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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Carolina Callegari Barbisan
Mulheres advogadas: atuação na cidade de São Paulo
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de
MESTRE em Ciências Sociais, sob a
orientação da Professora Dra. Mariza
Martins Furquim Werneck.
SÃO PAULO
2015
2
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________
_______________________________
________________________________
3
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é devedor de pessoas e instituições. Sou grata:
À professora Dra. Mariza Martins Furquim Werneck, que me recebeu na PUC
de braços abertos, e acompanhou cuidadosamente cada etapa desse trabalho. Obrigada
pelo amadurecimento intelectual que me proporcionou, e pela orientação cuidadosa e
compreensiva.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)
pela bolsa concedida.
À PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) pela oportunidade de
ser uma de suas alunas.
À professora Dra. Olga Brites, e à professora Dra. Ana Lúcia de Castro, por
participarem do meu exame de qualificação, e por terem contribuído com ótimas críticas
e sugestões.
À professora Dra. Silvia Pimentel, que aceitou participar da pesquisa, e dividir
comigo a sua experiência na luta pelos direitos das mulheres.
À toda equipe da Comissão da Mulher Advogada de São Paulo, que me
receberam atenciosamente, e se disponibilizaram para contribuir com a pesquisa.
Aos meus pais, João e Daisy, que sempre me incentivaram, e nunca me
deixaram desanimar, mesmo nos momentos difíceis. Muito obrigada por tornar essa
realização possível.
Às minhas irmãs, Cinthia e Camila, pelo constante carinho e apoio.
Ao meu namorado, Wilian, pelo companheirismo em todos os momentos.
Obrigada por tornar essa trajetória mais leve e mais feliz.
Aos meus avós, João, Guiomar, e Nilce, por serem fontes infinitas de amparo e
cuidado.
E por fim, agradeço à todas as advogadas entrevistadas, que possibilitaram que
essa pesquisa fosse realizada e concluída.
4
RESUMO
A dissertação de mestrado tem como objetivo central analisar a atuação das mulheres na
advocacia na cidade de São Paulo, observando quais são as principais dificuldades de
atuação e ascensão na carreira, relatadas pelas advogadas. A proposta é estudar como as
mulheres estão inseridas no cenário atual da advocacia, que é marcado pela expansão
das sociedades de advogados e pela prática da advocacia em dimensão empresarial. O
objetivo dessa dissertação é realizar um estudo comparativo entre as mulheres que
atuam nas grandes sociedades de advogados, com as que atuam nos pequenos
escritórios de advocacia, tentando apreender como os obstáculos relacionados ao gênero
são percebidos em cada contexto.
Palavras-chave: Mulheres- Advocacia- Gênero- Profissão.
5
ABSTRACT
The dissertation principally aims to analyze the role of women in law firms in the city
of São Paulo, observing the main action difficulties and career enhancement, reported
by female lawyers. The proposal is to study how women are embedded in today's law
firm, which is marked by the expansion of law firms and the practice of law in business
dimension. The objective of this dissertation is to conduct a comparative study among
women who work in large law firms, with those who work in small law firms, trying to
grasp how gender-related obstacles are perceived in each context.
Keywords: Women - Law- Gender – Profession.
6
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Distribuição dos sócios dos escritórios de advocacia do estado de São Paulo,
filiados ao CESA, segundo o gênero e o tamanho do escritório.
Tabela 2. Distribuição dos associados dos escritórios de advocacia do estado de São
Paulo, filiados ao CESA, segundo o gênero e o tamanho do escritório.
Tabela 3. Distribuição dos sócios dos escritórios de advocacia do estado de São Paulo,
filiados ao CESA, segundo o gênero e a formação acadêmica.
Tabela 4. Distribuição dos associados dos escritórios de advocacia do estado de São Paulo,
filiados ao CESA, segundo o gênero e a formação acadêmica.
7
LISTA DE SIGLAS
CESA- Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
IOAB- Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil
OAB- Ordem dos Advogados do Brasil
ONU- Organização das Nações Unidas
PUC- Pontifícia Universidade Católica
UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas
USP- Universidade de São Paulo
8
SUMÁRIO
Introdução, 9
I. BREVE ANÁLISE DA SUBORDINAÇÃO FEMININA E DAS
PERSPECTIVAS DE GÊNERO, 13
1. As precursoras dos estudos de gênero, 13
2. A construção do conceito de gênero através das teorias feministas, 19
3. O ingresso das mulheres no espaço público, 24
II. MULHERES ADVOGADAS, 29
1. O ingresso das mulheres na advocacia, 29
2. Dificuldades de atuação e ascensão na carreira, 33
3. O “telhado de vidro” e as sociedades de advogados, 37
III. ENTREVISTAS E ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS, 42
1. Nota metodológica, 44
2. As mulheres e a articulação entre a vida profissional e familiar, 46
3. A atuação das mulheres nas diversas áreas da advocacia, 51
4. As mulheres nas sociedades de advogados e nos escritórios pequenos, 55
Considerações finais, 60
Bibliografia, 63
Anexo, 66
9
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo principal analisar a atuação das mulheres na
advocacia na cidade de São Paulo. A pesquisa pretende fazer um estudo comparativo
entre as mulheres que atuam nas grandes sociedades de advogados, com as que atuam
nos pequenos escritórios de advocacia, tentando apreender como a questão de gênero é
percebida em cada contexto.
Pretende-se levar em consideração os trabalhos que analisam a feminização das
carreiras jurídicas, assim como os que refletem sobre a nova configuração que o direito
adquiriu nos últimos tempos. A proposta é a de tentar compreender a forma de inserção
da mulher em este novo contexto profissional.
Nas últimas décadas observou-se um aumento expressivo da participação das
mulheres, tanto na esfera acadêmica quanto no mercado de trabalho. As mulheres
passaram a frequentar mais a universidade, e consequentemente, ampliaram sua
participação no mercado profissional. Na advocacia este fenômeno também se
confirmou com o aumento dos registros profissionais das mulheres.
A advocacia brasileira ainda é marcada por uma maioria masculina.
Aproximadamente 44% dos 648.753 inscritos na OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil) são mulheres. Em São Paulo, a participação
feminina também é menor do que a dos homens. As 102.217 advogadas
paulistas somam 45% do total computado pela entidade de classe. A
tendência, no entanto, é que esse número seja invertido em favor das
mulheres daqui a alguns anos. Em 2006, por exemplo, o número de
novas inscritas na OAB-SP superou o de homens. Dos 10.032 novos
advogados do Estado naquele ano, 51% eram mulheres. (Notícia
publicada no site oficial da OAB, em 08/03/2009).1
Além dessa notável feminização do mundo profissional, ocorreram outras
mudanças que conferiram um novo perfil à área jurídica. A intensificação das
privatizações das empresas públicas, ocorridas na década de 1990, foi responsável pela
expansão da área do direito empresarial. O crescimento do movimento de terceirização
dos serviços também foi uma característica dessa década, e teve um grande impacto na
1 Disponível em < http://www.oab.org.br/util/print/16099?print=Noticia> Acesso realizado em
06/04/2014.
10
advocacia, pois as grandes empresas passaram a fechar seus departamentos jurídicos,
contratando escritórios de advocacia somente quando necessário.
De acordo com o artigo O profissionalismo e a construção do gênero na
advocacia paulista (2008) de Rennê Martins Barbalho e Maria da Glória Bonelli, todas
essas transformações, juntamente com o aumento da demanda de questões empresariais,
levaram os profissionais da área do direito a se organizarem de nova maneira. Até a
década de 1990, os advogados se agrupavam em escritórios de pequeno e médio porte, e
estavam no exercício tipicamente liberal da profissão.
A partir desse momento, passaram a surgir as grandes sociedades de advogados,
onde existe uma divisão interna entre sócios e associados, no qual os sócios têm
participação nos resultados, e nas principais decisões dessas sociedades, enquanto que
os associados recebem remuneração mensal, e estão abaixo dos sócios nessa hierarquia.
Esse período também ficou marcado por um grande crescimento na demanda de
advogados, especialmente aqueles que atuam na área do direito empresarial. Essa alta
demanda de operadores jurídicos coincidiu com a entrada maciça das mulheres no
mercado de trabalho, trazendo assim uma intensificação da divisão social e sexual do
trabalho.
A prática liberal tradicional do tipo solo ou em escritórios de pequeno
porte, voltados especialmente a clientes individuais, tem que lidar com
essa nova realidade, que passa a ser a referência predominante no
mercado profissional. A passagem de uma forma de organização para a
outra foi facilitada pelo forte ingresso de mulheres na advocacia e sua
inserção na posição de associada. (Barbalho; Bonelli, 2008, p. 276).
A proposta é entender como é a atuação das mulheres nesse novo cenário
profissional, e identificar quais são as principais dificuldades de atuação e ascensão na
carreira que elas encontram na advocacia.
O trabalho pretende responder as seguintes questões: Quais são os principais
obstáculos de atuação na carreira que as mulheres encontram atualmente? A questão do
gênero ainda é relevante quando se trata de ascensão profissional? Qual é a diferença da
percepção das barreiras de gênero entre as profissionais que atuam nas grandes
sociedades de advogados com as que atuam nos pequenos escritórios? E a área de
atuação na advocacia, interfere no relato das advogadas?
Para responder essas questões, foram realizadas catorze entrevistas com
11
advogadas que atuam na cidade de São Paulo. A amostra foi pensada, a princípio, com
seis mulheres que trabalham em escritórios de pequeno e médio porte, e seis em grandes
sociedades de advogados. O objetivo foi tentar entender como as mulheres percebem a
questão do gênero na advocacia, e como lidam com as dificuldades encontradas na
profissão.
O critério para distinguir os „pequenos escritórios‟ das „sociedade de advogados‟
se baseou no artigo Sociedades de advogados e tendências profissionais (2007) de
Luciana Gross Cunha, que define o escritório pequeno como aquele que tem até 9
advogados, o médio tem de 10 à 49 advogados, e, o grande, é de 50 advogados para
cima. Partindo dessa definição, um escritório com mais de nove integrantes já pode ser
considerado um escritório médio, e, portanto, quantitativamente já é uma sociedade de
advogados.
Porém, o que realmente distingue o „escritório pequeno‟ da „sociedade de
advogados‟ é o perfil de advocacia realizada por cada um deles. Enquanto o pequeno
escritório atende às necessidades de clientes individuais, a sociedade de advogados
prioriza clientes empresariais. A organização de cada um deles também é diferente. O
„pequeno escritório‟ é formado, em sua maioria, por familiares e colegas, que atuam
como uma equipe. Já a „sociedade de advogados‟ possui uma organização empresarial, e
apresenta uma divisão de cargos mais rígida.
O tipo de prestação jurisdicional das sociedades de advogados também
muda, enfatizando-se o atendimento das necessidades em torno dos
negócios dos clientes empresariais, o que com frequência dispensa a ida
para litigar no Fórum, como costumava ser a prática característica da
profissão. (Cunha, 2007, p.44).
Além dessas entrevistas, tive a oportunidade de conhecer a Comissão da mulher
advogada de São Paulo, e de estabelecer contato com a Dra. Gislaine Caresia, presidente
da Comissão, que me recebeu gentilmente em seu escritório, e me falou sobre as
perspectivas de ascensão feminina na advocacia. Também entrevistei a Dra. Silvia
Pimentel, professora titular do curso de direito da PUC-SP, que é uma referência na luta
pelos direitos das mulheres. Essas duas entrevistas foram incorporadas à pesquisa, e
completaram a amostra de catorze advogadas.
Também considerei fundamental pesquisar dados atuais sobre a realidade da
mulher na advocacia. O acesso a esses dados se deu através do site da OAB, do site do
12
CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), e do contato com a Comissão
da Mulher Advogada de São Paulo.
Para dar corpo teórico à pesquisa foram trabalhadas tanto teorias clássicas sobre
a questão de gênero quanto teorias específicas sobre as mulheres advogadas. Sendo
assim, o trabalho procura contrastar os dados obtidos por meio do estudo empírico, com
as teorias atuais sobre o tema. A dissertação de mestrado foi estruturada em três
capítulos.
O primeiro capítulo consiste em uma análise sobre a subordinação feminina.
Teorias como as de Simone de Beauvoir (1908-1986), Margaret Mead (1901-1978),
Pierre Bourdieu (1930-2002), e Michelle Perrot (1928) garantem ao trabalho uma
perspectiva histórica sobre essa questão. São teorias que abrem a possibilidade de
inserir a pesquisa em um contexto social mais amplo, que abarca também as
dificuldades das mulheres em várias esferas do espaço público.
Beauvoir e Mead, partindo de perspectivas diferentes, aproximam-se em suas
conclusões. Embora suas obras estejam bem distantes no tempo, em relação ao trabalho
de pesquisa aqui relatado, elas forneceram a iniciação necessária para que eu
caminhasse com segurança no percurso realizado.
O segundo capítulo trata de estudos recentes sobre a atuação das mulheres na
advocacia. O objetivo é analisar os principais obstáculos de atuação e ascensão na
carreira, encontrados pelas advogadas. Para isso, trabalhos específicos sobre o tema,
como os de Eliane Botelho Junqueira e os de Rennê Martins Barbalho, possibilitam uma
análise detalhada da questão.
Por fim, o terceiro capítulo consiste na análise das entrevistas realizadas com as
advogadas. O objetivo é apreender as dificuldades relatadas pelas profissionais,
observando as diferenças existentes- ou não- entre os pequenos escritórios e as grandes
sociedades de advogados. Também procuro analisar a posição das advogadas sobre as
dificuldades encontradas em cada área de atuação da advocacia. Outro aspecto
observado na fala das entrevistadas é a questão do casamento e da maternidade, bem
como das consequências que as responsabilidades da vida pessoal acarretam na vida
profissional da mulher.
13
1. BREVE ANÁLISE DA SUBORDINAÇÃO FEMININA E DAS
PERSPECTIVAS DE GÊNERO
Para que se possa realizar uma análise crítica a respeito das questões levantadas pela
pesquisa foi necessário, antes, uma boa compreensão do conceito de gênero e suas
várias interpretações. Por isso, selecionei autores que forneceram a base teórica para a
reflexão sobre o assunto e que, de alguma forma, ajudaram a esclarecer questões
fundamentais do trabalho.
1.1 AS PRECURSSORAS DOS ESTUDOS DE GÊNERO
Simone de Beauvoir (1908-1986) foi uma filósofa existencialista francesa e uma das
principais expoentes do feminismo de seu século. Em sua obra O segundo sexo (1949),
a autora procura entender os diversos fatores que levaram a mulher a uma posição de
submissão em relação ao homem, e também explicar porque as mulheres tiveram tanta
dificuldade em questionar essa condição. Para isso, Beauvoir faz um inventário das
diferentes análises já realizadas sobre o tema.
Primeiro, ela questiona as teorias que justificam a dominação masculina a partir
de fatores puramente biológicos. As teorias, que se apoiam na biologia, alegam que a
submissão da mulher pode ser explicada devido à sua fragilidade física (entre outras
coisas, menor força muscular, capacidade respiratória inferior, estrutura óssea mais
frágil), à sua instabilidade hormonal, e ao papel central que ocupa na reprodução.
Outra visão criticada pela autora é a defendida pelo materialismo histórico, que
associa a subordinação da mulher ao surgimento da propriedade privada. De acordo
com essa teoria, que tem como um dos principais expoentes o filósofo alemão Friedrich
Engels (1820-1895), na época em que a terra era um bem comum a todos, a agricultura
era limitada, rudimentar, e não exigia muita força física. Por isso, nesse momento, o seu
cultivo também era realizado pelas mulheres, e havia uma relativa igualdade entre os
sexos.
Já com o desenvolvimento de utensílios mais sofisticados, e com a expansão da
atividade agrícola, os homens passaram a dominar essa técnica, que passou a exigir cada
vez mais disposição física, e cada vez mais mão de obra masculina. “É nesse momento
histórico que a propriedade privada aparece: senhor dos escravos e da terra, o homem
torna-se também proprietário da mulher.” (Beauvoir, 1980, p. 74).
14
Para a autora, a perspectiva do materialismo histórico não é suficiente para
explicar o problema, pois essa teoria reduz a análise a um viés puramente econômico, e
encara a oposição entre os sexos como um conflito de classes. A proposta de Beauvoir é
mostrar que a questão de gênero está muito mais inserida no âmbito histórico e cultural
do que na esfera biológica e psicológica. A relação entre os sexos faz parte de uma
realidade social, que foi construída historicamente. Isso quer dizer que nenhuma mulher
nasceu submissa ou é inferior por natureza. Ela só assume posição de inferioridade
devido a determinadas relações sociais.
A autora enfatiza também que não existe um momento histórico que dá início à
subordinação das mulheres. Diferentemente dos negros, dos operários ou dos judeus,
não se encontra na história um acontecimento específico que tenha desencadeado essa
opressão.
Não têm passado, não têm história, nem religião própria. Não têm, como
os proletários, uma solidariedade de trabalho e interesses; não há
sequer entre elas essa promiscuidade espacial que faz dos negros dos
EUA, dos judeus dos guetos, dos operários de Saint-Denis ou das
fábricas da Renault uma comunidade. (Beauvoir, 1980, p. 13).
Em vista disso, Beauvoir busca uma possível explicação na trajetória mítica, que
sempre reforça a posição de inferioridade da mulher. A filósofa faz uma análise de
diversos mitos clássicos que evidenciam a mulher como o Outro. Ou seja, a mulher
nunca é o sujeito do mito, ela é sempre a figura passiva e subordinada da narrativa.
Beauvoir enfatiza que todos os mitos de criação expressam a superioridade
masculina. O próprio mito do Gênese que, por meio do cristianismo, se perpetuou na
civilização ocidental, é um claro exemplo disso. Eva não foi criada ao mesmo tempo em
que Adão, e nem surgiu do mesmo material que ele. Eva foi criada a partir da costela de
um homem. Ou seja, seu nascimento não foi autônomo e teve como único fim satisfazer
Adão. O que significa que a mulher já nasceu destinada ao homem. É no esposo que ela
encontra sua origem, e seu fim.
A autora também afirma que todo mito implica um sujeito. E nesses casos, o
sujeito é sempre um homem, que representa uma visão de mundo masculina. No destino
de heróis como Hércules, Prometeu ou Parsifal, a mulher tem sempre um papel
secundário.
Apesar disso, a representação feminina nos mitos não se constitui de forma
15
única. Pelo contrário, a mulher é sempre uma figura ambígua, que oscila entre o bem e o
mal, o amor e o ódio, a vida e a morte, a criação e a destruição. Beauvoir enfatiza que a
representação da mulher varia entre dois extremos. Por um lado, a Virgem Maria, que
carrega consigo a bondade, a pureza e a passividade feminina. De outro, Eva, que
representa a tentação, o pecado, e o perigo que a mulher pode encarnar.
Beauvoir afirma ainda que todas as questões tipicamente femininas são dotadas
de ambivalência. É o caso, por exemplo, da menstruação, da virgindade e da
maternidade. Em todas as sociedades essas questões são vistas como tabu e cercadas de
rituais ambíguos.
Outra autora que, assim como Beauvoir, também foi precursora nos estudos de
gênero é a antropóloga cultural Margaret Mead (1901-1978), que nasceu nos Estados
Unidos e foi professora da Universidade de Columbia. Seu livro Sexo e temperamento
(1935) serviu de referência e inspiração para o movimento de libertação feminina nos
Estados Unidos, por enfatizar o caráter social da padronização do comportamento
sexual.
Em sua obra Sexo e temperamento, a autora se dedica à análise do
condicionamento do temperamento sexual em três sociedades primitivas distintas. A
partir da observação da formação da personalidade de homens e mulheres nessas três
sociedades, a antropóloga conclui que o papel sexual está muito mais ligado a fatores
culturais do que a fatores biológicos.
Para comprovar sua teoria, Mead faz um relato detalhado de como três tribos
diferentes da Nova Guiné constroem os papéis sexuais de forma diversa. O primeiro
povo estudado são os Arapesh, que ocupam um território em forma de cunha, que se
estende desde a costa, através de sinuosas montanhas, até as planícies da bacia do Sepik.
Os Arapesh que habitam o litoral vivem em grandes aldeias, constroem casas
espaçosas, e cultivam suas hortas diariamente. Já os Arapesh das montanhas se agrupam
em pequenos povoados e sofrem com a falta de terras férteis. Com a escassez de
alimentos, são obrigados a buscar seu sustento em plantações distantes. O transporte
desses alimentos geralmente é realizado pelas mulheres, pois os Arapesh acreditam que
a cabeça feminina é dotada de maior resistência e força.
De acordo com Mead, essa sociedade é caracterizada pela cooperação e pelo
trabalho comunal. Nessa tribo, homens e mulheres realizam a maior parte do trabalho
juntos. Ambos estão empenhados no cultivo da terra, nos cuidados com a casa, e na
criação dos filhos.
16
Outra particularidade dessa sociedade é a ausência de guerras, conflitos e
competição. Entre os Arapesh, o uso da violência é reprimido, e tanto homens quanto
mulheres são orientados a adotar um comportamento pacífico e harmonioso com o seu
grupo. Sendo assim, para nossa sociedade, esse padrão de comportamento seria
considerado tipicamente feminino.
A antropóloga observa que até existem algumas diferenças no convívio social de
homens e mulheres. Os rituais de iniciação, por exemplo, são diferentes para meninos e
para meninas. Em atividades festivas e em cultos religiosos também prevalece uma
clara divisão sexual das tarefas. Porém essa divisão é apenas uma forma de organização
das atividades do cotidiano dos Arapesh.
Para a autora, essa sociedade estimula o mesmo papel social tanto para homens
quanto para mulheres. “Foram desencorajados de quaisquer hábitos de agressividade
para com os outros; ensinaram-lhes a tratar com respeito e consideração a propriedade,
o sono, e os sentimentos alheios”. (Mead, 2003, p. 81).
O segundo povo estudado pela antropóloga são os caçadores Mundugumor, que
habitam um território localizado na bacia do Sepik. Essa região é atravessada pelo rio
Yuat, que divide a tribo em dois grupos distintos.
Os Mundugumor se organizam através de grandes famílias poligínicas, onde um
homem tem, em média, de oito a dez esposas. Nessas famílias há uma divisão interna
entre o grupo composto do pai e das suas filhas, e entre o grupo composto da mãe e dos
seus filhos. Entre esses grupos prevalece o sentimento de hostilidade e de desconfiança.
Mead enfatiza que esse comportamento hostil está presente não só entre os
grupos familiares, mas também entre pais e filhos, entre irmãos, e entre meios-irmãos.
Ao contrário dos Arapesh, essa sociedade valoriza o poder e a riqueza, e por isso,
estimula a competição e o conflito.
Os Mundugumor são ensinados desde a infância a adotar uma postura de
independência em relação ao grupo. As crianças dessa tribo não são protegidas e nem
cuidadas como as crianças Arapesh. Tanto meninas quanto meninos são constrangidos
quando choram ou quando demonstram medo.
Por isso, os Mundugumor se habituam desde cedo a serem corajosos e
independentes. Eles se acostumam a não contarem com o apoio dos pais e nem com a
proteção dos mais velhos. Nesse caso, o padrão de comportamento dessa tribo se
assemelha mais ao comportamento que é considerado masculino para a nossa sociedade.
Além de observar o comportamento dos Arapesh e dos Mundugumor, Mead
17
também observou a tribo dos Tchambuli. Essa população vive em um lago, ligado por
duas vias navegáveis ao rio Sepik. Esse lago está localizado em uma região pantanosa, e
possui pequenas colinas pontiagudas.
Os Tchambuli constituem uma sociedade de estrutura poligínica a e patrilinear, e
possuem como atividade principal a arte. Todos os habitantes da tribo possuem pelo
menos uma habilidade artística, como a pintura, a dança, a escultura, ou o trançado. A
principal fonte de alimentação dessa população é a pesca, que serve tanto para o
consumo do grupo, quanto meio de troca para a obtenção de outros alimentos.
Mead enfatiza que a pesca, principal meio de subsistência da tribo, é uma
atividade exclusivamente feminina. Assim como a manufatura e as trocas de alimentos
também são responsabilidades das mulheres.
Por isso, a autora relata que apesar da organização patrilinear, as mulheres são as
verdadeiras autoridades dessa sociedade. São elas as encarregadas da pesca, da caça, e
das transações comerciais. Sendo assim, os homens estabelecem uma relação de
dependência (tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista psicológico)
com as mulheres de sua tribo.
Nesse caso, os papéis sexuais são condicionados de forma oposta ao que a nossa
sociedade está habituada. Os homens acabam incorporando as características que são
tidas como femininas, enquanto que as mulheres adotam uma postura considerada
masculina no nosso contexto.
Em síntese, a antropóloga relata exemplos distintos de como três sociedades
condicionam de forma diferente o comportamento social de homens e mulheres. Esses
três exemplos reiteram o argumento de Mead, que estabelece que o papel sexual é
condicionado socialmente. Ou seja, cada sociedade estimula um padrão de
comportamento específico para homens e mulheres.
Entre os Arapesh, homens e mulheres são pacíficos e dóceis. Ambos adotam um
comportamento que seria considerado feminino na nossa sociedade. Os Mundugumor
possuem traços competitivos e violentos, homens e mulheres adotam características
tipicamente masculinas. Já entre os Tchambuli, as mulheres são caçadoras,
comerciantes, e independentes, enquanto que os homens dependem economicamente e
emocionalmente dessas mulheres.
Sendo assim, Mead conclui que a natureza humana é flexível, e pode ser
moldada de acordo com as circunstâncias culturais impostas. Portanto, não se pode
18
afirmar que existam traços de personalidade naturalmente femininos ou naturalmente
masculinos.
Neste assunto, os povos primitivos parecem ser, superficialmente, mais
sofisticados do que nós. Assim como sabem que os deuses, os hábitos
alimentares e os costumes de casamento da tribo vizinha diferem dos
seus, e não afirmam que uma forma é verdadeira ou natural enquanto a
outra é falsa ou inatural, também sabem amiúde que as tendências
temperamentais que consideram naturais nos homens ou nas mulheres
diferem dos temperamentos naturais masculinos e femininos entre seus
vizinhos. (Mead, 2003, p.26).
19
1.2 A CONSTRUÇAO DO CONCEITO DE GÊNERO ATRAVÉS DAS TEORIAS
FEMINISTAS
Para atingirmos os objetivos propostos, faz-se necessário também analisar a
forma como o conceito de „gênero‟ foi desenvolvido e usado entre os teóricos dessa
área. Adriana Piscitelli é doutora em antropologia e coordenadora associada do Núcleo
de Estudos de Gênero-Pagu da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). Em
seu artigo Re-criando a (categoria) mulher? (2002), a antropóloga faz uma síntese a
respeito da evolução das teorias de gênero, mostrando os diferentes significados que
esse conceito adquiriu ao longo do tempo.
Piscitelli relata que no século XIX, a ideia de direitos iguais, que pressupunha
também a igualdade entre homens e mulheres, impulsionou importantes mobilizações
feministas no Continente Europeu e nos Estados Unidos. Entre as décadas de 1920 e
1930, devido a essas mobilizações, houve a conquista de direitos femininos
fundamentais, como por exemplo, o direito ao voto e o acesso à educação.
Já a partir da década de 1960, sobretudo após a disseminação das ideias de
Beauvoir e Mead, os estudos feministas se caracterizam pela denúncia da posição
subordinada das mulheres em relação aos homens, bem como a constatação de que essa
subordinação não é natural. Essa geração ressalta que a dominação masculina é
construída culturalmente, e que ela possui caráter universal, estando presente em todos
os períodos históricos conhecidos.
A antropóloga também enfatiza que, no início das discussões de gênero, o
patriarcado se tornou o conceito chave da análise do problema. Nesse momento, o
objetivo principal, tanto entre as intelectuais quanto entre as ativistas, era transformar as
mulheres em um sujeito político coletivo. Ou seja, a ideia era dar às mulheres a
consciência de uma identidade comum. Além disso, o patriarcado inseria a relação entre
homens e mulheres no âmbito político. Nesse sentido, a política passava a envolver
qualquer relação de poder, independentemente de estar ou não relacionada com a esfera
pública.
A conhecida ideia “o pessoal é político” foi implementada para mapear
um sistema de dominação que operava no nível da relação mais íntima
de cada homem com cada mulher. Esses relacionamentos eram
considerados, sobretudo, políticos, na medida em que político é
essencialmente definido como poder. (Piscitelli, 2002, p. 5).
20
A utilização do patriarcado como categoria de análise teve grande repercussão
em termos de mobilização política, mas se tornou insuficiente por não apreender a
historicidade da condição feminina. As teorias que se basearam nesse conceito foram
alvo de muitas críticas, por não levarem em conta o contexto histórico em que esse
sistema se desenvolveu. Com o objetivo de superar os problemas metodológicos
apresentados pelo uso do conceito de „patriarcado‟, os teóricos da área passaram a
utilizar o conceito de „gênero‟, que foi amplamente difundido entre os estudos
feministas, especialmente no final da década de 1970.
A primeira teoria relevante no desenvolvimento desse novo instrumento de
análise foi O tráfico de mulheres: Notas sobre a economia política do sexo (1975),
publicado pela antropóloga Gayle Rubin (1949). A obra de Rubin faz uma crítica às
teorias que enfatizam apenas o caráter econômico, como é o caso das análises de Marx e
Engels, por acreditar que a opressão das mulheres é uma questão muito mais ampla, que
envolve principalmente a dimensão cultural.
Para fundamentar seu argumento, a autora se baseia na análise do sistema de
parentesco desenvolvida por Claude Lévi-Strauss (1908-2009), que estabelece que as
posições de parentesco, socialmente definidas, têm precedência sobre o parentesco
biológico.
O antropólogo e filósofo francês é o fundador da antropologia estruturalista.
Essa corrente do pensamento antropológico se baseia em métodos de estudo da
linguística, e defende que os indivíduos orientam suas ações a partir de um sistema de
significação específico.
Para Lévi-Strauss, a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica,
mas aos modelos construídos em conformidade com esta. Para merecer o nome de
estrutura, esse modelo deve possuir um caráter de sistema, ou seja, ele deve conter
elementos tais que uma modificação qualquer de um deles acarreta uma modificação de
todos os outros. De acordo com o autor, a estrutura social pode se configurar parar os
indivíduos tanto de forma consciente quanto de forma inconsciente.
Assim, a análise estrutural se choca com uma situação paradoxal, bem
conhecida pelo linguista: quanto mais nítida é a estrutura aparente, mais
difícil torna-se apreender a estrutura profunda, por causa dos modelos
conscientes e deformados que se interpõem como obstáculos entre o
observador e seu objeto. (Strauss, 1975, p. 318).
21
Isso quer dizer que para o etnólogo quanto mais obvia é a estrutura social, mais
difícil é analisá-la. É a partir desse conceito que Lévi-Strauss desenvolve sua teoria
sobre o sistema de parentesco. A análise do autor na obra As estruturas elementares do
parentesco (1976) parte principalmente da ideia da proibição do incesto, que de acordo
com sua visão, é considerado um fenômeno universal.
Por estar presente em todas as sociedades, essa proibição acaba se configurando
como um fato natural, e sendo assim, não é questionada. O autor desenvolve sua teoria
„desnaturalizando‟ a questão do incesto, relatando que toda sociedade adota meios de
proibir essa prática.
Para ele, a proibição do incesto possui uma explicação puramente social. É essa
proibição que leva à exogamia, e sendo assim, é ela que obriga as famílias a fazerem
alianças e a manterem desse modo a coesão e a unidade do grupo social.
Cada casamento dá lugar ao nascimento de uma nova família, é a
família, ou melhor, são antes as famílias que produzem o casamento,
principal meio socialmente aprovado de que dispõem para se aliarem
umas às outras. Como se costuma dizer na Nova Guiné, o casamento tem
menos por objetivo a procura de uma esposa do que o de obter
cunhados. Desde que foi reconhecido que o casamento une mais os
grupos que os indivíduos, muitos costumes ficaram esclarecidos. (Strauss,
1983, p. 80)
É a partir dessas ideias de Lévi-Strauss que a antropóloga Gayle Rubin escreve
seu trabalho. Ambos os autores partilham da ideia que o sistema de parentesco é um
imperativo da organização cultural. Rubin também enfatiza que cada sociedade possui
um sistema sexo/gênero específico, e, por isso mesmo, a questão da subordinação da
mulher deve ser estudada de forma particular nos diferentes contextos sociais.
Para a autora, o sistema sexo/gênero consiste basicamente no conjunto de
arranjos por meio dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em
normas culturais. Ou seja, para ela, o sistema sexo/gênero é o mecanismo pelo qual a
sociedade modela a questão da sexualidade e da reprodução.
Partindo dessa definição, Rubin reitera que a construção da diferença sexual é
muito mais influenciada por fatores culturais do que por fatores biológicos. De acordo
com sua teoria, a opressão das mulheres é produto do sistema social, e no que se refere à
22
diferença sexual, a cultura se sobrepõe à natureza.
A antropóloga considera que o parentesco está na base do desenvolvimento do
sistema sexo/gênero. De acordo com sua teoria, o parentesco instaura a diferença,
exacerbando no plano da cultura, as diferenças biológicas entre os sexos. O sistema de
parentesco envolve a criação de dois gêneros dicotômicos, a partir da diferença
biológica, provocando assim a interdependência entre homens e mulheres.
De acordo com a análise de Piscitelli, a antropóloga Gayle Rubin foi pioneira na
abordagem sobre o conceito de gênero, que se difundiu rapidamente entre os estudos
feministas, especialmente no final da década de 1970. Piscitelli relata que essa categoria
de análise se caracterizou pela distinção sexo/gênero, em que „sexo‟ é entendido como o
conjunto de fatores biológicos, e „gênero‟ como o conjunto de fatores sociais e culturais.
Posteriormente, as teorias que se basearam nesse conceito acabaram recebendo grandes
críticas devido à rigidez da distinção sexo/gênero.
Outra autora central no debate a respeito do conceito de gênero é a historiadora
Joan Scott, nascida em 1941, nos Estados Unidos. Atualmente Scott é professora da
Escola de Ciências Sociais do Instituto de Altos Estudos de Princeton, na Nova Jersey, e
é considerada uma das principais teóricas da literatura de gênero. Sua preocupação
central foi analisar o uso do termo „gênero‟ e entender os diferentes significados com
que ele foi empregado.
De acordo com sua teoria, as feministas dos Estados Unidos foram as primeiras
a aderirem o uso do conceito de gênero, com o objetivo de enfatizar o caráter social das
distinções baseadas no sexo. O uso do termo demonstrava uma clara rejeição ao
determinismo biológico, que estava implícito no uso de palavras como „sexo‟ e
„diferença sexual‟.
Além disso, o conceito de gênero também foi usado para reiterar a reciprocidade
da relação entre homens e mulheres. De acordo com essa perspectiva, uma análise
crítica sobre a história das mulheres só é possível quando se estuda conjuntamente a
história dos homens. Sendo assim, é impossível realizar um estudo relevante que leve
em consideração só os homens ou só as mulheres.
Scott também relata que, muitas vezes, o termo „gênero‟ foi usado como
sinônimo de „mulheres‟, principalmente no meio acadêmico. Para a autora, a adesão do
conceito de gênero se deu principalmente com as feministas dos anos 1980, que
buscavam legitimidade para os seus estudos.
23
Nessas circunstâncias, o uso do termo „gênero‟ visa indicar a erudição e
a seriedade de um trabalho porque „gênero‟ tem uma conotação mais
objetiva e mais neutra do que „mulheres‟. O gênero parece integrar-se
na terminologia científica das ciências sociais e, por consequência,
dissociar-se da política do feminismo. (Scott, 1991, p. 6).
Em síntese, tanto Scott quanto Rubin procuram mostrar que o uso do termo
„gênero‟ foi usado para reforçar o caráter social da divisão de papéis sexuais. O seu uso
é uma forma de enfatizar que a identidade de homens e mulheres é construída
socialmente.
Além disso, Scott relata que os teóricos do conceito de gênero buscavam não só
o desenvolver enquanto categoria de análise, mas também dar uma nova perspectiva aos
estudos e às pesquisas da área. De acordo com a autora, o „gênero‟ era um termo usado
por intelectuais que defendiam a resignificação do papel da mulher na história.
24
1.3 O INGRESSO DAS MULHERES NO ESPAÇO PÚBLICO
Para entender a atuação das mulheres na advocacia, é preciso, antes, entender a
atuação das mulheres no mercado de trabalho. Diferentemente dos homens, as mulheres
encontraram muitas dificuldades para ingressar em qualquer esfera do espaço público,
que sempre se caracterizou como território exclusivamente masculino.
Michele Perrot é uma historiadora francesa, nascida em 1928, e professora
emérita da Universidade de Paris. Suas obras procuram analisar os fatores que
contribuíram para o ingresso feminino no mercado de trabalho. A partir de uma
perspectiva histórica, a autora discorre na obra Minha história das mulheres (2006), a
respeito do processo vivido pelas mulheres para conseguirem frequentar o espaço
público.
O ponto de partida de sua análise é a influência religiosa na diferenciação de
papéis sexuais, que associa sempre o homem ao domínio público, e a mulher, ao
domínio privado. Além disso, as religiões monoteístas, a saber, o cristianismo, o
judaísmo, e o islamismo naturalizam a subordinação feminina. Ou seja, estabelecem que
a superioridade masculina é fruto da vontade divina.
Até o século XVI somente os homens podiam ter acesso ao latim e ao
conhecimento. O saber era considerado sagrado, e, por isso, era exclusividade
masculina. Só a partir da Reforma Protestante é que as mulheres passaram a frequentar
escolas.
A Reforma existiu para as mulheres? Sim, principalmente para a
instrução. O livre acesso à Bíblia supunha que também as meninas
soubessem ler. A Europa protestante as alfabetizou através de uma rede
de escolas, e o contraste entre os países setentrionais e mediterrâneos se
acentuou por muito tempo sob esse aspecto. (Perrot, 2007, p.86).
Michele Perrot relata que, na Europa, as mulheres passaram a frequentar o
ensino primário nos anos 1880, e o ensino secundário em torno de 1900. Já o ingresso
na universidade se deu entre as duas guerras, principalmente a partir de 1950.
Apesar do acesso à instrução, as mulheres encontraram muitos obstáculos para
se afirmarem enquanto pensadoras. Apesar de estudarem e escreverem suas próprias
teorias, elas não podiam publicar ou mesmo serem reconhecidas como escritoras. Só a
partir do século XIX, as mulheres conseguem espaço na literatura, especialmente como
romancistas.
25
Evidentemente, a irrupção de uma presença e de uma fala femininas em
locais que lhes eram até então proibidos, ou pouco familiares, é uma
inovação do século XIX que muda o horizonte sonoro. Subsistem, no
entanto, muitas zonas mudas e, no que se refere ao passado, um oceano
de silêncio, ligado à partilha desigual dos traços, da memória, e ainda
mais, da história, este relato que, por muito tempo, esqueceu as
mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução,
elas estivessem fora do tempo, ou ao menos fora do acontecimento.
(Perrot, 2005, p. 9).
Por isso, a historiadora escreveu um trabalho sobre isso que resultou na obra As
mulheres ou os silêncios da história (1998), que trata especificamente da questão da
ausência de uma memória feminina comum. Nesse trabalho, a autora relata que parte
dessa dificuldade se deve ao fato de que as mulheres eram associadas à capacidade de
reprodução. Já as capacidades de criação e de abstração eram consideradas qualidades
tipicamente masculinas.
De acordo com sua perspectiva, as mulheres encontram dificuldades em
estabelecer uma narrativa histórica comum, pois elas aparecem menos no espaço
público, objeto maior da observação e da narrativa histórica. Além disso, os
historiadores e intelectuais da época eram homens, e na maioria das vezes, partiam da
ideia de um masculino universal.
Para Perrot, a dificuldade de escrever a história das mulheres deve-se ao
apagamento de seus traços na narrativa histórica tradicional, justamente por ela
privilegiar a vida pública (como a política e as guerras), onde as mulheres aparecem
pouco.
Por isso, nessa obra, a autora procura resgatar memórias femininas pessoais,
como por exemplo, correspondências familiares, diários íntimos, cartas de amor,
recordações. Sendo assim, Perrot conclui que os registros das mulheres estão ligados à
sua condição na família e na sociedade. Ou seja, a memória das mulheres é uma
memória do privado, voltada para a família e para o íntimo, ao qual elas estão de certa
forma, relegadas por convenção e posição.
Outro aspecto que a autora analisa é a questão do trabalho feminino. Para ela, as
mulheres sempre trabalharam. Porém, seu trabalho pertencia à esfera doméstica, e não
era nem valorizado nem remunerado. Perrot relata que, durante muito tempo, as
26
mulheres estiveram ligadas ao trabalho rural, especialmente no período que precede à
Segunda Guerra Mundial. Nessa época, praticamente metade das mulheres francesas
eram camponesas.
A vida das mulheres camponesas era marcada pela hierarquia patriarcal e por
uma rígida divisão de papéis e tarefas. Enquanto o homem era responsável pelo trabalho
da terra e pelas transações do mercado, as mulheres eram responsáveis pelo cuidado da
casa, pelo cultivo da horta e pela criação de animais.
A partir da Revolução industrial, principalmente após a Primeira Guerra
Mundial, as mulheres começaram a trabalhar no espaço urbano. Antes desse período, as
mulheres só encontravam emprego em casas de família, onde trabalhavam como
empregadas domésticas, e raramente eram assalariadas. No geral, recebiam retribuições,
como moradia e alimentação, e tinham uma jornada de trabalho ilimitada, sem nenhum
direito ou garantia.
Após a guerra de 1914, as mulheres passaram a ser numerosas nos hospitais
laicos e nas fábricas. A princípio, as mulheres se concentraram nas indústrias têxteis,
posteriormente, conseguiram espaço nas indústrias alimentares, químicas, e
eletromecânicas.
Por influência do mercado e das comunicações. Pela industrialização.
Pelo êxodo rural. Pela ação das guerras, principalmente a de 1914-
1918, que esvaziou o campo de seus jovens e transferiu uma parte de
suas tarefas e de seus poderes para as mulheres: elas aprenderam a
lavrar a terra, gesto viril, e a gerenciar seu negócio. Esses fatores
acumulados modificaram o equilíbrio das famílias e as relações entre os
sexos e mudaram a vida das mulheres. (Perrot, 2007, p. 113).
Perrot enfatiza que a revolução industrial, o êxodo rural, e as duas grandes
guerras mundiais foram determinantes para a entrada das mulheres no mercado de
trabalho, e consequentemente, no espaço público.
Além disso, a autora também relata a dificuldade de se estudar a história das
mulheres e de identificar um período que delimite a introdução da mulher na
historiografia. Para Perrot, os próprios acontecimentos históricos são contraditórios.
A Revolução Francesa é um exemplo claro dessa contradição. O universalismo e
a igualdade pregados por ela não dizia respeito às mulheres, que estavam desprovidas de
qualquer participação política. Embora a Revolução concedesse direitos civis às
27
mulheres, não lhes concedia nenhum direito político.
Outro trabalho que também possui uma perspectiva histórica sobre a questão de
gênero é o de Pierre Bourdieu (1930-2002), sociólogo francês, que se consagrou como
um dos grandes intelectuais da modernidade. A preocupação central de sua teoria é
explicar os mecanismos de reprodução social que legitimam as diversas formas de
dominação na sociedade moderna.
Embora não seja sua principal área de estudo, Bourdieu faz uma análise
específica a respeito das várias causas que legitimaram a dominação masculina ao longo
do tempo. Sua proposta na obra A dominação masculina (1999) é abandonar as visões
que encaram as relações entre os sexos sob uma vertente essencialista e naturalista, e
adotar uma perspectiva de caráter histórico. Sua ideia consiste em entender os
mecanismos que foram responsáveis pela eternização desse tipo de divisão sexual.
Em primeiro lugar, o autor relata que as estruturas sexuais são totalmente
independentes das estruturas econômicas. Pois em todas as sociedades, independente do
sistema econômico e cultural adotado por elas, existe uma divisão sexual bem
estabelecida. O autor enfatiza que essa questão também ultrapassa os limites do tempo,
e pode ser observada ao longo dos séculos.
Para Bourdieu, a permanência e a reprodução da distinção entre homens e
mulheres se devem a dois fatores: à atuação dos próprios indivíduos, que consentem e
difundem essa relação, e também às instituições fundamentais da sociedade, que
garantem a legitimação da dominação masculina.
Entre essas instituições, o autor destaca a Igreja, a Escola, e principalmente a
Família. São elas as responsáveis por reproduzir as estruturas objetivas e subjetivas da
separação tradicional de gênero. Para Bourdieu, essas instituições têm o poder de
instituir determinados padrões de comportamento, e fazer com que o indivíduo
interiorize desde cedo certos valores. São instituições que possuem a capacidade de
atingir inclusive as estruturas inconscientes dos indivíduos.
Bourdieu relata que embora a lógica do modelo tradicional de gênero ainda
continue se reproduzindo, as várias mudanças sociais ocorridas nas ultimas décadas
conseguiram alterar de forma significativa esse padrão. Entre essas mudanças, o
sociólogo destaca o maior acesso das mulheres à escola e à universidade, a expressiva
entrada feminina no mercado de trabalho, o surgimento de técnicas anticoncepcionais, o
aumento da taxa de divórcios, a redução do tamanho das famílias, e assim por diante.
O autor ressalta que, antes dessas inovações, o espaço feminino na sociedade se
28
restringia basicamente à esfera doméstica e familiar. Posteriormente, as mulheres
passaram a ter a oportunidade de participar também da esfera pública, que, até então,
era considerada território masculino. É importante lembrar que essa mudança não
significa necessariamente que as mulheres passaram a dividir igualmente essa esfera do
espaço social.
Exemplo disso é a questão da entrada das mulheres no mercado de trabalho.
Embora estejam se preparando tanto quanto os homens, elas ainda encontram
dificuldades em ocupar cargos de autoridade e de liderança em praticamente todas as
profissões. Por isso, Bourdieu afirma que o número de mulheres diminui à medida que
se sobe na hierarquia profissional. Além disso, elas acabam sendo mais afetadas pelo
desemprego, são relegadas com mais facilidade a trabalhos de tempo parcial, e no geral,
recebem salários mais baixos que os homens.·.
Qualquer que seja sua posição no espaço social, as mulheres têm em
comum o fato de estarem separadas dos homens por um coeficiente
simbólico negativo que, tal como a cor da pele para os negros, ou
qualquer outro sinal de pertencer a um grupo social estigmatizado, afeta
negativamente tudo que elas são e fazem. (Bourdieu, 1999, p. 111)
Após explicitar todos esses fatos, o autor conclui que, apesar das várias
conquistas obtidas pelas mulheres nas últimas décadas, a sociedade ainda se organiza
através do modelo tradicional de gênero. A hegemonia desse modelo pode ser explicada
pela existência do que Bourdieu chama de habitus. Esse conceito remete aos valores,
que são internalizados pelos indivíduos através da socialização, e que funciona como
uma espécie de orientação para vida em sociedade.
29
2. MULHERES ADVOGADAS
Após analisar trabalhos sobre a subordinação feminina e sobre a entrada da
mulher no mercado de trabalho, torna-se necessário uma análise mais específica sobre o
ingresso das mulheres na advocacia. É fundamental também analisar a atuação das
mulheres advogadas na atualidade, observando quais são os principais obstáculos de
atuação e ascensão na carreira. Para isso, trabalhos específicos sobre o tema, como os de
Eliane Botelho Junqueira e os de Rennê Martins Barbalho, servirão de base para um
estudo mais aprofundado.
2.1 O INGRESSO DAS MULHERES NA ADVOCACIA
De acordo com Perrot, a primeira mulher advogada foi a francesa Jeanne
Chauvin, que concluiu o curso em 1899. Para que ela pudesse exercer a profissão, foi
necessária a criação de uma lei que permitia a sua atuação como advogada. Perrot
acrescenta ainda que as mulheres tardaram para conquistar espaço na advocacia. Para
exemplificar sua ideia, ela relata que entre 1900 e 1917 formaram-se apenas dezoito
advogadas na França.
No Brasil, a entrada das mulheres na advocacia também foi tardia. De acordo
com Lucia Maria Paschoal Guimarães e Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira,
a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil foi Myrthes Gomes de Campos.
No artigo Myrthes Gomes de Campos: pioneirismo na luta pelo exercício da
advocacia e defesa da emancipação feminina (2009), as autoras relatam que a advogada
concluiu a graduação em 1898, na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do
Rio de Janeiro. Anteriormente, na Faculdade do Recife, três mulheres já haviam
concluído o curso de Direito em 1888. Nenhuma delas, porém, chegou a exercer o
ofício.
Segundo as autoras, Myrthes Gomes de Campos encontrou diversos obstáculos
para conseguir atuar como advogada. Primeiramente, encontrou resistência do Tribunal
da Relação do Rio de Janeiro, ao tentar reconhecer o seu diploma de bacharel. Após
muita controvérsia, conseguiu autenticá-lo no Tribunal. Depois disso, teve que lidar
com a dificuldade em conseguir o registro da Corte de Apelação do Distrito Federal.
Para isso, a advogada precisou vencer a resistência do presidente da Corte, o
desembargador José Joaquim Rodrigues.
30
Obtido, afinal, o registro na Corte de Apelação, restava ainda um último
obstáculo a transpor: legitimar-se profissionalmente. Isto só poderia
ocorrer por meio da filiação ao Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros, o que constituía um fato inédito no país. Desde a sua
fundação, em 1843, nenhuma mulher havia pleiteado o ingresso na
corporação dos bacharéis, outro espaço masculino por excelência.
(Guimarães; Ferreira, 2009, p.141).
Sua atuação profissional só foi legitimada em 1906, quando o Instituto da Ordem
dos Advogados do Brasil (IOAB) aprovou o seu ingresso na carreira. Mesmo sem o
registro na IOAB, a advogada estabeleceu seu escritório no centro do Rio de Janeiro, e
conseguiu inclusive permissão do juiz Viveiros de Castro para atuar no Tribunal do Júri.
Em 1899, anunciou-se a estreia de Myrthes Gomes de Campos na tribuna, onde até
então somente homens haviam pedido a absolvição dos réus. A notícia da sua estreia
mobilizou a imprensa e causou grande interesse público. Todos os jornais da época
noticiaram o acontecimento, e no dia do julgamento, havia mais de quinhentas pessoas
disputando lugar no Tribunal.
O certo é que as colunas dos jornais abriram-se para comentar a
performance pioneira de Myrthes Campos. Naquela ocasião, somente em
alguns estados da Federação norte-americana permitia-se às mulheres o
direito de defesa nos tribunais. Na França, em 1897, a Corte de
Apelação negara autorização a bacharel Jeanne Chauvin para o
exercício da profissão de advogada, a pretexto de que não existia
nenhum dispositivo legal que facultava esse direito às mulheres. A
demanda fora levada ao parlamento e só se resolveria com a
promulgação de uma lei, votada em 1900. (Guimarães; Ferreira, 2009,
p.141).
A comoção pública, causada pela estreia da advogada no Tribunal, demonstra o
quanto a advocacia era considerada uma profissão masculina na época. Essa questão do
espaço público enquanto esfera masculina é enfatizada também pela historiadora
Margareth Rago, que atualmente é professora titular da UNICAMP. Em seu artigo
Trabalho feminino e sexualidade (1997), a historiadora analisa as inúmeras dificuldades
que as mulheres de todas as condições sociais enfrentaram para ingressar no mundo do
31
trabalho. Embora o foco do seu artigo seja o trabalho das mulheres operárias, Rago não
deixa de observar que as mulheres se depararam com diversos obstáculos em todas as
esferas do mundo profissional.
As barreiras enfrentadas pelas mulheres para participar do mundo dos
negócios eram sempre muito grandes, independentemente da classe
social a que pertencessem. Da variação salarial à intimidação física, da
desqualificação intelectual ao assédio sexual, elas tiveram sempre de
lutar contra inúmeros obstáculos para ingressar em um campo definido-
pelos homens- como naturalmente masculino. Esses obstáculos não se
limitavam ao processo de produção; começavam pela própria
hostilidade com que o trabalho feminino era tratado no interior da
família. (Rago, 1997, p.581).
De acordo com sua análise, as elites intelectuais e políticas do início do século
XX procuraram redefinir o lugar das mulheres na sociedade, justamente no momento
em que a crescente urbanização e a industrialização abriam a elas novas possibilidades
de trabalho. Muitos teóricos, médicos, juristas e economistas da época acreditavam que
o trabalho da mulher fora de casa desestruturaria o lar e abalaria os laços familiares.
Nesse contexto, em que as mulheres estavam sendo incorporadas ao mercado de
trabalho, passou a ser amplamente discutido o trabalho feminino, e assim, o espaço
público passou a ser visto como ameaçador para a moralidade das mulheres. Em
contrapartida, o lar era visto como o ninho sagrado que abrigava a família.
Sendo assim, fica explícito que as mulheres encontraram resistência em todas as
áreas da esfera profissional, e no caso da advocacia, não é diferente. As primeiras
advogadas mulheres tiveram que lidar tanto com barreiras profissionais quanto com
barreiras culturais.
Na cidade de São Paulo, a primeira mulher bacharel em Direito foi Maria
Augusta Saraiva, que ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em
1897. Ela teve de se empenhar para ser admitida na Faculdade, e concluiu o curso em
1902, superando preconceitos de gênero e recebendo uma viagem à Europa como
32
prêmio por se destacar no curso.2 Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), o curso foi ofertado pela primeira vez em 1946. A primeira turma contou
com o ingresso de setenta e um homens, e nove mulheres.
Apesar do ingresso tardio na profissão, é importante ressaltar que atualmente o
número de mulheres advogadas cresce progressivamente a cada ano. De acordo com o
os dados divulgados em 2012, pelo Conselho Federal da OAB, do total de 696.864
advogados em atividade no Brasil, 384.152 são homens e 312.712 são mulheres, quase
45 % do total.
Para Rennê Martins Barbalho, advogada e doutora em sociologia, a presença
feminina é cada vez maior na advocacia brasileira. Para exemplificar sua ideia,
Barbalho relata que em São Paulo, no ano de 2006, o número de mulheres inscritas na
OAB-SP superou o número de homens. Nesse ano, 52% dos inscritos eram mulheres.
No Rio de Janeiro, esse fenômeno também foi constatado por Eliane Botelho
Junqueira. A advogada, que é doutora em direito, relatou no artigo Mulheres
advogadas: espaços ocupados (2001), que apesar dos preconceitos existentes, o número
de mulheres advogadas cresce a cada ano. Junqueira constata que em 1975, a OAB do
Rio de Janeiro tinha 34,3% de inscrições de mulheres, enquanto que em 1995, este
número subiu para 54,6%.
Apesar dos dados indicarem um crescente aumento da presença feminina na
advocacia, as mulheres ainda encontram resistência e dificuldades em várias esferas
desse espaço profissional. Por meio da análise de trabalhos específicos sobre o tema, é
fundamental pontuar quais são essas dificuldades e por que elas ocorrem.
2 Notícia publicada por Marcos da Costa, presidente em exercício da OAB-SP, no site oficial da OAB, em
23/10/2012. Disponível em <http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2012/174/> Acesso
realizado em 10/04/2014.
33
2.2 DIFICULDADES DE ATUAÇÃO E ASCENSÃO NA CARREIRA
Apesar das estatísticas apontarem o processo de „feminização‟ das carreiras
jurídicas, elas também apontam a dificuldade feminina em chegar ao topo da carreira.
Tanto os dados coletados, quanto as entrevistas realizadas, demonstram uma série de
obstáculos encontrados pelas mulheres na profissão.
De acordo com Barbalho, embora o número de mulheres com ensino superior já
tenha ultrapassado o número de homens, se observa uma grande concentração de
mulheres em ocupações femininas tradicionais, como as áreas da educação, das artes, da
saúde e do bem estar social. Mesmo quando ingressam em áreas de maior prestigio, as
mulheres enfrentam:
Dificuldades de ingresso a posições mais elevadas dentro da carreira
ocupada, o que é denominado „telhado de vidro‟, glass ceiling,
(Mossman, 2006) uma referência à barreira invisível que dá uma
enganosa aparência de igualdade de oportunidades de ascensão na
carreira, mas que inibe o acesso delas aos cargos mais elevados na
hierarquia profissional. (Barbalho, 2008, p. 15).
De acordo com seu trabalho, o chamado „telhado de vidro‟ está presente em
todas as profissões. Na advocacia, por exemplo, o „telhado de vidro‟ representa a
dificuldade feminina em ascender profissionalmente. Também há uma incidência maior
de mulheres atuando nas áreas do direito familiar e trabalhista, que são áreas ligadas à
questão do cuidado e da mediação de conflitos.
Já na Magistratura, a maior concentração de juízas se dá nos Juizados Especiais,
onde o objetivo principal é a conciliação entre as partes. Para Barbalho, é como se a
vida profissional da mulher fosse encarada como uma extensão da vida doméstica, ou
seja, as habilidades desenvolvidas no espaço doméstico são trazidas para o ambiente
profissional.
De acordo com Barbalho, as advogadas ainda enfrentam desigualdade de
remuneração e estagnação nos cargos ocupados. Mesmo que as profissionais invistam
tanto na carreira quanto seus colegas, o período de estagnação é maior para elas. Por
isso, a carreira pública aparece como uma das saídas para as mulheres conquistarem
estabilidade e segurança financeira.
34
Como equacionar os conflitos emocionais e as incertezas de uma
carreira liberal demanda muito mais energia delas, o cargo público pode
surgir como opção de realização profissional e pessoal, pois pode
significar estabilidade no emprego, renda, e principalmente, do horário.
(Barbalho, 2008, p. 16).
A autora enfatiza que a vantagem do cargo público é a estabilidade de renda e a
flexibilidade de horários. Sendo assim, a mulher consegue conciliar melhor a vida
profissional e pessoal. Isso não quer dizer que a carreira pública esteja isenta de
preconceito e dificuldades em relação ao gênero. A magistratura, por exemplo, por ser
um cargo público oferece o mesmo padrão de rendimentos para homes e mulheres.
Nesse caso, o „telhado de vidro‟ se manifesta no acentuado desnível nas instâncias
superiores.
Outro aspecto enfatizado por Barbalho é que o chamado „telhado de vidro‟ é um
fenômeno internacional no mundo jurídico, e pode ser observado em outros países
ocidentais como Canadá e Estados Unidos (Mossman, 2006) e também na França
(Feuvre; Lapeyere, 2005).
Mary Jane Mossman observa que a partir dos anos 1970, houve um expressivo
crescimento do número de mulheres advogadas nos Estados Unidos e no Canadá.
Porém, esse crescimento quantitativo não correspondeu a um avanço qualitativo na
carreira. De acordo com seu trabalho As primeiras mulheres advogadas: um estudo
comparativo de gênero, direito, e profissões jurídicas (2006), embora as mulheres
obtenham sucesso individual na advocacia, dificilmente atingem o topo da carreira, que
é predominantemente masculino.
Assim como Mossman, Nicky Le Feuvre e Nathalie Lapeyere observaram esse
mesmo fenômeno na França. De acordo com as autoras de Os scripts sexuais das
carreiras jurídicas na França (2005), existe igualdade de homens e mulheres somente
na base da carreira jurídica. Quando se trata dos cargos de liderança, há desequilíbrio na
distribuição por gênero. Essa pesquisa sugere ser necessário analisar a organização da
vida familiar, pois para as autoras, o principal obstáculo de ascensão na carreira é a
dificuldade das mulheres em conciliar a vida profissional e pessoal.
Outra autora fundamental no estudo do processo de feminização das carreiras
jurídicas é Eliane Botelho Junqueira. Enquanto Barbalho se baseia na observação dos
escritórios de advocacia do estado de São Paulo, Junqueira parte da análise dos
35
escritórios do Rio de Janeiro, e ambas chegam a conclusões semelhantes.
Junqueira conclui que a maior discriminação com as mulheres advogadas não
está nas carreiras públicas (magistratura, ministério público, procuradorias e
defensorias), e sim nos próprios escritórios de advocacia. Isso quer dizer que mesmo as
mulheres se especializando tanto quanto os homens, elas dificilmente chegam aos
cargos mais altos do escritório.
O mercado é fechado para ela como advogada. São raros os grandes
escritórios, as grandes empresas de advocacia, que têm mulheres no
topo da lista de advogados. É muito raro. Elas não alcançam, quer dizer,
não se permite que elas alcancem. Independente de serem mais capazes,
mais conscientes, mais responsáveis com as suas tarefas. (Junqueira,
2001, p. 187).
Para Junqueira, a advocacia é uma profissão competitiva, que exige dedicação
integral à carreira. Para as mulheres, que se dedicam mais do que os homens à vida
pessoal e familiar, isso acaba sendo um obstáculo. A autora acrescenta ainda, que
mesmo quando as profissionais fazem a opção de se dedicarem integralmente à
advocacia, sofrem com esse estereótipo de gênero, que associa as mulheres aos cuidados
domésticos.
A advogada também relata que apesar da facilidade do ingresso das mulheres na
advocacia, ainda existem áreas que são restritas para elas, como a área do direito penal.
De acordo com Junqueira, o direito penal é associado ao „mundo do crime‟, e por isso é
considerado inapropriado para mulheres. Sendo assim, as advogadas que atuam nessa
área encontram maior resistência do que as que atuam em outras áreas da advocacia.
Junqueira constata que além das profissionais não ascenderem aos cargos mais
altos, elas também ficam sujeitas a uma divisão sexual do trabalho, que as delega às
funções mais simples, triviais e rotineiras. Além disso, as mulheres ainda enfrentam
discriminação por parte dos clientes que, muitas vezes, preferem advogados homens
atuando em sua defesa.
Por isso, Junqueira enfatiza que a carreira pública aparece como uma
possibilidade profissional para as mulheres, devido à estabilidade que ela proporciona.
Ainda que, em longo prazo, a advocacia ofereça maiores rendimentos, o sucesso como
profissional liberal é mais difícil para as mulheres, em razão da maior competitividade
na profissão.
36
Em seu artigo A mulher juíza e a juíza mulher (1998), Junqueira analisa a
escolha profissional das mulheres que optaram pela carreira pública, especialmente a
magistratura. Apesar das juízas entrevistadas pela advogada, reclamarem do volume
excessivo de trabalho, elas enaltecem que a magistratura permite uma flexibilidade de
horário extremamente importante para a mulher que precisa conciliar os papéis de
profissional, mãe, e esposa.
Apesar do grande volume de trabalho a que são submetidos os juízes, os
magistrados gozam da liberdade de realizar parte de suas tarefas em
casa, até por falta de condições de infraestrutura dos cartórios, onde são
obrigados a atender advogados e não possuem muitas vezes
computadores próprios, livros de doutrina e jurisprudência. É em suas
casas que, efetivamente os juízes elaboram suas sentenças e despachos
mais complexos. (Junqueira, 1998, p. 147).
Essa flexibilidade de horários exposta por Junqueira permite que as mulheres
consigam maior conciliação entre as atividades profissionais e familiares. Apesar disso,
as mulheres juízas relatam inúmeras dificuldades no exercício da profissão,
principalmente devido ao excesso de trabalho, e ao fato da magistratura obrigar a
atuação em outras cidades, o que acaba tendo um peso negativo na relação com o
marido e com os filhos.
37
2.3 O “TELHADO DE VIDRO” E AS SOCIEDADES DE ADVOGADOS
De acordo com o artigo de Luciana Gross Cunha, Sociedades de Advogados e
tendências profissionais (2007), a advocacia atualmente é marcada pela expansão das
sociedades de advogados, que se caracterizam principalmente pela organização
empresarial. Nessas sociedades os profissionais se dividem em equipes, e cada equipe
atua em uma área específica da advocacia.
Outra característica dessas sociedades é a divisão dos advogados entre „sócios‟ e
„associados‟. Os sócios são os profissionais que possuem maior poder econômico e
político, são aqueles que têm participação nos resultados e nas principais decisões do
escritório. Já os associados recebem remuneração mensal, e na maioria das vezes, não
tem acesso aos lucros do escritório. Sendo assim, essa hierarquia entre sócios e
associados possibilita uma análise sobre a divisão de homens e mulheres nos escritórios
de advocacia.
A partir de uma análise quantitativa, realizada em um trabalho anterior a esse,
pude observar a distribuição desigual de homens e mulheres nos principais escritórios
de advocacia do estado de São Paulo. Por meio da coleta de dados, disponibilizados no
site do CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), pude constatar,
durante o meu trabalho de conclusão de curso, que a maioria dos sócios desses
escritórios são homens.
Fundado em 1983, o CESA é uma associação civil, sem fins lucrativos,
constituída por sociedades de advogados regularmente inscritas na Ordem dos
Advogados do Brasil. Inicialmente contando com associadas de São Paulo, o CESA foi
aos poucos se expandindo, e atualmente, conta com mais de mil sociedades inscritas.3
Apesar de ser um centro formalmente sem fins lucrativos, para se associar ao
CESA, as sociedades participam com o pagamento de taxas semestrais que obedecem a
uma lógica de quanto maior o número de membros da sociedade de advogados, maior é
a taxa semestral a ser quitada.
No site do CESA estão cadastradas as principais sociedades de advogados do
Brasil. Os escritórios estão divididos por estado, e através do site é possível verificar
informações de cada sociedade cadastrada, como as áreas de atuação na advocacia e a
divisão interna do escritório. Por meio dos dados disponibilizados nesse site foi possível
3 Disponível em <http://www.cesa.org.br/> Acesso realizado em 24/04/2014.
38
construir as tabelas abaixo, que tornam visível a ordenação desigual de homens e
mulheres nas principais sociedades de advogados de São Paulo.
Tabela 1. Distribuição dos sócios dos escritórios de advocacia do estado de São Paulo, filiados
ao CESA, segundo o gênero e o tamanho do escritório.
Sócios
Sociedades Homens Mulheres Total
1 a 9 73 (83%) 15 (17%) 88
10 a 49 389 (71%) 162 (29%) 551
50 ou mais 163 (72%) 62 (28%) 225
TOTAL 625 (72%) 239 (28%) 864
Fonte: Site do CESA, 2011.
Tabela 2. Distribuição dos associados dos escritórios de advocacia do estado de São Paulo,
filiados ao CESA, segundo o gênero e o tamanho do escritório.
Associados
Sociedades Homens Mulheres Total
1 a 9 84 (48%) 91 (52%) 175
10 a 49 675 (46%) 798 (54%) 1473
50 ou mais 354 (44%) 455 (56%) 809
TOTAL 1113 (45%) 1344 (55%) 2457
Fonte: Site do CESA, 2011.
A observação das tabelas nos mostra que o topo da carreira na advocacia é
predominantemente masculino. Isso quer dizer que, embora os escritórios de advocacia
tenham em média um número equilibrado de homens e mulheres, elas ainda encontram
dificuldade em ocupar os cargos de liderança.
Uma possível explicação para isso poderia ser o grau de escolaridade. Os
homens poderiam estar ocupando os cargos mais altos dos escritórios por estarem mais
qualificados. Por isso, considerei fundamental analisar o nível de qualificação dos
advogados que fazem parte das grandes sociedades de advogados de São Paulo. A
39
tabela abaixo torna possível observar a escolaridade desses profissionais, segundo o
gênero e a posição ocupada no escritório.
Tabela 3. Distribuição dos sócios dos escritórios de advocacia do estado de São Paulo, filiados
ao CESA, segundo o gênero e a formação acadêmica.
Sócios
Escolaridade Homens Mulheres Total
Bacharel 166 (27%) 53 (22%) 219 (25%)
Mestre 108 (17%) 30 (13%) 138 (16%)
Doutor 63 (10%) 7 (3%) 70 (8%)
Pós graduado 211 (34%) 108 (45%) 319 (37%)
Sem informação 77 (12%) 41 (17%) 118 (14%)
Total 625 239 864
Fonte: Site do CESA, 2011.
Tabela 4. Distribuição dos associados dos escritórios de advocacia do estado de São Paulo,
filiados ao CESA, segundo o gênero e a formação acadêmica.
Associados
Escolaridade Homens Mulheres Total
Bacharel 361 (32%) 420 (31%) 781 (32%)
Mestre 107 (10%) 84 (6%) 191 (8%)
Doutor 14 (1%) 5 (0%) 19 (1%)
Pós graduado 460 (41%) 613 (46%) 1073 (44%)
Sem informação 171 (15%) 222 (17%) 393 (16%)
Total 1113 1344 2457
Fonte: Site do CESA, 2011.
Observando as tabelas 3 e 4, podemos concluir que no geral não há grandes
discrepâncias na formação dos homens e mulheres dos escritórios observados. Existe
sim um número maior de homens com pós-graduação stricto sensu (mestrado e
doutorado), ao passo que também há uma concentração maior de mulheres que fizeram
pós-graduação lato sensu. Embora exista essa pequena variação, podemos concluir que
40
a escolaridade não é uma variável explicativa para a posição ocupada dentro do
escritório. Isso quer dizer que a escolaridade não justifica a dificuldade feminina em
chegar ao topo da carreira.
Maria Inês Bergoglio, que é doutora em ciência política e professora da
Universidade Nacional de Córdoba, realizou um trabalho sobre a segmentação por
gênero nas grandes sociedades de advogados. No artigo A mobilidade profissional nos
grandes escritórios de advocacia: análises de gênero (2007), Bergoglio analisa a
exclusão das mulheres nos cargos de „sócios‟ em vários países observados por ela,
como a Argentina, o Brasil, a Austrália, e os Estados Unidos.
A análise de Bergoglio reforça a ideia de que o „telhado de vidro‟ é uma
realidade enfrentada pelas mulheres na advocacia. Assim como as outras autoras
citadas nesse capítulo, Bergoglio enfatiza que a ascensão na carreira não depende
somente da competência e do empenho dos profissionais. Existem outros fatores que
facilitam ou dificultam o sucesso na advocacia.
De acordo com seu trabalho, as mulheres priorizam mais a vida pessoal do que
os homens, e por isso, raramente possuem especialização fora do país ou experiência no
exterior. Por estarem mais envolvidas com a vida pessoal, as mulheres também
encontram mais dificuldades em estabelecerem redes de networkings.
Mônica Mancini, que é doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, enfatiza que
o „telhado de vidro‟, ou seja, essa barreira invisível que dificulta a ascensão profissional
das mulheres está presente em todas as esferas do mercado profissional. De acordo com
sua tese Mulheres profissionais bem sucedidas: um estudo exploratório no contexto
organizacional brasileiro (2005), apesar das mesmas conquistas educacionais, os
homens progridem muito mais rapidamente na carreira do que as mulheres.
Para ela, o „telhado de vidro‟ fica visível quando se observa a diferença de
gênero que existe nos cargos mais altos de qualquer profissão. “Os homens têm mais
oportunidades de promoção do que as mulheres porque suas carreiras são mais
estimuladas. Sendo assim, o total de promoções entre ambos é diferente, o que provoca
diferenças salariais em que as mulheres ganham salários inferiores a dos homens em
cargos equivalentes.” (Mancini, 2005, p.89).
Essa dificuldade também é apontada no trabalho de Eliane Botelho Junqueira, já
citado acima, que afirma que as mulheres estão mais sobrecarregadas com a vida
doméstica e familiar, e por isso, possuem menos tempo de frequentar espaços de
41
sociabilidade (como clubes e atividades esportivas) que poderiam facilitar a atuação na
carreira.
Além da desconfiança em relação à capacidade de trabalho das
mulheres, os problemas na advocacia decorrem de outros fatores, tais
como da necessidade de dedicarem-se, mais do que os homens, à vida
privada tornando-as mais vulneráveis em suas carreiras. As mulheres
têm também maior dificuldade em participar das estratégias e das redes
de relações masculinas utilizadas principalmente na advocacia
empresarial para atrair os clientes, ou seja, da função de networking,
conforme é denominado nos Estados Unidos. (Junqueira, 1998, p. 147).
Essa divisão de cargos que está presente nas sociedades de advogados torna mais
visível a segmentação por gênero. Isso não significa que nos pequenos escritórios essa
segmentação não aconteça, ela apenas não pode ser apreendida a partir de análises
quantitativas. Por isso, o terceiro capítulo trata de entrevistas com advogadas que
trabalham tanto em escritórios pequenos quanto em grandes sociedades de advogados. É
a partir do contato com as advogadas que se dá a percepção do gênero nos diferentes
perfis de escritórios.
42
3. ENTREVISTAS E ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS
As entrevistas com as advogadas é parte fundamental do trabalho, pois
possibilita o contato com a realidade da atuação profissional dessas mulheres. A
pesquisa de campo torna possível adentrar esse campo profissional específico,
observando quais são as reais dificuldades de atuação e ascensão na carreira relatadas
pelas advogadas.
A amostra foi pensada, a princípio, com seis advogadas que trabalham em
escritórios de pequeno porte, e seis em grandes sociedades de advogados. O objetivo foi
tentar entender como as mulheres percebem a questão do gênero em cada perfil de
escritório, e como lidam com as dificuldades encontradas na profissão.
O critério para distinguir os „pequenos escritórios‟ das „sociedade de advogados‟
se baseou no artigo Sociedades de advogados e tendências profissionais, de Luciana
Gross Cunha. Esse artigo, que já foi citado na introdução dessa dissertação, reforça que
o critério principal para distinguir um escritório tradicional da sociedade de advogados é
o perfil da advocacia praticada por ele.
Enquanto o escritório tradicional atende às necessidades de clientes individuais,
a sociedade de advogados prioriza clientes empresariais. O „pequeno escritório‟ é
formado, em sua maioria, por familiares e colegas, que atuam como uma equipe. Já a
„sociedade de advogados‟ possui organização empresarial, e representa o novo perfil da
advocacia.
Além dessas entrevistas, também tive oportunidade de conhecer a Comissão da
mulher advogada de São Paulo, e de ter contato com a Dra. Gislaine Caresia, presidente
da Comissão, que me relatou a sua visão em relação às perspectivas de ascensão
feminina na advocacia.
Outro contato fundamental para o trabalho foi com a Dra. Silvia Pimentel,
professora titular do curso de Direito da PUC-SP, que sempre esteve engajada na luta
pela emancipação feminina. Durante a entrevista, a advogada falou sobre a sua trajetória
na luta pelos direitos das mulheres, e sobre a sua atuação como presidente no Comitê
sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres.
O Comitê faz parte de um dos sete Comitês de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU), e é responsável pela implementação da
Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres.
43
Essa Convenção consiste no primeiro tratado internacional que trata especificamente
sobre os direitos humanos da mulher.
A „Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação
contra as Mulheres‟ é a grande Carta Magna dos direitos das mulheres e
simboliza o resultado de inúmeros avanços principiológicos, normativos
e políticos construídos nas últimas décadas, em um grande esforço
global de edificação de uma ordem internacional de respeito à dignidade
de todo e qualquer ser humano. (Professora Dra. Silvia Pimentel).
A advogada explica que a Convenção vai além das garantias de igualdade e igual
proteção viabilizadas por instrumentos legais, estipulando medidas para a obtenção da
igualdade entre homens e mulheres em todos os aspectos da vida política, econômica,
social, e cultural.
No ano de 2004, a advogada Silvia Pimentel foi indicada pelo governo brasileiro
como candidata à presidência desse Comitê, e foi eleita em uma plenária que reunia
cento e oitenta e sete países, que ratificaram a Convenção. Posteriormente, foi reeleita
por duas vezes, e atualmente está no seu terceiro mandato, que teve início em janeiro de
2013.
Durante a entrevista, a advogada relatou que a sua preocupação central é
combater qualquer tipo de discriminação contra as mulheres e garantir assim os direitos
femininos na busca de promover a igualdade de gênero. Sendo assim, Silvia Pimentel
enfatiza que a sua preocupação engloba as mulheres de diversos países, de todas as
classes sociais, e especialmente as mulheres em situação de maior vulnerabilidade social
(como as mulheres rurais, indígenas, minorias político-culturais, afrodescendentes,
idosas, mulheres com deficiência, e mulheres em zonas de conflito armado).
Em síntese, ao final da pesquisa, foram realizadas catorze entrevistas. Em doze
delas o nome das entrevistadas permanecerá anônimo, e, em duas, as advogadas serão
nomeadas. As identidades da professora Dra. Silvia Pimentel e da Dra. Gislaine Caresia,
foram mencionadas devido à posição de destaque que essas advogadas ocupam na luta
pelos direitos das mulheres.
44
3.1 NOTA METODOLÓGICA
O contato com as advogadas se deu primeiramente por telefone ou e-mail, obtidos
através dos sites dos escritórios. No e-mail era explicada a proposta da pesquisa e
realizado o convite para participação no trabalho. Posteriormente, a entrevista era
agendada e realizada nos próprios escritórios de advocacia.
As entrevistas tiveram duração variável de trinta minutos a uma hora e meia, e
foram gravadas somente com a autorização das entrevistadas. O nome das advogadas,
bem como dos escritórios em que elas atuam não serão revelados na dissertação, com o
objetivo de preservar a identidade das entrevistadas. Por isso, todos os nomes citados
abaixo são fictícios, com exceção da presidente da Comissão da Mulher advogada de
São Paulo, e da professora Dra. Silvia Pimentel, que por serem pessoas públicas,
autorizaram a exposição de suas falas e de seus nomes.
Para compor o corpus qualitativo dessa pesquisa, busquei mulheres de diferentes
áreas da advocacia, e também procurei diversificar as gerações das profissionais
entrevistadas. Sendo assim, entrevistei advogadas com idade entre vinte e quatro anos a
setenta anos.
As entrevistas se direcionaram no sentido da pesquisa qualitativa do tipo semi-
estruturada com um único respondente, denominada por George Gaskell de entrevistas
em profundidade. No artigo Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual
prático (2002), Gaskell reitera que as entrevistas em profundidade consistem em uma
metodologia de coleta de dados amplamente empregada nas ciências sociais, pois é o
ponto de partida para o pesquisador entrar em contato com a realidade que deseja
estudar.
A pesquisa qualitativa semi-estruturada parte de um „tópico guia‟, elaborado
pelo pesquisador, que tem a função de direcionar a entrevista. O „tópico guia‟ não tem a
pretensão de esgotar o assunto, pois durante o contato com os entrevistados, novas
questões acabam surgindo. Ele funciona apenas como um roteiro para orientar a
entrevista.
O „tópico guia‟ dessa pesquisa foi elaborado a partir da leitura de trabalhos que
tratam do tema estudado, bem como da leitura de entrevistas que abordam a questão de
gênero na área jurídica. Além disso, durante o contato com as advogadas, novas
questões foram acrescentadas à pesquisa.
Para Gaskell, o objetivo principal das entrevistas em profundidade é explorar o
45
espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão. Para o
autor, as entrevistas devem ser realizadas até atingirem o „ponto de saturação‟, ou seja,
até existirem semelhanças entre as opiniões relatadas. Por isso, ele considera que na
pesquisa qualitativa não existe um número mínimo ou máximo de entrevistas. O ideal é
que o pesquisador busque o contato com os entrevistados até que seja possível perceber
semelhanças e estabelecer conclusões.
As primeiras entrevistas são cheias de surpresas, contudo, temas comuns
começam a aparecer, e progressivamente sente-se uma confiança
crescente na compreensão emergente do fenômeno. A certa altura, o
pesquisador se dá conta que não aparecerão novas surpresas ou
percepções. Neste ponto de saturação do sentido, o pesquisador pode
deixar seu tópico guia para conferir sua compreensão, e se a avaliação
do fenômeno é corroborada, é um sinal de que é tempo de parar.
(Gaskell, 2002, p. 71).
Durante as entrevistas realizadas pude perceber diversas semelhanças na fala das
entrevistadas. Todas as advogadas relataram pelo menos uma dificuldade em relação ao
gênero, e as dificuldades citadas por elas coincidiram inúmeras vezes. Foi a partir
desses discursos repetidos que pude identificar os principais obstáculos de atuação e
ascensão na carreira.
46
3.2 AS MULHERES E A ARTICULAÇÃO ENTRE A VIDA PROFISSIONAL E
FAMILIAR
Ao longo do contato com as advogadas, pude perceber que uma das dificuldades
mais enfatizadas por elas foi a respeito da conciliação entre vida profissional e vida
pessoal. O principal obstáculo pontuado pelas profissionais foi a dificuldade em
articular a carreira com a maternidade.
De acordo com Barbalho, é fundamental analisar as perspectivas na carreira
tendo em vista a organização familiar em que essas profissionais estão inseridas. Para a
autora, embora as mulheres estejam tão presentes quanto os homens na esfera
profissional, as atividades domésticas e os cuidados com os filhos ainda são vistos como
responsabilidades femininas.
Essa ideia fica explícita nas falas das entrevistadas, como no relato da advogada
Ana, que tem cinquenta e um anos, é casada, mãe de duas filhas, e atua na área do
direito empresarial. A entrevistada, que é sócia de um grande escritório na cidade de
São Paulo, enfatiza o conflito emocional gerado pelo acúmulo de tarefas.
É muito mais difícil para a mulher essa questão. Mesmo que você tenha
um companheiro que te ajude, acaba sendo mais complicado. Eu lembro
quando as meninas eram pequenas, mesmo eu trabalhando tanto, ou até
mais que meu marido, eu me sentia mais responsável. Sentia que eu
devia estar mais presente. E ai ficava aquele conflito emocional... Se eu
ficava até tarde no escritório, me sentia culpada por não estar com as
minhas filhas, se acontecia de eu ficar mais com as meninas, sentia que
eu não estava me dedicando o suficiente ao trabalho, e ai vinha a
insegurança de não ser tão boa, de não estar à altura do cargo. (Ana)
Além disso, a advogada também aponta outra dificuldade no exercício da
advocacia, como a desconfiança que percebe por parte de alguns clientes e alguns
colegas. Ana relata que as mulheres precisam constantemente provar que são capazes.
Para ela, é como se não fosse „natural‟ a mulher ocupar um cargo de liderança, e por
isso, as pessoas ainda demonstram certo estranhamento quando ela se diz sócia de um
grande escritório.
Assim como Ana, outras advogadas também apontam conflitos por estarem
ocupando a posição de sócias. É o caso da profissional Renata, que tem quarenta anos, e
47
está à frente de um escritório trabalhista altamente renomado. A advogada conta que
sofreu pressão da família por se dedicar muito à carreira, e por não ter se casado e nem
tido filhos. Apesar de ter priorizado a carreira por escolha própria, isso não foi bem
visto pela família, e a advogada relata que ouve constantemente de familiares que é
“ambiciosa demais para uma mulher”. Durante a entrevista, Renata afirma que existe
certa desvantagem em ser mulher.
Acredito que existe desvantagem sim. Não por conta de preconceito,
porque se você for uma profissional competente, as pessoas te respeitam,
mas por conta daquele papel que as pessoas associam à mulher. Então,
acontece assim... Eu sou muito respeitada no ambiente de trabalho.
Meus clientes me respeitam, minha equipe me respeita...O problema é
fora desse ambiente. Então por exemplo, minha família sempre falou que
eu era ambiciosa demais para uma mulher, eles falavam “ desse jeito
você não vai casar, os homens não gostam de mulheres ambiciosas, que
só pensam na carreira”, mas ninguém me perguntava se era meu
objetivo casar e ter filhos...as pessoas já entendiam que isso era o
objetivo principal por eu ser mulher...e não era. (Renata)
Apesar de ser solteira, e não ter filhos, a entrevistada considera que a articulação
entre a vida profissional e a vida pessoal é mais problemática para as mulheres, que
acabam diminuindo as perspectivas de ascensão na carreira em função das
responsabilidades familiares. Assim como outras profissionais, a advogada também
observa o conflito emocional vivido pelas mulheres.
Eu observo que tem mulheres que a princípio tem a ambição de estar no
topo, mas a vida pessoal acaba se tornando prioridade. A mulher acaba
percebendo o quanto é difícil conciliar a família e o trabalho. Então ela
sabe que se quiser ser mãe, vai ter que desacelerar o ritmo de trabalho.
Isso eu vi muito na minha equipe. Mulheres que eram altamente
qualificadas, e que diziam não querer um cargo alto, por causa do
conflito emocional que isso cria. É uma situação que só a mulher vive...
O homem não tem esse conflito, quando ele tem a oportunidade de
crescer, ele cresce, independente de ser casado e ter família. (Renata)
48
Essa questão também foi reforçada pela presidente da Comissão da mulher
advogada de São Paulo, Dra. Gislaine Caresia, que considera que a dupla jornada de
trabalho atribuída às mulheres é um dos principais obstáculos na ascensão da carreira.
Embora hoje a mulher seja maioria entre os inscritos da OAB SP, isso
ainda não se reflete em termos de representação nos cargos diretivos.
Atribuo essa realidade, em parte, ao fato de que as mulheres têm outras
prioridades com uma dupla jornada de trabalho buscando conciliar
trabalho e família. (Gislaine Caresia, atual presidente da Comissão da
mulher advogada de São Paulo).
Por isso, a advogada explica que o papel da Comissão da mulher advogada é
incentivar a participação das mulheres na representação da entidade, e eliminar qualquer
discriminação no exercício profissional da advocacia. A proposta é valorizar a mulher
advogada, buscando ampliar o mercado de trabalho com remuneração condigna.
Para atingir esse objetivo, a presidente da Comissão procura organizar palestras
de conscientização, promover debates, e agendar reuniões constantemente. Desde que
assumiu a presidência, Dra Gislaine Caresia se preocupa em manter ativo o debate sobre
a importância da mulher na advocacia.
Além disso, a Comissão da mulher advogada também se preocupa em debater as
diversas questões jurídicas que envolvem as mulheres, como a violência doméstica, o
assédio sexual, o aborto, a desigualdade salarial, e o tráfico de pessoas. Sendo assim, a
advogada enfatiza que a Comissão da mulher advogada também é uma entidade voltada
para a sociedade civil.
Apesar de pontuar os diversos obstáculos que as mulheres enfrentam na área
jurídica, a advogada demonstra uma visão positiva em relação ao futuro profissional das
mulheres. De acordo com seu relato, as advogadas estão se preparando cada vez mais
para competirem no mercado de trabalho, e estão se empenhando para ascenderem
profissionalmente. Gislaine Caresia enfatiza que atualmente as mulheres estão presentes
em todas as áreas da advocacia, inclusive no direto penal. Para ela, a tendência é as
mulheres ampliarem a sua participação em todas as áreas do direito.
A difícil articulação entre a vida profissional e familiar, relatada por várias
entrevistadas, não é exclusividade das advogadas. De acordo com o artigo A Mulher
juíza e a juíza mulher (1998) de Eliane Botelho Junqueira, as mulheres que optam pela
carreira pública, como a magistratura, por exemplo, também sofrem com a dupla
49
jornada de trabalho. Mesmo quando essas profissionais se dedicam mais ao trabalho do
que os companheiros, os cuidados com a casa e com os filhos ainda são atribuídos
somente a elas.
Por meio da análise da atuação das mulheres na magistratura do estado do Rio
de Janeiro, Junqueira conclui que, enquanto para o homem é legítimo sacrificar a
família pela carreira, para a mulher essa opção é considerada inaceitável. Por isso, a
autora conclui que quando a mulher se torna juíza, ela precisa assumir o ônus de lidar
com a dupla jornada de trabalho e com os conflitos familiares que surgem a partir desse
novo arranjo familiar.
Educada para assumir as tarefas do lar e convivendo com homens
socializados a partir de uma visão tradicional da vida familiar, nem o
ingresso na magistratura, nem a necessidade de se ausentar de casa
durante vários dias da semana, nem mesmo o fato de financeiramente,
contribuir mais do que o marido para as despesas de casa, são fatores
que conseguem romper com a divisão de trabalhos domésticos já
existentes antes da decisão de tentar o concurso público. (Junqueira,
1998, p. 141).
Em vista disso, Junqueira conclui que a dupla jornada de trabalho é um entrave
para a ascensão na carreira em todas as áreas jurídicas. Nas carreiras públicas a
flexibilidade de horários ainda é maior do que na advocacia. Apesar disso, as mulheres
que exercem essas carreiras relatam dificuldades em se responsabilizarem pela maior
parte do cuidado com a casa e com os filhos.
É fundamental ressaltar também que a dificuldade em conciliar a esfera
profissional com a esfera doméstica é a realidade da maioria das profissionais
brasileiras. De acordo com o artigo Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos
(2007) da socióloga Maria Cristina Aranha Bruschini, as mulheres se dedicam mais ao
trabalho doméstico do que os homens. Com base em dados levantados pela PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), entre os anos de 1992 a 2002, as
mulheres relataram que gastam em média vinte e sete horas semanais com os afazeres
domésticos, enquanto que os homens gastam pouco mais de dez horas semanais nesse
tipo de atividade.
A autora também relata que por meio dessa pesquisa realizada pelo IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é possível afirmar que o cuidado com os
50
filhos é uma das atividades que mais consome o tempo de trabalho doméstico das
mulheres. As mães dedicam a estas atividades quase trinta e duas horas do seu tempo
semanal, um número muito superior ao da média feminina geral.
Da mesma forma, os filhos pequenos são aqueles que consomem o maior
número de horas de dedicação à esfera reprodutiva. Bruschini constata que as mães
dedicam trinta e cinco horas semanais aos afazeres domésticos quando os filhos têm
menos de dois anos, e pouco mais de trinta e duas horas quando estes estão na idade de
dois a quatro anos.
Sendo assim, a socióloga conclui que as pesquisas sobre o trabalho feminino
precisam levar em consideração a articulação entre o espaço produtivo e o espaço
familiar. Pois, para as mulheres, a vivência do trabalho implica sempre a combinação
dessas duas esferas, seja pela articulação, seja pela superposição.
51
3.3 A ATUAÇÃO DAS MULHERES NAS DIVERSAS ÁREAS DA ADVOCACIA
Ao longo do contato com as advogadas, pude perceber que a área de atuação das
advogadas influenciava no relato dado por elas. Para a maioria das entrevistadas, a área
de atuação na advocacia está diretamente ligada à questão do gênero. Isso quer dizer
que existem sim áreas da advocacia que são consideradas mais masculinas ou mais
femininas.
A advogada Ana, que já foi citada no item acima, foi a primeira a expor essa
questão. Para a profissional, que atua em um grande escritório na área do direito
empresarial, há áreas que concentram mais mulheres e áreas que concentram mais
homens.
O que acontece é que tem áreas que as mulheres são mais bem vindas do
que outras. Como por exemplo, direito civil, direito do trabalho,
questões de família. Todas essas áreas estão mais abertas paras as
mulheres. Agora mais complicado é direito penal, direito tributário,
direito empresarial também é um pouco. (Ana)
Assim como Ana, outras entrevistadas também apontaram que a área trabalhista
e área de família são consideradas mais femininas. Nessas áreas além de ter uma maior
concentração de mulheres, as profissionais também relatam encontrar menos resistência
do que em outras áreas da advocacia.
A advogada Luciana, que tem cinquenta e oito anos, é divorciada, e tem uma
filha enfatizou essa questão durante a entrevista. A profissional, que é sócia fundadora
de um escritório criminal considerado pequeno, explica que o direito civil e o direito
trabalhista são áreas com mais mulheres, enquanto que o direito penal é uma área
considerada masculina, e por isso, as mulheres se deparam com maiores dificuldades.
Em vista disso, a advogada explica:
A área pesa sim. Direito trabalhista, por exemplo, é uma área mais
feminina, acho que porque a mulher é muito associada aquele papel de
esposa, de mãe, de conciliadora. Questões de família, então, nem se fala!
Todo mundo vai achar que a advogada mulher leva vantagem na área de
família. Agora com o direito penal já acontece o oposto. Apesar de cada
vez mais você ter mulheres fazendo essa área, ainda existe um pouco de
preconceito. Mas na verdade não é só a área. Direito penal é
52
complicado para a mulher, ser sócia de um escritório é complicado, ser
mulher e estar em um cargo de chefia também é... Tudo que foge daquele
perfil de mulher subalterna causa desconforto. As pessoas associam a
mulher a uma figura apaziguadora. Então o ambiente do direito penal
acaba fugindo disso, porque é uma área de conflito, de violência.
(Luciana)
A advogada aborda a questão das áreas de atuação levando em consideração a
imagem que as pessoas têm do que é considerado feminino e do que é considerado
masculino. Algumas características que são tidas como femininas, como a compreensão
e a sensibilidade, são vistas positivamente quando se trata do direito civil e do direito
trabalhista. Ao mesmo tempo, essas características são tidas como negativas quando se
trata da área do direito penal.
Mônica Mancini, que é doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, desenvolveu
uma análise a respeito das mulheres no mercado profissional. Em sua tese de doutorado,
Mulheres profissionais bem sucedidas: um estudo exploratório no contexto
organizacional brasileiro (2005), Mancini trabalha a questão das mulheres advogadas, e
enfatiza que a área de atuação na advocacia é um fator relevante.
De acordo com sua análise, o direito penal é a área em que as mulheres
encontram maior resistência de atuação. Por estar associado ao „mundo do crime‟, esse
ramo é considerado o „porão‟ da advocacia, por causa de preconceitos culturais e sociais
e pelo próprio machismo no Brasil. Por isso, Mancini enfatiza:
No caso das mulheres, a luta para exercer esse outro lado do direito é
muito maior devido á própria especialidade (a sociedade considera esse
lugar inapropriado para elas), pelo controle social (historicamente
coube sempre ao homem manter a ordem no sistema social), e por ser
mulher (os advogados bem-sucedidos desestimulam a participação das
mulheres). (Mancini, 2005, p. 122).
As mulheres são vistas como apaziguadoras e como mediadoras de conflitos, o
que é considerado o oposto do ambiente criminal. Esse fato é exposto pelas
entrevistadas diversas vezes, como é o caso da advogada Mariana, que atua na área do
direito civil em um escritório pequeno. A entrevistada, que tem trinta e dois anos, é
53
casada, e tem uma filha, deixa claro o recorte de gênero que existe nas áreas da
advocacia.
Geralmente os homens, principalmente os mais velhos, preferem
advogados, porque eles acham que as mulheres não vão brigar pela
causa deles, não vão discutir como um advogado homem discutiria.
Agora as clientes mulheres, quando se trata de questões de família,
preferem uma advogada mulher. Eu vejo que elas se sentem mais à
vontade com uma advogada. Eu tenho clientes que chegam ao escritório
muito fragilizadas. Então elas querem não só que você defenda a causa
delas, mas também que entenda a situação delas, que dê apoio, que
mostre solidariedade. (Mariana)
Apesar de haver um consenso entre a maioria das entrevistadas quanto a essa
questão, também houve o relato de uma advogada que não concorda com esses
estereótipos de gênero. A profissional Renata, que já foi citada no item acima, e que é
sócia de um grande escritório trabalhista, explica que não concorda inteiramente com
essa visão.
Acredito que exista essa ideia entre os profissionais, até entre os clientes
talvez. A área em que eu atuo mesmo tem muito isso. As pessoas
comentam “Ah você é sócia de um escritório porque é um escritório
trabalhista, porque mulher leva vantagem em direito trabalhista, porque
a mulher é conciliadora, e não sei mais o que”. Eu particularmente não
gosto disso, desses estereótipos. Eu sou sócia porque eu me esforcei para
isso, porque trabalhei para estar nesse cargo, não tem nada a ver isso de
falar que a mulher tem „jeitinho‟, que a mulher é „conciliadora‟. Mas as
pessoas têm essa visão. (Renata)
Sendo assim, fica evidente que enquanto algumas características consideradas
femininas são valorizadas em algumas áreas, em outras áreas são consideradas
empecilhos. A sensibilidade e a compreensão, que são tidas como femininas, são
colocadas como vantagens quando se trata de questões trabalhistas e questões de
família. Já a virilidade e a frieza, que culturalmente são consideradas masculinas,
acabam sendo valorizadas em questões penais.
De acordo com Barbalho, o que acontece nas diversas áreas da advocacia é uma
54
segmentação por gênero. Isso quer dizer que características que são construídas
historicamente e culturalmente como femininas ou masculinas são trazidas para a
profissão.
Ao trazer as características femininas ao exercício da carreira, numa
atividade tipicamente vista como masculina, ela apenas transporta a
esfera privada para o espaço público da profissão, reproduzindo deste
modo, os estereótipos do gênero que contribuem para a manutenção da
subalternidade das relações sociais entre os gêneros. (Barbalho, 2008, p.
112).
De acordo com sua tese, é como se a vida profissional da mulher fosse encarada
como uma extensão da vida doméstica. Ou seja, as habilidades desenvolvidas no espaço
privado são trazidas para o ambiente profissional, e acarretam assim em uma
segmentação por gênero nas diversas áreas de atuação da advocacia.
55
3.4 AS MULHERES NAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS E NOS
ESCRITÓRIOS PEQUENOS
Foi parte fundamental do trabalho analisar a atuação das advogadas em cada
perfil de escritório, com o fim de estabelecer um paralelo entre as mulheres que atuam
nas sociedades de advogados com as que atuam nos escritórios pequenos. A diferença
básica entre os escritórios pequenos e as sociedades de advogados é que os primeiros
são menos especializados, e atendem os interesses de clientes individuais. Já as grandes
sociedades de advogados trabalham com clientes empresariais, e possuem uma divisão
interna bem definida.
Por meio do relato das entrevistadas, o que ficou evidente é que as advogadas
que atuam na advocacia tradicional enfatizam menos a questão do preconceito do que as
que atuam nesse novo perfil de escritório. Nos escritórios menores, a questão do
preconceito é menos citada, principalmente nos escritórios familiares.
O que fica evidente é que a questão de gênero está presente, sim, nesses
escritórios, mas está mascarada por laços familiares e afetivos. É o caso, por exemplo,
da advogada Júlia, que tem trinta e dois anos, é solteira, e trabalha em um escritório
considerado pequeno, no qual o pai é o sócio fundador. O pai, advogado criminalista,
desestimulou Júlia a atuar nessa área, por acreditar que ela encontraria grande
resistência por ser mulher. Sendo assim, a advogada explica porque não está atuando na
mesma área do pai.
Eu sempre gostei dessa área, mas meu pai falou que direito criminal não
era para mim. Ele tem muita experiência, então sabe que tem
preconceito mesmo. As mulheres acabam ficando mais expostas, mais
vulneráveis... Quando é crime de menor potencial ofensivo nem tanto,
mas, nas questões maiores, é mais complicado. Por isso, ele me orientou
a fazer direito civil, então atualmente eu faço essa parte aqui no
escritório. Mas futuramente, eu quero me especializar em direito penal.
Ai eu já vou ter mais experiência, mais idade....isso conta também.
(Júlia).
Além disso, a advogada relata que, no escritório do pai, acaba lidando com as
questões civis menores, por ter menos experiência. Júlia também conta que é a única
advogada mulher do escritório, e é valorizada por seus colegas por ser mais disciplinada
56
e organizada. De acordo com sua visão, as mulheres são mais disciplinadas que os
homens, e para ela, isso é considerado uma vantagem na profissão.
Outro relato similar a esse é o da advogada Carina, que tem quarenta e três anos,
é casada, mãe, e trabalha em um escritório considerado pequeno. A profissional atua na
área civil e imobiliária, juntamente com seu marido e mais três colegas de faculdade.
Durante a entrevista, Carina relata que não acredita que atualmente exista preconceito
na advocacia. Apesar disso, a advogada enfatiza que as mulheres encontram mais
dificuldades na profissão por causa das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos.
Atualmente eu não acredito que exista preconceito na advocacia ou no
mercado de trabalho em geral. O que acontece é que a mulher tem mais
dificuldade em se dedicar à profissão por causa da maternidade. Eu, por
exemplo, fiquei dois anos longe do escritório quando meu filho nasceu. E
mesmo hoje, sou eu que cuido mais, então é natural que eu tenha menos
clientes que meu marido ou meus colegas de trabalho, que são homens.
Mas não é por preconceito, e sim porque a mulher ainda assume esse
papel de esposa e mãe. Eu percebo que as mulheres mais jovens já
adiam muito a maternidade, ou nem querem ter filhos por isso... porque
querem priorizar a carreira. Mas a minha geração é mais tradicional
nesse ponto. (Carina).
Assim como os relatos de Júlia e Carina, observei ao longo do contato com as
advogadas que essas situações são comuns nos escritórios formados por famílias, por
colegas, e por cônjuges. Esses relatos me remeteram à teoria de Pierre Bourdieu, que
identifica a família como a principal instituição de reprodução dos papéis de gênero.
É, sem dúvida, à família que cabe o papel principal na reprodução da
dominação e da visão masculinas; é na família que se impõe a
experiência precoce da divisão sexual do trabalho e da representação
legítima dessa divisão, garantida pelo direito e inscrita na linguagem.
(Bourdieu, 1999, p. 103).
Apesar das entrevistadas negarem que a dificuldade de ascensão na carreira está
diretamente ligada ao fato de serem mulheres, isso fica evidente através da fala das
advogadas. Por meio do relato das profissionais fica visível que também há um recorte
de gênero nos escritórios menores, mas ele não é tão perceptível quanto nas grandes
57
sociedades de advogados, porque, nesse caso, as relações profissionais também
envolvem questões familiares e a afetivas.
Já as advogadas das grandes sociedades de advogados demonstram unanimidade
no reconhecimento da existência da barreira de gênero na profissão. Nesse caso, a
questão da diferença está mais visível pelo fato desses escritórios apresentarem uma
organização mais formal e uma hierarquia mais fixa. Sendo assim, as profissionais
acabam tendo uma percepção maior da dificuldade que as mulheres encontram em
atingirem os cargos mais altos.
As sócias são inclusive as mais enfáticas nesses relatos, como demonstra a
advogada Renata, já mencionada acima. A entrevistada, que é sócia de um grande
escritório trabalhista, juntamente com outra advogada, explica que existe certo
estranhamento no fato de o escritório ser comandado por duas mulheres.
É claro que existe certo estranhamento. Aqui no escritório mesmo, nós
somos duas sócias mulheres, então tem aquelas gracinhas com o pessoal
da equipe. Fazem piadinha que o associado trabalha em um escritório
com sócia mulher... É como se fosse uma desqualificação para o homem
ter uma chefe mulher. Isso a gente percebe muito aqui. (Renata)
A questão levantada por Renata, também é enfatizada por outras advogadas
sócias, que percebem a dificuldade que é alcançar essa posição dentro do escritório, e se
manter nela. As entrevistadas concordam que as mulheres precisam se qualificar muito
mais para ocuparem os mesmos cargos que os homens.
A entrevistada Dra. Silvia Pimentel, professora titular do curso de direito da
PUC-SP, também abordou essa questão durante nosso contato. De acordo com a
advogada, as mulheres ainda sofrem discriminação no mundo do trabalho,
principalmente quando ocupam cargos mais altos e de maior prestígio.
No nosso trabalho no Comitê da ONU, nós chamamos muito a atenção
sobre a discriminação que existe com as mulheres no mundo do
trabalho, e em todas as áreas, mas muito especialmente nas instâncias
mais altas da pirâmide. Em uma pirâmide em que definimos a parte mais
alta pelo prestígio, pelo status, e pelo valor efetivo do ganho. Isso se
deve em muito pelo nosso diferente papel na sociedade, como somos nós
que somos mães, se deve haver um tratamento diferente em relação à
58
mulher. Homens e mulheres então, a sociedade em geral é que devia
arcar com o ônus da maternidade. Você pode ver que mulheres que
trabalham em escritórios grandes adiam muito a maternidade, morrem
de medo de ficarem grávidas, têm algumas ex-alunas que tiveram filho e
depois de duas semanas estavam no escritório, com medo de perder o
cargo. (Professora Dra. Silvia Pimentel).
A advogada também ressaltou que no mundo inteiro as mulheres encontram
dificuldades para ocuparem os cargos mais altos. Ou seja, inclusive nos países mais
desenvolvidos, existe uma barreira de gênero que dificulta a ascensão das mulheres aos
cargos mais altos.
Além disso, as sócias relatam que precisam estar sempre preocupadas em
mostrarem-se competentes para o cargo, assim como pontua a advogada Beatriz, que
tem trinta e oito anos, é casada, e é sócia em um escritório que atua na área do direito
tributário, societário, e comercial.
Então, a gente que é mulher tem que ter mais cuidado com a postura.
Além de demonstrar confiança, tem que saber se impor, senão não ganha
a confiança do cliente, e nem mesmo dos colegas. Outra coisa é o
cuidado com a aparência. Eu, por exemplo, não uso brinco para ir ao
tribunal, não uso maquiagem forte, não fico sorrindo ou mexendo no
cabelo. Parece bobeira, mas esse cuidado é importante. (Beatriz).
A entrevistada também enfatiza a dificuldade em administrar a carreira com a
maternidade. Para ela, a advocacia é uma profissão desgastante para as mulheres, pois
exige dedicação integral à carreira, principalmente em grandes sociedades de
advogados, onde a competitividade é maior.
Outro fator relevante nessa análise é a questão da idade das entrevistadas. As
advogadas que estão na faixa dos vinte e cinco a trinta e cinco anos percebem as
barreiras de gênero, mas acreditam que é possível driblar essas dificuldades por meio da
qualificação profissional. No relato das advogadas mais jovens, é possível observar a
carreira como prioridade na vida dessas profissionais.
Apesar disso, observamos, por meio dos dados levantados, que a qualificação
profissional nem sempre é suficiente para erradicar as barreiras de gênero, e assim
garantir a ascensão profissional.
59
As advogadas mais jovens sentem as barreiras de gênero, mas não se
identificam com elas, atribuindo às dificuldades profissionais à própria
conjuntura do mercado jurídico. É uma geração educada por meio do
discurso da não discriminação, mas que na prática continua a ser
responsável por equacionar os conflitos emocionais para administrar
família e trabalho (Barbalho, 2008, p.15).
Em síntese, é possível concluir que apesar das sociedades de advogados
representarem o novo perfil da advocacia, ainda apresentam uma clara segmentação por
gênero. Isso quer dizer que, mesmo nos escritórios que representam a prática atual da
advocacia, as mulheres encontram barreiras de gênero tanto na atuação quanto na
ascensão profissional.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o desenvolvimento do trabalho, pude constatar diversas dificuldades de
atuação e ascensão na carreira, enfrentadas pelas advogadas. Por meio dos dados
levantados, através do site do CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados)
e do site da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), juntamente com as entrevistas
realizadas, ficou evidente que as mulheres encontram inúmeros obstáculos na profissão
relacionados ao gênero.
Entre esses obstáculos relatados, se destaca a dificuldade das mulheres em
conciliar a esfera profissional com a esfera familiar. Tanto nos pequenos escritórios
quanto nas grandes sociedades de advogados, essa questão fica evidente na fala das
profissionais.
De acordo com o artigo de Eliane Botelho Junqueira Mulheres advogadas:
espaços ocupados (2001), a advocacia é uma profissão altamente competitiva, que exige
dedicação integral à carreira. Para as mulheres, que se dedicam mais do que os homens
à vida pessoal e familiar, isso acaba sendo um obstáculo.
Além da desconfiança em relação à capacidade de trabalho das
mulheres, os problemas na advocacia decorrem de outros fatores, tais
como da necessidade de dedicarem-se, mais do que os homens, à vida
privada tornando-as mais vulneráveis em suas carreiras. As mulheres
têm também maior dificuldade em participar das estratégias e das redes
de relações masculinas utilizadas principalmente na advocacia
empresarial para atrair os clientes, ou seja, da função de networking,
conforme é denominado nos Estados Unidos. (Junqueira, 1998, p. 147).
A autora acrescenta ainda, que mesmo quando as profissionais fazem a opção de
se dedicarem integralmente à advocacia, sofrem com esse estereótipo de gênero, que
associa as mulheres aos cuidados domésticos.
Outro obstáculo enfatizado pelas entrevistadas foi a dificuldade feminina em
ascender profissionalmente, ou seja, a dificuldade das profissionais em ocuparem os
cargos mais altos dos escritórios. Por meio dos dados levantados, pude constatar que as
grandes sociedades de advogados da cidade de São Paulo apresentam uma maioria de
sócios homens. A dificuldade das mulheres em se tornarem sócias pode ser observada
tanto através dos dados quantitativos, quanto através das entrevistas qualitativas.
61
Além da dificuldade de ascensão na carreira, as mulheres também enfrentam
desigualdade de remuneração e estagnação nos cargos ocupados. Mesmo que as
profissionais invistam tanto na carreira quanto seus colegas, o período de estagnação é
maior para elas.
Ao longo do contato com as advogadas, pude perceber que a área de atuação na
advocacia é um fator relevante na análise. Para a maioria das entrevistadas, a área de
atuação está diretamente ligada à questão do gênero. Isso quer dizer que as profissionais
consideram que existem áreas da advocacia que são consideradas mais femininas, como
é o caso da área trabalhista e da área de família, e também áreas que são consideradas
mais masculinas, como é o caso do direito penal.
Nesse caso, o que se observa é que características construídas historicamente e
culturalmente como femininas ou masculinas são trazidas para o ambiente profissional,
e afetam, assim, as áreas de atuação na advocacia.
Ao trazer as características femininas ao exercício da carreira, numa
atividade tipicamente vista como masculina, ela apenas transporta a
esfera privada para o espaço público da profissão, reproduzindo deste
modo, os estereótipos do gênero que contribuem para a manutenção da
subalternidade das relações sociais entre os gêneros. (Barbalho, 2008, p.
112).
De acordo com Barbalho, é como se a vida profissional da mulher fosse
encarada como uma extensão da vida doméstica. Ou seja, as habilidades desenvolvidas
no espaço privado são trazidas para o ambiente profissional, e criam assim estereótipos
de gênero em relação às áreas da advocacia.
Em relação aos diferentes perfis de escritórios, o que ficou evidente foi que a
segmentação por gênero é mais visível nas grandes sociedades de advogados. Nesses
escritórios, onde existe uma divisão interna fixa, as mulheres percebem mais a
dificuldade em ascenderem profissionalmente.
Embora as sociedades de advogados apresentem um número equilibrado de
homens e mulheres, os cargos mais altos são ocupados em sua maioria por homens.
Nesse perfil de escritório, as advogadas demonstram unanimidade no reconhecimento
da existência da barreira de gênero na profissão, sendo as advogadas sócias as mais
enfáticas nesses relatos.
Já nos escritórios pequenos, a hierarquia é menos rígida, e por isso, a
62
segmentação por gênero não se dá de forma explícita. Nesse modelo de escritório, as
mulheres relatam sim dificuldades de atuação e ascensão na carreira, mas esse relato se
encontra mascarado por laços familiares e afetivos.
Sendo assim, pude concluir que apesar das inúmeras mudanças que ocorreram
nas últimas décadas no mercado profissional, as mulheres não conseguiram erradicar as
barreiras que subalternizam o trabalho feminino em relação ao masculino, mesmo em
uma profissão de alta escolaridade como a advocacia.
Embora as mulheres tenham conquistado o seu lugar na esfera profissional,
sofrem com o acúmulo de atividades decorrente da dupla jornada de trabalho, e
enfrentam dificuldades de ascensão na carreira devido ao estereótipo de gênero que
associa as mulheres à valores tradicionais.
63
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66
ANEXO
Questionário:
Foi usado para orientar e direcionar as entrevistas com as advogadas. Porém, ao longo
do contato com as entrevistadas, novas questões eram realizadas, conforme o
andamento da entrevista.
Questões:
1) Perfil da entrevistada: Idade, estado civil, instituição em que concluiu o curso, área
de atuação na advocacia, perfil do escritório em que trabalha, e se tem filhos ou não.
2) Qual é a sua área de atuação na advocacia?
3) Como é a organização do escritório onde trabalha?
4) Existe a divisão interna entre sócios e associados?
5) São quantos homens e quantas mulheres no seu escritório?
6) Como é ser mulher na profissão? Nota alguma vantagem ou desvantagem?
7) Você já sofreu algum tipo de preconceito na profissão por ser mulher? Se sim,
poderia relatar o ocorrido?
8) Você acredita que existem áreas do direito que são consideradas mais „femininas‟ ou
mais „masculinas‟?
9) Você acredita que homens e mulheres buscam as mesmas coisas na carreira? Ambos
têm a mesma perspectiva?
10) Você considera que para as mulheres é mais difícil conciliar vida profissional e vida
pessoal?