando consigo a faixa litorânea pertencente a Santo Antônio da
Patrulha.
Consideramos igualmente importante destacar os processos de emancipação de
Conceição do Arroio e Torres; verificar como se deram as criações e extinções das
38
comarcas; demonstrar como ocorriam as disputas políticas, sobretudo na época das
eleições; analisar o caráter violento deste espaço, em especial os crimes ocorridos
entre os escravos e os seus senhores; e, por último, fazer uma breve consideração
sobre os Encontros dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, os quais
têm como meta reconstituir e tornar acessível à população do quadrante patrulhense a
história daquele município.
Ao iniciarmos a apresentação do espaço sobre o qual nos debruçamos,
acreditamos ser necessário relacioná-lo com a discussão maior deste texto. Guiando-
nos pelo conceito de espaço trabalhado por Milton Santos, entendemos que natureza e
homem formam um conjunto que deve ser analisado de forma integrada. Sendo assim,
as relações estabelecidas entre os nacionais e os colonos alemães na esfera política,
delimitadas por aspectos administrativos, geográficos e sociais, ocorreram num espaço
circunscrito e, por isso, precisamos conhecer, por exemplo, o local em que foram
instaladas as duas colônias alemãs no ano de 1826, a fim de verificarmos como
articularam-se no seu dia-a-dia. Damos Início a este cotejamento destacando alguns
aspectos do espaço em discussão, valendo-nos, para isso, de diversos autores que
contemplaram o Litoral Norte do RS em seus estudos.
Em nível de documentação, trabalhamos com as vilas de Santo Antônio da
Patrulha, Conceição do Arroio (hoje Osório) e Torres. Todavia contemplamos também,
de maneira mais periférica, o restante da área que compunha o grande município de
Santo Antônio da Patrulha. Os aspectos geográficos merecem destaque, pois
39
constituem-se num rico e complexo sistema da natureza, onde encontramos mar,
lagoas, rios, planície costeira e serra geral.41 Por inúmeras vezes as câmaras
municipais valeram-se desta diversidade de barreiras naturais – lagoas e serra geral,
por exemplo – para “chorar” junto às autoridades provinciais. O “choro” mais expressivo
era aquele que solicitava a abertura ou o melhoramento dos caminhos que interligavam
o Litoral Norte do RS com a capital e os Campos de Cima da Serra.
Sobre este aspecto, contribuição importante acerca do espaço litorâneo
encontramos em Joseph Love e Ruy Ruben Ruschel. O primeiro define o litoral como
“... a menor das regiões, consiste na faixa litorânea e nas áreas aluvionais banhadas
pela Lagoa dos Patos e Lagoa Mirim; estende-se desde Torres, ao norte, até Santa
Vitória do Palmar, ao sul...”42. O autor divide o Rio Grande do Sul em três regiões,
dotadas de características econômicas e culturais semelhantes, que são o Litoral, a
Campanha e Cima da Serra. Apesar de questionável, a divisão do Rio Grande do Sul
em três regiões demonstra o esforço que o autor faz para identificá-las e relacioná-las,
numa tentativa que busca compreender a relação estabelecida entre o espaço e os
41 Em 1859, a câmara municipal de Conceição do Arroio remeteu uma série de relatórios ao presidente da província, descrevendo a geografia do município. Segundo as informações contidas neste documento, o distrito de Conceição do Arroio contava com 28 lagoas e 10 rios, arroios e sangradouros; o distrito de Palmar, com 22 e 4; o distrito de Maquiné, com 2 e 6; e o distrito de São Domingos das Torres, com 4 e 8, respectivamente. “Destes são 12 rios, 8 arroios e 8 sangradouros. Todos navegáveis em maior ou menor calado de água e além deste sangradouros há muitos outros; porque as lagoas se comunicam por meio deles, os quais se deixa de referir por não terem sido explorados e nem medidos.” O relatório refere-se, igualmente, aos treze passos de rios e lagoas existentes no município de Conceição do Arroio, que eram, nas palavras de hoje, “terceirizados” a possíveis interessados, os quais pagavam um tributo pelo direito de explorá-los por determinado período. AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1859.
40
seus ocupantes, mesmo que esteja projetando estas áreas para a discussão principal
do seu texto, isto é, a política no Rio Grande do Sul durante a República Velha.
Ruschel, por sua vez, optou pela tentativa de reconstituir os dois caminhos
pioneiros do Rio Grande do Sul: o Caminho do Litoral e o Primeiro Caminho do
Planalto. Neste momento, interessa-nos o caminho que passava mais próximo da praia,
denominado, posteriormente, de Estrada da Laguna. Conforme o autor, esta via
estendia-se “... de nordeste a sudoeste ao longo do Oceano Atlântico, na planície
costeira que existe entre o sistema lacustre e o mar. Às vezes os historiadores
preferem chamá-la de Estrada da Laguna...”. 43 Concordamos com Ruschel quando ele
aproxima as províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina através deste meio
de ligação terrestre. O pesquisador apresenta ao leitor uma série de características
fisiográficas do trecho em destaque a fim de que o espaço possa ser compreendido em
sua totalidade. Do que mencionou, citamos:
“O mais antigo dos dois rumos de penetração percorre a planície arenosa quaternária que se prolonga desde o sul do atual Estado de Santa Catarina (Laguna) até a fronteira do Chuí. No trecho que nos interessa, o caminho permanece no estreito (2 a 3 Km) corredor entre o sistema lacustre litorâneo e o mar. Entra no Rio Grande do Sul na barra do Rio Mampituba... São aproximadamente 100 Km planos, quase ao
42 LOVE, Joseph L. O Regionalismo Gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975. (p.5). 43 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Dois Caminhos Pioneiros do Rio Grande do Sul. In.: BARROSO, Véra Lucia Maciel (Org.). Raízes de Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula e Tramandaí. Porto Alegre: EST, 1992. (p.215-233). (p.217).
41
nível marítimo, com só dois obstáculos de monta a vadear, os dois rios que marcam seus extremos – Mampituba e Tramandaí.” 44
Ao mencionarmos a ligação entre as duas províncias sulinas, constatamos que
esta proximidade constitui-se, ainda, num aspecto pouco abordado na historiografia rio-
grandense. Entendemos não ser possível estudar a história do Litoral Norte do RS sem
considerarmos estes dois pólos atrativos – Laguna e Torres – pois a cidade de Laguna,
em razão de sua posição geográfica favorável, havia se tornado uma das portas de
entrada para a então Província do Rio Grande de São Pedro. Vale lembrar que, depois
da Laguna dos Patos, o próximo porto era Rio Grande, o qual oferecia uma série de
perigos às embarcações que nele atracavam, localizando-se bem mais distante de
Torres do que a cidade catarinense.
Outro autor que também se reportou àquele espaço foi Raymundo Faoro. Ele
considera a fundação de Laguna “em 1682 ou 84” uma estratégia do governo português
com o objetivo de garantir a posse do território sulino. Conforme Faoro, “a fundação de
Laguna, em 1682 ou 84, forneceu à Colônia um ponto de apoio mais próximo para
acudi-la das aperturas em que a colocavam o índio, industriado pelo jesuíta, e o
castelhano.”45 Para que o Sul estivesse definitivamente incorporado a Portugal, ainda
era necessário reconhecer o que estava além da linha imposta pelo Tratado de
Tordesilhas. Após a concretização desta medida:
44 RUSCHEL, op. cit. (1992; p.218).
42
“O Reconhecimento determinou a ocupação definitiva do solo, a partir de Laguna para o sul, pela gente de Brito Peixoto e pelo próprio João Magalhães, passo a passo, via Tramandaí, buscando Viamão, rumo ao Guaíba, à magnífica rêde interior navegável do Continente, desde a barra do Rio Grande até aos afluentes do Guaíba... As estâncias invadem a faixa que vai do Tramandaí ao canal do Rio Grande, condensando-se na zona de Viamão, centro geográfico dêsse movimento de populações.” 46
Destacamos, ainda, dentre os autores que contemplaram Laguna em seus
estudos, Jean Roche. Sobre a relevância desta cidade catarinense e do litoral do Rio
Grande do Sul, ele escreve:
“Seus primeiros habitantes [do RS] vieram de um estabelecimento fundado em 1684 no território da Capitania-Geral de São Paulo, na extremidade da Baía de Santa Catarina, Laguna... armada por motivos econômicos, Peixoto mandou Magalhães ocupar, em 1725, o litoral entre Tramandaí e o Canal de Rio Grande, instalando-se êle no local de São José do Norte.”47
Aos trabalhos antes referidos, podemos acrescentar o censo de 1784/85, em que
é destacada a diversidade das propriedades rurais do Litoral Norte do RS. Em relação
ao censo, abordá-lo-emos novamente no capítulo seguinte. Com essa delimitação
geográfica, situamos o Litoral Norte do RS no cenário rio-grandense e, também,
brasileiro, demonstrando sua importância como elo de ligação entre o Sul e o restante
45 FAORO, Raymundo. Rio Grande do Sul: Linhas Gerais de Sua Formação Política. In.: Revista Brasileira de Cultura. Rio de Janeiro, n.3, ano II, p.87-109, jan./mar., 1970. (p.89). 46 FAORO, op. cit. (1970; p.90). 47 ROCHE, op. cit. (1969a; p.23).
43
do Brasil desde o século XVI. 48 Destacadas, assim, as singularidades geográficas do
litoral, deter-nos-emos no desenvolvimento administrativo, burocrático e jurídico das
vilas que compunham o município de Santo Antônio da Patrulha.
Como já foi dito, em 1809 o Rio Grande do Sul foi dividido em quatro municípios:
Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha. Segundo Barroso, foi
pela Provisão de 7 de outubro de 1809 que o Príncipe Regente determinou que o Sul
recebesse uma nova divisão administrativa na forma das quatro vilas. Este
procedimento teria como objetivo aumentar a lavoura e o comércio do Brasil, conforme
o entendimento do Príncipe Regente.49
Todavia a instalação da vila de Santo Antônio da Patrulha ocorreria somente em
3 de abril de 1811, três anos após a sua criação. Ao receber o status de vila, o primeiro
passo a ser dado seria a eleição de vereadores e a conseqüente implantação da
câmara. Feito isso, os trabalhos iniciaram, estando muito mais ligados a questões de
ordem administrativa do que à prática política.
48 Sobre a importância do litoral sul para a consolidação do território brasileiro, ver: WITT, Marcos Antonio. As Incursões dos Jesuítas Portugueses no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. In.: BARROSO, Véra Lucia Maciel et al (Orgs.). Raízes de Santo Antônio da Patrulha e Caraá. Porto Alegre: EST, 2.000f. (p.313-316). No entanto, no que se refere à ligação de Laguna (SC) com o Litoral Norte do RS, há uma carência de trabalhos, sendo um assunto a ser investigado com maior profundidade. 49 Cf. BARROSO, Véra Lucia Maciel. Santo Antônio da Patrulha: Vínculo, Expansão, Isolamento (1803 - 1889) . Porto Alegre, 1979. Dissertação [Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 1979. (p.77). As informações que se seguirão sobre a criação e a instalação do município de Santo Antônio da Patrulha têm como fonte principal a Dissertação de Mestrado de BARROSO.
44
O município “cobria uma área de 34.184 Km2, isto é, cerca de 12% do total rio-
grandense de 280.000 Km2...” 50. Aqui, vale observar que a extensão do município não
era o principal empecilho para que os vereadores desenvolvessem seus trabalhos, mas
sim a sua heterogeneidade geográfica, dividida, basicamente, em planalto e encosta.
Assim, os componentes da câmara tinham que percorrer grandes distâncias e vencer
obstáculos majestosos para cumprir com suas obrigações. A localização das atuais
cidades de São Francisco de Paula e Vacaria são exemplos do quanto era preciso
cavalgar para se atingir a vastidão do território patrulhense.
Na medida em que a câmara municipal de Santo Antônio da Patrulha conseguiu
organizar-se e, paulatinamente, atingir os confins do seu território, conflitos passaram a
ocorrer. A sede passou a ser o local de onde saíam as ordens as quais todos deveriam
cumprir. Não demorou para que os “incomodados” com este aumento de poder dos que
haviam sido eleitos vereadores propusessem a emancipação de determinadas
localidades. Foi assim que em 1857 Conceição do Arroio livrou-se do jugo patrulhense,
constituindo-se num novo município.
A liberdade de Conceição do Arroio provocou o acirramento das relações entre o
município-mãe e o filho recém-emancipado. Os inúmeros conflitos entre as lideranças
políticas das duas localidades transparecem na documentação que eles mesmos
compuseram. Intrigas políticas, denúncias de fraudes eleitorais, desentendimentos
50 BARROSO, op. cit. (1979; p.98).
45
entre juízes, assassinatos, entre outros, são os exemplos mais típicos das relações
estabelecidas no decorrer da segunda metade do século XIX. Posteriormente, neste
mesmo subcapítulo, apresentaremos uma série destes episódios.
O mesmo estremecimento ocorrido entre Santo Antônio da Patrulha e Conceição
do Arroio deu-se entre este município e Torres. Em 1878, foi a vez da freguesia de São
Domingos das Torres tornar-se independente. Porém a emancipação de Torres tem um
caráter peculiar, pois em 1887 perde sua condição de vila, configurando-se novamente
como município somente em 1890.51 Este vaivém político demonstra claramente a
intensidade da disputa política consolidada entre aqueles que não queriam ceder um
pedaço do seu território e os que desejavam emancipar-se. Conceição do Arroio acusa
os torrenses inclusive de serem analfabetos, qualificação que os impediria de formar um
novo município.52
Entretanto não devemos limitar-nos aos processos de emancipação, mas
verificar também a criação das comarcas neste período, pois foi dentro destes espaços
jurídico-burocráticos que os juízes de direito exerceram a sua atividade, enquanto a
atuação do juiz municipal estava circunscrita aos termos e a do juiz de paz, às
51 Cf. BARROSO, Véra Lucia Maciel. O Processo Histórico Subjacente na Relação Santo Antônio da Patrulha–Torres. In.: BARROSO, Véra Lucia Maciel, QUADROS, Terezinha Conceição de Borba & BROCCA, Maria Roseli Brovedan (Orgs.). Raízes de Torres. Porto Alegre: EST, 1996a. (p.27). 52 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1859. Apesar de o parecer de Conceição do Arroio ter sido escrito dezenove anos antes da concretização da emancipação de Torres, pelo teor da sua manifestação, o documento é um exemplo claro da contrariedade política dos arroienses à pretensão dos torrenses de formar um novo município.
46
freguesias e distritos. No que se refere à comarca de Santo Antônio da Patrulha, foi
criada em 16 de dezembro de 1857, pela lei n. 401, tendo como termos Santo Antônio
da Patrulha e Conceição do Arroio.53 Contudo os acirramentos políticos levaram o
governo a extinguir a comarca de Santo Antônio da Patrulha em 1878 pela lei n. 1152.
No seu lugar foram criadas duas novas comarcas, a de Maquiné, tendo como termos
Conceição do Arroio e São Domingos das Torres, e a do Rio do Sinos, tendo como
termos Santo Antônio da Patrulha e São Francisco de Paula de Cima da Serra. Sobre
os motivos que originaram a extinção e a criação das comarcas, abordá-los-emos no
capítulo 3.
Dois anos mais tarde, uma nova legislação trouxe alterações para as comarcas
do Litoral Norte do RS. Pela lei n. 1251, de junho de 1880, foi extinta a comarca de
Maquiné e anexado o termo de São Domingos das Torres à comarca do Rio do Sinos.
Em julho de 1889, a lei n. 1872 criou a comarca de Conceição do Arroio. Assim, no
momento da proclamação da República, a comarca do Rio do Sinos contava com os
termos de Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula de Cima da Serra e São
Domingos das Torres,54 dividindo juridicamente a colônia de Três Forquilhas. Dessa
53 Cf. FÉLIX, Loiva Otero, GEORGIADIS, Carolina & SILVEIRA, Daniela Oliveira. Tribunal de Justiça do RS: 125 Anos de História (1874-1999). Porto Alegre: Projeto Memória do Judiciário Gaúcho, 1999b. (p.33). 54 Cf. FÉLIX, GEORGIADIS & SILVEIRA, op. cit. (1999b; p.40-41).
47
forma, o lado esquerdo do rio estava sob a jurisdição de São Domingos das Torres e o
direito, sob o domínio de Conceição do Arroio.55
Ao abordarmos a criação e a extinção das comarcas, salientamos a importância
destes ajustes jurídico-burocráticos, visto que extinguir ou manter uma comarca estava
muito mais ligado a questões de ordem política do que simplesmente jurídica. Se para o
governo provincial era interessante desmantelar o grupo rival que havia se formado
numa determinada comarca, indubitavelmente este núcleo poderia ser dissolvido.
Conforme essa postura, o assunto que mais provocava reações por parte do governo e
das lideranças políticas locais era a eleição, momento em que as forças eram medidas,
numa demonstração pública de poder.
Para demonstrar a atuação do juiz de direito junto à sua comarca, selecionamos
uma carta que o juiz de direito da comarca de Santo Antônio da Patrulha, Paulino
Rodrigues Fernandes Chaves, escreveu ao presidente da província. O magistrado
redigiu sua manifestação em Conceição do Arroio em 18 de agosto de 1876, delatando
as atividades do juiz municipal de Santo Antônio da Patrulha, que é o presidente da
55 Em 1848, as freguesias de Nossa Senhora da Conceição do Arroio e São Domingos das Torres foram delimitadas, tendo como um dos limites o rio Três Forquilhas. Desde então, a colônia de Três Forquilhas viu-se dividida jurídica e burocraticamente, fazendo com que alguns colonos tivessem seus direitos e obrigações legais ligados à Torres e outros à Conceição do Arroio. Esta longínqua arbitrariedade interferiu no processo de emancipação do Vale, ocorrido no final do século XX, colaborando para que fosse secionado em três partes. Ver: ELY, Nilza Huyer & BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Imigração Alemã: 170 Anos. Vale do Três Forquilhas. Porto Alegre: EST, 1996. (p.133-134).
48
junta neste mesmo município.56 Paulino Chaves, do partido conservador, denunciou as
arbitrariedades que o juiz municipal, do partido liberal, cometia ao interpretar a lei
eleitoral. Segundo o denunciante, os adeptos do “partido da ordem” estavam sendo
prejudicados pelos procedimentos da junta, a qual tentava beneficiar-se, fazendo uma
interpretação da lei eleitoral da qual Paulino Chaves discordava.
Da leitura integral do documento, evidencia-se que a discussão principal girava
em torno do acirramento partidário, isto é, adeptos do partido conservador sentiam-se
prejudicados e denunciavam os seus rivais. Torna-se relevante destacar, também, a
participação dos juízes neste episódio. O de direito é conservador, enquanto o
municipal é liberal. Com isto, vemos que a política e a articulação entre as funções
jurídico-burocráticas provocam desentendimentos na magistratura.57 Outro aspecto que
salientamos é a comunicação que havia entre os correligionários. O documento escrito
pelo juiz de direito de Conceição do Arroio, denunciando que seus colegas
conservadores de Santo Antônio da Patrulha não estavam sendo respeitados nos seus
56 Cf. GRAHAM, op. cit. desqualificar o presidente da junta eleitoral era um passo importante para a garantia da vitória nas eleições. O autor cita, inclusive, um episódio em que um juiz de direito denunciou o presidente de uma junta por ter alterado a lista de qualificação de votantes. Como vemos, este mecanismo – denunciar para desqualificar – não era específico do Litoral Norte do RS. Algumas práticas eleitorais perpassavam todo o território brasileiro, permitindo-nos verificar que existiam certas semelhanças na disputa político-partidária do Brasil imperial. (p.180). 57 Embora Lamounier afirme que “somente eram considerados magistrados, para efeito de garantias, os juízes de direito e os membros dos tribunais de segunda instância” (p.287), estendemos o conceito ao juiz municipal, pois ele, assim como o de direito, também confundia sua atividade jurídica com a política. Ver: LAMOUNIER, Bolívar. Coronelismo, Enxada e Voto. In.: MOTA, Lourença Dantas (Org.). Introdução ao Brasil. Um Banquete no Trópico. 2.ed. São Paulo: SENAC, 1999. (p.275-292).
49
direitos políticos, reforça nitidamente este aspecto. A fim de tornarmos mais palpáveis
estas intrigas políticas, transcrevemos parte do documento:
“A inaudita arbitrariedade com que esta junta selou quase todos os seus atos, encheu de indignação os membros do partido conservador, daquela localidade; [refere-se a Santo Antônio da Patrulha]... E a justa indignação destes cidadãos, que com a mais profunda convicção professam os princípios do partido da ordem, subiu de ponto, quando verificaram que o presidente da junta, que, pela sua posição e promessas, devia portar-se com a mais decidida imparcialidade, era justamente o autor de tudo, e por conseqüência o único responsável pelas graves ofensas que sofreram em seus direitos políticos. O prazo de cinco dias, que na 2ª reunião da junta municipal, o reg. de 12 de janeiro de 1876, no seu art. 72, concede as partes, cujos direitos foram contestados, serviu de arma terrível para essa junta, que sendo guiada pelo seu presidente, propositalmente sacrificaram os interesses do partido conservador, que ficariam completamente prejudicados, se por ventura o governo geral não tivesse reparado o grande inconveniente, que teria inevitavelmente de causar na presente eleição, se prevalecesse ainda a disposição do art. 107 parágrafo 4º do citado reg.” 58
Outra situação que demonstra o acirramento partidário e a inclusão dos juízes
nestes episódios está descrita num telegrama que os cidadãos votantes da paróquia da
Conceição do Arroio remetem ao presidente da província. Eles denunciam que o juiz de
paz não está realizando a entrega dos títulos, prejudicando assim os eleitores que vêm
58 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876. (grifos nossos). Neste momento, os conservadores estão no poder, o que facilitou a comunicação entre o juiz de direito e o presidente da província. O fato do pedido ser atendido resultou numa clara demonstração de prestígio do juiz frente aos litorâneos, especialmente os conservadores. Ter prestígio junto ao presidente da província era de vital importância para que os chefes locais mantivessem a sua liderança e, por conseqüência, continuassem exercendo o poder. Sobre a documentação das câmaras municipais, não foi possível pesquisar de forma mais profunda os Anais da câmara de Santo Antônio da Patrulha. Acreditamos que disporíamos de um número maior de detalhes no que tange as disputas político-partidárias. Por outro lado, a documentação que encontramos no AHRS respondeu-nos suficientemente sobre a participação política dos nacionais e colonos alemães, razão pela qual nos detivemos naquele arquivo.
50
de muito longe para os retirar. Reclamam, igualmente, do atraso proposital na fixação
do edital junto à porta da igreja, estipulando o prazo de trinta dias para a retirada dos
títulos. Mais uma vez, denota-se a disputa entre os partidos conservador e liberal.
Chegamos a este veredicto, porque a primeira assinatura que consta na carta é a de
Antonio Marques da Roza, chefe do partido liberal em Conceição do Arroio.59 Apesar de
o documento não revelar explicitamente que o juiz de paz é conservador, esta
conclusão fica subentendida, porque os denunciantes estão sentindo-se prejudicados
com o seu procedimento. Novamente, transcrevemos um pequeno trecho da carta para
visualizarmos o seu conteúdo:
“Os abaixo assinados cidadãos votantes da paróquia da Conceição do Arroio, prejudicados, como começam a ser pelo procedimento irregular que está tendo o juiz de paz na distribuição dos títulos de votantes desta paróquia... Este juiz de paz... não para em sua casa, onde se deve conservar para a entrega dos títulos, os cidadãos que caminham dez e doze léguas somente para este fim, com o intuito, sem dúvida, de esgotar o prazo de trinta dias... Conceição do Arroio, 31 de agosto de 1876. Assinados: Antonio Marques da Roza, Pompeo Rodrigues Saraiva, Demetrio Ferreira dos Anjos, Antonio Cornelio Jacob, Felisberto Gomes Jardim, João Vicente de Andrade, Vigario Joaquim Ferreira Ramos, José Fernandes da Silva.” 60
Dois dias depois, o juiz de paz remete um telegrama ao presidente da província,
informando que “ontem as onze horas é que entrei em exercício e distribui os títulos
59 O nome de Antonio Marques da Roza transparece em outros documentos, os quais serão analisados nos capítulos subseqüentes. No entanto, desde já podemos afirmar que era um dos líderes políticos do Litoral Norte do RS, adepto, na década de 1870, do partido liberal. 60 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876.
51
que procuraram.” 61 Pelo visto, a denúncia dos liberais surtiu efeito positivo, pois o juiz
declarou que havia começado a entregar os títulos àqueles que o procuraram.62
Todavia nem sempre o acirramento partidário limitava-se a denúncias via registro
escrito, em forma de relatório ou telegrama. A violência, algumas vezes, transcendeu o
“papel”, alterando os ânimos de tal forma que o juiz de direito viu-se obrigado a pedir
reforço policial a fim de manter a ordem pública. Com isso, vislumbramos que havia
duas esferas possíveis de negociação: uma se dava no “papel”, ou seja, denunciavam-
se mutuamente numa tentativa de cooptar forças e resolver os impasses que
atravancavam o processo eleitoral. Porém, se a discussão não fosse resolvida através
do diálogo, o chefe local reunia seus homens de confiança, e sua força falava mais alto
do que a justiça. Apelava-se, então, para a violência, que poderia ficar restrita às
ameaças ou alcançar o seu grau máximo de expressão, os assassinatos. Em 1876,
com receio de que algo grave pudesse ocorrer, o juiz de direito da comarca de Santo
Antônio da Patrulha, Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, remeteu um telegrama ao
presidente da província, solicitando reforço policial. Diz o telegrama:
“Há grande necessidade de uma força neste lugar para garantia da eleição e da tranqüilidade pública visto que aqui existem apenas seis praças, que nenhuma confiança merecem. Faço à V. Exça. esta
61 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876. 62 Embora fosse de praxe que o presidente da província atendesse o pedido dos conservadores, nem sempre isto era possível. Em alguns casos, era preciso ceder para que um “mal maior” não advisse sobre a comunidade, o que resultaria, muito provavelmente, em mais violência. O fato de o juiz de paz entregar os títulos a quem o procurasse não foi, portanto, uma vitória dos liberais, mas sim uma concessão estratégica dos conservadores com o intuito de permitir o “bom andamento das eleições”. Graham sustenta que, via de regra, os líderes políticos concediam à oposição alguma voz, para que ela se sentisse participante do processo eleitoral. Ver: GRAHAM, op. cit. (p.105).
52
requisição porque entendo muito necessário: em porque, como primeira autoridade da Comarca, não devo deixar de pedir as providências que julgo de utilidade para o lugar.” 63
O governo provincial respondeu ao telegrama do juiz de direito, informando que
não havia força disponível para ser remetida àquela comarca. As inúmeras situações
que poderiam acarretar uma onda de violência não devem ser entendidas como algo
colossal, mas, sim como pequenos gestos que tinham por objetivo garantir a eleição.64
Assim, cada voto era disputado palmo a palmo, pois a perda de um único voto poderia
sinalizar a vitória do partido rival. Nesse mesmo ano, Onofre Pereira da Silva denuncia
que seu nome foi qualificado erroneamente e solicita que lhe seja entregue seu título de
eleitor, no entanto o presidente da câmara se nega a fazê-lo, mesmo estando o
reclamante apoiado pelo juiz de direito.65
Como vemos, a disputa movia os litorâneos de acordo com os seus interesses
políticos, polarizando-os em dois grupos rivais, a saber, conservadores e liberais.
Envolvia, como demonstraram os exemplos, desde magistrados até homens simples,
como Onofre Pereira da Silva, que não assinou a sua reclamação. Se era analfabeto,
63 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876. (grifos nossos). 64 Mais uma vez um conservador tenta conseguir prestígio frente aos seus colegas no âmbito local, requerendo algo ao presidente da província. Conforme o que expomos em nota anterior, nem sempre era possível ao governo conceder as benesses exigidas pelo correligionário. Este jogo de força política, em que um chefe local solicita favores a um superior, neste caso, o presidente da província, para demonstrar publicamente o seu poder no lugar em que atua, evidencia que influência e poder eram duas ferramentas fundamentais para o político da segunda metade do século XIX. 65 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1876.
53
não o sabemos, o certo é que o telegrama foi assinado como “a rogo de Onofre Pereira
da Silva, Franklin do Rego Rangel”.66 Além disso, a distância geográfica não chegava a
ser um empecilho quando um assunto vital precisava ser resolvido, como ficou evidente
no pronunciamento dos conservadores de Conceição do Arroio em favor dos colegas
correligionários de Santo Antônio da Patrulha. Conforme a situação exposta, o juiz de
direito, conservador, denunciou as atitudes do juiz municipal, liberal, no que se refere à
interpretação da legislação eleitoral. E, por fim, a violência transpareceu perpassando
as relações, algumas vezes de forma branda e, em outras, ocasionando sérios
desentendimentos.
Contudo a violência não transparecia somente nos duelos políticos, visto que
estes homens estavam envolvidos numa dinâmica social que ainda estava baseada na
escravidão. Como ilustração de pesquisas anteriores, ressaltamos os conflitos entre os
escravos e a população em geral no Litoral Norte do RS. Para tal, analisamos alguns
documentos que desvelam o grau de violência que perpassou a relação senhor-
escravo, personagens inseridos na “ordem escravocrata” brasileira.
66 KLEIN, op. cit. ao analisar a participação política na cidade de São Paulo, chega à conclusão de que houve uma significativa inclusão de analfabetos nas listas de votantes. (p.532 e 537). Onofre Pereira da Silva, segundo as considerações do autor, pode não ser uma exceção, mas sim integrar um grupo que erroneamente se pensava estar fora da política em nível municipal. GRAHAM, op. cit. também sustenta que os analfabetos participavam das eleições, embora os papéis principais fossem dados aos alfabetizados. Para o autor, “a concessão do voto aos analfabetos assegurava sua presença como atores secundários num drama teatral, onde os alfabetizados tinham sua supremacia social visivelmente reforçada.” (p.159).
54
Os crimes, narrados na documentação que analisamos, aconteceram na área
que compreendia o grande município de Santo Antônio da Patrulha. Na vila, sede
administrativa e burocrática, centralizavam-se os serviços, inclusive o da polícia e, por
esta razão, muitas ocorrências eram registradas e assinadas na delegacia central sem
que, necessariamente, tivessem ocorrido ali. Resolvemos, após esta constatação,
abarcar em nossa análise toda a região, envolvendo o litoral e os Campos de Cima da
Serra.
Quanto aos documentos, reveladores de uma face violenta e desumana da
nossa história, podemos analisá-los sob dois pontos de vista. O primeiro denuncia a
dinâmica da escravidão no século XIX, período em que esta instituição já estava sendo
combatida por aqueles que defendiam a libertação dos escravos. Quanto ao segundo,
indica que a violência era fruto de uma hierarquização forjada, imperando a lei dos mais
fortes sobre os mais fracos. Entenda-se como mais forte aquele que possuía recursos
para comprar escravos e mantê-los em suas propriedades, inserindo-se, assim, na
estrutura social vigente; e como mais fraco, apontando para o óbvio, o ser humano
escravizado.
Destacados estes dois aspectos, defrontamo-nos mais diretamente com os
documentos. Dos vinte e três registros localizados, selecionamos seis para demonstrar
o grau de violência que perpassou o espaço litorâneo e serrano. Nesses exemplos,
encontramos os mais variados crimes, desde a referência a contrabando de escravos e
um provável assalto à vila de Santo Antônio da Patrulha, até agressões e assassinatos.
55
O primeiro apresenta dados sobre possíveis desembarques de escravos no litoral.
Conforme a lei Eusébio de Queiróz, de 1850, o tráfico negreiro estava proibido. Todavia
o documento denuncia a possibilidade desta lei não estar sendo cumprida. Por
considerá-lo relevante, transcrevemos todo o registro, que diz:
“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Tenho a distinta honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que tendo percorrido as pontas principais de Sto. Antônio, Tramandahy e Estreito, nem um indício encontrei de contrabando de africanos, com tudo Excelentíssimo Senhor não desprezarei todo o cuidado na investigação deste assumpto, para com lealdade e submissão comunicar o que ocorreu ao sabio governo de Vossa Excelência. Deus Guarde a Vossa Excelência. Sto. Antônio 12 de abril de 1858 Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Conselheiro Angelo Muniz da Silva Ferraz Muito Digno Presidente da Província, Antônio Jose [ilegível] Pinto.” 67
O segundo narra que foi ferido o escravo Bernardo, propriedade de Francisco de
Souza Moraes, que registrou queixa contra os autores dos ferimentos, José Machado
da Silva e João Luis da Silveira Borges, vulgo João de Deos.68
O terceiro deixa evidente que houve uma agressão contra uma senhora. Lê-se
no documento:
[Preso o crioulo Adão, escravo de João Antonio da Silva Cardoso] “em razão de umas bordoadas que no dia 23 do p.p. mez de janeiro deu na
67 AHRS - Polícia - Maço 31 - Santo Antônio da Patrulha – 1858. 68 AHRS - Polícia - Maço 32 - Santo Antônio da Patrulha – 1861.
56
pessoa de Senhorinha Rosa de Jesus, cujas pancadas resultou ferimentos graves e contusões... e Maria Ignacia dos Santos, como cúmplice, pois o escravo confessou que ela era a mandante.” 69
O quarto nos remete a um exame de corpo de delito realizado no cadáver do
preto José, que era escravo do capitão Albino José Gomes.70 O quinto descreve uma
petição que alerta para o fato de a vila de Santo Antônio da Patrulha ser assaltada por
desertores e escravos. O subdelegado pede reforço policial e conclama a população a
defender-se.71 E, por último, deparamo-nos com um assassinato. A ocorrência registra
a prisão do pardo Jacintho, escravo de João Alves de Albuquerque, por ter assassinado
um filho do seu senhor, de nome Felisberto, em Lagoa Vermelha. Através do que foi
narrado, podemos avaliar a relação senhor-escravo. 72
Para fins de análise, podemos classificar os seis crimes antes elencados em dois
grupos: de um lado, os de menor gravidade; de outro, os considerados hediondos. Com
efeito, temos que questionar a razão de tamanha violência e quais os detonadores
deste tipo de comportamento. Estas evidências relativizam as afirmações de que a
escravidão no Rio Grande do Sul teria um caráter menos violento, decorrente do tipo de
relação estabelecida entre senhor e escravo, que seria mais “flexível” por se dar num
espaço muito amplo: a Campanha.
69 AHRS - Polícia - Maço 31 - São Francisco de Paula de Cima da Serra – 1866. 70 AHRS - Polícia - Maço 31 - São Francisco de Paula de Cima da Serra – 1866. 71 AHRS - Polícia - Maço 31 - Santo Antônio da Patrulha – 1866. 72 AHRS - Polícia - Maço 32 - Santo Antônio da Patrulha – 1870.
57
Ao mesmo tempo, a questão da violência no Litoral Norte do RS tem sido um dos
temas constantemente abordados nos Encontros dos Municípios Originários de Santo
Antônio da Patrulha, sobre os quais gostaríamos de fazer um breve comentário.73 Os
Anais destes encontros permitem o contato com pesquisas recentes, possibilitando ao
leitor conhecer um pouco mais da história do quadrante patrulhense. Naturalmente que
há trabalhos mais específicos de cunho municipalista que abrangem um município, uma
localidade ou, ainda, uma escola. Porém encontramos também uma produção
historiográfica de maior amplitude, que inter-relaciona o homem e a natureza dentro
daquele espaço. Como exemplo podemos citar os textos de Casimiro Medeiros Jacobs,
da geografia, Jorge Alberto Villwock, da geologia e Véra Lucia Maciel Barroso, da
história, todos publicados no Raízes de Terra de Areia.74
Estabelecendo uma relação entre estes encontros e os objetivos deste texto,
pode-se dizer, no mínimo, que a genealogia dos municípios que se originaram de Santo
Antônio da Patrulha indica que há um contínuo desmembramento do território original
73 Estes encontros são fruto de um projeto idealizado pela historiadora Véra Lucia Maciel Barroso. O primeiro ocorreu em 1990, sediado pela célula -mater. Desde então, mais dez encontros aconteceram, sendo que em 2.000 completou-se a décima primeira edição. Os eventos têm como objetivo acolher pesquisadores das mais diversas áreas, especialmente da geografia, geologia e história, bem como, a comunidade em geral. De cada encontro é editado um livro oportunizando a publicação de todos os trabalhos inscritos. Os temas apresentados são os mais variados, desdobrando-se em comunicações e palestras que abordam, por exemplo, as propriedades, as estradas, a pecuária, a agricultura e a imigração. Ano e localidade dos Encontros dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha: 1º - 1990 – Santo Antônio da Patrulha; 2º - 1991 - São Francisco de Paula; 3º - 1992 – Tramandaí; 4º - 1993 – Lagoa Vermelha; 5º - 1994 – Gramado; 6º - 1995 – Torres; 7º - 1996 – Vacaria; 8º - 1997 – Veranópolis; 9º - 1998 – Terra de Areia; 10º - 1999 – Santo Antônio da Patrulha e Caraá; 11º - 2.000 – Canela. 74 ELY, Nilza Huyer e BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Raízes de Terra de Areia. Porto Alegre: EST, 1999. Respectivamente: JACOBS (p.113-121); VILLWOCK (p.400-419) e BARROSO (p.180-192).
58
em novas cidades. Incluímos aí, o conceito de política, pois é através destes embates
que os municípios vão desmembrando-se, tornando-se filhos, netos, bisnetos e trinetos
do outrora grande Santo Antônio da Patrulha. Algumas emancipações merecem
destaque, como a de Vacaria, que, após tornar-se independente em 1850, retorna, por
questões políticas, ao domínio da vila patrulhense, reconquistando seu direito à
liberdade 28 anos depois, em 1878.75 O caso de Vacaria demonstra que as
emancipações não foram fruto de relações pacíficas e de combinações que resultaram
em acordos definitivos. Basta acompanhar o que a mídia tem veiculado – o que não
requer uma análise rigorosa e profunda – para afirmarmos que a grande maioria das
emancipações originou-se de “duelos de forças políticas”. Para tornar ainda mais
evidente o que dispomos acima, anexamos a genealogia dos municípios originários de
Santo Antônio da Patrulha, que apresenta todos os desmembramentos ocorridos desde
o núcleo-mãe até os trinetos (ver anexo 1).
Estas questões políticas podem ser encontradas, também, nos historiadores
municipalistas de Santo Antônio da Patrulha. Como exemplo, podemos citar Antônio
Stenzel Filho, José Maciel Júnior, conhecido por Juca Maciel, Guido Muri, entre outros.
Esta historiografia é caracterizada por uma narrativa factual, não apresentando,
portanto, uma análise mais profunda dos fatos. Normalmente, não os relaciona entre si,
75 Cf. BARROSO, Véra Lucia Maciel. Vacaria foi Distrito de Santo Antônio da Patrulha? In.: KRAMER, Anamaria de Lemos et al (Orgs.). Raízes de Vacaria. Porto Alegre: EST, 1996b. (p.67-86).
59
tratando-os como pontos isolados. Um outro aspecto que chama a atenção é que
inúmeras vezes as fontes pesquisadas não são citadas, não permitindo ao leitor
investigar o acontecimento que está sendo narrado. Por outro lado, o fator positivo que
consideramos é que estes escritores, como eram pessoas da própria localidade,
demonstram um conhecimento maior do cotidiano, possibilitando-nos captar um pouco
da “intimidade” daquele núcleo ou daquelas pessoas. Além disso, são importantes para
confrontarmos os nomes e a posição que determinadas pessoas ocupavam naquela
sociedade. Por essas razões, enxergamo-los como integrantes de um grupo
historiográfico que narra a história do Rio Grande do Sul de uma forma laudatória e
linear, mas nem por isto os consideramos uma leitura descartável.
Tínhamos, com este subcapítulo, o objetivo de apresentar em linhas gerais o
Litoral Norte do RS, destacando seus aspectos administrativos, geográficos e sociais,
bem como suas singularidades como província sulina e fronteiriça. Após termos
percorrido os processos de emancipação das três vilas que compunham a área
selecionada para estudo e a criação e extinção das comarcas, circunscrição jurídica na
qual atuavam os juízes, homens que se dedicavam, duplamente, à magistratura e à
política, e verificado como se deram as relações no campo político, sobretudo o
acirramento provocado pela proximidade das eleições, abordaremos a imigração alemã
no litoral. Para tanto, vamos situar no tempo e no espaço a Colônia Alemã das Torres.
60
1.3 A Imigração no Litoral Norte do Rio Grande do Sul
Consideramos importante contextualizar as origens e a formação da Colônia
Alemã das Torres instalada no Litoral Norte do RS em 1826. Do projeto original que
previa um único assentamento, a colônia foi dividida em dois núcleos assim
denominados: São Pedro de Alcântara, onde foram assentados os católicos; e Três
Forquilhas, onde instalaram-se os evangélicos.76
São Pedro de Alcântara emancipou-se de Torres em 1996, constituindo-se num
pequeno município, tendo seu nome modificado para Dom Pedro de Alcântara. Já o
Vale do Três Forquilhas,77 cortado pelo rio homônimo, encontra-se secionado em três
municípios: Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas. Ambas as colônias situam-se
próximas à cidade de Torres, tendo como acesso principal a BR 101, a Estrada do Mar
e a Rota do Sol.
76 Hoje não podemos mais referirmo -nos aos habitantes do Vale do Três Forquilhas como “evangélicos”. A religião católica consolidou-se entre eles, formando um núcleo consistente no atual centro do município de Três Forquilhas. Além desta, o Sínodo Missouri e outras denominações evangélicas também conquistaram espaço entre os colonos. No entanto, como o nosso recorte compreende a segunda metade do século XIX, período em que os evangélicos predominavam na colônia de Três Forquilhas, usaremos o conceito neste sentido. Sobre a trajetória dos católicos no Vale do Três Forquilhas, ver: DELAI, Pe. Rizzieri. Três Forquilhas e Suas Comunidades. Três Cachoeiras: Gráfica Três Cachoeiras, 1999. 77 Cf. RUSCHEL: “Este vale, desde que se considere incorporado o pequeno vale da Sanga Funda e uma nesga da praia marítima, corresponde aos municípios de Terra de Areia, Itati (a instalar-se) e Três Forquilhas. Pensada como uma fatia transversal de parte do primitivo grande município de Santo Antônio, a região abrange os mesmos três ambientes já referidos, contados do mar ao alto da Serra.” (p.432-433). RUSCHEL, Ruy Ruben. Formação Humana do Quadrante Patrulhense e do Vale do Três Forquilhas. In.: ELY & BARROSO, op. cit. (1999b; p.432-438).
61
A Colônia Alemã das Torres, posteriormente São Pedro de Alcântara e Três
Forquilhas, foi instalada a fim de cumprir com algumas obrigações, das quais
destacamos as três principais: ocupar a terra, produzir alimentos e ceder os seus
homens para servirem como soldados assim que fossem recrutados.78 A primeira
determinava que os imigrantes deveriam ocupar os seus lotes e garantir a posse do
território sulino para o Brasil. Deve-se ter em mente que a Questão da Cisplatina
continuava em vigor, sendo o Sul ainda um território em disputa entre o Império
brasileiro e os vizinhos platinos. A segunda obrigação era uma decorrência da primeira,
ou seja, a produção de alimentos, especialmente para as tropas que acantonavam nas
Torres. A ocupação das propriedades agrícolas e o início dos plantios geraram os
primeiros desentendimentos entre o administrador das colônias, Tenente Cel. Francisco
de Paula Soares, e os colonos. Assim que chegaram às Torres, foram surpreendidos
por uma enchente, que determinou a divisão do núcleo em dois. Entretanto não havia
terras disponíveis para todos, pois, além da enchente, o número de imigrantes
remetidos para o litoral foi praticamente o dobro do que havia sido previsto no projeto
original.79
78 Cf. LUNCKES, Mariseti Cristina Soares. Um Velho Projeto com Novos Rostos: Uma Colônia Alemã Para a Ponta das Torres. São Leopoldo, 1998. Dissertação [Mestrado]. História da América Latina. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 1998. 79 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Assentamentos Alemães em Torres, na Correspondência do seu Inspetor. In.: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.132, p.123-136, 1998.
62
Por conseqüência, os evangélicos foram deslocados para um vale mais distante,
cortado pelo rio Três Forquilhas, e os católicos permaneceram mais próximos de
Torres. O assentamento católico, em especial, foi o mais problemático, pois os colonos
recusavam-se a receber as terras passíveis de inundação. Alguns provocaram sérios
desentendimentos, sendo encaminhados para a polícia em Porto Alegre. Outros
desejavam estabelecer-se mais próximos do rio Tramandaí, onde diziam haver terras
suficientes sem o perigo das cheias. A solução que o administrador encontrou foi
delimitar uma outra área, encravada entre as lagoas do Forno e do Jacaré, onde havia
terras disponíveis para todos os colonos distantes do rio Mampituba.80
A terceira obrigação que os colonos deveriam cumprir dizia respeito ao
recrutamento de homens para lutar na Cisplatina. No entanto os imigrantes logo viram-
se libertos deste papel, pois, no final da década de 1820, houve uma breve trégua na
disputa pelo Sul.81 Coube-lhes, então, ocupar definitivamente os seus lotes e produzir
alimentos, especialmente para a subsistência, uma vez que o comércio dos gêneros
agrícolas nos anos iniciais da colonização era incipiente.
80 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Por Que Foram os Colonos Separados por Motivos Religiosos? In.: ELY, Nilza Huyer (Org.). Terra de Areia: Marcas do Tempo . Porto Alegre: EST, 2000. (p.38-41). A palestra do professor Ruschel foi proferida no I Simpósio Sobre Imigração Alemã no Litoral Norte do RS, em Terra de Areia, onde elucidou o motivo pelo qual a Colônia Alemã das Torres foi dividida em dois núcleos: um católico e o outro evangélico. 81 De 1828 a 1835, houve um instante de paz na Questão da Cisplatina. Foi o tempo que os colonos tiveram para organizar-se, pois logo viram-se envolvidos na Revolução Farroupilha, de 1835 a 1845.
63
No que se refere à trajetória dos colonos católicos, podemos resumi-la em
poucas linhas devido à ausência de estudos consistentes sobre o assunto. A respeito
de São Pedro de Alcântara, José Krás Selau lançou dois livros: um em 1995; e outro,
em 1999, através dos quais faz uma retrospectiva do núcleo católico, dedicando-se a
contar fatos ocorridos naquela localidade. As suas pesquisas são limitadas e, via de
regra, apontam para exageros e distorções históricas. Eduardo Festugato lançou, em
1994, “Torres de Antigamente – Crônicas e Memórias”, sendo também um livro que
narra somente fatos acontecidos na vila torrense, não se aventurando pela história da
colonização. Outra obra com caráter semelhante é “Remembranças de Torres”, de
Guido Muri, lançada em 1996. Nesse livro, o autor dedica um capítulo à colônia de São
Pedro de Alcântara, apresentando, de maneira superficial, fatos ocorridos no século XX.
Os trabalhos mais consistentes sobre este espaço foram publicados por Ruy Ruben
Ruschel. Suas pesquisas estendem-se a todo o Litoral Norte do RS, contemplando-o
desde o desbravamento do então Rio Grande de São Pedro, passando pelas investidas
dos jesuítas portugueses, no final do século XVI e início do XVII, até a invasão da “mais
bela praia gaúcha” pelos turistas nacionais e internacionais. Podemos apreciar em seus
estudos a dedicação e a curiosidade com que se debruçou sobre o projeto de imigração
alemã para as Torres, análise que se tornou fundamental para quem investiga a região.
Por sua vez, a trajetória dos evangélicos junto ao Vale do Três Forquilhas tem
sido alvo de diversos pesquisadores, dos quais destacamos: Elio Eugenio Müller,
Generi Máximo Lipert, Marcos Antonio Witt, Nilza Huyer Ely, Pe. Rizzieri Delai, Ruy
Ruben Ruschel e Véra Lucia Maciel Barroso. Além desses, ressaltamos o Trabalho de
64
Conclusão de Ellen Fensterseifer, em que se dedicou ao estudo da colonização no Vale
do Três Forquilhas, dando ênfase aos anos iniciais; o livro Navegação Lacustre Osório-
Torres, de Marina Raymundo da Silva, no qual analisa os meios de transporte no Litoral
Norte do RS, dando primazia à navegação; e a Dissertação de Mestrado de Mariseti
Cristina Soares Lunckes, em que a autora investiga os motivos pelos quais os
imigrantes foram remetidos às Torres.
Conforme o que foi dito anteriormente, podemos constatar que houve uma
defasagem historiográfica entre os dois núcleos coloniais. Há uma lacuna a ser
preenchida, e gostaríamos de colaborar nesse sentido, especialmente no que diz
respeito à colônia de São Pedro de Alcântara. Não podemos prosseguir sem fazer uma
referência aos livros de José Krás Selau,82 nos quais o autor aponta distorções
históricas como verdades, o que não contribui, lamentavelmente, para a compreensão
da história daquele núcleo.
Em seu segundo livro, Selau tenta reconstituir os anos iniciais da imigração em
Torres. Sem citar fontes, apresenta uma série de hipóteses para a instalação da colônia
católica junto às lagoas do Forno e do Jacaré. Acusa, inclusive, o Tenente Cel.
Francisco de Paula Soares de ter obtido benefícios com a mudança de local, pois,
segundo o autor, o administrador teria terras próximas destas lagoas onde os colonos
82 SELAU, José Krás. Colônia de São Pedro: Um Pouco da sua História . Porto Alegre: Evangraf, 1995 e _________. Imigração Alemã em Torres: Por quê? Torres: Jornal Gazeta, 1999.
65
foram assentados. Já Ruy Ruben Ruschel não aponta motivos que corroborem a tese
de Selau. Ao contrário, com citação de fontes e estudos minuciosos, Ruschel analisa a
imigração junto às Torres e não chega às mesmas conclusões apresentadas pelo
pesquisador municipalista.
Segundo Ruschel, a colonização das Torres com famílias de imigrantes alemães
está inserida num processo de consolidação do espaço sulino idealizado e concretizado
pelo Império brasileiro. Não foi por acaso e nem despropositadamente que o governo
imperial decidiu fundar uma colônia junto ao Presídio das Torres.83 A posterior divisão
das colônias em dois núcleos – São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas – ocorreu por
motivos de ordem administrativa e não por razões de ordem pessoal, como acusa
Selau.
Ainda sobre São Pedro de Alcântara, percebemos a necessidade de demonstrar
como os colonos reagiram ao processo de assentamento. Os conflitos não se limitaram
ao período embrionário, em que o Tenente Cel. Francisco de Paula Soares demarcou e
iniciou os procedimentos para que os colonos assumissem os seus lotes.
Posteriormente, os católicos continuavam reclamando das inúmeras irregularidades que
83 Ruschel dedicou-se ao estudo de Torres antes de 1826, verificando de que forma se deram a construção e a manutenção do Presídio das Torres. O pesquisador concluiu que aquela extremidade do litoral era uma área vulnerável por estar próxima de Laguna, onde as embarcações poderiam atracar com facilidade. Por esta razão, foi construído um presídio, não para receber condenados, mas sim para abrigar as tropas que acantonavam nas Torres, envoltas na Questão da Cisplatina. Ver: RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Fortes de Torres. Porto Alegre: EST, 1999a.
66
permeavam o acesso e a fixação nas terras da colônia. A disputa pela terra pode ser
considerada um fator propulsor de um cotidiano violento, no qual proprietários
desejavam expandir as suas posses, gerando um número ilimitado de controvérsias
decorrentes de tal prática. Os exemplos que selecionamos para demonstrar a reação
dos colonos estarão dispostos neste mesmo texto e no decorrer do trabalho.
Entre os proprietários que insistiam na expansão das suas propriedades,
inserimos os colonos alemães do Litoral Norte do RS, que não desperdiçavam as
oportunidades as quais eventualmente lhes surgiam. Os dados empíricos analisados
demonstram o engajamento dos colonos nesta prática, o que nos dá idéia do valor que
a terra, paulatinamente, passou a ter para os litorâneos. Primeiramente, um valor de
base organizacional, pois era neste espaço que a família morava, plantava e colhia os
seus alimentos; depois, principalmente na segunda metade do século XIX, após a lei de
Terras de 1850, a terra adquiriu um valor pecuniário, isto é, passou a valer dinheiro e
simbolizar, efe tivamente, o poder. Todavia as terras foram valorizadas não somente
pela existência da lei de Terras, mas também por decorrência da consolidação da
imigração. As colônias velhas precisaram expandir-se, o que exigiu novas terras para
ocupação, levando-as ao encarecimento e fazendo com que ganhassem o status de
bem material.
67
Metodologicamente, optamos por exemplificar com dados empíricos como se
deram o acesso, a fixação e a expansão das propriedades coloniais.84 Selecionamos,
propositadamente, situações que envolveram os católicos de Torres, demonstrando
como foi o comportamento destes colonos e dos litorâneos em relação à aquisição e à
posse de extensões territoriais. O primeiro aspecto que destacamos diz respeito à
medição das terras. Apresentamos quatro situações em que nacionais e colonos
envolveram-se neste exercício gerador de grandes desentendimentos entre lindeiros e
agrimensores. Iniciamos com um requerimento do colono Joanez Jacob, o qual não
sabe ao certo a quantidade de terras que possui. Para dirimir as suas dúvidas, solicita a
medição delas. O documento revela, também, que alguns colonos não estavam
aceitando os seus lotes agrícolas porque queriam ficar mais perto da povoação de
Torres;85 Caetano Xavier Pereira de Brito compra terras em Torres, no Morro do Forno,
no Espigão do Maciel e reclama que estas não foram ainda medidas;86 Elauterio
Silveira Lopes propõe a compra de um pedaço de terra devoluta no lugar chamado
Morro de Dentro. O “...terreno acha-se demarcado por todos 4 vizinhos e cujas
demarcações deixou estas sobras no meio... porém no caso que não seja preciso mais
medições mais sim, prevalecendo as mesmas picadas feitas pelos vizinhos”;87 por
último, o requerimento de Frederico Simsen, morador da colônia das Três Forquilhas,
estabelecido num dos lotes abandonados há vários anos. O suplicante é casado, pobre
84 “Propriedades coloniais” referem-se aos lotes agrícolas que cada colono recebeu do governo ou que, posteriormente, adquiriu de outra forma. 85 AHRS – Justiça – Maço 53 – Torres – 1833.
68
e tem numerosa família. “Há uma confusão aos limites das colônias, conseqüência da
primeira organização viciosa na distribuição das terras que ocupa, e cujo mal poderia
ser remediado, se por meio de uma medição geral...”. Fica subentendido no
requerimento a sugestão para que o suplicante receba definitivamente o lote
requisitado.88
As situações que apresentamos em relação à aquisição e à posse de terras são
casos exemplares de um universo maior que nos apresentam diversidades no que se
refere à problemática da terra no Brasil da segunda metade do século XIX. Os
desentendimentos envolvem nacionais e colonos numa simbiose que desvela uma
realidade de convívio e conflitos na medida em que os distúrbios gerados pela disputa
da terra oferecem um quadro dinâmico da vida social no litoral. A distinção que
separava nacionais e colonos – a questão da cidadania – não era obstáculo para que
determinado objeto fosse requisitado, neste caso, um “pedaço de chão”.
O segundo aspecto capaz de detonar situações violentas é a posse ilegal de
terras. Num dos relatos que encontramos, reclamantes denunciam que cinco colonos e
mais alguns nacionais estão em propriedades que não lhes pertencem;89 Já outro
documento, ao denunciar que descendentes de imigrantes tomavam posse de terrenos,
86 AHRS – Requerimentos - Terras - Maço 124 – Torres – 1865. 87 AHRS – Requerimentos - Terras - Maço 145 – Torres – 1869. 88 AHRS – Diretor Geral das Colônias Alemãs – Lata 296 – Maço 67 – Ofício n. 2 – Três Forquilhas – 1852.
69
revela uma problemática conceitual ao discutir quem é colono e quem tem direito à
terra, uma vez que a posse era um instrumento reconhecido e assegurava ao posseiro
o uso desta.90 Por sua relevância, transcrevemos um pequeno relatório que denuncia a
intransigência dos colonos em relação aos seus lotes agrícolas:
“Ilmo. Exmo. Senhor Presidente Sendo-me preciso nesta ocasião, pedir a V. Exça. esclarecimentos sobre as providências que devo tomar tenho a honra de dirigir-me a V. Exça. dizendo que achando-se as colônias dos alemães demarcadas, estão estes colonos todos os dias suscitando questões com os brasileiros que por sua desgraça são (ilegível) de lhes dizendo os primeiros que não tem o terreno que lhe foi mandado pelo Imperador empossar, e se querem apoderar das que são de seus vizinhos brasileiros que os destes são devoluto, e se vão assim introduzindo nas propriedades alheias, peço portanto a V. Exça. esclarecimento do que devo dizer a tal respeito. Deus guarde a V. Exça. muitos anos. Torres, 28 de setembro de1834. Ilmo. Exmo. Senhor Presidente desta Província. João Francisco da Silveira juiz de paz.” 91
Por fim, José Nolasco da Fontoura Pereira da Cunha e sua mulher requerem
medição em dois quartos de légua quadrada de terras devolutas sitas no Morro do
Forno, em Torres. Ocorre que, após a medição, Manoel Pereira Gabriel invadiu parte
desta propriedade, gerando uma disputa entre os dois vizinhos.92
89 AHRS – Justiça – Maço 53 – Torres – 1833. 90 AHRS – Justiça – Maço 53 – Torres – 1833. 91 AHRS – Justiça – Maço 53 – Torres – 1834. (grifos nossos). 92 AHRS – Requerimentos - Justiça – Maço 142 – Torres – 1869.
70
Interessante destacar que os conflitos transcendiam a relação nacionais-colonos,
sendo que, entre estes últimos, havia disputa pela terra, como demonstra o relatório de
1834. Esta é uma das contendas que permanecerá durante o período em estudo, pois
no transcorrer da segunda metade do século XIX, a terra será cada vez mais um bem
altamente disputado, gerando, diariamente, as mais diversas situações, todas
conflituosas.
A terceira situação que consideramos violenta pode ser representada pelos
requerimentos de Felippe Deutsch, Antonio Kreutzburg, Miguel Magnus e outros. Eles
são moradores da colônia de São Pedro de Alcântara e reclamam da violência
praticada pelos vizinhos, os quais invadiram as suas propriedades. O documento
apresenta um pequeno histórico daquelas terras, informando que pertenciam ao
Brigadeiro João Maria Xavier Brito, as quais foram retiradas pelo governo e concedidas
a Elias Silveira. Logo depois, repartiram-nas em quatro colônias,93 dadas aos
suplicantes. O documento denuncia que os invasores envolveram os suplicantes em
processos dispendiosos e questões judiciais: “alguns colonos tem sido processados
pelas autoridades policiais do lugar, acontecendo simplesmente que as autoridades são
justamente aquelas que reclamam as terras, ou seus parentes e amigos.” No final, há
93 Neste caso o conceito de colônia está se referindo à pequena propriedade agrícola, também chamada de minifúndio, e não ao empreendimento agrícola composto de pequenas propriedades rurais, dispostas organizadamente e ocupadas por imigrantes, especialmente europeus. Ver: ROCHE, op. cit. (1969a; p.2-3).
71
uma sugestão para que se proceda nova demarcação em toda a colônia das Torres,
pois o estado em que ela se encontra é um obstáculo ao seu desenvolvimento.94
O quarto e último aspecto que destacamos em relação à questão da terra no
Litoral Norte do RS refere-se à compra de terras. A lei de Terras trouxe como novidade
para os brasileiros a obrigatoriedade da compra, assim, as terras devolutas, a partir de
1850, não poderiam mais ser cedidas ou doadas e sim vendidas. Os dois documentos
selecionados indicam que, onde havia estradas, o interesse pela aquisição de terras
devolutas aumentava; por conseqüência, um grupo de interessados propõe-se a
comprar mil cento e cinqüenta braças na Praia Grande da Glória, no município de
Torres,95 e Pedro Frederico Petersen, colono em Três Forquilhas, manifesta o desejo
de adquirir uma data de terras, a qual encontra-se devoluta.96
Após listar esta série de exemplos, torna-se imprescindível que façamos algumas
considerações sobre eles. No que diz respeito às medições das terras, cabe salientar
que - antes e depois da lei de Terras - continuaram as dificuldades para se processar
as medições, havendo dúvidas sobre a competência e a exatidão das medidas, visto
que, muitas vezes, os interesses pessoais entre os envolvidos prevalecia sobre a
determinação legal. Quanto à posse ilegal da terra, os quatro documentos destacados
94 AHRS – Diretor Geral das Colônias Alemãs – Lata 296 – Maço 67 – Ofício n. 7 – Torres – 1851. 95 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – lata 114 – Maço 55 - Conceição do Arroio - 1860.
72
denunciam questões anteriores à lei de Terras, o que não significa que depois desta as
discussões em torno da propriedade tenham sido plenamente resolvidas, mesmo
porque a aplicabilidade do que foi escrito foi paulatina e, conseqüentemente, permitiu
que abusos continuassem sendo praticados, confirmando a tese de José Murilo de
Carvalho, o qual afirma que: “a política de terras no Império muito pouco ou nada sairia
do legislativo. Ela seria sistematicamente sabotada e bloqueada ao nível da
implementação. Seria o primeiro grande exemplo nacional de lei que não pegou.” 97
Quase sempre a decisão final de uma causa judicial adequava-se às idéias do líder
exponencial da região, sendo assim, tornava-se difícil para muitos defenderem-se da
violência advinda deste tipo de sociedade, onde o poder local imiscuía-se com as
instâncias legais. Por último, apesar de a lei de Terras estabelecer que a única forma
de se conseguir um pedaço de chão seria através da compra e de os documentos
selecionados narrarem dois casos em que os interessados se propõem a pagar o valor
estipulado pelas propriedades, embora a historiografia que trata da lei de Terras aponte
para uma prática que ainda comunga com outras formas de aquisição, possivelmente
atreladas às esferas legais que respaldavam a ação dos “invasores”.
Após apresentar esta série de situações que envolveram os colonos católicos de
São Pedro de Alcântara, parece-nos difícil concordar com a tese de Selau, o qual
afirma de maneira inconsistente que os colonos foram ludibriados pelo Tenente Cel.
96 AHRS – Diretor Geral das Colônias Alemãs – Lata 296 – Maço 67 – Ofício n. 19 – Três Forquilhas –
73
Francisco de Paula Soares no que tange à localização e distribuição dos lotes
agrícolas. Desde quando chegaram ao Presídio das Torres, em 1826, os imigrantes
souberam reivindicar e lutar por seus direitos, mesmo sendo de forma desordenada e,
muitas vezes, individual. O descontentamento não foi um sentimento reprimido pela
comunidade imigrante, pelo contrário, quando discordavam ou julgavam que aquilo que
lhes haviam prometido não estava sendo cumprido, a reclamação vinha em tom de
rebeldia, reclamações judiciais e, se isso não resolvia, apelava-se para a violência.
Importante frisar que estas medidas têm a capacidade de demonstrar que adotavam as
práticas locais na tentativa de resolver os seus impasses. Definitivamente, não eram
ilhas isoladas.
Retornando à análise da história do Vale do Três Forquilhas, onde foram
instalados os evangélicos, faz-se necessário destacar alguns momentos importantes da
sua trajetória. Um dos aspectos que deve ser apontado é a liderança espiritual exercida
pelo pastor Carlos Leopoldo Voges sobre este grupo. Antes de fixar-se definitivamente
em Três Forquilhas, Voges tentou permanecer em São Leopoldo atuando com seu
colega, o pastor Ehlers. Como não houve entendimento entre os dois, o governo propôs
a Voges que acompanhasse os colonos para o litoral.98 O jovem guia espiritual,
1852. 97 CARVALHO, op. cit. (1981; p.39). 98 Reportamo-nos a dois requerimentos que desvelam o grau de desentendimento entre os pastores. Ehlers, o pastor titular de São Leopoldo, acusa o seu colega auxiliar Voges de permanecer na colônia e tentar assumir o seu lugar junto à comunidade. Acusa-o, inclusive, de ter tido uma amante. Voges rebate o pronunciamento do seu rival tendo que aceitar, finalmente, a proposta de fixar-se definitivamente em
74
resignado, aceitou a proposta e tornou-se não somente o pastor, mas também o
professor, o administrador, o comerciante, o proprietário de escravos, enfim, atribuiu
para si uma série de características que fizeram da sua pessoa o grande líder da
colônia de Três Forquilhas até a sua morte em 1893.
Suas preocupações estavam voltadas para o atendimento religioso, educacional
e administrativo dos colonos, pois a grande maioria não tinha a quem recorrer nos
momentos de dúvida e necessidade. Encontramos, inclusive, uma referência segundo a
qual o pastor recebeu uma verba da contadoria provincial no valor de 300$000 para ser
usada na construção da capela da colônia de Três Forquilhas.99 Isto desvela a sua
capacidade de articular-se com as autoridades provinciais, permitindo-lhe solicitar ajuda
pecuniária para a colônia que estava sob a sua responsabilidade e lhe dava respaldo
frente aos colonos. Assim, o pastor tornou-se o porta-voz dos evangélicos e, em alguns
momentos, também dos católicos, atendendo-os em situações extremas, quando não
dispunham de um padre para socorrê-los. Além do litoral, percorreu os Campos de
Cima da Serra, devido ao fato de, desde cedo, os colonos abandonarem os seus lotes e
subirem aos Campos a fim de tentarem outras atividades econômicas, como a criação
de gado e o comércio.
Três Forquilhas. AHRS – Requerimentos – Maços 38 e 42 – 1832. Tramontini contemplou a disputa entre os dois pastores, apontando para a situação de rivalidade que permeava a atividade dos religiosos já no início da colonização. Ver: TRAMONTINI, Marcos Justo. Ehlers, Voges e Klingelhoeffer: a Disputa. In.: ELY e BARROSO, op. cit. (1999a; p.209-212).
75
Abordar a figura do pastor Carlos Leopoldo Voges é de fundamental importância
para a compreensão do desenvolvimento da colônia. Para tanto, valemo-nos, inclusive,
de dados biográficos, imprescindíveis para que possamos conhecer a fundo de que
forma os colonos relacionavam-se com esta liderança. Um dos itens mais questionáveis
do currículo do pastor diz respeito ao fato de possuir escravos. Sentimo-nos instigados
a desdobrar e dar seguimento às análises que Elio Eugenio Müller100 realizou sobre os
escravos do pastor. Ao optarmos por analisar a escravidão entre os colonos alemães
de Três Forquilhas,101 encontramos uma documentação que demonstra quais famílias
haviam comprado escravos e o plantel que cada uma possuía. Através desta variável –
ser proprietário de escravos – relativizamos a história destes imigrantes, inserindo-os no
contexto rio-grandense da segunda metade do século XIX.
99 AHRS – Imigração, Terras e Colonização – Lata 298 – Maço 73 – Sem data. Apesar de não constar a data no documento, supomos que ele deve ser da década de 1850, quando foi construído o templo de pedra dos evangélicos. 100 MÜLLER, Elio Eugenio. Três Forquilhas (1826 - 1899). Fase de Formação da Colônia. Curitiba: Fonte, 1992. 101 Ver: WITT, Marcos Antonio. Os Escravos no Vale do Três Forquilhas. São Leopoldo, 1998. Trabalho de Conclusão. Licenciatura Plena em História – UNISINOS, 1998. Durante a pesquisa, trabalhamos com três fontes documentais: inventários, escrituras de compra e venda de escravos e os registros paroquiais do pastor Voges. Nos inventários, encontramos outras famílias de Três Forquilhas que possuíram escravos: Mittmann, 1865, três escravos no valor total de um conto e oitocentos mil réis; Kellermann, 1867, dois escravos no valor total de oitocentos e cinqüenta mil réis; Schmitt, 1867, um escravo no valor de seiscentos mil réis; Grassmann, 1873, três escravos no valor total de um conto quatrocentos e cinqüenta mil réis; Jacob, 1883, dois escravos no valor total de oitocentos mil réis. Ressaltamos o inventário de Guilhermina Voges, de 1880, esposa de Adolpho Felippe Voges, filho primogênito do pastor, em que constam cinco escravos no valor total de dois contos e oitocentos e cinqüenta mil réis. Nas escrituras de compra e venda, constaram como compradores de escravos os Voges, Koenig e Schütt. E, nos registros paroquiais do pastor Voges, encontramos mais de vinte batizados de filhos de escravas realizados entre os anos de 1848 a 1871.
76
Acreditamos que, ao estudo de Müller, podemos acrescentar outras variáveis de
análise como, por exemplo, questionar os valores cristãos e/ou humanos frente à
escravidão e, além disso, destacar que a inserção dos colonos alemães na estrutura
escravagista aponta para o fato de que estes desobedeciam à lei, uma vez que
estavam proibidos de ter escravos.102 Chama-nos a atenção, ainda, o fato de a família
do pastor ser a mais influente da colônia, distinguindo-se nos níveis político, econômico
e cultural. Indagamos, então: por que o pastor se manteve na posição de escravagista
se, em virtude de seus contatos e viagens, possivelmente teria conhecimento do debate
abolicionista que percorreu o Rio Grande do Sul na segunda metade do século XIX,
sobretudo após a década de 1870? Por que preferiu a mão-de-obra escrava se havia
colonos pobres, carentes de todo auxílio que pudessem receber? As respostas, no
nosso entendimento, estão justamente nas necessidades política, social e econômica
de inserir-se na sociedade rio-grandense da época, considerando-se que possuir
escravos ainda era uma norma totalmente válida para aqueles que possuíam recursos
para comprá-los. Sendo o pastor um líder, o fato de ter escravos trabalhando em sua
casa e em suas lavouras demonstrava o seu poder e inseria-o no meio litorâneo junto
aos nacionais.
Todavia o pastor Voges atribuiu ao seu currículo mais um título que merece ser
destacado: o de comerciante. As vendas, desde as menores até as grandes casas com
102 As leis 183, de 18 de outubro de 1850 e 304, de 30 de novembro de 1854, proibiam os colonos
77
sede em Porto Alegre, tornaram-se a rede abastecedora da zona colonial do Rio
Grande do Sul. Já é clássica a divisão das vendas em, no mínimo, quatro estágios: o
pequeno estabelecimento junto às colônias; o armazém da picada; o intermediador, que
reúne os produtos destes armazéns e os despacha nos portos coloniais, e as grandes
casas comerciais de Porto Alegre, as quais recebem estes produtos e repassam os
manufaturados quer nacionais ou importados.103 A venda do pastor Voges situava-se
entre o pequeno estabelecimento da colônia e o armazém da picada, pois, pela
distância geográfica que havia entre Três Forquilhas e os outros núcleos coloniais, não
havia como instalar-se a estrutura comercial do modo como apresentamos acima.104
Com isso, os comerciantes da colônia - além de Voges havia outros -
estabeleceram a sua própria estratégia de venda: comprar o que os colonos produziam
e que poderia ser repassado adiante e vender-lhes o que não conseguiam tirar da terra.
Sobre a venda do pastor Voges, temos poucas informações, a não ser aquelas que
Müller apresenta em seu primeiro livro sobre a colonização em Três Forquilhas. Para
visualizarmos a importância deste tipo de comércio, optamos por apresentar um livro de
alemães de possuírem escravos. Retomaremos este assunto no capítulo 3, apresentando outras famílias que adquiriram mão-de-obra escrava para trabalhar em suas propriedades. 103 Cf. ROCHE, op. cit. (1969a) e CEM Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul - 1824/1924. Tradução de RAMBO, Arthur Blásio. São Leopoldo: UNISINOS, 1999. 104 ROCHE, op. cit. (1969a) chega a usar o termo “feudo” para caracterizar as atividades do comerciante. No entanto ressaltamos que a existência da venda não é específica da área colonial, sendo um fenômeno mais amplo, que atingiu todos os rincões da província do Rio Grande do Sul. Pela sua capacidade de concentrar produtos, dinheiro e informações, o vendeiro acumulava uma certa importância, a qual chegava ao campo da política. Voges parece ser um exemplo pertinente a este respeito.
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escrituração de conta corrente de outra venda, no qual aparecem como fregueses
colonos de origem alemã do Litoral Norte do RS.105
Analisaremos o material encontrado sob dois pontos de vista. O primeiro trata-se
do aspecto econômico. O documento revela não somente os produtos comercializados,
tais como tecidos, café, sal, fósforo, chumbo, charque, querosene, aguardente,
rapadura, dentre os muitos que constam em suas páginas, como também a
potencialidade e extensão deste tipo de comércio. A venda era mais do que um
entreposto comercial, visto que funcionava como um banco, sendo usado o referido
livro para o controle das contas, no qual havia duas colunas a serem preenchidas: deve
e haver. Nesses espaços constava algo mais do que o comerciante vendia ao colono
ou o que o freguês dava como parte de pagamento ao dono do estabelecimento.
Dívidas, empréstimos, venda de terras, negócios envolvendo outras pessoas são
105 O livro foi doado ao Museu Histórico Visconde de São Leopoldo pelo Sr. Alfredo J. Diehl. Na ficha-resumo elaborada por esta instituição, está indicado o “interior de Osório” como o local de fixação da venda. Não temos ainda como apontar o lugar exato da sede deste estabelecimento comercial. Estudos precisam ser feitos para delimitá-lo com maior precisão. No entanto dois historiadores podem nos auxiliar nesta busca. Silva nos relata que, “em Conceição do Arroio, instalou-se o neto do pastor Voges por parte de mãe, Adolpho José Diehl, no Pontal, na Lagoa das Malvas” (p.244) e Müller sustenta a possibilidade de a venda estar no interior da colônia de Três Forquilhas. Ao que parece, a hipótese com maior probabilidade de acerto é a defendida por Müller, principalmente pelo grande número de colonos que são fregueses daquela venda. O tempo histórico abrangido pelo livro vai de 1874 a 1901, o que nos indica não somente o marco temporal, mas também as possibilidades de pesquisa daí decorrentes. Ver: SILVA, Marina Raymundo da. Navegação Lacustre. Osório – Torres. In.: BARROSO, op. cit. (1992; p.243-248), MÜLLER, op. cit. (1992) e WITT, Marcos Antonio. O Livro Caixa de Uma Venda. In.: Anais do III Seminário Nacional de Pesquisadores da História das Comunidades Teuto-Brasileiras. Lajeado: Garten Sul, 2000g. (p.97-99).
79
algumas das transações que podemos destacar, as quais conferem à venda um caráter
bancário, semelhante, desse modo, às instituições atuais.
No âmbito social, podemos distinguir um colono abastado de outro menos
afortunado através da dinâmica de compra e venda de produtos agrícolas e
manufaturados, conforme os exemplos relacionados abaixo. Dentro desse contexto,
faz-se relevante observar, igualmente, a diversidade do mosaico étnico que compôs o
Litoral Norte do RS, comprovado pela heterogeneidade do elenco de sobrenomes, entre
os quais encontramos também nacionais, alemães, italianos, africanos, entre outros.106
Para exemplificar os dois aspectos mencionados - econômico e social -,
destacamos alguns trechos do livro caixa: Christiano Thötböhl Filho compra tecidos
como algodão, chita e moleskim e também charque (p.26); Carlos Strasburg compra
tecidos como chita, de cor preta e roxa, lenços pretos, morim, algodão e botões.
Quando termina a relação das compras, a pessoa que registrava anotou: “para
mortalha de seu filho”. Dessa forma, sabemos que este colono perdeu um filho e
conhecemos parte do ritual funerário daquela comunidade (p.27); Carlos Thütböhl
compra querosene, fósforos, sal, chumbo, entre outros, e dá como parte de pagamento
“uma pipa”, evidenciando que havia um sistema de trocas entre a venda e os colonos, o
106 O livro caixa, um documento eminentemente econômico, nos indica, neste caso, que o panorama social era composto por diversas etnias, as quais poderiam sugerir uma discussão sobre as novas teorias da etnicidade e dos grupos étnicos. Todavia, por não ser o intuito deste trabalho, não entraremos neste debate.
80
que nos pode sugerir o intercâmbio entre agricultor, artesão e comerciante (p.28).
Selecionamos, para exemplificar, os nomes de: Carlos Trüch, Carlos Weckmann,
Carolina Germann, Catharina Strassburg, Christiano Menger... porém, ao folhearmos o
livro, encontramos muitos outros sobrenomes, como Bobsin, Bruch, Huier, Machmann,
Mittmann107, o que demonstra o elevado número de fregueses de origem alemã que
aquela venda possuía (p.29). E, para encerrar, reafirmamos a multiplicidade étnica. São
fregueses daquela venda: Balbina Bruch, Bonifacio/Negro, Damazio Netto, Dorothea
Brem, Generoso Rodrigues, Jacob Schvartzhaubt, João Ricardo e João Schvartzhaubt
(p.34).
Sendo assim, esta pequena referência ao livro caixa de uma venda permitiu-nos
observar a relevância de tal empreendimento para os colonos. A venda agregava em si
mesma algo mais do que um entreposto comercial. Era a instituição que permeava a
vida financeira e social dos moradores daquela localidade ao criar uma certa
dependência entre os elos principais daquela corrente, que eram o vendeiro e o
agricultor. Por certo, o comércio permitiu ao pastor Voges um controle maior da
comunidade, não apenas por ser o maior vendeiro, mas também por dispor das
informações que chegavam “de fora” e eram transmitidas no seu estabelecimento
comercial.
107 A comparação destes sobrenomes com a listagem apresentada por MÜLLER, op. cit. (1992; p.59-95) nos permite afirmar que eram colonos instalados no Vale do Três Forquilhas.
81
A análise das atividades do pastor Voges, quer como proprietário de escravos ou
comerciante, reforça a tese de que a relativização deve ser considerada quando se
seleciona um personagem como este para o estudo de uma localidade. Temos que
levar em conta as especificidades da religião e do exercício pastoral daquela época
para não condenarmos ou justificarmos as suas atitudes. Seus colegas Ehlers e
Klingelhoeffer também envolveram-se em situações que hoje despertam curiosidade e
pronunciamentos pejorativos em relação a eles. Em resumo, podemos dizer que Voges
se tornou líder dentro e fora da colônia de Três Forquilhas por agregar uma série de
funções, constituindo-se no “porta-voz” da maioria dos colonos nos níveis espiritual,
educacional e administrativo. No decorrer do texto, apresentaremos documentos que
comprovam a representação exercida pelo pastor junto aos colonos.
Já os imigrantes católicos e os seus descendentes, instalados em São Pedro de
Alcântara, não tiveram uma liderança com estas características. Os colonos estavam na
dependência de algum padre que, eventualmente, os atendesse. Analisando a trajetória
deste grupo, supomos que a falta de um líder tenha sido um dos fatores determinantes
para a rápida dispersão daquela colônia, o que resultou na diluição da sua população
por toda a área do litoral, especialmente nos pequenos vales entre Terra de Areia e
Torres. No início do século XX, mais precisamente em 1906, o viajante Roquette-Pinto,
em suas andanças pelo litoral, fez a seguinte observação em relação a São Pedro de
Alcântara:
82
“O aspecto das casas era decadente. Apesar do clima, ideal, da uberdade do solo, a colônia declinou porque foi estabelecida no meio da solidão, longe de qualquer centro consumidor ou exportador, sem poder transportar os produtos da terra. O arraial de São Pedro, perdido naquela serra, entre vales belíssimos, tinha o ar de uma vila abandonada.”108
Numa breve retrospectiva, podemos dizer que o capítulo tinha como objetivo
apresentar algumas características básicas do Rio Grande do Sul na segunda metade
do século XIX, bem como o projeto de imigração para o Sul, além de verificar como se
deu a formação das três vilas – Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e
Torres -, que compunham o espaço em discussão e a instalação da Colônia Alemã das
Torres. Como capítulo introdutório, com ênfase na apresentação do espaço sobre o
qual nos debruçamos, buscamos introduzir o leitor a uma nova realidade – o Litoral
Norte do RS – muito pouco trabalhada pela historiografia rio-grandense. Em seguida,
analisaremos a relação entre a Corte, a província do Rio Grande do Sul e o Litoral
Norte do RS, a legislação eleitoral do século XIX e a produção historiográfica sobre
poder local e coronelismo.
108 ROQUETTE-PINTO, Edgard. Relatório da Excursão ao Litoral e à Região das Lagoas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1962. (p.31).
2 PROVÍNCIA X REGIÃO, REGIME ELEITORAL E HISTORIOGRAFIA
“E se da elegibilidade dos naturalizados depende a emigração, por que sem ela se tem verificado até hoje, em tão grande cópia, nas províncias meridionais do Império? Vamos dize-lo sem refolhos, o emigrante alemão busca o Império atormentado pela desesperação famélica, pela falta de esperanças de mudar o seu estado de proletarismo na Europa, onde ele vive a vida dos desprezos e humilhações que lhes impõem as classes privilegiadas, a aristocracia, que em seu elevado orgulho, escandalizam pisando a pés a dignidade humana... E como retribuem os alemães os favores que encontram na emigração, como pagam eles o acolhimento dessa nova pátria, que lhes abre os braços para ampará-los na fome, na nudez e na humilhação, com uma igualdade que não se encontra em parte alguma? Conservando em toda a sua pureza os seus costumes, que transmitem com o EXCLUSIVISMO da língua até a terceira geração!!... Nestas condições o que deve fazer um governo patriótico? Em primeiro lugar, obrigar os brasileiros de segunda geração que não sabem a nossa língua, aprendê-la, e em segundo lugar mandá-los para a praça porque é nos riscos e perigos da vida militar que se aprende a amar esta pátria, objeto de tão duros sacrifícios!” 109
“Diga-se ao povo a verdade com franqueza. O defeito não está nas leis, sim nos costumes. Não espere pois ele o remédio do legislador somente: procure cada um concorrer com os seus esforços para que uma opinião pública mais forte que os partidos prejudique àqueles que recorrerem ao emprego da fraude e da violência. Os costumes não se corrigem tão prontamente como se alteram as leis: o resultado pois será
109 MCSHC - O Conservador, Porto Alegre, n. 292, ano II, terça, 29 de dezembro de 1880 (537) p.1.
84
lento, mas infalível, e o povo não passará pela decepção sempre perigosa de esperar da lei o que ela não pode realizar.” 110
2.1 O Embate Entre a Província e o Litoral Norte do Rio Grande do Sul
O embate político111 estabelecido entre a província do Rio Grande do Sul e o
Litoral Norte tem origem no processo de centralização idealizado e colocado em prática
pelo Império. Para analisarmos como província e litoral relacionaram-se no âmbito
político, faz-se necessário observar com que olhar o governo provincial112 se dirigiu ao
litoral e quais as respostas dos litorâneos ao posicionamento adotado pela província em
relação a eles.
O modo como o governo se dirigiu ao litoral pode ser encontrado nos relatórios e
falas dos presidentes da província; já as respostas dos litorâneos, as localizamos na
correspondência das câmaras municipais, órgãos oficiais mediadores entre as vilas e o
governo provincial.
110 Parecer do Senado sobre a reforma eleitoral de 1855. In.: PINTO, Antonio Pereira (Org.). Reforma Eleitoral. Brasília: Universidade de Brasília, 1983. (p.202-203). 111 “Embate político” não como um duelo permanente, mas sim como um jogo de resistência e oposição entre o governo provincial e o Litoral Norte do RS. 112 Entendemos como “governo provincial” basicamente a figura do presidente da província, “... delegado do imperador, cuja função política mais importante era garantir a vitória eleitoral dos candidatos apoiados pelo governo.” Ver: LAMOUNIER, op. cit. (p.281).
85
Os relatórios dos presidentes da província da década de 1850, mais
precisamente de 1853 e 1856, afirmam que Três Forquilhas e São Pedro de Alcântara
“já não podem mais ser consideradas colônias. Seus habitantes acham-se confundidos
na massa da população nacional.” 113 Dessa sentença, baseada nas informações que
foram remetidas aos presidentes da província, podemos fazer duas leituras: a primeira
nos dá idéia do que os governantes entendiam por “colônias alemãs”, ou seja, grupos
fechados que não se misturavam com os outros; a segunda demonstra a
“dinamicidade” do espaço litorâneo, o que resultou na aproximação entre os nacionais e
os colonos alemães.
A aproximação entre nacionais e colonos pode ser vista sob diversos ângulos.
Observando a posição geográfica de Três Forquilhas, vimos que a colônia ligava-se aos
Campos de Cima da Serra via Serra do Pinto; Já São Pedro de Alcântara, além de estar
mais próxima do povoado de Torres, interligava-se, igualmente, com Cima da Serra
através da estrada da Glória. Dessa forma, os dois núcleos mantinham relações com os
tropeiros, que desciam as escarpas da Serra Geral para comercializarem com os
113 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.03 – Relatório do presidente da província João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú – outubro/1853 e A7.03 – Relatório do presidente da província Jeronymo Francisco Coelho – dezembro/1856. Esta mesma afirmação podemos encontrar no pequeno capítulo que Jean Charles Moré dedicou a São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas. Em nota de rodapé, o autor diz que as duas colônias não existem mais, senão como distritos agrícolas. Sendo o livro impresso na década de 1860, temos que conjeturar se o autor e o presidente da província usaram a mesma fonte para realizar tal sentença. Para ambos, segundo a sentença que proferiram, o conceito de “colônia” estava intimamente ligado à definição de um núcleo homogêneo, composto de imigrantes assentados organizadamente em pequenas propriedades agrícolas. Ver: MORÉ, Jean Charles. De la Colonisation dans la Province de St. Pierre de Rio Grande do Sul, Brésil. Hambourg: Imprimerie de Langhoff, 1868. (p.202-203).
86
litorâneos, estabelecendo, nos anos iniciais da colonização, um incipiente comércio,
muitas vezes realizado ainda num sistema de troca de produtos. Comumente, os
tropeiros “vendiam” charque aos colonos, e estes, aguardente e rapadura àqueles.114
Possivelmente o contato entre estes personagens tenha permitido ao presidente
da província dizer que as duas colônias já não se enquadravam mais nesta categoria.
Ao fazer esta afirmação, entendemos que estabeleceu comparações com outros
núcleos de imigrantes, certamente, na sua visão mais “puros”, qualidade que teria
derivado de um contato menos assíduo com os nacionais.115 A proximidade com São
114 Sobre a relação dos tropeiros com os colonos, ver: ELY, Nilza Huyer. Tropeirismo entre a Serra e o Litoral. In.: ELY, Nilza Huyer. Vale do Três Forquilhas: Veredas, Vidas e Costumes. Porto Alegre: EST, 1999b. (p.49-53). As relações comerciais que os litorâneos estabeleceram têm sido muito pouco estudadas. Acreditamos que o estudo destas práticas – troca e compra e venda de produtos agrícolas por outros bens – pode revelar outras nuances do cotidiano vivenciado pelos litorâneos. As informações que reunimos, embora esparsas, nos reforçam a idéia de um comércio realizado com os Campos de Cima da Serra e com a província de Santa Catarina, via tropeiros. Parece-nos que o Litoral Norte do RS manteve-se, por um certo tempo, muito mais direcionado a estas áreas do que propriamente à capital rio-grandense. Todavia reconhecemos que necessitamos de estudos mais aprofundados para tentar elucidar a teia das relações comerciais estabelecidas pelos litorâneos no desenrolar do século XIX. 115 A comparação que o presidente da província estabeleceu entre as colônias está, ao nosso ver, respaldada pelo gradativo e intenso comércio via São Leopoldo. O simples fato de os colonos do Litoral Norte do RS entrarem em contato com a população nacional não poderia ser o único fator de tal afirmação, pois a colônia de São Leopoldo também viu-se confrontada com os nacionais que já estavam na região do rio do Sinos antes da chegada dos primeiros imigrantes alemães. O comércio que a colônia velha firmou com Porto Alegre tornou-se de vital importância para a própria manutenção das duas estruturas – colônia e capital – a tal ponto que o governo provincial privilegiou a sua relação com este espaço. E mais, muito rapidamente a produção colonial de São Leopoldo viu-se incrementada pelo artesanato, “especialização” que praticamente não encontramos no Litoral Norte do RS. Como in forma a câmara municipal de Conceição do Arroio “neste município não há fábrica alguma de preparar ferro.” AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1862. Sendo assim, sem uma produção colonia l que pudesse chegar facilmente e com baixos custos ao mercado porto-alegrense e sem artigos manufaturados artesanalmente, o litoral não conseguiu ocupar a mesma posição que São Leopoldo. SAUL, op. cit. entende que “o processo de transformação dos métodos produtivos somente poderia manifestar-se de forma decisiva na medida em que a implantação das ferrovias suprimisse os elevados custos de transporte e possibilitasse que os cultivos avançassem em direção a terras novas e férteis.” (p.110). Para o autor, “.... a posição da economia inglesa no comércio internacional que determinará uma mudança na política de exportações de capital
87
Leopoldo e a relativa facilidade com que esta colônia se comunicava com Porto Alegre
deram suporte aos governantes para que estabelecessem paralelos entre as primeiras
colônias, sendo São Leopoldo fundada em 1824 e Três Forquilhas e São Pedro de
Alcântara, em 1826.
A relação do governo provincial com São Leopoldo tem variantes que não
encontramos na ligação deste com as colônias do Litoral Norte do RS. Que razões
teriam proporcionado um certo privilégio para a colônia de São Leopoldo? Basicamente,
a razão mais importante está ligada ao fato de que a colônia tornou-se um importante
fornecedor de produtos agrícolas, os quais eram encaminhados para Porto Alegre via
rio do Sinos. Podemos apontar, também, com menos ênfase, a proximidade dos
colonos com a capital gaúcha, o que despertou, em alguns momentos, o medo de que a
população colonial pudesse revoltar-se e articular-se com grupos de oposição e da
situação. Estes fatores fizeram com que o governo olhasse mais de perto a colônia,
estreitando e dinamizando os seus laços, todavia outros motivos podem ser
enumerados: o próprio crescimento econômico de São Leopoldo aproximou-os da
capital; a rede comercial que se consolidou, desde a pequena venda no interior das
colônias até as grandes casas importadoras de Porto Alegre, fez com que diversos
para as áreas não desenvolvidas industrialmente. Até aproximadamente 1840, essas exportações realizavam-se preferencialmente por via de empréstimos públicos. Depois, somaram-se a elas as estradas de ferro e as empresas de serviços públicos.” (p.108). (grifos nossos). Compreende-se, então, por que o transporte ferroviário chegou, primeiramente, a São Leopoldo e, num segundo momento, foi estendido às novas áreas de colonização. O Litoral Norte do RS, mais uma vez, não foi contemplado por este meio de transporte que poderia ter facilitado o escoamento da produção agrícola.
88
interesses se voltassem para aquele espaço; os componentes desta rede já dependiam
uns dos outros e era dever do governo zelar para que o comércio evoluísse a tal ponto
que a província se sobressaísse em nível “nacional”.116
Paralelo ao crescimento econômico de São Leopoldo, esteve o político, fruto dos
contatos que, obrigatoriamente, a colônia estabelecera com Porto Alegre. Não demorou
para que os colonos se consolidassem num grupo político de pressão junto ao governo
provincial. Ora, foi exatamente este aspecto que os litorâneos não conseguiram
desenvolver na sua relação com a província. Ficaram, então, à margem, numa situação
secundária, enquanto São Leopoldo despontava como a área colonial ideal, como
fornecedora de alimentos e promotora do crescimento econômico.
A referência à citação dos governantes é importante na medida em que revela
com qual olhar o governo contemplou todo o litoral. Lembremos que, a partir dos dois
últimos quartéis do século XIX, os latifúndios – em especial as estâncias da região
centro-sul polarizadas pelas charqueadas - passam a se concretizar no Rio Grande do
Sul, em extensão e poder. A região litorânea, por não possuir estas características, cai
em letargia. No nosso entendimento, o governo lançou um olhar revelador para a
situação econômica e política do Litoral Norte do RS e “discriminatório” no que se refere
116 O governo provincial, além de manter estável o comércio com a colônia de São Leopoldo, precisava garantir a segurança de Porto Alegre, ponto vulnerável por ser de fácil acesso via lacustre, e por sua importância política e econômica, consolidada a partir do século XIX. Para tanto, se fosse preciso, a população colonial deveria socorrer a capital, dispondo de seus homens como soldados.
89
às colônias alemãs. Coube, portanto, às câmaras municipais manifestarem-se,
recorrendo ao “choro político” para obterem aquilo de que necessitavam. Como
exemplo, trazemos à tona as inúmeras tentativas de construir-se um porto em Torres, o
qual facilitaria o escoamento da produção agrícola do litoral. No entanto os projetos não
foram desenvolvidos. No máximo, foram realizadas algumas experiências,
principalmente a abertura de canais que ligariam as lagoas. O resultado desta iniciativa
foi infrutífero, sendo o porto de Torres preterido pelo da cidade de Rio Grande.117
O descaso do governo provincial para com o Litoral Norte do RS e/ou a falta de
força política deste explicam, parcialmente, o engajamento político dos litorâneos.
Acreditamos que o governo, ao dar pouca atenção à região do litoral, adotou uma
prática política que, ao mesmo tempo que impulsionava os litorâneos a requerer uma
participação política maior, dava liberdade para que os pequenos e médios chefes
locais cooptassem aliados e demonstrassem a sua força. Sem a mão operante do
governo provincial sobre si, pois este órgão estava preocupado com outras questões e
direcionado, politicamente, a outras áreas, os líderes locais sentiram-se rechaçados e
quase que obrigados a solicitar as “migalhas” do total de recursos destinados aos
municípios, prática esta que os atrelava ao sistema clientelístico do século XIX. Na lista
117 Em relação à construção do porto de Torres, ver: AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.07 - Relatório do vice-presidente comendador Patrício Correa da Camara – 1861.
90
das petições118 que as câmaras constantemente enviavam à capital, foram incluídas as
“migalhas” que também eram direcionadas às colônias alemãs, subsidiadas somente
nos cinco primeiros anos. Assim, o pouco auxílio remetido a estes núcleos, de forma
indireta, ficou sob a responsabilidade das três câmaras municipais instituídas no século
XIX: Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres. Lamounier captou muito
bem a situação de penúria dos municípios brasileiros ao afirmar que a pobreza era
tamanha que dificultava a atuação dos “coronéis”. Para realizarem as obras mais
necessárias, como estradas e pontes, eram obrigados a recorrer ao governo provincial,
na esperança de que recursos fossem liberados para que os empreendimentos
pudessem ser concretizados e assim demonstrarem seu poder de articulação com o
poder provincial aos que lhes eram fiéis e também aos seus inimigos políticos.119
118 As petições ou requerimentos que as câmaras enviavam ao governo provincial estão exemplificadas durante o texto. É preciso esclarecer que, mesmo que os chefes locais atuassem na sua região, motivados por um governo que não lhes dava muita atenção, eram obrigados a agir dentro de uma ordem estabelecida, imposta por um regimento via de regra elaborado pelos maiorais do Império, posição que não ocupavam. Então, para requererem alguma coisa através das câmaras municipais, viam-se obrigados a aceitar esta “ordem” e cumprir com um cerimonial hierarquizado. Victor Nunes Leal trabalhou com esta premissa, analisando a dinâmica dos municípios brasileiros. Ao que tudo indica, a postura dos chefes locais do Litoral do Norte do RS enquadram-se na análise elaborada pelo autor. Ver: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. O Município e o Regime Representativo no Brasil. 4.ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1978. 119 Cf. LAMOUNIER, op. cit. (p.279 e 284). No que tange ao Litoral Norte do RS, as lideranças políticas também recorriam aos recursos oriundos do governo provincial. Interessante notar que nem sempre estas lideranças eram compostas de nacionais. Nos anos de 1878/79, Adolpho Felippe Voges assina um contrato com o governo para realizar “melhoramentos da serra denominada ‘Chico Pinto’ no município de Conceição do Arroio.” Segundo os relatórios dos presidentes da província, Adolpho Voges concluiu a obra e recebeu os 4:000$000, que haviam sido previamente acertados pela execução dos melhoramentos na “estrada de cargueiros.” Esta referência, além de demonstrar a articulação dos chefes locais com o governo provincial, desperta-nos para o envolvimento de colonos alemães nos campos político (por contratar um serviço com o governo provincial) e econômico (por ter recursos suficientes para realizar tal obra). AHRS – Documentação dos Governantes – Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.15 – Relatório do presidente da província Felisberto Pereira da Silva – 1879; A7.16 – Fala
91
Dando continuidade à análise que vínhamos desenvolvendo, um relatório de
1859 acrescenta, em relação a São Pedro de Alcântara, que: “tem em uma linha de
norte a sul vinte e oito colônias. O resto da população colonial está disseminada pelo
distrito.”120 Consideramos este detalhe relevante, pois nos remete para a dinamicidade
daquele espaço, uma vez que os colonos não se limitaram aos seus lotes de terra e
nem a cumprir com o acordo inicial estabelecido com a província, ou seja, plantar e
produzir alimentos. Muito mais do que isso, as necessidades reais do dia-a-dia fizeram
com que eles se movessem, trocassem, vendessem ou arrendassem os seus lotes,
num total “desrespeito” ao que haviam acordado com o governo. Revela-se, então, uma
inadaptação do projeto de instalação das colônias à região, um desapego à tarefa
agrícola, um descontentamento com o modo de vida, fatores que devem ser levados
em consideração quando se fala de formação de núcleos populacionais desta ordem.
A inviabilidade comercial da agricultura e a falta de expectativa por parte dos
imigrantes e seus descendentes deram origem a diversas situações. Uma das mais
freqüentes consistia em o colono abandonar a terra, a qual, em seguida, era apropriada
por um parente ou vizinho. Normalmente, esta prática não possuía qualquer controle
legal, tornando-se, de fato, este novo “proprietário” o possuidor daquele terreno que
ficara vago. Isso sem falar, como já dissemos, nas trocas, vendas e arrendamentos.
do presidente da província Felisberto Pereira da Silva – 1879; A7.16 – Relatório do presidente da província Carlos Thompson Flores – 1880; A7.17 – Fala do 2º vice-presidente da província Joaquim Pedro Soares – 1881.
92
Muitas vezes, o desespero dos mais fracos promovia os mais fortes. Neste mesmo ano
de 1859, o governo encomenda um relatório121 a fim de inteirar-se sobre algumas
invasões que estavam ocorrendo junto a São Pedro de Alcântara. Uma das dúvidas do
governo referia-se aos títulos de posse, pois alguns moradores negavam-se a mostrá-
los, indicando, segundo o relator, que aquelas terras deviam ter uma origem
questionável.122
O mesmo relatório prossegue apontando erros que datam do início da
colonização, isto é, 1826. Conforme o relator, inúmeras medições não foram realizadas
ou, se ocorreram, não estavam corretas. Além disso, como os limites não haviam sido
firmemente estabelecidos, as terras de uns avançavam sobre as dos outros, gerando
discussões, intrigas e um número ilimitado de controvérsias.123 O avanço sobre terras
devolutas também é referido neste relatório, acusando pilotos e agrimensores de terem
beneficiado ricos proprietários, ampliando suas propriedades.
Sobre a ampliação dessas propriedades, o relator refere-se, nominalmente, a
José Raupp, comerciante e proprietário de terras na colônia das Torres. Ele o acusa de
120 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Relatório do Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. (grifos nossos). 121 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Rela tório do Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. 122 URICOECHEA destaca esta mesma dificuldade em outras regiões do Brasil. O governo não tinha condições de obstruir a invasão de terras públicas, que eram tomadas sem nenhum controle legal. Ver: URICOECHEA, op. cit. (1978a; p.268).
93
avançar sobre terras do governo, aproveitando-se do seu poder e influência para
aumentar ainda mais a sua riqueza. O guia que conduziu o relator a uma das posses de
José Raupp narra como em anos anteriores ele mesmo trabalhou na limpeza destas
terras:
“Foi neste lugar... que em dezembro de 1851, eu vim com outros camaradas trabalhar no mato virgem por conta de Juca Rapp [José Raupp], que nos conduzia ao trabalho, e aqui nas margens deste arroio, derrubamos pouco mais ou menos vinte e cinco braças quadradas de matos, como vedes, para alargar uma outra derrubada mais antiga, feita por um quilombo de escravos, que os caçadores desalojaram em 1848 ou 49.” 124
Como vemos, as acusações contra José Raupp agigantavam-se à medida que o
relator expunha as atividades do comerciante sobre o acesso às terras devolutas, que
tomava para si com o objetivo de “vende-las por bom preço”. Em contrapartida, o relator
informa sobre a grande maioria dos imigrantes, dizendo que:
“Bom número de famílias de origem alemã, hoje carregada de filhos vivendo com grandes necessidades sobre uma parte da herança, já muito subdividida, famílias cuja desgraçada posição reclama todo interesse paternal de V. Exça. e estou certo que tanto os mais pobres como os mais necessitados não se acham na lista de Juca Rapp.” 125
123 Sobre os conflitos oriundos da disputa pela terra, ver: WITT, Marcos Antonio. A Questão da Terra no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. São Leopoldo, 2000. Monografia [Identidade e Integração na América Latina Independente II]. Programa de Pós-Graduação em História - UNISINOS, 2000a. 124 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Relatório do Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. 125 AHRS – Documentação dos Governantes - Relatórios e Falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Relatório do Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859.
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Todavia o relator não se limitou a expor somente a péssima condição de vida da
maioria dos colonos, mas também a dos nacionais, acrescentando que havia, entre
Conceição do Arroio e Torres, duzentas famílias brasileiras vivendo em situação
precária, sendo que nem sempre conseguiam produzir farinha suficiente para
sobreviver. Ao descrever como viviam estes nacionais, o relator abre-nos uma pequena,
mas importantíssima lacuna, para pensarmos sobre um personagem pouco trabalhado
na historiografia que estuda o Litoral Norte do RS: o homem livre pobre brasileiro.126
Adentramos, assim, num incipiente estudo sobre o homem livre pobre do litoral.
Contudo sua análise não está desvinculada do nosso tema maior, porque ele integra o
rol dos habitantes do espaço em discussão. Os textos de Antonio Candido,127 Maria
Sylvia de Carvalho Franco,128 Francisco Carlos Teixeira da Silva 129 e Luís Augusto
126 A presença do homem livre pobre no litoral sul do Brasil pode ser detectada, de maneira mais intensa, a partir do século XVIII, quando algumas áreas começaram a ser ocupadas para a “pecuária”, como os campos de Tramandaí. SAUL, op. cit. faz a seguinte análise sobre o homem livre pobre brasileiro: “A agricultura de subsistência jamais chegaria a desenvolver-se suficientemente para atender às necessidades de alimentação dos grupos não vinculados diretamente às grandes plantações e a fome seria a marca permanente dos despossuídos. Além disso, esse processo de exploração econômica determinaria a inexistência de uma classe de pequenos e médios proprietários nessas regiões. Essa classe de produtores para o mercado interno foi sendo empurrada para zonas mais afastadas do interior do país, expulsa de suas terras pela violência do latifundiário e pelo avanço dos cultivos privilegiados.” (p.10). 127 CANDIDO, Antonio. Os Parceiros do Rio Bonito. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1964. 128 FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. 3.ed. São Paulo: Kairós, 1983. 129 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Pecuária e Formação do Mercado Interno no Brasil-Colônia. In.: REICHEL, Heloisa Jochims & GUTFREIND, Ieda (Orgs.). América Platina e Historiografia. São Leopoldo: UNISINOS, 1996. (p.21-59).
95
Ebling Farinatti130 constituem-se em estudos profundos sobre este personagem. O
primeiro analisa o caipira, que é o homem livre pobre “paulista”. O autor tem como
metodologia de trabalho selecionar, aprofundar e, por fim, apresentar o seu tipo
humano para, a partir deste exercício, analisar a sociedade “paulista”, mais
especificamente a do interior, chamada de caipira. Sua visão não é generalizante,
laudatória ou engrandecedora. Ao contrário, parte do detalhe para revelar um mundo
extremamente dinâmico onde reside este tipo esquecido, envolto numa trama de
violência, subordinação e sobrevivência.
Franco, por sua vez, contempla o homem livre dentro de uma ordem
estabelecida, isto é, a escravocrata. O título do seu livro pode sugerir, erroneamente,
que a autora analisa a escravidão. No entanto, pelo conteúdo da sua obra, percebe-se
que o objeto de estudo é o homem livre, também pobre, que tangencia a sociedade dos
proprietários. Elucidativa é a explicação que a autora proporciona na introdução do seu
texto:
“A pesquisa refere-se à velha civilização do café que, no século XIX, floresceu nas áreas do Rio de Janeiro e de São Paulo pertencentes à região do Vale do Paraíba... A documentação coligida ora se refere a
130 FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Sobre as Cinzas da Mata Virgem: Lavradores Nacionais na Província do Rio Grande do Sul (Santa Maria, 1845-1880). Porto Alegre, 1999. Dissertação [Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 1999.
96
esses limites, ora diz respeito à sociedade brasileira como um todo, ora circunscreve-se à cidade de Guaratinguetá e vizinhanças...”.131
O terceiro autor referido, embora analise a atuação do vaqueiro, o homem livre
pobre do Nordeste, no final do século XVII, deve ser incluído a este texto. O seu
trabalho é relevante, pois tem a capacidade de demonstrar a outra face da relação
estabelecida entre os grandes proprietários de terra e os que perambulavam pelas
fazendas. Incluí-lo significa, obrigatoriamente, realizar um esforço para vislumbrarmos
um todo maior, que abarque o homem livre pobre pelo tempo e espaço no Brasil.
Por último, Farinatti tratou de analisar o lavrador nacional no Rio Grande do Sul,
mais precisamente na região que hoje compreende a cidade de Santa Maria. O autor
optou por um espaço que está no limite de duas realidades distintas, mas que se
integram: os campos, com os latifúndios, e as pequenas propriedades, próximas às
áreas florestais. No seu trabalho, Farinatti demonstra o intercâmbio entre estes dois
mundos, relativizando a atuação do estancieiro. Para o autor, o lavrador nacional
confinado à sua pequena extensão territorial participou ativamente da sociedade
gaúcha, principalmente no que se refere à produção e ao fornecimento de gêneros
alimentícios para os pequenos povoados, os quais, posteriormente, tornaram-se
municípios.
131 FRANCO, op. cit. (p.16).
97
Como síntese, entendemos que o homem livre pobre brasileiro, personagem que
também encontramos no Litoral Norte do RS, constituiu-se como um grupo atuante na
dinâmica social e integrou-se ao sistema político da época. Não esteve inteiramente
fora da sociedade litorânea, sendo cooptado pelos chefes locais quando havia
necessidade. No entanto não serviram apenas de “massa de manobra”, souberam dizer
não ou reivindicar quando sentiam-se prejudicados. Durante o trabalho, apresentamos
situações que demonstram a inserção deste grupo no cotidiano do litoral. Desse modo,
realizamos uma dupla tarefa: dialogar com a historiografia, com o intuito de conhecer
quem já trabalhou com temas ou situações semelhantes, e ampliar o nosso olhar em
relação ao espaço sobre o qual nos debruçamos, constatando que, consideradas as
particularidades regionais, o mesmo homem livre pobre perambula tanto pelo Sertão
Nordestino, São Paulo, Rio de Janeiro como pelo Rio Grande do Sul.
Dizíamos acima que faríamos um recorte para analisarmos o homem livre pobre
do litoral. Após uma breve consulta a quatro obras que selecionaram este mesmo
objeto para estudo, faz-se necessário observar como este homem relacionava-se com a
política. Cabe aqui um esclarecimento: não o indivíduo, mas ele e sua família, vizinhos
próximos e distantes, enfim, pessoas de sua relação. Retornaremos, igualmente, à
relação nacional-colono, ponto central deste estudo.
Para tanto, examinaremos, a partir de agora, as respostas dos litorâneos ao
tratamento dispensado pelo governo em relação a eles. Este posicionamento
encontramos, principalmente, na correspondência das câmaras municipais.
98
Destacamos cinco aspectos que se encontram nesta documentação, assim
denominados: educação, cobrança de impostos, regulamentos internos das câmaras
municipais, produção de gêneros agrícolas e naturalização.
Quanto ao primeiro aspecto, a educação,132 as câmaras municipais, via de regra,
reclamavam da falta de professores, da conseqüente analfabetização e dos males que
isto causava à população. Para exemplificar, em setembro de 1859, a câmara de
Conceição do Arroio informou ao governo provincial que algumas escolas estavam sem
professor, solicitando que fossem enviados substitutos para aquelas vagas. Além disso,
descreveu um episódio em que três menores de Três Forquilhas foram interrogados e
houve a necessidade de intérprete, visto que não falavam a língua portuguesa.133 Isto
demonstra que, em primeiro lugar, havia realmente falta de escolas ou de professores
que pudessem ensinar a língua nacional; segundo, o fato de colonos não falarem outra
língua a não ser um dos dialetos do alemão provocou conflitos entre eles e os
nacionais; e, terceiro, foram estes conflitos que deram margem a que se discutissem,
no futuro, a formação de guetos, a inadaptação ao meio nacional e a posterior
“nacionalização dos estrangeiros”, consolidada por Getúlio Vargas.
132 Sobre a educação nas colônias alemãs do Litoral Norte do RS, ver: ELY, Nilza Huyer. Tietböhl – Uma Família Educando Gerações. In.: ELY, op. cit. (1999e; p.112-125). 133 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1859. A título de exemplo, anexamos o “mapa dos alunos que freqüentam a escola pública da Colônia de São Pedro de Alcântara”, de 1859, em que consta uma série de dados sobre os alunos e o seu aproveitamento em sala de aula. AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1859. (ver anexo 2).
99
O segundo aspecto que destacamos, a cobrança de impostos, está diretamente
relacionado à centralização de recursos por parte da província. Da obtenção destes
dependia a manutenção do governo, a realização de obras públicas e a maior
independência possível do jugo imperial.134 Paulatinamente, a província adotou critérios
de cobrança mais rígidos e eficientes, não medindo esforços para que os seus objetivos
fossem concretizados e os recursos chegassem até a capital.
O esforço da província em melhorar a sua arrecadação não obedecia apenas a
critérios econômicos, mas também a políticos. Ao centralizar os recursos na capital, o
governo provincial tinha como objetivo subordinar as câmaras municipais, esvaziando,
para isto, os seus cofres. Os munícipes não dispunham de outra alternativa a não ser
enquadrar-se na ordem estabelecida e depender dos acordos políticos cujos resultados
normalmente eram impostos pelo presidente da província.
Inevitavelmente, no que se relaciona ao Litoral Norte do RS, encontramos duas
espécies de reclamações. Uma provém do governo, que acusa os litorâneos de não
pagarem os impostos devidos. Esta observação estende-se aos colonos de Três
134 Cf. SAUL, op. cit. “a instauração de um sistema de tributação próprio nas províncias, não raro à revelia das disposições legais existentes, contou com a conivência ou omissão da autoridade imperial, uma vez que essa era uma das formas, contraditória, é verdade, de manter a tranqüilidade em algumas províncias e assegurar a unidade do poder central.” (p.175). Deduz-se, da afirmação do autor, que a tributação não era um assunto apenas da alçada econômica, mas também do setor político. As “boas” relações entre Império e província dependiam, em parte, dos recursos que tramitavam entre o centro do Império e as regiões. Como veremos, a cobrança de impostos e o posterior repasse destes valores aos órgãos competentes, tanto imperiais quanto provinciais, provocavam mais desentendimentos do que conciliações.
100
Forquilhas, pois, em julho de 1861, a câmara de Conceição do Arroio escreve ao
presidente da província solicitando que seja instituído dentro da colônia um agente de
cobranças, o qual ficaria com dez por cento do arrecadado.135 Dessa sugestão,
deduzimos que havia algum tipo de dificuldade em se cobrar os impostos. Infelizmente,
o documento não revela quais eram os motivos que levaram os colonos a burlarem a
lei.
Contudo, ao analisarmos a dinâmica da relação colônia-província, podemos
encontrar algumas respostas que nos auxiliarão no entendimento desta questão. A
colônia das Torres é implantada a partir de 1826, sendo subsidiada pelo governo até
1830. Após o término dos subsídios, os colonos estabelecem mecanismos de
sobrevivência, comercializando basicamente em três direções: com o próprio litoral,
com os Campos de Cima da Serra e com a província de Santa Catarina.136 O contato
direto com estes três universos, distantes da capital Porto Alegre, permitiu um processo
de compra e venda direto, no qual a mão operante do governo pouco se fazia sentir. À
medida que Conceição do Arroio e Torres emancipam-se, as vilas revestem-se de
aparelhos de coerção mais próximos dos colonos, como a câmara, a polícia, os fiscais,
135 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1861. 136 Sobre o contato dos colonos com os nacionais, o pastor Carlos Leopoldo Voges escreveu num relatório de 1855: “A colônia de Três Forquilhas manda os seus produtos, (ilegível), rapadura, açúcar, (ilegível) para diversos mercados como, em Cima da Serra, Vacaria, Lages até Curitiba, para várias paragens de Missões. A colônia das Torres (refere-se a São Pedro de Alcântara) fabrica aguardente e leva seus produtos ao mercado de Porto Alegre.” AHRS – Colonização – Lata 298 – Maço 73 – 1855. Moré também faz referência ao comércio que os colonos do litoral realizavam com os tropeiros de Cima
101
dentre outros. Podemos dizer, então, que, concomitante ao transcorrer da segunda
metade do século XIX, ocorreu a pressão por parte da província para que o dinheiro
arrecadado chegasse até os seus cofres.
Por sua vez, a câmara de Santo Antônio da Patrulha também se manifesta
contra os proprietários de Torres, os quais se negam a pagar o imposto de 12$800 por
engenho ou alambique.137 Pela descrição que fazem, a hostilidade entre aquele que
deveria cobrar e os que deveriam pagar não é pouca, pois afirmam não haver força
policial a cavalo para escoltar o procurador.138 É preciso ressaltar que o manifesto da
câmara patrulhense é de 1854, portanto, antes da emancipação de Conceição do
Arroio. Isso desvela ter havido uma continuidade no processo de sonegação e recusa
dos impostos, perpassando as instalações dos municípios que se desmembraram de
Santo Antônio da Patrulha.
A outra reclamação que encontramos na documentação referente à cobrança de
impostos não foi proferida por órgãos oficiais, mas sim pelos próprios litorâneos,
descontentes com os abusos cometidos. Em 1852, a câmara de Santo Antônio da
Patrulha leva ao conhecimento do vice-presidente da província que os moradores de
da Serra e com a província de Santa Catarina. O autor chega a afirmar que mais de mil mulas trafegavam entre Três Forquilhas e Cima da Serra. Ver: MORÉ, op. cit. (p.202-203). 137 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1854. 138 Cf. GRAHAM, op. cit. este é um problema que ocorre em todo o Brasil. Em sua obra, o autor aponta inúmeros exemplos em que as autoridades reclamam da falta de policiais. Sem uma força adequada, não há como executar as tarefas que cabem a esta instituição. (p.91).
102
Conceição do Arroio, Maquiné e Torres estão sendo prejudicados por uma
determinação provincial.139 Diz esta nova regulamentação que as aguardentes que
chegarem à capital devem estar acompanhadas de uma guia passada pelo coletor das
rendas da vila patrulhense. Considerando a distância que os moradores teriam que
percorrer para obter este documento, a câmara propõe ao governo que estabeleça
agentes nos três lugares referidos a fim de facilitar o transporte da mercadoria para
Porto Alegre.
Apesar de o documento partir de um órgão oficial - a câmara de Santo Antônio
da Patrulha -, o seu conteúdo expressa o descontentamento dos cultivadores e
processadores da cana-de-açúcar, os quais, a partir daquela determinação, teriam mais
um custo no transporte da sua mercadoria para a capital, visto que teriam que se
desviar do caminho para passar pela vila patrulhense.
Dois anos antes, esta mesma câmara levou ao conhecimento do presidente da
província o lamento dos moradores de São Domingos das Torres, que se queixavam do
imposto de 12$800 sobre cada engenho de fabricar aguardente. A câmara ratifica o
lamento dos plantadores e fabricantes, dizendo que: “...é verdade que o dito imposto...
é bastante pesado a maior parte dos moradores deste município, revertendo só em
139 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1852.
103
benefício de alguns que fabricam grandes proporções de aguardente em seus
engenhos.” 140
Analisando a dinâmica da cobrança dos impostos junto aos litorâneos, vemos, de
uma maneira evidente, que duas forças duelam entre si: uma querendo cobrar, e a
outra procurando esquivar-se desta imposição. Considerando o contexto da segunda
metade do século XIX, entendemos que os dois grupos têm razões suficientes para, de
um lado, tentar cobrar e, de outro, não pagar. Foi no interior deste conflito que as
relações estabeleceram-se, moldando uma prática de sonegação respaldada por uma
série de dificuldades em se vender os produtos fabricados. Como exemplo de alguns
obstáculos que prejudicaram o comércio do litoral, podemos citar o peso adicional que o
próprio imposto representava sobre os produtos, a longa distância entre este espaço e
a capital, bem com os caminhos intransitáveis, além de uma prática política que não se
respaldava junto ao governo, não conseguindo obter maiores recursos e/ou benesses
para o Litoral Norte do RS.141
Em relação ao respaldo político dos litorâneos junto ao governo provincial,
constatamos que os políticos do Litoral Norte do RS não conseguiram despontar como
140 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1850. 141 Sobre a atividade política dos litorâneos, ver duas obras indispensáveis: BARROSO, op. cit. (1979) e RAMOS, Eloísa Helena Capovilla da Luz. O Partido Republicano Rio-Grandense e o Poder Local no Litoral Norte do Rio Grande do Sul – 1882/1895. Porto Alegre, 1990. Dissertação [Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 1990.
104
um grupo de pressão que se fizesse representar de maneira impositiva junto à
província. Esta ineficiência política envolve tanto nacionais quanto colonos alemães, os
quais foram incapazes de reivindicar e concretizar grandes projetos no litoral.
O terceiro aspecto que consideramos relevante são os regulamentos internos
das câmaras municipais, normalmente formulados e registrados nas posturas destes
órgãos. Dentre vários, selecionamos um que especifica como e em que tempo a pesca
no rio Mampituba é liberada. A escolha desta normatização poderia indicar uma opção
por algo muito simples ou comum, no entanto, pela documentação pesquisada, a
consideramos importante, principalmente por inserir-se num cenário onde a pesca
constituía-se num componente suplementar à dieta dos moradores locais. O
administrador da colônia das Torres, Tenente Cel. Francisco de Paula Soares, num
relatório de 1830, já apontava para a abundância de peixes naquela região.142 Por
certo, o responsável pela instalação dos colonos em seus lotes agrícolas previu que a
pesca viria a ser uma atividade a mais na vida dos imigrantes.
142 AHRS – Colonização – Lata 298 – Maço 72 –1830. Outros autores também reportaram-se à “indústria” da pesca no rio Mampituba. Bastos informa que tão logo foi fundado o Presídio das Torres, famílias de Santa Catarina mudaram-se para o lado rio-grandense, desenvolvendo a atividade pesqueira. Roquette-Pinto, ao perambular pelo Litoral Norte do RS no início do século XX, fez menção à “indústria” do bagre nas proximidades de Tramandaí. Ver: BASTOS, Manuel E. Fernandes. Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. A Colônia de Três Forquilhas. In.: Revista do Museu Júlio de Castilhos e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial, n.8, p.5-17, 1957 e ROQUETTE-PINTO, Edgard. Relatório da Excursão ao Litoral e à Região das Lagoas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1962.
105
Do regulamento selecionado, optamos por verificar como os colonos aceitaram
esta imposição por parte da câmara municipal. Em 1854, Santo Antônio da Patrulha
manifesta-se contra um colono católico, Antonio Francisco de Emerim, que é chamado
pelo juiz de paz Ricardo Ferreira Porto de “o mentiroso alemão”.143 O crime praticado
pelo colono foi ter infringido as normas que permitiam a pesca no rio Mampituba.
O comportamento desse colono remete-nos ao tipo de alimentação que os
moradores, de um modo geral, tinham em suas mesas. A dieta, formada por farinhas e
complementada por aquilo que conseguiam colher em suas hortas, necessitava de
carne de boi, porco ou galinha, nem sempre disponível em razão do seu alto custo.
Assim, a pesca gratuita e acessível tornava-se uma prática recorrente, oportunizando
ao colono incrementar a sua alimentação.
Este assunto era de uma relevância para a comunidade torrense, tanto que, logo
após a emancipação de Conceição do Arroio, a câmara desta municipalidade
encaminha novo regulamento de pesca no rio Mampituba, em 1861.144 Por um
determinado período, proíbem a pesca, impondo aos infratores primários das normas
estabelecidas a multa de trinta mil réis. Os reincidentes seriam multados pelo dobro do
valor e permaneceriam trinta dias na cadeia.
143 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1854. 144 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1861.
106
O rigor das multas e a possibilidade de prisão atestam o cuidado com que a
câmara tratou este assunto. As punições tinham como objetivo evitar a escassez de
peixes, ocasionada por uma pesca sem controle, principalmente na época das desovas.
Consideramos o exemplo citado rico em detalhes, pois permite -nos vislumbrar que as
relações entre o poder instituído e os moradores nem sempre se davam de forma
submissa por parte daqueles que deveriam obedecer às normas legais e respeitá-las. E
mais, estes elementos apontam para a disputa dos poucos recursos locais, realmente,
para um colono pobre, cuja alimentação era fruto de trabalho pesado, seria difícil
convencê-lo de que não poderia pescar quando bem entendesse. Ainda, no que diz
respeito à historiografia a qual difundiu a idéia de um colono trabalhador e respeitador,
que não se envolvia em situações perturbadoras, o Emerim, de Torres, representando
seus pares, não se enquadra no falso estereótipo que propagaram.
O quarto aspecto destacado, a produção de gêneros agrícolas, é um dos itens
mais importantes que encontramos na documentação.145 O alimento produzido, além de
145 Sobre o tamanho e a diversidade da produção das propriedades agrícolas de Santo Antônio da Patrulha, recomendamos o censo de 1784/85, que se encontra no AHRS. Através daquela compilação de dados, é possível traçar paralelos e comparar o tamanho das propriedades, constatando que os imigrantes alemães não foram os primeiros a plantar em pequena propriedade rural. Como exemplo, destacamos quatro entrevistados do censo: Joaquim Jose de Azevedo, proprietário de um pequeno terreno, comprado a Antonio da Silveira Godal, o qual comprou a Manuel Gonçalves dos Santos, tendo lavoura, 6 gados, 2 bois e 4 cavalos; Manuel Nunes Benfica, proprietário de uma fazenda de 2 ½ léguas de comprido e 1 ½ de largura, comprada ao Cap. Manuel Fernandes Vieira, que a havia comprado ao Ten. Manuel de Abreu conforme sesmaria. Não tem lavoura. Possui 1.000 gados, 50 bois, 40 cavalos, 300 éguas, 20 potros, 30 burros e 4 mulas; Manuel da Costa, proprietário de um sítio, nas terras de Manuel Gonçalves Ribeiro, tendo lavoura, 20 gados (reses e cavalos mansos) e 4 cavalos; e Manuel Dias, proprietário de um sítio de 120 braças de frente e o mesmo de fds. Concedido por despacho do Gov. Veiga em 8/6/1781, tendo lavoura, 20 gados, 2 bois, 3 cavalos. Como referência bibliográfica sobre
107
suprir a casa, era comercializado quando houvesse comprador ou condições para
transportá-lo até um mercado determinado. Em 1862, a câmara de Conceição do Arroio
expede um relatório elencando os diversos gêneros agrícolas produzidos naquele
município. Dos que citaram, apontamos: aguardente de cana, açúcar, rapaduras,
farinha de mandioca, feijão, milho, arroz, trigo, amendoim, cevada e centeio.
Da relação acima, fazemos a seguinte consideração: os gêneros agrícolas são
listados linearmente, o que significa que, aparentemente, não fizeram distinção entre os
produzidos pelos nacionais e os plantados pelos colonos em suas propriedades. Isso
demonstra uma homogeneização da produção agrícola, resultado de um aprendizado
compartilhado. Mariseti Lunckes destacou que, quando os imigrantes chegaram às
Torres, em 1826, havia naquele local uma população de mais ou menos quatrocentas
pessoas.146 Dessa maneira, foram eles que ensinaram aos colonos o que e como
o censo, citamos RÜDIGER, Sebalt. Colonização e Propriedade de Terras no Rio Grande do Sul: Séc. 18. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1965, que destaca a ordenação do Vice Rei para que procedessem o levantamento geral das posses de terras e gados e os dados que deveriam ser coletados junto aos entrevistados e o texto dos historiógrafos do AHRS, MIRANDA, Marcia Eckert e MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Nota Descritiva da Sociedade e da Economia da Freguesia de Santo Antônio da Patrulha – 1785: Santo Antônio, Lombas, Conceição do Arroio e Vacaria. In.: BARROSO, QUADROS & BROCCA, op. cit. (1996; p.165-179). Para efetuarmos uma comparação com as propriedades que os imigrantes receberam do Império, faz-se necessário salientar que as colônias possuíam, em média, 100 braças de frente e 800 a 1.600 de fundos Cf. ELY e BARROSO, op. cit. (1996; p.166-167). Ao estabelecermos as semelhanças e as diferenças, desmistificamos a idéia defendida por uma historiografia que exalta o trabalho alemão, dando a ele características de civilidade. Não sabiam eles que os colonos tiveram que aprender com os nacionais como e o que plantar para sobreviver. Cf. Bastos, “Effectivamente, não foram aquelles caboclos atrevidos que ensinaram a elles, colonos inexperientes, como se botava uma coivara em plena floresta? E quem lhes ministrou os primeiros conhecimentos sobre a plantação da cana? Quem lhes armou as moendas da engenhoca e lhes fez conhecer o ponto da garapa picada para o fabrico da aguardente, e o do melado e o da rapadura?” BASTOS, Fernandes. Noite de Reis. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1935. (p.33). 146 Cf. LUNCKES, op. cit. (1998).
108
plantar. É por isso que, tão logo receberam os seus lotes, cultivaram a cana-de-açúcar
e produziram aguardente e açúcar, hábitos que não lhes eram comuns nas regiões da
Alemanha de onde vieram.
E, por último, o quinto aspecto relaciona-se com a naturalização dos
estrangeiros. Em 1853, a câmara de Santo Antônio da Patrulha escreve ao presidente
da província comunicando que recebeu uma portaria regulamentando a naturalização
dos colonos de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas.147 Curiosamente, há uma
ressalva nesta documentação, alertando que a possibilidade de tornarem-se cidadãos
brasileiros está restrita aos membros daquelas colônias.
Significativa é a demora com que os colonos irão reivindicar este direito, disposto
no decreto n. 397 de 3 de setembro de 1846. A câmara de Conceição do Arroio
responde ao presidente da província, em 1866, comunicando-lhe que somente um
colono, Cornelio Jacob, “declarou querer naturalizar-se”.148 Isso evidencia o quão
moroso foi este processo, reivindicado, em grande escala, somente com a proximidade
147 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras - Lata 156 – Maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1853. 148 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 56 – Conceição do Arroio – 1866. No fundo documental Requerimentos, localizamos a solicitação deste colono, em que expressa seu desejo de naturalizar-se. Neste documento, há uma pequena descrição da sua trajetória de vida: “Cornelio Jacobs, alemão de 47 anos de idade, casado com brasileira, vindo de dez anos de idade para a colônia de São Pedro de Alcântara em companhia de seus pais que vieram como colonos, onde residiu até o ano de 1848 e hoje residente no distrito de Maquiné...”. AHRS – Requerimentos – Naturalização - Maço 112 – 1864. Além deste colono, Henrique André Müller, de Torres, solicitou naturalização em 1874, portanto, dez anos após a de seu comparsa de Maquiné. AHRS – Requerimentos – Naturalização – Maço 183 –1874.
109
da República. Ao contrário, em outras localidades, como Nova Petrópolis, Rio Pardo,
Santa Cruz e Santo Ângelo, a década de 1860 anuncia-se como um dos momentos em
que houve um despertar para a requisição da cidadania por parte dos “estrangeiros”.149
Constatamos, assim, que há uma lacuna entre a década de 1860 até a de 1880,
quando os “estrangeiros” recomeçam a requerer carta de naturalização. É notória a
manifestação de Santo Antônio da Patrulha, em 1887, quando consulta o presidente da
província, perguntando-lhe se tem competência para distribuir cartas de naturalização.
O motivo de tal indagação, segundo a câmara municipal, está no fato de que:
“muitos desses subditos que desejam servir a causa de nossa pátria, pela deficiência de recursos pecuniários, não podem fazer uma viagem deste termo a Porto Alegre, para a requererem.” 150
A consulta da câmara de Santo Antônio da Patrulha é pertinente à medida que
desvela o interesse que a naturalização despertou nos “estrangeiros”. Foi preciso que
transcorresse praticamente toda a segunda metade do século XIX para que,
paulatinamente, as pessoas tomassem conhecimento deste recurso que lhes abriria as
portas da cidadania brasileira.151 Isto nos leva a pensar na divulgação da lei que
149 Deparamo-nos, no AHRS, com um número significativo de solicitações neste período: Requerimentos – Maços 98, 100, 105 e 123. 150 AHRS – Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras – Lata 157 – Maço 230 – Santo Antônio da Patrulha – 1887. 151 Tramontini relativiza a “cidadania” concedida aos estrangeiros, pois, “... para o governo imperial o colono ‘alemão’ é um estrangeiro principalmente quando se trata de afirmar seus direitos políticos, mas é um ‘nacional’ quando é recrutado para as forças imperiais nas campanhas platinas. Enquanto os colonos reafirmam sua diferença como força política para enfrentar pressões e fazer reivindicações, mas se
110
concedia a naturalização aos “estrangeiros”. Os dados empíricos analisados revelam
uma morosidade surpreendente na sua divulgação, o que nos deixa dúvidas sobre a
real intenção do governo em conceder naturalização aos “estrangeiros”.
A documentação analisada demonstrou, de um lado, como as autoridades
provinciais enxergaram o Litoral Norte do RS e, de outro, como as câmaras municipais
expressaram as suas reivindicações e descontentamentos. Do interior dessa relação,
surgiu um mundo onde o conceito de dinâmica pode ser usado para demonstrar como
os grupos envolvidos nesta teia dialogavam. Parece-nos plausível a afirmação de que
os litorâneos não encontraram outra maneira de buscar “socorro” para a resolução dos
seus problemas a não ser através do “choro político”. A tentativa de resolver os
impasses diários envolvia negociações e interesses desiguais, em que forças políticas
eram medidas, representadas pelas figuras do presidente da província e dos chefes
locais. Como já dissemos, estes personagens enquadravam-se numa ordem
estabelecida, regida, também, por uma legislação eleitoral. Como os momentos mais
tensos destas relações ocorriam no tempo das eleições, veremos, em seguida, como
colocam como ‘iguais’ quando falam do direito à posse de terras e de escravos.” (p.240). Ver: TRAMONTINI, Marcos Justo. Diferença Como Isolamento ou Como Demarcação de Espaço Político: Os Primeiros Anos da Colonização. In.: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, PUCRS, n.1, v.XXVI, p.235-246, jul. 2000b. Enumeramos somente os maços de requerimentos de naturalização localizados no AHRS. Por não ser o intuito da pesquisa, não os transcrevemos. Consideramos importante elencá-los a fim de que outros interessados tenham acesso a este material. AHRS – Requerimentos – Naturalização - Maços 206, 231, 232, 243, 244, 254 e 255. Ressalta-se que todos estes requerimentos são da década de 1880.
111
nacionais e colonos alemães comportaram-se frente à legislação eleitoral do século
XIX.
2.2 O Regime Eleitoral no Império
Ao abordarmos o regime eleitoral no Império, defrontamo-nos com os temas
coronelismo, poder local, clientelismo, entre outros. O objetivo deste texto é desvendar
o funcionamento da engrenagem eleitoral para, a partir desta compreensão,
analisarmos como as forças locais relacionaram-se com este mecanismo de coerção
política.
Conforme Maria de Lourdes Janotti, “o autoritarismo local, mais a força eleitoral,
fazem com que já se identifiquem várias atividades tipicamente coronelísticas, nos
inícios do segundo Reinado”.152 Concordamos com a autora, uma vez que a
documentação pesquisada nos arquivos histórico e público do Rio Grande do Sul
152 JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. O Coronelismo: Uma Política de Compromissos. 8.ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. (p.20).
112
demonstrou inúmeras situações em que prevaleceram a ordem e a vontade do chefe
local.153
Podemos agregar ao pensamento de Janotti os trabalhos de Maria Sylvia de
Carvalho Franco e Helga Piccolo. Para a primeira, as relações entre o homem pobre
livre e o fazendeiro são estabelecidas através de um mecanismo denominado
“compadrio”. A autora contempla o período imperial, apontando para uma situação
desigual possível à medida que um é submisso ao outro. Nesse caso, o “afilhado”, que
pode ser um sitiante, recebe favores do seu “padrinho”, este quase sempre um
fazendeiro com posses suficientes para arregimentar um séquito de fiéis colaboradores.
Os préstimos que o subordinado recebe serão devolvidos nas eleições em forma de
voto, expressão máxima da devoção que este tem para com o seu “padrinho”.154
153 Cf. JANOTTI, op. cit. no período regencial as lutas políticas ocorreram em torno do princípio da autonomia provincial e municipal. As diversas revoltas que eclodiram pelo Brasil, neste período, atestam a afirmação da autora e, mais do que isto, inserem o Rio Grande do Sul nesta disputa, tendo como marco principal a Revolução Farroupilha. 154 Consideramos relevante citar um depoimento que FRANCO coletou: “Nas palavras do fazendeiro entrevistado: ‘se os sitiantes da redondeza estavam em dificuldades ou queriam comprar um pedaço de terra, emprestavam dinheiro de meu pai; em compensação esta gente sempre o acompanhava, eram seus eleitores ou seus cabos, pois ele era o chefe conservador da zona.’” Deste depoimento, a autora conclui: “Aí está a extensão da influência do fazendeiro sobre seus sitiantes: a dependência em que estes se encontravam tornava inelutável a fidelidade correspondente. Sua adesão em troca dos benefícios recebidos é tão automática que nem sequer são tomadas medidas que assegurem seu voto...”. (p.80). Destacamos, contudo, que as relações de compadrio estavam inseridas na esfera do poder local, que, por sua vez, se vinculava às eleições. Sobre o comprometimento dos votantes e eleitores com os chefes locais, sobretudo na época das eleições, a comissão de constituição que analisou a reforma eleitoral de 1855 expressou o seguinte: “... porque se atualmente os votantes e eleitores cedem às influências locais, estas, por seu lado, tendo de manter uma certa harmonia com os homens importantes de outras localidades, e mais que tudo da capital da província, visto que só por si não podem fazer a eleição, são por isso mesmo menos imperiosas e desabridas do que hão de ser desde o momento em que, com a divisão da província em distritos eleitorais, tiverem consciência de que
113
Para a segunda autora, que analisa o desenvolvimento dos partidos conservador
e liberal no Rio Grande do Sul, as disputas políticas estavam polarizadas entre estas
duas agremiações, havendo constantes conflitos entre elas, quer em nível “nacional”,
provincial ou local. O desapego e a contrariedade à centralização integravam as
manifestações do partido liberal, o qual desejava um governo mais autônomo para o
Rio Grande do Sul.155
Tanto Janotti como Piccolo remetem-nos às eleições. Especificamente sobre o
regime eleitoral, faz-se necessária uma retrospectiva a fim de visualizarmos as
modificações que foram ocorrendo na legislação. Segundo Rodolpho Telarolli, a
primeira constituição brasileira, de 1824, instituiu o regime das eleições indiretas.
Profundamente limitada era a participação dos brasileiros neste tipo de votação. Em
primeiro lugar, o direito ao voto nas assembléias paroquiais ficava restrito a quem
tivesse renda líquida anual acima de 100$000, nas quais iriam eleger os eleitores.
Estes, por sua vez, deveriam ter renda líquida anual de 200$000 para poderem votar
nos deputados, senadores e membros dos conselhos de província. Em virtude dessa
nas suas mãos está a sorte da eleição do respectivo distrito, e de sua vontade absolutamente depende o resultado dela: a opressão será mais intolerável, e o vexame do povo crescerá na razão da eficácia que adquirirem com a nova ordem de coisas essas influências locais, tão pouco ilustradas, como eram dantes; porém agora mais violentas, porque sacodem o jugo das reservas e contemplações que a necessidade do apoio de influências estranhas ao seu círculo lhes impunha.” (p.221-222). Ver: FRANCO, op. cit. e PINTO, op. cit. 155 Cf. PICCOLO, op. cit. (1974) & PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. O Sistema Político Imperial e a Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. In.: Anais do III Simpósio da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978. (p.141-152).
114
exigência, a participação se restringia aos que dispunham de renda, consolidando-os
num grupo seleto.156
Em relação à participação dos imigrantes nesse tipo de eleição, Piccolo
esclarece-nos que, pela lei, os estrangeiros naturalizados poderiam exercer este direito
junto às câmaras municipais. Entretanto, pela restrição do valor da renda líquida anual
apontada acima, a grande maioria dos colonos acabava não tendo acesso ao maior e
melhor recurso em que poderia apresentar suas reclamações e descontentamentos.
Sobre este fato, Piccolo afirma que:
“As eleições pelo texto da Carta, [de 1824] eram indiretas (art. 90), tendo voto nas eleições primárias (art. 91) os cidadãos brasileiros que estivessem no gozo de seus direitos políticos e os estrangeiros naturalizados. Mas a participação política dos imigrantes, no momento em que fossem cidadãos brasileiros, portanto, naturalizados, ainda assim seria bastante limitada por causa da renda”. 157
Por sua vez, os imigrantes que, extraordinariamente, conseguiam transcender a
limitação da renda tinham uma alternativa para manifestarem-se. Ainda, conforme
Piccolo, todos os votantes nas assembléias paroquiais poderiam ser eleitos para
vereadores, tendo como condição para isso residirem, no mínimo, há dois anos no
156 Cf. TELAROLLI, Rodolpho. Eleições e Fraudes Eleitorais na República Velha. São Paulo: Brasiliense, 1982. (p.12). 157 PICCOLO, op. cit. (1978; p.143).
115
termo. Dessa forma, “estrangeiros naturalizados brasileiros e acatólicos tinham
possibilidades de participação a nível municipal, onde as eleições eram diretas.” 158
Após 1824, o Império realizou algumas adequações no regime eleitoral, visando
manter a centralização e garantir, assim, o poder sobre as províncias. Em 1840, o
governo central, através da lei de Interpretação do Ato Adicional, ampliou sua jurisdição
sobre os municípios. Uma das medidas adotadas foi cercear o poder do juiz de paz,
encarregando novos funcionários para funções que anteriormente estavam atribuídas a
este “funcionário da confiança dos senhores locais”.159 Sendo assim, parece-nos
evidente a idéia de que, na segunda metade do século XIX, o Império tentou estender a
sua autoridade, impondo às províncias uma série de leis que tentavam regular e
restringir a atuação dos chefes locais, principalmente os de maior envergadura.160
De 1840 a 1881, houve uma série de leis que trouxeram novos aspectos às
eleições, no entanto nenhuma delas foi tão significativa quanto as que ocorreram na
década de 1880. À medida que os debates pró-república aumentavam, fazendo-se
ouvir por todo o Império vozes que cantavam o seu descontentamento com a
monarquia, o governo central teve que afrouxar as rédeas do poder e conceder
algumas benesses na forma de lei. Estas concessões alcançaram o regime eleitoral e,
158 PICCOLO, op. cit. (1978; p.144). 159 JANOTTI, op. cit. (p.22).
116
em 1881, a lei n. 3.029 conquistou, definitivamente, o seu lugar. Do que foi expresso na
lei Saraiva, o mais importante é a institucionalização das eleições diretas, o que,
teoricamente, deveria ter permitido que inúmeros não-votantes pudessem exercer o
direito de comparecer às urnas. Todavia a referida lei ampliou para todos os eleitores a
renda líquida anual de 200$000 como um dos requisitos para a participação nas
eleições, o que continuava marginalizando a maior parte da população.
Richard Graham foi um dos que analisou a lei Saraiva e concluiu que havia se
tornado um aparelho jurídico e eleitoral discriminador, pois não aumentou o número de
votantes. Ao contrário, reduziu os eleitores a um grupo seleto, marginalizando os
menos favorecidos que não conseguiam comprovar a renda líquida de 200$000.
Segundo o autor, a lei foi criada, justamente, para excluir a “massa” do processo
eleitoral. O motivo que teria levado os grupos dominantes a optarem por uma nova
legislação foi o medo ocasionado por uma iminente libertação dos escravos. Os
escravocratas não acreditavam que recém libertos e analfabetos poderiam escolher os
seus governantes. No entendimento daqueles homens, além do perigo de uma revolta
social, seria demasiado arriscado permitir que “o povo” escolhesse os futuros dirigentes
e legisladores do Brasil. O voto poderia ser destinado às pessoas erradas, que, sob a
sedução do poder, correriam o risco de inverter a ordem social, isto é, retirar os
160 Cf. GRAHAM, op. cit. (p.79), a reforma do Código Penal, em 1841, trouxe mudanças significativas para a atuação dos juízes: adicionou poderes aos de direito e transferiu parte do poder dos juízes de paz para os delegados e subdelegados.
117
privilégios dos ricos e poderosos e distribuí-los aos pobres. Nas palavras do próprio
autor:
“A lei eleitoral de 1881 reduziu o número daqueles que votavam de um milhão para cerca de 150 mil pessoas, ainda que curiosa – e sintomaticamente – essa lei tenha sido mal interpretada, na época e mais tarde, como uma medida democrática, aclamada como uma grande vitória do esclarecimento e da liberdade.” 161
Herbert Klein também concluiu que houve um decréscimo no número de
eleitores, afirmando que:
“Apesar de Joseph L. Love (1970) haver argumentado que os eleitores pós-1881 eram iguais em número aos eleitores diretos pré-1881, isso é provavelmente um exagero, dada a eliminação dos analfabetos e as definições muito mais restritivas de propriedade. Pelos meus cálculos, os eleitores de segundo grau formavam 4% da população total antes de 1881, enquanto Love admite, mais tarde, que esse índice era menos de 1% da população total.” 162
E quanto aos imigrantes, o que esta lei trouxe de novidades? Piccolo responde-nos, acrescentando que:
“Em 1881, uma lei geral, teve para o elemento de origem estrangeira um grande significado. A reforma eleitoral consagrada na Lei Saraiva, outorgou aos acatólicos e naturalizados (e também libertos) uma ampla igualdade política. A todos os teuto-brasileiros ficou assegurada a possibilidade de se elegerem senadores e deputados e foram-lhes abertas as portas para altos cargos na administração civil e militar. A
161 GRAHAM, op. cit. (p.242). 162 KLEIN, op. cit. (p.542).
118
conquista desta igualdade política fora um dos objetivos de von Koseritz e Silveira Martins.” 163
Como vemos, a lei Saraiva teve para o imigrante uma importância significativa,
permitindo-lhe exercer um dos direitos que há muito tempo reclamava. A garantia deste
direito culminou com a eleição de cinco deputados teuto-brasileiros para o legislativo
gaúcho, ainda no Império.164 A imediata adesão à política demonstra o grau de
ansiedade deste grupo em exercer e ocupar o seu lugar junto aos demais setores da
sociedade rio-grandense. Isso reforça o fato de haver uma articulação política entre os
imigrantes e seus descendentes, mesmo que a maior parte deles não pudesse exercer,
na prática, o ato de serem votantes e votados para a assembléia legislativa provincial.
Com a proclamação da república, em 1889, foi instituído o sufrágio universal,
eliminando, praticamente, todas as restrições que impediam o acesso ao voto. No
entanto as mulheres e os analfabetos ainda foram excluídos, não sendo, portanto, o
sufrágio tão universal quanto parecia. Este alargamento da participação eleitoral
permitiu e exigiu que se criasse uma gama maior de votantes, o que possibilitou aos
coronéis um aumento na prática da cooptação na forma de necessidade, uma vez que
alguém precisava guiar e controlar a “massa” de eleitores na hora da votação. Assim,
quanto maior o número de votantes, maior a chance dos coronéis de terem o seu poder
163 PICCOLO, op. cit. (1978; p.150). 164 Cf. MOTTER, op. cit. (1999).
119
aumentado naquela região.165 Este foi um dos elementos que permitiu aos coronéis se
destacarem a partir da República, transformando-se em personagens centrais quando o
assunto era eleição.
Com a consolidação do poder coronelístico, as eleições passaram a ser alvo de
importantes disputas locais, em que as fraudes institucionalizaram-se de tal forma que
fraudar tornou-se um dos componentes essenciais para a garantia da vitória. Essa
prática já era recorrente no Império. Em 1860, a câmara municipal de Conceição do
Arroio escreve ao presidente da província relatando as inúmeras irregularidades
praticadas nas eleições paroquiais de São Domingos das Torres, sendo que a mais
grave, com certeza, diz respeito à atitude do Tenente Cel. Comandante do Corpo da
Guarda Nacional, Joaquim Antonio de Souza Netto, que:
“estabelecendo o quartel de seu comando em frente a igreja matriz daquela freguesia e por seus oficiais subalternos e inferiores fez vir no dia 7 a sua presença todos os guardas com os seus ascendentes para lhe entregarem as cédulas que traziam e receberem outras de sua mão caçando por esta forma a liberdade do voto...”.166
Desse episódio, destacamos dois aspectos principais: o primeiro diz respeito ao
poder exercido pelo Tenente Cel. Joaquim Antonio de Souza Netto, comandante do
165 Isto deve-se ao fato de que o Coronel era o articulador dos votos, o mediador entre o governo provincial e os votantes. Ver: FRANCO Apud TRINDADE, Hélgio. Aspectos Políticos do Sistema Partidário Republicano Rio Grandense (1882-1937). In.: DACANAL, José Hildebrando & GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. (p.119-191). (p.124). 166 AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 114 – Maço 55 – Conceição do Arroio – 1860.
120
Corpo da Guarda Nacional. Ao estabelecer sua tropa em frente à igreja, demonstrou a
sua força e determinou de que forma ocorreria aquela votação. Inúmeras situações já
demonstraram que, quando um homem recebia um título da Guarda Nacional, isto lhe
conferia uma aura de poder, usada, normalmente, em seu próprio benefício ou para
garantir a vitória do seu partido. O texto de Uricoechea responde suficientemente às
nossas indagações a este respeito, constituindo-se num dos melhores trabalhos sobre
a Guarda Nacional. Para o autor, no período do pós-guerra, isto é, após 1865/70, a
Guarda Nacional passa a ter outra função, ou uma a mais: garantir a vitória nas
eleições do partido que está no poder, mesmo que para isto o Comandante da Guarda
Nacional, revestido do seu poder, tenha que abusar da sua autoridade, corrompendo o
sistema eleitoral. O caso que apresentamos, mesmo tendo ocorrido em 1860, corrobora
a afirmação do autor. Lamounier, ao tratar de assunto semelhante, faz a seguinte
colocação: “... sob o império, a máquina policial esteve sempre dominada pelo espírito
partidário.” 167 Outro recurso utilizado pelos que detinham algum título desta corporação
era o de defender-se de algum crime praticado, caso que exemplificamos com o
assassinato do juiz municipal de Santo Antônio da Patrulha, Antonio de Pádua Hollanda
Cavalcanti, ocorrido em Lagoa Vermelha, no ano de 1870. Ora, o principal suspeito era
Capitão da Guarda Nacional, título este que lhe serviu para intimidar a polícia local.
Curiosamente, o seu amigo e compadre, Athanasio José D’Oliveira, que emprestou os
167 Cf. URICOECHEA, op. cit. (1978a; p.248, 245-247) e LAMOUNIER, op. cit. (p.286).
121
cavalos para os assassinos executarem o crime, denuncia-o por temer que a culpa
recaia sobre si, visto que não possuía nenhuma espécie de título.168
O segundo aspecto que destacamos, relacionado à fraude em São Domingos
das Torres, remete-nos ao próprio ato de fraudar, o qual, como já dissemos, era um
exercício integrante do processo eleitoral.169 A distância geográfica que havia entre a
sede da vila e os povoados, a mão inoperante e tendenciosa da justiça e uma força
policial minúscula e manipulada contribuíam para que os chefes locais determinassem o
andamento dos trabalhos, sobretudo quando estes relacionavam-se com as eleições.
Não caberia aqui elencar todos os documentos os quais localizamos nos arquivos já
referidos, que poderiam indicar a presença destes mecanismos do poder, normalmente
mais vitais e operantes do que as determinações que provinham do Império ou da
província. Todavia permitimo-nos afirmar que o cotidiano daquelas pessoas estava
muito mais próximo da vontade do líder local do que das determinações do Imperador
ou do presidente da província apesar de o chefe local articular-se com o poder
instituído.
168 AHRS – Polícia – Maço 32 – Santo Antônio da Patrulha – 1870. Sobre este mesmo fato, ver: BRANCO, Pércio de Moraes & WITT, Marcos Antonio. Novas Contribuições Acerca do Assassinato do Juiz Antônio de Pádua Hollanda Cavalcanti. In.: XI Encontro dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha : Raízes de Canela, 20 a 24 de maio 2000, Canela. (No prelo). 169 Cf. GRAHAM, op. cit. as fraudes constituíram-se num exercício integrante das eleições. No capítulo “O Poder de Coagir”, o autor demonstra inúmeras situações que ocorreram por todo o Brasil. Na maioria delas, a eleição estava sob o comando do chefe local mais poderoso, envolta numa disputa entre duas facções, ou mais, que desejavam ardentemente tomar o poder. (p.120-130). Além das fraudes, a violência integrava o processo eleitoral de tal modo que raramente se questionava o seu uso, pois amb os
122
Interessante observar que os mecanismos fraudulentos, usados nas eleições
para a garantia da vitória, não são exclusivos do Rio Grande do Sul. Franco apresenta
dois exemplos em que a câmara de Guaratinguetá, SP, em 1856, descreve duas
situações fraudulentas. Na primeira, uma urna desapareceu e, na segunda, denuncia a
ação das “autoridades oficiais e oficiais da Guarda Nacional”, que estão coagindo o
voto livre.170 A citação destes dois casos demonstra que havia uma prática em relação
às eleições, em que o grupo mais forte, quando lhe era possível, usava de qualquer
artimanha para eleger o seu candidato ou confirmar a supremacia do seu partido.
Retomemos, agora, a análise da inserção dos imigrantes dentro deste debate.
Pela legislação eleitoral, os acatólicos foram alijados teoricamente do sistema eleitoral
até a promulgação da lei Saraiva, em 1881; os católicos já poderiam exercer o seu
direito desde que tivessem se naturalizado. Porém, como demonstrou Piccolo, a maior
parte dos imigrantes estava confinada à marginalidade em função da renda
estabelecida para a participação nas urnas. Analisando o comportamento deste grupo
junto aos nacionais do Litoral Norte do RS, verificamos que, embora fossem tolhidos do
direito de votar, exerceram, sim, uma prática política, dinamizada, basicamente, de
duas formas.
os lados valiam-se deste “recurso” para garantir a vitória do seu partido. Como diz o autor: “A violência – de um lado ou do outro, real ou apenas como ameaça – não ia contra o processo eleitoral, mas constituía parte essencial dele.” (p.166). 170 FRANCO, op. cit. (p.81).
123
Os colonos que conseguiram se destacar, dentre os quais os Voges e os Raupp,
citando somente dois casos para exemplificar, mantiveram-se interligados com os
nacionais que efetivamente exerciam a prática política. O Major Adolpho Felippe Voges
era chefe do partido liberal em Três Forquilhas, comunicando-se com os líderes de
Cima da Serra, Torres, Conceição do Arroio e Santo Antônio da Patrulha. Os Raupp,
talvez a família de imigrantes mais abastada de Torres, logo no início embrenharam-se
na política, ocupando diversos cargos desde a emancipação de Torres em 1878.
Por outro lado, temos que lembrar da maioria dos colonos que não conseguiram
um lugar de destaque no cenário litorâneo, permanecendo na dependência de um
favor, solicitado quando necessário, a um “colega” exponencial. Com isso, queremos
dizer que havia um sistema de representação entre os colonos, certamente não escrito,
mas exercido no dia-a-dia, quando a necessidade obrigasse um contato entre aquele
que mal sabia expressar-se em português e o outro, capaz de resolver o problema do
seu par. Vislumbramos, neste tipo de relação, uma troca constante, caracterizada pela
responsabilidade recíproca, ou seja, a parte beneficiada com a realização de um favor
ficava compromissada com quem havia resolvido o assunto pendente.
Podemos deduzir, então, que a imbricação entre os colonos exponenciais e a
grande maioria que havia permanecido sem conquistar um lugar de destaque
funcionava como uma engrenagem de representação e, ao mesmo tempo, de
subordinação, em que um dependia do outro para manter-se na sociedade da época,
sendo que isso se constituía na base da força do chefe local. Da mesma forma, os
124
nacionais e os colonos, através das relações estabelecidas ao longo dos anos, levados
por uma situação econômica e política que os impulsionava ao entendimento para
resolverem os seus problemas básicos, como estradas, transportes, pagamento de
impostos, entre outros, participaram ativamente deste mundo dinâmico, que vimos
demonstrando até este momento.
Vislumbramos, com este subcapítulo, o funcionamento da engrenagem eleitoral
no Império. O enfrentamento entre as forças locais e o desejo da centralização por
parte da política imperial marcaram essencialmente as últimas duas décadas do
Império. Mesmo que tenha sido um período atribulado, em que se discutiram questões
vitais como o fim da escravidão e os ajustes necessários na legislação eleitoral para
que a “grande massa” não dispusesse de direitos plenos, capazes de reverter a ordem
social, algumas concessões foram feitas, como a lei Saraiva. Concordamos
parcialmente com Piccolo quando afirma que a participação dos colonos na política
teria sido restrita devido, principalmente, ao alto valor da renda líquida anual, imposta a
quem quisesse se manifestar nos pleitos eleitorais, uma vez que os dados empíricos
(que serão trabalhados no capítulo 3) denunciaram uma prática política em nível
municipal significativa entre os colonos alemães do Litoral Norte do RS. De imediato,
passaremos a analisar a historiografia que abordou o poder local no Brasil e no Rio
Grande do Sul, verificando como as diversas correntes da história política dialogam
entre si.
125
2.3 O Poder Local na Historiografia
Conforme o que expomos na introdução deste trabalho, abordaremos em
subcapítulo separado a historiografia que estuda o poder local com o intuito de
aprofundar o debate em torno deste tema. Esta análise não estaria completa se não a
enfocássemos no tempo do Império e da República, uma vez que estes “tempos” se
complementam. Para tanto, optamos por autores que têm se debruçado sobre a
política, explorando suas tendências e posicionamentos.
Em termos de Brasil e Rio Grande do Sul, diversos autores têm contemplado o
tema política em suas obras.171 No que se refere ao Litoral Norte do RS, percebemos
uma carência de trabalhos, havendo uma lacuna historiográfica a ser preenchida,
especialmente sobre as relações estabelecidas entre os nacionais e os colonos
alemães.
A carência historiográfica sobre a política no Litoral Norte do RS pode ser
entendida se considerarmos as especificidades da região. Como contraponto à posição
geo-política do litoral, impõem-se Porto Alegre, capital e centro político da província,
171 Como bibliografia básica, podemos citar: CARVALHO, José Murilo de. Teatro de Sombras: A Política Imperial. São Paulo: Vértice, Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988; LOVE, op. cit. (1975); LOVE, Joseph L. O Rio Grande do Sul como Fator de Instabilidade na República Velha. In.: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. Estrutura de Poder e Economia (1889-1930). 4.ed. Tomo III. São Paulo: DIFEL, 1985. (p.99-122); MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: HUCITEC; Brasília: INL, 1987 e URICOECHEA, op. cit. (1978a).
126
além de pólo exportador e importador, e os grandes políticos que tinham sua origem na
Campanha, onde estavam as extensas propriedades territoriais. O litoral, por sua vez,
não se impôs politicamente, o que lhe valeu, inclusive na historiografia, um “certo
esquecimento”. Foi a partir da década de 1990 que houve um retorno à história política
do Litoral Norte do RS, retorno este impulsionado, talvez, pelos Encontros dos
Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, dos quais já falamos, e pela
implementação dos Programas de Pós-Graduação de algumas universidades no Rio
Grande do Sul.
Este estudo contempla um período em que a política no Rio Grande do Sul
encaminha-se para o extremo do acirramento partidário entre conservadores e liberais e
a consolidação do Partido Republicano Riograndense, que, após tomar o poder, sob o
comando de Júlio de Castilhos, permanecerá governando praticamente até 1930. Com
isso, todas as estruturas político-partidárias estarão envolvidas, a partir das últimas
décadas do século XIX, numa disputa exacerbada, a qual resultará na Revolução
Federalista.172 O jogo de forças, inicialmente, entre conservadores e liberais e, mais
tarde, entre federalistas e republicanos, promoverá uma das guerras mais sangrentas
172 Usamos o termo Revolução cf. FÉLIX: “... uso da palavra revolução: uma categoria totalizadora utilizada para denominar o ocorrido política e militarmente que, enquanto revolução militar, não ocorrera. A Revolução Federalista de 1893 foi uma demonstração clara de guerra de guerrilha, de assaltos.” (p.179). Ver: FÉLIX, Loiva Otero. Imprensa, Revolução e Discurso: A Construção de Categorias. In.: RAMBO, Arthur Blásio & FÉLIX, Loiva Otero (Orgs.). A Revolução Federalista e os Teuto-Brasileiros. São Leopoldo: UNISINOS; Porto Alegre: UFRGS, 1995c. (p.179-185).
127
que o Rio Grande do Sul já presenciou, caracterizada pelos antagonismos e violência
desmedida.
Os colonos não estiveram passivos frente a estes acontecimentos, envolvendo-
se, de forma direta ou indireta, neste processo de lutas e afirmações partidárias.173 Nas
colônias alemãs do Litoral Norte do RS, especialmente entre os evangélicos, pois
praticamente não temos estudos consistentes referentes aos católicos, a oscilação
entre conservadores e liberais e, posteriormente, entre federalistas e republicanos se
fará representar por inúmeras lideranças, as quais chamamos de “líderes locais” ou
“chefes locais”.
Para embrenharmo-nos neste assunto tão polêmico, faz-se necessário observar
a estrutura do poder local que perpassava o espaço litorâneo. Evidencia-se uma rede
composta de pequenos e médios chefes locais, os quais eram imprescindíveis para que
a engrenagem política funcionasse. Mesmo antes da proclamação da República, esta
máquina já operava a todo vapor, cristalizando-se com a tomada de poder pelo PRR.
Com isso, queremos justificar o fato de o recorte temporal - 1840/1889 –
compreender o II Reinado e abordarmos não somente a historiografia própria do
173 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Últimos Combates Maragatos no Litoral. In.: ELY & BARROSO, op. cit. (1999c; p.447-450) e BASTOS, op. cit. (1935).
128
Império, mas também parte da que analisa o poder local e o coronelismo174 na
República. Entendemos que estes dois momentos, Império e República, não estão
dissociados, visto que as estruturas do poder local na sua maioria transpuseram o
período imperial e republicano, em especial a República Velha.175 No Império, os chefes
locais estavam articulados politicamente através dos partidos conservador e liberal, o
que nos leva a crer que a presença “coronelística” já se fazia sentir antes de 1889,
apresentando-se de maneira mais intensa a partir desta data. Como marco fundamental
da transição política do Império para a República, denota-se a lei Saraiva, de 1881, que
foi o divisor de águas na questão eleitoral. A lei ampliou, pelo menos teoricamente, o
174 Cf. QUEIROZ, “apesar da passagem do Império à República, a estrutura econômico-política persistia, e com ela persistiam os ‘coronéis’, apelação que datava já do Império. De onde vinha este título marcial? Haviam-se originado dos títulos da Guarda Nacional, criada pouco depois da Independência para defender a Constituição, auxiliar na manutenção da ordem prevenindo as revoltas, promover o policiamento regional e local. Todos os habitantes livres do país se integravam nos diversos escalões da Guarda Nacional; os chefes locais mais prestigiosos automaticamente ocupavam nela os postos mais elevados, eram os ‘coronéis’.” (p.155-156). Ver: QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Coronelismo numa Interpretação Sociológica. In.: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. Estrutura de Poder e Economia (1889 – 1930). 4.ed. Tomo III. São Paulo: DIFEL, 1985. (p.155-190). 175 Cf. MAGALHÃES, “o vocábulo coronelismo, introduzido desde muito cedo em nossa língua com acepção particular, de que resultou ser registrado como brasileirismo nos léxicos aparecidos do lado de cá do Atlântico, deve incontestavelmente a remota origem do seu sentido translato aos autênticos ou falsos coronéis da extinta Guarda Nacional. Com efeito, além dos que realmente ocupavam nela tal posto, o tratamento de coronel começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado... a Guarda Nacional nasceu a 18 de agosto de 1831, tendo tido o Padre Diogo Antônio Feijó por pai espiritual... durante quase um século, em cada um dos nossos municípios existia um regimento da Guarda Nacional. O posto de coronel era geralmente concedido ao chefe político da comuna... Eram, de ordinário, os mais opulentos fazendeiros ou os comerciantes e industriais mais abastados, os que exerciam, em cada município, o comando – em – chefe da Guarda Nacional.” (p.85) e QUEIROZ, “o coronelismo tem sido entendido como uma forma específica de poder político brasileiro, que floresceu durante a Primeira República, e cujas raízes remontam ao Império; já então os municípios eram feudos políticos que se transmitiam por herança – herança não configurada legalmente, mas que existia de maneira informal.” (p.155). Ver: MAGALHÃES Apud CARONE, Edgard. Coronelismo: Definição Histórica e Bibliografia. In.: Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, n.3, v.11, p.85-92, jul./set. 1971 & QUEIROZ, op. cit.
129
número de votantes, comprometendo os “grandes líderes” a atuarem de tal forma que
os votos fossem direcionados ao seu partido.176
Iniciando o cotejamento à questão poder local/coronelismo, destacamos duas
correntes teóricas que trabalham com esta problemática. A primeira aponta a figura do
“coronel”,177 caracterizando-o como o grande proprietário de terras da Campanha, que
reúne seus peões e agregados e faz deles sua milícia particular e seus eleitores. A
segunda contempla o “coronel burocrata”, uma espécie de chefe local que não se
enquadra no estereótipo do latifundiário. Ao contrário, pode ser um pequeno ou médio
proprietário rural, o qual articula-se politicamente com o poder central – articulação esta
que lhe dá respaldo para tornar-se e atuar como “coronel burocrata” - fazendo valer as
suas determinações numa circunscrição específica. A principal diferença entre estes
dois personagens está na base que sustenta o seu poder. O “coronel”,
economicamente mais forte, usa dos seus recursos para, em alguns momentos,
levantar-se contra o poder instituído, enquanto que o pilar que dá sustentação ao
176 Em termos de legislação eleitoral no Império, a lei Saraiva foi o grande acontecimento da década de 1880. A sua criação está intimamente ligada ao fundamento da questão coronelística, ou seja, à medida que possibilitou o ingresso de novos agentes como eleitores, tornou-se ainda mais vital a necessidade de um controle sobre os que depositariam as cédulas nas urnas. Podemos dizer, inclusive, que a lei Saraiva foi o primeiro grande ensaio dos coronéis no exercício de vigiar e conduzir os eleitores na hora da votação, sendo que com o sufrágio universal a atuação desses homens junto aos seus “currais eleitorais” se agigantou, uma vez que agora praticamente todos os homens, com exceção dos analfabetos, tinham acesso às urnas. Como obra fundamental que trata deste mesmo assunto, ver: LEAL, op. cit. 177 Em contraposição ao “coronel burocrata”, Félix apresenta-nos diversos conceitos usados pela historiografia para caracterizar outros tipos de coronéis, como “coronéis maragatos”, “coronéis situacionistas”, “coronéis autênticos” e “coronéis tradicionais – liberais gaúchos”. Todavia a autora usa, para si, o conceito de “coronel” para contrapor-se ao de “coronel burocrata”. Ver: FÉLIX, Loiva Otero. As
130
“burocrata” é a sua vinculação com a ordem, para a qual solicita os favores que irá
repassar aos seus afilhados.
O “coronel burocrata” pode ter como atividades econômicas o comércio, a
ocupação de cargos públicos e até mesmo a agricultura e/ou a pecuária. Neste caso,
devemos ressalvar que as duas teorias formuladas tomam em conta outras realidades
que não o Litoral Norte do RS, não instrumentalizando, assim, suficientemente os
dados empíricos de que dispomos. O espaço sobre o qual nos debruçamos tem
especificidades que não permitem que o enquadremos de imediato nestes dois
conceitos apresentados pela historiografia. Partimos da constatação de que não
estamos numa zona onde haja o predomínio de grandes propriedades de terra, o que
nos leva a recusar o conceito de “coronel”. Temos, isto sim, pequenas e médias
extensões territoriais, onde alguns proprietários estão ligados à burocracia através dos
cargos públicos e alianças políticas. Essa evidência nos aproxima do “coronel
burocrata”, embora não se enquadre perfeitamente no modelo de chefia local
encontrado no Litoral Norte do RS, uma vez que o fracionamento político ocorrido
naquela região permitiu o surgimento de uma chefia local onde encontramos nacionais
e colonos alemães disputando o poder por “migalhas”, isto é, pequenas benesses
capazes de os projetar politicamente frente aos demais. Somado a isso, o peso dos
conceitos de “coronel” e “coronel burocrata”, cristalizados na historiografia e literatura
Relações Coronelistas no Estado Borgista: Discussão Historiográfica. In.: Estudos Leopoldenses. [Série
131
brasileira, faz com que imaginemos um grande líder, realidade diversa daquela que
pensamos para o litoral no século XIX.
A fim de aprofundarmos esta discussão, iremos explorar ainda mais os temas
“poder local”, “corone lismo” e “clientelismo”, destacando algumas das suas
características mais relevantes. Iniciamos esta imersão com uma citação de José Murilo
de Carvalho em que o autor relativiza a aproximação exclusiva do latifundiário com o
coronel, apontando para as diversidades deste tipo de chefia. Concordamos com
Carvalho, quando afirma que:
“da imagem simplificada do coronel como grande latifundiário isolado em sua fazenda, senhor absoluto de gentes e coisas, emerge das novas pesquisas um quadro mais complexo em que coexistem vários tipos de coronéis, desde latifundiários a comerciantes, médicos e até mesmo padres.” 178
A figura do coronel aparece sistematizada provavelmente pela primeira vez no
trabalho de Victor Nunes Leal.179 Para o autor, o que estão em jogo são o município e a
sua articulação com a burocracia estatal. Sua análise compreende um período muito
extenso, desde as câmaras coloniais até 1946, o que possibilita ao leitor uma ampla
História]. São Leopoldo: UNISINOS, n.127, v.28, p.67-85, maio/jun. 1992. 178 CARVALHO, José Murilo. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. In.: CARVALHO, José Murilo. Pontos e Bordados: Escritos de História e Política. 1. Reimpressão. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. (p.130-153). (p.133). 179 LEAL, op. cit. Para Lamounier, op. cit. “Coronelismo, enxada e voto é uma das primeiras, se não for de fato a primeira análise rigorosamente ‘sistêmica’ da política brasileira. Digo ‘sistêmica’ no amplo sentido que este termo assume na ciência política: uma análise que busca estabelecer as interconexões relevantes para a compreensão do que de fato ocorre no processo político.” (p.275-276).
132
visão do tema que está sendo discutido. Da sua obra deriva a matriz da discussão do
conceito de coronel, sendo aceito pela maioria dos historiadores que trabalharam com
este tema como o “pai” da história política brasileira no que tange à formulação e
análise do coronelismo.
No desenvolvimento da pesquisa sobre a política brasileira, Raymundo Faoro180
dedicou-se ao seu estudo, destacando os conceitos de patrimonialismo e estamento
burocrático, os quais lhe deram suporte para localizar outra base de poder no Brasil que
não o latifúndio. Carvalho elucida a concepção de Faoro acerca dos conceitos acima
apontados, esclarecendo que:
“... O Brasil teria seguido a evolução de Portugal, que desde o século XIV se havia livrado dos fracos traços de feudalismo e implantado um capitalismo de Estado de natureza patrimonial. Aos poucos formou-se um estamento burocrático, instrumento de domínio do rei que se tornou independente do próprio rei. A colonização foi empreendimento capitalista-mercantilista conduzido pelo rei e por esse estamento. O estamento, minoria dissociada da nação, é que domina, dele saindo a classe política, a elite que governa e separa governo e povo, Estado e nação.” 181
Outro autor importante para o nosso tema é Sérgio da Costa Franco, formulador
do conceito de “coronel burocrata”. Conforme este autor, o PRR permitiu:
180 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. v. I e II. 13.ed. São Paulo: Globo, 1998. 181 CARVALHO, op. cit. (1999; p.141).
133
“... a criação de uma figura nova e desconhecida na sociologia política brasileira: a do ‘coronel’ burocrata, chefe municipal às vezes sem fortuna e sem raízes locais, porém armado de extraordinários poderes de coação, e inteiramente submisso à Executiva do Partido e ao Presidente.” 182
Dando desenvolvimento ao conceito analisado por Franco, o brasilianista Joseph
Love analisou a consolidação da República, apontando as origens da revolução de
1930. A sua obra tem o grande mérito de relacionar a história do Rio Grande do Sul
com a do Brasil, mostrando que, mesmo sendo o estado mais meridional da República,
conseguiu aliar-se a políticos de outros estados e chegar ao poder com Getúlio Vargas.
Love, em sua análise, pactua com a figura do “coronel burocrata”, reportando-se em
sua bibliografia a Faoro e Franco. Para este texto, os dois primeiros capítulos do
“Regionalismo Gaúcho”183 são imprescindíveis, pois auxiliam na compreensão do
cenário rio-grandense pré-república.184
Loiva Félix, por sua vez, não comunga desta mesma idéia, optando pela figura
do “coronel de situação”. A autora questiona a abordagem historiográfica que Franco e
seus seguidores fazem do “coronel burocrata”, explicitando que:
“As publicações mais recentes, especialmente da última década, algumas bastante conceituadas, de historiadores, sociólogos e cientistas políticos, ao abordarem tangencialmente a questão do coronelismo gaúcho difundiram um conceito: o de coronel burocrata que
182 FRANCO, Sérgio da Costa. O Sentido Histórico da Revolução de 1893. In.: Fundamentos da Cultura Rio-Grandense. Quinta Série. Porto Alegre: UFRGS, 1962. (p.193-216). (p.215). 183 LOVE, op. cit. (1975). 184 O período que denominamos de “pré-república” limita-se ao II Reinado, recorte temporal deste texto.
134
consideramos, no mínimo, altamente discutível em seu uso e generalização para todo o estado. Pretendemos demonstrar não ser condizente com o processo desenvolvido no estado sulino... Portanto, nosso segundo objetivo é promover a reflexão sobre esta visão estereotipada e funcional (burocrata) do coronel gaúcho, que não encontra amparo, pelo menos com absoluta segurança, para a relação de poder local/poder estadual desenvolvida na área que serviu de suporte legitimador e de manutenção do borgismo: a região serrana do Planalto Médio.” 185
Ao questionar a atuação do “coronel burocrata”, Félix demonstra por quais
caminhos direcionará sua obra, a qual tem o objetivo de verificar a articulação do
governo estadual com os grandes proprietários rurais. No entanto ela ressalta:
“... a impossibilidade de uniformizar o Rio Grande do Sul, onde o coronelismo funcionava diferencialmente: mais hierarquizado (e controlado pelo PRR) no planalto, e tendo que celebrar ‘mais compromisso’ na zona da campanha, especialmente no período republicano, quando a política local no planalto pesava na balança política estadual.” 186
Tal uniformidade não se encontra, também, nos conceitos “coronelismo” e
“poder local” analisados pela autora e outros pesquisadores numa obra específica
sobre o poder local nas áreas de colonização. Segundo eles:
“É de fundamental importância deixarmos claro desde já que, obviamente nem todo o poder local é de cunho coronelista: Poder local e coronelismo não são sinônimos, embora muitas vezes em diferentes espaços e tempos tenham se apresentado historicamente com formas associadas. Esta ressalva é particularmente importante para a análise
185 FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, Borgismo e Cooptação Política. 2.ed. Porto Alegre: UFRGS, 1996a. (p.23). 186 FÉLIX, op. cit. (1996a; p.59).
135
das relações de poder local nas áreas coloniais do RS onde não temos os exemplos clássicos de coronelismo, onde, a montagem e o funcionamento das relações de poder dá-se de forma própria em decorrência das especificidades da sociedade colonial.” 187
Concordamos com a autora, uma vez que o “coronel” diferenciava-se de outros
modelos conforme o local e o tempo que estava vivendo. Assim, o “coronel” da
Campanha não é o mesmo do planalto, bem como o do Império não é idêntico ao da
República. Conforme Félix, acentuaram-se, no final do século XIX, as diferenças entre
as regiões no Rio Grande do Sul. A título de exemplo, cita a obra de Aristides de
Moraes Gomes “Fundação e Evolução das Estâncias Serranas”, em que o autor relata
as singularidades do gaúcho da fronteira e dos serranos.188 Além disso, entendemos
pertinente a afirmação dos pesquisadores no que se refere ao fato de o poder local nem
sempre ser de cunho coronelístico, uma vez que a realidade encontrada no Litoral
Norte do RS ajusta-se a esse modelo no qual as relações políticas se tecem muito mais
pelas disputas micro de poder do que pelas vias do coronelismo.
Contrapõe-se ao conceito desenvolvido e defendido por Félix a pesquisadora
Celi Pinto. Conforme a autora:
“A nível regional, as peculiaridades do partido [PRR] eram ainda maiores, não só não dispunha da rede de relações coronelistas, que
187 FÉLIX, Loiva Otero, SILVA, Haike Kleber da & SCHMIDT, Benito Bisso. Relações de Poder Local X Poder Estadual nas Áreas de Colonização Alemã e Italiana do Rio Grande do Sul na República. [Relatório final de pesquisa – CNPq]. Porto Alegre, mar. 1992. (Agradecemos ao pesquisador Benito Bisso Schmidt pelo empréstimo do material e por ter permitido o seu uso nesta dissertação). 188 Cf. FÉLIX, op. cit. (1996a; p.61).
136
mantinha os demais partidos regionais, como tinha de enfrentar a popularidade do partido oposicionista... Sem ser oligárquico e, portanto, sem dominar as relações de poder coronelistas, teve de articular outras forças de apoio. O PRR não lutou para conquistar para si o apoio dos coronéis, mas criou uma força de resistência a este.“189
Convém esclarecer que Pinto está se referindo ao “coronel de oposição”, que,
segundo ela, tornou-se um obstáculo ao programa político do PRR. A força que o
partido republicano buscou foi justamente dos pequenos e médios proprietários,
agregados por “um trabalho de elitismo, dirigido a partir da executiva do partido.”190 E
nem poderia ser diferente, uma vez que:
“... os jovens fundadores do PRR... não pertenciam à tradicional elite pecuária da campanha gaúcha, que quase em sua totalidade formava o Partido Liberal. Eram na sua maioria provenientes da região norte do estado, de ocupação recente e mais pobre do que a campanha, quer pela ausência da indústria do charque, quer pela distância dos centros consumidores. Portanto, se eram estancieiros, não eram membros da oligarquia política rio-grandense.”191
A discussão em torno destes dois conceitos-chave “coronel” e “coronel
burocrata” polarizou-se ao se investigar e analisar os estatutos do PRR. Para os
autores que se debruçaram sobre esta temática, duas questões precisavam ser
respondidas: a primeira, que tipo de coronel atuou no Rio Grande do Sul e, a segunda,
se este personagem foi cooptado pelo PRR para a consolidação do seu programa de
189 PINTO, Celi Regina J. Positivismo. Um Projeto Alternativo Político (RS:1889-1930). Porto Alegre: L&PM, 1986. (p.15). 190 PINTO, op. cit. (p.10). 191 PINTO, op. cit. (p.10).
137
governo. O poder local, como uma esfera micro de poder, não foi substancialmente
contemplado nestes estudos, sendo envolvido na discussão conceitual do coronelismo.
Como já havíamos enunciado, deter-nos-emos em alguns autores que
contemplaram esta discussão no tempo do Império, com o objetivo de superar os limites
do conceito de “coronelismo” e “poder local”. De relevância fundamental para o nosso
estudo são os textos de Helga Piccolo, Richard Graham e Herbert Klein. Os três
autores, além de dedicarem-se à política, têm como objetivo demonstrar que, no século
XIX, em especial nas últimas décadas, quando houve um crescente embate em torno
da política, manifestavam-se não apenas os partidos políticos, mas também uma
parcela da população que não tinha acesso diretamente à disputa político-partidária.
Iniciamos este diálogo com Piccolo,192 que analisou a política no período de 1868 a
1882, permitindo ao leitor compreender os últimos anos do Império, bem como a
disputa acirrada entre o partido conservador e o liberal no Rio Grande do Sul. Deduz-se
da tese da autora que os chefes locais já existiam no Império, estando divididos entre
as inúmeras facções dos partidos conservador e liberal, nos quais atuavam como
articuladores políticos, fazendo a “ponte” entre correligionários, partidos, governo
provincial e Corte.
192 PICCOLO, op. cit. (1974).
138
Em se tratando do período imperial, é imprescindível mencionar a obra de
Graham, na qual o autor analisa o conceito de clientelismo193 no II Reinado. Pela sua
análise, podemos vislumbrar uma atividade política no Brasil do século XIX, que tinha
como primeira missão perpetuar a hierarquização da sociedade brasileira. Todos
deveriam permanecer onde estavam: as mudanças tanto para cima quanto para baixo
eram perigosas e poderiam suscitar revoltas sociais incontroláveis. Para o autor, o
mecanismo que sustentou e manteve a sociedade brasileira de uma maneira uniforme
foi o clientelismo. Esta engrenagem social pode ser resumida como uma prática política
em que um indivíduo menos favorecido solicita favores a outro, que tem poderes para,
no mínimo, tentar resolver o problema daquele que o procurou. Assim, os laços
clientelísticos foram se estabelecendo, criando uma dependência entre os homens, que
resultou na teia política da segunda metade do século XIX. Em função desse tipo de
relação, o “clientelismo” supera o “coronelismo” e aproxima-se do conceito de “poder
local”, como veremos no capítulo seguinte.
O texto de Klein194 vai ao encontro do que Graham aponta em sua obra e, apesar
de este defender a idéia de que a lei Saraiva foi promulgada com o intuito de afastar as
massas das eleições, os dois autores concordam que havia o envolvimento de grupos
193 Para Graham, op. cit. o “clientelismo significava tanto o preenchimento de cargos governamentais quanto a proteção de pessoas humildes, mesmo os trabalhadores humildes sem terra... no Brasil do século XIX esses dois tipos de clientelismo entrelaçavam-se através das eleições.” (p.16). 194 KLEIN, op. cit. (p.527-544).
139
marginais no processo eleitoral.195 Klein analisou a participação política dos votantes de
São Paulo na década de 1880 e, para ele, houve sim uma prática política que envolveu
uma parcela da população nacional, que até então vinha sendo desprezada pela
historiografia política. O autor se cercou de dados empíricos, quase que unicamente de
lista de votantes, e concluiu que a participação política dos grupos economicamente
menos favorecidos não era tão restrita quanto parecia. Klein dividiu,
metodologicamente, sua análise em alguns tópicos, como a idade, a condição civil, a
renda, a alfabetização e o local de moradia dos votantes – zona rural ou urbana – para
demonstrar como estas variantes influenciaram na prática política destas pessoas,
principalmente nas eleições, evento que estimulava a prática do clientelismo.
Após contemplarmos alguns pesquisadores que se debruçaram sobre o tema
política, tanto no Império quanto na República, nos deteremos em alguns aspectos
singulares que permearam suas obras. A diferenciação conceitual do coronelismo,
polarizada entre “coronel” e “coronel burocrata” não dá conta da instrumentalização dos
dados empíricos que dispomos, sendo que os dois conceitos não se enquadram
perfeitamente ao cenário espaço-temporal do Litoral Norte do RS, pois estamos
195 Como já foi apontado anteriormente, conforme Graham, a lei Saraiva não foi criada para dar uma abertura geral aos brasileiros no que se relacionasse às eleições. Ao contrário, a elite não sabia o que fazer para afastar as massas do processo eleitoral. O maior medo era que uma reforma eleitoral imprudente jogasse futuros libertos (ex-escravos) para o seio da sociedade, dando-lhes poderes para votar e serem votados. Contudo, apesar de todas as precauções, como as novas “provas” para a comprovação da renda, alguns segmentos da sociedade da época conseguiram um lugar ao sol e, através da lei Saraiva, iniciaram a sua prática eleitoral. Um destes grupos era os acatólicos, que, a partir desta lei, puderam exercer o seu direito de voto.
140
trabalhando com um recorte espacial singular. A fim de ratificarmos essa idéia,
reportamo-nos ao relatório de pesquisa elaborado por Félix, Silva & Schmidt, no qual
estudaram o poder local nas zonas de colonização italiana e alemã. Os pesquisadores
concluíram que, nestes espaços, forma-se outro tipo de poder o qual que não pode ser
enquadrado nos conceitos de “coronel” ou “coronel burocrata”. As características
específicas das áreas coloniais permitiram a consolidação de pequenos e médios
chefes locais, que, segundo os pesquisadores, estão envoltos em/com instituições
sustentadoras do seu poder, tais como a Igreja e os diversos tipos de associações que
fundaram.196
Como contraposição ao argumento defendido por Félix, Silva & Schmidt,
salientamos que os nacionais e os colonos que se destacaram no litoral não se
manteriam no poder somente com as vinculações apontadas por eles. A articulação
com a Igreja e com as associações não seria suficiente para sustentá-los no campo
político, uma vez que essas instituições no Império não estavam totalmente
estruturadas como irá acontecer na República, quando despontarão no espaço colonial
sociedades dos mais diversos fins. O clientelismo trabalhado por Graham parece
196 Embora os pesquisadores tenham contemplado a Primeira República e dedicado-se, principalmente, ao estudo da área colonial italiana, consideramos o relatório uma fonte importante para quem analisa o fenômeno da imigração. Ao sustentarem que o poder local nas áreas de colonização não é o mesmo exercido pelo “coronel”, abrem ao leitor uma lacuna pouco explorada pela historiografia política. Apesar de termos o II Reinado como recorte temporal, acreditamos ser possível inserir alguns aspectos do relatório neste contexto. Como já apontamos, há uma continuidade entre o Império e a República, e este processo permeia o político, inclusive nas áreas de colonização. Ver: FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992).
141
complementar e superar a idéia desenvolvida pelos pesquisadores, pois, para o autor,
foi o clientelismo que deu cor e vida à sociedade brasileira no século XIX. Esta forma de
relacionar-se permitiu que as instituições atravessassem Império e República sem
haver mudanças no status quo vigente. Mesmo os escravos sendo libertos, a alteração
na sua condição – de cativo para livre – não significou uma ascensão social. De
escravos passaram a libertos marginalizados, aumentando o “curral” eleitoral dos
coronéis da República. Os homens livres pobres também permaneceram na mesma
situação em que estavam, sendo que a troca de regime político praticamente não
alterou o seu cotidiano. Se antes da República eram clientes, não transpuseram esta
escala após novembro de 1889.
Desejamos com este capítulo compreender as relações estabelecidas entre o
governo provincial e o Litoral Norte do RS, verificar a legislação eleitoral do século XIX,
dentro da qual deveriam estar todos os que resolvessem participar dos pleitos eleitorais
e dialogar com a historiografia, que trabalhou com os conceitos de coronelismo, poder
local e clientelismo tanto no Império quanto na República, constatando que muitas
características do poder local transpuseram os dois períodos. No capítulo seguinte,
tentaremos demonstrar como nacionais e colonos relacionaram-se com a política,
transitando pelas instituições que havia no litoral e formando suas redes de clientes.
Nessa prática, beneficiavam-se tanto aqueles que se destacaram, os exponenciais,
quanto a grande maioria que foi representada pelos chefes locais.
142
Estes chefes locais, mentores da política na pequena rede de municípios que
vimos analisando – Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres –
vincularam este espaço com as demais regiões do Rio Grande do Sul. Dentro deste
turbilhão político, atuaram imigrantes e descendentes, ocupando cargos públicos e
políticos à medida que lhes foi possível conquistá-los. É o que veremos em seguida.
3 RELAÇÕES DE PODER LOCAL NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO
SUL
“É que a naturalização não concede plenos direitos de cidadão: segundo dispõe a constituição, o advena naturalizado é para sempre excluído (além dos cargos de regente e de ministro do Estado) da elegibilidade para a câmara dos deputados do império... Não ser eleito, pode ser indiferente a maioria ou mesmo desejável, mas não ser elegível é ofensivo; e o Brasil, se quer contar com uma imigração espontânea, deve tratar quanto antes de remover esses odiosos restos da antiga desconfiança dos Portugueses contra os estrangeiros... Devem igualmente ser abolidas as medidas legais que fazem depender em parte da fé católica o pleno gozo dos direitos de cidadão. Já dissemos que, segundo a constituição, no Brasil os acatólicos são excluídos da elegibilidade para deputados e são proibidas as formas exteriores da igreja, torres e sinos, nas casas de Deus dos acatólicos, e que a legislação vigente nega, ou pelo menos contesta, a validade de atos religiosos acatólicos, mormente os casamentos.” 197
“Esta análise das listas eleitorais de 1880 da cidade de São Paulo e das paróquias à sua volta contribui para reforçar a tese de uma participação popular significativa no processo eleitoral imperial do Brasil do século XIX. A alta incidência de eleitores de baixa renda, seu alastramento por todas as faixas etárias e a incidência igualmente alta de analfabetos sugerem que as recentes afirmações
197 HANDELMANN, op. cit. (p.993).
144
dos pesquisadores, sobre a existência de uma participação popular no processo eleitoral no Brasil do século XIX, são corretas.” 198
3.1 A Política Como Fator de Integração/Dispersão
A política, como veículo de formação de agremiações político-partidárias, tem
a capacidade de integrar e/ou dispersar os seus correligionários, já que este
movimento de integração/dispersão intensifica-se na época das eleições e dirige-se
tanto vertical quanto horizontalmente, abrangendo diversos setores da sociedade. No
nosso caso, interessa-nos saber como se estruturaram as relações entre nacionais e
colonos alemães no âmbito do poder local. Partindo da análise de um espaço micro –
o Litoral Norte do RS – tentaremos demonstrar que o clientelismo foi a base da
política brasileira no século XIX, especialmente no II Reinado, graças à articulação
do poder central com o local.
Para verificar o poder local no Litoral Norte do RS, analisamos um inquérito
policial199 que demonstra o funcionamento desta engrenagem, o qual se constitui
num “estudo de caso” capaz de demonstrar a dinamicidade da relação estabelecida
entre os líderes políticos de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e
198 KLEIN, op. cit. (p.539). 199 AHRS - Polícia - Delegacia de Polícia - Inquérito Policial - Maço 6 - Conceição do Arroio – 1879.
145
Torres.200 O fato ao qual nos referimos narra a expulsão de dois juízes de Conceição
do Arroio em julho de 1879. As vítimas são o juiz de direito da comarca de Maquiné,
Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, e o juiz municipal e de órfãos, Alexandre
Correia de Castro.201 Nessa trama, há o envolvimento de uma série de personagens,
dos quais três são da colônia de Três Forquilhas: Adolpho Felippe Voges, Jacob
Voges e Seraphim Agostinho do Nascimento.
Pela análise do documento referido, podemos inferir que a expulsão dos juízes
foi tramada na casa de Ignacio de Araujo Quadros a convite do Tenente Coronel
Antonio Marques da Roza 202 e de João Marques da Cruz Martins. A reunião “...era de
caráter inteiramente político e que tinha por fim a união do partido porque o doutor
200 Cf. THOMPSON, um detalhe, um documento, ou ainda outro fator aparentemente atípico podem revelar uma situação que representa o cotidiano de um grupo ou de uma vila, como é o caso do documento que selecionamos. Loiva Félix comunga da mesma idéia, considerando o detalhe como uma possibilidade de pesquisa e trabalho. Importante citar, também, Antonio Candido, que diz: “Aliás, o interesse pelos casos individuais, pelos detalhes significativos, constitui elemento fundamental neste estudo, elaborado na certeza de que o senso qualitativo é condição de eficiência nas disciplinas sociais...”. (p.5). Ver: THOMPSON, E. P. Folklore, Antropología e História Social. In.: Entrepasados. Revista de História. Buenos Aires, n.2, ano II, p.63-86, 1992, FÉLIX, Loiva Otero. Historiografia Política: Impasses e Rumos nas Décadas de 1970-90. In.: Logos. Revista de Divulgação Científica. Canoas: ULBRA, n.1, ano 11, p.5-11, maio 1999a & CANDIDO, op. cit. 201 GRAHAM, op. cit. dá exemplos em sua obra de uma série de autoridades que não foram respeitadas nas seguintes localidades: Santo Amaro, Santarém, Valença e Salvador. Como demonstrou o autor, o respeito às autoridades nem sempre foi uma regra. Assim como em Conceição do Arroio, em outros locais houve pessoas que discordaram e se manifestaram contrariamente aos subdelegados, delegados e juízes. (p.56-57). URICOECHEA, op. cit. exemplifica esta mesma situação com uma reclamação do juiz de direito da comarca do Rio Grande que escreve em 1853 ao presidente de Minas Gerais expondo as dificuldades em exercer a sua autoridade. (1978a; p.268). Outro exemplo destacado por este mesmo autor refere-se a um chefe local do Sertão da Bahia, chamado de Militão , que comete os mais variados crimes, saindo impune de todos eles. Segundo os denunciantes, Militão suborna ou expulsa os juízes do seu território, não sendo, portanto, condenado pelos seus atos. (1978a; p.271-274). 202 Cf. RAMOS, op. cit. Antônio Marques da Roza foi líder liberal na década de 1870, o que justifica sua participação neste episódio. (1990; p.150).
146
Paulino com seus amigos queriam fazer novo partido e então aqueles homens, cujos
nomes declinou, trataram de obstar a divisão do partido criada pelo doutor Paulino e
seus amigos...”.203 Segundo consta em outro depoimento, “...Antonio Marquez da
Roza tinha feito uma reunião para este fim em casa de Ignacio de Araujo Quadros,
onde entre as pessoas que lá compareceram achavam-se Adolpho Felippe Voges e
Serafim Agostinho do Nascimento, que sendo convidados para expulsarem os juizes
declararam que não aceitavam semelhante convite...”.204
Ora, considerando a distância que separava a fazenda dos Quadros da vila de
Conceição do Arroio – mais ou menos 75Km – parece-nos plausível a idéia de que
havia intensa comunicação entre as lideranças políticas do Litoral Norte do RS.205
Dos líderes, salientamos a atuação de componentes da colônia de Três Forquilhas, o
que nos fez optar por uma análise que contemplasse não somente a história política,
mas também a da imigração, dando ênfase ao poder local.
Verificamos, assim, que, mesmo entre os acatólicos, os quais não tinham
direitos adquiridos como cidadãos brasileiros, operava-se uma rede hierárquica de
203 AHRS – Polícia – Maço 6 – Declarações de Ignacio de Araujo Quadros Filho. 204 AHRS – Polícia – Maço 6 – Depoimento de Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, juiz de direito da comarca de Maquiné. 205 No documento consta a distância de cerca de 12 léguas. Tomamos como referência a medida apresentada por Jean Roche, o qual estipula para cada légua o equivalente a 6 a 6,6Km. Ver: ROCHE, op. cit. (1969a).
147
poder, que perpassava a esfera política.206 Por certo, estes colonos que se
projetaram não buscaram somente os seus interesses, mas também os dos seus
pares, estabelecendo um sistema de representação com cunho clientelístico junto às
autoridades, a quem grande parte dos colonos não tinha acesso.
Selecionamos cinco documentos a fim de exemplificarmos como ocorriam as
relações de base clientelística no Litoral Norte do RS. O primeiro narra que João
Brusch, morador na colônia das Três Forquilhas, requer que não seja incorporado à
Guarda Nacional, visto ser casado e pai de seis filhos menores. Para ratificar seu
pedido, anexa uma declaração do pastor Carlos Leopoldo Voges, o qual atesta como
verídica sua condição civil.207 Pela documentação pesquisada, deduzimos ser uma
prática recorrente a tentativa de esquivar-se do serviço militar. Uricoechea, ao
analisar a Guarda Nacional, relata a dificuldade em se recrutar homens para seus
206 Cf. BOBBIO, MATTEUCCI & PASQUINO, op. cit. o conceito de Política poder ser abordado sob dois significados: o clássico e o moderno. Para o primeiro, “Derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social... O termo Política foi usado durante séculos para designar principalmente obras dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se refere de algum modo às coisas do Estado...“ Já para o segundo, “...o termo perdeu seu significado original... passando a ser comumente usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, tem como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado. Dessa atividade a pólis é, por vezes, o sujeito, quando referidos à esfera da Política atos como o ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território, o legislar através de normas válidas erga omnes, o tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros, etc.” Para este texto, optamos pela primeira conceitualização dos autores, por entender que se estende sobre uma gama maior, contemplando, como dizem, o sociável e o social, porém, sem ignorar o segundo significado dado ao conceito de política, em razão das relações que o Estado estabeleceu com diversas esferas, dentre as quais os partidos políticos. (p.954-962). 207 AHRS – Requerimentos – Guarda Nacional Alemão – Maço 115 – 1865.
148
corpos.208 No Litoral Norte do RS, a situação não foi diferente, visto que, em Torres,
o subdelegado reclama da dificuldade no recrutamento de homens para este tipo de
serviço.209
Já Christiano Mauer solicita ao presidente da província um requerimento e os
documentos que a ele estão anexos, porém, lamentavelmente, o conteúdo da
documentação não é revelado. O que mais se destaca é a representação do colono
pelo jornalista e advogado Carlos de Koseritz. Há de se buscar maiores informações
sobre este colono para verificar-se como ele pôde outorgar poderes a um imigrante
tão destacado.210 João Maurer, por sua vez, outorgou uma procuração ao professor
Seraphim Agostinho do Nascimento para que este o representasse junto ao cartório
de órfãos e ausentes quando tivesse que prestar contas sobre os seus tutelados.
Apesar de o documento não indicar os motivos que levaram o colono a optar pela
representação, entendemos que o procurador teria melhores condições de se
explicar com a justiça do que o outorgante, possivelmente com pouco estudo e
ínfima prática com a língua portuguesa.211 No entanto não somente colonos valiam-
se dos préstimos do professor Nascimento, mas também nacionais rendiam-se aos
seus favores. Em 1899, a menor Arcelina, “filha natural do finado Isaías de Almeida
Quadros”, ficou sob a tutela deste mesmo professor. Ela havia herdado 90 braças de
208 URICOECHEA, op. cit. (1978a; p.210-211). 209 AHRS – Polícia – Maço 6 – 1870. 210 AHRS – Requerimentos – Diversos – Maço 125 – 1866.
149
terras de matos no sítio de Maquiné, avaliado em 720$000.212 Ainda, conforme
Bastos, “Era o homem [o professor Nascimento] que sabia redigir um officio, dirigir
um inquerito para determinados fins politicos, fazer um requerimento qualquer,
organizar papeis para um inventario, enfim, o melhor advogado administrativo que se
pudesse imaginar para aquelle meio e para aquelles tempos.” 213
Esta série de exemplos pode nos fazer pensar sobre as vantagens que estes
“pequenos poderes” concediam aos que os dominavam. Está claro que, através de
concessões e favores, estabelecia-se uma rede de compromissos.214 Interessante
notar o fato de a grande maioria representada obter, por este mecanismo, um
211 APRS – Processos-Crime – Cartório de Órfãos e Ausentes – n. 2 – Maço 1 – Estante 104 – Conceição do Arroio – 1874. 212 APRS – Contas de tutela – Tutor: Serafim Agostinho do Nascimento – n. 869 – Maço 28 – Estante 159 – Conceição do Arroio – 1899. 213 BASTOS, op. cit. (1935; p.144). GRAHAM, op. cit. ao analisar uma série de cartas de pretendentes a cargos públicos, constatou que um dos cargos mais procurados era o de juiz. Em primeiro lugar, os requerentes desejavam os postos de juiz de direito e municipal e, depois, “... uma porção considerável de pretendentes a cargos procurava colocações lucrativas como juízes de órfãos.” (p.283). O fato de ter a possibilidade de administrar os bens deixados pelos pais falecidos aos filhos órfãos despertava em alguns candidatos a preferência por este posto. Não sabemos se Seraphim Agostinho do Nascimento tornou-se juiz de órfãos. O mais importante é que, ao ser indicado como tutor, demonstra que possuía alguma influência naquele meio. 214 Cf. GRAHAM, op. cit. “se indiquei... que o clientelismo fluía do rei para baixo... outra pirâmide se cruzava com aquela num plano diferente e levava ainda mais além. A família e a unidade doméstica construíam e dependiam de generalizadas relações de dependência e deferência. Todo o grupo de um protetor, seus seguidores imediatos, assim como os que lhe prestavam lealdade e obediência como empregador, senhor de terra ou emprestador de dinheiro, procuravam-no em busca de proteção e apoio. Se os símbolos externos e os meios particulares de seu poder estavam no controle que ele exercia sobre cargos locais, fosse pela prerrogativa oficial de indicar candidatos, fosse pela expectativa não oficial de que os recomendaria, uma fonte igualmente rica de poder era o fato de ele possuir recursos físicos, como terra, escravos ou gado... Quer lutasse ele para ser reconhecido como chefe de uma única família extensa ou como o protetor de uma grande clientela, os cargos de autoridade eram cruciais.” (p.276-277). (grifos nossos). Reportando-nos aos exemplos de representação acima citados e a atuação do pastor Voges e do seu filho Major Adolpho Voges, parece-nos que os dois se enquadram na definição de Graham.
150
determinado poder o qual, sem esta representação, não alcançaria. Em outras
palavras, os exponenciais tornavam-se dependentes das representações que lhes
eram outorgadas. O pedido de auxílio de um nacional ou de um colono era o que
legitimava o exercício de poder do chefe local. Cercados de uma massa incapaz de
resolver as suas próprias dificuldades, os chefes locais tiveram como estabelecer
uma rede de poder via clientelismo, o que os manteve na posição privilegiada de
líderes locais. Além do mais, conforme Graham, “proteger os pobres do recrutamento
forçado também significava formar uma clientela.” 215
Em Três Forquilhas, esta representação era exercida pelos Voges, os quais
detinham os poderes religioso, econômico e político. A história desta família, no
Brasil, remonta ao ano de 1826, quando imigrantes alemães foram enviados às
Torres. Juntamente com a primeira leva de colonos, chegou o pastor Carlos
Leopoldo Voges, líder espiritual, professor, comerciante e sucessor do Tenente Cel.
Francisco de Paula Soares na administração das colônias.216
215 GRAHAM, op. cit. (p.49). 216 É preciso relativizar a afirmação de que o pastor Voges substituiu o Tenente Cel. Francisco de Paula Soares na administração das colônias. Embora Bastos informe que em 1851 a Assembléia Provincial tenha aprovado a criação do cargo de diretor para as colônias, não encontramos, ainda, tal referência na documentação do AHRS. Localizamos no ano de 1850 uma nomeação de um subdiretor para a colônia de Santa Cruz, o que demonstra que em algumas localidades o governo designou a criação de tal cargo. No que se refere ao Litoral Norte do RS, em 1852 o governo provincial relata que o diretor geral das colônias, o Cel. Hillebrand, deve visitar a Colônia das Torres, uma vez que não há “diretores parciais” para ela. O relatório de 1850, do presidente da província José Antônio Pimenta Bueno diz que “é essencial, como depois direi, ter um diretor em cada uma delas [refere-se a São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas]” e em outro relatório, de 1852, do vice-presidente da província
151
O fato de o pastor Voges integrar a primeira caravana que se dirigiu às Torres
permitiu que o Tenente Cel. Francisco de Paula Soares dividisse os colonos em dois
grupos, sendo os evangélicos remetidos ao Vale do Três Forquilhas, onde o pastor
tornou-se figura central. Ele estava a par da maioria dos acontecimentos, desde
aqueles ligados a questões religiosas, como batismos, confirmações, casamentos e
enterros, até os administrativos, como relatórios sobre o desenvolvimento da colônia,
as dificuldades na venda dos produtos agrícolas e a falta de recursos para a
implantação e manutenção de escolas. Por vezes, o pastor teve que enfrentar
situações difíceis, como em 1830, quando os subsídios destinados aos imigrantes
foram suspensos, não podendo a colônia assumir o seu sustento e o de sua família.
A “alternativa” mais conveniente foi abrir a própria venda, iniciando assim suas
Luís Alves de Oliveira Belo, lemos que “em 18 de dezembro do ano passado o diretor geral propôs a presidência a nomeação de um indivíduo para esse cargo, mas como ordenastes em a lei n. [14] 299 de 5 de dezembro de 1850 que os diretores parciais sejam também agrimensores e o indivíduo proposto o não era, não pode por isso ser nomeado.” No entanto, apesar de não termos a nomeação oficial do pastor Voges como diretor das colônias alemãs do Litoral Norte do RS, de fato ele tornou-se o articulador das colônias com o governo provincial, o que pode ser constatado nos inúmeros relatórios que enviou aos presidentes da província e a forte ligação política que sua família manteve primeiramente com o partido liberal e depois com o PRR. Ruschel, ao analisar a documentação deixada por Paula Soares, sustenta que em 1847 “... ele já não era Comandante ou Inspetor nas Torres, e residia em Porto Alegre...” (p.124). Acreditamos que com a saída de Paula Soares houve um vácuo de poder que foi preenchido informalmente pela figura do pastor Voges. Ver, respectivamente: BASTOS, op. cit. (1957; p.13); AHRS – Registro de Ordens, Portarias, Patentes e Provisões passadas pelos Governantes do Rio Grande do Sul – A6.09 – 1850; AHRS – Registro da Correspondência Expedida pelos Presidentes da Província a Autoridades Provinciais – A5.33 – 1852; ELY & BARROSO, op. cit. (1996; p.134-135) e RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Assentamentos Alemães em Torres, na Correspondência de Seu Inspetor. In.: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.132, p.123-136, 1998.
152
atividades como comerciante, o que lhe renderia, no futuro, o título de “P. Voges,
maior vendeiro, industrial e capitalista da zona”.217
Durante sua longa trajetória no Litoral Norte do RS, o pastor Voges liderou os
colonos em períodos cruciais da história rio-grandense. Nove anos após a instalação
das duas colônias, eles defrontaram-se com a Revolução Farroupilha; de 1865 a
1870, descendentes de imigrantes participaram da Guerra do Paraguai218 e, de 1893
a 1895,219 assistiram à Revolução Federalista e viram-se envolvidos nela, sobretudo
em razão da atuação de guerrilhas que usavam a Serra do Pinto para o
deslocamento entre os Campos de Cima da Serra e o litoral. Todavia não viveram
somente de guerras, mas também de momentos políticos decisivos, como a
alternância dos partidos conservador e liberal no poder e as eleições, as quais tanto
inquietavam os chefes locais e os seus séquitos. Buscamos demonstrar, assim, que
os atos ligados à política, tanto em nível “nacional”, estadual quanto municipal,
perpassaram e interferiram no cotidiano das colônias, provocando reações sutis e
extremadas, proporcionais àquilo que estes atos representaram aos colonos.
217 Cf. HUNSCHE, Carlos Henrique. O Ano 1826 da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metrópole, 1977. (p.165). O autor não usa a alcunha para depreciar o pastor Voges, mas sim para tentar explicar os seus procedimentos como líder espiritual, comerciante e proprietário de escravos. Segundo Hunsche, o que poderia ser visto como uma anormalidade deve ser contextualizado. Somente desta forma se poderá fazer justiça em relação a estes dados singulares do currículo do pastor. 218 Cf. ELY, na Guerra do Paraguai lutaram “26 filhos de Três Forquilhas” Ver: ELY, Nilza Huyer. Coronel João Niederauer Sobrinho. Um Busto em Itati – Por Quê? In.: ELY, op. cit. (1999c; p.85-87). (p.85).
153
No decorrer deste período, as atividades do pastor Voges foram-se ampliando,
delegando parte de suas responsabilidades ao seu filho primogênito, Adolpho
Felippe Voges, principalmente as ligadas ao comércio. Com isso, gradativamente, o
futuro Major220 Adolpho Voges assumiu a liderança econômica e política da colônia,
optando pelas diretrizes do partido liberal. Constituíram-se, dessa forma, na família
mais importante da colônia, extravasando, inclusive, seus limites. Tinham como
principais atores o pastor Carlos Leopoldo Voges, o seu filho primogênito, o Major
Adolpho Felippe Voges e, posteriormente, o Cel. Carlos Frederico Voges Sobrinho,
neto do pastor e filho do Major, detentor do poder local e chefe republicano absoluto
no Litoral Norte do RS, transcendendo, assim, o espaço das colônias alemãs.221
A partir da rede política estabelecida pela família do pastor, surge a
oportunidade de ampliarmos estas relações, trazendo novos elementos que atuaram
219 O pastor Voges não assistiu à violência ocasionada pela Revolução Federalista, pois faleceu em 3 de outubro de 1893. Neste momento, já havia transferido o poder da família para as mãos do seu filho Adolpho Felippe Voges. Cf. MÜLLER, op. cit. (1992; p.97). 220 Cf. GRAHAM, op. cit. aqueles que se destacavam nas eleições poderiam ser premiados com títulos. Os mais visados eram os da Guarda Nacional, que delegavam aos titulados uma série de poderes junto ao local onde viviam. (p.130-132). O Major Adolpho Felippe Voges, apesar de descender de um imigrante alemão e não professar a fé católica, recebeu este título por sua atuação junto ao partido liberal. O fato de este colono receber esta designação demonstra que em algumas situações os acatólicos conseguiam perpassar a esfera de poder dos nacionais e angariar premiações que os aproximava do círculo político maior. Hillebrand, da colônia de São Leopoldo, também conquistou um título desta modalidade, tornando-se Coronel. Para Uricoechea, op. cit. (1978a) o governo, ao distribuir títulos desta ordem, reconhecia a necessidade de promover aliança com os chefes locais a fim de que estes formassem as suas milícias e garantissem a vitória nas eleições para o partido que estava no poder. Parece-nos que, ao proceder de maneira semelhante com alguns colonos alemães, o governo firmava o mesmo “acordo” e reconhecia, nos Voges, uma família aliada, com poder suficiente para garantir a supremacia do partido liberal. 221 Cf. MÜLLER, Elio Eugenio. Aspectos Marcantes da Colônia Alemã de Três Forquilhas. In.: ELY, op. cit. (2000; p.55-62).
154
em nível de província e de Brasil. Referimo-nos aos já mencionados Silveira Martins
e Carlos von Koseritz, ambos políticos, os quais defenderam projetos ligados à
emancipação política dos acatólicos. Pretensamente, relacionamos as atividades do
Major Adolpho Felippe Voges, chefe liberal na colônia de Três Forquilhas, com a vida
pública do deputado von Koseritz e do grande líder liberal Silveira Martins,
demonstrando que houve uma aproximação dos acatólicos com o partido liberal e
que as idéias liberais atingiram as zonas coloniais, mesmo que estivessem nos
confins da província.
Conforme Elio Eugenio Müller, o fato de o Major Adolpho Felippe Voges ser
chefe do partido liberal, e seu filho, o Cel. Carlos Frederico Voges Sobrinho, tornar-
se um republicano não significa que tenha havido uma ruptura na família, ao
contrário, foi uma articulação política idealizada e concretizada à medida que a
atuação dos liberais encaminhava-se para o “banditismo” sob influência e comando
do desertor da Guerra do Paraguai, Bahiano Candinho, também adepto do partido
liberal.222 Conforme Helga Piccolo, “(...) conhecendo-se o apelo às armas feito pelos
liberais em ocasiões anteriores, não é de admirar que fossem, pelos conservadores,
chamados de revolucionários.” 223 A afirmação da autora remete-nos à dicotomia
“ordem” e “bandido”. Seguindo essa lógica, ou se pertencia ao partido da ordem,
222 Cf. depoimento do autor a Marcos Antonio Witt em 10 de outubro de 1999, no Sítio da Figueira, em Itati/RS. Parte do que o autor narrou pode ser conferido em suas duas obras sobre a colonização no Litoral Norte do RS. Ver: MÜLLER, op. cit. (1992) e _________. Três Forquilhas (1900-1949). Tempos de República. Curitiba: Italprint, 1993.
155
imagem reivindicada pelos conservadores e depois pelo PRR, ou se era classificado
como “bandido”, o que politicamente equivalia a liberal. Sobre a atuação do partido
liberal no Litoral Norte do RS, os enxergamos como um grupo que, quando
necessário, abandonava o discurso e pegava em armas. Em função disso, Adolpho
Voges, descontente com a atuação dos seus colegas partidários, mudou-se para sua
fazenda em São Francisco de Paula, onde permaneceu até a sua morte em 1912.
Com a retirada de Adolpho Felippe Voges, o caminho para a ascensão de
Carlos Frederico Voges Sobrinho estava aberto. De fato, segundo Müller, durante o
período republicano, o Cel. Voges assumiu a liderança política na colônia, com
reconhecimento em todo o litoral e nos Campos de Cima da Serra. A influência de
Júlio de Castilhos foi tamanha em sua vida que se deixou impregnar pelos ideais
castilhistas, tomou conhecimento da filosofia de Augusto Comte e adotou para si o
visual do líder republicano.224 Ainda, conforme este autor:
“Semelhante ao pai, Carlos Frederico retornara à colônia no posto de Capitão da Guarda Nacional, porém, ao invés de Liberal, viera como ‘Capitão da República’, sob a forte influência de Júlio de Castilhos...”.225
“Carlos Frederico Voges Sobrinho era conhecido de Borges de Medeiros, bem como de Getúlio Vargas, desde os tempos de estudo
223 Cf. PICCOLO, op. cit. (1974; p.77). 224 Cf. MÜLLER, op. cit. O autor publicou em seu segundo volume sobre Três Forquilhas uma fotografia do Cel. Voges, em que ele aparece com o mesmo corte de cabelo e tipo de bigode de Júlio de Castilhos. (1993; p.17-24). (p.21). 225 MÜLLER, op. cit. (1993; p.20).
156
e da Guarda Nacional. Este fato foi, certamente, decisivo para que Voges passasse, sucessivamente, ao título de Tenente Coronel e de Coronel, como também líder do Partido Republicano Riograndense – PRR, no vale do rio Três Forquilhas.”226
A transferência de adeptos do partido liberal para o PRR também pode ser
entendida a partir do descontentamento que tomou conta de alguns liberais quando o
partido deixou de ser oposição e tornou-se situação. A proximidade entre estas duas
agremiações teve início mesmo antes da consolidação do PRR. Segundo Eloísa
Ramos:
“Bem arregimentado, o Partido Liberal possuía liderança e representatividade - na corte e na província – e um programa reformista e crítico. Assim sendo, alguns republicanos, para poderem atuar, procuraram abrigo no PL, como Francisco Xavier da Cunha, Ramiro Barcellos e Wenceslau Escobar” 227
A situação inverte -se no momento em que liberais descontentes procuram o
PRR para abrigarem-se politicamente. No Litoral Norte do RS, temos dois exemplos
que explicitam como se deu a passagem de liberais para o lado dos republicanos. O
primeiro caso envolve o líder liberal Antonio Marques da Roza, um dos envolvidos na
expulsão dos juízes. De liberal ferrenho, o Tenente Cel. Roza passa, em 1889, para
o PRR. O segundo exemplo que destacamos compreende a família Voges, à qual já
nos referimos. Cabe lembrar apenas que, no caso dos Voges, a transferência deu-se
de pai para filho. Em ambas as situações, o motivo que provavelmente suscitou a
226 MÜLLER, op. cit. (1993; p.24).
157
mudança de partido foi a discordância do comportamento do partido liberal tanto na
corte como na província. Conforme Ramos:
“A postura do partido liberal, a partir de 1878, quando passou a ser poder no âmbito nacional e provincial, mudou. De um discurso reformista e crítico do regime, o PL acomodou-se e passou a defensor das instituições monárquicas... Com isso, o PL muda de discurso, substituindo o tom agressivo por outro, menos polêmico, mais ‘de acordo’ com sua condição de ser poder. Dessa maneira, atrai o desagrado daqueles que dele esperavam uma ação mais enérgica. Assim, enquanto o PL passa a ser cada vez mais conservador e defensor das instituições vigentes, o Partido Republicano firma-se para assumir posição, ocupando o espaço vazio que então se cria.” 228
Ao nosso ver, a hipótese formulada por Ramos responde suficientemente ao
fato de liberais do Litoral Norte do RS terem se transferido para o PRR. Inclusive,
manter-se fiel às idéias liberais enquadraria o político no grupo que estava “fora da
ordem”, situação que não permitiria o acesso às benesses que o PRR começou a
distribuir no momento que passou a ser poder.
Por outro lado, houve chefes locais que permaneceram fiéis às suas bandeiras
políticas. Um dos que podem ser enquadrados neste perfil é o desertor da Guerra do
Paraguai, Bahiano Candinho. Sua atuação merece destaque, pois tornou-se líder
político e, ao mesmo tempo, “bandido”, denominação que lhe foi atribuída em razão
de seu pretenso envolvimento com elementos criminosos, que praticavam roubos e
227 RAMOS, op. cit. (1990; p.68).
158
assassinatos em Cima da Serra assim como na colônia e nos arredores.229
Candinho, cujo nome verdadeiro era Martinho Pereira dos Santos, chegou à colônia
em 1871, apresentando-se como Cândido Alves da Silveira.230 A partir de então, até
a sua morte em 1898,231 fixou moradia junto aos colonos, casando-se com Maria
Witt. Inúmeros motivos levaram-no a envolver-se com componentes de grupos nada
ordeiros, em que a prática do crime era uma constante.232 Durante sua trajetória
política vinculada ao partido liberal, galgou o posto de Major por sua atuação na
Revolução Federalista.
228 RAMOS, op. cit. (1990; p.22-23 e 75). 229 Os arredores da colônia se estendem à Cima da Serra (hoje São Francisco de Paula), e a planície litorânea, desde Palmares do Sul até Torres. 230 Cf. ELY, Nilza Huyer. Baiano Candinho: Um Personagem Controvertido. In.: ELY, op. cit. (1999d; p.92-96). 231 Cf. MÜLLER, op. cit. (1992; p.89). 232 O requerimento da viúva Anna Maria Hoffmann, fazendeira nos Campos de Cima da Serra, de abril de 1868, traz informações sobre as quadrilhas que roubavam gado. Segundo a requerente, “o mesmo dizem do assassínio de Joaquim Fabrício, que concorrera com outros seus comparças de Três Forquilhas para lhe tirarem a vida.... ainda tanto mais audaz se acha, quando se considera com um bando de criminosos, desertores e facinosos ao seu dispor, pelo apoio que lhes tem prestado, além das que já as tinha; esta nova quadrilha se aglomera a outra de Três Forquilhas, com a qual tem o mesmo Honorio as mesmas influências, e disposição, a qual percorrem a costa na saída daqueles caminhos e se conservam, ora pela roça do dito, ora por aqueles faxinais dos fundos da fazenda da suplicante e ao depois se retornam para Três Forquilhas.” AHRS – Requerimentos - Polícia – Maço 137 – 1868. Pelo relato da fazendeira, tomamos conhecimento de que já havia quadrilhas que praticavam o roubo de gado e aterrorizavam os moradores de Cima da Serra. Muito provavelmente, foi num destes grupos que Bahiano Candinho recebeu guarida. Outra constatação relevante é que, pelo que pesquisamos sobre os bahianos, eles não teriam estabelecido uma quadrilha própria, pois chegaram à colônia em 1871, mas sim foram aceitos naquelas que já existiam. Sobre os motivos que levaram Bahiano Candinho a envolver-se com estes grupos, não é possível enumerá-los de forma clara e concisa, porém arriscamo-nos a apontar alguns que podem vislumbrar uma resposta mais coerente: o fato de ser forasteiro, a sua fama de valente, o trabalho que desenvolveu junto às fazendas, onde a pecuária era a atividade principal, e a acolhida que os membros destas quadrilhas ofereceram-lhe quando mais precisava. Estas informações estão baseadas em BASTOS, op. cit. (1935).
159
É oportuno, neste momento, relativizar o conceito de “bandido” atribuído a
Bahiano Candinho, uma vez que quem o designou como tal foram as autoridades
estabelecidas a quem fazia oposição, especialmente as ligadas à polícia e à justiça.
Além do mais, por ter optado pelas diretrizes liberais, a alcunha de “bandido” ou
“revolucionário” ganhou duplo sentido: “bandido”, pela possibilidade de ter-se
envolvido com elementos criminosos, e “revolucionário”, por ser liberal. No dia-a-dia,
porém, o limite entre estas atividades era muito tênue, pois o estilo de vida destes
homens permitia que mantivessem contato tanto com fazendeiros de Cima da Serra,
descontentes com o roubo do gado, quanto com os ladrões que assaltavam e
roubavam estas mesmas propriedades. Bahiano Candinho foi assim rotulado e, pelo
que se sabe, não lhe foi dada a oportunidade de posicionar-se frente a este conceito
de “bandido”.233
Bahiano Candinho enquadra-se no rol dos personagens que mereceriam uma
biografia. Sua vida foi muito pouco estudada e poderia lançar novas luzes sobre a
história das guerras, como a do Paraguai e a Revolução Federalista, do confronto
233 O título de “bandido” atribuído a Bahiano Candinho pode ser analisado do ponto de vista historiográfico. Num texto de Fernandes Bastos sobre Três Forquilhas, publicado primeiramente no jornal “A Federação”, em 1926, e depois na Revista do Museu Júlio de Castilhos e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, em 1957, verificamos que um dos seus informantes para escrever tal texto havia sido o Cel. Voges, neto do pastor Voges e líder republicano na região. Considerando estas evidências somadas aos fatos que Bastos também era ligado ao PRR, chegando a ser intendente de Conceição do Arroio, e que Bahiano Candinho era adepto do partido lib eral, constatamos o quanto de “político” havia nesta rotulação de “bandido”. Ver: BASTOS, op. cit. (1957; p.5-17) e FRANCO, Sérgio da Costa. Fernandes Bastos, O Cronista do Litoral Norte. In.: BARROSO, Véra Lucia Maciel, QUADROS, Terezinha Conceição de Borba & BROCCA, Maria Roseli Brovedan (Orgs.). Raízes de Torres. Porto Alegre: EST, 1996. (p.268-272).
160
étnico e, principalmente, da política. Conhecemos tão infimamente este aventureiro
que não nos permitimos incriminá-lo ou absolvê-lo de todas as acusações que lhe
foram feitas. Não se sabe ao certo de que estado do Nordeste ele provinha.
Conforme Fernandes Bastos, “Bahianos foragidos já existiam por lá diversos. Que
fossem, propriamente, da Bahia, também não vinha ao caso. Bastava que fossem do
Norte para serem bahianos. Os do centro do Paiz, eram berivas. D’estes tambem
havia pela colonia.”234 O que foi levantado até este momento sobre Bahiano
Candinho comprova sua participação na vida política do Litoral Norte do RS,
demonstrando que se havia filiado ao partido liberal e atuado nas guerrilhas,
especialmente na década de 1890. Sua morte foi descrita por Bastos na obra Noite
de Reis, que, embora sendo um romance, narra com fidelidade os últimos anos que
antecedem o assassinato de Candinho numa noite de reis.235
234 BASTOS, op. cit. (1935; p.24). 235 Para se obter mais informações sobre Bahiano Candinho, ver: MÜLLER, op. cit. (1992; p.48 e 89), ELY, op. cit. (1999d; p.92-96), BASTOS, op. cit. (1935; 1957), LIPERT, Generi Máximo. Terra de Areia: Idéia, Sonho e Liberdade . Porto Alegre: Tchê, 1991. (p.72-78) e RUSCHEL, Ruy Ruben. Participação do Regimento de Torres na Revolução de 1893. In.: RAMBO, Arthur Blásio & FÉLIX, Loiva Otero (Orgs.). A Revolução Federalista e os Teuto-Brasileiros. São Leopoldo: UNISINOS; Porto Alegre: UFRGS, 1995b. (p.173-178). Localizamos no AHRS seis telegramas da polícia de Conceição do Arroio e um de Torres, que narram a atuação dos bandos durante a Federalista. Todas as mensagens são de 1893 e envolvem o nome de Candinho e/ou a colônia de Três Forquilhas. AHRS – Polícia – Maço 6; AHRS – Correspondência das Intendências – Lata 124V - Maço 367. Neste mesmo arquivo, num relatório do presidente da província, encontramos uma referência ao assassinato do irmão de Bahiano Candinho, conhecido por Pedro Bahiano, no ano de 1882. Consideramos este dado relevante, pois comprova o envolvimento dos bahianos em situações violentas. Além disto, este fragmento amplia o nosso olhar sobre a inserção destes elementos na vida da colônia. AHRS – Documentação dos Governantes – Relatórios e falas dos presidentes da província – A7.15 – Relatório de Francisco de Carvalho Soares Brandão – 1882. Por último, encontramos o nome de Bahiano Candinho num livro caixa de uma venda, o que parece demonstrar que ele era, no mínimo, um freguês daquele estabelecimento comercial. Ver: WITT, op. cit. (2.000g; p.97-99).
161
Após nos debruçarmos sobre alguns personagens que atuaram como
pequenos chefes locais no Litoral Norte do RS, retomaremos o inquérito policial no
qual parte destes chefes estão inseridos. Do que foi exposto até agora, podemos
deduzir que havia intensa comunicação entre os líderes políticos do Litoral Norte do
RS, envolvendo, neste caso, nacionais e colonos de origem alemã; demonstramos,
igualmente, que a distância geográfica não era obstáculo para que idéias fossem
trocadas e, posteriormente, concretizadas. É preciso avaliar que tomar tal atitude, ou
seja, propor e executar a expulsão de duas autoridades,236 requer, no mínimo, uma
boa articulação das partes envolvidas, a elaboração de um plano capaz de produzir
os resultados propostos e, sem dúvida, coragem para se envolver em assunto de
desdobramentos tão imprevisíveis.
Um dos aspectos relevantes deste fato refere-se aos motivos pelos quais se
queria expulsar os juízes, citados nos depoimentos tomados pelo delegado de
236 Cf. GRAHAM, os cargos de juiz de direito e juiz municipal eram um dos mais procurados por aqueles que buscavam o poder através da magistratura. Segundo o autor, o motivo de tamanha procura estava no poder que recebiam para exercer as suas tarefas. Não era raro encontrar um juiz que excedia as suas atribuições, usando do seu cargo para beneficiar um amigo ou prejudicar um aliado do partido contrário. Félix, Silva & Schmidt destacam as mesmas situações para a área colonial italiana, onde juízes valeram-se de sua autoridade para anular ou alterar os resultados das eleições. A inserção dos juízes na política era um assunto tão importante para a época que o Senado referiu -se a ele quando discutiu a reforma eleitoral de 1855: “Organize-se a magistratura de modo que o magistrado ache grande interesse no exercício de seu lugar; liguem-se grandes vantagens ao acesso na sua carreira; seja o acesso dependente da antiguidade, e esta do efetivo exercício, e suas candidaturas diminuirão consideravelmente... Pelo contrário, se a exclusão dos magistrados lhes for imposta como necessidade, o descontentamento e má vontade de uma classe tão importante e que por suas ramificações exerce sobre toda a extensão do país grande influência moral, nunca será um fato indiferente e sem conseqüências do maior alcance.” (p.198). Ver: GRAHAM, op. cit. (p.283), FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992; p.120-121) e PINTO, op. cit.
162
Conceição do Arroio. No entanto uma análise mais apurada do ocorrido revelou que
questões de ordem política podem estar por detrás das razões elencadas.
O primeiro motivo levantado no inquérito diz respeito a um exame de sanidade
mental que seria feito pelo juiz municipal e de órfãos em Jeronymo Silveira de Souza.
O suposto doente era irmão de Hildebrando Silveira de Souza, um dos que
desejavam a retirada dos juízes. Contudo o documento não revela maiores detalhes
sobre este procedimento e nem quais seriam as conseqüências advindas dele.237
O segundo motivo, relatado nos depoimentos do cônego Joaquim Ferreira
Ramos e de José Candido de Almeida, diz respeito a um processo judicial
envolvendo Ignacio de Araujo Quadros Filho e Jacob Stammetz.238 Os depoentes
ouviram dizer que, sendo retirados os juízes, acabar-se-ia o processo em que
Ignacio havia ofendido Jacob, livrando-se, portanto, de uma provável condenação.
237 Adentrando no perigoso terreno das hipóteses, questionamos se o Jeronymo Silveira de Souza, ao ser declarado como mentalmente incapaz, seria excluído de participar de uma eleição. Considerando que o voto de um cidadão era tremendamente disputado e que qualquer ato tornava-se válido quando o objetivo era diminuir o número de votantes do grupo contrário, corremos o risco de fazer tal indagação, mesmo que não tenhamos subsídios para comprová-la. 238 Cf. MÜLLER, op.cit. (1992; p.85) um Brummer chamado Jacob Steinmetz chegou ao Vale do Três Forquilhas entre 1851 e 1855. O autor não faz referências sobre a permanência deste imigrante na colônia. No AHRS localizamos o alistamento geral dos eleitores de Conceição do Arroio, de 1896, no qual figuram como votantes Jacob Staimttes e Jacob Staimttes Filho, ambos casados, de profissão negócio, o primeiro com 68 anos, e o segundo com 30 anos, sendo os dois de Maquiné (2ª Seção Eleitoral). Não podemos afirmar que se trata da mesma pessoa envolvida no processo judicial. Ao que tudo indica, há a possibilidade de estarmos falando do indivíduo que Müller apresentou como Brummer e que mais tarde teria fixado residência em Maquiné. Além do mais, ser apontado como eleitor e ter sua profissão designada de negócio sugere que possuía alguma importância naquele cenário, onde teria poder para conflitar-se com um fazendeiro da região. AHRS - Correspondência das Intendências – Lata 119V - Maço 349.
163
No entanto entendemos que há razões mais profundas para se estabelecer tal clima
de instabilidade, que resultou na fuga dos juízes na véspera do dia em que seriam
expulsos.
No depoimento de Ignacio de Araujo Quadros Filho, lemos que a reunião tinha
por fim não permitir a desintegração de um partido político, que estaria sendo
promovida pelo juiz Paulino Chaves, acompanhado de outras pessoas. Apesar de
não citar a sigla, sabemos que se tratava do partido liberal, pois Antônio Marques da
Roza era seu líder em Conceição do Arroio, e o Major Adolpho Felippe Voges, em
Três Forquilhas. Além disso, pela saudação proclamada pela comunidade239 quando
saiu às ruas para comemorar a fuga dos juízes, que gritava “...morras aos pica-pau
apelido com que tratam o juiz municipal...”240, “...vivas a sociedade arroiense e
morras ao pica-pau apelido porque se trata o juiz municipal...”241 e que dava vivas
“...ao Gal. Osorio e a boa sociedade...”242, podemos supor que agraciavam o partido
liberal, pois o Gal. Osório era um dos grandes líderes desta agremiação. Ao
239 Apesar de constituir-se num terreno movediço, baseamo -nos em Jean-Jacques Becker para analisar o que o autor chama de opinião púbica . De acordo com sua análise, este tipo de manifestação deve ser levado em conta quando assume tais proporções, isto é, se um grupo expressa a sua opinião publicamente, enveredando por este ou aquele “caminho”, esta manifestação torna-se mensurável e peça fundamental para a compreensão do episódio. Assim, valorizamos o que foi expresso por parte da comunidade arroiense, quando saiu às ruas para comemorar a fuga dos juízes, uma vez que isto representa sua vontade política e/ou sua subordinação a alguns chefes locais. Graham apresenta uma série de situações em que uma comunidade, ou parte dela, manifestou-se a fim de comemorar uma vitória, ou outro acontecimento qualquer, sendo que “essas atividades às vezes viravam folguedos generalizados, ou degeneravam em confrontos armados...”. (p.151). Ver: BECKER, Jean-Jacques. A Opinião Pública. In.: RÉMOND, René (Org.). Por Uma História Política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. (p.185-211) e GRAHAM, op. cit. 240 AHRS – Polícia - Maço 6 - Depoimento de José Candido de Almeida.
164
saudarem-no, demonstravam sua tendência política e/ou a subordinação aos líderes
que pretendiam expulsar os juízes.243 Outro aspecto que nos conduz a esta
suposição é o ódio demonstrado pela população contra o juiz municipal Alexandre
Correia de Castro, que recebeu a alcunha de Pica-Pau. No entanto não podemos
afirmar que caracterize, neste momento, um adepto do republicanismo, pois,
conforme Franco, o apelido seria cunhado somente durante a Revolução Federalista,
identificando as forças governistas.244
Especificamente sobre a denominação Pica-Pau, encontramos em dois
dicionários definições que podem nos auxiliar no entendimento deste vocábulo. No
primeiro, além de outras explicações, Pica-Pau é “agente de polícia cívica”245 e, no
segundo, “soldado de polícia”.246 No entanto não podemos afirmar que o termo
estivesse sendo usado nesse sentido, acusando, comparando ou depreciando a
figura do juiz. Quanto ao juiz municipal, Richard Graham sustenta que, através das
suas funções, este magistrado tinha a possibilidade de socorrer “os seus” e perseguir
241 AHRS – Polícia - Maço 6 - Depoimento de José da Silva Cabral. 242 AHRS – Polícia - Maço 6 - Depoimento de Manoel Vidal de Negreiros. 243 Uma das premissas que perpassa a obra de GRAHAM, op. cit. é aquela em que o autor entende o partido político não como uma agremiação que tem um programa de governo a ser apresentado à população e posteriormente desenvolvido. Para ele, o que está em jogo é o poder pessoal do líder e sua capacidade de articulação com os que estão acima e abaixo do seu posto. (p.198). 244 Cf. FRANCO, Sérgio da Costa. A Guerra Civil de 1893. Porto Alegre: UFRGS, 1993. (p.8). LOVE, op. cit. concorda com as explicações deste mesmo autor, discorrendo, também, sobre as denominações Pica-Pau, que identificava os republicanos; e Maragato, que caracterizava os federalistas. (1975; p.66). 245 GRANDE Enciclopédia Portuguesa e Brasileira . v. XXI. Rio de Janeiro/Lisboa: Editorial Enciclopédia Ltda., s/d. (p.573).
165
os que lhe eram contrários. Estava, conforme o entendimento do autor, muito mais
ligado a questões de ordem local do que aos seus compromissos judiciais. Sendo um
homem da própria localidade, usufruía do seu conhecimento para exercer a sua força
e demonstrar o poder que o cargo lhe atribuía. Graham exemplifica com a seguinte
situação: “... um terceiro juiz municipal... mal ocupou o cargo, soltou um culpado de
assassinato e deixou de lado um pleito contra um ladrão de cavalo.” 247
Concretiza-se, dessa forma, uma querela política, na qual dissidentes ou
contrários do partido liberal desejavam fundar um novo partido no Litoral Norte do
RS. Não desprezamos os outros dois motivos apontados, pois é muito provável que
haja uma imbricação entre eles. Todavia, considerando que a década de 1880 se
aproximava insuflada pelos debates sobre as possíveis abolição da escravatura e
proclamação da República, que veio a constituir-se num dos momentos mais
intranqüilos da vida brasileira, trabalhamos com a probabilidade de uma disputa
política acirrada, conduzida por conservadores e liberais e, eventualmente, futuros
republicanos.
Por sua vez, a consulta a três pesquisadores, distintos teórica e
metodologicamente, pode revelar-nos outras variáveis no que tange à expulsão dos
246 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (Org.). Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1.ed. [2. Impressão]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. (p.1091). 247 GRAHAM, op cit. (p.95).
166
juízes de Conceição do Arroio. O primeiro, Antônio Stenzel Filho,248 discorre sobre a
política local, definindo o juiz de direito, Paulino Chaves, como um articulador político
e responsável pela distinção entre os partidos conservador e liberal. Segundo este
autor:
“Havia em toda a Província dois partidos, o liberal e o conservador; aqui, o chefiado pelo Coronel Antônio Marques da Rosa, que se dizia liberal, e entretanto dava a sua votação aos conservadores; e o outro, cujo chefe era o Major João Marques, que se tinha como conservador, mas dava a votação ao partido liberal. Só mais tarde, com a chegada do Dr. Paulino Chaves, que veio como juiz de direito... foi que os partidos se discriminaram, terminando essa inversão, que eu não sei qualificar, porque nunca consegui saber o motivo dela.”249
Como vemos na análise do autor, os dois líderes que tramaram a expulsão
dos juízes seriam de partidos contrários e, mesmo assim, uniram-se em torno deste
propósito. Stenzel afirma, também, que faziam “uma política mansa, cheia de
tolerância e considerações...”250, do que discordamos face à violência explicitada nos
documentos pesquisados. Menciona, igualmente , que o chefe liberal “contava com
elementos de subido valor, sendo auxiliado por homens de prestígio do quilate do
248 Cf. STENZEL Filho, Antônio. A Vila da Serra (Conceição do Arroio): Sua descrição física e histórica, usos e costumes até 1872. 2.ed. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980. Podemos classificar a obra do autor como uma história municipalista, em que os fatos são narrados linearmente, sem que haja vínculo entre eles. Stenzel nasceu e viveu no Litoral Norte do RS, o que lhe permitiu conhecer a fundo o cotidiano daquelas comunidades e, posteriormente, registrá-lo em seu livro. Lamentamos, apenas, que ele não cita as suas fontes, impedindo-nos de buscar outras informações para cruzarmos com o documento que narra a expulsão dos juízes. 249 STENZEL Filho, op. cit. (p.77). 250 STENZEL Filho, op. cit. (p.78).
167
Major Adolfo Felipe Voges, José Luís de Medeiros e professor Nascimento, de Três
Forquilhas...” 251 o que ratifica nossa hipótese de participação política de membros
das colônias alemãs.
Quanto ao segundo pesquisador, Helga Piccolo aponta-nos dois fatos que
consideramos oportunos para esta discussão. O primeiro diz respeito à queda dos
conservadores em princípios de 1878 e à ascensão dos liberais.252 Esta mudança é
notória, porque é dentro deste novo quadro político-partidário que os personagens do
Litoral Norte do RS atuaram. Toda e qualquer manifestação de grupos ligados à
política deve ser analisada levando-se em conta o panorama que se instalou a partir
de 1878, quando os liberais tomaram o poder e viram-se fragmentados pelas
inúmeras facções que passaram a discordar do seu comportamento como governo.
Apesar de todas essas pendengas internas, mantiveram-se como situação até serem
destituídos pelos republicanos.
O segundo fato apontado pela autora diz respeito ao desentendimento entre
Silveira Martins e Osório, momento em que há um cisma no partido liberal. Um dos
motivos que ocasionou a inimizade entre os dois líderes, além da questão dos
acatólicos referida anteriormente, foi a mudança de presidente no Rio Grande do Sul,
onde foi “nomeado a 5 de julho de 1879, tomou posse a 19 desse mesmo mês na
251 STENZEL Filho, op. cit. (p.78). 252 PICCOLO, op. cit. (1974; p.14).
168
presidência da província, o Dr. Carlos Thompson Flores então juiz de direito de São
Sebastião do Caí.” 253
Primeiramente, destacamos a coincidência das datas: mesmo mês e ano em
que houve a expulsão dos juízes; em seguida, lembramos que a comunidade de
Conceição Arroio, quando soube que os juízes haviam fugido, deu vivas ao Gal.
Osório e não a Silveira Martins, demonstrando que possuía algum conhecimento ou
inclinação política. Seria “osorista” e não “gasparista”? A atitude destas pessoas que
se manifestaram pode ter sua origem na orientação dos seus chefes políticos.
Considerando que a comunidade se dividia pelos partidos conservador e liberal, é
natural que seguissem e participassem dos planos elaborados pela liderança
correspondente. Assim, é possível que o desentendimento entre os dois líderes
liberais, ocasionado em parte pela troca de presidente na província, tenha alterado a
rotina partidária do Litoral Norte do RS. Sobre este fato, lemos num dos depoimentos
que “... o promotor público esteve com esta testemunha [cônego Joaquim Ferreira
Ramos] em casa deste promotor lendo o jornal Reforma que recém havia chegado
no correio, ali conversavam sobre a nomeação do Senhor Presidente Flores...”.254
253 PICCOLO, op. cit. (1974; p.106-107). (grifos nossos). 254 AHRS – Polícia – Maço 6 - Depoimento do cônego Joaquim Ferreira Ramos. Consideramos esta citação relevante, pois demonstra que tinham conhecimento do que havia ocorrido na presidência da província. E mais, ao lerem o jornal “A Reforma”, que era da imprensa liberal, tornavam público sua tendência política. Cf. Piccolo, o jornal “A Reforma” foi criado em 1869 para divulgar as idéias liberais. (p.109). Ver: PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. A Política Rio -Grandense no Império. In.: DACANAL, José Hildebrando & GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. (p.93-117).
169
Pelas leituras realizadas, sabemos que, normalmente, quando ocorria uma mudança
deste tipo no alto escalão – troca de presidente da província -, o efeito atingia as
esferas inferiores, neste caso, a vila de Conceição do Arroio.255 Contudo, após a
morte do Gal. Osório, o partido liberal retomou suas atividades sob o comando único
de Silveira Martins, que travou um constante duelo com o líder republicano Júlio de
Castilhos. Segundo Piccolo, “com a morte de Osório em outubro de 1879, caberia a
Silveira Martins a liderança absoluta do partido liberal no Rio Grande do Sul ...”.256
O terceiro pesquisador consultado é de Santo Antônio da Patrulha. José
Maciel Júnior,257 além de exercer o cargo de Oficial do Registro de Imóveis, dedicou-
se ao estudo de sua cidade e a recolher todo e qualquer documento que julgasse
importante, criando um rico acervo sobre a história da vila patrulhense. No seu livro,
o autor apresenta um episódio que ocorreu em 1878, envolvendo dois juízes.
Segundo Maciel:
“Acontece que nesses pequenos lugares as competições político-partidárias são, geralmente, agitadas, e Santo Antônio da Patrulha, município bastante amplo e, por isso importante, a luta entre conservadores e liberais às vezes se extremava, mas jamais chegou ao ponto de 1878/80, durante a campanha eleitoral.
255 Cf. RAMOS, op. cit. (1990; p.178-196 e 228). Em FAORO, op cit. encontramos outro exemplo desta prática. Cf. o autor: “Com o afastamento dos funcionários públicos, nomeação de republicanos, distribuindo à larga patentes da Guarda Nacional, sem desdenhar o uso da violência, o Partido Republicano desmontou, da cúpula à base, a máquina eleitoral do Partido Liberal, a mais poderosa do Império.” (1970; p.102). (grifos nossos). 256 PICCOLO, op. cit. (1974; p.107). 257 MACIEL Jr., op. cit.
170
A passeata da noite de 18 de maio de 1878, que passou à história com o nome de ‘Quebra-Vidros’, promovida pelos liberais contra as casas dos conservadores... Em conseqüência desses acontecimentos, ocorreu sério incidente entre o Juiz de Direito da Comarca, dr. Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, conservador, e o Juiz Municipal, Francisco Antônio Caldas, liberal.” 258
Uma das conseqüências do desentendimento entre os juízes foi a extinção da
comarca de Santo Antônio da Patrulha, criando-se no seu lugar a comarca do Rio do
Sinos, com sede na vila patrulhense, e a comarca de Maquiné, sediada em
Conceição do Arroio, para onde foi transferido o juiz Paulino Chaves. Menos sorte
teve Vieira Caldas, que, em virtude deste incidente, foi processado. Os magistrados
que o julgaram entenderam que não cabia a condenação, sendo transferido para
Porto Alegre e, posteriormente, para Florianópolis.259
A fim de enriquecermos esta problemática, apresentamos outras situações na
qual o juiz Paulino Chaves está inserido. Em março de 1876 a câmara municipal de
Santo Antônio da Patrulha escreve ao presidente da província solicitando
esclarecimentos acerca de um pagamento que deveria ser feito a um dos escrivães
do município. Apesar de não revelar qual a origem do desentendimento, diz que “no
processo crime de responsabilidade em que foi acusado perante a mesma relação, e
absolvido, o juiz de direito desta Comarca Dr. Paulino Rodrigues Fernandes
258 MACIEL Jr., op. cit. (p.89-90). (grifos nossos).
171
Chaves...”.260 Pelo teor do que foi escrito, o juiz envolveu-se em mais um episódio,
de ordem jurídica, o que nos auxilia a reconstituir a sua trajetória como magistrado e
a compreender a teia das relações que, paulatinamente, estabeleceu com a
comunidade litorânea.
O outro acontecimento refere-se novamente a desentendimentos entre Vieira
Caldas e Paulino Chaves. Num extenso relatório ao presidente da província, o juiz
Vieira Caldas defende-se das acusações que lhe foram feitas por João de Aguiar
Júnior, que o acusa de interpretar erroneamente a lei eleitoral. O motivo maior da
denúncia são as inclusões e exclusões dos votantes qualificados,261 tarefa que
estava a cargo deste juiz e que poderia dar vitória ao partido liberal, do qual era
adepto, desfavorecendo os conservadores.
Do documento mencionado, interessam-nos, particularmente, três
informações. Num certo momento, o acusador João de Aguiar Júnior chama o juiz
Vieira Caldas de “liberal exaltado”, o que significa não apenas rotular e tornar público
a que partido político o juiz pertencia, mas definir-se como um contrário, isto é, “se o
259 Cf. GRAHAM, op. cit. a vida jurídica dos juízes dependia de sua articulação com o governo. Via de regra, era o presidente da província que os nomeava, ou, então, removia e aposentava de acordo com os seus interesses e/ou do partido que representava. (p.95). 260 AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 157 - Maço 229 – Santo Antônio da Patrulha – 1876. 261 Cf. GRAHAM, op. cit. após 1875 os juízes de direito receberam o poder de excluir nomes da lista de qualificados para as eleições. Com isto, os dois juízes sentiam-se legalmente aptos a incluir e/ou excluir nomes desta lista, o que gerava desentendimentos “espinhosos” entre os dois. Este poder era
172
outro é um liberal exaltado, eu sou um conservador”. A resposta de Vieira Caldas
para esta delação está intimamente ligada à atuação de Paulino Chaves, que,
segundo o juiz acusado, está por detrás desta artimanha, manipulando e protegendo
o seu acusador Aguiar Júnior. E a terceira informação desvela o grau de
desentendimento entre as duas autoridades. Vieira Caldas, ao mencionar o nome do
seu colega, diz que “o referido juiz figadal inimigo meu, que timbra em reformar as
decisões em que intervenho...”.262 As declarações de ambas as partes vem ratificar o
que vimos demonstrando em relação à prática política no Litoral Norte do RS. O
desfecho destes acontecimentos que perpassaram os anos de 1876 a 1879 deu-se
com a pretendida expulsão do juiz de direito Paulino Rodrigues Fernandes Chaves e
do juiz municipal Alexandre Correia de Castro. Parece-nos que foi no bojo de todas
estas “pendengas” político-partidárias que se gerou e concretizou a saída dos dois
juízes em julho de 1879. O fato de Paulino Chaves sair-se vitorioso e permanecer na
comarca e Vieira Caldas ser transferido para Porto Alegre marcou profundamente o
sentimento liberal dos seus colegas correligionários. À medida que houve a
oportunidade, os liberais não hesitaram em dar o “troco” e expulsar os
conservadores, respaldados agora no governo liberal junto à província e ao Império.
O ponto nevrálgico destes incidentes está na participação do juiz Paulino
Chaves. Uma acusação feita pelo próprio juiz em seu depoimento indica que pode
tão importante para a eleição que, quem conseguisse elaborar uma lista que trouxesse mais votantes
173
haver um elo de ligação entre os acontecimentos de 1878/79. Conforme o que é
relatado pelo magistrado:
“... fora encontrado em Santo Antônio da Patrulha em casa do Doutor Caldas ao cair da tarde, Luiz Henrique Moura de Azevedo, Zeferino Antonio Gomes, Zeferino Antonio de Oliveira, João Jacques Nicós e João Pereira Filho, onde foram, segundo dizem, combinar o plano delineado por Luiz Henrique Moura de Azevedo.” 263
Buscamos acompanhar a trajetória política do Major Luiz Henrique Moura de
Azevedo nas eleições para deputado na assembléia provincial legislativa em 1887 a
fim de demonstrar os conchavos políticos que conservadores e liberais estabeleciam
para garantir a vitória. Da tabela abaixo, podemos observar:
para o seu partido, praticamente estava com a vitória garantida. (p.405). 262 AHRS – Eleições - Caixa 208 – Maço 3 – Santo Antônio da Patrulha – 1876. (grifos nossos). 263 AHRS – Polícia – Maço 6 – Depoimento do juiz de direito Paulino Rodrigues Fernandes Chaves. Nesta mesma oportunidade, o magistrado acusa o advogado Luiz Henrique Moura de Azevedo de ter aconselhado Antonio Marques da Roza e João Marques da Cruz Martins a promoverem a expulsão dos dois juízes. No entanto não dá os motivos que levaram o advogado a tal aconselhamento. Pesquisando os inventários no APRS, localizamos o do bacharel Luiz Henrique Moura de Azevedo, de 1893, no qual estão descritos os bens que possuía. Além de móveis e objetos requintados, deixou também “trinta e seis livros de direito, usados.” As suas propriedades constituíam-se de “uma casa coberta de telhas, nesta vila, com cinco janelas e uma porta na frente, com cozinha, também de telhas” e “uma casa, coberta de telhas e o competente terreno, cercado, situado na ‘porteira’.” O total dos bens foi avaliado em 3:398$680. O seu nome aparece em outros inventários, como no de Guilhermina Voges, esposa do Major Adolpho Felippe Voges, de 1880, quando foi contratado para providenciar a transmissão dos bens que cabia aos herdeiros e no de Benício Witt, de 1890, sendo-lhe outorgada uma procuração para representar os interessados. Destacamos estes dois documentos, pois demonstram que a atuação advocatícia de Azevedo estendia -se por todo o litoral e que, especialmente no caso dos Voges, mantinha relações com a família exponencial de Três Forquilhas, ao ponto de ser escolhido como seu advogado. APRS – Espólio de Luiz Henrique Moura de Azevedo – Curador: Julio Pinto Guimarães – n. 256 – Maço 9 – Estante 159 – 1893 – Conceição do Arroio – Ausentes, Arrecadações; APRS – Inventário de Guilhermina Voges – Autos 195 – Maço 6 – Estante 62 – 1880 – Conceição do Arroio – Cartório do Cível e APRS – Inventário de Benício Witt – n. 248 – Maço 8 – Estante 62 – 1890 – Conceição do Arroio – Órfãos e Ausentes.
174
Candidatos Paróquia de
Conceição do
Arroio
Distrito de
Palmar
Distrito de
Maquiné
Paróquia de São
Domingos das
Torres
Antônio Caetano
Seve Navarro
51 votos 39 votos 29 votos 42 votos
José Rodrigues
Lima
18 votos 12 votos 16 votos 20 votos
Luiz Henrique
Moura de
Azevedo
17 votos 8 votos 17 votos 1 voto
Antes de fazermos algumas considerações sobre a tabela retro, lembremos
que o Major Luiz Henrique Moura de Azevedo esteve envolvido, segundo denúncias
do juiz de direito Paulino Chaves, no episódio da expulsão dos juízes e que mantinha
contatos com a família Voges, de Três Forquilhas, a tal ponto de ser escolhido como
advogado para conduzir o inventário da esposa de Adolpho Felippe Voges.
Analisando o seu desempenho nas eleições de 1887 no distrito de Maquiné,
podemos supor que seu colega liberal Adolpho Voges tinha influência nesta área,
onde fez dezessete votos, enquanto que, na paróquia de São Domingos das Torres,
fez somente um voto. Além de indicar a possibilidade de uma ligação política entre
os dois liberais, dentre outras hipóteses que poderíamos aventar, desconfiamos de
que, pelo menos nestas eleições, o chefe liberal Adolpho Voges não teve influência
175
sobre o eleitorado de São Domingos das Torres, mesmo que esta paróquia
integrasse a área colonial do litoral.264
Além do que expomos acima, a ínfima votação do Major Luiz Henrique Moura
de Azevedo em Torres talvez possa ser explicada pelo fato de os torrenses estarem
assimilando as idéias republicanas. Conforme Eloísa Ramos:
“Com uma série de necessidades, como a abertura definitiva da barra do Mampituba, a construção de um porto no município e o impasse dos partidos monárquicos, que, por suas lideranças – como já vimos não conseguiram reverter o quadro de estagnação local, passaram os torrenses a buscar, mesmo que já no ano de 1889, uma nova saída. Uma alternativa poderia ser a adesão ao PRR, com a esperança de melhores dias. É o que se deduz das matérias que são mandadas deste distrito para o jornal ‘A Federação’, como um enérgico protesto dos comerciantes da praça de Torres visando à construção do porto e queixando-se da ‘indiferença e incuria’ com que seus assuntos eram tratados pelo governo provincial.” 265
Pela análise da tabela mencionada, podemos constatar que o candidato
conservador, Antônio Navarro, fez 42 votos contra 1 do liberal Azevedo. O resultado
da eleição estaria indicando uma aproximação com os republicanos via partido
264 Os dados para esta tabela encontram-se no AHRS – Eleições – Caixa 207 - Maço 1 – Conceição do Arroio – 1887 e AHRS – Eleições – Caixa 208 - Maço 4 – Torres – 1887. Os três concorrentes são descritos da seguinte forma: o primeiro, “Doutor e advogado em Porto Alegre”; o segundo, “Major e advogado na Palmeira”; e o terceiro, “Major e advogado na Comarca”. Apesar de buscarmos informações sobre o candidato Antônio Caetano Seve Navarro, não descobrimos muita coisa em relação a este político. Ari Martins apresenta pequenos dados biográficos sobre ele, resumidos da seguinte forma: “Pernambucano [nascimento]; Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1898. Bacharel pela Fac. De Dir. de Recife. Advogado em Pelotas. Juiz municipal em Livramento. Dep. à Assembléia Provincial do RS em várias legislaturas. Dep. Geral pelo RS, 1886-1889. Já em 1883, segundo Sacramento Blake, residia há vários anos no RS. Membro do Partido Conservador.” Ver: MARTINS, Ari. Escritores do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS/Instituto Estadual do Livro, 1978. (p.392).
176
conservador? Para a autora, as manifestações pró-republicanas foram respostas de
questões não resolvidas, principalmente em Torres e Conceição do Arroio. Já
citamos o caso do porto de Torres e as inúmeras queixas dos arroienses em razão
das más condições das estradas.
A inclusão da tabela dos resultados da eleição de 1887 tinha como objetivo
demonstrar as oscilações na prática do poder local. Dando continuidade a esta
análise, Maciel aponta o juiz Paulino Chaves como um conservador, o que justificaria
o fato de ter sido expulso por um grupo liberal. Ao que parece, manteve-se adepto do
partido conservador até 1888, participando de três legislaturas como deputado
provincial: 1883/84, 1885/86 e 1887/88.266 Segundo Sérgio da Costa Franco,267 o
cargo de juiz de direito neste período servia como um trampolim para a política. A
condução da vida pública de Paulino Chaves sugere que a afirmação do historiador
esteja correta. Contudo existem momentos da trajetória do magistrado que ainda não
elucidamos totalmente. Por exemplo, o juiz desejava fundar um novo partido no
Litoral Norte do RS em 1879? Helga Piccolo informa que o Clube Republicano de
Porto Alegre foi fundado em junho de 1878 e o PRR em fevereiro de 1882.268 Com
265 RAMOS, op. cit. (1990; p.166-167). 266 Cf. AITA, Carmen, AXT, Gunter & ARAUJO, Vladimir (Orgs.). Parlamentares Gaúchos das Cortes de Lisboa aos Nossos Dias: 1821-1996. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1996. (p.49-50). 267 O Dr. Sérgio da Costa Franco concedeu uma entrevista ao autor, na qual teceu as afirmações acima. Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, 29/3/2000. GRAHAM, op. cit. ao analisar a atuação dos juízes junto à política, também os enxerga como elementos importantes para a vitória dos partidos aos quais pertencem. (p.299). 268 PICCOLO, op. cit. (1974; p.113 e 115).
177
isso, questionamos se o juiz, mesmo sendo adepto do partido conservador, já estaria
assimilando as idéias republicanas; e mais, como conservador, como pôde em
dezembro de 1892 ser nomeado um dos sete desembargadores do estado em pleno
governo castilhista?269 e quanto à alcunha de Pica-Pau dirigida contra o juiz
municipal, o que significava este apelido em 1879? que atos e palavras deste
magistrado permitiram que fosse rotulado com este apelido? Não há respostas
definitivas. Para nós, o mais importante é que nos deparamos com um mundo no
qual a política tinha um lugar privilegiado e movimentava os seus partidários de tal
forma que inúmeros conflitos passaram a existir na disputa pelo poder.
Para entendermos a complexa rede de relações que os litorâneos
estabeleceram, faz-se necessário avançar um ano e constatar que, em junho de
1880, foi suprimida a comarca de Maquiné, anexando-se os seus termos –
Conceição do Arroio e Torres – novamente a Santo Antônio da Patrulha.270
Concordamos com Maciel quando afirma que os anos de 1878/80 foram
tremendamente turbulentos para a política no Litoral Norte do RS. Assistimos a atos
de violência (Quebra-Vidros), extinção e criação de novas comarcas, transferência
de juízes, expulsão de magistrados por seus inimigos políticos, enfim,
acontecimentos que impõem uma análise criteriosa da forma como estabeleciam as
269 Cf. FÉLIX, Loiva Otero. Persona: Des. Antônio Augusto Borges de Medeiros. In.: AJURIS. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.74, ano XXV, p.432-444, nov. 1998. (p.432-444). (p.439). 270 Cf. MACIEL Jr., op. cit. (p.108).
178
relações entre os partidos e os seus correligionários, o que reforça o raciocínio de
Graham, o qual afirma que, no ano de 1878, os políticos brasileiros discutiram
acirradamente a reforma eleitoral. O autor aponta uma série de dificuldades nas
negociações, as quais impediram que chegassem a um consenso. O
desentendimento entre as facções postergou a reforma, concretizada somente em
1881 com a lei Saraiva, sendo que as discussões sobre a instalação de eleições
diretas acompanhadas, ou não, de sufrágio universal, provocaram desordem nos
altos escalões da política brasileira. Porém os reflexos do debate não se limitaram a
perturbar o cotidiano dos maiorais. Conforme o autor, “isto se reflete até nos confins,
nas vilas”. Ora, a turbulência dos anos 1878/79 em Santo Antônio da Patrulha e
Conceição do Arroio parecem ratificar a sua afirmação.271
A análise dos supostos motivos que poderiam ter ocasionado a fuga dos
juízes de Conceição do Arroio e a abordagem dos três pesquisadores – Antônio
Stenzel Filho, Helga Piccolo e José Maciel Júnior – indicaram algumas possibilidades
de compreensão. O intuito de se realizar este exercício foi o de desvendar as
relações políticas dentro do espaço litorâneo, especialmente os elos e os
rompimentos ligados à disputa político-partidária. A partir disso, tornou-se possível
verificar as articulações que nacionais e colonos alemães tiveram que estabelecer
para relacionarem-se com os pequenos e médios chefes locais.
271 Cf. GRAHAM, op. cit. (p.253).
179
No que diz respeito às articulações políticas, a expulsão dos juízes pode
exemplificar de que forma os litorâneos as tramavam. Um documento expedido de
Torres comprova que houve comunicação entre eles e Conceição do Arroio,
demonstrando que a amplitude do acontecimento foi notória, pois fez com que a
liderança política dos dois povoados se manifestasse. Conforme um telegrama do dia
14 de julho de 1879, a câmara municipal torrense sugeria que:
“A Câmara Municipal desta Vila, convicta que da retirada dos atuais juízes de direito e municipal da Câmara do Maquiné depende a tranqüilidade pública dos habitantes da mesma e interpretando fielmente o pensamento inteiro de seus municipais, pede com instância a V. Exça. propor ao governo as remoções dos mesmos juízes, porque suas presenças podem continuar a alterar a tranqüilidade da câmara. Manoel Fortunato de Souza Vereador Presidente, Manoel Lima Porto, Quintiliano Raupp, Joaquim Custodio da Terra, Manoel Cardozo Vieira, Henrique André Müller.” 272
A leitura completa do inquérito policial revela que o promotor público de
Conceição do Arroio esteve em Torres por três dias, justamente no período em que
se deu a saída dos juízes. De acordo com o depoimento do juiz de direito da
comarca de Maquiné, Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, ele teria ido às Torres
convidar pessoas para participar do ato criminoso que resultaria na retirada dos
magistrados, porém a explicação formulada pelo promotor para justificar sua
ausência de Conceição do Arroio nega a afirmação do juiz. Em seu depoimento, ele
272 AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 97V - Maço 282. Telegrama endereçado ao presidente da província, expedido de Torres para Porto Alegre.
180
diz que “fui a Vila de São Domingos das Torres pedir um pouco de dinheiro ao Sr.
Joaquim Ferreira Porto, para meu filho ir a Porto Alegre surtir a sua casa de
negócio...”.273 O telegrama expedido pela câmara municipal de Torres comprova que
eles obtiveram informações do que aconteceria em Conceição do Arroio, avisados,
provavelmente, pelo promotor público.
O percurso realizado entre Conceição do Arroio e Torres pelo promotor
público evidencia, de maneira incontestável, que havia comunicação entre os
núcleos populacionais do Litoral Norte do RS e que estes homens, os chamados
exponenciais, eram capazes de se articular politicamente, cooptando as forças
indispensáveis para a concretização de seus objetivos no que se refere à busca
pelas “migalhas” indispensáveis para sua perpetuação como liderança local.
Sobre esta capacidade de articulação política, interessa-nos dissecar a
atuação dos nacionais e colonos alemães do Litoral Norte do RS, embora estes
últimos não pudessem chegar às vias de fato, isto é, serem eleitos para cargos
políticos. A lei Saraiva passaria a existir somente em 1881, possibilitando aos
acatólicos e brasileiros naturalizados a efetiva participação nas eleições. Uma das
exceções na colônia de Três Forquilhas é Seraphim Agostinho do Nascimento, que
273 AHRS – Polícia – Maço 6.
181
chegou à colônia para lecionar. Conforme Müller, “ingressou também no Partido
Liberal, tornando-se o braço direito do Major Adolfo Felipe Voges.”274
O professor Seraphim Agostinho do Nascimento chegou a Três Forquilhas por
volta de 1860,275 integrou-se à vida da comunidade, tornando-se membro da igreja
evangélica, aprendendo a língua alemã com o pastor Voges, falecendo em 1902,
sendo tido como um professor dedicado que entusiasmava seus alunos a
prosseguirem com os estudos.276
A sua atuação na colônia chegou até nós por ter sido citado em obras
bibliográficas e pelos documentos localizados no AHRS.277 A sua amizade com o
Major Adolpho Felippe Voges demonstra que a diferença étnica não foi empecilho
para que fortes laços fossem mantidos entre eles, mesmo sendo Seraphim um
nacional, e Adolpho, um descendente de imigrantes alemães. Ao contrário,
274 MÜLLER, op. cit. (1992; p.88). 275 Cf. um documento da câmara municipal de Conceição do Arroio, Três Forquilhas, em setembro de 1859, encontrava-se sem professor para as aulas de instrução primária, resultando no analfabetismo e no desconhecimento da língua portuguesa. Possivelmente, Seraphim Agostinho do Nascimento veio à colônia para suprir esta deficiência, pois a data da sua nomeação para lecionar em Três Forquilhas consta de 11 de abril de 1863. AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras - Lata 114 - Maço 55; AHRS – Documentação dos Governantes – Relatórios e falas dos presidentes da província – A7.13 - Relatório do presidente da província João Pedro Carvalho de Moraes - 1873. 276 MÜLLER, op. cit. (1992; p.87-88). 277 Para exemplificar, apresentamos três documentos que citam o professor Nascimento: o primeiro, que narra a expulsão dos juízes; o segundo, de maio de 1869, pelo qual ele solicita 15 dias de licença para ir a Rio Grande, visto o seu pai estar doente, e o terceiro, de abril de 1879, que informa que ele entrou “no gozo da licença de 60 dias”. Não informa os motivos de seu afastamento e diz que deixou um substituto, Alexandre José Maria Franklin, aceito pela câmara municipal de Conceição do Arroio. AHRS – Requerimentos – Maço 142 – Instrução Pública; AHRS – Autoridades Municipais - Correspondências das Câmaras – Lata 114 - Maço 57.
182
demonstra que, no interior deste espaço colonial, conviveram líderes locais de etnias
diferentes, exercendo, cada um, a sua influência de tal forma que uma aliança entre
eles foi possível. Neste caso, o elo que permitiu e sustentou a divisão do poder entre
um nacional e um descendente de imigrantes alemães foi a bandeira liberal da qual
os dois eram adeptos.
Neste momento, é oportuno questionar se estes personagens enquadrar-se-
iam na figura do chefe local analisado por Félix, Silva & Schmidt,278 e/ou se
estabeleceram relações de base clientelísticas apresentadas e analisadas por
Richard Graham.279 Vejamos caso a caso: o juiz de direito Paulino Rodrigues
Fernandes Chaves era adepto do partido conservador e valia-se do seu cargo para
beneficiar a sua agremiação, sobretudo quando havia eleições.280 Durante sua
trajetória política no Litoral Norte do RS, formou um séquito, que o avisara, inclusive,
do perigo que corria se não escapasse de Conceição do Arroio; o pastor Carlos
Leopoldo Voges, líder dos colonos nos planos espiritual, educacional, administrativo
e econômico, manteve sua autoridade calcada na religião e no comércio, atendendo
a maioria dos colonos que não tinham a quem pedir socorro; seu filho primogênito, o
278 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992). 279 GRAHAM, op. cit. 280 Cf. GRAHAM, op. cit. “... as eleições testavam e ostentavam a liderança do chefe local. Através de um sistema de eleições indiretas de dois turnos, os votantes escolhiam as figuras mais proeminentes do local para formar os colégios ele itorais...”. (p.17). Torna-se evidente por que as eleições eram um acontecimento tão desejado e acirradamente disputado, visto que ser eleito para o colégio eleitoral significava estar à frente e sobre a maioria das pessoas; perder a eleição poderia rebaixar o chefe local à esfera de um simples homem da comunidade, posição que nenhum deles queria ocupar.
183
Major Adolpho Felippe Voges, tornou-se chefe liberal e comerciante, firmando os
laços que seu pai estabelecera entre a colônia e os arredores, especialmente os
Campos de Cima da Serra e o restante do litoral; o forasteiro Bahiano Candinho fixou
moradia na colônia e nos Campos de Cima da Serra, assumindo as lides coloniais e
campeiras conforme os empregos disponíveis. Entrou para a política, adotando as
idéias liberais, o que lhe valeu em parte a alcunha de “bandido”. O último
personagem que destacamos é o professor Seraphim Agostinho do Nascimento,
sobre o qual nos deteremos um pouco mais.
O professor Seraphim Agostinho do Nascimento, embora não sendo um
colono, tornou-se líder na colônia de Três Forquilhas. Como subdelegado281 e
membro do partido liberal acumulou poderes para dirigir e orientar os colonos,
armando milícias, inclusive com o auxílio de Bahiano Candinho. Deve-se salientar
que sua atuação remonta ao Império, pois chegou à colônia por volta de 1860 e se
estende até 1902, quando falece, já no período republicano. Fernandes Bastos, ao
escrever o romance histórico Noite de Reis, dá a este personagem um vasto poder,
em que a sua atuação perpassava o administrativo, o político e a instituição policial.
Conforme José Murilo de Carvalho:
281 Cf. BASTOS, op. cit. (1935) e MÜLLER, op cit. (1992). Os dois autores referem-se ao professor Nascimento como subdelegado, cargo que lhe teria dado amplos poderes para atuar na colônia de Três Forquilhas, bem como no Litoral Norte do RS.
184
“As tarefas do juiz e do delegado eram importantes para o controle da mão-de-obra e para a competição com fazendeiros rivais. Ser capaz de oprimir ou proteger os próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais, fazendo uso da política, era um trunfo importante na luta econômica. Como observou Oliveira Viana (1949), a justiça brasileira caracterizava-se, nessa época, pelas figuras do ‘juiz nosso’, do ‘delegado nosso’, isto é, era uma justiça posta a serviço dos interesses dos mandões.”282
A citação de Carvalho ratifica a importância que vimos destacando às figuras
dos juízes e delegados. O professor Seraphim Agostinho do Nascimento enquadra-
se na descrição do autor, pois, ao optar pelas diretrizes do partido liberal, passou a
usar de suas atribuições para coibir os adversários, sobretudo os inimigos políticos.
Após arrolarmos esta série de nomes, podemos nos perguntar o que há de
comum entre eles. Como chefes locais, exerceram liderança política e parece-nos
claro até aqui que o Litoral Norte do RS foi palco de disputas político-partidárias,
encabeçadas por pequenos e médios chefes locais; estes mesmos chefes locais
estabeleceram um sistema clientelístico, beneficiando os seus pares e perseguindo
os seus inimigos políticos. As inúmeras situações que apresentamos deram cores ao
clientelismo exercido pelos litorâneos na segunda metade do século XIX e, no que se
refere aos chefes locais de Três Forquilhas, sobretudo aos descendentes de
imigrantes alemães, exerceram um papel ativo no seu meio, inserindo-se na política
com o intuito de aproximar-se da sociedade “nacional”, da qual estavam legalmente
separados por uma série de imposições, sendo a principal a restrição à cidadania
282 CARVALHO, op. cit. (1999; p.138).
185
brasileira. Nesta busca de afirmação política, transcenderam o espaço das colônias,
ampliando seu poder até os Campos de Cima da Serra e ao restante do litoral.
Concluímos, assim, que estes líderes formaram uma categoria diferenciada no que
tange aos padrões definidos pela historiografia, não sendo possível chamá-los de
“coronéis”, quer burocratas ou não. Em decorrência desta conclusão, no subcapítulo
seguinte demonstraremos como estes chefes locais exerceram o seu poder no Litoral
Norte do RS, especialmente na época das eleições, palco por excelência das
disputas político-partidárias.
3.2 A Inserção dos Nacionais e Colonos Alemães na Esfera Política
Ao chegarmos a este último subcapítulo, estamos convencidos de que os
nacionais e os colonos alemães do Litoral Norte do RS participaram da política rio-
grandense. Detectamos uma minoria que conseguiu sobressair-se, destacando-se
nos cenários político e econômico e uma maioria que foi representada por e
conforme os interesses dos chefes locais. Direcionemo-nos, agora, para o nosso
objetivo que é o de complementar o conteúdo desenvolvido anteriormente, dando
186
ênfase às eleições, verificando deste modo como os litorâneos relacionaram-se com
a política e inseriram-se no processo eleitoral.283
Iniciamos esta análise com um documento de 1832. Segundo o que foi
narrado, a vila de Santo Antônio da Patrulha promoveu algumas reuniões entre os
juízes de paz de seus distritos. Um dos temas abordados pelos magistrados dizia
respeito aos estrangeiros que vagavam pelo litoral. Não cabe afirmar que sejam os
colonos alemães de São Pedro de Alcântara ou de Três Forquilhas, porém podemos,
no mínimo, suspeitar que alguns deles provinham do núcleo católico ou do
evangélico, pois colonos descontentes retornaram a São Leopoldo. Por sua
relevância, transcrevemos parte do que foi relatado:
“Declarou mais o Sr. Presidente que vagando de continuo muitos estrangeiros alemães, e outros homens desconhecidos de um para outros lugares sem portaria, ou passaporte, e constando que algumas vezes tem cometido pequenos roubos nos lugares por onde passam, e não convindo a segurança pública que tais homens sem ocupação alguma, nem fim determinado vaguem por nossas estradas, porque podem ser malfeitores, e ainda não o sendo podem agregados tornarem-se salteadores, por isso propunha que ninguém pode sair de um para outro distrito sem portaria do respectivo Juiz de Paz, e quando alguém der pousada a pessoa desconhecida, e sem a portaria acima dita, a pessoa que em sua casa a acolher, inquirindo o
283 Rémond reportou-se às eleições de forma esclarecedora quanto à sua importância no cenário político: “Que pode haver de mais natural que o fato de alguns historiadores terem se interessado desde cedo pelas eleições? Tinham vários bons motivos para fazê-lo. Primeiro, o papel decisivo da eleição nos regimes que há duzentos anos reconheciam a primazia da opinião pública e faziam depender de sua expressão, restrita ou geral, por intermédio da eleição, a atribuição do poder: quer ocorressem nas datas previstas pelos textos constitucionais, quer fossem provocadas inopinadamente, as eleições não ritmavam o desenrolar da vida política, dividin do-a em seqüências e organizando sua ‘periodização’?” (p.38). Ver: RÉMOND, René. As Eleições. In.: RÉMOND, René (Org.). Por Uma História Política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996b. (p.37-55). (grifos nossos).
187
nome, lugar do domicílio, e lugar para onde se dirige, o fizer constar no dia seguinte ao delegado do distrito, para este o participar ao Juiz de Paz respectivo, a fim de que deste modo pela desconfiança de serem facilmente conhecidos, e apanhados se evitar a perpetração de algum crime, que pudessem intentar praticar.”284
Outra possibilidade de compreensão deste fato nos é indicada por Juvêncio
Lemos. Em sua obra, Os Mercenários do Imperador, o autor analisa a formação e a
dissolução de batalhões mercenários, importados pelo imperador a fim de servirem-
no pessoalmente e atuarem em momentos estratégicos da vida do país. Um destes
grupos é remetido ao Rio Grande do Sul, em 1828, via litoral, onde cometeu,
segundo relatos, uma série de tropelias.285 É possível que alguns destes soldados
tenham desertado ou perambulado por outras bandas do litoral, sendo alvo das
reclamações dos juízes de paz. Infelizmente, como não há uma relação nominal,
ficamos sem saber, realmente, quem eram estes alemães que estavam a inquietar
as autoridades locais.
Retroceder até o ano de 1832 é importante à medida que revela o caráter de
não-submissão dos alemães que vieram ao Brasil, quer como soldados, colonos ou
artesãos. Essa inconformidade está relacionada à ordem estabelecida no Brasil, que
284 AHRS – Justiça – Maço 41 – 1832. Ata da segunda seção e reunião da junta de paz da vila de Santo Antônio da Patrulha. (grifos nossos). 285 Estas tropelias foram descritas da seguinte forma: “... cometendo durante essa marcha quantas tropelias lhe aprouve, sem que seus oficiais os pudessem conter, e enfim chegando a Porto Alegre, em face do Presidente da Província, continuou a dar irrecusáveis provas de seu espírito turbulento cometendo violências, e atacando em grupo as casas e tabernas, a ponto de deixarem por mortos em um desses atos dois oficiais do 27º BC, que se achavam com licença na mesma cidade...”. Ver: LEMOS, op. cit. (p.412).
188
os acolhia como mão-de-obra sem lhes dar plenamente o direito à cidadania,
dificultando-lhes a inserção na política, o que consistia numa tentativa de mantê-los à
margem da sociedade nacional. Ora, os imigrantes chegaram ao Litoral Norte do RS
em 1826 e, em 1832, a câmara municipal de Santo Antônio da Patrulha já está
denunciando uma situação que desvela inadaptação ao novo meio em que foram
inseridos.286 O fato de soldados desgarrarem-se de suas tropas, perambularem pelo
litoral em razão da sua dissolução e colonos não permanecerem em seus lotes e
cumprir com suas obrigações marcou sensivelmente o período inicial da colonização
no Litoral Norte do RS. O inspetor das colônias, Francisco de Paula Soares, fez
inúmeras queixas sobre estes mesmos problemas, denunciando, por exemplo, que
alguns colonos católicos não queriam aceitar as terras que estava oferecendo e,
conseqüentemente, ocupá-las e produzir alimentos.287
Este panorama inicial da colonização indica-nos a postura tomada pelos
colonos durante a sua trajetória. Para a grande maioria, um sentimento de
inconformidade, desilusão e abandono; para os que conseguiram se sobressair, a
286 Cf. SAUL, op. cit. “ainda que esse contingente [os imigrantes], progressivamente aumentado, se destinasse às atividades agrícolas, boa parte refluía para as cidades na busca de outras alternativas de vida. Esse refluxo se reproduziu por uma série de fatores conjugados, sobressaindo entre eles as condições existentes nas fazendas, as dificuldades de acesso à propriedade territorial, as fases de depressão dos cultivos de exportação, a inadaptabilidade dos colonos à vida rural, etc.” (p.136). (grifos nossos). Embora o autor refira-se ao último quartel do século XIX e à região cafeeira, podemos notar algumas semelhanças no comportamento dos colonos que vieram ao Brasil. 287 Parte da correspondência de Francisco de Paula Soares está transcrita na obra de ELY e BARROSO, op. cit. (1996; p.107-130).
189
vila de Torres foi o baluarte que lhes proporcionou um futuro melhor, permitindo o
acesso à educação, à política e a outras possibilidades econômicas.
Ainda sobre o comportamento dos colonos em relação a suas obrigações,
examinaremos como era a relação dos católicos com seus párocos. No fundo
documental, Assuntos Religiosos, do AHRS, a colônia é referida várias vezes. Os
relatos são escritos por padres, os quais denunciam que os colonos de São Pedro de
Alcântara não se comportavam adequadamente, principalmente quando se tratava
de sepultamentos, pois não comunicavam ao vigário a morte da pessoa, decorrendo
daí o fato de que este não podia fornecer os dados para o relatório que era obrigado
a apresentar ao presidente da província e nem cobrar pelos seus serviços.288 Sobre
este fato, lemos num dos documentos:
“Ilmo. Exmo. Senhor Levo ao conhecimento de Sua Exça. que no dia 29 de maio morreu um alemão da colônia de S. Pedro de Alcântara, foi enterrado, sem encomendação, sem avisarem-me, sem fazer o assento no livro de óbitos desta freguesia, e sem pagarem-me os direitos paroquiais que me pertencem como vigário desta igreja, desde o dia 1º de março que tomei posse desta freguesia, na mesma colônia tem morrido sete crianças, sem encomendação, não me avisaram, nem se tem feito os respectivos assentos, há pouco tempo que soube sobre estas crianças. Como eu posso dar o mapa no 1º do mês que vem com exatidão como me exige o governo, se não me tem avisado, nem feito os respectivos assentos de óbitos, portanto para fazer observar as leis do império com as leis estatísticas, e respeito ao seu vigário, pois do
288 Cf. GRAHAM, op. cit. os padres recebiam, normalmente, salários modestos. Sua renda dependia, parcialmente, das taxas cobradas pelos batismos, casamentos e enterros. Talvez isto explique o comportamento do padre em relação aos colonos de São Pedro de Alcântara. (p.93).
190
contrário este mal exemplo que dão os moradores da colônia se estenderá a toda esta freguesia e por as vizinhas. Portanto suplico de Sua Exça. se digne por fim a estes abusos, dando ordens para que a Irmandade de Nossa Senhora do Amparo seja a responsável e o Inspetor da Colônia seja responsável para que não se enterre naquele cemitério nenhuma pessoa da colônia e de fora, sem apresentar um bilhete do vigário e isto não se consegue se não com um exemplar, fazendo pagar alguma multa os filhos ou família do alemão que foi enterrado no dia 29 do mês passado, sem ser encomendado e sem dar parte a igreja, pois com este exemplo se acabará este abuso que pode trazer funestas conseqüências, uma delas é de não parar nenhum vigário nesta igreja por estes abusos, mas é meu dever participar a Sua Exça. para que ponha um remédio como seja de seu agrado, pois isto é o que meus antecessores deviam ter feito. Rogo a Sua Exça. me desculpar por escrever em espanhol, pois não queria que soubessem o que participei a Sua Exça. Rogando todos os dias ao Todo Poderoso por sua preciosa saúde para bem desta província, e administrar justiça para bem do Império, São Domingos das Torres, 24 de junho de 1857. O Vigário Blas Puerta Rodriguez”289
A carta escrita pelo vigário deixa transparecer alguns obstáculos que
impediam os católicos de proceder como a igreja ordenava. O maior deles era a
distância que separava a colônia da vila de Torres; além disso, havia o pagamento
dos serviços realizados pelo padre, que poderia pesar no orçamento familiar, ou
então incomodar os que discordavam de tal prática. O certo é que os colonos criaram
mecanismos de resistência ou estranhamento frente às cobranças que os párocos
lhes faziam, desrespeitando as suas ordens. Podemos, ainda, aventar que os
colonos estivessem se distanciando da religião, “esfriamento” causado em grande
parte pelos longos períodos que passavam sem a assistência religiosa.
289 AHRS – Assuntos Religiosos – Caixa AR11 - Maço 23. O documento encontra-se em espanhol no original. Foi traduzido para o português por Marcos Antonio Witt. (grifos nossos).
191
O conflito estabelecido entre os colonos católicos e a igreja remete-nos ao
relatório de pesquisa de Félix, Silva & Schmidt.290 Apesar de os pesquisadores terem
se debruçado sobre o período republicano e concluído que o poder local perpassava
estas instituições – como a igreja, clubes e associações –, nem todos aceitavam as
determinações que lhes eram impostas. Assim, embora a comunidade estivesse
envolta com a religião e de certo modo necessitasse dos serviços dos padres e
pastores, houve quem os dispensasse e buscasse outras alternativas para
problemas que precisavam ser resolvidos de forma rápida e objetiva. Por certo, os
colonos católicos do Litoral Norte do RS não foram exceção no relacionamento
igreja-colonos. Tanto entre evangélicos quanto católicos, por inúmeras vezes,
conflitos eclodiram, evidenciando que nem mesmo a religião era capaz de soldar
suficientemente as relações dentro do espaço colonial.291 O comportamento
“rebelde” dos colonos de São Pedro de Alcântara sinaliza que, para este estudo, as
conclusões de Félix, Silva & Schmidt não respondem suficientemente às nossas
indagações.
290 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992). 291 O exemplo mais acabado de conflitos religiosos no Rio Grande do Sul, envolvendo colonos alemães, é o caso dos Mucker, que eclodiu na década de 1870, no atual município de Sapiranga. A bibliografia sobre a “revolta” dos Mucker é muito vasta e representa os diversos posicionamentos adotados pelos pesquisadores em relação ao movimento. Destacamos: o trabalho historiográfico de AMADO, Janaína. Conflito Social no Brasil: A Revolta dos “Mucker”. São Paulo: Símbolo, 1978 e o romance histórico de ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Videiras de Cristal. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.
192
De uma situação que demonstrou que alguns colonos hesitavam em
inserirem-se na ordem brasileira do século XIX, situação causada pela ambigüidade
que viveram no Brasil, passamos para a análise de outro grupo – os exponenciais –
que, para alcançarem seus objetivos, viam-se obrigados a buscar os canais
competentes da época. Destacam-se, da colônia de São Pedro de Alcântara, os
Creutzburg (Kras Borges), Emmerich (Emerim), Magnus, Müller, Raupp (Raup),292
entre outros. A análise da documentação encontrada no AHRS e no APRS
demonstrou que algumas famílias sobressaíram-se atuando firmemente na vila de
Torres. Como exemplo, podemos citar os Raupp, imigrantes católicos que chegaram
ao Litoral Norte do RS com as levas iniciais de 1826. No APRS, localizamos o
inventário de José Raupp, de 1873.293 A inventariante é sua esposa, Catharina
292 Mencionamos a grafia original e a forma escrita atualmente, verificando-se em alguns casos total distorção do sobrenome. Confrontando estes nomes com a listagem elaborada por Hunsche, podemos afirmar que fizeram parte da leva de imigrantes que chegou às Torres em 1826. Ver: HUNSCHE, op. cit. (1977; p.118-183). 293 APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 5 – Maço 1 – Estante 104 – Torres - 1873. A título de comparação, apresentamos também o inventário de Hipólito Antonio Rolim, outra família exponencial de Torres. A viúva Anna Nunes Rolim solicita a partilha amigável dos bens em 1863, totalizando a quantia de 10:611$280, estando incluído neste montante um plantel de 9 escravos. Possuíam terras, inclusive “quinze e meia braças de terras nas Três Forquilhas” e um engenho de cana. Apesar de José Raupp ter seu inventário aberto dez anos depois, seu patrimônio é sensivelmente maior do que a do nacional Rolim, havendo uma diferença de 28:759$390 e cinco escravos entre os dois. APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 4 – Maço 1 – Estante 104 – Torres - 1863. Para maiores efeitos de comparação, verificamos uma série de inventários localizados no APRS e selecionamos, aleatóriamente entre os anos de 1854 e 1895, 8 casos a fim de fazermos uma média no valor total dos bens. A soma total dos bens de cada inventário revelou a quantia de 5:746$766, sendo a média de 718$345 por cada um. Ver: APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 3 – Maço 1 – Estante 104 – Torres – 1854; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 43 – Maço 2 – Estante 104 – Torres – 1873; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 73 – Maço 2 – Estante 104 – Torres – 1880; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 88 – Maço 3 – Estante 104 – Torres – 1882; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 182 – Maço 5 – Estante 104 – Torres – 1895; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 181 – Maço 5 – Estante 104 – Torres – 1895; APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 188 – Maço 6 – Estante 104 – Torres – 1895 e APRS – Inventário – Cartório do Cível – n. 37 – Maço 1 – Estante 104 – Torres – 1872. Ainda, no que se relaciona aos inventários de Torres, Hilda Flores
193
Raupp, que solicita a partilha amigável dos bens. O que surpreende é a avaliação
total do que pertencia à viúva e aos seus herdeiros: 39:370$670, estando incluído
neste montante um plantel de 14 escravos, que totalizaram 7:900$000.294 As
analisou 31 casos entre os anos de 1896 e 1898. Segundo dados recolhidos pela autora, a média das moradias na vila de Torres estava em 237$000. Ver: FLORES, Hilda Agnes Hübner. O Cotidiano de Torres no Final do Século XIX. In.: BARROSO, QUADROS & BROCCA, op. cit. (1996; p.99-103). Tanto os inventários que analisamos quanto os que foram investigados por Flores denunciaram um cotidiano de vida simples, muitas vezes de pobreza. Ressaltamos que os dados que apresentamos referem-se ao valor total dos bens enquanto as informações que retiramos do texto de Flores restringem-se ao valor das moradias. Ambos os casos fazem contraponto à riqueza dos Rolim e dos Raupp, famílias exponenciais de Torres. 294 É de extrema importância referir que desde 1850 os imigrantes alemães e seus descendentes estavam proibidos de possuir escravos. No entanto, pela documentação pesquisada, constatamos que as leis n. 183, de 18 de outubro de 1850 e 304, de 30 de novembro de 1854 não foram cumpridas, desobedecendo-as tanto evangélicos quanto católicos. O que mais surpreende é que, muito provavelmente, os colonos tinham consciência desta proibição, pois a câmara municipal de Santo Antônio da Patrulha atesta que recebeu a cópia da lei e que a tornou pública nas duas colônias. AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 97V - Maço 282 - Santo Antônio da Patrulha – 9 de novembro de 1850. HANDELMANN, op. cit. que escreveu sua obra nesta mesma década, alertou: “... devemos ainda observar que, como em Santa Catarina, também no Rio Grande do Sul, pela lei de 18 de outubro de 1850, foi proibida a importação de escravos nas novas colônias; se com essa medida se queria criar realmente um território livre, ou se, antes pelo contrário, o fundo da questão não seria o propósito pessoal de conservar o reduzido número de escravos exclusivamente para os Brasileiros natos, é o que ainda resta saber.” (p.539). Reportamo -nos, ainda, a duas correntes historiográficas que analisaram a escravidão entre os colonos alemães. A primeira está representada por dois autores que negam ou relativizam a posse de escravos por parte dos imigrantes e seus descendentes. O primeiro afirma que: “Mas o colono não dispunha, ao tempo, de recursos para tornar-se senhor de escravos. E uma vez encaminhadas as tarefas de cada ‘colônia’, iniciadas as plantações, o negro representaria apenas uma boca a mais a consumir e a pesar, portanto, no orçamento doméstico, sem compensação na soma de trabalho produzida e da qual a própria família do colono poderia incumbir -se. Essas razões bastariam para ir afastando o elemento servil das zonas que o imigrante alemão ia colonizando, se sobre elas não pesasse, ainda, decisivamente, a repulsa natural que aquele havia, por força, de sentir pela condenada instituição.” (p.112) enquanto que o segundo encobre a presença dos negros entre os alemães, pois “na colônia de São Leopoldo os negros eram em número muito pequeno. As relações entre os colonos e os negros não tinham as conotações da relação entre portugueses e eles. Os negros chegaram a ter relações de emprego com os colonos, mas sem nenhuma conotação escravista, embora a relação fosse escalonada: branco é branco e preto é preto.” (p.238-239). A segunda corrente historiográfica a que nos referimos é representada por Tramontini, que analisou a escravidão entre os colonos alemães, constatando que “o estudo sobre a escravidão entre os imigrantes alemães no Sul do Brasil sempre esbarrou em alguns problemas, dentre os quais destacamos dois. Primeir o, a ênfase dada pelos estudos sobre a imigração para o papel de substituição da mão-de-obra escrava que fora reservada a estes estrangeiros pelas autoridades imperiais... Segundo, a historiografia produzida pelos ideólogos da identidade étnica destes imig rantes teutos no Sul do Brasil. Trabalhos que fazem questão de afirmar que os imigrantes/colonos não tinham escravos, que abominavam a escravidão
194
atividades a que se dedicavam estão descritas da seguinte forma: “casa com
atafona, casa de olaria e seus pertences, engenho de cana, casa de morar no
curtume, casa de curtume e tanques, casa e pedra para moer casca” e uma “lancha
velha” e um “hiate”. Além disso, possuíam muitas propriedades territoriais, inclusive
em Lagoinhas, SC.
A referência ao inventário é importante à medida que esclarece de onde
provém o poder daquela família. Estabelecendo uma outra comparação, desta vez
dos Raupp com os Voges de Três Forquilhas, verificamos que, nestes dois casos, a
base econômica caminha paralelamente com a política, sendo duas variáveis
importantes que normalmente não há como dissociar. Muitas vezes, os exponenciais
estão relacionados a outros episódios, em que disputam algo valioso que aumente a
sua riqueza. Muito antes de sua morte, em 1850, José Raupp e outro colono, André
Verber, disputaram um pedaço de terra em Torres, na Itapeva.295 Pela decisão final
pois estariam imbuídos de uma cultura germânica que valorizaria o trabalho livre.” (p.1). No entanto, apesar da negação por parte da historiografia apontada pelo autor, ele conclui que colonos de São Leopoldo adquiriram este tipo de mão-de-obra. Neste trabalho demonstramos, igualmente, que colonos do Litoral Norte do RS possuíram escravos em suas propriedades. Tanto em São Leopoldo quanto nas colônias de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas, houve colonos que se destacaram e tiveram recursos para efetuar a compra de escravos. Isto relativiza a inserção dos estrangeiros na sociedade “nacional”, evidenciando que os limites entre os dois grupos eram mais tênues do que rígidos. Ver, respectivamente: TRUDA, F. de Leonardo. A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1930; MÜLLER, Telmo Lauro. Negros de Fala Alemã. In.: FISCHER, Luís Augusto & GERTZ, René E. (Orgs.). Nós, os Teuto-gaúchos. Porto Alegre: UFRGS, 1996. (p.238-239) e TRAMONTINI, Marcos Justo. A Escravidão na Colônia Alemã (São Leopoldo – Primeira Metade do Século XIX). In.: Primeiras Jornadas de História Regional Comparada. Porto Alegre: Disc Press, 2000c. (CD-ROM). 295 A disputa pela terra não ocorreu somente entre os colonos alemães do Rio Grande do Sul. Tão logo foi instalada a colônia de São Pedro de Alcântara, em Santa Catarina, no ano de 1829, estes mesmos problemas passaram a se suceder. Cf. HANDELMANN, op. cit. “O governo havia-lhes dado a
195
da justiça, ficou esclarecido que a propriedade requerida pelos alemães pertencia
realmente a Antonio José Viegas, sendo condenados a desistirem dela. No final do
processo, há uma petição em nome dos colonos, solicitando que tal sentença seja
revista, porém não se tem uma resposta para este último requerimento.296
Cinco anos após, em 1855, Antonio Krasburg, Mathias Dais, João Magno e
Fellipe Chefre reclamam que suas terras foram invadidas por Manoel Mendes e
Manoel Luis, resultando num processo em que se constata que as terras foram
herdadas pelos invasores, não tendo, portanto, os colonos direito à reclamação.297
Os dois exemplos refletem uma situação em que os colonos requerem algo não
pertencente a eles e uma persistência em lutar por aquilo o qual julgam necessário e
de direito. São demonstrativos de que exerceram um papel ativo no espaço em que
viveram, sabendo reivindicar quando determinado objeto lhes interessava.
Ressaltamos, ainda, que nem todos estes colonos podem ser enquadrados entre os
exponenciais, todavia é possível que a presença destes tenha permitido ou
colaborado para a elaboração da reivindicação, inserindo-se assim na rede
clientelística.
posse de uma grande extensão de terras, com matas virgens; porém, somente quando ali ficou feita a roçada, resultou de improviso que, ao menos numa parte das mesmas terras, cidadãos brasileiros natos possuíam mais antigos direitos de posse; começou um processo de longos anos, que finalmente se apaziguou por meio de acordo e compra por parte dos alemães. Nestas condições, muitos abandonaram a colônia e se estabeleceram em outros sítios.” (p.513). 296 APRS – Processo-Crime – Cível e Crime – n. 266 – Maço 7 – Estante 159 – Conceição do Arroio – 1850. 297 APRS – Processo-Crime – Cartório do Cível – n. 235 – Maço 6 – Estante 159 – Conceição do Arroio – 1855.
196
Outro aspecto analisado em relação aos exponenciais diz respeito a sua
capacidade de serem porta-vozes de seus interesses e da comunidade. Isso se
constata em inúmeras solicitações, como aquelas nas quais requerem dinheiro para
abertura ou manutenção de estradas. Em 1886, reivindicam 8:000$000 que serão
aplicados em reparos num caminho que “da Glória segue para Cima da Serra.”
Como vice-presidente da câmara municipal da vila de São Domingos das Torres,
assina Quintiliano Raupp, filho do José Raupp acima mencionado e, como secretário
interino, Ernesto André Müller.298 Como se vê, os colonos católicos não
desperdiçaram a oportunidade que a emancipação política de Torres lhes
proporcionou, assumindo rapidamente os cargos políticos e a condução
administrativa do novo município. No entanto não gastavam seu tempo somente
fazendo solicitações de auxílio pecuniário. Em 1881, Pedro Brendes e Primavera
propõe a criação de um grande engenho no Litoral Norte do RS para o fabrico de
açúcar. A câmara municipal de Torres requer ao governo uma taxa de juro especial
para a execução da obra, expondo os grandes benefícios que tal empresa traria para
eles. Assinam, dentre outros vereadores, Quintiliano Raupp, André Daniel Raupp e
André Müller.299
298 AHRS – Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Maço 282 – Lata 97V – Torres – 1886. 299 AHRS - Autoridades Municipais - Correspondência das Câmaras – Lata 97V - Maço 282 – Torres – 1881.
197
Após listarmos estes exemplos, em que nacionais e colonos envolveram-se
em situações de disputa e conflito 300 e encaminharam questões de ordem política via
câmaras municipais, principal órgão de ligação entre o litoral e o governo provincial,
analisaremos como participaram das eleições nos anos de 1851, 1865 e 1896. Para
tal, montamos cinco tabelas, divididas nas categorias “profissão” e “nome de
votantes”. Propositadamente, a última lista que elaboramos apresenta números de
uma eleição ocorrida no período republicano, cujo objetivo é verificar como se deu a
participação política de nacionais e colonos a partir do sufrágio universal. Iniciamos
pela tabela 1, em que estão dispostos os votantes qualificados de Conceição do
Arroio “por profissão”, nos anos de 1851 e 1865.
TABELA 1 - “Lista geral dos votantes qualificados na freguesia de Nossa
Senhora da Conceição do Arroio” (por profissão).301
300 Cf. TRAMONTINI, op. cit. “Tentamos... destacar o papel fundamental dos conflitos, do enfrentamento das dificuldades, seja pelo trabalho, pela revolta, pela rebeldia, pela luta ou pela reivindicação – tanto frente a adversidades externas quanto internas -, na organização do mundo colonial.” (2.000b; p.237). Baseamo-nos nas considerações do autor para analisar os conflitos que envolveram nacionais e colonos alemães do Litoral Norte do RS, percebendo que a dinâmica social dos grupos envolvidos era perpassada por conflitos. Buscamos algo mais do que analisar o conflito como um acontecimento efêmero e excêntrico. Pelo contrário, vislumbramos sua longa duração e normalidade, verificando por quanto tempo durava aquele desentendimento e como interferia no cotidiano das pessoas. 301 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1851 e 1865. Algumas profissões não foram devidamente identificadas, por isso transcrevemos a palavra tal como a encontramos no documento.
198
Profissão Ano: 1851 Ano: 1865 Percentual
Negociante 8 20
Lavrador 160 440
Barbeiro 1 ---
Ourives 1 ---
Vigário 1 1
Escrivão 1 ---
Sacristão 1 1
Sapateiro 3 1
Professor 2 ---
Alfaiate 1 1
Criador 73 189
Carpinteiro 8 ---
Capataz 6 ---
Ofício 7 6
Pescador 6 ---
Solicitador --- 1
Advogado --- 1
“Empo.” --- 9
Agência --- 6
Curtidor --- 3
Ilegível 1 5
Total 280 684 244,28%
O que se destaca nesta tabela é o aumento de 244,28% no número de
votantes qualificados na freguesia de Conceição do Arroio. A explicação para essa
diferença pode estar na emancipação de Conceição do Arroio em 1857, pois, a partir
de seu desvinculamento de Santo Antônio da Patrulha, certamente o novo município
199
teve capacidade de arregimentar um número maior de votantes, principalmente entre
os lavradores, criadores e negociantes. Se considerarmos a emancipação de
Conceição do Arroio como o fator mais provável para o acréscimo demonstrado na
tabela, isto poderá nos auxiliar no entendimento das disputas político-partidárias e
por que um povoado desejava emancipar-se tão intensamente. Libertar-se do jugo
patrulhense permitiu a consolidação de uma nova chefia local, que pôde, a partir do
desvinculamento administrativo, exercer o seu poder político e aumentar,
consideravelmente, o seu eleitorado.
Porém, por não estarmos plenamente convencidos de que somente a
emancipação de Conceição do Arroio proporcionaria tal aumento na lista de
votantes, buscamos, ainda, respostas na Coleção de Leis do Império,302 entre os
anos de 1851 e 1857. Além desta fonte, recorremos aos debates sobre a reforma
eleitoral de 1855,303 que tinha como premissa revisar alguns aspectos da lei eleitoral
de 1846. Todavia não encontramos respostas claras e objetivas para os números
demonstrados na tabela retro em nenhuma das duas fontes, por outro lado, para não
descartá-las totalmente, parece-nos que a reforma eleitoral de 1855, em alguns
momentos, pode indicar pequenas possibilidades de compreensão para este fato.
Nas Emendas, ficou registrado que:
302 AHRS – Coleção de Leis do Império – Códices 81 a 94 – 1851 a 1857. 303 PINTO, op. cit.
200
“Nenhum distrito eleitoral poderá ter menos de 120 eleitores. Em cada paróquia 25 votantes darão um eleitor. Os distritos que depois de feita a divisão não tiverem esse número, passarão a tê-lo. Para esse efeito cada uma das respectivas paróquias dará mais um eleitor, ou mais tantos quantos sejam necessários para que a soma total dos eleitores do distrito não seja inferior a 120, nem sobreexceda além da fração que for indispensável para inteirar esse número total.” 304
Apesar de não explicitar se isto acarretaria um aumento no número de
votantes, é possível que tenha colaborado neste sentido. Limitamo-nos, neste caso,
a apontar os números referidos na TABELA 1 e registrar que, entre 1851 e 1865,
Conceição do Arroio emancipou-se de Santo Antônio da Patrulha, o que certamente
conferiu aos chefes locais deste novo município maiores condições para aumentar o
número de votantes.
Por sua vez, este aumento do eleitorado na lista de 1865 reflete a ênfase que
o novo município deu à busca de eleitores. O acréscimo mais significativo ocorreu
entre os lavradores e criadores, atividades desenvolvidas no Litoral Norte do RS com
maior dinamicidade desde o século XVIII. Quanto aos lavradores, eles têm origem na
colonização açoriana de Santo Antônio da Patrulha a partir da metade do século
XVIII e, no que se refere aos criadores, as pastagens entre a serra geral e o mar
desde as primeiras incursões pelo Sul serviram de pouso para os viajantes, tropeiros
304 PINTO, op. cit. (p.213).
201
e os que, mais tarde, se estabeleceriam nesta região como pequenos e médios
pecuaristas.305
TABELA 2 - “Lista dos cidadãos qualificados votantes na paróquia da vila de
Nossa Senhora da Conceição do Arroio no ano de 1865 – 4º Quarteirão” (por nome
de votantes).306
Nome Idade Estado Civil Profissão
André Hoffmann 25 C L
Cristovão Hoffmann 24 C L
Christiano Becker 28 C L
Frederico Belsens 29 C L
Felipe Mittmann 28 S L
João Hoffmann 26 C L
Pedro Mittman 32 C L
Adolfo Felipe Voges 27 C L
Benicio Vit 38 C L
Carlos Jacoby 34 C L
Carlos Strasburg 26 S L
Carlos Machman 29 C L
Christiano Mittman 33 C L
Carlos Prech 23 C L
305 Sobre a colonização açoriana em Santo Antônio da Patrulha, ver: BARROSO, Véra Lucia Maciel (Org.). Presença Açoriana em Santo Antônio da Patrulha e no Rio Grande do Sul. 2.ed. Porto Alegre: EST, 1997. 306 AHRS – Eleições – Caixa 207 – Maço 1 – Conceição do Arroio – 1865. Codificação: C = casado; S = solteiro; L = lavrador.
202
Carlos Schmanfran 24 C L
Carlos Frederico Voges 28 C L
Felipe Hapel 35 S L
Frederico Krás 28 C L
Guilherme Spenemberg 28 C L
Jorge Machman 31 C L
Jaco Krem 28 C L
João Jaco 29 C L
Jacob Spenamberg 33 C L
Jorge Spenamberg 31 C L
Paeul Becker 33 C L
Jacó Klipel 33 C L
Joaquim Brucker 33 C L
João Brucker 25 C L
João Spanemberg 26 C L
João Hoffmann 26 C L
Serafim Agostinho do Nascimento 27 C L
A listagem dos votantes qualificados do 4º quarteirão da paróquia da vila de
Conceição do Arroio apresenta como votantes 31 nomes de colonos alemães. Isso
evidencia, incontestavelmente, que pelo menos este grupo conseguiu inserir-se na
política. Helga Piccolo já havia alertado para o fato de que os colonos, desde que
comprovassem a renda, poderiam participar da política em nível municipal.307 Os 31
307 PICCOLO, op. cit. (1978; p.144).
203
votantes listados na TABELA 2 atestam que esta análise é pertinente e, no mínimo,
foram inseridos entre os qualificados.
Da TABELA 2, destacamos:
a) Quanto à profissão, todos são listados como lavradores, o que não
corresponde à realidade, porque entre eles está Adolpho Felippe Voges, que
também era comerciante e Seraphim Agostinho do Nascimento, que tinha como
ocupação principal o magistério; entre os votantes, predominam os casados,
totalizando 28 e constam apenas 3 solteiros.308 Vemos a importância da família neste
cenário, que dava respaldo ao “chefe” para transcender o espaço familiar e atuar
também no campo político. Além disso, havia as uniões familiares que promoviam
casamentos com o propósito de assegurar os poderes econômico e político. Como
exemplo podemos citar o caso dos Voges, que, praticamente durante todo o século
308 Vigorava nesta época a determinação dos parágrafos I e II do Artigo 92 da Constituição Imperial de 1824, que dizia: “São excluídos de votar nas assembléias paroquiais: os menores de 25 anos, nos quais se não compreendem os casados e oficiais militares, que forem maiores de 21 anos, os bacharéis formados e clérigos de ordens sacras. Os filhos-família, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios públicos.” (p.333). Ver: DICIONÁRIO Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil. v.1. [Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro]. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922. (p.299-347). Explica-se, deste modo, através da lei, a importância do casamento para o acesso às eleições.
204
XIX, davam preferência para que os matrimônios fossem realizados com os
Schmitt.309 Elio Eugenio Müller exemplifica da seguinte forma estas uniões:
“Carlos Jacoby... casou com Felipina Felisbina Schmitt, filha de Felipe Pedro Schmitt. Carlos Jacoby faleceu por volta de 1870, sem deixar descendência. A viúva decidiu por isto buscar a sobrinha Felisbina Schmitt, filha do cunhado Guilherme e mana Bárbara Schmitt. ‘Bininha’ criou-se assim aos cuidados da tia, sendo declarada herdeira do ‘Sítio da Figueira’ e outras propriedades na Serra. A viúva voltou a casar, unindo-se com o então viúvo Major Adolfo Felipe Voges. ‘Bininha’ casou com o filho deste, Carlos Frederico Voges Sobrinho”.310
A citação de Müller remete-nos ao estudo de Janaína Amado,311 no qual a
autora analisa a formação da parentela de elite, formação esta impulsionada por
casamentos contratados entre os economicamente mais fortes. O caso dos Voges
poderia ser enquadrado na análise de Amado. No entanto a contratação do
casamento não se dá apenas pelo econômico, mas também pelo “status” que a
união proporcionará às duas famílias. No âmbito do poder local, manter-se numa
posição elevada frente aos demais era de vital importância, sendo que o casamento
servia perfeitamente para este fim.
b) Quanto à faixa etária, prevalecem os votantes com idade entre 25 e 29
anos, somando 17. Depois, de 30 a 34 anos, totalizando 9; e somente 3 votantes
309 Esta afirmação tem como fundamento a análise que realizamos nos registros paroquiais do pastor Voges. 310 MÜLLER, op. cit. (1992; p.136). 311 Ver: AMADO, op. cit.
205
entre 20 e 24 anos; e 2 entre 35 e 39 anos. Segundo Herbert Klein, poucos homens
votavam antes dos 25 anos de idade.312 A questão da faixa etária indica-nos que os
eleitores estavam entre uma idade relativamente jovem e mediana, ou seja, já
estavam com 25 anos e não haviam ultrapassado os 34. Apesar de não termos
realizado um estudo aprofundado sobre os óbitos, pelos registros paroquiais do
pastor Voges, podemos ver que as pessoas morriam com menos idade do que hoje.
A expectativa de vida não alcançava os números conhecidos atualmente, que se
encontram em 74 anos para as mulheres e 66,5 para os homens, na região Sul.313
c) Quanto aos casamentos, dos 26 eleitores que têm entre 25 e 34 anos, 24
são casados. Isso nos leva a crer que o casamento é uma das instituições que dá
sustento à atuação política e a viabiliza. Ellen Woortmann comparou as relações de
parentesco entre os colonos do Sul e os sitiantes do Nordeste, chegando à
conclusão de que por detrás de um casamento há muito mais do que o encontro de
duas famílias. Uma série de compromissos eram selados para que a união se
consolidasse, permitindo que se estabelecesse uma rede familiar, na qual entravam
312 KLEIN, op. cit. ao realizar seu estudo sobre a participação política no século XIX na cidade de São Paulo, analisou, além da dicotomia rural-urbano, a idade dos eleitores. Para o autor, “embora São Paulo tenha, obviamente, uma proporção de eleitores menor do que outras regiões, deve ser assinalado que os números para o Brasil como um todo subestimam a porcentagem real de eleitores efetivamente qualificados, já que poucos homens votavam antes dos 25 anos de idade.” (p.529). Para GRAHAM, op. cit. a situação é um pouco mais complexa, já que “os historiadores, como os contemporâneos, deparam-se com um emaranhado de ambigüidades na definição de quem podia legalmente votar... Embora a idade normal de voto fosse 25 anos, um homem votava desde os 21, contanto que fosse casado, tivesse recebido consagração religiosa ou uma patente de oficial militar.” (p.142). 313 Cf. ALMANAQUE Abril 2000 / Brasil. São Paulo: Abril, 2000. (p.98).
206
não somente os noivos e seus pais, bem como padrinhos e afilhados. Richard
Graham comunga desta mesma idéia afirmando que “a família e a unidade
doméstica constituíam os fundamentos de uma estrutura de poder socialmente
articulada, e o líder local e seus seguidores trabalhavam para ampliar essa rede de
dependência.” 314 Esta mesma articulação realizada através do matrimônio
detectamos em alguns casos no Litoral Norte do RS.315
d) Observamos, por último, que a idade de Adolpho Felippe Voges não está
correta. Logo abaixo do seu nome encontramos o de seu irmão Carlos Frederico
Voges, de 28 anos, que não pode ser o mais velho, visto Adolpho ser o primogênito.
Conforme Müller,316 o primeiro filho do pastor nasceu em agosto de 1835, tendo,
portanto, em 1865, trinta anos. Ressaltamos este erro na idade de Adolpho Felippe
Voges para alertar que nem sempre os dados constantes nestas listagens
correspondem à realidade. A lista dos votantes qualificados servia, em primeiro lugar,
para garantir o maior número possível de eleitores para os partidos políticos e, se
fosse preciso, os dados eram alterados conforme a conveniência dos conservadores
ou dos liberais. Temos que considerar, além desses fatos, a própria ignorância dos
votantes e dos que elaboravam as listagens, incorrendo em erros por falta de
conhecimento. Conforme Graham, a idade não era o fator determinante para um
314 GRAHAM, op. cit. (p.17). 315 Cf. WOORTMANN, Ellen Fensterseifer. Herdeiros, Parentes e Compadres. Colonos do Sul e Sitiantes do Nordeste. São Paulo, Brasília: HUCITEC/EDUNB, 1995. 316 Cf. MÜLLER, op. cit. (1992; p.109).
207
homem ser escolhido como votante, mas sim pesavam muito mais a vontade de
quem fazia a lista de votantes e a intenção de beneficiar este ou aquele partido
político. Para o autor, “... as qualificações legais para o voto – renda, ocupação,
residência e mesmo idade – tinham muito pouco a ver com quem votava. Como
percebeu um político: ‘No sistema atual, o que é votante? É um homem que,
qualificado hoje, amanhã é desqualificado por uma junta contrária.” 317 Ainda,
segundo Lamounier, “inventavam-se nomes, multiplicavam-se eleitores como no
milagre dos pães.” 318
TABELA 3 - “Lista dos cidadãos qualificados votantes pelo conselho de
qualificação da paróquia de São Domingos das Torres, no ano de 1865” (por
profissão).319
Profissão Quantidade
“E.P.” 8
Negociante 7
Fiscal 1
“Corp.” 3
Ferreiro 2
Pedreiro 2
“P.P.” 1
317 Cf. GRAHAM, op. cit. (p.146). 318 Cf. LAMOUNIER, op. cit. (p.289). 319 AHRS – Eleições – Caixa 208 – Maço 4 – Torres – 1865. As profissões que não identificamos foram transcritas conforme o original.
208
Professor 1
Sapateiro 2
Marceneiro 2
“Agas.” 6
“Ors.” 1
Lavrador 345
Total 381
Na listagem dos votantes da paróquia de São Domingos das Torres,
destacam-se os lavradores, com 345 nomes. Como podemos ver, das outras
profissões, não há nenhuma que se destaca semelhantemente, denotando-se o
predomínio da lavoura como atividade principal desta área colonial. Apesar de
lavradores, estes têm poder econômico suficiente para serem qualificados como
votantes. Klein também analisou a participação dos lavradores nas eleições
municipais de São Paulo, dividindo-os entre eleitores urbanos e rurais e, embora
tenha detectado diferenças entre a renda de um e de outro, chegou à conclusão de
que ambos participaram efetivamente das eleições.320 Graham, por sua vez, dá mais
ênfase ao espaço rural no que se relaciona às eleições, dizendo que:
“os principais líderes políticos sempre viviam nas cidades, pelo menos enquanto o Congresso se reunia, e esse fato imprimia uma pátina urbana à ação política. Mas, sendo este o caso de uma
320 Cf. KLEIN, op. cit. (p.538-539).
209
sociedade predominantemente rural, a verdadeira base da vida política assentava-se no campo, nas fazendas e estâncias.” 321
Lamounier, embora esteja se referindo ao período republicano, partilha da
mesma idéia acima, sustentando que: “... o município, no Brasil, representa o terreno
principal das campanhas eleitorais. Somando mais de 89% da população nacional,
os moradores do interior se veriam muito mais próximos e subordinados ao município
do que ao estado ou à União.” 322 Pelo estudo que vimos realizando, parece-nos que
Graham e Lamounier se aproximam mais da realidade brasileira, enfatizando o papel
do “rural” nas eleições.
TABELA 4 - “Lista dos cidadãos qualificados votantes pelo conselho de
qualificação da paróquia de São Domingos das Torres, no ano de 1865” (por nome
de votantes).323
Nome Idade Estado Civil Profissão
1º Quarteirão
João Francisco Cleza 36 C Ferreiro
Jacob Krás Borges 32 C Pedreiro
Nicoláo Krás Borges 26 S Pedreiro
João José Salles 25 S Ferreiro
2º Quarteirão
321 Cf. GRAHAM, op. cit. (p.33). (grifos nossos). 322 Cf. LAMOUNIER, op. cit. (p.283). 323 AHRS – Eleições – Caixa 208 – Maço 4 – Torres – 1865. Codificação: C = casado; S = solteiro; L = lavrador.
210
João Jorge Raupp 31 C Negociante
3º Quarteirão
Albino Taix 30 S L
José Taix 33 C L
Jorge Taix 35 C L
José Bauer Filho 27 S L
Manoel Vitorino Kraz 45 C L
4º Quarteirão
Zeferino João Glz 28 S L
5º Quarteirão
João Ignacio Glz 45 C L
Manoel Ribeiro Glz 32 C L
6º Quarteirão
Não consta
7º Quarteirão
Não consta
8º Quarteirão
Guilherme Magno 30 C L
9º Quarteirão
Não consta
10º Quarteirão
Não consta
11º Quarteirão
André Bock 25 C L
Christovão Evald 37 C L
Caetano Lumerz 27 C L
Francisco Raupp 38 C L
Daniel Thomaz Enther 28 C L
José Luiz Raupp 27 S L
João Weber 26 S L
Jose Menguer 26 S L
211
João Thomaz Enther Filho 27 C L
João Selau 30 C L
Jacob Dimer 29 C L
José Model 27 S L
José Jorge Benck 29 S L
Jacob Becker 27 S L
José Bock 26 C L
Mathias Dimer 30 C L
Pedro Mathias Anseret 31 C L
12º Quarteirão
João José de Bitencourt 58 C L
Luiz José de Bitencourt 30 S L
Manoel José de Bitencourt 31 C L
13º Quarteirão
Ignácio Jacob Lipert 26 C L
14º Quarteirão
Não consta
15º Quarteirão
Christovão Menguer 27 C L
Carlos Pedro Justino 28 S L
Carlos Henguel 29 C L
Carlos Maurer 28 C L
Carlos Anzempret 29 C L
Carlos Arzeret 32 C L
Carlos Pedro Maurer 36 C L
Christiano Jacob 30 C L
Frederico Schümites 32 C L
Frederico Popsim 30 C L
Felippe de Oliveira Nery 47 C L
Felippe Menguer 33 C L
Guilherme Becker 31 C L
212
Henrique Becker 38 C L
Henrique Germanno 32 C L
Henrique Espanberg 31 C L
João Germanno 31 C L
João Becker Filho 26 S L
João Popsim 31 C L
Luiz Popsim 27 C L
Martinho Popsim 29 C L
Martinho Jacob 28 C L
16º Quarteirão
Não consta
A lista dos votantes da paróquia de São Domingos das Torres informa-nos que
foram selecionados 57 nomes de colonos alemães, distribuídos em 16 quarteirões.
Novamente, assim como na listagem de Conceição do Arroio, houve o predomínio
dos casados, que, dos 57 votantes, totalizaram 43, e somente 14 solteiros foram
incluídos. Conforme o que se viu anteriormente, o casamento era uma das bases
que permitia o acesso dos votantes às eleições. Dos 47 selecionados entre 25 e 34
anos, 33 são casados, e apenas 14 figuram como solteiros. Ratificamos a
importância das relações de parentesco para a conservação e transmissão do poder;
quanto à faixa etária, o eleitorado da paróquia de São Domingos das Torres mostrou-
se com idade mais avançada, havendo 26 votantes entre 25 e 29 anos e 21 entre 30
e 34. Os 10 votantes restantes estão distribuídos entre 35 e 58 anos.
213
Reportamo-nos, novamente, a Klein, que, analisando a participação política no
século XIX, distribuiu os votantes por idade. Segundo o autor, “os eleitores não eram
uma oligarquia limitada pela idade, mas espelhavam perfeitamente a estrutura de
idade da população a que pertenciam.” Além disto, como já dissemos, a participação
efetiva nas eleições começava quando os homens atingiam os 25 anos. Os casos
apresentados até aqui, tanto em Conceição do Arroio quanto em São Domingos das
Torres, corroboram a tese do autor e demonstram similaridades entre as províncias
de São Paulo e do Rio Grande do Sul.324
Tabela 5 – “Alistamento geral de eleitores da 3ª Seção – Três Forquilhas” (por
nome de vontates).
“Sala das Sessões do Conselho Municipal da Conceição do Arroio, 20 de outubro de 1896. Passo as Vossas mãos, a cópia do Alistamento Geral dos Eleitores deste município a (ilegível) se procedeu em virtude da lei n. 35 de 26 de janeiro de 1892, e considerado definitivamente concluído em 30 de junho último pela Comissão Municipal. Saúde e Fraternidade. Ilustre Cidadão Dr. João Abbott Secretário do Estado dos Negócios do Interior e Exterior O Presidente do Conselho Luiz Jacintho de Moura” 325
324 Cf. KLEIN, op. cit. (p.530-531). 325 AHRS – Correspondência das Intendências – Lata 119V – Maço 349 – Três Forquilhas – 1896. Codificação: C = casado; S = solteiro; V = viúvo; L = lavoura/lavrador. Os nomes que aparecem desta forma “... Nacio Luis Farofa”, por exemplo, foram transcritos conforme o original. No total são 658 eleitores, assim distribuídos: 1ª seção – Vila – numeração dos eleitores: 1 a 190 – 17 nomes de não nacionais; 2ª seção – Maquiné – numeração dos eleitores: 193 a 369 – 16 nomes de não nacionais; 3ª
214
Nome Idade Estado Civil Profissão
Antonio Pacheco Filho 45 C L
Antonio Luiz Farofa 32 C L
Antonio Gomes da Silva 29 C L
Agostinho Valintim Balasco 34 C L
Adolpho Hoffmann 48 C L
Antonio Agostinho do Nascimento
Neto
31 C L
Antonio Maire 26 C L
Andre Wickmann 28 S L
Adolpho José Dihel 30 C Negócio
Antonio Ernesto Teixeira de Barros 42 S Caixeiro
Adolpho Felippe Woges 60 C Capitalista
Adolpho Hoffmann Filho 22 S L
Carlos Mittmann 25 S L
Carlos Flor 32 C L
Carlos Agostinho do Nascimento 26 S L
Carlos Hoffmann 36 C L
Christiano Gross 30 C L
Carlos Erbaradt 45 C L
Christiano Ludwique 44 C L
Christiano Weckman 66 C L
Carlos Hauier 42 C L
Carlos Guilherme Weckman 41 S L
Christovão Justin 43 C L
Carlos Becker 28 S L
Carlos Maximan 31 C L
seção – Três Forquilhas – numeração dos eleitores: 371 a 494; 74 nomes de não nacionais; 4ª e 5ª seção – Palmares – numeração dos eleitores: 495 a 658 – 2 nomes de não nacionais.
215
Carlos Frederico Woges 35 C L
Carlos Gross 32 C L
Christovão Shmitt 43 C L
Christiano Erbaradt 46 C L
Christiano Germano 23 S L
Christiano Becker 23 S L
Christiano Witt Primo 22 S L
Christiano Erbaradt Sobrinho 23 S L
Carlos Klein 26 C L
Francisco Marques da Silveira 30 C L
Frederico Hoffmann 45 C L
Frederico Diqsem Filho 26 C L
Frederico “Copecene” Sobrinho 28 C L
Frederico Woges 31 C L
Frederico Hoffman Primo 24 C L
Frederico Serafim Hoffman 29 C L
Frederico dos Santos 30 C L
Felipe Becker 35 C L
Frederico Heiseman 65 C L
Frederico Pedro Kleppel 60 C L
Felix Hermes 42 Viúvo Agência
Frederico Kellerman 34 S L
Francisco Cardozo de Aguiar 45 C L
Felisbino Raymundo 28 C L
Galdino José Fernandes 42 C L
... de Martins D’Espindula 40 C L
... Ardiano de Deos e Silva 32 C L
Guilherme Gross 45 C L
Guilherme Hoffman 30 C L
Gregorio Theodoro Casser 28 C L
Guilherme Schmitt Filho 30 C L
216
Gustavo Rodolpho 22 S L
... Nacio Luis Farofa 29 C L
Joaquim Runel da Roza 34 C L
João Agostinho do Nascimento 30 C L
João Carlos da Silva Peixoto 31 C L
Jacob Justin 28 S L
João Becker Sobrinho 32 C L
Jorge Hoffman Sobrinho 32 S L
Jose Stumph 34 C L
João Shevatzhaup Sobrinho 33 S L
João Trix 46 C L
Jacob Kenevitz Filho 32 C L
João Frederico Shuvatzhaup 26 C L
João Ebelim 38 S L
Jorge Hoffman 36 C L
João Alves da Rocha 33 C L
João Becker 42 C L
João José de Souza 27 C L
João dos Santos 29 C L
João Dahal Filho 40 C L
João Maximan 39 C L
Jacob Hoffman 32 C L
João Pedro Jacoby 42 C L
Jacob Kellerman 40 C L
Jacob Trespach 38 C L
José Cardozo e Ag. Sobrinho 28 C L
José Antonio Alves 33 C L
Jorge Strasbörg 40 C L
Joaquim de Oliveira Mello 26 C L
João Brandão Feijó 23 C L
Jorge Becker 38 S L
217
Jorge Erbaradt 23 S L
Luciano Silveira da Roza 30 S L
Luiz Agostinho do Nascimento 29 C L
Luiz Brandão Feijó 43 C L
Luiz Justin 46 C L
Leopoldo Becker 22 S L
Lourenço de Oliveira Mello 40 C L
Luciano Cardozo de Aguiar 36 C L
Manoel Gomes da Silva Bueno 45 C L
Manoel de Oliveira Mello Filho 39 C L
Maurício de Oliveira Mello 45 C L
Marcolino (Ilegível) dos Santos 46 C L
Manoel Alexandre da Silva 44 C L
Miguel Witt 45 C L
Manoel Theodoro Casser 46 S L
Manoel Antonio da Silva 40 C L
Manoel Antonio Alves Filho 38 C L
Manoel Soares de Almeida 26 C L
Manoel José de Barros 26 C L
Martim Klein 40 C L
Manoel Antonio Alves 62 C L
Manoel Serafim de Souza 22 S L
... Mittmam 63 C L
... Justim 23 C L
Pedro José de Souza 26 C L
Pedro Mathias Evelin 58 C L
Pedro Tique 50 C L
Pedro Schmitt 48 C L
Pedro Ignacio Cardozo 36 C L
Pedro Schmitt Filho 24 S L
Pedro Becker 22 S L
218
Guerino Silveira Marques 28 S L
Pacifico Cardozo de Aguiar 70 C L
Serafim Agostinho do Nascimento
Filho
36 C L
Serafim Agostinho do Nascimento 61 C P. aposentado
Severino Antonio Alves 38 S L
Silveiro Cardozo de Aguiar 28 S L
Vergilio Alexandre da Silva 30 S L
A última tabela que apresentamos corresponde ao alistamento de eleitores de
Três Forquilhas no ano de 1896, já no período republicano.326 São 125 eleitores,
sendo classificados na mesma lista nacionais e colonos alemães. Quanto à
profissão, continua o predomínio da lavoura/lavrador, com 120 nomes, demonstrando
que a mudança de regime político no Brasil não alterou a economia do litoral, que
permaneceu baseada unicamente na agricultura até o surgimento e consolidação do
setor de turismo, que ocorreu na segunda metade do século XX em diante.
Interessante notar que Adolpho Felippe Voges é identificado como capitalista e
Seraphim Agostinho do Nascimento como “P. aposentado”, isto é, professor
aposentado e não mais como lavradores, profissão que lhes foi conferida na lista de
1865.
326 Neste período, o regime eleitoral havia passado por grandes mudanças, sendo a principal delas a implantação do sufrágio universal. O voto censitário estava definitivamente “enterrado” num passado que os republicanos repugnavam, pois relacionavam-no com o Império.
219
Em relação a estes dois chefes locais, encontramos nesta mesma lista o nome
de seus filhos, como “Carlos Frederico Woges”, filho primogênito do Major Adolpho
Felippe Voges, e “Antonio Agostinho do Nascimento Neto, Carlos Agostinho do
Nascimento, João Agostinho do Nascimento, Luiz Agostinho do Nascimento e
Serafim Agostinho do Nascimento Filho”, todos filhos do professor Seraphim
Agostinho do Nascimento,327 o que nos faz pensar na transmissão do poder de pai
para filho. O fato de seus nomes constarem na lista de eleitores indica que os chefes
locais criaram mecanismos para manterem-se no poder e transmiti-lo aos seus
herdeiros. A “dinastia” Voges encerrou-se com a recusa de um dos filhos do Cel.
Carlos Frederico Voges Sobrinho em prosseguir com a vida política e, dos filhos do
professor Nascimento, não despontou nenhum líder que se destacasse no cenário
político.
Quanto ao estado civil, dos 125 eleitores, 94 eram casados, 30 solteiros e 1
viúvo. Mais uma vez confirma-se o predomínio dos casados entre os eleitores,
mesmo com o fim do requisito legal que impunha o casamento com uma das
condições para o acesso às eleições. Ao que se percebe, a família continuou tendo o
poder de sustentar as instituições sociais. Klein analisou apropriadamente o poder
econômico dos casados e solteiros, constatando que os homens solteiros das áreas
rurais tinham pouca diferença de renda dos homens casados e viúvos deste mesmo
327 Cf. os registros paroquiais de Três Forquilhas, realizados pelo pastor Voges.
220
espaço. Concordamos, parcialmente, com o autor, pois, se por um lado não havia
grandes abismos em nível de renda entre os colonos, mesmo entre solteiros e
casados, é certo que o casamento lhes proporcionava um aumento dos bens, às
vezes significativo, quando se unia determinados valores e objetos das duas famílias.
Além do mais, havia “colonos” e “colonos”, isto é, não podemos comparar o
casamento de um Voges com um Schmitt com a união de outras duas famílias bem
menos favorecidas economicamente. O que um Voges e um Schmitt traziam para o
matrimônio era sensivelmente maior do que um “simples” casal tinha condições de
unir.328 Outra hipótese de análise para os casamentos realizados pelos Voges pode
se dar pelo étnico e pela religião, pois as uniões ocorriam com alemães e
evangélicos, dados que podem ser verificados nos registros paroquiais do pastor
Voges. Com tudo isso, Woortmann e Graham estão corretos em destacar o
casamento como uma instituição social relevante, capaz de promover alianças
familiares e acordos – políticos, econômicos, sociais - significativos.329
328 Os inventários que analisamos no APRS constituem-se num ótimo referencial para esta discussão, pois, através dos bens que foram arrolados, podemos acompanhar o desenvolvimento econômico daquele casal. Este enfoque – o desenvolvimento econômico via casamento – foi estudado por AMADO, op. cit. Diferentemente do seu enfoque, Emílio Willems vê esta instituição como a base da estrutura colonial. No seu livro A Aculturação dos Alemães no Brasil, o autor dedica um capítulo ao Sexo e Família (p.301-335), analisando como os imigrantes construíram o seu “mundo familiar”. Willems conclui que a organização dos colonos em famílias numerosas permitiu o seu desenvolvimento, pois era a célula base de trabalho. Ver: WILLEMS, Emílio. A Aculturação dos Alemães no Brasil. Estudo Antropológico dos Imigrantes Alemães e Seus Descendentes no Brasil. 2. ed. São Paulo: Nacional/Instituto Nacional do Livro, 1980. 329 WOORTMANN, op. cit. e GRAHAM, op. cit. (p.17, 32-41).
221
Quanto à faixa etária, há um significativo prolongamento na idade, sendo que
14 votantes têm entre 20 e 24 anos; 25 entre 25 e 29 anos; 28 entre 30 e 34 anos; 14
entre 35 e 39 anos; 19 entre 40 e 44 anos; 15 entre 45 e 49 anos e 10 entre 50 e 70
anos. Isto se deve não somente ao fato de as pessoas estarem com mais idade,
como é o caso de Adolpho Felippe Voges e do professor Seraphim Agostinho do
Nascimento, mas também pela maior abertura que a República trouxe aos eleitores
através do sufrágio universal.
Por último, optamos por verificar quantos nomes podem ser classificados
como “nacionais” e “alemães”. Na categoria de “nacionais”, encontramos 51 e na de
“alemães”, 74, havendo um percentual de 45,09% a mais de colonos alemães em
Três Forquilhas em relação aos nacionais. Neste momento, podemos relativizar a
afirmação do presidente da província, apresentada no subcapítulo 2.1, o qual afirmou
que as colônias alemãs do Litoral Norte do RS não poderiam mais ser classificadas
de “colônias”, visto que os colonos encontravam-se “confundidos” entre os nacionais.
Mesmo que estes dados da lista de eleitores expressem somente uma realidade
parcial – números relativos aos que foram qualificados como eleitores – podemos
supor que, no cômputo geral, o número de colonos alemães seja superior ao dos
nacionais. Podemos, com isso, arriscar a afirmação de que faltou ao presidente da
província um olhar mais atento, o qual permitiria ver as colônias como uma área
colonial específica, diferente de São Leopoldo, onde os colonos forjaram-se como
um grupo político de pressão. No litoral, a prática política necessitava da participação
de todos – nacionais e colonos – pois faltavam-lhes força para se impor frente ao
222
governo provincial. O que ocorreu não foi uma descaracterização de uma área
colonial, mas sim uma outra forma de organização social que resultou na eclosão de
minúsculas chefias locais.330
Cabe-nos, para encerrar, tecer algumas considerações sobre as cinco tabelas
que analisamos. No que tange às profissões, houve o predomínio de lavradores e
criadores, no entanto queremos ressaltar a diversidade profissional que compunha o
litoral. Não como São Leopoldo, que teve um desenvolvimento artesanal significativo,
mas como um espaço que também recebeu outro tipo de profissional. Além de
pessoas ligadas à agricultura e à pecuária, encontramos, por exemplo, curtidores,
marceneiros, ferreiros, funcionários públicos e negociantes. Martin Dreher analisou
os registros paroquiais dos evangélicos, em São Leopoldo, relativizando a
exclusividade dos agricultores naquela colônia, e Magda Gans concluiu, através do
seu estudo sobre os teutos em Porto Alegre, que a participação deste grupo na
330 Cf. TRAMONTINI, na colônia de São Leopoldo, o étnico transformou-se na principal bandeira política dos colonos alemães. Eles conseguiram formar uma homogeneidade via etnicidade, o que lhes permitiu a formação de um grupo político de pressão. No Litoral Norte do RS, a prática política não aconteceu por este mesmo viés. Os pequenos e médios chefes locais foram obrigados a articular-se, tanto nacionais quanto colonos alemães, e pelas inúmeras razões que apontamos durante o trabalho, não obtiveram respaldo frente ao governo provincial. Assim, coube-lhes as “migalhas” enquanto outras áreas da província eram privilegiadas e recebiam as melhores benesses. Como exemplo, citamos o incremento ferroviário que algumas áreas receberam, como a colônia de São Leopoldo, facilitando-lhes o escoamento da sua produção agrícola. Ver: TRAMONTINI, Marcos Justo. A Organização Social dos Imigrantes. A Colônia de São Leopoldo na Fase Pioneira (1824-1850). São Leopoldo: UNISINOS, 2000a.
223
capital rio-grandense ia muito além do apontado pela historiografia sobre a
imigração.331
Quanto aos casamentos e à idade dos votantes, pudemos estabelecer uma
correlação entre estas duas variáveis. Via de regra, os qualificados tinham 25 anos
para mais e eram, predominantemente, casados. Através desta correlação,
evidencia-se a importância da família para a zona rural, célula base da economia
agrícola ligada à pequena propriedade.
A terceira consideração que fazemos remete-nos à passagem do Império para
a República. O corte estabelecido pelo fim da monarquia e o início do regime
republicano não trouxe mudanças significativas para o cotidiano do litoral. As famílias
que detinham o poder no período do II Reinado continuaram a detê-lo e a exercê-lo
na Primeira República e, no que se refere aos colonos alemães, participaram da
disputa político-partidária antes e depois de 1889. Acreditamos ter demonstrado que
uma minoria, chamados aqui de exponenciais, conseguiu destacar-se no cenário
político do Litoral Norte do RS e que uma grande maioria foi representada pelos
chefes locais quando houve necessidade jurídica, por exemplo, ou então, nos
momentos em que a liderança política precisou cooptar clientela para manter-se no
poder via eleições.
331 DREHER, op. cit. (1999a) e GANS, op. cit.
224
Os acontecimentos apontados neste capítulo são suficientes para revelar uma
outra faceta da história dos colonos alemães do Litoral Norte do RS. A partir de
agora, ao falarmos de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas, teremos que
acrescentar outras variáveis ao seu cotidiano do que somente o isolamento,332 a
dispersão e a pobreza.333 Os colonos estabeleceram relações de mútuo auxílio e de
poder, engajando-se na política a fim de resolver os seus problemas. Reforçamos,
mais uma vez, a principal diferença desta área colonial com a de São Leopoldo: o
Litoral Norte do RS não despontou como um grupo político de pressão se comparado
ao que aqueles conquistaram no mesmo período. Participar das eleições tornou-se,
então, de vital importância para os litorâneos, pois somente dessa forma poderiam
recolher as “migalhas que caíam da mesa” do governo provincial. Com tudo isso,
recorreram à justiça, ludibriaram a Igreja, disputaram o melhor dos papéis que lhes
332 A tese do isolamento para as colônias alemãs do Litoral Norte do RS é difundida, entre outros, por Jean Roche, em sua obra clássica sobre a colonização. Ver: ROCHE, op. cit. (1969a; p.98-99 e 177-179). 333 Sobre a dispersão e a pobreza dos colonos católicos, o pesquisador municipalista José Krás Selau trabalha erroneamente com estes conceitos, distorcendo-os historicamente. A análise que faz sobre a colonização alemã nas Torres não é aceita pela maioria dos historiadores, que também se debruçaram sobre aquele espaço. Ver: SELAU, op. cit. (1999 e 1995).
225
cabiam no cenário político, enfim, mostraram que construíram um mundo,
politicamente, dinâmico.
CONCLUSÃO
“As formas de integração da economia nacional no mercado mundial e as condições existentes no mercado interno marcariam o rumo do processo de organização dos setores subalternos do campo e da cidade. As práticas que dominavam as relações entre os latifundiários e os homens livres, o processo de marginalização das atividades produtivas a que foi condenada grande parte da população rural, que as práticas de cultivos de subsistência dos colonos nas fazendas e a imigração maciça intensificaram, e as dificuldades de acesso ou permanência em terrenos devolutos, por parte dos trabalhadores livres, nacionais ou imigrados, colaboraram de forma notável para a não-formação de um campesinato brasileiro no sentido clássico do termo e para a não-consolidação dos movimentos de rebeldia no campo em formas de luta política organizada.” 334
Na introdução deste trabalho, fizemos referência a dois objetivos que se
complementavam: analisar a inserção de nacionais e colonos alemães na política
rio-grandense durante o II Reinado. Com o desenvolvimento dos três capítulos,
acreditamos ter demonstrado que estes personagens participaram da vida política
do Litoral Norte do RS, divididos entre uma minoria que conseguiu sobressair-se e
uma grande maioria que foi “representada” por estes exponenciais através de um
334 SAUL, op. cit. (p.178).
227
sistema clientelístico. Apontamos, igualmente, que a rede de clientes envolvia
desde o mais humilde lavrador até “bandidos”, comerciantes, componentes da
Guarda Nacional, delegados, desertores da Guerra do Paraguai, juízes, padres,
pastores, entre outros. Assim, todos estavam “amarrados” a esta teia que permitia a
formação, consolidação e hierarquização da sociedade brasileira.335
Uma vez demonstrado que alcançamos os objetivos propostos, cabe verificar
se contribuímos para a historiografia da “nova” história política, da imigração e do
Litoral Norte do RS. De forma modesta, pensamos que sim, pois o trabalho
orientou-se e foi conduzido de tal maneira que se adequou a uma nova visão sobre
o político, em que contemplamos outros agentes históricos além dos grandes
líderes e dos seus grandes feitos. Interessou-nos o poder local e sua rede de
clientes, como este poder diluía -se entre nacionais e colonos alemães num espaço
micro, mas que mantinha relações políticas com a província e a Corte.
Neste mesmo campo, demonstramos que o sistema político brasileiro do
século XIX, sobretudo o do II Reinado, era praticamente o mesmo para todo o
Brasil. Alguns autores, como Franco, Graham, Klein e Uricoechea, dentre outros,
deixaram transparecer este aspecto nas suas obras. Os mecanismos que faziam
funcionar a engrenagem política no Litoral Norte do RS eram muito próximos dos
praticados no Nordeste e no Sudeste. Os exemplos apresentados por estes autores
335 Cf. GRAHAM, op. cit.
228
são inúmeros: interesses públicos e privados se mesclavam na ordem brasileira;
autoridades foram “desrespeitadas” por todo o Brasil, assim como no Litoral Norte
do RS; o acirramento político-partidário na época das eleições detonava uma onda
de violência que varria o território brasileiro, chegando à província sulina; os chefes
locais, pequenos, médios ou grandes, apesar de poderosos, eram obrigados a
enquadrar-se na ordem instituída, obedecendo ao sistema clientelístico
hierarquizado do século XIX. Os chefes locais de Santo Antônio da Patrulha,
Conceição do Arroio e Torres não tiveram como escapar desta “ordem maior”. De
igual modo, os debates sobre a escravidão e a imigração, por conseqüência sobre a
terra, perpassaram todo o território brasileiro, visto que eram temas de interesse
geral, tanto no espaço urbano quanto no rural.
No que se refere à imigração, buscamos fugir da tese do isolamento, que
explica o processo imigratório através de uma história repleta de “choros e
amarguras”. Com certeza houve injustiça e desencanto, porém policiamo-nos para
avançar e apresentar ao leitor novos componentes desta história. Identificar,
analisar e concluir que colonos alemães do Litoral Norte do RS participaram da
política rio-grandense e que mantiveram relações político-partidárias com os
nacionais que estavam a sua volta insere-se na proposta teórico-metodológica que
pensamos para este texto, a qual amplia o conceito de político para algo mais do
que somente os partidos e as suas doutrinas. A própria manifestação dos colonos
em prol de seus direitos como seres humanos, que se dividiam entre o trabalho
(mão-de-obra) e o desejo de efetivamente ser aceitos como cidadãos brasileiros,
229
pode ser tomada como um ato político, sem que necessariamente integrassem os
programas e/ou discursos dos partidos.
Em relação a teorias sobre a imigração, a história da colonização alemã no
Litoral Norte do RS não se enquadra, pelo menos, em duas destas correntes. A
primeira, que chamamos de “germanista”, caracteriza-se por louvar as qualidades
germânicas que determinado grupo conseguiu preservar. A segunda, a qual analisa
o desenvolvimento dos núcleos coloniais, seguindo a lógica do artesanato, pequena
indústria e grandes empresas, tem como um dos seus principais propagadores
Jean Roche. Ambas desprezaram a história da colonização no litoral por não
apresentar nenhuma das “qualidades” que julgavam imprescindíveis numa área
colonial. Assim, o contato de nacionais e colonos alemães foi visto como
aculturação, e o não-desenvolvimento de um artesanato que se transformasse em
indústria, como um espaço marginal, que não havia seguido a trajetória do
desenvolvimento. Estes dois fatores levaram o governo a sentenciar que aqueles
núcleos não eram mais colônias (como vimos no subcapítulo 2.1) e fizeram com
que poucos historiadores os olhassem de forma distinta, sem a comparação com
São Leopoldo, onde esta colônia era vista como modelo ideal e São Pedro de
Alcântara e Três Forquilhas, como algo que não deu certo.
Por terceiro, tínhamos a pretensão de inserir este estudo na historiografia
que vem se debruçando sobre o espaço que compunha o município de Santo
Antônio da Patrulha. Ao analisarmos parte do grande Santo Antônio, em especial a
230
área litorânea, integramos o grupo de historiadores que, a partir da década de
1990, pesquisa com maior afinco a região Nordeste do Rio Grande do Sul,
movimento este que tem origem nos Encontros dos Municípios Originários de Santo
Antônio da Patrulha, projeto idealizado e concretizado pela historiadora Véra Lucia
Maciel Barroso.
Para encerrar, precisamos olhar mais de perto algumas questões que
perpassaram todo o texto. Parece-nos de fundamental importância retomarmos os
temas “coronelismo” e “poder local”. Quanto ao primeiro, houve um sensível
incremento na prática “coronelística” já com a lei Saraiva, que, reafirmamos, foi o
primeiro ensaio para que os coronéis assumissem seus lugares como formadores e
condutores dos seus “currais eleitorais”. O aumento na prática da cooptação de
votos deu-se com a passagem do Império para a República, o qual está
intimamente ligado ao sufrágio universal, que lançou uma massa de “homens livres”
no processo eleitoral. Estes novos agentes precisavam ser vigiados e conduzidos
na hora do voto, de acordo com os interesses dos grupos dominantes. No entanto,
antes mesmo de a República ser instalada no Brasil, os chefes locais já eram
personagens essenciais para o funcionamento das eleições. A sua missão principal
era garantir a vitória do partido que estava no poder. No momento em que
conseguissem “ganhar as eleições”, demonstravam a sua força aos demais,
consolidando o seu poder como chefes locais. Desejamos demons trar igualmente
que eram peças fundamentais da engrenagem política do século XIX,
principalmente pelo modo como a sociedade brasileira estava estruturada, isto é,
231
hierarquizada sob um sistema clientelístico que se estendia do Imperador ao “mais
simples” dos brasileiros.
Quanto ao poder local, especialmente entre os colonos alemães, os dados
abaixo nos permitem observar que:
Voges (Três Forquilhas) Raupp (São Pedro de Alcântara)
Evangélico Católico
Comerciante Comerciante
Proprietário de escravos Proprietário de escravos
Pastor ---
Os dois líderes eram colonos alemães, provenientes da Colônia Alemã das
Torres, dividida, como vimos, em dois núcleos. Ambos conquistaram um lugar ao
sol se comparado à grande maioria que ficou à margem do título de exponencial.
Tanto o evangélico quanto o católico tiveram a capacidade de se fazerem
representantes desta grande maioria e de articular-se com os nacionais,
principalmente nas esferas política e econômica, capacidades que eram
fundamentais para os transformar e manter como líderes locais. As especificidades
de cada um dizem respeito à profissão e à área de abrangência. Voges também era
pastor, o que lhe permitiu alcançar de forma mais intensa os seus “clientes”,
socorrendo-os, inclusive, no plano espiritual. Além disso, parte do seu poder foi
repassado para o filho e, posteriormente, para o neto. Assim, houve uma
232
continuidade na transmissão do poder da família.336 Quanto ao Raupp, sua atuação
estava mais restrita à área de Torres. Como família exponencial, participaram
ativamente da vida política, participação esta que podemos conferir na
documentação da câmara municipal, em que alguns dos seus descendentes
assinaram como vereadores. Além disso, envolveram-se em situações
“complicadas”, como o avanço sobre terras devolutas, invasão que ficou registrada
nos relatórios dos presidentes da província. Falta-nos, ainda, uma última
constatação: a importância do comércio, principal meio de obtenção dos recursos
para a compra da terra e de escravos.337 Não temos dúvida de que seria muito
difícil para os dois líderes acumular tal riqueza sem o comércio, motor propulsor do
seu enriquecimento.
Em se tratando de poder local, buscamos demonstrar que essa engrenagem
não estava desvinculada da ordem política do século XIX, isto é, havia um sistema
político vigente o qual deveria estender-se da Corte às províncias e destas para os
confins dos seus territórios. Por maior que fosse o poder de um pequeno, médio ou
grande líder, a sua atuação, obrigatoriamente, perpassava a ordem instituída.
Inúmeros exemplos demonstraram como o chefe local precisava adequar-se às
336 As análises de Amado e Willems, neste caso, são pertinentes, uma vez que demonstram a importância econômica e social do casamento no espaço colonial. Ver: AMADO, op. cit . e WILLEMS, op. cit. 337 FARINATTI, op. cit. em sua dissertação de mestrado, apontou a relevância dos comerciantes para região de Santa Maria/RS. Ampliamos o seu olhar e vislumbramos como o comércio era uma peça central na composição econômica e política do século XIX.
233
normas estabelecidas caso desejasse manter-se no poder. Via de regra, os canais
que permitiam a comunicação entre o chefe local e o presidente da província eram
a câmara municipal e os cargos públicos. No caso dos nacionais, no momento em
que a província do Rio Grande do Sul foi dividida nos quatro municípios, em 1809,
desde logo eles já estavam presentes nestes órgãos mediadores entre região e
província. Lembremos das petições dos juízes aos presidentes da província,
solicitando reforço policial para manter a ordem na época das eleições ou para
obrigar um inimigo político a portar-se dentro da lei. No que tange aos colonos
alemães, enquanto não lhes era permitido ingressar de modo mais intenso na
política, restavam-lhes os conchavos políticos com os nacionais a fim de fazer valer
as suas reivindicações. Desta forma, as câmaras municipais e os cargos públicos
tinham um papel importantíssimo na rede de clientes, especialmente quando se
tratava de um espaço marginal como o Litoral Norte do RS. O documento que narra
a expulsão dos juízes de Conceição do Arroio exemplifica como ocorria esta
aproximação dos nacionais e dos colonos alemães no campo político.338
A análise acima, de base conclusiva, remete-nos a alguns dos atores
políticos os quais analisamos no decorrer do trabalho. O procedimento do professor
Seraphim Agostinho do Nascimento, dos três Voges – Carlos Leopoldo, Adolpho
Felippe e Carlos Frederico Sobrinho -, do juiz Paulino Rodrigues Fernandes Chaves
338 Ver subcapítulo 3.1.
234
e de Bahiano Candinho, dentre outros, pode ser explicado pelo clientelismo,
espinha dorsal da sociedade brasileira do século XIX. Cada um com suas
especificidades tornou-se chefe local, ligado a uma rede de clientes, o que lhe
possibilitava representar uma grande maioria, operação que dificilmente se
realizaria sem as “migalhas” que os chefes locais buscavam junto ao governo
provincial e que deveriam ser suficientes para resolver os impasses dos que os
procuravam.
A opção por analisar a política no Litoral Norte do RS sob as luzes do
clientelismo nos faz concordar parcialmente com o relatório de pesquisa de Félix,
Silva & Schmidt,339 no qual apresentam um gráfico estabelecendo diferenças entre
a “grande propriedade” e a “pequena propriedade”. Quanto à dominação nestes
espaços, em relação ao minifúndio colonial, os autores sustentam que:
“Dominação por intermediação do Poder / Poder distribuído em redes institucionais ou não, de cunho associativista: Igrejas, sociedades recreativas, industrialistas e comerciantes.” 340
Embora o poder perpassasse associações como as citadas pelos autores,
ele não estava exclusivamente vinculado a estas redes institucionais. Pelo que
pudemos perceber, o poder local mantinha-se pela relação clientelística que
“representados” e “representantes” estabeleciam, a qual era de cunho personalista.
339 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992).
235
A amizade, o compadrio, ou a dependência (econômica, política ou social) não
estavam, obrigatoriamente, sob as rédeas das instituições. Acreditamos que o
sistema clientelístico, típico do Brasil do século XIX, sobrepunha-se a isto tudo e
regulava o comportamento político-social dos nacionais e colonos alemães,
levando-os a se inserir dentro de grupos específicos, como os religiosos, políticos
ou comerciais. Relativizamos, mais uma vez, a afirmação dos autores quando
sustentam que:
“Áreas geo-históricas, como a teuta do Vale dos Sinos, marcada por forte espírito associativo e igualitário, vinculados ao espírito de autonomia, obrigatoriamente leva a diminuição da presença de relações clientelísticas como dominantes.” 341
Nosso estudo demonstrou que outras regiões do Brasil foram marcadas por
este mesmo espírito associativo e igualitário. Antonio Candido,342 para citar apenas
um exemplo, relatou uma série de situações em que homens (pobres, livres,
nacionais) mantinham uma estrutura social de cooperação, necessária para a
sobrevivência de quem estava à margem da sociedade da época. Então, esse
espírito dos imigrantes não pode ser tomado como única referência para sobrepô-
los aos demais e nem para desvinculá-los da rede de clientes a que estavam
submetidos. Os Voges e os Raupp são exemplos pertinentes de colonos alemães
que buscaram inserir-se de maneira ativa na sociedade em que viviam. Por tudo
340 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992; p.36). 341 FÉLIX, SILVA & SCHMIDT, op. cit. (1992; p.45-46).
236
que analisamos, entendemos que as áreas coloniais foram perpassadas pelo
sistema clientelístico, consideradas as suas características próprias.
Sobre a questão do isolamento do Litoral Norte do RS, temos que fazer
algumas considerações que vão de encontro às idéias de diversos autores que
estudam este mesmo espaço. Em relação ao isolamento geográfico, o
consideramos óbvio se pensarmos na ligação do litoral com Porto Alegre.
Realmente, deslocar-se era uma dificuldade pela falta e/ou más condições dos
caminhos, bem como pelo quase total inaproveitamento das lagoas para a
navegação fluvial. No entanto o Litoral Norte do RS estava muito mais voltado para
os Campos de Cima da Serra e para a província de Santa Catarina do que para a
capital rio-grandense.343 Isso relativiza a “tese do isolamento” e abre lacunas
importantíssimas que ainda praticamente não foram estudadas, como a ligação do
litoral rio-grandese com o de Santa Catarina. Esta proximidade pode ser analisada
sob diversos aspectos: o trânsito humano entre as duas províncias, o comércio
instituído entre rio-grandenses e catarinenses, ou a relevância dos tropeiros para o
desenvolvimento destas regiões. Como último ponto sobre o isolamento, temos que
342 CANDIDO, op. cit. 343 Precisamos ressaltar que, quando o governo imperial decidiu fundar a Colônia Alemã das Torres, o local escolhido para o primeiro assentamento era a beira de uma estrada que comunicava o litoral com Cima da Serra. Então, o objetivo inicial desta colônia seria o de impulsionar a ligação destes dois espaços, servindo como mercado abastecedor e de trocas. Deduz-se deste fato que, pelo menos num primeiro momento, a Colônia Alemã das Torres não deveria cumprir o mesmo papel que São Leopoldo em relação a Porto Alegre. Cada uma fora criada para direcionar-se a regiões distintas, com propósitos definidos de acordo com o espaço e as habilidades de seus ocupantes. Ver: BASTOS, op. cit. (1957; p.6 e 9), ELY & BARROSO, op. cit. (1996) e LUNCKES, op. cit. (1998).
237
considerar o fato de o Brasil, no século XIX, ser praticamente um país tomado pelo
“isolamento”, isto é, com a exceção de algumas cidades litorâneas, como o Rio de
Janeiro, a maior parte do território estava ainda nos sertões. Face a essa
constatação, a “tese do isolamento” passa a ser um argumento muito frágil para a
análise do Litoral Norte do RS, o qua l deve ser visto sob outras circunstâncias que
revelem a sua dinamicidade política e social.
Nesta busca, a pesquisa nos descortinou um espaço que não se impôs
politicamente frente ao governo provincial. A sua atuação econômica e política não
refletia diretamente no mercado agropecuário do Rio Grande do Sul do século XIX.
Por conseqüência, o governo provincial não destinou altos investimentos para o
litoral, que não passava, aos seus olhos, de uma área periférica. Como já
apontamos, o porto de Torres foi preterido pelo de Rio Grande, o que condenou o
espaço que estudamos à condição de marginal. Aliás, durante todo o texto,
estabelecemos pequenas comparações entre as duas áreas coloniais: Vale do
Sinos e Colônia Alemã das Torres. O objetivo de tal exercício foi demonstrar as
especificidades de cada uma, valorizando as suas características no
relacionamento nacional-colono.
Enfim, chegamos ao final deste trabalho, esperando ter enfatizado
justamente a relação dos nacionais com os colonos alemães na esfera política. O
nosso olhar buscou o diálogo que estes dois grupos estabeleceram, como
aproximaram-se ou distanciaram-se conforme as conveniências de cada um.
238
Pensamos em “premiar” um espaço que, nos estudos da imigração, pouco vinha
sendo contemplado, fazendo, por isso, apenas as comparações indispensáveis com
São Leopoldo. Ansiamos, durante todo o texto, tornar em relevo os conflitos que
nacionais e colonos alemães vivenciaram na época das eleições, não com o intuito
de revelar um cenário de brigas e desentendimentos, mas sim mostrar que a
dinâmica política destes homens era parte integrante de um sistema que manteve a
sociedade brasileira estagnada durante boa parte do século XIX. Estes homens,
como que pintados num quadro de disputa político-partidária em pleno litoral do Rio
Grande do Sul, integraram-se ao restante do Brasil através do clientelismo,
amarrados a uma teia que os transformava em clientes ora representantes ora
representados.
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ANEXOS
ANEXO 1
ANEXO 2
ANEXO 3
ANEXO 4
ANEXO 5
ANEXO 6
ANEXO 7
ANEXO 8
ANEXO 9
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