13
Políticas Públicas e Consumo de Crack: Uma Análise sobre os Municípios do Estado de Minas Gerais Autoria: Caio César de Medeiros Costa, Joice Godoi Garcia, André Assumpção Resumo: O presente estudo consiste em uma análise dos determinantes do consumo de crack no Brasil, com base especialmente no caso do estado de Minas Gerais. Os dados utilizados são do Índice Mineiro de Responsabilidade Social e do Observatório do Crack, uma iniciativa organizada pela Confederação Nacional dos Municípios. Os resultados encontrados apontam para o alinhamento das ações do programa nacional de combate ao crack com a probabilidade mudanças nos níveis de consumo da droga.

Políticas Públicas e Consumo de Crack: Uma Análise sobre ... · programa de combate ao crack do governo federal, intitulado "Crack, vencer é possível", cujo orçamento ... O

Embed Size (px)

Citation preview

 

Políticas Públicas e Consumo de Crack: Uma Análise sobre os Municípios do Estado de Minas Gerais

Autoria: Caio César de Medeiros Costa, Joice Godoi Garcia, André Assumpção

Resumo:

O presente estudo consiste em uma análise dos determinantes do consumo de crack no

Brasil, com base especialmente no caso do estado de Minas Gerais. Os dados utilizados são do Índice Mineiro de Responsabilidade Social e do Observatório do Crack, uma iniciativa organizada pela Confederação Nacional dos Municípios. Os resultados encontrados apontam para o alinhamento das ações do programa nacional de combate ao crack com a probabilidade mudanças nos níveis de consumo da droga.

 

2

1.Introdução O uso de drogas é um fenômeno bastante antigo na história da humanidade e nos dias atuais tem se tornado em um problema cada vez maior no cotidiano da sociedade (MARQUES; CRUZ, 2000). Os problemas relacionados ao consumo de drogas afetam homens, mulheres e a totalidade dos grupos raciais e étnicos, sem distinção entre pobres e ricos, jovens, adultos e idosos, pessoas com ou sem instrução, profissionais especializados ou sem qualificação. Atinge, inclusive, bebês recém-nascido (CARLINI et al, 2001). Dentre os diferentes desafios impostos à administração pública, o consumo e o tráfico de drogas se classificam como complexos, devido ao número de departamentos (áreas) envolvidos no seu combate e a dificuldade em se atacar o problema. Além disso, apresentam sérias consequências para a sociedade como um todo, pois “seus efeitos negativos afetam a estabilidade das estruturas, ameaçam valores políticos, econômicos, humanos e culturais dos Estados e sociedades e infligem considerável prejuízo aos países” (CARLINI et al, 2002, p.1). Dado o impacto deste fenômeno, sua temática tem sido tratada na atualidade como uma questão prioritária pelos gestores públicos; porém ainda não tem sido problematizada extensivamente pelos pesquisadores das ciências sociais aplicadas. No caso brasileiro, as ações têm sido cada vez mais enfatizadas, cujas provas são os diferentes programas lançados pelos governos para o enfrentamento da questão. No conjunto de drogas consumidas no Brasil, o "crack" se destaca pelos efeitos negativos trazidos ao usuário (KESSLER; PECHANSKY, 2008) e também pelo baixo preço, possibilitando que pessoas de baixa renda façam uso desta substância. Os primeiros indícios de consumo da droga no país datam de meados de 1988, na periferia da cidade de São Paulo. Nas décadas seguintes, o consumo do entorpecente se ampliou consideravelmente, elevando a questão ao atual patamar de grande relevância na agenda pública do país. (RAUPP; ADORNO, 2009)  A demonstração da importância desta agenda evidencia-se pelo recém-criado programa de combate ao crack do governo federal, intitulado "Crack, vencer é possível", cujo orçamento gira em torno de R$ 4 bilhões e cuja proposta articula ações nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal). Além disso, distintas ações têm sido feitas no sentido de conhecer mais a fundo o problema das drogas no país e mais especificamente o do crack. O Observatório do Crack se coloca como uma dessas experiências e proporciona conhecer a realidade nos municípios brasileiros no que tange o consumo do crack. A melhoria nas condições sociais aliadas a programas de saúde pública e o enfretamento da questão das drogas se colocam como uma importante forma do Estado combater o consumo e o tráfico de entorpecentes no país. Para a realização de tais ações, torna-se necessária uma união entre os entes federativos (CARLINI et al, 2002), dentre os quais os municípios, já que melhor conhecem a realidade local e podem, portanto, implementar políticas de maior efeito (TIEBOUT, 1956). Considerando a complexidade do tema, a necessidade de conhecer os fatores condicionantes do consumo de crack nos municípios brasileiros, este estudo visa responder o seguinte questionamento: Quais características municipais associados afetam positivamente o consumo de crack? Para responder esta pergunta proposta, optou-se pela realização de um corte analítico tomando por base o estado de Minas Gerais e, como unidade, os municípios mineiros, cujos dados necessários à resolução do problema estão disponíveis no site do Observatório do Cracki. A pouca produção científica nas ciências sociais aplicadas relacionada ao tema das drogas depõe a favor da relevância da pesquisa. Além disso, este artigo serve como norteador de ações estatais e políticas públicas.

 

3

Este artigo se estrutura, a partir da presente introdução, da seguinte forma: no tópico 2 são apresentados os argumentos teóricos que permitiram a formulação do problema e a criação do modelo analítico que compõe o escopo desse artigo. Os dois sub-tópicos que formam este item se relacionam à questão do consumo de crack nos municípios brasileiros e às políticas públicas e atuação do estado no combate às drogas. O tópico 3 destaca as referências metodológicas e as técnicas que subsidiaram este estudo. Na seção 4, são apresentados e discutidos os resultados advindos das analises aqui realizadas. Por fim, no último tópico são apresentadas as considerações finais do artigo. 2. Referencial teórico 2.1 A situação do consumo de crack nos municípios brasileiros

O crack surge nos Estados Unidos nos anos de 1980, em bairros pobres de Nova Iorque, Los Angeles e Miami (BRASIL, 2012). No Brasil, a droga chega em meados de 1988 e se dissemina inicialmente em São Paulo (RAUPP; ADORNO, 2009). O crack hoje em dia está presente nos principais centro urbanos do país, mas também já se alastrou por municípios de diferentes tamanhos. A situação do consumo de drogas no Brasil pode ser considerada como sendo alarmante (CNM, 2011), já que o consumo de drogas no Brasil tem se mostrado crescente, o que pode ser comprovado por meio da pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD, em parceria com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) em 2005; cerca de 0,1% da população brasileira consumia crack. Cruz, Vargens e Ramôa (2011), citando dados da pesquisa de amostragem realizada pela SENAD, destacam que:

A maior porcentagem de uso de crack na vida foi encontrada entre homens, na faixa etária de 25 a 34 anos, constituindo 3,2% da população adulta ou cerca de 193 mil pessoas. Além disso, a comparação dos resultados do I Levantamento realizado em 2001 e o II realizado em 2005 mostrou que houve aumento estatisticamente significativo daqueles que relataram uso de crack no mês da pesquisa. Embora usuários de crack se encontrem em todas as regiões, as regiões Sul e Sudeste concentram a maior dos usuários. (CRUZ; VARGENS; RAMÔA, 2011, p.3)

Dados apresentados pelo psiquiatra Pablo Roig e por CNM (2011) - que, por sua vez,

são baseados em dados e estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - estimam que o número de consumidores da droga está em torno de 1,2 milhão e, também, que a idade média para início do uso da crack é 13 anos. Os apontamentos do parágrafo anterior destacam que a questão do crack tem evoluído cada vez mais pelo território brasileiro e que não se restringe somente aos grandes centros urbanos e em localidades específicas, caracterizando-se como um problema em todo o território nacional. Essas questões relacionadas aos problemas que são oriundos do consumo de crack, desde a questão da saúde do usuário até a piora nos indicadores socioeconômicos, fazem com que seja ainda mais proeminente a implementação de uma política de atenção aos problemas com substâncias tóxicas no Brasil. Porém, para que as ações sejam realizadas de maneira mais eficientes e eficazes faz-se necessário que sejam produzidos mais e melhores diagnósticos acerca da situação do consumo de crack no país, dado que ainda são poucas as iniciativas que visam conhecer a situação do consumo de crack nos municípios brasileiros.

 

4

2.1 Políticas públicas e atuação do estado no combate as drogas O consumo de drogas, em especial o crack, tem sido responsável por orientar diferentes ações dos gestores públicos; no sentido de dirimir esse problema, os governos estaduais, municipais e também o governo federal têm atuado em diferentes frentes. Os apontamentos de Raupp e Adorno (2009) elucidam de maneira eficaz a relação entre a temática do crack e agenda de políticas públicas no país.

De questões de planejamento urbano e segurança pública aos programas de atenção, pesquisa e políticas voltadas a tal público, as particularidades dos contextos, significados e formas de uso de crack trouxeram desafios ainda à espera de respostas capazes de fornecer orientações mais efetivas que a simples repressão (RAUPP; ADORNO, 2009, p.2614)

É importante, portanto, que as políticas públicas realizadas no Brasil sejam feitas de maneira conjunta entre os entes federativos. Essas ações devem ser norteadas observando as diretrizes e estratégias nacionais e devem ser definidas de forma participativa pelos atores envolvidos (CARLINI et al, 2002). As principais políticas atuais de combate ao crack têm sido orientadas a três principais focos: o cuidado, a prevenção e a autoridade (BRASIL, 2012). O principal programa de combate ao crack, "crack, vencer é possível", tem, dessa forma, suas ações voltadas para a saúde, educação e a segurança pública. No que se relaciona à saúde, um aumento no consumo de drogas contribui para um aumento nos gastos com tratamento médico e internação hospitalar, assim como um aumento nos níveis de mortalidade em diferentes extratos, dentre eles, acidentes de trabalho e infantis (MARQUES; CRUZ, 2000).

Na área de saúde, as mudanças atuais na percepção do Estado em relação ao usuário tem direcionado a criação de novas iniciativas, destacando o apoio por meio dos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). De acordo com as informações da CNM (2011), os CAPS servem como estratégia de atenção à saúde mental, promovida pelo governo federal, cujo objetivo é atender à população, realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos portadores de transtornos mentais, dentre eles os usuários de drogas.

Em relação à educação, as ações se relacionam à prevenção e à atuação junto às escolas, portanto é importante que um maior percentual de pessoas em situação de vulnerabilidade frequente as escolas, visando maior impacto dessas ações preventivas. No que tange à segurança pública, as ações se pautam principalmente no combate ao tráfico de drogas, conforme Brasil (2012). Essa repressão se dá de forma mais efetiva através das policias civil e militar nos estados e municípios e da policia federal nas regiões de fronteira. Em relação a repressão e a autoridade, distintos são os efeitos relacionados às mudanças nas políticas relacionadas a esse aspecto, além do que a literatura apresenta resultados controversos em relação aos efeitos de um aumento ou diminuição nas políticas de autoridade e na legislação repressiva (ROOM et al, 2008). Além dessas políticas, as características de droga barata fazem com que o crack se relacione a localidades de baixa renda e onde são percebidas altas taxas de desemprego e de pobreza. Nessa direção, Brasil (2012) destaca que nem sempre um aumento no nível de consumo de crack se relaciona a uma piora nos indicadores de renda, mas o contexto social e os indicadores socioeconômicos das localidades também contribuem para alterar os níveis de consumo de crack. Portanto, destaca-se que as ações estatais devem ir além das políticas pontuais e específicas e devem buscar modificar também o contexto local, promovendo uma melhoria nos indicadores socioeconômicos dos municípios.

 

5

3. Metodologia 3.1 Área de estudos e fonte dos dados

Segundo dados do IBGE (2011), Minas Gerais é o estado com maior número de municípios no país, o segundo em número de habitantes, com uma população de 19.597.330 pessoas, atrás apenas do estado de São Paulo. O Produto Interno Bruto (PIB) do estado representa 9,6% do PIB total do país para o ano de 2008. Todavia, mesmo com tamanha importância econômica, as disparidades regionais e a desigualdade social (SILVA, 2009) estão presentes no estado e diferentes estruturas socioeconômicas são perceptíveis, o que contribui para entender o fenômeno do consumo de crack, já que, conforme aponta o referencial teórico, as características socioeconômicas estão relacionadas ao consumo da droga.  Dada a importância econômica, populacional e a existência de distintas realidades socioeconômicas, optou-se por tomar como unidade de análise os municípios do estado de Minas Gerais.

A principal fonte de dados desse estudo foi o Observatório do Crack, mantido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que, em 2010, pesquisa, com ênfase no consumo de crack, 3.950 municípios, objetivando investigar se as drogas já estão presentes no município e como a prefeitura as está combatendo. (CNM, 2011).

Em relação ao estado de Minas Gerais, dada a complexidade da coleta de dados, 752 municípios de 853 foram pesquisados, ou seja, 88,2% dos municípios mineiros compuseram a amostra. Porém, dado a indisponibilidade dos dados para uma grande parte dos municípios mineiros, somente fizeram parte da amostra final e, portanto, incluídos no modelo analítico, 259 municípios, ou 34,4% do total dos municípios mineiros. Os demais dados incluídos no modelo são oriundos do índice mineiro de responsabilidade social (IMRS) da fundação João Pinheiro. O período de análise desse estudo é o ano de 2010, no qual se realizou a primeira pesquisa da CNM do assunto. 3.2 Logit multinominal hierárquico Visando conhecer quais as características municipais associadas ao nível de consumo de crack, procedeu-se a realização da estimação do modelo de regressão por meio do método logit multinomial hierárquico.

Dentre os motivos pelos quais optou-se pela utilização dessa técnica, destaca-se o caráter categórico da variável dependente (nível de consumo de crack) do modelo avaliado neste estudo. Em relação ao modelo de probabilidade linear, as vantagens do modelo logit são probabilidades estimadas entre zero e um, bem como efeitos parciais decrescentes.

Ben-Akiva & Lerman (1985), ressaltam que nesse tipo de regressão a relação entre a probabilidade de uma alternativa sobre a outra alternativa é afetada pela ausência ou presença de qualquer alternativa adicional ao conjunto escolhido, quando duas alternativas quaisquer tiverem probabilidade não nula de serem escolhidas.

Assim, segundo Wooldridge (2001), no caso de respostas qualitativas nos quais a variável dependente, y, pode assumir mais de duas respostas é mais comum e simples empregar o modelo logit multinomial do que outros modelos de escolha discreta. Por envolver cálculos de estimação de múltiplas integrais, o modelo logit multinomial somente pode ser utilizado para cerca de três ou quatro categoriasii.

Dentre os estudos que utilizaram esse modelo no campo de políticas públicas e administração pública, destacam-se os trabalhos de Friedman (1981) sobre o efeito dos serviços públicos na escolha residencial e Ribar (1993) acerca do impacto de programas de assistência na fertilidade de jovens adolescentes.

 

6

3.3 Condicionantes do consumo de crack nos municípios No propósito de explicar quais são as variáveis que condicionam maior nível de consumo de crack, criou-se um modelo de regressão tomando por base o referencial teórico com o suporte dos trabalhos de Carlini et al., (2002), Room et al., (2008), Raupp e Adorno (2009) e Brasil (2012). Na tabela apresentada a seguir, são descritas as variáveis que compuseram o modelo e a expectativa teórica em relação aos seus efeitos sobre os níveis de consumo de crack. Tabela 1 – Descrição e expectativa teórica das variáveis do modelo Nome Descrição Expectativa Teórica

ConsCrackApresenta o nível de consumo de crack percebido pelo gestor público municipal

Não se Aplica

ProgCombCrackDestaca a existência do programa especifico de combate ao crack

Negativo, já que espera-se que o programa cumpra os seus objetivos e contribua para a redução no nível de consumo da droga.

CAPSAponta se no município há Centro de Apoio Psicossocial

Negativo, dado a importância do cuidado para a redução nos níveis de consumo.

policialUma proxy de reemprensão, que destaca o número de habitantes por policial

Negativo/Positivo, não há consenso na literatura e os resultados acerca dessa questão são difusos

ViolTraz a taxa de crimes violentos para cada 100 mil habitantes

Positivo, estudos anteriores destacam que altos índices de violência e consumo de crack são altamente correlacionados.

CoberturaPBFProxy de Pobreza, traz a parcela da população que recebe bolsa família

Positivo, já que dado as caracteristicas do crack o consumo da droga tende a ser maior em localidades com maiores nivéis de pobreza

FreqEscolFundTaxa de Frequencia Escolar no Nível Fundamental

Negativo, dado o papel da escola na prevenção acredita-se quecontribua para diminuir o fenomeno aqui avaliado

FreqEscolMedioTaxa de Frequencia Escolar no Nível Médio

Negativo, Idem ao item anterior

Renda Renda per capta média Negativo, tendo em vista que o crack é consumido em regiões mais pobres acredita-se que regiões com um melhor nivel de renda tenha um menor consumo da droga

Emprego Taxa de Emprego no setor formalNegarivo, melhores condições socioeconomicas contribuem para uma redução no nível de consumo dessa droga.

Fonte: Elaborado pelos autores

 

7

No que diz respeito às três primeiras variáveis que compõem o modelo, quais sejam,

nível de consumo de crack, existência de programa de combate ao crack e existência de CAPS, os dados foram obtidos do Observatório do Crack, disponíveis por meio do estudo "Pesquisa sobre a situação do crack nos municípios brasileiros". Para a realização da pesquisa a Confederação Nacional dos Municípios aplicou questionário diretamente a municipalidade. Preferencialmente, os questionários foram respondidos pelos secretários municipais de saúde.iii

As demais variáveis foram incluídas se baseando, além do referencial teórico, na tríade da política nacional de combate ao crack, ou seja, nos aspectos ligados a cuidado (ligadas à saúde e à existência de CAPS), a prevenção (melhoria nos indicadores sociais, entre eles renda, emprego, pobreza, frequência escolar) e a autoridade (aqui representada pelo número de policiais por habitante, uma vez que fica a cargo das policias civis e militares a realização deste trabalho nos municípios.

4. Resultados e Discussões Visando comprovar os apontamentos teóricos de que, nos dias atuais, o consumo de crack não se resume somente a uma pequena parcela dos municípios e que se coloca como um grave problema na maior parte dos municípios brasileiros, a análise de frequência apresentada na tabela 2 mostra a frequência de municípios por categoria de consumo de crack. Tabela2 – Análise de frequência do consumo de crack nos municípios mineiros

Nível Frequência Frequência Acumulada Sem Consumo 2,78 2,78Consumo Baixo 23,47 26,25Consumo Médio 49,44 75,69Consumo Alto 24,31 100,00

Fonte: Resultados da Pesquisa Os dados da tabela 2 confirma os apontamentos de CNM (2011), de que o problema do crack é preocupante e de que atinge grande parte dos municípios brasileiros. A porcentagem de municípios cujo consumo de crack é considerada pela gestão da municipalidade como médio e alto é da ordem de 73, 75% do total de todos os envolvidos na pesquisa (752). A figura 1 na sequência mostra que o consumo de crack, segundo a visão dos gestores municipais, é um fenômeno que ocorre em praticamente todo o território mineiro; entretanto, um consumo considerado alto também é verificado em um grupo de localidades em praticamente todas as regiões estaduais. A figura 1 pode indicar a existência de correlação espacial entre os níveis de consumo de crack nos municípios mineiros, já que estes apresentam um padrão semelhante, principalmente em relação a níveis maiores de consumo.

 

8

Figura 1 – Níveis de Consumo de Crack nos municípios do estado de Minas Gerais Fonte: CNM (2011)

Fonte: Observatório do Crack. Com o objetivo de conhecer as características dos dados utilizados no modelo e demostrar a existência de diferenças nas cidades mineiras, realizou-se a análise descritiva dos dados. Os resultados oriundos dessa análise são dispostos na tabela 3 a seguir:. Tabela 3 – Análise Descritiva dos Dados que compõe o modelo de Regressão

Variáveis Mínimo Máximo Médio Desvio-Padrão Variancia Assimetria Curtose

Nível de Consumo de Crack

0,00 3,00 1,97 0,73 0,53 -0,20 -0,46

Existência de programa municipal de combate ao crack

0,00 1,00 0,53 0,50 0,25 -0,13 -2,00

Existência de CAPS 0,00 1,00 0,15 0,36 0,13 1,92 1,71

Número de Habitantes por policial

135,83 998,47 649,43 203,77 41522,21 -0,19 -0,75

Taxa de Crimes Violentos

0,00 848,63 72,99 80,03 6404,89 4,32 34,44

Taxa de Cobertura do Programa Bolsa Família

40,00 86,30 62,69 9,19 84,54 0,10 -0,38

 

9

Taxa de Frequencia Escolar no Nível Fundamental

11,38 100,00 58,93 17,37 301,58 -0,17 -0,18

Taxa de Frequencia Escolar no Nível Médio

0,00 78,67 49,86 11,61 134,74 -0,19 0,65

Renda 290,38 854,24 538,99 141,56 20038,46 0,26 -0,86

Taxa de Emprego no setor Formal

4,50 78,70 21,13 11,80 139,25 1,61 3,78

Fonte: Resultados da pesquisa. A análise descritiva dos dados demonstra dessemelhanças nos mais variados indicadores relacionados a questão aqui estudada. As diferenças socioeconômicas existentes e as características da ação do estado no combate ao problema depõem a favor da realização de uma análise mais criteriosa e com métodos estatísticos mais apurados, que permita assim realizar inferências acerca da realidade em todo o território mineiro. Considerando essa questão e visando solucionar o problema de pesquisa proposto, optou-se pela realização do modelo de regressão logit multinomial hierárquico. O método logit multinomial estima o log da probabilidade da ocorrência do fenômeno estudado, ou seja, no estudo em questão, os parâmetros estimados demonstram o impacto da variável explicativa nos grupos de níveis de consumo de crack. A tabela 4 apresenta os resultados da estimação do modelo analítico pelo método logit multinomial. Tabela 4 – Resultado do Modelo Estimado

Coeficientes Significância Coeficientes Significância

Intercepto 0,296972655 0,914364629 2,940621108 0,353248524

policial 0,002881399 0,011263978 0,00230089 0,078442951

Viol -0,001271749 0,611794336 -0,001338566 0,611806842

CoberturaPBF -0,022773009 0,416341199 -0,025196747 0,44145409

FreqEscolFund 0,018023898 0,15527903 0,010666973 0,479391455

FreqEscolMedio -0,036716986 0,05780514 -0,066469659 0,004897735

Renda 0,003315318 0,129381083 0,004264894 0,096928829

Emprego -0,024914734 0,261679446 -0,041097226 0,128921806

ProgCombCrack 0,549759562 0,201193058 0,312347802 0,538568754

CAPS -0,497146466 0,451857101 -1,799718346 0,009100076

Nível Médio de Consumo Nível Alto de Consumo

Fonte: Resultados da pesquisa. As análises tiveram como referência o consumo baixo de crack como categoria, ou seja, compara-se o efeito das variáveis explicativas sobre os níveis médio e alto em relação ao nível baixo. Dado o problema de pesquisa, que visa responder quais os fatores associados positivamente ao consumo de crack, optou-se por excluir da análise os municípios que declararam que não há consumo da droga em seu território. Pelos resultados apresentados na tabela 4iv, verifica-se que poucas foram as variáveis significativas. Em relação à probabilidade do município possuir um nível médio de consumo, somente as variáveis relacionadas à frequência escolar no ensino médio e a variável número de policiais por habitante foi significativa aos níveis de 5% e 10%, respectivamente. O sinal da variável FreqEscolMedio é condizente com os estudos de Brasil (2012), que destaca a escola como uma importante fonte de política de prevenção e, dessa forma, contribui para a diminuição na probabilidade de um município passar de um nível baixo para um nível médio

 

10

em relação variável dependente analisada. O fato da variável FreqEscolFund não ter sido significativa pode ser devido à idade dos frequentadores dessa etapa escolar, já que um consumo maior de drogas é atribuído a jovens com idade acima de 15 anos, conforme destaca UNDOC (2005). Em relação ao nível de consumo alto, o mesmo efeito foi verificado. O efeito da variável número de policiais por habitante, em um primeiro momento, pode parecer estranho, porém diferentes estudos destacam que um aumento na repressão leva também a um aumento no consumo (DONNELLY et al, 1999), conforme demostrado nessa análise. Outra questão que pode ter levado a esse resultado é a natureza reativa das ações de repressão, uma vez que, se a análise envolve somente um ano, não causa estranhamento o fato de que municípios com maior número de policiais tenham maiores possibilidades de ter um maior nível de consumo de crack. O efeito da variável número de policiais por habitante também é significativo quando analisadas as chances de que o nível de consumo de crack seja alto, o que vai ao encontro do exposto no parágrafo anterior, já que um aumento nas políticas ligadas a autoridade (repressão) pode levar a uma maior visibilidade do problema, o que resulta em uma falsa impressão de que houve aumento nos níveis de uso da droga. O coeficiente da variável renda relacionado ao nível alto vai contra a expectativa teórica e aos estudos anteriores (CARLINI et al., 2002; RAUPP; ADORNO, 2009 ; BRASIL, 2012). Dentre os motivos que levam a uma relação positiva entre o aumento na renda e o aumento no consumo de crack, pode-se apontar uma ampliação no consumo de outras drogas consideradas mais caras, dentre elas a cocaína, que podem levar o usuário a, no futuro, buscar algo com efeito psicotrópico maior. No que toca as políticas específicas de combate ao crack, somente a existência dos Centros de Apoio Psicossocial se mostrou significante no enfrentamento da questão. As políticas de cuidado, conforme são chamadas por Brasil (2012), representadas nesse estudo pela existência dos CAPS, possuem um efeito negativo na chance do município aumentar o seu nível de consumo de crack de baixo para alto; o fato de tratar o dependente, auxiliando-o a parar com consumo das drogas, contribui não somente para a redução direta do número de usuários, mas também para combater uma cadeia que vai desde produtores estrangeiros até por pequenos traficantes. As demais variáveis não foram significativas para explicar a situação aqui elucidada e portanto não foram debatidas, já que não é possível afirmar com confiabilidade estatística que o efeito ceteris paribus dessas variáveis sobre a probabilidade de os municípios aumentarem o consumo de crack é diferente de zero. 5. Considerações Finais O presente artigo objetivou verificar quais as características municipais associadas a maior nível de consumo de crack. Assim, foi possível constatar que, dentre as variáveis analisadas, houve diferença no que se relaciona às que são significativas em determinado grau de uso do narcótico. Tal constatação é relevante, já que possibilita verificar que há diferenças importantes entre as condições que levam a um nível médio e aquelas que levam a um nível alto do problema, mostrando que a mudança nos níveis são impactadas por questões distintas a medida que muda o grau de uso. Considerando as variáveis que foram significativas, constata-se que as três questões que são consideradas pela política nacional de combate ao crack (autoridade, cuidado e prevenção) tiveram pelo menos uma variável significativa, o que permite prever que a política de combate ao problema modificará de forma significativa a situação nos municípios mineiros.

 

11

Além das já citadas variáveis, somente a renda se mostrou significativamente associada a maior nível de consumo de crack, mas sua associação se deu de forma distinta àquela demonstrada pela literatura, o que destaca a importância de se estudar mais a fundo as relações entre renda e consumo de crack. Este artigo avança em campos da literatura ainda controversos, como a relação entre a repressão e o consumo de drogas e destaca ainda o efeito das políticas públicas sobre a questão. Isto faz com que o trabalho cumpra o seu papel ao estimular estudos acerca dessa temática e socializar conhecimento em uma área ainda carente. Como limitação deste estudo, destaca-se a impossibilidade de realização de uma análise envolvendo um horizonte temporal mais amplo, o que permitiria, entre outros aspectos, corrigir a endogeneidade entre as variáveis, já que se espera que tenha uma relação de causalidade bidirecional entre a variável dependente e algumas das variáveis explicativas, entre elas, o número de policiais, a taxa de crimes violentos e a existência de programa de combate ao crack . 6. Referências Bibliográficas BEN-AKIVA, M.; LERMAN, S. R. Discrete choice analysis. Cambridge: MIT Press, 1 ed, 1985. BRASIL. Ministério da Justiça. Governo vai investir R$ 4 bilhões em ações para enfrentar o crack (07/12/2011). Disponível em: <http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/conteudo/web/noticia/ler_noticia.php?id_noticia=105460>. Acesso em: 15 de abril de 2012. BRASIL. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Legislação e Políticas Públicas sobre Drogas no Brasil (2008). Disponível em: <http://portal.cnm.org.br/sites/9700/9797/docBibliotecaVirtual/Legislacao_e_Politicas_Publicas_sobre_Drogas_no_Brasil.pdf>. Acesso em: 15 de abril de 2012. BRASIL. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Relatório Brasileiro sobre Drogas (2009). Disponível em: < http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/Relatorios/328379.pdf>. Acesso em: 15 de abril de 2012. BRASIL. Portal Brasil. Segurança Pública: Tráfico e Consumo. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/enfrentandoocrack/seguranca-publica/trafico-e-consumo_1>. Acesso em: 15 de abril de 2012. CARLINI, E. A. et al. I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil: Estudo Envolvendo as 107 Maiores Cidades do País (2001). CEBRID – Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas. São Paulo: UNIFESP, 2002. 355p. CHITOLINA, L. S. A economia das drogas ilegais : teorias, evidências e políticas públicas. 2009. 90 p. Tese (Curso de Ciências Econômicas) - Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS (CNM). Pesquisa sobre a situação do crack nos municípios brasileiros (2011). Disponível em: <http://www.cnm.org.br/crack/>. Acesso em: 23 de março de 2012.

 

12

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS (CNM). Observatório do Crack (2010). Disponível em <http://www.cnm.org.br/crack/>. Acesso em: 03 de março de 2012. CRUZ, M.; VARGENS, R.; RAMÔA, M. Crack. Uma abordagem multidisciplinar (2011). Disponível em: <http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php>. Acesso em: 10 de abril de 2012. DONNELLY,N.;HALL, W.; CHRISTIE, P.The Effects of the CEN Scheme on Levels and Patterns of Cannabis Use in South Australia: Evidence from National Drugs Strategy Household Surveys 1985-1995. Canberra: Commonwealth Department of Health and family services. 1999 FRIEDMAN, J. A Conditional Logit Model of the Role of Local Public Services on Residential Choice. Urban Studies 18, p. 347-358, 1981. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Índice Mineiro de Responsabilidade Social (2012). Disponível em: <http://www.fjp.gov.br/index.php/indicadores-sociais/-imrs-indice-mineiro-de-responsabilidade-social> Acesso em: 21 de abril de 2012. MARQUES, A. C. P. R.; CRUZ, M. S. O adolescente e o uso de drogas. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v.22, n.2, p. 32-36, 2000. RAUPP, L.; ADORNO, R. C. F. Uso de crack na cidade de São Paulo/ Brasil. Revista Toxicodependências, Edição IDT, v. 16, n. 2, p. 29-37, 2010. RIBAR, D. C. A Multinomial Logit Analysis of Teenage Fertility and High School Completion. Economics of Education Review, 12:2, p.153-64, 1993. ROOM, R. et al. Cannabis Policy: moving beyond stalemate. The Beckley Foundation. Oxford: Oxford University Press, p. 300, 2008. SOUZA, O. A. Delineamento experimental em ensaios fatoriais utilizados em preferência declarada. 1999. Tese (Doutorado Engenharia de Produção) – Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas, Universidade de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. SILVA, A. A. P. Eficiência na alocação de recursos públicos e qualidade de vida nos municípios mineiros. 2009. 108p. Dissertação (Mestrado Administração) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2009. TIEBOUT, C. M. A pure theory in local expenditures. The journal of political economy, Chicago, v. 64, n. 5, p. 416-424, oct. 1956. UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIMES (UNODC). World Drug Report. United Nationes Office on Drugs and Crime. v. 1: Analysis. United Nations Publication, 2005. WOOLDRIGDE, J. M. Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. Cambridge: MIT Press; 1 ed, 2001.

 

13

 

                                                            i http://www.cnm.org.br/crack/ ii Para um estudo detalhado sobre o modelo logit multinomial, ver Maddala (1983, Chapítulo 3), Amemiya (1985, Capítulo 9) e Wooldrigde (2001, Capítulo 15) iii Maiores Informações consultar CNM(2011a). iv Os valores do Pseudo R2 são: 0,160 Cox and Snell; 0,184 Nagelkerke e 0,86 McFadden