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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Felipe de Queiroz Braga O Rasgar do Véu: as manifestações de junho de 2013 e as contradições históricas MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO … de...Nisso, o véu do Templo se rasgou em duas partes, de cima a baixo, a terra tremeu e as rochas se fenderam. (Mateus, Cap. XXVII,

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Felipe de Queiroz Braga

O Rasgar do Véu:

as manifestações de junho de 2013 e as contradições históricas

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS

SOCIAIS

Felipe de Queiroz Braga

O Rasgar do Véu:

as manifestações de junho de 2013 e as contradições históricas

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do

Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências

Sociais, como requisito parcial para obtenção do

título de MESTRE em Ciências Sociais

(Sociologia), sob a orientação da Profa. Dra. Ana

Amélia da Silva.

SÃO PAULO

2016

Errata

Segue-se a errata dos dois primeiros parágrafos das Considerações Finais (p.

179):

A metáfora empregada como título desta dissertação aponta para duas possíveis

linhas interpretativas que se apresentam de forma concomitante: o rasgar do véu, por

um lado, traz à tona elementos que sempre estiveram presentes, porém de modo velado;

e, por outro, é o anunciar de um novo começo, com possibilidade de transformações e

avanços, a partir dos novos elementos que surgem e de retrocesso com o predomínio

dos elementos arcaicos que emergem à cena política após a manifestação desse

desvelar.

Essa dupla possibilidade de desvelamento decorre do entendimento que a cultura

judaica e a teologia cristã têm sobre o véu do Templo. Enquanto para o primeiro, ele

representa o conjunto das relações religiosas, sociais e políticas impetradas por Deus ao

povo de Israel, por Moisés, ainda durante a travessia do deserto; para o segundo, o seu

rompimento aponta para um novo tempo teológico, com uma nova ordem de relações

sociais e religiosas, que se dá com a morte e ressurreição de Cristo.

Banca Examinadora

__________________________________________

__________________________________________

__________________________________________

A Kátia, Valdelice e Maria da Glória,

vocês tornam os meus dias mais felizes.

APOIO

Grato ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa integral de estudos e pesquisa que possibilitou a dedicação exclusiva à dissertação.

AGRADECIMENTOS

À professora Dra. Ana Amélia da Silva, pela dedicação e orientação atenta em todos

os momentos da minha trajetória de pesquisas;

aos professores Dr. Francisco Fonseca e Dr. Pedro Arruda Fassoni, pelas valiosas

contribuições durante o Exame de Qualificação desta dissertação;

aos professores Dra. Carmen S. A. Junqueira, Dr. Lúcio Flávio R. de Almeida, Dr.

Miguel W. Chaia, Dra. Maura P. B. Véras s e Dra. Rosemary Segurado, pelas preciosas aulas

e sugestões e contribuições ao trabalho de pesquisa;

à Dra. Christianne Gally, pela cuidadosa revisão da dissertação;

aos amigos Daniel Pestana, Corrado Demonego e Paulo Amaral, pelas conversas,

leituras, comentários, cafezinhos e, sobretudo, pelas sinceras amizades;

ao casal de mentores e amigos Natanael Pinto de Oliveira e Loide Julião, pela

amizade, caminho e apoio dispendido a mim e a minha esposa nessa jornada;

aos meus pais, Valdelice e Edvaldo, pelo grande amor e pelos ensinamentos genuínos

sem os quais eu nada seria;

aos meus irmãos, Lucas, Isabela e Gabrielle, pelo carinho, incentivo incondicional e

pela certeza de que, independente de distância, compartilhamos tudo, inclusive esta

pesquisa;

ao Seu Beto e à Dona Maria, meus avós, pelo amor irrestrito;

ao casal de tios Altamir e Fátima de Mattos pelo carinho e pelas boas conversas;

aos meus irmãos de coração Ivan, Débora, Felipe, Sara e Edgard e ao casal que me

adotou como um filho, Cosme e Neuza – sem o apoio dessa grande família, a jornada teria

sido muito mais árida e difícil;

a minha querida Kátia Queiroz, pelo companheirismo e amor, pela ajuda imensa

nesse longo processo de elaboração da dissertação e por partilhar uma vida juntos; sem ela,

eu jamais conseguiria completar esta jornada de pesquisa;

a todos os entrevistados, pela disponibilidade, dedicação e generosidade em

contribuir para a construção deste trabalho de pesquisa. Esse empenho foi fundamental para

a efetivação da trajetória do estudo;

ao fotógrafo Bruno Ascensão pelas imagens cedidas;

Em duas semanas o Brasil que diziam que havia dado certo –

que derrubou a inflação, incluiu os excluídos, está acabando

com a pobreza extrema e é um exemplo internacional – foi

substituído por outro país, em que o transporte popular, a

educação e a saúde públicas são um desastre e cuja classe

política é uma vergonha, sem falar na corrupção. Qual das

duas versões estará certa? É claro que todos esses defeitos já

existiam antes, mas eles não pareciam o principal; e é claro

que aqueles méritos do Brasil novo continuam a existir, mas

parece que já não dão a tônica. O espírito crítico, que esteve

fora de moda, para não dizer excluído da pauta, teve agora a

oportunidade de renascer. A energia dos protestos recentes,

de cuja dimensão popular ainda sabemos pouco, suspendeu o

véu e reequilibrou o jogo.

(Roberto Schwarz)

Nisso, o véu do Templo se rasgou em duas partes, de cima a

baixo, a terra tremeu e as rochas se fenderam.

(Mateus, Cap. XXVII, v.51)

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar as manifestações que ocorreram durante o mês de

junho de 2013 no Brasil, após o reajuste das tarifas de transporte público em diversas

cidades. A análise terá como recorte espacial a cidade São Paulo, epicentro do movimento,

buscando compreender como e por que uma pauta que, historicamente, suscita protestos, o

reajuste do preço do transporte público, neste determinado contexto conseguiu gerar

mobilizações em centenas de cidades do país. Buscaremos também interpretar as causas que

conduziram diversos grupos sociais às ruas, ampliando o leque de reivindicações e tornando,

em última instância, um movimento social e ideologicamente diferente do iniciado.

Considerando-se que esse fenômeno abarca questões que transcendem as pautas

relacionadas ao transporte público – apesar de serem centrais ao entendimento do

movimento –, à medida que seus desdobramentos remetem às contradições históricas

decorrentes de uma economia capitalista subdesenvolvida e dependente, buscaremos

interpretá-lo a partir da perspectiva sócio-histórica, ressaltado nossas raízes de sociabilidade.

Desse modo, poderemos compreender as ambiguidades e contradições sociais, econômicas

e políticas que dão forma ao Brasil contemporâneo e que se tornaram mais evidentes a partir

do rasgar do véu que se deu em junho de 2013.

Palavras-chave: Movimento Passe Livre; Lutas Sociais; Protestos; Contradições históricas; Junho

de 2013.

ABSTRACT

This thesis aims to analyze the events that occurred during the month of June 2013 in

Brazil after the adjustment of the fares for public transportation in several cities. The

analysis will be concentrated in the city of São Paulo, epicenter of the movement,

seeking to understand how and why a subject that historically raises protests and

demonstrations, the readjustment of the fare of public transport, in this particular

context has managed to generate mobilizations in hundreds of cities around the

country. We also seek to interpret the causes that led various social groups to the

streets broadening the scope of claims and ultimately turning it into a movement both

social and ideologically different from the start. Considering that this phenomenon

involves issues that go beyond the guidelines related to public transportation -

although they are central to understanding the movement - as its consequences are

linked to the historical contradictions arising out of a underdeveloped and dependent

capitalist economy, we search to interpret it from a socio-historical perspective,

emphasizing our conditions of sociability. In this way, we can understand the social,

economic and political ambiguities and contradictions that shape a contemporary

Brazil and that became more evident as from the rending of the veil that took place

in June 2013.

Keywords: Fare Free Movement; Social Struggles; Protests; Historical contradictions; June 2013.

LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

CET Companhia de Engenharia de Tráfego

CIDE Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CPTM Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

E.E. Escola Estadual

IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo

MCM V Minha Casa Minha Vida

MPL Movimento Passe Livre

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MTST Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PBF Programa Bolsa Família

PDT Partido Democrático Trabalhista

PIS Programas de Integração Social

PSD Partido Social Democrático

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

LISTA DE FIGURAS e QUADROS

Figura 1 – Panfleto do primeiro grande ato – 06/06 .................................................. 113

Figura 2 – Faixa dos estudantes – Descatracalizaremos São Paulo .......................... 115

Figura 3 – Catraca queimando – Terminal de ônibus em Pirituba .......................... 117

Figura 4 – Cartaz do evento organizado pelo MPL e a revista Vaidapé ................... 118

Figura 5 –Músicos durante o ato na E.E. Ermano Marchetti .................................. 130

Figura 6 – Bateria acompanhando o movimento ..................................................... 130

Figura 7 – Ato dos estudantes da E.E. Ermano Marchetti........................................ 133

Figura 8 – Ato dos estudantes na Av. Raimundo Pereira de Magalhães ................. 134

Figura 9 – A Fanfarra do Mal durante o Ato dos estudantes .................................. 135

Quadro 1- Perfil dos estudantes entrevistados da E.E. Ermano Marchetti .............. 125

SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................ 13

Capítulo 1- A Revolução burguesa no Brasil .................................................... 26

1.1. A revolução burguesa no Brasil .................................................................. 27

Capítulo 2- Lulismo: entre as contradições políticas e econômicas ................. 42

2.1. Lulismo: um debate gramsciano ................................................................ 42

2.2. A economia política do lulismo ................................................................ 51

2.2.1. Um início melancólico: primeiro período da economia política do

lulismo ..........................................................................................................

52

2.2.2. A retomada desenvolvimentista: o segundo período da economia

política do lulismo ........................................................................................

57

2.2.3. Um modelo Keynesiano: terceiro período da economia política do

lulismo .........................................................................................................

65

2.3. Política econômica do governo Dilma Rousseff ....................................... 72

2.3.1. Entre o ensaio desenvolvimentista e a luta contra os bancos .............. 75

Capítulo 3- O movimento Passe Livre, a Tarifa Zero e o direito à cidade ...... 80

3.1. O Movimento Passe Livre .......................................................................... 80

3.2. O direito à cidade ....................................................................................... 88

3.2.1. Acumulação por despossessão no espaço urbano .............................. 96

3.2.2. Urbanização e conflito entre classes sociais no espaço urbano ......... 100

Capítulo 4- A preparação das manifestações de junho de 2013....................... 104

4.1. O reajuste é adiado por conta da inflação ................................................... 104

4.2. Atos regionais e as convocatórias para as grandes manifestações ............. 112

4.3. Entrevista com os estudantes da E.E. Ermano Marchetti, em Pirituba ..... 122

4.3.1. Perfil dos entrevistados ....................................................................... 123

4.3.2. Debates em sala de aula e a preparação para o ato ............................ 125

4.3.3. O protesto ........................................................................................... 132

4.3.4. Criação de vínculos fortes e participação nos atos ............................. 137

Capítulo 5- As manifestações de junho de 2013: análise do movimento que

emergiu da luta contra a tarifa ..........................................................................

140

5.1. O protagonismo do MPL na primeira fase das manifestações ................... 140

5.2. Novos atores entram em cena? ................................................................... 152

5.2.1. A alteração da mídia na cobertura dos protestos ................................ 153

5.3. A violência policial e a violência da massa ................................................ 159

5.4. Composição social e ideológica dos protestos ........................................... 163

5.5. A queda da tarifa ....................................................................................... 167

5.6. Depois da queda da tarifa .......................................................................... 173

Considerações finais ............................................................................................ 179

Referências bibliográficas e digitais .................................................................. 182

Anexos ................................................................................................................... 196

13

Introdução

A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo

homogêneo e vazio, mas o preenchido de “tempo de agora”

(Jetztzeit) [...] Ela é um salto de tigre em direção ao passado. Ele se

dá, porém, numa arena comandada pela classe dominante. O mesmo

salto, sob o céu aberto da história, é o salto dialético da Revolução,

como a concebeu Marx. (Walter Benjamin, Sobre o conceito de

História).

Esta dissertação tem por objetivo analisar as manifestações que eclodiram em junho

de 2013, após o aumento da tarifa de transporte público em algumas cidades, especialmente

em São Paulo. Conforme outras experiências históricas – Revolta dos Suburbanos (1974-

1976)1; a Revolta do Buzu, em Salvador (2001)2; a Guerra da Tarifa, em Florianópolis

(2005-2006)3 –, sabe-se que o reajuste no preço das tarifas de transporte público, geralmente

suscita protestos, porém, não com a amplitude de abalar as estruturas políticas de uma nação.

Buscaremos compreender como e por que esse fenômeno social se tornou um dos maiores

movimentos de massa ocorridos no país.

Os protestos que se iniciaram na cidade de São Paulo, após o reajuste de vinte

centavos nas passagens de ônibus, trens e metrô, passando de R$ 3,00 para R$ 3,20, foram

se metamorfoseando à medida que avançavam. Essas mudanças abarcaram não apenas as

pautas das manifestações, que passou de uma demanda objetiva e única – a revogação do

aumento da tarifa – para um enorme conjunto de reivindicações que, aparentemente,

extrapolavam a demanda inicial, mas também a composição social e ideológica do

movimento.

O cientista político André Singer, dentre outros4, situa os acontecimentos de junho

de 2013, dividindo-o em três momentos distintos, a saber: o primeiro momento, marcado

pelo forte protagonismo do MPL e pela tentativa de desconstrução do movimento e de sua

respectiva pauta pelos grandes veículos de comunicação e pelas forças repressivas do Estado.

Nessa etapa do movimento, tanto a imprensa tradicional, televisiva (especialmente a Globo)

e escrita (com destaque para os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo e as

1 Sobre esse assunto, ver Silva (1983a, 1983b); Moisés e Martinez-Alier (1978); Telles e Caccia Bava (1981). 2 Ver mais em Manolo (2008). 3 Sobre esse assunto, ver Vinícius (2005) e Inácio (2008).

4 Tais como Gripp (2013) e Gohn (2014).

14

revisas Veja, Época e Isto é), como a Prefeitura do Município e o Governo do Estado de São

Paulo, rechaçaram os protestos, além de apresentarem conclusões simplistas e superficiais,

buscando desqualificar os manifestantes, criminalizarem o movimento e deslegitimarem as

pautas contra o aumento e a da tarifa zero5, frente à “melhoria da situação econômica” da

população, em geral, e o crescimento do país na última década.

Utilizando a prerrogativa de que o reajuste das tarifas de metrô, trens e ônibus eram

inferiores à inflação acumulada no período, a prefeitura do município e o governo do Estado

de São Paulo negaram-se a dialogar com os manifestantes e reagiram, por intermédio da

Polícia Militar – sob o comando do governo estadual –, com excessiva truculência e

repressão aos denominados “vândalos”, “baderneiros” e “insurgentes” que protestavam.

Diante da dificuldade de se compreender o acorde dissonante vindo das ruas, que se

contrapunha à “harmonia” ditada pelo status quo, Gohn (2014, p. 22) constata que “a

criminalização dos movimentos foi a forma mais fácil que muitos dirigentes encontraram

para responder à situação e revelar também um desconhecimento dos fatos que estavam se

articulando”. No entanto, contrariando às expectativas das autoridades, a adesão aos

protestos aumentava à medida que a repressão policial se tornava mais intensa, uma vez que

o uso desmedido das forças repressivas do Estado atraíra a atenção e a simpatia da população

em geral.

O segundo momento, que aponta o auge do movimento, é marcado pelo espanto,

pela violência e pela revolta popular causada pela repressão policial frente ao crescimento

dos protestos. À medida que houve o recrudescimento da repressão policial e a

criminalização do movimento, os atos ganharam mais peso e fôlego com o apoio popular e

a adesão de outras frações da sociedade6. Singer (2013) destaca dois fatos dessa etapa das

manifestações: o primeiro é o resultado material e direto das manifestações – a revogação

do aumento da tarifa de transporte público; o segundo, não menos importante para se

entender o fenômeno, é a adesão de outras frações da sociedade, especialmente a da “classe

5 Como por exemplo, a análise feita por um jornalista da revista Veja, referente ao movimento que passara de

seus atos iniciais e entrava na segunda semana de protestos. Na ocasião, a revista, para deslegitimar os

protestos, utilizou a prerrogativa de que a manifestação era válida, como também sua demanda principal – a

redução do preço da tarifa –, o que não era válido era o sujeito da ação: “Não que a briga pela redução das

tarifas de ônibus não faça sentido. Segundo o IBGE, o peso médio do transporte público no orçamento mensal

dos paulistanos é de 5% [...] contudo, boa parte dos manifestantes não é usuário de ônibus” (RANGEL e

MEGALE, 2013, p. 84-92). Esse tipo de análise busca afetar a unidade celular dos protestos – o indivíduo que

ocupa as ruas. Como o movimento surgiu entre os estudantes, especialmente universitários, o jornalista partiu

do pressuposto de que ele não carecia do transporte público mais do que a massa trabalhadora –que aderiu aos

protestos, já nos seus estágios iniciais, porém, cresceu à medida que o próprio movimento crescia. 6 Ver mais em Brasilino; Godoy e Navarro (2013) e Oliveira, P. R. (2013a; 2013b).

15

média tradicional” e de algumas frações da burguesia, que espontaneamente aderiram aos

protestos, já próximo ao auge do movimento, tornando a pauta difusa:

O uso desmedido da força atraiu a atenção e a simpatia do grande público.

Inicia-se, então, a segunda etapa do movimento [...]. Agora outras frações da

sociedade entram espontaneamente em cena, multiplicando por mil a potência dos

protestos, mas simultaneamente tornando vagas as suas demandas. De milhares,

as contas de gente na rua passam a centenas de milhares. [...]. As tendências de

centro e direita pegaram carona na corrente deslanchada pela nova esquerda, só

que os caronistas foram tantos que, em certo momento, acabaram por mudar a

direção do veículo (SINGER, 2013, p. 25-34).

A compreensão dessa etapa é central no entendimento do movimento. Por que outras

frações da sociedade que não tinham por “tradição” os protestos, mais detidamente as

manifestações de ruas, para fazer suas reivindicações passaram a protestar? Ademais, como

a pauta que, inicialmente, estava posta cada vez menos representa a forma de transporte

dessas classes7, o que lhes motivou a irem às ruas? A pesquisa apontou que, além do repúdio

à atuação da Polícia Militar, outros fatores contribuíram para que novos atores entrassem em

cena, tais como: alteração na cobertura dos protestos pela grande imprensa;

descontentamento latente de algumas frações da sociedade com a condução da política

econômica e social do governo petista; denúncias de corrupção; e, o início da Copa das

Confederações.

A terceira e última etapa, momento situado a partir do dia 20, foi marcada pela perda

da força em função da alteração do discurso ideológico e da dispersão da pauta, ou seja,

passou-se de uma demanda popular e direcionada para reivindicações difusas e fortemente

reacionárias, como por exemplo, a aprovação da PEC 37, a “cura gay”, e a incisiva crítica

aos programas sociais de combate à extrema pobreza, como o Programa Bolsa Família.

Sobre essa etapa do movimento, Singer (2013, p. 26) observa que: “ainda sob o impulso da

força liberada na segunda fase, mas já separadas por inclinações diferentes, as manifestações

começam a se dividir, como um rio que se abrisse em múltiplos braços no descenso da

montanha”.

Ao fazer uma reflexão crítica sobre as manifestações de junho de 2013, Ortellado

(2013, p. 235) destaca dois legados opostos deixados pelos protestos: de um lado, a luta

7 A pesquisa Mobilidade Urbana do Metrô aponta que entre, 2001 e 2012, a participação das classes sociais

com maior renda na utilização do metrô apresentou forte queda, passando de 23% para 7% a participação dos

usuários que ganhavam mais de oito salários mínimos mensais no total de passageiros transportados,

respectivamente (Cf. SÃO PAULO, 2012; GERAQUE; KREPP, 2013).

16

vitoriosa contra o aumento, conduzida pelo Movimento Passe Livre com profundo sentido

de tática e estratégia; de outro, a explosão de manifestações com pautas difusas e sem

qualquer orientação e resultados.

Esses dois legados, apesar de aparentemente serem “opostos”, estão intimamente

ligados: o primeiro é fruto do acúmulo de aprendizados de lutas sociais progressivas, pois o

Movimento Passe Livre, formalmente oficializado em janeiro de 20058, teve sua origem

ligada às lutas dos estudantes (ensino médio e universitário) da cidade de Salvador (BA)

contra o reajuste da tarifa de transporte público, em 2003, que ficou conhecida como a

Revolta do Buzu. Na ocasião, os estudantes soteropolitanos bloquearam as vias da cidade

para protestar contra o aumento das passagens de ônibus. Segundo o autor, a mobilização

foi espontânea e horizontalizada; no entanto, a ausência de lideranças, para fazer mediação

com o poder público, impediu que o movimento alcançasse sua demanda principal: “na

ausência dessas referências, a UNE ocupou o papel e subordinou [...] a pauta dos estudantes

pela redução das passagens à sua agenda” (ORTELLADO, 2013, p. 236). Nas lutas

seguintes, principalmente em Florianópolis, em 2004 e 2005, o movimento incorporaria as

experiências adquiridas em Salvador, obtendo maior êxito, tanto no processo como no

resultado, como aponta Vinicius (2005).

Conforme analisaremos nos capítulos III e IV, este “acúmulo de aprendizado”,

frisado por Ortellado (2013), resultará em alterações internas, externas, procedimentais e

estratégicas. No que se refere aos aspectos internos, o movimento fará avaliações de

conjuntura próprias (em assembleias livres), manterá uma estrutura organizativa

horizontalizada e rotatividade dos porta-vozes e representantes, bem como seguirá com

ações diretas que discutirão a mobilidade urbana e a questão da tarifa zero.

No que tange à relação externa e procedimental do movimento, devemos ressaltar

dois pontos: i) apesar de o MPL ser o movimento social de maior destaque durante todo o

processo – até porque a origem das manifestações se concentrou nos reajustes das tarifas de

transporte público –, outros movimentos e sindicatos, além de partidos políticos,

participaram ativamente dos protestos e apoiaram com o aumento progressivo em cada ato.

Os documentários trazidos à análise no Capítulo IV, 20 Centavos e Junho, permitem inferir

que o movimento transcendeu o MPL e, especialmente nas regiões periféricas da cidade – a

atuação desses movimentos foi central na luta do Movimento Passe Livre; ii) esses

8 O Movimento Passe Livre foi criado durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

17

movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos, presentes nos atos convocados pelo

MPL, entraram como “parceiros” e não como “liderança”. Essa mudança na relação com os

demais atores políticos objetivava a não subordinação da pauta do MPL a de outras

entidades, como ocorrera em Salvador. Com relação à estratégia, as manifestações de junho

de 2013 foram marcadas por atos intermitentes de grande impacto e mobilização social em

vias centrais da cidade, pressionando, paulatinamente, o poder público municipal e estadual.

Valendo-se do crescimento espontâneo e desordenado da cidade, juntamente com o

amálgama entre o sistema de transporte público saturado e maior frota de veículos do país,

o Movimento Passe Livre utilizou a própria cidade e seu trânsito caótico como arma de

protesto – ocupando os espaços públicos da cidade e parando o trânsito de grandes avenidas

durante os atos.

Apesar de o movimento tornar-se cada vez mais heterogêneo e polissêmico à medida

que avançava, o núcleo duro das manifestações era composto por integrantes do MPL, outros

movimentos sociais e partidos políticos de esquerda, especialmente, os que defendiam o

transporte público gratuito, estatizado e sob controle dos trabalhadores – Tarifa Zero e

estudantes9. Cabe assinalar que o fato do aumento das passagens ser anunciado ainda no

período de aulas, quando, tradicionalmente, ocorre durante as férias escolares, levou cerca

de seis mil jovens, especialmente estudantes secundaristas e universitários, às ruas já nos

primeiros atos organizados pelo Movimento.

Entre as classes e “subclasses” presentes nas manifestações, Braga (2013) destaca o

grupo dos trabalhadores precarizados. Eles manifestavam contra o modelo econômico

vigente no período – que beneficiava o capital em detrimento da classe trabalhadora –,

colocando na ordem do dia a necessidade de mudanças na forma de organização da economia

e da sociedade. Os cartazes e bandeiras portados pela maioria desses manifestantes

apontavam nesta direção: “Educação pública não mercantil”, “Saúde não é mercadoria”,

“Moradia: Direito de todos”, “Fora FIFA”, “Não às remoções”, “Fora Rede Globo”, “Da

Copa eu abro mão, não da saúde e educação”, “Era um país muito engraçado, não tinha

escolas, só tinha estádios”.

Ainda que nos momentos finais da luta contra o aumento das passagens, os protestos

fossem tomados pela difusão da pauta, no entendimento de Ortellado (2013, p. 237), a

9 Alguns contando com experiências anteriores, principalmente em 2011, quando ocorreu o último reajuste de

tarifa na cidade de São Paulo. Outros estavam tendo a primeira experiência após palestras/debates em colégios

da região metropolitana da cidade.

18

conquista da revogação do reajuste “não é apenas um novo paradigma para as lutas sociais

no Brasil, mas um modelo de ação que combina a política horizontalista e contracultural dos

novos movimentos com um maduro sentido de estratégia”.

Para Plínio de Arruda Sampaio Jr. (2014, p. 86), as manifestações populares que

tomaram as ruas das principais cidades do país, durante o mês de junho de 2013, não devem

ser interpretadas como restritas a si mesmas, uma vez que “foram o resultado de uma

sequência de acontecimentos que transformaram a forte insatisfação latente na população

com as péssimas condições de vida numa revolta urbana de proporções inusitadas”. Ainda

de acordo com o autor, o reajuste das passagens foi apenas o estopim no qual toda essa

insatisfação latente, decorrente de profundas contradições econômicas e sociais, causadas

pelo aprofundamento das políticas neoliberais, no país, desde a década de 1990, eclodiu

numa revolta popular:

Os problemas econômicos e sociais por trás do imenso mal-estar social que

impulsionou os protestos estavam inscritos nas contradições do padrão de

acumulação liberal periférico, iniciado por Collor de Mello em 1990, consolidado

por Fernando Henrique Cardoso com a implantação do Plano de Real em 1994 e

legitimado por Lula em 2003. As contradições da modernização frívola,

impulsionada pela submissão da economia brasileira à lógica especulativa dos

grandes negócios, eclodiram nas mãos de Dilma Rousseff (SAMPAIO JR., 2014,

p. 93-4).

Partindo da compreensão de que o aumento das passagens foi apenas o estopim de

um processo político e social, podemos direcionar nossa reflexão a partir da construção do

cenário sobre o qual se desenrola os acontecimentos de junho de 2013. Nessa direção é que

Schwarz (2013) aponta que junho de 2013 “suspendeu o véu”, ao referir-se à dissonância

entre a demanda das ruas e o “Brasil que diziam que havia dado certo – que derrubou a

inflação, incluiu os excluídos, está acabando com a pobreza extrema e é um exemplo

internacional”.

Fundamentado nas análises de Sampaio Jr. (2014) e Schwarz (2013), entendemos

que os acontecimentos de junho de 2013 devem ser interpretados não apenas como um

fenômeno social limitado aos dias de junho – quando entrou em vigor a nova tarifa de

transporte público na cidade de São Paulo e se encerrou com o término da Copa das

Confederações –, mas como um processo no qual os antagonismos e contradições

econômicas, sociais e políticas, historicamente presentes, reassumiram a cena social e

política brasileira com esse acontecimento, numa espécie de rasgar do véu.

19

Desse modo, analisaremos este fenômeno político e social a partir de um duplo olhar,

histórico e conjuntural, no qual buscaremos elementos presentes em nossa formação social,

econômica e política que subsidiem a compreensão dos antagonismos e contradições do

Brasil contemporâneo.

Assim, partiremos de uma discussão em torno da revolução burguesa operada no

Brasil, enfatizando, sobretudo, seu caráter contraditório e incompleto que culminou numa

revolução conservadora, com desdobramentos que se estendem até os dias atuais.

Entendendo que esse processo se constituiu de forma bastante contraditória, discutiremos,

especialmente, baseado da obra de Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil:

ensaio de interpretação sociológica, como a burguesia brasileira não conseguiu (ou não

quis) conciliar revolução econômica e revolução nacional. Essa é uma das obras

fundamentais à compreensão do Brasil contemporâneo a partir de suas raízes sociopolíticas,

pois, de acordo com Martins (2005, p. 12), ao expor a crise do poder burguês, impôs-nos

como “desafio à retomada da reflexão crítica e sociológica sobre o Brasil que herdamos e

que já não compreendemos”. Portanto, a retomada dessa obra ganha relevo, sobretudo, a

partir do que se está denominando de rasgar do véu que se deu em junho de 2013,

explicitando as profundas contradições sócio-históricas que dão forma ao Brasil

contemporâneo.

Em decorrência, entendemos que compreender junho demanda um movimento

ousado, como um “salto de tigre em direção ao passado” para se compreender essa irrupção

no presente, no “tempo de agora” (jetztzeit), como exposto na tese XIV sobre o conceito de

História de Walter Benjamin, na epígrafe desta introdução. O conceito benjaminiano trata a

relação com o passado sob um duplo viés, podendo traduzir-se em saídas de sentidos

contrapostos: dando continuidade à história; ou escrevendo-a a contrapelo, como repetição

ou como sentido inédito; como catástrofe ou como redenção (BENJAMIN, 2012).

Dessa forma, será baseado no “salto de tigre” benjaminiano que aportamos a hipótese

central, e título desta dissertação: as manifestações de junho de 2013 constituem-se em um

rasgar do véu, no qual afloraram as contradições econômicas, sociais e políticas que,

especialmente, durante a hegemonia lulista, esteve em latência a partir de um “pacto social”

baseado no consumo. Portanto, “Junho de 2013” é um fenômeno que não se finda com a

queda do reajuste das tarifas, antes abre possibilidades de começos e recomeços; de

revoluções e contrarrevoluções; de avanços e retrocessos nos campos político, econômico e

social.

20

De igual modo, não se pode prescindir de considerar que a emergência do fenômeno

se deu em determinadas condições sociais, econômicas e políticas. Nessa direção, nossa

análise não se centrará apenas na atuação do Movimento Passe Livre; antes, conjugará a

atuação do movimento a partir da problematização do cenário sob o qual se desenrolam os

protestos. Nesse sentido, utilizaremos como recorte temporal o período que compreende os

dois mandatos de Lula da Silva (2003-2010) e parte do primeiro mandato de Dilma Rousseff,

especialmente, entre os anos de 2011 e 2013. Utilizamos esse período como escopo analítico

motivado pelas mudanças econômicas, sociais e políticas.

Até a eclosão dos protestos, o Brasil era tido como exemplo internacional, tanto por

suas políticas sociais de combate à extrema pobreza, como pelos resultados da economia,

com crescimento expressivo do PIB, na última década, e maior resiliência frente à crise

financeira internacional. Com base nessas considerações tecidas, algumas questões devem

ser destacadas no que se refere à abordagem dos acontecimentos de “Junho de 2013”. Em

primeiro lugar, por que as tarifas de transportes públicos que, inicialmente, teriam o seu

reajuste programado para o primeiro bimestre do ano, se efetivaram apenas em junho de

2013? Segundo, por que o país, que era apresentado como exemplo internacional, por

apresentar crescimento contínuo da “classe média”, que reduzia a extrema pobreza em

poucas semanas, foi substituído por outro, como apontou Schwarz (2013)? Terceiro e último,

qual a relação entre os interesses das diversas classes e frações de classe, não apenas na

eclosão das manifestações, como também na alteração de suas pautas, com a construção de

outras narrativas para os acontecimentos?

Com o intuito de expor os procedimentos adotados na estruturação da investigação

da pesquisa, foram consideradas as dimensões temporais que pretendemos analisar. Nesse

sentido, a partir de uma perspectiva materialista e histórica, apreendemos alguns elementos

que lançam luz ao entendimento do porquê e de como esse fenômeno político e social rompe

com o “longo ciclo de paz social”, proporcionado pela “hegemonia lulista”, como aponta o

filósofo Paulo Arantes (2014).

Em virtude da proximidade temporal entre a eclosão do fenômeno e a pesquisa,

porém, pouco material bibliográfico especializado fora publicado. Desse modo, apropriamo-

nos de outras fontes de pesquisa no decurso da investigação. Desse ponto, decorrem duas

observações: a primeira é que novas pesquisas e análises foram sendo publicadas no

transcorrer da investigação, e procuramos inseri-las na medida do possível; a segunda

observação é que, apesar da existência desse material mais recente, mantivemos as fontes

21

bibliográficas inicialmente consultadas, uma vez que, embora fossem publicadas durante ou

bem próximo ao fenômeno, revelavam não apenas a visão imediata sobre os fatos, mas

apontavam para acontecimentos, questões e pensamentos que, na maioria das vezes, podiam

ser observados apenas no momento.

Desse modo, para dar conta de analisar as questões suscitadas, recorremos tanto à

pesquisa bibliográfica, como a entrevistas com roteiros semiestruturados. No que se refere

ao material bibliográfico consultado, utilizamos livros, artigos, dados estatísticos,

reportagens jornalísticas e relatórios de pesquisas, além de exposições e interpretações de

outros pesquisadores registradas em artigos de jornais, entrevistas e vídeos.

O material jornalístico consultado corresponde às trinta (30) edições diárias do mês

de junho de 2013 dos dois maiores jornais que circularam na cidade de São Paulo: o Estado

de S. Paulo (Estadão) e Folha de S. Paulo (Folha). As matérias, reportagens e editoriais

foram analisados com o intuito de compreender como a cobertura dos dois veículos de

comunicação se alteraram à medida que as manifestações avançavam. Em outras palavras,

utilizamos a cobertura desses dois jornais não apenas como fonte de pesquisa, mas como

objeto de análise, na medida em que suas respectivas coberturas visavam impor uma

narrativa – ou, nos termos de Fonseca (2005), que analisou a participação da grande imprensa

na formação de uma agenda ultraliberal no país especialmente no período da Constituinte,

“forjar um consenso”10 sobre os acontecimentos que se desenrolaram em junho de 2013.

Também utilizaremos, como material de consulta, as edições semanais das revistas

Veja e Carta Capital, por se tratarem de revistas de grande circulação na cidade de São

Paulo, e por possuírem posições ideológicas distintas, o que favorece a melhor compreensão

do debate que se instaurou durante o curso das manifestações.

Além desses materiais, recorremos também a artigos publicados em jornais, revistas

e plataformas online por intelectuais, jornalistas e militantes. Foram consultados mais de

cem artigos publicados nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Le Monde

Diplomatique, e na mídia alternativa - especialmente nos blogs Junho e Boitempo e no site

PassaPalavra (Anexo 01).

Adicionalmente ao material jornalístico, publicados na mídia tradicional e

alternativa, utilizaremos como fonte de consulta três documentários sobre as manifestações

10 Fundamentado nas análises de Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado, Fonseca (2005, p. 30) aponta

que “a grande imprensa, concebida como ator político-ideológico, deve ser compreendida fundamentalmente

como um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social”.

22

de junho de 2013: Junho: o mês que abalou o Brasil11; 20 Centavos12 e Primeiras Chamas

(MPL, 2013)13, por apresentarem perspectivas e narrativas distintas para o movimento. O

documentário Junho: o mês que abalou o Brasil, produzido pelo fotógrafo João Wainer, é

um filme mais opinativo, no qual diversos pensadores e militantes apresentam suas leituras

sobre o movimento. Nele, é analisado o período entre a efetivação do aumento da tarifa de

transporte público em São Paulo, e o fim da Copa das Confederações.

O média-metragem 20 Centavos, produzido pelo cineasta Tiago Tambelli, apresenta

o movimento noutra perspectiva: ao invés de construir a narrativa dos protestos com base

nas opiniões de militantes, analistas e pensadores, seu enredo se desenvolve muito mais por

uma perspectiva imagética. O filme inicia com uma tumultuada cena de “invasão” de índios

na Câmara dos Deputados, em Brasília, e se encerra com as lutas e protestos na periferia de

São Paulo. O fio condutor do filme é o entendimento de que o movimento de junho de 2013

não pode ser analisado apenas em si mesmo; não pode se limitar aos acontecimentos deste

único mês; antes deve ser problematizado e pensado a partir de uma perspectiva histórica,

considerando as contradições econômicas, sociais e políticas que dão forma ao Brasil

contemporâneo.

O minidocumentário Primeiras Chamas, produzido pelo Movimento Passe Livre,

relata a experiência de alunos secundaristas das Escolas Estaduais Ermano Marchetti, em

Pirituba, e São Paulo, região central da cidade, na luta contra o aumento da tarifa. Esses dois

protestos são centrais ao entendimento do processo político e social que se desenrola a partir

da efetivação do reajuste da tarifa em São Paulo, sobretudo por dois fatores: por apresentar

os atos e mobilizações que precederam os protestos de junho, mostrando a preparação do

MPL com seu “trabalho de base”, e por evidenciar personagens pouco analisados e estudados

no conjunto desse movimento político e social, mas um dos principais protagonistas da luta

política pós-junho de 2013: os estudantes secundaristas.

Na pesquisa de campo, as entrevistas realizadas demandaram o aprofundamento da

pesquisa a partir da análise das experiências relatadas pelos participantes dos protestos. A

escolha dos entrevistados, entretanto, não fora motivada pela representatividade da amostra

– o que seria indispensável a uma pesquisa quantitativa – mas pela proximidade com o

11 Direção: João Wainer. Produção: Fernando Canzian e João Wainer. Documentário. 2014. (72 min). 12Direção: Tiago Tambelli. Roteiro: Carlos Magalhães. Documentário. 2014. (52 min). 13 Produção: Movimento Passe Livre, 2013. (14 min), On-line. Disponível em: <

http://saopaulo.mpl.org.br/2013/09/13/primeiras-chamas-os-atos-regionais-que-inauguraram-as-jornadas-de-

junho/>

23

fenômeno. As entrevistas foram realizadas entre os meses de maio e junho de 2015 e

seguiram um roteiro semiestruturado, com o objetivo de dar espaço à livre narrativa dos

entrevistados, sem perder a oportunidade de questioná-los sobre os objetos de nosso

interesse. A partir da análise qualitativa das informações e do relato da experiência pessoal

de cada um deles, buscou-se compreender a relação entre os protestos “regionais” e os

“grandes atos contra a tarifa”. Na apresentação dos resultados das entrevistas, imputamos

nomes fictícios aos entrevistados com o objetivo de lhes preservar o anonimato.

Em virtude das múltiplas abordagens e perspectivas que podem ser lançadas sobre o

fenômeno, optamos em dividir essas entrevistas em dois eixos: no primeiro, as entrevistas

com os estudantes secundaristas da E.E. Ermano Marchetti, em Pirituba, que participaram

do primeiro ato regional organizado com o MPL durante o mês de maio já visando a “grandes

atos contra a tarifa”. Ao todo foram entrevistados nove alunos que, naquele momento,

cursavam entre o segundo e o terceiro ano do ensino médio.

No segundo eixo, entrevistamos o cineasta e produtor do documentário 20 Centavos,

Tiago Tambelli, pelo fato de ele representar um outro sujeito político, que estava diretamente

inserido nos protestos, juntamente com sua equipe de filmagem, registrando os protestos

com o propósito de se manter “neutro”, apenas relatando com suas lentes os acontecimentos,

numa espécie de narrador. Sua experiência, bem como análise do movimento, portanto,

tende a se diferenciar de outros sujeitos políticos inseridos no movimento, como por

exemplo, os militantes do MPL, integrantes de partidos políticos e sindicatos, manifestantes

e a mídia tradicional.

A organização das informações e dados apresentados nos depoimentos seguiu o

procedimento usual de coleta, ou seja, as transcrições gravadas e o registro temporal de cada

entrevista, destacando-se pontos fundamentais com relação às temáticas abordadas. A

sistematização e a análise dos conteúdos das informações se deram com base na

contextualização dos depoimentos e relatos, basicamente, ao longo do capítulo IV, no qual

abordamos as questões relacionadas à problematização da pesquisa.

O elenco de questões suscitadas pela pesquisa resultou na elaboração de quatro

capítulos. O primeiro capítulo analisará as consequências da revolução burguesa ocorrida no

Brasil. Partindo da discussão em torno da obra de Florestan Fernandes, buscaremos apontar

por que o desenvolvimento capitalista, numa economia periférica e dependente como a

brasileira, gerou uma revolução burguesa profundamente conservadora e uma dominação

24

autocrática, com reverberações nas relações econômicas, política e sociais, ainda nos dias

atuais.

No capítulo 2, partiremos da discussão em torno do conceito de hegemonia para

debater o lulismo considerado como modelo hegemônico. A análise do lulismo será

fundamentada, inicialmente, em uma perspectiva política – especialmente com relação ao

debate levantado por Francisco de Oliveira (2010), baseado no conceito gramsciano de

“hegemonia às avessas”. A partir desse debate, a análise avançará no âmbito da política

econômica ao longo dos dois mandatos de Lula da Silva e do primeiro mandato de Dilma

Rousseff. Nesse sentido, o objetivo é compreender como as contradições econômicas,

políticas e sociais se mantiveram, até mesmo se aprofundaram com o lulismo, eclodindo em

junho de 2013.

O terceiro capítulo fará uma análise do Movimento Passe Livre e da luta pela tarifa

zero. O objetivo desse capítulo é problematizar tanto a discussão em torno do passe livre,

como também mostrar que a luta do Movimento vem num crescendo, desde 2003, com a

Revolta do Buzu, em Salvador. A discussão em torno da Tarifa Zero dar-se-á no âmbito do

direito à cidade. Compreendendo que a livre circulação pela cidade é um fator premente ao

direito à cidade, discorremos, com base nos pensamentos de Henry Lefebvre e de David

Harvey, sobre esta problemática.

No quarto e quinto capítulos, analisaremos as manifestações de junho de 2013,

buscando responder alguns questionamentos: Por que as tarifas são reajustadas em junho?

As manifestações de junho ocorreram de modo espontâneo? Como são iniciados os

protestos? À medida que luta contra a tarifa avançou, por que ela mudou de eixo, passando

de um movimento com pauta concreta e definida para um movimento polissêmico que

colocou em segundo plano a discussão em torno do custo do transporte público? E, por fim,

lançaremos apontamentos sobre uma questão que, entendemos estar em aberto: o que esperar

depois de junho?

Para que possamos responder a estas questões, o capítulo 4 analisará,

especificamente, as causas do adiamento do reajuste da tarifa de janeiro para junho de 2013;

a preparação do MPL, com alguns protestos durante o mês de maio em bairros da periferia

e no Centro da cidade de São Paulo com alunos do ensino médio da rede pública de ensino,

movimentos sociais e associações de bairro. Nesse tópico, apresentaremos o resultado da

pesquisa de campo com os estudantes da E.E. Ermano Marchetti, em Pirituba.

25

No capítulo 5, analisaremos a alteração da cobertura midiática dos protestos, bem

como a adesão de outras frações da sociedade nos protestos. Buscaremos compreender a

relação entre a mudança na cobertura midiática e a alteração da pauta de reivindicações,

além dos desdobramentos políticos e sociais que sucederam à queda da tarifa.

26

Capítulo 1

A revolução burguesa no Brasil

Analisar as contradições que dão forma ao Brasil contemporâneo a partir de suas

raízes histórico-sociais é uma empreitada bastante ampla e dispendiosa, envolvendo

problemas de grande complexidade. Dessa forma, a compreensão da situação presente

implicaria na reconstituição do processo histórico de formação social, econômico e política

do país, ponderando as mais diversas variáveis, entre elas: O conjunto das estruturas sociais,

econômicas e políticas; características regionais e variações demográficas, em seus mais

diferentes contextos; modelo de acumulação do capital e suas mutações ao longo do tempo;

além de levar em consideração aspectos exógenos, como a conjuntura econômica e política

internacional e seus efeitos sob as economias dependentes, como a brasileira. Logo,

compreendemos que, qualquer tentativa de síntese dessa natureza seria, no melhor dos casos,

condenar-se à superficialidade. Par não incorrermos nesse erro e também não desviarmos da

discussão, as dificuldades inerentes ao tema, demandam-nos definir, preliminarmente, o

âmbito, bem como os limites, de nossa investigação nesse capítulo.

Portanto, neste capítulo partiremos da discussão em torno da revolução burguesa

operada no Brasil, enfatizando, sobretudo, seu caráter contraditório e incompleto que

culminou numa revolução conservadora, com desdobramentos que se estendem até os dias

atuais. Entendendo que este processo constituiu-se de forma bastante contraditória – e

distinta dos padrões clássicos de revolução burguesa, como ocorrido na Inglaterra e França

– discutiremos, especialmente a partir da obra de Florestan Fernandes – A revolução

burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica –, como a burguesia brasileira não

conseguiu conciliar revolução econômica e revolução nacional.

Compreender o significado dessa “revolução conservadora” e as razões pelas quais a

burguesia doméstica não operou uma ruptura definitiva com as estruturas arcaicas de poder,

baseadas, sobretudo, no clientelismo e patrimonialismo, possibilitará entender algumas de

suas reverberações – aparentemente tão contraditórias – que se tornaram mais

escandalosamente evidentes a partir do rasgar do véu que se deu em junho de 2013. A análise

desse processo histórico é uma necessidade premente para se refletir sobre o “tempo de

agora” (BENJAMIN, 2012), pois, de acordo com Fernandes (2005, p. 238), a não ruptura

27

definitiva com o passado a partir da revolução burguesa, faz com que, a cada passo as

mesmas questões se reapresentem na cena histórica, ainda que em moldes diferentes.

1.1. A revolução burguesa no Brasil

Fernandes (2005, p. 239) apreende o conceito de Revolução Burguesa como um

“conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas

que só se realizam quando o desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução

industrial”. É neste ponto no qual o processo histórico alcança um patamar irreversível, de

plena maturidade e, conjuntamente, de “consolidação do poder burguês e da dominação

burguesa”14 .

No Brasil, conforme o autor, este processo se inicia no período que compreende entre

a abolição da escravidão e a Proclamação da República, pois marca “o início de uma

transição que inaugurava, ainda sob a hegemonia da oligarquia, uma recomposição das

estruturas do poder, pela qual se reconfigurariam, historicamente, o poder burguês e a

dominação burguesa15” (FERNANDES, 2005, p. 239). Noutros termos, esta fase marca

historicamente o início da modernidade brasileira, separando a era imperial (pós-colonial:

1822-1889), como seu modo de produção e relações sociais arcaicas, para a “era burguesa”,

ou sociedade de classes.

A investigação do autor sobre o tema parte da análise dos fatores históricos e dos

sujeitos humanos envolvidos nesse processo que contribuíram com o rompimento do

imobilismo social, econômico e político imposto pelo estatuto colonial e possibilitaram a

14 Conforme Marx e Engels (2012, p. 47), em Manifesto do partido comunista, a revolução burguesa se

configura um processo de consolidação do poder e da dominação burguesa à medida que altera materialmente

as estruturas e as relações de produção, impondo um novo conjunto de relações sociais que suplanta o conjunto

de relações sociais arcaicas, como o feudalismo e o patriarcalismo: “A burguesia não pode existir sem

revolucionar continuamente os instrumentos de produção – ou seja, as relações de produção –, isto é, o conjunto

das relações sociais. A manutenção inalterada do velho modo de produção era, ao contrário, condição

primordial para a existência de todas as classes industriais anteriores. A transformação contínua da produção,

o abalo ininterrupto de todas as condições sociais, incerteza e movimento eternos, eis aí as características que

distinguem a época burguesa de todas as demais”. 15 No caso específico brasileiro, Ianni (2004, p. 49-50) irá ressaltar que, “a revolução burguesa desenvolve-se

de forma lenta e contraditória, sempre pelo alto excluindo ou limitando bastante as conquistas democráticas

que possam representar a presença do trabalhador da cidade e do campo nos diferentes círculos em que se

organiza o poder”. Também, por não se limitar a um episódio histórico específico, a revolução burguesa

assumirá os contornos de um “processo social abrangente, de larga duração histórica, alongando-se por décadas

com frequentes surtos de contrarrevoluções”.

28

modernização como um processo real e concreto16. Portanto, para entendermos as

transformações nas estruturas sociais que ocorrem a partir do início da “era burguesa” no

Brasil, devemos nos atentar à gênese desse processo, focalizando certos aspectos com o

objetivo de localizar historicamente o capitalismo como realidade histórica interna. Sua

gênese remete à Independência do país, especialmente por seu significado político.

A Independência constituiu-se a primeira grande revolução que se operou no Brasil,

sob dois aspectos correlatos: “como marco histórico definitivo do fim da ‘era colonial’; como

referência para a ‘época da sociedade nacional’, que com ela inaugura” (FERNANDES,

2005, p. 49). Esse processo histórico foi conduzido pela elite nativa, sobretudo agrária, que,

inspiradas pelos ideais liberais, se levantavam contra o estatuto colonial.

De forma ambígua e contraditória, a Independência, “pressupunha, lado a lado, um

elemento puramente revolucionário e outro elemento especificamente conservador”

(FERNANDES, 2005, p. 50). Seu aspecto revolucionário estava no âmbito da dominação e

do poder que o estatuto colonial implicava econômica, política e socialmente, porém,

concomitantemente, em relação à estrutura da sociedade, a elite nativa mantinha uma postura

conservadora e reacionária. Ou seja, as elites que conduziram este processo atuaram

revolucionariamente em relação às estruturas de poder político, passando de uma estrutura

externa para uma interna, totalmente adaptada às condições internas de integração e de

funcionamento da ordem social. No entanto, Florestan Fernandes (2005) aponta que, este

processo se deu “sem negar a ordem social imperante na sociedade colonial”:

O elemento revolucionário aparecia nos propósitos de despojar a ordem social,

herdada da sociedade colonial, dos caracteres heteronômicos aos quais fora

moldada, requisito para que ela adquirisse a elasticidade e a autonomia exigidas

por uma sociedade nacional. O elemento conservador evidenciava-se nos

propósitos de preservar e fortalecer, a todo custo, uma ordem social que não

possuía condições materiais e morais suficientes para engendrar o padrão de

autonomia necessário à construção e ao florescimento de uma nação.

(FERNANDES, 2005, p. 51).

A coexistência desses dois elementos antagônicos provinha das condições materiais

presentes, que davam sustentação à “perpetuação das estruturas [sociais] do mundo colonial”

16 Não podemos perder de vista que, o funcionamento do sistema colonial – que conjugava escravismo, grande

lavoura exportadora e pacto colonial – implicava uma contradição ontológica e inevitável entre a colônia

(Brasil) e a metrópole (Portugal), expresso no antagonismo entre exploração e desenvolvimento colonial. Para

continuar sendo rentável a exploração da colônia à metrópole, a metrópole deveria desenvolvê-la. Contudo, o

desenvolvimento da colônia geraria condições materiais para pôr em marcha uma luta contra a metrópole pelo

fim do sistema colonial. Portanto, contraditoriamente, a metrópole que estimulava o desenvolvimento da

colônia, procurava meios de contê-lo.

29

(FERNANDES, 2005, p. 51). O que o sociólogo argumenta é que na ocasião da

Independência, as principais atividades produtivas, isto é, aquelas que geravam maior

quantidade de divisas externas – lavoura e mineração (já em decadência) – assentavam toda

sua produção numa estrutura colonial. Esse fator corroborava com uma postura

aparentemente contraditória da classe dominante, atuando numa esfera de modo

revolucionário, sem abrir mão do conservadorismo, em outra.

Diante da ambiguidade desse fenômeno histórico, que ora pedia o “apoio popular” e

se valia da “opinião pública” na luta pela Independência e defesa das liberdades individuais,

ora dizia que a mudança devia ser gradual e sem sobressaltos, devemos ressaltar alguns

pontos: primeiro, a ideologia e a utopia liberal tiveram grande importância no processo de

Independência, ao influenciar os ideais de setores da classe dominante. Como já citado, a

Independência não fora um processo que entrou em conflito com as estruturas de poder

dominantes, antes se deu a partir delas. Logo, a “sociedade civil”, o “povo” e a “opinião

pública”, que estava insatisfeita com o pacto colonial não se referia a todos os estratos

sociais, apenas a fração senhorial da sociedade17.

No entanto, foi apenas uma parte da classe senhorial, especialmente citadina que,

inspirada pelos valores e ideais liberais, colocou em marcha as engrenagens que romperam

o estatuto colonial, ao estimular as demais frações a tomarem posição nesse processo. Porém,

com a consumação do processo de emancipação política do país tanto a ideologia como a

utopia liberal passam por reformulações18. Segundo, a Independência foi um “fenômeno

medularmente político” (FERNANDES, 2005, p. 94), não implicando nenhuma alteração

nas relações de produção internas, pois, o principal setor da economia, a grande lavoura,

demandava a preservação e o fortalecimento dos padrões coloniais de organização das

relações produtivas19; Terceiro, a manutenção do conjunto de estruturas de relações de

17 Estes e outros termos e expressões, como a “nação” e “a opinião pública já se manifestou” indicavam “que

os diversos estratos das camadas senhoriais deviam ser levados em conta nos processos políticos, desta ou

daquela maneiras. As verbalizações desse teor não eram meras ficções semânticas [...], com frequência, elas

denotavam o nível dentro do qual a dominação estamental aparecia como momento de vontade dos agentes e

traduzia alternativas políticas de consenso ou de oposição” (FERNANDES, 2005, p. 63). 18 Conforme ressalta Bernardo Ricupero (2007, p. 193): “Com a concretização da independência, ideologia e

utopia liberal, já presentes durante a colônia, passariam por processos de reelaboração. Depois de estabelecida

a representação e a democratização no âmbito das camadas senhorias, a ideologia liberal trataria principalmente

da integração nacional. Assim, o “senhor” se transforaria também em “cidadão”, as recém-criadas ordem legal

e sociedade civil passando a conviver juntas. De maneira complementar, a utopia liberal se reconstituiria num

sentido negativo, pressionando pela transformação da realidade. No entanto, seria difícil de distinguir entre

elementos ideológicos e utópicos, o que refletia a própria situação histórica, além da inconsistência e

ambiguidade do liberalismo”. 19 “Sob esse ponto de vista percebemos o real espectro do processo emancipacionista brasileiro. como disse

Caio Prado Jr., a Independência possui o caráter de “arranjo político”, o que nos permite dizer, [...] que a

30

produção nos moldes coloniais, a partir da emancipação do estatuto colonial, não significava

que não ocorreriam implicações econômicas. Com a Independência, os excedentes gerados

pela lavoura e pela extração mineral, ao invés de serem revertidos à metrópole, passaram a

ser absorvidos internamente, possibilitando o surgimento e o desenvolvimento do mercado

doméstico. Neste ponto, Florestan Fernandes destaca ainda que: “a Independência,

rompendo o estatuto colonial, criou condições de expansão da “burguesia” e, em particular,

de valorização social crescente do ‘alto comércio’” (FERNANDES, p. 34).

É dessa burguesia nascente, predominantemente comercial, e da oligarquia agrária,

que passara a residir nos centros urbanos, que as mudanças econômicas, políticas e sociais

fundamentais para a revolução burguesa no Brasil serão conduzidas; quarto, a

autonomização política possibilitou importantes transformações socioculturais, que

marcaram o primeiro grande salto que se deu na evolução do capitalismo no Brasil. Com a

emancipação política propiciada pela Independência, os centros de controle e de poder

deixaram de ser externos, e o crescimento e o desenvolvimento do país, em certa medida,

deixava de estar condicionado por heteronomias da economia portuguesa, à medida que o

mercado doméstico se desenvolvia. Isto impunha mudanças na “organização da

personalidade, da cultura e da sociedade, que envolviam um novo tipo de internalização e

de vigilância histórica da civilização ocidental moderna no Brasil” (FERNANDES, 2005, p.

100). Fora essa mudança sociocultural que possibilitou o desenvolvimento das atividades

econômicas no mercado interno.

A compreensão desses fatos é importante por “mostrar como as alterações políticas

condicionaram a reorganização da sociedade e da economia, inserindo as estruturas

econômicas coloniais dentro de uma nova ordem legal, estimulando a organização e o

crescimento de um mercado interno e configurando uma situação de mercado que se

tornaria, bem depressa e segundo um ritmo de aceleração crescente, o principal polarizador

do desenvolvimento econômico nacional” (FERNANDES, 2005, p. 103). O que o autor quer

enfatizar é que, esse conjunto de mudanças deu base material e psicossocial para o

surgimento tanto de uma burguesia, como de um “pensamento burguês”, que irão conduzir

este Estado Nacional, ainda recente, a um novo arranjo de relações sociais, a partir do último

quartel do século XIX.

Independência assemelha-se mais à contrarrevolução do que a revolução; a conciliação com o velho, relegando

ao novo uma exterioridade vazia de significado concreto. Não nos esqueçamos que a ideia de separação total

em relação à Portugal concretiza-se quando se evidencia a impossibilidade de manutenção da monarquia dual,

com a preservação da autonomia comercial brasileira “(MAZZEO, 1989 p. 121).

31

O período que se inicia a partir da segunda metade do século XIX20 foi de importantes

transformações econômicas, políticas e sociais no país. O centro econômico deslocou-se das

antigas áreas agrícolas do Nordeste em direção as regiões Sul e Sudeste do país, em função

dos cafezais que expandiam, sobretudo em São Paulo – superando a produção de todos os

demais produtos agrícolas, como o açúcar, tabaco, cacau e algodão (FURTADO, 2007). Nas

fazendas de café de São Paulo, o trabalho escravo foi gradualmente substituído pelo

trabalhado assalariado, com predomínio de imigrantes europeus (PRADO JR., 2012). Parte

do excedente gerado pela produção cafeeira foi aplicada na industrialização e modernização

do país – desde a implantação de novas indústrias, até o investimento em serviços públicos,

como ferrovias, bondes e iluminação pública. No âmbito de nossa investigação, cabe

destacar três aspectos que se interdependem e são decisivos para entendimento da revolução

burguesa no Brasil: sociocultural, econômico, político.

No que se refere aos aspectos socioculturais, não podemos diminuir a importância da

revolução burguesa na transformação da ordem social, como também dos conteúdos e do

horizonte cultural. Nesse sentido, o sociólogo Fernandes (2008, p. 107) destaca dois

elementos convergentes que “explicam razoavelmente a persistência e a tenacidade de um

horizonte cultural que colide com as formas de concepção do mundo e da organização da

vida inerentes a uma sociedade capitalista”. O primeiro aspecto refere-se ao ponto de partida

da revolução burguesa e ao sujeito histórico que conduziu essa ação. O ponto de partida é o

mundo agrário. Apesar de o mercado doméstico já começar a se desenvolver, a economia

doméstica mantinha-se predominantemente agrária, por isso qualquer mudança no sentido

de modernização e transformação tinha de vir do meio rural, através de seus excedentes.

O sujeito histórico que conduziu esse processo, por sua vez, não deixava de ser um

membro dessa aristocracia (agrária), ou seja, o fazendeiro, que “estendeu o raio de suas

atividades, inserindo a cidade dentro dele”. Porém, contraditoriamente, o sujeito dessa

revolução não se desvencilhou dos “papeis sociais que possuía no mundo rural”

(FERNANDES, 2005, p. 107). O imigrante, outro sujeito envolvido nesse processo histórico

se desprende econômica e socialmente do mundo rural, porém, não das concepções rurais de

organização da vida. Isso faz com que, tanto o fazendeiro, como o imigrante, enquanto

sujeitos históricos que conduzem o processo de revolução burguesa no Brasil imponham

20 Sobre este período é importante ressaltar duas importantes leis: a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queirós,

ambas de 1850.

32

novas estruturas produtivas e relações de produção, no entanto, o conjunto das relações

sociais mantém-se rigidamente presos a concepções arcaicas, como o patrimonialismo.

Essa circunstância tem grande importância analítica para a explicação dos rumos

tomados pela expansão do capitalismo no Brasil. Pois, no fundo, a revolução

burguesa foi, largamente, empreendida e conduzida por agentes humanos cujo

horizonte cultural estava moldado para o estilo de existência, a economia e a

previsão do futuro da “comunidade integrada”. Tais agentes histórico-sociais

viram-se condenados a explorar formas novas de organização das atividades

econômicas segundo a escala de grandeza que extraíram de sua concepção de

mundo. Os ajustamentos práticos iriam assumir, por conseguinte, enorme

significação dinâmica. É que deles passou a depender a renovação do horizonte

cultural herdado (FERNANDES, 2008, p. 107).

Seguindo esta mesma trilha, Florestan Fernandes, em A revolução Burguesa no

Brasil, aponta as implicações objetivas da rigidez das estruturas sociais sob o horizonte

sociocultural da burguesia nascente:

[...] o grosso dessa burguesia vinha de e vivia em um estreito mundo provinciano,

em sua essência rural – qualquer que fosse sua localização e o tipo de atividade

econômica –, e, quer vivesse na cidade ou no campo, sofrera larga socialização e

forte atração pela oligarquia [...] Podia discordar da oligarquia ou mesmo opor-se

a ela. Mas fazia-o dentro de um horizonte cultural que era essencialmente o

mesmo, polarizado em torno de preocupações particularista e de um entranhado

conservantismo sociocultural e político (FERNANDES, 2005, p. 241).

O segundo aspecto decorre, em parte, da limitação no horizonte cultural dessa

burguesia nascente. O amálgama entre estruturas sociais rígidas e processos econômicos

débeis geraram um “ciclo vicioso” no qual a revolução burguesa no Brasil ficou engendrada.

Em decorrência desse conjunto de condições, os ajustamentos práticos que poderiam

contribuir com a alteração desse horizonte cultural herdado, impondo uma racionalidade

econômica ao conjunto das relações de produção, perderam o seu poder corretivo.

Esses “processos econômicos débeis” decorrem do tipo de desenvolvimento

capitalista que o país apresentou, isto é, periférico e dependente. Diferentemente, do

desenvolvimento econômico das nações tidas como centrais e hegemônicas, as estruturas de

relações de produção do país culminaram na formação de um tipo de desenvolvimento

econômico, caracterizado como dependente. É importante pontuar que, o que caracteriza,

na visão de Florestan Fernandes, uma sociedade como subdesenvolvida e com uma

33

economia dependente, não é o fato de ser pobre e economicamente atrasada, mas por não

conseguir implantar um modelo de desenvolvimento autossuficiente e autônomo21.

[...] a estrutura e o destino histórico de sociedades deste tipo se vinculam a um

capitalismo dependente... [...] Trata-se de uma economia de mercado capitalista

constituída para operar estruturalmente e dinamicamente [...] como uma entidade

subsidiária e dependente no nível das aplicações reprodutivas do excedente

econômico das sociedades desenvolvidas; e como uma entidade tributária, no nível

do ciclo de apropriação capitalista internacional, no que ele aparece como uma

fonte de incrementação ou de multiplicação do excedente econômico das

economias capitalistas hegemônicas” (FERNANDES, 2008, p. 36-37)

Martins (2005, p. 19) irá apontar outro aspecto relevante no entendimento do

capitalismo dependente como realidade histórica brasileira. Para ele, o que configura o

capitalismo dependente como uma realidade histórica das economias subdesenvolvidas,

especialmente a brasileira, não é apenas a relação de dependência econômica e de

insuficiente poder sobre os excedentes gerados internamente, mas, “é, sobretudo, um

complexo de relações sociais e de mentalidade orientadas em oposição às demandas ideais

da revolução burguesa e do próprio capitalismo”.

É o conjunto dessas características que fazem do desenvolvimento capitalista e a

revolução burguesa brasileira uma realidade singular e contraditória, que não pode gerar

base material o suficiente para impor uma ruptura definitiva e consistente na relação de

dependência com o exterior (primeiro com a Metrópole, posteriormente com os centros

hegemônicos de dominação imperialista, como a Inglaterra, no século XIX, e os Estados

Unidos, no século XX); desagregação com o antigo regime senhorial, seja nas relações

econômicas de produção, troca e circulação, ou nas relações sociais e políticas; tampouco,

conseguiu transpor a condição de economia periférica e dependente.

Portanto, podemos inferir que, em decorrência desse desenvolvimento retardatário,

débil e inconclusivo não foi rompido definitivamente o conjunto das estruturas de relações

sociais arcaicas – baseadas mais em favores do que em contratos –, não gerando uma

21 Conforme ressalta Singer (2008, p.13), na análise de Florestan Fernandes, “o subdesenvolvimento é

historicamente condicionado; não é mero produto do acaso que o crescimento econômico acelerado possa

superar”. Por isso, a condição de subdesenvolvimento e dependência só são superadas quando rompem a

heteronomia econômica e criam as condições estruturais de um capitalismo autossuficiente e autônomo.

Portanto, partindo do modelo clássico “do qual o protótipo é o fornecido pelo capitalismo competitivo, na

forma que ele se constituiu em conexão com a revolução comercial e industrial na Inglaterra [...], no momento

em que uma sociedade subdesenvolvida consegue realizar as condições estruturais, funcionais e histórica,

pressupostas em tal modelo, ela deixa de ser subdesenvolvida, concretizando em algum grau significativo o

padrão de equilíbrio e de crescimento inerente ao capitalismo autossuficiente e autônomo” (FERNANDES,

2008, p.33).

34

“racionalidade burguesa”, na burguesia nacional. Nesse sentido, é que não tivemos uma

ruptura completa com o passado e – nos termos Florestan – a cada passo essas contradições

se reapresentam na cena histórica. Essa realidade singular e contraditória irá se apresentar,

não apenas durante a formação econômica, mas em todas as fases do desenvolvimento do

capitalismo no Brasil.

A conjunção desses fatores será a base para a consolidação do poder da burguesia

doméstica. Florestan Fernandes entende que, de igual modo ao processo de Independência,

a burguesia doméstica adotará atitudes ambíguas e contraditórias para impor seu poder e

manter sua dominação. Primeiramente, a burguesia nacional não seguirá o mesmo percurso

adotado por outras burguesias para exercer sua dominação de classe. Enquanto outras

burguesias criaram instituições próprias, nas quais exerciam seu poder social, utilizando as

estruturas e o poder do Estado apenas em situações extraordinárias, a burguesia brasileira

converge ao Estado seus interesses, amalgamando no poder político, uma dominação social,

econômica e política. Nesse sentido, a revolução burguesa operada no Brasil não conjugara

tempo econômico e tempo político, favorecendo o primeiro em detrimento do segundo, esta

peculiaridade faz com que se imponha uma modernização conservadora e não altere o

conjunto das estruturas de relações sociais. Sampaio Jr. (1999 p. 214) levanta outro aspecto

decorrente da não sincronia entre tempo econômico e tempo político:

No entendimento de Florestan Fernandes, ainda que as propriedades civilizatórias

do capitalismo dependente sejam bastante limitadas, enquanto o desenvolvimento

induzido for compatível com o movimento de integração nacional, o regime

burguês desempenha uma função social construtiva. No entanto, quando o tempo

econômico se divorcia do tempo político, criando uma total dessincronização entre

acumulação de capital e formação das bases sociais e culturais de uma sociedade

democrática e soberana, esgotam-se as potencialidades civilizatórias da burguesia

como classe dominante.

É importante compreender que, a burguesia brasileira não se apresenta

historicamente como força política revolucionária, capaz de empreender uma insurreição

contra a hegemonia oligárquica, antes é fruto dessa sociedade de estruturas sociais rígidas.

Florestan Fernandes, destaca ainda que a não ocorrência de confronto direto entre burguesia

e aristocracia deve-se ao fato de a origem da maior parte dessa burguesia ser também parte

da aristocracia rural. É este fator que explica porque a oligarquia não perdeu a base de poder

que “lograra antes, como e enquanto aristocracia agrária; e encontrou condições ideais para

enfrentar a transição, modernizando-se, onde isso fosse inevitável, e irradiando-se pelo

35

desdobramento das oportunidades novas, onde isso fosse possível” (FERNANDES, 2005, p.

240).

Do mesmo modo devemos pontuar que a disjunção entre tempo econômico e tempo

político implicará um modelo ultraconservador de Estado – como por exemplo, durante a

Primeira República, no qual toda e qualquer mudança que devesse ser tomada, ocorreria de

modo gradual e com contornos tênues, e as questões que de algum modo pudessem colocar

em xeque ou ir de encontro aos interesses da burguesia dominantes – especialmente as

questões sociais – eram reprimidas como o máximo de rigor e intrepidez, como “caso de

polícia”, nos termos de Washington Luís, ou “bala de borracha”, conforme o repertório mais

recente22. Deste ponto decorre não apenas a manutenção do conservadorismo político

brasileiro, mas também a perpetuação das antinomias e contradições sociais, pois o objetivo

dessa burguesia não será a modernização a todo custo do país, mas, o que lhe for mais

vantajoso, seja do “atraso” ou do “adiantamento” das populações.

Por isso, não será apenas o conservadorismo da “hegemonia agrária que diluía o

impacto inovador da dominação burguesa”, a própria burguesia, de forma geral, “se ajustara

à situação segundo uma linha de múltiplos interesses e de adaptações ambíguas, preferindo

a mudança gradual e a composição a uma modernização impetuosa, intransigente e

avassaladora” (FERNANDES, 2005, p. 241).

Noutros termos, a burguesia brasileira não é condicionada apenas pela lógica da

racionalidade econômica, antes, seu conservadorismo visa impedir qualquer possibilidade

que coloque em risco o poder e a dominação autocrática. É nesse sentido que Florestan

Fernandes compreende que, a burguesia doméstica era dotada de “moderado espírito

modernizador e que, além do mais, tendia a circunscrever a modernização ao âmbito

empresarial e às condições imediatas da atividade econômica ou do crescimento econômico”

(FERNANDES, 2005, p. 242).

A condição sobre a qual a dominação burguesa no Brasil estava posta, isto é, um

modelo autocrático, impunha uma contradição, pois a modernização acelerada do país

geraria a possibilidade de que outros grupos sociais começassem a reivindicar também uma

22 A sátira feita pelo coletivo humorista Porta dos Fundos, no vídeo Bala de borracha, apresenta de forma muito

clara, como alguns protestos são historicamente tratados no país. Na sátira, uma corporação de policiais

caricatos e desesperados enfrenta um impasse: como lidar com “esse povo dos protestos [contra o aumento da

tarifa], que abraça arvore, esse povo da PUC”, uma vez que, o público não era “preto, pobre e favelado ninguém

liga”. O vídeo apresenta policiais que não conseguem vislumbrar nenhuma possiblidade de lidar com os

protestos [ iniciados em junho de 2013] senão por intermédio da “bala de borracha”. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=RXJb5n3h8rg>. Acessado em 15/01/2014.

36

revolução política. Em contrapartida, a não modernização poderia gerar uma perda

consistente de espaço de mercado e poder para a concorrência externa. Nessa situação, dois

elementos centrais à compreensão sociológica do desenvolvimento capitalista do país e da

revolução burguesa nacional devem postos em relevo: o significado da dominação

autocrática burguesa e o progressivo aparecimento de oposição “dentro da ordem” e “a partir

de cima” (FERNANDES, 2005, p. 244).

Com relação ao primeiro aspecto, as elites dominantes possuíam um acordo implícito

quanto à necessidade de manter e ampliar a dominação autocrática da burguesia brasileira,

mesmo que, para perpetuar este intento, questões como “livre concorrência”, “aumento de

rentabilidade” e “crescimento econômico” fossem postos em segundo plano. É certo que,

como já observamos, esse propósito era mascarado por uma roupagem progressista, que

visava impedir movimentos contestatórios ou revolucionários, do proletariado.

O segundo elemento decorre, especialmente, a partir da mudança do regime de

acumulação no país. Com a eclosão do regime de classes, os interesses da classe dominante,

foram de certa forma, pulverizados. Como a burguesia brasileira era formada por diversas

“ilhas burguesas” que se justapunham e moldavam suas alianças conforme os interesses

particulares convergentes, fossem eles econômicos ou políticos, a dominação autocrática

burguesa que se mantivera nos mesmos moldes desde o regime escravocrata e colonial,

começou a apresentar divergências de interesses, não apenas entre a grande burguesia, mas

também, entre a média e a pequena.

As divergências e os conflitos “dentro da ordem”, entre as diversas frações da

burguesia (ex: industrial, comercial e financeira) se apresentam de forma latente no início

do regime de classes, entretanto, à medida que avança a industrialização e há a entrada do

capital estrangeiro, essas cisões ficarão mais evidentes, gerando uma verdadeira crise na

autocracia burguesa – crise esta que implicará mudanças e rearranjos, porém não

necessariamente, seu fim.

Em certa medida, as oposições e os conflitos entre as diversas frações burgueses não

estão restritos a um período específico do desenvolvimento capitalista brasileiro, mas se

apresentam, em maior ou menor medida, em todas as suas fases. Fernandes (2005, p. 263-4)

analisará o desenvolvimento do regime capitalista no Brasil em três fases: transição do

regime colonial para o capitalista; comercial; e, monopolista. A primeira fase marca a

transição do regime neocolonial para um regime capitalista especificamente moderno, e

compreende o período entre a Abertura dos Portos (1808) até aos meados ou à sexta década

37

do século XIX. Esse período marca, além da abolição do regime escravocrata e a expansão

dos centros urbanos, a “aurora burguesa” (PRADO JR., 2012), como já analisamos.

A segunda fase se caracteriza pela formação e expansão do capitalismo competitivo

no país, compreendendo, pois, “o período de consolidação da economia urbano-comercial

quanto a primeira transição industrial verdadeiramente importante; e vai, grosso modo, da

sexta década ou do último quartel do século XIX até a década de 1950, no século XX”

(FERNANDES, 2005, p. 264). É nesta fase que há o impulso à industrialização local e os

conflitos e oposições dentro da própria burguesia deixam de ser latentes com a nova condição

de competição imposta, especialmente, pelo ingresso do capital estrangeiro e divergências

entre as próprias elites nacionais. Essa nova condição imporá um rearranjo dentro da ordem

para acomodar os interesses das diversas frações da burguesia de modo a não por em risco a

dominação autocrática, a partir do “impulso modernizador”.

Neste aspecto, os setores que estavam insatisfeitos – especialmente os intermediários

e os círculos industriais de São Paulo e Rio de Janeiro – não apenas são acomodados dentro

da ordem, como são absorvidos pelo no modo de ver e praticar tanto as regas quanto o estilo

de jogo autocrático. Ou seja, a aparente crise do poder oligárquico, nada mais era do que

uma recomposição de suas bases, culminando no seu próprio crescimento.

[...] estamos diante de uma burguesia dotada de moderado espírito modernizador

e que, além do mais, tendia a circunscrever a modernização ao âmbito empresarial

e às condições imediatas da atividade econômica ou do crescimento econômico.

[...] Nunca para empolgar os destinos da nação como um todo, para revolucioná-

la de alto a baixo. [...] A esse ponto morto, que se objetivava a partir de dentro,

contrapunha-se outro ponto morto, que vinha de fora para dentro. A transição para

o século XX e todo o processo de industrialização que se desenrola até a década

de 1930 fazem parte da evolução interna do capitalismo competitivo. [...] A

influência modernizadora externa se ampliara e se aprofundara; mas ela morria

dentro das fronteiras da difusão de valores, técnicas e instituições instrumentais

para a criação de uma economia capitalista competitiva satélite. Ir além

representaria um risco: o de acordar o homem nativo para sonhos de independência

e de revolução nacional, que entrariam em conflito com a dominação externa. O

impulso modernizador, que vinha de fora e era inegavelmente considerável,

anulava-se, assim, antes de tornar-se um fermento verdadeiramente

revolucionário, capaz de converter a modernização econômica na base de um salto

histórico de maior vulto. A convergência de interesses internos e externos fazia da

dominação burguesa uma fonte de estabilidade econômica e política, sendo esta

vista como um componente essencial para o tipo de crescimento econômico, que

ambos pretendiam, e para o estilo de vida política posto em prática pelas elites

[...]. Portanto, a dominação burguesa se associava a procedimentos autocráticos,

herdados do passado ou improvisados no presente, e era quase neutra para a

formação e a difusão de procedimentos democráticos alternativos, que deveriam

ser instituídos (FERNANDES, 2005, p. 242-3).

38

A terceira fase marca a reorganização do mercado e do modo de produção interno a

partir da irrupção do capitalismo monopolista no país, com a entrada de grandes corporações

predominantemente estrangeiras, além e estatais e mistas. Apesar de as tendências para a

transição datarem desde a década de 1930, ela só se acentua no fim da década de 1950 e

adquire caráter estrutural posteriormente a 1964.

A transição da segunda para a terceira fase, isto é, do capitalismo competitivo para o

capitalismo monopolista, marcará a “crise do poder burguês” (FERNANDES,2005, p. 252).

Na visão da classe dominante, essa transição ocorreria de modo gradual quase natural,

segundo o curso do modelo universal, dando base para uma autonomização do

desenvolvimento do capitalismo interno. No entanto, depois da década de 1930, a burguesia

brasileira passou a sofrer ataque triplo, que poderia comprometer sua dominação autocrática:

de um lado, sofria pressão de fora para dentro, decorrente das estruturas e dinâmica do

capitalismo mundial, que cada vez mais poderia minar a base material de poder de vários

setores da burguesia brasileira.

Apesar de as pressões do capital externo impor uma aceleração histórica, seus

objetivos poderiam ser amalgamados aos da burguesia doméstica, não colocando em risco a

“continuidade do sistema”. Porém, internamente duas linhas de ataque potenciais poderiam

comprometer a estabilidade da autocracia burguesa: a primeira provinha do proletariado e

da massa popular que pediam por um novo pacto social23, enquanto a segunda decorria da

interferência do Estado na esfera econômica – esta situação era consequência da condição

imposta por um capitalismo dependente e subdesenvolvido, que buscava recuperar o atraso

histórico através de uma rápida industrialização, segundo o Processo de Substituição de

Importações (PSI)24. Do ponto de vista do desenvolvimento econômico, esta fora uma

23 As demandas sociais não eram, necessariamente, incompatíveis com a manutenção do status quo, uma vez

que poderiam ocorrer nos limites da revolução dentro da ordem, todavia, Florestan Fernandes enfatiza que, tal

possibilidade “colocou aqueles ‘círculos conservadores influentes’ em pânico” (FERNANDES, 2005, p. 254). 24 O Processo de Substituição de Importações (PSI) foi uma política econômica criada durante a década de

1930, que alterava a pauta de importações, substituindo bens manufaturados por bens de capital. Entre os

objetivos dessa política econômica, destacam-se: I) a alteração do “centro dinâmico” da economia. Como

abordado por Celso Furtado, em Formação econômica do Brasil, até o primeiro quartel do século XX, a

economia brasileira era sumamente agroexportadora, com grande dependência do setor cafeicultor. A

primarização da economia tornava o país fortemente vulnerável as oscilações do mercado internacional –

especialmente quando se relacionavam ao preço dos grãos; II) diminuir a dependência do capital estrangeiro.

Como a economia era predominantemente primária, o país acumulava elevados déficits externos para atender

ao consumo de bens manufaturados no mercado doméstico, tornado o país duplamente vulnerável: primeiro

pela oscilação do produtos primários no mercado internacional, depois pela forte dependência do consumo de

produtos manufaturados e de seu financiamento externo; iii) desenvolver e fortalecer a indústria local. Com a

facilitação de importações de bens de capital e a proteção tarifária do mercado, a indústria nascente encontrou

um terreno fértil para o seu desenvolvimento. Consultar a teoria cepalina em Furtado (1968; 2007); Mantega

(1984); Wirth (1973); Tavares (1972; 1978); Prebisch (1964); Silva (1976).

39

decisão acertada, com rápido surto de industrialização, geração de emprego e

desenvolvimento regional. Contudo, pela ótica autocrática da dominação burguesa, o

excesso de interferência estatal poderia gerar perda de poder e espaço econômico para as

empresas públicas e redução da influência política no Estado.

Para se proteger da pressão vinda dessas três frentes diferentes que afetavam as bases

materiais e o poder político da autocracia burguesa, os setores dominantes das classes alta e

média se “aglutinaram em torno de uma contrarrevolução autodefensiva” – isto é, o golpe

militar de 196425 – que alterou substancialmente tanto a forma quanto a funções da

dominação autocrática da burguesia doméstica. Com o golpe de 64, não apenas o status quo

era mantido, mas sua influência política e econômica passava a aumentar de forma

significativa, com a modernização tecnológica e o robusto crescimento econômico que o

país apresentou nos anos seguintes ao golpe.

Em face da conjuntura posta, o autor irá apontar que, esta contrarrevolução gerava

condições mais vantajosas para a burguesia: “1º) para estabelecer uma associação26 mais

íntima com o capitalismo financeiro internacional,; 2º) para reprimir, pela violência ou pela

intimidação, qualquer ameaça operária ou popular de subversão da ordem (mesmo como

uma ‘revolução democrático-burguesa’); 3º) para transformar o Estado em instrumento

exclusivo do poder burguês, tano no plano econômico quanto nos planos social e político”

(FERNANDES, 2005, p. 255).

Nesse sentido, o golpe de 64 não apenas minava as possibilidades de diminuição do

hiato entre tempo econômico e tempo político com a continuidade da revolução democrática,

mas, como salientado por Sampaio Jr., esgotavam as “potencialidades civilizatórias da

burguesia”, enquanto classe dominante.

Portanto, como a burguesia doméstica ao invés de concretizar sua revolução, a partir

de uma revolução democrática, optou pela contrarrevolução e a manutenção de sua

dominação autocrática, o encaminhamento histórico que se teve, eliminava as opções de

25 Em relação a terminologia para designar esse fato histórico, Florestan Fernandes (1985, p. 7-8) enfatiza que:

“quando se fala em ‘revolução institucional’, com referência ao golpe de Estado de 1964 [...] é patente que aí

se pretendia acobertar o que ocorreu de fato, o uso da violência militar para impedir a continuidade da revolução

democrática”. O autor complementa que, o uso do termo “revolução” para se referir ao golpe de Estado não

foi por acaso, já que o “uso das palavras traduz relações de poder e relações de dominação”. Pois, “em primeiro

lugar, há uma intenção: a de simular que a revolução democrática não teria sido interrompida [...]. Em segundo

lugar, há uma intimidação: uma revolução dita as suas leis, os seus limites e o que ela estingue ou não tolera

(em suma, o golpe de Estado criou uma ordem ilegítima que se inculcava redentora; mas, na realidade ‘o

império da lei’ abolia o direito e implantava a ‘força das baionetas’[...])”

26 Porém na condição de sócio-minoritário.

40

revolução democrática e o rompimento com capitalismo dependente: “a negação da

dependência, mediante uma revolução nacional; ou a negação da negação, que materializa

em uma revolução socialista” (SAMPAIO JR., 1999, p. 217). A primeira alternativa

colocaria o país “em condições de atingir uma situação estrutural comparável à dos países

adiantados da Europa no período da revolução industrial”, esse avanço histórico relativo

“equivaleria a uma ‘nova fronteira’, na qual se completaria a formação dos Estados-nações

e se iniciaria o desenvolvimento capitalista autossustentado” (FERNANDES Apud

SAMPAIO JR., 1999, p. 217). Apesar de esta ser uma possibilidade factível, o sociólogo

mostrou-se pessimista em sua materialização, em função das características da burguesia sob

o capitalismo dependente:

Numa situação em que as “forças de ordem” empunham abertamente a bandeira

da contra-revolução prolongada [...] seria curioso situar a revolução nacional como

uma “frente de luta comum” entre burgueses e proletários. Está comprovado que

as burguesias dos países capitalistas dependentes privilegiam a aceleração do

desenvolvimento capitalista; elas não privilegiam o desenvolvimento capitalista

independente. [...] Elas estão dizendo aos proletários urbanos e rurais dos países

periféricos: danem-se! (FERNANDES, 1985, p. 82)

Já a segunda alternativa possibilitaria um real “salto histórico”, na construção de uma

nova sociedade, mais equânime e independente:

A segunda criaria um real “salto histórico”, já que a opção socialista colocaria a

América Latina no cerne mesmo da crise do padrão de civilização inerente ao

sistema de produção capitalista. Em termos latino-americanos, esse avanço

histórico relativo equivaleria a duas revoluções simultâneas, em face da qual a

eliminação do controle econômico externo e da expropriação capitalista como

realidades históricas seriam menos produtos da “negação da negação” (ou seja, da

supressão do imperialismo como entidade econômico-política). O lado positivo do

avanço em questão aparece na construção de uma nova economia, de uma nova

cultura e de uma nova sociedade, em suma, de “um novo homem” e de “uma nova

história”, inspirados na concepção socialista do mundo. (FERNANDES Apud

SAMPAIO JR., 1999, pp. 217-218)

Após o melhor entendimento do tipo de desenvolvimento capitalista ocorrido no país

e do processo de revolução burguesa, inclusive as condições materiais e psicossociais que

subsidiaram seu poder e dominação autocrática, cabe-nos indagar em que medida, como

também, sob quais circunstâncias, junho de 2013 não apresenta as mesmas condições

materiais que precederam a contrarrevolução de 1964? Esta indagação surge, como

analisaremos mais detidamente, nos capítulos 3, 4 e 5 pela reprodução – ainda que, em

contextos econômicos e políticos diferentes, moldes diferentes, com outros sujeitos

41

históricos e com demandas populares aparentemente diferentes (mas que brotam da mesma

raiz e buscam o mesmo objetivo) – das mesmas condições materiais, isto é: crescimento da

demanda popular, não apenas de uma pauta específica (o passe livre), mas em última

instância, por mais democracia; aumento da participação das empresas estatais na economia,

especialmente após a eclosão da crise financeira global; e contínua desindustrialização e

primarização da economia brasileira.

42

Capítulo 2

Lulismo: entre as contradições políticas e econômicas

Com a vitória da disputa eleitoral, em 2002, o Partido dos Trabalhadores chegou à

Presidência da República, materializando as esperanças de décadas de lutas contra os

antagonismos históricos e as desigualdades sociais, bem como uma profunda transformação

social, a partir, especialmente, do rompimento do paradigma neoliberal, vigente desde a

década de 1990. Toda esperança germinada durante a “era da invenção”, na qual legou uma

“direção moral da sociedade brasileira na resistência à ditadura e alçou a questão da pobreza

e da desigualdade ao primeiro plano da política”, estava agora depositada na conquista

presidencial do maior partido de esquerda da América Latina (OLIVEIRA, 2010a, p. 24).

Apesar de algumas dessas esperanças depositadas no Partido dos Trabalhadores (PT)

serem materializadas, esperava-se que os antagonismos também fossem superados e as

desigualdades mitigadas – mas, eles tornaram-se maiores e mais escandalosos. Isto porque

a diminuição da extrema pobreza, inclusão crescente de pessoas historicamente à margem

do consumo ao ciclo da economia e o protagonismo de um partido historicamente de massa,

produziram a falsa impressão de que as contradições históricas, analisadas no capítulo 1,

estavam sendo superadas (OLIVEIRA, 2010b).

2.1. Lulismo: um debate gramsciano

O lulismo27 é um fenômeno político que tem levantado importante debate no campo

das ciências sociais. Desde a conquista das eleições presidenciais em 2002, os governos

petistas exercem uma política ambígua e contraditória, alicerçada sobre um intrincado

equilíbrio de forças entre as diversas classes sociais, com políticas que aparentemente

beneficiam a todos. No centro desse debate, Oliveira (2010a;2010b), propondo uma

interpretação a partir do conceito de hegemonia – uma forma de consenso imposto por uma

27 Basicamente, este fenômeno político teve início em 2002, com a conquista da disputa eleitoral pela

presidência da República, por Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), e se estende por

mais de três mandatos seguidos – sendo dois de Lula da Silva, entre 2003 e 2010, e dois – um completo e outro

em curso – de Dilma Rousseff. Atualmente –momento da escrita desta dissertação –, estamos na metade do

quarto, e muito conturbado, mandato seguido do PT.

43

classe ou fração de classe sobre as demais (GRAMSCI, 1976 ) –, compreende que o lulismo

tomou a forma de uma “hegemonia às avessas”.

A hegemonia28 é um conceito, segundo Gruppi (1978, p. 3) que “opera não apenas

sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre

o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer”.

Na análise de Gramsci (2000), a educação, a formação cultural, bem como o papel dos

intelectuais e dos jornais na formação da “opinião pública” são importantes na construção e

manutenção da hegemonia, à medida que criam “consensos espontâneos” na sociedade civil

aos valores impostos pelas classes dominantes.

Em uma “hegemonia às avessas”, porém, não são as classes subalternas que aderem,

consensualmente, aos valores impostos pelas classes dominantes. Oliveira (2010a, p.27)

apontará que, na realidade, são “os dominantes – os capitalistas e o capital, explicite-se –

que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, com a condição de que a

‘direção moral’ não questione a forma da exploração capitalista”.

Como um fenômeno “típico da era globalizada”, desde o primeiro mandato de Lula

da Silva, vem se construindo, no país, uma hegemonia análoga a da África do Sul pós-

apartheid, na qual o aprofundamento do neoliberalismo se torna mais naturalizado à medida

que as classes historicamente marginalizadas e oprimidas assumem a direção política do

país. Noutros termos, as conquistas políticas e sociais das classes dominadas, e a tomada da

“direção moral” da sociedade fortalecem dialeticamente a dominação burguesa, tornando-a

mais descarada. É esse processo que, na visão Oliveira (2010a, p. 24), está em curso no

Brasil desde a posse de Lula da Silva, em 2003.

No entanto, para que possamos compreender a real dinâmica dessa “hegemonia às

avessas”, devemos ressaltar alguns pontos: primeiro de que a impressão de “ter sido borrado

para sempre o preconceito de classe” se deu com a absorção “transformista ” de forças

sociais antagônicas no aparato de Estado. Com esse novo arranjo, os movimentos sociais

foram desmobilizados, e as vozes das classes sociais subalternas abafadas.

Já no primeiro mandato, Lula havia sequestrado os movimentos sociais e a

organização da sociedade civil. O velho argumento leninista-stalinista de que os

28 A origem do termo hegemonia “deriva do grego eghestal. que significa ‘conduzir’, ‘ser guia’, ‘ser líder’;

ou também do verbo eghemoneuo, que significa ‘ser guia’, ‘preceder’, ‘conduzir’, e do qual deriva ‘estar à

frente’, ‘comandar’, ‘ser o senhor’. Por eghemonia o antigo grego entendia a direção suprema do exército.

Trata-se, portanto, de um termo militar. Hegemônico era o chefe militar, o guia e também o comandante do

exército. Na época das guerras do Peloponeso, falou-se de cidades hegemônicas para indicar a cidade que

dirigia a aliança das cidades gregas em luta entre si” (GRUPPI, 1978, p. 1).

44

sindicatos não teriam função num sistema controlado pela classe operária

ressurgiu no Brasil de forma matizada. Lula nomeou como ministros do Trabalho

ex-sindicalistas influentes na CUT. Outros sindicalistas estão à frente dos

poderosos fundos de pensão das estatais. Os movimentos sociais praticamente

desapareceram da agenda política. Mesmo o MST vê-se manietado por sua forte

dependência do governo, que financia o assentamento das famílias no programa

de reforma agrária (OLIVEIRA, 2010a, p. 25).

O segundo ponto diz respeito à pobreza e às desigualdades econômicas e sociais que

passaram a ser instrumentalizadas e funcionalizadas dentro do aparato de Estado. Com a

criação do Programa Bolsa Família (PBF) e de outros programas sociais, a pobreza passou

a ser uma questão de gerenciamento de governo. Nesse sentido, “Lula despolitiza a questão

da pobreza e da desigualdade” e as funcionaliza “como uma questão administrativa”

(OLIVEIRA, 2010a, p. 25).

Surge, então, uma nova classe social, formada, majoritariamente, por sindicalistas e

líderes de movimentos sociais que passam a gerenciar fundos de pensão e participar de

conselhos de administração de empresas estatais. À medida que figuras-chave de sindicatos

e movimentos sociais se tornam engrenagens da máquina governista, as lutas trabalhistas –

por melhores condições de trabalho e aumento salarial e por direitos sociais – são

desmotivadas e/ou desmobilizadas, passando a serem uma questão de gerenciamento e

estratégia de governo. Há, dessa forma, um aparente rearranjo no equilíbrio de forças dentro

do aparato do Estado, no qual, figurativamente, os “dominados dominam”, pois

fornecem a “direção moral” e, fisicamente até, estão à testa de organizações do

Estado, de modo direto ou indireto, e das grandes empresas estatais. Parece que

eles são os próprios capitalistas, pois os grandes fundos de pensão das estatais são

o coração do novo sistema financeiro brasileiro e financiam pesadamente a dívida

interna pública. Parece que eles comandam a política, pois dispõem de poderosas

bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado. Parece que a economia está

finalmente estabilizada, que se dispõe de uma sólida moeda e que tal façanha se

deveu à política governamental, principalmente no primeiro mandato de Lula.

O conjunto de aparências esconde outra coisa, para a qual ainda não temos nome,

nem talvez, conceito. [Porém], estamos em face de uma nova dominação: os

dominados realizam a “revolução moral” [...] que se transforma, e se deforma em

capitulação e exploração desenfreada (OLIVEIRA, 2010a, p. 26-7).

No entanto, contraditoriamente, à medida que os “de baixo” tomam a “direção moral”

e passam a conduzir o governo, os “de cima” (isto é, a burguesia) ganham mais liberdade

para ampliarem seu poder e dominação.

No momento em que a “direção intelectual e moral” da sociedade brasileira

parecia deslocar-se no sentido das classes subalternas, tendo no comando do

45

aparato de Estado a burocracia sindical oriunda do “novo sindicalismo”, a ordem

burguesa mostrava-se mais robusta do que nunca. [...] Eis a tal “hegemonia às

avessas”: vitórias políticas, intelectuais e morais “dos de baixo” fortalecem

dialeticamente as relações sociais de exploração em benefício “dos de cima”

(BRAGA, 2010, p. 8).

O lulismo não se constitui uma alternativa ao neoliberalismo, antes contribui para o

seu fortalecimento, tanto por propiciar o aumento irrestrito do poder do capital, como por

gerar uma atrofia na luta popular, a partir da absorção transformista de movimentos sociais

e sindicatos à estrutura governamental:

O chamado ciclo neoliberal, que começa com Fernando Collor e já está com seus

quase vinte aninhos com Lula [...]. Ora, o governo Lula, na senda aberta por Collor

e largada por Fernando Henrique, só faz aumentar a autonomia do capital,

retirando das classes trabalhadoras e da política qualquer possibilidade de diminuir

a desigualdade social e aumentar a participação democrática. Se FHC destruiu os

músculos do Estado para implementar o projeto privatista, Lula destrói os

músculos da sociedade, que já não se opõe às medidas de desregulamentação

(OLIVEIRA, 2010b, p. 375).

A construção dessa hegemonia tornou-se mais evidente a partir da disputa eleitoral

de 2006. Na ocasião, a corrida presidencial tinha como pano de fundo o “escândalo do

mensalão”, e colocava em risco a reeleição do candidato petista. Para Oliveira (2010a,

2010b), os setores pauperizados das classes subalternas brasileiras que passaram a serem

abarcados pelo projeto assistencial do governo foram despolitizados e instrumentalizados.

Logo, a conquista da disputa eleitoral teve como preço a despolitização generalizada das

lutas sociais.

Singer (2012) irá contrapor-se a tese de Oliveira (2010a) ao afirmar que a conquista

da disputa eleitoral de 2006 não estava relacionada ao processo de instrumentalização da

pobreza e despolitização das lutas sociais. Para ele, o que os dados do pleito apontaram foi

um “realinhamento eleitoral”29.

A dialética do governo petista está na intrincada relação entre ortodoxia econômica

e política social voltada às classes mais pauperizadas. Apesar de manter uma política

econômica calcada no tripé macroeconômico – como será analisado mais detidamente no

29 A partir de meados de 2005, quando houve a eclosão do “escândalo do mensalão”, o governo petista teria

perdido, especialmente para a oposição tucana, importante contingente de eleitores de setores médios urbanos

conquistados em 2002. Em contrapartida, as camadas sociais mais pauperizadas que, historicamente,

apresentavam forte conservadorismo nas urnas, teriam se realinhado ao candidato situacionista durante o pleito

de 2006, atraídas em grande medida pelas políticas públicas federais – feitas gradualmente e dento da ordem –

que visavam à redução da extrema pobreza. Essa mudança, na posição do eleitorado, é denominado, na ciência

política, de “realinhamento eleitoral” (SINGER, 2012).

46

tópico a seguir –, sua política social “foi um completo programa de classe”, mas não

direcionado exatamente à classe trabalhadora organizada, mas ao subproletariado30. Logo,

será esta fração de classe que dará maior sustentação à reeleição de Lula da Silva, em 2006,

e Dilma Rousseff, em 2010 e 2014. É basicamente esse fator que diferencia o governo petista

do duplo mandato de FHC:

[...] se tivesse se limitado a conceder ao capital as garantias necessárias para

manter a estabilidade, Lula só repetiria o relativo sucesso do primeiro mandato de

FHC, o qual não logrou galvanizar o eleitorado mais pobre, apesar de emplacar o

discurso de que “tudo é um processo”, equivalente tucano da “prudência da dona

de casa”, garantindo a vitória de 1998. O pulo do gato de Lula foi, sobre o pano

de fundo da ortodoxia econômica, construir substantiva política de promoção do

mercado interno voltado aos menos favorecidos, a qual, somada à manutenção da

estabilidade, corresponde a nada mais nada menos que a realização de um

completo programa de classe (ou fração de classe, para ser exato). Não o da classe

trabalhadora organizada, cujo movimento iniciado no final da década de 1970

tinha por bandeira a “ruptura com o atual modelo econômico, mas a fração de

classe que Paul Singer chamou de “subproletariado” ao analisar a estrutura social

do Brasil no começo dos anos 1980 (SINGER, 2012, pp.76-7, grifo nosso).

Noutros termos, enquanto Oliveira (2010a) compreendia que a política econômica e

social do governo Lula da Silva gerava uma despolitização das classes subalternas, a partir

da instrumentalização da pobreza, Singer (2012) identificava, na massa estagnada e

pauperizada, uma força nova que poderia se constituir em um ponto de fuga para a luta de

classes.

A desconexão entre as bases do lulismo e as do petismo em 2006 pode significar

que entrou em cena uma força nova, constituída por Lula à frente de uma fração

de classe antes caudatária dos partidos da ordem e que, mais do que um efeito geral

de desideologização e despolitização, indicava a emergência de outra orientação

ideológica, que antes não estava posta no tabuleiro (SINGER, 2009, p. 96).

Braga (2012), por sua vez, proporá outra interpretação para a hegemonia lulista.

Enquanto Singer (2012) detém sua análise, basicamente, na relação entre política econômica

e política social, fazendo, segundo Anderson (2011), uma “psicologia dos pobres”, e

buscando “os sentidos do lulismo”, Braga (idem), na trilha do pensamento de Gramsci, vê

30 Essa definição foi usada para analisar a estrutura social do Brasil no início dos anos de 1980. Estarão

enquadrados nessa fração de classe os trabalhadores aqueles que “oferecem a sua força de trabalho no mercado

sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições

normais”. Na maioria dos casos, serão definidos como subproletariados os “empregados domésticos,

assalariados de pequenos produtores diretos e trabalhadores destituídos das condições mínimas de participação

na luta de classes”. (SINGER, 2009, p. 98). Para uma discussão mais aprofundada, consultar: Singer (1981;

2009; 2012).

47

no lulismo uma dialética entre “consentimento passivo das massas – que, seduzidas pelas

políticas públicas redistributivas e pelos modestos ganhos reais de salários advindos do

crescimento econômico, aderiram momentaneamente ao governo – com o consentimento

ativo das direções sindicais – seduzidas por posições no aparato estatal, fora as incontáveis

vantagens materiais proporcionadas pelo controle dos fundos de pensão”. Essa intrincada

relação entre consentimento ativo das direções sindicais e consentimento passivo das massas

é o que dará sustentação a uma “revolução passiva à brasileira”. (BRAGA, 2012, p. 37).

Dentro do arcabouço conceitual de Gramsci, a revolução passiva, diferentemente da

revolução popular – que é operada “de baixo” e rompe radicalmente com a velha ordem

política e social –, envolve sempre dois momentos distintos: o de “restauração” e o de

“renovação”. O primeiro (restauração) pode ser caracterizado como uma reação

conservadora das classes dominantes à possibilidade de transformação efetiva e radical das

classes dominadas; em outras palavras, é o momento que se constitui na tentativa de restaurar

o status quo ante por meio da força. Já o segundo momento, de “renovação”, se caracteriza

pela concessão de algumas demandas populares pelas classes dominantes, porém, essas

demandas são atendidas “pelo alto”.

Tomando como exemplo a situação italiana, Gramsci (apud COUTINHO, 2010, p.

33) expõe características universais das revoluções passivas, ao afirmar que toda revolução

passiva apresenta

o fato histórico da ausência de uma iniciativa popular unitária no desenvolvimento

da história italiana, bem como o fato de que o desenvolvimento se verificou como

reação das classes dominantes ao subversivismo esporádico, elementar, não

orgânico, das massas populares, através de “restauração” que acolheram uma certa

parte das exigências que vinham de baixo; trata-se, portanto, de “restauração

progressista” ou “revolução-restauração”, ou ainda, “revolução passiva”.

De forma resumida, a revolução passiva expressa a reação das classes dominantes a

pressões que provêm das classes subalternas. Ainda que as classes subalternas não estejam

organizadas o suficiente para impor um conjunto de mudanças maior, ou até mesmo uma

revolução, parte de suas demandas são atendidas pelas classes dominantes. Embora essa

reação vise à conservação dos fundamentos da velha ordem, o acolhimento dessas demandas

“introduzem modificações que abrem caminho para novas modificações” (COUTINHO,

2010, p. 34).

Apesar de as mudanças ocorrerem “pelo alto”, ou seja, por concessões das classes

dominantes, não anula o fato de que ocorram modificações efetivas na ordem social. Deste

48

modo, devemos distinguir revolução passiva de contrarrevolução e contrarreforma.

Enquanto a revolução passiva encetará “modificações moleculares que, na realidade,

modificam progressivamente a composição anterior das forças e, portanto, transformam-se

em matriz de novas modificações”, nas demais (contrarrevolução e contrarreforma), essas

mudanças, ainda que “pelo alto”, são minadas (GRAMSCI, apud COUTINHO, 2010, p. 32).

Em suma, as revoluções passivas são “uma complexa dialética de restauração e revolução,

de conservação e modernização. (Idem, p. 34).

Nesse sentido Braga (2012, p. 37) compreende que há, em curso, no Brasil, uma

revolução passiva desde o final da década de 1970:

[...] a origem dessa “revolução passiva” remonta à relação, construída no final dos

anos 1970, da burocracia sindical de São Bernardo com a massa operária, em

particular sua fração jovem e precarizada. Surpreendido pela força da rebelião das

bases e sob a liderança carismática de Lula da Silva, o sindicato dos metalúrgicos

conduziu o ciclo grevista como uma autêntica vanguarda política, enfrentando a

aliança empresarial-militar, rompendo com a estrutura oficial e acumulando um

enorme prestígio entre os trabalhadores.

Fazendo interlocução com Braga (2012) e Oliveira (2010a), Coutinho (2010) irá

propor outra via interpretativa para o lulismo, a partir do conceito de pequena política de

Gramsci: há em curso no país não uma hegemonia às avessas, mas uma “hegemonia da

pequena política31”, na medida em que as questões de “grande política32” – como a luta pela

defesa e conservação de uma determinada estrutura social e política, ou a fundação de um

Estado novo, sob novas bases sociais, econômicas e políticas – são abdicadas em favor de

uma forma de governo que restringe as políticas públicas à esfera parlamentar e à

administração dentro dos gabinetes.

A hegemonia da pequena política baseia-se, precisamente no “consenso passivo das

massas”, que desmobiliza toda e qualquer participação ativa por meio de partidos ou

organismos da sociedade civil e incentiva a “aceitação resignada do existente como algo

‘natural’”. Em outras palavras, a “hegemonia da pequena política existe [...] quando se torna

31 O conceito desenvolvido por Coutinho (2010) deriva de dois conceitos distintos de Gramsci: hegemonia e

pequena política. Enquanto hegemonia é, basicamente, a imposição de consenso (ativo ou passivo) pela classe

dominante, a pequena política é a redução das discussões e problematizações políticas à esfera parlamentar no

interior de uma estrutura já estabelecida. 32 A grande política compreende as “questões ligadas à fundação de novos Estados, com a luta pela destruição,

a defesa, a conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A política menor [pequena

política] compreende as questões parciais e quotidianas que se aprestam no interior de uma estrutura já

estabelecida, em virtude de lutas pela predominância entre as diversas fações de uma mesma classe política.

Portanto, é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a

pequena política” (GRAMSCI, 1976, p. 159).

49

senso comum a ideia de que a política não passa da disputa pelo poder entre suas diferentes

elites”, ao invés de “arena de luta por diferentes propostas de sociedade” (COUTINHO,

2010, p. 31-2). A hegemonia da pequena política culminará em dois processos

concomitantes: redução da discussão política à esfera parlamentar, convertendo-se, em

última instância, em mera técnica para a obtenção de eventuais maiorias parlamentares, e

apatia e distanciamento da grande massa ao cotidiano e às discussões políticas.

As questões, portanto, que mobilizavam amplos contingentes da sociedade durante

as décadas de 1970 e 1980, especialmente àquelas relacionadas as contradições histórico-

sociais, como a pobreza e a distribuição de renda, durante da gestão lulista, passaram a ser

gerenciadas internamente, migrando das ruas para os corredores parlamentares; passando

das reivindicações populares para as alianças políticas33.

A cooptação de dirigentes sindicais, juntamente com o aprofundamento dessa

hegemonia da pequena política acelerou o descarrilar neoliberal no governo petista. Mesmo

que seguindo por trilhas diferentes, Coutinho (2010) e Oliveira (2010a, 2010b) possuem

visões convergentes no que tange à relação do lulismo com o neoliberalismo.

A chegada do PT ao governo federal em 2003, longe de contribuir para minar a

hegemonia neoliberal, como muitos esperavam, reforçou-a de modo significativo.

A adoção pelo governo petista de uma política macroeconômica abertamente

neoliberal – e a cooptação para essa política de importantes movimentos sociais

ou, pelo menos, a neutralização da maioria deles – desarmou as resistências ao

modelo liberal-corporativo e assim abriu caminho para uma maior e mais estável

consolidação da hegemonia neoliberal entre nós. Estamos assistindo a uma clara

manifestação daquilo que Gramsci chamou de “transformismo”, ou seja, a

cooptação pelo bloco no poder das principais lideranças de oposição

(COUTINHO, 2010, p. 42).

Diante do posicionamento de Coutinho, entendemos que, sua posição e a de

Francisco de Oliveira não são antagônicas e excludentes, e em certo sentido, podem ser

conjugadas, ou seja, enquanto a “hegemonia às avessas” enfatiza a relação entre

consentimento passivo (da massa) e ativo (da burocracia sindical) e o aprofundamento do

programa neoliberal sob a égide de um governo popular, a “hegemonia da pequena política”

focará no consentimento passivo das massas – o governo petista aceitou “as regras do jogo”

neoliberal, às custas da despolitização popular e consentimento ativo de seus núcleos sociais

33 É nesta perspectiva que Oliveira (2010a) compreende que a pobreza passou a ser instrumentalizada

politicamente.

50

e sindicais. A “hegemonia às avessas”, portanto, é o ponto de convergência entre a visão de

Coutinho (2010) e a de Braga (2010) com relação à hegemonia lulista.

A “hegemonia às avessas” é o ponto comum entre duas formas sociais distintas de

consentimento: a ativa e a passiva. [...]. O governo Lula apoia-se em uma forma

de hegemonia produzida por uma revolução passiva empreendida na semiperiferia

capitalista que conseguiu desmobilizar os movimentos sociais ao integrá-los à

gestão burocrática do aparato de Estado, em nome da aparente realização das

bandeiras históricas desses mesmos movimentos, que passaram a consentir

ativamente com a mais desavergonhada exploração dirigida pelo regime de

acumulação financeira globalizado.

Por seu turno, emaranhada em uma rede de dependência das políticas públicas

governamentais, e esgotadas por uma década e meia de cruentas lutas sociais

ofensivas somadas a outra década e meia de obstinadas lutas sócias defensivas,

parte considerável das classes subalternas brasileiras consente passivamente.

Cansadas de inovar politicamente e de se defender economicamente, as classes

subalternas brasileiras preferem, à primeira vista retomar momentaneamente o

fôlego e seguir hipotecando prestígio ao governo da esfinge barbuda. Eis aqui o

cerne da questão: após sete anos de “regressão política”, 85% de aprovação no

Ibope não pode ser obra da divina providência. (BRAGA, 2010, p. 14).

As pautas de diversos sindicatos e movimentos sociais tradicionais, ao longo da

hegemonia petista, foram tratadas na “esfera da pequena política”, e administradas sem

grandes sobressaltos, conciliando ou convergindo aos interesses do grande capital. O

movimento que surge em junho de 2013, sobretudo o MPL, é a negação desse modelo. O

que aparentemente é um movimento espontâneo, na realidade, constitui-se um movimento

que não fazia parte do pacto conservador lulista – nos termos de Singer (2012) – e não aderiu

a nenhuma forma de consentimento, como ocorrido com alguns movimentos sociais e

sindicatos.

Com relação ao movimento social e político que irrompe a partir do reajuste das

passagens de transporte público nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, em 2013, esta

discussão elucida algumas das razões pelas quais a classe política de modo geral foi

surpreendida – e a primeira atitude foi recriminar o movimento e, posteriormente, tentar se

alavancar eleitoralmente com o próprio movimento –, e por que os grandes sindicatos e os

tradicionais movimentos sociais, historicamente protagonistas das lutas sociais no país,

foram coadjuvantes em diversos momentos das manifestações de junho de 201334.

34 Dentro desta discussão, devemos reforçar que o fato de não serem os principais protagonistas, como veremos

no capítulo 4, não diminui a importância destes para o movimento que irrompeu nas ruas.

51

2.2. A economia política do Lulismo

A política econômica do governo Lula da Silva desde o seu início esteve calcada sob

o signo da contradição, apresentando uma pauta com viés progressista, porém sem se

contrapor ao paradigma neoliberal vigente desde a década de 1990. Esse aspecto da política

econômica do lulismo, ora conservador, ora progressista, conduziram a avaliações

“simplistas a respeito do Governo Lula [...] de que este seria, simultaneamente, neoliberal e

populista”. Porém, sem limitar a discussão a caracterizações ou determinações taxativas,

devemos analisar a “economia política do lulismo” a partir de uma perspectiva dialética –

sob o signo da contradição –, considerando que “de um lado, manteve linhas de conduta do

receituário neoliberal e, de outro, tomou decisões no sentido contrário, isto é, próprias da

plataforma progressista”. (SINGER, 2012, p.143-4).

Ao longo dos dois mandatos de Lula da Silva (2003-2010) e, também, no primeiro

mandato de Dilma Rousseff (2011-2014) – escopo da análise deste capítulo –, a conjugação

destses dois modelos econômicos antitéticos apresentou aparentes variações de pesos e

medidas, que possibilitaram avanços no campo social sem abdicar da ortodoxia neoliberal,

atendendo aos anseios do capital financeiro, enquanto executava uma política de diminuição

da extrema pobreza. Essas variações, entretanto, não decorreram de contínuas alterações no

modelo econômico adotado, mas apenas em mudanças na “hierarquia das prioridades, de

acordo com a margem de manobra política e econômica disponível” (SINGER, 2012, p 143).

A economia política do lulismo pode ser analisada em três fases distintas, a saber: a

primeira fase abrange o período entre 2003 e 2005; a segunda fase se inicia a partir de 2006,

com a troca do ministro da Fazenda, avançando até 2008; e a terceira fase inicia-se com a

eclosão da crise financeira global e tem como marco a quebra do banco de investimentos

norte-americano Lehman Brothers. Essas fases não são determinadas por algum tipo de

“progressão linear e sem retorno”, mas por respostas às circunstâncias contingenciais. Em

outras palavras, a correlação de forças na condução da política econômica é dinâmica e

adaptável ao cenário, sendo determinada pela conjuntura, mantendo-se aberta a possibilidade

de “repetições e troca de ordem futura” (SINGER, 2012).

52

2.2.1. Um início melancólico: primeiro período da economia política do lulismo

A primeira fase da economia política do lulismo, que se dá logo após a conquista das

eleições presidenciais de 2002, teve, na análise do historiador Anderson (2011, p. 24), um

“início melancólico e logo se aproximou do desastre”. Apesar de assumir o governo federal

com grande apoio popular, Lula da Silva despertava muitas desconfianças e incertezas dos

grandes investidores financeiros, o que gerou forte ataque especulativo à moeda brasileira,

redução das fontes de financiamento externo e aumento dos prêmios de riscos dos títulos

públicos35.

Em apenas cem dias de mandato, toda turbulência gerada no (e pelo) mercado,

durante a corrida presidencial de 2002, foi revertida em entusiasmo e elogios pelos rumos

tomados na condução da política econômica. Contraditoriamente, “um governo eleito pela

oposição de esquerda recebe de instituições como o FMI e o Banco Mundial elogios mais

entusiasmados do que os que eram feitos ao governo anterior” e os “os mercados que se

inquietavam durante grande parte da campanha exultam” (BORGES NETO, 2003, p.7).

O governo petista recém-eleito “reverteu praticamente toda a esperança sobre a qual

o Partido dos Trabalhadores havia sido fundado”, ao ceder às pressões do mercado financeiro

para “acalmar” os investidores que estavam inseguros quanto ao rumo que o novo governo

daria à política econômica – manter-se-ia, ou não, com o modelo macroeconômico (“tripé

macroeconômico”)36 estabelecido por seu predecessor. No governo de Fernando Henrique

Cardoso37, a “dívida pública – metade da qual avaliada em dólares – tinha dobrado, e o

35 No início de 2003, a incerteza macroeconômica derivava principalmente do impacto da depreciação cambial

ocorrida no ano anterior sobre a inflação e as finanças públicas do país. Mais especificamente, durante a

campanha presidencial de 2002, o Brasil foi alvo de forte ataque especulativo na forma de redução nas linhas

de financiamento externo para o país, aumento no prêmio de risco exigido por credores para adquirir títulos

brasileiros e forte depreciação do real. Em números, o risco país aumentou de 963 pontos básicos (pb), em

dezembro de 2001, para 1.460 pb, em dezembro de 2002. No mesmo período, a taxa de câmbio real/dólar norte-

americano subiu de 2,32 para 3,53, enquanto a entrada líquida de capital externo caiu de US$ 27 bilhões, em

2001, para US$ 8 bilhões em 2002. (BARBOSA e SOUZA, 2010, p.58). 36 O tripé da política da política macroeconômica, composto por um regime de metas de inflação, taxas de

câmbio flutuantes e a busca por superávits primários predeterminados, estava vigente desde 1999, quando a

economia brasileira passou por um forte ataque especulativo, afetando, especialmente, o nível de reservas

internacionais do país. Apesar de não haver um arcabouço teórico no qual o tripé da política macroeconômica

seja justificado, Nassif (2015, p. 428) salienta que, “é lícito sugerir que ele está amparado no chamado consenso

macroeconômico que preponderou até a crise global de 2008. Por este consenso, as autoridades governamentais

deveriam guiar suas políticas econômicas com base no princípio de que, para cada objetivo a ser almejado,

deveria ser implementado apenas um único instrumento de política [macroeconômica]” . Para discussão em

torno do tripé da política macroeconômica, entre outras obras, consultar: Bresser-Pereira e Silva (2009); Bacha

(2011). 37 Sobre política econômica no governo de Fernando Henrique Cardoso, consultar: Mattoso (2010); Rampinelli

e Ouriques (1998); Lesbaupin (2000); Antunes (2005).

53

déficit em conta de então era duas vezes a média da América Latina, as taxas de juros

nominais estavam acima de 20%, e a moeda havia perdido metade do seu valor na corrida

eleitoral” (ANDERSON, 2011, p.24). Todos esses indicadores domésticos, juntamente com

a conjuntura internacional, especialmente o momento que atravessavam os países

emergentes, aumentavam as incertezas quanto à eleição de um governo de esquerda no

Brasil.

Diante desse cenário, Lula da Silva iniciou seu mandato com um “pacote de maldades

neoliberais” (SINGER, 2012, p. 144), que frustraram todas as expectativas “sobre a qual o

Partido dos Trabalhadores havia sido fundado” (ANDERSON, 2011, p.24), com o intuito de

“estabilizar” a economia e sinalizar ao capital que os compromissos seriam mantidos sem

alterações nas regras do jogo38.

Na primeira fase (2003-2005), a contenção da despesa pública, a elevação dos

juros, a manutenção do câmbio flutuante, o quase congelamento do salário mínimo

e a reforma previdenciária com redução de benefícios, enfim, o pacote de

“maldades” neoliberais voltado para “estabilizar” a economia e provar ao capital

que os compromisso de campanha seriam cumpridos à risca foi aplicado em escala

superior à praticada no segundo mandato de FHC (SINGER, 2012, p. 144).

Apesar de a política econômica fortemente restritiva de início de mandato resultar na

desaceleração do crescimento econômico de 2003, sobretudo no primeiro semestre do ano,

quando o país registrou recessão técnica, a economia brasileira foi beneficiada pelo ciclo de

crescimento da economia mundial (BARBOSA; SOUZA, 2010, p. 61-7). Porém, “apesar de

o PIB ter crescido 1,1% em 2003, a sensação econômica foi, para a maioria da população,

de recessão” (idem, p. 61), visto que, enquanto o setor externo impulsionava o volume de

exportações, sobretudo de produtos primários (commodities agrícolas e minerais), tanto os

investimentos quanto o consumo das famílias apresentaram retração. Não há como refutar

que a visão neoliberal conduziu as ações de política econômica do governo Lula,

especialmente nos anos iniciais de seu governo.

No campo prático das ações do governo Lula, a visão neoliberal se refletiu em

uma posição conservadora sobre o potencial de crescimento da economia em

2003-2005. Sua consequência imediata foi recomendar uma estratégia de forte

contenção fiscal para abrir espaço ao crescimento do setor privado e à queda da

38 Durante a campanha presidencial de 2002, o candidato Lula da Silva já sinalizava claramente que não faria

rupturas drásticas, dando continuidade às políticas macroeconômicas de FHC. Sobre o discurso pronunciado

por Lula da Silva durante encontro sobre o programa de governo do partido, direcionado especialmente aos

investidores financeiros, ver a Carta ao Povo Brasileiro. Disponível

em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u33908.shtml> acessado em 10/08/2015.

54

taxa de juros. [...] O ajuste fiscal de 2003-2005 não acelerou substancialmente o

crescimento da economia, tampouco ajudou o compromisso de melhorar a renda

e o emprego, o que fez a visão neoliberal ir se esgotando nos primeiros três anos

do governo Lula. (BARBOSA; SOUZA, 2010, p.68-9).

Singer (2012) argumenta que, “ao mesmo tempo” em que o governo Lula da Silva

tomou medidas macroeconômicas do receituário neoliberal, conseguiu avançar em sentido

contrário, com programas de transferência e distribuição de renda. Entre as medidas

tomadas, destacam-se: a criação do Programa Bolsa Família (PBF)39, a criação do crédito

consignado, a valorização real do salário mínimo e o aumento da oferta de trabalho formal

(porém precário) no país. Essas medidas beneficiaram, especialmente, as famílias mais

carentes, sobretudo as das regiões Norte e Nordeste do país, com a ativação do mercado

interno e valorização regional.

O governo Lula da Silva, durante o primeiro ano de mandato, criou o programa Fome

Zero40 para combater a pobreza extrema. Porém, no ano seguinte, diversos programas sociais

de combate à pobreza foram unificados em um único programa: Programa Bolsa Família-

PBF. Inicialmente, o PBF atendeu, aproximadamente, aa 3,6 milhões de famílias; em 2003,

tornou-se o carro-chefe da política social do governo Lula da Silva e, ao final do ano de

2006, atendiaa mais de 11 milhões de domicílios, cobrindo em torno de 19,4% do total de

domicílios brasileiros (ROCHA, 2011). Ao final do segundo mandato de Lula da Silva, cerca

de um quarto da população brasileira recebia as transferências do Programa. Apesar de os

benefícios poderem ser considerados modestos (o valor médio das transferências por família

é de R$ 95/mês), o PBF tornou-se um importante mecanismo de enfrentamento da pobreza

extrema, além de indutor de dinamismo da economia local, principalmente entre os

39 O Programa Bolsa Família (PBF), criado pelo Governo Federal, a partir da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de

2004, é um programa de transferência mensal de renda derivado da unificação de diversos programas sociais

preexistentes. O programa é gerenciado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

e beneficia famílias extremamente pobres (com renda per capita até R$ 60,00 mensais) e pobres (com renda

mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00). O recebimento do benefício é condicionado a contrapartidas nas

áreas de educação e saúde – frequência escolar, vacinação de crianças e acompanhamento pré e pós-natal de

gestantes e nutrizes –, de acordo com a composição familiar. Disponível em:

<http://www.portaldatransparencia.gov.br> 40 Em entrevista ao jornal Brasil247, o economista Marcio Pochmann ressaltou que, originalmente, o Programa

Fome Zero previa o protagonismo de seus próprios beneficiários, isto é, pobres e miseráveis na construção de

políticas de combate à desigualdade social, à pobreza e à fome. Ou seja, o programa não era apenas um

instrumento de transferência de renda, mas um instrumento de luta, de conquista de direitos sociais. O programa

seria um instrumento de emancipação, de auto-organização, uma vez que “quem faria o cadastramento dos

beneficiários não seria a prefeitura, mas seus próprios usuários”. Essa proposta, consequentemente, “provocou

uma reação dos poderes políticos locais”. Segundo Pochmann, não havia como prever se esse modelo seria

viável, “mas o pragmatismo do presidente Lula levou à substituição do Fome Zero pelo Bolsa Família, que

teve ótimos resultados, mas não politizou os miseráveis. Houve uma ascensão social dos miseráveis, mas estes,

em boa medida, acabaram abraçando uma agenda de valores conservadores". (WEISSHEIMER, 2015).

55

municípios mais carentes, ativando o mercado regional, gerando consumo, emprego e renda,

em suma, rompendo o ciclo vicioso da miséria. Conforme relatório do IPEA (2010, p. 15-

20), as transferências do PBF tiveram impacto de “16% da redução da desigualdade de renda

ocorrida entre 1999 e 2009, por 1/3 da queda da extrema pobreza e por outros 16% da queda

da pobreza no mesmo período”41.

A criação do crédito consignado e a política de valorização do salário mínimo foram

outros importantes instrumentos no combate à pobreza e a desigualdade social. O crédito

consignado, criado no final de 2003, fruto do acordo entre o Governo, a Central Única dos

Trabalhadores (CUT) e instituições financeiras, ampliou, consideravelmente, a oferta de

crédito às famílias. Barbosa e Souza (2010, p. 66) ressaltam que, “apesar das altas taxas reais

de juros cobradas no crédito consignado, o crescimento dos salários reais e a grande demanda

reprimida de crédito por parte das famílias brasileiras acabariam resultando em um

crescimento acelerado de tais operações a partir de 2004”.

O salário mínimo, por sua vez, apresentou crescimento real de 3,7%, em 2004, e

7,0%, em 2005. A política de valorização do salário mínimo tanto atuava na recomposição

das perdas ocorridas no período de alta inflação, como fortalecia o poder de barganha dos

trabalhadores no setor de serviços e na economia informal. Além do seu impacto positivo no

mercado de trabalho, “o aumento do salário mínimo também elevou o pagamento de

benefícios previdenciários por parte do governo federal”, refletindo no aumento da renda

disponível da maior parte dos aposentados e pensionistas do INSS (BARBOSA; SOUZA,

2010, p. 64-5).

A conjugação dessas políticas possibilitou não só a redução da pobreza extrema e da

desigualdade de renda, mas também a melhora da base da pirâmide social de forma geral,

fortalecendo o mercado interno de massa, incluindo um alto percentual da população que

estava à margem do mercado de consumo, tanto pela política de distribuição de renda como

pela valorização do salário mínimo e a geração de mais postos de trabalho no mercado

formal. Tudo isso ocorreu dentro da ordem econômica vigente, sem se contrapor aos

interesses do grande capital. A ambiguidade desse programa neoliberal-desenvolvimentista

permitiu “ter posto em prática itens do programa histórico do PT, já que o fortalecimento do

41 Para uma discussão mais aprofundada sobre o Programa Bolsa Família, consultar: Barros (2007); Castro e

Modesto (2010); Campello (2013); Soares et.al. (2006); Soares, Ribas e Soares (2009); Rocha (2011); Bichir

(2010); Medeiros, Britto e Soares (2007).

56

mercado interno de massa correspondia à plataforma petista”, sem gerar conflito com os

interesses do capital financeiro, interno e externo (SINGER, 2012, p. 144).

O amálgama desses modelos tão antagônicos somente fora possível pela confluência

de uma conjuntura internacional favorável com um mercado interno potencial. Após o

primeiro ano de mandato, a economia brasileira apresentou contínuo crescimento, com

avanço de 5,7% e 3,2% no PIB de 2004 e 2005 respectivamente, decorrente do controle

inflacionário e a redução da taxa básica de juros, que estimularam a demanda agregada no

mercado doméstico, juntamente com o ciclo de expansão da economia mundial, com

destaque para o boom das commodities (BARBOSA; SOUZA, 2010, p. 66-7). Em suma, o

ciclo de crescimento da economia mundial possibilitou que “houvesse ganhos no topo

(incremento no valor das exportações e altas margens de lucro em geral) e no pé da pirâmide

social (transferência de renda e aumento dos salários, do crédito e posteriormente do

emprego)” (SINGER, 2012, p.146).

Apesar de a primeira fase da economia política do lulismo encerrar-se com uma

política econômica com viés mais desenvolvimentista, após um forte ajuste neoliberal no

início do mandato, e apesar dos ganhos auferidos pelos programas sociais e a aparente

melhora do quadro econômico, o PT, deliberadamente, escolheu o caminho do liberalismo

econômico, mantendo o país enredado em uma verdadeira “armadilha externa”.

Ao contrário, tratou-se de uma opção deliberada e consciente de manter o Brasil

enredado na mesma armadilha externa em que ele se encontrava. Confrontados

com aquilo que parecia ser uma escolha entre um projeto de nação e um projeto

de poder, os novos mandatários preferiram ficar com o último, optando pelo

caminho que lhes pareceu, desse ponto de vista, o menos arriscado (PAULANI,

2008, p. 54).

Essas medidas adotadas no início do mandato, não eram decorrentes de um ajuste

conjuntural para “salvar o país” de uma possível crise financeira advinda da insolvência

externa e da contínua pressão dos investidores, internos e externos. Era fruto de uma escolha

deliberada de manter o país preso à “armadilha externa”, limitando-o a apenas “plataforma

de valorização financeira internacional”. Essa escolha mais do que representar um projeto

de nação, representava um “projeto de poder”, por parte do PT – que já se estendia ao quarto

mandato seguido na Presidência da República. Sem atuar sobre as contradições sociais,

econômicas e políticas que formavam o Brasil, o PT procurou o caminho menos litigioso,

atendendo aos interesses do capital financeiro, interno e externo, e atuando no campo social

como Estado paternalista, focado em “cuidar dos pobres”, “que não questionava as

57

disparidades regionais e pessoais de renda e riqueza, que não ameaçava sequer arranhar a

iníqua estrutura patrimonial do país, que o mantinha, enfim, submisso aos imperativos da

acumulação financeira que domina a cena mundial do capitalismo desde meados dos anos

1970” (PAULANI, 2008, p. 35-51).

2.2.2. A retomada desenvolvimentista: o segundo período da economia política do

lulismo

O segundo ciclo da economia política do lulismo inicia-se com a ascensão do

economista heterodoxo Guido Mantega ao Ministério da Fazenda, em março de 2006, em

substituição ao então ministro ortodoxo Antônio Palocci, envolvido no caso de corrupção do

mensalão42 (ANDERSON, 2011; BARBOSA; SOUZA, 2010; SINGER, 2011).

O escândalo do mensalão, que envolveu parlamentares e “articuladores” da

presidência, entre eles, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci – “a figura mais poderosa no

governo”, conforme destaca Anderson (2011, p. 27) – aconteceu em maio de 2005 e teve

ampla repercussão midiática. Como ressaltado por Singer (2012), a midiatização do caso

afetou a popularidade de Lula da Silva, especialmente entre a classe média.

Com a eclosão do escândalo do mensalão, o governo de Lula da Silva teria perdido

para a oposição tucana importante parcela de apoiadores conquistados em 2002 entre os

setores médios urbanos. Contudo, camadas pauperizadas do eleitorado brasileiro, que

tradicionalmente apresentavam comportamento “conservador”, passaram a se “alinhar” ao

governo petista, e foram decisivos para sufragar o candidato situacionista em 2006

(SINGER, 2012).

Como já pontuado anteriormente, Braga (2012, p. 26) aponta que, ao inserir-se ao

circuito econômico formal e “satisfazer os desejos de consumo de milhões de trabalhadores

pobres e excluídos por meio das políticas públicas federais, o lulismo contentaria o

subproletariado brasileiro, legitimando a conversão petista à ortodoxia financeira”. Em

outras palavras, por um lado, uma grande parcela da população que estava às margens,

pauperizada, era trazida à esfera econômica e política, numa espécie de inclusão via

42 O “mensalão” foi um pretenso esquema de propinas pagas regularmente a parlamentares federais, com

dinheiro público desviado, para aprovação de projetos de leis propostos pela base governistas, especialmente,

durante o primeiro mandato de Lula da Silva.

58

consumo43; por outro, nenhum tipo de ruptura com a ortodoxia financeira era feita, mantendo

o país, nos termos de Paulani (2008), como “plataforma de valorização financeira” do capital

internacional.

Esse duplo movimento, conservador e progressista, só fora possível com a conjunção

de políticas públicas federais – programas de transferência de renda, salários mínimos mais

elevados e a criação de novas linhas de crédito – que engendraram o crescimento sustentado

do consumo popular e a expansão do mercado interno, com um cenário macroeconômico

externo favorável.

Depois de um período considerado como a pior estagnação do século — um

crescimento médio anual de 1,6% na década de 1990, aproximando-se de não mais

de 2,3% em oito anos de FHC —, o PIB chegou ao patamar de 4,3% de 2004 até

2006. O salto se deveu essencialmente à boa sorte no exterior. Esses foram os anos

em que a demanda chinesa por duas das exportações mais valiosas do Brasil, soja

e minério de ferro, decolaram, em meio a um aumento exorbitante no preço das

commodities. Nos EUA, onde as taxas de juros eram mantidas artificialmente

baixas por parte do FED, para impedir que a bolha financeira nos Estados Unidos

estourasse [...] criou um fluxo de importações de capital barato disponível para o

Brasil [...]. Além disso, com a recuperação, o Estado estava agora recolhendo

receitas maiores. Isso se tornaria um ponto decisivo para outro trunfo do governo

(ANDERSON, 2011,p. 28).

Na gestão do novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, a política econômica

brasileira ganhou contornos mais desenvolvimentistas, com a valorização salarial, a

flexibilização dos gastos públicos e redução da taxa básica de juros, “diminuindo, [porém],

sem eliminar, a dose do componente conservador na fórmula lulista”, como pondera Singer

(2011, p. 147).

A adoção de uma política econômica com viés mais desenvolvimentista possibilitou

a aceleração do crescimento econômico, com a manutenção das políticas sociais e controle

inflacionário, “mesmo diante de uma elevação significativa dos preços internacionais das

commodities agrícolas e minerais em 2008”. (BARBOSA; SOUZA, 2010, p. 74).

43 Essa massa estagnada e pauperizada que se apresentava como uma nova força social, sustentando a reeleição

de Lula da Silva no pleito de 2006 e, novamente, sendo decisiva nas eleições seguintes (2010 e 2014), gerou

um importante debate sobre suas características ontológicas. Oliveira (2010a, 2010b) alertava para o fato de

que o lulismo estaria gerando uma ampla despolitização das classes subalternas, pela forma como algumas

questões histórico-sociais, como a pobreza, eram apresentadas e como suas possíveis soluções eram postas.

Em última instância, as causas da pobreza e da desigualdade social eram [despolitizadas e] reduzidas à

administração governamental da pobreza. Singer (2012), por sua vez, entendia que o lulismo não deixava de

ser desmobilizador, bem como despolitizador. Porém, na gestão petista surgiu uma nova força política, que

poderia constituir-se “um ponto de fuga para a luta de classes”: o subproletariado.

59

A inflação apresentou significativa desaceleração no período. Após um período de

forte alta no início do mandato, quando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)44,

chegou 17,2% (acumulado 12 meses), em maio de 2003, a inflação passou a ceder

paulatinamente, encerrando o mesmo ano em 9,3%45. A valorização das commodities

agrícolas e minerais no mercado internacional, apesar de gerarem pressão sobre a cotação

dos produtos no mercado doméstico, não alterou a trajetória da inflação, que encerrou em

7,6%, em 2004, 5,7%, em 2005, e 3,1%, em 2006.

Para Barbosa e Souza (2010, p. 74-6), a inflexão na dinâmica econômica desse

período decorre, especialmente, de três iniciativas tomadas na execução da política fiscal:

ampliação do investimento público, manutenção do aumento real do salário mínimo, e

reestruturação de carreiras e salários dos servidores públicos46.

A criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em janeiro de 2007,

foi outro eixo de desenvolvimento da economia brasileira. Conforme Barbosa e Souza (2010,

p. 75), “com o PAC, o país recuperou a capacidade de induzir, por meio da iniciativa

governamental, o desenvolvimento de amplo espectro de setores fundamentais para a

modernização da economia”. O programa que previa, inicialmente, investimento total de

cerca de R$ 504 bilhões, entre os anos de 2007 e 2010, divididos entre as áreas de transporte

e logística (R$ 58 bilhões), infraestrutura social (R$ 171 bilhões) e energia (R$ 275 bilhões),

recuperou o papel do “Estado indutor” de investimento, além de apoiar o investimento

privado (SINGER, 2011, p. 149).

44 Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é o indicador utilizado como referencial de meta

para a inflação. O país passou a adotar o regime de metas para a inflação como diretriz de política monetária,

a partir do Decreto nº 3.088 assinado pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em junho de

1999. A definição do índice de preços de referência e das metas para a inflação foi determinado pela Resolução

nº 2.615 do Conselho Monetário Nacional (CMN), em 30 de junho de 1999. 45 A forte pressão inflacionária, no início do mandato, decorreu da turbulência gerada no mercado cambial pelo

processo eleitoral de 2002, quando o preço em reais da moeda norte-americana chegou próximo a R$ 4,00.

Como há defasagem no repasse dos preços, o aumento na taxa de câmbio passou a ser incorporado nos índices

de preço a partir do último bimestre de 2002, com reflexos, diretos e indiretos, ainda no primeiro semestre de

2003. Por isso, “a absorção total do choque provocado pela elevação súbita do câmbio, mesmo com sua redução

posterior (ele fechou o ano na faixa dos R$ 3,50), demoraria alguns meses, visto que a assincronia existente no

processo de reajuste dos preços tornaria impossível que todo ele fosse absorvido de uma só vez. Portanto, fosse

qual fosse condução da política monetária, pelo menos quatro ou cinco meses de índice elevado existiram como

mera consequência da elevação do preço do dólar entre junho e setembro de 2002” (PAULANI, 2008, p. 26). 46 Com a relação à reestruturação de carreiras e salários dos servidores públicos, Barbosa e Souza (2010, p. 79)

destacam que “a partir de 2006, diante da necessidade de aperfeiçoar as funções do Estado e da própria

demanda reprimida por aumentos salariais por parte dos servidores públicos, o governo iniciou um processo

de reestruturação de sua folha de pagamento. A iniciativa se traduziu em três ações: aumentos salariais para

carreiras típicas de Estado [...]; ampliação de contratações por concurso público [...]; e substituição de

funcionários terceirizados por servidores públicos em atividades tipicamente do Estado.

60

Essa política econômica mais desenvolvimentista favoreceu tanto o crescimento e o

desenvolvimento interno como contribuiu com a diminuição das disparidades com os

competidores externos, uma vez que atendia, primordialmente, os setores com maiores

gargalos da economia. Com isso, o PAC possuía dupla função econômica: além de induzir

o crescimento econômico, via investimento público, atuava nos pontos mais críticos de

logística e infraestrutura, buscando favorecer a produção doméstica, a partir da redução dos

custos diretos e indiretos.

Além dos investimentos em infraestrutura, transporte e logística, o PAC incluía

diversas medidas de desonerações tributárias para incentivar o investimento privado,

principalmente na produção de microcomputadores, de insumos e serviços usados em obras

de infraestrutura, e de perfis de aço, equipamentos aplicados à TV digital e semicondutores.

Apenas para o ano de 2007, as medidas de desoneração tributária representaram uma

renúncia fiscal de R$6,6 bilhões, conforme informações do Ministério do Planejamento47.

A partir da criação do PAC, o PIB do país apresentou crescimento de 6,0%, em 2007,

5,0%, em 2008, e 7,6%, em 2010. Até mesmo em 2009, ápice da crise financeira

internacional, a política anticíclica, juntamente com a manutenção do investimento público,

impediu que o PIB apresentasse retração ainda maior, recuando apenas 0,2%. A participação

da formação bruta de capital fixo no produto da economia (FBKF/PIB)48 também repercutiu

positivamente, interrompendo o ciclo de queda. Entre 2006 e 2010, a FBKF/PIB avançou de

16,4% para 19,5%, respectivamente, alcançando o maior patamar desde 1994, quando

apresentou taxa de 20,75%. Apenas no ano de 2009, motivado pelo recrudescimento da crise

financeira internacional e seus efeitos deletérios sobre o mercado doméstico, o quociente de

investimentos da economia apresentou diminuição, encerrando em 18,1%, ante 19,1% do

ano anterior. Apesar dessa retomada da formação bruta de capital fixo, especialmente nesse

ciclo da política econômica do lulismo, quando comparado com décadas anteriores, quando

alcançou cifras de ordem de 25%, em meados da década de 1970, a razão encontra-se num

patamar muito baixo (PAULANI, 2008, p. 73).

O PAC, longe de demonstrar uma suposta virada da segunda gestão demonstrou,

ao contrário, a permanência dessa concepção estreita. Em outras palavras, o

47 Informações disponíveis em:< http://www.pac.gov.br/>. Acessado em 10/10/2015. 48 A formação bruta de capital fixo (FBKF) corresponde ao valor total dos investimentos brutos (sem deduzir

o uso devido à depreciação e a obsolescência) em capital fixo – isto é, máquinas e equipamentos, estruturas e

edificações, rebanhos e culturas permanentes – realizados por empresas estatais ou privadas. Já o quociente de

investimento da economia é o produto entre Formação Bruta de Capital Fixo e Produto Interno Bruto:

FBKF/PIB.

61

governo garante a ‘estabilidade macroeconômica’, com a autonomia [operacional]

do Banco Central, ataca alguns gargalos de infraestrutura e energia, incentiva o

setor privado a investir e... conta com a sorte para que a situação externa não

prejudique os planos” (PAULANI, 2008, p. 142).

O ciclo de expansão econômica, observado nesse período, não decorreu apenas do

aumento da formação bruta de capital fixo, especialmente através do PAC, mas da conjunção

desses fatores com o exacerbamento do ciclo de liquidez e crescimento experimentado pela

economia mundial e o fortalecimento do mercado doméstico, a partir da abertura de novos

postos de trabalho, do aumento do salário mínimo e a sustentação das políticas sociais de

transferência de renda, gerando um crescimento endógeno da economia doméstica.

Consequentemente, o mercado de trabalho também apresentou expressivo

crescimento no período. Fazendo uma análise longitudinal com dados publicado pelo IBGE,

Pochmann (2014) mostra a substancial alteração na dinâmica do mercado de trabalho a partir

da década de 2000.

Nos anos de 1980, por exemplo, o acréscimo anual de novos desempregados no

Brasil foi de 134 mil pessoas, enquanto na década de 1990 o aumento foi de 910

mil pessoas desempregadas por ano, em média. Isso porque o país passou de

menos de 3 milhões de desempregados em 1991 para 11,2 milhões em 2000, ou

seja 3,7 vezes mais. Desde o ano de 2001, entretanto, a trajetória do desemprego

se apresentou de maneira diferente. Na década de 2000, o número de

desempregados decaiu em 35,9%, o que significou a saída média anual de 402 mil

trabalhadores da condição do desemprego nacional. Em grande medida, a queda

na taxa de desemprego tem que ver com a significativa geração de emprego no

período recente (POCHMANN, 2014, p. 95).

Os dados publicados pelo IBGE, através da Pesquisa Mensal de Emprego (PME),

mostram a taxa de desemprego na década lulista recuou de média de 12,4%, em 2003, para,

9,3%, em 2007, e 7,9%, em 2008. O salário mínimo, por sua vez, apresentou incremento real

de 24,7% no período entre 2006 e 2008, contra 11,7% no período entre 2003 e 2005. Apenas

no ano de 2006, o salário mínimo teve aumento real de 14,1%. Conforme Barbosa e Souza

(2010, p. 75), “esse aumento, muito criticado na época por seus pretensos efeitos

inflacionários, ajudou decisivamente a estimular o mercado doméstico e a consolidar o

modelo de desenvolvimento com distribuição de renda”. Ademais, o salário mínimo, além

de estabelecer o piso de remuneração do mercado formal de trabalho, é um parâmetro para

a remuneração do mercado informal e determina boa parte dos benefícios pagos pela

Previdência Social (SINGER, 2012; SICSU, 2010).

62

Diante disso, Singer (2012, p. 148) enxerga a política de valorização do salário

mínimo como, isoladamente, “a decisão mais importante da segunda fase [da política

econômica do lulismo], da mesma maneira que a criação do BF [Programa Bolsa Família]

foi da primeira”.

A política de valorização do salário mínimo, acompanhado pela expansão do crédito

e a diminuição do preço relativo de artigos populares, por meio de desonerações fiscais,

aumentou o poder de compra das famílias, até mesmo contribuindo com alterações nas cestas

de produtos demandados. Essa política “direcionou parte da atividade econômica para os

pobres”, gerando um ciclo virtuoso na economia, onde “as empresas voltadas para dentro

incrementaram o investimento para aproveitar as oportunidades, gerando postos de trabalho,

os quais por sua vez realimentaram o consumo”. Esse ciclo virtuoso gerou condições de,

“finalmente, tocar na contradição fundamental: a massa miserável que o capitalismo

brasileiro mantinha estagnada começava a ser absorvida pelo círculo econômico formal”

(SINGER, 2012, p.150-1).

Diferentes autores, de diferentes correntes de pensamentos – algumas até mesmo

antagônicas –, se propuseram a dar uma interpretação para esse novo contingente da PEA

(população economicamente ativa) que passou a ser incorporado pelo ciclo econômico

formal. Uma corrente, encabeçada por Neri (2011; 2012a; 2012b), vislumbrava a conjunção

de fatores – como crescimento do mercado formal de trabalho, aumento da renda real da

população e ampliação da oferta de crédito como o “lado brilhante” – responsável pelo

rearranjo na pirâmide social e na estrutura de classes sociais brasileira, resultando no

surgimento de uma “nova classe média” mais dilatada, que abarcava uma ampla parcela da

população brasileira.

Essa visão foi contestada por diversos autores, entre eles Pochmann (2012a; 2012b;

2014), que argumenta que a visão de que o país está passando por um processo de

“medianização” das classes sociais não passa de um “mito”: o “mito da grande classe média

assalariada”. Ao invés de apresentar dilatação da classe média assalariada, o país observou

uma redução da extrema pobreza e da desigualdade social, a partir dos programas de

transferências de renda, do aumento real do salário mínimo e da incorporação ao mercado

formal de trabalho uma significativa parcela da classe trabalhadora que se mantinha à

margem do consumo.

A recuperação da economia nacional desde 2004, com [...] a influência de

importantes políticas públicas, com a elevação real do salário mínimo, o Bolsa

63

Família, o crédito ao consumo urbano e à agricultura familiar, as compras

públicas, impactou diretamente a estrutura social. Ao mesmo tempo, a volta da

mobilidade social, sobretudo na base da pirâmide social, foi motivada pela queda

significativa na quantidade de miseráveis e pela ampliação do emprego formal,

ainda de menor rendimento.

A melhora na renda impactou o consumo de grande parte da população de baixa

renda, contribuindo para a redução da pobreza e da desigualdade de renda no

Brasil (POCHMANN, 2014, p. 43).

Esse contingente que passou a ser incorporado pelo circuito econômico, demandando

bens de consumo duráveis e não duráveis, não significava necessariamente que houvera uma

alteração de classes sociais.

Tal como observado nos países de capitalismo avançado no segundo pós-guerra,

parcela importante da classe trabalhadora foi incorporada no consumo de bens

duráveis, como televisão, fogão, geladeira, aparelho de som, computador, entre

outros. Esse importante movimento social não se converteu, contudo, na

constituição de uma nova classe social, tampouco permite que se enquadrem os

novos consumidores no segmento de classe média. Trata-se, fundamentalmente,

da recomposição da classe trabalhadora em novas bases de consumo

(POCHMANN, 2014, p. 71).

Essa expressiva ampliação do mercado de trabalho se deu, especialmente, no setor

de serviços, em atividades terceirizadas e de baixa remuneração, dando origem a uma nova

fração de classe, o proletário precarizado ou subproletariado49.

Apesar de apresentar, em linhas gerais, o panorama sob o qual se desenrola a

discussão em torno do mercado de trabalho – especialmente, sob qual tipo de trabalho estava

sendo gerado e a [possível] “medianização” social do país –, cabe-nos apontar que este

incremento que o mercado doméstico teve com a incorporação de uma parcela significativa

da força de trabalho que, historicamente, se mantiveram à margem do consumo, possibilitou

a sustentação da demanda agregada do país no período de maior turbulência da economia

mundial, durante a crise financeira global, que eclodiu ainda em 2008.

Igualmente à primeira fase, este ciclo da política econômica do lulismo manteve-se

sob o signo da contradição, pois, na visão de Barbosa (2010, p. 21), ficou caracterizado por

49 Há um amplo debate sobre a definição proletariado precarizado, com diversas definições: subproletário,

precariado, novo proletariado, proletaróide etc. Braga (2012, p. 18) define o proletário precarizado como

“precariado” – proletariado precarizado é formado por aquilo que, excluídos tanto o proletariado quanto a

população pauperizada, Marx chamou de ‘superpopulação relativa’”. A definição proposta por Braga está

direcionada, principalmente, ao grupo de trabalhadores, em geral jovens, que conseguiram emprego com

carteira assinada na década lulista (2003-2013), mas que padecem com baixa remuneração, alta rotatividade e

más condições de trabalho. Singer (2013) denomina este mesmo grupo como “novo proletariado”. Ao longo

desta investigação, utilizaremos a terminologia convencionalmente usada: proletário precarizado. Para mais

detalhes, consultar Marx (2013); Braga (2012); Castel, (1998).

64

um duplo movimento: enquanto, de um lado, “manteve o arranjo institucional iniciado pelo

governo anterior”, com a manutenção do tripé da política macroeconômica; de outro lado,

“mudou substancialmente o direcionamento da política macroeconômica, dando mais

importância ao combate à pobreza, à redução da desigualdade na distribuição de renda, e ao

crescimento do emprego e dos salários nas decisões governo”. Em outros termos, mesmo

apresentando uma política econômica com viés mais desenvolvimentista, o governo Lula da

Silva não fez nenhum tipo de ruptura com o chamado tripé da política macroeconômica

brasileira que, desde 1999, combinava um regime de metas de inflação, taxa de câmbio

flutuante e metas de superávit fiscal primário.

O governo Lula, segundo Paulani (2008), nunca deixou de exercer uma política

neoliberal, apesar do aparente salto desenvolvimentista. Isto porque, o ciclo de expansão da

economia mundial, juntamente com o “exacerbamento de liquidez no mercado

internacional”, corroboraram a melhora nos termos de troca dos produtos brasileiros,

gerando acúmulo de superávits na balança comercial, além do ingresso de investimentos

estrangeiros diretos, culminando em sucessivos superávits no balanço de pagamentos. Esse

processo, na visão da autora, não deixa de ser uma forma de “contar com a sorte”, pois, se

os ventos virassem e ao invés de entrada de capitais ocorresse sua fuga; e ao invés de

valorização das commodities, ocorresse forte desvalorização, a política econômica não teria

dado esse salto desenvolvimentista, mas aprofundado no receituário neoliberal – com corte

nos gastos e investimentos públicos, aumento na taxa de juros e redução da liquidez no

mercado doméstico. Em suma, executaria uma política econômica fortemente restritiva até

que “o mercado se ajustasse” – como tem ocorrido especialmente na primeira metade do

segundo mandato de Dilma Rousseff.

Barbosa e Souza (2010, p. 79) apontam que, mesmo em seu período mais

desenvolvimentista, com a retomada do Estado como indutor de investimento e as

desonerações fiscais efetivadas para estimular a produção doméstica, não deixou de manter

a rigidez na política fiscal50.

Para fechar o quadro do segundo ciclo, é necessário acrescentar que a concretização

dessa política econômica somente fora possível com a aproximação entre Ministério da

Fazenda e Banco Central. No entanto, apesar de o Banco Central adotar uma postura “mais

50 “Considerando todas as iniciativas fiscais [...], o resultado primário do governo central caiu de uma média

de 2,5%, em 2003-2005, para 2,3% do PIB, em 2006-2008”, porém, quando comparado com o último

mandato de FHC “Lula manteve um superávit primário mais elevado [...] quando o governo central teve

superávit primário médio de 1,9% do PIB” (BARBOSA; SOUZA, 2010, p. 79)

65

cautelosa na condução da política monetária”, flexibilizando seus interesses e convergindo

com o Ministério da Fazenda, manteve sua total autonomia operacional. Esse maior

alinhamento da autoridade monetária com os interesses do Ministério da Fazenda corroborou

a redução da taxa básica de juros de forma mais consistente nesse período, passando de

19,75%, em agosto de 2005, para 11,25%, em setembro de 2008 (BARBOSA; SOUZA,

2010, p. 84).

2.2.3. Um modelo Keynesiano: terceiro período da economia política do lulismo

A terceira fase inicia-se logo após a quebra do banco de investimentos Lehman

Brothers, em setembro de 2008. A quebra do banco marca o início do período mais agudo

da crise financeira internacional – a crise do subprime.

Com a instabilidade na economia global e o excesso de ativos tóxicos51 nos mercados

internacionais, ocorreu uma fuga generalizada de ativos financeiros de curto prazo aplicados

(capital especulativo), principalmente em países emergentes, para ativos de menor risco,

como os títulos do tesouro norte-americano. Logo, o impacto imediato da crise foi uma

rápida e forte contração na oferta de crédito, tanto no mercado externo como também no

mercado doméstico brasileiro.

Se, de um lado, a crise internacional apresentou forte retração na oferta de crédito,

afetando a corrente de comércio internacional, que refletiu na queda das cotações das

commodities no mercado externo, prejudicando as exportações brasileiras; de outro, a fuga

de capitais, juntamente com o quadro exportador desfavorável, culminou na forte alta na

51 “Este termo tornou-se familiar com a crise financeira, aplicando-se não só à titularização dos créditos

hipotecários, que permitiu aos bancos venderem os empréstimos concedidos por si como títulos transacionáveis

(como os MBS – mortgage backed securities), mas também aos produtos financeiros que a partir deles foram

criados. [...] Embora estes ativos se apresentassem como muito arriscados, os ganhos que proporcionavam

tornavam-nos irresistíveis, quer para as sociedades financeiras, quer para os gestores, que recebiam comissões

em função dos seus desempenhos de curto prazo. Quando o setor imobiliário colapsou, tornou-se claro que

esses ativos estavam sobrevalorizados. Mas os bancos e outras instituições financeiras resistiram à sua venda

numa vã tentativa de evitar fortes desvalorizações. O sistema financeiro ficou, assim, entulhado de ativos que

nada valiam. Em setembro de 2008, o Banco Lehman Brothers, um dos principais vendedores de títulos

hipotecários, faliu. Vários bancos e instituições financeiras foram, posteriormente, nacionalizados para evitar

o colapso do sistema financeiro norte-americano. O mesmo receio levou a semelhantes intervenções em outros

países. Os ativos tóxicos explicam a transmissão da crise do imobiliário norte-americano ao sistema financeiro

mundial. Atingindo, inicialmente, os bancos que tinham promovido o crédito hipotecário de alto risco nos

EUA, a crise do imobiliário acabou por se propagar às sociedades financeiras que tinham assumido o risco

deste crédito através da compra dos títulos, levando depois atrás todas aquelas que detinham as suas ações”.

(SANTOS, s/d).

66

taxa de câmbio Real/Dólar. A confluência desses fatores promoveu a redução dos índices de

confiança dos empresários e consumidores que, consequentemente, resultou na queda dos

investimentos e do consumo, respectivamente.

Diante desse cenário de aprofundamento da crise financeira internacional, a opção

de “deixar que o mercado se auto ajustasse” e “retornasse naturalmente ao seu ponto de

equilíbrio” poderia resultar numa prolongada recessão, como observada em outros casos da

história econômica global, como a crise de 1929. Ao invés de deixar a cargo do mercado as

medidas de contenção da crise, o governo brasileiro adotou diversas medidas anticíclicas

(keynesianas) para conter seus efeitos deletérios sobre o mercado doméstico.

Barbosa e Souza (2010, p. 85-6) dividem as ações do governo em três grupos: o

primeiro corresponde às ações e programas adotados antes da crise, que ajudaram a

economia durante o período de turbulência e foram mantidas mesmo após o arrefecimento

de seu período mais agudo; o segundo diz respeito às medidas emergenciais de curto prazo

empregadas durante a crise – medidas anticíclicas; por fim, um conjunto de novas ações

estruturais do governo, adotadas durante a crise que se mantiveram.

O primeiro conjunto de ações – programas e ações adotadas antes da crise, já

apresentados no transcorrer desta parte da dissertação – evitou uma queda maior no nível de

atividade da economia. Isto porque o crescimento, no mercado de trabalho formal, nos anos

que antecederam a crise, juntamente com os sucessivos aumentos reais dos salários e a rede

de proteção social deram sustentação à demanda doméstica, especialmente no que tange ao

consumo de bens não duráveis. Ademais, a manutenção dos investimentos públicos, com o

PAC, e a promessa de ampliação, com o PAC II, atuaram como contrapeso à crise na

formação das expectativas econômicas do empresariado.

Essas medidas, porém, não evitaram a queda na produção industrial, tampouco dos

investimentos do setor privado; contudo, dada a dimensão da crise e a experiência brasileira,

a queda apresentada foi bem menor do que em outras ocasiões, como também em outras

nações. Nas palavras de Lula da Silva, a crise internacional seria como “uma marola” que o

país estava enfrentando, frente a tsunamis sofridos pelo país quando ocorrera outras crises,

tais como: a crise do México, em 1994/1995, a crise dos tigres asiáticos, em 1997, e a crise

da Rússia, em 1998.

Com relação às medidas emergenciais adotadas durante a crise, destaca-se a rápida

resposta dada pelo governo à redução das fontes de financiamento externas e internas. No

que se refere ao enxugamento de liquidez no mercado externo, o Banco Central manteve as

67

linhas de financiamento de curto prazo para os exportadores. Já com relação ao mercado

doméstico, os bancos públicos foram fundamentais à manutenção dos canais de

financiamento no mercado doméstico, tanto para as empresas, como também para as

famílias. Como pontuado por Mercadante (2010, p. 124), “os bancos públicos ampliaram a

oferta de crédito, adicionaram-se 100 bilhões de reais aos recursos do BNDES destinados ao

financiamento de investimentos, e liberou uma parcela de 99 bilhões de reais do depósito

compulsório dos bancos para reforçar a liquidez do sistema bancário”.

Os bancos públicos não apenas mantiveram as linhas de financiamento, como foram

o meio pelo qual algumas das medidas anticíclicas mais importantes adotadas pelo governo,

como o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e o crédito massificado ao consumo

de bens duráveis, fossem implementadas. Também, juntamente com o aumento da oferta de

crédito por parte dos bancos públicos, medidas de desoneração fiscal para estimular a

demanda doméstica foram postas em prática52. Esses estímulos fiscais estavam voltados a

cadeias específicas de produtos, especialmente àquelas que possuíam maior efeito

multiplicador sobre a economia e que eram intensivos em mão de obra, além de desonerações

para aquisição de bens de capital. Mercadante (2010, p. 124-5) apresenta de forma resumida

esse conjunto de medidas:

Reduziu-se a carga fiscal sobre a produção de automóveis e motos, geladeiras,

máquinas de lavar, fogões e tanquinhos e sobre insumos e matérias para a

construção civil. [...] Novas medidas ainda foram tomadas pelo governo no curso

de 2009, como a extensão até o fim do ano dos estímulos fiscais aos setores

automotivo, linha branca, construção civil; omo a redução do Imposto sobre

Produtos Industrializados para 70 itens de bens de capital, alguns com alíquota

zerada. Houve também várias medidas de desoneração financeira, entre elas a

redução em 0,25% da taxa de juros de longo prazo, caindo para 6% [...]; a redução

da taxa de juros para o tomador de empréstimo no BNDES para aquisição e

produção de bens de capital e para inovação; diminuição da taxa de juros para

4,5% nos empréstimos para aquisição de caminhões; a criação de dois fundos

garantidores para facilitar o acesso ao crédito e reduzir seu custo e o risco das

operações para micro, pequenas e médias empresas, para aquisição de bens de

capital e caminhões; ampliação em 33 bilhões de reais dos recursos do Banco do

Brasil e da Caixa Econômica Federal para o financiamento das micro, pequenas e

médias empresas, com um custo 30% menor para capital de giro e investimento.

52 Cabe salientar que esse conjunto de medidas de desoneração fiscal aliado à facilitação do crédito e a uma

demanda reprimida, sobretudo das famílias de menor renda, resultou no aumento do endividamento para

aquisição de bens de consumo.

68

Para Singer (2012), esse maior controle do Estado, no direcionamento da economia,

assemelhou-se ao período do milagre econômico de 1967 e 1976 e foi o que possibilitou a

rápida retomada da economia brasileira em 2010.

Em função do estímulo ao mercado interno e o uso intensivo dos bancos públicos,

o Estado obteve um comando sobre a economia que lembrava o milagre de 1967

e 1976. Desde essa posição, pode induzir a rápida retomada de 2010, após o recuou

de 2009. O setor privado foi puxado pelas desonerações fiscais e financiamentos

estatais como o do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que poderia ser

tomado como símbolo da terceira fase, da mesma maneira que o Bolsa Família foi

o da primeira e o aumento do salário mínimo o da segunda (SINGER, 2012, pp.

152-3).

As medidas estruturais adotadas durante a crise, na análise de Barbosa e Souza (2010,

p. 93), foram: revisão nas alíquotas do Imposto de Renda sobre a Pessoa Física, a mudança

no patamar da taxa real de juros da economia e o lançamento de um programa habitacional

direcionado aos mais pobres e à classe média baixa, o Programa Minha Casa Minha Vida

(MCMV). A primeira medida beneficiou, especialmente, as famílias com renda

intermediária e baixa, ampliando seu potencial de consumo com a “injeção de 0,2% do PIB

na renda disponível das famílias ao longo de 2009”. Já a segunda medida, “mudança no

patamar da taxa real de juros da economia”, apesar de ser apresentada como estrutural, o

direcionamento da política macroeconômica brasileira mostrou que ela fora apenas

conjuntural, motivada pelo quadro externo recessivo e pela queda nos indicadores de

inflação. Apesar de a taxa real de juros na economia brasileira apresentar expressiva queda

nesse ciclo da economia lulista, quando comparado com outros países, a taxa real de juros

brasileira ainda se mantinha como uma das mais elevadas do mundo.

A terceira medida, a criação do MCMV, na visão de Singer (2012, p. 153), foi a de

maior impacto no terceiro período da política econômica lulista, “da mesma maneira que o

Bolsa Família foi o da primeira e o aumento do salário mínimo o da segunda”. O Programa,

desenhado por empresários do setor de construção civil e do mercado imobiliário em parceira

com o governo federal, deu origem a um boom imobiliário de enormes proporções nas

grandes cidades. No que se refere ao mercado de trabalho, a criação do Programa ajudou não

apenas a conter o desemprego, mas graças a essa política voltada a um setor intensivo em

mão de obra, foram criados 1,3 milhão de novos postos de trabalho em 2009 e cerca de 2,5

milhões no ano seguinte.

Apesar do aparente virtuosismo que o setor de construção civil e o mercado

imobiliário passaram a ter após a criação do MCMV, devemos ressaltar a crítica feita por

69

Maricato (2013) em relação ao seu caráter ambíguo. O MCMV surgiu como um programa

anticíclico de governo que visava ao interesse social, ao solucionar uma questão histórica, o

déficit habitacional, sem a necessidade de uma “revolução” ou uma reforma estrutural mais

aprofundada, atendendo, concomitantemente, aos interesses do capital rentista e imobiliário.

Como num estado [quase] messiânico, em que “o lobo e o cordeiro comerão juntos,

e o leão comerá feno, como o boi”53, o MCMV foi apresentado como a solução, na qual

todos os interesses seriam atendidos em sua plenitude, sem que houvesse qualquer tipo de

preterimento e/ou contraposição entre as partes envolvidas: o setor de construção civil e o

imobiliário cresceriam; haveria geração de emprego; o governo ampliaria a arrecadação de

impostos e tributos; e, principalmente, o déficit habitacional seria superado. Em suma, a

economia como um todo cresceria, uma dívida histórica seria quitada, e todos ganhariam.

Na aparência, o lobo e a ovelha apascentavam juntos, numa fórmula mágica na qual

o país apresentava números recordes na abertura de postos de trabalho (como, por exemplo,

em 2010), recuando a taxa de desemprego até o nível de quase “pleno emprego”54; o mercado

imobiliário crescia, e; a “nova classe média” conquistava o sonho da casa própria55. Porém,

na essência o leão nunca deixou de ser carnívoro e cada vez mais o pasto minguava para o

boi, pois o programa atendeu muito mais aos interesses dos setores rentista e imobiliário, do

que as famílias precarizadas pelo déficit habitacional. Até mesmo os movimentos sociais

ligados à questão da moradia e habitação acabavam, de certa forma, se acomodando aos

53 Is. 65:25, NVI. 54 Apesar de a grande mídia apresentar a situação do mercado de trabalho como pleno emprego, devemos

salientar que: “as conceituações teóricas sobre o pleno emprego implicam, no caso da oferta de mão de obra,

o desenvolvimento das potencialidades da população ativa e, do lado da procura de trabalhadores, a capacidade

de criação de emprego em números e nas qualificações suficientes e em condições adequadas à oferta, sem

comprometer, contudo, a produtividade do trabalho” (KON, 2012, p. 20). Diante desse esclarecimento teórico,

Kon (2012, p. 20), ao analisar a situação estrutural e os dados conjunturais, afirma que o Brasil “apresenta

características específicas da estruturação do mercado de trabalho, marcadas por um mercado informal grande,

subocupação, baixos salários e rendimentos médios baixos que não condizem com uma situação de pleno

emprego”. Para mais detalhes, consultar: Kon (2012); Lameiras; Mattos e Calixtre (2012); Saraiva (2012);

Daniel (2011). 55 A “grande economia do momento”, assim se referiam ao Brasil a grande mídia nacional e internacional diante

desse quadro, visto que, numa comparação com outros países, o Brasil era um dos poucos que apresentava um

cenário aparentemente animador – apesar de este não condizer com a realidade concreta. Todo esse entusiasmo

fez com que a revista britânica [neoliberal] The Economist, na edição de novembro de 2009, estampasse em

sua capa a imagem do Cristo Redentor – um dos símbolos país – decolando como um foguete, com a seguinte

chamada: “Brazil takes off” (O Brasil decolou). A capa fazia analogia a um crescimento “astronômico” do país,

rotulando-o como “a maior história de sucesso da América Latina”. No entanto, este entusiasmado

“diagnóstico” não condizia com a realidade que se apresentava nas ruas das principais cidades brasileiras quatro

anos depois. Na edição de setembro de 2013, três meses após o início dos protestos, a revista publica em sua

capa o mesmo Cristo, mas agora caindo, em rota de colisão com o Corcovado, e a pergunta: “Has Brazil blown

it?” (Será que o Brasil estragou tudo?).

70

espaços ganhos dentro da institucionalidade, impedindo, por sua vez, qualquer possibilidade

de uma reforma urbana.

Esse messianismo que, em sua aparência, se apresentava como redentor; que

combatia a miséria; que gerava emprego; que atuava contra o histórico déficit habitacional;

e que reduzia a desigualdade social, na realidade, não deixava de ser, em sua essência, a

própria antítese: numa espécie de messianismo às avessas. Ao invés de libertar o povo

oprimido, através de uma revolução política, como insistia Fernandes, reduzia suas

demandas à esfera da “pequena política”, como apontou Coutinho (2010) e executava, em

sua essência, um programa que se pode chamar de filisteu, no qual os maiores beneficiários

foram o grande capital imobiliário e financeiro.

Nesse sentido, a partir da discussão em torno das provocações de Oliveira (2010a),

podemos entender que, no âmago da problemática que envolve as manifestações de junho

de 2013, está esse fator ambíguo, no qual algumas “melhoras” das classes mais

desfavorecidas culminaram no seu mais completo enfraquecimento político, econômico e

social, enquanto apenas amplificavam o poder das classes dominantes (OLIVEIRA, 2010a).

Por isso, acreditamos que as manifestações de junho de 2013 não são apenas uma

luta contra o reajuste no preço das tarifas do transporte público, tampouco, limita-se a uma

luta por transporte público gratuito – estas demandas não devem ter seu valor minorado; são

de suma importância e sem elas não teria se desencadeado todo o processo. Na verdade,

entendemos que elas foram o estopim de uma situação latente que havia chegado a seu ponto

de transbordamento –, mas é o rasgar do véu da cidadania por consumo que ocultava as

contradições histórico-sociais que dão forma ao Brasil contemporâneo.

O coração da agenda da reforma urbana, a reforma fundiária/imobiliária foi

esquecido. Os movimentos sociais ligados à causa se acomodaram no espaço

institucional onde muitas das lideranças foram alocadas. Sem tradição de controle

sobre o uso do solo, as prefeituras viram a multiplicação de torres e veículos

privados como progresso e desenvolvimento. Uma certa classe média viu suas

possibilidades de galgar à casa própria aumentarem, especialmente graças às

medidas de financiamento estendido e institucionalização do seguro incluído no

Minha Casa Minha Vida.

Com exceção da oferta de emprego na indústria da construção, para a maioria

sobrou o pior dos mundos. Em São Paulo o preço dos imóveis sofreu aumento de

153% entre 2009 e 2012. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 184%. A terra

urbana permaneceu refém dos interesses do capital imobiliário e, para tanto, as leis

foram flexibilizadas ou modificadas, diante de urbanistas perplexos. A disputa por

terras entre o capital imobiliário e a força de trabalho na semiperiferia levou a

fronteira da expansão urbana para ainda mais longe: os pobres foram expulsos para

a periferia da periferia [...] os despojos violentos foram retomados, mesmo contra

qualquer leitura da nova legislação conquistada por um judiciário extremamente

conservador. Favelas bem localizadas na malha urbana sofrem incêndios, sobre os

71

quais pesam suspeitas alimentadas por evidências constrangedoras (MARICATO,

2013, p. 23-4).

É impossível dissociar as principais razões, objetivas e subjetivas desses protestos,

das contradições existentes dentro do espaço urbano, entre os interesses do capital e da

população. Essas contradições tornam-se ainda mais gritantes no atual contexto em que as

leis são flexibilizadas ou modificadas para atender aos interesses do capital imobiliário56, e

a luta entre este e a “força de trabalho na semiperiferia levou a fronteira da expansão urbana

para ainda mais longe: os pobres foram expulsos para a periferia da periferia” (MARICATO,

2013, p. 24).

A contínua necessidade que o capital possui de “transformar”, por intermédio de uma

“destruição criativa”, a paisagem urbana para absorver os seus excedentes, tem gerado um

violento e sombrio processo de gentrificação e segregação nas principais metrópoles

mundiais (HARVEY, 2014). O exemplo dado por Harvey (2014) em relação a Mumbai,

maior e mais importante cidade da Índia e um dos principais centros financeiros dos países

emergentes, elucida esse processo que se estende por todo o mundo globalizado, desde Nova

Iorque a São Paulo:

Com a tentativa de transformar Mumbai em um centro financeiro global capaz de

rivalizar com Xangai, o boom imobiliário entra em processo de frenética

aceleração, e a terra ocupada pelos favelados torna-se cada vez mais valiosa. O

valor das terras ocupadas por Dharavi, uma das favelas mais conhecidas de

Mumbai, chega a 2 bilhões de dólares, e as pressões para destruir suas moradias

(por razões ambientais e sociais que apenas mascaram a avidez pela posse da terra)

aumenta dia após dia. Respaldados pelo Estado, os poderes financeiros pressionam

pela remoção dos moradores pela força, e muitas vezes tomam posse

violentamente de um terreno ocupado há gerações pelas famílias que ali vivem. O

acúmulo do capital imobiliário por meio da atividade imobiliária explode, tendo

em vista que a terra é comprada por preços irrisórios. As pessoas forçadas a

abandonar suas moradias recebem alguma compensação? Alguns felizardos

conseguem alguns trocados. Contudo, embora a constituição indiana determine

que o Estado é obrigado a proteger a vida e o bem-estar de toda a população,

independentemente das questões de castas e classe, e a assegurar seu direito à

subsistência e moradia, O Supremo Tribunal da Índia promulgou leis que

reescrevem essa exigência constitucional. Tendo em vista que os favelados são

moradores ilegais, e muitos não conseguem demonstrar, de fato, sua permanência

há muito tempo na terra em que vivem, eles não têm direito a nenhuma

indenização. [...] Portanto, os favelados têm duas opções: ou resistir e lutar, mudar

com seus poucos pertences e construir barracos nas imediações das autoestradas

ou onde quer que encontrem algum minúsculo espaço (HARVEY, 2014, p. 53-4).

56 Ver Fernandes, A. (2013).

72

Apesar da dinâmica do capital que continuamente busca novos mercados para

absorver seus excedentes e, como suspeitou Ramos (2014), no aspecto urbano, apresenta um

estreito vínculo entre “violência e burrice urbana”, não deixa de ser uma forma de

acumulação primitiva (MARX, 2013) ou acumulação por despossessão, nos termos de

Harvey (2013), como veremos mais adiante no Capítulo III.

2.3. Política econômica do governo Dilma Rousseff

De modo análogo a uma corrida de revezamento, na qual os atletas da mesma equipe

correm por um espaço de tempo juntos e em sincronia até a passagem definitiva do bastão,

o primeiro ano do mandato de Dilma Rousseff (2011-2014), sobretudo durante o primeiro

semestre, se deu com a continuidade das medidas econômicas restritivas adotadas durante o

final do segundo mandato de Lula da Silva.

No âmbito da política monetária, além da elevação da taxa básica de juros, o governo

Dilma adotou uma série de medidas “macroprudenciais” para controlar a expansão do

crédito e a pressão inflacionária, como a elevação do depósito compulsório e dos

requerimentos de capitais dos bancos. Além das medidas macroprudenciais empreendidas

no mercado de crédito, outras foram adotadas no mercado de câmbio no sentido de conter a

tendência de apreciação da moeda brasileira. Pelo lado da política fiscal, foi empreendido

um forte contingenciamento nos gastos e substancial elevação no resultado primário. Essas

medidas restritivas, na análise do economista Barbosa (2013, p. 85), tinham por objetivo

promover um “pouso suave” da economia brasileira, estabilizando o crescimento entre 4%

e 5% ao ano e contendo a aceleração inflacionária observada naquele momento.

Apesar do caráter mais austero na condução da política macroeconômica no início

do governo Dilma, Barbosa (2013) ressalta que as políticas sociais foram mantidas, com a

sustentação dos programas de transferência de renda e a valorização do salário-mínimo:

Após os estímulos adotados em 2009 e 2010, foi necessário retomar uma política

macroeconômica menos expansionista sem, contudo, abandonar as conquistas

sociais do passado. Nesse sentido, o esforço de elevação no resultado primário foi

acompanhado da manutenção da política de elevação do salário-mínimo e de

expansão da rede de proteção social e combate à pobreza. A contenção do

crescimento dos gastos público se concentrou no custeio e no funcionalismo e, em

2011, o governo também empreendeu uma reestruturação no planejamento e

73

execução de seus investimentos em infraestrutura, o que provocou uma redução

temporária nos desembolsos desses programas (BARBOSA, 2013, p. 85).

Além da política macroeconômica mais restritiva adotada durante o primeiro

semestre de governo, Cagnin et. al (2013, p. 169-71) identificaram outros dois períodos

distintos na orientação da política macroeconômica do governo Dilma Rousseff, durante o

primeiro biênio (2011-2012): o primeiro, marcado pela retomada das políticas anticíclicas;

e o segundo influenciado pelo aprofundamento da desaceleração da atividade econômica.

Conforme os autores, o período que se estende entre agosto de 2011 e junho de 2012,

foi mercado pela retomada das políticas anticíclicas, em função do aprofundamento da crise

financeira internacional, na qual o epicentro se desloca dos Estados Unidos para a os países

integrantes da Zona do Euro, sobretudo Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Com a

desaceleração da atividade econômica causada pela deflagração dessa fase da crise

internacional, o governo Dilma iniciou o ciclo de redução da taxa básica de juros e criou

alguns estímulos creditícios e desonerações tributárias para estimular a economia doméstica.

A conjunção entre controle inflacionário, no mercado doméstico, e a forte deterioração da

demanda externa contribuiu com a redução mais substancial da taxa básica de juros

doméstica, diminuindo o diferencial entre a Selic e as taxas de juros internacionais.

Adicionalmente, o governo ampliou os controles sobre os fluxos de capitais estrangeiros –

para evitar a entrada massiva de capital especulativo de curto prazo, dado o excesso de

liquidez no mercado internacional em função de expansão de liquidez pelo Banco Central

Europeu (BCE), entre o final de 2011 e o início de 2012 – e manteve uma política fiscal mais

restritiva. Essas medidas57 objetivavam sustentar a estabilidade monetária num cenário com

taxas de juros mais baixas e manter uma taxa de câmbio competitiva para o setor industrial

(CAGNIN et. al. 2013, p. 170).

O terceiro ciclo inicia-se no segundo semestre de 2012 com a manutenção de algumas

medidas de estímulo que vinham sendo adotadas desde o ano anterior e a adoção de outras

para conter a deterioração da atividade econômica doméstica. Com isso, as ações anticíclicas

do governo tomaram fortes contornos desenvolvimentistas, podendo ser divididas,

basicamente, em quatro frentes:

57 No entanto, essas medidas não geraram estímulos suficientes para reativar o nível de atividade econômica e

o investimento produtivo, culminando na desaceleração do PIB brasileiro para 1,8% ao ano no período entre

2011 e 2012.

74

I) Política monetária - o Banco Central do Brasil (BACEN) deu início ao ciclo de

redução da taxa Selic, em agosto de 2011, e prosseguiu até outubro de 2012, quando a taxa

básica de juros atingiu 7,25% a.a., menor patamar histórico. Para que a fosse possível tal

redução, o governo Dilma alterou a remuneração dos depósitos em caderneta de poupança,

mediante vinculação de seu rendimento à taxa Selic. Desse modo, fora possível reduzir a

taxa Selic, para um patamar abaixo do que até então era a remuneração mínima das

cadernetas de poupança;

II) Sustentação da oferta de crédito pelos bancos públicos. Semelhantemente a 2008

e 2009, quando eclodiu a crise do subprime, os bancos públicos atuaram em consonância

com a Fazenda e agiram novamente de forma anticíclica, mitigando, conforme Cagnin et. al.

(2013, p. 170), o “efeito negativo sobre a oferta de crédito da perda de ritmo do crédito

concedido pelos bancos privados e assegurando que as reduções da taxa básica de juros

atingissem os tomadores finais”. Para tanto, os bancos públicos reduziram suas margens de

spread58, pressionando, por sua vez, todo o setor bancário a reduzir;

III) Sustentação dos investimentos públicos. Juntamente com a redução da taxa de

juros e a ampliação da oferta de crédito no mercado doméstico, o governo adotou uma

política fiscal expansionista, com a adoção de pacotes de compras governamentais e de

investimentos públicos59.

IV) Estímulo à produção industrial. Entre as medidas adotadas estão o programa de

Sustentação do Investimento (PSI), no qual subsidiava (com juros negativos até dezembro

de 2012) a aquisição de máquinas e equipamentos através do BNDES; o Plano Brasil

Maior60; reforma no setor elétrico que barateou 20% o preço da energia elétrica; desoneração

da folha de pagamento para diversos setores intensivos em mão de obra, além das medidas

de proteção à indústria doméstica como o aumento do IPI sobre veículos importados ou eu

tivessem menos de 65% de componentes nacionais e o Reintegra (Regime Especial de

Reintegração dos Valores Tributários para as Empresas Exportadoras).

58 Diferença entre a taxa de empréstimo cobrada pelos bancos dos tomadores de crédito e a taxa de capitação

paga aos clientes. 59 Entre as medidas adotas nesse âmbito está o Programa de Investimentos em Logística (PIL), que é um

programa de concessões em rodovias e ferrovias e previa inicialmente a inversão de R$ 133 bilhões em

infraestrutura. 60 O programa foi lançado em agosto de 2011 e previa diversas medidas para estimular o investimento

industrial, desde a redução do IPI sobre bens de capital à incentivos aos microempreendedores individuais

(MEI’s). A proposta inicial era de que o programa injetasse, por meio do BNDES, em torno de R$ 600 bilhões

até 2015 (Cf. Singer, 2015).

75

No entanto, com a aceleração inflacionária, causada pela combinação alta dos preços

agrícolas, aceleração da inflação de serviços e depreciação cambial (que encarecia os

produtos importados) e o fraco crescimento da economia em 2012, o governo sofreu pressões

– sobretudo da fração rentista da burguesia – para abandonar as medidas que vinha tomando

e retomar a ortodoxia econômica, com o direcionamento quase que exclusivo ao controle

inflacionário via taxa de juros. Assim, em abril de 2013, o Banco Central retomou o ciclo de

alta na taxa Selic.

2.3.1. Entre o ensaio desenvolvimentista e a luta contra os bancos

Singer (2012), no entanto, analisa a política econômica posta em prática durante o

primeiro mandato de Dilma Rousseff de forma conjunta. Para ele, a política econômica

empreendida no período, denominada pelo ministro da Fazenda de “nova matriz

econômica”, constitui-se uma espécie de “ensaio desenvolvimentista”, que se estendeu entre

agosto de 2011 e abril de 2013.

Conforme analisamos, tanto em 2008 e 2009 como em 2011 e 2012, as diversas

medidas de estímulos empreendidas à economia, desde a redução da taxa básica de juros até

os subsídios e as desonerações tributárias ao setor industrial, foram favorecidas pela

conjuntura macroeconômica, ou seja, a crise financeira internacional abriu espaço para

adoção de medidas econômicas anticíclicas com viés mais desenvolvimentista, estimulando

não apenas o consumo, mas o investimento e a produção doméstica. Portanto, do ponto de

vista pragmático, não há alteração estrutural na condução da política econômica entre os

governos Lula da Silva e Dilma Rousseff.

No entanto, Singer (idem) pontuará que, “do ponto de vista político, ocorre mudança

relevante” entre os dois governos. Enquanto Lula da Silva procurou alinhar e conjugar os

diversos interesses econômicos, sociais e políticos, num “pacto conservador” entre as classes

e frações de classes da burguesia e do proletariado, sua sucessora não hesitou em entrar em

confronto direto com frações específicas da burguesia brasileira na execução de seu

programa econômico.

Dessa análise do autor, resultam duas observações: a primeira é que não há alteração

da rota da política econômica entre os dois governos, apenas conjunturas diferentes. Nos

termos do autor, a nova matriz não é uma ruptura com o modelo lulismo, antes é a aceleração

76

desse modelo; a segunda, não menos importante, é que, para empreender este “ensaio

desenvolvimentista”, no âmbito político, Dilma rompe com o “pacto conservador lulista”,

empreendendo um confronto direto com a fração rentista da burguesia, sobretudo os

banqueiros, na redução das taxas de juros e dos spreads bancários (SINGER, 2015, p. 50-1).

O confronto entre o governo Dilma e os bancos teve início quando a taxa Selic

começou a ser reduzida (aos seus menores níveis históricos), com o objetivo de estimular a

produção e o consumo. Nesse período, os bancos privados reduziram as operações de crédito

– quando, em tese, deveriam efetuar o movimento contrário –, pressionando a autoridade

monetária a retomar o ciclo de alta da taxa. No entanto, a resposta veio por meio de uma

atitude mais agressiva dos bancos públicos, que reduziram suas taxas e ampliaram as

operações de crédito e a politização do tema.

Enquanto Lula foi não confrontacionista, Dilma decide entrar em combates duros.

Ao reduzir os juros e forçar os spreads para baixo, tensionou o pacto estabelecido

com o setor financeiro. A Fazenda e o BC sustentaram e ampliaram a decisão

durante dezoito meses. [...] Além de enfrentar o núcleo duro do capital, a

presidente decidiu politizar o tema, o que estava igualmente fora do script lulista.

Em fevereiro de 2012, o boletim do Ministério da Fazenda afirma que o spread no

Brasil era “elevado na comparação com outras economias”. Destacava que a

expectativa era que caísse “devido ao ciclo de queda dos juros” iniciada em agosto

do ano anterior. Duas semanas mais tarde, Tombini aumentaria a carga. Em

audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, declara que a redução

do spread era “prioridade de governo” e “determinação” da presidente da

República. Não se tratava mais de expectativa genérica inserida em publicação

ordinária de ministério. A diminuição dos ganhos por parte dos bancos tornava-se

ordem, emanada do topo do poder Executivo. Transmitido por funcionário de alta

gradação, o recado não poderia ser mais claro: o Estado se arrogava o direito de

intervir na quintessência do capitalismo, a saber, o lucro (SINGER, 2015, p.51).

Alguns fatores favoreciam o lado governista nessa disputa, entre eles o alinhamento

entre a Fazenda e o Banco Central na condução da política econômica; a alta popularidade

da presidenta61; o alto volume em caixa nos bancos públicos e a capitalização do BNDES; o

“apoio” da fração industrial da burguesia, uma vez que essas medidas eram adotadas para

beneficiar, especialmente, o setor produtivo da economia. O outro lado da trincheira, porém,

era municiado pelos discursos dos analistas econômicos, agências classificadoras de risco,

dos organismos internacionais (especialmente FMI e Banco Mundial) e a imprensa

61 Conforme pesquisa do Ibope, em dezembro de 2012, a popularidade de Dilma Rousseff era de 78%. Ao

término do primeiro trimestre de 2013, quando começa a haver a reversão no quadro político, com ataques

diretos à gestão da presidenta e a ampliação das denúncias de corrupção no caso Lava Jato, a popularidade

atingiu 79%. Disponível em<http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-03-19/popularidade-de-dilma-

bate-novo-recorde-e-sobe-para-79-diz-ibope.html>. Acessado em 17 mar.2016.

77

conservadora doméstica e internacional, que criticavam o forte intervencionismo do Estado

na economia (SINGER, 2015, p. 55-6).

Essa intrincada disputa esteve favorável ao governo até o início de 2013, quando a

inflação voltou ao centro do debate, pressionando paulatinamente o Banco Central a retomar

o ciclo de alta na taxa de juros e, por conseguinte, colocando por terra um dos pilares centrais

do programa econômico dilmista. Diversas medidas foram adotadas no intuito de conter a

inflação sem a necessidade de alterar a taxa juros, entre elas o adiamento do reajuste das

tarifas de transportes públicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, conforme

analisaremos no capítulo IV.

Apesar das medidas adotadas para controlar a inflação, a pressão contra o “ensaio

desenvolvimentista”, de Dilma Rousseff, tornara-se mais intensa com o resultado do PIB de

2012, que apresentou alta de apenas 1%62, contra 2,7% do ano anterior, de acordo com a

metodologia antiga do IBGE. Nesse período, não apenas aumentam os discursos contra o

“ativismo estatal” e a recriminação à atuação do estado na economia, como segmentos da

burguesia que estavam sendo beneficiados pelas medidas adotadas até então: antes, revertem

suas posições no jogo político, passando também a utilizar o mesmo discurso contra a

atuação do governo na economia.

Singer (2015, p. 58-64) analisará cinco hipóteses interpretativas para compreender as

razões que levaram essa alteração nas posições da burguesia industrial, aderindo à pauta da

fração rentista, em detrimento do projeto desenvolvimentista de Dilma. As hipóteses vão

desde a ambiguidade nos interesses da burguesia industrial, uma vez que parte de seus

rendimentos proveem de aplicações financeiras, até as questões ideológicas. No entanto, sua

síntese aponta para alguns aspectos históricos e estruturais da burguesia doméstica,

sobretudo a fração industrial. A partir da análise que Fernando Henrique Cardoso faz do

“comportamento pendular” da burguesia industrial brasileira da década de 1960, Singer

(idem) apontará algumas semelhanças entre o “ensaio desenvolvimentista” de Dilma

Rousseff e as condições pré-1964.

Conforme Cardoso (apud Singer, 2015), a burguesia industrial brasileira apresenta

“movimento pendular” com relação ao Estado, ora se aproximando (e sendo beneficiada por

seu estímulo desenvolvimentista), ora se distanciando dele, atuando, contraditoriamente,

62 Excetuando o ano de 2009, ápice da crise financeira internacional, na qual o PIB registrou retração de 0,3%,

este foi o menor crescimento desde 1999, quando a produção de todos os bens e serviços registrou avanço de

0,25% (conforme a metodologia antiga do IBGE).

78

contra seus próprios interesses, para evitar o crescimento e a interferência demasiada do

Estado. Desse modo, a situação pré-junho de 2013, apesar de conjunturalmente ser diferente

da situação pré-1964, em essência, há a emergência do mesmo comportamento.

Os termos, é claro, não devem ser tomados ipsis litteris. Em 1964, a burguesia

brasileira sentia-se ameaçada pela possibilidade de uma revolução socialista,

temor obviamente inexistente em 2014. No entanto, a convicção de estar diante de

projeto que queria ampliar o raio de ação do Estado, fixar preços, regular e

controlar a atividade privada, estatizar setores estratégicos [...] parece ter sido

suficiente para unificá-la no cerco ao desenvolvimentismo.

Um Estado capaz de comandar a atividade econômica é de alto interesse para a

fração organizada da classe trabalhadora, assim como para as camadas populares

em geral e também, em um primeiro momento, para a burguesia industrial. A

intervenção do Estado abre avenida para a industrialização, o pleno emprego, o

aumento dos salários e a inclusão do subproletariado. Só que, logo depois, quando

o Estado passa a ter o poder de comando sobre a economia, os industriais recuam.

Em ponto pequeno, o ensaio desenvolvimentista de Dilma teria, assim, seguido as

pegadas da década de 1960. Na partida, a burguesia industrial pede ofensiva estatal

contra os interesses estabelecidos, pois depende de política pública que a favoreça.

Para isso, alia-se à classe trabalhadora. No segundo ato, os industriais

“descobrem” que, dado o passo inicial de apoiar o ativismo estatal, estão às voltas

com um poder que não controlam, o qual favorece os adversários de classe, até há

pouco aliados. No terceiro episódio, a burguesia industrial volta-se “contra seus

próprios interesses” (Cardoso) para evitar o que seria um mal maior: Estado

demasiado forte e aliado aos trabalhadores. Une-se, então, ao bloco rentista para

interromper a experiência indesejada. Tal como em 1964, as camadas populares

não foram mobilizadas para defender o governo quando a burguesia o abandonou.

Mais uma vez o mecanismo burguês pendular ficou sem contrapartida dos

trabalhadores.

A duplicidade recorrente da camada que responde pela vida fabril brasileira faz

recordar, por outro lado, que o ensaio desenvolvimentista não foi só voluntarismo.

Houve, no início, efetiva pressão burguesa em favor de programa

reindustrializante. Mas, ao não lembrar a lição de que o avanço estatal seria

sucedido de inevitável recuo, o plano desabou.

Em suma, ao cutucar onças, a presidente deveria ter considerado os instrumentos

que teria à mão para reagir quando viesse o bote do contra-ataque. Sem

planejamento político, o ensaio desenvolvimentista abriu um vácuo sob os

próprios pés e acabou por provocar a mais séria crise do lulismo quando a reação

burguesa unificada em favor do retorno neoliberal tornou-se incontrastável. Até

por não haver, na sociedade, quem enxergasse a necessidade de contrastá-la

(SINGER, 2015, p. 70-1).

Buscando fazer uma interlocução entre as ideias de Singer (2015) e Oliveira (2010a;

2010b), podemos também, sem divergir da ideia anterior, lançar outra hipótese sobre a causa

do realinhamento da burguesia industrial, que é o rompimento da “hegemonia às avessas”

construída durante a gestão lulista. Retomando o conceito de “hegemonia às avessas”,

podemos conjecturar que Dilma Rousseff, ao pressionar o Banco Central a reduzir a taxa

básica de juros e imprimir uma luta direta contra os lucros dos bancos, ela passava a romper

com o acordo tácito amplamente desenvolvido durante a gestão de Lula da Silva, colocando

79

em xeque essa forma de hegemonia. No entanto, a “nova matriz” visava libertar a política

econômica do tripé macroeconômico e criar um novo tripé. Nesse sentido, a interferência

estatal não seria apenas com relação à “direção moral”, mas tocaria no modo de acumulação

vigente, interferindo no modus operandi do capitalismo brasileiro. Ademais, ao travar a luta

dos spreads, a equipe econômica de Dilma objetivava “intervir na quintessência do

capitalismo”, isto é, o lucro (SINGER, 2015, p.51).

Desse modo, a análise de Singer (idem) não deixa dúvida quanto ao fato de que a

partir de 2013, sobretudo, do segundo trimestre em diante, passa a haver um realinhamento

da burguesia não mais em torno do projeto dilmista ou lulista, mas em torno do programa

neoliberal. Em outras palavras, diante do confronto direto entre o governo petista e setores

dominantes da sociedade, o pacto lulista começou a ruir, e a burguesia (rentista e industrial)

e a classe média [que já se sentia preterida e ressentida com a perda de diversos privilégios

durante o governo petista] passaram a lutar não pela retomada da relação de hegemonia

vigente até então, mas pela sua completa derrocada.

Quando eclodiram os protestos em junho de 2013, o discurso propalado pelas classes

dominantes, fortemente neoliberal e conservador, que recriminava a participação

“intervencionista” do Estado na economia, enquanto enaltecia a ortodoxia econômica – que

já era apregoado na mídia tradicional e que vinha paulatinamente crescendo desde o início

do ano – se aproveitou do caráter polissêmico do movimento para forjar um consenso em

torno de pautas que em nada se aproximavam do clamor inicial das ruas.

80

Capítulo 3

O movimento Passe Livre, a Tarifa Zero e o direito à cidade

3.1. O Movimento Passe Livre

O Movimento Passe Livre (MPL) foi criado em janeiro de 2005, durante o Fórum

Social Mundial, em Porto Alegre, como uma rede federativa de coletivos locais que lutam

pela gratuidade do transporte público. Apesar de sua criação oficial ocorrer no Fórum, sua

origem remete, especialmente, a duas importantes lutas travadas contra o aumento das

passagens de ônibus.

A primeira ocorreu na cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia, entre agosto

e setembro de 2003, quando a tarifa de transporte público passou de R$ 1,30 para R$ 1,50

(MANOLO, 2008). A luta contra o aumento na capital baiana levou em torno de 40 mil

pessoas às ruas e ficou conhecida como a Revolta do Buzu63. O movimento teve origem com

os estudantes secundaristas, “que durante as aulas [...] pulavam os muros das escolas para

bloquear ruas em diversos bairros, num processo descentralizado, organizados a partir de

assembleias realizadas nos próprios bloqueios” (MOVIMENTO PASSE LIVRE, 2013,

p.14).

Apesar de o movimento se dar a partir de uma demanda estudantil, ele não se

restringiu a esta pauta: avançou para a periferia da cidade – diversas vias dos bairros

periféricos foram paralisadas em protestos –, não apenas contra o aumento do preço da

passagem e o alto peso sobre os orçamentos familiares, mas também contra as más condições

do transporte público e a precarização nas relações de trabalho.

Salvador é uma cidade cuja maioria da população trabalha sem carteira assinada,

em que o índice de desemprego é muito alto e a classe média passou por um penoso

processo de empobrecimento na última década, como no resto do país. Os filhos e

filhas desta população afetada pelo desemprego, pelo trabalho precário ou pelo

empobrecimento progressivo foram os principais protagonistas da Revolta do

Buzu. [...] Embora este protagonismo de estudantes pobres ou da classe média

empobrecida nas manifestações seja inegável pela sua impressionante evidência,

a participação da população nos bloqueios de Itapuã, da Av. Suburbana, de

63 Para uma análise mais aprofundada sobre esse movimento social e político consultar o documentário

produzido pelo cineasta Carlos Pronzato, A Revolta do Buzu, e, também, Manolo, Teses sobre a revolta do

Buzu. Disponível em: < http://www.passapalavra.info/2011/09/46384>. Acessado em 08 jun. 2016;

81

Cajazeiras, Pirajá, Liberdade – enfim, da periferia e dos bairros pobres da cidade

– ainda não foi compreendida em seus pormenores. (MANOLO, 2008, p. 4-5).

Esse movimento é compreendido, por Pronzato (2003) e Manolo (2008), como um

processo político e social que surgiu de forma espontânea, horizontal e apartidária, uma vez

que não foi fruto da convocação de nenhum partidos políticos, entidades sindicais,

movimentos sociais e associações de bairros; não teve líderes, pois todas as decisões eram

tomadas durante os atos; e não tinha nenhuma ligação partidária. Portanto, foi um

movimento que eclodiu a partir do aumento da tarifa e teve, nas ruas de Salvador, o desaguar

de diversas insatisfações sociais, econômicas e políticas acumuladas. Além da condição

estrutural, a conjuntura econômica e política corroboraram os protestos populares.

A política nacional também teve grande influência no ânimo popular: era a época

da reforma da previdência, que aumentou a desconfiança popular nos partidos de

esquerda, especialmente nos partidos da base de apoio do Governo Federal (PT,

PCdoB, etc.). A conjuntura econômica era conturbada: 4,3% de queda de vendas

em julho de 2003 em Salvador, dólar acima de R$ 3,00 em agosto com alta de

2,22%, mercado “nervoso” por causa dos impactos negativos das reformas e com

a crise social que apelidava de “Agosto Negro”, o Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH) derrubara Salvador da 11.ª para a 20.ª melhor cidade para se

trabalhar no Brasil etc (MANOLO, 2008, p. 6-7).

Como diversas entidades políticas e movimentos sociais encontraram nas ruas a

oportunidade de expor suas pautas e demandas64, o movimento que se iniciou contra o

reajuste da tarifa, logo foi cooptado, especialmente, pelas organizações tradicionais do

movimento estudantil, que “sentam junto à Prefeitura para negociar um conjunto de pautas

e conquistas para o movimento” (POMAR, 2013, p. 9). Nessa ocasião, as manifestações

renderam frutos, contudo, não a revogação do aumento da tarifa.

No entanto, Pomar (2013, p. 9) apontará alguns legados deixados pela Revolta do

Buzu ao Movimento Passe Livre, que serão, posteriormente, adotados em sua carta de

princípios:

64 O “Movimento dos Sem-Teto de Salvador (MSTS) fez sua primeira grande manifestação no dia 20 de julho,

mesma data em que estudantes anarquistas e apartidários ocuparam a antiga sede da União Municipal e

Metropolitana de Estudantes Secundaristas (UMES) para transformá-la na Casa do Estudante. Ainda no

começo de agosto, servidores estaduais e federais protestaram no Centro contra a reforma da previdência. Na

Av. Suburbana, cerca de 400 pessoas foram às ruas no dia 1.º de agosto para reivindicar mais sinaleiras para o

local, e estudantes do Comitê Pró-Cotas da UFBA ocuparam a Reitoria da instituição para acelerar o processo

de implementação de cotas para negros no vestibular. Em meados de agosto, camelôs do Porto da Barra

protestaram contra a Prefeitura, que queria impedi-los de trabalhar na areia da praia, e no dia 21, além da

primeira caminhada do MSTS de seu acampamento até a Prefeitura – um trajeto de cerca de 32 quilômetros –

alunos da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) bloquearam a BR-116 contra o aumento de

transportes em sua cidade” (MANOLO, 2008, p.7).

82

A consciência de que a mobilização popular é um sólido instrumento de pressão e

de conquistas sociais é o principal legado da Revolta do Buzu. O levante também

serviu para lançar luzes sobre aspectos importantes daquele momento histórico,

como a insuficiência política das direções estudantis tradicionais, afastadas das

bases das lutas sociais, e em dissonância com essas; e a necessidade organizar o

movimento social de maneira autônoma e independente, ousada e sóbria, capaz ao

mesmo tempo de dialogar com as novas linguagens e formas de organização da

juventude e de fazer política na sociedade, sem se deixar submeter a interesses

outros que não da própria luta.

A segunda grande luta contra o aumento das passagens ocorreu em Florianópolis, em

junho de 2004. De igual modo à ocorrida em Salvador, o movimento teve forte protagonismo

dos estudantes secundaristas65 que bloquearam as principais vias de acesso à ilha em

protestos contra o reajuste tarifário (VINICIUS, 2005). No entanto, diferentemente da

experiência soteropolitana, a campanha contra a tarifa de Florianópolis, após sucessivos e

intensos protestos, conseguiu lograr êxito, revogando o aumento. O sucesso do movimento

deu origem à Campanha pelo Passe Livre de Florianópolis66 – movimento precursor do MPL

(MOVIMENTO PASSE LIVRE, 2013, p.13-8).

Com relação à luta dos estudantes secundaristas de Florianópolis, devemos ressaltar

três aspectos que corroboraram o sucesso do movimento: o primeiro diz respeito à

incorporação do aprendizado em relação à incursão anterior. Conforme apresentado pelo

MPL (2013, pp.14-5), será a partir dos relatos publicados pelo Centro de Mídia

Independente, e do documentário produzido por Carlos Pronzato, Revolta do Buzu, que a

experiência da ação direta da população por meio de assembleias horizontais, a ocupação de

ruas e avenidas, o aparelhamento da revolta pelas entidades estudantis e a explosividade da

luta pelo transporte público passam a tomar projeções nacionais; o segundo aspecto,

intrinsecamente ligado ao primeiro, se refere à conscientização popular, através do trabalho

de base. É a partir do contato de diversos estudantes, com outras experiências de lutas, que

passam a debater o aumento da passagem, como também a proposta (ainda embrionária) da

tarifa zero, nas salas de aula e em rodas de conversa e, por fim, tomam as ruas de

Florianópolis em protestos:

65 Sobre o protagonismo dos estudantes secundaristas nas campanhas contra o aumento da passagem em

Florianópolis, de 2004 e 2005, consultar: Inácio (2008); Vinícius (2005).

66 No ano seguinte, isto é, em maio de 2005, novamente a tarifa de transporte público é reajustada, dando

origem a uma nova luta contra a tarifa. Vinícius (2005) afirmará que essa incursão teve uma repressão maior

do que a anterior.

83

O filme passou a ser utilizado em várias cidades por comitês pelo passe livre

estudantil – que já se organizavam localmente em torno de projetos de lei – em

atividades em escolas, ampliando o debate sobre a questão do transporte e as

formas de organização alternativas ligadas a ela. Os mesmos estudantes que

assistiram àquelas imagens e as debateram pulariam os muros de suas escolas

pouco tempo depois, para se juntar às manifestações da Revolta da Catraca, em

Florianópolis, em 2004 (MOVIMENTO PASSE LIVRE, 2013, p. 15).

O terceiro aspecto se refere à reação do Estado aos protestos. Os protestos de

Florianópolis geraram forte repressão policial. Ao ocuparem os terminais de ônibus e

bloquearem o acesso à ilha, o movimento pressionou continuamente o prefeito da cidade a

revogar o aumento. A resposta governamental veio por intermédio do recrudescimento da

repressão policial e prisões de estudantes. No entanto, a força desmedida contra os estudantes

secundaristas atraía a atenção ao movimento. Conforme relatado por Vinícius (2005), a cada

ato que o movimento era violentamente reprimido, crescia a adesão popular à luta, com o

ingresso de outros estudantes, bem como de familiares dos estudantes que já estavam

protestando.

A perspectiva aberta por esses dois processos de mobilização social e luta política –

especialmente, a partir do resultado material da campanha na capital catarinense – deu

origem ao movimento. De acordo com Marcelo Pomar (2013, p. 11), ainda no calor da

Revolta da Catraca, ocorreu em Florianópolis, em julho de 2004, um encontro com

representantes de Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ),

Campinas, Sorocaba, Itu e São Paulo (SP), no qual se institui uma “Campanha Nacional pelo

Passe Livre”. É a partir dessa iniciativa que o movimento começa a tomar corpo e tem sua

criação oficializada, poucos depois, durante o Fórum Social Mundial.

O encontro entre os diversos coletivos locais que lutavam por transporte público

gratuito, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (2005), conforme enfatizado pelo

próprio MPL (2013, p. 15), foi “uma tentativa de formular o sentido presente naquelas

revoltas, a experiência acumulada pelo processo popular, tanto em sua forma como em suas

motivações”. O resultado dessa reflexão culminou não apenas na criação do Movimento

Passe Livre, como também na carta de princípios67 do movimento.

A horizontalidade, presente desde as primeiras lutas contra a tarifa, conforme o

exemplo da Revolta do Buzu, é a expressão de um modo de proceder a libertário, que

67 A Carta de Princípios redigida em 2005, revista e atualizada em 2007 e 2013, define o Movimento Passe

Livre como um “um movimento horizontal, autônomo, independente e apartidário, mas não antipartidário”.

84

desconfia das estruturas e das instituições “verticais” e “centralizadas” (LÖWY, 2014).

Segundo o MPL (2007) todas as pessoas envolvidas no MPL deveriam possuir o mesmo

poder de decisão, o mesmo direito à voz e a liderança.

Todos os integrantes, portanto, são líderes, bem como, noutros termos, pode-se dizer

que o movimento não possui nenhuma liderança. Como não há líderes, os porta-vozes do

Movimento são escolhidos ou sorteados para representarem o movimento, em determinadas

ocasiões, como ocorreu, por exemplo, na entrevista ao Programa Roda Viva68 e na audiência

com a Presidenta da República, Dilma Rousseff – ambas durante o curso das manifestações

de junho de 2013.

A autonomia é compreendida como auto-gestão, ou seja, todos os recursos

financeiros do Movimento devem ser administrados, criados e geridos pelo próprio

Movimento, não dependendo, nem se beneficiando de doações de empresas, ONGs, partidos

políticos e outras organizações. O princípio da independência com relação a partidos

políticos, entidades sindicais e estudantis significa a recusa do movimento em ser

instrumentalizado ou ter sua pauta subordinada à agenda política dessas entidades. Essa

autonomia não significa, porém, isolamento ou “monopólio” na luta contra a tarifa – o

movimento não rejeita a colaboração e a ação comum com organizações políticas, em

especial da esquerda radical. Noutros termos, o movimento conjuga a luta com outras

instituições que, nas ruas, unem suas forças numa luta em comum, formando uma “frente

única”; no entanto, não subordina sua pauta e estratégias de luta à destas instituições.

É nesse sentido que os atos do Movimento Passe Livre, tem sempre a participação de

diversos partidos de esquerda – como o PSTU, PCdoB, PCB, PCO e PT (especialmente a

juventude do PT); sindicatos, sobretudo, o sindicato dos metroviários e dos professores; e

movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e

associações de bairros da periferia. O movimento se denomina

apartidário, porém, não é contra a participação de partidos políticos nos atos. Os

partidos políticos oficiais e não-oficiais, enquanto organização, não participam do

Movimento Passe Livre. Entretanto, pessoas de partidos, enquanto indivíduos,

podem participar desde que aceitem os princípios e objetivos do MPL, sem utilizá-

lo como fator de projeção política. O MPL não deve apoiar candidatos a cargos

eletivos, mesmo que o candidato em questão participe do movimento. (MPL,

2007).

68 A entrevista ocorreu no dia 17 de junho de 2013, dois dias antes da queda do aumento. Os representantes do

Movimento Passe Livre que responderam em nome do movimento foram a estudante de direito Nina Cappello

e o professor de História Lucas Monteiro. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=8FacFeGixxY>. Acessado em 10 jun.16.

85

Ainda sobre a questão do apartidarismo do movimento, devemos frisar que, durante

a campanha contra o aumento de 2011, em São Paulo, o prefeito da cidade era o Gilberto

Kassab, então do PSD – partido político mais alinhado à direita no espectro ideológico. Já

na luta de 2013, o prefeito Fernando Haddad pertencia ao Partido dos Trabalhadores (PT) –

mais alinhado à esquerda no espectro ideológico. O fato de ideologicamente o Partido dos

Trabalhadores estar mais próximo da maioria dos participantes do MPL, não impediu que

ocorressem as manifestações contra o aumento da tarifa, tampouco as críticas foram

atenuadas ou abafadas. Devemos pontuar que o primeiro grande ato contra o aumento da

tarifa em 2013 teve, como ponto de partida, o Theatro Municipal e se dirigiu à sede da

Prefeitura da capital.

Sobre a composição ideológica e política dos ativistas integrantes do MPL, o coletivo

é formado por diferentes origens políticas de sensibilidade anticapitalista libertária:

“trotskistas, anarquistas, altermundialistas, neozapatistas; com uma pontinha de humor,

alguns se definem como ‘anarcomarxistas punks’” (LÖWY, 2014).

O método de luta do movimento também possui forte inspiração libertária,

favorecendo a ação direta na rua, ocupando os espaços públicos, paralisando o trânsito de

veículos, com mobilizações lúdicas e “isolantes”, ao invés de priorizarem negociações e o

diálogo com as autoridades públicas (LÖWY, 2014), ou seja, “a via parlamentar não deve

ser o sustentáculo do MPL, ao contrário, a força deve vir das ruas” (MOVIMENTO PASSE

LIVRE, 2007). Os atos do Movimento possuem forte conotação simbólica, no qual suas

principais ações envolvem o bloqueio de ruas e avenidas, músicas durante o percurso de

cada ato e a queima de “catracas”.

O símbolo do MPL é uma catraca em chamas. O símbolo da catraca queimando

coloca no centro do debate, não apenas a discussão imediata ou conjuntural – que, na maioria

das vezes, envolve o reajuste da tarifa de transporte público –, mas a pauta central do

Movimento, que está no âmbito da discussão estrutural e é levada em seu nome, o passe

livre.

Acredita-se que, enquanto houver catracas, haverá a restrição do direito de circulação

e, em última instância, o direito à cidade é cerceado para cerca de um terço da população

que mora nos grandes centros urbanos, conforme os dados do IPEA (2003). Logo, o queimar

a catraca não tem um fim em si mesmo, no qual o objetivo final se limita apenas à tarifa

86

zero. Antes, a alteração da lógica dominante no atual modelo de transporte público é o

primeiro passo para a construção de uma outra sociedade.

A luta pela Tarifa Zero não tem um fim em si mesma. Ela é o instrumento inicial

de debate sobre a transformação da atual concepção de transporte coletivo urbano,

rechaçando a concepção mercadológica de transporte e abrindo a luta por um

transporte público, gratuito e de qualidade, como direito para o conjunto da

sociedade; por um transporte coletivo fora da iniciativa privada, sob controle

público (dos trabalhadores e usuários). (MPL, 2007).

A retirada do transporte público de uma concepção mercadológica e da iniciativa

privada não deixa de ter uma perspectiva de classe no combate contra a tarifa, pois, além de

restringir o direito de circular para um percentual significativo da população, o seu custo

compromete um percentual substancial do salário da classe trabalhadora, especialmente, a

fração mais precarizada. Nesse sentido, a luta contra a tarifa faz intersecção com diversas

outras lutas sociais. A luta do MPL e a tarifa zero são lutas profundamente subversivas,

antissistêmicas e revolucionárias, podendo ser comparadas como uma “utopia concreta”, nos

termos de Ernest Bloch (LÖWY, 2014).

Mas a tarifa zero é também uma demanda profundamente subversiva e

antissistêmica, dentro do espírito do que poderíamos chamar de método do

programa de transição. Como observa a Carta de Princípios do MPL, “nossas

demandas ultrapassam os limites do capitalismo e põem em questão à ordem

existente”. Ela é um belo exemplo do que o filósofo marxista Ernst Bloch chamava

de uma utopia concreta. É claro que há cidades, tanto no Brasil como na Europa,

em que essa proposta pode ser realizada. Numerosos estudos especializados

demonstraram que é perfeitamente possível colocá-la em prática sem

sobrecarregar o orçamento das administrações locais. A verdade, no entanto, é que

a gratuidade é um princípio revolucionário, que vai ao arrepio da lógica capitalista,

pela qual tudo deve ser mercadoria; portanto, é um conceito intolerável,

inaceitável e absurdo para a racionalidade mercantil do sistema. Ainda mais que,

como propõe o MPL, a gratuidade dos transportes é um precedente que pode abrir

o caminho para a gratuidade de outros serviços públicos, como educação, saúde

etc. De fato, a gratuidade é a prefiguração de uma sociedade diferente, baseada em

valores e regras diferentes daquelas do mercado e do lucro capitalistas. Daí a

resistência obstinada das “autoridades”, sejam elas conservadoras, neoliberais,

“reformadoras”, centristas ou sociais-liberais.

Nesse sentido, Safatle (apud HARVEY, 2013) analisa que o Movimento Passe Livre

trabalha de uma maneira bastante inteligente ao ir diretamente a um sintoma específico que

mostra toda a irracionalidade do paradigma vigente, ao invés de apresentar pautas muito

genéricas no interior das discussões políticas, como o fim do capitalismo. A possibilidade

de efetivação concreta dessa pauta ratifica que o caráter real da viabilidade de mudanças

mais substanciais na sociedade, começa pela efetivação da tarifa zero. A realização de um

87

modelo de transporte público gratuito colocaria em xeque a utilização de uma das principais

mercadorias do capitalismo desde o fordismo, o carro.

As cidades são construídas de modo a favorecer a utilização do transporte individual

e particular (HARVEY, 2013). No entanto, um sistema de transporte coletivo eficaz, extenso

e gratuito, alteraria toda a lógica dominante no espaço urbano, até o momento. Esse foi o

teor da discussão entre os integrantes do Movimento Passe Livre com a bancada convidada

do programa de entrevista Roda Viva, da TV Cultura. Na ocasião, os representantes do

Movimento foram insistentemente questionados sobre quanto custaria aos cofres públicos a

efetivação da tarifa zero – como se esta proposta fosse apenas mais uma proposta “utópica”,

sem a mínima possiblidade de realização concreta.

As respostas de seus representantes, entretanto, vieram sobre duas linhas

argumentativas: primeiro, a tarifa zero é uma decisão política, muito além de ser uma decisão

técnica; segundo, o custo do atual modelo de transporte onera muito mais a cidade, de modo

geral, do que um sistema de transporte público gratuito. O potencial multiplicador da

economia é aumentado, a circulação de bens e serviços é expandida à medida que parte

substancial do salário dos trabalhadores deixa de ser absorvida apenas no transporte.

A luta do movimento passe livre, portanto, está intrinsecamente ligada à luta pelo

direito à cidade, pois não há a possiblidade de se efetivar os demais direitos, se a livre

circulação pelo território urbano é restrita àqueles que podem pagar a tarifa do transporte

público. Conforme o coletivo, a partir de sua reflexão crítica e teórica,

[...] assumiu-se o discurso do transporte como direito, aliás fundamental para a

efetivação de outros direitos, na medida em que garante o acesso aos demais

serviços públicos. O transporte é entendido então como uma questão transversal a

diversas outas pautas urbanas. Tal constatação amplia o trabalho do MPL, que

deixa de se limitar às escolas, para adentrar em bairros, comunidades e ocupações,

numa estratégia de aliança com outros movimentos sociais – de moradia, cultura

e saúde, entre outros (MOVIMENTO PASSE LIVRE, 2013, p. 16).

É dentro desse entendimento que a cidade é compreendida não apenas como objetivo

de seus protestos e manifestações, mas como o próprio método de luta, “na prática dos

manifestantes, que ocupam as ruas determinando diretamente seus fluxos e usos” (MPL,

2013, p. 16). Desde o seu surgimento, o movimento se apresentou e se efetivou como um

movimento de rua. A ocupação dos espaços urbanos, o fechamento de ruas e avenidas e

queima de pneus e catracas não ocorreram apenas no âmbito da discussão simbólica, mas se

concretizaram como método de luta. Esse método, consequentemente, sofreu profunda

88

repressão policial – devemos relembrar que a repressão policial aos protestos não ocorreu

apenas em 2013, mas desde 2003, com a revolta do Buzu (para não retroagir muito mais, por

exemplo, à década de 1980).

Dentro da compreensão histórica do movimento, Löwy (2014) argumentará que os

militantes não “fetichizam” nem a violência nem a não violência. A experiência prática de

2013 apontará, na maioria das vezes, que a violência dos manifestantes não deixa de ser

reativa à violência policial, como também se concretiza em muitos sentidos em uma

violência simbólica. Esse aspecto do método e de algumas táticas de lutas do MPL é fruto

de suas experiências históricas na luta contra a tarifa e de sua formação política e ideológica,

com forte tendência libertária.

Nesse sentido, o movimento adota diversas práticas dos movimentos sociais

tradicionais, como a ocupação do espaço público, apoio às greves, manifestações de massa.

Em diversas de suas práticas, porém, não deixa de pertencer aos “novos movimentos

sociais”, a partir de uma discussão teórica e prática diferente das discussões trabalhistas e

sindicais, estrutura horizontalizada e ação direta.

3.2. O direito à cidade

De acordo com Ira Katznelson, em Marxism and the City, o filósofo francês Henri

Lefebvre teria sido o primeiro a direcionar o pensamento marxista “de volta”69 à questão

urbana, a partir de uma série de livros sobre a temática inaugurada por O direito à cidade70

(apud TAVOLARI, 2016, p. 95). O filosofo francês aponta que, nas obras de Marx e Engels,

encontram-se diversas indicações relativas à cidade e aos problemas urbanos, no entanto,

são elementos dispersos, que “os fundadores do socialismo científico não sistematizaram e

que, por consequência, não formam um corpo de doutrina enquadrado numa dada

metodologia ou em determinada ‘disciplina’ especializada, seja ela a filosofia, a economia

política, a ecologia ou a sociologia” (LEFEBVRE, 1972, p.7).

Para Lefebvre (2001), o processo de urbanização das cidades não é uniforme,

tampouco limitado a condições históricas específicas. A análise da formação das cidades

69 “de volta” porque Marx e Engels teriam tratado da cidade em suas obras, ainda que essa não fosse a

preocupação central. (TAVOLARI, 2016, p. 95). 70 Originalmente o texto foi publicado em 1968, na França, com o título Le Droit à laVille.

89

europeias mostra como esse processo pode se desenrolar de modo bastante heterogêneo e

desigual. Contudo, isto não significa que seja impossível estabelecer um parâmetro de

análise, um denominador comum que possa abranger distintos processos de urbanização. O

ponto de partida proposto pelo autor para se analisar o processo de formação e transformação

urbana nas sociedades ocidentais modernas será a industrialização. Para ele, se quisermos

compreender melhor a problemática que permeia a questão urbana,

impõe-se um ponto de partida: o processo de industrialização. [...] Se

distinguirmos o indutor e o induzido, pode-se dizer que o processo de

industrialização é indutor e que se pode contar entre os induzidos os problemas

relativos ao crescimento e à planificação, as questões referentes à cidade e ao

desenvolvimento da realidade urbana, sem omitir a crescente importância dos

lazeres e das questões relativas à “cultura”. [...] Ainda que a urbanização e a

problemática do urbano configurem entre os efeitos induzidos e não entre as

causas ou razões indutoras, as preocupações que essas palavras indicam se

acentuam de tal modo que se pode definir como sociedade urbana a realidade

social que nasce à nossa volta (LEFEBVRE, 2001, p. 11-3).

Essa perspectiva de análise busca compreender não apenas como se deu o processo

de urbanização das cidades modernas, especialmente as europeias, mas também como esse

processo influenciou nas transformações subsequentes, ou seja, como a industrialização

influenciou na alteração das paisagens urbanas, sobretudo, ao longo dos dois últimos séculos.

É certo que a cidade precede a industrialização e, quando surge o capitalismo concorrencial

com a burguesia especificamente industrial, “a cidade já tem uma poderosa realidade”. Isso

faz com que a indústria nascente se instale, na maior parte dos casos, fora das cidades, em

suas adjacências.

Lefebvre (2001), a partir da análise de Marx sobre acumulação capitalista, ressalta

que, por não ser favorável aos empresários a instalação de indústrias fora das cidades, estes

buscarão meios de aproximar a indústria dos centros urbanos. Paralelamente, a cidade

anterior à industrialização acelera esse processo de “encurtamento das distâncias” entre

espaço urbano e industrial. As “concentrações urbanas acompanharam as concentrações de

capitais”, desempenhando importante papel na “arrancada da indústria”. A partir de então, a

industrialização passou a produzir seus próprios centros urbanos, quando não, passou a

alterar de forma estrutural o seu espaço urbano circunspecto, formando ora cidades

operárias, ora subúrbios, “com a anexação de favelas lá onde a industrialização conseguiu

ocupar e fixar a mão-de-obra disponível” (LEFEBVRE, 2001, p. 14-6).

90

O autor procura elucidar a partir deste resgate histórico dois fatores que estão

intimamente relacionados ao desenvolvimento capitalista e às transformações urbanas: o

primeiro fator envolve uma análise ontológica sobre a cidade. Como já citado, o surgimento

das cidades precede a industrialização, haja vista que, antes do surgimento das cidades nos

moldes modernos, outras formas de cidade já existiam71, porém, com a ascensão do

capitalismo, a cidade entra num processo tanto complexo, como contraditório, em que o

espaço urbano gradualmente perde seu valor de uso em favorecimento do valor de troca. É

a mercadorização da cidade.

A função social da cidade (valor de uso) cede espaço para a função econômica do

espaço urbano (valor de troca). Esse processo é contraditório, pois a vida urbana depende do

valor de uso dos espaços da cidade, ao passo que “o valor de troca e a generalização da

mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a

realidade urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma

revalorização do uso” (LEFEBVRE, 2001, p. 14).

Esse processo, que se inicia com o surgimento do capitalismo, tem sua fase mais

crítica na atualidade, na qual a realidade urbana foi integralmente mercadorizada: os espaços

urbanos públicos foram privatizados, e a noção entre público e privado tornou-se

profundamente híbrida a ponto de limitar o acesso e a interação social dos próprios

habitantes das cidades. Para Negri e Hardt (2012), este é um processo decorrente da pós-

modernidade, no qual todas as cidades, em maior ou menor medida, estão inseridas.

A paisagem moderna está mudando do foco moderno da praça comum e do

encontro público para os espaços fechados dos shoppings centers, das freeways e

das comunidades fechadas. A arquitetura e o planejamento urbano de megalópoles

como Los Angeles e São Paulo tendem a limitar o acesso e a interação públicos

de maneira a evitar o encontro causal de populações diversas, criando uma série

de interiores protegidos e de espaços isolados” (NEGRI; HARDT, 2012, p. 208).

Apesar de a análise de Lefebvre estar concentrada, sobretudo, no desenvolvimento

urbano das economias centrais, em especial da França e da Inglaterra, suas conclusões não

diferem muito da atual condição das cidades brasileiras.

71 Pode ser citado como exemplo: a cidade oriental, ligada ao modo de produção asiático; a cidade antiga,

especialmente, grega ou romana, ligada à posse de escravos; e a cidade medível, inserida em relações feudais,

porém, em luta contra a feudalidade da terra.

91

Entre outras análises72, Pedro Arantes (2014), sobre a (anti)reforma urbana brasileira,

vai ao encontro do pensamento de Lefebvre e toca a problemática em torno do valor de uso

e valor de troca da cidade. No caso específico da cidade de São Paulo, as diversas mudanças

urbanísticas, arquitetônicas e habitacionais que ocorreram nas últimas décadas, beneficiaram

especialmente a valorização do capital, por meio do planejamento urbano voltado aos

interesses dos setores de construção civil e imobiliário e que priorizavam o transporte

particular (setor automobilístico), em detrimento dos interesses públicos e da cidade

enquanto espaço de convivência, de interação social. Em outras palavras, priorizou-se a

mercadorização da cidade (valor de troca), enquanto deixou, em segundo plano, os interesses

e o bem-estar (valor de uso) daqueles que vivem no território urbano. A irracionalidade desse

processo, como aponta o urbanista, é que, em última instância, até mesmo àqueles que se

beneficiam da mercadorização da cidade, são prejudicados pela não possibilidade de

utilização da própria cidade (ARANTES, P. F., 2014).

Há 40 anos, num estudo pioneiro sobre São Paulo, falava-se de uma “lógica da

desordem” urbana, do laissez-faire na produção da cidade, criando um caos do

qual alguns capitais obviamente se beneficiaram. Hoje a situação se agravou tanto

que mesmo esses beneficiários, ainda que lucrem como pessoas jurídicas, não têm

mais como viver como pessoas físicas, no próprio caos que criaram. A

irracionalidade do capital entregue a si mesmo na produção da cidade e seus

serviços torna-se a cada dia mais evidente.

Se nossas cidades ainda são negócios lucrativos para alguns, elas chegaram ao fim

da linha: no modelo atual, como já assinalado, quanto mais se investe, mais caras

e inviáveis ficam, tal como os carros, que, quanto mais produzem, menos andam.

A urbanização não produz mais qualidades urbanas próprias ao que se entendia

como cidade – trata-se de uma urbanização desurbanizadora –, assim como o

crescimento econômico não produz necessariamente desenvolvimento e equidade

social (ARANTES, P. F., 2014, p. 60-1).

Essa contradição, envolvendo valor de uso e valor de troca dos espaços da cidade,

tem gerado não apenas a “paralização da cidade” com seu trânsito caótico, mas, sobretudo,

o aprofundamento da segregação social e espacial. Não há como dissociar o recente

movimento de adolescentes e jovens da periferia das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro,

que passaram a se reunir em shoppings centers, denominado de “rolezinhos”, que eclodiu

logo após as manifestações de junho de 2013, da problemática envolvendo o valor de uso e

valor de troca do espaço urbano, bem como das contradições históricas que geraram um

desenvolvimento urbano desigual e combinado, nos termos de Fernandes (2005).

72 A exemplo de Maricato (2013).

92

Com a ausência ou privatização dos espaços públicos, sobretudo nas periferias,

aqueles jovens passaram a se reunir em “espaços híbridos” – shoppings centers –, no intuito,

não apenas de consumir, gerando circulação de moedas e mercadorias, apesar de direta e

indiretamente isto ocorrer, mas, sobretudo, de interagir socialmente com os demais jovens

da mesma faixa etária. No entanto, como a presença (em conjunto) desses jovens tirava-os

da invisibilidade a que, historicamente, estavam fadados, gerando medo nos lojistas e demais

consumidores, foram, novamente, excluídos dos espaços (quase) públicos73.

O segundo fator levantado por Lefebvre (2001) refere-se à complexa relação entre

realidade urbana e realidade industrial. Apesar de a industrialização e a urbanização serem

dois processos concomitantes e intrinsecamente ligados à cidade, isto não significa que essas

duas variáveis não sejam conflitantes entre si. O choque produzido pela realidade industrial

e a realidade urbana é extremamente violento, colocando, no centro da polarização, não

apenas o crescimento e o desenvolvimento econômico, ou a produção da vida social, mas a

própria cidade.

Esse processo, porém, não ocorre espontaneamente, e as forças que atuam na posse

e transformação da cidade não são apenas estas duas: realidade industrial e realidade urbana.

Por trás do conflito entre industrialização e urbanização, na transformação da cidade, ocorre

outro não menos importante, na qual intervêm ativamente, classes ou frações de classes.

Quase sempre os processos de urbanização são marcados por profundos conflitos entre as

classes dominantes e as classes subalternas.

Nesse processo, Lefebvre (2001, p. 21) deixa claro que atuam ativamente não só

classes ou frações de classe dirigente, que possuem os meios de produção (o capital) e que

geram emprego econômico do capital e os investimentos produtivos, como também a

sociedade inteira, com o emprego de parte das riquezas produzidas na “cultura”, na arte, no

conhecimento, na ideologia. Ao lado, ou diante dos grupos sociais dominantes (classes e

73 Ainda que a discussão em torno dos “rolezinhos” não seja feita de modo aprofundado – não por que sua

importância seja secundária ou menor, mas porque foge ao escopo central do trabalho, devemos apontar uma

análise feita por Pinheiro-Machado (2014). Para aqueles jovens “o ato de ir ao shopping é um ato político:

porque esses jovens estão se apropriando de coisas e espaços que a sociedade lhes nega dia a dia. Quando eu

vejo aquele medo das camadas médias, lembro daquelas pessoas que se referiram “aos negões favelados” [...]

Há contestação política nesse evento, mas também há camadas muito mais profundas por trás disso. Estou

acompanhando os ‘rolezinhos’ e sinto certo prazer em ver aquela apropriação. Mas entre apropriação e

resistência há um abismo significativo. Adorar os símbolos de poder – no caso, as marcas – dificilmente remete

à ideia de resistência que tanta gente procura encontrar nesse ato. [...] A apropriação de espaços símbolos

hegemônicos [...] nos mostra uma permanente tensão na apropriação que tenta resolver a brutal violência que

está por trás desse ato. O meu lado otimista não nega o que esses jovens nos disseram: do prazer que sentem

em se vestir bem e circular pelo shopping para serem vistos. Meu lado pessimista tende a concordar com

Ferguson de que há menos subversão política e mais um apelo desesperador para pertencer à ordem global”.

93

frações de classes), existem as classes operárias: o proletariado, ele mesmo dividido em

camadas, em grupos parciais, em tendências diversas, segundo os ramos da indústria, as

tradições locais e nacionais.

Apesar de haver uma luta de classes em que o centro da disputa é a disposição e a

posse do espaço urbano, esse processo se apresenta de uma forma truncada, até porque,

dentro da própria classe dominante, há uma “unidade contraditória” entre as diferentes

frações de classe que a formam. Ora, essa “unidade” se dá no sentido de serem todas a favor

da reprodução das relações capitalistas de produção; “contraditória”, pois não são poucas as

oposições entre as frações de classe que compõem a classe dominante.

Em outros termos, entre as diferentes frações da classe dominante, ocorrem disputas

pela hegemonia no interior do bloco pelo poder. Essa “unidade contraditória” faz com que a

luta pelo espaço urbano não seja monocêntrica e coesa, limitando-se apenas a uma frente de

atuação, mas policêntrica e pulverizada, com diferentes demandas e projetos em disputa.

Como há diferentes interesses em jogo, a luta não se limita apenas em uma região do espaço

urbano, mas engloba toda a cidade à medida que o capital produz excedente de produção e

demanda novos espaços para serem “urbanizados” para absorvê-los.

A resposta de Friedrich Engels à publicação do Dr. Emil Sax, em Sobre a questão da

moradia, deixa evidente que a questão habitacional decorre de uma luta de interesses entre

classes. Em algumas situações – especialmente àquelas em que a burguesia possa ampliar

sua taxa de acumulação, via extração de mais-valia relativa e absoluta –, os empresários não

têm dificuldade alguma em fornecer até mesmo moradia para seus empregados. Contudo,

isso não significa que as disputas entre as classes sejam minimizadas ou extintas, apenas

reforça que essa luta pode adquirir formas distintas, dependo do contexto em que ocorre.

Portanto, ainda que, em algumas situações específicas, os empresários construam moradias

para seus funcionários, especialmente próximas, ou em torno das grandes indústrias, a

disputa pelo espaço urbano sempre existirá e a classe dominante – burguesia – buscará

resolver a questão ao seu modo.

As transformações arquitetônicas e urbanísticas que ocorreram durante o século XIX,

em Paris, sob a égide de Luís Bonaparte e execução do barão Haussmann74, são um exemplo

74 Haussmann racionalizou o espaço urbano ao reformular bairros inteiros, traçando ruas, avenidas, praças e

interligando pontos distintos da cidade, além de agregar os subúrbios. Conforme Harvey (2014, p 35), as

transformações executadas por Haussmann “consistiu não apenas em uma transformação das infraestruturas

urbanas, mas também na criação de um estilo de vida urbano totalmente novo” transformando Paris no “maior

centro de consumo, turismo e prazeres [...] permitindo a absorção de vastos excedentes mediante um consumo

desmedido (que ao mesmo tempo agredia os tradicionalistas e excluía os trabalhadores)”.

94

claro de como a burguesia tende a resolver essa questão (HARVEY, 2014; LEFEBVRE,

2001).

Na verdade, a burguesia só tem um método para resolver a seu próprio modo o

problema da moradia – isto é, resolvê-lo de modo que a solução recoloque

eternamente os mesmos problemas a cada nova tentativa. Esse método é chamado

de “Haussmann” [denominação com a qual] me refiro à prática que atualmente se

difundiu muito e consiste em abrir brechas nos bairros operários da classe operária

de nossas grandes cidades e particularmente, em áreas centrais, sem nada que

justifique se isso é ou não feito por razões de saúde pública, pelo embelezamento

da cidade, pela procura por grandes edifícios comerciais situados nos centro ou,

devido às exigências do tráfego, do assentamento de dormentes de estrada de ferro,

da ampliação das ruas (o que às vezes parece ter o objetivo de dificultar as lutas

em barricadas) [...] Por mais diferente que sejam os motivos, o resultado será

sempre o mesmo; os becos imundos desaparecem, para grande alegria da

burguesia, que autocongratula por ter contribuído para o enorme sucesso das

transformações, mas tudo reaparece imediatamente em outro lugar qualquer [...]

Os focos das doenças, os buracos e porões infames em que o modo de produção

capitalista confina nossos trabalhadores noites após noite, não são erradicados; são

simplesmente transferidos para outro lugar! A mesma necessidade econômica que

os produziu nas vezes anteriores, volta a produzi-los em outros lugares (Apud

HARVEY, 2014, p. 50-1).

O geógrafo Harvey (2014, p. 30) aprofunda o debate em torno dessa problemática,

analisando o processo de urbanização a partir da perspectiva da acumulação do capital. A

compreensão dos processos aqui citados poderia tornar-se vaga caso não atentássemos para

a dinâmica do capital, pois, conforme o autor, a urbanização sempre foi algum tipo de

fenômeno de classe em que “os excedentes são extraídos de algum lugar ou de alguém,

enquanto o controle sobre o uso desse lucro acumulado costuma permanecer nas mãos de

poucos”.

Apresentado de maneira bastante sintetizada, podemos inferir que o capitalismo,

como constata Marx (2013), fundamenta-se na eterna busca de mais-valia – lucro. Porém,

para se produzir mais-valia75, é necessário a produção de excedentes que, por sua vez, se dão

por intermédio do processo de valorização do capital, desenvolvido, sobretudo, a partir da

produção de mercadorias.

Resumidamente, Marx (2013) indica que os capitalistas estão interessados na

produção de mercadorias, não apenas pelo seu valor de uso, mas, sobretudo, porque é essa

75 A mais-valia decorre da quantidade de trabalho efetuado e não remunerado, por exemplo: em uma jornada

de trabalho contratada, por exemplo, de doze horas diárias, o capitalista paga apenas o valor da mercadoria

força; digamos que o tempo de trabalho que o operário dedica para receber seu salário (representa o tempo de

trabalho necessário, necessário para se manter) representa seis horas. A diferença de tempo entre a jornada de

trabalho total (doze horas) e o trabalho necessário (seis horas da jornada), é trabalho não pago (outras seis

horas). Essas seis horas de trabalho não pago e que foram incorporadas pelo capitalista, denomina-se mais-

valia.

95

substância que lhes possibilita serem valores de troca, ou seja, valores. Será a partir do

processo produtivo e da geração de valor que se gerarão os excedentes.

Dessa forma, a produção engloba dois aspectos: produção e criação de valor.

Enquanto o processo de trabalho é qualitativo, o processo de valorização é quantitativo, pois

só interessa o tempo que criou valor, ou seja, o modo de produção capitalista é, em essência,

um modo de produção de mercadorias tido como unidade de processo de trabalho e de

processo de valorização, independentemente da qualidade do trabalho executado.

A mais-valia absoluta, como detalha Marx (2013), na sessão IV de O capital entre os

capítulos XIV e XX, irá surgir mediante um excesso quantitativo de trabalho, prolongando

a duração do mesmo processo de trabalho. Já a mais-valia relativa decorre do processo de

ampliação da produtividade marginal do trabalho, mesmo em vias de redução da jornada de

trabalho. Essa ampliação da mais-valia relativa se dá por intermédio da inversão de capital

na produção, ou seja, ao invés de o capitalista utilizar o lucro de produção ao seu bel-prazer,

ele reinveste-o na produção (maquinários, tecnologia, etc.) ampliando, portanto, sua

capacidade produtiva.

Harvey (2014) pontuará a relação entre geração de excedente de produção e o espaço

urbano. Como a lógica imanente do capitalismo o impele a gerar continuamente excedente

de produção, esse excedente, de alguma forma, deve ser absorvido, caso contrário, o sistema

entrará em crise. A urbanização é uma das principais formas de absorção desse excedente.

Dessa maneira, observa o autor, “surge uma ligação íntima entre o desenvolvimento do

capitalismo e a urbanização”. Por isso, não surpreende que as curvas logísticas do aumento

da produção capitalista sejam, com o tempo, muito semelhantes às curvas logísticas da

urbanização da produção mundial (HARVEY, 2014, pp. 30-3).

Ao tomar como referência a mudança urbanística ocorrida na Paris de Haussmann, o

autor apontará que a absorção desses excedentes de capital no espaço urbano gerará um

processo de contínua mudança por meio de uma “destruição criativa”. Essa é uma das suas

facetas mais violentas e sombrias desse processo, pois, geralmente, são as frações mais

pobres e precarizadas que sofrem com esta “destruição criativa”.

A absorção do excedente por meio da transformação urbana tem, contudo, um

aspecto ainda mais sombrio, uma vez que implica uma grande recorrência de

reestruturação urbana por meio de uma “destruição criativa”. Quase sempre, isso

tem uma dimensão de classe, pois em geral são os pobres, os desprivilegiados e

marginalizados do poder político os que sofrem mais que quaisquer outros com

esse processo. A violência é necessária para construir o novo mundo urbano sobre

os escombros do antigo. Haussmann pôs abaixo os velhos bairros pobres de Paris,

96

usando poderes de expropriação para obter benefícios supostamente públicos, e o

fez em nome do desenvolvimento cívico, da recuperação ambiental e da renovação

urbana. Deliberadamente, ele conseguiu remover do centro de Paris boa parte da

classe trabalhadora e de outros elementos indesejáveis, juntamente com indústrias

insalubres, onde representavam uma ameaça à saúde pública e, sem dúvida, ao

poder político. Haussmann fez uma reforma urbana na qual, acreditava-se

(erradamente, como ficou claro na Comuna de Paris), um grau suficiente de

vigilância e controle militar asseguraria o fácil controle das classes insurgentes

pelo poder militar (HARVEY, 2014, p.49-50).

3.2.1. Acumulação por despossessão no espaço urbano

No capítulo XXIV do primeiro livro de O Capital, Karl Marx (2013, p. 786) define

o conceito de acumulação primitiva (ou originária) de capital – “a acumulação primitiva não

é, por conseguinte, mais do que o processo histórico de separação entre produtor e meio de

produção. Ela aparece como ‘primitiva’ porque constitui a pré-história do capital e do modo

de produção que lhe corresponde”.

Ao contrário do apresentado pelo “ponto de vista da cartilha infantil” da economia

política clássica, que apresenta a acumulação primitiva como um processo tranquilo e

harmonioso decorrente de uma evolução linear que se iniciou num passado remoto com

“uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo parcimoniosa” que soube poupar, enquanto

“uma súcia de vadios [estava] a dissipar tudo o que tinham e ainda mais”, Marx esclarece

que, “na história real, como se sabe, o papel principal é desempenhado pela conquista, a

subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência”. Na realidade, os “métodos da

acumulação primitiva podem ser qualquer coisa, menos idílicos”, pois não há como dissociar

essa acumulação primitiva da violência da expropriação. A violência da acumulação

primitiva se expressa, inicialmente, por meio da expropriação das terras dos produtores

rurais, pela separação entre o camponês e seus meios de produção (MARX, 2013, p.785-6).

A “libertação” dos produtores das estruturas feudais não significou, como defendem

os historiadores burgueses, o fim da exploração dos produtores, mas representou o início de

uma nova forma de expropriação, como elucida esta passagem de O Capital (MARX, 2013,

p.786-7):

O processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o processo de

separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu

trabalho, processo que, por um lado, transforma em capital os meios sociais de

subsistência e de produção e, por outro, converte os produtores diretos em

trabalhadores assalariados. [...] O movimento histórico que transforma os

produtores em trabalhadores assalariados aparece, por um lado, como a libertação

desses trabalhadores da servidão e da coação corporativa, e esse é único aspecto

97

que existe para nossos historiadores burgueses. Por outro lado, no entanto, esses

recém-libertados só se convertem em vendedores de si mesmos depois de lhes

terem sido roubados todos os seus meios de produção, assim como todos as

garantias de sua existência que as velhas instituições feudais lhes ofereciam. E a

história dessa expropriação está gravada nos anais da humanidade com traço de

sangue e fogo.

O “cercamento de terras comuns” (inclosure of commns) é o exemplo clássico entre

esses mecanismos de expropriação de áreas agrícolas dos pequenos proprietários na

Inglaterra do século XVI, que fez com que os produtores rurais se vissem impossibilitados

de subsistir a partir do cultivo da terra, sendo obrigados a buscarem seu sustento com

empregos na indústria nascente, o que significou um aumento repentino da oferta de mão de

obra e facilitou a extração da mais-valia (exploração da força de trabalho), devidamente

assegurada pela brutalidade da legislação inglesa da época.

Sustentando-se na análise de Marx, e a partir da observação do comportamento do

capitalismo contemporâneo, Harvey (2009) discute a necessidade de reavaliação histórica

do conceito de acumulação primitiva de capital. Para ele, não haveria, nessa categoria de

acumulação, nada de antiquado; pelo contrário, estaria ela ainda cumprindo papel

fundamental na reprodução do sistema capitalista – alguns daqueles mecanismos discutidos

por Marx teriam sido inclusive aprimorados e desempenhariam hoje um papel ainda mais

destacado.

Percebendo a necessidade da reativação do debate, o autor sugere, como chave

analítica, o conceito de acumulação por despossessão; trata-se, portanto, de uma proposta de

atualização do termo clássico marxista para sua inserção na discussão do capitalismo

contemporâneo.

Todas as características da acumulação primitiva que Marx menciona

permanecem fortemente presentes na geografia histórica do capitalismo até os

nossos dias. A expulsão de populações camponesas e a formação de um

proletariado sem terra tem se acelerado em países como o México e a Índia nas

três últimas décadas; muitos recursos antes partilhados, como a água, têm sido

privatizados (com frequência por insistência do Banco Mundial) e inseridos na

lógica capitalista da acumulação; formas alternativas (autóctones e mesmo, no

caso dos Estados Unidos, mercadorias de fabricação caseira) de produção e

consumo têm sido suprimidas. Indústriasnacionalizadas têm sido privatizadas. O

agronegócio substituiu a agropecuária familiar. E a escravidão não desapareceu

(particularmente no comércio sexual) (HARVEY, 2009, p. 121).

Analisando a hipótese levantada por Harvey (2009), Paulo Arantes (2007, p. 185)

ratifica a análise:

98

Seja como for, a hipótese central de David Harvey para explicar a engrenagem do

novo imperialismo é preciosa. Nada mais nada menos que uma reativação de

formas supostamente arcaicas de exploração e dominação que Harvey enfeixa sob

a denominação única de Acumulação por despossessão. Uma fuga para a frente na

qual, como se disse, a lógica territorialista de poder volta a ser preponderante,

mesmo antagonizando a normalidade aterritorial dos negócios capitalistas

correntes e seu atual paradigma financeiro, no qual se exprime o desejo do capital

de não estar fixado em lugar nenhum. Quer dizer: por uma crise nada trivial, à

reprodução ampliada sufocada por essa mesmíssima crise veio em socorro (por

assim dizer) um regime de acumulação por “outros meios”, em sua grande maioria

processos marcados por toda sorte de violência. Numa palavra, mais uma vez:

Acumulação Primitiva. Só que reinterpretada de modo a reintroduzir no interior

do sistema finalmente completo do capitalismo as práticas predatórias que

caracterizaram sua pré-história externa – das guerras mercantilistas ao esbulho das

enclosures, passando pelo sistema colonial e pela instituição do milagre perene da

dívida pública. Não há nenhuma extravagância na hipótese. De uns tempos pra cá,

justamente a propósito dos novos “cercamentos” com os quais se parecem cada

vez mais as privatizações da última onda capitalista – nada mais próximo, hoje, de

um exclusivo colonial do que uma sequência genética patenteada –, debate-se para

saber se a Acumulação Primitiva deve ou não ser entendida num sentido

puramente histórico ou como um processo contínuo.

Em sua análise do imperialismo, Harvey (2009) emprega o conceito de acumulação

por despossessão, essencialmente para tratar das implicações do “novo” imperialismo nas

relações entre Estados nacionais; no entanto, a discussão em torno da dinâmica que envolve

este processo, no âmbito interno dos países, é igualmente válida.

O processo de acumulação capitalista observado nos grandes centros brasileiros não

foge à regra. Quando o Movimento Passe Livre dá início aos protestos contra o aumento da

tarifa de transporte público, em maio de 2013, na cidade de São Paulo, ele traz à tona esse

violento processo de acumulação por despossessão que, em última instância, impede sua

própria população, especialmente as classes mais desfavorecidas – já despossuídas de

habitação própria e, em diversos casos, impelidas a residirem na “periferia da periferia” –,

do direito básico de circular pela cidade.

Este é, por exemplo, o retrato claro dos moradores do extremo da Zona Sul de São

Paulo, que realizaram, no dia 29 de maio (Jardim Ângela) e no dia 03 de junho (Estrada do

M’Boi Mirim), dois atos contra o aumento da tarifa de transporte público. Esses moradores,

em média, gastam de duas a três horas para chegarem ao trabalho – ou seja, diariamente,

gastam entre 4 e 6 horas no trajeto entre a casa e o local de venda da força de trabalho –, não

possuem transporte público suficiente nem em boas condições, que atenda à região, fazendo

com que muitos deles caminhem longas distâncias para embarcarem em algumas conduções

para se chegar ao trabalho.

99

Apesar de o MPL conseguir catalisar, por intermédio de uma demanda – o transporte

público e sua tarifa, que, de forma direta ou não, relaciona com a maior parte da população

residente dos grandes centros –, um sentimento latente (violenta expropriação, não apenas

de um “Estado de bem-estar social”, mas também das condições básicas para reprodução da

força de trabalho), acreditamos que a luta contra esse processo despótico já se desenrolava

anteriormente.

Apesar disso, não conseguia abarcar grande parte da população, uma vez que os

principais despossuídos estavam nas periferias da cidade, e as lutas eram restritas a situações

e locais específicos, como por exemplo, os moradores do extremo da Zona Sul de São Paulo,

que antes das manifestações de junho de 2013, haviam realizado pelo menos 11

manifestações pela melhoria do transporte e da infraestrutura da região. Dentro desta mesma

problemática, porém, em situação diferente, cabe-nos rememorar a violenta desocupação e

reintegração de posse realizada na comunidade do Pinheirinho, no município de São José

dos Campos, em São Paulo.

Estes dois exemplos – que eram apresentados como casos isolados e “dentro das

regras legais” – ajudam a entender o processo de acumulação por despossessão em curso no

Brasil. Porém, a partir do rasgar do véu que se deu em junho de 2013, mostrou-se que não

eram processos isolados, mas estavam ligados pela mesma lógica de acumulação primitiva

do capital – o que reforçava as contradições sociais e históricas do país, que no período

recente, aparentavam terem sido superadas. No entanto, estavam em latência ou ocorriam

longe das lentes da grande imprensa – que restringe suas análises às regiões centrais ou

melhores situadas da cidade.

Na leitura do movimento pelas lentes de um morador da periferia da cidade, afirmou-

se:

é um momento triste, de a gente achar que está vivendo numa democracia, e não

vive. A classe média percebeu isso, a gente tem percebido sempre, a ditadura na

periferia nunca acabou. Esse povo que tá acordando agora tem que entender que

nós, da periferia, nunca dormimos. Isso que está acontecendo agora na classe

média, essa coisa dos protestos e tal, acontece na periferia todo dia”76.

Nessa mesma direção, no documentário Junho: o mês que abalou o Brasil (2014),

sob direção do fotografo João Wainer, esta problemática é apresentada. Na passagem do

76 Disponível em: <http://www.diariodaregiao.com.br/cultura/s%C3%A9rgio-vaz-o-vira-lata-da-literatura-

1.57083>. Acessado em: 20 jun.2016

100

segundo para o terceiro momento dos acontecimentos de junho, ou seja, entre os protestos

que antecederam e sucederam a queda do reajuste da tarifa na cidade de São Paulo, diversos

manifestantes foram às ruas com faixas e cartazes – além de bem caracterizados – com uma

mensagem que variava entre o messianismo nacionalista e o epopeico pseudo-

revolucionário: “O gigante acordou”.

Essa frase, de certa forma, estava desconexa com a história dos movimentos sociais

que, não apenas naquele mês de junho, estava nas ruas lutando por suas causas. Mas, ela era

entoada, como delimitou Sakamoto (2013, p. 95-100), pela “elite branca” paulistana, “a

chamada ‘nova classe média’ que ascende socialmente, tendo como referências símbolos do

consumo”. No entanto, era uma frase desconexa, pois negava a profunda violência que

diuturnamente assola parte substancial da população da cidade de São Paulo, que reside nas

periferias.

Ainda no documentário (2014), quando o historiador Boris Fausto é questionado se

o gigante acordou, sua resposta foi de encontro à de Sergio Vaz: “a periferia nunca dormiu”.

Essa violência é ainda mais chocante com a mensagem “despretensiosa” pichada no muro

de uma via da periferia em que estava ocorrendo um dos protestos e que precedeu a fala do

historiador: “não existe dia das crianças na periferia”.

3.2.2. Urbanização e conflito entre classes sociais no espaço urbano

Harvey (2014) analisa como o espaço urbano, a partir das questões relativas ao

processo de acumulação do capital e as lutas de classes, torna-se um campo de permanente

disputa entre as classes sociais. O autor parte da teoria do direito à cidade de Lefebvre e

busca argumentar que, apesar do “violento e sombrio” processo de gentrificação e

segregação da cidade imposto pelo capital – a partir de sua “destruição criativa” do espaço

urbano – para absorver seus excedentes, as cidades podem ser reorganizadas de maneira

socialmente mais justa e ecologicamente mais sã, bem como tornarem-se o foco da

resistência anticapitalista.

Para Harvey (2014, p. 28), o direito à cidade é muito mais amplo do que o acesso

individual ou coletivo aos recursos que a cidade dispõe: ele abarca a possibilidade de

inventar e reinventar a cidade, de acordo com os nossos mais profundos desejos. Logo, será

um direito que se dará, essencialmente, em sua dimensão social e coletivo, pois “reinventar

101

a cidade depende invariavelmente do exercício de um poder coletivo sobre o processo de

urbanização”.

[...] a tentativa mais coerente e, em termos gerais, mais bem-sucedida de refazer o

mundo em que vive, e de fazê-lo de acordo com seus mais profundos desejos.

Porém, se a cidade é mundo criado pelo homem, segue-se que também é o mundo

em que ele está condenado a viver. Assim, indiretamente e sem nenhuma

consciência bem definida da natureza de sua tarefa, ao criar a cidade o homem

recriou a si mesmo. (PARK apud HARVEY, 2014,p. 28).

No entanto, diante das contradições e disputas que envolvem o espaço urbano, a ideia

de direito à cidade pode ter um significado ambíguo ou vazio, sem significado em si mesmo,

dado que, conforme a classe ou fragmento de classe social que lhe reivindica, seu significado

pode ser alterado.

Reivindicar o direito à cidade equivale, de fato, a reivindicar um direito a algo que

não mais existe [...]. Além do mais, o direito à cidade é um significante vazio.

Tudo depende de quem lhe vai conferir significado. Os financistas e empreiteiros

podem reivindicá-lo, e têm todo direito de fazê-lo. Mas os sem-teto e os san-paiers

também o podem. (HARVEY, 2014, p. 29).

Porém, é importante ressaltar que, como o processo de urbanização das cidades é

ditado quase que exclusivamente pelo capital, o direito à cidade encontra-se confinado nas

mãos de uma pequena elite econômica e política que molda a cidade cada vez mais segundo

suas necessidades particulares e seus mais profundos desejos (HARVEY, 2014, p. 63).

Diante desse cenário conflitante, de embate entre forças antagônicas que disputam

palmo a palmo a posse do espaço urbano – atualmente, encontra-se segregado –, levantam-

se diversos questionamentos sobre as possibilidades heterotópicas, desde quais caminhos

seguir para se chegar a uma revolução urbana, até distinguir quais são os sujeitos

revolucionários – uma vez que as metamorfoses do capitalismo geraram uma nova

configuração de trabalhador, altamente especializado ao mesmo tempo em condições e

remuneração precárias, que não é tão coesa e não apresenta fácil mobilização.

Por quais vias, então, deve-se fazer essa revolução? Diante desse dilema, Harvey

(2014, p. 246) apontará que:

o direito à cidade não é um direito individual exclusivo, mas um direito coletivo

concentrado. Inclui não apenas os trabalhadores da construção, mas também todos

aqueles que facilitam a reprodução da vida cotidiana [...] Por motivos óbvios,

porém, trata-se de um direito complicado, devido às condições contemporâneas de

102

urbanização capitalista, assim como à natureza das populações que poderiam lutar

ativamente por esse direito.

Por isso, o direito à cidade, na concepção do autor, deve ser entendido

não como um direito ao que já existe, mas como um direito de reconstruir e recriar

a cidade como um corpo político socialista com uma imagem totalmente distinta:

que erradique a pobreza e a desigualdade social e cure as feridas da desastrosa

degradação ambiental. Para que isso aconteça, a reprodução das formas destrutivas

de urbanização que facilitam a eterna acumulação de capital deve ser interrompida.

(HARVEY, 2014, p. 247).

Harvey (idem) visualiza, nos movimentos sociais contemporâneos que tomaram as

ruas, desde Nova Iorque até Barcelona, Atenas, Berlim e São Paulo, uma possibilidade

revolucionária77. No entanto, ele adverte que qualquer possibilidade de mudança real, exige

uma atitude concreta, que avance para além dos manifestos em redes sociais e abarque a

ocupação dos espaços públicos. Não serão apernas os manifestos em redes sociais que

transformarão a realidade urbana, antes a mudança será o resultado da ocupação dos espaços

públicos, tomada das ruas pela população, do questionamento do modus operandi imposto

pelo atual modelo de acumulação capitalista.

Hoje, porém, pela primeira vez, existe um movimento explícito para confrontar o

Partido de Wall Street e seu absoluto poder econômico-financeiro. Em Wall Street,

a “rua” está sendo ocupada – horror dos horrores! – por outros. Espalhando-se de

uma cidade a outra, as táticas do Ocuppy Wall Street consistem em ocupar um

espaço público central, como um parque ou uma praça, perto dos quais se

concentrem muitas das alavancas do poder e, ao colocar corpos humanos nesse

lugar, transformar o espaço público em comuns políticos – um lugar para debates

e discussões abertas sobre o que esse poder está fazendo e qual seria a melhor

maneira de se opor a ele. Essa tática, notavelmente reativada nas nobres e atuais

lutas que se travam na Praça Tahrir, no Cairo, espalhou-se pelo mundo inteiro

(Puerta Del Sol) em Madri, Praça Sintagma, em Atenas, e agora nas escadarias da

Catedral de São Paulo em Londres e na própria Wall Street. Isso nos mostra que o

poder coletivo dos corpos no espaço público ainda é o instrumento mais eficaz de

oposição quando todos os outros meios de acesso encontram-se bloqueados. O que

a praça Tahrir mostrou ao mundo foi uma verdade óbvia: que os corpos nas ruas e

praças, e não a tagarelice sentimental do Twitter ou do Facebook, é o que

realmente importa. (Idem, p. 280-1).

77 “As praças Sintagma, em Atenas, Tahrir, no Cairo, e da Catalunha em Barcelona eram espaços públicos que

se tornaram comuns urbanos quando as pessoas ali se reuniram para expressar suas opiniões políticas e fazer

suas reivindicações. A rua é um espaço público que histórica e frequentemente se converte pela ação social em

um comum do movimento revolucionário, assim como em um espaço de repressão sangrenta” (HARVEY,

2014, p. 144).

103

Por fim, não basta apenas tomar as ruas, ocupar os espaços públicos, necessário é

romper com o ciclo de reprodução do capital.

Porém, se esses diversos movimentos de oposição se unissem de alguma maneira

– agregando-se, por exemplo, em torno da reivindicação do direito à cidade, quais

deveriam ser suas exigências?

A resposta a essa pergunta é bem simples: maior controle democrático sobre a

produção e o uso do excedente. Uma vez que o processo de urbanização é um dos

principais canais de uso, o direito à cidade se configura pelo estabelecimento do

controle democrático sobre a utilização dos excedentes na urbanização. Ter um

produto excedente não é algo ruim em sim mesmo: na verdade, em muitas

situações é crucial para a boa sobrevivência. Ao longo da história do capitalismo,

parte do valor excedente criado tem sido tributado pelo Estado e, nas fases social-

democratas, essa proporção aumentou significativamente, colocando grande parte

do excedente sob controle estatal. Nos últimos trinta anos, todo o projeto

neoliberal orientou-se para a privatização do controle sobre o excedente.

(HARVEY, 2014, p.61)

É nesta perspectiva que a pauta do Movimento Passe Livre se apresenta como

revolucionária, dentro da luta pelo direito à cidade. Partindo da discussão em torno da lógica

de reajuste contínuo no preço das tarifas, o MPL coloca, no centro do debate, três questões:

I) Quanto de excedente é gerado pela indústria de transporte público? II) quem se apropria

desses excedentes? II) Se há a geração de excedentes, há a possibilidade de eles serem

apropriados e realocados na economia de outra forma, bem como por outros sujeitos, ao

invés do cartel dos transportes públicos?

Quando essas questões são postas no debate, a ideia do aumento contínuo no preço

da tarifa deixa de ser uma “lei natural” inexorável, que não é revista em hipótese alguma e

passa a ser questionada, como ocorreu em junho de 2013. Consequentemente, a tarifa zero

deixa de ser uma utopia e passa a ser uma “utopia concreta”, conforme apontado por Michael

Löwy (2014). Será com a tarifa zero que, coletivamente, a cidade poderá ser (re)apropriada

por seus habitantes, uma vez que uma das principais barreiras, a catraca, será superada.

104

Capítulo 4

A preparação das manifestações de junho de 2013

Este capítulo tem por objetivo analisar as manifestações que eclodiram em junho de

2013 com o reajuste da tarifa de transporte público em algumas cidades, especialmente São

Paulo. Abordamos no início desta dissertação os três momentos distintos que aparecem nas

análises de vários autores, dentre eles, Singer (2013), Gripp (2014) e Gohn (2014), situados

a partir do início das manifestações de rua, quando o MPL adquiriu sua visibilidade.

A divisão proposta por esses autores é importante, sobretudo, para entendimento do

movimento a partir do “primeiro grande ato” organizado pelo Movimento Passe Livre

(MPL), em 06 de junho. No entanto, buscaremos analisar este fenômeno político e social a

partir de uma divisão metodológica em quatro fases, ante as três fases propostas pelos

autores. Esta divisão se deu a partir do aprofundamento da pesquisa que revelou a

importância dos assim chamados atos regionais organizados durante o mês de maio e o

início do mês de junho em diversas regiões da cidade de São Paulo, convocando para os

“grandes atos contra a tarifa”. A partir da análise da gênese desse process0,,o político capital

paulista, realizamos uma pesquisa de campo, na qual entrevistamos os estudantes

secundaristas da E.E. Ermano Marchetti, em Pirituba, que, juntamente com o MPL,

promoveram uma das primeiras, senão a primeira, manifestação contra o reajuste da tarifa,

antes da efetivação de seu aumento. Deste modo, analisaremos o movimento que se

desenrolou em junho de 2013 não a partir do reajuste da tarifa de transporte público, mas a

partir da preparação dos primeiros protestos.

4.1. O reajuste é adiado por conta da inflação

Aqueles que se dedicam a compreender a dinâmica histórica das explosões sociais

nas grandes metrópoles, como as que ocorreram durante a década de 1970 e 1980, conhecem

o potencial mobilizador que o transporte coletivo possui (MOISES; MARTINEZ-ALIER,

1978; OLIVEIRA, 1978; SILVA, 1983a). Os quebra-quebras de trens e ônibus que

ocorreram na década de 1970, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília –

conhecidos como a revolta dos suburbanos –, não decorreram, exclusivamente, do reajuste

105

da tarifa do transporte público. Apesar de esta variável possuir importância significativa para

os acontecimentos, outros fatores de ordem conjuntural, como atrasos e acidentes nas

composições, também motivaram diversos protestos. Na maioria das vezes, o aumento da

tarifa tornou-se o estopim de uma situação já insustentável de precariedade, tanto na

qualidade do transporte urbano, como da própria vida, em função das más condições de

moradia, baixa remuneração e dilatado tempo gasto no trajeto entre a casa e o trabalho

(MOISES; MARTINEZ-ALIER, 1978).

Apesar de diversas variáveis estarem implícitas em qualquer manifestação que

envolva o transporte público, não podemos deixar de ressaltar o peso que o reajuste da tarifa

possui neste conjunto de variáveis, uma vez que esses reajustes não ocorrem de forma

gradual, mas em uma única vez78, tornando-a um componente de alta sensibilidade,

especialmente à classe trabalhadora. No caso das manifestações de junho de 2013, não

ocorreu de forma diferente: a conjunção entre condição habitacional nos grandes centros

urbanos79, precarização nas relações sociais de trabalho80, juntamente com a condição

estrutural do transporte coletivo urbano formaram um verdadeiro “inferno urbano”, como

sintetizou Chauí (2014), no qual o reajuste da tarifa foi o leitmotiv para o surgimento de

manifestações. É nesse sentido que Vainer (2013, p. 36-7), a partir do pensamento de Mao

Tse-Tung, compreende o aumento da tarifa como a pequena fagulha que colocou fogo na

pradaria, isto é, na cidade:

Uma fagulha pode incendiar uma pradaria, dizia Mao Tse-Tung. Ora, qualquer

esforço de análise que pretenda examinar os processos em curso desde uma

perspectiva histórica deve dirigir seu olhar não para a fagulha que deflagra o

incêndio, mas para as condições da pradaria, que, estas sim, explicam porque o

fogo pode se propagar. A pradaria, como agora se sabe, estava seca, pronta para

incendiar-se. Esta pradaria são as nossas cidades.

O reajuste da tarifa de transporte público, na cidade de São Paulo, estava previsto

para ocorrer em janeiro de 2013. Contudo, por conta de uma estratégia de política

macroeconômica do Governo Federal, em parceria com outras unidades da Federação, de

postergar o reajuste de alguns bens cujos preços são controlados, com o objetivo de evitar o

78 “Se os reajustes dos preços dos alimentos, dos aluguéis e dos serviços, por exemplo, acontecem de forma

fragmentada, diluindo-se ao longo dos meses, o reajuste da passagem de ônibus, pelo fato de ser uma tarifa

regulada politicamente, acontece de uma única vez, atingindo a massa de trabalhadores ao mesmo tempo”

(ANTUNES, 2014, p.32-3). 79 Sobre esse assunto, ver Maricato (2013). 80 Mais detalhes, consultar Alves (2013); Antunes (2006; 2013) e Braga (2012).

106

rompimento da meta de inflação, o reajuste da tarifa de transporte público foi adiado nas

duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro – efetivando-se, apenas em junho

de 201381.

A decisão de adiar o reajuste das tarifas de transporte público fazia parte de um

conjunto de medidas que visavam dar continuidade à “nova matriz econômica”, implantada

no governo Dilma Rousseff82. Essa forma de controle inflacionário “artificial”, na análise da

equipe econômica do governo, era necessária para diminuir a pressão sobre o indicador

oficial de inflação, IPCA, no curto prazo – ou seja, nos primeiros meses do ano, pois outros

itens que compunham o índice, por questões climáticas, sazonais e oscilações nos preços

internacionais, estavam dificultando o indicador convergir para a meta – sem a necessidade

de recorrer aos instrumentos de política monetária, mais especificamente, elevar a taxa

básica de juros, Selic.

O índice oficial de inflação já vinha apresentando tendência de alta desde o início do

segundo semestre do ano anterior, porém ainda não havia rompido o teto da meta de

inflação83. Em janeiro de 2013, o IPCA acumulado em 12 meses, registrava 6,2%, o que

contribuiu com o aumento da especulação no mercado financeiro com os juros futuros e

aumentou a pressão para a retomada do ciclo de alta da taxa básica de juros (Selic).

Conforme Singer (2015), alguns setores da burguesia, especialmente a burguesia

rentista, já vinha travando uma disputa com o governo federal, por meio da grande mídia –

televisão, jornais, revistas e rádio – a fim de alterar os rumos da política econômica,

abandonando a “nova matriz econômica” e retomando o ciclo de alta dos juros. Nesse

contexto, o reajuste tarifário poderia pôr em risco, ainda no início de 2013, o “ensaio

desenvolvimentista” do governo petista, uma vez que a alta registrada nos índices de inflação

81 “Prevista para janeiro, a elevação de tarifas será adiada em São Paulo e no Rio. As duas prefeituras

confirmaram ter recebido pedido de adiamento do ministro da Fazenda, Guido Mantega” (DI CUNTO;

BUENO; LIMA; MARTINS; SERODIO, 2013, p. 3). Noutra matéria do Valor Econômico, “o prefeito de São

Paulo, Fernando Haddad (PT), confirmou (...) que recebeu pedido do ministro da Fazenda, Guido Mantega,

para empurrar o reajuste da tarifa de ônibus para o fim do primeiro semestre, com o objetivo de diminuir a

pressão do aumento sobre a inflação”. Pois, segundo o prefeito, “o ministro lhe disse que em janeiro há muita

pressão inflacionária, devido ao reajuste das matrículas das escolas, pagamento de impostos e compra de

material escolar, e pediu para que o reajuste em São Paulo não fosse feito no início do ano” (DI CUNTO,

2013). 82 Conforme analisado no capítulo II, o governo Dilma Rousseff adotou diversas medidas anticíclicas para

estimular a produção e o consumo interno frente à retração da demanda externa, causada pelo aprofundamento

da crise da dívida dos países da Zona do Euro. Esse conjunto de medidas abarcavam todos os tipos de políticas

econômicas (monetária, fiscal, cambial e social) e avançavam para um “novo tripé" nos termos do economista

Khair (2012), baseado em meta de crescimento, resultado fiscal e câmbio administrado. 83 A meta de inflação estipulada para o período era de 4,5% ao ano (a.a.), com banda de flutuação de 2 pontos

percentuais (p.p.) para cima e para baixo, ou seja, a inflação poderia oscilar entre 2,5% e 4,5% a.a.

107

no início do ano (sem as tarifas) já fora o suficiente para o aprofundamento da incursão da

fração rentista da burguesia doméstica, contra a política monetária do país:

Aproveitando-se de subida ocasional de preços em janeiro, Tombini, em conversa

com a jornalista Miriam Leitão em 7 de fevereiro de 2013, solta que a inflação

estava “mostrando uma resiliência forte” e que a situação não era “confortável”.

Diante da pergunta fatal sobre se era necessário mudar a política monetária,

respondeu que o BC [Banco Central] estava atento a tudo. Foi o suficiente para

que os investidores passassem a apostar na alta dos juros, o que significava demolir

a viga de sustentação do projeto dilmista (SINGER, 2015, p. 53).

Como o aumento da tarifa não foi cancelado, mas apenas postergado, a tendência era

que, quando ocorresse o reajuste, a inflação já haveria arrefecido e o impacto sobre o índice

seria menor. Porém, como esse cenário não havia se concretizado em sua totalidade84, e o

repasse total do reajuste da inflação dos transportes poderia incidir em mais pressão sobre

os índices de preços, o Ministério da Fazenda decidiu zerar a alíquota de PIS (Programas de

Integração Social) e COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social)85 que

eram pagas pelas empresas de ônibus, metrô, trens e transporte de passageiros por barcos.

Essa medida possibilitou que o reajuste da tarifa fosse inferior à inflação acumulada desde

o último aumento.

Apesar de essa medida viabilizar um reajuste inferior à inflação acumulada no

período, porém, ela tirava de cena, ainda que momentaneamente, outra proposta que estava

sendo articulada entre os prefeitos, que dava maior autonomia financeira à esfera municipal

para subsidiar as tarifas de transporte público: a municipalização da Contribuição de

Intervenção no Domínio Econômico (Cide – tributo arrecadado pela União que incidia sobre

os combustíveis.

O prefeito de São Paulo, nos primeiros meses de mandato, passou a articular uma

proposta de municipalização da Cide para subsidiar o transporte público coletivo. O objetivo

da proposta era de que o transporte privado subsidiasse o transporte coletivo. Conforme

Haddad (2013), “em São Paulo, 70% das pessoas utilizam o ônibus para ir para o trabalho,

ou para o estudo, e 30% vão de carro. Então a medida tem impacto ambiental, de mobilidade

84 Entre os fatores que impediram a convergência do índice, foi a inflação dos alimentos, por conta de fatores

climáticos. Durante o primeiro quadrimestre de 2013, o tomate foi um dos alimentos que apresentou maior

alta, em torno de 120%. Cf Preços altos de alimentos geram recuo no consumo. Globo.com. Disponível em:

<http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2013/04/precos-altos-de-alimentos-geram-recuo-no-

consumo.html>. 85 No dia 31 de maio de 2013, o Diário Oficial da União publica, em edição extra, a Medida Provisória nº 617,

zerando as alíquotas de PIS e COFINS pagas por empresas de transporte público coletivo urbano.

108

e na distribuição de renda [...] até na inflação tem um impacto positivo”86. Apesar de esta

medida ir de encontro à proposta de campanha do candidato, ele tinha ciência de que sua

efetivação dependia da articulação com os demais prefeitos e que, por isso, era pouco

provável que se efetivasse em curto prazo. Isso favoreceu que o subsídio viesse por meio da

liquidação das alíquotas de PIS e COFINS, e não por meio da municipalização da Cide.

No dia 22 de maio de 2013, a Prefeitura de São Paulo e o Governo do Estado de São

Paulo anunciaram um reajuste conjunto das tarifas de transporte público para o dia 02 de

junho. O reajuste que estava programado para acontecer seria inferior à inflação acumulada

desde janeiro de 201187. Esse reajuste abaixo da inflação acumulada no período foi

apresentado pelo governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), como uma

forma de “dar um ganho de eficiência e produtividade para o usuário” (SOUZA;

MONTEIRO, 2013, p.1). Esse argumento validava o reajuste e impedia qualquer

questionamento da lógica do reajuste da tarifa, pois os usuários estariam, segundo esta

perspectiva, ganhando em “eficiência e produtividade”, dado que a inflação no período teria

sido maior, ao invés de apenas estarem pagando mais pelo mesmo serviço.

Quando ocorreu o reajuste anterior na cidade de São Paulo, gestão de Gilberto Kassab

(DEM, na época PSD), o preço da passagem havia passado de R$ 2,70 para R$ 3,00,

avançando 11,1%, contra 5,8% da inflação acumulada no período88. Na ocasião, ocorreram

diversos atos contra o aumento. Durante dois meses consecutivos, o Movimento Passe Livre

(MPL) ocupou ruas e avenidas em protestos contra o aumento das passagens. Apesar de as

mobilizações terem tido força suficiente para colocar o tema em pauta, inclusive pesando,

significativamente, nas eleições do ano seguinte, não foi capaz de pressionar o poder público

a revogar o aumento tarifário (JUDENSNAIDER et.al., 2013, p. 25-6). Entre as causas que

impediram o êxito do MPL durante a incursão de 2011, a falta de mobilização para o

86 Pronunciamento do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), durante o seminário “Um Novo

Posicionamento na Gestão da Cidade de São Paulo", organizado pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide),

durante o mês de abril de 2013. Entrevista disponível em:

<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/comunicacao/noticias/?p=146524> Acessado em 15 abr.

2015. 87 “As passagens de ônibus municipais, metrô e trens metropolitanos subirão de R$ 3 para R$ 3,20 – 6,7% de

reajuste (...). O aumento dos ônibus ficou bem abaixo da inflação de 15,5% do IPCA (índice oficial, calculado

pelo IBGE) acumulado desde janeiro de 2011, data do último reajuste. Também ficou aquém dos 12,9% do

IPC – aferido pela Fipe na capital paulista. A decisão do prefeito Fernando Haddad (PT) de não seguir a

inflação, o que elevaria a tarifa de ônibus para R$ 3,47, foi tomada para ajudar o governo federal. (...) O

aumento muito abaixo da inflação destoa das decisões da prefeitura pelo menos desde 1994, na época de

implantação do Plano Real. De lá para cá, houve outros 11 reajustes na tarifa de ônibus paulistana. Em nove

deles, os índices ficaram acima da inflação; em dois, abaixo, mas muito próximos do IPCA”. (NERY, 2013). 88 Mais detalhes, ver Amaral (2011).

109

Movimento e a estratégia adotada – realizar grandes manifestações semanais para bloquear

importantes vias da cidade – foram as principais.

Essa forma de apresentar o reajuste tarifário, visava, entre outras coisas, evitar ao

máximo o desgaste político, pois a tarifa de transporte público era um dos pontos sensíveis

à popularidade dos governantes, especialmente, entre a população de menor renda. Em certa

medida, o que a postergação do reajuste das tarifas de transporte público colocava em pauta

eram as eleições de 2014 – em que concorriam candidatos para o legislativo (deputado

estadual, deputado federal e senador) e o executivo (governador e presidente).

Como o reajuste da tarifa havia passado de janeiro para junho, em caso de

manifestações contra o reajuste, o período para “recuperar a imagem” perante o eleitorado

diminuiria. Essa questão, em tese, teria impacto menor na esfera municipal, pois, além de o

prefeito Fernando Haddad (PT) estar em seu primeiro ano de mandato, ele não quebraria sua

promessa de campanha89. Conforme matéria publicada pela Folha de S. Paulo, o prefeito

teria orientado sua equipe a não repassarem o reajuste da tarifa em sua totalidade para não

descumprir a promessa de campanha: “Haddad disse que o valor da passagem de ônibus não

vai subir acima da inflação acumulada desde o último reajuste [...] O prefeito disse ter

orientado a Secretaria Municipal de Transportes para cumprir sua promessa de campanha”

(SOUZA; MONTEIRO, 2013, p. 1).

No entanto, o editorial d’O Estado de São Paulo do dia 25 de maio, apresenta a

declaração conjunta entre o prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), e o governador do

Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), sobre o reajuste da tarifa como uma

manobra política entre o governo federal e o municipal, visando às eleições de 2014.

Segundo o editorial, os dois governantes petistas – municipal e federal – estavam fazendo

“uso político da tarifa”, uma vez que o alvo de tal medida não se dirigia à política

macroeconômica – para manter o índice de inflação dentro da meta – mas visava, sobretudo,

“abrir caminho para as ambições políticas da presidente e seu partido [PT]”. Nesse sentido,

a tese defendida pelo jornal apontava que o governo estadual – que também foi beneficiado

89 Devemos salientar que, o fato de o prefeito “teoricamente” possuir um risco político menor, não diminuía

suas chances reais de, logo no primeiro ano de mandato, sofrer com a queda da popularidade. Como bem

observou a jornalista Vera Magalhães no anúncio conjunto entre o prefeito da cidade de São Paulo e o

Governador do Estado de São Paulo: “poucos indicadores têm o poder de derrubar rapidamente a popularidade

de governantes quanto o (...) preço das passagens” Por isso, “o tucano e o petista concordaram em discutir de

forma coordenada a recomposição tarifária não só porque o transporte público está integrado por meio do

Bilhete Único. Ambos sabiam que quem anunciasse preço maior sofreria sozinho o desgaste que, agora, pode

ser divido” (Folha de S. Paulo, 23 mai. 2013, Caderno Cotidiano, p. 3).

110

pelas isenções fiscais e reajustou a tarifa dos trens e metrô abaixo da inflação oficial – foi

“constrangido” a aceitar a proposta de reajuste, caso contrário pagaria “alto preço político”:

O anúncio da nova tarifa dos três meios de transporte coletivo da capital paulista

[...], que vai vigorar a partir do dia 2 de junho, deixou bem claro o caráter

predominantemente político desse aumento. Ela passa de R$ 3,00 para R$ 3,20,

um reajuste de 6,7%, muito abaixo da inflação no caso do ônibus, serviço gerido

pela Prefeitura, cujo índice acumulado desde o último aumento foi de 14,4%. No

caso do metrô e do trem, estes de responsabilidade do Estado, a diferença foi

menor (inflação de 7,2%).

Por interferência direta do governo federal – que com isso tenta conter a escalada

da inflação e favorecer a reeleição da presidente Dilma Rousseff –, o prefeito

Fernando Haddad concordou com um aumento irreal, que deveria ficar entre R$

3,20 e R$ 3,30. Constrangido, o governador Geraldo Alckmin teve de aceitar

também a proposta. Se não o fizesse, pagaria um preço político alto, pois

certamente seria apontado como o responsável pela adoção impopular de uma

tarifa maior. Para forçar a opção pelo valor mais baixo, de R$ 3,20, o governo

federal prometeu editar Medida Provisória suspendendo a cobrança de dois

impostos – PIS e Cofins – sobre a tarifa de ônibus, metrô, trens e barcos. Como

isso não pode ser feito apenas para esta ou aquela cidade isoladamente, ela atinge

todo o País. [...] O alvo não é domar a inflação - com o que toda pessoa sensata

estaria de acordo –, mas abrir caminho para as ambições políticas da presidente e

seu partido.

Essa intenção já tinha ficado evidente, quando o governo federal interveio com

êxito junto a Haddad e Alckmin, meses atrás, para conseguir deles o adiamento do

reajuste daquela tarifa, normalmente feito em janeiro ou fevereiro, para junho. Não

contente, agora ele resolveu jogar mais pesado e novamente obteve o que queria90.

A versão apresentada pelo jornal O Estado de São Paulo não é isolada e pontual,

mas, como ficará mais evidente no transcorrer da análise dos acontecimentos, é fruto da

construção de uma narrativa dos acontecimentos de junho de 2013 pelas mídias tradicionais,

na qual, direta e indiretamente, tentam apresentar os governos municipal e federal, ambos

do PT, como os únicos responsáveis [culpados] pela crise iniciada pelo reajuste da tarifa,

enquanto exime ou omite, em diversos momentos, o governador Geraldo Alckmin, do

PSDB.

As medidas fiscais – desonerações tributárias e incentivos fiscais –, bem como as

estratégias utilizadas para anunciar o reajuste, visavam não apenas ao controle inflacionário,

mas, especialmente, a atenuação dos possíveis desgastes políticos atrelados ao aumento das

passagens de transporte público. No entanto, mesmo com essas medidas paliativas, o risco

de protestos era real e não apenas hipotético, tanto pelo histórico de lutas do MPL, nas

incursões anteriores, como em função da conjuntura política em torno da pauta. Antes

mesmo de ser anunciado quando se efetivaria o reajuste na cidade de São Paulo, Porto Alegre

90 Uso político de tarifas. [Editorial]. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25 mai. 2013, Caderno Principal, p. 3.

111

já havia conseguido derrubar o aumento das passagens. Desde o início de janeiro de 2013,

as ruas, avenidas e praças de Porto Alegre eram tomadas por estudantes, trabalhadores,

membros de movimentos sociais e militantes partidários e sindicais que protestavam contra

o aumento das passagens. A mobilização em Porto Alegre durou até o início de abril, quando

uma liminar da justiça suspendeu o aumento das tarifas de transporte público. Na ocasião, o

preço da passagem retroagiu de R$ 3,05 para R$ 2,85.

As manifestações de Porto Alegre marcaram a primeira vitória contra o aumento das

passagens em 2013. Outras mobilizações em diferentes capitais brasileiras, como Natal e

Goiânia já estavam em curso antes mesmo da efetivação do reajuste em São Paulo e no Rio

de Janeiro. Durante o mês de maio, milhares de pessoas foram às ruas de Goiânia protestar

contra o aumento da tarifa de ônibus que passou de R$ 2,70 para R$, 3,00. O mesmo ocorreu

em Natal91, quando manifestantes tomaram as principais avenidas da cidade para protestar

contra o aumento de R$ 0,20 no preço da passagem de ônibus, passando de R$ 2,20 para R$

2,40. Após vários dias de protestos sob forte repressão policial, o prefeito da cidade de Natal,

Carlos Eduardo Alves (PDT) recuou e reduziu gradualmente a tarifa92.

Diante desse contexto, declarações, como “ganho de eficiência e produtividade para

os usuários” e “os reajustes estão sendo inferiores à inflação acumulada”, implicitamente,

buscavam minimizar os possíveis desgastes políticos observados em outras cidades. Porém,

o MPL, um dos principais movimentos por passe livre, não projeta seus atos e mobilizações

conforme o percentual do aumento da tarifa, mas contra a própria lógica da tarifa.

Ainda que o reajuste fosse outro, superior ou inferior, o movimento manteria sua

mobilização. É importante frisar que a diferença não está na atuação do Movimento Passe

Livre, mas no grau de sensibilidade da população com relação ao percentual de reajuste da

tarifa, pois quanto maior for o reajuste, maior tende a ser o grau de insatisfação e,

consequentemente, o tamanho da participação popular nas ruas. Em resumo,

independentemente do percentual reajustado, o Movimento organizaria mobilizações em

protesto à alta da tarifa.

91 A cidade de Natal desde o segundo semestre de 2012 já vinha apresentado fortes protestos contra o reajuste

da tarifa de transporte público. Isto porque “no dia 27 de agosto de 2012, a Prefeitura de Natal anunciou

aumento de vinte centavos na passagem de ônibus. Dois dias depois, 2 mil pessoas saíram às ruas para protestar,

no que foram duramente reprimidos [...]. As manifestações se multiplicaram e em 6 de setembro os vereadores

revogaram o aumento da tarifa de ônibus. A Prefeitura insistiu no aumento em maio de 2013, gerando nova

onde de protestos” (RACCI; ARLEY, 2014, p. 130). 92 “O prefeito de Natal anuncia por meio de sua conta no Twitter a redução das passagens de ônibus de R$ 2,40

para R$ 2,30. Dezoito dias depois, dizendo que a cidade não poderia ficar ‘na contramão do país’, o prefeito

implementava nova redução para R$ 2,20”. (BORBA; FELIZI; REYS, 2014, p. 424).

112

4.2. Atos regionais e as convocatórias para as grandes manifestações

A efetivação do aumento do preço das passagens estava programada para ocorrer no

início do mês de junho de 2013. Tanto as declarações do Prefeito da capital paulista,

Fernando Haddad, como as do Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do

Ministro da Fazenda, Guido Mantega, já deixavam claro em qual mês ocorreria o reajuste

da tarifa, porém a data e o percentual não estavam definidos. Apesar de o anúncio oficial de

que as tarifas de ônibus, metrô e trens sofreria reajuste conjunto e que somente ocorreria no

dia 22 de maio, passando a vigorar a partir de 02 de junho93, o MPL dez dias antes, isto é,

dia 12 de maio, já convocara o primeiro ato contra o aumento da tarifa, por meio do site

oficial do Movimento e pelas redes sociais94. Não podemos, entretanto, atribuir o êxito do

movimento apenas às ferramentas digitais, com seu poder de difundir informações. Apesar

de o Movimento se valer da internet e de seus recursos de interação digital, o trabalho de

base, especialmente, em regiões periféricas da cidade e em escolas públicas, fora decisivo

nos momentos iniciais das manifestações de junho de 2013.

Como o MPL convocou o ato com quase um mês de antecedência, foi possível a

organização de atos e mobilizações menores em regiões distintas da cidade visando ao

“grande ato do dia 6” (vide a figura I). Essas mobilizações que precederam ao primeiro ato

são apresentadas como “manifestações regionais [que] surgiram de forma descentralizada e

espontânea”. Entretanto, essa análise deve ser repensada a partir da experiência prática –

trabalho de base do próprio Movimento –, uma vez que, antes de ocorrerem os atos, o MPL

já difundia suas ideias e bandeiras através de palestras, rodas de conversas e mobilizações

nessas mesmas regiões. Logo, essas mobilizações locais, em escolas públicas e regiões

93 São Paulo (cidade). Decreto n. 53.935, de 24 mai. 2013. Autoriza a cobrança de novas tarifas para o Sistema

de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo. Diário Oficial da Cidade de São Paulo,

São Paulo, 25 mai. 2013. Disponível em:

<http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/decretos/D53935.pdf > Acessado em: 13 abr. 2015. 94 Conforme convocatória do MPL: “O prefeito já confirmou que a tarifa de ônibus em São Paulo vai aumentar

no início de junho. Segundo o governador, as passagens do Metrô e da CPTM devem subir junto. O valor do

aumento ainda não está confirmado, mas se R$3 já é um roubo, imagina mais! Por isso chamamos todos a uma

grande manifestação contra o aumento, na quinta-feira dia 06/06, com concentração a partir das 17h em frente

ao Teatro Municipal (próximo ao metrô Anhangabaú e do terminal Bandeira). Se a tarifa aumentar, São Paulo

vai parar! (...). É possível barrar um aumento! Nos últimos anos, a população de várias cidades do Brasil saiu

às ruas para protestar e conseguiu forçar suas prefeituras a abaixar o preço da passagem. Aconteceu em

Florianópolis, Porto Alegre, Vitória, Teresina, Natal, Aracajú e Taboão da Serra. Se eles conseguiram lá,

podemos conseguir aqui também! Só falta São Paulo”. (MOVIMENTO PASSE LIVRE, 2013a).

113

periféricas da cidade, fizeram parte da estratégia do Movimento para o primeiro “grande ato”

contra a tarifa.

Figura 1 – Panfleto do primeiro grande ato – 06/06

Fonte: Movimento Passe Livre

Os autores não deixam de compreender que essas mobilizações apresentavam

significativas mudanças com relação às campanhas anteriores, pois, “incorporando o

aprendizado desse período [2011], a estratégia para 2013 era a de realizar atos grandes e de

maior impacto, em vias mais centrais e com curto intervalo de tempo entre eles, de maneira

a asfixiar o poder público”. Logo, para que o “grande ato do dia 6” juntasse contingente

suficiente para conseguir parar alguma via central da cidade e mobilizar a atenção das

autoridades públicas para a demanda, o sucesso das mobilizações que precediam o grande

ato era fundamental (JUDENSNAIDER et. al., 2013, p. 26-7).

Os primeiros atos regionais ocorreram em escolas públicas da cidade. No dia 27 de

maio, o MPL e os alunos do ensino médio da E.E. Ermano Marchetti, em Pirituba,

organizaram dois atos contra a tarifa, [um pela manhã e outro a noite], reunindo cerca de 200

estudantes em cada um deles. No dia seguinte (28/05), foram realizados dois atos novamente:

114

o primeiro com estudantes da E.E. São Paulo95, localizada na região central da capital; e o

segundo, um “ato-vigília” em frente à prefeitura da Cidade de São Paulo96. A convocatória

feita pelo site do MPL deixa evidente a importância dessas mobilizações dentro do contexto

das lutas contra o aumento da tarifa:

“Às 12h da terça-feira, dia 28, os estudantes da E.E. São Paulo e o MPL realizarão

um ato contra o aumento das passagens de ônibus, trem e metrô. Essa manifestação

se insere em uma rodada de ações locais organizadas pelo MPL ao longo da

semana para difundir a luta em diferentes regiões da cidade e fortalecer a

divulgação do grande ato do dia 6” (MOVIMENTO PASSE LIVRE, 2013c).

Estes primeiros atos regionais e os demais que precederam o “grande ato do dia 6” –

no Jardim Ângela (29/05)97, na Estrada do M’Boi Mirim (03/06)98, Vila Leopoldina

(05/06)99 e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) – são importantes

para compreender, não só a composição social da massa, como também a forma de

organização e mobilização do MPL nas manifestações de junho de 2013.

O minidocumentário Primeiras Chamas100 relata parte das mobilizações que

antecederam as “jornadas de junho”, analisando os atos organizados pelo MPL com

95 Movimento Passe Livre (MPL). Ato contra o aumento na EE São Paulo. São Paulo, 27 mai. 2013. On-line.

Disponível em: <http://saopaulo.mpl.org.br/2013/05/27/ato-contra-o-aumento-na-ee-sao-paulo/> Acessado

em 20 set. 2013. 96 Disponível em <http://saopaulo.mpl.org.br/2013/05/27/ato-vigilia-contra-o-aumento-em-frente-a-

prefeitura/> Acessado em: 11 out. 2013. 97 Foi realizada, no período da manhã, uma ação em frente ao Terminal Jd. Ângela, com uma intervenção e

panfletagem. Disponível em: < http://saopaulo.mpl.org.br/2013/05/27/acao-contra-o-aumento-no-jd-angela/>.

Acessado em: 20 jun.2013. 98 De acordo com o MPL, cerca de cem pessoas bloquearam a Estrada do M’Boi Mirim, zona sul de São Paulo,

em protesto contra o aumento das tarifas de ônibus. A manifestação foi organizada pelo MPL em conjunto com

outros militantes da região, teve início por volta das 6h da manhã em frente ao Terminal Guarapiranga e seguiu

em direção à Subprefeitura da região. Nessa mesma data, durante a madrugada, moradores realizaram outro

protesto, bloqueando a M’Boi no Fundão (altura da ponte do rio M’Boi Mirim) com pneus em chamas e

escreveram no asfalto “R$3,20 não”. “A M’Boi Mirim é uma das regiões com maior congestionamento da

cidade e que concentra o maior número de usuários do transporte coletivo, mas devido às péssimas condições

de mobilidade, boa parte dos moradores é forçado a caminhar longas distâncias a pé diariamente. Desde 2008,

a população local realizou pelo menos 11 manifestações exigindo melhorias no transporte, como a duplicação

da Estrada até a divisa e a extensão da Linha 5 do metrô até o Jd. Ângela”. Disponível em: <

http://saopaulo.mpl.org.br/2013/06/03/protestos-na-mboi-mirim-no-primeiro-dia-do-aumento/>. Acessado

em: 20 jun. 2013. 99 O último ato regional contra o aumento da tarifa ocorreu na Vila Leopoldina, com militantes do MPL e

estudantes da EE José Monteiro Boanova, do SESI Vila Leopoldina e da ETEC Prof. Basilides de Godoy. De

acordo com o Movimento, o ato teve início na EE José Monteiro Boanova, por volta do meio dia, e caminhou

pelo bairro, passando pelas outras duas escolas e convidando os demais estudantes a participarem da mesma

luta. Disponível em: < http://saopaulo.mpl.org.br/2013/06/03/ato-contra-o-aumento-na-vila-leopoldina/ >.

Acessado em: 15 ago. 2014.

100 Primeiras Chamas. Produção: Movimento Passe Livre, 2013. (14 min), On-line. Disponível em: <

http://saopaulo.mpl.org.br/2013/09/13/primeiras-chamas-os-atos-regionais-que-inauguraram-as-jornadas-de-

junho/>

115

estudantes secundaristas: os da E.E. Ermano Marchetti, em Pirituba, e os da E.E. São Paulo,

no Parque D. Pedro. O minidocumentário inicia-se com uma catraca queimando, enquanto

alunos e militantes do MPL, acompanhados pela percussão, cantam: “queima catraca,

queima catraca”. O simbolismo da catraca queimando coloca ,no centro do debate,

especialmente para aqueles alunos, não apenas o reajuste da tarifa e luta imediata contra esse

aumento, mas a própria lógica tarifária que se impõe como impeditivo do acesso à cidade.

Essa questão fica evidente numa das faixas confeccionadas pelos estudantes e utilizadas

durante o ato em Pirituba que trazia escrita em letras garrafais:

“DESCATRACALIZAREMOS SÃO PAULO”.

Figura 2 – Faixa dos estudantes – Descatracalizaremos São Paulo

Ao apresentar a cidade como refém da catraca, os estudantes questionaram não

apenas a tarifa, mas o direito à própria cidade (HARVEY, 2014), que era limitado àqueles

que podiam pagar a tarifa – como apresentado em um cartaz portado por um estudante

durante este mesmo ato: “o meu direito de ir e vir agora custa 6,40”. Em outras palavras, não

era apenas o transporte público que possuía catraca, mas a própria cidade tornara-se refém

da tarifa. É uma lógica perversa que restringe o acesso à cidade para cerca de 1/3 da

população.

116

Afinal, sabe-se que o transporte onera excessivamente a renda de muitos

trabalhadores e que 1/3 das populações das cidades não tem sequer como arcar

com a tarifa, tendo que andar a pé. Ter que pagar para ir à escola, ao hospital, ao

centro cultural, ao museu, ao parque e à praça, quase todos serviços gratuitos, pode

ser um impedimento ao seu acesso para muitos cidadãos.

Por isso, a tarifa zero põe em dúvida a mercantilização da cidade – porque

pagamos por esse direito? Mesmo que a população não saiba tecnicamente como

implantar a tarifa zero, percebe politicamente sua justiça e pergunta-se, afinal,

porque pagar pelo transporte público, que é um direito do cidadão, porque passar

por catracas humilhantes como gado e apinhar-se em ônibus feitos sobre carroceria

de caminhão. Por que aceitamos tudo isso? A “descatracalização” dos ônibus, da

cidade, do acesso aso direitos, enfim, a descatracalização da vida, [...] é uma forma

de retomar a “imaginação no poder”. (ARANTES, P. F, 2014, p. 62-3).

A imagem da catraca queimando, que inicia e termina o minidocumentário, possui,

portanto, importante significado simbólico, que coloca em questão a possibilidade de se

pensar o transporte coletivo gratuito, o “passe livre”.

Essa questão, porém, é abrangente e, no limite, pode abarcar a seguinte problemática:

como chegaremos a uma cidade livre, na qual todos possuem o direito de ir e vir, se não

colocarmos no centro do debate a descatracalização? Esta cidade livre, em que todos os

indivíduos possuem o direito de ao menos circular por ela só pode ser pensada à medida que

fossem “queimadas” as catracas, e o transporte público voltasse a ser um bem público, à

serviço do público. Só se descatracaliza a cidade quando descratacalizarem os transportes

públicos.

117

Figura 3 – Catraca queimando – Terminal de ônibus em Pirituba

Uma das últimas mobilizações a preceder os “grandes atos contra a tarifa” ocorreu

no Museu da Cultura na PUC-SP. Foi um debate organizado pelo MPL e pela revista

Vaidapé, com militantes do Movimento, intelectuais e alunos: “Movimento Passe Livre e

Revista Vaidapé, com apoio do Centro Acadêmico de Multimeios e Publicidade, convidam

todos para o debate ‘Qual é o preço do transporte público?’, seguido de FESTA CONTRA

O AUMENTO no CACS (com cerveja e vinho para esquentar a noite!)”101 (MPL, 2013d).

101 Cf. Evento marcado pela revista Vaidapé em sua página da rede social Facebook: “Qual é o preço do

transporte público?”. Disponível em: <https://www.facebook.com/events/395557520562228/>.

118

Figura 4 – Cartaz do evento organizado pelo MPL e a revista Vaidapé

Fonte: Movimento Passe Livre

Essa chamada mais descontraída assinalava o último ato antes do início das

“jornadas”, além de marcar, para muitos dos alunos e militantes (alguns também alunos da

PUC-SP), o encerramento do semestre letivo. Podemos conjecturar que essa “festa contra o

aumento” contribuía tanto com o fortalecimento do sentimento de pertencimento ao meio,

quanto com os motivos para convidar outros a participarem do movimento e das

mobilizações.

Esta hipótese converge com a intervenção do filósofo Paulo Arantes na aula pública

convocada pelo MPL, em 27 de junho de 2013, uma semana após a conquista da revogação

do aumento da tarifa102 na qual ele utiliza o artigo A revolução não será tuitada escrito pelo

jornalista Malcolm Gladwell (2010)103 para argumentar que a mobilização popular é um

102 A aula pública ocorreu em frente a Prefeitura da cidade de São Paulo e, conforme o MPL ao menos 500

pessoas participaram do evento. Além de Paulo Arantes, Lúcio Gregori, engenheiro, ex-Secretário Municipal

de Transportes [1989-1992] e idealizador do Projeto Tarifa Zero, também ministrou uma palestra sobre tarifa

zero na ocasião. (Cf. ARANTES, Paulo, 2013); Vídeo e matéria publicadas pelo MPL sobre a aula pública

estão disponíveis em: <http://saopaulo.mpl.org.br/2013/07/01/video-da-aula-publica-com-lucio-gregori-e-

paulo-arantes-tarifa-zero-e-a-mobilizacao-popular/>). 103 Texto publicado, originalmente, no jornal New Yorker, em 2010, cerca de dois meses antes do início dos

protestos da primavera árabe e alguns meses antes dos indignados, na Espanha.( Cf. GLADWELL, 2010).

119

processo que vai além de um manifesto ou “evento” em redes sociais. Na ocasião,

ARANTES (2013) defendeu que apenas vínculos fortes entre pessoas seriam capazes de

impulsionar movimentos ativistas de alto risco, como por exemplo, MST, MTST e o próprio

MPL, que sofreram forte repressão em seus atos.

No artigo A revolução não será tuitada, Gladwell (2010) rememora o maior

movimento de massa ocorrido nos Estados Unidos no século XX, a campanha pelos direitos

civis dos anos 60, para argumentar que o ativismo, em redes sociais, decorre de vínculos

fracos entre seus participantes, que não correm riscos reais como os militantes tradicionais,

unidos por vínculos fortes. Ele analisa o movimento político e social que se iniciou em

fevereiro de 1960, numa cidade do interior da Carolina do Norte, a partir de um

acontecimento: quatro estudantes universitários negros resolvem ir a uma lanchonete e

sentam em um local reservado aos clientes brancos. Sem serem atendidos, ficam sentados

até o fechamento da lanchonete. No dia seguinte, o ato se repete e, de igual modo, não são

atendidos. Apesar de não serem atendidos, o ato daqueles estudantes gerou grande

mobilização na cidade, tanto entre os moradores como entre estudantes, curiosos e

jornalistas:

[Durante o primeiro dia], por volta das cinco e meia, as portas principais da loja

foram fechadas. [...] Do lado de fora, formara-se uma pequena multidão, incluindo

um fotógrafo do jornal "Record", de Grensboro. "Volto amanhã, com o A&T

College inteiro", disse um dos universitários.

Na manhã seguinte, o protesto havia se expandido e o grupo somava 27 homens e

quatro mulheres [...] Na quarta, veio a adesão dos alunos do colégio "para crioulos"

de Greensboro, a Dudley High, e o número de manifestantes subiu a 80. Na quinta,

já eram 300, incluindo três brancas, do campus local da Universidade da Carolina

do Norte. No sábado, o protesto contava 600 pessoas, espalhadas pelas calçadas

em torno da loja. (GLADWELL, 2010, p.4).

Uma semana após o ato daqueles estudantes, os protestos haviam alcançado as

cidades próximas, abarcando diversas universidades. Antes, porém, que completasse um

mês, grande parte do Estado havia aderido à causa daqueles estudantes e “manifestações

semelhantes estavam sendo realizadas em todo o sul dos Estados Unidos, chegando até o

Texas, no oeste” (GLADWELL, 2010, p. 3). Em suma, o movimento que começou com

apenas quatro estudantes, no final de um mês, mais de 70 mil estudantes aderiram. Desse

total de estudantes, milhares foram detidos e outros tantos se radicalizaram na luta pelos

direitos civis.

120

Gladwell (2010) apresenta esse movimento como um caso emblemático que ocorreu

independentemente de qualquer tipo de rede social, defendendo que só o que ele chama de

“vínculos fortes” entre pessoas é capaz de impulsionar movimentos sociais e ativistas de alto

risco. Muito mais do que a convicção ideológica e conscientização em relação à realidade

concreta, o autor, a partir de outros exemplos, constata que o vínculo social é preponderante

na participação de algum tipo de ato de mobilização social. Os exemplos mais diversos

apresentados por Gladwell (idem) corroboram sua hipótese:

Um estudo sobre as Brigate Rosse [Brigadas Vermelhas], grupo terrorista italiano

dos anos 70, constatou que 70% de seus recrutas já tinham pelo menos um grande amigo na

organização. O mesmo se aplica aos homens que aderiram aos Mujahideen do Afeganistão.

Até mesmo manifestações revolucionárias que parecem espontâneas, como as que

conduziram à queda do Muro de Berlim, na Alemanha Oriental, são, em seu âmago,

fenômenos de vínculos fortes. (GLADWELL, 2013, p. 5).

O autor explora essa hipótese em diversos outros casos de manifestação e revolta

popular, como em Moldova, no leste europeu, segundo trimestre de 2009, e nos protestos

estudantis em Teerã104, que precederam a primavera árabe. Para ele, “que importa quem

janta quem na internet? As pessoas que estão no Facebook são mesmo a nossa grande

esperança? Quanto à chamada revolução via Twitter na Moldova, [...] a importância do

Twitter é quase nula na Moldova, onde existem pouquíssimas contas desse serviço”

(GLADWELL, 2013, p. 5). A crítica do autor refere-se às relações criadas pelas redes sociais

virtuais que são frágeis e inócuas, fadadas à fragmentação e ao espontaneísmo, impedindo a

criação de vínculos fortes necessários à política (GAJANIGO; SOUZA, 2014, p.578).

Arantes (2013) utiliza o artigo de Gladwell como base refutar os teóricos das redes

sociais virtuais105, especialmente a Manuel Castells (2013a), com relação à tese da sociedade

em redes e seu poder mobilizador. Para Arantes (2013), a resposta dada por Castells (2013b)

em entrevista à Folha de S. Paulo poucos dias antes do início das manifestações de junho

(03/06/2013), não deixava de ser evasiva e insatisfatória. Quando muito, conforme as

próprias palavras de Castells (idem), as redes sociais desempenham um papel secundário na

104 “No caso do Irã, as pessoas que usaram o Twitter para comentar as manifestações viviam quase todas no

Ocidente. ‘É hora de esclarecer o papel do Twitter nos acontecimentos do Irã’, escreveu Golnaz Esfandiari

meses atrás, na revista ‘Foreign Policy’. Em resumo: no Irã, não houve revolução via Twitter”. (Gladwell,

2010, p.4). 105 Entre os principais expoentes da teoria das redes sociais virtuais, podem-se destacar: Levy (2011); Scherer-

Warren (2006); Castells (2010); Moraes (2008, 2010); Gohn (2007); Canclini (2009), entre outros.

121

mobilização de pessoas, isso porque “é claro que não basta um manifesto no Facebook para

mobilizar milhares de pessoas”.

Mesmo um ideólogo da teoria da sociedade em rede como Manuel Castells admite

que um manifesto em rede social não leva ninguém à rua. Para ele, seria

necessário, antes, que ele encontre um ambiente de insatisfação pública e mobilize

imagens e palavras que correspondem a isso. Esta resposta, no entanto, não deixa

de ser insatisfatória pois, de início, a insatisfação pública é uma obviedade, não há

imagens nem palavras que correspondem a ela (ARANTES, 2013).

Portanto, seguindo o pensamento de Arantes (2013) e Gladwell (2010), quando se

iniciam as manifestações de junho, no “grande ato do dia 06”, não era apenas uma massa

informe e heterogênea posta na rua contra uma pauta específica. Era o resultado de

mobilizações anteriores, da relação entre professores-alunos; alunos-alunos; militantes-

professores; militantes-alunos; população-movimento social. Em resumo, era o fruto da

relação movimento social-população-academia.

Analisar as manifestações de junho, tendo como ponto de partida o dia 06 de junho,

é tirar do movimento um dos aspectos cruciais para o êxito do movimento: as mobilizações

que precederam a esse grande ato, podendo induzir a interpretações e conclusões

equivocadas sobre o fenômeno.

Castells (2013a), no posfácio à edição brasileira de Redes de indignação e esperança,

apresentou o movimento como uma explosão natural de uma situação insustentável, que

irrompe numa revolta popular. Os protestos de junho de 2013 ocorreram

sem que ninguém esperasse. [...] Sem apoio da mídia. Espontaneamente. Um grito

de indignação contra o aumento do preço dos transportes que se difundiu pelas

redes sociais e foi se transformando no projeto de esperança de uma vida melhor,

por meio da ocupação das ruas em manifestações que reuniram multidões em mais

de 350 cidades (CASTELLS, 2013a, p.178).

Sem a pretensão de negar a importância das redes sociais, podemos constatar que os

meses que precederam as “jornadas de junho” já davam sinais de que poderia ocorrer algum

tipo de manifestação popular em São Paulo, uma vez que, como já apresentado, outras

cidades já estavam em protesto contra o aumento das tarifas. Portanto, não foi “sem que

ninguém esperasse”. Que ocorreria o movimento, isto já estava certo. O que “não era

possível “prever” e o que “ninguém esperava” era a proporção que tomou e o seu

desenvolvimento.

122

Outro ponto que deve ser ressaltado é que o “corpo a corpo” foi decisivo para o êxito

do movimento, especialmente, nos momentos iniciais das mobilizações de junho. Quem

analisara o movimento num panorama macro, levando em consideração apenas dados

macrossociais e pesquisas de satisfação poderia até ser surpreendido. Contudo, o movimento

emanou das estruturas da sociedade e, por isso, não poderia ser captado inicialmente por

essas pesquisas. O nível de exposição em redes sociais acabava apresentando pouca

relevância em termos de tweets, likes e compartilhamentos quando comparado com outros

eventos até o início de junho de 2013.

As redes sociais e a mídia tradicional tiveram importância significativa no transcorrer

dos eventos, ampliando exponencialmente o potencial difusor de informações. Mas, a

importância é propagadora do fenômeno, não geradora, ou seja, na maior parte das vezes, e

isto inclui as manifestações de junho de 2013, as redes sociais possuem um papel secundário,

difundindo as informações de um evento que ocorreu e convocando para os outros que

ocorrerão, ficando reservada às formas tradicionais de mobilização social dos movimentos

sociais a causa primária. No caso específico das mobilizações de junho, apesar da

convocatória pelas redes sociais, o trabalho de base e as mobilizações e atos menores que

precederam “o grande ato do dia 6” foi decisivo tanto para o êxito deste ato, como nos

seguintes, em que a repressão policial foi implacável, e os meios de comunicação

tradicionais procuravam jogar a opinião pública contra o movimento.

4.3. Entrevista com os estudantes da E.E. Ermano Marchetti, em Pirituba

Conforme já analisamos, durante o mês de maio e o início de junho de 2013, o

Movimento Passe Livre (MPL) organizou um conjunto de ações locais em diferentes regiões

da cidade de São Paulo, convocando para os “grandes atos” contra a tarifa, que se iniciariam

no dia 06 de junho. As primeiras dessas ações ocorreram na Escola Estadual (E.E.) Ermano

Marchetti, em Pirituba, Zona Oeste da cidade.

Adotamos essa mobilização como objeto de nossa pesquisa de campo não apenas por

seu caráter simbólico (primeiro ato regional), mas, especialmente, por evidenciar alguns

aspectos que contribuem na compreensão do fenômeno como um todo, tais como:

organização dos atos regionais, mobilização do MPL nas escolas públicas, debates e

reflexões dos estudantes, protagonismo juvenil nas manifestações recepção e participação

123

da comunidade nas manifestações contra a tarifa. Apesar de a escola estar localizada numa

região periférica da cidade, ela concentra alunos de diversos bairros e vilas da região, não

apenas nos entornos da escola. Esse aspecto contribui para que a escola apresente um perfil

heterogêneo de estudantes.

4.3.1. Perfil dos entrevistados

Ao todo foram entrevistados nove alunos, entre os meses de maio e junho de 2015,

que, na ocasião do acontecimento, cursavam entre o segundo e o terceiro ano do ensino

médio. Os estudantes tinham entre 16 e 17 anos de idade, no período em que ocorreu o

movimento na região de Pirituba.

Com o objetivo de dar espaço à livre narrativa dos entrevistados, porém, sem perder

a oportunidade de questioná-los sobre alguns pontos que adotamos como norteadores,

utilizamos um roteiro de entrevistas semiestruturado. Com exceção de uma entrevista que

foi por videoconferência pela rede social virtual Facebook, todas as demais foram

presenciais.

Compreendendo que foram realizados dois atos/protestos na escola, um no período

matutino e outro no noturno, a pesquisa buscou levar em consideração esse aspecto.

Inicialmente, objetivávamos obter uma série amostral mais uniforme, com a mesma

quantidade de alunos entrevistados de ambos os turnos. No entanto, em virtude da

dificuldade de se encontrar estudantes que, na ocasião cursavam no período noturno e que

aceitassem participar da pesquisa, nossa amostra conteve mais estudantes do período

matutino.

Desse modo, nosso universo de estudantes era composto por seis alunos do período

matutino (Ana, Benjamin, Edgard, Débora, Gabriel, Danilo), dois do período noturno

(Mateus e Júlio) e outro entrevistado que não estava estudando no decurso do acontecimento,

mas que também participou do ato (Paulo)106. Cabe-nos, desde já esclarecer que optamos em

manter esse último entrevistado (que no período não estava frequentando as aulas) em nossa

análise motivado por alguns fatores: i) conforme sua entrevista, ele havia abandonado as

aulas durante o mês de maio, ou seja, participou de alguns dos debates que estavam

106 Com o objetivo de preservar as identidades dos estudantes, foram imputados nomes fictícios a todos

entrevistados.

124

ocorrendo em sala de aula; ii) em decorrência de morar próximo à escola e parte de seus

amigos estarem estudando ainda, sua relação com a escola e as atividades ocorridas lá não

foi rompida totalmente; iii) ele havia abandonado os estudos para trabalhar em período

integral e passou a ser um usuário frequente do transporte público – utilizando ônibus e

metrô no trajeto entre sua casa e o trabalho –, diferentemente do período em que apenas se

dedicava aos estudos; iv) o entrevistado participou do ato organizado no colégio desde o

início; v) no ano seguinte (2014) ele retomou os estudos.

No que tange à região onde residiam, dos nove estudantes entrevistados, três

moravam nas imediações da escola, no Jardim Felicidade: Mateus, Júlio e Paulo; dois

moravam no bairro Santa Mônica (Edgard e Ana) e os demais na Vila Clarice (Gabriel),

Cantagalo (Débora), Parque São Domingos (Benjamin) e Freguesia do Ó (Danilo). Apesar

de alguns morarem próximos à escola, apenas um dos estudantes (Ana) não utilizava o

transporte público em seu trajeto.

Com relação ao perfil dos estudantes entrevistados, compete ainda citar que seis deles

trabalhavam ou estagiavam no período. Apenas três dos entrevistados não exerciam nenhum

tipo de atividade laboral ou estágio durantes os meses de maio e junho de 2013 (Débora,

Ana e Danilo). Os alunos Mateus e Júlio apesar de morarem próximos à escola demandavam

o transporte público para se dirigirem do trabalho à escola.

125

4.3.2. Debates em sala de aula e a preparação para o ato

A reflexão crítica entre os estudantes sobre o reajuste das tarifas de transporte público

e a Tarifa Zero se deu, basicamente, por duas frentes: debates em sala de aula com os

professores e palestras e debates com integrantes do MPL na escola.

Com relação à atuação do MPL, não apenas em escolas públicas, mas também em

diversas outras localidades, devemos frisar um ponto referente aos recursos pedagógicos e

subsídios argumentativos utilizados. Como as experiências de luta do MPL, em São Paulo,

não haviam sido exitosas até então, no que se refere ao seu resultado material, uma vez que

não conseguiram conquistar a revogação do aumento da tarifa nas mobilizações anteriores –

isto é, as incursões e mobilizações do MPL, durante o aumento de 2011, não resultaram na

revogação do aumento das passagens –, os militantes utilizavam, além dos dados estatísticos

e pesquisas relacionadas à temática (especialmente as do IPEA), vídeos de experiências de

Nome* Idade

Qual série

cursava no

ensino médio

em 2013

Período que

estudavamResidência

Utilizava o

transporte

público para ir

à Escola?

Trabalhava

ou

estagiava?

Data de

realização da

entrevista

Mateus 16 2º Noturno Jd. Felicidade Sim Sim 03/05/2015

Julio 17 3º Noturno Jd. Felicidade Sim Sim 03/05/2015

Ana 17 3º Matutino Jd. Santa Mônica Não Não 01/06/2015

Benjamin 16 2º Matutino Pq. São Domingos Sim Sim 11/05/2015

Edgard 16 2º Matutino Jd. Santa Mônica Sim Sim 11/05/2015

Paulo 16 - - Jd. Felicidade Sim Sim 15/05/2015

Débora 16 2º Matutino Cantagalo Sim Não 18/05/2015

Gabriel 16 2º Matutino Vila Clarice sim Sim 10/06/2015

Danilo 17 3º Matutino Freguesia do Ó Sim Não 15/06/2015

Fonte e elaboração: Própria

(*) Utilizamos nomes fictícios para preservar as identidades dos entrevistados.

QUADRO 1 - PERFIL DOS ESTUDANTES ENTREVISTADOS DA E.E. ERMANO MARCHETTI

126

outras localidades, especialmente sobre a Revolta do Buzu, em Salvador107, 2003, e as

Revoltas das Catracas108, em Florianópolis, 2005, para retratar o protagonismo juvenil com

destaque para os estudantes secundaristas, além de mostrar, a partir de experiências práticas,

que a lógica do aumento das tarifas não é um processo irreversível.

Conforme os estudantes relataram, os debates em sala de aula eram organizados com

o objetivo de que todos, direta ou indiretamente, participassem. O estudante Mateus relata

que não eram todos os professores que fomentavam a discussão em sala de aula, porém, os

professores que abordavam a questão incentivavam tanto o espírito crítico quanto a

organização e participação dos estudantes em manifestações contra o aumento das

passagens.

A Belinda, professora de física, debateu bastante o assunto da passagem em sala

de aula, incentivando a gente participar das mobilizações. Também, os professores

de História e de Sociologia. Eles incentivaram e discutiram bastante durante as

aulas. Alguns professores não discutiam, nem falavam nada, não davam atenção

suficiente para o assunto, como se fosse besteira, sabe?! Mas, no geral, os

professores deram atenção para a causa (Mateus).

A estudante Débora lembra que, em sua turma, o contato com o Movimento Passe

Livre, se deu por meio do professor de Sociologia.

A princípio o nosso contato com o Movimento Passe Livre se deu pelo professor

Rafael, de sociologia, que era integrante do movimento. Durante algumas de suas

aulas desenvolvemos atividades voltadas à questão do transporte e ele convidou o

pessoal do movimento [MPL] também. Ao todo acho que foram entre quatro e

cinco atividades com o pessoal do movimento – não apenas em minha turma, mas

com outras turmas também.

As atividades ocorriam dentro da e sala de aula. Então, a gente tentava fazer uma

roda para debater uma ideia e eles [militantes do MPL] faziam algumas exposições

de dados sobre o transporte público: como estava o transporte em São Paulo;

algumas linhas que não funcionavam mais, que foram desativadas. E...

basicamente, discutiam a lógica do transporte como mercadoria. Porque a gente

deveria pagar por um serviço que é tido como público, sabe né?! Então, era mais

ou menos nessa linha que a gente discutia. [...] Eram atividades bem tranquilas

também. Eles levavam alguns materiais, como videozinhos – acho que tem até no

youtube – para discutir a Tarifa Zero, a bandeira que o MPL defende (Débora).

107 O documentário Revolta do Buzu retrata a luta dos estudantes secundaristas contra o reajuste das tarifas de

transporte público na cidade de Salvador, Bahia. Apesar de não conseguirem êxito na queda do aumento das

tarifas, a experiência da Revolta do Buzu foi crucial na trajetória do Movimento Passe Livre, conforme

analisamos no Capítulo III. Cf: Revolta do Buzu. Direção e Produção: Carlos Pronzato. Co-direção: Daniel

Lisboa; Marco Ribeiro. Imagens: Carlos Pronzato; Daniel Lisboa; Marco Ribeiro.Salvador: Lamestiza

Produções, Focus Vídeo, MF Vídeo, 2003. (107 min.) 108 O documentário Amanhã Vai Ser Maior as manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus e a

repressão policial em Florianópolis no ano de 2005. Cf: Amanhã vai ser maior. Realizores: Alex Antunes;

Fernando Evangelista; Juliana Kroeger. Edição: Vinícius (Moscão). Florianópolis: SARCÁSTICOcomBR,

2005 (28 min.).

127

No caso específico dos debates ocorridos durante as aulas de física, o aluno Danilo

lembra que não havia posições dominantes, e as divergências de opiniões entre os alunos,

geravam, em alguns momentos, discussões mais acaloradas:

Nós tivemos debates nas aulas da professora Belinda [física], que na ocasião dava

aula para as turmas do diurno e do noturno....agora não mais. Ela formava uma

roda com os alunos e ficava no centro da roda para discutir com os alunos, saber

suas opiniões e ideias. Havia muitas opiniões divergentes, às vezes o clima

esquentava, com discussões mais acaloradas. Saíam algumas faíscas, eram nestes

momentos que ela [professora] cortava, cancelava a discussão, e depois voltava –

retornava ao assunto. Ela debatia bastante a questão, sempre incentivando a

participarmos das discussões e dos protestos. Ela falava, por exemplo, que não

havia razão para pagarmos R$ 3,20 e ter um transporte público nessas condições

(Danilo).

A partir da fala do estudante Gabriel, é possível compreender a importância do debate

em sala de aula para a participação dos alunos no ato que ocorreu na escola: “havia um

debate antes sobre a tarifa, com os professores explicando para gente como funcionava o

protesto, como iria ser; o porquê do protesto”. A partir desses debates, participar da

mobilização organizada na escola tornava-se, para ele, uma decisão consciente, movida por

uma reflexão crítica: “ninguém iria entrar na escola e seria muito fácil voltar para casa. Foi

uma escolha que tivemos, porque na época R$ 3,20, até mesmo hoje, este preço é um

absurdo. [...] Eu decidi acompanhar porque não acho justo pagar R$ 3,20 numa passagem.

Não acho justo isso!” (Gabriel).

Também é importante observar que o fato de nem todos os estudantes se

posicionarem nos debates não significa, necessariamente, que não participavam das

discussões ou que fossem indiferentes à questão. Dentre o grupo de estudantes entrevistados,

apenas dois relataram que não se posicionavam nos debates: Débora e Edgard. Quando

questionamos o estudante Edgard sobre seu posicionamento nos debates, ele respondeu da

seguinte forma: “na verdade eu mais analisava o debate, não entrava diretamente nas

discussões”.

No entanto, quando indaguei sobre as motivações que o levaram a participar do ato,

sua resposta apontou dois elementos cruciais: o primeiro relacionado aos vínculos de

solidariedade, como apontou Arantes (2013), e o segundo voltado à reflexão consciente do

processo no qual estava envolvido: “na verdade, também fui com o intuito de ver o pessoal,

mas, em si, eu tinha a consciência de que o aumento da tarifa, os vinte centavos, seria

128

prejudicial para todos. Porém, aquela total consciência, a consciência revolucionária eu não

tinha nenhuma” (Edgard).

Sobre o posicionamento dos professores, o estudante Benjamin relata que, durante as

aulas de sociologia, o tema era apresentado de forma contextualizada, enfatizando o impacto

imediato do aumento aos próprios estudantes, bem como o efeito sobre o orçamento das

famílias.

O professor de Sociologia [...] deu uma comentada sobre o tema, que seria muito

complicado para as famílias de modo geral conviver com esse aumento, porque

tudo estava aumentando menos o salário mínimo. Então ficaria difícil continuar

usando o ônibus, porque o aluno precisa do transporte para ir para a escola.

Principalmente no Marchetti, que tem gente de todo lado.(Benjamim).

O estudante conclui apontando que o professor também comentou sobre outras lutas

contra a tarifa que estavam em curso no país naquele período:

ele comentou que teve um protesto em Goiânia, se eu não me engano que foi um

protesto pacífico, até onde ele soube que gerou muita revolta porque a polícia

bateu nos estudantes e no pessoal do passe livre, ai seria bom a gente mostra

também pra eles [governantes], que a gente não ia se contentar com o aumento”

(Benjamin).

A partir desses relatos, podemos compreender que o que estava em questão não era

a imposição de um discurso ou pensamento por parte dos professores, antes, o objetivo

central era a reflexão crítica frente a atual condição do transporte público e o diálogo entre

as diferentes posições existentes com relação ao assunto em pauta.

No que se refere à organização da manifestação contra a tarifa, o protagonismo foi

todo dos estudantes. Os professores, como também os militantes do MPL que participaram

de debates nas E.E. Ermano Marchetti, direcionaram suas atuações muito mais na

conscientização com relação ao aumento e na difusão do debate em torno da tarifa zero do

que na organização do movimento entre os estudantes.

O pessoal do MPL foi à escola e debateu o assunto junto com o professor Raphael,

de sociologia. Eles foram lá e debateram, tentando conscientizar, sobre a mudança

do preço [da tarifa]: os vinte centavos. E eles que, lá dentro mesmo, arrumaram

alguns “alunos de frente” para estarem organizando a manifestação (Júlio).

Júlio define como “aluno de frente” aqueles que mais se interessaram pela pauta do

movimento e que “estivessem dispostos a convidarem o pessoal”. Desse modo, os

129

professores apenas orientavam os estudantes nas atividades ou sanavam dúvidas específicas

sobre o assunto. Logo, conclui Júlio, “o pessoal do MPL, junto com esses alunos [mais

engajados], passava em todas as salas falando sobre o aumento e chamando para

participarem da manifestação”.

Dentre os estudantes entrevistados, apenas Ana se enquadra no perfil de aluno de

frente, ou seja, que se envolveu mais detidamente na organização e divulgação do ato.

Devemos pontuar, ainda, que esse forte engajamento resultou num vínculo mais estreito com

o MPL, no qual Ana se manteve filiada até o final do ano de 2013. Sobre a organização do

ato e a mobilização entre os estudantes, desde a panfletagem até a criação do evento, nas

redes sociais virtuais, a entrevistada relata que ficou a cargo dos próprios estudantes. Sobre

seu contato com o movimento e a organização do ato, ela relata:

Em 2013, foi o meu primeiro contato com discussões políticas, até então, não era

algo que eu me preocupava [...]. Mas, a partir da discussão sobre o transporte eu

passei a me envolver mais com as questões políticas e me interessar por alguns

movimentos sociais e políticos [partidários] também. Se não fosse isso, hoje eu

não estaria fazendo Ciências Sociais, né! Mas, tudo começou com o envolvimento

com o Movimento Passe Livre. Eu e mais duas colegas passamos a militar com o

movimento e participávamos das atividades, reuniões e discussões. Porém, era

bem mais fácil se posicionar nos debates em sala de aula, porque eu não tinha

experiência e nem os colegas de sala também. [...]

Da nossa escola, assim, éramos nós – eu e minhas colegas [Gabriele e Sara] – que

estávamos mais à frente dos protestos. A gente que ajudou a organizar o ato que

teve lá na nossa escola [...] fizemos um evento no Facebook, tínhamos panfletado

e trocamos ideia com as pessoas mais separadamente [convidando para

participarem do ato] (Ana).

A entrevistada relata, ainda, que o ato seguiu conforme o planejado, exceto o atrito

com a diretora da escola que não queria que os estudantes utilizassem instrumentos musicais

durante o ato, conforme apresentado nas figuras 5 e 6, a seguir. No entanto, pelo relato da

estudante, é possível perceber que o descontentamento da diretora com a utilização dos

instrumentos apenas travestia a real causa do mal-estar: o descontentamento com o próprio

movimento:

No dia do ato fizemos a concentração em frente à escola e teve alguns atritos com

a diretora, porque a gente estava com uma bateria para tocar durante o ato. Aí a

diretora ficou muito, muito “puta”, começou a brigar, não queria deixar os alunos

saírem, ficou na frente do portão da escola causando mesmo! Ela falava: “você

não vão levar os meus alunos pra rua não! Ficar fazendo bagunça... Esse

movimento não é legitimo. Vocês não podem fazer isso!” Aí ela começou a me

xingar, chamando de bruxa, dizendo que eu não sabia o que estava fazendo e até

foi brigar com o nosso professor. Por fim, uma menina que estava tocando a bateria

acabou brigando com ela. (ANA).

130

Figura 5 –Músicos durante o ato na E.E. Ermano Marchetti

Figura 6 – Bateria acompanhando o movimento

131

A estudante relatou ainda que, apesar do incentivo e apoio dos professores na

construção de espaços de debates e representação entre os próprios estudantes, como o

grêmio estudantil, eles sofriam repressões em outras instâncias dentro do próprio ambiente

acadêmico. Em outras palavras, enquanto na relação entre professores e alunos, havia o

incentivo ao livre desenvolvimento das potencialidades, quando esse desenvolvimento

avançava para outro estágio e buscava o diálogo com outras instâncias dentro do próprio

ambiente escolar (ex: a diretoria da escola), havia não apenas o contingenciamento desse

desenvolvimento, como também ameaças e repressões aos estudantes que desempenhavam

qualquer tipo de atividade “política”. Conforme o relato da estudante Ana, após o seu

ingresso no Movimento Passe Livre e a tentativa de se criar um grêmio estudantil, essas

cenas foram repetidas em diversas ocasiões ao longo do segundo semestre de 2013:

Depois dos protestos ficou uma situação meio difícil na escola, por que a diretora

começou a perseguir eu e as meninas que organizaram o ato, por exemplo: se me

encontrasse no corredor ficava olhando feio, fazendo piadinha e ficava falando

que eu não podia participar de outras atividades da escola, entre elas o teatro. Ela

foi conversar com o diretor do teatro para dizer que eu não podia mais fazer parte,

queria até chamar os meus pais para ir na escola conversar com a coordenadora.

Mas, minhas notas nunca foram ruins, eu sempre fui uma boa aluna. Sempre

participei de tudo e até passei numa universidade pública. Para ela foi uma

contradição, ver que eu era a que mais bagunçava e que estou estudando. [...]

Ela começou a dizer que a gente não podia se organizar no grêmio, porque a gente

estava tentando organizar um grêmio estudantil no meio do ano. Mas, pela falta

de tempo não conseguimos formar chapas e fazer eleição. E aí a gente ficava mais

numas trocas de ideias com os professores sobre o funcionamento de um grêmio,

o papel do grêmio. Isto serviu também para ela dizer que a gente não tinha o direito

de organizar um grêmio independente, que o grêmio tinha que servir a escola,

servir a diretora; fazer favor a diretora. [...] Isso gerou alguns embates na época.

Também teve um outro ato que nós organizamos já no final do ano contra a Expo

2020, que seria num terreno entre o Jaraguá e Pirituba. O ato que organizamos foi

menor do que o da tarifa, mas conseguimos parar o Terminal Pirituba e o acesso à

Ponte do Piqueri. Nesse dia [...] a diretora pediu para conversar comigo na salinha

dela. Ela trancou a porta e falou um monte – cumpriu seu papel de diretora – disse

que, como grêmio, nós não podíamos panfletar na escola, tínhamos que ter pedido

autorização para ela, não tínhamos o direito de chamar os alunos para se

organizarem fora da escola e por aí foi. Só que ao mesmo tempo, a filha da

coordenadora organizava um jornal da região e ele era distribuído na escola toda

vez que tinha uma nova edição. E aí era panfletado sem pedir autorização para

diretora e eu coloquei isso para ela. E ela...nossa! me odiava por isso (Ana).

Apesar de não ser escopo de nossa análise, devemos pontuar que o relato de

estudantes, direta e indiretamente, aponta para questões que estão no centro do debate

político brasileiro, especialmente em 2016, quando se está tramitando, no Congresso

Nacional, um projeto de lei que objeta criar a “escola sem partido”, reprimindo o direito de

livre cátedra dos professores.

132

Portanto, fundamentado no relato dos estudantes, podemos inferir que o processo de

conscientização política e de realidade histórica, bem como o protagonismo social, era fruto,

em boa medida, das discussões que os professores levantavam em sala de aula e das palestras

e rodas de conversas que o MPL havia realizado naquela escola. Noutros termos, a

manifestação dos estudantes não foi fruto de um processo espontâneo que se deu após

saberem – por jornais ou até mesmo pelos professores – que a tarifa seria reajustada: esse

movimento se apresentava como fruto da reflexão e do debate entre professores, alunos e

militantes do MPL.

4.3.3. O protesto

A primeira mobilização com os estudantes se iniciou por volta das 7h, com

concentração em frente à escola, e reuniu em torno de 200 estudantes, acompanhados por

professores, militantes do movimento e músicos (“Fanfarra do MAL”)109. O ato avançou

pela Avenida Raimundo Pereira de Magalhães em direção ao Terminal de ônibus de

Pirituba110, conforme apresentado nas figuras 5 e 6, onde se realizou uma intervenção com

a queima de uma catraca, depois seguiu até a estação da CPTM de Pirituba e a subprefeitura,

antes de retornar ao ponto inicial.

O ato organizado com os alunos do período noturno seguiu o mesmo trajeto até o

Terminal de ônibus de Pirituba, porém, após a intervenção no Terminal, o ato avançou de

forma “espontânea”, até outra escola da região, onde o movimento se avolumou e tomou um

novo curso, se dirigindo até a ponte do Piqueri. Conforme o relato do estudante Mateus, que

participou desse ato,

a manifestação em si, era para ter sido encerrada no Terminal [...], mas aí ela se

estendeu até a [escola estadual Candido Gonçalves] Gomide. [...] a gente juntou

109 A fanfarra do Movimento Autônomo Libertário (MAL) é composta por músicos que surgiram da junção de

participantes de movimentos e grupos autônomos da cidade de São Paulo, e que participaram não apenas dos

protestos do MPL, mas de todos os tipos de “ações diretas e lutas autônomas”. Segundo descrição do próprio

coletivo: “Nós nos organizamos para fortalecer, potencializar e agitar manifestações populares. Também nos

contrapomos às ações homogenizadoras e centralizadoras usadas por partidos políticos e sindicatos. O uso de

carros de som e megafones é para nós mero recurso que deve ser preferencialmente evitado, se utilizado que

seja para a promoção da música e de palavras de ordem durante os atos. [...] Usamos a música e o grito como

uma forma de fazer ação política”. Disponível em: < https://fanfarradomal.milharal.org/quem-somos/> 110 Movimento Passe Livre (MPL). Ato contra o aumento invade Terminal Pirituba. São Paulo, 27 mai. 2013.

On-line. Disponível em: <http://saopaulo.mpl.org.br/2013/05/27/ato-contra-o-aumento-invade-terminal-

pirituba/> Acessado em 20 set. 2013.

133

um pessoal, tipo: todo mundo da manifestação e prosseguimos para a Avenida

Edgard Facó, até a ponte do Piqueri. E depois voltamos tudo. (Mateus).

Sobre o ato simbólico de queimar a catraca no Terminal Pirituba, a pesquisa apontou

que esse ato gerou reações diversas entre os entrevistados. Enquanto alguns compreendiam

a queima da catraca como um simbolismo de uma barreira que deve ser transposta para se

chegar ao direito de livre circulação pela cidade, outros, no entanto, compreendiam que era

um ato desnecessário ou que poderia incitar a violência.

Figura 7 – Ato dos estudantes da E.E. Ermano Marchetti.

134

Figura 8 – Ato dos estudantes na Av. Raimundo Pereira de Magalhães

Apesar de o movimento ser composto majoritariamente por estudantes secundaristas

e estar acompanhado por uma “fanfarra” que, durante todo o trajeto, entoava marchinhas e

rimas, isso não diminuiu a seriedade do ato, tampouco impediu a reflexão de seus

participantes (conforme a Figura 9). Ao pedir para Benjamin relatar sua experiência nesse

ato, sua fala foi muito mais direcionada a uma análise política do momento do que apenas o

relato de um movimento catártico, que se exaure em si mesmo:

Então, foi bacana, porque a gente se aglomerou ali a frente do Marchetti e

estávamos trocando muitas ideias sobre o cenário político daquele momento.

Sobre as decisões equivocadas do governo, a gente estava comentando que daqui

a pouco a tarifa vai estar R$5,00 reais e não vai ter melhoria alguma no transporte

público. Então, porque eles estão aumentando? Num país que naquele momento

tinha quase 1 trilhão arrecadados pelo imposto, ficava difícil acreditar que foi por

causa da economia que a tarifa ia ser aumentada. E foi bacana porque houve uma

geração nova ali, uma geração que não fica acomodada com uma situação assim,

porque o governo atual, naquele momento estava onze anos no poder e até então

só estava jogando a culpa nos governos anteriores da situação do Brasil e não tinha

feito nada, a meu ver, para mudar a situação (Benjamin).

É interessante pontuar sua fala no momento em que ele reflete sobre si e sobre os

demais estudantes que estavam protestando naquele momento: “houve uma geração nova

ali”. Após um longo período sem mobilização social, o estudante passou a observar uma

135

geração que não fica acomodada com “um governo assim”. O relato de Benjamin torna-se

mais surpreendente, ou assustador, quando contextualizamos, em sua rotina de estudante e

trabalhador precarizado, que teve acesso ao mercado de trabalho, porém, é sub-remunerado,

e não consegue vislumbrar nenhum lampejo de esperança, senão nessa nova geração da qual

ele mesmo faz parte.

Naquele tempo, daqueles protestos, por exemplo, eu vi que eu era apartidário, por

isso que eu participei, porque eu não sou simpatizante de nenhum partido político,

e eu estava descontente com a situação porque eu já estava trabalhando também.

Eu saia da escola por volta das 13hs e trabalhava das 2h até a 1h da manhã, às

vezes. Eu trabalhava em loja, meu salário era o mínimo, eu ficava pensando: “se

eu morasse sozinho eu não ia conseguir sobreviver com um salário desses”. Meu

salário aumenta 10%, mas a inflação faz o preço das coisas aumentarem 30% ou

35% aí iria ficar difícil para mim, por isso que eu participei do protesto

(Benjamin).

Figura 9 – A Fanfarra do Mal durante o Ato dos estudantes

Para muitos daqueles estudantes secundaristas, essa era a primeira experiência em

manifestações, como também, para muitos deles, o primeiro contato com algum tipo de

movimento social e/ou partido político. Com base na pesquisa de campo, apenas dois alunos

entrevistados haviam tido contato anteriormente com algum tipo de movimento social,

136

embora esse contato não fosse direto, mas secundário, mediado pela experiência de

familiares.

O estudante Edgard relatou que possuía certa proximidade com as ideias do PCB, no

qual seu irmão e seu primo participam. Conforme o estudante,: “apenas simpatizo com as

ideias do PCB. Porém, não milito”. Os pais da estudante Ana participavam de um movimento

social ligado à luta por moradia entre o final da década de 1980 e 1990, e seu conhecimento

e/ou contato provinha da relação com os pais. Igualmente, é importante pontuar que aquela

manifestação era a primeira a ocorrer no bairro de Pirituba no período recente.

Como nenhum daqueles estudantes havia participado de nenhum movimento social

ou manifestação pública de cunho político até então, muitos dos entrevistados relataram a

surpresa que tiveram ao se perceberem como atores sociais. Na realidade, as experiências

relatadas oscilavam entre a surpresa e a euforia. Nesse sentido, apresentamos três exemplos,

sendo o primeiro deles apresentado no documentário Primeiras Chamas do MPL:

A gente chegou à escola por volta das 06h30min. O pessoal do Passe Livre já

estava em frente à escola, com a fanfarra, organizando. Aí conforme os alunos iam

chegando, a gente já ia se agrupando do outro lado da rua, pra poder sair com o

ato. [...] eram cinco viaturas que acompanharam a gente. E o pessoal ficou tudo

desesperado. A gente andava na rua e todo mundo ficava chocado: “nossa que

esse pessoal tá fazendo”. A gente parou a Avenida Raimundo [Pereira de

Magalhães]. A Avenida Raimundo ficou parada completamente.

A gente estava carregando faixas e alguns cartazes. O pessoal tinha ficado assim,

até porque a gente estava cantando, também. [...] A gente seguiu para o Terminal

Pirituba. Lá nós entramos. Nós paramos o terminal Pirituba e queimamos uma

catraca. (PRIMEIRAS CHAMAS, 2013, 4:18min – 5:16min – grifos meus)

Outra aluna que participou deste ato complementa:

Eu acho que o pessoal que estava passando também [...] ficaram bem surpresos.

Por que uma coisa em Pirituba?! Tipo assim: nunca aconteceu isso em Pirituba, eu

acho. Sabe? Uma manifestação. Assim, eram poucas pessoas, mas, era uma coisa

importante, era uma causa importante. (PRIMEIRAS CHAMAS, 2013, 6:39min –

7min)

O relato do estudante Júlio, que participou do ato organizado pelo MPL na E.E.

Ermano Marchetti, no período noturno, vai nessa mesma direção e apresenta os mesmos

elementos:

A gente foi no intuito de tentar alguma coisa, e fazer mais volume na manifestação,

também. Porque, se fosse meia dúzia de gato pingado não iria chamar a atenção

para a causa em si.

137

Quando chegamos lá perto da ponte do Piqueri, ali têm uns prédios; e você via que

o helicóptero estava em cima, transmitindo provavelmente para um jornal ao vivo,

sei lá; e os moradores dos prédios começavam a acender e apagar as luzes dos

apartamentos, vendo que a gente estava ali. Foi bem legal. Na verdade, foi todo

mundo chamando todo mundo. Nós passávamos em frente às casas e chamávamos

o pessoal, e algumas pessoas até desciam – não chegavam a prosseguir com a

gente, mas desciam até a porta de casa para apoiar. Bastante gente apoiou. (Júlio)

O (auto)reconhecimento daqueles estudantes como protagonistas de uma realidade

histórica que passava a ser alterada e (re)escrita, se dava a partir do momento em que

tomavam consciência da realidade histórica na qual estavam inseridos e de seu protagonismo

social.

É possível afirmar que, para aqueles estudantes, participar de uma manifestação de

forma ativa, como protagonistas de um processo social, não apenas ocupando uma rua, mas

defendendo uma causa que lhes diz respeito, uma bandeira, seja ela qual fosse, motivou-os

a participarem de outros atos. A práxis, nos termos de Marx111, mostrou que se mobilizar e

mobilizar outros pode ser uma forma de não serem indivíduos passivos – apenas observam

a realidade social e as contingências do mundo que os cercam como espectadores. Eles

estavam sendo protagonistas de um processo histórico. A fala de Júlio, quando afirma que

não apenas se vê como protagonista de um processo político e social, mas que entende que

todos os que se dispuseram a estar ali, ocupando as ruas, eram os protagonistas, ratifica essa

hipótese: “em relação aos protagonistas, penso que foram todos. Todos que se dispuseram a

estar lá foram protagonistas. Fomos para dar mais volume, ajudar a chamar a atenção. Não

quebrando as coisas, mas enchendo a rua de pessoas”.

4.3.4.Criação de vínculos fortes e participação nos atos

Arantes (2013), ao debater sobre os acontecimentos de junho, argumentou que os

manifestos em rede social não levavam ninguém às ruas, e apenas os “vínculos fortes” entre

pessoas seriam capazes de impulsionar movimentos ativistas de alto risco. A partir de nossa

pesquisa de campo, podemos atestar a hipótese de que é mais provável um indivíduo

111 Acreditamos que a práxis encetada por estes estudantes, em certa medida, reproduzem o pensamento de

Marx, sintetizado na oitava das Teses sobre Feuerbach: “Toda vida social é essencialmente prática. Todos os

mistérios, que induzem às doutrinas do misticismo, encontram sua solução racional na praxis humana e no

compreender dessa práxis” (MARX, 1978, p. 52).

138

participar de um ato ou protestos, movido ou incentivado por um “vínculo forte” do que por

um manifesto nas redes sociais virtuais.

Conforme apontamos na fala da estudante Ana, os alunos do Marchetti, durante a

organização do ato que ocorreria na região, criou um “evento” no Facebook. Nenhum dos

estudantes entrevistados citou esse evento como um dos fatores que os motivaram a

participar do ato. No entanto, todos os estudantes citaram, direta ou indiretamente, que

participariam do ato, porque um ou mais amigos participariam. O depoimento do estudante

Danilo é claro quanto a esse ponto: “o que mais me motivou a participar, foi o fato de meus

amigos terem ido também. Por mim eu voltaria [para casa], mas, meus amigos foram e me

chamaram, e decidi acompanhar – na verdade, eu ficaria em casa, sem fazer nada. Aí falei:

‘também vou ajudar, né! Fazer um número’” (Danilo).

Cabe também citar o exemplo do estudante Paulo que, na ocasião, havia abandonado

o ciclo letivo. Em sua entrevista, ele cita que estava indo para o trabalho na ocasião do ato e

que não sabia sobre essa manifestação. Porém, ao passar próximo à escola, acabou sendo

persuadido pelos amigos a participar do movimento.

Na ocasião do evento eu estava indo trabalhar e passei próximo à escola e vi que

tinha um movimento. Como tinha uns alunos que eu conhecia, alguns amigos

meus, me ajuntei com eles e fui, junto com todo mundo. [...] Fui mais pela

multidão do que pela pauta que eles estavam indo atrás [...] Fui porque estava da

hora e todo mundo estava lá (Paulo).

Além desse ato regional, durante as manifestações de junho de 2013, quase todos os

estudantes entrevistados participaram de pelo menos de um “grande ato”. Apenas dois dos

entrevistados não participaram: Paulo, que estava trabalhando no período, e Débora, que os

pais não a autorizaram a participar por conta da violência.

Todos os demais entrevistados que participaram foram ao movimento

acompanhados, por um amigo ou familiar. Os alunos Benjamin, Júlio, Mateus, Gabriel e

Danilo, afirmaram que participaram de apenas um dos grandes atos e foram acompanhados

por amigos da própria escola. O aluno Edgard participou de, pelo menos, três atos, todos eles

acompanhados pelo irmão e pelo primo, ambos militantes do partido PCB. A aluna Ana

relatou que participou de todas as manifestações e que, durante os primeiros atos, foi

acompanhada pelas amigas da escola. No entanto, à medida que recrudescia a repressão

policial, os pais de suas amigas as proibiram de participar das manifestações. Desse modo,

ela passou a não dispor das companhias das amigas, porém, como já havia feito novas

139

amizades com os integrantes do movimento, ela relatou que “as companhias de protestos

apenas se alteraram”.

Em resumo, as entrevistas apontaram que os atos regionais tiveram reflexos nas

manifestações de junho de 2013, além de contribuir com a geração de senso crítico não

apenas em torno do transporte público, mas em relação à condição de vida na cidade. Como

disse o entrevistado Edgard, ao ser questionado se havia alguma relação entre a sua

participação no ato organizado na E.E. Ermano Marchetti e a participação nas demais

manifestações: “com certeza teve relação esta primeira manifestação com outras,

especialmente, no sentido de ter sido conscientizado. Prestar mais atenção nos problemas

sociais” (Edgard).

A partir da análise da formação do movimento sob diversos prismas, analisaremos,

no próximo capítulo, as manifestações de junho de 2013 propriamente ditas.

140

Capítulo 5

As manifestações de junho de 2013: análise do movimento que emergiu

da luta contra a tarifa

O Movimento Passe Livre, ao redefinir a estratégia adotada na última campanha contra o

aumento, em 2011, objetivava realizar manifestações de grande impacto, em vias centrais da cidade,

e com curto intervalo de tempo entre elas, de maneira a impor forte pressão sobre o Governo do

Estado de São Paulo e a Prefeitura da capital, já durante os primeiros atos de 2013

(JUDENSNAIDER et al., 2013, p. 26). Nesse sentido, conforme já analisado anteriormente, as

diversas mobilizações, palestras e debates organizados pelo MPL, durante o mês de maio e início de

junho, visavam alcançar a maior participação popular possível já no “primeiro grande ato contra o

aumento”, no dia 06 de junho.

5.1. O protagonismo do MPL na primeira fase das manifestações

Segundo o MPL, a primeira grande incursão contra o aumento da tarifa contou com

cerca de cinco mil pessoas112. A massa que tomou as ruas no primeiro ato apresenta dois

aspectos em sua composição: social e ideológico, pois à medida que os protestos vão

avançando, ela, concomitantemente, vai se alterando.

Com relação à composição social, Singer (2013, p. 24) destacará que a massa de

manifestantes que foi às ruas, durante a primeira fase dos protestos, era uma “fração pequena,

porém, valorosa da classe média”, composta, sobretudo, por estudantes universitários. No

entanto, Alves (2013)113 e Braga (2013) darão destaque à participação da fração precarizada

112 No que se refere aos números de manifestantes apresentados no transcorrer da dissertação, apresentaremos

as informações fornecidas pelos organizadores dos atos e pela imprensa (Folha de S. Paulo, Estadão e O

Globo). Por serem tais contagens sempre controversas, as utilizaremos apenas como referência, não

pretendendo que estejam sempre corretas. Desse modo, há a possiblidade de que haja divergências entre as

fontes, uma vez que utilizam metodologias diferentes de contagens. No primeiro “grande ato”, por exemplo,

os organizadores (MPL) informaram que o protesto contou com cerca de cinco mil pessoas; o Estadão,

contabilizou em torno de duas mil pessoas. 113 Alves (2013) constatou que grande parte da massa que foi às ruas era composta por precariados, isto é, a

“camada social da classe do proletariado constituída por jovens altamente escolarizados desempregados ou

inseridos em relações de trabalho e vida precárias”. No entanto, o movimento não se reduzia à camada social

do precariado, “embora ele constitua efetivamente a espinha dorsal da onda de protestos sociais que tomaram

as ruas”. Na medida em que foi adquirindo amplitude e exposição midiática, “inseriram-se outras camadas

sociais da classe do proletariado, principalmente as camadas médias – ou vulgo ‘classe média’ – inquietas com

a precarização existencial e incisivamente manipuladas pelos mass media”.

141

do proletariado, isto é, o precariado que foi às ruas protestar contra as más condições vida e

de trabalho nos grandes centros, além da baixa remuneração e o alto custo dos transportes.

Compondo esse mapa social com análises aparentemente divergentes, Sampaio Jr.

(2014, p. 88-9) apontará que

da classe média remediada para baixo, praticamente todos os segmentos da

sociedade aproveitaram a oportunidade para expressar seu descontentamento com

o status quo, até mesmo, de forma por vezes expressiva, franjas de trabalhadores

pobres não organizados em sindicatos e da massa proletária e lumpemproletária

que mora em favelas e cortiços. No entanto, desde o princípio, o núcleo duro das

manifestações – suas lideranças e sua vanguarda mais aguerrida – foram

estudantes que trabalham e trabalhadores que estudam.

No que se refere à “composição ideológica”, a massa que foi às ruas nessa fase dos

protestos era composta, sobretudo, por integrantes do MPL, militantes de partidos políticos

de esquerdas – PSOL, PSTU, PCO e Juventude do PT –, anarquistas, filiados do sindicato

dos metroviários, integrantes de outros movimentos sociais, com destaque para o MTST e

estudantes, secundaristas e universitários (filiados e não filiados a partidos políticos).

Os partidos políticos, sindicatos e demais movimentos sociais presentes nas

manifestações entraram como aliados do MPL, porém sem poder de decisão sobre questões

cruciais, como as datas dos atos, os trajetos das passeatas e as orientações de interlocução

com o poder público, conforme apontado por Judensmaider et.al. (2013, p. 27). A relação

imposta pelo MPL aos demais atores políticos tinha por objetivo a não subordinação da pauta

tarifária a nenhuma outra agenda política, bem como manter a autonomia do Movimento

quanto às estratégias a serem adotadas durante os protestos. O objetivo do MPL era, pois,

priorizar a ação direta e manter o “foco” na luta da tarifa, unindo todos em torno do “inimigo

em comum”, isto é, a tarifa.

Sobre a relação do MPL com os demais atores políticos nas manifestações de junho

de 2013, devemos apontar dois aspectos: o primeiro diz respeito à convocação dos atos.

Como já analisado, o trabalho de base do Movimento Passe Livre, não apenas em escolas

públicas, mas também em alguns terminais de ônibus e em regiões periféricas da cidade, foi

fundamental para a participação popular nos “grandes atos”. No entanto, não foi apenas o

MPL que convocou às manifestações, o coletivo estudantil Juntos, por exemplo, que

organizou uma intervenção artística e um debate durante a Virada Cultural de São Paulo, em

maio – também convocou sua base e apresentou pautas “contra o reajuste” e do “passe livre”

aos participantes da Virada. A Frente de Comunidades em Luta Periferia Ativa, movimento

142

social que luta por melhores condições de vida nas periferias da cidade, também contribuiu

com o movimento, tanto por meio de debates, mobilizações e protestos, como convocando

a população da periferia a participarem dos atos organizados pelo MPL.

Apesar de o MPL ser o protagonista dessa fase do movimento que emergiu em junho

de 2013, uma vez que sua pauta era a central nessa fase do dos acontecimentos, os demais

movimentos sociais, coletivos, sindicatos e partidos políticos – que muitos dos próprios

membros do MPL integram – não foram apenas coadjuvantes, antes contribuíram com o

fortalecimento do movimento como um todo114.

A participação de diversos coletivos e movimentos sociais, juntamente com a não

subordinação às pautas dos partidos políticos tradicionais, serão os dois elementos que

diferenciarão esse movimento das grandes manifestações contra a ditadura militar, das

manifestações ocorridas durante as décadas de 1980 e 1990 e dos protestos contra o avanço

do neoliberalismo nas duas últimas décadas:

Em relação às grandes manifestações contra a ditadura militar e contra Collor de

Mello, a novidade subjacente às “Jornadas de Junho” é que as manifestações não

contaram com a presença de partidos políticos tradicionais que centralizassem o

comando das operações. Em comparação com os milhares de protestos contra o

avanço do neoliberalismo nas duas últimas décadas, a novidade é que as

convocatórias de coletivos políticos fragmentados foram atendidas maciçamente

pela população. O pavio encontrou a pólvora. As escaramuças de resistência à

ofensiva do capital transformaram-se em grandes manifestações de massa

(SAMPAIO JR., 2014. p. 91)

O segundo aspecto é o estético. Como esses atores políticos entraram como “aliados”

e não como liderança do movimento, no bloco de frente dos atos, quase não havia bandeiras

de partidos políticos, sindicatos e outros movimentos sociais, quando muito algumas

bandeiras anarquistas. Em outras palavras, na linha de frente da caudalosa multidão que se

pôs em marcha nas ruas havia, sobretudo, as faixas e bandeiras do MPL.

As bandeiras de partidos, sindicatos e movimentos sociais, estavam presentes, em

sua maior parte, do segundo bloco em diante. Portanto, as imagens que apareciam nas

reportagens televisivas e nas imagens dos jornais e revistas eram, especialmente, de um

114 Além dos coletivos e movimentos sociais citados, diversos outros tiveram forte atuação durante esse

processo político e social. Entre os movimentos ligados à luta urbana, transporte e emprego, estão: Comitês

Populares da Copa, Movimento Contra a Especulação Imobiliária da Copa, Contra a Privatização do Maracanã,

Rede do Extremo Sul, Movimento dos Trabalhadores desempregos e Resistência Urbana. Voltados à

desigualdade racial, de gênero e contra a violência nas periferias: Favela não se cala, Rede Contra a Violência,

Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra, APAFUNK, Uneafro, Força Ativa e Movimento LGBT. Na

difusão de informações: Rede Passa Palavra, Centro de Mídia Independente, Coletivo Ninja e Intervozes.

143

movimento que não apresentava bandeiras de partidos, sindicatos e movimentos sociais,

apenas pautas políticas. Nos primeiros atos, havia o predomínio da pauta do MPL (redução

da tarifa e tarifa zero); no entanto, posteriormente, uma polissemia de pautas, reivindicações

e dizeres tomou conta dos protestos. Acreditamos que esse aspecto estético corroborou a

criação de uma narrativa inversa da proposta defendida pelos organizadores dos atos.

Noutros termos, o movimento que objetivava ser apartidário, agregador e progressista, serviu

de trampolim para a construção de um movimento com discurso antipartidário, segregador

e reacionário, que se avolumava no transcorrer dos atos e se escancarou no dia 20 junho, na

Avenida Paulista, como veremos adiante.

O primeiro grande ato teve como ponto de concentração o Theatro Municipal de São

Paulo e seguiu em direção ao Vale do Anhangabaú, passando pela Prefeitura de São Paulo e

paralisando três das principais avenidas de São Paulo: 23 de Maio, 9 de Julho e Paulista

(JUDENSNAIDER et al., 2013; FERNANDES; ROSENO, 2013). Ao se valer do

crescimento espontâneo e desordenado da cidade, juntamente com o amálgama entre sistema

de transporte público saturado e maior frota de veículos do país, o MPL utilizou a própria

cidade e seu trânsito caótico como arma de protesto. Conforme texto-manifesto publicado

pelo Movimento Passe Livre, a ocupação do espaço urbano adquire duplo significado: como

método e como objetivo:

Se a retomada do espaço urbano aparece como objetivo dos protestos contra a

tarifa, também se realiza como método, na prática dos manifestantes, que ocupam

as ruas determinando diretamente seus fluxos e usos. A cidade é usada como arma

para sua própria retomada: sabendo que o bloqueio de um mero cruzamento

compromete toda a circulação, a população lança contra si mesma o sistema de

transporte caótico das metrópoles, que prioriza o transporte individual e as deixa

à beira de um colapso. Nesse processo, as pessoas assumem coletivamente as

rédeas da organização de seu próprio cotidiano (MOVIMENTO PASSE LIVRE,

2013, p. 16).

A Polícia Militar, para dispersar os manifestantes e liberar as avenidas ocupadas, fez

uso de bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha. Em contrapartida, os

manifestantes utilizavam o que estavam à mão para se defender e dificultar a aproximação

policial, formando barricadas com lixeiras e sacos de lixo. As ações desses manifestantes

não deixavam de ser fortemente performáticas, numa revolta simbólica e estética, pichando

palavras de ordem em ônibus e muros e depredando propriedades privadas simbólicas, como

agências bancárias e estações de metrô.

O site Passa Palavra irá descrever o ato do dia 06 de junho da seguinte forma:

144

Eram quase sete da noite quando o ato tomou de assalto a Avenida 23 de Maio,

um das principais vias radiais, que liga o centro da cidade à zona Sul. A ação foi

inesperada e por essa razão demorou para que a polícia militar adotasse uma

estratégia eficiente para dispensar os manifestantes. Neste momento, as catracas

alegóricas, feitas de madeira e pneus, foram queimadas e barricadas começaram a

ser formadas. Por diversas vezes, pequenos batalhões da polícia tentavam liberar

a avenidas, mas eram obrigados a recuar frente à resistência do protesto. Alguns

minutos depois, o Batalhão de Choque foi acionado e deu início a uma verdadeira

batalha campal, que se espalhou por toda a região central. Depois disso, é difícil

descrever o que se passou. Para o bem ou para o mal, a ação policial na Avenida

23 de Maio, ao dispersar os manifestantes a esmo, multiplicou as frentes de ação

em inúmeros focos. Uma parte dos manifestantes seguiu para o Terminal

Bandeira, bem próximo ao local. Outra seguiu para a Prefeitura e para o Terminal

Parque Dom Pedro e uma terceira ainda continuou pela Avenida 9 de Julho e subiu

para a Avenida Paulista, que foi bloqueada pela primeira vez. Por onde se passava,

pelas ruas do centro, era possível ver rastros da manifestação: pichações de

protesto, panfletos e pequenas barricadas com lixos e lixeiras. Nos terminais de

ônibus, eram realizados catracaços, permitindo que a população tomasse ônibus

gratuitamente”. (Apud JUDENSNAIDER et al., 2013, pp. 29-30).

A disputa das narrativas entre os veículos tradicionais de notícias, especialmente, os

jornais e a televisão, e os veículos alternativos de notícias e informações (sites, blogs e canais

do youtube) e as redes sociais virtuais, se dará nos movimentos iniciais dos protestos,

gerando grande influência sobre o curso e à proporção que tomará esse fenômeno político e

social115.

Desde o primeiro grande ato, a cobertura da grande mídia, em geral, e do jornalismo

escrito em específico (Estadão e Folha), construirá uma narrativa que criminalizará o

movimento, ao colocar, em primeiro plano, os confrontos entre a polícia e os manifestantes,

enfatizando, sobretudo, que os causadores do tumulto foram os vândalos e baderneiros que

entraram em confronto com a Polícia Militar, depredaram o centro da cidade e obstruíram o

direito de ir e vir da população, em detrimento da discussão em torno da tarifa.

Na edição do dia 07 de junho de 2013, por exemplo, o jornal Estadão publicou sete

matérias comentando sobre o protesto do dia anterior e, em apenas uma – na qual faz uma

entrevista com a militante do MPL, Nina Capello, questionando-a sobre a viabilidade da

tarifa zero e sobre a depredação ocorrida no centro da cidade – dá voz ao Movimento e não

o apresenta, diretamente, como grupo que entrou em confronto com a Polícia Militar e levou

caos à cidade. A capa dessa edição traz a imagem de uma cabine policial tombada e com

115 Importantes pesquisas estão sendo desenvolvidas nesse âmbito. Sobre a cobertura jornalística dos

acontecimentos de junho de 2013 ver, entre outras boas análises, Costa (2015). Sobre a repercussão nas redes

sociais e veículos de mídia alternativos, consultar: Oliveira (2015); Santo (2014); Souza (2014) e Dias (2015)

que faz uma análise detalhada sobre os periódicos eletrônicos de mídia alternativa anticapitalista, bem como o

perfil de seus leitores, e fornece um panorama geral desses coletivos formadores e difusores de informação.

145

manifestantes, com os rostos cobertos, em cima e em torno dela, e a manchete: “Protesto

contra tarifa acaba em depredação e caos em SP”.

Os títulos das matérias dão ênfase a uma narrativa que incrimina como vândalos os

manifestantes116: “Protesto contra a tarifa acaba em caos, fogo e depredação no centro”;

“Movimento ensina na internet como se defender da polícia”; “Shopping Paulista fecha mais

cedo após carro ser danificado”; “No meio da multidão, a pessoa faz coisa que não faria

sozinha”; “Grupo promete novo ato para hoje na Faria Lima”. Nessa mesma linha, a Folha

enfatizará, sobretudo, a violência dos protestos117: “Protesto contra aumento de ônibus tem

confronto e vandalismo em SP”; “Grupo reúne ala radical de partidos e estudantes”; e, “Ato

fecha até shopping e deixa estações depredadas”.

Essas narrativas dos acontecimentos estarão em consonância com as respostas dadas

pelo Governador do Estado e o prefeito da Capital que, ao criminalizarem os protestos, dada

a violência dos “vândalos”, rechaçaram a pauta das manifestações. Conforme declaração do

Governador do Estado, Geraldo Alckmin, no dia seguinte ao primeiro grande ato organizado

pelo MPL: “isso não é manifestação, é vandalismo. Por isso você tem que tratar como tal:

vandalismo. Não é possível aceitar depredação do patrimônio público e prejuízo para a

população. [...] Não é aceitável o que foi feito. É uma atitude totalmente absurda e a polícia

tem de agir. A polícia não pode omitir” (apud JUDENSNAIDER et al., 2013, p. 34).

Para tentar substanciar essa negativa, utilizaram a prerrogativa de que o reajuste da

tarifa era inferior à inflação acumulada no período e de que as reivindicações não seriam

válidas, dada a “melhora da situação econômica” da população em geral e o crescimento do

país na última década.

O editorial do Estadão do dia 08 de junho118 dará o tom da cobertura da grande mídia

nessa fase dos acontecimentos, resumindo todo o movimento contra a tarifa como “puro

vandalismo”. Conforme o editorial, o primeiro ato contra a tarifa não passou de “um festival

de vandalismo”, como outras “manifestações selvagens”, uma vez que o “fato de o

Movimento Passe Livre ser pura e simplesmente contra qualquer tarifa, [...] não há acordo

possível e, como seus militantes são radicais, qualquer manifestação que promovam só pode

acabar em violência”. Nessa linha argumentativa, o editorial apresenta a Polícia Militar

como uma entidade que foi acossada por “vândalos” que os “receberam a pedradas” e pede

116 Estadão de São Paulo, 07/06/13, Caderno Metrópole, p. 12-14., 117 Folha de São Paulo, , 07/06/13, Caderno Cotidiano, p. 1-4. 118 Puro vandalismo. [Editorial] O Estado de S. Paulo, São Paulo, 08 jun 2013, Caderno Principal, p. 3.

146

às autoridades da área de segurança pública que ajam com maior rigor na repressão dos

próximos protestos:

Não passou de um festival de vandalismo a manifestação de protesto contra o

aumento da tarifa de ônibus, metrô e trem, que na quinta-feira paralisou

importantes vias da capital paulista, entre 18 e 21 horas.

Esse é mais um dia que vai entrar para a já longa lista daqueles em que a maior

cidade do País ficou refém de bandos de irresponsáveis, travestidos de

manifestantes. [...] Comandados pelo Movimento Passe Livre (MPL) – integrado

principalmente por estudantes das alas radicais dos partidos PSOL e PSTU –, os

integrantes do protesto começaram as depredações por volta das 18 horas, quando

saíram de frente da sede da Prefeitura, no Anhangabaú, em direção às Avenidas

Paulista, 23 de Maio e 9 de Julho. Encapuzados, os integrantes dos grupos mais

violentos puseram fogo em sacos de lixo no meio dessas vias, para interromper o

trânsito e aterrorizar os passantes.

Em sua caminhada, atacaram viaturas da São Paulo Transportes (SPTrans),

empresa estatal que gerencia o serviço de ônibus, destruíram lixeiras, arrancaram

fiação de iluminação pública e, na Paulista, depredaram guaritas da Polícia Militar

(PM) e as estações Brigadeiro e Trianon-Masp do Metrô.

A PM, recebida a pedradas, tentou conter a baderna, ainda no Anhangabaú, com

bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha. Mas não

conseguiu. [...] Um dia de fúria, que deixou saldo de 50 pessoas feridas e 15 presas

[...]. Para tentar entender esse protesto, é preciso levar em conta as muitas coisas

que estão por trás dele. Uma delas é o fato de o Movimento Passe Livre ser pura e

simplesmente contra qualquer tarifa, ou, se se preferir, a favor de uma tarifa zero.

[...] Ou seja, não há acordo possível e, como seus militantes são radicais, qualquer

manifestação que promovam só pode acabar em violência. As autoridades da área

de segurança pública, já sabendo disso, deveriam ter determinado à polícia que

agisse, desde o início do protesto, com maior rigor.

Deve-se levar em conta ainda que a capital paulista está pagando o preço da falta

de firmeza das autoridades – ao longo das últimas décadas – diante de

manifestações selvagens como a de quinta-feira. Pequenos grupos aguerridos - o

protesto do MPL reuniu apenas cerca de mil manifestantes - param quando querem

a Avenida Paulista e outras vias importantes da cidade, desconhecendo

solenemente as proibições existentes nesse sentido. Para não ficar mal com os

chamados movimentos sociais, por razões políticas, as autoridades têm tolerado

os seus desmandos. Agora mesmo, o prefeito Fernando Haddad, em vez de

condenar o vandalismo promovido pelo Movimento Passe Livre, se apressou a

informar que está aberto ao diálogo. Vai discutir com esse bando de vândalos a

tarifa zero?

No entanto, não será a grande mídia que terá o monopólio da informação durante os

acontecimentos, uma vez que, a réplica à “versão oficial”, virá por meio dos veículos

alternativos de notícias, em especial blogs e plataformas online de informações, e relatos

pessoais dos próprios participantes do movimento que postarão, em tempo real, fotos, vídeos

e relatos sobre os acontecimentos expondo a forte repressão policial contra o movimento.

Desse modo, cabe pontuar que não foi apenas o MPL119 que se manifestou em relação ao

119 No dia 10 de junho, o MPL publicou duas notas rebatendo a cobertura midiática do primeiro grande ato e

repudiando o procedimento policial durante a manifestação. Conforme a nota nº1, “O Movimento Passe Livre

de São Paulo vem com esta nota esclarecer as acusações de vandalismo e depredação do patrimônio público

147

ocorrido durante os primeiros atos, antes os próprios manifestantes foram os grandes

difusores das informações e convocadores para os próximos atos.

O segundo ato ocorreu no dia seguinte (07/06) e teve como ponto de concentração o

Largo da Batata, em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo. A escolha do local para a

realização do segundo ato envolveu dois aspectos: um simbólico e outro estratégico. Em

relação ao primeiro aspecto, devemos atentar ao fato de que, naquela região, concentram-se

sedes de bancos e empresas do setor financeiro e (junto com a Avenida Paulista) representam

o símbolo do predomínio do capital financeiro no país. No aspecto estratégico, o local

escolhido favorecia o movimento, dado que, por um lado, liga diretamente à Avenida

Paulista, e por outro, está ao lado da Marginal Pinheiros, uma das principais vias da cidade.

Até então poucas vezes a região recebeu manifestações com grande concentração de pessoas,

como também, nenhuma delas se direcionaram à Marginal Pinheiros. Esse aspecto é

destacado na análise de Judensnaider et. al. 2013, p. 36-7):

A manifestação partiu do Largo da Batata, espécie de centro comercial do bairro

de Pinheiros, em direção à Marginal Pinheiros, uma das duas grandes vias

expressas que definem o centro expandido da cidade.

Embora a cidade estivesse relativamente acostumada a manifestações nas avenidas

do centro, não havia muitos precedentes de passeatas que tentassem bloquear vias

expressas – muito menos uma tão essencial via da América do Sul em volume de

tráfego de veículos.

Seguindo o mesmo roteiro do dia anterior, o segundo grande ato apresentou os

mesmos elementos: fechamento de avenidas, bloqueio do transito e atuação da Polícia

Militar para dispersar a manifestação. No entanto, será a partir desse momento que novos

elementos e sujeitos políticos vêm à cena, revelando as contradições históricas sobre as quais

o país está alicerçado e que, especialmente durante o período em que o Partido dos

Trabalhadores esteve na Presidência da República, aparentavam que foram superadas,

quando, na verdade, estavam apenas em latência.

feita pela Policia Militar de São Paulo e por parte da imprensa. [...] Exercendo seu legítimo direito de se

manifestar, as pessoas ocuparam importantes vias da capital e em seguida sofreram diversos momentos de

repressão violenta por parte da Polícia Militar. Ontem, a PM feriu dezenas de pessoas. As imagens dessa

repressão brutal podem ser vistas em toda a mídia imprensa e dez vídeos nas redes sociais. A truculência da

PM é um fato conhecido até mesmo pela imprensa, que diversas vezes tem seus cinegrafistas e repórteres

vítimas dessa violência. As depredações só se iniciaram depois de um segundo momento de repressão brutal e

prisões, realizadas na região da Avenida Paulista”. A segunda nota (nº 02) repudiará a prisão arbitrária de

quinze manifestantes durante o “primeiro grande ato” contra a tarifa (MOVIMENTO PASSE LIVRE, 2013f,

2013g).

148

Portanto, o que Junho de 2013 traz de novo, e isto começa a ficar patente a partir

deste segundo ato, é a revelação ou o rasgar do véu que ocultava as fissuras sociais,

econômicas e políticas que, historicamente, estão presentes em nossa sociabilidade e que não

foram superadas. Neste sentido, os antagonismos sociais sempre presentes – mas que se

revelavam de forma dispersa ou isolada até então – passaram a ganhar corpo e ressonância

social a partir de junho de 2013, pois serão nas ruas, nas redes sociais e nos veículos de

comunicação que pessoas das mais diversas posições políticas e matizes ideológicos, desde

a extrema direita até a extrema esquerda, encontrarão os seus pares120. Entre os elementos a

serem destacados, temos, por um lado, o surgimento de militantes de esquerda

(anticapitalista), vinculados, ou não, a partidos políticos, que passam a responder à violência

policial e executam uma violência simbólica, os black blocs; e, por outro, temos a revelação

do mais profundo conservadorismo das classes médias tradicionais brasileiras.

Com roupas escuras, máscaras antigás, óculos de soldador e escudos, os adeptos da

tática black bloc formavam uma espécie de linha de frente dos protestos. Os militantes

adeptos dessa tática aparecem a partir do segundo ato e articulam suas ações com a estratégia

geral do MPL, no intuito de proteger os demais manifestantes, ao invés de expô-los a mais

violência (JUDENSNAIDER et al, 2013, pp. 37-8).

Iasi (2014) aponta que a tática levantou muita controvérsia e formou-se uma espécie

de consenso sobre os black blocs: para a imprensa tradicional, eram vândalos; para os

comentaristas e parte da esquerda, deveria se fazer a distinção entre eles e os manifestantes

pacíficos; já para parte dos manifestantes, era gerado um misto de respeito e medo. Em

decorrência do forte apelo estético de seus adeptos – roupas escuras, com blusas de capuz

negro, com o rosto coberto –, como também de suas ações – violência simbólica, altamente

performática, contra símbolos do capitalismo, especialmente agências bancárias, lojas de

carros –, esses manifestantes incorporarão a figura do “inimigo”, no transcorrer dos

acontecimentos, tão combatida pela mídia tradicional.

No entanto, essa espécie de consenso que se forma em torno da figura dos black blocs

é rebatido pelo autor, ao apontar que a violência dos manifestantes era decorrente da

120 Como ressaltado pelo Prof. Dr. Francisco Fonseca durante o exame de qualificação, realizado no dia 30 de

maio de 2016, na PUC-SP, será a partir de Junho de 2013 que figuras que até então eram tidas como “exóticas”

e que não se davam crédito aos seus discursos jocosos, inflamados por posições preconceituosas e fascistas,

passam a ganhar amplitude com o encontro de pessoas com as mesmas posições. “Entre os diversos fatores a

serem observados dentro desta temática, é que Junho de 2013 tirou do armário essa direita enrustida que todo

mundo mais ou menos conhecia alguém, mas ninguém dava bola, quase como algo exótico”.

149

violência policial e também que tal tática possuía a simpatia de grande parte dos

manifestantes e da população em geral.

Nos adeptos das táticas black bloc, foram encontrados o simbolismo e a forma

adequada. Com o capuz de seu moletom negro cobrindo a cabeça, escudos

pichados com seus símbolos, máscaras antigás e óculos de soldador,

representavam a violência e não a reivindicação. Encontrara-se o “inimigo”.

Até mesmo setores da esquerda em oposição ao governo petista aliado com a

burguesia embarcaram, infelizmente, nessa operação ideológica. Por outros

motivos, alguns até razoáveis, setores de esquerda apressaram-se para diferenciar

e isolar os black blocs, mas, ao fazê-lo acabaram por reforçar a estigmatização,

facilitando a violência simbólica contra as manifestações. Dever-se-ia diferenciar

da ação violenta desses grupos porque eles afastavam a população das

manifestações e davam o pretexto para a violência policial.

Tal argumento é falho por várias razões, apontemos apenas as principais. O

aparato policial já reprimira as manifestações e estava montado para mantê-las nos

limites da ordem antes que tais grupos pudessem alcançar a dimensão que

alcançaram. Segundo, contra todas as evidencias tais setores da esquerda faziam

coro com meios de comunicação e com a política governamental que insistia na

divisão entre “manifestantes” de um lado e “vândalos” de outro. Na efetividade do

Real, lá no âmbito da objetividade, os jovens que enfrentavam a política com seus

escudos precários ganhavam a simpatia não só da maioria dos manifestantes

(alguns com um misto de respeito e medo) como da população em geral, inclusive

(IASI, 2014, p. 174-5).

Em sentido diametralmente oposto, também será a partir deste ato que o profundo

conservadorismo dos estratos mais altos da sociedade brasileira volta a aparecer – nas redes

sociais proliferam os discursos de ódio. A postagem de um promotor de justiça do Estado de

São Paulo121 que ficara preso no trânsito, durante esse protesto, não será um episódio isolado

de alguém que entende que os direitos sociais devem ser tratados como “caso de polícia” e

não hesitará em utilizar suas prerrogativas de autoridade para exercer o poder de modo

personalista e arbitrário. Antes é o desvelar, nos termos de Florestan Fernandes, do mais

profundo caráter autocrático das classes dominantes brasileiras no geral, e do pensamento

reacionário da classe média, em específico.

Os demais atos que comporão essa fase dos acontecimentos – que se estende até o

dia 13 de junho – reproduzirão os mesmos elementos apresentados nas duas primeiras

grandes manifestações contra o aumento: por um lado, haverá o protagonismo do MPL nas

ruas, com protestos intermitentes e crescentes; por outro, a cobertura midiática enfocará suas

121 Conforme a postagem do promotor em sua página na rede social Facebook: “Estou há 2 horas tentando

voltar para casa, mas tem um bando de bugios revoltados parando a avenida Faria Lima e a Marginal Pinheiros.

Por favor, alguém poderia avisar a tropa de choque que esta região faz parte do meu Tribunal de Júri e que se

eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial. Petistas de merda. Filhos da puta. Vão

fazer protestos na puta que os pariu... Que saudade da época em que esse tipo de coisa era resolvida com

borrachada nas costas dos medras...” (apud JUDENSNAIDER et al, 2013, p. 38).

150

análises na violência e nos estragos causados pelos manifestantes – esse aspecto dará

subsídio para a manutenção da narrativa criminalizatória do movimento, enquanto deixará a

questão do aumento das passagens em segundo plano.

A narrativa dos acontecimentos pela ótica da grande mídia será retroalimentada pelas

falas do governador, do prefeito, dos deputados e dos vereadores. Forma-se uma coalizão de

vereadores e deputados estaduais na criminalização do movimento, em decorrência das

imagens de violência amplamente divulgadas na mídia tradicional. No entanto, é importante

compreender que os protestos afetavam, direta ou indiretamente, boa parte dos políticos das

duas casas (Câmara Municipal de São Paulo, e Assembleia Legislativa do Estado de São

Paulo), posto que, no âmbito municipal, os mais afetados eram os vereadores petistas e seus

aliados, e no âmbito estadual o peso maior recaía sobre a bancada governista (tucanos e

aliados). Consequentemente, quase não restou, sobretudo na primeira fase dos

acontecimentos, políticos que defendessem o movimento em seus discursos e ações. Os dois

vereadores que defenderão o movimento, conforme enfatizam os autores, serão Ricardo

Yong (PPS) e Toninho Vespoli (PSOL). Os demais, desde o PSDB até o PT, passando pelo

PMDB e o PCdoB, em maior ou em menor medida, farão críticas ao MPL e aos protestos

(JUDENSNAIDER et al, 2013, pp. 57-61).

Apesar de não podermos aprofundar a discussão em torno da análise dos

pronunciamentos e medidas adotadas pelos políticos dos Poderes Executivos e Legislativo

das três esferas (Municipal, Estadual e Federal), no transcorrer das manifestações de junho

de 2013122, o comportamento tanto dos vereadores de São Paulo, como do prefeito da

Capital, do governador do Estado e da presidente da República revelam não apenas a

desarmonia entre as vozes das ruas e os discursos dos políticos, mas, sobretudo, a crise de

representatividade no cenário político brasileiro.

A conjunção desses fatores terá como consequência dois pontos: o primeiro, mais

imediato e visível será o recrudescimento da repressão policial aos protestos; o segundo

ponto, pouco perceptível ainda nesta fase dos acontecimentos, será o surgimento de

polarizações ideológicas e ilhas de consenso, sobretudo nas redes sociais virtuais, em torno

do movimento que tomou as ruas.

Com relação ao primeiro ponto, contrariando a expectativa das autoridades, a adesão

aos protestos aumentava à medida que a repressão policial se tornava mais intensa.

122 Entendemos que esta problemática é importante e demanda ainda estudos e pesquisas mais aprofundadas.

151

Conforme Singer (2013, p.25), “o uso desmedido da força atraiu a atenção e a simpatia do

grande público”. Seguindo o mesmo pensamento, Oliveira E. M. (2013, p.5) aponta que “a

afluência das massas às ruas das principais cidades do país surpreendeu pelo fato de estas se

imporem como força social diante do Estado, dos governos e da repressão policial”.

Logo, podemos concluir que a estratégia do Governador do Estado, solicitando que

a Polícia Militar agisse com rigor contra os “vândalos” acabou gerando o seu oposto, ou seja,

quanto mais se combatia o movimento, mais ele ganhava corpo. De modo análogo ao caso

citado por Gladwell (2010) e enfatizado por Arantes (2013), será a tentativa de combater o

movimento que dará mais força a ele, pois estimulará a resistência dos participantes e gerará

laços de solidariedade da população em geral com os jovens reprimidos nas ruas.

As imagens da guerra campal entre a tropa de choque e os manifestantes

circularam nas redes sociais e começaram a mudar o estado de espírito da opinião

pública. A truculência da tropa de choque funcionou como um estopim que

detonou a indignação popular. A intrepidez dos jovens que desafiavam bombas e

balas de borracha evidenciava a covardia da política e legitimava os métodos de

luta do MPL” (SAMPAIO JR., 2014 p. 87).

Com relação ao comportamento nas redes sociais virtuais, nesta fase dos

acontecimentos, já começam a surgir polarizações e ilhas de consenso em torno do

movimento que está posto nas ruas, em decorrência da guerra de narrativas entre as posições

políticas e ideológicas distintas. De um lado, os coletivos jornalísticos independentes e

manifestantes postando em tempo real o que estava acontecendo nas ruas; de outro, a

replicação e o compartilhamento de análises, matérias, opiniões, bem como a visão de outros

manifestantes que passaram a ir às ruas.

À medida que a repressão policial aumentava, o movimento tomava as primeiras

páginas dos jornais e as manifestações conseguiam parar o trânsito da cidade, o movimento

passou a tomar uma composição social e ideológica mais heterogênea, talvez, em

decorrência da proximidade com a pauta do MPL e solidariedade aos demais manifestantes,

como também pela curiosidade em saber o que se passava em cada protesto.

Não podemos fazer, porém, uma análise dualística do processo, dividindo-o,

basicamente entre as ruas e as redes sociais, como se todos os que estavam nas ruas

estivessem apoiando o movimento e diretamente ligados à luta contra o aumento e uma

agenda progressista, e aqueles que estavam nas redes sociais virtuais fossem apenas

replicadores de opinião, com viés mais conservador. Na verdade, ambos os campos passam

a ser compartilhados (e disputados) por simpatizantes e militantes dos dois espectros

152

ideológicos: enquanto na internet esta divisão passa a se tornar mais evidente ainda na

primeira fase dos acontecimentos, nas ruas, as polarizações passam a se evidenciar entre o

final da segunda fase e o início da terceira.

Em suma, o amálgama desses fatores, em maior ou menor medida, contribuirá para

que o movimento avançasse, ao ponto de, em torno de uma semana, o número de pessoas

nas ruas triplicasse, passando de cerca de cinco mil para, aproximadamente, vinte mil

pessoas protestando. Consequentemente, a pauta central também se alterou, passando da luta

contra o aumento, para uma bandeira mais genérica, como: “não são por apenas R$ 0,20”.

5.2. Novos atores entram em cena?

O dia 13 de junho marcará um dos momentos mais tensos e violentos das

manifestações, quando a Polícia Militar reprimiu fortemente o movimento, ferindo

manifestantes, jornalistas e transeuntes indistintamente. Esse fato marcará a inflexão do

movimento em todos os aspectos, desde a cobertura da grande mídia até o procedimento da

Polícia Militar, como também a (re)ação da população em geral a atuação de ambos.

Essa fase dos acontecimentos apontará o auge do movimento e será marcada pelo

crescimento exponencial do movimento com a adesão de outras frações da sociedade e pela

difusão da pauta de reivindicações. A “entrada de novos atores em cena”123, juntamente com

a dispersão da pauta de reivindicações, foi impulsionada basicamente, por três fatores:

primeiro, a alteração do discurso da mídia em relação aos protestos, frente à repressão

policial e a recusa da população em aceitar seus julgamentos124.

De maneira orquestrada ou casual – ou seja, conduzindo ou sendo conduzidos pela

“opinião pública” –, o fato é que a imagem dos manifestantes transmitida pelos

meios de comunicação sofre uma profunda transformação. Eles deixam de

123 Utilizaremos aqui esta metáfora não para designar os mesmos sujeitos sociais que Sader (2001) analisou. 124 O apresentador do jornal televisivo Brasil Urgente, José Luiz Datena, enquanto mostrava cenas de um

confronto entre manifestantes e policiais durante as manifestações, elaborou uma enquete ao vivo para captar

a suposta opinião pública em relação ao comportamento dos manifestantes. Na primeira enquete o apresentador

propõe a seguinte pergunta: “‘Você é a favor desse tipo de protesto?’ que inclui a depredação púbica...”. Diante

da surpresa dos resultados frente aos seus tendenciosos comentários, o apresentador, julgando que a enquete

foi mal interpretada, reformula a questão e refaz a pesquisa: “Você é a favor de protesto com baderna?”.

Novamente, o massivo apoio popular aos protestos é refletido na enquete e surpreender o apresentador, que é

levado a rever os comentários e mudar de opinião. O apresentador, que nos dias anteriores não poupou críticas

ao comportamento dos manifestantes, passou a dizer que as manifestações eram um “show de democracia”.

Vídeo completo disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=AbyS6kx6zFQ>. Acesso em 13 dez.

2013.

153

representar os vândalos isolados e irresponsáveis dos primeiros dias e passam a

ser vistos como um grupo social predominantemente legítimo que, partindo da

crítica ao custo dos transportes, aponta para uma crítica mais ampla às deficiências

da política e do Estado brasileiro” (JUDENSNAIDER et al., 2013, p. 150).

Segundo fator será o início da Copa das Confederações. Com o início do evento

esportivo, outras cidades, sobretudo aquelas que receberam os jogos (Brasília, Fortaleza,

Salvador, Belo Horizonte e Rio de Janeiro), passaram a protagonizar também os protestos.

Consequentemente, São Paulo, a partir desta fase, começou a dividir a centralidade das

manifestações (SINGER, 2013, p. 25).

Terceiro, o descontentamento das classes média e alta com relação à política. Singer

(2013, p. 35) lembra que “o chamado mensalão, cujo julgamento, amplamente televisivo,

ocorrera seis meses antes da explosão, pode ter tido efeito sobre os acontecimentos de junho,

mobilizando uma fração que viu no chamado do MPL para ir às ruas a oportunidade de

colocar em pauta um assunto profundamente entalado na garganta”.

Sobre a segunda fase dos acontecimentos, três elementos são cruciais de serem

analisados: o primeiro elemento diz respeito ao papel da cobertura da grande mídia aos

protestos que, conforme analisamos no tópico anterior, não apenas deu um viés

criminalizatório ao movimento como cobrou maior rigor em sua repressão; o segundo

elemento é a violência – tanto a violência policial, que progressivamente vai aumentando até

chegar ao ápice no dia 13 de junho, na “batalha da Maria Antônia”, como também outras

formas de conflitos e violência, que se tornaram evidentes apenas na última fase do

acontecimentos; o terceiro elemento corresponde ao apoio maciço da população àqueles que

estavam nas ruas, aos protestos e à adesão ao movimento de outros estratos sociais,

especialmente a burguesia e a classe média.

5.2.1. A alteração da mídia na cobertura dos protestos

Desde o início das manifestações, a cobertura da grande mídia, como vimos, vinha

construindo uma narrativa para o movimento que focalizava a violência dos “vândalos” e

não debatia a questão do reajuste, tampouco o seu peso no orçamento das famílias de menor

renda ou, em outro caso, a atual do transporte público nos grandes centros e a coerência dos

protestos frente a este quadro. Sem abordar essas questões, as análises, editoriais e coberturas

jornalísticas, em sua maioria, deram ênfase à narrativa da violência: culpabilizando

154

baderneiros e vândalos (manifestantes), por um lado, e pedindo a ação mais enérgica das

autoridades públicas (governador e prefeito) na retomada da cidade, por outro.

Paralelamente, houve a tentativa de desqualificar o movimento ao deslegitimar os sujeitos

da ação (manifestantes) com a prerrogativa de que não caberia a eles o direito de fala, uma

vez que estavam ocupando o lugar que, por condições econômicas e sociais, não lhes

pertencia. Em outras palavras, ainda que a causa tivesse mérito125, este poderia ser

contestado, já que o requerente não teria relação direta com ela. A fala do comentarista da

Rede Globo, Arnaldo Jabor, no dia 13 de junho, exemplifica esta tentativa de desqualificação

dos sujeitos da ação126: “Não pode ser por causa de vinte centavos! A grande maioria dos

manifestantes são filhos de classe média, isso é visível. Ali não havia pobre que precisassem

daqueles vinténs, não!” (apud Viana, 2013, p. 57).

Esse discurso será mantido até o dia 13 de junho, quando ocorrerá um dos momentos

mais violentos dos protestos. O editorial do Estadão, Chegou a hora do basta127, pedia para

que as autoridades determinassem que a polícia agisse com maior rigor a partir do ato

marcado para aquela data, caso contrário a cidade poderia ficar entregue à desordem. De

modo consonante, o editorial da Folha dirá que é hora de Retomar a Paulista128. De acordo

com a análise de Judensnaider et.al. (2013, p. 85) os editorias destes jornais, bem como as

matérias publicadas em suas respectivas edições “apresenta o protesto previsto para esse

mesmo dia em tom amedrontador”, além de tratar “os manifestantes de forma depreciativa,

deslegitimando suas reivindicações e indicando a necessidade de uma atuação severa da

polícia militar para colocar um ponto final nas manifestações”.

Ressaltamos a cobertura dos dois maiores jornais de São Paulo para frisar o pano de

fundo sob o qual se constrói o ato do dia 13 de junho. O clima de guerra tornou-se ainda

mais inflamado com as cenas continuamente reproduzidas nos jornais de um policial que

quase fora linchado no ato anterior (11 de junho). Portanto, como num jogo de cartas

marcadas, o desfecho do quarto ato contra o aumento da tarifa (13 de junho) já era

premeditado.

125 Além de o reajuste onerar o orçamento das famílias de menor renda, devemos lembrar que, conforme

analisado no capítulo III, cerca de um terço da população que reside nos grandes centros urbanos é impedida

de circular pela cidade por conta da tarifa. 126 O vídeo completo está disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Su4R8U5OWj0>. Acessado

em: Acesso em 10 dez. 2013 127Chegou a hora do basta. [Editorial] O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 jun.2013, Caderno Principal, p.3. 128 Retomar a Paulista. [Editorial] Folha de S. Paulo, 13 jun. 2013, Caderno Principal, p. 2.

155

O cineasta Tambelli, que participou desse ato, relata que “a coisa parecia que iria

caminhar pacificamente – no filme [20 Centavos] a gente mostra isso. O comando da Polícia

Militar parecia que ia conseguir caminhar com os organizadores do movimento, uma

caminhada pacífica. De repente eclodiu uma grande repressão militar”. Para ele, o

descontrole da Polícia Militar é o sintoma mais visível de que o Estado perdeu a “noção” de

como lidar com a demanda das ruas:

Quando a polícia militar, obviamente que a mando do Governo do Estado de São

Paulo, desce o cacete em todo mundo que estava ali (aí precisamos incluir os

manifestantes, sejam eles da organização do MPL, sejam simpatizantes, sejam

curiosos e a imprensa), você percebe que o Estado perdeu completamente a noção

de como se lidar com manifestações populares” (Tambelli, Anexo II).

A partir desse ato, o movimento apresentará uma inflexão em sua dinâmica. O

cineasta, refletindo sobre sua experiência neste ato e as observações dos atos seguintes,

aponta três elementos que devem ser analisados: o primeiro diz respeito ao caráter simbólico

desse ato. Para o cineasta a “batalha da Maria Antônia” não foi apenas um prenúncio do que

ocorrerá nos dias seguintes – uma profunda polarização política e ideológica nas ruas e o

confronto entre os manifestantes de posições distintas – como também a reprodução de

nossos antagonismos históricos, ao apresentar elementos similares ao confronto ocorrido na

mesma região, durante a década de 1960. Referindo-se aos anos de chumbo marcado pela

violência real na “batalha da Maria Antonia”, como ficou conhecido o enorme confronto

entre estudantes e o Exército durante a ditadura militar, e que resultou no Ato Institucional

nº 5, o entrevistado faz um paralelo entre esse acontecimento e o ocorrido no ato do dia 13

de junho:

A partir da batalha da Maria Antônia, da segunda batalha da Maria Antônia – na

década de 1960 nós tivemos a primeira. Engraçado né? Porque na década de 1960,

temos uma batalha na Maria Antônia entre os estudantes da USP e os estudantes

do Mackenzie. Ou seja, uma batalha entre a direita e a esquerda, que a gente ia ver

acontecer de novo alguns dias depois, no dia 20 na Paulista. Então, ali também já

era um princípio do que viria acontecer depois (Tambelli, Anexo II).

O segundo elemento é o surgimento de grupos de direita e extrema direita nos

protestos. Conforme já havíamos citado anteriormente, até então o caráter polissêmico do

movimento abarcava um amplo leque de posições políticas e ideológicas. No entanto, será a

partir desse ato que, conforme aponta o entrevistado – e isto fica evidente nos documentários

20 Centavos e Junho –, surgem grupos de direita e extrema direita nas manifestações,

156

recriminando, sobretudo, os partidos (de esquerda) presentes nos atos e as pautas mais

progressistas, que pediam mais investimento público, sobretudo em saúde, educação,

infraestrutura e mobilidade urbana. É possível intuir que isto seja decorrência da alteração

do viés da cobertura dos veículos tradicionais de informação aos protestos.

Até aquele momento você não percebia grupos de direita atuando dentro das

manifestações. Você percebia setores do Movimento Estudantil, não a UNE, mas

movimento estudantil da USP, representado pelo MPL. [O MPL é um] movimento

que se apresenta apartidariamente, não antipartidariamente, com uma bandeira de

esquerda, com uma pauta muito clara, baseada na universalização do transporte

público gratuito [...]. E a grande mídia viu uma possiblidade de introduzir, a partir

daquele momento, já na manifestação do Largo da Batata [17 de junho], que

reuniu, sei lá, 300, 400, 500 mil pessoas, uma pauta já fascista e de direita. Ali [na

manifestação do Largo da Batata] você já via no 20 Centavos, a mulher que fala

que tem uma discussão, que alguém está questionando ela, que ela não pode

segurar uma bandeira de partido – esta parte está montada na sequencia da

Paulista, mas, aquilo foi filmado no dia do Largo da Batata, entendeu? Ela estava

segurando uma bandeira do PSOL e um manifestante dizendo que não se podia

participar daquele ato partidos políticos de esquerda. Então, já ali você consegue

observar um sequestro do discurso do MPL, que não condenava a participação de

partidos. Pelo contrário, o MPL tem laços de interesses convergentes com

sindicatos e com alguns partidos e com movimentos sociais (o MTST é um deles).

Mas, ali você já começava observar que, a direita já estava começando a mostrar

a cara na rua. Você vê isso muito claro na quantidade de cartazes que naquele dia

já saíam questionando a educação, a corrupção, o Governo Federal, a classe

política, enfim, pautas de todos os objetivos (Tambelli, Anexo II).

Como apontado pelo próprio entrevistado, a adesão desses grupos foi impulsionada

pela alteração na cobertura dos veículos tradicionais de notícias. A alteração na cobertura

dos protestos pela mídia tradicional será o terceiro elemento destacado pelo entrevistado e

decorrerá da conjunção entre a forte repressão policial, que afetou até mesmos os jornalistas

que cobriam o movimento, apoio popular aos manifestantes, frente à ação policial e a

tentativa de imposição de um consenso criminalizatório para o movimento, e a

insustentabilidade de manutenção dessa narrativa.

Aí sobrou para imprensa a agressão, a violência do Estado na maior força possível.

E a gente precisa ressaltar que, antes disso, a grande imprensa, ela não tratava os

manifestantes como manifestantes, mas sim como vândalos. Porque a pauta da

redução das tarifas públicas não estava no escopo dos interesses políticos de

nenhum grupo de comunicação, até o momento que eles perceberam que isso

poderia se abrir uma janela de interferência e manipulação da opinião pública.

Então, quando a imprensa também foi agredida pela polícia militar – naquele caso

da jornalista que foi atingida por uma bala de borracha no olho: repórter da Folha

de S. Paulo – a gente percebe ali uma mudança na maneira de analisar a questão.

Foi a primeira mudança dos grupos de comunicação, que passaram a condenar a

violência do Estado, representada pela polícia militar (Tambelli, Anexo II).

157

No entanto, devemos salientar que a mudança da postura da grande imprensa em

relação ao movimento não decorreu de uma revisão de postura, passando a apoiar a luta

contra a tarifa. Na realidade, essa inversão na cobertura do movimento não deixou de ser

uma tentativa de tomar a pauta do movimento, passando de uma luta objetiva e progressista

(a luta contra a tarifa), para uma luta genérica, com viés conservador, como: “não são por 20

centavos” e “contra a corrupção”.

Após a forte repressão aos manifestantes em São Paulo, no dia 13 de junho, e a

reação indignada da população, o tom da cobertura mudou. A mídia corporativa

assumiu seu papel de centralizador das forças conservadoras, passou a ressaltar o

caráter pacífico dos atos e a disputar a pauta do movimento. Reivindicações

normalmente encampadas pela direita começaram a surgir nas manifestações. Até

mesmo pequenos grupos de extrema direita marcaram presença em atos na cidade

de São Paulo e provocaram e agrediram militantes de esquerda. (BRASILINO;

GODOY; NAVARRO, 2013).

Dentro dessa discussão, cabe citar a pesquisa de Costa (2015), que analisa a

metamorfose da cobertura do jornal Folha de S. Paulo aos protestos. Apesar de sua pesquisa

ser direcionada à análise do conteúdo produzido pela Folha, podemos constatar que o

Estadão também avançou no mesmo sentido. Desse modo, ambos os jornais, entre a primeira

e a segunda fase dos protestos, deixaram de retratar os manifestantes como “violentos”,

“baderneiros”, “vândalos”, para uma cobertura com viés mais superficial, individualista e

estético, como por exemplo, a matéria do dia 16 de junho, publicada pela Folha: “No MPL

‘não pode ter cara de playboy’ diz estudante”129. É certo que este deslocamento conduzia

para a mudança da narrativa dos acontecimentos, passando de um movimento

eminentemente político, com objetivos definidos, para um movimento quase catártico que,

em última instância, tinha por objetivo o deslocamento do movimento iniciado pelo MPL de

uma esfera política para restringi-lo à “esfera do espetáculo”.

Outro ponto que deve ser frisado é a tentativa de desconstrução e deslegitimação do

MPL enquanto movimento social institucionalizado.

a discussão em torno da qualidade do transporte ou dos valores das tarifas, eixo

ideológico apresentado pelo MPL, são silenciadas na seleção dos fatos. Em um

jogo de dito e não-dito, emerge um conflitante contraste de classes e tipos sociais

129 Outra matéria publicada na mesma data pela Folha traz como título: “Ato contra tarifa une punk e ativistas

do “paz e amor”. Como observado por Costa (2015, p. 61), o texto jornalístico “remete a um encontro entre

tipos estereotipados. [...] ‘paz e amor’ remete ao Movimento Rippie nos anos 60, quando muitos jovens

adotaram um modo de vida nômade e negavam o nacionalismo. Daí serem qualificados como inconsequentes

e, por vezes, associados ao comunismo. Considerando a faixa etária predominante dos leitores do Caderno

Cotidiano [da Folha]”.

158

que compõem o cenário paulistano; muitos dos quais são apresentados como

alienados aos reais motivos que culminaram nos atos públicos motivados por um

movimento que, pelas abordagens jornalísticas, ainda não fora capaz de esclarecer

a que veio (COSTA, 2013, p. 65).

Em resumo, a cobertura jornalística mudará, a partir do ato do dia 13 de junho, não

divergindo do que vinha afirmando até então, mas trazendo um novo elemento que conjugará

junto ao elemento de negação. Nessa fase dos acontecimentos, a cobertura midiática

apresentará, concomitantemente, um elemento de negação e outro de conservação. O

elemento de negação caracteriza-se pela recusa do que está posto – neste caso específico, as

manifestações contra a tarifa. O elemento de negação apresenta-se de diversas formas, desde

a tentativa de dividir e rotular os manifestantes entre pacíficos e vândalos, até a completa

negação da luta contra o reajuste da tarifa, como vimos na fala do comentarista da Rede

Globo, “não pode ser por causa de vinte centavos!”, que apresentava a pauta do MPL como

diminuta, frente aos demais problemas internos do país.

No entanto, a sentença não pode ser por vinte centavos não é uma negação total, pois

traz em si mesma um elemento de conservação, porém de modo oculto. Nega-se a causa do

movimento, mas conserva-se a necessidade do movimento enquanto tal. Uma vez que “não

pode ser por causa de vinte centavos”, deve haver uma causa que valha manifestar. Mas

qual? Outras pautas “mais dignas e mais nobres” para se ocuparem as ruas serão propostas

pelos jornais, analistas e comentaristas, especialmente a pauta contra a corrupção. O próprio

comentarista, por exemplo, proporá as pautas contra corrupção e a PEC 37130.

A junção destes dois elementos deslocará o eixo da cobertura jornalística, passando

de uma demanda concreta e objetiva para uma síntese genérica que tudo cabe: “não são por

apenas vinte centavos”. Essa síntese, de modo geral, abarcará a todos, desde os que lutam

contra a tarifa e por melhores condições do transporte público, até aqueles que se queixam

dos impostos ou pediam o fim da corrupção. De igual modo, por deixar de ser um protesto

stricto sensu das cidades que tiveram reajuste na tarifa de transporte público,

geograficamente outras cidades aderira a onda de manifestações.

130 Até então quase não se falava nesta questão. De acordo com o levantamento que fizemos a discussão em

tono desse projeto de emenda constitucional e sua consequente inserção no conjunto das manifestações se dará

a partir da fala do comentarista da Rede Globo . O artigo de Antônio Prata publicado na Folha, em 19 de junho,

seguirá a mesma linha argumentativa, porém dando um viés de que, desde o início das manifestações, esta

fosse uma de suas causas principais: “"Por que você tá aqui no protesto?", perguntou a repórter do "TV Folha"

a uma garota na manifestação do dia 11: "Olha, eu não consigo imaginar uma razão para não estar aqui, na

verdade", foi sua resposta. Corrupção, impunidade, a PEC 37, o aumento dos homicídios, os gastos com os

estádios para a Copa, nosso IDH, a qualidade das escolas e hospitais públicos são todos excelentes motivos

para que se saia às ruas e se tente melhorar o país” (PRATA, 2013, p. 11).

159

O que Singer (2013, p. 25-6) constatará no ato do dia 17 de junho é o resultado desse

intrincado jogo entre os diversos atores políticos, isto é, o Estado, a mídia, os movimentos

sociais e a população:

Na segunda, 17, quando o MPL chama a quarta jornada, que juntou em São Paulo

75 mil pessoas, ela é replicada nas maiores capitais do país da maneira espontânea.

Surge quase um cartaz por manifestante, o que leva a uma profusão de dizeres e

pautas: "Copa do Mundo eu abro mão, quero dinheiro pra saúde e educação",

"Queremos hospitais padrão Fifa", "O gigante acordou", "Ia ixcrever augu legal,

maix fautô edukssão", "Não é mole, não. Tem dinheiro pra estádio e cadê a

educação", "Era um país muito engraçado, não tinha escola, só tinha estádio",

"Todos contra a corrupção", "Fora Dilma! Fora Cabral! pt = Pilantragem e

traição", "Fora Alckmin", "Zé Dirceu, pode esperar, tua hora vai chegar", foram

algumas das inúmeras frases vistas nas cartolinas. Diversos outros temas também

compareceram, como a atuação do deputado Feliciano (PSC-SP) na Comissão de

Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda

Constitucional 37, vetando a possibilidade de o ministério público fazer

investigações independentes, o voto distrital e o repúdio aos partidos. Um pouco

daquele "que se vayan todos" argentino de 2001 apareceu no ambiente. A

depredação de edifícios públicos (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro,

Congresso Nacional, Itamaraty) pareceu ser expressão de um clima de repúdio aos

políticos em conjunto.

5.3. A violência policial e a violência da massa

A repressão aos protestos pela polícia militar, como vimos, desde o primeiro grande

ato se fez presente, contribuindo, ainda que de forma sombria e violenta, com o avanço do

movimento. Até mesmo o prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, afirmou que

a repressão policial foi um dos fatores que atraiu a grande massa aos protestos. Para ele, a

repressão policial atraiu novos contingentes às ruas ao provocar, basicamente, duas reações

na população: repulsa e solidariedade:

a questão da segurança foi a questão central que impulsionou as manifestações. A

violência policial praticada naquela quinta-feira, dia 13 de junho, provocou uma

reação de repulsa por um lado, e de solidariedade ao Movimento Passe Livre por

outro. Provocou uma mudança no humor da opinião pública que desaguou nas

manifestações de maior multo. Acho que esse fator não foi suficientemente

explorado nas análises sobre as manifestações (MUANIS; FORNAZIERI, 2014,

p. 92).

A atuação da polícia militar nos protestos levantou muitas críticas – desde

instituições nacionais e internacionais, até de intelectuais e artistas – bem como

interpretações divergentes.

160

Para Morgenstern (2015), no entanto, a violência e a repressão foram um processo

programado pelos organizadores do MPL, com o objetivo “de criar tumulto, caos e desordem

na cidade”. Sua análise dos acontecimentos de junho de 2013 se aproxima em muito das

análises feitas pelos comentaristas Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino e de outros de

extrema direita e dos editoriais do Estadão. Para ele, a Polícia Militar fora enredada numa

armadilha programada pelos movimentos sociais (de esquerda) para pedirem o seu

desarmamento. Em última instância, o que Morgenstern (2015) irá argumentar, em diversas

passagens de seu livro, Por trás da máscara, é que os protestos contra a tarifa não passariam

de um álibi para se implementar uma agenda comunista no país, começando pelo

desarmamento da Polícia Militar:

“O germe de um dos verdadeiros objetivos das manifestações de 2013, que nunca

ficou claro à população: a proposta de desmilitarização da política, que precisava

cada vez mais parecer como vilã para a classe média, a única capaz de aceitar

remendos constitucionais para obrigar policiais a andarem desarmados para

combater criminosos armados até os dentes. Conseguindo isso através de protestos

com presença da classe média, a mentalidade geral poderia aceitar a ideia, que,

aliás, não desapareceu do horizonte de propostas queridinhas dos ‘politizados’ de

plantão até o momento” (MORGENSTEN, 2015, p. 108).

Essa visão será contestada por diversos outros autores131 que apontarão que a

violência policial, observada nos protestos de junho de 2013, nada difere da violência que

continuamente é praticada nas periferias da cidade. Apenas que, nesse caso específico, o

palco foi o centro da cidade, e as balas foram de borrachas.

Ainda dentro da discussão em torno da violência policial no decorrer dos

acontecimentos de junho, cabe ressaltar a análise feita por Oliveira (2013a, 2013b) referente

à ambivalente relação entre a violência praticada nas periferias e praticada nas regiões

centrais da cidade. Para o autor, quando os veículos tradicionais de informação passaram a

dividir o movimento entre os denominados “vândalos” e os “manifestantes pacíficos”, ela

“involuntariamente” revelou aspectos que estavam nos sustentáculos de nossa sociabilidade.

Quando as classes dominantes (não apenas a classe média, mas a burguesia também) foram

aos protestos e pediram “para não levar tiro na cara na sua passeata pacífica”, na realidade

ela pediu a “manutenção do privilégio social” (2013a).

Desse modo, quando a violência policial começou a atingir a todos indistintamente,

alguns privilégios de classe historicamente mantidos, retomaram a cena social e política.

131 Sobre esse assunto, ver Oliveira (2013a, 2013b) e Sakamoto (2013).

161

Nesse sentido, o que Oliveira (idem) trará ao centro do debate, não é apenas o protesto contra

a repressão policial, mas a manutenção dessa forma de repressão com as classes sociais

historicamente reprimidas.

Nesse quadro, quando os brancos de classe média pedem para não levar tiro na

cara na sua passeata pacífica, ao mesmo tempo que mantém intacto o seu hábito

de revelar a opressão policial contra os pobres, o sentido real do seu pedido é a

manutenção do privilégio social sob o qual sempre se escondem, e que os tornou

capazes de suportar duzentos e tantos anos de brutalidade civilizatória burguesa.

Numa sociedade violenta, eles querem o direto à paz. Numa sociedade em

frangalhos, querem a ordem, porque não se lembram que isso que chamam de

ordem é mantido somente pela truculência policial que agora bate no rosto deles.

De modo que, quando assistem o pessoal do Pinheirinho fazendo barricada contra

a tropa de choque, tocando fogo em pneus, com capacete de motoboy, escudo de

latão, e porrete de madeira, pensam ver a perturbação da ordem, e não um dos

sintomas dela (OLIVEIRA, P. R., 2013a).

Além da discussão em torno da violência policial, Iasi (2014) apontará outras três

facetas da violência presente em junho de 2013. A primeira e mais visível é a violência

performática e simbólica contra “expressões da ordem contra a qual a raiva das massas

dirigia a ação”. Esta forma de violência tem um caráter simbólico e se aproxima de uma

performance. As ações dos black blocs, como também as empreendidas contra guaritas

policias, prédios públicos, “Câmaras Municipais, sedes de parlamentos estaduais e nacional,

[...]contra bancos e vitrines que objetivavam a ostentação do consumo” são enquadradas

neste conjunto (IASI, 2014, p.177).

O segundo tipo de violência, que difere da primeira, mas que a ela se somou, decorre

de uma situação estrutural de exploração e desigualdade econômica e social que afeta,

sobretudo, as classes menos favorecidas. Noutros termos, é a violência de profundas fraturas

históricas que gerou o atual estado de desigualdade econômica, social e política da nação.

Esse tipo de violência, argumentará Iasi (2014), não deixa de ser uma (violenta) resposta

para a violência que cotidianamente são submetidos estes jovens manifestantes precarizados.

Jovens das periferias, dos bairros pobres, das áreas para onde se expulsou os restos

incômodos desta ordem de acumulação e concentração de riqueza, que são

cotidianamente agredidos e violentados, estigmatizados, explorados e aviltados,

que agora, aproveitando-se do mar revolto das manifestações expressam seu

legítimo ódio contra esta sociedade hipócrita e de sua ordem de cemitérios. Sua

forma violenta em saques e depredações assustam, é verdade, mas a consciência

cínica de nossa época passou a assumir como normal as chacinas, a violência

policial. Pseudointelectuais chegaram a justificar como normal que a polícia entre

nas favelas e invada casas sem mandato, prenda, torture e mate em nome da

“ordem”; ou seja, a violência só é aceitável contra pobres, contra bandidos, contra

162

marginais, mas é inadmissível contra lixeiras, pontos de ônibus, bancos e vitrines

(IASI, 2014, p. 177-8).

Diferentemente das duas primeiras formas de violência, que são fortemente

espontâneas, emocionais e simbólicas, a terceira é fria e sombria: a violência da extrema

direita. Essa fração da direita pegou carona no amplo guarda-chuva de junho de 2013 e

passou a imprimir um discurso antidemocrático, além de entrar em confronto com

manifestantes que portavam bandeiras de partidos políticos. Essa violência se explica

pelo ódio represado [...] com o processo de democratização e que se escondeu atrás

da rejeição contra os partidos políticos, justificável pela triste experiência de

cooptação do PT à ordem burguesa, mas injusta uma vez que os partidos de

esquerda em oposição ao governo de aliança com a burguesia há muito estavam

nas ruas lutando pelas mesas coisas que agora as massas mais amplas denunciavam

(IASI, 2014, p. 178).

Tiago Tambelli aponta que esta forma de violência, até então subterrânea, passa a

ficar mais evidente a partir do protesto do dia 17 de Junho: Ali [na manifestação do Largo

da Batata] você já via [...] manifestantes dizendo que não se podia participar daquele ato

partidos políticos de esquerda”. Após a queda da tarifa a extrema direita passa a atuar de

forma mais coordenada e violenta, como se pode observar nos documentários Junho e 20

Centavos.

No dia 20 na Paulista a coisa não foi tão espontânea assim, já acho que ali se

percebia uma certa organização mais elaborada...já percebia uma coisa um pouco

mais forte da [extrema] direita. Já via ali um discurso e uma maneira de atuar mais

agressiva, mais em bloco, isso no filme [20 Centavos] dá para gente ver bem. Não

dá para imaginar que aquele bando de gente estava ali aleatoriamente, que se

encontrou na rua e se identificou. Então, parecia que existiam ali umas pessoas

infiltradas, com propósitos muito claros, que foram capitaneando esses discursos

na rua” (Tambelli, Anexo II)

Todas essas formas de violência expressas, durante as manifestações, revelam “não

apenas causas mais profundas, mas também de outa forma de violência, mais invisível e

brutal em sua cotidianidade” (IASI, 2014, p. 178). Em outros termos, em Junho de 2013

rasga-se o véu que ocultava a brutal violência expressa em diversos âmbitos do cotidiano.

163

5.4. Composição social e ideológica dos protestos

A adesão de outras frações da sociedade às manifestações fora influenciada pela

confluência de diversos fatores, desde a repressão policial à alteração na cobertura dos

protestos. No entanto, além desse aspecto circunstancial, outras hipóteses interpretativas

para o fenômeno surgiram, especialmente, após as pesquisas de opinião aferidas durante os

atos dos dias 17 e 20 de junho, em diversas cidades brasileiras132. Entre as diversas

interpretações lançadas, cabe-nos citar, ao menos três, que, apesar de poderem ser

divergentes entre si, lançam luz à discussão e corroboram o entendimento do movimento.

A primeira hipótese, lançada pelo economista André Lara Resende (2013) é de que

o “mal-estar” apresentado nas ruas é fruto de uma crise de representação política e de um

projeto de Estado que já não atende aos anseios da população. A crítica de Rezende ao

“projeto de Estado” se direciona ao programa econômico petista que, conforme analisado no

capítulo II, apresentou fortes contornos desenvolvimentistas. Para ele, além de retrógrado já

não atende mais aos anseios da população: “o Estado brasileiro mantém-se preso a um

projeto cuja formulação é do início da segunda metade do século passado. Um projeto que

combina uma rede de proteção social com a industrialização forçada. [...] O projeto do PT

no governo revelou-se flagrantemente retrógrado. É essencialmente a volta do nacional-

desenvolvimentismo” (RESENDE, 2013, pp. 5-6).

Partindo de uma perspectiva “pós-materialista”, Resende (Idem) irá argumentar que

nova classe média possui aspirações e anseios que já não são atendidos por um Estado

gigante e intervencionista, pois este teria se tornado apenas um “sorvedouro de recursos”.

Em outras palavras, com o aumento da renda real e a mudança no padrão de consumo das

famílias, as demandas deixaram de serem materiais – estas já estavam sendo supridas – e

passaram a ser demanda por “qualidade de vida” e “bem-estar”. Desse modo, a participação

dessas classes e frações de classes sociais poderia ser explicada não pela insatisfação com o

transporte público, mas com o atual modelo de desenvolvimento econômico que tornaria

insustentável a vida na cidade. Essa dissonância entre os anseios dessa parte da sociedade e

132 Entre as diversas pesquisas de opinião utilizadas, destacam-se: Datafolha (São Paulo), Plus Marketing (Rio

de Janeiro); Ibope (oito cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Fortaleza,

Salvador e Brasília); e Instituto Innovare (Belo Horizonte).

164

o governo em exercício no período, resultava numa crise de representação política

(RESENDE, 2013).

A segunda hipótese refere-se ao “cruzamento social e ideológico do movimento”.

Singer (2013), subsidiado com os dados de pesquisas quantitativas, irá defender que o

movimento não foi apenas apropriado pela direita a partir da segunda fase do movimento,

antes revelou a significativa participação do “centro pós-materialista”. A partir da segunda

fase, o movimento apresenta tanto o “cruzamento de classes”, como o “cruzamento

ideológico”, favorecendo a apropriação de ambas as bandeiras pelo “centro”:

[...] a direita trouxe para a segunda fase das manifestações o problema da

corrupção e a esquerda, o das iníquas condições de vida urbana, produzindo um

cruzamento ideológico que se compôs, em alguma medida, com a mistura de

classes que observamos na seção anterior. Mas o realmente novo foi a atuação do

centro, o qual teve a vantagem de poder assumir uma e outra bandeira, bradando

simultaneamente contra os gastos públicos privatizados pelo capital e contra a

corrupção. Funcionou, assim, como uma espécie de inesperado generalizador do

programa espontâneo das ruas. A única condição para que pudesse levar adiante

tal operação aditiva foi a de não transformar a reivindicação de hospitais e escolas

"padrão Fifa" em um verdadeiro combate ao capitalismo, como quer a esquerda,

nem a perseguição aos corruptos, em uma obsessão vingativa à esquerda, como

propõe a direita (SINGER, 2013, p. 36).

A apropriação de “bandeiras ideológicas” pelo centro favoreceu o crescimento do

movimento tanto pela direita como pela esquerda, ao abarcar, em certa medida, pautas

defendidas por diversas classes sociais, desde o subproletariado até a burguesia. A hipótese

levantada por Singer (2013) contribui na explicação da expressiva participação de jovens

proletários precarizados, que pediam investimentos “Padrão Fifa” em áreas, como saúde e

educação, bem como os estratos sociais superiores que em aparência apresentavam uma

bandeira contra a “corrupção”, porém, em essência, protestavam contra o governo

(intervencionista) petista133.

Buscando, não apenas pontos de convergência, mas procurando melhor entender este

“cruzamento ideológico” e “apropriação de bandeiras” pelo centro, como apontou Singer

(2013), cabe trazer ao debate a análise de Magalhães (apud ARANTES, 2014). Segundo a

autora, grande parte dos que estavam nos protestos eram indivíduos (especialmente jovens

estudantes – “na maioria, trabalhadores pobres, em geral moradores das mais remotas

133 Na verdade, devemos relembrar que, conforme apontamos no Capítulo II, desde o início do ano, segmentos

da burguesia, especialmente a fração rentista, vinha continuamente apresentando discursos “anti-

intervencionista” e “anti-pestista” na mídia tradicional e se aproveitaram do caráter polissêmico do movimento

e das sucessivas denúncias de corrupção contra membros e aliados do PT para, a partir da pauta contra a

corrupção, avançar no discurso “anti-petista”.

165

periferias”) “desamparados” e “sem discurso”, que sofriam a precarização em diversas

dimensões da vida, desde as relações de trabalho até as más condições de vida na periferia –

conforme analisamos em diversas partes desta dissertação. Por isso mesmo, não se

identificavam com pautas, bandeiras e discursos de partidos políticos, de movimentos sociais

e de sindicatos presentes nas manifestações. De igual modo, esses mesmos indivíduos

desconfiavam das “virtudes” do consumo e do “livre mercado”.

Só foi possível porque os discursos do poder contemporâneo, que prescrevem um

tipo de relação entre indivíduos e sociedade, não haviam atingido esse segmento

sui generis da sociedade. Pessoas pobres, com o dinheiro contado, tinham acesso

apenas parcial ao mercado de consumo e ao modo de pensar propagado pela

indústria cultural. Eram adultas, há haviam aprendido a resistir aos apelos da

propaganda, não usavam roupas de grife, não navegavam pela internet. Moradores

da periferia, mas que, por algum motivo, se mantiveram afastados dos movimentos

sociais urbanos de reivindicação de direitos, dos sindicatos e dos partidos. Mas

também não eram tão pobres a ponto de preencherem os requisitos para se

tornarem os beneficiários de programas sociais, não se tornando objeto, portanto,

do discurso das políticas públicas governamentais e não governamentais. Ou seja,

parece que essas pessoas não foram atingidas ou totalmente atingidas [,...] pelo do

protagonismo que nega a existência da sociedade apresentada como um

aglomerado de indivíduos particulares em atividade e em negociação entre si [...]

relativamente distantes do individualismo, padronização e coisificação

promovidos pela indústria cultural, e sem participar, quer das “tradicionais”, quer

das “novas formas de política”, essas pessoas não se transformaram em objetos de

discurso do poder hegemônico na atualidade, o que lhes proporcionou inusitada

abertura ao conhecimento e ao exercício do pensamento (MAGALHÃES apud

ARANTES, 2014, p. 455).

O fato de esses indivíduos se sentirem socialmente desamparados e ideologicamente

sem discurso, sobretudo, durante as manifestações de junho de 2013, possibilitava que

compreendessem que eram as expressões de suas próprias condições de subalternidade,

precarização e exclusão, ou seja, a não identificação com as bandeiras e os discursos durante

os protestos revelavam o quanto foram excluídos e, por isso mesmo, deveriam estar ali.

Falando muito simploriamente, creio que a massa dos manifestantes era de

indivíduos desamparados e sem discursos, mas que por isso mesmo foram capazes

de perceber o caráter subalterno e de segunda categoria de sua inserção na

sociedade, no mercado de trabalho, no mercado de consumo, no nível superior de

ensino, na vida da metrópole [...]. Os desamparados, sem-discurso, “excluídos do

interior” (Bourdieu) descobriram que coletivamente podem manifestar-se contra

uma sociedade que tudo exige e nada cumpre (Regina Magalhães Apud

ARANTES, 2014, p. 456).

Nesta direção, Alves (2013) assinala que o núcleo das manifestações, apesar do

crescimento exponencial, continuou sendo formado por trabalhadores precarizados – nos

166

seus termos de “precariados” – “porém, em decorrência de suas contradições ontológicas,

seu posicionamento ideológico vai se alterando”. A alteração na cobertura dos protestos pela

imprensa tradicional e a adesão da classe média tradicional e de frações da burguesia aos

protestos influenciaram no posicionamento desses jovens proletários precarizados, por

serem sem- discurso. Sobre as características do proletário precarizado (precariado) e a sua

relação com a mudança das pautas do movimento, Alves (2013) aponta:

É importante salientar que o precariado como camada social do proletariado é, em

si e para si, profundamente contraditório, tendo em vista que ele incorpora as

condições candentes da ordem do capital em sua etapa de crise estrutural. Na

medida em que o precariado é constituído por jovens altamente escolarizados, ele

tende, por um lado, a incorporar a contradição radical entre, por um lado, os sonhos

de consumo e anseios de ascensão social, e por outro, os carecimentos radicais

inscritos na busca por uma vida plena de sentido – carecimentos radicais incapazes

de serem realizados no seio da ordem burguesa. Enfim, no seio do precariado

reside a contradição radical da forma-mercadoria entre valor de troca e valor de

uso. [...]

É importante salientar que largas frações da camada social do precariado

incorporam, por um lado, a ideologia de “classe média”, tendo em vista sua

posição na estratificação social. Como pertencentes às camadas médias, eles estão

expostos à manipulação intensa e extensa dos mass media, compartilhando, deste

modo, valores sociais da velha “classe média” [...]. Embora cultivem aspirações

fetichistas de consumo e adotem o individualismo competitivo próprio do ehtos

burguês, estão profundamente imersos na condição de proletariedade. Por isso, o

sentimento moral imediato de parcelas amplas do preaciado é a indignação.

Por um lado, a parcela do precariado despolitizado e indignado torna-se refém das

ideologias reacionárias de direita ou extrema direita. Por outro lado, a parcela do

precariado mais politizada e inquieta com a condição de proletariedade tende a

assumir, em sua ampla maioria, a ideologia do proletariado radicalizado que

encontra no esquerdismo seu leito natural. Estes são os polos antípodas da alma

do pracariado, manipulados, em seus limites antitéticos, pela forças políticas da

esquerda e extrema esquerda [...] e, na outra ponta do espectro político, pelas

forças políticas da direita liberal, reacionária e neofascistas.

É isto que explica os dois tempos da revolta do precariado no Brasil: num primeiro

momento, o movimento social foi conduzido pelas forças de esquerda radicalizada

e, num segundo momento, interpelado pela mídia liberal –conservadora, o

movimento social foi hegemonizado.

Desse modo, as análises de Magalhães, assim entendidas por Arantes ( 2014), e de

Alves (2013) lançam luz em alguns pontos que oblíquos e contribuem com o entendimento,

não apenas ao aspecto ideológico do movimento – que se inicia com a esquerda e à medida

que avança passa a ter contornos de mais à direita –, mas também em relação à composição

social do movimento.

Ao mostrar a composição social desse “centro” – formado majoritariamente por

“estudantes que trabalham e trabalhadores que estudam”, como denominou Sampaio Jr.

(2014) – a hipótese de André Lara Resende mostra suas limitações e passa a ser, ao menos

167

em partes, refutada. Ainda que, pelo caráter polissêmico e heterogêneo do movimento,

houvesse uma amostra considerável de manifestantes que já haviam suprido suas demandas

materiais imediatas, grande parte dos que estavam nas ruas sofria diversas formas de

precarização e almejava melhores condições para suprirem as necessidades materiais

básicas. Em suma, “os novos atores que entram em cena” são os proletários precarizados

que, apesar de suas contradições, são a força motriz do movimento e não a classe média pós-

materialista.

5.5. A queda da tarifa

A conjugação de todos os fatores que até aqui abordamos contribuiu para que o

movimento, em menos de duas semanas completas, tomasse proporções inimagináveis,

gerando espanto e perplexidade. Essa perplexidade frente à magnitude do movimento fica

evidente, por exemplo, em um diálogo entre um coronel do Centro de Altos Estudos da

Polícia Militar e um integrante do MPL durante a participação de dois integrantes do

movimento no tradicional programa de entrevistas Roda Viva, da TV Cultura, no dia 17 de

junho134.

Na ocasião, o coronel, convidado a participar da bancada de entrevistadores,

questiona aos representantes do movimento até quando eles continuarão a ocupar as ruas,

uma vez que já fora sinalizado pelo governo que não iriam mexer na tarifa. Sua pergunta,

apesar de factível e válida diante da aparente inflexibilidade dos governantes até aquele

presente momento, merecia nova ponderação frente as mais de 100 mil pessoas que estavam

nas ruas de São Paulo, protestando enquanto ocorria o programa. Cabe citar o diálogo, pois,

além de revelar a surpresa do entrevistador, aponta para a magnitude do movimento que

estava posto nas ruas.

[Coronel] o governo já sinalizou, de uma maneira muito firme, que não vai mexer

na tarifa, que não vai reduzir [...] Então, vocês marcam uma nova manifestação

para a Praça da Sé. Qual é o limite que vocês vão ter para continuar esse

movimento, que tenderá a se exauri em algum momento? Vocês que têm esse

ânimo todo, que estão de alguma maneira na liderança, têm um pouco mais de

motivação. Mas qual é o plano B se, se ao que parece é o que vai acontecer, o

134 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=8FacFeGixxY >. Acessado em: 10 de dezembro de

2014.

168

governo absolutamente não concordar com a reivindicação principal, que é reduzir

os 20 centavos?

[Militante do MPL] Em primeiro lugar, isso é um jogo político. O Alckmin agora

deu uma declaração que, agora que a gente teve mais de 100 mil pessoas na rua,

ele está disposto a receber o movimento pra conversar sobre o aumento da tarifa.

Talvez essa seja uma sinalização de que, com a pressão popular, o governador está

sendo obrigado a rever a posição dele, e aceitar sim a revogação do aumento. Foi

assim em diversas cidades do Brasil [...]. Então por enquanto o próximo passo é

continuar pressionando até que o poder público – a prefeitura e o governo –

entendam que não há outra opção que não revogar o aumento da tarifa.

[Coronel] e vocês acham que têm essa força toda para atingir esse objetivo?

[Militante do MPL] Olha, eu não tenho dúvida. A gente teve uma manifestação

hoje de mais de 100 mil pessoas, a gente ainda está tendo essa manifestação...

[Coronel] 100 mil no Brasil, você diz?

[Militante do MPL] Não. Só em São Paulo foram mais de 100 mil pessoas. A

manifestação se dividiu pela Marginal, tomou a ponte estaiada, com gente na...

[Coronel] Mas não chegou a 100 mil chegou, chegou?

[Militante do MPL] Passou de 100 mil, as informações que a gente tem é que

passou de 100 mil.

[Coronel] Mas isso é impossível, 100 mil pessoas! Isso travaria completamente a

cidade! (Apud JUDENSNAIDER et al., 2013, pp. 170-172)

A surpresa do coronel não pode ser interpretada como um caso isolado, uma vez que,

no dia seguinte, ela estava presente, ainda que de maneira implícita ou maquiada na forma

de apoio ao “lindo movimento das ruas”, nos jornais e nos pronunciamentos de autoridades

ou figuras públicas, desde os vereadores da cidade de São Paulo até a Presidente da

República. Diante do incontestável movimento das ruas, ninguém queria perder a

possibilidade de se beneficiar ou, em última instância, não sofrer o ônus econômico e/ou

político de se posicionar contra “a força da voz da rua”, como disse a Presidente Dilma

Rousseff em pronunciamento135.

Com este cenário de fundo, a manutenção do preço da passagem apenas ampliava o

desgaste político, uma vez que outras cidades136 já haviam anunciado a revogação do

aumento e a capital Fluminense, que, juntamente com São Paulo era um dos principais palcos

de protestos, estava em negociação para também rever sua posição (JUDENSNAIDER,

2013). Este cenário tornava-se ainda mais complexo com o resultado do ato do dia 18 de

junho, organizado pelo MPL, quando diversas lojas do Centro de São Paulo foram

depredadas e saqueadas, a Prefeitura foi invadida por manifestantes e um carro da emissora

135 É importante salientar que a presidente já havia sofrido vaias na abertura da Copa das Confederações (16

de junho) e não poderia, neste momento, abrir mão de se pronunciar. Discurso disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=lHmFYaa8MEQ>. Acessado em 03 de fev. 2015. 136 Cuiabá, João Pessoa, Pelotas, Montes Claros, Foz do Iguaçu, Porto Alegre e Recife.

169

de televisão Record foi queimado em frente à Prefeitura, e a Polícia Militar demorou mais

de três horas para entrar em ação137.

Com relação a esse protesto, três aspectos devem ser pontuados: o primeiro diz

respeito ao próprio movimento e a atuação do MPL. Como o movimento havia crescido de

forma exponencial e se tornado um movimento heterogêneo e polissêmico, abarcando desde

os lupemproletariados até a classe média, o MPL, apesar de ser o movimento social de maior

representatividade, já não possuía a direção do movimento. O núcleo do movimento e das

pautas de reivindicações continuava sendo a tarifa. No entanto, as diversas demandas,

bandeiras e matizes sociais e ideológicos impunham uma pressão maior sobre o Estado, que

não sabia como lidar com o movimento. Desse modo, o ato do dia 18 deixa evidente este

aspecto, pois a manifestação se dividiu em dois grupos: o primeiro se dirigiu para frente da

Prefeitura; e o segundo, avançou rumo à Avenida Paulista. Parte do grupo que estava na

região central depredou e saqueou lojas e tentou invadir a Prefeitura. A Guarda Civil

Metropolitana não teve contingente suficiente para conter a revolta, tampouco a força

discursiva e simbólica dos militantes do MPL conseguiu reverter à situação. No entanto, o

segundo grupo já apresentava outra característica, num movimento com viés mais

conservador. Devemos apontar que o que manterá a unidade dessa multidão, ainda que com

muitas tensões internas, será a pauta da tarifa. A partir de sua queda, essa unidade também

ruirá, revelando os antagonismos que separam os interesses de classe. (JUDENSNAIDER et

al., 2013, p. 198).

O segundo aspecto se refere às tensões dentro do próprio aparelho do Estado com

relação à atuação da Polícia Militar. Como a Polícia Militar estava sob o comando do

governo estadual, e a Guarda Civil Metropolitana, sob o comando municipal, é certo que

poderá haver divergência ou convergência com relação à atuação dessas duas forças e os

direcionamentos dos dois poderes. Essa tensão latente ficou exposta após a recriminação por

diversos órgãos e entidades, entre elas a Prefeitura Municipal, a atuação da Polícia Militar

no ato do dia 13 de junho. A matéria publicada pela Folha, em 19 de junho, aponta que, entre

as causas da demora na contenção da invasão da Prefeitura, decorreu do descontentamento

da corporação com a atuação do Estado e a cobertura da mídia em relação aos procedimentos

adotados, especialmente no ato do dia 13 de junho.

137 Sobre os acontecimentos nesse ato consultar a edição de 19 de junho de 2013 dos jornais Estado de S. Paulo

e Folha de S. Paulo e os documentários 20 Centavos e Junho.

170

Conforme a fala de alguns oficiais que estavam “descontentes com a mudança de

postura do governo paulista de permitir que os manifestantes bloqueassem ruas de várias

regiões da cidade”: “Agora, deixam a bagunça rolar solta”. O pronunciamento do dirigente

da Associação de Oficiais Militares de SP, na mesma matéria, segue a mesma linha tônica

ao afirmar que “o governo está criminalizando a PM por causa dos atos da semana passada,

quando mais de uma centena de pessoas ficaram feridas” (BERGAMO, 2013, p. 5). Dentro

desta discussão, cabe ainda apontar uma reflexão feita por Tiago Tambelli, que dialoga com

o pronunciamento do oficial na matéria. Para ele, desde o ato do dia 13 de junho ficou

evidente que a Polícia Militar:

[...] Se apresenta com uma pauta própria. Eu digo própria porque as vezes ela se

coloca à margem do Estado, parece que a Polícia Militar não diz respeito nem mais

ao Estado. Parece que ela tem uma pauta que é do militarismo. Então...fico

imaginando se um dia um governo de esquerda estiver no governo [do Estado de

São Paulo], se vai conseguir bater de frente à pauta da Polícia Militar – pensando

nesses termos mais progressistas” (Tambelli, Anexo II).

O terceiro aspecto se refere à tentativa generalizada de apropriação do movimento,

não apenas a mídia e figuras públicas (e figuras que queriam se projetar publicamente)

tentam se apropriar do movimento. Até mesmo a Fiesp (Federação das Indústrias de São

Paulo), uma entidade patronal, aproveitou do momento para, também, tirar seus créditos

políticos e, também, colocar suas pautas. Ainda em relação ao ato do dia 18 de junho,

enquanto uma parte dos manifestantes se concentra no centro da cidade, outra parte se

direciona à Paulista, que já está tomada por manifestantes e a “bandeira do Brasil é projetada

na fachada do prédio da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) que no dia seguinte

sediaria um encontro entre seu presidente, Paulo Skaf, e militares da Escola de Comando e

Estado-maior do Exército138” (JUNDENSNAIDER, 2013, p. 198). Sobre este fato, André

Singer aponta que o objetivo não era saudar o “lindo movimento das ruas”, antes visava

perpetrar sua agenda econômica e política.

Em junho de 2013, o cerco rentista recebe inesperado reforço proveniente das ruas.

O caráter contraditório das manifestações de junho, iniciadas pela esquerda e

138 Em relação à visita dos militares da Escola de Comando e Estado-maior do Exército, não temos dados e

informações para inferir qualquer relação com o movimento. Conforme anúncio da entidade (Fiesp), o encontro

fazia parte de um ciclo de cursos e debates previamente programados. Disponível em:

<http://www.fiesp.com.br/noticias/fiesp-recebe-militares-da-escola-de-comando-e-estado-maior-do-

exercito/attachment/visita-da-escola-de-comando-e-estado-maior-do-exa%C2%89rcito-e-curso-4/> Acessado

em 10 de mai. 2015.

171

engrossadas pelo centro e pela direita de maneira inusitada, elevou a rejeição à

presidente, obrigando-a ceder mais alguns metros de terreno [...].

Quando das manifestações de junho de 2013, a Fiesp iluminou a fachada do seu

imponente edifício na Paulista com a bandeira nacional, em sinal de simpatia aos

símbolos adotados pelo centro e pela direita na avenida. O presidente da Fiesp,

que esteve em um dos atos, escreveu que tinha assistido a um “grito por

renovação”, deixando entrever postura oposicionista ao governo federal. Em

retrospecto, junho, embora tenha sido bem mais que isso, converteu-se no começo

da onda de classe média contra Dilma, que iria estourar nas ruas em março de

2015. Em resposta e com menor impacto, as centrais sindicais tentaram, em julho

de 2013, também colocar na praça pautas especificamente trabalhistas102. O fosso

entre os industriais e trabalhadores se aprofundava (SINGER, 2015, pp.56- 60).

Este intrincado quadro colocou os governantes paulistas em uma situação aporética,

na qual a única saída exigia uma decisão política e não econômica – como em diversas

ocasiões o prefeito da capital tentou provar, através das planilhas de custo do setor, a

impossibilidade de se atender a demanda do MPL. O resultado da luta contra o aumento da

tarifa se deu com o anúncio conjunto do prefeito e do governador do Estado de São Paulo,

em 19 de junho, de que a reivindicação das ruas seria atendida e o aumento revogado. Após

duas semanas de lutas, o que era impossível até então, tornou-se real.

Segundo Ortellado (2013, p. 233), a revogação do aumento da tarifa foi uma das

“mais importantes conquistas do movimento social brasileiro desde o fim do regime militar”,

tanto por seus resultados materiais e diretos que produziram “meio bilhão de reais anuais em

subsídio para a população”, como também por mostrar que a luta direta da população pode

produzir resultados extraordinários.

O movimento social posto em marcha a partir da luta do MPL provou, com a queda

do aumento da tarifa, que a inexorabilidade das leis do capital somente é verdadeira à medida

que se tem como uma impossibilidade – como se o aumento contínuo das passagens fosse

decorrente de uma lei natural e inexorável, e sua transposição vista como uma

impossibilidade real. No entanto, Iasi (2013), a partir do pensamento do filósofo francês

Jean-Paul Sartre, irá argumentar que, esta impossibilidade apenas se mostra real enquanto

for possível mantê-la. Porém, quando a impossibilidade de mudar se depara com a

impossibilidade de viver, logo ela se mostrará como impossível.

Até aqui, de fato – na dimensão do coletivo –, o real se definia por sua

impossibilidade. Aquilo que chama de sentido de realidade significava

exatamente: sentido daquilo que, por princípio, está proibido. A transformação

tem, pois, lugar quanto a impossibilidade é ela mesma impossível, ou, se

preferirem, quando um acontecimento sintético revela a impossibilidade de mudar

como impossibilidade de viver. O que tem como efeito direito que a

172

impossibilidade de mudar se volta como objeto que se tem de superar para

continuar a viver (SARTRE apud IASI, 2013, p. 44-5).

Este foi o processo que estava em curso durante a luta pela tarifa. A impossibilidade

de se revogar o aumento foi transposta pela impossibilidade de se viver com ele. Desse

modo, o que se revelava impossível era, na realidade, a manutenção da tarifa. A partir desta

compreensão que é que o MPL demonstrou que a impossibilidade de reversão do reajuste

não decorria de uma condição inexorável, mas de um intrincado jogo de interesses, que

apenas externamente se apresentava como impossível. Portanto, a reversão do aumento

dependeu da ação real e concreta que transcendeu esse limiar. A mobilização popular nas

ruas gerou a resposta concreta, expressa na revogação do aumento.

Deste modo, como apontou Ortellado (2013) e Safatle (2013), um dos maiores, senão

o maior, legado deixado pelo MPL com a conquista da revogação da tarifa foi o de mostrar,

a partir de uma luta específica, toda a irracionalidade do modelo vigente de acumulação

capitalista, e que a ação direta pode resultar em mudanças extraordinárias.

No entanto, o movimento não se findou com esta conquista. No âmbito circunstancial

dos acontecimentos, apontou o início da terceira fase das manifestações. Esta fase será

marcada pela polarização ideológica nas ruas e a saída de cena do MPL; a tentativa de uma

solução política de âmbito nacional para os protestos, a partir dos pactos propostos pela

presidente Dilma Rousseff; e a retomadas das greves e protestos pelos sindicatos e

movimentos sociais tradicionais.

Numa outra perspectiva, devemos compreender a queda da tarifa não apenas como

um significante em si mesmo, mas como um processo político que transcende a luta

imediata, revelando os antagonismos e contradições econômicas, sociais e políticas,

historicamente presentes, porém, que estavam em latência durante, especialmente, o período

de hegemonia petista. Para André Singer “o junho brasileiro [...] produziu um tremor de

terra, porém não chegaria [a ser qualificado como] terremoto, uma vez que o travejamento

fundamental da ordem não foi questionado”, ou seja, “ninguém seriamente imaginou estar

em curso uma tentativa de revolução” (SINGER, 2013, p. 24). Porém, se junho foi o tremor

de terra, a queda da tarifa pode ser o marco que assinala o rasgar do véu, uma vez que,

apontará para um novo “tempo de agora” (Jetztzeit).

173

5.6. Depois da queda da tarifa

O movimento que se iniciou com o aumento da tarifa não se findou com a conquista

de sua revogação. Na realidade, a queda da tarifa marcará o início da terceira fase dos

acontecimentos. Sobre esta fase, devemos nos ater, especialmente, a três pontos: a

polarização ideológica nas ruas, o desenvolvimento dos protestos e a tentativa de uma

solução política para os protestos.

Com relação à primeira questão, desde os primeiros atos, já se formavam

polarizações políticas e ideológicas nas redes sociais virtuais, bem como nas ruas. No

entanto, os antagonismos políticos e ideológicos dentro do próprio movimento começaram

a se apresentar mais nitidamente a partir do ato do dia 17, e se acentuaram após a queda da

tarifa.

No ato do dia 20 de junho, essas polarizações se apresentaram de forma desvelada:

de um lado, movimentos sociais, partidos políticos de esquerda, militantes e simpatizantes

de esquerda; e de outro, grupos de direita antagonizando os partidos e movimentos sociais.

Também não podemos deixar de citar os manifestantes de centro que se apropriavam de

bandeiras de ambos os lados, ou seja, podendo comemorar a queda da tarifa e a conquista

social e, ao mesmo tempo, gritar “sem partido”.

[...] apesar de as manifestações terem uma clara origem de esquerda, em todos os

que foram às ruas eram extremante progressistas. Aliás, vale lembrar que o Brasil

é bem conservador – da “elite branca” paulistana à chamada “nova classe média”

que ascendeu socialmente, tendo como referências símbolos de consumo [...].

Grupos conservadores se organizaram na internet para pegar carona nos atos. Lá

chegando, colocaram as mangas de fora com suas pautas paralelas. Na convocação

do sétimo ato (no dia 20), após a revogação da tarifa, isso ficou bem evidente.

Estavam aos milhares na Paulista e arredores, sendo uma ruidosa, chata e violenta

minoria. Com um discurso superficial, que cola fácil, fez adeptos instantâneos.

Parte usava o verde-amarelo, lembrando os divertidos e emocionantes dias com os

amigos em que se podem ver os jogos da Copa do Mundo.

Esse grupo sentiu-se à vontade para agir em público exatamente da mesma forma

que já faziam nas áreas de comentários de blogs e nas redes sociais, mas sob o

anonimato. Alguns até atacaram – de forma verbal e física – militantes de partidos

e sindicalistas presentes no ato (SAKAMOTO, 2013, p. 97).

Secco (2013, p. 74) afirma que a direita, que esteve na manifestação do dia 20 de

junho, apresentou uma face dupla: de um lado, “grupos neonazistas serviam para expulsar

uma esquerda desprevenida”; de outro lado, ou conjuntamente, “inocentes ‘cidadãos de bem’

de verde-amarelo aplaudiam”. A análise do autor vai de encontro ao relato do entrevistado

174

que apontou que o movimento que observara na rua não tinha nada de “espontâneo”. Ou

seja, para Tiago Tambelli (anexo II), os grupos de direita, sobretudo, de extrema direita,

presentes nesse ato e que agrediram os manifestantes que portavam bandeiras partidárias ou

se declaravam filiados ou simpatizantes de partidos de esquerda, não se encontraram de

forma coincidente nas ruas, mas “atuaram em bloco”.

Após a batalha na Avenida Paulista, o movimento passa a perder a força e, durante a

última dezena do mês se encerra. Entre os fatos que contribuem com esse arrefecimento,

destacam-se: o deslocamento da centralidade de São Paulo para as cidades que receberão os

jogos da Copa das Confederações; término desse evento esportivo no dia 30 de junho,

realinhamento da luta dos sindicatos e movimentos sociais, especialmente o MPL.

A partir dessa fase dos acontecimentos, ocorrerá uma mudança na atuação dos

movimentos sociais com o deslocamento das manifestações do centro da cidade, mais

especificamente da Avenida Paulista para a periferia. Na análise de Tiago Tambellli, essa

mudança decorreu por dois fatores: pela tentativa de sequestro da narrativa dos

acontecimentos pela mídia tradicional e por um realinhamento das lutas sociais, retornando

aos movimentos sociais tradicionais a direção dos atos.

Depois da manifestação da Paulista [20 de junho] o MPL convoca uma reunião

pública nos quatro cantos da cidade. Eu fui numa dessas reuniões, no Sindicato

dos Metroviários, na Zona Leste, tentar filmar, mas não deixaram filmar essa

reunião. Eu fiz questionamentos, disse que estava acompanhando os

desdobramentos e achava um absurdo não poder filmar uma reunião convocada

por eles, uma reunião pública. Fiz esse questionamento no início e depois pedi a

palavra e disse que o movimento estava correndo um sério risco de sequestro de

sua narrativa, por conta dos meios de comunicação.

A partir dali você percebe que o MPL não saiu mais sozinho na rua. Então, o Capão

redondo veio após essa reunião. O MPL já foi para rua aliado a movimentos sociais

mais antigos, ou com outras bandeiras não relacionadas ao transporte público [...]

Então, eles se deslocaram do centro e foram para periferia, justamente porque na

periferia estaria mais controlado. O filme mostra justamente isso. O “pau” que a

esquerda levou na Paulista e a resposta desse “pau” veio justamente dos

movimentos de periferia. Quer dizer, se a gente poderia dar uma resposta no filme

a esquerda, era mostrar que a pauta não saiu e não vai sair da onde ela deveria

estar, que é na periferia (Tambelli, Anexo II).

Desse modo, apesar da forte inversão sofrida pelo movimento durante o mês de

junho, não podemos interpretá-lo simplesmente como um processo de cooptação, uma vez

que ele liberou forças que desencadearam novas ações, manifestações e movimentos, tanto

pelas organizações políticas de direita, como de esquerda. As “jornadas de mobilizações”,

por exemplo, foram convocadas por sindicatos e movimentos sociais para o mês de julho de

175

2013. Diante das ações de junho, “as centrais sindicais convocaram uma greve gral para o

dia 11 de julho, algo que não ocorria desde 1991” (SECCO, 2013, p. 78).

Com relação à terceira questão, devemos pontuar que, em virtude da grave crise de

representação que o movimento mostrou, diversas tentativas de solução política foram

propostas, especialmente no âmbito federal, com os cincos grandes pactos propostos pela

presidente Dilma Rousseff: i) economia: ênfase na responsabilidade fiscal e no controle da

inflação; ii) reforma política: convocação de um plebiscito para realização de uma

assembleia constituinte; iii) saúde: defendendo a vinda de médicos estrangeiros para o país;

iv) mobilidae urbana: com a destinação de verbas para obras; e v) educação: destinação dos

royalties do petróleo para à educação.

Esses pactos não deixaram de suscitar controvérsias e protestos em múltiplos setores

da sociedade. Parte da classe média criticou vivamente a vinda dos médicos estrangeiros ao

país, especialmente os médicos cubanos. Alguns segmentos da imprensa e da classe política,

que corria o risco de perder seu quinhão, criticaram a reforma política. De maneira geral, os

setores conservadores se portaram contra estes pactos propostos.

Em sentido oposto, as medidas propostas levantaram importantes críticas. Para

Coggiola (2013) o discurso de Dilma atendia minimamente algumas das áreas necessitadas,

mas sem conflitar com interesses da burguesia.

O discursos de Dilma [...] confirmou seu rumo, proteger os supereventos e alguns

tostões do petróleo para a educação pública (92% da renda do petróleo fica com

as multinacionais que se adjudicaram os leilões), para tirar os jovens da rua (mas

nada de tocar os interesses das Krotons e dos subsídios a elas, via PROUNI e FIES)

(COGGIOLA, 2013).

Seguindo esta mesma direção, Iasi (2014, p. 173) apontará que esses pactos não

deixaram de revelar uma profunda divergência entre o que as ruas pediam e a resposta dada

pelo Governo Federal. Segundo o autor, o primeiro dos pactos

Dizendo ter “ouvido as vozes das ruas”, a presidente Dilma Rousseff reúne os

ministros, governadores e prefeitos na capital federal e anuncia cinco pactos. O

primeiro deles era a enfática defesa da “responsabilidade fiscal”, o que anulava

todas as outras intenções de mais verbas para educação, mobilidade urbana e

saúde. De forma evidente falava não com as ruas, mas com a platéia ali reunida

por ela, para o Fundo Monetário Internacional e para os empresários capitalistas.

A partir do pensamento de Coggiola (2013) e Iasi (2014), podemos entender que se

constituiria um equívoco interpretar os pactos firmados por Dilma Rousseff à luz,

176

exclusivamente, dos interesses da população que clamavam por mudanças. Certos de que

parte dos pactos se direcionou aos interesses sociais, visando atender questões emergenciais,

como a saúde, educação e mobilidade urbana, devemos nos indagar se essas medidas não

poderiam ser consideradas como uma “contrarrevolução”, ou, nos termos empregados por

Florestan Fernandes, para designar a dominação autocrática da burguesia doméstica, uma

“revolução de cima para baixo”, uma vez que, que o primeiro dos pactos (e

consequentemente os demais) se direcionou, prioritariamente, aos interesses dos estratos

superiores da sociedade brasileira (FERNANDES, 2005, p. 257).

Noutros termos, esses pactos sinalizaram que, por um lado, a ortodoxia econômica

seria retomada, abandonando de vez o “ensaio desenvolvimentista” que se tentava implantar

(SINGER, 2015); por outro, apontava para soluções em alguns pontos emergenciais e de

grande sensibilidade social. Apenas a proposta de reforma política poderia impor mudanças

de âmbito estrutural, no entanto, esta fora enterrada logo ao seu nascimento – enquanto a

chefe do executivo tentava atender ao clamor das ruas por “mais democracia”, essa era a

medida combatida por diversas frentes para que não passasse de um discurso. Até o termino

do primeiro semestre de 2016, enquanto esta dissertação é concluída, chegou a ocorrer um

processo de impeachment da presidente reeleita (que ainda está em curso), mas não se tocou

mais na temática relacionada à reforma política. Nesse sentido, a leitura mais realista que

podemos fazer sobre estes pactos, talvez decorra das palavras de Trancredi, em O Leopardo:

“depois tudo ficará na mesma, embora tudo tenha mudado” (LAMPEDUSA, 2002, p. 46).

Desse modo, podemos compreender o desfecho dos acontecimentos de junho de 2013

a partir do que Fernandes (2005, p.250) denominou de “contrarrevolução permanente”, ou

“preventiva”, em A revolução burguesa no Brasil. Conforme o sociólogo adverte “não existe

uma burguesia débil”, por isso a aparente “fraqueza da burguesia precisa ser tomada como

um dos elementos de um todo complexo e muito instável”. Desse modo, não podemos

analisar os desdobramentos desse movimento social e político que se deu a partir do aumento

das tarifas de transporte público, de forma desconexa de seu contexto político e econômico.

Conforme analisamos no transcorrer do Capítulo II, desde 2012 o país já apresentava

atritos entre os interesses de diversos núcleos da burguesia doméstica e o direcionamento da

equipe econômica de Dilma Rousseff. Essa intrincada guerra que se deu a partir do projeto

de desenvolvimento econômico da presidente petista, colocava em xeque, não apenas o pacto

conservador lulista – que praticava um programa de combate à extrema pobreza e diminuição

da desigualdade social, sem conflitar com os interesses do capital –, como também se

177

contrapunha aos interesses da fração rentista da burguesia e criava um antagonismo entre a

própria classe burguesa.

O maciço ataque contra o direcionamento da política econômica, bem como o próprio

governo, teve, nos termos de Singer (2015, p. 56), um “inesperado reforço proveniente das

ruas” em junho de 2013. O movimento que se iniciou com uma pauta progressista de

interesse social, terminou com um difuso leque de reivindicações que atendiam,

especialmente, aos interesses das classes dominantes. Não devemos perder de vista que as

pautas não se alteraram por acaso, como um processo espontâneo, passando da luta contra a

tarifa para um movimento contra a corrupção.

Na realidade, junho de 2013 se iniciou como um movimento fora da ordem e contra

a ordem¸ com uma reivindicação que se contrapunha aos interesses do status quo e colocava

em xeque não apenas o modelo vigente de transporte público, mas todo o mudus operandis

do capitalismo brasileiro. No entanto, esse movimento que se inicia fora da ordem é

combatido por meio da estigmatização e da violência. Na ausência dos resultados

pretendidos, as classes dominantes passaram a capitalizá-lo, visando a seus interesses, sob o

discurso de manter “ordem democrática e os interesses do povo”, ou seja, o movimento que

se inicia fora da ordem termina dentro e a favor da ordem.

Logo, esses processos que ocorriam de forma concomitante – divergências entre as

frações da classe burguesa e conflitos entre classes sociais diferentes – serão “capitalizados

exclusivamente pela própria burguesia”, resultando numa investida conservadora para

“manter a estabilidade da ordem” (FERNANDES, 2005, p. 369).

Este cenário é análogo ao traçado por Fernandes sobre o comportamento da burguesia

doméstica frente aos conflitos internos (conflitos faccionais) e externos (com as classes

antagônicas) que poderiam comprometer sua dominação autocrática. Conforme o sociólogo,

Os conflitos faccionais foram capitalizados exclusivamente pela própria

burguesia, em vez de servir de base para a dinamização das propaladas “reformas

estruturais”, a aceleração e o aprofundamento da revolução nacional ou de

possíveis “aberturas” à democratização da riqueza e do poder. Os conflitos com as

classes antagônicas, ao serem estigmatizados, postos “fora da ordem” e sufocados

por meios repressivos e violentos, perderam sua conexão com a revolução nacional

democrático-burguesa. Ao “defender a estabilidade da ordem”, portanto, as classes

e os estratos de classe burgueses aproveitaram aqueles conflitos para legitimar a

transformação da dominação burguesa em uma ditadura de classe preventiva e

para privilegiar o seu poder real, nascido dessa mesma dominação de classe, como

se ele fosse uma encarnação da ordem “legitimamente estabelecida”. É claro que

a nação burguesa era, assim, sobreposta e passa a imperar sobre a nação legal.

Mas a burguesia estava preparada para aceitar esse deslocamento da ordem [...]

178

como algo necessário, que se fazia para salvaguardar “a legalidade”, a “ordem

democrática e os interesses do povo” (FERNANDES, 2005, p. 369)

Neste sentido, podemos entender que os desdobramentos de junho de 2013, apesar

de apresentarem fatos circunstanciais diferentes aos ocorridos, sobretudo, no período pré-

1964, não diferem em seus aspectos estruturais, reproduzindo os mesmos antagonismos e as

mesmas contradições históricas.

179

Considerações finais

A metáfora empregada como título desta dissertação aponta para possibilidade de

duas interpretativas que se apresentam de forma concomitante: o rasgar do véu, por um lado,

traz à tona elementos que sempre estiveram presentes, porém de modo velado; e, por outro,

o anunciar de um novo começo, com possibilidade de transformações e avanços, a partir dos

novos elementos que surgem e de retrocesso com o predomínio dos elementos arcaicos que

emergem à cena política após a manifestação desse desvelar.

Essa dupla possibilidade de desvelamento decorre do entendimento que a cultura

judaica e a teologia cristã têm sobre o véu do tempo. Enquanto para o primeiro, ele representa

o conjunto das relações religiosas, sociais e políticas impetradas por Deus ao povo de Israel,

por Moisés, ainda durante a travessia do deserto; para o segundo, o seu rompimento aponta

para um novo tempo teológico, com uma nova ordem de relações sociais e religiosas, que se

dá com a morte e ressurreição de Cristo.

No entanto, no âmbito de nossa investigação cabe-nos indagar o que vem a ser este

novo tempo que se dá com o rasgar do véu numa perspectiva sociológica. Ciente de que é

uma questão que demanda pesquisas mais aprofundadas, como considerações finais, apenas

faremos alguns apontamentos sobre o que o rasgar do véu apresenta como “tempo de agora”

(Jetztzeit) benjaminiano (BENJAMIN, 2012).

Uma nova geração?

Em aula pública, dias após a queda tarifa, Sakamoto argumentou que as

manifestações de junho de 2013 revelaram que o “paradigma do sistema político

representativo está em grave crise por não ter conseguido dar respostas satisfatórias à

sociedade, sobretudo aos mais jovens”. As contradições históricas que tão escandalosamente

se evidenciaram durantes os atos, segundo Sakamoto, demandaram outras respostas, bem

além das que foram apresentadas em junho. Para ele, “a solução desse embate se dará com

os mais antigos se retirando para dar lugar aos mais novos, formados em uma matriz

diferente” (SAKAMOTO, 2013, p. 96).

Essa análise corrobora a fala do estudante Benjamin, entrevistado durante o ato

ocorrido na E.E. Ermano Marchetti. Para ele, o movimento não era um acontecimento banal

180

ou catártico, não se encerrara junto com o próprio ato, mas o processo surgiu junto com uma

nova geração.

Esta nova geração que o entrevistado pôde ver nas ruas, ainda durante os primeiros

atos de maio, ao que tudo indica, passou a se apresentar, na cena política brasileira, de

diversas formas após junho de 2013: abalando as estruturas políticas, confrontando o status

quo e revitalizando a luta social contra a precarização do ensino e das escolas públicas. Não

temos elementos suficientes para apontar a relação entre os rolezinhos, a luta dos estudantes

contra o fechamento das escolas e a reivindicação da merenda. No entanto, todos esses

movimentos convergem com nossa hipótese central, pois, direta ou indiretamente, estão

ligados a junho de 2013.

Uma nova direita?

Conforme analisamos no Capítulo IV, as manifestações de junho de 2013

apresentaram-se como um complexo e intrincado jogo de disputa entre as diferentes classes

e frações de classes sociais. Essas disputas se deram em diversos âmbitos, bem como de

maneiras variadas: desde as que disputavam, palmo a palmo, pela narrativa dos

acontecimentos até aquela do espaço físico das ruas. Desse modo, as redes sociais virtuais

tornaram-se um dos principais campos de embates e de polarização política e ideológica.

Em linhas gerais, foi a partir das redes sociais virtuais que a “nova direita”, que até

então se apresentava de forma aparentemente fragmentária e atomizada, se organizará e

passará a disputar as ruas com os sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos de

esquerda. Dentro dessa questão, dois aspectos devem ser pontuados: o primeiro diz respeito

ao conservadorismo da sociedade brasileira. Não foi a partir dos acontecimentos de junho

de 2013, entretanto, que surgiu o conservadorismo no país. Conforme pode ser analisado na

obra A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes (2005), o conservadorismo

está intrinsecamente arraigado na sociedade brasileira; o segundo aspecto diz respeito às

pautas liberais e conservadoras que, durante o desenvolvimento do processo, não surgiram

de forma espontânea e visavam atender aos interesses econômicos da burguesia e aos

privilégios da classe média conservadora e reacionária.

Para o filósofo Paulo Arantes (2013b), as manifestações de junho de 2013

produziram um “surto simétrico e antagônico que é o surgimento de uma nova direita, um

dos fenômenos mais importantes do Brasil contemporâneo. Uma direita não convencional,

que não está contemplada pelos esquemas tradicionais da política”.

181

Nesse sentido, cabe apontar que essa “nova direita” que surge a partir de junho de

2013, em última instância, apenas revela alguns aspectos arraigados em nossa sociabilidade.

Com esse olhar, é possível entender alguns (sombrios) movimentos apresentados pela “nova

direita” em protestos e manifestações, sobretudo, após 2014, tais como: a reprodução da

marcha da família unida com Deus; o ódio político a militantes e partidos de esquerda; o

pedido da volta da ditadura militar; o preconceito e a xenofobia contra diversos grupos

vulneráveis, explorados e marginalizados.

A reprodução de elementos históricos de âmbito econômico e político

Ao fazer um paralelo com outras experiências históricas, o sociólogo Luiz Werneck

Vianna aponta que as manifestações de junho de 2013 “somente na aparência podem ser

tomados como um raio em dia de céu azul”, como um fenômeno inesperado e espontâneo.

Como também seria “igualmente enganoso” tentar compreendê-lo “como um mero, embora

significativo, episódio de políticas públicas de transporte urbano”. Para ele, há uma estreita

relação entre o movimento que eclodiu em 2013 e a situação vivida no país no período pré-

1964. Apesar de haver diferenças no tocante aos aspectos conjunturais e estéticos, os

elementos estruturais que formam o pano de fundo de ambos são análogos (VIANNA, 2013,

p. 2).

Partindo da análise das mudanças econômicas e sociais que o país apresentou,

sobretudo durante o governo petista, podemos constatar que o forte protagonismo estatal, o

aumento do rendimento médio das famílias, bem como o crescimento das agendas sociais

foram pontos que convergiram com o cenário apresentado durante a década de 1950.

Desse modo, podemos entender que o comportamento autocrático da burguesia

doméstica se reapresenta no cenário político brasileiro de forma desvelada após o junho de

2013. Em resumo, podemos compreender que junho de 2013, a partir deste rasgar do véu

desencadeou forças, reforçou consensos e aprofundou antagonismos que se avolumarão a

partir dos anos seguintes, sobretudo, 2014, 2015 e 2016.

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jun. 2013g. On-line. Disponível em: < https://www.facebook.com/passelivresp/notes>

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________________________. Nota nº 03: Nota pública do Movimento Passe Livre sobre a

luta contra o aumento. São Paulo, 10 jun. 2013h. On-line. Disponível em: < https://www.facebook.com/passelivresp/notes> Acessado em 28 mai. 2016.

________________________. Nota nº 04: Nota pública do MPL sobre a situação dos

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Disponível em: < https://www.facebook.com/passelivresp/notes> Acessado em 28 mai.

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________________________. Nota nº 05: Nota pública do MPL-SP sobre a violência e

repressão do dia 13.06. São Paulo, 14 jun. 2013j. On-line. Disponível em: < https://www.facebook.com/passelivresp/notes> Acessado em 28 mai. 2016.

________________________. Nota nº 06: Nota pública sobre a situação dos detidos nos

atos contra o aumento da tarifa. São Paulo, 15 jun. 2013k. On-line. Disponível em: < https://www.facebook.com/passelivresp/notes> Acessado em 28 mai. 2016.

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regionais-que-inauguraram-as-jornadas-de-junho/>

Revolta do Buzu. Direção e Produção: Carlos Pronzato. Co-direção: Daniel Lisboa; Marco

Ribeiro. Imagens: Carlos Pronzato; Daniel Lisboa; Marco Ribeiro. Salvador: Lamestiza

Produções, Focus Vídeo, MF Vídeo, 2003. (107 min.).

Amanhã vai ser maior. Realizadores: Alex Antunes; Fernando Evangelista; Juliana Kroeger.

Edição: Vinícius (Moscão). Florianópolis: SARCÁSTICOcomBR, 2005 (28 min.).

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Datena é contrariado em pesquisa ao vivo. Disponível em

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20 Centavos. Direção: Tiago Tambelli. Roteiro: Carlos Magalhães. Documentário. 2014. (52

min).

Junho: o mês que abalou o Brasil. Direção: João Wainer. Produção: Fernando Canzian e

João Wainer. Documentário. 2014. (72 min).

A partir de Agora: as jornadas de junho. Direção, produção e roteiro: Carlos Pronzato.

Direção de produção: Cristiane Paolinelli. Realização: Lamestiza Audiovisual.

Documentário. 2014. (79 min). Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=3dlPZ3rarO0>. Acessado: em 15 dez . 2014.

Bala de borracha. Direção: Ian SBF. Roteiro: Fabio Porchat. Produção: Bianca Caetano.

Realização: Porta dos fundos. 2013. (3 min). Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=RXJb5n3h8rg>. Acessado em: 8 dez. 2013.

196

ANEXO I – Lista de artigos consultados

Nº AUTOR TÍTULO FONTETIPO DE

PUBLICAÇÃO

DATA DE

PUBLICAÇÃO

DATA DE

ACESSO

1 Antônio Prata Polícia criou "metamanifestação" com violência Folha de S. Paulo Artigo 17/06/2013 21/06/2013

2 Antônio Prata A passeata Folha de S. Paulo Artigo 19/06/2013 21/06/2013

3 Cândido Grzybowski O estouro da cidadania nas ruas Le Monde Diplomatique Artigo 21/06/2013 10/05/2015

4 Cândido Grzybowski Como radicalizar a democratização? Le Monde Diplomatique Artigo 02/07/2013 10/05/2015

5 Carlos Eduardo Martins A primavera brasileira: que flores florescerão? Blog da Boitempo Artigo 08/07/2013 20/06/2014

6 Carlos Vainer Mega-eventos, mega-negócios, mega-protestos Blog da Boitempo Artigo 02/09/2013 20/06/2014

7 Chico de Oliveira Assustaram os donos do poder, e isso foi ótimo' Blog da Boitempo Entrevista 09/11/2013 14/05/2014

8 Clóvis Rossi O fracasso da democracia Folha de S. Paulo Artigo 16/06/2013 20/06/2013

9 Clóvis Rossi A vaia saiu às ruas Folha de S. Paulo Artigo 18/06/2013 21/06/2013

10 Cristiana Grillo 8 ou 80 Folha de S. Paulo Artigo 19/06/2013 21/06/2013

11 Dan Furukawa Marques Política, mobilizações e o individualismo antipartidário Le Monde Diplomatique Artigo 06/08/2013 10/05/2015

12 David Harvey O direito à cidade nas manifestações urbanas Blog da Boitempo Entrevista 29/08/2013 10/02/2014

13 Débora Prado Dez considerações sobre as manifestações Le Monde Diplomatique Artigo 18/06/2013 10/05/2015

14 Demétrio Magnoli Protesto Estadão Artigo 20/06/2013 15/05/2014

15 Dênis de Moraes Por que a concentração monopólica da mídia é a negação do pluralismo Blog da Boitempo Artigo 17/07/2013 20/06/2014

16 Edson Teles As manifestações, o discurso da paz e a doutrina de segurança nacional Blog da Boitempo Artigo 08/07/2013 20/06/2014

17 Eduardo Fagnani Brasil: dois projetos em disputa Le Monde Diplomatique Artigo 07/07/2013 10/05/2015

18 Eliane Cantanhëde Insatisfação Folha de S. Paulo Artigo 16/06/2013 20/06/2013

19 Eliane Cantanhëde No alvo, os palácios Folha de S. Paulo Artigo 18/06/2013 21/06/2013

20 Ermínia Maricato Quando novíssimos atores entram em cena, conquistas inesperadas acontecem Blog da Boitempo Artigo 05/09/2013 20/06/2014

21 Eugênio Bucci Signos engrouvinhados, vândalos engravatados Estadão Artigo 27/06/2013 15/05/2014

22 Fagner Henrique MPL, a ritualização da autonomia Passa Palavra Artigo 30/06/2015 29/06/2015

23 Fernando Henrique Cardoso O poder em tempo de Facebook Estadão Artigo 05/05/2013 15/05/2014

24 Fernando Rodrigues O rumo dos indignados Folha de S. Paulo Artigo 19/06/2013 21/06/2013

25 Fernão Lara Mesquita A rebelião dos desprezados Estadão Artigo 24/06/2013 15/05/2014

26 Francisco Ferraz O paradigma estrutural do Estado hegemônico Estadão Artigo 21/05/2013 15/05/2014

27 Gaudêncio Torquato O clamor das turbas Estadão Artigo 16/06/2013 15/05/2014

28 Gaudêncio Torquato E agora, galera? Estadão Artigo 23/06/2013 15/05/2014

29 Giovanni Alves A revolta do precariado no Brasil Blog da Boitempo Artigo 24/06/2013 15/05/2014

30 Hélio Schwartsman Virtudes e limites Folha de S. Paulo Artigo 18/06/2013 21/06/2013

31 Igor Ojeda Um relato/desabafo sobre os protestos pelo passe livre Le Monde Diplomatique Artigo 14/06/2013 10/05/2015

32 Immanuel Wallerstein Levantes aqui, ali e em toda parte Blog da Boitempo Artigo 18/07/2013 20/06/2014

33 Izaías Almada A criação do mundo revisitada Blog da Boitempo Artigo 27/06/2013 20/06/2014

34 Izaías Almada Avós das ruas Blog da Boitempo Artigo 31/10/2013 20/06/2014

35 Jânio de Freitas Arruaça policial Folha de S. Paulo Artigo 13/06/2013 20/06/2013

36 Jânio de Freitas Efeito imorais Folha de S. Paulo Artigo 16/06/2013 20/06/2013

37 João Alexandre Peschanski Motivos econômicos pelo transporte público gratuito Blog da Boitempo Artigo 10/06/2013 15/05/2014

38 João Alexandre Peschanski Direita e esquerda no espectro do pacto do silêncio Blog da Boitempo Artigo 01/07/2013 15/05/2014

39 João Paulo Charleaux O jornalista como alvo Le Monde Diplomatique Artigo 02/07/2013 10/05/2015

40 Jorge Luiz Souto MaiorPL 4.330, o Shopping Center Fabril: Dogville mostra a sua cara e as

possibilidades de redençãoBlog da Boitempo Artigo 16/08/2013 15/05/2014

41 Jorge Luiz Souto Maior Violência silenciosa do Estado (Social) e o grito das manifestações de junho Blog da Boitempo Artigo 22/08/2013 15/05/2014

42 Jorge Luiz Souto Maior Movimento Passe de Classe Blog da Boitempo Artigo 11/10/2013 15/05/2014

LISTA DE ARTIGOS E ENTREVISTAS CONSULTADAS

197

Nº AUTOR TÍTULO FONTETIPO DE

PUBLICAÇÃO

DATA DE

PUBLICAÇÃO

DATA DE

ACESSO

43 José Arthur Giannotti Vozes sem voto Estadão Artigo 19/06/2013 15/05/2014

44 José Neumanne Vaias e vandalismo contra a péssima gestão pública Estadão Artigo 19/06/2013 15/05/2014

45 Laurindo Leal Filho As ruas e o vaivém da mídia Le Monde Diplomatique Artigo 02/07/2013 10/05/2015

46 Linconl Secco Anatomia do Movimento Passe Livre Blog da Boitempo Artigo 12/06/2013 15/05/2014

47 Linconl Secco A Guerra Civil na França Blog da Boitempo Artigo 17/06/2013 15/05/2014

48 Linconl Secco O vandalismo Blog da Boitempo Artigo 20/08/2013 15/05/2014

49 Lourdes Sola Para entender o governo Dilma Estadão Artigo 12/06/2013 15/05/2014

50 Lúcio Gregóri Amigos, amigos, negócios à parte. Ou, amigos, amigos e negócios sobretudo TarifaZero.org Artigo 21/10/2009 29/06/2015

51 Lúcio Gregóri Tarifa nos transportes coletivos urbanos: uma iniquidade TarifaZero.org Artigo 27/05/2011 29/06/2015

52 Lúcio Gregóri Da neurose social a propósito das tarifas de transportes coletivos urbanos TarifaZero.org Artigo 04/04/2013 29/06/2015

53 Lúcio Gregóri Os tempos de junho de 2013 TarifaZero.org Artigo 10/06/2013 29/06/2015

54 Lúcio GregóriComo calcular o custo de um sistema de transportes urbanos e metropolitanos

de passageiros. Por que fretamento e não concessão?TarifaZero.org Artigo 01/07/2013 29/06/2015

55 Lúcio Gregóri As manifestações, a tarifa e a política Brasil de Fato Artigo 13/07/2013 29/06/2015

56 Lúcio Gregóri [São Paulo] Uma conta para Haddad fazer TarifaZero.org Artigo 17/07/2013 29/06/2015

57 Lúcio Gregóri A voz das ruas e a mobilidade urbana Folha de S. Paulo Artigo 22/07/2013 29/06/2015

58 Lúcio Gregóri O mercado, a voz das ruas e a mobilidade urbana Carta Maior Artigo 26/11/2014 29/06/2015

59Luís Brasilino, Renato Godoy,

Cristiano Navarro -O junho de 2013 Le Monde Diplomatique Artigo 02/06/2013 10/05/2015

60 Luis Eduardo Tavares As plataformas de organização Le Monde Diplomatique Artigo 02/07/2013 10/05/2015

61 Luiz Bernardo Pericás O sapo Gonzalo em: todos para as ruas Blog da Boitempo Artigo 21/06/2013 15/05/2014

62 Luiz Bernardo Pericás O sapo Gonzalo em: pôr fogo em tudo Blog da Boitempo Artigo 19/07/2013 15/05/2014

63 Luiz Carlos Mendonça de Barros A nova classe média e o governo Folha de S. Paulo Artigo 14/06/2013 20/06/2013

64 Luiz Werneck Vianna O movimento da hora presente Estadão Artigo 18/06/2013 15/05/2014

65Luta do Transporte no Extremo

SulLuta do Transporte no Extremo Sul Luta do Transporte no Extremo Sul Artigo 06/08/2014 29/06/2015

66Luta do Transporte no Extremo

Sul

Sem transporte, moradores organizam suas próprias linhas de ônibus no

extremo sul de São PauloPassa Palavra Artigo 16/05/2015 29/06/2015

67Luta do Transporte no Extremo

SulMoradores do Extremo Sul conquistam linhas de ônibus Tarifa Zero Passa Palavra Artigo 25/05/2015 29/06/2015

68Luta do Transporte no Extremo

SulSão Paulo começa a conquistar Tarifa Zero Outras Palavras Artigo 26/05/2015 29/06/2015

69 Manuel Castells Não basta um manifesto nas redes sociais para mobilizar as pessoas Folha de S. Paulo Entrevista 03/06/2013 19/06/2013

70 Marco Aurélio Nogueira A polissêmica voz das ruas Estadão Artigo 22/06/2013 15/04/2016

71 Marco Aurélio Nogueira As ruas, a voz das ruas e a judicialização da política Estadão Artigo 18/12/2015 15/05/2014

72 Marcos Augusto Gonçalves Viva a vaia Folha de S. Paulo Artigo 17/06/2013 21/06/2013

73 Marcos Cintra Crise de nervos Folha de S. Paulo Artigo 18/06/2013 21/06/2013

74 Marilena Chauí O inferno urbano e a política do favor, tutela e cooptação Blog da Boitempo Artigo 28/06/2013 20/06/2014

75 Mauro Iasi Pode ser a gota d’água: enfrentar a direita avançando a luta socialista Blog da Boitempo Artigo 26/06/2013 20/06/2014

76 Mauro Iasi A cura Blog da Boitempo Artigo 31/07/2013 20/06/2014

77 Mauro Iasi Luta ou fuga? Blog da Boitempo Artigo 14/08/2013 20/06/2014

78 Mauro Iasi O Estado e a violência Blog da Boitempo Artigo 16/10/2013 20/06/2014

79 Mauro Zilbovicius, Lúcio Gregori Tarifa do transporte: o que está por trás dela? Carta Maior Artigo 09/08/2013 29/06/2015

80 Michel Lowy O Movimento Passe Livre Blog da Boitempo Artigo 23/01/2014 20/06/2014

81 Miguel Reale Jr. As forças retrógrado-petistas Estadão Artigo 01/06/2013 15/05/2014

82 Monika Dowbor Por que as ruas e não as instituições? Le Monde Diplomatique Artigo 21/06/2013 10/05/2015

83 Movimento Passe Livre Por que estamos nas ruas Folha de S. Paulo Artigo 13/06/2013 20/06/2013

84 Movimento Passe Livre Nota sobre a revogação do aumento Le Monde Diplomatique Artigo 20/06/2013 10/05/2015

85 Movimento Passe LivrePorque não vamos depor no DEIC – ou sobre intimações, inquéritos e

investigaçõesMovimento Passe Livre Artigo 24/01/2014 29/06/2015

86 Tecnos do Dieese O movimento recente das greves Le Monde Diplomatique Artigo 02/07/2013 10/05/2015

LISTA DE ARTIGOS E ENTREVISTAS CONSULTADAS

198

Nº AUTOR TÍTULO FONTETIPO DE

PUBLICAÇÃO

DATA DE

PUBLICAÇÃO

DATA DE

ACESSO

87 Movimento Passe LivreNota pública sobre a PEC 74 – transporte como um direito, para todas e

todosMovimento Passe Livre Artigo 19/08/2014 29/06/2015

88 Movimento Passe Livre NENHUM CENTAVO A MAIS! Movimento Passe Livre Artigo 27/11/2014 29/06/2015

89 Movimento Passe LivreSobre aumento e gratuidades: Tarifa Zero e passe livre estudantil são coisas

muito diferentesMovimento Passe Livre Artigo 19/12/2014 29/06/2015

90 Movimento Passe Livre CONVOCATÓRIA: PRIMEIRO GRANDE ATO CONTRA A TARIFA! Movimento Passe Livre Artigo 27/12/2014 29/06/2015

91 Movimento Passe LivrePor que não vamos nos reunir com a polícia

Movimento Passe Livre Artigo 07/01/2015 29/06/2015

92 Movimento Passe Livre Denúncia de atuação da mídia nos protestos contra a tarifa Movimento Passe Livre Artigo 16/01/2015 29/06/2015

93 Nabil Bonduki Reduzir o custo e melhorar o transporte Folha de S. Paulo Artigo 08/06/2013 10/06/2013

94 Osvaldo Coggiola O Brasil foi para a rua: e agora? Blog da Boitempo Artigo 23/08/2013 20/06/2014

95 Osvaldo Coggiola Mais uma vez Blog da Boitempo Artigo 24/10/2013 20/06/2014

96 Passe Livre Passe Livre Folha de S. Paulo Artigo 10/06/2013 20/06/2013

97 Paulo Arantes O futuro que passou Blog da Boitempo Artigo 27/06/2013 20/06/2014

98 Paulo Arantes Tarifa zero e mobilização popular Blog da Boitempo Artigo 03/07/2013 20/06/2014

99 Pedro Rocha de Oliveira A classe média vai ao protesto Blog da Boitempo Artigo 26/06/2013 15/05/2014

100 Pedro Rocha de Oliveira A classe média vai ao protesto (II) Blog da Boitempo Artigo 04/07/2013 15/05/2014

101 Pedro Rocha de Oliveira E não perca no próximo programa: alguém morto sem motivo, ao vivo Blog da Boitempo Artigo 14/10/2013 15/05/2014

102 Perry Anderson A rua e o poder Blog da Boitempo Entrevista 04/11/2013 15/05/2014

103 Ricardo Antunes Fim da letargia Folha de S. Paulo Artigo 20/06/2013 22/06/2013

104 Ricardo Antunes Fim da letargia Blog da Boitempo Artigo 21/06/2013 15/05/2014

105 Ricardo Belthazar O que eles querem Folha de S. Paulo Artigo 17/06/2013 21/06/2013

106 Ricardo Musse A potência das manifestações de rua Blog da Boitempo Artigo 10/07/2013 20/06/2014

107 Ricardo Musse A forma-partido é dispensável? Blog da Boitempo Artigo 09/08/2013 20/06/2014

108 Ricardo Musse As manifestações de 1905 Blog da Boitempo Artigo 30/08/2013 20/06/2014

109 Ricardo Vélez Rodríguez Dez anos de lulopetismo Estadão Artigo 05/06/2013 15/05/2014

110 Roberto Macedo A queda e a recaída de Dilma Estadão Artigo 20/06/2013 15/05/2014

111 Roberto Romano Demofobia em marcha Estadão Artigo 30/06/2013 15/05/2014

112 Roberto Schwarz A situação da cultura diante dos protestos de rua Blog da Boitempo Artigo 23/07/2013 20/06/2014

113 Rodrigo Gentili Depedração livre Folha de S. Paulo Artigo 20/06/2013 21/06/2013

114 Rodrigo Guimarães NunesA organização dos sem organização: oito conceitos para pensar o “inverno

brasileiro”Le Monde Diplomatique Artigo 12/08/2013 10/05/2015

115 Ruy Braga Entre a fadiga e a revolta: uma nova conjuntura Blog da Boitempo Artigo 17/06/2013 15/05/2014

116 Ruy Braga Levantem as bandeiras! Blog da Boitempo Artigo 20/06/2013 15/05/2014

117 Ruy Braga Anhangabaú: centelha de esperança Blog da Boitempo Artigo 12/08/2013 15/05/2014

118 Ruy Castro Caro ser pobre Folha de S. Paulo Artigo 17/06/2013 21/06/2013

119 Sérgio Amaral O que disseram as ruas? Estadão Artigo 29/06/2013 15/05/2014

120 Silvia Viana Técnicas para a fabricação de um novo engodo, quando o antigo pifa Blog da Boitempo Artigo 21/06/2013 15/05/2014

121 Silvia Viana A guerra dos panos Blog da Boitempo Artigo 24/06/2013 15/05/2014

122 Silvio Caccia Bava Um Brasil sem catracas Le Monde Diplomatique Artigo 02/07/2013 10/05/2015

123 Silvio Caccia Bava A cidade como mercadoria Le Monde Diplomatique Artigo 01/08/2013 10/05/2015

124 Slavoj Žižek Problemas no Paraíso Blog da Boitempo Artigo 05/07/2013 20/06/2014

125 Suzana Singer Faroeste urbano - Ombudsman Folha de S. Paulo Artigo 16/06/2013 20/06/2013

126 Urariano Mota A direita nos protestos Blog da Boitempo Artigo 25/06/2013 15/05/2014

127 Valdo Cruz Apertem os cintos Folha de S. Paulo Artigo 17/06/2013 21/06/2013

128 Vinícius Torres Freire A burrice está solta nas ruas Folha de S. Paulo Artigo 16/06/2013 20/06/2013

129 Vladimir Safatle Proposta concreta Blog da Boitempo Artigo 18/06/2013 15/05/2014

130 Vladimir Safatle Proposta Concreta Folha de S. Paulo Artigo 18/06/2013 21/06/2013

LISTA DE ARTIGOS E ENTREVISTAS CONSULTADAS

199

200

ANEXO II – Entrevista com o cineasta Tiago Tambelli

Entrevista com o cineasta Tiago Tambelli sobre o documentário 20 centavos e as

manifestações de junho de 2013. A entrevista ocorreu na produtora do cineasta, Lente Viva,

em Pinheiros, São Paulo, no dia 07 de abr. 2015, com início às 14h29min e término às

15h40min.

FELIPE – Olá Tiago, tudo bem? A entrevista é, especialmente, sobre seu último trabalho

lançado, 20 centavos. Pois bem, nesta primeira parte, a ideia é falar muito mais do

documentário e a sua percepção em relação às manifestações, já que você e a sua equipe

estavam lá.

TAMBELLI – O projeto se iniciou com um convite que eu fiz no Facebook para amigos,

colegas e colegas de colegas. Fiz o convite para 54 pessoas, e desse convite resultou um

grupo de trabalho de aproximadamente 30 pessoas. E a gente saiu para rua no primeiro dia

que foi filmar com 11 equipes de filmagens e daí se consolidou o grupo. O grupo se

autointitulou Aparelho Filmes, que também assina o filme. Foi a maneira de eles criarem

uma identidade própria. E aí, trabalhando conjuntamente com esse grupo, mais a equipe da

Lente Viva Filmes, depois foi incorporado a Complô Filmes, que é dos montadores do filme,

o Rodrigo Marques e o Eduardo Consone. E depois agregou a Elixir Entretenimento, do

Denis Feijão. No total deu mais de 30 pessoas. Por volta de 35 pessoas que participaram de

todas as etapas, desde a parte de produção à parte de execução do filme.

FELIPE – Esse projeto surgiu de um movimento que já estava acontecendo. Quando você

viu que o momento começaria a ganhar corpo, aí você lançou a proposta, ou você já vinha

acompanhando o MPL (Movimento Passe Livre) há algum tempo?

TAMBELLI – Não. É... eu estava querendo fazer um filme sobre São Paulo, e estava meio

que tateando alguns temas né, pensando que tema poderia ser trabalhado em São Paulo, que

seria interessante documentar. Eu estava muito interessado em falar sobre o pedaço onde eu

nasci, onde eu vivo e aí, né, acompanhando os desdobramentos do início das manifestações,

que foram iniciadas pelo MPL, a partir da pauta da revogação do aumento da passagem de

ônibus, eu percebi, assim, que ali teria uma grande possibilidade de se fazer um filme durante

o momento de inquietação social. Ao invés de se pensar num tema que pudesse ser

desenvolvido, que pudesse ser pesquisado, eu meio que tropecei nesse tema, em função,

justamente, dos desdobramentos que estavam acontecendo na cidade. Eu também estava

num momento meio que de angústia, tentando encontrar alguma coisa que fosse relevante, e

eu falei: “Olha, essa aqui [manifestações] é uma grande oportunidade”. Também, relacionei

isso ao fato de que no Brasil se tem uma quase que inexistente cultura cinematográfica de

documentário, de acompanhar os conflitos sociais durante o processo. Os

[filmes/documentários] brasileiros são, quase que em sua totalidade, assim: a cultura é muito

baseada em análises posteriores: em análises sociológicas, ou etnográficas e antropológicas.

Eu percebi que esse momento abria a janela de se fazer um filme participando do

processo histórico. Muito mais do que esperar esse processo acontecer e depois se debruçar

sobre ele. Falei: “nossa, acho que aqui tem uma grande oportunidade de fazer esse filme

durante os acontecimentos”. [Por isso] que eu precisava agir com rapidez, para que não

perdesse o bonde da história.

201

FELIPE – As filmagens começaram quando?

TAMBELLI – Durante o ato da Maria Antônia [13/06/13].

FELIPE – Quando houve forte repressão...

TAMBELLI – Isso, isso.

FELIPE – Tendo essa perspectiva, por isso que o documentário não traz nenhum tipo de

análise extra, ou posterior, somente os acontecimentos, a fim de não trazer essa perspectiva

de análise e o filme se autoexplicar?

TAMBELLI – Sim. O que aconteceu em junho de 2013 ainda é fato, ainda é motivo de

análise. Acho que, a gente está começando agora tomar um pouco de consciência do que

aconteceu. Então, durante o processo, quando eu convidei as pessoas aqui, a única coisa que

eu disse a elas era que a gente precisava ir para as ruas e registrar o que estava acontecendo

e que a intuição fosse o nosso guia, e que o nosso coração deveria dizer para onde apontar a

câmera e de que maneira se colocar dentro das cenas. Então, a gente partiu do princípio,

assim, que é o cinema direto. Quer dizer, caberia muito mais a nossa observação, do que a

nossa opinião dos fatos. Durante o processo de montagem a gente percebeu que isso teria

muito mais força estética, do que apontar uma visão analítica sobre as imagens. Então, a

gente partiu do princípio de que as imagens e as pessoas que falavam – e que foram as ruas

expressarem esteticamente e ideologicamente (e politicamente) – que isso deveria ser a força

do filme e não a nossa opinião sobre o que nós estávamos vendo. A nossa opinião apareceu

na montagem do filme, nos valores que a gente deu para cada ator que apareceu na rua.

Então, de que maneira a gente poderia apresentar a estética, a expressão dos diversos atores,

dentro de um ordenamento de montagem? O filme coloca em seu subtexto a nossa opinião,

mas na força expressiva da montagem. Como a gente entende isso?

A gente inicia o filme com os índios invadindo o Congresso Nacional. Porque a gente

entendia que, para falar de Brasil, deveríamos remeter aos índios – como processo histórico

de colonização, do início da formação histórica brasileira. No caso a gente tinha identificado

que os indígenas (o movimento indígena) tinham invadido o Congresso Nacional dois meses

antes das manifestações, e a gente compreendeu que aquilo, simbolicamente, teria uma força

em demonstrar a crise do sistema político brasileiro. Então, os índios de alguma maneira

representam a sociedade, e a inquietação da sociedade que já estava vigente naquele período

histórico. Então, os índios funcionam como uma metáfora da história do Brasil, identificados

nesse momento – nesse período histórico.

Aí, depois disso, cortamos, propriamente dito, para o motivo das manifestações, que

era a redução do aumento da passagem, acompanhando os desdobramentos de São Paulo,

Brasília... E, de uma maneira, não discursiva apresentamos uma ruptura do processo das

manifestações, onde há uma apropriação dos grandes grupos de comunicação que

sequestram a narrativa do MPL e passam a implementar uma pauta de interesse próprio. Na

minha visão pessoal, já mirando eleições de 2014, já tem como objetivo interferir

psicologicamente, conscientemente, politicamente, uma formação de opinião pública,

introduzindo uma pauta conservadora, a pauta da corrução, a pauta de uma hipotética crise

institucional – que não é o que estava sendo posto no início das manifestações. O Brasil

naquele momento não passava por uma crise institucional, as instituições estavam

funcionando dentro de sua formalidade (normalidade).

202

E para demonstrar justamente esse conflito entre os interesses e os objetivos da pauta

do MPL versus a pauta dos grandes grupos de mídia, que representam interesse do capital

financeiro, que representam interesses geopolíticos, a gente faz um contraponto a tudo isso,

e vai desembocar na luta popular das periferias. Que é quando a gente apresenta o Capão

Redondo, muito embasado ali na luta e bandeira do poder popular, encampado pelo MTST

E terminamos o filme com os negros, a juventude negra cantando “Respeito é pra

quem tem” do Sabotage, tentando colocar nesse bojo, nesse caldo historiográfico brasileiro

a questão do racismo.

Então, a gente se absteve justamente de fazer uma análise social, justamente,

pensando que o filme poderia incorrer naquele momento em erros interpretativos, ou que ele

pudesse ganhar uma conotação personalista de quem estava fazendo o filme, em detrimento,

justamente, do valor maior que a gente identificou que são, justamente, as estéticas que

estavam postas: seja a estética do Estado, a repressão policial; seja a estática dos meios de

comunicação; seja a estética dos black blocs; seja a estática dos manifestantes aleatórios;

seja a estática da pauta difusa; seja estética de, talvez, se pensar uma nova ocupação do

espaço público, que é a rua.

Então a gente identificou que isso é o que deveria estar em primeiro plano, e a nossa

opinião naquele momento não era o mais importante. Então, as pessoas olham o filme, e

muitas pessoas se queixam [da falta] de uma visão analítica. Mas, também, porque [no

Brasil] estão muito acostumados com documentários analíticos e sociológicos. Então, eles

já iniciam o filme com o desejo de uma interpretação da realidade. E a gente recuou sobre

essa perspectiva e reforçamos muito mais o caráter de registro histórico, e que o filme

pudesse depois ser matéria-prima, justamente, de análises pouco mais apuradas do ponto de

vista sociológico, do ponto de vista da antropologia urbana, do ponto de vista das ciências

políticas, ou aspectos históricos e que servisse, justamente, de material de estudo. Porque no

final das contas nós somos cineastas, nós não somos acadêmicos, e eu não tenho a pretensão

de ser intelectual. Eu sou um documentarista e fico muito calcado na minha missão de

documentar, muito mais do que fazer um filme panfletário, se a visão é A ou é B.

Obviamente, eu tenho a minha opinião política, eu tenho a minha visão, com valores de

esquerda, e que estão expressas no filme à minha maneira e, também, na maneira do grupo

que eu consegui formar. Então, tinha que saber lidar de maneira coletiva com a visão,

também, maior [do grupo], né. Porque, também, o processo do filme determinou as escolhas

dele. Então, quando você faz um filme dessa maneira, você tem que estar sujeito as escolhas

coletivas. Então, o filme é uma obra onde não é uma visão pessoal estrita do diretor –

especificamente falando desse filme.

FELIPE – Dois pontos que me chamaram a atenção foram: a abertura, que você abordou,

quando os índios invadem o Congresso, mostrando uma falta de comunicação, evidenciando

que uma questão totalmente política estava posta ali, em que, quem estava lá dento

(Legislativo – deputados e senadores) não conseguia interpretar a mensagem de quem

estava lá fora, e quando entraram [no Congresso] aqueles acabaram fugindo; o segundo

ponto é quando ocorre a redução da tarifa, entre o dia 19 e 20 de junho e criam-se dois

grupos dentro das manifestações, um defendendo uma bandeira “aparentemente” muito

mais nacionalista e outro com uma pauta mais progressista. Nos dias anteriores você

conseguia perceber essa separação, surgindo dois grupos ou aquilo ficou mais evidente a

partir da queda da tarifa, dado que a demanda principal já fora atendida?

TAMBELLI – Falando da primeira pergunta. Eu acho que o Congresso Nacional é uma

casa...instituição distante do povo. Acho que as imagens representadas pelos indígenas

203

deixam clara a dificuldade que o Congresso Nacional tem em se fazer a representação

democrática verdadeira no stricto sensu da palavra, em termos democráticos. Quer dizer,

parece que a representação, baseada em parlamentares, nesse tipo de sistema político, me

parece que tem uma pauta própria. Uma pauta muito mais direcionada pelo capitalismo do

que pela sociedade. Pode-se perceber reais interesses sociais em disputa aos interesses do

capitalismo. Então, acho que esse é um problema da democracia dentro do capitalismo.

Como ela, de fato, consegue representar os anseios da sociedade e não os anseios do

capitalismo. Acho que essa é a grande crise da democracia que a gente conhece hoje.

Pode ser que, essa democracia que a gente conhece, talvez ela sempre tenho incorrido

nessa dificuldade entre a disputa dos avanços e conquistas sociais em detrimento das

prerrogativas do capitalismo. Acho que, o capitalismo de alguma maneira, com a sua

capacidade de lobby, de manipulação, ingerência financeira, patrocinando as campanhas

políticas, se fazendo presente dentro do Congresso Nacional, muito mais forte que a

participação popular, faz com que a representação política não seja nada além do que um

grande teatro, um grande mundo de “faz de contas”.

Então, fica muito claro perceber que em junho de 2013, mais do que uma crise

institucional ligada ao Governo Federal, ao executivo, na minha visão, a crise estava muito

mais calcada no sistema política como um todo, incluindo o executivo, mas aí a gente pode

pensar, também, no judiciário e no legislativo. Porque, se você fala em corrupção, tem que

se falar em corruptores, né... Você tem que pensar no legislativo, que legisla e cria as leis

que possam combater esse mal. E pensar também no judiciário, que está ali para investigar,

e punir. Então, parece que todos de certa maneira são conduzidos por interesses. Muito mais

guiados pelos interesses do capitalismo, e aí você pode perceber também, uma certa

politização, seja do judiciário (judiciário, pensando nos tribunais e nas instâncias de juízo)

e, também, nas instituições de investigações (nas procuradorias). Não dá para você imaginar

que a política não pertença ao judiciário. A gente percebe uma judicialização da política.

Quer dizer, o judiciário interferindo nos rumos políticos, a política interferindo nas decisões

judiciárias – todas conduzidas pelo capitalismo. Você percebe interesses geopolíticos

conduzir decisões no executivo, no judiciário, no legislativo. Então, parece que a grande

lógica que é colocada como a única possibilidade vigente de estrutura social é o capitalismo.

[O capitalismo] se apresenta como a única lógica que o ser humano tem e que possa ser

seguida, na que ela determina, em toda sua capacidade. Parece que o capitalismo é o grande

oráculo da vida humana, e que só ele pode determinar todas as decisões, em qualquer esfera

da vida humana. Então, o capitalismo hoje virou um grande deus supremo da vida dos

homens. E, quando é colocado dessa maneira, você percebe que o ser humano, que é o grande

ator da vida, ele fica em segundo plano, mesmo querendo se organizar e praticar ações do

seu interesse coletivo, o interesse do capital, do dito capital –, que é uma coisa que funcional

como miragem, porque a gente não sabe bem onde ele está e quem é, mas a gente percebe

que ele está em todos os lugares, travestido de diversas formas – [passa a ser protagonista].

O capitalismo passa a ser o grande deus, o deus supremo da vida do homem. E a nossa

organização social e familiar, a nossa dinâmica ela está toda calcada nesses valores. Então,

você percebe que a gente questiona e ao mesmo tempo é ator desse capitalismo. De forma

bem simples, é como o cachorro que corre atrás do próprio rabo. Você está questionando,

mas você é dependente dele, então você fica assim: “como é que eu vou trocar o pneu do

carro, com o carro andando?”

Então, eu entendo que os índios cumpriram um papel simbólico, representando a

sociedade branca invadindo o Congresso Nacional e mostrando para todos que este sistema

está falido, que essa representação precisa ser repensada, que a participação popular tem que

ter um grau de participação muito mais agudo, e que o capitalismo precisa ser questionado,

204

tanto do ponto de vista ambiental, como do ponto de vista da sobrevivência da própria

espécie humana. Dessa forma, eu acho que colocar os índios ali, abrindo o filme, por mais

que muita gente achou estranho e deslocado da realidade urbana, eu acho que ela nunca se

fez tão forte e tão presente. Porque [se] você falar do urbano hoje em dia, você [deve,

também] olhar para a questão ambiental, você [precisa] olhar a questão indígena e saber que,

justamente, por conta do avanço do urbano, que as questões ambientais estão sendo

denegridas, estão sendo colocadas fora da conta do capitalismo. E o capitalismo é urbano. O

capitalismo não se dá fora das cidades. E a crise de junho de 2013 é uma crise urbana, é uma

crise de um caos social da vida urbana.

E a segunda pergunta qual era?

FELIPE – Foi sobre a polarização...

TAMBELLI – Ah sim...a partir da batalha da Maria Antônia, da segunda batalha da Maria

Antônia – na década de 1960 nós tivemos a primeira. Engraçado né? Porque na década de

60 você tem uma batalha na Maria Antônia entre os estudantes da USP e os estudantes do

Mackenzie. Ou seja, uma batalha entre a direita e a esquerda, que a gente ia ver acontecer

de novo alguns dias depois, no dia 20 na Paulista. Então, ali também já era um princípio do

que viria acontecer depois.

A partir do conflito com a polícia militar, que se apresenta com uma pauta própria.

Eu digo própria porque às vezes ela se coloca à margem do Estado, parece que a Polícia

Militar não diz respeito nem mais ao Estado. Parece que ela tem uma pauta que é do

militarismo. Então, fico imaginando se um dia um governo de esquerda estiver no governo

[do Estado de São Paulo], se vai conseguir bater de frente à pauta da Polícia Militar –

pensando nesses termos mais progressistas?

Então, quando a polícia militar, obviamente que a mando do Governo do Estado de

São Paulo, desce o cacete e todo o mundo que estava ali (aí precisamos incluir os

manifestantes, sejam eles da organização do MPL, sejam simpatizantes, sejam curiosos e a

imprensa). Você percebe que o Estado perdeu completamente a noção de como se lidar com

manifestações populares.

Aí sobrou para imprensa a agressão, a violência do Estado na maior força possível.

E a gente precisa ressaltar que, antes disso, a grande imprensa, ela não tratava os

manifestantes como manifestantes, mas sim como vândalos. Porque a pauta da redução das

tarifas públicas não estava no escopo dos interesses políticos de nenhum grupo de

comunicação, até o momento que eles perceberam que isso poderia se abrir uma janela de

interferência e manipulação da opinião pública.

Então, quando a imprensa também foi agredida pela polícia militar – naquele caso da

jornalista que foi atingida por uma bala de borracha no olho: repórter da Folha de S. Paulo

– a gente percebe ali uma mudança na maneira de analisar a questão. Foi a primeira mudança

dos grupos de comunicação, que passaram a condenar a violência do Estado, representada

pela Polícia Militar.

Até aquele momento você não percebia grupos de direita atuando dentro das

manifestações. Você percebia setores do Movimento Estudantil, não a UNE, mas movimento

estudantil da USP, representado pelo MPL. [O MPL é um] movimento que se apresenta

apartidariamente, não antipartidariamente, com uma bandeira de esquerda, com uma pauta

muito clara, baseada na universalização do transporte público gratuito, que nasceu em

Salvador (se não me engano em 2003), com a Revolta do Buzu, que ali foi um momento

estritamente de estudantes, sem a participação de Partidos, e que depois deflagrou no

movimento em Florianópolis, que, também, praticado por estudantes. A partir disso começou

205

a desenhar um movimento uspiano, que eu acho bastante interessantes. Acho que tem o seu

valor como maneira de questionar o status quo político, seja relacionado ao poder público,

seja às organizações politicas que a gentes conhece até hoje, sindicatos e partidos. Mas, que

também ele sofre de uma falta de capilaridade dentro da classe trabalhadora. É um

movimento que tem muita dificuldade de adentrar nas regiões periféricas da cidade. É fácil

perceber isso analisando a pouca expressão que ele tem nas áreas mais pobres da cidade, os

maiores atos do MPL foram realizados no centro da cidade (até por uma questão estratégica

deles), e que nas periferias os atos são sempre muito pequenos e isolados, e de baixa

participação popular. Então, a gente percebe que o MPL tem uma força estética, ideológica

muito interessante, mas, também, nestes anos todos, não conseguiu formar uma base social

junto à classe trabalhadora, que justamente o objeto deles seria a classe trabalhadora. Porque

a pauta da universalização do transporte público gratuito tem como objetivo a classe

trabalhadora. E você vê a pouca participação da classe trabalhadora. Você percebe que é um

movimento de classe média. Sem demérito algum. Nós temos que agradecer que a classe

média intelectualizada, de vanguarda, atua paralelamente aos sindicatos e partidos, com uma

bandeira de esquerda com viés e com uma orientação autonomista, de autogestão,

horizontalidade, apartidária.

Acho que isso também causou certo estranhamento ao poder público, porque eles não

conseguiam um diálogo efetivo junto ao movimento, porque o movimento nunca apresenta

um líder. O movimento ele é, para o poder público, um enigma. Porque o poder público,

historicamente, sempre se relacionou com partidos, movimentos sociais e sindicatos

calcados na hierarquização do poder – sempre houve um líder que falasse pelo movimento.

No caso do MPL esse líder é inexistente, e isso causou, na minha visão, prejuízo para o

próprio movimento, em alguns momentos. Porque eu acho, também, que o MPL, às vezes,

pecou pela falta de diálogo. E para quem é responsável pela ordem pública isso foi motivo

de descontentamento e de uma certa animosidade entre esses dois atores. Eu já ouvi críticas

de gente do próprio MPL que estava na liderança... [retificou] já li críticas de gente que

estava na liderança, na liderança não, mas que estava atuando junto ao MPL em 2013, e que

o MPL sofre com essa maneira de atuar: apartidária, horizontal, coletiva, colaborativa, muito

em função, porque essa estrutura funciona muito mais na amizade do que, às vezes, nos laços

políticos que possam gerar frutos de multiplicação desses atores.

Então, na batalha da Maria Antônia, você vê a polícia militar descendo o cacete. A

coisa parecia que iria caminhar pacificamente – no filme a gente mostra isso. O comando da

Polícia Militar parecia que ia conseguir caminhar com os organizadores do movimento, uma

caminhada pacífica. De repente eclodiu uma grande repressão militar. A partir daquilo o

movimento passa a ser incorporado pela grande mídia.

E a grande mídia viu uma possiblidade de introduzir, a partir daquele momento, já

na manifestação do Largo da Batata, que reuniu, sei lá, 300, 400, 500 mil pessoas, uma pauta

já fascista e de direita. Ali [na manifestação do Largo da Batata] você já via: no 20 Centavos,

a mulher que fala que tem uma discussão, que alguém está questionando ela, que ela não

pode segurar uma bandeira de partido – esta parte está montada na sequencia da Paulista,

mas, aquilo foi filmado no dia do Largo da Batata, entendeu? Ela estava segurando uma

bandeira do PSOL e um manifestante dizendo que não se podia participar daquele ato

partidos políticos de esquerda. Então, já ali você consegue observar um sequestro do discurso

do MPL, que não condenava a participação de partidos. Pelo contrário, o MPL tem laços de

interesses convergentes com sindicatos e com alguns partidos e com movimentos sociais (o

MTST é um deles). Mas, ali você já começava observar que, a direita já estava começando

a mostrar a cara na rua. Você vê isso muito claro na quantidade de cartazes que naquele dia

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já saíam questionando a educação, a corrupção, o Governo Federal, a classe política, enfim,

pautas de todos os objetivos.

Eu não sei dizer como isso foi parar na rua. Comecei a pesquisar umas coisas esse

ano, de que muitos movimentos, como a Primavera Árabe, foram patrocinados pelos Estados

Unidos. Então, você tem aí aquela agência americana de democratização patrocinando

alguns grupos de... Eu até tenho no meu Facebook um documentário que fala sobre isso, que

é um órgão americano patrocinando uma ONG ucraniana para prestar consultoria em

diversos países, com uma cartilha de como se fazer manifestações pacíficas com o objetivo

de se desestabilizar governos, sejam eles, governos ditatoriais ou governos democráticos,

com um interesse imperialista. Com um interesse geopolítico de expansão do imperialismo

americano. Há rumores de que no Brasil essa influência imperialista também está por trás de

setores da direita participando desses movimentos e dessa organização. Talvez, a gente possa

colocar isso como uma hipótese já a partir de junho de 2013. Não acho que a partir do

movimento do Largo da Batata, mas do dia 20 na Paulista.

Tem gente que denuncia que o MPL participa dessa influência norte-americana, eu

acho isso uma conspiração equivocada. Acho que isso está mais ligado à setores da direita,

muito mais ligado à, por exemplo, o Vem pra Rua, ao MBL, que nasceram justamente entre

2013 e 2015, e eu acho que é uma maneira oportunista de colocar o MPL nesse bojo. Não

acredito e não tem nenhum traço de direita no discurso e na estética do MPL. O MPL é muito

mais calcado no Ocuppy, no movimento da Praça Del Sol, na Espanha. Mas, na Primavera

Árabe há muitas denúncias de participação de americanos por trás de certos grupos que

participaram da Primavera Árabe e mesmo na Ucrânia.

Então, assim, no dia 20 na Paulista a coisa não foi tão espontânea assim, já acho que

ali se percebia uma certa organização mais elaborada...já percebia uma coisa um pouco mais

forte da direita. Já via ali um discurso e uma maneira de atuar mais agressiva, mais em bloco,

isso no filme dá para gente ver bem. Não dá para imaginar que aquele bando de gente estava

ali aleatoriamente, que se encontrou na rua e se identificou. Então, parecia que existia ali

umas pessoas infiltradas, com propósitos muito claros, que foram capitaneando esses

discursos na rua, e você percebe que isso tinha objetivo, que era um objetivo eleitoral, já

mirando as eleições de 2014. Por aí você vê o candidato da oposição se utilizando do verde

e do amarelo, utilizando imagens das manifestações e se colocando como representante

desses insatisfeitos. E a gente pode transporta para 2015, com a reeleição de Dilma, você

percebe que, o que viria após as eleições da Dilma, se ela conseguisse ganhar seria a

organização de uma nova direita no Brasil. E é a que está aí hoje. Ela [nova direita] está na

rua disputando o espaço público com a esquerda. Então, você percebe um aprofundamento

do conservadorismo.

Num outro contexto histórico, em maio de 68, na França, aconteceu a mesma coisa:

ascensão do conservadorismo no poder. No Brasil isso seguiu à regra, você vê a eleição de

um parlamento muito mais conservador, uma pauta muito mais conservadora. Você vê aí

uma mistura entre religião e capitalismo, com os neopentecostais com uma bandeira

capitalista, dizendo que o paraíso é na Terra e que vamos conquistar isso muito mais com a

força individual, do que com a força política e social. E você percebe que isso ganhou espaço

na sociedade, e os meios de comunicação apresentam essa bandeira como sendo uma

bandeira de um partido político. E você percebe que aqueles que estavam na posição

caminhando mais à direita do que estavam antes de junho de 2013, porque percebem nesse

contingente de direita uma oportunidade tomada do poder novamente, voltar ao poder. E

você vê também o nascimento de uma [outra, porém, mais, extremista] direita, com

formações de partidos – partido militar, partido liberal – muito parecido com o que aconteceu

nos Estados Unidos, com o Tea Party, com uma agenda de direita e conservadora, muito em

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contraponto a uma pauta de direitos humanos: a pauta LGBT, a pauta contra o racismo, a

pauta pela distribuição de renda, e por aí vai.

FELIPE – Você pode comentar sobre o final do filme, que você termina com os movimentos

de periferia, o MTST, e o movimento negro, com a trilha sonora “Direito é pra quem tem”

do Sabotage?

TAMBELLI – Depois a da manifestação da Paulista [20 de junho] o MPL convoca uma

reunião pública nos quatro cantos da cidade. Eu fui numa dessas reuniões, no sindicato dos

metroviários, na Zona Leste, tentar filmar, mas não deixaram filmar essa reunião. Eu fiz

questionamentos, disse que estava acompanhando os desdobramentos e achava um absurdo

não poder filmar uma reunião convocada por eles, uma reunião pública. Fiz esse

questionamento no início e depois pedi a palavra e disse que o movimento estava correndo

um sério risco de sequestro de sua narrativa, por conta dos meios de comunicação.

A partir dali você percebe que o MPL não saiu mais sozinho na rua. Então, o [protesto

no] Capão redondo veio após essa reunião. O MPL já foi para rua aliado a movimentos

sociais mais antigos, ou com outras bandeiras não relacionadas ao transporte público. E aí

eles fizeram esse ato no Capão Redondo, que a gente filmou.

Você já percebia ali uma certa análise do MPL em relação, justamente, a tentativa de

manutenção da narrativa do discurso do movimento. Então, eles se deslocaram do centro e

foram para periferia, justamente porque na periferia estaria mais controlado. O filme mostra

justamente isso. O “pau” que a esquerda levou na Paulista e a resposta desse “pau” veio dos

movimentos de periferia. Quer dizer, se a gente poderia dar uma resposta no filme a

esquerda, era mostrar que a pauta não saiu e não vai sair, da onde ela deveria estar, que é na

periferia.

Se a gente esta falando mesmo em transporte universal e gratuito, é relacionado à

classe trabalhadora; se a pauta de moradia é relacionado à classe trabalhadora; e se nós

estamos falando de classe trabalhadora, nós estamos falando das periferias dos grandes

centros urbanos.

Então, essa foi a maneira de a gente valorizar a esquerda – o filme se apresenta como

um filme de esquerda sem dizer, mas, simplesmente, acompanhando e dando os valores

devidos no filme – e apresentar o que para nós está no cerne da questão da história brasileira,

que é a questão do racismo e do tipo de racismo que é defendido na sociedade e mantido

pelo status quo, das oligarquias, das elites brasileiras, no cenário e na dinâmica social do

Brasil. Quer dizer, falar em transporte público e falar de moradia, é falar de um direito dos

trabalhadores e de uma classe social menos favorecida.

Você questionar a desmilitarização da polícia militar é tocar na questão do racismo.

Qualquer questão relacionada a avanços sociais no Brasil, você precisa colocar o racismo:

seja o racismo de étnico, da cor da pele, seja o racismo de classe.

Terminar um filme com jovens cantando “Respeito é pra quem tem” do Sabotage –

que foi um rapper assassinado na periferia de São Paulo, um símbolo da juventude – na

Avenida Paulista é a maneira de a gente simbolizar e reunir tudo o que estava sendo discutido

numa única voz, representados pela juventude negra, que pertence às estatísticas mais

drásticas: se você pensar a questão dos genocídios; se você pensar o acesso aos serviços

públicos; se você pensar a discriminação; se você pensar a questão racial; se você pensar a

questão educacional. A questão dos negros está no âmago da discussão brasileira.

Então, a gente achou por bem terminar o filme dessa forma, porque simbolizava, de uma

maneira única, o maior conflito não superado do Brasil, que é a questão racial. É isso!