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POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL ORGANIZAÇÃO MARIA DE LURDES RODRIGUES PEDRO ADÃO E SILVA

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POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

ORGANIZAÇÃO

MARIA DE LURDES RODRIGUESPEDRO ADÃO E SILVA

ÍNDICE

Introdução 15

Maria de Lurdes Rodrigues e Pedro Adão e Silva

1. Consolidação orçamental É possível ser um país mais justo e alcançar a consolidação orçamental?

Consolidação orçamental: política fiscal e despesa pública 39 Equipa do Fórum das Políticas Públicas

A consolidação orçamental como processo de ajustamento 57

Manuela Ferreira Leite

A consolidação orçamental com ambição de mais justiça 63

José A. Vieira da Silva

2. Privatizações As privatizações são uma ameaça à soberania ou uma oportunidade para a economia portuguesa?

Políticas de privatização 75 Equipa do Fórum das Políticas Públicas

O papel do Estado na economia 83

Fernando Teixeira dos Santos

O Estado e as privatizações em Portugal 95

António Lobo Xavier

3. Energia Como reduzir a despesa energética de forma sustentável?

Políticas públicas de energia 107 Luisa Araújo e Maria João Coelho

Visão estratégica para a energia em Portugal 121

António Costa Silva

8�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

A política energética: ambiente, abastecimento e competitividade 139

Jorge Moreira da Silva

4. Mercado de trabalho A proteção social e a regulação do mercado de trabalho dificultam a criação de emprego?

Políticas públicas de regulação do mercado de trabalho 155 António Dornelas e Mariana Vieira da Silva

A regulação do mercado de trabalho e criação de emprego 167

Luís Pais Antunes

Proteção social, regulação do mercado e criação de emprego 175

Maria Helena André

5. Justiça A diminuição da litigância e de pendências nos tribunais ameaça os direitos e as garantias dos cidadãos?

Políticas públicas de justiça 187 Graça Fonseca e Mariana VieIra da Silva

A justiça como pilar do estado de direito 195

Daniel Proença de Carvalho

Mitos e realidades do sistema de justiça 207

João Tiago Silveira

6. Administração pública Como garantir a eficiência e a eficácia na administração pública para a concretização de políticas mais exigentes?

Políticas públicas para a administração pública 223 João S. Batista e Mariana Vieira da Silva

Como reformar a administração pública 231

Suzana Toscano

A administração pública e inovação 239

Maria Manuel Leitão Marques

7. Autarquias Diminuir o número de concelhos e freguesias permite ganhar eficiência nas políticas locais?

Políticas públicas locais 249 Equipa do Fórum das Políticas Públicas

Como melhorar a gestão autárquica em Portugal 259

Rui Rio

Governação autárquica: cidades, concelhos e municípios 267

António Costa

ÍNDICE�9

8. Saúde Quais as condições de sustentabilidade do sistema de saúde?

Políticas públicas de saúde 281 Mariana Vieira da Silva

Para uma agenda de reforma do SNS 293

António Correia de Campos

Reforma estratégica e reforma operacional 301

Luís Filipe Pereira

9. Desigualdades Portugal é muito desigual porque não cria riqueza ou porque não a redistribui?

Políticas públicas para a diminuição das desigualdades 313 Renato Carmo, Frederico Cantante e Margarida Carvalho

Redesenhar o estado social para o tornar sustentável 327

Miguel Frasquilho

Políticas públicas para reduzir as desigualdades 337

Pedro Marques

10. Educação Como conseguir que todos os alunos aprendam e que a escolaridade obrigatória se cumpra?

Políticas públicas de educação e formação 349 Maria do Carmo Gomes e Alexandra Duarte

O sentido de futuro na política de educação 359

David Justino

Políticas de educação para tornar efectiva a escolaridade obrigatória 371

Augusto Santos Silva

11. Ciência e tecnologia Como continuar, em austeridade, o esforço de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação?

Políticas públicas para o desenvolvimento da ciência e da inovação 383 Maria do Carmo Gomes

Ciência e inovação no espaço europeu 393

Maria da Graça Carvalho

12. Europa Que políticas europeias são decisivas para Portugal no atual contexto de crise económica?

Políticas europeias 405 Equipa do Fórum das Políticas Públicas

10�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

Prioridade à estabilização da Zona Euro: rigor, dinamismo e crescimento económico 419

António Vitorino

13. Marca -Portugal É possível, a um país sujeito a um resgate financeiro, construir uma imagem externa positiva?

Políticas públicas para a promoção da imagem externa 439 José Pedro Dionísio

Portugal, um segredo bem guardado… 451

Suzana Toscano

Consistência e continuidade na promoção de Portugal como marca 459

Teresa Caeiro

Para uma estratégia de promoção de Portugal como país moderno 465

Pedro Silva Pereira

Sobre os autores e colaboradores 473

Lista de acrónimos 479

Referências 481

ÍNDICE DE GRÁFICOS E QUADROS

1. Consolidação orçamental É possível ser um país mais justo e alcançar a consolidação orçamental?

Gráfico 1.1 Evolução dos impostos e contribuições para a segurança

social (em % do PIB) 41

Gráfico 1.2 Evolução das receitas fiscais e do PIB em Portugal 42

Gráfico 1.3 Distribuição dos benefícios fiscais por escalões de rendimentos 46

Gráfico 1.4 Impostos diretos sobre as empresas na % da receita total (2009) 47

Gráfico 1.5 Impostos indiretos na % da receita total (2009) 49

Gráfico 1.6 Défice e objetivos para o défice em % PIB, em 2013 53

Gráfico 1.7 Taxa de risco de pobreza antes e depois das transferências

sociais 55

Quadro 1.1 Evolução do rácio de fiscalidade na União Europeia (% do PIB) 42

Quadro 1.2 Receitas fiscais e contribuições para a segurança social, em 2007 43

Quadro 1.3 Agregados e IRS liquidado por escalão de rendimento 44

Quadro 1.4 Benefícios e deduções fiscais em IRS 45

Quadro 1.5 Despesa pública total em % do PIB 51

Quadro 1.6 Desigualdades económicas e de distribuição do rendimento

em Portugal (1994 -2009) 54

2. Privatizações As privatizações são uma ameaça à soberania ou uma oportunidade para a economia portuguesa?

Gráfico 2.1 Total de receitas das privatizações e número de transações 76

Gráfico 2.2 Peso das empresas públicas na economia 81

Quadro 2.1 Dez países com mais privatizações (absoluto e em %) 79

Quadro 2.2 Receita das privatizações por setor (%) 80

12�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

3. Energia Como reduzir a despesa energética de forma sustentável?

Gráfico 3.1 Fontes de energia – evolução do consumo 108

Gráfico 3.2 Evolução da taxa de dependência energética (%) 115

Gráfico 3.3 Estrutura dos preços da eletricidade para 2012 117

Gráfico 3.4 Preços da eletricidade ao consumidor – UE 118

Quadro 3.1 Evolução da matriz energética em Portugal, desde 1973 110

4. Mercado de trabalho A proteção social e a regulação do mercado de trabalho dificultam a criação de emprego?

Gráfico 4.1 Taxa de emprego (15 -64; H+M; %) 156

Gráfico 4.2 Taxa de desemprego (H+M; %) 156

Gráfico 4.3 Despesa em proteção social por habitante (PPC por habitante) 157

Gráfico 4.4 Evolução da legislação de proteção do emprego 161

Gráfico 4.5 Empresas com horário flexível de trabalho 161

Gráfico 4.6 Proteção no desemprego 162

Gráfico 4.7

Gráfico 4.8 Cobertura contratual coletiva (1990 -2011) 163

5. Justiça A diminuição da litigância e de pendências nos tribunais ameaça os direitos e as garantias dos cidadãos?

Gráfico 5.1 Duração dos processos (em meses) por área processual 189

Gráfico 5.2 Evolução dos processos entrados e pendentes

e do n.º de magistrados 192

Quadro 5.1 Evolução dos processos entrados, findos

e pendentes (1974 -2010) 188

6. Administração pública Como garantir a eficiência e a eficácia na administração pública para a concretização de políticas mais exigentes?

Gráfico 6.1 Trabalhadores da administração pública em % da população

ativa (2000 -2008) 224

Gráfico 6.2 Pontuação da disponibilidade e sofisticação dos serviços

públicos online – Portugal 228

Gráfico 6.3 Indíce compósito de gestão de recursos humanos (2010) 229

Quadro 6.1 Qualificações dos trabalhadores da administração pública (%) 225

Quadro 6.2 Qualificações dos trabalhadores por área do governo (2010) 225

Quadro 6.3 Fases das mudanças nas políticas para a administração pública 227

ÍNDICE DE GRÁFICOS E QUADROS�13

7. Autarquias Diminuir o número de concelhos e freguesias permite ganhar eficiência nas políticas locais?

Gráfico 7.1 Empresas municipais por áreas de atividade (2010) 252

Quadro 7.1 Estrutura financeira dos municípios em 2009 (%) 251

Quadro 7.2 Evolução da independência financeira

dos municípios (2006 a 2009) 254

8. Saúde Quais as condições de sustentabilidade do sistema de saúde?

Gráfico 8.1 Despesa corrente em saúde e PIB (2000-2009)

(variação nominal; 2000=100) 282

Gráfico 8.2 Esperança média de vida no nascimento, 2009 e anos ganhos

desde 1960 285

Gráfico 8.3 Despesa em saúde em % PIB e despesa per capita

Gráfico 8.4 em saúde 288

Gráfico 8.5 Taxa de crescimento médio anual nas despesas de saúde pc

em termos reais (2000 -2009) 289

Gráfico 8.6 Despesa direta em saúde em % do orçamento familiar em 2009 290

Quadro 8.1 Despesa corrente em saúde por prestador 2000 -2009 286

9. Desigualdades Portugal é muito desigual porque não cria riqueza ou porque não a redistribui?

Gráfico 9.1 Rácio de rendimento S80/S20, 2009 314

Gráfico 9.2 Desigualdade de rendimento em Portugal medida através

dos rácios S90/S10, S80/S20 (1993 -2009) 315

Gráfico 9.3 Evolução do coeficiente de Gini em Portugal

e na EU27 (1999 -2009) 315

Gráfico 9.4 PIB per capita, 2011 (PPS) (EU27=100%) 316

Gráfico 9.5 Evolução do ganho mensal médio por quintil (1985 -2009) 317

Gráfico 9.6 Evolução da taxa de risco de pobreza em Portugal antes

e após as transferências sociais (%) 321

Gráfico 9.7 Distribuição por nível de escolaridade completo e quintis

do rendimento em Portugal (2008) 323

Gráfico 9.8 Evolução do ganho médio mensal por nível

de habilitações (1985 -2009) 324

Quadro 9.1 SMN em Portugal (euros) e aumento (%) (2002 -2011) 318

Quadro 9.2 Taxa de risco de pobreza antes e após as transferências

sociais (2009) 319

Quadro 9.3 Transferências monetárias do Estado para os agregados

domésticos em % do rendimento bruto, por quintil (2007) 321

14�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

10. Educação Como conseguir que todos os alunos aprendam e que a escolaridade obrigatória se cumpra?

Gráfico 10.1 Taxa de escolarização, segundo o nível de ensino (1960 -2010) 350

Gráfico 10.2 Principais indicadores de evolução das qualificações

Portugal (2000 -2010) 353

Gráfico 10.3 Alunos de 15 anos que repetiram pelo menos 1 ano 354

Quadro 10.1 Fases das mudanças nas políticas públicas de educação 351

11. Ciência e tecnologia Como continuar, em austeridade, o esforço de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação?

Gráfico 11.1 Despesa de atividades de I&D em % do PIB, por setores

de execução 385

Gráfico 11.2 Investigadores (ETI) em atividades de I&D, em Portugal,

total e por setores de execução (1982 -2010) 386

Gráfico 11.3 Países com maior participação nos 5.º e 6.º Programas -Quadro 387

Gráfico 11.4 Evolução da distribuição da população adulta,

Gráfico 11.5 25 -64 anos, por níveis de escolaridade, em Portugal

e na OCDE (1996 -2009) 389

12. Europa Que políticas europeias são decisivas para Portugal no atual contexto de crise económica?

Gráfico 12.1 Taxa de desemprego EUA, Zona Euro e Japão (2006 -2012) 411

Gráfico 12.2 Taxa de crescimento PIB e do PIB per capita

a preços constante (%) 413

Quadro 12.1 Dívida pública em percentagem do PIB (evolução 2007 -2010) 406

13. Marca -Portugal É possível, a um país sujeito a um resgate financeiro, construir uma imagem externa positiva?

Quadro 13.1 Campanhas de promoção da imagem de Portugal 443

IntroduçãoMaria de Lurdes Rodrigues e Pedro Adão e Silva

Este livro reúne o conjunto de intervenções realizadas no âmbito da

primeira edição do Fórum das Políticas Públicas, que decorreu entre

os meses de janeiro e maio de 2012 no ISCTE-IUL, bem como os do-

cumentos preparatórios de cada sessão. O objetivo imediato do Fórum

foi proporcionar aos estudantes uma oportunidade para alargarem os

seus conhecimentos sobre os diferentes domínios de aplicação das po-

líticas públicas. Embora se tenha tratado de uma iniciativa de natureza

académica, destinada aos alunos mas aberta ao público, teve objecti-

vos mais ambiciosos. Desde logo, envolver a Universidade nos debates

que formam o espaço público democrático, depois, e essencialmente,

articular conhecimento factual sobre políticas públicas sectoriais em

Portugal, nas últimas décadas, com interpretações e relatos de atores

com experiência concreta de desenho e concretização, gestão ou ava-

liação de políticas públicas, nas mais diversas áreas.

Com este propósito, e dando sequência ao que tem sido feito no

contexto da Escola de Sociologia e de Políticas Públicas do ISCTE-IUL,

e em particular nos cursos de mestrado e de doutoramento que aí são

oferecidos, procurámos que o Fórum se baseasse em três princípios:

a boa articulação entre teoria e prática, o acesso a conhecimentos e

competências transversais e a promoção de um ambiente pluralista e

diversificado.

Os textos aqui reunidos refletem estas preocupações e são uma

base para o debate informado sobre os dilemas, desafios e potenciali-

dades das políticas públicas em Portugal. Todos eles apresentam uma

estrutura semelhante, elencando, em cada área sectorial, a evolução

16�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

percorrida nas últimas décadas, o posicionamento de Portugal no

contexto europeu e os principais problemas e bloqueios que enfren-

tam as políticas públicas. Este exercício é feito tendo como pano de

fundo o acordo entre o governo português e a Troika no Memorando

de Entendimento, assinado em maio de 2011.

A importância do conhecimento e do debate racional sobre as políticas

Numa asserção que se tornaria famosa, o cientista político norte-ame-

ricano Hugh Heclo escrevia, em 1974, no seminal Modern Social Poli-

tics in Britain and Sweden, que “as decisões políticas radicam não ape-

nas no poder, mas, também, na incerteza – nos homens coletivamente

a pensarem quais as decisões a tomar”, para depois acrescentar que

“os governos não se limitam a exercer o poder, criam também puzzles.

O processo de elaboração de políticas é uma forma de puzzle coletivo

em nome da sociedade. Implica, ao mesmo tempo, decidir e saber”.

Esta ligação entre conhecimento e exercício do poder não acarre-

ta, contudo, uma neutralização das alternativas ou uma diminuição

da possibilidade de escolhas políticas, de natureza tecnocrática. Pelo

contrário, é compatível, por um lado, com o reconhecimento de que,

no contexto das políticas públicas, é sempre possível escolher e, por

outro, alicerça-se no princípio de que a eficiência das escolhas é tanto

maior quanto mais assentar numa cartografia sólida dos problemas so-

ciais e das respostas políticas possíveis. Na verdade, do mesmo modo

que os problemas económicos ou sociais não são passíveis de serem

tratados partindo de uma suposta neutralidade axiológica, também as

soluções dependem de um conjunto de princípios valorativos. Contu-

do, a existência de valores e mundivisões políticas distintas não colo-

ca em causa a racionalidade das escolhas nem a sua articulação com o

conhecimento e estudo da realidade. Bem pelo contrário.

Ao traçarem os aspetos principais de diversos campos de políticas,

ao enumerarem os seus principais problemas e ao descreverem a na-

tureza dos bloqueios que enfrentam as políticas públicas portuguesas,

os capítulos deste livro revelam que há vantagens evidentes para as

escolhas políticas se estas assentarem em descrições factuais da rea-

lidade financeira, social e económica. Mais, se este conhecimento for

partilhado, não só se introduz racionalidade na discussão no espaço

público, como se torna possível alicerçar as alternativas em conheci-

mento e não, como tende a acontecer excessivamente entre nós, num

INTRODUÇÃO�17

conjunto de ideias feitas com escassa correspondência empírica, ou,

no que é uma outra forma de exercício de poder, na capacidade de

impor assimetricamente soluções únicas – que, aliás, tendem também

a alicerçar-se na construção de problemas sociais específicos.

Não só é sempre possível escolher entre alternativas nas políticas

públicas, como esse processo de escolha ganha se assentar numa dis-

cussão racional que articule discussão técnica com decisão política e

que não implique uma submissão de um dos níveis de decisão ao outro.

Al Gore, no seu livro O Ataque à Razão, publicado em Portugal em

2007, defende que o debate público e racional das ideias políticas foi e

continua a ser essencial na construção das democracias: “quer lhe cha-

memos fórum público, esfera pública ou mercado das ideias, a discussão

e o debate públicos, abertos e livres, foram considerados a realidade

fulcral da democracia nas primeiras décadas de existência da América”

(2007: 23). Gore considera que as características mais importantes do

mercado das ideias são, por um lado, a existência de espaços abertos a

todos os indivíduos, sem barreiras para além da necessidade de saber

ler e escrever, implicando esse acesso não só a recepção de informação,

mas também a possibilidade de contribuir diretamente com informação;

e, por outro, a existência de regras de diálogo partilhadas – diálogo da

democracia – assentes no princípio de que todos os participantes se

obrigam a um dever tácito de procurar alcançar o acordo geral.

A este propósito, as universidades têm um papel decisivo a de-

sempenhar: podem promover um conhecimento mais aprofundado

dos problemas, mas devem também tornar esse conhecimento ope-

racional e passível de disseminação no espaço público – do mesmo

modo que devem ser espaços para avaliação de impactos de caminhos

alternativos, potenciando uma relação mais próxima entre conheci-

mento e exercício do poder, isto é, potenciando opções e escolhas

políticas. Trata-se, claramente, de um desafio para o poder político,

muitas vezes pouco disponível para uma discussão baseada no estudo

e na avaliação prévia, mas de um desafio não menos importante para

as universidades portuguesas, pouco inclinadas para a promoção de

conhecimento vocacionado para auxiliar no desenho e na concretiza-

ção das políticas públicas.

A institucionalização de uma relação entre saber e exercício do

poder com fronteiras definidas pode, aliás, ajudar a ultrapassar um

dos problemas que surge de forma sistemática no debate público em

Portugal: a ocupação de lugares diferenciados e de natureza contradi-

tória pelos mesmos atores. A natureza indistinta do que é produção de

conhecimento técnico, formação de alternativas e escolhas políticas

18�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

leva, frequentemente, a uma permeabilidade entre saber e poder que

não favorece o conhecimento sobre a realidade portuguesa e muito

menos a formação de alternativas nas políticas.

Neste sentido podemos considerar que, além das universidades e

das instituições científicas, a comunicação social tem não só um pa-

pel fundamental a desempenhar, como também uma grande respon-

sabilidade. Os média são o espaço privilegiado para a realização de

um debate público informado, com critérios de racionalidade, e no

qual as alternativas políticas podem ser apresentadas e confrontadas.

A partir do momento em que os vários níveis de debate e fontes de

legitimidade se tornam indiferenciadas, há perdas evidentes para os

processos de formação e concretização das políticas públicas.

Para além da contradição entre lugares, uma outra fragilidade obje-

tiva das políticas públicas em Portugal resulta da ilusão com o novo e

do enlevo com a mudança radical. Os textos agora apresentados ajudam

a contrariar esse duplo erro. Em primeiro lugar porque, em cada um dos

temas abordados, os problemas do país e as respostas apresentam-se

de forma objetiva, rigorosa e contextualizada, no espaço europeu e ao

longo das últimas décadas. Em segundo lugar, porque se explicitam e

tornam mais evidentes as continuidades nas políticas públicas. Con-

textualizar no espaço e no tempo e avaliar os progressos que se vão

alcançando, são duas formas de garantir ganhos de eficiência e também

de eficácia na concretização das políticas públicas.

Antes de mais, porque a contextualização internacional oferece

termos de comparação. Sendo verdade que há, necessariamente, um

lado singular na natureza dos problemas nacionais e um conjunto

de idiossincrasias institucionais que impossibilitam uma importação

acrítica das experiências de sucesso, não é menos verdade que o re-

conhecimento do que funcionou noutros países, bem como do que

falhou, é um fator de aprendizagem. Ora, as instituições, bem como

os atores políticos, ganham se forem capazes de aprender e se ultra-

passarem a ilusão de que a solução encontrada é nova.

Porém, o exercício de aprendizagem não deve resultar apenas do

conhecimento das práticas europeias. Requer também um exercício

de avaliação crítica e de incorporação do que foi feito em Portugal.

Até porque uma das singularidades nacionais é o excesso de reformis-

mo e a tendência para fazer tábua rasa dos legados e das trajetórias

percorridas.1 Esta constatação é confirmada pelos dados do “projeto

1  https://manifesto-project.wzb.eu/ (setembro, 2012).

INTRODUÇÃO�19

manifesto”, que revelam que Portugal é o país europeu que mais alte-

ra as suas políticas públicas. As mudanças de cor política do executivo

correspondem invariavelmente a alterações profundas nas políticas

públicas. Este padrão de excesso de “reformismo” traduz-se em fraca

estabilização das opções, pouca cooperação entre atores na fase de

implementação, escassa monitorização de impactos e grave desper-

dício nos investimentos de médio e longo prazo. O resultado são po-

líticas erráticas, pouco negociadas, com horizontes de curto-prazo e

que não exploram as complementaridades entre diferentes domínios

sectoriais – independentemente da sua marca ideológica. Traçando

um paralelismo com o padrão que Pablo T. Spiller e Mariano Tom-

masi identificaram para a Argentina em The Institutional Foundations

of Public Policy in Argentina (2007), Portugal tem um problema com

as microfundações institucionais das suas políticas públicas. Ou seja,

mais do que um problema com o conteúdo das várias reformas que os

sucessivos governos procuraram levar a cabo, o síndrome português

é fruto de debilidades nas qualidades formais ou atributos exterio-

res das suas políticas públicas. Talvez valha a pena pensar que, mais

do que de rupturas, as políticas públicas portuguesas necessitam de

estabilidade e de investimento nas continuidades. No fundo, do apro-

fundamento de mecanismos que induzam estratégias de cooperação

entre partidos e parceiros sociais, potenciando soluções negociadas e

coerentes, com horizontes de médio-prazo, permitindo aos diversos

atores anteciparem comportamentos, e que produzam complementa-

ridades entre áreas de governação.

No que toca ainda aos atributos exteriores das políticas públicas,

uma das deficiências que mais se manifesta em Portugal é a escas-

sa cultura de diálogo e capacidade de negociação entre os diversos

atores. A este propósito, num discurso recente, o ex-presidente nor-

te-americano, Bill Clinton, sublinhava que, em tempos de incerteza

como aqueles que vivemos, a conflitualidade e a dissensão são instru-

mentais para a diferenciação política, mas criam também uma ilusão:

a de que a política do conflito permanente pode ser boa. Como defen-

deu Clinton, “o que é bom para a política não funciona necessaria-

mente no mundo real. O que funciona no mundo real é a cooperação”.

Naturalmente que esta valorização do diálogo e da capacidade nego-

cial não implica uma neutralização das escolhas, nem uma ausência

de diferenciação entre projetos políticos. Pelo contrário, sugere que a

cooperação, para ser eficiente, requer que se parta de posições iniciais

fundadas em mundivisões distintas, mas que permitem encontrar so-

luções equilibradas, que não representam capitulações programáticas

20�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

das partes envolvidas. Novamente, a capacidade de negociar e de

chegar a acordos depende, também, de uma cartografia partilhada

da natureza dos problemas e uma descrição exata da sua evolução ao

longo dos tempos. Todos os espaços de produção de saber, e as univer-

sidades em particular, têm, a este propósito, uma responsabilidade: a

de contribuir com conhecimento que possa ser incorporado na forma-

ção, concretização, monitorização e avaliação das políticas públicas,

para reforçar as qualidades formais de opções que podem, e devem,

alicerçar-se em escolhas políticas que competem entre si.

O Fórum das Políticas Públicas e o Memorando de Entendimento com a Troika

A primeira edição do Fórum das Políticas Públicas foi marcada pelo

Memorando de Entendimento com a Troika, resultante do pedido de

ajuda financeira externa. Ao longo de 13 sessões, tendo como ponto de

partida a apresentação e discussão de medidas de política concretas,

inscritas no Memorando, foram abordados temas como a fiscalidade, o

equilíbrio orçamental, as privatizações, a reforma da justiça, a reforma

da administração pública e da administração local, a sustentabilidade

do serviço nacional de saúde, a dependência e sustentabilidade ener-

gética, os desafios da escolaridade obrigatória, a regulação do mercado

de trabalho, o investimento em ciência e a importância das políticas

europeias para Portugal – em particular nos domínios da ciência, tec-

nologia e inovação e do desenvolvimento económico. Na última sessão,

foi debatido o problema da imagem externa de Portugal e das políticas

públicas adequadas à sua renovação, tendo em conta a situação parti-

cularmente negativa em que o país se encontra.

Todavia, o Fórum não esgotou as medidas previstas no Memoran-

do de Entendimento, nem se centrou exclusivamente nelas. Através

do Fórum foi promovida a análise e o debate de medidas de políticas

públicas que não fazem parte do Memorando, mas que são consen-

sualmente consideradas decisivas para prosseguir na resolução de

problemas que têm sido obstáculos efetivos ao desenvolvimento em

vários sectores.

Desde a entrada de Portugal na moeda única, em 2000, que estão

identificados os quatro principais problemas económicos do país:

o crescimento económico e a formação de riqueza: entre 2000

e 2010 o PIB cresceu a uma média de apenas 0,3% ao ano,

INTRODUÇÃO�21

enquanto a média dos países da UE foi de 1% e a média dos

países da Zona Euro de 0,6%;

a dívida pública: entre 2000 e 2010, a dívida pública externa

passou de 52% do PIB para 88%. Dadas as dificuldades de cres-

cimento económico, o investimento público e privado assentou

no recurso ao crédito. A crise das dívidas soberanas veio agra-

var muito a situação e, em 2012, a dívida representa já 120%

do PIB, tendo aumentado desproporcionadamente o serviço da

dívida;

o défice orçamental: a entrada de Portugal na Zona Euro em 2000

trouxe consigo regras de controlo orçamental muito exigentes,

cujas dificuldades de aplicação se fizeram sentir em muitos pa-

íses da UE. Entre 2000 e 2010, os dados da evolução do défice

(ver gráfico 1.6, no capítulo 1) revelam o esforço feito para a

sua redução e controlo, designadamente nos períodos de 2001

a 2003 e de 2005 a 2008. Nos anos de 2009 e 2010, o controlo

do défice, bem como o controlo da dívida externa, foi parti-

cularmente difícil, em Portugal como em outros países da UE,

pela necessidade de responder à crise financeira internacional

que se iniciou em 2008 e de travar o efeito de contaminação

ao sistema bancário português. A partir de 2011, o problema

agrava-se ainda mais devido à crise das dívidas soberanas, à

subida rápida dos juros e aos efeitos da recessão económica;

a balança de transações: entre 2000 e 2010, a balança de tran-

sações correntes manteve-se sempre com saldo negativo (entre

-11,2% e -6,7% do PIB), isto é, o volume das importações foi

sempre superior ao das exportações, mesmo nos produtos de

consumo geral. Os dados da evolução da balança de transações

revelam contudo que, a partir de 2006, as exportações tiveram

um crescimento constante, prevendo-se para 2012, por decrés-

cimo conjugado das importações, uma situação de equilíbrio.

Estão também, desde há muito, identificados os obstáculos à resolu-

ção destes problemas – isto é, os constrangimentos de contexto ao

desenvolvimento da atividade dos agentes económicos. Haverá cer-

tamente, na sociedade portuguesa em geral e nos diferentes partidos

políticos em particular, divergências no que respeita à forma como

estes obstáculos devem ser ultrapassados, e até à importância relativa

de cada um deles. Porém, regista-se uma larga convergência no reco-

nhecimento das situações que a seguir se enunciam como obstáculos

ao crescimento e desenvolvimento económico do país. Convergência

22�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

revelada aliás na continuidade de algumas políticas públicas orienta-

das para a sua superação e que foram assumidas por sucessivos gover-

nos, independentemente do partido político que os sustentava, mas

revelada também no facto de, nos últimos vinte anos, estes temas

terem tido presença permanente na agenda política. Vejamos então os

obstáculos ou constrangimentos:

o défice de qualificação da população portuguesa. Apesar do

enorme progresso registado nas taxas de escolarização, em

2000 a percentagem de jovens com menos de 24 anos sem o

ensino secundário e já no mercado de trabalho era de 44%, o

que comparava com 18% na média dos países da UE. Em 2011,

esta percentagem passou para 23%, mas é ainda significativa a

distância aos objetivos comunitários que definem para 2020 o

objetivo de 10% para este indicador;

o défice de desenvolvimento científico e tecnológico e as fracas

condições para a difusão da inovação. Este é um dos sectores

em que foram mais significativos os progressos e a aproximação

às metas europeias. Em resultado de políticas públicas continu-

adas de formação avançada, de apoio à internacionalização das

atividades de investigação científica, numa base competitiva e

com recurso aos fundo comunitários, registaram-se aumentos

significativos no número de doutorados e investigadores, bem

como na produção científica em cooperação. As questões de

inovação, de difusão e de articulação do sistema científico com

o tecido económico, mantiveram-se contudo em níveis críticos;

as desigualdades sociais e a percentagem da população em situ-

ação de pobreza. Portugal continua a ser o segundo país mais

desigual da UE e apresenta uma das mais elevadas taxas de

pobreza, isto apesar do esforço continuado de desenvolvimento

dos sistemas de proteção social e de combate à pobreza que ab-

sorvem uma parte significativa de recursos públicos;

a rigidez das regras de funcionamento do mercado de trabalho. A

percepção deste obstáculo, identificado em vários relatórios da

OCDE e da UE, motivou, até 2012, cinco revisões do primeiro

Código do Trabalho aprovado em 2003, tendo-se alterado já de

modo significativo a posição relativa de Portugal em termos de

rigidez na regulação do mercado de trabalho;

a rigidez das regras de funcionamento dos vários mercados, di-

ficultando o acesso, a entrada e a saída da atividade empresa-

rial e afetando a confiança dos agentes económicos. Entre 2000

INTRODUÇÃO�23

e 2010, várias medidas no campo da regulação das atividades

económicas e de modernização de vários sectores da adminis-

tração pública procuraram melhorar o contexto e as condições

de funcionamento dos mercados. Todavia, persistem problemas

que condicionam as dinâmicas económicas, designadamente as

leis da concorrência, das falências e do arrendamento, ou a mo-

rosidade da justiça na resolução de conflitos;

o regime fiscal e de incentivos pouco favorável à capitalização, ao

investimento e ao reinvestimento, por parte das empresas, bem

como ao equilíbrio entre as indústrias de bens transacionáveis

e de bens não transacionáveis ou entre as grandes e as peque-

nas e médias empresas;

o modelo energético maioritariamente assente em combustíveis

fósseis e dependente da importação de petróleo. Apesar do es-

forço realizado nos últimos anos por parte de vários governos

para promover o desenvolvimento das energias renováveis e

para induzir uma alteração dos comportamentos de consumo, a

dependência energética do país é ainda um problema com fortes

implicações negativas na atividade económica.

A crise económica e financeira internacional do final de 2008 e a

posterior crise das dívidas soberanas, que se intensifica a partir de

2010, agravaram muito os problemas do país e as condições políticas

e financeiras para a sua resolução. O pedido de ajuda externa às três

instituições que integram a Troika – Fundo Monetário Internacional,

Banco Central Europeu e Comissão Europeia –, e a assinatura do Me-

morando de Entendimento, embora tenham resolvido o problema de

curto prazo de financiamento do Estado e da banca, centram toda a

atenção na redução do défice e da dívida, estreitando muito as pos-

sibilidades de escolha na definição de uma estratégia de futuro e na

governação.

De facto, a redução do défice orçamental é o centro de todo o Me-

morando de Entendimento com a Troika e constitui neste quadro um

objetivo em si mesmo. O cumprimento das metas de 3% para o dé-

fice público e de redução da dívida pública, bem como o calendário

estabelecido até 2015, apresentam-se a Portugal como um imperativo

externo e são condição essencial para, no curto prazo, obter crédito e,

no futuro, permanecer na zona monetária do euro. As restantes medi-

das inscritas no Memorando de ajuda externa são instrumentais para

o cumprimento deste objetivo. Integram o Memorando um número im-

portante de medidas que respeitam à necessidade de aumentar a receita

24�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

pública ou de diminuir a despesa do Estado, eliminando ou diminuindo

serviços e estruturas ou tornando mais eficiente a administração. Mas

estão também inscritas diferentes medidas que visam a flexibilização

do funcionamento da economia e dos mercados – de trabalho, dos ser-

viços e produtos, ou de capitais –, medidas designadas muitas vezes por

reformas estruturais com impactos no médio e no longo prazo.

O Fórum teve como ponto de partida o Memorando de Entendi-

mento e a necessidade de contribuir para a discussão pública das prin-

cipais medidas nele inscritas, mas alargou o debate e a reflexão a ou-

tros temas e outras medidas de política que respeitam aos problemas

e obstáculos identificados, que mobilizam vastos recursos públicos e

que são críticos para o futuro do país. Especialmente na atual conjun-

tura de crise económica e financeira, o espaço das políticas públicas e

da intervenção do Estado não pode ser reduzido ao cumprimento do

Memorando de Entendimento com a Troika

Do conjunto das sessões do Fórum resultaram os 13 capítulos deste

livro, tendo em conta os três grandes objetivos subjacentes às medi-

das de política propostas no Memorando de Entendimento com a Troi-

ka – consolidação orçamental, flexibilização da economia e redução

da despesa pública –, e ainda o objetivo de crescimento económico e

de desenvolvimento futuro.

Para cada uma das medidas ou temas analisados e debatidos procu-

rámos traçar a evolução recente das políticas públicas sectoriais, apre-

sentar os resultados alcançados, perspetivados em comparação inter-

nacional e, finalmente, identificar os problemas ou constrangimentos

que subsistem e as soluções alternativas que se oferecem. O leitor en-

contrará em cada capítulo um ponto de situação das políticas públicas,

enquadradas na trajetória ou tendência de evolução recente, seguido

da apresentação das intervenções dos especialistas que participaram

no debate público promovido entre janeiro e maio de 2012. Trata-se

das ideias de políticos com experiência de governação e de gestão de

políticas públicas, de diferentes partidos políticos, que oferecem para

o mesmo tema visões contrastadas, soluções alternativas e, em alguns

casos, apontam também diferentes metodologias de intervenção.

O objetivo da consolidação orçamental

Como vimos, a redução do défice orçamental é o centro de todo o Me-

morando de Entendimento com a Troika, é um objetivo em si mesmo

e uma condição da permanência de Portugal na Zona Euro. Assim, no

INTRODUÇÃO�25

primeiro capítulo abordamos a questão da consolidação orçamental, co-

meçando por apresentar as principais características e especificidades

do nosso sistema fiscal e da estrutura da despesa pública, comparando

com a situação de outros países da UE. Remete-se toda a discussão e

análise, do lado das receitas, para o problema da equidade e da eficiên-

cia fiscal, e, do lado das despesas, para o problema da identificação de

prioridades na intervenção do Estado. As palestras de Manuela Ferreira

Leite e de José António Vieira da Silva revelam diferentes preocupações

e visões distintas para os mesmos problemas. Manuela Ferreira Leite

defende, no curto prazo, a necessidade de dar atenção às condições,

designadamente de tempo, do ajustamento orçamental, tendo em vista

mitigar os seus efeitos e impactos recessivos sobre a economia. No lon-

go prazo, e para tornar sustentável o ajustamento promovido, defende

que é necessário fazer escolhas no que respeita às áreas de interven-

ção de Estado e às prioridades da despesa pública. Pelo seu lado, José

António Vieira da Silva defende que é na formação dos rendimentos

primários, função dos salários e dos outros rendimentos que são gera-

dos na atividade económica, que radica uma boa parte da solução para

o excesso de desequilíbrio que existe na nossa sociedade. A diminuição

das desigualdades deve ser um objetivo concomitante com o objetivo

do desenvolvimento e do crescimento económico para evitar que as as-

simetrias se transformem em desigualdades estruturais e persistentes.

No final de um ano de aplicação de medidas visando a redução

do défice, as dificuldades em atingir os objetivos têm já uma quan-

tificação: em 2012 o défice situar-se-á em valores superiores a 6% e

os prazos para alcançar a meta de 3% serão alargados. As dificulda-

des mais visíveis manifestam-se do lado da receita fiscal que, ficando

muito aquém das previsões iniciais, espelha a recessão económica, a

diminuição do consumo e o crescimento do desemprego.

O objetivo de flexibilização da economia

Nos capítulos seguintes, abordamos um conjunto de medidas que

visam promover a flexibilização do funcionamento da economia. As

privatizações, as alterações nas políticas energéticas, nas políticas de

regulação do mercado de emprego e no funcionamento do sector da

justiça são exemplos de políticas em que prevalece a preocupação com

a alteração do quadro de funcionamento da economia. A forma como

estão enunciadas no Memorando de Entendimento e a forma como têm

sido desenhadas e implementadas revelam essa mesma preocupação.

26�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

As privatizações são o tema do capítulo 2 e no texto inicial é tra-

çado um retrato da sua evolução nos últimos vinte anos. As inter-

venções de Fernando Teixeira dos Santos e de António Lobo Xavier

têm em comum a avaliação positiva dos processos de privatização ini-

ciados em Portugal em meados dos anos 80 e concretizados em duas

fases distintas. Em ambas as intervenções, os autores refletem sobre

quais os sectores estratégicos, as exigências da regulação, os riscos e

as oportunidades associados aos processos de privatização, bem como

sobre as condições de financiamento das atividades económicas e as

dificuldades atuais de crédito.

No capítulo 3, é apresentada e debatida a política energética, iden-

tificando-se os marcos da sua evolução em Portugal, enquadrada no

contexto internacional. Das intervenções de António Costa Silva e de

Jorge Moreira da Silva podem destacar-se três ideias fortes: (i)a neces-

sidade de se promover uma abordagem sistémica e multidimensional

no desenho das políticas públicas de energia, abrangendo de forma in-

tegrada os diferentes problemas, relacionados designadamente com os

impactos ambientais, com a competitividade e a regulação do mercado

e, finalmente, com os comportamentos de consumo, com incidência no

sector dos transportes e na vida quotidiana das cidades. (ii) foi igual-

mente enfatizada a ideia de continuidade das políticas neste sector

de intervenção que exige planeamento estratégico e investimentos

de médio ou de longo prazo, sendo nocivas para o país as hesitações

e as mudanças de rumo por razões de tática política marcada pelo

imediatismo. (iii) a ideia de um “Plano Marshall” para a investigação

e desenvolvimento na área da energia à escala europeia foi avança-

da por Moreira da Silva, defendendo ambos os autores que uma das

principais responsabilidades do Estado no sector da energia é, para

além da regulação, o estímulo e apoio às atividades de investigação

e desenvolvimento. António Costa Silva defende ainda a necessidade

de, na definição de políticas e na escolha de diferentes alternativas,

se ponderar a matriz energética mundial e de agir estrategicamente.

No capítulo 4, apresenta-se o debate relativo à regulação do mer-

cado de trabalho e a sua relação com a criação de emprego. No tex-

to inicial apresentam-se as principais medidas de política visando a

regulação do mercado de trabalho, seguindo-se as intervenções de

Helena André e de Luís Pais Antunes. Nenhum dos autores defende a

tese da relação linear entre regulação do mercado de trabalho e cria-

ção de emprego.

Helena André argumenta que a diminuição da rigidez na contratação

de trabalho não permitirá criar mais emprego, como se pode verificar

INTRODUÇÃO�27

nos efeitos das sucessivas alterações ao Código do Trabalho feitas des-

de 2009. Defende a importância de manter e aprofundar o diálogo so-

cial de forma a desenvolver um quadro de relações laborais mais eficaz

na proteção social, devendo o Estado ter, simultaneamente, um papel

no desenvolvimento do país através de políticas fortes e eficientes.

Luís Pais Antunes argumenta que o fator mais importante é o do

controlo, por parte do Estado, das políticas públicas expansionistas

que vigoraram nos últimos trinta anos, advogando uma maior sele-

tividade nas áreas de intervenção do Estado. Considera ainda que o

Estado tem responsabilidades importantes como motor e promotor da

economia e do bem-estar social, mas não pode nem deve fazer tudo –

deve ter uma visão menos universal e apostar mais em determinados

sectores.

Durante muito tempo, as políticas de regulação do mercado de tra-

balho tinham como principais tópicos as condições de contratação, de

cessação dos contratos e de proteção no desemprego, como eviden-

ciado nos debates em torno do tema da flexigurança e das sucessivas

revisões do Código do Trabalho, ou até mesmo no debate apresentado

neste livro. As medidas entretanto anunciadas para a TSU, de aumen-

to da parte relativa à contribuição dos trabalhadores (de 11% para

18%) e, simultaneamente, de redução da parte relativa à contribuição

dos empregadores (de 23,75% para 18%), colocou o debate sobre a

regulação do mercado de trabalho num outro patamar. Apesar de a

proposta sobre as alterações à TSU ter sido retirada da agenda do

governo, os temas da redução dos custos globais do trabalho, particu-

larmente na componente dos salários, e da alteração do, até agora ins-

tituído, equilíbrio de responsabilidades e de poderes entre as partes,

entraram na agenda política, tendendo a transformar-se num novo

tópico central nas políticas de regulação do mercado de trabalho.

Finalmente, no capítulo 5, abordamos as políticas para o sector da

justiça, relativamente ao qual se regista uma percepção generalizada

de ineficiência e ineficácia, com impactos muito negativos na confian-

ça dos agentes económicos e na economia.

Daniel Proença de Carvalho considera que diferentes fatores re-

lacionados com a demora e a qualidade das decisões e com a credibi-

lidade dos agentes estão na base da ideia de existência de uma crise

na justiça e da necessidade de reforma. Na sua opinião, um dos pro-

blemas críticos do sistema de justiça é a ausência de coordenação e

de liderança, considerando que existe um sistema de autogoverno,

isto é de corporativismo, baseado numa concepção equívoca dos va-

lores da independência e da autonomia das magistraturas, tal como

28�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

consagradas na Constituição. João Tiago Silveira aponta criticamente

oito mitos, ou ideias preconcebidas, sobre o sistema de justiça, para

defender que o essencial a fazer na área da justiça se deve orientar

pelo objetivo de melhorar a gestão, a qualidade e a transparência.

O objetivo de redução da despesa pública

Em seguida, nos capítulos 6, 7 e 8 abordam-se as medidas que têm em

comum o objetivo de redução da despesa e de obtenção de ganhos de

eficiência em sectores tão diversos como a administração pública, as

autarquias e a saúde.

No caso da administração pública, embora no debate público a me-

dida de política mais comentada e mais controversa tivesse sido a da

redução dos salários dos funcionários, através de cortes nos subsídios

de férias e de Natal, os objetivos inscritos na versão inicial do Memo-

rando de Entendimento estão relacionados sobretudo com a redução

do número de funcionários, do número de dirigentes e do número de

organismos públicos. As intervenções de Suzana Toscano e de Ma-

ria Manuel Leitão Marques sublinham a necessidade de inovação nos

modelos de organização e gestão de recursos, tirando partindo dos

novos meios tecnológicos e dos conhecimentos na área da gestão,

como forma de preservar a qualidade e o âmbito dos serviços públi-

cos prestados. Os desafios são, por um lado, fazer escolhas com base

na avaliação das mudanças anteriormente introduzidas e, por outro,

continuar a inovar fazendo mais, melhor e com mais qualidade, apesar

da diminuição dos recursos financeiros.

Em relação à administração local, a medida de política mais re-

ferida no debate público foi a diminuição do número de freguesias.

No capítulo 7, e partindo dessa medida, analisa-se e debate-se um

conjunto mais vasto de questões relativas ao poder local e à relação

com o poder central. Nas suas palestras, Rui Rio e António Costa su-

blinharam que, para se ter ganhos efetivos de eficiência ao nível das

políticas locais, são necessárias reformas mais profundas, ao nível da

Lei Eleitoral Autárquica e da Lei das Finanças Locais, tendo em vista

alterar significativamente o modelo de formação dos executivos au-

tárquicos e de gestão autárquica, bem como o quadro de competências

e de autonomia de decisão nos vários níveis de organização do poder

central e local. Quanto à reorganização administrativa do território,

referiram, sobretudo, a necessidade de clarificar a metodologia e de

ter em conta a diversidade de situações, em particular as diferenças

INTRODUÇÃO�29

entre municípios das áreas rurais ou urbanas, do interior ou litoral, de

grande ou de reduzida dimensão.

Ao longo do ano de 2012, pudemos observar as dificuldades de ne-

gociação e de compromisso entre os partidos políticos na concretiza-

ção das mudanças e das medidas de política previstas no Memorando

de Entendimento relativas à reforma da administração local, tidas por

muitos como necessárias. Este é um bom exemplo de como por vezes é

enorme a distância entre identificar um problema, pensar numa solu-

ção, desenhar uma medida de política e conseguir a sua concretização.

O processo das políticas públicas exige, além de soluções técnicas,

capacidades políticas de negociação e de cooperação exercidas de for-

ma sustentada, envolvendo os diferentes partidos políticos e outras

instituições e visando objetivos de longo prazo.

No capítulo 8, abordamos as políticas de saúde. Parece existir, en-

tre os partidos políticos, uma convergência em torno de uma avaliação

positiva tanto do funcionamento como dos resultados do Sistema Na-

cional de Saúde, patente nos relatórios dos organismos internacionais,

bem como nas percepções públicas. A questão crítica é a sustentabilida-

de do próprio Serviço Nacional de Saúde e do vasto número de medidas

necessárias para a alcançar – sobretudo tendo em conta o atual contex-

to, marcado, simultaneamente, pelo envelhecimento da população, pelo

aumento das necessidades de cuidados de saúde e pela limitação de

recursos financeiros. Ressaltam, das intervenções de António Correia

de Campos e de Luís Filipe Pereira, o esforço continuado e convergen-

te que tem vindo a ser feito nas últimas décadas, com medidas muito

diversas, todas elas visando a melhoria do funcionamento, da gestão e

da organização das instituições, bem como de racionalização e melhoria

dos serviços prestados. António Correia de Campos defende a necessi-

dade de continuar a aperfeiçoar a gestão do sistema, designadamente

ao nível da gestão hospitalar, da rede de unidades de saúde familiar, do

controlo das tecnologias de diagnóstico e terapêutica e dos gastos totais

com medicamentos. Luís Filipe Pereira defende a necessidade de fazer

evoluir o serviço nacional de saúde para um sistema nacional de saúde,

diversificando os atores e agentes, envolvendo designadamente ope-

radores privados, através de mecanismos de contratação pelo Estado.

As dificuldades observadas na condução das políticas de saúde vi-

sando a sustentabilidade do SNS, suscitaram no debate uma reflexão

sobre o papel e a responsabilidade dos médicos e dos outros profis-

sionais de saúde, bem como das suas instituições representativas, não

apenas na identificação de soluções como também na concretização

das medidas de política.

30�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

As condições para o crescimento e o futuro do país

Para os três objetivos atrás enunciados – consolidação orçamental,

flexibilização da economia e eficiência no funcionamento do Estado e

dos serviços públicos –, estão previstas no Memorando de Entendi-

mento várias outras medidas que não foram abordadas neste Fórum.

Em contrapartida, dedicámos algumas sessões a temas que reportam

aos problemas que Portugal continua a enfrentar e cuja evolução é

considerada por muitos como essencial para o crescimento e o futuro

do país. Por um lado, a necessidade de políticas públicas que visem

a diminuição das desigualdades sociais e a superação dos défices de

educação e formação da população portuguesa. A relação forte destes

dois problemas, entre si e com o crescimento económico e a produ-

ção de riqueza, dá forma a uma equação de difícil resolução que a

situação de crise apenas agravou. Porém, a sua resolução é uma das

chaves para garantir o futuro do país. Por outro lado, a continuidade

do investimento público e europeu em ciência, tecnologia e inova-

ção, bem como o reforço da nossa participação no projeto da Europa

apresentam-se também como condições necessárias para a superação

da crise e uma oportunidade para aperfeiçoar o funcionamento das

instituições e dos programas da UE. Finalmente a questão da degra-

dação da imagem externa do país, consequência do pedido de ajuda

externa, e a possibilidade de desenho de políticas públicas visando a

sua renovação.

No capítulo 9, a questão das desigualdades sociais e económicas

e da possibilidade da sua diminuição com a intervenção do Estado é

debatida por Miguel Frasquilho e Pedro Marques. Miguel Frasquilho

considera que Portugal é um país desigual porque cria pouca riqueza

e porque as políticas públicas visando a diminuição das desigualdades

têm sido pouco eficazes: o Estado social como o conhecemos teria “os

dias contados” e teria de ser redesenhado, não só porque a riqueza

criada não chegaria para o sustentar, como porque se registam mu-

danças à escala global. Defende que, em Portugal, seria preferível ter

um sistema fiscal menos redistributivo, mas mais simples e mais eficaz

na captação das receitas, para depois poder diferenciar quem de facto

precisasse de apoio.

Pedro Marques defende uma posição diferente: desde logo, consi-

dera que todos os indicadores disponíveis contrariam a ideia da ine-

ficácia das políticas públicas visando a redução das desigualdades.

Pelo contrário, provam que as transferências sociais permitiram nos

últimos anos reduzir a pobreza e a desigualdades. Ao longo da sua

INTRODUÇÃO�31

intervenção argumenta no sentido da necessidade de um caminho

sustentado na redução das desigualdades assente num crescimento

também ele sustentado e duradouro, no qual a questão-chave seria

a qualificação dos recursos humanos e a aposta na educação e for-

mação. O caminho não seria o do estado social mínimo, porque esse

implicaria a diminuição brusca do PIB potencial no quadro europeu e

no quadro nacional.

O debate apresentado no capítulo 10 sobre as políticas de educação

foi focado no objetivo de fazer cumprir a escolaridade obrigatória,

dadas as reais dificuldades reveladas pelas taxas de abandono esco-

lar precoce. David Justino e Augusto Santos Silva reconhecem, nas

suas intervenções, os enormes progressos já conseguidos em maté-

ria de concretização dos objetivos de escolarização e de combate ao

abandono escolar, mas sublinham também a necessidade de continuar

o esforço orientado agora para alargar a escolaridade obrigatória até

aos 18 anos. Porém, olham para o problema de diferentes prismas,

centrando-se em aspetos distintos do mesmo.

David Justino defende que é desejável uma maior diversificação das

formas de organização escolar, dos currículos, dos métodos de ensino.

A diferenciação pode ser a palavra-chave para traduzir a evolução dos

sistemas nacionais de ensino. Nesse contexto, as políticas públicas de

educação terão de ser repensadas, de forma a poderem lidar com a

diversidade das configurações escolares e não ficarem excessivamente

centradas sobre a defesa da escola pública. Considera também que um

outro pilar fundamental da reforma do sistema de ensino é a formação

de professores. Uma vez que a formação de professores é da respon-

sabilidade exclusiva dos estabelecimentos de ensino superior, que o

fazem com total autonomia científica e pedagógica, cabe ao Estado a

responsabilidade de definir qual o perfil de professor e assumir o di-

reito e a obrigação de apenas escolher os melhores. Ainda para David

Justino, os melhores devem identificar-se a partir de dois processos:

avaliação à entrada e avaliação de conhecimentos e competências na

profissionalização em exercício, sendo esse um instrumento funda-

mental de qualificação do sistema de ensino.

Augusto Santos Silva argumenta no sentido da necessidade de

políticas públicas de regulação do sistema ainda numa certa lógica

desenvolvimentista, uma vez que Portugal, em matéria de educação,

ainda não está em steady state, continuando a precisar de investimen-

to que assegure um forte serviço público de educação como garantia

de igualdade no acesso. O Estado deve apoiar os esforços das famílias,

dos indivíduos, das comunidades locais ou outras e das organizações

32�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

económicas e sociais, incluindo o ensino privado, para que convirjam

na mesma direção e numa lógica de parceria. Por outro lado, defen-

de que se deve insistir na aquisição de capacidades, competências e

disposições atitudinais que favoreçam a aprendizagem, a adaptação,

a adequação aos novos desafios sociais, culturais e económicos. Pelo

que, para Santos Silva, parece um erro crasso querer contrapor a essa

centragem nas competências um discurso arcaico e obsoleto sobre a

predominância dos conhecimentos. Na realidade não se sabe que co-

nhecimentos irão ser necessários aos adolescentes e aos jovens que

entrarão no mercado daqui a dez ou quinze anos. A título de exemplo,

sabe-se que, para além do português, precisarão de dominar outras

línguas, mas não se sabe sequer se irá ser ainda o inglês a língua

de trabalho adotada internacionalmente. Sabe-se que precisarão de

competências e de rotinas fundadas na aquisição de novos conheci-

mentos, na vontade em serem ativos, terem iniciativa, na capacidade

de se adaptarem a situações de incerteza e de risco e trabalharem em

conjunto.

No capítulo 11, apresenta-se o quadro de evolução do sector da ci-

ência, tecnologia e inovação nos últimos anos, tendo por referência o

contexto, as metas e as recomendações da UE. Também neste caso se

reconhece que a continuidade e a estabilidade das políticas públicas

centradas na formação de recursos humanos altamente qualificados

e no apoio competitivo às instituições científicas foi um dos princi-

pais fatores explicativos dos resultados positivos que se alcançaram.

Na sua intervenção, Maria da Graça Carvalho considera que a ciência

e a inovação são uma condição necessária para o desenvolvimento

e crescimento económico, mas não suficiente, na medida em que há

muitos outros fatores que também são importantes. Avança com três

ideias para melhorar o retorno económico do investimento em ciência

e inovação: a luta contra a burocracia, o mercado a funcionar sem en-

traves à concorrência e a capacidade de absorção, isto é, a aposta na

educação e no reforço dos níveis de escolaridade de toda a população

de modo a que esta possa utilizar, e estar sensível a absorver, os re-

sultados da inovação.

Por sua vez, Manuel Pinho apresentou os princípios estratégicos

em que se baseou o Plano Tecnológico desenvolvido entre 2005 e

2009, referindo designadamente a qualificação de recursos humanos

e a criação de parcerias estratégicas para o desenvolvimento tec-

nológico de empresas do sector exportador e de outros sectores da

economia que se apresentam com vantagens comparativas. Concluiu

defendendo que, sendo Portugal um país pequeno e com pouca massa

INTRODUÇÃO�33

crítica, o governo devia, idealmente, estimular as articulações entre

as empresas e as instituições do sistema científico, em áreas como

energia e ambiente, indústria e ambiente.

O papel da Europa e das políticas europeias na atual conjuntura foi

analisado e debatido por António Vitorino e Mário David. O resultado

da sua reflexão é apresentado no capítulo 12.

António Vitorino considera uma prioridade absoluta a estabiliza-

ção da Zona Euro defendendo um modelo baseado na premissa: “aos

Estados cabe o rigor, à União o dinamismo e o crescimento”. Argu-

menta que, para alcançar a referida estabilização, será necessário a UE

enfrentar ainda cinco grandes problemas: o reforço do Fundo Europeu

de Estabilização Financeira; a estabilização do sistema bancário euro-

peu; a mutualização da dívida; o crescimento económico e o combate

ao desemprego; e o mercado interno de serviços. Neste contexto, con-

sidera que existem dois pontos muito importantes para o crescimento

económico e que interessam especialmente a Portugal, podendo até

ser determinantes para o seu futuro. O primeiro é a negociação das

Perspetivas Financeiras 2014-2020, cujo quadro negocial foi objeto

de uma primeira discussão no Conselho Europeu no Verão de 2012.

O segundo é o tema da convergência real, que desapareceu do debate

político europeu. Para assegurar o crescimento económico da Zona

Euro, em especial, é necessário introduzir no combate político a reso-

lução dos desequilíbrios de competitividade entre os países da Zona

Euro, o que constitui um dos elementos centrais dos desequilíbrios da

própria moeda única. Conclui dizendo que é do interesse de Portugal

a permanência na Zona Euro e a estabilidade da moeda única, na pro-

cura de um crescimento económico harmonioso do conjunto da União

Europeia.

Mário David refere como problemas o facto de o euro se sustentar

numa arquitetura incompleta, mas também o facto de se ter promo-

vido um alargamento que torna mais difíceis os compromissos. De-

fende duas ideias fundamentais. Por um lado, mais Europa no plano

internacional. Defende que o Tratado de Lisboa compreende os ins-

trumentos necessários a este objetivo – como seja o novo serviço de

ação externa, mas também a nova política de vizinhança, maiores e

mais diversificados acordos comerciais com novas zonas do globo. Por

outro lado, relativamente a Portugal é preciso ser otimista. O facto

de os dirigentes políticos europeus testemunharem apreço pela forma

como o programa de combate à crise está a ser desenvolvido pelo go-

verno português pode ter uma tradução concreta no quadro financei-

ro plurianual. Considera que seria desejável que a ambição da União

34�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

Europeia em desempenhar um papel de relevo no mundo se concre-

tizasse também em iniciativas de maior coesão e de defesa do projeto

comum europeu.

No segundo semestre de 2012 foram tomadas decisões, designa-

damente no que respeita às competências, aos recursos e ao papel do

BCE na gestão da crise e da zona monetária, que certamente alterarão,

a prazo, as condições de funcionamento da Zona Euro e da ajuda fi-

nanceira a países como Portugal.

Finalmente, no último capítulo, apresenta-se um breve levanta-

mento de medidas de política e de iniciativas lançadas desde a déca-

da de 90, visando a promoção da imagem externa do país. O debate

sobre os desafios colocados na atual conjuntura de resgate financeiro

contou com a participação de Suzana Toscano, Teresa Caeiro e Pedro

Silva Pereira.

Para Suzana Toscano há muito que deixámos de ser o Portugal “or-

gulhosamente só”. A competição internacional, a integração na União

Europeia e na Moeda Única, a globalização e a mundialização levam,

por um lado, à necessidade de existência de padrões comuns mas, por

outro, valorizam a diferenciação, em que a cultura e a identidade fi-

cam em destaque. As comparações a nível europeu e mundial marcam

o ritmo e o esforço de desenvolvimento dos países. As sucessivas ava-

liações no âmbito da OCDE ou de outros organismos internacionais,

avaliam os progressos e fixam novas metas para todas as áreas que

medem o grau de desenvolvimento humano e económico e, em geral,

as condições que cada país tem que propiciam a atração de investi-

mento e desenvolvimento económico.

Considera que, neste quadro, os progressos alcançados pelo país

nas últimas décadas foram notáveis na generalidade dos sectores mais

importantes, como o da educação, do saneamento básico ou do acesso

de toda a população aos cuidados de saúde, ou ainda das vias de co-

municação. Lembra que, no entanto, parece que persiste no Portugal

de hoje, incluindo ao nível dos média, um certo gosto pela “estética do

desalento”, de que falava Bernardo Soares no Livro do Desassossego.

E termina argumentando que, num quadro de competição feroz em

que a imagem externa é determinante da facilidade ou dificuldade de

acesso a mercados e capitais, o combate a esses preconceitos é tarefa

urgente e exige grande determinação e eficácia.

Teresa Caeiro defende que uma “marca país” não se faz, nem se

constrói, com uma campanha ou sucessão de campanhas descone-

xas. A criação de uma “marca” pressupõe, desde logo, um produto,

uma especialização nesse produto, uma qualidade inequívoca desse

INTRODUÇÃO�35

produto e uma definição estratégica para que esta se afirme. E é aqui

que reside o grande problema: a falta de consistência, persistência e

durabilidade das apostas. Considera que em Portugal não tem havido,

por parte dos decisores políticos, um quadro de persistência ao longo

dos anos na definição de um planeamento estratégico sobre aquilo

que pretendemos que o nosso país seja enquanto “marca”. Na verdade,

assistimos a políticas de promoção muitas vezes erráticas, casuísticas,

dispersas e a campanhas absolutamente inúteis. Considera positiva a

ideia de um pacto de regime que permita a Portugal ter um fio con-

dutor na afirmação da sua “marca”, mas critica o facto de os titulares

de cargos políticos tenderem muitas vezes a confundir a “marca Por-

tugal” com a vontade de deixar a sua marca pessoal, o que tem sido

muito nefasto para a afirmação do país.

Pedro Silva Pereira defende a necessidade de uma estratégia de

promoção de Portugal como um país moderno e enumera uma série de

factos em que se pode basear tal imagem, designadamente nas áreas

da educação, da ciência e tecnologia, energias renováveis, governo

electrónico e da presença ativa em organismos internacionais. Con-

sidera que se podem valorizar os diversos fatores relevantes para a

imagem externa do país que não dependem da situação económica,

destacando os indicadores da modernização. Para que isso se verifi-

que, é necessário ter políticas públicas consequentes, não fomentar

narrativas falsas e distorcidas da crise que prejudicam injustamente a

imagem de Portugal. É igualmente importante que se cumpra o Pro-

grama de Assistência Financeira mas sem desistir da economia, do

futuro e da Europa, devendo ser valorizados e preservados o consen-

so, o diálogo político e a concertação social na execução do Programa

para se alcançar o objetivo de regresso aos mercados em 2013. Conclui

defendendo que as estratégias de promoção da “marca Portugal” de-

vem ter subjacente a ideia global de que Portugal é um país moderno e

depois concretizar este desígnio com estratégias diversificadas, entre

as quais a aplicação e implicação de políticas públicas coerentes, con-

sistentes e adequadas, não necessariamente consensuais numa socie-

dade democrática e pluralista.

Com o Fórum das Politicas Públicas, e agora com este livro, procu-

rámos revelar um retrato do país, tão rigoroso e objetivo quanto

possível, assente na informação disponível sobre as políticas públi-

cas e os resultados alcançados, sem perder de vista as comparações

36�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

internacionais. Procurámos ainda promover o debate político em tor-

no desse retrato, isto é, revelar o que pensam e que soluções apontam

pessoas que tiveram ou têm ainda responsabilidades políticas. Pro-

curámos que o debate fosse plural e racional, isto é com diversidade

de argumentos baseados no conhecimento dos factos e da informação

disponível.

Na política e na intervenção pública há sempre diferentes visões,

diferentes opiniões, diferentes alternativas e possibilidades de cami-

nho. O conhecimento técnico sobre os problemas e as soluções é mui-

to importante, mas o campo da política não é, nem pode ser reduzido

a, uma técnica de intervenção com soluções únicas. Pelo contrário, o

que o distingue é justamente a ponderação das diferentes alternativas

e a escolha entre elas. Porém, por mais informado e conhecedor que

se seja, ninguém tem sempre razão sobre todos os assuntos. O espaço

do debate público democrático deve portanto permitir identificar as

diferenças de visão e de objetivos, mas deve também permitir identi-

ficar as zonas e as possibilidades de cooperação na ação.

1. CONSOLIDAÇÃO

ORÇAMENTAL

É possível ser um país mais justo e alcançar a consolidação orçamental?

Consolidação orçamental política fiscal e despesa públicaEquipa do Fórum das Políticas Públicas

Enquadramento

Cada país, através do desenho do sistema fiscal, recorre a um con-

junto de instrumentos diferentes – impostos sobre os rendimentos,

sobre o património, a produção, o consumo, as importações e outros

– para financiar as suas atividades e desenvolver políticas públicas,

traduzindo anualmente as opções tomadas no orçamento do estado.

Compreender e analisar o problema da consolidação orçamental im-

plica sempre conhecer o sistema fiscal, a sua estrutura e capacidade

de cobrar receita e, simultaneamente, conhecer e analisar as opções

da despesa pública, na dimensão, na composição e na eficiência, ou

seja, nos aspetos relativos à dimensão do Estado e da administração,

ao cumprimento das funções de soberania e das funções socias de

redistribuição (através de prestações sociais e de serviços públicos),

e às exigências do crescimento económico. As políticas públicas,

o volume e qualidade de despesa pública, dependem das receitas

geradas através do sistema fiscal, e, simultaneamente condicionam

as opções de política fiscal, bem como outras opções orçamentais

relativas ao défice e à dívida. Pode dizer -se que a política fiscal

está no centro das políticas públicas, sendo o seu conhecimento e o

seu estudo essenciais para a decisão política. Podemos identificar,

40�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

no que diz respeito ao estudo da política fiscal, diversas questões

centrais: da equidade e justiça fiscal à maximização do rendimen-

to dos impostos cobrados, passando pela estabilidade fiscal, até à

sustentabilidade e capacidade de equilíbrio orçamental. Porém, a

principal tensão resulta da necessidade de equilibrar o potencial

redistributivo do esforço fiscal com o seu efeito sobre as políticas

económicas.

A criação do euro exigiu em todos os países que adoptaram a mo-

eda única e integram esta zona monetária a adopção de pactos de

estabilidade que colocam particulares exigências de equilíbrio orça-

mental, impondo limites estritos às opções orçamentais relativas ao

défice e à divida. Desde 2000, também o recurso a instrumentos fi-

nanceiros monetários e cambiais, como a desvalorização da moeda,

passou a ter regras diferentes e partilhadas. Embora restem margens

de autonomia nas políticas fiscais destes países, as responsabilidades

e os esforços em matéria fiscal passaram, também, a ter uma maior

interdependência.

O crescimento das receitas fiscais e aproximação

aos níveis da OCDE

A atual estrutura do sistema fiscal português resulta, no essencial, de

uma reforma fiscal aprovada em 1986. Esta reforma respondeu às exi-

gências da integração do país na UE, tendo sido, nessa altura, criados

os impostos diretos, como o IRS e o IRC, e os impostos indiretos, como

o IVA. Foi também com essa reforma que os funcionários públicos,

até então isentos, passaram a pagar impostos sobre o rendimento de

trabalho.

Ao longo dos últimos trinta anos o Ministério das Finanças desig-

nou de forma regular vários grupos de trabalho, de que fizeram parte

peritos e especialistas em matéria fiscal, para acompanhamento e

elaboração de propostas de revisão e de ajustamento do sistema de

que resultaram várias alterações, tendo -se todavia mantido a estru-

tura essencial do sistema. Em 1999, chegou a ser aprovada na AR

uma reforma, que foi concretizada apenas numa parte dos aspetos

propostos. Em 2003, foram introduzidas importantes alterações nos

impostos sobre o património imobiliário, tendo sido criados os IMI e

IMT e abolido o imposto sucessório. Em 2007, foi alterado o imposto

sobre veículos, tendo sido criada uma taxa (ISV) de diferenciação,

considerando a performance ambiental e o impacto nas emissões

CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL�41

de CO2 . Em 2009, entrou em vigor uma reforma do código contribu-

tivo da segurança social, com o objetivo de garantir a sustentabilida-

de da segurança social, dadas as atuais condições demográficas e de

esperança de vida. Entre as várias alterações introduzidas neste có-

digo refere -se a convergência da taxa e do cálculo das contribuições

dos trabalhadores independentes e das suas entidades empregadoras

com a taxa e a base de cálculo aplicada aos trabalhadores por conta

de outrem.

Desde o estabelecimento do regime democrático em 1974, Portu-

gal apresenta um crescimento continuado das suas receitas fiscais,

que duplicaram, em percentagem do PIB, tendo em 2006 ultrapas-

sado a média dos países da OCDE (situada em cerca de 35% do PIB).

Todavia, estava mais de quatro pontos percentuais abaixo da média

da UE (39,6%) e 6 pontos percentuais abaixo da média da Zona Euro

(40,2%).

O rácio de fiscalidade aumentou em todos os países da UE, ten-

do sido este aumento mais acentuado em Portugal. De 1974 até 1991

registou -se um aumento de cerca de 10 pontos percentuais e no perí-

odo de 1992 a 2008, o crescimento, embora menor (cerca de 7 pontos),

concentrou -se de forma mais intensa na década de 90 do que na déca-

da inicial do século xxi. Não é possível ainda observar o efeito das po-

líticas de consolidação orçamental exigida a alguns estados -membros

da União Europeia, no período posterior a 2009.

Gráfico 1.1 � Evolução dos impostos e contribuições para a segurança social (em % do PIB)

37

36

35

34

33

32

31

30

291995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Fonte: INE e Cálculos próprios baseados no quadro 0900 do Sistema de Contas Europeu Fonte elaborado pelo INE

42�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

Quadro 1.1 ��Evolução do rácio de fiscalidade na União Europeia (% do PIB)

1995 2000 2005 2006 Variação. 2006--1995 (em p.p.)

Portugal 31,9 34,3 35,1 35,9 4,0

Zona Euro – 15 (média aritmética) 36,7 38,2 38,1 38,4 1,7

União Europeia – 25 (média aritmética) 37,5 37,6 37,4 37,6 0,1

União Europeia – 27 (média aritmética) – – 36,9 37,1 –

Fonte: EUROSTAT, “Tax Trends in the EU”, 2008

Como se observa no gráfico seguinte existe uma relação entre a

evolução do rácio de fiscalidade e a evolução da actividade económica

medida pelo PIB a preços constantes. Com efeito, no período de 1995 a

2000, o PIB real cresceu a uma taxa média anual de 4,1%, que desceu

para somente 0,9%, em 2001 -2004. Esta relação parece, no entan-

to, ser menor no período 2005 -2007, durante o qual, apesar de uma

taxa de crescimento do PIB real relativamente baixa (1,4%) registou-

-se uma taxa de crescimento das receitas fiscais e das contribuições

sociais obrigatórias significativamente superior à taxa de crescimento

do PIB nominal.

Gráfico 1.2 �Evolução das receitas fiscais e do PIB em Portugal

0,12

0,1

0,08

0,06

0,04

0,02

0

-0,021996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Receitas Fiscais e Cont. Seg. Social PIB preços correntes PIB preços constantes

Fonte: INE e cálculos dos autores baseados no quadro 0900 do Sitema de Contas Europeu Fonte elaborada pelo INE

CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL�43

A estrutura das receitas fiscais

A estrutura interna da receita fiscal em Portugal segue a tendência

da Europa do sul, destacando -se a importância dos impostos indi-

retos e o crescente peso das contribuições para a segurança social.

Já os impostos diretos (IRS e IRC) perfaziam em 2007 cerca de um

quarto do total de receita fiscal, sensivelmente o mesmo que em

1990. O peso relativo dos impostos indiretos e dos impostos diretos

é relevante na análise da progressividade ou regressividade dos sis-

temas fiscais, sendo considerado, por muitos peritos, que os impostos

Quadro 1.2� �Receitas fiscais e contribuições para a segurança social, em 2007

% do PIB Milhões EURPeso no total dos impostos

Impostos Directos 10,7% 17.408,8 29,2

Sobre o rendimento 9,4% 15.403,3 25,9

IRS 5,7% 9.374,6 15,7

IRC 3,7% 6.028,7 10,1

Imposto do selo sobre salários 0,0% 0,0 0

Sobre o património 1,2% 2.005,6 3,4

Imposto sobre sucessões e doações 0,0% 9,9 0

IMI / contribuição autárquica 0,6% 1.026,7 1,7

IMT / sisa 0,6% 924,9 1,5

Imposto do selo sobre transacções de imóveis 0,0% 44,1 0

Impostos Indirectos 14,1% 22.955,5 38,6

IVA 8,8% 14.338,8 24,1

Imposto sobre tabaco 0,7% 1.165,4 1,9

Impostos sobre álcool e bebidas alcoólicas 0,1% 228,7 0,4

Imposto sobre produtos petrolíferos 2,0% 3.320,7 5,6

Imposto do selo (restante) 1,1% 1.762,3 2,9

Impostos sobre as vendas de veículos 0,7% 1.220,7 2,0

Outros impostos sobre veículos 0,1% 229,0 0,4

Impostos alfandegários 0,1% 185,9 0,3

Outros 0,3% 504,2 0,8

Receitas fiscais 24,7% 40.364,4 67,9

Contribuições para a segurança social 11,7% 19.052,4 32,0

Total 36,4% 59.416,8 100%

Fonte: António C Santos e Augusto Ferreira Martins (2009) in Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal. Competitividade,

Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal

44�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

indiretos devem ter um maior peso por serem promotores da equida-

de tributária ou da justiça fiscal.

Impostos sobre o rendimento de pessoas singulares

O IRS representa 16% do total de impostos cobrados e obriga todos os

indivíduos ou agregados que auferem rendimentos anuais superio-

res a 6.000€, no caso das pensões ou 4.104€, no caso de rendimen-

to do trabalho, a apresentarem declaração de rendimentos, estando

os restantes dispensados. Portugal tem, atualmente, além disso, um

sistema de IRS progressivo com 8 escalões, variando as taxas normais

entre 11,5%, para rendimento anual coletável até 4.989€, e 46,5%,

para rendimento anual coletável acima de 153.300€, para os rendi-

mentos englobados aos quais se aplicam as taxas gerais progressivas.

A progressividade do IRS é patente no facto de, por exemplo, 71%

dos agregados (rendimentos até 19.000€) contribuírem com menos

de 5% do IRS liquidado, como pode ser observado no quadro anterior.

Em contrapartida, 8% dos agregados (rendimentos entre 40.000€ a

100.000€) contribuim com 45% do IRS liquidado e 1,12% dos agre-

gados com rendimentos acima de 100.000€ asseguram 28,3% do IRS

liquidado.

Existem, em alguns países, sistemas de impostos sobre o rendi-

mento não progressivos, isto é, com uma taxa de um único valor (flat

rate) aplicada a todos os contribuintes independentemente do nível

dos seus rendimentos. A progressividade das taxas de imposto é uma

Quadro 1.3 ��Agregados e IRS liquidado por escalão de rendimento

Escalões de rendimento em euros% do total

de agregados (2009)% de IRS liquidado por escalão

de rendimento

0 a 5.000 14 <1

5.000 a 10.000 29 1

10.000 a 19.000 28 4

19.000 a 27.500 12 8

27.500 a 40.000 8 14

40.000 a 100.000 8 45

100.000 a 250.000 1 21

250.000 a *** < 1 7

Fonte: DGCI/DGITA

CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL�45

das matérias mais debatidas, relacionando -se estas escolhas com as

questões da justiça fiscal e a aplicação do principio da capacidade con-

tributiva, isto é, a consideração de que o esforço contributivo não

deve ser linear ou proporcional ao rendimento. Os indivíduos que au-

ferem maiores rendimentos têm maior capacidade contributiva, pelo

que devem dar um contributo maior para o bem comum.

No IRS são englobados rendimentos com diferentes origens: rendi-

mento de trabalho dependente, rendimento de trabalho independen-

te, profissional ou empresarial, rendimentos de capital, rendimentos

prediais, rendimentos de incrementos patrimoniais, como mais -valias

e rendimentos de pensões. Várias destas categorias têm taxas libe-

ratórias, em regra de 25%, aplicáveis a rendimentos de aplicação de

capitais e a rendimentos de não residentes e que liberam de quaisquer

obrigações declarativas, bem como ainda taxas especiais, que variam

entre 16,5% e 30%, aplicáveis umas a residentes e outras a não resi-

dentes. Deste quadro resulta que as taxas sobre os rendimentos de

trabalho são mais elevadas do que as taxas aplicadas a outros ren-

dimentos, sendo que cerca de 80% do rendimento total englobado é

proveniente de trabalho e pensões.

Vários autores analisam as dificuldades de identificação das bases

tributárias e os riscos da tributação nestas várias categorias de origem

Quadro 1.4 ��Benefícios e deduções fiscais em IRS

MILHÕES DE EUROS

Benefícios fiscais 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Deficientes 75.6 84.6 94.6 111.8 127.3 136.2 140.7 164.0 170.1

Planos pensões e PPR 95.4 109.1 119.4 148.5 158.0 174.5 194.2 13.4 112.6

CPH 110.2 133.3 139.3 144.1 148.0 151.4 146.2 8.7 4.7

Outras 121.8 78.4 111.2 106.0 94.6 107.3 83.2 86.6 114.0

Total 403.0 405.4 464.5 510.4 527.9 569.4 564.3 272.7 401.4

Deduções à colecta:

Personalizantes 896 944 910 939 1.252 1.280 1.300 1.366

Saúde 322 354 385 419 454 498 517 554

Juros habitação 314 350 375 406 431 454 445 477

Educação 163 197 208 224 237 250 253 264

Seguros vida 46 51 55 63 63 68 67 71

Seguros saúde 7 10 18 18 22 24 28 30

Total 1748 1906 1951 2069 2459 2574 2610 2762

Fonte: Conta Geral do Estado e DGCI in

46�POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL

de rendimento, incluindo os rendimentos empresariais e profissionais,

bem como o significado político destas diferenças e a sua influência na

perceção pública da justiça fiscal.

Outra das caraterísticas do IRS são os benefícios e as deduções

fiscais, cujo impacto tem sido crescente. De facto, como pode ser ob-

servado nos quadros seguintes, o nível de despesa fiscal registou um

crescimento acentuado no período 2001 -2004, que foi interrompido

em 2005 e 2006, sobretudo devido à forte redução dos benefícios fis-

cais concedidos aos planos de poupança -reforma (PPR) e contas de

poupança -habitação (CPH), permitindo que a despesa fiscal em IRS

se situasse em 2007 num nível, em termos nominais, semelhante ao

registado em 1999.

Por seu lado, as estatísticas divulgadas pela Direção Geral de Con-

tribuições e Impostos revelam que as deduções à colecta estabelecidas

no Código do IRS assumem valores bastante significativos e têm vin-

do também a registar taxas de crescimento elevadas.

O estatuto dos benefícios e deduções fiscais em sede de IRS aplica-

-se sobretudo a contribuintes com elevados rendimentos, sendo um

elemento relevante deste imposto, nomeadamente quanto ao efeito

sobre o regime de progressividade, como pode ser observado no grá-

fico anterior.

Uma das áreas em que estão previstas alterações significativas é o

regime dos benefícios e deduções fiscais em sede de IRS visando a ob-

tenção de uma receita de 150 milhões de euros em 2012 e introduzindo

Gráfico 1.3 �Distribuição dos benefícios fiscais por escalões de rendimentos

2500

2000

1500

1000

500

01.º

(2 415 415)2.º

(629 802)3.º

(999 477)4.º

(470 842)

(34 932)

66% agregados

5.º(67 177)

6.º(7 830)

8.º 7.º

Média deduções + benefícios (2008)

Fonte: Ministério das Finanças