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POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA
BNC – FORMAÇÃO: CENTRALIZAÇÃO NO CONHECIMENTO E
DISTANCIAMENTO DO DISCURSO DE GÊNERO
Josiene Mazzini da Costa
Verônica Borges
Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura
Introdução
Pretendo abordar os discursos de centralidade do conhecimento presentes na
BNC - Formação (BRASIL, 2020), incluindo a questão da formação e debates sobre
gênero, considerando noções da Teoria do Discurso tais como: “hegemonia”,
“demanda” e “discurso”. Esta pesquisa tem por interesse estudar o currículo,
compreendido como uma política cultural (LOPES e MACEDO, 2011) - e algumas
tensões acerca de um possível distanciamento entre discursos de gênero e discursos
articulados para as produções curriculares da formação docente, especialmente a BNC-
formação (BRASIL, 2020). Questões essas que têm sido levantadas no decorrer da
minha trajetória acadêmica, a qual tem destacado o interesse pelo campo do currículo,
gerando questionamentos e tensões acerca da formação docente. Considero importante
evidenciar que não tenho a intenção de pressupor que toda a formação docente de um
professor advém de sua formação acadêmica.
Considerando a relevância e possíveis contribuições das discussões que
emergiram diante desse contexto, busco nesta pesquisa, investigar as possíveis
articulações dos discursos produzidos em torno das políticas curriculares de formação
docente, tendo como foco a BNC – Formação, considerando o atravessamento do debate
de gênero. Isso se dá a partir do momento em que se reconhece a relevância da presença
dos debates de gênero dentro das instituições de ensino. Busco pensar em quais são os
temas e conteúdos privilegiados no contexto da política curricular para formação de
professores, que, havendo quiçá pouco espaço para autoria docente, pretere diversos
discursos, sentidos obstaculizados. Defendo aqui, como relevante para produção da
política curricular, pesquisar a política curricular como processo, como momento de
decisão, mas não como redução de política como institucionalização do “dado” ou “a
ser prescrito” (LOPES e MACEDO, 2011).
Algumas organizações governamentais e não governamentais constroem e
propagam discursos que caminham na contramão disso. O processo de produção da
BNCC caminha nessa direção (RIBEIRO e CRAVEIRO, 2017; RIBEIRO, 2020). É
importante tomar um pouco de cuidado com os discursos que tentam negar a
importância da temática sobre gênero nas políticas curriculares, na tentativa de impedir
assim que esse assunto chegue através das políticas curriculares às escolas no Brasil.
Como se tais discursos pudessem ser perigosos e distorcessem o “real propósito
educacional”, com isso, modificam sentidos. Como exemplo disso há o slogan
Ideologia de gênero, conforme Paraíso,
O objetivo de interromper as conquistas dos direitos das mulheres e dos
grupos LGBTS é evidente nesse slogan. Para atingir esse objetivo, considera-
se imprescindível controlar o currículo. Embora esse seja apenas um dos
pontos do controle que se deseja imprimir nas escolas quando se reivindica a
sua “neutralidade”, considero que o ideologia de gênero é exemplar do quão
longe podem ir esses grupos reacionários que querem um controle maior dos
currículos e dos/as docentes (PARAÍSO, 2016. p. 392).
Reconhecendo a limitação do espaço de elaboração do presente projeto, destaco
o enfoque em um documento, a Base nacional comum de formação de professores da
educação básica (BNC – Formação) (BRASIL, 2019/2020). A escolha dessa política se
justifica na medida em que esse é um documento recente, ainda em trâmite de
homologação, o qual visa impactar a formação do professor, considerando a BNCC
(2017, 2018) como prescrição. Além disso, estabelece a reformulação dos currículos de
todos os cursos de formação docente a nível nacional, o que pode trazer diversos efeitos.
O Projeto de Resolução da BNC – Formação (2019/2020) revoga a Resolução
CNE/CP nº 2/2015, através da qual são aprovadas novas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Professores em consonância com a
Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC). Desse modo, a
resolução estabelece novas diretrizes para os currículos de formação docente, de modo
que tenham como referência a BNCC. De acordo com o Ministério da Educação -
MEC1, a construção dessa Base contou com a colaboração de algumas instituições, tais
como a Universidade de São Paulo, a Fundação Carlos Chagas e a Fundação Getúlio
Vargas, e se inspirou no estudo e avaliação de 12 experiências internacionais, e algumas
nacionais que teriam obtido êxito nesse tipo de política de formação docente. Até o
presente momento, o documento encontra-se aprovado e aguardando homologação,
assim, este trabalho dará ênfase ao próprio Projeto de Resolução, e com menos enfoque
o Parecer CNE/CP nº 14/2020 com o relatório de aprovação da Resolução, e alguns
1 Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/50631>. Acesso em: 10. Set. 2020.
outros documentos que estiveram presentes no processo de construção dessa política,
tais como Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) e os Referenciais
profissionais docentes para a formação continuada (2019). Após a homologação, a BNC
– Formação passará a nortear todas as políticas e programas educacionais que tenham
por objetivo um aperfeiçoamento e fortalecimento da profissão docente no Brasil.
A reformulação dos currículos objetiva dar conta de reformas, que, de acordo
com o documento apresentado, são necessárias para uma melhoria na formação de
professores. Um dos possíveis discursos que mobilizou a sua construção pode ser
interpretado como uma tentativa de associação direta dos recorrentes resultados
insuficientes de aprendizagem dos estudantes em avaliações em larga escala, com uma
suposta baixa qualidade da formação dos docentes. De acordo com o portal do MEC,
esse teria sido o ponto de partida que justifica a necessidade de tal documento
normativo. Nesse sentido, cabe destacar o aporte teórico-metodológico a Teoria do
Discurso. Em conformidade com Barreiros e Frangella (2010, p.13), compreendo o
significante qualidade enquanto um significante vazio, o que será discutido na seção de
fundamentação teórica. Outro ponto central neste estudo é compreender as possíveis
aproximações e/ou distanciamentos da BNC – Formação dos discursos de
responsabilização docente, de modo a entender possíveis relações disso com a discussão
– ou distanciamento - das questões de gênero.
Percebe-se com isso, que a maneira como professores vem sendo formados não
atende às expectativas de alguns grupos e/ou setores. Além disso, há um discurso que
possivelmente entende que o professor e sua prática docente são supostos resultados do
seu processo de formação acadêmica. É possível que esse discurso reduza a
complexidade da profissão docente na medida em que ela não se resume a somente sua
formação profissional. Nesse contexto, deparo-me com alguns conflitos, como a idéia
de uma identidade a priori para o que seria um “bom professor”, o que mais uma vez
pode desconsiderar toda a complexidade em torno da profissão e prática docente, em
muitos cursos de licenciatura majoritariamente femininos, como no caso da pedagogia.
O portal do MEC2 em relação à BNC – Formação diz que ela foi pensada e elaborada
para melhorar a qualidade do ensino oferecido aos discentes ao passo em que ocorre a
valorização docente. A partir disso, podemos pensar em quais demandas mobilizaram a
hegemonização de um documento que busca padronizar a formação de professores,
2Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/50631>. Acesso em: 11. Set, 2020.
compreendendo isso como valorização profissional e melhoria na qualidade do ensino.
Esse discurso de padronização pode gerar diversas problemáticas, o que espero
aprofundar com as contribuições do programa e da orientação.
Mais do que questionar aqueles que não irão se encaixar nos “moldes” da Base
pode-se investigar os processos de subjetivação em distintos contextos, compreendendo
“o sujeito” a partir da perspectiva da diferença, se distanciando da possibilidade de se
compreender o sujeito como indivíduo (LOPES e MACEDO, 2011). A partir da
contribuição das autoras nessa obra citada, percebemos que essa tentativa de fixação de
identidade busca estabelecer e/ou estipular um padrão através de “mecanismos sociais
discursivos de estabilização das identidades que dificultam a percepção da contingência
das identidades. Dificultam, mas não impedem [...], pois, nenhum controle sobre as
formas de significar é total” (p. 216). Interpreto assim, a relevância de pensar sobre a
desestabilização da “significação essencializada para a identidade do/da professor/a,
bem como questionar a responsabilização/culpabilização docente pelos resultados da
escolarização nas políticas para a formação de professores (BORGES, SANTOS e
LOPES, 2019, p.1).
Em conformidade com Oliveira e Frangella (2018, p.161), em Currículo e
diferença, compreendo que “[...] a idéia de um “mínimo comum” ou “tronco comum”
ou “perfil”, quaisquer que seja o nome que se deseja atribuir, remete à idéia de sutura de
uma identidade, definida a priori”. Diante disso, compreende-se a problemática de um
documento que em seu parecer (p.5) afirma que “o desenvolvimento de padrões
profissionais pode contribuir para aumentar a qualidade dos professores e melhorar o
aprendizado dos alunos”. Assim, pensando em formação de professores e currículo
como busca de produção de sentido, essa Base é uma tentativa de frear esse processo de
significação, ainda que seja impossível.
O relatório do parecer que aprovou a BNC – Formação (BRASIL, 2019, 2020)
cita os Referenciais Profissionais Docentes para a Formação Continuada, construído a
partir de uma Rede de trabalho formada por instituições governamentais e não
governamentais que identificaram e analisaram as demandas
[...] e necessidades de redes estaduais e municipais em relação aos aspectos
que representam o que os professores de todas as etapas e modalidades da
educação básica brasileira precisam saber e serem capazes de fazer no
exercício de sua profissão e que, portanto, podem servir como norteadores para as iniciativas de formação continuada desenvolvidas no país.
Esse documento, que, de acordo com o parecer, é “[...] também chamados de matriz de
competências ou padrões profissionais [...]” (p.5) embasou a BNC – Formação. A partir
disso podemos identificar mais uma vez o discurso de padronização.
Nesse caso, busco investigar como a centralidade do conhecimento proposta
pelo documento pode repercutir no discurso de gênero. De acordo com Lopes (2012, p.
7) “os textos das políticas de currículo só podem representar a política se forem
compreendidos como parte de uma dada articulação hegemônica, inseridos em um
discurso que tenta fixar, ainda que provisoriamente, determinadas significações”. Ainda
dialogando com a autora,
os textos das políticas de currículo só podem representar a política se forem
compreendidos como parte de uma dada articulação hegemônica, inseridos
em um discurso que tenta fixar, ainda que provisoriamente, determinadas
significações” (2012, p.7).
Justificativa
Reconhecendo as disputas e tentativas de um controle, sempre provisório, do
currículo, considero relevante construir esta pesquisa a partir do estudo das políticas
curriculares de formação de professores, considerando que o possível distanciamento do
discurso de gênero pode estar direta e/ou indiretamente relacionado a propostas
curriculares de formações centralizadas no conhecimento, o que pode repercutir de
diversas formas no debate sobre as questões de gênero, como o reforço da dimensão
patriarcal e oligárquica nas decisões das políticas, mas que ganham uma dimensão de
enfrentamento e impossibilidade de controle total na dinâmica contextual.
É relevante pontuar que estou reconhecendo a impossibilidade de neutralidade
no processo de formação das políticas, assim como antes mesmo disso, na identificação
das demandas. Venho estudando o campo do Currículo desde a metade da minha
graduação, momento em que cursei a disciplina de currículo, logo em seguida passei a
integrar o Núcleo de estudos em políticas curriculares – NEPOC. Desde então tenho
tido cada vez mais interesse a aprendido continuamente sobre o tema. Diante disso,
destaco o interesse em continuar a estudar o currículo e as questões de gênero que o
atravessam a partir das políticas curriculares de formação docente. Assim, o projeto
Políticas curriculares para a formação de professores na BNCC: interpelações aos
discursos com centralidade no conhecimento e/ou na prática pode contribuir de forma
significativa para tal estudo, já que coloca no centro da discussão tanto as políticas de
formação docente, quanto os discursos de centralidade no conhecimento, o qual ignora o
debate de gênero. Evidencio que compreendo, e, mais que isso, vejo como importante a
possibilidade dessa experiência me trazer novos olhares e novas e/ou diferentes
perspectivas. Durante a busca por possíveis orientadores/as, encontrei os estudos e
produções da profª. Drª. Verônica Borges, como o Disputas discursivas em torno de
uma identidade fixa docente: quais as demandas formativas estão sendo
representadas?, o qual havia incitado diversos questionamentos em torno da temática
de políticas curriculares de formação docente e da ideia de tentativas de fixação de
identidade para o professor durante minha graduação. Além disso, diversas de suas
publicações chamaram minha atenção, e, mais que isso, algumas contribuíram para o
início desta pesquisa, como por exemplo, o texto Formação de Professores e Reformas
Curriculares: Entre Projeções e Normatividade (SANTOS, BORGES e LOPES, 2019).
Compreendo que construir tal estudo junto à linha de pesquisa Currículo:
sujeitos, conhecimento e cultura possibilita maior enriquecimento do estudo, podendo
haver diversas trocas com outras pesquisas, já construídas e/ou em processo de
construção que discutem e se interessam pelo campo do currículo, e por possíveis
atravessamentos, tensões e questionamentos em torno do mesmo. Assim como, estudar
o debate de gênero pode enriquecer o projeto escolhido, considerando que é uma
temática talvez menos estudada na linha de pesquisa a partir do estudo das políticas
curriculares de formação docente. Compreendo que a Teoria do Discurso acrescenta ao
debate das questões de gênero uma perspectiva não realista (LOPES e MACEDO,
2011), o que pode trazer aspectos pertinentes para a discussão. Com isso, penso que
trazer essa discussão a partir das políticas curriculares de formação docente e dos
possíveis discursos de centralidade no conhecimento pode incitar debates importantes e
construir, junto ao projeto escolhido, uma pesquisa instigante.
Objetivos
Ao considerar a proposta de centralidade no conhecimento na formação docente
presente na BNC – Formação, esta pesquisa objetiva investigar de que forma o discurso
pode repercutir no debate sobre as questões de Gênero. Diante dos vários discursos que
caminham no sentido de uma responsabilização docente em diversos trechos do
documento da política curricular em questão, outro ponto central neste estudo é
compreender as possíveis aproximações e/ou distanciamentos entre essa política e os
discursos de responsabilização docente, de modo a entender também se de alguma
forma a responsabilização sobre os debates das questões de Gênero – ou o possível
distanciamento dele - recaem sobre esses profissionais. Além disso, considero essencial
interpretar a produção de demandas que possibilitou a hegemonização desse documento.
Fundamentação teórica
Nesta seção, proponho-me a tratar brevemente, considerando a limitação do
espaço e caráter inicial da pesquisa, sobre as noções de discurso, hegemonia e demanda
a partir da contribuição de autores, que, alinhados à Teoria do Discurso, discutem essas
noções no campo do currículo. Após essa breve discussão, retomo o debate sobre as
questões de Gênero relacionando a temática com as noções já destacadas. Considero
que compreender essas noções e trazê-las para o centro da discussão possibilita uma
pesquisa mais aprofundada sobre as questões e problemáticas levantadas nas seções
anteriores. Pretendo, ao longo da pesquisa aqui iniciada, a partir das noções da Teoria
do Discurso alcançar os objetivos já mencionados.
Podemos entender discurso como prática, “uma categoria que une palavras e
ações; que tem natureza material e não material e/ou ideal. [...] quaisquer ações
empreendidas por sujeitos, identidades, grupos sociais são ações significativas”
(MENDONÇA, 2009, p. 3) assim como prática discursiva. Desse modo, o discurso não
se limita a um conjunto de palavras somadas, ele pode ser entendido, ainda de acordo
com o autor, como resultante de “articulações concretas que unem palavras e ações, no
sentido de produzir sentidos que vão disputar espaço no social”. Laclau e Mouffe (1985,
p.178, 179) nos ajudam a compreender a noção de articulação, que, de acordo com os
pesquisadores é “qualquer prática que estabeleça uma relação entre elementos de tal
modo que a sua identidade seja modificada como um resultado da prática articulatória”.
Assim, interpretam discurso como a “totalidade estruturada resultante desta prática
articulatória” (LACLAU e MOUFFE, 1985, p.178). Algumas noções vão aparecendo
atreladas àquelas destacadas nas seções anteriores, como por exemplo, a ideia de
articulação. Compreendo, a partir de Mendonça (2009, p. 5) que articulação é
uma prática estabelecida entre elementos que, a partir de um ponto nodal,
articulam-se entre si, tornando-se momentos estritamente em relação à
articulação estabelecida (LACLAU & MOUFFE, 1985). Isso quer dizer que,
no limite, esses elementos não deixam de continuar sendo elementos e que,
contingencialmente tornam-se elementos-momentos em uma determinada
prática articulatória. Organizam-se, portanto, tendo um ponto nodal como
princípio articulador, cujo discurso é o seu resultado.
Assim, entendendo que na Teoria do Discurso nenhuma noção se encerra nela mesmo,
segundo Mendonça (2009), se aproximando de Laclau e Mouffe (1985). Entendo que
[...] na prática, (que é discurso), refere-se às regras de associação e atribuição
de sentidos que estruturam não somente a produção de textos verbais – orais
e escritos - mas toda forma de produção simbólica – imagens, sons,
performaces, estruturas organizacionais, práticas disciplinares, pedagógicas,
religiosas, sexuais etc. – E consequentemente, de construção da própria
materialidade do mundo. Nesse sentido, não há e não poderia haver um
modelo metodológico sistemático e unificado que possa ser simplesmente
adotado ou aplicado nas pesquisas discursivas. Compreendo que cada
pesquisa precisa construir seu próprio objeto de estudo através da problematização da realidade estudada e da articulação dos conceitos teóricos
com os elementos e/ou conceitos que constituem discursivamente essa
realidade, é preciso elaborar sua própria estratégia metodológica de acordo
com as características do projeto proposto e da problemática delineada.
(OLIVEIRA, 2018, p. 171).
Em consonância com Mendonça (2009, p. 6 – 7), a noção de hegemonia pode ser
compreendida como “uma relação em que uma determinada identidade, num
determinado contexto histórico discursivo, de forma precária e contingente, passa a
representar, a partir de uma relação equivalencial, múltiplos elementos”. Ainda a partir
das contribuições da última referência citada, podemos compreender essa relação a
partir da cadeia de equivalências, sendo a articulação de um conjunto formado por
demandas não atendidas que perdem o sentido de demanda como pedido e passam para
um status de reivindicação nesse processo articulatório. A partir disso, é formada uma
linha divisória antagônica que separa o que estaria impedindo a satisfação dessas
demandas. O debate no caso está centralizado no significante “povo”.
A partir das contribuições de Mendonça (2020), com enfoque no populismo para
Laclau e Mouffe, é possível interpretar a hegemonia como uma espécie de designação
de uma ordem que sempre provisória e precária, e depende de determinada historicidade
contingencial. Podemos entender, a partir das contribuições desse autor, que a
hegemonização, “se constrói a partir de uma série de sentidos que se tornam
privilegiados num determinado discurso” político, o que acontece em todos os discursos
políticos, como no nosso caso com os significantes enfocados. Assim, o que venho
buscando entender é que sentidos foram privilegiados nos discursos de construção da
BNC – Formação, de modo a gerar a sua hegemonização, e, mais que isso, diante de um
possível distanciamento do debate de Gênero nessa política curricular, compreender
quais foram os discursos que caminharam no sentido de construir e hegemonizar um
documento constituído por argumentos de melhoria na qualidade de ensino e
valorização docente a partir da centralização no conhecimento e da padronização da
formação de professores. No que se refere à noção de demanda, a partir de Mendonça
(2020) e Oliveira (2017), venho compreendendo-a como a menor unidade da pesquisa.
É importante dizer que o discurso de melhoria na qualidade do ensino, que, de
acordo com o MEC, foi o ponto de partida para construção e hegemonização do
documento aqui discutido, está atrelado a um conceito que no aporte teórico deste
estudo é compreendido a partir da noção de significante vazio. Conforme Frangella
(2014, p. 2), “há uma miríade de sentidos em disputa numa pluralidade de demandas
sociais que se articulam em torno do significante vazio, nesse caso qualidade”. Os
significantes vazios não estão associados a abstrações, pelo contrário, são
representações reais de relações políticas, e, mais que isso, é “a construção do vazio
como possibilidade de representação” (MENDONÇA, 2020).
O significante vazio ocorre quando um discurso universaliza tanto seus
conteúdos a ponto de ser impossível de ser significado de forma exata. Isso se
dá, segundo Laclau (1996), quando, numa prática articulatória, a cadeia de
equivalências (elementos/momentos articulados) expande polissemicamente
seus conteúdos, inflaciona-se sobremaneira de sentidos (MENDONÇA, 2009,
p. 10).
Assim, o sentido de qualidade estabelecido a partir da BNC – Formação
representa as relações políticas que constituíram tal documento em meio a relações de
disputas e poder, o que buscarei aprofundar no mestrado. Ao interpretar o documento,
compreendo que tal conceito está associado tanto a um ensino com centralidade no
conhecimento, quanto a uma padronização docente. Conforme destaca Carvalhos, Dias
e Júnior (2019, p. 5),
Pela teoria do discurso (Laclau & Mouffe, 2015), quem assume, no espaço
político, a função de fixação provisória de uma específica ordem é um significante vazio. Primeiramente, convém destacar que na constituição do
espaço político na teoria do discurso, o esvaziamento dos significantes é algo
que não se deve evitar, muito menos o sentido de vazio assume um tom
pejorativo. Nesse registro, como esperamos mostrar, o esvaziamento de um
significante é constitutivo da própria política, dando origem ao próprio
movimento constituinte da identidade hegemônica (Laclau, 2013). Assim, a
vagueza e a imprecisão constitutivas dos significantes vazios criam condições
de possibilidade para a construção de múltiplos investimentos educacionais
na educação em ciências.
Metodologia
Compreendendo o caráter contingencial desta pesquisa reconheço a impossibilidade de
delinear de forma apriorística qualquer metodologia definitiva e/ou inflexível. No
entanto, cumpre ressaltar que pretendo utilizar como aporte teórico a Teoria do Discurso
na medida em que colabora para pensar as questões do estudo, contribuindo com as
noções de hegemonia, demanda e discurso como centrais na política curricular. O
proponho é um estudo da política curricular de formação, tendo como objeto empírico
principal a BNC – Formação e o contexto de sua produção. Espero aprofundar a
discussão da pesquisa com as noções de significante vazio e articulação, por exemplo,
estando abertas às demais noções da Teoria do Discurso que possam contribuir ainda
mais para esta pesquisa, a qual busca trazer para o debate de formação o estudo de
gênero que já venho realizando desde a escrita da minha monografia, intitulada Um
estudo bibliográfico da relação feminismo e educação. Outro caminho a ser percorrido
na construção do presente trabalho é a pesquisa e identificação das demandas que foram
sendo levantadas e atendidas no processoe construção da BNC – Formação.
Cronograma
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