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8/7/2019 Polticas pblicas: fracassos tambm so bem-vindos
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Valor Econmico 10 de fevereiro de 2010
Pequenos erros em experimentos ajudam a errar menos em grande escala.
Polticas pblicas: fracassos tambm so bem-vindos
Leonardo Monasterio10/02/2011
Alastair Miller/Bloomberg
Voc tomaria um remdio que foi desenvolvido a partir apenas da intuio dos pesquisadores dolaboratrio que o vende? Compraria um carro cujos freios nunca passaram por testes rigorosos? Voaria
em um avio cujo desenho foi escolhido com base na opinio pblica?
Para evitar essas insanidades, a Cincia desenvolveu mtodos prprios para mensurar a eficincia e
eficcia de remdios, freios e desenhos de avies. Remdios so avaliados em experimentos comgrupos que recebem o tratamento real enquanto outros apenas um placebo. Os freios dos carros so
testados em laboratrios exausto e os avies passam por milhares de horas em tneis de vento.
No tocante polticas pblicas, a realidade bem distinta. Via de regra, os programas e polticas no
Brasil so introduzidos sem que tenham passado por testes cientficos. As polticas so derivadas dasintuies dos polticos e eleitores, muitas vezes bem-intencionados, e, com alguma sorte, ouvem-se os
especialistas. (Infelizmente, como se sabe, possvel encontrar um expert que defenda um programa
qualquer, por mais absurdo que seja.)
Programas-piloto no so suficientes para avaliar os possveis resultados benficos da interveno.
Afinal, preciso haver uma base de comparao. Um experimento cientfico requer grupos de controle,
ou seja, indivduos ou famlias, aleatoriamente escolhidos, que no sero sujeitos ao programa sobre
avaliao. O real efeito do programa est na diferena entre os resultados dos grupos que sofreram a
interveno e os que no sofreram. Na prtica a questo um pouco mais complicada, mas j existe
conhecimento acumulado para avaliaes apropriadas.
No Brasil, se avanou na ltima dcada na estimao dos impactos das polticas pblicas. Porm, como
os experimentos controlados so rarssimos, os pesquisadores so forados a buscar evidncias
indiretas, usar mtodos sofisticados e, por vezes, tm que esperar pelos dados de uma PNAD ou
mesmo do Censo. Nesse nterim, o dinheiro pblico perdido em programas incuos. Um exame daliteratura emprica ou um experimento rigoroso teriam evitado tal desperdcio. Um pouco de avaliao
das polticas pblicas melhor do que nenhuma avaliao.
Em pequena escala, podem-se testar vrias combinaes de intervenes e escolher aquela maiseficaz
A pesquisa sobre experimentos em polticas pblicas j gerou resultados bastante surpreendentes.
Esther Duflo, uma das estrelas da rea, e seus coautores mostraram que o microcrdito no a panaceia
que seus defensores prometiam (e ainda prometem) para melhorar a vida dos pobres. Em outro estudo,
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ela apresentou evidncias que bastava um minsculo incentivo para que triplicassem as chances das
mes indianas vacinassem seus filhos. Existem outras "boas" ideias, como a distribuio de
computadores para alunos, que ainda esto subjudice e aguardam os resultados dos experimentos. Osexemplos dados esto focados em programas sociais, mas podem ser extrapolados para outras reas.
Nas polticas regionais, regies aleatoriamente selecionadas podem ser escolhidas como objeto de
interveno; na gesto pblica, programas de qualificao podem ser feitos com algumas prefeituras e
assim por diante.
E por que experimentos com polticas pblicas so to raros no Brasil? Uma das crticas que tais
experimentos seriam antiticos. Afinal, para avaliar, por exemplo, o resultado da introduo de um
inovador mtodo de alfabetizao, de computadores na sala de aula ou do aumento da carga horria de
ensino, necessrio deixar turmas inteiras sem esses avanos (por algum tempo). Ora, ainda mais
injusta a situao atual, em que recursos pblicos so gastos em "experimentos" em que todas as
crianas podem ser vtimas. Alm disso, se se aceita hoje que a cincia mdica fornea placebos para
indivduos doentes, por que rejeitar experimentos cientficos tambm com polticas pblicas?
Na verdade, outra a razo pela qual alguns gestores pblicos so avessos a experimentos. Eles podem
mostrar que aqueles programas to bem fundamentados, to queridos pelos especialistas (e mesmo
pelos eleitores) simplesmente no funcionam. Ao invs de temer as possveis crticas dos adversrios,
os polticos deveriam compreender que, com experimentos, eles desperdiariam menos recursos e
obteriam resultados mais slidos.
Vale lembrar que no se trata de retornar a um pensamento tecnocrtico. Os objetivos e prioridades
scio-econmicas continuam sendo decididos pelos processos democrticos usuais. Trata-se do opostoda postura tecnocrtica. Esta se baseava na crena de que especialistas iluminados tudo sabem e tudo
podem. As polticas pblicas baseadas em evidncias so uma confisso de humildade diante de um
mundo complexo em que a nica certeza a dificuldade de antecipar os efeitos concretos das
intervenes (por mais bem- intencionadas que sejam).
Experimentos, por sua prpria natureza, geram fracassos. Em pequena escala, podem-se testar vrias
combinaes de intervenes e escolher aquela mais eficaz. Esses sucessos so cercados de fracassos
relativos. Mas esses pequenos erros dos experimentos com polticas pblicas so a maneira de errarmenos em grande escala. A situao atual ainda pior do que o fracasso reconhecido, uma vez que
nem se pode saber se houve equvocos. Enfim, quanto maior for o conhecimento acumulado sobre o
que no fazer, mais claro ser o caminho correto para os gestores pblicos bem-intencionados.
Leonardo Monasterio tcnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa EconmicaAplicada (IPEA)