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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUCSP MERILYN ESCOBAR DE OLIVEIRA A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA POLÍTICA NOS EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE S.PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II (2003-2010) SÃO PAULO 2017

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUCSP

MERILYN ESCOBAR DE OLIVEIRA

A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA POLÍTICA NOS

EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE

S.PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II (2003-2010)

SÃO PAULO

2017

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUCSP

MERILYN ESCOBAR DE OLIVEIRA

A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA POLÍTICA NOS

EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE

S. PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II (2003-2010)

SÃO PAULO

2017

Tese apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados

em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo – PUC/SP como parte das exigências para

obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

Orientadora: Profª Drª Vera Lucia Michalany Chaia

Área de Concentração: Ciência Política

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MERILYN ESCOBAR DE OLIVEIRA

A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA POLÍTICA NOS

EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O ESTADO DE

S. PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II (2003-2010)

Banca Examinadora

____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Vera Lucia Michalany Chaia

Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR

____________________________________________

Prof. Dr. Fernando Azevedo

Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR

____________________________________________

Prof. Dr. Francisco Fonseca

Fundação Getúlio Vargas –FGV

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

____________________________________________

Prof.ª Drª Rachel Meneguello

Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

____________________________________________

Profª Dr.ª Rosemary Segurado

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESPSP

____________________________________________

Profª Dr.ª Roseli Martins Coelho

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESPSP

Tese apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados

em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo – PUC/SP como parte das exigências para

obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

Área de Concentração: Ciência Política

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas contribuíram direta e indiretamente durante a execução desta pesquisa.

Agradeço carinhosamente a minha orientadora e companheira dessa jornada Vera Chaia

pela paciência, parceria, dedicação e amorosidade. Aos professores Fernando Azevedo e

Francisco Fonseca por iluminarem os pontos problemáticos e pelas sugestões durante a

qualificação. Meus agradecimentos a CAPES – mantenedora da bolsa que possibilitou

essa execução – e a PUC-SP onde essa pesquisa foi realizada, desenvolvida e concluída.

Muitas histórias foram construídas durante o período de estudos e muitas amizades

feitas . Agradeço ao companheirismo dos colegas do Núcleo de Estudo em Arte, mídia e

política (NEAMP), a Katia e ao Rafael que tanto alegram e auxiliam os alunos e

professores do Programa de Ciências Sociais, em especial aos professores Miguel Chaia

e Lúcia Bógus, pela motivação e entusiasmo. Agradeço a Karen Marcelja pela

companhia e lealdade nas viagens, nos seminários e na vida. Sou grata a Roseli Coelho,

professora de graduação na Sociologia e Política, sempre muito generosa, que me

ajudou a refletir sobre o tema e auxiliou na estruturação deste trabalho. Obrigada a

minha mãe querida Maria do Carmo, pelo apoio, paciência e amor sem limites. A todos

os amigos que estiveram presentes e me fortaleceram durante todo o processo: a Yara

Andrade, Yara Reis e Lilian Muneiro. Agradeço também a ajuda do Paulo na revisão.

Sou grata a Deus e a espiritualidade amiga que me fortalece a cada dia.

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RESUMO

O debate sobre a crise dos partidos políticos, instituições e democracia permaneceu na

agenda de estudos da ciência política contemporânea, durante todo o século passado.

Nas últimas décadas, o aumento da percepção sobre a frágil representação política, o

sentimento antipartidário e a desconfiança nas instituições foram os assuntos que

alimentaram a pauta dos meios de comunicação, do cenário político e da vida social. As

denúncias de irregularidades, corrupção, fraudes, privilégios dos políticos e partidos

tornaram-se frequentes nos noticiários brasileiros. E é neste cenário da política nacional,

que surge o tema da reforma política como um “remédio” para todos os males do

sistema eleitoral de nosso país. Por ocasião da crise política, de 2005 e 2006, que

atingiu o Partido dos Trabalhadores (PT) na legislatura do ex-presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, sobre a existência de um “caixa dois” (financiamento ilegal), e do

pagamento em troca de apoio político (“mensalão”), vieram à tona falhas já cristalizadas

no sistema político brasileiro. Como pano fundo, evidenciou-se a fragilidade da

legislação sobre as contribuições partidárias, a fragmentação no Congresso Nacional e

os debates acalorados sobre o combate à corrupção no governo.

O presente trabalho analisa os editoriais dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.

Paulo no período entre 2003 a 2010 que corresponde à gestão petista no Governo

Federal; nossa intenção foi compreender como se deu a abordagem, o enquadramento

(framing) e a construção do discurso sobre a reforma política em debate no Congresso

Nacional, na ocasião das atividades da Comissão Especial da Reforma Política e da

Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ).

Palavras-chave: Sistema político; reforma política; editorial; enquadramento; governo

Lula.

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ABSTRACT

The debate on the crisis of political parties, institutions and democracy remained on the

agenda of contemporary political science studies throughout the last century. In the last

decades, the perception of fragile political representation, anti-party sentiment and

distrust in the institutions has been the subject matter of the media, the political scene

and social life. The reports of irregularities, corruption, fraud, privileges of politicians

and parties became frequent in the Brazilian news. And it is in this scenario of national

politics that the theme of political reform emerges as a "remedy" for all the evils of our

country's electoral system. On the occasion of the political crisis of 2005 and 2006,

which reached the Partido dos Trabalhadores (PT) in the legislature of former President

Luiz Inacio Lula da Silva, on the existence of a "caixa dois" (illegal financing), and

Exchange of political support ("mensalão"), flaws already crystallized in the Brazilian

political system. The fragility of the legislation on party contributions, the

fragmentation in the National Congress and the heated debates on the fight against

corruption in government were highlighted. The present work analyzes the editorials of

the newspapers Folha de S. Paulo and O Estado de S. Paulo in the period between 2003

and 2010, that corresponds to the PT management in the Federal Government; our

intention was to understand how the approach, the framing and the construction of the

discourse on the political reform in debate in the National Congress, during the

activities of the Special Commission of Political Reform and the Commission of

Constitution Justice and Citizenship (CCJ).

Keywords: Political system; political reform; editorial; framework; Government Lula.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

CAPÍTULO 1 – CRISE DAS DEMOCRACIAS CONTEMPORÂNEAS:

PARTIDOS POLÍTICOS E ELEIÇÕES NO BRASIL 25

1.1 - Partidos políticos e a teoria democrática 37

CAPÍTULO 2 – DA REDEMOCRATIZAÇÃO AOS GOVERNOS LULA I E II:

O DEBATE E A AGENDA DA REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO

BRASILEIRO 52

2.1- Agenda da reforma política (1993-2003) 60

2.2 - Agenda da reforma política – governo Lula (2003-2010) 63

CAPÍTULO 3 – A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA

POLÍTICA NOS EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O

ESTADO E S.PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II 75

3.1 - A construção do discurso político nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e O

Estado de S.Paulo (2003-2010) 89

3.1.2 - Conjuntura política – governo Lula (2003-2006) 91

3.1.3 Os enquadramentos sobre a reforma política nos editoriais (2003-2006)

96

3.1.4. - Conjuntura política – governo Lula (2007-2010) 112

3.1.5. - Os enquadramentos sobre a reforma política nos editoriais (2007-2010)

116

CONSIDERAÇÕES FINAIS 137

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 141

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LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS e TABELAS

Quadro 1 - Sumário da agenda da reforma política no Brasil (1993-2003)

Tabela 1 - Composição da bancada da Eleição de 2002 para deputado federal.

Tabela 2 - Composição da bancada da Eleição de 2006 para deputado federal.

Gráfico 1 – A reforma política nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e o Estado de

S.Paulo (2003-2010)

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LISTA DE SIGLAS

ALN Aliança Libertadora Nacional

ARENA Aliança Nacional Renovadora

BC Banco Central do Brasil

BID Banco Internacional de Desenvolvimento

BIRD Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CCJ Comissão de Constituição e Justiça

CGU Corregedoria Geral da União

CNI Confederação Nacional da Indústria

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira

CUT Central Única dos Trabalhadores

DEM Democratas

EBC Empresa Brasil de Comunicação

FHC Fernando Henrique Cardoso

FIES Financiamento estudantil

FIESP Federação das Indústrias de São Paulo

FMI Fundo Monetário Internacional

FNDC Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços

IRB Instituto de Resseguros do Brasil

IURD Igreja Universal do Reino de Deus

MDB Movimento Democrático Social

MEC Ministério da Educação

Mercosul Mercado Comum Sul

MP Medida Provisória

MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

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PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PCB Partido Comunista Brasileiro

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PCO Partido da Causa Operária

PDB Partido Democrático Brasileiro

PDP Política de Desenvolvimento Produtivo

PDS Partido Democrático Social

PDT Partido Democrático Trabalhista

PEC Proposta de Emenda Constitucional

PFL Partido da Frente Liberal

PGR Procuradoria Geral da República

PGU Procuradoria Geral da União

PIB Produto Interno Bruto

PL Partido Liberal

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMN Partido da Mobilização Nacional

PNAS Politica Nacional de Assistencia Social

PP Partido Progressista

PPP Parceria Público-Privada

PPS Partido Popular Socialista

PR Partido da República

PRB Partido Republicano Brasileiro

PRONA Partido de Reedificação da Ordem Nacional

ProUni Programa Universidade para Todos

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSD Partido Social Democrata Alemão

PSDC Partido Social Democrata Cristão

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unidos

PT Partidos dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PTC Partido Trabalhista Cristão

PV Partido Verde

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STF Supremo Tribunal Federal

SUAS Sistema Único de Assistência Social

TCU Tribunal de Contas da União

TRT Tribunal Regional do Trabalho

TSE Tribunal Superior Eleitoral

UNE União Nacional dos Estudantes

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INTRODUÇÃO

Desde seu surgimento, os meios de comunicação exercem um papel importante

na vida social, sobretudo, na crítica aos governos, na denúncia dos abusos do poder, na

luta pela democracia e pela liberdade de expressão. Ao longo do século XX, o

desenvolvimento e aperfeiçoamento desses meios transformaram o jogo político,

tornando mais próximo o contato dos cidadãos com as questões públicas, com as

lideranças políticas e com as atividades das instituições dando visibilidade ao cotidiano

da vida política.

A compreensão da relação entre os meios de comunicação e a política nas

sociedades contemporâneas tornou-se o cerne para o entendimento da democracia, uma

vez que os meios de comunicação tornaram-se os provedores de informação no processo

político, funcionando na maioria das vezes, como espaço de debates, auxiliando na

formação da opinião pública e no agendamento da notícia, entre os diferentes veículos

de comunicação.

Diversos estudos sobre a interface comunicação e política estão sendo

produzidos no Brasil, sobretudo análises das disputas eleitorais, essas ganharam

destaque nas pesquisas acadêmicas, após a abertura democrática do país e das eleições

de 1989, como se pode verificar, nas investigações consultadas (MUNDIM 2012;

LIMA, 2007; RUBIM, 2002; MIGUEL, 2000; BRAGA, PORTO & FAUSTO NETO,

1995; MATOS 1994).

A produção na área de comunicação e política, segundo levantamento realizado

por Antônio Rubim e Fernando Azevedo (1998), coincide com essa nova etapa do

processo democrático no Brasil. As campanhas eleitorais ganharam maior importância e

a televisão se converteu na principal fonte de informações e notícias sobre a política,

sendo esse o motivo de tantos estudos priorizarem o papel desse meio na formação da

opinião pública (CHAIA, 2007).

A democracia, centrada nos meios de comunicação, é um tema que já estava em

debate nos Estados Unidos. Segundo David Swanson (1995), os efeitos da influência da

televisão na maneira de se conduzir as campanhas políticas e, posteriormente, na forma

com que políticos e instituições se relacionam com a produção das notícias já eram

visíveis desde os anos cinquenta.

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Por outro lado, a experiência, de muitos países democráticos, tem demonstrado

que a cultura, presente nos meios de comunicação, tende a abordar o universo da

política, a partir de determinados enfoques direcionados pela audiência da notícia.

Nesse sentido, verifica-se o interesse dos diversos veículos de comunicação na

abordagem de denúncias, de fraudes, de irregularidades e de desvios de verbas públicas.

Temática tratada pelos pesquisadores tomando por base da teoria dos “escândalos

políticos midiáticos” sugerida por John Thompson (2002), ao tratar da visibilidade de

casos de corrupção e de vazamento de informações e de documentos públicos nos meios

de comunicação, fazem parte dessas análises (AZEVEDO, 2010; LIMA, 2007;

MIGUEL & COUTINHO, 2007; CHAIA & TEIXEIRA, 2001).

Estudos sobre o comportamento das diferentes mídias no tocante a abordagem,

ao enquadramento, ao agendamento, a construção da imagem e da opinião pública,

também tem sido frequentes, na produção acadêmica brasileira (MAIA, 2008; PORTO,

2004; ALDÉ, 2004; ALMEIDA, 1999). Cabe destacar que o tema comunicação e

política é constantemente retomado em congressos, seminários, artigos, dissertações de

mestrado e teses de doutorado.

Estudos sobre o comportamento das diferentes mídias no tocante a abordagem,

enquadramento, agendamento, construção da imagem e opinião pública também tem

sido frequentes na produção acadêmica brasileira (MAIA, 2008; PORTO, 2004; ALDÉ,

2004; ALMEIDA, 1999). Cabe destacar a intensa produção da temática comunicação e

política em congressos, seminários, artigos, dissertações de mestrado e teses de

doutorado.

As investigações sobre as relações entre os meios de comunicação de massa e as

instituições políticas tem despertado interesse de estudiosos da Ciência Política, como

será mostrado adiante. Sabe-se que o Congresso Nacional é o centro dos debates, das

decisões e das atividades políticas, que afetam a vida de todos os cidadãos, tomar

conhecimento das atividades parlamentares é importante não apenas para os atores

políticos, mas principalmente para os milhares de brasileiros, que na maioria das vezes

desconhecem os procedimentos legislativos.

A visibilidade do processo político, a dinâmica das atividades dos parlamentares

e o funcionamento das instituições são apresentados aos cidadãos por intermédio dos

meios de comunicação de massa: revistas semanais, telejornais diários, programas de

rádio, jornais impressos, notícias publicadas nos portais da internet além dos blogs e das

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redes sociais. Desse modo, torna-se relevante examinar como os meios de comunicação

realizam a cobertura da notícia no interior das instituições políticas.

Convém mencionar alguns estudos já realizados na área. O cientista político

Timothy Cook foi um dos pioneiros na análise das relações entre a imprensa e as

atividades dos parlamentares no Congresso estadunidense. Em 1989, o pesquisador

publicou o livro “Making Laws & Making News”. Nesse trabalho ele observou como

os jornalistas e os políticos influenciam no agendamento da notícia de forma mútua,

funcionando como um processo de retroalimentação, no qual um não vive sem o outro

na busca por visibilidade e audiência. O foco de sua pesquisa concentrou-se nas

estratégias adotadas por ambos os atores diante dos imperativos da mídia.

No tocante a cobertura das instituições políticas no Brasil, destaca-se a

dissertação de mestrado de Malena Rodrigues (1997), que sob a perspectiva do modelo

do agenda-setting, analisou como a imprensa pautou a agenda do Congresso Nacional

no ano de 1996, destacando o funcionamento interno da casa, o papel dos assessores de

imprensa e da relação de bastidores entre parlamentares e jornalistas como fontes de

informação, e também como produtores da notícia.

A forma como o Congresso Nacional é apresentado nos jornais e revistas

semanais comparados com os resultados das pesquisas de opinião foi o tema da tese de

doutorado de Ana Lucia Novelli (1999). Essa relação foi analisada entre os anos de

1995 e 1998 no contexto da 50ª Legislatura do Congresso Nacional - período que

transcorreu sob normalidade política, desde o início da redemocratização, após a

constituinte de 1988 e o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello – e

investigou os processos de construção e percepção da imagem do Congresso Nacional a

partir da imprensa.

A contribuição da pesquisa de doutorado de Vladimyr Jorge (2003) sobre a

cobertura jornalística do Congresso Nacional entre 1985 e 1990, foi realizada a partir

dos principais jornais nacionais (Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo e

JB). Jorge apresentou, em dados quantitativos, o padrão, a frequência e a preferência

dos jornais na cobertura de determinados temas referentes às atividades dos

parlamentares. Examinou as estratégias de produção-recepção da notícia; o valor-

notícia; o funcionamento das atividades internas da instituição (o plenário, as comissões

e as subcomissões); o comportamento político dos parlamentares e dos partidos nas

atividades, o destaque e a visibilidade que ganharam na cobertura de temas específicos

do Congresso.

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A imagem do Senado nos editoriais da Folha de S. Paulo e de O Estado de

S.Paulo (entre janeiro de 2003 e outubro de 2004) foi tema da pesquisa de Fernando

Azevedo e Vera Chaia (2008), que avaliou como os jornais opinaram sobre questões

relativas às atividades dos membros do Congresso. Verificou-se que as lideranças

políticas foram mais frequentes nos editoriais, e que, na maioria das vezes foram

associadas a uma imagem negativa de sua atuação, nas atividades parlamentares, o que

reforçou a avaliação negativa do próprio Congresso.

Resultado semelhante é apontado por Camila Pessoa (2016), em dissertação

sobre a imagem pública do Congresso Nacional construída nos editoriais dos jornais O

Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, entre 2011 e 2013. Os resultados apontam que

há uma cobertura predominantemente crítica e negativa, em relação às instituições e

seus atores, o que evidencia também a tensão entre interesse do público e a agenda

jornalística.

As pesquisas mencionadas destacaram o papel que a mídia impressa, em

especial os jornais, tem na formação da opinião pública negativa do Congresso Nacional

e de seus membros. O valor-notícia atribuído aos acontecimentos ganharam importância

e visibilidade, segundo o critério de audiência (notícias que atraem interesse do

público), como temas polêmicos, comentários críticos, cobranças e denúncias de

irregularidades.

Vale lembrar que esse tipo de notícia encontra respaldo na ideia da mídia como

“cão-de-guarda”, como defensora da ética, da democracia e da transparência dos

negócios públicos, mas que, por outro lado, esse comportamento contribui para a

construção da imagem negativa dos políticos e das instituições políticas,

consequentemente gerando apatia e rejeição às questões públicas.

A falta de credibilidade gerada e suas relações com a atuação dos meios de

comunicação, foram abordadas por Mauro Porto (1996). O autor observou que a

tendência do jornalismo de denúncia e investigação, sobretudo após casos emblemáticos

de política brasileira, como o caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello e a CPI

do Orçamento, contribuiu para disseminar a desconfiança e a rejeição à política e suas

instituições, trazendo obstáculos à legitimidade do próprio regime democrático.

Segundo Porto (1996:55), as instituições políticas e seus membros são

apresentados nos meios de comunicação de forma negativa e desqualificada. Quando se

trata do Congresso Nacional, a “cobertura essencialmente negativa não faz uma

distinção entre o desempenho medíocre de alguns membros destas instituições e a

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importância das mesmas para o regime democrático”, fato que impede um maior

esclarecimento à sociedade sobre o processo, o funcionamento do Poder Legislativo, da

legitimidade da democracia, além de produzir generalizações à instituição como um

todo.

A produção e circulação de informações, segundo Bernard Manin (1997), está

ligada à formação da opinião pública e afetam o que pensam os diversos públicos, no

entanto, há que se diferenciar a qualidade da informação em jogo. No caso da cobertura

das instituições políticas, faltam informações e detalhes sobre a dinâmica e

funcionamento das atividades parlamentares, que perdem espaço para a grande

diversidade de notícias sobre temas polêmicos, como irregularidades, embates políticos

e outras notícias dos bastidores; o que alimenta as manifestações de descrédito dos

cidadãos em relação às principais instituições do governo.

A percepção que se tem, quando se considera os noticiários televisivos e

impressos, é que os políticos e seus partidos vivem num frequente jogo de interesses em

busca de benesses políticas e pessoais; enquanto que órgãos públicos são representados

como o espaço dos vícios, da corrupção, dos esquemas, das fraudes e da ineficiência de

sua atuação.

É no contexto dessa representação do cenário político nacional que surge a pauta

da reforma política como um “remédio” para todos os males do sistema eleitoral do

país. O tema da reforma sempre esteve presente na agenda dos meios de comunicação e

na agenda pública, quando o assunto é política. Paradoxalmente assim tratado pelos

jornais, como a solução e também como símbolo da letargia das instituições públicas.

Foi por ocasião da crise política, instalada na primeira legislatura do ex-

presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ˗ período que se inicia em 2003 e termina em

2006, a denúncia do então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), ao jornal

Folha de S.Paulo em 2005 ˗ sobre o pagamento de mesadas a deputados de outros

partidos, em troca de apoio nos projetos de interesse do Poder Executivo ˗ que os

debates sobre a reforma do sistema político tornaram-se cada vez mais frequentes na

cobertura jornalística, se estendendo até a segunda gestão petista.

Segundo o “Relatório de Análise da Mídia” (elaborado pela equipe técnica do

Senado) com análises da cobertura do Senado e do Congresso Nacional no mês de

janeiro de 2011, o tema da reforma política chegou a liderar o ranking dos assuntos na

cobertura jornalística nos anos de 2006-2007.

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Vale lembrar que o debate sobre a reforma foi acionada por dois fatores

principais: o financiamento das campanhas eleitorais e a dificuldade em assegurar o

apoio legislativo no Congresso. Os escândalos que arrebataram o PT em 2005 e 2006,

sobre a existência de um “caixa dois” (financiamento ilegal) e do pagamento em troca

de apoio político (“mensalão”), trouxeram à tona falhas já cristalizadas no sistema

político brasileiro. Como pano fundo evidenciou-se a fragilidade da legislação sobre as

contribuições partidárias, a fragmentação no Congresso e os debates acalorados sobre o

combate à corrupção no governo.

As alianças políticas foram tema recorrente na cobertura jornalística desse

período, visto que, aos olhos dos jornalistas esse foi outro grande dilema da gestão

petista. Sob o argumento da boa governabilidade, os jornais mencionavam essa

estratégia como o instrumento fundamental de garantia de boa relação entre Executivo e

Legislativo, capaz de assegurar uma gestão sem entraves, contratempos ou crises

políticas.

O presente trabalho analisa os editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e O

Estado de S.Paulo no período entre 2003 a 2010, que corresponde à gestão petista no

governo federal; a intenção foi compreender como se deu a abordagem e o

enquadramento, sobre reforma política em debate no Congresso Nacional, na ocasião

das atividades da Comissão Especial da Reforma Política e da Comissão de

Constituição Justiça e Cidadania (CCJ), quando se discutiu o tema referente à reforma

do sistema político brasileiro.

A proposta de reforma política ˗ que na verdade trata-se de uma reforma eleitoral

pretende resolver os problemas já abordados pela literatura especifica, acerca do sistema

político partidário brasileiro, isto é, a latente fragmentação desse sistema, que torna

obscura a relação entre representação política, a identidade partidária e a inteligibilidade

do sistema ao eleitorado. Os principais pontos da reforma política tratam do

financiamento público de campanha, do voto em listas fechadas, do fim das coligações

em eleições proporcionais e da fidelidade partidária.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, vários temas fizeram parte da

agenda pública da reforma política. No início dos anos 90, discutiam-se questões mais

amplas na organização das instituições políticas, como foi previsto no plebiscito sobre o

parlamentarismo no país. Ao longo desse período, novos pontos ganharam destaque no

debate, como a reorganização das regras do sistema político, visando mais participação

da sociedade e transparência nas contas dos partidos políticos.

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Centenas de proposições legislativas, relacionadas ao tema da reforma, foram

apresentadas no período entre 1989 e 2010, sendo que a maioria delas foram iniciativas

de deputados ou senadores. Não há dúvidas que, a reforma política, apesar de fazer

parte da agenda pública encontra dificuldades para ser implementada. As propostas de

melhoria e de qualidade do sistema político brasileiro vão além dos temas tratados ˗

como a introdução do sistema distrital misto; a representação proporcional; o voto

facultativo; a fidelidade partidária; a proibição das coligações para as eleições

proporcionais, entre outros, ˗ todavia, nenhuma das propostas avançou nos governos

pós-constituinte.

Durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi instituído

a Comissão Especial da Reforma Política, que encaminhou, no final do ano de 2003, à

Comissão de Constituição e Justiça, o projeto de lei 2.679, que propunha: a adoção do

sistema de listas fechadas; a proibição de coligações para as eleições proporcionais; a

criação de federações partidárias com duração de três anos após a posse; a instituição da

cláusula de barreira de 2% dos votos válidos e o financiamento público das campanhas

eleitorais. No entanto, em 2005 a proposta não foi aprovada. Somente questões

pontuais, como a questão do financiamento eleitoral foram novamente colocadas em

debate e aprovadas no ano seguinte, devido à crise política governo petista e ao anseio

da opinião pública.

O grande desafio para a implementação da reforma política, aparentemente

reside no fato de que ela nunca esteve como prioridade, na agenda dos governos após a

abertura democrática; além disso, os conflitos e os dissensos, em torno das propostas,

sempre foram um obstáculo para os partidos e suas coalizões, como se pode constatar na

cobertura jornalística.

Quando o assunto é a reforma política, percebe-se a preferência dos jornalistas

pela publicação dos impasses entre os partidos. Com pequenas notas e entrevistas dos

bastidores, a atividade no interior das comissões é substituída pelos conflitos, pelas

opiniões e pelas acusações dos parlamentares e de seus partidos; menções a eventos e a

seminários, promovidos por outras instituições interessadas no debate da reforma.

Quando são apresentadas as informações e os esclarecimentos “didáticos” ao leitor,

recorre-se aos cientistas políticos e ao recurso das ilustrações, por ser um tema

considerado técnico, difícil e de pouco interesse para o leitor.

De acordo com Swanson (1995:14), para entender esse fato, tomamos em conta

que os jornalistas, com frequência, selecionam e constroem as notícias, sobre o governo

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e os políticos, de forma que esses possam parecer mais interessantes, para ganhar a

audiência do público. Sendo que os recursos mais utilizados são: enfatizar dramas e

conflitos; concentrar-se em acontecimentos concretos e não em ideias abstratas;

personalizar a política, apresentando pessoas no lugar das instituições, ideias e forças

impessoais, que são difíceis de visualizar; e, por fim, reduzir assuntos complexos à

simples histórias com fundo moral.

Algumas conclusões, apresentadas nos trabalhos de Azevedo e Chaia (2008),

Jorge (2003), Rodrigues (1997) e Porto (1996), comprovam essa tese, em especial sobre

a tendência de se privilegiar os parlamentares em detrimento à instituição; fazendo o

Executivo se destacar em relação ao Legislativo, a votação no plenário parecer mais

importante que às atividades das comissões e subcomissões. Porem, é necessário

salientar que, no período a ser examinado, (2003-2010), o trabalho das comissões

surgiu com mais frequência no noticiário, no entanto, sempre a partir do embate, das

opiniões e do posicionamento ideológico dos parlamentares, sobre o tema em pauta na

reforma política.

O enfoque dado ao debate, e às diversas interpretações das propostas sobre a

reforma política, travado entre membros do Congresso, especialistas, interessados na

temática e outros formadores de opinião, pouco esclarece ao cidadão comum sobre o

que de fato está em discussão no sistema político brasileiro, tornando-se um assunto

desinteressante e ininteligível num primeiro momento. No entanto, uma análise

sistemática dessa abordagem pode revelar que algumas interpretações revelavam-se nas

colunas e matérias para reforçar o posicionamento da linha editorial do jornal.

Sendo assim, investigar como se estabelece a relação entre os meios de

comunicação e a política, suas consequências e seus limites na construção da opinião

pública é significativa para entender a cultura política, os valores e os interesses

presentes, na relação entre os meios de comunicação, os políticos e as instituições

políticas.

Deste modo, o estudo dos textos editoriais sobre a reforma política pretende: 1)

identificar os atos e as decisões políticas que foram comentados pelos jornalistas e

políticos; 2) avaliar o espaço destinado ao tema e o tratamento dado às atividades

parlamentares; 3) examinar o discurso e a linguagem utilizada pelos jornais; 4) explorar

as questões referentes ao enquadramento do editorial; 5) verificar como se apresenta o

posicionamento dos jornais e o comportamento ideológico dos atores políticos em cena,

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6) e por fim, avaliar a relação entre a imprensa e a imagem pública do Poder Legislativo

e dos parlamentares sob a noção de enquadramento.

Na investigação foi aplicada a metodologia de análise de enquadramento sobre

os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo no período de janeiro de 2003 a

dezembro de 2010, com foco nos editoriais que abordaram questões relacionadas à

reforma política e ao sistema político. Para entender a construção do discurso político

nos apoiamos identificamos os enquadramentos (frame), para reconstruir o discurso e o

contexto político do debate acerca das relações de disputa de poder e de projeto político

para o Brasil.

Vale tornar um pouco mais claro o funcionamento da empresa jornalística e a

elaboração de uma agenda pública de noticias, para abordar a questão do

enquadramento.

Segundo Mauro Wolf (2010: 145), os jornalistas ao selecionarem os

acontecimentos que podem ser transformados em notícias, obedecendo aos critérios de

hierarquia e relevância, oferecem ao público quais temas ou notícias merecem atenção,

esse modelo é chamado de hipótese da agenda-setting.

A elaboração de uma agenda pública contribui significativamente para que um

acontecimento vire notícia. Não é redundância afirmar que a agenda oficial do governo

pauta, em certa medida, a cobertura da mídia e, como conseqüência, as declarações dos

governistas tendem a ser reverberadas em maior ou menor grau. Assim, espera-se que

qualquer menção, feita em público, do presidente tenha a possibilidade de virar notícia.

A agenda pública só adquire êxito se os acontecimentos são providos de uma

dinâmica que ampliem a duração dos eventos nos noticiários. Nesse processo,

redefinem-se, incluem-se ou se exclui elementos de acordo com o que se acredita ser

importante, em termos de publicação, linha editorial, audiência ou para legitimar uma

opinião.

No momento eleitoral, o poder de pautar temas é oportuno para influenciar o

eleitorado e/ou mobilizar candidatos, ou atores políticos, interpelados a responder

àquelas questões presentes na pauta jornalística, que elencam a ordem do dia e que,

possivelmente, será assunto para o leitor.

Sobre a agenda-setting Holfeldt (2001), menciona o fluxo contínuo da

informação, a influência dos meios de comunicação a médio e longo prazo, e a

capacidade de influenciar o leitor sobre o que pensar e sobre o que falar. Assim, definir

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a agenda não poderia ser pensado sem o interesse do público e de sua linha editorial, e

do fato político que orientará os textos, que estamparão as manchetes.

Outro elemento que acompanha a definição da agenda é o enquadramento

(framing), relacionado aos esquemas de interpretação dos acontecimentos. Cada linha

editorial atribui interpretações ou seleciona alguns roteiros interpretativos. Eles podem

ser caracterizados como: “marcos interpretativos mais gerais construídos socialmente

que permitem às pessoas fazer sentido dos eventos e das situações sociais” (PORTO,

2004, p. 78).

O enquadramento é um pacote interpretativo. Nesse processo, enquadrar

significa organizar a realidade dentro de determinados eixos ou matrizes de apreciação e

entendimento. A ideia central é elaborada através de procedimentos como seleção,

exclusão e ênfase de determinados aspectos e informações, de forma a compor

perspectivas gerais através das quais fatos e circunstâncias são dados a conhecer

(GAMSON; MODIGLIANI, 1989; AZEVEDO, 2004).

O enquadramento refere-se à forma como a mídia trata e organiza a notícia. De

acordo com Robert Entman (1993: 52) o conceito de enquadramento (framing) pode ser

entendido como o processo de selecionar alguns aspectos de uma realidade e enfatiza-

los, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação, uma

avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito.

Os enquadramentos podem ser organizados por categorias ou formatos

específicos como: quadros de conflito (quando apresentam os atores políticos como em

constante disputa, omitindo informações ou considerações acerca das políticas

envolvidas); jogo (os personagens são apresentados como agentes racionais que são

movidos por estratégias e interesses); e episódicos (quando a conjuntura ou fatos

recebem tratamento superficial e são abordados a partir de seus traços singulares ou

sensacionalistas). Em oposição a essas categorias, situam-se os enquadramentos

temáticos, que são contextualizados, abrangentes, e que conseguem relacionar e avaliar

as implicações e consequências de uma determinada política. (IYENGAR, 1990; 1991).

No caso da reforma política, o debate assumiu as interpretações dos atores

políticos envolvidos, atendeu às necessidades conjunturais, ao jogo político e também

foi temático, à medida que explicitava a opinião do próprio jornal, de atores políticos e

especialistas.

A hipótese de pesquisa é que a reforma política apareceu com mais frequência

nos jornais, a partir do contexto de crise política. O tema foi agendado e enquadrado, a

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partir de dois momentos que se intercalaram durante as legislaturas do ex-presidente

Luis Inácio Lula da Silva, são elas: 1) a tematização e o agendamento realizado pelos

parlamentares envolvidos diretamente na Comissão de Constituição e Justiça e na

Comissão Especial da Reforma Política; 2) no caso da crise política decorrente das

denúncias do chamado “mensalão”, sob o enquadramento corrupção.

A segunda hipótese, que se relaciona com a primeira é a de que, apesar de o

tema reforma política, ser constante na imprensa escrita, o agendamento e o

enquadramento também foram realizados pelos políticos como um recurso utilizado

para lidar com a fragilidade e instabilidade causada pelas denúncias do “mensalão”.

Sendo assim, usada como resposta aos anseios de maior transparência na política e

também para lidar com a crise de representação política.

Alguns elementos, do conceito de enquadramento, são relevantes para

fundamentar a compreensão, sobre como o jornalismo opera na sua capacidade de

influenciar os leitores. Deve-se considerar a vinculação dos estudos de frames às teorias

de construção do discurso e da narrativa, segundo a qual os enquadramentos são

necessários para a elaboração de uma estrutura acessível de informações que atribuam

sentido à sua experiência.

A relevância das pesquisas de enquadramentos nos editoriais corrobora o

entendimento da relação entre meios de comunicação e o potencial desses na construção

dos discursos carregados de significados e imagens simbólicas, consequentemente,

percepções acerca do universo da política.

A noção de enquadramento encontra o conceito de representação quando

percebemos o papel desse último no funcionamento da sociedade na “produção social

das ideias, por meio de elaborações discursivas, que sancionam percepções sobre coisas,

pessoas, ideias, estados e processos” (SOARES, 2009, p. 15).

O poder de influencia dos meios de comunicação está na construção e

reprodução de representações. Embora se deva considerar este cenário isoladamente da

interação e da relação que os indivíduos estabelecem entre esses atores e as instituições,

deve-se olhar também para a complexidade da produção simbólica na sociedade.

Para empresas de comunicação, a disputa pelo poder simbólico equivale ao

potencial de transformar interesses e desejos em políticas públicas ou fazer valer um

projeto político. Esses atores tornam-se instrumentos do exercício do poder simbólico

(BOURDIEU, 1998). E o que está em jogo é a construção do repertório e da narrativa,

que vão convencer os leitores sobre determinada opinião ou projeto político.

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Sabe-se que, os jornalistas buscam em seu cotidiano as melhores narrativas para

enquadrar fatos, diante da diversidade de acontecimentos, que aparentemente não tem

relevância alguma. Segundo Luiz Gonzaga Motta, “os jornalistas utilizam frames

narrativos porque, por um lado, eles facilitam sua tarefa de enquadrar a complexidade

do mundo”, por outro lado, frames apelativos ou dramáticos são rapidamente

compreendidos pelos receptores que os utilizam frequentemente no mundo da vida

(MOTTA, 2010, p. 137).

É possível definir a noção de enquadramento, como uma apropriação particular

de sentido, que opera vínculos de identificação e promove a ênfase de certa perspectiva

ou opinião. Frames são recortes de informações ou cenários, que foram selecionados,

avaliados, valorizados, destacados, interpretados, omitidos ou atenuados, relacionados a

outros, com a finalidade de atribuição de sentido e construção de narrativas nem sempre

reconhecidas ou identificadas rapidamente (SOARES, 2009, p. 21).

O primeiro capítulo aborda os estudos, que tem como preocupação teórica os

partidos políticos, o sistema politico brasileiro e a democracia em crise, considerando as

perspectivas para uma agenda da reforma política nos governos que sucedem o período

dessa pesquisa, no caso, os acontecimentos ocorridos durante o governo Dilma, até o

momento de sua interrupção, no ano de 2016. Buscando compreender a crise de

representação e descrédito nas instituições e dos partidos políticos, e a crise da

democracia contemporânea, tendo como base os trabalhos de Robert Michels, Maurice

Duverger, Giovanni Sartori , Angelo Panebianco, Bernard Manin e Nadia Urbinati,

entre outros.

A segunda parte dessa investigação, considera a agenda da reforma política no

país , desde o período de redemocratização, a partir da revisão bibliográfica de estudos

na ciência política. Nesse capítulo é apresentado o contexto, os elementos presentes e os

principais acontecimentos relacionados ao debate sobre a reforma política durante os

governos Lula I e II.

O terceiro e último capítulo analisa os editoriais publicados nos jornais Folha de

S. Paulo e O Estado de S.Paulo, durante o governo administrado pelo Partido dos

Trabalhadores (2003-2010). A coleta dos textos analisados foi realizada nos sites de

cada grupo jornalístico a partir do acervo online disponível, e para a busca foram

inseridos no campo de palavras-chaves, o termo: “reforma política”. Todos os textos

que aparecem como resultado dessa busca, foram delimitados por editoriais. Os textos

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foram lidos e compilados em um arquivo pessoal, para verificação e objetivos de

análise.

A seleção do material avaliou a frequência quantitativa e qualitativa do tema

reforma política nos jornais além de verificar, por meio da análise de conteúdo, o

enfoque e os elementos que a compõem. Dentre o universo apresentado, todos os textos

foram analisados, o que corresponde a noventa e cinco editoriais.

Buscamos compreender o conteúdo do texto, a opinião sobre a reforma política

emitida pelo veículo, o agendamento e o enquadramento dado realizado pelo jornal. Por

fim, os enquadramentos discursivos sobre a reforma, o sistema político, o governo Lula,

atores e instituições. Consideramos os editoriais como parte de um projeto político que

utiliza o discurso para construção da opinião, representações e imaginários sobre a

política, contribuindo para a construção de uma narrativa sobre a política.

O eixo condutor dessa investigação está em compreender como a agenda da

reforma política lidou com problemas da democracia representativa, em especial a

questão da representação política, a dinâmica do presidencialismo de coalizão, as

alianças políticas e os mecanismos de financiamento e transparência pública. Por

outro lado, buscou-se entender como os editoriais dos jornais abordaram o assunto,

estabelecendo uma agenda pública sobre a reforma política.

A relevância desta pesquisa demonstra como as empresas jornalísticas

constroem narrativas, imagens e discursos que alimentam imaginários sobre as

instituições políticas, seus atores e suas ações e como estes repertórios refletem

negativamente nos discursos e imaginário cotidiano sobre o universo da política

nacional, e auxilia na construção do ambiente político de descrença e descontentamento

com as instituições.

Os jornais ao concentrar seus esforços em mostrar a dinâmica do jogo político,

ao comentar ações e atitudes de políticos, partidos e instituições, ou enfatizar os

escândalos de corrupção e irregularidades, pouco menciona sobre o funcionamento

político do legislativo, executivo e judiciário, e mesmo sobre como acontecem as

eleições, do ponto de vista financeiro ou ideológico, isto é, não trata com profundidade

em questões de ordem institucional, de interesses econômicos ou de classe e mesmo seu

papel nesse emaranhado de contradições.

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CAPÍTULO 1 – CRISE DAS DEMOCRACIAS CONTEMPORÂNEAS:

PARTIDOS POLÍTICOS E ELEIÇÕES NO BRASIL

Traçar um panorama geral sobre a vida política nas democracias

contemporâneas não é uma tarefa fácil. O desafio que se impõe aos pesquisadores da

Ciência Política e áreas correlatas de estudo é compreender contextos permeados por

crises, incertezas e mudanças que atingem o mundo como um todo.

De um lado, pode-se observar a reorganização da economia capitalista em escala

mundial, ainda com grandes questionamentos acerca da desorganização das conhecidas

instituições da modernidade como o Estado, a família, a empresa, as instituições de

ensino, os partidos e os sindicatos. Por outro, busca-se entender o ambiente gerado pelas

mudanças, em grande parte marcado pela instabilidade, dúvidas, inseguranças e

descrença nos governos, nos políticos e nas instituições sociais.

As competições eleitorais se profissionalizaram com o uso das estratégias do

marketing político. A visibilidade foi intensificada nos canais televisivos, ganhou novos

formatos comunicacionais com a internet e outras mídias sociais. Nesse cenário

complexo, a representação de grupos que historicamente se identificavam com partidos

de esquerda, como os trabalhadores e sindicatos, viram-se cada vez mais distantes

desses canais de representação.

Os partidos perderam a capacidade de dialogar com sua base eleitoral. Não

conseguem mais atingir classes, categorias e profissões como faziam há trinta anos. É

perceptível a ascensão de organizações internacionais assumindo posições técnicas e

decisivas na política dos países, como é o caso do Fundo Monetário Internacional

(FMI), Banco Mundial, o Banco Internacional de Desenvolvimento (BIRD), ligados à

Organização das Nações Unidas (ONU).

Nos últimos anos verifica-se o crescimento de partidos populistas e de viés

conservador como a candidatura eleita de Donald Trump, nos Estados Unidos, em 2016;

Emmanuel Macron, em 2017, na França; Mauricio Macri, em 2015, na Argentina; além

dos grupos de extrema-direita que ganham força na Europa e no mundo. No Brasil, a

crise de representatividade abriu espaço para que as mobilizações de grupos

conservadores ganhassem força junto ao decrescente índice de confiança nos partidos

políticos.

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Nessa condição a crítica ao sistema político, a ideia de negação da política e dos

mecanismos institucionais de representação ganham adesão da população. O mal-estar

na democracia acaba por se consolidar, enquanto crença e valor que apresenta reflexos

na rejeição da política institucional e antiestablishment. Como resultado dessa

conjuntura, a população assume o discurso do “contra tudo e contra todos que aí estão”

ou “fora todos eles”.

O pano de fundo desse cenário é construído a partir das denúncias de

irregularidades e de corrupção. O país assistiu ao desgaste do Partido dos Trabalhadores

na administração federal, depois de um pouco mais de uma década no comando da

gestão, os diversos casos de corrupção envolvendo todos os partidos políticos e em

todos os níveis da federação, o desencantamento com as instituições políticas e seus

atores como resultado de um quadro político institucional em crise.

É importante compreender como se atingiu esse ponto. Para tanto é necessário

considerar elementos conjunturais do governo Lula e do governo Dilma (ambos do

Partido dos Trabalhadores – PT). Durante a gestão de Lula, os veículos de comunicação

foram importantes para a construção do processo de desencantamento político, à medida

que o foco das notícias foi as denúncias de irregularidades no governo e na área da

administração pública federal, o ataque aos movimentos sociais e grupos de sindicatos e

as alianças políticas no parlamento e fora dele. No caso do governo Dilma pesaram a

condução das alianças políticas, as jornadas de junho de 2013 e a disputa eleitoral de

2014.

As chamadas “jornadas de junho” foram manifestações de ruas, que eclodiram

nos meses de junho e julho de 2013, se proliferaram pelo país e ganharam adesão de

milhares de pessoas. O Movimento Passe Livre (MPL) que convocou as primeiras

manifestações colocou na pauta da agenda pública a questão da mobilidade urbana e da

tarifa zero, isto é, do transporte público e gratuito. O movimento liderado por jovens

não discutiu apenas a redução das tarifas do transporte coletivo, mas trazia consigo

diversos temas presentes na agenda, como o combate à corrupção, a melhoria das

condições de vida e do acesso aos serviços públicos, como saúde e educação.

A disputa à Presidência da República, em 2014, aconteceu quase um ano após

essas mobilizações. A polarização da campanha foi observada por institutos de pesquisa

como o Datafolha e o IBOPE, que sinalizavam o enfrentamento nas urnas entre a

presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), e

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o candidato Aécio Neves do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ex-

governador do estado de Minas Gerais.

A candidata petista representava aproximadamente 36% das intenções de voto,

enquanto, o segundo colocado, Aécio Neves, seguia com 20%1. O candidato Eduardo

Campos2, ex-governador de Pernambuco, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), estava

em terceiro lugar variando entre 6% e 8% nas intenções do eleitorado. As estimativas

realizadas pelos institutos de pesquisa, e na pesquisa publicada pelo Datafolha em julho

de 2014 apontavam a vitória da presidente Dilma Rousseff no segundo turno.

A morte de Campos levou a então vice de sua legenda, Marina Silva (ex-

ministra do Meio Ambiente), a assumir a candidatura. O acontecimento alimentou o

panorama político eleitoral do ano de 2014, cabe destacar alguns fatos, elementos e

problemáticas que deram o tom da corrida presidencial daquele momento.

O clima de insatisfação em relação aos políticos, às instituições e ao sistema de

representação política, se instalou apontando para algumas questões relacionadas ao

combate à corrupção, transparência nas contas públicas, participação social e cidadania,

além de crescimento da economia do país.

Entrou em jogo nesse quadro, a disputa de um projeto político entre a “velha” e

a “nova” forma de se fazer política na concepção desse eleitorado, que apostou sua

confiança na promissora candidatura de Eduardo Campos, como representante desse

novo projeto, e depois, em sua vice Marina Silva (PSB). Com o enfraquecimento nas

urnas dessa última, a preferência de votos recaiu para o candidato da oposição Aécio

Neves (PSDB).

E somando-se ao descrédito dos políticos e das tradicionais formas de

participação, havia nas mobilizações das “jornadas de junho”, a presença de

organizações de esquerda, anarquistas, grupos de direita e de extrema direita, além

daqueles que se diziam “apartidários”.

Foi nesse meio que surgiram os grupos de oposição ao último governo petista,

clamando por uma “nova” política. A vitória da presidente Dilma Rousseff, em 2014,

não agradou setores médios da sociedade e grupos políticos, que ficaram insatisfeitos

1 Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/07/1487860-com-36-dilma-lidera-

aposinicio-oficial-da-campanha-eleitoral.shtml> Acesso em: 10 de out. de 2014.

2 No entanto, é necessário lembrar que dois meses antes do primeiro turno eleitoral, realizado em 5 de

outubro de 2014, o candidato Eduardo Campos faleceu em um acidente aéreo no dia 13 de agosto, quando

seguia para um compromisso de campanha no Guarujá (SP).

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com o resultado das urnas. O clima de insatisfação com o governo predominou durante

toda a sua gestão até a sua ruptura, em maio de 2016.

A construção da notícia, por meio de um jornalismo opinativo, pautou as

eleições e o ambiente político do ano de 20153. Em virtude da difícil e acirrada disputa

eleitoral de outubro, a presidente reeleita Dilma Rousseff optou por ajustes que

desagradaram à população logo no inicio de sua gestão. Tendo em vista o equilíbrio das

contas do governo e a sobrevivência diante da crise econômica instaurada, o governo

federal decidiu anunciar o pacote de ajuste fiscal, que alterava as regras de benefícios

previdenciários, sobretudo no tocante ao seguro desemprego e abono salarial.

Nesse cenário econômico desfavorável, o escândalo político, que envolvia maior

empresa estatal do país, a Petrobras, num amplo esquema de irregularidades e

pagamento de propina, comprometia a confiabilidade em políticos e partidos

pertencentes à base aliada do governo.

Os protestos, que resultaram em grandes mobilizações de rua no dia 15 de

março, 12 de abril e 16 de agosto de 2015, foram convocados pela internet e redes

sociais, por grupos oposicionistas conservadores (Vem Pra Rua, Movimento Brasil

Livre, Movimento Endireita Brasil e Revoltados Online), que tinham como objetivo a

crítica ao Partido dos Trabalhadores, apoio ao impeachment da presidente Dilma

Rousseff e o combate à corrupção4.

Grupos conservadores e intolerantes ergueram bandeiras e cartazes a favor de

uma intervenção militar, morte aos petistas e ao Partido dos Trabalhadores, anunciando

rejeição às lutas e aos movimentos sociais identificados com a esquerda, ou as pautas

progressistas, como: a defesa da luta pela defesa das mulheres, do movimento LGBT,

dos movimentos indígenas, dos grupos minoritários que reivindicam maior igualdade

econômica e social.´

É a partir dos sentimentos de desconfiança e insegurança da base institucional

que o clamor por lei e ordem se fortalece, ganha adesão da população e abre espaço para

o crescimento de movimentos totalitaristas, conservadores e intolerantes.

3 Destaca-se o crescimento de colunistas que opinavam sobre política nos principais jornais impressos,

revistas semanais, canais televisivos e de rádio e que representavam o pensamento e o projeto afinado

com princípios conservadores e liberais (Reinaldo Azevedo, Demétrio Magnoli, Marco Antonio Villa

para citar alguns.) 4 Segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada no dia 17 de março de 2015, 47% das pessoas que

compareceram à Avenida Paulista, em São Paulo, tinham como motivação o combate à corrupção.

Estima-se que aproximadamente um pouco mais de 150 mil pessoas estiveram presentes na manifestação.

Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2015/03/1604284-47-foram-a-avenida-

paulista-em15-de-marco-protestar-contra-a-corrupcao.shtml. Ultimo acesso em novembro de 2015.

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Embora se declarassem apartidários, tais movimentos obtiveram apoio de

partidos e lideranças de legendas como o PSDB, DEM, PPS, entre outros. Os índices de

rejeição ao governo aumentaram juntamente à insatisfação com as questões políticas e a

crise econômica, que começava a mostrar seus efeitos na população5. Diversos foram os

temas propalados pelos veículos de comunicação e pelos manifestantes, dentre eles

estavam o combate à corrupção, por meio de uma reforma política6.

Durante o governo da presidente Dilma Rousseff, o tema da reforma política

voltou à baila como resposta aos protestos de junho de 2013. No dia 24 de junho de

2013, a presidente Dilma Rousseff divulgou, em discurso pela televisão aberta, uma

agenda de longo prazo, e dentre dessas propostas estavam a reforma política ampla e de

apoio popular, a partir da convocação de um plebiscito que autorizasse um “processo

constituinte específico” para esse fim.

A consulta aos cidadãos versaria sobre cinco temas: financiamento de

campanhas, sistema eleitoral, suplência de senadores, coligações partidárias e voto

secreto. Em setembro e outubro de 2013, a ideia recebeu o apoio do Movimento dos

Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Movimento do Sem Terra (MST), a Central Única

dos Trabalhadores (CUT), pastorais e ONGs, dos partidos como o PT, PCdoB, e alguns

membros do PSOL. Nesse processo, 7,4 milhões de brasileiros manifestaram-se

positivamente ao responder a seguinte questão: “você é a favor de uma constituinte

exclusiva e soberana sobre o sistema político”?

Apesar do caráter apenas consultivo, o objetivo da mobilização estava em

demonstrar o anseio da população por mudanças no sistema político e pressionar o

poder público a convocar um plebiscito nacional sobre a reforma. A proposta foi

enviada ao Congresso Nacional e o projeto foi engavetado mesmo com a aprovação da

base aliada do governo.

Todavia, ainda no ano de 2013, a presidente Dilma Rousseff divulgou a

minirreforma eleitoral (Lei nº 12.891/2013) aprovada pela Comissão de Constituição e

Justiça (CCJ) em setembro de 2013, sendo esse documento, o consenso obtido ainda

naquele ano entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

5 Como reação e forma de expressar seu descontentamento, alguns grupos, simpáticos a esse novo

movimento das ruas, a cada novo pronunciamento televisivo da presidente, promoviam o chamado

“panelaço”, como alternativa de protesto contrário ao discurso proferido por Dilma Rousseff, no intuito,

de “calar” a tentativa de dialogo do governo com o cidadão brasileiro. 6 Mais informações sobre a discussão da reforma política no governo Dilma estão em artigo de minha

autoria publicado na revista Em Debate, v.8, n.3, p.52-58, mai. 2016. Disponível em:

http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/Merilyn-Oliveira.pdf. Ultimo acesso em maio de 2017.

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A proposta teve o objetivo de diminuir o custo financeiro das campanhas

eleitorais e corrigir falhas nas normas vigentes. Apesar de não conter mudanças

significativas, o texto tratava do veto à divulgação de candidaturas em outdoors e à

limitação no formato da campanha, abordava a participação dos candidatos na internet e

nas redes sociais, e reafirmava a proibição da propaganda eleitoral antecipada em rádio

e TV por políticos quanto à publicidade de seus atos ou ofender adversários. Versava

ainda, sobre o prazo para a filiação ao partido político; à obrigatoriedade de publicação

da ata da convenção; determinava novo período de tempo para substituição de

candidatos; estabelecia a proibição de realização de enquetes durante o período de

campanha; e mais, definia limites para gastos de campanha com alimentação de pessoal,

além de aluguel de veículos e contratação de cabos eleitorais.

Outros temas também foram tratados, como o pagamento da multa eleitoral e a

prestação de contas; da mesma forma, fixando novo critério para distribuição do tempo

de rádio e televisão (Lei n.º 12.875/2013). Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral

(TSE) decidiu (25/06/214) que a lei da minirreforma eleitoral no país não valeria para as

eleições de outubro daquele ano, por ter sido aprovada em dezembro de 2013, ou seja,

não atendia ao princípio da anualidade, que determina que mudanças na legislação

eleitoral não possam ocorrer menos de um ano antes da data de realização das eleições

de outubro.

No dia 18 de março de 2015, a presidente, como nova resposta às demandas

oriundas das manifestações contra seu governo, anunciou o lançamento do pacote

anticorrupção. O conjunto de medidas incluía: a criação de uma secretaria de controle

sobre as empresas estatais, subordinadas à CGU (Controladoria Geral da União), que

cuidaria da avaliação dos contratos públicos; a criminalização do chamado “caixa dois”;

o confisco de bens adquiridos de forma ilegal; a exigência de ficha limpa para os

ocupantes de cargos públicos, a tipificação, como crime, do enriquecimento ilícito de

agentes públicos, a sugestão da criação de varas especiais para o julgamento de desvio

de recursos públicos, além de regulamentar a Lei Anticorrupção em vigor desde 2013.

Assim, a partir das manifestações de rua de 2013 e de 2015, a reforma política

ganhou espaço na agenda pública dos cidadãos, dos políticos e também das mídias nas

duas gestões de Rousseff. A crise de representação política relacionava-se com a

demanda pela modificação das regras eleitorais, fazendo com que, o tema da reforma

política adquirisse relevância em tempos de crise democrática. Contudo, a preocupação

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do governo Dilma, em relação à reforma política não foi suficiente para acalmar o

ânimo da população e dos atores políticos.

O pleito de 2014 elegeu a bancada mais conservadora do Congresso Nacional

desde 1964 (ano que marcou a ditadura militar no Brasil)7. Nesse cenário conturbado

pós-eleições, políticos retrógrados, com o auxilio de figuras-chave dentro do Congresso

Nacional, obtiveram os votos necessários para o julgamento do processo de

impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a tomada do poder no mês de maio

de 2016, por seu vice Michel Temer (PMDB).

Temer se colocou como defensor das pautas e medidas conservadoras, como a

redução de recursos para as pastas da Saúde, da Educação, para a Ciência e Tecnologia;

medidas que alteram os direitos sociais como o tempo de contribuição para

aposentadoria e alteração das normas sobre o 13º salário; além das contratações

temporárias.

Quanto às pastas ministeriais, Temer extinguiu o Ministério das Mulheres, da

Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Constituiu uma equipe formada por políticos

que não obtiveram votos suficientes para se tornarem parlamentares, entre eles alguns

envolvidos em irregularidades, ao menos três dos novos ministros são alvo da Operação

Lava Jato. 8.

A proposta de reforma política discutida no governo Temer com previsão para as

eleições de 2018, contem vários itens, porém, a principal é a do modelo do distritão para

vigorar em 2018 e o distrital misto de 2022 em diante.

Em 2015 esse modelo entrou na discussão com a proposta de Eduardo Cunha

(PMDB) e não vingou. Por meio dele, os eleitores votam somente nos candidatos e os

mais votados ganham uma cadeira no legislativo. Esse sistema não só enfraquece os

partidos, como favorece aqueles detentores de maiores recursos financeiros ou que já

são conhecidos do público.

O voto distrital misto combina o sistema distrital e a lista fechada. Metade das

cadeiras seria escolhida por cada uma das regras. O eleitor escolhe para os cargos de

vereador, deputado estadual e federal. Um dos votos iria para o candidato, e o outro para

7 Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) mostra um

aumento, na nova composição do Congresso Nacional, do número de parlamentares ligados a segmentos

mais conservadores – entre eles, militares, policiais, religiosos e ruralistas (Radiografia do Novo

Congresso - Legislatura 2015-2019. DIAP, 2014) 8 A operação conduzida pelo juiz Sergio Moro foi amplamente divulgada e reverberada nos noticiários

televisivos, na imprensa como um todo, atingindo nomes conhecidos da classe política, partidos da base

aliada e da oposição.

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o partido. O primeiro voto seria apurado pelo sistema distrital, no qual o território é

dividido em pequenos distritos, e cada um deles elegeria um representante. Os

candidatos vinculados a um distrito disputam os votos da região. A ideia é que o voto

distrital diminua os gastos eleitorais e aumente a representatividade do distrito/região no

legislativo.

As críticas a esse sistema é que ele não privilegia a representação das minorias e

acaba por favorecer alguns grupos. O voto no partido determinaria o número das

cadeiras que cada partido terá em metade do legislativo e seria contabilizado pela lista

fechada, na qual as legendas definem quem ocupará as cadeiras. Esse modelo fortalece

os partidos e diminui os custos das campanhas.

Cabe enfatizar que a mudança para o modelo distritão e distrital misto com lista

fechada não foram aprovados para 2018.

O relatório apresentado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP) resgatava a

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77/03. O documento tratou de questões

relativas às campanhas eleitorais, ao financiamento, ao limite para doações e ao prazo

para a propaganda eleitoral.

O assunto continuou na pauta, e no inicio do mês de outubro de 2017, os

deputados e senadores aprovaram as novas regras e que passarão a vigorar em 2018.

Entre os itens sancionados por Michel Temer estão a cláusula de desempenho (os

partidos devem atingir desempenho eleitoral mínimo para garantir o tempo de

propaganda e acesso ao fundo partidário).

Isso significa que a partir da próxima eleição, os partidos devem obter pelo

menos 1,5% dos votos válidos distribuídos em nove estados, com ao menos 1% dos

votos em cada um deles, ou, os partidos devem eleger nove deputados em pelo menos

1/3 das unidades de Federação, e assim vão aumentando gradativamente até 2030. Essa

medida tende a favorecer os partidos grandes e políticos já conhecidos do público. A

disputa eleitoral torna-se assim muito mais acirrada quanto aos recursos em jogo.

Outro ponto da proposta é a criação do fundo eleitoral com recursos públicos,

para o financiamento das campanhas, estimado em R$ 1,7 bilhões. A destinação será de

2% para todos os partidos, 35% entre aqueles com ao menos um deputado na Câmara,

48% , variando de acordo com o número de deputados na Câmara em 28 de agosto de

2017 e 15% distribuídos, entre as agremiações, na proporção do número de senadores

em 28 de agosto de 2017. A medida tende a promover ainda mais a disputa no campo

eleitoral.

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Sobre a arrecadação dos recursos, o documento aprovado libera as campanhas

online (crowdfunding) a partir de 15 de maio do ano eleitoral. Permite que os partidos

possam vender bens e serviços e realizar eventos de arrecadação. As empresas ficam

proibidas de financiar candidatos. Saliente-se que a liberação de outras formas de

arrecadação de recursos financeiros tende a mercantilizar as eleições, e, por outro lado,

não há qualquer menção de como isto vai ser fiscalizado.

A reforma estipula também um limite de gastos para as campanhas de cargos

majoritários; estabelece que, nos debates nos meios de comunicação (radio e televisão)

devem ser convidados candidatos de partidos com ao menos cinco deputados com

cadeira na Câmara dos Deputado; e o registro do voto deve ser impresso a partir de

2018.

Importante considerar que o debate e aprovação de itens da reforma política

respondem à demanda da conjuntura política e aos interesses dos atores políticos.

Durante o governo Lula a grande novidade foi a adoção da Lei da Ficha Limpa no final

de seu mandato. Já na gestão de Dilma e de Temer, ficou bem claro que questões

relativas à doação, à arrecadação e ao financiamento das campanhas eleitorais foram

aprovados porque correspondiam aos interesses dos deputados e promoviam a disputa

por recursos financeiros durante a corrida eleitoral.

Segue-se a tendência de votação e escolha por itens das propostas que pouco

resolve a questão da falta de representação política. Longe de acenar para a solução dos

problemas políticos do sistema partidário, a reforma política no Brasil, na forma como

vem sendo realizada, pouco auxilia no ajuste de falhas do sistema, e por outro lado,

acentua o peso dos recursos financeiros nas eleições.

O fato é que, os partidos perderam a capacidade de dialogar com sua base

eleitoral. Não conseguem atingir classes, categorias e profissões como faziam há trinta

anos. Nesse cenário complexo, a representação de grupos que historicamente se

identificavam com partidos de esquerda, como os trabalhadores e sindicatos, viram-se

cada vez mais distantes de uma possível representatividade politica.

Como resultado desse panorama, acentuado com os acontecimentos de 2013 e

das eleições presidenciais de 2014, o debate tornou-se polarizado nas diversas mídias

sociais, na maioria das vezes com discursos de ódio, incitação à violência, marcado pela

intolerância, pela não-aceitação das diferenças sociais e ideológicas. Soma-se a esse

quadro, um ambiente político de total descrença e insatisfação com as instituições, os

partidos e os políticos.

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As denúncias de irregularidades, corrupção e vazamentos de informações pelos

meios de comunicação auxiliaram na construção de uma atmosfera de crise,

fragmentação e fragilidade da democracia brasileira. Os partidos, que antes atuavam

como mediadores entre a sociedade civil e o Estado, encontram hoje dificuldades na

organização das demandas e defesa dos interesses da maior parte dos cidadãos, por

exemplo, se pensarmos no acesso a serviços públicos básicos como educação, saúde e

mobilidade urbana.

Os partidos atuavam como canais tradicionais de participação. Eles

organizavam e estruturavam a vida política e social de forma institucionalizada, com

força nas lideranças, nos membros filiados e simpatizantes, e também em ideias e

projetos que afirmavam alguns direitos e pautas de participação da sociedade de forma

ativa e cívica. Por outro lado, observamos que fazer politica na sociedade atual é distinta

na sua forma de organização.

O peso da comunicação e do marketing é maior, o que torna o foco na disputa

eleitoral mais acentuada, mais performática e espetacular. O investimento é grande em

pesquisas de opinião para forjar perfis, tipos e o gosto que perpasse o gosto do

eleitorado. Assim, o partido político e suas propostas são esvaziadas a pautas do

momento, não há uma agenda interessada na questão das classes sociais ou defesa de

bandeiras ideológicas de forma mais clara, a legenda do partido se perde em meio aos

recursos utilizados na propaganda eleitoral.

Ocorre, portanto, um declínio da forma histórica do partido político, que dá lugar

a uma nova organização preocupada com a arena eleitoral e em obter espaço nos

governos e órgãos estatais. A participação popular ou a noção de cidadania se perdem,

permeados de impressões forjadas por formadores de opinião, nos jornais e nas redes

sociais, distanciando, assim, os cidadãos de uma cultura cívica.

A fragilidade da representação política, desconfiança nos partidos, nos políticos

e nas instituições, acaba por afetar a permanência, a legitimidade e a qualidade da

democracia representativa contemporânea.

Entre as razões dessa falta de confiança e descrédito, a percepção da ineficiência das

instituições para articular e responder às demandas da sociedade e da presença de

motivações meramente individuais para boa parte dos políticos concentra as principais

críticas dos cidadãos. Os estudos mostram que as avaliações negativas do desempenho

dos políticos e das instituições representativas são vetores que condicionam a avaliação

do desempenho do sistema democrático e se traduzem em uma tendência crescente de

insatisfação da opinião pública sobre como a democracia e suas intermediações

funcionam.(MENEGUELLO, 2012, p. 14)

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Os partidos são coordenados por grupos políticos que têm como maior objetivo a

perpetuação no poder. As demandas, os valores e os interesses dos eleitores, nesse caso,

são deixados de lado; enquanto que os cidadãos se voltam para eleger representantes

que se identificam com aquele sentimento de negação da política, de repulsa aos

partidos, e ultimamente se empolgam com o discurso capacidade administrativa do

político gestor.

Com o desgaste dos partidos no Brasil, seguindo uma tendência internacional,

alguns optaram por mudar o nome da legenda como uma estratégia de marketing

eleitoral. Em 2007 o Partido da Frente Liberal (PFL), herdeiro da ARENA, sigla

tradicionalmente ligada a membros do regime militar, virou Democratas, ou DEM como

é mais conhecido.

A Rede Sustentabilidade optou por ser chamada apenas de REDE. Recentemente

partidos como o Partido Trabalhista Nacional (PTN), um dos mais antigos do país,

mudou seu nome para PODEMOS (2017). A mudança de nome agrada partidos como o

Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), que pretende fazer a troca pelo nome

AVANTE. O Partido Social Liberal (PSL) já se autodeclara nas mídias sociais como

LIVRES.

É notável que os partidos não só negam a instituição partidária ao retirar o nome

partido da legenda. Eles demonstram pouca expressão ideológica no jogo político, a

identidade, a história e a memória política ficam assim prejudicadas do ponto de vista

do eleitor, pois se trata apenas de uma alteração na aparência do partido e não na sua

estrutura e forma de organização.

Todavia, é perceptível que as mudanças estão em curso. As formas de

organização política tradicionais parecem não acompanhar as necessidades do

eleitorado, e isto se manifesta nos altos índices de votos nulos e brancos que se apurou

nas ultimas eleições municipais no Brasil.

A confiança nas instituições políticas pode ser entendida como um compromisso

entre os cidadãos e o Estado, para que os cidadãos tenham seus direitos de cidadania

respeitados em sua forma plena, inserindo o acesso a serviços públicos de qualidade,

por exemplo. Práticas de irregularidades na gestão pública e o envolvimento de líderes e

políticos, nesses casos, fragilizam o principio democrático da confiança e da

legitimidade.

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A confiança nas instituições se faz necessária justamente porque nas democracias

modernas fora dado a estas a função de mediadores dos interesses dos indivíduos, são

elas que atuam na intermediação das relações ente os cidadãos e o sistema político de

modo a garantir a concretização dos direitos fundamentais. (MENEGUELLO, 2013,

p.361).

Esse fenômeno de desconfiança insatisfação com a democracia se repete em

outros regimes parlamentaristas e presidencialistas pelo mundo. Trata-se de dimensões

complexas que afetam a representação política. Em grande parte, devido as variadas

fontes de informação e de comunicação que influenciam os cidadãos. Por outro lado,

esse processo de transformação vincula-se também à relevância que ganham atores e

instituições como o judiciário e as organizações não-governamentais.

É possível afirmar que as manifestações de junho de 2013 e 2015 demonstraram

os dilemas produzidos pelo desenho institucional brasileiro, um aprofundamento da

percepção negativa e da desconfiança dos cidadãos com relação ao funcionamento das

instituições.

A visão crítica sobre os parlamentares e partidos políticos, a noção de fragilidade

das instituições representativas, em boa medida, recaem sobre as influências que o

sistema eleitoral brasileiro exerce sobre o comportamento dos eleitores e o

comportamento das elites parlamentares, temas que ocupam há um bom tempo as

reflexões sobre os desafios do futuro do sistema político nacional, e que, abre espaço

para um debate mais profundo sobre a reforma política.

Alguns pontos importantes caracterizam a 54ª Legislatura (2011-2015): aumento

da fragmentação partidária, ascensão de temas conservadores nas casas legislativas,

manifestações de rua que tem como bandeira a luta contra a corrupção e a insatisfação

com as instituições, a pauta e a agenda pública da reforma política e a criação de cinco

novos partidos no período.

Embora tenham perdido algumas de suas funções e sofrido transformações, os

partidos políticos continuam sendo fundamentais para a representação política, para a

disputa eleitoral, para a organização de arenas parlamentares, sendo agentes importantes

para o funcionamento e a legitimação da democracia.

Isto posto, segue-se uma breve reflexão sobre o papel dos partidos políticos, suas

transformações e implicações nas democracias contemporâneas a partir de uma

discussão já realizada no interior de estudos da sociologia dos partidos dialogando com

análises e concepções sobre o sistema político e eleitoral brasileiro.

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1.1 – Partidos políticos e a teoria democrática

A expansão da democracia durante todo o século XX marcou um período de

grandes avanços no campo político. A participação dos cidadãos através do voto, o

exercício da cidadania e a liberdade de escolha em um projeto ou ideário tornaram-se

valores característicos do regime democrático.

A origem dos partidos está associada ao desenvolvimento de grupos

parlamentares que durante os séculos XVIII e XIX formaram-se a partir de associações

e clubes. O sufrágio universal auxiliou na propagação desses e de partidos de origem

exterior aos grupos parlamentares, como os partidos socialistas e comunistas.

Maurice Duverger (1970) afirma que o partido de quadros, tipo relacionado com

os grupos parlamentares, tem suas bases compostas por membros “notáveis”. Pessoas

importantes que angariavam simpatia de setores privados, como bancos e indústrias,

para o financiamento das atividades partidárias. Nesse momento, as doações serviam a

manutenção partidária, que possuía baixo custo financeiro e atividades partidárias

políticas tímidas. O sufrágio, limitado pelo voto censitário, promovia eleições em que

apoio das elites econômicas era indispensável. Os partidos conservadores e burgueses

eram os protagonistas da vida política.

Entretanto, com a ampliação do sufrágio, inaugura-se um segundo “estágio” da

história partidária, com o advento dos partidos de massa. Essas organizações contavam

com a expressiva participação da base social e popular dos partidos. Os membros eram

militantes ativos na vida partidária, sua base social era em grande parte formada por

trabalhadores. Um exemplo mencionado por Duverger é o caso do Partido Social-

Democrata alemão (PSD), que chegou a ter mais de um milhão de membros em 1914

(DUVERGER, 1970, p.103).

A força dos militantes para a manutenção do partido do ponto de vista político,

econômico e ideológico marcaram as instituições partidárias, no que se refere ao

vínculo construído entre os eleitores e os partidos.

Daí nasceu a noção de democracia representativa, ligada aos partidos políticos, à

disputa eleitoral e ao voto. O processo eleitoral, segundo Pierre Duverger (1985, p. 58),

é um mecanismo fundamental das democracias representativas cujo princípio é a

delegação de poderes. Numa sociedade onde todos são livres e iguais, faz-se necessário

alguém que governe sobre os outros e que tenha sido escolhido pelos cidadãos para tal

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função. Dessa forma, garante-se a possibilidade real de os cidadãos participarem de

maneira periódica para a escolha dos governantes.

Robert Dahl (1998) observa as eleições como um mecanismo essencial das

modernas democracias representativas. O processo eleitoral é visto como uma

manifestação da vontade do eleitor, ou seja, princípio da representação popular.

A importância dos partidos políticos como mediadores da relação entre cidadãos

e governantes é considerada um elemento necessário na análise das democracias

representativas. Para Giovanni Sartori (1972: 470-473), nas democracias modernas é

imprescindível que os cidadãos sejam representados por partidos políticos e seus

representantes.

Partidos políticos são organizações que expressam demandas, necessidades e

interesses de determinados grupos da sociedade, organizam a disputa eleitoral,

participam de decisões políticas e participam de governos sendo capazes em suas

funções de mediar a relação entre Estado e sociedade (SARTORI, 1982).

No entanto, a era dos partidos de massa aos poucos mostrava mudanças em

curso. Na década de 1960 surgiu outra denominação para estrutura partidária em

ascensão: o partido “catch-all”. A utilização desse nome foi empregada por Otto

Kirchheimer, em 1966, no contexto do pós-guerra. As organizações partidárias

apresentavam alterações importantes, quanto a sua estrutura e a sua relação com os

eleitores. O discurso dos partidos a seus eleitores agora não expressava mais a

identidade de determinados grupos sociais como trabalhadores, religiosos ou

conservadores. A ênfase estava em conquistar o maior número possível de eleitores,

visando o aumento das bases eleitorais e pressionando a mudança dos partidos

tradicionais.

O desafio imposto aos partidos é a conquista de eleitores num forte ambiente de

heterogeneidade social, em que o dilema da representatividade força uma

reconfiguração da organização, no que se refere às identidades coletivas, que são

importantes para a compreensão do comportamento eleitoral (SARTORI, 1982).

A entrada dos meios dos meios de comunicação, na cena política, contribuiu

para uma nova relação entre os partidos e seus eleitores. Na era dos partidos de massa, a

comunicação com o eleitor era de forma mais participativa e direta, nos comitês, nos

jornais informativos dos partidos. Atualmente, percebe-se que a mediação entre o

veículo de comunicação de massa e o eleitor é que passa a influenciar a opinião dos

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cidadãos. Os partidos perdem força e aqueles que dominam os recursos de comunicação

tem maior predominância no jogo político.

Otto Kirchheimer (1966) apontou diversas mudanças trazidas pela organização

“catch-all”: mudança no discurso político e ideológico, que tendem a ser mais

heterogêneo e difuso; diversificação e ampliação das legendas; as lideranças ganham

destaque e se fortalecem com base no discurso e nas realizações políticas; redução do

número de militantes e membros filiados e distanciamento da base social de origem.

Pensar os partidos políticos como organizações que têm uma história, trajetória e

identidade construída ao longo do tempo redireciona o olhar para a sua

institucionalização, modo de organização e seleção de suas lideranças. Essa

preocupação tornou-se objeto de estudo de Angelo Panebianco (2005), sobretudo

porque o autor traz à tona a reflexão sobre a profissionalização dos partidos políticos.

Panebianco ressalta que a estratégia adotada pelos partidos é voltada para a

sobrevivência eleitoral. Ele observa que as mudanças apontadas pelos estudos de Otto

Kircheimer dão ênfase ao papel do profissional da política, responsável por garantir o

sucesso nas eleições. Esse profissional ganha importância na mesma medida que o

militante e os filiados perdem espaço para o eleitorado a ser conquistado

(PANEBIANCO, 2005).

A perspectiva de Panebianco dialoga com características já observadas por

Kirchheimer, como o peso dos profissionais no partido; diminuição da base eleitoral;

influencia dos meios de comunicação na conquista do eleitorado; mantenedores do

partido passam a ser grupos de interesse; lideranças mais preocupadas em incentivos

seletivos (status, carreira, dinheiro) do que incentivos coletivos (identidades e

ideologias).

As lideranças partidárias, ao buscarem a estabilidade e manutenção da

organização, dependem do equilíbrio do poder interno e suas relações com o ambiente

externo. Pode-se em alguns casos manter a estabilidade e consolidar grupos dirigentes,

ou acentuar a divisão entre eles, numa dinâmica que dependerá do cenário externo, no

qual o partido estará inserido. A estrutura organizativa é importante na avaliação da

competição no interior do partido, e também na consideração da estratégia adotada na

arena eleitoral.

Desse modo, os partidos funcionam como filtros de seleção de políticos e

lideranças capazes de atuar como representantes. Cabe a eles observarem suas normas,

regras de filiação, programas e diretrizes na estrutura organizativa do poder interno do

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partido. Sem esquecer, do alcance destas organizações, nas arenas eleitoral,

governamental, legislativa entre outros cargos de poder.

Um ponto em comum, que aparece com frequência na análise dos teóricos sobre

partidos políticos nas democracias, é o peso das disputas eleitorais. E para os

pesquisadores do mundo político impõem-se desafios que expliquem a diversidade do

fenômeno partidário, seja quanto à estrutura organizativa, ao perfil, às estratégias,

identidades, coesão interna e disciplina parlamentar, e os vínculos com os eleitores.

A preocupação em entender a dinâmica dos partidos políticos, já era objetivo de

estudo de teóricos importantes como Max Weber (1864-1920) e Robert Michels (1876-

1936), que no inicio do século XX buscaram analisar o funcionamento dessa

organização. A questão da profissionalização, apontada por Kircheimer e Panebianco,

tinha chamado a atenção de Weber, que procurava compreender o perfil dos que se

interessavam pela atividade política.

O cenário descrito por Weber abordava a política na Inglaterra e nos Estados

Unidos, como um clube de notáveis formado por funcionários, professores, pastores e

proprietários; a atividade política era uma ocupação de prestígio social. Com o aumento

da competição eleitoral esse perfil se transformou em máquina profissional, no qual, os

partidos adquiriram centralização, controle organizativo e disciplina partidária de seus

políticos. Observou-se também, com a expansão do sufrágio, a emergência de

representantes desprovidos de recursos sociais e econômicos, que passaram a se dedicar

exclusivamente à política, dependendo dessa atividade para sua sobrevivência material.

A vocação do trabalho voltado à esfera politica, em especial, quanto ao perfil

dos membros e militantes no interior dos partidos socialistas, interessou Robert Michels

que, percebeu mudanças organizativas que garantissem a manutenção material do

membro dedicado a causa do partido. (MICHELS, 1982, p. 27). Para assegurar o padrão

organizativo, desenvolviam-se estratégias de arrecadação e financiamento financeiro

para a estrutura partidária, construindo em torno de si, uma rede de interesses materiais,

políticos e sociais, tornando-se um fim em si.

Os sinais do processo de oligarquização se apresentam na dinâmica partidária

com a profissionalização e sua consequente divisão e especialização do trabalho;

verticalização e hierarquia dos membros e dirigentes, e a estabilidade desses últimos em

seus cargos (MICHELS, 1982, p. 61-65).

O processo de mudanças da estrutura partidária foi chamado por Michels de lei

de ferro da oligarquia: “A organização é a fonte de onde nasce a dominação dos eleitos

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sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que

delegam. Quem diz organização, diz oligarquia”. (MICHELS, 1982, p. 238). O

fenômeno marcou o declínio dos homens notáveis, e a ascensão de um novo tipo de

elite política, formada por membros do partido, que, passaram a comandar e diriger o

recrutamento e seleção de seus representantes.

Outra perspectiva trata da contribuição de Richard Katz e Peter Mair (1997),

para quem a abordagem dos estudos sobre partidos e seu desenvolvimento deve dar

conta de elementos indissociáveis, como a relação da sociedade civil, dos partidos e do

Estado. Esses três elementos estão associados e são importantes para o modelo

organizativo dos partidos.

É possível que os profissionais da política estivessem presentes nas organizações

durante todo o século XX. E, que, a definição de partido “cacth-all” tenha emergido

após a Segunda Guerra Mundial, pela necessidade de conquistar um número maior de

cidadãos na competição eleitoral. Todavia, Katz e Mair (1997) acreditavam que tenha

emergido um novo tipo de organização: o partido cartel. Este seria um ultimo estágio do

modelo de organização partidária, e a principal característica é sua relação mais

próxima com o Estado e seu distanciamento da sociedade civil.

Essas organizações que cada vez mais passaram a ocupar posições e cargos na

arena governamental, expressam o que Katz e Mair chamaram de processo de

cartelização dos partidos. Nesse cenário, a competição entre os partidos é limitada e

administrada pelo próprio jogo da política. As organizações partidárias negociam

cargos, o financiamento depende de fontes estatais e o acesso aos canais de

comunicação é regulado pelo Estado.

Há de se considerar, os exemplos de partido-empresa, de negócios bem-

sucedidos (Business-firm Part). Esse modelo de organização foi inspirado nos estudos

de caso do Forza Italia, de Silvio Berlusconi e Unión de Centro Democratico, de

Adolfo Suarez, na Espanha pós-franco. O empresário político coordena o grupo em

troca de “lucro” privado, entendido como o prestígio e as vantagens materiais trazidas

pela ocupação de um cargo público. O partido político deixa de ser uma organização

voltada a objetivos político-sociais, para se tornar uma espécie de empresa de negócios,

em que os bens públicos produzidos se sobrepõem aos objetivos políticos. (HOPKIN e

PAOLUCCI, 1999, p. 311)”

Quando se considera a funcionalidade e o modelo partidário é importante

destacar o contexto democrático e o caráter representativo das instituições apresentadas.

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Os partidos contemporâneos, sejam catch-all ou partidos cartéis, não representam os

interesses de seus cidadãos. Para os diversos autores estudados (Kirchheimer,

Panebianco, Katz, Mair), as associações politicas precisam dar conta da

representatividade de grupos mais heterogêneos e complexos. No caso do Brasil, as

organizações partidárias parecem ter um perfil do tipo catch-all, com todos os

elementos e limitações já apresentados pelos autores.

Embora os problemas relacionados à queda da representação e a desconfiança

dos cidadãos com as instituições políticas estejam candentes nos debates nos países

ocidentais, os partidos continuam sendo importantes para a representação, participação

da competição política, para o acesso aos governos e na decisão de políticas públicas.

Na relação entre partidos políticos e democracia, é possível perceber que embora

os partidos sejam necessários para o funcionamento do regime democrático, são,

contudo, insuficientes à participação popular, à cidadania e à representação social.

A democracia representativa está em crise. Segundo Manuel Castells (2001, p;

402), “todas as formas de comunicação, tais como o jornal e a internet tornaram-se o

espaço privilegiado da política”. Os partidos políticos são dependentes dos meios de

comunicação, e todos eles, para adquirir ou exercer poder acabam entrando no mesmo

jogo político. Contudo, as organizações não tem força política e nem confiabilidade da

população por estarem imersos em corrupção e nos escândalos políticos midiáticos.

A emergência e o estabelecimento de novos recursos e possibilidades, no campo

institucional e tecnológico, tornaram os partidos obsoletos. As consequências disso são

o declínio da volatilidade eleitoral e o enfraquecimento partidário. Os meios de

comunicação assumem papel crucial na vida da população, tomando para si o papel

cívico, que tradicionalmente era dos partidos, enquanto instâncias de representação

política.

A propaganda eleitoral, disponibilizada nos canais televisivos, o uso das mídias

sociais, e a cobertura jornalística da política acabam por dar um caráter personalista à

vida política, conferindo aos homens públicos certo protagonismo, diante de situações

próprias da dimensão político-institucional e atribuindo às mídias e aos veículos de

comunicação de massa, papel importante no cotidiano dos eleitores por ser fonte e canal

de informação. Como efeito decorrente desse processo, constata-se a passividade e a

falta de confiança nas instituições como um todo. E o público é inundado por noticias e

coberturas orientadas, em sua grande maioria, em estabelecer uma relação direta entre a

política, os escândalos e a corrupção.

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A partir do surgimento da imprensa criou-se uma nova constituição para a noção

de publicidade e visibilidade de um indivíduo ou político, que, por se desenrolarem em

grande parte sob os holofotes da mídia, acabam sendo caracterizados por ela como um

grande acontecimento. A visibilidade política ganha assim novos contornos.

Os meios de comunicação de massa, dirigem-se a um público heterogêneo e é

voltado à grande audiência. Os canais de comunicação tornam-se o espaço público,

onde a visibilidade adquire repercussão, a disputa simbólica acontece e os líderes

políticos se relacionam com os cidadãos comuns.

A mídia se torna a arena central onde essa luta por poder simbólico é travada. Sendo a

mídia o meio mais importante pelo qual os líderes políticos se relacionam com os

cidadãos comuns, ela se torna assim o meio principal através do qual os líderes políticos

acumulam capital simbólico no campo político mais amplo. Através do contínuo

gerenciamento da visibilidade e da apresentação cuidadosa de si mesmos, os líderes

políticos usam a mídia para construir um estoque de capital simbólico diante do

eleitorado: e esse fato ao propiciar a eles, por sua vez, uma base de apoio popular, lhes

dá poder no subcampo político. (THOMPSON, 2002, p. 139).

A ideia de uma política personalista, baseada no poder pessoal de suas

lideranças, alicerçada nas características construídas pelo discurso e pela imagem é

diretriz para entender o papel do jornalismo e dos meios e comunicação e sua influencia

na formação de opinião. Nesse sentido, é mister avançar na discussão, a partir do

entendimento que o campo midiático opera muitas vezes como mediador das relações

políticas, seja entre grupos de interesse, nas relações do político com o eleitorado, ou na

construção do discurso sobre um tema.

Sem esquecer do jornalismo do tipo “cão de guarda”, que exerce o papel de

guardião dos interesses públicos, vigiando, controlando, expondo e criticando. São eles

que asseguram a função fiscalizadora do campo político, eles tem credibilidade e detém

o poder daquilo que importa ser visto. Segundo Maria Helena Weber, o jornalismo:

É o espaço que vigia, critica e expõe ações e informações geradas por políticos, partidos

e instituições do campo político. Mesmo estabelecendo pactos econômicos e

ideológicos com determinadas instituições e sujeitos políticos, é nesse ambiente que

prevalece a credibilidade. A instância que julga e tem o poder de propiciar visibilidade.

(WEBER, 2009, p. 87).

Nesse ambiente de maior visibilidade, aumentam as possibilidades e as chances

de ações de um grupo, de um setor da sociedade ou de um partido político ganharem

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força pela publicidade e pela interação com os canais midiáticos. A disputa eleitoral se

constrói nesses termos, não exatamente pelas atividades e propostas apresentadas pelos

candidatos seus eleitores, mas sim, pela habilidade e pela capacidade de operação com

recursos do marketing e da propaganda, na utilização dos meios de comunicação de

massa. Segundo Bernard Manin:

A personalidade dos candidatos parece ser um dos fatores essenciais na explicação

dessas variações: as pessoas votam de modo diferente, de uma eleição para a outra,

dependendo da personalidade dos candidatos. Cada vez mais os eleitores tendem a votar

em uma pessoa, e não em um partido. Esse fenômeno assinala um afastamento do que

se considerava como comportamento normal dos eleitores em uma democracia

representativa, sugerindo uma crise de representação política. (MANIN, 1995, p. 26)

A representatividade política sofre consequências danosas com a influência dos

meios de comunicação e seu papel na mediação das relações políticas na vida de seus

cidadãos. Os partidos perdem seu espaço para os meios de comunicação. Não existe o

diálogo e a construção coletiva que havia no século XX, quando os partidos eram

responsáveis por essa função cívica:

Isto é, não notamos a presença de liderança, chefes políticos ou burocratas, porém

percebemos os meios de comunicação realizando esse papel, e mais, realçando a

personalidade dos candidatos através da comunicação de massa. Ou seja, o vitorioso nas

democracias modernas passa a ser aquele que detém a melhor forma de comunicação,

sendo a democracia do público o reinado do "comunicador". (MANIN, 1995, p. 26)

A conclusão do autor, é que a democracia de partidos está se transformando em

democracia de audiência, com o afastamento dos cidadãos da vida política, com o

decréscimo da força das legendas partidárias, e com a ênfase nas características pessoais

das lideranças no processo eleitoral. Com esse processo de profundas transformações,

os partidos perderam funções, na relação entre a população e os representantes, e a

política virou entretenimento aos espectadores, sendo difícil manter partidos fortes, no

sentido institucional e ideológico.

Estudos reforçam que tanto os eleitores, quanto os partidos políticos

contemporâneos tendem a enfatizar as características pessoais dos candidatos, sua

trajetória, suas qualidades como profissional e gestor, em detrimento dos programas do

partido. Os eleitores passam a escolher seus representantes, de acordo com o contexto

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de necessidade e simpatia pelo candidato do momento, sem nenhuma preferência

ideológica ou partidária, tornando a fidelidade partidária algo cada vez mais raro.

O caso brasileiro é ilustrativo. Com uma miríade de siglas, que a cada novo

pleito muda o nome; com candidatos que trocam de legendas e com novos partidos que

surgem a cada momento, é esse o contorno da paisagem quase caótica da história

política do país, e nesse sentido, é fundamental perceber o quão prejudicada fica a

memória dos eleitores e das organizações partidárias.

Manin (2013) ressaltou que essas transformações têm afetado todas as

democracias consolidadas pelo mundo. E essas mudanças são impulsionadas pelo

desenvolvimento do capitalismo globalizado causando impactos generalizados: como a

passagem de economias industriais para economias de serviços, com o aumento da

influencia dos meios de comunicação, com a mudança dos meios sociais tradicionais,

com a elevação dos níveis de educação e cultura, e leva, por fim a um desequilíbrio nas

formas de participação política, no ideal de funcionamento da política, e na falta de

identificação com os representantes e partidos.

O distanciamento dos eleitores e partidos traz consigo problemas, como a

desconfiança nas instituições políticas e de seus atores, o sentimento da não

representatividade, a incapacidade de participação nas decisões políticas (KATZ e

MAIR, 1994; MANIN, 1995).

De acordo com Peter Mair (1994), os tradicionais partidos de massa perdem a

capacidade de atrair membros e simpatizantes, há um declínio de suas funções sociais

de representatividade, a aproximação do aparelho estatal, num tipo de modelo focado

nas estratégias e nos interesses em recursos e cargos, o destaque dos meios de

comunicação e a diminuição das diferenças ideológicas.

O autor enumera recursos estatais que são preteridos pelas organizações

partidárias como: 1) comunicação — a publicidade partidária é regulamentada por leis

que reduzem os custos fornecendo espaço para os partidos nos meios de comunicação;

2) recursos humanos — os partidos contratam funcionários para auxiliá-los nas tarefas

gerenciais; 3) recursos financeiros — os partidos buscam cada vez mais financiamento

do Estado e menos de seus filiados; 4) legislação — a atividade e organização partidária

são reguladas por leis estatais; 5) barganha por cargos troca de cargos no governo por

apoio no legislativo.

Mair (1994) argumenta que, com a concorrência e dependência dos partidos em

relação aos recursos estatais, há um enfraquecimento da organização e o decréscimo da

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identidade partidária. Os laços e os vínculos dos partidos com os eleitores e cidadãos de

modo geral diminuem, ocasionando pouco interesse de novos membros e da

participação no interior do próprio partido.

Os partidos desenvolvem um modelo de comunicação política superficial e

baseada nas propagandas eleitorais que, na maioria das vezes, apresenta caráter

personalista de seus candidatos, com ênfase na biografia e na trajetória pessoal da

liderança, nos feitos de gestões administrativas e com pouco conteúdo programático da

legenda. Os meios de comunicação e as novas mídias sociais é que passam a aproximar

a informação política aos cidadãos. Dessa maneira, a relação entre eleitores e partidos é

marcada pelo desinteresse, falta de engajamento, conveniente apenas durante período

eleitoral, o que acarreta a incredulidade nas instituições representativas.

O autor traça um contexto de fragilidade da democracia de partidos, que perdeu

a capacidade representativa, e que estão ficando cada vez mais debilitados com o

desinteresse e a decrescente participação dos eleitores:

A democracia de partidos, que normalmente oferecia um ponto de conexão e um âmbito

de participação para os cidadãos e seus líderes, se está debilitando, com o resultado das

eleições e do processo eleitoral, se convertendo em pouco mais que partes dignas da

constituição democrática moderna. (MAIR, 2015, p. 36, tradução nossa).

O distanciamento dos cidadãos dos partidos e das instituições políticas acarreta

consequências profundas, como a crise ou transformação do modelo democrático e a

legitimidade do sistema democrático vigente. Por outro lado, novos meios de

mobilização política emergem para tentar preencher a lacuna no tocante à participação

política e mesmo ocupar o papel dos partidos.

Os partidos políticos podem estar perdendo a sua função em relação à

representação, contudo, continuam sendo importante nas arenas da democracia

representativa. A competição eleitoral, a seleção de lideranças políticas, a mobilização

dos eleitores, a implementação de políticas públicas, na atuação no governo e na

oposição, tudo isso compete às agremiações partidárias. Por esse motivo, estudiosos do

comportamento político argumentam que não há uma crise ou o declínio da democracia

de partidos, mas uma adaptação aos novos tempos (MANIN, 1995; URBINATI, 2013).

As mudanças pelas quais os partidos estão passando seriam apenas necessárias

adaptações ao ambiente político e econômico atual. Bernard Manin (1995) sustenta que

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há uma crise no modelo de representação. Na perspectiva do autor, as instituições

representativas continuam funcionando, se modificando e persistem vigorosas. Manin

reconhece a tendência a um tipo de recrutamento político elitista, no qual ganha aqueles

que investem recursos nas campanhas e que se destacam pelo uso dos meios de

comunicação. A qualidade da relação entre representante e representado é que comanda

a possibilidade de que a representação e a democracia caminhem juntas. Sabe-se que a

tendência à formação de uma elite é forte, porém, o movimento de uma democracia

representativa é possível com a aproximação dos governantes e cidadãos.

A qualidade da relação entre partidos e sociedade, o distanciamento entre

representantes e cidadãos é que está em jogo quando abordamos a questão da crise dos

partidos políticos. Para Peter Mair (2003), as funções procedimentais dos partidos na

organização de governos e nas disputas eleitorais continuam, porém, com desafios para

a manutenção da organização partidária:

[...] as funções representativas dos partidos estão em declínio e foram assumidas, pelo

menos parcialmente, por outros organismos, ao passo que as suas funções processuais

foram preservadas, chegando mesmo a adquirir uma maior relevância. Por outras

palavras, assim como os partidos mudaram da sociedade para o Estado, as funções que

estes desempenham, e se espera que desempenhem, mudaram de uma acção

principalmente representativa para uma acção principalmente governativa. Esta

mudança enfatiza também um aspecto importante relativo ao suposto «declínio dos

partidos»: de facto, os partidos enquanto tais não declinaram, mas modificaram-se e

encontram-se hoje cada vez mais implantados nas instituições. (MAIR, 2003:p. 285)

Mair aponta as dificuldades encontradas pelos partidos contemporâneos, como a

fraca identidade partidária, “os partidos se arriscam a confundir-se cada vez mais uns

com os outros”, partilham de estratégias semelhantes de organização e campanha na

disputa pela simpatia do mesmo eleitorado, tornando-se inevitavelmente parecidos uns

com os outros.

No ponto de vista das estratégias partidárias, os partidos acabam realizando

alianças estratégicas estritamente para ter acesso ao poder, o que implica na formação

de coligações e uniões entre partidos para atuarem na arena governamental. Mair (2003)

enumera exemplos de diversos partidos europeus que foram no passado inimigo

tradicional e até mesmo adversário no campo ideológico, e que hoje partilham do

mesmo espaço governamental.

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Processo semelhante acontece no Brasil. A frágil identidade partidária força o

govermo a se lançar em difíceis acordos e em governos de coalizão, em que a barganha

e a negociação política com os partidos aliados são frequentes no jogo político.

A adaptação dessas organizações às novas formas de se fazer política é o que se

observa aos poucos, como o surgimento dos “partidos-movimentos”, que tem sua

origem em movimentos sociais ou movimentos de protesto como o Podemos e

Movimentos Cidadãos (Espanha) e o Syriza (Grécia), mais à esquerda. É possível se

verificar também, partidos que buscam se identificar como movimento e não como

partido, exemplo: Cinco Estrelas (Itália), Em Marcha (França). No Brasil, é o caso do

Raiz Movimento Cidadanista, um dos mais conhecidos, entre aqueles que aguardam

registro junto ao TSE, além daqueles que apenas optaram por solicitar a mudança de

nome retirando o “P” de partido do nome da legenda.

Peter Mair (2003), ao elaborar uma perspectiva futura para os partidos, acerta ao

adiantar alguns passos como a substituição dos partidos pelas organizações de interesse

e de movimentos da sociedade civil, exemplo dos partidos-movimentos. O processo de

ocultação da ideologia ou do conflito ideológico na apresentação e aparência dos

partidos. Dificuldade dos partidos de esquerda na adaptação às novas formas de

organização e atuação, em especial quanto à estrutura hierárquica e as formas de

atuação em redes. De outro, nota-se a fácil adaptação dos partidos conservadores a esse

movimento, o que explica em partes sua ascensão organizada em diversos países.

A pesquisadora Nadia Urbinati (2013) nos fornece outra interpretação sobre a

democracia contemporânea e as mudanças observadas nos partidos políticos. Segundo a

autora os partidos mudaram sua função, mas não perderam importância, nem estão em

vias de extinção. O momento autal corresponde à transformação da democracia

representativa em plebiscitária. O que significa dizer que no plebiscitarismo

contemporâneo os eleitores ou cidadãos não são mais mobilizados por lideranças

carismáticas.

O novo plebiscitarismo é o da democracia da audiência (audience), que surge do

declínio do partido-organização e da expansão dos meios de comunicação, que

transformou o cidadão em espectador da política. A característica marcante é a

personalização do poder e da política que conduzem o olhar do cidadão à exibição da

performance, da teatralidade, da visibilidade.

Assim, prevalece a consolidação de um grupo de lideranças e a teatralização do

jogo político-democrático. De um lado, continua no poder um determinado grupo que

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defende interesses políticos tradicionais e por outro o foco das atenções volta-se as

características pessoais do político.

Na esteira desse processo, os recursos e estratégias empregadas pelos

profissionais da comunicação e pelos especialistas em marketing (político) são

determinantes para a construção da imagem pública do personagem político, e a política

da audiência ganha projeção em relação à democracia de partidos. Com isso, a

democracia de audiência passa a ser produzida e conduzida por especialistas de

marketing e por pesquisas de opinião. Diz Urbinati:

Na democracia por meio de partidos, a imagem do candidato não tomava o lugar das

expectativas futuras dos eleitores como acontece na democracia plebiscitária [de

audiência], em que as eleições estão centradas na imagem do candidato e a referência

aos programas e às plataformas políticas é quase irrelevante (URBINATI, 2013, p. 103).

Desse modo, as pesquisas e sondagens de opinião são utilizadas com objetivos

eleitorais. A representatividade política, ou mesmo o programa político, não são

objetivos nesse formato de partido. Para a autora, o declínio do partido-organização

corresponde ao crescimento dos partidos-esponja, também chamados de leve ou líquido.

Os partidos-esponja operam de forma procedimental, porém com legitimidade,

regulando as eleições, organizando governos e ocupando cargos no Estado em todos os

níveis, abrindo pouco espaço para a participação e controle do cidadão. Esses partidos

apresentam frágil conteúdo ideológico e programático, buscam acima de tudo angariar

votos e obter alianças eleitorais.

Sabe-se que a noção de representação política está associada à representação

social. O eleitor escolhe o candidato por meio do voto para representá-lo politicamente,

a partir de determinadas demandas, orientado por ideais, pensamentos e posições

adotadas. Há nessa relação um processo de identificação entre o eleitor e seu candidato.

A discussão sobre a crise dos partidos e das democracias contemporâneas

concentra-se nesse fato, de que a crise do regime representativo está em declínio e

consequentemente os mecanismos de representatividade. Os partidos e suas lideranças

voltam sua atenção para si e se esquecem dos eleitores.

Nas democracias ocidentais consolidadas, Manuel Castells (2001) mostra

como as eleições têm revelado um dado importante: a diminuição da participação da

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população nos processos eleitorais. Para ele a crise da democracia está atrelada a uma

crise de legitimidade. “(...) as novas condições institucionais, culturais e tecnológica do

exercício democrático, tornaram obsoletos os sistemas partidários existentes, levando à

volatilidade eleitoral, o desaparecimento gradativo dos partidos e a importância decisiva

da mídia nos processo eleitorais e assim para ele a tendência global parece indicar ou

confirmar, ao longo do tempo, a proporção decrescente de votos para os partidos”.

Quanto à crise de legitimidade, diz “um componente essencial dessa crise de

legitimidade consiste na incapacidade de o estado cumprir com seus compromissos

como estado de bem-estar, desde a integração da produção e do consumo, com um

sistema globalmente independente e os respectivos processos de reestruturação

capitalista” (CASTELLS, 2001:401).

Sobre esse cenário de crise das instituições tradicionais partidárias e

representativas, a pesquisadora Rachel Meneguello afirma que novos horizontes podem

se apresentar à participação política:

Um conjunto grande de análises internacionais vem mostrando uma tendência à

constituição de um cenário adverso às instituições tradicionais partidárias e

representativas, marcado, sobretudo pelo descrédito nos partidos, nas eleições e nos

próprios governos como atores responsivos aos interesses do público. A mesma

tendência declinante ocorre para a confiança em instituições (...) esses estudos apontam

o declínio da participação eleitoral nas democracias consolidadas e a intensificação de

formas mais participativas de ativismo político. (MENEGUELLO, 2003, p.346)

Refletindo sobre a insatisfação dos cidadãos frente à incapacidade do sistema

partidário em responder seus anseios e aspirações, vemos como este ambiente de

descrédito das instituições tem contribuído para o crescente distanciamento do eleitor

dos partidos e para a emergência de formas alternativas de representação política à

margem dos partidos tradicionais voltando-se, sobretudo para as mobilizações e

ativismo político pela Internet e outras mídias sociais.

Por outro lado, sucede que os meios de comunicação: a televisão, o rádio, a

imprensa e as mídias sociais, auxiliam na formação da relação construída com o eleitor,

em especial naquilo que diz respeito à identificação.

O comportamento do eleitor, no processo eleitoral, se relaciona à afetividade: o

gostar ou simpatizar com o candidato, extraindo essa percepção através de imagens,

modo de falar, de olhar e de se pronunciar. A escolha está diretamente ligada à imagem

do candidato e aquilo que o eleitor acredita ser melhor. Portanto, pouco importa o

conteúdo ideológico, o programa e plano de governo que se pretende adotar.

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O Brasil é mais um exemplo dessa situação, os eleitores escolhem a pessoa e não

a legenda e seus projetos. Assim, aqueles que possuem o domínio das técnicas de

comunicação, recursos investidos no marketing e na propaganda levam vantagem na

disputa eleitoral, pois, pautam-se na construção do carisma e no poder de persuasão.

O cenário apresentado sinaliza para a importância de se compreender a relação

entre a política e os meios de comunicação; entre quem detém o poder de informação,

quem controla e como funciona a construção do discurso político nos jornais. Cabe

investigar como as mídias têm se apropriado das questões que envolvem o sistema

partidário e como tem apresentado isso ao público.

O processo de alterações pelas quais passaram os partidos políticos no mundo

todo ganhou elementos que auxiliam na construção de uma narrativa sobre o sistema

político. No Brasil, essa questão ao ser tratada pelos formadores de opinião aponta para

a necessidade de uma reforma política, que ajuste problemas como a questão da

corrupção, do financiamento eleitoral, da representatividade política, da migração

partidária e do personalismo político.

O caso do Brasil é também ilustrativo da fragilidade do sistema partidário e da

crise de representação política. Numa perspectiva histórica, as falhas e distorções, além

da falta de legitimidade dos partidos, acompanham nossa história política. Analisando

a agenda da reforma política no período democrático, apesar da democracia brasileira

esteja relativamente consolidada (ocorrem eleições regulares, os resultados eleitorais

são respeitados, há liberdade de organização partidária etc), há, um paradoxo: as

instituições democráticas são objeto de ampla e continuada desconfiança e descrédito

dos cidadãos brasileiros.

Os desafios que se impõem a teoria democrática é compreender o

distanciamento dos representantes e seus representados, como tornar estes últimos mais

participativos num sistema que é assimétrico. Urbinati revigora esta discussão ao

perceber a representação não apenas como um ato da vontade expressa no

consentimento e no voto, mas algo que se renova por meio da avaliação política

(julgamento), abrindo brechas para que a teoria política considere outros modos de

representação e participação. Talvez, devêssemos considerar melhor a questão da

responsividade, do accountability da representação democrática, e das formas de

participação por meios dos canais de comunicação não tradicionais (redes sociais), e do

acesso as contas públicas.

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CAPÍTULO 2 – DA REDEMOCRATIZAÇÃO AOS GOVERNOS LULA I E II: O

DEBATE E A AGENDA DA REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO

BRASILEIRO

A reforma política não é um tema recente nas discussões públicas, ganhou

destaque nos meios de comunicação e espaço na agenda política após a Constituição de

1988, junto ao reestabelecimento da democracia, das eleições regulares para a escolha

de representantes, no âmbito de um sistema representativo, multipartidário, pluralista e

da participação cidadã. Com o processo de redemocratização, mecanismos foram

criados para garantir que pudesse haver maior participação da sociedade e suas camadas

na vida política respeitando a legislação eleitoral vigente, que remete ao Código

Eleitoral de 1965 e a Lei Eleitoral de 1997.

No processo de debate sobre a Constituinte, optou-se pela construção de certo

consenso sobre como deveria ser o sistema representativo brasileiro. Os diversos atores

políticos que participaram deste processo mantiveram componentes importantes na

história da vida republicana brasileira como o sistema presidencialista (Constituição de

1891), a representação proporcional de lista (Constituição de 1946), o bicameralismo

(Constituição de 1891) e o federalismo (Constituição de 1891). (NICOLAU, 2003;

p.11)

É pertinente fazermos neste momento uma breve retomada dos principais

elementos que caracterizam as regras que regulam a disputa eleitoral no Brasil e que,

têm impacto na formatação do sistema partidário, para, em seguida, apontar algumas

considerações sobre as propostas de reforma política que se fizeram presentes na

histórica democrática recente.

O sistema político brasileiro se caracteriza pela combinação entre:

presidencialismo, multipartidarismo (atualmente 35 partidos políticos registrados no

TSE – Tribunal Superior Eleitoral, 2016) e representação proporcional. Para grande

parte da literatura consultada, a combinação desses elementos em um mesmo sistema

político torna a sustentação, a estabilidade e o fortalecimento da democracia algo difícil,

sobretudo quando se trata da questão das alianças políticas no interior do chamado

presidencialismo de coalizão.

O cientista político Sérgio Abranches, em artigo publicado em 1988 e intitulado

“Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro.” -, caracteriza o sistema

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político brasileiro, a partir de uma especificidade: o presidencialismo pautado em

coligações eleitorais.

Segundo o autor, a frequência de coalizões observadas no Brasil seria um reflexo

da fragmentação do sistema partidário, da variedade de partidos, e da heterogeneidade

de atores políticos que advém das eleições de fins da década de 1950, e que tornaria

confusa a distinção entre as legendas partidárias e as identidades políticas. Abranches

argumenta que no Brasil a combinação entre a proporcionalidade e o multipartidarismo

organiza o Executivo com base em coalizões, a este fenômeno denominou

“presidencialismo de coalizão”.

Sabe-se que desde as eleições presidenciais de 1989, todos os governos eleitos

têm sido estruturados a partir das alianças e coalizões, que tem assim suas finalidades:

garante apoio, força, recursos e visibilidade na campanha eleitoral; participação na

divisão de pastas e gabinetes ministeriais distribuídos entre os partidos aliados; e

também nas votações no âmbito do Congresso Nacional.

As regras de representação e o sistema partidário expressariam a ideia de uma

sociedade política marcada pela pluralidade, elemento este, fundamental e necessário

para que se organizem governos por meio de alianças políticas heterogêneas que

garantam as oportunidades de manutenção de cargos, mandatos ou outros benefícios

oriundos da vida política:

É possível perceber até intuitivamente, que a possibilidade de alianças e coligações

amplia adicionalmente o campo de escolhas eleitorais, elevando a fragmentação

partidária, na medida em que não apenas garante a sobrevivência parlamentar de

partidos de baixa densidade eleitoral, mas também multiplica as possibilidades de

escolha além das fronteiras de legendas partidárias. (ABRANCHES; 1988:14)

Segundo esta avaliação, os políticos aproveitam-se das oportunidades colocadas

por este mecanismo e exercem suas atividades com vistas à reeleição e o bem público

estaria bem longe dos objetivos partidários. Todavia, observamos também que há

incentivos na legislação eleitoral brasileira para que se realizem coalizões entre os

partidos políticos na tentativa de evitar conflitos ou impasses.

Do ponto de vista destes atores, a estratégia eleitoral está em construir

determinadas alianças para garantir as condições necessárias de governabilidade na cena

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política. Embora este requisito não seja suficiente para a realização de um projeto

político idealizado pelos partidos envolvidos, observamos que, a partir das alianças

estes atores apoiam suas expectativas de realização de uma agenda política.

Na medida em que tomamos as alianças como elemento fundamental e inerente

à vida política seja na forma de negociação e acordos ou mesmo na constituição de

bases de apoio na arena parlamentar ou de grupos de oposição, destacamos a

importância deste mecanismo como instrumento de garantia de boa relação entre

Executivo e Legislativo, assegurando as condições favoráveis para uma gestão de

governo sem entraves, contratempos ou crises políticas.

Outra questão sinalizada, esta pelo pesquisador Scott Mainwaring (1991) reforça

a ideia de que objetivos pessoais dos atores políticos prevalecem, tendo em vista a

estratégia de ganhar a disputa eleitoral, o que dificultaria a construção de alianças

estáveis ou mesmo a distinção pelo eleitorado das legendas agrupadas nas coligações.

Para Mainwaring a despolitização do eleitorado ocorre porque há grande número de

candidatos em disputa eleitoral e uma diversidade de partidos que obstruiriam o

controle partidário aumentando a importância dos esforços individuais na campanha:

A legislação eleitoral estimula a autonomia dos representantes eleitos em relação a seus

partidos. Os representantes podem agir independentemente de programas com quase

nenhuma chance de sofrer sanções. Eles não devem seus mandatos ao partido, mas sim

à sua própria iniciativa. Os partidos aceitam violações flagrantes dos programas

partidários e dos compromissos organizacionais quando um político consegue uma

grande soma de votos. (MAINWARING, 1991, p. 44)

Nesse sentido, a fragilidade do sistema político brasileiro decorreria em primeiro

lugar pelo fato de os mandatos dos candidatos pertencerem a eles mesmos e não a

legenda na qual são filiados. Os partidos seriam entidades fragilizadas diante do poder

pessoal do político; pouca possibilidade de identidade partidária; a relação entre

representantes e representados seria marcada pela falta de representatividade política.

Nesta perspectiva, a questão da representação política e mesmo da identidade partidária

não se apoiariam nas necessidades dos eleitores, e sim, constituir-se-ia a partir de lógica

oportunista dos partidos em garantir a reeleição e o fortalecimento pessoal do candidato.

Para Mainwaring (1993) a combinação de presidencialismo com sistema

proporcional e multipartidarismo estimularia a indisciplina partidária e o distanciamento

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da vontade e da representatividade do eleitor na ação parlamentar. O autor sustenta que

os políticos tenderiam a agir de forma indisciplinada, na medida em que nesse sistema

as coligações partidárias seriam construídas e mantidas por ocasião das estratégias

eleitorais. Neste caso, um exemplo seriam os ministérios, que ao serem escolhidos pelo

presidente como forma de participação dos partidos aliados, comprometeria o apoio e

compromisso nas atividades parlamentares do governo.

Numa perspectiva teórica oposta, situamos o trabalho de Argelina Figueiredo e

Fernando Limongi (1996) que transporta o desafio institucional para outra questão, o

desafio de realizar reformas políticas que tenham efetividade no sistema político

brasileiro, uma vez que, para os autores, na prática, o próprio sistema elabora

mecanismos que solucionam impasses apontados pela literatura. Para eles o sistema

político brasileiro é marcado pelo forte poder de agenda do presidente da República e a

alta centralização dos trabalhos parlamentares nas mãos dos líderes partidários.

Segundo Figueiredo e Limongi (1999), a Constituição de 1988 teria mantido os

instrumentos introduzidos durante o regime militar, com o objetivo de garantir a

preponderância do Executivo sobre o Legislativo, fazendo deste último um servidor, na

consideração das proposições de iniciativas e leis, em caráter de urgência pelo

presidente da República, a projetos de sua autoria e à edição, pelo chefe do Executivo,

de medidas provisórias com força de lei. De outro lado, os líderes partidários teriam sua

importância ampliada pelos novos regimentos internos das casas legislativas, fazendo

com que atuassem como coordenadores das bancadas partidárias.

Conforme estudos produzidos pelos respectivos autores, observou-se que cada

partido vota de acordo com seu bloco ideológico e com aval de sua liderança partidária.

Tornando assim, as coalizões um dos mecanismos de disciplina dos partidos, uma vez

que os líderes das legendas seriam os responsáveis por impor a disciplina partidária às

suas bancadas. Este cenário é marcado por negociações partidárias, conduzidas pelas

lideranças do partido que formam a base do governo. Portanto, os arranjos políticos e

eleitorais, assim como as reformas, não produziriam os resultados esperados.

Fernando Limongi (2006) contesta o conceito de “presidencialismo de

coalizão”, elaborado por Sérgio Abranches. Limongi afirma que Abranches ao dar

pouca importância às estruturas mais profundas do sistema político brasileiro, não

destacou o peso do Executivo no controle da agenda legislativa nas aprovações de suas

proposições sustentando-se nos partidos:

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A forma como o processo decisório é organizado, mais especificamente, o poder de

agenda conferido ao Executivo, garante que o governo brasileiro opere em bases

similares às de grande parte das democracias existentes. Nesse aspecto particular, a

Constituição de 1988 alterou radicalmente as bases institucionais sobre as quais se

estruturam as relações entre o poder Executivo e o Legislativo. (LIMONGI, 2006, p. 20)

Deste modo, com a Constituição de 1988, o presidente dispõe da prerrogativa de

legislar sobre as principais áreas da política, o que não constituiria uma especificidade

do sistema político brasileiro em relação às constituições de outros países, visto que, o

presidente controla a agenda e seus aliados, e os partidos políticos se garantem enquanto

atores fortes no sistema em questão:

O governo controla a produção Legislativa e esse controle é resultado da interação entre

poder de agenda e apoio da maioria. Maioria reunida por uma coalizão partidária pura e

simples. Nada muito diverso do que se passa nos governos parlamentaristas. Ou seja,

não há bases para tratar o sistema político brasileiro como singular. Muito menos, para

dizer que estaríamos diante de uma democracia com sérios problemas, ameaçada por

alguma síndrome ou patologia causada que pela separação de poderes, quer pela

fragilidade de seus partidos. (LIMONGI, 2006, p. 25)

Sendo assim, se o presidente tem pleno controle da agenda e as lideranças de

cada partido orientam suas bancadas, o comportamento de políticos e partidos seria caso

resolvido, se não considerássemos o eleitorado e a dificuldade de distinção entre as

legendas partidárias que fazem parte de uma coligação.

De acordo com Figueiredo e Limongi, a coesão partidária e ideológica é

observada e tem-se como elemento ordenador não o interesse particular e individual dos

políticos, mas sim a figura da liderança partidária do momento e sua autoridade na arena

parlamentar:

[...] a disciplina encontrada torna as decisões do plenário previsíveis. Se um observador

qualquer entra em plenário em meio a uma votação nominal em tempo de ouvir somente

os votos encaminhados pelos líderes dos partidos, ele será capaz de prever o resultado

desta votação com 90% de chance de acerto. Os votos das bancadas não se distribuem

de maneira aleatória, obedecendo antes a um padrão constituído a partir da proximidade

ideológica dos partidos. (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1996, p. 30)

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A necessidade de conceituar ou mesmo definir o presidencialismo de coalizão,

pode tornar mais inteligível o debate que está sendo realizado, ao retomar a definição de

presidencialismo elaborada por Cheibub, Przeworsky e Saiegh (2002, p. 189), de que,

“no presidencialismo é uma situação em que o partido do presidente controla todas as

pastas ministeriais e as políticas são estabelecidas no ponto ideal do presidente”.

O fato é que a prerrogativa do presidencialismo divide-se em dois tipos de

situação: a primeira refere-se a uma coalizão ministerial, em que um grupo de

legisladores, pertencentes a partidos que ocupam cargos de gabinete, cuidam da

distribuição das pastas ministeriais e tem por finalidade apoiar o governo. A segunda

situação refere-se a uma coalizão parlamentar, em que legisladores pertencentes a

diferentes partidos votam da mesma maneira. Também conhecida como coalizão

legislativa, tem por finalidade assegurar os votos para a aprovação de assuntos do

interesse do governo vigente.

A formação de gabinetes de coalizões, no presidencialismo brasileiro, tem por

objetivo maior realizar um acordo entre Executivo e Legislativo, assegurando a

participação de diversos partidos na condução do governo. Embora a ideia que se faz

das coalizões é que elas se formem em torno de uma questão programática, em que os

partidos discutiriam e acordariam sobre diferentes posições ideológicas, na prática não é

isto que acontece, porque quem controla as decisões e a agenda é o presidente e seu

partido, funcionado assim como um coordenador de interesses diversos.

Cabe ressaltarmos também a função dos partidos na composição governamental,

no Congresso, no Senado e nas Câmaras Municipais. Segundo Rachel Meneguello

(1998), após a redemocratização em 1985 que os partidos passam a compor os níveis de

governo, buscando estabelecerem e consolidarem quadros partidários legítimos de uma

sociedade democrática.

O estabelecimento e organização dos partidos estabelece relações entre o Estado

e a sociedade para a representação de distintos interesses de grupos políticos no interior

do Estado e a função de governo:

No campo dos processos decisórios e da gestão da sociedade, [...] figuram como agentes

centrais da conexão entre os cidadãos e os governos democráticos, atuando como os

articuladores das questões na arena pública, definindo agendas governamentais e

influenciando o processo de elaboração das políticas públicas.

(MENEGUELLO, 1998, p.26)

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A presença dos partidos nas disputas eleitorais, na escolha de seus candidatos, na

composição das cadeiras representativas são fundamentais para uma melhor

governabilidade, efetivação das políticas e no diálogo com a sociedade civil,

movimentos sociais, sindicatos e ONGs, além da formação das alianças em todas as

esferas de governo.

Considerado como um dos elementos mais polêmicos da vida partidária, as

alianças políticas vêm sendo abordada de modo geral como um mecanismo mais usual

de estratégia eleitoral. O contraponto deste tipo de prática disseminada entre os partidos

políticos distorce o voto original do eleitor, que ao escolher um candidato de sua

preferência acaba elegendo outro candidato por causa do mecanismo denominado

quociente eleitoral.

Cabe lembrar que, os partidos políticos brasileiros apresentam-se na arena

política muito mais em alianças partidárias do que como legendas diferenciadas, o que

destaca a figura dos candidatos individualmente e das coligações formadas pelos

diversos partidos de orientação ideológica até mesmo incompatível.

As coligações são realizadas em todas as esferas de disputa eleitorais, e isso

dificulta, aos eleitores, a distinção dos partidos e a criação de identidades partidárias

mais sólidas. A formação de governos de coalizão é marcada assim, pela

heterogeneidade, o que nos permite questionar a efetividade do sistema eleitoral na

orientação dos cidadãos para a decisão do voto. Desde 1985, os partidos encontram

desafios em construir e manter vínculos de lealdade com o eleitorado, a fim de

assegurar uma base de apoio.

Levando-se em conta algumas das questões e propostas trazidas pelos estudiosos

da ciência política, e observando a história da agenda da reforma política, pouco se tenta

combater os problemas ou disciplinar a performance dos atores e partidos políticos, mas

busca-se colocar em destaque novas formas e mecanismos de estratégias eleitorais na

arena política que podem beneficiar alguns atores.

Segundo o pesquisador Francisco Fonseca (2013: p.409), o sistema político

brasileiro atualmente mantem uma estrutura que foi moldada no período da ditadura

militar, com características que vão da pouca representatividade; do financiamento

misto (público e privado) com predominância das doações privadas; da infidelidade

partidária; da coligação em eleições proporcionais que distorcem o voto do eleitor,

devido ao quociente eleitoral, entre outros. Para o autor, vencem as eleições os partidos

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políticos que obtém financiamento privado de campanha; que na maioria das vezes

formam coalizões ideológicas incoerentes, devido ao tempo de exposição que podem

angariar no horário gratuito eleitoral de radio e televisão; e também, para garantir a

chamada “governabilidade”.

Como a esmagadora maioria dos grandes e médios partidos – que carreiam candidatos

ao Executivo e ao Legislativo – é financiada por grandes interesses (bancos,

construtoras, entre outros setores empresariais sensíveis à ação estatal), governar

implica fundamentalmente costurar acordos diversos e normalmente contraditórios.

Mais ainda, a vida pública torna-se fortemente “privatizada”, na medida em que

interesse privados, notadamente empresariais, se fazem presentes antes, durante e

depois das eleições, colocando a democracia brasileira, embora não apenas ela, sob

suspeição plutocrática. (FONSECA, 2013, p. 409)

Neste sentido, os partidos políticos para ganharem os pleitos, ou para

governarem, são obrigados a seguir as regras do “jogo politico”, o que implica em

negociar compromissos ou programas de governo, que podem resultar em ações

limitadas ou políticas públicas contraditórias e pouco transformadoras. Tal fenômeno

nos leva a refletir sobre a heterogeneidade estrutural da sociedade brasileira e

pluralidade de interesses na sua dimensão política.

Esta questão foi abordada por Abranches (1988: p.06-07) ao tentar compreender

a dimensão social, econômica e política, seus desequilíbrios e descompassos, que

refletem em problemas encontrados no sistema político brasileiro. Segundo o autor, a

sociedade brasileira é desigual social e economicamente. Há um “pluralismo de

valores”, de grupos diversos que buscam acesso a política institucional no intuito de

representar determinados interesses de setores da sociedade.

Nesta lógica, terá representação grupos detentores de recursos diversos como

financeiros, humanos, de visibilidade, entre outros. O dilema institucional do sistema

político brasileiro estaria assim, para Abranches, na necessidade de encontrar uma

ordem, via instituições, que fosse capaz de lidar com o cenário heterogêneo de

interesses, que possibilitasse a redução das desigualdades e disparidades em todas as

dimensões.

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2.1 - Agenda da reforma política (1993-2003)

Desde a promulgação da Constituição de 1988, vários temas fizeram parte da

agenda pública da reforma política. A ideia de que o Brasil precisava reorganizar sua

forma de fazer política, via reforma, apareceu com força logo após o processo de

impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, na época filiado ao Partido da

Reconstrução Nacional (PRN) de Alagoas. Collor foi deposto do mandato presidencial e

teve seus direitos políticos suspensos por oito anos por causa do envolvimento em

esquemas de corrupção. Cabe lembrar que após muitos anos de ditadura militar e

eleições indiretas para presidente, a disputa eleitoral marcou o ano de 1989 como o ano

em que os cidadãos brasileiros exerceram o direito de opinar sobre qual candidato

governaria o país, a acirrada disputa entre Fernando Collor de Mello (PRN) e Luiz

Inácio “Lula” da Silva (PT) coroava o retorno à democracia.

Foi neste cenário de intenso debate que no mês de abril de 1993, a forma e o

sistema de governo foram questionados em um plebiscito, que decidia se o país deveria

ter um regime republicano ou monarquista controlado por um sistema presidencialista

ou parlamentarista. A escolha pela República Presidencialista vinha reforçar uma

atitude de defesa e aprimoramento das instituições representativas, que poderiam ser

aperfeiçoadas por reformas e ajustes do sistema político para garantir a condição

necessária de governabilidade e o bom funcionamento da democracia brasileira.

Segundo o pesquisador Jairo Nicolau (2013; p. 08), alguns temas propostos estão

ligados à alteração do sistema proporcional e continuam na agenda de uma discussão

sobre reforma política: opções à lista aberta (voto majoritário-distrital, lista fechada e

lista flexível); redução da fragmentação partidária; proibição de coligações nas eleições

proporcionais e adoção de cláusula de exclusão.

A reforma política foi objeto de discussão no primeiro mandato do ex-presidente

Fernando Henrique Cardoso (PSDB) - de 1995-1999, quando foram criadas as

Comissões Especiais para analisar as propostas e propor alternativas, na Câmara dos

Deputados e no Senado Federal. No entanto, a Comissão da Câmara não concluiu seus

trabalhos; já a Comissão do Senado, após diversos debates com representantes do Poder

Executivo, da Justiça Eleitoral e de partidos políticos, resultou , em 1998, na

apresentação de uma série de propostas, na forma de Propostas de Emendas à

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Constituição e Projetos de Lei do Senado. As mudanças mais significativas propostas

pela Comissão do Senado referem-se à instituição da fidelidade partidária; ao voto

facultativo; ao financiamento público exclusivo de campanha; e à cláusula de barreira.

Durante a primeira gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

(PSDB), houve a aprovação da Lei 9.096 de 1995 ainda em vigência, e que dispõe

regras aos partidos políticos quanto ao seu funcionamento, organização, programa e

estatuto, filiação, fidelidade e disciplina partidária, prestação de contas, propaganda

gratuita no rádio e TV, entre outras questões. Algumas dessas mudanças foram

aprovadas no Plenário do Senado, como o financiamento público de campanhas, a

fidelidade partidária, o fim das coligações.

No final da primeira gestão foi aprovada a emenda constitucional da reeleição,

no ano de 1997, o que permitiu a Fernando Henrique Cardoso concorrer novamente ao

cargo nas eleições presidenciais em outubro de 1998: eleições que foram marcadas por

um cenário conturbado de denúncias de venda de votos de parlamentares da base aliada

do governo, para que tal emenda fosse aprovada.

Percebe-se neste momento, que a agenda da reforma política volta-se para

diversos aspectos relacionados às regras eleitorais regulares e a organização dos

partidos políticos, visando posteriormente alterações pontuais nas regras do sistema

político-eleitoral, na forma de financiamento de campanha, objetivando maior

participação da sociedade e transparência nas contas dos partidos políticos.

Jairo Nicolau (2003) elaborou um trabalho expresso no quadro abaixo, que

compreende o período após a volta à democracia e o estabelecimento de eleições

presidenciais regulares no Brasil com os principais itens e elementos discutidos quanto

às propostas de mudanças no sistema político brasileiro. Figuram nesta agenda questões

já abordadas no texto como: critérios para eleições para a escolha de deputados; eleições

presidenciais, duração de mandato e reeleição; escolha pelo voto obrigatório ou

facultativo; regras para troca de legendas; legislação eleitoral e sistema de governo.

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Sumário da agenda da reforma política no Brasil (1993-2003)

Sistema Eleitoral da Câmara dos Deputados

Novo sistema de representação (diversas propostas de introdução de sistemas mistos nas eleições para Câmara dos Deputados)

Adoção de novo critério para apresentação da lista de candidatos (lista fechada/lista flexível)

Fórmula matemática (retirada dos votos em branco do quociente eleitoral, 1998).

Cláusula de exclusão nacional (adoção de cláusula de 5% para acesso dos partidos à Câmara dos Deputados)

Número de representantes por estado na Câmara dos Deputados (diversas propostas aumentando o número mínimo e máximo de representantes por estado)

Coligações (proibição nas eleições parlamentares)

Eleições para o Senado (mudança nas regras de eleição para suplentes)

Regras da Eleição para o Executivo

Sistema eleitoral (novos critérios para realização do segundo turno; fim dos dois turnos nas eleições de prefeito e governados).

Duração do mandato (redução do mandato presidencial, 1997);

Reeleição (possibilidade de uma reeleição para os chefes do executivo, 1997).

Voto Obrigatório Adoção do voto facultativo (proposta derrotada na votação da Revisão Constitucional de 1993)

Restrição à Troca de Legenda

Fidelidade partidária (perda do mandato para os políticos que trocaram de legenda)

Disciplina parlamentar (punição para o parlamentar que votou contrariamente a posição do partido)

Legislação Eleitoral

Financiamento público de campanha

Prazo de filiação partidária (aumento do prazo de filiação partidária para que se possa concorrer em uma eleição)

Divulgação de pesquisas de opinião (restrições para divulgação)

Acesso dos partidos ao radio e televisão (restrição para os pequenos partidos, 1995).

Legislação Partidária

Regras para um partido ser reconhecido pelo TSE (maiores exigência, 1995).

Acesso ao fundo partidário (condicionado ao desemprenho eleitoral, 1995).

Sistema de Governo

Adoção do parlamentarismo (proposta derrotada no plebiscito de 1993)

Reprodução: Quadro 1 - Sumário das principais propostas de reforma política apresentadas no Brasil

(1993-2003) – (NICOLAU, 2003; p.12-13).

O contexto da eleição presidencial de 2002 merece destaque neste estudo, em

virtude da estar relacionado ao objeto de pesquisa e sua demarcação histórica sobre a

reforma política. O então candidato Luiz Inácio “Lula” da Silva (PT), já havia passado

por três derrotas eleitorais à presidência da República nos anos de 1989, 1994 e 1998. O

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Brasil vinha de duas eleições que foram decididas em primeiro turno que deram vitória

a Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Contudo, no decorrer de seu segundo mandato,

uma grave crise econômica e cambial se instalou em nosso país, ocasionando aumento

do desemprego e da dívida pública. O longo período no poder desgastou qualquer

tentativa de continuidade por parte de outro candidato de seu partido nas eleições, na

época José Serra estava na disputa eleitoral.

Foi nessa conjuntura difícil, marcada pela incerteza e pelo desejo de mudança,

que o candidato petista ganhou peso e destaque nas pesquisas de intenção de voto. Com

a assinatura da Carta ao Povo Brasileiro, documento que garantia a continuidade do

projeto econômico neoliberal, Lula conquistou a confiança dos investidores estrangeiros

e dos eleitores que apostaram num governo disposto a agregar interesses diversos. A

reforma política foi declarada prioridade na campanha de 2002 e reforçada por Luiz

Inácio Lula da Silva após a confirmação de sua reeleição.

2.2 - Agenda da Reforma Política – governo Lula (2003-2010)

No decorrer do primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a

Comissão Especial de Reforma Política, presidida pelo deputado Alexandre Cardoso

(PSB-RJ), realizou dezenas de reuniões, audiências públicas e seminários, com

especialistas brasileiros e estrangeiros, para discutir as propostas de mudanças nos

sistemas político, partidário e eleitoral do Brasil. Nenhuma das proposições decorrentes

desse debate, como a PEC 548-B e os Projetos de Lei de nos 5.268, 1.712 e 2.679,

obtiveram consenso entre os parlamentares.

Com a atribuição de efetuar um estudo sobre as matérias em tramitação no

Congresso Nacional e elaborar uma proposta de reforma, a Comissão Especial de

Reforma Política, que tinha como relator o deputado Ronaldo Caiado (DEM/GO),

encaminhou uma proposta de Lei Ordinária, deixando de fora medidas que requeressem

mudanças na Constituição. O projeto tinha como foco processo de escolha da

representação política e dos partidos. Sendo uma proposta de lei infraconstitucional, não

foram incluídos, temas frequente no debate sobre reforma política, como voto

facultativo e a proporcionalidade da representação dos estados.

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A composição da bancada da eleição de 2002 para deputado federal contava, em

sua grande maioria, com representantes do PT, PFL, PMBD e PSDB, sendo que o PT

aumentou sua bancada naquele ano como observamos na tabela abaixo:

PARTIDO BANCADA

PT 91

PFL 84

PMDB 75

PSDB 70

PPB 49

PTB 26

PL 26

PSB 22

PDT 21

PPS 15

PC do B 12

PRONA 6

PV 5

PSD 4

PST 3

PMN 1

PSC 1

PSDC 1

PSL 1

TOTAL 513

Tabela 1. Composição da bancada da Eleição de 2002 para deputado federal.

Fonte: Câmara dos Deputados

A Comissão Especial de Reforma Política criada no primeiro ano da gestão do

ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva funcionou ao longo de 10 meses na Câmara dos

Deputados. Executou 26 reuniões e 7 audiências públicas, e tinha como objetivo

analisar as propostas de reforma existentes e propor, então, um novo projeto de reforma

política. No tocante a sua composição, observamos o caráter proporcional à

representação dos partidos. Os 38 integrantes da Comissão foram assim distribuídos:

sete do Partido dos Trabalhadores, seis do PFL, cinco do PMDB, cinco do PSDB,

quatro do PP, três do PTB, três do PL, dois do PSB, um do PDT, um do PC do B e um

do PV.

As principais questões do projeto referiam-se à relação entre eleitor, candidato e

partido; as alianças; o funcionamento parlamentar; e as campanhas eleitorais. Como

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resultado dos debates e encontros foi elaborado o Projeto de Lei nº 2.679/2003, de

autoria dessa Comissão, e que tinha como base o financiamento exclusivamente público

das campanhas eleitorais, a substituição do voto em lista aberta pelo voto em lista

preordenada pelos partidos (lista fechada), o fim das coligações partidárias nas eleições

proporcionais e sua substituição pelas federações partidárias.

A respeito do financiamento público de campanha, tema mais controverso e

polêmico do debate sobre a reforma, o PL nº 2.679/2003 discorria sobre a proibição de

doações aos partidos realizadas por empresas e pessoas jurídicas no período eleitoral.

Pretendia-se com esta proposta regular e controlar os gastos com as eleições,

estabelecendo que os recursos viessem unicamente do Tesouro Nacional, sendo as

despesas realizadas exclusivamente através dos partidos, federações ou coligações. Os

valores calculados considerariam o equivalente ao número de eleitores multiplicado por

R$ 7,00 (sete reais), pelo número atual de eleitores, de aproximadamente 116 milhões, o

total desses recursos alcançariam o valor de R$ 812 milhões, para financiamento de toda

a campanha eleitoral no país.

O objetivo seria eliminar qualquer vestígio ou influência de atividades ilícitas,

proveniente dos recursos do financiamento privado, fazendo com que os partidos, as

federações ou coligações constituíssem um único comitê financeiro para toda a

campanha na união, no estado ou no município. A prestação de contas seria realizada

antes e depois das eleições, estando sujeito às multas pessoas ou empresas envolvidas.

Possibilitando, com isso, o aperfeiçoamento do sistema atual de financiamento de

campanhas, que favorece as relações de candidatos com empresas, além de receber

recursos do Fundo Partidário e do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão.

Quanto ao sistema de voto em lista preordenada, cabem algumas considerações

sobre o atual sistema chamado de lista aberta. Neste caso, o eleitor pode votar no

candidato ou na legenda de sua preferência. O que frequentemente ocorre é que o

eleitor escolhe um candidato e, assim, a definição da lista dos eleitos vai sendo

construída a partir da soma dos votos atribuídos a ele. A ordem dos candidatos eleitos é

estabelecida segundo a preferência dos eleitores.

No sistema de lista fechada, a ordem dos candidatos é estabelecida pelos

partidos políticos, através de suas instâncias de deliberação. Por meio de convenção

partidária, os candidatos são escolhidos e preordenados em uma lista de preferência do

partido, fazendo com que os eleitores votem nos partidos e respectivos programas. Os

votos das legendas garantem um número determinado de cadeiras a serem distribuídas

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aos primeiros da lista partidária. Nesse modelo fortalecem-se os partidos, seus projetos

e programas, levando as campanhas eleitorais a darem mais ênfase às legendas

partidárias do que aos candidatos. Porém, este item da proposta de reforma também

precisa lidar com um problema que é a tendência do eleitorado brasileiro ao voto

nominal.

Quanto às coligações partidárias, o PL 2.679/2003 criou o instituto da federação

de partidos, com duração mínima de três anos. As coligações como ocorrem atualmente,

são constituídas com objetivos eleitorais, feitas sem afinidades programáticas e

ideológicas, trazendo consequências negativas para a representatividade e para a

governabilidade. Resultam assim, distorções representativas, uma vez que o eleitor vota

num candidato de um partido pelos compromissos programáticos e seu voto acaba por

beneficiar candidatos com ideias e projetos com os quais não há qualquer identificação.

No tocante à questão da governabilidade, a ausência de compromisso ideológico e

programático evidencia a fragilidade de coesão das bancadas eleitas e,

consequentemente, a sustentação dos projetos majoritariamente apoiados pelo

eleitorado.

As federações permitiriam vínculos mais efetivos e duradouros entre os partidos.

De acordo com esta proposta, dois ou mais partidos poderiam reunir-se em federação,

atuando como agremiação partidária única, seja no registro de candidatos e/ou no

funcionamento parlamentar, permitindo a afinidade ideológica, a identidade e a

autonomia dos partidos reunidos na federação.

O projeto mantinha ainda algumas mudanças sobre o mecanismo da cláusula de

desempenho (cláusula de barreira) definido na Lei nº. 9.096/1995, a Lei dos Partidos

Políticos. De acordo com essa Lei, tem direito a funcionamento o partido que, em cada

eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, 5% dos votos

apurados, não computados os brancos e nulos distribuídos em, pelo menos, um terço

dos Estados, com um mínimo de 2% do total de votos. O PL 2.679/2003 diminui para

2% esse percentual nacional, sendo que os votos devem ser distribuídos em, pelo

menos, um terço dos Estados, fazendo com que o partido tenha, ao menos, um

representante eleito em cinco desses Estados.

Em dezembro de 2003, a proposta de reforma política estabelecida e constituída

no PL 2.679/2003 foi votada na Comissão Especial de Reforma Política, dos 12 partidos

representados na Comissão, oito foram favoráveis ao Relatório: o PV, PC do B, PDT,

PSB, PMDB, PSDB, PFL e PT, e três foram contrários: PTB, PL e PP. Concluída a

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votação por bancada foi realizada a votação nominal, que resultou em 26 votos

favoráveis, 11 contrários e uma ausência.

Para Maria Francisca Pinheiro Coelho (2006; p.11) havia um reconhecimento da

maioria dos partidos no Congresso Nacional de que o projeto representava o

pensamento, o sentimento dos parlamentares e que a reforma seria aprovada naquela

legislatura. Por outro lado, os partidos da base aliada foram contrários à proposta da

reforma política:

A reunião de votação do anteprojeto foi expressiva, do ponto de vista do

comportamento dos partidos na apreciação da proposta e da representação política

daqueles que votaram favoráveis. As defesas do anteprojeto e as manifestações

contrárias estabelecem uma clara divisão na Câmara dos Deputados que não passa pelo

partido do governo versus partidos da oposição, mas pela união dos partidos que, de

certa forma, têm história e compromisso político versus partidos sem consistência

política-ideológica. Não é aqui o local para análise de governos de coalizões, mas foram

os partidos da base aliada do governo, PTB, PP e PL, os que votaram contra a proposta

da reforma política. (COELHO, 2006; p.16)

A proposta aprovada passou a tramitar na Comissão de Constituição, Justiça e

Cidadania (CCJC), e para que passasse a vigorar nas eleições de 2006, teria de ser

votado até 30 de setembro de 2005, prazo mínimo exigido, um ano antes do pleito, para

alteração nas normas eleitorais.

Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), o deputado Rubens

Otoni (PT-GO), foi designado como relator do projeto. O relatório apresentado foi

favorável por promover mudanças de maior impacto nas instituições eleitorais e

partidárias. Em 22 de junho de 2005, foi para a votação na CCJC, a proposta do PL nº

5.268/2001 e do PL nº 2.679/2003. No entanto, apesar do parecer favorável do relator, o

projeto não foi encaminhado ao Plenário da Câmara dos Deputados, uma vez que o

requerimento assinado pelos líderes do PTB, PP, PL e PMDB, aos quais se somou, no

último momento, o líder do PT, impediu de seguir para votação no plenário da Câmara.

A proposta recebeu análise do relator, deputado Rubens Otoni (PT-GO), no

final de 2004, e durante todo o ano de 2005 não avançou9. Nas eleições de 2006 vigorou

pequenas alterações na legislação eleitoral, aprovadas no Senado, a chamada

minirreforma, que modificou aspectos pontuais do processo eleitoral, como a proibição

9 Cabe lembrar que foi em junho de 2005 que a crise política denominada “mensalão” fragilizou o

governo e o Partido dos Trabalhadores, logo após este episódio foi deflagrada a Operação Sanguessuga,

que denunciava mais de 100 deputados e três senadores de terem se beneficiado com uso do dinheiro do

orçamento da União na compra de ambulâncias superfaturadas.

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de venda de broches, de camisetas e de realização de “showmícios”. Esta minirreforma

introduziu, também, controle e transparência na prestação de contas das campanhas.

Com a ausência da implantação da reforma política, o debate sobre o tema

voltou-se para a sociedade civil. No final de 2005, diversas organizações da sociedade

civil se reuniram visando à construção da Plataforma dos Movimentos Sociais para a

Reforma do Sistema Político no Brasil. Nos movimentos sociais, apesar da crítica a

alguns aspectos do PL nº 2.679/2003, formava-se o consenso de que a proposta

significava um avanço em relação ao sistema vigente.

Desde que se instalou a crise na primeira gestão petista, a reforma política

começou a despontar como resposta institucional ao escândalo e denúncias de

irregularidades que marcaram todo o ano de 2005. Diversas propostas de modificações

de natureza distinta prometiam aprimorar a legislação eleitoral. No início da nova

legislatura em 2007, o governo Lula encarregou Tarso Genro, então ministro da Justiça,

para coordenar um grupo formado pelo Ministério da Coordenação Política e pela

Secretaria-Geral da Presidência da República, além do Conselho de Desenvolvimento

Econômico e Social, para analisar as propostas sobre o tema e entregar em 45 dias ao

presidente “um diagnóstico para iniciar a reforma política no país”. Durante este

processo, resgatou-se todo o debate realizado no Congresso sobre o Projeto de Lei nº

2.679/2003.

Sendo assim, no início do ano de 2007, ao se retomar o debate sobre uma

proposta de reforma política optou-se por manter e enviar para votação o Projeto de Lei

nº 2.679/2003, renomeado nesta legislatura de Projeto de Lei nº 1.210/2007, que deveria

ser votado em partes. O documento abordava a questão sobre as pesquisas eleitorais, o

voto de legenda em listas partidárias preordenadas, a instituição de federações

partidárias, o funcionamento parlamentar, a propaganda eleitoral, o financiamento de

campanha e as coligações partidárias, alterando a Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965

(Código Eleitoral), a Lei n.º 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos

Políticos) e a Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).

Sobre a composição da Câmara dos Deputados (2007-2010), dezessete partidos

políticos tinham direito a representação e liderança na Câmara dos Deputados. Cabe

lembrar que, quanto ao posicionamento ideológico os partidos nem sempre guardavam

coerência com as declarações ideológicas contidas em seus estatutos e seu

posicionamento em relação ao governo muito menos tinha afinidade programática ou de

projeto político.

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A falta de coerência ideológica era frequente em vários partidos que se

declaravam de direita ou centro-direita. Apesar disto, estes partidos fizeram parte da

base parlamentar de sustentação do governo Luiz Inácio Lula da Silva, de orientação à

esquerda ou centro-esquerda do espectro ideológico. Essa ambiguidade deu o tom da

relação dos partidos com o governo ou com a oposição, isto é, em sua própria base

parlamentar o PT encontrava oposição a seus projetos.

A composição da bancada da eleição de 2006 para deputado federal tinha em sua

grande maioria representantes do PMBD, PT, PSDB e PFL. Neste momento

observamos o aumento das bancadas dos partidos aliados. Em destaque vemos o PMDB

avançar no número de cadeiras:

PARTIDO BANCADA

PMDB 89

PT 83

PSDB 66

PFL 65

PP 41

PSB 27

PDT 24

PL 23

PPS 22

PTB 22

PCdoB 13

PV 13

PSC 9

PMN 3

PSOL 3

PTC 3

PHS 2

PRONA 2

PAN 1

PRB 1

PTdoB 1

TOTAL: 513

Tabela 2. Composição da bancada da Eleição de 2006 para deputado federal.

Fonte: Câmara dos Deputados

Na fase final da discussão e do prazo para proposição da emenda, em 27 de

junho de 2007, o deputado Ronaldo Caiado (DEM – GO), relator da proposta,

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apresentou parecer pela rejeição de algumas emendas e aprovação de outras. Daquelas

emendas relacionadas aos principais itens da reforma proposta por meio do PL n.

1.210/2007, o deputado Ronaldo Caiado acolheu apenas o que versava sobre a

supressão da cláusula de desempenho eleitoral, ou de barreira ao funcionamento

parlamentar.

Na primeira sessão legislativa ordinária, realizada em 27 de junho 2007 os

deputados Luciano Castro (PR – RR) e Miro Teixeira (PDT-RJ), requereram votação

em grupo de artigos, colocando em primeiro lugar os artigos relacionados à lista

fechada. Os artigos referentes ao voto em lista preordenada dos candidatos nas eleições

proporcionais foram para votação e obtiveram 181 votos a favor, 252 contra e três

abstenções, o projeto foi frustrado, visto que não foi aprovado por 71 votos.

Anterior a esta votação, uma emenda aglutinativa nº 1, foi enviada para

avaliação, essa emenda propunha a lista flexível, que combinava o voto na legenda com

o voto no candidato, e o eleitor daria dois votos: no partido e em seu candidato. As

vagas obtidas pelo partido ou federação deveriam ser assim preenchidas: metade pela

ordem dos candidatos na lista e a outra metade pela ordem dos outros candidatos mais

votados, independente de seu lugar na lista. A emenda aglutinativa foi derrotada por 37

votos (203 deputados votaram a favor e 240 contra).

Em 4 de agosto de 2007, foi realizada uma nova tentativa de aprovar os demais

itens da reforma política, quando foram rejeitados, por votação simbólica, o segundo

grupo de artigos do substitutivo do deputado Ronaldo Caiado. No mesmo dia foi

submetida à votação uma emenda aglutinativa substitutiva global, apresentada pelo

deputado Flávio Dino (PCdoB – MA), que propunha o financiamento exclusivamente

público somente para as eleições majoritárias e a proibição de integrar nova bancada

partidária ao parlamentar que, no curso do mandato, se desfiliasse do partido de eleição.

Esta emenda não pôde ser votada, em razão de conter matéria nova ou não encontrada

nem no projeto original nem nas emendas a ele apresentadas.

Em 15 de agosto, foi votado o Projeto de Lei Complementar nº 35, que instituía

a fidelidade partidária, sendo aprovado com 310 votos, 28 contrários, duas abstenções e

24 obstruções. Conforme a disposição do artigo 2º, o ocupante de cargo eletivo, que se

desligar do partido político pelo qual se elegeu, poderá ter cassado o seu diploma e

perderá o mandato por decisão da Justiça Eleitoral.

Ao longo de todo o processo de apreciação da reforma política proposta por

meio do PL n. 1.210/2007, as bancadas partidárias que se mostraram favoráveis à

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proposta comportaram-se de modo relativamente coeso. Foram elas as bancadas do

PCdoB, do PSOL e do PT – as duas primeiras mais congruentemente do que a última –,

todas bancadas de esquerda ou centro-esquerda.

A bancada do PPS, juntamente os parlamentares do PSDB e do DEM, embora

pouco coesas, vinham posicionando-se favoravelmente à reforma política. Ao final,

mostrou-se fragmentada e preocupada com a própria sobrevivência política: 60%

votaram contra a reforma. Percebem-se, de um lado, dirigentes partidários preocupados

com a continuidade do partido, como uma agremiação política, que privilegia as ações

coletivas, mostrando-se favoráveis à mudança das regras políticas atuais, e, de outro,

políticos sem compromisso ideológico-programático com o partido, a maioria dos quais

com um longo histórico de migração partidária. Da mesma forma, a bancada do DEM

não se posicionou favoravelmente à reforma. Este foi o partido que viu diminuir o

número de representantes, perdendo espaço para os deputados das legendas governistas.

No lado oposto, encontravam-se os partidos que vinham sendo beneficiados com

o atual sistema político, caso do PR, PSC, PP, PTB e o PV – cujas bancadas se

posicionaram contra a reforma política proposta, uma vez que foram os partidos, que

nesta legislatura, mais receberam parlamentares de outras legendas, sem perder nenhum

ou quase nenhum.

No tocante às bancadas de centro, como o do PSDB e do PMDB, se

posicionaram contra a reforma política proposta, em partes porque o PSDB vinha

perdendo deputados, sobretudo para partidos governistas. O partido defendia o voto

distrital, colocando-se ainda como críticos do sistema eleitoral-partidário vigente, e

convenceram-se de que as regras atuais seriam mais favoráveis à formação de uma base

de apoio à candidatura de José Serra a presidente da República.

Por fim, o PMDB. Desde o início do processo de apreciação do PL n. 1.210/

2007, a bancada peemedebista foi a que se comportou de forma menos coesa em torno

da reforma política proposta, 57% de seus parlamentares votaram contra a lista fechada.

O partido desde a última legislatura vem se beneficiando com as atuais regras políticas,

sendo a legenda com o maior número de filiados, vereadores, prefeitos e governadores;

além de possuir a maior quantidade de deputados federais e senadores. Com seis

ministérios durante o governo Lula, o PMDB comandava a Câmara dos Deputados e o

Senado Federal.

Observando o processo de votação e discussão sobre a reforma política nas duas

últimas legislaturas, torna-se evidente que a combinação de presidencialismo de

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coalização com sistema proporcional de lista aberta, promove estímulos e incentivos

sobre o comportamento parlamentar. Juntamente com outros fatores, como a cultura

política, o modo de se fazer política no Brasil, contribui para a formação de partidos

com pouca representatividade e vínculo com seu eleitorado, ausência de identidade

partidária e ideológico-programática.

Decorre desta situação, uma grande quantidade de parlamentares com longo

histórico de migração partidária, que se lançam na corrida eleitoral a partir de

campanhas voltadas ao plano individual, reforçando o caráter particularista e

personalista do político. A fragilidade, a fragmentação, o pragmatismo e a falta de

coesão partidária, somados ao individualismo, interesses individuais e o apartidarismo

dos parlamentares, delineia uma paisagem difícil, de dissenso, em que a cada votação no

Congresso, o processo de negociação com a base aliada, muitas vezes acontece num

plano individual.

Esse cenário acaba por expor a frágil atuação das lideranças políticas na Câmara

dos Deputados, uma vez que esses líderes perdem seu poder de influenciar e de orientar

de forma decisiva no comportamento das respectivas bancadas, contrariando assim, as

considerações já abordadas no estudo de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi

(1999). Sabe-se que as orientações do líder da bancada costumam ser meramente

formais. O parecer da liderança nem sempre representa os sentimentos e opiniões da

maioria da bancada ou do grupo.

O poder do presidente da república é manifesto no preenchimento dos espaços

estruturantes do no Congresso Nacional, seja na proposição de leis e projetos de lei, na

edição de medidas provisórias com força de lei, no controle da pauta no Congresso, no

controle do orçamento da União e de milhares de cargos de livre nomeação na

administração pública, direta e indireta. O governo acaba por desempenhar papel

determinante no jogo político em especial na Câmara dos Deputados, incentivando o

interesse nos projetos, acordos e negociação entre as bancadas dos partidos aliados e de

oposição.

Por outro lado, o tema da reforma política deixou de ser uma preocupação

apenas do Poder Legislativo, que, apesar dos debates, reuniões e tentativas não

conseguiu aprová-la. Cabe destacarmos, o debate acerca do Poder Judiciário e suas

decisões que influem nas regras políticas. A interferência do Poder Judiciário na

resolução de disputas e demandas nas arenas políticas nos auxilia na compreensão das

decisões como no caso da verticalização das coligações políticas decidida pelo TSE, ou

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conflitos próprios do período eleitoral, como no momento da definição das regras que

constrangerão atores nas disputas políticas.

O processo de “judicialização da política” como vem sendo chamado este

aumento da atuação do Judiciário nas questões de ordem da arena politico-eleitoral vem

sendo cada vez mais observado. Conforme Marchetti e Cortez (2009, p: 441) nas

eleições de 1994 e 1998, os partidos políticos adotaram um padrão de comportamento

para as alianças, que se orientava pela assimetria entre os diferentes estados e a disputa

presidencial. Nas eleições de 2002 e 2006, por uma decisão judicial, o comportamento

teve de ser alterado, para houvesse fortalecimento dos partidos em âmbito nacional, o

que resultou na judicialização da disputa eleitoral, alterando o padrão de formação de

coalizões.

Podemos concluir que em outros casos em que se envolvem as regras eleitorais,

percebe-se uma maior atuação do poder Judiciário, diante do poder Legislativo e do

poder Executivo, tornando-se frequente as formas conflituosas entre os poderes nos

ajustes da ordem institucional.

Observa-se também que o debate sobre a reforma possibilitou uma agenda mais

ampla sobre o sistema político, a democracia e a participação. O exemplo disso é a

formação da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, a

Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político, a Coalização

pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, que une CNBB, OAB, CUT,

UNE, MCCE, ABONG, CTB, MST entre outros.

Desde 2006, entre as proposições fundamentais na agenda do Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social foi incluída a reforma política, que ressaltou o

tema como prioridade do Estado e da sociedade. Destaca-se ainda, o Projeto de

Iniciativa Popular (liderada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral -

MCCE), originando a Lei da Ficha Limpa10

(Lei Complementar 135/2010), que contou

10

Esta lei está vigente em nosso país desde sua promulgação ocorrida no mês de junho de 2010, mas teve

sua aplicabilidade apenas nas eleições de 2012. A lei prevê que a inelegibilidade de um candidato, ou

seja, impede que este assuma um cargo público eletivo nos casos em que ele tenha sido condenado por

um órgão colegiado (condenado por mais de um desembargador), mesmo em caso de recursos em

tramitação nos Tribunais de Contas Estaduais, Tribunais de Justiça e Tribunais Eleitorais. Determina a

inelegibilidade de políticos condenados em processo criminais, envolvidos em casos de abuso de poder

econômico ou político, cassados ou que tenham renunciado para evitar a cassação; condenados por crimes

contra a administração pública e o patrimônio público; contra o sistema financeiro; o meio ambiente e à

saúde pública; condenados nos casos de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens e valores;

enriquecimento ilícito; tráfico de entorpecentes; crimes de racismo; trabalho escravo; tortura; terrorismo,

que tenham atentado contra a vida e a dignidade sexual; condenados por corrupção eleitoral, compra de

votos, gastos ilícitos de recursos de campanha, infração ético-profissional, entre outros crimes.

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com a assinatura de mais de 1,5 milhões de pessoas e foi aprovada oito meses depois de

ter sido protocolada, em virtude dos anseios da sociedade por uma política transparente

e menos corrupta.

Não há dúvidas que a reforma política constitui um tema fundamental e está na

pauta da agenda pública. O fato dela não ocupar lugar de destaque merecido junto aos

diversos atores políticos sinaliza para alguns fatores: o modus operandi de se fazer

política no Brasil; a pouca motivação dos atores políticos; a dificuldade da integração

do eleitor na participação nas disputas eleitorais; o dilema institucional ligado à

pluralidade de interesses dos diversos grupos sociais; a expectativa de resultado pouco

satisfatório das mudanças no panorama geral do cenário político; a rejeição ao controle,

à fiscalização e aos limites dos partidos políticos; a corrupção e as irregularidades.

É preciso mencionar a presença do tema no imaginário político do brasileiro,

que nos leva a pensar a política como sinônimo de ineficiência da coisa pública, à

corrupção, à falta de representatividade política, à falta de e mecanismos de fiscalização

e controle, e por fim ao entendimento da necessidade de uma reforma política ampla

como o “remédio” para os “males” do sistema político atual.

Por fim, de todo debate realizado nesses dois momentos da história sobre a

questão da reforma política houveram pouco ou quase nada de avanço em relação ao

aperfeiçoamento da representação política, da participação cidadã e mesmo sobre o

financiamento das campanhas eleitorais e dos partidos. O distanciamento entre

representantes e representados continua de forma abissal, os interesses entre um e outro

são divergentes, o cidadão não se vê representado enquanto setores financeiros e

industriais continuam a promover políticos e bancadas no Congresso que atendam os

interesses do setor.

De outro lado, vemos a participação das empresas jornalísticas que auxiliam na

construção de uma narrativa que enfatiza a dinâmica da negociação política, que julga e

culpa as instituições e seus atores pelas fragilidades do sistema político, sem, no

entanto, considerar como a estrutura da sociedade, o funcionamento institucional e o

peso dos recursos financeiros nas eleições, no apoio aos partidos, suas lideranças e

projetos.

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CAPÍTULO 3 – A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A REFORMA

POLÍTICA NOS EDITORIAIS DOS JORNAIS FOLHA DE S.PAULO E O

ESTADO DE S.PAULO DURANTE OS GOVERNOS LULA I E II

A compreensão da relação entre mídia e política passou a ter centralidade para o

entendimento do jogo político nas sociedades contemporâneas. As empresas de

comunicação transformaram-se nos provedores de informação do processo político

democrático, apresentando-se como o espaço de visibilidade e debates.

Esses meios disponibilizam “formadores de opinião” com autoridade sobre

determinados assuntos e assumem papel importante no agendamento de temas,

selecionando e hierarquizando quais desses temas merecem ganhar destaque nos

comentários cotidianos.

Quando pensamos no campo da política e das instituições representativas, a

influência desses meios é percebida de forma mais contundente, na medida em que a

cobertura viabiliza o conhecimento de assuntos e perspectivas de forma a atingir grupos

e agentes específicos.

É por meio desses canais que a percepção da atuação de instituições como a

Câmara dos Deputados ou o Senado Federal figura na agenda da cobertura jornalística.

Há uma relação entre a confiança nas instituições e as informações oferecidas pelos

meios de comunicação – no caso brasileiro, o Congresso Nacional encontra-se em

situação de total descrédito.

Partindo dessa constatação, entendemos os grupos jornalísticos como empresas

que possuem interesses na formação de um determinado discurso, pensamento ou

opinião. Os editoriais, por seu caráter institucional, são o espaço em que esse

movimento acontece de forma mais clara. Nesses textos, nos quais o jornal apresenta

sua opinião, trata-se de assuntos de grande importância para os rumos do país.

A classificação do texto editorial como gênero opinativo acaba sendo uma

estratégia de comunicação para que jornalistas/veículos abordem temas considerados

fundamentais para o interesse nacional e a vida política e democrática de uma nação. A

partir dessa reflexão, entendemos que os movimentos de opinião podem pressupor um

acordo prévio com o leitor – ou seja, o jornal se apresenta dentro de uma expectativa de

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leitura. Pierre Bourdieu (2007), há tempos, já nos alertava quanto à presença da

“mentalidade-índice-audiência”11 nas redações.

As estratégias comunicacionais definem de que forma os elementos da realidade

serão levados ao público. A estrutura do texto do editorial segue uma argumentação

clara e objetiva, voltada para o convencimento de que o tema ali presente é relevante

para a sociedade e para o agendamento dos discursos em outros veículos. O tom

polêmico, crítico e provocativo compõe o posicionamento do jornal, além de constituir

a visão de mundo que o veículo quer que seus leitores compartilhem.

Estratégia comumente adotada é a referência ao mundo de representações do

qual fazemos parte, sendo recorrente o uso das metáforas, jogo de palavras, frases

cotidianas e provérbios que acabam por estruturar pontos de vista, posicionamentos,

opiniões, crenças e valores vigentes na sociedade. Sendo assim, os textos dos editoriais

formalizam uma opinião e um posicionamento daquele veiculo em relação a um

assunto.

Nesse sentido, o presente capítulo tem como objetivo apresentar, comparar e

refletir sobre os enquadramentos mobilizados pelos editoriais dos jornais Folha de S.

Paulo e O Estado de S. Paulo ao tratar do tema da reforma política.

O resgate histórico sobre a origem desses veículos e seu papel em importantes

momentos políticos do nosso país revela que os dois grandes jornais de abrangência

nacional, a Folha e o Estadão, se constituíram como grandes conglomerados

empresariais de comunicação social que têm como objetivo publicizar, propalar e

reverberar posicionamentos ideológicos.

Criada em fevereiro de 1921, a Folha (Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha

da Tarde) só teve seus jornais unidos sob o nome Folha de S.Paulo na década de 1960,

quando Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho assumiram o controle da

empresa. Em 1980, consolidou-se um novo projeto editorial, que defendia um

jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moderno a partir de três metas: informação

correta, interpretações competentes e pluralidade de opiniões. Atualmente o jornal segue

com circulação média durante a semana de 320.741 exemplares12.

O Grupo Folha é proprietário da Folha de S.Paulo e também dos jornais Valor

Econômico, Agora São Paulo, Alô Negócios; de revistas e suplementos dos jornais; da

11

O índice audiência e a medida da taxa de audiência de que se beneficiam diferentes emissoras foi por

Bourdieu considerada “o juiz final do jornalismo”. (BOURDIEU, 2007: p. 37)

12

Informações divulgadas pelo próprio jornal em seu site: www.folha.com.br

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editora Publifolha; de portais na internet (UOL e seus serviços); e do instituto de

pesquisas Datafolha. No tocante ao seu desempenho na história política do Brasil, o

jornal apoiou o golpe militar de 1964, ainda que se limitando a divulgar poucas e

pontuais críticas. Submeteu-se à censura, aceitando as proibições, sem confrontar as

imposições dos militares.

A partir de 1969, a Folha da Tarde publicou manchetes que exaltavam as

operações militares. Naquele momento, a redação foi entregue a jornalistas que

apoiavam a repressão militar. O jornal sofreu ataques de militantes da ALN (Ação

Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, sob a acusação de que veículos de entrega

do jornal teriam sido usados por agentes da repressão para acompanhar a movimentação

de militantes. Na década de 1980, sobretudo no ano de 1984, a Folha associou-se ao

movimento das Diretas Já, que visava à volta da democracia ao país.

Em meados daquela década, no país e no prédio da rua Barão de Limeira, sede

da empresa, os tempos eram outros. Os jornais do grupo deveriam alinhar-se ao “Projeto

Folha”, criando um periódico “moderno, crítico, pluralista e imparcial”. E,

definitivamente, as baias da Folha da Tarde, seus “dez mandamentos” e seu ar de

delegacia estavam fora de esquadro. (KUSHNIR, 2004, p. 341)

Segundo Kushnir (2004, p. 338) o “Projeto Folha” concretizou-se sob a

coordenação de Otavio Frias Filho, com uma nova linha editorial que incorporava

estratégias de marketing e buscava, segundo as palavras de Frias Filho, “um jornalismo

crítico e imparcial”.

No período de redemocratização, com a volta dos partidos políticos à disputa

eleitoral, o jornal optou pelo pluralismo e apartidarismo, sendo esta a base do Projeto

Folha. Na atualidade, o jornal utiliza-se de um leque amplo de colunistas e formadores

de opinião para abordar os diferentes temas em pauta.

Quando Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência da República, em 15

de março de 1990, a Folha passou a publicar denúncias contra ele e seu governo em

diversas reportagens e no caderno de Economia. Em junho de 1992, em editorial na

primeira página, o jornal pedia a renúncia do presidente. Em setembro foi aberto

processo de impeachment contra Collor, que renunciaria em dezembro para tentar evitar

sua responsabilização na continuidade do processo.

No ano de 1875, nasceu o jornal A Província de São Paulo, fundado por um

grupo de republicanos liderados por Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo

Brasiliense, que decidiram criar um diário de notícias para combater a monarquia e a

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escravidão. O jornal passou a se chamar O Estado de S. Paulo em 1890, ano seguinte à

proclamação da República.

O posicionamento político expresso na seção mais antiga do jornal, intitulada

“Notas e Informações”, mantém a postura tradicional em seus editoriais, identificados

com o conservadorismo político, o pensamento econômico liberal e a defesa do estado

democrático de direito. Quanto à circulação média, durante a semana são impressos

165.740 mil exemplares, de acordo com a empresa jornalística, o Grupo Estado.

O jornal O Estado de S.Paulo pertence ao Grupo Estado, que detém o controle

do Jornal da Tarde (que circulou de 1966 a 2012), da OESP Mídia (1984), empresa que

atua no ramo de publicidade por meio de classificados; das rádios Eldorado AM e FM

(1958) e da Agência Estado (1970), maior agência de notícias do Brasil. Desde março

de 2000 faz parte do grupo o portal Estadão13. Durante o Estado Novo (1937-1946), sob

o comando autoritário de Getulio Vargas, o jornal buscou sua independência ante a

censura prévia do regime varguista.

Em 1964, o Estado apoiou o golpe militar que depôs o presidente João Goulart.

Defendeu a intervenção militar transitória até o momento em que percebeu a

perpetuação de uma ditadura militar, voltando-se então à oposição. No dia 13 de

dezembro de 1968 o jornal é impedido de circular e os censores passam a atuar dentro

da redação.

Nos anos 1970, o Estado, ainda sob censura, começou a publicar versos de Os

Lusíadas, de Camões, e o Jornal da Tarde, receitas de bolos e doces com o objetivo de

demonstrar aos leitores as arbitrariedades. Durante a campanha pelas Diretas Já, em

1984, o Estado adotou postura comedida e discreta quanto à mobilização, expressando

medo dos movimentos de rua daquele momento e não mostrando muito entusiasmo.

Já em 1992, assim como a Folha, o Estado publicou editoriais que pediam a

renúncia de Fernando Collor de Mello. Contudo, a preocupação maior era com a

manutenção da ordem institucional, o temor da ruptura com a Constituição de 1988 e o

retorno à ditadura militar.

O livro Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988,

de Beatriz Kushnir, publicado em 2004, fornece diversos detalhes e informações que

ajudam a compreender a trajetória desses dois jornais desde a década de 1960, no auge

da ditadura militar no Brasil. O livro explora detalhes e informações de como policiais e

13

Informações divulgadas pelo portal do jornal: www.estadao.com.br

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censores, que eram jornalistas e trabalhavam nas redações, influenciavam na elaboração

das notícias.

Esse tipo de atuação durou até meados da década de 1980, com o processo de

abertura democrática e as transformações pelas quais os veículos passaram para se

tornar o que são hoje e como se apresentam aos seus leitores. A autora demonstra que,

no processo de construção da notícia, consideram-se o interesse e a capacidade de

compreensão e interpretação dos consumidores da notícia, assim como de que forma

esses sujeitos se relacionam com o tema.

O perfil do leitor do jornal também é um ponto fundamental, considerando-se

que os dois veículos em questão são lidos, assinados e compartilhados por pessoas

pertencentes aos setores de classe média e detentores do capital. José Fiorin (2004a)

afirma que cada jornal constrói seu público leitor a partir de características discursivas.

O enunciatário não adere ao discurso apenas porque ele é apresentado como um

conjunto de ideias que expressam seus possíveis interesses. Ele adere, porque se

identifica com um dado sujeito da enunciação, com um caráter, com um corpo, com um

tom. Assim, o discurso não é apenas um conteúdo, mas também um modo de dizer, que

constrói os sujeitos da enunciação. O discurso, ao construir um enunciador, constrói

também seu correlato, o enunciatário. (FIORIN, 2004a, p.134)

O autor se reporta aos estudos realizados por Nádia Campos (2003) para

demonstrar como O Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo constroem seus

enunciatários – aqui entendidos como o público leitor – a partir de diferenças entre seus

editoriais e outras publicações.

Na página dos editoriais, a Folha apresenta uma charge, artigos de cronistas

sediados no Rio, em São Paulo e em Brasília e artigos de colaboradores. O Estadão

apresenta textos mais extensos e páginas mais compactas. Os textos são escritos

segundo a norma culta, com períodos longos e sintaxe mais complexa.

Os editoriais do Estadão são marcados por afirmações e certezas, enquanto que

os textos da Folha têm como característica a contingência, muitas vezes com uma

pergunta sobre o assunto, que é respondida por três articulistas: um responde

afirmativamente; outro, negativamente; outro, em termos. (FIORIN, 2004b, p.25)

Para Fiorin, o enunciatário do Estadão é um homem que pertence às elites do

país, que conhece bem os fatos da política e da economia e tem posições políticas

conservadoras bem definidas. O enunciatário da Folha é o “descolado”: artistas,

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professores universitários. O interesse pela política seria relativo, pois o jornal se

apresenta como pluralista.

Para o leitor do Estadão, o mundo é objeto de conhecimento e campo de ação, para o

leitor da Folha, o mundo é objeto de contemplação. O tom do primeiro é viril, educado,

sério, peremptório; o do segundo é levemente blasé, tingido por uma certa ironia.

(FIORIN, 2004b: p.26)

O público leitor do texto editorial tem um perfil bem peculiar: trata-se de um

público restrito e exigente quanto à norma culta e ao estilo linguístico. Para esse

público, o editorial é visto como um espaço de formação da opinião pública,

agendamento dos temas e debates intelectuais. Desse modo, fomenta-se a crença de que

suas informações precisam estar de acordo com os anseios da coletividade. (MELO,

2003: p.18)

Os editoriais representam a posição oficial e a linha ideológico-editorial da

publicação. De acordo com Francisco Fonseca (2005, p. 33) a opinião expressa nos

textos editoriais orienta o trabalho de todos os que produzem o veículo, demarcando o

posicionamento ideológico-editorial no periódico de forma geral, o que lhe atribui

coerência.

Para José Marques de Melo (1994, p. 96), o editorial reflete a opinião dos

diferentes grupos que participam da empresa jornalística: proprietários, anunciantes e

jornalistas. Segundo Melo, o editorial é um espaço de contradições que encontram

equilíbrio na conciliação dos diversos interesses.

É necessário entender os editoriais como textos capazes de pautar as demais

matérias, reportagens e outras notícias – ao mesmo tempo, sendo também o resultado de

pautas, agendas e enquadramentos já realizados por trabalhos de outros núcleos que

compõem o grupo jornalístico.

O editorial tem por objetivo dialogar com o Estado e os demais atores políticos,

partidos, instituições e representantes da sociedade civil, sendo capaz de influenciar

arenas decisórias a partir de algumas estratégias abaixo apresentadas.

Para Azevedo (2004) e McCombs (2009), os meios de comunicação de massa

definem a pauta e a hierarquia da produção de notícias, levando em consideração

diversos fatores: econômicos, ideológicos, e outros interesses coletivos do público e de

outras esferas públicas. Os meios de comunicação auxiliam na compreensão ao

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delimitar o léxico; o conjunto de palavras, expressões e opiniões a serem utilizadas no

cotidiano.

Alguns assuntos são priorizados em detrimento de outros, levando a uma

interpretação da realidade e dos fatos conhecida como framing (enquadramento): ao

adotar opiniões positivas ou negativas sobre determinados temas, atores e

acontecimentos, os meios de comunicação constroem atributos, colaborando para a

formação de opinião.

Nesse sentido, a agenda dos meios de comunicação e a abordagem dos temas são

formas analíticas de avaliar como se dá a relação entre imprensa e política. Os jornais se

colocam como atores políticos em disputa por saberes, valores, crenças, opinião,

interesses e representações do que devem ser a vida em sociedade e sua organização

social e política. O discurso em construção sustenta um projeto político embasado em

questões que representam setores da sociedade na qual esses meios estão inseridos.

José Marques de Melo (2003: p.73) destaca a natureza ideológica contida nos

textos jornalísticos, “através dos quais as mensagens jornalísticas penetram na

sociedade, bem como os demais meios de reprodução simbólica”, influenciando seus

leitores e mobilizando determinados pontos de vista.

O editorial é mais que um mero texto ou uma opinião ou posição ideológica.

Representa o discurso de todos os grupos que mantêm financeiramente o jornal, seja por

meio de assinaturas ou publicidade, sejam os acionistas.

O gênero editorial baseia-se na interpretação e na crítica, sustentadas em dados

documentais, conjunturais ou testemunhais, que são capazes de lhes dar legitimidade e

credibilidade. Fruto da manifestação e expressão do posicionamento de grupos de

interesse que administram as empresas jornalísticas, os editoriais comentam sobre

aquilo que consideram importante para os interesses nacionais, isto é, assuntos de

relevância política, social e econômica.

Redigidos em terceira pessoa e sem a assinatura de um jornalista ou articulista,

os editoriais têm como uma de suas funções garantir a imparcialidade do

posicionamento e opinião ali emitidos, utilizando-se do recurso argumentativo. O

editorial é o lugar que tende a dar visibilidade e espaço aos múltiplos interesses com

vistas a construir e influenciar opinião:

[...] o editorial afigura-se como um espaço de contradições. Seu discurso constitui uma

teia de articulações políticas e por isso representa um exercício permanente de equilíbrio

semântico. Sua vocação é a de aprender e conciliar os diferentes interesses que

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perpassam sua operação cotidiana [...] embora se dirijam formalmente à “opinião

pública”, na verdade encerram uma relação de diálogo com o Estado.” (MELO, 1994;

96-97)

A representação dos setores médios da sociedade no discurso político dos

editoriais relaciona-se com as estratégias de comunicação de que se utilizam para

adesão aos valores, crenças e projetos partilhados. De acordo com Patrick Charaudeau

(2008: p.16), o discurso político é uma prática social que circula no espaço público

permeado de relações e disputas de poder.

Para Charaudeau (2008: p. 39), não há política sem discurso. A circulação das

palavras, da linguagem e do discurso é que permite que se constituam espaços de

discussão, de persuasão e de sedução no campo de construção do pensamento e ação

políticos – isto é, abrange o debate das ideias e o fazer político propriamente dito.

O discurso político enquanto ato de comunicação envolve atores preocupados

em influenciar opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consensos. Na construção

do discurso político elaborado por veículos de comunicação, como é o caso dos jornais,

busca-se credibilidade e adesão dos cidadãos – de leitores prontos a auxiliar na

construção e produção de sentidos.

O texto comentado, como é o caso do editorial, além de fornecer as

circunstâncias, as intenções dos atores envolvidos e as implicações do fato, deve

também provocar a interpretação pessoal de cada leitor, chamando-o a comentar e a

tomar partido dentro do que denominamos opinião pública.

O acontecimento é sempre construído: “para sua significação, depende do olhar

que se estende sobre ele, olhar de um sujeito que o integra num sistema de pensamento

e, assim fazendo, o torna inteligível.” (CHARAUDEAU, 2010: p.95)

Sendo assim, há necessidade de o assunto ser comentado para poder significar,

ser interpretado e compreendido, e isso acontece num espaço comum de debates como

aquele disponibilizado pelos jornais. Adentramos assim em duas questões: o universo

das representações sociais e o seu espaço de visibilidade.

Por definição, as representações sociais constituem os sistemas de valores e

esquemas de pensamento de um determinado grupo social; suas formas de pensar e agir;

símbolos que o identifiquem, especificidades culturais etc. No entanto, para que essas

representações sejam reconhecidas ou contestadas, elas precisam circular num espaço

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que seja comum a todos os cidadãos, isto é, naquilo que chamamos de esfera pública.

Segundo Charaudeau (2010), o espaço público

(...) resulta da conjunção das práticas sociais e das representações. As práticas sociais

constituem o motor das representações, e estas são a razão de ser daquelas, atribuindo-

lhes valores que tendem a confirmá-las ou a modificá-las. Essa interação dialética

constrói um espaço público plural e em movimento. (CHARAUDEAU, 2010: p.120)

Podemos entender o discurso impresso nos editoriais também como um lugar em

que as representações são utilizadas como mecanismos e estratégias de poder, isto é, da

influência do saber fazer, fazer pensar e fazer sentir segundo determinados modos

discursivos. Se o acontecimento apenas significa quando transformado em discurso, é a

partir daí que concentraremos nossa análise. Uma atividade discursiva consiste em

descrever situações, buscar explicações, situar o acontecimento no tempo (história),

identificar os principais atores e assim produzir reações.

Para Charaudeau (2010: p. 150), cada situação de comunicação implica um

modo discursivo que tem a ver com a forma de descrever, contar, explicar e/ou

persuadir. Sobre as estratégias discursivas empregadas para atrair audiência do público e

adesão a ideias e valores, alguns fatores devem ser considerados, como a imagem

construída (ethos), que dará credibilidade e sedução, e a maneira como se percebe a

opinião e se constrói o discurso (pathos), o posicionamento que fundamenta um projeto

político. (CHARAUDEAU, 2008: p. 84)

Concentraremo-nos em apresentar como essas estratégias são utilizadas para

construir imagens (ethos) na formação da opinião pelos jornais e em relação ao fazer

política, às instituições e aos seus atores. Consideramos o processo da construção da

imagem, a temporalidade, o momento da história do país, a cultura política que nos

remete às crenças, valores e ideias dos cidadãos de uma nação e o universo da política.

Sendo assim:

No domínio político, a construção das imagens só tem razão de ser se for voltada para o

público, pois elas devem funcionar como suporte de identificação, via valores comuns

desejados. O ethos político deve, portanto, mergulhar nos imaginários populares mais

amplamente partilhados, uma vez que devem atingir o maior número, em nome de uma

espécie de contrato de reconhecimento implícito. O ethos é como um espelho no qual se

refletem os desejos uns dos outros. (CHARAUDEAU, 2008: p. 87)

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Desse modo, o discurso político busca incorporar em sua performance, na

linguagem e nos símbolos utilizados elementos que façam sentido e remetam a valores

que o enunciador acredita serem aprovados e compartilhados por seus leitores.

Parece-nos evidente que a reiteração de posições ajuda a desenhar

posicionamentos imaginários com força para garantir adesão ao que foi propalado. Para

Maffesoli, a política se tornou “um vasto espetáculo de variedades que funcionam mais

sobre a emoção e a sedução do que sobre a convicção ideológica. (...) Tudo isso mostra

que existe uma dialética entre o conhecimento e a experiência dos sentidos”.

(MAFFESOLI, 1998, p. 192)

De acordo com Charaudeau, ao recorrer aos símbolos presentes na “cultura

política” nacional, dá-se a construção do ethos com base em duas matrizes fundamentais

– credibilidade e identificação – para que se forme opinião acerca da vida política

nacional, com a utilização das construções do imaginário social e político. Por isso o

uso de palavras e expressões cotidianas, além de termos que acabamos por utilizar ao

representar a vida política.

No processo de construção de identificação com o público e com o leitor, há

uma construção de sentidos mediados pelas imagens, pela narrativa e pela recorrência a

momentos históricos e a todos os códigos simbólicos que compõem o nosso universo de

representações sociais. Os editoriais apresentam uma interpretação da realidade que

envolve ideias-força, figuras de linguagem e imaginários da “cultura política” nacional.

A narrativa da nação brasileira pode ser observada no modo como é

reinterpretada e apresentada no discurso político: ele fornece imagens, cenários, eventos

históricos, símbolos e figuras que dão sentido às representações compartilhadas. Nesse

repertório estão momentos de crise econômica e política, personagens políticos,

programas que tiveram êxito etc. Nessa relação, o momento do processo de construção

do discurso torna-se um contrato entre os meios de comunicação e os cidadãos, com

base num projeto comum para o país.

Os meios de comunicação de massa, nas últimas décadas, se diversificaram e

ampliaram seu alcance e modo de difusão, sobretudo com o advento da internet e de

outras tecnologias informacionais. Sabe-se de sua importância na formação da opinião,

na produção de notícias e também como canais alternativos de resistência.

Devido ao seu potencial de influenciar a opinião, os meios de comunicação

podem ser considerados representantes dos “aparelhos privados de hegemonia”, visto

que estes são instrumentos receptores, construtores e difusores de hegemonias do

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chamado “pensamento único” dominante do ponto de vista hegemônico. A grande

imprensa, nas palavras de Francisco Fonseca, é:

“a instituição que nas sociedades complexas é capaz de simultaneamente publicizar,

universalizar e sintetizar as linhagens ideológicas. Isso porque a periodicidade diária

(que lhe confere mais agilidade que as revistas semanais), com todo o aparato das

manchetes, editoriais, artigos, charges, fotos, reportagens, dentre outros recursos,

possibilita aos jornais uma influência sutil, capaz de sedimentar – embora de forma não

mecânica – uma dada idéia, opinião ou representação.” (FONSECA, 2005, p.29)

É precisamente nos meios de comunicação que a produção da cultura e da

ideologia repercute pelo mundo, assim como é nesse espaço que os distintos projetos e

concepções políticas são expressos visando à tomada de posição do leitor sobre um

determinado assunto.

A interpretação do mundo, dos acontecimentos e das notícias refletiria assim

uma construção de um “pensamento único” compartilhado pelas grandes empresas do

setor de comunicação aliadas ao poder econômico e político dominante. Nesse campo,

destaca Wanderley (2009, p.09), basta investigar quem são os grandes produtores de

notícia no mundo. Veremos que eles se concentram sob grupos empresariais ou

familiares ligados ao grande capital econômico:

“Na maioria dos países capitalistas, os donos dos meios se concentram em poucas

famílias e empresas. As fontes de notícias advêm de um número restrito e fechado, que

as divulgam segundo interesses pessoais e grupais. Os proprietários são os maiores

defensores do capitalismo atual, e combatem todos os adversários impugnando-os como

atrasados, fracassados, superados; além de selecionarem as notícias que lhes interessam

e às elites dominantes, e muitas vezes esconderem e manipularem os acontecimentos e

os comentários numa única direção (não raro com o artifício de que agem em nome da

liberdade de expressão e de pensamento)”. (WANDERLEY, 2009, p.09)

Os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo pertencem a grandes

conglomerados empresariais que atuam não só no segmento dos meios de comunicação,

mas possuem outros negócios relacionados à produção de noticia, entretenimento e

internet, como já apontamos no início deste capítulo.

Vale trazer um pouco da discussão sobre a concentração da propriedade no

mercado brasileiro de mídia e meios de comunicação. O sociólogo Manuel Castells

sugere que, “mais do que nos atermos às fronteiras nacionais, precisamos identificar as

redes sócio-espaciais de poder (local, nacional, global) que, nas suas interseções, se

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configuram em sociedades” (2001, p.18) que sustentam diferentes formas de poder

exercido nas redes.

A transmissão de conteúdo produzido pelas empresas de mídia e a produção de

conteúdos audiovisuais na internet, nas redes sociais e nos canais televisivos constituem

espaços para a circulação de conhecimento, informação e discursos diversos.

Entre 1960 e 2005, os conglomerados nacionais de comunicação no Brasil se

consolidaram com o apoio do setor privado e, em alguns períodos, do Estado – que,

com garantias políticas, favoreceu o desenvolvimento do que pode ser identificado

como um “sistema central de mídia” (GÖRGEN, 2009, p. 17).

O crescimento dos negócios dos meios de comunicação fez surgir empresas

influentes e de poder que atuam e operam com diferentes suportes (impresso, rádio,

televisão, websites de notícias, agências de notícia, sistemas de distribuição de

conteúdos, gráficas, provedores de internet).

O cenário demonstrado nos ajuda a compreender os grandes conglomerados

empresariais de comunicação como grandes detentores de “concentração econômica,

controle das redes de distribuição, penetração regional, presença histórica e

relações políticas” (GÖRGEN, 2009, p. 92).

A propriedade dos meios de comunicação no Brasil pertence a grupos familiares

que concentram as concessões públicas de radiodifusão e a infraestrutura das

comunicações. As famílias que controlam os canais de comunicação de abrangência

nacional estão na região Sudeste: são os Civita, do Grupo Abril; os Marinho, das

Organizações Globo; os Saad, do Grupo Bandeirantes; e as famílias que interessam

diretamente à nossa pesquisa, os Frias, do Grupo Folha, e os Mesquita, do Grupo

Estado.

Conforme pesquisa de Rodrigo de Carvalho (2016, p. 56) a concentração da

informação opera a partir da produção de riqueza para grupos econômicos e da disputa

de ideias na sociedade. O monopólio das empresas de produção de informação funciona

segundo aqueles que detêm concessões públicas, como os aglomerados

comunicacionais de rádio e TV, e as empresas que são proprietárias de veículos

impressos.

Segundo Carvalho (2016), estas últimas, embora tenham abrangência distinta,

difundem maior conteúdo de informação e estão mais fragmentados em todo o país.

Elas dependem indiretamente dos recursos estatais, se levarmos em conta as disputas

pela publicidade dos governos locais, regionais e federal.

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As empresas de rádio e TV são bastante abrangentes e dependem do Estado para

obter ou renovar concessões públicas. Seu alcance, abrangência e audiência são

maiores. É importante destacar que esses canais de comunicação dependem dos veículos

impressos para a elaboração de sua agenda e do conteúdo de noticias.

Por outro lado, não podemos nos esquecer de que as redes sociais atuam como

produtoras de conteúdos e informação, participando da disputa de opinião sem qualquer

regulamentação ou fiscalização por parte do Estado.

A atuação e funcionamento desse campo – ou seja, quem detém, quem controla,

quem informa e como a informação chega à população – é fundamental para

compreendermos que há uma disputa sobre a formação da opinião na sociedade.

A disputa em torno das agendas políticas, econômicas e culturais está

relacionada à elaboração de ideias e construção de um determinado discurso. Sabe-se

que em nosso país parte importante das emissoras de TV e rádio foi beneficiada durante

a ditadura militar. A manutenção dessas concessões, mesmo durante a

redemocratização, foi realizada sob pressões do jogo político.

É evidente a relação entre comunicação e política, sobretudo quando

consideramos nossa história e observamos dados atualizados sobre grupos, famílias e

políticos detentores desses meios.

O debate sobre novas regras e regulamentação para a democratização dos meios

de comunicação é recente. A Constituição de 1988, nos parágrafos 221 a 224, prevê

questões relativas a essa regulação. Está no centro dessa discussão a limitação das

empresas de comunicação quanto às concessões, nacionalização das propriedades e

acesso a concessões públicas.

Durante o segundo governo Lula (2007-2010), o tema entrou na agenda pública

quando o ex-ministro das Comunicações Franklin Martins elaborou o projeto que

buscava regulamentar e alterar a legislação sobre o setor de radiodifusão. Com a

mudança na condução do ministério (Paulo Bernardo assumiu no lugar de Martins),

pouco se avançou nesse sentido e outras mudanças foram realizadas15.

Os governos FHC (1995-2002), Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2015) pouco

avançaram quanto à questão da distribuição das verbas publicitárias que alimentam o

monopólio da comunicação. A Rede Globo concentra cerca de 70% dessas verbas

governamentais.

15

Paulo Bernardo conduziu a expansão da infraestrutura e inclusão digital/social: o Programa Nacional de

Banda Larga (PNBL) já no mandato de Dilma Rousseff (2011).

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Todavia, um ponto positivo de avanço foi dado em 2007, com a criação da

Empresa Brasil de Comunicação (EBC), rede de comunicação pública no Brasil,

responsável por emissoras de rádio e televisão públicas federais16.

Registrou-se também o crescimento de movimentos que se uniram em fóruns,

conferências e encontros que têm como bandeira a democratização dos meios de

comunicação17. Nesse bojo, diversos grupos têm se apropriado da internet e realizado

produções independentes, como Mídia Ninja e Jornalistas Livres, além do exemplo do

Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que criou a TVT, fundada em 2010.

O projeto do Marco Civil da Internet acabou por ser aprovado em 2014, sendo

oficialmente chamado de Lei N° 12.965/14. A lei regula o uso da internet no Brasil por

meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem

como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado. Trata ainda da garantia da

liberdade de expressão, além de impor obrigações de responsabilidade civil aos usuários

e provedores.

É certo que o advento e a propagação dos meios de comunicação de massa

transformaram a concepção de espaço público, de política e de vida social, mas também

há que se registrar a importância da regulação e democratização dos canais de

comunicação em nosso país.

O potencial de influenciar a opinião interessa a grupos econômicos, políticos e

também ideológicos. Os jornais apresentam-se como porta-vozes das correntes políticas

e ideológicas das classes dominantes, e estão expressas em seus discursos as

contradições e as disputas entre diferentes projetos de poder.

16 Dentre as empresas públicas estão: a TV Brasil, a TV Brasil Internacional, as Rádios EBC (Rádios

Nacional do Rio de Janeiro, AM e FM de Brasília, da Amazônia e do Alto Solimões, as Rádios MEC

AM e FM do Rio de Janeiro e Rádio MEC AM de Brasília), Agência Brasil, Radioagência

Nacional e Portal EBC, responsável pelo canal TV NBR, e o programa de rádio A Voz do Brasil.

17 Destacamos dentre estes o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), que

une diversos movimentos e entidades como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra),

a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) para

assegurar a Lei de Mídia Democrática, que estabeleceria um novo marco regulatório das

comunicações.

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3.1 - A construção do discurso político nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e

O Estado de S.Paulo (2003-2010)

A narrativa do jornalismo reserva lugares determinados para os atores da

sociedade e da vida política. As relações entre esses atores tendem a ser simplificadas

no texto jornalístico com a finalidade de corresponder aos anseios do consumo da

notícia. Podemos dizer que o caminho de nossa investigação perpassa o modo como

essas narrativas são construídas.

Os enquadramentos jornalísticos auxiliam na compreensão da formação da

percepção e da imagem dos atores e instituições políticas. A literatura científica de

comunicação e política relaciona o conceito de enquadramento a “marcos

interpretativos” construídos socialmente que permitem a produção de sentidos

(PORTO, 2004, p. 78).

O enquadramento corresponde a recortes selecionados de uma realidade ou de

uma informação que podem ganhar destaque ou simplesmente ser excluídos; podem vir

carregados de juízos de valor, avaliações morais e interpretações valorativas;

geralmente são organizados por uma perspectiva central, e nem sempre são

identificados imediatamente (AZEVEDO, 2004).

Nosso corpus de análise são os editoriais publicados nos jornais Folha de

S.Paulo e O Estado de S.Paulo sobre a reforma política durante os governos Lula I e II

– período de 2003 a 2010, que abrange o momento de discussão do tema na Comissão

Especial da Reforma Política na Câmara dos Deputados (2003 e 2007) e a crise política

deflagrada em função do “mensalão”18 (2005).

Os dois jornais publicaram neste período um total de 95 editoriais sobre a

reforma política: 58 textos na Folha de S.Paulo e 37 n’O Estado de S.Paulo. A busca

por esse material foi realizada no acervo online disponível nos sites de cada grupo

jornalístico. Utilizamos para a busca as palavras-chave “reforma política” e limitamos a

escolha aos editoriais. O material foi lido e compilado para nosso arquivo pessoal, para

verificação e objetivos de análise.

18

Nome dado ao esquema de pagamento irregular de propina a parlamentares que votassem a favor de

projetos governistas. O caso atingiu o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano de 2005,

durante seu primeiro mandato presidencial.

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Com o objetivo de identificar o enquadramento de cada editorial, procuramos

primeiro os elementos que compõem o frame sobre a reforma política observando: 1)

quais são aos problemas apresentados; 2) interpretação do jornal sobre a questão; 3)

opinião e posicionamento apresentando uma avaliação positiva, negativa ou neutra; 4) a

recomendação de uma solução para o problema. Essa metodologia foi adaptada do

trabalho de Matthes e Kohring (2008).

Realizamos a análise de todos os editoriais encontrados no acervo. Elaboramos

um gráfico que apresenta a quantidade de editoriais publicados em cada jornal por ano,

no qual podemos verificar que os períodos mais representativos quanto à quantidade

foram os momentos da crise política motivada pelas denúncias do ano de 2005, que

geraram uma quantidade maior de textos sobre o tema da reforma, e também por

ocasião do debate no âmbito da Comissão da Reforma Política (2007).

Gráfico 1 – A reforma política nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo (2003-

2010)

Buscamos compreender o conteúdo do texto, a opinião sobre a reforma política

emitida pelo veículo, o enquadramento dado pelo jornal e, por fim, as imagens

discursivas sobre a reforma, o sistema político, o governo Lula, atores e instituições.

Será abordada, antes de cada análise, a conjuntura política do governo Lula no

momento em que é discutida a reforma, a fim de compreendermos o cenário, os atores

envolvidos e as preocupações daquele momento.

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3.1.2 - Conjuntura política – governo Lula I (2003-2006)

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial de 2002 abriu

um amplo debate sobre a perspectiva de um governo de esquerda no Brasil. A chegada à

Presidência da República de um ex-metalúrgico, nordestino, de origem sindical e de um

partido ligado aos movimentos e lutas das classes trabalhadoras foi um marco no

processo de disputas eleitorais em nosso país.

Buscamos apresentar a conjuntura polícia dos dois mandatos do governo Lula e

as principais ações do governo no tocante ao debate sobre o sistema político brasileiro.

Consideramos nesta linha do tempo o primeiro mandato, no período de 2003-2006, e o

segundo mandato, de 2007-2010, que encerra um ciclo político com a eleição de Dilma

Rousseff, sua sucessora.

O ambiente político no final do mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB)

era de pouca popularidade do governo, sentimento de apatia e anseio por mudanças, o

que deu o tom das eleições presidenciais de 2002. A conjuntura era de crise econômica,

crise cambial, desemprego e aumento da dívida pública. A desconfiança e a incerteza do

mercado de investimentos tiveram um peso grande durante toda a campanha eleitoral

daquele ano. Esse setor não apostava numa candidatura à esquerda19.

A candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva20 apresentou condições e força

significativa durante toda a campanha eleitoral, a começar pelas estratégias do

marketing eleitoral e pela ampla aliança política construída para alcançar os eleitores

para além do espectro ideológico tradicional da esquerda.

A Frente Lula Presidente tinha como finalidade formar uma aliança política mais

ampla, buscando outros setores da sociedade, em especial do empresariado. O candidato

19

Para afastar a incerteza e desconfiança do setor financeiro, Lula assinou um documento político de

compromisso com a estabilidade econômica por meio da manutenção aos contratos estabelecidos pelo

governo de seu antecessor. Esse documento ficou conhecido como “Carta ao Povo Brasileiro”.

20 Lula havia disputado três eleições anteriores, todas sem sucesso. Em 1989, o petista chegou ao segundo

turno e foi derrotado por Fernando Collor de Mello (PRN). Em 1994, foi derrotado por Fernando

Henrique Cardoso (PSDB), que se elegeu no primeiro turno. Após aprovação da emenda da reeleição,

Fernando Henrique Cardoso se elegeu para um segundo mandato em 1998.

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escolhido para a vice-presidência da chapa, José Alencar, filiado ao Partido Liberal

(PL), cumpriu essa função de pacto com os setores da sociedade. A aliança contou

também com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido da Mobilização

Nacional (PMN) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

A candidatura de seu principal opositor, José Serra (PSDB), tinha o apoio da

classe empresarial e de setores médios da população. A campanha buscava transmitir a

mensagem de mudança e continuidade, tendo como base a experiência política do

candidato como secretário estadual, deputado, senador e, também, ministro do

Planejamento e da Saúde. A temática da saúde formou a base de seu programa.

A campanha de Lula foi baseada no discurso “paz e amor”, trazendo elementos

do marketing político e da publicidade para conquistar eleitores e dialogar com setores

conservadores da sociedade. Com o slogan “a esperança vence o medo”, Lula

distanciou-se do discurso mais radical do passado, adotando conceitos de mudança e

esperança.

As demais candidaturas serviram como segundo plano para o ganho de

visibilidade da polarização PSDB versus PT enquanto duas forças políticas com

lideranças relevantes em âmbito nacional. A disputa para a eleição presidencial de 2002

foi estruturada com base nos dois mais importantes partidos políticos do Brasil.

A vitória de Lula (PT) no segundo turno, com 61,27% dos votos válidos,

expressou o apoio de todas as unidades federativas do país. José Serra (PSDB), seu

opositor, ficou com 38,73% dos votos válidos.

Quanto às bancadas por legendas na Câmara dos Deputados e no Senado

Federal, observamos alterações na composição legislativa, com o crescimento

substantivo do PT na Câmara e no Senado, embora não de modo suficiente para compor

maioria simples nas votações. Também observamos redução das cadeiras do PFL,

PSDB e PMDB na Câmara dos Deputados21.

Na prática, a necessidade de formar maioria parlamentar para governar e

viabilizar as propostas do mandato tornou-se inevitável. A composição de alianças

parlamentares com o PMDB, que somava 73 cadeiras, e com outros partidos – como o

PTB, com 26 deputados, e o PPB, com 49 – deixou claro que a prerrogativa do

presidencialismo de coalizão não seria tarefa fácil.

21

Ver tabela 1, referente às bancadas eleitas em 2002, no Capítulo 2.

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No Senado Federal, o quadro da base governista apresentava uma composição

ainda mais difícil: o PFL estava representado por 14 novos senadores, seguido do PT

com 10 novos membros, o PMDB com nove, o PSDB com oito, o PDT com quatro, o

PSB com três, o PTB com dois, o PL com dois, o PPS e o PSD também com um

senador cada.

Nesse cenário, constituir uma maioria parlamentar dependia de muita

negociação e diálogo com os líderes de bancadas para que o apoio para a aprovação de

projetos no Congresso Nacional tivesse êxito. O responsável pela composição da base

parlamentar do governo Lula foi o principal articulador do PT, José Dirceu, que viria a

ser o ministro-chefe da Casa Civil.

Além de PT, PL, PCdoB e PMN, que desde o início apoiaram o governo petista,

aliaram-se a eles PSB, PPS e PDT, partidos com posições de esquerda. Num segundo

momento buscou-se o apoio de partidos conservadores: PTB e PPB. A base de

sustentação foi consolidada apenas a partir da entrada polêmica do PMDB no governo,

em 2004, com a reforma ministerial.

A composição da base governista no Congresso Nacional funcionou com a

distribuição de cargos entre os partidos e a mudança partidária de parlamentares,

buscando aproximação com o governo. A estruturação das pastas ministeriais buscou

fortalecer as lideranças identificadas com a esquerda e que fossem representativas de

setores da sociedade22.

A ampliação do número de ministérios constituiu uma novidade e tornou-se

assunto polêmico, com a criação das pastas de Esporte, Mulheres, Direitos Humanos,

Combate à Fome, Pesca, Corregedoria-Geral da República e Conselho de

Desenvolvimento Econômico Social.

A equipe econômica foi composta por Henrique Meirelles para assumir o Banco

Central e o professor Carlos Lessa para a condução do Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Visava-se à manutenção do equilíbrio

e à busca da confiança do mercado financeiro com viés desenvolvimentista.

22

Havia ministros que pertenciam ao quadro histórico do PT, como José Dirceu na Casa Civil, Antônio

Palocci na Fazenda e Dilma Rousseff nas Minas e Energia; porém, havia representantes de setores da

sociedade, como Roberto Rodrigues na pasta da Agricultura, Luiz Fernando Furlan no Desenvolvimento

Indústria e Comércio e o artista Gilberto Gil no Ministério da Cultura, além dos senadores Marina Silva e

Cristovam Buarque, reconhecidos em suas respectivas áreas: Meio Ambiente e Educação.

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A composição governista de coalizão apresentou o PT na ocupação das

principais funções de governo e de decisão política. A base de sustentação do governo

no parlamento, nos ministérios, na administração direta das estatais e autarquias foi

organizada, com apoio inicial nas pautas do governo no Congresso. Com o acordo

estabelecido com o PMDB, o deputado João Paulo Cunha (PT/SP) foi eleito para a

presidência da Câmara dos Deputados, e o senador José Sarney (PMDB/AP), para a

presidência do Senado Federal.

Seguiu-se a partir daí a agenda de reformas do governo Lula: uma delas foi a

reforma da Previdência, defendida pelos setores econômicos produtivos, financeiros e

partidos de oposição. Essa reforma alterou as regras previdenciárias do funcionalismo

público, acabando com a paridade dos ativos e inativos do setor, equiparando-os aos

trabalhadores do setor privado.

Durante o primeiro mandato de Lula, os partidos tiveram alterações

significativas com a diminuição das bancadas do PSDB e do PFL no Congresso, o

fortalecimento de partidos conservadores aliados do governo (PL, PTB e PPB) e o

aumento da bancada governista23. Naquele momento a troca de legenda ainda não tinha

regulamentação específica.

Vimos mudanças significativas quanto aos partidos e a seu posicionamento

político. O PDT passou para a oposição. Com a divergência e a expulsão de quatro

parlamentares petistas – os deputados Luciana Genro (RS), Babá (PA) e Chico Alencar

(RJ) e a senadora Heloísa Helena (AL), nasceu o Partido da Solidariedade e da

Liberdade (PSOL).

Em 2003, destacamos como impasse em torno da reforma política o Projeto de

Lei nº 2.679/2003, que precisava ser votado até 2005 para valer nas eleições de 2006, o

que não se verificou.

No ano de 2004 vieram as aprovações relacionadas à reforma do Judiciário,

como a constituição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que permitiria maior

controle e transparência das atividades e contratações do Poder Judiciário.

Na época foi sancionada também a lei que instituiu o programa de transferência

de recursos a famílias pobres, o Bolsa-Família. As críticas ao programa foram diversas;

23

O PT teve sua bancada reduzida de 91 para 90 deputados. O PMDB passou a compor a base aliada e

aumentou de 70 para 77 o numero de deputados. O PPB foi de 43 para 49; o PTB de 41 para 52

deputados; o PL de 34 para 43 e o PSC, de um para sete. Os partidos de oposição viram suas cadeiras

serem reduzidas. O PFL caiu de 76 para 68 parlamentares e o PSDB, de 63 para 50. Também perderam

deputados o PSB, de 28 para 20; o PDT, de 18 para 13; o PCdoB, de 12 para 10; e o PMN, que tinha dois

e ficou sem nenhum parlamentar. PPS (21), PV (seis) e PSL (um) permaneceram com a mesma bancada.

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todavia é importante ressaltar que o programa estava atrelado ao processo de

descentralização das políticas de assistência social. Foi criado o Sistema Único de

Assistência Social (SUAS) e implementado o Programa Nacional de Assistência Social

(PNAS), com o objetivo de garantir direitos às famílias e grupos em situação de

vulnerabilidade social.

No Congresso Nacional, o ambiente político mudou com a derrota do candidato

petista à presidência da Câmara, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT/SP), para o

candidato do chamado “baixo clero”, Severino Cavalcanti (PP/PE). O momento já

apontava para problemas como a insatisfação da base aliada24 e a falta de articulação e

de diálogo quanto ao encaminhamento de demandas dos deputados para os ministros.

Severino Cavalcanti, o novo presidente da Câmara dos Deputados, se elegeu

baseado na promessa de aumentar os salários dos deputados e melhorar as condições de

trabalho dos parlamentares. Na presidência do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL)

elegeu-se a partir de um acordo entre PT e PMDB.

O clima de instabilidade se instaurou no Congresso e adversidades graves

atingiram o governo Lula e o PT. Denúncias de corrupção eclodiram durante o ano de

2005, como o chamado “mensalão” e o envolvimento do assessor da Casa Civil

Waldomiro Diniz, flagrado em gravação pedindo recursos para favorecer a liberação de

jogos de bingo25.

A situação política em 2005 trouxe um clima de instabilidade política e

problemas quanto à governabilidade. O governo Lula perdeu apoio de setores da

sociedade e também de parte de sua base, que chegou a pedir seu impeachment.

De outra parte, Severino Cavalcanti teve de renunciar devido às irregularidades

que envolviam práticas de um esquema de exploração financeira de serviços de

restaurantes no Congresso.

A nova eleição para a presidência da Câmara foi vencida por Aldo Rebelo

(PCdoB) numa disputa acirrada no segundo turno de votação. Essa vitória garantiu à

base governista uma posição estratégica diante da grave crise política vivida na época.

24

Havia uma disputa dentro do próprio PT com o lançamento da candidatura avulsa do deputado Virgílio

Guimarães (PT/MG), que no primeiro turno das votações acabou por disputar os votos do próprio partido.

25

A situação se agravou com as denúncias e a entrevista do deputado Roberto Jefferson (PTB/RJ),

presidente do PTB, à revista Veja e à Folha de S.Paulo, acusando o ministro José Dirceu de organizar um

“mensalão” para os deputados votarem a favor dos projetos do governo.

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A conjuntura política do governo Lula com o Congresso Nacional, os políticos e

os partidos políticos; as adversidades da governabilidade no presidencialismo de

coalizão; a reforma política e a crise política foram temas presentes nos editoriais da

Folha e do Estadão.

Nos textos analisados foi possível observar a preocupação dos veículos em

organizar e hierarquizar sua argumentação tendo sempre como base a defesa de valores

e de condutas éticas e morais.

3.1.3. Os enquadramentos sobre a reforma política nos editoriais (2003-

2006)

No ano da primeira gestão do governo Lula, os dois jornais apostam na reforma

política como uma solução para um sistema político-partidário caótico, irregular e cheio

de falhas. Os textos apresentam alguns itens discutidos na proposta do Projeto de Lei nº

2.679/2003, depois atualizado como Projeto de Lei nº 1.210/2007.

O ano de 2003 foi marcado pela expectativa da primeira gestão de Luiz Inácio

Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores em nível federal. A reforma política é

vista pelos jornais como algo fundamental a ser realizado, já no primeiro ano de gestão,

para conter a troca de legendas e as alianças criadas por motivos eleitorais.

Segundo editorial do Estadão:

[...] há muitos outros motivos para que se considere o corrente ano ideal para que se

considere uma ampla reforma político, partidária e eleitoral, no Brasil. Um deles é a

barafunda político-partidária que levou o eleitorado brasileiro a assistir, perplexo,

mudanças de posição doutrinárias, trocas de partidos e esdrúxulas construções e /ou

desarticulação de alianças como nunca se vira em nossa história republicana. (OESP,

“A hora e vez da reforma política”, 10/02/2003)

O frame discursivo dos editoriais apresenta o sistema político como uma

“barafunda político-partidária”, que necessita de ajustes quanto ao custo e ao

financiamento das campanhas eleitorais. No que se refere à representatividade partidária

e a alianças coerentes e com maior duração, o Estado defende a adoção do sistema de

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votação nas legendas, com listas ordenadas pelos partidos, como uma solução para o

problema.

No dia 3 de fevereiro de 2003, o editorial “Ritos políticos”, da Folha, assegura

aos leitores a necessidade de o governo realizar as reformas. O texto afirma que o rito

sumário, com objetivos de acelerar esse processo, então encabeçado por João Paulo

Cunha, vem atender os interesses governistas de marcar um tempo de transição.

A agenda de reformas do governo Lula, segundo a Folha, precisa obedecer à

natureza política das instituições democráticas, e não operar por “casuísmos”:

Reformar o Estado é processo de longo prazo, que acompanha a democratização, com

erros e acertos. Os principais condicionantes do tempo da reforma não são os

regimentos parlamentares, mas a amplitude e a qualidade dos pactos políticos

articulados em torno dos projetos de emenda à Constituição.

É compreensível que o governo Lula queira mobilizar a sociedade para as reformas. Daí

a forjar casuísmos vai uma longa distância que coloca em risco a saúde das instituições.

Se a preocupação do governo é “dar sinais” de que as reformas virão, é importante

perceber que o principal e mais legítimo indicador de progresso na reforma do Estado é

de natureza política e não regimental. (FSP, “Ritos políticos”, 03/02/2003)

O editorial do Estadão “Os usos da infidelidade partidária”, publicado em 13 de

maio de 2003, volta a criticar a troca de legendas (69 parlamentares haviam mudado sua

filiação partidária). Partidos conservadores da base governista, como o PTB e o PL,

viram suas bancadas aumentarem para atender os interesses do Executivo: “[...] para

muitos políticos as legendas representam apenas canais de acesso a votos, verbas e

cargos”.

O jornal utiliza uma frase de Fernando Henrique Cardoso para reiterar seu

discurso: “no Brasil os partidos são fracos, mas o Congresso é forte”. É interessante

destacar que essa frase aparece em destaque no texto. O editorial comparando o governo

Lula com o antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB): “Com FHC a infidelidade

convinha aos congressistas, com Lula convém ao Executivo”.

O enquadramento ressalta as alianças políticas feitas ao sabor das oportunidades

oferecidas pelo governo. Nessa avaliação, os problemas relacionados à infidelidade

partidária são, em grande parte, motivados pelo governo Lula.

Em 26 de maio de 2003, a Folha publica o editorial “Saída fisiológica” para

manifestar sua opinião sobre a formação da maioria parlamentar e a presença do PMDB

na base de sustentação do governo. O texto alerta:

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O detalhe perverso é que o fato de o governo ter fechado um acordo com o PMDB não

significa necessariamente que vá receber os votos do partido. Parlamentares da legenda

cobrarão “spreads” que crescem na mesma proporção da importância da matéria a ser

aprovada. Essa é, infelizmente, a regra do jogo. (FSP, “Saída fisiológica”, 26/05/2003)

A Folha orienta o partido governista a “honrar sua história”, e não “acomodar-se

ao jogo fisiológico” (...) “para lançar as bases de uma reforma política que reforce o

poder dos partidos” e contribua para uma relação política mais “saudável”.

A Folha de S.Paulo não difere muito em sua opinião daquela emitida pelo

Estado, que entende o sistema político-partidário como um “mercado político” no qual

se trocam votos, cargos e recursos financeiros. Em editorial, chama atenção também

para o “troca-troca” de partidos que resulta do fisiologismo do sistema, isto é, das

relações de poder em troca de benefícios:

Desde o início da redemocratização, Câmara e Senado são palcos de nebulosas

transações envolvendo troca de votos por cargos, por liberação de verbas orçamentárias

e, até mesmo, por outras formas mais sonantes de retribuição. Esse vergonhoso mercado

político já propiciou uma série de escândalos, que serviu para alertar e despertar a

indignação da opinião pública. (...) O PT, obviamente, sabe que possui um patrimônio

ético a ser preservado. Tem procurado, portanto, jogar o jogo com relativa prudência. A

maior demonstração disso talvez seja o modo como vem promovendo a transferência de

parlamentares para a base do governo. O troca-troca de legendas é uma outra face do

problema do fisiologismo. (FSP, “PT heterodoxo”, 28/09/2003)

O jornal elabora opinião semelhante à do Estado, que acredita na necessidade

de uma reforma política capaz de moralizar a situação. “Novas regras precisam ser

estabelecidas para que o comércio de votos e a vergonhosa deserção partidária motivada

por interesses de ocasião possam ser coibidos” (FSP, 28/09/2003). O jornal dá

conselhos sobre como o PT deve conduzir o jogo político.

O editorial “O planalto comanda o vaivém” (OESP, 30/09/2003) destaca a

afirmação no meio do texto: “Assiste-se na atualidade a mais frenética troca de legendas

desde 1985”. O texto compara a migração dos parlamentares à migração das aves que se

deslocam a climas mais convidativos, segundo seus ciclos e lógica. No caso dos

parlamentares, o ciclo é marcado pelo calendário eleitoral e sua legislação.

Os marcadores dos enquadramentos desse momento são formados pela crítica ao

PT na composição de sua base parlamentar, à migração partidária para os aliados do

governo e à necessidade de uma reforma política que limite esses comportamentos.

No ano seguinte (2004), as críticas dos jornais à migração partidária, à relação

do Executivo com o Legislativo e à base governista no Congresso Nacional sugerem

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novamente que apenas uma reforma política poderia solucionar esses problemas e

aperfeiçoar a democracia.

No editorial “Reforma política não cai do céu” (OESP, 12/09/2004), destaca-se a

importância da reforma política para o aperfeiçoamento da democracia e o

desenvolvimento socioeconômico do Brasil. O texto menciona o agendamento do tema

para os próprios parlamentares a quem denomina “políticos caboclos”, que insistem em

criticar o sistema político brasileiro. O texto menciona a entrevista do então senador

José Sarney (PMDB), que defende a mudança do modelo proporcional para o distrital.

O destaque está na frase: “Sem iniciativas concretas dos que exercem o poder, a

mudança jamais virá”. Com essas mesmas palavras, encerra-se o texto.

O editorial “Doar para receber” (FSP, 04/08/2004) aborda a transparência no

sistema de doação de fundos de campanha. O contexto é o das contribuições de

empresas que prestam serviços à prefeitura e ao governo do Estado para as campanhas

da então prefeita Marta Suplicy (PT) e do governador Geraldo Alckmin (PSDB)

respectivamente. A Folha, novamente em tom de cobrança, afirma que o tema estava na

reforma política prometida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e parece ter sido

relegado ao esquecimento.

O Estado enfatiza a difícil tarefa de Lula na condução das votações das emendas

parlamentares. De acordo com o jornal:

Em meio ao cenário caótico do relacionamento do governo Luiz Inácio Lula da Silva

com o Legislativo, em que o Executivo tem tido que, literalmente “pagar” para ver o

Congresso funcionar, liberando verbas para atender as emendas parlamentares – e estes

deixando o Plenário escandalosamente vazio, mesmo estando nas Casas, por não mais

acreditarem em promessas de liberação de verba nem com hora marcada – enquanto a

paralisia do Congresso – pelo não atendimento aos interesses regionais/eleitorais dos

congressistas [...] (OESP, “O calmo dedo na ferida”, 13/11/2004)

O jornal menciona o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que com calma e

ponderada reflexão coloca o dedo na ferida falando da necessidade de uma reforma

política no Brasil que estabeleça a fidelidade partidária e voto distrital misto. O Estado

utiliza o exemplo de Alckmin para deixar claro que apoia a proposta de reforma política

defendida pelo PSDB. Apesar de afirmar que a reforma política é um tema que encontra

pouco esforço e vontade entre os parlamentares, o jornal reafirma sua posição no voto

distrital misto para lidar com a questão da representatividade.

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Já a Folha, no editorial “Migração fisiológica”, critica os parlamentares e o

próprio PT, que permite que membros de sua base aliada mudem de partido diversas

vezes durante o mandato. Como o próprio texto sugere, essas trocas acontecem com

muita frequência no período:

[...] É deplorável o elevado número de mudanças de partido registrado no Congresso

Nacional de janeiro de 2003 até agora. Apenas nesse período, aproximadamente um

quarto dos deputados federais – cerca de 141 parlamentares – trocou de sigla partidária.

Dentre esses casos, alguns configuram uma verdadeira peregrinação por diversas

agremiações partidárias. (...) Lamentavelmente, a gestão petista não se limitou a dar

prosseguimento a essa prática, mas produziu aprimoramentos em sua execução.

Convenientemente, não é o PT o principal receptor das adesões, mas as legendas

aliadas. Numa prudente “terceirização”, partidos da base governista têm prestado o

serviço de receber a maior parte dos migrantes. Dessa forma, o PT se beneficia da

infidelidade partidária – que tanto criticou no passado –, mas procura manter as

aparências de paladino da ética, imagem já bastante arranhada que construiu ao longo de

sua história [...] (FSP, “Migração fisiológica”, 04/09/2004)

Conforme a Folha, esses fatos apenas reiteram a necessidade da reforma

política. Para o jornal, se houvesse obediência e fidelidade à filiação ao mesmo partido

durante os quatro anos anteriores ao pleito, e se uma regra assim o determinasse, só

deveriam candidatar-se a um novo mandato ou a outro cargo público eletivo aqueles

políticos que mantivessem filiação com duração estabelecida em lei, pois “contribuiriam

muito para o aperfeiçoamento da democracia brasileira”.

O editorial “Panaceia autoritária” (OESP, 18/11/2004) discute as propostas de

plebiscito e referendos como consultas à população. A frase em destaque no texto é:

“uma solução falsa para o problema do descrédito do Legislativo”. Na visão do Estado,

esse mecanismo, utilizado algumas vezes no Brasil, é uma medida autoritária. A solução

está na reforma política.

O uso dos enquadramentos pejorativos e negativos em relação aos políticos,

partidos e ao sistema político-partidário acaba por reforçar a imagem de ineficiência do

sistema e das instituições, além de atores que “traem” partidos, regras e possivelmente o

eleitorado. A ideia de partidos como “empresas terceirizadas” sugere que os recursos

financeiros e os benefícios políticos de fato comandam o universo da política no Brasil

– daí a necessidade de reformas no sistema político-partidário para o melhoramento da

democracia.

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A Folha, em “Governo de coalizão” (FSP, 21/011/2004), menciona a fala do

senador Aloizio Mercadante (PT) sobre a política de alianças para abordar a articulação

da base governista com vistas às eleições de 2006. E aproveita para fazer uma

provocação sobre o papel do PMDB no governo:

[...] esse partido político (se assim ainda merece ser chamado) do qual restou um

consórcio de facções e líderes que em geral pouco representam ou lideram além de seus

interesses. Para infortúnio da política brasileira, essa legenda, cujos membros parecem

sempre à espera do melhor lance no mercado da fisiologia, reúne fragmentada, mas

numerosa, representação que, nas decisões legislativas, pode ser o fiel da balança para

as pretensões do Executivo. (FSP, “Governo de coalizão”, 21/11/2004)

Com as mudanças nos ministérios e o afastamento de Carlos Lessa da

presidência do BNDES, assumida então por Guido Mantega, a Folha afirma que a

reforma ministerial marca o afastamento do governo Lula daqueles anseios das eleições

de 2002 e faz com que o governo se torne cada vez mais pragmático, à mercê de novos

impasses e “rodadas fisiológicas de negociação”.

O ano de 2005 foi marcado pelo episódio do “mensalão” e de outras denúncias

de irregularidades no governo Lula. A eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a

presidência da Câmara dos Deputados foi assunto comentado nos editoriais do Estadão.

O jornal denuncia o estado de “degeneração”, “desgaste” e “desmoralização” dos

partidos políticos no Brasil e afirma que tal cenário clama por uma profunda reforma

político-partidária.

No mês de fevereiro daquele ano, dois editoriais abordam diretamente o tema:

“Um mal para o bem?” (OESP, 20/02/2005) e “Da degradação à reforma” (OESP,

23/02/2005). O primeiro texto faz críticas às práticas corporativistas de Severino

Cavalcanti e suas “convicções medievais” sobre direitos civis ou liberdade científica.

O Estado sugere que Severino foi eleito num “free for all” (forró de versão

abrasileirada) devido à “virtual desintegração” dos partidos e ao “bacanal de

infidelidade partidária” possibilitada pelo governo Lula. Apresenta ainda, noutro

momento do texto, as críticas do presidente da Câmara à infidelidade partidária,

defendendo a cassação de mandato dos parlamentares infiéis.

O editorial afirma que aquela seria uma ocasião para cobrar uma reforma

política que aprove o modelo de lista fechada para as eleições. Nesse sistema, o

candidato infiel perderia sua vaga para o candidato mais votado da lista. E finaliza: “se

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o presidente Severino apoiar o saneamento dos costumes políticos, a sua biografia

poderá ficar irreconhecível – no bom sentido”.

O texto do dia 23 de fevereiro reafirma que o momento de crise era propício a

uma profunda reforma política. O “fundo do poço” é o pano de fundo de um processo

“galopante” de “desgaste” e “desmoralização” dos partidos. O texto utiliza frases do ex-

presidente Fernando Henrique Cardoso com críticas ao governo: “Um governo que se

elegeu com a história de um partido devia ter entendido que os partidos são importantes

e que não vale o preço destruir os partidos para governar”.

O jornal não poupa julgamentos acerca do deputado Severino Cavalcanti, a

quem descreve como “rei do baixo clero”. O Estado utiliza-se da frase de Renan

Calheiros (PMDB/AL), então presidente do Senado, para reforçar o apoio a uma

reforma política que estabeleça limites para a “infidelidade partidária”.

Segundo o Estadão, o PT permitiu a migração partidária para aumentar sua base

parlamentar a partir da transferência de deputados para os partidos aliados.

[...] É possível, quem dera fosse provável, que uma dessas tarefas diga respeito à

reforma político partidária. É evidente, contudo, que se o PT se dispõe a liderar uma

reforma nesse campo, precisa fazer seu honesto ato de contrição, admitindo sua

responsabilidade na “degradação” a que chegou o quadro partidário caboclo, antes de

travestir-se de paladino da “fidelidade partidária”. (...) Se o presidente do PT e suas

lideranças empreenderem um real esforço em prol da reforma político-partidária e, além

disso, se empenharem contra o corporativismo Severino, a começar pelo combate ao

cumprimento da promessa – severina – de duplicação de ganho dos deputados federais,

será possível a sociedade brasileira ter esperança na regeneração dos hábitos políticos.

(OESP, “Da degradação à reforma”, 23/02/2005)

Nomes de personagens importantes como o presidente do PT, José Genoíno, e o

presidente do Senado, Renan Calheiros, são mencionados no texto a fim de corroborar a

necessidade de uma reforma política para a “regeneração dos hábitos políticos”.

Os enquadramentos feitos pelo jornal sugerem que o quadro partidário brasileiro

durante o governo Lula é o pior de toda a história do país, visto que é uma confusão.

Está em pleno processo de degradação; daí a avaliação negativa. Os partidos estão

desmoralizados e a migração partidária é fisiológica, enquanto o PT permite aquilo que

o jornal chama de “receptação fisiológica”. A identificação do problema do frame é o

fisiologismo; e sua solução é a reforma política.

No mês de fevereiro a Folha publicou sobre o tema os editoriais “Mixórdia

partidária” (19/02/2005) e “A farsa da reforma” (25/02/2005). No primeiro, o jornal

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busca expor sua crítica à eleição de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara, ao

problema da fidelidade partidária e ao poder capitaneado pelo PMDB. Na visão da

Folha, o sistema político brasileiro favorece as alianças de interesses:

[...] visto como um todo, o sistema partidário é invertebrado e não consegue as

inclinações oportunistas e fisiológicas que animam a maioria dos políticos. O mais

clamoroso exemplo dessa mixórdia é o PMDB, legenda que há muito se tornou um

desconexo condomínio de lideranças e agrupamentos para os quais a política consiste

freqüentemente em extrair o máximo de vantagens do balcão da fisiologia e defender a

todo custo ambições e interesses paroquiais. (FSP, “Mixórdia partidária”, 19/02/2005)

A Folha assegura que apenas com uma reforma política será possível haver um

controle maior da migração partidária. A posição é reforçada no editorial do dia 25 de

fevereiro, o qual critica a proposta defendida pelo senador Renan Calheiros de votar

questões pontuais e de interesse dos parlamentares com vistas às eleições de 2006. O

texto enfatiza que as alianças políticas deveriam ter um controle mais rigoroso e a troca

das legendas deveria obedecer a um prazo de quatro anos de filiação.

O editorial do Estadão do dia 19 de junho de 2005, intitulado “A herança de

Dirceu”, discorre sobre a queda de José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil do

governo. O ex-ministro foi responsabilizado pelas falhas nas alianças no Congresso e

por envolvimento com o pagamento de valores a deputados no caso do “mensalão” e no

caso Waldomiro Diniz, que envolveria recursos irregulares oriundos do jogo do bicho

para contribuições em campanhas em troca de favorecimento em concorrências e

contratações.

Para o jornal, o ex-ministro da Casa Civil pode ser definido como “um aprendiz

de feiticeiro centralizador, obcecado em manipular a estrutura administrativa ao sabor

de seus interesses”. Afirma ainda que o único setor em que o ministro não interferia era

a economia, que estava no rumo certo e não dava problemas. O jornal reitera a

necessidade de uma reforma política corajosa que efetive “a despetização e o

emagrecimento do corpanzil ministerial”.

O jornal assegura que a reforma ministerial seria capaz de garantir a eficiência

das engrenagens da administração e o controle da corrupção. O enquadramento do

problema apresentado são as práticas de corrupção; a avaliação recai sobre o governo

petista e uma de suas principais lideranças, José Dirceu; e a solução apontada aos

problemas é a reforma ministerial.

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O tema da corrupção volta a aparecer nos editoriais do Estadão “O outro

mensalão” (16 de junho) e “A reforma política” (26 de junho). Os textos são reflexos do

momento: as denúncias do pagamento de valores a parlamentares nos casos do

“mensalão”, da CPI dos Correios e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).

Essas denúncias ganham a atenção dos editorais da Folha de S.Paulo no mesmo

período. O jornal também destaca a dificuldade do presidente Lula em lidar com a base

aliada e aponta a necessidade de uma reforma política como solução para os problemas

político-partidários.

Nos editoriais “A política como negócio” (8 de junho), “Sem mágica” (12 de

junho) e “Reforma equivocada” (26 de junho), a Folha cobra maior transparência, mais

moralidade e rigor nas regras do sistema político-partidário, com uma reforma que

fortaleça os partidos e diminua o personalismo dos parlamentares.

Para a Folha, é preciso conter a lógica do mercado de interesses do Congresso

Nacional: “nada parece escapar da lógica mercantil, que se instaura já no processo de

financiamento de campanhas”. Afirma ainda que: “Não há muita diferença entre o

‘mensalão’ de hoje e a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição em 1997”,

que favoreceu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

No editorial “Sem mágica” (12 de junho), a Folha menciona um

pronunciamento do presidente Lula sobre a agenda da reforma política no qual a

reforma foi classificada como “palavra mágica”. O jornal utiliza-se da mesma “palavra

mágica” para associá-la a uma intenção do governo de desviar o foco quando há crises

ou denúncias de irregularidades:

Não há dúvida de que o sistema político-partidário brasileiro precisa de correções. O

Planalto, porém, parece inclinado a ver no debate da reforma uma ocasião para desviar

as atenções, transferindo responsabilidades do governo e do PT para as deficiências

institucionais do país. A verdadeira “mágica” que se pretende encenar é transformar

culpados em vítimas. O ilusionismo consiste em criar a idéia de que falhas do arcabouço

político devem responder por decisões de indivíduos cientes do que estavam fazendo.

Mas identificá-los e submetê-los ao rigor da lei é fundamental. (...) Militantes petistas e

apaniguados tomaram de assalto a máquina pública, numa disputa feroz com “aliados”

insatisfeitos e sedentos de recompensas. Erros políticos foram cometidos em série, e o

fisiologismo tornou-se a regra. Agora, o governo tenta convencer o país de que irá se

redimir por meio de uma reforma política, que constava, aliás, das prioridades do

candidato Lula, mas foi esquecida depois da vitória. A reforma continua sendo

necessária, mas é ilusão acreditar em seus poderes mágicos. (FSP, “Sem mágica”,

12/06/2005)

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A Folha sugere que os políticos tendem a culpar o sistema político-partidário

por suas falhas e deficiências; porém, acentua a responsabilidade e a conduta dos

parlamentares durante o mandato: “A sociedade brasileira elegeu o candidato Luiz

Inácio Lula da Silva com a esperança de que o PT demonstrasse no poder o mesmo grau

de exigência moral e republicana que pregava na oposição. Se esse compromisso deixou

de ser cumprido, a culpa não é apenas do sistema político” (FSP, 12/06/2005).

A Folha afirma ser favorável à restrição do individualismo parlamentar com o

fortalecimento das legendas, assim como apoia o fim da troca de legendas feita de

forma oportunista; o controle dos partidos; a proibição das coligações em eleições

proporcionais; a correção da proporcionalidade das bancadas estaduais; o rigor para

com o financiamento de campanhas; a redução dos cargos de confiança; a privatização

do IRB.

A necessidade da reforma política volta a aparecer no editorial do dia 26 de

junho, a partir da aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara

dos Deputados, de uma proposta de reforma que, segundo a opinião da Folha, é “eivada

de equívocos” e “fica aquém do desejável”.

As críticas do jornal são pontuais acerca das federações partidárias e do acesso

ao financiamento eleitoral. O jornal também se mostra contra a proposição de um

financiamento público para as campanhas e das listas fechadas organizadas pelos

partidos. A Folha aponta que há lacunas quanto à proporcionalidade do sistema que

precisam ser corrigidas, além defender regras mais rigorosas para as migrações

partidárias.

A reforma política, afirma o editorial, não é “panaceia para os males nacionais,

mas isso não significa que não seja possível aprimorar os marcos institucionais”, desde

que “seja levada a sério, e não conduzida de maneira acomodatícia ao sabor dos

interesses da classe política” (FSP, 26/06/2005).

Os enquadramentos utilizados pelo jornal sugerem que a reforma política deve

ser conduzida de maneira a trazer os valores éticos para a política. Já o Estado enfatiza

o resgate da eficiência do sistema político a partir de um tom moralizador que promova

a “regeneração dos costumes políticos”. As críticas ao sistema político, ao governo

Lula, aos membros do governo e à base aliada são constantes nos textos. O

melhoramento da democracia é apresentado como um valor.

Nos editoriais “A panaceia de sempre” (de 15 de agosto) e “A minirreforma” (21

de agosto), o Estadão dialoga com o momento em que se desenrolam as CPIs do

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Mensalão, dos Bingos e dos Correios. O jornal defende que o tema da reforma serve aos

parlamentares nos momentos de crise política e ao mesmo tempo favorece esses atores

quando as mudanças são aprovadas.

No editorial do dia 21 de agosto, menciona-se por duas vezes a necessidade de

“moralizar as eleições”. O texto também defende que mudanças votadas na

minirreforma já pudessem valer para as eleições de 2006 – entre elas o fim dos

“showmícios” e da distribuição de brindes, além da redução da campanha de 90 para 60

dias e da propaganda eleitoral gratuita de 45 para 35 dias.

A Folha trata dessas questões no editorial “Mudar as campanhas”, de 10 de

agosto. Segue-se a crítica ao financiamento das campanhas, ao PT e aos gastos com

marketing e publicidade:

Se já está claro que o esquema montado pela “oligarquia” do PT em parceria com o

publicitário Marcos Valério vai muito além da mera utilização de recursos “não-

contabilizados” para patrocinar gastos eleitorais, não há dúvida de que o financiamento

de campanha é um dos pontos fundamentais a ser enfrentado na reforma pela qual as

instituições políticas precisam passar. (FSP, “Mudar as campanhas”, 10/08/2005)

Em relação ao financiamento público de campanha, proposta defendida pelo PT,

a Folha se manifesta contrariamente por não considerá-lo a melhor solução para o

problema. Para o jornal, é preciso reduzir os custos com as campanhas, haver mais

transparência e também punições para os ilícitos, bem como que não haja “tanta despesa

com marqueteiros que cobram fortunas para apregoar seus ‘produtos’ ao eleitor”.

Por ocasião de uma nota divulgada pela Executiva Nacional do Partido dos

Trabalhadores, no editorial “As desculpas do PT”, de 18 de agosto, a Folha faz críticas

ao pedido formal de desculpas do partido à nação. Para o jornal: “Mais que um discurso

estéril de vitimização, o PT deve à sociedade sinais de que responderá à crise com uma

profunda reformulação interna”.

É possível constatar que o movimento para a formulação e a aprovação de

reformas político-eleitorais, no contexto da crise política, influencia os editoriais da

Folha do mês de agosto daquele ano.

Os textos “Não ao casuísmo” (19 de agosto) e “Corrupção enraizada” (28 de

agosto) mencionam o imediatismo presente nas propostas para responder aos recentes

escândalos de corrupção. Nesse último, o jornal argumenta:

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Não é aceitável, porém, transferir para o arcabouço político-eleitoral a responsabilidade

pelo festival de irregularidades cometidas nesse campo pelo PT e pelos demais partidos

que se serviram de recursos de caixa dois e de outros expedientes ilícitos para obter

vantagens. Um mínimo de respeito à ética, à decência e à honestidade provavelmente

surtiria melhor efeito. (FSP, “Corrupção enraizada”, 28/08/2005)

O jornal apresenta-se contrário ao discurso do presidente Lula, para quem a

prática da corrupção é comum em todos os partidos e faz parte de nossa cultura política.

Aludindo ao humorista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta (1923-1968), com a frase

“ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”, a Folha afirma que é preciso

combater essa prática.

No editorial “Manobra no Congresso” (30 de setembro), o jornal retoma a sua

opinião quanto ao “casuísmo” da aprovação da reforma num contexto de crise política.

Diz o texto: “Embora uma série de propostas já tenha passado pelo Senado e aguarde

apenas votação na Câmara, não houve entre as lideranças acordo para que a matéria

fosse votada”. A falta de esperança é o mote da narrativa.

No ano de 2006, a ideia de que o presidente Lula e o PT culpam o sistema

político pelos problemas relacionados à corrupção em seu governo volta com força nos

editoriais d’O Estado de S.Paulo.

O jornal critica o projeto da Comissão de Constituição e Justiça que trata da

reeleição para cargos executivos a partir de 2010, a convocação de uma Constituinte

para a reforma política organizada pelo PT e as mudanças na legislação que

regulamenta as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).

Começando pelo fim, pois neste caso o disparate contém a ameaça de uma intromissão

casuística e, portanto, abusiva do governo nos procedimentos do Congresso, o que o

presidente e seu partido querem concretamente é emascular os inquéritos parlamentares

impedindo-os de terem acesso aos dados fiscais, bancários e telefônicos de suspeitos de

corrupção. (...) Já a Constituinte para a reforma política – o que decerto dará em nada,

por isso é um factoide – é um jogo de cena e um risco para a democracia. Lula deu de

culpar o sistema político, que ele não fez nada para mudar, pela corrupção do esquema

petista de poder. Agora, posa de paladino da alteração das regras que, se propiciam

malfeitorias, não obrigam ninguém a ser malfeitor. É certo que os políticos evitam

mexer no que os favorece, mas a única unanimidade a respeito da reforma, entre os

especialistas isentos, é que ela nunca será uma panaceia. (OESP, “Disparates em dose

tripla”, 04/08/2006)

O texto sugere ao leitor que o presidente e integrantes de seu governo se

esforçam para que não sejam apuradas as irregularidades e denúncias de corrupção.

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Noutro momento, afirma que há uma “corrupção do esquema petista de poder” e que a

consulta popular via Constituinte para a reforma política não passa de um jogo para

ocultar outras questões do governo, sendo, portanto um risco para a democracia.

O Estado se posiciona contra o governo e o partido, criminalizando condutas,

propostas e possíveis intenções. As imagens negativas utilizadas sugerem que o PT é

responsável pela corrupção no governo; que se utiliza de medidas “abusivas” para

“emascular” inquéritos e impedir as investigações; e tenta colocar o presidente como um

“falso” defensor da reforma política.

No editorial “O programa de governo de Lula” (27 de agosto), o discurso do

presidente Lula ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social ganha destaque.

A crítica a Lula e a seu posicionamento quanto à reforma política, encarada como

remédio para a crise do sistema político, não passa de um falso diagnóstico, segundo o

jornal. A infidelidade partidária e a corrupção são problemas apontados pelo Estadão,

que encerra o texto com a pergunta: “Terá ele meios de salvaguardar a administração da

voracidade dos políticos?”

O editorial “Da intenção aos atos” é publicado em 31 de outubro de 2006, logo

após o segundo turno das eleições daquele ano. No texto, o Estadão menciona que, com

o apoio obtido com a vitória eleitoral de Lula, torna-se oportuno o debate sobre a

reforma política, que aborde temas como a fidelidade partidária, o fortalecimento dos

partidos e o financiamento eleitoral. Os erros das gestões anteriores não devem ser

permitidos na gestão a ser iniciada, como disse o presidente Lula, em declaração

corroborada pelo jornal.

Nos editoriais “O Supremo fez a coisa certa” (9 de dezembro) e “A oportuna

barreira” (4 de outubro), o tema é a cláusula de barreira. Nesse contexto, o Estado

aborda a definição do STF de considerar inconstitucional a regra que facilitava a

proliferação de “partidos de aluguel” e promovia a fragmentação partidária e as relações

escusas entre o Executivo e o Congresso.

A regra é clara sobre a necessidade dos partidos de atingir os 5% na votação

nacional, com o mínimo de 2% em nove estados, para que tenham acesso ao fundo

partidário. O Estadão apoia a vigência da cláusula de barreira para acabar com o

oportunismo eleitoral.

A Folha de S.Paulo, no dia 2 de março, afirma que com a cláusula os partidos

ganham maior representatividade, já que “houve tempo mais do que suficiente para a

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consolidação de siglas que são de fato dotadas de representatividade (...) o que garante

diversidade de opções ao eleitor”.

No mesmo mês, a Folha apresenta questionamentos sobre a capacidade do

governo Lula de impor a pauta da reforma política no Congresso, assim como fala de

letargia quanto ao crescimento econômico e às mudanças na Previdência Social. O

editorial “Pouco a oferecer” critica o governo sobre sua prudência e comedimento no

tocante às reformas e à condução de sua gestão:

[...] tanto no governo como em diversos setores da oposição, prevaleça uma espécie de

realismo degradado, sem perspectivas nem propostas, a serviço de cínicos interesses de

autopreservação política. (...) Poucas vezes, no Brasil, a política teve tão pouco a

oferecer. Muito bem que tenha passado o tempo das bravatas ideológicas, e que

promessas antes levadas a sério hoje se revelem irrealizáveis. Mas que o sentido da

construção do futuro não se perca num estado de conformidade, indiferença e cinismo,

que enfraquece o espírito da própria democracia. (FSP, “Pouco a oferecer”,

05/03/2006)

Sobre a votação da medida que proíbe a divulgação de pesquisas eleitorais nos

quinze dias anteriores às eleições, a Folha, no editorial “Câmara escura”, argumenta que

“a medida priva o eleitor do acesso a informação relevante para decidir seu voto”. O

jornal afirma que tal medida censura e viola a liberdade de expressão e o direito à

informação.

É inconstitucional e injusta a tutela que a Câmara tenta impor ao eleitorado. A título de

produzir uma resposta de faz-de-conta à crise de credibilidade que se abate sobre o

Parlamento, os deputados não têm o direito de lançar mais sombra na disputa eleitoral.

(FSP, “Câmara escura”, 23/03/2006)

Vale lembrar que o jornal, por meio do Instituto Datafolha, realiza pesquisas de

opinião eleitoral. Sabe-se também que a divulgação dessas pesquisas são bastante

polêmicas pelos seus resultados e efeitos no comportamento do eleitor.

Para a Folha, com a chamada minirreforma (Lei 11.300/06), o Congresso

Nacional “parece mesmo empenhado em caçoar da opinião pública”, uma vez que seria

uma reforma política para criar a “ilusão de que o Congresso reagia aos escândalos”.

Os elementos em discussão “vão do irrelevante (proibição de ‘showmícios’ e de

distribuição de brindes a eleitores) ao inconstitucional (o veto a divulgação de pesquisas

eleitorais a 15 dias do pleito)” (FSP, “Lei inócua”, 19/06/2006).

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No mês de agosto daquele ano, a Folha publicou cinco editoriais motivados pela

disputa eleitoral e pela proposta de convocação de uma Assembleia Constituinte. Os

editoriais “Escapismo de volta” (4 de agosto) e “Assembleia no vácuo” (6 de agosto)

tratam da proposta do governo Lula de convocar uma Constituinte específica para a

reforma política.

Na opinião da Folha, a proposta se caracteriza como “escapismo” e

“demagogia”, tendo o objetivo único de influenciar a opinião da população sobre o

tema, visto que as regras já estão dadas pela Constituição de 1988: “Constituintes só se

justificam quando há rupturas institucionais, mudanças de regime. Do contrário, o

instrumento se banaliza e, com ele, a própria democracia”. Seria mais salutar regular e

punir as migrações partidárias, defende o jornal.

Na mesma linha, no editorial de 6 de agosto, a Folha salienta o vazio de

propostas e a falta de vontade de produzir mudanças nas regras eleitorais. O jornal

sugere que a Constituinte não traria grandes contribuições, uma vez que não teria

fundamentação e tratar-se-ia apenas de um subterfúgio para escapar de questões mais

importantes.

Em “Nova fase” (16 de agosto), o jornal discorre sobre as eleições e a

expectativa para a campanha daquele ano. Espera-se que os partidos “afinem seus dotes

publicitários em razão do debate informativo e responsável”, aponta. Sobre a incidência

das novas regras no marketing político, afirma que “ficou muito mais difícil iludir o

eleitor, escaldado, com conversa fiada embalada em truques de imagem”.

Sobre o financiamento das campanhas, o editorial “Ocultações perigosas” (14 de

agosto) assegura que a prestação de contas deve ser transparente do inicio ao fim da

campanha eleitoral: “Não há razão para preservar o anonimato dos doadores antes do

pleito. Pelo contrário: é direito do eleitor saber quem financia seu candidato antes de

definir o voto”, a fim de que não se corra o risco de novas ocorrências como o episódio

do “mensalão”.

Sobre o discurso de Lula voltado às reformas, em “Rumo da negociação” (27 de

agosto) o diário afirma que o presidente acertou ao apostar num acordo nacional sobre

as reformas necessárias, como a da Previdência, além do ajuste fiscal e da reforma

política; afastando-se da ideia da convocação de uma Constituinte:

Com efeito, ao enunciar a idéia de um entendimento nacional em torno de questões

como a reforma previdenciária, do ajuste fiscal e da reforma política, Lula se afasta das

duvidosas associações que a proposta da Constituinte poderia manter com o modelo

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messiânico e personalista adotado em outros países latino-americanos. (FSP, “Rumo da

negociação”, 27/08/2006)

A pauta da reforma na agenda pública instiga o jornal a pontuar alguns

problemas, como a disfuncionalidade e a frouxidão do sistema. As soluções estariam

numa reforma que promovesse a correção das disparidades na representação das

bancadas estaduais na Câmara dos Deputados e a adoção do voto facultativo e do

sistema distrital misto.

Todavia, o posicionamento sobre a necessidade de reformas na área econômica

ganha prioridade. A Folha recomenda que não se perca tempo com a reforma política

nesse contexto de transição de mandato:

O duplo risco de um messianismo institucional na Presidência e de um impasse

deliberativo no Congresso recomenda todavia que, em torno de assunto tão complexo,

não se percam as energias e o capital político que outras reformas urgentes, no campo

econômico sobretudo, devem mobilizar no próximo mandato. (FSP, “A reforma

possível”, 12/11/2006)

A Folha de S.Paulo segue a mesma orientação na crítica do presidente Luiz

Inácio Lula da Silva de que as deficiências no sistema político não são as únicas

responsáveis pela corrupção (“o diversionismo dos mandatários atribuiu a origem da

corrupção às deformações do sistema”). O jornal faz parecer fácil a mudança das regras

eleitorais:

Aos que sonham, por seu turno, com vôos altos na reforma política cabe lembrar que há

passos iniciais simples e eficazes, que dispensam a complexa mobilização de forças

parlamentares para emendar a Carta. Com uma lei aprovada por maioria simples na

Câmara, seria possível implementar a fidelidade partidária. Pelo projeto, que já passou

pelo Senado, quem muda de legenda fica impedido de candidatar-se pelos quatro anos

seguintes. Esse dispositivo contribuiria para reforçar os elos entre candidatos e partidos,

inibindo trocas constantes de sigla. (...) Esse processo de depuração está em pleno curso

e resulta não de um casuísmo, mas de uma medida que levou dez anos para ser

totalmente implantada. Quando o assunto é reforma política, às vezes a opção por

avanços incrementais é tão eficiente quanto propostas radicais para alterar o sistema – e

bem mais factível. (FSP, “Com fidelidade”, 06/11/2006)

Entretanto, a Folha não menciona a dificuldade na obtenção de consenso nas

votações na Câmara e no Senado; aprovar qualquer item da reforma no Congresso não é

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tão fácil como o jornal faz parecer. Esse posicionamento do periódico acerca da

fidelidade partidária é recorrente.

Sobre o veto à cláusula de barreira pelo STF (“Ainda no pântano”, 9 de

dezembro), a Folha afirma que “a votação no Supremo projeta novas incertezas sobre o

futuro de qualquer reforma política”. O jornal entende essa instituição como “instância

guardiã da Constituição”, que tem “papel mais conservador”, preservando as regras do

jogo democrático. O veto leva o sistema “de volta ao ponto de partida; parece mais

longo do que nunca o caminho para sair do pântano”.

Vale lembrar que o veto a essa cláusula beneficiou os partidos pequenos – 22

partidos na ocasião –, que dependiam dos recursos do fundo partidário e do acesso,

ainda que reduzido, a tempo de rádio e televisão durante a campanha eleitoral.

Os enquadramentos presentes apresentam os políticos como “mandatários”; a

corrupção como parte das “deformações do sistema”; e o sistema político-partidário

como ineficiente. As soluções são a regulação e o controle das atividades parlamentares,

garantidos por meio de uma reforma política.

3.1.4 - Conjuntura política – governo Lula II (2007-2010)

O cenário político das eleições presidenciais de 2006 é marcado pelo

fortalecimento do apoio popular a Luiz Inácio Lula da Silva, que, após a grave crise

política do ano anterior, se apresenta como candidato à reeleição. O cenário econômico

era favorável, com crescimento do PIB, expansão comercial externa e altas exportações

das commodities nacionais.

As perspectivas de aumento de emprego e renda foram sentidas em todas as

regiões do país, em especial nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que receberam

novos projetos do governo. Entre os programas lançados no primeiro mandato estavam

o Bolsa-Família, o Luz Para Todos, o ProUni e outras iniciativas para investimentos

estatais e privados.

Por ocasião da crise deflagrada pelo “mensalão”, mudanças políticas fizeram

com que o PMDB ganhasse mais espaço no governo. O PSB também passou a integrar

a base governista. O Partido Republicano Brasileiro (PRB), com base na militância

evangélica organizada pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), ganhou a

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filiação de José Alencar, que novamente aparecia como vice-presidente na chapa de

Lula.

A aliança A Força do Povo (PT, PMDB, PRB e PCdoB) baseou sua campanha

nas realizações de governo, com vistas a angariar o apoio de parte do eleitorado de

“classe média” descontente com as medidas econômicas e as denúncias de

irregularidades.

O principal candidato da oposição, Geraldo Alckmin (PSDB), conquistou o

apoio do PFL e do PPS para a composição da aliança Por um Brasil Decente, vencendo

a disputa interna no próprio partido para lançar sua candidatura26.

Novamente a polarização entre PT e PSDB marca a disputa eleitoral

presidencial. A candidatura de Lula se aproximava da vitória no primeiro turno quando,

às vésperas das eleições, um grupo27 ligado à campanha de Aloizio Mercadante (PT),

candidato a governador em São Paulo, se envolveu na compra de um dossiê com

supostas “provas” contra seu opositor José Serra (PSDB). A grande repercussão do

episódio foi uma das razões às quais se atribuiu o resultado que acabou levando ao

segundo turno.

Nele, Lula (PT) obteve 60,83% dos votos, vencendo no Rio de Janeiro, Minas

Gerais e Espírito Santo (Sudeste); Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Amapá e Tocantins

(Norte); em todos os nove estados do Nordeste; Goiás e Distrito Federal (Centro-Oeste).

O candidato Geraldo Alckmin (PSDB) obteve 39,17%, obtendo maioria no Sul, Centro-

Oeste e São Paulo.

Os compromissos do governo com a população das regiões mais pobres

impactaram o resultado eleitoral. O voto em Alckmin nas regiões centrais do país estava

relacionado à situação econômica nessas regiões, que apresentaram declínio das

atividades produtivas.

Quanto às bancadas no Congresso Nacional, observamos poucas mudanças.

PMDB e DEM obtiveram número expressivo de cadeiras. PFL, PSDB e PT , mesmo

mantendo bancadas expressivas, tiveram redução no número de eleitos, assim como

partidos envolvidos no chamado “mensalão” (PP, PR e PTB). No Senado Federal, o

PFL ganhou relevância e expressividade com uma bancada relativamente grande, assim

como PSDB, PMDB e PT, que mantiveram suas posições.

26

Aliado aos setores mais conservadores, Alckmin não era um político popular, tinha pouca

expressividade e era desconhecido em outras regiões do Brasil. 27

A Polícia Federal prendeu os proprietários do dossiê e militantes petistas com cerca de R$ 5 milhões

para a compra do documento.

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A coalizão presidencial e a aliança entre os partidos se refletiram na composição

da Câmara dos Deputados em 2006, sobretudo no que se refere à base de apoio do

governo Lula. A presença do PMDB na aliança aproximou os partidos médios no apoio

nas votações mais importantes.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida,

voltado à área da moradia, eram iniciativas governamentais que atendiam às

necessidades de determinadas regiões e grupos sociais. Contaram com investimentos do

Tesouro Nacional, de empresas estatais – como a Petrobras –, financiamento por meio

dos fundos de pensão de trabalhadores de grandes empresas e recursos do BNDES.

A grave crise econômica de 2008, que atingiu o mercado financeiro mundial,

prejudicando bancos internacionais tradicionais e levando os Estados Unidos e os

principais países da Europa a enfrentar problemas e dívidas com resgate financeiro, não

foi sentida de forma mais intensa no Brasil naquele momento por conta do crescimento

iniciado em 2004 e das reservas que protegiam o país da especulação.

O segundo mandato do presidente Lula contou com o apoio da maioria dos

partidos no Congresso, como os progressistas PDT e PSB e os conservadores PP, PTB,

PR, PSC, PHS, PTC, PAN e PTdoB. No Senado, a base era de 26 senadores e

senadoras, chegando a 50 com a ampliação da coalizão.

O núcleo oposicionista era composto pelo PSDB, PFL (que se transformou no

DEM), PPS e PSOL. O grupo tinha expressivas força e articulação no Senado e na

composição do Tribunal de Contas da União (TCU).

A composição dos ministérios obedeceu à divisão que privilegiava quadros do

PT. O principal partido aliado, o PMDB, estava representado com seis ministros, e o

PSB ficou com duas indicações. PP, PTB, PCdoB, PDT e PR ocuparam um ministério

cada.

A eleição da mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal foi articulada

entre PT e PMDB. No biênio 2007-2008, os deputados Aldo Rebelo (PCdoB) e Arlindo

Chinaglia (PT) concorreram à presidência da Câmara, numa disputa que teve a vitória

do petista e representou o afastamento do PT do bloco de aliança de partidos de

esquerda (com PCdoB, PSB e PDT). Na eleição seguinte (2009-2010), Michel Temer

(PMDB), em disputa com Aldo Rebelo (PCdoB) e Ciro Nogueira (PP), venceu em

primeiro turno com 304 votos.

No Senado Federal o presidente Renan Calheiros (PMDB) renunciou em 2007,

por envolvimento em irregularidades. Tião Vianna (PT) assumiu até que no final

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daquele ano Garibaldi Alves (PMDB) foi eleito, exercendo a presidência até 2009,

sendo sucedido pelo senador José Sarney (PMDB).

A formação da aliança na Câmara e no Senado visava favorecer a

governabilidade e os acordos com a articulação dos parlamentares da base governista.

Talvez a grande derrota no Legislativo tenha sido a votação que extinguiu a CPMF

(Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), imposto cobrado sobre as

movimentações bancárias de pessoas jurídicas e físicas que vigorou entre 1996 e 2007.

Essa contribuição destinava-se ao financiamento da saúde pública no Brasil.

As eleições municipais de 2008 consolidaram a posição dos partidos da base de

apoio ao governo Lula e marcaram um recuo dos partidos oposicionistas. O PT e o

PMDB venceram em 146 prefeituras. O PSB também se destacou, com 134 prefeituras.

Sobre a repercussão dos escândalos políticos e práticas de irregularidades no

segundo mandato de Lula, a oposição buscava desgastar a imagem pública do

presidente, porém sem sucesso.

Denúncias sobre o favorecimento do então presidente do Senado, Renan

Calheiros, eclodiram em 2007. O escândalo envolvia o caso extraconjugal de Calheiros

e pagamentos da construtora Mendes Júnior para a pensão de sua filha com a amante.

Em novembro daquele ano, Calheiros renunciou e seu mandato foi cassado. Mais tarde,

foi absolvido pela Comissão de Ética do Senado da quebra de decoro parlamentar pelas

acusações de tráfico de influência e falsificação de prestação de contas.

Em 2008, as denúncias do jornal O Estado de S.Paulo envolviam os

irregularidades no uso dos cartões corporativos28. A ministra da Igualdade Racial,

Matilde Ribeiro (PT), o ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB), e os filhos do

presidente Lula foram investigados. A ministra pediu demissão, Silva devolveu os

valores gastos e no caso dos filhos do presidente não houve comprovação das

denúncias.

Podemos destacar ainda os casos do banqueiro Daniel Dantas e de Erenice

Guerra, ministra-chefe da Casa Civil. No primeiro havia irregularidades no processo de

privatização dos setores de telecomunicações e, no segundo, a denúncia era de

favorecimento a empresas. Erenice Guerra pediu demissão.

28

Geralmente utilizados para o pagamento de pequenas despesas, como alimentação, deslocamento,

diárias de hospedagens de determinados funcionários de alto escalão do governo federal, como ministros

e auxiliares diretos da Presidência da República.

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Buscamos identificar elementos centrais que marcaram o governo Lula a fim de

mapear as alianças formadas para a condução de um projeto político para o país. No

segundo mandato, o petista reforçou sua base de apoio político e manteve sua política

visando à governabilidade no denominado “presidencialismo de coalizão”. Lula

garantiu com isso o apoio do Congresso Nacional e de setores da sociedade.

3.1.5. Os enquadramentos sobre a reforma política nos editoriais (2007-

2010)

Em março de 2007, o editorial do Estadão “Começou a reforma política” faz

elogios ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por acatar o pedido do DEM quanto à

perda de parlamentares para partidos da base governista. A infidelidade partidária,

afirma o jornal, é uma “obscenidade” e o que há de mais “nefasto” nos costumes

políticos brasileiros, sendo muito frequente durante o primeiro ano de mandato.

É a partir deste acontecimento que os partidos prejudicados adquiriram o direito

de requerer que esses deputados sejam cassados: “O Tribunal Superior Eleitoral

inaugurou, pelo seu item mais importante, a reforma política que o Congresso se

recusava a enfrentar” (OESP, 29/03/2007).

A decisão da Justiça Eleitoral e do STF continua sendo assunto dos editoriais “A

infidelidade condenada” (6 de outubro) e “Quando a Justiça legisla” (20 de outubro). Na

opinião do Estadão, o que leva os partidos à infidelidade é o “adesismo” ao governo

vigente. Na administração, o Executivo incentiva a prática com ofertas de cargos e

facilidades para liberação de verbas das emendas parlamentares ao Orçamento. Segue-

se a crítica ao governo petista:

O costume nefasto chegou ao cúmulo na era Lula. Os operadores do Planalto não

apenas se habituaram a avançar sobre as bancadas da oposição, como se fossem reservas

de caça do Planalto, mas ainda por cima indicavam aos seduzidos – o termo certo seria

subornados – as siglas às quais deviam se filiar. (OESP, “A infidelidade condenada”,

06/10/2007)

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Partidos da oposição como o DEM, o PSDB e o PPS reivindicaram à Justiça

Eleitoral o direito de titularidade dessas cadeiras. O Estado afirma que a Justiça passa a

legislar no lugar de um Congresso omisso quanto a esses problemas.

Em 2007, o jornal faz avaliação negativa em relação ao governo Lula e às

atividades do 3° Congresso do PT. Os temas propostos no congresso enfocaram um

projeto para o Brasil, o socialismo petista, a concepção e o funcionamento do partido e a

convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para implementar a reforma

política.

Em editorial, o periódico critica o encontro e afirma que a proposta de uma

Constituinte é um subterfúgio para ocultar questões mais relevantes, como o combate à

corrupção:

A circunstância enfatiza a posição que o Partidos dos Trabalhadores sempre adotou em

relação aos integrantes de seus quadros e de sua cúpula dirigente que praticaram “erros”

(termo oficialmente consagrado para referir crimes de petistas): o abafamento completo

do assunto, a falta total de investigação sobre o comportamento dos acusados e, em

ultima instância a tranquila oferta de impunidade aos participantes da “sofisticada

organização criminosa” denunciada pelo Procurador Geral da República e agora

processada no Supremo Tribunal Federal. (...) Outra ideia “de jerico” a ser discutida

nesse conclave partidário é a da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte

exclusiva, destinada a implementar a reforma política. Diga-se, antes de tudo, que esta

proposta implica numa “capitis diminutio” das duas Casas Legislativas do Congresso

Nacional. A argumentação em seu favor prende-se à premissa segundo a qual o atual

Congresso jamais fará uma reforma política porque seus membros se beneficiam do

“sistema” político que “aí está”. (OESP, “Congresso do PT – em má hora”, 29/08/2007)

O jornal leva o leitor a concluir que o PT está mais preocupado com seus

encontros e festas – e, mais do que isso, faz de tudo para ocultar irregularidades. A

mesma coisa acontece em relação à proposta da reforma política. A Constituinte

serviria, nesse caso, apenas como paliativo para deixar as coisas como estão no

Congresso Nacional, já que os políticos não estariam interessados em aprovar regras

que não os beneficiariam.

Os enquadramentos buscam reforçar a ideia de que os governistas são

criminosos, “réus de ações penais” que fazem parte de uma “sofisticada organização

criminosa”, que buscam o “abafamento” das irregularidades supostamente cometidas. A

Constituinte exclusiva para debater a reforma política é considerada uma “ideia de

jerico”, uma expressão utilizada para qualificar uma ideia de tola.

No inicio do ano de 2007, a Folha de S.Paulo organizou com parlamentares um

debate sobre a reforma política. No editorial “Bom começo” (27 de janeiro),

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mencionam-se alguns pontos que estiveram presentes no debate, como o fim das

votações secretas no Parlamento, o financiamento público das campanhas, o papel do

Conselho de Ética, as emendas ao Orçamento, o absenteísmo no plenário, o acúmulo de

Medidas Provisórias e a recuperação da iniciativa legislativa do Legislativo. “Foi, pelo

menos, um bom começo”, avalia a Folha.

O editorial “Mais participação” (16 de fevereiro) trata de uma proposta da

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) destinada a ampliar consultas diretas aos

eleitores. Busca-se permitir que os projetos de iniciativa popular pudessem suscitar a

realização de plebiscitos e referendos. Esses projetos de lei têm a exigência de reunir

apoio de pelo menos 1% do eleitorado brasileiro (cerca de 1,2 milhão de assinaturas),

distribuído por cinco Estados.

A Folha sugere que essa iniciativa pode resultar em manipulação autoritária de

plebiscitos: “poderia ser utilizada pelo presidente de turno como um meio de coagir o

Congresso e ensaiar alguma aventura cesarista”.

No mês de março de 2007, a Folha tece críticas à decisão do TSE sobre o

mandato parlamentar. Na visão da Justiça Eleitoral, o mandato de deputados federais,

estaduais e vereadores pertence ao partido, e não ao parlamentar. Em “Barafunda

eleitoral” (29 de março), o jornal postula que “a ação desastrada do TSE ao menos sirva

para que os deputados aprovem um estatuto claro sobre a fidelidade partidária”.

O jornal aborda essa questão em outro editorial:

A velha tradição brasileira de providenciar o cadeado apenas depois de arrombada a

porta volta a manifestar-se. A Câmara, atordoada pelo entendimento do TSE de que o

mandato do parlamentar eleito em votação proporcional pertence ao partido, aquece as

turbinas para votar alguma reforma política. A situação é paradoxal. Por um lado, a

corte eleitoral tem se mostrado à vontade para atuar num terreno que deveria ser

prerrogativa do Legislativo. Não raro essas intervenções criadoras de norma geram

insegurança. Qual será, por exemplo, a conseqüência prática da resposta à consulta do

ex-PFL (hoje Democratas) se a Carta não elenca, entre os casos passíveis de cassação

(art. 55), a desfiliação do partido? Por outro lado, tais intervenções da Justiça ocorrem

porque o Congresso se omite, há mais de uma década, da tarefa de modernizar as

instituições da representatividade popular. Os termos da fidelidade partidária – um

anseio da sociedade, que abomina o troca-troca entre legendas – deveriam estar

esclarecidos nos códigos há muito tempo. Agora o tempo da protelação terminou. Os

políticos terão de decidir, e escrever em lei, se entregam o mandato ao partido ou se

encontram alguma outra maneira de inibir a infidelidade. (FSP, “A vez dos deputados”,

30/03/2007)

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O jornal apoia a ideia de que o prazo deva ser prolongado e que o tempo de

filiação partidária suba de um para quatro anos antes do pleito. O texto critica o

Congresso por manter uma norma antiquada às necessidades das instituições.

Os enquadramentos apresentam um sistema político com regras antigas que

precisam ser “modernizadas” e que o “troca-troca entre legendas” precisa ser proibido.

Há também uma opinião sobre o TSE, que na observação do jornal operou

equivocadamente em relação ao mandato parlamentar. A Folha acredita que o mandato

é do parlamentar, uma vez que foi este que recebeu os votos nas eleições. A solução

estaria na adoção de regras mais restritas acerca da fidelidade partidária.

As eleições municipais de 2008 são tema do editorial “Deboche dos vereadores”

(7 de abril de 2007). Critica-se a votação aprovada sobre a proposta da Câmara

Municipal de São Paulo “que transfere ao contribuinte o pagamento dos salários de seus

cabos eleitorais, cria 223 novos cargos e oferece jetons para servidores efetivos da

Casa”.

A Folha reafirma que apenas com uma reforma será possível romper com o

clientelismo e o alto custo dos legisladores. Conclui: “Decerto a democracia não pode

prescindir de legisladores. Mas é também válida a recíproca de que parlamentares não

podem debochar do contribuinte” (FSP, “Deboche dos vereadores”, 07/04/2007).

Já no editorial “Foco no Legislativo” (17 de abril), o periódico acusa o PT e o

PSDB de não dar a devida prioridade à reforma política. O texto menciona a decisão do

TSE de atribuir o mandato do candidato ao partido e afirma que o Congresso e as

lideranças partidárias contribuem para a “anomalia” da infidelidade partidária.

Na opinião da Folha, era necessária uma discussão prévia no Congresso sobre a

fidelidade partidária. O jornal deixa claro que os parlamentares pouco fazem acerca

dessas regras e “tampouco arredaram pé da modorra no que concerne à chamada

cláusula de barreira”. Os partidos adotam alguma decisão apenas quando se trata de

salvaguardar benefícios: “Quando as principais legendas do governo e da oposição dão-

se a consultas veladas entre cardeais, preocupadas em distribuir senhas para a ocupação

escalonada do Planalto” (FSP, 17/04/2007).

No editorial “Os alquimistas” (14 de abril), a Folha aborda a proposta do fim da

reeleição para os cargos no Executivo e o aumento do mandato para cinco anos. O

jornal argumenta ser positiva a discussão. Entretanto, isso “não significa transformar o

sistema político brasileiro num laboratório em que destilações de composição suspeita e

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vagas poções de longa vida sejam feitas e desfeitas, ao sabor de interesses

conjunturais”.

A Folha compara os parlamentares a alquimistas “capazes de turvar ainda mais,

conforme lhes convém, as poucas regras claras em que se baseia a democracia

brasileira”.

O mês de maio de 2007 foi marcado pela Operação Navalha da Polícia Federal.

O esquema de superfaturamento de obras e fraudes nas construções envolvia o

pagamento de propina a políticos do PSDB e do DEM, além de outros agentes públicos.

No editorial “Além da Navalha”, (20 de maio), a Folha assim descreve a

situação: “É todo o sistema político brasileiro, entretanto, que mais uma vez parece

desagradavelmente expor suas entranhas com essa operação”. E acrescenta:

Nos últimos anos, nenhuma organização partidária relevante deixou de protagonizar

episódios que vão do revoltante ao ridículo, compondo um painel que desafiaria os

pincéis do mais enfático adepto do surrealismo. Cuecas, maletas, carros de luxo,

máquinas de bingo, em meio a curupiras, navalhas e sanguessugas – para lembrar os

nomes, sempre sugestivos, das operações da PF –, acumulam-se diante dos olhos do

espectador, que entretanto já não se surpreende. (FSP, “Além da Navalha”, 20/05/2007)

O jornal descreve o sentimento de descrédito nas instituições e a insatisfação

com a falta de transparência no financiamento das campanhas, na elaboração

orçamentária de emendas parlamentares e na dificuldade de acesso às informações de

doação eleitoral, além da multiplicação dos casos de corrupção.

Em 12 de junho de 2007, a Folha aborda o movimento dos deputados em torno

das alterações das regras da representação popular. Segundo o jornal, os parlamentares

buscam prejudicar os cidadãos:

[...] com o financiamento público de campanhas, aumentar a fatia de recursos que as

legendas tomam do contribuinte. Já com a lista fechada, predeterminada pelo partido,

também querem cassar do eleitor o direito de escolher pelo nome o seu representante

nos pleitos para deputado e vereador. Trata-se de uma “reforma” pensada sob medida

para beneficiar as oligarquias partidárias, à custa dos cidadãos. (FSP, “Reforma em

reforma”, 12/06/2007)

Para o jornal, é necessário melhorar os mecanismos de controle democrático,

como a prestação de contas pela internet, na qual seja apresentada a relação de doadores

das campanhas. Sobre a lista fechada preordenada pelos partidos, o jornal se mostra

contrário a essa opção: “Não é preciso enfraquecer o voto para fortalecer partidos”.

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Também defende o voto distrital misto como forma de aproximar o eleitor de seus

representantes.

A pauta de votação para o segundo semestre de 2007 no Congresso inclui a

CPMF e a reforma política. Os editorais “Solução anômala” e “Falsa reforma”,

publicados pela Folha respectivamente nos dias 6 e 7 de outubro, abordam a decisão do

STF sobre a fidelidade partidária que concluiu que os mandatos de deputados e

vereadores (eleitos no sistema proporcional) pertencem aos partidos.

O jornal também alerta para o risco que se corre em relação à judicialização da

política, afirmando que houve interferência do Supremo num assunto cuja decisão

caberia ao Legislativo. Para a Folha, esse fato aponta para a necessidade de uma

reforma política abrangente. Novamente, o jornal se posiciona a favor da proposta do

voto distrital misto, que seria capaz de resolver o dilema do voto no partido ou no

candidato:

O sistema é inoperante e contraditório nos seus próprios termos e lacunas. Cumpre

trazer a discussão ao conjunto da sociedade. O voto, a rigor, não é do partido nem do

candidato: é do eleitor, e é este quem se vê solenemente traído – por partidos e

candidatos – enquanto persistem os absurdos do atual sistema. (FSP, “Falsa reforma”,

07/10/2007)

No editorial “Confusão eleitoral” (18 de outubro), o jornal reitera a necessidade

da reforma política, sobretudo após a decisão a respeito da fidelidade partidária. Para a

Folha, esse caso “reflete esse clima de imprevisibilidade e, para empregar o termo no

seu sentido mais estrito, de casuísmo judiciário”. Menciona ainda a decisão do STF e

alerta para o risco de determinações feitas em resposta a necessidade conjunturais:

Não há decisões conjunturais, ainda que bem-intencionadas, capazes de resolver

deficiências que atingem o conjunto do sistema. Só uma reforma política ampla

atenderia a esse objetivo. Que as últimas decisões do Judiciário tenham pelo menos o

efeito de impor a deputados e senadores uma pauta que, com crescente evidência, não

mais se podem dar ao desplante de negligenciar. (FSP, “Confusão eleitoral”,

18/10/2007)

No dia 26 de dezembro de 2007, a base de sustentação do governo é o tema do

editorial “Base instável”. A Folha descreve a dificuldade de negociação do Executivo

para obter de seus aliados o apoio de que necessita nas votações no Congresso. De

acordo com o jornal, cargos e favores voltam a ser objetos de barganha a cada decisão

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de interesse do governo: “É como se nenhuma base existisse – e nenhuma sustentação

houvesse – sem o atendimento de pleitos individuais de cada parlamentar”.

O jornal acusa as relações fisiológicas construídas pelo governo Lula, que

permitem que o PMDB negocie mais espaço no ministério. O partido é comparado à

“hidra mitológica” por ter “inúmeras cabeças, e em todas o mesmo insaciável apetite”.

A instabilidade do bloco parlamentar do governo – e tudo o que supõe de benefícios

fisiológicos para mantê-lo – é, para não dizer o principal, um dos mais decisivos fatores

para a degradação que a atividade política hoje conhece no Brasil. O tema – apesar das

dificuldades que o cercam – não tem como ser adiado. (FSP, “Base instável”,

26/12/2007)

Nesse sentido, a Folha assegura que as mudanças a partir de uma reforma

política que regule os mecanismos quanto à fidelidade partidária, ao financiamento de

campanha e à disciplina partidária podem trazer maior transparência à vida política.

Os enquadramentos voltam-se ao problema da fidelidade partidária e das

decisões do TSE e do STF, que são avaliadas negativamente por definir sobre temas de

responsabilidade do Legislativo. O conflito entre Legislativo e Judiciário é marcador de

frame sobre as instituições e seu comportamento. A solução novamente estaria na

aprovação de regras eleitorais mais rigorosas.

O ano de 2008 foi marcado pela especulação de que o presidente Lula tentaria

um terceiro mandato em 2010. O Estadão menciona os esforços de PSDB e DEM, de

oposição, de bloquear qualquer tentativa de mudança nas normas eleitorais para permitir

uma nova candidatura de Lula:

Dirigentes tucanos e democratas resolveram bloquear por todos os meios a seu alcance

qualquer tentativa de mudança das normas eleitorais antes da sucessão de 2010 – a rigor

o único germe da mudança em cena é o fim da reeleição para presidente, governadores e

prefeitos, substituída por um mandato exclusivo de cinco anos. É óbvio, que o objetivo

imediato da decisão só tem parentesco com o conceito de pós-Lula na preocupação de

assegurar que tudo permaneça como está até 1º de janeiro de 2011. A intenção do pacto

pela estabilidade das regras do jogo é cimentar a barreira oposicionista contra um

casuísmo destinado a dar ao presidente a espúria possibilidade de se candidatar ao

terceiro período no Planalto. Como se sabe o golpe de mão inicial dos continuístas

consistia na apresentação de uma emenda constitucional que daria ao chefe do governo

a faculdade de convocar plebiscitos – atualmente prerrogativa exclusiva do Congresso.

Aprovada a rasteira de estilo “chavista”, Lula chamaria o povo a dizer se o quer lá por

mais quatro anos. (...) Por fim, desvinculada de um projeto geral de reforma política, a

mudança contra a qual se insurgiram as lideranças da oposição como já haviam feito,

justiça se lhes faça, as melhores cabeças do outro lado, seria a consagração do

casuísmo. E os casuísmos são letais para a legitimidade das instituições políticas.

(OESP, “Contra o casuísmo eleitoral”, 17/04/2008)

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Na época, as declarações do presidente Lula iam contra qualquer tentativa de um

terceiro mandato, apesar de terem acontecido pequenas mobilizações de parlamentares

nessa direção. No entanto, o Estadão posiciona-se contra qualquer tentativa de adoção

da medida, o que denomina de “rasteira estilo chavista”, em alusão ao então presidente

da Venezuela, Hugo Chávez, que permaneceu no poder por vontade popular.

O texto demonstra insegurança por mudanças nas regras do jogo político que

pudessem beneficiar o presidente Lula. O enquadramento desse contexto apresenta a

ideia de “casuísmo” sobre eventuais mudanças oportunistas de tais regras. O uso das

expressões “golpe”, sobre a possibilidade de convocação de plebiscitos populares, e

“pós-Lula”, cunhada pelos políticos da oposição, é ressaltado no editorial.

Por ocasião da comemoração dos vinte anos da Constituição Federal de 1988, o

Estadão publicou em 3 de outubro editorial que enaltece a estabilidade política

conquistada a partir da restauração da democracia. O jornal destaca que a Carta já

sofreu 62 emendas e que novos ajustes deverão ser realizados com uma reforma política

e tributária.

No caso da reforma política, o Estado vê como positivos os ajustes quanto ao

controle das práticas de trocas de favores (fisiologismo) e ao fortalecimento dos

partidos. No caso da tributária, apoia a desvinculação de receitas da União, o que dá

mais autonomia aos governos, e a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação

Financeira, atual CPMF, que dá mais liberdade ao Tesouro Nacional.

No ano de 2008, a Folha novamente dá destaque às regras sobre a fidelidade

partidária e reitera sua posição favorável ao sistema distrital misto. Critica ainda a

possibilidade de aprovação de uma norma que permite a troca de legenda num tempo

mais curto. Segundo o jornal:

A crônica das “reformas políticas” que vêm sendo implantadas de modo assistemático e

anômalo no país ganhou mais um capítulo. A previsível reafirmação, pelo Supremo

Tribunal Federal, das regras sobre a fidelidade partidária – norma criada pela corte em

outubro de 2007 e regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral em seguida –

deflagrou uma lamentável reação corporativista no Congresso. Deputados e senadores

pretendem aprovar um atalho legal que lhes devolva a faculdade de mudar de partido

impunemente. A idéia – que demonstra como parlamentares são inventivos quando se

trata de legislar em causa própria – é criar uma "janela" para o troca-troca. Como maio é

o mês das noivas e outubro, o das crianças, todo setembro que antecedesse um ano

eleitoral seria o mês da infidelidade tolerada na política. (...) A iniciativa está tão eivada

de esperteza, no sentido macunaímico do termo, que soa como um acinte, uma caçoada

que ofende não só o público, mas a própria decisão do STF. A corte constitucional

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decidiu, há mais de um ano, que o mandato dos políticos eleitos no sistema proporcional

(deputados e vereadores) pertence ao partido. Mais tarde, o TSE estendeu a

possibilidade de perda do cargo a senadores, prefeitos, governadores e presidente que

trocassem de legenda. A entrada do Judiciário nessa seara, tipicamente legislativa,

decerto não foi o melhor caminho para acabar com a distorção da infidelidade partidária

generalizada. [...] (FSP, “Resposta mesquinha”, 14/11/2008)

Os enquadramentos empregados para tratar da frequente mudança de partidos

apresentam os políticos como “traidores” e “infiéis”, e o “troca-troca” de siglas como

prática “tolerada na política”, mas que prejudica a representatividade dos eleitores,

tornando frágil a relação destes com os eleitos. A fim de corrigir essa falha da

representação, o jornal manifesta sua opinião favorável ao sistema de voto distrital

misto.

No editorial “Três reformas” (16 de novembro), a Folha afirma que as reformas

do ajuste fiscal, da Previdência e do sistema político “arrastam-se cronicamente pelos

gabinetes de Brasília”. O cenário costumeiro de “estagnação e mediocridade” impede o

avanço de agendas mais ambiciosas.

Para a Folha, as atividades parlamentares se resumem à “administração pontual

das emergências”, o que favorece o fisiologismo nas relações políticas. Nem temas

importantes como a descoberta do pré-sal ou o Programa de Aceleração do Crescimento

conseguem movimentar a atmosfera de inércia do Parlamento:

A reforma política, a diminuição dos encargos tributários e o equacionamento das

contas da Previdência vinham sendo protelados não só pela sua inerente complexidade

como também pelo clima de acomodação e triunfalismo que caracteriza o atual governo.

Não se trata, por certo, de forçar a nota pessimista nos dias que correm. Nada pior,

numa crise, do que o pânico e a improvisação. Por isso mesmo, o que se impõe é agir,

em profundidade, desde já. (FSP, “Três reformas”, 16/11/2008)

A narrativa construída coloca o Congresso Nacional como o espaço inerte da

política, onde as decisões ou não são tomadas, ou demoram muito para ser efetivadas. A

noção de letargia e ineficiência está sempre presente no enquadramento sobre as

atividades do Congresso.

Sobre o trabalho da Comissão de Constituição e Justiça, que conduz a reforma

política na Câmara dos Deputados, no editorial “Retalhos de reforma” (18 de dezembro)

o jornal aponta que quase todos os itens da proposta foram aprovados – como as

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mudanças no tempo de mandato, alteração na suplência de senadores e o fim do voto

obrigatório.

A tentativa de emplacar um artigo sobre a reeleição sem limite de número de

mandatos foi duramente criticado por vir da base governista. Para a Folha, esse artigo

servia a objetivos “mesquinhos e casuístas que buscam moldar a Carta a seu interesse”.

Vale lembrar que naquele momento estava em discussão a possibilidade de um terceiro

mandato consecutivo para o presidente Lula. Novamente, o jornal se posiciona

favorável à adoção do voto distrital misto, em listas abertas, a fim de disciplinar os

partidos e melhorar a representatividade.

No editorial “Voto e cassação” (26 de dezembro), a Folha cita o caso do

deputado federal paraibano Walter Britto, eleito pelo então PFL, depois DEM, e que

passou pelo PRB. Britto foi cassado por indisciplina partidária.

O jornal demonstra falhas da proporcionalidade do sistema e aborda a questão

do pertencimento da candidatura ao partido. Para a Folha, o adiamento da discussão

sobre a fidelidade partidária poderia ser resolvido através de uma reforma política, e não

por decisões judiciais, como de fato aconteceu.

No ano de 2009, a ideia de crise moral e de permanente escândalo na política dá

o tom dos editoriais. O Estado busca tratar da proposta de reforma eleitoral

mencionando itens importantes, como o financiamento das campanhas eleitorais e o

voto em listas fechadas. Todavia, aponta críticas e a dificuldade de aprovação de regras

eleitorais:

A sessão permanente de escândalos em que vive o Congresso, imerso numa crise moral

como poucas na sua história recente, acaba de produzir o efeito perverso de estigmatizar

a iniciativa de levar à ordem do dia uma proposta de reforma eleitoral e do

financiamento das campanhas. Compreensivelmente, talvez, dado o profundo descrédito

que os parlamentares fizeram por merecer da opinião pública, o projeto tem sido

recebido com uma jogada duplamente maliciosa. Serviria, primeiro para desviar as

atenções da rotina de abusos nas duas Casas do Legislativo. Segundo, para acobertar os

seus responsáveis. Isso porque, se a mudança passar, o que parece duvidoso, o eleitor

deixará de votar em nomes para deputado e vereador, para votar em listas partidárias

fechadas; ficaria assim, argumenta-se, impedido de punir nas ruas os políticos que

desonram o mandato popular. (OESP, “Reforma eleitoral polêmica”, 11/05/2009)

O texto menciona ainda a proposta liderada pelo então presidente da Câmara,

Michel Temer (PMDB), que propõe lista fechada, financiamento público exclusivo,

possibilidade da troca de partidos e proibição de coligações em anos eleitorais, além de

alterar tempo de distribuição dos horários de propaganda gratuita eleitoral.

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A crítica do jornal se faz a essa proposta, apoiada por PT, PCdoB, PMDB, DEM

e PPS, mas que não obteve consenso de outras siglas. Os enquadramentos sobre a

reforma política, ou a ideia que se faz dela, trazem percepções de insegurança,

ineficiência e falha. Corrobora essa visão a tese de que o interesse dos políticos sempre

prevalece sobre o partido, o que resulta em fisiologismo.

Na opinião do Estadão, em editorial do dia 4 de dezembro, o presidente Lula tira

vantagens de tudo, inclusive de seus próprios erros. Na ocasião da Cúpula Ibero-

americana em Portugal, uma declaração do presidente, minimizando o escândalo do

“mensalão”, repercutiu negativamente. O jornal acusa o presidente de “esconder a

sujeira embaixo do tapete.”

Lula se defende assegurando que enviou ao Congresso duas propostas de

reforma política que visavam, nas palavras do petista, a “moralizar o funcionamento dos

partidos” e o processo eleitoral. Novamente, o Estado acusa o presidente de dar falsas

declarações. Além disso, reforça a crítica de que o presidente é o responsável pela

articulação da base governista que construiu para apoiá-lo nas votações.

Na verdade, nunca antes na história deste país houve um presidente que tivesse

contribuído tanto quanto Luiz Inácio Lula da Silva para o avanço galopante da gangrena

da corrupção em todas as instituições republicanas. Está aí, “falando por si”, o

tratamento privilegiado que dele merecem alguns dos protagonistas mais expressivos de

recentes episódios escabrosos da cena política nacional, a começar por Roberto

Jefferson, passando por Jader Barbalho, Renan Calheiros, José Sarney e Fernando

Collor, etc., etc., e tal. (OESP, “O falso patrono da reforma”, 04/12/2009)

Para o Estadão, a reforma política não foi aprovada porque o presidente, apesar

das condições favoráveis, não quis fazê-la.

O tema da corrupção foi muito presente também nos editoriais da Folha de

S.Paulo no ano de 2009. O editorial “Reforma em fatias”, publicado em fevereiro,

considera a proposta de plebiscito para uma Constituinte específica para a reforma

política um “lance de marketing político rudimentar”, com vistas ao fortalecimento do

discurso de combate à corrupção a ser utilizado por Dilma Rousseff, então ministra-

chefe da Casa Civil, em sua candidatura à eleição presidencial de 2010.

A ideia da convocação de uma Constituinte, apresentada em 2007, volta à

agenda, ao lado da proposta do presidente para um projeto de lei que torna hediondos os

crimes de corrupção ativa e passiva, peculato e concussão. Para a Folha, essas ações

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não resolvem os problemas de corrupção e funcionam como propaganda do partido

governista para as eleições do ano seguinte:

De um lado – com a tese do “crime hediondo” – cria-se uma bandeira de fácil

entendimento popular. De outro, acena-se com um plano supostamente sólido destinado

a empreender a reforma política, para consumo de uma plateia mais restrita.

O assunto retorna com frequência na retórica lulista, numa formulação inverídica: a de

que o Planalto sempre quis promover mudanças no sistema, deparando-se entretanto

com o desinteresse do Congresso. (FSP, “Reforma em fatias”, 12/02/2009)

A Folha classifica a proposta de reforma política como resposta pronta do

governo para as graves as denúncias de irregularidades que o atingem. Além disso, a

Constituinte nada acrescentaria à discussão política e poderia fragilizar ainda mais a

Constituição de 1988 como o documento fundamental da democracia brasileira.

No editorial “A lei dos descarados”, publicado em maio de 2009, o jornal

argumenta que a proposta de lista fechada em eleição proporcional prejudica os

eleitores. Segundo a opinião da Folha, “trata-se de impedir que o eleitor escolha

nominalmente seus candidatos a deputado federal, deputado estadual e vereador e ainda

exigir que o contribuinte pague pelos gastos da propaganda eleitoral”.

Nesse modelo, que contavam com amplo apoio da base governista e da

oposição, o eleitor vota no partido e não no candidato; seu objetivo é fortalecer as

legendas. Para a Folha, o dispositivo permite “esconder o próprio rosto no momento da

eleição. É a lei dos descarados – e uma das piores afrontas às instituições democráticas

do país desde que se encerrou o regime militar” (FSP, 07/05/2009).

Em vista das propostas apresentadas para a limitação do uso da internet nas

campanhas eleitorais, o jornal considera um atraso, por não respeitar a liberdade de

expressão política, o conjunto de dispositivos que os deputados apresentaram. Com o

uso de blogs e sites na propaganda eleitoral, ficaria vedado ofender ou caluniar

adversários. A Folha discorda deste ponto, considerando uma norma burocrática que

restringe a liberdade de opinião: “persiste nesse conjunto de regras a incompreensão

básica a respeito do que é liberdade de pensamento. A net, ambiente do exercício

desimpedido da opinião, arrisca-se mais uma vez a ser sitiada pelo burocratismo das

autoridades de plantão” (FSP, “Atraso na rede”, 26/06/2009).

Sobre a imagem do Senado, a Folha menciona no editorial “O Senado que

interessa” (3 de agosto) que algumas propostas surgem para alterar o mandato dos

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senadores e até mesmo extinguir a Casa, refletindo um cenário de total descrédito de

suas funções.

Em junho de 2009, o escândalo dos atos secretos do Senado editados para

nomear parentes e amigos de senadores, aumentar salários de servidores pagos com

dinheiro público e criar cargos e privilégios aos próprios políticos tornou-se público.

As decisões beneficiaram diversos senadores e parlamentares, dentre eles o presidente

da Casa, José Sarney (PMDB).

Diversas críticas foram feitas, e um editorial foi dedicado ao episódio:

Ficou patente que na cúpula do Senado, especialmente na figura até então resguardada

de José Sarney, a mais completa confusão entre patrimônio público e sua apropriação

privada vinha sendo há anos comportamento usual, normalíssimo. É deplorável que um

político com reais serviços prestados à implantação da democracia hoje vigente no

Brasil não tenha jamais se emancipado dos métodos próprios do mais primitivo

coronelismo político. Longe de ter sido a primeira onda de escândalos a atingir o

Senado, esta terá sido, porém, uma das mais desmoralizadoras. E o peso dessa

responsabilidade recai, junto com as acusações específicas, sobre o presidente Sarney.

(FSP, “O Senado que interessa”, 03/08/2009).

Para o jornal, as reformas ganham força nesses casos – porém, extinguir o

Senado não seria a melhor solução, mas sim reduzir o tempo de mandato dos senadores.

O jornal reitera o papel legítimo de atuação da Casa como garantia de equilíbrio

federativo, atuando na proteção das unidades menos populosas em relação àquelas que

concentram a maioria da população.

No final do ano de 2009, a Folha faz um balanço acerca do número de emendas

e dispositivos “casuísticos” impostos à legislação eleitoral. Sempre no ano anterior a um

pleito, são aplicados “remendos”, transformando a legislação numa “colcha de retalhos”

(expressão frequentemente usada durante a ditadura militar para falar sobre a

Constituição Federal).

O editorial “Gato e rato” (10 de dezembro) compara a relação entre a Justiça

Eleitoral e o Parlamento a uma corrida de gato e rato, “na qual as contradições e

omissões da lei formal terminam por motivar uma jurisprudência”. As decisões acerca

da fidelidade partidária são um exemplo desse impasse, visto que emanou do Judiciário

a determinação de que o mandato é do partido, e não do candidato.

As mudanças para as eleições seguintes são passíveis de reflexão a respeito da

relação entre a Justiça Eleitoral e o Ministério Público sobre quem deve fiscalizar e

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punir políticos e partidos, que demonstram incapacidade de realizar uma reforma

política em função de seus comportamentos oportunistas.

Os enquadramentos se manifestam novamente com foco no conflito entre

Legislativo e Judiciário, apresentando imagem negativa da Câmara e do Senado e

associando-os a práticas de corrupção. A convocação de uma Constituinte é avaliada

negativamente pelos dois jornais. O fisiologismo é apresentado como um dos grandes

males do governo Lula, o que só poderia ser resolvido com regras e reformas rigorosas.

O texto da Folha aborda o tema do combate à corrupção e a preparação da

candidatura de Dilma Rousseff para a disputa presidencial de 2010. O jornal afirma que

algumas ações do presidente Lula fazem parte de uma estratégia de marketing para

promover a candidatura, fortalecer as ações do governo contra a corrupção e retomar o

debate sobre a reforma política:

Na semana passada, numa iniciativa puramente propagandística, o presidente enviou ao

Congresso um projeto de lei tornando hediondos os crimes de corrupção ativa e passiva,

peculato e concussão. Como já observado neste espaço, aumentar a severidade das

punições em casos desse tipo não altera em nada o problema que de fato se necessita

resolver: o de que haja rápida e concreta aplicação da lei. Acrescenta-se agora, por

iniciativa do PT, uma ideia já apresentada em 2007: a de que se realize um plebiscito

sobre a convocação de uma Constituinte exclusiva, destinada a promover a reforma

política. No cronograma petista, a tese do plebiscito seria votada na mesma convenção

partidária que consagrará – pois esta é a vontade de Lula – o nome de Dilma Rousseff

como candidata à sucessão presidencial. De um lado – com a tese do “crime hediondo”

– cria-se uma bandeira de fácil entendimento popular. De outro, acena-se com um plano

supostamente sólido destinado a empreender a reforma política, para consumo de uma

plateia mais restrita. O assunto retorna com frequência na retórica lulista, numa

formulação inverídica: a de que o Planalto sempre quis promover mudanças no sistema,

deparando-se entretanto com o desinteresse do Congresso. O fato é que não houve real

empenho, nem da parte do Executivo nem dos partidos que o apoiam, no sentido de

tornar a reforma política algo além de uma desconversa, a ser repetida cada vez que se

tornavam mais graves as denúncias de irregularidades no governo. (FSP, “Cortinas de

fumaça”, 18/12/2009)

O jornal avalia de forma crítica a inserção na agenda da convocação de uma

Constituinte exclusiva para a reforma política, pois acredita que se trata apenas de um

discurso em relação ao combate à corrupção; seria um falso tema de agenda, uma vez

que “não houve real empenho, nem da parte do Executivo nem dos partidos que o

apoiam” nesse combate, fazendo com que apenas o discurso se repita a cada nova

denúncia de irregularidade no governo. O frame de que a reforma é um assunto sempre

retomado como placebo para questões que não “querem” ser solucionadas aparece

novamente.

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O ano de 2010 foi marcado pela disputa eleitoral e pela iniciativa popular da Lei

da Ficha Limpa (Lei complementar nº 135/2010), que reuniu cerca de 1,6 milhão de

assinaturas. A medida torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato

cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão

colegiado (com mais de um juiz).

O Estado abordou a questão das alianças políticas e do poder Executivo na

aprovação de valores maiores para as aposentadorias. Para o jornal, a base aliada propôs

um aumento bem maior no Congresso, colocando em xeque o presidente:

[...] Os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o traíram, no Congresso, ao

defender com objetivos obviamente eleitorais um aumento bem maior para as

aposentadorias do que o proposto pelo governo. A oposição apoio este jogo para ver o

presidente em xeque. Ele teria de escolher entre um ato de imprudência fiscal – se as

contas dos ministros estivessem certas, e uma decisão politicamente custosa. Vetados os

7,7% perderia vigor também o aumento de 6,14%, eliminado do texto emendado pelos

congressistas. Teria sido uma jogada brilhante se a oposição pudesse reivindicar sua

autoria. Mas quem pôs em xeque o presidente foi sua base aliada. Esse episódio

comprova, mais uma vez, a urgência da reforma política. Governar bem é quase

impossível, quando se dependem de alianças como num sistema partidário como o

brasileiro. (OESP, “O presidente em xeque”, 28/05/2010)

Embora a ideia que se faz das coalizões é de que elas se formem em torno de

questões programáticas, num ambiente em que os partidos discutiriam e acordariam

sobre diferentes posições ideológicas, na prática não é isso que acontece. Há muita

negociação no jogo político. O jornal aponta novamente a necessidade de uma reforma

política visando à garantia da governabilidade.

Vale lembrar que uma aliança eleitoral pode garantir cargos políticos, mas não é

necessariamente fator suficiente para a sustentação de governos, o que implica a adoção

de dinâmicas constantes para garantir maiorias. Os atores políticos estão expostos a um

dilema inerente à arena política – ou seja, entre as estratégias eleitorais e as estratégias

de obtenção e manutenção de cargos.

O enquadramento presente remete à “dinâmica” do jogo e a decisões negociadas

num tabuleiro. O jornal também parece torcer por jogadas que coloquem os atores

políticos em situação difícil como consequência de ações que podem ocasionar reveses

e propiciar “traições” se não forem bem articuladas.

No editorial “O perfil do eleitor brasileiro” (22 de julho), o Estadão comenta

sobre a divulgação de pesquisa divulgada pela Justiça Eleitoral sobre o perfil do

eleitorado, o aumento do número de eleitores e as implicações da eventual adoção do

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voto facultativo. Destaca-se o equilíbrio da opinião da população sobre a opção do voto

facultativo e o nível de escolaridade dos eleitores brasileiros.

Sobre a escolaridade, o jornal acentua suas críticas contra as falhas no processo

educacional do país, visto que mais da metade do eleitorado (54%) não concluiu o

ensino fundamental: “São 72 milhões dos eleitores dos quais se pode presumir que

tenham mínima ou nenhuma capacidade de formar juízo sobre as grandes questões

nacionais que estão em jogo numa sucessão presidencial.” (OESP, 22/07/2010).

Encerra-se o texto com a imagem de que essas questões não fazem parte da

reflexão durante as campanhas eleitorais. Nelas, as promessas tendem a atender as

necessidades básicas desse eleitorado, sobretudo, quanto a “manter” ou “mudar” o

governo – e, diante da popularidade “arrasadora de Lula”, o desafio se impõe aos

candidatos sobre qual estratégia escolher.

Em “Debaixo do pano” (6 de fevereiro), a Folha de S.Paulo trata da

determinação do TSE sobre as doações de campanha eleitoral. Essa decisão pretende

fazer valer a regra da transparência nas contas, a fim de que cada candidato identifique

os “doadores no prazo máximo de um mês depois das eleições, e que tanto partidos

quanto candidatos tenham contas bancárias próprias para suas finanças de campanha,

promovendo-se a necessária separação dos respectivos caixas”.

A Folha destaca a insatisfação de representantes de PT, DEM e PSDB que se

posicionaram contra o fim das “doações ocultas” nas campanhas eleitorais. Em tom

provocativo, conclama as lideranças destes partidos a se pronunciar sobre o assunto:

Seria aliás saudável, num ambiente em que todos se dizem a favor da reforma política,

ouvir a opinião de figuras como Dilma Rousseff, José Serra, Lula ou Aécio Neves

acerca das doações ocultas. Enquanto as instâncias menores do PT, do PSDB e do DEM

tratam de defender o sistema, seus próceres tendem a agir – como é sempre o caso nos

negócios de campanha – como se nada tivessem a ver com isso. (FSP, “Debaixo do

pano”, 06/02/2010)

Na opinião da Folha, o ideal seria a divulgação online das doações e das

despesas eleitorais, a fim de dar mais transparência ao processo.

O jornal prefere dar destaque à Lei da Ficha Limpa e suas possíveis implicações.

Para o periódico, “o exemplo da ‘ficha limpa’ pode demonstrar que, face às pressões da

opinião pública, o interesse corporativo e partidário nem sempre sai vitorioso”. O jornal,

que sempre menciona em seus editoriais a dificuldade e falta de vontade política acerca

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das discussões sobre a reforma, aponta para outro item que mereceria destaque: o voto

facultativo.

O Legislativo, como é de costume, pouco faz para desemperrá-lo. Como ocorre em

outros pontos da reforma política, depende da pressão da sociedade levá-lo adiante – e

não dar como perdida qualquer possibilidade de mudança num sistema às voltas com

nítida crise em seus mecanismos de representação. (FSP, “Voto facultativo”,

31/05/2010)

A posição da Folha sugere que, se a adoção do voto facultativo tivesse apoio em

mobilização popular, talvez o instrumento fosse aprovado no Congresso. Os

enquadramentos presentes no texto dão ênfase à morosidade do sistema e à falta de

vontade política de um grupo, a quem denomina de “estamento político”, que nenhuma

mudança realiza.

No editorial “Afinidades fisiológicas” (30 de junho), enfatizam-se as alianças

políticas com vistas ao ganho no tempo da propaganda eleitoral no rádio e na televisão.

“Todos se veem compelidos a barganhar mais espaço no jogo eleitoral midiático, cujo

peso no resultado das urnas pode não ser absoluto, mas é decisivo”.

A Folha considera que o oportunismo nas alianças eleitorais consegue unir o

governo Lula até mesmo a “antigos adversários viscerais, como os ex-presidentes José

Sarney e Fernando Collor”. O fisiologismo é a principal “argamassa” do

presidencialismo de coalizão no Brasil, afirma o jornal, que acrescenta que a reforma

política emerge sempre como solução redentora.

Com certo desânimo, a Folha salienta que é pouco provável que o Congresso

Nacional coloque em debate e votação um conjunto de regras que acabe com as

imperfeições do sistema. Aponta ainda que, observando pontos específicos como a

cláusula de barreira e o controle sobre os pequenos partidos que funcionam como

legendas de aluguel, já haveria avanços.

O periódico volta a comentar sobre a proposta de Constituinte exclusiva para a

reforma política, avaliando-a como “ingênua”. A Folha é taxativa ao afirmar que “a

ideia é ingênua, impraticável e, na presente conjuntura eleitoral, perigosa”. Cabe

lembrar que a proposta da Constituinte era defendida pelo PT (FSP, 29/08/2010).

No editorial “Perigosa fantasia”, o jornal assegura que se trata de “fantasia

eleger uma assembleia de anjos, imunes aos vícios do sistema”. Além do mais, é uma

proposta inconstitucional, pois deveria ser autorizada por um plebiscito ou convocação

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de um corpo legislativo e finalizada por meio de um referendo popular. Ao mesmo

tempo, aponta que se corre o risco de o Executivo “refazer o desenho constitucional do

país para submetê-lo a seus desígnios”. Nesse caso, teria início um novo ciclo de

autoritarismo, dissimulado sob a aparência de maiorias eleitorais.

O editorial “Colcha de retalhos” (23 de outubro) aborda a necessidade de

reforma da legislação eleitoral, que tem como base o Código Eleitoral de 1965, criado

pelo regime militar, e a Lei das Eleições (Lei 9.504), de 1997. Para a Folha, o conjunto

de regras trata o eleitor como “incapaz de distinguir os seus interesses”, sendo, portanto,

“carente de cuidados e proteções”.

De acordo com o periódico, as restrições impostas pela legislação e pela Justiça

Eleitoral ferem o direito constitucional à liberdade de expressão. Como exemplo disso,

menciona-se a proibição às emissoras de rádio e TV de “ridicularizar” candidatos, “bem

como produzir ou veicular programa com esse efeito” (medida que foi revogada);

proibiu-se a distribuição de panfletos contrários ao PT e a circulação de uma revista

com conteúdo favorável à candidata Dilma Rousseff.

A Folha lembra esse último caso, que envolvia uma igreja e um sindicato, para

tocar no assunto e opinar sobre as entidades sindicais e o aparelhamento político-

partidário. Em sua opinião, não cabe ao Poder Judiciário interferir na relação entre os

trabalhadores e a direção de sua entidade. “Panfletos e revistas (...) são meios pelos

quais sindicatos ou quaisquer outras entidades exercem seu direito de manifestar

opiniões” (FSP, 23/10/2010).

O editorial “Gasto eleitoral” (5 de novembro) trata dos custos elevados com as

campanhas eleitorais no país e classifica o financiamento público das campanhas como

uma alternativa que aumenta o ônus para o contribuinte, “sem oferecer garantia

nenhuma quanto à eliminação das contribuições ilegais”. Na opinião da Folha, a adoção

do voto distrital misto seria a melhor alternativa para diminuir os custos ao concentrar a

disputa numa região geográfica menor.

Alguns enquadramentos recorrentes nos dois jornais sinalizam para um sistema

político-partidário ineficiente, com falhas que precisam ser corrigidas por meio de uma

reforma política ampla. Os jornais apostam que parte da causa de todos os problemas

estava colocada nas alianças realizadas por estratégias eleitorais, que na maior parte das

vezes eram incoerentes do ponto de vista ideológico.

Os partidos políticos são visto como frágeis e agremiações que precisam se

fortalecer, em termos legais, para coibir a migração constante de seus políticos. Tanto a

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Folha de S. Paulo como O Estado de S.Paulo apontam que os partidos políticos são

instituições frágeis e sem poder, o que se expressa no uso dos termos: “troca-troca entre

legendas”; “dança das cadeiras”; “vaivém entre legendas”; “infidelidade partidária” etc.

Esses termos são usados para abordar um panorama político que se assemelha a um

mercado em que se pode comprar, barganhar, vender, trocar etc.

A análise dos editoriais revela ainda uma imagem pública predominantemente

negativa do Congresso Nacional, na qual parlamentares são apresentados como

motivados por interesses políticos e econômicos, atuando em benefício próprio,

inclusive alterando ou não as normas legais de acordo com conveniências de ocasião.

O governo Lula também é caracterizado a partir de perspectivas que ressaltam

atributos negativos, como na relação que se mostra assimétrica e conflituosa na

condução dos parlamentares no Congresso; na dificuldade em lidar com a base de

partidos aliados; ou nas tentativas de se aproveitar de proposições normativas para

facilitar a tramitação de assuntos de seu interesse nas casas legislativas.

Instituições como o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e o

Congresso Nacional são apresentadas em relações conflituosas entre os poderes,

inclusive quando, na visão dos jornais, não se posicionam em relação a alguns

problemas inerentes a partidos e parlamentares.

A defesa dos valores e princípios da democracia é frequente, sobretudo quando

os jornais apresentam o discurso de melhoramento e aprofundamento das regras

eleitorais; de respeito às regras do jogo democrático; da conclamação à transparência; e

da defesa da liberdade de expressão e opinião.

Em diversos momentos, percebe-se uma tentativa de simplificação dos processos

de votação da reforma. Há pouca distinção entre Câmara dos Deputados e Senado

Federal. Por isso, na maioria das vezes há um apelo aos parlamentares para a resolução

de problemas, criticando-se a disposição e atuação destes quanto às soluções,

desconsiderando-se a complexa dinâmica do processo legislativo e das decisões

governamentais.

Os jornais buscam simplificar também as decisões e aprovações de medidas do

governo a partir de uma perspectiva de vitória ou derrota e do poder imposto pelo

Executivo sobre a base aliada. As noções de competição, negociação, compensação ou

articulação sugerem que os parlamentares atuam sempre segundo interesses próprios,

benefícios e favores, esquecendo-se do seu papel de representação da sociedade e da

defesa do bem comum.

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Observar os editoriais a partir da construção do discurso político nos remete à

quantidade enorme de expressões, imagens e sensações que atravessam o universo da

política. Se pensarmos no tema corrupção, pano de fundo do cenário político nacional,

percebemos que se trata de um assunto amplamente propalado, reforçado pelos

editoriais, pela grande imprensa, pela mídia televisiva e, sobretudo, cristalizado em

nosso imaginário.

As conversas cotidianas sobre a política estão permeadas por imagens

construídas pelos meios de comunicação. Os enquadramentos são constituídos nas

formas de abordagem e hierarquização de assuntos carregados de ideologias; ao serem

comentadas, discutidas e compartilhadas, as imagens construídas no discurso político

tomam a vida cotidiana, alimentando todo um repertório discursivo de expressões e

imagens acerca da política, dos seus atores e instituições.

Em termos comparativos quanto à posição dos jornais analisados em relação à

atividade dos políticos, nota-se que os dois veículos compartilham uma opinião negativa

sobre problemas já conhecidos, como a migração partidária, o fisiologismo, a barganha

e a negociação.

Apesar de certas diferenças, os editoriais do Estado e da Folha apresentam

algumas semelhanças. Cada linha editorial trabalhou a sua forma: a Folha dá destaque

aos acontecimentos da semana ou do dia, enquanto o Estado prefere reconstruir a

história do evento para expressar sua opinião. Os dois veículos seguem a tendência de

crítica e desconfiança quanto às instituições e aos atores políticos. A reforma política

aparece nos dois jornais como um grande remédio para todas as mazelas apresentadas

por um sistema político muitas vezes chamado de “caótico”.

As sugestões para resolução dos problemas enfatizados pelos jornais são

limitados, seja quanto à explicação, ou a proposição. A contextualização da dimensão

sócio-histórico-político não existe. Observamos que os editoriais mantêm sua influência

política ao agendarem temas semelhantes e abordarem a partir de perspectivas que se

aproximam, e assim, exercerem algum tipo de influencia em governos, partidos e até

mesmo no eleitorado. Nesse sentido, convergem a opinião negativa sobre o Congresso

Nacional e as negociações entre os partidos e seus membros para aprovação de projetos.

Os editoriais apresentam uma posição, tanto em relação a democracia política,

como no que diz respeito à participação popular. A Folha de S.Paulo e O Estado de

S.Paulo são contrários às propostas de Assembleia Constituinte ou um Plebiscito para a

reforma política sugerida pelo governo Lula. Desqualificando a proposta em todos os

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editoriais sobre o tema. Trata-se de uma concepção restrita e limitada de democracia do

ponto de vista político. Tanto que, não existe espaço para as organizações da sociedade

civil nos editoriais dos jornais. Muito menos para a participação cidadã ou as proposta

que surgiram da sociedade naquele momento (OAB, CNBB, MST, CUT entre outros).

Podemos afirmar que são ocultadas muitas informações aos leitores, como por

exemplo, como funcionam as instituições, o peso do recurso financeiro para as

campanhas eleitorais. Como é a dinâmica do presidencialismo de coalizão e a lógica das

alianças políticas.

Por fim, o papel da própria empresa jornalística no cenário político não tem

espaço para reflexão. O papel dos meios de comunicação como intermediadora dos

interesses privados e dos interesses públicos é complexo. Deve-se considerar a

concentração da propriedade dos meios de comunicação que busca dialogar com uma

maioria de cidadãos que busca informação nesses meios.

Os editoriais apresentam como o posicionamento da empresa capaz de

influenciar, vetar e propor de forma contínua pautas para governantes e para membros

do Estado. Trata-se da construção ideológica da agenda política e econômica que atende

interesses de determinadas classes político-ideologico- econômico.

Há uma relação de apoio da Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo em

relação aos pensamentos e ideário de algumas lideranças do PSDB. Sobretudo, O

Estado, que utiliza-se de frase e atitudes dos políticos desses partidos para fazer valer

seu posicionamento político. Em outras palavras, os jornais apoiam teses liberais e

conservadoras, e que em determinados momentos, atuam como linha de transmissão de

determinados partidos.

Esses são alguns pontos importantes para a reflexão sobre os enquadramentos e

abordagens dos jornais analisados. Não há, nos editoriais uma análise sobre o sistema

político brasileiro. Há posicionamentos e opiniões sobre esse sistema, a atuação dos

partidos, políticos e instituições. Sobre a democracia representativa e suas fragilidades

elas se perdem em meio ao debate e divergências sobre qual reforma política adotar.

Os próprios jornais acabam contribuindo para o ambiente político de descrença,

descrédito e desconfiança nas instituições políticas. Não é seu objetivo propor soluções,

mas sim mostrar interpretações vagas, avaliações de juízo, que alimentam um amplo

repertório de senso comum sobre a política, enfatizando os conflitos, os dissensos, o

jogo político e sua dinâmica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa apresentada teve como objetivo geral investigar o discurso

construído pelos editoriais dos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo sobre a

reforma política debatida durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da

Silva, partindo do pressuposto de que os jornais contribuem para o processo de

produção de imagens públicas e imaginários.

Direcionamos nossos objetivos de forma a contemplar os enquadramentos

adotados pelos jornais e os temas abordados a fim de perceber quais perspectivas os

jornais privilegiam ao tratar da reforma política nos textos editoriais e perceber que

imagem os periódicos analisados constroem para si na narrativa jornalística. A partir

dessa análise foi possível oferecer contribuições mais abrangentes acerca das relações

entre comunicação e política – ou melhor, entre os jornais e a política.

No centro do debate sobre a reforma política estão colocadas questões sobre as

instituições políticas e seus representantes, e sobre qual a função dos partidos políticos.

Sabe-se que a discussão sobre a reforma política é um tema constante na agenda política

que apresenta fragilidades e problemas que, ao longo de mais de duas décadas, não

foram solucionados adequadamente.

O agendamento sobre o conteúdo da reforma política pela imprensa brasileira

desde a promulgação da Constituição de 1988 apresenta certa regularidade e aborda

sempre os mesmos temas – como a representação desproporcional dos cidadãos na

Câmara dos Deputados, o voto facultativo, o voto distrital e a lista fechada, o fim das

coligações e a cláusula de barreira de 5%, o financiamento eleitoral e a fragmentação

partidária. Somente por uma decisão do TSE em 2007 a fidelidade partidária foi

implementada. Cabe refletirmos por que apenas questões pontuais da reforma política

são aprovadas e por que o tema permanece na agenda política e encontra dificuldades de

encaminhamento por conta dos parlamentares.

É certo que as mudanças pelas quais passam os partidos políticos nas

democracias contemporâneas são importantes para o sistema político e para a

legitimidade e o funcionamento das instituições vigentes. Por outro lado, sabemos que

não há consenso sobre pontos essenciais da reforma. A classe política e os partidos

divergem quanto a questões importantes da reforma política. Além do mais, o fator

tempo de trabalho para a discussão e aprovação é pequeno: em torno de dez meses para

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negociar as propostas de reformas nas comissões especiais na Câmara dos Deputados e

no Senado, aprová-las nas respectivas comissões de Constituição e Justiça e votá-las no

plenário.

A análise dos editoriais sinaliza que a imprensa acompanha os temas nos

bastidores da política. Quando a reforma política está sendo discutida nas comissões ou

no Congresso, ou quando membros do governo, lideranças políticas ou formadores de

opinião se manifestam sobre o tema, a ação desses atores é comentada nos editoriais.

A existência de determinadas ênfases e enquadramentos direciona uma certa

interpretação ou construção da realidade e acaba por revelar a forma pela qual se

compreendem os atores e instituições políticas, resultando consequentemente em

imagens públicas para o público leitor. O editorial se configura como o espaço do jornal

“fazer política”, dialogar com o poder público e colocar assuntos na pauta de discussões

– mas também oferecer elementos que conformam a imagem do próprio jornal.

A leitura de editoriais produzidos durante o mandato do ex-presidente Lula

apresenta algumas características que foram investigadas neste trabalho. O governo

Lula assumiu em 2003, como pauta de sua gestão, uma reforma do sistema político

baseada nos valores da participação e da ética. No entanto, as prioridades do governo no

primeiro ano do mandato concentraram-se, no campo econômico, na tentativa de

tranquilizar os mercados financeiros e, no social, na implementação dos programas

sociais de combate à pobreza e à fome.

A necessidade da reforma política veio à tona de forma inesperada com a

denúncia do caso Waldomiro, assessor da presidência envolvido num esquema de

arrecadação ilegal de fundos para a campanha política, no início do segundo ano do

mandato do presidente Lula. O governo acenou com a reforma política como uma

resposta direta ao escândalo. O debate aconteceu num contexto nada propício para o

encaminhamento do tema, já que era inicio de ano eleitoral.

Quando, em maio de 2005, a revelação sobre o esquema do “mensalão” vem a

público, a ideia de crise política se intensifica e o caráter instrumental da reforma fica

claro com a participação de membros do governo na condução da proposta a poucas

semanas antes do prazo para que novas regras entrassem em vigor para as eleições

seguintes.

Os editoriais da Folha e do Estado abordam esse período de forma crítica ao

trabalho na Comissão de Constituição e Justiça para a Reforma Política, devido ao

pouco tempo de discussão e ao imediatismo da iniciativa.

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No entanto, a crise política assumiu uma forte dimensão de que a corrupção

deveria ser combatida com alterações nas regras eleitorais. Os três pontos polêmicos –

financiamento público, lista fechada e cláusula de barreira – foram aprovadas na

Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados porém, não seguiram em

frente. O debate recuou no Congresso e a campanha eleitoral assumiu a agenda do

momento.

A forma como foram abordados e enquadrados o Partido dos Trabalhadores, o

presidente Lula e o trabalho dos parlamentares merece destaque, pois as opiniões

negativas dos jornais nesse momento estigmatizaram a classe política como um todo,

alimentando o sentimento de desconfiança e insatisfação com as instituições políticas,

partidos e suas lideranças. O discurso do presidente e de seu partido recaiu sobre as

fragilidades do sistema político brasileiro, enquanto os jornais enfatizaram o caráter

ineficiente e corrupto do governo e do sistema político.

Diversas críticas foram feitas pelos jornais ao presidencialismo de coalizão e às

alianças políticas feitas durante as eleições. A divisão do apoio da base aliada no tema

da reforma política, por exemplo, contribuiu para que as divergências entre os

parlamentares ficassem mais claras, sobretudo em relação às propostas centrais da

reforma política. Nesse sentido, voltamos à discussão sobre o poder do Executivo

versus Legislativo e a garantia de governabilidade no presidencialismo de coalizão.

Sobre as propostas encaminhadas pelo PT, o financiamento político aparecia em

primeiro lugar, e a inclusão da lista fechada em segundo. Por sua vez, a proposição do

PSDB apostava na fidelidade e na cláusula de barreira, abandonando a ideia do

financiamento público exclusivo, além da proposta do voto distrital. Nessa questão,

observamos que os jornais tendem a apoiar a proposta do PSDB, pelos posicionamentos

apresentados nos textos analisados.

Os enquadramentos que apareceram com frequência nos editoriais, identificados

na pesquisa, foram: reforma política como solução; conflitos entre Legislativo e

Judiciário; relação entre Executivo e Legislativo; corrupção; sistema político ineficiente

e falho; fisiologismo; infidelidade partidária; comportamento negativo dos

parlamentares; críticas ao governo Lula e seus membros; imagem negativa do

Executivo.

É possível afirmar que o debate sobre a reforma política leva a uma politização

das regras do jogo político. À medida que jornais, partidos e lideranças políticas

discutem tais propostas de alteração de legislação, constroem possíveis cenários para a

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política brasileira e sugerem ajustes nas regras, adentramos na discussão acadêmica

sobre judicialização da política.

As divergências crescentes entre a classe política quanto ao conteúdo da reforma

e a discussão nos jornais fizeram com que a reforma política entrasse na arena do

discurso – que se ocupa da construção de uma narrativa sobre os desajustes do

arcabouço institucional da política; a fragilidade das instituições; a qualidade dos

políticos; a legitimidade da democracia.

Temos a impressão de que o discurso construído pelos editoriais sobre a reforma

política acabou por deslegitimar os atores políticos, suas ações e o próprio

funcionamento dos partidos nas comissões do Legislativo. É reforçada a ideia de que os

representantes políticos vivem um momento de crise de seu papel e de sua função de

representação; crise esta expressa também na fragmentação do sistema partidário e na

ineficiência de suas regras.

É interessante também pensarmos nas ocultações e omissões que não aparecem

nos jornais na discussão sobre a reforma política. Talvez a mais importante esteja

relacionada ao momento de crise dos partidos e das democracias contemporâneas no

mundo. Pouco se falou das regras do jogo democrático e da questão latente sobre a crise

de representação institucional.

A abordagem sobre o papel do Congresso Nacional e as distinções sobre as casas

legislativas quase não aparece, assim como não é apresentada uma discussão sobre os

movimentos sociais e os setores da sociedade civil que amplamente discutiram a

reforma política em suas bases. Faltam informações sobre a dinâmica do processo de

votação e aprovação dos projetos na Câmara e no Senado, entre outras questões que

envolvem os atores políticos e seus interesses em cada proposta discutida.

A questão sobre o financiamento e doações nas eleições também é um ponto

falho nos jornais. Os editoriais não mencionam que são atores dos setores financeiro,

industrial e a agropecuário, grandes doadores nas campanhas eleitorais. E que, são os

mesmos que mantem os conglomerados de empresas jornalísticas através da

publicidade.

A oportunidade de reflexão sobre a reforma política sugere um momento de

politização das instituições e das regras do jogo democrático. Momento, talvez, de uma

virada nas concepções do fazer política; de pensar a representação por outro viés; de

reinventar os partidos políticos; de incluir a participação como elemento importante do

horizonte político que se desenha.

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