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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
.
Maísa dos Santos Souza
A IDEOLOGIA E O LIVRO INFANTOJUVENIL: SOB UM ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
SÃO PAULO
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Maísa dos Santos Souza
A IDEOLOGIA E O LIVRO INFANTOJUVENIL: SOB UM ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
Dissertação apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Orientadora: Profª. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda.
São Paulo
2013
Maísa dos Santos Souza
A IDEOLOGIA E O LIVRO INFANTOJUVENIL: SOB UM ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
Dissertação apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem.
_____________________________________________
Profª. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda (Orientadora) – PUC-SP
_____________________________________________
Profª. Dra. Flamínia Manzano Moreira Lodovici – PUC-SP
_____________________________________________
Profª. Dra. Sônia Regina Longhi Ninomiya – UFRJ-RJ
São Paulo, 01 de julho de 2013.
Dedico esta dissertação à minha querida mãe, Maria Inês ,aos meus irmãos, Márcia e
Márcio .
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo apoio espiritual e por permitir a realização deste trabalho.
À Professora Sumiko, minha orientadora, pelo auxílio na redação, pelos
conselhos e principalmente pela dedicação e paciência por entender minhas
limitações.
À minha Mãe, por me incentivar e acreditar em mim.
Aos meus irmãos, por me apoiarem sempre.
Aos Professores Doutores Ulisses Tadeu Vaz de Oliveira e Flamínia Manzano
Moreira Lodovici, pelas sugestões na banca de qualificação, que muito
enriqueceram esta pesquisa.
Às Professoras Doutoras Flamínia Manzano Moreira Lodovici, Sônia Regina
Longhi Ninomiya, Sandra Madureira e Simone Ruiz Martins, por aceitarem,
gentilmente, a compor a Banca Examinadora de minha defesa.
Aos meus amigos, Ângela, Elizete, Silvia e Zé, cujas palavras de apoio foram
essenciais.
À Zeli, cujas sugestões e ajuda foram muito importantes para o ingresso no
Mestrado.
Ao CNPq, pelo financiamento.
À Maria Lúcia, pela amizade, carinho e paciência.
Ao Leo, cujas palavras trouxeram tanta tranquilidade e alegrias.
RESUMO
Leciono na EE Prof. Adherbal de Castro, nas 6ª série/7ºano, e tenho um projeto
denominado Venha Ler Comigo, que se originou diante da baixa classificação
atribuída à escola, no item domínio dos conteúdos, competências e habilidades
escritoras. Cada aluno recebe entre outras coisas, o livro Tchau (2004), de Lygia
Bojunga, grande sucesso da literatura infantojuvenil, vencedor, em 1985, do prêmio
"O melhor para o jovem" outorgado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil. O desejo de entender a razão do sucesso de Tchau, fato constatado pelos
depoimentos dados pelos alunos do "Venha Ler Comigo" levou-me a investigar a
ideologia que subjaz à obra. Ideologia, no senso comum e não sentido crítico, é
entendida como o conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou visões de mundo
armazenado no enquadre de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas
ações sociais. Ora, um livro que viesse ao encontro desses valores e crenças seria
certamente bem vindo. A abordagem analítica de um texto deve apoiar-me em
teorias de caráter multifuncional, tal como a Gramática Sistêmico-Funcional, que
esclarecesse a conjunção entre informação-interação-linguagem, feitas,
respectivamente, pelas Metafunções Ideacional, Interpessoal e Textual. O objetivo
desta pesquisa de mestrado é analisar a ideologia que perpassa um capítulo do
conto “O bife e a pipoca”, de Tchau (2004), livro de sucesso dedicado ao público
infantojuvenil, de Lygia Bojunga, examinando as Metafunções Ideacional e
Interpessoal, por meio da Transitivadade e da Avaliatividade. A pesquisa deverá
responder às seguintes perguntas: (a) como se caracteriza a Transitividade tendo
em vista a ideologia que se estabelece nesse capítulo? (b) qual é o papel da
Avaliatividade nessa questão? Os resultados mostram que a análise detida das
escolhas lexicogramaticais feitas nos sistemas da Transitividade e da Avaliatividade
podem trazer à tona a ideologia que marca o capítulo em foco.
PALAVRAS-CHAVE - Literatura Infantojuvenil: Tchau. Ligia Bojunga. Informação.
Interação. Ideologia. Gramática Sistêmico-Funcional.
ABSTRACT
I teach at EE Prof. Adherbal de Castro, at 6th grade/ 7th year, and I have a project
called Venha Ler Comigo, which originated before that low ratings given to the school
in the item area of content, skill and abilities writers. Each student receives among
other things, the book Tchau (2004), by Lygia Bojunga, great success of children’s
literature, winner in 1985, the prize “The best for the young” considered by the
national Book Foundation Children anf Youth. The desire to understand the reason
for success of Tchau, a fact confirmed by the testimonies given by students of
“Venha Ler Comigo” led me to investigate the ideology that underlies the work.
Ideology, common sense and not critical sense, is understood as a set of ideas,
thoughts doctrines or worldviews stored in the frame of an individual or group,
oriented their social actions. Now, a book that came to meet of these values and
beliefs would certainly be welcome. The analytical approach of a text should support
me on theories of multifunctional, such as Systemic Functional Grammar, to clarify
the conjunction between information-interaction-language, made respectively by
metafunctions Ideational, Interpersonal and Textual. The aim of this research is to
analyse the ideology that permeates a chapter of this tale “O bife e a pipoca”, book
Tchau (2004), a successful book dedicated to children and young people, by Lygia
Bojunga, examining the metafunctions Ideational and Interpersonal through
Transitivity and Appraisal. The research should answer the following questions: (a)
how is characterized the Transitivity in view of the ideology that is established in this
chapter? (b) what is the role of Appraisal on this issue? The results show that a
careful analysis of the lexicogramatical choices made in the systems of Transitivity
and Appraisal can bring out the ideology that marks the chapter focus.
KEYWORDS – Children and Youth Literature: Tchau. Lygia Bojunga. Information.
Interaction. Ideology. Systemic Functional Grammar.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Relação processos/participantes ......................................................... 23
Quadro 2: Modalidade: entre 'sim' e 'não' ............................................................ 24
Quadro 3: As três Metafunções ............................................................................. 26
Quadro 4: Os subsistemas da Avaliatividade ....................................................... 27
Quadro 5: Tipos de Afeto ........................................................................................ 28
Quadro 6: As categorias de Análise ...................................................................... 33
Quadro 7: Análise da Metafunção Ideacional: Transitividade e da Metafunção Interpessoal: Avaliatividade [Capítulo II “Na sala de aula”] ............... 37
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11
1.1 Justificativa .................................................................................................... 13
1.2 Lygia Bojunga e a literatura infantojuvenil ............................................... 14
1.3 O conto infatojuvenil ................................................................................... 16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................... 18
2.1 A Ideologia .................................................................................................. 18
2.2 A Gramática Sistêmico-Funcional .............................................................. 20
2.2.1 A Metafunção Ideacional .......................................................................... 22
2.2.2 A Metafunção Interpessoal ..................................................................... 23
2.2.3 A Metafunção Textual ............................................................................. 25
2.3 A Avaliatividade ........................................................................................... 27
2.3.1 A realização do Afeto ............................................................................... 28 2.3.2 A carga positiva ou negativa ................................................................... 28
2.4 A compreensão responsiva ativa ............................................................. 30
2.5 A relação entre a macroestrutura e a microestrutura ............................. 31 3 METODOLOGIA ............................................................................................... 34 3.1 Dados ........................................................................................................... 34 3.2 Procedimentos de análise .......................................................................... 35 3.2.1 Primeira etapa ............................................................................................ 35 3.2.2 Segunda etapa .......................................................................................... 36 3.2.3 Codificação ................................................................................................. 36 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................ 37 4.1 Análise da Transitividade e da Avaliatividade em "Na sala de aula" ..... 37 4.2 Discussão Geral da Análise ...................................................................... 52
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 56
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 58
ANEXOS ............................................................................................................... 63
11
1 INTRODUÇÃO
Tenho pesquisado livros de literatura infantojuvenil, como resultado de uma
reflexão que em mim foi provocada pelas dificuldades de meus alunos do Ensino
Fundamental II, no item referente, em especial, no domínio dos conteúdos,
competências e habilidades escritoras, atestadas pelos baixos níveis de aprovação
nas provas de redação, em 2010, do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar
do Estado de São Paulo (SARESP). Percebi, em cursos de extensão dos quais
participei, que um dos fatores desse resultado era a falta de leitura do nosso
alunado, pois muitas das dificuldades presentes na produção escrita advinham da
falta de modelos de boa escrita dos nossos discentes. Faltava a prática da leitura. A
propósito, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000, p. 26) bem
lembram que, para boa parte das crianças e dos jovens brasileiros, a escola é o
único espaço que pode proporcionar acesso a textos escritos.
Diante dessa situação, desenvolvi o projeto "Venha Ler Comigo", após a
leitura do texto Ler devia ser proibido, de Guiomar de Grammont, com o objetivo de
despertar o interesse pela leitura e de criar em meus alunos o hábito de eles
mesmos procurarem livros como forma de prazer. Nesse projeto, cada aluno recebe
inicialmente uma sacola contendo um caderno, um chocolate e o livro Tchau (2004),
de Lygia Bojunga, grande sucesso da literatura infantojuvenil, vencedor, em 1985,
do prêmio "O melhor para o jovem", outorgado pela Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil (FNLIJ). A partir daí, o aluno entraria em contato com diferentes
gêneros adequados à fase de seu desenvolvimento cognitivo e de seu interesse
adolescente, ampliando o contato com outros gêneros textuais, tais como poesia,
literatura de cordel, romances adaptados.
Um dos motivos que me fez dar continuidade aos meus estudos, inscrevendo-
me em um curso de mestrado, foi o desejo de entender o porquê da aceitação de
Tchau, fato constatado pelos depoimentos dos alunos do "Venha Ler Comigo". Ao
frequentar alguns cursos de extensão universitária oferecidos pela COGEAE, na
PUC-SP, pude entrar em contato com novas teorias linguísticas, que me fizeram
entender que a dimensão morfossintática das abordagens tradicionais, deve ser
ampliada com a contribuição da semântica e da pragmática, num plano
12
sociocognitivo do discurso, que dão conta da participação ativa do leitor na
constituição e na compreensão de um texto.
Nesse contexto, e tendo em vista o preceito do Currículo do Estado de São
Paulo (SÃO PAULO, 2010, p. 34) de que "o texto não será visto como objeto
portador de sentido em si mesmo, mas como uma tessitura que, inserida em
contextos mais amplos, materializa as trocas comunicativas", compreendi que, para
analisar um texto, deveria apoiar-me em uma teoria multifuncional que esclarecesse
a conjunção informação-interação-linguagem do texto, como é a Gramática
Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Essa
teoria procura desenvolver uma teoria sobre a língua como um processo social e
uma metodologia que permite uma descrição detalhada e sistemática dos padrões
linguísticos, e para tanto baseia-se na proposta de que a função da língua é a
construção simultânea de três significados ou Metafunções: Ideacional (informação),
Interpessoal (interação) e Textual (linguagem).
Quanto ao meu intento de entender a boa aceitação de Tchau, apoio-me nas
palavras de Fowler (1991), para quem, qualquer aspecto da estrutura linguística
carrega significação ideológica; seleção lexical, opção sintática, etc., todos têm sua
razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma coisa e esses modos
não são alternativas acidentais. Diferenças em expressão trazem distinções
ideológicas, e assim diferenças de representação.
Relacionando esse posicionamento de Fowler ao sucesso do livro Tchau,
pensei em examinar a ideologia que envolve um conto desse livro. Talvez estivesse
aí o segredo da boa recepção do livro. Isto porque, uma vez que a ideologia, no
senso comum, é entendida como o conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou
visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações
sociais, um livro que viesse ao encontro desses valores e crenças seria certamente
bem vindo.
A propósito, Li (2010) investiga as relações entre escolhas de certas formas
linguísticas e as ideologias que subjazem a essas formas, guiado por propostas de
análise do discurso crítica e com o apoio do contexto analítico oferecido pela
Gramática Sistêmico-Funcional, de Halliday (1994). Li o faz por meio do exame da
Transitividade e da coesão lexical. A minha análise trata da Transitividade e da
Avaliatividade.
13
O objetivo desta dissertação de mestrado é a análise da ideologia que
perpassa o capítulo II "Na Sala de aula", do conto "O bife e a pipoca", do livro Tchau
(2004), de Lygia Bojunga: (a) examinando os sistemas da Transitividade
(Metafunção Ideacional) e da Avaliatividade (Metafunção Interpessoal). A pesquisa
deverá responder às seguintes perguntas: (a) como se caracteriza a Transitividade
tendo em vista a ideologia que se estabelece nesse capítulo? (b) qual é o papel da
Avaliatividade nessa questão? Para tanto, conta com o apoio da Gramática
Sistêmico-Funcional.
1.1 Justificativa
O baixo rendimento do alunado indicado pela nota de 53,15 em redação,
atribuída à 6ª série/7ºano1, da "EE Prof. Adherbal de Castro", mostra que a
instituição situa-se no nível básico da Classificação dos Níveis de Desempenho,
indicando que seus alunos demonstraram domínio mínimo dos conteúdos,
competências e habilidades escritoras no exame do Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) em 2010, bem como em
nível da Rede Estadual do Estado de São Paulo, da Coordenadoria de Ensino do
Interior (CEI) e da Diretoria de Ensino (DE) de Jacareí.
A "EE Prof. Adherbal de Castro", embora situada em bairro com infraestrutura
adequada, atende um alunado oriundo, na maioria, de bairros muito carentes em
termos intelectuais. Como resultado, há uma série de fatores pouco estimuladores
para a valorização do estudo, fatores estes encontrados no próprio lar, esses alunos
não têm os hábitos recomendados pela escola, como a leitura de bons livros.
Paulo Freire (1997), ao discutir os saberes necessários à prática educativa, já
sinalizava a importância da linguagem no processo comunicativo. Para ele, “um dos
sérios problemas que temos é como trabalhar a linguagem oral ou escrita” (1997, p.
133). Também Soares (1995) afirma que ler, bem como escrever, são processos que
envolvem o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos linguísticos e
1 Resolução SE Nº 98/2008 , Artigo 2º - O ensino fundamental terá, em 2009, organização curricular, desenvolvida em regime de progressão continuada, estruturada em 09 (nove) anos, constituída por dois segmentos de ensino (ciclos): I – anos iniciais, correspondendo ao ensino do 1º ao 5º ano; II – anos finais, correspondendo ao ensino do 6º ao 9º ano.
14
psicológicos, numerosos e variados, mas diferentes para a constituição de cada
processo: leitura ou escrita.
Contudo, nesse contexto, com exceção de alguns trabalhos, como o estudo
de Almeida (2011) sobre A Transitividade verbal como elemento coesivo nos livros
da série As aventuras de Capitão Cueca, de Dav Pilkey, além do de Germano
(1997), também sobre A Transitividade no livro ‘I Spy’, de Graham Greene, não há
estudos que entrem na microestrutura do texto e que examinem as escolhas
lexicogramaticais feitas na elaboração de um texto.
Esta dissertação de mestrado está assim estruturada: 1. Introdução, em que
explico o objetivo da pesquisa, ou seja, o exame da ideologia que subjaz o capítulo
"Na sala de aula", do conto “O bife e a pipoca”, inserido no livro Tchau, de Lygia
Bojunga. 2. Fundamentação Teórica, em que enfoco a Gramática Sistêmico-
Funcional (GSF), em especial a Transitividade, da Metafunção Ideacional, bem
como a Avaliatividade, da Metafunção Interpessoal. 3. Metodologia, envolvendo a
descrição dos dados, ou seja, do capítulo selecionado, "Na sala de aula", além dos
procedimentos de análise, com apoio básico da GSF. 4. Análise e Discussão dos
Resultados. Finalizando com as Considerações Finais, seguidas das Referências e
do Anexo.
A seguir, antes de iniciar o capítulo da Fundamentação Teórica, descrevo a
biografia da autora da obra analisada em meu trabalho, Lygia Bojunga e sua
importância para a literatura brasileira infantojuvenil.
1.2 Lygia Bojunga e a literatura infantojuvenil
Lygia Bojunga Nunes nasceu em 1932, em Pelotas, Rio Grande do Sul. Aos
oito anos de idade foi para o Rio de Janeiro, onde em 1951 tornou-se atriz numa
companhia de teatro que viajava pelo interior do Brasil. Atuou também como atriz de
rádio. Fez sua estreia literária em 1972, com o livro Os Colegas, o qual recebe o
prêmio Jabuti, em 1973. Atualmente está com vinte e um livros publicados. A maioria
de suas obras foram traduzidas em mais de vinte idiomas, entres os quais francês,
alemão, espanhol, norueguês, sueco, hebraico, italiano, búlgaro, tcheco e islandês.
15
Suas obras foram muito premiadas, com destaque ao prêmio Jabuti, em 1973.
Em 1982, torna-se a primeira autora da América Latina a receber o Prêmio Hans
Christian Andersen, considerado o Prêmio Nobel da Literatura do gênero
infantojuvenil. Outra premiação importante que lhe foi atribuída, foi o ALMA (Astrid
Lindgren Memorial Award), em 2004, pelo conjunto de sua obra, maior prêmio
internacional concedido a um outro autor brasileiro de literatura infantojuvenil.
As obras de Lygia Bojunga, em grande maioria, baseiam-se no mundo pueril,
por meio de uma visão inocente da criança, a produção literária não segue um
modelo da narrativa exemplar, ou seja, “foram felizes para sempre”, o que se lê nos
livros é um convite à reflexão, pois apresenta ao leitor uma obra aberta, por não
haver uma única saída, por vezes nenhuma; o que convém é o caminho, o
envolvimento do leitor com a obra, o preenchimento das lacunas. Esse envolvimento
ocorreu em suas leituras infantis, ao se percebe um ser de imaginação, ativa,
criativa, tendo consciência de que era leitora, pois participava intimamente “desse
jogo maravilhoso que é o livro” (BOJUNGA, 2010).
Sob essa preocupação com a produção literária, Lygia apresenta um discurso
plurissignificativo, no qual o leitor infantojuvenil deixa de ser um simples receptor do
texto, e passa a ser um sujeito participante do texto e construtor do texto, ou seja, o
adolescente preenche as lacunas, interpreta e compreende a obra conforme suas
vivências. Até porque, seu discurso não é opressivo e pedagógico-moralizante, é um
discurso que revela uma visão mais clara da realidade na qual o leitor está inserido
(SILVA, 2000).
Segundo Araújo (2010), a literatura de Lygia Bojunga é, de fato, crítica e
engajada, mas acima de tudo é uma construção literária que se caracteriza pela
transgressão de fronteiras entre a fantasia e a realidade, abordando questões
sociais contemporâneas com o lirismo e humor tal que sua produção se transforma
num fazer poético, [...] transpõe para o plano ficcional a realidade, devolvendo-a
transfigurada ao leitor, para que ele, desvelando suas máscaras, proceda ao
entendimento do texto e da realidade a que se refere (ARAÚJO, 2010).
A seguir apresento um estudo sobre o gênero conto, levando em conta que
esse gênero textual constitui a base da minha pesquisa.
16
1.3 O conto infatojuvenil
O conto é visivelmente um gênero literário de difícil definição, segundo Duclós
(2008), já que sua definição tem variado de acordo com os diferentes contextos por
onde passou, caso dos relatos sobre, por exemplo, os conflitos entre Caim e Abel,
em épocas anteriores a Cristo, ou das Mil e uma noites, no Oriente.
Para Mário de Andrade (apud GOTLIB, 2006, p. 9), conto é tudo aquilo que o
autor quiser chamar de conto; José J. Veiga (2002) entende que o gênero não foi
definido, e nem o será, pois o conto é uma criação multifacetada e assim deve
permanecer, fato que torna o conto um gênero desafiador; para Alceu Amoroso Lima
(apud GOTLIB, 2006, p. 63), o conto é uma obra de ficção breve, afirmando a
importância de sua extensão, o elemento quantitativo, como o mais objetivo de suas
características, o que tem gerado polêmica; já, segundo Gotlib (2006), o diferencial
de um conto é a contração: o autor reduz a matéria para apresentar os seus
melhores momentos. No entanto, o que não se pode afirmar é que uma estória é um
conto "porque tem um certo número de palavras ou porque tem mais unidade ou
porque enfoca mais o clímax que o desenvolvimento da ação" (GOTLIB, 2006, p.
65). Já Cortázar (2006, p. 151-152) afirma que
um conto em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanência.
Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com uma
explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai além da
pequena e às vezes miserável história que conta (CORTÁZAR, 2006, p. 153).
Silva (2009) afirma que a dimensão reduzida do conto juvenil provoca uma
reação no leitor, ao mesmo tempo intelectual e emocional. Intelectiva, na medida em
que deixa o leitor perceber sua cuidadosa construção, e emocional, na medida em
que essa trama bem urdida desperta-lhe sentimentos e sensações. Essa reação,
afirmada pela autora, encontra-se em Tchau e pôde ser verificada nos depoimentos
dos alunos que expressaram de maneira simples suas emoções; confirmando,
assim, o papel ativo, participativo do leitor de contos.
17
Espera-se que o conto juvenil venha a encontrar um espaço privilegiado entre
os leitores juvenis, sendo que muitos desses leitores já abandonaram as histórias
infantis e encontram-se prontos para entrar em contato com textos que abordem
problemáticas sociais e/ou universais. Segundo Coelho (apud JARDIM, 2003, p.
214), entre os objetivos da literatura infantil atual está o de preparar
psicologicamente os leitores para enfrentarem, mais tarde ou mais cedo, as dores e
sofrimentos da vida. Para que isso aconteça e venha em forma de conto, Jardim
(2003) apresenta três contos e suas características:
(a) Conto de introspecção – é o caso dos contos que escolhem como
problemática temas de sempre, como a morte, ou temas mais recentes, como
a separação dos casais e o consequente drama dos filhos divididos; as
drogas; as injustiças sociais; o racismo; as crianças abandonadas; pedofilia,
este acréscimo meu;
(b) Conto social – geralmente estabelece uma crítica social realista, perpassando
temas como liberdade, o respeito humano, a justiça, a amizade. O enfoque
sociológico dos textos nunca se apresenta de forma doutrinadora,
privilegiando sempre o ponto de vista das personagens, o que estabelece
uma imediata empatia com o público a que se destina;
(c) Conto maravilhoso – a linguagem desses contos é concisa, poética e
simbólica. Espelhos, labirintos, espinhos, unicórnios são algumas das
imagens que povoam os textos, revelando um mundo onírico, de significados
ocultos que precisam ser desvendados pelo leitor.
18
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Apresento, a seguir, a teoria que apoia, basicamente, a minha análise de um
capítulo do conto “O bife e a pipoca”: a Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY,
1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), em cujo arcabouço examino a
Transitividade, da Metafunção Ideacional e a Avaliatividade, da Metafunção
interpessoal. O exame detido das escolhas léxicogramaticais dessas Metafunções
identifica a ideologia que subjaz ao texto, de acordo com a proposta de Li (2010).
Mas, antes, trato da noção de ideologia, que é a questão que orientou a seleção
dessas teorias.
2.1 A Ideologia
A ideologia, no senso comum, é entendida como o conjunto de ideias,
pensamentos, doutrinas ou visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo,
orientado para suas ações sociais. Segundo Banks (2005), a ideologia, nos termos
da GSF, é o conjunto de princípios que, além da camada semântica e semiótica,
determina o uso da língua. Desse ponto de vista, ela é moralmente neutra e todos os
textos dependem de uma ideologia: portanto, não no sentido da análise do discurso
crítica, onde é vista como eticamente indesejável.
Por outro lado, segundo Luchjenbroers e Aldridge (2007), enquadres
(tradução portuguesa de frames) são conjuntos de informações aceitos
culturalmente, que acompanham qualquer termo lexical. Assim, os enquadres de
referência associados a cada escolha lexical derivam componentes adicionais de
significados, num fenômeno em que cada termo escolhido desencadeia uma rede
ampla de associações prototipicamente presentes nessa escolha. O acesso do
interlocutor a essas associações, segundo as autoras, depende de sua experiência e
de sua compreensão das normas sociais que determinam essas escolhas lexicais.
Do ponto de vista da linguística cognitiva e da semântica cognitiva do
significado lexical, o significado é ‘enciclopédico’ por natureza: o sentido de uma
palavra não está divorciado do seu contexto de uso, prosseguem Luchjenbroers e
Aldridge (2007). Assim, o significado linguístico está codificado na memória como
19
um tipo de rotina cognitiva que se apoia em experiências no mundo, e a ativação de
um conceito desencadeia os conceitos a ele relacionados na memória. As
associações que o falante traz para o discurso nos atributos que ele usa para falar
sobre pessoas, ações e eventos, influenciam (com o óbvio intento de manipular) o
modo como os ouvintes avaliam a informação que lhes é apresentada. É como
funciona a força de uma ideologia.
Nesse contexto, é bem vinda a explicação de Van Dijk (2005) sobre
manipulação. Embora na linguagem do dia a dia, diz ele, o conceito de
"manipulação" tenha sentido negativo, pode-se também estudar o conceito como
uma categoria do participante: poucos usuários da linguagem considerariam
manipulativo o seu discurso. Assim, também, ninguém consideraria que o texto de
Tchau não estaria manipulando seus leitores de maneira negativa, justamente
porque, devido à ideologia que ali é invocada, o enquadre a ela associada vai ao
encontro das expectativas do leitor.
Vemos que, dessa forma, a manipulação é uma das práticas sociais
discursivas de grupos dominantes equipados para a reprodução do poder. Esses
grupos podem efetivar esse procedimento de várias formas: por meio da persuasão;
informação, educação, instrução e outras práticas sociais que objetivam influenciar o
conhecimento, crenças e (indiretamente) as ações dos receptores. Algumas dessas
práticas podem ser legítimas, como quando os jornalistas e professores fornecem
informação para suas audiências. Serão ilegítimas as formas de interação,
comunicação ou outras práticas sociais que sejam do interesse de uma parte, e
contra os interesses dos receptores.
Vemos que processos cognitivos de manipulação supõem que a memória de
longo termo não só estoca experiências pessoais interpretadas subjetivamente, mas
também crenças estáveis, mais permanentes, geral e socialmente compartilhadas,
chamadas de 'representações sociais" (AUGOUSTINOS; WALKER,1995;
MOSCOVICI, 2001, apud VAN DIJK, 2005). Nosso conhecimento sociocultural
forma o núcleo dessas crenças e permite-nos agir, interagir e comunicar
significativamente com outros membros de uma mesma cultura.
O mesmo é verdadeiro para muitas atitudes sociais e ideologias
compartilhadas com outros membros do mesmo grupo social, como, pacifistas,
socialistas, feministas, de um lado, ou racistas e chauvinistas, e outro. (Van DIJK
20
1999). Essas representações sociais são adquiridas gradualmente por meio da vida
e, embora elas possam mudar, não mudam de noite para o dia. Elas influem na
formação e ativação de modelos mentais pessoais dos membros de um grupo.
No caso do conto analisado na presente pesquisa, a feição da organização
principal da estrutura do texto no nível global é a construção de uma metáfora
dominante, nos termos de Kitis e Milapides (1997), que subjaz ao texto, suscitando o
enquadre (script) ou o mito 'do rico e do pobre'. Esta metáfora penetrante e difusa
assegura a compreensão do texto dentro de uma certa perspectiva ideológica. Esta
perspectiva é construída por analogia, i.e., pela relação intertextual entre a metáfora
construída, de um lado, e pelas suas interpretações analógicas (em termos de
ficções convencionais paralelas, mitos e paradigmas), de outro. A construção dessa
metáfora dominante é originada por 'minimetáforas', como peças de um mesmo
quebra-cabeça.
Essa metáfora é o fator predominante do conto, gerando uma avaliação ideológica
do assunto relatado.
2.2 A Gramática Sistêmico-Funcional
No modelo da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), a língua é vista como
um recurso para fazer significado: o código como um recurso sistêmico, um potencial
de significado; o comportamento como a realização desse potencial de significado
em situações da vida real (LAM; WEBSTER, 2009). Assim, a língua, como uma
prática social, é o resultado da relação entre dois aspectos fundamentais - sua
sistematicidade. A língua é um sistema semiótico envolvendo significados e a
possibilidade de escolhas no sistema e sua funcionalidade (MARTIN, 1997).
Importante para a minha pesquisa, a funcionalidade reflete-se no discurso por meio
da estrutura gramatical interna da língua, isto é, nas funções da língua que fornecem
as motivações para sua forma e a sua estrutura (HALLIDAY, 1978).
A GSF entende a língua como uma "rede de opções entrelaçadas"
(HALLIDAY, 1994, p. xiv) pela GSF, uma gramática do significado; a GSF vê a
língua como um sistema de significados realizados por meio de funções realizadas
por meio do rico recurso de opções gramaticais selecionadas pelo usuário da língua.
21
Essas escolhas são descritas em termos funcionais para que sejam significativas
semântica e pragmaticamente. As funções da gramática, de acordo com Halliday,
abrangem três sistemas de Metafunções inter-relacionados: o Ideacional, o
Interpessoal e o Textual. Essas Metafunções referem-se à incorporação de tipos
de experiência, percepção e consciência na língua; à expressão das interações e à
estruturação e à apresentação da informação, tornando-o operacionalmente
relevante (HALLIDAY, 1973; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), e de acordo com
seu propósito e as exigências do meio sócio-histórico-cultural.
Essas Metafunções agem juntas: cada palavra que dizemos realiza as três
Metafunções. Em sendo assim, tudo que expressamos linguisticamente quer dizer,
simultaneamente, três coisas: alguma coisa (Ideacional) dita a alguém (Interpessoal)
de algum modo (Textual). Essa simultaneidade é possível graças a um nível
intermediário entre significado e realização linguística (oral ou escrita), a estrutura
lexicogramatical, ou seja, o sistema linguístico de uma língua. Assim, as
Metafunções entram no texto por meio das orações. Daí porque Halliday (1994)
dizer que a descrição gramatical é essencial à análise textual. Por outro lado,
quando se escolhe o que se escreve ou o que se diz, isto adquire significado contra
um fundo em que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas. Tal fato
possibilita:
(i) considerar como apropriadas ou inapropriadas as escolhas
linguísticas em relação ao contexto de uso;
(ii) ver a língua como um recurso para construir significados em
diferentes contextos.
A língua não se dissocia de seu contexto de uso. A GSF considera três tipos
de contexto: (a) Registro, o contexto situacional; (b) Gênero, contexto cultural; e (c)
Ideológico. O Gênero representa os processos sociais em estágios orientados para
uma finalidade de uma dada cultura. O Registro refere-se ao contexto de situação e
é organizado por três variáveis: Campo (assunto), Relações (status dos
interactantes) e Modo (organização do texto). Essas três variáveis contextuais são,
por sua vez, organizadas pelas Metafunções da linguagem (HALLIDAY, 1978).
22
Há também um terceiro contexto − o ideológico, que mais recentemente tem
sido abordado pela GSF. A ideologia ocupa um nível superior de contexto, referindo-
se a posições de poder, a vieses políticos e a suposições sobre valores, tendências
e perspectivas que os interlocutores trazem para seus textos, e tem chamado a
atenção dos sistemicistas, na medida em que, em qualquer registro, em qualquer
gênero, o uso da língua será sempre influenciado pela nossa posição ideológica. A
análise dos aspectos ideológicos tem sido feita, dentre outros, pela Linguística
Crítica (FOWLER, 1991).
2.2.1 A Metafunção Ideacional
Como um componente analítico chave da função Ideacional da língua, a
'Transitividade' é um conceito semântico que vê a representação do significado na
oração. De acordo com Halliday, a Transitividade trata da codificação, pelos
usuários, por meio da língua de suas experiências com o mundo que os cerca
(1994, p. 106). A Transitividade, interessada nas relações semânticas de poder de
'quem faz o quê para quem', tem o potencial de categorizar e avaliar a infinita
variedade de ocorrências em um conjunto finito de tipos de processo. A análise da
Transitividade pode, examinando as escolhas feitas no texto referentes a estados de
ser, ações, eventos e situações referentes à dada sociedade, mostrar o viés da
representação da realidade aí envolvida.
Halliday (1994) sugere que os processos semânticos representados na
oração têm potencialmente três componentes: o próprio Processo, que é expresso
pelo grupo verbal da oração; os Participantes envolvidos no processo, realizados
pelos grupos nominais da oração; e as Circunstâncias associadas com o processo,
expressas por grupos adverbiais ou preposicionais. Halliday (1994) ainda sugere a
classificação dos processos, conforme representem ações, eventos, estados da
mente ou estados de ser. Material, Mental e Relacional são os três tipos principais
no sistema da Transitividade, referindo-se respectivamente a ações ou eventos do
mundo externo, à experiência interna da consciência e aos processos que
classificam e identificam, respectivamente. Nos limites entre eles estão os
processos: Comportamental (que representam manifestações de atividades
internas), Verbal (relações simbólicas construídas na consciência humana e em
23
estados fisiológicos) e Existencial (processos relacionados à existência, resumidos
no Quadro 1.
Na tradição da GSF, Fowler (1991) sugere que padrões alternativos na
língua, associam valores diferentes, com implicações ideológicas. A análise da
Transitividade pode oferecer intravisões sobre as percepções do escritor sobre
ações, eventos, situações, bem como os modos pelos quais a interpretação do leitor
é orientada em determinada direção. Em última instância, ela permite ver como as
estruturas linguísticas constroem diferentes representações da realidade.
Quadro 1: Relação processos/participantes
Processo Participantes Material Tuca deu a pipoca para o amigo.
Ator Meta Beneficiário Comportamental O Tuca se encolheu de novo.
Comportante Circunstância Mental Eu não saco nada disso
Experienciador Fenômeno Existencial Mas aí foi acontecendo o seguinte fato.
Existente
Relacional O Tuca era tão miúdo. (a) Atributivo: Portador Atributo Eu era o 1º da classe (b) Identificativo: Identificado Identificador
Verbal Eles me chamam de Tuca Dizente Receptor Verbiagem
Fonte: HALLIDAY (1994)
A partir da perspectiva social, a análise da Transitividade oferece intravisões
sobre fatores sociais, culturais e ideológicos, que podem influenciar o significado de
um texto, segundo Fairclough (1992).
2.2.2 A Metafunção Interpessoal
A oração está organizada como um evento interativo, envolvendo falante (ou
escritor), e audiência/leitor. Os tipos fundamentais de papel de fala são apenas dois:
(i) dar, e (ii) pedir. Portanto, um 'ato' de fala é algo que poderia ser mais
apropriadamente chamado de uma 'interação': é uma permuta, na qual dar implica
receber e pedir implica dar em resposta. Juntamente com essa distinção básica está
24
uma outra distinção, igualmente fundamental, que se relaciona com a natureza do
produto que está sendo permutado. Este pode ser (a) bens e serviços ou (b)
informação (HALLIDAY, 1994).
Segundo Halliday (1985), a gramática de qualquer língua inclui um
componente interpessoal que serve para realizar essas funções. Neste componente,
é acima de tudo os sistemas gramaticais de Modo e Modalidade que sinalizam a
interação. O primeiro é definido como o sistema que estabelece relações entre
papéis entre falante e ouvinte, enquanto que a Modalidade expressa a avaliação que
esse falante ou ouvinte fazem sobre o conteúdo da mensagem (BERRY, 1975, p.
66).
Quadro 2: Modalidade: entre 'sim' e 'não'
SIM
Proposição
Informação
Proposta
Bens & Serviços
NÃO
MODALIDADE
MODALIZAÇÃO MODULAÇÃO
probabilidade2 frequência obrigação3 inclinação
talvez geralmente deve quero
Fonte: HALLIDAY (1994)
Contudo, outros autores (e.g., LEMKE, 1992, p. 86) notam que esta
abordagem tende a confundir as funções interpessoais e a função do
‘intrometimento’ pessoal. As expressões de Modalidade normalmente expressam a
visão do falante sem diretamente estabelecer expectativas interacionais como fazem
as escolhas de Modo – assim, uma oração interrogativa espera normalmente uma
declarativa (afirmativa ou negativa) como resposta do interlocutor.
Devido a esse fato, Thompson e Thetela (1995) propõem uma distinção no
interior da Metafunção Interpessoal, distinguindo as funções Pessoal e a
Interacional, relacionadas entre si, mas relativamente independentes. O termo
"Interacional" foi escolhido para a segunda opção, para reservar o termo "Interativo"
para referência aos aspectos de orientação-informacional dentro do texto escrito,
2 Ou modalidade epistêmica. 3 Ou modalidade deôntica.
25
termos como: em resumo, como dissemos antes, a seguir, que guiam o leitor no
desenrolar do texto. Eles examinam os:
(a) papéis desempenhados realizados pelo ato de fala por si. São os papéis de
fala, ou seja, o participante não pode deixar de desempenhar esses papéis:
de perguntador, de respondedor, de ordenador, de solicitador, por exemplo.
(b) papéis projetados em que a questão é a rotulação dos interlocutores:
senhor, participantes do curso, você. Este é o ponto em que o componente
interpessoal se sobrepõe ao ideacional no modelo de Halliday, já que, se o
escritor projeta papéis, a pessoa sobre quem o papel é projetado é
simultaneamente um participante no evento linguístico e um Participante na
oração. Assim em: O moleque ganhou uma bicicleta, "moleque" é assim
rotulado (papel projetado), mas também é o Beneficiário (como Participante
na oração). 2.2.3 A Metafunção Textual
Segundo Matthiessen (1995), as Metafunções Interpessoal e Ideacional
tratam de domínios de fenômenos que existem ‘fora’ da língua. Por meio da
Metafunção Ideacional, podemos construir significados da nossa experiência
oriundos de fenômenos físicos, biológicos e sociais; e por meio da Metafunção
Interpessoal, podemos construir significados de papéis e relações sociais. Em
ambos os modos, Ideacional e Interpessoal, criam-se significados; mas o significado
é um fenômeno que é de ordem mais alta do que fenômenos físicos, biológicos e
sociais: é o traço distintivo dos sistemas semióticos.
A terceira Metafunção, a Textual, trata do domínio da quarta ordem4 – o
domínio do significado, continua Matthiessen (1995). Especificamente, ela constrói
os significados Ideacionais e Interpessoais, para que a informação possa ser
compartilhada pelo falante e seu interlocutor, proporcionando os recursos para guiar
a permuta dos significados no texto. Podemos falar em guia do ponto de vista do
ouvinte (que é ‘projetado’ pelo falante nas suas escolhas textuais).
4 Quatro domínios: físico, biológico, social e semiótico.
26
Halliday e Matthiessen (2004) afirmam que as línguas têm diferentes modos
para marcar a parte da oração que é proeminente. Essa posição é chamada Tema e
sua função é ser o ponto de partida para a mensagem. A posição temática abrange
até o primeiro elemento ideacional da oração. O restante é chamado de Rema.
Devido ao fato de o Tema ser sempre o solo de onde a oração decola, ele também
funciona como pano de fundo para a interpretação do Rema.
As condições textuais, tais como, tematicidade (Tema e Rema), novidade
(Dado e Novo), continuidade, contraste e recuperabilidade são designadas por
sistemas textuais. Tema, foco informacional, elipse-substituição e referência fazem
contribuições complementares, guiando os ouvintes no processo de construir
sistemas instanciais a partir do texto.
Vejamos no Quadro 3 como o exemplo: Certamente, ele estudou inglês no
passado, seria analisado, considerando as três Metafunções.
Quadro 3: As três Metafunções
METAFUNÇÕES Certamente ele estudou inglês no passado
Ideacional ------ Ator processo material Meta Circunstân
cia
Interpessoal
Certamente ele estud- -ou inglês no passado
Mood Resíduo Mood Resíduo
Finito: Modalidade
Sujeito Predicador
Finito: Tempo
Complemento
Adj. adverbial
Textual Certamente ele estudou inglês no passado
Tema Rema Fonte: Halliday (1994)
● Em relação à Metafunção Ideacional, o verbo ‘estudar’ expressa um processo material, ‘ele’ um participante ‘Ator’; ‘inglês’ um participante ‘Meta’; e ‘no passado’ uma Circunstância de tempo. Esses elementos representam a transitividade da oração.
● Em relação à Metafunção Interpessoal, é uma sentença declarativa, na qual o mood é realizado pelo Sujeito ‘ele’, e pelo Finito: (i) pela a terminação ‘-ou’
27
(flexão do pretérito perfeito); (ii) pela Modalização 'certamente'. O restante da frase forma o Resíduo. ● Em relação à Metafunção Textual, ‘ele’ realiza o Tema da frase e o restante, o Rema. Esta Metafunção Textual não será examinada nesta pesquisa.
2.3 A Avaliatividade
O termo "Avaliatividade" é o rótulo para uma coleção de recursos semânticos
para negociar emoções, julgamento e apreciação. Incluem recursos graduáveis para
a avaliação de pessoas, lugar e coisas de nossa experiência - Atitude; para ajustar
nosso compromisso com o que avaliamos - Compromisso; e para aumentar ou
abaixar a avaliação - Graduação.
Martin (2000) descreve a Atitude em termos de três dimensões: Afeto,
Julgamento e Apreciação. Afeto é o recurso distribuído para construir respostas
emocionais (‘felicidade, tristeza, medo, ódio’, etc.); Julgamento é disposto para
construir avaliações morais de comportamento (‘ético, decepcionante, bravo’, etc.); e
Apreciação constrói a qualidade ‘estética’ dos processos semióticos do texto, e
fenômenos naturais (‘notável, desejável, harmonioso, elegante, inovador’, etc.)
(MARTIN, 2000, p. 145-146). Veja Quadro (4), com exemplos ou explicações das
Avaliatividades positivas e negativas:
Quadro 4: Os subsistemas da Avaliatividade
COMPROMISSO (a) monoglóssico (sem negociação) [O livro é maravilhoso.] (b) heteroglóssico (com negociação) [Acho que o livro é maravilhoso.]
ATITUDE
(a) Afeto
(in)Felicidade [Foi uma festa adorável.] (in)Segurança [Está confortável aqui.] (in)Satisfação [Não gostei da atitude dele.]
(b) Julgamento
Estima Social
Normalidade (é óbvio? é insólito?) Capacidade (não/consegue superar?) Tenacidade (não/desiste?)
Sanção Social
Veracidade (é falso? é crível?) Propriedade (moralmente in/aceitável?)
(c) Apreciação
Reação (impacto): (Isso me cativa?) Reação (qualidade): (Eu gosto disso?) Composição (equilíbrio): (Eles não/combinam?) Composição (complexidade): (fácil/difícil de compreender?) Valoração [não/vale a pena?]
(c') Avaliação Social (uma sub-categoria de Apreciação, refere-se à avaliação positiva ou negativa de produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.)
28
GRADUAÇÃO
(a) Força Aumenta [completamente devastado] Diminui [um pouco chateado]
(b) Foco Aguça [um policial de verdade] Suaviza [cerca de quatro pessoas]
Fonte: Martin (2000)
2.3.1 A realização do Afeto
O Afeto, bem como a Apreciação e o Julgamento podem recorrer a diversas
escolhas lexicogramaticais para sua realização. A seguir, no Quadro 5, exemplos
levando em conta o Afeto:
Quadro 5: Tipos de Afeto (a) Afeto como qualidade
adjunto adnominal um menino feliz epíteto Predicativo o menino estava feliz predicativo modo do processo o menino brincava feliz circunstância
(b) Afeto como processo
comportamento Ela sorriu para ele disposição mental Ela gostou do presente relacional Ela se ficou feliz com
ele (c) Afeto como comentário
adjunto modal Felizmente, conseguimos descansar Fonte: Martin (2000)
2.3.2 A carga positiva ou negativa
Esse sistema possibilita mostrar se uma palavra ou a fase inteira carrega um
viés positivo ou negativo para o avaliador. Embora as avaliações possam ser não
marcadas ou mistas (tanto positiva ou negativa em diferentes modos), em geral um
trecho do texto comunica viés ou positivo ou negativo. A carga também fornece a
coerência interpessoal a trechos do texto – conferindo um brilho positivo ou negativo
à fase, uma em relação à outra.
Há dois modos básicos de Avaliatividade que são importantes para a
narrativa: Avaliatividade inscrita e evocada. Elas podem ocorrer separadamente ou
29
combinadas de diferentes modos dentro de uma fase do texto. A Avaliatividade
inscrita torna a atitude explícita por meio de léxico avaliativo ou de sintaxe. Ela se
introduz diretamente no texto por meio de epítetos atitudinais ou relacionais ou
adjuntos de comentário.
A Avaliatividade evocada é alcançada pelo enriquecimento do léxico de algum
tipo por meio de um ou mais trechos do texto e pode envolver uma infusão sutil de
sentimento na sequência do evento. É o que Martin (2000) chama de ‘tokens’ de
Atitude e são mais difíceis de ‘perceber’ do que as inscritas porque seu significado é
mais de transferência do que literal. A Avaliatividade evocada é importante porque é
o mecanismo primário pelo qual o texto se insinua nas atitudes do leitor.
Os leitores também são sensíveis a síndromes ou complexos de significado
atitudinal e aos modos como confirmam, opõem-se ou transformam escolhas de
palavras em outros locais do texto. Essas configurações de escolhas avaliativas
relevantes criam o que Thompson (1998) denomina ‘ressonância’ – uma harmonia
de significados que é um produto de uma combinação de escolhas não identificáveis
com qualquer outra escolha, se consideradas isoladamente, a que Lemke (1998)
chama de prosódia, e Matthiessen (1995), de logogênese, como vimos.
Com relação à logogênese ou prosódia, Macken-Horarik (2003, p. 293) fala
em "leitura relacional", e explica que essa leitura não é a mesma coisa que uma
leitura correta. Uma interpretação bem sucedida, então, depende de duas
habilidades – uma de processar as palavras do texto dinamicamente e outra de
construir a relação semântica de cada fase com outra. Numa perspectiva sinótica
(leitura do todo, resumido), de retrovisão, os leitores reconhecerão que algumas
fases confirmam, outras se opõem e ainda outras transformam o significado
avaliativo de fases anteriores.
Nesse sentido, Kitis e Milapides (1997) argumentam que uma análise
linguística minuciosa, com o emprego de todos os instrumentos que a disciplina
pode oferecer, pode revelar a ideologia subjacente ao texto. Para tanto, dizem eles,
a análise linguística não pode restringir-se a uma visão das unidades gramaticais
como sentenças isoladas, mas deve examinar a estrutura lexicogramatical como
incorporadas ao texto como um todo. Assim, o foco deve recair primeiramente nas
feições da macroestrutura bem como nas estruturas retóricas e nas relações
semânticas e pragmáticas, que contribuem para a construção de versões da
30
realidade e das ideologias, para, em seguida, proceder-se à análise na
microestrututra.
O que se enfoca nessa análise multifuncional é a preponderância de certas
suposições de natureza ideológica, que, embora não formem parte da estrutura
formal do texto, são aspectos de interpretações sub-repticiamente inseridas no
subtexto do texto.
A noção de "compreensão responsiva ativa" (MACKEN-HORARIK, 2003, p.
286) que trato, a seguir, ilumina a relação entre leitor e as referidas estruturas do
texto.
2.4 A compreensão responsiva ativa
Macken-Horarik (2003) diz que a maioria das narrativas escritas as quais os
alunos encontram nos programas de leitura das escolas tem um tipo especial de
instrucionalidade que é obrigatória sem ser abertamente moralizante. E como será
que os leitores absorvem os valores éticos que um texto transmite, mas não
especifica?
O trabalho de Mikhail Bakhtin (BAKHTIN, 1935[1981], 1953[1986]), diz a
autora, proporcionou aos teóricos literários e linguistas a consciência da
característica profundamente ‘endereçadora’ dos chamados textos monológicos.
Nessa perspectiva, os textos escritos estabelecem, por meio de significados
textuais, um diálogo virtual com os leitores, diálogo este incorporado no texto e com
o qual os leitores se relacionam conforme processam o texto.
Macken-Horarik apresenta um enquadre para investigar a ‘compreensão
responsiva ativa’ da narração, demonstrada por alunos leitores ‘bem sucedidos’. Ela
tenta mostrar como os recursos linguísticos para a construção de emoção e de ética
são dispostos de maneira específica para cocriar complexos de significados de
ordem superior, ou metarrelações, que posicionam os leitores a adotar atitudes
específicas em relação aos personagens no decorrer de um texto. Em termos
linguísticos, seu estudo apoia-se na pesquisa da semântica avaliativa feita na GSF,
a Avaliatividade.
31
Os textos constroem modelos hipotéticos de seus destinatários e do mundo
discursivo de vozes competidoras, no qual serão lidos. Eles se posicionam em
relação a interlocutores reais e possíveis e em relação ao que eles mesmos e os
outros possam dizer. Essa visão fundamentalmente dialógica do texto foi introduzida
por Bakhtin juntamente com a noção de heteroglossia: de que todas as vozes
sociais divergentes (classes, gêneros, movimentos, épocas, pontos de vista) de uma
comunidade formam um sistema intertextual, no qual cada um deles é
necessariamente ouvido. Bakhtin mostrou que as relações que os textos constroem
juntamente com essas vozes são tanto ideacionais (representativamente
semânticas) quanto axiológicas (orientadas a valores) (LEMKE, 1989, p. 39).
Na pesquisa de Macken-Horarik, há dois aspectos da axiologia textual
relevantes a uma explicação do destinatário da narrativa. Primeiro, o leitor é
convidado a uma posição de empatia - solidariedade emocional com, ou, ao menos,
compreensão das motivações de um dado personagem. Segundo, espera-se que o
leitor assuma uma postura de percepção-julgamento dos valores éticos adotados por
uma determinada personagem. A autora sugere que a narrativa ensina por meio de
dois tipos de subjetividade - intersubjetividade (a capacidade de ‘sentir com’ uma
personagem) e a supersubjetividade (a capacidade de ‘supervisionar’ uma
personagem e avaliar eticamente suas ações).
Dito isso, passo a tratar da relação que conjuga as noções a que vimos nos
referindo.
2.5 A relação entre a macroestrutura e a microestrutura
Li (2010) refere-se à abordagem de Van Dijk (1985), que relaciona a noção
macro da ideologia às noções micro dos discursos e das práticas sociais de
membros de um grupo, estabelecendo um elo entre o social e o individual, o macro e
o micro, o social e o cognitivo. A abordagem do discurso feita de Van Dijk recorre a
uma metodologia que se apoia na gramática-da-oração, no caso, a GSF, para
explicar o modo como os traços da estrutura superficial do texto comunicam
ideologias específicas e identidades de grupo no nível profundo.
Analisando a estrutura do discurso de textos, Van Dijk (1985) oferece um
32
modelo analítico de três níveis. O primeiro nível, a superestrutura, refere-se a
esquemas textuais que desempenham um papel importante na compreensão e na
produção de textos. Incluídas aí estão a estrutura temática hierarquizada dos textos,
a organização geral em termos de temas e tópicos, que envolve as formas
linguísticas concretas do texto, como as escolhas lexicais, variações sintáticas ou
fonológicas, relações semânticas entre proposições e traços retóricos e estilísticos.
Essas formas linguísticas no nível superficial implicam significados no terceiro nível,
a estrutura profunda. Aqui, o analista crítico do discurso examina, por exemplo,
posições ideológicas subjacentes expressas por certas estruturas sintáticas como as
construções passivas, ao omitir ou ao desenfatizar agentes da posição de sujeito ou
atribuir maior poder a certos indivíduos ou grupos sociais por meio de escolhas
retóricas específicas.
Com seu foco na seleção, categorização e ordenação do significado nas
microestruturas no nível da oração mais do que no macro nível do discurso, a GSF é
especialmente útil para uma análise sistemática, com enfoque nos traços linguísticos
no micro nível dos textos do discurso, fornecendo intravisões críticas na organização
dos significados no texto. Assim, apoiada no enquadre da GSF e guiada pela
abordagem de Van Dijk (1985), Li (2010) examina as propriedades textuais no texto
nos níveis da oração e da frase para explicar os significados sociais e ideológicos
envolvidos em determinadas escolhas linguísticas e retóricas.
A autora assim o faz, focalizando duas dimensões da gramática da oração:
Transitividade e seleção lexical, que correspondem aproximadamente às funções
Ideacional (Transitividade) e Textual (coesão lexical), no enquadre de Halliday
(1994). O que proponho fazer é, seguindo a trilha de Li, examinar duas questões
relacionadas à ideologia que marca o capítulo analisado: a primeira envolvendo
também a Transitividade; e a segunda, a Avaliatividade, da Metafunção Interpessoal,
ou seja, a avaliação que percorre os contos.
A seguir, o Quadro 6 resume as teorias e aponta as categorias de análise.
33
Quadro 6 - As categorias de Análise
Análise do capítulo "Na sala de aula", do conto O bife e a pipoca:
do livro Tchau, de Ligia Bojunga
A relação da microestrutura (Escolhas Lexicogramaticais) com a macroestrutura (Ideologia).
COMPREENSÃO RESPONSIVA ATIVA
Gramática Sistêmico-Funcional
Metafunção Ideacional
Metafunção Interpessoal
Transitividade Modalidade e Avaliatividade
Fonte: Souza (2013)
34
3 METODOLOGIA
3.1 Dados
Esta pesquisa analisa o capítulo intitulado "Na sala de aula", do conto “O bife e a pipoca”, que trata da amizade e da desigualdade econômico-social. O conto faz
parte do livro Tchau (2004), de Lygia Bojunga, escrito em 1984; no entanto, a
edição aqui pesquisada é de 2004, editada pela Editora Casa Lygia Bojunga, Rio de
Janeiro. A obra, com 127 páginas, apresenta ainda mais três contos: (i) “Tchau”,
que dá título ao livro; (ii) “A troca e a tarefa” e (iii) “Lá no mar”. O primeiro conto
aborda a infidelidade, os conflitos matrimoniais e o divórcio; o segundo, o fazer
literário: o processo da escrita, o quê e como escrever e a paixão do escritor pelo ato
de escrever; e o terceiro também aborda a amizade, a princípio entre o barco e o
pescador e, depois, entre o barco e o menino.
Nessa reimpressão, Tchau (2004) apresenta na capa um quadro chamado “A
Solitária”, do pintor Edvard Munch, pois, ao vê-lo pela primeira vez, a autora sentiu-
se intrigada pela semelhança entre a pintura e as personagens criadas para os
quatro contos. Além disso, como uma inovação, a nova edição apresenta uma
introdução chamada "Pra você que me lê", em que a autora, com uma linguagem
intimista, espera estreitar os laços entre o leitor e a autora, explicando o porquê das
mudanças e das escolhas.
Do livro Tchau, a minha pesquisa focará o conto: “O bife e a pipoca”, detendo-
se nos capítulo II: "Na sala de aula", que trata da amizade entre Rodrigo e Tuca. O
conto trata da desigualdade social e da morte. A desigualdade, segundo Lottermann
(2006), é uma forma de morte em vida a que está exposta uma parcela da
população impedida de viver de forma condizente com o que se considera digno
para o ser humano.
O conto “O bife e a pipoca” divide-se em dez capítulos e apresenta a
amizade entre dois garotos, Rodrigo e Tuca, como eixo principal da narrativa. No
decorrer desse relacionamento, percebem-se as diferenças econômico-sociais entre
as personagens: Rodrigo vem de uma família abastada; Tuca vem de família
desestruturada, reside numa favela, trabalha para ajudar no sustento familiar e sua
35
mãe sofre com o alcoolismo. No entanto, apesar desse antagonismo, a amizade
acontece.
Minha análise concentra-se na descrição da amizade entre Rodrigo e Tuca. O
capítulo II, "Na sala de aula", foi selecionado porque se relaciona a vivências
escolares do início do ano letivo, em que a escritora retrata o início da amizade entre
Turíbio Carlos, o Tuca, e o Rodrigo. Tuca, bolsista e morador da favela, apresenta-
se timidamente à classe durante a aula de geografia. Ao seu término, durante o
recreio, Rodrigo oferece seu sanduíche ao Tuca, quando, então, conversam sobre a
escola. Diante da dificuldade de Tuca com a matemática, Rodrigo decide ajudá-lo, e
assim, iniciam uma amizade.
3.2 Procedimentos de análise
A análise visa a responder às seguintes perguntas de pesquisa, com o apoio
da GSF: (a) como se caracteriza a Transitividade tendo em vista a ideologia que se
estabelece nesse capítulo? (b) qual é o papel da Avaliatividade nessa questão?
Para tanto, a análise será dividida em duas etapas:
3.2.1 Primeira etapa
Exame do sistema da Transitividade, da Metafunção Ideacional, que me
fornecerá as escolhas lexicogramaticas feitas pela autora para relatar por meio da
língua as experiências das personagens com o mundo que os cerca. Lembremo-nos
de que a Transitividade, interessada nas relações semânticas de poder de 'quem faz
o quê para quem', fornece a categorização de inúmeras variedades de ocorrências
em um conjunto finito de tipos de processo. Com isso, a análise da Transitividade
examina as escolhas feitas no texto referentes a estados de ser, ações, eventos e
situações referentes aos relatos do conto.
Nesta etapa, seleciono os processos Material, Mental, Comportamental,
Relacional e Verbal, classificando-os e caracterizando os participantes e
circunstâncias que compõem o sistema da Transitividade de cada processo. Essa
36
análise permite traçar o perfil de Tuca e de Rodrigo e as circunstâncias que
solidificaram a amizade entre os dois. É assim, por meio do exame detido
microestrutura linguística (LI, 2010; KITIS; MILAPIDES, 1997), que podemos
entender o porquê de o livro merecer a preferência dos seus leitores.
3.2.2 Segunda etapa
A avaliação feita pela autora, em especial nas situações que constroem a
amizade entre Tuca e Rodrigo, é feita por meio da Avaliatividade, contribuição de
Martin (2000) à Metafunção Interpessoal, de Halliday. Veremos aqui as escolhas
lexicais que denunciam a posição da autora em relação ao conteúdo Ideacional, e
que, em última instância, descortina a ideologia que perpassa o texto, e que vai ao
encontro das expectativas contidas no enquadre mental do leitor, e que se apoia na
compreensão responsiva ativa do leitor.
3.2.3 Codificação
Os termos analisados: (a) pelo sistema da Transitividade estão sublinhados;
(b) pela Avaliatividade estão negritados. A Avaliatividade (Afeto, Apreciação,
Julgamento e Avaliação Social) está marcada com (+) ou com (-) se positiva ou
negativa, respectivamente. A Graduação está assinalada com (↑) ou (↓) para força
maior ou menor, respectivamente.
Para não sobrecarregar visualmente a análise, restrinjo-me a enfocar apenas
o necessário para responder às perguntas de pesquisa.
37
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Inicio a análise do capítulo II, "Na sala de aula", examinando, na mesma
página, primeiramente, o sistema da Transitividade (indicado com a letra "T"),
referente aos processos Material, Relacional, Mental, Comportamental e Verbal e,
na linha seguinte, o sistema da Avaliatividade (indicado com a letra "A").
Quanto ao contexto situacional, cuja caracterização é exigida pela
Avaliatividade, em especial a implícita, para evitar o subjetivismo da análise, trata-se
do relato de uma situação em sala de aula, em que Turíbio Carlos, o Tuca, (bolsista
e morador da favela), apresenta-se para a sala, timidamente, durante a aula de
Geografia. Ao término da aula, no recreio, Rodrigo oferece seu sanduíche ao Tuca,
iniciando-se, então uma amizade.
4.1 Análise da Transitividade e da Avaliatividade em "Na sala de aula"
Quadro 7: Análise da Metafunção Ideacional: Transitividade e da Metafunção Interpessoal: Avaliatividade [Capítulo II “Na sala de aula”]
Cap. II – Na sala de aula
O professor de geografia perguntou: - Como é o seu nome? (T) Identificador Relacional Identificado(A) -Turíbio Carlos. (T) Identificador (A)
Discussão
Turíbio Carlos, no papel de fala de respondedor, apresenta-se à sala. - Como? - Turíbio Carlos. – [ele] levantou. E levantou também um pouco a voz: (T) Ator Material Verbal Circunstância [= falou mais alto]
38
(A) Julgamento(+) Apreciação (-)
Discussão
Turíbio Carlos é Ator, em processo Material, quando se levanta em respeito ao
professor, avaliado com Julgamento(+). Percebe-se que, tímido, falou de maneira
inaudível, o que atribui Apreciação (-) para a voz. - Mas lá em casa eles me chamam de Tuca. (T) Circunstância Dizente Receptor Verbal Verbiagem (A) Julgamento(+)
Discussão
O menino começa a vencer a timidez e completa a sua fala. No papel projetado,
Tuca é nomeado pelo apelido. - Quem sabe aqui na escola você também fica sendo Tuca? (T) Circunstância Portador Relacional Atributo (A) Julgamento(+)
Discussão
O professor, diante do comportamento tímido do menino, adota um tom afetuoso
Julgamento(+), e sugere que ele seja chamado pelo apelido como está
acostumado. O autor do papel desempenhado é "você", o que contribui para o tom
afetuoso geral. É o início da logogênese ou prosódia, a avaliação, no caso,
positiva, que se espalha pelo enunciado. E o Tuca arriscou: - Eu topo. (T) Dizente Verbal Ator Material (A) Julgamento (+) Apreciação(+) token
39
Discussão
Tuca, animado pelo tom convidativo do professor, usa uma gíria, o que de sua
parte pode significar que ele avaliou positivamente a atitude do mestre.
O professor de geografia resolveu: - Então pronto.
– E [o professor] escreveu na ficha: - Tuca. (T) Dizente Verbal Circunstância Verbiagem (A) Julgamento (+)
Discussão Em uma atitude simpática, o professor, como que adivinhando o desejo de Tuca -
de poder fazer sua escolha - resolve a situação, registrando o apelido. A turma riu: era a primeira vez que eles ouviam o Tuca falar: (T) Experienciador Mental Fenômeno (A) Julgamento(-)
Discussão
A classe ri, não do Tuca, mas do insólito, uma modalização de frequência
(HALLIDAY, 1994), que é ouvir sua voz. ele não puxava conversa, não entrava em grupo nenhum, (T) Dizente Verbal Material Circunstância(A) Julgamento(-) e na hora do recreio ficava sempre estudando. (T) Circunstância Material (A) Julgamento(+)
Discussão Do diálogo passa-se para a descrição de Tuca, sua personalidade de menino
silencioso, isolado do restante da classe, que se refugia nos estudos. Por que ele é
40
assim? Dialogará o leitor, movido pelo processo da "compreensão responsiva
ativa". Foi só a turma rir que o Tuca se encolheu de novo: (T) Comportante Comportamental Circunstância (A) Afeto(-) enterrou o cotovelo na carteira, botou a cara na mão, (T) Comportamental Comportamental (A) Afeto(-) Afeto(-) grudou o olho no caderno aberto e Comportamental Afeto(-) ficou achando que a classe tinha rido era do nome dele. (T) Mental Comportamental (A) Afeto(-) Julgamento(-) Quando a aula acabou, do o mundo saiu pro recreio, mas o Tuca nem se mexeu. (T) Comportante Comportamental (A) Afeto(-)
Discussão
Continua a descrição de Tuca. Para ele a classe não é amistosa, pois ri do seu
apelido, no seu Julgamento enviezado pela humilhação, quando ele poderia ter
rido junto com os colegas. Os Processos Materiais ("enterrou", "botou", "grudou",
"mexeu" , isto é, o que ele fez) são na realidade Processos Comportamentais, a
soma de forte estado mental de desconforto (Afeto negativo), que o faz assim agir
(Processo Material).
Os leitores, dizem Kitis e Milapides (1997), movidos por princípios humanos de
caridade são sensíveis à fraqueza e à incapacidade do outro. A descrição de Tuca,
indo ao encontro desses princípios, alojados no enquadre do leitor, inicia o
estabelecimento da ideologia do apoio ao pobre em oposição ao rico. O Rodrigo foi comprar um sanduíche e voltou pra acabar um trabalho. (T) Ator Material Meta (A) Avaliação Social(+)
41
Nem prestou atenção no Tuca, debruçou no caderno e começou a escrever. (T) Mental Fenômeno (A) Julgamento(-)
Discussão
O Tuca, sem amigos na classe, nem é percebido por Rodrigo. Note-se o contraste
entre Rodrigo, que compra um lanche e volta para classe porque quer terminar
uma tarefa, e Tuca, que lá está, não porque quer, mas porque não se sente
enturmado com a classe. Por que é assim? Há aqui um pequeno suspense, que
atiça a curiosidade do leitor. O olho do Tuca foi indo pro sanduíche. Quando chegou lá quem diz que ia embora? (T) Ator Material Meta Material Circunstância Comportamental (A) Afeto(-) Avaliação Social(-)
Discussão
Tuca vê o sanduíche e não consegue tirar seus olhos dele. Ele está com fome. A
prosódia da Avaliatividade, somando a sua timidez, seu retraimento, sua
permanente sensação de humilhação, seu deslumbramento diante do lanche do
colega, não deixa mais dúvidas: ele se sente excluído da sociedade escolar
porque não tem as condições financeiras dos seus colegas. O Rodrigo pegou o sanduíche, deu uma dentada e aí viu (T) Ator Material Meta Material Mental (A) Afeto(+) que o olho do Tuca tinha também mordido. (T) Ator Material (A) Afeto(-) Avaliação Social(-)
Discussão
Rodrigo percebe a fome de Tuca, momento em que a voz de Bojunga, por meio de uma metáfora, fisicaliza o desejo esfomeado do colega. Os olhos de Tuca
42
denunciam a carência (Afeto negativo), a insatisfação de não estar ele abocanhando o sanduíche. Já iniciou a descrição do contraste entre o rico e o pobre. A boca do Rodrigo foi mastigando. O olho do Tuca mastigou junto. (T) Ator Material (A) Avaliação Social(+) Avaliação Social(-) A boca deu outra dentada; o olho mordeu também. (T) Ator Material Meta Ator Material Circunstância (A) Avaliação Social(+) Avaliação Social(-)
Discussão
A Avaliação Social(+) para Rodrigo, que pode se deliciar com o sanduíche, e de
AvaliaçãoSocial(-) para Tuca, que só pode comer com os olhos. A metáfora reforça
o contraste em que o conto se apoia para a construção da ideologia, ou seja, o
sistema de crenças e de valores presente no enquadre mental do leitor,
representada por outra metáfora, a do rico e do pobre. Com isso, o conto espera
contar com a "'compreensão responsiva ativa" do leitor infantojuvenil, que, em
geral, tende a apiedar-se do pobre. A boca foi parando de mastigar; o olho do Tuca foi ver o que que tinha acontecido: (T) Ator Material Ator Material (A) Apreciação(-) deu de cara com o olho do Rodrigo: se assustou: (T) Material Meta Comportamental (A) Afeto(-) voltou correndo pro caderno. (T) Material Circunstância (A) Afeto(-)
Discussão Tuca está tão entretido com a cena do colega saboreando o sanduíche, que não
teve tempo de desviar o olhar da cena, sendo assim pego de surpresa. E se
refugia no caderno.
43
De repente o Rodrigo fez um ar meio distraído e estendeu o sanduíche: - Quer? (T) Comportamental Material Meta (A) Afeto(-) Julgamento(+)
Discussão
Rodrigo, também surpreso, mas sem ter muita certeza do que acontecia ("um ar
meio distraído") e nem da adequação da atitude a tomar, oferece o sanduíche ao
Tuca. O Processo Comportamental “fez” (ou seja, a soma de dois Processos:
Mental e Material), é aqui uma metáfora de Processo - um Processo substituindo
outro: o que ele fez é o resultado de seu estado mental de surpresa (Processo
Mental), e não decorrente de sua escolha (Processo Material). Diz Macken-Horarik
(2003) que a maioria das narrativas escolares envolve uma instrucionalidade, não
abertamente moralizante, por meio das quais a escola passa os valores e crenças
existentes em uma cultura. É o que acontece aqui: a atitude de Rodrigo que
estende as mãos para Tuca. O Tuca ficou sem saber o que que [ele] respondia: acabou fazendo que sim. (T) Experienciador Mental Dizente Verbal Material Meta (A) Afeto(-) Pegou o sanduíche com as duas mãos. Olhou pro pão. Cravou os dentes. (T) Material Meta Circunstância Comportamental Alcance Material Meta (A) Apreciação(+) Afeto(+)
Discussão
O trecho mostra a atitude desajeitada de Tuca, diante da atitude de Rodrigo, entre
surpreso e atencioso. Mas a fome é maior do que o momento de desconforto de
toda a situação, parecendo até que um aceno - involuntário? - de cabeça antecipa-
se a qualquer articulação verbal.
É o encontro de dois meninos que, até então, devido a circunstâncias que marcam
44
a vida de cada um deles, não tinham tido a oportunidade de se aproximarem. Tudo
indica que essa situação desencadeie no leitor a curiosidade para continuar a
leitura do conto.
- Pode comer ele todo – O Rodrigo falou. E foi só [ele] acabar de falar (T) Material Meta Dizente Verbal Dizente Verbal (A) Julgamento(+) que o sanduíche já tinha sumido [= o sanduíche foi devorado]. (T) Meta Material (A) Afeto(+)
Discussão
O tom compreensivo de Rodrigo, dando a Tuca a permissão (Modulador "pode")
de comer o que resta do sanduíche, recebe no sistema de valores do leitor, a
Avaliatividade de Julgamento(+). A avaliação de pessoas e coisas e situações é
um processo, sem dúvida, muito subjetivo e depende muito da posição de leitura,
como alerta Martin. Porém, se já temos - no caso de Tchau - a evidência de sua
boa aceitação, poder-se-ia afirmar que pelo menos o leitor infantojuvenil tende
avaliar como positiva a atitude de quem dá aos pobres.
O Rodrigo saiu da classe sem dizer nada. Voltou com mais dois sanduíches. (T) Ator Material Circunstância Circunstância Material Circunstância (A) Deu um pro Tuca. Se olharam. Comeram quietos. (T) Material Meta Beneficiário Comportamental Material Atributo (A) Julgamento(+) E pela primeira vez o Tuca falou com um colega. (T) Circunstância Dizente Verbal Receptor (A) Afeto(+)
45
Discussão
Impressionado com a voracidade do colega, e ao mesmo condoído com a cena,
Rodrigo traz mais dois sanduíches. O menino começa a perceber o significado de
diferença social. E os leitores também: ponto positivo da questão da
instrucionalidade "não abertamente moralizante" das narrativas escolares.
A fome de um e a bondade do outro são os fatores que iniciam a ligação entre
Tuca e Rodrigo. Em silêncio, comungam juntos o significado daquele momento. E
nesse clima confortável de alimento e de compreensão (Afeto+), Tuca consegue
falar com um colega. Nossa! nunca vi tanta manteiga e tanto queijo num pão só. (T) Mental Fenômeno Fenômeno Circunstância (A) Frequência Apreciação(+) Graduação(↑)
Discussão
O clima favorável do momento, faz Tuca falar de maneira espontânea, tal que suas
palavras denunciam sua condição social. Novamente, agora na comparação de
sanduíches, surge a metáfora do pobre e do rico, que reforça a ideologia presente
nos leitores. Pelo menos idealmente, todos sabem que se deve estender a mão
para os necessitados.
Começaram a conversar. Primeiro de idade: o Rodrigo tinha 11 anos e (T) Verbal Verbiagem Portador Relacional Atributo (A) Julgamento(+) o Tuca já ia fazer 14! (T) Portador Relacional Atributo (A) Modalização O Rodrigo olhou espantado pra ele: (T) Comportante Comportamental Atributo Alcance (A) Julgamento(-) token - É mesmo?! (T)
46
(A) Julgamento(-) token - [eu] Não pareço não? (T) Portador Relacional (A) Afeto(-) token
Discussão
A diferença social estampa-se agora na diferença de idade. Para Rodrigo é
surpreendente que um aluno de quatorze anos, portanto, três anos mais velho que
ele, possa ainda estar estudando na mesma série. Assim, são várias as situações
inusitadas que o menino começa a enfrentar e a tentar entender.
Talvez venha a entender que não e para todos que a chegada de certa idade
signifique entrada na escola, nem que algumas reprovações, motivadas por falta
de auxílio em casa, falta de material adequado, falta de exposição a situações
variadas de aprendizagem, falta de tantas coisas, possam impedir de um aluno
seguir o curso dos demais.
E, talvez, seja essa a lição que ele esteja começando a aprender. Tão importante
quanto os ensinamento constantes da grade curricular. E, assim, também, os
vários Rodrigos, leitores do conto. - Bom... – e o Rodrigo olhou pro pão. O Tuca era tão (T) Comportante Comportamental Alcance Portador Relacional Graduação(↑) (A) Julgamento(+) miúdo que ele até tinha pensado que os dois eram da mesma idade. (T) Atributo Experienciador Mental Portador Relacional Atributo (A) Apreciação(-) Avaliação(-) E aí falaram de estudo. (T) Verbal Verbiagem
47
Discussão
Rodrigo disfarça sua surpresa, desviando o olhar, num Processo Comportamental
(que materializa um estado mental). Mentalmente ele avalia negativamente o
tamanho e a idade avançada não condizente com sua compleição física, e é por
isso que desvia seu olhar para o pão. Passam a falar de estudo, que parece ser a
única coisa em comum entre ambos.
Sabe que eu era o 1º da classe lá na minha escola? (T) Identificado Relacional Identificador Circunstância (A) Julgamento(+) Outra vez o Rodrigo se espantou: naqueles primeiros dias de aula (T) Circunstãncia Experienciador Mental Circunstância (A) Julgamento(-) já tinha dado pra ver que o Tuca estava sempre por fora (= não entendia). (T) Mental Experienciador Fenômeno (A) Julgamento(-) - Foi por isso que eu ganhei a bolsa de estudo pr’aqui. (T) Beneficiário Material Meta Circunstância (A) Avaliação Social(+)
Discussão
A sucessão de surpresas parece interminável. Ao mesmo tempo, essa lista de
fatos que marcam a vida de Tuca vai construindo o perfil do menino, por meio da
logogênese, ou prosódia. Tuca vem de família pobre, está defasado em termos
etários de sua série escolar, sua aparência física denota falta de alimentação
condizente com sua idade, mas é esforçado dentro das possibilidades que a vida
lhe oferece. Tanto é que ele está lado a lado com Rodrigo, vindo de outra camada
social, graças a uma bolsa de estudos a que fez jus.
Tuca é merecedor dos aplausos do leitor. Alguém que faz do desafio a sua força
para tentar sair da sua condição financeira atual, por meio dos estudos.
48
O Rodrigo só disse: humm. (T) Dizente Circunstância Verbal Verbiagem (A) Julgamento(+) O Tuca meio que riu: (T) Ator Material (A) Afeto(-)
Discussão
Vemos aqui uma metáfora de Processo - um Processo usado em lugar de outro -
em que o Processo Verbal ("disse") é desencadeado por um estado mental de
Rodrigo, surpreendido por mais uma novidade. O mesmo acontece com Tuca, que
"meio que riu", não ditado por sua vontade, mas mais pelo desconforto mental de
ver a atitude de Rodrigo. - “Escola de rico” feito a gente diz. – [ele] Suspirou: o sanduíche tinha acabado. (T) Verbiagem Comportamental (A) Avaliação Social(+) Afeto(-) Mas, sabe? eu não sei como é que vai ser. (T) Experienciador Mental Atributo Relacional (A) Afeto(-)
Discussão
Animado pelo clima de aceitação de Rodrigo, Tuca demonstra o quanto receia,
levando em conta sua situação, estar em uma "escola de rico" e seus colegas, não
poder acompanhar o nível educacional do resto da classe. - O quê? - Acho que eu não vou aguentar a barra: o estudo aqui é mais adiantado, (T) Ator Material Meta Portador Circunstância Graduação(↑) Atributo(A) Julgamento(-) Apreciação(+)
49
é diferente, sei lá, eu só sei (T) Relacional Atributo Experienciador Circunstância Mental (A) Apreciação(-) que não tá dando. E o pior é isso aqui (T) Fenômeno Identificado Relacional Identificador (A) Apreciação(-) preciação(-) – olhou pro caderno e espichou um queixo desanimado: a tal da matemática. (T) Material Meta Comportamental Alcance Atributo (A) Afeto(-) Apreciação(-)
Discussão
Tuca apresenta o papel de fala de respondedor (THOMPSOM; THETELA, 1995).
Ele se abre com o Rodrigo, expondo suas admirações e suas aflições. Por que ele
age assim? O leitor posicionará em relação ao interlocutor, movido pela
‘compreensão responsiva ativa’. Processo Material ‘espichou’, isto é, o que ele fez,
é na realidade Processo Comportamental, a soma de forte estado mental de medo
e desconforto (Afeto negativo), o que faz agir assim (Processo Material). Os
leitores compartilharão da dificuldade enfrentada por Tuca, pois a matemática -
escolha feita pela autora - tem o consenso geral de se tratar da matéria mais
temida por grande maioria do alunado. - Você não fez o trabalho que a gente tem que fazer? (T) Ator Material Meta Ator Material (A) Modulação - De que jeito? eu não saco nada disso. (T) Experienciador Mental Fenômeno (A) Afeto(-)
Discussão
Ficamos sabendo que há um trabalho que os alunos devem fazer por exigência do
programa. Porém, com o conhecimento que adquiriu em sua escola anterior, Tuca
não tem condições de realizar essa tarefa. Sozinho ele não conseguirá, deverá
50
pensar o leitor. E se junta à preocupação de Tuca.
O Rodrigo olhou pro relógio: (T) Ator Material Meta (A) - Eu to quase acabando o meu. Quer que depois eu te dêuma explicação? (T) Ator Material Meta Ator Beneficiário Material (A) Julgamento(+)
Discussão
Rodrigo avalia a situação: está diante de um menino esforçado, mas marcado por
um ensino deficiente de uma escola como tantas outras existem; a tarefa, tão fácil
para ele, e tão impossível para o outro. Por que não o ajudar, se ele até já finalizou
a sua? A lição que aí está é de que o conhecimento que uma pessoa adquire não
deve ser motivo para a felicidade do outro, e não de diminuição ou de
descriminação daquele que não a tem. A cara do Tuca ficou tão contente que o Rodrigo até achou melhor fingir (T) Portador Relacional Atributo Comportante Comportamental (A) Afeto(+) / Graduação(↑) Julgamento(+) que não tinha visto: virou pro caderno e começou a escrever. (T) Mental Material Meta Material (A) Julgamento(+)
Discussão
A atitude de Rodrigo é um misto de piedade e de espanto contido em relação à
situação que está vivenciando. Sim, são muitas as diferenças que separam os dois
meninos e será necessário vencê-las para que um compreenda o outro. Um
desafio também para o leitor.
Naquele dia só deu tempo de dar uma explicação curta pro Tuca. (T)Circunstância Material Meta Beneficiário
51
(A) Julgamento(+) Mas no outro dia o Rodrigo usou a hora do recreio todinha pra explicar tudo melhor. (T) Circunstância Ator Material Meta Material Meta Meta (A) Julgamento(+) Graduação↑
Discussão
Rodrigo se desdobra para ajudar Tuca a atingir o nível de conhecimento de
matemática da classe, fato aprovado pela Atribuição de Julgamento(+) e por
Processos Materiais, que mostram sua vontade de como Ator desse Processo. Era a primeira vez que ele dava aula (=ensinar) pra alguém. E pelo jeito gostou: (T) Circunstância Ator Material Beneficiário Mental (A) Afeto(+) nem viu o tempo passando. A campanhia tocou e ele até se assustou: (T) Mental Fenômeno Comportante Comportamental (A) Afeto(+) - Já?! (T) Circunstância (A) Apreciação(+)
Discussão
Como resultado de sua boa ação, ele - talvez - esteja descobrindo sua vocação,
pois nem viu o passar das horas nessa atividade. A profissão do magistério tem
avaliação positiva no enquadre mental do povo. É uma missão.
E o Tuca falou: (T) Dizente Verbal (A) Julgamento(+) - Puxa, cara, saquei tudo que você me ensinou; (T) Mental Fenômeno Ator Beneficiário Material (A) Afeto(+)
52
acho que você vai ter que ser professor. (T) Portador Relacional Atributo (A) Probabilidade Obrigação Julgamento(+)
Discussão
Tuca mostra que está à vontade com Rodrigo, pois não se intimida em falar no seu
vocabulário do cotidiano. Esse fato mostra a importância e a força do afeto para
fazer alguém mais animado e autoconfiante, o que colabora para facilitar a
aprendizagem. E no dia seguinte lá estava o Rodrigo outra vez explicando. (T) Circunstância Ator Circunstância Material (A) Afeto(+) E o Tuca se animando: “Agora, sim, tô sacando!” (T) Experienciador Mental Circunstância Mental (A) Afeto(+) Apreciação(+)
Discussão
Tuca está feliz (Afeto positivo). A matemática, que lhe parecia impossível de ser
entendida, agora, graças à ajuda do amigo fica mais fácil. A amizade é um
sentimento - talvez o mais importante - que une duas pessoas. Esse fato coroa a
série de fatores ideológicos positivos que vinha sendo apresentado e que, parece-
nos, é o fator preponderante na atração que o livro exerce nos jovens.
4.2 Discussão Geral da Análise
A análise mostra Turíbio Carlos, o Tuca, aluno de curso Elementar, que, ao
ser chamado pelo professor, não consegue disfarçar sua timidez, falando de
maneira quase inaudível, mas levanta-se, em respeito ao professor, para dizer seu
nome. Diante disso, o professor assume uma atitude de acolhida e, ao saber que o
menino, em sua casa, é tratado por Tuca, sugere que ele assim também seja
53
chamado na escola e registra o apelido na caderneta. Inicia-se aqui uma metáfora
que perdura por todo o capítulo, que poderíamos denominar, em termos gerais, de
metáfora do rico e do pobre. A autora conta com a aprovação do leitor nessa
relação em que o mais poderoso apoia o menos poderoso. E, para tanto, espera que
no intertexto que subjaz ao texto, a força da ideologia atue positivamente na
“compreensão responsiva ativa” do leitor, que se posiciona em relação aos
personagens do conto.
Tuca se anima diante da situação e arrisca até uma gíria (“...”) que tanto
mostra que ele se sente agora à vontade, quanto pode denunciar sua condição
social. Ao ouvir a voz do menino, que nunca falara em classe, a classe ri. O riso
porém é mal interpretado pelo menino, que novamente retorna ao seu estado de
quietude. Vários Processos Comportamentais – na realidade metáforas de Processo
– que, aqui, devem ser interpretados como substitutos de Processos Materiais.
Por que ele é assim? O fato incita a curiosidade do leitor.
O Tuca, sem amigos na classe, está sozinho na classe, quando chega
Rodrigo com seu lanche para terminar uma tarefa, mas nem é percebido por este.
Note-se o contraste entre Rodrigo, que compra um lanche e volta para classe por
sua livre vontade, e Tuca, que lá está, não porque quer, mas porque não se sente
enturmado com a classe. Por que é assim? Há aqui um pequeno suspense, que
continua a atiçar a curiosidade do leitor.
Tuca está com fome. Percebe-se isso porque ele não consegue tirar seus
olhos dele. A logogênese, que faz a Avaliatividade percorrer trechos do texto,
esclarece o mistério que envolvia o comportamento de Tuca: ele se sente excluído
da sociedade escolar porque não tem as condições financeiras dos seus colegas.
Rodrigo percebe a fome de Tuca, fato que é descrito por Bojunga por meio de
belas e convincentes metáforas, que fisicalizam o desejo esfomeado de Tuca. A
Avaliação Social(+) para Rodrigo, que pode se deliciar com o sanduíche, e de
Avaliação Social(-) para Tuca, que só pode comer com os olhos. A metáfora reforça
o contraste em que o conto se apoia para a construção da ideologia, ou seja, o
sistema de crenças e de valores presente no enquadre mental do leitor,
representada por outra metáfora, a do rico e do pobre. Com isso, o conto espera
contar com a "'compreensão responsiva ativa" do leitor infantojuvenil, que, em geral,
tende a apiedar-se do pobre.
54
Rodrigo, também surpreso, mas sem ter muita certeza do que acontecia ("um
ar meio distraído") e nem da adequação da atitude a tomar, oferece o sanduíche ao
Tuca. O Processo Comportamental “fez” é aqui uma metáfora de Processo: o que
ele fez é o resultado de seu estado mental de surpresa, e não decorrente de sua
escolha. Inicia-se aqui a conscientização de Rodrigo de uma realidade talvez
desconhecida dele. Diz Macken-Horarik que a maioria das narrativas escolares
envolve uma instrucionalidade, não abertamente moralizante, por meio das quais a
escola passa os valores e crenças existentes em uma cultura. É o que acontece
aqui: a atitude de Rodrigo que estende as mãos para Tuca.
O tom compreensivo de Rodrigo, dando a Tuca a permissão (Modulador
"pode") de comer o que resta do sanduíche, recebe no sistema de valores do leitor,
a Avaliatividade de Julgamento(+). A avaliação de pessoas e coisas e situações é
um processo, sem dúvida, muito subjetivo e depende muito da posição de leitura,
como alerta Martin. Porém, se já temos - no caso de Tchau - a evidência de sua boa
aceitação, poder-se-ia afirmar que pelo menos o leitor infantojuvenil tende avaliar
como positiva a atitude de quem dá aos pobres.
Assim, Rodrigo começa a perceber o significado de diferença social. E os
leitores também. A carência de um e a compreensão relacionam Tuca e Rodrigo. É
esse clima confortável de alimento e de compreensão (Afeto+) que anima Tuca a
falar com seu colega.
Rodrigo toma conhecimento da dificuldade em aprender matemática do
colega e dispõe-se a ajudá-lo, o que conta novo ponto positivo na “compreensão
responsiva ativa” do leitor. Rodrigo entra em novo universo, e talvez seja essa a
lição que ele esteja começando a aprender. Tão importante quanto os ensinamento
da grade curricular. E, assim, também, os vários Rodrigos, leitores do conto.
A sucessão de diferenças com as quais Rodrigo entra em contato vai
construindo o perfil do menino, por meio da logogênese. Tuca vem de família pobre,
está defasado em termos etários de sua série escolar, sua aparência física denota
falta de alimentação condizente com sua idade, mas é esforçado dentro das
possibilidades que a vida lhe oferece. Tanto é que ele está lado a lado com Rodrigo,
vindo de outra camada social, graças a uma bolsa de estudos a que fez jus. Ele
merece a aprovação do leitor.
55
Os leitores, dizem Kitis e Milapides (1997), movidos por princípios humanos
de caridade são sensíveis à fraqueza e à incapacidade do outro. A descrição de
Tuca, indo ao encontro desses princípios, alojados no enquadre mental do leitor, que
constitui a ideologia do apoio ao fraco em oposição ao forte.
Ficamos, então, sabendo que há um trabalho que os alunos devem fazer por
exigência do programa. Porém, com o conhecimento que adquiriu em sua escola
anterior, Tuca não tem condições de realizar essa tarefa. Sozinho ele não
conseguirá, deverá pensar o leitor. E se junta à preocupação de Tuca. Rodrigo se
desdobra para ajudar Tuca a atingir o nível de conhecimento de matemática da
classe, fato aprovado pela Atribuição de Julgamento(+) e por Processos Materiais,
que mostram sua vontade de como Ator desse Processo.
Como resultado de sua boa ação, ele - talvez - esteja descobrindo sua
vocação, pois nem viu o passar das horas nessa atividade. A profissão do
magistério tem avaliação positiva no enquadre mental do povo. É uma missão.
56
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do capítulo “Na sala de aula“ orientou-se pelas perguntas de
pesquisa: (a) como se caracteriza a Transitividade tendo em vista a ideologia que se
estabelece nesse capítulo? (b) qual é o papel da Avaliatividade nessa questão?
A análise mostrou que o exame detido das escolhas lexicogramaticais de um
texto, pode relacionar a microestrutura linguística aos elementos presentes na
macroestrutura, como a ideologia e o intertexto.
Iniciamos esta pesquisa interessadas no motivo que leva o conto Tchau, de
Bojunga, a ter a boa aceitação que tem por parte do leitorado infantojuvenil. A autora
alterna momentos que suscitam a curiosidade dos jovens leitores, apoiada na
ideologia presente no enquadre mental dessa faixa etária, trazendo no intertexto a
metáfora do forte e do fraco.
A análise da microestrutura examinou a metafunção Ideacional, tratando do
sistema da Transtividade, com enfoque dos Processos, Participantes e
Circunstâncias presentes no conto. A seguir, os mesmos trechos foram analisados
por meio dos recursos da Avaliativdade e da Modalidade.
Os resultados mostram que pelo sistema da Transitividade pode-se entender
a realidade que cerca a vida dos dois personagens, Tuca e Rodrigo, além de permitir
traçar o perfil de cada um deles. Nessa tarefa, a Avaliatividade mostra o
posicionamento dos personagens e também da autora, Bojunga, nas diversas
situações por que passam durante o conto. Rodrigo é o menino rico, que graças às
boas escolas que frequentou pode ajudar seu colega, o Tuca, de origem humilde,
mas muito esforçado, merecedor de uma bolsa de estudos.
A metáfora do rico e do pobre, ou do forte e do fraco, permeia o conto, e vai
ao encontro das expectativas dos leitores quando mostra a bondade do rico que
estende a mão ao pobre. Essa ideologia, já presente ou transmitida pelo conto, além
de outros elementos que povoam a intertextualidade subjacente ao conto, tais como,
o linguajar jovem, a sala de aula com um professor camarada, o sanduíche,
atribuem fascínio ao relato, e atraem o leitor.
A pesquisa, que me fez entrar em contato com muitas novidades na área dos
estudos da língua teve efeito muito positivo em minhas aulas, pois aos poucos,
57
conforme eu conseguia assimilar os novos conhecimentos, pude explicar melhor e
assim enriquecer as informações que passava para meus alunos.
Sei que deve haver falhas, em especial na análise da avaliação, que é
sempre muito subjetiva, e sei que ainda estou aprendendo até nas últimas linhas
desta pesquisa. Mas espero que esta pesquisa possa ser útil para os estudantes de
linguística.
58
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ANEXOS
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ANEXO A – CAPÍTULO II “NA SALA DE AULA” O professor de geografia perguntou: - Como é o seu nome? -Turíbio Carlos. - Como? - Turíbio Carlos. – levantou. E levantou também um pouco a voz: - Mas lá em casa eles me chamam de Tuca. - Quem sabe aqui na escola você também fica sendo Tuca? E o Tuca arriscou: - Eu topo. O professor de geografia resolveu: - Então pronto. – E escreveu na ficha: - Tuca. A turma riu: era a primeira vez que eles ouviam o Tuca falar: ele não puxava conversa,não entrava em grupo nenhum, e na hora do recreio ficava sempre estudando. Foi só a turma rir que o Tuca se encolheu de novo: enterrou o cotovelo na carteira, botoua cara na mão, grudou o olho no caderno aberto e ficou achando que a classe tinha rido era do nome dele. Quando a aula acabou, todo o mundo saiu pro recreio, mas o Tuca nem se mexeu. O Rodrigo foi comprar um sanduíche e voltou pra acabar um trabalho. Nem prestou atenção no Tuca; debruçou no caderno e começou a escrever. O olho do Tuca foi indo pro sanduíche. Quando chegou lá: quem diz que ia embora? O Rodrigo pegou o sanduíche, deu uma dentada e aí viu que o olho do Tuca tinha também mordido o pão. A boca do Rodrigo foi mastigando. O olho do Tuca mastigou junto. A boca deu outra dentada; olho mordeu também. A boca foi parando de mastigar; o olho do Tuca foi ver o que que tinha acontecido: deu de cara com o olho do Rodrigo: se assustou: voltou correndo pro caderno. De repente o Rodrigo fez um ar meio distraído e estendeu o sanduíche: _ Quer? O Tuca ficou sem saber o que que respondia; acabou fazendo que sim. Pegou o sanduíche com as duas mãos. Olhou pro pão. Cravou o dente. - Pode comer ele todo – o Rodrigo falou. E foi só acabar de falar que o sanduíche já tinha sumido. O Rodrigo saiu da classe sem dizer nada. Voltou com mais dois sanduíches. Deu pro Tuca. Se olharam. Comeram quietos. E pela primeira vez o Tuca falou com um colega: - Nossa! nunca vi tanta manteiga e tanto queijo num pão só. Começaram a conversar. Primeiro de idade: o Rodrigo tinha 11 anos e oTuca já ia fazer 14! O Rodrigo olhou espantado pra ele: -É mesmo?! - Não pareço não? - Bom... – e o Rodrigo olhou pro pão. O Tuca era tão miúdo que ele até tinha pensado que os dois eram da mesma idade. E aí falaram de estudos. - Sabe que eu era o 1º da classe lá na minha escola? Outra vez o Rodrigo se espantou: naqueles primeiros dias de aula já tinha dado pra ver que o Tuca estava sempre por fora. - Foi por isso que eu ganhei a bolsa de estudo pr’aqui. O Rodrigo só disse: humm. O Tuca meio que riu: - “Escola de rico” feito a gente diz. – Suspirou: o sanduíche tinha acabado. – Mas, sabe? Eu não sei como é que vai ser. - O quê? - Acho que eu não vou aguentar a barra: o estudo aqui é mais adiantado, é diferente,sei lá, eu só sei que não tá dando. E o pior é isso aqui – olhou pro caderno e espichou um queixo desanimado: a tal da matemática. - Você não fez o trabalho que a gente tem que fazer? _ De quer jeito? eu nãos saco nada disso. O Rodrigo olhou pro relógio: - Eu tô quase acabando o meu. Quer que depois eu te dê uma explicação?
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A cara do Tuca ficou tão contente que o Rodrigo até achou melhor fingir que não tinha visto: virou pro caderno e começou a escrever. Naquele dia só deu tempo de dar uma explicação curta pro Tuca. Mas no outro dia o Rodrigo usou a hora do recreio todinha pra explicar tudo melhor. Era a primeira vez que ele dava aula pra alguém. E pelo jeito gostou: nem viu o tempo passando. A campainha tocou e ele até se assustou: - Já ?! E o Tuca falou: - Puxa, cara, saquei tudo que você me ensinou; acho que você vai ter que ser professor E no dia seguinte lá estava o Rodrigo outra vez explicando. E o Tuca se animando: “Agora , sim, tô sacando!”
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ANEXO B – DEPOIMENTOS DOS ALUNOS
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