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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Victor Otávio Carvalho Marques Cultura e ruína: o punk rock britânico da década de 1980 Mestrado em comunicação e semiótica São Paulo 2015

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Otavio... · o processo de composição das letras de sua banda. Ele me surpreendeu dizendo que não precisava escrever

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Victor Otávio Carvalho Marques

Cultura e ruína: o punk rock britânico da década de 1980

Mestrado em comunicação e semiótica

São Paulo

2015

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Victor Otávio Carvalho Marques

Cultura e ruína: o punk rock britânico da década de 1980

Mestrado em comunicação e semiótica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de mestre

em Comunicação e semiótica, sob a orientação da

Profa. Dra. Jerusa Pires Ferreira.

São Paulo

2015

Banca examinadora

______________________________

______________________________

______________________________

4

Agradecimentos

Como gosto de começar pelo começo, agradeço aos meus pais, Maria Lúcia e

Adilson, e minha tia Ivone; minha presença no curso (em verdade, no mundo) não seria

possível sem eles. A Julia, irmã e parceira, por conviver comigo ao longo de todo o

processo de escritura. Aos amigos de longa data, que não me deixaram enlouquecer

ou vacilar ante as dificuldades aqui superadas. A Jerusa Pires Ferreira, orientadora da

pesquisa, que me mostrou um belo caminho percorrido com imensa alegria, norteou e

se mostrou uma grande parceira. Aos demais professores do curso, em especial

Amálio Pinheiro, Christine Greiner, Eugênio Trivinho, Lucio Agra Norval Baitello e

Oscar Cesarotto, cujos cursos frequentei e me foram de imensa valia. Aos colegas de

sala, que sempre levantaram debates enriquecedores às reflexões aqui apresentadas.

A todos os amigos que montaram suas bandas e foram capazes de mostrar como os

terrenos que não estão em evidência são férteis. Ao CNPq, que financiou e acreditou

nesta pesquisa. E a Flávia, a mais nova desta lista, pois nada na vida, ao menos na

minha, é possível sem amor.

5

Resumo

O presente trabalho visa analisar a maneira pela qual o punk rock britânico da década

de 1980 se insere em nossa cultura. Seu objetivo é enfocar um processo cultural

marginal através e a partir de elementos dispostos em materiais fonográficos. Faz-se

urgente tal discussão por esta abarcar compósitos possíveis para observar nossa

construção mediática, sobretudo musical, em fins do século XX, cujas mudanças,

principalmente de ordem técnica, avançavam velozmente. Destacamos, como hipótese,

que essa adesão às margens da cultura seja proveniente de escolhas que cada um dos

grupos aqui analisados fez em detrimento da fama, figurando uma relação diferente

com o desenvolvimento cultural das fronteiras, formulação prevista sobretudo por Iuri

Lótman. Para tanto, munimo-nos de aparatos teóricos que se dividem em duas grandes

frentes: estudos da voz e da cultura. Ressaltamos aqui as figuras de Paul Zumthor, o já

mencionado Iuri Lótman, Jesús Martín-Barbero, Walter Benjamin, Giorgio Agamben e

Jerusa Pires Ferreira, que integram todos os passos deste texto. A conclusão que

apontamos é haver uma mudança em todo o esquema de produção musical nos dias

de hoje, tendo este mercado conhecido alterações radicais e contradispositivos tácitos

vigentes nos undergrounds edificados pelo punk rock.

Palavras-chave: Punk rock, marginalidade, semiótica da cultura, oralidade, violência.

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Abstract

The present work aims to analyze the way that the British punk rock from the 1980‟s be

part of our culture. Its intent is embrace a marginal cultural process through and from

disposed phonographic elements. It is urgent this discussion by this cover possible

composites to the observation of our mediatic, especially in music, on the end of the XX

century, that the changes, mostly technical, progress faster. We contrast, as a

hypothesis, that this subscription to the margins of culture is descendant of choices of

each group analyzed here made instead of fame, figuring another relationship with the

cultural development previewed by Iuri Lótman. Therefore, we embraced theoretical

apparatus divided in two big parts: studies about the voice and its insertion in cultural

series that it makes part and different cultural studies. We jut, here, the figures of Paul

Zumthor, the aforementioned Iuri Lótman, Jesús Martín-Barbero, Walter Benjamin,

Giorgio Agamben and Jerusa Pires Ferreira. The conclusion we point is a change of all

the musical production scheme nowadays, this market having known radical changes

and counter devices tacit for the undergrounds created by pun rock.

Key-words: punk rock, marginality, semiotics of culture, orality, violence.

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Sumário

Introdução.......................................................................................................................8

1. Práticas orais em meio ao ruído: a performance oral e a agressividade.........14

1.1. A voz inteligível e o grito...........................................................................16

1.2. A performance vocal.................................................................................19

1.3. Justificativa à violência..............................................................................28

1.4. A materialidade da canção........................................................................38

1.5. Media(tiz)ção.............................................................................................44

2. Cultura e ruína: uma análise da margem...........................................................53

2.1. Cultura X contracultura: movimentos antitéticos?.....................................54

2.2. O desenvolvimento de processos culturais: as fronteiras.........................62

2.3. Periferia cultural........................................................................................65

2.4. Bordas e margens.....................................................................................69

2.5. Discos: materiais e materialidades...........................................................76

2.6. Do-it-yourself: a afirmação da marginalidade...........................................85

3. Da margem para a cultura: dispositivos afirmativos e repelentes.....................94

3.1. Semiosfera e punk rock: a busca de um lugar para o sentido..................95

3.2. O direito da margem...............................................................................100

3.3. Uma outra indústria cultural....................................................................106

Conclusão...................................................................................................................115

Bibliografia..................................................................................................................119

Discografia..................................................................................................................122

Anexos........................................................................................................................ 124

8

Introdução

O rebelde prolonga os prestígios nefastos do mito.

Octavio Paz.

Entre todas as possibilidades de pesquisa no campo da comunicação, a primeira

pergunta que devo colocar é por que eu, Victor Marques, brasileiro de São Paulo, aos

vinte e três anos, escolhi o punk rock inglês como corpus da pesquisa que aqui

apresento. A resposta a essa pergunta está longe de ser dada pelas teorias aqui

expostas, apesar de elas terem conduzido a respostas que busco desde o início de

minha adolescência. Havia, e em certa medida ainda há, um fascínio pela violência do

mundo. Com o passar dos anos, fez mais sentido, quando entendi que a violência nos

palcos era apenas uma fração da violência sofrida por todos nós em maior ou menor

grau a cada dia. Muito iluminador foi um dia em que não estava sabendo para onde

seguiam meus questionamentos e, num bar com um amigo, perguntei como funcionava

o processo de composição das letras de sua banda. Ele me surpreendeu dizendo que

não precisava escrever quase nada, tudo já estava dado quando ele, diariamente,

entrava no trem para ir trabalhar no centro de São Paulo.

Essas histórias foram se cruzando e resultam na pesquisa aqui apresentada.

Comecei a análise pelo começo; já que o gênero aqui analisado é a canção, trouxe a

voz e suas potências como primeiro assunto abordado. Neste aspecto, as teorias de

Paul Zumthor foram essenciais para compreender tal fenômeno. Através dele e de sua

aproximação com a voz, que vocaliza ao invés de simplesmente dizer, pude entender

melhor as ligações estabelecidas por essa voz que não canta, mas grita

incessantemente. Esses gritos levaram ao conceito de performance e de

materialização, vendo-a como um recorte possível de mundo; a voz, num dos raros

casos de intransitividade do verbo ser, é. Por fim, se fez necessário aproximar essa voz

da mídia que a compreende: o disco. Vi nele um texto polissígnico que diz muito sobre

a forma como é executado, mas ao passar pela mediação, a voz sofria transformações

9

dessa performance: ela se torna manipulável, depende de máquinas para ser

executada, converte a música em trilha sonora doméstica e em um objeto,

consequentemente. Mas, como o próprio Zumthor adverte, essa mediatização tem

certas implicações e, no entanto, conserva as funções performanciais, pois também se

faz presente em seu potencial material.

Como é claro, trata-se o punk rock de uma manifestação que surge às margens

da cultura, sua ascensão enquanto estrutura nuclear implica sua morte, e a isso está

dedicado o segundo capítulo: observar os desdobramentos dessa margem. Fez-se

urgente uma aproximação com outros movimentos contraculturais anteriores ao punk

de maneira empírica: números de venda de discos, gravadoras, rumos tomados por

esses movimentos e etc. vêm culminar no surgimento do punk pela maneira como

vislumbrou há quase quarenta anos. Neste ponto da pesquisa, as vozes de Jerusa

Pires Ferreira, Iuri Lótman, Jesús Martín-Barbero e outros estudiosos se fazem muito

presentes. Precisa-se compreender a cultura que o cerca e o precedeu para que se

tenha uma noção mais clara do processo. Neste ponto, cheguei ao do-it-yourself e

consegui ver aí uma das mais inventivas edificações culturais do século passado. O

artista se coloca como responsável por sua obra junto a um processo industrial de

produção, sua particularidade não está ligada apenas ao trabalho artístico, mas ele

também precisa lidar com o processo nos mínimos detalhes para que as canções

compostas possam vir a público a um preço justo e envoltas em um material outro,

referindo-me às capas também de qualidade (os anexos darão conta de tais relações).

Por fim, o terceiro e último capítulo do trabalho é um alargamento da discussão

proposta no anterior, e nele observei os dispositivos responsáveis pela manutenção

dessa cultura, transitando entre os autores explorados anteriormente e procurando

juntar os pontos que ainda estavam nebulosos. Tentei observar a cultura e seus

processos de maneira orgânica a partir de uma sucessão temporal que, ao chegar à

década de 1980, se fragmentou fazendo com que seus frutos fossem colhidos ao redor

do mundo até os dias de hoje.

É importante justificar a escolha do corpus. Escolhi cinco álbuns que, a meu ver,

tiveram grande representatividade ao rumo estético que o punk rock tomou para si.

10

Levantei álbuns que atravessaram a década, surgidos em diferentes regiões da

Inglaterra. Cada um, à sua maneira, foi de extrema representatividade estética ao

estilo. Mas antes de passar a eles, tenho de justificar a presença constante da banda

Crass ao longo da pesquisa. Mesmo que ela não integre o corpus, é impossível falar da

marginalidade do punk sem levar em conta os avanços técnicos e ideológicos

fornecidos pela banda a todos os seus sucessores. Foram eles que deram o punk rock

como morto, os primeiros a montar uma gravadora independente e a colocar a música

como um campo de luta política em atitudes extremas. Conseguiram, com isso,

inúmeras brigas judiciais e a investigação das agências de segurança nacional dos

Estados Unidos e da Inglaterra: a banda forjou uma gravação telefônica entre

Margareth Thatcher e Ronald Reagan sobre uma possível intervenção militar. O ano

orwelliano que marca seu fim indica que aqueles garotos (Penny Rimbaud, o baterista,

um garoto de quase quarenta anos à época) já haviam ido longe demais. Acontece que

a semente já estava plantada e nada mais poderia parar o que eles próprios chegaram

a colher. Não por acaso, a gravadora homônima à banda permanece em parca

atividade até os dias de hoje (e, como uma grande decepção, luta pelos direitos

autorais de suas músicas na internet).

Mas a pesquisa seguiu por parâmetros estéticos, coisa que o Crass estava

muito aquém do passo dado pelo Discharge em relação à inovação e criação de um

padrão. A banda gravou o álbum mais antigo aqui analisado, Hear nothing, see

nothing, say nothing, gravado em Stoke-on-Trent no ano de 1982 pela Clay Records.

O disco mudou completamente a história do punk rock. A banda já havia adquirido

certa experiência com lançamentos menores, entre eles o clássico EP Why? (1981),

com uma prévia do que viria no ano seguinte. Antes de 1982, as músicas eram mais

lentas, claras e os discos menos pretenciosos. Quando da oportunidade de gravar um

disco inteiro, tudo mudou: uma massa sonora que mudaria a história da música pesada

de maneira geral (o disco agradou tanto o público do punk quanto o do metal, que

passaram a trocar figurinhas desde então, mesmo que em segredo), ele trouxe o que

ficaria conhecido por D-beat, ou seja, uma batida específica criada pela banda que

seria reproduzida por muitos outras bandas. Referências ao Discharge pululam até os

dias de hoje como se o disco ainda contivesse em si uma novidade. É claro que a

11

banda, como o próprio Crass, passou por altos e baixos, mas esse disco continua a ser

obrigatório a todos aqueles que pretendem adentrar neste universo preto e branco que

muitos quiseram para si (Disclose, Disfear, Dishammer, Dischaos, Discard e outras

bandas provam isso pelo sufixo adotado em seu nome, muitas vezes com fontes

idênticas à usada pelo Discharge).

Seguindo a linha do tempo, chego ao segundo álbum: Arise!, da banda Amebix,

lançado tardiamente em 1985 pela gravadora americana Alternative Tentacles,

administrada pelo ex-Dead Kennedys, Jello Biafra. O disco é tão seminal quanto o

citado anteriormente, porém em outro aspecto. Ele deixa de lado a massa sonora de

violência para se ocupar de músicas mais longas, densas e sombrias. Não por acaso, é

o único que traz uma música instrumental, uma versão de um réquiem de György Ligeti

utilizada no filme de Stanley Kubrick, 2001: uma odisseia no espaço. O disco é

sensivelmente mais lento que os demais e possui outra atmosfera que seria essencial

para o desenvolvimento de mais um dos fragmentos do punk: o crust. Entre as aqui

analisadas, esta é a banda que melhor ilustra o niilismo punk. Crust, a crosta que

nasce em corpos, emaranha cabelos e suja roupas, também serve para proteger esses

músicos que vivenciaram a miséria voluntariamente. Se o Discharge é responsável

pela criação de uma violência exacerbada, o Amebix é igualmente responsável pela

criação de um estilo de punk que é mais popular hoje do que há trinta anos. Bandas

como Warcollapse (Suécia), Hellshock (Estados Unidos), After the bombs (Canadá),

Nuclear Fröst (Brasil) têm muito a agradecer a esse primeiro passo dado.

O terceiro álbum analisado, Scum, do Napalm Death, representa um clássico

desde seu lançamento. Suas vinte e oito músicas, divididas em exatos trinta e três

minutos, elevam a crueza e agressividade a outro nível até então inimaginável a

qualquer banda. O primeiro vocalista do Napalm afirma que os shows tinham um quê

circense, uma vez que parte do público estava lá para ver como era possível um

baterista tocar tão rápido quanto Mick Harris. A banda abriu os horizontes a todos

aqueles que desejavam fazer algo o mais rápido possível, o que fez com que a própria

banda se afastasse cada vez mais do público punk habitual e se aproximasse mais do

metal, que à época já estava avançado na proposta de músicas mais extremas. Não se

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pode mais dizer que se trata de uma banda punk, mas com certeza foi uma banda com

um passado punk latente que daria a esse estilo musical outra cara: Rot (Brasil),

Agathocles (Bélgica), Skitsystem (Suécia), Yacopsae (Alemanha) são provas de que a

herança deixada pelos integrantes do Napalm Death foi inestimável para o seu

desenvolvimento.

O quarto álbum analisado foi lançado em fins da década de 1980 e sintetiza

muito bem todos os demais em sua sonoridade. War crimes: inhuman beings da

banda Doom, lançado em 1988 pela Peaceville Records, possui um pouco de cada

particularidade dos demais álbuns analisados. Esse material foi escolhido para figurar o

corpus desta dissertação por ser uma espécie de resultado das diferentes gêneses

apresentadas. Possui a violência da banda Discharge, a velocidade do Napalm Death e

explora muito bem as particularidades sombrias do Amebix. É uma espécie de

resultado da intersecção de todas as possibilidades dadas anteriormente. É claro, ele

não é tão inovador quanto os demais, mas ainda assim trata-se de um disco

fundamental a quem quiser se aventurar por este campo. Além disso, a banda também

possui suas particularidades, sobretudo por ter entre seus membros pessoas mais

jovens que não mais representavam aqueles outros punks, que são fruto de suas

inúmeras repartições estilísticas. O disco também possui uma estória interessante no

que toca direitos autorais, sendo relançado em diferentes versões para trapacear a

gravadora que o lançou, como o emblemático Fuck Peaceville, disco que contém

músicas antigas regravadas para não favorecer a antiga gravadora.

O último disco analisado, A holocaust in your head, foi o primeiro álbum do

grupo Extreme Noise Terror, já cogitado como a banda mais punk da história (nas

palavras de João Gordo). Essa produção independente, lançada em 1988, é uma

espécie de premonição musical de que o punk se ocuparia, a partir de então, de seu

lado mais pesado. O grupo lançou uma tendência que seria reproduzida por outras

bandas: a divisão dos vocais entre duas pessoas, Dean Jones (que aparece na

contracapa do primeiro disco cheirando uma carreira de cocaína) e Phil Vane (morto

em 2011 por um AVC). A banda nunca deixou as atividades musicais de lado,

acumulando passagens pelo mundo inteiro, inclusive no Brasil. Não mudou

13

radicalmente seu estilo, inclusive endossando a ideia de que seus primeiros registros

fonográficos são, sem sombra de dúvida, os melhores da banda (o álbum aqui

analisado e o split com a banda Chaos UK, intitulado Radioactive earslaughter). Ela

possui um caráter oracular que previa os rumos que o punk tomaria na década

seguinte e, à sua maneira, mudou até mesmo os discos lançados anteriormente.

Todos eles têm algo em comum além da década e o país que foram lançados.

São os primeiros álbuns de cada uma das bandas que ainda estão ativas, seja

ininterruptamente ou com intervalos. São os primeiros passos dados, através do do-it-

yourself, para mudar toda a forma de se pensar e se fazer música, sobretudo no rock,

que assistia passivamente ao fim das excêntricas figuras encarnadas nos rockstars.

Ante a profecia que cedo ou tarde iria acontecer – e aconteceu na década de 1990,

com o fim do grunge como tendência –, o punk rock se antecedeu aos dizeres

deleuzeanos (2013) de que não cabia esperar ou temer, mas buscar novas armas.

Neste ínterim, contradispositivos, ou dispositivos contra-hegemônicos, urgem ser

criados, uma vez que o próprio mercado musical jamais permitiria que essas pessoas

adentrassem em seu métier.

14

1. Práticas orais em meio ao ruído: a performance oral e a

agressividade

I screamed into the wind my goodbye to the world

We are swimming in the lunar sea

Drowning in insanity

Between the devil and the deep blue sea

Our world is dying

And nobody's driving!

Amebix, 1987.

The world is under constant threat.

Against this background of fear

We struggle to create our own authority.

While being bludgeoned into conformity

We struggle to find our inner selves.

Of course I feel uncomfortable when I'm laughed at in the streets,

But I don't want to be one of them.

I want to be an outsider,

At the same time I'd like to come in out of the cold.

Crass, 1983.

À sua maneira, o punk foi (e de certa maneira ainda o é) uma forma muito

particular de se dizer-no-mundo, na qual, por mais importante que seja a transmissão

de uma mensagem ao ouvinte, isso se faz evidente de diversas outras maneiras: as

capas, encartes, letras separadas de sua performance (que por vezes soam um pouco

15

ingênuas). A união de todos esses elementos em um material físico: o álbum dá conta

de justificar as escolhas vocais em detrimento de outras.

A voz tem um lugar preponderante em tais produções: por mais que haja

músicas que sejam completamente instrumentais, estas configuram uma minoria

absoluta dentre as aqui analisadas1. Isso mostra que o punk rock é majoritariamente

uma manifestação vocal que, a partir da conjunção de todos os elementos que

constituem cada uma das músicas, produz propostas curiosas. Não por acaso, a banda

Extreme Noise Terror lança uma tendência nova ao estilo: a presença de dois

vocalistas, mesmo que com uma só guitarra2.

Tais considerações não podem ignorar que a presença desta voz se insere no

estilo musical de maneira rítmica e preponderante; é através dela que as músicas

eclodem. Disso surge uma aproximação possível com a poesia, pois, por mais que os

valores da escrita sejam proeminentes, ambas possuem uma ligação que se dá no

cerne do ritmo e se realizam através da voz. Octávio Paz, em sua comparação entre

verso prosa, afirma que:

A prosa é um gênero tardio, filho da desconfiança do pensamento ante as tendências naturais do idioma. A poesia pertence a todas as épocas: é a forma natural de expressão do homem. Não há povos sem poesia, mas existem os que não têm prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de expressão inerente à sociedade, enquanto que é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções, mitos ou outras expressões poéticas. A poesia ignora o progresso ou a evolução e sua origem e seu fim se confundem com os da linguagem

3.

1 Há apenas uma música inteiramente instrumental nos discos aqui analisados: “The Moor”, da banda

Amebix, que é a introdução do disco Arise! e que é uma versão de “Requiem”, de György Ligeti, famosa por fazer parte da trilha sonora de 2001: uma odisseia no espaço. 2 A banda demorou muitos anos para incorporar um segundo guitarrista, mas nunca abriu mão de

possuir dois cantores. Curiosamente, Dean Jones, vocalista da banda, não utilizou a mesma forma em suas demais bandas (Raw Noise e Disgust), mas esta foi utilizada por outros, por exemplo, a banda americana Nausea, os suecos do Skitsystem e a banda Crush, da Holanda. 3 PAZ, O. Signos em rotação. São Paulo, Perspectiva, 1996, tradução de Sebastião Uchoa Leita (pág.

12).

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O que mais nos é interessante não é a comparação entre verso e prosa, mas

sim o fato de que as manifestações do ritmo estão presentes em todas as culturas

humanas – afinal, a voz é um instrumento inerente ao corpo. Há sociedades inteiras

que se movimentam pelo ritmo de suas falas (como os malinke), fazendo com que tal

separação inexista. A nós, que assimilamos a prosa como gênero corrente em nossa

comunicação, cabe ter essa presença vocal em diferentes instâncias que não as mais

elementares de nossa comunicação, como em nossas canções.

Esta voz faz abolir aquilo que Vilém Flusser (2009; 2010) chama de

“pensamento em linha”, pois sabota a escrita em sua linearidade e cria algo para além

dela. O que não pode passar despercebido é que esse movimento se concretiza até

mesmo na prosa e na poesia visual: não é um acaso a existência de poetas e

escritores que visaram reproduzir a fala em seus romances, como a tentativa Louis-

Ferdinand Céline, ou poetas que viram a urgência de gravar suas leituras, como Allen

Ginsberg, Gertrude Stein e Décio Pignatari. Esse eterno retorno à voz mostra que não

podemos tratá-la como algo subordinado à escrita, mas como algo que sempre estará

presente em nossa cotidianidade, mesmo que majoritariamente através de canções,

que talvez sejam o único reduto de uma verdadeira poesia para as massas nos dias de

hoje (Zumthor, 2010).

Essas relações se tornam óbvias quando pensamos em poetas musicando seus

versos, ou em músicas em que o canto se apresente como elemento melódico e

plenamente inteligível, mas não tão claras quando trazemos à luz dessa discussão o

punk rock. A seguir, veremos de que maneira essa voz afirma seu sentido e seus

mecanismos para caminhar entre a compreensão de seu texto e sua carga de

incompreensibilidade.

1.1. A voz inteligível e o grito

17

Se pensarmos no princípio de comunicação verbal estabelecido por Jakobson

(1970), constataremos seis elementos básicos para o seu estabelecimento, a saber:

remetente, destinatário, mensagem, contexto, contato e código. Para que a

comunicação se estabeleça, há a necessidade da partilha desses elementos para que

o remetente e o destinatário se entendam plenamente. No entanto, fica claro que a

compreensão não é a chave para a decifração de todos os textos, tampouco que a

parcela de incompreensão de determinados textos não venha de maneira proposital.

Isso se aplica tanto em relação à fala quanto à escrita, e ambas operam em parcelas

de apreensão de mensagens para determinados destinatários e de obscurantismo para

outros. Podemos ilustrar tais dizeres a partir de dois exemplos.

O primeiro é a conversa entre Stéphane Mallarmé e Oscar Wilde, relatada por

Peter Gay (2009). O escritor inglês afirma ao seu colega francês a sua maestria em

produzir versos incompreensíveis em francês que, caso fossem traduzidos ao inglês,

se tornariam claros. Por estranho que soe a afirmação, ela não é de todo infundada.

Como coloca Augusto de Campos (2006), Mallarmé sempre trabalhou como um

sabotador da língua francesa4, ou seja, um trapaceador do código de Jakobson.

Contudo, todos os elementos observados pelo teórico russo estão presentes nos

mencionados versos.

O segundo caso se trata de algo totalmente oposto. Paul Zumthor (2005), em

entrevista, fala da universalidade das canções de amor, não apenas por sua

onisciência, mas por uma partilha de elementos que as fazem ser reconhecidas por

interlocutores em diferentes línguas. Elas apresentam elementos formais que excedem

o código linguístico, pois a maneira como a voz é colocada é mais importante do que a

própria língua, uma vez que ela se constitui de uma profusão de sentimentos e sentidos

independentes de seu conteúdo.

4 Esta afirmação está presente em Poesia da recusa, compilação poética traduzida pelo autor, na qual

figuram diversos poetas que, à sua maneira, romperam com algum padrão estético ou formal da poética. Ao se referir a Mallarmé, não leva em conta a sua grandiosa obra Un coup de dés, mas os trabalhos anteriores, ou seja, não se trata apenas da transição para o texto visual, mas do conjunto da obra do poeta francês.

18

A música, portanto, pode tomar patamares universais, enquanto a poesia pode

se tornar estrangeira para o mais proficiente leitor da língua partilhada por ela própria.

Olhemos para as palavras de Zumthor:

Talvez na canção de amor o importante seja a voz que canta mais que a própria língua que só faz manifestar esta voz. A energia desta voz emana do corpo, emanação profunda, intensa, transbordante, carregada de valores inconscientes que fazem com que ela seja um meio de transmissão, da mensagem erótica, muito mais direto, mais agressivo, mais aliviador do que poderia ser a escrita, tão mais intensa também, sem dúvida, mais diretamente do que poderia ser o olhar. Daí, quando se passa ao registro poético é marcante a existência de canções universais de amor

5.

Verifica-se que esta universalidade se dá em função da voz, não daquilo que é

dito por ela e, no fim das contas, isso talvez seja o que menos importa. A escrita não

consegue abarcar o poder atingido pela voz sobre seus interlocutores. Por mais válido

que seja o pensamento de Jakobson, ele não consegue dar conta das dimensões

possibilitadas pela voz em ação (seja ela mediatizada ou não). Ela viabiliza um campo

da expressão que não está ligado ao entendimento, mas sim ao ato de dizer, da

transmissão de formas preexistentes que não podem ser manifestadas de outra

maneira que não pelo ato vocal. Aquele que se vale das palavras para se expressar um

ato poético não o faz para ser entendido, mas para mutilar as regras impostas pelas

gramáticas e dicionários (PAZ, 2012).

Isso também foi muito lucidamente percebido por Félix Guattari e Gilles Deleuze

(2011), que afirmam que a linguagem se ocupa muito mais em comunicar do que

informar. Essa comunicação não pode residir apenas no que se pretende dizer ao

próximo, mas, além disso, em transmitir formas de sentido e de se fazer sentir. Uma

voz comunica muito mais do que o dito, ela carrega sentidos e sentimentos na maneira

em que se coloca para o ouvinte, criando uma relação que excede tanto a mensagem

quanto o código – daí a possibilidade de haver certas manifestações universais, como

apontou Zumthor.

5 ZUMTHOR, P. Escritura e nomadismo. São Paulo, Ateliê Editorial, 2005 (pág. 67, o grifo é nosso).

Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Sônia Queiroz.

19

No caso do punk rock, os elementos se apresentam diferentemente, mas a

presença da voz se dá da mesma maneira, e através dela que algo é transmitido. Há

uma junção entre a voz e o som-da-voz que nos obrigam a abandonar o termo

semântica por ver a necessidade de estabelecer relações de sentido com o conteúdo, e

não necessariamente com a força expressiva que se dá através dele. Trata-se de uma

observação da voz que se divide em unidades microfônicas, por isso Paul Zumthor cria

o termo “vocema” e o define da seguinte maneira:

[...] o vocema se torna ao mesmo tempo som, frase, discurso, inesgotavelmente; e tudo isso ocorre em sua própria continuidade rítmica. É assim que podemos, com Fontana, assegurar que a poesia não somente está com a voz, na voz, mas por detrás da voz, no lugar corporal interior de onde são conduzidos o canto, os suspiros, os sopros, tudo o que, aquém e além do dizer, consciência primordial da existência, é sinal do inexprimível

6.

Mais uma vez vemos a necessidade de aproximar a música e a poesia como

manifestação plena do que canta e do que grita. Não se trata de buscar a compreensão

discursiva do ouvinte, mas, além disso, de lhe transmitir algo que não necessariamente

será explicado pela fonética ou pela semântica e que, no entanto, traduz aquele texto

(num sentido estrito) em uma prática performática. Posto isto, pode-se avaliar que um

grito inserido em uma obra vocal, como acontece em todos os casos aqui analisados,

tem a dizer tanto quanto uma canção de amor, mas busca outra emanação corpórea,

outra relação de sentido com seu auditório que não está lá para decifrar uma

mensagem, mas para apreender uma performance, como veremos a seguir.

1.2. A performance vocal

Podemos arguir, portanto, que o sentido da voz vem a partir de um ato

performancial, ou seja, de sua colocação em prática, mesmo que nada se entenda do

6 ZUMTHOR, P. Op. Cit. Pág. 164.

20

que é dito. Trata-se da forma que se diz, e não de seu conteúdo, mesmo este tendo a

sua parcela de importância, aquela se sobressai, muitas vezes a fim de reiterar os

conteúdos presentes no texto escrito. Como o próprio nome diz, a voz performatizada

dá forma a um texto escrito ou o cria a partir de sua captura, mas sempre estabelecerá

relações de sentido totalmente outras em sua relação com o outro.

Essa questão foi muito importante para o desenvolvimento do rock. Desde sua

gênese, como afirma Zumthor (2010), há uma espécie de retorno às culturas orais,

uma retomada da ancestralidade da voz, seja ela de culturas inteiras ou do primeiro

som que emitimos ao nascer: o grito. Wisnik (2014) propõe que os sons que nos

cercam são, em sua maioria, ruídos, e, ao reintegrá-los à música, não deixamos de

devolver a ela a harmônica desordem do mundo. Há uma transmutação em

manifestação plena de sentido no grito quando não há outra maneira de se exprimir o

conteúdo. Vejamos um exemplo:

I don't wanna die in a nuclear war! Fear, fear, fear of the future- I don't wanna starve from corporate greed. I don't wanna live in a world of hate.

I wanna live in peace 'till I'm old & grey.7

A letra em si não apresenta um grande aprofundamento poético; a não ser a

repetição das palavras, não há a presença de sofisticados recursos rítmicos no que

concerne à construção textual. Devemos observar a forma como esse discurso é

colocado em prática. Com duração de dois minutos, a música é iniciada por um

emaranhado de instrumentos e microfonias de aproximadamente trinta segundos, uma

voz rouca emana de uma confusão invariável e repete a letra três vezes. Da mesma

maneira que se ausentam elementos rímicos caros à instituição poética, há, também, a

omissão de elementos tácitos à música tal qual esta se desenvolveu no último século e

7 DOOM. War crimes: inhuman beings. Heckmondwike, Peaceville, 1988 (Faixa 16). Em tradução livre:

“Eu não quero morrer em uma Guerra nuclear!/ Medo, medo, medo do futuro./ Eu não quero passar fome

por causa da ganância corporativa./ Eu não quero viver em um mundo de ódio./ Eu quero viver até ficar

velho e grisalho” (a tradução é nossa).

21

que se tornaram extremamente valorizados no rock: excetuam-se solos de

instrumentos que, como a voz, pouco variam, dando conta de uma breve introdução e

um encerramento. O grito integra os demais elementos transformando-se em algo que

corrobora com essa repetição, compondo uma música diminuta (e, mesmo assim, uma

das mais longas do álbum).

É possível, também, observar o contraponto dessa construção, mas que,

quando do momento de seu ato, colhe resultados muito semelhantes. Se olharmos

atentamente para o disco Scum, da banda Napalm Death, veremos que há a presença

de elementos concernente à poética:

Advertise the product you make, never give, but always take. Kill and lie for security. On supermarket shelves death to see. Instinct of survival Advertise the product you make, never give and always take, clingfilmed flesh and genocide, contented life, while millions die. Instinct of survival The multinational corporation takes its profits from the starving nations. Indigenous people become their slaves from their births into their graves. The multinational corporation takes its profits from the starving nations. Another product for you to buy, you'll keep paying, until you die

8.

Esta é uma canção que trabalha de maneira diferente da anterior, pois

estabelece um maior número de versos e, além disso, retoma os elementos que a

8 NAPALM DEATH. Scum. Nottingham, Earache, 1987 (faixa 2). Em tradução livre: “Instinto de

sobrevivência/ Anuncie os produtos que você faz,/ nunca dê, mas sempre pegue./ Mate e minta por

segurança./ Nas prateleiras do supermercado, morte para se ver./ Instinto de sobrevivência/ Anuncie os

produtos que você faz,/ nunca dê e sempre pegue./ Carne embalada e genocídio/ Feliz com a vida

enquanto milhões morrem./ Instinto de sobrevivência./ A corporação multinacional/ tira o seu proveito de

nações famintas./ Indígenas se transformam em seus escravos/ do nascimento ao túmulo/ A corporação

multinacional/ tira o seu proveito de nações famintas./ Outro produto para você comprar,/ você

continuará pagando até morrer” (a tradução é nossa).

22

anterior optou por não inserir, uma maior incidência de elementos organizacionais que

regem sua poeticidade. Mas quando a ouvimos, todo o esquema rítmico e rímico

presente na letra desaparece e forma uma massa sonora semelhante à música

anterior. Há a presença de uma introdução (vinte segundos), a voz entra em ação após

pouco menos de quarenta e cinco segundos. Por mais que os instrumentos soem mais

claros do que os da música da banda Doom, a voz cai no mesmo emaranhado de

gritos, sendo possível a distinção de algumas palavras no refrão, e os demais versos

se misturam aos sons distorcidos dos instrumentos.

O ato da leitura pode ser válido para a justificação do que é colocado em prática,

afinal de contas, pelo que percebemos ao ler letras como as elencadas aqui, não seria

possível propor algo que difira do resultado. Haveria uma incongruência formal, uma

vez que não podemos esperar que os temas tratados nos cheguem de outra maneira

que não através do grito e da desordem presente em todo o gênero. Não se poderia

falar de bombas atômicas ou da exploração imperialista em termos artísticos através de

formas presentes em nosso cotidiano; portanto, o grito, aqui, não é uma opção estética,

mas uma imposição temática. É curioso observar que, quando há vontade de algo que

não exceda o tom de voz tranquilo, isto acontece, mesmo que raramente. A banda

Amebix foi provavelmente uma das poucas a explorar tais aspectos de oscilação

rítmica, ainda que obedecendo a parâmetros que justificam a problemática anterior:

escolhe-se o caos para se dirigir a ele. Contudo, há momentos em que se escolhe algo

mais tênue, que não tende a se conservar durante toda a música, e esse é o caso de

“Drink and be merry”. Observemos duas estrofes:

Drink and be merry, for tomorrow we may die It's better to laugh than it is to cry My cup runneth over with blood and not wine The last was the flood, it's fire this time I took a walk on the beach, no sand dunes just oil Dead gulls and dead fish were trod underfoot The sky was tinted with yellow and black And the air smelt like Dachau

10 today

11.

10

Campo de concentração alemão construído em 1933 e demolido em 1945.

23

Seguindo o esquema rudimentar de composição poética (ignorando, aqui, a

performance), o texto possui um deslocamento temático que parte do individual

(primeira estrofe) ao coletivo (segunda estrofe), evidenciado por uma mudança rítmica.

Em conversa com Stig Miller12, guitarrista do Amebix, nos foi dito que, apesar da banda

ter sido a primeira inglesa a assinar um contrato com uma gravadora americana

(Alternative Tentacles, comandada pelo punk, vocalista da banda Dead Kennedys e ex-

candidato a governador do estado da California, Jello Biafra), o álbum demorou muitos

anos para ser compreendido pelos fãs de punk rock e hoje é algo seminal13, sucesso

este inesperado pelo guitarrista e que, por trabalhar com essa alternância de

temporalidades musicais, não foi tão bem aceito.

Podem-se estabelecer relações de sentido entre as formas de se colocar a

música em prática com a própria história de cada uma das bandas, que, por sua vez,

interfere em todo o processo performático. Como podemos ver no livro The day that a

country died (2012), a história da banda Amebix é marcada por diversos momentos

complicados na relação de seus integrantes; a saída voluntária de casa para viver em

ocupações e casas abandonadas por toda a Inglaterra, os problemas com drogas (que

foram responsáveis pela prisão de um dos bateristas em função de um homicídio14) e

etc., faz com que isso se reflita no produto final.

Esse reflexo que se dá individualmente em cada um dos produtos das bandas

que, à sua maneira, são importantes para justificar o porquê de certas escolhas

rítmicas e temáticas. Esses produtos são frutos do acúmulo de experiências individuais

de um todo abarcado pelo punk rock. Mas, ao mesmo tempo, são também resultado de

11

AMEBIX. Arise! Alternative Tentacles, São Francisco, 1985 (faixa 5). Em tradução livre: “Beba e seja feliz, porque amanhã nós podemos morrer/ É melhor rir do que chorar/ Corre sangue em meu copo ao invés de vinho/ O último foi a inundação, agora é tempo do fogo./ Dou uma volta na praia, não há dunas, apenas petróleo/ Gaivotas e peixes mortos pisados sobre meus pés/ O céu está pintado de amarelo e preto/ E o ar cheira como o de Dachau”. 12

Troca de e-mails entre os dias 27 e 30 de janeiro de 2015. 13

A banda, hoje, conta com lançamentos de tributos gravados no Japão (Amebix Japan) e outro dos Balcãs (Amebix Balkans: a tribute to Amebix) e com o relançamento de seus discos pela mesma gravadora da década de 1980. 14

AMEBIX. No Sanctuary. São Francisco, Alternative Tentacles, 2008. A informação está contida em depoimento do baixista e vocalista da banda no encarte do disco.

24

uma evolução15 própria ao estilo musical no sentido de que todo o movimento criou

nexos de interdependência desenvolvidos ao longo de toda a década de 1980 (e que já

era um prenúncio no decênio anterior). Há características tácitas de cada uma das

bandas aqui citadas, mas, como veremos nos próximos capítulos, grande parte delas

estava em relação direta, dividindo palcos e, por vezes, havia músicos que dividiam

sua atenção entre várias bandas.

Paul Zumthor, em Escritura e nomadismo (2005), faz considerações de

extrema valia para melhor explicarmos os dizeres anteriores. O autor acrescenta que:

O rock não cessou ainda de produzir seus frutos, de gerar movimentos novos, movimentos de corpo, movimentos do espírito. O rock and roll se inscreve na linha mais direta e mais antiga da poesia vocal de contestação, de protesto, de revolta, de violência que drena toda a história da humanidade. No começo dos anos 60, eu me encontrava na Europa, e lá assisti à chegada do rock que vinha da América, já ganhava uma juventude de blusões negros já semimarginalizada, e que fermentava violência reprimida. O rock lhe deu, senão precisamente um exutório, uma expressão, no sentido forte da palavra. E, na medida em que, como movimento, é movimento partido; como palavra, palavra lascada, às vezes apenas audível; como música, marca o triunfo da percussão, das rupturas de ritmos. Na medida em que reivindica uma violência [...], trazia consigo algo insubstituível para uma geração no vazio. Para essa geração e para a minha (que aproveitou indiretamente, através de outras, essa experiência), uma coisa é certa: depois do rock nada mais será como antes

16.

A julgar pelo não aprofundamento no tema por parte do autor, devemos observar

tal período como fruto de grande lucidez que provém da observação de uma espécie

de fenômeno de massas que parte da voz. Salientamos a importância que é dada ao

movimento partido, ou seja, algo que não se consolida como retilíneo e progressivo.

Pois ao mesmo tempo que insere elementos novos à performance, sempre há um

retorno ao primitivo, no melhor sentido da palavra. Aproximando-se de algo que ainda

não havia sido colocado em prática, o punk rock retorna à simplicidade dos primórdios

do rock que, por sua vez, se aproxima de músicas negras em voga nos Estados Unidos

nas primeiras décadas do século XX. 15

Não trazemos o termo numa perspectiva progressista de sucessões temporais, mas de algo que tange muito mais um acúmulo de experiências pessoais e praticadas por outras bandas que culminaram em novos direcionamentos assumidos pelo estilo musical. 16

ZUMTHOR, P. Op. Cit. Pág. 102.

25

Curioso pensarmos nesta aproximação de algo mais rudimentar já em fins da

década de 1970 como uma espécie de réplica à tecnicidade explorada por outras

vertentes do rock. Por isso, é impossível (ou no mínimo ingênuo) pensá-lo como algo

que se insere em uma progressividade técnica ou que vise sempre uma superação de

algo feito anteriormente1. Se quisermos pensar no punk como algo da ordem da

superação, esta vem sem dúvida do que foi dito por Zumthor como mais uma

repartição deste fenômeno, mais uma voz que vem aos gritos dizer o seu lugar, mesmo

que este seja impelido diretamente à margem da música em diversos aspectos: de sua

apreciação pelo gosto médio (um tanto duvidoso) até a sua inserção na indústria.

O que se desdobra a partir do estilo musical é uma forma de retroceder a algo

que pode ser considerado como anterior à própria canção – como afirma Zumthor

(2005): no princípio, o grito dá lugar ao verbo. Daí a importância do termo vocema; é a

voz em sua qualidade máxima e, ao mesmo tempo, mais elementar. Não se trata do

que se quer comunicar objetivamente, mas sim de vocalizar, transmitir algo que exceda

a sintaxe e a semântica que regem o discurso verbal. É daí que o punk rock tira seu

nexo relacional de sentido: a partir de algo preestabelecido como entendimento que se

dá em função de elementos verbais, visuais e sinestésicos que se acumulam quando

performatizados.

Performance, como já foi dito, é algo que dá forma e, no que tange a questão da

música, se desenvolve de diversas maneiras que não exclusivamente pelo texto

colocado em prática, mas por um escalonamento de diversos signos que compõem um

grande texto17. Assim, estabelece-se, através dessa série de compósitos colocados em

correlação (com preponderância vocal), que os elementos se destacam de sua rudeza

para construir um sentido particular, mesmo que seja através do barulho.

1 Como coloca Caroline Coon, uma das razões pela qual o punk rock assistiu sua parcela de sucesso foi

em função do tédio vivido entre os jovens de duas maneiras. A primeira em relação ao mundo que os cercava e, em segundo lugar, em relação ao rumo que o rock, de maneira geral, ia traçando a partir de meados da década de 1960, supervalorizando elementos técnicos e, automaticamente, excludentes. In. DUNN, Andrew; BRIDGER, Sam. Punk Britannia. Londres, BBC, 2012, ep. 2 (59 mins.). 17

No caso do disco, diversos subtextos que compõem um produto midiático que pode ser decomposto em partes menores, mas cujo conjunto dá a noção de uma unidade textual que se completa.

26

Em Introdução à poesia oral (2010), Paul Zumthor, ao falar do folkmusic,

evidencia que:

[...] o ruído a dramatiza [a voz], a intensifica, a prolonga até além dos sentidos convencionais, [...]. A causa do barulho se coloca então entre o pressuposto do discurso poético; ela própria é discurso, ausente mas real: o poema, cujos termos, em última análise, a ela remete, e funcionam como elementos de uma anáfora global. [...] A função comunicadora se sobrepõe à significância, textos, ritmos, tempo e lugar concentrados em uma implosão de sentido mais que dispersos em cadeias de significantes

18.

Os dizeres de Zumthor ora se aproximam e ora se distanciam das

considerações feitas anteriormente; está próximo em relação à importância dada à

função e funcionalidade do ruído em meio à música, uma vez que é reconhecido que

ele não é, necessariamente, destituído de sentido, mas representa parte fundamental

da mensagem performatizada19, considerando-a como parte do discurso, o que cria no

discurso poético um efeito impar que se liga ao conteúdo (função comunicadora), e não

apenas nas combinações fonéticas (cadeia significante).

O que está em jogo não é a questão de colagens de ruídos externos à música,

mas da mensagem-em-si ser mormente constituída de ruídos. Há processos de

colagens, mas estas sim representam discursos completamente inteligíveis.

Exemplifiquemos: no álbum Hear nothing, see nothing, say nothing (1982), entre as

faixas “Cries of Help” e “The Possibility of Life‟s Destruction” (faixas 9 e 10), há uma voz

clara que fala, como em um discurso, sobre os efeitos do uso de armas atômicas. Por

mais que as músicas abordem os mesmos temas, elas tomam uma forma

completamente diferente quando executadas musicalmente.

O mais importante é que o grito está presente em todos os casos aqui

analisados e permeou toda uma manifestação cultural que não foi isolada. Antes de

18

ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte, UFMG, 2010. Tradução de Jerusa Pires Ferreira, Maria Inês de Almeida e Maria Lúcia Diniz Pochat (pág. 175). 19

Não apenas Zumthor nos fala da importância do ruído. Morin, em sua Introdução ao pensamento complexo (1990), também trabalha a importância do ruído, considerando-o parte fundamental da mensagem.

27

voltarmos à prática vocal, vejamos um dos conceitos do semioticista estoniano Iuri

Lótman (1996), no qual autor afirma que o texto e seu auditório se relacionam de

maneira intrínseca, interdependendo um do outro, uma vez que são reflexos um do

outro:

Apreciar-se-á o texto não apenas pela medida de compreensibilidade para um destinatário, mas também pelo grau de incompreensibilidade para outros. Assim, a orientação a um ou outro tipo de memória de destinatário o faz recorrer ora a “uma linguagem para outros”, ora a uma “linguagem para si”. [...] Ao reconstruir o caráter da “memória comum” indispensável à compreensão do texto, obteremos a “imagem do auditório” oculta no texto

21.

Desta forma, verifica-se uma necessidade de incompreensão (tal qual falamos

do diálogo entre Wilde e Mallarmé) que, no caso do punk, se traduz no seu amontoado

vocal. Não tratamos, aqui, do público que assistia aos concertos de cada uma das

bandas, mas não podemos ignorar um princípio muito básico de qualquer instância na

comunicação: quem se expressa, independentemente da maneira de como o faz, tem

em vista um destinatário, mesmo que este não possa decompor a fala de seu

remetente em linhas plenamente inteligíveis. Há algo que os aproxima num sentido

mais amplo do que a mera decodificação: a função comunicadora de que nos fala

Zumthor excede os limites da compreensão, e o próprio autor reconhece isso:

A performance é uma realização poética plena: as palavras nela são tomadas num conjunto gestual, sonoro, circunstancial tão coerente (em princípio) que, mesmo se se distinguem mal as palavras e frases, esse conjunto como tal faz sentido. [...] Um certo tipo de indivíduo cantará um gênero para tal público, em tal lugar e tempo. Em boa parte dos casos, uma verdadeira coação social pesa sobre a performance, com o objetivo de conferir à manifestação poética a totalidade de um sentido

22.

21

LOTMAN, I. “El texto y la estructura del auditorio”. In: La semiosfera: semiótica de la cultura y del texto. Madri, Frónesis, 1996. Tradução de Desidério Navarro (pág. 113). A tradução para o português e o grifo são nossos. 22

ZUMTHOR, P. Op. Cit. Pág. 87. Os grifos são nossos.

28

A coerência citada pelo autor não reside em seu destinatário realizar uma

operação mental lógica que ordena e decodifica determinado discurso, mas sim em

entrar em contato com uma ação performancial que compreende um espaço e um

tempo no qual tal manifestação atinge sua completude máxima de sentido

independentemente da forma como é colocada em prática. Não podemos afirmar que a

ruidosa música aqui estudada atinge sua completude de sentido a partir de um único

elemento predeterminado, pois trata-se de todo um nexo de relações estabelecidas de

maneira a atingir plenamente o seu auditório.

Essa relação estabelecida entre o ruído e o punk rock nos leva a rever o lugar

que aquele operou em toda a música ocidental. Desde a sua sistematização em

partituras, repeliu-o quase que com ojeriza, evitando-o ao máximo e excluindo-o das

salas de concerto, em concomitância com o banimento da percussão, para dar lugar a

instrumentos melódicos executados ante uma plateia imersa em silêncio. A partir do

início do século XX isso começa a mudar e, quando instrumentos elétricos passam a

ser utilizados em larga escala, outra relação com esses sons obliterados da música

ocidental começa a se delinear e disso surge tanto as figuras vanguardistas (como

Stockhausen) quanto a do rock star (Wisnik, 2014). O punk rock é responsável por uma

radicalização de tais posições de maneira diferente daquela almejada por músicos de

vanguarda (como John Cage, que fez com que o próprio ruído da plateia se fizesse

música em meio ao silêncio de seu piano), pois o vê em situação de radicalidade

levada às últimas consequências a fim de justificar a violência abordada em todos os

textos gerados por ele.

1.3. Justificativa à violência

Que o grito se justifique enquanto manifestação vocal, isso fica claro com as

considerações anteriores. No entanto, o que dá origem a tal ato performativo é

inquietante; o punk rock, por ser uma manifestação marginal e que não vê necessidade

de se alinhar a um padrão pressuposto por esquemas mercadológicos (ao menos das

29

produções aqui referidas), vale-se de um discurso agressivo que vai contra diversos

setores da sociedade: Estado, capitalismo, militarismo, certas problemáticas

individuais, imperialismo, religiões. Porém, muitos foram contra essas mesmas

instituições de forma mais atenuada. Bob Dylan ou mesmo Bezerra da Silva são bons

exemplos, pois realizaram suas canções de protesto com muitos focos em comum ao

punk e, no entanto, empreenderam a comunicação de maneira clara23.

É claro que, ao opor essas figuras, temos que lidar com recortes temporais e

espaciais totalmente diferentes. Podemos dizer que a década de 1980 viu, em partes, a

ineficácia na forma que seus antecessores escolheram para lidar com tais questões.

Contudo, é curioso notar que a canção foi remodelada, mas nunca deixou de se

aproximar das formas que a regem; a música ainda é um canal disponível para a voz

do protesto. Em Violência (2014), Slavoj Zizek explora uma questão cara à linguagem

de protesto e sua simbolização, de um lado, e de suas vias de concretude, de outro.

Vendo exemplos trabalhistas, ele postula que:

[...] quando os trabalhadores protestam contra sua exploração, não estão protestando contra uma simples realidade, mas contra uma experiência de uma situação real que ganha sentido através da linguagem. A realidade em si própria, em sua estúpida existência, nunca é intolerável: é a linguagem (sua simbolização) que a torna intolerável

24.

Podemos estabelecer relações entre o fato cantado e a articulação escolhida

para prefigurar o canto. Como pudemos observar em algumas letras já citadas, há uma

exploração hiperbólica do que se pretende expor como realidade tanto no que toca as

letras quanto as capas dos discos25, colocando em evidência construções feitas a partir

de impressões de uma determinada realidade.

23

Ou pelo menos não se valeram do grito para fazê-lo. 24

ZIZEK, S. Violência: seis reflexões laterais (pág. 63). São Paulo, Boitempo, 2014. Tradução de Miguel Serras Pereira. 25

Em termos lacanianos (para acompanhar o pensamento de Zizek), podemos dizer que essas relações se estabelecem no âmbito do imaginário (capas e encartes) e do simbólico (letras), atingindo o real apenas pela realização de um produto (o disco em si). Tais conceitos foram explorados por ZIZEK, S.

30

A construção de textos a partir de seu valor de hipérbole também não é por

acaso, ela não visa apenas um panorama distópico daquilo que o real poderia vir a ser,

mas porta uma espécie de caráter oracular partindo de um presente que, à luz

daqueles que o viviam, era incompatível com o plano de desenvolvimento progressista

vivido à época (e ainda o é em sua maneira mais plena). Tais aspectos se evidenciam

através de elementos extravocais, como os dizeres: “What I‟ve said maybe makes no-

sense, but if it does, there‟s still a chance” e, ainda, “What would happens when the

bomb dropped? How many casualties would there be?” em ilustrações contidas em

material da banda Doom27, dizeres estes que se concretizam através do grito quando

nos deparamos com o produto final: a música-em-si.

Cercada de elementos desestabilizadores, a voz se materializa através do grito,

da desarticulação de um discurso linear e objetivo, para se desdobrar em algo que

beira o primitivismo (tanto musical quanto comunicacional). Neste ponto, podemos

estipular três hipóteses que, em certa medida, concatenam-se e justificam essa forma

peculiar de se colocar a voz em prática.

Primeiramente, podemos observar tal uso através da observação diacrônica da

música. Deixando de lado as questões mercadológicas, podemos justificar tal uso por

uma questão de inoperabilidade de seus antecessores, Como ocorre com a folk music

da década de 1960 – cantada contra os conflitos no Vietnã (por exemplo, “Masters of

War”, de Bob Dylan28) –, no funk da mesma época e na década seguinte – cantados

contra as questões raciais (James Brown29) – e até mesmo as primeiras bandas punks

que ganharam notoriedade (“English Civil War”, da banda The Clash30 ilustra muito

bem nossos dizeres).

Os casos citados são emblemáticos para explorar a música de protesto

(sobretudo o rock e seus influenciadores) e seu desenvolvimento ao longo das décadas

“Gestos vazios e performativos: Lacan se defronta com a conspiração da CIA”. In: Como ler Lacan. Rio de Janeiro, Zahar, 2010. Tradução de Maria Luiza Borges. 27

DOOM. Total Doom. Turku, Svart Records, 2012 (edição limitada em 300 cópias). Pág. 6 de livreto que acompanha a edição e parte interna da capa, respectivamente. 28

DYLAN, B. The freewhelin’ Bob Dylan. Washington, Columbia Records, 1963. Faixa três. 29

BROWN, J. Say it loud – I’m black and I’m proud. Los Angeles, King, 1968 (disco compacto). Faixas um de dois. 30

CLASH, The. Give us enough rope. Londres, CBS, 1978. Faixa dois.

31

de 1960 e 1970, que culminou em movimentos como o punk. No entanto, devemos

questionar a eficácia de tais movimentos, uma vez que, por mais que palavras contra

determinada ordem tenham sido proferidas em suas mais diversas maneiras, estas

nunca conseguiram subverter as questões às quais se opuseram. Tal fato é essencial

para o desdobramento da violência que permeia os cantos de protesto das décadas

sucessoras. A busca de uma nova forma de protestar sem ser convertido em um

produto mercadológico se mostra urgente para estas novas manifestações culturais.

Esses desdobramentos, que culminam em uma música carregada muito mais de

desordenamento do que de organização, são, de alguma forma, resultados de seus

antecessores inauditos ou ineficazes. Em função disto, muniam-se de algo que

subvertesse a lógica da canção (em partes) como um meio de propagação da palavra,

um canal que serviu para expor de maneira análoga os horrores aos quais se queria

dizer contra. Vejamos um exemplo:

The savage mutilation of the human race is set on course

Protest and survive, protest and survive

It's up to us to change that course

Protest and survive, protest and survive31

.

De maneira genérica, a letra aponta para desdobramentos que são dignos de

nota, mas que, ao mesmo tempo, são inomináveis (the savage mutilation of the human

race). Essa macabra instituição sem nome que aparece e reaparece em muitos outros

casos não é apenas uma mera construção in-imagética de algo suposto, mas que, ao

contrário, participa de uma gênese exploratória às quais o conjunto musical visa ir de

encontro. O que conta, aqui, não é contra o que se protesta, tampouco o protesto, mas

31

DISCHARGE “Protest and Survive”. In. Hear nothing, see nothing, say nothing. Stoke-on-Trent,

Clay records, 1982. (Faixa 4). Em tradução livre: “A selvagem mutilação da corrida humana é colocada

em curso/ Proteste e sobreviva, proteste e sobreviva/ Depende de nós mudar este curso,/ Proteste e

sobreviva, proteste e sobreviva” (a tradução é nossa).

32

sim o ato de dizê-lo32, dando materialidade à canção e, sobretudo, a maneira como isso

é feito.

A proeminência do grito em detrimento de algo mais melódico se dá em função

de uma desterritorialização idiomática33. Da mesma forma que os dizeres se

transformam em ataques generalizantes, a voz se converte em algo que excede o

próprio idioma. Por mais que este não perca sua importância, há uma expansão de

seus limites àquilo que seu auditório espera receber de maneira diferente do que os

outros cantores de protesto o fizeram. Não nomear, no caso das letras, é o equivalente

ao não-dizer, de maneira que elas não sejam compreendidas, mas simplesmente

ouvidas. Urra-se em função da pouquidão de palavras, mas, além disso, por conta de

uma construção de sentido que não está no plano significante. Tampouco caminha-se

em conjunto com o plano do significado pela sua falta de entendimento, pois este tem

de ser compreendido em um plano terceiro: o performático.

Esta abordagem diacrônica da canção de protesto nos leva à nossa segunda

hipótese, que diz respeito às microunidades vocais presentes em cada canção. Como

postula Zumthor (2005), não se trata de um estabelecimento semântico dos dizeres

que devem ser valorizados, mas sim qualidades da própria voz que se multiplicam em

unidades independentes do aspecto semântico, que, através e a partir da voz,

estabelecem seus nexos relacionais de sentido.

Vemos que os semantemas de outrora falharam na transmissão de mensagens

de paz, direcionando o punk rock a um repensamento da função vocal enquanto meio

transmissivo do protesto; formas panfletárias2 que não davam conta de dizer aquilo que

se havia desejado são substituídas por uma nova. Edificam-se outros modos

32

Em entrevista, o sociólogo Boaventura de Souza Santos afirma que, por vezes, os jovens não sabem exatamente o que querem, mas têm certeza daquilo que não querem. Por mais que Santos trate de temas mais atuais, podemos estender tal consideração à época aqui referida, pois não se trata apenas de uma oposição a algo predeterminado, mas sim do simples ato de se opor. Disponível em: <http://saraiva13.blogspot.com.br/2013/10/marina-silva-e-uma-cara-nova-para.html?spref=fb> (consultado em 3 de setembro de 2014). 33

O termo desterritorialização é aqui utilizado nos moldes cunhados por Gilles Deleuze e Félix Guattari em Mil Platôs. 2 Empregamos o termo “panfletário” para designar algo que se aproxima do discurso do homem comum,

e não necessariamente uma mensagem pobre em seu conteúdo. Nosso objetivo não é, aqui, analisar o conteúdo das canções de protesto, mas a forma como se materializam através da voz.

33

transmissivos que excedem os limites impostos pelo ato de dizer e que se manifestam

em quase todos os elementos constituintes do material fonográfico do punk rock: fotos,

letras, colagem de gravações que se concatenam para a constituição de algo que

sequer precisa ser dito ou entendido.

No âmbito da voz, ela se torna mais importante do que a própria fala,

ressignificando todos os esquemas estipulados à “função” da voz; vê-se desobrigada a

cumprir com tais pressupostos e dá mais atenção às maneiras de se sentir a voz do

que à propagação de sua mensagem. Ao gritar em vez de cantar, o vocalista (termo

este mais justo do que cantor) opta por uma forma de dizer que foge tanto dos padrões

da fala quanto do canto, direcionando o entendimento da música não pelo seu

conteúdo formal, mas através da coesão dos demais elementos que a cercam.

Nossa terceira hipótese é a de que a representação do grito não significa,

necessariamente, um grito de ódio ou de indignação (por mais que estejam presentes),

mas algo ligado a angústias e medos. O grito aparece muito mais nos termos de

libertação do que de ódio. Renato Cohen, em Performance como linguagem, postula

que a década de 1980 foi um momento de quebra da esperança entre os jovens, que

assistiram à conversão de seus protestos em slogans comerciais (retomando a primeira

hipótese), o que, em partes, foi responsável por essa roupagem mais agressiva. O

autor acrescenta que:

O criador punk, consciente dessa corrupção [do discurso], e não compactuante com o cinismo do sistema, vai utilizar o horror, o culto à tanatologia como forma de externação de ideologia. Metaforicamente, é um movimento semelhante ao do mar que devolve à terra todas as impurezas que nele foram jogadas. [...]

Apesar da postura de destruição, o punk não é totalmente niilista, na medida em que, propondo o choque, está propondo luta – e, na medida em que se coloca como movimento de resistência, o punk se imbui de vida (luta-se por

alguma coisa)3.

3 COHEN, R. Performance como linguagem. São Paulo, Perspectiva, 2013 (p. 153).

34

A hipótese da observação desses gritos como forma de engajamento que

objetiva a construção de uma luta que não mais reside no “paz e amor” dos hippies,

mas como uma tentativa de devolução ao mundo daquilo que compunha seu protesto;

como coloca Luís Nazário (2008), os jovens, que representavam outrora uma

esperança ao mundo, estão imbuídos de devolver a sua parcela de feiura com suas

roupas sujas, cortes de cabelo estranhos e, é claro, através de seus gritos. O autor vê,

com muito pessimismo, que esses jovens traíram as promessas que lhes cabiam,

criando um movimento antiestético esvaziado de sentido. No entanto, devemos colocar

uma questão: essas mesmas promessas não haviam se autossabotado4?

Podemos notar que o medo reside no cerne do desenvolvimento do punk rock,

pois, como colocou Cohen (2013), os que quiseram construir sociedades alternativas

através de mensagens de amor logo foram logo convertidos em peças publicitárias5 e o

possível futuro brilhante oferecido anteriormente se mostrou uma grande ilusão em prol

do avanço de interesses neoliberais e bélicos. A resposta para tal hipótese parte do

seminário de Jacques Lacan que tem como tema central a angústia. Nele, o

psicanalista nos mostra que a relação estabelecida para criar a angústia se dá a partir

da falta de algo que se manifesta no plano simbólico, ou seja, através da linguagem.

Por mais que os elementos que desencadeiam esse medo tenham sua origem no plano

do real, sua simbolização é que representa, nas palavras do autor, o ato de sentir a

falta.

Tais considerações podem evidenciar a relação entre a falta real

(simbolicamente dada), sua forma manifesta através da performance e a sua

simplicidade (técnica) dos textos produzidos. Não se trata de uma falta simples, mas de

um paradigma que se estende aos mais variados setores da sociedade, caracterizando

uma perda de referencial e estabelecendo uma relação diferente entre o objeto

4 Cf. BARBROOK, R. Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global. São Paulo,

Peirópolis, 2009. Tradução de Adriana Veloso et. al. 5 Seria errôneo dizer que isso não ocorreu com o punk rock. Apesar de ter se dado de maneira diferente,

há uma adesão por parte da publicidade que se deu mormente através da moda, mas a música ainda continua a ser vista como um exotismo. Não por acaso, conseguimos identificar elementos do vestuário punk, seus cortes de cabelo e etc., mas pouco temos a dizer sobre sua música.

35

criticado e seus desdobramentos. Nas palavras de Lacan, não se trata de querer negá-

lo ou mesmo anulá-lo:

Anulação e negação são formas constituídas pelo que o símbolo permite introduzir no real, ou seja, a ausência. Anular e negar são tentativas de nos desfazermos do que, no significante, afasta-nos da origem e do vício original de estrutura, ou seja, tentativas de reencontrar no significante sua função de signo, coisa em que se empenha e se extenua o obsessivo. A anulação e a negação, portanto, visam esse ponto de falta, mas nem por isso unem-se a ele, porque, como explica Freud, só fazem duplicar a função do significante ao aplicá-la a ela mesma

36.

O que Lacan estabelece nesses dizeres é uma relação que, por vezes,

independe da ligação entre o significante e sua representação (pensando no signo em

sua tripartição), uma vez que esta não é necessariamente dada. Isso fica evidente

quando o significante negado se torna algo imaterial, como o Estado ou o dinheiro, que

são signos permeados de outros signos e que se desdobram em pluralidades

significantes e de maior complexidade combativa. Não há pretensões de levar tal

estudo a uma análise clínica, mas sim decompor nosso objeto em diferentes extratos e

mostrar que, por detrás da falta, há certa instabilidade sígnica que aparece como

sintoma. Isso se dá no estabelecimento da relação de sentido necessária para adotar

uma performance aguerrida a partir da voz e validar um discurso que destoava da

lógica que a afirmava.

Júlia Kristeva, em seu cruzamento entre semiologia e psicanálise, dá maior

materialidade à afirmação de Lacan ao se debruçar sobre a abjeção e sua função na

literatura. A autora vê uma ligação muito pertinente entre a questão da falta – aqui

referida em relação com a perspectiva dos jovens – e a agressividade que toma corpo

através da música. Em suas palavras:

Digamos, então, que a falta e a agressividade são cronologicamente separáveis, mas logicamente coextensivas. A agressividade nos aparece como

36

LACAN, J. O Seminário: livro 10: a angústia. Rio de Janeiro, Zahar, 2005 (pág.152). Tradução de Vera Ribeiro.

36

uma réplica à privação original aprovada desde a miragem dita “narcisismo primário”: ela não faz mais do que vingar frustrações iniciais. Mas o que se pode conhecer de seu relato é que elas são, falta e agressividade, medidas uma da outra. Falar apenas da falta vem novamente ao encerramento da obsessão da agressividade [...].

Acrescentando que:

O falar do fóbico adulto se caracteriza por uma agilidade extrema. Mas esta habilidade vertiginosa é como um esvaziamento de sentido, rolando a toda velocidade para baixo do abismo intocado e intocável, no qual, por um momento, apenas o afeto vem dar não um signo, mas um sinal. Isto porque a linguagem deveio um objeto contrafóbico, não mais representando o papel de elemento de uma introjeção desperdiçada [...]

38.

A questão da fobia na linguagem é claramente constatada no punk, mas,

diferentemente do que a autora afirma, o esvaziamento do sentido não se realiza

plenamente porque esse apagamento se dá ao colocarmos a mensagem no esquema

de comunicação jakobsoniano que, como vimos, não se aplica necessariamente à

música. Como a própria autora evidencia, tal ferramenta funciona como uma resposta

corpórea à fobia, ou seja, realiza-se naturalmente. No caso do punk rock, estamos

lidando com uma estratégia corpórea contrafóbica induzida: o medo não está de fato

presente, mas é induzido pelo universo eleito para figurar os fios com os quais o punk

rock teceria a si próprio.

A colocação de jactos fóbicos de maneira proposital não pode ser lida

exclusivamente como um esvaziamento conteudístico de uma mensagem, mas sim

como uma articulação diferente da relação preestabelecida pela linguagem, pois

devemos ver uma bipartição da letra musical e sua forma cantada. Vejamos um

exemplo:

Dull and mundane, but safe and secure Phobia for, phobia for change

38

KRISTEVA, J. Pouvoirs de l’horreur: essai sur l‟abjection. Paris, Seuil, 1980. (Pág. 52-3). (A tradução é nossa).

37

Caged and trapped, afraid of responsibility39

.

Ou ainda:

I don't wanna die in a nuclear war! Fear, fear, fear of the future- I don't wanna starve from corporate greed. I don't wanna live in a world of hate. I wanna live in peace 'till I'm old & grey

40.

Por mais que o texto (no sentido de sua escritura) esteja em sua ordem linear e

carregue uma mensagem clara, é curioso notarmos que, quando colocado em sua

função inicial, cantado e circundado de instrumentos musicais, essa clareza se perde

para dar lugar ao que Kristeva chama de “fala fóbica”. Parte-se de uma construção

preestabelecida, uma espécie de simulação do medo, mas que, por sua vez, dá contas

desse nexo de relação entre a falta e a agressividade como uma estratégia de colocar

esses medos em evidência através de sua simulação.

Recuperemos algo curioso, abordado por Paul Zumthor em Introdução à

poesia oral (2010). O autor nos fala que, quando de sua juventude em Paris, algo que

lhe chamava a atenção eram jovens franceses cantando músicas em inglês sem ter

noção alguma do conteúdo das canções que tanto admiravam. O sentido dessas

canções não reside em sua letra, mas, pelo contrário, em uma relação rítmica

estabelecida pela presença de uma voz que quer ser reproduzida independentemente

do que nela está contido. À sua maneira, o punk rock conseguiu estabelecer relações

muito próximas com tais pressuposições. No entanto, o que todas as bandas aqui

citadas queriam cantar era algo que estava diretamente ligado a uma massa de medos

e a uma forma de superação. A combinação desses elementos colocados em situação

relacional dá conta de justificar o porquê da performance se desenvolver de tal maneira

e não de outra. Essa gênese de substâncias dá ao punk rock o seu leitmotiv e, de

maneira peculiar, faz com que este siga progressivamente a algo mais barulhento, em

que o grito se torna cada vez mais regra e menos exceção. O mais importante de tal

39

DOOM, Op. Cit. Faixa 18. 40

DOOM, Idem. Faixa 16.

38

edificação é que a violência reside apenas em um plano simbólico manifesto em meio a

uma juventude que não mais poderia se ver dissociada de seus demônios internos e de

seus meios de entretenimento, que, por sua vez, materializam-se nas canções.

1.4. A materialidade da canção

Em Performance, recepção, leitura (2007), Paul Zumthor fala sobre a

materialidade da canção, vendo-a fora de termos parafraseados ou metafóricos. Para

ele, a música é um fato-em-si; ela não veicula apenas um texto de maneira cantada,

mas toma dimensões que não podem ser contidas apenas no âmbito da significação,

não se subordina, mas o utiliza de maneira a dar outras dimensões ao que é dito. O

autor afirma que:

Havia o grupo, o riso das meninas, sobretudo no fim da tarde, na hora em que as vendedoras saíam de suas lojas, a rua em volta, os barulhos do mundo e, por cima, o céu de Paris que, no começo do inverno, sob as nuvens de neve, se tornava violeta. Mais ou menos tudo isto fazia parte da canção. Era a canção. Ocorreu-me de comprar o texto. Lê-lo não ressuscitava nada. Aconteceu-me cantar de memória a melodia. A ilusão era um pouco mais forte mas não bastava, verdadeiramente. O que eu tinha então percebido, sem ter a possibilidade intelectual de analisar era, no sentido pleno da palavra, uma “forma”: não fixa nem estável, uma força-forma, um dinamismo formalizado; [...]: não um esquema que se dobrasse a um assunto, porque a forma não é regida pela regra, ela é a regra. Uma regra a todo instante recriada, existindo apenas na paixão dos homens que, a todo instante, adere a ela num encontro luminoso

41.

A música cantada por artistas de rua em Paris, na década de 1930, não era

apenas uma reprodução melódica de um texto vendido na rua; o papel comercializado

com as letras era apenas um acessório, um artifício mercadológico daqueles que o

musicavam; sua realização plena de sentido precisava de um público, dos barulhos da

41

ZUMTHOR, P. Performance, recepção, leitura. São Paulo, Cosac Naify, 2007 (p. 32-33). Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich.

39

rua, do céu da cidade. O que nela é cantado, naquele momento, é aquilo que se diz

ser.

A canção atinge sua materialidade a partir da concatenação de todos os seus

elementos constituintes, sua repartição acarreta uma perda significativa de sua

concretude de tudo o que poderia vir a ser. Daí a importância de ressaltar seu valor

performático, que não se reduz à letra e melodia, conteúdo e forma, constituindo-se de

algo que está além disso e que não podemos ignorar.

O caso do punk rock não é diferente daquilo que foi vivido pelo autor suíço:

trata-se de uma experiência musical que, ao falar da guerra, a reproduz; quando canta

os horrores da fome, eles estão ali presentes, são emoldurados por uma relação de

sentido que se revela em cada uma de suas partes. Cada canção se apresenta como

um texto que, como previu Iuri Lótman (In: MACHADO, 2003), trabalha a partir da

conjunção de sistemas (unidades ordenadas abertas) para compor um todo

significante. Para entendermos a lógica das músicas aqui analisadas, faz-se necessário

a observação do conjunto a fim de buscar a materialidade referida por Zumthor. Além

disso, precisamos pensá-la ao lidarmos com o ininteligível, uma vez que a poeticidade,

o ritmo e as melodias, quando vistos separadamente, pouco nos dizem. Observemos

um exemplo:

The way I see it Just ain't your way You won't listen To what I have to say I won't tolerate The things you want me to see Say you're here to help But you just fuck me. No more lies and deceit It‟s not our fault We are this way We all have our views And different things to say You judge me, I judge you

40

Nothing will change What are we to do?

42

Como nas demais letras aqui apresentadas, notamos que não há recursos

estilísticos dignos de nota. No entanto, devemos entender que os dezesseis versos

apresentados são cantados em quarenta segundos (dez dos cinquenta segundos da

música são partes instrumentais) divididos entre dois vocalistas, Dean Jones e Phil

Vane, tornando a letra-em-si totalmente ininteligível43 e nos fazendo notar que ela

quase se torna um elemento acessório em meio ao amontoado de gritos.

A performance é o que dá a materialidade à música e, portanto, não se trata

exclusivamente da letra, sobretudo quando levamos em conta sua composição e a

contrapomos a possíveis recursos poéticos ausentes quase que plenamente. Da

mesma maneira que os cantores de rua observados por Zumthor, não se trata

exclusivamente da compreensão de determinado texto (ou de certa fala), mas da

observação de um sentido material a partir da composição do todo. À sua maneira, os

instrumentos também se tornam ininteligíveis. O que se busca não é a clareza, mas a

exploração desse obscurantismo.

A discordância, o não ouvir, a falta de tolerância e de solução se materializam na

música através desse aparente caos. Todos esses elementos se reproduzem de

maneia a criar uma relação de sentido que se justifique pela junção de suas partes

constituintes dentro de sua própria lógica organizacional. Todas as músicas

reproduzem o que nelas é veiculado em sua mensagem.

O grito retoma elementos primevos (e elementares) da comunicação que, nos

casos aqui analisados, vêm a tona e em hipótese alguma poderia ser diferente. Um

42

EXTREME NOISE TERROR. “Deceived”. In. A holocaust in your head (faixa 2). Gotemburgo, Distortion, 1999 (relançamento). Tradução livre: “A forma como eu vejo isso/ Apenas não é a mesma que a sua/ Você não irá ouvir/ O que eu tenho a dizer/ Eu não vou tolerar/ As coisas que você quer que eu veja/ Dizendo que está aqui pra ajudar/ Mas você só quer me foder/ Chega de mentiras e de enganações/ Não é nossa culpa/ Nós estamos neste caminho/ Todos nós temos nossos pontos de vista/ E coisas diferentes para dizer/ Você me julga, eu te julgo/ Nada irá mudar/ O que iremos fazer?” (a tradução é nossa). 43

A mesma música foi regravada no álbum Retro-bution, de 1994, com a mesma letra, só que desta vez, contabilizando pouco mais de dois minutos, tornando-a mais inteligível.

41

bom exemplo disto é a música “Free Speech for the Dumb”44, da banda Discharge, na

qual a frase título é repetida dezesseis vezes em um minuto (a música contabiliza dois

minutos e quinze segundos, sendo o primeiro uma introdução composta de dois

acordes acompanhados repetidamente de percussão). A exigência dessa liberdade de

expressão, ainda mais aos mudos, é reclamada aos gritos, mesmo que ainda nesta

fase inicial (1982, seis anos antes do referido álbum da banda Extreme Noise Terror) o

entendimento da fala estivesse mormente presente45, sendo que a questão do entender

vai se tornando cada vez mais frágil e desimportante.

No álbum de estreia da banda Discharge, essa liberdade de expressão (bem

como o seu oposto) é explorada de diversas maneiras. Músicas como “I Won‟t

Subscribe”, “Drunk With Power” e “Cries of Help” (faixas quatro, cinco e nove,

respectivamente), são exemplos disto: os mudos (ou silenciados) podem falar. Até

mesmo a música que intitula o álbum e as imagens que compõem a capa são bons

exemplos dessa materialização; há a construção de uma liberdade que, naquele

momento, não é algo abstrato, aparecendo inclusive na taxação do preço do disco para

que o produto não fosse supervalorizado46.

Partindo de tal discussão, podemos inserir um ponto teórico desenvolvido por

Max Bense (1971) em Pequena estética. O autor alemão, no capítulo intitulado “Teoria

geral do repertório”, aborda questões de uma semântica interna à própria obra,

afirmando que “o fato de um mundo artificial de objetos artísticos depender de um

repertório sugere que o modo de contemplar esse mundo deva ser descontínuo,

discreto, vinculado a seus elementos” (1971). Essa concepção artificial de mundo

apresentada por Bense nos coloca diante da materialidade considerada por Zumthor:

parte-se de um recorte de mundo que se insere na obra e, no instante de sua

realização, torna-se tão palpável como linguagem quanto o próprio repertório de que é

vertido.

44

DISCHARGE. “Free Speech for the Dumb”. In: Hear nothing, see nothing, say nothing (faixa 13). Minneapolis, Havoc Records, 2010. 45

Mesmo que não queiramos utilizar uma abordagem diacrônica dos álbuns aqui analisados, não podemos ignorar certos fatores que culminam numa evolução sonora e, ao mesmo tempo, numa involução do entendimento da fala. 46

O lançamento de 1982 possui uma pequena tarja com a inscrição “Não pague mais de £ 3,99”, muito comum à época.

42

O autor defende a ideia de que produções artísticas são amparadas por uma

moldura, ou seja, sua singularidade não é algo dado, mas estabelecido por relações

sintáticas, semânticas e pragmáticas enraizadas em repertórios exploráveis em sua

finitude. Por mais que o punk rock quisesse se distanciar de tais premissas, sobretudo

do plano semântico, a sua pré-ordenação para que haja relações de sentido depende

de sua inserção na moldura bensiana e nos faz reconhecer elementos comuns à obra e

ao mundo que a circundam.

Sua materialidade se estabelece a partir das possibilidades combinatórias

predeterminadas reconhecidas tanto pelo emissor (banda) quanto pelo receptor

(público)47, criando um campo de entendimento (e apreciação) estético do que está ali

impresso e gravado. Sua construção se dá a partir de uma dupla articulação dos

objetos amparados em um plano pré-ordenado. Ao mesmo tempo que é por ele

amparado (graficamente latente), destitui a composição ordeira da música; há uma

desconstrução da lógica musical, seja pela opção de micromúsicas (que, por vezes,

não excedem um minuto), seja pela colocação do grito como elemento permanente, ou

pela indiferença à falta de domínio técnico dos instrumentos musicais, havendo

também, em concomitância, um alinhamento de formas tácitas do cânon musical (ainda

as ouvimos e reconhecemos, ali, uma música).

Essa repartição ambivalente que ora coloca elementos do mundo em sua

representação clara e ora os distorce para atingir os efeitos almejados é resultado de

uma relação semântica muito particular; levando em conta que Bense toma como

semântica “a localização espacial de representações do conteúdo” (1971), ela não

pode ser vista como um epifenômeno não figurativo, uma vez que não se trata de algo

isolado e tampouco pontual48.

Desta maneira, podemos adentrar no produto gerado por esse processo cultural:

o disco, algo composto de diversos textos a partir dos quais podemos constatar certa

ordenação por vezes perdida nas gravações ao vivo (muito disto em função da

47

Não entraremos, aqui, na teoria da recepção estabelecida por Hans Jauss e outros. 48

Uma vez que nosso recorte de corpus é somente uma forma de amostragem espaciotemporal de um movimento que não apenas moveu multidões inglesas na década de 1980, mas que o fez, e continua fazendo, em todo o mundo.

43

precariedade) e que, além disso, concatena diversos elementos que emprestam maior

materialidade à performance em si.

44

1.5. Media(tiz)ação

Para melhor compreendermos a mediatização de uma performance, é

necessário, em um primeiro momento, entender que as máquinas de ouvir (gramofone,

fonógrafo, hi-fi, mp3) criam relações completamente outras com seu auditório. A mais

radical delas é, sem dúvida, o domínio que possibilita a manipulação da música:

controle de volume, ordem das faixas, interrupção e equalização são algumas das

possibilidades exercidas pelos registros sonoros gerados desde seu pleno

desenvolvimento a partir da segunda metade do século XX (IAZZETTA, 2009),

excetuando a necessidade de presença física dos agentes envolvidos. A conversão da

música em objeto é algo tão potente que acarreta uma mudança na própria execução

(e apreciação) de uma performance, pois agora ela não se trata mais de uma surpresa

para o público leigo6, mas da reprodução daquilo que fora registrado sonoramente em

um estúdio. O rock, desde sua gênese, produz seus frutos através desses objetos de

escuta.

É claro que questões referentes à tactilidade da performance se perdem nesse

processo de conversão da música em coisa, como aponta Zumthor (2005). Transforma-

a em algo perfectível em função de sua transposição a um estúdio comandado por uma

figura até então desconhecida: os técnicos de som. Contudo, por mais esmerados que

sejam, esses materiais são compostos de conjuntos de signos que exprimem de

maneira mais clara (não necessariamente melhor) o que é almejado por seus

emissores, sobretudo por ser um produto polimidiático que detém uma diversidade de

manifestações além da música propriamente dita. Podemos vê-lo como uma

concatenação de ideias que culminam numa justificativa da performance. O disco, ao

ser visto como um todo significante (uma espécie de metatexto), toma um sentido que

está muito além de sua mera decomposição em elementos desconexos entre si.

6 Para os músicos amadores, tal premissa é válida desde a possibilidade de impressão de partituras, no

século XVI, mas essa parcela do público era (e ainda é) minoritária em relação àqueles que simplesmente ouviam música sem nenhum domínio técnico.

45

O objeto aqui analisado, por exemplo, não pode ser comparado a discos que

foram superexplorados por grandes gravadoras e reproduzidos à exaustão50. Há uma

grande diferença que tange toda a sua produção por se tratar de algo que não tinha

como objetivo inicial o enriquecimento ou atingir o mercado mundial, mas de produzir, a

partir de uma situação precária, registros de determinada época51. Por mais

reprodutível que seja a obra e por mais que seu ouvinte tenha certa autonomia em

relação a ela, não podemos compará-la a todo e qualquer álbum lançado.

Posto isso, relembremos o clássico ensaio de Walter Benjamin acerca da

reprodutibilidade técnica do objeto artístico; apesar de sua discussão central sobre a

perda da aura ao passar pela reprodução, o autor traz outro ponto que neste momento

nos parece mais interessante: a colocação do cidadão comum como um produtor

midiático. Quando Benjamin tece seus comentários sobre o cinema da época, ele

afirma que: “Cada pessoa, hoje em dia, pode reivindicar o direito de ser filmado” (1985)

e estende isto ao universo jornalístico, dizendo que a divisão entre leitores e escritores

se mostra cada vez mais frágil. Cria-se uma membrana permissiva que separa o autor

de seu público, atribuída ao crescimento da imprensa. Podemos dizer que o processo

de proliferação de bandas punk em fins da década de 1970 e sua manutenção até o

atual momento é análogo. Benjamin coloca que:

Num processo de trabalho cada vez mais especializado, cada indivíduo se torna bem ou mal um perito em algum setor, mesmo que seja num pequeno comércio, e como tal, pode ter acesso à condição de autor. O mundo do trabalho toma a palavra. Saber escrever sobre o trabalho faz parte das habilitações necessárias para executá-lo. A competência literária passa a fundar-se na formação politécnica, e não na educação especializada, convertendo-se, assim, em coisa de todos

52.

50

Como é o caso de alguns discos de punk rock que venderam milhões de cópias. 51

A gravadora Alternative Tentacles, em seu site oficial, afirma ter lançado entre 300 e 450 bandas diferentes, com tiragens entre 500 e 1000 cópias de cada disco em seu catálogo, uma quantidade inexpressiva em comparação a uma grande gravadora como a CBS (que lançou 4 milhões de cópias de um disco como o London Calling, da banda The Clash, em 1979). Isso nos mostra que não se trata da exploração exaustiva de determinados títulos, mas da viabilização do lançamento do maior número possível de títulos diferentes. 52

BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Primeira versão” (pág. 184). In: Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política (vol. 1). São Paulo, Brasiliense, 1985. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet (o grifo é nosso).

46

Essa conversão em coisa de todos faz muitos paradigmas caírem por terra,

sobretudo aquilo que separa o emissor do receptor. Estes não estão mais separados

por barreiras formais e estanques, mas se alinham e jogam essa inversão de funções

simultaneamente. A relação público-mídia toma as mesmas proporções do diálogo em

função da possibilidade de interação. Ao mesmo tempo, podemos pensar em outro

pormenor interessante a partir da colocação benjaminiana: esse câmbio entre

produtores e público levado às últimas consequências viabiliza a sua colocação na

mídia que melhor condiz com as propostas e ideias de seu público produtor. Ian

Glasper, autor que compilou entrevistas com diversas bandas em seus livros, faz uma

colocação muito interessante no prefácio de The Day That a Country Died:

No começo havia Crass53

... mesmo como líderes relutantes do movimento anarco-punk, que essencialmente evitava qualquer liderança, e eu duvido que eles irão me agradecer por ter dito isso. Mas eles foram o ano-zero, uma linha realmente linear traçada na areia que se traduzia em “Já é o bastante!” Sem mais corporações desrespeitando nossa música; esse foi o nascimento das genuínas marcas DIY

54, as quais os discos eram vendidos por valores virtuais,

e sustentando “Não pague mais que...” em advertências para ter certeza que (os valores) seriam respeitados. Sem mais agentes controlando shows punks e cobrando valores extraordinários; agora fãs da música poderiam se comunicar diretamente com as bandas e agendar concertos com elas de maneira alternativa por um valor pagável [...]. Sem mais revistas de moda ditando como punks deveriam parecer, soar e se comportar; qualquer um que pudesse colocar duas palavras juntas e usar um grampeador era um potencial editor de fanzines

55.

O caso do punk rock é diferente daquele observado por Benjamin por não se

tratar da inserção do cidadão comum nos meios de comunicação7. O punk rock se

torna, assim, uma maneira de dar voz a um grupo de pessoas que já não estavam de

53

A banda Crass, fundada em 1977, foi a primeira a levar para fora da música o estilo punk. 54

DIY é uma sigla muito adotada no universo punk, que significa “do-it-yourself” (faça você mesmo), muito comum à época. Daí surgiram pequenas gravadoras que lançavam a tarja “Não pague mais que... neste disco”, editores de revistas caseiras (os fanzines) e produtores de shows que eram fãs e entusiastas do estilo musical. O estilo, após essa reviravolta, esforçou-se ao máximo para ser autossuficiente em relação aos demais setores industrias que influiriam diretamente na música. 55

GLASPER, I. The day the country died: a history of anarcho-punk 1980-1984 (pág. 8). Cherry Red Books, Londres, 2012 (a tradução e o grifo são nossos). 7 De certa maneira, o tópico abordado por Benjamin está muito mais próximo das interações propiciadas

ao público de um programa de auditório do que como produtores de suas próprias mídias, como é o caso do punk.

47

acordo com os pressupostos midiáticos impostos por grandes gravadoras e agentes e,

em função disso, precisaram se apoiar em vias alternativas que dessem conta de

abarcar seus ideais, consistindo numa produção midiática que não era

necessariamente musical e que contava com inúmeras possibilidades de atuação

(inclusive no papel de técnico de estúdio).

Isso nos mostra que o processo de transposição da performance ao vivo para o

material fonográfico não se deu da mesma maneira que as grandes gravadoras o

faziam (veremos isso mais detalhadamente nos próximos capítulos). Ela não se dá

unicamente pela proximidade entre os envolvidos ou por ser majoritariamente feita por

pessoas que faziam parte do movimento como um todo; há, aqui, outros elementos que

são cruciais. A precariedade e a falta de domínio técnico (tanto dos instrumentos

quanto dos aparatos de um estúdio) seriam responsáveis por registros fonográficos que

até então seriam inimagináveis:

“Mick56

era guitarrista em Condemned 84”, explica Pete57

. “Ele sofreu um acidente em uma indústria e recebeu uma indenização substancial, então ele investiu em alguns equipamentos de estúdio e os colocou em uma parte de seu quintal. Dean

58 disse que seriam oito faixas, Mas eu pensei em algo mais

considerável que isso. Eu também me lembro de notar que os ensaios estavam indo rápido: Eu imaginava que nós sabíamos as músicas muito bem”

59.

Os comentários tecidos acima narram o primeiro registro fonográfico da banda

Extreme Noise Terror, o split60 Radioactive earslaughter61, e evidenciam essa

precariedade referida anteriormente; um acidente de trabalho foi o que viabilizou o

tosco e primeiro registro de ambas as bandas (considerado o melhor material gravado

pelos dois grupos). Mas essa não é uma exceção. Vejamos outro exemplo:

56

Mick Cliff, guitarrista da banda Condemned 84. 57

Pete Hurley, guitarrista da banda Extreme Noise Terror entre 1985 e 1995. 58

Dean Jones, vocalista da banda Extreme Noise Terror de 1985 até o presente momento. 59

GLASPER, I. Trapped in a scene: UK Hardcore 1985-1989 (pág. 45). Londres, Cherry red books, 2009 (a tradução e os grifos são nossos). 60

Álbum gravado com duas bandas. No caso do disco de vinil, cada lado era ocupado por uma das bandas. 61

EXTREME NOISE TERROR; CHAOS UK. Radioactive earslaughter. Bedfordshire; Hannover, Boss Tuneage; Farewell records, 2013.

48

“Eu me lembro que Hammy62

disse que não poderia pagar a gravação naquela época porque ele estava atrás de fazer apenas o LP de Deviated instinct

63,

então eu peguei o dinheiro da gravação emprestado com a minha avó.” Recordou Stick

64. “E nós gravamos todas as músicas que tínhamos até aquele

momento. Não sabíamos nada sobre o processo de gravação e de mixagem, isso deixava os técnicos loucos, por isso, quando foi sugerido que eu usasse uma antiga bateria eletrônica Simmons para a cilada da bateria, eu aceitei. O engenheiro de som disse que ele poderia fazer soar do jeito que queríamos... [...] Eu me lembro de que Pete

65 era muito jovem também, e ele disse à sua

mãe que iria trabalhar para não ter problemas com ela”66

.

O mais importante é observarmos de que maneira a precariedade pode gerar o

registro de um processo cultural legítimo e que acarreta uma produção que não poderia

deixar de existir. Afinal, esse material físico opera uma função muito importante: a

propagação.

Além disso, não se trata apenas do registro de uma banda que se distancia das

demais – como podemos notar nas falas dos grupos aqui recortadas –, mas também

vemos um processo de composição coletivo, direta ou indiretamente. Integrantes de

outras bandas, donos de gravadoras e até mesmo familiares viabilizaram essa inserção

em um universo de geração de produtos, o que nos remete ao ensaio de Octavio Paz

intitulado “Invenção, subdesenvolvimento e modernidade”, no qual o autor coloca:

Agora o leitor e o ouvinte participam na criação do poema e, no caso da música, o executante também participa do arbítrio do compositor. As antigas fronteiras se apagam e reaparecem outras; assistimos ao fim da ideia da arte como contemplação estética e voltamos a algo que o Ocidente havia esquecido: o renascimento da arte como ação e representação coletiva [...]

69.

A criação coletiva é algo que permeia todo o movimento punk e que, no entanto,

se torna bem menos óbvio quando de sua performance, uma vez que, neste momento,

62

Funcionário da gravadora Peaceville Records, então gravadora da banda Doom. 63

DEVIATED INSTINCT. Rock’n Roll Conformity. Heckmondwike, Peaceville records, 1988. 64

Tony “Stick” Dickens, Baterista da banda Doom de 1987 até o presente momento. 65

Pete Nash, baixista da banda Doom entre 1987 e 1992. 66

GLASPER, I. Ibid. Cit. (pág. 100). 69

PAZ, O. “Invenção, subdesenvolvimento e modernidade” (pág. 137). In: Signos em rotação. São Paulo, Perspectiva, 2009. Tradução de Celso Lafer.

49

há uma separação formal entre banda e público, por mais transponível que esta seja.

Como coloca Janice Caiafa: “Nas apresentações punks a plateia nunca é secundária,

ela interfere o tempo todo [...]” (1985). Já o álbum, por mais que haja uma autoria

envolvida por vezes ignorada (a grande maioria dos discos vem apenas com os

primeiros nomes dos integrantes, às vezes com pseudônimos), é um produto de

construção coletiva que excede os integrantes da banda. Estes processos que fazem a

performance mediatizada fugir de um padrão mediador de grandes estúdios, pois,

como coloca Fernando Iazzetta:

Hoje é quase impensável reconhecer um nicho da cultura musical cuja sobrevivência não esteja diretamente ligada ao uso regular das facilidades do estúdio de gravação. Parte deste quadro é determinado pelos mecanismos de disseminação musical que impõem que qualquer música seja gravada para ser difundida (2009:64).

Essa lógica opera em todos os setores musicais, do mais enlatado pop star ao

mais marginal dos músicos. Com o punk rock, não seria diferente: ele também é

submetido a uma mediação musical que, na maioria dos casos, se dava de maneira

endógena. Tal processo se deu de punks para punks: todas as gravadoras que

produziram os álbuns aqui analisados não lançavam outros estilos de música, não

dispunham de grandes tiragens e é pouco provável que visassem o mesmo impacto

que as grandes gravadoras tinham e ainda têm. Quando essa barreira é transposta,

resta à gravadora o rechaço das bandas. O caso mais ilustrativo desse cenário é o

álbum Fuck Peaceville (2009), da banda Doom. O disco, lançado pela gravadora

alemã Twisted Chords, foi uma resposta à antiga gravadora (Peaceville), que, após ter

sido vendida parcialmente a outra gravadora maior (Music for Nations), notificou seus

artistas dizendo que metade de seus direitos autorais passariam a pertencer a eles; a

resposta foi um disco com os seguintes dizeres em sua contracapa:

Esse lançamento não contém músicas novas. Isso está sendo lançado devido ao tratamento que a banda recebera da Peaceville records, que agora vendeu metade da marca à “Music from Nations”. Isso aconteceu após eles terem assegurado à banda que as gravações não cairiam nas mãos de um grande selo. Além disso, por alguns anos, a banda quis regravar alguns de suas

50

músicas mais antigas por não terem ficado felizes com a produção original (especialmente War Crimes). Não comprem “Peaceville Records”, vocês sabem que isso faz sentido! Doom

8.

Desobedecendo a política de direitos autorais, a banda, ao se ver lesada pelo

processo de mediação, relança o álbum em dez versões diferente entre 1995 e 2012,

ignorando o contrato estabelecido anteriormente. Assiste-se, desta maneira, ao

estabelecimento de uma política própria em relação ao poder exercido pelos

copyrights, revelando uma relação diferente tanto com a mediação quanto com a

mediatização, agregando aspectos que tornam esee processo algo, no mínimo,

curioso.

O registro imortalizado pela gravação pode ser visto a partir de uma relação

hierárquica; é mediatizado aquilo que performaticamente cativa. Há certa obediência

regida por fatores de influência externa. O punk rock estabelece suas exceções: como

pudemos notar no relato de Stick, baterista da banda Doom, todas as músicas que a

banda havia composto foram gravadas na ocasião do lançamento de seu primeiro

disco. A banda Amebix fez algo muito parecido. Em conversa com Stig Miller, fomos

informados de que parte das músicas, integral ou parcialmente, foi composta em

estúdio, o que demonstra que este deixa de ser apenas um espaço para gravações

para se tornar um espaço de criação.

Tais episódios configuram algo muito singular, pois, no caso da banda Doom, o

álbum possui vinte e uma músicas divididas em pouco menos de quarenta minutos,

explorando unidades muito pequenas quando comparadas a uma espécie de medida

padrão de duração, que varia entre dois e três minutos e meio70 (quinze músicas

possuem menos de dois minutos, uma delas apresentando apenas cinquenta e cinco

segundos).

8 DOOM. Fuck Peaceville. Twisted Chords, Pfinztal, 2009 (a tradução é nossa).

70 Cf. EVERETT, W. Expression in Pop-Rock Music: A Collection of Critical and Analytical Essays.

Oxford, Routledge, 1999.

51

Diferentemente, por exemplo, da música que melhor explora tal relação com

microunidades, “You Suffer”71, da banda Napalm Death, que conta com quatro

segundos de duração. A música, que foi composta em estúdio durante a gravação do

álbum, busca inspiração na banda americana Whermacht, que possui outra música de

seis segundos. Neste caso, a microunidade está presente de maneira pensada, é

resultado de uma ligação externa, mas também busca uma função criativa na função

do estúdio de gravação.

Mesmo admitindo a perda da circunstância em que a performance é colocada

em prática, Paul Zumthor não vê a mediatização apenas em seus aspectos negativos,

afirmando que:

A introdução dos meios audiovisuais, do disco à televisão e ao vídeo, modificou profundamente as condições da performance. Ela não tocou na natureza própria desta. A mediatização de uma mensagem lhe assegura uma repetitividade análoga (embora não idêntica) àquela que ela poderia conservar da escrita; ela não guarda menos, no seu modo de funcionamento efetivo, seu caráter extra-temporal. A mediatização atenua ou apaga certos aspectos corporais da performance (aqueles que se referem à “tactilidade”), mas ela deixa subsistir um traço essencial: o jogo na transmissão da mensagem, de estímulos e percepções sensoriais múltiplas

72.

A modificação performancial é inerente a uma evolução dos meios de

propagação em função da popularidade de seus suportes. O ponto central da

discussão proposta por Zumthor a ser aplicada no presente trabalho é a colocação

desta performance em uma relação perene com o tempo que a cerca; mesmo que se

apaguem as relações corporais, a mensagem está ali presente. Por mais que a

mediatização seja quase obrigatória, ela não anula a tactilidade requerida pelo público,

afinal, nenhuma das bandas eximia-se de fazer concertos. Ela opera como a produção

de algo físico que seria reproduzido em outro ato parcialmente embasado nesse

produto anterior. Tal processo configura uma nova relação estabelecida entre a

mediação, emissores e receptores, visto muitas vezes como algo negativo para o

71

NAPALM DEATH. “You Suffer” (faixa 12). Op. Cit. 72

ZUMTHOR, P. Op. Cit., 2005. Págs. 141-2.

52

processo de criação musical. Jesús Martín-Barbero, em uma lúcida releitura do ensaio

de Walter Benjamin, postula que:

[...] a nova sensibilidade das massas é a da aproximação; isso que para Adorno era o signo nefasto de sua necessidade de devoção e rancor resulta para Benjamin um signo, sim, mas não de uma consciência acrítica, senão de uma longa transformação social, a da conquista do sentido para o idêntico no mundo. [...] Agora, as massas sentem próximas, com a ajuda das técnicas, até as coisas mais longínquas e mais sagradas. E esse “sentir”, essa experiência, tem um conteúdo de exigências igualitárias que são a energia presente na massa. Não será uma radical incompreensão desse sentir e sua energia o que escapará a adorno para entender a nova arte que nasce com o cinema e o jazz?

9 .

Sob tal ponto de vista, podemos concluir que o punk rock, seja ao vivo ou em

estúdio, é fruto de uma tentativa de aproximação de um fazer almejado pelas massas

que, após séculos de relações obliteradas ou negligenciadas por um saber dominante,

viram-se na condição de produtores e tiveram acesso, mesmo que precário, a uma

rede de possibilidades em função de avanços técnicos e de simulações de participação

(como o já citado caso do programa televisivo de auditório).

Em um momento como a década de 1980, quando essa inserção midiática já

havia se consolidado e, de certa maneira, sido aceita pela massa consumidora, vemos

a delicadeza da situação dos jovens que queriam produzir seus próprios processos

culturais. Ao olhar para trás, eles perceberiam que os que haviam ido contra esses

modelos estavam afastados em suas sociedades alternativas ou enclausurados em

vitrinas, convertidos em produtos. O punk rock buscou a exclusão dessas relações

mediadas entre massa produtora e controle hegemônico dos meios a fim de borrar as

fronteiras que se impunham, estabelecendo relações diferentes entre ambos os setores

envolvidos, mesmo que a fórceps, como veremos nos capítulos a seguir.

9 MARTÍN-BARERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de

Janeiro, UFRJ, 1997 (pág. 82). Tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides.

53

2. Cultura e ruína: uma análise da margem

Após a observação dos mecanismos performáticos do punk rock

analisados no capítulo anterior, observaremos sua inserção em nossa cultura

de uma maneira geral. Fica claro que há uma escolha antiestética em sua

composição musical, nas imagens escolhidas para figurar suas capas e na

própria imagem por eles escolhida; o punk estabelece um movimento de

quebra com a música. Por sua vez, ela é o instrumento utilizado para sua

afirmação e implica certas particularidades em sua inserção na cultura. Digno

de nota é o fato de que o rock e suas peculiaridades chamaram a atenção de

diversos estudiosos, pois nada até então havia causado o mesmo impacto em

nossa cultura no âmbito musical: tanto o fato de milhares de garotas gritando

em frente a um aeroporto onde quer que os Beatles aterrissassem quanto

centenas de jovens confinados em garagens e porões dando outra significação

ao termo músico amador.

Michel Foucault, em diálogo com Pierre Boulez, afirma que:

Não somente o rock (muito mais do que antigamente o jazz) faz parte integrante da vida de muitas pessoas, como também é um indutor de cultura: gostar de rock, gostar mais de tal tipo de rock do que de outro é também uma maneira de viver, uma forma de reagir; é todo um conjunto de gostos e atitudes.

O rock oferece a possibilidade de relação intensa, forte, viva, “dramática” (no sentido de que ele próprio se oferece em espetáculo, de que a audição constitui um acontecimento e é encenada), com uma música que é pobre em si mesma, mas através da qual o ouvinte se afirma; e, além disso, se mantém uma relação frágil, temerosa, distante, problemática com uma música erudita da qual o público se sente excluído

10.

Ele toca em dois pontos nodais que nos servirão de mote para dar início

à nossa discussão acerca da colocação do punk rock como uma manifestação

10

FOUCAULT, M. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro, Forense, 2009. Tradução de Inês Dourado Barbosa. (Pág. 393).

54

de cultura marginal: a forma pela qual ele se destaca de sua música para dar

às pessoas um modelo de vida e a sua relação problemática com determinada

cultura instituída. Para tanto, nos aproximamos dos primeiros escritos que

abordam o termo contracultura (por mais que este seja pouco usado em

relação ao punk rock). É a partir dele que o rock deixa de ser um estilo de

música para ser convertido em um estilo de vida que nortearia milhões de

jovens a partir da década de 1960.

2.1. Cultura X contracultura: movimentos antitéticos?

Em fins da década de 1960, Theodore Roszak publica um livro seminal

para a compreensão do desenvolvimento da contracultura nos Estados Unidos

e na Europa. O autor americano, mesmo que passando de maneira leviana

pela música, faz considerações de grande valia para que possamos nos situar

próximos à gênese deste momento histórico. Ele vê uma grande revolução do

pensamento jovem propiciada por interesses múltiplos, como o orientalismo,

drogas psicodélicas e experiências comunitárias, que poderiam culminar em

grandes mudanças paradigmáticas no desenvolvimento das sociedades centro-

ocidentais. Contudo, precisariam de tempo para ser absorvidas e reproduzidas

até se converterem em uma realidade alternativa que nosso desenvolvimento

tecnocrático poderia ter conhecido como uma possibilidade de mundo – o que,

como fica claro, não aconteceu.

Por mais que alguns desses jovens da década de 1960 tenham trazido

contribuições que hoje se tornaram uma espécie de vulgata, como a ecologia, o

sonho de uma sociedade alternativa edificada desde nossa primeira revolução

industrial falhou quase que miseravelmente. Ao invés do poder das flores, a

década de 1980 assistiu à equação Margareth Thatcher e Ronald Reagan,

além de o regime soviético não mais representar nenhuma esperança e as

ditaduras latino-americanas, mesmo que próximas de seu fim, estavam em

plena atividade.

55

O futuro almejado pela década de 1960 se viu transformado em algo

totalmente inviável, mas não em um delírio juvenil. Esse sonho poderia ser

convertido em moeda de troca entre grandes capitais, justificando o

alinhamento de bandas a grandes gravadoras: Jefferson Airplane lança seu

álbum de sucesso, Surrealistic Pillow, com a RCA em dezenas de edições

diferentes no ano de 1967, Janis Joplin alterna-se entre a CBS e a Columbia,

os ingleses do Led Zeppelin alinham-se à Atlantic Records, os Rolling Stones

posam em fotos com a rainha, e os Beatles, talvez o mais forte expoente,

deixam de se apresentar ao vivo em 1966 por não suportarem mais a histeria

de sua plateia. Seus sonhos foram reduzidos aos três dias de paz, amor e

música de Woodstock, que, como uma premonição, previu o futuro conflito com

a polícia nos festivais gratuitos em Stonehenge, no ano de 1984.

O que restaria à cultura jovem das décadas seguintes? O que o mundo,

trocando o colorido hippie pelos escuros muros das grandes cidades, lhes

ofereceria? A configuração global muda e com ela a temática do rock se

encaminha a algo mais contundente. Podemos citar alguns exemplos, como a

já mencionada banda Jefferson Airplane, em “White Rabbit” (um hino de sua

geração, baseada na Alice de Lewiss Carrol), que canta para que alimentemos

nossas mentes e nos entreguemos às experiências lisérgicas no ano de

196711. Seis anos depois, Iggy Pop and the Stooges, um dos grandes

precursores do punk rock, autoproclama-se filho da bomba A, gritando que seu

coração está cheio de napalm12. Major Tom13, o astronauta perdido no espaço

criado por David Bowie em 1969, é convertido, na década de 1980, em um

viciado em heroína14. A banda Black Sabbath, na Inglaterra,

contemporaneamente aos americanos da banda Coven, substituem a paz e o

amor pelos portais do inferno, fazendo músicas para assustar as pessoas. Algo

havia definitivamente mudado e ecoaria em opções estéticas assumidas pelo

11

“Remember what the dormouse said/ Feed your head, feed your head”. JEFFERSON AIRPLANE. Surrealistic Pillow. RCA, Nova Iorque, 1967 (faixa 10). 12

“I‟m a street walking cheetah/ With a heart full of napalm/ I‟m a runaway son of the nuclear A bomb/ I‟m a world‟s forgotten boy/ The one who searches and destroys”. THE STOOGES. Raw Power. Columbia, Washington, 1973 (faixa 1). 13

BOWIE, David. Space Oddity. Phillips, Londres, 1969 (faixa 1). 14

“We know Major Tom‟s a junkie/ Strung out on heaven‟s high/ Hitting all-time low”. BOWIE, David. Scary Monsters and super creeps. RCA, Nova Iorque, 1980 (faixa 4).

56

rock. O punk rock, surgido no apogeu crepuscular desses ímpetos juvenis,

levaria isso ao extremo. Como coloca Renato Cohen:

Considerando os anos de 1980, o que se tem em relação à década passada é uma nítida quebra com a esperança que marcou aqueles anos. Não se sonha mais com a sociedade alternativa – o sonho hippie foi absorvido pelo sistema, e slogans pela paz e pelo amor

soam ingênuos, quando não carolas.

Nos anos 80, vão continuar existindo movimentos de resistência, como o punk, só que agora revestidos de uma persona muito mais violenta – a ordem é combater o sistema com suas próprias armas. Se Eros marcou os decênios de 1960-1970 com o flower-power, o “amor livre”, o retorno à natureza e aos cultos místicos, é Thanatos que rege os anos 80: cultuam-se as cores negras, a violência, o lado podre do sistema

15.

Diante de tal realidade, o punk não mais se afirma, como outrora fizeram

os hippies, como um movimento contracultural. A questão não era mais a de

propor uma alternativa à sociedade dominante, mas de empreender uma

batalha processual contra o sistema que, por sua vez, lhes daria ele mesmo as

armas para tal combate. Em suma, o plano não era mais o de edificação de um

futuro possível, mas o da destruição de um presente concreto. Para isso, era

necessário se despir de regras impostas pela cultura e, paradoxalmente, viver

em meio a elas. O que nos leva a pensar nas mudanças trazidas pelo punk

através da revisão de certos preceitos culturais, bem como o estabelecimento

de linhas de fuga (DELEUZE; GUATTARI, 2011). O mais importante deles, sem

dúvida, é a desobrigação do domínio técnico dos instrumentos musicais

utilizados pelo rock. Entramos, aqui, no primeiro ponto que abordaremos da

fala de Michel Foucault: a sua relação de exclusão delimitada pelo erudito.

Ao pensarmos em tal exclusão devemos voltar no tempo e não pensar

exclusivamente no que tange a música em si. Deve-se levar em consideração

como a sala de concertos exclui o público através de imposições

comportamentais e financeiras; como é sabido, esses espaços nunca foram

15

COHEN. Renato. Op. Cit. (Pág. 144). Não estamos plenamente de acordo com a relação temporal estabelecida por Cohen, pois, como exemplificamos anteriormente, o Eros por ele concebido já começa a perder sua potência criativa na década anterior, dando espaço ao desfile negro que conheceria seu ápice na década de 1980, mas se fazendo presente anteriormente.

57

destinados às classes populares e foram responsáveis por uma domesticação

corpórea da música. Acerca disso, José Miguel Wisnik coloca que:

A inviolabilidade da partitura escrita, o horror ao erro, o uso exclusivo de instrumentos melódios afinados, o silêncio exigido à plateia, tudo faz ouvir a música erudita tradicional como representação do drama sonoro das alturas melódico-harmônicas no interior de uma câmara de silêncio de onde o ruído estaria idealmente excluído [...]. A representação depende da possibilidade de encenar um universo de sentido dentro de uma moldura visível, uma caixa de verossimilhança que tem que ser, no caso da música, separada da plateia pagante e margeada de silêncio

16.

E, enquanto isso, as festas populares (muito mais próximas de um

concerto de punk rock) enchiam-se de ruidosa animação. Devemos

compreender que, por mais que o autor construa tal afirmação com base em

relações muito antigas, elas são perenes; a plateia de um concerto clássico

deve permanecer sentada e em silêncio, e os que subverteram tais

pressupostos são tidos, até os dias de hoje, como vanguardistas (Stravinsky,

Cage, Stockhausen). Acontece que a rudeza do rock e, em especial, a

violência do punk não caberiam nunca naquele espaço e, provavalmente,

tampouco gostariam de estar ali. Isso os coloca automaticamente fora do que

Theodor Adorno, em Introdução à sociologia da música, chamou de música

séria.

A separação entre cultura e contracultura se mostra evidente em

determinado movimento estabelecido pelo rock a título de nomenclatura, mas

não necessariamente adere a ela por não pertencer – ou não querer pertencer

– a uma cultura institucionalizada. Em verdade, o rock vem, desde sua gênese,

para engrossar o barulhento carnaval de formas populares17, e não para entrar

em acordo com os ideais sérios da música que são, por vezes, sérios demais.

Entramos em um ponto nevrálgico para uma acepção do que

entendemos por cultura e sua separação em diversas esferas. Como fica claro,

16

WISNIK, José Miguel. Op. Cit. (Pág. 42). Os grifos são nossos. 17

É claro que alguns segmentos do rock, como o progressivo, aproximaram-se muito mais da música erudita do que das raízes do rock, construindo algo muito mais próximo do melódico do que do rítmico.

58

a sua segmentação em oposições binárias que tendam a compreender não

apenas o seu lugar, mas a sua validade, é deveras discutível, uma vez que sua

identificação depende de determinadas operações que tendem a excluir toda

uma massa produtora e tudo aquilo que foi para ela desenvolvido. Acerca

disso, Giorgio Agamben coloca que:

Estamos aqui em presença de um fenômeno muito curioso, que precisamente nesse momento começa a assumir proporções macroscópicas: isto é, parece que a arte prefere muito mais se dispor no molde informe e indiferenciado do mau gosto a se espelhar no precioso cristal do bom gosto. Tudo se passa, em suma, como se o bom gosto, permitindo, a quem tem o seu dom, perceber o point de perfection da obra de arte, terminasse, na realidade, por torna-lo indiferente a ela; ou como se a arte, entrando no perfeito mecanismo receptivo do bom gosto, perdesse aquela vitalidade que um mecanismo menos perfeito, mas mais interessado, consegue, no entanto, conservar

18.

Essas considerações nos levam a desconfiar da edificação cultural que

tantos autores defenderam ferrenhamente. O próprio Agamben comenta que:

“[...] os críticos da cultura de massa desenvolveriam certamente um trabalho

mais útil se começassem a se perguntar, antes de tudo, como foi possível que

justamente uma élite refinada tivesse sentido a necessidade de criar, para sua

própria sensibilidade, objetos vulgares” (2012). O que chama a atenção para tal

discussão é justamente o afastamento desses pressupostos teóricos que

tendam a validar separações estanques de processos culturais que nem

sempre estão em acordo com o reino do gosto. Quando tratamos de tais

aspectos da cultura, estamos lidando com séculos de olvido acadêmico em

relação às massas, bem como a realidade que as cercam, suas condições

produtivas e sua significação. Acerca disso, Roy Wagner, em A invenção da

cultura, coloca que:

Quando falamos de "centros culturais", ou mesmo da "cultura da cidade de Chicago”, temos em mente um certo tipo de instituição. Não estamos falando em siderúrgicas, aeroportos, mercearias ou postos de gasolina, ainda que estes estejam incluídos nas definições antropológicas de cultura mais católicas. As "instituições culturais" de

18

AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. São Paulo, Autêntica, 2012 (pág. 45). Tradução de Cláudio Oliveira.

59

uma cidade são seus museus, bibliotecas, orquestras sinfônicas, universidades e talvez seus parques e zoológicos. É nesses santuários especializados, mantidos à parte da vida cotidiana por regulamentos especiais, subsidiados por fundos especiais, e cuidados por pessoal altamente qualificado, que os documentos, registros, relíquias e corporificações das mais altas realizações humanas são preservados e a "arte" ou "cultura" é mantida viva. A ideia de um "conservatório" musical é um bom exemplo, pois ele provê uma atmosfera reverente para a prática de estudos, ensaios, recitais e concertos, essenciais à "vida" da música. As instituições culturais não apenas preservam e protegem os resultados do refinamento do homem: também o sustentam e propiciam sua continuidade

19.

A cultura que reside, na acepção de Wagner, no universo de impressões

e gostos de determinadas parcelas da sociedade em detrimento de outras não

merece estar exposta em museus ou praticada em conservatórios. As

instituições responsáveis por tal difusão têm a função de elevar o espírito

humano ao dos gênios criadores, possibilitando ao inábil homem comum a

contemplação passiva ante o texto que ele jamais conseguirá reproduzir.

Podemos retomar a origem da palavra cultura. Ela vem do latim e era

usada para designar o cultivo agrário que se opunha à forma natural como as

plantas se desenvolviam. Cultura, portanto, é o empenho humano em agregar

em linhas aquilo que a natureza faz de forma indômita. Devemos nos lembrar,

todavia, de que as linhas organizam ao mesmo tempo que excluem. As

instituições que promovem a cultura da sala de concertos não opera de

maneira diferente. Não se trata de ir a favor dos que foram e são excluídos de

tais instituições, mas de observar que os processos culturais operam de

maneira mais complexa do que as resoluções dadas para que determinadas

obras adentrem nestes santuários enquanto outras são vistas quais ervas

daninhas.

A ideia de cultura concebida através de superações técnicas com a

função de refinar a vida humana nos parece inadequada para explicar

determinadas manifestações que não estão em acordo com seu caráter

institucional. Este motivo se aproxima da maneira que vemos o punk rock

19

WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo, Cosac Naify, 2009 (págs. 78-9). Tradução de Marcela coelho de Souza e Alexandre Morales.

60

inserido na cultura; através de um processo cultural que não se adapta aos

pressupostos de uma cultura dominante, mas tampouco se aproxima daquilo

que Adorno e Horkheimer denominaram como um produto da indústria cultural,

posto que suas recusas estéticas não o aproxima de um público de forma

massiva. Por exemplo: Tez Roberts, membro fundador da banda Discharge,

afirma que o grupo era capaz de organizar concertos com cerca de oitocentas

pessoas, pois a sua cidade tinha uma grande cena de punk rock. Como

podemos ver, o número é inexpressivo se comparado a qualquer grande

apresentação de rock.

Os undergrounds incorporados ao rock (não apenas ao punk)

configuram um ponto complicado em relação a essa cultura dominante. Apesar

de alguns poucos escolhidos conseguirem atingir o estrelato, a grande maioria

das bandas conseguiu espaços pequenos para dividir sua música com seus

pares, sobretudo após a consolidação do punk rock, responsável por mostrar

ao mundo que qualquer aglomerado de mais de duas pessoas poderia montar

uma banda sem a menor preocupação com o domínio técnico de seus

instrumentos20.

Estabelecem-se relações que até então a música ainda não conhecia e

sequer admitia, uma vez que os produtos criados não eram facilmente

convertidos em mercadorias fonográficas de grande expressão e tampouco

poderiam ser exaltados por sua realização técnica. Estabelecem-se relações

que podem ser explicadas a partir da consideração da cultura como algo que

apresenta certa elasticidade em seu desenvolvimento processual, criando

esferas de sentido particulares quando de sua realização. Isso nos leva ao

nosso próximo subcapítulo, que dará conta de explicar a afirmação de Michel

Foucault colocada anteriormente: o rock não apenas como um estilo de

música, mas de vida.

20

Em artigo, Mayoboat afirma que: “Punk rock was the best thing that ever happened to Heavy Metal. Like the comet that struck the earth killed of the dinosaurs, Punk‟s impact destroyed the status quo and wiped the slate clear for rock music to reinvent itself. Punk slayed the arena gods of the 70‟s, and demanded that you didn‟t have to be a musical genius to express yourself musically; anyone could form a band, and everyone should form a band” (Disponível em: <https://mayobat.wordpress.com/2015/05/23/nwobhm-year-one/>. Acessado em: 24/07/2015). Isso evidencia o impacto causado pelos desdobramentos do punk rock, bem como a gama de novas possibilidades, independente de realizações técnicas.

61

62

2.2. O desenvolvimento de processos culturais: as fronteiras

A questão das fronteiras culturais é derivada de uma noção de esfera de

sentido, ou semiosfera, criada por Iuri Lótman. Ao pensarmos na cultura em

esferas, podemos presumir que não há extremidades lineares, mas um centro

e uma periferia que vivem em constante trânsito. Essas esferas podem ser

vistas de duas maneiras: primeiramente, podemos entender a relação

estabelecida entre diversos textos que compõem determinada cultura em sua

totalidade e, em segundo lugar, que cada conjunto de textos com certo grau de

similitude e partilhado por certo auditório cria para si uma semiosfera própria

em relação à outra, alheia.

Semiosfera é, portanto, um espaço no qual textos circulam e apontam

para uma relação processual e dinâmica na cultura, prevendo uma troca

constante entre eles, que ocorrem num intercâmbio entre centro e periferia.

Lótman, ao definir as noções de fronteira, diz que:

Paradoxalmente, o espaço interno da semiosfera é ao mesmo tempo desigual ainda que unificado, assimétrico ainda que uniforme. Composta como o é de estruturas conflitantes, ao menos marcados por individuações. [...] A fronteira pode separa o vivo do morto, sedentários de nômades, a cidade das planícies; ela pode ser um estado fronteiriço, social, nacional, confessional, ou qualquer tipo de fronteira (1990:131).

Podemos postular que as relações estabelecidas pela cultura precisam

ser mediadas por certa permissividade dessas fronteiras em aceitar novos

textos e, consequentemente, excluir outros, além de prever a transformação

das funções desses textos, passando, por exemplo, de um valor informativo ao

histórico.

Retomando a perspectiva diacrônica descrita no início do capítulo,

podemos observar que não apenas se delineia uma nova relação com a

música-em-si, mas também com a sua fronteira estabelecida pela cultura: o

movimento das décadas de 1960 e 1970 estabeleceu (ou pelo menos tentou)

uma recriação de fronteiras, daí a tentativa de sociedades alternativas, da fuga

63

para o Oriente, do uso de drogas alucinógenas, da ideia de amor livre; há uma

tentativa de que novos textos ocupem o lugar daqueles que já não mais

serviam a essa geração, de simplesmente esquecer os valores outrora

edificados e substituí-los por outros. Há uma mudança muito grande na década

seguinte, na qual não mais se ensaia a criação de novos textos a fim

simplesmente de uma substituição de seus antecessores. O punk rock não

mais parte da tentativa de criação de um outro sistema semiótico de

possibilidades. Diferentemente de seus antecessores, a questão deixa de ser a

busca por algo que está fora da fronteira para explorar o lado mais obscuro

dela. Ao invés da celebração de uma vida melhor fora da realidade imposta, a

banda Discharge canta “A possibilidade da vida é a destruição”21; a banda

Amebix coloca em um refrão a seguinte oração: “Beba e seja feliz porque

amanhã você pode morrer”22; o Napalm Death coloca uma sigla muito temida à

época como título de uma de suas músicas: M.A.D. (Mutually assured

destruction)23; o Doom, por sua vez, clama pelo fim de um sistema lacunar

“Stop Gap System”24; e o Extreme Noise Terror, ao ver um engajamento

necessário dos punks, afirmam que: “Se você só está aqui pela música, você

pode se foder”25.

Ao fazer tal movimento, o punk rock entra em relação direta com a

semiosfera que o cerca sem, no entanto, tentar criar outra realidade possível. O

que o direciona automaticamente às margens tanto por essa relação com os

textos que o cercam quanto pelas opções estéticas analisadas mais

minuciosamente no capítulo anterior. Não por acaso, Lótman coloca que:

21

DISCHARGE. Hear nothing, see nothing, say nothing. Havoc Records, Minneapolis, 2010 (The possibility of life‟s destruction”, faixa 10). 22

AMEBIX. Arise! +2. Alternative Tentacles, São Francisco, 2000 (Drink and be merry: faixa 5). 23

NAPAM DEATH. Scum. Earache, Nothingham, 1988 (faixa 27). A sigla provém da Guerra Fria e, grosso modo, significava que caso os Estados Unidos atacassem a URSS diretamente, ou vice-versa, seria atacado em sequência. À época, o arsenal atômico detido por ambos os países, se utilizado, poderia acabar com o mundo todo. 24

DOOM. Fuck Peaceville. Pfinztal, Twisted Chords, 2005 (faixa 34). 25

EXTREME NOISE TERROR. A holocaust in your head. Gotemburgo, Distortion, 1999 (If you‟re only in it for the music: faixa 14).

64

A função de qualquer fronteira ou filtro [...] é a de controlar, filtrar e adaptar o externo em interno. Essa função invariante é percebida em diferentes caminhos e diferentes níveis. No nível da semiosfera ela implica a separação do “nosso” para o “alheio”, a filtragem do que vem de fora e é tratado como texto em outra língua, e a tradução deste texto em nossa própria língua. Neste sentido, o espaço externo devém estruturado (1990:140).

Desta maneira, o punk rock opera em uma dupla notação: assenta-se

em uma gama de textos dados a fim de criticá-los ao mesmo tempo que se

afasta dessa língua de que fala Lótman. Trata-se da edificação de um processo

cultural que dê conta de se embasar em algo dado com o intuito de

desorganizá-lo. Isso o introjeta em um processo que residirá sempre à margem

da cultura. Por mais dinâmicas que sejam as relações entre margem e centro,

algumas barreiras se mostram intransponíveis, colocando-se como inaceitáveis

àqueles que fazem validar essas trocas de posição entre determinados textos;

para se afirmar por suas vias, o punk rock precisou ser minoritário.

Janice Caiafa, em seu estudo antropológico sobre os punks no Rio de

Janeiro, coloca que: “É fato que nenhuma banda punk tem a atitude de

conquistar a plateia, pelo som que faz, já em si exasperante, e mesmo pela

atuação sempre desafiadora das bandas no palco” (1985). O que esbarra no

que ressaltamos sobre o Extreme Noise Terror: se você está aqui apenas pela

música, caia fora, vá se foder. Tais considerações nos levam a conceber uma

periferia cultural que não será apenas física, mas também uma construção

espacial que independe de sua localização independe de sua localização ou de

operações estabelecidas.

65

2.3. Periferia cultural

A noção de periférico surge em oposição àquilo que é central. Como fica

claro, a cultura é composta de processos heterogêneos em constantes trocas

de posições e influências. Novos textos são criados nas periferias e, de acordo

com a relação que estabelecem com seus destinatários, vão ocupando o lugar

de outros que estiveram na mesma condição. Desta maneira, o centro

apresenta textos cristalizados, ao passo que a periferia será imbuída de

inventar e reinventar novos processos ou novas formas de apreensão

diferentes daqueles que já foram dados, como postula Lótman:

Na periferia – e quanto mais se distanciam do centro, mais notáveis se tornam – a relação entre a prática semiótica e as normas impostas sobre eles devém mais tensas. Textos gerados em acordo com essas normas presas ao ar, sem nenhum contexto semiótico real; enquanto criações orgânicas, nascidas do meio semiótico atual, entram em conflito com essas normas artificiais. Essa é a área do dinamismo semiótico. Esse é o campo de tensão no qual novas línguas nascem. Por exemplo, como os acadêmicos já observaram, os gêneros periféricos em artes são mais revolucionários do que aqueles do centro da cultura; eles gozam grande prestígio e são percebidos pelos seus contemporâneos como sendo arte real. A segunda meta do século XX testemunhou uma agressiva insurgência de formas marginais de cultura (1990:134).

Essas relações previstas por Lótman sempre vão experimentar um grau

de tensão para que possam se afirmar diante de um determinado público,

estabelecendo relações não apenas com outros textos, mas com uma parcela

de materialidade do meio semiótico no qual estão inseridos e sobre ela

interferindo com novas proposições, ressignificando-as à sua maneira. No

entanto, a segunda metade do século XX foi muito rica no que diz respeito a

tais produções marginais, gerando um contingente muito grande de

representantes. Pensando no dinamismo como parte fundamental da cultura,

devemos pressupor que, de acordo com tal noção, teremos inúmeros

processos que estarão mais à margem do que outros, dependendo de sua

capacidade de estabelecer relações com outros textos e a estabilidade

66

proporcionada pela sua radicalização (ou não) de metaestruturas nas quais se

insere.

O que é curioso, e ao mesmo tempo crucial no caso do punk rock, é a

maneira como este se vale de mecanismos para não ascender da periferia ao

centro. O que entra em jogo aqui é o alargamento dessa zona periférica em

detrimento de sua inserção neste processo do qual ele se exclui

voluntariamente. Em determinado momento de sua existência, há uma tentativa

de se dissociar desse movimento previsto pela semiose proposta por Lótman.

Isso ocorre muito provavelmente quando a banda Crass proclama a morte do

punk em 1979 por conta de seu alinhamento com setores comerciais, como o

próprio grupo coloca:

É isso aí, o punk está morto/ é apenas qualquer produto barato para os consumidores [...] A CBS produziu o Clash/ Mas não por revolução, foi apenas por dinheiro/ O punk se tornou uma moda assim como os hippies/ E não há lugar para mim e para vocês/ Movimentos são sistemas e sistemas matam/ Movimentos são expressões de anseios do povo/ O punk se tornou um movimento porque todos nós nos sentíamos perdidos/ O narcisismo do punk foi napalm social

26.

Aqui, o que está em jogo não é apenas a música, mas aquilo que

Foucault colocou: o rock deixa de ser um estilo musical para se tornar um estilo

de vida. Conforme a banda expõe, o punk rock era tido nos termos de uma

manifestação de indivíduos perdidos em meio a uma sociedade que tende a

converter os processos culturais em produtos, mas que deixava brechas que

eram (e são) usadas contra essas formas de controle, como a banda Discharge

coloca: “Não há música real, eu estou apenas esbravejando e gritando”27.

O que fica evidente em tais letras é a exclusão voluntária de um

processo que poderia viabilizar uma maior aceitação do grande público. Mas

como a banda Crass colocou: o punk pode ser (e foi) convertido em apenas

mais um produto barato e, assim, a urgência de focos de resistência se fez tão

26

CRASS. The feeding of 5000. Crass Records, Essex, 1979 (“Punk is dead”: faixa 5). 27

DISCHARGE. Realities of war. Havoc Records, Minneapolis, 2011 (“But after the gig”: faixa 4).

67

evidente que deu voz a uma gama de bandas que simplesmente viraram as

costas ante tal possibilidade. A margem não era um ponto de partida, mas uma

condição estanque que foi alargada dentro de suas possibilidades a fim de

englobar aqueles que não quiseram aderir às regras do jogo.

Edgar Morin afirma que: “Nos faz necessário conceber os princípios que

permitam compreender que uma cultura pode produzir aquilo que a arruinará”

(1991). O punk é uma tentativa de trazer à evidência esse potencial de ruína de

determinada cultura. Provêm daí certas escolhas em detrimento de outras que,

por sua vez, estão muito mais ligadas às formas anômalas; a mais clara delas

é o uso da violência. Lótman (1996) chamou tal fenômeno de “irregularidade

semiótica” possibilitada por formações periféricas compostas de estruturas

mais abertas que veem a necessidade de se reinventar a todo o momento para

a recriação de algo já existente utilizando-se de uma nova linguagem. Tais

considerações justificam uma crescente dessa violência em meio às bandas

aqui analisadas para a manutenção de seu alheamento aos sistemas

semióticos. Como colocou Dean Jones, vocalista da banda Extreme Noise

Terror, a banda visou, em seu início, ser a mais barulhenta de todos os tempos,

e o Napalm Death, por sua vez, cativava o público por possuir um baterista que

tocava de maneira extremamente ágil (GLASPER, 2012).

Estabelecem-se linhas de fuga capazes de compreender essa opção

pela margem de maneira que as possibilidades comerciais sejam convertidas

sucessivamente em formas de exclusão voluntária. Isso se dá pela recusa de

modelos oficiais. Como coloca Caiafa (1985), o punk vai contra o “sistema”,

termo lacunar que vai dar conta de inúmeras relações de opressão cujas regras

afetam seu desenvolvimento. Isso não se dá apenas em termos macropolíticos,

mas trata-se também de uma sistematização de formas vitais em diferentes

âmbitos: são segmentos sociais e políticos de dominação e preponderância

ante outras formas. Essa enigmática figura que é o sistema ao qual o punk se

opõe é aquilo que anteriormente chamamos de estruturas centrais. Por seu

lugar privilegiado e pela multiplicação de dispositivos capazes de imbuí-las de

poder e influência em relação a outros textos, tomam formas complexas,

gerando a relação conflituosa com o sistema político vigente, com o esquema

das grandes gravadoras, com tendências de moda etc.

68

Desenha-se uma urgência dessa margem, que não apenas representa o

dinamismo previsto pela esfera de sentido da qual faz parte. Suas relações se

mostram à margem por observar e refutar implicações políticas do lugar central

de determinadas estruturalidades: a criação de um “discurso dominante”. Sobre

isso, Octavio Paz considera que:

As relações entre o Estado e a criação artística dependem, em cada caso, da natureza da sociedade à qual ambos pertencem. Mas em termos gerais – até onde é possível extrair conclusões numa esfera tão ampla e contraditória – o exame histórico confirma que não só o Estado jamais foi criador de uma arte seriamente valiosa, como também que, toda vez que tenta transformá-la em instrumento para seus fins, acaba por desnaturá-la e degradá-la. Assim, a “arte para poucos” quase sempre é livre de resposta de um grupo de artistas que, aberta ou disfarçadamente, se opõem a uma arte oficial ou à decomposição de uma linguagem social

28.

Interessado nas relações poéticas estabelecidas entre sociedade e

Estado, o autor mexicano fala de instâncias de controle às quais a arte se

submete para se tornar um instrumento de poder. Isso se torna óbvio quando

colocamos, por exemplo, um metro padrão de músicas pop que dita tudo o que

é produzido por grandes gravadoras, como colocado no capítulo anterior. A

sucessão histórica de fatos artísticos tornam claras essas instâncias de

controle permissivas a determinadas manifestações. Grosso modo, o controle

exercido pela Igreja (WISNIK, 2014) cede espaço à “música séria” (ADORNO,

2012) que, por sua vez, abre espaço aos halls das gravadoras e à música pop

(IAZZETTA, 2009). Essas transições evidenciam que não se trata de uma

imposição estatal, como colocou Paz, mas da sucessão de dispositivos

capazes de alinhar produções em acordo com sua oficialização ante o centro

lotmaniano.

Paz se refere a um tempo anterior ao punk, levando-nos ao século XIX

de Mallarmé, quando ainda não havíamos assistido à mediatização da música.

Por mais que o livro passe pelas mesmas implicações, o processo de

industrialização deste é muito anterior ao seu correlato musical. O livro teve de

lidar com a sua submissão ao processo industrial diante de uma massa

28

PAZ, Octavio. Op. Cit. (2012, p. 302).

69

analfabeta, ao passo que a indústria fonográfica, surgida no início do século

XX, configurou um negócio bilionário já na década de 1970; ela lucrou, em

1973, o montante de dois bilhões de dólares apenas nos Estados Unidos

(HOBSBAWN, 1989).

De certa maneira, a relação tratada por Paz entre poesia e Estado se

repete, em partes, entre o punk rock e a indústria fonográfica. Não por acaso,

podemos listar uma pequena porção de punks que assinaram contratos com

gravadoras, ao passo que a maioria das bandas lançou seus materiais de

maneira independente ou apoiada por grupos especializados. As grandes

gravadoras não representavam apenas uma grande chave para o sucesso,

mas um dispositivo de controle ao qual o punk rock não queria ceder por repelir

a hipótese de se tornar apenas mais um produto barato, conforme pretendeu a

banda Crass.

2.4. Bordas e margens

O conceito de bordas, construído por Jerusa Pires Ferreira, nos ajuda a

compreender melhor essa relação desenhada anteriormente. Em seu livro

intitulado Cultura das bordas, a autora traz à discussão os espaços não

canônicos e sua inserção na cultura, privilegiando o universo das edições

populares. Sobre o conceito, ela propõe que:

Uma coisa é tratar a matéria do ponto de vista sociológico e perceber gradações em camadas sociais na formação de compostos culturais. Outra, é acompanhar a criação na cultura, atentar para os procedimentos, ações, revelar criadores, atitudes, e acompanha-los nas respectivas paisagens urbanas, tempos/espaços que para nós caracterizam uma cultura das bordas.

E acrescenta:

70

Há os estudiosos que segmentam e assumem, por exemplo, o campo literário como um todo de fronteiras rígidas, apegando-se a uma certa fixidez e até, por hábito, preferem chamar de paraliteratura qualquer outra coisa que pareça fugir ao padrão estabelecido pela instituição “Literatura” ou, no polo oposto, aquilo que não caiba nos domínios legitimados de uma cultura popular tradicional que se costuma delinear enquanto Folclore, por sua vez, matéria tornada nobre e justificada. Há, no entanto, quem sequer considere, e despreze mesmo esses textos de cultura, por não lhes encontrar valor

29.

Através das considerações feitas por Pires Ferreira, fica claro que o

conceito de bordas foi, antes de tudo, cunhado em meio à urgência de

privilegiar academicamente ambientes culturais que se encontram em situação

oclusiva ante os saberes oficializados. São estratégias para situar objetos não

oficiais em meio à tessitura cultural na qual estamos imersos, mas que não

estão situados nos centros da cultura. Bordas, portanto, se torna uma urgência

e uma tentativa de oficialização de processos não concêntricos mas que, ao

mesmo tempo, pululam em diferentes pontos desse tecido.

O punk surge majoritariamente em regiões pobres de grandes centros

urbanos e é a vertente do rock que melhor ilustra o analfabetismo musical de

que Eric Hobsbawn fala em História social do jazz. No entanto,

diferentemente daquilo que o historiador previu, tal manifestação não quis

omitir isso, pelo contrário, frisou essa falta de competência e viu nela uma

ferramenta de expressão. O documentário Punk Brittania (2012), que busca

as gêneses do punk na década de 1970, deixa isso bem claro ao resgatar

algumas falas sobre uma geração que nasceu tarde demais e urbana demais

para aderir ao sonho hippie. Além, é claro, do fato de o rock ter conhecido

nesse ínterim as vantagens dos domínios técnicos executados magistralmente

no rock progressivo. Acontece que tais demonstrações de realização técnica

repeliram um grande público que estava disposto a se valer do rock como

forma de expressão. Cercados pela realidade nada animadora dos meios

oficiais, o punk surge como uma repelência e uma nova proposta de algo que

qualquer um poderia fazer30; enquanto os hippies saíam de cena e o rock

29

PIRES FERREIRA, Jerusa. Cultura das bordas: edição, comunicação, leitura. São Paulo, Ateliê, 2012 (pág. 12). 30

É claro que algumas poucas bandas punks venderam seus milhões de discos, enriqueceram e tentaram novas propostas musicais, mas, se pensarmos no contingente de bandas surgidas na Inglaterra entre 1977 e 1988, a maioria esmagadora encontra-se inserida nessas bordas.

71

progressivo se fechava em seus talentosos músicos, o punk surgia como uma

estratégia que parte dessas bordas a fim de dar voz a uma legião de jovens

que não viam alternativas oferecidas pelo rock.

O universo abordado por Pires Ferreira, das edições populares de livros,

se vale por vezes das mesmas estratégias que o estilo se valeu para se afirmar

como uma manifestação das bordas. Ao falar do lançamento de Eneida, em

uma edição popular da livraria João do Rio, o editor conta que a obra foi

lançada em prosa e algumas passagens demasiadamente prolixas ou confusas

foram cortadas da obra para que ela se tornasse mais acessível. A refacção do

texto original através de outras traduções, cortes e adaptações não é um

processo de destituição de valores do original, mas sim a produção de um novo

texto da cultura que representa “[...] os esforços para oferecer a este leitor

(considerado em princípio ignorante) as informações sobre os poetas clássicos

[...]” (2012).

O processo de recriação textual para atingir um maior número de

pessoas ao invés da manutenção de seu hermetismo é a apropriação de um

discurso em que, tanto temporal quanto estilisticamente, não figura questões

de ordem prática de uso da linguagem e, portanto, deve ser passado de

maneira a atender a demanda de uma gama de leitores que não tinham em seu

repertório certas estruturalidades centrais à cultura.

Mark Perry, ao escrever seu fanzine, Sniffin’ glue, coloca a seguinte

ilustração na edição de número três, lançada em dezembro de 1976:

72

Os dizeres do jovem editor não destoam do que colocamos acerca dos

livros populares, com a diferença de que Perry não apenas queria produzir uma

música acessível a todos, mas que todos pudessem produzir suas próprias

músicas. Ao passo que as edições populares engrossam o contingente de

leitores, o punk está preocupado com a formação de um público produtor e

autorreferente. A partir de uma forma fixa e extremamente simples, qualquer

um poderia explorar a gama de possibilidades ausentes na fórmula de Perry,

que apenas em parte daria conta de um processo de produção.

O que está em jogo aqui é a colocação de esferas menos privilegiadas

(nos mais diversos aspectos que o termo pode assumir) na condição de

consumidores e produtores de seus próprios processos culturais cercados de

saberes hegemônicos e, consequentemente, inacessíveis à grande maioria

dessa massa. Estamos considerando uma realidade urbana cujas massas

integram desde início do século XIX, quando passam de uma porção amorfa de

pessoas a um público consumidor em potencial. O inesperado é que este

público consumidor passe a ser representado, também, na figura de produtor.

73

Emissor e receptor se unem em sua construção das bordas que cercam essa

cultura hegemônica e, quando almejam, apropriam-se desta, recriando-a à sua

maneira, muitas vezes desatinada ao valor áurico contido nela. Jesús Martín-

Barbero coloca que:

[...] frente a toda tendência culturalista, o valor do popular não reside em sua autenticidade ou em sua beleza, mas sim em sua representatividade sociocultural, em sua capacidade de materializar e de expressar o modo de viver e pesar das classes subalternas, as formas como sobrevivem e as estratégias através das quais filtram, reorganizam o que vem da cultura hegemônica, e o integram e fundem com o que vem de sua memória histórica (1997:113)

31.

A própria ideia de uma cultura popular se torna extremamente

problemática nas inúmeras possibilidades de processos culturais arraigados

em sua memória. Quando ela deixa a nobreza do termo folclore e passa a ser

um contingente urbano imbuído não apenas do desejo de consumir

determinada cultura, mas também de produzi-la, há uma mudança. Partindo

desse ponto de vista, o punk rock, dentro de todas as possiblidades de gêneros

e subgêneros oferecidos pelo rock, é o que melhor ilustra tais relações. Martín-

Barbero acrescenta que:

Popular é o nome para uma gama de práticas inseridas na modalidade industrial, ou melhor, o “lugar” a partir do qual devem ser vistas para se desenharem suas táticas. Cultura popular fala então não de algo estranho, mas de um resto e um estilo. Um resto: memória da experiência sem discurso, que resiste ao discurso e se deixa em dizer só no relato. Resto feito de saberes inúteis à colonização tecnológica, que assim marginalizados carregam simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de uma criação muda e coletiva. E um estilo, esquema de operações, modo de caminhar pela cidade, habitar a casa, de ver televisão, um estilo de intercâmbio social, de inventividade técnica e resistência moral

32.

A afirmação do autor nos fornece valiosas considerações não apenas

sobre os modos de desenvolvimento de culturas populares (que nos parece

31

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997 (pág. 113). Tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides. 32

Ibid. Cit. (pág. 122).

74

mais justo vir no plural do que no singular), mas também o modo como esses

processos culturais se apropriam de elementos que sobram à própria cultura.

Os seus restos constituem uma construção coletiva de elementos que talvez

não atinjam o mesmo nível de sofisticação almejado pelas produções artísticas

geradas pela “alta cultura”, mas que em seu cerne coloca em evidência certas

partes de cotidianidades que figuram vivências de um corpo coletivo excluído

das construções concêntricas – ou seja, é uma cultura da precariedade.

No entanto, não podemos atribuir às produções populares um valor que

seja exclusivamente político. Esaurir seu conteúdo em questões sociais e não

estéticas acarretam numa perda de significações, convertendo uma gama de

objetos fruto de diferentes experiências a um lugar-comum. É óbvio que há

raízes partilhadas entre essas culturas, mas, como Martín-Barbero reconhece,

elas dependem de uma interseção entre hegemonia e memória que, por vezes,

não partilham das mesmas origens.

Desta maneira, é muito significativo o disco seminal da banda Discharge

levar o nome Hear nothing, see nothing, say nothing. O título ilustra

perfeitamente o que o Martín-Barbero postulou: trata-se de um emaranhado de

falas e experiências coletivas que não podem ser convertidas em discurso

oficial. São frases curtas que compõem todas as músicas e que são

materializadas através da violência da voz de maneira a evidenciar que, em

determinados casos, essa ausência de discurso só poderia vir aos gritos

inauditos nos centros, resistindo, no entanto, em uma memória comum. Como

coloca Lótman: “[...] a cultura é uma inteligência coletiva e uma memória

coletiva, isto é, um mecanismo supraindividual de conservação e transmissão

de certos comunicados (textos) e da elaboração de outros novos”, e acrescenta

que:

A presença de subestruturas culturais de diferentes composições e volumes da memória conduz a diversos graus de elipticidade dos textos circundantes nas subcoletividades culturais, e ao surgimento de „semânticas locais‟. Quando os textos elípticos transpassam os

75

limites de uma dada subcoletividade, completam-se para que sejam compreensíveis

33.

A memória, nos termos aqui considerados, é aquilo que foi convertido

em signo e se torna patrimônio de certa coletividade (PIRES FERREIRA,

2004). Acontece que parte do que é convertido em signo não expressa a

possibilidade de movências previstas pela esfera que integra. O caso do punk é

muito curioso porque esta aproximação ao centro indica o diagnóstico já

mencionado feito pela banda Crass: a sua morte.

O punk não apenas abdica, com seus gritos, de adentrar nos halls da

fama da música pop, mas também de se colocar nos termos de figuras

individuais para se converter em bandas que tinham formações flutuantes.

Como é o caso do Napalm Death, que gravou o mesmo disco com formações

diferentes. Há outras bandas que se comportavam como um corpo social

independente: optam por morar juntos, produzir a própria comida, tomam

decisões a partir de considerações coletivas, como foi o caso do Amebix e de

outras bandas à época.

Os restos de que Barbero fala são aproveitados em sua totalidade, seja

um espaço físico como as moradias abandonadas ocupadas por esses grupos,

seja referente a um espaço semiótico, que se vale daquilo que há de mais

terrificante e indesejado. Em resumo, se vale daquilo de pior produzido pelos

nossos avanços técnicos (a guerra, a fome, dispositivos de controle) para lhes

devolver da pior maneira possível: o grito, as distorções dos instrumentos, a

percussão extremamente ágil e repetitiva. Talvez aqui resida a resposta à

pergunta que Adorno se fez em 1949: a poesia é possível depois de

Auschwitz? Sim, ela é, mas precisa buscar no campo de concentração e em

seus desdobramentos o seu cerne e dele retirar a sua materialidade poética.

33

Lótman, Iuri. 1996. Op. Cit. (págs. 157-8).

76

2.5. Discos: materiais e materialidades

Como colocado no capítulo anterior, a música apresenta sua

materialidade sem necessariamente se apoiar em suportes físicos, uma vez

que estes, sobretudo o rádio e o fonógrafo, têm pouco mais de cem anos ao

passo que as artes vocais acompanham toda a existência humana. As diversas

mídias geradas a partir da música inserem-na no cotidiano como a “única e

verdadeira poesia de massa” apesar da banalidade que atinge à época de sua

conversão em produto (ZUMTHOR, 2010).

Essa transição da sala de concertos ou do espaço público ao ambiente

doméstico acarreta outra relação com a música em diferentes níveis. Não se

trata mais da música em si, mas de sua pluralização em desenhos, tarjas,

fotos, encartes. Se, segundo a visão de Foucault, o rock dava ao seu público

um estilo de vida, ele precisava se valer de estratégias para além da voz a fim

de propagar suas ideias.

Ao converter o canto em grito, tais estratégias se mostram essenciais

para delinear o que estava por detrás dessas formas discursivas. O disco deixa

de ser um simples objeto manipulável pelo ouvinte para compor um conjunto de

reiterações das ideias contidas em seu objeto primeiro: a música. Diversos

elementos nos dão pistas de que esses compósitos textuais abarcados por

uma única mídia viriam a compor o que identificamos anteriormente como uma

manifestação à margem de sistemas dominantes justamente por ora

desobedecer, ora desestabilizar o que havia sido colocado como pressuposto

pela indústria responsável pela massificação do acesso à música. Vejamos um

exemplo34.

O primeiro elemento que queremos ressaltar na capa do disco Hear

nothing, see nothing, say nothing é a tarja na parte superior direita com os

dizeres “Não pague mais do que £3,99” no lugar onde, canonicamente, os

logotipos das bandas estariam presentes. Ao colocá-lo ao lado e

desobedecendo ao sentido lógico de leitura (horizontal, da esquerda para a

34

Anexos 1 a 7.

77

direita), fica claro que essa taxação se mostrava de suma importância ao passo

que a identificação individual, não (anexo 1).

As quatro imagens que compõem a capa, em conjunção com o título do

álbum, ilustram bem o que viemos dizendo ao longo do trabalho, primeiramente

temos o retrato da orelha e do olho, órgãos responsáveis por nossa apreensão

passiva do mundo e, em seguida, a boca, parte de nosso corpo responsável

pelo ato de dizer no mundo, mas que aparece fechada, tendo sua negação

reforçada pelo título (“Não ouça nada, não veja nada, não fale nada”) e seu

desdobramento: uma cabeça explodida.

A anulação dos sentidos como sentença de morte, sua representação

seguida da negação e uma última imagem para indicar a aceitação da

sentença. Com uma produção não tão comum em discos lançados pela Clay

Records, a capa do álbum é dupla. Ao abri-la, temos à direita as letras do

álbum dispostas em duas colunas de maneira muito simples, o nome dos

integrantes e o responsável pelo projeto gráfico (feito pelo vocalista da banda).

Na parte direita, duas imagens: a superior, com corpos na praia e a inferior,

com uma vítima da bomba atômica (anexo 1).

A relação estabelecida entre ambas as imagens se dá pela fragilidade

dos corpos que poderiam ser surpreendidos por uma explosão atômica (medo

muito comum à época). Isso se torna evidente quando relacionamos os

discursos verbais e imagéticos presentes no álbum. O disco começa com a

faixa que o intitula, em meio a um rufar de caixa, e os quatro versos que

compõem a música são repetidos duas vezes em seu minuto e meio de

duração. No entanto, a frase “hear nothing, see nothing, say nothing” é repetida

como um refrão extremamente breve. O mesmo modelo é aproveitado nas três

músicas seguintes do álbum, com a introdução da bateria em menos de quatro

segundos em cada uma delas, cortando introduções e solos de guitarra (as

durações oscilam entre um minuto e meio e um minuto e quarenta segundos).

A maioria das músicas, com menos de dois minutos, é capaz de

justificar a opção pelas imagens que, por sua vez, são responsáveis pelos os

conteúdos veiculados nas letras: “Homens, mulheres e crianças gemendo em

agonia/ pela intolerável dor de suas queimaduras” (“A Hell on Earth”, faixa 8);

78

“Agora, em trevas, o mundo para de girar” (“The End”, faixa 14); “Um jogo de

xadrez gigante é o que jogam/ com você e eu como peças dispensáveis”

(“Drunk With Power”, faixa 6); “Metade do mundo está faminta, morrendo

infectada/ Expedições militares aumentam/ Metade do mundo está vivendo na

pobreza” (“Meanwhile”, faixa 7). Esses são alguns exemplos que, motivados

pelas imagens, as justificam como opção estética e dão materialidade àquilo

que se almeja dizer – em verdade, elas justificam a opção pela violência. Como

postula Caroline Coon em Punk Britannia (2012), os jovens que assistiram a

geração da paz e do amor sendo ignorada voltariam com facas em mãos.

Quando Zumthor, em Escritura e nomadismo (2005), coloca que há

universalidade de certos tipos musicais pela maneira que se valem de lugares-

comuns, fica claro que algumas formas são comuns e identificáveis em

qualquer nível de comunicação. O grito é, sem dúvida, uma delas, pois

representa uma alteração vocal, uma perturbação. Ao nos questionarmos a

quem se grita, no caso do punk rock, necessitamos de um caráter imagético

capaz de responder a tal questionamento.

A capa do EP Warning: Her Magesty’s Government Can Seriously

Damage Your Health (1983) é a que melhor ilustra o que dissemos por ser

uma das mais explícitas em seu conteúdo. Por mais que o nome de Thatcher

apareça e reapareça em diversas músicas, a sua representação imagética é

uma maneira de dar dimensões materiais outras ao conteúdo veiculado nas

letras (por vezes ininteligível) para que este tome força também e sobretudo

em elementos extramusicais. Mais ou menos explícitas, todas as imagens

carregam em si uma maneira de reafirmar o que vocalmente será veiculado

nas músicas, dando-nos uma maior dimensão da materialidade presente em

cada uma delas.

As capas de discos transformam o álbum em um texto com diversas

gradações. É claro que o preponderante é a música em si, mas essa mudança

acarreta um acréscimo de possibilidades de estabelecer relações com os

objetos que a cercam, dando-lhes um caráter particular através dos nexos

relacionais entre elas e a manifestação vocal. Chklóvski coloca que: “A

finalidade da imagem não é aproximar de nossa compreensão a significação

79

que carrega, mas criar uma percepção particular do objeto, criar a sua visão, e

não o seu reconhecimento” (2013). Vejamos um outro exemplo (anexo 5).

As três capas do EP Police Bastard (1989), contendo uma suástica,

expressam muito bem os dizeres de Chklóvski. Não se trata da representação

do símbolo nazista em seu conteúdo primeiro, mas de ressemantizá-lo a partir

de uma nova visão estabelecida: as suas possíveis relações com a polícia

inglesa à época. Janice Caiafa, ao observar a reprodução deliberada de

suásticas, coloca que:

A suástica é inassimilável. A moda pode adotar o negro, o cabelo arrepiado enquanto corte exótico, o couro e mesmo as correntes enquanto adorno. As butiques podem redesenhas as estamparias suburbanas, como a cobre e a onça que o punk usa. Mas é inimaginável a situação da multiplicação da suástica em broches ou collants numa vitrine. A suástica preserva sua aparição única e irrepetível porque sua programação é temida e evitada. Ela é anti-moda por excelência (1985: 83-4)

35.

Somem da Alemanha após 1945, são readotadas por gangues de

motociclistas americanos da década de 1960 e nos estranhos curtas-

metragens de Kenneth Anger, mas fora de um contexto, apenas por

representar um signo inassimilável aos demais e ser deveras agressivo.

Ressurge no punk como algo que não deve ser esquecido; tem a função de

agredir ao mesmo tempo que visa evidenciar o quão presente os

desdobramentos do símbolo ainda estão presentes em nossas vidas, daí o

acréscimo de símbolos que representam as autoridades britânicas: a bandeira

suja de sangue, o chapéu policial, o V-sign (típico no Reino Unido e equivalente

ao dedo do meio) e, principalmente, a coroa36.

A construção imagética correspondente a uma música que, em seu

cerne, tem como função a agressão (não por acaso, os primeiros materiais da

banda Extreme Noise Terror se chamam Radioactive Earslaughter e A

35

CAIAFA, Janice. Op. Cit. (págs. 83-4). 36

O EP Police Bastard foi relançado por algumas gravadoras. A capa mais comum é a do retrato do policial e que foi retratada muitas vezes com o símbolo da libra esterlina no lugar da suástica justamente por esta portar um conteúdo demasiadamente agressivo. A banda ainda coloca, à época de seu lançamento, que: “A razão pelas diferentes capas têm vários motivos ultimamente (principalmente pela foto da capa) [...].”. DOOM. Total Doom. Turku, Svart, 2012.

80

Holocaust in Your Head) visa a ressemantização de objetos do mundo

correspondentes ao horror expresso pelas letras. O primeiro álbum da banda

Doom, por exemplo, começa com a faixa mais longa do álbum (de quase

quatro minutos) e consiste em um discurso em prosa37 em meio a ruídos de

microfonia:

Me deixe sair, me deixe sair! Eu estou gritando! Correndo cegamente

através de visões. Descalço e indefeso. Correndo cegamente através

das trevas, florestas infestadas. Tempo e tempo de novo. Desilusão.

Estou mais fundo no labirinto. Além da luz. Eu grito para fora da

confusão. Sou consumido pela confusão. Meu mundo foi destruído.

Aleijado. [...] Nós fomos todos enganados. Confusão. Meus sentidos

estão morrendo, minha alma chorando. Me deixe sair, me deixe sair.

Eu estou gritando. Estou vivendo em um labirinto demente. Torturado.

Perdido. Aleijado. Eu sou uma parte dessa confusão. Destruído.

Confusão. Visão destruída. De tudo o que tive, me restaram ilusão.

Eu estou gritando em confusão. Eu estou sendo consumido pela

confusão. Em resumo, em um mundo de confusão38

.

A sombria e confusa construção discursiva portaria uma das imagens

mais fortes que figuraram as capas de discos à época a ponto de não ser mais

reproduzida39 (anexo 5).

Trazer ao mundo o que ele possui de mais horrível, um soldado

carregando com descaso o corpo de uma criança. O que devemos ter em

mente não é o que estamos olhando, mas o que nos olha de volta. Não

estabelecemos uma relação estática com a imagem, ela automaticamente nos

gera ojeriza, mas faz isso por termos dimensão do que ela representa, de suas

reincidências. Devemos nos lembrar de que as primeiras representações

imagéticas provêm da representação de nossos cadáveres (BAITELLO, 2014).

Didi-Huberman coloca que:

37

Há, também, uma versão da música na qual um coral de crianças acompanham o vocalista. In. DOOM. Ibid cit. 38

DOOM. Ibid. cit. (Confusion: faixa 1). 39

Além disso, há o problema com a gravadora Peaceville, mencionado anteriormente. No entanto, diversos discos da banda foram relançados com capas idênticas à original, ao passo que a capa de seu primeiro álbum, War Crimes, só viria a ser reproduzida novamente na compilação Total Doom, na qual é uma espécie de segunda capa.

81

[...] diante de um túmulo, a experiência torna-se mais monolítica, e nossas imagens são mais diretamente coagidas ao que o túmulo quer dizer, isto é, ao que o túmulo encerra. Eis porque o túmulo, quando o vejo, me olha até o âmago – e nesse ponto, aliás, ele vem perturbar minha capacidade de vê-lo simplesmente, serenamente – na medida mesmo em que me mostra que perdi esse corpo que ele recolhe em seu fundo. Ele me olha também, é claro, porque impõe em mim a imagem impossível de ver daquilo que me fará igual e o semelhante desse corpo em meu próprio destino futuro de corpo que em breve se esvaziará, jazerá e desaparecerá num volume mais ou menos parecido

40.

O autor acrescenta, ainda, que: “[...] estar cheio de um ser semelhante a

nós, mas morto, e deste modo cheio de uma angústia que nos segrega nosso

próprio destino” (2010). As imagens da morte que queremos afastar de nós, por

possuírem ali nosso destino inevitável, são abordadas de maneiras diferentes.

Não são imagens tumulares, mas de corpos que sequer tiveram o direito ao

sepultamento (como a capa do EP Why, do Discharge; anexo 1), direito este

tido em alta conta em nossa cultura (Antígona nos prova isso). As imagens aqui

apresentadas não necessariamente nos colocam ante o nosso destino óbvio,

como é o caso do túmulo, mas também não deixam de apresentar uma

possibilidade com a qual devemos lutar contra.

Retomando o pensamento de Chklóvski, as imagens não são apenas

representações do mundo, mas suas interpretações próprias do objeto

retratado que, por sua vez, retorna seus olhares a nós para que não as

esqueçamos. Converter a morte em signo imagético e, a partir dele, convertê-lo

em memória que pretende se apagar, mas que a todo momento é reiterada por

comportar um destino inelutável: o fim da existência.

Podemos, aqui, reiterar a ideia de Renato Cohen (2014), que identifica

um movimento semelhante ao do mar que devolve à terra firme as sujeiras a

ele atiradas. Trata-se de se valer do desagradável, do feio, do obsceno. Norval

Baitello coloca que: “Por medo das imagens da morte, passamos a acelerar a

produção das imagens, no intuito de afastar ou recalcar a presença da própria

morte. Tais imagens em proliferação exacerbada nos remetem ainda mais às

40

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo, 34, 2010 (pág. 38). Tradução de Paulo Neves.

82

recordações da morte” (2014). A relação imagética com a morte de que

tratamos aqui não se trata apenas de rememorar os mortos, mas de trazer

imagens que abarquem os desperdícios sistemáticos de vidas. A

representação de uma catástrofe irreparável, de algo que nunca poderemos

mudar e que, portanto, deve a todo tempo figurar nosso repertório imagético;

como coloca Agamben (2013), o irreparável é o estado das coisas (sujeitos e

objetos) inseridas no mundo.

O pior e maior horror da guerra: mortos insepultos indignos dos louros

de heróis (anexo 3 e 6). O contingente anônimo de mortos salta dos números

para ilustrar a capa de um disco que irá afirmar a nossa parcela de culpa; no

encarte do disco No Sanctuary, da banda Amebix, é colocada a seguinte

questão: “Você realmente deseja sua liberdade?”, que será repetida na música

“No gods, No Masters” (faixa 11). A questão não é a de rememorar os mortos,

mas de retratar os motivos de sua morte para que estes não se repitam. A

banda Crass, em fins da década de 1970, cria o bordão “Lute contra a guerra e

não contra guerras, destrua o poder, não o povo”. As imagens, portanto, não

são meras representações de atrocidades deliberadas, mas representam toda

uma série cultural (TINIANOV, 2013) que as cercavam à época. Após os

discursos de drop-out da década de 1960 e a ressaca da década de 1970,

como colocou Robert Crumb41, as estratégias para combater a reincidência

dessas imagens deveriam ser outras: inseri-las em nossa cotidianidade e nos

culpar por sua existência, mostrá-las como sintomas de uma defesa ou revolta

(SERRES, 1996) de que fazemos parte, como colocou a banda Discharge:

“Você toma parte criando esse sistema/ que nos deve fazer sofrer/ [...] Esse

41

Grande representante da contracultura americana, o cartunista Robert Crumb, em sua autobiografia em quadrinhos, coloca que o fim da década de 1960: “Foi bastante confuso para muitos de nós. A velha realidade capitalista da rotina de trabalho se reafirmou com grande força e atolou o otimismo dos hippies. O “movimento” foi afundando e se partiu em facções que não se toleravam [...]. Algumas das piores tendências da América, as quais os hippies estavam negando no início, continuaram e até mesmo ganharam impulso e se agravaram, como a corporativização da cultura, o surgimento de shoppings e essa merda toda”. Não podemos, aqui, delegar tal sorte de acontecimentos apenas aos Estados Unidos, mas como movimentos análogos em diversos âmbitos da cultura. Uma dessas facções de que fala o cartunista é, sem dúvida, o punk, entrosado demais nos meios urbanos para simplesmente sair e, ao mesmo tempo, descontente demais para aderir passivamente às insurgências dos modelos conservadores de outrora (devemos aqui nos lembrar que Margareth Thatcher presidiu o país por toda a década de 1980). CRUMB, R. Minha vida. São Paulo, Conrad, 2010. Tradução de Daniel Galera.

83

sistema foi ajudado por você para se criar” (“You Take Part Creating this

System”, In: Fight back, faixa 4).

O que muitas dessas bandas perceberam é que “somente a guerra

permite mobilizar em sua totalidade os meios técnicos do presente,

preservando as atuais relações de produção” (BENJAMIN, 1985) e se viram

imbuídas de materializar essa crítica com exemplos práticos verbo-imagéticos.

Provamos, por vezes, o mesmo espanto de Walter Benjamin diante do quadro

de Paul Klee. O texto fruto de tal espanto compõe uma de suas teses sobre o

conceito de história e, mesmo que reproduzido exaustivamente, ainda

comporta novas visões:

Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso 42

.

O texto, escrito originalmente em 1940, aborda temas que ainda nos são

caros, sobretudo se o pensarmos a partir de determinados fragmentos. O anjo

gostaria de acordar os mortos, frear o acúmulo de ruínas sob nossos pés. Ele

dá as costas ao paraíso por ver, na Terra, uma catástrofe única oferecida pelo

lado mais perverso de nossa evolução técnica; ao mesmo tempo que lúcido, o

anjo se torna débil e ineficaz e, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos:

“A capacidade de redenção do paraíso reside nessa possibilidade de emergir

inesperadamente num momento de perigo, como fonte de inconformismo”

(2000). A catástrofe única, a história humana, acumula fragmentos que atestam

sua falência irremediável, uma vez que, qual o anjo, somos impelidos ao

progresso. O sociólogo português ressalta que:

42

BENJAMIN, Walter. Op. Cit. (pág. 226). Os grifos são nossos.

84

A tempestade que sopra do paraíso continua a fazer-se sentir, mas com muito menos intensidade. O anjo continua na mesma posição, mas a força que o sustenta vai-se esvaindo. É possível mesmo que a posição seja já produto da inércia e que o anjo de Klee tenha deixado de ser um anjo trágico para se tornar numa marioneta em descanso

43.

A representatividade do anjo de Klee em sua versão benjaminiana não

mais representa a mesma força que tinha no ano de 1940, no auge da

Segunda Guerra Mundial. As questões se redesenharam, e essa força que

soprava do paraíso se converte em um furacão que vêm em diferentes

direções. A imagem do anjo também se repete (anexo 3).

Desta vez, não se trata mais de ter às costas o futuro, mas a cidade

plenamente industrializada, o céu amarelecido pela poluição. Sob os pés do

anjo da banda Napalm Death, os fragmentos que se distribuem não são mais

da História, mas de narrativas individuais que perdem a sua cara convertendo-

se em crânios iguais e empresas multinacionais acumulados no chão. A vida

presente é dividida entre crianças negras extremamente magras e homens

engravatados que as cercam com rostos desfigurados. O anjo aparece com as

asas abertas, mas, diferentemente de Klee, Bill Steer44 as faz de metal. A figura

celestial sequer pode conservar seu caráter, que precisa ser convertido em um

aparelho técnico; não mais pode tentar juntar os fragmentos e mortos, devendo

presidir tal reunião e obrigando todos a pisar no solo contaminado pelo

progresso representado pelo avanço industrial.

Todas as imagens aqui elencadas são representações do meio em que

se produziram. Ao serem convertidas em capas, contracapas, encartes de

discos, elas se ressemantizam e convertem seu horror em música. A

construção de um todo que remeta frequentemente aos horrores mais

terrificantes do progresso benjaminiano tomam corpo em verdadeiros

testemunhos que retratam os medos de toda uma geração.

Não são representações delirantes (por isso a predominância de

fotografias) de um universo de ficção científica, mas fragmentos de memórias

43

SANTOS, Boaventura de Soua. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo, Cortez, 2000 (pág. 54). 44

Autor da capa e baterista da banda Carcass, muito próxima da banda Napalm Death até os dias de hoje.

85

espalhados pelo redesenho de um mundo imerso em suas relações industriais.

Quando Richard Barbrook (2009) afirma que a grande mudança trazida pela

revolução industrial foi a de tirar de vista do cidadão a exploração ocorrida no

universo do trabalho, ele não contava, após a explosão das bombas que

poderiam pôr fim na existência humana, que essa lógica também poderia ser

aplicada a conflitos armados periféricos: Coreia, Vietnã, Ilhas Malvinas,

Camboja e etc. O que não deixou de figurar certa incerteza na vida de milhões

de jovens ao redor do mundo, como coloca a banda Doom: “Eu não quero

morrer em uma guerra nuclear/ Medo, medo, medo do futuro/ Eu não quero

passar fome por causa da ganância corporativa/ Eu não quero viver em um

mundo de ódio/ Eu quero viver até ficar velho e grisalho” (“Fear of the Future”,

faixa 16). Até mesmo o pacifismo viria através do ódio, do medo, mas

sobretudo da dúvida de um futuro possível. A luta, portanto, se materializa em

discos, em frases soltas, em encartes, pois, ao mesmo tempo que representam

uma manifestação específica (o punk em si), são também leituras possíveis de

um mundo que acumulava mais ruínas do que relatos de paz.

2.6. Do-it-yourself: a afirmação da marginalidade

Todos os materiais lançados pelas bandas analisadas não poderiam e

não queriam figurar grandes clássicos da música: tal atitude seria um

contrassenso. Ter uma banda punk acarretava um trabalho maior do que

simplesmente a preocupação com a parte musical. Era necessário organizar os

próprios concertos, turnês, acompanhar as gravações, buscar pequenas

gravadoras, confeccionar prospectos (anexo 6). Pequenos selos especializados

começam a surgir, muitas vezes montados por bandas, com o intuito de

disseminar o trabalho do maior número de grupos possível; por isso muitas

delas chegaram a gravar seus materiais, tiveram certa expressividade e caíram

no olvido. Mas isso não faz diferença. Devemos olhar para o punk rock, à

época, como uma tessitura construída coletivamente e movente: pessoas

adentravam ao movimento, deixavam seu registro e saíam, dando lugar a

outras. O manifesto dos três acordes escrito por Mark Perry é um chamado

86

para que qualquer um montasse sua banda. A banda Crass surgiu quando

Steve Ignorant viu Joe Strummer (vocalista da banda The Clash) em um show,

falando que se alguém da plateia achasse que poderia fazer algo melhor, que

montasse uma banda. E foi o que ele fez (GLASPER, 2012).

O do-it-yourself foi uma forma organizacional decisiva para que o punk

pudesse existir no mundo inteiro. Até então, todas as bandas tinham contratos

(de maior ou menor prestígio e duração) com grandes gravadoras e poucas

delas eram especializadas no estilo musical. Em função disso, poucos grupos

seriam capazes de lançar discos com fotos de crianças mortas ou de vítimas

da bomba atômica em seu catálogo. Assim, excetuar-se e trilhar um caminho

que ainda não existia se fez urgente para viabilizar aquilo que fora preconizado

anteriormente: não importa se você é bonito ou sabe tocar algum instrumento;

se tem algo para dizer, de alguma forma, pode ajudar o movimento a crescer.

Não por acaso os fanzines (revistas independentes) começam a surgir

massivamente à época.

Estabelece-se uma relação outra com procedimentos criadores, pois

todo o processo de composição objetal passaria sob o crivo dos envolvidos.

Eric Hobsbawn, em sua História social do jazz (1989), profere que, com a

ascensão do rock and roll, os técnicos de estúdio tornaram-se coautores de

discos a fim de corrigir as insuficiências técnicas dos músicos. Isso se torna

claro quando algumas bandas consagradas despenderam centenas de horas

em estúdio (como o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles,

que custou setecentas horas de estúdio e 25 mil libras para ser gravado) ou

fizeram excentricidades (os Rolling Stones gravaram seu Exile on Main Street

em um castelo na França). Mas isso figurava uma realidade de dimensões

industriais a qual poucos poderiam se dar ao luxo. Ao mesmo tempo, o rock

tomava dimensões que não podem ser reduzidas à condição de estúdio. Com a

sua popularidade em alta, ele começa a se fragmentar, passar por novas

experiências (muitas delas precárias) e mobilizar cada vez mais pessoas em

sua função, permitindo que novos músicos adentrassem nessas mesmas

condições de estúdio, mas que não mais poderiam portar em si a imagem do

rockstar, incabível à realidade da maiorias dos envolvidos. Hobsbawn também

87

coloca que o rock era um negócio de milhões de dólares e, no entanto,

esquece-se de que nem todos que nele ingressaram alcançaram seu quinhão.

Na década de 1980, a figura do rockstar excêntrico perde sua potência e

vai dando lugar, desde o fim do decênio anterior, à disco music, que vai revelar

novos negócios extremamente lucrativos. Por ter se fragmentado em dezenas

de diferentes facetas e ter se tornado um grande expoente da cultura jovem de

outrora, os grandes concertos de rock passam a ser realizados por artistas que

começam a conhecer o envelhecimento e apostar em novas formas (as

carreiras de Bob Dylan e da banda Kiss expressam muito bem isso, de

maneiras diferentes), e os que surgiam estavam fadados a experimentar o

amadorismo em todos os sentidos que cabem à palavra, salvo raras exceções.

Essa quebra quantitativa implica, obviamente, em uma produção muito mais

vasta e, ao mesmo tempo, muito mais horizontal45.

Neste ínterim, perdem-se duas coisas fundamentais para entendermos o

processo pelo qual o do-it-yourself se tornou possível: o interesse massivo do

rock enquanto um produto de sucesso em uma operação ambivalente entre

músicos e donos de gravadora e, também, o avanço técnico que facilitou os

processos de gravação, diretamente ligado à desvalorização (ou pelo menos à

perda de importância) das habilidades musicais. Podemos estabelecer as

mesmas oposições que Agamben (2012) prevê em O homem sem conteúdo,

no qual o autor italiano opõe as noções de poiesis e de práxis ao refletir sobre

o nosso fazer.

Segundo o autor, tendemos a encaixar toda a atividade humana em

práxis, isto é, “manifestação de uma vontade produtora de um efeito concreto”

(2012), e, ao conceber tal fato, encaixamos todas realizações humanas nos

termos de trabalhos físicos muito mais próximos da animalidade do que de

nossa condição privilegiada de ser autoconsciente. Neste ponto surge a poíesis

para diferenciar os dois fazeres. Esta seria imbuída da experiência, ao passo

que aquele se ligaria às necessidades elementares. Ambos os conceitos foram

45

Como coloca Valéria Brandini: “[...] as novas tecnologias de produção e as novas relações de mercado não solucionaram o problema da exclusão, ao menos possibilitaram a concretização do sonho de jovens músicos”. BRANDINI, Valéria. Cenários do rock: mercado, produção e tendências no Brasil. São Paulo, Olho d‟água, 2007.

88

convertidos progressivamente em trabalho, colocando a condição humana nos

termos da práxis, tendo sua radicalização, segundo o autor, com Marx, que

converte a humanidade em massa trabalhadora.

Agamben aproxima os dois conceitos da produção artística de hoje e vê

que mesmo ela porta um caráter prático (de práxis), ao passo que a poíesis,

convertida pelos latinos em ação, perde sua potência com o processo de

incorporação de uma vontade vital. Dotamos a produção estética de uma ação

que não visa a possibilidade de existência do ser, mas, pelo contrário, de

responder a uma existência quase biológica, a produção de produções. Isso

ocorre mormente pela identificação da atividade humana como fonte de

acúmulo de capital. Suely Rolnik (2006), por sua vez, coloca que a função da

criação estética se dá a partir da vontade de criação de possíveis, ou seja, ela

existe para contar o presente através de suas mudanças.

A mercantilização dessas produções – processo que conhece seu

princípio basilar no século XVIII com o reconhecimento da ação humana como

produtor de bens concretos – acarreta uma perda de subjetivações presentes

nas séries culturais que, por sua vez, se veem convertidas em fórmulas de

trabalho. Presos a essas relações, somos sempre impelidos a pensar o nosso

fazer como força motriz, e não como a construção de um presente possível.

Rolnik insiste no fato de que as décadas de 1960 e 1970 foram grandes

expoentes para um movimento reflexivo sobre essas realizações artísticas. Ela

postula que muitos desses realizadores, deslumbrados pelas novas

possibilidades de exposição midiática e, consequentemente, de ganhos

monetários elevados, convertem-se em reprodutores dessas formas de

comercialização, sujeitando-se à cafetinagem.

Ao nos depararmos com esse panorama no qual o punk rock surge (e do

qual, de certa maneira, é fruto), fica claro que essa situação se torna limítrofe e

que outras estratégias para se autoexcluir dessas relações de cafetinagem se

fazem urgentes. É nesse ínterim que surge o do-it-yourself, que mudaria a

história do fazer artístico.

O provável ano zero de tal proposta, ao menos na Inglaterra, é o de

1979, quando a banda Crass gravou seu primeiro álbum por uma gravadora

89

própria, a Crass Records46. Eles desempenharam um papel crucial para o

desdobramento do punk rock como o conhecemos atualmente, sendo

colocados como o maior expoente do gênero ao lado dos Sex Pistols, que logo

se entregaram à cafetinagem. Ian Glasper coloca que:

Das duas bandas, no entanto, a sombra do Crass é certamente a mais substancial; eles deram à efêmera rebelião sugerida pelos Pistols um corpo específico e um propósito, e uma centena de bandas anarco-punks embarcaram em seu emergir. Essas bandas não eram açoites contra um oponente imaginário conjurado por uma paranoia juvenil... não, eles colocaram alvos reais e objetivos claramente definidos – mesmo que pouco ambiciosos. Eles não estavam interessados em sensacionalistas, intrabalháveis noções de anarquia e caos, eles queriam uma revolução gradual interna; eles queriam anarquia, paz e liberdade. O choque tático do punk foi usurpado, articulado intelectualmente e agora era colocada para soar como um uso social

47.

Das considerações feitas pelo autor, devemos ressaltar essa insurgência

de centenas de bandas que desejavam se aproximar dos moldes propostos

pela banda Crass. Não mais se tratava, como os Sex Pistols colocaram, de

querer ser o anticristo, ficar puto e destruir48. Em meio a essa incompreensão

do que deveria ser destruído, a banda Crass vem dar nome a esses inimigos

incógnitos de outrora e forma uma noção difusa de anarquia. No entanto, o

grande passo dado pela banda não reside apenas nessas relações diretas com

assuntos políticos, mas a reviravolta se dá na insurgência dessas centenas de

bandas que seguiram os seus passos através da experiência minoritária da

música. O que o Crass fez não foi apenas politizar verdadeiramente o

movimento punk, mas mostrar que a música poderia vir a ser minoritária, e,

sobretudo, que ela poderia ser feita por qualquer um sem a necessidade de se

submeter aos anseios de uma indústria, operando em sua função social.

Não se trata, pois, de uma simples politização no plano das ideias, mas

um fazer político que abarcasse a materialidade da música, aproximando-se do

46

O primeiro lançamento da Crass Records foi o EP intitulado Reality Asylum/Shaved Women, de 1979. A banda já havia lançado uma versão de seu primeiro disco pela Small Wonder Records, uma pequena gravadora londrina. 47

GLASPER, Ian. Op. Cit., 2012 (pág. 1). 48

“And I wanna be antichrist/ I get pissed, destroy!” SEX PISTOLS. Never Mind the Bollocks. Londres, Virgin, 1977 (faixa 8 – Anarchy in the UK).

90

que Agamben chamou de poíesis. Esse fazer, que se viu em situação oclusiva,

volta a figurar uma realidade através de experiências que não alcançariam

nunca a notoriedade e perenidade proporcionada por pressupostos industriais,

buscando novas estratégias para escapar à cultura do capital vigente em todo

o cenário artístico. Agamben coloca que:

[...] aquilo que os gregos quiseram significar com a distinção entre poíesis e práxis era precisamente que a essência da poíesis não tem nada a ver com a expressão de uma vontade (em relação à qual a arte não é de modo algum necessária); ela reside, ao contrário, na produção da verdade e na abertura, que resulta dela, de um mundo para a existência e ação do homem

49.

Independente dos valores do capital, o punk se encaminha para uma

busca de alternativas a tudo aquilo que se opunha – e não eram poucas coisas.

No entanto, a grande luta no âmbito musical se dá em prol de sua existência,

daí a importância da fragmentação e do aumento exponencial do número de

bandas, gravadoras e público. A movência dessa massa de indivíduos às

bordas da cultura de maneira voluntária deixa clara a urgência de se excetuar

dos esquemas comerciais.

A Crass Records e a Clay Records, gravadoras pioneiras e de grande

qualidade, responsáveis pela gravação de, respectivamente, oitenta e quatro e

cento e setenta e oito títulos diferentes, mostraram aos seus contemporâneos e

às gerações vindouras que era possível criar livremente, produzir algo de

qualidade50 e vender tudo por um preço módico. Penny Rimbaud, poeta e ex-

baterista do Crass, afirma que o intuito era ensinar outras pessoas a produzir

seus próprios materiais para que elas passassem a fazer isso por conta

própria. Muitas compilações foram lançados pelo selo, que inclusive foi

responsável pela estreia da banda Amebix na compilação Bullshit Detectors,

de 1980. A proposta deu certo, tanto que Ian Glasper em seu livro, Trapped in

a scene, que aborda os últimos cinco anos da década de 1980, afirma que:

49

AGAMBEN, Giorgio. Op. Cit. (pág 112). 50

A grande maioria, senão todos os discos lançados pela Crass Records, acompanhava encarte, pôster e era vendida a preços módicos. Não por acaso, a mundialmente famosa Björk lançou sua banda, Kukl, pela gravadora independente.

91

Pelas mesmas razões por trás da primeira e da segunda onda do punk rock, jovens raivosos extravasaram sua frustração e a banalidade rotineira com guitarras, baterias e vozes desafiadoras. Eles pegaram seu mote da cena anarco-punk do começo da década de 1980, que os havia empoderado com a ferocidade do do-it-yourself e uma política humana, mas havia algo excitante e devastador tomados da música punk que estava sendo importado da Europa e da América.

E acrescenta que:

Logo, qualquer um estava gravando fitas, escrevendo seus próprios fanzines, promovendo seus próprios shows e, em geral, ajudando a criar uma cena própria em suas cidades. Para quê viajar para Londres e ver a sua banda favorita quando você podia alugar um salão local e trazê-la para você? Claro, havia a Maximum Rock’n’Roll

51 novamente encorajando crianças por todos os lados

para que eles cuidassem da porra de suas vidas! Por alguns lindos anos, era verdadeiramente ótimo ser jovem, viajar pelo país vendo todas essas ótimas bandas, fazendo novos amigos e tentando fazer a diferença. Afinal, o que poderia ser melhor do que uma dúzia de bandas com letras meio decentes com riffs hipervelozes em um centro comunitário mal iluminado por £1,50? (2012: 3-5).

O salto quantitativo dado no último quinquênio da década deixa claro

que a colheita das sementes plantadas em fins da década anterior foi profícua.

Além disso, evidencia-se um deslocamento geográfico muito interessante:

Londres continua a ser um polo de recebimento de punks de outras partes do

mundo, mas eles poderiam circular por toda a Inglaterra em função de

microrganizações que estavam construindo cenas locais. As próprias bandas

inglesas passaram a ser criadas em outras partes do país que não a capital

(nenhuma das bandas aqui analisadas se formou ou residiu em Londres) e a

movimentar uma série de pessoas por todo o país.

Concomitantemente a isso, a troca com outros países próximos passa a

ser muito comum, sobretudo com países escandinavos, onde havia (e ainda

há) muitas bandas do estilo que, à época, estavam influenciando aqueles que o

criaram. Glasper coloca que as pessoas estavam cansadas de reproduzir

51

A Maximum Rock’n’Roll é, até hoje, um fanzine, rádio, gravadora e loja especializada em punk rock e foi totalmente construída a partir dos preceitos do do-it-yourself.

92

aquilo que bandas como Discharge, The Clash e The Damned haviam feito

anos atrás e passavam a se interessar pelas novidades que vinham da

Finlândia e da Suécia, que à época já faziam algo mais veloz e agressivo,

como Rattüs, Terveet Kadet e Anti-Cimex52. Houve, também, uma aproximação

com as bandas de heavy metal, muito numerosas na Inglaterra à época, que

até então estavam desenvolvendo um movimento à parte e que passavam a

trocar influências, sobretudo em função de ecos vindos dos Estados Unidos,

que já estavam em grandes trocas entre os dois estilos marginais.

Mais do que colocar a música ao alcance de todos, o do-it-yourself

permitiu a criação de uma rede de bandas mais ampla, além de aumentar as

possibilidades de experimentações estéticas possíveis, representando o

momento no qual a agressividade figurou seu ápice e mostrando que os três

acordes de Mark Perry eram apenas uma das inúmeras possibilidades

estéticas. Com a sua pluralização por conta do alargamento geográfico

propiciado pela popularidade atingida nos primeiros anos da década, surgiram

diferentes formas de se fazer punk, em diferentes idiomas, com roupas e

ideiais diversos, mas que, em sua maioria, caminhavam em conjunção.

O do-it-yourself se coloca, portanto, como um divisor de águas para

artistas do mundo todo e deixa de se restringir ao punk rock, dando novos

direcionamentos a toda e qualquer manifestação musical independente. O que

a banda Crass fez foi algo irreparável à indústria musical da época. O grupo

mostrou a uma gama enorme de pessoas que era possível gravar um disco

sem o envolvimento de contratos milionários e, sobretudo, sem abrir mão de

opções estéticas que pareciam inassimiláveis ao grande público. Este também

é modificado e adquire outras funções: a plateia também abdica de sua

condição passiva e silenciosa para se tornar ativa na viabilização de turnês,

produção de materiais e etc. Ela deixa de ser um público de ocasião para se

tornar uma rede de contatos que estava criando novos rumos a todo o cenário

musical global.

52

O grupo chegou a se apresentar junto da banda Discharge na Inglaterra. O prospecto do show está no anexo 6.

93

No próximo capítulo acompanharemos mais minuciosamente os

desdobramentos dessas questões e suas implicações na construção de um

processo cultural em relação à séria na qual este se insere, sobretudo em seus

pressupostos industruais. Para termos maior compreensão de seu

desenvolvimento, não podemos olhar para o punk de maneira isolada ou

observá-lo apenas através de seu viés óbvio, contido nas letras. Urge delinear

relações extrínsecas que se dão em âmbitos mais gerais. Como já dissemos

outrora, não cabe colocar apenas a música ou vê-la exclusivamente como uma

maneira de protesto por serem estas características extremamente latentes

(mesmo que muito interessantes), mas ver sua relação com a cultura tanto em

sua contemporaneidade quanto pelo que o movimento punk se tornaria. Seu

impacto na música se tornou um caminho sem volta, tornando-se um

mecanismo que se retroalimenta.

94

3. Da margem para a cultura: dispositivos afirmativos e

repelentes

Como vimos no capítulo anterior, o punk rock é resultado da intersecção

de inúmeros fatores históricos e sociais que o cercam. O seu desenvolver é

marcado por uma série de eventos e invenções que foram revolucionários e

mudaram a forma de se produzir música. No entanto, fica claro, através das

análises feitas anteriormente, que a sua afirmação em momento algum partiu

de edificações centrais da cultura. Quando se dá por movimento, é um

movimento partido, fragmentado, minoritário e que, consciente da sua posição,

a explora em diferentes sentidos: mobiliza grande parte de seu contingente

para viabilizar a sua existência, constrói caminhos alternativos para que

materiais sejam lançados a um preço irrisório e, em sua maturidade,

mobilizam-se para que suas dimensões, mesmo que marginais, tornem-se

globais.

Por mais que tenha atingido dimensões globais e em constante trânsito,

o punk rock nunca transgrediu sua posição marginal. Tendo isso em vista, ele

se valeu de diferentes dispositivos que o colocariam em uma posição perene,

sua transgressão acarretaria sua morte simbólica: um campo de

experimentação foi dado e tudo lhe era permitido, desde que ele nunca se

alinhasse a esquemas comerciais milionários. Por mais que não seja analisado

a fundo neste trabalho, o Crass foi o grande responsável por ditar essas novas

diretrizes que mudariam tais rumos; em suma, eles foram os criadores desses

mecanismos, dando o primeiro passo para que o do-it-yourself, um elemento

crucial, atingisse maturidade e viabilidade.

Acerca do termo “dispositivo”, Giorgio Agamben (2014) observa que “o

dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre

numa relação de poder”. Ao trabalharmos com ele, estamos lidando com

formas que, organizadamente, vão de encontro ao poder vigente, que não

necessariamente se consolidam em figuras governamentais, mas em setores

95

industriais da própria música53. Devemos ter claro que até então o circuito

independente de música era quase inexistente e muito mais ligado a um

amadorismo, que se contentava em reproduzir músicas de outras pessoas.

Isso fica claro ao consultarmos, por exemplo, o seminal livro de Howard

Becker, Outsiders (2008), publicado em 1963, no qual o autor aborda o músico

amador como o animador de bares e casas noturnas, nunca como um criador

que se insere num circuito de produções undergrounds.

A construção desses dispositivos vem, portanto, para ir de encontro não

apenas a figuras representantes do poder ou da violência, mas, em primeiro

lugar, à maneira pela qual eles se inserem na cultura. Desde a criação do

fonógrafo, exigia-se maior formalidade para adentrar em um circuito

profissional, que sempre carregava por trás de si a figura da gravadora.

Quando há um deslocamento dos produtores, há também, em função disso, um

deslocamento fronteiriço que separa o que se insere nos setores profissionais e

o que se excetua. Quando o amadorismo se mostra falho e surge a

necessidade de se produzir algo para além dos anseios estéticos dominantes à

época, o do-it-yourself se faz urgente e é massivamente aderido por milhares

de pessoas ao redor do mundo. A mudança paradigmática estabelecida até

então, que não foi mensurada sequer pelos seus idealizadores, transformaria

muitas coisas intrínsecas ao fazer musical em vigência à época. Trabalhamos

com a noção de fronteiras edificada por Lótman no capítulo anterior para que

pudéssemos observar as situações limítrofes às quais esse processo cultural

se submeteu. Feito isto, devemos nos aproximar de outro conceito do

semioticista: o de semiosfera.

3.1. Semiosfera e punk rock: a busca de um lugar para o sentido

Em 1984, Lótman publica o ensaio seminal intitulado “Acerca de la

semiosfera” (1996) e, com ele, nos dá outra dimensão do que entendemos por

53

Há uma dimensão política governamental óbvia e outra nas entrelinhas, e esta última é a que mormente nos interessa.

96

cadeias de textos, aprofundando conceitos que desde a publicação de Ensaios

de semiótica soviética (1981) começavam a se delinear. O autor observou

que há uma constante troca e acréscimo de textos e signos que povoam e

delimitam aquilo que entendemos por cultura. Munido da biologia, ele cunha

um conceito que engloba a esfera dos signos, ambiente este que possibilita a

sua “vida” e que está em constante atualização. Numa operação binária,

podemos concluir que, para que haja vida, a morte é necessária. A morte do

signo não corresponde ao seu fim, mas sim à exaustão de seu significado, que

pode assumir outro sentido; um texto biológico do século XVI passa a ter

validade histórica, mas não mais serve à biologia propriamente dita.

Feitas tais considerações, podemos observar que a cultura se

estabelece a partir de pressupostos de memória e esquecimento, de dentro e

de fora, culto e inculto. Todas essas separações devem ser entendidas como

trocas dinâmicas e constantes, releituras e aprimoramentos de determinados

textos para que continuem a figurar uma parte deste corpo vivo que é a cultura.

Em produção conjunta com Boris Uspiênski, Lótman coloca que:

O desenvolvimento dinâmico da cultura acontece sob a influência de dois tipos de fatores; de um lado, forças heterogêneas externas agem sobre ela; de outro, essa influência se traduz na língua de sua estrutura interna e, com relação a isso, sofre várias transformações, até mesmo a influência ativa das autodescrições da cultura citadas anteriormente

54.

A cultura se forma, portanto, da intersecção de fatores externos a ela

que são assimilados e convertidos em textos, de um lado, e da revisão de

fatores já em voga na própria cultura, de outro. Semiosfera é o espaço que

essas operações, a semiose, ocorre. O “Vocabulário básico de semiótica da

cultura” (In. MACHADO, 2003) a define como “espaço de produção de semiose

da cultura, portanto, de coexistência e coevolução dos sistemas de signos. [...]

Em vez de linha demarcatória e divisória, fronteira designa aquele segmento de

espaço onde os limites se confundem, adquirindo a função de filtro” (2003).

54

LÓTMAN, Iuri; USPIÊNSKI, Boris. “Postscriptum às teses coletivas sobre a Semiótica da Cultura”. In: MACHADO, Irene. Op. Cit. (pág. 136).

97

Não podemos pensar a cultura como algo organicamente organizado e

que sucessivamente vai dando lugar a outros textos, mas como um fluxo de

textos que são filtrados de acordo com a sua permissividade em estruturas

nodais que resultam em uma consolidação do texto na forma de memória.

O que mais nos chama a atenção, contudo, é a previsibilidade de

mobilidade interna à cultura que Lótman observa. O autor postula que

determinados processos culturais estão mais próximos da fronteira. Todo novo

conjunto sígnico que adentra em determinada semiosfera, portanto, estará

mais próximo de sua periferia, e sua ascensão ao centro será dada a partir de

uma série de fatores que irão concomitar em formas menos móveis e mais

próximas do olvido.

Ao optar por práticas (estéticas, temáticas, processuais) que o

direcionava às fronteiras, observamos que o punk rock sequer almejou uma

posição concêntrica. O que está em jogo não é mais a transição de processos

culturais que tendam a se aproximar do centro, mas o alargamento desta

periferia em um campo experimental onde radicalizações estéticas sempre

foram postas em prática (basta ouvir a função da voz sob uma perspectiva

diacrônica para que isso se torne evidente). De certa maneira, ele se aproxima

daquilo que o autor chama de “zona de bilinguismo cultural”, à qual atribui uma

relação direta entre diferentes povos, muito comum a todas as organizações

estatais que tiveram de lidar com o nomadismo externo a ela. Essas

organizações fronteiriças tinham de lidar com os que estavam inseridos na

parte de dentro, bem como com aqueles que vinham de fora, o que resultava

na criação de “semióticas crioulizadas”, como afirma Lótman.

Essas relações entrevistas pelo autor perdem a potência quando do

descaminho destes povos nômades vistos como guarnecedora de fronteiras

terem tomadas outras dimensões e funções políticas. Contudo, isso não

representa necessariamente o fim da produção de semióticas crioulas, mas

aponta para uma maneira diferente em sua produção; a movência nômade,

bem como sua relação com as fronteiras, se mostra por outras vias.

Na década de 1980, quando o globo assume as condições da aldeia

McLuhaniana, essas estruturas semióticas deveriam emergir de dentro e

98

buscar fronteiras outras que as físicas. A marginalidade, portanto, assume

outros aspectos e funções. Essas insurgências se dão a partir do emprego de

dispositivos contra-hegemônicos. A idealização de um processo como o do-it-

yourself vem como prova disso, pois seus princípios não deixam de gerar

semióticas crioulizadas: observa-se um processo dominante, sobretudo em

seus níveis organizacionais, convertendo-o em coisa de todos. Faz o mesmo

com a energia daqueles primeiros punks que marcaram o movimento como

uma manifestação mediática em 197655 e a converte em mercado

independente. Até mesmo a noção de anarquia detida por Johnny Rotten e

seus companheiros é modificada e toma outras dimensões. Além disso,

Margareth Thatcher passaria a assombrar essa juventude a partir de 1979, e

sua figura seria decisiva para que novas diretrizes fossem assumidas. Talvez,

sem sua presença, o punk não teria tomado o corpo que tomou ou teria

florescido em outras partes do globo.

Sua consolidação se dá a partir da junção de cacos deixados por uma

primeira incursão no terreno dessas periferias. Aqueles parcos representantes

de outrora deram um primeiro passo até que, em 1979, o punk conheceu sua

morte. Insistimos neste fato, pois, de certa maneira, a banda Crass tinha razão

ao afirmá-la. Sua vida não seria possível pelas vias encontradas por Sid

Vicious (Sex Pistols) ou por Joe Strummers (The Clash), mas precisava se

pluralizar, partir-se ao extremo, tornar-se território de ninguém para que, assim,

conhecesse sua sobrevida. É interessante notar, neste caso, que o punk se

converte em um zumbi que atualmente atinge sua meia-idade em plena

atividade, ainda sobre aqueles pressupostos do do-it-yourself (termo este que

conhece hoje uma espécie de vulgata). Esta morte liga-se a um plano simbólico

no que entendemos por vida. Se a entendemos a partir de um princípio

biológico, ou seja, através da sucessão temporal ligada diretamente a um

desenvolver corpóreo, de fato, o punk rock não apenas morreu, mas precisava

morrer enquanto figura individual para renascer em uma massa incógnita.

55

Neste ano, as bandas Sex Pistols, The Damned, The Clash, Siouxie and the Banshees e outras fizeram o primeiro grande concerto punk que mudaria os rumos do movimento, pois é a partir desta data que o punk rock conhece as graças mediáticas.

99

Tal fato se relaciona com os dizeres de Lótman de maneira muito

curiosa, pois, como o autor prevê, os textos periféricos tendem a se aproximar

do centro e, neste espaço, a engessarem-se em formas fechadas, caminhando

para seu esquecimento. Como produto, se disseminou por todo o mundo,

fazendo com que a imagem do punk se tornasse um lugar-comum, ganhando

exposições e passarelas, mas se torna muito difícil saber o que é produzido no

meio musical propriamente dito. Portanto, cria-se um estereótipo imagético,

mas que não é revelador em outros aspectos, o que o impele automaticamente

à posição semiosférica que não transpôs.

O punk atingiu sua condição imagética ante o mundo, mas suas músicas

nunca o fizeram. Tal fato evidencia que os principais textos gerados por tal

processo cultural implicam uma posição semiosférica que se estabelece em

sua região fronteiriça, pois, além do que foi colocado no capítulo anterior, ele

também situa seus observadores em um ponto no qual é preciso lidar com a

intersecção de um espaço semiótico onde a série se afirma por elementos

externos: a fome, a guerra, o horror. Ao mesmo tempo, sua criação estética se

dá em situações limites do que entendemos por canção: aqui entra o grito, a

micromúsica, a falta de domínio técnico, sua multifacetação e movência de

estilos e pessoas.

Lótman coloca que “a cultura cria não apenas sua própria organização

interna, mas também seu próprio tipo de desorganização externa” (1996); e, ao

olharmos para o punk rock inserido em determinada semiosfera, vemos que ele

está fadado à margem porque, como o autor afirma:

Nos setores periféricos, organizados de maneira menos rígida e possuidor de construções flexíveis “deslizantes”, os processos dinâmicos encontram menos resistência e, por conseguinte, se desenvolve mais rapidamente. A criação de autodescrições metaestruturais (gramáticas) é um fato que aumenta bruscamente a rigidez da estrutura e faz seu desenvolvimento mais lento. Entretanto, os setores que não foram objetos de uma descrição ou que foram descritos em categorias de uma gramática “alheia” obviamente inadequada a eles se desenvolvem com mais rapidez. Isso prepara no futuro o traslado de uma função de núcleo estrutural à periferia da etapa precedente e a conversão de antigos centros em periferia

56.

56

LOTMAN, Iuri. Op. Cit. 1996 (pág. 30).

100

Os textos que ocupam a posição concêntrica estipulada pela

organização interna da semiosfera se dão, portanto, em função de uma divisão

hierárquica móvel. Quanto maior a sua compreensão, maiores são as

possibilidades autodescritivas de sua mensagem e há, portanto, menor

liberdade criativa. A periferia oferece uma gama maior de possibilidades, cabe

a ela uma zona criativa da cultura que Edgar Morin (1991) opõe à

normalização. Por sua óbvia tendência normopata, a fatia da semiosfera que

cabe ao punk é uma delgada parte da periferia em constante ebulição.

É claro que, ao fazermos tal afirmação, não a estamos pensando

através de termos pejorativos ou injustos. Fica claro que não se trata apenas

da operação prevista por Lótman de traslado de uma posição periférica a uma

central, mas da criação de estratégias que façam dessa posição inicial um

campo de experimentação capaz de se alargar a ponto de observar tal espaço

não como uma condição, mas como um direito.

3.2. O direito da margem

Há um texto de Lótman muito elucidativo intitulado “O texto e a estrutura

do auditório” (1996), no qual o autor analisa a medida de compreensão do

público mediante determinado texto, exaltando a sua relação com a memória.

O autor postula que, criada uma relação dialógica de códigos entre texto e

destinatário, a presença de uma memória comum a ambos é sua medida de

compreensão. Além disso, coloca que a apreciação de determinado texto se dá

pela compreensão de determinado público e, também, por seu grau de

incompreensão ante outro auditório. Fica claro que não se fazer entender é

também uma estratégia de compreensão textual. O semioticista afirma que os

textos estabelecem ao mesmo tempo uma linguagem para si e para outros e,

segundo as suas relações com determinada memória coletiva, vão delinear a

imagem de seu destinatário, que está oculta no texto.

101

Podemos retomar o tema central de nosso primeiro capítulo, o papel da

voz, e o olharmos sob outra perspectiva: a maneira pela qual o grito é colocado

em prática é, também, a imagem de seu público. A violência contida nas

músicas comporta toda uma memória coletiva que impele o punk à margem e a

assume como direito. Em função disso, sob uma perspectiva diacrônica do

corpus aqui analisado, vemos que há um aumento progressivo da rudeza

adotada pelas bandas que se situam mais próximas do fim da década; o punk

produzido pela banda Extreme Noise Terror não era mais aquele feito pelos

integrantes do Discharge, que também não era o mesmo daqueles que se

encontravam em sua gênese.

Se pensarmos a memória como uma construção patrimonial de certa

coletividade, vemos que esta é uma medida do que determinadas culturas

acumulam e, ao mesmo tempo, excluem de seu repertório. Criam-se, portanto,

medidas de lembrança e esquecimento que comportam em si a medida de

determinados sistemas culturais. Nesse sentido, essa constante mudança

vivida pelo punk durante toda a sua existência é uma complexificação

processual que aponta para uma relação outra com a memória. À medida que

se multiplicam as facetas do gênero musical, seu movimento em direção ao

centro torna-se impossível, pois ele acaba convertendo todas as gramáticas

(empregando o termo lotmaniano) em instrumentos incompletos à sua análise

enquanto estrutura nuclear.

Dada a relação estabelecida com as operações exigidas pela memória,

podemos dizer que, no caso aqui analisado, não há uma estrutura nuclear, mas

operações lógicas que ligam um ponto a outro. Podemos pensar sua existência

pelo apoio que toma em determinados padrões, e aqui se liga à memória,

visando sua transposição para algo outro que seu ponto de partida. Nas

palavras do autor:

Assim pois, a memória comum ao espaço de uma cultura dada é assegurada, em primeiro lugar, pela presença de alguns textos constantes e, em segundo lugar, ou pela unidade dos códigos ou por sua invariância, ou pelo caráter ininterrupto e regular de sua transformação.

102

E ainda:

A presença de subestruturas culturais com diferentes composições e volumes da memória conduz a diversos graus de elipticidade dos textos circulantes nas subcoletividades culturais e ao surgimento de “semânticas locais”. Quando os textos elípticos transpassam os limites de uma subcoletividade dada, completam-se para que sejam compreensíveis

57.

Neste ponto, podemos aproximar os dizeres de Lótman daquilo que

tomamos por uma ocupação periférica de uma cultura dada: o direito à

margem. Essa multiplicação e consequente perda de uma posição central

acarreta uma pluralização de subcoletividades que de certa maneira se

imbricam e se completam para poder criar, a partir de si próprias, uma

transformação regular. Como o próprio Lótman reconhece, a memória é uma

construção pancrônica que depende de um ponto de partida e de

transformações ao longo de seu percurso. Posto isto, fica claro que a memória

se relaciona com unidades, ao passo que o esquecimento se liga, como

dissemos anteriormente, à fragmentação.

A operação aqui contida se liga a uma expansão de uma memória

subcoletiva, e não de sua reprodução. Até porque nos aproximamos muito mais

da ideia de rupturas constantes (não conflitantes) do que da tradição. Trata-se,

pois, de se reinventar para ter o direito de reivindicar uma posição periférica e,

consequentemente, de posições estéticas radicalizadas em relação àquilo que

passa a servir de padrão. É por isso que Dean Jones coloca que seu grupo, o

Extreme Noise Terror, almejava ser a banda mais extrema e pesada de todos

os tempos. Além disso, menciona outras bandas da mesma região, Ipswich,

que à época já possuíam maior reconhecimento, mas não eram interessantes a

ele pois não praticavam música séria, ou seja, músicas mais próximas da

aceitação comercial (GLASPER, 2012). Por mais que haja um movimento de

reavivar a memória, há o contramovimento que visa levar à sua destituição

para que a tradição não exista. Acerca da abordagem lotmaniana do conceito

de memória, Pires Ferreira postula que:

57

Ibid. cit. (págs, 157-8).

103

O que depreendemos, e que nos serve para refletir sobre uma série de questões com que nos vemos às voltas, é a ideia de que há um esquecimento que não é par dialético da lembrança, aquele é não-cultura, que é desordem e fragmentação. Perde-se a noção de núcleo e de unidade. Depois de nos ter feito perceber a dinâmica da mobilidade, chegamos à conclusão de que um dos conceitos onde se firma o texto cultural é o da unidade, e Lotman até nos fala que a cultura necessita de princípios de unidade e, para colocar em ato sua função social há de se apoiar numa trama de princípios construtivos, de certo modo, unitários

58.

Desta maneira, como a autora reconhece, a cultura não se opõe ao

caos, mas a um sistema de signos com valor contrário. Sob tal ponto de vista,

devemos pensar a oposição entre essa fragmentação constitutiva, mas

detentora de certa unicidade interna, e a tradição. Há um salto previsível e uma

ruptura lógica capaz de compreender sua inserção no que se pretende

enquanto texto; daí a reinvenção daquilo que possa servir a um setor industrial.

Se, de fato, o punk morre em 1979, partes de seu cadáver ainda são muito

desejáveis, apesar de conservadas em sua casca mortuária, e outras, por sua

vez, carecem de reviver em outros corpos, de outras formas; daí a

radicalização como linha de fuga a um aparente tradicionalismo, muitas vezes

convertido em peças esdrúxulas como desfiles de estilistas famosos ou

esboços caricaturais.

Se a memória também comporta em si mecanismos formadores de

outros textos e sua mera reprodução acarreta uma proximidade de estruturas

nucleares e, portanto, mais próximas da extinção, o ato de romper ganha um

sentido ambivalente. Além de sua perenidade nas posições marginais, rompe-

se para se manter vivo, até porque a tradição aqui não cabe nos termos de

reiterabilidade, mas em um sentido evolutivo. Iuri Tinianov (2013) coloca que

evolução deve ser lida como substituição de funções formais que determinados

termos têm em relação ao sistema que integram. Feita tal consideração,

podemos ler a afirmação de Dean Jones como o abandono de operações

sistêmicas já consagradas em função de sua repetição.

58

PIRES FERREIRA, Jerusa. Armadilhas da memória. São Paulo, Ateliê, 2004 (pág. 80).

104

Ao contrapor o conceito de memória aos de tradição e evolução,

almejamos dar conta de determinado ambiente cultural em sua relação

dinâmica com sua semiosfera sem perder de vista a função que desempenha

ante seu auditório. Essa junção conceitual, quando vista sob a ótica do punk,

se mostra demasiadamente complexa; quando o gênero parece atingir certa

homogeneidade estrutural, ele vai perdendo sua potência e se reinventa em

novas proposições. Divide-se em outros segmentos, assumindo por vezes

outros nomes: crust, sludge, d-beat (àqueles que se valeram do mesmo padrão

da percussão que o Discharge), hard core, grind core, anarcopunk, punk 77,

digital hard core, metalpunk (não nos reservamos aqui às nomenclaturas da

época, mas a seus desdobramentos até os dias de hoje).

Tal fenômeno se dá justamente em função de uma dissolução unitária

em sua construção estrutural: ela não existe para ser reproduzida, mas para

ser levada a outros patamares. Vemos esta liberdade quando opomos uma

micromúsica da banda Napalm Death à última gravação musical da banda

Crass, de 198359, com músicas sem títulos e uma delas de aproximadamente

vinte minutos. Ambas são punks e se encontram muito próximas de uma

construção ideológica, mas esteticamente estão muito distantes até porque o

que uma banda já havia feito não deveria ser repetido por outra. A inscrição em

uma tradição formal (como é o caso do soneto ou dos versos alexandrinos para

a poesia) é, ao mesmo tempo, garantidora de uma aproximação nuclear

indesejada e motivadora de uma tradição já recusada.

Paul Zumthor, em Introdução à poesia oral (2010), questiona-se

acerca da mudança da obra em relação à série cultural em que se insere,

afirmando que a noção de tradição dará conta de explicar tais relações. Ela se

insere numa construção científica ao invés de se relacionar com produtos

culturais, e o autor coloca, ainda, que “o discurso que sustentamos sobre ela

vem de uma ideologia de funções atribuídas em nosso próprio campo social”.

Zumthor continua dizendo que a tradição existe em função de uma

59

O álbum original, lançado em vinil pela Crass Records, não possui separação entre as faixas, como é habitual. Todas as músicas se chamam “Yes sir, I will” e uma delas, que ocupa todo uma face do disco de vinil, possui aproximadamente vinte minutos. O disco é uma espécie de manifesto punk completamente inaudível contra o governo de Thatcher que a banda gravou sem ensaios (cf. GLASPER, 2012).

105

neutralização de contradições existentes entre o tempo passado, presente e

futuro. Tradição é aquilo que se insere em nossa cultura como diretrizes do que

devemos saber e de como devemos apreender esses saberes. Ele continua

dizendo que:

O ouvinte apaixonado por rock ou por salsa participa do que ele experimenta como tradição (ou como moda, o que dá no mesmo): mas essa participação se manifesta pela intensidade do prazer associada a tal performance, relativa a tal espera circunstanciada. Sem dúvida a tradição não é nada além do condicionamento dessa espera, tornando (por um tempo mais ou menos longo ou breve) habitual. Condicionamento “aberto” ou “fechado”, segundo o esquema proposto por M. Houis, de uma espera “pública” ou “seletiva”, à qual se dirigem os portadores “ativos” ou “passivos” de uma resposta mais ou menos adiada, mas que reconheço

60.

As considerações de Zumthor, acrescidas ao conceito de memória de

Iuri Lótman, nos colocam diante de respostas às questões sobre mudanças no

cerne do punk rock. É claro que os autores estão falando de objetos diferentes,

mas aqui estes se completam. Podemos pensar o punk a partir de uma

construção que se insere em uma memória subcoletiva que, à sua maneira,

cria uma espécie de padrão que não é repetido à exaustão, mas modificado

constantemente61, acrescendo e tirando elementos para dar uma nova

roupagem à música, por mais que, como fica claro nos capítulos anteriores,

exista uma esfera temática na qual as mensagens se inserem. Questões outras

que darão conta da possibilidade de se tratar de um punk, mesmo que

fragmentado. Por mais que se parta e reparta em diferentes formas estéticas,

cada vez mais agressivas62, fica claro que essas são mudanças previsíveis e

progressivas, sobretudo após o lançamento do álbum Hear nothing, See

Nothing, Say Nothing, da banda Discharge, que é pioneiro em sua proposta e

veio para influenciar tudo o que o rock pesado produziu após seu lançamento,

em 1982. A grande proposição entre essas diferentes formas musicais que se

confundem está diretamente ligada a fatores extramusicais e isso fica claro, por

60

ZUMTHOR, Paul. Op. Cit. 2010 (págs. 283-4). 61

Não por acaso, alguns dos integrantes da banda Napalm Death se dedicaram à música eletrônica. 62

Há um disco da banda Extreme Noise Terror intitulado Damage 381, lançado em 1997. O disco leva esse título por ser o número de batidas por minuto executadas durante a gravação, o que é algo extremamente veloz.

106

exemplo, na já citada música do Extreme Noise Terror: “If you‟re in it only for

the music, just fuck off, we aren‟t interested”.

Analisemos, a seguir, a maneira pela qual essas construções

extramusicais dão conta de promover tal processo cultural.

3.3. Uma outra indústria cultural

A maior colaboração dada à música foi, sem dúvidas, o esquema de

produção independente, que pela primeira vez foi sistematizado. O que à

primeira vista pode soar como uma banalidade precisa ser revisto. Devemos

entender que, desde a inserção da escuta musical em ambiente doméstico, a

música passaria a uma situação mediada que seria colocada em prática por um

setor industrial. Nela, qual o cinema, figura um grande interesse de setores

econômicos que, como colocaram Adorno e Horkheimer, constroem uma

indústria cultural. Em sua visão radical de dispositivos de controle de massas

exercidos pelos meios de comunicação, os autores condenam as formas de

entretenimento providas por tais setores, colocando que:

A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho. É possível depreender de qualquer filme sonoro, de qualquer emissão de rádio, o impacto que não se poderia atribuir a nenhum deles isoladamente, mas só a todos em conjunto na sociedade. Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo. E todos os seus agentes, do producer às associações femininas, vela para que o processo de reprodução simples do espírito não leve à reprodução ampliada (1985:105).

Adorno faleceu em fins da década de 1960 e Horkheimer, poucos anos

depois, em 1973. Decerto não assistiram à emergência dos circuitos

alternativos de cultura e pouco provavelmente prestariam atenção a eles.

Devemos compreender que, para um primeiro esforço com o intuito de

107

caracterizar uma indústria do entretenimento em voga desde a conversão do

povo em massas, há uma visão empírica muito interessante, mas que peca no

emprego do qualquer. O grande erro dos autores alemães é observar a cultura

a partir de ligações totalitárias, e não como processos dinâmicos que se

apropriam de elementos dominantes para, por vezes, fazer emergir algo de

imprevisível àquele. A cultura não representa, em hipótese alguma, os mesmos

interesses totalitários almejados pelo Estado e, como Octavio Paz (2012)

coloca, este não tem fecundidade para criar, podendo silenciar e impedir que

determinadas culturas insurjam, mas nunca criá-las, da mesma maneira que a

indústria não possui vias para se apropriar de determinada manifestação

artística a ponto de esgotá-la e colocá-la sob a égide de um qualquer estilístico.

O mesmo Adorno, que viu o jazz como o gênero malsão, escreve, em

Filosofia da nova música, que:

Somente na era do cinema sonoro, do rádio e das novas formas musicais de propaganda, a música focou, precisamente em sua irracionalidade, inteiramente sequestrada pela ratio comercial. Mas assim que a administração industrial de todo o patrimônio cultural de faz totalitária, ela adquire ainda poder sobre tudo o que não admito conciliação do ponto de vista estético. Com o poder dos mecanismos de distribuição que dispõem o mau gosto e os bens culturais já ultrapassados e com a predisposição dos ouvintes determinada num processo social, a música radical caiu, durante o industrialismo tardio, num completo isolamento

63.

Fica claro que a visão do autor está em acordo com as realizações

técnicas da música, excetuando todo e qualquer fator extraestético que possam

compor determinados sistemas culturais. Tais considerações nos colocam

diante de certos questionamentos: as artes e a indústria, em seu significado

mais abrangente, são de fato inconciliáveis? E ainda: a técnica musical, bem

como a difusão da literatura em um mundo ocidental letrado, não dependeu em

seu princípio de fatores industriais que viabilizaram, por exemplo, a

sistematização de algo livre em uma lógica partitural? A domesticação musical

pela Igreja não seria responsável por uma perda da radicalidade de uma

63

ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo, Perspectiva, 2011 (pág. 15). Tradução de Magda França.

108

expressão corporal ulterior à técnica, compondo um primeiro esboço dos

setores industriais totalitários (WISNIK, 2014)?

Adorno tem razão em notar uma tendência totalizante em relação a

certas práticas exercidas pelo mercado musical no que toca, por exemplo, um

padrão a ser repetido pela música pop, que atinge seu ápice em concomitância

com a submissão do punk rock às bordas dessa indústria. O pop não é apenas

um estilo, mas um metro, uma estrutura fixa que tende a ser reproduzida com

maior ou menor maestria por uma massa de intérpretes absorvidos e expelidos

deste circuito comercial. Contudo, para a música do mundo, a indústria

representa apenas uma fração (totalizadora) que cabe ao rádio, ao cinema e à

propaganda, ignorando, por vezes, o que a cerca.

Jesús Martín-Barbero se ocupa de uma revisão das teorias adornianas

levantando uma questão: o fato de que Adorno viu, na produção em série da

cultura, uma forma de regulação em meio a um caos, aproximando-a da

mesma lógica operacional de um sistema social. O que passa despercebido,

portanto, é a inserção da obra em um meio que opera de maneira coautoral;

podemos afirmar que Margareth Thatcher, por exemplo, desempenha um papel

fundamental para o punk rock inglês, da mesma maneira que os ataques

atômicos empreendidos contra o Japão são fundamentais para que essa

referência histórica adquira sentido décadas depois. A questão, portanto, está

em relação à sublimação de um fazer artístico mais próximo de uma mera

realização técnica do que da tradução cultural de determinada semiosfera em

linguagem poética. Tal consideração coloca a arte em situação oclusiva em

relação à humanidade, reservando-a a poucos escolhidos. Martín-Barbero

postula que é:

Lastimável que uma concepção radicalmente pura e elevada da arte deva, para formular-se, rebaixar todas as outras formas possíveis até o sarcasmo e fazer do sentimento um torpe e sinistro aliado da vulgaridade. A partir desse alto lugar, de onde conduz o crítico a necessidade de escapar à degradação da cultura, não parece pensável as contradições cotidianas que fazem a existência das massas nem seus modos de produção do sentido e de articulação no simbólico (2013: 79).

109

Neste sentido, o que falta a Adorno para compreender melhor as

manifestações que pululam enquanto outras atingem condições herméticas em

relação ao grande público é que este, inserido em uma sociedade industrial,

possa se apoderar de seus mesmos dispositivos para compor de acordo com

suas próprias regras. Por isso, o autor vê no jazz um antro de perdição daquilo

que um dia a música séria almejou como plano futuro. Não se trata, pois, de

uma disputa de mediadores que insiram essa arte nos novos expectadores que

vêm se formando em comunidades urbanas, mas sim da diminuição de suas

formas de sentir através dos produtos que criam. Adorno não contava, no

entanto, com a astúcia e a capacidade desse novo público de criar para si uma

indústria cultural própria.

A partir do momento que o punk rock percebe que a sua única forma de

existência nos pressupostos ideológicos por ele edificados anteriormente só

poderia se dar a partir de um distanciamento progressivo da indústria cultural

adorniana, ele cria para si o do-it-yourself. Seria extremamente ingênuo crer

que essa nova premissa musical estaria em relação somente com a

autoprodução de discos de vinil, afinal de contas, o movimento coloca os

artistas como responsáveis por todas as etapas processuais da música

edificada pela vil indústria cultural. Visto que a industrialização mudou os rumos

da arte em si, não bastava simplesmente demonizá-la, mas ver os novos

campos de produção que nela se abriam. O intuito não é retroceder ante as

possibilidades que se dão a partir de avanços técnicos, mas o de minar os

pressupostos totalitários e homogeneizador que os regem. Desta maneira,

Crass Records, Clay Records, Alternative Tentacles e Spiderleg Records não

são apenas gravadoras que fomentaram o florescimento de um estilo musical

pelas bordas da cultura, mas também foram as responsáveis pela promoção de

atos políticos contra o capitalismo totalitário em sua relação com a produção

cultural de seu tempo64.

O que entra em cena é a colocação de algo até então imprevisto àquela

indústria cultural que vem da escola de Frankfurt: a relação da massa com

64

Isso se torna óbvio quando, em 1995, a banda Doom lança a coletânea Fuck Peaceville, sua antiga gravadora. O disco é, como seu nome se propõe, um foda-se às questões legais que tangem a música em sua condição de produto. São regravações melhoradas das músicas que pertenciam à gravadora antes de ela ser vendida e incorporada à outra gravadora maior.

110

todos os setores de produção artística, colocando em xeque a condição de

vilão daqueles que a industrializam. Tudo cai por terra quando os grandes

music halls britânicos saem de evidência para ceder espaços a pequenos

centros comunitários ou bares, e os edifícios das grandes gravadoras se

convertem em garagens. É assustador o fato de que a Atlantic Records, uma

grande gravadora interessada em músicos de rock desde os anos de 1960,

tenha lançado cerca de 16.300 álbuns do estilo até os dias de hoje, mas é

igualmente assustador pensar que, sem projeções comerciais concretas, a

gravadora Alternative Tentacles, administrada por Jello Biafra, ex-vocalista

banda Dead Kennedys, tenha conseguido, de forma independente, lançar mais

de seiscentos títulos diferentes.

Além disso, outra estratégia é assumida pelas pequenas gravadoras:

elas não mais são rivais e muitas vezes se juntam para que o lançamento de

determinado material se torne realidade. O já referido disco Fuck Peaceville,

da banda Doom, é lançado até hoje por quatro gravadoras diferentes: Twisted

Chords (Alemanha), Profane Existence (Estados Unidos), Malarie Records

(República Tcheca) e pela Grade a Thrape Records (Inglaterra). O mesmo se

dá com a banda Extreme Noise Terror, que lançou diferentes materiais por

dezenas de gravadoras diferentes ou mesmo de maneira independente,

mesmo após possuir contratos anteriores; o EP Phonophobia, lançado em

1991 (ou seja, seis anos após a formação da banda), não tem selo de

gravadora em sua prensagem original.

A inventividade do punk está ligada à sua maneira de se estabelecer

fora dos circuitos óbvios de circulação, inserindo-se sistematicamente nos

moldes do industrialismo tardio de que fala Adorno de uma maneira até então

inédita. Parece-nos, atualmente, algo óbvio, sobretudo com as possibilidades

oferecidas pela internet. Mas à época se tratava de um grande passo

autoconsciente que mudaria os rumos da música como um todo; toda banda

independente (ao menos de rock) passa por um processo semelhante às bases

propostas pelo punk rock. Isso fica claro pela mudança que temos em relação à

música amadora, muito comentada por diversos autores que refletiram sobre o

tema e que progressivamente vai perdendo a proficuidade.

111

Como colocou Glasper em A day that a country died (2012), o punk

rock conheceu e desenvolveu uma maneira de profissionalizar a música

independente ao canalizar as energias do The Clash (lançado pela CBS) e dos

Sex Pistols (Warner e Virgin), combinando-as com um processo minoritário no

que diz respeito à conversão do processo em produto físico. Tal estratégia

seria adotada inclusive por artistas que já tinham contratos com gravadoras.

Siouxsie and the Banshees, por exemplo, criaram um selo próprio em 1983

após o lançamento de cinco álbuns lançados pela Polydor; todavia, os discos

ainda eram produzidos pela gravadora, apenas levavam um selo próprio. Os

donos das gravadoras estavam muito distantes da música que vendiam,

trabalhando sempre de acordo com pressupostos comerciais. Os Sex Pistols,

por exemplo, com seu único álbum de estúdio, Never Mind the Bollocks,

Here’s the Sex Pistols, levaram para casa um disco de ouro após ter atingido

a assustadora projeção em função de seu single, Anarchy in the UK, que

vendeu cerca de dez mil cópias por dia no ano de seu lançamento. A banda

The Clash, por sua vez, atinge a marca das quinhentas mil cópias vendidas de

seu primeiro álbum e, anos mais tarde, alcançaria a casa dos milhões com o

seminal London Calling, lançado em 1979. Os números são indicações do

valor comercial que esses nomes carregavam em si e também de que a

rebelião jovem tinha um limite.

A fundação de gravadoras pequenas em todo o território inglês muda

radicalmente esse cenário, e a maioria esmagadora das bandas surgidas na

década de 1980 permaneceria fiel aos pequenos. A banda Discharge lançou

seu último álbum de estúdio em 2009 pela Vile, gravadora própria da banda

que conta com apenas nove títulos em seu catálogo. A banda Amebix possui

um selo próprio e atualmente lança seus materiais com a ajuda da já citada

Profane Existence, especializada em punk rock e que retomou as atividades no

ano 2000. Por sua vez, o Extreme Noise Terror possui um número sem

precedentes de gravadoras responsáveis por seus lançamentos, o que é

resultado da gravação feita de maneira independente e patrocinada por

determinado selo. O Doom também cria um selo próprio para lançar seus

novos materiais, a Black Cloud Records. A única que permanece apenas com

duas gravadoras inseridas majoritariamente em sua carreira é a banda Napalm

112

Death, que oscilou entre a Earache e a Century Media, ambas especializadas

em rock pesado.

Fica evidente que o do-it-yourself não é apenas um estágio intermediário

entre o anonimato e a fama, mas uma maneira de profissionalizar o alternativo.

Esse método vem funcionado até os dias de hoje e, em maior ou menor grau,

representa um número sem igual de artistas independentes, não mais

limitando-se ao campo musical e muito menos ao rock. A fundação da Crass

Records, que, segundo seus idealizadores, tinha como função dar às pessoas

comuns uma chance de se expressar, foi um grande passo. Ian Glasper coloca

que:

Orgulhosos de tomar o controle completo do resultado de seus discos, Crass estabeleceu seu próprio selo homônimo para todos os futuros lançamentos, e embora eles tenham deixado sua margem de lucro no mínimo absoluto, uma entrada suficiente [de dinheiro] rapidamente gerada permitiu-os de começar a lançar discos de outros artistas que partilhavam da mesma opinião. Em geral, a maior parte das bandas com que trabalharam eram convidadas apenas para lançar um single pela gravadora, e, mantendo as rédeas curtas no processo de produção e apresentação, Crass records rapidamente desenvolveu uma identidade própria, garantindo que cada disco, belamente empacotado em um pôster rígido preto e branco, vendido respeitosamente bem para que a gravadora pudesse manter a força de suas produções estimulando novos talentos (2012: 23)

65.

O baterista Penny Rimbaud ainda acrescenta que:

Tudo o que estávamos fazendo era facilitar, basicamente mostrando às pessoas como fazer discos, da produção à arte das capas, tudo... e era isso: um single, e no seu caminho, uma vez que já havíamos mostrado como fazer isso. Nós não éramos uma gravadora em si; nós apenas queríamos ajudar as pessoas a criar algo mais. Mas aí nós percebemos que muitas bandas não tinham recursos ou interesse de fazer isso por si, então criamos Corpus Christi como uma gravadora secundária. E essa não tinha quaisquer condições preestabelecidas [...]

66.

65

GLASPER, Ian. Op. Cit. (pág. 23). 66

Ibid. Cit (pág. 26).

113

Os materiais lançados pela gravadora da banda possuem uma

composição invejável. O disco Yes sir, I will67 (1983), em sua prensagem

original, tem uma capa que se abre em seis partes. O lado correspondente à

capa e contracapa possui uma espécie de estêncil de rua com os dizeres:

“Esteja avisado! A natureza da sua opressão é a estética de nosso ódio”; na

parte interna à capa, encontramos uma foto de uma manifestação inglesa com

um cadáver no chão e uma placa com os dizeres “Pobre, mas leal” e a

inscrição: “Forragem!/ Para fábricas e campos de batalha/ Aqueles que mais

fazem homenagem são os mais oprimidos”. A outra face, que contém as letras,

reserva uma página para um texto intitulado “A controvérsia da cabeça de

porco: a estética da anarquia”, datado de 7 se dezembro de 1977, que consiste

em um amontoado de frases que falam da Virgem Maria, Margareth Thatcher,

Cristo, Marx, Freud e etc. O verso dessas seis partes que se abrem para

compor a capa é um pôster enorme no qual vemos um soldado desfigurado

ante o príncipe inglês e os seguintes dizeres: “„Fique bem logo”, disse o

príncipe. E o soldado herói responde: “Sim senhor, eu vou”. Um projeto quase

megalomaníaco em relação ao que estamos acostumados a ver no que diz

respeito aos discos saídos no mesmo ano, mas com um detalhe: o preço de

£2,75 (anexo 6).

Ao decompor o material, estamos tentando mostrar como o do-it-yourself

se mostrou funcional e prático em relação a sua construção material, pois até

mesmo o mais parco disco aqui analisado acompanha ao menos um encarte

com as letras. A maioria deles foi lançada em capas duplas, com fotos, letras,

informações de contato e etc. Mesmo quando pensamos nas inúmeras

reprensagens que esses discos têm (o álbum Scum, do Napalm Death, saiu

em quarenta e duas versões diferentes ao redor do mundo, inclusive com uma

versão brasileira), a qualidade gráfica é igual, senão superior, a de todas as

grandes gravadoras ao redor do mundo, com a diferença que, no caso aqui

analisado, as funções de tal inserção num mercado industrial tinham outras

proposições: a de oferecer o melhor ao consumidor a um preço virtual e, ao

mesmo tempo, lançar a maior quantidade possível de títulos.

67

O único que tivemos acesso, pois, como as demais gravadoras da época, as tiragens eram de algumas centenas, talvez algumas milhares de cópias, sendo de difícil acesso.

114

Este não foi apenas um movimento despretensioso que tinha como

finalidade lançar discos de jovens inábeis que jamais se sentariam nas

luxuosas salas de reunião da Virgin, CBS ou Atlantic, mas representou o início

de uma gama de possibilidades infindáveis e, mais do que isso, o

estabelecimento de uma outra indústria cultural. Houve uma espécie de

profissionalização do processo de conversão da música em produto e,

consequentemente, da inserção desses produtos em um mercado. Conforme

Lótman prevê em sua semiosfera, a cultura se estabelece de maneira

dinâmica, e estruturalidades que são mais funcionais vão organicamente se

aproximando do centro, estabelecendo um determinado padrão que será

reproduzido até que essa estrutura se torne rígida e desapareça. O que temos

em relação ao do-it-yourself é a reprodução de sua prática, a repetição do fim

dos horizontes que impeliam a música ao seu fazer profissionalizado e

excludente.

Walter Benjamin (1985), quando observou que escrever sobre o trabalho

fazia parte do próprio trabalho e, em função disso, convertia o ato de escrever

em coisa de todos, não podia imaginar que todo o processo poderia ser

dominado pelo cidadão comum e que este não mais precisava expor seu

domínio técnico (como ocorre com a escrita) para se colocar como produtor de

sua própria obra em cada instância do processo.

115

Conclusão

As construções culturais são, ao mesmo tempo, dinâmicas e adaptáveis

ao meio em que estão inseridas, recriando-o e fornecendo diretrizes outrasa

seu ponto de partida. Com o punk não é diferente: ele surge em um momento

que urge uma mobilização jovem que havia assistido ao maio de 1968, ao

Woodstock, festivais em Stonehenge e etc. em situação crepuscular em um

processo de formação política. Ao mesmo tempo, os subúrbios das grandes

cidades assistiam a um processo de degradação muito grande em relação às

promessas progressistas que foram responsáveis por sua edificação. Deste

lugar vem o grito sintomático, de medo, de ódio, de tristeza. Ele carrega

consigo muitas significações a uma juventude que tinha perdido suas crenças

em tudo, pois essa totalidade se mostrou falsa e inviável. A sociedade

alternativa agora é fragmentada, urbana e cheia de raiva.

A grande questão que podemos levantar é: o que nos resta disso hoje?

Após quase quarenta anos de seu início, ainda se pode notar uma plena

atividade em acordo com os pressupostos aqui analisados. Hoje, grandes

festivais de punk rock acontecem no exterior e começam a se tornar frequentes

em terras brasileiras, muitos deles seguindo os pressupostos do do-it-yourself.

Além disso, plataformas como o Bandcamp – site destinado à venda de

músicas inéditas (que podem ser ouvidas gratuitamente) pelo preço que o

consumidor deseja pagar – mostram uma música para além das gravadoras68,

e, consequentemente, além do lucro e da indústria.

Ao mesmo tempo, bandas antigas retomam as atividades por conta da

expressividade observada através da internet, como o Amebix, que só se

reuniu novamente após ver a repercussão de seus antigos álbuns na rede.

Novos projetos são anunciados frequentemente, os antigos se encontram com

os novos, a Suécia encontra a Bélgica, que vêm à América Latina juntas e se

apresentam em pequenos espaços espalhados pela cidade. Percorrem o

interior, o Nordeste, o circuito não se firma, não se trata de uma rede de

68

Até a banda paraense Calypso montou sua própria gravadora para vender seus CDs a preço de custo com o objetivo de combater a pirataria.

116

dominação e monopólio, mas de comunhão. Atualmente, até mesmo

apresentações na rua ou em espaços gratuitos começam a ser comuns. Isso

não mostra, no entanto, que as implicações políticas de outrora foram

resolvidas, contudo, sua realização poética conhece uma maturidade às

propostas de décadas atrás.

Como Lótman prevê, o do-it-yourself se torna uma estrutura que tende a

se tornar mais rígida e consequentemente mais organizável, e só não entra em

acordância com as teorias do semioticista por não se aproximar do centro. A s

bandas punk estão confinados às bordas, mas acabaram por criar gosto por

elas e nelas residem sem problemas. Aprendemos muito com esse passado

próximo, reproduzido hoje com as mudanças tecnológicas que nos

acompanhou nessas últimas décadas. Talvez a música seja o setor artístico

que melhor se desprofissionalizou e ganhou espaço com isso; ao passo que os

grandes nomes da música têm um pequeno espaço, mas garantido, os

undergrounds (de qualquer estilo) acontecem diariamente.

Milton Santos, ao escrever Pobreza urbana, em 1978, propõe que “a

revolução na área de consumo tem sido acompanhada de uma mutação da

estrutura do consumo, incluindo novas formas de produção e de troca” (2013).

O autor estava interessado em setores econômicos mais amplos do que a

indústria cultural adorniana, mas a mutação desta em um processo mais

acessível e democrático, fomentado por práticas musicais que

automaticamente nos levam a pensar em uma situação de pobreza, são

sintomáticas desta mutação estrutural assistida pelo consumo. Devemos

compreender o punk rock através dos termos do geógrafo, ele coloca todos os

seus envolvidos (do público aos donos de selos independentes) em uma

relação outra com o consumo, pois o ato de pagar não representa uma ínfima

cifra nos cofres de uma empresa, mas sim uma colaboração com todos os

demais. Não se trata de uma pobreza relativa ao dinheiro (embora esta seja

frequente), mas de uma releitura e aprimoramento das formas de produção. O

autor ainda postula que: “[...] o problema da pobreza não é uma questão de

integrar a população pobre em uma estrutura opressiva, a fim de que possa

tornar-se mais parecida com o opressor, mas, sim, de transformar essa

estrutura, de maneira que cada indivíduo seja o que é” (2013).

117

O que está em concomitância com os dizeres de várias músicas aqui

citadas. Trata-se, pois, de uma operação micropolítica que irá tocar parte das

bordas da cultura (PIRES FERREIRA, 2010) em irregularidades semióticas

(LÓTMAN, 1996). Desta maneira, conforme observou Lótman, “o sistema é

capaz de converter um texto em uma avalanche de textos” (1996), e é com

essa avalanche que estamos lidando.

A partir do momento em que é convertido em coisa de todos, esta

avalanche atinge um ponto que não mais está em relação aos pressupostos

culturais inseridos em dimensões industriais. Deleuze, em seu “Post-scriptum

sobre as sociedades do controle” coloca que “é verdade que o capitalismo

manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade,

pobres demais para dívida, numerosos demais para o confinamento” (2013),

mas, o que o autor não considera é o que essa grande parcela da humanidade,

exposta a uma situação de pobreza, seria capaz de fazer com isso.

Sob um viés econômico, podemos ver como desastrosa a lógica

comercial entrevista tanto por Santos quanto por Deleuze, todavia, essas

diretrizes econômicas repercutem-se na criação estética de maneira outra à

simples reprodução de sua miséria. Octavio Paz, em um ensaio intitulado

“Invenção, subdesenvolvimento e modernidade”, propõe que: “À parte de que

me repugna reduzir a pluralidade de civilizações e o próprio destino do homem

a um só modelo, a sociedade industrial, duvido que a relação entre

prosperidade econômica e excelência artística seja a de causa e efeito” (2009).

O autor mexicano tem uma lúcida visão das implicações econômicas na

estética; elas não estão em necessária relação (apesar de existirem) e, se

estão, são elas que motivam as mais belas e contundentes obras

contemporâneas.

Michel Serres (1996) coloca que não consegue olhar para Guernica,

querendo dizer, assim, que não é capaz de lidar com a estética provinda desse

mundo arruinado pela miséria que somos obrigados a integrar. A cultura segue

reinventando estratégias para fugir dos modelos econômicos totalizantes. Ela

cria para si contradispositivos (AGAMBEN, 2014) capazes de escapar a esse

controle e que estão em relação às vozes aqui analisadas, à iconografia que a

118

acompanha, à taxação dos preços, à escolha de pequenas gravadoras e etc.

São movimentos contra a homogeneização operada pela comunicação em

função dos caminhos traçados por nossa organização sócio-política-econômica

(SODRÉ, 2010). As escolhas políticas feitas pelo gênero musical são, após as

considerações aqui traçadas, óbvias.

Podemos concluir, portanto, que a grande colaboração do punk rock ao

mundo é a sua forma de sabotar as imposições dadas pelos pressupostos

industriais colocados em relação ao campo da criação. A música se mostra

demasiadamente ingrata a esse alinhamento, uma vez que passou a depender

intrinsecamente desses setores comerciais para que pudesse existir e a ele se

sujeitou em larga escala, dando margem a considerações como as de Adorno

que, em seu pensamento totalizante, silenciou séculos de produção cultural

para criticar uma pequena fração daqueles que conseguiram atingir o cerne

dessa estrutura rígida e fechada. Acontece que tal estrutura não consegue

silenciar o que a cerca. Essa, por sua vez, vendo a limitação dada pelo meio,

não tardaria em trapacear seus pressupostos. Não estamos, assim, diante da

correspondência a determinados nichos, mas da tomada de consciência de que

qualquer um pode criar cada etapa de seu processo de produção.

119

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Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich.

Discografia

AMEBIX. Arise! São Francisco, Alternative Tentacles, 1985.

_________. The power remains. Renninger, Skuld Records, 1993.

________. Arise! +2. São Francisco, Alternative Tentacles, 2000 (2 vols.).

_________. No sanctuary. São Francisco, Alternative Tentacles, 2008 (2

vols.).

BEATLES, The. Sgt. Pepper’s lonely hearts club band. Nova Iorque, Capitol,

1967.

BOWIE, David. Space Oddity. Phillips, Londres, 1969

__________. Scary Monsters and super creeps. RCA, Nova Iorque, 1980.

123

BROWN, J. Say it loud – I’m black and I’m proud. Los Angeles, King, 1968.

CLASH, The. Give us enough rope. Londres, CBS, 1978.

__________. London Calling. Londres, CBS, 1979.

CRASS. The feeding of 5000. Crass Records, Essex, 1979.

__________. Shaved Women/Reality Asylum. Crass Records, Essex, 1979.

__________. Yes sir, I will. Crass Records, Essex, 1983.

DISCHARGE. Hear nothing, see nothing, say nothing. Stoke-on-Trent, Clay

records, 1982.

_________. Hear nothing, see nothing, say nothing. Minneapolis, Havoc

Records, 2006.

_________. Realities of war. Havoc Records, Minneapolis, 2011.

DYLAN, B. The freewhelin’ Bob Dylan. Washington, Columbia Records, 1963.

DOOM. War Crimes: inhuman beings. Heckmondwike, Peaceville, 1988.

_________. Fuck Peaceville (2 vols.). Pfinztal, Twisted chords, 2009.

_________. Total doom (2 vols.). Turku, Svart Records, 2012.

EXTREME NOISE TERROR. Retro-bution. Londres, Earache, 1994.

________. A holocaust in your head. Gotemburgo, Distortion, 1999.

__________; CHAOS UK. Radioactive earslaughter. Bedfordshire; Hannover,

Boss Tuneage; Farewell records, 2013.

JEFFERSON AIRPLANE. Surrealistic Pillow. Nova Iorque, RCA, 1967.

NAPALM DEATH. Scum. Londres, Earache, 1987.

QUEEN. A night at the opera. Los Angeles, DTS, 1975.

ROLLING STONES. Exile on main street. WEA, Londres, 1972.

THE STOOGES. Raw Power. Columbia, Washington, 1973

124

Anexos

1.0. Iconografia

1.1. Discos e encartes.

1) Discharge:

Capa do disco Hear Nothing, see nothing, say nothing de 1982.

Imagem do interior do disco (face com imagens, letras seguem no próximo

anexo):

125

Contracapa:

Capa do EP Why, 1981:

126

Contracapa:

127

Capa da compilação Never again, 1984:

Contracapa:

Capa do EP Warning, 1983:

128

Capa do EP Realities of war, 1981:

129

2) Amebix

Capa do disco Arise! (1985):

Contracapa:

130

Encarte (face com imagens, letras seguem no próximo anexo):

Selo da gravadora Alternative Tentacles:

131

Capa do disco No Sanctuary, 1984:

Contracapa:

132

Encarte (face com imagem):

3) Napalm Death

Capa do disco Scum, 1987:

133

Contracapa:

Encarte (face com imagens):

134

4) Doom

Capa do disco War Crimes: inhuman beings, 1988:

Contracapa:

135

Capa do EP Police Bastard, 1989:

Contracapa:

136

Capa alternativa (1):

Capa alternativa (2):

137

Capa do disco Fuck Peaceville, 1995:

Contracapa:

138

Capa alternativa:

Contracapa:

139

5. Extreme Noise Terror:

Capa do álbum A holocaust in your head, 1988:

Contracapa:

140

Contracapa alternativa:

Capa do disco Radioactive earslaughter, 1986

141

Contracapa:

Encarte (face condizente ao Extreme Noise Terror):

142

6. Crass

Capa do disco Yes sir, I will, 1983

Contracapa:

143

Face do encarte:

Material aberto:

Pôster formado pelas seis partes:

144

7. Alguns prospectos da época:

145

146

8. Diagrama parcial de movências entre bandas69.

69

Para a confecção, partimos da banda Extreme Noise Terror por ser a mais recente. A banda Amebix não aparece no diagrama por ser a única que passou por poucas mudanças de formação.

147

Tradução de letras para análise

1. Discharge – Hear nothing, see nothing, say nothing.

1.1. Hear nothing, see nothing, say nothing (1:30) Lied to threatened, cheated and deceived Hear nothing, See nothing, Say nothing Led up garden paths and into blind alleys Mentiu para ameaçados, traído e enganado.

ouvir nada, ver nada, dizer nada arrastado por caminhos de jardim e por becos escuros ouvir nada, ver nada, dizer nada.

1.2. The nightmare continues (1:49) And still men and women drag out their lives in misery The nightmare continues Blinded, disfigured and mentally scared

E ainda homens e mulheres arrastam suas vidas em miséria O pesadelo continua Cegos, desfigurados e mentalmente assustados.

1.3. The final bloodbath (1:40). The smell of death is near It's presence ever near The final blood bath is coming It's just around the corner

O cheiro de morte está perto Sua presença sempre é próxima O último banho de sangue está vindo Ele já está na esquina

1.4. Protest and survive (2:13) The savage mutilation of the human race is set on course Protest and survive, protest and survive It's up to us to change that course Protest and survive, protest and survive

A selvagem mutilação da corrida humana está colocada em curso Proteste e sobreviva, proteste e sobreviva Depende de nós mudar este curso, Protest and survive, protest and survive Proteste e sobreviva, proteste e sobreviva

1.5. I won't subscribe (1:36) Kept in line with rifle butts and truncheons Beaten up behind closed doors I won't subscribe to the system The hands that tighten around my throat

Mantidos em linha com pontas de rifles e trincheiras Espancados por trás de portas fechadas Eu não irei subscrever o sistema As mãos estão atadas em volta de minha garganta

1.6. Drunk with power (2:44) For how long do we tolerate these fools Drunk with power Drunk with power,

obsessed with death Death and destruction, drunk with power

148

A giant game of chess they play With you and I as the disposable piece Por quanto tempo iremos tolerar esses loucos Bêbado de poder

Bêbado de poder, obsecado com a morte Morte e destruição, bêbado com o poder Um imenso jogo de xadrez é o que jogam Como você e eu como peças dispensáveis

1.7. Meanwhile (1:27) Half the world is starving dying of disease World military expenditure increases Half the world is living in poverty

Metade do mundo está faminta, morrendo infectada Expedições militares mundiais aumentam Metade do mundo está vivento na pobreza

1.8. A hell on Earth (3:53) A claring light an unnatural tremor Suffocating heat suffocating heat A hell on earth hell on earth Men women and children groaning in agony From the intolerable pains of their burns

Um clarão de luz, um temor antinatural Calor sufocante, calor sufocante Um inferno na Terra, um inferno na Terra Homens, mulheres e crianças gemendo de agonia por intolerável dor de suas queimaduras

1.9. Cries of help (1:05) Napalm tumbles from the sky Cries of help cries of pain Skin looking like bloody hardened meat

Napalm cai do céu Gritos de Socorro em dor Pele parecendo como carne endurecida e sangrando

1.10. The possibility of life's destruction (1:14) Can you hear the sound of an enormous door slamming in the depths of hell The possibility of life's destruction Can you hear the cries of pain the mournful sound

Você pode ouvir o som de uma enorme porta batendo das profundezas do inferno? A possibilidade da vida é destruição Você pode ouvir os gritos de dor, o fúnebre som?

1.11. Q: And children? A: And children! (1:46) In agony they cry and scream And children and children And children and children Skin peeled hanging in strips

Em agonia elas choram e gritam E crianças? E crianças! E crianças? E crianças! Pele descascasda esticada em tiras

1.12. The blood runs red (1:34) Cut down by machine gun fire The blood runs red/The blood runs red Hot lead rips through flesh Abater por metralhadoras

O sangue escorre vermelho, o sangue escorre vermelho Chumbo quente rasga a carne

1.13. Free speech for the dumb (2:15) Free speech, free speech for the dumb Free speech, free speech for the dumb Free speech, free speech for the dumb Free fucking speech

Liberdade de expressão, liberdade de expressão para o mudo Liberdade de expressão, liberdade de expressão para o mudo

149

Liberdade de expressão, liberdade de expressão para o mudo

Porra de liberdade de expressão

1.14. The end (2:31) A smouldering wilderness Mass death and destruction Mass death and destruction Millions dead and dying A smouldering wilderness Now in darkness world stops turning

Um latente deserto Morte em massa e destruição Morte em massa e destruição Milhões de mortos e outros morrendo Um latente deserto Agora, em trevas, o mundo para de girar.

2. Doom – War crimes (inhuman beings) 2.1. Confusion (3:58) Stuck in a maze, a labyrinth of hate. Shattered doors in/ A mask of haze./ Struggling madly in a cage. Desperately/ Searching for a way out of the maze. Running blindly not/ Feeling the floor, nothing to stand on we fall. Lost in the halls, I'm looking for the doors. Confusion! My/ Senses are dying. My soul is crying. Let me out, let me out! I'm screaming! Running blindly through the visions./ Barefoot and defenseless. Running blindly through the dark, infested woods. Time and time again. Disillusion./ I'm deeper in the maze. Further from the light./ I scream out of the confusion. I'm being consumed by confusion./ My world has been shattered. Crippled. /All we have left is fragments of doors. Though we once had but never had./We've all been fooled. Confusion. My senses are dying my soul is crying. Let me out. Let me out. I'm screaming./ I'm living in a demented labyrinth. tortured. Lost./ Crippled. I'm a part of this confusion. Shattered/ Confusion. Shattered vision. All that I have left is Illusion. I'm screaming at the confusion./ I'm being/ Consumed by confusion. In an abstract, in a world of confusion! Preso em um labirinto, um labitinto de ódio. Portas destruídas em uma cortina de fumaça. Lutando loucamente em uma caverna. Desesperadamente procurando por um caminho para sair do labirinto. Correndo cegamente sem sentir o chão, nada para levantar de onde caímos. Perdidos em salas, eu procuro pelas portas. Confusão! Meus sentididos estão morrendo, minha alma chorando. Me deixe sair, me deixe sair! Eu estou gritando! Correndo cegamente através de visões. Descalço e indefeso. Correndo cegamente através das trevas, florestas infestadas. Tempo e tempo de novo. Desilusão. Estou mais fundo no labirinto. Além da luz. Eu grito para fora da confusão. Sou consumido pela confusão. Meu mundo foi destruído. Aleijado. Tudo o que temos são fragmentos de portas. Tendo uma vez, mas nunca os tivemos. Nós fomos todos enganados. Confusão. Meus sentidos estão morrendo, minha alma chorando. Me deixe sair, me deixe sair. Eu estou gritando. Estou vivendo em um labirinto demente. Torturado. Perdido. Aleijado. Eu sou uma parte dessa confusão. Destruído. Confusão. Visão destruída. De tudo o que tive, me restaram ilusão. Eu estou gritando em confusão. Eu estou sento consumido pela confusão. Em resumo, em um mundo de confusão. 2.2. Lifelock (1:33) No one can see into my mind, I can't express my true thoughts to anyone, Life is like a lock on my mind, Is death the only key?

Ninguém pode ver através da minha mente Eu não posso expressar minha verdade a ninguém, Vida é como um cadeado em minha mente A morte é a única chave?

2.3. Slave to convertion (0:54)

Get a job, buy a car, buy a house,

A slave 'till death.

Slave to convention

150

Arrume um emprego, compre um carro, compre uma casa.

Um escravo até a morte. Escravo à conversão.

2.4. A dream to come true (1:07) No chains, no ties & nothing to hold me down. Life in peace, governed by love No god, no master & no more man made rules

Sem correntes, sem gravatas e nada que possa me segurar. Vida em paz, governada pelo amor. Sem deus, sem mestre e sem mais regras feitas pelo homem.

2.5. Drowning in the mainstream (1:58)

Blindly accepting, deceiving yourself. Fooled by society, down on your knees. Drowning, trampled down by that in which you trust. You're drowning in the mainstream of life.

Aceitação cega, ajoelhe-se Afogue-se Pisoteado por quem você confiou. Você está se afogando no mainstream da vida.

2.6. Same mind (1:52)

Usual careless attitude, Hide behind an image. Same mind, same mind You think you're really different, But you're just the same.

Comum atitude descuidada, Esconde por trás de uma imagem. Mesma mente, mesma mente. Você pensa que é diferente, mas você é apenas mais um.

2.7. Relief (1:14)

I can't take the pressures, the pressures of life, I'm not strong enough & I'm sorry!! Alcohol

Eu não posso lidar com a pressão, a pressão da vida, Eu não sou forte o suficiente, me desculpe! Álcool.

2.8. After the bombs (1:28)

Children blown into limbless joints of meat. After the bomb People dead & diseased, tossed away like shit.

Crianças explodidas em membros desarticulados de carne

Depois da bomba

Pessoas mordas e doentes, atiradas ao relento como merda.

2.9. Stop gap system (1:34)

Freedom denied with capitalist power. Stop-gap system

True life erased for wealth and greed Liberdade negada pelo poder capitalista.

151

Pare o sistema lacunar. Vidas verdadeiras apagadas por riqueza e ganância

2.10.Scared. (2:18)

Hiding emotions, concealing the truth. Understand, understand Feelings that should be shared, held inside.

Emoções escondidas ocultando a verdade

Entenda, entenda. Sentimentos que deveriam ser partilhados, escondidos por dentro.

2.11. Sick joke (2:34)

Governments are a sick kind of joke - A sick fuckin' joke, Where the rich get richer & the poor on the breadline stay broke. Give with one hand, snatch with the other How can they justify the money they're paid - all the money they're paid?, When you look at the mess, the mess they've made.

Governos são como um jogo doentio, a porra de um jogo doentio. No qual os ricos ficam mais ricos enquanto os pobre continuam quebrados na fila do pão. Dar com uma mão, tirar com a outra. Como eles podem justificar o dinheiro que os é pago? Todo o dinheiro que os é pago? Quando você olha para essa bagunça? A bagunça que eles fizeram.

2.12. Natural abuse Multinationals raping mother nature. Natural abuse Exploiting the earth, an earth that is ours. Multinacionais estupram a mãe natureza

Abuso natural. Explorando a Terra, uma Terra que é nossa.

2.13. Exploitation

Animals murdered in pointless tests. Torturing natures defenceless creatures

Animais assassinados em testes sem sentido.

Tortura natural a criaturas indefesas.

2.14. Beat the boss I'm sick of work, I've had enough. I won't do what you say Why should I work for your profit?

Eu não suporto o trabalho, já fiz o suficiente. Eu não farei o que você diz. Por quê eu deveria trabalhar em seu benefício?

2.15. Money drug (1:33) Money makes the world go round. Pushing money, pushing for profit Stock exchange is now our temple

Dinheiro faz o mundo girar. Empurrando dinheiro, empurrando por diversão. A bolsa de valores agora é nosso templo

152

2.16. Fear of the future. (2:00)

I don't wanna die in a nuclear war! Fear, fear, fear of the future- I don't wanna starve from corporate greed. I don't wanna live in a world of hate. I wanna live in peace 'till I'm old & grey Eu não quero morrer em uma Guerra nuclear!

Medo, medo, medo do futuro. Eu não quero passar fome por causa da ganância corporativa. Eu não quero viver em um mundo de ódio. Eu quero viver até ficar velho e grisalho.

2.17. No religion (2:01). Religion is a brain-wash-con Secularity must become Dividing people & causing conflict Total hypocrisy, for money & power Indoctrination in all our schools

Religião é uma lavagem cerebral contra Secularização precisa existir Dividindo pessoas e causando conflitos Hipocrisia total por dinheiro e poder Doutrinação em todas as nossas escolas.

2.18. Phobia for change

Dull & mundane, but safe & secure -Phobia for, phobia for chang Caged & trapped, afraid of responsibility

Aborrecido e mundano, mas salvo e seguro - Medo, medo do futuro – Enjaulado e preso, com medo de responsabilidade.

2.19. Multinationals (1:54) The multinational corporation steals 3rd World wealth for grain mountain ascention. Multinationals The multinational corporation steals their health for control extension. A corporação multinacional rouba

O terceiro mundo por uma ascensão de uma montanha de grãos

Multinacionais

A corporação multinacional rouba

sua saúde por controle de extensão.

2.20. Obscenity (1:24) Millions are slaughtered in wars Throughout the world -War is big business- Arms are bought and sold for profit With no remorse

Milhões são massacrados em gerras Através do mundo -A guerra é um grande negócio- Exércitos são vendidos e comprados por lucro Sem remorso

153

2.21. War Crimes (2:01). Bodies piled on burning pyres No more war, no more crime People starved, tortured & murdered Teenagers drafted to hang on barbed wire Disfigured for life, if not death Corpos empilhados em piras em chamas

Sem mais guerra, sem mais crimes. Pessoas famintas, torturadas e assassinadas. Rascunhos de adolescentes por enforcamento em arame farpado. Desfigurados por vida, senão pela morte.

3. Napalm Death – Scum

3.1. Multinational corporations (1:06) Multinational corporations Genocide of the starving nations

Corporações multinacionais, Genocídio das nações famintas

3.2. Instinct of survival (2:06)

Advertise the product you make, never give, but always take. Kill and lie for security. On supermarket shelves death to see. Instinct of survival Advertise the product you make, never give and always take, clingfilmed flesh and genocide, contented life, while millions die. Instinct of survival The multinational corporations takes its profits from the starving nations. Indigenous people become their slaves from their births into their graves. The multinational corporation takes its profits from the starving nations. Another product for you to buy, you'll keep paying, until you die.

Anuncie os produtos que você faz, nunca dê, mas sempre pegue. Mate e minta por segurança. Nas prateleiras do supermercado, morte para se ver. Instinto de sobrevivência Anuncie os produtos que você faz, nunca dê e sempre pegue. Carne embalada e genocídio Feliz com a vida enquanto milhões morrem. Instinto de sobrevivência. A corporação multinacional tira o seu proveito de nações famintas. Indígenas se transformam em seus escravos do nascimento ao túmulo A corporação multinacional tira o seu proveito de nações famintas. Outro produto para você comprar, você continuará pagando até morrer.

3.3 The kill (0:23) There's nothing to gain You have just been led The kill, after death, the kill The shit you were promised Means nothing now you're dead The kill, after death, the kill

Não há nada a ganhar Você foi apenas levado A matança, depois da morte, a matança A merda que você prometeu Não significa nada, afora você está morto A matança, depois da morte, a matança.

3.4. Scum 2:38)

In your mind Nothing but fear You can't face life

Em sua cabeça Nada, apenas o medo Você não pode encara a vida

154

Or believe death's near A vision of life On television screens An existence created From empty dreams Hide behind TV Hide behind life You should be living But you only survive Life holds nothing But pain and death But don't look for love There is none left

Ou acreditar que a morte está próxima Uma visão da vida Em telas de televisão Uma existência criada A partir de sonhos vazios Esconda-se atrás da vida Você poderia viver Mas apenas sobrevive A vida não se segura em nada Mas dor e morte Mas não procure amor Nada sobrou

3.5. Caught... in a dream (1:47)

Surrounding spectacle to occupy curiosity Nullifies the need to face reality Forms of escapism and entertainment Occupy and disable thought Espetáculos cirncundantes para ocupar a curiosidade

Anulando a necessidade de encarar a realidade Formas de escapismo e entretenimento Ocupam a desabilitam.

3.6. Polluted minds (0:58)

They not only pollute the air They pollute our minds Theyre destroying the earth And destroying mankind Polluted minds Kill mankind They dont give a shit Long as profits are high They dont give a shit If people die Polluted minds Kill mankind

Eles não apenas poluem o ar. Eles pluem nossas mentes. Estão destruindo a Terra E destruindo a humanidade. Mentes poluídas Matam a humanidade Eles estão cagando Desde que aproveitem ao máximo Eles estão cagando Se pessoas morrem Mentes poluídas Matam a humanidade.

3.7. Sacrificed. (1:06).

I've been deceived By my friends And this is where Our "friendship" ends Sacrificed, sacrificed Sacrificed, your soul sacrificed The thoughts I had Are now denied And one day soon I hope you die

Eu fui enganado Pelos meus amigos E este é o lugar onde nossa "amizade" acaba Sacrificada, sacrificada sacrificada, sua alma sacrificada Os pensamentos que eu tive São agora negados E um dia próximo Eu espero que vocês morram

155

3.8. Siege of power (3:55)

Siege of power In your land Too many problems For you to understand Siege of power Inside your mind Outward restrictions To keep you in line Siege of power In your land Too many problems For you to understand A slave of their power You never question why You're going to suffer You're going to die Siege of power Inside your mind Outside restrictions To keep you in line You're a slave of their power You never question why You were made to suffer You were born to die Siege of power They made you a tool While others were ruling You were being ruled

Cerco de poder Em sua terra Muitos problemas Para você entender Cerco de poder, Em sua mente Restrição externa Para te manter na linha Cerco de poder Em sua terra Muitos problemas Para você entender Cerco de poder, Em sua mente Restrição externa Para te manter na linha Um escravo do poder deles Você nunca questiona o porquê Você irá sofrer Você irá morrer Cerco de poder, Em sua mente Restrição externa Para te manter na linha Você é um escravo do poder deles Você nunca questionou o porquê Você foi feito para sofrer Você nasceu para morrer Cerco de poder Fizeram de você uma ferramenta Enquanto outros comandam Você é comandado

3.9. Control (1:23) There is a fascist Inside of you Controlling your life And what you do Fascist control There is a fascist Inside your head Controlling your thoughts Until your death

Há um fascista Dentro de você Controlando sua vida E o que você faz Controle fascista Há um fascista Dentro de sua cabeça Controlando seus pensamentos Até sua morte

3.10. Born on your knees (1:48) Born on your knees Life in chains A slow death Into your graves Born on your knees Born on your knees Life of pain Existence restricted By material gains Born on your knees You fucking asshole

Nascer ajoelhado Vida acorrentada Uma morte lenta Dentro de seus túmulos Nascer ajoelhado Nascer ajoelhado Vida de dor Existência restrita Por bens materiais Nascer ajoelhado Seu cuzão

156

Born on your knees Conditioned blind Crawling of death Revenge for your crime Born on your knees Born on your knees From the womb torn Live in chains And die as you were born Born on your knees

Nascer ajoelhado Cego condicionado Rastejando para a morte Vingança pelos seus crimes Nascer ajoelhado Nascer ajoelhado De um útero mutilado Viver acorrentado E morrer como nasceu Nascer ajoelhado

3.11. Human garbage (1:32)

Paid to obey Forced to be silent Human garbage To be destroyed Submit to darkness Forced to conform Human garbage To be destroyed Your mind is dead Your thoughts are void Human garbage To be destroyed

Pago para obedecer Forçado a se calar Lixo humano A ser destruído Submetido às trevas Forçado a se conformar Lixo humano A ser destruídos Sua mente está morta Seus pensamentos são vazios Lixo humano A ser destruído

3.12. You suffer (0:04)

But why?

Mas por quê?

3.13 Life? (0:43)Never hope nor choice Emotionless and cold This is life Illusions shattered An existance of lies Constant struggle Freedom denied At their feet Submission No sanctuary in death Drugged up fucked up Is that all you're worth?

Nunca esperança ou escolha Sem emoções e frio Isso é a vida Ilusões destruídas Uma existência de mentiras Constante luta Liberdade negada Em seus pés Submissão Sem santuário na morde Drogado e fodido Isso tudo valeu a pena?

3.14. Prison whitout walls (0:38) Trapped inside your head Insular, living dead

Existing for a purpose you'll never find Inducements, distortions command your mind External sources maintain control Programmed existence, fulfill your role

157

You've got a brain, shake of the reins Smash the shackles, break the chains Preso em sua cabeça Insular, morto-vivo Existindo por um propósito que você nunca irá encontrar

Indução, distroções comandam a sua mente Forças externas mantêm o controle Existência programada, cumprem seu papel Você tem um cérebro, mexa seus rins Rompa os grilhões, quebre as correntes.

3.15. Point of no return (0:35) Systematic rape of nature Profit precedes need Maintaining economic stature Steal the fruit yet leave no seed And our future generations What of their inheritance A world of contamination Poisoned by our ignorance Oblivious to reality Conscience spurned Beyond the point of no return

Estupro sistemático da natureza Diversão precede necessidade Mantendo a estatura econômica Roubando o fruto deixado ainda sem sementes E nossas futuras gerações O que será de sua herança? Um mundo de contaminação Envenenado por nossa ignorância Esquecido pela realidade Consciência punida Por trás de um ponto sem retorno

3.16. Negative approach (0:32) Nothing I can say That hasnt already been said Generic words and thoughts Similarly expressed This primitive stance Feeling of angst Matters relating To circumstance Unfounded actions Just part of the faction Conform? I wouldt give you the satisfaction

Nada do que eu diga Que ainda não foi dito Palavras genéricas e pensamentos Similarmente expressos Esta instância primitiva Sentimento de angústia Metas relacionadas Às circunstâncias Ações infundads Apenas parte da facção Me conformar? Eu não te darei essa satisfação.

3.17. Success? (1:09) Climb the ladder, your securety Upward social mobility Consume the lies "it's what you need" Vicious circle of mindless greed Where is the success gained from? What of the lives you've shat upon? Caught in the web you'll play the game An artificial life but who's to blame

Suba a escada, sua segurança Acima da mobilidade social Consume a mentira "é disso que preciso" Círculo vicioso de insensata ganândia De onde vem este sucesso? O que de nossas vidas foi cagado sobre? Preso em uma rede você jogará o jogo Uma vida artificial, mas quem reclama?

3.18. Deceiver (0:29)

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Becoming wary of your lies Your disguise the truth belies Only fooling yourself Pretend to bite the hand that feeds But you won't discard your security The transparency of your fantasy

Tornando-se cauteloso com suas mentiras Seu desfarce trai a verdade Apenas se enganando Tenta morder a mão que alimenta Mas não irá descartar sua segurança A transparência de sua fantasia.

3.19. C.S. (Conservative shithead) (1.14) Eminent Arrogant Ignorant Affluent Desensitized Devoid and blind All compassion nullified Paragon of virtue (Paragon of shit)

Eminente Arrogante Ignorante Influente Insensível Desprovido e cego Todas comparações anuladas Protótipo de virtude (Protótipo de merda)

3.20. Parasites(0:23) Permissive slaves To their methods of greed From our needs The leeches feed When will you see? We'll never be free While we sanction This plutocracy

Escravos permitos Por seus métodos de ganâncias Por suas necessidade A alimentação sanguessuga Quando você verá? Você nunca será livre Enquanto sancionarmos Essa plutocracia.

3.21. Pseudo Youth (0:42) Same predetermined Pattern, game, rules Uniformity, conformity How long can you hide the truth? Now you've settled down Reflected on the past The pose, the look The stance all part of the act A mesma predeterminação

Modelos, jogos, regras Uniformizada, conformada Por quanto tempo você pode esconder a verdade? Agora você está descansado Reflete sobre seu passado A pose, a aparência A instância que faz toda a parte de um ato.

3.22. Divine death (1:21)

Cleansing impurity Siezure of insecurity Divine death Individuality disabled Blinded by fables Divine death Easy prey You will pay Mourn life's loss Rotting on that cross Divine death

Limpando a impureza apreendendo a insegurança Morte divina Individualidade incapaz Cega por fábulas Morte divina Reza fácil Você pagará Lamentar a vida perdida Apodrecer em uma cruz Morte divina

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3.23. As the machine rolls on (0:42)

Hiding behind symbols Self-delusion Plenty of questions (And no solutions) Visions of change A mere illusion Futile dreams Of revolution Flows of rhetoric Won't influence change Their will is subdued Their minds enslaved

Escondido por trás de símbolos Auto-desilusão Cheio de questionamentos (E sem soluções) Visões de mudanças Uma mera ilusão Sonhos fúteis de revolução Fluxo de retórica Não influenciará a mudança Sua vontade é subjugada Sua mente escravizada

3.24. Common enemy (0:16)

Bitching Back-stabbing Senseless in-fighting "United we stand, divided we fall" The common enemy That overshadows us all

Biscateando Esfaqueando por trás Engajamento sem sentido "Juntos nós nos erguemos, divididos caímos" O inimigo comum Que assombra todos nós.

3.25. Moral crusade (1:32)

A superiority complex Pious, holy to the hilt Outwards displays of cleanliness Masking inner feelings of hate and guilt Your morality is hypocrisy Obsessive self-esteem Enforcing your ideals Your puritanical dream Gather your flock Gullible fools Dictate restrictions Um complexo de superioridade

Devoto, extremamente santo Por fora demonstra pureza Mascarando sentimentos internos de raiva e culpa Sua moralidade é hipocrisia Obsessiva autoestima Forçando seus ideais Seu sonho puritano Junte-se ao seu rebanho Tolos incrédulos Ditam restrições.

3.26. Stigmatized (1:31) Blissfully ignorant Content and unaware Not your problem Why should you care? Not normal An easy target for release Infected from birth This sickening disease You sanctimonious slime Understanding discarded The truth is clear

Felizmente ignorante Contente e desavisado

Não é seu problema Por que você deveria se importar?

Não normal Um alvo fácil de lançar

Infectado pelo nascimento Esta mortal doença Seu santificado lodo

Compreende o descarte A verdade é clara.

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3.27. M.A.D. (1.34) Stark, bleak, wasted Devastated When? All life Totally annihilated Die! Does it have to be this way? Is this the price we're gonna' to pay?

Forte, ermo, perdido Devastado Quando? Toda a vida Completamente aniquilado Morra! Isso tinha que ser desse jeito? Este é o preço que iremos pagar?

3.28. Dragnet (1:01) The ascension of human intelligence To atomic genocide Homo sapience The disease, the cause, the pollution Erase the aeons of evolution Pushed too far, just a matter of time Seemingly nothing to hold the tide Except the end, accept the end?

A ascensão da inteligência humana Ao genocídio atômico Homo sapiens A doença, a causa, a poluição Anula os éons da evolução Empurrando para longe, só uma questão de tempo Aparentemente nada para segurar a maré A não ser o final, aceitar o final?

4. Amebix: Arise!

4.1. The Moor (instrumental) (3:02).

4.2. Axeman (3:33)

Lock up your children the Axeman is coming Lock up your children the Axeman is coming Lock up your children the Axeman is running Lock up your children he's here! He is coming SLAUGHTER! Is he from the army or the S.A.S.? Rejected and shunned, left out on his own The skills he acquired are put to the test The tearing of flesh and the pulping of bone! He is coming Slaughter! It's late and it's dark but one walks the streets An axe in his hand, no glint in his eye This mindless machine, he butcher, you meat! Calm and collected, but twisted inside! He is here! Slaughter!

Tranque suas crianças, o Lenhador está vindo Tranque suas crianças, o Lenhador está vindo Tranque suas crianças, o Lenhador está correndo Tranque suas crianças, ele está aqui! Ele está vindo... Massacre! Ele é do exército ou da S.A.S

70?

Rejeitado e evitado, deixado de fora por sua própria conta As habilidades que adquiriu são postas em prática Rasgando a carne e descarnando os ossos! Ele está vindo... Massacre! É tarde e escuro mas alguém anda pela rua Um machado em sua mão, sem brilho nos olhos Sua máquina estúpida, ele, o açougueiro, você, a carne! Calmo e recolhido, mas louco por dentro! Ele está aqui! Massacre

4.3. Fear of god (3:13).

70 Divisão da aeronáutica britânica.

161

You say that you hear voices, I presume that is correct? And you say that all the bad boys end their wicked days in hell? Well if it wasn't for the collar that you wear around your neck You'd be seeing life quite differently, inside a padded cell! The fear of God Am I to understand you, when you say I'll be forgiven? I give you all my money, well that's blackmail don't you see? And the ones who give the most are guarenteed a place in heaven Where they can watch the burning souls below and rub their hands with glee! The fear of God Your priorities Are wrong Your faith Is blind Crush the weak Uphold the strong Burn the brains Of mankind The money spent on churches could appease the starving poor To justify injustice you must misinterpret Christ! You lock your wealth away at night behind a bolted door. The fear of god? You hypocrite! Open up your eyes!

Você diz que ouve vozes, eu presumo que esteja correto? E você diz que todos os garotos maus terminam seus dias de ruindade no inferno? Bem, se não fosse este colar que você usa em volta do seu pescoço Você estaria vendo a vida um pouco diferente, de dentro de uma sala acolchoada O medo de Deus Eu entendo você quando diz que eu serei perdoado? Eu te dou todo o meu dinheiro, isso é chantagem, você não vê? E aquele que der mais tem o seu lugar garantido no céu De onde poderão ver almas queimando abaixo e esfregando as mão com alegria O medo de Deus Suas prioridades estão erradas Seu destino é cego Destrua o fraco, erga o forte Queime os cérebros da humanidade. O dinheiro gasto em igrejas poderia ajudar pobres famintos Para justificar injustiças você interpreta mal Cristo! Você tranca sua riqueza à noite debaixo da porta Medo de Deus? Seu hipócrita! Abra os olhos!

4.4. Largactyl

71 (3:47)

You're standing on a hill, looking down at the city Thinking 'bout your life and your bottle of pills They released you from the hospital, you're cured! So this is how freedom feels? Largactyl Relax (it's only paranoia) Feel a little numb? Feel a little tired? Your brain's asleep and your body's retired You've learned to fit in. Obey! You're just a shadow of what you used to be Largactyl Relax (it's only paranoia) A comfortable life? A car and a wife? It's only a dream but it's fuckin' obscene You've learned to fit in, a vegetable! Senility! At 21 they'll be coming for you

Você está parado sob uma colina, olhando para a cidade Pensando sobre sua vida e sua garrafa de pílulas Eles receitaram isso de um hospital, você está curado! Então é assim que se sente a liberdade? Largactyl! Relaxe (é apenas paranoia). Sente um pouco alterado? Um pouco cansado? Seu cérebro dorme e seu corpo descansa Você aprendeu a se adequar. Obedeça! Você é apenas uma sombra do que costumava ser Largactyl! Relaxe (é apenas paranoia). Uma vida confortável? Um carro e uma

71 Antipsicótico à base de clorpromazina vendido no Brasil sob o nome de Amplicitil (bula: http://www.medicinanet.com.br/bula/516/amplictil.htm - consultado em 20/05/2014 às 11:30).

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mulher? É apenas um sonho, mas é obsceno demais Você aprendeu a se adequar, um vegetal! Sanidade! Aos 21 ela chegará para você.

05. Drink and be merry (6:07)

Drink and be merry, for tomorrow we may die It's better to laugh than it is to cry My cup runneth over with blood and not wine The last was the flood, it's fire this time I took a walk on the beach, no sand dunes just oil Dead gulls and dead fish were trod underfoot The sky was tinted with yellow and black And the air smelt like Dachou today The fields were littered with the dying and dead Nothing grows here but decay! The village bell tolls, a priest vomits blood Another life's wasted away Down in the square, the party goes on The doomed sit down to their last feast They gorge themselves on the recently deceased The heat of the day, the foul smell of decay As they wait:. For the inferno to be UNLEASHED! So drink and be merry for tomorrow we may die It's better to laugh than it is to cry Live for life's sake, don't let life pass you by There's more worth living for than meets the eye So drink and be merry for tomorrow we may die!

Beba e seja feliz, porque amanhã nós podemos morrer É melhor rir do que chorar Corre sangue em meu copo ao invés de vinho O último foi a inundação, agora é tempo do fogo. Dou uma volta na praia, não há dunas, apenas petróleo Gaivotas e peixes mortos pisados sobre meus pés O céu está pintado de amarelo e preto E o ar cheira como Dachau

72

Os campos foram descartados com os moribundos e mortos Nada cresce aqui, apenas murcha! Os sinos da vila tocam, o padre vomita sangue Mais uma vida perdida Descendo a praça, a festa continua Os condenados sentam para sua última festa Eles devoram aqueles que acabaram de morrer O calor do dia, o cheiro louco de morte Enquanto eles esperam... Do ínfero para serem libertados! Então beba e seja feliz, porque amanhã podemos morrer. É melhor rir do que chorar Viver a vida por uma causa, não deixe a vida passar por você É melhor viver assim do que o olhar nos olhos. Então beba e seja feliz porque amanhã podemos morrer

4.6. Spoils of victory (4:16)

Look to the north, look to the east, look to the west and south On all horizons storm clouds loom and roll across the sky The river bursts its banks and vomits soil into the mouth As thunder breaks the silence, a young child

Olhe para o norte, olhe para o leste, olhe para o oeste e sul Em todos os horizontes nuvens de tempestades rolam sobre o céu O rio explode em suas margens e vomita terra na boca Quando um trovão quebra o silêncio, uma

72

Campo de concentração alemão.

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cries! Between the night and the days first light the leaders made a pact To raise the rotting corpse of war and set the wheels in motion The stage a heaving battlefield would support the final act While the authors hide in satellites or forts beneath the ocean And in this play We're cast as fools To blindly play By others' rules Now the dust has settled and the stench completely clear Then return the victors to claim their wretched crown But from the flesh heaps of the slain, there comes no cheer Their game is over, the chips are down You arrived like a breath from the angel of death Famine, disease and a life on your knees, guaranteed When you put them in power

criança começa a chorar Entre a noite e o dia, a primeira luz ilumina o líder que fez o pacto Para levantar o corpo apodrecido da guerra e colocar rodas em movimento Uma respirada no estágio da batalha suportará o ato final Enquanto o autor se esconde em satélites ou fortes sob o oceano E nessa peça nós somos um elenco de tolos Para encenar cegamente por regras de outros Agora a poeira abaixou e o fedor passou A volta do vitorioso para clamar a multidão desgraçada Mas para os pedaços de carne morta não há comemoração O jogo deles acabou, as fichas caíram Você surge como a respiração do anjo da morte Fome, doenças e vidas ajoelhadas, garantidas Quando você os coloca no poder.

4.7. Arise (5:22)

Well we've all heard the sermon seen The preachers or worshipped the stage Heard the new manifesto? It's all questions no solutions at all Well, you're out on your own now, always have been Just look at your friends Break the surface to daylight Strength will flow through our unity. There is a traitor in our midst And when we rise we will be betrayed They are the wolves in sheep's clothing Take the place at the back of the fold All this talk about freedom Will be tainted with blood (it's your life) Put this cross on your back child Tread the long weary trail to the top of the hill Arise! Get off your knees! There's some hard times coming down There's the smell of revolution on the wind Well, we're grinding down our axes Telling tales round the bonfire at night We will set out with a fire in our hearts When this darkness gives way to the dawn In the light we're united as one For the kingdom of heaven must be taken by storm! Arise! Get off your knees! Stand up!

Bem, todos nós ouvimos o sermão visto O padre ou o adorado no palco Ouviram o novo manifesto? Só perguntas e nenhuma solução Bem, agora você está por conta, sempre esteve Apenas olhe para os seus amigos Quebre o sofrimento da luz do dia Força irá brotar de sua unidade Há um traidor em seu meio E quando nós surgirmos, seremos traídos Eles são lobos com roupas de cordeiro Tome lugar atrás da dobra Tudo que diz é sobre liberdade Nós seremos pintados com sangue (é a sai vida) Ponha essa cruz nas costas de uma criança Piso nesta longa trilha ao topo da colina Levante-se! Não fique de joelhos! Há tempos difíceis a caminho Há cheiro de revolução no vento Bem, nós estamos quebrando nossos machados Contando histórias em torno do fogo durante a noite Nós mandaremos fogo para seus corações Quando as trevas darem lugar à luz Na luz nós estamos unidos Para que o reino dos céus seja tomado pela

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tempestade! Levante-se! Não fique de joelhos! Levante-se!

4.8. Slave (3:55)

Earth to ashes, buildings to dust A radioactive burning crust The meek shall inherit all that is left Inherit the Earth, a living death From the cradle to the grave You made yourself the system's slave Acid rain, rocks on fire! Poison clouds, gods a liar There's nothing left, for the meek The past is gone the future is bleak From the cradle to the grave You made yourself the system's slave Evil systems, government control Are to blame for our downfall There's no umbrella against the rain Destroy the power, break your chain!

Terra em pó, prédios em poeira Uma crosta radioativa queima O manso irá herdar tudo o que for poupado Herdar a terra, um vivo morto Do berço ao túmulo Você fez de si um escravo do sistema Chuva ácida, pedras em chama Nuvens de veneno, deuses mentirosos Não há nada sobrando para o manso O passado se foi, o futuro é ermo Do berço ao túmulo Você fez de si um escravo do sistema Sistema do mal, controle governamental São culpados de suas próprias quedas Não há guarda-chuva contra a chuva Destrua o poder, quebre a corrente!

4.9. The darkest hour (4:53)

My friend the time has come for us to say goodbye So with these parting words I bid you farewell It seems the life we led was just a shameful lie What does the future hold? Well only time will tell I'm not scared of dying and I don't really care If it's peace you find in dying well then let my time be near If it's peace you find in dying when dying time is here Bundle up my coffin, 'cos it's cold down there And when I'm dead And when I'm gone There will be one child born And a world will carry on Some say our fate is sealed and help to tie the knot Some say that this may be the lull before the storm But there's one piece of nature everyone's forgot And that's, "The darkest hour is always before the dawn!" When the candle burns low When there's no more to say Dig me a hole Where my body might lay

Meu amigo, chegou a hora de dizermos adeus Com esse mundo repartido, eu te ofereço a despedida Parece que a vida que carregamos foi apenas uma mentira vergonhosa O que esperar do futuro? Bem, apenas o tempo irá dizer Eu não tenho medo de morrer e eu não ligo Se o tempo de paz for encontrado na morte, então deixe que o tempo se aproxime Se o tempo de paz for encontrado com a morte quando o tempo de morrer é agora Feche meu caixão porque faz frio lá embaixo E quando eu estiver morto Quando eu me for Haverá uma criança recém-nascida E o mundo continuará Alguns dizem que nosso destino está selado e ajuda a segurar o nó Alguns dizem que isso é a bonança antes da tempestade Mas há um pedaço da natureza que ninguém irá esquecer E é isso, “a hora mais escura é sempre antes do amanhecer!” Quando velas queimam Quando não há mais nada a dizer Cave-me um buraco Onde meu corpo deverá descansar

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5. Extreme Noise Terror: A holocaust in your head

5.1. Deceived (0:50)

The way I see it Just ain't your way You won't listen To what I have to say I won't tolerate The things you want me to see Say you're here to help But you just fuck me. No more lies and deceit It‟s not our fault We are this way We all have our views And different things to say You judge me, I judge you Nothing will change What are we to do?

A forma como eu vejo isso Apenas não é a mesma que a sua Você não irá ouvir O que eu tenho a dizer Eu não vou tolerar As coisas que você quer que eu veja Dizendo que está aqui pra ajudar Mas você só quer me foder Chega de mentiras e de enganações Não é nossa culpa Nós estamos neste caminho Todos nós temos nossos pontos de vista E coisas diferentes para dizer Você me julga, eu te julgo Nada irá mudar O que iremos fazer?

5.2. We the helpless (1:54)

Comfortably placed within your four walls of tranquility Braindead and oblivious to the carnage of life You are the carcass of society Void of thought intelligent reasoning and care You are the reason of millions of animals are slaughter People starve Woman are raped Children are sexually abused People are beaten in South Africa This is no newspaper headline this is reality All because you are too scared to show emotion You self righteous shit...show you fucking care Stand up, they are your problem too Together we can bring about a change

Lugares confortáveis com quatro paredes de tranquilidade Morte cerebral e uma carnificina óbvia de sua vida Você é a carcaça da sociedade Vácuo de pensamentos inteligentes, raciocínios e cuidados Você é o motivo de milhões de animais estripados Pessoas famintas Mulheres estupradas Crianças abusadas sexualmente Pessoas estão apanhando isso na África do Sul Isso não é a manchete de um jornal, é a realidade Tudo porque você tem muito medo de mostrar emoções Sua pessoa justa de merda... me mostre que você liga Levante-se, eles também são problemas seus Juntos nós podemos mudar algo.

5.3.Bullshit propaganda (0:47)

Police protect the rich Polícia protege os ricos

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Uphold their fucking law Police uphold the system As they smash you to the floor Because our so called freedom Is nothing but a farce Restrictions, lies and laws Are rammed right up our arse Don't try to cover up The suffering that you've caused With bullshit propaganda It's you who cause the wars You can't deny your crimes Although you fucking try Your so called free speech Is nothing but a lie

Revirando sua lei Polícia revira o sistema Enquanto te espancam no chão Porque a sua tão querida liberdade Não é nada além de uma farsa Restrições, mentiras e leis São forçados em sua bunda Não tente esconder O sofrimento que você causou Com sua propaganda de merda Foi você quem causou as guerras Você não pode desmentir seus crimes Mesmo que tenha tentado O seu tão falado direito de expressão Não é nada além de mentira

5.4. Fucked up system (1:07)

Why should we suffer for their ignorance Always the victims of their mistakes Fucked up system Fucked up state Fucked up system Aaaarghh! T.V. media keep us dumb Brainwashed by their fucking bullshit

Por que temos de sofrer com sua ignorância Sempre vítimas de seus erros Sistema fodido Estado fodido

Sistema fodido

Aaaaaahgh!

Mídia nos mantém burros Lavando os cérebros com sua bosta

5.5 Show us you care (3:03)

You say we won't change nothing But at least we're fucking trying Say we're always moaning But at least we fucking care Say we should be happy We've tried to but we can't Say we should see sense But we already fuckin have Use your shit filled minds And show you fucking care You don't care about the rich As long as you're not poor Don't care about vivisection 'You cannot change the law' Don't care about the police force Because they haven't beaten up you Don't care about the starving Because it's nothing new

Você diz que nós não mudaremos nada Mas ao menos nós estamos tentando Diz que estamos sempre gemendo Mas ao menos nós ligamos Diz que nós poderíamos ser felizes Estamos tentando mas não conseguimos Diz que precisamos ver sentido Mas nós já o vemos Use essa merda cheia de mentes E nos mostre que você liga Nós não ligamos se você é rico, Tampouco se é pobre Não liga para vivissecção „Você não pode mudar a lei‟ Não ligue para a força policial Só porque eles não te bateram Não ligue para a fome Porque isso não é novo

5.6.Use your mind (2:04)

167

I can't stand I can't think, I've had too much to drink Forced down my pills now I can't wait Gonna be fucked don't wanna be straight! Your view is restricted, so is your mind You've got to break down the barriers And use your mind. I drink too much but I've nothing to lose You stick to your fashion I'll stick to my booze Watching you preach has become rather bland What do expect to change with an ''X'' on your hand?

Eu não entendo, eu não posso pensar, eu preciso me alcoolizar Preso às minhas pílulas, agora eu não posso esperar Serei fodido, não quero ser direto! Sua visão é restrita como a sua mente Você tem de quebrar as barreiras E usar sua mente Eu bebo muito, mas eu não tenho nada a perder Você entra para sua moda e eu entrarei na minha bebida Assistir você pregar se tornou algo empalidecido O que você espera mudar com um X

73 em sua

mão?

5.7.Innocence to ignorance (1:26)

Brought into the world with such an open mind it's not very long before you're indoctrinated with lies such a naive brain accept what it's told from innocence to ignorance and only a few years old don't grovel on the floor stand up tall try to see through their shit and all their lies try to break away from their eternal ties

Trazido ao mundo como uma mente aberta Não dura até você ser doutrinado com mentiras Um cérebro ingênuo aceita o que é dito Da inocência à ignorância E apenas com alguns anos Não rasteje no chão Levante-se Tente ver por entre toda essa merda e suas mentiras Tente sair desses nós eternos

5.8. Conned thru life (1:14) Your life is a stagnant pool of shit And if you don't want to drown Then you have to eat it From birth to death You're conned through life Is living your life a waste of time? (No) And if you chose to swallow their shit It will poison you so much You'll wish you had drowned at birth

Sua vida é uma piscina de merda estagnada E se você não quer mergulhar Então você terá de comê-la Do nascimento à morte Você foi enganado pela vida A sua vida é uma perda de tempo? (Não) E se você escolher engolir essa merda Isso o envenenará tanto Que você desejará ter se afogado no seu nascimento

5.9.Murder (2:09) 450 millions animal are murdered in Britain every year To be shoved down your throat and shat out of your arse

450 milhões de animais são mortos na Inglaterra todos os anos Para descer por sua garganta e ser cagado por sua bunda

73 O X desenhado na mão é uma marca de uma tribo que faz parte da cena punk rock mundial, os straight edges, pessoas que não consomem nenhuma substância com propriedades psicotrópicas.

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Murdaaaargh 450 millions animal are murdered in Britain every year To be shoved down your throat and shat out of your arse Animals to be killed for pleasure Murdered at the consumers leisure Slaughtered for meat in their fucking abattoirs Murdaaaargh Pneumatic bolt shot deep in the head Splittering bones and gushing blood Yet you still support this insane slaughter Brainwashing adverts on T.V. Cover up the reality and never shown the pain and torture

Assassinato 450 milhões de animais são assassinados na Inglaterra todos os anos Para descer por sua garganta e ser cagado por sua bunda Animais mortos por prazer Assassinados para o lazer consumidor Massacrados por carne em seus próprios abatedouros Assassinato Parafusos pneumáticos atirados em suas cabeças Rachando ossos e esguichando sangue Você ainda apoia esse massacre insano Lavagem cerebral vendida na TV Cobertura de realidade que nunca mostrou a dor e a tortura

5.10. Take the strain (1:54)

Twelve years on, has anything changed Laughed at, ridiculed, taken the blame Screaming for change with an ignored voice Freedom or oppression, we offer the choice It's no longer a laugh No longer a game If we believe in ourselves We can take the strain

Doze anos depois, nada mudou Rido disso, ridicularizado, levando a culpa Liberdade ou opressão, nós oferecemos a opção A risada não irá durar O jogo não irá durar Se nós acreditamos em nós mesmos Nós podemos aguentar a tensão

5.11.Another nail in the coffin (1:35)

Here comes the reaper with the death of our scene Another big business backed attack on our dream Another nail in the coffin. Devils and demons no thought and no brains You're fucking ignorant stance has left our 'scene' in ruins

Aí vem o matador com a morte de nossa cena Outro grande negociante atacando nossos sonhos por trás Outro prego no caixão Demônios e diabos, sem pensamentos e sem cérebros Você é tão ignorante que deixará nossa cena em ruínas

5.12.Raping the Earth (1:24)

"Man" is superior, "Man" has the might he's under the impression he has the right to take the earth and do as he will and leave nothing but a deformed hell raping the earth and we don't seem to care soon there will be no life left here with such stupidity we are raping the earth it's been on the decline since man's birth the harmony of nature is being upturned compassion not destruction must be learned

“O Homem” é superior, “O Homem” tem o poder Ele está sob a impressão de ter o direito De pegar a terra e fazer o que quiser E não deixar nada além de um inferno deformado Estuprando a terra e não nós não parecemos ligar Logo não haverá mais vida aqui Com tanta estupidez que estamos estuprando a terra O declínio começa com o nascimento do homem

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A harmonia da Terra é revirado Compaixão e não destruição deveriam ser aprendidos

5.13.If you're only in it for the music (1:51)

If you're only in it for the music you can just fuck off Because we're not interested in your fashionable pose Drop out, cop out... Fuck off

Se você só está aqui pela música, você pode ir se foder Porque nós não estamos interessados em suas poses da moda Caia fora, suma... vá se foder!