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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Administração RICARDO LUIZ VANZELLI BERNI Desafios da responsabilidade ambiental de uma empresa de distribuição de combustíveis: Um estudo de caso sobre a disseminação da estratégia ambiental de uma distribuidora junto a seus postos revendedores de combustíveis Belo Horizonte 2014

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · 2014. 11. 28. · Empresarial, Estratégia de Negócios, Redes de Negócios. ABSTRACT BERNI, R. L. V. (2014). Challenges

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  • PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Administração

    RICARDO LUIZ VANZELLI BERNI

    Desafios da responsabilidade ambiental de uma empresa de distribuição de combustíveis: Um estudo de caso sobre a disseminação da estratégia ambiental de uma distribuidora junto a seus postos revendedores de

    combustíveis

    Belo Horizonte 2014

  • Ricardo Luiz Vanzelli Berni

    Desafios da responsabilidade ambiental de uma empresa de distribuição de combustíveis: um estudo de caso sobre a disseminação da estratégia ambiental de uma distribuidora junto a seus postos revendedores de

    combustíveis

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração. Linha de pesquisa: Sustentabilidade Orientador: Professor doutor Armindo dos Santos de Sousa Teodósio

    Belo Horizonte 2014

  • FICHA CATALOGRÁFICA

    Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

    Berni, Ricardo Luiz Vanzelli

    B528d Desafios da responsabilidade ambiental de uma empresa de distribuição de combustíveis: um estudo de caso sobre a disseminação da estratégia ambiental de uma distribuidora junto a seus postos revendedores de combustíveis / Ricardo Luiz Vanzelli Berni. Belo Horizonte, 2014.

    135f.: il.

    Orientador: Armindo dos Santos de Sousa Teodósio Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

    Programa de Pós-Graduação em Administração.

    1. Responsabilidade ambiental. 2. Sustentabilidade. 3. Gestão ambiental. 4. Redes de negócios. I. Teodósio, Armindo dos Santos de Sousa. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Administração. III. Título.

    CDU: 658:577.4

  • Autorizo a reprodução e a divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Berni, Ricardo Luiz Vanzelli.

  • Ricardo Luiz Vanzelli Berni

    Desafios da responsabilidade ambiental de uma empresa de distribuição de

    combustíveis: um estudo de caso sobre a disseminação da estratégia

    ambiental de uma distribuidora junto a seus postos revendedores de

    combustíveis.

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Administração. Aprovada em Belo Horizonte, no dia 21 de Fevereiro de 2014, pela seguinte banca examinadora:

    Prof. Dr. Armindo dos Santos de Sousa Teodósio

    Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Orientador)

    Profa. Dra. Sylmara Lopes Francelino Gonçalves-Dias Universidade de São Paulo

    Prof. Dr. Roberto Patrus Mundim Pena

    Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

  • À memória de meus pais amados, pela inspiração, pela dedicação,

    pelo exemplo.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeço os muitos dias dedicados a este trabalho, primeiramente a minha família por compreender a importância e a razão maior para a continuidade e o aperfeiçoamento de meus estudos. Agradeço a todos os profissionais e clientes da Raízen, que apoiaram este estudo com suporte, conhecimento e informações; sem eles, todos os achados e conclusões deste trabalho não teriam sido possíveis. Agradeço aos professores da PUC Minas e da Fundação Dom Cabral, bem como aos outros mestrandos com os quais convivi nos últimos dois anos, pela convivência tão talentosa e inspiradora. Por fim, agradeço a sabedoria e a generosidade do Professor Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, meu orientador neste estudo; sem ele, esta etapa da minha vida acadêmica e profissional não teria sido concluída.

  • Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência.

    Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia

    pobreza no mundo, e ninguém morreria de fome.

    Mahatma Gandhi

  • RESUMO

    BERNI, R. L. V. (2014). Desafios da responsabilidade ambiental de uma empresa de distribuição de combustíveis: um estudo de caso sobre a disseminação da estratégia ambiental de uma distribuidora junto a seus postos revendedores de combustíveis. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais. A longevidade dos negócios e a necessidade de se ampliar e manter uma base de

    clientes cada vez mais conscientes têm estimulado as empresas a revisar suas

    atividades produtivas e de comercialização de produtos, para legitimar sua atuação

    perante a sociedade. Nesse contexto, a responsabilidade ambiental de grandes

    corporações, especialmente aquelas com atuação em redes de negócios, passa a

    ocupar uma prioridade estratégica, buscando atender não somente a uma legislação

    ambiental cada vez mais abrangente, mas também a distintos interesses de

    diferentes atores sociais. Para dar cumprimento a essa prioridade, empresas adotam

    políticas e sistemas de gestão ambiental como meio para que consigam crescer e se

    desenvolver de forma sustentável. Através de um estudo de caso, nesta dissertação,

    são analisados os desafios, as oportunidades e as limitações para uma cultura

    preventiva de respeito ao meio ambiente, na empresa distribuidora de combustíveis

    Raízen Combustíveis S/A, prioridade desejada pela matriz e que precisa ser

    disseminada entre os postos revendedores de combustíveis de sua marca.

    Palavras-chave: Sustentabilidade, Gestão Ambiental, Responsabilidade Ambiental

    Empresarial, Estratégia de Negócios, Redes de Negócios.

  • ABSTRACT

    BERNI, R. L. V. (2014). Challenges of environmental responsibility of a company's fuel distribution: a case study on the spread of environmental strategy of a distributor and their fuel sites dealers. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais. The business longevity and the need to expand and maintain a consumer base

    increasingly aware has encouraged companies to revise their production activities

    and products commercialization to legitimize their actions in society. In this context

    the environmental responsibility of large corporations, especially those acting in

    business networks come to occupy a strategic priority, seeking to meet different

    interests and demands of different actors. This study will seek to understand which

    are the challenges, opportunities and limitations for a preventive culture of respect for

    the environment in a business network, a priority desired by the head office, but it

    may need examples and practices so that a preventive culture might spread and

    perpetuate itself among its affiliates and between their operators and employees. To

    support this piece of work, a case study will be presented about a petroleum

    company, Raízen Combustíveis S/A, that will be focused on evaluate how the

    company (head office) can disseminate the environmental responsibility among their

    sites (gas stations).

    Key-words: Sustainability, Environmental Management, Corporate Environmental

    Responsibility, Business Strategy, Business Networks.

  • LISTA DE FIGURAS

    Quadro 1 - Características das Abordagens Ambientais.................................... 60 Quadro 2 - Modelos de Gestão Ambiental............................................................ 64 Quadro 3 - Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).............................. 73 Quadro 4 - Principais Marcos Regulatórios para Postos de Combustíveis...... 76

    Quadro 5 - Postos Revendedores de Combustíveis Pesquisados............................................................................................................ 82 Quadro 6 - Motivadores para a Estratégia Ambiental...........................................88 Quadro 7 - Engajamento dos Atores na Implementação da Política Ambiental..................................................................................................................92 Quadro 8 - Avaliação das Práticas e Ferramentas da Empresa...........................93 Quadro 9 - Avaliação das Práticas e Ferramentas Ambientais..........................111

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: As Três Esferas da Sustentabilidade.....................................................36 Figura 2 - Mudança do foco da sustentabilidade no meio empresarial..............42 Figura 3 - Interação de Atores sobre Meio Ambiente...........................................44 Figura 4 - Evolução da Questão Ambiental nas Empresas..................................55 Figura 5 - Dimensões da Gestão Ambiental..........................................................59 Figura 6 - Prevenção da Poluição..........................................................................62 Figura 7 - Similaridades dos Programas de TQM e TQEM..................................63

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas

    CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

    CEBDS - Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Social

    CEO - Chief Executive Officer

    CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental

    CMMAD - Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento

    CNUMAD - Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

    Desenvolvimento

    CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

    GMC - Grupo do Mercado Comum

    GRI - Global Reporting Initiative

    IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    IGAC - Índice da gestão ambiental corporativa

    INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial

    ISO - International Organization for Standardization

    EEA - Executivo da Empresa Analisada

    MERCOSUL - Mercado Comum do Cone Sul

    NAFTA - North American Free Trade Agreement

    OMC - Organização Mundial do Comércio

    ONG - Organização Não Governamental

    ONU - Organização das Nações Unidas

    PIB - Produto Interno Bruto

    PRC - Posto Revendedor de Combustíveis

    RSE - Relatório de Sustentabilidade Empresarial

    SGA - Sistema de Gestão Ambiental

    SISNAMA - Sistema Nacional de Meio Ambiente

    SMA - Secretaria do Meio Ambiente

    SSMA - Segurança, Saúde e Meio Ambiente

    TQEM - Total Quality Environmental Management

    TQM - Total Quality Management

    WWF - World Wildlife Fund for Nature

  • SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO.................................................................................................. 14

    2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: AVANÇOS E DESAFIOS.................

    26

    3. AMBIENTALISMO EMPRESARIAL..................................................................

    36

    4. ATORES SOCIAIS E INVESTIMENTOS AMBIENTAIS EMPPRESARIAIS.....

    44

    5. GESTÃO AMBIENTAL EMPRESARIAL: ABORDAGENS E MODELOS........

    54

    6. ESTRATÉGIAS EM REDES DE NEGÓCIOS....................................................

    66

    7. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E GESTÃO EMPRESARIAL NO BRASIL..........

    71

    7. 1 - Legislação Ambiental no Setor de Combustíveis.................................... 75

    8. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..........................................................

    78

    9. DIFUSÃO DE ESTRATÉGIAS AMBIENTAIS DA RAÍZEN............................

    85

    9.1 - Orientação Estratégica Ambiental da RAÍZEN.......................................... 85

    9. 2 - Desafios Ambientais dos Postos de Combustíveis.............................. 104

    10. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................

    119

    REFERÊNCIAS......................................................................................................

    124

    ANEXOS................................................................................................................

    131

  • 14

    1. INTRODUÇÃO

    Um novo cenário empresarial mais competitivo requer das corporações maior

    adaptabilidade para conseguir atender, além das demandas do mercado, o

    cumprimento da legislação vigente e as expectativas socialmente construídas acerca

    de seu desempenho ambiental. Observa-se que, cada vez mais, empresas fazem

    disso uma oportunidade de ampliar os negócios ou uma possibilidade de redução

    dos custos através da prevenção, mais do que pela correção dos danos que causam

    ao meio ambiente, e pelo aprimoramento da ecoeficiência de seus processos. Nessa

    direção, mostram-se necessários o envolvimento e o engajamento de diferentes

    atores que se relacionam com a empresa em suas atividades, a depender do grau

    do tipo de negócio ou segmento em que a empresa está inserida.

    No campo da gestão empresarial, observa-se, nos últimos tempos, a

    introdução de novas tendências, as quais são assimiladas pelas empresas e que

    fazem parte da agenda dos gestores preocupados em modernizar as estratégias

    organizacionais. Nesse contexto, a sustentabilidade tem adquirido um status central

    e, apesar de não ser um tema recente no repertório social e empresarial, tem sido

    apropriada por diferentes grupos sociais, desde movimentos ambientalistas, ONGs,

    governos alcançando o universo das empresas, fazendo com que a sustentabilidade

    seja uma força muito significativa na forma como são pensadas e geridas as

    organizações empresariais em nossos tempos (Gonçalves-Dias & Teodósio, 2011).

    A gestão ambiental empresarial tem tido, nas iniciativas ambientais globais,

    regionais e locais, os estímulos principais para seu contínuo aperfeiçoamento.

    Múltiplas abordagens e sistemas de gestão têm sido usados e colaboram para o

    aumento do diálogo e da interação com outros atores da sociedade, entre eles,

    governos, instituições multilaterais, ONGs, institutos de pesquisa, clientes e

    consumidores.

    O enfrentamento dos problemas ambientais por parte das empresas tem

    adquirido uma dimensão estratégica na gestão empresarial, à medida que aumenta

    o interesse da opinião pública sobre as essas questões. Assim, posicionar-se na

    direção do pleito da sociedade em geral pode ajudar a garantir às corporações uma

    real vantagem competitiva no futuro e a manutenção de suas atividades e negócio

    (Barbieri, 2012).

  • 15

    A sustentabilidade nos negócios e a responsabilidade ambiental das

    empresas têm sido cada vez mais debatidas dentro das organizações. Os gestores

    têm levado para suas reuniões de planejamento uma preocupação recorrente com o

    tema, embora ainda pareçam acreditar que o principal desafio nessa área seja o

    desenvolvimento de produtos e serviços ―verdes‖ compatíveis com suas expectativas

    de rentabilidade (Abramovay, 2012).

    Na visão de Teodósio e Gonçalves-Dias (2006), os debates das empresas

    podem gerar desdobramentos positivos. Trata-se, em muitos casos, não de mera

    tentativa de dar respostas mínimas às demandas e às pressões de governos e

    sociedade civil, mas de se adotar um padrão mais sustentável de operação dos

    negócios.

    No Brasil, a virada do século XX para o XXI pareceu mostrar avanço na

    priorização da gestão ambiental nas empresas, especialmente quando

    consideramos que, há pouco mais de uma década, a lógica dominante era a de

    modelos de negócios que visavam manter os patamares de lucratividade, sem se

    importar quão bem posicionadas estivessem as empresas na sua atuação ambiental

    e social. Nas organizações atuais, a preocupação com a longevidade dos negócios e

    a necessidade de se ampliar e manter uma base de consumidores estimula a

    revisão das atividades produtivas e de comercialização de produtos e serviços, de

    forma a melhorar as bases nas quais as empresas legitimam seu negócio, atividade

    e atuação frente à sociedade (Barbieri, 2012).

    Por essa razão e várias outras ligadas ao controle estatal e social das

    atividades empresariais, organizações privadas têm passado a internalizar alguns

    dos efeitos advindos da difusão do chamado ―consumo sustentável‖, que se

    configuraria como uma tendência para o tratamento da questão dos impactos

    gerados pelo consumismo e tem passado a ser adotado por parte de alguns

    consumidores, em alguns casos também estimulados pelas próprias grandes

    corporações (Paiva, 2009).

    Ainda segundo esse autor, a noção de consumo sustentável passa a exigir de

    diferentes atores de mercado também um compromisso com a moralidade pública

    através das ações coletivas e estimula a implementação de políticas multilaterais de

    controle tanto da produção quanto do consumo. Isso envolveria mudanças de

    postura aliadas à necessidade de transformação do sistema de valores e de ações

    dos cidadãos, governos e empresas.

  • 16

    Para fazer frente a essas mudanças, as operações das empresas precisam

    passar por uma transformação que poderá incluir não somente uma revisão da sua

    forma de gerenciamento para cumprir uma legislação ambiental cada vez mais

    rigorosa, mas, principalmente, a implementação de práticas mais sustentáveis e

    proativas na relação com o meio ambiente e seus diversos atores (Abramovay,

    2012).

    Como exemplo desse debate, tem-se a indústria do petróleo ou mais

    comumente o segmento de distribuição de combustíveis, que passa por uma

    transformação e expansão dentro do mercado brasileiro. Em razão da grande

    produção de veículos nos últimos anos e do forte crescimento da produção e

    comercialização dos derivados de petróleo, tornou-se necessário um controle

    ambiental mais intenso nesse setor, que se faz sujeito a uma legislação específica

    em função do perfil do produto que comercializa e pelo potencial dano ambiental

    inerente ao perfil de sua operação.

    Embora a humanidade conheça o petróleo desde a Idade Antiga, tendo sido

    relatados seu uso no Egito Antigo, China e Ásia Menor, é no final do século XVIII

    que o petróleo passa a ser explorado como fonte primária de energia, após o

    desenvolvimento do processo de refino e do motor a combustão (Cardoso, 2005).

    Podemos datar que o início significativo da indústria do petróleo tem origem na

    Pensilvânia, nos Estados Unidos da América, quando em 1859, Edwin Drake

    encontrou petróleo a partir de um poço de 21 metros, iniciando, então, uma

    comercialização do insumo numa nova fonte de energia, que se tornaria depois

    essencial ao mundo moderno.

    Em poucas décadas, o setor do petróleo e gás assumiu lugar de destaque na

    matriz energética americana e na matriz energética mundial. Atualmente, o petróleo

    representa 37% da energia primária consumida no mundo e o gás natural, 24%,

    perfazendo, esses dois tipos de energia, 61% do consumo mundial. O carvão

    mineral vem em terceiro lugar, com 27%. A energia hidroelétrica e a nuclear vêm

    empatadas em quarto lugar, com 6% do consumo mundial.

    O rápido crescimento das empresas petrolíferas e o aumento da importância

    do petróleo como fonte de energia para os países desenvolvidos transformou esse

    setor em um dos mais importantes em todo o mundo. Observamos a importância do

    petróleo para a humanidade, mesmo nos tempos atuais. Do petróleo cru, obtemos a

    gasolina para os automóveis, o óleo diesel para os caminhões e embarcações, e o

  • 17

    querosene para a aviação. Seus derivados também servem para movimentar

    fábricas, apoiar hospitais, impulsionar distintas indústrias permitindo o uso de

    incontáveis, máquinas e equipamentos. A indústria química usa seus derivados para

    a fabricação de plásticos, pesticidas agrícolas e muitos outros elementos que, direta

    ou indiretamente, fazem parte do dia a dia das comunidades e países (Shell, 2004).

    No século XX, surgiram várias indústrias do petróleo nos Estados Unidos,

    Rússia, Extremo Oriente, Oriente Médio e também na América do Sul. O petróleo

    passou a ser cobiçado e disputado a ponto de ser reconhecido como o ―ouro negro‖.

    No Brasil, a história do petróleo tem seu início na Bahia, quando o Marquês

    de Olinda concede a José Barros Pimentel, em 1858, o direito de extrair mineral

    betuminoso, em Ilhéus, obviamente não aparecendo nessa época uma atividade

    industrial de extração e refino, como se viu sofisticar tempos mais tarde (Santos,

    2005).

    Em 1913, o então presidente do Brasil, Hermes da Fonseca, concede licença

    a algumas empresas estrangeiras, dentre elas, a Shell, sob a denominação de Anglo

    Mexican Ltd. para comercializarem, via importação, os derivados de petróleo.

    Destacam-se, nessa abertura de mercado no país, o querosene e óleo combustível,

    boa parte deles para fins industriais (Shell, 2004).

    Em 1938, o governo brasileiro cria o Conselho Nacional do Petróleo (CNP),

    que normatizaria o uso das jazidas de petróleo, bem como regularia a expansão da

    produção e do refino no Brasil. Em 1939, um poço de petróleo é descoberto em

    Lobato (BA) e, em 1941, foi perfurado o primeiro poço comercial brasileiro, em

    Candeias, também no estado da Bahia (Santos, 2005).

    A indústria brasileira do petróleo, que já vinha assumindo importância, ganha

    destaque fundamental a partir da sua nacionalização, em 1953, com a criação da

    Petrobrás, Petróleo Brasileiro S.A. Inicialmente, a indústria nacional do petróleo foi

    planejada para atuar no refino de óleos importados.

    Nas décadas seguintes, como efeito da nacionalização da produção do

    petróleo pelos países produtores, as grandes empresas privadas perdem o domínio

    das reservas mundiais e o preço do petróleo eleva-se paulatinamente no mercado

    internacional.

    Na década de 1970, ocorrem dois grandes saltos no preço do barril de

    petróleo. A preços de 2004, o barril chega, em 1974, a US$44,55 e, em 1979, atinge

    US$78,46. Essa nova situação e o desenvolvimento da exploração em águas

  • 18

    profundas viabilizaram uma mudança na estratégia inicial da indústria brasileira do

    petróleo que, a partir dos anos 1970, começa a concentrar investimentos nas

    atividades de exploração e prospecção.

    Até essa fase, não se perceberam quaisquer avanços significativos do ponto

    de vista ambiental para a exploração e uso do petróleo e seus derivados, fato que

    começaria a mudar apenas um pouco antes da virada do século, de acordo com

    Santos (2005). Ainda segundo esse autor, ao longo de sua trajetória, as empresas

    de petróleo se instalaram em diversos locais do país, desenvolveram atividades que

    impactaram o solo e as águas, também através de seus terminais de armazenagem,

    do transporte de derivados ou da comercialização em postos de combustíveis.

    Ao longo do século passado, empresas globais desenvolveram-se

    impulsionadas pela necessidade crescente do petróleo e seus derivados e se

    tornaram conglomerados globais como Exxon, Chevron, Mobil, Texaco, Gulf, British

    Petroleum e Shell. Atualmente, empresas globais e brasileiras são chamadas a

    responder para uma crescente demanda de oferta de seu produto principal, mas

    também são cobradas por seus acidentes ambientais passados e presentes, com os

    quais enfrentam elevados custos das remediações necessárias.

    Na década de 1980, as gigantes indústrias petroquímicas estavam

    preparadas para incrementar seus gastos com controle da poluição, tendo

    orçamentos limitados a correções de processo. Em 1982, algumas empresas

    planejavam investir, em média, 46% mais do que nos anos anteriores nesse controle

    e, como demonstração da mudança dessa visão em prol de uma produção mais

    sustentável, um artigo da revista ―Chemichal Week‖ mostrava que as indústrias em

    geral estavam movidas para uma mudança cultural definitiva, na qual o

    gerenciamento ambiental estaria sendo elevado a um patamar de função

    administrativa chave dentro das corporações. Finalmente, os grandes investidores

    das grandes companhias químicas e petroquímicas com expressão mundial, como

    Allied Signal, Bristol-Myers Squibb, DuPont, Chevron, Exxon, Occidental, Mobil e

    Procter & Gamble estavam decididos a participar, incluindo não somente os temas

    nas reuniões com acionistas, mas, principalmente, ampliar significativamente o

    investimento preventivo que melhora a imagem e reduz os dispêndios de correção

    que corroem a sua própria reputação (Hoffman, 2001).

    A década de 1980 foi marcada por grandes acidentes industriais, que tiveram

    graves consequências ambientais e de saúde pública. A maior parte desses

  • 19

    acidentes envolveu a indústria química, a petrolífera e a energética. Em termos

    econômicos, muitos analistas consideraram essa como uma década perdida, já que,

    em diversos países, principalmente naqueles em desenvolvimento, as dívidas

    externas aumentaram rapidamente e seus problemas sociais se agravaram (Barbieri,

    2007).

    A partir dos anos 1990, há uma clara caracterização de maior conscientização

    sobre a responsabilidade socioambiental, incluindo-se nesse tema também o Brasil,

    com o crescimento e fortalecimento das ONGs ambientais e a realização da Rio 92,

    Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,

    realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, que ajudou a trazer mais ainda

    as questões ambientais para o centro dos debates sociais.

    Normas como a ISO 14000 para a gestão ambiental, o Global Reporting

    Initiative (GRI) e os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social foram alguns dos

    muitos exemplos de ações de traduzidas como mudança obrigatória de foco na

    direção de uma maior responsabilidade ambiental das empresas, desenvolvidos nos

    últimos anos, dentre outros fatores, para fazer frente à mudança de expectativas da

    sociedade como a performance das empresas em termos ambientais e sociais

    (Barbieri, 2011). Com a indústria de petróleo não foi diferente, com as exigências

    ambientais começando a aparecer, gradativamente, lado a lado na consideração da

    importância desse recurso para o funcionamento das sociedades contemporâneas.

    O relacionamento das empresas e seus atores deve ser considerado uma via

    de mão dupla, em que as empresas influenciam e são influenciadas pelos agentes

    sociais. No caso das empresas distribuidoras de combustíveis, a relação da

    comercialização dos produtos nos postos de serviços passa a ser uma grande

    prioridade da matriz, considerando-se os riscos do transporte, da armazenagem e da

    comercialização junto aos consumidores finais. Trata-se de etapas de risco, que são

    normatizadas e devem ser averiguadas e fielmente cumpridas. A relação dessas

    empresas com funcionários, revendedores, empregados dos postos e os

    consumidores influenciam a difusão (ou não) de uma cultura de respeito ao meio

    ambiente, mas são, da mesma forma, impactadas por eles.

    A legislação e a normatização crescente no setor de combustíveis têm sido o

    aspecto-chave para atrair a atenção dos atores do segmento. Por exemplo, São

    Paulo foi o primeiro Estado a criar, em 2000, um cadastro de áreas contaminadas

  • 20

    típicas das operações de distribuição e comercialização de combustíveis e, a partir

    desse controle, iniciou-se um melhor acompanhamento dessas áreas pela

    Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), órgão responsável

    pela indicação de responsáveis, da localização, das fontes e do estágio de

    contaminação, além da situação das áreas.

    No ano de 2000, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) publicou

    a Resolução n. 273/00, a qual estabeleceu em âmbito nacional a obrigatoriedade do

    licenciamento ambiental dos postos de combustíveis, um importante marco que

    estimula um maior cuidado com vazamentos de combustíveis em postos de serviços

    e aumenta o cuidado real pela armazenagem dos produtos, com aumento da

    fiscalização, novas regras e condutas, além de punição e multas financeiras para os

    infratores.

    Com isso, o assunto, que já era alvo de preocupação nesse Estado, ganhou

    destaque e amparo legal, e a gestão ambiental nos postos passou a ser uma

    questão ainda mais relevante para seus operadores e proprietários. A exemplo do

    Estado de São Paulo, percebe-se um incremento gradual nas exigências da

    legislação sobre postos de combustíveis também em outros Estados da federação,

    trazendo novos desafios e complexidades para a gestão ambiental empresarial que

    deve servir não só ao cumprimento da legislação específica, mas também ao

    controle preventivo e gerenciado das atividades que podem impactar o meio em que

    vivemos.

    A gestão ambiental refere-se às diretrizes e às atividades administrativas e

    operacionais realizadas com o objetivo de obter efeitos positivos sobre o meio

    ambiente. Pode ser aplicada a uma variedade de iniciativas por meio de três

    dimensões principais: a espacial, que concerne à área, na qual se espera que as

    ações de gestão tenham eficácia; a dimensão temática, que delimita as questões

    ambientais às quais as ações se destinam; e a dimensão institucional, relativa aos

    agentes que tomaram as iniciativas de gestão (Barbieri, 2007).

    É na dimensão institucional, conforme a entende Barbieri (2007), que esta

    dissertação volta seu foco, buscando analisar como a matriz de uma empresa

    consegue fazer disseminar sua estratégia ambiental entre seus diferentes níveis e

    agentes que compõem sua cadeia de postos de combustíveis. As distribuidoras de

    combustíveis, objeto deste estudo, deparam-se com o desafio de conscientizar um

    segundo nível operacional, para apoiar a criação de uma cultura de gestão e

  • 21

    prevenção ambiental junto aos operadores, donos dos postos de serviços,

    normalmente composto por empresários de diferentes perfis. A partir dessa ação,

    podem-se prevenir as contaminações ambientais na oferta e na venda de produtos

    que, por sua natureza, têm potencial poluente e contaminante, e envolvem múltiplas

    e, muitas vezes, complexas e delicadas operações de recebimento,

    comercialização, armazenamento e descarte de produtos e resíduos do setor de

    combustíveis.

    Nesta pesquisa, portanto, foram analisados os avanços e desafios da

    responsabilidade ambiental de empresas bem como essa estratégia dissemina-se

    num conglomerado de negócios. Para dar concretude a essa investigação,

    recorremos ao estudo de caso, que terá como unidade de análise uma empresa de

    grande porte de distribuição de combustíveis em atuação no mercado nacional. O

    foco de análise se voltou para a implementação da estratégia ambiental da empresa

    matriz junto aos seus postos de serviços, discutindo em que medida isso pode se

    concretizar numa cultura preventiva de danos ambientais.

    Um dos desafios desse estudo é confrontar a pretendida responsabilidade

    ambiental das empresas que comercializam produtos combustíveis perante a

    capacidade da matriz em implementar e difundir sua estratégia em uma rede de

    pequenas empresas, caracterizada pela presença de uma extensa rede de postos

    de serviços, que são demandados a construir uma cultura preventiva e de respeito

    ao meio ambiente em suas atividades cotidianas.

    Para se analisar a dinâmica de difusão de inovações ambientais entre as

    empresas, deve-se perguntar sempre quais forças e interesses sociais vão

    prevalecer nos processos de mudança organizacional característicos da

    responsabilidade socioambiental das corporações (Gonçalves-Dias & Teodósio,

    2011).

    Segundo Cropper et al. (2008), as redes de negócios formadas entre

    empresas constituem organizações complexas, que aglutinam distintos interesses

    com o intuito de tornar possível a obtenção de ganhos coletivos. Vistas dessa forma,

    as redes inter organizacionais possuem um desafio adicional para a implementação

    da diretriz ambiental, já que as normatizações oriundas da matriz para a

    implementação das ações necessitam do apoio, da concordância e da atuação de

    outras empresas secundárias ligadas à sua esfera de negócios.

  • 22

    Normalmente, empresas que atuam em redes de negócios enfrentam o

    paradoxo da escolha individual em oposição à escolha social ou coletiva. Em regra,

    esse é um dos desafios mais complexos de ser superado. Percebe-se, ainda, um

    crescente número de iniciativas de redes e relações inter organizacionais, os quais

    têm demonstrado que é possível transpor essa barreira e realizar ações

    colaborativas entre atores através de estratégias mais eficazes de cooperação

    (Coleman, 1990; Child et al., 2005).

    Além disso, a cooperação e as redes de empresas têm se constituído em alvo

    de grande interesse na atualidade. Tanto a literatura científica sobre o tema quanto

    as diretrizes que se disseminam no mundo dos negócios têm sido enfáticos em

    destacar a importância da capacidade de colaboração e da estruturação em rede

    como condições para o êxito organizacional (Prahalad & Hammond, 2005).

    Nesse contexto, a problemática do presente estudo inclui compreender a

    dimensão real e as características das redes de negócios, pretendendo contribuir

    para o entendimento dos desafios da difusão da sustentabilidade e da gestão

    ambiental nessa dinâmica de relações empresariais.

    Como pergunta central, razão deste estudo, analisamos como se dissemina a

    estratégia de responsabilidade ambiental de uma distribuidora de combustíveis entre

    seus postos de serviços, de forma a se discutir se ela é capaz de fomentar e

    fortalecer uma cultura de respeito ao meio ambiente.

    As justificativas práticas deste estudo concentram-se na relevância de se

    discutir como a evolução da responsabilidade ambiental das empresas encontra

    paralelo na indústria de distribuição de combustíveis e em que medida o

    cumprimento de uma legislação específica, as expectativas socialmente construídas

    acerca do desempenho adequado dessa rede de empresas e outras motivações

    ligadas a uma cultura preventiva de cuidados ambientais objetivados pela matriz

    (distribuidora de combustíveis) podem influenciar seus negócios afiliados (postos de

    serviços).

    Adicionalmente, analisamos como as redes de negócios, representadas neste

    estudo pela indústria de distribuição de combustíveis, gerenciam seus princípios

    estratégicos através de uma implementação descentralizada entre seus ramos

    periféricos de negócios, que são outras empresas constituídas, as quais, muitas

    vezes, apresentam interesses comuns e também outros divergentes em relação à

    matriz.

  • 23

    A análise de uma empresa de um segmento específico permitirá ilustrar qual

    o nível de cooperação que permeia uma rede de negócios, especialmente no

    tocante a compartilhar a gestão, a prática e os procedimentos da sua estratégia

    ambiental. Analisamos, empiricamente, como a responsabilidade ambiental de uma

    distribuidora de combustíveis pode ser disseminada através do seu canal varejista -

    os postos de serviços, responsáveis pelo elo final de contato com os consumidores

    finais.

    Para dar materialidade à dissertação, o estudo de caso foi baseado na

    empresa Raízen Combustíveis S/A, originada em 2011, após processo de

    integração (joint-venture) dos negócios das empresas Shell e Cosan, no Brasil.

    Segundo o relatório Maiores e Melhores (2011) da Revista Exame, a Raízen

    figuraria entre as dez maiores companhias em faturamento bruto do Brasil.

    Conforme dados públicos divulgados em seu sítio eletrônico, a empresa tem 24

    usinas de açúcar e etanol, 53 terminais de distribuição e comercializa

    aproximadamente 22 bilhões de litros de combustíveis por ano, através de vários

    canais de negócios, entre eles, o varejo (postos de serviços), que conta com mais de

    4.700 postos revendedores de combustíveis no Brasil.

    A justificativa teórica deste estudo concentra-se no campo da

    sustentabilidade, com foco na responsabilidade ambiental das empresas e sua

    disseminação numa rede de outras empresas afiliadas (redes), tema que vem cada

    vez mais sendo debatido dentro das próprias organizações e na sociedade em geral.

    As lacunas teóricas para as quais esta dissertação tentará contribuir para

    superar estão concentradas, portanto, nos componentes da sustentabilidade; na

    evolução histórica da responsabilidade e gestão ambiental das empresas; na

    interação de seus principais atores e na sua perspectiva de aprimoramento da

    performance da empresa, em diferentes dimensões, desde a financeira até a de

    eficiência dos processos, convivendo e se articulando com as crescentes exigências

    legais e investimentos necessários para a preservação e a conservação do meio

    ambiente. Há particular intenção em analisar como se dissemina uma estratégia

    ambiental em redes empresariais, focalizando os aspectos de cooperação e

    competição que podem coexistir entre uma empresa matriz e suas afiliadas.

    Para Abramovay (2012), a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental de

    empresas receberão cada vez mais atenção da sociedade. Segundo o autor, nos

    países mais ricos do planeta acumulam-se os estudos em que é mostrado que a

  • 24

    elevação na disponibilidade de bens materiais e de renda está longe de ser

    proporcional ao sentimento de melhoria na qualidade de vida.

    A fim de aprofundar a análise sobre as redes empresariais, nesta dissertação

    foram discutidas as organizações interdependentes, modelos complexos que

    aglutinam distintos interesses entre seus atores, além de avaliar as formas mais

    utilizadas de cooperação e disseminação de seu posicionamento através de uma

    organização, com objetivo voltado ao ganho coletivo. Enquanto duas empresas

    estão interagindo, desafios e problemas são confrontados com eventuais soluções,

    habilidades são confrontadas com necessidades, dinâmicas fundamentais de uma

    rede inter organizacional (Hakansson & Snehota, 2006).

    Dessa forma, a presente dissertação organiza-se em torno do seguinte

    objetivo geral, a saber, analisar como a estratégia de responsabilidade ambiental de

    da Raízen dissemina-se entre seus postos de serviços e quais os seus

    desdobramentos na difusão de uma cultura preventiva de respeito ao meio

    ambiente.

    Para alcançar esse objetivo, são também contemplados os seguintes

    objetivos específicos: a) discussão acerca da evolução da estratégia de

    responsabilidade ambiental nas empresas e os elementos para a construção de uma

    política de sustentabilidade, em especial, no setor de distribuição de combustíveis no

    Brasil; b) análise da implementação de sistemas de gestão ambiental em empresas

    de distribuição de combustíveis e quais são as diretrizes para a sua execução em

    postos de combustíveis; c) análise dos avanços e desafios para a execução das

    estratégias de gestão ambiental entre os postos de combustíveis da Raízen; d)

    indicação de oportunidades de melhorias para a implementação de práticas

    ambientais na empresa e sua rede de empresas.

    Esta dissertação é composta de 11 capítulos (CONFERIR). O marco teórico

    envolve os capítulos 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8. Na teorização, inicialmente foi discutida a

    noção de desenvolvimento sustentável segundo diferentes visões, além de serem

    analisados e interpretados os componentes e os atores da envolvidos na dinâmica

    da sustentabilidade (capítulo 2). A seguir, no capítulo 3, foi analisada a difusão dos

    princípios do ambientalismo no ambiente empresarial; e, no capítulo 5, discutiu-se o

    papel de diferentes atores sociais sobre a difusão de estratégias de sustentabilidade

    nas empresas e os desafios para retorno de investimentos nas organizações. No

    capítulo 5, foram tratadas as diferentes abordagens e os modelos que envolvem a

  • 25

    chamada Gestão Ambiental Empresarial. O tema das redes empresariais e a difusão

    de estratégias, nessa forma de coordenação de negócios, foram analisados no

    capítulo 6. Já no capítulo 7, enfocamos a evolução da legislação ambiental

    brasileira. Após a apresentação dos procedimentos metodológicos no capítulo 8, foi

    feita a análise do estudo de caso, subdividida em dois sub tópicos no capítulo 9, um,

    no qual se analisou o esforço estratégico da Raízen na questão ambiental; e outro,

    em que se discutiram os desafios da operacionalização dessas estratégias na rede

    de postos de combustíveis desse grupo empresarial.

  • 26

    2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: AVANÇOS E DESAFIOS

    A responsabilidade empresarial em relação ao meio ambiente pode ser

    entendida através da ideia de que sociedades e corporações devem buscar um

    desenvolvimento sustentável, reconhecendo que, pelos antigos padrões de

    crescimento das economias e de gestão empresarial, as organizações não

    cumpriam seu papel esperado na defesa do meio ambiente.

    Desenvolvimento sustentável refere-se, portanto, ao crescimento da

    economia que preza as limitações e o respeito aos recursos naturais disponíveis. É

    o crescimento que não impede a industrialização ou consumo, mas que busca

    encontrar os meios de atender a suas necessidades atuais sem comprometer as

    necessidades das gerações. É o crescimento que se preocupa com componentes

    globais de desenvolvimento, como controle da população, segurança alimentar,

    recursos de ecossistemas, consumo de energia, dentre outros (Shrivastava, 1995).

    Um conceito de desenvolvimento sustentável que deveria ser perseguido

    pelos povos é o proposto por Abramovay (2013), pelo qual interpreta, em sua visão,

    o que seria o ideal ―mundo de abundância‖:

    Um mundo de abundância, em que a concepção criativa e o uso adequado dos produtos representam o caminho para superar as fronteiras em que o desenvolvimento sustentável está hoje enclausurado. Um mundo em que cidades funcionam como florestas, recuperando o que é comumente tratado como lixo, em que a melhor energia é a que vem do sol, do vento, e onde as emissões fósseis ainda remanescentes convertem-se em alimentos para nutrientes biológicos e não em aquecimento global. Uma economia que não se restringe a reduzir danos, a fazer menos mal, mas tem como objetivo central regenerar os ecossistemas degradados e, por aí, oferecer novas fontes de dinamismo às sociedades humanas, cultivando aquilo que Emerson, o precursor americano do ambientalismo contemporâneo, chamava de profusão calculada. Em suma, um mundo em que a matéria, a energia e os recursos bióticos dos quais dependemos não respondem a uma lógica linear (extrair-produzir-usar-jogar), nem mesmo a uma lógica circular de ciclo fechado, mas a um movimento em espiral em que a atividade econômica resulta num conjunto de nutrientes técnicos e biológicos para a produção de novos bens e serviços (Abramovay, 2013, p. 10).

    Ainda que neste estudo tenhamos buscado uma conceituação para

    desenvolvimento sustentável, um conceito único não seria possível segundo a visão

  • 27

    de José Eli da Veiga (2012), pois segundo esse autor, desenvolvimento sustentável

    deixou de ser um simples conceito para se transformar num valor, uma vez que:

    Desenvolvimento sustentável não é conceito. Desenvolvimento sustentável pode ser visto como um novo valor. A era moderna foi inaugurada com três grandes ideais, representados pelas cores da bandeira francesa. O azul da liberdade, o branco da igualdade (ou equidade) e o vermelho da solidariedade. São três ideais que nada têm a ver com a nossa relação com o meio ambiente, porque no final do século 18 havia a percepção de que a natureza era infinita. E isso continuou mais adiante, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, um documento importante, mas nada do que tem lá se refere às responsabilidades com a natureza. É muito recente a consciência de que há um problema da humanidade com o ambiente (Veiga, 2012, p.30).

    Os problemas ambientais que podem ser vistos atualmente como um

    malefício para a humanidade decorrem do próprio progresso social ao longo do

    tempo, provocados por nós, seres humanos, e são gerados a partir da extração e do

    uso dos recursos naturais para produzir os bens e serviços de que necessitamos.

    Por muito tempo, o uso desses recursos não gerou uma degradação do ambiente e

    a relação homem-natureza era, por assim dizer, ―pacífica‖, inclusive há versões que

    sustentam que, nas comunidades onde o homem convivia mais diretamente em

    contato com o meio natural, a preservação do meio ambiente acontecia de forma

    mais visível e integrada. Ao contrário, na maioria das grandes cidades, percebe-se

    maior deterioração ou degradação do meio natural.

    É comum apontar que a Revolução Industrial teria sido um marco no qual a

    devastação ambiental intensificou-se devido a diversos efeitos como as emissões

    ácidas das empresas, pela extração inadequada de recursos naturais, pelo descarte

    inadequado dos resíduos em solo e águas, pelo aumento do uso de pesticidas e

    fertilizantes, pela crescente demanda de insumos para dar conta das produções em

    massa das grandes indústrias (Barbieri, 2011).

    Ainda segundo esse autor, a maneira como a produção e o consumo ocorrem

    desde esse período exigem recursos e deixam resíduos, ambos em quantidade

    vultuosas, que já ameaçam a capacidade de suporte do próprio planeta, pela

    quantidade de seres vivos que ele pode suportar sem se degradar (Barbieri, 2011).

    O final do século XX foi marcado pelo aumento do debate entre o meio

    cientifico e a opinião pública para uma série de questões de abrangência global

  • 28

    derivadas da relação homem e ambiente, como o controle da população, escassez

    de alimentos e de água potável, a finitude das fontes não renováveis de energia,

    entre outras. A essas questões que expressam condição de limitação ou

    degradação, adicionaram-se outras de caráter social, relacionadas à crescente

    dicotomia entre riqueza e pobreza, e a reflexão de que as gerações atuais

    precisarão responsabilizar-se pelas gerações futuras.

    Nesse cenário e acrescentando-se o crescimento populacional, a

    necessidade de gerar empregos, o aprimoramento das tecnologias e o crescimento

    e fortalecimento de empresas, além do fato de as sociedades estarem em busca de

    melhor qualidade de vida e também de inclusão social, fundamenta-se um

    comportamento mais responsável, social e ambientalmente, por parte de todas as

    organizações que atuam nos mercados.

    Sobre o controle sustentável da população, é importante não somente refletir

    sobre a taxa de crescimento puramente, o que já ocorre, especialmente nos países

    desenvolvidos, mas sobre o aumento dos impactos sobre o meio ambiente derivado

    da mimetização pelas nações em desenvolvimento do estilo de vida dos países

    industrializados. Mesmo com taxas de crescimentos menores, os países

    industrializados são responsáveis pela maior poluição e consumo de recursos do

    que os países com maiores taxas de crescimento da população e que não sejam

    industrializados (Shrivastava, 1995).

    A visão mais pessimista de alguns estudiosos sobre o futuro reforça a

    necessidade de reflexão. Segundo Hobsbawn (1995):

    Uma taxa de crescimento econômico como a da segunda metade do breve

    Século XX, se mantida indefinidamente (supondo-se isso possível), deve ter

    consequências irreversíveis e catastróficas para o ambiente natural deste

    planeta, incluindo a raça humana que é parte dele. Não vai destruir o planeta,

    nem torná-lo inabitável, mas certamente mudará o padrão de vida na biosfera,

    e pode muito bem torná-la inabitável pela espécie humana, como a

    conhecemos, com uma base parecida a seus números atuais (Hobsbawn,

    1995, p. 547).

    Desenvolvimento sustentável envolve ainda segurança alimentar para o

    mundo. Sem comida, não seria possível manter a ordem política e social. O mundo

  • 29

    produz alimento para toda a sua população, mas ainda existem desigualdades e

    milhões pessoas morrendo de fome ou desnutrição todos os anos. Desenvolvimento

    sustentável deve buscar a forma de garantir o equilíbrio na justa distribuição dos

    alimentos. Isso deveria encorajar novas práticas agrícolas e diferentes formas de

    armazenagem e comercialização (Shrivastava, 1995).

    O uso sustentável dos ecossistemas significaria limitar o uso natural dos

    recursos nos territórios, de forma que eles possam se renovar através de processos

    naturais. Isso envolveria ajustar as taxas de uso dos recursos para as taxas de

    renovação natural, tornando a extração e uso, mais ecologicamente saudáveis.

    Nesse contexto, um recurso chave é energia, cujo uso per capita tem sido muito

    elevado nos últimos tempos. O uso sustentável das energias requer conservação e

    redução de desperdício e, ainda, substituição do uso de recursos fósseis

    gradualmente para outras fontes renováveis de energia (Shrivastava,1995).

    A observância de que os recursos naturais não podem ser considerados independentes e o uso perdulário dos mesmos compromete as funções ambientais que, por sua vez, interferirão na sua utilização nos períodos ou gerações seguintes. O Conselho Econômico e Social da ONU estima que 2 bilhões de hectares estejam degradados no mundo colocando em risco a subsistência de 1 bilhão de pessoas e a água, assim como o solo também dá sinais de esgotamento e seus prognósticos, segundo algumas interpretações, são alarmantes e já se tornou comum, as previsões de que este será o recurso mais escasso do século XXI (Barbieri, 2011, p. 35).

    O avanço da produção e o limite do que a natureza pode suportar é ponto de

    intenso debate entre especialistas e acadêmicos, e seus posicionamentos pendem

    entre as mais devastadoras previsões até as propostas de que a humanidade terá

    plena capacidade de resolver todos os seus problemas. Como citado, esse debate

    aparece com mais intensidade com a Revolução Industrial, principalmente após a

    obra de Malthus, intitulada Ensaio sobre a população de 1978. Com ela, o termo

    malthusiano passou a demonstrar um exemplo de pessimismo especialmente

    pontuado entre o crescimento demográfico e a incapacidade das nações,

    especialmente as mais pobres, em se evitar a degradação do ambiente (Barbieri,

    2011).

    Ainda segundo Barbieri (2011), em outro extremo, observamos um grupo de

    pessoas otimistas com relação ao futuro, fiando-se na crença de que os problemas

    atuais de escassez e degradação natural serão continuamente resolvidos seja pela

  • 30

    substituição de insumos ou pela reinvenção dos processos de produção. O exemplo

    mais contundente desses teóricos poderia ser encontrado em Julian Simon,

    economista da University of Maryland. Pelas estudos que fez, esse pesquisador

    procura mostrar que, ao longo dos séculos, a qualidade de vida da humanidade em

    geral só cresceu em relação ao passado, apesar das previsões pessimistas sobre o

    esgotamento do solo e água (Barbieri, 2011)

    A despeito da análise pendular dos teóricos sobre o futuro da humanidade,

    muitos concordarão que ampliar o conhecimento e os padrões de desenvolvimento

    dos diferentes países e dos grupos sociais pode ampliar as chances de se buscar

    um crescimento social sustentável e, por isso, cada vez mais as expressões

    desenvolvimento sustentável e sustentabilidade tratam da associação de variáveis

    sociais, ambientais e econômicas como forças conjuntas para que haja um

    crescimento e desenvolvimento de um país, um território, uma comunidade e,

    também, uma corporação.

    Segundo Claro et al. (2008), dependendo da forma como é elaborado, o

    termo sustentabilidade está correndo o risco de perder significado. Soma-se a isso

    ainda o fato de que tem sido conceituado de inúmeras e diferentes maneiras.

    ...o discurso dos gestores e dos empreendedores sobre sustentabilidade é dirigido a seus funcionários, ao mercado consumidor, aos concorrentes, aos parceiros, às Organizações Não-Governamentais (ONGs) e aos órgãos governamentais. Esses discursos buscam vincular práticas gerenciais ambientais, sociais e econômicas a uma imagem positiva da empresa. No entanto, várias empresas têm dificuldade em associar seus discursos e práticas gerenciais a uma definição completa de sustentabilidade. Algumas focam questões sociais; outras, questões ambientais; e muitas, questões exclusivamente econômicas. O que predomina, na realidade, apesar de tantos esforços teóricos, é falta de consenso sobre o significado atribuído à sustentabilidade. As inúmeras definições levam à argumentação de que sustentabilidade é um conceito sem significado algum e com muitos ao mesmo tempo... (Claro et al., 2008, p. 56).

    Desenvolvimento sustentável precisaria ser, portanto, construído sobre base

    sólida e economias sustentáveis. Políticas econômicas deveriam guiar os processos

    de industrialização, ciência e tecnologia, uso da energia, urbanização e comércio

    internacional para serem consistentes com esse desenvolvimento (Shrivastava,

    1995).

  • 31

    Outra noção importante seria a de ―capitalismo sustentável‖, quando se

    considera a necessidade de se construírem economias sustentáveis. Segundo

    Abramovay (2012), essa noção está baseada em três ideias centrais. Em primeira

    instância, com a ruptura do modelo econômico dos últimos 30 anos, que inspira a

    tomada de decisões habituais nas empresas que buscam resultados financeiros de

    curto prazo. Rompendo-se com esse modelo, melhores investimentos seriam

    escolhidos, de forma a se evitar a destruição ou degradação socioambientais. Várias

    empresas, segundo o autor, já começam a insurgir-se contra uma forma de operar

    unicamente baseada em critérios financeiros.

    A segunda ideia busca aquilo que poderia ser chamado de ―necessidades

    reais‖. Não se trata unicamente do julgamento do que se precisa para produzir algo,

    nem tampouco da busca permanente da eficiência, mas trata-se de entender se o

    sistema econômico está preenchendo as ―necessidades reais‖ ou se tem gerado

    produção e demanda além do que é necessidade primária, causando excessos e

    desperdícios no uso dos recursos naturais. Por fim, os investimentos ambientais no

    curto prazo não deveriam ser considerados custos de atividade no meio empresarial,

    visto que, se considerados os custos derivados do enfrentamento de problemas

    ambientais graves no futuro, os lucros das empresas, especialmente aqueles

    vislumbrados no médio e longo prazo, estarão severamente comprometidos

    (Abramovay, 2012).

    O conceito de sustentabilidade, apesar de ter sido introduzido nos debates

    sobre o desenvolvimento geral a partir das preocupações ambientais, traz também

    outras dimensões fundamentais como a social, cultural, ambiental ou ecológica,

    territorial, econômica, política e do sistema internacional, além da educação e

    tecnologia. Essas dimensões podem ser melhor compreendidas dentro de uma visão

    sistêmica de mundo que conduziria ao desenvolvimento sustentável, segundo

    advoga Heimbecher (2011). Ainda segundo a autora, tem-se como base do

    crescimento sustentável o crescimento econômico e desenvolvimento sustentável

    obtidos como resultados de um processo; a sustentabilidade significando uma

    condição, um conjunto de dimensões para a consecução do desenvolvimento

    sustentável; e as questões sociais como também como dimensões relevantes da

    sustentabilidade como um todo.

    Segundo o relatório Nosso futuro comum, produzido pela Comissão Mundial

    sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) no final da década de 1980, o

  • 32

    conceito de desenvolvimento sustentável implica que a humanidade será capaz de

    tornar o desenvolvimento sustentável e de garantir que ele atenda as necessidades

    do presente, sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem

    também às suas, conceito adotado nesta dissertação. Seria, ainda, um processo de

    transformação no qual a exploração de recursos, a direção dos investimentos, a

    orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional harmonizam-

    se e reforçam as responsabilidades e o potencial presente e futuro dos diferentes

    atores sociais na busca pelo atendimento das necessidades e aspirações humanas

    (CMMAD, 1991).

    Segundo Sachs (1995), o conceito de sustentabilidade seria formado por

    cinco componentes: a sustentabilidade social, que abrange a gritante desigualdade;

    a sustentabilidade econômica, voltada para a discrepância na concentração de bens

    e riquezas em poucos; a sustentabilidade ecológica, ligada à preservação da

    biodiversidade e à qualidade ambiental; a sustentabilidade espacial, que se referiria

    à distribuição adequada dos assentamentos humanos e, consequentemente, a

    distribuição territorial; e, por fim, a sustentabilidade cultural, voltada para a

    necessidade de se evitarem conflitos culturais entre povos. Para Abramovay (2010),

    desenvolvimento sustentável é o processo de ampliação permanente das liberdades substantivas em condições que estimulem a manutenção e a regeneração dos serviços prestados pelos ecossistemas às sociedades humanas. Ele é formado por uma infinidade de fatores determinantes, mas cujo andamento depende, justamente, da presença de um horizonte estratégico entre seus protagonistas decisivos. O que está em jogo nesse processo é o conteúdo da própria cooperação humana e a maneira como, no âmbito dessa cooperação, as sociedades optam por usar os ecossistemas de que dependem (Abramovay, 2010, p. 30).

    A inserção mais contundente da ideia de sustentabilidade na agenda

    internacional se deu em 1971, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o

    Ambiente Humano, e unia as discussões sobre o meio ambiente e o

    desenvolvimento econômico. A discussão central sobre sustentabilidade mudava a

    compreensão, vigente até essa época e amplamente aceita sem maiores

    questionamentos, de que o crescimento se faria em expansão indefinidamente, ao

    passo que, implicitamente, os recursos naturais eram considerados infinitos. Ou, em

    outras palavras, a ideia era a de que os recursos naturais não limitariam de forma

    alguma o crescimento econômico, visto que eram considerados variáveis exógenas

  • 33

    aos modelos de crescimento econômico nos debates e na compreensão pública

    sobre os desafios do desenvolvimento que aconteciam na época. A partir desse

    período, os debates sucederam-se na tentativa de encontrar um princípio unificador

    que extrapolasse os índices de crescimento econômicos, sem referência à limitação

    dos recursos naturais (Pereira et al., 2010).

    Em 1972, na Conferência de Estocolmo, buscava-se um caminho novo às

    posições ―desenvolvimentistas‖ do início dessa década e, em 1974, na ONU, cria-se

    a Declaração de Cocoyoc, com a novidade da abordagem da relação entre explosão

    populacional e destruição ambiental.

    Em 1980, no documento World Conservation Strategy, produzido pela World

    Wildlife Fund for nature (WWF), a expressão ―desenvolvimento sustentável‖ aparece

    pela primeira vez. No entanto, é a partir da publicação do relatório Bruntland, de

    1987, denominado Nosso Futuro Comum, que a expressão passou a ser

    reproduzida mais amplamente ao ser definida como o desenvolvimento que satisfaz

    as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as futuras

    gerações satisfazerem as suas próprias necessidades. (Pereira et al., 2010). O

    Relatório Brundtland (1991, p. 88) já apontava os desafios institucionais e de

    articulação de diferentes atores sociais, inclusive as empresas, em torno dos

    objetivos do desenvolvimento sustentável, já que

    o desenvolvimento sustentável será um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas.

    Sobre a importância do relatório Brundtland como elemento de avanço nos

    debates e nas tentativas de articulação dos atores sociais em uma governança

    internacional mais favorável ao meio ambiente, Claro et al. (2008) destacam que,

    em termos de política internacional, o Relatório Brundtland enriquece o debate, uma vez que introduz o conceito de equidade entre grupos sociais (ricos e pobres), países (desenvolvidos e em desenvolvimento) e gerações (atuais e futuras). Tais conceitos são definidos como os princípios básicos da sustentabilidade: equidade, democracia, princípio precaucionário, integração política e planejamento. O princípio de equidade mostra que os problemas ambientais estão relacionados a desigualdades sociais e econômicas. O princípio da democracia mostra a importância de resolver problemas

  • 34

    ambientais de forma democrática, levando em consideração os anseios dos mais pobres e com mais desvantagens, incentivando a participação da comunidade envolvida no planejamento político e na tomada de decisão (Claro et al., 2008, p. 72).

    Já para Pereira et al. (2010), é nos anos 1990 que a noção de

    desenvolvimento sustentável ganha maior repercussão internacional, mobilizando

    diferentes atores sociais, inclusive, já naquela época, empresas privadas, na

    discussão sobre desenvolvimento e suas implicações para a sustentabilidade, uma

    vez que,

    durante a Eco-92, no Rio de Janeiro popularizou-se o conceito de desenvolvimento sustentável. O seu principal objetivo foi o de vincular desenvolvimento e meio ambiente através da conciliação de três critérios: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica. Ou seja, mais uma vez o (nosso) futuro seria comum, no sentido que um mundo único colocar-se-ia frente à ameaça generalizada das catástrofes – tanto aquelas provocadas pela natureza como as provocadas pela humanidade. Tal futuro seria moldado na crença de uma política de consenso, que seria capaz de dissolver divergências e reconduzir pontos de vistas para um mesmo foco (Pereira et al., 2010, 34).

    Da forma descrita, evidencia-se que, na verdade, a necessidade e a urgência

    de se compatibilizarem crescimento econômico, tecnologia e meio ambiente — com

    o intuito de minimizar as desigualdades sociais, configurando-se uma nova tentativa

    de revitalizar o desenvolvimento, mas agora considerando o patrimônio ambiental

    (Sachs, 2000), permitem concluir que

    a reflexão sobre os problemas ambientais precisaria ampliar o enfoque de forma a dotar a discussão de uma visão mais ampla do que aquela restrita à economia de recursos ou reciclagem de resíduos. O consumo sustentável se configuraria como uma das possibilidades de tratamento da questão dos impactos gerados pelo consumismo. Ele envolve mudanças de atitude aliadas à necessidade de transformação do sistema de valores e atitudes dos cidadãos. Apesar de ainda não se observar a predominância de um novo modelo civilizatório com capacidade de superar os dramas da sociedade do consumo, existem alternativas que podem ajudar a torná-lo mais sustentável. Esse esforço sugeriria a construção de articulações diferentes entre setores e instâncias do governo, da sociedade civil e da esfera privada, para atender as demandas da população e adotar boas práticas de produção e consumo sustentáveis, podendo oferecer possibilidades de ação política e exercício da cidadania (Teodósio & Viegas, 2009, p. 3).

  • 35

    Sachs (2004) salienta que o conceito de desenvolvimento sustentável está

    baseado na solidariedade sincrônica da geração atual com a solidariedade

    diacrônica com as gerações futuras. Segundo o autor, desenvolvimento sustentável

    compele-nos a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço, desarticulando a

    convencional forma econômica preocupada apenas com os resultados do presente,

    e não com a perpetuidade esperada para o futuro.

    Diante da evolução da noção desenvolvimento sustentável e das várias

    tentativas de construção de arranjos cooperativos entre diferentes atores sociais

    para a promoção da sustentabilidade, resta avançar nas reflexões sobre como as

    empresas têm incorporado esses princípios às suas estratégias e à gestão de seus

    negócios.

  • 36

    3. AMBIENTALISMO EMPRESARIAL

    As corporações são um dos principais atores do desenvolvimento. Para que

    esses grupos possam buscar um desenvolvimento sustentável, empresas precisam

    buscar se tornar ―sustentáveis ecologicamente‖. Por isso, deveriam desenvolver

    estratégias e assumir compromissos e metas claros e precisos com relação ao meio

    ambiente, ajustando produtos e sistemas de produção. Empresas poderiam

    promover tecnologias para considerar maior conservação de energia ou redução de

    poluição, além de minimizar e gerenciar perdas, reciclando materiais. Por fim,

    poderiam engajar seus consumidores e funcionários como parte da cidadania plena

    de educar sobre os desafios ambientais (Shrivastava, 1995).

    Elkington (2004) cunhou o termo Tripple Bottom Line, para caracterizar as três

    esferas da sustentabilidade que deveriam ser aplicadas à análise dos negócios: a

    econômica, a social e a ambiental. A partir da noção de Tripple Bottom Line, os três

    aspectos, quando conectados entre si, gerariam ações e situações sustentáveis para

    o mundo real, num ciclo positivo através do qual todas as pessoas ganhariam.

    Nesse contexto, os recursos naturais e o meio ambiente seriam preservados, a

    economia não atuaria como um agente isolado e, distante das realidades ambiental

    e social, a qualidade de vida das pessoas seria continuamente aprimorada. Na figura

    3, a seguir, ilustram-se as três esferas da sustentabilidade e são apresentados

    exemplos principais das sinergias que podem ser obtidos nas relações entre elas.

    Figura 1: As Três Esferas da Sustentabilidade

  • 37

    No verdadeiro ambiente sustentável, o ecossistema manteria populações e as

    biodiversidades em equilíbrio por um longo período de tempo ou de forma

    continuada. Idealmente, decisões deveriam promover um equilíbrio dentro de nossos

    sistemas naturais e procurar encorajar um desenvolvimento que traga efeitos

    positivos para esse processo. Distúrbios desnecessários ao ambiente deveriam ser

    evitados sempre que possível e, quando acontecessem, ações para mitigar seus

    efeitos deveriam ser rapidamente tomadas em máxima extensão, reforçando-se,

    assim, a cultura da preservação (Elkington, 2004)

    Interfaces com o componente econômico poderiam ser exemplificados como

    subsídios a empresas menos poluidoras, que emitem menos gás carbônico na

    atmosfera ou, ainda, que promovam ações claras de eficiência energética de

    empresas e sociedades. Interfaces com o componente social poderiam ser

    exemplificadas como leis de preservação e maior envolvimento público e privado

    para as questões de reportes preventivos e corretivos de danos ambientais.

    Sustentabilidade econômica seria o ato de balancear rentabilidade e custo,

    sendo que as decisões deveriam estar balanceadas em relação aos impactos

    ambientais e sociais dos seus resultados. Tal componente envolveria a criação de

    valor econômico para qualquer projeto ou decisão que venham a ser tomados por

    empresas ou comunidades, significando equilibrar e fiscalizar ações que prefiram

    benefícios de longo prazo, ao contrário dos projetos de curto prazo, combinando

    boas práticas de negócios com aspectos sociais e ambientais da sustentabilidade

    (Elkington, 2004).

    Na esfera dos negócios, a pressão por resultados crescentes no curto prazo

    pode afastar a sustentabilidade do leque de variáveis a serem consideradas nas

    decisões empresariais. Mas, cada vez mais, observa-se que decisões do presente

    nas corporações precisam levar em conta os impactos ambientais e sociais em sua

    decorrência e que, continuamente, clientes, consumidores e fornecedores parecem

    estar atentos à ação das corporações em termos de sustentabilidade. Como

    exemplos de interfaces do componente econômico com os aspectos sociais e

    ambientais, poderíamos destacar o apoio de empresas a universidades, aos

    programas educacionais e de pesquisa e a promoção do desenvolvimento em áreas,

    produtos e serviços que buscam um equilíbrio sustentável, além de redução de

    taxas ou subsídios aos ―produtos verdes‖.

  • 38

    Muito tem sido falado sobre sustentabilidade, ambientalismo, ou ainda sobre a

    responsabilidade socioambiental no meio empresarial; entretanto, esse não é um

    tema recente. Desde a gênese da Sociedade Industrial já se falava em

    responsabilidade social, apesar de o conceito estar restrito, naquela altura, à

    geração de lucros e empregos. A abrangência para incluir meio ambiente e

    desenvolvimento para as pessoas não eram tão relevantes para as empresas e

    essas funções eram restritas ao Estado e as empresas tinham a responsabilidade de

    empregar e pagar impostos (Barbieri, 2010).

    Essa visão perdurou até as décadas de 1970 e 80, nas quais avanços e

    mudanças significativas foram percebidas. Nessa mesma época, acreditava-se que

    os recursos naturais seriam infinitos, não oferecendo restrições à produção, e de

    que o livre mercado deveria encarregar-se do bem-estar social. Como a economia

    tradicional tratava apenas da alocação de recursos escassos e a natureza não era

    vista como um limitador, a variável meio ambiente não era incorporada aos modelos

    econômicos da época (Tachizawa, 2004).

    Ao se falar de sustentabilidade e responsabilidade ambiental de empresas,

    está se falando de algo portador de sentidos diversos, tantos quantos forem

    necessários, para que os atores sociais legitimem suas práticas e necessidades na

    sociedade e, assim, se fortaleçam nas disputas travadas com outros atores, que

    defendem valores e interesses diversos. Tudo isso impacta decisivamente a forma

    como se difunde a responsabilidade ambiental entre empresas e a maneira como

    seus sistemas de gestão ambiental são pensados e reorganizados, ou não

    (Abramovay, 2012).

    Acrescente-se, ainda, o grau de incerteza das decisões sobre o destino dos

    bens ambientais, mesmo quando há utilização do melhor conhecimento disponível

    sobre a questão e transparência no processo decisório. Estudos demonstram que a

    percepção de riscos ambientais e tecnológicos, mesmo entre peritos, é mediada por

    seus valores e crenças. Isso sem perder de vista que essas decisões são tomadas

    num jogo de pressões e exercidas por atores sociais na defesa de seus valores e

    interesses. Daí a importância de estarem subjacentes ao processo decisório, de um

    lado, a noção de limites: seja da disponibilidade dos bens ambientais, seja da

    capacidade de auto regeneração dos ecossistemas, ou ainda, do conhecimento

    científico e tecnológico para lidar com a problemática e, de outro, os princípios que

  • 39

    garantam transparência e justiça social, na prática da gestão ambiental pública

    (Hoffman, 2010).

    Deve-se ainda considerar que não é necessariamente óbvio, para as

    comunidades afetadas pela ação empresarial, a existência de um dano ou risco

    ambiental, tampouco as suas causas, consequências e interesses subjacentes

    àquilo ocorrência deles. O processo de contaminação de um rio por poluentes

    emitidos por uma indústria, por exemplo, pode estar distante das comunidades

    afetadas, especialmente (os objetos são lançados a vários quilômetros rio acima) e

    temporalmente (começou há muitos anos, e ninguém lembra quando). O processo

    pode, também, não apresentar um efeito visível (a água não muda de sabor e de

    cor), mas pode estar contaminada por metal pesado, por exemplo) e nem imediato

    sobre o organismo humano (ninguém morre na mesma hora ao beber a água)

    (Hoffman, 2000).

    Segundo Abramovay (2007), o ambientalismo corporativo seria

    ...o termo usado nos Estados Unidos para descrever uma transformação recente e significativa nas estratégias empresariais dos grandes grupos econômicos. Não se trata apenas de cumprir a legislação ou de evitar os desastres ambientais que marcaram a vida de tantas empresas, sobretudo no setor químico ou petrolífero. O que há de novo é que os temas de natureza ambiental deixam de ser abordados pelas firmas como um limite, como algo exterior a seus interesses, ou (para usar a linguagem dos economistas) como ―externalidades‖, cuja gestão caberia apenas ao setor público por meio de taxas, proibições ou incentivo (Abramovay, 2007, p.???).

    Nas discussões acerca do ambientalismo corporativo ou empresarial, duas

    perguntas são fundamentais: como a indústria moveu-se de uma postura de

    resistência veemente ao ambientalismo para uma postura proativa de

    gerenciamento ambiental?; e como essa transformação ocorreu? Hoffman (2001)

    mostra-nos que essas questões precisam de um resgate histórico para serem

    devidamente compreendidas e discutidas.

    O resgate histórico que leva ao avanço pode ser descrito como multifacetado,

    composto por inúmeros fatos e momentos que, para a realidade da indústria de

    petróleo, especificamente do setor de distribuição de combustíveis, discutiremos nos

    capítulos seguintes. Apesar dos desafios presentes, a maneira com que empresas e

    sociedade deram continuidade a um movimento ambientalmente desde as lutas e

    conflitos ambientais dos anos 1970 até os dias atuais pareceu configurar um

  • 40

    caminho sem retorno para as corporações, que não conseguiriam mais atuar, sem

    levar em consideração a pressa e as demandas sociais em torno da sustentabilidade

    (Hoffman, 2001). Para Gonçalves-Dias e Teodósio (2010),

    desde os anos 1960, as empresas estão reavaliando as formas de gerir os problemas ambientais e desenvolvendo novas estratégias para lidar com seus desafios. Nos anos 1970, as corporações viam sua relação com o meio ambiente como uma ameaça externa à lucratividade e às práticas empresariais estabelecidas (2001). Mas ao longo das três décadas, com a redefinição do papel do Estado, o fortalecimento das modernas ONGs ambientalistas, as batalhas judiciais e legislativas em torno do meio ambiente e uma crescente atenção da opinião pública com relação ao tema, aconteceu um amplo processo de mudança institucional, que teria dado origem ao chamado ambientalismo empresarial (Gonçalves-Dias & Teodósio, 2010, p. 52).

    Para Gonçalves-Dias e Teodósio (2011), a história do ambientalismo

    corporativo, desenvolvida por Hoffman (2000), mostra que ―(...) uma mudança

    organizacional é produto da mudança institucional (...)‖, denotando como o meio

    ambiente tornou-se um componente estratégico na vida das empresas. Nesse

    sentido, as instituições não seriam criadas instantaneamente, mas seriam produto

    da história (North, 1990); ou mesmo poderiam ser entendidas como construções

    sociais da realidade (Berger & Luckman, 2002).

    Montibeller (2001) definiu de forma simplificada que, a cada década,

    percebeu-se uma evolução do movimento ambientalista, desde seu surgimento até

    ele se constituir em fenômeno global. Desse modo e segundo o autor, a década de

    1950 foi o cenário do ―ambientalismo dos cientistas‖, visto que foi através da ciência

    o surgimento da inquietação ecológica em esfera mundial. Já a década de 1960 foi

    delineada, segundo o autor, como a das organizações não governamentais, que

    foram se expandindo de forma exponencial, movidas por distintos interesses, mas,

    em sua maioria, tendo em comum a noção de preservação das espécies e do meio

    ambiente em sintonia com a proteção a populações tradicionais, grupos oprimidos e

    outras causas sociais.

    A década seguinte, os anos 1970, teria sido marcada pela institucionalização

    do ambientalismo devido especialmente à Conferência de Estocolmo, em 1972,

    sobre meio ambiente, a qual evidenciou uma preocupação global acerca do sistema

    político, dos governos e partidos, e da própria Igreja Católica, com a questão

  • 41

    ecológica e ambiental. É importante mencionar, inclusive, que, nesse período,

    surgiram diferentes agências estatais em vários países atreladas à questão

    ambiental (Montibeller, 2001).

    O autor supracitado ainda relata que a década de 1980 foi fortemente

    marcada pela atuação da Comissão de Brundtland, iniciando seus trabalhos no ano

    de 1983 e, quatro anos mais tarde, publicando seu reconhecido relatório intitulado

    Nosso Futuro Comum, que serviu para orientar países, governos, ONGs, grupos

    sociais e corporações em direção à promoção do desenvolvimento sustentável

    (Montibeller, 2001).

    Na década de 1990, observou-se forte e crescente presença do setor

    empresarial no engajamento em questões relacionadas ao meio ambiente.

    Entretanto, tal presença foi explicada pela oportunidade de aproveitamento de um

    emergente mercado verde, que tem por característica a valorização ou imposição ao

    produtor do cuidado com o bem ambiental, além do início de uma legislação e

    fiscalização mais específica sobre cuidados ambientais.

    Gonçalves-Dias e Teodósio (2010) também apontam estágios evolutivos do

    foco das empresas sobre o ambientalismo, a saber:

    ... identificam-se quatro momentos diferentes na história do ambientalismo corporativo, caracterizados pelo realinhamento de interesses no campo organizacional: (i) ambientalismo industrial (1960-1970), que enfatiza a resolução interna de problemas como um adjunto da área de operações; (ii) ambientalismo regulatório (1970-82), cujo foco era sobre a conformidade com as regulamentações, dada a imposição externa de novas leis ambientais cada vez mais rigorosas; (iii) ambientalismo como responsabilidade social (1982-88), cujo foco era sobre a redução da poluição e minimização de resíduos dirigidos externamente por associações de indústrias e iniciativas voluntárias; e (iv) ambientalismo estratégico (após 1990), que dá ênfase à integração de estratégias ambientais pró ativas a partir da alta administração. (Gonçalves-Dias & Teodósio, 2010, p. 45).

    Na figura 4, demonstra-se, de forma resumida, a mudança do foco da

    sustentabilidade no meio empresarial:

  • 42

    Figura 2 - Mudança do foco da sustentabilidade no meio empresarial Gonçalves-Dias (2009) (Adaptado).

    Nos dias atuais, vê-se um estágio mais avançado, no qual as empresas

    passam a liderar a discussão ambiental, apesar do governo. Por que apesar do

    governo? Porque as decisões governamentais dependem de entendimentos,

    negociações e consensos com diferentes atores, o que, muitas vezes, tornam lento

    o processo. As empresas, nesse contexto, atualizam-se em práticas e iniciativas,

    visando prevenir-se de custos, danos à reputação ou obrigações futuras ainda não

    plenamente definidas ou fiscalizadas pelos governos (Barbieri, 2010).

    A presença cotidiana das empresas na vida social parece ser cada vez mais

    percebida como uma variável importante a ser considerada pelos gestores na

    construção de estratégias corporativas. Nesse fenômeno também poderíamos

    encontrar caminhos para a mudança e inovação em direção à sustentabilidade no

    mundo contemporâneo. Para isso, seria fundamental reconhecer a dependência

    mútua entre as empresas e sociedade. Se as empresas ignoram suas

    responsabilidades socioambientais, muitos custos implícitos podem se tornar

    explícitos no futuro, segundo Gonçalves-Dias e Teodósio (2011).

    Apesar dos aparentes avanços, é importante destacar que existem barreiras

    sociais e psicológicas dentro das organizações, que impedem um avanço ou

    mudança de foco com maior celeridade. Parece haver uma gama considerável de

  • 43

    aspectos que operam para manter comportamentos antigos, por exemplo, o

    imediatismo que simplifica estratégias, sem considerar o todo ambiental, mantendo a

    habitual forma de fazer as coisas — estudiosos consideram esse fator um cognitivo

    cultural e permanente, que impulsiona companhias e pessoas a evitarem as

    mudanças, ainda que existam ferramentas e mecânicas para o gerenciamento disso.

    Ainda, organizações podem tornar-se filtros através dos quais o mundo externo é

    visto e sentido. Nesse contexto, interpretações internas podem alterar

    ―racionalmente‖ expectativas e ações dirigidas, além do fato de que gerentes e

    indivíduos poderão resistir às evidências de mudança climática ou escassez de

    recursos, por entenderem que isso pode afetar seu trabalho. Esses fatores somados

    podem mudar uma resistência à mudança cultural e à transformação dos valores da

    organização e retardar uma estratégia e política de responsabilidade ambiental mais

    consistente, para além dos discursos e boas intenções (Hoffman, 2010).

  • 44

    4. ATORES SOCIAIS E INVESTIMENTOS AMBIENTAIS EMPRESARIAIS

    O relacionamento entre as empresas e os atores sociais interessados em

    suas atividades, ou seja, seus stakeholders, deve ser considerado uma via de mão

    dupla, em que as empresas influenciam e são influenciadas pelos diversos agentes

    da sociedade. Se, por um lado, as empresas podem ser impelidas a mudar a forma

    como gerenciam seus negócios diante de um mercado consumidor mais consciente

    e exigente, por outro, as empresas podem contribuir para a disseminação de

    práticas responsáveis de gestão à medida que influenciam seus clientes e

    fornecedores a adotar os conceitos do desenvolvimento sustentável e da

    responsabilidade ambiental e social corporativa (Hoffman, 2000).

    As preocupações ambientais dos empresários são influenciadas por três

    grandes conjuntos de forças que interagem reciprocamente: o governo, a sociedade

    e o mercado. No que tange à sociedade, um fenômeno importante é o aumento das

    preocupações da população em geral e, principalmente, dos consumidores em

    relação às questões ambientais, o que poderia ampliar a preferência por produtos e

    serviços ambientalmente corretos (Barbieri, 2012).

    A figura 3, a seguir, ilustra a interação primária dos atores sobre o meio

    ambiente.

    Figura 3 - Interação de Atores sobre Meio Ambiente (Barbieri, 2011).

  • 45

    O papel dos atores sociais é influenciar e cobrar das empresas um

    engajamento total em prol da construção de uma sociedade mais justa, um meio

    ambiente mais saudável e uma economia menos excludente. Além disso, outro

    papel exercido por atores da sociedade, em especial ONGs com expertise em

    pro