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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM UMA CIDADE-EMPRESA: O caso do município de Ouro Branco Camila Martins da Luz Fernandes Belo Horizonte 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM UMA CIDADE-EMPRESA:

O caso do município de Ouro Branco

Camila Martins da Luz Fernandes

Belo Horizonte

2019

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Camila Martins da Luz Fernandes

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM UMA CIDADE-EMPRESA:

O caso do município de Ouro Branco

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Ciências Sociais.

Orientador: Dr. Carlos Alberto de Vasconcelos

Rocha

Área de concentração: Cidades: Cultura, Trabalho e

Políticas Públicas.

Belo Horizonte

2019

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Fernandes, Camila Martins da Luz

F363p A produção do espaço urbano em uma cidade-empresa: o caso do município

de Ouro Branco / Camila Martins da Luz Fernandes. Belo Horizonte, 2019.

178 f.: il.

Orientador: Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

1. Industrialização - Ouro Branco (MG). 2. Urbanização. 3. Cidades e vilas -

Estatutos. 4. Planejamento urbano - Ouro Branco (MG). 5. Indústrias. I. Rocha,

Carlos Alberto de Vasconcelos. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. III. Título.

CDU: 711.4

Ficha catalográfica elaborada por Fabiana Marques de Souza e Silva - CRB 6/2086

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Camila Martins da Luz Fernandes

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM UMA CIDADE-EMPRESA:

O caso do município de Ouro Branco

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Ciências Sociais.

Área de concentração: Cidades: Cultura, trabalho e

Políticas Públicas.

Professor PhD Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha – PUC Minas (Orientador)

Professora Drª. Luciana Teixeira de Andrade – PUC Minas (Banca Examinadora)

Professora Drª. Júnia Maria Ferrari de Lima – UFMG (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 26 de Junho de 2019.

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À minha estimada Ouro Branco.

Ao meu grande herói, meu pai.

Por uma vida, foi trabalhador da Açominas.

Para ele e por ele.

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AGRADECIMENTOS

Dissertar sobre Ouro Branco foi em grande parte, um processo solitário. Guardei em

meu íntimo minhas convicções e fui atrás do conhecimento de uma forma incansável. É óbvio

que eu encontrei obstáculos e só adiante percebi que foram criados de forma proposital, pelos

atores que conflitam sobre a propriedade e o direito à cidade.

Obrigada, Deus, por ter me revestido de forças e autonomia para buscar respostas e

ousado ser crítica num município onde os poderes se confundem; onde as vozes são caladas.

Ao meu orientador Carlos, que pacientemente respeitou meu tempo nesta jornada e,

em inúmeros encontros, me mostrou caminhos sábios para eu construir esta pesquisa.

Obrigada pelo estímulo, apoio e, sobretudo, por acreditar nesse projeto. Gratidão!

Ao Philippe, que não somente compreendeu minha ausência, mas esteve ao meu lado

incondicionalmente, mesmo que custasse fins de semana e madrugadas. Obrigada pelo amor,

paciência, compreensão e incentivo. Você foi essencial nesta jornada e ela não acaba aqui.

A minha mãe e minha tia Maria José por fazerem-se presentes. Com elas eu aprendi

que as dificuldades são inesgotáveis fontes de saber.

Ao meu pai, que ousou uma nova vida numa cidade desconhecida. Com lágrimas nos

olhos recordo-me de vê-lo chegar às 8:45 horas com uma “sacolinha” de lanche que a

Açominas fornecia aos trabalhadores nos dias de “00 hora.” Ainda lembro de como era nossa

casa, hoje reformada, mas guardo carinhosamente as lembranças da minha infância. Ainda

sinto o cheiro de terra molhada, do frio que se fazia na cidade, dos meus queridos vizinhos.

São minhas raízes.

Obrigada pai e mãe, por terem compreendido minha ânsia de conhecer o mundo de

outras pessoas.

Ao meu amigo Gê, por não só acreditar na minha capacidade, mas por me incentivar

incansavelmente a prosseguir com minhas pesquisas e aflorar meu senso crítico. Sem você

nada disso seria possível, Gê! Amizade, gratidão e amor são os elos da nossa relação.

Obrigada!

Ao meu primo Teago por acreditar nesse projeto de vida e ser meu irmão de alma e

coração. Eu amo muito você, primo!

Aos meus amigos Alê e Carol, por me induzirem o riso mesmo diante de tantas

aflições. Aquele “Acredita Cah” foi, por muitas vezes, injeção de ânimo. Obrigada!

À amiga Cris, pela presença, pela força, por dividir comigo seu mundo e compreender

o meu de forma ímpar. Minha ruiva manauara, obrigada pela irmandade!

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Aos amigos Célia, Sandra, Luís e Wallison, que o mestrado sutilmente me trouxe.

Ao Dr. Maurício, pelo estímulo, pelo apoio e pelas inúmeras prosas sobre Ouro

Branco. Obrigada por dividir comigo sua experiência na cidade desde a década de 1980.

Obrigada pelo seu tempo valioso. Obrigada pela amizade construída.

Aos munícipes de Ouro Branco, que não mediram esforços para me contar as suas

histórias de vida e fizeram questão de, detalhadamente, me contarem seus sentimentos, o que

viveram e seus sonhos. Agradeço com o coração pulsando de alegria, ainda que grande parte

deles optaram por não serem identificados, afinal de contas, existe um medo de retaliação. É

para eles e por eles essa pesquisa. Eles merecem ser reconhecidos. Eles são a alma da cidade.

Aos meus amigos de Ouro Branco, por terem relembrado junto a mim tantos casos da

nossa infância e adolescência. Prosas extensas e cheias de memórias afetivas.

À professora Drª. Léa Souki, por me permitir reafirmar meu amor pela política. À Drª.

Alessandra Chacham, pelas inúmeras discussões produtivas sobre gênero e raça. À Drª

Luciana Andrade pelos debates sócio urbanos, e em especial à Drª. Rita Fazzi.

À secretaria do programa de pós-graduação, que sempre nos apoiou enquanto

pesquisadores e vibrou conosco a cada passo dado na longa caminhada.

À Fundação João Pinheiro, por fornecer o Plano de Desenvolvimento urbano proposto

na década de 1970 para Ouro Branco. Um agradecimento especial à servidora Leila Anastácio

e ao departamento de biblioteca digital, por não medirem esforços para o desenvolvimento

dessa pesquisa.

À Fundação Israel Pinheiro, por fornecer os estudos iniciais que antecederam a

elaboração do Plano Diretor de Ouro Branco e pelas considerações feitas sobre o município.

Ao Cleber, diretor da Câmara Municipal de Ouro Branco por acolher a pesquisa e se

esforçar para obter informações tão importantes. Não menos importante, meu agradecimento

ao Marcelo Adriano, Secretário de Finanças e a Rosângela Halfeld, gerente de tributação, que

mesmo diante de inúmeras restrições e poucos recursos, se empenharam. Acredito que, no

fundo, eles compreendam quão importante é essa pesquisa para o município, ainda que

tensione a política e os agentes que determinam a posse sobre a propriedade.

À Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, que, através do Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais, possibilitou a realização desta dissertação.

À Belo Horizonte, que me acolheu, se fez casa e encheu minha bagagem de

conhecimento para que, com muita coragem e perseverança, eu me incline para o ato de

contribuir para que Ouro Branco seja uma cidade mais justa e humana para com os seus.

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Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo:

Raiva e tenacidade. Ciência e indignação.

A iniciativa rápida, a reflexão longa,

A paciência fria e a infinita perseverança.

A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto.

Apenas as lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade.

Bertolt Brecht

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RESUMO

A presente dissertação almeja, por meio de uma compreensão sócio urbana baseada

na relação entre os processos de industrialização e urbanização no estado de Minas Gerais,

atrelada a uma pesquisa de campo alicerçada em entrevistas, identificar e analisar a produção

do espaço urbano de Ouro Branco no que concerne o direito à cidade e à propriedade sob a

perspectiva do planejamento urbano proposto em dois momentos antagônicos: o

“planejamento privado” proposto em 1978 pela Fundação João Pinheiro à empresa

AÇOMINAS S/A implantada no território em 1976 e inaugurada em 1985; e em 2007 o

“planejamento público” desenvolvido pelo Poder Público municipal com parecer da Fundação

João Pinheiro e execução da Fundação Israel Pinheiro, ancorado à instituição do Plano Diretor

municipal enquanto instrumento de gestão democrática conforme previsto no Estatuto da

Cidade.

Para implantar o projeto urbanístico na década de 1970 e acolher os trabalhadores, que

se deslocavam para a região a fim de se inserirem nos quadros funcionais da empresa, a

mesma adquiriu uma expressiva quantidade de terrenos. O plano urbanístico contemplava os

princípios do Urbanismo progressista e para tanto, dividiu os trabalhadores dentre os bairros

planejados sob a perspectiva econômica, ou seja, cada bairro foi construído estrategicamente

no espaço a fim de agrupar trabalhadores e seus entes, cuja renda e ocupação na empresa eram

similares. Essa ação produziu no espaço uma segregação social, obedecendo a mesma

hierarquia praticada no processo de produção da empresa. A divisão por classes foi aguçada

ainda mais pela separação social ocasionada entre os “nativos” que continuaram a residir na

região central do município e os trabalhadores com vínculos empregatícios com a

AÇOMINAS S/A e que residiam nos bairros planejados. A desestatização da empresa ocorreu

em 1993, quando o patrimônio imobiliário foi repassado para a Mendes Júnior e

posteriormente para a atual Gerdau Açominas, que continua a manter grande parte das terras

urbanas que representam hoje vazios urbanos e não desempenham a função social da

propriedade.

A posição do Estado na atribuição de promover a função social à propriedade privada,

em detrimento do individualismo do direito de propriedade, é o subsídio para a efetivação do

direito à cidade, disciplinado na Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, os quais os instrumentos

urbanísticos estão incorporados ao Plano Diretor. Contudo, o Poder Público municipal que

recebe uma receita por parte dos impostos pagos pela empresa, não atua de forma autônoma

para garantir que exista equidade no acesso ao solo urbano e contribui portanto, para que a

cidade continue sendo uma cidade-empresa, ao passo que nutre os processos de segregação

socioespacial e de continuidade de uma sociedade excludente, à medida em que os

representantes do poder local são também proprietários fundiários e agentes imobiliários,

cujo os interesses individuais debruçam-se sobre a terra.

Palavras-chave: Industrialização. Urbanização. Urbanismo progressista. Estatuto da Cidade.

Cidade-empresa.

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ABSTRACT

This dissertation aims, through a social urban understanding based on the relationship

between the processes of industrialization and urbanization in the state of Minas Gerais,

linked to a field research based on interviews, to identify and analyze the production of urban

space of the city of Ouro Branco in regards to the city and property rights from the

perspective of urban planning proposed in two antagonistic moments: the “private planning”

proposed in 1978 by the João Pinheiro Foundation to the company AÇOMINAS S / A,

established in the territory in 1976 and inaugurated in 1985; and in 2007 the “public

planning” developed by the municipal government with the evaluation of the João Pinheiro

Foundation and implementation by the Israel Pinheiro Foundation, anchored to the

establishment of the Municipal Master Plan as a democratic management tool as foreseen in

the City Statute.

In order to implement the urbanization project in the 1970s and welcome the workers,

who moved to the region so as to join the company's labor force, the company acquired a

significant amount of land. The urban plan contemplated the principles of Progressive

Urbanism and, for this purpose, divided the workers among the planned neighborhoods from

an economic perspective, that is, each neighborhood was strategically built within the space in

order to group workers and their loved ones, whose income and occupation in the company

were similar. This action produced a social segregation within the space, obeying the same

hierarchy practiced in the company's production process.The division by classes was further

heightened by the social separation caused between the “natives” who continued to reside in

the central region of the municipality and the workers with employment ties to AÇOMINAS

S / A and who lived in the planned neighborhoods. The privatization of the company occurred

in 1993, when the real estate was transferred to Mendes Júnior and later to the current Gerdau

Açominas, which continues to keep much of the urban land that today represent urban voids

and do not perform the social function of property.

The position of the State in the attribution of promoting the social function of private

property, to the detriment of the individualism of the right to property, is the subsidy for the

realization of the right to the city, regulated by Law 10.257 of July 10, 2001, of which the

urban instruments are incorporated into the Master Plan. However, the municipal government

that receives revenue from the taxes paid by the company, does not act autonomously to

ensure that there is equity in regards to the access to urban land and thus contributes to the

city remaining to be a business city, while it nourishes the processes of socio-spatial

segregation and the continuation of an exclusionary society, as local government

representatives are also landowners and real estate agents, whose individual interests dwell on

the land.

Keywords: Industrialization. Urbanization. Progressive urbanism. Statute of the City.

Business-City.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Taxas Regionais de Urbanização ....................................................................... 51

Tabela 2 - Crescimento da população urbana brasileira nas regiões entre as décadas de

1950, 1960 e 1980 ............................................................................................................... 52

Tabela 3 - Produção de Aço em Lingotes em MG, RJ, SP e Brasil entre 1960 a 1970 ...... 64

Tabela 4 - Síntese da industrialização em Minas Gerais de 1920 a 1970 ........................... 67

Tabela 5 - Recenseamento ano-base 1950 no distrito de Ouro Branco ............................... 71

Tabela 6 - A produção agrícola no município de Ouro Branco em 1955 ............................ 71

Tabela 7 - Participação dos acionistas na implantação da AÇOMINAS S/A em 1984 ...... 79

Tabela 8 – A população dos municípios de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e Ouro

Branco nas décadas de 1970, 1980 e 1990 .......................................................................... 88

Tabela 9 - Taxa de crescimento dos municípios de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e

Ouro Branco ........................................................................................................................ 88

Tabela 10 - Patrimônio imobiliário da AÇOMINAS em 1979 ........................................... 91

Tabela 11 - Áreas urbanizadas – Fase I – 1976 a 1984 ....................................................... 94

Tabela 12 - Distribuição parcial da população por tipos de habitação e faixas de renda .... 96

Tabela 13 - Dimensionamento de lotes e construções por tipo de habitação e faixas de

renda (m²) ............................................................................................................................ 96

Tabela 14 - Número de trabalhadores/cargo em 1992 ....................................................... 108

Tabela 15 - Número de residências/bairro em 1992 .......................................................... 108

Tabela 16 - População total x Presença comunitária na elaboração do Plano Diretor ...... 112

Tabela 17 - Parâmetros Urbanísticos LUOS/1978 ............................................................ 115

Tabela 18 - Parâmetros Urbanísticos LUOS/2010 ............................................................ 116

Tabela 19 - População total x Presença comunitária na elaboração do Plano Diretor ...... 116

Tabela 20 - População de Ouro Branco de acordo com os Censos de 1970 a 2010.......... 130

Tabela 21 - Cota-Parte do ICMS distribuído por município ............................................. 151

Tabela 22 - Impostos da GERDAU recebido pela PMOB entre os anos de 1983 a 2018 . 152

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Localização do município de Ouro Branco na região do Alto Paraopeba ........... 69

Mapa 2 - Localização regional do projeto da AÇOMINAS ................................................ 78

Mapa 3 - Localização Usina e configuração da estrutura urbana do município de Ouro

Branco .................................................................................................................................. 91

Mapa 4 - Setorização LUOS/1978 e esquema de quadrantes ............................................ 114

Mapa 5 - Zoneamento LUOS/2010 e esquema de quadrantes .......................................... 114

Mapa 6 - Quadrante 1 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ............................................. 117

Mapa 7- Quadrante 1 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 .............................................. 117

Mapa 8 - Quadrante 2 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ............................................. 118

Mapa 9 - Quadrante 2 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ............................................. 119

Mapa 10 - Quadrante 3 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ........................................... 120

Mapa 11 - Quadrante 3 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ........................................... 120

Mapa 12 - Quadrante 4 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ........................................... 121

Mapa 13 - Quadrante 4 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ........................................... 121

Mapa 14 - Quadrante 5 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ........................................... 122

Mapa 15 -Quadrante 5 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ............................................ 122

Mapa 16 - Quadrante 6 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ........................................... 124

Mapa 17 - Quadrante 6 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ........................................... 124

Mapa 18: Street map com localização dos setores de função urbana ................................ 142

Mapa 19 - Imagem de satélite com localização de alguns equipamentos urbanos ............ 142

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Praça Santa Cruz ................................................................................................ 70

Figura 2 - Matriz de Sto. Antônio ....................................................................................... 70

Figura 3 - Rua Santo Antônio .............................................................................................. 72

Figura 4 - Praça Santa Cruz ................................................................................................. 72

Figura 5- Bairros Pioneiros e Inconfidentes ........................................................................ 97

Figura 6 - Bairro Siderurgia ................................................................................................ 97

Figura 7 - Prédios Bairro Siderurgia ................................................................................... 97

Figura 8 - Esquema de Passeio ............................................................................................ 97

Figura 9 – Construção do bairro Siderurgia ........................................................................ 98

Figura 10 – Escola Livremente; Siderurgia ......................................................................... 98

Figura 11 – Vista superior do município. Ao lado esquerdo, a área planejada ................. 109

Figura 12 – Avenida Mariza de Souza Mendes ................................................................. 136

Figura 13 – Rua da Lavoura .............................................................................................. 136

Figura 14 – Rua Santo Antônio ......................................................................................... 136

Figura 15 - Vista do setor 16. Ao fundo, campus UFSJ .................................................... 143

Figura 16 - Vista do setor 9. À esquerda, FOB. À direita, Av. Mariza de Souza Mendes 143

Figura 17 – Habitações Bairro Soledade ........................................................................... 144

Figura 18 – Vazios urbanos Setor 9 .................................................................................. 144

Figura 19 – Vista para o centro histórico a partir do mirante da Praça de Eventos .......... 145

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACESITA Cia. Aços Especiais Itabira

AÇOMINAS Cia. Aços de Minas Gerais

AEA Associação dos empregados da Açominas

ALCOMINAS Companhia de Alumínio Minas Gerais

AUVA Aglomerado Urbano do Vale do Aço

BDMG Banco de Desenvolvimento d Minas Gerais

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento

BNH Banco Nacional da Habitação

CA Coeficiente de aproveitamento do solo

CAMIG Companhia Agrícola de Minas Gerais

CASEMG Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais

CBUM Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas

CEA Clube de Participação Acionária dos Empregados da AÇOMINAS

CEMIG Companhia Elétrica de Minas Gerais

CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna

CIMINAS Cimentos Minas Gerais

CMOB Câmara Municipal de Ouro Branco

CONSIDER Conselho Nacional da Indústria de Não-Ferrosos e Siderúrgicas

COPASA Companhia de saneamento de Minas Gerais

COSIPA Companhia Siderúrgica Paulista

CSBM Companhia Siderúrgica Belgo Mineira

CSN Companhia Siderúrgica Nacional

CVRD Companhia Vale do Rio Doce

DER-MG Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais

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EFVM Estrada Ferroviária Vitória-Minas

FIP Fundação Israel Pinheiro

FIPLAN Financiamento para o Planejamento Urbano

FJP Fundação João Pinheiro

FOB Fundação Ouro Branco

FRIMISA Companhia Frigoríficos de Minas Gerais

HIDROMINAS Águas Minerais de Minas Gerais

HRC Hospital Municipal Raymundo Campos

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços

IEPHA Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Ambiental

IFMG Instituto Federal de Minas Gerais

INDI Instituto de Desenvolvimento Industrial

IPTU Imposto Predial e Territorial urbano

ISSQN Imposto sobre serviços de qualquer natureza

ITBI Imposto sobre transmissão de bens imóveis

LUOS Lei de Uso e Ocupação do Solo

MA Modelo de Assentamento

METAMIG Metais de Minas Gerais S/A

MP Medida Provisória

PD Plano Diretor

PDU Plano de Desenvolvimento urbano

PESOB Parque Estadual da Serra de Ouro Branco

PMOB Prefeitura Municipal de Ouro Branco

PND II Plano Nacional de Desestatização II

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PRODEPO Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Polos Econômicos

PROHEMP Programa Habitacional para Empresa

SEPLAN-MG Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais

SERBID Serviço de Divulgação e Biblioteca

SESI Serviço Social da Indústria

SFH Sistema de Financiamento Habitacional

SIDERBRÁS Junta de Siderúrgica Brasileira

SINDOB Sindicato dos metalúrgicos de Ouro Branco

SIVALPA Siderúrgica do Vale do Paraopeba

SME Sociedade Mineira de Engenheiros

SOEICOM Sociedade de Empreendimentos Industriais, Comerciais e Mineração

TELEMIG Telecomunicações de Minas Gerais S/A

TO Taxa de ocupação do solo

UFSJ Universidade Federal de São João Del Rey

USIMINAS Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais

ZAR Zona de Adensamento restrito

ZC Zona Central

ZE Zona Especial

ZEIS Zona Especial de Interesse social

ZI Zona Industrial

ZIH Zona de Interesse Histórico

ZM Zona Mista

ZPAM Zona de Proteção Ambiental

ZR Zona Residencial

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16

1 A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO.................................................... 22

1.1 Produção e reprodução do espaço urbano: uma abordagem conceitual ............... 22

1.2 O Urbanismo Progressista: uma crítica à tecnocracia e a segregação socioespacial33

2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO URBANO-INDUSTRIAL NO BRASIL E EM

MINAS GERAIS ................................................................................................................. 43

2.1 A formação urbano-industrial no Brasil: uma breve contextualização ................. 43

2.2 A industrialização em Minas Gerais e a relação com a formação socioespacial

entre os anos de 1930 a 1970 ............................................................................................... 53

3 A IMPLANTAÇÃO DA AÇOMINAS S/A EM OURO BRANCO ........................... 69

3.1 O município de Ouro Branco: de povoado à cidade, do ouro ao aço ................... 69

3.2 Da luta pela implantação da AÇOMINAS S/A no município de Ouro Branco à

privatização da empresa....................................................................................................... 73

4 UM DEBATE ACERCA DOS VAZIOS URBANOS VERSUS A FUNÇÃO SOCIAL

DA PROPRIEDADE ........................................................................................................... 86

4.1 A cidade-empresa: da concepção à implantação do projeto urbanístico proposto

pela Açominas ao município de Ouro Branco ..................................................................... 87

4.2 A LUOS/1978 e a LUOS/2010: um debate acerca dos zoneamentos e parâmetros

urbanísticos propostos ....................................................................................................... 111

4.2.1 O Quadrante 1 ................................................................................................. 117

4.2.2 O Quadrante 2..................................................................................................118

4.2.3 O Quadrante 3 ................................................................................................. 120

4.2.4 O Quadrante 4 ................................................................................................. 121

4.2.5 O Quadrante 5 ................................................................................................. 122

4.2.6 O Quadrante 6 ................................................................................................. 124

4.3 Os impactos urbanos oriundos do plano urbanístico progressista implantado em

Ouro Branco em 1978 e a função social da propriedade ................................................... 127

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 156

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 159

APÊNDICES ..................................................................................................................... 168

APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas semiestruturadas .............................................. 168

APÊNDICE B – Dados dos entrevistados ......................................................................... 171

ANEXOS ........................................................................................................................... 172

ANEXO A ......................................................................................................................... 172

ANEXO B ......................................................................................................................... 173

ANEXO C ......................................................................................................................... 174

ANEXO D ......................................................................................................................... 175

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16

INTRODUÇÃO

A década de 1930 é um marco nas profundas transformações ocorridas no Brasil. No

âmbito econômico ocorreu uma transição no movimento de industrialização que, antes

induzida pelo setor exportador, passa a partir desse período a se voltar para o mercado

nacional.

Em Minas Gerais a industrialização teve expansão no setor minero-metalúrgico-

siderúrgico, principalmente em virtude da riqueza mineral do solo e por também ter recebido

como efeitos de estímulo os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. É em função da

guerra que alguns importantes projetos na área de metalurgia e mineração foram definidos no

início da década de 1940 como prioridade para o governo do estado, ao passo que a extração

de minério de ferro e também a produção de aço passaram a ser ações prioritárias para as

potências bélicas aliadas - EUA e Inglaterra. Esse interesse culminou nos chamados “Acordos

de Washington”, na criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda

no Rio de Janeiro e também a criação da Vale do Rio Doce, em 1942, instalada no território

mineiro. Sob o argumento de necessidade do desenvolvimento da indústria nacional, o

governo brasileiro criou oportunidades para que o capital estrangeiro adentrasse na economia

do país e isto propiciou o crescimento do setor industrial dinamizando, contudo, a economia.

Em contrapartida, em meados da década de 1930, as cidades brasileiras começaram a

apresentar altas taxas de urbanização e significativo aumento de contingente populacional,

impulsionado pela mudança do padrão tecnológico no campo e pela dinâmica expressa pelo

fluxo migratório em direção às cidades, que, por sua vez, não dispunham de infraestrutura

suficiente para abrigar a numerosa população.

Do ponto de vista urbanístico, o intenso crescimento urbano provocou acentuados

desequilíbrios na provisão de serviços públicos, pois a população se instalou nas áreas

periféricas das cidades e isto ocasionou um processo permanente de segregação territorial,

formando territórios de pobreza com precária infraestrutura urbana e condições de habitação.

Junto a isso, Belo Horizonte não ofertava infraestrutura necessária para a instalação de

grandes indústrias, inclusive porque, nesta época, a capital enfrentava problemas oriundos da

insuficiente rede de instalações de energia elétrica e a precariedade nas estradas; logo, a

instalação de grandes indústrias na região central do estado era inviável.

As empresas foram então locadas no interior do estado, junto a cidades com base

urbana muito incipiente, porém localizadas relativamente próximas às matérias-primas

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necessárias à produção. Isso alavancou a implantação da infraestrutura urbana nas cidades sob

a responsabilidade da empresa, uma vez que havia a necessidade de acolher a mão-de-obra

atraída para a região em função da instalação da indústria.

Costa (1979), Diniz (1981) e Piquet (1998) elucidam os termos “cidades mono-

industriais” e “cidades empresa” em alusão ao desenvolvimento econômico de municípios que

tiveram uma empresa instalada e assumiram, para tanto, a responsabilidade pela provisão de

moradia aos trabalhadores, implantação de serviços públicos urbanos e toda a estrutura urbana

necessária à produção. Municípios como João Monlevade, que acolheu a Companhia

Siderúrgica Belgo Mineira em meados da década de 1930, Itabira, que acolheu a Companhia

Vale do Rio Doce no início da década de 1940 e Ipatinga, que recebeu em seu território a

implantação da USIMINAS inaugurada em 1962, são exemplos de cidades-empresa.

O Regime Militar, inaugurado em 1964, demarcou um período de forte centralização

política e administrativa com relevante desenvolvimento econômico, principalmente em torno

da industrialização; porém representou também uma perda de autonomia dos municípios em

relação às políticas sociais.

Na questão urbana, o planejamento das cidades nos governos militares passou a ser

executado de forma excessivamente técnica e centralizada. Os planos de desenvolvimento

urbano se voltavam para uma concepção tecnocrática, aliada aos princípios do urbanismo

progressista, propostos na Carta de Atenas, por Le Corbusier, cujo espaço urbano deve ser

ordenado conforme as funções circular-habitar-trabalhar e recrear.

Nessa direção, no início da década de 1970, sob o regime militar, voltou à discussão a

implantação de uma siderúrgica na região do Alto Paraopeba, segundo o Decreto 4.801, de

1924, do então Presidente da República Arthur Bernardes. Após inúmeras tentativas de

instalação, desde 1924, em janeiro de 1976 a USIMINAS, enquanto consultora da

AÇOMINAS S/A, recomendou que a localização da mesma fosse no município de Ouro

Branco, por diversas questões, entre elas a proximidade com Belo Horizonte

(aproximadamente 100 km) e as rodovias de ligação existentes, a construção estratégica da

usina junto ao mercado consumidor considerando a disponibilidade de transporte e a obtenção

de matérias-primas.

Tendo como referência a simultaneidade entre os processos de industrialização e

urbanização em Minas Gerais sobre o acervo da produção do espaço urbano produzidos no

contexto de uma cidade-empresa, esta dissertação tem como objetivo a explanação acerca da

construção do espaço urbano de Ouro Branco, considerado por autores como Diniz (1978),

Costa (1979), Costa e Costa (1998) e outros como a última cidade planejada na década de

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1970 para acolher uma indústria, cujo projeto urbanístico foi proposto e executado segundo a

visão da empresa.

A Fundação João Pinheiro, em 1978 apresentou, no entanto, o PDU – Plano de

Desenvolvimento Urbano, baseado nos princípios do urbanismo progressista e sob um

planejamento muito semelhante ao proposto e executado em Ipatinga pelo arquiteto Rafael

Hardy Filho na década anterior.

Para a implantação do plano urbanístico, a então estatal AÇOMINAS S/A adquiriu,

por meio de ações de desapropriação e doação - ambas promovidas pelo Estado, grandes

extensões de terra urbana e construiu, além da infraestrutura necessária, as habitações que

acolheriam os trabalhadores que chegavam em grande número no município que contava até

então com pouco mais de 4.000 habitantes, sendo 70% deles residentes nas áreas rurais. O

projeto urbanístico proposto pela Fundação João Pinheiro, todavia, não contemplava o

crescimento e o desenvolvimento do espaço urbano a partir do núcleo central da cidade, que

abrigava, em geral, a população nativa. Isso criou uma primeira divisão: no centro histórico

estavam os “nativos” e seus entes e, na área planejada pela empresa, seriam acolhidos os

trabalhadores da empresa.

A organização da área planejada proposta ancorou-se na divisão dos espaços segundo

os zoneamentos, de forma que cada área específica possuía parâmetros urbanísticos próprios,

sendo divididas em áreas de função de preservação, de função agrícola, de função industrial e

de função urbana (que englobava também as áreas de expansão urbana).

A ocupação se deu em função da separação de classes, ou seja, a mesma hierarquia

designada na divisão do trabalho dentro da empresa conforme à produção, foi transposta para

o espaço; logo, cada bairro ou unidade de vizinhança, acolhia trabalhadores de acordo com a

similaridade da renda e do trabalho executado na empresa e cada agrupamento dispunha de

um espaço de recreação e escolas para que os filhos desses respectivos trabalhadores

pudessem estudar.

De um lado, a necessidade de mão-de-obra para compor o quadro de produção da

AÇOMINAS S/A atraiu centenas de homens junto às suas famílias, com diversos hábitos e

valores e que buscavam, além da oportunidade de trabalho, a concretização do sonho de se

viver em uma cidade próspera. Do outro, uma população natural de Ouro Branco, com

expressões culturais e sociais intrínsecas, que passaram a dividir o território com migrantes

considerados pela população nativa como “forasteiros” e com o agravante de não serem

inclusos nos quadros de trabalho ofertados pela empresa e na transformação espacial que a

mesma imputou ao espaço de modo a abrigar exclusivamente seus funcionários. Toda essa

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planificação projetou no espaço um caráter segregador, ao passo que criaram-se duas

centralidades muito distintas e cada bairro da área planejada possuía ainda em seu entorno

uma boa área não construída (além dos setores considerados de expansão urbana), de forma

que o argumento era que cada setor pudesse futuramente crescer sem interferir na organização

espacial de outro setor.

Em 1993 a empresa foi privatizada devido ao seu quadro financeiro, o que fez com

que esta fosse incluída no Plano Nacional de Desestatização II (PND II), do governo do

presidente Collor. O grande impasse é que as terras adquiridas na década de 1970, enquanto

estatal, foram repassadas à empresa Mendes Junior, que arrematou a AÇOMINAS S/A no

leilão. Posteriormente, o grupo Gerdau assumiu o controle e mantém em seu quadro

patrimonial extensas áreas de terra que configuram vazios urbanos, uma vez que, além de não

cumprirem sua função social na cidade, são amparados de infraestrutura parcial ou total.

Como no sistema capitalista o solo urbano é uma mercadoria, esses terrenos considerados

vazios urbanos representam, sobretudo, instrumentos para a especulação imobiliária.

Nesse ínterim, a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade, dispõe sobre

a construção popular do Plano Diretor Municipal, necessário aos municípios com mais de 20

mil habitantes e também explana sobre os instrumentos urbanísticos que o Poder público

municipal pode-se amparar para garantir o direito à cidade e à propriedade.

Entretanto, o grande impasse se debruça no direito à cidade e à propriedade por

diversas hipóteses, como a falta de conhecimento técnico do poder público em executar o que

é previsto na legislação federal e reforçado no Plano Diretor, ou pela falta de interlocução

entre o poder local e a empresa, de forma a garantir a justiça social da propriedade ou ainda

não ser do interesse do próprio governo local, justamente porque muitos dos terrenos que

compunham o patrimônio da empresa são atualmente de propriedade hoje de atores políticos

ou proprietários fundiários e agentes imobiliários.

Essa dissertação tem como objetivo analisar a produção do espaço urbano em Ouro

Branco, que é uma cidade-empresa, cujo plano urbanístico produziu um arcabouço técnico

capaz de provocar o questionamento em torno do direito à propriedade, principalmente porque

estes inúmeros vazios urbanos designam tantos outros impasses na vida socioeconômica do

município e limitam, inclusive, o desenvolvimento econômico da cidade.

Pretende-se entender o cenário político, econômico e social que favoreceu a

implantação do plano urbanístico, cuja sustentação se dá em função da divisão de classes.

Pretende-se também verificar, com isso, se na configuração desse arranjo socioespacial a

presença da empresa enquanto grande empregador no município e, consequentemente, maior

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contribuinte de impostos aos cofres públicos, compromete o potencial do poder local na

execução do Plano Diretor. Ou seja, ainda que privatizada, a empresa exerce alguma

influência direta ou indiretamente no espaço urbano, nas decisões que competem ao poder

público municipal, que tem como prerrogativa garantir o direito à cidade e à propriedade?

A tarefa de escrever sobre o solo urbano de Ouro Branco é árdua e desafiadora. A

impressão é a de há um campo minado com vários atores que atuam sobre o espaço urbano,

que é tensionado de forma sistêmica e mútua por dois poderes que por vezes se confundem: o

poder público municipal e a empresa Gerdau Açominas. Essa tarefa se aprofunda à medida

em que os grupos sociais excluídos ganham voz, ocupam os espaços e se manifestam em meio

a tantos sentimentos sobre a aspiração dos mesmos em permanecer no território num ato

contínuo de (r)existência, vivência e sobrevivência.

Para a análise dessa experiência, primeiramente, foram pesquisadas as fontes

documentais referentes à elaboração do projeto de desenvolvimento urbano (PDU) e a Lei de

Uso e Ocupação do solo (LUOS), elaborados pela Fundação João Pinheiro em 1978, bem

como as referências teóricas que sustentaram as proposições. Salienta-se que essa forma de

planejamento é considerada por Costa (1979) como “planejamento privado”, já que sua

execução compete à empresa e é implantada segundo os interesses e necessidades da mesma.

Paralelamente, foi realizado o estudo em torno do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor

municipal elaborado em 2007 e da LUOS, instituída em 2010. Costa (1979) designa este tipo

de planejamento como “planejamento público”, uma vez que sua elaboração é realizada pelo

poder público em conjunto com a população. Em seguida buscou-se fazer um estudo

bibliográfico que compusesse um meio de justificativa da produção do espaço urbano

segundo a ótica capitalista, ancorada nos princípios do urbanismo progressista e

principalmente na argumentação da divisão do espaço segundo a hierarquia das classes.

No terceiro momento da pesquisa foi realizado um trabalho de campo a partir do qual

foram levantados os relatos orais, obtidos através de entrevistas realizadas com os atores

sociais participantes do processo de transformação social, espacial e econômica vivenciados

no município na década de 1970 e também atores que participaram da elaboração do Plano

Diretor municipal em 2007. A riqueza dos relatos cedidos narra as histórias de vida dos

indivíduos e suas aspirações para o desenvolvimento econômico da cidade, o que permitiu a

reconstituição dos fatos de acordo com suas narrativas e interpretações, determinando um

diálogo múltiplo entre o passado e o presente.

Os entrevistados foram divididos entre os indivíduos naturais de Ouro Branco e os que

migraram para a cidade e região em busca de trabalho e novas oportunidades. Buscou-se

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entrevistar pessoas entre 15 e 95 anos de idade correspondentes a diversas classes e residentes

em bairros distintos a fim de obter-se uma pluralidade de fatos e exposições conforme seus

segmentos sociais e suas relações com o espaço. No total foram entrevistados 30 indivíduos,

entre homens e mulheres, dos quais 15 desempenham e/ou desempenharam atividades junto a

AÇOMINAS S/A e agora Gerdau Açominas e os 15 restantes não mantiveram vínculos

empregatícios com a empresa. Muitos dos entrevistados que não possuem ou não possuíram

vínculos diretos com a empresa e são migrantes (como é o caso de inúmeras esposas que

migraram para a região para acompanhar o cônjuge que compunha o quadro funcional da

empresa) tiveram muita importância na elaboração desta pesquisa, porque, como os maridos

trabalhavam na siderúrgica, cabiam a elas os cuidados com a casa, os filhos e a manutenção

da vida social no bairro.

As entrevistas semiestruturadas ocorreram entre janeiro de 2018 e julho de 2018.

Além dos entrevistados procurou-se conversar com uma série de outros moradores, como os

aposentados da empresa, os membros da ex-diretoria, os membros das associações de bairro,

os comerciantes, servidores públicos, funcionários da Gerdau Açominas e também de

empresas terceirizadas e alunos das redes pública e particular, além de alunos da UFSJ e do

IFMG.

A forma com que se processaram essas transformações junto aos inúmeros

questionamentos, somados à escassez de material que investigasse o espaço urbano de Ouro

Branco na caracterização de uma cidade-empresa culminaram no desafio de documentar as

informações existentes e discutir as mudanças ocorridas no município após a instalação da

empresa estatal, a fim de limiar um estudo acerca do processo de ruptura e desagregação da

cidade instituída, em virtude da nova dinâmica de desenvolvimento de cidades mono-

industriais prevista pelo Estado, principalmente durante o Regime Militar.

A dissertação se estrutura em quatro capítulos – dois que subsidiam a discussão teórica

e apoiam-se no entendimento da dinâmica da produção e reprodução do espaço capitalista e as

relações concomitantes e existentes entre os processos de urbanização e industrialização e

dois onde são apresentados os dados da pesquisa empírica, nos quais a evolução se dá nas

relações dispostas entre a implantação da AÇOMINAS S/A no território de Ouro Branco, a

configuração do ambiente construído na concepção da cidade-empresa e a atuação do poder

público no que diz respeito ao direito à propriedade, cujas terras não desempenham função

social no espaço.

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1 A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO

O presente capítulo apresenta considerações teóricas e reflexivas acerca da produção

social do espaço urbano, enfatizando os processos de construção e reprodução, bem como as

relações que estruturam esse encadeamento. A escolha da abordagem decorre não somente da

importância intrínseca dessas questões para o entendimento das transformações espaciais - de

cidades a espaços urbanos -, mas também do fato de que são aspectos que se apresentam de

forma particularmente adequada a um estudo acerca da conjuntura política, econômica e

social na criação das cidades-empresa.

1.1 Produção e reprodução do espaço urbano: uma abordagem conceitual

No tocante à produção do espaço conceitua-se neste estudo como uma ação

comunitária proveniente do trabalho humano; um produto social e histórico, produzido,

reproduzido e apropriado pela sociedade, sistematicamente. Pretende-se analisar o espaço

como o lugar onde se concretizam as relações econômicas e sociais ligadas “às

transformações da sociedade produzidas pelo esforço de acumulação de capital e pela luta de

classes” (GOTTDIENER, 1997, p.125).

A produção social do espaço é expressa por produtos reais - cidade1, lugar2, território3

- e envolta por relações sociais e momentos históricos. Conforme Santos (2004, p. 151), “sua

definição é árdua, porque a sua tendência é mudar com o processo histórico, uma vez que o

espaço geográfico é também o espaço social” e à medida que o homem estabelece relações

entre si e com a natureza para mediar a própria existência, substituindo a dimensão natural

pela dimensão artificial, essa produção é tida essencialmente como social, expressa contudo

pelos processos de industrialização e urbanização.

A industrialização é uma variável fundamental no processo de urbanização, cujo

espaço é o elemento físico pelo qual o homem atua, produz e materializa sua dimensão

artificial. A clareza no entendimento da dinâmica da produção social do espaço para a

acumulação capitalista e o desenvolvimento urbano é estruturada na indissociabilidade entre o

espaço e a sociedade, uma vez que, na medida em que a sociedade produz a vida, as

condições materiais necessárias à manutenção da mesma e induz as relações sociais, ela

1 Cidade é o centro de comando territorial da organização espacial (HAESBAERT, 2006). 2 Lugar é o ponto de recorte territorial, onde a pluralidade total dos elementos encontra sua síntese (SANTOS,

1996). 3 Território é o espaço inscrito obrigatoriamente dentro das relações de poder (HAESBAERT, 2006).

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também produz, apropria e reproduz o espaço. Esse elo é que impede qualquer concepção de

dissociação entre espaço e sociedade.

A teoria da produção espacial, tanto para Lefebvre quanto para Castells, parte do

princípio de que o espaço é um produto material de uma dada formação social e defendem

uma teoria do espaço fundamentada no materialismo histórico4.

Lefebvre fundamenta sua teoria sob a afirmação de que a industrialização e a

urbanização são processos determinantes no mundo contemporâneo e o espaço é o lugar onde

as relações se reproduzem, sendo, contudo, palco das manifestações de conflito e de

contradições. Ainda segundo o autor “existe historicamente um choque violento entre a

realidade urbana e a realidade industrial” (LEFEBVRE, 2008, p. 16), porque o capitalismo é

visto como um processo cuja hegemonia está assentada nas relações de propriedade e o

espaço é o produto, sem distinção, de dimensões políticas e econômicas.

Lefebvre afirma ainda que a cidade preexiste à industrialização e o espaço não se

limita a uma localização geográfica ou às relações sociais de posse ou de propriedade, pois

entende-se que o urbano (a realidade urbana) é, ao mesmo tempo, espacial e temporal:

“espacial, porque o processo se estende no espaço que ele modifica; temporal, uma vez que se

desenvolve no tempo, aspecto de início menor, depois, predominante, da prática e da

história.” (LEFEBVRE, 1999, p.20). Da mesma forma admite-se, conforme Harvey (2005,

p.65), que “o espaço é a condição fundamental à acumulação capitalista numa escala

geográfica expansível e intensificada”.

De acordo com Lefebvre, o espaço urbano é o substituto do espaço natural e o urbano

é a segunda natureza do espaço; logo, o espaço natural proporciona o valor de uso, enquanto o

espaço urbano - o ambiente construído - é a materialização da troca, da reprodução do capital.

A distinção entre o espaço “natural” e espaço “artificial”, segundo Alexander (1967), se dá de

acordo com o processo de construção, ou seja, as cidades que se formaram ao longo do tempo

por um processo espontâneo são consideradas espaços “naturais” e cidades que foram criadas

a partir de um planejamento urbanístico feito por arquitetos urbanistas, são tidas como

espaços “artificiais.”

Para Lefebvre (1999, p.28) “o urbano (abreviação de “sociedade urbana”) define-se,

portanto, não como realidade acabada, situada em relação à realidade atual e de maneira

recuada no tempo, mas, ao contrário, como horizonte, como virtualidade iluminadora”.

4Conforme Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2015), o materialismo histórico é um método de abordagem da vida

social no qual as relações materiais que os homens estabelecem e o modo como produzem seus meios de vida

formam a base de todas as suas relações, logo o que os indivíduos são, depende, portanto, das condições

materiais de sua produção. Ver: Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2015, p.28-32).

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Conforme Lefebvre (2001, p.141):

A cidade como tal faz parte dessas condições históricas, implicadas no capitalismo.

Ela resulta da destruição das formações sociais anteriores e da acumulação primitiva

do capital (que se completa nela e por ela). Ela é a coisa social, na qual são evidentes

(tornam-se sensíveis) relações sociais que, tomadas em si, não são evidentes, de

sorte que é necessário concebê-las pelo pensamento, a partir de sua realização

concreta [prática].

Segundo Gottdiener (1997, p. 122), “Castells estabelece que a estrutura econômica

especifica o principal elo conceitual de uma teoria do espaço. Isto é, rejeita-se o urbano como

uma unidade ideológica [cultural]”. O conceito de urbano para Castells é uma unidade

espacial de reprodução da força de trabalho e o espaço social é a expressão da artificialidade,

cuja produção está intimamente correlacionada ao tecnicismo e vice-versa, tendo como vetor

a divisão do trabalho que é responsável pela recriação do espaço.

Castells (1983, p.193) acrescenta que

[...] o sistema econômico organiza-se em torno de ligações entre a força de trabalho,

os meios de produção e o não-trabalho, que se combinam segundo duas relações

principais: a relação de propriedade [apropriação do produto] e a relação de

apropriação real [processo técnico de trabalho]. A expressão espacial destes

elementos pode ser encontrada através da dialética entre dois elementos principais:

produção [expressão espacial dos meios de produção], consumo [expressão espacial

das forças de trabalho], e um elemento derivado, a troca, que resulta da

especialização das transferências entre a produção e o consumo, no interior da

produção e no interior do consumo.

A produção social do espaço se correlaciona à concepção das relações sociais de

produção marcadas pela atuação de diversos atores sociais e, neste quesito, Lefebvre afirma

que a industrialização caracteriza a sociedade moderna, uma vez que a produção do espaço

capitalista obedece à reprodução das relações sociais, da força de trabalho e dos bens de

produção, ou seja, o espaço é a condição da reprodução da vida social e é também a condição

necessária à acumulação de capital. Em concordância, Castells afirma que a sociedade é,

sobretudo, uma forma social compreendida pela articulação histórica de seus meios de

produção - “matriz particular de combinação entre as instâncias [sistemas de práticas]

fundamentais da estrutura social: econômica, político institucional e ideológica,

essencialmente” (1983, p.193). O mesmo autor afirma que:

A problemática do espaço, que subsume os problemas da esfera urbana (a cidade e

suas extensões) e da vida cotidiana (consumo programado), deslocou a problemática

da industrialização. Ela, no entanto, não destruiu o antigo conjunto de problemas: as

relações sociais que predominavam anteriormente ainda predominam; o novo

problema é, precisamente, o da sua reprodução. (2006, p. 133)

De acordo com Carlos (2016, p.53) “a sociedade, ao produzir-se, o faz num tempo

determinado como condição de sua existência, mas através dessa ação ela também produz

consequentemente um espaço que lhe é próprio”, logo, a dimensão e a caracterização

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histórica, bem como o tempo, as escalas e os lugares são fatores determinantes na reprodução

da sociedade, que se projeta através da produção e reprodução do espaço em sua totalidade,

numa relação dialética ao se realizar no outro e através do outro.

Em consonância com esse pensamento, Cruz (2003, p.23) afirma que “a produção da

vida social está diretamente conectada ao espaço, que por sua vez ao ser socialmente

trabalhado como espaço de moradia, de reprodução biológica e de produção dos meios de

existência, apresenta-se como espaço de reprodução”.

Segundo Gottdiener (1997, p.128-129) “é em parte por meio do espaço que a

sociedade se reproduz”. Sob essa afirmação repousa um cenário propício para que o

capitalismo, enquanto meio de produção perdure, dado que o próprio espaço produzido é

capaz de reproduzir as relações sociais necessárias à sua sobrevivência, ou seja, “as relações

sociais que regem as atividades associadas ao espaço precisam adequar-se à forma pela qual o

espaço é usado para adquirir riqueza”.

Nessa lógica, a organização espacial e sua natureza artificial é disposta no meio, a fim

de reproduzir as características que endossam o interesse do capital e essa inscrição no espaço

é marcada pela segregação de classes. O espaço é caracterizado por regiões mais e outras

menos favorecidas com necessidades distintas, pois no sistema capitalista a terra, bem como a

mão-de-obra, são mercadorias que produzem e reproduzem o capital. Goffman (1963, p.05)

explana sobre os profícuos elos do estigma que são arraigados na sociedade capitalista,

principalmente entre as classes e afirma que “a sociedade capitalista estabelece meios de

categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os

membros de cada uma dessas categorias”. Portanto, a estigmatização social, além de ser um

atributo depreciativo, torna o indivíduo “inabilitado para a aceitação social plena”

(GOFFMAN, 1963, p.13).

Sob essa alegação, Carlos (2016, p.61) elucida que a terra no sistema capitalista “se

propõe para a sociedade como valor de troca, destituído de seu valor de uso” e é o uso que

condiciona e qualifica a realização da vida social. Harvey esclarece que toda a forma material

que une a indústria ao espaço é um ambiente construído, ou seja, as edificações, a

infraestrutura urbana, equipamentos comunitários e quaisquer recursos que permitam que o

capital seja ampliado, portanto, produto da produção e reprodução social do espaço.

O ambiente construído capta o poder do espaço social e seu uso à medida que

apresenta, além de recursos, um campo de possibilidades entre espaço, capital e sociedade.

Esses elementos condicionantes do espaço social, no entanto, definem o conteúdo e a forma

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das sociedades enquanto organizações, sendo historicamente determinado pelo início da

acumulação de capital.

Segundo Harvey (1990, p.238):

O ambiente construído funciona como um vasto sistema de recursos criados pelos

seres humanos, que compreende valores de uso cristalizados na paisagem física, que

se podem utilizar para a produção, o intercâmbio e o consumo. Do ponto de vista da

produção, esses valores de uso podem considerar-se como precondições gerais da

produção e como forças diretas dentro dela [...] em uma palavra, (constitui) toda

forma [material] em que o produto da indústria tenha que se unir solidamente à

superfície. O ambiente construído para o consumo e para o intercâmbio não é menos

heterogêneo.

Na mesma direção Cruz (2003, p.23) acrescenta ainda que;

[...] o espaço construído - edificado, tomado por objetos, por construções fixas,

rígidas, fundamentais para a realização do capital é que atua como condicionante da

sua reprodução. Daí a importância do conceito de ambiente construído para se

compreender alguns elementos condicionantes do espaço social, fundamentais para a

sua existência e continuidade, definindo conteúdo e forma das sociedades.

Santos endossa que o ambiente construído é fruto da ação social de natureza

capitalista, marcado por disputa e apropriação, dominação e expropriação, produção de capital

e reprodução das desigualdades e “desse modo, o meio ambiente construído se contrapõe aos

dados puramente sociais da divisão do trabalho.” (2004, p. 169). É, portanto, a expressão da

urbanização que, dentro de uma lógica de interdependência, faz-se necessária para que o

modo de produção capitalista e a sociedade se reproduzam, ou seja, é social e historicamente

determinado enquanto uma das condicionantes do processo capitalista. Por sua vez, o sistema

capitalista necessita de um ambiente que o dê suporte para existir, consolidar e reproduzir-se,

assim a infraestrutura urbana e o meio construído solidificam o modo de produção.

O autor citado aborda ainda a importância do passado enquanto herança espacial na

construção do espaço social, mutável e heterogêneo, o qual fundamenta o conceito de

rugosidades espaciais:

As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em

paisagem, incorporado ao espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem

tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada

localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho

utilizados [...]. O espaço, portanto, é um testemunho; ele testemunha um momento

de um modo de produção pela memória do espaço construído, das coisas fixadas na

paisagem criada. Assim o espaço é uma forma, uma forma durável, que não se

desfaz paralelamente à mudança de processos; ao contrário, alguns processos se

adaptam às formas preexistentes enquanto que outros criam novas formas para se

inserir dentro delas (SANTOS, 2004, p.173).

Santos utiliza o termo “rugosidades espaciais”, o mesmo que Castells denomina

formas ecológicas; “a persistência das formas espaciais ecológicas, suscitadas pelas estruturas

anteriores” (CASTELLS apud SANTOS, 2004, p.173). Santos elucida que os modos de

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produção se realizam por intermédio dos meios de produção. Ou seja, no decorrer da história

os novos modos de produção encontram um lugar (espacial) existente e já caracterizado de

forma que se adapta para poder se determinar neste novo momento, traçando também uma

nova narrativa. O ambiente construído expressa a herança e permite captar o poder do espaço

social em meio à circunscrição de possibilidades e recursos na territorialidade, pois a noção de

território no sistema de produção capitalista remete ao status de poder que tende a silenciar,

por sua vez, as questões de tradição, passado e história.

Carlos (2016, p.60) alega que “no capitalismo, a produção expande-se espacial e

socialmente (no sentido que penetra toda a sociedade), incorporando todas as atividades do

homem e redefinindo-se sob a lógica do processo de valorização do capital”.

Harvey, ao abordar a produção do espaço capitalista, propõe também uma teoria

marxista, conforme Lefebvre e Castells, sobretudo pautada na concepção teórica das relações

de sustentação entre capital e trabalho, pois essa associação incide diretamente na produção e

reprodução do espaço. Neste ínterim, o autor imputa ao Estado a condição de ser um comitê

que gerencia os interesses do capital e também da sociedade, apresentando, para tanto,

estratégias de contrapeso entre as forças.

Necessariamente, o Estado se origina da contradição entre os interesses particulares

e os da comunidade. No entanto, como o Estado tem de assumir uma existência

“independente”, para garantir o interesse comum, torna-se o lugar de um “poder

alienígena”, por meio do qual pode dominar os indivíduos e os grupos. (MARX E

ENGELS apud HARVEY, 2005, p.80).

O Estado que se origina da necessidade de manter os antagonismos de classe sob

controle, mas que também se origina no meio da luta entre as classes, é

normalmente, o Estado da classe economicamente dirigente, que, por seus recursos,

torna-se também a classe politicamente dirigente, e, assim, obtém novos meios de

controlar e explorar as classes oprimidas. O Estado antigo era, antes de mais nada, o

Estado dos senhores de escravos para controlar os escravos, assim como o Estado

feudal era o órgão da nobreza para oprimir os servos camponeses, o Estado

representativo moderno é o instrumento para explorar a mão-de-obra assalariada

pelo capital. No entanto, ocorrem períodos excepcionais – quando classes

antagônicas quase se igualam em forças – em que o poder do Estado, como aparente

mediador, adquire, naquele momento, certa independência em relação a ambas as

classes. (ENGELS apud HARVEY, 2005, p.80).

As forças que operam sobre o espaço urbano representam um jogo de interesses entre

o capital e o social, uma vez que o capitalismo é marcado pela propulsão da desigualdade

socioeconômica. Cabe então ao Estado, regular, fiscalizar, orientar a sociedade e executar

políticas públicas - inclusive urbanas - a fim de garantir um desenvolvimento equilibrado e

socialmente justo.

Castells (1983, p.56) afirma que

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[...] a uniformização de uma massa crescente da população, no que diz respeito ao

lugar ocupado nas relações de produção (assalariadas) faz-se acompanhar de uma

diversificação de níveis e de uma hierarquização no próprio interior desta categoria

social – o que no espaço, resulta numa verdadeira segregação em termos de status,

separa e “marca” os diferentes setores residenciais, se estendendo por um vasto

território, que se tornou o local de desdobramento simbólico.

Corrêa afirma que o espaço de uma cidade capitalista se constitui por diferentes usos

da terra, justapostos entre si – organização espacial da cidade ou espaço urbano –,

simultaneamente fragmentado e articulado, onde o Estado desempenha um papel crucial, seja

como produtor, distribuidor ou gestor de bens de consumo coletivo e primordiais à vida nas

cidades.

Por sua vez, o Estado gere e é gerido pelo sistema capitalista e se torna, por

conseguinte, um instrumento de política de dominação de classes menos favorecidas, porém

atua, até certo ponto, como uma instituição mediadora, ao passo de que pode estar

incorporado, por exemplo, às empresas estatais com o objetivo de promover o

desenvolvimento econômico do país, mas ao mesmo tempo atua como estruturador e gestor

de legislações específicas e como promotor de políticas públicas a fim de democratizar a

sociedade e o acesso aos direitos fundamentais. Em outras palavras, o Estado age frente a

interesses peculiares e, inevitavelmente, é tensionado e tensiona os elos estabelecidos entre

capital e social, como dispõe Corrêa (1989, p.26):

Esta complexa e variada gama de possibilidades de ação do Estado capitalista não se

efetiva ao acaso. Nem se processa de modo socialmente neutro, como se o Estado

fosse uma instituição que governasse de acordo com uma racionalidade

fundamentada nos princípios de equilíbrio social, econômico e espacial, pairando

acima das classes sociais e de seus conflitos. Sua ação é marcada pelos conflitos de

interesses dos diferentes membros da sociedade de classes, bem como das alianças

entre eles e tende a privilegiar os interesses daquele segmento ou segmentos da

classe dominante que, a cada momento, estão no poder.

O Estado capitalista nesse ponto admite um papel de extrema importância, à medida

que é responsável por implantar a infraestrutura urbana e, consequentemente, produzir o

ambiente construído, controlar o mercado fundiário e, dentre outras prerrogativas, estabelecer

um marco jurídico de produção e uso do espaço. Na arena que compete o espaço urbano

operam conflitos, narrativas distintas, interesses diversos conforme os agentes e as classes que

representam e a reverberação das inúmeras vozes.

Para Harvey (2005, p.85),

O Estado também deve desempenhar um papel importante no provimento de “bens

públicos” e infraestruturas sociais e físicas. Pré-requisitos necessários para a

produção e troca capitalista, mas os quais nenhum capitalista individual acharia

possível prover com lucro. Além disso, o Estado inevitavelmente, envolve-se na

administração de crise e age contra a tendência de queda da margem de lucro. Em

todos esses aspectos, a intervenção do Estado é necessária, pois um sistema com

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base no interesse próprio e na competição não é capaz de expressar o interesse de

classe coletivo.

Dessa maneira o trabalho no modo de produção capitalista está relacionado

diretamente à estratificação de classes e também está assentado na produção, que de fato é

determinante nas relações dos indivíduos entre si. Para Marx, a “divisão do trabalho na

sociedade e a correspondente limitação dos indivíduos a esferas profissionais particulares se

desenvolvem como a divisão do trabalho na manufatura, a partir de pontos opostos5” (2011,

p.341). Tendo em vista o pensamento marxista, os homens estabelecem suas relações sociais

baseadas nas condições materiais de sua existência; logo, é esse o meio pelo qual produzem a

própria existência. Por conseguinte, a divisão do trabalho está ligada diretamente ao trabalho

em si e aos seus desdobramentos, mas também às relações de produção legitimadas pelo

caráter da dominação.

Segundo Mohun (1988, p.112):

[...] há a divisão social do trabalho entendido como o sistema complexo de todas as

formas úteis diferentes de trabalho que são levadas a cabo independentemente uma

das outras por produtores privados, ou seja, no caso do capitalismo, uma divisão do

trabalho que se dá na troca entre capitalistas individuais e independentes que

competem uns com os outros. Em segundo lugar, existe a divisão do trabalho entre

os trabalhadores, cada um dos quais executa uma operação parcial de um conjunto

de operações que são, todas, executadas simultaneamente e cujo resultado é o

produto social do trabalhador coletivo. Esta é uma divisão do trabalho que se dá na

produção, entre o capital e o trabalho em seu confronto dentro do processo de

produção. Embora esta divisão do trabalho na produção e a divisão de trabalho na

troca estejam mutuamente relacionadas, suas origens e seu desenvolvimento são de

todo diferentes.

O trabalho no capitalismo contribui para a perpetuação das relações de dominação

entre trabalhador e empregador ou donos dos bens de produção, de forma que cada indivíduo

tem uma função específica, a fim de dinamizar e otimizar a produção, determinando as

relações dos indivíduos entre si e com o meio que ocupam. Cabe salientar que, no modo de

produção capitalista, a força de trabalho é completamente divorciada do controle dos meios de

produção, que são controlados pelos capitalistas e pelo próprio Estado, pois, de acordo com

Harvey (2005, p.84), “a garantia do direito da propriedade privada dos meios de produção, e

da força de trabalho, os cumprimentos dos contratos, a proteção dos mecanismos de

acumulação, estão todos dentro do campo de ação do Estado”. Portanto, o Estado capitalista

5Segundo Marx “em todas as formas de sociedade, é uma produção determinada e as relações por ela produzidas

que estabelecem todas as outras produções e as relações a que elas são origem, a sua categoria e a sua

importância. É como uma iluminação geral que modifica as tonalidades particulares de todas as cores” (2011,

p.216)

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existe, sobretudo, para organizar e sustentar a relação básica entre o capital e o trabalho,

expressas pelas instituições políticas.

A divisão social do trabalho é comandada pelo mercado e suas extensões, ou seja, a

indústria que divide o trabalho e subordina-o ao capital, à ciência e ao próprio homem

deflagra uma hierarquização complexa, com diversos autores cada qual com seu interesse.

Aliás, a divisão do trabalho é estabelecida entre trabalho industrial e comercial de um lado e,

do outro, o agrícola; portanto, há uma cisão expressiva entre cidade e campo.

Para Lefebvre (2001, p.52), na divisão do trabalho no sistema capitalista “[...] há

unidade e solidariedade, complexidade e complementariedade6 e a separação das funções em

funções de comando e funções produtivas é um fato social e não técnico.” (2001, p.52). Véras

(1993, p.14) aprofunda essa afirmação ao acrescentar que “de um lado, dentro da oficina

(empresa), levando à cooperação, trata-se de uma divisão técnica. De outro, a divisão social

do trabalho faz-se no mercado, onde não há a racionalidade existente na empresa, portanto,

trata-se da concorrência”.

Para Lefebvre (2001, p.49-50),

Não há dúvida de que a separação entre a cidade e o campo mutila e bloqueia a

totalidade social; ela depende da divisão do trabalho material e intelectual que

encarna, que projeta sobre o território. Nessa separação, compete ao campo o

trabalho material desprovido de inteligência; à cidade pertence o trabalho

enriquecido e desenvolvido pelo intelecto, compreendendo as funções de

administração e comando. [...] Tal separação traz outra: divide a população em

classes. Esta separação só pode existir no quadro da propriedade privada,

propriedade da terra e propriedade do dinheiro, com a substituição daquela por esta

como potência dominante. O que resulta disto? A alienação geral.

Lefebvre (1972, p.55) afirma que “a divisão do trabalho, com as formas de

propriedade, não gera apenas a unidade social, mas nesta sociedade, rivalidades e conflitos”.

Na mesma direção Castells (2011) explana que a divisão do trabalho também divide a

sociedade em classes7, desvinculando e alienando os trabalhadores do meio de produção de

maneira que a classe operária se torna a mais frágil perante o sistema por estarem enquanto

6 Fazzi (1990) discorre no primeiro capítulo de sua dissertação acerca da solidariedade comunal à solidariedade

de classe, apresentando, contudo, referências teóricas, históricas e reflexivas. 7 Para esta pesquisa adotou-se a teoria marxista e as relações sociais baseadas na produção do capital como

constituinte no processo de hierarquização de classes. De todo modo sabe-se que há outros autores como Weber

que afirma que as classes se organizam segundo as relações de produção e aquisição de bens - os estamentos e

cunha o conceito de status social que se atrela por sua vez, ao poder, prestígio e pertencimento na sociedade. Em

comunhão, Stavenhagem (1977, p.134) não pauta a divisão de classes apenas sob a plataforma econômica e

segundo o autor, “aceita-se universalmente que todas as sociedades humanas estejam estratificadas de uma ou de

outra maneira. Isso significa que os indivíduos os grupos estão dispostos hierarquicamente numa escala”, logo

não necessariamente apenas pelo poder econômico, pois existem estratificações que não se baseiam nas relações

de classe. Este ensaio busca abordar as posições estruturais que o sistema capitalista concede aos indivíduos sob

a perspectiva econômica e o papel da propriedade privada como uma estrutura antagônica ao direito à terra.

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indivíduos, subordinados a uma atividade e situação impostas. Desse modo, o peso da

indústria pesa tanto sobre os trabalhadores como também sobre a sociedade.

Na sociedade capitalista os donos dos meios de produção podem ser também os

proprietários fundiários, tanto que, segundo Ianni (1980, p.99),

[...] os proprietários de simples força de trabalho, os proprietários de capital e os

proprietários de terras, cujas, respectivas fontes de receitas são o salário, o lucro e a

renda do solo, ou seja, os operários assalariados, os capitalistas e os latifundiários;

formam as três grandes classes da sociedade moderna, baseada no regime capitalista

de produção.

Conforme Véras (1993, p.12) “a sociedade capitalista só pode ser definida pela relação

que estabelece, de um lado entre a economia política, o Estado, as classes sociais e sua cultura

e de outro, entre a socialização dos meios de consumo e os meios de circulação material no

espaço”. A divisão do trabalho é, portanto, o elo que expressa não apenas a associação de

trabalhadores numa unidade industrial, mas o instrumento que promove e sustenta o modo de

produção capitalista, como argumenta Marx:

A divisão do trabalho na sociedade se processa através da compra e venda dos

produtos dos diferentes ramos de trabalho, a conexão dentro da manufatura, dos

trabalhos parciais se realiza através da venda de diferentes forças de trabalho ao

mesmo capitalista que as emprega como força de trabalho coletiva. A divisão

manufatureira do trabalho pressupõe concentração dos meios de produção nas mãos

de um capitalista, a divisão social do trabalho, dispersão dos meios de produção

entre produtores de mercadorias, independentes entre si (2011, p.407).

Ao passo de que a divisão social do trabalho culmina na estratificação das classes

pode-se dizer que as classes sociais fundamentam a compreensão da divisão do trabalho no

modo de produção capitalista, uma vez que a apropriação privada dos bens de produção e o

assalariamento dos trabalhadores implicana polarização, onde de um lado estão os donos dos

meios de produção - que representam a classe dominante – e, do outro, os trabalhadores - que

são a classe dominada e a consciência de classe8 -, que, de acordo com Fazzi (1990), está

explícita ou implicitamente orientando as reflexões e hipóteses sobre o desenvolvimento da

classe trabalhadora na sociedade capitalista.

Segundo Lefebvre (2001, p.35):

A separação das classes é ao mesmo tempo ilusória e muito real. Ilusória, porque

elas figuram na mesma sociedade, no mesmo todo que se sistematiza; além disso, há

somente uma fonte de riqueza social. Real, porque elas existem socialmente e

praticamente numa separação, mantida como tal, que vai até o conflito.

O autor ainda acrescenta que, no sistema capitalista, “as cidades saem de seu

isolamento e entram em relação entre elas. Segue-se um progresso na divisão do trabalho,

8De acordo com Fazzi (1990), a solidariedade de classe é uma identidade fundada nos interesses de natureza

racional determinados pela posição dos agentes sociais na estrutura social independente das posições na relação

de produção.

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pois ele se instaura entre as cidades, cada uma explorando um ramo da indústria

predominante.” (LEFEBVRE, 2001, p.59). Além da divisão do trabalho, o próprio modo de

produção capitalista e o ambiente construído possibilitam disputas decorrentes do poder,

principalmente as territoriais, já que as potencialidades de um dado espaço atraem indivíduos

de ambas as classes, mas, como a terra é uma mercadoria no capitalismo, apenas parte destes

indivíduos têm meios para acessá-la. Consequentemente, a hierarquização de classes implica

em diversas formas de apropriação, permitindo que o desenho espacial seja um retrato de

desigualdades, segregações e interseccionalidades. Lefebvre (2001, p.35) é incisivo ao

pontuar que “as categorias de população, classes e frações de classes, não sabem que

participam da produção da mais-valia, da sua realização, de sua distribuição; elas se veem

ainda como distintas9”.

A “anticidade” produzida sobre a negação da cidade e a estrutura social existentes

antes do processo de industrialização, somado à divisão do trabalho e à hierarquização de

classes, cria um novo espaço de acordo com Lefebvre cujos valores de troca se sobrepõe ao

valor de uso e o resultado é um espaço altamente segregado conforme a renda e a função

desempenhada nas indústrias.

[...] o espaço tornou-se para o Estado, um instrumento político de importância

capital. A força de trabalho é uma mercadoria; o que significa que também é uma

forma de propriedade privada, sobre a qual o trabalhador tem direitos exclusivos de

venda. O dinheiro proporciona o veículo para a acumulação; permite que o

indivíduo carregue “seu poder social, assim como seu vínculo com a sociedade, em

seu bolso” (MARX apud HARVEY, 2005, p. 84).

Se, ao produzir a vida social, o homem produz socialmente o espaço, que é o meio o

qual permite a produção e reprodução social, ou seja, produção e reprodução das práticas

sociais, materiais e simbólicas, para correlacionar espaço e sociedade é preciso compreender

as relações intrínsecas entre o território e as forças dispostas pelos diversos agentes, como

bem exemplifica Lefebvre, pois a “planificação racional da produção, disposição do território,

industrialização e urbanização são aspectos essenciais à socialização da sociedade capitalista e

a produção do espaço urbano” (LEFEBVRE, 2008, p.78).

Sob a perspectiva do materialismo histórico, a propriedade privada é um dos

fundamentos da divisão da sociedade em classes e também é a relação social que faz com que

9Vale reter a seguinte citação de Lefebvre que correlaciona o modo de produção capitalista à hierarquização de

classes no espaço: “Onde se passa essa metamorfose capital (mais exatamente: é ela que faz o capital e o

capitalismo)? Na indústria e na vida citadina que se constituem em face da propriedade rural, não sem dela

trazer, por longo tempo, traços e estigmas.[...]. Na vida citadina, meio (ambiente, meio, mediação, intermediário)

da transformação. Eis aí enfim, nomeado o monstro, o lugar das metamorfoses e dos encontros, o espaço teatral

que mistura o ilusório e o real, que simula a apropriação (onde a apropriação aparecendo como alienação

constitui o “direito à cidade”) – onde enfim o capital vitorioso parece ter descoberto o trabalho humano como

fonte de riqueza.” (2001, p.35-36).

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o trabalho de um indivíduo possa ser apropriado por outro como uma propriedade. Para Marx

(2004, p.165), “a propriedade privada é a base da divisão do trabalho, [...] é o mesmo que

dizer que o trabalho é a essência da propriedade privada”.

Diante de toda essa exposição é de suma importância frisar que a propriedade privada

acompanha a evolução da sociedade e, no entanto, assistiu muitas transformações ao longo

dos anos, demonstrando uma progressiva superação do caráter absolutista em prol da justiça

social. No Brasil o marco foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, que, dentre

outros fatores, determina que a propriedade cumpra sua função social, demarcando,

sobretudo, a propriedade para proveito da coletividade.

Na próxima seção buscar-se-á aprofundar o debate acerca da formatação do ambiente

construído progressista sob o ponto de vista socioeconômico, o que coloca em questão o ato

de habitar, que não se resume exclusivamente em ter uma moradia; trata-se, portanto, do

direito à cidade e à propriedade. Para tanto, as referências teóricas debruçam-se nas críticas ao

urbanismo progressista por este ser um instrumento ideológico, que anula a “cidade natural” e

as práticas sociais existentes e o Estado é o mediador dos distintos interesses na tentativa de

diminuir a segregação social, econômica e espacial e as disparidades entre as classes.

1.2 O Urbanismo Progressista: uma crítica à tecnocracia e a segregação socioespacial

As mudanças produzidas gradualmente pela revolução industrial na sociedade

alteraram drasticamente as cidades, visto que, segundo Benévolo (1994, p.13) “a primeira

mudança decisiva é o aumento da população devido à diminuição da taxa de mortalidade que,

pela primeira vez, se afasta definitivamente da de natalidade”. Esse aumento no número de

habitantes mudou a distribuição no território conforme as transformações econômicas,

alterando potencialmente o equilíbrio entre o campo e a cidade. Ocasionalmente, a associação

entre a indústria, a cidade e o acúmulo considerável no contingente populacional

consolidaram uma nova caracterização dos espaços baseados na “tecnicidade”10.

O progresso do capitalismo significou sobretudo o avanço tecno-científico, que, por

sua vez, devastou culturas, dizimou tradições, reorganizou os territórios conforme os

10A tecnicidade tratada por Benévolo diz respeito a racionalidade na proposição urbanística quanto a ordenação

das normas urbanas de base pautadas na higiene. O higienismo é uma pauta doutrinária, do século XIX e o que

norteia é a propulsão dos governantes em dar maior atenção à saúde dos habitantes e das cidades. Muitos

arquitetos e urbanistas expuseram seus modelos urbanísticos baseados no higienismo, embelezamento e

remodelação estratégica, como Haussmann em Paris. “As carências higiênicas relativamente suportáveis no

campo, tornam-se insuportáveis na cidade, pela contiguidade e o número enormíssimo das novas habitações”

(BENÉVOLO, 1994, p.35).

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interesses das classes dominantes e reduziu o homem a um coadjuvante no processo de

produção do espaço, de modo que criou-se um paradoxo, pois, na tecnocracia11, ao homem há

uma multiplicidade de disposições, mas há também uma dificuldade do mesmo em realizar-

se, de fato, como ser humano, justamente porque não há um respeito à dignidade da

diversidade social, cultural, econômica e política que o circunda.

Segundo Cabral (2003, p.07), “na perspectiva da tecnocracia, os homens aparecem

como uma massa uniforme e desconfigurada. Nesta ótica, o homem não é um ser

singularizado, ele é como a massa é”, porém, vive de acordo com um padrão de

comportamento social sob a mesma utopia dos demais. Santos (1993, p.35) chama de “meio

técnico científico” ou tecnocracia, o “momento histórico no qual a construção ou reconstrução

do espaço se deu com um crescente conteúdo de ciência, de técnica e de informação” e

acrescenta que:

O fim do século XVIII e, sobretudo, o século XIX veem a mecanização do território:

o território se mecaniza. [...] Esse meio técnico-científico (melhor será chama-lo de

meio técnico-científico-informacional) é marcada pela presença da ciência e da

técnica nos processos de remodelação do território essenciais às produções

hegemônicas, que necessitam desse novo meio geográfico para sua realização.

(CABRAL, 1993, p.35-36).

Em consonância, Goytisolo (1977, p.40-41) explana que:

A tecnocracia é o exercício, no âmbito da economia, da indústria e do comércio, ao

nível do Estado ou da grande empresa, do poder de organização e de decisão mais

geral por um pequeno grupo de homens de formação técnica, que aceitam a

disciplina hierárquica, geralmente colocados sob a autoridade de um chefe. [...] A

tecnocracia se caracteriza pelo emprego dos métodos da ciência física para a solução

dos problemas sociais, e pela grande confiança na técnica da planificação para

regulamentar e desenvolver a economia.

A industrialização exigiu e favoreceu a urbanização na medida em que as cidades

passaram a abrigar as indústrias e consequentemente toda a mão-de-obra. Este novo cenário

tem como demanda a necessidade de satisfazer as condições de sobrevivência das classes -

burguesia e proletariado. Para tanto, a urbanização se traduz na imprescindibilidade da

inserção de infraestrutura, habitação e demais disposições que caracterizam a cidade

capitalista.

11 Cabral afirma que “devemos saber o que se entende por cracia, presente no termo tecnocracia, assim como a

democracia, burocracia etc. Este vem de um termo grego crátos. Geralmente o traduzirmos

por governo. Mas crátos diz mais que isto: diz poder, capacidade de controle, potência para ordenação. Assim,

a partir das considerações anteriores, temos o conceito de tecnocracia que diz: norteamento ou asseguramento da

relação homem – real tão somente através da perspectiva do controle, ordenação e exploração (da energia do

real). Isto quer dizer que a tecnocracia é muito mais do que o simples estar subjugado às máquinas. Mais que

isto: a tecnocracia é um modo humano de ser que encara o real tão – somente através do ideal de controle,

normatização, cálculo, dominação. Portanto, a tecnocracia coordena o modo de compreensão humana da

totalidade do real, onde este se apresenta como manancial de energia pronta para ser explorado pela vontade de

dominação humana.” (2003, p.6).

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Segundo Engels, a cidade industrial “é construída de um modo tão peculiar que

podemos residir nela durante anos ou entrar e sair diariamente dela, sem jamais ver um bairro

operário ou até mesmo encontrar um operário” (ENGELS, 2010, p.88).

Para Lefebvre (2008, p.80) “a urbanização e o urbano, contêm o sentido da

industrialização” e narra ainda que não há instrumentos teóricos que expliquem a

complexidade desse fenômeno. Choay (1992, p.50), por sua vez, afirma que “o urbanismo

científico é um dos mitos da sociedade industrial [...] porém esses modelos revelaram-se

poderosos instrumentos de ação, ao passo de que exerceram uma influência corrosiva nas

estruturas urbanas estabelecidas”. O rompimento das estruturas urbanas existentes e anteriores

à industrialização, bem como a segregação socioeconômica e espacial, representam o ápice da

urbanização capitalista, segundo Colosso (2016).

Lefebvre explana que, com “o aparecimento da grande indústria, a cidade (e a sua

capacidade interna-externa de associação, de concentração, de reunião) deixa para Engels e

Marx de figurar, como sujeito do processo histórico” (LEFEBVRE, 1972, p. 65). Isso ocorre

principalmente porque a industrialização rompe a trajetória histórica do homem e sua

utilização do espaço de forma natural para uma representação artificial, desconsiderando em

muitos casos a própria cidade e seu legado. Aliás, o espaço no sistema capitalista é um

produto de conflagrações e estampa essas ações no território ao ponto de que a forma com que

se dá a ocupação e o uso da terra expressam as desigualdades sociais, ou seja, é o reflexo da

divisão do trabalho e das classes.

A divisão da sociedade em classes implica diretamente no espaço e nas diversas

formas de apropriação do mesmo, tornando-o um espaço produtivo e/ou improdutivo de

forma a atender, sobretudo, os interesses do Estado, sejam na apropriação enquanto

propriedade e/ou na improdutividade enquanto atributo físico da natureza. Conforme

Lefebvre, o espaço apresenta-se de forma segregada, ao passo de que separa os indivíduos de

acordo com a ótica da classe dominante e seus interesses, uma vez que,

O modo de produção capitalista substitui a exploração rotineira da terra pela

aplicação tecnológica da ciência. [...] A completa urbanização da cidade, anunciada

e até começada antes do capitalismo (visto que a anterior situação é uma das

condições da nova sociedade, a sociedade burguesa), prossegue, portanto, e ganha

até aceleração do domínio de grande indústria, da burguesia e do capital. É um

processo revolucionário que transforma a superfície do globo e da sociedade. (1972,

p. 136)

Para Choay, do ponto de vista quantitativo, a revolução industrial é quase

imediatamente seguida por um impressionante crescimento demográfico das cidades e por

uma drenagem dos campos em benefício de um desenvolvimento urbano sem precedentes,

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uma vez que o aparecimento desse fenômeno se dá em função do nível de industrialização de

cada país. A seu ver, “Do ponto de vista estrutural, [...] as funções urbanas, contribuem para

romper os velhos quadros, frequentemente justapostos, da cidade medieval e da cidade

barroca” (CHOAY, 1992, p.04).

Nessa direção, o conceito de “urbanismo” é definido pela autora como:

[...] neologismo corresponde ao surgimento de uma realidade nova: pelos fins do

século XIX, a expansão da sociedade industrial dá origem a uma disciplina que se

diferencia das artes urbanas anteriores por seu caráter reflexivo e crítico e por sua

pretensão científica (1992, p. 26).

Choay retrata bem a forma urbana, as regras e os modelos comuns aos planos

urbanísticos decorrentes do processo de industrialização, de modo que sua abordagem passa

pela afirmação de que “a cidade industrial é urbana e a cidade é seu horizonte. [...] No entanto

fracassa na ordenação desses locais12” (1992, p.01). A autora questiona os modelos urbanos

elaborados pela classe dominante que se fundem às necessidades de um homem teórico (e,

portanto, abstrato) e não às necessidades do ser humano real. Como Lefebvre, Castells e

Santos, Choay dispõe sua maior crítica ao urbanismo enquanto uma ciência que

desconsiderou até mesmo a natureza da cidade, pois “cada cidade antiga, com suas

fisionomias e formas próprias, pode ser comparada a um livro com sua escrita particular, sua

linguagem “fechada”, em suma: seu estilo13” (CHOAY, 1992, p.53). Logo, a forma com que

se dá o processo de urbanização pode significar, segundo a autora, uma crise de identidade e

também cultural da sociedade presente no espaço no período de tempo anterior à

industrialização.

Santa Rosa, em conformidade com Choay, afirma que o urbanismo progressista

“reintroduziu o conceito grego de limite natural de crescimento para qualquer organismo ou

organização, restabelecendo, ao mesmo tempo, a medida humana da nova imagem de cidade”

(SANTA ROSA, 2002, p.42), na tentativa de “salvar a cidade” do congestionamento

populacional ocasionado pelo crescimento do processo de industrialização e consequente

abandono do campo. Essa intenção se traduziu na proposta de Ebenezer Howard acerca da

12 Para aprofundamento acerca da gênese do urbanismo, verChoay, 1992, p.1-34. 13Choay afirma que o espírito do urbanismo progressista tende a priorizar o futuro, o desenvolvimento e a

promoção e investigação das técnicas que têm caráter de previsão. Previsões demográficas e econômicas surgem

para fundamentar quaisquer planificações urbanas e a aplicação dessas técnicas permitiu os urbanistas

progressistas, elaborarem planos que, ao invés de respeitar as funções elementares de um homem real em sua

riqueza identitária e diversidade cultural, priorizou o “homem-tipo” (teórico e portanto, utópico). “É bem o caso

de uma verdadeira reviravolta metodológica.” (1992, p.51).

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descentralização das funções urbanas a fim de disciplinar o crescimento urbano seguindo um

critério racional.14

Choay exemplifica a cidade-jardim proposta por Howard em 1899, que comportava:

[...] 30.000 pessoas na zona urbana e 2.000 pessoas na zona agrícola. Na cidade

haveria 5.500 terrenos com uma superfície média de 6,5m x 44m, sendo que o

espaço mínimo é de 6,5m x 33m. Ao observar a arquitetura e as disposições variadas

das casas e dos grupos de casas – algumas têm jardins comunitários e cozinhas

cooperativas –, verificamos que a observância do traçado das ruas ou as formas

harmoniosas constituem os pontos principais no que se refere à construção, sobre as

quais as autoridades do município exercem controle, pois as preferências e gostos

individuais são amplamente encorajados , sem que se prejudiquem as disposições

sanitárias adequadas, que são estritamente impostas (CHOAY, 1996, p.223).

A autora aborda ainda a proposta de Tony Garnier, cujo espaço deveria obedecer a

uma divisão conforme as funções desempenhadas, bem como também ponderava a proposta

de Howard. Na cidade industrial de Garnier 15 , a indústria principal deveria ser uma

metalúrgica localizada fora da zona urbana e os bairros seriam locados um distante do outro

para que fosse resguardado a possibilidade de crescimento independente, tanto da indústria

quanto dos setores (bairros) urbanos, logo:

O terreno para ser construído nos bairros residenciais divide-se primeiro em ilhota de

150 metros no sentido leste-oeste e de 30 metros no sentido norte-sul; essas ilhotas

dividem-se em lotes de 15 metros por 15, sempre com um lado dando para a rua. [...]

A fábrica principal é uma metalúrgica. Minas localizadas nos arredores produzem a

matéria-prima e a força de trabalho é fornecida pela torrente. [...] Cada região é

disposta de tal forma que pode crescer independentemente e sem atrapalhar as outras

divisões. Em torno da aglomeração principal há outras aglomerações, fazendas de

exploração agrícola [...] e o trabalho é a lei humana [...] (GARNIER, 1992, p.165-

170).

Observa-se que tanto o modelo de cidade-jardim como o de cidade industrial previam

além de um baixo contingente populacional (30.000 e 35.000 habitantes, respectivamente),

uma localização da indústria fora da zona urbana. A diferença é que na cidade-jardim a

14 Choay explana que a ideia da cidade-jardim foi representada por Howard como um círculo dividido por seis

setores, delimitados por bulevares arborizados que partindo do centro vão até o perímetro externo. No núcleo do

círculo se localiza a sede da municipalidade. O conjunto todo poderia conter um total de 58.000 habitantes

considerando a área urbana e a de expansão urbana. Após esse número ser atingido, outras cidades-jardins

deveriam ser propostas nos mesmos moldes. Howard chamou esta ordenação do crescimento da cidade de

“constelação de cidades.” Ainda que a ideia de Howard não tenha sido concretizada, muitas premissas foram

abstraídas no planejamento das cidades inglesas, bairros norte americanos e em várias cidades de todo o mundo,

inclusive no Brasil, principalmente no caso das cidades-empresa, de acordo com Santa Rosa (2002). 15A cidade industrial proposta por Tony Garnier em 1904 se assemelha a proposta das cidades-jardim de Howard

no que diz respeito a limitação do crescimento das cidades e a ordenação do espaço conforme às funções. Em

sua proposta Tony Garnier acrescenta a indústria metalúrgica como a fonte de trabalho principal nesse modelo

de cidade e deveria ser implantada fora da zona urbana, bem como o hospital. Supõe-se que exista uma relação

estreita entre a cidade industrial de Garnier e as cidades-empresa no Brasil que por sinal em sua maioria,

apresentaram por um período (ou até hoje em alguns casos) uma siderúrgica ou metalúrgica sendo a principal

fonte de renda dos trabalhadores residentes na cidade. Para maior compreensão sobre a cidade industrial de Tony

Garnier, ver Choay (1992).

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indústria de pequeno e médio porte não definia a economia da cidade como na cidade

industrial proposta por Tony Garnier.

Essas características que compõem os princípios do urbanismo progressista foram

agrupadas de forma sistemática por Le Corbusier em 1933, no advento do IV Congresso

Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), realizado em Atenas e que culminou na

“Carta de Atenas16”. Segundo Choay, os temas em torno dos quais se organiza “a cidade

corbusieriana – classificação das funções urbanas, multiplicação dos espaços verdes, criação

dos protótipos funcionais, racionalização do habitat coletivo – pertencem ao acervo comum

dos arquitetos progressistas da mesma geração” (CHOAY, 1992, p.183), portanto,

É antes da Carta de Atenas, o primeiro manifesto do urbanismo progressista. Uma

cidade industrial tem como princípios diretores a análise e a separação das funções

urbanas, a exaltação dos espaços verdes que desempenham o papel de elementos

isoladores, a utilização sistemática dos materiais novos, em particular do concreto

armado. Os diferentes tipos de edifícios são padronizados: casa com átrio, pavilhões

escolares com um só nível [...] (1992, p.163).

Para Benévolo “a urbanística moderna [...] formou-se posteriormente, quando os

efeitos quantitativos das transformações em curso se tornaram evidentes e entraram em

conflito entre si, tornando inevitável uma intervenção reparadora17” (1994, p.09).

Lefebvre explana que o urbanismo é uma ideologia que tem dois aspectos solidários –

um mental e um social. “Mentalmente, ele implica uma teoria da racionalidade e da

organização. [...] Socialmente, formula todos os problemas da sociedade em questões de

espaço e transpõe para termos espaciais tudo que provêm da história, da consciência.”

(LEFEBVRE, 1969, p. 69). O urbanismo enquanto técnica e ideologia, nasce junto à

industrialização, a fim de satisfazer as necessidades da sociedade capitalista, de modo que a

cidade e o urbano só podem ser compreendidos através das instituições – fruto das relações de

classe e propriedade.

Nesse sentido, Goytisolo (1977, p.61) denota o processo que levou a técnica ao poder,

“como parte da inversão ou, melhor dito, da subversão completa do ato de conhecer”. Isso

porque, para o autor, a inteligência e o conhecimento se impõem sobre a realidade numa

caracterização de dominação do homem e da propriedade, de modo que a natureza é tratada

como objeto material e “o desenvolvimento econômico, o incremento da produtividade e a

16 A Carta de Atenas repousa-se na proposição de quatro funções básicas na cidade: habitação, trabalho,

recreação e circulação e através de premissas tende a criar um modelo de cidade ideal segundo a ótica dos

urbanistas. 17Para Benévolo, “as primeiras tentativas para corrigir os males da cidade industrial polarizaram-se em dois

casos extremos: ou se defendia a necessidade de recomeçar do princípio, contrapondo à cidade existente novas

formas de conveniência ditadas exclusivamente pela teoria, ou se procurava resolver os problemas singulares e

remediar os inconvenientes isoladamente, sem ter em conta as suas conexões e sem uma visão global do novo

organismo citadino” (1994, p.09).

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elevação do nível de vida, especialmente na massa consumidora, como temos dito, são os fins

que a tecnocracia afirma perseguir” (GOYTISOLO, 1977, p. 90).

Este tipo de labor da inteligência leva unida uma vontade de poder e não pode

menos que engendrar uma civilização de tipo técnico, na qual vemos que a

“sabedoria é eliminada”, tanto no sentido metafísico como no moral, em benefício

dos modelos diretores de todas as atividades humanas racionalmente capazes de

construir um mundo e uma humanidade novos. (1977, p. 82).

Lefebvre (2001) afirma que o urbanismo – uma espécie de ilusão - vai além da

organização espacial e exprime uma reestruturação das relações sociais, porém ao mesmo

tempo em que se propõe a organizar o espaço, vai de encontro às práticas sociais, ou seja,

substitui a práxis pelas representações do espaço, da vida social e de alguns grupos. Colosso

(2016, p.80) afirma que Lefebvre se debruça sobre a crítica ao urbanismo moderno por este

estar entre “conhecimentos e instituições cujo intento é compreender e organizar o

crescimento urbano e a constatação segundo a qual uma reforma urbana incide diretamente

sobre estruturas da sociedade existente”. Acrescenta ainda que o urbanismo ao qual Lefebvre

faz uma crítica radical é justamente o defendido pela Carta de Atenas, a qual pretende

determinar no contexto nacional a maneira devida em conceber e/ou intervir no espaço

urbano, além de como deve se dar as relações sociais.

Ainda segundo Colosso “a ideologia urbanística decorre em grande medida do fato de

o urbanismo se pretender a um saber cujas decisões são estritamente técnicas, portanto,

pautadas por um conhecimento científico independente do solo histórico-social no qual foi

erigido.” (COLOSSO, 2016, p. 82). Visto isso, Lefebvre e Castells ressaltam as falhas da

ideologia do urbanismo progressista por este não se debruçar na integração entre a “cidade

antiga” (anterior à industrialização) e o “urbano” (atrelado de forma concomitante ao processo

de industrialização) justamente porque a tecnocracia se apoia na racionalidade do Estado

altamente centralizado e não na identidade cultural inscrita no espaço “natural”.

Conforme o mito da tecnocracia cunhado por Lefebvre (2001, p.220)18:

18Lefebvre discorre sobre o mito da tecnocracia e afirma que “entre o grande público acredita-se os tecnocratas

fazem reinar a técnica “pura”. A pretensa tecnocracia não é tão nociva por sua ação real como pela sua imagem

que ela mesma dá à sociedade. Segundo esta imagem, a racionalidade social, enfim madura, já impera ou vai

imperar dentro em breve. Esta crença muito difundida na opinião “pública” resulta de uma propaganda: é uma

ideologia. Esta ideologia é o produto mental da tecnocracia, sua justificação, a compensação de sua impotência e

de sua incapacidade, sua contribuição real à ação do poder. [...] A ideologia da racionalidade tecnicista oculta a

não aplicação da técnica à vida prática. [...] Muito se escreveu sobre o “meio técnico” oposto ao “meio natural”.

Falou-se de “sociedade tecnicista”. Com essas formulações caindo um pouco no descrédito, os sociólogos as

substituíram por outras denominações que não valem mais que as primeiras: sociedade de consumo, de lazeres,

civilização da imagem, etc. [...] O mito da tecnocracia tem consequências que dependem, como ele mesmo, de

um estudo sociológico (LEFEBVRE, 1969, p.16-17).

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[...] os tecnocratas estão lá para dissimular o fato de que é um mínimo de tecnicidade

que é aplicada por toda parte. O público crê que se elabora soluções técnicas e que

há razões profundas para aceitá-las, para impô-las, mas na realidade há um mínimo

de tecnicidade em urbanismo e em arquitetura”.

Os urbanistas utilizam a técnica como álibi às suas decisões, portanto, o fundamento

em que ela se baseia é reducionista, visto sua dominação sobre o homem e toda a diversidade

sociocultural. A tecnocracia, para Andrade (1980), é expressa por uma forte capacidade de

transformação socioeconômica do estado, impondo não apenas os estímulos à

industrialização, mas também forjando um ambiente propício ao desenvolvimento do

capitalismo. De todo modo, Lefebvre (2001, p. 119) mostra que a tecnocracia é uma agressão

ao homem e toda a sua construção histórica, já que todas as ações urbanas estão vinculadas ao

Estado, que, para o autor, é o “centro de decisões das classes dominantes”. Para o autor “a

tecnocracia somente deixará de ser um mito quando tiver uma outra política e que se colocará

toda a técnica a serviço da realidade, ao serviço da vida social, da vida cotidiana.”

(LEFEBVRE, 2001, p. 221).

Alexander aborda os planos urbanísticos progressistas e protesta contra o traçado

rígido das vias e dos lotes “como se toda cidade se propusesse a ser igual às demais e se todo

homem possuísse as mesmas necessidades” (ALEXANDER, 1967, p.24). Acrescenta ainda

que as cidades “naturais” possuem riqueza nas formas ecológicas porque são produto das

práticas sociais e faz, entretanto, uma analogia entre o espaço e a concentração de pessoas,

pois nos planos urbanísticos progressistas não há interlocução com a escala, porque a cidade

é segregada justamente para determinar as porções que podem ser ocupadas segundo a

hierarquia de classe fundamentada na renda.

Lefebvre conclui sua crítica à cidade moderna, apontando que “a direção de um novo

humanismo é que devemos tender e pelo qual devemos nos esforçar, isto na direção de uma

nova práxis, e de um outro homem, o homem da sociedade urbana.” (LEFEBVRE, 2008, p.

108). O autor destaca a emergência de um projeto político de reforma urbana e a implantação

de projetos urbanísticos bem desenvolvidos com a inserção da participação popular na

elaboração e a (re)apropriação do espaço, sem que seja, no entanto, imposto pelas clivagens

ideológicas progressistas sob as quais o indivíduo é designado somente o ato de trabalhar (e

produzir), habitar, recrear e circular. Colosso aponta que Lefebvre não oferece “referências

concretas de um urbanismo renovado, mas aponta para fenômenos históricos nos quais

estavam presentes e superpostos [...] um quadro de restituição da vida urbana densa e

participativa” (COLOSSO, 2016, p. 87).

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Em consonância Harvey, esse autor traz para a discussão o direito à propriedade, cuja

terra no sistema capitalista se inscreve na ótica do valor de troca (na maioria dos casos a terra

é artifício de especulação imobiliária e, portanto, não desempenha sua função de uso no

espaço) e concentra-se, sobretudo, nas mãos dos agentes imobiliários e/ou fundiários. O autor

salienta a atuação de figuras políticas que reestruturam as cidades e legislações de modo a

favorecerem a si mesmos e/ou agente imobiliários, pois “o direito à propriedade como hoje

existe, como se constitui atualmente, encontra-se muito mais estreitamente confinado, na

maior parte dos casos, nas mãos de uma pequena elite política que se julga capaz e com

condições de moldar a cidade” (HARVEY, 2014, p.63).

Ao abordar os investimentos em infraestrutura, Harvey critica a forma com que se dá a

construção do ambiente construído de forma separada da moradia, já que a unidade

habitacional é tratada como se fosse algo secundário no espaço, pois os princípios

progressistas se voltam exclusivamente para a organização do meio “artificial” de forma

metódica. Segundo o autor, as classes dominantes tensionam o processo urbano, permitindo

que a dinâmica da ocupação espacial esteja completamente submersa aos interesses

econômicos e políticos. Por outro lado, a classe trabalhadora também impõe sua força no

espaço a fim de garantir seus interesses sociais e de justiça na ocupação do solo, de forma que

cabe ao Estado conciliar os interesses conflitantes. Harvey aprofunda sua crítica ao remeter a

dominação capitalista não só sobre os aparelhos do Estado, mas também sobre populações

inteiras, bem como seus estilos de vida, visões do mundo e o próprio espaço, tanto que abre

uma discussão sobre a criação de bens comuns urbanos19. Para o autor, “o ambiente e a

atratividade de uma cidade, por exemplo, é um produto coletivo de seus cidadãos, mas é o

mercado turístico que capitaliza comercialmente esse comum de modo a extrair rendas de

monopólio” (HARVEY, 2014, p. 146).

Choay elucida algumas teorias baseadas na polística20 e afirma que “compreender os

fatores geográficos e históricos da vida de nossas cidades é o primeiro estádio de

19 Harvey aborda a criação dos bens comuns urbanos em oposição às profundas ondas de privatizações,

cercamentos, conflitos espaciais e vigilâncias ostensivas que inibem novas formas de relações sociais (novos

bens comuns) em um processo influenciado quando não dominado por interesses de classes dominantes. Para o

autor o “comum” não pode ser cercado, vendido e nem mesmo considerado uma mercadoria, ou seja, a exemplo

a terra não pode ser vista na visão do autor, como fontes de renda de monopólio. Para maior compreensão, ver

Harvey (2014). 20 Segundo Choay, “enquanto ciência a polística é o ramo da sociologia que trata das cidades, suas origens, sua

distribuição, de seu desenvolvimento e estrutura, de seu funcionamento interno e externo, material e mental, de

sua evolução, particular e geral. Do ponto de visa prático enquanto ciência aplicada, a polística deve

desenvolver-se pela experimentação, e tornar-se assim, uma arte cada vez mais eficaz, suscetível de melhorar a

vida da cidade e de contribuir para a sua evolução.” (1992, p. 274). A autora ainda cita boas práticas urbanas

expressas pelas teorias de Patrick Geddes (1854-1932), Marcel Poète (1866-1950), Lewis Mumford (1895-1990)

e Jane Jacobs (1916-2006).

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compreensão do presente, e uma etapa indispensável de qualquer tentativa de previsão

científica do futuro, para que se evitem os perigos da utopia” (CHOAY, 1992, p. 274).

Jacobs, por sua vez, apresenta um estudo minucioso na abordagem do espaço urbano

como um organismo, cuja boa funcionalidade propicia a dinamização e a defesa da

diversidade. A autora se opõe aos projetos urbanísticos propostos na sociedade moderna, pois

a forma como são dispostos os modelos altamente técnicos, contribuem definitivamente para a

não apropriação dos espaços públicos e comum nas áreas urbanas, além de criar elementos na

paisagem as quais ela denomina como fronteiras e é onde estão localizados bairros

decadentes. Em contrapartida, a autora debate os projetos de revitalização enquanto “projetos

dos projetos”, ou seja, projetos urbanos que tendem a resolver questões criadas pelos projetos

altamente técnicos vistos nas sociedades modernas dando, contudo, referências de boas

práticas como a reintegração“. Raskin, em seu ensaio sobre a variedade afirmou que a maior

falha do zoneamento é permitir a monotonia. Acho que é isto mesmo. Talvez a segunda seja

que o zoneamento ignora a proporção de uso […] ou a confunde com tipo de uso […]”

(JACOBS, 2011, p.262). De todo modo, o espaço urbano é o produto das forças políticas e

econômicas atuantes no meio e o Estado tem como prerrogativa promover o desenvolvimento

econômico do país, atuando, para tanto, em prol da justiça social.

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2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO URBANO-INDUSTRIAL NO BRASIL E EM

MINAS GERAIS

Este capítulo tem como ponto de partida a formação urbano-industrial no Brasil e traz

à luz uma contribuição ao debate acerca dos impactos socioeconômicos e populacionais de

grandes projetos industriais em meio urbano que por sua vez, contaram com forte sustentação

política da instância governamental para a implantação dos mesmos. Essa discussão faz-se

necessária principalmente no estado de Minas Gerais uma vez que a urbanização mineira foi

alavancada a partir da instalação da indústria no território, tornando o espaço, um lócus da

produção e do poder que quase se confundem.

2.1 A formação urbano-industrial no Brasil: uma breve contextualização

Historicamente, a massiva parte das cidades preexistiram à implantação das indústrias

e, embora os processos de industrialização e urbanização sejam relacionais e concomitantes,

somente em meados do século XIX de maneira muito lenta, iniciou-se o processo de

industrialização no Brasil. Porém, de acordo com Cano (2007, p.50):

[...] deve-se lembrar que a implantação industrial anterior a 1930 não pode ser

chamada a rigor, de “processo de industrialização.” Ela foi na verdade, induzida pelo

setor exportador. Só a partir de 1933, quando a economia nacional se recupera da

crise e o movimento de acumulação industrial é o motor determinante da economia,

é que se pode falar em industrialização.

Busca-se nesta seção, constituir um campo de discussão acerca das condições das

cidades brasileiras quanto à inserção das indústrias sem, no entanto, necessariamente traçar

um levantamento da evolução urbana ou sistematizar os períodos de industrialização no

Brasil21.

Ianni (1996) faz uma análise das políticas de Estado para o desenvolvimento

econômico do Brasil e limita o período em 1930 a 1970 demarcando principalmente a crise de

1929, pois a “derrota ainda que parcial das oligarquias dominantes até então, pelas novas

classes sociais urbanas, [...] exprimiu as rupturas estruturais a partir das quais se tornou

possível reelaborar as relações entre o Estado e a sociedade” (IANNI, 1996, p.13).

O início da década de 1930 expressou uma mudança política, social e, sobretudo

econômica, cuja transição de uma base agroexportadora para industrial compôs paralelamente

21 Para maior aprofundamento sobre o processo de industrialização no Brasil, sugere-se a leitura de Furtado

(1963) e Ianni (1996).

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uma economia constituída de certa vulnerabilidade justamente porque a atividade cafeeira de

cunho exportador dependia totalmente do mercado externo.22

A aproximação da indústria junto às cidades de acordo com a necessidade de busca

pelas condições essenciais à produção – seja pela mão-de-obra barata e abundante, cujo

trabalho anterior desempenhado era fundamentalmente agrícola, seja pela diversificação

imprescindível da economia, impulsionou o governo brasileiro a adotar uma série de medidas

socioeconômicas e institucionais, firmando uma nova fase entre o Estado e o sistema político-

econômico com inclinação para a industrialização.23

Conforme Bonduki (1998, p.96):

[...] o Estado brasileiro passa a intervir tanto no processo de produção como no

mercado de aluguel, abandonando a postura de deixar a questão da construção,

comercialização, financiamento e locação habitacional às “livres forças do mercado

que vigorou até então. Esta nova postura do Estado brasileiro na questão da

habitação é parte integrante da estratégia muito mais ampla, colocada em prática

pelo governo Vargas, de impulsionar a formação e fortalecimento de uma sociedade

de cunho urbano-industrial, capitalista, mediante uma forte intervenção estatal em

todos os âmbitos da atividade econômica.

Diniz (1978, p.51) acrescenta que:

A presença do Estado se justificava, em primeiro lugar, pela incapacidade dos

grupos nacionais privados em termos de capacidade financeira e técnica para

projetos de tal envergadura. Em segundo, pela incapacidade ou desinteresse do

capital estrangeiro, em função das crises políticas e econômicas decorrentes da

Primeira Guerra, da crise de 1929 e da emergência da Segunda Guerra, que

dificultaram e reduziram os investimentos diretos no estrangeiro, e finalmente pela

ideologia nacional-desenvolvimentista conjugada com segurança nacional, de

parcela da elite governamental e do exército.

Todavia, Piquet traz uma informação preciosa para reflexão, pois ainda que o governo

tenha apresentado interesse em desenvolver a economia através da indústria, o mesmo não

dispunha de conhecimento suficiente e práxis para lidar nem com a industrialização

completamente descapitalizada e nem com os projetos urbanos de larga escala que essa fase

requeria, logo “[...] todos os serviços urbanos de grande vulto – estradas de ferro, serviços de

22 Conforme Oliven, a formação de um modo de produção urbano-industrial capitalista no Brasil está ligada ao

enfraquecimento da economia colonial e ao surgimento de uma economia de mercado. (2010, p. 58). Em outras

palavras, a crise de 1929, onde a economia mundial foi fortemente abalada, contribuiu diretamente para a

Revolução de 1930 no Brasil tendo como marco o fim da oligarquia cafeeira, uma vez que os EUA diminuiu a

compra do café brasileiro e com isso os preços caíram, o que denota um enfraquecimento político que

sobrepunha a transição dos cafeicultores para o setor industrial. Essa situação segundo Piquet, seu início ao

“debate sobre a necessidade de desenvolvimento do setor de insumos básicos e da ampliação da infraestrutura de

apoio ao setor industrial.” (1998, p.25). 23 A título de complementariedade, o Presidente da República, Getúlio Vargas esteve à frente do Brasil de 1930 a

1945 e durante seu governo uma nova fase econômica do país culminou em 1937 no intervencionismo, que é a

interferência do governo na economia. Para maior aprofundamento das informações, ver Forjaz, 1984.

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água, esgoto, instalação de luz elétrica, telégrafo – eram operados por firmas privadas24”.

(PIQUET, 1998, p.17).

Segundo Oliveira (1982) as relações entre o Estado e a sociedade podem ser vistas de

diversos prismas nesse período do país, principalmente no que compete a atuação do Estado

na regulação de relações sociais de produção descritas pelo autor como Revolução burguesa.

A Revolução burguesa é a afirmação das liberdades. No Brasil, desde 30, a

Revolução burguesa nasce aparentemente negando as liberdades individuais. Em

outras palavras, regulando as relações capital-trabalho desde o princípio, o que é

uma negação dos chamados direitos individuais, dos chamados direitos burgueses,

mas é sem o recurso abusivo à dialética, à negação da negação. É a negação do

direito de livre contratação por parte do operário, mas é a afirmação do direito de

contratação por parte do capitalismo. Por outro lado, é o que tem levado muita gente

ainda a pensar no caráter corporativista do Estado brasileiro, a Revolução de 30 vai

também negar certas liberdades das antigas oligarquias regionais, por exemplo, ela

retira o que começa a ser um processo centralizado no Brasil – das oligarquias

regionais fundadas em cada província, certos poderes de regulação da atividade

econômica, ela retira o poder de legislação sobre o comércio externo e sobre o

comércio interno , o que denovo é aparentemente uma Revolução burguesa que

nasce negando liberdades, mas na verdade ela, pela negação, afirma a liberdade do

novo agente social proeminente, que é o capitalista industrial. (OLIVEIRA, 1982, p.

45).

O autor afirma que “é evidente que a industrialização vai redefinir o que é esse urbano

exatamente porque ele passa a ser a sede não só de aparelhos burocráticos do Estado quanto

do capital comercial, passando a ser a sede do novo aparelho produtivo que é a indústria.”

(OLIVEIRA, 1982, p.38). O urbano, portanto, se traduz como a intervenção do Estado nas

relações capital-trabalho, cujo lócus ideal é a cidade.

[...] quando a industrialização começa a ser o motor da expansão capitalista no

Brasil, ela tem que ser simultaneamente urbana e, tem que ser fundamentalmente

urbana porque não pode apoiar-se em nenhuma pretérita divisão social do trabalho,

no interior das unidades agrícolas. [...] A indústria no Brasil ou seria urbana ou teria

muito poucas condições de nascer. Esse é na verdade o maior determinante do fato

de que a nossa industrialização vai gerar taxas de urbanização muito acima do

crescimento da própria força de trabalho empregada nas atividades industriais.

(OLIVEIRA, 1982, p. 42).

Conforme Alves (1990) a demanda de mão-de-obra e a necessidade de se implantar

infraestrutura e serviços urbanos são fatores determinantes no processo de industrialização e o

grau de internalização, ou seja, uma incorporação ao meio altera-se conforme a localização;

logo em grandes aglomerações urbanas como é o caso das regiões metropolitanas, os

24 Piquet cita como exemplos “a Light and Power, organizada no Canadá com capitais ingleses e que concentrou

a maior parte dos serviços públicos de gás, água, esgoto, luz, energia elétrica, transportes urbanos e telefones de

São Paulo, Rio de Janeiro e regiões circunvizinhas. A Electric Bond and Share (maior truste mundial de

produção e distribuição de energia elétrica), cuja subsidiária controlava esses serviços para a Bahia, parte de

Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.” (PIQUET, 1998, p. 18). Observa-se, portanto, que o

Estado não possuía uma tradição para lidar com esses setores e nem tecnologia suficiente disponível, então a

solução foi implantar os empreendimentos industriais brasileiros junto à área de abrangência dos serviços

prestados por essas empresas estrangeiras de modo a dispor de infraestrutura necessária à produção, ou seja,

pequenas oficinas podiam estar localizadas em diversos pontos do território, ao contrário das grandes indústrias.

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impactos tendem a apresentar um maior grau de internalização e em núcleos urbanos pouco

articulados ocorre o contrário, o que por muitas vezes os sujeita a enclaves25.

Em meados da década de 1930 a produção no país era composta basicamente por bens

de consumo popular. No cerne do modo de produção capitalista esse mecanismo figura a

perspectiva da acumulação de capital, onde os próprios trabalhadores além de produzirem

bens são consumidores dos mesmos e adquire-os através do seu salário.26Além disso, os

trabalhadores oriundos das atividades agrícolas tiveram que se conformar às especificidades

da indústria, que progressivamente passou a dominar o mercado de trabalho em paralelo a

uma acentuada queda da participação do setor agrícola.

O Estado que desde o início da década de 1930 era definido como nacional-

desenvolvimentistas e colocou como instrumento de promoção de acumulação de capital,

inseriu o país no sistema capitalista e estabeleceu condições para debater outras formas de

desenvolvimento, dadas sob a articulação de uma base composta por empresa pública,

empresa privada nacional e capital internacional.27

De acordo com Souza, a segunda Guerra Mundial favoreceu o desenvolvimento

econômico no país, pois o conflito amparou a assinatura de um termo firmado com os EUA

onde “pelo decreto 3.002, de 30 de Janeiro de 1941, foi autorizado a constituição da

Companhia Siderúrgica Nacional e o Ministério da Fazenda a subscrever, pelo Tesouro

Nacional, a parte necessária à integralização do capital da sociedade.” (SOUZA, 1985, p. 43).

O referido acordo firmado contribuiu para que a exportação do minério de ferro fosse

prioritária para os EUA e a Inglaterra, que se apresentavam como potências bélicas.28

Haja vista, Piquet analisa a implantação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e

afirma que “o plano urbanístico, de alto padrão, reproduz na estruturação urbana a hierarquia

funcional da usina, criando espaços estratificados por categoria funcional e padrão salarial”

(PIQUET, 1998, p.26), o que foi replicado em tantos outros projetos urbanísticos posteriores.

25 Enclave aqui é conceituado como a ausência de ligação entre a atividade exportadora e os outros setores da

economia, falta de encadeamento, relações, ações conjuntas. 26 Em meados da década de 1930, ocorre no Brasil a regulamentação das leis trabalhistas e o estabelecimento do

salário mínimo e cabe ao trabalhador administrar sua sobrevivência. Por sua vez ao Estado competia, por

exemplo, a promoção da aposentadoria e a assistência à saúde. Oliven (2010) aponta que a promulgação das leis

trabalhistas configurou também através de uma cultura política paternalista, a manutenção da classe trabalhadora

sob domínio e controle. 27 Para Gonçalves (2012) o nacional-desenvolvimentismo pode ser definido como um projeto de

desenvolvimento econômico consolidado no nacionalismo, no intervencionismo estatal e na industrialização

substitutiva de importações. 28Por ser uma obra prioritária para as potências bélicas, Souza (1985) expõe que no fim de 1945, 80% das obras

da usina já estavam concluídas. Em 1946 iniciou-se a produção de coque siderúrgico e a operação dos altos-

fornos e aciaria, e em 1948iniciaram-se as operações do setor de laminação.

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Santos (1993) acrescenta que, neste mesmo período, houve uma considerável

integração do território brasileiro visto a viabilidade da conexão das estradas de ferro até

então desconectadas na maior parte do país, junto à construção de inúmeras estradas de

rodagem.

Segundo Piquet (1998, p.25):

A entrada do país na produção de insumos básicos nas décadas de 40 e 50

significou, na verdade, o início da implantação em território nacional da grande

siderurgia e da produção cimenteira em larga escala, o que veio a representar um

passo decisivo do país em seu ingresso na categoria de nação industrializada, já que

a siderurgia se relacionava à solução dos problemas de transporte interno

(ferroviário) e ao desenvolvimento dos demais setores industriais.

Santos afirma que o termo industrialização não pode ser tomado no sentido estrito de

implantações industriais. O autor entende que até a década de 1950 o termo industrialização

deve ser expresso “como processo social complexo que tanto inclui uma formação de um

mercado nacional, quanto os esforços de equipamentos do território para torná-lo integrado”

(1993, p.27). Esse processo impulsiona a vida urbana e ativa a realização da urbanização

ultrapassando o nível regional para situar-se na escala de país.

Em conformidade Piquet explana que a partir da década de 1950 nota-se com maior

clareza uma aglomeração urbana e “a concentração industrial nascente já impõe sua marca nas

principais cidades brasileiras, que passaram a apresentar mudanças na sua estruturação

interna. Já se distinguiam a localização e fisionomia dos bairros operários,” (PIQUET, 1998,

p.20) de modo que em função da divisão do trabalho nas indústrias e a segregação social em

função da renda a que esses trabalhadores eram submetidos, desenvolveram entre si laços de

solidariedade de classe. Importante frisar que essa segregação além de social, remonta-se

também ao uso do solo e à ocupação espacial.

Neste período, o Brasil tendo à frente o Presidente da República Juscelino Kubitschek,

debruçou-se sobre a ideologia desenvolvimentista e de crescimento iniciada na década de

1930. Essa ação governamental justificou e legitimou a orientação do gasto público em

benefício de grandes empresas cujo desempenho permitiria ao país alçar expressivo aumento

nas exportações. A fim de proteger a indústria nacional através da criação da Lei Tarifária

como forma de incentivar o empresariado nacional, o governo criou também a oportunidade

para que o capital estrangeiro adentrasse na economia do país, o que propiciou um

crescimento do setor industrial e dinamizou a economia brasileira.

Nesse viés, salienta-se que as cidades ainda eram incipientes em infraestrutura e as

implantações de indústrias de grande porte em áreas centrais urbanas eram inviáveis,

justamente porque estas não dispunham de um ambiente construído potencial à produção. No

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caso de Minas Gerais, cabe reter a informação de que uma variáveis negativas era a falta de

energia elétrica. Por esse motivo, as grandes indústrias se instalavam em áreas isoladas,

relativamente próximas às matérias primas e se responsabilizam pela estruturação do espaço

de modo a favorecer e viabilizar a sua respectiva produção.

Piquet (1998) acrescenta que as áreas as quais as indústrias se instalavam eram

desprovidas de serviços público se estrutura espacial suficientes para acolher o grande

contingente populacional que migravam para essas regiões em busca de trabalho. Em

contrapartida, as empresas buscavam estar próximas às matérias-primas necessárias à

produção mesmo que essas regiões estivessem localizadas distante das capitais brasileiras.

Esse fato, somado a grande necessidade de mão-de-obra para a produção, fez com que as

empresas assumissem a responsabilidade pela provisão de moradia aos trabalhadores,

implantação de serviços públicos urbanos e toda a estrutura urbana necessária.

Segundo Vianna tanto no Brasil como na Europa as vilas operárias eram construídas

sob duas modalidades distintas: como assentamento habitacional, patrocinado por empresas e

voltado a seus funcionários (vila operária da empresa) e a habitação promovida por

investidores privados e voltada ao mercado de locação (vila operária particular).O autor

afirma ainda que “algumas vezes, essas habitações confundiam-se com o espaço urbano

existente, já que possuíam as mesmas características físicas” (VIANNA, 2004, p.7), mas não

era uma regra, pois de acordo com Alexander (1967), no Brasil a maioria das áreas planejadas

pelas empresas na acolhida de seus trabalhadores não possuem vinculação estética com a

arquitetura intrínseca ao espaço “natural”.

Bonduki explana que “[...] muitas empresas criaram não só vilas, mas verdadeiras

cidadelas, porque se estabeleciam em locais isolados, onde inexistia mercado de trabalho ou

cidades capazes de concentrar trabalhadores e oferecer o mínimo de serviços e equipamentos

urbanos.” (BONDUKI, 1998, p.47).

Piquet analisa a construção das moradias operárias pelas empresas e conclui que:

De fato, como controle da fábrica e da vila pertencia ao mesmo agente social, a vida

operária nessas vilas era um prolongamento da rígida disciplina imposta pelo regime

de trabalho fabril. A proximidade da produção e da reprodução assegura a

assiduidade dos operários, assim como a sua pontualidade. (PIQUET, 1998, p. 22).

As vilas quando bem-sucedidas figuravam uma nova possibilidade também aos

membros do alto escalão da empresa ou pessoas designadas e controladas pela mesma, que

era a de representante político uma vez que os trabalhadores e seus familiares compunham

uma “espécie de clientela eleitoreira” e por meio disso, a empresa muitas vezes tinha uma

forte representação no Poder Público. Essas relações que as empresas mantinham com as vilas

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operárias firmavam-se na garantia de mão-de-obra necessária à produção e um alto controle

sobre a força de trabalho em virtude das ações paternalistas existentes, como por exemplo, a

provisão de moradia, além de revelar intrinsecamente uma dominação política e ideológica.

Importante citar que conforme Pettersen (2007) entre as décadas de 1940 e 1950, os

trabalhadores deixaram de associar a empresa à figura do empresário enquanto pessoa física

para associá-la ao caráter de instituição, pela razão que a mesma não somente representava

um vínculo empregatício, como previa também através do Estado toda a estrutura necessária à

sobrevivência e a manutenção da mão-de-obra.

À medida que a industrialização se tornava mais presente na paisagem urbana

brasileira, o processo de urbanização avançava nos territórios em comunhão com a

implantação das indústrias e se de um lado o Estado foi parceiro da classe burguesa a fim de

atender os interesses voltados ao desenvolvimento econômico do país, foi também atuante

junto à classe trabalhadora, principalmente na provisão de moradia, trabalho e serviços

públicos29.

Nesse ínterim, Oliveira é enfático ao explanar que o urbano a partir da década de

1950 se reveste da expressão das classes dominantes e em alguns momentos é o ponto de

coalizão conforme os interesses.

Essa industrialização passa a ser agora um espaço privilegiado de expansão das

empresas internacionais, das empresas capitalistas mais poderosas dos países

centrais. Isso leva à consequências muito importantes: o Estado vai suprir certas

necessidades porque a debilidade de acumulação das burguesias nacionais, do ponto

de vista de poder centralizador e não do ponto de vista do tamanho do excedente,

tornam o Estado um ente capaz pela sua força extra econômica, de realizar esse

processo de centralização dos capitais – o que já é em si mesmo, um primeiro

sintoma de que estamos em presença da implantação de um estilo de capitalismo

monopolista nas economias periféricas. (OLIVEIRA, 1982, p. 49).

Segundo Bonduki “[...] a concepção da habitação como serviço público [...] é um dos

indicadores da relação entre projetos de habitação social e a perspectiva de transformação

social dominante baseada na estatização dos meios de produção e dos equipamentos

coletivos” (1998, p.74).

Nessa direção Piquet (1998) aponta como exemplos a CSBM (Companhia Siderúrgica

Belgo Mineira) que em 1934 promoveu um concurso para o projeto da cidade de João

Monlevade em Minas Gerais; a CSN que entre 1941 e 1945 construiu uma usina e uma cidade

29 Segundo Poggi (1981, p.126), o “Estado liberal foi construído para favorecer e sustentar, através de seus atos

de governo, a dominação da classe burguesa, sobre a sociedade como um todo.” Para essa pesquisa não se

considerou essa afirmação que incide diretamente na análise de que todas as políticas sociais são direcionadas

como um artifício de dominação da burguesia sobre os trabalhadores. A atuação do Estado aqui é vista como

uma estrutura mediadora e de equilíbrio dos diversos interesses e por mais que a industrialização gere lucro aos

donos dos meios de produção, gera trabalho para a classe trabalhadora e possibilita que junto à urbanização, as

classes “dominadas” tenham melhoria na qualidade de vida.

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simultaneamente em Volta Redonda; a CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) que em 1942

se instalou em Itabira e elevou a população a 120 mil habitantes em 1986 e por fim a

Usiminas, construída a partir de 1958 e inaugurada em 1962 cuja concepção do modelo

urbanístico se volta ao conceito de cidade aberta30.

Para Santos, o período do regime militar no Brasil (1964-1985) foi um marco no

desenvolvimento do país, já que o governo militar criou condições para uma rápida integração

produtiva elevando-o a um movimento de internacionalização, seja para atender um mercado

consumidor em célere expansão, seja para responder uma demanda exterior. De todo modo o

Brasil se tornou nesse momento um país exportador em ascensão, tanto de produtos agrícolas

não tradicionais, quanto de produtos industrializados, pois “a população aumentada, a classe

média ampliada, a sedução dos pobres por um consumo diversificado e ajudado por sistemas

extensivos de crédito, serviram como impulsão à expansão industrial.” (SANTOS, 1993,

p.36).

O Estado concentrou esforços que favorecessem a implantação das indústrias no

território e as condições gerais da produção, ou seja, através das empresas estatais interveio e

impulsionou o desenvolvimento econômico no país e promoveu a inserção da infraestrutura

nas cidades de forma a acolher os trabalhadores.

Santos assevera que a ação de desenhar o espaço direciona os interesses do grande

capital, isso porque “o meio técnico-científico é o terreno de eleição do capitalismo maduro, e

este também dispõe de força para criá-lo. São duas faces da mesma moeda.” (SANTOS, 1993,

p. 40). A partir desse momento, constroem-se as estradas de rodagem de primeira ordem e o

Brasil passou a ser amparado por uma rede de circulação que facilitava, sobretudo, o

escoamento da produção, o que representou entre as décadas de 1960 a1980 um

desenvolvimento enorme em serviços urbanos31.

30 O conceito de “cidade-aberta” se volta à acomodação no espaço tanto de trabalhadores com vínculos com a

empresa e residentes nas unidades habitacionais que a mesma proveu aos seus funcionários, como quaisquer

indivíduos que quisessem residir nas áreas planejadas, desde que qualquer obra que fosse realizada nos

complexos residenciais deveria recebesse a aprovação de um Departamento de Habitação e Urbanismo da

empresa, órgão criado por Hardy Filho em 1965. 31 Conforme Santos, “o consumo de energia dos 24.000 megawatts em 1965, passou para 160.000 em 1984. [...]

De quase 5.000.000 passageiros transportados por meio de rodovias em 1970, alcançamos mais de 11.000.000

em 1980. Eram 3.800.000 automóveis circulando em 1973, são 10.500.000 em 1981. Modernizam-se os correios

e cria-se um moderno sistema de telecomunicações, através de ondas e, depois, dos satélites; difunde-se o

telefone, implanta-se o telex e novas formas de movimentos de valores, de dinheiro, de capitais, de ordens,

mensagens, etc. Em 1974, os correios transportavam cerca de um bilhão de objetos, enquanto em 1982 são mais

de quatro bilhões. Em 1961, havia 1.100.000 telefones instalados, em 1971 ainda eram 1.760.000, mas em 1987

o país já conta com 11.600.000 aparelhos instalados. É assim que, além da integração do território que já se

esboçava no período anterior, agora também se constroem as bases de uma verdadeira fluidez do território. O

espaço torna-se fluído, permitindo que os fatores de produção, o trabalho, os produtos, as mercadorias, o capital

passam a ter uma grande mobilidade.” (1993, p.37).

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O autor conclui que:

Durante, praticamente, três séculos e meio, o território brasileiro conheceu uma

utilização fundada na exploração dos seus recursos naturais pelo trabalho direto e

concreto do homem, mais do que pela incorporação de capital à natureza que,

durante esse tempo, teve um papel relevante na seleção das produções e dos homens.

Nos cem anos que vão da metade do século XIX à metade do século XX, algumas

áreas conhecem a implantação de um meio técnico, meio mecanizado, que altera a

definição do espaço e modifica as condições do seu uso (SANTOS, 1993, p. 45).

Segundo Ianni (1996) a década de 1970 foi caracterizada por investimentos de grande

porte focados na extração de recursos minerais, infraestrutura energética, transporte e

comunicação. Em contrapartida, as regiões do Brasil apresentaram em 1980, uma organização

territorial e urbana marcada pela disparidade entre os índices regionais de urbanização como

demonstra a Tabela 01.

Tabela 1- Taxas Regionais de Urbanização Regiões 1940 (%) 1960 (%) 1980 (%)

Norte 27,75 37,80 51,69

Nordeste 23,42 34,24 52,44

Sul 27,73 37,58 62,41

Sudeste 39,42 57,36 82,79

Centro-Oeste 21,52 35,02 67,75

Fonte: Santos (1993). Urbanização no Brasil. Adaptado da autora

Santos aborda que a região Sudeste que em 1940 já era considerada a região mais

urbanizada do país principalmente em termos de transporte, atingiu, em 1980, a margem de

82,79% do seu território urbanizado e relaciona a urbanização junto a implantação dos

serviços públicos, pois, “enquanto o território não é unificado pelos transportes e

comunicações e pelo mercado, a urbanização não se torna um fenômeno generalizado sobre o

espaço nacional.” (SANTOS, 1993, p.57). Há questões mais profundas a serem abordadas

sobre a região Norte do país e embora não caiba aqui uma discussão mais ampla, vale reter

que essa região deve sua urbanização até a década de 1980 aos acontecimentos históricos e

sobretudo à exploração da borracha, porém a baixa densidade econômica e demográfica

impossibilitou o surgimento de núcleos urbanos com maior consistência de urbanização.

A tabela 02 mostra os índices de contingente populacional nas décadas de 1950, 1960

e 1980 e as taxas de crescimento que podem ser atribuídas à transformação econômica e

política iniciada em 1964, com ápice na década de 70, cujo período apresenta grandes

alterações de ordem quantitativa e qualitativa.

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Tabela 2 - Crescimento da população urbana brasileira nas regiões entre as décadas de

1950, 1960 e 1980 Localidades 1950 1960 1980 1980/1950 1980/1960

Brasil 18.782.981 32.004.817 82.013.375 4,36 2,52

Norte 580.867 983.278 3.102.659 5,34 3,15

Nordeste 4.744.808 7.680.681 17.959.640 3,78 2,34

Sudeste 10.720.734 17.818.649 43.550.664 4,06 2,44

Sul 2.312.985 4.469.103 12.153.971 5,25 2,71

Centro-Oeste 423.497 1.053.106 5.246.441 12,39 4,98

Fonte: SANTOS (1993). Adaptado pela autora

A região Sudeste conforme a tabela 2, apresenta em 1980 um aumento na população

em torno de quatro vezes se comparado a década de 1950. Santos relaciona esse aumento com

o processo de industrialização, pois segundo o autor 85% das empresas nacionais estavam no

Sudeste, porém cabe citar que em 1985 apenas 68% se mantinham. Muitos dos grandes

empreendimentos iniciados em 1970 foram concretizados em 1980, com finalização completa

ou sob redução de metas. O autor assevera que “no Sul e no Sudeste, onde existe uma rede

urbana mais desenvolvida, a interação entre as cidades acelera o processo de divisão territorial

do trabalho que lhes deu origem.” (SANTOS, 1993, p.60).

Singer (1982) entende que as empresas estatais foram as maiores responsáveis pelos

provimentos de boa parte dos serviços urbanos essenciais tanto à produção como aos

indivíduos de modo geral. Enquanto instituição o Estado desempenha também um papel

importante no valor monetário da terra que no sistema de produção capitalista trata-se de uma

mercadoria que tem seu valor elevado proporcionalmente em determinadas regiões conforme

a infraestrutura e a implantação de equipamentos urbanísticos recebidos.

Essa ótica apresenta-se de modo excludente e segregador, pois em regiões mais

assistidas pelo Estado e/ou pela empresa há uma disponibilidade de melhores condições

urbanas e de serviços que são aproveitadas em grande parte pelos agentes imobiliários. Cabe

citar que após a década de 1950 o país assistiu um movimento cada vez maior de ocupações

urbanas constantes, seja pela luta no acesso à moradia ou pelo único direito de existir.

A partir de 1985 com o fim do regime militar, Maricato (2014) afirma que houve

grandes avanços na discussão sobre as políticas urbanas, uma vez que os governos municipais

puderam implementar políticas de participação popular e programas de desigualdade social

urbana sejam por meio da Constituição Federal de 1988 ou de novas leis como o Estatuto da

Cidade instituído em 2001, ou de novas instituições como o Ministério das Cidades em 2003.

A seção a seguir trata em específico o processo de industrialização em Minas Gerais

além de promover a compreensão da gênese e desenvolvimento da formação socioespacial

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dada em função da instalação de indústrias em bases urbanas incipientes de modo a situar

adiante o objeto de estudo desta pesquisa.

2.2 A industrialização em Minas Gerais e a relação com a formação socioespacial

entre os anos de 1930 a 1970

Segundo Diniz, o atraso relativo de Minas Gerais no processo de industrialização não

emperrou sua participação na produção industrial do país entre 1907 e 1940, pois “subiu de

4,4% em 1907 para 5,6% em 1919 e 6,5% em 1939, particularmente em função de dois

ramos: alimentar na primeira fase, e siderurgia na segunda.” (1978, p.18).

Contudo, Pettersen afirma que o atraso relativo na industrialização em Minas Gerais se

deu pela “ausência de estímulos que desembocassem no adensamento industrial; [...] divisão

inter-regional do trabalho baseado nas vantagens comparativas; [...] esforços governamentais

insuficientes; [...] e falta de estratégias regionais para a integração à economia nacional.”

(PETTERSEN, 2007, p.74).

A zona da Mata, o sul de Minas e o centro do estado abrigaram na primeira fase da

industrialização mineira a produção de laticínios e açúcar – produção complementar e

substitutiva da atividade cafeeira.

Diniz (1978) destaca que os obstáculos impostos na importação de produtos em

virtude da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) beneficiaram o estado de Minas Gerais ao

passo que contribuiu para que a produção de laticínios e açúcar ocupasse o mercado nacional.

A produção do açúcar chegou a seu ápice entre os anos de 1929 a 1937 enquanto a indústria

metalúrgica não tinha expressão significativa na economia mineira. Diniz (1981) frisa que

81% do valor de produção e 70% dos empregos no estado estavam centrados neste período,

nos ramos têxteis e de laticínios.

Por mais que a indústria alimentar continuasse expandindo no estado, Diniz (1978)

sistematiza a segunda fase a partir do momento em que a indústria metalúrgica retomou o

impulso na década de 1920, quando de acordo com a FJP (1996) o governo federal passou a

apoiar a indústria metalúrgica de forma mais abrangente, o que propiciou a fundação da

CSBM (Companhia Metalúrgica Belgo Mineira) em Sabará no ano de 1921, incorporando a

Cia. Siderúrgica Mineira, instalada no município em 191732.

32 Souza (1985) relata que em 1920 o Rei Alberto da Bélgica visitou o Brasil a convite do Presidente de Minas

Gerais (governador no mandato de 1918-1922) Arthur Bernardes, com o intuito de promover investimentos e

parcerias com o estado. Em 1921, o Grupo da ARBED ((Acieries Reunies de Burbach-Eich-Dudelange) enviou

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Salienta-se que em 1889 foi instalado o primeiro alto-forno do estado e um dos

primeiros do país, na Usina Esperança33. Costa aponta que a instalação da CSBM em Sabará

significou para Minas Gerais “um sopro de alteração econômica a partir da década de 20”

(1979, p.16).

Com a intervenção do governo, a CSBM teve que expandir a produção e em 1935 as

instalações da usina foram iniciadas no município de João Monlevade, logo que a ligação

ferroviária entre a capital mineira e o município se efetivou. As operações de produção

começaram em 1937 com capacidade de até 50.000 ton./ano segundo Souza (1985).

Fazzi relata que a formação da comunidade de João Monlevade está atrelada

diretamente à instalação da CSBM no município. Costa (1979) e Mendonça (2006) narram o

mesmo vínculo entre a instalação da USIMINAS no fim da década de 1950 e início dos anos

60 em Ipatinga elucidando, sobretudo, o desenvolvimento urbano de municípios deficientes

em infraestrutura urbana, a partir da implantação de uma indústria.

A autora narra que “em 1924, a CSBM adquiriu a “propriedade de Monlevade.” [...] A

“propriedade de Monlevade” era, pois, uma propriedade rural adquirida por uma empresa

capitalista, tendo em vista uma exploração econômica” (FAZZI, 1990, p.39) e relata que:

A construção da Usina de Monlevade foi iniciada em 1935, em uma região

predominantemente rural, [...] não existindo, portanto, uma infraestrutura urbana já

constituída. Os trabalhadores que chegaram a João Monlevade naquele momento

caracterizaram a região como um lugar constituído somente por uma “rua” com três

casas e a casa da fazenda. O sentido dessa caracterização feita pelos informantes era

o de ressaltar a participação de cada um na construção da fábrica e do núcleo urbano

que se formou a partir dela. (FAZZI, 1990, p.40).

O município de João Monlevade, portanto, é uma cidade “mono-industrial”, conforme

a definição de Costa (1979) ou “cidade-empresa” conforme a definição semelhante de Piquet

(1998)34. O município além de assistir grandes investimentos financeiros que viabilizaram a

um grupo de estudos às terras mineiras e o resultado pairou na criação da Belgo Mineira em Sabará que

incorporou a Cia. Siderúrgica Mineira, fundada em 1917. 33 O alto forno foi construído pelo metalurgista Gerspacher na Usina Esperança, localizada em Itabira do Campo

– atual município de Itabirito. Segundo Souza (1985) foi a primeira usina com alto-forno e recuperadores de

calor montada no Brasil. Em 1901 os herdeiros do engenheiro e proprietário Queiróz Junior mudaram o nome da

usina para “Usina Queiróz Júnior”. 34 Costa (1979) define “cidade mono-industrial” como uma cidade formada a partir da implantação de um grande

projeto industrial dos ramos metalúrgico, transformação dos minerais não-metálicos ou de extração de minerais.

Piquet (1998) cunha o termo “cidade-empresa” basicamente para o mesmo fim e considera que uma cidade-

empresa pode ser formada ou também ter seu desenvolvimento econômico atrelado à instalação de uma

indústria. O cerne de ambos os termos se dá no resultado espacial após a implantação da empresa: um espaço

urbano bastante segregado, onde facilmente se observa a separação entre uma “cidade privada” construída pela

empresa mesmo que seja uma empresa estatal e que abriga os indivíduos que mantêm vínculos de trabalho com a

mesma e uma “cidade pública” onde se estabelece o restante da população nem sempre empregada, composta

pelos moradores que já residiam nas cidades antes mesmo da instalação da indústria ou por uma população que

chega a estas cidades através de grandes fluxos migratórios em busca de emprego. Os termos “cidade pública” e

“cidade privada” são utilizados por ambos os autores.

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urbanização nas áreas de interesse da empresa, registrou um aumento considerável no volume

de recursos financeiros destinados ao Poder Público e acolheu em seu território um elevado

contingente populacional atraídos pelas oportunidades de emprego.

Vários municípios no Brasil e em especial os dispostos no território do estado de

Minas Gerais, tiveram sua urbanização atrelada a instalação de uma indústria em seus limites

geográficos.

Como em muitos casos a empresa era a responsável por prover a infraestrutura e o

planejamento urbano no município de base urbana incipiente a qual estava instalada, a mesma

exercia forte influência na administração pública da cidade. No caso de João Monlevade, o

planejamento urbano ficou a cargo da CSBM até abril de 1964, quando repassou

integralmente essa responsabilidade para a administração o Poder público municipal, segundo

Fazzi (1990). Isso ilustra a dinâmica da cidade-empresa: a indústria ao se instalar no território

admite a responsabilidade da urbanização de modo a garantir uma estrutura necessária à

produção. Em posse de grandes extensões de terra para a execução do plano urbanístico e

sendo responsável pela infraestrutura do espaço, a empresa assume o controle e a gestão

urbana que é competência do Poder público municipal.

Em conformidade Piquet (1998) explica que essa forma de “planejamento privado”

também se aplica às empresas públicas/estatais, uma vez que suas formas de ação obedecem à

lógica interna do processo econômico, tornando o território e a coletividade, submissos a uma

duplicidade de atores. Logo, essas empresas planejam a si mesmas, o território que irão se

instalar e estimulam o desenvolvimento através de um plano urbanístico que impactam por

sinal, a sociedade, a economia e a política. Tão importante é reconhecer a atuação do Estado

no processo de desenvolvimento econômico e urbanístico no país, alternando sua autoria e

ações conforme os próprios interesses, das classes dominantes e dos trabalhadores.

De acordo com Diniz (1978) foram fundadas várias outras metalúrgicas no estado que

posteriormente foram também ampliadas ou incorporadas pelo capital estrangeiro, a exemplo

o alto-forno Pedro Gianetti fundado em 1922 no município de Rio Acima e transformado em

Metalúrgica Santo Antônio S.A em 1931, a firma Hime e Cia em 1925 no município de Barão

de Cocais, que foi transformada em CBUM (Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas) e

a firma J.S. Brandão e Cia instalada também em 1925 no município de Caeté e transformada

posteriormente em Cia. Ferro Brasileiro S.A. em 1931.

No final da década de 1930 o estado já participava com aproximadamente 90% do

ferro gusa, 60% do aço e 50% dos laminados produzidos no Brasil, segundo a FJP (1996).Isso

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representou um aumento de 1.438 trabalhadores empregados em 1932 para 5.888 funcionários

diretamente ligados à atividade siderúrgica no ano de 194035.

Contudo, o período de 1930 a 1940 representou para o estado um momento de

estagnação econômica e má arrecadação de impostos em virtude da queda de exportação de

café e do escoamento mineral clandestino, além de poucos investimentos no setor metalúrgico

e de mineração. Essa situação impulsionou o fluxo migratório de ao menos 12,9% dos

mineiros conforme o Censo de 1940, em direção a São Paulo e Goiás.

O estado de Minas Gerais possuía no ano de 1938 um total de 8.323 km de extensão

de estradas conforme FJP (1996), mas com condições de rodagem insatisfatórias em virtude

da qualidade de execução das mesmas. O abastecimento de energia elétrica por mais que o

estado tenha sediado a implantação da primeira usina hidrelétrica da América do Sul, era

extremamente deficiente36.

A baixa qualidade e quantidade de estradas disponíveis, somado à baixa cobertura

estadual de energia elétrica e a pulverizada desconcentração em termos de localização das

usinas, forçava de algum modo as empresas siderúrgicas e mineradoras assumirem a condição

de instalarem o seu próprio sistema energético e a estrutura necessária à produção, entretanto,

isso encarecia os investimentos e muitas vezes os inviabilizava. Cabe citar que Belo

Horizonte se viu no fim da década de 1930com pouca disponibilidade para receber novas

indústrias, principalmente as de grande porte, já que a precariedade de energia elétrica era

uma característica comum no estado de Minas Gerais.

Segundo Diniz:

A Bond and Share havia adquirido as instalações e a concessão para os serviços de

energia elétrica do município de Belo Horizonte, no início da década de 1930. A

empresa não ampliou a capacidade instalada deforma suficiente, limitando-se ao

aproveitamento de pequenas quedas d'água próximas â cidade. Em 1939, possuía

uma potência instalada de 18.380 HP, em 5 usinas. Não havia disponibilidade de

potência para novas indústrias, havendo dificuldade para o funcionamento de

bondes, além da precariedade do sistema de iluminação (1978, p.33).

Souza (1985) afirma que ainda que o estado de Minas Gerais estivesse numa situação

financeira não tão favorável neste período, era uma grande aspiração dos mineiros transformar

o estado num grande centro industrial em virtude das especificidades geológicas. Esta

35 Cabe salientar que essa produção no estado de Minas Gerais se dá pela localização do Quadrilátero Ferrífero

em território mineiro, senso a maior região produtora de minério de ferro do país. Nessa porção estão localizados

os municípios de Itabira, Ouro Preto, Congonhas, Barão de Cocais, Itabirito, Moeda, Itabirito, Rio Acima e

vários outros, inclusive o município de Ouro Branco que é objeto dessa pesquisa. Por esse motivo as empresas

siderúrgicas e mineradoras eram atraídas para essa região em virtude da abundante matéria-prima. 36 A primeira usina hidrelétrica de nome “Usina Hidrelétrica de Marmelos” foi inaugurada em 1889 em Juiz de

Fora e atualmente funciona em suas instalações o Museu de Marmelos que é administrado pela Universidade

Federal de Juiz de Fora.

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expectativa se apoiava tanto na necessidade de expansão siderúrgica e mineradora quanto na

conveniência da urbanização do território. Em consoante, a indústria siderúrgica mineira era

vista naquele momento como o maior elemento de fixação do homem no território e um fator

aliado na contramão dos contínuos fluxos migratórios.

Todavia, em torno das expectativas, a CSBM em João Monlevade não conseguia

suprir a demanda de metais pesados, pois75% do consumo de laminados eram atendidos com

importações segundo Souza (1985) e por mais que houvesse expectativas e matérias primas

necessárias para o alargamento da indústria siderúrgica e mineradora no estado, faltava

infraestrutura urbana nos municípios para abrigar as indústrias e os trabalhadores, além de

faltar também investimentos financeiros para a construção, gestão e produção das usinas.

Em 1938, diante de tantos impasses o Presidente Getúlio Vargas propugnou a urgente

necessidade de expansão industrial no país, em especial o estado de Minas Gerais de acordo

com Pettersen (2007). Para tanto, propôs que o Estado interviesse diretamente na economia,

ou seja, as usinas seriam estatais e teriam em sua formação o financiamento através do capital

estrangeiro; as empresas nacionais teriam participação privada e governamental e as empresas

privadas com aporte de capital nacional e/ou estrangeiro seriam então submetidas a um

controle e supervisão do Estado. No mesmo ano foi elaborado pelo Conselho Técnico da

SME (Sociedade Mineira de Engenheiros) um parecer denominado “Siderurgia Nacional e

Exportação de Minério de Ferro” que atingia diretamente o estado de Minas Gerais. Este

documento conforme expõe Diniz (1978) retrata o problema da exportação de minério de

ferro e reconhece a distinção dessa ação às questões siderúrgicas, elucidando que a melhor

opção para a siderurgia seria a usina a carvão vegetal, nos mesmos moldes que a CSBM em

João Monlevade.

Com a criação da “Comissão Nacional do Aço” em meados de 1939 e a “Comissão

Executiva do Plano Nacional do aço” em março de 1940, elegeu-se o município de Volta

Redonda no estado do Rio de Janeiro para acolher a CSN, conforme descrito no tópico 2.1,

sob a concessão segundo Souza (1985, p.43), de “vinte milhões de dólares, para financiar a

siderúrgica”, através do Export-Import Bank.

Visto essa conjuntura, o Brasil buscava atrair capitais estrangeiros e se mostrava

convicto que o projeto siderúrgico era essencial para o desenvolvimento econômico do país e

principalmente em Minas Gerais pela riqueza geológica. Souza (1985), Diniz (1978), Piquet

(1998) e Costa (1979) dispõem sobre a insatisfação dos mineiros na escolha do sítio de Volta

Redonda para acolher a CSN, visto conforme Diniz como “uma pá de cal no ambicioso e

eufórico projeto de emancipação econômicas dos mineiros.” (1978, p.43). A siderurgia em

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Minas Gerais era limitada e bastante modesta, tendo sido efetivada graças à participação do

capital estrangeiro belga no caso CSBM, em João Monlevade, e do capital estrangeiro francês

na Cia. Ferro Brasileiro em Caeté.

No início da década de 1940 o governo de Minas Gerais contou com a execução da

estrada que liga a capital mineira a Uberaba, no Triângulo Mineiro. Essa obra estava prevista

no Plano Rodoviário que foi elaborado na segunda metade da década de 1930. Diniz (1978) e

Costa (1979) salientam que ainda que o estado não tivesse sido o escolhido para acolher a

CSN junto a dificuldade em abrigar indústrias na capital mineira, investimentos na

infraestrutura continuaram a acontecer e isso contribuiu para que o governo lançasse duas

pequenas usinas energéticas estatais, sendo a de Pai Joaquim no rio Araguari para servir

Uberaba e a Santa Marta para atender a região de Montes Claros no norte do estado.

Além disso o governo do estado ainda lançou o plano da cidade industrial de

Contagem junto a um sistema energético desempenhado pela usina de Gafanhoto, como expõe

os estudos da FJP (1996). O intuito de construir a cidade industrial de Contagem era ter na

região do entorno da capital, um ambiente construído para acolher as indústrias de modo que

não impactasse tanto a cidade de Belo Horizonte e tivesse um sistema energético próprio e

compatível, já que o da capital mineira era deficiente e submisso a tarifações elevadas.

Como em vários momentos da história da industrialização e da consequente

urbanização mineira, o governo usou do recurso de decreto de utilidade pública para fins de

desapropriação de grandes áreas para que fosse implantado os projetos industrial e

urbanístico. A primeira grande empresa instalada em Contagem em 1941 foi a Companhia de

Cimento Portland Itaú. No ano de 1947 o município já contava com 10 indústrias instaladas

em pleno processo produtivo, conforme FJP (1996).

Diniz (1978), Souza (1985) e Oliveira (2008) relatam que o “Acordo de Washington”

assinado em 1942 e firmado entre EUA, Inglaterra e Brasil era uma antevisão dos governos

do EUA e Inglaterra já que previam a continuidade do conflito mundial e temiam o

esgotamento de minério de ferro e seus produtos finais necessários à indústria bélica. Nesse

acordo o governo brasileiro se comprometeu em criar a CVRD para explorar e exportar o

minério de ferro, além de prolongar a estrada de ferro Vitória-Minas até Itabira favorecendo o

escoamento da produção.

Com a criação da CVRD o Estado brasileiro recebeu as minas de ferro de Itabira

repassadas pelo governo inglês37. A empresa entrou em operação em 1944 e a cidade além de

37Cabe citar que segundo Oliveira (2008) no de 1940 o Presidente da República Getúlio Vargas declarou

caducidade do contrato da empresa “Itabira Iron Ore Co” com o governo federal, já que a empresa não havia

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infraestrutura, recebeu um alto contingente populacional atraído pela oportunidade de

trabalho. O mesmo ocorreu com o município de Timóteo (na época distrito do município de

Coronel Fabriciano) com a implantação da ACESITA (Cia. Aços Especiais Itabira) que foi

constituída em 1944 e passou a operar no ano de 1949 e João Monlevade, já relatado

anteriormente nesta seção.

Segundo Costa, “em resumo [...] Minas Gerais [...] não desfrutou das vantagens

oferecidas pelo modelo de substituição de importações, seja pelas vantagens locacionais de

outros estados, seja pelas deficiências de sua infraestrutura econômica.” (1979, p.23). Em

comunhão a essa afirmação de Costa, Minayo (1986) acrescenta que a criação da CVRD

também expressava os interesses dos grupos nacionais, visto que estes defendiam que o

capital privado nacional não dispunha de condições efetivas para arcar com os custos de

empreendimentos industriais e portanto devia-se fazer o desenvolvimento através da atuação

do Estado por meio de empresas estatais.

Ainda sobre a exploração do minério como motor de urbanização em Itabira, Oliveira

(2008) faz importantes considerações sobre a descaracterização da paisagem natural em nome

do progresso, inclusive com o desaparecimento de determinados lugares que eram

considerados para a população local como referenciais espaciais no território. Essa lacuna

aberta entre o homem e o lugar alterado em virtude da industrialização, é uma condicionante

fixa no processo de industrialização mineira e é registrado por Fazzi (1990), Costa (1979),

Diniz (1978), Piquet (1998) e tantos outros autores que estudaram as relações entre o espaço e

a industrialização.

Em 1947, durante o período em que o Sr. Milton Campos esteve à frente do Poder

Executivo de Minas Gerais (1947-1951), foi elaborado um “Plano de Recuperação econômica

e fomento da produção” o qual dispunha que:

A tendência ao conservantismo levou Minas Gerais à condição de Estado de

economia colonial. Vende e exporta matéria-prima de baixo preço e compra e

importa, em troca, artigos manufaturados de alto valor. Daí o desequilíbrio que, dia

a dia, mais se acentua entre o nosso e os demais estados da Federação. (ESTADO

DE MINAS GERAIS apud COSTA, 1979, p.23).

A preocupação do governo do estado era a industrialização, tanto que Costa (1979) e

Diniz (1978) apontam que o Plano previa que 58% dos investimentos fossem aplicados na

melhoria dos sistemas de transportes de apoio à industrialização e 42% deveria ser

conseguido obter maiores incentivos de capital estrangeiro. Sobre a instalação desta empresa no início do século

XX em Itabira, mais especificamente no ano de 1911, e a incorporação pela CVRD cuja operação foi iniciada em

1944, ver Oliveira (2008).

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empenhado exclusivamente na ampliação dos sistemas de energia, isso porque o deficiente

abastecimento de energia em Minas Gerais era um obstáculo para a industrialização. Nessa

direção, várias usinas energéticas foram construídas em Minas Gerais ainda que a execução

do Plano tenha sido lenta em virtude da situação econômica estadual.

A década de 1950 foi marcada por grandes acontecimentos na história da siderurgia e

da urbanização no estado. Conforme Costa (1979), o então governador de Minas Gerais,

Juscelino Kubitschek, instituiu a constituição da CEMIG (Companhia Elétrica de Minas

Gerais) em 1952. O compromisso do governo sobre melhorar e ampliar o abastecimento de

energia e as estradas de Minas Gerais contribuiu para que neste mesmo ano a Companhia

Siderúrgica Mannesmann, segundo Souza (1985), implantasse uma usina siderúrgica na

região do Barreiro, em Belo Horizonte com o acordo de que caberia ao governo mineiro

assumir a responsabilidade de suprir a demanda de energia elétrica da capital de modo a

favorecer sua produção. Em 1956 já exercendo seu mandato enquanto Presidente da

República (1956-1961), Juscelino Kubitschek reconheceu o esforço do governador do estado

de Minas Gerais, Milton Campos, na elaboração do Plano que visava sobretudo sistematizar a

ação do Poder Público nas ações que envolviam a economia mineira, em particular a

industrialização. Em comunhão os governos federal e estadual decidiram então eleger como

prioridade o “Binômio da energia e transportes.”

Neste mesmo período a CEMIG além de assumir a eletrificação mineira, elevou a

capacidade produtiva conforme Costa (1979). Diniz (1978) explana que “o peso e a

competência da diretoria [...] contribuíram para o grande sucesso da CEMIG. [...] Em outras

palavras, na CEMIG se formou o embrião da tecnocracia mineira.” (1978, p.73)38.

Já em relação aos transportes segundo o “Binômio da energia e transportes,” o Estado

se restringiu ao sistema rodoviário, de modo que as ferrovias foram transferidas para a

competência do governo federal. De todo modo a atuação do governo nas estratégias de

melhorias e ampliação dos transportes foi menos expressiva se comparada a expansão da

eletrificação no estado, já que havia limitações na conservação e manutenção das estradas,

além de más condições técnicas na execução, como dispõe Diniz (1978).

O autor ainda relata que a unidade 2 da CSN inicialmente cotada para ser localizada na

região do Alto Paraopeba, foi implantada em São Paulo, a COSIPA (Companhia Siderúrgica

38Conforme o “Binômio da energia e transportes” cabe reter a informação de que a Lei nº 828 de 14 de dezembro

de 1951 dispunha sobre a organização de sociedades de economia mista destinadas a financiar e executar

serviços de energia elétrica e a lei foi regulamentada pelo decreto nº 3.710, de 21 de fevereiro de 1952. Já o

DER-MG (Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais) foi constituído em 1946, mas em virtude do

período econômico estadual, poucas obras estaduais referentes à construção de estradas foram concluídas

segundo Diniz (1978).

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Paulista) após uma definição em 1956 e foi entendida como uma “chicotada no brio dos

mineiros” (1978, p.85). Como se não bastasse a usina ser implantada em São Paulo e não em

Minas Gerais, como era a expectativa do governo estadual, o minério de ferro fornecido seria

extraído do solo mineiro e agravaria ainda mais a deficiência dos transportes, uma vez que os

investimentos de infraestrutura não seriam destinados ao estado.

Souza (1985) defende que o governo de Minas Gerais não deveria ter participação

efetiva nos investimentos de infraestrutura dos municípios que as empresas fossem instaladas,

uma vez que o solo mineiro já agraciava o Brasil com suas riquezas e, portanto, caberia na

ótica do autor, essa demanda ser assumida exclusivamente pela empresa ou pelo governo

federal, já que o país se beneficiava economicamente com os empreendimentos tanto quanto o

estado.

Outra importante empresa instalada no estado foi a USIMINAS (Usinas Siderúrgicas

de Minas Gerais S.A.), inaugurada em 1962 em Ipatinga. A escolha da região teve grande

influência devido à presença da EFVM (Estrada Ferroviária Vitória – Minas), que seria o

principal meio de escoamento da matéria-prima, proveniente de Itabira.

Segundo Costa, a preocupação inicial da USIMINAS foi adquirir terras para abrigar a

planta da usina e os setores habitacionais dos empregados, além de futuras expansões tanto da

siderúrgica como das áreas residenciais conforme a necessidade da empresa. “Este fato fez

com que, como ocorreu no distrito de Timóteo, a empresa passasse a controlar em parte o

processo de crescimento do núcleo urbano de Ipatinga39” (1979, p.54). No início da década

de1960 consolidava-se nesta região o AUVA (Aglomerado Urbano do Vale do Aço) e a

constituição da USIMINAS representou um novo marco na industrialização, uma vez que o

capital nacional e estrangeiro (Japão) se aliou nos investimentos industriais.

Em relação a Ipatinga, Mendonça relata que havia dois problemas operacionais na

instalação da USIMINAS – a falta de mão-de-obra qualificada e a falta de infraestrutura local

para abrigar a nova população necessária ao processo de produção da indústria. Por esse

motivo foi proposto a implantação de um plano urbanístico para a cidade, que na visão da

autora “era um subproduto da política de desenvolvimento nacional” (MENDONÇA, 2006,

p. 62).

[...] em 1958, foi feita pela USIMINAS e por meio de análise de currículo, a seleção

do arquiteto para a elaboração do plano urbanístico da cidade que seria o suporte

habitacional da Indústria. Os profissionais envolvidos neste processo foram: Sylvio

39 Salienta-se que o objeto de estudo desta pesquisa – o município de Ouro Branco que será exposto na seção 3

deste ensaio, acompanha a mesma lógica da CSBM em João Monlevade, da ACESITA em Timóteo, USIMINAS

em Ipatinga e tantas outras cidades no estado que tiveram o espaço moldado através de um projeto urbanístico

executado pela empresa, conforme a lógica do sistema de produção.

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de Vasconcellos, Raphael Hardy Filho e Eduardo Kneese de Mello de São Paulo.

Dentre estes, o arquiteto mineiro Raphael Hardy Filho foi o escolhido, convidando o

arquiteto Marcelo Bhering para compartilhar da direção da equipe para assuntos

relativos à construção da cidade que se formou logo em seguida (MENDONÇA,

2006, p.63).

Ainda que o objeto de estudo desta pesquisa não seja o caso da implantação da

USIMINAS em Ipatinga, a compreensão do projeto urbanístico proposto é necessária porque

além de ilustrar semelhanças com vários outros projetos implantados anteriormente e também

apoiados no urbanismo progressista a CSN em Volta Redonda e a ACESITA em Timóteo,

oferta a mesma base de projeto para empreendimentos futuros, como a AÇOMINAS (Cia.

Aços de Minas Gerais) em Ouro Branco, a qual a USIMINAS foi consultora.

Em relação ao projeto urbanístico, o memorial descritivo da USIMINAS, aponta que:

[…] as áreas a serem urbanizadas não oferecem espaço suficiente para um

planejamento adequado de expansão futura. […] poucas áreas suscetíveis de serem

aproveitadas sem que a trama urbana acarretasse inconveniências de ordem

econômica, levou-nos a adotar o partido de pequenos núcleos interligados por vias

de penetração e tráfego periférico […] as próprias condições de trabalho duma usina

do porte da Usiminas, seja por tradição, seja por conveniências administrativas,

obrigam a uma discriminação das unidades habitacionais por classe de funcionários,

engenheiros e operários[…] nossa tarefa consistia em dar forma gráfica aos

postulados da unidade de vizinhança, evitando que a ‘urbanização’ venha impedir o

desenvolvimento físico e espiritual dos habitantes da vila operária da Usiminas

(1958, p.1-5).

Lefebvre (1969; 1972;2001;2008), Castells (1973;1983), Harvey (1990; 2005) e

demais autores abordados no capítulo anterior, criticam o urbanismo progressista que prevê

dentre outras normatizações, a proposição de uma cidade dividida por classes e segmentada

conforme a renda e o trabalho desempenhado na indústria e admitindo portanto, uma projeção

da hierarquização do trabalho transposta para a organização do espaço urbano, ou seja, uma

anulação da construção social do homem e da cidade, para a transposição de “um homem-

tipo” para uma “cidade-tipo”.

O plano urbanístico proposto por Hardy Filho à USIMINAS contemplava não somente

um espaço construído segundo a hierarquização de classes, mas ancorava-se na normatização

dos critérios de zoneamento, taxa de ocupação do solo e tipologias arquitetônicas

padronizadas, tão questionadas por Jacobs (2011) e Choay (1992), pois significam dentre

tantos outros impasses, a invalidação ou extinção da diversidade e dos elos sociais que unem

o homem à cidade.

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Mendonça descreve em seu ensaio que “a solução ali exposta (USIMINAS – Ipatinga)

era uma combinação da cidade jardim de Ebenezer Howard, da cidade industrial de Tony

Garnier e das ideias desenvolvidas por Le Corbusier” (2006, p.64-65)40.

Ainda diante de tantas críticas à segmentação do espaço conforme a renda e a classe,

Filho afirma que “de qualquer forma, mesmo com os defeitos e falhas naturais num

empreendimento do vulto deste, a cidade de Ipatinga é bastante válida como uma experiência

urbanística num dos rincões deste Brasil.” (1970, p.40).

A experiência de Ipatinga no que diz respeito ao planejamento urbanístico foi

replicado para o município de Ouro Branco na década de 1970 e de forma similar, o

município precisa hoje se a ver com os impasses que o “planejamento privado” assinalou no

espaço urbano. Souza (2018) apresenta uma descrição complexa na trajetória do Poder

público municipal de Ipatinga em parceria com a população, iniciada em 1990 quando foi

instituído o Plano Diretor Municipal. A autora explana sobre a tentativa do município em

reinventar a economia num cenário cuja cidade é totalmente dependente da USIMINAS 41.

Salienta-se como semelhança a atuação das empresas CSBM, na segunda metade da

década de 1930, em João Monlevade, a ACESITA, na década de 1940, em Timóteo e a

USIMINAS, na década de 1960, em Ipatinga, no que imputa a implantação de um projeto

urbanístico para as áreas em que a empresa instalaria seus empregados e familiares

exclusivamente, ou seja, o ambiente construído foi concebido de forma a suprir as

necessidades da empresa inclusive na fixação de mão-de-obra alcançada pela construção de

moradias para seus empregados.

Lefebvre (2001) afirma que a inserção de um planejamento urbanístico que atenda

obrigatoriamente as necessidades da empresa, portanto da classe dominante, reestrutura as

relações sociais ao passo que se propõe a organizar o espaço desconsiderando as

representações da vida social existente no meio. Além disso, essa organização proposta nas

cidades supracitadas não considerou o solo histórico-social no qual foi erigido, de forma que

dentro das particularidades semelhantes, há a existência de dois centros – “a cidade antiga” e

uma avenida planejada a qual se concentra a presença de comércios e serviços. Engels (2010)

apresenta a crítica sobre a ocupação espacial dispersa de forma que cada indivíduo só pode

residir no espaço determinado pela empresa segundo a função desempenhada na mesma.

40 As páginas 38 e 39 deste ensaio, explicitam a essência do urbanismo modernista progressista na cidade-jardim

de Ebenezer Howard, a cidade industrial proposta por Tony Garnier e a carta de Atenas de Le Corbusier. 41 Para um estudo futuro, é de grande interesse comparar as ações que o Poder público municipal de Ipatinga e

Ouro Branco têm buscado para pluralizar as atividades econômicas e garantir a justiça social quanto à ocupação

do espaço urbano.

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Lefebvre (1972) explana que com o advento da implantação das indústrias no território, as

cidades perderam sua capacidade interna-externa de associação e o indivíduo perde sua

identidade e sua figura de sujeito no processo histórico, estando, sobretudo, submerso aos

interesses do capital. A divisão dos indivíduos conforme a classe, a renda e o trabalho

desempenhado na indústria são dispostas no espaço de modo excludente, pois os planos

urbanísticos progressistas propostos pelas empresas, desconsideraram o espaço social

existente anterior à instalação da mesma. Visto isso, à medida que as empresas estatais foram

se instalando nos municípios mineiros, ficavam responsáveis também pela criação do núcleo

urbano e a implantação da infraestrutura, ou seja, a empresa estatal exerceu em todo o

processo de industrialização a responsabilidade que cabia ao Poder público municipal no que

diz respeito a urbanização. Choay (1992) afirma que os urbanistas progressistas veem os

espaços “naturais” definidos por Santos (2004) como “rugosidades” e Castells (1973) como

“formas ecológicas, uma estrutura a ser repudiada, principalmente pelo traçado das vias se

apresentarem de forma orgânica e espontânea.

Em 1961 a METAMIG (Metais de Minas Gerais S.A.) foi criada pelo governo de

Minas Gerais com o objetivo de explorar, industrializar e transportar minérios, mas a crise

que marcou a economia brasileira na década de 1960 naturalmente refletiu no estado e alguns

projetos siderúrgicos que aguardavam por décadas para serem implantados foram

inevitavelmente adiados por questões financeiras e desinteresse do capital estrangeiro.

Somado isso, na década de 1960 houve uma generalização, segundo Souza (1985) e Diniz

(1978), a qual pairava uma concepção de que Minas Gerais não teria vocação para a

industrialização devido a incapacidade de gestão do governo mineiro, mesmo com um solo

rico em minério.

De todo modo, Minas Gerais se viu numa situação distinta dos demais estados do país

em meados da década de 1960 já que o estado contava com além de siderúrgicas como

exposto na tabela 3, várias indústrias de cimento, o que ia ao encontro das proposições do

governo federal, inclusive as orientadas para a expansão da construção civil no país.

Tabela 3 - Produção de Aço em Lingotes em MG, RJ, SP e Brasil entre 1960 a 1970 Anos Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo Brasil

Produção % Produção % Produção % Produção

1960 587.152 31,9 1.080.769 58,6 175.098 9,5 1.843.019

1961 644.121 26,4 1.272.136 52,1 475.481 19,5 2.443.221

1962 664.661 25,9 1.316.170 51,3 523.220 20,4 2.565.226

1963 781.215 27,6 1.424.916 50,3 546.970 19,3 2.883.644

1964 1.034.096 34,2 1.391.629 46,1 492.401 16,3 3.020.910

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1965 1.126.026 37,5 1.428.676 47,6 327.219 10,9 3.003.160

1966 1.356.326 35,9 1.420.957 37,6 852.212 22,5 3.781.797

1967 1.370.942 36,7 1.375.578 36,8 836.724 22,4 3.733.699

1968 1.646.311 37,0 1.516.866 34,1 1.091.410 24,5 4.453.187

1969 1.910.367 38,8 1.581.130 32,1 1.225.543 24,9 4.924.532

1970 2.059.641 38,2 1.679.396 31,2 1.385.536 25,7 5.390.360

Fonte: Dados do Anuário Estatístico da Indústria Siderúrgica Brasileira. Diniz (1978).

A tabela 03 mostra que a expansão da metalurgia foi expressiva em Minas Gerais, mas

essa produção estava voltada para atender ao mercado nacional. O Rio de Janeiro é o estado

com maior produção de aço na década de 1960, muito provavelmente por ter a CSN instalada

em seu território. Ainda que essa especificação industrial crescesse, assegurava-se a

possibilidade de expansão da indústria intermediária mineira, o que provocava uma

especialização produtiva e ao mesmo tempo reforçava os laços de uma divisão inter-regional

do trabalho que o estado de Minas Gerais se debruçava em superar.

Segundo Costa (1979) e Diniz (1978) a produção do aço em Minas Gerais subiu de

meio milhão na década de 1960, para dois milhões de toneladas na década de 1970, ou seja,

uma elevação de quatro vezes na produção. Como não houve a instalação de novas empresas

com exceção da USIMINAS, que começou a operar em 1962, conclui-se que esses números

se voltam para a expansão daquelas já implantadas e ativas.

Conforme Diniz “para as indústrias produtoras de bens não-duráveis de consumo, a

crise econômica, conjugada com a política econômica restritiva, provocou a descapitalização

das empresas” (1978, p.121). Esse ocorrido entre 1962 e 1967 contribuiu para que algumas

empresas fossem à falência e outras, através de financiamentos e/ou empréstimos, retomassem

o crescimento. Um exemplo é a indústria açucareira em Minas Gerais, principalmente as de

“açúcar preto” e a rapadura que já vinham sendo extintas em virtude do pequeno porte, má

localização das instalações, substituição pelo açúcar cristal e a melhoria dos sistemas

rodoviários e de transportes, que facilitou a logística da distribuição dos produtos.

Segundo Pettersen (2007, p.75):

O atraso relativo de Minas Gerais, em que pesem os esforços bem empreendidos

pelo Estado, só ganha uma explicação estratégica e correlacionada com uma visão

dos desafios de uma industrialização tardia com o Diagnóstico de 1968, realizado

pelo BDMG. É a partir do planejamento da economia e fortalecimento da

tecnocracia como consequência desse Diagnóstico que são empreendidas

alternativas conscientes e consistentes, para gerar as bases para a superação do

atraso relativo.

O autor afirma que o governo federal e o governo estadual estavam empenhados nesse

período em produzir um novo ciclo expansivo da economia, cada qual com seus respectivos

instrumentos disponíveis e como de fato ocorreu entre 1968 a 1974, o chamado “Milagre

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Econômico42. Com o incremento dado pelo BNH (Banco Nacional de Habitação) através do

SFH (Sistema de Financiamento Habitacional), havia em Minas Gerais, em 1960, 1.787.88

domicílios permanentes recebendo um incremento percentual de 17.55% nos anos seguintes

conforme a SEPLAN-MG (1978). Em 1961 contava-se 2.101.739 domicílios com população

de 9.812.352 habitantes e em 1970 a população era de 11.487.415 habitantes.

O Relatório elaborado pela SEPLAN-MG (1978) aponta que em 1960, 40.7% da

população mineira tinham suas habitações lotadas em áreas urbanas e em 1976 esse número

subiu para 62.7%, reforçado pelo fluxo migratório campo/cidade. O documento aponta ainda

que em 1970 o Vale do Jequitinhonha continuava tendo o mais baixo índice de abastecimento

de água no estado e região apresentava 7.37% de áreas abastecidas, seguidas pela região

Noroeste do estado com 12.72% de cobertura e a região do Rio Doce com 13.28%. Em

relação ao abastecimento de energia elétrica, o estado que em 1960 tinha 31% de abrangência,

passa a ter em 1970, 40.54% dos domicílios ligados a rede de energia.

Conforme Diniz (1978), em 1971 foi fundado em Minas Gerais o INDI (Instituto de

Desenvolvimento Industrial), que transformou a sistemática de captação de novos

empreendimentos industriais para o estado imprimindo-lhes um dinamismo até então

inexistente, com a aceleração do processo de implantação de novas indústrias e a expansão

das já existentes. A política do INDI consistiu em uma estratégia agressiva de promoção

industrial com a finalidade de atrair empresários (nacionais ou estrangeiros) para o estado.

Segundo a SEPLAN-MG (1978) entre 1970 e 1975, o setor metalúrgico marcava um

crescimento de 15.6% se comparado ao período de 1960 a 1965.

Na década de 1970 foi criada a AÇOMINAS e a siderúrgica Mendes Júnior em Juiz de

Fora, além de o estado receber cinco novas indústrias de cimento43. Costa (1979) aponta que

um dos fatores para esse desenvolvimento foi o sistema de incentivos fiscais adotados, pois

segundo o autor, em 1969 foi criada a Lei nº 5.261 que concedia ao empresário o retorno de

até 100% dos investimentos realizados, em parcelas de 25.6% do ICMS (Imposto sobre

circulação de mercadorias e prestação de serviços) a ser arrecadado. O autor ainda acrescenta

que “o produto da indústria de transformação que havia se elevado à taxa de 6.9%/ano na

década anterior, passa a crescer 16.5%/ano. [...] É incontestável a liderança do estado de

Minas Gerais na produção de determinados bens intermediários” (COSTA, 1979, p. 31-32).

42O Milagre Econômico é um período cunhado entre 1968 e 1974 sob o regime militar, onde o país foi palco de

extraordinária expansão econômica. Sobre esse período ver Miranda, 1999. 43 As empresas de cimento que e o estado de Minas Gerais recebeu, foram a> CIMINAS (Cimentos Minas

Gerais) em Pedro Leopoldo, a SOEICOM (Sociedade de Empreendimentos Industriais, Comerciais e Mineração)

em Lagoa Santa, a Cimento Tupi em Carandaí, a Itaú em Vespasiano e a Cauê em Mesquita.

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Miranda ao criar um paralelo entre o governo do Presidente Juscelino Kubitschek ao

“Milagre econômico” demonstra que “o ônus da estabilização econômica foi elevado e a

maior participação nos altos custos coube à classe trabalhadora, que teve seus salários

comprimidos e regidos por disciplina férrea.” (MIRANDA, 1999, p.124). O autor ainda

elucida a produção elevada de bens duráveis nesse período que se relaciona dentre alguns

fatores, ao acesso dos mesmos pela classe trabalhadora e o favorecimento das políticas

econômicas no processo de produção. De todo modo, e principalmente em Minas Gerais, dois

fatores atrelaram-se a industrialização: a proximidade de matéria-prima e a facilidade de

meios de transportes para o escoamento da produção. Essas condicionantes consequentemente

posicionaram a instalação das empresas em áreas de incipiente base urbana e a implantação de

infraestrutura nas áreas que foram instaladas essas empresas configuraram um rol de centros

urbanos caracterizados histórico-economicamente como cidades mono-industriais ou cidades-

empresa, as quais Costa (1979) aborda os reflexos do impacto causado pela instalação das

grandes indústrias nas cidades no que implica a formação e a organização do espaço. A

seguir, a tabela 04 faz um panorama da industrialização em Minas Gerais e demonstra que por

mais que Montes Claros e Uberaba tivessem prevalência no ramo alimentar e abrigassem

fábricas de cimento, a indústria de não-minerais não provocou o mesmo impacto, por

exemplo, na cidade de João Monlevade ou Ipatinga na instalação das siderúrgicas CSBM e

USIMINAS, respectivamente. Outras como Poços de Caldas, já ocupava antes da instalação

da indústria, a posição de polo regional de grande parte do sul de Minas Gerais e também de

São Paulo, pela sua localização.

Tabela 4 - Síntese da industrialização em Minas Gerais de 1920 a 1970

Décadas Ramo industrial Nome da indústria Cidade Sede Cidades

influenciadas

1920 Metalurgia

Companhia Siderúrgica Belgo Mineira Sabará

-------

Metalurgia Santo Antônio S.A. Rio Acima

Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas Barão de Cocais

Companhia Ferro Brasileiro S.A. Caeté

1930

Metalurgia Companhia Siderúrgica Belgo Mineira João Monlevade

------- Minerais Não-metálicos

Itaú Pratápolis

1940

Metalurgia

ALUMINAS Ouro Preto -------

ACESITA Timóteo

Coronel

Fabriciano e Ipatinga

Minerais

Não-metálicos Itaú Contagem -------

Mineração Companhia Vale do Rio Doce Itabira -------

1950

Metalurgia USIMINAS Ipatinga Coronel

Fabriciano e Timóteo

Minerais Não-metálicos

Cauê Pedro Leopoldo

Ponte Alta Uberaba

Barroso Barroso

-------

Companhia de Laminação e Cimento Portland Arcos

Companhia Mineira de Cimento Portland Matozinhos

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1960

Metalurgia

Mannesmann Belo Horizonte

-------

ALCOMINAS Poços de Caldas

Companhia Mineira de Metais Três Marias

Minerais

Não-metálicos Matsulfur Montes Claros

1970 Minerais Não-

metálicos

CIMINAS Pedro Leopoldo

-------

SOEICOM Lagoa Santa

Cimento Tupi Carandaí

Itaú Vespasiano

Cauê Mesquita

1970 em

implantação

Metalurgia AÇOMINAS Ouro Branco

Congonhas e Conselheiro

Lafaiete

Mendes Júnior Juiz de Fora --------

Mineração

Nuclebrás Caldas Poços de Caldas

VALEP Tapira ------

Fosfertil Patos Araxá

Arafertil Araxá -------

Companhia Mineira de Metais Vazante Araxá

Fonte: Elaborada pela autora com dados disponíveis em Diniz, 1978, Costa (1979)e Piquet (1998)

Costa afirma que a caracterização da cidade mono-industrial deve considerar a

dimensão do impacto populacional, junto aos volumes de investimentos realizados, o número

de empregos oferecidos, além do tipo de produto final, pois “as projeções demográficas após

a implantação de algumas empresas, as grandes porções de terra de propriedade das mesmas e

a especulação imobiliária determinam a formação de uma “cidade” dispersa, cheia de vazios

urbanos.” (COSTA, 1979, p.44). Esse é o retrato de grande parte dos municípios mineiros

inclusive Ouro Branco, que teve a vida citadina atrelada à instalação da AÇOMINAS e, por

consequência, foi urbanizada pelo mesmo motivo como será exposto no capítulo a seguir.

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3 A IMPLANTAÇÃO DA AÇOMINAS S/A EM OURO BRANCO

O presente capítulo contextualiza o período que engloba a formação do município de

Ouro Branco no século XVIII à instalação da siderúrgica AÇOMINAS S/A na década de

1970 e tem como objetivo assinalar como se deu a implantação da usina siderúrgica, numa

área de base urbana precária. Para a exposição, considera-se os aspectos econômicos e sociais

do município de pouco mais de 4.000 habitantes e o engajamento político na consolidação da

siderúrgica, mesmo sob inúmeros adiamentos até sua inauguração em 1985. No bojo da

estreita relação definida entre economia e sociedade, tais considerações são necessárias ao

entendimento acerca dos vínculos que entrelaçaram a AÇOMINAS S/A (agora GERDAU

Açominas), os trabalhadores e o Poder Público.

3.1 O município de Ouro Branco: de povoado à cidade, do ouro ao aço

Ouro Branco está localizado na região denominada Alto Paraopeba, a 100 Km da

capital mineira e compõe parte do Quadrilátero Ferrífero.

Mapa 1 - Localização do município de Ouro Branco na região do Alto Paraopeba

Fonte: Atlas/GEOPARK Adaptado pela autora

O desenho do espaço como na maioria dos povoados no Brasil colônia, foi

determinado obedecendo a lógica da funcionalidade. A praça central abrigava a sede do

governo, o comércio e a matriz de Santo Antônio, construída entre os anos de 1724 e 1779

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sob o estilo barroco. A partir dessa praça se originavam a rua direita e as demais ruas cujo

traçado orgânico funcional abrigava residências e comércios com pouca variação tipológica.

Figura 1 – Praça Santa Cruz Figura 2 - Matriz de Santo Antônio

Fonte: IBGE (1959) Fonte: IBGE (1959)

Nesse período, o esgotamento das jazidas auríferas e as dificuldades de exploração

com o processo primitivo utilizado, fez com que a atividade mineradora retrocedesse, o que

possibilitou que o comércio e agricultura no arraial expandissem em virtude das tropas que

transitavam na região pela Estrada Real, além de sustentar a população do pequeno povoado.

Essas tropas faziam o fluxo das trocas, deixando sal, tecidos e manufaturados e levando

produtos excedentes da produção agrícola.

O município viveu vários ciclos econômicos sendo o primeiro, o do ouro, o segundo

foi o do vinho, em meados do século XIX quando o distrito chegou a sediar a Companhia de

Vinhos Nacionais, e o terceiro ciclo foi o da batata que iniciou-se em 1885 e elevou o

município ao destaque de maior produtor de batatas do Estado de Minas Gerais. Segundo o

IBGE, nos quadros de divisão administrativa do Brasil de 1911 e no Recenseamento Geral no

Brasil em 1920, Ouro Branco figurava como distrito de Ouro Preto e o povoado só foi

emancipado em 195344.

De acordo com o Recenseamento de feito pelo IBGE em 1950, a população do então

povoado, era de 4.266 habitantes. Segundo o IBGE (1954) as estimativas do Departamento

Estadual de Estatística era que a população provável em 1955 era de 4.513 habitantes, com

densidade demográfica de 17 habitantes/km². A tabela 05 mostra que a maior concentração de

pessoas era na zona rural do distrito, com 3.042 habitantes.

44 De acordo com o SERBID/IBGE (Serviço de Divulgação e Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística), o distrito foi criado com a denominação de Ouro Branco por carta régia de 16 de fevereiro de 1724 e

a Lei estadual nº 556 de 30 de agosto de 1911, estabelece que o distrito de Ouro Branco também fizesse parte do

município de Ouro Preto. A Lei Estadual nº 1039 de 12 de dezembro de 1953, elevou-o a status de município,

desmembrando-se assim de Ouro Preto.

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Tabela 5 - Recenseamento ano-base 1950 no distrito de Ouro Branco

Fonte: IBGE - Recenseamento de 1950

Segundo os dados disponíveis pelo IBGE (1959), a batata inglesa representava em

1955, o produto com maior produção e valor chegando a corresponder 88% da economia

agrícola do município. A tabela 06 mostra o quão a cultura da batata inglesa era rentável para

o município, tendo uma produção média de 264 mil sacos/ano.

Tabela 6 - A produção agrícola no município de Ouro Branco em 1955

Fonte: IBGE (1959). Enciclopédia dos Municípios Brasileiros

O município contava com uma pequena indústria de Beneficiamento de Minerais S/A

e junto a outros 14 estabelecimentos industriais de pequeno porte empregavam em torno de 55

funcionários. 45 A cidade possuía poucos serviços públicos urbanos, compatíveis com a

densidade populacional. Conforme o IBGE (1959) havia em meados da década de 1950,

apenas 206 edificações na área urbana divididas em 15 logradouros, das quais 150 possuíam

ligações de abastecimento de água e 142 eram abastecidas pelo sistema de energia. A

iluminação pública estava em processo de implementação, as vias não eram pavimentadas e a

cidade contava com apenas uma agência bancária.

Segundo o Censo de 1950, da população masculina com mais de 5 anos de idade,

somente 58% sabiam ler e escrever e as mulheres nas mesmas condições totalizavam 59%.

Isso mostra que a cidade não dispunha de mão de obra técnica necessária quando na década

de 1970, a AÇOMINAS S.A. foi implantada.

45 Enquanto informação, 03 estabelecimentos era de extração mineral, com 31 empregados; 2 eram de

transformação e beneficiamento de produtos agrícolas e admitia 2 empregados e 10 eram indústrias

manufatureiras e fabris, com admissão de 22 funcionários, conforme o IBGE (1959, p. 216).

Especificação

Homens

Mulheres

Total

Números

absolutos

% sobre o total

geral

Quadro urbano 450 476 926 21,70

Quadro suburbano 164 134 298 6,98

Quadro Rural 1.552 1.490 3.042 71,32

Total 2.166 2.100 4.266 100,00

Produtos

agrícolas

Área (ha)

Produção Valor

Unidade Quantidade Cr$ 1.000 % sobre o total

Batata inglesa 2.800 Saco 60 Kg 264.000 79.200 88,01

Milho 1.800 Saco 60 Kg 41.000 8.200 9,11

Laranja 12 Cento 50.000 1.000 1,11

Outras 152 ------- ------- 1.602 1,77

Total 4.764 ------- ------- 90.002 100,00

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Figura 3 - Rua Santo Antônio Figura 4 - Praça Santa Cruz

Fonte: IBGE (1959) Fonte: IBGE (1959)

Na década de 1970 conforme FJP (1978), a cidade contava com uma unidade básica

de atendimento à saúde municipal e as escolas existentes admitiam em 1976, cerca de 930

alunos no 1º grau e 50 alunos no 2º grau, proporcional ao número de habitantes. A captação

de água era feita no alto da Serra de Ouro Branco, a cerca de 1.500 m de altitude, em uma das

nascentes do ribeirão da Colônia, cuja água de boa qualidade não era tratada e a distribuição

era feita em tubos de fibrocimento obedecendo ao projeto elaborado e custeado pelo governo

do estado para abranger uma população máxima de 5.000 habitantes. Além disso município

não contava com rede de esgotos sanitários e o lançamento das águas servidas se davam em

fossas cobertas. Na década de 1970 a energia era fornecida pela CEMIG e a eletrificação

pública rural contou com a implantação de um projeto em 1962, executado pelo governo do

estado de Minas Gerais (foi um dos primeiros projetos elaborados para as zonas rurais no

interior do estado).

O município de Ouro Branco dispõe através das rodovias MG-443 de acesso à BR-040

com ligação ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, interligada à BR-381 (rodovia

Fernão Dias) por São João Del Rey e Lavras. Através da MG-030, já projetada pelo DER-MG

(Departamento de estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais) o município se ligava à

BR-262 em Rio Casca via Ouro Preto e Ponte Nova (MG -262) ou em Barão de Cocais,

através da ligação Mariana - Alegria - Santa Bárbara (MG-129).

Estradas vicinais e transitáveis ligavam Ouro Branco a Conselheiro Lafaiete,

Itaverava, Santa Rita de Ouro Preto, Itatiaia, Itabirito e Ouro Preto e no município

predominavam as ruas consideradas largas para o período, o que não causava dificuldades ao

tráfego na parte central da cidade, ainda que somente 235 carros estivessem emplacados no

município, em 1976, conforme FJP (1978).

O município, no entanto, não dispunha na década de 1970 de uma legislação para o

controle do uso do solo, de regulamentação de loteamento e de construções e a prefeitura não

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dispunha de sequer, cadastro técnico municipal. Tudo isso exemplifica uma região com base

urbana completamente incipiente e sem preparo para acolher a grande indústria que estava

prestes a ser implantada. Por outro lado sua localização geográfica e a presença de matérias-

primas necessárias à produção do aço foram determinantes para que na década de 1970, a

AÇOMINAS S.A se instalasse no território dando início ao quarto ciclo econômico do

município, o do aço, junto a uma nova estrutura urbana amparada por um plano urbanístico

baseado no pensamento urbanístico progressista proposto pela Fundação João Pinheiro à

AÇOMINAS e que abrigaria a população trabalhadora e seus entes que se direcionavam à

região em busca de trabalho e novas oportunidades na qualidade de vida.

3.2 Da luta pela implantação da AÇOMINAS S/A no município de Ouro Branco à

privatização da empresa46

Essa transformação, em realidade, do acalentado sonho dos mineiros que

remonta aos tempos dos Inconfidentes, deve ser creditada à obstinação e ao

espírito de luta de nosso povo, na defesa das riquezas do nosso subsolo, bem

como em favor da transformação, delas, em produtos manufaturados, no próprio

território das Minas Gerais. (SOUZA, 1985, p.15).

A narrativa acerca da implantação da AÇOMINAS S.A. é descrita de duas formas

distintas e que se complementam. De um lado, Souza (1985), Bispo (1990) e Costa e Costa

(1998) explanam que já na Conjuração Mineira, o ideal dos Inconfidentes destacava a

vocação do estado de Minas Gerais para a siderurgia em virtude do seu potencial

mineralógico. De maneira concreta e narrada pela própria siderúrgica, a ideia da implantação

da Açominas S/A transita pela primeira vez no governo do presidente Arthur Bernardes. De

outra forma não excludente à primeira, o país na década de 1970 em meio ao período do

regime militar e planos nacionais desenvolvimentistas elevaram a construção da AÇOMINAS

S/A como uma obra prioritária no PND II (Plano Nacional de Desenvolvimento II). Explana-

se aqui ambas as narrativas a fim de contextualizar a trajetória polêmica da implantação da

empresa até a privatização, sete anos após a sua inauguração.

A implantação da AÇOMINAS S.A. teve início em meados da década de 1970 e a

inauguração da empresa se deu em 27 de fevereiro de 1985, após seis décadas do Decreto

46 Os tópicos 3.2 e 3.3 só foram possíveis graças à Biblioteca física e digital da Fundação João Pinheiro, uma vez

que somente a FJP possui o material na íntegra que originou todo o processo urbanístico do município de Ouro

Branco. Um agradecimento especial à servidora Leia Anastácio por tanto empenho e uma incansável dedicação

em me fornecer os dados requeridos.

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nº4.801 de 9 de janeiro de 192447, no qual o Presidente Arthur Bernardes48 autorizou o Poder

Executivo a amparar a exploração industrial siderúrgica e carbonífera existente com a

recomendação das construções das usinas siderúrgicas da USIMINAS, da AÇOMINAS e uma

terceira na Bacia Carbonífera de Santa Catarina, a facilitar o seu maior desenvolvimento nos

termos das bases especificadas podendo para esse fim, realizar as necessárias operações de

crédito. De acordo com Greco e Coutinho (2002) nessa proposta as usinas seriam construídas

através de financiamento de 80% das obras por parte do Governo Federal.

O decreto previa mediante a concorrência pública, a construção de três usinas

modernas com produção anual de 50.000 toneladas de aço cada uma, sendo, portanto,

localizadas na região do Vale do Rio Doce - USIMINAS (altos-fornos elétricos), na região do

Vale do Alto Paraopeba – AÇOMINAS (altos fornos a coque mineral, preferindo o de carvão

nacional) e a terceira na região carbonífera de Santa Catarina, no sul do país, (altos-fornos a

coque nacional).

Além disso, uma das exigências do Governo Federal era que dentro da região

designada para abrigar a indústria, deveria ser construído um núcleo urbano que desse suporte

a empresa, devidamente composto por infraestrutura necessária e que muito adiante de uma

longa exploração de minério de ferro, a região fosse capaz de produzir em larga escala o

coque metalúrgico. Para Greco e Coutinho, “o plano do Governo Federal era muito ambicioso

para a época, tendo em vista que a produção de aço do país naquela época atingia cerca de

100mil toneladas/ano” (2002, p. 1).

O projeto não vingou conforme o Decreto 4.801/1924 e somente em 1958 a

implantação da Aço Minas Gerais S/A voltou a figurar na legislação precursora da siderúrgica

através do Projeto de Lei nº 287/1958 do deputado estadual Milton Reis, que previa a criação

da SIVALPA (Siderúrgica do Vale do Paraopeba), que por mais que contasse com elaboração

técnica e parecer favorável do Conselho Nacional de Metalurgia, do Ministério de Viação e

Obras Públicas não foi aprovada pelo Poder Legislativo Estadual.

Diante da tentativa frustrada do deputado estadual Milton Reis, o Governador José de

Magalhães Pinto em 13 de outubro de 1961 e por meio da Lei. nº 2.462 dispôs sobre a criação

da METAMIG (Metais de Minas Gerais S/A). Tratava-se, segundo Souza (1985, p.63), de

uma “sociedade de economia mista destinada à exploração, industrialização, exportação e

47BRASIL, Decreto n. 4.801, de 9 de janeiro de 1924. Autoriza o Poder Executivo a amparar a exploração

industrial siderúrgica e carbonífera existente e dá outras providencias. 48 Nascido em Viçosa, Minas Gerais em 08 de agosto de 1875. Foi governador do Estado de Minas Gerais de

1918 a 1922 e presidente da República entre os anos de 1922 a 1926. Faleceu em 23 de Março de 1955, no Rio

de Janeiro.

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qualquer outra forma de aproveitamento econômico de minérios, e que se regeria pela Lei das

Sociedades Anônimas”.

Segundo o autor:

A METAMIG poderá associar-se a qualquer entidade pública ou privada, a cidadãos

ou pessoas jurídicas de direito público interno, às organizações paraestatais, ou

sociedade de economia mista brasileiras, para pesquisa e exploração: I – de jazidas

autorizadas ou concedidas a terceiros; II – de indústria siderúrgica ou de laminação;

III – de transporte e exportação; IV – ou de qualquer outra forma de aproveitamento

econômico de minérios (SANTOS, 1985, p.63).

O autor afirma ainda que a nomenclatura “AÇOMINAS” não estava presente nas

proposições legais apresentadas neste período e somente em 12 de setembro de 1963, a Lei nº

2.865 sancionada pelo governador de Minas Gerais, Sr. José de Magalhães Pinto e sob a

autoria do deputado estadual João Batista Miranda, constituía a AÇOMINAS S/A,

autorizando o Executivo a participar da construção da siderúrgica, criando, entretanto, a Taxa

de Desenvolvimento Metalúrgico.

Dentre outras ações, essa lei autorizava o Estado a participar majoritária ou

minoritariamente, através da METAMIG, da constituição de uma nova sociedade - a

AÇOMINAS S/A destinada a industrializar os minérios de ferro da região do Vale do Alto

Paraopeba. A referida lei previa a METAMIG como entidade coordenadora da organização da

AÇO MINAS S/A, onde 80% dos recursos provenientes da taxa instituída por essa lei e do

Fundo de Minério que incidia sobre a extração de minérios em Minas Gerais, seriam

vinculados à disposição da METAMIG para atendimento de sua subscrição de capital da AÇO

MINAS S/A, destinando-se os 20% restantes ao BDMG (Banco de Desenvolvimento do

estado de Minas Gerais) para financiamento de pequenas e médias indústrias de

transformação ou beneficiamento de aço. Essa lei previa que a localização da empresa

deveria estar situada entre os municípios de Conselheiro Lafaiete e Brumadinho, em local

tecnicamente aconselhável, estando a cargo do Governo do Estado o entendimento com a

Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Aços Especiais

de Itabira, Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, Banco de Desenvolvimento Econômico e

outras empresas e grupos nacionais e estrangeiros a mediação para a concretização da

AÇOMINAS S/A. Não era cogitado ainda a localização de a indústria ser no território de

Ouro Branco.

A AÇOMINAS GERAIS S/A foi constituída legalmente somente em 9 de novembro

de 1966, tendo como acionistas fundadores a METAMIG (incorporadora), a CEMIG, o

BDMG, a Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais, a HIDROMINAS (Águas Minerais

de Minas Gerais), a CAMIG (Companhia Agrícola de Minas Gerais) a CASEMG

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(Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais) e a FRIMISA (Companhia de

Frigoríficos de Minas Gerais) segundo Bispo (1990) e Souza (1985).49

A Lei nº 4.532 de 06 de julho de 1967, modificou o artigo 8º da Lei nº 2.865 de 12 de

setembro de 1963, alterando, portanto, a localização da siderúrgica AÇOMINAS, que deveria

estar segundo essa proposição, situada entre os municípios de Conselheiro Lafaiete e Mateus

Leme.

Art 8º - As instalações da Aço Minas S/A – Açominas deverão situar-se entre os

municípios de Conselheiro Lafaiete e Mateus Leme, no vale do Rio Paraopeba, em

área a ser aprovada pela diretoria da empresa, e escolhida com base nos estudos que

a indiquem como a melhor sob os aspectos técnicos e econômicos. (MINAS

GERAIS, 1967).

Segundo Souza (1985) essa modificação veio amparada pela acirrada polêmica sobre

qual seria a melhor localidade para a implantação, visto a disponibilidade de matérias primas,

ferrovias de escoamento e infraestrutura implantada.

Em 18 de Junho de 1968, a Lei nº 4.827 alterou a nomenclatura anterior e de AÇO

MINAS GERAIS S/A, constituiu-se apenas AÇOMINAS S/A.

De acordo com Souza (1985, p. 90):

O CONSIDER, no dia 17 de novembro de 1972 pela Resolução nº 15, abriu prazo

até 31 de março de 1973, para o recebimento de estudos de viabilidade e anteprojeto,

objetivando a implantação de usinas integradas, para a produção de semiacabados e

laminados não planos, de aços comuns. A AÇOMINAS, para cumprimento desta

Resolução, apresentou, ao CONSIDER, em março de 1973, Relatório de

Viabilidade, para uma Usina Integrada de Não Planos a coque, com capacidade de

3,5 milhões de toneladas por ano, a ser localizada no Vale do Alto Paraopeba, com

execução programadas para período de três a quatro anos.

Com o advento do “Milagre Econômico” já descrito no capítulo anterior, Greco e

Coutinho (2002, p.03) afirmam que “de acordo com as previsões, essa produção deveria

evoluir de 5milhões de toneladas em 1970 para 20 milhões de toneladas de aço em lingotes

em 1980”.

Em 14 de agosto de 1975, já no governo do Presidente Ernesto Geisel, o Estado de

Minas Gerais assumiu o controle acionário da siderúrgica com a participação de 79.6% de seu

capital integralizado, após uma incansável luta pela viabilidade econômica para a implantação

da referida indústria e sob a gestão do governador Antônio Aureliano Chaves de Mendonça,

que por sua vez tinha a implantação da siderúrgica como uma das principais metas da sua

gestão.

Em 1975 o CONSIDER (Conselho Nacional da Indústria de Não-Ferrosos e

Siderúrgicas) recomendou à USIMINAS a preparação de estudos sobre a viabilidade da

49 Em Souza, 1985, p.70-79, faz-se uma transcrição da Escritura Pública de Constituição da AÇO MINAS

GERAIS S/A AÇOMINAS, sob o Livro n. 279 – E – Fls 170 à 177v.

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implantação da usina na região com previsão de produção de 10 milhões de toneladas/ano

segundo Bispo (1990). O Governo do Estado de Minas Gerais assumiu o controle acionário

da empresa no dia 18 de agosto de 1975 e transferiu para o governo federal via SIDERBRÁS

(Junta de Siderúrgicas Brasileiras) no ano seguinte através do Acordo dos Acionistas.50 A

ideia inicial conforme Greco e Coutinho (2002, p.02) era implantar a AÇOMINAS como uma

usina II (secundária) da USIMINAS, porém “o governador não concordou, pois, desejava uma

empresa nova, ou seja, um fato político novo”. Os autores afirmam que “o projeto enfrentou

resistências no CONSIDER, SIDERBRÁS e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento

econômico e social), tendo em vista os problemas já enfrentados na expansão de CSN e

COSIPA e na implantação do projeto de Tubarão” (2002, p.04), mas, por decisão política, o

projeto foi aprovado pelo CONSIDER.

Somente em 29 de janeiro de 1976 a USIMINAS, enquanto consultora da

AÇOMINAS51, recomendou que a localização da mesma fosse no município de Ouro Branco

por diversas questões, entre elas a construção estratégica da usina junto ao mercado

consumidor considerando a disponibilidade de transporte e a obtenção de matérias-primas

conforme indicado no Decreto4.801de 1924. Piquet (1998) afirma que num contrato de

financiamento externo firmado em Londres em 1977, foi constituído à exportação um total de

20% da produção nos primeiros cinco anos de operação e esse projeto seria de utilidade

pública e de relevante interesse nacional, justamente para isentá-lo de ICMS, impostos de

importação e IPI, bem como para efeito de desapropriação de terrenos e benfeitorias

realizadas nos municípios de Ouro Branco, Conselheiro Lafaiete, Congonhas e Ouro Preto.

Servida pela malha da Rede Ferroviária Federal, que deixa a Usina a 156 km de Belo

Horizonte, a 486 km do Rio de Janeiro, a 810 km de Santos, a 466 km do Porto de

Sepetiba e, pela Vitória-Minas, a 695 km dos Portos de Vitória e Praia Mole; Ouro

Branco possui, assim, excepcionais condições no que tange ao transporte ferroviário.

É de se recordar que a denominada “Ferrovia do Aço”, de traçado extremamente

moderno, cujas obras estão paralisadas, mas em avançado estágio de construção,

passa a 12 quilômetros do sítio da AÇOMINAS. (SOUZA, 1985, p.107).

50 SIDERBRÁS – empresa holding criada para administrar as participações acionárias do governo federal em

empresas siderúrgicas. O Acordo dos Acionistas está disposto em Souza, 1985, p. 201-203. 51Souza (1985) apresenta o estudo de pré-viabilidade feito pela USIMINAS enquanto consultora da AÇOMINAS

para a localização da mesma no sítio de Ouro Branco, em Minas Gerais. O autor destaca que a USIMINAS

participaria com US$ 385 milhões do capital da AÇOMINAS. O autor faz uma inerente junção de documentos

entre as páginas 155 e 237 que reúnem toda a viabilidade econômica e a legislação que amparou toda a

implantação da AÇOMINAS S/A.

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Mapa 2 - Localização regional do projeto da AÇOMINAS

Fonte: Costa (1979)

Dentre a escolha da localização, Souza (1985) frisa que o baixo custo de investimentos

na aquisição de terras foi um fator contributivo, uma vez que em grandes centros urbanos a

terra tem um custo relativamente alto e oneroso. Entretanto Greco e Coutinho (2002) apontam

uma série de variáveis que tornavam a implantação, um projeto questionável.

Não é o objetivo aqui discutir o modelo de industrialização no país, porém é

necessário frisar que a fabricação do aço no país eliminou uma parte considerável da compra

de aço no exterior para alimentar as indústrias de consumo e bens duráveis, por exemplo.

Segundo Souza:

A região de Ouro Branco, situada em eixo estratégico de adequadas distâncias dos

grandes mercados consumidores, eis que nos encontramos em um país de dimensões

continentais, e inserida no Quadrilátero Ferrífero mineiro, congrega todas as

condições indispensáveis para se transformar numa concentração urbano-industrial

de médio porte, com os requisitos de conforto consequentes de um planejamento

específico e atualizado, envolvendo a infraestrutura urbana, educacional, de saúde,

de transporte e de lazer. Por outro lado, é política da empresa maximizar a utilização

de recursos humanos, provenientes da região de influência do projeto, evitando-se

inconvenientes das migrações e preservando a identidade cultural da população da

região. (1985, p.109-110).

Souza (1985) descreve que a empresa tinha por política evitar o processo de migração,

mas obviamente seria impossível, uma vez que a população do município era relativamente

baixa não havia mão-de-obra técnica disponível. Em agosto de 1976, iniciaram-se as obras de

infraestrutura da Usina de Ouro Branco, bem como as obras de terraplanagem da área da

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usina e em dezembro de 1979 as obras de concretagem da usina e de expansão da cidade de

Ouro Branco já superavam 50% do cronograma, segundo o autor.

De acordo com Piquet (1998) em 1978 o custo do projeto em sua fase inicial era de 2,7

bilhões de dólares o que correspondia a construção da usina e da cidade que comportaria

60.000 habitantes, porém com as alterações no cronograma e custos, o valor se elevou para

3,5 bilhões, dos quais 18,3 milhões estavam locados especificamente para a infraestrutura

urbana.

As obras de implantação transcorreram até 1980 sem problemas com recursos

financeiros, todavia, a partir de 1981 com o atraso das obras somado à crise financeira, a

situação só não culminou na paralisação total por intervenção do governador Aureliano

Chaves. Em julho de 1981, a Diretoria da SIDERBRÁS apresentou um novo programa de

implantação para o início das atividades da usina que previa:

- O início das operações em julho de 1982 com o laminador de blocos e placas e a área

metalúrgica (sinterização, coqueria, alto-forno e aciaria);

- A instalação do laminador de tarugos em março de 1983;

- A instalação do laminador de perfis pesados e trilhos em março de 1984 e;

- A instalação do laminador de perfis médios em setembro de 1984.

Entretanto entre os anos de 1981 e 1984 os repasses foram diminuídos gradualmente e

o ritmo das obras decaíram. Souza atribui a “deterioração da economia mundial a partir de

duas crises energéticas e a crise financeira internacional afetou de forma intensa e definitiva a

economia brasileira” (SOUZA, 1985, p.115).

Essa situação exigiu que mudanças fossem feitas na condução da implantação do

projeto da AÇOMINAS S/A, o que provocou a paralisação das obras no início de 1984, visto

a insuficiência orçamentária e a entrada de aportes de forma irregular e inferior aos recursos

aprovados, o que culminou num alto grau de endividamento.

Tabela 7 - Participação dos acionistas na implantação da AÇOMINAS S/A em 1984

Acionista Ações

ordinárias

Ações

preferenciais Adiantamentos

Total

Valor

Cr$Milhões %

SIDERBRÁS 976.977 11.608 308.650 1.297.235 96,9

Governo do

Estado de Minas

Gerais

28.095 _____ _____ 28.095 2,1

Outros 115 12.733 14 12.862 1,0

TOTAL 1.005.187 24.341 308.664 1.338.192 100,0

Fonte: SOUZA (1985)

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A tabela 7 mostra que o Governo Federal e, em especial o governo do Estado de

Minas Gerais, que havia se comprometido em participar com 20% dos recursos próprios a

serem investidos, havia participado apenas com 2,1% do Patrimônio Líquido. Piquet (1998)

alega que esse fato se aplica às necessidades financeiras que ambos os governos enfrentavam

naquele momento e, portanto, exigiam uma revisão no cronograma dos aportes de capital.

Entretanto, Souza (1985) contesta essa afirmação e argumenta a participação do estado de

Minas Gerais como devidamente simbólica, uma vez que desde o período Brasil colônia, a

região tem sido explorada pelas suas riquezas e a construção da AÇOMINAS S/A era

necessária e justa para com o povo mineiro.

O autor ainda acrescenta que:

O subsolo mineiro, desde o início do século XVIII, com o ciclo do ouro, tem

proporcionado imensas riquezas ao país, eis que, integra-se na nacionalidade, é a

primeira vocação das Minas Gerais, sendo certo, todavia, que a legislação fiscal

adotada, através dos tempos, não tem proporcionado, à Minas, adequada e correta

contrapartida. A proporção do Governo Federal, pois, para a construção da Usina do

Alto Paraopeba é uma necessária e justa, ainda que pálida retribuição, ao muito que

o nosso subsolo tem proporcionado à nação. Não procede, assim, conforme

demonstrado, a assertiva de eruditas e respeitáveis publicações acadêmicas no

sentido de que o Estado haja feito excessivos investimentos, no projeto AÇOMINAS

(SOUZA, 1985, p.117).

Uma nova diretoria foi designada pelo Governo Federal em 1984 para estar a frente do

projeto de implantação da AÇOMINAS e junto à diretoria da SIDERBRÁS formularam um

novo cronograma subdividido em duas subfases. Piquet(1998) ressalta que houve onze

adiamentos do início das obras em 1976 até uma nova divisão da operação em duas subfases

com três etapas.

• Subfase A – (1) A primeira etapa iniciada em 27 de fevereiro de 1985 era

composta pela produção integrada. Correspondia à produção de coque e

tarugos e a laminação de lingotes recebidos de outras empresas do sistema

SIDERBRÁS, com a operação também da primeira Bateria de Coqueria para

assegurar o equilíbrio térmico da Usina. (2) A 2ª etapa, que abrigava a

conclusão da metalurgia (sinterização, alto-forno e aciaria) e a operação da

segunda Bateria da Coqueria foi iniciada em 25 de julho de 1986.

• Subfase B – (3) Esta fase compunha a retomada das obras civis e da montagem

das laminações de perfis pesados, médios e trilhos.

Finalmente, em 27 de fevereiro de 1985, foi inaugurada oficialmente a Usina

Presidente Arthur Bernardes, em homenagem ao Presidente da República que em 1924,

segundo Souza, “imortalizou, por sua intransigente luta em defesa das riquezas do nosso

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subsolo, bem como em favor da transformação, delas, em produtos manufaturados, no nosso

próprio território” (1985, p.134).

O autor explana que uma das premissas iniciais do projeto da AÇOMINAS S/A era a

produção de perfis pesados, médios e trilhos, que só foi reiniciada em outubro de 1988

conforme Piquet (1998). Ressalta-se que a siderúrgica foi inaugurada de forma semi-integrada

(foram inaugurados a coqueria, a sinterização, alto forno, aciaria e o laminador de tarugos,

não tendo sido concluída a implantação dos laminadores de perfis médios e perfis pesados),

ou seja, a AÇOMINAS S/A até o momento se apresentava como uma usina produtora de

tarugos, um produto de baixo valor no mercado e isso representou adiante, um fator

contributivo para a privatização. Segundo Greco e Coutinho, “em 1986, os custos do projeto

eram muito elevados, cerca de US$ 7 bilhões, em torno de US$ 5 bilhões de dólares a mais

que o orçamento original de 1976” (2002, p.6).

Bispo afirma que apesar dos adiamentos no cronograma, a AÇOMINAS S/A produziu

em 1989, 2 milhões de toneladas de aço/ano, o que correspondia 12% da produção nacional

do aço. Conforme a autora, “quanto à comercialização de sua produção, 80% tem sido

comercializada com o mercado externo e a produção destinada ao mercado interno apresentou

como principal cliente, no ano de 1989, a siderúrgica Mendes Júnior” (1900, p.19). Além

disso, a autora reforça que nesta primeira fase de implantação da empresa, com a produção de

2 milhões de toneladas de aço em lingotes/ano, a estatal lançou 6.000 empregos diretos e

60.000 indiretos, bem como gerou uma boa arrecadação de impostos direcionados aos cofres

públicos.

Souza (1985) e Bispo (1990) destacam que os moradores do município de Ouro

Branco não compunham de forma expressiva o quadro de trabalhadores da empresa, porque a

cidade com pouco mais de 4.000 habitantes tinha a agricultura da batata como a principal

economia. Logo, esses trabalhadores eram migrantes que eram atraídos para a região em

busca de trabalho e novas oportunidades.

A empresa recém-inaugurada passou a enfrentar problemas financeiros, uma vez que a

fabricação dos produtos finais estava aquém dos índices almejados. Para Greco e Coutinho

(2002, p.07):

[...] a) os vultosos prejuízos operacionais, pois, a usina iniciou a operação

produzindo somente tarugos, um semi-acabado de baixa cotação no mercado, fato

este agravado por contratos de venda altamente prejudiciais à empresa, como, por

exemplo, o contrato de venda de tarugo a preços subsidiados para a siderúrgica

Mendes Júnior; b) uma grande polêmica foi instaurada em relação a montagem dos

laminadores de perfis médios e pesados, que faltavam para término de implantação

da usina; c) a AÇOMINAS não foi planejada para produzir apenas tarugos, como

terminou por fazer, produzindo cerca de 1,6 milhões de toneladas/ano desse produto.

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Não havia mercado desse porte para esse produto a nível mundial, de forma que a

empresa teve que desenvolve-lo, e a solução encontrada foi vender tarugos a baixos

preços agravando mais ainda a situação financeira da empresa.

Diante disso, os autores afirmam que para a empresa não entrar em processo de

falência em 1987, a SIDERBRÁS mediou o saneamento financeiro na empresa, “injetando, na

forma de capital, cerca de US$ 3,4bilhões, restando na empresa uma dívida de somente US$

600 milhões” (2002, p.9). Com isso, foi decidido, em 1988, a montagem dos dois laminadores

que faltavam para findar a implantação do projeto e a previsão era finalizar em 1990.

Novamente, o período de instabilidade econômica do país, os altos custos de obras junto aos

baixos valores de venda dos produtos impactaram severamente a empresa que se viu em um

novo momento de crise.

Neste período, Collor de Mello ao assumir a Presidência da República em 1990,

anunciou o “Plano Brasil Novo” também conhecido como “Plano Collor I” no qual foi

admitido um conjunto de medidas provisórias que contemplavam a intervenção na economia.

Dentre essas medidas tem-se a MP 155 que deliberou sobre o Programa Nacional de

Desestatização (PND), cujo objetivo era a reordenação estratégica do Estado a fim de

contribuir através da transferência de atividades exercidas pelo setor púbico à iniciativa

privada, com o saneamento das finanças públicas e a redução da dívida pública52. A situação

financeira da siderúrgica AÇOMINAS S/A fez com que ela fosse incluída no programa de

privatização.

Uma nova diretoria formada por funcionários CEA (Clube de Participação Acionária

dos Empregados da AÇOMINAS) foi intitulada pelo Presidente Collor e várias situações

foram encontradas como o excesso de funcionários contratados por indicações políticas,

diretorias compostas anteriormente por políticos ou indicada sob esses critérios, as obras de

implantação superfaturadas, boas vendas, mas com orçamentos e contratos deficientes e um

prejuízo operacional elevado, principalmente com a instalação dos laminadores de perfis

médios e pesados instalados em 1988. Aliás, essa instalação impulsionou a contratação de

cerca de mais 5.500 funcionários, porém as decisões tomadas pelo Governo Federal como

abordam Greco e Coutinho, apontam o corte de 45% no número de funcionários que passou

11.500 em 1988 para 6.500 em 1993 e uma renegociação da dívida com a Siderúrgica Mendes

Júnior, cujos contratos causavam um prejuízo anual de US$ 40 milhões, além da paralisação

da instalação dos laminadores. Os autores afirmam que todas essas ações tornavam a empresa,

uma usina viável e foi privatizada em 1993 e “o leilão foi disputado por três grandes

52 Ao todo, no período de 1990 a 1992 houve a inclusão de 68 empresas no Programa a serem desestatizadas, das

quais 18 nos setores de siderurgia, petroquímica e fertilizantes.

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consórcios, um liderado pelo grupo Mendes Júnior, outro pelos grupos Gerdau/Usiminas e o

terceiro pela ACESITA.” (2002, p.9). O consórcio liderado pelo grupo Mendes Júnior foi o

vencedor e arrematou por US$ 598,5 milhões. Com a privatização, cerca de mais 1.000

funcionários foram demitidos.

Greco e Coutinho abrem uma questão muito pontual, uma vez que a Mendes Júnior

usou como estratégia a compra da AÇOMINAS para evitar a insolvência da própria Mendes

Júnior que se encontrava também em situação financeira crítica, mas com incentivos do

governo federal e estadual a compra foi efetivada. Ao fim, o valor total foi de

aproximadamente US$800 milhões, já que a Mendes Júnior herdou uma dívida líquida da

AÇOMINAS na ordem de US$ 200 milhões53.

A fusão das empresas Mendes Júnior/AÇOMINAS não deu certo, porque a

arrematadora do leilão viu na AÇOMINAS uma fonte de recursos, mesmo que ela

apresentasse uma dívida líquida de responsabilidade da Mendes Júnior e acionistas. Os

trâmites financeiros indicavam que a empresa Mendes Júnior não tinha capacidade de dirigir a

empresa apesar de controlar 31% do capital e os acionistas decidiram por afastar a empresa,

deixando a AÇOMINAS com uma dívida líquida de US$ 500 milhões.

Em 1994 uma nova diretoria assumiu a empresa, porém a mesma se encontrava sem

recursos financeiros e quase falida segundo Souza (1985). Diante disso, foi decidido pela

diretoria que era necessária uma nova demissão em massa de 1.500 funcionários, diminuindo

o quadro a 4.000 trabalhadores no fim de 1996. A diretoria passou então a procurar novos

acionistas para capitalizarem a AÇOMINAS, dentre elas, a Belgo-Mineira, a USIMINAS que

foi privatizada em 1991, o grupo Gerdau e a empresa NATSTEEL. A AÇOMINAS foi

avaliada em US$200 milhões, por ter uma dívida líquida alta e estava à beira da falência. O

grupo GERDAU e a NATSTEEL assumiram e passaram a controlar 30% do capital e a

diretoria manteve-se junto ao CEA que era a direção criada pelos funcionários na gestão do

Collor. Novas crises econômicas, mudanças de mercado e dificuldade de diálogo entre as

empresas que capitalizaram a AÇOMINAS foram o estopim para uma nova busca de aportes

financeiros. Segundo Greco e Coutinho (2002, p.14), “após esse novo aporte de capital,

realizado em 1999, os principais sócios passaram a ser: grupo GERDAU com posse de 36%

do capital total, NATSTEEL com 24,12%, Banco Econômico com 17,1% e o CEA 10%”.

Os autores relatam que:

53 Conforme Greco e Coutinho (2002) ao fim do leilão, a Mendes Júnior firmou acordos individuais de acionistas

com os demais membros do consórcio: CEA (funcionários), BCN, Banco Econômico, AÇOS VILLARES,

CVRD e os bancos do estado de Minas Gerais (BEMGE/ CREDIREAL). Esses acionistas juntos possuíam cerca

de 91% do capital total da empresa.

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No ano de 2000 novas negociações foram efetuadas e no final deste ano o BACEN,

que administra a massa falida do Banco Econômico, resolveu vender a participação

que possuía na AÇOMINAS, de 17, 1% do capital total, que foi adquirida pelo

grupo GERDAU, em dezembro de 2001, por cerca de R$ 426milhões, com o grupo

Gerdau assumindo, de direito, o controle acionário da AÇOMINAS. (GRECO E

COUTINHO, 2002, p. 15).

A relação da GERDAU Açominas e seus funcionários é de um contínuo processo de

demissões ainda que em 2006, a empresa tenha apresentado um aumento de produção de 3

milhões toneladas/ano para 4,5 milhões de toneladas/ano. Uma das ações realizadas em 2006

foi finalizar os trabalhos da área administrativa da empresa de modo que o grupo GERDAU

passou a ser responsável e isso reduziu o quadro de funcionários para cerca de 2000

colaboradores, o que agravou a situação socioeconômica do município.

Para Costa e Costa (1998, p.66) “a chegada de um grande projeto desta natureza em

uma região de incipiente densidade econômica e populacional, como era a região de Ouro

Branco, significou impactos negativos sobre as atividades econômicas até então existentes” e

a falta de outras atividades econômicas no município é a raiz de muitos impasses os quais o

poder público municipal em conjunto com a população, precisam transpor. Em síntese, um

projeto como o da implantação da AÇOMINAS traz consigo um impacto desestruturador,

tanto nas relações socioeconômicas quanto no espaço, já que impulsiona a criação de uma

série de novas formas e organizações espaciais num processo crescente de exclusão.

Na concepção de Diniz (1999), o processo de privatização das empresas estatais

brasileiras foi um dos mais acelerados e abrangentes na história da economia mundial, tanto

que Pereira (2007) e Soares (2002) acrescentam que os governos anteriores preservaram essa

política de abertura externa ao capital estrangeiro e de privatizações. Soares (2002) pontua

ainda que a privatização do setor siderúrgico se demonstrou relevante no sentido de

solucionar o problema financeiro que acometia o país, porém acirrou-se, no entanto, uma

concorrência entre a economia brasileira e o mercado global, impulsionando o país a investir

em tecnologia a fim de dinamizar a produtividade, formar novos grupos empresariais e

também elevar a qualidade dos produtos.

Dieese (2012) e Cunha (2001) acrescentam que as mudanças que culminaram a

reestruturação produtiva e de ordem patrimonial foram impulsionadas pelas privatizações no

setor siderúrgico. O BNDES passou a investir na produção e enobrecer a linha de produtos,

além de promover a inserção de tecnologias. O DIEESE (2012) aponta no que tange a ordem

patrimonial, a reorganização societária, incluindo fusões, aquisições internas e incorporação

de empresas coligadas.

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Dulci (2002) por sua vez, explana sobre as elites regionais que exerciam influência

direta sobre as empresas até então públicas, de acordo com os arranjos políticos do cenário.

Essas empresas estatais exerciam o papel de agências de desenvolvimento, mas com a

privatização abdicaram-se da responsabilidade de realizar investimentos e promover o

desenvolvimento socioeconômico dos municípios e regiões nos quais estão inseridos.

O município tornou-se uma cidade “mono-industrial conforme a definição de Costa

(1979) ou “cidade-empresa” conforme Piquet (1998), uma vez que a cidade com base urbana

precária no que diz respeito aos serviços públicos existentes e com a economia municipal

baseada na agricultura da batata, desenvolveu-se a partir da implantação da AÇOMINAS S/A

com a economia segmentada em função exclusivamente da siderúrgica, criando, sobretudo,

uma “cidade privada” para acolher os trabalhadores que migravam para a região em busca de

trabalho e uma “cidade pública” onde se acumulavam o restante da população.

Em razão disso, o próximo capítulo fará uma abordagem sobre a concepção do projeto

urbanístico progressista proposto pela Fundação João Pinheiro e executado pela AÇOMINAS

no município de Ouro Branco, ressaltando, sobretudo, a segregação socioespacial produzida

em função da organização do espaço de acordo com a classe e a função desempenhada pelo

trabalhador na empresa. Posteriormente apresenta-se uma leitura comparativa acerca dos

zoneamentos propostos na Lei de Uso e Ocupação do Solo – LUOS elaborada pela Fundação

João Pinheiro em 1978 sendo o suporte técnico da AÇOMINAS S/A e a LUOS elaborada em

2010 pela Fundação Israel Pinheiro, sendo suporte do poder público municipal. Por fim, uma

narrativa sobre os impactos que a implantação da empresa refletiu na cidade, bem como sua

privatização que significou uma renúncia da empresa para com o município no que diz

respeita ao desenvolvimento social e econômico, estando a cargo exclusivo do Poder público

municipal.

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4 UM DEBATE ACERCA DOS VAZIOS URBANOS VERSUS A FUNÇÃO SOCIAL

DA PROPRIEDADE

A implantação da siderúrgica AÇOMINAS S/A na década de 1970 em Ouro

Branco representou uma transformação na economia do município e região, mas produziu

também uma ressignificação nas relações sociais e no espaço, determinando o espaço

urbano como o substituto do espaço natural, ou seja, o valor de troca sobrepôs o valor de

uso ao passo que a mão-de-obra e a terra são consideradas mercadorias no capitalismo, e a

divisão do trabalho é responsável pela recriação do espaço, bem como expõe Lefebvre

(1999), Castells (1983) e Carlos (2016). Sob a perspectiva econômica, a divisão do

trabalho enunciou também uma divisão de classes, que por sua vez, têm a essência

transposta para o espaço a fim de organizá-lo racionalmente segundo os interesses do

capital.

Este capítulo é dividido em três momentos e tem por objetivo expor uma análise

descritiva e crítica sobre a produção do espaço urbano de Ouro Branco elaborada por dois

atores e momentos distintos: a AÇOMINAS S/A na década de 1970 e o poder público

municipal em 2007 no ato da instituição do Plano Diretor Municipal. Essa compreensão

faz-se necessária, uma vez que muitos dos impasses que o município hoje apresenta em

seu quadro atual, têm suas raízes arraigadas no planejamento urbano e o Poder público

municipal tem como prerrogativa buscar soluções que sejam compatíveis à realidade de

Ouro Branco.

Como o município na década de 1970 não dispunha de infraestrutura necessária

para acolher os trabalhadores que migravam para a região em busca de trabalho, coube a

AÇOMINAS S/A implantar um espaço para acolher a mão-de-obra necessária à sua

produção. Nessa direção, a Fundação João Pinheiro foi a instituição técnica que elaborou

o Plano de Desenvolvimento urbano – PDU e a LUOS/1978. No entanto, o plano

urbanístico proposto tem sua base fundamentada nos princípios do urbanismo

progressista, como também foi submetida a cidade de Ipatinga após a instalação da

USIMINAS, conforme descrito no capítulo 2 desta pesquisa. A seção 4.1 tende a elucidar

como se deu a implantação do projeto urbanístico proposto pela AÇOMINAS S/A À Ouro

Branco, sob a ótica da ocupação espacial segundo a divisão do trabalho e a hierarquização

das classes.

O segundo momento aqui apresentado traz à luz uma correlação acerca dos

zoneamentos propostos para as áreas urbanas e de expansão urbana que não foram

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ocupadas conforme o previsto na LUOS/1978 e se mantêm praticamente com a mesma

configuração ainda que o Poder público municipal tenha instituído no município um Plano

Diretor (PD/2007), e a LUOS/2010 em conformidade com a Constituição Federal de

1988, a Lei de Parcelamento do solo urbano (6.766/79 alterada pela Lei 9.785/99) e o

Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01). Salienta-se que o Plano Diretor foi construído entre o

Poder público municipal, a população e a sociedade civil, com o apoio técnico da

Fundação Israel Pinheiro.

O terceiro e último momento tem como objetivo propor uma leitura para maior

compreensão dos inúmeros vazios urbanos existentes na cidade, fruto do planejamento

urbanístico progressista executado na década de 1970 e também de um jogo de forças

atuantes entre o direito à cidade e à propriedade enquanto espaço físico e social, além de

também representar um quadro patrimonial e ser um instrumento de especulação

imobiliária, uma vez que boa parte das terras urbanas são de propriedade da Gerdau

Açominas e de proprietários fundiários que são também, agentes imobiliários.

E agora? Como o Poder público municipal tendo instituído um Plano Diretor o

qual incorpora os instrumentos urbanísticos previstos na Lei Federal 10.257/2001, pode

romper a lógica da propriedade privada a fim de que a propriedade exerça sua função

social no meio, se o município depende economicamente da empresa?

4.1 A cidade-empresa: da concepção à implantação do projeto urbanístico proposto

pela Açominas ao município de Ouro Branco

Observa-se, principalmente na trajetória histórica urbano-industrial no Brasil, que os

processos de formação e expansão urbana a partir da implantação de projetos geradores de

novos empregos caminham junto à fixação de pessoas diretamente envolvidas na sua

construção e operação e ocorre sempre, paralelamente, intensa polarização migratória. Essa

população é atraída por melhores condições de vida e por novas oportunidades de trabalho em

vários tipos e níveis de atividades e a aglomeração populacional, no entanto, gera um rápido e

desordenado assentamento, conflitos sociais e especulações imobiliárias que impactam

diretamente na organização do espaço urbano.

Nessa direção, Ouro Branco e também Congonhas e Conselheiro Lafaiete

experimentaram grandes transformações socioeconômicas, populacionais e espaciais com a

implantação da AÇOMINAS S/A, sobretudo o município de Ouro Branco, que apresentava

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em 1976 uma preponderância de população rural sobre a urbana54. Isso revela que a área

detinha um baixo nível de urbanização, taxas positivas de evasão populacional e com a

implantação da empresa esse quadro mudou drasticamente, pois representou não somente o

desenvolvimento econômico da região do Vale do Paraopeba com expressão para o Estado de

Minas Gerais, mas desencadeou um aumento populacional considerável que não é explicado

apenas pelos fluxos migratórios da população rural em direção à área urbana ocorrido

comumente nas décadas de 1970 a 1990 no país, mas também pela migração populacional de

várias regiões do país em direção à região em virtude da implantação da estatal.

A tabela 8, a seguir, mostra a estrutura populacional entre as décadas de 1970 a 1990,

conforme o Anuário Estatístico Estadual com dados estimados e fornecidos pelas prefeituras

municipais à Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais.

Tabela 8 - A população nos municípios de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e Ouro

Branco nas décadas de 1970, 1980 e 1990 1970 1980 1990

Municípios Urbana Rural Total Urbana Rural Total Urbana Rural Total

Congonhas 13.034 7.340 20.374 23.802 6.934 30.776 48.100 6.900 55.000

Cons.Lafaiete 45.507 5.453 50.960 66.945 5.493 72.438 114.500 5.500 120.000

Ouro Branco 2.409 3.920 6.329 8.392 3.811 12.203 46.200 3.800 50.000

TOTAL 60.950 16.713 77.663 99.139 16.238 115.417 208.800 16.200 225.000

Fonte: SEPLAN/SEI v.5. Adaptado de Bispo (1990)

Observa-se que a PMOB (Prefeitura Municipal de Ouro Branco) emitiu ao Anuário

Estadual, uma população de 50.000 habitantes no ano de 1990. Uma provável hipótese é a

somatória da população residente junto ao fluxo pendular já que muitos trabalhadores diretos

e indiretos da AÇOMINAS S/A não residiam efetivamente no município de Ouro Branco. A

população rural, sobretudo, manteve-se estável nos três municípios e nas três décadas

consideradas. Deduz-se, portanto que a taxas de crescimento da população urbana estava

diretamente associada à implantação da siderúrgica.

Tabela 9 - Taxa de crescimento dos municípios de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e

Ouro Branco Urbana Rural Urbana Rural Total Total

Municípios 1970/1980 1970/1980 1980/1990 1980/1990 1970/1980 1980/1990

Congonhas 82,6 -5,5 102,0 0 51,0 78,7

Conselheiro Lafaiete 47,1 0,7 71,0 0 42,1 65,7

Ouro Branco 248,4 -2,8 450,0 0 92,8 399,7

TOTAL 62,7 -2,8 110,6 0 48,6 94,9

Fonte: Anuário Estatístico de Minas Gerais, Belo Horizonte. SEPLAN/SEI v.5

54 Costa e Costa (1998) afirmam que a implantação da AÇOMINAS S/A em Ouro Branco significou também

uma reestruturação econômica e socioespacial nos municípios de Conselheiro Lafaiete e de Congonhas, que

passaram a formar, em conjunto com Ouro Branco, uma base urbana única com funções ora complementares, ora

competitivas.

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Percebe-se na tabela 9 que os municípios de Ouro Branco e Congonhas apresentaram

as maiores taxas de crescimento, no entanto o município de Conselheiro Lafaiete teve o maior

aumento absoluto de contingente populacional. Uma hipótese provável é o fato de que

Conselheiro Lafaiete, desde a década de 1970, possui o maior número de serviços e atividades

terciárias da região do Alto Paraopeba, ao contrário de Ouro Branco, que somente em meados

de 1970 é que passou a receber equipamentos e a ter serviços implantados para atender as

necessidades da empresa, bem como de seus funcionários e familiares.

Como já exposto anteriormente no tópico 3.1 desta seção, a base urbana que

compunha o município de Ouro Branco era extremamente deficitária e não possuía condições

de infraestrutura para abrigar toda essa população que se instalava na região. Neste

intermédio, em 1976 foi criado pela diretoria da AÇOMINAS S/A, a Gerência de

Desenvolvimento urbano, tendo a FJP (Fundação João Pinheiro) como a instituição

encarregada de realizar os estudos e definir as diretrizes de desenvolvimento urbano da área

envolvida pela implantação da siderúrgica e indicar ainda, medidas de curto prazo para a

expansão planejada dos núcleos urbanos diretamente afetados e/ou de um novo núcleo.

Segundo Piquet (1998) as terras da Açominas somavam-se um grande número de

propriedades (430 adquiridos de proprietários e 26 unidades repassadas à empresa estatal por

parte do governo do estado de Minas Gerais e Federal) para a implantação do plano

urbanístico. Além disso, a essa gerência cabia também o desmembramento de áreas rurais e o

reagrupamento das mesmas em áreas urbanas.

A elaboração deste estudo feito pela Fundação João Pinheiro culminou nos Termos de

Referência de Ocupação do solo,55 conforme FJP (1976), no PDU (Plano de Desenvolvimento

urbano) realizado pelo mesmo instituto em 1978 e na LUOS (Lei de uso e ocupação do solo),

também de 1978, que seguia os pressupostos norteadores de vários planos urbanos em

diversos municípios, elaborados para acolher uma grande empresa.

Conforme Costa e Costa (1998, p.66-67), desde a década de trinta, com a construção

da vila operária da CBSM em João Monlevade, “pode-se acompanhar a sistemática produção

de espaços urbanos, com maior ou menor grau de autonomia como base de apoio à

implantação da siderurgia em Minas Gerais”. A ACESITA em Timóteo e a USIMINAS em

Ipatinga também são exemplos de núcleos urbanos que expandiram em função da implantação

de empresas com o objetivo de acolher as necessidades da indústria, consideradas, entretanto,

55 O estudo tem como partido a suposição de uma taxa de crescimento vegetativo de 2,3% ao ano para as áreas

urbanas estimado para o crescimento da população, sem interferência de migração, baseando-se nos dados do

IBGE – Censo 1970 (FJP, 1976, p.12).

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cidades-empresa. A proximidade das duas empresas configura a região que é conhecida como

“Vale do Aço.”

Segundo a FJP (1976) o planejamento urbano proposto para Ouro Branco

contemplaria os princípios do urbanismo progressista.56 Para tanto, a concepção do plano

aborda alojamento e integração de uma população que passaria conforme as pretensões do

projeto, de 4.000 para 60.000 habitantes até 1985 e vinte anos após a população seria de

180.000 habitantes, tendo 80% da usina localizada no perímetro da cidade vizinha de

Congonhas. Salienta-se que entre os anos de 1976 a 1981 a implantação da empresa não

contava com redução de aportes financeiros e, como exposto no tópico 3.2 desta seção, houve

onze adiamentos na inauguração da empresa de 1924 a 1985, quando foi oficialmente

inaugurada. De todo modo, o projeto urbanístico deveria ser equacionado em torno das

necessidades da usina, logo a localização, a dimensão, a distância em relação ao núcleo

urbano de Ouro Branco e o cronograma de implantação da siderúrgica foram as

condicionantes na elaboração do plano, o qual a princípio admitiria na infraestrutura um custo

de US$ 200 milhões.

Segundo a FJP (1978), o solo do município de Ouro Branco seria dividido em:

• Área de Função Urbana (destinada ao planejamento da expansão da cidade);

• Área de Função Industrial (destinada a delimitar os domínios físicos da instalação da

usina);

• Área de Função de Preservação (destinada à conservação ambiental da área constituída

pela Serra de ouro Branco);

• Área de Função Agrícola (destinada à preservação e desenvolvimento das atividades

agropecuárias).

A seguir, a divisão do solo urbano de Ouro branco, conforme FJP (1978)57.

56 O tópico 1.2 apresenta um referencial teórico com base nestes princípios, bem como as críticas a essa forma de

planejamento, dispostas por Lefebvre, Harvey, Choay, Jacobs e demais autores. Cabe reter a informação de que

no tópico 2.2 também foi realizada uma abordagem geral sobre como essa concepção urbanística foi introduzida

nos municípios de João Monlevade, Itabira e Ipatinga. Ressalta-se que a organização espacial de Ipatinga tem

muito em comum com a proposta para o município de Ouro Branco, uma vez que a USIMINAS foi consultora

da AÇOMINAS em seu período de implantação. Por fim, salienta-se que os arquitetos urbanistas Tony Garnier

(propôs o modelo de cidade industrial), Ebenezer Howard ( propôs o modelo de cidade-jardim) e Le Corbusier

(formatou os princípios do urbanismo modernista progressista na Carta de Atenas) foram referências teóricas

para os projetos urbanísticos propostos tanto para Ipatinga, pelo arquiteto Rafael Hardy Filho, como para Ouro

Branco, através do corpo técnico da Fundação João Pinheiro. 57 Para maiores detalhamentos do mapa conforme PDU/1978, ver ANEXO A

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Mapa 3 - Localização Usina e configuração da estrutura urbana do município de ouro

Branco

Fonte: Plano de Desenvolvimento urbano de Ouro Branco. FJP (1978)

A área a que a FJP (1978) designou como função industrial corresponde às instalações

da usina e outras indústrias pesadas relacionadas ao processo siderúrgico e com integração

exclusiva à AÇOMINAS S/A. Ao redor foi projetado um cinturão verde com função de

isolamento acústico e dos gases produzidos pela empresa, prevendo a qualidade de vida e a

proteção ao meio ambiente. Costa (1979, p. 83) afirma que a nova cidade “é capaz de

absorver cerca de 400.000 habitantes, sendo 250.000 na Zona Urbana, mais 150.000 na zona

de expansão urbana”.

Dentro do planejamento, a FJP fez as proposições segundo o patrimônio imobiliário da

Açominas que era da ordem de 13.023 hectares, distribuídos da seguinte forma na tabela 10:

Tabela10 - Patrimônio imobiliário da AÇOMINAS em 197958

Especificação ha Especificação ha

Loteamentos 120 Usina 814

Lago Soledade 336 Cinturão verde 1.739

Infraestrutura 125 Lago Soledade 320

Sedes de fazenda 10 Infraestrutura 889

Reserva Técnica 3.477 Arrendamento 721

Reserva Técnica 4.472

Total 4.068 Total 8.955

Fonte: Piquet (1998)

58 Cabe reter a informação de que já em meados da década de 1970, a AÇOMINAS S/A já detinha a massiva

quantidade de áreas urbanas e de expansão urbana em virtude da compra de terrenos em 1976 e da doação

recebida pelos governos do estado e Federal, como exposto por Piquet (1998) e relatado na página 90 deste

estudo.

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Segundo Bispo, “percebe-se que o Plano de Desenvolvimento urbano – PDU, gerou

uma profunda modificação no uso do solo urbano local na medida em que estabeleceu uma

ampliação do núcleo urbano e a criação da zona de expansão urbana.” (1990, p.26). Piquet

(1998) afirma que a execução do PDU se deu em etapas, de modo a atender as prioridades em

função dos recursos disponíveis. Em paralelo à construção da usina, o destaque é dado aos

projetos habitacionais que abrigariam os trabalhadores e seus familiares.

Os princípios do urbanismo progressista conforme designado por Choay (1992), é

regido dentre alguns conceitos, pela Carta de Atenas (1933)59 e prevê a setorização da cidade,

sem a amplitude dos usos e da diversidade.

No que diz respeita às edificações, a FJP (1978), classifica-as como:

I - Residencial;

II - Comercial/Serviços;

III - Institucional;

IV - Industrial;

V - Recreação/Lazer

A pertinência da crítica ao urbanismo progressista repousa-se dentre outros

apontamentos, sobre a moradia ao sentido único de habitação como criticado por Lefebvre,

Castells e Harvey, demonstrado na seção 1.2 deste ensaio. Uma das referências teóricas que

embasou o projeto habitacional proposto pela FJP foi a de Wilheim, onde:

[...] No primeiro momento tem ela a função de abrigo: o abrigo é a condição mínima

para a constituição de uma família nova, ou para a chegada de um imigrante. Neste

primeiro momento, a sobrevivência é garantida pelo emprego e não pela habitação.

Garantida a sobrevivência, passa-se ao segundo momento ou função da habitação: o

da garantia da fixação na cidade. Esta fixação urbana é ardentemente desejada; sua

obtenção é uma conquista, uma vitória, para toda família que se urbaniza. Num

terceiro momento a fixação de domicílio, através da obtenção da casa própria,

fornece um endereço, atributo importante para caracterizar a situação de residente

urbano. Este momento define uma vida de relação mais estável na vida societária do

imigrante, inserindo-o numa vizinhança. "Num quarto momento, a casa própria abre,

finalmente, o caminho dos crediários. Conclui-se assim o processo de urbanização,

de homogeneização do imigrante na sociedade urbana na qual ele ambiciona

integrar-se. Finalmente, quinto e ocasional momento, não se pode esquecer que a

casa própria permite sua utilização como eventual fonte de renda adicional.

(WILHEIM apud FJP (1978, p.41-42)

O objetivo do plano era propor uma cidade saudável segundo a AÇOMINAS S/A e

“atender o maior tráfego entre os pontos extremos da cidade, sendo as relações trabalho-

moradia, moradia-comércio, moradia-serviço, moradia-educação e lazer, assim como o

tráfego de penetração e conexão da cidade com as demais cidades no entorno” (AÇOMINAS,

1980). Observa-se que essa definição remete aos princípios da carta de Atenas de Le

59 Sobre a Carta de Atenas, ver páginas 39-41 nas referidas notas de rodapé.

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Corbusier, cuja cidade deve ser dividida segundo as funções de circulação, recreação, moradia

e trabalho.

Além disso, as diretrizes urbanas segundo a FJP (1978) apontam que a localização das

moradias se daria no âmbito econômico, ou seja, a renda e consequentemente a função

desempenhada na empresa eram as variáveis na produção e reprodução do espaço, de modo

que a organização da empresa de caráter capitalista e hierárquico transpôs para o espaço a

mesma lógica segregadora interna à empresa.

Esse fato corrobora com a teoria de produção do espaço de Gottdiener (1997), cujo

espaço produzido é capaz de reproduzir as relações sociais necessárias à sobrevivência do

capitalismo, ou seja, as relações sociais que regem a divisão do trabalho adéquam-se à forma

pela qual o espaço é usado para adquirir riqueza. Goffman (1963) afirma que a própria

sociedade capitalista estabelece meios de categorizar as pessoas e a classe é um dos artifícios

utilizados. Lefebvre (2008) por sua vez, afirma que a hierarquização das classes é disposta

também no desenho espacial retratando desigualdades, segregações e interseccionalidades.

Para estes autores, as classes são hierarquizadas sob a perspectiva econômica e, portanto, os

indivíduos da mesma classe (com poder aquisitivo similar) são organizados segundo o

ordenamento na indústria.

Estas habitações construídas pela AÇOMINAS S/A, inicialmente eram locadas aos

trabalhadores em regime de cobrança de aluguéis conforme o valor de mercado, como indutor

à aquisição da casa própria. O mesmo ocorreu em Ipatinga no advento da implantação da vila

operária da USIMINAS como expõe Mendonça (2006).

Conforme o ANEXO B, a região central do município (setor 01) dita como “cidade

antiga” compunha apenas um dos 10 setores (bairros) da nova zona urbana criada pelo PDU

que abrangia, entretanto, um total de 2.200 hectares. Os outros nove setores que compõe a

zona de expansão urbana têm conforme o projeto, 2.900 ha. Os dezenove setores totalizam

5.100 ha e as áreas seriam ocupadas por etapas conforme a demanda de ampliação da cidade.

Os primeiros setores que receberam a urbanização imediata foram60:

- Setor 8 – Destinado à população de renda baixa (bairro 1º de Maio);

- Setor 4 – Destinado à população de renda média (bairro Siderurgia);

- Setor 10 – Destinado à população de renda média e alta (bairro Pioneiros);

- Setor 17 – Destinado à população de renda alta (bairro Inconfidentes).

A ordem cronológica das construções conforme o Plano de Desenvolvimento urbano

seria inicialmente dos setores 4, 8 e 10 para atender os empregados ligados à implantação da

60 Ver localização dos setores no Anexo B.

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usina. Posteriormente o setor 17 e a finalização do setor 8, conforme a tabela 11. Cabe citar

que entre os anos de 1976 a meados de 1980, os trabalhadores ocupavam alojamentos (de

tábuas de madeira) construídos para acolher o operariado ligado à construção da usina e a

implantação da infraestrutura urbana. Conforme Souza (1985), estes alojamentos chegaram a

abrigar 21.000 homens no pico das atividades da obra, divididos entres os municípios de

Congonhas e Ouro Branco, visto a pequena distância de ambas à área industrial.

Tabela 11 - Áreas urbanizadas – Fase I – 1976 a 1984

Setor Áreas para habitações

unifamiliares (m²)

Áreas para habitações

coletivas (m²)

Áreas para equipamentos

(m²)

4 388.355 53.478 216.178

8 278.937 25.406 156.600

10 653.090 28.996 236.898

17 323.285 23.859 46.021

Total 1.643.667 131.739 655.697

Fonte: Piquet (1998)

Além da renda e a função desempenhada na empresa serem as variáveis que definiam

o bairro que o trabalhador e sua família deveriam ocupar, as unidades residenciais tinham

variações de área de 50m² a 204m².

A alegação do PDU para os critérios estabelecidos na determinação dos setores a

serem ocupados pelos indivíduos e seus familiares é a distância trabalho-moradia, conforme

as necessidades da empresa. Os trabalhadores com baixa renda deveriam residir bem próximo

ao trabalho, principalmente porque as operações da AÇOMINASS/A – da implantação ao

processo produtivo, necessitavam exclusivamente de mão-de-obra e ainda que houvesse

falhas no transporte dos funcionários até a empresa, eles podiam caminhar até à siderúrgica

como expõe Bispo (1990). O bairro Primeiro de Maio (setor 8) exemplifica bem isso, pois

este setor acolhia os trabalhadores denominados operários, cuja função era em geral,

operadores mecânicos das máquinas e manutenção. As casas eram do tipo geminadas com um

ou dois andares, os quais eram chamados por “casas baixas” e “predinhos”, respectivamente.

Os “predinhos” tinham a variação de serem duas casas geminadas integradas (quatro

dormitórios), ou separados por uma parede (dois dormitórios cada), o que é comum em

construções com tipologias de baixo padrão. Piquet (1998) afirma que a proximidade da

moradia dos operários em relação à produção é uma estratégia dos donos de meios de

produção para assegurar a assiduidade dos operários, assim como a sua pontualidade, já que a

mão-de-obra é que garante a produção e o consequente acúmulo de capital. Um fato curioso é

que as casas dos respectivos bairros não foram construídas tendo a garagem como um

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componente presente em grande parte das construções e na parte posterior dos lotes, haviam

bananeiras plantadas e diversas árvores frutíferas como uma forma de contribuir na garantia

de alimento à cada família. Nos registros do PDU não consta essa afirmação, mas é um

apontamento das diversas entrevistas realizadas nessa pesquisa.

[...] As casas aqui no Primeiro de Maio eram iguaizinhas, todas pintadas de branco.

A gente tinha que ficar esperto pra não chegar da usina e entrar na casa de outros

moradores. As árvores também eram da mesma espécie, tudo padronizado e a gente

morava aqui porque éramos os chamados “peão de chão de fábrica.” Minha função

era mecânico na Aciaria e eu moro até hoje no mesmo “meio-predinho” porque só

tenho meio lote e só não tenho mais, as três bananeiras no quintal. Fiz uma reforma

quando aposentei e só. De resto, tenho até quase a mesma vizinhança.”(Entrevistado

07. Entrevista concedida em 12/06/2018).

Já para os moradores do bairro Siderurgia (setor 4) compunham o quadro de

funcionários ligados à produção siderúrgica. O PDU adotou a argumentação de que esse

grupo de trabalhadores era dotado de maior mobilidade visto o maior potencial aquisitivo,

logo a proximidade de emprego era importante, mas não básica. Essas unidades residenciais

possuíam maior área (em m²) se comparada às unidades residenciais do Bairro Primeiro de

Maio, além de melhores acabamentos internos e externos e maior afastamento frontal da

edificação em relação à rua, que figuravam como fatores básicos. O bairro Siderurgia além de

ter mais proximidade com a região central do município dispunha de melhor abastecimento

alimentício nos comércios localizados na via de ligação, Avenida Mariza de Souza Mendes,

dotada de árvores frutíferas e com a função de interligar os bairros Siderurgia, Pioneiros e

Inconfidentes. Neste bairro moravam os trabalhadores com maior nível de escolaridade que os

trabalhadores do bairro Primeiro de Maio, mas com nível de escolaridade inferior aos

trabalhadores que eram locados nos bairros Pioneiros e Inconfidentes. Era em geral o bairro

que os técnicos em metalurgia, mineração e afins, além de encarregados dos setores da usina,

residiam com seus familiares. Importante citar que quanto mais alto o nível de escolaridade,

maior o cargo ocupado na empresa e portanto, fazia-se a divisão das unidades habitacionais,

obedecendo a perspectiva econômica.

Quanto mais se estudava e maior o cargo, melhor o bairro [...] Meu marido é técnico

em metalurgia. Estudou na Escola técnica de Ouro Preto e viemos de Monlevade pra

cá com os meninos tudo pequeno ainda. Meu cunhado era operador de máquina e

morava no Primeiro de Maio. Lá não tinha nem mercado e tudo eles tinham que vir

pro lado de cá. Eles não tinham carro e eles vinham fazer compra no “Cobal” e meu

marido levava de carro quando chegava da usina, isso quando não dobrava e ficava

dias lá dentro da Açominas.[...] quando distribuíram as casas a gente recebeu essa

que era melhor do que a do meu cunhado porque o lote é de 360m² e tem comércio

aqui na avenida Mariza.[...] Só se podia mudar de bairro se o cargo do funcionário

subisse. A gente mora no mesmo lugar desde que chegamos aqui, mas meus

meninos não. Eles foram embora estudar e não voltaram, porque não tem emprego

pra eles aqui, nem na Açominas e nem na prefeitura.” (Entrevistado 10. Entrevista

concedida em 01/06/2018)

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Os bairros Pioneiros e Inconfidentes eram destinados a abrigar os trabalhadores cuja

renda era mais elevada se comparada aos trabalhadores que residiam nos bairros Siderurgia e

Primeiro de Maio. No bairro Pioneiros moravam os supervisores e engenheiros. Muitas das

residências do bairro Inconfidentes são expostas como mansões pelo PDU e acolhiam a

diretoria da usina, os engenheiros, médicos e advogados. Ambos os setores são localizados

um pouco distante da usina e com vista privilegiada para a Serra de Ouro Branco e o Lago

Soledade. Além de terem maior mobilidade, os funcionários não trabalhavam diariamente

com a carga horária elevada como os operários de produção, por isso conforme o PDU não

precisavam residir próximo à empresa. A seguir as tabelas 12 e 13 exemplificam a relação

entre a disposição dos trabalhadores nos setores urbanos conforme a renda e a tipologia da

habitação. O ANEXO B apresenta a folha 32/41 do PDU, contendo os setores e a ocupação

populacional nos mesmos conforme as rendas obtidas pelos funcionários na empresa.

Tabela 12 - Distribuição parcial da população por tipos de habitação e faixas de renda

Faixas Renda

(Salário Mínimo)

Tipo de habitação (%)

Mansões Casas Apartamento

2 quartos

Apartamento 3

quartos

Apartamento 4

quartos

A-1 >30 10 60 20 10

A-2 15 a 30 50 10 15 25

B 10 a 15 43 24 28 5

C 5 a 10 40 30 30

D 1 a 5 65 25 10

E Até 1 100

Fonte: Plano de Desenvolvimento Urbano. Ouro Branco (1978)

Tabela 13 - Dimensionamento de lotes e construções por tipo de habitação e faixas de

renda (m²)

Faixas

Mansões Casas Apartamentos

Lotes Const. Lotes Const. 2 Quartos

Const.

3 Quartos

Const.

4 Quartos

Const.

A-1 1500 600 900 250 a 300 120 200

A-2 600 200 73 90 120

B 360 a 450 150 70 85 100

C-1 360 100 70 80

C-2 360 80 66 75

D-1 240 60 60 69

D-2 200 40 58

E 20 7 a 10

Fonte: Plano de Desenvolvimento Urbano. Ouro Branco (1978)

Conforme a FJP (1978) a tipificação das casas corresponde a renda do trabalhador,

logo:

- Faixa E - até 1 SM: corresponde a 32% das unidades;

- Faixa D - 1 a 5 SM: corresponde a 59% das unidades;

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- Faixa C- 5 a 10 SM: corresponde a 6% das unidades;

- Faixa B e A - mais de 10 SM: corresponde a 3% das unidades.

As imagens a seguir, mostram o traçado das vias e a tipologia das unidades

habitacionais.

Figura 5 - Bairros Pioneiros e Inconfidentes Figura 6 - Bairro Siderurgia

Fonte: AÇOMINAS (1980) Fonte: AÇOMINAS (1980)

Figura 7 - Prédios Bairro Siderurgia Figura 8 - Esquema de Passeio

Fonte: AÇOMINAS (1980) Fonte: AÇOMINAS (1980)

Outra situação curiosa é a escolha dos nomes das ruas. O bairro Primeiro de Maio por

exemplo, detêm ruas com nomes de cidades e distritos vizinhos ao município de Ouro Branco.

O bairro Siderurgia abriga ruas com nomes de siderúrgicas. Os bairros Pioneiros e

Inconfidentes abrigam ruas com nomes de ilustres inconfidentes mineiros, pessoas influentes

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nos governos Estadual e Federal que colaboraram para a implantação da usina, bem como os

primeiros padres católicos da região, diretores da usina e esposas dos mesmos. Isso denota a

hierarquização da empresa transposta para a organização do espaço. Lefebvre (2001) ressalta

que a hierarquia funcional da empresa tende a ser reproduzida no espaço a fim de

circunscrever o mesmo em torno de uma estratificação por categoria funcional e renda. O

autor explana que essa proposição corrobora para um espaço altamente segregado além de

permitir que a empresa tenha o controle sobre a mão-de-obra, tão necessária à produção e o

consequente acúmulo de capital. Piquet (1998) endossa a afirmação de Lefebvre ao

acrescentar que tanto a empresa, quanto os setores habitacionais pertenciam ao mesmo agente

social. De fato, esse controle sobre o espaço exercido pela AÇOMINAS S/A era um

prolongamento da rígida disciplina imposta na usina.

Figura 9 – Construção do bairro Siderurgia Figura 10 – Escola Livremente; Siderurgia

Fonte: Arquivo particular da autora. Fonte: Arquivo particular da autora

Um destaque é o posicionamento das residências nas quadras, cujo projeto foi

elaborado de forma que todas as unidades mantivessem visão ampla da Serra de Ouro Branco.

Esta consideração compõem uma prerrogativa do plano urbanístico, cuja tipologia limita a

altura das residências em geral a dois andares de modo que uma não prejudique a visão da

outra e todas têm a vista para a Serra, que é um marco natural no território.

É importante correlacionar o projeto urbanístico de Ouro Branco com o executado

também em Ipatinga pela USIMINAS e que antecedeu o de Ouro Branco. Ambos traçam a

dicotomia entre as áreas planejadas e habitadas pela população que mantêm vínculos

empregatícios com as referidas usinas, e o restante da população que não possuía vínculos de

trabalho com as mesmas, logo o que imperava era a lógica excludente de ocupação do espaço,

típica das cidades-empresa. Essa relação presente em ambas as cidades, mostram um perfil

marcante das usinas em todas as esferas da vida privada e da gestão urbana.

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Uma das diretrizes do PDU elaborado pela FJP (1978, p. 16-18) era que:

Considerando a magnitude da AÇOMINAS dever-se-ia evitar que ela se torne

onipresente na cidade, o que poderia vir a ser uma fonte constante de conflitos. Por

esta razão o modelo urbano desincentiva qualquer tipo de concentração irregular

espacial de funcionários da AÇOMINAS [...]. Deve-se evitar, entretanto, que

funcionários se acumulem fora dos locais de trabalho, exceto em áreas de recreação

[...].

Segundo a FJP, os trabalhadores da AÇOMINAS S/A deveriam somente residir nas

unidades habitacionais designadas por ela, conforme a renda e a função desempenhada. Além

disso, delineava o modo de vida de seus trabalhadores e familiares, restringindo-os inclusive

sobre a apropriação do espaço público, que deveria ser considerado preferencialmente nos

clubes implantados pela empresa nos bairros. Observa-se a intervenção do Estado na figura de

empresa estatal, inclusive sobre a vida privada das famílias cujo trabalhador mantinha

vínculos com a empresa.

[...] Sabe aquela história de briga de marido e mulher, ninguém mete a colher|? A

Açominas metia sim! Se eu brigasse com minha mulher e um vizinho contasse ao

encarregado ou supervisor que tinha ouvido confusão de casal, ou menino sendo

castigado, ele chamava a gente e conversava e dava encaminhamento para os

psicólogos e psiquiatras na FOB. Se fosse algo mais grave ou reincidente, você

podia até ser demitido e aí você podia juntar sua família e sua mudança e procurar

outra cidade, porque as portas se fechavam. [...] A parede-meia do predinho, essas

casinhas geminadas aqui no Primeiro de Maio, sabe? Então, parece que é proposital

porque seu vizinho de lado ouve tudo e ele fazia o papel de “olhos e ouvidos” da

usina. [...] Eles dependiam demais da gente que operava as máquinas porque senão a

empresa parava, então fazia questão de manter a gente no cabresto.[...]”

(Entrevistado 11. Entrevista concedida em 21/05/2018).

A circulação é também um dos princípios do urbanismo progressista, conforme

disposto na Carta de Atenas de Le Corbusier. Nesse sentido, o sistema viário implantado pela

AÇOMINAS S/A conta com 63 km de vias pavimentadas, amplas e bem dimensionadas com

a pretensão de acolher os moradores que no ano de 2005 conforme previsão seria de 180.000

habitantes. Essas vias, além de serem presentes nos bairros planejados pela empresa,

interligam esses setores às vias já existentes, tanto as urbanas quanto as de ligação estadual e

rodovias federais. É comum nos bairros planejados pela empresa, a presença de vias de

pedestres também chamadas de passarelas. Em geral correspondem a meio-lote e tem a

função de conectar as ruas, de maneira que o pedestre não precisa percorrer até a esquina para

acessar a rua posterior, pois no urbanismo progressista uma das premissas é a implantação de

quadras curtas e que permitam boa locomoção.

Segundo o PDU/1978, entre os anos de 1979 e 1988 a distribuição e captação de água

seria feita pelo sistema emergencial, também construído pela empresa e a partir de 1988 a

COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) colocou em operação a estação de

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tratamento definitiva com capacidade para 90.000 habitantes. A rede de esgoto foi construída

para atender inicialmente os bairros planejados e urbanizados e era lançado até 1998 in natura

no Lago Soledade, quando o município a partir de 1994 passou a contar com uma estação de

tratamento de esgoto.A rede elétrica foi desde o início assumida pela CEMIG como a de

telecomunicação foi assumida pela antiga TELEMIG (Telecomunicações de Minas Gerais)

Dentro do planejamento urbano proposto pela empresa, coube a mesma construir um

hospital – FOB (Fundação Ouro Branco) com 160 leitos e Unidade de tratamento intensivo

(UTI) para o atendimento dos trabalhadores com ligação direta à AÇOMINAS, cujo os

atendimentos eram descontados nas folhas de pagamento dos funcionários. A empresa

também ficou encarregada de transformar o posto de saúde do município num ambulatório.

Inicialmente ambos eram administrados pela empresa, mas posteriormente a administração do

ambulatório foi repassada para o Poder público municipal. Atualmente a FOB atende

funcionários da GERDAU Açominas e pessoas físicas e jurídicas em caráter de convênio

médico, além de consultas, exames e tratamentos particulares.

No plano educacional, a empresa se incumbiu de construir várias unidades de creches

e duas escolas com capacidade para 1.500 alunos cada, além de ceder em comodato uma área

para a instalação de um colégio particular com capacidade para 1.800 alunos. A Lei municipal

nº 281 de 12 de setembro de 1979 prevê um convênio entre o Poder Executivo do município,

com o Estado de Minas Gerais, através da Secretaria de Educação de Minas Gerais e

AÇOMINAS S/A de modo a estabelecer um regime de cooperação para a expansão e

melhoria do ensino do município de Ouro Branco. Segundo a Minuta anexa à lei, caberia a

AÇOMINAS a criação de um prédio para o ensino de 2º grau, além da concessão de bolsas de

estudos.

A AÇOMINAS S/A não proveu a instalação de serviços do setor terciário, por

entender que as atividades comerciais deveriam ser de iniciativas de terceiros, mas colocou à

venda lotes estratégicos em função da localização e fixou a taxa de ocupação e prazo máximo

de um ano para o início da construção. Os lotes destinados para comércio ou para uso misto

(residência e comércio) foram determinados pela empresa, de modo que quaisquer outras

residências ou lotes não podiam abrigar atividade comercial se não tivesse sido caracterizado

para tal. Importante citar que o comércio no bairro Primeiro de Maio era praticamente

inexistente o que implicava em grandes deslocamentos para a região central da cidade ou à

Avenida Mariza de Souza Mendes – via de ligação na área planejada (bairro Siderurgia).

[...] Aqui no Primeiro de Maio não tinha comércio nenhum praticamente. Tudo a

gente tinha que ir pra “Ouro Branco” comprar. A Açominas na época dava um

ônibus para gente ir fazer as compras e avisavam o horário que ele ia e que voltava.

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Era sofrimento demais porque a gente tinha que levar os meninos porque não tinha

com quem deixar, cada dia mudava uma família nova pro bairro e chegavam

naqueles caminhões de mudança de dia, de noite, de madrugada e era um “trem de

louco” porque era sacola, menino e tudo mais. [...] Pra ligar pra família da gente a

gente tinha que ir no posto telefônico do lado de onde é a igreja hoje no bairro e

agendar com a moça. Na hora, a gente corria lá com os meninos pra falar com minha

mãe que era de Ipatinga. Se minha mãe ligava no posto pra conversar comigo, a

moça do posto agendava um horário pra ela ligar de novo e vinha aqui em casa me

avisar e na hora marcada eu subia com meus quatro meninos pro posto.”

(Entrevistado 2. Entrevista concedida em 02/06/2018).

As instalações recreativas, como os clubes aquáticos e a casa de festas, tinham o apoio

da empresa, mas eram implementadas pela AEA (Associação dos empregados da Açominas) e

SINDOB (Sindicato dos Metalúrgicos de Ouro Branco). Segundo os princípios do urbanismo

progressista, o espaço urbano é desenhado de tal forma que cada função é executada na área

competente, logo, os clubes admitiam a função de lazer e recreação, exclusivamente. O bairro

Primeiro de Maio acolhia a unidade “AEA - Primeiro de Maio” e o bairro Siderurgia acolhia o

clube “AEA- Siderurgia”. Para os bairros Pioneiros e Inconfidentes, estava à disposição o

Clube Palladium localizado no bairro Inconfidentes. Os moradores dos bairros Pioneiros e

Inconfidentes possuíam cotas e eram em geral, sócios de todos os clubes na cidade, ao

contrário dos trabalhadores que moravam nos bairros Siderurgia e Primeiro de Maio que só

podiam utilizar os clubes cobertos pela AEA. A separação entre as classes não se manteve

somente na designação dos bairros de residência e extrapolou para as escolas, pois cada bairro

dispunha da unidade que as crianças poderiam estudar e do clube que podiam recrear. Essa

situação reafirma as teorias de Lefebvre, Castells, Harvey e demais autores referenciais, cuja

afirmações pairam sobre a organização espacial segundo a lógica da segregação e da divisão

de classes.

[...] A única coisa que tinha e ainda tem de um jeito escasso são os clubes da AEA.

Me lembro de levar meus filhos pro Clube Palladium e eles mal brincavam com as

outras crianças. Quando eu levava para o Primeiro de Maio por exemplo, eles se

esbaldavam porque as crianças eram simples e brincavam sem titubear. Quando nós

chegávamos lá, o pessoal sabia que morávamos no Inconfidentes e os funcionários

da Gerdau mal e cumprimentavam porque eu exerciam um cargo na diretoria

técnica. Mas as crianças eram crianças e brincavam juntas como se não tivesse essa

imposição de classe baixa, média ou alta. [...] Nossos filhos fazem “terceiro ano” e

querem mudar logo daqui, porque não tem emprego e nem diversão. Aqui no bairro

tem o Palladium e mesmo assim, se quiser diversão tem que ir a Belo Horizonte ou

Lafaiete. Não tem nada de atração nem dia de semana e muito menos fim de semana,

desde quando em vim pra cá em 1982. [...] Antes eu tinha medo até deles crescerem

e namorarem só pessoas daqui do bairro, porque era a lógica da Açominas e ainda

bem que mudou e eles hoje convivem com todo mundo da cidade, conhecem até as

pessoas do centro, que nem fizeram parte da infância deles, porque ir ao centro

significa ir à missa na matriz ou ao banco. Nada mais era feito lá. [...]”(Entrevistado

5. Entrevista concedida em 03/02/2018).

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Em 1982, a LUOS/1978 foi transformada em lei pela CMOB (Câmara Municipal de

Ouro Branco) e sancionada pelo prefeito no mesmo ano. Essa estratégia permitiu que a

empresa pudesse contar com esse instrumento legal para disciplinar o solo e avançar na

integração da área antiga do município (centro histórico) aos novos bairros implantados e

urbanizados. Para isso, obteve financiamentos do SFH (Sistema de Financiamento

Habitacional) para viabilizar a implantação da infraestrutura urbana e a construção das

moradias, através dos programas FIPLAN (Financiamento para o Planejamento urbano),

PRODEPO (Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Pólos Econômicos) e PROHEMP

(Programa Habitacional para empresas), que possibilitaram as obras de moradia e

infraestrutura de todo o setor 4 (bairro siderurgia), parte da infraestrutura do setor 10 (bairro

Pioneiros) e o Hotel Verdes Mares localizado na região central da cidade61.

No fim de 1985 as residências já haviam chegado ao fim das construções e a empresa

tinha como intenção repassar imediatamente aos funcionários, os financiamentos, o que não

foi possível em virtude de dificuldades de negociação com o SFH (Sistema de Financiamento

Habitacional). De todo modo, os funcionários continuaram residindo nos imóveis em caráter

de locação. Em 1989 as negociações entre empresa – empregados – SFH – e prefeitura foram

concretizadas e coube aos funcionários através da Caixa Econômica de Minas Gerais e Caixa

Econômica Federal arcar com o financiamento, com cláusula de recompra pela empresa e

desconto em folha de pagamento de até 25% do salário líquido. Os aluguéis pagos de 1986 a

1989 serviriam como fundo de poupança e cobriria o seguro e os juros de empréstimos. Uma

das cláusulas previa que a revenda do imóvel só poderia ser feita para outro funcionário da

empresa limitando a venda para outras pessoas que não possuíam vínculo com a empresa e era

desejado pela mesma que a compra/venda fossem entre trabalhadores que desempenhassem

funções semelhantes na usina, sob o argumento por parte da empresa que a aquisição não

deveria corroborar para a ramificação de um negócio imobiliário e deveria, sobretudo, manter

a estratificação espacial.

Com o repasse dos imóveis aos trabalhadores através do SFH, a empresa retirou de

seus encargos uma parte onerosa, pois além das despesas de manutenção das unidades, a

empresa direcionava cerca de 150 funcionários para a administração imobiliária. Piquet

(1998) acrescenta que cerca de 200 casas que eram ocupadas por entidades e pessoas externas

61A título de informação, o arquiteto responsável pelo projeto pioneiro de hospedagem da Açominas – o hotel

Verdes Mares, entre os anos de 1977 e 1980 foi o Éolo Maia. Com a colaboração de Jô Vasconcellos,

desenvolveu também o projeto de restauração da Fazenda Pé do Morro e da capela de Santana, localizada no

interior da fazenda Pé do Morro. A fazenda está localizada no Setor 6 conforme o Anexo B e atualmente a casa

da fazenda é tombada pelo IEPHA. Ambos os projetos foram premiados pelo IAB e a capela do século XIX teve

suas paredes envolvidas por uma estrutura de perfis metálicos com vidro temperado e é de propriedade privada.

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à empresa, como o pessoal da Polícia, Secretaria de Segurança, SESI (Serviço Social da

Indústria) e membros da igreja católica, passaram a ser gerenciadas por apenas cinco

funcionários.

A Lei Municipal nº 278, de 12 de setembro de 1979 prevê um acordo entre o Poder

Executivo do município e a AÇOMINAS S/A, no qual dispõe a isenção do IPTU à empresa

pelo período de dez anos. Em contrapartida a empresa ficaria responsável por executar as

obras e serviços na área ocupada pela porção antiga da cidade de Ouro Branco (setor 1) no

que diz respeito à readequação e estruturação viária básica, implantação de saneamento (rede

de esgoto e rede pluvial) e de equipamentos de serviços públicos e sociais tendo em vista

compatibilizá-la com o Plano de Desenvolvimento Urbano do Município proposto pela

empresa aos setores que acolheriam os trabalhadores e também demarcava as áreas de

expansão urbana que seriam ocupadas conforme o avanço produtivo da empresa e a

necessidade de mais trabalhadores para a produção. Caberia também a ACOMINAS S/A a

doação do terreno e a construção do Colégio João XXIII (atenderia os alunos da 5ª série do 1º

grau até o 3º ano do 2º grau), efetivar a permuta de terrenos para a construção da Prefeitura

Municipal e Câmara Municipal, doação de terreno para a construção do Fórum, doar ao

município de Ouro Branco todos os terrenos destinados às edificações previstas no sistema de

ensino a ser implantado pelo mesmo nos termos de Convênio celebrado e dispostos na Lei

municipal nº 281/1979 e ainda contratar um técnico para dar suporte à prefeitura na

elaboração de projetos de modernização dos serviços administrativos. Fala-se em doação,

justamente porque era de propriedade da empresa, a massiva quantidade de terras urbanas do

município. A empresa continua sendo grande detentora dessas terras, mas atualmente existem

outros agentes que também fazem da propriedade, instrumento de especulação imobiliária,

como será exposto no tópico 4.3.

A Lei Municipal n° 645, de 07 de agosto de 1989 isenta novamente a AÇOMINAS

S/A do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ITBI (Imposto sobre transmissão de

bens imóveis) pelo período de mais dez anos como contrapartida das obrigações assumidas

pela AÇOMINAS S/A e FOB (Fundação Ouro Branco) no Convênio de Cooperação da Saúde

do município firmado entre FOB, AÇOMINAS S/A, Secretária de Saúde municipal e

Secretária de Saúde do estado de Minas Gerais. A lei ainda previa que os empregados da

empresa que se tornaram proprietários das moradias adquiridas diretamente com a empresa

através do SFH teriam também a isenção do IPTU e ITBI pelo prazo de dez anos contados a

partir do ano da escritura de compra e venda. Isentou também a FOB pelo prazo de dez anos

contados a partir da aprovação do Convênio no ISSQN (Imposto sobre Serviço de Qualquer

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Natureza) por ela prestados. A empresa foi beneficiada pela lei em virtude da aprovação do

convênio, mas a prefeitura requereu ainda à empresa a doação ao município de 670.000 m² de

áreas urbanas para a construção de casas populares, a execução de pavimentação asfáltica de

13.000 m² de ruas e avenidas e o ressarcimento ao município da execução dos 68.000m² de

pavimentação realizada, conforme dispõe Piquet (1998).

Categoricamente, a ideia inicial do projeto urbanístico executado em Ouro Branco, era

manter o município como “cidade-aberta.” O termo “cidade-aberta” foi utilizado pelo

arquiteto Rafael Hardy Filho em sua publicação “Ipatinga: cidade aberta”. Ressalta-se que em

Ipatinga, a USIMINAS criou um Departamento de Habitação e Urbanismo em 1965 para que

quaisquer outros indivíduos que não desempenhassem atividades de trabalho junto a empresa,

mas que tivessem interesse em residir nos setores planejados pela empresa, pudessem se

estabelecer desde que o recebesse a aprovação de projeto arquitetônico junto ao departamento.

Segundo Costa (1979) o termo “cidade-aberta” neste contexto referia-se a uma

posterior retirada da empresa, no caso, da USIMINAS, do total controle sobre o espaço

urbano, deixando espaço à iniciativa privada para atuar na cidade, além da gestão urbana ser

repassada para o Poder público municipal. Costa (1979) ainda afirma que a ideia de

“mesclagem” entre trabalhadores da usina e demais indivíduos sem vínculo com a empresa,

dentro dos bairros produzidos e controlados pela USIMINAS, nunca existiu, o que sempre foi

considerado um ponto negativo a ser evitado no planejamento de outras cidades industriais.

No entanto foi reproduzido em Ouro Branco pela AÇOMINAS S/A muito provavelmente

pelo fato da Usiminas ter sido consultora da AÇOMINAS S/A no ato de sua implantação,

junto a Fundação João Pinheiro que teve a função de produzir os Termos de Referência, o

Plano de Desenvolvimento e a Lei de Uso e Ocupação do Solo.

Piquet narra que desde o princípio da implantação da empresa em Ouro Branco, a

mesma estabeleceu com o poder público local uma estreita parceria, que assumiu formas

variadas “indo desde o estabelecimento formal de convênios, cessão de áreas e equipamentos

urbanos para a prefeitura, até a manutenção de pessoal qualificado nos quadros

administrativos da municipalidade.” (PIQUET, 1998, p.106).

Para a autora “a cidade-empresa originalmente implantada tende a crescer e a

transforma-se em cidade aberta.” (PIQUET, 1998, p.7). De certo modo, num primeiro

momento, conforme dispõe Souza (1985), a intenção era de se construir uma cidade-aberta e

não uma cidade companhia, logo para se alcançar essa diversidade, a proposta passava por

mesclar nas áreas planejadas, funcionários da usina e o restante da população numa proporção

de 50%, conforme o PDU. Costa (1979) e Costa e Costa (1998) afirmam que por razões

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operacionais e a urgência em alojar os funcionários da empresa que estavam atuando em

regime de ampla escala para concluir a primeira fase de implantação da mesma, fez com que

este critério fosse suspenso. Greco e Coutinho (2002) atribuem esse ocorrido à crise

financeira instaurada em 1981, antes mesmo da inauguração da empresa, dada em 1985.

O que é fato é que isso não ocorreu conforme previa o PDU e em meio a essa situação,

prevaleceu a dicotomia entre “os antigos e os de fora” – termo reproduzido por Piquet (1998)

e também pelos entrevistados nessa pesquisa.

[...] Quando a gente ia para Ouro Branco, o povo da cidade sabia que a gente era de

fora e dependendo de como a gente se vestia, sabiam até o bairro que a gente

morava. As famílias do Pioneiros e Inconfidentes e até umas do Siderurgia não

precisavam de ônibus como a gente para ir fazer as compras do mês. [...] Entre nós

do bairro Primeiro de Maio, havia uma ajuda mútua: quem tinha carro e ia fazer as

compras do mês, levava outro casal pra ir junto, porque era uma tristeza fazer as

compras e trazer no ônibus ou a pé. [...] A gente tentava se ajudar de algum modo e

nos tornamos muito unidos porque vivíamos nas mesmas condições e a gente sabia

da realidade de renda de cada um aqui [...] As pessoas que moravam no centro

viviam de uma forma muito parecida com a gente. Eles eram unidos lá no bairro

deles e passavam muitas dificuldades como a gente que era peão de usina. [...]”

(Entrevistado 4. Entrevista concedida em 10/04/2018).

[...] Meu avô era escravo e fugiu com a minha avó e os filhos de Ouro Preto e

ficaram em quilombos. Essa região tinha muitos por essas matas afora. Eu nasci

livre, ‘minha filha’ e nasci aqui. Cresci aqui e vi com meus olhos tudo o que

aconteceu nessa terra. Quando a Açominas chegou, trouxe muita gente de fora pra

trabalhar pra ela. [...] Era gente de todo jeito, com carro, a pé, menino, cachorro e a

gente ficou aqui no centro né, esquecido. [...] A gente não sabia ler e nem escrever,

meu marido trabalhava nas terras do prefeito Fernando Peixoto plantando batata e eu

costurava e cuidava dos meus meninos. Nem emprego para nossos filhos a empresa

dava porque não tinham estudo. Com fé em Deus eu e meu marido trabalhamos dia e

noite para estudar nossos filhos e eles poderem trabalhar lá porque só tinha espaço

para quem os “de fora.” (Entrevistado 16. Entrevista concedida em 12/04/2018).

Além de prevalecer essa dicotomia entre os moradores de Ouro Branco que já

residiam na cidade antes da implantação da empresa e os que moradores que foram atraídos

para a cidade em função da implantação da mesma, observa-se, nas entrevistas concedidas,

uma consciência de classe, principalmente entre os moradores do bairro Primeiro de Maio e

do centro que compõe a “cidade antiga.” Fazzi (1990) afirma que a consciência de classe

explícita ou implicitamente, direciona as reflexões sobre o desenvolvimento da classe

trabalhadora na sociedade capitalista e essa unidade estabelecida segundo os indivíduos que

possuem rendas similares e desempenham inclusive cargos equivalentes na empresa, permitiu

que desenvolvessem uma solidariedade de classe como expõe a autora, justamente porque

esses indivíduos admitem uma identidade em relação aos demais agentes na estrutura

hierárquica da sociedade capitalista. Supõe-se que a próprio desenho espacial tenha sido um

fator contributivo para a solidez da consciência de classe ainda que enrustido na identidade

dos indivíduos, uma vez que os bairros foram projetados para acolher os trabalhadores

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segundo sob a perspectiva econômica e como os setores foram propositalmente desenhados

distantes uns dos outros, a população de cada setor praticamente não convivia entre si, exceto

os trabalhadores dentro da usina, onde prevalecia, sobretudo, um sentimento de respeito (ou

medo) para se direcionar aos outros funcionários com cargos mais elevados na estrutura

hierárquica da empresa.

Goffman (1963) explana que as pessoas tendem a se agrupar conforme sua identidade,

seu trabalho, seus anseios, sua renda e quaisquer outras situações que façam com que o ser

humano mantenha o poder de associação em virtude da própria condição. Os moradores do

centro de Ouro Branco apresentam em suas narrativas conforme as entrevistas concedidas,

uma espécie de união identitária em virtude dos elos construídos antes da implantação da

empresa e mantidos posteriormente, já que a eles foi designado a ocupação exclusiva na

região central (setor 1) ou zona rural. Na década de 1990 foi doado à Prefeitura de Ouro

Branco, alguns terrenos no setor 2 inclusive, onde pessoas que não possuíam vínculos com a

empresa, puderam adquirir uma unidade residencial construída pelo Poder público municipal.

Essa estigmatização conforme descreve o autor, prevaleceu em Ouro Branco, principalmente

entre as décadas de 1970 a 1990.

Lefebvre (2001), afirma que a separação de classes é real justamente porque tende ao

conflito, pois em algum momento, os indivíduos de classes distintas exercerão seus interesses

principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais.

Para Marx e Engels (2003) a subordinação econômica no processo produtivo não

garante necessariamente a formação da consciência de classe, ou seja, a tomada de

consciência não é mero reflexo da situação objetiva da condição de classe. Os autores

explanam que entre a burguesia é mais difícil estabelecer a consciência de classe, do que entre

os trabalhadores de uma empresa capitalista, porque as relações sociais estabelecidas e o

convívio diário entre os funcionários dentro da usina, no caso da AÇOMINAS S/A,

favoreciam o desenvolvimento de uma solidariedade de interesses de classe, tanto que os

trabalhadores conseguiram se organizar num sindicato para endossar os interesses dos

mesmos quando a empresa foi privatizada em 1993 e até nas pequenas atividades rotineiras da

vida citadina como o simples ato de se organizarem em veículos particulares para se

deslocarem até o centro comercial para a realização das compras mensais como descritas

pelos entrevistados, principalmente do bairro Primeiro de Maio.

A integração entre os habitantes foi buscada pela AÇOMINAS S/Ano plano político e

espacial tanto que a empresa mantinha pessoal do seu quadro de funcionários na

administração pública municipal. Há de se atentar para esse fato, uma vez que além do PDU

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ter se tornado lei no município em 1982, a empresa mantinha funcionários inseridos na gestão

pública municipal, o que de algum modo numa relação de conveniência, prevalecia os

interesses da empresa. Goytisolo (1977) ao definir o conceito de tecnocracia, explana que

comumente um grupo de homens com formação técnica e que aceitam a disciplina

hierárquica, se colocam em estruturas de poder para garantir que os interesses do capital

prevaleçam. Supõe-se que esse fato da AÇOMINAS S/A ter mantido uma equipe na

administração pública do município, corrobora para que existisse (e exista inclusive até os

dias atuais), uma dependência técnica em relação à empresa62.

Em 1992 foi lançado o “Projeto Integração” que reconhecia a necessidade de adaptar o

PDU à nova realidade urbana, uma vez que os bairros implantados pela empresa são

relativamente distantes entre si e a região central do município, que compõe parte do

patrimônio histórico. No entanto, a AÇOMINAS S/A foi privatizada em 1993 e esse projeto

foi abandonado pela empresa e também pelo poder público municipal.

Outra situação a ser observada é que, ao comparar o contingente de funcionários em

1992, conforme a tabela 14, em relação à quantidade de moradias construídas até então e

direcionadas aos trabalhadores conforme a tabela 15, percebe-se um déficit de 1.740 unidades

habitacionais em Ouro Branco que era a cidade-sede como exposto no PDU. Conforme Piquet

(1998), a empresa na iminência da privatização, não dispunha de capital para a construção de

mais moradias e por esse motivo, os trabalhadores que moravam em Conselheiro Lafaiete,

Congonhas, Belo Horizonte e demais localidades do estado se mantiveram nesses locais e a

empresa interveio junto à Caixa Econômica de Minas Gerais e a Caixa Econômica Federal,

para facilitar a esses funcionários a aquisição da casa própria.

O município de Ouro Branco abrigava 3.523 empregados, 1.156 em Conselheiro

Lafaiete, 299 em Congonhas, 200 em Belo Horizonte e 78 em outras localidades, conforme

Piquet (1998) e Bispo (1990).

62 Um dos exemplos dessa dependência técnica mencionada é quanto ao sistema de credenciamento das unidades

e as referidas metragens declaradas como patrimônio da atual GERDAU AÇOMINAS para efeito de IPTU. O

sistema utilizado pelo Poder público municipal é o mesmo que é usado pela GERDAU e cabe à gerência de

patrimônio da empresa enviar a relação das propriedades à prefeitura, ou seja, ela tem certo domínio sobre o

valor a ser repassado nos impostos. Salienta-se também que na década de 1990 o cartório de registro de imóveis

de Ouro Preto sofreu um incêndio e antes de 1982, as propriedades eram registradas em Ouro Preto porque não

existia um cartório para esse fim em Ouro Branco. Logo, muitos dados se perderam e não houve até o presente

momento um levantamento das propriedades por parte do Poder Público. Outra situação que cabe ser citada é

que somente em 2016, após muitas discussões da autora no Conselho da cidade é que foi revisto a legislação

tributária no município e nela foi inclusa a cobrança do IPTU, por exemplo, do Lago Soledade, que tem parte

pertencente a Ouro Branco, ou seja, antes de 2016, muitas propriedades pertencentes a GERDAU AÇOMINAS

sequer era tributadas.

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108

Tabela 14: Número de trabalhadores/cargo em 1992

Categoria Funcional Nº pessoas

Gerência 198

Nível Superior 625

Nível técnico 1.262

Administrativo 546

Operacional 2.625

Total 5.256

Fonte: Piquet (1998)

Tabela 15: Número de residências/bairro em 1992

Bairros Nível de Renda N° Residências

1° de Maio baixa 1.116

Siderurgia média 1.108

Pioneiros média e alta 902

Inconfidentes alta 391

Total ------ 3.517

Fonte: Piquet (1998)

Antes da privatização, que ocorreu em 1993, a empresa pôs à venda 1.783 lotes que

pertenciam a mesma e estavam localizados no setor 8 e 10. Segundo Costa (1979), 850 lotes

foram vendidos rapidamente sob financiamento de 36 meses, entretanto, a inflação ocasionou

o aumento das prestações e houve a devolução de 400 lotes. Em função das vendas, surgiram

dois novos loteamentos: o bairro Metalúrgicos em continuidade ao bairro Primeiro de Maio e

o Minas Talco, localizado entre o bairro Siderurgia e Pioneiros, ambos nos setores 8 e 10

respectivamente. O Poder público municipal assumiu a urbanização em troca de receber

terrenos da empresa que incorporassem como propriedade do Executivo.

A empresa doou também uma área de 1.000.000 m² no centro da cidade à prefeitura.

Nos terrenos foram construídos, na década de 1990, um ginásio poliesportivo com um campo

de futebol em anexo, a rodoviária, o ambulatório foi ampliado tornando-se uma Policlínica e a

Praça de eventos – um espaço multiuso localizado entre o centro da cidade e o bairro

Siderurgia. A doação das áreas não contemplava a implantação da infraestrutura por parte da

empresa e coube a prefeitura custear as construções até porque como relatado na seção 3.2, foi

um período anterior à privatização e de grave crise econômica.

Outros bairros como o Luzia Augusta e o Belvedere localizados no setor 1 e 2,

voltados para a população que não mantinha vínculos empregatícios com a empresa, foram

implantados pela prefeitura na década de 1990 com o financiamento da Caixa Econômica

Federal e construídos no sistema de mutirão. Neste mesmo período a PMOB construiu na área

rural 300 unidades unifamiliares e 9 postos de saúde com enfermaria.

[...] Eu casei em 1985, o ano que a empresa inaugurou. Não tinha dinheiro pra

comprar lote barato e nem lote caro tinha pra vender aqui mais não [...] então eu

morava nos fundos da casa da minha mãe. Quando a usina doou um bocado de terra

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ali onde é Luzia Augusta sabe? Foi no “inicinho de 90” é que a gente assinou o

acordo de cada um poder adquirir da prefeitura e pagar com financiamento na Caixa

Econômica. Na época eu trabalhava nas terras do Silvio Mapa e pedi a ele para me

ajudar com um emprego na prefeitura e fui empregado justamente para construir o

mesmo modelo de casinha pra todo mundo. [...] Meu irmão e meu pai me ajudaram

muito e ajudamos até na obra dos outros porque a gente não arrumava emprego na

usina, não tinha onde morar e a gente ou trabalhava nas terras do Silvio Mapa,

Fernando Peixoto [...] ou a gente trabalhava com o que dava aqui no centro. Depois

que eu fui ser comerciante [...] Lá nem era chamado de Luzia Augusta ou Belvedere,

era tudo chamado de mutirão, porque foi assim que os bairro ali nasceram.

[...]”(Entrevistado 18. Entrevista concedida em 03/03/2018)

Figura 11 – Vista superior do município. Ao lado esquerdo, a área planejada

Fonte: Arquivo particular da autora

Diante de tudo aqui exposto, cabe correlacionar o plano urbanístico à privatização da

empresa, uma vez que a compra da AÇOMINAS S/A pela Mendes Júnior provocou a

paralisação total da implantação do PDU, inclusive o que era previsto no “Projeto

Integração,” que foi abandonado tanto pela empresa, quanto pelo Poder público municipal.

Com a privatização em 1993, a Mendes Júnior manteve o auxílio creche para os filhos dos

empregados, com idade inferior a 6 anos de idade em parceria com o SESI, o desconto de 1%

do salário em função da alimentação cedida aos funcionários e transporte gratuito para o

trabalho para os que residissem em Congonhas, Ouro Branco e Conselheiro Lafaiete. A

empresa na iminência de sua privatização usou parte das terras de sua propriedade como

elemento viabilizador da construção de bairros residenciais para os moradores sem vínculos

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empregatícios, mas sem investimentos e gastos com serviços urbanos, o que ficou a cargo do

Poder público municipal e de proprietários fundiários posteriormente, na implantação de

infraestrutura.

A privatização foi um marco na história de Ouro Branco, já que parte do processo

siderúrgico não foi implantado em sua totalidade antes de se tornar uma empresa privada e

caso fossem, aumentariam as possibilidades de melhor conjuntura socioeconômica, conforme

expõe Costa e Costa (1998). O processo de desestatização implicou no fim da implantação do

plano urbanístico, já que a ótica passa para a acumulação de capital de forma ostensiva,

diferente do momento em que se manteve estatal. Em meio a essa nova configuração da

empresa e as consequentes demissões, o município passou a conviver com problemas

urbanos, muitos inclusive criados pela própria empresa como Lefebvre, Castells e Harvey

explanaram acerca dos projetos urbanísticos progressista, expostos no capítulo 1 deste ensaio.

Em contrapartida a Constituição Federal de 1988 trouxe para o seio da sociedade

brasileira, um princípio básico para a equidade urbana e justa distribuição dos ônus e

benefícios do processo de urbanização: o princípio da função social da cidade e da

propriedade. Em 10 de Julho de 2001 foi instituída a Lei 10.257, denominada Estatuto da

Cidade e reforçou o Plano Diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento e

expansão urbana, além de promover o direito à cidade através da gestão democrática. O

objetivo é a maior inclusão territorial e a diminuição das desigualdades que se expressam por

meio de irregularidades fundiárias, segregação socioespacial e degradação ambiental. O Plano

Diretor, aliás, é a peça chave para o enfrentamento desses problemas. Na contramão da

elaboração do planejamento que até então era de cunho tecnocrático e burocrático, a

construção da legislação urbana municipal passa a contar com a ampla participação popular.

O impasse é que por inúmeras questões inerentes à baixa adesão popular nos assuntos de

interesse público, prevalecem os interesses dos agentes que participam, neste caso os

proprietários fundiários, os promotores imobiliários, os industriários e empresariado, o Estado

e os grupos sociais excluídos como explana Corrêa (1989).Segundo Júnior e Montandon, “o

objetivo principal do Plano Diretor é definir a função social da cidade e da propriedade urbana

de forma a garantir o acesso urbanizada e regularizada a todos os segmentos sociais, e garantir

o direito à moradia e aos serviços urbanos.” (2011, p.14).Os autores apontam que no Brasil

haviam instituídos 805 Planos Diretores até 2001 e o país apresentou alta de 1.878 em 2008 e

2.318 em 2009 naqueles municípios com obrigatoriedade de elaboração.

Segundo Matos (2008, p.159):

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111

Os Planos Diretores no Brasil possuem uma longa história geralmente associadas a

equívocos, fracassos e autoritarismo, não obstante à importância de leitura e

interpretação de aspectos urbanísticos e relações sociais existentes nas cidades. Os

modelos importados que subsidiavam esses planos eram geralmente inaplicáveis,

apoiadas em correntes teóricas visionárias, singelas, ou demasiado mecanicistas,

distantes da complexidade da realidade e das necessidades dos habitantes, incapazes

de enxergar idiossincrasias e características mais peculiares das nossas cidades. O

viés antidemocrático sempre foi evidente, como se os interesses do Estado fossem

assunto de poucos, incompreensível à população, nos moldes de um ‘despotismo

esclarecido’ e/ou de um ‘elitismo tecnocrático’.

Essa dificuldade, segundo Santos Junior e Montandon (2011, p.15), fez com que “o

Ministério das cidades, criado em 2003, passasse a incentivar a construção de uma nova

cultura de planejamento urbano no país e a fortalecer o apoio ao planejamento urbano dos

municípios”. Os autores demonstram que o cerne dos PDs são os zoneamentos, a gestão do

solo, o sistema viário, habitação e o patrimônio histórico, sem que exista no entanto, uma

promoção da unificação da cidade com o objetivo de integrar as diversas ações de políticas

públicas em torno da igualdade e da participação democrática e efetivação da função social da

propriedade, que é garantir que a terra cumpra uma função de uso na cidade, de modo a

atender os interesses coletivos e os direitos individuais do cidadão sejam garantidos.

Diante das propriedades urbanas que não cumprem sua função social, cabe o Estado

exigir que o proprietário dê função de uso à propriedade, instaurar o IPTU progressivo que é

um dos instrumentos previsto no Estatuto da Cidade e ainda desapropriar a propriedade,

indenizando o proprietário. Entretanto, a propriedade é uma mercadoria no sistema capitalista

e há muitos agentes envolvidos com conflitos de interesses. O próximo capítulo apresenta

uma análise comparativa entre a LUOS/1978 executado pela empresa e a LUOS/2010

construída de forma participativa e integrada entre o Poder público municipal, a população de

Ouro Branco e a sociedade civil.

4.2 A LUOS/1978 e a LUOS/2010: um debate acerca dos zoneamentos e parâmetros

urbanísticos propostos

Conforme exposto no tópico 4.1, o PDU - Plano de Desenvolvimento Urbano proposto

em 1978 previa dividir o território urbano do município em áreas com função industrial,

urbana, agrícola e de preservação. Essa configuração é mantida no Plano Diretor municipal

construído em 2007 de forma integrada entre o Poder público municipal e os munícipes de

Ouro Branco, sob parecer técnico da Fundação João Pinheiro datado de 2006e elaborado e

executado pela Fundação Israel Pinheiro (FIP). Em 2010 foi instituída a LUOS/2010, também

elaborada pela FIP.

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A Fundação Israel Pinheiro enquanto instituição contratada pelo Poder público

municipal em 2007 com o objetivo de elaborar e desenvolver junto a população de Ouro

Branco apresentou um Estudo social do município de Ouro Branco em 2006 que antecedeu a

instituição do Plano Diretor de 2007. Neste estudo, a FIP mapeou a população por bairro e a

população presente nas discussões, conforme a tabela 16.

Tabela 16 - População total x Presença comunitária na elaboração do Plano Diretor

Agrupamento de bairros População total Presença Comunitária

Plano Diretor 2007

Centro, Amália Rodrigues, Belvedere e

Vale do Engenho 24,4% 28,1%

Inconfidentes, Pioneiros, Siderurgia,

Minas Talco e Soledade 28,6% 24,4%

Luzia Augusta, Alto do Chalé, Nova

Serrana, Dom Orione e Novo Horizonte 16% 25,3%

Primeiro de Maio, São Francisco,

Bandeirantes, Metalúrgicos e Tiradentes 31% 22,1%

Fonte: FIP (2006)

Os estudos sociais feitos pela FIP apontam que o problema mais grave na concepção

dos moradores da comunidade presentes na elaboração do plano, é a infraestrutura urbana. Na

visão dos moradores é o ponto mais negativo do município, tendo 12% dos votos. Este tópico

tem portanto, por objetivo traçar uma análise paralela entre as duas leis de uso e ocupação do

solo propostas por atores distintos: a AÇOMINAS S/A e o Poder público municipal em 1978

e 2010 respectivamente, de modo a identificar quais os princípios do planejamento urbano

(proposto em 1978 e mantido pelo menos até a instituição do Plano Diretor de 2007), que são

considerados pela população, como fatores negativos no espaço urbano.

A área destinada a abrigar a empresa (função industrial) abrange a porção que a

siderúrgica e seu entorno imediato está localizado, e não estão designadas áreas residenciais,

devido à incompatibilidade no grau de ruídos e poluição, ainda que a empresa tenha adotado

desde o início de sua produção, dispositivos antipoluição conforme os termos da legislação

federal específica. Na área de função industrial existem vias implantadas conforme previsto

no PDU e além da atividade industrial é permitida a localização de seus respectivos

escritórios e unidades de atendimento necessário ao funcionamento da empresa, bem como

postos de abastecimento de veículos e motéis, respeitando a faixa de domínio da via LO-6.63

Já a área destinada a preservar a flora e a fauna (função de preservação) compreende o

perímetro delimitado a partir da divisa de Ouro Branco com o município de Ouro Preto, no

63Para melhor visualização, ver ANEXO A

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113

Ribeirão Cachoeira, na altura da cota 1.450 m, mais precisamente a área da Serra de Ouro

Branco e seu entorno imediato. Nesta área só são permitidas conforme a LUOS/1978 as

atividades de Recreação/Lazer e Turismo, além de obras necessárias ao desenvolvimento

dessas atividades.

A área destinada ao desenvolvimento da agricultura e pecuária (função agrícola)

compreende basicamente a área rural e caracteriza-se essencialmente pelo desenvolvimento

de atividades agropecuárias, sendo permitido o uso institucional para atendimento da

população rural, ou seja, escolas rurais, locais de culto religioso e ainda um pequeno comércio

de produtos de consumo imediato e higiene básica. A área de função urbana, comporta a zona

urbana e a zona de expansão urbana conforme o ANEXO B.

Como já apresentado, o município foi submetido a um planejamento inicial feito pela

Fundação João Pinheiro e naquele momento, foi necessário construir de fato uma cidade, logo

a legislação se volta aos modelos de:

I - Categorias de uso;

II - Modelos de assentamento;

III - Zoneamento;

IV - Parcelamento do solo;

V - Sistema viário.

O plano urbanístico conforme proposto está dividido em 19 porções, onde os setores 1,

2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 16 e 17 relacionam-se à zona urbana e os setores 5, 6, 11, 12, 13, 14, 15, 18

e 19 correspondem aos setores de zona de expansão urbana, conforme o ANEXO B.

A seguir uma comparação entre os parâmetros urbanísticos e os mapas de zoneamento

da LUOS/1978 e a LUOS/2010, com ampliação no ANEXO B e ANEXO C respectivamente.

A autora optou por fazer a análise segundo a divisão de quadrantes, a fim de

sistematizar a leitura e propor melhor compreensão do estudo conforme as principais

modificações ocorridas no espaço.

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Mapa 4 - Setorização LUOS/1978 e esquema de quadrantes

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978). Adaptado pela autora

Mapa 5 - Zoneamento LUOS/2010 e esquema de quadrantes

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010). Adaptado pela autora

Quadrante 4 Quadrante 5 Quadrante 6

Quadrante 4 Quadrante 5 Quadrante 6

Quadrante 2 Quadrante 3 Quadrante 1

Quadrante 2 Quadrante 1 Quadrante 3

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Tabela 17 - Zoneamento e caracterização dos modelos de assentamento permitidos na

LUOS/1978

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do Solo. FJP (1978) Adaptado pela autora

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Tabela 18 - Parâmetros Urbanísticos LUOS/1978

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do Solo. FJP (1978)

Tabela 19- Parâmetros Urbanísticos LUOS/2010

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do Solo. PMOB (2010)

As tabelas 17 e 18 são complementares e ao comparar os mapas de zoneamentos,

percebe-se que os setores propostos na LUOS/1978 são os norteadores para a LUOS/2010.

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4.2.1 O Quadrante 1

Mapa 6 - Quadrante 1 – Mapa de zoneamento LUOS/1978

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo, FJP, 1978, adaptado pela autora

Mapa 7- Quadrante 1 – Mapa de zoneamento LUOS/2010

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010)

Esses quadrantes mostram o Setor 17 e refere-se ao bairro Inconfidentes, cujo

zoneamento na LUOS/1978 era considerada ZR4 (zona residencial) e na LUOS/2010, ZAR4

(zona de adensamento restrito com maior índice de restrição). De acordo com a tabela 18, os

lotes que compõem a área variam de 360m² a 900m² e o coeficiente varia de 0,8 a 1,5

conforme o tipo de uso do solo como pode se analisar na tabela 17. Segundo a LUOS/2010 o

zoneamento acomoda coeficiente de aproveitamento igual a 1,5, salvo nas porções ZE2 (zona

especial) que são comuns a todos os bairros. Além disso, o uso residencial misto, institucional

e comercial tem ressalvas, restringindo-se a construções que estejam localizadas na avenida

LEGENDA

EXP. URBANA

ZAR1

ZAR2

ZAR3

ZAR4

ZC

ZE1

ZE2

ZEIS

ZI

ZIH

ZPAM1

ZPAM2

APP’s

ZR4

ZR3

ZR4 ZE3

ZE4

Inconfidentes

Inconfidentes

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Mariza de Souza Mendes e na Avenida Cônego Luís Vieira da Silva, além de não poder

abrigar em seus limites, serviços regionais. Já o setor 19 que era de expansão urbana, na

LUOS/2010 é classificado como ZPAM2 (zona de proteção ambiental) e abriga o setor 19 e

parte do setor 17, onde era considerado ZR2 e ZR4 (zonas residenciais). O setor 16 na

LUOS/1978 abriga a função ZE4 com a ressalva de abrigar preferencialmente um complexo

desportivo, de lazer e também um complexo de educação técnica de nível profissionalizante e

universidades. Na LUOS/2010, o setor 16 passa a ser ZAR2 e não mais ZR4 como na

LUOS/1978. Com essa configuração, o bairro Inconfidentes se mantêm com parâmetros

urbanísticos mais restritivos de modo a conter o possível adensamento e verticalização das

edificações em função da sua localização com vista privilegiada para a Serra de Ouro Branco.

É interessante que se mantenha a paisagem natural da serra tombada pelo IEPHA-MG

(Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) em 1977 com a

justificativa de exuberância natural e proteção a fauna e flora que estava ameaçada com a

implantação do núcleo de Ouro Branco projetada para 180 mil habitantes. Isso contudo,

contribui para que o valor da terra em termos monetários seja mais elevado e acolha somente

uma parcela da população com faixa de renda compatível e prevaleça a mesma ótica do

planejamento urbano progressista proposto na década de 1970, sem diversificação de usos.

4.2.2 O Quadrante 2

Mapa 8 - Quadrante 2 – Mapa de zoneamento LUOS/1978

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978) Adaptado pela autora

ZE6

ZM2

ZM2

ZM2

ZE6

ZE6

ZM2 ZR3

ZM3 ZR1 ZR2

ZR2

Projeto Integração

Bairro Siderurgia Centro Histórico

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Mapa 9 - Quadrante 2 – Mapa de zoneamento LUOS/2010

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010).

Os quadrantes 2 na LUOS/1978 se comparada ao mesmo quadrante na LUOS/2010,

apresenta poucas alterações. Os setores 11, 12 e 18 que admitiam ZE6 na sua caracterização,

destinada à atividade agropecuária, tornou-se ZPAM1 e admite o coeficiente de

aproveitamento de 0,05%. O setor 10 (bairro Pioneiros) e parte do setor 4 (bairro Siderurgia)

na LUOS/1978 admitiam ZR3 em sua forma de uso e ocupação. A região ZM3 localizada

entre os bairros Siderurgia e o centro histórico compõem o setor 3 destinado a implantação do

“Projeto Integração”, mas como já dito foi abandonado pela a empresa e pelo Poder Público

após a privatização. Nesta área foi implantado na década de 1990 a Praça de Eventos que

possui na LUOS/2010, zoneamento especial 2. Na LUOS/2010, o setor 10 e 4 abrigam os

bairros supracitados e também o Minas Talco surgido na década de 1990 e se caracterizam

por admitir zoneamento ZAR3. A faixa correspondente ao “Projeto integração” admite ZAR2

e a região central que era considerada ZAR2 admite ZEIS na LUOS/2010, com uma pequena

porção destinada ao uso de função industrial e visa acolher empresas de pequeno e médio

porte. Parte do setor 9, na porção inferior esquerda do quadrante 2 que era ZR2 passa a ser

ZAR1.

Na LUOS/2010, ZAR1, ZAR2, ZAR3, ZAR4, ZC, ZIH e ZEIS admitem uso

residencial unifamiliar e multifamiliar, desde que respeitados os parâmetros urbanísticos

conforme a Tabela 19. Entretanto no caso específico da ZAR3, o uso de serviço regional é

proibido como também na ZE2, ZIH, ZPAM1, ZPAM2 e ZAR4. Já o uso institucional e

comercial intermediário e regional pode ser exclusivamente desenvolvido nas vias: Av.

Mariza Souza Mendes; Av. Intendente Câmara; Av. Frederico Varnhagem; Av. Barão de

Eschwege Av. Cônego Luiz Vieira da Silva e Av. João Monlevade. Os bairros Pioneiros e

LEGENDA

EXP. URBANA

ZAR1

ZAR2

ZAR3

ZAR4

ZC

ZE1

ZE2

ZEIS

ZI

ZIH

ZPAM1

ZPAM2

APP’s

Projeto Integração

Bairro Siderurgia Centro Histórico

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120

Siderurgia ambos no setor 10 e 4 respectivamente, bem como o Inconfidentes, no setor 17 são

predominantemente de uso residencial e cabem às avenidas acolher o comércio intermediário.

Observa-se que o comércio sob a ótica do “planejamento privado” é limitado às avenidas

principais. O grande impasse é que é necessário percorrer distâncias consideráveis para

acessar as centralidades do bairro que acomodam as atividades comerciais e essa pouca

diversidade de usos implica na baixa apropriação pública do espaço64.

4.2.3 O Quadrante 3

Mapa 10 - Quadrante 3 – Mapa de zoneamento LUOS/1978

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978_. Adaptado pela autora

Mapa 11 - Quadrante 3 – Mapa de zoneamento LUOS/2010

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo, PMOB (2010)

64 O tópico 4.3 apontará esses impasses à luz dos referenciais teóricos expostos no capítulo 1.

ZE6

ZE6

ZE6

LEGENDA

EXP. URBANA

ZAR1

ZAR2

ZAR3

ZAR4

ZC

ZE1

ZE2

ZEIS

ZI

ZIH

ZPAM1

ZPAM2

APP’s

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121

Os quadrantes 3 não admitiram mudanças no zoneamento. O setor 13 que era ZE6

com propulsão a agropecuária, tornou-se uma APP (área de preservação permanente),

caracterizada por uma RPPN (Reserva Particular de Patrimônio natural) visto sua

proximidade com a Serra de Ouro Branco e o interesse na preservação de sua vegetação densa

e cursos d’água. O setor 5 e 14 que também eram destinados a atividade agropecuária,

tornaram-se zona de expansão urbana e ZPAM2 respectivamente. A via de divisa entre o setor

5 e a RPPN é a MG129, com saída para o município de Ouro Preto. A Fazenda Pé do morro

existente desde o século XIX, tombada pelo IEPHA-MG em 2009 é hoje um hotel fazenda de

propriedade privada e está localizado no setor 5.

4.2.4 O Quadrante 4

Mapa 12 - Quadrante 4 – Mapa de zoneamento LUOS/1978

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978) Adaptado pela autora

Mapa 13 - Quadrante 4 – Mapa de zoneamento LUOS/2010

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010)

ZE4

ZI

LEGENDA

EXP. URBANA

ZAR1

ZAR2

ZAR3

ZAR4

ZC

ZE1

ZE2

ZEIS

ZI

ZIH

ZPAM1

ZPAM2

APP’s

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122

Os Quadrantes 4 expressam a área da siderúrgica com função industrial na

LUOS/1978 e se mantêm com os mesmos parâmetros na LUOS/2010. O setor 16 que era ZE4

passa a ser ZAR2 na LUOS/2010 e admite uma grande porção caracterizada por ZE2. Essa

porção destina-se a implantação de equipamentos institucionais de educação, religiosos, de

saúde, serviços de utilidade e sociais, bem como já era previsto na LUOS/1978.

4.2.5 O Quadrante 5

Mapa 14 - Quadrante 5 – Mapa de zoneamento LUOS/1978

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978). Alterado pela autora

Mapa 15 -Quadrante 5 – Mapa de zoneamento LUOS/2010

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010)

ZR2

ZR2

ZE4

ZR1

ZM2

ZM2

ZM3

ZM3

ZR1

ZR2

ZR2

ZM3

ZE5

ZE5

ZE2

ZM3

ZE2

ZR2

ZM2

LEGENDA

EXP. URBANA

ZAR1

ZAR2

ZAR3

ZAR4

ZC

ZE1

ZE2

ZEIS

ZI

ZIH

ZPAM1

ZPAM2

APP’s

Bairro Primeiro de

Maio

Bairro Primeiro de

Maio Bairro São Francisco

Bairro São Francisco

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123

Os quadrantes 5 abrange parte do setor 1 que é o centro histórico, o setor 2, 3, 7, 8 e 9.

O setor 1 conforme LUOS/1978 admite função residencial e uma faixa de ZE4 que

corresponde à Rua Santo Antônio que é e a porção de patrimônio histórico construído.

Na LUOS/2010, essa área passa a ser ZC e ZIH, respectivamente. A ZIH destina-se à

preservação do conjunto arquitetônico de valor histórico ao longo da Rua Santo Antônio, até a

Capela Mãe dos Homens, incluindo a Praça Santa Cruz e seu entorno. O setor 1 apresentou

alteração de ZR2 para ZEIS em boa parte da área. Isso pode ser justificado pela implantação

de bairros como o Luzia Augusta e Belvedere, construídos em regime de mutirão pelo Poder

público municipal no início da década de 1990. Conforme a tabela 19, ZC, ZIH e ZEIS tem

taxa de ocupação máxima de 70% e CA de2,5 na ZC e 1,5 nas áreas consideradas ZIH, ou

seja, é uma porção da área urbana que mais se pode ocupar o solo enquanto propriedade. Cabe

citar que a premissa básica é que as edificações não podem interferir nas visadas da praça, do

centro histórico e da Serra de Ouro Branco. Boa parte do comércio e serviços estão

concentradas nessa região, que não receberam um planejamento de vias largas e com

infraestrutura adequada como foi executado nos bairros urbanizados pela empresa. O Setor 2

de acordo com a LUOS/1978 que acolhia usos residencial e misto, na LUOS/2010 passou a

acolher uma pequena área de ZAR2, ZI de pequeno a médio porte, ZPAM e ZEIS. Esse setor

faz divisa com o setor 2 que também teve seu zoneamento basicamente assentado nos

parâmetros de ZEIS.

O Setor 3 que era ZR2 se mantém ZAR2, mas com os parâmetros urbanísticos

conforme descrito na tabela 19 e abriga ainda o Hospital Público do município – o HRC

(Hospital Municipal Raymundo Campos). Para essa atividade, uma porção é tida como ZE2.

O mesmo ocorre para o setor 9, onde concentra-se as instalações da FOB.O setor 7

acomodava-se as ZR1, ZE2,ZE4 e ZE5 conforme a tabela 18. Na LUOS/2010, o setor que

admite o bairro São Francisco65 passa a ter zoneamento ZEIS e uma porção dada como ZE2,

que prevê a implantação de equipamentos institucionais de educação, religiosos, de saúde,

65 Muitos relatos feitos por entrevistados que já residiam na cidade antes da implantação da empresa, os

funcionários da empresa e seus familiares, bem como membros do Poder Público e moradores do bairro São

Francisco apontam que o bairro surgiu após a retirada de seus funcionários dos alojamentos para a realocação

dos mesmos nas casas já prontas. O abandono desses alojamentos propulsionou uma ocupação por parte de

famílias de baixa renda que iam para o município em busca de emprego e não sendo contratados, ocupavam o

que lhes era permitido pela AÇOMINAS e pelo Poder público municipal. Numa ação conjunta da empresa e do

Poder Público foram construídas na década de 1990, casas populares a fim de substituir os alojamentos de

madeira. Parte dos entrevistados apontou que o bairro surgiu, além disso, como uma solução para a realocação

de famílias, em especial mulheres que ocupavam áreas próximas aos alojamentos de trabalhadores na parte

central da cidade, numa porção conhecida como “Rua da Lama”, a zona boêmia da cidade. Como a empresa não

via com bons olhos essa conduta, optou-se por realocar essas pessoas sem vínculos empregatícios para o que

hoje é o bairro São Francisco.

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124

serviços de utilidade e sociais expressa por pequenas áreas em todo o mapa de zoneamento

como pode ser visto no mapa 5. O bairro São Francisco surgiu ainda em meados da década de

1980. Há relatos nas entrevistas que o bairro curiosamente surgiu a partir de uma ação da

empresa como uma solução para reacomodar pessoas que não tinham vínculos com a

empresa. O setor 8, onde está localizado o bairro Primeiro de Maio e Metalúrgicos, de acordo

com a LUOS/1978 possuía função basicamente residencial ZR2 e outras como ZM1,ZM2 e

ZE2. Na LUOS/2010, o setor admite o uso residencial ZAR2, com pequenas áreas destinadas

à ZE2 e ZPAM2.Nestes bairros as áreas consideradas ZPAM são de propriedade da

GERDAU Açominas.

4.2.6 O Quadrante 6

Mapa 16 - Quadrante 6 – Mapa de zoneamento LUOS/1978

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978). Adaptado pela autora

Mapa 17 - Quadrante 6 – Mapa de zoneamento LUOS/2010

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo, PMOB, 2010

LEGENDA

EXP. URBANA

ZAR1

ZAR2

ZAR3

ZAR4

ZC

ZE1

ZE2

ZEIS

ZI

ZIH

ZPAM1

ZPAM2

APP’s

ZE6 ZE6

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125

Por fim os quadrantes 6 que acomodam os setores 6 e 15, compõem a zona de

expansão urbana do município conforme a LUOS/1978 cujos parâmetros urbanísticos estão

fixados na tabela 17. Na LUOS/2010 o setor 6 se mantêm como tal e o setor 15 admite a

função ZPAM2.

A LUOS/1978 e a LUOS/2010 mantêm-se em sua integralidade a divisão da cidade

feita por setorização, comum em projetos urbanísticos progressistas e é o recurso usual nas

leis de uso e ocupação do solo dos municípios brasileiros.

Os bairros implantados pela empresa (Siderurgia, Pioneiros, Primeiro de Maio e

Inconfidentes) apresentam poucas alterações que se dão estruturalmente nos parâmetros

urbanísticos e podem ser comparados nas tabelas 17, 18 e 19 desta seção. Uma das hipóteses é

que os terrenos que circundam esses bairros são de propriedade da Gerdau Açominas e após a

privatização, não coube mais a empresa, a participação na gestão urbana municipal e somente

o Poder público municipal possui recursos para que esses terrenos cumpram sua função

social. Os parâmetros urbanísticos sofreram alterações como a elevação no coeficiente de

aproveitamento, ou seja, a quantidade máxima de metros quadrados que podem ser

construídos num lote, somando-se as áreas de todos os pavimentos, logo, os lotes dispõem de

maiores taxas de ocupação e coeficientes de aproveitamento, para maior utilização da

propriedade.

Nesse viés, cabe ao Poder Público a prerrogativa de solucionar esses impasses para o

desenvolvimento da cidade e uma das possibilidades, é gerir os espaços conforme as

necessidades da população por meio de readequações na legislação urbana.

Ouro Branco possui de fato, muitos problemas decorrentes da segregação

socioespacial imposta pela concepção de bairros autônomos, projetados de acordo com as

categorias hierárquicas dos funcionários dentro da empresa AÇOMINAS S/A e distantes entre

si. Contudo, essa forma de organizar o espaço foi entendida como positiva pelo Poder público

municipal e os principais agentes imobiliários ao passo de que foi replicada e incorporada

pelos mesmos no processo de desenvolvimento urbano, possivelmente pelas qualidades que

essa sistematização impele a cidade. Pode-se observar esse fato na organização dos bairros

Belvedere, Luzia Augusta, Alto Chalé, Amália Rodrigues e Nova Serrana nos setores 1 e 2

que foram construídos pelo Poder Público e/ou por proprietários dos loteamentos.

Observa-se que a descentralização dos bairros fez com que a cidade não se

desenvolvesse a partir de um único núcleo central, como ocorre em geral nas cidades que se

desenvolvem de forma “natural” conforme Alexander (1967). Entretanto uma centralidade e

sobressaiu em relação aos outros, certamente em virtude de sua localização e seus usos que é

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126

o caso da Avenida Mariza de Souza Mendes (disposta no quadrante 2 e que conecta os bairros

Siderurgia, Pioneiros e Inconfidentes). Essa via além de ser bem dimensionada e plana em

grande parte, acomoda vagas de estacionamentos públicos e é dotada de diversos usos como

comércios, residências e serviços. O município apresenta duas importantes centralidades, que

é a Avenida Mariza de Souza Mendes e a “cidade antiga” (centro da cidade localizado no

setor 1). Supõe-se que esta descentralização ou “polinucleação periférica” pode ter inibido

uma afirmação maior do centro histórico como área de atração de pessoas e de atividades

comerciais e por outro lado, estimulado uma estrutura comercial e de serviços na Avenida

Mariza de Souza Mendes. A região central do município admite diversos usos, porque além

de serviços, acomoda residências, comércios, os bancos do município e os prédios da PMOB

e CMOB. Entretanto, as vias dessa porção não receberam planejamento urbano ou

intervenções por parte da AÇOMINAS na década de 1970, logo, estacionamento em vias

públicas, por exemplo, são escassos e como é uma área distante dos bairros planejados, o uso

do carro é essencial e por isso, há uma preferência maior ao comércio disponível na Avenida

Mariza de Souza Mendes.

As maiores alterações ocorridas na formatação da LUOS/2010 são nos bairros

construídos pelo Poder Público em caráter de mutirão. O zoneamento proposto em 1978

considerava ZR2 e em 2010 foi alterado para ZEIS. Essas áreas conforme o PD/2007, são

destinadas a programas de habitação social e necessitam de critérios especiais de

parcelamento, uso e ocupação do solo. Conforme a tabela 19, as ZEIS admitem 1,5 de

coeficiente de aproveitamento para lotes com até 250m² e 2,5 para lotes com área superior a

250m². Os bairros planejados pela Açominas, no entanto, não apresentaram grandes alterações

de expansão ou afins, reduzindo-se somente a uma nova denominação de zoneamentos. Uma

das possíveis explicações é a participação popular na discussão em torno do Plano Diretor em

2007. Conforme a tabela 16, a maior participação popular foi entre os munícipes dos bairros

Centro, Luzia Augusta, Belvedere, Amália Rodrigues, Vale do Engenho, Alto do Chalé, Nova

Serrana, Dom Orione e Novo Horizonte, todos localizados na região central, onde a empresa

não teve participação na implantação de infraestrutura. A tabela mostra também que os

demais bairros tiveram menor participação popular, se comparado com a população total

residente nos mesmos. No tópico a seguir a discussão é voltada para os impactos urbanos que

essa organização espacial proposta na década de 1970 e mantida na LUOS/2010 transpõe para

o espaço urbano, apoiando-se, sobretudo, nas críticas ao urbanismo progressista.

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127

4.3 Os impactos urbanos oriundos do plano urbanístico progressista implantado em

Ouro Branco em 1978 e a função social da propriedade

Como já exposto, as cidades que receberam indústrias como João Monlevade,

Ipatinga, Itabira, Ouro Branco e tantas outras no território brasileiro, tiveram sua economia e

infraestrutura urbana atreladas à instalação da empresa. Contudo, algumas das premissas dos

projetos urbanísticos são consideradas hoje, impasses urbanos. Várias são as interpretações

possíveis: seja pelas teorias progressistas aplicadas na formatação do projeto, pelas políticas

de governo adotadas no país principalmente no início da década de 1990 o que culminou em

inúmeras privatizações e consequente alteração na visão e missão da empresa66 e/ou pelos

vínculos que a população e o poder público municipal principalmente, mantêm com a mesma.

Neste ponto, Ottoni (1996) relaciona as cidades “mono-industriais” ou cidades-

empresa, ou seja, aquelas que tiveram sua economia e sua estruturação urbana impulsionadas

pela implantação de uma indústria à teoria de Ebenezer Howard no que se aplica a modulação

das cidades-jardins (cidades autossuficientes em meio à natureza) e explana que “[...] o campo

é o lugar privilegiado para a instalação de cidades equilibradas, [...] por isso, empresários

esclarecidos instalam suas fábricas com unidade de moradia, formando comunidades junto ao

campo [...]” (OTTONI, 1996, p. 39).

Fundamentalmente, as cidades que receberam a implantação de um plano urbanístico

progressista proposto e executado por uma empresa, apresentam em sua totalidade, cuidados

sanitários relacionados à cidade e retomam os princípios amparados pelos conceitos e

proposições de Ebenezer Howard, Tony Garnier e Le Corbusier, conforme exposto na seção

1.2. Além disso, essas cidades se apresentam com um espaço altamente segregado conforme

as classes que são separadas conforme a perspectiva econômica. Os bairros (setores) de Ouro

Branco são distantes entre si e há uma divisão entre os que não possuíam vínculos

empregatícios com a empresa (moradores da região central da cidade) e os que mantinham um

trabalho formal com a mesma (moradores da área planejada da cidade). Em torno daqueles

que mantinham vínculos, há uma nova divisão, cujo agrupamento se dá em virtude do

trabalho desempenhado na empresa e consequentemente do cargo ocupado e a renda.

Após a privatização da AÇOMINAS S/A em 1993, percebe-se através das entrevistas

que houve um deslocamento dos indivíduos entre os bairros da cidade, com fixação de

66 A seção 3.2 situa a história da empresa AÇOMINAS S/A enquanto estatal e elucida o processo de privatização

da empresa, passando para Mendes Júnior/Açominas (fusão econômica) no ano de 1992 e mais tarde sendo

incorporada pelo grupo GERDAU. A seção ainda traz a discussão de como essa transição impactou o espaço à

medida em que a empresa privada não manteve os vínculos com o Plano de Desenvolvimento Urbano – PDU, o

que cabe agora ao poder público municipal, exclusivamente.

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128

moradia em bairros diferentes daqueles que ocupavam antes da privatização da empresa. As

entrevistas apontaram que houve um maior fluxo em direção ao centro da cidade por parte dos

moradores do bairro Primeiro de Maio e vice-versa. Os entrevistados apontaram dois fatores

que justificam essa transição. O primeiro fator é em função da distância do bairro Primeiro de

Maio em relação ao centro. Alguns entrevistados do bairro Primeiro de Maio apontaram que

agora que são aposentados da AÇOMINAS S/A mudaram para o centro em virtude da

existência de maior comércio e serviços. Os moradores do centro e dos bairros centrais

afirmaram que o fluxo em direção ao bairro Primeiro de Maio se deu em virtude do valor do

m², o que os possibilitou adquirir um imóvel. Nos outros bairros planejados pela empresa na

década de 1970, como o Siderurgia e Pioneiros, percebe-se dentre os entrevistados que a

maior alteração foi a fixação de moradia por parte dos estudantes da UFSJ (campus

engenharia) implantado no município em 2007 no prédio que era instalado o escritório central

da empresa. Os estudantes narram que a escolha do bairro se deu em função da proximidade

com a Avenida Mariza de Souza Mendes que possui comércio, serviços e é o lugar de

encontro dos jovens residentes no município. Além disso, é nesta avenida que o ônibus

universitário transita, pois a universidade é localizada fora da área urbana da cidade.

Ouro Branco, bem como Ipatinga, Itabira e tantas cidades-empresa receberam forte

influência do urbanismo progressista. No caso de Ouro Branco, o planejamento urbano

implantado pela FJP em 1978 para o município tinha a USIMINAS como consultora que por

sua vez já havia implantado décadas antes em Ipatinga um modelo de vila-operária cujo

arquiteto responsável - Raphael Hardy Filho se ateve às teorias progressistas para a concepção

da área planejada de Ipatinga, uma vez que se orientou segundo “[...] um complexo de

parâmetros ou cânones de medidas adequadamente estabelecidos de forma a permitir e

proteger o desenvolvimento da vida e do progresso humano.” (1965, p.6). De forma

semelhante é a alegação da FJP para o plano urbanístico de Ouro Branco, onde “o maior

objetivo do plano diante da perspectiva de planejar uma nova cidade é, naturalmente, o de

criar um espaço urbano agradáve1, acolhedor e de boa convivência para Ouro Branco.” (1978,

p.16).Essas duas afirmações podem ser associadas à crítica de Cabral (2003), na qual os

projetos progressistas para as cidades admitem o homem como uma massa uniforme, ou seja,

os urbanistas progressistas entendem que todos os homens possuem as mesmas necessidades e

vivem segundo um padrão de comportamento social sob a mesma conduta dos demais. Nesse

entendimento, os arquitetos progressistas traduzem para o espaço a própria interpretação do

que julgam ser o ideal. Goytisolo (1977) rebate a intenção dos arquitetos progressistas e

critica-os sob a argumentação que esse “ideal tecnocrático” imposto ao espaço é prejudicial à

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129

vida urbana pelo fato de segregarem o meio e os indivíduos a tal ponto que cria-se

agrupamentos isolados com uma identidade particular, sem margem alguma para a

diversidade cultural.

Como exposto na seção anterior, os estudos sociais feitos pela FIP apontam que o

problema mais grave na concepção dos moradores da comunidade presentes na elaboração do

Plano Diretor, é a infraestrutura urbana. Na visão dos moradores é o ponto mais negativo do

município, tendo 12% dos votos, seguido pela saúde com 10% dos votos, a falta de estruturas

para o lazer e o esporte em terceiro lugar com 9,7%, a segurança pública com 6,5% dos votos,

a falta de mobilidade urbana com 6,2% e a falta de oportunidades para os jovens com 3,7%.

Por outro lado, a qualidade de vida foi levantada como o ponto positivo de Ouro Branco com

16,4%. Segundo o relatório, a falta de estruturas de lazer e esporte, a segurança pública e a

mobilidade urbana podem estar intimamente relacionadas ao planejamento urbano.

Segundo a instituição, as comunidades da região central tiveram maior presença nas

discussões em torno da elaboração do Plano Diretor e, portanto, alerta que essa situação

permite que a opinião dessas comunidades tenha um peso maior nas discussões. Cabe

salientar que são essas comunidades representam em geral, os moradores da “cidade-antiga” e

durante as entrevistas, alguns dos entrevistados residentes nos bairros planejados apontaram

como um dos possíveis motivos para a não participação, o seguinte:

[...] Infelizmente nós sabemos quais são os interesses que prevalecem: o político que

adquire terras da Gerdau de forma inexplicável, o político que tem um monte de

terreno de especulação imobiliária como é o Soledade, a própria Gerdau que

emprega meus filhos, esse monte de corretores imobiliários aqui na cidade [...] a

gente tem que participar e exercer a cidadania, mas ter voz aqui é perigoso, reclamar

do preço de terrenos, questionar esses lotes vazios [...]”. (Entrevistado 14, Entrevista

concedida em 25/01/2018).

Nesse viés, objetiva-se contrapor o planejamento urbano proposto pela FJP em 1978

frente aos principais problemas que o município enfrenta, muitos oriundos inclusive pela

formatação do plano urbanístico proposto e pelas forças de interesse que operam sobre a

propriedade.

Do ponto de vista demográfico de acordo com a tabela 20, a população em 1990 era

menos de 30.000 habitantes e em 2010 alcançou a margem de 35.268 habitantes. A análise

desses dados confronta a previsão do planejamento urbano feito pelo PDU cujo intuito era

alcançar 60.000 habitantes em 1985 e vinte anos após, 180.000 habitantes, ou seja, mais de 4

vezes a população atual67. O programa não foi atingido nem em termos demográficos, nem

espaciais, uma vez que as áreas consideradas de expansão urbana na LUOS/1978(setores

67 A população total estimada pelo IBGE em 2018 era de 39.121 habitantes.

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130

5,6,11,12,13,14,15,18 e 19) mantêm-se desocupadas e vazias, ainda que tenham parâmetros

urbanísticos padronizados.

Tabela 20 - População de Ouro Branco de acordo com os Censos de 1970 a 2010

Município Situação

domicílio

População Residente

1970 1980 1990 2000 2010

Ouro Branco

Total 6.329 12.210 27.423 30.383 35.268

Urbana 2.415 8.399 23.631 26.303 31.609

Rural 3.914 3.811 3.792 4.080 3.659

Fonte: Tabela 202 – População residente e situação do domicílio. SIDRA/IBGE

Em relação à Serra de Ouro Branco, que, em 1977 foi tombada pelo IEPHA, foi

mantida a área com a mesma função no Plano Diretor de 2007 que possuía no PDU/1978.

Atualmente a área engloba o Parque Estadual da serra de Ouro Branco (PESOB), criado em

21 de setembro de 2009 e possui7.520,7888 hectares. O Parque apresenta em seu perímetro

nenhuma atividade de lazer ou turismo como pretendido no Plano Diretor Municipal. De

acordo com a PMOB, por se tratar de um Parque Estadual, cabe ao governo do Estado de

Minas Gerais elaborar um plano turístico e implementar atividades. A ação de desenvolver o

turismo a partir da Serra de Ouro Branco é uma das prováveis formas de reinventar a

economia no município, gerar empregos e renda para a cidade, uma vez que os dois maiores

empregadores são a prefeitura municipal e a GERDAU Açominas. Cabe citar que as empresas

terceirizadas que prestam serviços para a GERDAU, em geral deslocam seus funcionários em

direção a Ouro Branco e não contratam trabalhadores que residem no município, sob a

argumentação que a mão-de-obra disponível na cidade não é especializada. Entretanto, há na

cidade um campus IFMG que oferta cursos técnicos inclusive de metalurgia e o campus de

engenharia da UFSJ é também localizado no município. Outra possível forma de gerar

empregos é qualificar a mão-de-obra para exercer as atividades que hoje são contratadas pela

Gerdau a empresas terceirizadas.

Em relação ao centro histórico, o planejamento urbanístico proposto não considerou o

espaço existente anterior à instalação da empresa de modo que as “rugosidades”, enquanto

estruturas que expressam a herança socioespacial nas cidades conforme Santos (2004) e que

Castells (1973) denomina “formas ecológicas,” foram mantidas locadas em um único setor e

são visivelmente diferente das áreas planejadas pela AÇOMINAS S/A. As áreas planejadas

pela empresa não foram construídas a partir do centro histórico, porém a mesma interveio no

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131

centro da cidade na medida em que definiu os modelos de assentamento permitidos para o

setor 1, bem como os parâmetros urbanísticos conforme exposto nas tabelas 17 e 1868.

As ruas no centro histórico ou “cidade antiga” possuem traçado orgânico, enquanto

que nas áreas planejadas o traçado das vias é linear ou radial, de modo a explicitar o caráter

racional do planejamento urbano. Cabe reter a informação de que os bairros construídos pelo

Poder público municipal em meados da década de 1990 se assemelham às áreas planejadas

pela empresa na década de 1970, supostamente pelo apreço à organização que sugere o

urbanismo progressista.

Segundo Choay (1992), tanto Le Corbusier como os urbanistas progressistas em geral,

exprimiam em seus projetos uma completa aversão a organicidade dos espaços, pois “a

grande cidade, fenômeno de força em movimento, é hoje uma catástrofe ameaçadora, por não

ter sido mais animada por um espírito de geometria” (1992, p.184). Segundo os princípios do

urbanismo progressista:

É tempo de repudiar o traçado atual de nossas cidades, em virtude do qual se

acumulam os imóveis, se enlaçam as ruas estreitas repletas de barulho, de cheiro de

gasolina e de poeira e de onde cada andar abre de par em par suas janelas para essas

sujeiras. As grandes cidades tornaram-se densas demais para a segurança dos

habitantes; no entanto não são densas o bastante para responder a realidade nova

“dos negócios” (CHOAY,1992, p.188).

Os urbanistas progressistas acreditavam que para o homem-padrão cuja economia

estava baseada na industrialização deveria existir uma nova cidade tão funcional e organizada

quanto uma indústria. Lefebvre (1972) é crítico dessa concepção ao passo que o sistema

capitalista comum à industrialização, rompe a trajetória histórica do homem e sua utilização

do espaço de forma natural recusando a própria cidade e seu legado além de imputar ao meio,

um ambiente construído com caráter artificial. Em Lefebvre (1969) há um entendimento de

que a organização espacial conforme o urbanismo progressista é uma agressão ao homem e

sua construção histórica.

A decisão de não ramificar a área planejada a partir da “cidade antiga” ocasionou a

aparição de duas centralidades espaciais que dividem claramente quem são os moradores

naturais da cidade e os que foram atraídos em função da instalação da empresa. Em Goffman

(1963) é possível correlacionar a estigmatização em função da segregação de classes e

diferenças entre os indivíduos a partir da desfiguração da identidade social. As entrevistas

realizadas demonstram que os munícipes que já moravam na cidade antes da implantação da

empresa, retiveram o sentimento de pertencimento, uma vez que o projeto urbanístico não os

contemplava como integrantes existentes na cidade no primeiro momento e só depois de

68 Ver os parâmetros urbanísticos nas tabelas 17 e 18, páginas 116 e 117, respectivamente.

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alguns anos, após o início da implantação da empresa, é que o Poder público municipal

através de isenção de IPTU, recebeu em contrapartida benfeitorias na infraestrutura urbana no

centro histórico.

[...] Quando a Açominas chegou foi como se tivesse caído uma bomba na cidade.

Tinha gente demais chegando todos os dias e a gente já não se via como morador

mais não. Depois da missa de domingo na matriz, a gente se reunia na praça para

conversar ou comprar as comidas da semana no armazém ou assistir a Congada.

Depois que a usina chegou, a praça só dava lugar para aquele tanto de homem e o

armazém ficou caro, a Congada foi sendo esquecida e a gente foi ficando em casa. A

gente não cabia na cidade [...] A festa da batata que era tradicional, foi mantida, mas

nunca mais foi a mesma, porque a gente não participa mais nem do preparo das

comidas, que hoje nem tem .(Entrevistado 17. Entrevista concedida em 10/02.2018).

[...] Pior que a usina ter chegado aqui na nossa terra, foi nunca ter visto “nós.” Isso

mexeu com o brio da gente, com a história do nosso povo e as pessoas foram

morrendo de amargura. A usina só conversava com o prefeito [...] e com quem tinha

comércio, porque os funcionários podiam comprar fiado para pagar no pagamento e

a gente, nem isso podia mais. Foi um tempo muito difícil pra nossa gente.

(Entrevistado 11. Entrevista concedida em 21/04.2018).

O vínculo empregatício criado entre a empresa e os trabalhadores reproduziu na esfera

da moradia e da sociabilidade, a segregação e as relações de poder existentes nas relações de

trabalho dentro da empresa. Santos (2004) afirma que o ambiente construído de forma

“artificial” como também remete Alexander (1967), é subordinado à ótica do modo de

produção vigente e nesse sentido, o espaço é expresso pelos recursos de territorialidade que

no sistema de produção capitalista, remete ao status de poder que tende a silenciar as

tradições, o passado e a história. No município os bairros que abrigavam os trabalhadores da

empresa foram projetados segundo a renda da população, o que na prática significou uma

segregação por categoria funcional já que tratava-se, de fato, de um único empregador – a

AÇOMINAS S/A e os trabalhadores foram divididos conforme a renda que consequentemente

fundamentava sua localização de moradia segundo a hierarquia do processo de produção. Esse

caráter de segregação socio-funcional e a intervenção da empresa enquanto estatal na vida

privada do trabalhador, foi relatada por parte dos entrevistados como um dos fatores

psicológicos mais danosos em virtude da submissão dos mesmos à empresa, o temor pelo

desemprego e a relação distante entre os outros trabalhadores que ocupavam cargos superiores

na hierarquia da empresa. Segundo Lefebvre (2006) a hierarquia do processo de produção é

refletida no espaço a fim de reproduzir na esfera urbana, uma extensão hierárquica. Piquet

(1998) acrescenta que essa reprodução das relações sociais existentes na empresa para a vida

citadina tende a unificar a empresa e a cidade dentro de uma mesma estrutura, inclusive de

interdependência. Logo, a “cidade-empresa” retrata além de um desenvolvimento da cidade a

partir da implantação de uma empresa, é, sobretudo, um estado de condição relacional entre

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indivíduos e empresa, numa lógica de dependência mútua ao passo de que a empresa necessita

de mão-de-obra e os trabalhadores necessitam de um trabalho. Como a cidade se vincula

basicamente a dois empregadores – prefeitura e atual GERDAU Açominas, o elo é

preservado.

[...] A Açominas nunca foi só a Usina. Era a usina, os bairros e os funcionários.

Tudo o que acontecia na casa da gente, briga de marido e mulher, filho repetindo o

ano da escola e tudo o que se pode imaginar de uma vida íntima, a Açominas sabia.

O supervisor da área quando sabia as fofocas da rádio patrulha chamava o

funcionário e levava ele para uma reunião na sala como um jeito de intervir na vida

íntima e até deixava transparecer que aquilo poderia ser motivo para mandar a gente

embora. Quando era muito grave de acordo com os olhos da usina e da chefia, eles

encaminhavam a gente para um médico psiquiatra que atendia a gente lá mesmo. O

que acontecia dentro de casa, nos bairros da empresa era como se acontecesse dentro

dos portões da Açominas. Era uma coisa só. A gente nem sabia o que era ter vida

social porque ou você estava dentro da usina ou indo trabalhar ou de folga dormindo

para trabalhar no próximo turno. Roupa? Era o uniforme quase 24 horas do dia.

Festa de escola dos filhos? Só se a gente trocasse de letra, né, no turno. O assunto

era Açominas e a vida se resumia só nisso. “Cada macaco no seu galho”. O que

acontecia no Primeiro de Maio era problema da usina e o que acontecia no

Inconfidentes também, mas nenhum morador se metia na vida de outro de bairro

diferente e ninguém se metia com a Açominas também não. Se o chefe da área

quisesse que você trabalhasse em turnos seguidos, você só não ia se tivesse

internado na FOB. A gente ia pra usina e ficava dias as vezes sem ver os filhos da

gente, a mulher...a usina ajudou até a gente que era trabalhador na época a comprar

uma linha telefônica na TELEMIG para os chefes ligarem pra gente quando era pra

dobrar ou se tivesse algum problema na “área” ou pra gente avisar a esposa que não

voltaria pra casa naquele dia, porque tinha que dobrar o turno. [...] Você podia até

ter amigos supervisores, mas sem muita intimidade porque tinha que ter uma

distância, um respeito porque ele era chefe. [...] Se você fosse mandado embora

podia juntar sua mulher, seus filhos e suas tralhas e se mudar daqui, porque não te

empregavam nem num cargo menor, com salário menor e não tinha mais nada na

cidade de emprego, sem contar que ninguém mais falava com você porque tinham

medo de ficarem desempregados também. Os filhos da gente só podiam estudar nas

escolas da empresa e namorar só gente dos bairros. Isso não era um contrato escrito,

era uma força que pairava na cabeça da gente. Era aquele ditado: “me diga onde

moras, que eu direi quem é”. Morar aqui no bairro, seu pai lembra que tinha um

peso e morar no Inconfidentes era outro peso. O sonho da gente era ter salário maior

para poder mudar e morar perto de onde tinha comércio, mas nem sei, porque o

bairro lá não cabia a gente mesmo se a gente tivesse dinheiro. Quem decidia era a

Açominas de acordo com seu salário. Os pobres “chão de fábrica” ficaram aqui no

Primeiro de Maio. Isso só mudou com a Gerdau, que tem outra forma de trabalhar

né... não pensa muito na cidade mais e nem na qualidade de vida da gente. Quem

aposentou, aposentou. Quem não aposentou, vive essa outra fase de agora

né?[...]”(Entrevistado 11. Entrevista concedida em 21/05/2018)

Curiosamente nas entrevistas realizadas nessa pesquisa, muitos dos moradores que

residiam nos bairros planejados pela empresa não se sentiam moradores do município de Ouro

Branco e era comum dizer “vou a Ouro Branco”, referenciando-se ao fato de ir à área central

e histórica do município - a região que a empresa não interveio espacialmente no primeiro

momento e nem a englobou no projeto inicial. Isso ressalta a dificuldade dos migrantes que

foram atraídos pela oportunidade de trabalho na AÇOMINAS S/A de se identificarem como

moradores do município enquanto um todo. Alguns chegaram a relatar nas entrevistas que era

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como se existisse “duas cidades”, o centro histórico que estava interligado ao Poder público

municipal e a área planejada interligada à empresa.

Os não funcionários da empresa, portanto os estigmatizados, não tinham acesso por

exemplo a infraestrutura urbana e aos equipamentos e serviços geridos e criados pela

AÇOMINAS S/A. O sentimento que muitos dos entrevistados demonstram é que ainda é viva

e latente essa separação dos indivíduos conforme a classe e que assola as relações sociais no

município. Observa-se que até o relatório da FIP conforme a tabela 16, demarca qual o grupo

de munícipes que estiveram presentes nos debates da elaboração do Plano Diretor. Isso pode

ser correlacionado a visão da empresa, cujo capitalismo propulsionado por multinacionais

como é o caso do grupo GERDAU, se apoia na junção de matérias-primas disponíveis e mão-

de-obra barata, que em consequência, gera a maior acumulação de capital e a demanda por

investimentos cada vez maiores e mais rentáveis e não possui mais como prerrogativa a

participação na produção do espaço.

[...] É como se a gente que morasse aqui no centro ficasse só aqui e os moradores no

bairro só no bairro. Eles vinham aqui para fazer compras e usar os bancos e a gente

nunca nem ia lá, porque quase não tinha comércio nos bairros e a gente não conhecia

ninguém. Eles não se identificavam com a gente e com a cultura da gente e nem a

gente com as deles, porque cada um era de um canto desse país. [...] Pareciam duas

cidades diferentes [...] Eu vim morar no Belvedere em 2000 quando comprei minha

casa. Antes eu morava no centro, no fundo da casa dos meus pais, mas preferi

Belvedere porque dá pra ir a pé pro centro. O que eu tinha de dinheiro só dava pra

comprar no Primeiro de Maio que é longe demais [...] por muito tempo a gente nem

tinha amizade com as pessoas dos bairros e isso só começou a acontecer depois da

privatização, com as redes sociais [...] A Gerdau não interfere diretamente na cidade

mais como antes, mas como a prefeitura e a gente depende dela, sabemos bem que

os desejos dela é que prevalecem.” (Entrevistado 27. Entrevista concedida em

19/01.2018).

Muitos dos princípios do urbanismo progressista são percebidos em Ouro Branco: os

zoneamentos propostos por Ebenezer Howard expostos na seção 1.2, que divide as cidades

segundo funções muito específicas e sem grandes possibilidades de diversidade de usos,

conforme exposto no PDU/1978 e mantidos na Lei de uso e ocupação do solo executado pela

Fundação Israel Pinheiro em 2010; a tipologia das quadras dimensionadas, das unidades

residenciais, institucionais e fabris onde a metalúrgica é a indústria principal na cidade

industrial proposta por Tony Garnier e na organização do espaço segundo as funções de

habitação-trabalho-recreação-circulação propostas na Carta de Atenas por Le Corbusier.

Como exposto anteriormente por Mendonça (2006) estes mesmos princípios foram inseridos

no plano urbanístico de Ipatinga, proposto por Rafael Hardy Filho.

Em relação à forma urbana, os zoneamentos propostos por Howard na cidade-jardim e

Le Corbusier na Carta de Atenas, propõe a demarcação dos espaços conforme as funções e

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atividades desempenhadas. Em Ouro Branco, a LUOS/1978 e a LUOS/2010 mantêm essa

formatação espacial que se garante através dos parâmetros urbanísticos.

Conforme a seção 4.1, a AÇOMINAS S/A promoveu a implantação das habitações de

modo a abrigar os funcionários da empresa conforme a atividade desempenhada na mesma e

dividiu as unidades de vizinhança 69 em setores de acordo com a renda de cada núcleo

familiar. Segundo Monte-Mór (2004, p. 36), “o espaço urbano produzido pela indústria

mineira apresenta maior rigidez e controle pois é uma extensão do espaço da produção da

fábrica/usina”. O que na Carta de Atenas de Le Corbusier foi apenas uma correlação entre

trabalho eficiente e cidade eficiente, em Ouro Branco foi um fato concretizado, uma vez que o

espaço construído realmente obedece a esse raciocínio.

As unidades de vizinhança ou setores foram projetadas de acordo com os números de

produção almejados a médio e longo prazo, ou seja, o dimensionamento dos setores se baseou

no número de operários, nas moradias necessárias para acolher os funcionários e seus entes,

bem como na infraestrutura necessária. Por esse motivo os bairros em Ouro Branco são

superdimensionados em virtude dos números de produção que a empresa almejava em

produzir no futuro. Quanto maior a produção, maior a necessidade de áreas urbanas para

acomodar seus funcionários. As cidades-jardim e a cidade-industrial propostas por Ebenezer

Howard e Tony Garnier, respectivamente, demarcam as áreas segundo as funções

estabelecidas, distantes umas das outras justamente para que cada setor pudesse crescer de

forma independente sem romper os limites do seu zoneamento. Isso corrobora para que como

exposto por Lefebvre (2006), cada classe ocupe apenas a área designada para a fixação do

trabalhador conforme a renda e as atividades desempenhadas na empresa. O autor ainda

acrescenta que essa forma de organização contribui para que exista um maior controle da

mão-de-obra (indivíduos) por parte da empresa. Contudo, os espaços vazios em torno dos

bairros, principalmente os planejados pela empresa, representam a possibilidade de

crescimento conforme as necessidade de fixação de trabalhadores no espaço a medida que a

empresa expandir e necessitar de mais operários para a produção, mas são também, vazios

urbanos, pois além de serem dotados de infraestrutura já implantada, são bens patrimoniais da

empresa e instrumentos de especulação imobiliária. Lefebvre (2001) e Castells (1983)

abordam a propriedade privada como uma mercadoria no capitalismo e, portanto, admite

valor de troca.

69 Unidades de vizinhança conforme o PDU/1978 é um setor que abrange as unidades residenciais em torno de,

no mínimo, um estabelecimento de ensino primário, além de outros equipamentos que polarizam a vida social de

1000 a 1200 famílias.

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Essa configuração racional que aspira a princípio a organização espacial transpõe para

o espaço a demarcação dos usos permitidos sem possibilidades de diversificação dos mesmos.

Observa-se, por exemplo, que somente as vias classificadas como coletoras e arteriais

acolhem usos comerciais e de serviços como é o caso da Avenida Mariza de Souza Mendes

(área planejada) e a rua da Lavoura e rua Santo Antônio (centro histórico), conforme as

figuras a seguir70.

Figura 12 – Avenida Mariza de Souza Mendes

Fonte: Arquivo particular da autora (2018)

Lefebvre apresenta críticas aos zoneamentos propostos nos planos urbanísticos

progressistas, principalmente porque a “suburbanização é o princípio da descentralização da

cidade” (1969, p.37).

Figura 13 – Rua da Lavoura Figura 14 – Rua Santo Antônio

Fonte: Arquivo particular da autora (2018)

70 Conforme o Plano Diretor municipal de 2007, as vias locais são as vias que permitem tráfego de veículos no

máximo a 30km/h e são residenciais exclusivamente. As vias coletoras admitem fluxos de veículos a 40km/h e

coletam o flux das vias locais e deságuam em vias arteriais e/ou de trânsito rápido. As vias arteriais admitem

fluxo de veículos a 60km/h e interligam os bairros urbanos. As vias de trânsito rápido admitem fluxo de veículos

a 80km/h e correspondem as vias de entrada e saída do território.

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Jacobs (2011, p. 179) por sua vez discorre que a produção urbana progressista é hostil

ao espaço, uma vez que a “ação descentralizadora dos zoneamentos é a responsável pela

destruição da urbanidade”. A autora ainda acrescenta que os usos precisam estar associados

de forma combinada para que o espaço tenha à disposição, a diversidade que é tão necessária

à manutenção da vida urbana. Os zoneamentos e os usos direcionados representam para as

cidades “novos problemas de estagnação, um subproduto impensado da imposição de novos

sonhos” (2011, p. 185).

Analisa-se o bairro Primeiro de Maio, por exemplo: é o bairro mais distante das duas

centralidades comerciais dentre os bairros projetados pela AÇOMINAS S/A e sua população

era basicamente composta por operários. Segundo Lefebvre (1969, p.22), “afastado dos locais

de produção, disponível para empresas esparsas a partir de um setor de habitat, o proletariado

deixará de esfumar em sua consciência a capacidade criadora. A consciência urbana vai se

dissipar”. Com a privatização, a GERDAU AÇOMINAS teve seu quadro de funcionários

reduzidos, porém ainda é uma das características do setor 8, acolher a classe com menor

renda; isso devido à localização, a deficiente mobilidade e o valor dos aluguéis dos imóveis.

[...] Então...não tem jeito: a renda ainda é um divisor de águas sobre quem ocupa e

onde mora na cidade. Tem um lema aqui na cidade: “me diga onde moras, que eu

direi quem és”. [...] Trabalho com o mercado imobiliário há 28 anos aqui na cidade e

é simples: se a pessoa tem renda ela prefere morar na Avenida Mariza, no

Inconfidentes, Pioneiros, Minas Talco... Se ela tem mais ou menos, ela vai pro

Siderurgia. Se ela tem limitação financeira, ela opta pelo Primeiro de Maio, pelo

centro que é razoável, mas pelo menos não se gasta com ônibus ou gasolina, porque

o Primeiro de Maio é longe. Os bairros ali do centro, Luzia Augusta, Belvedere,

Amália Rodrigues, que são de loteamentos são bons também porque estão perto do

centro, mas tem a questão da violência, do tipo de casa também [...] Isso não muda

porque as casas tem uma tipologia, uma arquitetura comum, embora tem muita casa

reformada no Primeiro de Maio por exemplo que é mais cara que no Siderurgia.

Tem gente que melhora um pouquinho de vida, de salário na usina e quer morar no

Inconfidentes por status, porque é um bairro isolado também né? Agora o São

Francisco tem essa coisa de ser identificado como os moradores de renda mais baixa

né? Lá os aluguéis, compra e venda nem chegam a passar em imobiliária não. [...]”

(Entrevistado 12. Entrevista concedida em 21/06/2018).

Os bairros que possuem melhor infraestrutura implantada são os que possuem valor

monetário mais elevado. Da mesma forma, o padrão arquitetônico é um fator contributivo

para que prevaleça a lógica da segregação socioespacial ancorada na perspectiva econômica e

isso condiz com a afirmação de Harvey (2008), cujo espaço que abrange melhores

edificações, infraestrutura urbana, equipamentos comunitários e quaisquer outros recursos que

permitam que o capital seja ampliado, tem maior valor econômico e é por meio desses

atributos que o valor da propriedade é alçado. Alguns entrevistados relatarem que após a

aposentadoria, conseguiram fazer modificações e reformas na residência, inclusive como

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forma de adequar a moradia às necessidades do núcleo familiar e ampliar a área a fim de

maior valorização do imóvel.

[...] Uma coisa boa que aconteceu foi eu aposentar e poder construir mais cômodos

na minha casa, mas só depois que teve a privatização que tinha como a gente fazer

isso [...]. Com quatro filhos era muito difícil ter só dois quartos, mas era o padrão do

bairro e também eu era auxiliar de serviços gerais, um “faz-tudo” na cozinha da

usina.[...] Aumentar minha casa pra ter mais m² construído, faz com que eu pague

mais IPTU, mas a casa também é mais valorizada, mesmo que seja aqui no

Metalúrgicos [...] (Entrevistado 3. Entrevista concedida em 14/02/2018).

[...] Eu fui para Ouro Branco porque já era médico e fui chamado para implantar o

centro de saúde mental dentro da usina para os funcionários e posteriormente atendia

na FOB. [...] A empresa controlava a vida dos funcionários e das famílias que

moravam nos bairros planejados. O Estado através da empresa intervia até na vida

íntima do casal [...] Minha casa é até hoje lá, no Inconfidentes e só é no

Inconfidentes por causa da minha renda e da minha profissão. [...] Por mais que

tenha casas melhores em acabamentos em outros bairros, o Inconfidentes ainda é o

lugar mais caro em termos de m² [...] acredito que o mais caro seja a avenida Mariza

[...]. (Entrevistado 8, Entrevista concedida em 17/02/2018).

Os zoneamentos propostos contribuem para que as ruas não acomodem a diversidade

de usos e consequentemente as vias são desempenham no espaço a única função de circular,

conforme previsto pelos urbanistas progressistas. Para Jacobs, as ruas e as calçadas expressam

além de usos relacionados à circulação, a possibilidade de recreação e de encontro; logo ruas

e calçadas vazias tendem a abrigar situações de violência e criminalidade. “De uma coisa

podemos ter certeza: reduzir o adensamento de uma cidade não garante a segurança contra o

crime nem previne o temor ao crime [...] portanto, os subúrbios são o cenário ideal para

estupros, roubos, assaltos à mão armada e similares.” (JACOBS, 2011, p.33). Obviamente, a

falta de apropriação pública não é o único fator que condiciona a violência e a criminalidade

nas cidades, mas pode ser um fator contributivo, principalmente nas bordas que prevalecem os

vazios urbanos.

[...] A questão da violência aqui, no meu olhar de policial, tem relação sim com a

questão de classe social. [...] Os maiores índices estão nos bairros considerados de

“baixa renda”. A violência na cidade está controlada se comparada com os índices

da violência no Estado de Minas Gerais, porém é de observar e se atentar para o

aumento da criminalidade nos bairros mais afastados do centro e da Avenida

Mariza, que tem o sistema de câmeras do “Olho vivo” [...] Por mais que exista

iluminação pública, nem sempre é eficiente e as pessoas quase não usam as ruas

também que não seja com o auxílio de carros. Os números estão controlados [...]

mas tenho que concordar que o sentimento de insegurança é muito maior do que

quando vim para Ouro Branco. A cidade está entre Belo Horizonte e a a Br-040 que

liga Minas ao Rio de Janeiro, então temos números que expressam o aumento do uso

de drogas no município, assaltos e roubos.[...] Suponho que se as ruas tivessem mais

pessoas, se houvessem mais atrativos para a juventude, oportunidade de emprego, a

criminalidade e a sensação de insegurança seriam muito menores [...] Quando vim

pra Ouro Branco, a viatura passava nos bairros Pioneiros e Inconfidentes para

segurança mesmo em relação a assalto nas casas [...] já nos bairros como Luzia

Augusta, São Francisco que tem uma população supostamente de menor renda, é

droga, violência mesmo [...]. (Entrevistado 20. Entrevista concedida em 16/01/2018)

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[...]A violência cresceu no país, e aqui a sensação é maior porque tudo é longe e não

tem emprego, então a juventude arruma coisa errada pra fazer, isso na minha opinião

[...] Na minha época de ativa, a gente era chamado pra situações adversas e hoje é

droga, assalto, roubo e muita violência mesmo [...] se tivesse emprego seria menos

pior ou então se a usina liberasse lotes pra outras empresas virem, pra ter gente

morando nesses terrenos enormes porque é isso que causa essa insegurança. Cidade

escura, gente desempregada [...]” (Entrevistado 3, Entrevista concedida em

15/01/2018).

Jacobs (2011, p.132) afirma que “as vizinhanças prósperas não são, em resumo,

unidades distintas. Formam um contínuo físico, social e econômico [...] e nos locais em que as

ruas possuem estabelecimentos comerciais, vivacidade, usos e atrativos são suficientes para a

vida urbana” e isso condiz com o relato de alguns entrevistados, que anseiam que esses vazios

admitam novos loteamentos e empresas a fim de gerar empregos para o município, ainda tão

dependente economicamente da empresa.

Em relação às unidades residenciais, os modelos de assentamento e as tipologias

arquitetônicas dispostas na LUOS/1978 demonstram que as mesmas não foram construídas de

forma alinhada junto às ruas de maneira que um afastamento frontal generoso foi

caracterizado no projeto. Com a área urbana extensa, o plano urbanístico priorizou a

construção de unidades unifamiliares e individuais em sua maioria. No Bairro Primeiro de

Maio (setor 8) no entanto, pelo baixo custo da construção e a necessidade de acomodação de

grande número de famílias, a solução se deu em torno de implantação de casas geminadas. No

bairro Siderurgia (setor 4), em parte do bairro foi construído unidades multifamiliares,

verticalizadas com o objetivo de aproveitar ao máximo a infraestrutura urbana.

Rolnik (1995) afirma que o maior erro dos planejadores urbanos é a utopia da cidade

planejada sem males, com a possibilidade de o Estado ter o controle sobre a cidade e sobre os

cidadãos através do esquadrinhamento e domínio de seus espaços e a consequente prisão do

homem às indústrias.

Howard (1996) chama atenção para a importância da municipalidade de maneira que

existisse uma diversidade na construção das residências e expressasse preferências, gostos e

necessidades individuais. Sua proposição de zoneamentos para a cidade-jardim abordava a

cidade organizada conforme as funções desempenhadas, mas seus estudos não apresentam

tipologias arquitetônicas padronizadas como Le Corbusier apresenta no quesito “moradia” na

Carta de Atenas. A tentativa de aliar habitações, funcionários e organização espacial permite

segundo Santa Rosa (2002), que a “moradia-tipo” de Le Corbusier (1989) fosse aplicada

numa padronização rígida e comum aos planos urbanísticos progressistas, coma soma de

alguns conceitos de cidade-jardim de Howard, como a presença de arborização nas vias.

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Em relação aos espaços de lazer e recreação, o Plano de Desenvolvimento urbano

previa a implantação de algumas praças no interior dos setores e clubes socio-esportivos. No

bairro Primeiro de Maio e o Siderurgia existem dois clubes esportivos construídos através da

Associação dos Empregados da Açominas - AEA no fim da década de 1980 e início dos anos

199071. O clube AEA-Campestre localizado na Fazenda do Cadete na rodovia MG-443, Km 7

foi inaugurado na segunda metade da década de 199072 e o Clube Palladium, localizado no

bairro Inconfidentes é privado. Ouro Branco é carente de atividades turísticas, de recreação e

de lazer. As únicas áreas que potencialmente podem vir a se apresentar como espaços de

recreação e lazer é a Praça de Eventos, localizada entre os setores 1 e 4 e o Parque Estadual da

Serra de Ouro Branco. Entretanto ambos os espaços não apresentam estrutura necessária e

atrativos que promovam a apropriação. Embora a Praça de Eventos seja o espaço multiuso

que acomoda shows e eventos como a tradicional Festa da batata, seu uso é limitado a esses

fins. O campus da Universidade Federal de São João Del Reyque poderia representar um

espaço de constante fluxo de pessoas, está localizado fora da zona urbana. Lerner (2003)

apresenta uma crítica aos “campus universitários” locados fora da área urbana nas cidades

brasileiras e refere-se a estes como “matus universitário,” justamente por ter a efervescência

da vida acadêmica e a pluralidade é tolhida em espaços restritos e distantes.

A indústria localizada entre o território de Ouro Branco e Congonhas foi locada fora

da zona urbana como previa Tony Garnier em sua idealização de cidade industrial e envolta

por um cinturão verde a fim de conter o direcionamento das impurezas eliminadas no

processo metalúrgico, para a zona urbana. Já o hospital que deveria ser locado fora da zona

urbana segundo a cidade industrial de Tony Garnier, em Ouro Branco está locado dentro da

zona urbana, mas de forma isolada num setor exclusivo e com áreas excedentes ao redor.

Como exposto no capítulo 3, a AÇOMINAS S/A deteve em seu domínio a massiva

quantidade de terrenos para que implantasse livremente o plano urbanístico. Entretanto,

algumas crises econômicas que assolaram o país e consequentemente a indústria siderúrgica,

permitiram que os números desejados não fossem alcançados a ponto da empresa ser

privatizada e a responsabilidade social na implantação do projeto urbanístico fosse

completamente abandonado pela empresa e também Pelo Poder Público, que não dispõe de

recursos suficientes para esse fim, além e não ser justificado por não existir outras empresas

71 A AEA atualmente recebe a designação de Associação Esportiva do Alto Paraopeba e não tem mais o vínculo

que tinha com a empresa e seus funcionários. As cotas de sócios são abertas ao público em geral. 72Sabe-se que recentemente o clube Campestre que era lotado nas dependências da AEA, cuja manutenção se

dava em função das tarifas pagas pelos sócios e não-sócios e representava uma área de recreação para toda a

região do Alto Paraopeba, foi vendido para uma pessoa física e não foram concedidos documentos que

comprovem a compra/venda.

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na cidade que atraiam pessoas. A somatória desses fatos culmina em setores com grandes

áreas sem edificações consideradas vazios urbanos 73 e que não foram previstos no

planejamento.

[...] O jeito que eles construíram a cidade foi ruim demais para a gente que morava

longe do comércio e dos bancos, mas a gente achava que a cidade ia crescer na

medida que a empresa produzisse mais. A gente nem imaginava que ia dar errado e a

gente continuaria morando longe do comércio, não. Deu tudo errado eu acho. A

Gerdau não liga muito para a cidade mais e fica com os terrenos só pra ela, então

fica esse matagal todo e o que a gente pode fazer, se nem a prefeitura “peita” ela? O

resto de terra que tem e que a gente nem sabe como conseguem comprar e é caro,

então os filhos da gente nem tem onde morar porque não têm dinheiro para comprar

esses lotes pequenos de quase 100 mil reais não. A Açominas não era assim não. A

Gerdau que é dona de quase tudo na cidade né e ainda coloca as plaquinhas dizendo

que é propriedade privada e a prefeitura nem é capaz de multar a empresa por não

manter limpo pelo menos as beiradas dessas matas né? A prefeitura e a gente

dependem da empresa [...] (Entrevistado 7. Entrevista concedida em 12/06/2018).

O Plano de Desenvolvimento urbano proposto pela Fundação João Pinheiro, em 1978,

explana que a preocupação com o controle e disciplina do crescimento da cidade se apoiava

na demanda de evitar a especulação imobiliária e resguardar as boas condições de moradia

nos setores.

No entanto, com a privatização da empresa a visão da mesma foi alterada e uma das

hipóteses que reafirmam os vazios urbanos é que os terrenos adquiridos pela GERDAU

AÇOMINAS na compra da AÇOMINAS S/A e seus bens, representam hoje, um montante de

áreas expostas a especulação imobiliária, ou seja, o que o PDU/1978 previa não acontecer em

função da divisão segmentada do espaço urbano, se sucedeu em virtude da produção

capitalista, pois conforme Lefebvre (1969) a terra no capitalismo, é uma mercadoria e

portanto, tem valor de troca e não de uso. Os mapas 18 e 19 mostram como se encontra o

espaço urbano atualmente e permitem a análise de que os setores que compõem a área de

expansão urbana se mantiveram sob as mesmas diretrizes ou foram admitidas como ZPAM2 e

APPs na LUOS/2010.

73 Entende-se como vazios urbanos, áreas não construídas e não qualificados como áreas livres no perímetro

urbano da cidade. São glebas de terra dispostas na zona urbana, dotadas de infraestrutura e equipamentos sociais,

mas sem realizar nenhuma função espacial.

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Mapa 18 - Street map com localização dos setores de função urbana

Fonte: Google Earth (2011) Adaptado pela autora

Mapa 19 - Imagem de satélite com localização de alguns equipamentos urbanos

Fonte: Google Earth (2011) Adaptado pela autora

10

3

8

4 1

16

9

7

17

Praça de eventos

Rodoviária

FOB

HRC

Fórum

Poliesportivo

ROTOR

GERDAU

AÇOMINAS

2

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Muitas dessas áreas se encontram urbanizadas parcial ou integralmente. O setor 16 por

exemplo, considerado zona urbana permanece integralmente sem nenhuma alteração física

desde o PDU/1978, não sofreu alterações físicas em termos de uso e ocupação do solo como

pode ser observado na figura 10 e admite-se segundo a LUOS/2010, o zoneamento ZAR2 e

ZE2.

Figura 15 - Vista do setor 16. Ao fundo, campus UFSJ.

Fonte: Acervo da autora (2012)

O setor 9 continua acomodando basicamente o hospital FOB, com zoneamento ZAR-1

(TO de 65% e CA de 2,5) na área identificada como bairro Soledade. Nas figuras a seguir

observa-se que o setor ainda é uma área com poucas habitações e de modo geral, se mantêm

basicamente tal como implantada na década de 1970 e 1980 mesmo que esteja localizado

numa área em que a terra é mais valorizada em virtude da paisagem natural, da proximidade

com os setores 17 e 10, além de maior atendimento pelo comércio e serviços. Segundo a

PMOB neste setor foi feito um loteamento privado, mas são raras as ocupações74.

Figura 16 - Vista do setor 9. À esquerda, FOB. À direita, Av. Mariza de Sousa Mendes

Fonte: Acervo da autora (2012)

74 Parte do bairro Soledade de acordo com a PMOB, constitui-se por loteamento privado e está em processo de

construções das edificações há sete anos. Já existem algumas ruas pavimentadas e dotadas de infraestrutura

urbana (água, luz, saneamento básico). Entretanto, a PMOB não dispõe de dados efetivos e documentos que

endossam essa afirmação e os loteadores são, em geral, pessoas ligadas à administração pública municipal do

próprio município e também da região, o que sugere, especulação imobiliária.

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Figura 17 – Habitações Bairro Soledade

Fonte: Acervo da autora (2018)

Figura 18 – Vazios urbanos Setor 9

Fonte: Acervo da autora (2018)

[...] Era da usina (Gerdau) aquela parte toda ali do Soledade e hoje tem casas lá.

Sinal de que foi feito loteamento, mas ninguém da cidade tem acesso não, só os

políticos e as diretorias da usina [...] ele usa a prefeitura pra no escuro pegar as terras

e fazer loteamento pra ele e pra turma dele e a gente se quiser morar tem que

comprar no preço que eles acham que vale. (Entrevistado 14. Entrevista concedida

em 25/01/2018)

[...] “Cê” acredita mesmo [...] que tem diferença de prefeitura e usina? A prefeitura

não tem interesse em negociar isso não [...] quem a gente elege é que aproveita essas

terras. Os filhos da gente ou constroem no quintal, ou se mudam, ou vão estudar fora

pra ter condição de morar aqui um dia. “Essas terras são tudo da usina e desses

políticos. (Entrevistado 23. Entrevista concedida em 15/03/2018)

As maiores alterações ocorridas foram nos setores 1 e 2. Salienta-se que como dito na

seção 3.3 no início da década de 1990, o Poder público municipal recebeu algumas áreas

urbanas sob o regime de doação para que fossem construídas moradias para as famílias que

não mantinham vínculos empregatícios com a AÇOMINAS S/A. Logo, surgiram os bairros

Luzia Augusta e Belvedere e outros bairros como Alto Chalé, Amália Rodrigues e Nova

Serrana surgiram a partir de loteamentos privados no fim da década de 1990 e anos 2000.

Durante a pesquisa, um dos entrevistados vinculados ao Poder Público informou que o Alto

Chalé, por exemplo, teve parte de sua infraestrutura promovida pelo loteador e parte pelo

poder público municipal.

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A privatização da AÇOMINAS implicou diretamente na paralisação total do projeto

urbanístico proposto pela FJP, inclusive no que diz respeitava ao “Projeto Integração”. Sem

pretensões de expansão e desenvolvimento industrial da usina em meados da década de 1990,

a população estabilizou-se e se manteve sem grandes movimentos migratórios como ocorrido

em meados da década de 1980, logo não havia a necessidade e nem atrativos que endossassem

a necessidade da urbanização integral da área.

O desemprego em massa conforme descrito no tópico 3.2 também contribuiu para que

a população não aumentasse em termos demográficos, justamente porque sem o vínculo

empregatício com a empresa e sem maiores possibilidades de sobrevivência no município,

parte da população desempregada migrou para outras cidades em busca de trabalho e uma

nova recolocação no mercado.

Já o setor 3 recebeu na década de 1990 a rodoviária e a Praça de Eventos - um espaço

multiuso para shows, feiras, exposições e festas tradicionais da cidade. Este setor é o

denominado “Projeto integração” que foi esquecido, de modo que essa porção urbana enfrenta

a pouca apropriação por parte das pessoas, motivado inclusive pelo abandono do Poder

público municipal que dentre outras situações é explicado por uma questão econômica e de

decisão política.

A figura 12 mostra a Praça de Eventos, tendo a região do centro histórico à direita e o

bairro Siderurgia à esquerda.

Figura 19 –Vista para o centro histórico a partir do mirante da Praça de Eventos

Fonte: Acervo da autora (2012)

Como em vários outros setores de função urbana, o 7 e o 8 fazem divisa entre si,

conforme representado no mapa 18. No entanto, abrigam inúmeros vazios urbanos – terrenos

extensos, sem presença alguma de edificações e consequentemente moradores. Muitas dessas

áreas que na LUOS/1978 eram designadas como ZR e ZM, se apresentam na LUOS/2010

como ZPAM. Uma das hipóteses é que como a empresa foi privatizada e não alcançou a

produção que previa e nem a população que aspirava, não havia mais o interesse em lotear os

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terrenos, mantendo-se como carta de patrimônio imobiliário da GERDAU Açominas e as

áreas que foram loteadas mais tarde, são artifício de especulação imobiliária. Ainda que o

PD/2007 tenha sido construído de forma participativa, sob consultoria da FJP e execução da

FIP, prevaleceram-se os interesses da empresa, até mesmo pelo fato de ser a maior

contribuinte dos impostos destinados à prefeitura de Ouro Branco, mas, afinal,

Quem são os agentes sociais que fazem e refazem a cidade? Que estratégias e ações

concretas desempenham no processo de fazer e refazer a cidade? Estes agentes são

os seguintes: (a) os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes

industriais; (b) os proprietários fundiários; (c) os promotores imobiliários; (d) o

Estado; e (e) os grupos sociais excluídos (CÔRREA, 1989, p.12)

Esses agentes sociais, conforme Harvey (2005) e Corrêa (1989), agem dentro de um

marco jurídico que regula a atuação deles e se expressa não de forma neutra, mas sobretudo

conforme os interesses dos agentes dominantes. “Ainda que possa haver diferenciações nas

estratégias dos três primeiros agentes, bem como conflitos entre eles, há, entretanto,

denominadores comuns que os unem: um deles é a apropriação de uma renda de terra.”

(CÔRREA, 1989, p.12) Portanto, Lefebvre (2006) afirma que o espaço urbano se constitui

como instrumento onde são viabilizados os propósitos em grande parte da posse e do controle

de uso da terra e isso demarca um conflito inerente entre a acumulação capitalista e lutas de

classe.

O fato da GERDAU AÇOMINAS deter grande parte da terra não edificada no

território de Ouro Branco, cria uma escassez de oferta e o aumento do preço da terra. Como a

empresa gera boa arrecadação ao Poder Público e emprega boa parte dos moradores do

município, os conflitos que podem ser gerados são resolvidos em favor da empresa que acaba

por dominar o cenário econômico e político.

Os proprietários fundiários no município que detêm terras na zona rural apresentam

muito interesse em fazer dessa porção, uma zona urbana, justamente porque a terra urbana

tem mais valor monetário que a rural. Isso explica os inúmeros projetos de asfaltamento no

município sem sequer consultarem os moradores, como percebido nas entrevistas realizadas,

mas também ocorre também o contrário, ou seja, quando o valor do metro quadrado não é

elevado, o Poder público municipal embasa seus projetos conforme a política do governo para

essas regiões e em certos casos a comunidade se une de modo a não acolher tudo que o

Executivo e o Legislativo municipal propõem. A ótica é sempre sobre elevar o valor das áreas

que possuem melhor infraestrutura e diminuir, aquelas que apresentam precariedade.

[...] A gente “num” quer mesmo esses asfaltos que estão dizendo aí. Se nem polícia

vem aqui quando a gente chama, nem para dar segurança pra gente e “pros” filhos

da gente, como vão trazer mais violência? É roubo, estupro, a gente tá sozinho aqui

com Deus e temos medo mesmo. Asfalto traz violência e mal ou bem a gente “tá”

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vivendo aqui [...] nosso distrito pertence a Itaverava, mas esses políticos compram

terra aqui e querem asfaltar tudo”(Entrevistado 25. Entrevista concedida em

01/03/2018).

[...] A gente “num” quer a APAC que eles “tão dizendo aí que vai pôr, que o

promotor decidiu. E blábláblá. A gente “num” quer. Somos de bem, trabalhador de

roça e preso é preso. Se quer esse tal de humanizar preso, humaniza lá na cidade,

aqui não [...] A polícia não vem aqui. Vai colocar esses presos aqui no meio dos

filhos da gente? Tá certo isso? [...] Nem saúde e educação “nóis” tem de qualidade e

ainda vai desvalorizar o pouco que a gente tem que é nossa terra [...] (Entrevistado

30. Entrevista concedida em 02/03/2018).

Castells (1998), Lefebvre (2001), Carlos (2016) e Harvey (2005) explanam que os

proprietários fundiários que podem ser também agentes imobiliários, à medida que promovem

a especulação da terra, estão interessados no seu valor de troca e não no seu valor de uso. Os

proprietários fundiários que detêm terras na zona urbana,75e a empresa (enquanto detentora de

grandes glebas de terra urbana) teoricamente,não deveriam participar do processo de

definição da LUOS nos municípios, mas são, contudo, os mais interessados e participam

ativamente para que seus interesses sejam satisfeitos. Conforme Corrêa (1989, p.28), “como

se trata de uma demanda solvável, é possível aos proprietários fundiários tornarem-se também

promotores imobiliários; loteiam, vendem e constroem casa de luxo”.

No município boa parte da população não tem acesso à casa própria devido ao alto

valor da terra e muitos munícipes não dispõe de recursos para o pagamento de aluguéis. Visto

isso, a estratégia dos promotores imobiliários é produzir residências para satisfazer a demanda

solvável e obter ajuda do Estado para atender a demanda não solvável. Salienta-se que

recentemente o último terreno disponível de propriedade da PMOB, tendo sido doado pela

AÇOMINAS S/A no início da década de 1990, foi permutado com um grupo de investidores

para a construção de 176 unidades residenciais no Programa Federal Minha Casa Minha Vida

estágio I (MCMV)76.

O Estado atua também na organização espacial, tendo uma atuação complexa e

variável. No caso de Ouro Branco, o Estado atuou diretamente desde o início da implantação

da AÇOMINAS S/A conforme descrito na seção 3.2, como grande industrial incorporando a

indústria ao modelo estatal. Como o município não dispunha de infraestrutura suficiente para

75 A PMOB não possui um levantamento em hectares da área do que é de propriedade da Gerdau Açominas. Foi

informado pela Secretária de Finanças e Gerência de Tributação que o IPTU é cobrado em função das unidades e

a Gerdau possui 1.243 unidades cadastradas na cobrança de IPTU. Esse desempenho é altamente questionável

inclusive sobre a legitimidade das normas tributárias. 76 MCMV I – Destinado a famílias com renda de até R$ 1800,00 (Mil e oitocentos reais). A lista de famílias

participantes no sorteio feito pela Caixa Econômica Federal para o MCMV, conta 1.328 requerentes de moradia

social, mas somente 176 foram contemplados. Em dezembro de 2016 a estimativa era de um déficit habitacional

de 3.500 unidades habitacionais e atualmente, o Conselho da cidade, estima que o déficit esteja na margem de

5.000 unidades.

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acomodar os funcionários da empresa, coube a mesma prover a implantação da estrutura

básica que competia ao Poder Público. Dessa forma o Estado atuou também como

proprietário fundiário ao passo de que adquiriu através de doação e compra de grandes glebas

para implantar o plano urbanístico, como promotor imobiliário à medida de que construiu as

unidades residenciais e repassou aos funcionários através de financiamento da Caixa

Econômica de Minas Gerais e Caixa Econômica Federal, e, sobretudo, como regulador do

solo posto que a Fundação João Pinheiro enquanto instituto contratado ficou a cargo de

desenvolver os estudos para o Plano de Desenvolvimento urbano e a Lei de Uso e ocupação

do solo. Além disso, é importante frisar que como exposto na seção 3.3, a empresa dispunha

de funcionários para que atuassem na administração pública e é factível que os interesses da

empresa perdurassem. Nos debates acerca do Plano Diretor e a Nova LUOS em 2010 é

possível verificar que grande parte das terras que são de propriedade da GERDAU

AÇOMINAS e de proprietários fundiários recebem o zoneamento ZPAM, APPs, RPPN,

ZAR-2 e ZEIS. Cabe reter a informação de que muitas dessas áreas que são consideradas

ZPAM na LUOS/2010, eram ZE na LUOS/1978.

Enquanto estatal, as terras funcionavam como uma espécie de reserva fundiária do

Estado de forma que no futuro poderiam admitir diversos usos conforme os interesses e

necessidades e inclusive como instrumento de negociações com outros agentes. Após a

privatização, os bens da estatal também foram repassados ao grupo GERDAU, logo as terras

que até então eram estatais, hoje são privadas e a ótica da reserva fundiária como instrumento

de negociação, prevalece ao ponto do Poder Público necessitar pedir doações, permutas e

acordos para ter acesso à terra de modo a implantar equipamentos urbanos e afins.

Entretanto, não é incomum que agentes imobiliários e proprietários fundiários sejam

eleitos representantes do município no Poder Legislativo e Executivo, o que de algum modo

permite que a terra não cumpra sua função social justamente porque os interesses de quem

têm como prerrogativa promover a igualdade social, se perdem em meios aos interesses

individuais devido a pouca participação popular e a dependência financeira da sociedade junto

a GERDAU AÇOMINAS e a PMOB.

[...] a ação do estado processa-se em três níveis político-administrativos e espaciais:

federal, estadual e municipal. [...] é no nível municipal, no entanto, que estes

interesses se tornam mais evidentes e o discurso menos eficaz. Afinal a legislação

garante à municipalidade muitos poderes sobre o espaço urbano, poderes que

advêm, ao que parece, de uma longa tradição reforçada pelo fato de que, numa

economia cada vez mais monopolista, os setores fundiário e imobiliário, menos

concentrados, constituem-se em fértil campo de atuação para as elites locais. A

atuação do Estado se faz, fundamentalmente e em última análise, visando criar

condições de realização e reprodução da sociedade capitalista, isto é, condições que

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viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das classes sociais e suas

frações. (CÔRREA, 1989, p.26).

A exclusão de setores não especializados do debate público em torno da política

urbana causa efeitos de alta perversidade social e urbanística. Historicamente, a

inexistência da interlocução popular produziu planos e leis urbanísticas, cujos

padrões e parâmetros refletem apenas a maneira como as elites se instalam na cidade

(ROLNIK, 2001, p. 193).

Logo, o próprio Estado capitalista cria mecanismos que levam à segregação

residencial e o IPTU, por exemplo, é um dos instrumentos discriminantes que afetam o preço

da terra e dos imóveis e por consequência, incide na segregação social: os grupos que

possuem renda mais alta residem nos imóveis mais caros, bem localizados e com o preço da

terra mais elevado. Harvey (2005) explana que esse tipo de atuação tende a ampliar a renda

real daqueles que já possuem elevada renda monetária.

Rolnik (1995) aborda o Estado como o maior produtor de segregação socioespacial e

econômica, por atuar como produtor e regulador do espaço urbano – campo de investimento

do capital e a pressão do capitalismo o beneficia, no sentido de maximizar a rentabilidade e o

retorno de investimentos, principalmente os de infraestrutura.

No outro extremo, estão os grupos sociais excluídos que não têm acesso à habitação. A

Procuradoria informou que há um déficit habitacional no município, porém não conseguem

mensurar uma quantificação precisa, mas ressaltaram que o processo MCMV sempre ocorre

segundo os trâmites da Caixa Econômica Federal e sob regime de sorteio77.

No município o bairro São Francisco se desenvolveu a partir dos loteamentos que

eram da AÇOMINAS S/A e foram doados ao Poder público municipal para realocar a

população que residia nas áreas que foram construídos bairros populares como o Luzia

Augusta, Belvedere e os que moravam no entorno do centro histórico sem regularização

fundiária. Neste bairro, bem como nos bairros construídos pelos Poder Público, nem todos os

lotes estão regularizados. Além disso, o município está acompanhando atualmente um

processo de periferização, com grupos sociais se organizando e ocupando terrenos que são

efetivamente considerados propriedade da AÇOMINAS S/A. Como Côrrea (1989) e Carlos

(2016) explanam, a produção deste espaço é antes de mais nada, uma forma de sobrevivência

e resistência na luta pelos direitos à cidade.

[...] A gente sabe que é ilegal, mas a gente tem direito a morar, a ter um teto, a criar

nossos filhos com dignidade. Com um salário mínimo de prefeitura a senhora acha

que a gente tem como viver aqui com dois filhos? Eu tô falando de dois filhos, não

de cinco ou dez.[...] Só de aluguel a gente paga 500 num barracão e sobra 500 pra

comer e andar de ônibus nessa cidade que tudo é longe. [...] se a prefeitura não

77 Como informação, a incorporadora “Panorama” é a empresa que fará o loteamento e as construções

.

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quiser, vai ser assim pra sempre [...] (Entrevistado 29, Entrevista concedida em

21/04/2018).

O debate sobre o direito à terra repousa-se sobre a falta de vontade política na

aplicação dos instrumentos dispostos no Plano Diretor e amparados pelo Estatuto das cidades,

na omissão do Estado em relação à aplicação das normas aos proprietários de vazios urbanos

e na ação desidiosa em relação à cidadania da população no que diz respeito a incorporação

de políticas pontuais que integrem os espaços vazios ao contexto social, o que por sua vez,

contribui para que o processo de segregação socioeconômica seja fortemente presente nos

municípios brasileiros e o resultado disso são as latentes ocupações urbanas. Em Ouro

Branco, as ocupações Portelinha I, Portelinha II e Nova Esperança, já acolhem 123 famílias.

Segundo Maricato (2014) não é por falta de debates que as cidades parecem resistir a

qualquer mudança que não seja orientada pelo capital e nem mesmo por falta de produção

bibliográfica, mas pela necessidade urgente de formação crítica sobre a produção do espaço,

sobre a reforma urbana. Para a autora, é necessário garantir a eficácia dos Planos Diretores a

fim de que as famílias, principalmente as de baixa renda acessem o direito fundamental da

moradia.

Com grande parte das terras urbanas e parte das rurais sendo de propriedade da

GERDAU AÇOMINAS, resta ao Poder Público se aninhar em prol de interesses particulares

ou revestir-se de suas prerrogativas enquanto nível político-administrativo. Perante a negação,

outros problemas urbanos são propulsivos, como por exemplo a permanência da lógica

excludente na ocupação espacial desde a década de 1980, não restringindo-se somente a

estratificação social, a geografia do espaço ou a dinâmica, mas o plano urbanístico

progressista propriamente executado, evidencia a diferenciação econômica sem considerar a

necessidade da diversidade na promoção de cidades duráveis e sustentáveis. Logo, o ideal da

“cidade aberta” não foi alcançado como se previa, já que não houve uma mesclagem entre a

população que permitisse que a população do centro histórico e já instalada no espaço antes

da implantação da empresa acessasse os bairros projetados e urbanizados pela mesma e nem

permitiu o desenvolvimento do município na acomodação de novas empresas, uma vez que

detêm a massiva quantidade de propriedades urbanas.

Esses amplos e extensos vazios urbanos no espaço, geram, sobretudo, uma sensação

de insegurança em razão das distâncias entre os bairros, o que desfavorece o trânsito de

pedestres. É uma cidade que enfrenta um grave problema urbano que é a frota excessiva de

veículos. Monteiro (2017) expõe que a frota do município é de 20.877 veículos para uma

população de 38.935 habitantes no ano de 2017, o que caracteriza 1,86 carros por habitante e

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corrobora para que a mobilidade urbana seja um fator negativo com 6,5% dos votos conforme

os estudos sociais que antecederam o Plano Diretor de 2007, segundo a FIP.

A discussão é ampla porque além de ter o planejamento urbanístico como um fator

decisivo no espaço, ao centro histórico que não recebeu vias largas com previsão de

estacionamentos contíguos às vias, ficou reservado uma série de serviços e equipamentos

urbanos de atendimento a toda população urbana, rural e de turistas, que impulsiona o

deslocamento dos mesmos até essa área.

Numa outra tomada, Bispo (1990) afirma que a população economicamente ativa -

PEA teve sua concentração na atividade industrial, com um aumento de 261% no período de

1970 a 1980, tendo o município de Ouro Branco a maior concentração de mão-de-obra na

construção da indústria. Além disso, a AÇOMINAS também induziu a expansão das

atividades terciárias, em função da maior demanda criada pela grande concentração

populacional. Segundo a autora, “além de grande afluxo de pessoas que chegaram à área e das

modificações na absorção da população ativa pelos setores secundário e terciário outro

indicador que demonstra as transformações provocadas, [...] foi a arrecadação de ICMS

local.” (1990, p. 24).

Tabela 21- Cota-Parte do ICMS distribuído por município

Municípios 1970

(1) % 1980 (1) % 1984 (1) % 1989 (2) %

Congonhas 178 11,5 6.526 8,8 203.962 12,6 12.603.495 45,5

Cons.

Lafaiete 1.344 86,9 66.185 89,7 1.314.044 81,5 3.409.470 12,3

Ouro

Branco 24 1,6 1.038 1,4 95.119 5,9 11.683.927 42,2

TOTAL 1.546 73.749 1.613.125 27.696.892

Fonte: Bispo (1990)

Os municípios de Ouro Branco e Congonhas tiveram o aumento da participação na

cota do ICMS a partir de 1984, um ano anterior à inauguração da AÇOMINAS, o que se pode

associar a influência direta da implantação da empresa. A tabela 21demonstra que entre os

anos de 1970 a 1984, o município de Conselheiro Lafaiete foi o que recebeu a maior cota-

ICMS dentre os municípios em função do seu maior número de atividades secundárias e

terciárias. Ouro Branco, segundo o último dado levantado pela PMOB em 2011 teve um

crescimento real de 80% no número de unidades de comércios e serviços entre os anos de

2007 e 2009, porém o município de Conselheiro Lafaiete ainda é o pólo comercial da região e

isso faz com que os munícipes de Ouro Branco tenham que se deslocar para acessar melhores

condições e variedade de serviços e comércios. O fato de a AÇOMINAS não ter impulsionado

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o comércio e se limitado a vender alguns lotes para terceiros que quisessem instalar alguma

unidade, iniciando a construção no prazo máximo de um ano foi um fator dificultador. Os

comércios e os serviços não são fortificados no município enquanto setor terciário inclusive

pelo valor da terra e dos aluguéis e a disposição da legislação urbana sobre as áreas que

podem receber unidades comerciais e de serviços segundo a LUOS.

A seguir, a tabela 22, expõe um levantamento feito pela Secretaria de Finanças do

município para atender as necessidades dessa pesquisa. Cabe citar que em virtude entre os

anos de 1979 a 1999, a AÇOMINAS S/A recebeu isenção que foi mantida na privatização.

Tabela 22 – Impostos da GERDAUrecebidos pela PMOB entre os anos de 1983 a 201878

ANO IPTU ISS ICMS

1983 ------ Cr$ 80821505,8 Cr$ 25357467,84

1984 ------ Cr$ 129539647,23 Cr$ 87945234,16

1985 ------ Cr$ 647540375 Cr$ 306653805

1986 ------ Cz$ 2317100,78 Cz$ 906420,37

1987 ------ Cz$ 8692705,33 Cz$ 10370044,83

1988 ------ Cz$ 58347318,41 Cz$ 194224049,41

1989 ------ NCz$ 1447724,1 NCz$ 9580561,32

1991 ------ Cr$ 144.459.241,24 Cr$ 2.534.557.742,51

1992 - 1995 ------ ---- ----

1996 R$ 27.401,34 R$ 526.695,94 R$ 8.408.745,23

1997 R$ 117.641,21 R$ 399.286,40 R$ 4.272.136,69

1998 R$ 753.047,21 R$ 618.102,17 R$ 7.513.044,60

1999 R$ 682.796,91 R$ 466.754,59 R$ 6.798.475,53

2000 R$ 612.168,37 R$ 827.370,28 R$ 8.059.515,65

2001 R$ 242.199,05 R$ 970.699,90 R$ 10.170.597,34

2002 R$ 238.412,04 R$ 1.731.262,49 R$ 12.038.244,62

2003 R$ 247.799,24 R$ 2.239.669,71 R$ 12.867.583,22

2004 R$ 260.568,14 R$ 2.955.847,79 R$ 14.042.897,21

2005 R$ 301.999,68 R$ 3.308.160,73 R$ 17.571.395,81

2006 R$ 319.849,31 R$ 7.052.447,17 R$ 29.055.612,18

2007 R$ 423.230,37 R$ 16.400.038,20 R$ 31.911.509,43

2008 ------ ------ ------

2009 ------ ------ ------

2010 R$ 12.556,43 ------ ------

2011 R$ 49.980,00 ------ ------

78 Os anos 1992 a 1995 não estão discriminados na tabela, por não terem sido encontrados no histórico, bem

como os de 2008 e 2009. O ISS e o ICMS não foram fornecidos de 2008 a 2018 por falha no sistema segundo

informado pela Ouvidoria do Executivo. Importante perceber que a tabela se apresenta na moeda corrente do ano

iniciando-se em Cruzeiro, Cruzado, Novo Cruzado e Real. Um agradecimento especial ao Sr. Marcelo Adriano

Gomes, atual secretário de Finanças do município e a gerente de Tributação Rosângela Halfeld que não medira

esforços na compatibilização dos dados.

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2012 R$ 56.631,68 ------ ------

2013 R$ 795.376,47 ------ ------

2014 R$ 823.440,21 ------ ------

2015 R$ 887.555,05 ------ ------

2016 R$ 1.403.461,18

2017 R$ 4.002.194,32 ------ ------

2018 R$ 3.194.225,97 ------ ------

Fonte: Secretaria de Finanças do Município de Ouro Branco, 2018.

O Anexo D contém as planilhas sobre o IPTU entre os anos de 2010 e 2018 no

município de forma geral e os correspondentes a GERDAU AÇOMINAS. Cabe ressaltar que

em 2016 foi instituída a lei municipal nº 2.171 de 20 de dezembro de 2016 promulgada pela

Prefeita Aparecida Junqueira Campos ao fim de seu mandato, que dispõe sobre o sistema

tributário municipal e estabelece normas de direito tributário aplicáveis ao município de Ouro

Branco79.

A Lei Municipal 2.171/2016 determina os valores do metro quadrado com as devidas

alíquotas. A Avenida Mariza de Souza Mendes é a porção mais valorizada da cidade. Seu m²

varia de R$ 257,92 a R$ 304,02 cujas alíquotas é 0,15% sobre o valor do imóvel edificado,

0,30% para os imóveis não edificados ou com obras paralisadas, 0,20% sobre os imóveis não

residenciais (exceto industrial) e 0,50% sobre o valor do imóvel industrial. Esta é uma área de

centralidade, com comércios e serviços e parte dos imóveis que estão localizados nesta via,

corresponde a vazios urbanos – fruto de especulação imobiliária e conflito de interesses.

Como o valor do m² é relativamente alto se comparado com o restante da cidade, somente

parte das pessoas têm acesso para construir ou adquirir um imóvel. Na outra posição, existe o

centro histórico cujo comércio é também restrito a algumas vias. A rua Santo Antônio (rua

direita da cidade) tem o valor de R$ 235,62 e a Praça Santa Crus, R$278,46.

O menor valor de m² são os imóveis localizados nos bairros São Francisco, Bairro das

Flores (construído pelo Poder Público na década de 2000), Bairro Tiradentes (trata-se de uma

pequena comunidade construída pelo Poder Público na década de 1990) e a comunidade rural

79 Curiosamente a PMOB não veiculou (alegam não dispor) a área em hectares correspondentes aos variados

usos e propriedades, principalmente referentes à GERDAU AÇOMINAS. O sistema utilizado pela empresa e

pelo Poder Público é o mesmo e a Secretaria de Finanças alega que a própria empresa notifica qual o valor de

área que dispõe. A PMOB e a GERDAU também emitiram a informação de que não possuem todas as certidões

imobiliárias porque antes do ano de 1982 os registros eram feitos no cartório de Ouro Preto porque não existia

cartório de registro de imóveis em Ouro Branco. Entretanto na década de 1990, o cartório em Ouro Preto foi

incendiado e dados foram perdidos. Através das indagações desta pesquisa iniciada em 2017, a Secretaria de

Finanças contratou a Fundação Guimarães Rosa para de fato, mapear as áreas urbanas e rurais no município de

Ouro Branco. Abriu-se, portanto, vários questionamentos sobre como é cobrado o IPTU, base de dados e,

sobretudo, a responsabilidade do Executivo sobre as cobranças de impostos.

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de Carreiras sob o valor de R$ 37,65 com base nas mesmas alíquotas supracitadas. Em todas

essas regiões, existem propriedades da GERDAU AÇOMINAS expressos por lotes não

edificados.

[...] Você como eu nasceu e cresceu aqui. Não dói em você saber que não te cabe

aqui? [...] Aos 17 tive que ir embora pra estudar e sou apaixonado por Ouro Branco.

Continuo morando em Lavras porque aqui não tenho emprego e só trabalhando

muito pra eu conseguir comprar uma casa aqui...mas também como comprar, se eu

não tenho emprego aqui pra eu poder morar na cidade? Os meninos da UFSJ e

IFMG vem, estudam e vão embora. Ninguém fica porque nem emprego, nem terra

existe pra gente aqui [...] (Entrevistado 21. Entrevista concedida em 13/04/2018).

“O motivo é promover uma cidade saudável [...] que ofereça condições para um

padrão de vida compatível com o nível de renda dos empregados da AÇOMINAS, que encare

todos os cidadãos igualmente e na qual a Empresa seja responsável pela criação de condições

para seu desenvolvimento disciplinado e autônomo” (AÇOMINAS, 1985, p. 6). Esse ideal foi

perdido em meio à privatização e a ótica do capitalismo, junto aos agentes produtores e

manipuladores do espaço urbano e por mais que existam políticas de governo que busquem a

promoção do desenvolvimento econômico como em 2011 com a inauguração do Ouro Park

Industrial que fica localizado na comunidade rural de Carreiras (distrito de Ouro Branco,

localizado entre o município e a cidade de Conselheiro Lafaiete). Esse empreendimento foi

construído integralmente pelo Poder Público sobre a gestão do Prefeito Pe. Rogério e vice-

prefeita, Valéria Nunes e a meta era que até 2030 a região geraria mais de 40 mil empregos

diretos e indiretos em todo Alto Paraopeba. Atualmente o Ouro Park é mais uma área que está

no aguardo de decisões políticas efetivas.

Conforme Rolnik (2015, p.367), “[...] temos um Estado capturado por interesses

privados e conformados por uma cultura de opressão e exclusão, simultaneamente tensionado

por um processo de combate à pobreza e inclusão via consumo e pela tomada da terra urbana

e da moradia pelas finanças globais”.

Segundo Costa e Costa (1998, p.72):

É sem dúvidas uma ironia que bairros industriais passem a ser não só uma

mercadoria desejável, como um trunfo para atrair camadas de maior renda da

população. Somente a carência habitacional generalizada e a exigüidade de

investimentos na melhoria das condições de habitabilidade das cidades brasileiras

faz com que aquilo que deveria ser a regra - um ambiente construído dentro de

padrões aceitáveis de qualidade - seja a exceção.

A consciência coletiva da justiça social para a aplicação da função social da

propriedade urbana se faz necessária e urgente uma vez que o peso do individualismo e dos

jogos de interesse reassentam a lógica das classes dominantes e demonstram sobretudo em

comunhão com Lefebvre, que “a propriedade da terra se mantém no quadro da propriedade

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privada em geral.” (2001, p.160). A justiça social e o direito à propriedade se perdem na falta

de implementação dos instrumentos amparados pela legislação federal e o maior desafio é

romper com a ótica do planejamento urbano nas cidades que tendem a considerar a gestão

pública uma atividade meramente técnica e administrativa, uma peça orçamentária ou um

conjunto de diretrizes e princípios que regem os planos de ações produzindo um ocultamento

dos conflitos de interesses presentes na dinâmica social, espacial, econômica, cultural e

política.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Admitir a existência de uma teoria científica de caráter universal que consiga explicar

todos os fenômenos urbanos existentes, independente de seus aspectos contextuais, é

improvável. Contudo, é aceitável que o agrupamento de uma gama de necessidades culmine

na planificação integrada permitindo uma visão maior do conjunto, de modo que seja

assegurado um equilíbrio entre os interesses coletivos e individuais e, sobretudo, seja

resguardado o acesso universal em quaisquer que sejam as políticas públicas implementadas.

Por mais que um formato de planejamento urbano não seja perfeito, e se fosse, seria

necessário retomara possibilidade de uma concretização exata de modelos utópicos, o

Estatuto da Cidade garante ao Poder público municipal junto aos munícipes, a elaboração de

um Plano Diretor que englobe os instrumentos urbanísticos, a fim de induzir (mais que

normatizar) o uso e a ocupação do solo de forma mais equitativa, além de incorporar a gestão

democrática e ampliar decisivamente, as possibilidades de regularização das posses urbanas

que transitam na margem tênue entre o legal e o ilegal.

Em Ouro Branco, o Poder público municipal após a instalação da AÇOMINAS S/A,

perdeu sua autonomia perante as decisões que emanavam do governo federal. Com o

crescimento populacional e a possibilidade de maior recolhimento de impostos, o órgão

público viu-se impelido e restou propiciar o diálogo com a empresa, de modo a garantir que a

área central da cidade fosse assistida com infraestrutura urbana, ainda que mediante a isenção

de IPTU. A crescente aglomeração da população urbana no município, reconheceu como

resultado, o desencadeamento de um processo de áreas urbanas supervalorizadas e outras

menos valorizadas, como uma dinâmica iminente da produção do espaço urbano. O que

distingue então o valor da propriedade é a infraestrutura implantada, a tipologia arquitetônica,

a diversidade de usos e a prevalência da separação segundo a renda da população residente.

Retomo a enunciação colocada no início dessa dissertação, qual seja: ainda que

privatizada, a empresa exerce alguma influência direta ou indiretamente no espaço urbano e,

sobretudo, nas decisões que competem ao Poder público municipal, que tem como

prerrogativa garantir o direito à cidade e à propriedade. Ou seja, a empresa ainda opera de

forma decisiva na produção do espaço urbano, ainda que, não mais caiba a ela administrar e

regular o solo urbano? Os estudos aqui realizados vêm ao encontro dessa resposta.

Os Planos Diretores são amparados por equipes técnicas, como no caso de Ouro

Branco, que contou com o apoio da Fundação Israel Pinheiro. O relatório disposto pela

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instituição aponta o planejamento urbano como o fator negativo e de maior incômodo para os

munícipes que participaram das discussões.

Em face do exposto, o Plano Diretor elaborado em 2007 apresenta em sua estruturação

os instrumentos urbanísticos previstos na legislação federal, entretanto, através desta pesquisa

há a compreensão de que a instituição do Plano Diretor não foi o suficiente para que o Poder

público municipal buscasse recursos e soluções para garantir que a propriedade cumpra sua

função social, tão necessária à sobrevivência das cidades e ao equilíbrio entre as classes. A

real capacidade de governança e a capacidade institucional do poder local, se limita a uma

dependência em relação a empresa, o que reitera a caracterização da cidade como uma

“cidade-empresa”, ou um pouco além, uma “cidade-negócio”, uma vez que o modelo político

de gestão urbana é controlado pelo capital, representado principalmente pelas construtoras,

empreiteiras, incorporadoras, proprietários fundiários e agentes imobiliários. São estes atores

que definem as formas das políticas públicas. No município, além desses atores, há também a

forte influência da empresa, que é detentora de grandes parcelas do solo urbano. As

negociações que ocorrem entre esta e os agentes, são fundamentalmente em torno dos

interesses dos mesmos e não em prol dos interesses e necessidades da população, nem mesmo

ao que se propõe o Estatuto da cidade. Se a grande parte das terras urbanas é de propriedade

da empresa, ela mantém o poder sobre a produção do espaço. O poder público tem meios para

agir, conforme dito anteriormente, mas é uma questão de decisão política.

Este abismo é aumentado na medida em que esses atores se instilam a ocupar cargos

públicos municipais e usam o pleito eleitoral como instrumento para conservar o poder e

obscuramente, tomarem posse de cada vez mais porções do solo urbano. A preocupação,

visivelmente, se desponta para a construção de uma cidade que se possa especular, ao invés de

se construir uma cidade cujo direito de morar seja ao menos resguardado.

A urbanização é um dos lugares onde o capital encontra espaço para ser valorizado,

logo, a produção e o consumo do espaço, assim como a urbanização, estão inseridos no amplo

processo de reprodução das relações de produção capitalistas, justamente porque os passos

são guiados e orquestrados pelos ditames da propriedade privada e são regulados conforme as

necessidades do capital. Isso explica o fato de o poder local utilizar de meios de decretos e

emendas a fim de alterar o uso e a ocupação do solo conforme convêm aos atores

supracitados. Com tudo, essa valorização da terra corrobora para que a ótica da segregação

socioespacial perdure, já que o valor da terra nas áreas que na década de 1980 abrigavam os

trabalhadores com renda alta possui ainda os maiores valores de metro quadrado. A

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especulação imobiliária nessas áreas e a precarização de serviços públicos é o resultado das

ações do poder público municipal que atua como o executivo do capital.

Nos vazios urbanos, as áreas marginais, projetam-se então, as ocupações. Segundo o

Conselho da Cidade, o déficit habitacional hoje no município, gira em torno de 5.000

unidades. Com a especulação imobiliária, a falta de terrenos disponíveis para a construção de

moradia popular, a falta de empregos e a omissão do poder local, a resposta é dada no espaço.

As ocupações estão acontecendo de forma intensiva, a partir de meados de 2017, paralelas a

esta pesquisa e narram não somente uma luta por moradia, mas por saúde, educação e

trabalho.

Por mais que tenha existido a participação popular na elaboração do Plano Diretor e

suporte técnico da FIP, que pontuou as necessárias mudanças no planejamento urbano de

forma a adequar à realidade do município, prevaleceram os interesses da empresa e dos

agentes que fazem da propriedade, um artifício de especulação imobiliária para a acumulação

de capital, tanto que de 2007 a 2019, já ocorreram três alterações na LUOS e inúmeras

emendas e decretos por parte do Executivo. A falta de conhecimento na implementação dos

instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da cidade por parte do Poder Público e o

silêncio que impera na população, pela também falta de conhecimento e falta de liderança que

é uma característica cultural, intrínseca aos munícipes que tiveram suas relações sociais

limitadas pela empresa enquanto estatal corroboram para que o município não se desenvolva

economicamente e porventura, subestime a população a dois poderes: o da empresa e o poder

local, junto aos inúmeros atores que transitam nessas esferas.

A falta de oferta de solo urbano não é um ponto atrativo para o acolhimento de novas

empresas e prevalece então a ótica de interdependência ainda que a empresa seja hoje,

privada. Sabe-se que resolver os problemas decorrentes da segregação social e dos vazios

urbanos presentes na cidade, é algo utópico, pois eles não podem ser completamente

resolvidos a partir do planejamento urbano. Porém, acredita-se que, ao implementar os

instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da cidade e designados no Plano Diretor,

diversificar a economia do município e, analisar as medidas tomadas pelos agentes

responsáveis pelo modo de como Ouro Branco se expandiu (Açominas, mercado imobiliário,

Poder público municipal e organização popular) pode-se contribuir para amenizar os

problemas urbanos e garantir que a as vozes populares sejam respeitadas e ouvidas, bem como

as decisões políticas sejam amparadas por provisões técnicas em prol de uma cidade mais

justa e humana. Afinal de contas, o poder público precisa estabelecer seu papel na mediação

de conflitos e não revestir-se de seus interesses particulares e arbitrar em benefício próprio.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas semiestruturadas

1 – Dados Pessoais.

Nome. Naturalidade

Nascimento

Estado Civil

Escolaridade

Profissão/Ocupação Atual

Local de Moradia

2 – Trajetória dos migrantes.

De qual cidade veio e qual era sua ocupação?

Motivação para migração.

Veio sozinho ou com a família?

Com que idade se transferiu para Ouro Branco?

Quais foram suas primeiras impressões da cidade?

Como me descreveria os “nativos” e os outros migrantes que vieram trabalhar na Açominas?

O que fez de início para trabalhar e se alojar?

E a AÇOMINAS, como era? Descreva seu trabalho na empresa.

A empresa o ajudou a se estabelecer?

E a cidade? Como era o cotidiano, os bairros e a infraestrutura?

Por que ficou na cidade até os dias atuais?

3 – Percepção dos “nativos”

Como era a vida na cidade? O que existia?

O que as pessoas gostavam de fazer?

O que era mais marcante em termos de atividades?

Como era o cotidiano na cidade antes da instalação da AÇOMINAS?

Havia serviços básicos que acolhessem sua residência?

Quais eram as atividades que se faziam no centro da cidade?

Como era o comércio?

Havia diferença entre os moradores antes da empresa se instalar?

Pessoas da zona rural frequentavam as áreas centrais?

Era comum a participação da comunidade nos eventos culturais? Especifique.

4 - Vida em família (“nativos” e migrantes):

Como era sua vida em família?

Você se casou? Quando?

Com quem (nativo ou migrante)? Teve filhos? Quantos?

Algum de seus filhos trabalha ou trabalhou na AÇOMINAS?

5 - Trabalho (“nativos” e migrantes):

Como foi sua história de trabalho?

O que você fez para sobreviver? E seus familiares?

Como era o trabalho?

Descreva sua relação com a empresa e seus colegas de trabalho.

Seus familiares trabalharam ou trabalham na AÇOMINAS?

O que pensa sobre a privatização? Acha que a alteração foi positiva ou negativa?

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6 - Lazer e cultura (“nativos” e migrantes):

Tinha uma vida boêmia e cultural na cidade? Especifique.

Como eram esses ambientes?

Quem frequentava esses espaços?

A empresa permitia que seus funcionários frequentassem os bares e as festas? Por quê?

Tinha confusão (brigas, bebedeiras) nesses lugares?

A empresa criou espaços de entretenimento? Fazia festas? Quais?

Todos da cidade podiam utilizar as áreas construídas pela empresa? Por quê?

Os clubes que existiam na cidade podiam ser frequentados por todos os moradores? Por quê?

7 - Bairros (migrantes):

Como foi a construção dos novos bairros da AÇOMINAS?

O que eles ofereciam em termos de infraestrutura e comércio?

“Nativos” habitavam nesses bairros?

Os antigos habitantes participaram da implantação do planejamento urbano?

Como era a relação entre os moradores?

Havia diferença entre os moradores dos bairros? Se sim, como elas se expressavam?

Vocês conviviam com os moradores de outros bairros construídos pela empresa?

A AÇOMINAS ajudava na manutenção das casas? Como? Você ou seus filhos pagam

aluguel?

8 - Mudanças (“nativos”):

A cidade mudou ao longo dos anos? Quais foram as principais mudanças?

Como os moradores viam e regiam a essas mudanças?

A implantação da AÇOMINAS interferiu em sua vida? Como?

Importância da AÇOMINAS para a cidade?

O que os “nativos” ganharam e perderam com a implantação da AÇOMINAS?

A cidade melhorou ou piorou com a empresa?

A Prefeitura e a AÇOMINAS se faziam presentes nas melhorias urbanas? Atuavam como?

Você ou seus filhos pagam aluguel?

9 - Política (“nativos” e migrantes)

A AÇOMINAS e a GERDAU atualmente interferia e interefere na política local? Como?

Como era a política na cidade? Como é hoje na sua opinião? Partidos, líderes?

Como forasteiro você participava da política local?

Os funcionários da empresa se faziam presentes nos eventos políticos?

Como nativo, você se sentia parte do processo político? Como exerceu e exerce sua

cidadania?

10 - Relações entre os “nativos” e os migrantes:

Nativos e migrantes se relacionavam? Descreva as relações.

Como os “nativos” receberam os migrantes?

Os migrantes procuraram se relacionar com os “nativos”?

11 –Legislação municipal (“nativos” e migrantes):

Sabe o que é Plano Diretor? Participou da elaboração? O município mudou depois de 2007?

Qual o maior problema que você vê hoje no município?

O que pensa sobre as terras que não têm uso na cidade? O que isso implica na sua opinião?

O que pensa sobre o valor do m² nos bairros construídos pela AÇOMINAS e os da PMOB?

Você acha que a PMOB pode fazer algo? O que pensa sobre o desenvolvimento da cidade?

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Na sua opinião, porque outras empresas não se fixam aqui?

O que você espera do município e o que a legislação pode ajudar a trazer prosperidade.

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APÊNDICE B – Dados dos entrevistados

Entrevistados Eixo I – Pessoas ou cônjuges que mantêm ou mantiveram vínculos

empregatícios com a AÇOMINAS S/A e/ou GERDAU AÇOMINAS

Entrevistados Eixo II – Pessoas quenãomantêm ou mantiveram vínculos empregatícios

com a AÇOMINAS S/A e/ou GERDAU AÇOMINAS

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ANEXOS

ANEXO A

Setorização do município de Ouro Branco – PDU/1978

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ANEXO B

Mapa de zoneamento – LUOS/1978

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ANEXO C

Mapa de zoneamento – LUOS/2010

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ANEXO D

Arrecadação de IPTU da GERDAU AÇOMINAS à PMOB

2009/2010

2011/2012

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2013/2014

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2015/2016

2017/2018

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