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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Julio César Minga Tonetti “NOSSA SENHORA APARECIDA: A NOVA PADROEIRA DO BRASIL” DIÁLOGOS SOBRE A DEVOÇÃO POPULAR E A ROMANIZAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL SÃO PAULO 2019

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP · 2019. 5. 30. · pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc-sp julio césar minga tonetti “nossa senhora aparecida:

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Julio César Minga Tonetti

“NOSSA SENHORA APARECIDA: A NOVA PADROEIRA DO BRASIL”

DIÁLOGOS SOBRE A DEVOÇÃO POPULAR E A ROMANIZAÇÃO

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO

2019

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Julio César Minga Tonetti

“NOSSA SENHORA APARECIDA: A NOVA PADROEIRA DO BRASIL”

DIÁLOGOS SOBRE A DEVOÇÃO POPULAR E A ROMANIZAÇÃO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em História Social, sob a orientação da

Prof.ª. Dra. Olga Brites.

SÃO PAULO

2019

Sistema para Geração Automática de Ficha Catalográfica para Teses e Dissertações com dados fornecidos pelo autor

CDD

Minga Tonetti, Julio César “NOSSA SENHORA APARECIDA: A NOVA PADROEIRA DOBRASIL” DIÁLOGOS SOBRE A DEVOÇÃO POPULAR E AROMANIZAÇÃO / Julio César Minga Tonetti. -- SãoPaulo: [s.n.], 2019. 144p. ; cm.

Orientador: Olga Brites.Dissertação (Mestrado em História) -- PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo, Programa deEstudos Pós-Graduados em História, 2019.

1. Devoção popular. 2. Nossa Senhora Aparecida. 3.Romanização. 4. Representação. I. Brites, Olga . II.Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,Programa de Estudos Pós-Graduados em História. III.Título.

Julio César Minga Tonetti

“NOSSA SENHORA APARECIDA: A NOVA PADROEIRA DO BRASIL”

DIÁLOGOS SOBRE A DEVOÇÃO POPULAR E A ROMANIZAÇÃO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em História Social, sob a orientação da

Prof.ª. Dra. Olga Brites.

Aprovado em: ____/____/___

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Prof.ª. Dra. Olga Brites – PUC/SP

______________________________________________

Prof.ª. Dra. Maria do Rosário Cunha Peixoto – PUC/SP

______________________________________________

Prof.ª. Dra. Norma Marinovic Doro – UFMS

Bolsista contemplado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES) durante o ano de 2018. Detalhe do

Processo nº 88887.163151/2018-00 do Programa PROSUC.

Dedico este trabalho aos meus sobrinhos Arthur Tonetti Nobre e Alice

Tonetti Nobre, ao futuro das juventudes brasileiras!

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, revelado e encarnado na imagem de todos que lutam

por um mundo melhor e colocam na pauta de suas vidas a solidariedade e a alegria. Cheio de

gratidão pelo dom da vida e da liberdade agradeço a Nossa Senhora, em especial a “Senhora

Aparecida” em seus diversos olhares: “Mariama”, “Mamãe Oxum”, “Morenita”.... A ela o

meu eterno agradecimento por me abençoar de tantas maneiras nos momentos de desânimo e

nas horas dedicadas ao de estudo e a pesquisa.

A memória dos meus queridos avós Enedina Minga e Sabino Minga, agradeço por

transmitirem a mim o interesse pelo sagrado e pelo popular. Aos meus pais Helena Maria

Minga Tonetti e Idinirço Tonetti, agradeço a formação cristã que me deram, é dela que brota

todo o movimento que me faz caminhar em busca de uma sociedade solidária. Aos meus

irmãos Sabrina Lúcia Tonetti Nobre e Jefferson Wando Minga Tonetti, por sempre me

apoiarem nas minhas escolhas e me ensinarem o valor do trabalho junto com meu cunhado

Anderson Paulo Nobre.

A Jonas da Silva Leão Neto, pela disposição em me acompanhar aos arquivos e por ter

paciência em ouvir minhas reclamações sempre me incentivando, animando e transmitindo os

valores místicos das matrizes africanas que muito contribuiu para este trabalho. A minha

prima Nídia de Oliveira, agradeço a disposição e a alegria dos cafés nas tardes frias.

Ao Programa de Pós-Graduação PUC - SP, na figura da minha orientadora Olga

Brites, professora e mulher de resistência política, sem a sua colaboração, paciência e

orientação esse trabalho não teria se concretizado. Agradeço imensamente a sua generosidade

em partilhar o conhecimento e me animar a não desistir.

A Professora Maria do Rosário Peixoto, uma acadêmica engajada nas lutas sociais e

no sonho de um país melhor, agradeço as grandes contribuições a minha temática, tanto nas

aulas quanto no exame de qualificação.

A querida amiga e Professora Norma Marinovic Doro, com quem aprendi desde o

início da vida acadêmica o compromisso social com a educação. Que a sua trajetória continue

a inspirar outros jovens como eu a buscar um mundo melhor.

A Jorge Paulo de Souza e Silva, amigo de infância agradeço as palavras de incentivo

desde o início da minha caminhada acadêmica, sua fé na vida sempre me revigora.

Aos colegas de turma Andresa, Lucas, Edney e Amanda que me incentivaram durante

as aulas com momentos de descontração e partilha nas resistências, elementos da pesquisa e

da vida.

Ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida na figura da querida Dorotheia

Barboza e a todos os funcionários do Centro de Documentação e Memória (CDM), agradeço

a acolhida precisa e a disposição efetiva em compartilhar as narrativas em torno da imagem

de Nossa Senhora Aparecida.

Aos amigos e amigas do Centro de Juventude Anchietanum, por tecerem tantos sonhos

ao meu lado.

A CAPES por incentivar a minha pesquisa através da bolsa, sem esse financiamento

ela não teria sido possível.

A todos os devotos e devotas de Nossa Senhora Aparecida que partilham comigo

através de seus olhares a fé na vida...

TONETTI, Julio César Minga.“Nossa Senhora Aparecida: a nova padroeira do Brasil”.

Diálogos sobre a devoção popular e a romanização. Dissertação de Mestrado (Mestrado em

História Social), Pontifícia Universidade católica de São Paulo, São Paulo,2019.

RESUMO

Essa dissertação apresenta um estudo sobre a institucionalização da devoção popular a Nossa

Senhora Aparecida feita pela Igreja Católica do Brasil durante o processo de romanização.

Seu objetivo é analisar a instrumentalização da devoção como estratégia política utilizada

pela mesma. No final do século XIX, a Igreja do Brasil iniciou uma tentativa de

“romanização” das devoções populares buscando fortalecer sua unidade através dos rituais e

celebrações. A principal devoção mariana neste período foi o culto a Nossa Senhora

Aparecida, reconhecida como padroeira principal do Brasil pelo Papa Pio XI no ano de 1930.

Segundo a tradição popular contada pela Igreja o “encontro” da imagem teria se dado por

volta do ano de 1717 na região de Guaratinguetá-SP. A imagem que fora encontrada por três

pescadores transformou-se em um ícone de veneração e popularizou-se com a divulgação de

seus milagres. Essa devoção atravessou diversos períodos históricos da política nacional e foi

oficializado no dia 31 de maio de 1931, na cidade do Rio de Janeiro (capital federal no

período) em cerimônia religiosa e cívica dirigida pelo Cardeal Arcebispo D. Leme com os

demais bispos brasileiros. Nesta cerimônia Nossa Senhora Aparecida foi proclamada

Padroeira principal do Brasil “romanizando” de acordo com os cânones da Igreja esta

devoção popular.

Palavras-chave: Devoção Popular; Romanização; Nossa Senhora Aparecida; Imprensa;

Representação.

TONETTI, Julio César Minga. "Our Lady Aparecida: the new patroness of Brazil". Dialogues

on popular devotion and romanization. Master's Dissertation (Master's Degree in Social

History), Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2019.

ABSTRACT

This dissertation presents a study on the institutionalization of the popular devotion to Our

Lady Aparecida made by the Catholic Church of Brazil during the process of Romanization.

Its purpose is to analyze the instrumentalization of devotion as a political strategy used by it.

At the end of the 19th century the Church of Brazil began an attempt to "romanize" popular

devotions, seeking to strengthen their unity through rituals and celebrations. The main Marian

devotion in this period was the cult of Our Lady Aparecida, recognized as the principal

patroness of Brazil by Pope Pius XI in the year 1930. According to popular tradition told by

the Church, the "encounter" of the image would have occurred around the year of 1717 in the

region of Guaratinguetá-SP. The image that was found by three fishermen became an icon of

veneration and became popular with the spread of his miracles. This devotion crossed several

historical periods of national politics and was officially made on May 31, 1931, in the city of

Rio de Janeiro (federal capital in the period) in a religious and civic ceremony led by Cardinal

Archbishop D. Leme with the other Brazilian bishops. In this ceremony Our Lady Aparecida

was proclaimed the principal Patroness of Brazil "romanizing" according to the canons of the

Church this popular devotion.

Keywords: Popular Devotion; Romanization; Our Lady Aparecida; Press; Representation

Romaria

É de sonho e de pó

O destino de um só

Feito eu perdido em pensamentos

Sobre o meu cavalo

É de laço e de nó

De gibeira ou jiló

Dessa vida cumprida a sol

Sou caipira pirapora nossa

Senhora de Aparecida

Ilumina a mina escura

E funda o trem da minha vida

O meu pai foi peão

Minha mãe, solidão

Meus irmãos perderam-se na vida

A custa de aventuras

Descasei, joguei

Investi, desisti

Se há sorte eu não sei, nunca vi

Me disseram, porém,

Que eu viesse aqui

Pra pedir de romaria e prece

Paz nos desaventos

Como eu não sei rezar

Só queria mostrar

Meu olhar, meu olhar, meu olhar

Compositor: Renato Teixeira De Oliveira

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................13

1. Devotos e Devoções: expressões culturais do catolicismo

popular.........................................................................................................................26

1.1. O Catolicismo Devocional das Minas ao Ciclo Paulista........................................39

1.2. Devoção Popular e Romanização ..........................................................................49

2. A Santa “Aparecida”: Trajetos de uma Devoção

Popular..........................................................................................................................58

2.1.Origem da imagem...................................................................................................63

2.2. Os pescadores e os primeiros milagres ..................................................................73

2.3. Edificações do culto e reconhecimentos.................................................................71

3. Aparecida: da devoção popular a Fé

Romanizada..................................................................................................................86

3.1. O projeto de uma Nova Padroeira ..........................................................................92

3.2. A Proclamação do Padroado .................................................................................100

3.3. A viagem a Capital Federal ...................................................................................106

4.4. A nova Padroeira ...................................................................................................113

CONSIDERAÇÕES ...................................................................................................124

FONTES ESCRITAS..................................................................................................131

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................132

ANEXOS......................................................................................................................137

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa da região das minas e sudeste (1707) ....................................................................... 12

Figura 2 - Criação de Dioceses no Brasil por Regiões, até 1930 ......................................... 52

Figura 3 – Fotografia da imagem original de Nossa Senhora Aparecida, antes de ser

restaurada....................................... ....................................................................................... 68

Figura 4 - Fotocopia do Jornal Santuário Num.42................................................................. 88

Figura 5 - Jornal "Santuário D'Apparecida ........................................................................... 89

Figura 6 - Dos prelados presentes no Jubileu de Prata da Coroação da imagem de N.S.A

............................................................................................................................................... 92

Figura 7 - Comissão de Aparecida - SP que acompanhou a imagem ao Rio de Janeiro

................................................................................................................................................ 99

Figura 8 - Foto do Congresso Mariano na Igreja de Sto. Afonso ....................................... 103

Figura 9 - Vagão / capela que levou a imagem até o Rio de Janeiro ................................. 109

Figura 10 - Chegada da imagem de N. S. Aparecida no Rio ........................................ 112

Figura 11 - Missa realizada em frente a Igreja São Francisco de Paula em 31/05/1931,

publicada no Almanaque de Aparecida 1932 ..................................................................... 114

Figura 12 - Imagem sendo conduzida para a Catedral após a missa solene ....................... 116

Figura 13 - Início da Procissão solene em frente a Catedral do Rio de Janeiro ................. 117

Figura 14 - Bispos Brasileiros visitando o Presidente da República Getúlio .................... 119

Figura 15 - Chegada da imagem em Aparecida - SP em 01/06/193.................................. 122

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

C.S.S.R Congregação do Santíssimo Redentor

CDM Centro de Documentação e Memória “Padre Antão Jorge”, Aparecida – SP

E.F.C.B Estrada de Ferro Central do Brasil.

ECOS MARIANOS Almanaque de Aparecida.

MARIANO Aquilo que se relaciona a devoção a virgem Maria.

N.S.A Nossa Senhora Aparecida.

13

INTRODUÇÃO

Era uma das noites frias do mês mariano1, precisamente dia 30 de maio do ano de

1931, uma vez mais as velas que iluminavam o entardecer do dia eram dedicadas a Virgem

Maria, no estreito Vale do Rio Paraíba do Sul. As velas tremulavam com o sopro da brisa que

vinha das montanhas. Entre rezas e súplicas se ouve a voz do Cardeal, consolando o povo de

Aparecida e entoando uma “ave Maria” pela comunidade aparecidense que tristemente

acompanhava a saída da imagem morena do pálido santuário localizado na Praça do Carmo.

Os alunos que estudavam no Seminário Santo Afonso despediram-se da imagem em

frente à Estação da Companhia Central do Brasil entoando o “Ave Maris Stella”, o arcebispo

levou a imagem para seu altar no salão capela, depois dirigiu palavras de consolo ao povo...2

A pequenina imagem3 de Nossa Senhora da Conceição, vulgarmente chamada de

“Aparecida” que fora encontrada por três pescadores em 1717 no rio Paraíba do Sul estava

viajando para o Rio de Janeiro, Capital Federal, para ser solenemente aclamada como

Padroeira do Brasil. Ato perpetuado por uma carta assinada pelo Papa Pio XI no dia 16 de

julho do ano anterior.

Poderíamos discorrer inúmeros aspectos relacionados ao curto processo cronológico

que levou está devoção popular torna-se uma das maiores em exercício do país e alcançar o

reconhecimento da hierarquia do catolicismo brasileiro, se nos atrevêssemos a escrever sobre

isso o tempo tornar-se-ia demasiadamente um período muito longo, dado as proporções

sociais que este culto no Brasil faz evocar e o grande número de campos de estudos que se

possibilitam a indagar tais fatores.

Deste modo o objetivo pontual deste trabalho é indagar a maneira que a imagem

encontrada em uma aldeia de pescadores, região de passagem para as minas em terras

brasileiras do século XVIII tem o seu reconhecimento de culto oficializado no processo

1 Mariano (a): Substantivo utilizado para designar o culto a Virgem Maria, e tudo aquilo que se refere a este culto, nas

práticas oficiais do catolicismo ou na piedade popular. Cf.: Boff “ a piedade Mariana é muito mais que a metade do conjunto

da piedade popular”. (BOFF,2006, p.551) 2 Cf. Almanaque de Nossa Senhora Aparecida de 1932, p.28, pasta s.d, Centro de Documentação e memória do Santuário

Nacional de Nossa Senhora Aparecida (CDM). 3 A importância da utilização de imagens rituais para o cristianismo católico está associada a sua doutrina teológica e pode

ser considerada como uma catequese para proporcionar um contato com os dogmas da Igreja. Quando se trata da utilização

de imagens utilizadas no contexto devocional essa proporção catequética é substituída na maioria das vezes por uma ideia

mística de personificação do sagrado no meio da natureza humana. Para Eliade (1991) “ as imagens constituem “aberturas

para um mundo trans-histórico. Não é, entretanto, seu menor mérito: graças a elas, as diversas “histórias” podem se

comunicar. (p.174)

14

ritualístico e místico da Igreja católica no século XX, dentro da chamada política de

“romanização”, proposta pela Igreja no mesmo período. Podemos considerar muitas coisas

quando tratamos das imagens de devoção. As imagens de devoção concentram em seus traços

artísticos elementos que são interpretados a luz da tradição religiosa do lugar em que elas são

cultuadas. Elas possuem diversas narrativas, é justamente as narrativas em torno delas que

revelam e fomentam a veneração.

Em torno, das imagens de devoção, acredito que não apenas no Brasil, há

uma narrativa comum composta pelos mesmos mitemas: o encontro da

imagem por pessoas que vivem à margem dos círculos do poder econômico

ou eclesiástico, a definição do local de adoração que não coincide com o

espaço institucionalizado da Igreja, a disputa (em alguns ausente, mas

bastante comum de qualquer forma pela posse da imagem. Nessa disputa,

aparece a luta pela legitimidade do culto, que, quase sempre, arrasta a

contragosto a hierarquia da Igreja. (ABUMANSSUR,2017, p.114)

A saída da imagem da cidade de Aparecida no dia 30 de maio de 1930 é resultado de

um processo histórico de disputa pela constituição mística e espiritual de um exercício de

culto católico, ora, a imagem quebrada e escura encontrada por três pescadores não mais

pertencia a simples e pobre aldeia de pescadores de Itaguaçu da Vila de Guaratinguetá como

fora naqueles idos de 1717 e sim se tornaria um dos patrimônios mais sacros do catolicismo

brasileiro, a padroeira da nação.

Constitui-se tradicionalmente no catolicismo que os santos padroeiros, ou seja, os que

são patronos ou oragos guardam e protegem o lugar, região ou pessoas que a eles são

confiados, tendo como missão profícua diante de Deus “rogar” por aqueles que a eles

recorrem em suas insatisfações e desafios humanos. O Brasil tinha como seu padroeiro São

Pedro de Alcântara, cargo que lhe fora dado por Dom Pedro I em 1822 quando foi

Proclamada a Independência. O fato é que São Pedro de Alcântara foi destituído do seu posto

dando lugar para Nossa Senhora Aparecida, que vai ser reconhecida como padroeira nacional,

ou seja, padroeira da nação4 conceito que vai além de povo pela notoriedade toponímica que

essa palavra abrange.

Os dados em relação a devoção a São Pedro de Alcântara no Brasil são concentrados

em indícios de fontes da administração da Igreja do Santo de mesmo nome, Capela Imperial,

localizada na cidade de Petrópolis – RJ, fragmentos que não se concentram em registrar as

práticas de veneração ao Padroeiro e sim a relação financeira e administrava que a coroa

imperial brasileira tinha com a mesma capela. Afastado da realidade do povo brasileiro do

4 Cf.Cf. Chauí, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

15

início do século XIX, o orago “franciscano e espanhol” não reunia em torno de si um grande

número de devotos em todo o território nacional, dados que podemos constatar ao analisarmos

a existência de apenas duas igrejas paroquiais que tem o santo como Padroeiro até os dias

atuais.5

A dissertação que apresentamos não tem como principal objetivo fazer um

mapeamento estatístico das devoções presentes no Brasil durante o processo de escolha da

nova padroeira. A proposta é entendermos qual a relação imediata do processo de

romanização com a devoção a Nossa Senhora Aparecida que consequentemente vai expandir

a mesma em uma esfera nacional e com aprovação oficial da Igreja e do Papa.

Ao problematizarmos e levantarmos hipóteses sobre o processo que levou Nossa

Senhora Aparecida se tornar padroeira da “nação brasileira”destacamos que este estudo é

muito importante para contribuir com as análises diversas que estão surgindo dentro da

historiografia brasileira, nas pesquisas sobre questões religiosas no Brasil, muitas apontam

para Nossa Senhora Aparecida como parte da construção de ícones Nacionalistas e discorrem

de forma subjetiva da utilização da devoção popular para este efeito. Torna-se necessário um

estudo mais aprofundado dos sujeitos protagonistas dessa devoção que por enquanto

aparecem pouco pesquisados nas abordagens da historiografia e das apropriações de memória

oficial feitas pela própria Igreja6 no Brasil.

Na dissertação defendida por Lourival dos Reis (2000), pioneira sobre este tema da

devoção a Nossa Senhora Aparecida, a hipótese levantada pelo pesquisador é perceber a

relação do nacionalismo com a devoção a nova padroeira, bem como relacionando a isso a cor

negra da imagem como um elemento simbólico utilizado pela Igreja em momentos oportunos

para buscar legitimar uma identidade nacional construída na ideia da miscigenação. Para isso

o autor utilizou como fonte para a sua pesquisa uma coleção de “santinhos” de Nossa da

Conceição Aparecida propagados pelo Brasil de 1854 - 1978, tendo como questionamento

principal o “escurecimento” das reproduções da imagem ao longo do processo de expansão do

5 Atualmente existe uma Igreja Paroquial dedicada a São Pedro de Alcântara no município de mesmo nome no estado de

Santa Catarina com data de criação em 23/04/1843; também na cidade de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, possui

uma Igreja dedicada ao santo. 6 Atualmente dispomos dos seguintes trabalhos acadêmicos que enfatizam a imagem de Nossa Senhora Aparecida como

parte das constituições de símbolos nacionais brasileiros: Peters, José Leandro. Nossa Senhora Aparecida no discurso da

Igreja (1854-1904). (Dissertação de Mestrado). Juiz de Fora: UFJF,2012. SANTOS, Lourival dos. Igreja, Nacionalismo e

Devoção Popular: as estampas de Nossa Senhora Aparecida – 1854-1978. (Dissertação de Mestrado). São Paulo:

Universidade de São Paulo, 2000. ALVES, Andréa Maria Franklin De Queiroz. Pintando uma imagem Nossa Senhora

Aparecida – 1931: Igreja e Estado na construção de um símbolo nacional. (Dissertação de Mestrado). Dourados:

UFGD,2005.

16

culto. Um processo artístico e político que possibilitou uma afirmação de “identidade negra”

para a Padroeira de uma terra de mestiçagem como é o nosso país.

Já na dissertação de Andréa Maria Franklin De Queiroz Aves (2005) o enfoque

principal é a utilização da imagem religiosa de Nossa Senhora Aparecida no ano de 1931 pela

Igreja e pelo Estado na construção de um símbolo nacional. A utilização política da imagem

pela Igreja como elemento centralizador de sua unidade frente ao golpe que deu início a

chamada Era Vargas (1930 -1945) é analisada através de fontes da imprensa, relacionando a

construção do nacionalismo como forma de controle social da ordem objetivada pelo líder

político. Dentre os principais símbolos nacionais a imagem da Padroeira abraça a bandeira

brasileira em seu manto, possibilitando uma nova representação da mesma com o sagrado.

As dimensões simbólicas que são pontuadas nas pesquisas acima se diferenciam no

tocante as hipóteses que produzem: a primeira parte para o simbolismo através da reprodução

gráfica da imagem de Nossa Senhora Aparecida, e a segunda indaga como está mesma

imagem é utilizada como símbolo político dentro do contexto de fundamentação das bases de

um nacionalismo brasileiro.

O que fica evidente nestas duas pesquisas é a grande contribuição ao olhar a figura

religiosa de Nossa Senhora Aparecida em sua relação com a sociedade brasileira como um

todo, não apenas com o universo católico de modo que problemáticas até então não visitadas

por historiadores pudessem constituir um discurso cientifico e acadêmico diferente do que foi

concebido no mundo do pensamento intelectual católico brasileiro.

Alguns apontamentos de pesquisa sobre a mesma temática aparecem no pensamento

intelectual Católico Brasileiro, a representação da imagem de uma nova padroeira busca

identificar um estilo de “catolicismo brasileiro”, reflexão pautada na necessidade de um

rompimento com o processo de romanização fator contraditório as teorias e pesquisas

acadêmicas que não estão imbricadas ao pensamento reflexivo desta instituição.7

Os símbolos religiosos nos ajudam a indagar a existência de conflitos humanos

diversos uma vez que os mesmos são constituídos e propagados por sujeitos que compõem o

cenário social, econômico e político de variadas formas. Esses sujeitos assumem identidades

ligadas as suas crenças e místicas constituindo um grupo de atores que propagam uma

“devoção” que extrapola o âmbito individual e doméstico, caso contrário o culto a imagem de

7 Cf.: VILLAÇA, Antônio. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

17

Nossa Senhora Aparecida não teria chegado até os dias de hoje com tanto destaque no cenário

religioso do país. No caso de “Aparecida” os pescadores e ribeirinhos assumem um papel

predecessor ao dos clérigos e representantes da Igreja nesta devoção

É importante, entretanto, não nos deixarmos imobilizar pela

perspectiva histórico-cultural, e perguntarmo-nos se além da sua própria

história um símbolo, um mito, um ritual, podem nos revelar a condição

humana, enquanto modo de existência em um próprio universo.

(ELIADE,1991, p.176)

Ao revelar a condição humana, suas construções e articulações, os rituais e mitos

proporcionam meios eficazes de questionamentos sobre as experiências e vivências das

situações que são inevitáveis dentro dos processos sociais que vão sendo constituídos. A

experiência religiosa é uma forma de questionamento sobre as realidades existenciais

humanas, indagações que podem ser alimentadas por sentimentos de luta e esperança,

melhorias ou simplesmente favorecem certa conformidade com a ordem social vigente e com

os desafios cotidianos, daí a importância de identificar os sujeitos que primeiramente

assumem e propagam essa crença.

A proposta principal desta pesquisa é justamente traçar uma linha dentro do grande

mosaico que é a devoção brasileira a Nossa Senhora Aparecida, como forma de resistência

nas ações cotidianas através de uma experiência pessoal, que mesmo sendo reconhecida

oficialmente pela Igreja não deixa estática e centrada em dogmas as construções particulares

que aparem em torno da figura da mesma.

A crença também é política e uma construção cultural, ela ilustra um espaço que o ser

humano toma em sua posição social. A expressão de crença mais comum para o homem

religioso é a “devoção”, substantivo que já pontuamos nesta introdução e conceito que

melhor iremos definir no primeiro capítulo deste texto. Portanto, a forma como foi

institucionalizada esta devoção a Nossa Senhora Aparecida dentro da política de romanização

proposta pela Igreja é a nossa principal indagação.

Cada imagem encontrada, cada nova devoção que surge em meio aos

pobres torna-se uma crítica à incapacidade das instituições de oferecer, com

exclusividade, o livramento necessário buscado por essas pessoas. As

devoções populares são a evidência, pois de que as formas

institucionalizadas de religião não são capazes de esgotar a demanda ou de

monopolizar a oferta de bens de salvação. (ABUMANSSUR, 2017, p.115)

Pesquisas relacionadas ao devocionismo, ao simbolismo, ao ritualismo e ao mítico são

desafiadoras para os historiadores. O fenômeno religioso é manifestado na história e através

18

da história. E, pelo simples fato de estar manifestado na história, ele é limitado, é

condicionado pela história. (ELIADE, 1991, p.27)

Interpretamos o fenômeno religioso a partir da tradição cultural em que ele se

manifesta, portanto, o campo historiográfico que permite uma discussão teórica mais assertiva

em relação a devoção é sem dúvidas a História Cultural.

Um dos expoentes deste campo historiográfico Peter Burke em seu livro “O que é

História Cultural?” (2008) assinala que o terreno comum dos historiadores culturais pode ser

descrito como a preocupação com o simbólico e suas interpretações. “Símbolos, conscientes

ou não, podem ser encontrados em todos os lugares, da arte à vida cotidiana [..]” (p.10)

Os símbolos religiosos como citamos anteriormente possuem em torno de si uma

narrativa que transmite ao devoto uma inserção de experiência mística que culturalmente vai

envolvendo o mesmo em torno de um mistério. Através desse espaço do mistério se percebe

uma imersão na realidade do sagrado que constitui a experiência individual com a devoção,

ou seja, um movimento que caracteriza essa presença no cotidiano ocasionando um

hibridismo cultural nos diversos espaços de circularidade dos sujeitos envolvidos.

Ao tratar da circularidade cultural, salienta Ginsburg:

Os historiadores só se aproximaram muito recentemente – e com certa

desconfiança – desses tipos de problema. Isso se deve em parte, sem dúvida

nenhuma, à persistência de uma concepção aristocrática de cultura. Com

muita frequência ideias ou crenças originais são consideradas, por definição,

produtos das classes superiores, e sua difusão entre as classes subalternas um

fato mecânico de escasso ou nenhum interesse; como se não bastasse,

enfatiza-se presunçosamente a “deterioração”, a “deformação”, que tais

ideias ou crenças sofreram durante o processo de transmissão. (2006, p.12)

Desse modo, não podemos considerar a cultura apenas como um elemento a ser

investigado a partir das classes superiores, esse fator nos desafia metodologicamente no

decorrer de qualquer pesquisa sobre religiosidade, tendo em vista que a maior parte dos

indícios e fontes que temos para investigar esse campo estão nos arquivos destas instituições e

desafiam o historiador a uma leitura a contrapelo para buscar ali elementos de estudo em

relação aos sujeitos envolvidos.

Ao analisar os métodos em relação as pesquisas culturais Pesavento (2007) resume

que a História Cultural pressupões um método, trabalhoso e meticuloso, para fazer revelar os

significados perdidos no passado sugerindo potencializar a interpretação por meio de um

19

maior número possível de relações entre os dados pesquisados. Dentro desta metodologia o

conceito que mais se aproxima de devoção popular é a cultura popular.

Nesta perspectiva, ao problematizar o campo popular da cultura o pesquisador

Chartier (1995) ressalta que a definição de cultura popular pode ser resumida em dois grandes

modelos de interpretação: o primeiro concebe a cultura popular como um sistema simbólico

autônomo que funciona segundo uma lógica absolutamente alheia a da cultura letrada, o

segundo percebe a cultura popular em suas dependências e carências em relação a cultura dos

dominantes.

Compreendemos que essas duas definições podem ser encontradas a partir das

diversas abordagens que esse tema pode estar inserido. Faz-se necessário destacar, no entanto,

que a interpretação do conceito de cultura popular utilizada dentro deste texto concebe a

cultura popular como um sistema simbólico autônomo que possui as suas características

indiferentes da cultura letrada, como afirma o autor na definição citada no parágrafo anterior.

Portanto, o que denominamos devoção popular não é simplesmente aquilo que não é

reconhecido oficialmente pela Igreja, e sim as práticas que dialogam ou não com as dinâmicas

institucionalizadas pela mesma e ainda assim resistem e são transmitidas.

Em Stuart Hall (2003) vamos encontrar o seguinte esclarecimento:

Quero afirmar o contrário que não existe uma ‘cultura popular’ íntegra,

autentica e autônoma, situada fora o campo de força das relações de poder e

de dominação culturais. Em segundo lugar, essa alternativa subestima em

muito o poder da inserção cultural. Este é um ponto delicado, pois ao ser

apresentado abra-se à acusação de que está apoiando a tese da implantação

cultural. O estudo da cultura popular fica se deslocando entre esses dois

polos inaceitáveis: de ‘autonomia’ pura ou do total encapsulamento. (p. 254)

Deste modo, através das sociabilidades ou dos interesses que permeiam o campo

religioso podemos entender que este campo da cultura é mutável e passa por alternâncias a

partir dos espaços e sujeitos envolvidos, fator que novamente reafirma o conceito de

hibridismo presente nas manifestações culturais que são movidas pelas relações sociais.

Ao problematizar as relações culturais Benjamim (1940) nos alerta que a cultura não é

isenta através do seu processo de transmissão, ou seja a propagação e utilização de símbolos

20

está relacionada a um contexto de apropriação das reminiscências do passado que contempla a

busca da solução dos enfrentamentos sociais do “agora”8.

Através das práticas culturais dos exercícios de devoção popular que são os objetos

desta pesquisa cabe questionarmos a tolerância da Igreja em relação aos mesmo podemos

identificar espaços culturais de resistência que rompem com a ideia de conformismo, daí a

necessidade que o historiador busque analisar os documentos produzidos por instituições

problematizando além do que é proposto e informado pelas mesmas, produzindo então uma

história a contrapelo.

A documentação referendada para a construção deste texto em sua maioria, fazem

parte do acervo do Centro de documentação e memória – Padre Antão9 Jorge localizado no

segundo anda da torre do Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, na

cidade de Aparecida – SP.

O acervo que foi criado no final da década de 1990, e abriga uma grande

documentação relacionada ao culto a Nossa Senhora Aparecida e o seu desenvolvimento no

Brasil. Segundo informações obtidas através de relatos de funcionários do acervo um seleto

número de pesquisadores busca o local como meio de obtenção de registros e fontes para os

seus trabalhos em torno da temática, sendo em sua maioria historiadores e religiosos que

fazem trabalhos acadêmicos nas áreas de teologia, ciências da religião e arquitetura.

O acervo do memorial é composto por uma série de jornais, revistas, livros religiosos

diversos (desde livros devocionais a livros de cantos e partituras litúrgicas), plantas e projetos

de construção arquitetônica, material áudio visual e fotográfico que registram desde os

exercícios de culto a Nossa Senhora Aparecida até a construção de todo o complexo do

Santuário Nacional, bem como os reconhecimentos oficiais feitos pelos papas e autoridades

políticas em relação ao mesmo.

A utilização de boa parte deste material é feita por outras divisões de trabalho dentro

do próprio Santuário Nacional, devido à grande demanda de informações que as várias

instancias que articulam os serviços neste local requerem, tais como: a manutenção do museu

8 Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. In Walter Benjamin - Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios

sobre literatura e história da cultura. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222-232. 9 MOTTA, Bruna Gisele.; BIZELLO, Maria Leandra. Memória, lugares e documentos: centro de documentação e memória

Pe. Antão Jorge CSSR do Santuário Nacional de Aparecida. Disponível em :<http://www.brapci.inf.br> Acesso em : 17 de

Novembro de 2017.

21

e do memorial dos devotos, a preparação de festas religiosas ligadas a datas históricas do

culto a Nossa Senhora Aparecida e também fomentos para programas de Rádio e TV do

próprio Santuário Nacional.

Através de solicitações ao Santuário Nacional e de visitas para pesquisas separamos

um número considerável de documentos que mesmo fragmentados em sua maioria

possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho. Parte desta documentação se encontrava

digitalizada, e foi necessário retomar aos impressos originais para reconsiderar partes de

periódicos que não estavam disponíveis por inteiro nos arquivos digitais. O acervo

digitalizado é organizado em uma espécie de hemeroteca o que dificulta o trabalho do

pesquisador já que para se levantar questões a partir de periódicos e fotografias é muito

importante entender como são construídas estás séries em sua diagramação e redação. Como

descrito acima podemos perceber que o acervo é muito mais para uso da própria instituição

religiosa do que para pesquisadores de fora da mesma, devido a sua forma de organização ser

precisa e específica nas denominações litúrgicas da Igreja.

Os documentos escritos que utilizamos para alcançar os objetivos desta pesquisa são

em sua maioria Jornais comerciais e confessionais, e também revistas religiosas. O memorial

consta com todas as edições do Jornal “Santuário”, que foi fundado pelos Missionários

Redentoristas no ano de 1900, congregação responsável pelo Santuário Nacional de

Aparecida e pelo editorial do jornal que existe até hoje, sendo o veículo de comunicação de

imprensa católica mais antigo do Brasil.

Além das informações relacionadas ao âmbito religioso e de propagação do culto a

Nossa Senhora Aparecida, o periódico que era publicado frequentemente também trazia

informações acerca dos conflitos políticos internacionais, destacando aspectos econômicos e

locai da região do Vale do Paraíba Paulista e informando os devotos das atividades a serem

realizadas no santuário tanto no âmbito do cerimonial religioso, como nas promoções

beneficentes de apoio as obras dos missionário redentoristas nas regiões de Aparecida –SP.

Material este que se torna um documento histórico de grande valor para a

compreensão social do período, destacando que é através deste periódico que grande parte das

tentativas de “purificação” de costumes de diversas devoções católicas vão ser publicadas,

pois, como citado anteriormente é o primeiro periódico religioso a ser lançado no Brasil.

Um outro material analisado é o “Manual do devoto de Nossa Senhora Aparecida”,

livro impresso com autorização eclesiástica no ano de 1928, contendo os principais milagres

22

da santa em ordem cronológica e orações próprias da liturgia cristão, com uma série de

orientações de exercícios espirituais em relação ao culto da “imagem milagrosa”.

Portanto, as fontes para o conhecimento da prática devocional são cada vez mais

múltiplas: “Ou seja, qualquer fonte documental que for mobilizada para qualquer tipo de

história nunca terá uma relação imediata transparente com as práticas que designam. Sempre

a representação das práticas tem razões, códigos, finalidades e destinatários particulares.

Identifica-los é uma condição obrigatória para entender as situações ou práticas que são

objetos de representação”. (CHARTIER,2001, p.16)

Como apoio as discussões trazidas pelo jornal “Santuário” em 1927 foi feito o

lançamento de um subsidio anual o “Almanak de Nossa Senhora Aparecida”, diferente dos

almanaques existentes no período o almanaque de Aparecida possuía uma diagramação bem

mais elaborada que facilitava a diversidade de seu conteúdo que possuía um grande espaço

para uma matéria intitulada “Crônicas de Aparecida” onde eram publicas as manchetes mais

destacadas de setembro a setembro do ano anterior pelo jornal “Santuário”. Neste material é

predominante a utilização de fotografias e ilustrações que se relacionam com as matérias

elencadas. Ele se encontra preservado e conservado em todas as suas edições no centro de

documentação e memória citado anteriormente.

Para a temática e período que buscamos analisar utilizaremos as publicações do

Almanaque dos anos de 1931-1932 que trazem de maneira detalhada aspectos do processo de

Proclamação de Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil, possibilitando um

diálogo historiográfico com as fotografias que ilustram as matérias e tópicos destacados por

este editorial.

A utilização da fotografia como documento histórico é resultado da busca cada vez

maior de uma ampliação do olhar sobre o homem e sua complexidade algo que as novas

correntes historiográficas se propõem a fazer, comparadas com outras fontes como revistas,

livros de tombo e registros paroquiais, descrição de discursos entre outros documentos a

fotografia vem contribuindo com uma maneira muito objetiva de se pensar e escrever a

história, possibilitando problematizações junto aos documentos escritos que ajudam a

questionar os fatores sociais e construtores das memórias históricas.

De maneira maior quando colocamos em destaque festa, devoção e representação,

elementos culturais presentes nas crenças institucionais ou populares. Nessa perspectiva, a

imagem não meramente ilustra o texto, nem o texto apenas explica a imagem, ambos se

23

complementam, concorrem para propiciar uma reflexão sobre os temas em questão

(GODOLPHIM,1995 p.180).

Dialogando com fronteiras interdisciplinares como a antropologia e as Ciências da

Religião esta pesquisa pretende ampliar os estudos já existentes sobre as devoções populares

no Brasil e foi intensificada no período da Era Vargas (1930-1945). Sabemos que esta fase

da história brasileira já mereceu atenção por parte de inúmeros estudiosos10 relacionando as

práticas religiosas legitimadoras utilizadas pelo estado. Entretanto, várias questões ainda

permanecem desconhecidas. Uma delas é a ação romanizadora da Igreja Católica durante

esse período através de práticas de representação e utilização de grande valor simbólico para

o fortalecimento do nacionalismo e combate de ideias consideradas contra o governo

republicano.

Fazemos uma delimitação dentre estes fatores. Nesta temática conforme já foi

salientado buscamos estudar a representação na Proclamação de Nossa Senhora Aparecida

como Padroeira do Brasil em 1931 como uma política de apropriação da devoção popular e

institucionalização do Catolicismo Romano, ou seja, o processo de romanização desta prática

religiosa.

Consequentemente, o símbolo que a imagem da nova Padroeira carrega representa de

algum modo a mudança no olhar institucional da Igreja para esta devoção popular e transmite

significados tanto para o campo religioso quanto para o social, desse modo utilizamos o

conceito “Representação” para problematizarmos metodologicamente esse processo em que a

imagem tendo recebido o título de padroeira ganha uma nova significância.

De acordo com Chartier (2011) a noção de representação modificou profundamente a

compreensão do mundo social, obrigando-nos a repensar as relações do ser social ou do

poder político. Deste modo, ao analisarmos a crença a Nossa Senhora Aparecida como

crescente devoção mariana popular do povo brasileiro, percebemos que sua representação

também ganhará um cunho político, tanto na administração da própria Igreja como nas

relações seculares entre Igreja e Estado.

As relações entre essas duas tradições possuem um amplo alcance historiográfico que

pode ser traduzido através do conceito de “Representação”, as representações simbólicas

tendem a legitimar certas práticas sociais e culturais. Neste estudo de caso a “Romanização”

10 Cf: Discussões propostas pelo autor onde são relacionadas as ações da religiosidade no discurso nacionalista da Era

Vargas (1930-1945) LENHARO, Alcir. A sacralização da política. Campinas: Papirus, 1986.

24

de algumas “devoções da piedade popular” caminham em busca da centralização de uma

representatividade assertiva e com um peso político considerável.

As sugestões de capítulo buscam ilustrar um pouco a organização de temáticas que

propomos fazer na dissertação:

No Primeiro Capítulo “ Devoções e devotos: expressões culturais do catolicismo

popular”,propomos uma discussão em torno do conceito de “devoção”, problematizando a

empregabilidade do mesmo no processo de formação do catolicismo no sudeste brasileiro. O

objetivo principal é localizar na constituição do espaço histórico e geográfico da formação do

vale do Paraíba paulista como local estratégico para a propagação e manutenção de crenças

exercitadas sem a manutenção do catolicismo oficial, possibilitando reconhecer a influência

europeia nestas práticas e ressaltando a importância dessa região como eixo de ligação entre a

capital do Rio de Janeiro e as regiões das minas durante o chamado ciclo do ouro. Dentro

dessa abordagem problematizamos a concentração de diversas nomenclaturas que compõem

o conceito de “Devoção popular”, tais como: piedade popular, catolicismo popular,

religiosidade popular.

No segundo capítulo intitulado “ A Santa “Aparecida”: Trajetos da devoção

popular” centralizamos a discussão em torno da figura de Nossa Senhora Aparecida, a

origem da sua imagem, dos seus primeiros devotos e as primeiras organizações propostas

para este culto. As relações da devoção a Santa Aparecida com as demais práticas

devocionais do Vale do Paraíba possibilitam entender o processo de popularização da

mesma, imbricando a análise de conjuntura histórica de transformação desta imagem em um

símbolo miraculoso que aos poucos vai ganhando uma proporção de territorialidade que

começa a ser aproximada da prática oficial de culto do catolicismo naquele período. Este

capítulo possibilita um panorama da evolução da devoção a Nossa Senhora Aparecida e sua

transformação em um símbolo sagrado de proporção nacional na ressignificação feita pela

Igreja em relação a mesma. O hibridismo cultural e a noção de representação possibilitam

elementos teóricos para analisarmos essa conjuntura histórica.

No terceiro capítulo “A Nova Padroeira: devoção popular e o processo de

romanização” a partir da análise de documentos da imprensa e fotografia buscamos levantar

hipóteses acerca da institucionalização das práticas devocionais a Nossa Senhora Aparecida

através da tentativa de romanização destas mesmas práticas, destacando a presença de

membros da Igreja como o Cardeal Leme que empreenderam uma política de purificação

25

destes exercícios devocionais ao conseguir a aprovação do Papa Pio XI em 1930 das práticas

e honras litúrgicas próprias de padroeiros de lugares e nações, dado que é neste momento que

Nossa Senhora Aparecida é proclamada padroeira do Brasil. De maneira atenta propomos

uma problematização através do diálogo com essas fontes analisando como foram os festejos

desta celebração ocorrida no dia 31 de maio de 1931 na cidade do Rio de Janeiro, reiterando

as consequências subsequentes de fatores imbricados nesta celebração.

O objetivo da presente pesquisa é, portanto, buscar o entendimento das ações de

apropriação da devoção popular pela Igreja no Brasil durante o processo romanizador, cada

qual em seu tempo histórico fazendo um estudo das representações simbólicas e das relações

de interesses de ambos na apropriação e utilização da devoção popular e da crença como

meio de dominação política.

26

1. DEVOTOS E DEVOÇÕES: EXPRESSÕES CULTURAIS DO

CATOLICISMO POPULAR

“Era um cristianismo de muita reza e pouco padre, muito terço e pouca

missa. ”

Hoornaert

A epígrafe acima nos propõe uma problemática baseada em fatos cotidianos que se

desenvolveram na formação da sociedade brasileira desde o século XVI, no início da

formação da América Portuguesa.11 A presença da Igreja no Brasil faz parte de uma

transição que está aliada a política colonizadora catequética onde a tentativa de substituição

das práticas religiosas dos povos originários desta região pode ser observada por aspectos

diversos sejam pelas pesquisas historiográficas ou pelas fontes que utilizamos para delimitar

essa pesquisa.

Grande parte destes estudos dividem o catolicismo desenvolvido na sociedade

brasileira em duas partes distintas, a primeira desde o processo catequético iniciado por

volta de 1534 até 1960, e a segunda de 1968 até a atualidade nos pós concílio Vaticano II

que redefiniu as estruturas teológicas e catequéticas de toda a Igreja. Podemos considerar

que está divisão se relaciona muito mais ao campo do desenvolvimento dos estudos do

pensamento teológico na Igreja do Brasil do que propriamente uma divisão de período na

História da Igreja no Brasil que considerasse outros objetos de pesquisa.

A organização deste capítulo dentro de uma normatização cronológica de modo

algum quer assinalar que nas diversas conjunturas históricas acontece um processo de

forma linear, ou reforçar um debate teórico historiográfico já superado de que o “agora”

depende do “antes” e que os acontecimentos são consequências pré-determinadas por

períodos e séculos. A ordem utilizada aqui é apenas com o intuito de facilitar didaticamente

a leitura dos fatos a partir das fontes consultadas.

Para Benjamin (1987) “a história é objeto de uma construção cujo lugar não é o

tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de "agoras"(p.232). Consequentemente

a opção por uma sequência cronológica nos fatos que aqui apontamos são comparativos

11 Cf. AZZI, Riolando. A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In: HOONAERT, Eduardo

et.al.,coords. História Geral da Igreja no Brasil. São Paulo/Petrópolis, Vozes/Paulinas,1983.

27

que atualizam essa dimensão de circularidade nas diversas conjunturas históricas, e tendem

apenas a colaborar com a organização das ideias dentro do texto.

Neste primeiro capítulo a partir da análise de dois periódicos que fazem parte da

imprensa regional do vale do paraíba, datados da segunda metade do século XIX, propomos

uma análise de algumas práticas devocionais que encontramos nas notas e colunas de

ambos.

O jornal “Parahyba”, disponibilizado em hemeroteca do arquivo do Museu de Santo

Antonio de Sant’Ana Galvão, da cidade de Guaratinguetá SP era um periódico semanal que

circulou na região na segunda metade do Século XIX. Poucos exemplares deste periódico

estão disponibilizados para consulta, sobre este jornal salienta Assis:

Jornal considerado “de direita”, O Parahyba sempre defendeu os

interesses do Partido Conservador, tendo que disputar público, a partir da

década de 1880, com outros veículos locais de natureza distinta, como O

Liberal, criado em 1881 (C. MARCONDES, 1973). Até 1884, era

impresso em prelo de madeira, cuja capacidade permitia a tiragem de, no

máximo, 100 exemplares por edição; a partir de então, começou a ser

rodado em tipografia de ferro. (2008, p.02)

Nesta perspectiva podemos compreender que o número de tiragem não era muito

grande, portanto, o jornal possuía um público leitor pré-determinado na região do vale

paulista e fluminense. Os exemplares que analisamos destacam pequenas notas informativas

no que se refere a religiosidade, como convite para missas de sétimo dia ou in memoriam e

outras informações sobre festas e cronogramas paroquiais.

De acordo com Capelato (1988) a imprensa nos oferece “inúmeras” possiblidades de

pesquisa:

A imprensa oferece amplas possibilidades para isso. A vida

cotidiana nela registrada em seus múltiplos aspectos, permite compreender

como viveram nossos antepassados – não só os” ilustres”, mas também os

sujeitos anônimos. O Jornal, como afirma Wilhelm Bauer, é uma

verdadeira mina de conhecimento: fonte de sua própria história e das

situações mais diversas; meio de expressão de idéias e depósito de cultura.

Nele encontramos dados sobre a sociedade, seus usos e costumes,

informes sobre questões econômicas e políticas. (1988, p.21)

Um outro periódico analisado é o jornal “Liberdade”, que possui todo o seu acervo

digitalizado e disponível para consulta pela internet. O jornal teria circulado entre os anos

1924 e 1928, tendo como principal foco a emancipação do distrito de Aparecida em cidade,

foi dirigido por um professor Julio Machado Braga e sobre a religiosidade e vida paroquial

28

da cidade de Guaratinguetá e região se concentra mais em notificar as celebrações e visitas

que ocorreram no Santuário de Aparecida, valorizando desta forma a religiosidade em torno

da santa.

Entendemos que inúmeras construções culturais são feitas por aqueles que

protagonizam o período histórico em que vivem12, e existem práticas diversas nestas

conjunturas históricas que vão além da problematização teológica. Essas práticas também se

referem ao universo religioso, as expressões criadas estão associadas a circularidade cultural

que proporcionam trocas de saberes, e constroem a partir desses saberes novas construções

culturais.

Essas construções não fogem da influência do espaço geográfico e da cultura local,

ou seja, o desenvolvimento da crença representa uma maneira transcendente de conexão

com o sobrenatural a partir do natural, imbricando as tensões culturais que podem ser

localizadas no olhar para cada uma delas. É exatamente desta maneira que surge a prática da

devoção. Consequentemente, as devoções podem ser construídas, reforçadas e difundidas na

vida cotidiana.

O conceito de devoção aparece durante a reformulação social do cristianismo na

Europa do século XVI, ou seja, durante a Reforma Protestante13 onde um contato de forma

direta com o divino vai sendo consolidado nesta sociedade humana visando uma ruptura

com as estruturas de uma prática ritualística medieval.

A propagação de um cristianismo medievalista estava condicionada a realização de

ritos comunitários como peregrinações, procissões e romarias promovendo uma crença

onde as manifestações rituais eram mediadas por figuras religiosas eclesiásticas como

bispos e padres que possuíam um poder simbólico institucional de contato com o místico

onde podiam relacionar a natureza humana com as sobrenaturais. As práticas religiosas do

imaginário medievalista mostram indicadores de uma religiosidade comunitária e

hierarquizada onde suas temáticas eram propostas e redigidas por membros de uma

instituição14. A aprendizagem da prática religiosa estava ligada a família e a sociedade em

que o indivíduo estava inserido.

12 In: GEERTZ, Cliford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1973.

13 In: SEFFENER, Fernando. Da Reforma a Contrarreforma.Coleção História geral em documentos. São Paulo: Atual.

14 Ibid.

29

Para Hoornaert (1991) um novo modelo de prática religiosa vai se expandir, as

chamadas “devoções”. As práticas de devoção se propagam durante o início da Idade

Moderna no século XV, em poucos anos a devotio conquista a Europa cristã mesmo sem

receber um apoio da hierarquia da Igreja.

A palavra devoção vem do latim, devotione, ou seja, dedicar-se a um encontro de

experiência mística, não através da razão, e sim através de uma prática de fé. Várias

discussões dentro das ciências humanas alertam para a construção cultural do conceito de

devoção, que vem sendo explorado por diversos teóricos da antropologia, sociologia e

teologia. Podemos considerar que a expressão cultural que mais caracteriza a crença após a

sociedade moderna para o homem religioso é a devoção.

As devoções populares também se constituem em um conjunto rico

e diversos em suas práticas, origens e configurações. Há devoções em

torno de santos reconhecidos pela hagiografia oficial da Igreja e há

aquelas que surgem de tradições imemoriais da cultura dos povos e

comunidades. Algumas estão mais próximas do controle eclesiástico,

outras não são sequer reconhecidas como práticas aceitáveis. Há devoções

que sustentam dois níveis de narrativas, uma formal, que pode e é usada

na catequese, e outra centrada no caráter extraordinário – e legitimador- da

devoção, mantendo assim uma tensão dinâmica entre os ritos oficiais e a

espiritualidade mágica popular. (ABUMANSSUR, 2017, p.109)

Deste modo as práticas religiosas das devoções dão um novo significado ao

exercício do catolicismo, as devoções partem de uma experiência entre o místico e a sua

crença dando uma originalidade na relação entre o devoto e o exercício devocional, um

modelo inovador dentre as formas que são propagadas e institucionalizadas pela Igreja.

É através do estabelecimento de uma ligação mais próxima com a Virgem Maria, os

santos ou santas que o diálogo estabelecido pelo devoto propõe um novo significado com o

sagrado. O devoto pode dialogar de maneira mais objetiva com o seu santo, seja através das

promessas e ex votos, ou realizando trocas e barganhas múltiplas através de missas,

procissões, peregrinações, velas acesas, festas e até mesmo vestimentas. Ao analisar essa

ritualização no folclore brasileiro Câmara Cascudo assinala que:

Para o povo o sobrenatural é lógico pelas simples evidencia,

explicando-se pelo próprio mistério impenetrável às argúcias da

curiosidade humana. Ao contrário dos intelectuais, o popular não se

interessa pela explicação ao fenômeno, mas unicamente por sua

interpretação. Tem a intuição do silencio impassível a todas as perguntas,

infalíveis e inúteis. (2001, p.33)

30

As devoções propõem uma criatividade de relacionar o sagrado e o profano, o

pagão e o cristão de modo muito particular. A prática devocional dá um novo significado a

interpretações dogmáticas deste catolicismo oriundo das experiências particulares que

objetivam a santidade daqueles que as praticam. Desta maneira seria muito impreciso

considerar as devoções apenas como práticas que estão paralelas ao catolicismo oficial.

Os devotos possuem então práticas piedosas que são principalmente expressas

através da oração, das romarias, das peregrinações, benzimentos e festas de santos

exemplos citados anteriormente que fazem parte de um "culto privado" mais amplo, que é

chamado de piedade popular. 15

Conforme Londoño:

Nas diversas formas de piedade que a cristandade foi

estabelecendo, o culto a dezenas de santos, reconhecidos ou não

pelo magistério da Igreja, abriu um rico espaço para crenças, atos e

manifestações provenientes de outras religiões. Através do

reconhecimento de milagres e graças, a devoção aos santos, com sua

plasticidade, pode alojar a crença na eficácia de gestos rituais

alheios ao cristianismo, permitindo assim a permanência de

redefinidas referências de ordem e sentido. (LONDOÑO, 2001,

p.13)

Estas expressões populares de fé, consideradas piedade popular desenvolveram-se

à margem da liturgia oficial do catolicismo, mas elas, se forem sabiamente praticadas e

mantidas longe de qualquer superstição, são reconhecidas pela Igreja Católica como

importantes para o fomento da fé e da espiritualidade dos fiéis. De que maneira essas

práticas poderiam se manter longe daquilo que a Igreja considera como paganismo ou

superstição?

Uma outra prática comum na devoção popular é utilizar a imprensa como local para

pedir, agradecer e divulgar as graças que foram alcançadas em determinadas situações. Na

prece abaixo, intitulada “ O desespero do solteiro” publicada no jornal “ O Parahyba”,

podemos problematizar esse tipo de publicação:

15 De acordo com o Artigo Primeiro do Catecismo da Igreja Católica Nº1674, se considera que: Fora da liturgia dos

sacramentos e dos sacramentais, a catequese deve ter em consideração as formas de piedade dos fiéis e a religiosidade

popular. O sentimento religioso do povo cristão desde sempre encontrou a sua expressão em variadas formas de piedade,

que rodeiam a vida sacramental da Igreja, tais como a veneração das relíquias, as visitas aos santuários, as peregrinações,

as procissões, a via-sacra, as danças religiosas, o rosário, as medalhas, etc.

31

Perdido no mundo sem ella sem norte; És

triste caminho, sozinho, citado; Enquanto mais vivo, mais eu me

convenço; Deveres, não posso d’alguem ser amado; Oh Christo

bondoso, tu vês a desgraça; Que sempre me segue sem nunca

findar; Embora contricto as taltas confesse; Humilde de joelho as

aos pés do altar.[...] Tu creias que aceito, á toa , não peço; A vida

de moço no mundo perdido; E’ fraco barquinho, sem nauta, sem

leme; Nas ondas bravios dos mares varrido! São Paulo, Maio de 1879 J.A. (Nº 96325-6-1882)

Esse poema em forma de oração, permite percebermos que de fato a devoção

popular tem características próprias e diferentes das orações tradicionais, sempre evocando

uma característica ligada ao sofrimento e ao sacrifício. De que modo essas características

demonstram circularidade entre os elementos da devoção popular e a prática institucional

religiosa da Igreja?

Certamente o que pode ser considerado como diferença entre a prática religiosa

devota católica da prática religiosa oficial da Igreja não é algo a ser percebido apenas com

um simples olhar, ambas práticas dialogam entre si e em certos momentos imbricam,

ocasionando uma série de proficuidades das mesmas. Desde as procissões e novenas,

romarias, peregrinações, benzimentos e outros exercícios considerados de piedade popular,

é possível percebermos diferenças entre o que é considerado “sacro”, ou seja, o que está

dentro das normatizações doutrinárias da Igreja e o que é considerado

“religioso”, ou seja, elementos que podem até auxiliar o fiel em sua crença religiosa, mas,

não é reconhecido oficialmente dentro das normatizações da liturgia da Igreja.

A procissão, por exemplo, existe apenas dois atos processionais que fazem parte da

liturgia oficial do catolicismo: a procissão dos ramos, que é celebrada no Domingo de

Ramos conforme o calendário litúrgico católico e a procissão das velas, celebrada na festa

da apresentação do menino Jesus no templo no dia 02 de fevereiro, data fixada no

calendário litúrgico. Todas as outras procissões como a de Corpus Christi, são celebradas

de acordo com a cultura do lugar e ganham características de um ato devocional dentro de

uma celebração romanizada.

Um outro exemplo disso é a conservação doméstica de relíquias dos Santos e

Santas, as igrejas mantêm o costume de conservação de relíquias consideradas sagradas, só

que a forma de prática religiosa em torno desse hábito pode estar direcionada para

objetivos totalmente diferentes. Na tradição popular a relíquia de um santo aparece quase

como se fosse um “amuleto”, que afasta o perigo e protege o devoto que a ela se apega.

32

Em outras palavras, quando a Igreja em sua prática litúrgica oficial propõe aos fiéis

a veneração de uma relíquia ela busca enfatizar uma prática de representação, simbolizando

em um objeto os sinais dogmáticos de benção e catequese, admoestando os fiéis a seguirem

o exemplo daquele santo ou santa para que possam buscar a santidade. Isso na esfera do

catolicismo oficial, ou catolicismo romanizado.

Todavia na prática devocional popular, como pontuamos anteriormente, seja na

igreja ou em casa a conservação das relíquias absorve um sentido totalmente diferente,

aquele objeto se torna um amuleto para proteger o devoto contra os perigos cotidianos do

mundo natural, a relíquia o livra dos olhares maliciosos, das doenças e desastres que se

afastam da casa, ou da pessoa que conserva a mesma. Certamente em cada forma de

representação do místico e do sagrado proposta se possui uma sensibilidade diferente. O

entendimento que se tem é através da utilização desta relíquia e não um pressuposto

catequético.

Desta maneira Pesavento (2012) define que “ a representação, seria dada pela

exposição de uma imagem, que se substitui, algo/outro, ou mesmo pela exibição de objetos

ou ainda por uma performance portadora de sentidos que remetem a determinadas ideias. ”

(p.37)

Na definição de Berger:

No catolicismo, o homem vive em um mundo no qual o sagrado é

mediado por uma série de canais- os sacramentos da Igreja, a intercessão

dos santos, a erupção recorrente do sobrenatural em milagres-uma vasta

continuidade de ser entre o que se vê e o que não se vê, numa

continuidade entre o empírico e o supra empírico que pressupõe uma

união permanente dos acontecimentos humanos com as forças divinas que

permeiam o universo, efetuada (não apenas reafirmada, mas literalmente

restabelecida) repetidas vezes no ritual religioso (1985, p.124)

A série de canais entre o mundo natural e sobrenatural é esclarecida na experiência

dos rituais religiosos, a ligação desse rituais com as esferas do mundo cotidiano levam o

devoto a se identificar de maneira significativa com devoções caracterizadas a partir das

particularidades em que ele vive, por exemplo, em um período de seca a propagação de

procissões16 penitenciais e rogativas fazem um apelo a divindade pela chuva e boas

colheitas, na ocasião das epidemias e enfermidades a utilização de rezas e benzimentos.

Essas atitudes remetem a uma tradição cultural e nos levam a perceber como os movimentos

16 In: KANTOR, Iris. Pacto festivo em Minas colonial. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996. Dissertação

de Mestrado. (Policopiada).

33

da vida e suas necessidades legitimam por conta própria ao devoto a práticas imbricadas na

sua crença.

A conjuntura de formação histórica do catolicismo popular brasileiro, que

pontuamos até aqui destaca uma prática com distanciamento do clero, aos olhos de muitos

religiosos este catolicismo era cheio de excessos e deveria ser combatido, conforme os

estudos de Câmara Cascudo:

Sem a intervenção minuciosa e suspicaz

do clero na vida mental, lenta e coerente do povo, foi possível a

manutenção da herança intocada de receitas e conceitos para julgar as

ocorrências do cotidiano. Essencial ao equilíbrio estável era a satisfação

notória dos deveres cristãos, as “obrigações” ao culto, e não a vivencia

doutrinal cristã. O entendimento popular não sente incompatibilidade

alguma entre seu pensamento aferidor das coisas e a consciência do

Catecismo, vagamente pressentido e venerado em potencial. Evita a

exibição ante o ministro sagrado que executa outro processo aliciante da

divindade. Quanto pensa e pratica fora natural e licito. Assim, conserva,

intatos, os santos dispensáveis do calendário, alguns de inarredável

predileção. (2011, p.32)

Podemos compreender que as ações cotidianas dos indivíduos vão sendo ligadas ao

mistério que se acredita, partindo da prática religiosa essas atitudes proporcionam um

diálogo diferente com o espaço do mundo do trabalho, das ideias, das festas e das

necessidades. A característica principal do devoto é reconhecer essa presença das ações

místicas em tudo aquilo que ele for fazer e observar seja nos momentos de felicidade ou

tristeza de algum modo ritualizando o seu dia e produzindo de maneiras diversificadas

ritos de passagem e integração social17.

As propagações de devoções dão as mesmas uma interpretação de popularidade, em

sua maioria as crenças descritas como populares são cheias de significados míticos e

interpretações baseadas na transmissão da oralidade e dos costumes populares, não estão

preocupadas com interpretações cientificas ou teológicas e sim com a relação estabelecida

entre o santo e o devoto.

O catolicismo popular brasileiro é tributário da religiosidade ibérica

que prevalecia no período da expansão colonial portuguesa. A maioria das

imagens, atualmente cultuadas, foi trazida para o Novo Mundo pelos

17 De acordo com Guilouski: “Entre os diversos tipos de rituais religiosos destacam-se: Iniciação ou passagem: rituais de

iniciação para vida adulta nas sociedades tribais, batismo cristão, crisma, casamento, investiduras e ordenações de líderes

das diversas tradições religiosas, Bar Mitzvah e Bat Mitzvah no Judaísmo, feitura na Umbanda e Candomblé...

(GUILOUSKI,2012, p.98).

34

padres colonizadores como, por exemplo, a Virgem de Nazaré ou o Bom

Jesus. Essas imagens serviram como foco de atração de uma religiosidade

frouxa e difusa, que se constituía pela interação com as religiões áfricas e

indígenas. Dadas a dimensão do território brasileiro e a sua insuficiência

da assistência pastoral, a religião que medrou por aqui se tornou

dependente da ação dos leigos. Essa religiosidade organizada em torno do

culto aos santos, das novenas, festas e romarias prescindia do clero para

se constituir. (ABUMANSSUR, 2017, p.111)

Com efeito as crenças nos santos, nas peregrinações e romarias, a prática de uma

oração individual e um encontro direto com o divino sem intermediação de um chefe

religioso vai ser o modo de fé tecido principalmente pelos grupos sociais que não possuíam

acesso a uma instrução catequética doutrinal da Igreja, dado que no Brasil como

analisaremos no terceiro capítulo as paróquias eram poucas, e as dioceses também. “ No

Brasil rural a assistência paroquial era dificultada pelas distâncias, pela própria ausência de

padres e sobretudo pela população a ser assistida”. (REIS, 1997, p.106)

A prática das romarias e peregrinações também eram incentivadas na região de

Aparecida – SP, mesmo sendo o santuário um local que recebe muitos peregrinos, a prática

devocional deste ritual também está presente o periódico “Liberdade” que circulou na

década de 1920 pela região fez a seguinte publicação:

As associações religiosas da Basílica promovem no dia 25 uma

romaria ao santuário do Sr. Bom Jesus de Tremembé, na qual poderão

tomar parte todos os catholicos praticantes da paróquia. Afim de tratar da

organização da romaria foi nomeada de acordo com o revmo.vigário uma

comissão composta dos srs. José de Freitas Valladão, Julio Machado

Braga e Feliciano de Freitas Valladão, cm os que podem ser adquiridas as

passagens cujo preço é 4$000. As inscrições terminaram no dia 24.

(Ed.84 11-12-1925)

O sr. Bom Jesus de Tremembé tem a sua imagem em um santuário na cidade de

mesmo nome, acorrem a ele devotos de várias localidades do vale do Paraíba. O que

poderia caracterizar essa prática como uma iniciativa dos exercícios de oração ligados a

devoção popular? Ora, o caráter significativo da romaria é reafirmado pelo sofrimento do

deslocamento, sendo a pé pelo esforço físico, se for feita por algum outro meio de

locomoção como carro, ônibus ou trem é justamente o gasto com a passagem que garante o

sacrifício feito pelo devoto. No caso do convite acima, fica evidente o protagonismo dos

organizadores que mesmo estando em “acordo” com o vigário, assumem o papel de

organizadores desse ritual.

35

Em sua maioria as igrejas eram dirigidas pelas irmandades religiosas e padres

missionários que pregavam “missões” onde realizavam os sacramentos como casamentos,

batizados e festas de padroeiros, sendo estes os poucos momentos que uma instrução

catequética profícua de acordo com a doutrina oficial da Igreja era possibilitada.

A prática de um catolicismo paroquial estava na maior parte do tempo relacionada a

vida urbana. Desse modo as irmandades e confrarias religiosas possuíam um caráter de

sociabilidade que ajudava na manutenção de práticas devocionais que na maioria das vezes

não eram assistidas por clérigos e possuíam uma certa autonomia em relação as práticas

litúrgicas do catolicismo oficial, como vimos anteriormente tanto na semana santa, como

nas peregrinações e romarias mesmo existindo a tutela do clero acontece um protagonismo

por parte daqueles que organizam tais atos, demonstrando que outras práticas ganhavam

espaço e aconteciam.

Consequentemente no cristianismo brasileiro práticas como a reza do terço, as

peregrinações e romarias, os compadrios em festas de São João, as excelências e ofícios

devocionais foram sendo estabelecidas nas tradições domésticas e algumas expandidas para

tradições locais ou regionais, buscando elementos e características próprias do lugar tais

como: a natureza, as relações de trabalho, as festas, os funerais, os nascimentos e os tempos

ligados ao calendário oficial católico. As devoções têm a sua marca na transmissão oral e

hereditária sempre se reafirmando através da língua local. “ Palavras e imagens são formas

de representação do mundo que constituem o imaginário”. (PESAVENTO, 2012, p.57)

Assertivamente o conjunto de representações distinguiria o simbólico e o

imaginário. O imaginário social é cada vez menos considerado como uma espécie de

ornamento de uma vida material destacada como a única “real”, ou seja, o imaginário é

reforçado através das representações simbólicas materiais. Materialidade esta que não

podemos delimitar quando tratamos da prática religiosa, pois está prática possibilita uma

experiência de transcendência ou mística que evoca sentimentos e abstrações que mesmo

sendo para resolver questões da vida material estimulam elementos do sobrenatural que

fazem parte do imaginário.

Podemos considerar que o imaginário se mostra um fator preponderante de mudança

a cada época, a cada crise individual ou social que faz com que o devoto intensifique a sua

prática, em um primeiro momento para pedir e no segundo momento para reclamar ou

36

receber a graça alcançada, fazendo com que o mesmo através do imaginário possa assimilar

ou integrar em suas determinações como algo corriqueiro. As escolhas de soluções para os

problemas que os devotos apresentam ao santo ou santa de devoção partem da solução

normal para a mística, transferindo essa resolução no imaginário para o divino.

Para Baczko:

“Sendo todas as escolhas sociais resultantes de experiências e

expectativas, de saberes e normas, de informações e valores, os agentes

sociais procuram, sobretudo em situações de crise e conflito graves,

apagar as incertezas que essas escolhas necessariamente comportam. É

assim que estas escolhas são muitas vezes imaginadas como as únicas

possíveis e mesmo como impostas por um destino inelutável. Uma das

funções dos imaginários sociais consiste na organização e controle do

tempo coletivo no plano simbólico. ” (1985, p.312)

Em outras palavras a prática devocional que parte dos imaginários sociais através de

seus reflexos simbólicos vai alcançando popularidade, ou seja, é uma prática religiosa que

se torna popular, sua popularidade está presente na forma como é divulgada e exercitada.

O simbolismo acrescenta um novo valor a um objeto ou uma ação,

sem por isso prejudicar seus valores próprios e imediatos. Aplicado a um

objeto ou uma ação, o simbolismo os torna “abertos”. O pensamento

simbólico faz explodir a realidade imediata, mas sem diminuí-la ou

desvalorizá-la; na sua perspectiva, o universo não é fechado, nenhum

objeto é isolado em sua própria existencial idade: tudo permanece junto,

através de um sistema precioso de correspondências e assimilações.

(ELIADE, 1991, p.178)

A maior parte dos rituais religiosos do catolicismo estão ligadas a figura simbólica

do clérigo e por ele são dirigidas, a alternativa da prática devocional ocasiona um outro

simbolismo é uma ligação direta com o divino sem necessidade do intermédio entre o

devoto e o santo.

De acordo com Hoornaert:

A influência da “devotio moderna” foi corrosiva em relação à ordem

hierárquica do cristianismo e por isso o movimento não foi bem visto em

Roma pelas autoridades eclesiásticas. Diante da repercussão da “devotio”

por toda a Europa elas não tiveram muito o que fazer senão esperar o

momento oportuno para revirar o quadro, o que aconteceu com o

paroxismo do protestantismo no século 16, que paradoxalmente ofereceu a

hierarquia as oportunidades para rearticular o projeto clerical. Nos séculos

14 e 15contudo houve uma aspiração crescente no corpo social cristão –

ocidental no sentido de se desclericalizar a vida cristã em geral e relegar as

distinções hierárquicas a um nível puramente operacional, esvaziando as

considerações pretensamente teológicas acerca da distinção entre

37

sacerdote e cristão comum. Na devoção toda eram afinal de contas

igualados diante dos santos e da tarefa de se santificar. (1991, p.65)

Conforme já destacamos a utilização do adjetivo “ popular” se refere a povo, ou

seja, uma prática que adquire popularidade. Portanto a devoção popular estaria ligada a um

culto aberto daqueles que dialogam com o catolicismo oficial e que lhe oferecem um novo

significado a partir de suas vivências cotidianas com distanciamentos do meio clerical. A

devoção popular pode ser relacionada ao conceito de cultura popular. A despeito disso,

Chartier (1995) afirma que:

Compreender a "cultura popular " significa, então, situar neste

espaço de enfrentamentos as relações que unem dois conjuntos de

dispositivos: de um lado, os mecanismos da dominação simbólica, cujo

objetivo é tomar aceitáveis, pelos próprios dominados, as representações e

os modos de consumo que, precisamente, qualificam (ou antes

desqualificam) sua cultura como inferior e ilegítima, e, de outro lado, as

lógicas específicas em funcionamento nos usos e nos modos de apropriação do que é imposto.(p.184185)

Para Boff (2006) “não existe piedade popular18 que não integre de fato uma

dimensão sociopolítica”, ou seja, a propagação da devoção seja de forma doméstica ou em

pequenos grupos é uma maneira política de questionar o papel dos clérigos nas funções que

lhes são socialmente determinadas. A construção de um pensamento religioso

desclericalizado, ou seja, com distanciamento dos clérigos não pode ser caracterizado

apenas uma necessidade ligada a subversões das questões hierárquicas. A Europa Moderna

vivia um processo de reestruturação da vida social quando as devoções começaram a se

popularizar.

O crescimento das cidades, a descoberta do novo mundo e a expansão do

protestantismo são fatores que levam a questionar a autoridade institucional do clero e

possibilitam o aumento de práticas representativas que reforçam a “igualdade” de clérigos e

não clérigos, em busca de objetivos relacionados a prática devocional que exercitam.

Acima de tudo é necessário pontuar que muitas das devoções se popularizam também

através de clérigos, aos poucos muitos foram se aproximando destas práticas. As ordens

religiosas que vieram para a América portuguesa trouxeram junto consigo inúmeras

invocações devocionais que possibilitaram uma imersão no processo catequético de um

“devocionismo”, abrindo brechas para uma rápida expansão de um catolicismo leigo

18 Conforme Hoornaert: “ Catolicismo vivido pelos pobres em geral”. (HOORNAERT,1974, p.98)

38

marcado pelas popularizações que persistem até os dias atuais com as invocações diversas

de santos e santas propagadas principalmente nos locais onde a presença de clérigos foi

quase inexistente.

A lógica do funcionamento da Igreja, a prática sacerdotal e, ao mesmo

tempo, a forma e o conteúdo da mensagem que ela impõe e inculca, são a

resultante da ação conjugada de coerções internas, inerentes ao

funcionamento de uma burocracia que reivindica com êxito mais ou

menos total do monopólio do exercício legítimo do poder religioso sobre

os leigos e da gestão de bens e salvação, e de forças externas que assumem

pesos desiguais de acordo com a conjuntura histórica. As coerções

internas surgem como imperativo da economia de carisma que deseja

confiar o exercício do sacerdócio, atividade necessariamente “banal” por

ser cotidiana e repetitiva, a funcionários intercambiáveis do culto e

dotados de uma qualificação profissional homogênea adquirida por um

processo de aprendizagem específica, e aparelhados com instrumentos

homogêneos capazes de possibilitar uma ação homogênea e homogeneizante (BOURDIEU, 2011, p. 65-66).

O processo de expansão do catolicismo devocional acontece concomitantemente

com a expansão do catolicismo nas terras além mar. Na América portuguesa a influência

do catolicismo devocional se torna muito forte principalmente com a fundação do Colégio

de Piratini pelos religiosos jesuítas em 25 de janeiro de 1554.

39

1.1. O catolicismo devocional das minas ao ciclo paulista

A propagação de um catolicismo devocional entre as regiões das minas acontece de

maneira tão forte no final do século XVII tornando propicias uma sequência de

manifestações ligadas a expressões artísticas como o “barroco” que vai caracterizar este

período da história brasileira.

Figura 1- Mapa da região das minas e sudeste (1707)

O mapa acima, reproduzido a partir de um mapa de 1707 nos ajuda a observar a

região de conjuntura histórica da devoção popular que propomos analisar. Importante eixo

de ligação entre a sede governamental do Rio de Janeiro e a chamada região das minas

podemos entender que esse trajeto é privilegiado, pois, é através dele que o abastecimento

dessa mesma região é proporcionado, incentivando o aparecimento de vilarejos, hoje

40

constituídos em cidades. Um ponto importante é entendermos que a proibição do

estabelecimento de ordens religiosas nestas regiões acontece justamente como uma forma

de prevenção da apropriação desses mesmos grupos como instituições de terras que

poderiam vir a ser encontrados veios de mineração. Fator que devemos considerar, dado a

influência da Igreja na formação da América portuguesa, como aliada a coroa no processo

educacional através da catequese.

Eventualmente a presença da Igreja como mantenedora do processo educacional e

catequético na América portuguesa estava atrelada as necessidades do processo

colonizador. A formação catequética da Igreja no ciclo paulista se torna muito eficaz e

produtiva com a utilização das devoções como método de instrução e propagação da fé

católica entre as classes que formavam.

Tão grande é a influência do cristianismo devocional na formação do

Brasil que podemos falar em duas forças sociais que modelaram o modo

de pensar do brasileiro em termos de religião: a força da instituição oficial

(a missão) e a força da devoção. Por onde a instituição oficial construiu

igreja s e catedrais, conventos e mosteiros, a devoção construiu uma

multiplicidade de santuários que vão desde os santuários domésticos

(oratórios) até os centros de romaria que até hoje congregam milhares e

milhares de devotos por ocasião das festas anuais. (HOORNAERT, 1991,

p.67)

De fato, a construção de um catolicismo devocional na região paulista e na região

das minas está ligada a representação do sagrado nas festas populares que muitas vezes

precediam ou aconteciam juntamente com as solenidades religiosas19, a maior parte dessas

festas preservavam uma estrutura de classes e algumas tentativas catequéticas por parte da

Igreja.

Conforme pontuamos é exatamente no final do século XVII que as práticas

devocionais vão adquirir um caráter público e social de formas diferenciadas. A grande

proliferação de construção das igrejas com invocações devocionais diversificadas atreladas

ao aparecimento de inúmeros altares nas naves laterais das mesmas que passam a ser

dedicados a inúmeros santos e santas oriundos das invocações domésticas propõem novas

formas sociais de relacionar o espaço público, de maneira que as ações religiosas começam

a ser reinventadas.

19 In: JANCSÓ, István; KANTOR, Iris, org. Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa. São Paulo: Hucitec:

EDUSP: FAPESP: Imprensa Oficial, 2001. 2v.

41

Boff (2006) salienta que as principais características da devoção popular são: “

sentimento, exuberância, expressividade, vitalidade e caráter maravilhoso”. Segundo a

doutrina católica, a devoção é um "culto privado (pessoal ou comunitário)", centrado no ato

de entrega ou consagração de si próprio ou da comunidade" ao amor de Deus (e, por

extensão, ao das pessoas divinas, aos santos" e à Virgem Maria).

No século XVIII a grande proliferação de irmandades e confrarias reunindo

diversos grupos em sociedades de devoção podem ser consideradas a melhor forma de

expressão comunitária de algumas devoções, desta forma a expansão do catolicismo

devocional na região das minas e no planalto paulista se torna não apenas uma prática

religiosa e sim uma prática de sociabilidade que garantia uma assistência para a alma do

devoto desde a sua existência terrena até a sua morte que era assistida obrigatoriamente

por todos os membros da irmandade.

“Em termos sociais, irmandades e confrarias possibilitaram a

organização e expressão de livres, libertos e escravos selecionando

membros, definindo regimentos e funções, fornecendo emblemas,

construindo espaços e estabelecendo tempos de festas e liturgias

claramente identificadas. ” (LONDOÑO,2001, p.14)

A grande expansão das irmandades e confrarias demonstram a necessidade de

orientar os devotos nas suas práticas devocionais proporcionando aos mesmo uma

identificação com os santos assistidos em cada uma delas. As irmandades se reuniam em

torno de uma mesa organizativa que era eleita na época de festa de seu santo homenageado,

essa mesa era responsável pela organização dos rituais e das festas ligadas ao santo

padroeiro e na manutenção das igrejas que construíam ou tomavam sob sua tutela.

Num pequeno periódico que circulou no Vale do Paraíba, na segunda metade do

século XIX, é comum encontramos notas como a transcrição a seguir:

Irmandade do S. Sacramento

O procurador abaixo assignado roga aos Irmãos do apostolado que

venhão pagar a sua joia anual. Já vencida na forma do art. 13 do

compromisso, que reza o seguinte: Os irmãos do apostolado d’um e outro

sexo são obrigados: A pagar cada um a jóia anual de 20$000, pela festa

do natal. Guaratinguetá, 8 de Fevereiro de 1878. O Procurador Antonieto

Theodosio de Faria Couto. (Jornal “ O Parahyba”, Nº 741,17-03-1878)

O jornal que tem edição assinada por Ismael Mafra, se declara um “órgão

conservador”, na edição referida trouxe em suas notas de última página a publicação acima.

42

O que poderia caracterizar as irmandades é a colaboração coletiva para a manutenção do

culto e dos prédios administrados pelas mesmas. Qual seria a relação dos membros dessas

irmandades com o culto religioso de fato?

Durante o ciclo do ouro na região das Minas (1700-1750) as presenças das

irmandades religiosas substituem o trabalho de clérigos e membros oficiais da Igreja, de

fato, aconteceu uma política de proibição da presença de ordens religiosas tradicionais na

região das minas tais como jesuítas, franciscanos, carmelitas, mercedários entre outras

ordens religiosas não podiam adquirir terras nesta região.

Neste espaço a presença das irmandades torna-se uma alternativa para a

implementação de práticas devocionais estruturadas principalmente pelos grupos religiosos

oficiais. Esse afastamento proporciona então uma expansão de catolicismo promovida por

pessoas que não estavam diretamente ligadas a um estado clerical. É durante este período

que a devoção a Nossa Senhora Aparecida começa a ganhar destaque no Vale do Paraíba

paulista:

Em meados do século XVIII, época do ciclo do ouro, a velha capela de

Aparecida torna-se uma referência oficial de peregrinações locais.

Guaratinguetá unia duas rotas fundamentais daquele período: a rota do

ouro e a rota das tropas de integração. A cidade interligava as terras

meridionais, além das terras paulistas, ao Rio de Janeiro, promovido em

1763 à sede colonial. (OLIVEIRA,2001, p.51)

Para Hoonaert (1974) é preciso lembrar que o catolicismo se propagou no Brasil

principalmente pelos leigos, pessoas que não eram ligadas à instituição eclesiástica. A

construção de um catolicismo devocional pode ser associada exatamente na forma como

ele se expandiu principalmente nas regiões que concentravam as principais relações

econômicas do período.

Os grupos sociais de acordo com as suas classes passam a serem organizados pelas

irmandades a quais são membros, sejam com devoções a santos negros como São Benedito

ou a Nossa Senhora do Rosário que reuniam escravos e forros ou a santos como São

Francisco, devoções ao santíssimo Sacramento a invocações diferentes da virgem Maria ou

ao Cristo relacionadas a sua paixão e morte.

De acordo com Dorado (1985) “ a teologia popular é o resultado de um processo de

assimilação da fé por uma pessoa ou por uma coletividade, no qual podemos distinguir dois

43

momentos ou dois níveis: um histórico e outro sociocultural”, ou seja, como já citamos o

sentido devocional é conduzido pelo momento histórico que o devoto se encontra inserido

podendo proporcionar uma tensão composta por tradição, oposição ou mediação em

relação a crença popular ou a crença oficial proposta pela Igreja.

As propagações feitas pelas irmandades das devoções ligadas ao cotidiano do

mundo terreno se tornam uma possibilidade de institucionalização e reconhecimento social

das invocações popularizadas entre grupos. As maiores influências dessas práticas podem

ser percebidas na forma como as expressões culturais ocasionam o surgimento de um

calendário litúrgico de festas que dão um novo significado as festas oficiais propostas pela

Igreja.

As festas que se estendiam de modo significativo nas cidades coloniais não eram

compostas apenas de missas, terços e procissões, muitas dessas celebrações estavam

organizadas em torno de danças e folguedos que homenageavam o patrono da irmandade e

misturavam elementos sociais das camadas diversas que compunham as mesmas.

As danças em louvor a São Gonçalo, as congadas em louvor a São Benedito

ilustram como as celebrações religiosas se tornam espaço de sociabilidade entre esses

grupos. Sobre a festa de São Benedito que ocorreria nas regiões do distrito de Aparecida

em 1924, o jornal “Liberdade”, publicou:

Realisa-se amanhã a festa de S.Benedicto em sua cappela. Hoje à

tarde já haverá reza solemne seguida de leilões de prendas. Amanhã

haverá missa cantada e sermão às 10 horas, procissão de tarde, à entrada

da qual haverá reza. A noite haverá de novo leilão de prendas, findo o

qual será queimada uma artística armação de fogos. O sr. José Fructuoso

Arantes Silva e a Sra. D. Palmyra Guedes, encarregados da festa no

corrente anno não tem poupado esforços para que a mesma tenha o

máximo de brilho possível. (Nº 6, Apparecida 20 de abril de 1924)

Os rituais reinventam os espaços sociais e o calendário religioso oficial. Impondo

um diálogo entre o sagrado e o profano no cotidiano. A nota acima mostra como a festa

religiosa estava caracterizada com práticas de sociabilidade e entretenimento: leilão e

queima de fogos. O elogio feito ao casal de festeiros pelo jornal nos dá indícios de que

ambos ocupam um lugar social de destaque pela organização da festas que movimentava

também a renda econômica das irmandades e da igreja do lugar.

Ao referir-se a tal assunto Dias considera que:

44

As procissões, e demais festas religiosas, que movimentavam o

cotidiano colonial, em algumas ocasiões, a depender de sua grandiosidade,

além do aspecto devocional, funcionavam também para movimentar a

economia local, fazendo circular dinheiro a partir de sua execução pois

envolvia o pagamento pela participação dos oficiais câmara, religiosos,

músicos, pessoas que se contratavam para levarem os carros alegóricos,

além dos ornamentos, entre outros. (2010, p.110)

O calendário religioso era assistido pelas irmandades que acrescentavam as

celebrações oficiais da igreja um modo de homenagear o santo protetor com elementos

místicos de cada região ou grupo social. As festas que marcam profundamente os períodos

de encontros sociais são oportunidades para que a presença social dos grupos não clericais

fosse reafirmada perante a instituição.20

Eram as irmandades que contratavam os padres para presidirem as suas celebrações

religiosas da melhor forma que lhes fora cabido. Essas atitudes provocam uma tensão

frequente entre clérigos e leigos.

Para Rodrigues (2005) a irmandade surge então como centro difusor de uma

identidade do “nosso” em função de um santo. Ponto intermediário entre o devoto e a

sensibilidade de sentir-se parte de algum grupo (p.49).

Consideremos então que as irmandades que propagavam e alimentavam devoções

estavam concentradas em uma nova perspectiva de ideia cristã, diferente da proposta pela

maior parte do clero. Essas devoções traziam elementos que oficialmente a Igreja não

conseguia alcançar na sua liturgia oficial tais como: a resistência a situações diversificadas

no mundo do trabalho ou resignação diante das mesmas.

Ao tratar das relações sociais no contexto da religiosidade brasileira Hoornaert

(1974) observa que “a devoção frequentemente é marginalizada socialmente, mas

eclesialmente ela pode apresentar documentos de veracidade insuspeita. Ela construiu um

legítimo modelo eclesial. ” (p.67)

A interiorização de elementos simbólicos ligada aos rituais, demonstra como a

devoção possibilita marcas até mesmo no espaço geográfico. É o caso do cruzeiro erguido

na região do distrito de Aparecida – SP utilizado como caminho de sacrifício para

20 Cf: SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: Identidade Étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

45

meditação da paixão de Cristo. Sobre o ritual de inauguração do cruzeiro o jornal lança a

seguinte nota:

Com grande concurrencia de povo efetuaram-se no domingo passado a

transladação e a erecção do grande cruzeiro no morro circunvizinho a esta

localidade. O acto foi abrilhantado pela banda de música “Aurora

Apparecidense e após as cerimônias o snr. Professor Amador de Lima

Junior fez um discurso alusivo ao acto.(1925, ed. 75 )

A participação da banda de música e a caminhada que leva o cruzeiro até o lugar em

que vai ser plantado, reforça a prática simbólica de sacrifico que discutimos no parágrafo

anterior, é essa mesma prática que é reforçada nas celebrações da semana santa.

Um outro fator importante é que as irmandades interiorizavam aspectos sociais da

necessidade humana, seja nos autos da paixão realizados durante a semana santa ou nas

procissões rogativas em que se pedia ao santo uma proteção particular contra pestes,

epidemias ou grandes secas fica evidente a imbricação de misticismos que possuem um

caráter social.

Uma publicação feita no jornal “Liberdade”, narra as celebrações da Semana Santa

em 1925:

Na Basílica de Nossa Senhora essas comemorações realizar-se-ão de

toda pompa de liturgia. Hoje haverá missa solene com distribuição das

palmas e tarde sahíra a tocante procissão dos passos, dando-se o encontro

no largo de São Benedicto. [...] Quarta feira- Ofício solene das trevas as

seis horas da tarde. Quinta feira- missa solene as 8 ½ horas com comunhão

geral em seguida procissão do Santíssimo Sacramento. [...] Sexta feira –

Sermão da Paixão as 8 horas havendo em seguida a missa dos

prossantiticados e demais solenidade próprias [...] as 5 horas entrará o

oficio das trevas e logo mais saíra, a procissão do enterro que percorrerá o

itinerário do costume. A entrada da procissão haverá o sermão da

solenidade. Sábado- A’s 7 horas bençam do fogo e do círio paschoal [...]

a’s 6 horas da tarde, officio solene da Ressureição e coroação de Nossa

Senhora [...] ( 05-05-1925)

As celebrações que aparecem no programa publicado pelo jornal, mostram como os

ritos oficiais litúrgicos da Igreja dividem espaço com os rituais da tradição popular em

celebrar a mesma semana, os “ofícios” chamados das trevas é fruto dos exercícios ligados a

irmandade da boa morte ou a procissão das trevas, onde é oportunidade para se fazer

memória da prisão de Jesus, a chamada procissão do foguetório, realizada em muitas

cidades na noite de quarta-feira da semana santa. Além dos ofícios mesmo com a pregação

do sermão feita por membros do clero a procissão do Senhor dos Passos e a do Senhor

morto assinalam o espaço da cultura popular presente nesta cerimônia. E por último a

46

coroação da imagem de Nossa Senhora que credita a figura da mesma como participante da

paixão e sofrimento do filho.

Convém lembrar que no caráter particular as devoções também sobreviviam sejam

nos benzimentos e rezas transmitidos de uma geração a outra ou até mesmo através das

imagens de santos que eram guardadas e conservadas como herança de família.

Considerando então um “catolicismo de muito terço e pouca missa”.

Conforme Dominique:

Entram a título de elementos no corte que uma análise histórica ou

sociológica opera realçando as unidades que considera pertinentes em

relação ao modelo interpretativo que se atribui. O que interessa ao

operador não é o estatuto da verdade dos enunciados religiosos que estuda,

mas as relações que esses enunciados mantêm com o tipo de sociedade ou

de cultura que os explicam. (1982, p. 160)

Um outro momento em que a devoção popular aparece muito forte são nos funerais e

rezas de encomendas. A crença de não ser assistido na hora da morte e a preparação para a

mesma é uma outra característica daqueles que estavam ligados as práticas devocionais. O

papel das irmandades de assistir os membros na hora da morte estava presente em suas

constituições. Um ponto a ser destacado são as entradas nas irmandades como garantia para

ser assistido pela mesma com o funeral, a construção de igrejas e cemitérios utilizadas para

enterrar membros das irmandades foi muito comum em algumas regiões brasileiras.21

Um dos parágrafos dos estatutos da irmandade de Nossa Senhora Aparecida por

exemplo, fundada em 1752 no Vale do Paraíba informa o seguinte: “ Os irmãos vestirão

Opas brancas e com elas assistirão as funções e acompanharão os irmãos defuntos, em duas

alas e o irmão que faltar sem motivo, será condenado a pagar dois vinténs a irmandade”22.

O compromisso com a ritualização da morte é destacado dentro dos Treze parágrafos

que constituem a formação da irmandade aprovada pelo Bispo de São Paulo no período,

Dom Frei Antonio da Madre de Deus, que advertia a necessidade de se conservar

inviolavelmente os compromissos que constam neste estatuto que foi deliberado em vinte e

cinco de setembro de 1756 pelo próprio bispo.

21 Retomamos aqui a seguinte discussão sobre os diversos fatores da falta de assistência religiosa de padres e clérigos na

formação do catolicismo brasileiro: “No Brasil rural a assistência paroquial era dificultada pela distância, pela própria

ausência de padres e sobretudo pela população a ser assistida [..] Fora da intermediação dos padres, desenvolviam-se

relações mais diretas com o divino [...] Reis, João José. O cotidiano da Morte no Brasil oitocentista. In: Alencastro, Luiz

Felipe (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império. São Paulo: Companhia das letras, 1997. 22 Cf. Estatuto da Irmandade de Nossa Senhora Aparecida In: MACHADO, P. Aparecida na História e na Literatura.

Campinas: Ed, do autor. 1975, p.209-211.

47

Culturalmente podemos destacar algumas formas de devoções presentes no ciclo

paulista e na região das minas: forte ligação aos santos protetores demonstradas através de

rezas e festas religiosas, pouca ou quase nula ligação com os clérigos das liturgias oficiais

católicas, celebrações ligadas aos períodos sagrados do calendário religioso oficial como

Natal e Semana Santa, uma constante preocupação com os ritos funerários ( desde a

participação nos funerais até a relação pós morte) e uma profunda reverencia a imagens e

objetos sacros.

As sensibilidades que surgem em relação aos rituais muitas vezes necessários para a

sobrevivência brotam no sentido que o devoto expressa na sua relação com os santos. O

mundo sobrenatural, a fragilidade da vida e o medo de morrer sem ser assistido

devidamente eram expressados através das festas e rituais religiosos.

De acordo com Grossi (1999) “nas Minas, muitas pessoas transitavam entre forças

divinas e malignas, como se a distinção entre elas desaparecesse por instantes. Buscava-se o

sobrenatural que fosse mais eficiente para a resolução do problema que afligia a alma ou o

corpo”.

A utilização de diversas imagens, relíquias e objetos no catolicismo popular ilustram

como a crença e a necessidade de proteção andavam juntas. A devoção popular assume uma

espécie de enfrentamento em relação ao poder oficial e ao poder maligno espiritual mesmo

que de forma inconsciente. Através de uma nova leitura sobre estes desafios um novo

imaginário de catolicismo pode ir sendo percebido no Brasil.

Da mesma forma que as devoções populares interiorizam práticas individuais elas

possuem uma essência renovada das práticas comunitárias, afinal de contas a maior parte das

suas expressões não são realizadas individualmente: as peregrinações, as romarias, as

procissões e festas extrapolam o culto privado e fomentam a ocupação de espaços sociais

diversificados.

Só percebemos da piedade popular restos frequentemente inorgânicos

cujas formas superpostas ou deformadas no curso dos séculos não permite

uma interpretação imediata: no lugar do objetivismo tranquilo dos

folcloristas do passado, que coligiam dados, somos obrigados a colocar a

interrogação que nos dirigem essas “índias do interior”, sem por isso

pretender apagar a história da repressão. (p.114)

Portanto, o catolicismo popular, suas manifestações culturais expressas em devoções

possuem uma origem mítica ligada ao mundo rural, devido à pouca assistência religiosa

48

proporcionada pelos membros oficiais da Igreja ( padres e bispos), deste modo as tradições

familiares e o exercício individual baseado na experiência que humaniza e torna espontânea

com uma certa originalidade a releitura de um catolicismo oficial propagado pela Igreja

através de suas catequeses e práticas burocrática administrativas (em relação aos seus

dogmas e percepções no exercício deles).

49

1.2. Devoção popular e romanização

A devoção popular e as práticas de religiosidade do povo, sempre foram

questionadas nas múltiplas características que sintetizam elementos considerados pagãos a

ritos litúrgicos oficializados pela Igreja. O pensamento católico influenciado por elementos

culturais que fogem a normatização do culto padrão teologicamente reconhecido pela Igreja

tornou-se alvo de uma política centralizadora instituída no Século XIX através do

movimento hierárquico da administração da Igreja no Brasil como resultado do Concílio

Vaticano I (1869-1870)23.

No Brasil, com a Proclamação da República em 1889 acontece a separação oficial

entre Igreja e Estado, extinguindo o regime do Padroado24 evento que irá proporcionar uma

maior aproximação da mesma com a figura do Papa, buscando uma horizontalidade

estrutural e política. Segundo Beozzo (1993, p. 31), “se não havia mais tutela do Estado, a

Igreja do Brasil entrou em estreitas relações com Roma, sob certos aspectos, substituiu uma

tutela por outra”.

Respaldada por uma estratégia de “romanização”25 do culto, tentou apropriar-se de

elementos culturais da piedade popular encontrados no meio devocional para

institucionalizar outros modos de crença cristã que não faziam parte da sua tradição

catequética.

Podemos considerar como principal característica do movimento da romanização a

tentativa de um controle maior sobre o curso do catolicismo brasileiro, o exercício de um

catolicismo considerado cheio de excessos e sem uma coesão doutrinária ligada e sustentada

apenas nos rituais da Igreja e nas orientações dos padres era algo a ser intensamente

combatido. Para Hoonaert (1991) podemos considerar que levantes feitos pelo próprio clero

23 De acordo com a dissertação de Carlos Moisés Silva Rodrigues (2005), defendida na PUC-SP, intitulada: “ No tempo das

irmandades”: Cultura, Identidade e Resistência nas Irmandades Religiosas do Ceará (18641900), ao tratar o início da

política de Romanização iniciada pela Igreja, onde o autor considera que:

Primeiro Momento: De Pio VII a Pio IX, que corresponde a consolidação da doutrina conservadora.

Segundo Momento: Pontificado de Leão XIII, que sem abandonar a doutrinação contra o mundo moderno, deu passos

decisivos para o estabelecimento de uma política de intervenção católica na realidade concreta, de que as concordatas são o

maior exemplo.

Terceiro Momento: De Pio X a XII, a conversão da doutrina em ação política, do discurso em práxis, através dos

Programas da Ação Católica, que acabaram por gerar as contradições que levaram a convocação do Concílio Vaticano II.

(p.132) 24 Ibid. 25 In: OLIVEIRA, P.R. Religião e dominação de classe; gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil.

Petrópolis: Vozes, 1985.

50

ao buscar reformar o catolicismo brasileiro na segunda metade do século XIX que foram

chamados de “Igreja Patriótica”, ou seja, que discordava de várias orientações da política de

romanização acabaram sendo unidos aos conceitos de “religiosidade popular”, ou então

“devoções populares”. É exatamente nesta conjuntura política que o processo de

romanização se intensifica.

O processo de normatização das paróquias passa a ser intensificado. Atos como a

reorganização da vida paroquial e do protagonismo do clero se torna uma das maneiras mais

intensas de percebermos a força política que as estratégias de romanização. É exatamente o

que o aviso a seguir publicado no jornal “Parahyba” nos ajuda a compreender:

Para comodidade dos parochianos, e bôa ordem no serviço parochial, o

sacramento do baptimso seá áhora em diante administrado em todos os

domingos e dias santos, immedia’tamente depois da missa conventual, e

nos mesmos dias as 3 horas da tarde, dando-se signal, no sino meia hora

antes. – e nas quintas feiras logo depois da missa do sacramento. Fóra

destes, dias e horas, só em caso de necessidade. O vigário Benedito

Teixeira da S. Panto (20-10-1872 N 460)

O aviso acima, apesar de tentar transparecer que era uma melhoria para a vida dos

paroquianos nada mais é que apenas uma tentativa de normatização dos horários e dias em

que o vigário poderia celebrar e administrar o sacramento do batismo. O sino que é

apontado como o sinal antes da celebração de maneira sutil demonstra como é o vigário

quem avisa e define como a prática sacramental é administrada, nesta nota fica evidente a

necessidade de reafirmação do clérigo como aquele que coordena a vida religiosa local.

Ao abordar aspectos do processo de valorização do clero e da diminuição da

participação dos leigos na administração das igrejas e mesas de ordens religiosas, bem como

a busca de valorização da criação de centros educacionais onde objetivamente se buscasse

uma formação centralizada no discurso catequético da Igreja o historiador Marin considera

que:

A ofensiva romanizante teria colocado os católicos em sintonia com as

crenças e práticas romanas, homogeneizando-os doutrinariamente. Ou

seja, os leigos passaram a ocupar uma posição subalterna em relação ao

clero, perderam toda a autonomia na condução dos serviços religiosos,

tornando-se passivos, submissos e tolerados apenas em funções

secundárias e sob tutela clerical. Enfim, a romanização seria o processo

pelo qual os agentes religiosos assumiam o controle e a autoridade na

condução de todos os assuntos religiosos. Essa visão reforça a ideia de

passividade, de incapacidade política e de falta de iniciativa do laicato.

Recentemente, algumas pesquisas ressaltaram os resultados parciais da

51

Igreja em reformar a religiosidade popular, sobretudo, devido à sua

permanência e vitalidade. (MARIN,2001, p.155)

A crítica lançada pelo autor, pode ser reforçada a partir da análise das diversas

fontes que estamos propondo: encontramos sempre na imprensa notas que concentram as

funções religiosas na figura do vigário, nas fotografias que iremos analisar a imagem dos

clérigos sempre colocam os mesmos como aqueles que levam a imagem, conduzem a

procissão, ou seja, o tempo todo são eles que aparecem como mentores das práticas

religiosas. Será que de fato era isso que acontecia? E os leigos? Realmente eram apenas um

grupo sem iniciativa e com passividade? Podemos responder a essas questões quando

retomamos a hipótese da necessidade de reestruturação do clero como foco principal da

política de romanização.

A necessidade da restruturação do clero justifica o enfoque determinante da

construção de seminários e da vinda de ordens e congregações religiosas europeias para

assumirem paróquias, centros catequéticos e educandários. Observa Hoonaert (1991) que

Era necessário estabelecer em primeiro lugar a disciplina eclesiástica através dos

seminários, a fim de garantir a proficuidade do processo de purificação do catolicismo

desenvolvido no Brasil.

O processo de criação de Diocese no Brasil vai ser totalmente intensificado após o

Concílio Plenário Latino Americano (1899)26, influenciado pelas novas diretrizes do

Concílio Vaticano I que já citamos, o aumento das diocese no Brasil é justificado pela

propagação rápida da política de romanização. A busca por um “catolicismo de reta

doutrina” exigia uma maior proximidade dos clérigos com o povo e uma intensificação de

uma catequese doutrinadora e ligada aos dogmas da Igreja.

Para melhor conseguirmos visualizar esses registros podemos analisar os dados que

apontados pela tabela abaixo:

26 Origem do Concílio Plenário Latino Americano: “O Papa Leão XIII convocou esse Concílio em 25 de dezembro de 1898

com a carta apostólica Cum diuturnum1 e realizou-se em Roma, entre os meses de maio e julho de 1899. Era a primeira vez

que se reunia num Concílio particular o episcopado de toda a América Latina. O Concílio Plenário marcou uma nova fase

da Igreja Latino-americana, pois ela Podia sair então de seu isolamento devido às várias circunstâncias, e substitui-lo por

uma coesão do episcopado. Ainda que muitos, naquela ocasião, não levassem, inicialmente em consideração os resultados

do Concílio, esse foi sem dúvida, o início de um novo tempo na vida da Igreja. A Igreja no Brasil, fizera uma primeira

experiência mais intensa de colegialidade episcopal no final do século XIX. Com a questão religiosa e a publicação da

Pastoral Coletiva em 1890, ela fez essa nova experiência de colegialidade episcopal com toda a Igreja da América Latina”.

(SILVA,2008, p.65)

52

Criação de Dioceses no Brasil por Regiões, até 1930

Regiões Períodos Total

1551 1676-1677 1719-1745 1848-1854 1890-1930

Amazônia - - 1 - 8 9

Nordeste 1 2 - 1 18 22

Sudeste - 1 2 1 27 31

Sul - - - 1 9 10

Centro-Oeste - - 2 - 6 8

Total 1 3 5 3 68 80 Figura 2 - Fonte: CERIS (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais),2000.

Em uma análise estática é muito fácil perceber a diferente proporção que vai

acontecer na criação de dioceses no Brasil, de 1551 com a criação do primeiro bispado na

Bahia até 1890 o aumento de diocese no país é quase mínimo, é claro que sabemos das

questões burocráticas e econômicas que são necessárias para o funcionamento destas sedes

episcopais, além disso as intencionalidades políticas das regiões onde são criadas sedes de

bispados adquirem um destaque maior que as territorialidades regionais específicas.

De 1890 até 1930 o Brasil tem a investidura episcopal de 68 novas dioceses, ou seja,

número exageradamente maior de dioceses criadas que nos últimos 300 anos analisados.

Destas 68 dioceses foram 27 criadas na região sudeste do país, a região que propomos

analisar no início deste capítulo. Ligada aos ciclos econômicos nacionais sendo o principal

eixo de veiculação de imprensa do país, fatores que podemos elencar para o rápido

reconhecimento de diversas cidades desta região como sedes de bispados.

De maneira bem esclarecida é válido ressaltar que o aumento das Dioceses no Brasil

está inserido em um período histórico estratégico onde a Igreja Católica vai empreender

uma série de ações para a centralização de sua unidade, buscando romper com os velhos

paradigmas coloniais e monárquicos que proporcionaram um catolicismo devocional de

“muito terço e pouca missa” como também de pouca ligação com o eixo Romano, é

53

justamente no contexto do Concílio Vaticano I que é divulgada a Constituição dogmática

Pastor Aeternus, sobre o primado e infalibilidade do Papa.

A constituição foi promulgada na Quarta Sessão do Concílio, em 18 de julho de

1870, pelo papa Pio IX27. Reafirmando a importância de uma Igreja ligada e centralizada na

figura do seu maior representante, e direcionada aos ensinamentos do mesmo. As

afirmações das “obrigações” do vigário paroquial aparecem em notas publicadas pela

imprensa local na região do vale do Paraíba:

Sendo um dos deveres mais importantes do Parocho, o ensino do

catecismo, por isso de hoje em diante, em todos os domingos e dias santos,

de 5 horas da tarde, cumprirei este dever, na Igreja Matriz desta cidade.

Peço, portanto, aos srs. Pais de família, e senhores de escravos, que

mandem seus filhos, e domésticos, para nos instruíres, na doutrina christã

O vigário Benedito Teixeira da S. Panto (20-10-1872 N 460)

A nota acima, publicada no jornal “Parahyba”, no ano de 1872, ilustra de maneira

objetiva a necessidade de afirmação sobre qual era a função do pároco na igreja que era a

ele confiada. Essa informação vai ao encontro da política de centralização da doutrina que

vai ser impulsionada pelo movimento romanizador. A catequese paroquial visa de modo

particular a manutenção e ordem da doutrina da Igreja, a maneira como o vigário afirma sua

“obrigação” em transmitir a doutrina do catecismo nos leva a entender que outras instruções

aconteciam para a transmissão da fé a crianças e escravos, proporcionando uma outra

formação dentro do catolicismo. Será que essa outra formação era a catequese pela

instrução devocional? Um catecismo muito mais prático que teórico?

Consequentemente no final do Século XIX a criação da Diocese de Taubaté e a

vinda da congregação religiosa dos Missionários Redentoristas da Europa para trabalhar na

direção do santuário de Aparecida – SP, bem como a mudança no quadro político brasileiro

com a Proclamação da República ocasionará uma intensificação de práticas que buscam

romanizar a devoção popular a Nossa Senhora Aparecida.

Sobre esse período salienta Marin:

A Igreja, durante a República Velha ampliou suas pretensões de

influência sobre a sociedade civil e o Estado. Entre as reformas a serem

alcançadas, foram destacadas: a moralização e ampliação de seus quadros

27 De acordo com a consulta no texto da Constituição dogmática Pastor Aeternus. Acesso em: 17 de novembro de 2017.

Disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ivatican-council/index_po.htm>

54

de pessoal, a importação de Ordens e Congregações Religiosas

estrangeiras, a fundação de seminários, a realização de alianças com as

facções oligárquicas estaduais e com o governo federal .com vistas a

garantir um acúmulo patrimonial e apoio à política expansionista), a

montagem de uma nova estrutura organizacional e devocional segundo os

moldes do catolicismo romano e a difusão de uma rede de instituições

católicas de ensino privado para cristianizar as elites, para que estas, por

sua vez, cristianizassem o povo, o Estado e a legislação. (p.153,2001)

De acordo com Neto (2206) a chegada da congregação dos missionários

redentoristas para fazerem a administração do santuário de Nossa Senhora Aparecida em 28

de outubro de 1894, foi o impulso para a projeção nacional deste mesmo santuário.

É exatamente neste mesmo ano que D. Arcoverde assume a diocese de São Paulo,

sempre transmitindo em sua atenção pastoral a necessidade de dar novo espírito aos centros

de devoção e romarias, processo que vai ser estimulado com a criação da Diocese de

Taubaté.

No início do Século XX nesta mesma conjuntura histórica em 1908 a diocese de

São Paulo é elevada à condição de arquidiocese pelo Papa Pio X, a arquidiocese de São

Paulo, centralizaria nela a administração religiosa de várias outras dioceses criadas neste

período, destacamos também que juntamente foi circunscrita na mesma data a criação da

Diocese de Taubaté que teria como abrangência de região diocesana todas as cidades do

Vale do Paraíba paulista e toda a região norte do estado de São Paulo, que seria responsável

direta pela igreja diocesana de grande fluxo devocional, o santuário de Nossa Senhora

Aparecida, reconhecido como santuário episcopal da antiga diocese de São Paulo.

A prática de uma doutrinação a partir do catolicismo romanizado começa a se

expandir. Não podemos deixar de destacar aqui aspectos políticos desta doutrinação

assumidos pelo espaço institucional como Igreja que vinha a ser reconsiderado diante do

sistema político, bem como salientar que as facilidades de comunicação com Roma

possibilitavam uma maior integração das dioceses com a figura do Papa. Partindo desta

premissa são interessantes as considerações de Foucault:

A doutrina vale sempre como sinal, a manifestação e o instrumento de

pertença previa-pertença de classe, de status social ou de raça, de

nacionalidade ou de interesse, de luta, de revolta, de resistência ou de

aceitação. A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes

proíbe, consequentemente, todos os outros; mas ela se serve, em

contrapartida de certos tipos de enunciação para ligar indivíduos entre si e

diferenciá-los, por si mesmo, de todos os outros. A doutrina realiza uma

dupla sujeição: dos sujeitos que falam aos discursos ao grupo, ao menos

virtual, os indivíduos que falam. (1996, p.43)

55

No Vale do Paraíba importante eixo de ligação econômica do sudeste brasileiro as

estratégias doutrinarias de romanização do culto tendem a se intensificar, primeiro a nível

regional com a instalação da Diocese de Taubaté e a vinda de diversas congregações

religiosas europeias para trabalhar com o ensino em várias modalidades e formar um novo

clero através de seminários e núcleos eclesiásticos.

Encerrando o período de adaptação dos redentoristas em Aparecida,

ia a situação assumindo prognósticos bastante favoráveis. Pouco a pouco

disciplinava-se o culto religioso, romanizando-o, enquanto esgrimiam com

a natural dificuldade da língua. A popularidade dos padres missionários

bávaros crescia a cada dia [...]. (NETO,2006, p.174)

Depois, com a propagação do culto a Nossa Senhora Aparecida, após ter chegado ao

conhecimento do Papa Leão XIII (1878-1903) as mudanças em relação a esta devoção

começam a serem intensificadas.

A doutrina católica é reinterpretada e contextualizada pelos homens de

maneira diferente, de acordo com os meios e circunstâncias. Por exemplo,

na religiosidade popular as crenças e práticas estão misturadas aos dogmas

mais refinados. O termo católico, compreendido como aquele que professa

a religião católica, não contempla a multiplicidade das vivências na fé dos

indivíduos, que podem transitar por outras religiões e por diferentes e

variadas apropriações da doutrina católica.(MARIN, 2001, p.149)

A intensificação de ações em relação a estrutura litúrgica do culto a Nossa Senhora

Aparecida começa a ocorrer dez anos antes da coroação oficial da imagem. As festas em

homenagem a Nossa Senhora da Conceição Aparecida inicialmente eram realizadas no

primeiro domingo de maio, mês dedicado pela tradição popular como mês de festas a

virgem Maria. Após a instituição da festa da imaculada Conceição a ser celebrada no dia 08

de dezembro conforme instrução dogmática de 1854 a festa passou a ser comemorada neste

dia, estendendo-se também ao dia 08 de setembro quando tradicionalmente a Igreja celebra

a Natividade de Nossa Senhora.

“Em 1894, o Santo Padre Leão XIII, por meio de um Decreto, incluiu a

Virgem Aparecida no calendário da diocese de São Paulo e marcou dia

próprio para a sua festa, a saber: no quinto domingo depois da Páscoa. Foi

esse o primeiro grau de glória concedido pela Igreja a Nossa Senhora

Aparecida”28.

Podemos entender que entender o processo de romanização é algo muito amplo e

que não pode ser colocado como um sistema religioso e sim um processo histórico dentro

28 Cf.: “Estrela de Aparecida”, 1897 p.45 In: MACHADO, P. Aparecida: Na História e na Literatura. Campinas: Ed. Do

autor, 1975. 20 Cf.: Nota 01.

56

de determinados interesses institucionais. Um aspecto importante é perceber como os

exercícios de devoção popular durante o mês de maio, ou seja o mês considerado

“mariano”29 vão sendo inseridos dentro da estrutura litúrgica oficial da Igreja. Para Cascudo

(2011) ninguém sabe quando começou este costume e de onde veio essa tradição que

aparece intensificada após a segunda metade do século XIX no sertão brasileiro.

Entretanto, o primeiro domingo de maio, data fixa e tradicional

continuava a atrair maior concorrência de povo, e ser preferível à data

móvel do 5º domingo da Páscoa. Obteve-se, então a transferência – como

se lê nas lições do breviário: “Leão XIII permitiu que se celebrasse a festa

da SSma. Virgem, sob o título de Aparecida, no primeiro domingo de

maio”, com o privilégio de se utilizar na celebração litúrgica os textos

próprios do Comum das festas de Nossa Senhora. (MACHADO, 1975,

p.65)

Fica evidente que a tradição popular ganhou, não foi por instrução do decreto do

papa que a festa colocada no 5º domingo do tempo pascal transferiu a tradição do povo de

festejar a Senhora Aparecida durante o Mês popularmente mariano, dado que os domingos

do tempo pascal são celebrados de acordo com a data da festa da páscoa que no catolicismo

é uma festa de data móvel ocasionando que algumas vezes essa celebração não viesse a

ocorrer no mês de maio.

Somente em 1954 foi fixada a data de 12 de outubro como data da festa litúrgica de

Nossa Senhora Aparecida, fato que está extremamente ligado a Proclamação do padroado

em 1931, ato que buscamos analisar nesta dissertação. Portanto, podemos perceber que em

nenhuma das duas datas fixadas anteriormente pela Igreja a festa vai conseguir alimentar a

piedade do povo, dado que podemos considerar a partir das inúmeras reflexões que de

algum modo vão unificar os exercícios devocionais do mês de maio ao mês de outubro, que

posteriormente será consagrado em vários lugares do pais como o mês dedicado a padroeira

do Brasil, imbricando a isto o codinome de mês do santo Rosário, exercício típico da

devoção popular mariana.

A tentativa de romanização em atos como este pode ser considerada como um “olhar

pontual” dentro de todo o processo ocorrido no Brasil podendo ser percebido como de

maior visibilidade, dado a dimensão que a prática de crença a Nossa Senhora Aparecida

acabou atingindo. Ao tratar da diversidade no processo de romanização na sociedade

brasileira Marin considera:

29 Cf.: Nota de rodapé número 01.

57

No Brasil, a romanização ocorreu de forma desigual. Essa conclusão

antecipada incita novos olhares sobre a temática, principalmente daqueles

que não concluam previamente, que a romanização teria sido sempre

vitoriosa. Novos olhares e perguntas devem ser dirigidos às regiões já

analisadas e, principalmente, àquelas onde não foram realizados estudos

pontuais. Assim, pode-se observar ou não resultados diferenciados nas

múltiplas frentes de atuação da Igreja e uma romanização burocrática,

parcial ou plena. A elaboração de uma nova síntese da romanização, no

Brasil, deve considerar as especificidades do processo em apreço em todas

as regiões brasileiras. Os confrontos da Igreja com as diferenças foram, e

ainda são, permanentes. A pretendida homogeneidade da Igreja nunca se

configurou no real. (2001, p.159)

O processo de romanização no Brasil poder ser considerado um processo de

“romanizações”, esse processo vai ser unificado em torno da imagem de Nossa Senhora

Aparecida. Somente através da tentativa de reunir os católicos em torno de um ícone

nacional haveria a possibilidade de algum êxito nesse processo. Entretanto, esse processo

rendeu um resultado contrário: através da centralização religiosa em torno da imagem de

Nossa Senhora Aparecida a devoção popular em relação a mesma cresceu e circulou mais

ainda entre os diversos campos sociais ocasionando um fortalecimento da mesma. Como

veremos no capítulo a seguir as várias tentativas de romanização deste culto não foram

capazes de descaracterizar a sua essência de devoção popular.

58

2. A SANTA “APARECIDA”: TRAJETOS DE UMA DEVOÇÃO POPULAR

Frequentemente o dia 12 de outubro de cada ano aparece em várias notícias das mídias

sociais brasileiras que destacam o caráter de uma invocação popularmente aclamada: “ Viva

Nossa Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil”. Desde 1980 o dia 12 de outubro é

considerado feriado Nacional30, pois, é neste dia que os devotos de todo o Brasil prestam suas

homenagens a sua “santa Padroeira”.

A ligação do povo com essa data rememora historicamente um suposto

acontecimento: o encontro da imagem de Nossa Senhora ocorrido em meados de outubro do

ano de 1717 no Rio Paraíba do Sul. É exatamente essa a narrativa oficial relatada pela Igreja

para fazer memória do encontro da imagem de 36 centímetros que se tornou um dos maiores

símbolos do catolicismo no Brasil.

Precisamos retroceder cerca de 300 anos buscando entender o significado deste dia

para o povo brasileiro. Seria muita pretensão deste texto abordar de forma criteriosa uma

história ampla que atravessa três séculos. Similarmente podemos destacar inúmeras pesquisas

com estudos diversos científicos, memorialistas e religiosos que buscam entender a origem

do culto a Nossa Senhora Aparecida31. Trabalhos que resgatam as leituras oficiais e

populares em torno do encontro da imagem.

A construção da devoção mariana32 na América latina, ou seja, a devoção a Virgem

Maria, aparece de variadas maneiras e com diversos títulos. Em cada região encontramos um

tipo de apropriação cultural de uma “Senhora” que se torna “Nossa”, ou seja, “Nossa

Senhora”, considerada protetora e benevolente para determinado povo.

Aqui no Brasil popularizou-se “Nossa Senhora Aparecida”. Vários elementos do

cotidiano e do mundo do trabalho vão sendo incorporados a ação devocional e isso faz com

que cada “Nossa Senhora” vá absorvendo algo muito peculiar daquele grupo ou irmandade

do qual “ela” passa a fazer parte. Esse fenômeno que é atualizado a cada festa do dia 12 de

outubro nos instiga a uma investigação que vai além dos significados atribuídos oficialmente

pelo catolicismo institucional.

30 Conforme a Lei Nº 6.802 de 30 de junho de 1980, decreto votado pela Congresso Nacional assinado pelo Presidente João

Figueiredo (1918 – 1999) o dia 12 de outubro tornou-se feriado nacional para culto público a Nossa Senhora Aparecida,

Padroeira do Brasil. 31 BRUSTOLONI, J. J. História Abreviada do Santuário de Aparecida. 9. ed. São Paulo: Editora Santuário, 1996.

32 Aquilo que se refere a figura da virgem maria, cf. nota nº1.

59

Consequentemente, no segundo capítulo, buscamos, problematizar a devoção a Nossa

Senhora Aparecida partindo dos relatos oficiais assumidos pela Igreja e contrapondo aspectos

da devoção popular que são citados dentre os mesmos ou se tornam mais visíveis quando

interpelados a partir de outras fontes; fazemos uma análise a contrapelo, reafirmando como

objetivo central um esboço analisando os principais passos que caracterizam esta prática

devocional brasileira e o seu relacionamento com o catolicismo institucional.

De acordo com Pesavento (2012) “ o texto do historiador tem, pois, uma pretensão a

verdade refere-se a um passado real, mas toda a estratégia narrativa de prefigurar essa

temporalidade já transcorrida envolve representação e reconstrução” (2007, p.18). Buscamos

problematizar a partir da documentação pesquisada a narrativa construída em torno da origem

desta devoção popular brasileira.

Muitos brasileiros católicos e não católicos já conhecem de longa data a história desta

“imagem milagrosa” que evoca de certa maneira a proteção da Virgem Maria, aclamada sob o

título de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, podemos dizer que a invocação a Nossa

Senhora Aparecida se tornou um dos maiores símbolos nacionais do povo brasileiro33.

Portanto, a imagem de Aparecida começa a ser associada a busca de uma identidade

nacional34 e passa a ser utilizada tanto por instituições religiosas como por instituições

políticas de certo modo, como um espelho da sociedade brasileira em diversos períodos.

A imagem de Nossa Senhora Aparecida aos poucos vai se entrelaçando com a devoção

popular e personifica uma representação de ligação entre diversas classes sociais brasileiras,

entre uma prática religiosa tradicional e popular que de alguma maneira preenche uma lacuna

do sagrado nas sociedades humanas.

Podemos questionar: De que maneira a utilização de uma imagem dentro de uma

esfera mística e ritual pode permanecer durante tantos anos? Qual é o anseio dos devotos que

mantem essa tradição? De forma evidente as questões propostas estão ligadas a uma certa

racionalidade e cientificismo que não são objetivos daqueles que buscam fundamentar as suas

relações cotidianas em práticas ritualísticas e místicas ligadas a transcendência. As práticas

religiosas são reafirmadas nos sentidos rituais, prática que na maioria das vezes exclui de seu

terreno questionamentos históricos e filosóficos.

33 Cf. Chauí, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

34Cf. ALVES, Andréa Maria Franklin De Queiroz. Pintando uma imagem Nossa Senhora Aparecida – 1931: Igreja e Estado

na construção de um símbolo nacional. (Dissertação de Mestrado). Dourados: UFGD,2005.

60

Um outro ponto que devemos considerar é a apropriação cultural que vai sendo feita

desde a América Portuguesa e a circularidade cultural das relações neste período histórico. A

presença da Igreja no Brasil vai garantir a expansão de ritos hierárquicos que propiciam a

manutenção de certa organização em espaços diversos da sociedade. Ao tratar da forma como

a Igreja se organizou para expandir-se nestas terras Azzi considera que:

A organização da Igreja no Brasil entre 1500 – 1800 era em grande parte

controlada pelo padroado, uma prerrogativa da coroa portuguesa baseada no

fato de o rei ser grão-mestre de três tradicionais ordens militares e religiosas

de Portugal: a de Cristo (a mais importante), a de São Tiago da Espada e a de

São bento, a partir de 1551. A ordem de Cristo era herdeira dos templários e

gozava de grande influência. O direito de padroado foi cedido pelo papa ao

rei português com a incumbência de promover a organização da Igreja nas

terras “descobertas”, de forma que foi por meio deste padroado que a

expansão do catolicismo foi financiada. (AZZI, 1977, p.168)

A imagem de Nossa Senhora Aparecida, e outros santos populares, aos poucos vai se

tornando um elo de ligação religiosa entre as classes populares, dado o motivo (no caso Nossa

Senhora Aparecida) ter sido encontrada por pescadores que trabalhavam nas margens do rio

Paraíba. Era apenas mais uma devoção popular frente a estrutura rígida e hierárquica que a

Igreja possuía fortemente fundamentada com o regime do Padroado. Como discutimos no

capítulo anterior são as devoções populares que proporcionam uma crença católica paralela a

crença oficial e que em muitos casos contribuem para que a crença oficial continue existindo e

fazendo parte da vida social em muitos lugares35.

Esse catolicismo popular, ou seja, que tem as suas crenças e rituais transmitidos pelo

povo não é uma forma de crença que se opõe a catequese católica mas nasce de dentro da

formação católica, por exemplo: é através da catequese que oficialmente o catolicismo vai

sendo transmitido aos membros da comunidade católica, as devoções populares proporcionam

um aprendizado catequético diferente deste modelo, pois, ao invés de transmitirem

ensinamentos em formas teóricas e dogmáticas ocasionam aprendizados que provém de ideias

práticas e simbólicas.

A catequese doutrinal parte dos documentos da Igreja e está imbricada aos textos

bíblicos e as exegeses, a catequese devocional parte da intimidade entre o devoto e o santo e é

35 In: RODRIGUES, Carlos Moisés Silva. “No tempo das irmandades”: cultura, identidade e resistências nas

irmandades religiosas do Ceará (1864-1900). Dissertação de Mestrado. São Paulo: Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo,2005.

61

transmitida de forma oral, se constitui em sua maior parte por experiências místicas práticas

como: promessas, pedidos de cura, trocas de favores, proporcionando ao devoto um

conhecimento que parte de experiências vividas36.

Ao tratar dos rituais fúnebres brasileiros realizados no século XVIII se percebe que os

mesmos passam a imitar as procissões do enterro de Cristo ou de Nossa Senhora da Boa

morte37 que estão ligadas as celebrações devocionais da semana santa principalmente nas

regiões paulista, como pontuamos anteriormente. Portanto, a procissão devocional do enterro

de Cristo realizada nas tardes das sextas feiras santas são exemplos para o devoto de como

realizar os cortejos fúnebres em suas regiões, facilitando uma catequese muito mais prática do

que teórica em relação aos ritos e cerimonias na hora da morte.

Um convite publicado no jornal “ Liberdade” do distrito de Aparecida – SP, para as

celebrações Semana Santa, diz o seguinte:

Promettem revestir-se de grande brilho as solenimnidades da semana

santa, a se realizarem na Basilica de N. Senhora. Hoje a tarde sairá a

tradicional procissão dos Passos, com o sermão do encontro e do Calvario.(

Edição Nº 5, Aparecida 13 de Abril de 1924)

O convite faz referência a procissão do Encontro, exercício tradicional da devoção

popular, onde homens se reúnem em torno da imagem de Cristo carregando a cruz e as

mulheres em torno da imagem de Nossa das Dores, em um ponto pré-determinado acontece o

chamado “encontro das imagens”, essa cerimônia não está prevista dentro das celebrações

oficiais da Igreja, e, no entanto, é uma prática que até hoje ainda pode ser encontrada em

36 O trecho seguinte é de um poema intitulado “ Promessa” publicado como um ex-voto em agradecimento a

uma cura:

“De moléstia terrível que sofria

Já tinha recorrido à toda ciência

E meu mal que ninguém bem conhecia

Lá, então, progredindo com inclemência

Desesperado sempre e abatido

Um nervoso de mim se apoderava

Já me sentia bem desiludido

Enquanto o mau estar sempre aumentava.

Quando o recurso humano é importante

E parece se vai findar a vida

Lá no céu, há um Deus onipotente

Vou pedir a Senhora Aparecida.

Quero vê-la bem perto de meus olhos

E tenho a certeza de sarar

De minha vida tirará abrolhos

E ficarei muito forte para lutar”.

Mário de Oliveira 07/02/1931. In: Machado, Padre. Aparecida na História e na Literatura. Campinas: Ed. Do

autor, 1975. 37 Cf.: REIS, João José. A morte é uma festa. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.116.

62

diversos lugares pelo Brasil. Acompanhar caminhando o sofrimento de uma mãe que tem seu

filho condenado a morte é fazer memória de todos os sofrimentos que fazem parte das

trajetórias de vida dos diversos sujeitos, proporcionando uma experiência muito mais

“visível” e “representada”, do que apenas uma análise teórica catequética que está baseada em

pensamentos teológicos. Não há nenhuma narrativa bíblica que ateste a presença de Maria,

mãe de Jesus no momento em que ele carregava a cruz para o Calvário, coube a tradição

popular acrescentar esse episódio as celebrações da semana santa.

Veremos no decorrer do capítulo como ao redor da imagem de Nossa Senhora

Aparecida vão se juntar personagens diversos: pescadores em suas vilas, o clero, os

reconhecimentos políticos ligados ao Estado e a Igreja, enfim uma sequência de fatos que de

alguma maneira legitimam e propiciam diálogo entre sujeitos diferentes que proporcionaram a

expansão dessa crença pelo Brasil e pelo mundo.

A pequena imagem que hoje é aclamada como Padroeira Principal do Brasil, segundo

o decreto assinado pelo Papa Pio XI em 16 de julho de 1930 torna- se um símbolo de união

nacional e marca de certo modo o pertencimento ao catolicismo brasileiro38. A aprovação do

papa a esta devoção popular é mais um sinal da força dos fiéis com suas práticas sociais

paralelas as da Igreja e da necessidade de que a hierarquia eclesiástica fundamentada desde o

início do processo colonizador tem, em manter as expressões religiosas que brotam do povo

aliando-as a conceitos teológicos, dogmas e origens europeias e romanas de culto.

38 In: CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu

Abramo:2000.

63

2.1. Origem da imagem

Para Eliade (1991) é através da ação do divino na história humana que se assegura a

validade das Imagens e dos símbolos e esta mesma história acrescenta continuamente novos

significados a estes simbolismos.39 A origem do místico está justamente na história

estabelecida pela manifestação da presença do sagrado. Na narrativa que essas imagens

carregam.

As imagens aos poucos foram se tornando para muitos povos formas de contato com o

divino, com o sobrenatural. Desde imagens pintadas em seus próprios corpos, esculturas de

pessoas ou animais, expressões da natureza ou até mesmo uma pedra ou um poste foram e são

formas daqueles que professam uma crença terem um portal para se habitarem num mundo

onde se conhece o próprio mistério.

De variadas formas, a religião tenta ligar o homem ao mistério de sua existência.

Assim também promoveu e divulgou a necessidade de ícones sagrados em seus rituais de

cura, benção ou maldição, para chegarem a este objetivo.

Pode-se afirmar que, no catolicismo o homem é marcado por ritos que vão conduzindo

o seu contato com o místico e redirecionando aspectos intrínsecos nestes pontos que são

destacados de mistério e sua relação com os mesmos. Podemos questionar: De que maneira o

contato com uma imagem dentro de um ritual pode permanecer caminho de transcendência

durante tantos séculos? Qual é o anseio dos devotos que mantém esta tradição?

As imagens religiosas só ganham um sentido a partir das narrativas que se criam em

torno delas. Os milagres, os pedidos, os agradecimentos, as rezas só são fortalecidas pelos

depoimentos que “atestam” de fato o que a imagem representa.

A narração, em seu aspecto sensível, não é de modo algum o produto

exclusivo da voz. Na verdadeira narração, a mão intervém decisivamente,

com seus gestos [...] que sustentam de cem maneiras o fluxo do que é dito.

(BENJAMIN, 1985, p.220-1)

Aliados as narrativas estão os gestos que reforçam ainda mais o poder encontrado

nestas imagens. Dessa forma a devoção popular a Nossa Senhora Aparecida começa a assumir

39 De acordo com ELIADE (1991), um objeto qualquer torna-se paradoxalmente uma hierofania, (o que o autor

considera como manifestação mística para o crente de alguma coisa sobrenatural em algo do mundo natural), as

imagens seriam um receptáculo do sagrado, ou seja, um objeto qualquer se torna uma hierofania mesmo

participando do mundo cósmico em torno de si.

64

um caráter mais sólido que a condicionará a sua condição: de santa popular a padroeira do

Brasil.

Várias são as hipóteses e narrativas que percorrem o imaginário popular em relação a

confecção e encontro da imagem de Nossa Senhora da Conceição, que posteriormente foi

chamada de “Aparecida”, ou seja, a forma como ela foi encontrada lhe propiciará um título e

uma invocação. O jornal “Diário de São Paulo”, em uma publicação do ano 1954 assinala

que “ a imagem pertencia a um religioso jesuíta do início da colonização no século XVI, um

religioso que abandonou os votos professos para se casar com uma filha do cacique Tibiriça.

A imagem teria após a sua morte lançada no rio por um de seus descendentes.

Uma outra hipótese que aparece publicada em uma revista católica chamada “Ave

Maria” no ano de 1967, discorre que “ a imagem compunha o acervo de uma capela de

escravos as margens do Rio Paraíba e que a mesma vitimada por uma enchente se perdeu nas

águas”. Um outro relato registrado em 1952 nos arredores do Vale do Paraíba Paulista nos diz

o seguinte:

Nossa Senhora Aparecida era de Jacareí... Devido a uma grande enchente

no Paraíba, apareceram dois monstros. Eles estavam fazendo terríveis

estragos, derrubando barrancos e pondo em grande movimento o rio.

Amedrontada uma velhinha que morava perto do rio, tirou a imagem de

Nossa Senhora que tinha em seu oratório, colocou numa gamelinha e soltou-

a na água com fé que a imagem da santa a faria desaparecer os monstros. Os

monstros rolaram vencidos água abaixo e a santa ficou no rio!...

Há uma segunda lenda: Em Jacareí havia uma grande fazenda onde os

escravos eram tratados sem piedade. Um dos escravos, pegando do barro

escuro, modelou grotescamente uma imagem. Era uma santa escura como

ele, escravo. E de seus lábios caía dolorosamente o segredo divino da oração.

Segredo daquela alma onde sentimentos desencadeados eram respostas as

chibatadas. A oração era uma caixa arrancada da dor e da revolta. Um dia o

feitor encontrou o escravo com a imagem nas mãos. Falou para o “sinhô” e

veio o castigo: teve que joga-la no rio com as suas próprias mãos e depois

ser algemado... O rio guardou a santa para um dia mostra-la a todo o mundo.

E essas lendas correm de boca a boca. (MACHADO, 1975,p. 152)

Na tradição popular a explicação dada para os eventos sobrenaturais sempre evoca um

sentido místico ligado a realidades históricas e culturais imbricadas em cosmogonias que se

fundamentam nos mitos de origem40. Essas lendas e cosmogonias buscam aplicar correções a

40 Ao discutir a atualização constante dos símbolos e imagens dentro da prática religiosa do Cristianismo, podemos entender

que essas práticas são conhecidas como uma intervenção sobrenatural na História humana. Conforme Eliade (1991) “ Em

suma o cristão é levado a aproximar-se de todo conhecimento histórico com “medo e temor”; pois, a seus olhos, o

acontecimento histórico mais banal, mesmo continuando a ser verdadeiro (ou seja, historicamente condicionado), pode

65

relações humanas consideradas injustas ou pecadoras, ou seja, o pertencimento sobrenatural

relacionado a algo sagrado que é considerado inexplicável para o cientificismo humano. As

narrativas em torno do encontro da imagem possuem características de histórias míticas que

evocam personagens e espaços considerados sagrados na tradição popular.

Esses relatos que são encontrados nos contos populares podem enfatizar a dimensão

cultural do início do culto a Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Nos dois relatos citados

acima podemos destacar a presença de elementos que estão de alguma maneira na história

oficial narrada em relação ao encontro da imagem como o rio Paraíba e a cor escura da

mesma.

A imagem da virgem, quadro ou estátua, é fundamental na

teologia popular latino-americana. É na imagem que se faz presente a mãe e

que permite relações humanas de proximidade [...]. Na imagem se estabelece

uma certa unidade entre a pessoa representada e a imagem, de tal forma que

se originaram relações humanas com ela. A imagem se constitui na padroeira

e é especialmente milagrosa. (DORADO,1992, p..71)

Oficialmente a Igreja possui uma pesquisa científica na qual justifica a origem da

imagem encontrada no rio Paraíba. A estátua de barro cozido tem a sua confecção um tanto

incerta, a mesma tem traços marcante do barroco brasileiro e segundo algumas especulações

teria sido feita por um monge Agostiniano que viveu no Século XVII na cidade de Santana de

Parnaíba, localizada na província de São Paulo. Atribui-se ao monge Frei Agostinho de Jesus

um santeiro baiano que teve como mestre o Frei Agostinho da Piedade .41

Os santeiros eram aqueles artesãos mestres em fabricar imagens religiosas

devocionais, ou seja, tinham habilidade em esculpir imagens de santos e santas ligados a

tradição religiosa de suas regiões, produzindo o que conhecemos como arte “religiosa”. A arte

religiosa, é a arte que valoriza o sentido devocional dos exercícios populares, essa arte é muito

diferenciada da arte sacra, que é um estilo artístico de uma arte produzida a partir das

exegeses catequéticas e que tem como estratégia principal facilitar a catequese doutrinal e o

culto divino institucional do catolicismo.

A narrativa abaixo é assumida oficialmente pela Igreja como a História do encontro da

imagem de Nossa Senhora da Conceição no rio Paraíba. O que leva a Igreja a registrar e

conservar essa narrativa? Qual seria a necessidade de registrar a devoção a Nossa Senhora

esconder uma nova Intervenção de Deus na História, em todo o caso, esse acontecimento pode ter uma significação trans-

histórica, pode portar uma mensagem. (p.171) 41 In: MACHADO,P. Aparecida: Na História e na Literatura. Campinas: Ed. Do autor, 1975.

66

Aparecida dentre as inúmeras devoções existentes no Vale do Paraíba? De acordo com o

registro do livro do Tombo da Paróquia de Guaratinguetá registrado no ano de 1743 pelo

Padre José Vilela o encontro da imagem ocorreu da seguinte forma:

No ano de 1719, pouco mais ou menos, passando esta vila para as

Minas, o governador delas e de São Paulo, o Conde de Assumar, Dom Pedro

de Almeida e Portugal, foram notificados pela câmara os pescadores pra

apresentarem todo o peixe que pudessem para o dito governador. Entre

muitos foram a pescar Domingos Martins Garcia, João Alves e Felipe

Pedroso com suas canoas. E principiando a lançar suas redes no Porto de

José Correia leite, continuaram até o Porto de Itaguassu, distancia bastante, sem tirar peixe algum. (Livro do Tombo da Paróquia de Guaratinguetá p.98)

O Conde de Assumar42, aparece neste relato portando um papel de representação,

representa o poder “temporal”, ou seja, uma autoridade que oprime em razão de um cargo

governamental.

E lançando nesse Porto João Alves e sua rede de rasto, tirou o corpo da

senhora, sem cabeça: lançando mais abaixo outra vez a rede tirou a cabeça

da mesma senhora não se sabendo nunca quem ali a lançasse. Guardou o

inventor esta imagem em um tal e qual pano, e continuando a pescaria, não

tendo até então tomado peixe algum, dali por diante foi tão copiosa a

pescaria em poucos lanços, que receoso, e os companheiros de naufragarem

pelo muito peixe que tinham nas canoas, se retiraram as suas vivendas,

admirados deste sucesso. (Livro do Tombo da Paróquia de Guaratinguetá

p.98)

O relato se mostra muito objetivo e ao mesmo tempo transpõe uma experiência

mística. Fatores que vão aparecer de formas diversas: a ligação da imagem com o rio e os

pescadores (a favor da classe laboriosa), a imagem aparece sem cabeça (as mortes por

decapitação na corrida do ouro), a imagem encontrada é “enegrecida” pelas águas do Rio

Paraíba ( relação da escravidão). Sobre as narrativas culturais Burke (2008) destaca que

“oferecem pistas importantes para o mundo em que foram criadas’. Além destes elementos o

rio é elemento importante nesta história.

Os rios desde a antiguidade evocam uma ligação com o sobrenatural, na crença cristã a

água revigora e é sinal de transformação, pureza e vida. Podemos ir a tempos longínquos e

pensar como a água marca a tradição cristã desde a sua origem: o batismo de Jesus no rio

42In: BRUSTOLONI, J. J. História Abreviada do Santuário de Aparecida. 9. ed. São Paulo: Editora Santuário, 1996, pg.31-

35.

67

Jordão marca o início da sua vida pública e é utilizado na tradição crista como o “momento

em que as águas foram santificadas”.43

Podemos nos aventurar de forma mais longínqua e pensar o relato da criação que é

transmitido pelo cristianismo “ o espírito de Deus pairava sobre as águas”44, ou seja a relação

do divino que passa pela água como elemento físico que evoca misticamente a presença de

uma transcendência sagrada e religiosa.

É assim que a imagem de Nossa Senhora da Conceição aparece naquelas águas do rio

Paraíba do sul, um rio que tinha um sentido muito forte para aquela região, proporcionava

sustento através da pesca e acorria as necessidades hidrográficas daquela sociedade45.

Na tradição popular, no relato que nos é proposto e descrito acima o rio é habitado por

um monstro, ou seja, um ente sobrenatural que não pertence ao mundo cotidiano e que é

combatido pela fé na virgem Maria, quando a sua imagem é lançada sobre o mesmo. De uma

maneira ou outra o espaço do rio e a ligação com as águas reforça a ligação com o

sobrenatural, importando seja no relato oficial ou no relato popular uma relação mística.

A estatueta que surge das águas carrega em si não apenas o lado, ou a lama do rio e

sim um sentido místico, um sinal das águas que ora possuíam o espírito cosmogônico e agora

materializa algo que estaria ligado a este espírito. Isso pode estar muito ligado a oficialização

do culto dada pela Igreja. “ Esses mitemas são recorrentes nas narrativas em torno das

imagens de devoção popular e atestam o caráter diferenciado dessas imagens, dando-lhes a

legitimidade necessária para se tornarem objetos da adoração e destino das romarias e

peregrinações. ” (ABUMANSSUR, 2017, p.110)

A imagem representa algo sobrenatural que protege e oferece segurança onde não se

encontra no mundo natural. A representação seria dada pela exposição de uma imagem, que

substitui algo outro, ou mesmo pela exibição de objetos ou ainda uma performance portadora

de sentidos que remetem a determinadas ideias (PESAVENTO,2007, p. 20).

43 In: RATZINGER, J. A transmissão e as fontes da fé. In.: Communio. Vol XXIII, N° 1, 2005, pp. 29-50. 44 In: Ibid.

45 In: BRUSTOLONI, J. J. História Abreviada do Santuário de Aparecida. 9. ed. São Paulo: Editora Santuário, 1996.

68

Figura 3- Fotografia da imagem original de Nossa Senhora Aparecida, antes de ser restaurada. Fonte: CDM. Aparecida -

SP

A fotografia acima, faz parte do acervo do centro de documentação e memória do

santuário Nacional de Aparecida, é uma das poucas fotografias da imagem original

encontrada no rio Paraíba sem o manto e a coroa, de acordo com dados do arquivo essa

fotografia foi feita durante a segunda metade do século XX. A imagem nos remete a uma

imagem de Nossa Senhora da Conceição, típica devoção portuguesa presente no Brasil, nesta

fotografia ela já se encontra apoiada no pedestal de prata que lhe foi fixado para facilitar o

transporte e a conservação.

Dois elementos chamam a atenção na imagem: os cabelos que estão incompletos e o

pescoço envolto em colares. Segundo a narrativa do santuário nacional, a imagem foi

encontrada assim, parte de seu cabelo teria sido comprometido pela água e o pescoço, como é

pontuado na narrativa oficial estava quebrado, sendo a cabeça fixada com cola e os colares

um costume popular para disfarçar a emenda das partes fixadas.

A imagem de Nossa Senhora da Conceição encontrada no rio estava decapitada, a

cabeça separada do corpo, estando submersa no rio paraíba no contexto do século XVIII a

69

tradição popular vai associar essa figura de linguagem a pena de morte46 que era legitimada

neste contexto de formação do império luso-brasileiro. Misticamente a associação feita a esse

contexto histórico busca representar ou de alguma maneira identificar a violência presente nas

ações legitimadas pela estrutura governamental como uma demonstração de poder temporal

que oprime as expressões humanas de grupos sociais menos favorecidos.

Será que de fato foi a devoção popular que colocou esses colares para encobrir a

emenda entre a cabeça e o corpo da santa? E esse significado atribuído as decapitações que

ocorriam no império, pode ser considerado com uma prática de questionamento político? A

constituição da imagem e a transcrição oficial feita em torno dela já nos apontam elementos

políticos que constituem as práticas religiosas, até mesmo as práticas de devoção popular.

De acordo com Moura:

“Tem-se aqui uma metáfora densa da sociedade brasileira, que o mito nos

lega, mas num plano inconsciente. Sociedade brasileira em que a cabeça da

sociedade, jamais se funde com o corpo, sempre associadas num equilíbrio

instabilíssimo, que se complica através de segmentações sociais, culturais e

raciais cada vez mais plurais. ” (MOURA,1997, p.132)

Os pescadores passam a serem vistos como oprimidos em um contexto social pela

ordem recebida da Câmara de Guaratinguetá, uma leitura que vai ser atualizada nos discursos

e publicações feitas pelo jornal “Santuário” na década de 1930, afinal tinham que pescar e

entregar uma grande quantidade de peixes para um representante do sistema monárquico em

uma época do ano que a pesca estava difícil, ou seja, realmente buscam um milagre.

Através desta experiência social acontece um encontro que vai ser caracterizado

místico e religioso e que culturalmente vai sendo definido por interpretações diversas até se

transformar em uma “prática de devoção”, a devoção a Nossa senhora Aparecida. Ao estudar

as práticas devocionais no contexto da região das minas e depois no vale do paraíba Moura

destaca:

Já não se está mais no sertão fazendeiro, aurífero e diamantino, mas

ainda o século XVIII, num período que precede em muito o ciclo cafeeiro.

Este achado se dá numa área onde a devoção à Virgem da Conceição e a

devoção à Virgem do Rosário são fortes, marcadas estas invocações pela

segmentação de santa de rico e santa de pobre, já descrita para Minas Gerais.

As devoções 'tradicionais", isto é, aquelas originárias da tradição

iberocatólica, são expressivas numa área cultural e geográfica que não só

está povoada de fazendas escravistas (perfil que no século XIX, o café

46 Ibid.

70

acentuará ainda mais) mas onde também ocorria o trabalho do agregado,

onde as vilas mais importantes eram passagens importantes do que restava

do ouro das Minas, do algodão de Minas Novas e os outros bens que deviam

atravessar a Mantiqueira e a Serra do Mar. Refiro-me às Vilas de Hepacaré,

Guaratinguetá, Cunha e, entre outras, Paraty, já na Província do Rio de

Janeiro. (MOURA,1997, p.125)

Portanto, desde as diversas narrativas que contam o encontro da imagem até a história

assumida como oficial registrada no livro do tombo da Paróquia de Guaratinguetá existem

elementos míticos que atestam o caráter de devoção popular que podemos encontrar em torno

da mesma, possibilitando leituras e problematizações que possibilitam outras leituras além da

que é oficialmente assumida pela Igreja católica no Brasil em torno deste ícone religioso.

71

2.2. Os pescadores e os primeiros milagres

Aspectos como estes levaram a devoção e culto a imagem “ que apareceu”, daí o

codinome que a mesma ganhou “ Nossa Senhora Aparecida”, que mais tarde vai se tornar

uma invocação, fazendo menção a forma como ela foi encontrada. Consequentemente, a

pescaria milagrosa em um rio que não tinha peixes se torna o primeiro milagre atribuído a

imagem, deste modo a fama que a referida imagem era milagrosa começa a se propagar.

Ao analisar aspectos diversos, relatados em entrevistas com devotos da Padroeira do

Brasil considerados “milagres”, salienta Santos:

Essa fé na capacidade da Padroeira em prover os seus filhos traduz-se na

expectativa de receber e agradecer pelas graças alcançadas: os milagres. O

maior milagre é a manutenção da família unida. O resto é decorrência desse

milagre principal: saúde, moradia, proteção da violência urbana, manutenção

e educação dos filhos, como podemos constatar através das entrevistas.

(2011, p.16)

Os pescadores que trouxeram a imagem do rio Paraíba são familiares, fato que atesta o

caráter inicial da devoção a mesma ser uma devoção doméstica, ou seja, privada. A partir

deste culto privado surge um culto público que com os passar dos anos assume um caráter

nacional.

Os três pecadores Felipe Pedroso, Domingos Alves Garcia e João Alves seriam os

primeiros a propagarem na região do antigo morro dos coqueiros a crença na Senhora

Aparecida. Qual seria a origem desses três pescadores? Como poderíamos afirmar a existência

dos mesmos? Alguns documentos da Paróquia de Guaratinguetá conservados na Cúria

Arquidiocesana da cidade de Aparecida – SP fazem referência a existência dos mesmos47.

Outro elemento comum a esses mitos é o lugar social das pessoas a quem

a Virgem ou os santos decidem se mostrar: são sempre pessoas que vivem à

margem dos circuitos sociais mais bem estabelecidos. São pescadores,

indígenas, escravos, lenhadores, pastores. Pessoas pobres de recursos

materiais que são socorridas em suas necessidades por intervenção divina.

São os mais pobres os depositários da confiança do divino. Não é sem razão

que o divino se manifesta, em especial, para os mais carentes, pois são eles

que têm as melhores disposições para receberem esse tipo de ajuda,

considerando que dificilmente, podem contar com o auxílio da ciência, da

tecnologia ou das organizações e instituições sociais modernas e

dependentes de uma cultura tipicamente urbana. (ABUMANSSUR, 2017,

p.110-111)

47 In: MACHADO, P. Aparecida na História e na Literatura. Campinas: Ed. Do autor, 1975.

72

Por determinação dos fatores sociais que foram acontecendo em torno da imagem

esses três pescadores são os primeiros a produzir o embrião da devoção a Nossa Senhora da

Conceição Aparecida. O primeiro milagre então é testemunhado por estes três protagonistas: a

pesca milagrosa.

A figura do peixe e da pesca aparece na tradição religiosa como símbolo das origens

do cristianismo, desde as primeiras comunidades cristãs o peixe é utilizado como um

presságio de benção e partilha de alimento, reforçando a dimensão da partilha e da

solidariedade como espinha dorsal dessas comunidades. Não é à toa então que após o

aparecimento da imagem, os pescadores tendo conseguido tanta abundância de peixes façam

uma ligação com o encontro da mesma imagem retirada das águas.

Para Moura:

No Vale do Paraíba paulista, no fim do século XVIII, é encontrada por

pescadores do Rio Paraíba uma imagem da Virgem. O mito nos fala de uma

pescaria convencional em que a rede ao invés de trazer peixe traz, em

primeiro lugar, o corpo de uma imagem e, numa segunda jogada, a cabeça da

mesma imagem [...]. A nova imagem acolhida, não da superfície do mar,

como a do Rosário, mas do fundo do rio mais importante o Paraíba em

condições excepcionais, propícias à crença nos milagres, que se sucedem,

uns após outros. Ela é surgida, aparecida, sai das águas desta terra,

diferentemente das outras, passageiras que de caravelas e galeões aqui

chegam, porque já eram e estavam. (MOURA,1997, p.125)

Temos, portanto, um paralelo, a imagem que aparece nas águas vai propiciar uma

mistificação que enaltece a prática popular de culto a virgem Maria, ou seja, não se tem mais

a imagem da Nossa Senhora da Conceição trazida por colonizadores além-mar e sim é uma

Nossa Senhora desta terra, destas águas que representa o povo do Vale do rio Paraíba.Tendo

como propagadores a figura dos três pescadores a narrativa em torno do milagre atesta a

dimensão sagrada em torno da imagem.

A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram

todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que

menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores

anônimos. Entre estes, existem dois grupos, que se interpenetram de

múltiplas maneiras. A figura do narrador só se torna plenamente tangível se

temos presentes esses dois grupos. “Quem viaja tem muito que contar”, diz o

povo, e com isso imagina o narrador como alguém que vem de longe. (

BENJAMIM, 1994, p.204)

A narrativa que vai ser conservada até transformar-se em texto escrito destaca a

popularidade que a imagem ganhou a partir do que é contado naquela aldeia de pescadores.

73

Após o episódio da pesca “milagrosa” teria o povo acorrido a imagem e lhe dedicado sempre

orações piedosas e preces populares garantindo a mesma um agradecimento pela graça

alcançada. Neste contexto pode se observar uma devoção doméstica ligada as características

rurais daquela região que a imagem apareceu.

Um pouco depois temos o registro do segundo milagre, que seria chamado de “milagre

das velas”, episódio narrado no livro do Tombo da Paróquia de Guaratinguetá.

Em uma destas ocasiões se apagaram duas luzes de cera da terra,

repentinamente, que alumiavam a Senhora, estando a noite serena, e

querendo logo Silvana da Rocha acender as luzes apagadas também se viram

logo de repente acesas, sem intervir diligência alguma: foi este o primeiro

prodígio, e depois em outra semelhante ocasião viram muitos tremores no

nicho e altar da Senhora, que parecia cair a Senhora, e as luzes trêmulas

estando a noite serena. (Livro do tombo da Paróquia de Guaratinguetá p. 98)

O milagre das velas ocorre durante a noite e logo é entendido como um segundo

milagre oferecido pela imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, a escuridão da

noite simbolizaria as trevas do mundo que separa o ser humano do divino sendo necessário

que os devotos pudessem transmitir luz nessa escuridão. Não temos data oficial que

demonstra qual seria o período em que aconteceu o milagre descrito nesse relato.

Provavelmente este fenômeno ocorrera durante a reza do terço que se torna popular na

devoção a Nossa Senhora Aparecida.

Muitos outros casos surgem no imaginário popular: cura de uma menina cega de

nascença, um caçador salvo dos dentes de um animal feroz em plena mata fechada, uma

criança salva das águas no rio Paraíba... O próximo trecho também é retirado do livro do

Tombo e novamente reforça a presença feminina de Silvana da Rocha, que se torna uma das

protagonistas ligada aos primeiros milagres relatados.

Em outra semelhante ocasião, em uma sexta feira para o sábado ( o que

sucedeu várias vezes) juntando-se algumas pessoas para cantarem o terço,

estando a Senhora em poder de Silvana da Rocha, guardada em uma caixa

ou baú velho, ouviram dentro da casa muito estrondo, muitas pessoas, das

quais se foi dilatando a fama até que patenteando-se muitos prodígios, que a

senhora fazia, foi crescendo a fé e dilatando-se a notícia, e chegando ao

vigário José Alves Vilela, este e outros devotos lhe edificaram uma

capelinha e depois demolida esta, edificaram no lugar em que hoje está com

grandeza e fervor dos devotos, com cujas esmolas tem chegado ao estado em

que de presente está.(Livro do tombo da Paróquia de Guaratinguetá p. 98)

A Igreja sancionou e divulgou os três primeiros milagres relatados, os mesmos fizeram

parte dos inúmeros processos que serviram para oficializar esta devoção popular.Os milagres

74

que hoje são conhecidos e de alguma maneira reconhecidos pela Igreja foram: as velas que se

acenderam sozinhas durante a reza do terço na casa de Silvana da Rocha, irmã de Felipe

Pedroso. E também o cavaleiro que ficou preso no átrio da igreja em seu animal por fazer

chacota e duvidar dos milagres atribuídos a santa.

Os prodígios desta imagem foram autenticados por testemunhas que se

acham no Sumário sem sentença, e ainda continua a Senhora com seus

prodígios, acudindo à sua santa casa romeiros de partes muito distantes a

gratificar os benefícios recebidos desta senhora. (Livro do tombo da

Paróquia de Guaratinguetá p. 98)

Sem nenhuma dúvida o milagre de maior destaque é a libertação dos grilhões do

escravo Zacarias, que sendo apanhado em fuga pediu para rezar em frente a imagem em sua

capela, e teve as correntes que o prendiam arrebentadas proporcionando-lhe a liberdade. No

imaginário popular muitos milagres surgiram, pois, de acordo com Brustoloni:

Para o povo, o termo “milagre” tem um significado muito mais amplo do

que aquele da Teologia Católica. Para a gente simples, o conceito “milagre”

abrange os dons naturais provenientes da natureza ou da habilidade humana.

A chuva que cai a seu tempo, a saúde dos animais, o clima favorável, as

plantações e colheitas, uma cirurgia bem-sucedida ou uma doença debelada,

um problema pessoal ou profissional bem solucionado, tudo isso conseguido

após um pedido a Nossa Senhora Aparecida é considerado milagre pelo

povo. (BRUSTOLONI, 1998, p.57)

Os milagres estão relacionados com a intervenção imediata em problemas sociais,

desde o encontro da imagem. De acordo com o botânico Saint Hilare que passou por

Aparecida em 1822 a imagem era vista como “milagrosa” a algum tempo.

A uma légua de Guaratinguetá, passamos em frente a capela de Nossa

Senhora da Aparecida. A imagem que ali se adora, passa por milagrosa e

goza de grande reputação, não só na região como nas partes mais longínquas

do Brasil. Aqui vem ter gente: dizem, de Minas, Goiás e Bahia, cumprir

promessas feitas a Nossa Senhora Aparecida. “ (HILARE, 1954, p.66)

O estudioso que estava viajando pela Província de São Paulo, passa pelo Vale do

Paraíba e destaca o povoado “ Nossa Senhora Aparecida”, onde por causa de uma imagem de

Nossa Senhora aclamada como milagrosa acorre pessoas de outras províncias do Brasil para

cumprir promessas feitas a mesma. A dimensão que esta devoção vai tomando pode ser

observada então desde o século XVIII, caracterizando uma invocação própria do contexto

sertanejo do Vale do Paraíba. Ressaltando o caráter rural da devoção que ia se fortalecendo.

75

2.3. Edificações do culto e reconhecimentos

O Povoado de Aparecida fazia parte da Vila de Guaratinguetá e teve o seu

desmembramento a partir da estrutura de crença que foi sendo formada em torno das

homenagens e relações sociais criadas pelo motivo do aparecimento da imagem no início do

Século XVIII. As fontes oficiais e registros que existem sobre este culto e sua evolução foram

reunidas aos poucos por padres e escritores de áreas diversas48 que tinham a ideia de propagar

e guardar a crença ligada a Nossa Senhora Aparecida.

Rapidamente relatos populares em torno da imagem passaram a ser sendo transmitidos

entre diversos grupos sociais. As proporções destes relatos chamaram a atenção do Vigário de

Guaratinguetá, provocando a necessidade de uma especulação em relação aos chamados

milagres e prodígios que a imagem vinha fazendo.

Apesar de ter atravessado uma formação ligada ao cristianismo durante o

desenvolvimento da chamada região das Minas, o Vale do Paraíba não fugia a regra do

restante do país, o número de clérigos era muito pequeno e nem todas as regiões eram

assistidas com facilidade por uma Paróquia. Fatores que analisamos no capítulo anterior.

A vida social neste contexto estava toda ligada a questão religiosa, pela instituição do

Regime do Padroado no Império Ultramarino Português os padres eram em sua maioria

assalariados públicos tendo domo mecenas de financiamento a organização governamental

vigente. Os clérigos recebiam um salário oriundo do tesouro nacional, fato que imbricava

ainda mais o poder religioso ao poder político.

Os lugares de culto e abrigo da imagem de Nossa Senhora Aparecida na origem desta

devoção se perdem em relatos dispersos e anotações feitas pelo Padre Vilela, na época vigário

de Guaratinguetá no Livro Tombo da Paróquia. Nos costumes cristãos ter em sua casa

imagens de santos e santas católicos é muito comum, principalmente nas regiões das Minas

onde a arte barroca foi difundida49,neste contexto histórico a região de Guaratinguetá era um

caminho de passagem para as Minas devido a sua proximidade com as cidades que tinham

destaque nos movimentos de administração econômica e social.

48 In: MELLO E SOUZA, Laura de, org. Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo:

Companhia das Letras, 1997. (Col. História da Vida Privada no Brasil, v.1). 49 In: MELLO E SOUZA, Marina de. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de Rei Congo. Belo

Horizonte: Edit. UFMG, 2002.

76

Podemos ressaltar que a Igreja utilizava essas imagens como um instrumento

catequético principalmente para ilustrar e atingir a imaginação das pessoas proporcionado

uma manifestação mística para aqueles que não sabiam ler e escrever, ou que não falavam a

língua nativa como os africanos que aqui foram escravizados. A catequese devocional era

muito mais popularizada em todo o país do que a catequese doutrinária baseada nas perguntas

e respostas.

A imagem de Nossa Senhora Aparecida vai acompanhar a rotina dos pescadores que a

recolheram nas águas do rio Paraíba, sendo passada hereditariamente na família destes

mesmos pescadores até o reconhecimento eclesiástico do vigário de Guaratinguetá que

assumirá a responsabilidade pela mesma tempos depois. Essa trajetória de reconhecimento do

culto pela Igreja pontuaremos no próximo tópico.

Segundo Machado (1975) “ a imagem de Nossa Senhora Aparecida passou por sete

altares”, ou seja, uma referência ao número de mudanças e abrigos arquitetônicos que foi

proporcionado a estátua desde o seu encontro no Porto de Itaguaçu.

Após a descrição do encontro da imagem em 1717 se registra na continuação do relato

no livro do tombo da Paróquia de Guaratinguetá feito pelo vigário Vilela “ Felipe Pedroso

conservou esta imagem seis anos pouco mais ou menos em sua casa, junto a

Lourenço de Sá [...]” (p.44), pontua-se aqui um primeiro período de seis anos, ou seja de 1717

até 1724.

Tudo indica que a imagem permaneceu este período na casa de Felipe Pedroso na

beira do córrego chamado Lourenço de Sá onde hoje está localizada a Estação de trem na

cidade de Aparecida - SP, de acordo com os relatos oficiais apurados pelo Santuário Nacional

o pescador veio a se mudar deste local levando a imagem consigo.

Retomando ainda a continuação do relato [...] “e (Felipe Pedroso) passando para a

Ponte Alta, ali a conservou em sua casa nove anos, pouco mais ou menos [...]. ” (Pg.44), ou

seja, o período citado estaria entre os anos de 1724 até 1733.Dando sequência a trajetória

tomada pela imagem o registro prossegue:

“ Daqui se passou a morar em Itaguassú, onde deu a imagem a seu filho

Felipe Pedroso, o qual lhe fez um oratório tal e qual, e em um altar de páus

colocou a Senhora, onde todos os sábados se ajuntava a vizinhança a cantar

o terço e mais devoções. ” (MACHADO, 1975, p.44)

77

Portanto de 1733 até 1742 a imagem de Nossa Senhora voltou para a localidade onde a

mesma havia sido encontrada, já sendo procurada por pessoas da região que iam até a mesma

prestarem homenagens e cantar a oração do terço, presente na tradição religiosa popular

brasileira. Teria sido em uma destas reuniões supostamente que ocorreu o chamado “ milagre

das velas”, citado anteriormente. Essa exposição da imagem em um oratório pública enfatiza à

proporção que a devoção começa a assumir com o passar do tempo.

No ano de 1742 estando o culto a imagem de Nossa Senhora Aparecida sendo

acompanhado pelo clérigo, José Alves Vilela foi lhe construída uma Capela de Pau- a- pique e

coberta de sapé, oferecendo aos fiéis um culto público a referida imagem que já não mais

comportava apenas o culto doméstico. Uma questão importante: é exatamente o Padre José

Alves Vilela que escreve pela primeira vez em registro oficial o relato de como a imagem foi

encontrada que discutimos anteriormente. Podemos considerar este fato como o primeiro

registro de uma institucionalização dessa devoção, o reconhecimento do clero local.

Ao tratar dessa prática em relação as devoções populares, salienta Jurkevics:

Uma medida importante, nesta estratégia, foi trazer a guarda das imagens

dos santos de devoção popular para os templos paroquiais (matriz ou

capela), em substituição às ermidas e oratórios, onde as imagens eram

guardadas por leigos. Correlatamente a essa medida, ocorreu o controle das

romarias, onde ermitães foram substituídos por sacerdotes, especialmente de

congregações religiosas, pois quem tinha o controle da imagem tinha

também o controle da festa e da devoção. Isto ocorreu nos grandes centros

de romarias que passando para o controle clerical se tornaram fonte de

tensões entre as práticas de romeiros e o catolicismo romano do clero.

(JURKEVICS, 2004 pg.43)

O mesmo vigário vai pedir ao Bispo de maneira oficial, com documento datado do dia

05 de maio de 1743 a construção de uma capela para abrigar a imagem de Nossa Senhora

Aparecida, processo que vai se desenrolar até o ano de 1745, onde a Capela teve a sua

inauguração no dia 26 de julho deste ano. Que hoje é chamada de Basílica50 velha e é

localizada no Morro dos Coqueiros na cidade de Aparecida – SP.

Segundo Hoanaert:

“A transladação da Imagem do santo ou da santa da ermida ou do

santuário doméstico para a matriz simboliza esta tentativa de recuperação

50 A história etimológica da palavra basílica começa na língua grega, com um vocábulo que chegou ao latim sob a

designação de basílica (que alude a um “edifício público”). No nosso idioma, uma basílica é uma igreja que sobressai pela

sua dimensão, a sua história ou outras características especiais. In: https://conceito.de/basilica, acessado em 30 de julho de

2018.

78

por parte do poder dominante. A procissão solene anual, perpetua e renova o

começo desta recuperação. ” (p.400,1983)

O viajante Saint Hilare51 passando pela província de São Paulo no ano de 1822 deixa

registrado em seu diário de viagens uma menção da igreja de Nossa Senhora Aparecida do

morro dos coqueiros, descrevendo também a visão que se pode ter a parir da mesma.

Comparada com a igrejas visitadas por ele nas regiões das minas que possuíam a “douração”

em seus altares e várias peças em ouro o botânico vai considerar o templo uma construção

sem notoriedade.

“A igreja está construída no alto de uma colina, á extremidade de grande praça

quadrada e rodeada de casas. Tem duas torres que fazem de campanário, mas seu

interior nada apresenta de notável. O que realmente vem a ser a vista encantadora

desfrutada do alto da colina. Descortina-se região alegre, coberta de mata pouca

elevada. O Paraíba ali descreve elegantes sinuosidades, e o horizonte é limitado pela

alta cordilheira da Mantiqueira. “

Deste modo podemos destacar na origem do culto uma religiosidade muito ligada a

questões devocionais e populares que tende a se propagar nessas regiões que tinham pouco

investimento em uma catequese tradicional e confirmavam um espaço de privilégio clerical.

Sendo que o reconhecimento de crenças como o culto a Nossa Senhora Aparecida sempre se

deu de maneira paralela a ideias catequéticas propostas pelo clero ou por instituições que o

representavam, aspecto que vai se intensificar apenas no início do século XX. Para Moura:

Ainda no século XIX é construída uma capela e depois uma igreja, de

aspecto barroco na sua feição arquitetônica externa em Guaratinguetá.

Tornase o cenário específico de sua devoção. Proprietários de escravos e

escravos, comerciantes, faiscadores, agregados, tropeiros, sitiantes,

posseiros, todos acodem ao templo desta velha/nova Virgem Maria, que

ganha a altitude dos altares principais em inúmeras igrejas, e surge modesta

pequenina nas capelas rurais passando a fazer parte das algibeiras dos

viandantes. (MOURA,1997, p.125)

Alguns relatos recolhidos no início do Século XX em razão dos estudos feitos pelo

Padre Otto Maria Boehm52, missionário redentorista que de 1915-1920 reuniu e transcreveu

documentos para fazer parte do acervo do arquivo histórico da então Catedral de Aparecida -

SP. Foram recolhidos depoimentos de pessoas diversas das regiões em torno de Aparecida

que através de suas memórias relatavam fatos relacionados a história da imagem e a evolução

do culto a mesma no Vale do Paraíba.

51 In: HILARE, Augusto Saint. Segunda Viagem a província de São Paulo. São Paulo: Martins,1954.

52 De acordo com informações trazidas no livro do Padre Machado, Aparecida na História e na Literatura (1975) o Padre

Otto Maria Boehm, teria nascido na Alemanha em 1880, ordenado sacerdote em 1907 e vindo para o Brasil como

missionário redentorista.

79

O depoimento abaixo arquivado na Cúria e posteriormente publicado pelo jornal “O

Santuário” diz o seguinte:

“Os pescadores que acharam a imagem de Nossa Senhora eram do

Porto das Pedras e vieram descendo o Rio Paraíba, até que chegaram ao

Porto de Nossa Senhora, onde foi o ponto final da pescaria. Foi ali mesmo

que pescaram a cabeça da imagem. Os pescadores deram a santa a Silvana

da Rocha que morava no alto do morro dos coqueiros num casebre de sapé,

encostado numa grande árvore de graúna que servia de esteio. E nessa

árvore, a qual era ôca embaixo, Silvana colocou a dita imagem, justamente

no lugar onde se ergue o altar mor da atual igreja. Depois do estrondo que a

Imagem tinha dado várias vezes, enquanto fica guardada numa caixa,

arrumaram um altarzinho sobre o tronco ou cepo daquela árvore cortada.

Segundo uma antiga tradição está ainda guardado aquele tronco de graúna

debaixo do altar de Nossa Senhora verdade esta que alguns pedreiros que

trabalharam nas obras da Capela, confirmam como testemunhas oculares”.

(Maria Rosa de Jesus 91 anos de idade In: MACHADO,1975, p. 186)

A transferência de uma imagem doméstica para um oratório público caracteriza a

evolução de uma crença particular para uma crença pública, o que marca a sua expansão e

propagação popular tanto no viés religioso quanto nas esferas políticas que ambientam as

construções de intercâmbios culturais, o espaço que a devoção vai alcançar ultrapassa a

dimensão individual de crença “conquistar com suas próprias forças um espaço, a partir da

consciência individual, não obstante sua marginalização na vida pública” (MATOS, 1997,

p.41)

Um longo trajeto foi percorrido para que a devoção a Senhora Aparecida se tornasse

oficializada. As peregrinações e romarias em torno do Porto de Itaguaçu na região de

Guaratinguetá-SP, segundo narrativas espalharam em suas rotas prodígios e milagres. Isso

pode ser constatado no trecho abaixo:

Chegou hoje de madrugada uma numerosa romaria do Rio. No dia 9 é

esperada uma romaria de Caçapava, exclusivamente de militares. Durante

ocorrente mez são esperadas diversas romarias, procedentes de várias

cidades.53

Na época que a imagem foi encontrada por volta de 1717 a via de Guaratinguetá

possuía uma capela em seus arredores que era administrada por religiosos Mercedários54 “

53 In: JORNAL “O PARAHYBA”. Edições: Nº 460, Nº 741, Nº 963, Nº 1316.

Disponível em: http://www.jornalolince.com.br/arquivo-digital/o-parahyba/ Visitado em 03/12/2018. 54 Sobre a Ordem dos mercedários: “A Ordem Real e Militar de Nossa Senhora das Mercês da Redenção dos Cativos surgiu

através dos investimentos de São Pedro Nolasco e São Raimundo da Penaforte, com o rei Jaime I. Segundo relatos tão

antigos quanto o histórico dessa invocação, a Virgem teria aparecido em sonho para os três homens em uma mesma noite,

solicitando a intercessão pelos fiéis que se encontravam em cativeiro. Em vista disso, eles constituiriam a Ordem com votos

de castidade, obediência e pobreza. Como também deveriam proporcionar a libertação dos escravizados, desempenhariam

80

Houve em Guaratinguetá pároco desde antes de 169055... Frei João da Costa e Almeida, frade

mercedário, em 1715... supomos que no aparecimento da imagem ele ainda estava lá, pois no

elenco existente figura entre os auxiliares de 1720” ( Cf. a Igreja na Hist. De SP – Tomo 3º

pg.201).

O viajante Saint Hilare também comenta a existência de uma capela dedicada à Nossa

Senhora do Rosário na região entre a vila de Guaratinguetá e o povoado de Lorena “A cerca

de duas léguas de Nossa Senhora Aparecida, encontra-se a beira do caminho, uma capelazinha

chamada Capela do Rosário. Apenas merece que dela se faça menção. Depois de passada tal

capela veem-se muito menos casas. ”56

Entendemos então que existiam referencias do clero na vida do povo que morava

naquela região, já estava presente, possivelmente Frei João da Costa e Almeida era o pároco

no período que a imagem de Nossa Senhora Aparecida fora encontrada no Rio Paraíba. A

ligação paroquial de Guaratinguetá era com a sede episcopal do Rio de Janeiro, diocese a qual

estava subsidiada territorialmente. O bispo daquela Diocese no período era Dom Francisco de

São Jerônimo57, português da Congregação de São João evangelista.

Conforme Machado:

Mui provavelmente, tiveram conhecimento da pesca

histórica e primeiras notícias, sem lhes dar maiores atenções, os Vigários de

Guaratinguetá, antecessores do Padre Vilela que foram os religiosos

Mercedários (Ordem de Nossa Senhora da redenção dos cativos), entre os

quais figuram desde 1715 a 1720, como Vigários – Frei João da Costa e

Almeida seguido por Frei Felix Sanches Barreto até 1722 e desta data até

novembro de 1725 – Pe. Antônio Bicudo de Siqueira. (MACHADO,1975,

p.186)

Podemos entender que os padres não olharam com respectiva significância para o

fenômeno da pesca da imagem no início das transposições orais sobre o mesmo por não se

interessarem por este tipo de crendice direcionada e vivida por pessoas que não possuíam

instruções eclesiásticas ligadas diretamente a hierarquia da Igreja. No entanto existe a

assim seu fim militar. Os primeiros mercedários que chegaram ao Brasil, mais exatamente em Belém do Pará, vieram do

Peru com Pedro Teixeira em 1639.

In: TEIXEIRA, Vanessa Cerqueira. A celebração entre o sagrado e o profano: os rituais festivos da irmandade de Nossa

Senhora das Mercês de Mariana (Minas Gerais, séculos XVIII-XIX) DOI: 10.18226/22362762.v16. n.32.08

<http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/metis> 55In: NERY,Frederico Morato. Os primeiros episcopados do Rio de Janeiro: de D. José de Barros Alarcão a D. Frei Antônio

do Desterro Malheiros. Coletânea Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 295-312 Jul./Dez. 2015 56 In: HILARE, Augusto Saint. Segunda Viagem a província de São Paulo. São Paulo: Martins,1954. 57 Ibid.

81

hipótese também que estes religiosos não tomaram conhecimento dessa prática devocional

iniciada ao redor da imagem encontrada no rio Paraíba. Apenas com a chegada do Padre José

Alves Vilela (conforme citamos anteriormente) que se deu no termino do ano de 1725

conforme registros da cúria diocesana do Rio de Janeiro.

A presença do clero vai ser sempre reafirmada com a expansão dos primeiros veículos

de comunicação no Vale do Paraíba, no relato abaixo, publicado no jornal “Liberdade”,

podemos encontrar essas referências:

Realisou se com grande solenidade no dia 11 a festa de N. Sra.

Apparecida. As 9 horas houve missa cantada, pregando ao Evangelho o

Revmo. Conego Luiz Gonzaga, cura da Sé de S. Paulo. A’ tarde sahiu

imponente procissão, que devido á chuva ameaçadora não pode fazer todo o

percurso como de costume. Afim de assistir as solenidades aqui estiveram os

Exmos. E Revmos. Srs D. Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo de S. Paulo e

D. José Marcondes H. de Mello, bispo de S. carlos. A concorrência de

romeiros foi bem regular, apezar de diversos factores que contribuíram para

dificultar as viagens, como as chuvas, excessivo aumento no preço das

passagens e os contínuos desastres da central.

O reconhecimento episcopal, ou seja, do bispo local, delimita o espaço que a devoção

a Nossa Senhora Aparecida vai ganhar, mesmo sendo visitada por muitos romeiros é a visita

destes clérigos ou a referência a eles em documentos oficiais e jornais que de alguma maneira

“autoriza” a crença em torno da imagem. É comum encontrarmos nos registros oficiais do

Santuário Nacional nome de clérigos que são citados como propagadores ou defensores desta

devoção. Se desde a sua origem essa devoção ganhou o reconhecimento popular qual seria o

interesse constante de membros da Igreja ligarem os seus nomes a esta devoção?

Como discutimos anteriormente a edificação da primeira capela dedicada a Nossa

Senhora Aparecida no ano de 1742 marca o reconhecimento eclesiástico para essa devoção e

pode significar a primeira forma de oficialização desse culto a partir da organização do

catolicismo brasileiro. O reconhecimento do clero local, no caso representado pela figura do

Padre José Alves Vilela representa uma instituição local de culto, o que vai ser o germe da

expansão da devoção desta crença.

Com a morte de Dom Francisco de São Jerônimo em junho de 1721 a diocese do Rio

de Janeiro permanece sem bispo, o que é chamado no contexto do catolicismo de “Sé

vacante”58, o sucessor foi o bispo Dom Antônio de Guadalupe que tomou posse do bispado no

58 Ibid.

82

dia 02 de Agosto de 1725 e ficou no cargo até o ano de 1740 quando foi transferido para

Portugal ao bispado de Vizeu onde faleceu em 31 de Agosto do mesmo ano. Foi esse bispo

quem designou o Padre José Alves Vilela como vigário da Igreja de Guaratinguetá no ano de

1725.

De maneira similar a capela de Aparecida vai transformando-se em

santuário. Acompanha as fases do ciclo do café, que enriquecia e esgotava o

Vale do paraíba, e impregna-se com marcas imponentes da Matriz do Morro

dos Coqueiros, espalhando a profética prosperidade do lugar. (OLIVEIRA,

2001, p.54)

Em consequência disso, vê-se, a todo instante uma sequência de fatores que levaram à

devoção e o culto a imagem negra de uma simples vila de Guaratinguetá a tornar-se a mais

invocada e conhecida santa de devoção mariana brasileira. Aos poucos a devoção a Senhora

“Aparecida” nome que é utilizado devido a forma como a imagem foi encontrada se

popularizou e cresceu.

Em linhas gerais, de 1745 a 1803, a capela, filial da igreja matriz de

Santo Antônio de Guaratinguetá, teve seus bens, assim como sua festa anual,

administrados pela Irmandade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. O

atendimento religioso era realizado pelo vigário da Paróquia [...]. Em 18 de

outubro de 1800, uma resolução de D. João VI passou o santuário para

controle secular[...]. Por fim, em setembro de 18005, as esmolas bem como o

patrimônio da capela, foram oficialmente incorporados aos bens públicos,

extinguindo-se a irmandade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

(NETO,2006 p.162)

Com a Proclamação da República em 1889 e o fim do regime do Padroado a

administração da igreja de Aparecida, passa a ser exclusivamente da Igreja, e não mais da

mesa administradora ligada ao poder imperial.

A Igreja reassume o poder da capela após o regime de padroado que no

Brasil Império deixava a administração do santuário em mãos laicas. Mais

tarde convoca os missionários redentoristas para nela cumprirem os

desígnios da evangelização romanizadora preconizada pelo Concílio

Vaticano I. Para mostrar seu poder de liderança, passa a disciplinar as

romarias, e na festa da coroação de Nossa Senhora como Rainha do Brasil

(50 anos depois da instituição do dogma da Imaculada Conceição em 1854),

comprova que a partir dessa obra o santuário tornara-se hegemônico,

sacralizado, centralizador, indestrutível. Fato já anunciado em 1888, na

reinauguração da Basílica do Morro dos Coqueiros. (OLIVEIRA, 2001,

p.54)

Até os dias atuais a devoção a Nossa Senhora Aparecida é muito propagada e

difundida pela Igreja Católica no Brasil, publicidade está que ainda não justifica a grande

83

quantidade de devotos que esse título mariano conquistou. O interessante é notarmos que após

os inúmeros reconhecimentos recebidos do catolicismo oficial, a devoção a Nossa Senhora

Aparecida possui exercícios de práticas de crença imbricados a devoção popular, tais como:

as promessas, os santinhos, as fitinhas, as bênçãos, as procissões, as trocas de flores. A

mesma devoção passou por vários estágios e até hoje vem sendo considerada um dos títulos

marianos59 que mais possui devotos por todo o mundo.

As festas em comemoração à santa mudaram de data diversas vezes, sendo que a data

que ficou fixada no calendário popular é justamente a realizada no segundo domingo do mês

de maio, mês que a tradição popular celebra a figura da virgem Maria. Um dos convites

publicados no jornal “Liberdade”, convida o povo para a celebração desta forma:

Realisasse amanhã na Basilica a solene festa de Nossa Senhora

Apparecida constando de missa cantada as 9 horas, com sermão, Evangelho

e procissão a tarde. Hoje e amanhã a noite haverá Leilões de prendas

promovidos pela União de Moços Catholicos. Durante os leilões serão

exibidas fitas cinematográficas.60

O convite acima demostra como a festa popular acontece no mesmo espaço que a festa

romanizada: a procissão e o leilão promovido pela União de Moços Católicos enfatizam a

participação dos leigos enquanto organizadores destas celebrações, bem como a exibição de

fitas cinematográficas reforçam a necessidade de uma catequese romanizadora, que evoca

sempre um sentido de instrução normativa. Que tipos de filmes ou mensagens teriam sido

exibidos neste evento? Qual seria de fato a intenção principal da utilização deste tipo de

recurso audiovisual?

De maneira assertiva não podemos considerar que a expansão do culto a Nossa

Senhora Aparecida tenha sido fruto dos reconhecimentos oficiais que lhes foram agraciados

pelos líderes do catolicismo brasileiro, é necessário entendermos que todo esse processo

partiu de fato das narrativas que se propagaram em torno da imagem e assumiram um caráter

devocional facilitado pelo espaço geográfico em que essas narrativas surgira, dado que como

pontuamos anteriormente o Vale do Paraíba era uma importante região de passagem que

ligava a região das minas a eixos em desenvolvimento político-industrial, como São Paulo e

Rio de Janeiro.

59 Cf.: Conforme nota 01. 60

84

No trecho abaixo, vamos encontrar uma publicação de agradecimento a Nossa Senhora

Aparecida feita nas notas do periódico “ Santuário” publicado no dia 06 de junho de 1931

com os seguintes dizeres:

Maria Conceição de Jesus estando passando mal com cólica uterina, seu

pae pediu a Nossa Senhora que encontrasse um remédio que a curasse e foi

prontamente atendido. Por promessa ela fez uma novena de terços a Nossa

Senhora, durante o mês de Maria. Enviou 1$ a Nossa Senhora e 4$ para a

publicação por duas vezes. (“SANTUÁRIO D’APPARECIDA,

Nº.30,06/06/1931, p.03)

Essa nota de agradecimento se assemelha as demais notas publicadas na sequencia na

mesma coluna do jornal, ou seja, podemos compreender que os elementos da devoção popular

são destacados de maneira eficaz dentro do próprio texto: a promessa, a cura e o cumprimento

da promessa de maneira particular e sem ligação com os ritos oficiais do catolicismo, fato que

fica evidente quando a autora destaca a novena e os terços que promoveu durante o mês de

maio como parte do agradecimento. As práticas de terços e novenas, bem como os exercícios

de devoção durante o mês de maio demonstram comoa devoção popular possui uma

característica e independência própria perante a realidade do catolicismo oficial.

Nesta perspectiva, são importantes as contribuições de Oliveira:

Não se pode atribuir a organização da mitogênese de Aparecida apenas

a administração, redentorista, uma vez que o aparelho do Estado, desde a

Velha República, manteve permanentemente interesse na afirmação da

identidade nacional proporcionada pelo culto à santa. As duas forças

conjugadas numa mesma política cultural desenvolveram essa mitogênese,

desde as primeiras romarias organizadas até a peregrinação de 1931 que

levou a própria imagem ao Rio de Janeiro, num grande ritual de consagração

ao padroado de Nossa Senhora Aparecida. (2001, p.63)

A Basílica nova, ou seja, a igreja atual que abriga a imagem de Nossa Senhora

Aparecida teve o início de sua construção com o lançamento da pedra fundamental em 10 de

setembro de 1946. Até os dias atuais a história de Nossa Senhora Aparecida que é proposta

pelos grupos religiosos pode ser resumida nos pontos principais que destacamos neste

capítulo, aliada a uma série de outras histórias de milagres e graças que continuam sendo

contadas pelos devotos que de maneira extraordinária espalham e reforçam está devoção pelo

Brasil.

Um fator importante: como citamos na introdução o Jornal aos poucos vai se tornar o

meio mais efetivo de divulgação dos documentos oficiais da Igreja, se tornando o veículo

85

principal do processo de romanização. Esse fator não impede que a devoção popular ganhe

espaço no periódico, como vemos no excerto abaixo:

Para o romeiro que chega a Aparecida, a narração da imagem

encontrada no Rio Paraíba se sobrepõe á narração elaborada pelos séculos de

mariologia ensinada nos seminários. Mesmo porque as Nossas Senhoras são

muitas, mas esta aqui é diferente. Essa tem uma história particular e uma

trajetória de milagres que só dizem respeito a ela. Essa Senhora é Nossa.

Para o devoto, mais vale os últimos 300 anos do mito do que os 20 séculos

de doutrina mariológica. (ABMANSSUR, 2017, p.115)

Mesmo com as explicações e abordagens teológicas os devotos ainda buscam em torno

da imagem “aparecida”, uma essência mística que caracterizam a fé em Nossa Senhora

Aparecida por uma dimensão muito mais sentimental que teológica, é uma pena que não nos é

possível traduzir este sentimento em um objeto de pesquisa e sim problematizar dados e fatos

que levam a ele.

86

3. APARECIDA: DA DEVOÇÃO POPULAR A FÉ ROMANIZADA

Com a Proclamação da República no ano de 1889 extinguiu-se o regime do

Padroado61, ocasionando aos poucos um distanciamento entre a Igreja e o Estado. Nos

primeiros trinta anos da República brasileira a Igreja precisou assegurar-se frente ao Estado

de uma outra forma, já não possuía mais a oficialização de nascimentos e casamentos que

seriam dadas em outros espaços e não mais nas igrejas paroquiais62.

Respaldada por uma estratégia de “romanização”63 do culto, o que discutimos no

capítulo anterior, como instituição a mesma tentou apropriar-se de elementos culturais da

piedade popular encontrados no meio devocional para institucionalizar outros modos de

crença cristã que não faziam parte da sua tradição catequética.

O Brasil na década de 1930 atravessava um período de mudanças nas instituições

políticas, econômicas e religiosas, é exatamente nessa conjuntura que o processo de

reconhecimento das devoções e crenças consideradas populares pelo Catolicismo se tornou

uma forma de fortalecimento dos grupos católicos e uma oportunidade para abraçar um

número maior de fiéis que por razões geográficas ou espaços sociais diferenciados não eram

assistidos por líderes eclesiásticos e possuíam estratégias para conservarem as suas práticas

de fé independente dessa tutela ou liderança.

Na mentalidade católica tradicional a figura do Papa representa toda a Igreja e no

Brasil aliada a figura do papa encontramos a Nova Padroeira, Nossa Senhora da Conceição

Aparecida. A imagem encontrada entre os caminhos do café e do ouro se torna um ponto de

conciliação da devoção popular com o catolicismo romanizado, portanto a mesma possui a

simbologia que imbrica dois mundos católicos presentes no país. A imagem representa

muito mais que a si mesma. Desta forma a representação seria dada pela exposição de uma

imagem, que se substitui algo outro, ou mesmo pela exibição de objetos ou ainda uma

performance portadora de sentidos que remetem a determinadas ideias (PESAVENTO,2007,

pg. 20).

61 In: HOORNAERT, E. et al. (orgs.). História da Igreja no Brasil – Tomo II/1. Petrópolis: Vozes; Paulinas, 1983. 62 In: LUSTOSA, Oscar. de F. A Igreja Católica no Brasil - República: cem anos de compromisso: 1889-1989. SP: Ed.

Paulinas,1991. 63 In: OLIVEIRA, P.R. Religião e dominação de classe; gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil.

Petrópolis: Vozes, 1985.

87

Debates como: o combate ao comunismo, a satanização dos costumes modernos,

as ameaças das teorias ligadas ao esoterismo deixavam na Igreja uma preocupação

exímia, no Estado o medo destas ideias que na maioria das vezes eram consideradas como

subversivas poderia ser amenizado com a aproximação do governo com uma educação

moral acirrada e uma religiosidade catequética forte. Elementos que ficam evidentes nas

notícias e manchetes que são divulgadas no Jornal Santuário, um dos principais periódicos

que utilizamos como fonte para esta pesquisa. Em suas páginas o enfoque as cartas papais

com orientações sobre como ser católico no meio destes “costumes modernos” e

amedrontando os fiéis com pequenas notas sobre a perseguição feita a Igreja da Europa

por grupos comunistas.64

Na imagem abaixo do jornal “Santuário”, edição do semanário de Número 42,

publicado em um sábado dia 08 de Setembro de 1904 fica evidenciado como o periódico

trás na primeira capa a imagem de Nossa Senhora Aparecida destacando abaixo da mesma

o adjetivo “Mãe”, ora, foi exatamente neste dia que a imagem foi solenemente coroada

como “ Rainha do Brasil”, título este que possui um reconhecimento outorgado pelo Papa

de forma diferenciada, ou seja podemos compreender que este é o Primeiro passo de

importância oficial para a romanização desta devoção. Todas as coroações e atos

realizados como forma de homenagem a imagem são oficialmente reconhecidos nesta

celebração que de certo modo é a escalada do movimento em razão da Proclamação de

Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil.

Para Burke (2017) em alguns momentos de fortalecimento dos seus dogmas e de

sua fé a Igreja utiliza imagens que possam reafirmar, cada vez mais as suas doutrinas.

Com este intuito a primeira página do jornal ganha uma reprodução da imagem oficial de

Nossa Senhora Aparecida com uma antífona que possui um peso teológico grande, já não

é mais apenas a “Santinha Apparecida”, encontrada nos registros do Livro do Tombo da

Paróquia de Guaratinguetá e sim a representação iconográfica da “Mãe Santíssima”, base

da catequese católica fundamentada em sua doutrina.

64 Colocar nota dessas publicações no jornal santuário

88

Figura 4 - Fotocopia do Jornal Santuário Num.42 - Fonte CDM/ Aparecida - SP

A partir da análise de algumas edições do Jornal “Santuário” da década de 1930

podemos compreender que realmente o panorama religioso do catolicismo brasileiro

estava sendo incorporado ao projeto romanizado. A utilização da figura de Nossa Senhora

Aparecida permanentemente no cabeçalho do Jornal nos alerta para uma nova abordagem

em torno do catolicismo popular brasileiro e possibilita problematizarmos: de qual

maneira esse catolicismo devocional passou a ser instrumentalizado? Quais veículos serão

utilizados para a propagação dessa prática catequética?

Em uma nota que aparece na Edição de Número 26 publicada no dia 09 de maio

de 1931, que dará início a uma sequência de textos, colunas e notas com o intuito de

divulgar a festa da Proclamação do Padroado que aconteceria no Rio de Janeiro, em

primeira página é destacado que:

O nossa “Santuário” aparece hoje não só com o seu material typografico

renovado, mas também com um novo cabeçalho que corresponde a seu

character de orgam da devoção á Padroeira do Brasil. Acha-se no centro do

cabeçalho a imagem de Nossa Senhora Apparecida. Do lado direito vê-se a

Basilica de Apparecida, onde a Padroeira do Brasil é visitada e venerada por

seus devotos e onde Ella estabeleceu o seu throno de graças. Do lado

esquerdo vê-se, symbolisando o Brasil, a barra do Rio com o Pão de

89

Assucar, não há em todo paiz outro ponto tão conhecido do mundo inteiro

como característico do Brasil, pelo que foi escolhido para representar o paiz

junto da sua padroeira. (1931, p.1, nº 26)

A informação acima marca um novo período para este veículo de imprensa religiosa,

um momento de diálogo muito mais acirrado com os documentos oficiais da Igreja, como as

cartas encíclicas e as catequeses doutrinárias que irão tomar a maior parte dos espaços das

colunas do jornal. A mudança no cabeçalho do mesmo propõe uma leitura totalmente

diferente da que mostramos anteriormente que apenas trazia o nome do periódico: “Santuário

D’Apparecida”. A nota desta edição enfoca o que podemos problematizar na imagem abaixo:

Figura 5 - Jornal "Santuário D'Apparecida".Fonte: CDM/ Aparecida - SP.

Com uma breve análise comparativa podemos ver nesta edição a imagem de Nossa

Senhora Aparecida no centro com a seguinte antífona “ Nossa Senhora Aparecida, padroeira

do Brasil”, ladeada pelo pão de açúcar cartão postal da Capital Federal e pela Basílica, cartão

postal do vale do Paraíba Paulista.

É também nesta edição que o jornal se intitula “órgão da Basílica Nacional”, pois,

anteriormente destacava o título de “órgão da Basílica episcopal”, ao fazer uma análise entre

linhas entendemos que de fato acontece um processo de modificação no culto a Nossa

90

Senhora Aparecida, e o jornal como veículo deste culto possibilita uma problematização desta

modificação, fato que propomos discutir neste capítulo.

De maneira profícua precisamos ir além das aparências para utilizarmos a imprensa

como fonte histórica. Cabe ao historiador uma leitura “entre linhas” da conjuntura histórica

que o jornal nos oferece, destacando no caso do jornal Santuário o seu status de imprensa

religiosa católica. Portanto, é “importante problematizar e superar pela análise a ideologia da

objetividade e da neutralidade da imprensa que, construída historicamente, se nos confronta

como um dado de realidade: a imprensa não se situa acima do mundo ao falar dele”. (CRUZ;

PEIXOTO, 2007, p.258)

A religiosidade do catolicismo brasileiro separada do regime do estado tende a

buscar uma nova identidade, baseando-se nas constituições conciliares e na bula

Quadragesimo anno65 uma carta encíclica do Papa Pio XI, de 15 de maio de 1931, sobre a

restauração e aperfeiçoamento da ordem social, em conformidade com a Lei Evangélica,

no 40º aniversário da encíclica de Leão XIII, Rerum Novarum. Nesta bula novamente a

orientação de Roma era uma crítica as ideias do Comunismo e do Socialismo e uma

exortação as questões da classe trabalhadora. Os debates que aparecem no jornal

Santuário possuem como plano de fundo colunas ligadas a essas temáticas, principalmente

reproduzindo alocuções e encíclicas do Papa, o que nos dá um indicio de que o público

leitor do jornal também vinha se modificando, já que o jornal não estava mais apenas com

o enfoque de relatar o que ocorria em relação ao culto a Nossa Senhora Aparecida que era

o seu projeto embrionário.

De acordo com Cunha (2010) “o papel da instituição religiosa residiria em

legitimar o regime republicano e não participar diretamente das tramas políticas

decorrentes do pacto oligárquico que se estendia da federação aos municípios”. A

legitimação da república foi instrumentalizada com a construção de símbolos de

identidade nacional que viria a ser intensificada após a chegada de Getúlio Vargas ao

poder através de um golpe no ano de 1930.

Em um país com maioria católica66 seria estratégico que o governante tentasse

manter um diálogo amistoso com a Igreja. Ao aceitar o seu papel como força auxiliar

65 CARTA ENCÍCLICA QUADRAGESIMO ANNO. Disponível em:

<https://w2.vatican.va/content/piusxi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno.html> Acesso

em: 17 de Novembro de 2017. 66 AZEVEDO, Demi. A Igreja Católica e seu papel Político no Brasil. Estudos Avançados 18 (52), 2004.

91

política do governo provisório, as lideranças da Igreja ofereciam orientação que serviram

para aperfeiçoar a ideologia nacional da elite burguesa. Isso fica evidente nas publicações

da imprensa católica problematizadas nesta conjuntura histórica.

Há registros históricos de uma certa união de interesses: os devotos que queriam a

virgem de Aparecida como Padroeira, o clero que desejava uma cristianização mais

romanizada, pois era muito santo e pouca missa (além de demonstrar sua força atuante na

sociedade) e o governante que havia chegado através de um golpe republicano ao governo

exaltava a questão da Nacionalidade que assegurava seu mandato. Palavras que podem ser

encontradas no discurso67 que Cardeal Leme68 dirigiu aos bispos e ao povo reunido logo

após o decreto da Santa Sé oficializar a nova Padroeira.

67 Senhores! O Brasil não tem rei. Mais os chefes da nação são escolhidos pelo povo. Pois bem o nosso povo quer ter a sua

rainha. E essa rainha? Ei-la na expressão singela dessa imagem venerada: Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Não é

verdade que a quereis como vossa Rainha (Ninguém poderá descrever o enthusiasmo, o calor do grito unisono que rompeu

de toda aquella massa humana: Sim! Sim ! Nós a queremos Nossa Senhora da Apparecida, Viva Nossa Rainha! Viva a

Rainha e Padroeira do Brasil!!!) AH! Vós a quereis como Rainha? Então almas nos lábios, juremos todos que nem os

arremessos tentaculares da heresia invasora, nem as investidas fanatizantes da superstição grosseira, nem as tramas das lojas,

nem o barbarismo da meia sciencia, nem a irrisão dos increos, nem a irieza dos indifferentes, nem o laicismo dos

governantes, nem a perseguição aos maus, nem força alguma da terra ou do inferno será capaz de arrancar do coração do

povo brasileiro o nome e o amor de Nossa Senhora. Diante de todos os homens, diante de todas as seitas e de todos os

partidos nós os brasileiros, havemos de mostrar que Maria Santíssima é nossa Rainha, e Rainha que nunca será destronada.

E ela também diante de todas as nações do mundo vai mostrar que é a rainha da nossa pátria é a mãe do povo brasileiro.

(Discurso do Cardeal Leme na consagração de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil em 31/05/1931 Fonte: CDM-Aparecida-SP) 68 “O cardeal foi a principal figura relacionada ao processo da Romanização do catolicismo no Brasil” sobre está questão

conferir: Hoornaert, O cristianismo moreno do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1931.

92

3.1. O projeto da nova Padroeira

No ano de 1929 os bispos Brasileiros fizeram uma petição ao Papa Pio XI, solicitando

que Nossa Senhora da Conceição Aparecida, imagem que representava a Virgem Maria para

muitos brasileiros fosse reconhecida de maneira oficial pela primazia romana como padroeira

principal do Brasil fato este que retiraria do trono São Pedro de Alcântara, que desde a

Proclamação da Independência em 1822 ocupava o título de Orago Nacional.

Na ocasião das festas Jubilares de setembro de 1929, os prelados reunidos no santuário

de Aparecida oficialmente solicitaram a Roma um pedido oficial em “nome do povo”, para

que a imagem fosse proclamada padroeira do Brasil e pudesse receber as honras litúrgicas

destinadas a tal título.

Figura 6- Fotografia dos prelados presentes no Jubileu de Prata da Coroação da imagem de N.S.A - Fonte: CDM.

Na fotografia acima, publicada no Almanaque de Aparecida de 1931, revista anual do

Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, é destacado o conjunto de 25 dos 27 bispos

que participaram do Congresso Mariano69 em 1929 conforme citamos no parágrafo anterior,

em uma nota especial o Almanaque trouxe uma matéria intitulada “Nossa Senhora Aparecida,

Padroeira do Brasil” contendo a fotografia e os nomes dos bispos70que participaram do

69 Cf.: Nota 01. 70 De acordo com a descrição da notícia publicada na página 54 do Almanaque de Nossa Senhora Aparecida de 1931, estão

presentes na fotografia os seguintes prelados:

Em pé: D. Alderico, Abbade de Pirapora; D. Guilherme Müller. Bispo de Barra do Pirahy; D. Innocencio, Bispo-Coadjutor

de Campanha; D. José Carlos de Aguirre. Bispo de Sorocaba; D. Adalberto Sobral, Bispo da Barra; D. José Mauricio da

Rocha, Bispo de Bragança; D. Ranulpho da Silva Farias, Bispo de Guaxupé; D. Attico Eusebio da Rocha, Bispo de

93

evento. Esse congresso possuía um caráter jubilar e solene, pois, foi a ocasião de

comemoração das bodas de prata da coroação da imagem de Nossa Senhora Aparecida ato

que reconhecia oficialmente a mesma como Rainha do povo brasileiro, realizado no ano de

1904.

Não possuímos informações sobre o fotógrafo, pois, o periódico não registra o crédito

da mesma foto. Objetivamente a imagem conduz a um significado radical do processo de

romanização, uma valorização extrema do clero e uma demonstração de poder por parte da

Igreja que pode ou não legitimar e permitir determinados cultos. A apropriação que vai sendo

feita da devoção popular vai ocasionando um hibridismo que ocasiona uma ressignificação.

No entanto, se como objeto a fotografia permite, sobretudo, a elaboração de um discurso, ela é

também vestígio do real. Ela permite a verificação de elementos momentaneamente ocultados

ou definitivamente desaparecidos. Nesse sentido ela assume o caráter de uma fonte

insubstituível. (ABISSET, 1981, p.15)

A imagem faz parte do acervo do centro de documentação e memória (CDM) e

demonstra uma hierarquização absoluta no processo de reconhecimento de Nossa Senhora

Aparecida como Padroeira do Brasil. Dado que o destaque da presença dos bispos é

referendado dentro do texto do Almanaque de 1931, uma revista anual, conforme pontuamos

na introdução. A publicação discorre da seguinte maneira o evento:

Os votos unanimes do Episcopado e dos fiéis, manifestados tão

eloquentemente nas Festas jubilares de Setembro, que Nossa Senhora

Apparecida seja proclamada e venerada officialmente como Padroeira de

todo o Brasil, foram attendidos e approvados pelo Papa. A 1 de Maio p. p. o

Exmo. e Revmo. Sr. Arcebispo de São Paulo recebeu telegramma de Roma,

annunciando officialmente que o Santo Padre declarou Nossa Senhora sob a

invocação de Apparecida como Padroeira do Brasil. Estava proxima a Festa

propria de Nossa Senhora Apparecida, dia 11 de Maio. Era pois natural que

nesse dia se promulgasse e celebrasse a disposição do Santo Padre.A Festa

foi, pois, celebrada com todo esplendor. Na Missa solenne, á qual assistiu

pontificalmente o Sr. Arcebispo, o Mons. Chantre do Cabido Metropolitano

de São Paulo, prégador da Festa, annunciou ao povo que por ordem do Papa

Nossa Senhora Apparecida deve ser por todo o Brasil honrada e invocada

Cafelandia; D. Manoel Nunes Coelho, Bispo de Aterrado; D. Carlos Duarte Costa, Bispo de Botucatú; D José Maria

Parreira, Bispo de Santos; D. Fernando Taddei, Bispo de Jacarézinho; D. José Pereira Alves, Bispo de Nictheroy; D.

Domingos, O.S. B., Abbade de S. Bento, S. Paulo.

Assentados: D. Octavio Chagas de Miranda, Bispo de Pouso Alegre; D. Francisco de Campos Barreto, Bispo de Campinas;

D. Alberto José Gonçalves, Bispo de Ribeirão Preto; D. Antonio dos Santos Cabral, Arcebispo de Bello Horizonte; D. José

Marcondes Homem de Mello, Arcebispo-Bispo de S. Carlos; D. Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo de S. Paulo; D.

Sebastião Leme, Cardeal-Arcebispo do Rio; D. João Braga, Arcebispo de Curityba; D. João de Almeida Ferrão, Bispo de

Campanha; D. José de Oliveira Lopes, Bispo de Pesqueira; D. Benedicto Alves de Souza, Bispo do Espirito Santo.

94

como Padroeira principal, e depois de ter explicado a alta importancia deste

decreto pontificio, renovou a consagração do Brasil a Nossa Senhora

Apparecida. Depois da Missa solenne reuniu-se o povo na Praça, em redor

do monumento de Nossa Senhora, e celebrou com discursos, hymnos e

aclamações Nossa Mãe, constituida agora officialmente Padroeira e

Protectora do Brasil inteiro. (Almanaque de Nossa Senhora Aparecida, 1931

p.54)

Ao problematizarmos a descrição que é dada anteriormente através da matéria a

fotografia publicada na mesma não concilia de modo algum a perspectiva traduzida pelo

discurso da Igreja de uma padroeira para o “povo”, a palavra povo apenas é mencionada no

final da informação contida dentro do texto.

Considerando de maneira assertiva uma divisão de espaços celebrativos: No primeiro

momento a citação dos Bispos que fazem o pedido ao Papa juntamente com os “fiéis”,

poderíamos tecer aqui uma observação a contrapelo “fiel” é aquele que segue com fidelidade

a normatização dogmática da Igreja, enquanto povo pode ser considerado em um sentido

aberto e amplo, abarcando os que piamente são fiéis e aqueles que não são. Pelo que segue na

descrição e como é costume em pontificais a missa ocorreu dentro da Igreja.

No segundo momento a celebração feita pelo “povo” com hinos e aclamações ocorre

na Praça, em frente ao monumento da Imaculada Conceição, percebemos aí uma outra relação

com o espaço que é fora da igreja, ou seja, fora do local oficial de culto.

Compreender a “cultura popular” significa, então, situar neste espaço de

enfrentamentos as relações que unem dois conjuntos de dispositivos: de um

lado, os mecanismos da dominação simbólica, cujo objetivo é tornar

aceitáveis, pelos próprios dominados, as representações e os modos de

consumo que precisamente, qualificam (ou antes desqualificam) sua cultura

como inferior e ilegítima, e, de outro lado, as lógicas específicas em

funcionamento nos usos e nos modos de apropriação do que é imposto.

(CHARTIER, 1995, p.184)

Antes de chegar a ser reconhecida como padroeira nacional a devoção a Nossa

Senhora Aparecida precisou não só atravessar o Vale do Paraíba -SP como também se

relacionar com as ideologias e confrontos políticos vividos no Brasil desde o fim do período

monárquico, as insatisfações do povo com a Igreja por suas normatizações excessivas, a

insatisfação de várias figuras do clero com o catolicismo brasileiro e a burocracia da Cúria

Romana71.

71 Pontuando a questão religiosa da década de 1870 que lançou uma crítica as ordens Papais dentro da Igreja do Brasil,

considerando que as burocracias impediam o surgimento de uma imagem de “Catolicismo brasileiro”, dado que as

95

Cerceada por rostos de curiosidade ou de descrença, de fé ou de agnosticismo a

“santinha Aparecida” só obteve o reconhecimento oficial de culto pelo Rito Romano como

Padroeira do Brasil dado pelo Papa Pio XI no dia 16 de julho do ano de 1930. Conflitos e

interesses estavam presentes nestes atos, ainda mais pelo período conturbado que a República

brasileira vinha atravessando72.

O decreto Pontifício foi publicado oficialmente na íntegra nas primeiras páginas do

Almanaque de 1931, se encontra na página seguinte a da matéria sobre o Jubileu e o pedido

dos bispos que descrevemos acima. Segue alguns trechos que transcrevemos na íntegra para

uma maior problematização:

Do Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro e dos outros

Arcebispos, Bispos, Prelados e Prefeitos Apostolicos do Brasil recebemos o

pedido de nos dignarmos constituir como Padroeira principal do Brasil a

Bemaventurada Virgem,concebida sem mancha, vulgarmente chamada

«Nossa Senhora da Conceição Apparecida». Nada nos parece mais

opportuno do que acceder aos votos não só destes Antistites, mas ainda de

todos os fieis do Brasil que com constante fervor e piedade veneraram a

Immaculada Virgem Mãe de Deus quasi desde os primeiros annos do

descobrimento da região brasileira até aos nossos tempos [...] Multidões de

fieis vêm de diversos lugares do Brasil em peregrinaçäo a este templo, afim

de implorarem o soccorro e auxilio de Nossa Senhora [...] Considerando

tudo isto attentamente, julgamos que deviamos deferir os pedidos de tantos

Prelados que o Nosso Nuncio Apostolico no Brasil largamente apoia com

sua adhesäo [...] constituimos e declaramos a Beatissima Virgem Maria

concebida sem mancha, sob o titulo de Apparecida, Padroeira principal de

todo o Brasil deante de Deus, accrescentando os privilegios liturgicos e as

outras honras que pelo costume competem aos Padroeiros dos lugares

principaes [...] Não obstante qualquer cousa em contrario. Dado em Roma,

junto de São Pedro, sob o annel do Pescador, no dia 16 do mez de Julho do

anno de 1930, e nono de nosso Pontificado. CARDEAL E. PACELLI

Secretario de Estado. (Almanaque de Aparecida, 1931,p.55)

Nesta carta apostólica o Papa Pio XI declarou Nossa Senhora Aparecida como

padroeira principal do Brasil e do povo brasileiro, instituiu a liturgia própria da sua festa,

reconhecendo a devoção que antes era “popular” como uma devoção dentro dos “cânones da

Igreja”. No decreto, o Papa afirmou que atendia ao pedido do Episcopado e do povo

brasileiro, “o qual com fervor e piedade constantes, desde os anos do Descobrimento das

regiões brasílicas até nossos tempos, tem venerado e venera a Imaculada Virgem Mãe de

Deus” (Pii XI Litt. Apost. 16 Julii 1930 - Acta Ap. Sedis, vol. 23, pag. 7). Essa carta se

nomeações de prelados e bispos aconteciam a partir destas questões burocráticas e não de interesses a Igreja presente nesta

terra. 72 Cf.:CUNHA, Célio. Educação e Autoritarismo no Estado Novo. São Paulo: Cortez 1981.

96

encontra preservada no acervo da Cúria Metropolitana de Aparecida – SP. Quais seriam os

reflexos desta proclamação para os devotos brasileiros?

Tendo como mentor principal a figura do recém eleito Cardeal Leme73 para que se

fizesse cumprir o edito papal, o cardeal que na época era Arcebispo do Rio de Janeiro

(Capital Federal) embasado na carta apostólica de Pio XI, possibilitou aos devotos uma nova

padroeira, uma padroeira “mestiça” que está mais próxima da representação da sua

identidade segundo algumas colocações proferidas e discutidas por setores intelectuais da

Igreja no período.74

Levando-se em conta o que foi observado nas publicações do período foram muitas as

manifestações de fé e devoção do povo ao louvar sua nova Padroeira. A celebração desta

festa fora antecipada por um grande congresso Mariano que aconteceu na Cidade do Rio de

Janeiro de 17 a 30 de maio de 1931, organizado pelo Cardeal Leme.

Em uma entrevista feita com o Cardeal Dom Sebastião Leme e publicada pelo jornal

Santuário no dia 16 de maio de 1931, podemos analisar como essa festa foi grandiosamente

preparada e foi destaque na imprensa religiosa e em outros meios de comunicação do

período. O aspecto romanizador das orientações que aparecem na entrevista pode ser

percebido nos trechos que iremos analisar:

[...] Assim as homenagens nacionais a Padroeira do Brasil valerão ainda

como afirmação de que o nosso povo nasceu Catholico, nos princípios

catholicos foi civilizado e catholico quer continuar a ser haja o que houver e

custe o que custar.mais que uma festa exterior as solemnidades do Rio de

Janeiro a N. S. Apparecida avultarão como um plebiscito nacional em favor

da Santa Egreja de Nosso Senhor Jesus Christo e portanto das forças vivas

da nacionalidade. [...] Não tenho a menor dúvida que [o povo] vai

comparecer conheço o meu povo e posso garantir que só não irá a rua para

73 Podemos entender a ação pastoral de D. Sebastião Leme a partir das considerações a seguir: “Com Dom Leme, o

Episcopado brasileiro encontra sua mais expressiva liderança ao ponto de fazer convergir para si liberais e ultramontanos. É

com Dom Leme que os discursos se transformam em prática. Sua volta ao Rio de Janeiro nos anos de 1920 como arcebispo

auxiliar do cardeal Arcoverde é o marco de uma nova inserção da Igreja no país. Portanto, desde já, a Igreja mergulha na

realidade secular, mas teologizando-a, cristianizando-a, catolicizando-a. O objetivo de Dom Leme era catolicizar todos os

espaços, empreendendo uma forte presença nas massas para ganhar a adesão do Estado, tornando-o cristão. [...] Dom Leme

acaba forjando uma espécie de cronologia católica dentro do mundo que se considerava profano.[...]Em outras palavras, Dom

Leme insistia em condensar não apenas o regime político às orientações católicas, não apenas catolicizar o espaço político,

mas perenizálo como um novo tempo histórico agora sob a égide da soberania do Cristo de Pio XI, uma etapa que antecipa as

agruras do homem moderno e o coloca na linha certa, extinguindo o conflito social, político e econômico em função Da nova

era religiosa na qual entrava a nação. In: BALDIN, Marco Antonio.Dom Leme e a recristianização do Brasil – Ensaio de

interpretação. ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES

Revista Brasileira de História das Religiões – ANPUH Maringá (PR) v. 1, n. 3, 2009. ISSN 1983-2859. Disponível em

http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html 74 Cf. VILLAÇA, Antônio. O pensamento católico no Brasil. Rio de janeiro: Zahar, 1975.

97

festejar N. Senhora quem por enfermo ou motivo grave não puder sair de

casa. [...] Agora prevemos que excederá de um milhão o número de almas

que formarão ala a passagem de Nossa Senhora D’Apparecida. [...]

Conto com entusiamos do clero [...] com a a boa vontade da imprensa

da Capital federal, que já abriu colunas a propaganda da ideia e finalmente

temos simpatia do governo provisório. [..] Ora eu só pedi 50 mil pessoas

para cada grupo! [...]

O cardeal começa a entrevista valorizando a formação Católica do povo brasileiro

desde o início do processo colonizador afirmando de maneira esclarecida que “o povo vai

comparecer à festa”, se referindo a solenidade de Proclamação de Nossa Senhora Aparecida

como Padroeira do Brasil a ser realizada na Capital Federal. Além destas preocupações o

entrevistado destaca a colaboração da imprensa e a simpatia do governo provisório para com

o evento.

De fato, a imprensa do Rio de Janeiro ira destacar de diversas maneiras essa

celebração colocando manchetes do tipo “ A maior consagração católica da América do Sul”,

ou seja, o resultado de toda a movimentação que fora solicitada através das declarações desta

entrevista demonstra a força política- religiosa que esse jornal exerce, não apenas como

veículo catequético romanizador da Igreja mas também como referência para a imprensa

religiosa e não confessional sobre as atividades feitas pela Igreja no Brasil.

Em um outro trecho da entrevista o Cardeal Leme reforça a necessidade da grande

procissão na Capital federal:

Perfeitamente, como nunca se viu no Brasil e em parte alguma. Uma

procissão única...nem podia ser de outro modo. Única no mundo, por sua

beleza e expansão religiosa é a cidade do Rio de Janeiro. Única a

circunstância da visita de N. Senhora Apparecida a capital do Paiz.[...] Não é

necessário ser profeta para se prever que depois da aclamação da padroeira

na Capital da República, aumentará de muito o número de fiéis que em

romaria de amor visitarão este santuário. [...] (Jornal “ Santuário Ed.33)

Uma indagação que podemos nos fazer ao confrontarmos os relatos anteriores:

realmente a participação popular que o Cardeal tanto enfatiza acontece por atitudes

espontâneas da população ou acontecem por conta de um condicionamento feito através das

orientações dadas pelo mesmo utilizando este veículo de divulgação? Devemos lembrar que

no trecho anterior da mesma entrevista o prelado declara que pediu que todos os membros das

98

associações católicas levassem outros membros para participar do evento. “Ora eu só pedi 50

mil pessoas para cada grupo! ”, foi a afirmação feita pelo mesmo.

As negociações para a ida da imagem até a cidade do Rio de Janeiro, não parecem ter

sido tão fáceis. Em momentos diversificados a população do distrito de Aparecida é lembrada

como aqueles que emprestam a imagem para o evento: Que conflitos podem ter ocorrido para

que a imagem pudesse ir até a Capital Federal? De que maneira a solução de fazer a imagem

sair acompanhada por uma comissão de moradores de Aparecida pode ser colocada no campo

de negociação e conflito?

Mas permita que eu lhe diga: não é bem uma saída ou separação da

imagem e seu povo de Apparecida. Representando a cidade irá uma

comissão de aparecidenses. Guiados pelos mesmos Padres Redemptoristas

que são os anjos custódios da Padroeira, vão eles levar a Imagem expol-a ao

culto do Rio de Janeiro e do Brasil e sem deixa-la um só momento , na

mesma tarde vão traze-la a seu altar de todos os dias aqui no santuário [...]

em um carro transformado em ando especialíssimo [...] Nós todos somos da

família de Nossa Senhora Apparecida, somos seus filhos e temos direito as

suas bênçãos. Mas só a cidade de Apparecida é que tem a honra de ser a casa

ou o tecto escolhido por nossa Mãe para sua residência permanente. O Brasil

é a família. Esta cidade é a casa materna. (Jornal Santuário)

Para Doro (2006) “ é próprio do documento fotográfico mostrar apenas um fragmento

do real e a câmera não registra objetivamente uma realidade” (p.166). Daí a importância de

problematizarmos o documento fotográfico como um vestígio que precisa ser indagado e

confrontado com outras fontes históricas. Nessa perspectiva lançamos alguns

questionamentos sobre as mesmas.

Nas fotografias abaixo, publicadas pelo Almanaque de Apparecida de 1932 temos as

imagens das comissões de aparecidenses formadas com o intuito de acompanhar a imagem

durante o caminho a ser percorrido pela mesma até a Capital Federal.

A presença constante de um grande número de pessoas ou de uma parcela

representativa dos devotos que participavam ativamente das associações ligadas ao culto a

Nossa Senhora Aparecida aparece constante, uma hipótese que podemos levantar aqui é

justamente a da necessidade de afirmação dessa devoção em relação ao clero e aos demais

fiéis.

99

Figura 7- Fotografia da Comissão de Aparecida - SP que acompanhou a imagem ao Rio de Janeiro, publicada em

Almanaque de Aparecida 1932. Fonte: CDM.

Não conseguimos identificar o nome do fotógrafo ou a data que esta fotografia foi

tirada, pois, a mesma se encontra publicada nesta revista anual, produzida pelo próprio Jornal

Santuário sem nenhuma outra investigação. Também não encontramos registros de reuniões

para escolha desta comissão. Uma outra informação que o Jornal dispõe é que também foi

elaborada uma comissão de devotos do Rio de Janeiro, que tinha como intuito principal

acompanhar a imagem no trajeto referido.

100

3.2. A Proclamação do Padroado

O final da entrevista de Dom Leme que foi transcrito no tópico anterior, evoca um

lugar de memória, em relação a presença da imagem de Nossa Senhora Aparecida na região

do Vale do Paraíba, a entrevista é encerrada recordando como a declaração oficial do Papa

Pio XI chegou ao Brasil, e quais foram as impressões tidas pelo Cardeal em relação a mesma.

O Jornal Santuário foi o primeiro veículo de imprensa religiosa no país, fato que

citamos na introdução desta dissertação, é claro que notícias sobre a Igreja e a religiosidade

estão presentes na imprensa não confessional, ainda mais quando as ações religiosas de algum

modo estão politicamente imbricadas com o governo. A imprensa católica destacada nesta

parte da entrevista demonstra a existência de um conflito pelo lugar de fala. Podemos ver no

trecho abaixo como é feita a referência da imprensa católica na entrevista:

Na festa de 11 de Maio do anno passado foi pelo Exmo Sr. Arcebispo

publicado na Basilica de Apparecida o decreto do santo Padre que declarou

N. Senhora Apparecida Padroeira do Brasil. Todos os assistentes rezaram

então a consagração a N. Senhora e todos os jornaes catholicos ,

transcrevendo o decreto do Papa, levaram ao conhecimento dos fieis a

auspiciosa noticia. A importância deste factoque é a Proclamação de N.

Senhora Apparecida como Padroeira do Brasil inteiro, pedia contudo uma

consagração mais solemne, mais grandiosa de maior publicidade na Capital

Federal. Deste modo ficaria o povo mais compenetrado do Padroado de N.

Senhora Apparecida e do dever da devoção a ella, seriam mais grandiosas as

homenagens do Brasil a Nossa Senhora Apparecida e mais oficial a sua

consagração a ela. ( ornal “Santuário,1931, p.1, nº26)

Indagando a partir do trecho acima caberia perguntar: Qual é realmente a importância

da imprensa católica na propagação do culto a nova padroeira? Ora, conforme discutimos ao

longo da dissertação a difusão do culto a Nossa Senhora Aparecida e o seu fortalecimento

possuem raízes na devoção popular.

O lugar hegemônico e oficial da cultura aparece se fizermos uma leitura a contrapelo

deste desfecho da entrevista, onde fica evidente o lugar de fala do Cardeal a partir dos

documentos da Igreja.

Attendendo a suplica que em representação do povo brasileiro,

formulara o episcopado nacional, sua Santidade o Papa Pio XI declarou N.

S. da Conceição Apparecida Padroeira do Brasil.[...] Essencialmente

catholico amorosíssimo de N. S. da conceição, a quem mesmo sem

fundamento litúrgico (grifo meu), invocará sempre como gloriosa Padroeira ,

o Brasil tem agora aprovação oficial de sua devoção predileta. (grifo meu) É

de justiça, pois que aos pés de N. S. da Conceição, sob o titulo querido e

popular de “Apparecida”, aclamemos em plebiscito de amor, a Rainha e

101

Padroeira do Brasil. Rio de Janeiro, 22 de Abril de 1931 + Sebastião,

Cardeal Arcebispo (Jornal “Santuário”,1931, p.02)

De acordo com Martin-Barbero (1997) nem o conflito nem a repressão paralisam as

trocas e os intercâmbios culturais, muito pelo contrário, por vezes inclusive o estimulam.

Através do intercâmbio entre as “culturas” é necessário considerar que os caminhos dentro do

espaço religioso da devoção possuem aspectos conciliadores que são tutelados por

mecanismos múltiplos de normatização de conduta pela Igreja, e que extrapolam os limites

impostos por esses mesmos mecanismos.

Um indicio que nos conduz a concluirmos isso é justamente as frases grifadas no

último trecho da entrevista, ao tratar da devoção a Nossa Senhora Aparecida o prelado

declara: “a quem mesmo sem fundamento litúrgico”, ou seja, assume que mesmo sem o

reconhecimento oficial da Igreja já existia uma prática religiosa em torno da imagem de

Nossa Senhora Aparecida. Podemos indagar: Se existe uma prática religiosa em torno da

imagem por qual motivo é enfocado anteriormente dentro da entrevista que a imprensa

católica é responsável pela divulgação desta devoção? Caberia aqui entendermos que a

divulgação a qual se faz referência é justamente ao culto a Nossa senhora Aparecida dentro

das normas romanizadas?

A próxima frase grifada é sinalizadora dentro da conjuntura histórica vivida pela Igreja

no período, pois, interpela que de fato a oficialização desta prática de devoção popular feita

pela instituição é respaldada pela política de romanização que discutimos no capítulo anterior.

Para Dom Leme “o Brasil tem agora aprovação oficial de sua devoção predileta”, ou seja,

somente agora normatizada pelos ritos romanizados a devoção popular a Nossa Senhora

Aparecida pode ser considerada “oficial”. Qual é o valor desta oficialização de prática para a

devoção popular?

Na edição do Jornal Santuário de 09 de maio de 1931, foram publicadas as orientações

definidas pelo Cardeal Dom Sebastião Leme e pelo conselho apostólico do Rio de Janeiro

para as festas em preparação a celebração oficial de Proclamação do Padroado que ocorreria

no dia 31 do mesmo mês. O periódico publicou na primeira página e com detalhes bem

normativos para todas as paroquias e dioceses os eventos e cerimônias que deveriam ser

realizados em honra da Nova Padroeira. Em um primeiro momento as orientações foram

dirigidas a todas as paróquias do Brasil (Semana Parochial), e depois para a arquidiocese do

Rio de Janeiro, o Jornal Santuário transcreve na integra 14 pontos de orientações normativas,

dos quais selecionamos alguns:

102

6ª- Em todas as parochias domingo, 24 de maio, missa festiva

consagração do povo a N. S. Apparecida. [...] b) A tarde nas parochias

suburbanas e rurais, em cada uma ou em grupo de mais parochias

solemnissima procissão de N. S. Apparecida.

Para a semana arquidiocese foram publicadas as orientações abaixo:

30 de Maio – 10 ½ - Cathedral- Pontificial de sua Emininencia , com

assistência de todo o clero e alunos do seminário. Consagração do Brasil a

N. S. Apparecida; 20 horas- Sessão solene de encerramento no Externato de

S. Ignacio, rua S. Clemente.

31 de Maio – 15 horas- Procissão triunfal de N. S. Apparecida.

Estarão presentes mais de trinta bispos e representações do clero e povo de

todas as diocese do Brasil. Farão o cortejo de N. Senhora alguns dos

milhares de moças, vestidas de branco, senhoras vestidas de preto ou escuro,

cavalheiros com trajes de rigor e homens, incorporados as Ligas Catholicas.

Ao encerrar a procissão coroação de Nossa Senhora. (Ibid.)

Consequentemente as orientações oficiais assinalam a posição e interesse da Igreja

com a celebração demonstrando uma aproximação com os rituais de devoção popular. A

procissão e a consagração são práticas devocionais que a Igreja utiliza de maneira estratégica

quando normatiza o modelo como essas práticas devem ser organizadas, propagas e

realizadas. Devemos estar atentos a dois pontos que essa publicação nos revela: as sessões

solenes75 que são realizadas com temas de discussão teológica em colégios religiosos

católicos que evidenciam a romanização do culto a Nossa Senhora Aparecida este é o

primeiro ponto. Um segundo ponto que destacamos é a presença de duas práticas de devoção

popular como o momento de ápice da festa: a procissão e a coroação da imagem de Nossa

Senhora, ritos realizados durante o encerramento do mês de maio como exercício de festa e

oração pelos grupos populares, muitas contendo folguedos e cânticos infantis.

Na fotografia abaixo, publicada no Almanaque de Aparecida de 1932 o fotógrafo não

foi identificado como na fotografia anterior, nessa imagem podemos ver o interior da igreja de

Santo Afonso com enfeites no teto e nas colunas e um grande número de fiéis que assistem a

uma das sessões solenes do congresso Mariano, onde foram expostos temas de dogmas

doutrinários marianos76.

75 Teses que foram expostas nas sessões solenes realizadas em colégios e paróquias da cidade do Rio de Janeiro- DF, essas

sessões aconteceram de 24 a 30 de maio de 1931 ás 20h00, destacando elementos teológicos centrais pertencentes ao culto a

virgem Maria. Apenas os temas 13º e 14º tratam especificamente de abordagens sobre Nossa Senhora Aparecida.

1º- Nossa Senhora mãe de Deus [...]. 2º- N. Senhora- Corredentora [...].3º- N. Senhora- Medianeira de todas as graças [...]4º-

N. Senhora- Rainha e defensora da cristandade.5º- N. Senhora e a família.6º- N. Senhora e a mocidade.7º- N. Senhora e o

operariado.8º- N. Senhora e o reinado social de Jesus Cristo no mundo.9º- N. Senhora e o reinado social de Jesus Cristo no

Brasil.10º- Os santuários celebres de Nossa Senhora.11º- Os santuários brasileiros de N. senhora.12º- N. Senhora na literatura

e nas artes brasileiras.13º- O padroado nacional de n. Senhora Apparecida.14º- Nossa senhora salvação do Brasil. 76

103

Figura 8- Foto do Congresso Mariano na Igreja de Sto. Afonso no Rio de Janeiro publicada no Almanaque de

Aparecida do ano de 1932. Fonte: CDM.

Para o período de 17 a 24 de maio foi estabelecido que em todas as dioceses e

paroquias do país deveriam ser realizadas pregações que fortalecessem a “Semana da

Padroeira”77, onde todas as cerimonias religiosas proporcionariam uma catequese para os fiéis

relacionando a figura de Nossa Senhora Aparecida a dogmas católicos e a temas de interesse

da Igreja católica do Brasil.

Um aviso com as normatizações em relação a essa “Semana da Padroeira”, foi

expedido pelo cabido metropolitano da cúria do Rio de Janeiro, sob o número de 210 nas

circulares do respectivo órgão o aviso foi publicado na íntegra contendo 11 pontos que

normatizam a festa a ser realizada na Capital do país. Os trechos abaixo relacionados foram

selecionados com o intuito de levantarmos algumas hipóteses em relação a problemática

proposta:

77 De forma parecida com as sessões solenes foram publicadas orientações para as pregações em cerimonias realizadas

durante a “Semana da Padroeira”, que aconteceu do dia 17 ao dia 24 de maio de 1931. Nas dioceses e paróquias as pregações

deveriam ser baseadas nas temáticas seguintes:

1º- Nossa Senhora como mãe de Deus tem direito ao culto e ao amor de todos os homens: como nossa Padroeira tem direito

as nossas devoções. 2º- [...] Nossa Senhora é mãe especial do povo brasileiro. 3º-Os males da propagação de heresias e erros

da fé catholica. Nossa Senhora, defesa e baluar da nossa Santa religião. 4º- O culto de N. Senhora e a prática das leis de Deus

e sacramentos da Igreja. 5º- Nossa senhora e a conversão dos pecadores. [...] 6º- Nossa Senhora e nossa salvação. [...] 7º- N.

S Apparecida – rainha e padroeira do Brasil, por aclamação do povo e concessão expressa do vigário de Jesus Cristo.

Gratidão e confiança nacionais.

104

1- Em todas as igrejas matrizes, igrejas de religiosos, irmandades e capelas,

por ocasião de todas as missas que nelas se celebrarem domingo próximo,

serão lidos e explicados aos fieis a carta de S. Eminencia e o programa das

solenenidades.[...] 3- A porta de todas as igrejas e outros logares públicos,

onde seja possível faze-lo, afixem o programa geral das festividades e o

particular de cada parochia.[...] 6- [...] Palavra de ordem: cada um dos

membros de todas as associações deverá convidar, persuadir e inscrever,

pelo menos cinco pessoas em cada um dos grandes grupos do préstito que

acompanhará a imagem de N. Senhora Apparecida, na procissão de 31 de

maio. Os quatro grupos são: 1- Moças, filhas de Maria ou não, vestidas de

branco (mangas compridas e sem decote) véu branco ;2- Senhoras quanto

possível vestidas de preto, véu preto ou branco;3 -Moços e homens que

desfilem incorporados ás Ligas Catholicas não haja traje determinado); 4-

Cavalheiros que em traje de rigor ( frak e calça listrada) formarão a guarda

de honra. 7- [...] a) Marcar dia e hora para nova reunião coletiva, em que

cada membro das associações deverá trazer a indicação precisa do número

de pessoas que conseguiu inscrever em cada um dos grupos [...] d) Instruir

bem as associações sobre o traje e outros pontos já assentados ou que vierem

a ser determinados pela Comissão Geral e, principalmente, mons. Gonzaga

do Carmo, encarregado de organizar e dirigir a procissão. 8- [...] Haverá

lugar para os colégios masculinos e femininos, centros de catecismo,

escoteiros, etc. Recomenda-se que se apresentem com estandartes.9- Os srs.

Sacerdotes desta archidiocese, ou aqui de passagem, comparecerão

paramentados de casula, dalmática ou pluvial, de qualquer cor, menos preta

ou roxa.10- No dia 31 de maio depois do meio dia, fica proibida qualquer

função religiosa. Câmara eclesiástica, Rio, 30 de abril de 1931. Mons.

Francisco de Assis Caruso. Secretário do Arcebispado. 09-05-1931 p.02

O objetivo das tentativas de romanização do culto católico que discutimos desde o

segundo capítulo são reproduzidos através destas palavras. As normas litúrgicas e

institucionais tendem a valorizar as igrejas paroquiais e o aumento no número de fiéis através

de convites feitos pelas associações religiosas. Na fala do cardeal Leme na entrevista que

transcrevemos anteriormente o prelado já pontuava que havia pedido aos grupos e associações

50 mil pessoas a mais para incorporar as instituições que iriam participar da procissão solene.

Isso fica evidente dentro do texto pela alocução adjetiva “palavra de ordem” ao referir-se ao

pedido feito as associações católicas do período.

Voltando a essa problemática podemos destacar que a intenção não era apenas

divulgar a celebração, e sim garantir um momento homogêneo de reconhecimento oficial ao

culto a Nossa Senhora Aparecida. O catolicismo popular, constituído por setores diversos e

grupos híbridos culturalmente possuía diferenças e essência própria, mesmo que baseado em

elementos do mundo católico essa prática religiosa não era bem aceita pela Igreja Romana,

algo que já pontuamos anteriormente.

Ao tratar da devoção popular e sua relação com o catolicismo oficial, salienta Davi:

105

Uma das maneiras que a Igreja Católica encontrou para manter a coesão

coletiva ao seu redor, já que estava vivendo uma realidade que punha em

risco sua hegemonia no terreno religioso, foi se defender das outras

manifestações religiosas, tentando recuperar uma outra parcela da população

que, apesar de católicos estariam relegados a um plano inferior por terem

comportamentos divergentes daqueles defendidos pela instituição, como é o

caso do fervor manifestado pelo culto a santos reconhecidos ou não

reconhecidos, pelas romarias, pela privatização da fé. (2001, p.233)

Exatamente nessa perspectiva que a fala de Dom Leme busca abarcar um grande

número de pessoas, reconhecendo oficialmente o culto a santa “Aparecida”, automaticamente

se fortalece o número daqueles que são considerados apenas praticantes de uma religiosidade

popular.

106

3.3. A viagem a Capital federal

A princípio a grande sequência de regras instituídas para a celebração de proclamação

do padroado resultaram em inúmeras publicações no Jornal Santuário, com o intuito de

garantir a realização da festa nos moldes litúrgicos romanizados. No excerto abaixo publicado

na primeira página do periódico no dia 09 de maio de 1931 fica declarado que o lugar da

imagem é em seu santuário. Seria essa colocação uma condição imposta pela mesa diretora de

devotos coordenadores do santuário? Qual relação podemos estabelecer novamente entre a

imagem e a região em que ela foi encontrada?

Declarou ainda o Sr. Arcebispo com o cabido, que a ida da imagem fica

restringida para este caso único, não forma precedente e não sera repetida.

Nestas condições os devotos de Nossa Senhora Apparecida não poderão

deixar de alegrar-se imensamente sobre as honras que serão prestadas a sua

querida Mãe e Padroeira ( Jornal “Santuário”,1931, p.1 nº26)

Uma outra publicação feita na edição do dia 23 de maio do mesmo ano informa aos

leitores a maneira como a imagem será transladada para a Capital Federal:

1º- A venerada imagem de Nossa Senhora da Conceição Apparecida será

transladada para esta capital no dia 31 do corrente, devendo voltar para a

cidade de Apparecida a tarde do mesmo dia, logo após a procissão. 2º- As 14

horas em ponto sairá da Cathedral Metropolitana a solemnissima procissão

que obedecerá ao seguinte itinerário: Primeiro de Março, Visconde de

Inhauma, Avenida Rio Branco, Avenida das Nações e Esplanada do Castelo.

4º- assim foi determinado que , as 13 horas deverão formar: a) o grupo das

senhoras [...] b) as ordens terceiras e irmandades [...] c) os collegios dos

meninos e meninas [...] d) os escoteiros [...] e) as Ligas Catholicas [...] f) as

Filhas de Maria [...] g) os cavalheiros da guarda de honra [...] h) clero

regular e secular e seminário [...] i) as autoridades e representações offiaes

de associações civis e militares [...] j) os Revm. Capitulares e Exms. Srs.

Bispos [...] (Aviso da Camara eclesiástica do Rio publicado no Jornal

Santuário, 1931 nº 28)

Sobre a composição do trem que faria o translado da imagem:

A composição será das de luxo um carro-salão da administração, arrumado

em cappela receberá o altar e o trono da virgem. Parte deste carro será para

acomodar o Exm. Arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva que

velará o precioso tesouro confiado a sua archidiocese. Em outros dois carros

haverá os lougares precisos para a guarda de honra e a Comissão que desta

Capital irá a Apparecida do Norte receber a milagrosa imagem. (Jornal

Santuário, 1931 nº 28)

O grupo de padres que acompanhou a imagem de algum modo são nomes que são

associados ao processo de romanização do catolicismo brasileiro. Tendo como principal

mentor a figura do Cardeal Leme, apoiado pelo arcebispo de São Paulo, Dom Leopoldo e

Silva.

107

A administração da estrada de Ferro Central do Brasil, recebe um número muito

grande de elogios, por parte do Jornal Santuário. Segundo o próprio jornal foi oferecido um

desconto nas passagens para todos aqueles que fossem ao Rio de Janeiro participar da

celebração.Qual seria o intuito de diminuir em 50% o valor das passagens para a data da

celebração?

A administração da Central, no intuito de facilitar a vinda das pessoas que

desejam assistir ás festas em honra de N. S. Apparecida , Padroeira do

Brasil, resolveu, depois de ouvir o Ministro da Aviação conceder o

abatimento de 50% nas passagens de ida e volta para a estação Pedro II.

(Jornal Santuário,1931, nº 29)

Nenhum outro jornal que analisamos cita esse abatimento no preço das passagens que

aparece no periódico que citado. A intenção de fazer um evento apoteótico com grande

número de pessoas pode ser considerada através da informação acima relatada.

Antes da imagem sair de seu santuário, houve uma celebração de encerramento das

festividades do mês de maio, com a imposição das fitas as chamadas filhas de Maria78,

associação religiosa feminina que tinha como intuito principal propagar a devoção popular

mariana.

O fragmento abaixo publicado no Jornal santuário que parafraseamos na introdução

deste trabalho narra a saída da imagem da Basílica de Aparecida na noite do dia 30 de maio

de 1931. O excerto faz parte da publicação especial de informação a cobertura sobre a festa da

proclamação do padroado:

As 8 ½ horas da noite do dia 30 [...] O vigário interino tirou a imagem do

seu throno, colocou-a no andor e rezou com o povo uma Salve rainha e 3

Ave Marias na intenção de resultar esta viagem em maior gloria de Deus e

de nossa Mãe santíssima e correr tudo bem.[...] O andor foi ladeado pela

Commissão de Apparecida e seguido pela de S. Paulo.[...] Acompanharam a

santa Imagem o PP. José Francisco Vigário interino, Andrade Macedo, Otto

Maria e o irmão Carlos. O R. P. João Baptista redactor do “Santuário” já

tinha seguido uns dias antes para assistir ao congresso mariano na Capital

Federal. [...] (Jornal Santuário, 1931, p.03)

Conforme citado anteriormente não encontramos nenhum relato sobre a condição de

escolha dos clérigos, religiosos e da comissão que foi acompanhando a imagem até a cidade

do Rio de Janeiro. Qual teria sido o critério de escolha utilizado para essa seleção?79 Algumas

78Como no dia 31 de Maio o nicho de Nossa senhora estava vasio e fechado, foi feito o encerramento do mês mariano no dia

30 [...] receberam 15 moças a fita verde de aspirante e 14 a fita azul de filha de Maria. ( Ed.27 p.03) 79No carro cappela revezavam-se as Commissões de Aparecida e São Paulo rezando o terço [...]

108

pistas podem ser esclarecedoras, por exemplo, o Padre Otto Maria80 foi um religioso

redentorista que é considerado um dos pioneiros a recolher notícias, entrevistas e documentos

diversos sobre a expansão do culto a Nossa Senhora Aparecida.

[...] era o sentimento íntimo de piedade e fé, era o amor grande e sincero a

N. Senhora, era o ardente desejo e a intima satisfação de mostrar amor filial

a Nossa Senhora e prestar-lhe as homenagens mais grandiosas possíveis. [..]

O carro salão torna-se verdadeira cappela: os padres de sobrepeliz, os

Cônegos de murça ajoelhados em torno do Sr. Arcebispo rezam o terço a N.

Senhora. [...] (Ibid.)

Na fotografia abaixo tirada do interior do vagão que foi transformado em capela para

levar a imagem de Nossa Senhora Aparecida, podemos ver ao fundo o oratório onde a mesma

imagem foi transportada. A ornamentação em estilo românico e o nicho tradicional revelam

elementos da Liturgia Romanizada, o manto branco utilizado pela imagem apenas algumas

vezes nos remetem a cor festiva da liturgia segundo o catolicismo e também a dignidade da

cor dos papas.

Um elemento chave para entendermos a ligação da devoção popular com o processo

de romanização do culto a Nossa Senhora Aparecida é nos indagarmos: Que elementos da

devoção popular aparecem neste altar? Além do modo como são colocadas as flores, quais

outras pistas a imagem nos oferece sobre a ligação da devoção popular ao culto de Nossa

Senhora Aparecida? Sem dúvida alguma o reconhecimento de uma grande participação

popular, nas fotografias a presença de grande número de pessoas fica sempre evidenciada.

Ao redor do oratório um grande número de membros do clero e representantes de

outras instituições posam para a foto, a fotografia faz parte do álbum fotográfico da festa de

Proclamação de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil. A fotografia que se

encontra no arquivo do Santuário Nacional não está identificada e não existem dados do

fotógrafo.

80 Conf. Nota nº 53.

109

Figura 9 - Vagão / capela levando a imagem para o Rio de Janeiro, série de fotografias da Proclamação de N. S.

A. como Padroeira do Brasil. Fonte: CDM.

De acordo com Burke:

Os documentos precisam ser contextualizados[...]. Isso nem sempre é fácil

no caso de fotografias, uma vez que a identidade dos fotografados e dos

fotógrafos é muitas vezes desconhecida, as próprias fotografias

originalmente – em muitos casos- são oriundas de uma série e foram

separadas do projeto ou do álbum no qual eram inicialmente mostradas, para

acabarem em arquivos ou museus.(2017, p.37)

Ao tratarmos essa fotografia como parte de um álbum fotográfico podemos entender

que ela carrega diferenças das fotografias que foram publicadas pela imprensa, pois a mesma

retrata pessoas (no caso os que não são religiosos) que não possuem seus nomes citados em

outras fontes analisadas.

Uma outra prática de homenagem popular que é transcrita no jornal é a oferta de flores

durante o percurso que a imagem fez. O Almanaque de 1932 vai detalhar de maneira

específica as pequenas celebrações que ocorreram em cada estação que a imagem passou,

destacando músicas, orações e fogos de artifício. Ao tratar do costume de troca de flores, ou

seja, o devoto oferece uma flor e retira para levar como lembrança ou amuleto uma outra que

esteja junto da imagem podemos ler:

Mas as flores numa estação entram e na outra saem. E como a boa gente sabe pedir

só uma pétala de lembrança. [...] E quantas flores, flores tão belas oferecem aqui á

Virgem [...] (Jornal “Santuário” 1931, N.27,p.02)

110

As flores e as pétalas atiradas à virgem representam bem os sentimentos ternos e

filiais dos que acompanharam a procissão triumphal. [...] constituiu um verdadeiro

plebiscito nacional em favor da religião católica. ( Ibid.p.03)

No primeiro relato encontramos uma afirmação da prática da devoção popular, como

já citamos o costume de conservar as flores dos andores como busca de proteção, na narrativa

a palavra que é usada para denominar essa prática é apenas “lembrança”, ou seja termo que

desconsidera as outras possibilidades de utilização devocional destas flores. Já na segunda

parte o fragmento se refere as flores que eram atiradas a imagem durante a procissão no Rio

de Janeiro novamente mostrando como esse gesto pode ser interpretado em realidades

diferentes.

Citando ainda os movimentos em torno do translado da imagem e relacionando as

pessoas que o assistiam o texto continua dando maior enfoque aos gestos feitos pelas pessoas

durante o translado da imagem

Quantas scenas comoventes podemos presenciar: o povo piedoso ao longo

da Estrada, de mãos erguidas para a virgem. Como são cheios de

enthusiasmo os fluminenses e cariocas: gesticulam mostram uns aos outros o

altarzinho, batem palmas, atiram beijos á imagem no seu throno [...] Jornal

“Santuário”, continuação de publicação Ed. 27 p.02)

Os gestos de comoção popular citados pelo Jornal vão ser intensificados quando o

periódico cita a participação do povo na cidade do Rio de Janeiro81, após a chegada da

imagem. Para Benjamin (1987) “a história é objeto de uma construção cujo lugar não é o

tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de "agoras"(p.232) ”. O campo da cultura

não pode ser considerado o campo do passado, ele se atualiza através de uma circularidade

que abrange as diversas conjunturas históricas, inclusive as religiosas.

81 O Jornal Santuário em edição posterior publicou o seguinte canto religioso, chamado de “Canto dos cariocas” a propósito

da viagem de Nossa Senhora Aparecida ao Rio de Janeiro:

“ Nossa Rainha altaneira

Que em trono feito alcantil,

Sois a maior brasileira reinando sobre o Brasil.

Vinde a nós, virgem viageira

Que a terra de ardor febril

Ampara, em cada palmeira

Vosso pálio: um só céu de anil.

Vinde a nós que, ao fim da viagem,

Para vos dar hospedagem,

De joelhos, tal merecei;

O Corcovado achareis,

Abrindo os braços na imagem

Do redentor Rei dos Reis...”

Sem identificação do autor. In : MACHADO, Padre. Aparecida: Na História e na Literatura. Campinas: Ed. do autor, 1975.

111

[..] Como se mostrou piedoso neste dia o povo do Rio de Janeiro, quanta

comoção se via em todos os rostos, quantas lágrimas correram, quantos

sacrifícios fizeram para tomar parte das homenagens a N. Senhora. Dos

subúrbios saíram milhares de pessoas pelas dez da manhã e voltaram pelas

oito da noite passando todo esse tempo de pé e sem nada comerem, mas

voltavam alegres e contentes de terem mostrado seu amor, e feito um

sacrifício a N. S. Apparecida [...] (Jornal “Santuário”, continuação de

publicação Ed. 27 p.02)

Consequentemente a dimensão de sacrifico que é enfatizada na devoção popular, leva

um grande número de pessoas as ruas, a dimensão do sacrifício, da peregrinação e da

procissão é fruto dos rituais da devoção popular, que ganham um outro significado a medida

que a presença do clero e da hierarquia católica vai sendo inserida nestas liturgias. O povo

aparece no jornal sempre com adjetivos que estão ligados a emoção e benévolo, ou seja, uma

maneira de legitimar a participação popular na perspectiva da normatização.

Era manhã do dia 31 de maio quando o trem especial adentrou a estação Dom Pedro II

na região central do Rio de Janeiro:

[...] Entrou o trem santuário na estação D. Pedro II que estava toda ella

engalonada com bandeiras e festões [...] uma massa compacta de povo [...]

estavam na estação o Sr. Cardeal, o exmo. Sr. Vigário geral e grande número

de prelados e sacerdotes.

Lia-se em todos os rostos, além de forte enthusiasmo profunda

Commoção e em muitos olhos brilharam lágrimas quando a veneranda

Imagem deixou o trem e muito devagar rompeu a densa multidão em direção

a saída. [...] Jornal “Santuário”, continuação de publicação Ed. 27 p.02)

A imagem abaixo retrata o momento que a imagem de Nossa Senhora Aparecida

recém-chegada ao Rio de Janeiro foi colocada sobre o automóvel82 rumo a Igreja São

Francisco de Paula, onde seria celebrada a missa solene. Essa fotografia foi a que mais

circulou nos principais jornais do Rio de Janeiro editados no final da tarde do dia 31 corrente.

Em uma pequena nota do Jornal Santuário foi avisado que apenas a imprensa cadastrada pela

cúria diocesana poderia fazer imagens e cobrir o evento, fato que possibilitou que essa mesma

imagem circulasse com ângulos diferentes pelos diversos periódicos do Rio de Janeiro.

De acordo com Doro (2006) a constatação das muitas possibilidades de informações

que possam estar contidas em uma única imagem fotográfica e sendo essa imagem um

82 Foi a mesma colocada sobre um automóvel no qual tomaram lugar o sr. Arcebispo de São Paulo. Formou-se uma longa

fileira de automóveis para acompanhar N. Senhora. Mas também o povo todo acompanhou a pé e as calçadas de ambos os

lados estavam cheias de gente que esperavam a imagem e a aclamavam. [...]

112

testemunho visual de uma situação vivida, ela leva o historiador a utilizar essa fonte nas

diversas pesquisas historiográficas.

Ao analisar a fotografia como fonte para o historiador podemos nos deparar com

questões que não podem ser respondidas, salienta Burke (2017) “ Uma série de imagens

oferece testemunho mais confiável do que imagens individuais, seja quando o historiador tem

como foco todas as imagens existentes [...] seja quando observa as mudanças nas imagens [...]

ao longo do tempo”. (p. 282).

Figura 10- Chegada da imagem de N. S. Aparecida no Rio de Janeiro em 31/05/1931, publicação do Almanaque de

Aparecida de 1932. Fonte: CDM.

A legenda publicada embaixo da imagem na edição do Almanaque do ano de 1932,

nos dá algumas pistas sobre a intenção do fotógrafo em fazer esse registro: “ Cena

impressionante no momento do desembarque de Nossa Senhora Aparecida na estação Pedro II

– Rio de Janeiro”. Desta forma o redator do periódico anual transmitiu a sua leitura da

fotografia acima. Novamente sinalizando que as leituras partem exatamente do nosso lugar de

fala em relação ao objeto.

113

3.4. A nova Padroeira do Brasil

A missa oficial da Proclamação do Padroado de Nossa Senhora Aparecida ocorreu na

manhã do dia 31 de maio em frente à igreja de São Francisco de Paula, na região central do

Rio de Janeiro. Dentre os periódicos que analisamos a celebração não aparece em nenhum

momento como o destaque principal da solenidade. Como vimos anteriormente o Cardeal

Leme enfatizou em várias falas a importância da solene procissão, algo que demonstra de

maneira clara a força da prática da devoção popular em relação as práticas dos ritos

romanizados.

Não conseguimos localizar o ritual utilizado para a celebração desta missa, diferente

de outras celebrações como a da Coroação oficial, ocorrida em 1904 e que é encontrada em

integra no arquivo da Basílica Nacional. Recolhendo alguns vestígios no jornal santuário

podemos levantar algumas hipóteses de como teria ocorrido essa primeira parte da celebração

oficial:

A frente da egreja de São Francisco de Paulla estava toda engalanada e

na porta principal fora erguido um rico altar provisório ao alto do qual foi

colocada a imagem milagrosa [...] A vasta praça estava cheia de povo que ali

se comprimia e apertava, as escadarias, sacadas e janelas estavam

igualmente apinhadas de povo.[...] Jornal “Santuário”, continuação de

publicação Ed. 27 p.02)

O termo utilizado para definir a forma como a igreja estava enfeitada “engalanada”

poderia significar um arquétipo do jeito romanizado? O trecho que resume o lugar onde foi

celebrada a missa também faz menção ao povo, aliás, um dos poucos momentos em que essa

categoria aparece na narrativa feita pelo jornal santuário, que concentra em suas publicações

os discursos de alguns clérigos e figuras políticas que estiveram presentes nos festejos. Um

outro ponto importante: o jornal sempre faz menção a sujeitos ligadas a instituições que de

algum modo possuem um lugar social de fala na conjuntura política do país, por exemplo, aos

membros do governo provisório que participaram da celebração, a empresa ferroviária e aos

colégios.

Na fotografia abaixo, que foi publicada na sessão de fotos do Almanaque de 1932,

podemos ver o altar onde foi celebrado a missa, e nele, a imagem de Nossa Senhora

Aparecida, destacada com uma enorme quantidade de flores, o altar em estilo tridentino onde

a centralidade do mistério celebrado culmina com a imagem da nova padroeira ao topo.

114

Figura 11 - Missa realizada em frente a Igreja São Francisco de Paula em 31/05/1931, publicada no Almanaque

de Aparecida 1932. Fonte: CDM.

O costume popular de rezar o terço durante a missa, que foi salientado no primeiro

capítulo a partir da expressão “era um catolicismo de muito terço e pouca missa”, pode ser

encontrado no trecho abaixo

Logo que a missa entrou, estabeleceu-se silencio na praça e foram

entoados cânticos a N. senhora, emtremeado das dezenas de terço, cada uma

por uma das intenções que o Exmo. Sr. Cadeal expoz quando anunciou a

grande festa mariana. Terminada a Missa começaram as aclamações a N.

Senhora Apparecida [...]. Jornal “Santuário”, continuação de publicação Ed.

27 p.02)

Dois pontos aqui são importantes: Primeiro essa é a única parte de todas as

publicações no jornal santuário que encontramos uma menção a missa ocorrida nesta manhã.

Segundo, a oração do terço que é um exercício da devoção popular novamente assume um

espaço paralelo com o da liturgia oficial da Igreja. Podemos questionar: quais seriam as

intenções solicitadas pelo Cardeal Leme nessa oração? Poderiam essas intenções ser de fato

relacionadas ao culto a Nossa Senhora Aparecida ou a constituições dogmáticas teológicas

imbricadas ao culto mariano como nas temáticas das sessões solenes realizadas durante as

festas?

115

Terminada a missa iniciam “aclamações a Nossa Senhora Aparecida”, novamente o

jornal não escreve quais seriam essas aclamações, já que anteriormente em outras edições

quando o periódico destaca esse tipo de manifestação automaticamente ele as associa ao povo

que participava das celebrações, o que é percebido de forma diferenciada na informação

acima.

Continuando a narrativa, destacando a grande multidão que participava da celebração

o periódico relata:

Em seguida a imagem foi de novo colocada no automóvel e seguiu para a

cathedral, em marcha lentíssima, sempre rodeada, seguida e aclamada por

uma multidão compacta de povo. [...] Já era tempo de fechar as portas da

cathedral para fazer os últimos preparativos á grande procissão, e o povo não

queria sair. Só após pedidos repetidos e insistentes foi se esvasiando o

recinto. Jornal “Santuário”, continuação de publicação Ed. 27 p.02)

A primeira procissão realizada da Igreja de São Francisco de Paula a Catedral do Rio

de Janeiro é um preambulo do que viria a ser a solene procissão organizada pela cúria

diocesana do Rio de Janeiro que iria levar a imagem da Catedral até a Esplanada do Castelo.

Exatamente nos momentos em que os exercícios religiosos são característicos da devoção

popular que o povo aparece como categoria nas narrativas publicadas pelo jornal. Qual seria a

intenção da matéria ao afirmar que o povo não queria sair da Catedral? Reafirmar a grande

quantidade de pessoas que participaram desta celebração?

Na fotografia abaixo, publicada em outros veículos da imprensa não confessional,

como o “Jornal última hora” e o jornal “A Noite”83 fica retratada a imagem sendo colocada no

andor em um automóvel preparado para este fim sendo arrumada no mesmo por Dom Duarte

Leopoldo e Silva, arcebispo de São Paulo tendo ao lado a figura do cardeal Leme. A imagem

mostra um grande número de pessoas, homens com os chapéus sendo tirados da cabeça em

sinal de veneração e algumas pessoas segurando flores ao lado dos estandartes e distintivos

dos grupos religiosos e irmandades católicas que enviaram suas comissões representativas

para participar das solenidades, conforme solicitado durante o cronograma da festa que já

discutimos anteriormente,

83 Nas edições consultadas dos jornais destacados, aparecem as seguintes manchetes com a imagem abaixo:

“ A maior Consagração Católica da América do Sul”, jornal “ A NOITE”. Rio de Janeiro. 01/06/1931 Ed.7008, p.01.

Idem. Jornal “última hora”. Rio de Janeiro. 31/05/1931, p.03.

116

Figura 12 - Imagem sendo conduzida para a Catedral após a missa no Largo S. Francisco de Paula em

31/05/1931, publicação do Almanaque de Aparecida 1932. Fonte: CDM.

A imagem permaneceu na Catedral do Rio de Janeiro, da mesma forma o jornal não

traz informações sobre este período e continua narrando a festa com um relato descritivo da

procissão que teve início no começo da tarde do mesmo dia:

As duas horas da tarde saiu da cathedral a Procissão de N. senhora

Apparecida, que conforme estava estabelecido percorreu a rua 1º de Março,

rua Visconde de Inhauma, avenida Rio Branco, avenida das Nações e chegou

á esplanada do castelo depois das cinco e meia.[...]

A imagem de N. S. Apparecida foi colocada no automóvel no qual

tomaram lugar o sr. Nuncio Appostolico, o sr. Arcebispo de São Paulo e o sr.

Conego Rezende [...] estavam cheios de uma massa compacta de povo. As

janelas e sacadas das casas até nas alturas de oito ou dez andares, estavam

igualmente cheias, não de espectadores curiosos, mas de pessoas piedosas

que dali faziam parte no cortejo da mãe dos brasileiros[...].

[...] as multidões cheias de enthusiasmo batiam palmas, davam vivas e

palmas e cahiam chuvas de pétalas.[...] Na avenida as casas pareciam

colmeias e centenas de mãos a agitar-se e espalhar flores e outras maõs

extendendo-se para a virgem numa prece ardente e olhos a derramar

lágrimas de comoção e de fervorosa supplica. (Jornal “Santuário”,

continuação de publicação Ed. 27 p.02)

117

A descrição feita da celebração destaca a participação dos clérigos, em especial o

Núncio Apostólico, ou seja, aquele que representa o papa como diplomático tanto no corpo

eclesial quanto no âmbito social de acordo com uma tradição do catolicismo romano. A

presença do Núncio configura a ligação estreita do reconhecimento deste culto popular pela

Igreja romana.84 Na continuação do texto o povo aparece novamente quebrando a passividade

que lhe foi imputada na descrição do momento da missa.

Uma das práticas que aparece associada a população que acompanha a imagem pela

publicação que foi feita no jornal santuário é a de levar flores nas mãos, isso podemos

encontrar desde o início das primeiras narrativas sobre a saída da imagem do Santuário de

Aparecida, prática essa que caracteriza muito a cultura popular nas homenagens feitas aos

santos de devoção e a Nossa Senhora.

Figura 13 - Início da Procissão solene em frente a Catedral do Rio de Janeiro em 31/05/1931, publicada no

Almanaque de Aparecida de 1932. Fonte: CDM.

A fotografia acima, uma das três que encontramos que captaram o momento da

procissão enfatiza a grande quantidade de padres e clérigos com títulos e funções

84 Um núncio apostólico é um representante diplomático pertencente a Santa Sé exercendo o posto de embaixador.

118

diversificadas que participaram desta celebração. São os clérigos que estão à frente da

procissão, eles conduzem as celebrações e orientam os fiéis durante a mesma.

Ao analisarmos esta imagem podemos levantar diversas hipóteses, uma delas é a

associação direta do culto a Nossa Senhora Aparecida iniciado nos arredores de uma aldeia de

pescadores com o processo de romanização com o qual estamos dialogando, ora, é

exatamente nessa conjuntura que não vemos mais pescadores tomando conta da imagem e sim

o clero regular reforçando a ideia inicial de que essa prática de devoção popular vai ser

utilizada pela Igreja para ampliar o projeto da ação romanizadora.

Ainda na edição do dia 06 de junho, o jornal conclui as considerações e narrativas

feitas sobre a festa destacando o ato final da procissão, uma consagração ocorrida na

Esplanada do Castelo, ato que contou com a participação dos representantes políticos de

governo provisório recém instalado.

Para ser vista por todos, a Imagem foi levada através dos diversos

agrupamentos, rompendo com dificuldades a multidão e recebendo as mais

delirantes aclamações.[...] os alto falatens repetiam os cânticos: Salve o mãe

e Com minha mãe estarei, sendo acompanhado pelas multidões.[...] No fim

da esplanada foi construído um vasto tablado para os prelados e sacerdotes e

no centro do mesmo um artístico altar maravilhosamente ornamentado.[...]

De um tablado especial assistem ao desfile o sr. Presidente da republica com

sua sra, diversos ministros, o chefe de policia, os membros do corpo

diplomático com suas famílias. [...] (1931, p.01 nº 27) ( Continuação Ed. 27

p.02)

Os agrupamentos institucionais católicos que ganham destaque dentro do texto são

sempre citados quando há referência ao povo ou a multidão, quando o jornal define as pessoas

que participaram dos festejos são utilizados esses adjetivos85. Consequentemente junto a esses

agrupamentos aparece uma referência aos representantes do governo provisório e ao

Presidente Getúlio Vargas que como chefe de Estado estava presente na solenidade e aparece

em algumas fotografias que foram publicadas no Almanaque de 1932 e constam no acervo do

Santuário Nacional.

A presença do Presidente Getúlio Vargas como chefe de estado nessa celebração

aparece como destaque em toda a imprensa analisada durante o processo de pesquisa. A

legitimação do ato da Igreja fica evidente na centralidade daquilo que é propagado através das

85Não houve matine nos cinemas, não houve corridas, não houve regatas porque para todos a procissão de N. Senhora

Apparecida era mais importante e atraente. Movimentou-se o Rio de Janeiro todo desde o presidente da República até os

humildes pescadores das praias diante deste acontecimento único [..]

119

imagens e publicações: as roupas litúrgicas dos clérigos que aparecem nas fotografias e nas

normatizações sobre as mesmas em documentos, a imagem de Nossa senhora Aparecida

trazida pelos padres e bispos e a fotografia abaixo dos bispos em visita ao presidente em

exercício, nessa imagem além da postura dos prelados com suas insígnias podemos destacar

no centro a figura de Vargas explicitando a relação do poder religioso com o poder político.

Figura 14 - Bispos Brasileiros visitando o Presidente da República em exercício, Getúlio Vargas durante as festas da nova

Padroeira. Almanak de Aparecida, 1932. Fonte: CDM.

De acordo com Canclini (1998) o popular não é monopólio dos setores populares,

dado que uma mesmo pessoa pode estar inserida em diversos grupos e integrar-se de forma

diversificada nas relações simbólicas estabelecidas entre eles. Desse modo a

representatividade de grupos em torno da imagem nos ajuda a questionarmos novamente a

tentativa de homogeneização de culto feita pela Igreja.

Nas fotografias que apresentamos que mostram as celebrações realizadas em

homenagem a nova Padroeira uma característica comum entre elas no chama a atenção: existe

uma necessidade de legitimação da participação popular que esta imbricada as manchetes de

jornais que afirmam a participação de uma grande multidão no evento. Os jornais nos trazem

alguns números que certificam a participação popular.

120

Segundo as estimativas passaram pela Estação Central do Brasil cerca de 6725486

pessoas, número considerável para o período , será que esse número de pessoas foi

concentrado nos festejos de Nossa Senhora Aparecida no Padroado ou foram apenas

divulgados como totalizantes pelo jornal?

Tendo terminado a sua volta pela Esplanada, o automóvel a imagem de N.

Senhora Apparecida parou ao pé da escada do altar.[...] Chegando ao alto

deu a Imagem a beijar ao sr. Cardeal e depois, satisfazendo um desejo do

Chefe de estado, a aproxima do sr. Dr. Getulio Vargas que a beija nos

pés.[...]

Nunca se viu na historia do Brasil uma demonstração mais colossal, o

espetáculo de um povo que se ergue uníssono para aclamar Aquella que a

Egreja proclamou Padroeira do Brasil. Foi uma verdadeira afirmação da

vontade nacional de ser catholico. [...] (Jornal Santuário, Ed. 27 p.02)

O episódio do beijo que o Presidente teria oferecido a imagem aparece relatado apenas

no “Jornal santuário”, e em alguns pequenos periódicos católicos, como na revista Vozes de

Petrópolis, Revista Mensageiro do Carmelo 87, qual seria o intuito principal destes veículos da

imprensa em publicar esse relato? Como esse episódio pode ser considerado como

aproximação entre política e processo de romanização? Percebemos aí o poder político

institucionalizado alinhado com a perspectiva da fé romanizada.

Dentre as inúmeras hipóteses que podemos levantar consideremos a que o trecho

acima nos propõe: ao fazermos uma leitura a contrapelo entendemos que o tempo todo dentro

do texto é proposital a tentativa de unidade que se dá ao catolicismo como uma única voz

religiosa no país, e a afirmação de que a nova Padroeira se sobressai como ponto de união

nessa relação entre cidades, estados, agrupamentos e irmandades, diferentes cargos clericais

buscando exatamente o que é proposto no projeto de romanização: uma única voz para toda a

Igreja, centralizada na hierarquia institucional da mesma. Essa disputa pode ser percebida na

forma como essa unidade vai sendo reafirmada.

A celebração teria sido encerrada com a consagração presidida pelo cardeal Leme e

pela coroação da imagem, ato simbólico que é sempre realizado no encerramento do mês de

maio como forma de honraria e solenidade que compõem popularmente os festejos e

homenagens a Nossa Senhora. Essas duas práticas que também são exercícios da devoção

popular não aparecem registradas em nenhum lugar, apenas algumas notas de que a 86[...] Passaram pelos torniquetes da Estação Pedro II no dia da festa de N. S. Apparecida 67254 que tomaram os subúrbios.

Para assistirem a despedida de N. Senhora compraram ingressos na Central 2733 pessoas. [...] No mesmo dia vieram ao rio

pelas barcas da Cantareira 46210 pessoas, sendo 41000 de Nictheroy e os outros das ilha. (P.03) 87 Cf. “ O beijo da Pátria seria levado pelo próprio Presidente da República”. In: MACHADO, Padre. Aparecida: Na História

e na Literatura. Campinas: E. do aut., !975, p.402.

121

celebração teria sido encerrada desta maneira com o discurso de exortação de Dom. Sebastião

Leme que orienta de forma incisiva ao povo se afastar de todos os maus costumes

modernos88.

Terminando a celebração e seguindo a recomendação de Dom Duarte Leopoldo e

Silva, Arcebispo de São Paulo de que a imagem deveria retornar imediatamente para o seu

templo no final do dia 31 a mesma foi levada para a Estação Pedro II a fim de ser reconduzida

ao distrito de Aparecida.

[...]. Já se achava muita gente na estação para despedir-se de N. Senhora

Apparecida [...] ficaram em grande número rezando em silencio ou trocando

algumas impressões em voz baixa. Os padres distribuíram entre eles as

medalhas e imagens que levavam, e depois as flores do altar. [...]

Desde a saída da estação d. Pedro II o Especial foi esperado e saudado em

todas as estações dos subúrbios, fazendo paradas mesmo que em pequenas

estações, como Queimados e outras, onde se reuniram os habitantes dos

arredores para honrarem N. Senhora Apparecida com aclamações e cânticos.

E porque não satisfazer um desejo tão justo dessa boa gente. [...]

(Continuação de publicação Ed. 27 p.02)

O retorno da imagem ao Santuário em Aparecida – SP, não possui uma narrativa

criteriosa como a que é feita em razão do translado da mesma para o Rio de Janeiro. O

Almanaque de 1932 publicou detalhes genéricos que são resumidos em manifestações de

entrega de flores e preces, já o Jornal Santuário, criou uma coluna intitulada “Ecos da imagem

no Rio”, onde publicou a integra dos discursos proferidos durante as sessões solenes

teológicas realizadas na semana da Padroeira que antecedeu a festividade.

Consta no anuário do santuário Nacional que ao chegar a imagem em Aparecida

ocorreu uma outra solene procissão, que foi finalizada com o canto de ação de graças “Te

Deum”, hino litúrgico do rito romana que faz um agradecimento ao final de algum evento

religioso ou civil.

A fotografia a seguir, também publicada no Almanaque de 1932, mostra as filhas de

Maria levando a imagem da estação central do distrito de Aparecida a Basílica, pelos trajes de

solenidade e festa podemos entender que além de utilizadas como elementos informativos e

de divulgação as fotografias eram feitas a serviço da instituição para despertar a fé dos

espectadores. Para Peter Burke (2017) “ fotografias podem ser consideradas evidência da

história e história.

88 Cf. Nota 65.

122

Figura 15- Chegada da imagem em Aparecida - SP em 01/06/1931, publicada no Almanaque de Aparecida 1932.

Fonte: CDM

Essa fotografia é diferente das outras que apresentamos aqui não apenas pela captação

imagética produzida pelo fotógrafo e sim por ser a única que mostra a imagem de Nossa

Senhora Aparecida sendo conduzida por outros membros da Igreja e não os padres e clérigos.

No distrito de Aparecida quem devolve a imagem ao seu lugar são os membros das

instituições presentes na Igreja local isso nos remete a narrativa tão pontuada em diversos

discursos: o povo de Aparecida é o guardião da imagem da mesma. Afirmação essa que

contradiz a afirmação de um culto nacional relacionado a essa prática devocional.

Através desta análise é possível entendermos que a dimensão tanto da imprensa como

fonte histórica quanto da fotografia nos auxiliam a problematizar o passado e percebermos

que os embates ocorridos entre a devoção popular e a fé romanizada não são fatos que se

perpetuam ou desaparecem, historicamente esses dois grupos estão presentes no catolicismo

brasileiro e atravessam diversas conjunturas históricas, inclusive a atual.

O que reforça a ideia de que não podemos considerar a cultura como algo no singular,

já que ela circula por diversos espaços e sujeitos sendo muito genérico apenas considerar a

mesma pertencente a determinado grupo. Mesmo com tantas tentativas de homogeneização as

123

trocas sociais possibilitam novos significados e questionam por si só através desses sujeitos

uma ideia de sucesso que ocorre nessas tentativas.

124

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Só podemos pensar a devoção popular no Brasil se nos propormos a entender os

estigmas sociais e fronteiriços característicos da nossa formação. Na América Latina e no

Brasil está representação religiosa com a figura da Virgem Maria foi sendo considerada

múltipla e hibrida principalmente pela catequese ligada a essa figura feminina e materna, raiz

do culto mariano. Isso pode ser uma constante, herança de nossa formação cultural que foi

muito enriquecida com a mistura de povos que formaram o que hoje chamamos de povo

brasileiro.

Tratemos de observar que estes povos possuíam crenças próprias com seus mitos

emblemas e significados que foram sendo incorporados desde sempre pelas crenças cristãs ou

vice e versa, por exemplo as deusas indígenas e orixás femininos africanos. De uma maneira

geral o culto mariano é uma das expressões mais fortes dessa conjuntura histórica.

A imbricação dessas crenças acontece através dos sujeitos que podem ou não atuar

dentro de grupos e instituições, fator que faz emergir uma relação de tensão e conflito que

constrói culturalmente um indicador místico e religioso pautado na transmissão oral e nas

ações cotidianas. A circularidade entre crenças não acontece de maneira pacífica e sim nos

conflitos e tensões que tendem a mostrar uma ideia de conciliação, principalmente quando as

instituições, nesse estudo de caso a Igreja tem como objetivo principal mostrar para a

sociedade que possui uma única voz, um único discurso que sobressai a todos os discursos

que são proferidos e defendidos por seus diversos setores.

A devoção popular a Nossa Senhora Aparecida aparece como um ponto de indagação

dos pescadores e ribeirinhos a instituição religiosa, a “Senhora Aparecida” possui

características, próprias, se encerra em narrativas que subvertem a ordem, basta lembrarmos

que a memória propagada do encontro da imagem é justamente como um ato de “salvação”

frente a norma da Câmara administrativa da região de Guaratinguetá de conseguir grande

número de peixes para o novo governador geral que passava para chegar a região das minas,

o conde de Assumar.

Consequentemente, através desta narrativa podemos problematizar o que a imagem

passa a representar para os sujeitos que transpõem e divulgam essa crônica memorialista.

Mais do que a representação artística e cultural de Nossa Senhora da Conceição, a imagem

encontrada no Rio Paraíba passa a adquirir um outro sentido: é a Nossa Senhora da

125

Conceição, só que a “Aparecida”, ou seja aquela que “aparece” e não a imagem artística que

lembra o dogma teológico publicado pelo Papa (apenas em 1854) e identificada pela

instituição religiosa.

De acordo com Chartier (2011) a noção de representação modificou profundamente a

compreensão do mundo social, obrigando-nos a repensar as relações do ser social ou do

poder político. Deste modo, ao analisarmos a crença a Nossa Senhora Aparecida como

crescente devoção mariana popular do povo brasileiro percebemos que sua representação

também ganhará um cunho político, tanto na administração da própria Igreja como nas

relações seculares entre Igreja e Estado.

Ao analisarmos a vinculação entre religiosidade humana, representação e o imaginário

social, são perceptíveis as diversas práticas utilizadas ao longo da História humana, que

visaram legitimar as hierarquizações sociais através da aplicação do sagrado (BACZKO,

1984, p.300).

Para atingir a problemática levantada neste trabalho, a base de estratégia explicativa é

firmada no referencial de estudos do imaginário social, buscando destacar os conhecimentos

populares em relação a crença a Nossa Senhora Aparecida que se contrapõem a crença

institucionalizada em ritos, expressões e formas de manifestações religiosas diversas, fato que

destacamos anteriormente.

Uma sociedade partilha de conteúdos de pensamentos, interiorizados nos indivíduos,

sem que seja necessário explicitá-los (CHARTIER, 1990, p.41). Dado o exposto, o conceito

de Representação modifica amplamente a percepção do imaginário social e a construção

política que se faz do mesmo, possibilitando uma análise a contrapelo das fontes oficias que

servem como indícios para as contribuições que buscamos fazer em relação a circularidade

dessas práticas encontradas nos indícios analisados.

A afirmação de toda a narrativa presente na memória através do imaginário social está

sendo assumida na representação daquela imagem “Aparecida” que começa a integrar a vida

daquelas comunidades ribeirinhas. Um fato importante: o que transforma a imagem em um

elemento simbólico do sagrado não é a forma como ela é constituída na tradição católica

oficial e sim a narrativa em torno da mesma que a legitima (mesmo quebrada e artisticamente

alterada pelas águas do rio).

126

Para Benjamim (1987) dentre as narrativas nenhum acontecimento grande ou

pequeno pode ser considerado perdido para a história. Temos, portanto, um desafio: indagar

essas narrativas como elementos que ajudem a perceber a problemática da cultura como um

conceito que atravessa a memória e não pode ser apenas ligado a tradições ou ações

folclóricas, de forma que a narrativa religiosa em relação a Nossa Senhora Aparecida é uma

atualização da memória devovional dos sujeitos que a iniciaram.

Ao tratar da propagação dessa memória potencializada pela representação da mesma

na imagem podemos reafirmar a circularidade dentro da esfera da cultura. Circulando por

espaços diversos como o segundo capítulo deste texto nos mostrou é que essas narrativas se

transformam em uma memória coletiva com significados profundos e místicos dentro

daquela conjuntura histórica cultural.

Esses fatores nos alertam que “o lugar da cultura é o lugar do conflito”, ou seja,

através de inúmeras formas se busca justificar as diferenças pelo viés da cultura. Dentro do

espaço religioso do catolicismo brasileiro esse conflito aparece nas aproximações e

reafirmações de aspectos presentes na cultura não oficial da Igreja e conduzem a tentativas

inúmeras de conciliação entre vários setores que apesar de professarem as mesmas crenças

transitam com particularidades diferentes, uma dessas particularidades é justamente a

tentativa de homogeneização dos ritos que é sempre reforçada pela instituição, aspecto este

que viemos indagando desde o início desse texto.

Ao tratar dessa relação entre instituições e grupos, ou subalternos e submissos

destacamos:

[...] que nem toda assimilação do hegemônico pelo subalterno é signo de

submissão, assim como a mera recusa não é de resistência, e que nem tudo

que vem "de cima" são valores da classe dominante, pois há coisas que

vindo de lá respondem a outras lógicas que não são as da dominação.

(MARTIN-BARBERO,1997, p.107)

Consequentemente podemos concluir que a cultura popular vai muito além dos

espaços que tendenciosamente acabamos articulando, como por exemplo o espaço da

resistência a cultura hegemônica. Sem nenhuma dúvida é algo que remete a um passado ou

memória significativa que ganham um significado tradicional, só que não estão presas a uma

centralidade de tradição, pois, os significados mudam, as relações mudam e até mesmo as

tradições são termos cheios de pluralidade e circularidade.

127

No caso da conjuntura religiosa da devoção o que muda é justamente a narrativa

mesmo através de questionamentos mínimos se percebe um novo olhar para a ordem

estabelecida, conforme pontuamos no segundo capítulo a devoção popular é a afirmação de

como as instituições como a Igreja, com suas organizações e formas catequéticas

normatizações que não conseguem atingir os sujeitos como um todo. Fiquemos atentos as

particularidades nesses aspectos.

As orações católicas que eram feitas em latim, as cerimonias tinham suas

particularidades de ritos e expressões que eram conhecidas apenas por aqueles que tinham

acesso à cultura erudita, dada a dificuldade com a língua, com o entendimento dos dogmas

teológicos cabia ao povo buscar práticas que correspondessem as suas necessidades sociais

cotidianas.

Não podemos afirmar que os fiéis ficavam apenas a receber “migalha” daquilo que

caia dos altares romanizados ficando assim a mercê de sua própria interpretação e

conhecimento popular, é justamente nessa conjuntura que o conceito de circularidade cultural

mais faz sentido.

Ao mesmo tempo não é possível ignorar que esse distanciamento dos fiéis com as

estruturas oficiais sem dúvida alguma é um dos fatores que proporcionou a explanação e o

fortalecimento de piedosas orações populares e crenças diversas. Os exercícios de devoções

populares demonstram como a experiência individual da fé adquirem um potencial

emancipador do ser humano em relação a códigos religiosos colocados institucionalmente. A

catequese doutrinária e o processo de romanização que pontuamos é um conflito que imbrica

a religiosidade oficial e a devoção popular.

Conforme já citamos anteriormente o campo da cultura é o campo das lutas e

conflitos. Nessa perspectiva assinala Stuart Hall:

Há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual, por parte da

cultura dominante, no sentido de desorganizar e reorganizar constantemente

a cultura popular; para cercá-la e confiar suas definições e formas dentro de

uma gama mais abrangente de formas dominantes. Há pontos de resistência

e também momentos de superação. Esta é a dialética da luta cultural. Na

atualidade, essa luta é contínua e ocorre nas linhas complexas da resistência

e da aceitação, da recusa e da capitulação, que transformam o campo da

cultura em uma espécie de campo de batalha permanente, onde não se

obtém vitórias definitivas, mas onde há sempre posições estratégicas a

serem conquistadas e perdidas. (HALL, 2003, p.254).

128

Neste recorte diversificado entre devoção popular e o poder religioso institucional

cabe questionarmos: Qual a maneira que a experiência da crença se faz presente? Que ideias

podem orientar o pensamento crítico que relaciona os fatores religiosos e políticos da

complexidade humana?

Nesta perspectiva compreendemos que a experiência mística se torna um fator

importante na afirmação de uma identidade cultural e essa batalha permanente e paralela

entre culturas ocasiona um enriquecimento das mesmas, pois, é justamente nessas ações que

as narrativas em torno das práticas devocionais são atualizadas e reafirmadas.

A Imagem de Nossa Senhora Aparecida sem dúvida alguma é um ícone das

resistências das práticas de devoção popular do Brasil, está devoção como podemos entender

a partir dos estudos apresentados extrapola sejam ideias políticas do campo religioso ou do

campo governamental institucional. Ambas expressam de forma clara o que é sempre feito

pelos grupos de elite do nosso país: a tentativa de um mito de “unificação nacional”, que é

obvio acontecer apenas no mundo das ideias e do imaginário.

Não há exercício de devoção que possa apagar classes sociais e nem diferenças

históricas gritantes, pois essas diferenças fazem parte do mundo material e que mesmo

resinificadas através de exercícios religiosos contestam a ordem apenas para aqueles que se

propõem a observar essa história de uma ótica a contrapelo, pois, as narrativas místicas

perpassam aquilo que existe de real nas relações sociais das comunidades.

Ao tratar de uma necessidade constante do historiador da cultura em analisar e

problematizar essas relações sociais, salienta Benjamin:

A luta de classes, que um historiador educado por Marx jamais perde de

vista, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais não existem as

refinadas e espirituais. Mas na luta de classes essas coisas espirituais não

podem ser representadas como despojos atribuídos ao vencedor. Elas se

manifestam nessa luta sob a forma da confiança, da coragem, do humor, da

astúcia, da firmeza, e agem de longe, do fundo dos tempos. Elas

questionarão sempre cada vitória dos dominadores. Assim como as flores

dirigem sua corola para o sol, o passado, graças a um misterioso

heliotropismo, tenta dirigir-se para o sol que se levanta no céu da história. O

materialismo histórico deve ficar atento a essa transformação, a mais

imperceptível de todas. (BENJAMIN,1987, p. 222-232).

A celebração que ocorreu no ano de 1931 que objetivamos de uma certa maneira

questionar nesta pesquisa refletem as considerações de causa e efeito nos jogos de poder e

reforçam a utilização do imaginário e da crença como instrumentos de dominação social,

129

cultural e política, e ao mesmo tempo enfatizam que existem muitas resistências que se

perpetuam mesmo sendo de maneira velada dentro das instituições religiosas. Assim,

entendemos que é difícil separar mística e cultura apenas como dimensões subjetivas, pois,

essas duas dimensões fazem parte da vida do ser humano. E são espaços de questionamentos

e problematizações pertencentes a conjuntura histórica em que esses sujeitos se encontram

inseridos.

A devoção mariana no Brasil foi intensificada pela devoção ao título da Senhora

“Aparecida” iniciada por aqueles três pescadores no ano de 1717, narrativa essa que reafirma

a memória e sua transmissão como um elemento questionador da ordem e da normatização:

uma “senhora que aparece” das águas para socorrer os mais pobres e os negros injustiçados,

que supostamente toma a cor negra em auxílio destas minorias vai atravessar o final do

governo monárquico e chegar ao governo republicano com uma força que transcende a força

política: o poder de reunir uma diversidade de pessoas em torno da mesma crença. Essa ideia

passou a ser reafirmada até os dias de hoje, por aqueles que se utilizam da mística e da crença

como espaço de questionamento político plural.

De acordo com Fenelon (1993) o campo social da cultura só pode ser pensado em

vista da pluralidade que ele abarca, acarretando que não utilizemos o conceito no singular e

sim no plural “Culturas”. Partindo desse pressuposto, consideremos que problematizar

aspectos da institucionalização dessa devoção nas páginas de um jornal religioso como o

“Santuário D’Apparecida”, reforçam metodologicamente a necessidade de ultrapassar

barreiras possibilitando problemáticas que indagam “agoras” atualizando os espaços

historiográficos que ocupamos e repensem “culturas”, levantando novas hipóteses em relação

aos objetos de pesquisa.

Ao finalizarmos esse texto com o intuito de levantarmos hipóteses em torno das

problemáticas sugeridas não podemos deixar de apontar como a dimensão da cultura popular,

conceitualmente aqui assimilada ao termo devoção popular possui um aspecto questionador e

autônomo em relação as normatizações institucionais, pois, essas memórias estão circulando

nesses espaços diversificados que tendem a reafirmar suas narrativas de questionamentos de

uma ordem que antes já existia.

Conforme pontuamos anteriormente a necessidade que a Igreja demonstra através das

fontes analisadas é justamente de normatização dessa devoção buscando afirmar em suas

publicações como este espaço místico é definido por ela enquanto instituição, seja nos

130

discursos ou nas fotografias quem irá trazer agora a imagem de Nossa Senhora Aparecida

para o centro das celebrações são as figuras do clero: padres, bispos e cardeais. Essa

percepção é a chave de leitura que melhor ilustra a dimensão que essa devoção tomou dentro

da instituição: não é mais o povo (no sentido genérico do termo) que traz a imagem

milagrosa e sim os líderes da instituição que de alguma maneira se esforçar para se apropriar

dessa imagem e das narrativas em torno da mesma, hipótese que indagamos ao tratar do

imaginário social e suas ações.

Na introdução desse trabalho de pesquisa pontuamos a relevância dessas abordagens

para levantarmos hipóteses em relação a dimensão que essa devoção considerada popular

tomou ao ser institucionalizada no país.

Dados divulgados pelo Santuário recentemente mostram que no ano de 2018 mais de

12,6 milhões de pessoas visitaram o Santuário dedicado a Nossa Senhora Aparecida, no

município de Aparecida – SP. Esses números ilustram a potencialidade que a narrativa

registrada a partir dos relatos daqueles ribeirinhos do Vale do Paraíba Paulista ganhou.

Ainda hoje a devoção a Nossa Senhora Aparecida pode ser percebida nas duas

vertentes: devoção popular e devoção institucionalizada. Sem dúvida alguma é nessa

perspectiva que podemos compreender que o espaço da cultura é o espaço da circularidade,

do hibridismo, das tensões e conflitos, conceitos que nos estimulam a problematizar a

pluralidade cultural, rompendo com a perspectiva fria empregada pela palavra cultura no

singular.

Para Benjamin (1987) “o dom de despertar no passado as centelhas da esperança é

privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em

segurança se o inimigo vencer”. A partir dessa colocação, permitamos que as hipóteses aqui

levantadas em relação a problemática proposta possam ser centelhas de esperança na

sobrevivência de nossas narrativas, mesmo quando outros discursos as atravessem durante a

jornada.

131

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137

ANEXOS

Imagem 1- Primeira Publicação do Decreto de Proclamação de N.S.A como Padroeira do Brasil. Almanak de Aparecida,

1931, p.35. Fonte: CDM.

138

Imagem 2 - Relato da passagem da imagem de N.S.A pelas cidades cortadas pela FCB de Aparecida ao Rio de Janeiro - RJ,

Almanak de Aparecida1932,p.32. Fonte: CDM

139

Imagem 3-- Relato da celebração de consagração de N.S.A realizada na Esplanada do castelo no Rio de Janeiro - RJ,

Almanak de Aparecida 1932,p.50. Fonte: CDM.

140

Figura 4- Jornal Santuário de 13/06/1931, relata detalhes da festa no Rio de Janeiro - DF.

141

Imagem 5 - Jornal "A Noite". Publicado em 01/06/1931 com detalhes da festa a N.S.A.

142

Imagem 6 - Frente da Igreja S. Francisco de Paula no Largo de mesmo nome localizada na região central da cidade do Rio

de Janeiro - RJ, onde oficialmente foi celebrada a missa de Proclamação de N.S.A. como Padroeira do Brasil 31/05/1931.

Almanak de Aparecida, 1932. Fonte: CDM.

143

Imagem 7- Tribuna da Esplanada do Castelo, onde aconteceu a Consagração do Brasil a nova Padroeira. No centro da

imagem o Presidente Getúlio Vargas e sua esposa. Almanak de 1932. Fonte: CDM.

Imagem 8 - Crianças vestidas de anjos que participaram da consagração realizada na Esplanada do castelo no Rio de

Janeiro - RJ. Almanak de 1932. Fonte: CDM.