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6º Encontro da ABRI PERSPECTIVAS SOBRE O PODER EM UM MUNDO EM REDEFINIÇÃO Belo Horizonte- MG, 25 a 28 de julho de 2017 Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa POLÍTICA EXTERNA DA RÚSSIA PARA O OCIDENTE NA ERA PUTIN Fernanda Patrícia Silva Albuquerque Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

POLÍTICA EXTERNA DA RÚSSIA PARA O OCIDENTE NA · PDF file1 Política Externa da Rússia para o Ocidente na Era Putin1 Fernanda Patrícia Silva Albuquerque2 RESUMO: Mesmo com o fim

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6º Encontro da ABRI

PERSPECTIVAS SOBRE O PODER EM UM MUNDO EM REDEFINIÇÃO

Belo Horizonte- MG, 25 a 28 de julho de 2017

Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa

POLÍTICA EXTERNA DA RÚSSIA PARA O OCIDENTE NA ERA PUTIN

Fernanda Patrícia Silva Albuquerque

Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

1

Política Externa da Rússia para o Ocidente na Era Putin1

Fernanda Patrícia Silva Albuquerque2

RESUMO: Mesmo com o fim da Guerra Fria as relações entre a Rússia e o Ocidente (leia-

se Estados Unidos e Europa) não foram plenamente reiniciadas, havendo ainda resquícios

da divisão bipolar nas relações russo-ocidentais. Para Freire (2013), a Rússia acredita que

houve uma interpretação seletiva da história, no que tange à Segunda Guerra Mundial e ao

período subsequente; e se ressente da vitória ocidental no final da Guerra Fria. Todavia, o

discurso russo enfatiza que a Guerra Fria acabou e com ela devem findar as vestígios de

divisão, implicitamente criticando a continuidade da OTAN. Organização que a Rússia busca

superar enfatizando a primazia da ONU enquanto garantidor da segurança internacional, a

fim de focar as decisões fundamentais de segurança internacional no Conselho de

Segurança3 das Nações Unidas, onde a Rússia tem assento permanente e direito de veto. É

exatamente este o cenário que a presente pesquisa, ainda em seu momento inicial,

pretende explorar. Ao voltar-se para o período em que Vladimir Putin chegou à presidência

em 2000, e levantando informações até o presente momento, esta pesquisa objetiva

analisar a política externa russa para o Ocidente no governo Putin buscando: (a) identificar

os princípios orientadores da política externa russa para o ocidente; (b) elencar os acordos

significativos realizados nesse período; e (c) apresentar os principais pontos de tensão

nesse relacionamento. Tais objetivos pretendem-se atendidos a partir da análise dos

documentos oficiais de doutrina da política externa russa publicados no site do Ministério

dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, e de uma revisão bibliográfica de autores

como Freire (2013), Tsygankov (2009), o próprio Vladimir Putin (1999), Mazat e Serrano

(2012), Böhme (2011), Rukavishnikov (2006) e Zakaurtseva (2007).

Palavras chave: Política externa; Rússia; Putin.

INTRODUÇÃO

Com o fim da Guerra Fria, algumas mudanças ocorreram no cenário internacional.

O antagonismo entre os dois pólos de poder se encerrou, e a possibilidade de eclosão de

1 Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa através do Programa de Pós Graduação em Relação Internacionais (PPGRI/UEPB). E agradeço à Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) pela ajuda de custo fornecida para o comparecimento no 6° Encontro da ABRI. 2 Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bolsista no Mestrado em Relações Internacionais pela UEPB. 3 O Conselho de Segurança é o órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável por conduzir assuntos relativos à paz e segurança internacionais. É composto por 15 membros: cinco permanentes, que possuem o direito a veto – Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e China – e dez membros não-permanentes, eleitos pela Assembleia Geral com mandato de dois anos.

2

uma guerra nuclear diminuiu significativamente. (ROBERT LEGVOLD; 2010)

Steven Pifer (2012) apresenta algumas observações sobre a Rússia de Putin. A

primeira é que Putin foi o primeiro ministro do seu antecessor Dmitri Medvedev, porém

não há dúvidas que Putin é quem possuía o verdadeiro poder. Por isso, não há razão para

acreditar que houve grandes mudanças no governo de Medvedev para a política externa

russa. Segundo, embora fosse esperada uma certa continuidade, o tom das relações

bilaterais entre EUA e Rússia mudou. Putin foi um agente da KGB (em russo – Komitet

Gosudarstvennoi Bezopasnosti, que significa Comitê de Segurança do Estado), e devido à

sua formação ele mantém um ceticismo cauteloso em relação aos objetivos e políticas

americanas. As declarações de Putin sugerem que ele acredita que as revoltas que

atingem os Estados da Geórgia, Ucrânia, Tunísia e Egito não são manifestações de

insatisfação popular, mas sim revoltas financiadas, inspiradas e dirigidas pelos Estados

Unidos. Terceiro, ao voltar à presidência Putin enfrentou duros problemas econômicos e

políticos. A economia e a receita russa permaneciam excessivamente dependentes das

exportações de petróleo e gás natural. A corrupção continuava desenfreada, o que afetou

tanto as instituições políticas do país como a falta de confiança na economia russa.

Quarto, Putin é realista e pragmático em meio a difíceis escolhas.

Em seu artigo de 1999 – Russia at the Turn of the Millennium - Putin descreve em

breves palavras a difícil situação econômica russa, os problemas que enfrentaram as ex

repúblicas soviéticas na introdução da democracia e da economia de mercado nos seus

países. O autor aponta que todos os problemas enfrentados pela Rússia (como pobreza e

subdesenvolvimento) naquele momento eram frutos dos erros de cálculo do período

soviético. Putin (1999) então aborda lições que podem ser tiradas a partir dos erros do

período soviético. Mesmo apresentando todos os problemas nos quais a Rússia estava

inundada, Putin destacou que aquele era momento da recuperação econômica, política e

moral russa. Putin (1999)

Em 1997, a Rússia assinou, em Paris, o Ato de Fundação OTAN-Rússia (NATO-

Russia Founding Act) que previa nortear as relações entre a Rússia e o Ocidente, no pós

Guerra Fria, por um caminho mais amigável. O Ato estabelecia um compromisso político

em prol da paz duradoura na região Euro-Atlântica sob os princípios de democracia e

segurança cooperativa. O Acordo ainda previa que a OTAN e a Rússia não se viam como

adversários; comprometiam-se a reforçar a confiança mútua e a cooperação; e

estabelecia mecanismos de consulta, cooperação, e tomada de decisão conjunta que

iriam constituir o núcleo das relações mútuas entre a OTAN e a Rússia4.

4 Disponível em: http://www.nato.int/cps/en/natohq/official_texts_25468.htm . Data de acesso: 14 maio 2017.

3

De acordo com Dan de Luce (2016), logo após o colapso soviético foi estabelecido

um programa de cooperação de redução de ameaça, denominado Nun-Lugar Act, entre

Rússia e Estados Unidos, seu objetivo era evitar que armamentos e materiais nucleares

caíssem nas mãos de terroristas e Estados párias, nesta parceria os Estados Unidos

ajudava a rastrear e proteger toneladas de urânio e plutônio que poderiam ser usados

para fabricação de armas, o programa também forneceu melhoria na segurança e

identificação de instalações russas nas ex-repúblicas soviéticas, o que possibilitou o

retorno de armamentos nucleares (que se encontravam em Estados como Bielorrúsia,

Cazaquistão e Ucrânia) à Rússia para que fossem demolidos. Sob este programa, os

Estados Unidos fornecia aparelhos de identificação de material nuclear, equipamentos de

segurança, além de favorecer um canal de comunicação entre estudiosos russos e

estadunidenses. Entretanto, em 2013, a Rússia se retirou do programa, mesmo com o

aumento do risco de terroristas conseguirem armas de destruição em massa.

Para Zakaurtseva (2007), os principais objetivos de Putin nos seus dois primeiros

mandatos (2000-2008), foram: uma política externa independente; a formação de um

sistema internacional multipolar (em oposição a um sistema unipolar estadunidense);

manutenção da estabilidade regional na Ásia; e recuperação do posto de grande potência

da Rússia. Para alcançar tais fins, o presidente russo adotou uma estratégia multidirecional

equilibrada estabelecendo relações com países com as mais diversas ideologias: Estados

Unidos, China, Índia, Coréia do Norte, Irã, Palestina, dentre outros Estados.

O Conceito de Política Externa adotado neste trabalho é o apresentado por Freire e

da Vinha (2011; pág. 18): “o conjunto de objetivos, estratégias e instrumentos que decisores

dotados de autoridade escolhem e aplicam a entidades externas à sua jurisdição política,

bem como os resultados não intencionais dessas mesmas ações”.

A Rússia enxerga a importância do Ocidente para consecução de alguns objetivos

como: modernização econômica e política russa; obtenção de conhecimento (know-how, p.

89) de gestão, tecnologia e capital; e também como um equilibrador/estabilizador na

contenção de vários problemas de segurança, que vão desde terrorismo até a potencial

ameaça da China no leste asiático. Ao mesmo tempo, o Kremlin também busca parcerias

com a China que pode lhe ser útil na confrontação da hegemonia estadunidense e da OTAN

nos assuntos internacionais; no combate ao extremismo islâmico no sul; e como mercado

para as armas russas e outras mercadorias, afirma Zakaurtseva (2007).

As relações russo-estadunidenses não são claras, os dois países não são inimigos,

porém convivem em um relacionamento de cooperação e rivalidade dependendo do tema

em questão. Compartilham inteligência, cooperam para dissuadir a construção de armas

nucleares na Coréia do Norte e no Irã, afirma TSYGANKOV (2009), porém competem por

4

influência no espaço pós-soviético, discordam em conflitos no Oriente Médio, e divergem em

temas como expansão da OTAN e União Europeia.

1.DIRETRIZES DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA PARA O OCIDENTE

No seu primeiro mandato (2000-2004), segundo Zakaurtseva (2007; p.87) Putin se

encarregou de atualizar os conceitos de política externa, segurança nacional, e política

militar a fim de garantir um progresso em relação a uma estratégia multidirecional,

equilibrada, e externamente pragmática.

Rukavishnikov (2006) afirma que a partir da análise dos documentos estratégicos

russos, a Rússia abandonou o otimismo das atitudes e visões ocidentalizadoras dos anos

1990 e retornou a avaliações e exigências por determinadas políticas que relembram o

pensamento soviético.

De acordo com o documento de política externa russa 5 de 2016, a Rússia é

predisposta a estabelecer relações com os Estados Unidos, contanto que seja uma

interação baseada na igualdade (o termo igualdade está sempre presente quando se fala

nas relações russas com o Ocidente), na não interferência nos assuntos internos, e no

respeito aos interesses do outro país. A Rússia acredita que ambos possuem compromissos

com a estabilidade e segurança internacional, além de terem um grande potencial de

cooperação em áreas como comércio, investimento, e nos campos técnicos e científicos.

Contudo, fica claro no documento de política externa russa de 2016 que a Rússia

reprova as políticas americanas extraterritoriais que infringem as leis internacionais e que

exercem pressão política, econômica e/ou militar, e portanto, se reserva ao direito de adotar

medidas retaliatórias.

No que tange a Europa, a Rússia busca facilitar o desenvolvimento das relações

econômicas entre a Europa e a região Ásia-pacífico, além de buscar intensificar

mutuamente as vantagens nos acordos bilaterais com a Alemanha, Itália, França, Espanha

e outros países europeus6.

Para Moscou a União Europeia é um importante parceiro comercial, o qual a Rússia

está disposta a estabelecer uma cooperação construtiva, estável, e fundamentada nos

princípios de igualdade e respeito aos interesses do outro Estado. A principal estratégia

russa nessa região é construir um ambiente econômico e humanitário conjunto que se

5 Disponível em: http://www.mid.ru/ru/foreign_policy/official_documents/-/asset_publisher/CptICkB6BZ29/content/id/2542248?p_p_id=101_INSTANCE_CptICkB6BZ29&_101_INSTANCE_CptICkB6BZ29_languageId=en_GB . Data de acesso: 20 maio 2017. 6 Disponível em: http://www.mid.ru/ru/foreign_policy/official_documents/-/asset_publisher/CptICkB6BZ29/content/id/2542248?p_p_id=101_INSTANCE_CptICkB6BZ29&_101_INSTANCE_CptICkB6BZ29_languageId=en_GB . Data de acesso: 20 maio 2017.

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estenda do Atlântico ao Pacífico, articulando os interesses europeus e russos. A Rússia

espera que isso evite divergências com o continente europeu7.

A Rússia considera de grande importância consolidar e expandir a União Econômica

Euroasiática (UEE) 8 , atualmente composta por Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão,

Quirguistão e Rússia. A UEE garante a liberdade de circulação de mercadorias, serviços,

capitais e força de trabalho, e disponibiliza um programa para implementação de

infraestrutura conjunta9.

A Rússia atribui uma grande importância a OSCE10 – Organização para Segurança e

Cooperação Europeia (em inglês - Organization for Security and Co-Cooporation in Europe)

como uma ferramenta para criação de um sistema único e igualitário de segurança “pan-

Europeia”. São apresentadas três condições que tornariam a organização mais relevante,

segundo o document de política externa russa de 2016, são elas: combater ameaças e

desafios transnacionais, elaboração do Estatuto da organização; e renovação dos órgãos

executivos a fim de garantir pressupostos adequados a uma entidade internacional coletiva.

A Rússia conserva sua visão negativa em relação a expansão da OTAN, o

crescimento de atividade militar e o estabelecimento de suporte militar próximos as

fronteiras russas, Moscou enxerga essas atitudes como uma transgressão aos princípios de

igualdade e segurança indivisível11.

A expansão da OTAN e da União Europeia em conjunto com a recusa destes em

iniciar a criação de uma estrutura de cooperação e segurança europeia comum transformou-

se em uma séria tensão no relacionamento entre a Rússia e o Ocidente. De acordo com os

documentos de política russa de 2016, a “política de contenção” praticada pelos Estados

7 Disponível em: http://www.mid.ru/ru/foreign_policy/official_documents/-/asset_publisher/CptICkB6BZ29/content/id/2542248?p_p_id=101_INSTANCE_CptICkB6BZ29&_101_INSTANCE_CptICkB6BZ29_languageId=en_GB . Data de acesso: 20 maio 2017. 8 O acordo foi assinado em 2014 e entrou em vigor em 2015. 9 Disponível em: http://www.mid.ru/ru/foreign_policy/official_documents/-/asset_publisher/CptICkB6BZ29/content/id/2542248?p_p_id=101_INSTANCE_CptICkB6BZ29&_101_INSTANCE_CptICkB6BZ29_languageId=en_GB . Data de acesso: 20 maio 2017. 10 Composta por 57 países membros, de três continentes. Europa: Áustria, Bélgica, República Checa, Finlândia, Alemanha, Hungria, Itália, Letónia, Luxemburgo, Roménia, Espanha, Croácia, Dinamarca, França, Grécia, Malta, Polónia, Eslováquia, Suécia, Bulgária, Chipre, Estónia, Irlanda, Lituânia, Países Baixos, Portugal, Eslovénia, Reino Unido, Albânia, Andorra, Arménia, Bósnia e Herzegovina, Bielorrússia, Geórgia, Santa Sede, Islândia, Liechtenstein, Macedónia, Mónaco, Moldávia, Montenegro, Noruega, Rússia, Sérvia, Suíça, São Marino, Turquia, Ucrânia. Ásia: Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Mongólia, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzbequistão. E América: Canadá e Estados Unidos. Disponível em: http://www.osce.org/participating-states . Data de acesso: 23 jun. 2017. 11 Disponível em: http://www.mid.ru/ru/foreign_policy/official_documents/-/asset_publisher/CptICkB6BZ29/content/id/2542248?p_p_id=101_INSTANCE_CptICkB6BZ29&_101_INSTANCE_CptICkB6BZ29_languageId=en_GB . Data de acesso: 20 maio 2017.

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Unidos e seus aliados contra a Rússia, bem como as pressões econômicas e políticas

ocidentais à Rússia, prejudicam a estabilidade mundial e os interesses de ambos os lados.

2. ACORDOS ENTRE A RÚSSIA E O OCIDENTE NO GOVERNO PUTIN

Para Zakaurtseva (2007, p.92), a Rússia não enxerga os EUA como inimigo, e nem

deseja voltar a tais tempos. Pelo contrário, Moscou deseja estabelecer parcerias com

Washington, todavia a Rússia deseja uma parceria em regime de igualdade, e não aceita

a ideia dos EUA como hegemonia.

Segundo Rukavishnikov (2006), é de interesse nacional russo manter e estabelecer

boas relações com os Estados Unidos, a fim de enfrentar os desafios do século XXI, porém

não às “custas do orgulho e da soberania nacional” (p. 67).

De acordo com o estadunidense Steven Pifer (2012), um bom relacionamento com

Moscou pode promover os interesses americanos, mesmo que os Estados Unidos e a

Rússia discordem em algumas questões. O apoio russo é fundamental para alcançar

alguns objetivos políticos estadunidenses, tais como pressionar os chamados Estados

párias e dar suporte às coalizões de operações militares no Afeganistão. Para o autor, os

Estados Unidos deve, portanto, buscar a cooperação russa em várias questões.

Tanto Putin como George W. Bush aderiram a uma estratégia de relação amistosa

entre a Rússia e os Estados Unidos, apesar dos conservadores de ambos os países ainda

pensarem na relação entre eles com a lógica da Guerra Fria, afirma Zakaurtseva (2007;

p.101).

Rukavishnikov (2006) aponta semelhanças nas visões russas e estadunidenses

sobre duas questões: a) terrorismo internacional, vista como uma ameaça à segurança

interna e global; e b) proliferação de armas nucleares, ambos os Estados enxergam como

de grande importância combater a proliferação, desacelerando a dispersão de capacidade

nuclear entre os países; assegurar que dispositivos nucleares não cheguem a grupos

terroristas, e proteger os estoques/reservas de armas nucleares.

Desde que Putin assumiu a presidência em 1999, o governo russo começou a

caracterizar a guerra na Chechênia como uma luta contra mercenários estrangeiros, que

incluía terroristas internacionais e muçulmanos fanáticos, que causam instabilidade nas

fronteiras russas do sul. Segundo Rukavishnikov (2006), o Kremlin encontrou ligações entre

os separatistas chechenos e círculos terroristas internacionais, foi descoberto que rebeldes

chechenos recebiam apoio financeiro externo e que mercenários estrangeiros estavam

participando dos confrontos com as forças russas. A equipe de Putin reiterava ligações entre

os rebeldes chechenos e o Osama Bin Laden.

Conforme Tsygankov (2009, p. 02-03), os ataques de 11 de setembro foram vistos

pela Rússia como igualmente trágicos e perigosos, uma vez que em 2001 a Rússia já havia

7

passado por vários atentados terroristas, e o povo russo sentiu uma solidariedade

automática (instintiva) com os EUA e ofereceram seu apoio aos americanos e ao governo

estadunidense. O presidente russo, Vladimir Putin, expressou amplo apoio e se

comprometeu com a luta contra o terror. Putin disponibilizou apoio nas operações no

Afeganistão que incluíram: abertura do espaço aéreo russo para missões, compartilhamento

de inteligência, participação em operações de resgate, armar as forças anti-Talibã dentro do

Afeganistão, além de mobilizar os países da Ásia Central em torno da causa americana.

George W. Bush, o então presidente americano, reagiu a oferta de apoio de Putin

como um sinal de mudança na percepção dos EUA para com a Rússia. Bush passou a

enxergar a Rússia como uma aliada na Guerra ao Terror e já previa uma aproximação ainda

maior entre os dois países. Essa nova percepção moldou a visão dos EUA em torno de

várias questões importantes da Rússia, relata Tsygankov (2009, p. 03-04) como: a

Chechênia; o sistema político e militar da Rússia; segurança energética. Por exemplo,

embora muitos políticos americanos viam os chechenos como rebeldes (opositores ao

governo), Bush e o governo americano apoiavam o argumento russo de que a luta na

Chechênia fazia parte do combate ao terrorismo. Em suma, a Casa Branca suavizou o tom

em relação ao aumento de tensões na Rússia e as violações aos direitos humanos e aceitou

as tentativas russas de resolver a questão.

No que tange a redução de armamentos estratégicos os Estados Unidos e a Rússia

firmaram diversos acordos. Consoante Mazat e Serrano (2012, p.29, 30), em 1972 foi

assinado o Tratado sobre os Mísseis Antibalísticos (ABM, em inglês) que estabelecia limites

dos dispositivos antimíssil dos dois Estados. Entretanto, em 2002 os Estados Unidos se

retiraram do acordo. Em 1991, foi firmado o Tratado de Redução de Armas Estratégicas –

START I12 (em inglês – Strategic Arms Reduction Treaty) que previa a redução de armas

nucleares. Em 1993, foi assinado o START II13 que objetivava uma diminuição ainda maior

das armas estratégicas russas e americanas, este último só foi ratificado em 2000, já no

governo do presidente Putin. Por fim, em 2010, foi acertado o Novo START (New Start),

para suceder o primeiro que prescreveu em 2009.

A Rússia é um dos principais fornecedores de recursos energéticos para a Europa,

por isso as relações com a Rússia são de grande importância para União Europeia. Por

outro lado, a Europa também exporta tecnologia e outros bens para Moscou. Conforme

12 De forma simplista, o acordo previa a diminuição de 10 mil para 6 mil no número de armas nucleares

estratégicas até 2001, segundo Mazat e Serrano (2012). 13 O tratado previa reduzir para 3 mil o número de armas estratégicas até 2003, de acordo com segundo Mazat e

Serrano (2012).

8

Bohme (2011), a relação entre a União Europeia e a Rússia não é de interdependência14,

mas sim de uma dependência assimétrica. De acordo com o autor, a falta de uma unidade

na política externa energética europeia exacerba ainda mais essa dependência, pois uma

vez unidos, os Estados europeus representam uma considerável parcela de exportação

russa (contudo não deixa a Rússia em posição de dependência) e teriam mais margem para

barganha, porém o que ocorre na verdade são vários acordos bilaterais que diminuem o

poder de negociação dos europeus. A falta de consenso na Europa eleva o espaço de

manobra russo nas negociações de recursos energéticos.

Em outubro de 2000 foi lançado o Diálogo Energético entre Rússia e União

Europeia15, que de acordo com Bohme (2011), fundamenta-se no reconhecimento da Rússia

como um parceiro comercial no fornecimento de recursos energéticos para o continente

europeu, e estabelece especialmente acesso aos hidrocarbonetos russos. Os temas

abordados no Diálogo Energético foram: a formação de uma estrutura regulatória, o

acréscimo da produção de petróleo russo, o aumento da qualidade e da profundidade da

extração do petróleo, além do transporte e liberalização do mercado do gás. O Diálogo

Energético promoveria um ambiente de debate. A União Europeia pretendia também

abordar temas como segurança nuclear, cooperação em mudança climática através do

Protocolo de Kyoto, aumento de investimentos europeus na Rússia, e abertura do mercado

energético interno da Rússia.

Um exemplo desses acordos bilaterais são as negociações econômicas entre a

Alemanha e a Rússia. Segundo Mazat e Serrano (2012), a Rússia é responsável por grande

parte das importações de gás natural e petróleo da Alemanha. Já a Rússia, por sua vez,

importa carros e peças de veículo alemães. A cooperação energética resultou na criação em

2005 do projeto de construção do gasoduto Nord Stream 16 . Inaugurado em 2011, o

gasoduto passa pelos territórios da Rússia, Finlândia, Suécia, Dinamarca e Alemanha.17

Schutte (2011) apresenta o projeto do gasoduto South Stream que atravessaria o

Mar Negro, a Bulgária e a Sérvia, em uma parceria entre a empresa russa Gazprom e a

italiana ENI. Este projeto é uma contrapartida ao programa Nabucco, apoiado pelo Ocidente,

que levaria o gás dos demais Estados produtores do Mar Cáspio para a Europa. É uma

14 Rukavishnikov (2006) discorda e afirma que a Rússia e a União Europeia estão mais interdependentes do que nunca, e as importações energéticas da Rússia se tornaram essenciais para a economia europeia. Conforme o mesmo autor, Moscou entende que o único modo de superar as novas ameaças e desafios é agir em conjunto com a Europa. 15 Ver mais em: http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2004/PT/1-2004-777-PT-F1-1.Pdf. Data de acesso: 16 jun. 2016. 16 Seus acionistas são: PAO Gazprom (Rússia, possui 51%), Wintershall Holding GmbH (filial da BASF- Alemanha; possui 15,5%), PEG Infrastruktur AG (filial da PEGI/E.ON; Alemanha, possui 15,5%), N.V. Nederlandse Gasunie (Holanda; possui 9%) e ENGIE (França; possui 9%). 17 Disponível em: https://www.nord-stream.com/the-project/pipeline/ . Data de acesso: 22 jun. 2017.

9

clara tentativa de evitar os gasodutos russos. Contudo, tanto o gasoduto South Stream18

quanto o Nabucco19 não foram concretizados.

Segundo Tsygankov (2009), um significativo passo no relacionamento entre a OTAN

e a Rússia foi o anúncio do Conselho OTAN-Rússia, em 2002, destinado a assessoria em

princípios e ações contra ameaças comuns. (p.05) Em maio do mesmo ano (2002), EUA e

Rússia assinaram uma declaração conjunta que estabelecia cooperação energética.

No que tange ao combate ao programa nuclear do Irã, o nível de urgência desta

questão para a Rússia é bem menor do que para os Estados Unidos. Enquanto para

Washington, Teerã com armas nucleares é um pesadelo em razão da proximidade com

Israel, importante aliado da política externa americana, para Moscou é apenas

desagradável, uma vez que as relações russas com o Irã são estáveis. Mesmo assim, a

Rússia ajudou nas negociações e, de acordo com a Carta Capital20, em julho de 2015, foi

assinado um acordo nuclear, entre o Irã e as grandes potências mundiais – França,

Alemanha, Reino Unido, Rússia, China, e Estados Unidos. O acordo prevê que o Irã se

compromete a não produzir armas nucleares, e em contraponto, as sanções econômicas

impostas a esse país seriam retiradas

A política externa americana no governo Bush concentrou-se na luta contra o

terrorismo e reconheceu a Rússia como um importante parceiro. Entretanto, Zakaurtseva

(2007, p. 101) destaca que a desaprovação russa da decisão americana de lançar mão da

força no Iraque para provocar uma mudança de regime, sem a aprovação das Nações

Unidas, produziu novos atritos entre os dois países.

Desde o apoio russo aos EUA no pós 11 de setembro, Bush se mostrou

compreensivo com as políticas russas em relação a Chechênia (devido a cooperação russa

na Guerra do Afeganistão e a já estabelecida ligação entre al-Qaeda e o Cáucaso), porém

em meados de 2002, Washington voltou a reprovar as iniciativas russas na região do

Cáucaso. Washington ignorou as ligações entre al-Qaeda e os terroristas chechenos o que

tornou possível conceder asilo político àqueles afiliados com os terroristas chechenos

(“vistos” pelos Estados Unidos como rebeldes), de acordo com Tsygankov (2009, p. 06).

18 Disponível em: https://br.sputniknews.com/mundo/201606074968601-putin-futuro-gasoduto-south-stream/. Data de acesso: 22 jun. 2017. 19 Disponível em: https://gazetarussa.com.br/ciencia/2013/07/08/fracasso_do_gasoduto_nabucco_derruba_estrategia_americana_20279. Data de acesso: 22 jun. 2017. 20 Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/internacional/eua-e-ira-chegam-a-historico-acordo-nuclear- 6108.html . Data de acesso: 14 jun. 2017.

10

3.HOSTILIDADES ENTRE A RÚSSIA E O OCIDENTE NO GOVERNO PUTIN

Rukavishnikov (2006) afirma que nem a russofobia nem a “OTANfobia” (p. 71) foram

totalmente superadas com o fim da Guerra Fria. Tsygankov (2009, p. 14) conceitua

Russofobia como “um medo do sistema político russo que é visto como incompatível com os

interesses e valores do Ocidente, em geral, e dos EUA, em particular.” A russofobia

encontrada nos Estados Unidos é semelhante a “Americafobia” dos mais nacionalistas

russos que vêem os EUA e a civilização ocidental como intrinsecamente corrupta e immoral,

enquanto os russófobos Americanos enxergam a Rússia como um Estado expansionista e

revisionista. Por ser revisionista, é esperado que a Rússia tente derrubar os EUA de sua

posição dominante no sistema internacional. Logo, a Rússia deveria ser transformada ou

contida, visto que representaria uma ameaça aos interesses estadunidenses, afirma

Tsygankov (2009).

Fobias em geral, tanto a americana quanto a russa, não são baseadas em fatos, mas

sim numa cuidadosa seleção de fatos que não representam todo o cenário, afirma

Tsygankov (2009, p.16-17) . Tais fatos são construídos e direcionados por políticas e

culturas, com ajuda da mídia e de intelectuais que tornam públicas e reforçam as

percepções negativas. O autor afirma que historicamente, os dois países tem muito em

comum e apoiaram um ao outro. Rússia e EUA tinham um bom relacionamento na

Revolução Americana, e durante todo século XVIII e XIX, além de terem sido aliados nas

duas guerras mundiais. Portanto, as origens da russofobia americana não são culturais, e

sim políticas.

A sobrevivência da russofobia é estrategicamente calculada por elites americanas

que utilizam a retórica da russofobia para propósitos políticos. Segundo Tsygankov (2009, p.

17), essas elites precisam da imagem de uma ameaça russa para promover a hegemonia

Americana e alcançar outros objetivos, como acesso às reservas energéticas e aos sítios

nucleares russos, além de tentar reduzir a intervenção estatal no sistema político. Para

alguns grupos dentro do Lobby21 é vital manter a Rússia fraca para alcançar concessões

21 O lobby anti-Rússia nasceu no século XX e se consolidou ao longo da Guerra Fria. É composto por três grupos influents, conforme Tsygankov (2009, p. 13-14): os falcões militares (Military Hawks), os falcões liberais, e os nacionalistas do leste europeu. O falcões militares é o grupo mais importante, eles lutaram na Guerra Fria não apenas para conter a União Soviética, mas para destruí-la. Os falcões liberais surgiram após 1945 com o suposto objetivo de proteger a liberdade e os direitos humanos no mundo. E, por fim, os nacionalistas do leste europeu compreende aqueles que fugiram da URSS e do Pacto de Varsóvia e que esperaram a destruição da União Soviética para ganhar independência. O que uniu esses três grupos foi uma crença missionária na supremacia das ideias e do poder americano e o ódio ao sistema soviético que era tido como o mais significativo impecílio ao estabelecimento da liderança estadunidense no sistema internacional. Russofobia uniu todas essas preocupações.

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russas relacionadas a localização geoestratégica, recursos energéticos, e dominação

política na região.

A sociedade russa é dividida entre os ocidentalistas, que defendem uma completa

integração da Rússia com a Europa, e os eslavófilos, que desejam que a Rússia se afaste

do Ocidente e se direcione para os Estados do leste, de acordo com Zakaurtseva (2007). Do

mesmo modo, os europeus ainda não perderam o medo e a desconfiança da Rússia.

Um ponte de tensão entre a Europa e a Rússia, de acordo com Zakaurtseva (2007,

p. 104-105), é o fato de que a Rússia já foi uma grande potência e não irá se contentar com

um papel secundário na Europa, e a expansão da OTAN, por sua vez, apresenta-se como

um obstáculo a esse (e outros) objetivo russo. A incorporação de países da Comunidade

dos Estados Independentes através da expansão da OTAN, é um exemplo de empecilho

causado pela organização. Ao mesmo tempo, nem a Rússia pode entrar na OTAN, pois

alguns Estados como China, Irã, Índia, e países Árabes veriam essa entrada com

desconfiança; nem tampouco os membros da OTAN tem interesse em permitir a entrada da

Rússia, pois para muitos membros europeus a entrada da Rússia na OTAN negaria o

propósito da aliança.

Robert Legvold (2010) aborda os problemas que a Rússia está inserida, como a

crise demográfica, a vulnerabilidade econômica devido à volatilidade do preço do gás e do

petróleo, a corrupção, as crescentes tensões étnicas no Norte do Cáucaso, e uma

infraestrutura arruinada. Alguns destes problemas sociais russos transbordam para os

demais Estados da Europa e impactam negativamente nas relações entre eles, conforme

afirma Zakaurtseva (2007, p.106), escoando da Rússia para a Europa em forma de

instabilidade econômica, criminalidade, tráfego de armas, drogas e material bélico, além

de imigração ilegal. Uma das consequências práticas são os problemas na obtenção de

vistos para a Europa. Zakaurtseva (2007; p. 107) reitera que já há uma cooperação russa-

europeia para reprimir o tráfico de drogas e a imigração legal no Afeganistão e na Ásia

Central.

O enclave de Kaliningrado, situado entre a Polônia e a Lituânia, é outro ponto de

tensão entre a Rússia e a União Europeia. Até 2004, os russos que desejavam viajar para o

enclave Kaliningrado atravessavam livremente pela Lituânia, porém com a entrada deste

Estado na União Européia, os russos agora necessitam de um documento que permita o

tráfego até o enclave. A Rússia já solicitou a passagem sem necessidade de visto, porém

não obteve sucesso, salientam Mazat e Serrano (2012).

O espaço pós-soviético é a região mais provável para gerar uma crise entre

Washington e Moscou, segundo Steven Pifer (2012). A Rússia impõe sua influência nos

seus Estados vizinhos, muitas vezes através do uso de tradições comuns, como ocorre

com o Cazaquistão e a Bielorrússia. E se opõe a qualquer interferência de outras

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potências nessa região, como a expansão da OTAN nacionais. Os Estados Unidos por

sua vez rejeitam a noção de esfera de influência e ironicamente22 defende o direito de

cada ex-república soviética escolher seu próprio caminho. Tensões entre as duas

abordagens são inevitáveis.

As Revoluções Coloridas foram uma série de manifestações políticas de oposição,

supostamente financiadas pelo Estados Unidos como afirma Tsygankov (2009, p.07), que

envolveram a derrubada de governos anti-EUA, e sua substituição por governos pró-

Ocidentais, ficaram conhecidas como Revolução Rosa na Geórgia (2003), Revolução

Laranja na Ucrânia (2004), e Revolução das Tulipas no Quirguistão (2005). Conforme

Rukavishnikov (2006, p.61), essas revoluções diminuíram o espaço de manobra da política

externa russa para seus Estados vizinhos, e limitaram os planos russos.

Os EUA buscam cada vez mais avançar sua infraestrutura militar ao longo das

fronteiras russas, o que obviamente aumenta a desconfiança russa. Acrescenta-se a isso

que o país americano se retirou do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (ABM), e não freou

as duas ondas de expansão da OTAN que ocorreu com oposição da Rússia. Mesmo com a

criação do Conselho OTAN-Rússia, os EUA não se esforçaram para integrar a Rússia nas

instituições de segurança do Ocidente ou tratar suas preocupações, Segundo Tsygankov

(2009).

Problemas político-ideológicos também se apresentam como um impedimento do

aprofundamento das relações russo-europeias. Certas políticas na Rússia incomodam a

Europa, como: o tratamento atribuído aos rebeldes (ou terroristas, para os russos)

chechenos, controle da mídia, centralização de poder político, supervisão de ONGs

financiadas por estrangeiros. Zakaurtseva (2007) aponta a contradição do Ocidente, uma

vez que afirma que todas essas medidas também podem ser encontradas no Ocidente,

principalmente após o ataque do 11 de setembro.

A Guerra na Síria é outro ponto de tensão entre Estados Unidos e a Rússia. Em

setembro de 2016, de acordo com a BBC News (2016)23, Washington e Moscou anunciaram

um acordo para combater juntos os terroristas e grupos extremistas na Síria, principalmente

o Estados Islâmico e o Jabhat Fateh al-Sham (conhecido como Frente Nusra, outra

ramificação da Al-Qaeda). O acordo previa ataques aéreos coordenados russo-

estadunidenses contra esses grupos terroristas, um cessar fogo de sete dias, e liberação da

entrada de ajuda humanitária em regiões sitiadas, como Aleppo. Entretanto, conforme o The

22 Pois como os Estados Unidos podem afirmar defender o direito de cada república a escolher seu próprio caminho, quando possui um longo histórico intervencionista na América? Como pode os EUA afirmar tal posição se implantou políticas como a Doutrina Monroe, Big Stick, e disseminou a crença do Destino Manifesto e o “American Way of life” para exercer sua influência nos Estados americanos? 23 Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37329228>. Data de acesso: 14 jun. 2017.

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New York Times24 (2016), dias após os Estados Unidos anunciarem o fim da cooperação

bilateral com a Rússia, por esta ter continuado a realizar bombardeios em Aleppo durante o

cessar fogo.

Cientistas políticos ocidentais chamam a Organização para Cooperação de Xangai

de organização anti-OTAN, segundo Zakaurtseva (2007, p. 99), líderes dessa

Organização apresentaram firme resistência às ações americanas e europeias para

promoção da democracia, uma vez que se tornou uma exportação da ideologia ocidental.

A Rússia, por sua vez, não se opunha totalmente a democratização, porém defendia a

preservação das tradições nacionais que algumas vezes não coincidem com as tradições

ocidentais. Moscou também defende um desenvolvimento gradual das instituições

democráticas na Eurásia. Para a mesma autora, o desejo das potências ocidentais em

acelerar o processo de democratização e o apoio à oposição russa nas ex repúblicas

soviéticas preocupou o Kremlin de que a Guerra ao Terror se transformasse em uma luta

ocidental para ganhar novas esferas de influência.

O conflito na Ucrânia também gerou consequências desagradáveis nas relações

entre Estados Unidos e Rússia. Desde 2014, as relações comerciais entre os dois países

foram afetadas com as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e demais

potências ocidentais após a anexação da Criméia pela Rússia. Em 2014, o comércio entre

os dois países compreendia 29,2 milhões de dólares, porém sofreu uma queda para 15.9

milhões de dólares em 2015, segundo dados da embaixada russa nos EUA25.

Europeus e russos também encontram dificuldade nas relações econômicas. A

recente economia russa cria desentendimentos sobre controle de qualidade, fixação de

preços, deveres fiscais, e padrões ecológicos; e seus problemas a impedem de entrar na

União Europeia. Europeus não consideram o mercado russo adequadamente seguro e

atrativo para seus investimentos, além disso a Rússia acredita sofrer discriminação nos

mercados europeus, segundo Zakaurtseva (2007; p. 105, 106).

Segundo Dan de Luce (2016), os bombardeios russos perto dos países da OTAN

na região do Báltico, durante exercícios militares da Rússia que simulavam o uso de

armamentos nucleares, deixaram a Europa em alerta. Por outro lado, a Rússia acusa os

EUA e a OTAN pelos bombardeios perto de suas fronteiras e pelo desenvolvimento de

mais tanques e envio de tropas nos Estados limítrofes a Rússia.

24 Disponível em: <http://www.nytimes.com/2016/10/04/world/middleeast/us-suspends-talks-with-russia-on- syria.html >. Data de acesso: 14 abr. 2017. 25 Disponível em: <http://www.russianembassy.org/page/russian-american-business-cooperation>. Data de acesso: 15 jun. 2017.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resquícios da história ainda estão presentes no relacionamento russo com o

Ocidente. A relação entre a Rússia e os Estados Unidos se desenvolve de forma

pragmática, os dois Estados ainda enxergam um ao outro de forma hostil, porém precisam

cooperar em determinadas áreas – terrorismo, proliferação de armas nucleares, e assim

por diante – e para isso precisam deixar de lado suas diferenças.

Com a Europa a relação é um pouco mais amistosa, pois há uma intensa relação

comercial (dentre elas, a dependência energética europeia em relação a Rússia). Contudo,

a Europa ainda tem receios em relação a Rússia, e por isso, procura manter certa

proximidade com os Estados Unidos e a OTAN.

Tsygankov (2009) traz uma importante observação ao afirmar que as fobias –

russofobia, americanfobia - não fazem parte necessariamente da cultura desses Estados,

mas da visão de uma parte dos cidadãos destes países, especialmente uma elite

interessada em ganhos políticos e econômicos, enquanto nega e esconde outra parte dos

cidadãos que não compartilham desse sentimento.

REFERÊNCIAS

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