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Pondras de - repositorium.sdum.uminho.pt · Segura-me, por favor, sempre na lanterna! ... De Pitonisa Extasiado Pego na harpa ... De um carvalho ou castanheiro Junto ao ribeiro da

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1Pondras de Pedras Soltas

Pondras dePedras Soltas

2 Henrique Barroso

Esta obra foi patrocinada por:

Câmara Municipal de Montalegre

URBANOP - Urbanizações e Obras Públicas, Lda.

3Pondras de Pedras Soltas

Henrique Barroso

Pondras de

Pedras Soltas(Poesia)

Posfácio de Américo António Lindeza Diogo

Edição

CALIDUM

BRAGA • 2001

4 Henrique Barroso

Título PONDRAS DE PEDRAS SOLTAS (Poesia)

Autor Henrique Barroso

Edição CALIDUM - Clube de Autores Minhoto/Galaicos 4840-100 Terras de Bouro E-mail: [email protected] Capa/Grafismo Henrique Barroso

Depósito Legal 171447/01

Data de Saída Novembro/2001

Tiragem 1000 exemplares

Execução Gráfica Graficamares, Lda.

5Pondras de Pedras Soltas

Dir, Silke,und unserem Sohn, David,

widme ich diesen Gedichtband

6 Henrique Barroso

7Pondras de Pedras Soltas

AAntónio Gedeão

David Mourão-FerreiraMiguel Torga

Vergílio Ferreira

por terem partilhadoe continuarem a partilhar

comigo(contribuindo decisivamente para o meu autoconhecimento),

entre muitas outras “coisas”,a sua mensagem

humanistaque suaviza a existência.

8 Henrique Barroso

9Pondras de Pedras Soltas

Gertrud von Utrecht:

Sem uma crença o ser humano é nada.

José Saramago, In Nomine Dei (1993), p. 147

Penso que as palavras só nasceram

para poderem jogar umas com as

outras,

que não sabem mesmo fazer outra coisa, e

que,

ao contrário do que se diz,

não existem palavras vazias.

José Saramago, A Caverna (2000), p. 204

10 Henrique Barroso

11Pondras de Pedras Soltas

Pórtico

12 Henrique Barroso

13Pondras de Pedras Soltas

SPHRAGIS

Assinalo

A minha passagem

Pelo mundo

Dando Amizade

Rindo chorando e

“Dizendo asneiras”.

Coimbra, 26 de Maio de 1983

14 Henrique Barroso

A MAGIA DO LIVRO

Não desprezes um livro nunca

Nem o calcando

Nem o rasgando

Nem o queimando!

Se o fazes

Não só queres ficar às escuras

Como também estás a arrastar

Para aí

O resto da Humanidade!

Braga, 30 de Maio de 1985

15Pondras de Pedras Soltas

O MEU MUNDO

Não vendas os meus livros

Nunca!

Guarda-os

Testemunhos vivos

Da minha passagem

Por aqui

E da minha presença!

Braga, 10 de Março de 1987

16 Henrique Barroso

POETA E POESIA

Saber escutar as notas

Da interioridade

É ser Poeta.

Fazer com elas

Uma partitura

É Poesia.

Braga, 28 de Fevereiro de 1997

17Pondras de Pedras Soltas

BURACO NEGRO

Não acredito

No big bang

Assim…

Apesar disso

Quero

Expandir-me…

Braga, 1 de Outubro de 1998

18 Henrique Barroso

19Pondras de Pedras Soltas

Ser Humano

20 Henrique Barroso

21Pondras de Pedras Soltas

INTERROGAÇÃO ETERNA

A contingência

Limitação

Infinitude

Eis a questão!…

Braga, 3 de Março de 1985

22 Henrique Barroso

ESSÊNCIA

Braga, 7 de Março de 1985

23Pondras de Pedras Soltas

ANTHROPOS

O homem é infinito finito e finito infinito;

É amor suave e cruel ódio,

É vontade ardente e vulgar desleixo,

É opacidade transparente e opaca transparência.

O homem é carne espiritual e carnal espírito;

É génio divino e demoníaco objecto,

É pavão emproado e indefeso avestruz,

É ser indigente e rico animal.

O homem é incapaz de tudo e de nada capaz;

É vivência efémera e imortal glória,

É inteligência profunda e simples gesto,

É audácia afortunada e desditosa fortuna.

O homem é ambição desmedida e fatal morte…

Braga, 12 de Março de 1985

24 Henrique Barroso

EFÉMERO

Como uma flor

No Outono

Assim feneço

Entregando-me

A Deus

E banqueteando

Substancialmente

Os vermes…

Braga, 17 de Março de 1985

25Pondras de Pedras Soltas

MOLÉCULA

Como os elementos atómicos

Assim são os mortais:

Os protões, os quentes

Os neutrões, os mornos

Os electrões, os frios.

No entanto

Só os verdadeiros protões

São capazes de construir

A Humanidade.

Braga, 25 de Março de 1985

26 Henrique Barroso

FETO

Braga, 26 de Março de 1985

27Pondras de Pedras Soltas

PERTURBAÇÃO

Ainda não perdi

A confiança

No Homem.

Porém não é

Com certeza

Por míngua de razões!…

Braga, 13 de Novembro de 1996

28 Henrique Barroso

ENVELHECIMENTO

Todos envelhecemos.

Nuns processa-se

De modo seco…

Noutros arranca-lhes

As entranhas…

Braga, 1 de Junho de 1997

29Pondras de Pedras Soltas

AMARTAGEM

Qual carrinho

De madeira tosca

Construído pelas mãos

Da minha infância

Na Terra…

Eis o Sojourner

Novinho em folha

Entrando

Aos pulos

Em Marte…

Quando lá formos

Assim como alunámos

Amartaremos!…

Braga, 11 de Julho de 1997

30 Henrique Barroso

REVOLUÇÃO

A dor das injustiças

Transmuta-se em raiva.

Depois (é natural!)

Acontece a explosão.

Braga, 22 de Janeiro de 1998

31Pondras de Pedras Soltas

DESINTEGRAÇÃO

Um dia que passa

É nova ameaça.

Será da carcaça?

Será da couraça?

Se tal me ultrapassa

E tudo deslaça

Para quê a taça?!…

Braga, 7 e 8 de Outubro de 1998

32 Henrique Barroso

CINISMO

Chafurda

Nesse atoleiro!

Enludra-te

Mesmo bem!

Vira-te e revira-te

Gostosamente!

Agora…

Olha para ti!…

Braga, 16 de Outubro de 1998

33Pondras de Pedras Soltas

Rumo(s)

34 Henrique Barroso

35Pondras de Pedras Soltas

PERCURSO

Razão + Oração + Coração = Rem natam

Braga, 7 de Março de 1985

36 Henrique Barroso

SER INTEIRO I

Ser inteiro

Também é

Morrer

De pé.

Braga, 30 de Outubro de 1996

37Pondras de Pedras Soltas

SABER DE EXPERIÊNCIA FEITO

Não adianta

Empurrares mais

A carroça:

O eixo está partido.

Se queres mesmo prosseguir

Tens de o consertar

Primeiro.

Assim mo estão ensinando

Não sem grande dor

O meu corpo e a minha mente.

Braga, 15 de Novembro de 1996

38 Henrique Barroso

O AMIGO

Companheiro de percurso

Amigo sempre presente

Referência como o Norte

Lutas também contra os fortes

Ostentas o mesmo signo:

Sinceridade sem mas.

Braga, 27 de Novembro de 1996

39Pondras de Pedras Soltas

SER INTEIRO II

Ser inteiro

Continua também a ser

No momento de entregar a Alma

Ao Criador

Despedir-se

Dos que ainda ficam

Com um sorriso

Profundamente

Sereno.

Braga, 30 de Novembro de 1996

40 Henrique Barroso

LAMPIÃO SOCRÁTICO

Segura-me, por favor, sempre na lanterna!

A sua luz dá para ver o que procuro.

E com aquela vantagem, pra além da externa:

A de não me encandear quando estou no escuro.

Braga, 5 de Fevereiro de 1997

41Pondras de Pedras Soltas

ESSÊNCIA RITMADA

A essência

Com cadência

Não permite

Desistência.

Braga, 16 de Março de 1997

42 Henrique Barroso

A DECISÃO

Pronto. Já chega.

Peguei em mim

Ao colo

Com muita ternura

Mas com muita firmeza

E disse-me:

– É agora. Atira-te!

Braga, 19 de Março de 1998

43Pondras de Pedras Soltas

MEDOS

Todos os medos

E mais alguns

Me visitaram

Me estrebucharam

Me derrubaram.

Mas qual Fénix

Eis-me de novo

Aqui

A fazer-lhes frente.

Braga, 8 de Maio de 2000

44 Henrique Barroso

45Pondras de Pedras Soltas

Ignoto Deo

46 Henrique Barroso

47Pondras de Pedras Soltas

REFLEXÃO

Debruçado sobre o parapeito

Da janela do meu quarto

Olhando a Majestade

Do Bom Jesus do Monte

E a Incomparável Grandeza

Do Sameiro

Penso um pouco

Na pequenez do Homem…

Quão bom seria

Atingir

O Inatingível

Pelos escadórios

Da Realidade!…

Braga, 2 de Março de 1985

48 Henrique Barroso

TRAÇO DE UNIÃO

Todos os asteróides

Todos os cometas

Todas as estrelas

Todos os planetas

São as pondras

Do Infinito…

Do Criador

Todas as criaturas

São o traço de união…

Braga, 24 de Março de 1985

49Pondras de Pedras Soltas

VISÃO UBÍQUA

Mas por que razão

Não vejo eu

Um pouco mais

Pra Além

Desta face es-ta-pa-fúr-di-a

Deste planeta Terra?!…

Braga, 31 de Dezembro de 1986

50 Henrique Barroso

DIA DE TODOS-OS-SANTOS

Outubro finou-se.

Hoje já é Novembro…

O mês das Almas…

Também por isso aqui estou:

Vim fazer uma visita aos meus queridos

Mortos…

Conversei com eles

Longamente

E em silêncio…dourado!…

Salto, 1 de Novembro de 1996

51Pondras de Pedras Soltas

deuses

52 Henrique Barroso

53Pondras de Pedras Soltas

CRUZ

Como Sísifo

Subo a Montanha

Derreado pelo peso.

Mas… quase no topo

Irremediavelmente

Volto a cair…

Como Tântalo

Tenho água pelo queixo

E frutos ao meu alcance.

Mas… ao primeiro gesto

Irremediavelmente

Sucumbo de sede e de fome…

Braga, 15 de Março de 1985

54 Henrique Barroso

MORS/AMOR

Orfeu

De cabeça flutuante

Vence a Morte

Clamando

Eu-rí-di-ce!!!!!!!

Eurídice

Evolando-se

Misticamente

Beija

Orfeu!…

Braga, 15 de Março de 1985

55Pondras de Pedras Soltas

SOPRO

Sentado no banco

De Pitonisa

Extasiado

Pego na harpa

Chamando Orfeu…

Orfeu

Embriagado

Divinalmente

Liga-me a chave

D’ignição…

Braga, 16 de Março de 1985

56 Henrique Barroso

MUSAS

Por que não enamorar-me

Delas?!…

Talvez (quem sabe?!…)

Reclinando-me à sombra

De um carvalho ou castanheiro

Junto ao ribeiro da minha infância…

Me possam desvelar

A luz do Tempo perdido!…

Braga, 31 de Dezembro de 1986

57Pondras de Pedras Soltas

SÍSIFO INCANSÁVEL

O Absoluto… persigo-o

A galope

Embora saiba que não existe

(Nunca ninguém o encontrou!…)

Braga, 20 de Fevereiro de 1998

58 Henrique Barroso

59Pondras de Pedras Soltas

Ternura

60 Henrique Barroso

61Pondras de Pedras Soltas

MÃE

Mãe, a Ti ofereço este pedaço de Ti:

Eu, o Teu filho estimado e estimável

Eu, o Teu filho muito querido

Eu, o Teu filho que é uma parcela de Ti.

Tu me deste a vida

Tu me criaste

Tu me educaste

A Ti devo o meu Ser.

Sem Ti não veria esta luz do Sol

Que me alumia e aquece

Nem esta beleza da Natureza

Que me faz sonhar e apetece.

Mãe, acompanha sempre este quinto do Teu Ser!

Coimbra, 13 de Maio de 1982

62 Henrique Barroso

RETROSPECÇÃO

Quando era pequenino

Pensava

No que queria ser

Quando fosse grande!

Agora, grande,

Penso

No que pensei

Quando pensava

No que queria ser

Quando era pequenino…

Braga, 6 de Março de 1985

63Pondras de Pedras Soltas

RAÍZES

A raiz quadrada

Do homem

É a mulher.

A raiz cúbica

Dos pais

São os filhos.

E os avós são

Dos netos

Os números primos…

Braga, 12 de Março de 1985

64 Henrique Barroso

PAI

Como S. José

Conheces a enxó, o serrote,

O martelo, os pregos

E a restante ferramenta

Própria da Tua actividade.

E eu

Como o filho adoptivo do carpinteiro

Conheço-Te a Ti

E saúdo-Te ternamente,

Meu Pai verdadeiro!

Braga, 19 de Março de 1985

65Pondras de Pedras Soltas

PERFEIÇÃO

Uma gaiola.

Um pombo. Uma pomba.

Dois pombos…

Um dentro. Outro fora.

Um trocho. Muitos trochos.

Um ninho…

Uma bicada. Outra bicada.

Muitas bicadas.

Um amor…

Um ovo. Outro ovo.

Dois ovos…

Um choco alternado.

Três semanas apenas e…

Um borracho. Outro borracho.

Dois borrachinhos…

Uma ternura misteriosa!…

Braga, 21 de Março de 1985

66 Henrique Barroso

NATAL

Na província já não neva.

(Que saudade!…)

Fora, gelo geada

Sincelo

Um frio arrepiador…

Dentro, as rachas

No fogão ardente

Aquecem a gente

Na consoada…

Que saudade

Do manto branco

Da minha infância!…

Já nem parece Natal!…

Salto, 31 de Dezembro de 1986

67Pondras de Pedras Soltas

LE BONHEUR MATINAL

Je me lève.

Je prends ma douche.

Et tu m’appelles:

– “Tue cette mouche!…”

Et je vois… … … … …

… … … … … … … …

Que tu accouches!…

Braga, 31 de Dezembro de 1986

68 Henrique Barroso

QUÍMICA

Passa e cumprimenta

Sempre

Sinceramente sorridente.

Fá-lo de alma completamente

Escancarada… que até se vê

Como se o Sol estivesse dentro

A transformação de impulsos cerebrais

Em humano sentimento.

Braga, 28 de Novembro de 1995

69Pondras de Pedras Soltas

COMUNITARISMO

Todos

Naturais e forasteiros

À volta da mesma mesa

De madeira improvisada

E quilometral

De alvo linho de pura teia coberta

E guarnecida com arroz carne e pão

Vivemos e saboreámos

Como na origem dos tempos

O símbolo da comunhão:

Eis o milagre de S. Sebastião.

Braga, 21 de Janeiro de 1998

70 Henrique Barroso

71Pondras de Pedras Soltas

Eros

72 Henrique Barroso

73Pondras de Pedras Soltas

NÓS

Meu Amor,

Desata-me

E diz-me:

– Até logo!…

Braga, 16 de Março de 1985

74 Henrique Barroso

TU I

Saber que existes

É um prazer.

Saber que existes em mim

É um prazer maior ainda.

Saber que Te amo

É uma felicidade.

Saber que me amas

É uma felicidade maior ainda.

Saber que nos amamos

É a inverbalização deste sentimento.

Braga, 27 de Junho de 1992

75Pondras de Pedras Soltas

MAGIA OCULAR

Se bem me olhares

Imediatamente

Lerás nos meus olhos

Ke Te amo

Eternamente.

Rodando interiormente

Os Teus mesmos olhos

Encontrarás

Ternura

Também

Grandeza de espírito

Esperança humana e

Recepção do Teu ser.

Braga, 30 de Junho de 1992

76 Henrique Barroso

TU II

Amar-Te

Não é pecado.

Amar-Te

Não é perder tempo.

Amar-Te

É estar bem.

Braga, 17 de Agosto de 1992

77Pondras de Pedras Soltas

PRESENÇA

Está a chover.

É como se fosse noite.

A cor de cinza que passa

Através da vidraça

Parece acalmar

A própria desgraça.

Mas tu, ó Musa,

Ausente

E sempre presente

Me cobres de Graça!

Braga, 24 de Janeiro de 1995

78 Henrique Barroso

CUPIDENTIM

I

O deus archeiro

De olhos vendados

Atirou

Certeiro.

E o São Valente

De olhos abertos

Aprovou

Contente.

II

O deus e o Santo

Criam da dor

Não sem encanto

O grande Amor.

Braga, 2 de Fevereiro de 1995

79Pondras de Pedras Soltas

BANQUETE

Tu não sabes…

(Também não estás aqui!)

Mas comes comigo sempre:

Nunca cozinho só para mim.

Hoje vamos comer

Bacalhau assado no forno

Com batatas aos quadradinhos

E bem pintadas de vermelho!…

Sei já que vamos gostar

Apesar da tão curiosa relação

Que os nossos sentidos têm com o peixe…

Ou será que bacalhau não é peixe?!…

Braga, 1 de Dezembro de 1996

80 Henrique Barroso

SEGREDO

– Sei um segredo.

– Contas-mo?

– Mas é segredo!…

– Mas conta-mo!

– Não dizes nada a ninguém?

– Sou um sepulcro.

– Amo-Te.

Braga, 4 de Dezembro de 1996

81Pondras de Pedras Soltas

ANIVERSÁRIO EM ESPIRAL

Seis são já as setas

Que o Cupido arremessou

Seis são já as setas

Que o Valentim consagrou.

Cem serão as setas

Que o Cupido atirará

Cem serão as setas

Que o Valentim sagrará!

Braga, 3 de Fevereiro de 1997

82 Henrique Barroso

SOLICITUDE

Deixa-me ser

Solitário

Em Ti!

Braga, 27 de Março de 1997

83Pondras de Pedras Soltas

RUHE

Ich habe gern,

Daß Du mich gern hast.

Daß Du mich verstehst.

Daß Du neben mir bist.

So.

Ohne weiteres.

Braga, 3 de Julho de 1997

84 Henrique Barroso

TRANQUILIDADE

Gosto que gostes de mim.

Que me entendas.

Que estejas ao meu lado.

Assim.

Sem mais.

Braga, 3 de Julho de 1997

85Pondras de Pedras Soltas

ANIVERSÁRIO EM SINTONIA

Demos juntos já sete voltas ao Sol

E também o Cupido e o S. Valentim

Que desejam muito seja sempre assim

E nos tornemos do amor o maior escol.

Braga, 8 de Fevereiro de 1998

86 Henrique Barroso

IMPULSO VITAL

Ninguém entenderá

Nem Tu mesma entenderás

Nem eu próprio entenderei

Mas sei

Que a Tua aura

Me acalenta

Me protege

Me sustenta

Me empurra e

Me projecta

Com firmeza e equilíbrio.

Braga, 19 de Março de 1998

87Pondras de Pedras Soltas

ANIVERSÁRIOS

De mãos dadas demos

Outra volta ao Sol

E porque quisemos

De dedos marcados.

Certo que não há

Amor como o nosso

Nem mesmo um abraço

Amplo como o mundo

Por mais que se esforce

Consegue abarcá-lo.

Braga, 7 e 12 de Fevereiro de 1999

88 Henrique Barroso

CADA VEZ MAIOR

Sinto-me amado

E o amor vem

D’alma

E n’alma sinto

A calma

E a calma é o conforto

Em que vivo absorto

Porque quero ir…

Braga, 15 de Novembro de 1999

89Pondras de Pedras Soltas

B.I. Q.B.

Sou o teu amor

Sou o teu amado

Sou o teu amante.

Sou o pai do menino

Que é dentro de ti:

O nosso David.

Sou só o que quer

Viver e morrer

De maneira inteira

Sempre ao pé de ti.

Braga, 24 e 25 de Outubro de 2000

90 Henrique Barroso

NÚMEROS PERFEITOS

Perfaz dez anos

Que estamos juntos

Somos assim ainda

Um par.

Entretanto nasceu-nos

Um filho

Somos assim agora

Um trio.

Que desafio!

As contas de multiplicar e dividir

Vão prosseguir

E os números assim permanecem

Perfeitos.

Braga, 14 e 15 de Fevereiro de 2001

91Pondras de Pedras Soltas

Saudade

92 Henrique Barroso

93Pondras de Pedras Soltas

EPITÁFIO

(ao Amigo Padre Jorge)

Padre, morreste e

Continuas vivo.

O tempo arrasta tudo.

Mas tu ficas

E não apenas na memória…

Coimbra, 2 de Fevereiro de 1983

94 Henrique Barroso

UNIDADE

(a Miguel Torga)

Tinha de ser.

Entregou

(Na sua expressão)

A Alma

Ao Criador.

Agora

Também lá

É

Resplendor.

Braga, 27 de Janeiro de 1995

95Pondras de Pedras Soltas

SIMPÁTICO SORRISO

(ao Miguel Damásio)

Partiste, Michel,

Tão velozmente

Neste tempo

Tão chuvoso

Tão húmido e

Tão frio…

Deixaste-nos

Na tua primavera

Neste inverno

Tão tristemente

SOS…

E alagados em retidas

Lágrimas…

Braga, 22 de Dezembro de 1997

96 Henrique Barroso

APARIÇÃO1

(a Vergílio Ferreira)

Existir e resistir

Mesmo que submersamente

Pensando-o até ao fim

E escrevendo para sempre.

Braga, 7 de Junho de 1998

1 Poema premiado (2.º prémio), em Julho de 2000, no Concurso Nacional de Poesia Agostinho Gomes, uma iniciativa da Biblioteca Municipal de Oliveira de Azeméis/Esplanada do Livro, da Junta de Freguesia de Cucujães e do Departamento Cultural do Núcleo de Atletismo de Cucujães.

97Pondras de Pedras Soltas

H2O

(a António Gedeão)

Fá-lo

Um branco

Um preto

Um vermelho

Um amarelo:

Todos

Sem excepção

Choramos.

Alquímico?

Do nosso corpo

Dois terços

Não são

Afinal

Água?!…

Braga, 7 de Junho de 1998

98 Henrique Barroso

DEDICAÇÃO MODELAR

(a Madre Teresa de Calcutá)

As suas rugas

Eram regos

P’ronde corria

O altruísmo

Mui ternurento

Com humanismo

Sem desalento.

Braga, 8 de Outubro de 1998

99Pondras de Pedras Soltas

UMA VIA SACRA

(à Madrinha Vitória)

Vi-te ser mãe do último filho.

Vi-te ser mãe dolorosa

na morte precoce de uma filha

e precoce e brutal de um filho

que assim te foram arrancados

sem que nada tivesses feito

e sem que nada pudesses fazer…

Vi-te também filha dolorosa

na despedida natural da mãe…

Vi-te ainda desgostosa

por razões filiais

a chorar

triste e sempre esperançosa…

Vi-te feliz com o companheiro

que mimaste por inteiro.

100 Henrique Barroso

Vi-te feliz e contente

a falar com toda a gente.

Vi-te verdadeiramente generosa

nos sorrisos

nas palavras

nos portinhos e sortido

sobretudo na alegria

e a pular

e a dançar…

E é esta a imagem que quero guardar.

Braga, 21/ 22 de Abril de 2000

101Pondras de Pedras Soltas

Bagatelas

102 Henrique Barroso

103Pondras de Pedras Soltas

CONTRATO-PROMESSA COMPRA E VENDA

Quase sempre de cabelo loiro

– Agressivamente pintado –

Baixa e robusta

De seios enormemente

Redondos

Gorda na cintura

De perna ao léu

Cigarro no canto da

Boca

Emitindo pseudo-sorrisos…

Ei-la que alicia

Babando-se já como boi ao arado

O guloso glutão

Que deixa o camião

Na berma da estrada.

Braga, 22 de Novembro de 1995

104 Henrique Barroso

DESCARGA

A arte de provocar

É o tubo de escape

Dos gases cerebrais.

Braga, 6 de Março de 1996

105Pondras de Pedras Soltas

EGO PICADO

O céu tremeu

A raiva cresceu

E tudo isto

Em nome do EU.

Braga, 13 de Maio de 1996

106 Henrique Barroso

CRUZAMENTO

– Paixão?!…

– Paixão rima com caixão.

– Que semelhança, então?!

– A horizontalidade.

Braga, 17 de Junho de 1996

107Pondras de Pedras Soltas

PONTA

Esta é uma ponta

Sem ponta afiada,

Esta é uma ponta

Que não me diz nada.

Eu quero uma ponta

Com ponta afiada,

Não quero uma ponta

Que não me diz nada.

Braga, 8 de Março de 1997

108 Henrique Barroso

INCAPACIDADE

Esta incapacidade que se tem

De não ter capacidade

É uma incapacidade

Que nos incapacita.

Braga, 11 de Março de 1997

109Pondras de Pedras Soltas

AS QUATRO ESTAÇÕES

O Verão acordou

Este ano

Numa manhã de Inverno…

E ambos à Primavera

Nada disseram!…

(O Outono dormia

Ainda

O sono dos justos).

Braga, 29 de Março de 1997

110 Henrique Barroso

MULHER-A-DIAS

Ai Filó, rica Filó,

Só te interessas pelo dinheiro

E não me limpas o pó!…

Braga, 8 de Agosto de 1997

111Pondras de Pedras Soltas

LOCAL DE TRABALHO

Como se de autómatos se tratasse

Agimos

Como se de potências rivais se tratasse

Comportamo-nos

Como se de seres heterogalácticos se tratasse

Comunicamos

Como se de ser assim mesmo tivesse

Vamo-nos suportando

Aqui onde trabalhamos.

Braga, 25 de Novembro de 1997

112 Henrique Barroso

SENSO COMUM

Há coisas que são

Do senso comum:

Não se precisa

Nem de saber técnico

Nem de saber científico

Nenhum!

Braga, 29 de Outubro de 1999

113Pondras de Pedras Soltas

JACTÂNCIA

Ai de mim

Se só me completasse

Assim!

Seria tal

Como um completamento

Pontual.

Braga, 21 de Fevereiro de 2001

114 Henrique Barroso

115Pondras de Pedras Soltas

Verde

116 Henrique Barroso

117Pondras de Pedras Soltas

ADIÇÃO VS SUBTRACÇÃO

Árvore + árvores,

A árvore + as árvores,

Uma árvore + umas árvores,

Outra árvore + outras árvores,

Certas árvores + várias árvores,

Quantas árvores + tantas árvores,

Muitas árvores + todas as árvores,

Árvores e arvoredos verdes =

Respiração natural.

Poucas árvores - nenhuma árvore,

Nenhumas árvores - nenhuns arvoredos verdes =

Respiração nuclear.

Braga, 21 de Março de 1985

118 Henrique Barroso

FLORESTA

Anda por aí um polvo

Mui nobre e bem cabeçudo

De tentáculos taludos

Que escorregam finamente

E com íman nas ventosas

Por cimento só gulosas...

Mas a bolsa do ferrado

Já não turva todo o lado!

Braga, 14 de Outubro de 2001

119Pondras de Pedras Soltas

Eclipse(s)

120 Henrique Barroso

121Pondras de Pedras Soltas

SOUFFRANCE

Pauvre émigré!

Il faut partir

Pour obtenir

Son salaire

Solitaire

Sans salir

L’humanité.

Pauvre garçon

Qui se couche tard

Et se lève de bonne heure

Pour donner à son patron

Le bonheur!

Coimbra, 22 de Março de 1982

122 Henrique Barroso

ABALO PROFUNDO

A morte sufoca-me

Ao ver partir os Amigos…

E não é por acreditar nos castigos

Do Além

(Que não existem)

Mas por sentir que a minha vida

Começa a desmoronar-se aqui

Qual velha casa granítica

Sujeita à erosão

Pedra após pedra

Se desgasta para sempre!…

Coimbra, 1 de Fevereiro de 1983

123Pondras de Pedras Soltas

DESESPERO

Não sei se continuar a viver

Se parar com a vida…

É que a sociedade me arranca

O fígado sem cessar…

Fazendo da minha

Uma dor mais profunda ainda

Que a de Prometeu agrilhoado…

E nem sequer fui eu

Quem o fogo deu

Aos homens!…

Braga, 1 de Dezembro de 1983

124 Henrique Barroso

DOR CONSTANTE

Hoje está um dia cheio de sol e de luz

E o meu coração

Cheio de mágoa e de escuridão…

Porquê?

Só sei que vivo numa sombra

Semelhante à noite sem luar e sem estrelas…

Sou um nada que é qualquer coisa!…

Não sou o que sou

Mas gostava de ser aquilo que sou

Porque sou

E porque só assim a Vida me riria!…

Braga, 2 de Dezembro de 1983

125Pondras de Pedras Soltas

MORS MEI

Aquele dia

Cinzento e frio

Sentiu

Morrer-me.

Solidário

Em vão

Tentou

Aquecer-me.

Inerme

Cada vez mais gélido e frio

Ali ficou

Hirto

Aquele corpo

Naquele dia

Frio…

Braga, 25 de Maio de 1993

126 Henrique Barroso

TEMPUS FUGIT I

Esta sensação e realidade de vida

Provisória

Nesta fase do meu percurso

Acrescida da fuga galopante

Do tempo

Está a sepultar-me

Paulatinamente

Todos os dias.

Às vezes até julgo estar

Do outro lado…

Por favor, Tempo,

Pára!!!!!!!!!!!!!

Preciso de respirar.

Braga, 5 de Julho de 1995

127Pondras de Pedras Soltas

DIREITO

Estar triste…

É um direito que se tem.

Negar-se-lho

É ficar-se ainda mais triste.

Braga, 8 de Fevereiro de 1996

128 Henrique Barroso

TEMPUS FUGIT II

Está-me a fugir o tecto…

E uma casa sem tecto

Já não é uma casa…

Apenas paredes

Fragilizadas

Cada vez mais

Pelas intempéries

E que aos poucos

Se vão transformando

Num amontoado

Caótico…

Até se unirem

De novo

Ao Princípio.

Braga, 13 de Março de 1996

129Pondras de Pedras Soltas

DESORIENTAÇÃO

Já não sei rir.

Já não sei sentir.

Já não sei ser.

Então que fazer?!…

Braga, 5 de Março de 1997

130 Henrique Barroso

ESSÊNCIA DE CRISTAL

Como o copo de cristal

Que me escorregou da mão

E se estatelou no chão

Desfazendo-se em pedaços,

Assim a minha essência

Me escorregou do meu ser

E se estatelou no ter

Desfazendo-se em pedaços.

Braga, 15 de Março de 1997

131Pondras de Pedras Soltas

FORÇAS DA NATUREZA

Com um esforço titânico

(De que até eu próprio me admiro)

Reconstruo

Todos os dias

A minha casa.

Porém na manhã seguinte

(Não consigo saber porquê)

Vejo que os ventos deixaram

De novo

O seu rude rasto.

Braga, 5 de Julho de 1998

132 Henrique Barroso

Estou morto

Por morrer

Será o fim

Pronto.

Braga, 17 de Outubro de 1998

133Pondras de Pedras Soltas

PONTE DE PESADELO

(às vítimas da ponte de Entre-os-Rios)

Também a alma minha

Caiu com o pilar

E a corrente do rio

Arrastou-a prò mar.

Ao que a encontrar

Pede-se o favor

Pra acalmar o horror

De a repor no lugar.

Se não, atirem flores

Muitas… pra se evolar!

Braga, 11 de Março de 2001

134 Henrique Barroso

135Pondras de Pedras Soltas

Aurora(s)

136 Henrique Barroso

137Pondras de Pedras Soltas

SER COMPLETO

Estou a ficar

Muito paulatinamente

Inteiro.

Porém também quero

Muito veementemente

Ser completo.

Só então poderei

Definitiva e eternamente

Fazer parte da Unidade…

Braga, 24 de Outubro de 1996

138 Henrique Barroso

VENTO SUÃO

Nunca pensei

Que o deserto fosse tão grande…

E que rendesse mesmo tanto!…

A sua travessia

Tem por isso sido

Mesmo terrivelmente terrível…

Só para os falcões

É que deve ter sido

Mesmo reconfortantemente reconfortante!…

Será que aquilo

Além

São mesmo palmeiras?

Não me digas que o oásis

Está a querer reaproximar-se

Mesmo de mim?!…

Braga, 28 de Novembro de 1996

139Pondras de Pedras Soltas

Libertação

140 Henrique Barroso

141Pondras de Pedras Soltas

EPIGRAMA1

(aos Timorenses)

Pra sentir isto, quase vislumbrei Cerbère:

De boas intenções está esta Terra cheia!

Olhe-se só prà intervenção europeia

Em defesa da causa do povo maubere!…

Braga, 9 de Fevereiro de 1997

1 Este poema foi publicado, pela 1.ª vez, no Diário do Minho (pág. 3 da edição n.º 24388), de 16 de Maio de 1997, aquando (e a propósito) da notícia sobre a sessão solene de homenagem ao timorense José Ra mos Horta (Prémio Nobel da Paz) realizada, no dia anterior, na Reitoria da Universidade do Minho.

142 Henrique Barroso

CONSTATAÇÃO

Quando os neurónios

Na minha cabeça

Voltarem aos seus lugares

Voltará

Também ao seu

O meu coração.

Braga, 16 de Março de 1997

143Pondras de Pedras Soltas

NIRVANA

Só é tudo

Quem é nada.

Só é tudo

Quem não tem nada.

Só é tudo

Quem não quer nada.

Queria ser nada.

Queria não ter nada.

Queria não querer nada.

Braga, 20 de Março de 1997

144 Henrique Barroso

CHUVA COM SOL

Vindo

Lentamente

Pela chuva

Apanhando Sol

Cheguei

Enxuto.

Braga, 25 de Março de 1997

145Pondras de Pedras Soltas

NAVEGANDO

Ah! Quem me dera

Ser

Nada

No meio de tudo!

Braga, 27 de Março de 1997

146 Henrique Barroso

DESVALORIZAR

Estou a aprender

A conjugar

O(s) verbo(s) (des)valorizar.

As formas simples

Do indicativo já estão.

Faltam as do conjuntivo

E as ditas nominais

Também simples.

As formas compostas e perifrásticas

E respectiva recombinação

Fazem também parte da conjugação.

Só depois de as conhecer a todas

De cor e salteado

É que poderei ser

(Tenho a certeza)

147Pondras de Pedras Soltas

Um ser

Mais rico

Mais culto

Mais humano.

Braga, 29 de Março de 1997

148 Henrique Barroso

GESTÃO IMPOSSÍVEL

Tem sido difícil

Gerir

Esta cabeça. Mas

Apesar de titânica

Esta luta

Vou conseguir.

Braga, 24 de Maio de 1997

149Pondras de Pedras Soltas

BARRELA

O egoísmo

Tem o mundo

Envenenado.

Desta servidão

Exige-se

A libertação!

Braga, 21 de Novembro de 1997

150 Henrique Barroso

ALQUIMIA DO AMOR

Abre-me esse coração

E a tua vida

Fluirá

Como o ribeiro

Incipiente e cantante

Despoluído e arejado

Ainda

Lá no alto da montanha!

Braga, 2 de Fevereiro de 1998

151Pondras de Pedras Soltas

ANSIEDADE

Entende

Que todos somos diferentes

Ou para o bem e/ ou para o mal!

Percebe

De uma vez por todas

Isso!

Só assim alcançarás

O que nos move e projecta:

A serenidade.

Braga, 12 de Outubro de 1998

152 Henrique Barroso

153Pondras de Pedras Soltas

Epílogo

154 Henrique Barroso

155Pondras de Pedras Soltas

ESPELHO

Braga, 6 de Março de 1985

156 Henrique Barroso

L’INDICIBLE

Achando-me eu na margem esquerda

Do rio da minha aldeia

E percorrendo em pensamento

O seu leito

Da nascente à foz

Vi

Reflectida nas suas águas

A minha outra imagem!…

Imaginei

O sepulcro do meu corpo e

O paraíso da minha alma…

Contemplei

Distorcido pelo correr das águas

O momento jamais visto

Da dramática despedida

Das minhas duas metades!…

Braga, 12 de Março de 1985

157Pondras de Pedras Soltas

Delírio Poético-narrativo

158 Henrique Barroso

159Pondras de Pedras Soltas

JARDIM IBÉRICO

(aos meus Pais)

Quis o destino que, um dia,

num jardim peninsular,

um cravo espanhol e um rosa portuguesa

se encontrassem,

se conhecessem,

se enamorassem,

se amassem e

se unissem.

Da união dos respectivos androceu e gineceu

um fruto tão precioso nasceu

que até os habitantes do Olimpo,

que se alimentam de néctar e ambrósia,

o chegaram a invejar.

Foi um fruto plural:

dois cravos mais uma rosa e mais dois cravos.

Que incomparável simetria!

Até parece projecto divino!…

160 Henrique Barroso

Porque tinha de ser, estas duas flores desafiaram a Fortuna,

e venceram. No entanto, a educação dos seus rebentos

conheceu muitas dificuldades, sobretudo materiais: neste

jardim, não cheirava a dinheiro e a solidariedade era uma

palavra que não fazia parte do léxico das flores das classes

mais abastadas.

Hoje – devido à inexorabilidade do tempo –, já no seu Ou-

tono, e porque nunca treparam ou sequer fizeram sombra

às suas vizinhas, podem

contemplar – de ca beça erguida –, com satisfação e prazer

– espelhados, como bem se pode ver, no brilhozinho dos

olhos –, o labor incansável das suas cinco criaturas.

Braga, 13 de Março de 1985

161Pondras de Pedras Soltas

INCESTO LEXICAL

Um dia travou-se uma tal querela entre a mãe Palavra e o filho Pa lavrão que o/a resultado/resolução dessa contenda foi tão inespe rado/a que acabou por fa zer História. Ouçamos algumas (as princi pais) passagens dessa disputa:

A Palavra para o Palavrão:

– Afasta-te de mim, porque putrefazes os meus tão sensí-

veis morfemas!

E o Palavrão, ofendidíssimo, arremeteu:

– Olhem só para esta tipa, esta descarada, dizer

que eu cor rompo as suas fibrazinhas morfemáticas!…

Ora, digam lá, senhores usuários de nós ambos, se aquela

fu lana tem alguma razão para estar pr’ali a blasfemar desta

maneira?

Parece que já se esqueceu de que eu – à

semelhança, aliás, da deusa Atena – sou um dos seus

derivados, possuindo a mais do que ela apenas o sufixo -ão

(por isso, sou macho!…). Mas penso que isto nada tem de

mal.

162 Henrique Barroso

E a Palavra:

– De facto, não é isso que me põe em putrefacção.

É, sim, essa tua carga pejorativa, que encerras de tal manei-

ra dentro de ti, que faz arrepiar até os ouvidos menos pios!

E o Palavrão:

– Minha querida mamã, essa conotação existe de facto,

mas não sou eu o culpado. São, sim, os utentes menos poli-

dos que, anarquicamente, assim me des prezam…

Então, a Palavra, mais reconciliada, pediu

desculpa ao seu querido filho e, beijando-o incestuosa-

mente, deu à luz mais um derivado de uma sen sibilidade

autofalante que até os deuses, no leito nupcial, o articulam

deglutidamente: a(s) Palavrinha(s)!…

Braga, 13 de Março de 1985

163Pondras de Pedras Soltas

CROMOGÉNESE

Um gene apaixonou-se

Por um cromossoma

À primeira vista.

Com o decorrer da relação

Já amigos

De verdade

Sempre que chispavam

Um no outro

Diziam-se:

– «Ai este teu gene!…»

– «Ai este teu cromossoma!…»

E olhando-se bem fundo

Nos olhos

Sorriam… marotos!…

Braga, 21 de Maio de 1998

164 Henrique Barroso

165Pondras de Pedras Soltas

Posfácio

ALGUMAS ESPÉCIES DE MÚSICA

Como em Alice in Wonderland, onde a partir de certa altura se

pode ouvir Blue Moon mas sem a certeza auditiva rejeitada pelo

seu ardiloso desequilíbrio, Pondras de Pedras Soltas, a começar pelo

título, toca em coisas que não são de todo unas com o seu nome.

Fá-lo porém sem cabala nem endrómina, estratagema ou anzol. A

música é inequívoca e de há muito mandada, quadrada – «Também

a alma minha / Caiu com o pilar / E a corrente do rio / Arrastou-a prò

mar.» (p. 133). A incongruência afi-gura-se que resulta de convicções

simples. O autor não é o peixe fino que no ditado apes soado

morre pela boca na virtuosa companhia de Oscar Wilde. O mundo

e as coisas não são factos de proximidade, sem abuso de alguma

moral poética, e a palavra ‘poesia’ designa uma plenitude, de serviço

justamente a apontar uma moral em falta.

166 Henrique Barroso

Por um lado, há a natureza, e logo não há pedras que não sejam

ponte ou astros que não sejam pondras; pode eduzir-se na reali dade

o Criador das criaturas, e não tanto porque sejam a sua lín gua, mas

porque a Metáfora Grande existe por um hífen: «Todos os asteróides

/ Todos os cometas / Todas as estrelas / Todos os planetas / São as

pondras / Do Infinito… // Do Criador / Todas as criaturas / São o traço

de união…» (p. 48).

Por outro lado, há o contraste humano, notavelmente excep tuado

da Criação, o qual exige o poeta, por isso que não consente o hífen.

O poeta, que almost cut his hair, como David Crosby ameaçara fazer

em situação de ofensa do estado à solidariedade humana, observa

o cinismo, a incoerência, o inconsequente, o lugar como espaço de

factos de imediação: «Como se de autómatos se tratasse / Agimos //

Como se de potências rivais se tratasse / Comportamo-nos // Como

se de seres heterogalácticos se tratasse / Comunicamos // Como se

de ser assim mesmo tivesse / Vamo-nos suportando // Aqui onde

trabalhamos.» (p. 111); «Anda por aí um polvo / Mui nobre e bem

cabeçudo / De tentáculos taludos / Que escorregam finamente / E

com íman nas ventosas / Por cimento só gulosas... // Mas a bolsa do

ferrado / Já não turva todo o lado!» (p. 118); «Pra sentir isto, quase

vislumbrei Cerbère: / De boas intenções está esta Terra cheia! /

Olhe-se só prà intervenção europeia / Em de fesa da causa do povo

maubere!…» (p. 141). O mundo, enfim, pede barrela: «O egoísmo

/ Tem o mundo / Envenenado. // Desta servidão / Exige-se / Já / A

libertação!» (p. 149).

E o autor? Esse tem fases e as fases fazem figuras. Cedo a do poeta,

que não gostaria de ficar por «completamento pontual» (p. 113), e

167Pondras de Pedras Soltas

outras logo, e quase sempre com predilecção óbvia pela adição, pela

multiplicação, pela progressão geométrica, que não raro transmuda

os simples factos algébricos. Trata-se da procria ção inerente à beleza

inerente, que sucede quando o poe-ta é – ou seja, quando lança mão

da harpa, a seu ver «como Orfeu», e entra em estado de continuidade

e transcendência, ao caso por um ane xim automobilístico: «Orfeu /

Embriagado / Divinalmente / Liga-me a chave / D’ignição…» (p. 55).

Começa no acasalamento, no cat looking for his kitty, no H2omem,

ou no namoro cromossomá tico, nalguma funny valentine que faz

sorrir com o coração, e pros segue. Na frase dos poemas tem corres-

pondência na forma exple tiva frequente.

Os exemplos seriam muitos, de ciência exacta (e aqui menos

exacta) que tende à perfeição intrínseca dos números e da língua

considerada pelas raízes. Raiz é, de resto, o termo assíduo, escru-

puloso e cumpridor, da genética à morfologia, da morfologia à

ál gebra. Entre «Números Perfeitos» (p. 90), «Perfeição» (p. 65) (que

trata de começar num pombo e numa pomba), «Cromogénese» (p.

163) e «Raízes» (p. 63), escolho este, que faz vibrar a álgebra: «A raiz

quadrada / Do homem / É a mulher. // A raiz cúbica / Dos pais / São

os filhos. // E os avós são / Dos netos / Os números primos…».

A mesma insistência na raiz pode remontar às origens divi-sa das

no «ritual», e ao símbolo discernido na realidade, mas infeliz-

-mente em jeito de completamento pontual. Surge, não obstante,

um contraste bem marcado com os «autómatos» referidos: «To-

dos / Naturais e forasteiros / À volta da mesma mesa / De madeira

improvisada / E quilometral / De alvo linho de pura teia coberta / E

guarnecida com arroz carne e pão / Vivemos e saboreámos / Como

na origem dos tempos / O símbolo da comunhão: / Eis o milagre de

168 Henrique Barroso

S. Sebastião.» (p. 69). A poesia ajuda-se, parece asse verar esta, com o

senso comum: «Há coisas que são / Do senso comum: / Não se precisa

/ Nem de saber técnico / Nem de saber científico / Nenhum!» (p. 112).

Para quê o poeta? Donde surge a sua cara sem fronteiras que

estranhamente procura a remissão poética na ciência e no senso co-

mum? A crer, na transformação acontecida e desoriginante do eu (ou

poeticamente da «jactância») em pluralidade desestimada de factos

de proximidade, que vão cumprindo a sua Noche de Ronda, posto

no poeta prospere como perdida, e logo idealizada, uma «essência

de cristal» (p. 130): «Como o copo de cristal / Que me escorregou da

mão / E se estatelou no chão / Desfazendo-se em pedaços, // Assim

a minha essência / Me escorregou do meu ser / E se estatelou no ter

/ Desfazendo-se em pedaços.»

A avidez de posse, estigmatizada a servir de escarmento moral,

não oculta que a demanda de uma coisa chamada poesia, confun-

dível embora com um «lampião socrático» (p. 40), arranca do «eixo

partido» (p. 37) ou de um estado de Prometeu agónico, de Tântalo

ou de Sísifo. O poeta cria-se daí, com os meios que tem e ainda, dir-

-se-ia, com os que não tem. Por vezes perspectiva a hi pótese taoísta

– «Só é tudo/ Quem é nada.» (p. 143) –, por vezes cede à cisão (ou

acede à visão), ainda que não dos números imper feitos mas das suas

«metades»: «Achando-me eu na margem es querda / Do rio da minha

aldeia / E percorrendo em pensamento / O seu leito / Da nascente

à foz / Vi / Reflectida nas suas águas / A minha outra imagem!…//

Imaginei / O sepulcro do meu corpo e / O paraíso da minha alma /

Contemplei / Distorcido pelo cor rer das águas / O momento jamais

visto / Da dramática despe dida / Das minhas duas metades!…»

(p. 156). O que há de menos grato na pluralidade esparsa cuida-se

169Pondras de Pedras Soltas

poeticamente acessível pela reflexão: «O Reverso ri-me.» (p. 155).

Percebe-se que o eu disperso em proximidades que se reluta a

considerar não-afins não deve ser restos, mas antes qualquer coisa

como «testemunhos vivos» (p. 15). A melodia mais pela proximidade

que pela afinidade – esse so what – é uma hipótese quase inverosí-

mil. A poesia de Henrique Barroso procura apagar a diferença entre

o que resta de ser e os fragmentos tão verdadeiros como étimos de

um alfabeto cristalizado em poesia, ou seja, nos autênticos diagra-

mas com que decerto o leitor se surpreendeu. Um pombo e uma

pomba, bicada a bicada, geram muitos tro chos, e isso é beleza; a

«Incomparável Grandeza / do Sameiro» (p. 47) há-de volver-se em

stairway to heaven.

Referências e alusões:

Alice in Wonderland – Bill Evans Trio, Sunday at the Village Van-

guard.

Pela boca morre o peixe (e também Oscar Wilde) – Fernando Pes soa,

Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação.

Factos de proximidade – Paul de Man, Allegories of Reading.

Almost Cut my hair – Crosby, Stills, Nash & Young, Déjà Vu.

Cat looking for his kitty – Lovin’ Spoonful, Summer in the City.

H2omem – Clã, Lustro.

My Funny Valentine – Chet Baker, Chet Baker Plays and Sings the

Great Ballads.

170 Henrique Barroso

Minha Cara sem fronteiras – António Variações, Dar & Receber.

Noche de Ronda – Charlie Haden, Nocturne.

So What – Miles Davis, A Kind of Blue.

Stairway to Heaven – Led Zeppelin, Remasters.

S. Salvador (Viseu)/ Braga, Setembro/

Outubro 2001

Américo António Lindeza Diogo

171Pondras de Pedras Soltas

Índice

PÓRTICO

Sphragis ........................................................................... 13

A magia do livro ............................................................ 14

O meu mundo ............................................................... 15

Poeta e Poesia................................................................ 16

Buraco negro ................................................................. 17

SER HUMANO

Interrogação eterna .................................................... 21

Essência ........................................................................... 22

Anthropos ....................................................................... 23

Efémero............................................................................ 24

Molécula .......................................................................... 25

Feto ................................................................................... 26

Perturbação .................................................................... 27

Envelhecimento ............................................................ 28

Amartagem .................................................................... 29

Revolução ....................................................................... 30

Desintegração ............................................................... 31

Cinismo ............................................................................ 32

172 Henrique Barroso

RUMO(S)

Percurso ........................................................................... 35

Ser inteiro I ...................................................................... 36

Saber de experiência feito ........................................ 37

O Amigo........................................................................... 38

Ser inteiro II .................................................................... 39

Lampião socrático ........................................................ 40

Essência ritmada ........................................................... 41

A decisão ......................................................................... 42

Medos ............................................................................... 43

IGNOTO DEO

Reflexão ........................................................................... 47

Traço de união ............................................................... 48

Visão ubíqua .................................................................. 49

Dia de Todos-os-Santos.............................................. 50

dEUSES

Cruz ................................................................................... 53

Mors/Amor ..................................................................... 54

Sopro ................................................................................ 55

Musas ................................................................................ 56

Sísifo incansável ............................................................ 57

TERNURA

Mãe .................................................................................... 61

Retrospecção ................................................................. 62

Raízes ................................................................................ 63

Pai ...................................................................................... 64

Perfeição .......................................................................... 65

Natal .................................................................................. 66

173Pondras de Pedras Soltas

Le bonheur matinal ..................................................... 67

Química............................................................................ 68

Comunitarismo ............................................................. 69

EROS

Nós ..................................................................................... 73

TU I ..................................................................................... 74

Magia ocular .................................................................. 75

TU II ................................................................................... 76

Presença .......................................................................... 77

Cupidentim .................................................................... 78

Banquete ......................................................................... 79

Segredo ........................................................................... 80

Aniversário em espiral ................................................ 81

Solicitude ........................................................................ 82

Ruhe .................................................................................. 83

Tranquilidade ................................................................. 84

Aniversário em sintonia ............................................. 85

Impulso vital .................................................................. 86

Aniversários .................................................................... 87

Cada vez maior .............................................................. 88

B.I. q.b. ............................................................................. 89

Números perfeitos ....................................................... 90

SAUDADE

Epitáfio ............................................................................. 93

Unidade ........................................................................... 94

Simpático sorriso .......................................................... 95

Aparição .......................................................................... 96

H2O..................................................................................... 97

174 Henrique Barroso

Dedicação modelar ..................................................... 98

Uma via sacra ................................................................. 99

BAGATELAS

Contrato-promessa compra e venda ..................103

Descarga ........................................................................104

Ego picado ....................................................................105

Cruzamento ..................................................................106

Ponta ...............................................................................107

Incapacidade ...............................................................108

As quatro estações .....................................................109

Mulher-a-dias ..............................................................110

Local de trabalho ........................................................111

Senso comum ..............................................................112

Jactância ........................................................................113

VERDE

Adição vs subtracção ................................................117

Floresta ..........................................................................118

ECLIPSE(S)

Souffrance .....................................................................121

Abalo profundo ..........................................................122

Desespero .....................................................................123

Dor constante ..............................................................124

Mors mei ........................................................................125

Tempus fugit I ..............................................................126

Direito .............................................................................127

Tempus fugit II .............................................................128

Desorientação .............................................................129

Essência de cristal ......................................................130

175Pondras de Pedras Soltas

Forças da Natureza ....................................................131

Pó .....................................................................................132

Ponte de pesadelo .....................................................133

AURORA(S)

Ser completo................................................................137

Vento Suão ...................................................................138

LIBERTAÇÃO

Epigrama .......................................................................141

Constatação .................................................................142

Nirvana ...........................................................................143

Chuva com sol .............................................................144

Navegando ...................................................................145

Desvalorizar ..................................................................146

Gestão impossível ......................................................148

Barrela ............................................................................149

Alquimia do amor ......................................................150

Ansiedade .....................................................................151

EPÍLOGO

Espelho ..........................................................................155

L’indicible ......................................................................156

DELÍRIO POÉTICO-NARRATIVO

Jardim ibérico ..............................................................159

Incesto lexical ..............................................................161

Cromogénese ..............................................................163

Posfácio ................................................................................165

Índice ...................................................................... 171

176 Henrique Barroso

177Pondras de Pedras Soltas

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