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POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA BNC FORMAÇÃO: CENTRALIZAÇÃO NO CONHECIMENTO E DISTANCIAMENTO DO DISCURSO DE GÊNERO Josiene Mazzini da Costa Verônica Borges Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura Introdução Pretendo abordar os discursos de centralidade do conhecimento presentes na BNC - Formação (BRASIL, 2020), incluindo a questão da formação e debates sobre gênero, considerando noções da Teoria do Discurso tais como: “hegemonia, demandae discurso. Esta pesquisa tem por interesse estudar o currículo, compreendido como uma política cultural (LOPES e MACEDO, 2011) - e algumas tensões acerca de um possível distanciamento entre discursos de gênero e discursos articulados para as produções curriculares da formação docente, especialmente a BNC- formação (BRASIL, 2020). Questões essas que têm sido levantadas no decorrer da minha trajetória acadêmica, a qual tem destacado o interesse pelo campo do currículo, gerando questionamentos e tensões acerca da formação docente. Considero importante evidenciar que não tenho a intenção de pressupor que toda a formação docente de um professor advém de sua formação acadêmica. Considerando a relevância e possíveis contribuições das discussões que emergiram diante desse contexto, busco nesta pesquisa, investigar as possíveis articulações dos discursos produzidos em torno das políticas curriculares de formação docente, tendo como foco a BNC Formação, considerando o atravessamento do debate de gênero. Isso se dá a partir do momento em que se reconhece a relevância da presença dos debates de gênero dentro das instituições de ensino. Busco pensar em quais são os temas e conteúdos privilegiados no contexto da política curricular para formação de professores, que, havendo quiçá pouco espaço para autoria docente, pretere diversos discursos, sentidos obstaculizados. Defendo aqui, como relevante para produção da política curricular, pesquisar a política curricular como processo, como momento de decisão, mas não como redução de política como institucionalização do “dado” ou “a ser prescrito” (LOPES e MACEDO, 2011). Algumas organizações governamentais e não governamentais constroem e propagam discursos que caminham na contramão disso. O processo de produção da

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POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA

BNC – FORMAÇÃO: CENTRALIZAÇÃO NO CONHECIMENTO E

DISTANCIAMENTO DO DISCURSO DE GÊNERO

Josiene Mazzini da Costa

Verônica Borges

Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura

Introdução

Pretendo abordar os discursos de centralidade do conhecimento presentes na

BNC - Formação (BRASIL, 2020), incluindo a questão da formação e debates sobre

gênero, considerando noções da Teoria do Discurso tais como: “hegemonia”,

“demanda” e “discurso”. Esta pesquisa tem por interesse estudar o currículo,

compreendido como uma política cultural (LOPES e MACEDO, 2011) - e algumas

tensões acerca de um possível distanciamento entre discursos de gênero e discursos

articulados para as produções curriculares da formação docente, especialmente a BNC-

formação (BRASIL, 2020). Questões essas que têm sido levantadas no decorrer da

minha trajetória acadêmica, a qual tem destacado o interesse pelo campo do currículo,

gerando questionamentos e tensões acerca da formação docente. Considero importante

evidenciar que não tenho a intenção de pressupor que toda a formação docente de um

professor advém de sua formação acadêmica.

Considerando a relevância e possíveis contribuições das discussões que

emergiram diante desse contexto, busco nesta pesquisa, investigar as possíveis

articulações dos discursos produzidos em torno das políticas curriculares de formação

docente, tendo como foco a BNC – Formação, considerando o atravessamento do debate

de gênero. Isso se dá a partir do momento em que se reconhece a relevância da presença

dos debates de gênero dentro das instituições de ensino. Busco pensar em quais são os

temas e conteúdos privilegiados no contexto da política curricular para formação de

professores, que, havendo quiçá pouco espaço para autoria docente, pretere diversos

discursos, sentidos obstaculizados. Defendo aqui, como relevante para produção da

política curricular, pesquisar a política curricular como processo, como momento de

decisão, mas não como redução de política como institucionalização do “dado” ou “a

ser prescrito” (LOPES e MACEDO, 2011).

Algumas organizações governamentais e não governamentais constroem e

propagam discursos que caminham na contramão disso. O processo de produção da

Page 2: POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE …

BNCC caminha nessa direção (RIBEIRO e CRAVEIRO, 2017; RIBEIRO, 2020). É

importante tomar um pouco de cuidado com os discursos que tentam negar a

importância da temática sobre gênero nas políticas curriculares, na tentativa de impedir

assim que esse assunto chegue através das políticas curriculares às escolas no Brasil.

Como se tais discursos pudessem ser perigosos e distorcessem o “real propósito

educacional”, com isso, modificam sentidos. Como exemplo disso há o slogan

Ideologia de gênero, conforme Paraíso,

O objetivo de interromper as conquistas dos direitos das mulheres e dos

grupos LGBTS é evidente nesse slogan. Para atingir esse objetivo, considera-

se imprescindível controlar o currículo. Embora esse seja apenas um dos

pontos do controle que se deseja imprimir nas escolas quando se reivindica a

sua “neutralidade”, considero que o ideologia de gênero é exemplar do quão

longe podem ir esses grupos reacionários que querem um controle maior dos

currículos e dos/as docentes (PARAÍSO, 2016. p. 392).

Reconhecendo a limitação do espaço de elaboração do presente projeto, destaco

o enfoque em um documento, a Base nacional comum de formação de professores da

educação básica (BNC – Formação) (BRASIL, 2019/2020). A escolha dessa política se

justifica na medida em que esse é um documento recente, ainda em trâmite de

homologação, o qual visa impactar a formação do professor, considerando a BNCC

(2017, 2018) como prescrição. Além disso, estabelece a reformulação dos currículos de

todos os cursos de formação docente a nível nacional, o que pode trazer diversos efeitos.

O Projeto de Resolução da BNC – Formação (2019/2020) revoga a Resolução

CNE/CP nº 2/2015, através da qual são aprovadas novas Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Professores em consonância com a

Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC). Desse modo, a

resolução estabelece novas diretrizes para os currículos de formação docente, de modo

que tenham como referência a BNCC. De acordo com o Ministério da Educação -

MEC1, a construção dessa Base contou com a colaboração de algumas instituições, tais

como a Universidade de São Paulo, a Fundação Carlos Chagas e a Fundação Getúlio

Vargas, e se inspirou no estudo e avaliação de 12 experiências internacionais, e algumas

nacionais que teriam obtido êxito nesse tipo de política de formação docente. Até o

presente momento, o documento encontra-se aprovado e aguardando homologação,

assim, este trabalho dará ênfase ao próprio Projeto de Resolução, e com menos enfoque

o Parecer CNE/CP nº 14/2020 com o relatório de aprovação da Resolução, e alguns

1 Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/50631>. Acesso em: 10. Set. 2020.

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outros documentos que estiveram presentes no processo de construção dessa política,

tais como Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) e os Referenciais

profissionais docentes para a formação continuada (2019). Após a homologação, a BNC

– Formação passará a nortear todas as políticas e programas educacionais que tenham

por objetivo um aperfeiçoamento e fortalecimento da profissão docente no Brasil.

A reformulação dos currículos objetiva dar conta de reformas, que, de acordo

com o documento apresentado, são necessárias para uma melhoria na formação de

professores. Um dos possíveis discursos que mobilizou a sua construção pode ser

interpretado como uma tentativa de associação direta dos recorrentes resultados

insuficientes de aprendizagem dos estudantes em avaliações em larga escala, com uma

suposta baixa qualidade da formação dos docentes. De acordo com o portal do MEC,

esse teria sido o ponto de partida que justifica a necessidade de tal documento

normativo. Nesse sentido, cabe destacar o aporte teórico-metodológico a Teoria do

Discurso. Em conformidade com Barreiros e Frangella (2010, p.13), compreendo o

significante qualidade enquanto um significante vazio, o que será discutido na seção de

fundamentação teórica. Outro ponto central neste estudo é compreender as possíveis

aproximações e/ou distanciamentos da BNC – Formação dos discursos de

responsabilização docente, de modo a entender possíveis relações disso com a discussão

– ou distanciamento - das questões de gênero.

Percebe-se com isso, que a maneira como professores vem sendo formados não

atende às expectativas de alguns grupos e/ou setores. Além disso, há um discurso que

possivelmente entende que o professor e sua prática docente são supostos resultados do

seu processo de formação acadêmica. É possível que esse discurso reduza a

complexidade da profissão docente na medida em que ela não se resume a somente sua

formação profissional. Nesse contexto, deparo-me com alguns conflitos, como a idéia

de uma identidade a priori para o que seria um “bom professor”, o que mais uma vez

pode desconsiderar toda a complexidade em torno da profissão e prática docente, em

muitos cursos de licenciatura majoritariamente femininos, como no caso da pedagogia.

O portal do MEC2 em relação à BNC – Formação diz que ela foi pensada e elaborada

para melhorar a qualidade do ensino oferecido aos discentes ao passo em que ocorre a

valorização docente. A partir disso, podemos pensar em quais demandas mobilizaram a

hegemonização de um documento que busca padronizar a formação de professores,

2Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/50631>. Acesso em: 11. Set, 2020.

Page 4: POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE …

compreendendo isso como valorização profissional e melhoria na qualidade do ensino.

Esse discurso de padronização pode gerar diversas problemáticas, o que espero

aprofundar com as contribuições do programa e da orientação.

Mais do que questionar aqueles que não irão se encaixar nos “moldes” da Base

pode-se investigar os processos de subjetivação em distintos contextos, compreendendo

“o sujeito” a partir da perspectiva da diferença, se distanciando da possibilidade de se

compreender o sujeito como indivíduo (LOPES e MACEDO, 2011). A partir da

contribuição das autoras nessa obra citada, percebemos que essa tentativa de fixação de

identidade busca estabelecer e/ou estipular um padrão através de “mecanismos sociais

discursivos de estabilização das identidades que dificultam a percepção da contingência

das identidades. Dificultam, mas não impedem [...], pois, nenhum controle sobre as

formas de significar é total” (p. 216). Interpreto assim, a relevância de pensar sobre a

desestabilização da “significação essencializada para a identidade do/da professor/a,

bem como questionar a responsabilização/culpabilização docente pelos resultados da

escolarização nas políticas para a formação de professores (BORGES, SANTOS e

LOPES, 2019, p.1).

Em conformidade com Oliveira e Frangella (2018, p.161), em Currículo e

diferença, compreendo que “[...] a idéia de um “mínimo comum” ou “tronco comum”

ou “perfil”, quaisquer que seja o nome que se deseja atribuir, remete à idéia de sutura de

uma identidade, definida a priori”. Diante disso, compreende-se a problemática de um

documento que em seu parecer (p.5) afirma que “o desenvolvimento de padrões

profissionais pode contribuir para aumentar a qualidade dos professores e melhorar o

aprendizado dos alunos”. Assim, pensando em formação de professores e currículo

como busca de produção de sentido, essa Base é uma tentativa de frear esse processo de

significação, ainda que seja impossível.

O relatório do parecer que aprovou a BNC – Formação (BRASIL, 2019, 2020)

cita os Referenciais Profissionais Docentes para a Formação Continuada, construído a

partir de uma Rede de trabalho formada por instituições governamentais e não

governamentais que identificaram e analisaram as demandas

[...] e necessidades de redes estaduais e municipais em relação aos aspectos

que representam o que os professores de todas as etapas e modalidades da

educação básica brasileira precisam saber e serem capazes de fazer no

exercício de sua profissão e que, portanto, podem servir como norteadores para as iniciativas de formação continuada desenvolvidas no país.

Page 5: POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE …

Esse documento, que, de acordo com o parecer, é “[...] também chamados de matriz de

competências ou padrões profissionais [...]” (p.5) embasou a BNC – Formação. A partir

disso podemos identificar mais uma vez o discurso de padronização.

Nesse caso, busco investigar como a centralidade do conhecimento proposta

pelo documento pode repercutir no discurso de gênero. De acordo com Lopes (2012, p.

7) “os textos das políticas de currículo só podem representar a política se forem

compreendidos como parte de uma dada articulação hegemônica, inseridos em um

discurso que tenta fixar, ainda que provisoriamente, determinadas significações”. Ainda

dialogando com a autora,

os textos das políticas de currículo só podem representar a política se forem

compreendidos como parte de uma dada articulação hegemônica, inseridos

em um discurso que tenta fixar, ainda que provisoriamente, determinadas

significações” (2012, p.7).

Justificativa

Reconhecendo as disputas e tentativas de um controle, sempre provisório, do

currículo, considero relevante construir esta pesquisa a partir do estudo das políticas

curriculares de formação de professores, considerando que o possível distanciamento do

discurso de gênero pode estar direta e/ou indiretamente relacionado a propostas

curriculares de formações centralizadas no conhecimento, o que pode repercutir de

diversas formas no debate sobre as questões de gênero, como o reforço da dimensão

patriarcal e oligárquica nas decisões das políticas, mas que ganham uma dimensão de

enfrentamento e impossibilidade de controle total na dinâmica contextual.

É relevante pontuar que estou reconhecendo a impossibilidade de neutralidade

no processo de formação das políticas, assim como antes mesmo disso, na identificação

das demandas. Venho estudando o campo do Currículo desde a metade da minha

graduação, momento em que cursei a disciplina de currículo, logo em seguida passei a

integrar o Núcleo de estudos em políticas curriculares – NEPOC. Desde então tenho

tido cada vez mais interesse a aprendido continuamente sobre o tema. Diante disso,

destaco o interesse em continuar a estudar o currículo e as questões de gênero que o

atravessam a partir das políticas curriculares de formação docente. Assim, o projeto

Políticas curriculares para a formação de professores na BNCC: interpelações aos

discursos com centralidade no conhecimento e/ou na prática pode contribuir de forma

significativa para tal estudo, já que coloca no centro da discussão tanto as políticas de

formação docente, quanto os discursos de centralidade no conhecimento, o qual ignora o

Page 6: POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE …

debate de gênero. Evidencio que compreendo, e, mais que isso, vejo como importante a

possibilidade dessa experiência me trazer novos olhares e novas e/ou diferentes

perspectivas. Durante a busca por possíveis orientadores/as, encontrei os estudos e

produções da profª. Drª. Verônica Borges, como o Disputas discursivas em torno de

uma identidade fixa docente: quais as demandas formativas estão sendo

representadas?, o qual havia incitado diversos questionamentos em torno da temática

de políticas curriculares de formação docente e da ideia de tentativas de fixação de

identidade para o professor durante minha graduação. Além disso, diversas de suas

publicações chamaram minha atenção, e, mais que isso, algumas contribuíram para o

início desta pesquisa, como por exemplo, o texto Formação de Professores e Reformas

Curriculares: Entre Projeções e Normatividade (SANTOS, BORGES e LOPES, 2019).

Compreendo que construir tal estudo junto à linha de pesquisa Currículo:

sujeitos, conhecimento e cultura possibilita maior enriquecimento do estudo, podendo

haver diversas trocas com outras pesquisas, já construídas e/ou em processo de

construção que discutem e se interessam pelo campo do currículo, e por possíveis

atravessamentos, tensões e questionamentos em torno do mesmo. Assim como, estudar

o debate de gênero pode enriquecer o projeto escolhido, considerando que é uma

temática talvez menos estudada na linha de pesquisa a partir do estudo das políticas

curriculares de formação docente. Compreendo que a Teoria do Discurso acrescenta ao

debate das questões de gênero uma perspectiva não realista (LOPES e MACEDO,

2011), o que pode trazer aspectos pertinentes para a discussão. Com isso, penso que

trazer essa discussão a partir das políticas curriculares de formação docente e dos

possíveis discursos de centralidade no conhecimento pode incitar debates importantes e

construir, junto ao projeto escolhido, uma pesquisa instigante.

Objetivos

Ao considerar a proposta de centralidade no conhecimento na formação docente

presente na BNC – Formação, esta pesquisa objetiva investigar de que forma o discurso

pode repercutir no debate sobre as questões de Gênero. Diante dos vários discursos que

caminham no sentido de uma responsabilização docente em diversos trechos do

documento da política curricular em questão, outro ponto central neste estudo é

compreender as possíveis aproximações e/ou distanciamentos entre essa política e os

discursos de responsabilização docente, de modo a entender também se de alguma

forma a responsabilização sobre os debates das questões de Gênero – ou o possível

Page 7: POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE …

distanciamento dele - recaem sobre esses profissionais. Além disso, considero essencial

interpretar a produção de demandas que possibilitou a hegemonização desse documento.

Fundamentação teórica

Nesta seção, proponho-me a tratar brevemente, considerando a limitação do

espaço e caráter inicial da pesquisa, sobre as noções de discurso, hegemonia e demanda

a partir da contribuição de autores, que, alinhados à Teoria do Discurso, discutem essas

noções no campo do currículo. Após essa breve discussão, retomo o debate sobre as

questões de Gênero relacionando a temática com as noções já destacadas. Considero

que compreender essas noções e trazê-las para o centro da discussão possibilita uma

pesquisa mais aprofundada sobre as questões e problemáticas levantadas nas seções

anteriores. Pretendo, ao longo da pesquisa aqui iniciada, a partir das noções da Teoria

do Discurso alcançar os objetivos já mencionados.

Podemos entender discurso como prática, “uma categoria que une palavras e

ações; que tem natureza material e não material e/ou ideal. [...] quaisquer ações

empreendidas por sujeitos, identidades, grupos sociais são ações significativas”

(MENDONÇA, 2009, p. 3) assim como prática discursiva. Desse modo, o discurso não

se limita a um conjunto de palavras somadas, ele pode ser entendido, ainda de acordo

com o autor, como resultante de “articulações concretas que unem palavras e ações, no

sentido de produzir sentidos que vão disputar espaço no social”. Laclau e Mouffe (1985,

p.178, 179) nos ajudam a compreender a noção de articulação, que, de acordo com os

pesquisadores é “qualquer prática que estabeleça uma relação entre elementos de tal

modo que a sua identidade seja modificada como um resultado da prática articulatória”.

Assim, interpretam discurso como a “totalidade estruturada resultante desta prática

articulatória” (LACLAU e MOUFFE, 1985, p.178). Algumas noções vão aparecendo

atreladas àquelas destacadas nas seções anteriores, como por exemplo, a ideia de

articulação. Compreendo, a partir de Mendonça (2009, p. 5) que articulação é

uma prática estabelecida entre elementos que, a partir de um ponto nodal,

articulam-se entre si, tornando-se momentos estritamente em relação à

articulação estabelecida (LACLAU & MOUFFE, 1985). Isso quer dizer que,

no limite, esses elementos não deixam de continuar sendo elementos e que,

contingencialmente tornam-se elementos-momentos em uma determinada

prática articulatória. Organizam-se, portanto, tendo um ponto nodal como

princípio articulador, cujo discurso é o seu resultado.

Page 8: POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE …

Assim, entendendo que na Teoria do Discurso nenhuma noção se encerra nela mesmo,

segundo Mendonça (2009), se aproximando de Laclau e Mouffe (1985). Entendo que

[...] na prática, (que é discurso), refere-se às regras de associação e atribuição

de sentidos que estruturam não somente a produção de textos verbais – orais

e escritos - mas toda forma de produção simbólica – imagens, sons,

performaces, estruturas organizacionais, práticas disciplinares, pedagógicas,

religiosas, sexuais etc. – E consequentemente, de construção da própria

materialidade do mundo. Nesse sentido, não há e não poderia haver um

modelo metodológico sistemático e unificado que possa ser simplesmente

adotado ou aplicado nas pesquisas discursivas. Compreendo que cada

pesquisa precisa construir seu próprio objeto de estudo através da problematização da realidade estudada e da articulação dos conceitos teóricos

com os elementos e/ou conceitos que constituem discursivamente essa

realidade, é preciso elaborar sua própria estratégia metodológica de acordo

com as características do projeto proposto e da problemática delineada.

(OLIVEIRA, 2018, p. 171).

Em consonância com Mendonça (2009, p. 6 – 7), a noção de hegemonia pode ser

compreendida como “uma relação em que uma determinada identidade, num

determinado contexto histórico discursivo, de forma precária e contingente, passa a

representar, a partir de uma relação equivalencial, múltiplos elementos”. Ainda a partir

das contribuições da última referência citada, podemos compreender essa relação a

partir da cadeia de equivalências, sendo a articulação de um conjunto formado por

demandas não atendidas que perdem o sentido de demanda como pedido e passam para

um status de reivindicação nesse processo articulatório. A partir disso, é formada uma

linha divisória antagônica que separa o que estaria impedindo a satisfação dessas

demandas. O debate no caso está centralizado no significante “povo”.

A partir das contribuições de Mendonça (2020), com enfoque no populismo para

Laclau e Mouffe, é possível interpretar a hegemonia como uma espécie de designação

de uma ordem que sempre provisória e precária, e depende de determinada historicidade

contingencial. Podemos entender, a partir das contribuições desse autor, que a

hegemonização, “se constrói a partir de uma série de sentidos que se tornam

privilegiados num determinado discurso” político, o que acontece em todos os discursos

políticos, como no nosso caso com os significantes enfocados. Assim, o que venho

buscando entender é que sentidos foram privilegiados nos discursos de construção da

BNC – Formação, de modo a gerar a sua hegemonização, e, mais que isso, diante de um

possível distanciamento do debate de Gênero nessa política curricular, compreender

quais foram os discursos que caminharam no sentido de construir e hegemonizar um

documento constituído por argumentos de melhoria na qualidade de ensino e

Page 9: POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE …

valorização docente a partir da centralização no conhecimento e da padronização da

formação de professores. No que se refere à noção de demanda, a partir de Mendonça

(2020) e Oliveira (2017), venho compreendendo-a como a menor unidade da pesquisa.

É importante dizer que o discurso de melhoria na qualidade do ensino, que, de

acordo com o MEC, foi o ponto de partida para construção e hegemonização do

documento aqui discutido, está atrelado a um conceito que no aporte teórico deste

estudo é compreendido a partir da noção de significante vazio. Conforme Frangella

(2014, p. 2), “há uma miríade de sentidos em disputa numa pluralidade de demandas

sociais que se articulam em torno do significante vazio, nesse caso qualidade”. Os

significantes vazios não estão associados a abstrações, pelo contrário, são

representações reais de relações políticas, e, mais que isso, é “a construção do vazio

como possibilidade de representação” (MENDONÇA, 2020).

O significante vazio ocorre quando um discurso universaliza tanto seus

conteúdos a ponto de ser impossível de ser significado de forma exata. Isso se

dá, segundo Laclau (1996), quando, numa prática articulatória, a cadeia de

equivalências (elementos/momentos articulados) expande polissemicamente

seus conteúdos, inflaciona-se sobremaneira de sentidos (MENDONÇA, 2009,

p. 10).

Assim, o sentido de qualidade estabelecido a partir da BNC – Formação

representa as relações políticas que constituíram tal documento em meio a relações de

disputas e poder, o que buscarei aprofundar no mestrado. Ao interpretar o documento,

compreendo que tal conceito está associado tanto a um ensino com centralidade no

conhecimento, quanto a uma padronização docente. Conforme destaca Carvalhos, Dias

e Júnior (2019, p. 5),

Pela teoria do discurso (Laclau & Mouffe, 2015), quem assume, no espaço

político, a função de fixação provisória de uma específica ordem é um significante vazio. Primeiramente, convém destacar que na constituição do

espaço político na teoria do discurso, o esvaziamento dos significantes é algo

que não se deve evitar, muito menos o sentido de vazio assume um tom

pejorativo. Nesse registro, como esperamos mostrar, o esvaziamento de um

significante é constitutivo da própria política, dando origem ao próprio

movimento constituinte da identidade hegemônica (Laclau, 2013). Assim, a

vagueza e a imprecisão constitutivas dos significantes vazios criam condições

de possibilidade para a construção de múltiplos investimentos educacionais

na educação em ciências.

Metodologia

Compreendendo o caráter contingencial desta pesquisa reconheço a impossibilidade de

delinear de forma apriorística qualquer metodologia definitiva e/ou inflexível. No

entanto, cumpre ressaltar que pretendo utilizar como aporte teórico a Teoria do Discurso

Page 10: POLÍTICAS CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE …

na medida em que colabora para pensar as questões do estudo, contribuindo com as

noções de hegemonia, demanda e discurso como centrais na política curricular. O

proponho é um estudo da política curricular de formação, tendo como objeto empírico

principal a BNC – Formação e o contexto de sua produção. Espero aprofundar a

discussão da pesquisa com as noções de significante vazio e articulação, por exemplo,

estando abertas às demais noções da Teoria do Discurso que possam contribuir ainda

mais para esta pesquisa, a qual busca trazer para o debate de formação o estudo de

gênero que já venho realizando desde a escrita da minha monografia, intitulada Um

estudo bibliográfico da relação feminismo e educação. Outro caminho a ser percorrido

na construção do presente trabalho é a pesquisa e identificação das demandas que foram

sendo levantadas e atendidas no processoe construção da BNC – Formação.

Cronograma

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