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1 POLÍTICAS PÚBLICAS E A CRIAÇÃO DO VALE DO JEQUITINHONHA Allain Wilham Silva de Oliveira Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP-FCT campus Pres. Prudente [email protected] Antonio Nivaldo Hespanhol Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP-FCT campus Pres. Prudente [email protected] Resumo Propomos por meio de uma revisão bibliográfica, da análise de documento e da realização de visitas a órgãos públicos responsáveis pela execução de políticas publicas estudar uma região de excluída, o Vale do Jequitinhonha, localizada no nordeste mineiro, e as políticas públicas de inclusão voltadas a este território. A criação dos complexos agroindustriais produz regiões integradas ao processo de produção de mercadorias ao mercado urbano industrial e outras excluídas como é o caso da região estudada; e que as políticas públicas se restringe, aos aspectos econômicos o que tem produzido poucos resultados na superação da exclusão. Palavras-chave: Vale do Jequitinhonha. Políticas públicas. Complexo agroindustrial. Exclusão socioespacial. Introdução A modernização avança no país, o chamado agronegócio ganha território, mas “maior e ainda desigual” é uma expressão da desigualdade socioespacial. De acordo com essa desigualdade, será analisado o espaço também “mitológico” pelo mito da pobreza. O Vale do Jequitinhonha, definido por Nascimento (2009), “revela uma realidade paradoxal (...), resulta na configuração de uma realidade cujo traço distintivo é a diversidade sociocultural. A pobreza do Vale do Jequitinhonha se limita à dimensão socioeconômica e não à existência de recursos naturais e culturais que, ao contrário, existem em abundância na região. Assim, um espaço diverso e rico especialmente em cultura”. Ou ainda, na visão de Leite (2010) “um espaço engendrado nacionalmente no esforço de industrialização e de superação de formas arcaicas de produção que lhe impôs uma ação de modernização”. A fazenda agropecuária implantada, em especial a silvicultura, transformou os lavradores em boias-frias, dessa forma, engendrando espaços de pobreza/miséria no Jequitinhonha.

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POLÍTICAS PÚBLICAS E A CRIAÇÃO DO VALE DO JEQUITINHONHA

Allain Wilham Silva de Oliveira

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP-FCT campus Pres. Prudente

[email protected]

Antonio Nivaldo Hespanhol Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP-FCT

campus Pres. Prudente [email protected]

Resumo

Propomos por meio de uma revisão bibliográfica, da análise de documento e da realização de visitas a órgãos públicos responsáveis pela execução de políticas publicas estudar uma região de excluída, o Vale do Jequitinhonha, localizada no nordeste mineiro, e as políticas públicas de inclusão voltadas a este território. A criação dos complexos agroindustriais produz regiões integradas ao processo de produção de mercadorias ao mercado urbano industrial e outras excluídas como é o caso da região estudada; e que as políticas públicas se restringe, aos aspectos econômicos o que tem produzido poucos resultados na superação da exclusão.

Palavras-chave: Vale do Jequitinhonha. Políticas públicas. Complexo agroindustrial. Exclusão socioespacial.

Introdução A modernização avança no país, o chamado agronegócio ganha território, mas “maior e

ainda desigual” é uma expressão da desigualdade socioespacial. De acordo com essa

desigualdade, será analisado o espaço também “mitológico” pelo mito da pobreza. O

Vale do Jequitinhonha, definido por Nascimento (2009), “revela uma realidade

paradoxal (...), resulta na configuração de uma realidade cujo traço distintivo é a

diversidade sociocultural. A pobreza do Vale do Jequitinhonha se limita à dimensão

socioeconômica e não à existência de recursos naturais e culturais que, ao contrário,

existem em abundância na região. Assim, um espaço diverso e rico especialmente em

cultura”. Ou ainda, na visão de Leite (2010) “um espaço engendrado nacionalmente no

esforço de industrialização e de superação de formas arcaicas de produção que lhe

impôs uma ação de modernização”. A fazenda agropecuária implantada, em especial a

silvicultura, transformou os lavradores em boias-frias, dessa forma, engendrando

espaços de pobreza/miséria no Jequitinhonha.

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O significado atual do Vale do Jequitinhonha nasce no bojo da constituição espaço-

tempo dentro da sociedade brasileira. Sua inserção histórica é relevante para entender

como se produziu a atual situação de uma região deprimida, como se originam as

políticas públicas voltadas ou adaptadas a essa região. Por meio dessa junção, procurar-

se-á analisar a proposição de políticas públicas do ponto vista territorial, em especial no

âmbito do desenvolvimento rural e das políticas territoriais, para uma reflexão sobre os

planos de desenvolvimento rural e territorial sob a administração do Ministério de

Desenvolvimento Agrário (MDA), com influência de organismos internacionais, como

o Banco Mundial.

De acordo com o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável, o Alto

Jequitinhonha é um espaço com o menor PIB no Estado de Minas Gerais e no Brasil.

Além das características já descritas, cabe acrescentar que se trata de um espaço com

uma população que reside no espaço rural e é um número bastante significativo se

comparado à média brasileira e mesmo da América Latina e, ainda, há a migração

sazonal de muitas famílias para trabalhar no corte da cana-de-açúcar em São Paulo e

outros estados do Centro-Sul. Mas em consequência da mecanização da colheita, houve

uma redução dessa atividade, o que tem direcionado os migrantes para a colheita do

café no Sudoeste de Minas Gerais. A agricultura nessa região ainda realiza o papel

histórico para as comunidades rurais.

Assim, propõe-se uma análise do Vale do Jequitinhonha por meio de uma leitura crítica

do desenvolvimento territorial, buscando na construção dessa região no processo de

consolidação dos complexos agroindustriais, na constituição de políticas públicas e na

evolução dessas para políticas territoriais e propõe novas inserções resignificando estas

políticas Essa análise foi feita por meio de documentos e visitas aos órgãos públicos

responsáveis pela implementação dessas políticas.

O complexo agroindustrial e a configuração do vale Jequitinhonha Esse espaço, Vale do Jequitinhonha, resultado de um movimento desigual e combinado,

uma totalidade social e produto da sociedade. Milton Santos define espaço como um

conjunto indissociável de sistemas, de objetos e ações. Esses objetos e ações apresentam

um conteúdo técnico e também histórico, ou elementos fixos e fluxos que podem ser

afirmadores ou, ainda, tornarem-se transformadores; assim, o espaço apresenta uma

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estrutura, sistemas e processos, e é ao mesmo tempo construído e reconstruído pela

sociedade, mas não pode ser considerado pronto sem questionar e ponderar o contexto

histórico e sem perder a perspectiva do universo pessoal conjugado com o universo, que

também pertence ao indivíduo como pessoa e cidadão de uma sociedade cada vez mais

técnica. Portanto, as ações sociais que constituem o espaço podem se revelar ao mesmo

tempo em que se pode interferir nele com mudanças de seus objetos, ações e técnicas,

redefinindo, assim, sua configuração espacial (SANTOS, 2009).

O processo de formação e reprodução das relações sociais produz e reproduz o espaço e

é fundamental para a sua ordenação, e o estado, por meio de mecanismos próprios e de

interferência ampla, tem uma ação fundamental. Um desses mecanismos são as políticas

públicas, com um papel influente e refletindo sempre uma intencionalidade. Essas ações

no planejamento são de dois caracteres alocativos diretamente vinculados a ele e

indicativos derivados na perceptiva do privado, importante para o setor agrícola pelas

características de produção desse setor (GONÇALVES NETO, 1997).

Constituindo o planejamento rural, atos estabelecidos pelo Estado. Essas políticas não

são antagônicas a uma visão geral, assim não se distanciam das políticas para o conjunto

da economia, bem como não são neutras e trazem benefícios a determinados grupos.

Inicialmente comprometido com o processo de substituição das importações, foi

fundamental na geração de excedentes de renda, mão de obra e alimentos para esse

processo que associa a industrialização e a urbanização do Brasil (GONÇALVES

NETO, 1997).

Assim, se processou a formação dos complexos agroindustriais no Brasil, trazendo

diversas repercussões. Entre elas está a transformação do Vale do Jequitinhonha em

uma das regiões com maior população agrícola, e, ou, com forte vínculo com o rural no

sudeste brasileiro, mas sem uma produção voltada para o mercado, ausente

territorialmente de um mundo rural produtor de commodities. Sendo assim, portadora

de uma não inclusão nesse processo, em especial sua configuração territorial no campo

brasileiro, produto de cenários opulentos e outros pobres, como o chamado território do

agronegócio, os lugares do dinamismo econômico (HERIDIA et al, 2010) e o Vale do

Jequitinhonha, o Vale da Miséria, mas fruto de um mesmo processo que é definido

como constituição do complexo agroindustrial.

A formação dos cenários observados pelo processo que leva à constituição do

capitalismo no campo, chamado aqui de modernização, leva a uma série de questões,

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ambientais, trabalhistas, de exclusão etc., ainda a serem solucionadas, todas interligadas

a um modelo de desenvolvimento, sendo que a exclusão de grupos familiares de

produção e de seus respectivos espaços é a que se destaca. De acordo com Delgado

(1985), os pequenos produtores, pelas formas de associação ao capital financeiro, são

classificados como associados e não associados. Os associados seriam pequenos

agricultores tecnificados, incorporados à produção, à cooperativas ou a grandes

empresas que lucram alguns benefícios e ainda se reproduzem no campo. Os não

associados ao capital financeiro possuem uma reprodução social simples e alguns

autores colocam sua sobrevivência como mão de obra de reserva, como os do Vale

Jequitinhonha, ainda, produtores com baixo valor agregado. Nessas duas situações o que

se observa é uma produção pequena e que a evolução tecnológica torna menor a

necessidade de trabalho na agricultura.

Os autores Graziano Silva (1996), Gonçalves Neto(1997), Delgado (1985), Heridia et al

(2010), Hespanhol (2008 e 2010) e Costa (2012) estabelecem que a modernização da

agricultura no Brasil, pelo seu projeto de sociedade envolvido, aprofundou as diferenças

regionais com o crescimento econômico mais rápido que ocorreu em alguns locais.

Quando analisaram as transformações da agropecuária brasileira, eles apresentaram a

exclusão socioespacial resultando em regiões excluídas, como no caso da região do

Jequitinhonha, uma parcela da totalidade, presente e articulada ao todo, se constituindo

na parte arcaica do campo brasileiro, sujeita a várias formas de dependência, com alta

utilização por unidade de produto e baixo grau de integração técnica, com os setores

industriais componentes dos complexos agroindustriais.

A produção rural do Alto Vale do Jequitinhonha se confunde com a sua história, sendo

que ela se inicia no ciclo do ouro e a incorporação das terras a produção mineral ou ao

abastecimento interno das Minas, com exceção de um pequeno surto cotonicultor

escravista de pequena proporção e tempo de duração. Desde o início predominou a

fazenda de produção agropecuária em latifúndios (LEITE, 2010, 176) (PEREIRA,

1996). Entretanto, cabe salientar que a estrutura agrária da região, arcaica, em função do

estado de abandono em que se encontravam as atividades agropastoris, os métodos

rudimentares empregados e a contração da renda. No dizer de Ribeiro (2007, 1081), o

território da “farta mediano descrito por um viajante”, onde não mais se vivia a

opulência do diamante, mas as pessoas dispunham do necessário a sua subsistência,

onde as famílias de lavradores se firmavam na cultura das grotas.

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Desse modo, o Vale fica colocado, como o grande Norte Mineiro, sem nenhuma

relevância no cenário regional, uma região meio baiana (RIBEIRO, 2007, 1081), ou

seja, em um tempo que o complexo rural produz, para um capitalismo comercial,

produtos valorizados pelos países centrais. As unidades produtoras (fazendas e

engenhos/usinas, ou mesmo áreas florestais) eram quase autossuficientes. Produziam, na

própria propriedade, equipamentos rudimentares bem como insumos simples,

reprodução da força de trabalho e transporte. Nesse contexto, a divisão social do

trabalho apresentava-se incipiente (GRAZIANO SILVA, 1996). Assim, nessa época,

sem produtos exportáveis1, a região vai se caracterizando como área de produção apenas

de autossuficiência.

Primeiras mudanças do complexo rural são notadas no período de 1850/90, que marca o

fim do período do sistema colonial. Em 1850, a lei Eusébio de Queiroz pôs fim ao

tráfico negreiro e a lei de terras marca a ação forçada pela Inglaterra para a transição

para o trabalho livre, mas a dificuldade de mão de obra escrava desencadeia a crise no

setor agroexportador (GRAZIANO SILVA, 1996) que, diferentemente da situação

paulista, do aparecimento do colonato, algumas fazendas de cafeicultura da Mata

Mineira buscaram no agricultor do Vale a substituição dessa mão de obra, e os

trabalhadores que realizavam (RIBEIRO, 2006) tais empreitadas realizavam uma

transumância, que provinha alguns recursos, mas a produção do Vale continuava a

arcaica.

De acordo com Graziano Silva (1966), na década de 1950 completou-se a implantação

do chamado D1 (departamento de bens de capital para a agricultura) na chamada fase da

industrialização de base. Emergindo assim um novo padrão da agricultura nos anos

1960, que constitui a fase da consolidação da modernização agrícola, da transformação

na produção pelo consumo de bens de insumos e elevado grau de produção e sua

subordinação definitiva à indústria, se transformando em compradora e produtora de

mercadorias, similar à indústria; assim se industrializando. Houve também a efetivação

dos CAIs, mas em especial nos anos 1970, com a integração técnica intersetorial entre

as indústrias que produzem para a agricultura, a agricultura propriamente dita e as

agroindústrias processadoras.

Essa modernização da sociedade brasileira encontra um Nordeste Mineiro caracterizado,

Segundo Ribeiro (2007, 1083), por uma agricultura patronal, fraca de recursos, incapaz

tecnicamente e financeiramente de incorporar as benesses públicas, dedicado a uma

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pecuária de baixa padrão técnico e a produção de subsistência e com um regime de

trabalho denominado macaco2, precário, cuja função é de manutenção da vida no stricto

sensu. O crédito rural, principalmente, mas outras ações do Estado, como garantia de

preços, seguro, pesquisa, assistência técnica, extensão rural; enfim, políticas voltadas

para a industrialização da agricultura foram colocadas em ação não de forma

homogênea, mas por grupos que buscavam uma maior fatia, associada ao modelo que se

implantava graças à ajuda do governo, o que possibilitou a modernização desigual e a

formação do complexo agroindustrial. Houve pouca ou nenhuma mudança técnica nas

fazendas3 do Vale do Jequitinhonha, mas não no seu contexto articulado a um novo

espaço urbano-industrial.

As unidades familiares de produção são submetidas a um regime agrário de posse

coletiva nas chapadas, onde se solta o gado e se faz extração e caça, mas

cuidadosamente negociada pelos grupos sociais impróprios a lavoura e rotativa nas

manchas mais férteis das grotas, nas beiras de nascentes e cursos de água (GALIZONI,

2002) onde se realiza uma agricultura de base comunitária. Um agricultor sem a menor

integração ao mundo criado com a modernização, excluído de quaisquer integrações no

rural moderno, na verdade sua produção e seu trabalho postos a vagar pela migração ou

novas articulações escalares, acha novos caminhos - as grandes metrópoles, o centro, ou

para o abastecimento boias-frias do complexo agroindustrial agora consolidado nas

áreas centrais da modernização em especial o interior de São Paulo, constituindo o

homem o grande excedente exportável do rural a periferia. Concluímos a configuração

do rural com a formação do complexo agroindustrial se forma territórios este território

de exclusão, o Vale da Miséria traz significados e significantes mais amplos que a

simples acunha da miséria.

Política pública: a descoberta do Jequitinhonha A associação do Vale com a pobreza se dá pela descoberta de uma agricultura arcaica

comparada com a modernização da sociedade brasileira e a instalação dos complexos

agroindustriais, provocada por um sistema nacional integrado de um circuito moderno

de produção de mercadorias para um mercado urbano industrial. O Vale é efetivamente

classificado como pobre em termos relativos e absolutos, porque sua sociedade rural se

torna o resto de um passado que persiste (RIBEIRO, 2007, p. 1083).

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Foi criada na década de 1970 a já extinta Companhia de Desenvolvimento do Vale do

Jequitinhonha (CODEVALE) 4 sobre sua orientação foram estabelecidas ações que

integrariam a região ao modelo de desenvolvimento brasileiro por meio de visões

neoclássicas sobre desenvolvimento, que veem o sistema capitalista como um sistema

de harmonia com a natureza e de vantagens universais, assim, capaz de por si próprio

levar ao progresso e a ordem humana, para este pensamento o mercado regula e ao

mesmo tempo em que provoca avanços econômicos. Esse modelo procura, pelo crédito

rural e por meio de políticas, criar uma normatização de mercado na propriedade da

terra, vendendo sonho de emprego e prosperidade por meio da implantação das fazendas

de silvicultura, mas não surtiu efeito para uma região com modelos de produção bem

específicos e. A principal consequência dos programas de crédito e reflorestamento no alto Jequitinhonha não foi na técnica, na produção, no emprego ou na chegada de novos empresários, nem sequer na mudança das mentalidades. A grande transformação aconteceu na renda fundiária: as chapadas foram transformadas em ativos financeiros; a pressão por plantio de mantimentos nas terras férteis remanescentes das grotas fez com que as minúsculas áreas de culturas dos sítios se tornassem tão escassas em termos relativos que a renda cobrada pela cessão da terra nua para lavoura atinge um terço do volume bruto da produção. A revolução verde deixaria outras marcas, indiretas, na erosão genética das matrizes vegetais tradicionais contaminadas por linhagens híbridas exigentes em fertilidade e água, na imposição de um padrão técnico de cultivo agrícola, nas restrições ao comércio nos mercados regionais. (RIBEIRO, 2007, p. 1084).

Essas transformações são consequência das políticas públicas desenvolvidas pelo

Estado que se restringem ao apoio setorial e ao produtivismo, aos grandes complexos

agroindustriais, no caso o reflorestamento associado ao parque siderúrgico mineiro,

fornecedores de commodities para a indústria nacional ou de exportação. Esse modelo

foi criado a partir de um série de políticas públicas, mas pode-se destacar o crédito rural

como a principal, e que possui um significado sociespacial importante, atingindo

algumas áreas em detrimento de outras e, ao mesmo tempo, excluindo parcela

significativa de agricultores de base de produção familiar (HESPANHOL, 2008), como

em uma visão desenvolvimentista que desconsiderou a possibilidade de as próprias

populações rurais terem condições de contribuir para traçar o desenvolvimento da

região.

A repercussão da crise dos anos 1980 para o Vale do Jequitinhonha foi o rompimento da

renda migratória devido à crise urbana de empregos (RIBEIRO, 2007, p. 1085). Com a

expansão da pequena propriedade, uma nova visão começa a se formar nessa conjuntura

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da crise econômica e luta pela redemocratização brasileira; a luta por uma vida digna no

campo. Os papéis dos movimentos sociais ressurgidos nesse processo são de

fundamental importância e pode-se definir como um grande ganho para a constituição

de 1988, seu apelo descentralizador e de resgate do social. Assim, inicia-se a busca por

novas políticas de desenvolvimento para o campo com a busca pela inclusão produtiva

daqueles que precisam viver no campo.

Dessa forma, na total ineficiência das políticas públicas até então desenvolvidas para a

região, que de fato promoveram a acentuação das desigualdades e não mostraram a

eficiência econômica observada na instalação dos chamados agronegócios nas regiões

de cerrado no Nordeste e Alto Paranaíba, pois este modelo vai além da mera inserção de

maior, ou melhor, tecnologia. Ele é uma visão de um tipo de sociedade que exclui a

pequena produção, que reflete em larga medida uma disputa política de natureza diversa

(HERIDIA et al, 2010). Na região do Vale prevalecem relações sociais sobre várias

ordens, como natureza, financeiras, culturais, orçamentárias, por fim, a baixa

produtividade é uma característica estrutural do sistema não fez originar este modelo

apesar de sua busca por políticas setoriais de Estado, mas estas produziram marcas de

exclusão socioespacial, com significados diferentes de outros territórios como o Alto

Paranaíba (MG). Concluindo sobre o Jequitinhonha, “a baixa produtividade é uma

característica estrutural do sistema e não pode ser eliminada do paradigma trator - adubo

- veneno” (RIBEIRO, 2007, p.1085).

Com o esgotamento desse modelo nos anos 1980, com a perda da capacidade de

intervenção do estado e as políticas de recuperação da economia, em especial o plano

real, a agricultura se viu prejudicada, reforçando a exclusão de determinados grupos.

Mas a pressão dos movimentos sociais muda, a partir dos anos 1990, a forma de orientar

as políticas públicas para o campo. Para Hespanhol: No decorrer dos anos 1990 também ocorreram mudanças importantes na maneira de se entender o campo, pois passaram a ser consideradas, pelo menos em tese, as especificidades locais na formulação de políticas públicas. Com isto se procurou favorecer a representação dos atores sociais pormeio das suas formas de organização coletivas na elaboração e implementação de políticas voltadas ao meio rural ((2008, p. 83)

Em que se reconhecem atores sociais, organizações coletivas e políticas territoriais, e

não apenas setoriais voltadas para a chamada agricultura familiar. Essas políticas

possuem diversas expressões e podem ser classificadas com um apelo territorial e de

superação das políticas setoriais, originando na formulação das políticas regionais. Elas

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buscam a valorização dos recursos e capacidades da região. Conforme sublinhado por

MAILLAT (1995, p. 157), as mudanças nas hierarquias espaciais observadas desde o

início dos anos 1970 conduziram os investigadores a formular novas explicações para, e

a inquirir sobre, o papel desempenhado pelo território. A pesquisa subsequente permitiu

compreender que o território não deveria ser considerado como algo apriorístico, mas

antes como um recurso específico, resultado de um processo (coletivo) de construção

histórica e cultural.

Segundo Moulaert, (2008, p. 16-17), a teoria do desenvolvimento endógeno combina

três dimensões fundamentais: a exploração de recursos, podendo ser, em parte,

regionais, que resulte no crescimento econômico; a identidade comunitária e cultural,

que representa a dimensão sociocultural; e tomada de decisão e integração entre os

grupos locais, a dimensão política. A interação entre esses três elementos forma uma

variedade de políticas, a citar5: Território da Cidadania, PRONAF, Fome Zero, entre

outros.

Para Hespanhol (2010), esse modelo coloca em xeque o modelo anterior de políticas

para o desenvolvimento, surgindo, assim, políticas que buscam nas potencialidades

locais (Button up) o desenvolvimento, conhecidas como territoriais, de um amplo

aspecto, muitas alinhadas às ideias liberais e outras buscando a sua superação. O

Programa Ligações Entre Ações do Desenvolvimento da Economia Rural (LEADER),

iniciado na União Europeia em 1991, se tornou uma referência importante para o

estabelecimento de políticas públicas indutoras do desenvolvimento local em regiões

rurais dotadas de baixo dinamismo econômico. Esse programa, reeditado em diversos

momentos, buscou nas potencialidades locais a inserção econômica das áreas

deprimidas na união europeia. O Programa europeu fez com que o Banco Mundial

realizasse uma abordagem territorial, superando a setorial, nas políticas públicas de

diversos países subdesenvolvidos. Uma abordagem portadora de uma perspectiva além

da setorial e integradora do rural urbano, com um caráter multifuncional e

mulditimensional dos espaços rurais. Na América, a OEA e a IICA foram

incentivadoras dessas novas políticas públicas.

Segundo Ribeiro (2007) o Pronaf trouxe ao Vale uma série de avanços para a região:

colocaram equipamentos à disposição da comunidade, aumentou a produção e a

produtividade e fortaleceu um comércio local de farinhas e rapadura. Junto com

aposentarias e pensões como o bolsa família, possibilitaram uma vida melhor, mas os

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trabalhadores preferem o Pronaf em relação às políticas de transferência de renda, pois

ele deixa uma infraestrutura. A crítica se faz à prefeitura que muitas vezes assume a

infraestrutura. Essa análise sobre o Pronaf coincide com os estudos de Hespanhol (2008,

2010) e de Costa (2012), que afirmam os ganhos provenientes dessa política em termos

de ganhos e organização dos agricultores familiares ao mesmo tempo em que colocam a

questão da qualificação da participação.

Eleito em 2002, o presidente Lula, com um discurso antiliberal e forte apelo popular,

procurou uma nova roupagem para as políticas públicas com o estabelecimento do

programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais. Assim, o governo federal

criou territórios rurais e a Secretaria de Desenvolvimento Territorial, ligada ao

Ministério de Desenvolvimento Agrário; uma nova instância para repassar recursos,

passando a interferir diretamente no território com um novo recorte territorial. Esse

programa ganha, no ano de 2008, o Território da Cidadania, com uma ação mais ampla

do que apenas um ministério. O programa tem seus méritos nas políticas de

incorporação das parcelas excluídas do processo de modernização, em especial os

agricultores (HESPANHOL, 2010), Assim foram criados o Território Rural do Alto

Jequitinhonha, mais tarde transformado em Território da Cidadania.

O documento do Plano territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do Alto

Jequitinhonha propõe políticas de caráter territorial e inaugura o Programa Território

Rural. Pela definição do PDRST, uma região é classificada como uma configuração

espacial de uma comunidade forte em cultura, com traços artísticos e culturais de um

homem que sobrevive em um espaço hostil, assim definindo-o: Uma das dimensões que merece destaque e que diferencia e identifica o povo do Território do Alto Jequitinhonha é sua forte cultura, apresentada nas suas manifestações artísticas e culturais, representada pelo folclore centenário e pelo variado artesanato que vem ganhando cada vez mais espaço; destaca-se ainda a sua forte religiosidade, manifestada na maioria das vezes como parte de sua cultura primária, um apelo às crenças como elemento de busca de forças para enfrentar as adversidades impostas pela natureza da região (PDRST, p. 8).

O lavrador se torna um portador de cultura e não um produtor de alimento, um homem

que luta e não produz no seu meio, que é colocado como hostil. É possível observar

uma contradição, pois no mesmo documento a produção econômica é traçada da

seguinte maneira: o Alto Jequitinhonha se encontra em uma área em que há

predominância de pequenas propriedades rurais, nas quais a produção é para consumo

familiar, com cultivo de arroz, feijão, cana-de-açúcar, mandioca e milho. Logo, o

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homem agricultor não capitalizado típico, mas que pela definição do documento parece

que se “esqueceram” dessa característica marcante da região. Pode-se demarcar uma

primeira influência das políticas da união europeia sobre o espaço brasileiro - a busca

por modelos, espaços rurais multifuncionais, como é colocado por Brenes (2009, 382),

cuja primeira reforma do PAC realizada no ano de 1992, ideia reforçada nas reformas

posteriores, já colocava a questão da produção não agrícola nos espaços rurais.

Os defensores da multifuncionalidade afirmam que no mundo rural atualmente se

observam novas tendências: há cada vez mais atividades não agrícolas. Uma boa parcela

da população está se especializando em atividades terciárias não agrícolas e houve uma

diminuição na divisão do trabalho entre o campo e a cidade. A cultura e a paisagem

apontam um caminho para se repensar o desenvolvimento rural a partir de sua

multifuncionalidade, como o artesanato, o turismo e o lazer, ou revela uma descrença no

modo de produzir no rural, não vinculado à cadeia do agronegócio e do grande capital

globalizado financeiro das bolsas de valores.

Segundo Segrelles (2011, p. 12): En la actualidad existen estrategias que dan lugar a nuevos conceptos muy difundidos (turismo rural, turismo cultural, ecoturismo, agroturismo, crecimiento sostenible, espacios de ocio, espacios naturales, agricultura ecológica, economía sustentable, desarrollo local endógeno, desarrollo rural integral, recursos ambientales). Dichas estrategias están últimamente de moda entre los geógrafos y otros colectivos científicos, pero deben tomarse con más cautela de lo que suele ser habitual y también, por qué no, con grandes dosis de sentido crítico. Lo primero que se debe tener en cuenta es que todos estos programas europeos (LEADER, FEDER, FSE), que intentan fomentar el desarrollo rural, los equilibrios regionales, la mejora de las zonas desfavorecidas y de montaña, las técnicas agropecuarias no intensivas y los valores ecológicos y ambientales, quizás hubieran tardado más en manifestarse de no ser por las presiones internacionales derivadas de la progresiva liberalización comercial en el mundo (Estados Unidos y el grupo de Cairns, GATT, OMC).

Portanto, é como se agora o turismo rural se tornasse a salvação do agricultor, uma nova

“revolução verde aplicada em todos os lugares”. A natureza, o festejar, o representar a

vida cotidiana através da arte do agricultor, atos extremamente vinculados à arte de

cultivar sua vida se tornam um valor de mercado e isto é sua colocação no mundo do

consumo como fornecedor e comprador de coisas.

Ao analisar o PDRST de uma forma mais pontual, podem-se apontar políticas que têm

apelo mais agrário e políticas que buscam a multifuncionalidade do espaço. Vamos

aglutiná-las de acordo com suas características, mas é claro que essas classificações são

um esforço preliminar, pois, como toda classificação, elas não dão conta da

complexidade das ações que na maioria das vezes se hibridam. Uma característica

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comum a elas é que a maioria se origina do Banco Mundial e estão atreladas a suas

políticas, como, por exemplo, a valorização e apropriação do capital social:

1) Agrárias: titularização de terras, educação do campo. Voltadas para a produção

agrícola.

2) Compensatórias: Bolsa Família, Leite Minha Vida, compra direta de alimentos.

Assim as coloco, pois considero como uma recompensa muito bem vinda para o

agricultor que reforça sua renda, combatendo a pobreza rural. Mais uma

compensação por estar fora do grande mercado exportador.

3) Produção Cultural: turismo solidário e artesanato em movimento. Este vem em

destaque no projeto mostrando a variedade de artesanato de cerâmica, argila,

palha de milho, gastronômica e manifestações folclóricas (festas, danças)

buscando qualificar o camponês para que ele crie um circuito de visitação e de

exportação.

4) O ecoturismo: a região possui um variado acervo de reservas. A criação de

Unidades de Conservação é uma das medidas legais adotadas para proteção dos

recursos naturais. A região do Alto Jequitinhonha possui 07 (sete) Unidades de

Conservação de Proteção Integral, totalizando uma área de 83.040,64 ha e 12

(doze) Unidades de Conservação de Uso Sustentável, com área de 251.443,98

ha, representando um total de 334.484,62 ha (trezentos e trinta e quatro mil,

quatrocentos e oitenta e quatro hectares e sessenta e dois centiares) de áreas

protegidas. Para todas estas reservas estão propostas ações de integração e de

preparação das comunidades tradicionais para o chamado turismo sustentável, o

que se percebe é que muitas dessas áreas protegidas eram terras de uso comunal

ou de extrativismo.

Já foram observadas algumas das consequências das políticas territoriais por Ribeiro

(2007, p. 1091): do lado positivo está o fato de serem menos suscetíveis às ações dos

políticos locais, em especial das prefeituras, a participação popular ou territorial permite

redimensionar o gasto e correção de equívocos e lembranças de erros do passado. O

lado negativo, superposição de ações, as diferentes experiências dos participantes e a

liberação de recursos, ou seja, a disputa política é transferida para os movimentos que

compõem o território.

Dessa forma, um dos objetivos, na verdade, dessas novas configurações territoriais se encontra no

afastamento do estado de seu real papel na condução de políticas, atribuindo outras escalas de

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acordo com essa função. Logo, a criação de territórios de governança dentro do estado-nação,

sobrepondo inclusive a outros espaços de planejamento também voltados para a política pública, é

uma nova inserção no modelo pós-fordista, uma desregulamentação disfarçada de participação e

de ato democrático e são fundamentais para a engrenagem da acumulação, pois é neles que estão

os recursos, o mercado, a distribuição e a força de trabalho; pode-se declarar com segurança um

capital social a se apropriar.

Pode-se perceber que desde a descoberta do Vale do Jequitinhonha são inseridas políticas

públicas e todas mantêm um caráter de inclusão, a modernização do território. Assim, os fatores

econômicos também têm uma perspectiva da política, pois Rivelli (1997, p. 60) afirma que, ao

não utilizar o espaço social herdado de um largo processo histórico, que é o meio adequado para

políticas de transformação, começa-se a produzir outras escalas de disputa política, que seria uma

forma de amenizar os conflitos, os horizontalizados e, ao mesmo tempo, desarticular, perdendo o

foco da totalidade da luta necessária, pois as disputas se tornam parte do território,

horizontalizando os conflitos, perdendo o real foco de centralidade da luta política: a exploração

do capital, assim, às vezes, alguns programas procuram competitividade entre os territórios e,

nesse caso, as ausências das mediações escalares seriam, para Rivelli(1997), um ato político e

econômico que proporciona a produção e reprodução do sistema econômico mundializado nas

suas relações políticas e econômicas, ato esse associado ao Estado Nacional e aos mecanismos de

manutenção do sistema, como por exemplo o Banco Mundial. Ainda nessa argumentação

política, alguns questionadores da globalização procuram buscar no local o oposto a esse processo,

mas ele não oferece capacidade de resistência, levando a atitudes poéticas, pois são as relações de

cunho global, tanto econômico como geopolíticos, como a dominação dos organismos

internacionais, que de fato controlam todo o processo.

A análise procedida sobre os diversos modelos, o modelo de desenvolvimento com objetivo de

mostrar entendimento e sua relação com desenvolvimento local e regional, se situa, em especial,

na ontologia econômica no local, uma apropriação do capital social. O modelo de

desenvolvimento local, que busca no território sua consolidação não é facilmente incorporado

pelo sistema institucional e histórico, mas facilmente pelo sistema produtivo (MOULAERT,

2008, p. 22). Essa incorporação pelo sistema econômico pode ser identificada como um gerador

das ausências de mediações (BRANDÃO, 2006), pois ao incorporar a escala local ao sistema

produtivo existe a necessidade de romper ou negligenciar outros elementos estruturadores de um

espaço geográfico que pode influenciar com negatividade na situação de produção e reprodução

do capital nessa escala. Pode-se definir, nesse ínterim, as motivações socioculturais e

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sociopolíticas e socioambientais que se relacionam na formação do espaço. Assim, pode-se dizer

da delimitação deste modelo ao que denominamos de economicismo base localizada, não um

desenvolvimento territorial com a inclusão sociespacial.

Os agentes econômicos são importantes para o desenvolvimento regional e se apropriam dos

diferentes territórios com suas histórias específicas, o que reafirma que a análise de políticas

públicas e desenvolvimento deve se dar na especificidade de cada análise, sem uma lei geral, pois

cada território possui uma evolução espaço-tempo e uma articulação escalar que lhe é peculiar. Os

agentes econômicos se apropriam das relações territoriais pela instituição e nessa apropriação

incluem elementos componentes do mercado como não mercantis, nesse caso, por exemplo, a

relação entre as empresas e o mercado de trabalho. Nesses casos, a dinâmica social associa a

atividade do mercado, mas associa atividades que estão fora das atividades mercantis (familiar,

institucional, comunitário), mesmo assim produzem vantagens econômicas (MOULAERT,

2008: 24). Esse panorama mostra as atuais políticas de desenvolvimento para o Vale do

Jequitinhonha.

Conclusão

A modernização da sociedade brasileira impôs profundas mudanças e o seu contrário, as

permanências. Nessas permanências, a ideia do Vale da Miséria, o contraditório do

expresso pela bancada ruralista, do rural que dá certo e possível para o Brasil, o

agronegócio. Criado e com rugas profundas de um processo alheio e articulado a ele, a

modernização, industrialização e consolidação dos complexos agroindustriais.

Observou-se que as diversas políticas públicas tentaram implantar esse modelo ou,

ainda, integrar os agricultores familiares a alguma cadeia produtiva ou mercado, às

vezes chamado de social, mas produtores de mercadoria.

A busca da ideia do território tem nas relações sociais uma resignificação territorial das

políticas públicas, mas pela análise do PDRST, o Vale Jequitinhonha pode ser

considerado um espaço latino americano não privilegiado por produtos a oferecer ao

capital financeiro que comanda a cadeia de produção, distribuição e consumo de

produtos de exportação e que busca sua inserção via a multifuncionalidade do espaço;

dessa forma, podendo ser classificado como mundo rural de subsistência frágil, pois é

constituído por unidades familiares de produção pobre. Ele está incluído não nas

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decisões mais amplas da produção, mas sim nas políticas compensatórias; trata-se de

uma agricultura de subsistência com migrações periódicas.

A produção desses agricultores para sua existência com uma articulação de mercado,

mas com relações propriamente mercantis, técnicas de cultivo e coleta que variam, e

ainda redes comunitárias de solidariedade, mas ao mesmo tempo articulado às políticas

públicas e à própria migração sazonal, assim, um sistema: um mercado mercantil como

a renda migratória, não mercantil como produção da sobrevivência, uma cultura local e

de políticas públicas de inclusão. Todas essas relações articuladas compõem esse

território.

Para responder às indagações de inclusão, crê-se que esse modelo territorialmente

constituído seja capaz de ser articulado por ações locais suficientes para romper com o

não desenvolvimento, que uma concepção de inovação social capaz de produzir o

desenvolvimento seja uma resposta nova e socialmente reconhecida que visa e gera

mudança social, ligando simultaneamente três atributos: (i) satisfação de necessidades

humanas não satisfeitas pela via do mercado; (ii) promoção da inclusão social; e (iii)

capacitação de agentes ou autores sujeitos, potencial ou efetivamente, a processos de

exclusão/marginalização social, desencadeando, por essa via, uma mudança, mais ou

menos intensa, das relações de poder (ANDRÉ, 2006). Processo esse perfeitamente

coerente e provável o espaço-tempo da região.

Mas como a frase extraída da fala de um agricultor e colocada no relatório do PDRST:

“o homem do Jequitinhonha é comparável à aroeira, perde as folhas, mas não morre

com facilidade”. A aroeira, tem tronco forte e raiz profundas. A riqueza não-mercantil,

portanto, não é fruto de uma arrecadação financeira sobre a atividade mercantil, mas

sim um "valor adicional", uma forma de viver no Vale. Será possível, absorver essa

perspectiva nas políticas públicas?

Referências

ANDRÉ, I.; ABREU, A. Dimensões e espaços da inovação social. Finisterra, XLI, 81, 2006, p 121-141 COSTA, A. A. A; RIBEIRO, T. C. A. O Associativismo no meio rural brasileiro: contradições e perspectiva. Disponível em: http://www.valedotaquari.org.br/agro/associativismo/associativismo pdf acessado em 22 de maio de 2012.

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