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RSP 31 Revista do Serviço Público Brasília 64 (1): 31-58 jan/mar 2013 Políticas públicas e relações federativas: o Sistema Nacional de Cultura como arranjo institucional de coordenação e cooperação intergovernamental 1 Adélia Zimbrão Sobre o que se versa? Entre as questões conformadoras da complexidade que atravessa o processo de materialização dos direitos sociais, identificam-se débeis acordos entre os entes federados no tocante à provisão de políticas públicas nacionais. Fragilidade que persiste ao longo desses últimos vinte e quatro anos, apesar de o federalismo tripartite consagrado no Texto Constitucional ser considerado de tipo cooperativo 2 , como ilustra o art. 23 da Carta Magna de 1988 e seu parágrafo único, que tratam das competências comuns a todas as esferas da Federação e da cooperação entre elas para o “(...) equilíbrio do desenvolvimento e bem-estar em âmbito nacional” (Parágrafo único, art. 23, CF/1988). No entanto, o compartilhamento de poder e autoridade entre governo central e governos subnacionais sobre a ação estatal não é “automático” e nem pacífico. A Federação brasileira “desliza” num contínuo entre relações de competição e de cooperação, em que há projetos políticos frequentemente divergentes e em disputa.

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Adélia Zimbrão

Políticas públicas e relaçõesfederativas: o Sistema Nacional

de Cultura como arranjoinstitucional de coordenação e

cooperação intergovernamental1

Adélia Zimbrão

Sobre o que se versa?

Entre as questões conformadoras da complexidade que atravessa o processo

de materialização dos direitos sociais, identificam-se débeis acordos entre os entes

federados no tocante à provisão de políticas públicas nacionais. Fragilidade que

persiste ao longo desses últimos vinte e quatro anos, apesar de o federalismo

tripartite consagrado no Texto Constitucional ser considerado de tipo cooperativo2,

como ilustra o art. 23 da Carta Magna de 1988 e seu parágrafo único, que tratam

das competências comuns a todas as esferas da Federação e da cooperação entre

elas para o “(...) equilíbrio do desenvolvimento e bem-estar em âmbito nacional”

(Parágrafo único, art. 23, CF/1988). No entanto, o compartilhamento de poder

e autoridade entre governo central e governos subnacionais sobre a ação estatal

não é “automático” e nem pacífico. A Federação brasileira “desliza” num contínuo

entre relações de competição e de cooperação, em que há projetos políticos

frequentemente divergentes e em disputa.

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Essa configuração federativa geratensões e dilemas ao Estado, na sua obriga-ção de garantir direitos que requerem polí-ticas públicas para serem gozados. Nessesentido, tendo como diretriz constitucionala universalização das denominadas políticassociais, um dos grandes desafios a serenfrentado pela União diz respeito àsrelações intergovernamentais. Não obstanteesse cenário, a colaboração interfederativatem sido experimentada em algumas áreas,como, entre outras, as da saúde (SistemaÚnico de Saúde – SUS) e da assistênciasocial (Sistema Único de Assistência Social– SUAS), por meio da constituição dearranjos político-institucionais que visam apromover a convergência de esforços daUnião, Distrito Federal, Estados e Muni-cípios e superar pontos de estrangulamentoconcernentes ao desenvolvimento de polí-ticas públicas. Os mecanismos – que podemser considerados inovadores ao obser-varmos o contexto – de coordenação ecooperação intergovernamental, adotadospelas citadas áreas, objetivam, em especial,conciliar as tensões federativas – resultan-tes principalmente das significativas desi-gualdades sociais e regionais do País – demodo a possibilitar o cumprimento das obri-gações constitucionais pelos entes federados,referentes às responsabilidades e propósitoscomuns. Assim, a descentralização deresponsabilidades para os poderes execu-tivos subnacionais, na condução de políticassociais, ocorre com base nas políticaspúblicas nacionais, acordadas nas instânciasapropriadas, previstas na configuraçãoinstitucional dos sistemas de políticaspúblicas de saúde e de assistência social.

No que diz respeito às políticas culturais,estas também não escapam da problemá-tica atinente às relações federativas. OMinistério da Cultura, na última década, vemconduzindo um processo de reformulação

e redimensionamento de suas políticas,inclusas nesse cenário a criação e estrutu-ração do Sistema Nacional de Cultura3

(SNC), que aspira a ser o principal meca-nismo de articulação e coordenação federa-tiva para implementação de programas eações culturais.

O trabalho aqui apresentado tem oobjetivo de analisar a proposta do SistemaNacional de Cultura a partir da conceituaçãopolítica regulada e não regulada, elaborada pelacientista política Marta Arretche para distin-guir relações intergovernamentais relativasà autoridade sobre a formulação e sobre aexecução de políticas públicas. Balizadopelas questões concernentes às relaçõesfederativas e à descentralização de políticaspúblicas, o estudo examina a configuraçãoinstitucional de articulação e compartilha-mento interfederativo de políticas públicasde cultura presente no projeto do sistema,tomando como referência o Sistema Únicode Saúde, por ser o modelo inspirador detal iniciativa.

O Sistema Nacional de Cultura visa acolaborar com o aprimoramento do pactofederativo ao estabelecer parâmetros paraa ação cooperativa, com cofinanciamento,entre os diversos níveis de governo, naárea de cultura. O desafio posto ao Estado– acentuado por um contexto de desigual-dades inter e intraestaduais – consiste emassegurar o exercício dos direitosculturais4 a todo cidadão, equilibrando asações públicas necessárias para o cumpri-mento de tal obrigação, com o singulardesenho federativo tripartite brasileiro.Nesse sentido, o que está em debate sãoos meios para garantir o direito ànominada “cidadania cultural”, combateras desigualdades territoriais e assegurar adiversidade cultural, assim como a cons-trução de canais para o indispensável diá-logo federativo.

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A garantia do exercício dos direitosculturais a todos os brasileiros é compe-tência constitucional comum às três esferasde governo. As informações disponíveissobre este tema revelam que há variaçõesterritoriais em relação ao acesso dos cida-dãos aos bens culturais e às políticaspúblicas de cultura. Há uma expressivaconcentração de recursos públicos e açõesculturais nas maiores capitais dos estadosda Região Sudeste. Além disso, umsignificativo percentual da população estáexcluído dos benefícios assegurados poressas políticas (Cultura em Números –Anuário de Estatísticas Culturais – 2009).

O Suplemento de Cultura da Pesquisade Informações Básicas Municipais(Munic, 2006), do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), quelevantou um conjunto de informações arespeito da diversidade cultural e territorialdos municípios brasileiros, confirmou apercepção já existente a respeito da baixacentralidade das políticas culturais naagenda dos governos locais5, além demostrar a pouca institucionalização dosetor da cultura nos municípios e a precáriacapacidade organizacional e administrativado poder executivo local. Em outrostermos, grande parte dos governossubnacionais municipais não dá a devidaatenção à área da cultura. Em decorrência,esses entes federados não desenvolvempolíticas culturais, mas apenas ações muitopontuais. O entendimento mais comum porparte das autoridades competentes é ofertar“entretenimento” à população local.

Na outra ponta, no âmbito federal, naúltima década, várias iniciativas foramtomadas. Porém o alcance das ações doMinistério da Cultura é limitado, dado otamanho do País, as diversidades de váriasordens (cultural, geográfica, ambiental etc.)e as condições restritas de gestão e de

recursos do próprio órgão. Portanto, argu-menta-se que a redefinição induzida deresponsabilidades por meio da descentrali-zação pactuada de políticas públicas decultura é essencial para fortalecer a funçãodo Estado em assegurar o pleno exercíciodos direitos culturais, ainda mais num paíscom a dimensão territorial do Brasil eexpressiva diversidade cultural. Nessesentido, os mecanismos institucionaisprevistos/desenhados para forjar a atuação

estatal de forma articulada e cooperativaestariam na proposta do Sistema Nacionalde Cultura.

Relações federativas, políticaspúblicas e regulação federal

Várias questões perpassam a discus-são sobre o federalismo e os efeitos de seu

“A ideia dascomissõesintergestores foiuma das grandescontribuiçõesdo SUS para acondução deum trabalhointergovernamental.”

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desenho para as relações federativas:competição, cooperação, autonomia polí-tica das unidades subnacionais, ingerência/intromissão/interferência federal, reformatributária, pacto federativo, entre outrosaspectos. Essas questões alimentam umintenso debate teórico a respeito da perti-nência do modelo de federalismo brasileiro.

O federalismo, conforme Souza(2005), tem sido associado mais à descen-tralização, em muitos trabalhos no país,principalmente após a Constituição de1988, do que a uma ordem política e cons-titucional com suas particularidades. Aautora aponta ainda que é significativa apresença de textos que analisam as relaçõesque se estabelecem entre esferas de gover-nos tendo como foco as designadasrelações intergovernamentais. Esse inte-resse também seria “(...) resultado da emer-gência de políticas descentralizadas, mas,sobretudo, pelo considerável aumento deprogramas ‘intergovernamentalizados’,tendência observada na maioria dos paísesfederais e unitários” (SOUZA, 2005, p. 106).

Da perspectiva das relações intergover-namentais, para Almeida (2005), aFederação brasileira pode ser entendidacomo uma configuração complexa na qualconvivem tendências centralizadoras edescentralizadoras, estimuladas pormúltiplos fatores, gerando efeitos diversosao longo do território nacional. A seu ver,o modelo cooperativo adotado constitucio-nalmente em 1988 para o federalismobrasileiro “(...) combinou a manutenção deáreas próprias de decisão autônoma dasinstâncias subnacionais; descentralizaçãono sentido forte de transferência de auto-nomia decisória e de recursos para osgovernos subnacionais e a transferênciapara outras esferas de governo de responsa-bilidades pela implementação e gestão depolíticas e programas definidos no nível federal”

(ALMEIDA, 2005, p. 32, grifo nosso). Dessemodo, para a autora, a apreciação doscaminhos do federalismo brasileiro, no quediz respeito à polaridade descentralização-recentralização, “(...) deve levar em contaa complexidade desse arranjo cooperativoe as formas distintas que assumem asrelações governamentais em diferentesáreas de políticas públicas” (ALMEIDA, 2005,p. 32).

Abrucio (2005), com a intenção de iralém da dicotomia centralização versusdescentralização, propõe a temática dacoordenação federativa como objeto deexame. Em seu texto, comenta a respeitode um estudo realizado pela Organizationfor the Economic Cooperation andDevelopment (OECD), com base emdiversas federações, que aborda a questãocentralização e descentralização, e no qualé apresentada a conclusão de que “Nósprecisamos agora estar dispostos a moverem ambas as direções – descentralizandoalgumas funções e ao mesmo tempo centrali-zando outras responsabilidades cruciais na formu-lação de políticas. Tais mudanças estão acaminho em todos os países” (OECD,1997, p. 13 apud ABRUCIO, 2005, p. 42, grifonosso). A seu ver, há dilemas de coorde-nação intergovernamental constatadosinternacionalmente, que o Brasil igual-mente precisa enfrentar. Por isso, consideranecessário analisar o problema da coorde-nação interfederativa, que compreende asformas de integração, compartilhamento edecisão conjunta existentes nas federações.

Entretanto, o caminho analítico trilhadopor Abrucio (2005) difere do percorridoneste trabalho, posto que, como dispõe aprópria OECD, às vezes é necessáriocentralizar outras responsabilidades cruciais naformulação de políticas. Essa perspectiva divergedas questões trabalhadas por Abrucio(2005), que destaca como aspecto inovador

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do sistema de Federação, no que tange àorganização político territorial do poder, ocompartilhamento matricial da soberania emcontraposição ao piramidal.

Assim, a tensão entre autonomia polí-tico-institucional federativa e regulaçãofederal vem se traduzindo em complexosprocessos de descentralização e centrali-zação dos poderes governamentais entreas unidades jurisdicionais. Nesse sentido,não se pretendeu esgotar o assunto, pois,tal como destaca Almeida, “a relação entrefederalismo e descentralização, em termosconceituais e empíricos, está longe de sersimples e incontroversa” (2005, p. 30).

Para Lima et al. (2012), problemascomo as desigualdades territoriais, que sãode ordem estrutural, dificilmente podemser resolvidos apenas pela ação articuladados estados e municípios, sem uma efetivaatuação do governo federal.

Ainda numa outra perspectiva, diferen-te dos autores que focalizam principalmentea autonomia dos governos subnacionais,Arretche (2010) vai trabalhar com a ideiade que é possível compatibilizar descentrali-zação da execução de políticas com acentralização da autoridade, mesmo emestados federativos. É essa autoridade dopoder central de definir políticas e progra-mas que mune o governo federal de instru-mentos para coordenar políticas públicas.

Para Marta Arretche – que tem entresua produção acadêmica a investigação detemas como descentralização de políticaspúblicas, políticas sociais, relações federa-tivas e federalismo –, os teóricos, que ques-tionam o atual modelo federativo doEstado brasileiro, têm tido como principaisobjetos de análise a autonomia dos governossubnacionais e as regras eleitorais. Nesse sentido,conforme assinala Arretche (2010), caracte-rísticas presentes no Estado e no sistemapolítico brasileiro ganham demasiado realce

nas interpretações desses estudiosos.Porém, essa pesquisadora considera que háum superdimensionamento na importânciadesses traços, por ignorarem dois aspectosque julga como centrais: “o papel das desi-gualdades regionais na escolha da fórmulafederativa adotada no Brasil, bem como aimportância das relações entre a União eos governos subnacionais sobre seu funcio-namento” (2010, p. 588). Por isso, para umainterpretação mais precisa a respeito dasmotivações para a adoção da fórmulafederativa no Brasil e de seus resultados,Arretche considera necessário incluir naanálise as dimensões desigualdades territoriaise relações federativas central-local.

Como bem observa Arretche (2010),a nação brasileira é historicamente divididaentre jurisdições ricas e pobres e essa cliva-gem está na origem da escolha por umdesenho de Estado e de suas instituiçõespolíticas que pudesse proporcionar o equilí-brio regional. Portanto, para tal finalidade,segundo a autora, concentrou-se autoridadedecisória no governo central, no processode construção do Estado-nacional brasi-leiro, bem como no poder regulatório e degasto, prevalecendo, dessa forma, a ideiade uma “comunidade nacional única” sobreos pleitos por autonomia regional. Assim,as transferências de recursos federais têmsido, historicamente, como assinala Arretche,um componente central na constituiçãodesse Estado, na busca de reduzir desigual-dades territoriais sócio-econômicas.

No que se refere às relações federativascentral-local, segundo Arretche (2010), asprioridades políticas dos governos estaduaise municipais podem ser amplamenteafetadas pelos mecanismos de incentivosdecorrentes de suas interações com níveissuperiores de governo, tal como já expu-seram pesquisadores desse tema (SELLERS,Jefferey M. e LIDSTRÖM, Anders, 2007; e

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RAZIN, Eran, 2007). Além disso, Arretchedestaca que, mesmo em estados federa-tivos, é possível compatibilizar descen-tralização da execução de políticas com acentralização da autoridade (OBINGER,Herbert; LEIBFRIED, Stephan; e CASTLES,Francis G., 2005). Assim, de acordo comsua reflexão, é preciso diferenciar a dimen-são de autoridade sobre a formulação depolíticas públicas, da dimensão de autori-dade sobre a execução de políticas públicas,para uma análise mais apropriada dessasrelações. Sua argumentação prossegue:

“Distinguir quem formula de quemexecuta permite inferir que, no casobrasileiro, embora os governos subna-cionais tenham um papel importante –e até mesmo pouco usual em termoscomparados – no gasto público e naprovisão de serviços públicos, suas deci-sões de arrecadação tributária, alocaçãode gasto e execução de políticas públicassão largamente afetadas pela regulaçãofederal.” (Arretche, 2010, p. 589).

Em outros termos, a agenda dosgovernos estaduais e municipais é“balizada” por normas e supervisão federais,mesmo se tratando de unidades politi-camente autônomas, com responsabilidadena arrecadação de tributos e na execução depolíticas, pois suas decisões são limitadaspor legislação nacional (ARRETCHE, 2010).

Portanto, para estudar o fenômenofederalismo brasileiro, Arretche (2010) consi-dera essencial examinar o impacto daregulação federal sobre as decisões dosgovernos locais, assim como sobre as desi-gualdades sócio-regionais, que acarretamdiscrepâncias de acesso dos cidadãos apolíticas públicas no cenário nacional.

A tradição de centralização da autori-dade política, por conseguinte, de regulação

federal – presente no Estado federativobrasileiro – para implementar políticas decompensação das desigualdades sociais eterritoriais tem, entre sua fundamentação,como expõe Arretche (2010), a desconfiançana disposição das elites políticas locais emprover serviços públicos básicos e respeitaros direitos dos cidadãos. Por isso, conformeArretche, “a regulação federal parece seruma condição para ‘amarrar’ subunidadesindependentes em torno de um dado obje-tivo nacional” (2010, p. 611).

Portanto, para Arretche (2010), a legiti-midade da regulação federal, ou seja, deque a União deve estar munida de aparatopara legislar e supervisionar a ação dosgovernos subnacionais apoia-se tanto naideia de nação, de pertencimento a umacomunidade nacional única, quanto noreceio e suspeita com relação às práticasdos governantes locais. Desse modo,estados federativos que concentram naUnião autoridade regulatória, segundoArretche, têm a possibilidade de constituirmecanismos institucionais para atuarem nadireção da diminuição das desigualdades.

Assim, o sentido que Arretche (2010)atribui à regulação federal diz respeito aoconjunto da legislação federal sobre aspolíticas executadas pelas unidades consti-tuintes, à autoridade para supervisionar essaspolíticas e à função de redistribuição derecursos entre os entes federados, isto é,refere-se à regulamentação e à supervisãofederais sobre as políticas operacionalizadaspelos governos estaduais e municipais. “É,portanto, o emprego dos recursos institu-cionais da União para regular a execuçãodescentralizada de uma dada política que aconverte em uma política regulada” (2010,p. 604). Nesse sentido, para Arretche, essapossibilidade existe potencialmente paraqualquer área de política pública, em razãodas propriedades do federalismo brasileiro.

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Com base na reflexão apresentada,Arretche (2010), no que se refere às polí-ticas descentralizadas, observa que épossível distinguir dois tipos atinentes àrelação central-local:

(1) reguladas: aquelas nas quais alegislação e a supervisão federais limi-tam a autonomia decisória dos gover-nos subnacionais, estabelecendo pata-mares de gasto e modalidades deexecução das políticas.

(2) não reguladas: aquelas nas quais aexecução das políticas (policy-making)está associada à autonomia para tomardecisões (policy decision-making) (2010,p. 603).

Arretche (2010) explica que um ele-mento fundamental das políticas federaisde regulação referentes às políticas descen-tralizadas são as normas que vinculam asreceitas dos governos subnacionais aogasto em políticas específicas. Como conse-quência, a autonomia decisória desses entesfederados, no que tange à alocação de seuspróprios recursos, fica limitada. Entretanto,Arretche observa que, de qualquer forma,o governante local possui autoridade sobrea execução, dentro das regras de uso dosrecursos. Ademais, sua autonomia políticalhe permite a possibilidade da discordância.

A partir de sua tipologia, Arretche(2010) analisou comparativamente aspolíticas públicas de educação e saúde,classificadas como reguladas, e as políticasdas áreas de desenvolvimento urbano(infraestrutura urbana, habitação e trans-porte público), consideradas como nãoreguladas. No Estado brasileiro, essesserviços básicos ficam a cargo dos gover-nos municipais. A investigação, de acordocom Arretche, consistiu em identificar os

efeitos das relações central-local sobre a desi-gualdade na oferta de serviços municipais,por meio do exame da provisão de serviçospúblicos e a alocação setorial do gasto.

Os resultados encontrados, segundoArretche (2010), demonstram primazia nogasto em saúde e em educação, e grandedesigualdade na prioridade de alocaçãode recursos financeiros às políticas deinfraestrutura urbana, ou seja, políticasreguladas e não reguladas apresentam

comportamentos distintos. Arretche obser-vou que a desigualdade entre municípios,referente ao gasto nas políticas reguladas,é consideravelmente menor do que naspolíticas não reguladas. Conforme suasconsiderações, o impacto da regulaçãofederal sobre as decisões dos governoslocais fica claramente demonstrado nopadrão de gasto apurado dos municípios

“... a área dacultura, por nãoter políticasreguladas, não éprioridade para aautoridade localna alocação derecursos etampouco naprovisão deserviços.”

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brasileiros: “alta prioridade e baixa desi-gualdade nas políticas reguladas acompa-nhado de baixa prioridade e elevada desi-gualdade nas políticas não reguladas”(2010, p. 611). Em outras palavras, as polí-ticas reguladas têm precedência na alocaçãodo gasto municipal, enquanto que aspolíticas não reguladas não têm preferênciade gasto. Logo, para Arretche (2010), é opapel de regulamentação e de supervisãoexercido pela União que pode explicar essecomportamento convergente dos muni-cípios, em que há redução do intervalo dedesigualdades, no que tange à provisão deserviços e aplicação de recursos em saúdee educação.

O que se evidencia, portanto, segundoArretche (2010), é que há uma tensão entrea redução das desigualdades territoriais decapacidade de gasto e de provisão deserviços públicos e a plena autonomia deci-sória dos governos locais. O exercício dessaautonomia pela autoridade local possibi-lita a discordância política, que podeproduzir divergências de políticas públicasentre jurisdições. Projetos políticos muitodistintos e até opostos, em conjunto comlimites de capacidade de recursos dasprefeituras, levam a grandes variações nasprioridades municipais de gasto. Dessemodo, a propensão é o aumento da desi-gualdade intermunicipal no fornecimentode serviços públicos. Entretanto, conformea autora, estados federativos que conciliamregulação centralizada e autonomia políticados governos municipais tendem a res-tringir os patamares da desigualdadeterritorial, pois “a combinação de regulaçãodas receitas municipais com regulação dasdespesas municipais tem como efeito maisuniformidade de gasto nas políticas regu-ladas” (2010, p. 610). Assim, é por meiode mecanismos institucionais regulatóriose redistributivos, como vinculação de

receitas municipais, transferências derecursos federais e transferências condicio-nadas universais, que a União atua nadiminuição de desigualdades interjuris-dicionais de receita e na redução dedesigualdades territoriais de acesso doscidadãos brasileiros a políticas públicas.

Outro aspecto importante observadopor Arretche (2010), acerca das políticasreguladas analisadas, é que os repasses derecursos não estão associados a barganhaspolíticas, ao contrário, são feitos com baseem critérios públicos e universais, regula-dos por regras constitucionais ou infra-constitucionais.

A citação abaixo pode ser consideradauma espécie de síntese de suas conside-rações:

“Portanto, em estados federativosque centralizem a formulação de polí-ticas executadas pelas unidades cons-tituintes e que contam com um siste-ma interjurisdicional de transferências,é possível encontrar redução das desi-gualdades territoriais. Assim, de acordocom esta teoria, os papéis regulatórioe redistributivo do governo centralseriam mecanismos necessários paraobter cooperação entre jurisdições”.(ARRETCHE, 2010, p. 593).

Posto que, conforme Arretche, “nãohá nenhuma garantia intrínseca à auto-nomia dos governos locais que os torneresponsáveis, comprometidos com asnecessidades dos cidadãos e determinadosa administrar com eficiência” (2004, p.334), as atribuições de regulação e deredistribuição do governo central seriamdispositivos inevitáveis para obter coopera-ção entre jurisdições e adesão dos governossubnacionais às políticas públicas, emespecial às sociais (ARRETCHE, 2010).

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Assim, a baixa centralidade das políticassociais na agenda dos governos locais –que, por consequência da inação, contri-bui para a manutenção da desigualdade –vem sendo enfrentada justamente por meiode aparatos institucionais de incentivos econtroles, que estimulam e também forjamo comprometimento desses dirigentes comdeterminadas políticas.

Estrutura e mecanismos de coorde-nação e cooperação federativa inova-dores: o SUS

A regulação federal da saúde – apon-tada por Arretche (2010) como possívelfator de redução da desigualdade entremunicípios na provisão de serviçospúblicos nessa área – tem se realizado nasúltimas duas décadas pelo Sistema Únicode Saúde (SUS). O SUS, definido constitu-cionalmente pelos princípios de univer-salidade, equidade, integralidade, controlesocial e descentralização (Art. 196 a 200da Constituição brasileira de 1988), foicomplementado por normas infraconsti-tucionais, como as Leis Orgânicas daSaúde, Lei no 8080 – que regula as condi-ções para a promoção, proteção e recu-peração da saúde, a organização e ofuncionamento das ações e serviços desaúde – e Lei no 8142 – que dispõe sobrea participação da comunidade na suagestão, sobre as transferências intergover-namentais e vincula descentralização àmunicipalização –, ambas de 1990, masque passaram por alterações e ajustesposteriores. Além desses suportes jurí-dicos de regulamentação da política desaúde, há vários outros instrumentosnormativos que, ao longo desses vinte edois anos, foram sendo editados de acordocom as circunstâncias político-institucio-nais, com as condições das interações

federativas e com os processos necessáriospara a estruturação do sistema.

O SUS é, desse modo, um sistema dedescentralização político-administrativa deresponsabilidades na condução das açõespúblicas de saúde, integrado pelos gover-nos nacional e subnacionais, com organi-zação regionalizada e hierarquizada da redede serviços, com direção única em cadaesfera governamental e com participaçãosocial em seu comando. É também ummodelo de planejamento e gestão de polí-ticas públicas que buscou promover aracionalização dos serviços de saúde pormeio da integração das redes federal, esta-dual e municipal, do redesenho do papel eatribuições de cada ente federado, dadefinição de fontes de financiamento e dacriação de mecanismos automáticos detransferência de recursos no interior da redepública e privada.

O SUS, de acordo com Arretche(2004), construiu, entre 1988 e 1993, umacomplexa estrutura institucional para atomada de decisões. Nesse sentido, fazemparte de sua configuração instâncias dearticulação, pactuação e deliberação depolíticas públicas. As conferências e os con-selhos (de composição paritária) são arenaspolíticas (reproduzidas nos três níveisfederativos) de negociação entre governoe sociedade civil, para deliberações dasações de saúde e de seu planejamento, alémde serem instâncias de controle social. AsComissões Intergestores Tripartite (entreUnião, Estados e Municípios) e Bipartite(entre Estado e Municípios) são espaçosinstitucionalizados de cogestão, ondeocorrem as negociações e os acordos entreos níveis de governo, referentes à operacio-nalização do SUS (gerenciamento efinanciamento). Ademais, o SUS tem entreseus principais instrumentos de gestãoplanos de saúde e fundos de recursos do setor,

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todos relativos às esferas nacional, estaduale municipal.

Nesse sentido, o desafio de coordenaçãono SUS, no que diz respeito às relaçõesfederativas, foi enfrentado por meio darepartição de competências e atribuiçõesentre as unidades federativas de governo.Na distribuição das responsabilidades, aUnião é a encarregada das funções deformulação da política nacional de saúde,financiamento e coordenação das açõesintergovernamentais. É incumbência tam-bém da instância federal, em seu âmbito deatuação, monitorar, avaliar, capacitar esistematizar as informações. Cabem aos esta-dos, ao Distrito Federal e aos municípios,respeitando os princípios e as diretrizes esta-belecidos pela política nacional de saúde, acoordenação e a execução dos programas eações do setor, dentro de suas respectivasesferas de competência, além do cofinan-ciamento. Os governos subnacionais partici-pam do processo de formulação da políticade saúde por terem representações nasarenas de articulação, pactuação e delibe-ração. Em tese, esses espaços de negociaçãoinstitucionalizados buscam suprimir dogoverno federal a possibilidade de estabe-lecer unilateralmente as regras de funciona-mento do SUS, posto que atuariam comoum mecanismo de contrapeso à concen-tração de autoridade conferida ao Executivofederal (ARRETCHE, 2004).

O Ministério da Saúde, ao longo dadécada de 1990 e meados dos anos 2000,no processo de construção do SUS, editousucessivas normas operacionais que tinhamcomo objetivo definir os vários aspectosrelativos à organização e forma de funcio-namento do sistema, como arenas decisórias,fluxos de financiamento e estruturaçãodo modelo de atenção à saúde. Nessesentido, para induzir e regular a descentra-lização, foram implementadas as Normas

Operacionais Básicas do SUS – NOB/91,NOB/93 e NOB/96 –, que provocaram aredefinição de atribuições e competênciasdas esferas de governo (federal, estadual emunicipal) no que tange à gestão, organi-zação e prestação de serviços de saúde, pormeio da transferência de recursos (princi-palmente financeiros) do nível federal eestadual para os municípios. Já as NormasOperacionais da Assistência à Saúde –NOAS/2001 e NOAS/2002 – tiveram umpapel de estimular a regionalização da assis-tência à saúde por meio da organização deredes de serviços que articulassem os váriosníveis de atenção, centralizando nas secre-tarias estaduais de saúde a função de orga-nizar os sistemas microrregionais de saúde.

Em suma, esses instrumentos de regu-lação tiveram por finalidade disciplinar adescentralização, o financiamento e arelação entre os três níveis de governo,instituindo mecanismos de coordenação ecooperação interfederativa e de indução àadesão dos governos locais à política desaúde. Além disso, outro propósito daedição dessas regras organizacionais foinormatizar a gestão pública da política desaúde no território brasileiro, a ser exercidade modo sistêmico pelos entes federados.

Com a mudança de governo em 2003,que resultou na entrada de novosdirigentes no Ministério da Saúde, confor-me Paim e Teixeira (2007), instalou-se umdebate sobre a alternativa excessivamente“normativa” tomada durante a década de1990. Uma crítica feita, segundo Lima(2012), foi a de que esse modelo dedescentralização – de intensa normati-zação vinculada aos incentivos financeiros– conduzido no SUS pelo governo federalteria provocado “burocratização dasrelações intergovernamentais” e “frag-mentação acentuada dos mecanismos detransferência de recursos federais” (2012,

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p. 1905). Por isso, estabeleceu-se o diag-nóstico de que seriam indispensáveisalterações nas formas de relacionamentoentre as esferas de governo, no tocante àpolítica de saúde.

Esse processo de discussão culminouna aprovação, em 2006, pelo ConselhoNacional de Saúde e pela ComissãoIntergestores Tripartite, do Pacto pelaSaúde6. Os pactos representariam novas prá-ticas, em substituição aos métodos e ferra-mentas adotados até aquele momento, porserem compreendidos como novo instru-mento de política, para instituir um processode negociação permanente entre gestores,em busca da superação dos conflitosintergovernamentais, com o propósito degarantir a implementação de políticas e açõesprioritárias. Nesse sentido, a inovação maissignificativa refere-se à pactuação comomecanismo de gestão, de coordenaçãointerfederativa da política de saúde.

O Ministério da Saúde, portanto, comesse novo mecanismo, segundo Paim eTeixeira (2007), busca substituir a estra-tégia adotada anteriormente, “(...) a deinduzir a tomada de decisões no âmbitoestadual e municipal a partir de incentivosfinanceiros, por uma outra centrada nocompromisso político entre os gestores(...)” (PAIM e TEIXEIRA, 2007, p. 1822).Nesse sentido, o espaço próprio para aconstrução desses acordos políticosintergovernamentais, no âmbito nacional,é a Comissão Intergestores Tripartite, e,em cada estado, são as Comissões Inter-gestores Bipartites.

Pode-se dizer que, mesmo com amudança de estratégia, que busca compro-meter politicamente os gestores, por meiode maior participação na tomada dedecisão, é o governo federal quem controlao financiamento e os mecanismos decoordenação intergovernamental.

Sabe-se que o SUS enfrenta muitosdesafios e que, mesmo após duas décadasde implementação, sua configuraçãoinstitucional encontra-se ainda em processode adequação no País. Há uma vasta litera-tura crítica que analisa tanto a organização,funcionamento e gestão do sistema quantoseus aspectos político-institucionais, e queaponta problemas de várias ordens, masnenhuma aborda a ideia de desmontagemdo sistema. Com todos os percalços, os

pesquisadores, no geral, consideram o SUSum grande avanço, quando comparado àsituação anterior à sua criação.

Assim, conforme demonstrado porArretche (2010), a regulação federal trouxecontribuições e melhorias, por reduzir asdiscrepâncias municipais na provisão deserviços públicos básicos de saúde. Naausência do exercício/desempenho pela

“A regulaçãofederal, por meioda implementaçãodo SNC, portanto,parece ser umacondição paramobilizar evincular estados emunicípios emtorno das políticaspúblicas decultura.”

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União de seu papel de regulamentação ede supervisão, a tendência seria “umacorrida para baixo” no gasto em saúde dosgovernos locais, prejudicando o atendi-mento à população.

O Sistema Nacional de Culturacomo arranjo institucional dearticulação e compartilhamentointerfederativo de políticas culturais

As políticas culturais empreendidaspelo governo federal, em sua quase totali-dade7, não apresentam, até o atual contexto,traços que as possam caracterizar comopolíticas reguladas, nos termos de Arretche(2010). São políticas de âmbito nacional,mas que em seu desenho, em geral, nãopreveem processos e mecanismos dedescentralização de ações – e consequen-temente de recursos – para estados emunicípios. Pode-se afirmar que o Minis-tério da Cultura não tem tradição dearticulação com outras esferas de governopara apoio de iniciativas públicas culturaissubnacionais. Nesse sentido, não é usualencontrar nos programas e projetosfederais da área intenções e diretrizes parauma atuação interfederativa. Uma exceçãoé o “Programa Arte Cultura e Cidadania –Cultura Viva”, que, num processo incre-mental, teve seu formato institucionalalterado, passando a “descentralizar” paraestados interessados no programa, comomeio de potencializar suas ações e alcance.Além disso, as ações culturais federaissofrem frequentes redesenhos e constantesalterações programáticas e orçamentárias.

Até meados da década passada, aspolíticas culturais, de origem federal, prati-camente se reduziam à política de finan-ciamento, via incentivo fiscal. O ProgramaNacional de Apoio à Cultura (Pronac) –instituído pela Lei Rouanet (Lei no 8.313/

1991) –, no seu mecanismo de implemen-tação III – Incentivo a projetos culturais, erabasicamente a política cultural nacional. OPronac atendia e ainda atende essencial-mente aos artistas, sejam eles das ditas“grandes artes” ou “populares”.

Esse programa ainda representa o“carro-chefe” das políticas culturaisoriundas do Ministério da Cultura. Entre-tanto, no governo do presidente Lula, como ministro Gilberto Gil, iniciou-se ummovimento – pautado no discurso dedemocratização da cultura e promoção da“cidadania cultural” – de construção depolíticas públicas que, além de fomentarpráticas culturais em sua diversidade,fossem capazes de assegurar a todos oscidadãos brasileiros o exercício dos direitosculturais, dispostos na nossa Constituiçãode 1988. Esse desafio converteu-se emprojetos de reformulação de leis, redesenhode mecanismos institucionais, inclusivepara uma atuação intergovernamental, e naelaboração de novas ações e programas.

O debate sobre o Sistema Nacional deCultura (SNC) foi lançado pelo MINC em2003. A ideia já estava presente na platafor-ma de governo do então presidenciável LuísInácio Lula da Silva. A proposta foi ampla-mente discutida em vários fóruns, com aparticipação de representantes gover-namentais das três esferas, de mandatáriosdo Poder Legislativo, de movimentos sociaise de segmentos culturais da sociedade.

O projeto do Sistema Nacional deCultura é resultado desse processo dedebates e de constituição de um novo marcolegal8 para a área da cultura. Nesse sentido,os argumentos apresentados no documentoEstruturação, Institucionalização e Implementaçãodo Sistema Nacional de Cultura (MINC, 2011)alegam que se trata de uma políticaestruturante do campo, uma política deEstado, que se pretende mais resistente às

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alternâncias democráticas de poder e garan-tidora dos direitos culturais.

Em suma, os direitos culturais têmcaracterísticas mistas; são simultanea-mente civis, políticos, econômicos esociais; subvertem as classificaçõesrígidas e adquirem estatuto próprio; enecessitam, para efetivar-se, da açãocompartilhada de indivíduos, comuni-dades e Estado.

Essa constatação leva a concluir quesão múltiplas e complexas as ações queenvolvem a implantação de um SistemaNacional de Cultura. Não se trata decolocar uma “camisa de força” nacultura, como pensam críticos isolados,mas de fortalecer a política pública decultura. De fato, a criatividade humanaé livre e dinâmica, como demonstra aexistência mesma da História, e nãocabe ao Estado dirigir seus passos.No entanto, há atribuições que oEstado, objetivamente, tem de cumprir:(1) assegurar que a liberdade de criarnão sofra impedimentos; (2) garantiraos criadores as condições materiaispara criar e usufruir dos benefíciosresultantes das obras que produzem;(3) universalizar o acesso de todos oscidadãos aos bens da cultura; (4) pro-teger e promover as identidades e adiversidade cultural; e (5) estimular ointercâmbio cultural nacional e interna-cional (MINC, 2011, p.16).

Assim, o sistema idealizado tem duplafunção; é ao mesmo tempo uma políticapública nacional e um modelo de gestãocompartilhada, tal como o Sistema Únicode Saúde e o Sistema Único de AssistênciaSocial. Conforme o documento, o SNC foiconcebido com um arranjo institucional

que possibilite articulação e pactuação dasrelações intergovernamentais, com instân-cias de participação e controle social, demodo a viabilizar implementação de polí-ticas culturais em todo território nacional.De acordo com a proposta, a “essência”do sistema é a coordenação e cooperação entreos entes da federação, para que se tenhaeconomicidade, eficiência, eficácia, equi-dade e efetividade na aplicação dos recursospúblicos.

O SNC tem como objetivo geral“Formular e implantar políticas públicasde cultura, democráticas e permanentes,pactuadas entre os entes da federação e asociedade civil, promovendo o desenvol-vimento – humano, social e econômico –com pleno exercício dos direitos culturaise acesso aos bens e serviços culturais”(MINC, 2011, p. 42). É constituído pelosseguintes elementos: órgãos gestores da cul-tura, conselhos de política cultural, confe-rências de cultura, sistemas de financiamento(com fundos de fomento à cultura), planosde cultura, sistemas setoriais de cultura,comissões intergestores tripartite e bipartite,sistemas de informações e indicadoresculturais e programas de formação na áreada cultura. Estrutura e componentesbastante similares aos do SUS.

Sua configuração comporta a integra-ção dos sistemas municipais, estaduais edistrital de cultura, e dos sistemas setoriais(de bibliotecas, museus, patrimônio etc.), àmedida que forem criados (ou reformu-lados) dentro dos parâmetros previstos naproposta. Desse modo, conforme o docu-mento do SNC, todos os sistemas de cultura(estaduais e municipais) devem seguir,balizados pelas condições e pertinência, omesmo desenho, ou seja, ter os mesmos ele-mentos constitutivos do sistema nacional.A adoção de um padrão de estrutura simi-lar em todos os níveis governamentais pode

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ser explicada como estratégia para garantira existência dos fóruns, instrumentos ecanais necessários para facilitar o diálogopolítico e o fluxo de programas e recursosrelativos às políticas de cultura. Comodefesa ao questionamento da uniformi-zação, que se estaria pondo a “cultura”numa “camisa de força”, argumenta-se queo conteúdo da política pública local seráconstruído principalmente pelas instânciasde negociação e pactuação – entre governo

e sociedade – previstas no sistema muni-cipal, em consonância com a políticaestadual e nacional. Essa lógica de cons-trução das políticas culturais asseguraria amanifestação da diversidade culturalexistente no território do País.

O diagrama seguinte, reproduzido dodocumento Estruturação, Institucionalização eImplementação do Sistema Nacional de Cultura(MINC, 2011, p. 45), pode ajudar na com-preensão da arquitetura estruturada.

Figura 1: Sistema Nacional de Cultura

Fonte: MINC, 2011.

ComissãoIntergestores

TripartitePrograma

Nacional deFormação na Área

da Cultura

SistemasNacionais Setoriais

de Cultura

Sistema Nacional deCultura

Ministério daCulturaConferência

Nacional deCultura

PlanoNacional de

Cultura

SistemaNacional de Infor-

mações e IndicadoresCulturais

ConselhoNacional de

Política Cultural

Sistema Nacionalde Financiamento

à Cultura

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ComissãoIntergestores

BipartitePrograma

Estadual deFormação na

Área da Cultura

Sistema Estadualde Cultura

ConferênciaEstadual de

Cultura

PlanoEstadual de

Cultura

ConselhoEstadual de

Política Cultural

Secretaria Estadualde Cultura

SistemaEstadual de Infor-mações e Indica-dores Culturais

SistemasEstaduais Setoriais

de Cultura

Fonte: MINC, 2011.

Figura 2: Sistema Estadual de Cultura

Sistema Estadualde Financiamento

à Cultura

SecretariaMunicipalde Cultura

SistemasMunicipais Setoriais

de Cultura

SistemaMunicipal de Infor-mações e Indica-dores Culturais

PlanoMunicipal de

Cultura

ConferênciaMunicipal de

Cultura

ConselhoMunicipal de

Política Cultural

SistemaMunicipal de

Financiamento àCultura

ProgramaMunicipal de

FormaçãoCultural

Sistema Municipalde Cultura

Fonte: MINC, 2011.

Figura 3: Sistema Municipal de Cultura

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Políticas públicas e relações federativas: o Sistema Nacional de Cultura como arranjo institucionalde coordenação e cooperação intergovernamental

Posto que uma das finalidades dapolítica pública Sistema Nacional de Culturaé justamente articular a cooperaçãointergovernamental, verifica-se que seurecorte territorial é o federativo. Por isso,vai se utilizar de mecanismos de indução àconstituição de sistemas distrital, estaduaise municipais, com aparato institucional quepossibilite o estabelecimento de relaçõesde colaboração entre os governos demesma estatura jurisdicional e entredistintos níveis federativos.

Tal como no SUS, estão previstos naestrutura do SNC espaços institucio-nalizados de articulação, pactuação edeliberação para construção de políticaspúblicas de cultura, de forma comparti-lhada entre Estado e sociedade. As prin-cipais instâncias de participação social sãoas conferências de cultura e os conselhosde política cultural, nos quais devem sernegociadas e deliberadas as diretrizes daspolíticas públicas para o setor. Os conse-lhos são de caráter permanente e ambi-ciona-se que tenham como uma de suasprincipais atribuições a formulação deestratégias e diretrizes para a alocação derecursos das políticas públicas de cultura,além de ter o papel de controle da execuçãodessas políticas.

Dessa configuração complexa, o queinteressa para esse trabalho, nesse momento,são as comissões intergestores tripartite(com representação federal, estadual emunicipal) e bipartites (com representaçãoestadual e municipal), por igualmente seremespaços de concertação e de estabelecimentode acordos, porém com a especificidade dese tratar de fóruns de pactuaçãointerfederativa das ações governamentais, noque tange aos aspectos operacionais dagestão do sistema. Essas arenas portam aparticularidade de possibilitarem o diálogopermanente intergovernamental, essencial

para a tomada de compromissos politica-mente negociados no âmbito do SistemaNacional de Cultura, constituindo-se, dessemodo, como um dos principais mecanismosde coordenação e cooperação federativadessa arquitetura institucional. A ideia dascomissões intergestores foi uma das grandescontribuições do SUS para a condução deum trabalho intergovernamental.

Importa também saber que a gestão ecoordenação do SNC, na esfera nacional,competem ao Ministério da Cultura, e nosoutros níveis de governo, às secretariasestaduais (distrital) e municipais de culturaou equivalentes. São esses elementos insti-tucionais combinados que pretendempermitir a regulação federal, por meio daconstrução das regras de funcionamento dosistema. Nesse sentido, verificam-se sinaisde uma política regulada, nos termos deArretche (2010), uma vez que a autoridadecentral é responsável pela formulação (emacordos negociados com a representação dasunidades subnacionais) do que vai ser exe-cutado pela autoridade local, dentro dosparâmetros normatizados. Além disso,caberá ao governo federal controlar a prin-cipal fonte de financiamento e os meca-nismos de coordenação intergovernamentaldo SNC. Fatores que afetam fortemente asdecisões dos governos subnacionais, deacordo com Arretche (2010).

Observa-se, portanto, que o arranjoinstitucional intergovernamental projetadona proposta do SNC – à semelhança doSUS – contempla a descentralização depolíticas públicas a estados e municípios,de forma regulamentada e sob a supervisãodo governo federal. Esse aspecto é refor-çado pelos instrumentos de gestãoprevistos para todos os entes federados queaderirem ao SNC: planos e orçamentos decultura, relatórios de gestão e sistemas deinformações e indicadores culturais. Os

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planos nacional, estaduais e municipais decultura visam a estabelecer planejamentosdecenais de políticas públicas que sejamconvergentes ou que tenham pontos decontato potencializadores dos esforços erecursos. O planejamento orçamentário(com suas peças: Planejamento Plurianual(PPA) –, Lei de Diretrizes Orçamentárias(LDO) e Lei Orçamentária Anual – LOA)seria a “ferramenta” de tradução dos planosde cultura de modo a expressar a projeçãodas receitas e autorizar os limites de gastosnos programas e ações culturais propostos.Quanto aos sistemas de informações erelatórios de gestão, são instrumentos deapoio ao controle e supervisão.

Desde 2010, a adesão ao SistemaNacional de Cultura tem sido por meio daassinatura de Acordos de CooperaçãoFederativa9, nos quais o governante domunicípio ou estado assume o compro-misso, sobretudo, de criar, coordenar edesenvolver o Sistema Municipal/Estadualde Cultura, com os componentes previstosna arquitetura do sistema, especialmente oconselho de política cultural, o plano decultura e o fundo de cultura (o “CPF”,como ficou conhecido). E ao Ministérioda Cultura compete, entre outras obriga-ções, criar condições de natureza legal,administrativa, participativa e orçamentáriapara o desenvolvimento do SistemaNacional de Cultura. Além disso, compro-mete-se a compartilhar recursos paraexecução de programas, projetos e açõesculturais, relativos ao SNC, bem como aapoiar os estados e municípios em outrosquesitos, como na formação de gestores eagentes de cultura, na realização das confe-rências de cultura, e na própria criação eimplementação dos sistemas subnacionais.

O processo de adesão é voluntárioposto que os entes da federação têm auto-nomia político-administrativa, mas, assim

como no SUS, os mecanismos de induçãodesenhados se utilizam da estratégia deexplorar as relações de dependência entreos níveis governamentais, talhadas pelomodelo do federalismo brasileiro vigente.Entretanto, no caso da cultura, a pasta nãoconta ainda com recursos financeiros vigo-rosos e nem com uma estabilidadeorçamentária, que lhe permita fazer dosrepasses de recursos um grande trunfo paraa coordenação das políticas dos entessubnacionais (GONÇALVES et alii., 2008).Pode-se inferir que é especialmente aexpectativa de mudança nesse campo quetem sido a força motriz das adesões. Ouseja, há o reconhecimento de que o poderde coordenação está com a autoridadecentral, que é quem poderá fazer repassede recursos para as políticas acordadas nosplanos de cultura.

A proposta do SNC, nesse sentido,também postula a reformulação do FundoNacional de Cultura para que ele seja oprincipal mecanismo de financiamentodas políticas públicas de cultura. Para isso,é preciso que o fundo tenha um formatoque possibilite realizar transações fundo(nacional) a fundo (estaduais e muni-cipais). Assim, está em tramitação no Con-gresso Nacional o Projeto de Lei no 6.722/2010, referente ao Programa Nacional deFomento e Incentivo à Cultura (Procul-tura), que pretende corrigir as distorçõesidentificadas na Lei Rouanet, e tambémdispõe sobre a montagem de um esquemade repasse de recursos do Fundo Nacionalde Cultura para Estados, Distrito Federale Municípios. Os governos estaduais emunicipais terão que aportar recursospróprios aos seus respectivos fundos decultura, de modo que esses fundos possamse tornar peças centrais do sistema decofinanciamento das políticas públicasde cultura.

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Além disso, há a Proposta de EmendaConstitucional no 150/2003, que tem comoprincipal objetivo designar recursos finan-ceiros à cultura com vinculação orçamen-tária. Busca-se, desse modo, criar condiçõespara o estabelecimento de transferênciasregulares condicionadas ao cumprimento dasregras de uso dos recursos nos programase ações culturais definidos nos planos decultura. Trata-se, portanto, de normas quebuscam vincular o gasto de recursos finan-ceiros públicos a políticas específicas.Nesse sentido, esse mecanismo seria maisum aparato institucional que caracterizariao SNC como uma política regulada, umavez que, para Arretche:

“Regras que vinculam as receitas dosgovernos subnacionais ao gasto empolíticas específicas são um compo-nente central das políticas federais deregulação das políticas descentrali-zadas. Estas limitam a autonomiadecisória das unidades constituintescom relação à alocação de seuspróprios recursos.” (2010, p. 602).

No que diz respeito à questão queenvolve o tema limitação da autoridade localna tomada de decisão sobre o gasto, o cenárioatual, no qual há total autonomia alocativados governantes estaduais e municipais nocampo das políticas culturais, é de assom-brosas desigualdades inter e intraestaduais,mesmo em se tratando de direitosconstitucionalizados. Como consequência,não é igual territorialmente o acesso da po-pulação a políticas públicas desse setor.Nesse sentido, a área da cultura, por nãoter políticas reguladas, não é prioridade paraa autoridade local na alocação de recursose tampouco na provisão de serviços. E,como ainda não há mecanismos deatrelamento que constranjam o Poder

Executivo local a cumprir “patamares degasto e modalidades de execução das polí-ticas” (ARRETCHE, 2010, p 603), os direitosculturais não estão assegurados a todos osbrasileiros.

Ademais, esse modelo de gestão –análogo ao SUS –, que se realiza principal-mente pelo estabelecimento de relaçõescoordenadas e cooperativas entre a União,os Estados, o Distrito Federal e os Municí-pios, permitiria superar os limites impostospelos instrumentos atuais de colaboração– convênios e contratos –, simplificandoas relações burocráticas interfederativas.

Considerações finais

A regulação federal é um tema polêmicoque gera demasiadas tensões, pois é inter-pretada por muitos teóricos e atores polí-ticos como uma grande intromissão (atémesmo intervenção) do governo federal nosassuntos das outras unidades constituintesda Federação. O que estaria em jogo, oumelhor, supostamente ameaçada seria aautonomia política dos governos subna-cionais frente à autoridade central. Porém,há outras leituras possíveis, como a de quea regulação federal da descentralização deresponsabilidades na condução das políticaspúblicas estaria, na verdade, reforçando umalógica de fortalecimento dos governosestaduais e municipais.

Em meio a essas controvérsias, o quepode ser verificado, segundo a análisecomparativa realizada por Arretche (2010)a respeito das políticas públicas descentra-lizadas reguladas e não reguladas, é que aspolíticas não reguladas – nas quais a autori-dade local goza de autonomia para tomardecisões sobre a formulação e a execuçãodas políticas – têm resultado num gastomunicipal baixo ou nulo em políticassociais. Esse comportamento-padrão

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demonstra que, sem constrangimentosexógenos aos municípios, os prefeitos nãocostumam eleger como prioridade aalocação de recursos nas áreas sociais,como saúde e educação, que beneficiamprincipalmente os mais pobres. Pode-sedizer, com base na Munic 2006, queocorre o mesmo comportamento para aárea da cultura.

A autonomia decisória da autoridadelocal assegura-lhe a possibilidade dediscordância da política conduzida pelogoverno central, ou seja, abre espaço paraprojetos políticos divergentes, que tendema aumentar os patamares de desigualdadeno gasto público e na provisão de serviçospúblicos entre os municípios. Emcontraponto, a autoridade regulatóriacentralizada na União permite a adoção demecanismos institucionais que produzemefeitos de convergência sobre os muni-cípios, isto é, adesão a objetivos que visama reduzir desigualdades interjurisdicionais,relativas à atuação estatal no campo dosserviços públicos municipais. Nesse sen-tido, o federalismo brasileiro, como explicaArretche (2010), combinaria duas ten-dências apenas aparentemente contradi-tórias, que seriam o papel regulatório dogoverno central operando no sentido dauniformidade e a autonomia dos governoslocais operando no sentido da divergênciade políticas. É o equilíbrio tenso entre ofator de convergência e as forças diver-gentes, nas relações central-local, que reduzo intervalo de discrepâncias territoriais, noque diz respeito à produção de políticaspúblicas, sobretudo as sociais.

Portanto, para cumprir o disposto noinciso III, art. 3º da Constituição, que fazreferência a um dos objetivos fundamentaisda República Federativa do Brasil,“erradicar a pobreza e a marginalização ereduzir as desigualdades sociais e regionais” (grifo

nosso), compete à União, por meio dogoverno federal, atuar na superação dasdesigualdades interjurisdicionais, coorde-nando a cooperação entre os diversoscentros de governo na produção de polí-ticas públicas, ou seja, exercendo seu papelregulatório e redistributivo.

Assim, a regulação federal no formatoinstitucional SUS tem desempenhado opapel “de ‘amarrar’ subunidades indepen-dentes em torno de um dado objetivonacional” (ARRETCHE, 2010, p. 611). O SUSdesenvolveu mecanismos de enfrenta-mento dos gargalos federativos de modo aaprimorar a implementação de políticaspúblicas federativas e a viabilizar a suagestão. Criaram-se espaços instituciona-lizados de negociação e pactuação, quepossibilitaram a conformação de estraté-gias de coordenação intergovernamental.Os Pactos de Saúde, adotados a partir de2006, são decorrência desse processo, que,sob a compreensão de que se trata de umfederalismo cooperativo, como apresentadopor Franzese (2010), representa umacomposição de autonomia com interdepen-dência e um compartilhamento entregoverno central e governos subnacionaisde compromissos políticos relacionados àpolítica de saúde, decididos conjuntamente.

Poder-se-ia perguntar, a partir de outraperspectiva teórica, se a atual estruturainstitucional do SUS para a tomada dedecisões – que hoje está mais pautada pelapactuação como mecanismo de coorde-nação interfederativa da política de saúde,ou seja, pelo compromisso político entreos gestores, do que pela estratégia deinduzir a tomada de decisões no âmbitoestadual e municipal a partir de incentivosfinanceiros – não configuraria um processodecisório mais matricial entre os entesfederados do que piramidal (centralizadona autoridade no governo central). E se esse

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entendimento não questionaria apertinência da regulação federal tal comodisposta por Arretche (2010). Entretanto,conforme Arretche (2010), a regulaçãofederal diz respeito ao conjunto da legisla-ção federal sobre as políticas executadaspelas unidades constituintes da federação,à autoridade para supervisionar essas polí-ticas, e à função de redistribuição derecursos entre os entes federados, ou seja,é o governo federal quem controla ofinanciamento e os mecanismos de coorde-nação intergovernamental. Esse aparatoinstitucional exerce constrangimento sobreas decisões dos governos subnacionais.

A leitura acerca do padrão de gasto dosgovernos locais para políticas reguladas e nãoreguladas pode ser estendida, tomando comobase a Munic (2006) e outros levanta-mentos, para as políticas culturais. Nessesentido, em razão de não haver, no campodas políticas públicas de cultura, mecanis-mos institucionais que induzam e regulema execução descentralizada, o painel é deenorme desigualdade no território nacional,com centralização de recursos e ações noSudeste e grande fragmentação de esforçose iniciativas. Juntam-se a esse cenáriodesarticulação e ausência de cooperaçãoentre os entes federados nas ações governa-mentais do campo cultural.

Arranjos institucionais como o pro-posto – com estratégias e instrumentosinterfederativos de planejamento, regulaçãoe cofinanciamento – podem ter efeitospositivos na performance da ação estatal, napromoção ou indução de políticas culturais,tal como demonstrado por Arretche (2010)nas áreas de saúde e educação.

A regulação federal, por meio daimplementação do SNC, portanto, pareceser uma condição para mobilizar e vincularestados e municípios em torno das polí-ticas públicas de cultura. Ademais, o

mecanismo de transferências condicio-nadas de recursos “fundo a fundo”, centralpara o cumprimento pela União do papelde redistribuição de receitas entre as uni-dades subnacionais, tem previsão defuncionar no SNC, tal como no SUS e noSUAS, com base em regras transparentese, por isso, não sujeito a barganhas polí-ticas. Outro aspecto a destacar sobre aproposta de política regulada SNC é o papeldo sistema na redução das desigualdadesfinanceiras, técnicas e de gestão dosgovernos subnacionais, para que tenhamcapacidade de implementar políticaspúblicas de cultura. Uma estratégia proje-tada é a de fortalecimento institucionaldesses governos por meio de programasde formação e de capacitação nessa área.

De qualquer forma, nas políticaspúblicas reguladas, ou seja, em que a Uniãocompromete os governos subnacionais compolíticas específicas, há a autonomia daautoridade local sobre a execução das polí-ticas, assim como sobre a possibilidade dadiscordância e encerramento da cooperação.Ressalta-se que a adesão ao SNC é umaescolha (induzida, é claro, principalmentepela promessa de incentivos financeiros) dogovernante da unidade federada. Além disso,o projeto do SNC prevê instâncias apro-priadas para negociações federativas refe-rentes à implementação e execução daspolíticas culturais, que podem se configurarem espaços de resolução de tensões, pormeio da colaboração e atuação conjunta. Emtese, com os fóruns tripartite de negociação,estados e municípios estão incluídos noprocesso de compartilhamento decisório daFederação. Trata-se, dessa forma, de umacombinação entre regulação federal (regula-mentação e supervisão) e autonomia local(porém pautada por legislação federal).

O Sistema Nacional de Cultura pode,portanto, tornar viável a pactuação – no

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campo da cultura – da distribuição de com-petências e atribuições pelos três níveis degoverno. A aposta é a de que a concertaçãoadvinda do pacto federativo permitiria aintegração das políticas culturais, quepodem evitar ações atomizadas e super-postas, causadoras de desperdícios devários recursos. Considerando todos essesaspectos, o SNC também pode ser vistocomo uma política estratégica para o desen-volvimento local, articulando-o com oregional e com o nacional.

A atuação federal, via SNC, no que tangeà participação cidadã na gestão da “coisapública”, pretende também instigar oprotagonismo da população do “lugar” paraa definição de suas políticas culturais. Por isso,o município (e/ou estado) deve, ao criar oseu sistema, “reproduzir” o desenho do SNC(dentro da pertinência), principalmente noque se refere às instâncias de articulação,pactuação e deliberação com a sociedade civil.O discurso é que, desse modo, estar-se-ácriando condições para dinamizar a diversi-dade cultural, que é um dos princípios doSistema Nacional de Cultura.

Outra aposta, que diz respeito ao SNCcomo política garantidora de acesso (doexercício dos direitos culturais), por meioda indução dos governantes locais na provi-são de políticas públicas, é possibilitar odesenvolvimento de potencialidadesculturais em todo o Brasil, ou seja, investirno estímulo a interações sócio-culturais,

compreendendo que o contato com o“diferente” é provocador/instigador dequestionamentos e de inquietações. E, porisso, tem potencial de alargamento do hori-zonte de possibilidades dos modos de criar,fazer e viver dos diferentes grupos forma-dores da sociedade brasileira.

Assim, pode-se chegar à conclusão deque a proposta do SNC, por todos os seuscomponentes e instrumentos, enquadra-sena conceituação de política regulada, tal comoo SUS. Com isso, vislumbra-se a possibili-dade de equalizar a oferta de ações quepossam garantir os direitos culturais, cons-tituindo-se em uma forma de reverter asdesigualdades inter e intraestaduais no quetange à promoção de políticas culturais eao seu acesso.

Por fim, arranjos institucionaisintergovernamentais que reforcem ospapéis regulatório e redistributivo dogoverno central, conforme Arretche (2010),parecem ser mecanismos necessários paraobter cooperação entre jurisdições. Nessesentido, o Sistema Nacional de Cultura éapontado como essencial para fortalecer afunção do Estado na institucionalizaçãodas políticas públicas culturais. Portanto, aregulação federal pode ser indispensávelpara induzir a universalização das políticaspúblicas de cultura e, dessa forma, garantira nominada “cidadania cultural”.

(Artigo recebido em janeiro de 2013. Versãofinal em março de 2013).

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Notas

1 Este artigo é uma versão revisada e ampliada do trabalho “Relações Federativas e ArranjosInstitucionais Intergovernamentais: o Sistema Nacional de Cultura” apresentado (e publicadonos Anais) no VIII ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, promo-vido pelo Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult), pelo Programa Multidisciplinarde Pós-Graduação em Cultura e Sociedade–Pós-Cultura, pela Faculdade de Comunicação epelo Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC), da Universi-dade Federal da Bahia, realizado de 8 a 10 de agosto de 2012.

2 Segundo Franzese (2010), a teoria do federalismo cooperativo, elaborada por MortonGrodzins (1966) e Daniel Elazar (1962), tem sua origem na ideia de federalismo como pacto, efoi apresentada como uma alternativa à abordagem norte-americana do federalismo dual (sepa-ração absoluta de competências), posto que assevera a existência de uma indispensável interaçãoentre as esferas de governo na estrutura federativa, ou seja, “(...) o federalismo não significaapenas a afirmação de autonomia entre os entes, mas uma combinação de autonomia (self rule)com interdependência (shared rule)”. (Franzese, 2010:21-22).

3 A Emenda Constitucional no 71, promulgada no dia 29 de novembro de 2012, institui oSistema Nacional de Cultura. Foi apresentada pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) em 2005,como Proposta de Emenda Constitucional. A PEC no 416/2005 foi aprovada nos dois turnos daCâmara Federal, no primeiro semestre de 2012, na forma do substitutivo da comissão especial,de relatoria do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), que incorporou em seu texto aconfiguração institucional presente no documento do Ministério da Cultura Estruturação,Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de Cultura. No Senado Federal, já como Pro-posta de Emenda Constitucional no 34/2012, teve como relatora a então senadora Marta Suplicy,que se empenhou para que sua aprovação ocorresse em tempo recorde.

4 A respeito do debate acerca dos direitos culturais dos cidadãos brasileiros presentes naConstituição de 1988, ver Silva (2001), Cunha Filho (2000), Cunha Filho (2011), Mata Machado(2007), Mata Machado (2011).

5 Apesar de 57,9% das administrações municipais terem respondido – à pesquisa Munic(2006) – positivamente acerca da existência de política cultural municipal, esse número deve serrelativizado. Calabre (2009) pondera que é necessário pesquisar e analisar detalhadamente comque conceitos de política cultural atuam as gestões municipais, sob o argumento de que, quandose examina os outros dados relacionados, verifica-se percentual alto de ausência de estruturaespecífica para a gestão municipal na área da cultura. Situação que inviabilizaria a implementaçãode políticas para o setor. Por isso, para Calabre (2009), haveria uma confusão conceitual, na qualos gestores estariam considerando como política cultural um somatório de ações implementadasde maneira dispersa, não planejada, sem relação entre si e de alcance limitado.

6 O Pacto pela Saúde foi publicado na Portaria do Ministério da Saúde GM/MS nº399, de22 de fevereiro de 2006. É mais uma forma de consolidação do SUS por meio de um conjuntode reformas institucionais pactuado entre as três esferas de gestão (União, Estados e Municípi-os), em que a implementação do Pacto pela Saúde ocorre pela adesão de Municípios, Estados eUnião ao Termo de Compromisso de Gestão (TCG), que substitui os processos anteriores dehabilitação e estabelece metas e compromissos para cada ente da Federação, e que deve serrenovado anualmente (conforme informação na página do Ministério da Saúde http://portal.saude.gov.br/portal/saude/ profissional/ area.cfm?id_area=1021, acesso em 11 de janeiro de2013).

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7 Caberia uma análise detalhada das políticas voltadas ao patrimônio, aos museus e às bibli-otecas públicas para melhor identificação; porém, esses setores não são objeto deste estudo.Entretanto, suas políticas possuem arranjos sistêmicos, que foram desenvolvidos ou fortaleci-dos institucionalmente a partir da metade da década passada, isto é, dentro do contexto dereestruturação das políticas culturais federais.

8 Há ainda: o Plano Nacional de Cultura (Lei no 12.343/2010); o Programa Nacional deFomento e Incentivo à Cultura (ProCultura) – Projeto de Lei no 6.722/2010 –, que inclui oredesenho institucional do Fundo Nacional de Cultura; o projeto de vinculação de recursos para acultura (Proposta de Emenda Parlamentar – PEC no 150/2003); a inserção da cultura como direitosocial no art. 6o da Constituição (PEC no 49/2001); a proposta de revisão da Lei de DireitoAutoral; entre outros projetos.

9 Até 7 de janeiro de 2013, foram realizados acordos de cooperação federativa com 23estados da Federação (incluindo o Distrito Federal), o que representa 85,2% do universo, e com1.411 municípios, 25,4% dos 5.564 entes federados municipais.

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Resumo – Resumen – Abstract

Políticas públicas e relações federativas: o Sistema Nacional de Cultura comoarranjo institucional de coordenação e cooperação intergovernamentalAdélia Zimbrão

Este texto tem o objetivo de analisar o projeto do Sistema Nacional de Cultura balizado porquestões referentes às relações federativas e à descentralização de políticas públicas. Para esseintento, toma como base a conceituação política regulada e não regulada, elaborada por Marta Arretchepara distinguir relações intergovernamentais central-local atinentes à autoridade sobre a formu-lação e sobre a execução de políticas públicas. Examina-se a configuração institucional de articu-lação e compartilhamento interfederativo de políticas públicas de cultura presente na propostadessa política cultural, tendo como referência o Sistema Único de Saúde. Arranjos com meca-nismos institucionais que induzam e regulem a execução descentralizada, como o proposto noSistema Nacional de Cultura, parecem ser uma condição para mobilizar e vincular estados e muni-cípios em torno das políticas públicas de cultura. A aposta é de que espaços institucionalizados denegociação e pactuação podem proporcionar melhorias no diálogo e na cooperação entre os entesfederados, para o desenvolvimento de ações governamentais na área cultural.

Palavras-chave: Políticas públicas de cultura; Sistema Nacional de Cultura; relações federativas

Relaciones Federativas y Política Pública: Sistema Nacional de Cultura como me-canismo institucional de coordinación y cooperación intergubernamentalAdélia Zimbrão

Este texto tiene como objetivo analizar el Proyecto del Sistema Nacional de Cultura demar-cado por cuestiones relativas a relaciones federales y la descentralización de las políticas públi-cas. Para esto, se basa en los conceptos de política regulado y no regulado, elaborados por MartaArretche para distinguir relaciones centro-localidades intergubernamentales relacionadas con laautoridad en la formulación y la implementación de políticas públicas. Examina la configuracióninstitucional de articulación interfederativo y el intercambio de las políticas culturales públicasen el diseño de esta política cultural, teniendo como referencia el Sistema Nacional de Salud.Configuraciones con mecanismos institucionales que inducen y regulan la ejecución descentra-lizada, como se propone en el Proyecto Sistema Nacional de Cultura, parece ser una condiciónpara movilizar y unir los estados y municipios alrededor de las políticas públicas de la cultura. Laapuesta es que los espacios institucionalizados de negociación y el acuerdo puedan proporcio-nar mejoras en el diálogo y en la cooperación entre las entidades federativas, para el desarrollode las acciones gubernamentales en el área cultural.

Palabras clave: Políticas públicas de cultura; Sistema Nacional de Cultura; RelacionesFederativas

Federative Relations and Public Policy: National Culture System as institutionalarrangement for coordination and intergovernmental cooperationAdélia Zimbrão

This article analyzes the National Culture System project focusing on questions on federativerelations and decentralization of public policies, in particular on the relationships between cen-tral, state and local administrations, as they deal with the elaboration and implementation of

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Políticas públicas e relações federativas: o Sistema Nacional de Cultura como arranjo institucionalde coordenação e cooperação intergovernamental

public policies. For this purpose, we rely on the concepts of regulated and unregulated policiesformulated by Marta Arretche. In examining such processes and mechanisms, comparisons withits analogue, the National Health System appears to be relevant. Institutional arrangements thatinduce and regulate decentralized execution, as proposed in the National Culture System, facilitatesthe mobilization of the public actors involved, strengthening the ties between them around thepublic cultural policies. The main idea is that the creation of institutionalized spaces of negotiationand agreement may bring dialogue and cooperation among federal entities for the developmentof governmental actions in the cultural area.

Keywords: Cultural Public Policies; National Culture System; Federative Relations

Adélia Cristina Zimbrão da Silva

Graduada em Psicologia (UERJ), especialista (lato sensu) em Sociologia Urbana (UERJ) e Mestre em Administração Pública(EBAP/FGV). Integra a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planeja-mento, Orçamento e Gestão, em exercício na Fundação Casa de Rui Barbosa. Contato: [email protected]