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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIOLOGIA E HISTÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE E DA EDUCAÇÃO ESCOLAR É BRINCANDO QUE SE APRENDE: A BRINCADEIRA DE FAZ-DE-CONTA EM UMA ESCOLA PARTICULAR DE BELO HORIZONTE- MG Roberta Jabôr Ferreira Belo Horizonte 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIOLOGIA E HISTÓRIA DA PROFISSÃO

DOCENTE E DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

É BRINCANDO QUE SE APRENDE: A BRINCADEIRA DE FAZ-DE-CONTA EM UMA ESCOLA PARTICULAR DE BELO HORIZONTE- MG

Roberta Jabôr Ferreira

Belo Horizonte

2007

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Roberta Jabôr Ferreira

É BRINCANDO QUE SE APRENDE: A BRINCADEIRA DE FAZ-DE-CONTA EM UMA ESCOLA PARTICULAR DE BELO HORIZONTE - MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação - Mestrado em Educação – da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Professora Doutora Anna Maria Salgueiro Caldeira

Belo Horizonte

2007

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Roberta Jabôr Ferreira

É BRINCANDO QUE SE APRENDE: a brincadeira de faz-de-conta em uma escola

particular de Belo Horizonte- MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e aprovada,

em 30 de março de 2007, pela Banca Examinadora constituída pelas professoras:

__________________________________________________________________

Prof. Doutora Anna Maria Salgueiro Caldeira (Orientadora) - PUC Minas

__________________________________________________________________

Prof. Doutora Maria Inês Mafra Goulart - UFMG

__________________________________________________________________

Prof. Doutora Sandra de Fátima Pereira Tosta - PUC Minas

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Dedico essa dissertação a minha mãe, Maria Ângela

Jabôr, mulher guerreira, que lutou muito para oferecer

uma educação de qualidade para seus filhos. Pelo seu

amor incondicional, amizade, apoio e por acreditar

sempre na minha capacidade.

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AGRADECIMENTOS

Nesse momento em que o trabalho é encerrado, percebo os caminhos trilhados

para sua realização. Torna-se claro, o quanto tenho a agradecer as pessoas, que de

uma forma ou de outra, me auxiliaram durante este processo.

Agradecimentos,

À Deus por estar presente em todos os momentos de minha vida.

À minha orientadora, professora Dr. Anna Maria Salgueiro Caldeira, que me possibilitou

crescer com sua orientação. Pela sua paciência e direcionamento ao longo deste

trabalho.

À professora Dr. Sandra de Fátima Pereira Tosta, pela ajuda durante o Mestrado e por

suas ricas contribuições ao longo desta jornada.

À professora Dr. Maria Inês Mafra Goulart, por partilhar comigo seu conhecimento e

estudo em relação às crianças pequenas.

À professora e crianças que participaram desta pesquisa, sem as quais este trabalho

não teria sido realizado.

Aos professores do Mestrado em Educação da PUC-MINAS, que firmaram as bases

para meu crescimento teórico e profissional.

Aos funcionários da secretária do Mestrado em Educação: Valéria Ermelindo e Renata

Vieira Coutinho, pela atenção e pela disponibilidade.

À CAPES pela ajuda financeira através da bolsa de estudos.

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Aos colegas de Mestrado pela convivência neste período, em especial a Cynthia Terra,

pelo empréstimo e indicações de livros e à Glória Lambertucci, colega de Mestrado e

orientações, pela indicação e contato com a escola pesquisada.

À minha família, ao Daniel por abrir mão do computador durante esses meses de

trabalho e ao Fredy pela companhia em todos os momentos, e em especial, aos meus

avós: José e Nina (in memoriam).

Ao Danilo, meu namorado, com quem tenho compartilhado dificuldades e alegrias, pela

paciência, compreensão e ajuda oferecida durante todo este processo e,

principalmente, pelo amor.

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"Quando morremos, nada pode ser levado conosco, com a exceção das sementes

lançadas por nosso trabalho e do nosso conhecimento".

Dalai-Lama

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RESUMO

Esta pesquisa objetivou observar, analisar e descrever a brincadeira de faz-de-conta,

em uma turma composta por crianças de 4 a 5 anos de idade, em Belo Horizonte-MG.

O campo teórico através da abordagem histórico-cultural, de Vygotsky, enfatiza alguns

conceitos, tais como: funções psicológicas, mediação, zona de desenvolvimento

proximal e brinquedo. Os procedimentos metodológicos foram baseados na abordagem

sócio-histórica para a investigação qualitativa, proposta por Freitas (2002), cujos

pressupostos se apóiam nas contribuições de Vygotsky, tendo como instrumentos para

a coleta dos dados a observação das brincadeiras em sala de aula, as entrevistas

informais com a professora e o uso de fotografias. Os dados coletados foram

apresentados e analisados por meio das transcrições dos diálogos ocorridos durante as

brincadeiras em sala de aula, durante o período de cinco meses. Para análise do

brincar, optei por selecionar três tipos de brincadeiras: brincadeira de casinha,

brincadeira de encaixe e brinquedos trazidos de casa. Os resultados demonstram que a

escola pesquisada, através de sua estrutura material e também da formação de seus

docentes proporciona condições para o uso da brincadeira de faz-de-conta em seu

cotidiano. As crianças demonstram que incorporam elementos culturais em suas

brincadeiras e que recriam situações novas a partir de suas vivências anteriores. Os

resultados também ressaltam a importância da imitação no desenvolvimento da criança.

Palavras Chaves: criança; brincar; brinquedo e brincadeira de faz-de-conta.

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ABSTRACT

This research has the main purpose to observe, to analyze, and to describe the pretend

play in a group of children in the ages of 4 and 5 years old that study at a private school

in the city of Belo Horizonte, state of Minas Gerais - Brazil. This dissertation is based on

the cultural-historical approach of Vygotsky, which emphasizes some concepts, such as:

psychological superior functions, interference, proximal development zone, game, and

toy. The methodological approach was constructed on the socio-historical qualitative

analysis proposed by Freitas (2002), which presupposes are mainly supported by

Vygotsky’s contributions. In order to collect information for this study, the researcher

used some artifices, such as: observation of the plays inside the classroom, informal

interviews with the teacher, document analysis of the school, and photographs of the

children. The collected data had been presented and analyzed from the transcriptions of

dialogues’ fragments that happened inside the classroom during the pretend plays.

These facts were gathered in a period of six months. To analyze more properly the data,

the researcher chose three kind of pretend plays: house, constructed game, and toys

brought from their home. The results demonstrate that the searched school, through its

material structure and staff’s formation, provides conditions for the daily use of the

pretend play. Regarding the children, they had demonstrated that can incorporate

cultural elements in its plays and create new situations from their previous experiences.

The results also stand out the importance of the imitation in the development of the

child.

Key Words: child; toy; play; pretend play.

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LISTA DE FOTOS

Foto 1- Sala de aula ......................................................................................................61

Foto 2- Mural ..................................................................................................................62

Foto 3- Mochilas..............................................................................................................62

Foto 4- Cantinho da Água...............................................................................................63

Foto 5- Pátio 1- fogão......................................................................................................64

Foto 6- Pátio 1- brinquedo...............................................................................................64

Foto 7- Galpão ...............................................................................................................65

Foto 8- Casinha ..............................................................................................................67

Foto 9- Salão de Beleza..................................................................................................67

Foto 10- Escritório ..........................................................................................................68

Foto 11- Cozinha ............................................................................................................68

Foto 12- Hospital e Berçário............................................................................................69

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...............................................................................................................12

1. O JOGO, O BRINQUEDO E A BRINCADEIRA, NA INFÂNCIA............................19

1.1 Uma breve contextualização da infância............................................................19

1.2 Termologia de jogo, brinquedo e brincadeira................................,...................22

2. SUPORTE TEÖRICO ............................................................................................27

2.1 Biografia de Vygotsky...........................................................................................27

2.2 Os pressupostos da teoria histórico-cultural de Vygotsky..............................29

2.3 O brinquedo, brincadeira e jogo na perspectiva histórico-cultural de

Vygotsky ........................................................................................................................37

3. PERCURSO METODOLÓGICO.............................................................................47

3.1 Pesquisa qualitativa de abordagem sócio-histórica..........................................47

3.2 Conhecendo a Escola ..........................................................................................53

3.3 Os sujeitos da pesquisa e a sala de aula ...........................................................58

4. A BRINCADEIRA DE FAZ-DE-CONTA ................................................................66

4.1 Brincadeira de Casinha........................................................................................66

4.2 Brincadeira de Encaixe ........................................................................................74

4.3 Brincadeira com os brinquedos trazidos de casa ............................................78

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................83

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................87

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INTRODUÇÃO

“Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo. É triste ter meninos sem escola,

mas mais triste é vê-los enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis,

sem valor para a formação humana.”

Carlos Drummond de Andrade

Essa dissertação parte de uma inquietação pessoal e foi motivada por inúmeras

questões surgidas ao longo do meu percurso acadêmico e profissional, que sempre me

levaram a observar a situação da criança no contexto escolar.

Meu interesse pelo estudo do brincar na Educação Infantil surgiu a partir de

minhas experiências, no segundo período da Faculdade de Psicologia, no ano de 2000,

quando comecei a trabalhar em uma escola como estagiária.

No período de março de 2000 a março de 2001, atuei nesta escola como

Professora de Recreação, trabalhando com crianças a partir de um ano de idade

(Maternal I) até 6, 7 anos de idade (terceiro período). Nesta escola, participei de várias

atividades, entre elas: suporte à direção, ajuda às professoras em atividades de sala de

aula, auxílio em eventos da escola, tais como, a festa do dia das mães, a festa junina,

entre outros.

Em minhas observações aprendi que as crianças pequenas (até seis anos de

idade) são sujeitos ativos, com sentimentos e opiniões próprias. Elas atuam e

interferem nos ambientes em que estão inseridas e a sua principal atividade na escola é

o brincar. Nesse momento consegui formular um leve esboço de uma questão

relacionada ao tema: Qual a importância do brincar para a criança?

Esse questionamento e a experiência na Educação Infantil despertaram meu

interesse para estudos e pesquisas com crianças pequenas. Com isso, iniciei meus

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estudos com a leitura de autores como: Friedrich Froebel, Sônia Kramer, Tizuko M.

Kishimoto, Zilma M.R. Oliveira e Jean Piaget.

Friedrich Froebel (1782 - 1852), filósofo e educador alemão, que tornou-se

mundialmente conhecido pela criação do primeiro Jardim de Infância (Kindengarten),

em Blankeburg, acreditava que a chave para o sucesso ou fracasso do

desenvolvimento da criança está nos primeiros anos de vida.

A metodologia proposta por Froebel focava o brinquedo, nas atividades lúdicas e

na linguagem oral-afetiva. Para ele, a criança pequena vive no jogo e na brincadeira e,

através deles, ela se expressa. Segundo Brougère (1997), o jogo é para Froebel:

... simultaneamente o lugar de descoberta das leis essenciais de sua filosofia e o meio prático de permitir à criança ir na direção da exteriorização das verdades profundas que possui intuitivamente (...) O material do jogo vai permitir objetivar-se a liberdade da criança. O educador deve saber anular-se para ser ‘apenas um intermediário entre a criança e ele mesmo, com a ajuda do material. Sua tarefa é ajudar a criança a revelar-se a si mesma neste espelho da vida que é o jogo’ (...) (BROUGÈRE,1998, p.69)

As idéias de Froebel foram muito importantes para mim e contribuíram muito

para os meus estudos em relação aos jogos e às brincadeiras, especialmente a ênfase

que atribuiu ao jogo e à brincadeira, não os considerando como simples materiais

pedagógicos ou lúdicos, mas, antes de tudo, como materiais simbólicos.

Também a leitura de livros e textos de Sônia Kramer, Tizuko Kishimoto e Zilma

Oliveira, contribuíram muito para este trabalho, pois esses autores discutem a questão

da criança e do brincar na educação infantil.

Sônia Kramer, no livro “Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular

para a educação infantil” faz uma reflexão sobre a educação de crianças de 4 a 6 anos,

considerando as diferenças de classe social, de etnia, de sexo e de cultura, alertando-

me para não perder de vista os condicionantes sócio-culturais do trabalho docente.

Zilma Oliveira, em seu livro “Creches: crianças, faz-de-conta & cia”, apresenta

uma proposta pedagógica baseada em uma visão de desenvolvimento elaborada a

partir dos trabalhos de Vygotsky, Wallon, Piaget, entre outros, quando tive a

oportunidade de me aproximar dos trabalhos de Vygotsky e Piaget.

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Ainda durante meu percurso acadêmico no curso de Psicologia, iniciei outro

estágio, em que atuei também com crianças, desta vez, em Psicodiagnóstico Infantil, ou

seja, no atendimento de uma criança por meio de entrevistas com os pais, aplicação de

testes psicológicos infantis e entrevista devolutiva.

Este estágio aconteceu entre agosto de 2001 e julho de 2002 e proporcionou-me

o contato com algumas crianças e seus pais ou responsáveis, que tinham como

preocupação básica à dificuldade das crianças no aprendizado escolar. Percebi, então,

que muitos pais ainda se preocupam, principalmente, com os conteúdos trabalhados

em sala de aula e com as notas obtidas pelas crianças na escola, evidenciando que a

Educação Infantil, em muitos dos casos, adota o modelo tradicional de escola, muitas

vezes massacrando as crianças e negando a elas o direito de simplesmente brincar.

Em 2003, optei por fazer além da Formação de Psicólogo, a formação em

Licenciatura. Estava, assim, direcionando-me para a construção de um caminho que

articula Psicologia e Educação. Neste momento, paralelamente ao curso de Psicologia,

passei a estudar questões relacionadas à educação de crianças pequenas, o que me

levou a optar por fazer um Mestrado em Educação assim que concluísse o curso de

Psicologia.

No início de 2005, aprovada no Mestrado em Educação na PUC-MINAS, iniciei

meus estudos e, já no segundo semestre de 2005, não tinha dúvidas quanto ao tema

da minha dissertação: o brincar na Educação Infantil.

Durante meu percurso acadêmico e minha experiência no Mestrado, percebi que

as escolas, os professores e também os pesquisadores estão abrindo um espaço cada

vez maior para o debate e a discussão de questões relativas ao brincar na educação

infantil.

Iniciei meus estudos no Mestrado com a leitura de importantes autores desta

área, tais como, Brougère (1997), Kramer (1995, 2002 e 2003), Kishimoto (1992, 1993

e 1999), Oliveira (1992, 1996 e 2005), Philippe Áries (1986), Vygotsky (1991, 1996 e

1998), dentre outros. Esses autores ampliaram minha compreensão da questão da

infância, da criança e do brincar.

Brougère, em seu livro “Brinquedo e cultura”, dIscute a função social e o

significado do brinquedo. Criticando a “psicologização” contemporânea do brincar, que

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faz dessa atividade uma instância do indivíduo isolado das influências do mundo,

Brougère argumenta que: “Brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma

significação social precisa que, como outras, necessita de aprendizagem” (2002, p.20).

Philippe Ariès, em seu livro “A História Social da Criança e da Família”, analisa o

lugar assumido pela criança e pela família na sociedade tradicional, destacando a

reduzida duração da infância e sua breve passagem pela família e pela sociedade.

Analisa também o novo lugar da criança e da família em nossas sociedades industriais,

em que a família se organiza em torno da criança e lhe dá tal importância que ela sai de

seu antigo anonimato. Foi também significativo os estudos de Áries sobre a história dos

jogos e das brincadeiras para a construção dessa dissertação.

A leitura do livro de Tizuko Kishimoto “Jogo, brinquedo, brincadeira e a

educação”, uma coletânea de artigos escritos a partir de estudos e pesquisas de

diferentes autores sobre o jogo na educação, foi fundamental para conhecer a natureza

do jogo, suas manifestações e funções, bem como sua utilização em áreas do ensino e

da formação de professores.

Nesses estudos, me deparei também com documentos legais que se

constituíram em um marco para a educação infantil: Constituição Federal de 1988,

Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, Lei de Diretrizes e Bases para a

Educação Nacional de 1996 e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil de 1998. Com a promulgação destas leis e diretrizes, o brincar foi reconhecido e

destacado como uma atividade essencial para a criança.

O brincar, além de uma atividade essencial para o desenvolvimento da criança,

representa também uma preparação para a vida. É por meio dos brinquedos, dos jogos

e das brincadeiras, que a criança tem oportunidade de raciocinar, de descobrir, de

aprender, de lidar facilmente com as inúmeras situações ou com os problemas

encontrados no seu cotidiano.

Durante o brincar, as crianças sentem-se livres para tomar iniciativas e viver

situações que elas mesmas escolhem como representação de situações da sua vida,

tais como pular, correr, esconder embaixo de uma mesa, dentre outras. O brincar é

para a criança o que o trabalho é para o adulto. Para educar a criança, precisamos

compreender o que o brincar representa na sua vida.

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A partir daí, foi-se confirmando o tema de minha investigação - a brincadeira de

faz-de-conta na Educação Infantil - e se configurando algumas questões: qual a

importância do brincar? Qual o lugar do brincar no processo de desenvolvimento da

criança? Como a escola trabalha o brincar no seu cotidiano? Qual a potencialidade da

brincadeira faz-de-conta para o desenvolvimento de crianças pequenas?

A partir dessas questões, fiz um levantamento de pesquisas que enfocam este

tema. Dentre elas posso citar as seguintes investigações: MAGNANI (1998): O brincar

na Pré-Escola: um caso sério? SAUER (2002): Tia, eu posso brincar agora? FRONZA

(2005): O lugar dos jogos infantis - brinquedo e brincadeiras na pré-escola, entre outras.

Magnani (1998) realizou uma pesquisa de campo em pré-escolas públicas e

particulares da cidade de Maringá, Paraná. Seu trabalho destacou a importância do

brincar e os diversos tipos de brincadeiras presentes no cotidiano da pré-escola. Os

resultados obtidos por Magnani apontam que a forma como é estruturada a educação

pré-escolar, nesta cidade, dificulta às crianças o exercício de suas atividades lúdicas.

Diante dos resultados obtidos, a autora sugere não só a importância do resgate do

brincar na pré-escola, como a importância de se investir na formação de educadores e

na conscientização da sociedade quanto à importância do brincar para a criança.

Sauer (2002), em sua dissertação, investiga o lugar que os jogos infantis -

brinquedos e brincadeiras - ocupam na rede pré-escolar municipal de Itabuna, na

Bahia. O estudo, em questão, descreve e analisa a prática do professor, sua formação

e sua concepção de educação pré-escolar, de infância, de criança, de brincar, de

trabalhar e analisa a proposta do projeto pedagógico da instituição, buscando

compreender a relação e a influência de tais fatores na utilização de jogos infantis no

processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança.

A referida autora constatou que, em mais da metade das escolas pesquisadas,

não existem áreas externas para uso das crianças o que constitui um entrave para a

utilização de jogos infantis. Segundo a autora, mesmo naquelas escolas em que os

espaços são mais adequados, não foi registrado o uso intencional dos jogos infantis.

Para a referida autora, na pré-escola, o desenvolvimento e a aprendizagem da

criança deve ocorrer como resultado do uso intencional de jogos infantis.

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A pesquisa que apresento nesta dissertação, além de buscar entender os

significados do jogo, do brincar, do brinquedo e da brincadeira, busca também

investigar a importância da brincadeira de faz-de-conta no processo de

desenvolvimento e aprendizado da criança.

Assim, este trabalho tem como objetivo geral analisar a importância da

brincadeira de faz-de-conta no processo de desenvolvimento e aprendizado das

crianças pequenas. Neste sentido, busca alcançar os seguintes objetivos específicos:

• Analisar a relevância dada pela escola à brincadeira na educação infantil.

• Identificar e caracterizar os tipos e temas das brincadeiras de faz-de-conta utilizadas

pela professora na sala de aula, para um grupo de crianças de 4 a 5 anos de idade.

• Identificar e analisar os elementos da cultura presentes nas brincadeiras de faz-de-

conta.

A estrutura do trabalho se apresenta da seguinte forma:

No primeiro capítulo, farei uma breve contextualização da infância baseada no

estudo Ariès (1981). Ainda neste capítulo, abordo conceitualmente os termos brincar,

brincadeira e brinquedo, demonstrando a importância dos mesmos para a Educação

Infantil. E, por fim, analiso a diferença entre brinquedo e brincadeira.

Destaco no capítulo 2, como aporte teórico desta pesquisa, alguns conceitos da

teoria histórico-cultural de Lev S. Vygotsky. Neste capítulo abordo a biografia de

Vygotsky e como a mesma influenciou o seu trabalho; retomo os seus principais

pressupostos teóricos e conceitos; e, por fim, abordo a importância do brinquedo para a

criança na perspectiva vygotskyana.

O capitulo 3 explicita minha opção pela abordagem sócio-histórica de cunho

qualitativo e apresenta os procedimentos metodológicos adotados nesta investigação.

Caracterizo a escola pesquisada, seu projeto político-pedagógico e a proposta

curricular, como também, me refiro aos sujeitos dessa pesquisa, uma turma de crianças

de 4 a 5 anos de idade.

O capítulo 4 descreve e analisa as informações coletadas na pesquisa de

campo, as quais foram organizadas em três dimensões da brincadeira e analisadas a

partir de três episódios observados na sala de aula de uma escola particular de Belo

Horizonte, Minas Gerais. Foram abordados, neste capítulo, a importância da brincadeira

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de faz-de-conta no processo de desenvolvimento e aprendizado da criança, os

diferentes tipos de brincadeira, sua estrutura e organização, os recursos utilizados,

assim como a dinâmica das interações crianças X crianças e crianças X professora com

suas diferentes representações culturais e papéis sociais que ocorrem na sala de aula

durante o desenvolvimento das brincadeiras.

E, finalmente, apresento as considerações finais da pesquisa a partir de uma

visão crítica do processo vivenciado.

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CAPÍTULO 1: O JOGO, O BRINQUEDO E A BRINCADEIRA NA INFÂNCIA

Não é objetivo deste capítulo reconstruir a história do jogo, do brinquedo e da

brincadeira na infância, a partir da contribuição de diferentes autores, nem mostrar que

o significado destes termos varia no tempo e no espaço de acordo com diferentes

culturas, mas fazer uma breve contextualização da infância que contribua para

proporcionar uma visão histórica deste período do desenvolvimento do indivíduo, bem

como para abordar o significado das atividades lúdicas que as crianças utilizam no seu

processo de desenvolvimento e aprendizado.

Em seguida, pretendo discutir o significado dos termos jogo, brinquedo e

brincadeira na infância, bem como as relações entre eles.

2.1. Uma breve contextualização da infância

Historicamente nos defrontamos com diferentes concepções de infância, que

foram se constituindo ao longo de tempo, sempre constrangidas por um conjunto de

circunstâncias. Para essa contextualização me apóio, principalmente no estudo Ariès

(1981) sobre a história social da criança e da família.

O referido autor toma como ponto de partida de sua análise da história social da

criança e da família, a sociedade tradicional do século XVI, que ainda guarda resquícios

da Idade Média, quando as crianças eram consideradas como meros seres biológicos,

sem estatuto social nem autonomia, portanto não eram reconhecidas, nem tratadas

como sujeito com características próprias, sendo, ao contrário, consideradas e

representadas como "adultos em miniatura".

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Segundo Áries (1981), esta sociedade tradicional "via mal a criança" e reduzia a

infância

a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos. E criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude (...) (ARIÈS, 1981, p.ix)

Nesse contexto, a socialização da criança não cabia à família, posto que a

criança era muito cedo afastada do convívio de seus pais, e "pode-se dizer que durante

séculos a educação foi garantida pela aprendizagem, graças à convivência da criança e

do jovem com os adultos". (1981, p.ix)

A partir do fim do século XVII, se dá uma mudança acentuada da situação

anterior. Uma das interpretações apresentadas por Ariès é que:

A escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles. A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida a distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até nossos dias, e ao qual se dá o nome de escolarização. (1981, p. x)

A segunda interpretação de Ariès explica que esta separação das crianças pode

ser entendida como parte do movimento de moralização dos homens pelos

reformadores católicos e protestantes, ligados à Igreja ou ao Estado. Mas a moralização

não teria sucesso sem o comprometimento da família que se transformou no "lugar de

uma afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos" (1981, p. xi), situação

que não existia anteriormente. Esta afeição manifestou-se através da importância que

foi atribuída à educação.

Com o advento da industrialização e a procura de mão-de-obra infantil, a criança

retorna ao seu status de "adulto em miniatura", condição que não lhe confere qualquer

sentimento de infância, ao contrário, busca-se incorporá-la no contexto social adulto

assim que adquira certo grau de discernimento de si e do mundo.

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Da mesma forma, a criança de nossos dias, especialmente àquelas provenientes

das camadas populares, compartilham com o adulto suas diferentes atividades.

Precocemente estas crianças assumem responsabilidade adulta, o que significa um

encolhimento de seus anos de infância.

Assim, o que temos observado é que é dado à infância em nossa sociedade um

tratamento paradoxal: ao mesmo tempo em que ela é mimada nas suas fases iniciais,

este tratamento lhe é negado nas fases posteriores, utilizando-se o adjetivo infantil para

desqualificar ações e comportamentos considerados inadequados, conforme se pode

constatar em Calvert:

Espera-se delas que se comportem como crianças, mas são criticadas em suas infantilidades; é suposto que brinquem absorvidamente quando se lhes diz para brincar, mas não se compreende por que não pensam em parar de brincar quando se lhes diz para parar; espera-se que sejam dependentes quando os adultos preferem a dependência, mas deseja-se que tenham um comportamento autônomo; deseja-se que pensem por si próprias, mas são criticadas pelas suas 'soluções' inteligentes (apud ALMEIDA, 2006, p.549-550)

Portanto, a ruptura entre o "reinado absoluto" das crianças e a fase em que

passa "a ser olhada e sentida como uma realidade incômoda” (ARIÈS, 1981) nos alerta

em relação às contradições entre o discurso social e político sobre a infância e as

práticas sociais relacionadas às crianças, ou seja, em relação ao "caráter paradoxal"

com o qual elas são tratadas pela sociedade adulta.

A partir de então, a família passa a se organizar em torno da criança. E a

conseqüência disto, segundo Ariés "foi a polarização da vida social no século XIX em

torno da família e da profissão, e o desaparecimento (...) da antiga sociabilidade". (p. xi)

Resumindo, pode-se dizer que a noção contemporânea de infância como

categoria social surge com a Modernidade (finais do século XVII e especialmente do

século XVIII), e tem como principal referência a escola e a família. Nesse sentido,

Sarmento (2002, 2002, apud MÜLLER, 2006) destaca que: "junto com a emergência da

escola de massas, a nuclearização da família e a constituição de um corpo de saberes

sobre a criança, a Modernidade elaborou um conjunto de procedimentos configuradores

de uma administração simbólica da infância." (p.554)

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A (in)visibilidade da infância na sociedade adulta contemporânea indica a

complexa natureza de sua condição social. Incapaz de agir por conta própria em uma

sociedade cercada por violência e perigos, a criança é impedida de participar da vida

social, sob o argumento de que necessita de proteção, o que expressa um pensamento

paternalista em contraposição com a visão de "adultos em miniatura", desprovidos de

especificidade própria. Essa visão retira das crianças o estatuto de sujeito,

transformando-as em destinatários de medidas protetoras dos adultos.

Assim, a educação contemporânea, embora deseje um "mundo de criança",

inviabiliza as condições necessárias ao seu desenvolvimento e crescimento, não

levando em consideração sua natureza peculiar e suas necessidades específicas.

Então, o chamado "século da Criança" na verdade, negligencia suas mais elementatres

condições de vida, atribuindo à escola a responsabilidade de prepará-la para o mundo

dos adultos.

2.2. Termologia de jogo, brinquedo e brincadeira

Os termos jogo, brinquedo e brincadeira são empregados entre nós

indistintamente, revelando complexidade da tarefa de defini-los. Mas será que existe

diferença entre jogo, brinquedo e brincadeira?

Para compreender o significado desses termos recorro, especialmente, aos

estudos de Brougère (2002) e de Vygotsky (1991).

Os estudos de Vygotsky (1991) contribuem para a compreensâo desses termos

e suas relações. Assim, o referido autor, a partir de pressupostos da filosofia marxista,

entende o mundo como resultado de processos históricos e culturais que contribuem

não só para a constituição das formas de vida (sistemas produtivos) da sociedade,

como para a constituição do modo de pensar do homem. Assim, para Vygotskyr, os

processos psicológicos superiores são construções histórico-culturais uma vez que

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"toda conduta do ser humano, incluindo suas brincadeiras, é construída como resultado

de processos sociais” (KISHIMOTO, 1999, p.33).

Nesta perspectiva, a psicologia histórico-cultural concebe o jogo infantil enquanto

atividade criadora da criança, marcada pela cultura e mediada pelos sujeitos com quem

a criança se relaciona. Em seu trabalho Vygotsky aborda como as crianças pequenas

se constituem em uma dada cultura, a partir da relação que estabelecem entre a

atividade imaginadora e o mundo real, apontando a necessidade de se recuperar o

lúdico no universo dos adultos para que se privilegie a brincadeira como atividade

fundamental em creches e pré-escolas.

Nessa perspectiva Vygotsky (1991) define como brincar a situação imaginária

criada pela criança, levando-se em conta que o brincar preenche necessidades que

mudam com a idade da criança. Portanto, para entendermos o brinquedo de uma

criança é necessário levarmos em conta a maturação de suas necessidades. Desta

forma, para vivenciar certos desejos que não podem ser realizados imediatamente, a

criança pequena cria um mundo ilusório onde estes desejos podem ser realizados. Esta

realidade criada pela criança Vygotsky denomina brincadeira.

No entanto, este autor chama nossa atenção para o fato de a imaginação, por

exemplo, se referir à uma atividade consciente que a criança pequena ainda não tem

desenvolvida, mas que se desenvolverá a partir de sua ação.

A brincadeira, que comporta uma situação imaginária, também comporta uma

regra não explícita, mas criada pela criança. Segundo Vygotsky (1991, no processo de

desenvolvimento da criança, predomina inicialmente a situação imaginária e as regras

ficam ocultas. À medida que o processo avança predominam as regras, agora

explícitas, e a situação imaginária fica oculta.

Em seus escritos, Vygotsky dá ênfase à ação e ao significado no brincar. Para

ele, o significado é mais importante que o próprio objeto (brinquedo), porque as ações

da criança estão subordinadas ao significado dos objetos. Assim, é possível dizer que

existe hoje um consenso entre os educadores no reconhecimento do papel de jogos,

brinquedos e brincadeiras no desenvolvimento e na construção do conhecimento

infantil.

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Os trabalhos de Brougère, sintonizados com os estudos de Vygotsky, analisam o

brincar como fenômeno cultural, extraindo dessa análise um quadro de referências para

uma interpretação sócio-antropológica da brincadeira.

Para o referido autor, a brincadeira oferece a oportunidade para a criança

explorar, aprender a linguagem e solucionar problemas. Educar e desenvolver a criança

significa introduzir brincadeiras mediadas pela ação do adulto, sem omitir a cultura, o

repertório de imagens sociais e culturais que enriquece o imaginário infantil.

Para Brougère: "Brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma

atividade dotada de uma significação social precisa que, como outras, necessita de

aprendizagem" (p.20).

Dessa forma, cada cultura, em função de analogias que estabelece, vai construir

uma esfera delimitada (de maneira mais vaga ou mais precisa) daquilo que, numa

determinada cultura, é designado como jogo e brincadeira. Assim, este termo traz nele

uma certa representação do mundo, como se pode constatar nas palavras de

(BROUGÉRE, 2002, p.20-21):

Antes das novas formas de pensar nascidas do Romantismo nossa cultura parece ter designado como 'brincar' uma atividade que se opõe a 'trabalhar', caracterizada por sua futilidade e oposição ao que é sério. Foi nesse contexto que a atividade infantil pôde ser designada com o mesmo termo, mais para salientar os aspectos negativos (oposição às tarefas sérias da vida) do que por sua dimensão positiva, que só aparecerá quando a revolução romântica inverter os valores atribuídos aos termos dessa oposição.

Portanto, é possível dizer que o que caracteriza brincadeira e jogo é mais o

modo como se brinca do que o que se busca com essa atividade, o que implica em uma

interpretação específica de sua relação como o mundo, ou seja, com um contexto

cultural que lhe dá sentido.

Assim, a criança deve aprender a brincar, uma vez que preexistem estruturas

que definem atividades lúdicas, em geral e, em cada brincadeira, em particular, e as

crianças as apreendem (sozinha ou com outras crianças) antes de utilizá-las em novos

contextos. Portanto, é importante considerar a presença de uma cultura preexistente

que define a brincadeira e o jogo.

Segundo Brougère (2002), a brincadeira e o jogo são atividades que podem:

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atribuir às significações de vida comum um outro sentido, o que remete à idéia de fazer-de-conta, de ruptura com as significações da vida quotidiana. Dispor de uma cultura lúdica é dispor de um certo número de referências que permitem interpretar como jogo atividades que poderiam não ser vistas como tais por outras pessoas. ( 2002, p.24)

Logo, de acordo com Brougère (2002), os termos jogo (infantil) e brincadeira se

misturam, não sendo possível uma distinção entre os mesmos, pois ambos são

atividades do brincar da criança em um certo contexto cultural que lhe dá sentido.

A cultura lúdica é o produto da interação social, logo, ela se diversifica segundo o

tempo, o espaço e as condições em que ocorre, ou seja, o país, a cidade, o meio social,

a idade e o sexo da criança, o meio-ambiente e os suportes de que a mesma dispõe,

entre outros fatores. Isso significa que ela é produzida pelos indivíduos que dela

participam, em duplo movimento interno e externo.

O desenvolvimento da criança determina as experiências possíveis, mas não

produz por si mesmo a cultura lúdica, que é produto da interação social. Portanto, a

criança, como sujeito social, não vai simplesmente reproduzir o que ela observou, mas

vai agir em função da significação que atribuirá aos elementos dessa interação

(indivíduo, ações, objetos).

Por outro lado, a cultura lúdica não está separada de uma produção externa, de

uma cultura geral, ainda que essa influência seja indireta, já que se trata também de

uma interação simbólica. Hoje, a cultura oferecida pela mídia, principalmente através da

televisão e do brinquedo, transmitem conteúdos e esquemas que contribuem para a

modificação da cultura lúdica que vem se tornando internacional. Mas não podemos

esquecer que a criança dispõe de significações, de uma experiência lúdica acumulada

que ela construiu no contexto de suas interações e que lhe possibilita co-produzir sua

cultura lúdica, de acordo com seu sexo, sua idade e seu meio social.

Assim, Brougère recomenda que, ao analisar a cultura lúdica, devemos levar em

conta os dois aspectos presentes num processo complexo de produção de

significações pelas crianças: o condicionamento e a inventividade da criança. Para o

autor, a brincadeira e o jogo são lugares de construção de uma cultura lúdica e, "longe

de ser a expressão livre de uma subjetividade, é o produto de múltiplas interações

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sociais (...) que, como qualquer atividade humana, só se desenvolve e tem sentido no

contexto das interações simbólicas, da cultura" (2002, p.30).

Mas qual a natureza da relação entre o brinquedo e brincadeira/jogo?

A "diluição" da criança no brinquedo, segundo Almeida (2006) permite afirmar

que "a natureza da relação entre o brinquedo e a brincadeira é quase simbiótica

(p.543).

Os brinquedos lidam com o âmbito da reprodução da realidade da criança e seus

contextos e podem, ou não, incorporar representações de um universo à parte

(histórias, seriados, fadas).

Assim, para Kishimoto (1997), o brinquedo "metamorfoseia e fotografa [os

diversos tipos de realidades], não reproduzindo apenas objetos, mas uma totalidade

social" (p.24)

Nesse sentido, a natureza multifacética do brinquedo imprime-lhe um caráter não

só material, mas também simbólico, uma vez que ele promove interação, diálogo,

aproximação com o lúdico, reforço de habilidades cognitivas e de relação de

sociabilidade.

Segundo Vygotsky (1991) esses termos: brinquedo, jogo e brincadeira interagem

durante o brincar, misturando-se. Com isso, é possível perceber que não existe uma

diferenciação, de acordo com o referido autor, entre esses termos.

O capitulo seguinte explicará, de maneira mais objetiva, esses termos -

brinquedo, brincadeira e jogo - na perspectiva histórico-cultural de Vygotsky.

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CAP 2 - SUPORTE TEÓRICO

2.1- Biografia de Lev S. Vygotsky

Lev S. Vygotsky (1896-1934), professor e pesquisador, nasceu em Orsha,

pequena cidade da Bielo-Rússia em 17 de novembro de 1896, viveu na Rússia e

quando morreu, de tuberculose, tinha 37 anos.

Ele era membro de uma família judia que tinha uma situação financeira bastante

favorável. Sua família era considerada uma das mais cultas da cidade e sua casa tinha

uma atmosfera intelectualizada. Seu pai, Semyon L.Vygotsky, era um executivo do

Banco Unido de Gomel. Sua mãe, Cecília Moiseievna, era professora. Em sua casa

havia uma excelente biblioteca que era usada pelos filhos e por seus colegas.

Vygotsky recebeu a educação primária em casa com um tutor particular

chamado Solomon Ashpiz. Depois de prestar os exames de nível primário, ele

ingressou no ginásio em escola pública, mas completou os dois anos finais em uma

renomada escola judia particular. Neste momento ele começou a se destacar e era

elogiado pelos professores. Aos 15 anos Vygotsky já era chamado de pequeno

professor porque promovia discussões intelectuais entre seus amigos. Seus interesses

por história e filosofia já estavam integrados. (MOLL,1996)

Em 1913 ele completou seus estudos preparatórios. Devido a sua reconhecida

inteligência, foi aprovado com medalha de ouro nos testes de admissão e, em seguida,

entrou para Universidade de Moscou. Seu principal interesse era estudar História ou

Filosofia, o que o levaria à carreira de professor. Mas como era judeu, ele não poderia

ser um empregado do estado naquela época. Isso fez com que desistisse, neste

momento, dessas áreas, e optasse pela Medicina. Porém, depois de um mês de aulas,

Vygotsky acabou se transferindo para a escola de Direito.

Em 1914, Vygotsky, decidiu estudar, simultaneamente, em duas universidades:

em Moscou e na Universidade do Povo de Shaniavsky. Esta última foi criada em 1906

por Alfons Shamiavsky depois que o Ministro da Educação expulsou da Universidade

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de Moscou a maioria dos estudantes que participaram de uma revolta anticzarista.

Nessa Universidade estavam reunidos os grandes intelectos de Moscou. (MOLL,1996)

Em 1917, Vygotsky se graduou em ambas as universidades e retornou para a

cidade de Gomel onde vivia sua família. Lá ele trabalhou como professor.1

Passou sete anos em Gomel onde ensinou literatura, russo e psicologia. Um

tempo depois começou a trabalhar no Instituto de Psicologia em Moscou.

O contexto em que ele viveu influenciou diretamente no rumo de seu trabalho.

Suas idéias foram desenvolvidas na União Soviética saída da Revolução Comunista de

1917 e refletiam o desejo de reescrever a Psicologia, com base no materialismo

marxista e de construir uma teoria da educação adequada ao mundo novo que emergia

dos escombros da revolução.

Em 1919 Vygotsky contraiu a tuberculose. Apesar da doença, a tuberculose, que

o deixava fragilizado, ele continuou a trabalhar intensamente, mesmo durante os

períodos mais difíceis.

Em 1924 ele se casou com Rosa N. Smekhova e tiveram duas filhas: Gita

Levovna e Asya. Na época de seu casamento a Psicologia tinha se tornado sua

preocupação central. E, neste mesmo ano, Vygotsky participou do Segundo Congresso

Psiconeurológico na Rússia, considerado o evento mais importante sobre Psicologia, no

qual apresentou uma palestra “A metodologia da investigação reflexológica e

psicológica”, que foi muito elogiada. Entre 1922 e 1926 ele escreveu diversos textos

sobre Psicologia e problemas educacionais. Neste período Vygotsky se uniu a Luria e

Leontiev para criar uma “nova psicologia”.

É durante o último estágio de sua vida, como eu comentei anteriormente, que Vygotsky pretendia, por um lado, reorganizar a psicologia sobre fundamentos marxistas e, por outro, buscar soluções para os sérios problemas da sociedade soviética, tais como a educação. (MOLL, 1996, p.39)

Em 1934 ele sofreu seu último acesso de tuberculose, morrendo em 11 de junho.

Devido a vários fatores, inclusive à tensão política entre os Estados Unidos e a

União Soviética, o trabalho de Vygotsky permaneceu desconhecido a grande parte do

1 Essa profissão de professor se tornou possível de praticar para os judeus após à abolição da legislação anti-semita, depois da Revolução Socialista de Outubro em 1917.

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mundo ocidental durante décadas. Quando a Guerra Fria acabou, este incrível

patrimônio de conhecimento deixado por Vygotsky começou a ser revelado. Algumas

de suas principais obras publicadas no Brasil são: A Formação Social da Mente (1987)

e Pensamento e Linguagem (1988). Vygotsky construiu sua teoria histórico-cultural

tendo como objetivo central:

caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolveram durante a vida de um individuo. (VYGOTSKY, 1991, p.21)

Devido à importância de certos conceitos e idéias, utilizadas por Vygotsky, para a

fundamentação deste trabalho no qual a brincadeira de faz-de-conta é fundamental

para o desenvolvimento da criança, será apresentada a seguir uma breve explicação de

suas idéias, com base, especialmente, em suas obras: Pensamento e Linguagem

(1998) e A formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos

superiores (1991).

2.2- Os pressupostos da teoria histórico-cultural de Vygotsky

O momento histórico vivido por Vygotsky, na Rússia Pós-Revolução, contribuiu

para definir a tarefa intelectual a que se dedicou, juntamente com seus colaboradores:

reunir, num mesmo modelo explicativo, tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao

funcionamento psicológico, como o desenvolvimento do indivíduo e da espécie

humana, ao longo de um processo sócio-histórico. (OLIVEIRA, 1993, p. 14).

Vygotsky propôs uma nova teoria para a Psicologia que abrange três idéias

centrais, que podem ser consideradas como a base para a compreensão de seus

pressupostos: 1) as funções psicológicas resultam da atividade cerebral sendo, assim,

um suporte biológico; 2) o desenvolvimento humano se estabelece nas relações sociais

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entre o indivíduo e o mundo exterior, desenvolvendo-se em um processo histórico; 3) os

sistemas simbólicos são os mediadores na relação homem/mundo.

O trabalho de Vygotsky centrou-se, principalmente, no estudo das funções

psicológicas. Em seu livro “A Formação Social da Mente” (1987), ele define dois tipos

de funções psicológicas: Funções Psicológicas Elementares e Funções Psicológicas

Superiores.

As Funções Psicológicas Elementares são diretamente determinadas pela

estimulação ambiental e estão reguladas por processos biológicos. Para ele, são

funções psicológicas elementares: a memória, a atenção, a percepção e o

pensamento. Neste aspecto as crianças nascem no patamar dos animais mais

desenvolvidos e é no aprendizado cultural que parte dessas funções básicas

(elementares) se transformam em “funções psicológicas superiores”. De acordo com

Rego (1994, p. 41), “... as funções psicológicas tipicamente humanas se originam nas

relações do indivíduo e seu contexto cultural e social”.

Segundo Vygotsky (1991, p.63), “podemos usar o termo função psicológica

superior, ou comportamento superior com referência à combinação entre o instrumento

e o signo na atividade psicológica.” Neste sentido, os instrumentos e os signos são

considerados como elementos mediadores. Logo,

Os instrumentos servem como um condutor de influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar mudanças nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio individuo; o signo é orientado internamente. ( VYGOSTKY,1991, p.62)

As Funções Psicológicas Superiores (FPS) desenvolvem-se enquanto estrutura e

complexidade na relação que estabelecemos com outras pessoas e com a cultura.

Suas origens são, portanto, de natureza social e respondem, diferentemente do que

corre em outros animais, a estímulos criados (signos), e não apenas a estímulos dados,

como se pode observar no esquema a seguir:

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Neste caso, o processo simples estímulo-resposta (S-R) é substituído por um ato

complexo, mediado por um estímulo (X). Essas operações com signo (mediadas)

surgem ao longo de um processo de desenvolvimento histórico. Desta maneira o uso

de signos permite aos indivíduos controlar seu comportamento, reestruturando e

afetando todos os processos psicológicos superiores.

Segundo Vygotsky, citado por Moll (1996), inicialmente a criança utiliza

processos mentais com bases inferiores como a atenção elementar, a memória e a

percepção. Com o passar do tempo e devido as interações que realiza com os adultos

e com o meio, esses processos inferiores sofrem modificação, transformando-se em

processos mentais superiores, ou seja, os processos elementares são suplantados pela

cultura. Um exemplo de atividade psicológica superior é o fato de imaginar situações

novas (nunca vividas) e/ou planejar ações. Já as atividades psicológicas elementares

são, por exemplo, as reações e as ações reflexas.

Na concepção vygotskiana, o conceito de mediação é um conceito central para a

compreensão do funcionamento psicológico. De acordo com Oliveira (1997, p.26),

“…entende-se, genericamente, por mediação o processo de intervenção de um

elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a

ser mediada por esse elemento”.

De acordo com referida autora, as relações mediadas vão se tornando cada vez

mais complexas durante a vida de um sujeito em seu meio histórico-cultural. E o

conhecimento passa a ser fruto da ação mediada por outros sujeitos. Esse “outro social”

pode se apresentar por meio de objetos, da organização do ambiente, do mundo

cultural que rodeia o indivíduo.

Para Vygotsky, a figura do outro é um elemento fundamental, pois é o outro que

dá acesso aos instrumentos mediadores: é o outro que lhe atribui um nome para coisas

e lhe dá acesso à palavra; é o outro que lhe dá acesso às regras existentes. Então, o

outro atua como mediador do sujeito para que este se aproprie dos mediadores de sua

própria ação.

Assim, segundo Cole e Scribner (1991), Vygotsky

estendeu esse conceito de mediação na interação homem-ambiente pelo uso de instrumentos, ao uso de signos. Os sistemas de signos (a linguagem, a

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escrita, o sistema de números), assim como o sistema de instrumentos, são criados pelas sociedades ao longo do curso da história humana e mudam a forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural. Vygotsky acreditava que a internalização dos sistemas de signos produzidos culturalmente provoca transformações comportamentais e estabelece um elo de ligação entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual. Assim, para Vygotsky, na melhor tradição de Marx e Engels, o mecanismo de mudança individual ao longo do desenvolvimento tem sua raiz na sociedade e na cultura. (COLE; SCRIBNER, In: VYGOTSKY, 1991, p.8).

Portanto, para maior entendimento entre as semelhanças e diferenças dos dois

elementos mediadores pressupostos por Vygotsky - instrumento e signo -, temos três

condições:

Segundo Vygotsky, “a primeira está relacionada à analogia e pontos comuns

aos dois tipos de atividade (...) a analogia básica repousa na função mediadora que os

caracteriza. Portanto, eles podem, a partir da perspectiva psicológica, ser incluídos na

mesma categoria.” (VYGOTSKY,1991, p.61)

A segunda condição, diz respeito à diferença fundamental entre signo e

instrumento que consiste nas diferentes maneiras com que eles orientam o

comportamento humano. A função do instrumento é servir como condutor da influência

humana sobre o objeto da atividade; orientado externamente, ele permite levar as

mudanças aos objetos. Já o signo não modifica em nada o objeto da operação

psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio

indivíduo. (V podem, a partir da perspectiva psicológica, ser incluídos na mesma

categoria.” (VYGOTSKY,1991, p.62) Neste caso, o signo é orientado internamente, ou,

considerando-se mais amplamente seu papel, está orientado para sujeitos e não para

os objetos.

A terceira condição se refere à uma ligação real entre signo e instrumento, tanto

na evolução da espécie humana, quanto no desenvolvimento de cada indivíduo. O

controle da natureza [instrumentos] e o controle do comportamento [uso de signos]

estão mutuamente ligados, assim como a alteração provocada pelo homem sobre a

natureza altera a própria natureza do homem. Assim, o termo função psicológica

superior, ou comportamento superior é utilizado como referência à combinação entre o

instrumento e o signo na atividade psicológica. (VYGOTSKY, 1991, p.63)

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Os signos podem ser chamados também de instrumentos psicológicos. Entre os

exemplos de instrumentos psicológicos (signos), citados por Vygotsky, temos os

sistemas de símbolos algébricos, a escrita, os mapas, etc.

Segundo os pressupostos de Vygotsky, devemos buscar as origens das funções

psicológicas superiores nas relações sociais que ocorrem entre os indivíduos, partindo

da premissa que o princípio do funcionamento psicológico é social, sendo assim,

histórico.

Atuam como instrumentos mediadores na relação homem e meio, os

instrumentos, os signos e outros elementos do ambiente que possuem um significado

cultural. Esses elementos nascem das relações sociais. Essas relações entre os

homens são realizadas através da utilização dos sistemas simbólicos, por intermédio da

comunicação, pelo uso da linguagem.

A linguagem constitui um sistema simbólico elementar de um grupo social e,

desta forma, seu desenvolvimento e sua ligação com o pensamento assumem um lugar

especial para Vygotsky.

De acordo com Moll (1996), Vygotsky percebe que o momento mais importante

do desenvolvimento cognitivo é o momento da aquisição da linguagem. Isso porque a

linguagem funciona como um signo, regulando o comportamento, os processos de

percepção, de memória e o pensamento.

A criança pequena aprende a falar, a se comunicar com as outras pessoas

através de gestos, expressões e sons. Para que a comunicação realmente se efetive é

fundamental o uso de signos que sejam compreendidos pelas pessoas do meio em que

a criança está inserida. Portanto, a criança pequena depende do uso de signos

externos e de outras pessoas para estabelecer relações, ou seja, no início do seu

desenvolvimento a criança utiliza a fala socializada (fala utilizada para dirigir-se a um

adulto) com o objetivo de estabelecer um contato social. E, no decorrer do

desenvolvimento, ela utiliza a linguagem como instrumento de pensamento, visando

adaptação.

A criança, à medida que vai crescendo e se desenvolvendo, passa por um

processo de transição entre o discurso socializado e o discurso interior, chamado de

fala egocêntrica. A fala egocêntrica é caracterizada pela conversa da criança consigo

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mesma, independentemente da presença de outras pessoas. Este tipo de fala aparece

por uma necessidade do pensamento e é utilizada como auxílio para resolução de

problemas.

Ao longo do desenvolvimento da criança as operações com uso de signos

sofrem mudanças e a atividade mediada (entre a criança, adultos e meio) começa a

ocorrer como um processo interno. Um exemplo desse processo é citado por Vygotsky

(1991:63-64) em relação ao gesto de apontar. A princípio o gesto de apontar é um

movimento dirigido para um certo objeto. A criança tenta pegar o objeto. A mãe percebe

que a criança quer algo e se aproxima. A mãe nota o movimento da criança e o gesto

de apontar torna-se um gesto para o outro. Somente tempos depois é que a criança vai

conseguir associar seu movimento à situação objetiva como um todo e é aí que ela

começa a compreender esse movimento como um gesto de apontar. Ou seja, nesse

momento, ocorre uma mudança: “de um movimento orientado pelo objeto torna-se um

movimento dirigido para uma pessoa, um meio de estabelecendo relações.”

(VYGOTSKY, 1991, p.64)

Esse exemplo demonstra as transformações pelas quais passa o processo de

internalização, que consiste em:

a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. (...) b) Um processo interpessoal é transformado em um processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). (...) c) A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1991, p.64)

Esse processo interno ocorre ao longo do desenvolvimento e desperta o

aprendizado na criança, que uma vez internalizado, torna-se parte das aquisições do

desenvolvimento independente da criança. É neste sentido que Vygotsky (1991, p.65)

afirma que, “a internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente

desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do

salto qualitativo da psicologia animal para psicologia humana.”

Outro tema central estudado por Vygotsky em sua obra é a interação entre

desenvolvimento e aprendizado. Buscando estudar as relações reais entre o processo

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de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado, Vygotsky considera dois níveis de

desenvolvimento: o primeiro nível chamado de nível de desenvolvimento real, pois,

define funções que já amadureceram, ou seja, produtos finais do desenvolvimento. E o

segundo chamado de nível de desenvolvimento proximal, pois se refere às funções que

não amadureceram, mas que estão em processo de maturação.

Neste sentido, Vygotsky fala que para elaborar as dimensões do aprendizado

escolar é necessário descrever um novo conceito: Zona de Desenvolvimento Proximal

(ZDP), que significa:

a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1991, p.97)

O conceito de ZDP é de extrema importância para o plano educacional,

justamente porque permite a compreensão da dinâmica interna do desenvolvimento

individual. Através da consideração da ZDP, é possível verificar-se não somente os

ciclos já completados, como também os que estão em via de formação, o que permite o

delineamento da competência do indivíduo e de suas futuras conquistas, assim como, a

elaboração de estratégias pedagógicas que podem lhe auxiliar neste processo.

Vygotsky introduziu a noção de ZDP com a intenção de resolver os problemas

práticos da psicologia da educação: a avaliação das capacidades intelectuais das

crianças e a avaliação das práticas de instrução.

O aprendizado é responsável por criar a ZDP, na medida em que, em interação

com outras pessoas, o indivíduo é capaz de colocar em movimento vários processos de

desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Uma vez

internalizados esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento

independente da criança e passam a fazer parte das aquisições do seu

desenvolvimento individual. De acordo com Oliveira (1997), a ZDP sofre constantes

transformações, pois o que a criança consegue fazer hoje com o auxílio de outra

pessoa, será capaz, amanhã, de realizar sozinha. O aprendizado, de um modo geral,

não apenas possibilita, mas estimula e orienta o processo de desenvolvimento.

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Neste sentido, o aprendizado de modo geral e o aprendizado escolar em

particular possibilitam, orientam e estimulam os processos de desenvolvimento. De

acordo com esse conceito, o bom ensino é aquele que se direciona para o surgimento

das Funções Psicológicas Superiores. E, desta forma, o ensino deve incidir sobre a

ZDP, estimulando processos cognitivos que terminam por se efetivar, passando a

constituir a base para novas aprendizagens. Ao atender a esse princípio, o processo

educacional formal estará dirigindo o educando para aquilo que ele ainda não é capaz

de fazer, centrando-se em direção das potencialidades a serem desenvolvidas. Porém,

é necessário que nesse processo ocorra a interação com indivíduos mais experientes

ou com colaboradores da mesma faixa etária.

Para fins pedagógicos, Moll (1996) dividiu didaticamente, a ZDP em quatro

estágios que são:

-> Estágio 1: o processo de aprendizagem é assistido e auxiliado diretamente pelo

educador, que tem a responsabilidade de assegurar uma regulação externa ao

desenvolvimento das atividades. Esse processo de mediação possibilita que a criança

consiga construir um pensamento por relações e, conseqüentemente, passe a entender

o significado do conceito como um todo.

-> Estágio 2 : o processo de aprendizagem é co-assistido, ou seja, a criança ainda

necessita de orientação do educador mas, ao mesmo tempo, já consegue programar de

forma independente seus objetivos e suas metas. Esse é um período de transição no

qual a regulação está passando do educador para a criança, mas a função da

assistência pedagógica ainda não pode ser totalmente descartada.

-> Estágio 3: o processo de aprendizagem é internalizado. De acordo com Moll (1996),

não há mais a necessidade da assistência direta do educador. A criança reproduz

individualmente a atividade no plano concreto com autonomia. O desempenho da

criança já não se encontra em desenvolvimento; de fato, já se desenvolveu plenamente.

Configurou-se o nível de desenvolvimento denominado por Vygotsky de real.

-> Estágio 4: o retorno à Zona de Desenvolvimento Proximal. Isso acontece através da

desautomatização do desempenho. Moll (1996) explica que, em qualquer indivíduo, ao

longo de toda sua vida, o aprendizado segue as mesmas regras da ZDP: da assistência

externa à auto-assistência, retornando a elas, reiteradas vezes, para o desenvolvimento

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de novas capacidades. Neste sentido, seja qual for a intensidade do retorno a um nível

anterior do desenvolvimento, o objetivo é refazer o caminho, do processo pedagógico

assistido pelo educador em direção à auto-regulação, para novamente sair da ZDP por

meio de uma nova automatização.

2.3 – O Brinquedo, Jogo e a Brincadeira na Perspectiva Histórico-Cultural de

Vygotsky

Tendo em vista os pressupostos histórico-culturais elaborados a partir dos

trabalhos de Vygotsky, serão apresentadas em seguida características e conceitos

relativos à brincadeira e, também, a importância da brincadeira de faz-de-conta no

desenvolvimento e aprendizado da criança.

Vygotsky discutiu em “A Formação Social da Mente” (1991), o papel do

brinquedo no desenvolvimento da criança, acreditando que no brinquedo a criança cria

uma situação imaginária, tais como: brincar de escolinha, brincar de casinha, entre

outros.

Segundo Vygotsky (1991, p.106), “a criança em idade pré-escolar envolve-se em

um mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados,

e esse mundo é o que chamamos de brinquedo.” Então, pode-se dizer que ao brincar a

criança cria uma situação imaginária. E, assim, o brinquedo passa a ser uma atividade

que preenche as necessidades da criança e, através dele, a criança se desenvolve

cognitivamente.

O estudo do brincar na perspectiva histórico-cultural se organiza com objetivo de

traçar as relações entre a cultura e o indivíduo. Neste sentido, a brincadeira de faz-de-

conta é considerada como um instrumento capaz de captar aspectos nos quais a

sociedade é pensada, reproduzida e representada simbolicamente. É uma forma pela

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qual a criança se apropria do mundo e pela qual o mundo penetra em seu processo de

constituição enquanto sujeito histórico.

A brincadeira aparece como atividade fundamental e essencial para o

desenvolvimento da criança na abordagem histórico-cultural. Segundo Vygotsky (1991),

na origem da brincadeira, se entrelaçam três processos: o primeiro refere-se ao fato da

criança experimentar necessidades que não podem ser satisfeitas. O segundo refere-se

à tendência da criança buscar a satisfação imediata de suas necessidades. E a última

refere-se às transformações operadas na memória da criança, que, a partir do seu

desenvolvimento, começa a ter a capacidade de registrar e conservar as experiências

vivenciadas. O referido autor afirma que (1991, p.107): “... todo brinquedo é, realmente,

a realização na brincadeira das tendências que não podem ser imediatamente

satisfeitas”

A estrutura do faz-de-conta se organiza em torno da dialética entre ausência (do

objeto) e presença (do objeto por meio de seu substituto, por meio do desempenho de

ações e papéis simbólicos). Portanto, o ato de brincar constitui-se, por um lado, de uma

imersão no real, pela conexão aos acontecimentos e regras daquilo que é vivenciado;

e, por outro lado, de uma transgressão do real, pela interpretação e reinvenção dessas

vivências durante a brincadeira.

Vygotsky (1991) dá ênfase à ação e ao significado do brincar. É na ação de

brincar que a criança vai começar a atribuir um novo significado ao objeto. Na atividade

formal isso não é possível, mas no brincar pode ocorrer. Quando um pedaço de

madeira torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo, a criança está

conferindo um novo significado para o objeto. Na brincadeira o significado conferido ao

objeto torna-se mais importante que o próprio objeto. Logo, no brinquedo os objetos

perdem sua força determinadora e “a criança vê um objeto, mas age de maneira

diferente em relação aquilo que ela vê. Assim, é alcançada uma condição em que a

criança começa a agir independentemente daquilo que ela vê”. (1991, p.110)

Neste sentido Vygotsky (1991) diz: “o brinquedo emancipa”. Neste momento

ocorre um rompimento do vínculo significado-objeto, no qual o significado emancipa e a

criança pode passar a atuar com as coisas de forma independente daquilo que vê.

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Sendo assim, para aprender a lidar com os objetos de forma lúdica deve-se aprender a

ultrapassar a dimensão concreta e seu uso específico, socialmente definido.

Com isso Vygotsky (1991, p.108) afirma que “a ação numa situação imaginária

ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos

objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado desta

situação”.

Logo, ao brincar a criança usa objetos substitutos de outros, ampliando sua

capacidade de agir simbolicamente e superando a delimitação de seu comportamento.

Essa delimitação é característica de fases anteriores do desenvolvimento em que a

ação se configura somente segundo as possibilidades do meio em que a criança está

inserida e em que os objetos apresentam características socialmente definidas e

propriedades físicas.

Na brincadeira a criança torna presente objetos ausentes, através da

transposição de significados, das inúmeras possibilidades de ação, mesmo que

substitutivas. Com isso a atividade lúdica favorece que a criança brinque de acordo com

o significado que ela própria atribui aos objetos. Segundo Vygotsky (1991:118), “a

essência do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o campo do significado e

o campo da percepção visual - ou seja, entre situações no pensamento e situações

reais.”

Este trecho deixa claro que a brincadeira de faz-de-conta caracterizada pela

dimensão imaginária, mantém seu vínculo com o real, pois, no espaço das ações

lúdicas, a criança reelabora suas vivências cotidianas. Desta forma, a representação

constitui-se um passo importante do percurso que levará a criança a desvincular-se de

situações totalmente concretas. Neste momento, o imaginário da criança estará mais

presente do que a própria realidade.

Assim para Vygotsky, a brincadeira de faz-de-conta é uma modalidade complexa

de construção de significados sócio-culturais. Ao se firmar como atividade lúdica

tipicamente infantil, a brincadeira de faz-de-conta torna-se, ao mesmo tempo,

importante instrumento para a cultura da infância e do “ser criança”.

Vygotsky (1991) entende que a brincadeira de faz-de-conta comporta dois

elementos fundamentais: a situação imaginária e as regras. Segundo o referido autor;

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A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori. A criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa forma, deve obedecer as regras do comportamento maternal. (VYGOTSKY, 1991, p. 108)

A criança parece reproduzir na brincadeira de faz-de-conta uma prática em que

está inserida e que limita, de certa forma, suas possibilidades de ação. Ao fazer isso,

ela passa a compreender as regras implícitas que, naquela situação, regulam sua ação.

Cria, então, uma representação onde o "comer", por exemplo, como qualquer outro

acontecimento ou objeto, tem significados que lhe foram atribuídos socialmente e estão

presentes na prática das pessoas em uma determinada cultura. Há uma regulação de

ações que é implícita e que se torna a regra na brincadeira. À medida em que a criança

se desenvolve, as regras vão se modificando; primeiro predomina a situação imaginária

e as regras são implícitas, mas quando a criança vai crescendo, predominam as regras

explícitas e a situação imaginária se torna oculta. Para Vygotsky (1991, p.109),

toda situação imaginária contém regras de uma forma oculta, (...) todo jogo com regras contém, de forma oculta, uma situação imaginária. O desenvolvimento a partir de jogos em que há uma situação imaginária às claras e regras ocultas para jogos com regras às claras e uma situação imaginária oculta delineia a evolução do brinquedo das crianças.

Por exemplo, ao brincar de mamãe e filhinha, a criança tenta ser o que ela pensa

que uma mãe deveria ser ou o que uma filha deveria ser. Com isso o que na vida real

passaria por despercebido para a criança, se torna uma regra de comportamento na

brincadeira. Um exemplo de brincadeira de faz-de-conta, citado por Vygotsky

(1991:108), no qual existem regras estabelecidas (implícitas ou explícitas) é o seguinte:

... a criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa forma, deve obedecer às regras do comportamento maternal.(...) Sempre que há uma situação imaginária no brinquedo [faz-de-conta], há regras - não as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo, mas aquelas que têm sua origem na própria situação imaginária. Portanto, a noção de que uma criança pode se comportar em uma situação imaginária sem regras [assimilação deformante] é simplesmente incorreta. (VYGOTSKY, 1991, p. 108)

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Na brincadeira a criança organiza e pratica as regras, elabora estratégias, cria

procedimentos a fim de vencer as situações-problema desencadeadas pelo contexto

lúdico.

Esse ato de brincar evolui e altera-se de acordo com os interesses próprios da

faixa etária, conforme as necessidades de cada criança e também com os valores da

sociedade a qual pertence. Cabe ao educador observar os diferentes aspecto: tema,

forma, conteúdo, estilo, bem como duração, continuidade, intervenção solicitada pela

criança e qualidade do pedido de ajuda. Logo, a maturação das necessidades é de

suma importância para entender o brincar da criança como atividade singular.

A brincadeira assume importância fundamental na medida em que se apresenta

como lugar privilegiado para possibilitar às crianças trabalhar suas experiências e sua

própria ação nesse campo, sendo importante, então, um olhar mais processual, isto é,

que diga respeito ao processo de sua formação. A brincadeira prepara a criança para a

vida. É através do brincar que a criança desenvolve sua personalidade, que a

acompanhará pela vida afora.

Leontiev (1994), colaborador de Vygotsky, também afirma que a brincadeira é a

atividade predominante na idade pré-escolar e descreveu as seguintes características

dessa atividade lúdica:

a)- o jogo tem um fim em si mesmo;

b)- todo jogo tem regras;

c)- o jogo exige uma liberdade de ação;

d)- o conteúdo da brincadeira provém de uma realidade social;

e)- a situação imaginária resulta da substituição de significados dos objetos;

f)- o jogo é a concretização de uma situação que a criança não pode desempenhar na

realidade.

Para efeito deste estudo adoto o termo brincadeira de “faz-de-conta” para

designar situações imaginárias, de natureza lúdica, realizada pela criança, com

brinquedos que possuem certas regras (implícitas ou explícitas).

Segundo a teoria histórico-cultural, o desenvolvimento do sujeito acontece a partir

das interações que ele estabelece com seu meio, apropriando-se dos significados de

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seus elementos: objetos, situações ou pessoas. O processo de apropriação desses

significados sociais ocorre desde o nascimento da criança. A brincadeira de faz-de-

conta conduz ao aprendizado de práticas e papéis sociais e, conseqüentemente,

implica em desenvolvimento cultural.

A importância da brincadeira de faz-de-conta para o desenvolvimento das formas

culturais de comportamento da criança tem sido demonstrada através de numerosos

estudos informados por teóricos da psicologia e presentes em propostas pedagógicas

preocupadas em assegurar o lugar da infância no processo educativo formal.

(KISHIMOTO, 1996).

A brincadeira de faz-de-conta, segundo Vygotsky, permite que a criança ensaie

comportamentos e papéis, projetando-se em atividades dos adultos, ensaiando

atitudes, valores, hábitos e situações para as quais não está preparada na vida real,

atribuindo-lhes significados que estão muito distantes das suas possibilidades efetivas.

Neste sentido:

pode-se considerar, então, uma situação de brinquedo como geradora potencial de desenvolvimento (como geradora de zonas de desenvolvimento proximal), na medida em que envolva a criança em graus maiores de consciência das regras de conduta, e nos comportamentos previsíveis ou verossímeis, dentro do cenário construído. Sempre atendendo, de modo relativo, às prescrições sociais usuais para os papéis imaginados ou atuados nas situações que se apresentam ou (representam) plasticamente frente a si. (BAQUERO, 1998, p.102)

Como vimos, ao brincar a criança é capaz de ir além de seu desenvolvimento e,

como afirma Vygotsky (1991), a atividade de brincar é predominante na criança.

Portanto, esse processo de aprendizagem deve ser explorado a partir da zona de

desenvolvimento proximal que ocorre durante a brincadeira e através da interação com

outras pessoas. No entanto, é importante ressaltar que nem toda atividade lúdica gera

ZDP e que, de acordo com Vygotsky, todo brinquedo comporta a instalação de uma

situação imaginária e a sujeição a certas regras de conduta.

Outro aspecto presente na brincadeira de faz-de-conta é a “imitação” que surge

como um caminho para se levar ao aprendizado, como uma forma das crianças

internalizarem o conhecimento externo.

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Para Vygotsky, a imitação está ligada ao processo de ensino. Para ele, imitação

não é uma cópia real e sim uma reconstrução, realizada individualmente sobre o que é

observado em outras pessoas. Quando a criança imita está construindo algo novo,

partindo da observação que realiza de outras pessoas. Conforme os pressupostos de

Vygotsky, a imitação não é um processo mecânico e se constitui em uma chance para a

criança efetivar ações, que estão além de suas capacidades momentâneas e isto

contribui para seu desenvolvimento. Segundo Vygotsky (apud Zacharias, 2006)2:

Todos conhecemos o grande papel que nos jogos da criança desempenha a imitação, com muita freqüência estes jogos são apenas um eco do que as crianças viram e escutaram dos adultos, não obstante estes elementos da sua experiência anterior nunca se reproduzem no jogo de forma absolutamente igual e como acontecem na realidade. O jogo da criança não é uma recordação simples do vivido, mas sim a transformação criadora das impressões para a formação de uma nova realidade que responda às exigências e inclinações da própria criança. (VYGOTSKY, 1999, p.12)

A imitação permite que a criança represente as mais variadas ações. No

desenvolvimento da capacidade de brincar ocorre a intensificação de processos, tais

como: a criança se torna capaz de construir temática. de desenvolver a capacidade de

subordinação às regras e de fazer a exigência de que os objetos sejam cada vez mais

semelhantes ao real para compor o faz-de-conta.

Logo, através da imitação realizada na brincadeira, a criança internaliza as

regras de conduta, os valores, os modos de agir e de pensar de seu grupo social. Tanto

a atividade lúdica quanto a atividade criativa surgem marcadas pela cultura e mediadas

pelos sujeitos com quem a criança se relaciona. É importante ressaltar que as temáticas

que as crianças escolhem para brincar se originam da realidade que elas observam

e/ou experimentam em sua vida cotidiana.

O trabalho iniciado por Vygotsky e, posteriormente, desenvolvido por seus

seguidores, tais como, Leontiev, Lúkov, Fradkina, Zaporózhets, Galperin, Elkonin, entre

outros, trouxeram contribuições importantes sobre a psicologia da brincadeira infantil.

2 ZAZHARIAS, Vera L.C.F. O Jogo Simbólico. 2006. Disponível em: http://www.centrorefeducacional.com.br/ojogosim.html Acesso em 15 fevereiro de 2007.

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Entre as conclusões dos estudos feitos por esses autores podemos destacar: o

jogo de papéis é de origem social; o jogo da fase pré-escolar está centrado no homem,

suas atividades e interação social; o jogo é uma atividade muito importante para a

interação da criança no meio social, etc.

Também é fundamental destacar que o brincar na escola não é a mesma coisa

que brincar em casa ou no parquinho. A instituição escolar é um espaço destinado à

apropriação pela criança de determinadas habilidades e de construção do

conhecimento. No contexto da pré-escola, a brincadeira não deve ser entendida como

uma atividade secundária ou como um ‘mero passatempo’ das crianças. Ao contrário,

deve ser valorizada e estimulada, uma vez que tem uma importante função no

desenvolvimento da criança.

O ato de brincar tem para a criança um caráter sério porque é o seu trabalho,

atividade através da qual ela desenvolve talentos naturais, descobre papéis sociais,

limites, experimenta novas habilidades, forma um novo conceito de si mesma, aprende

a viver e avança para novas etapas de domínio do mundo que a cerca. Neste sentido a

escola deve propiciar,

a promoção de atividades que favoreçam o envolvimento da criança em brincadeiras, principalmente aquelas que promovem a criação de situações imaginárias, tem nítida função pedagógica. A escola e, particularmente, a pré-escola poderiam se utilizar deliberadamente desse tipo de situações para atuar no processo de desenvolvimento das crianças. (OLIVEIRA, 1997, p.67)

Outro ponto importante é que, enquanto a criança brinca, sua atenção está

concentrada na atividade em si e não em seus resultados. A brincadeira infantil só pode

receber essa designação quando o objetivo da criança é apenas o de brincar. Nesse

sentido o “brincar” é diferente da brincadeira educativa ou pedagógica, já que esta

última é utilizada em sala de aula, muitas vezes, com a intenção de dar prioridade a um

produto e à aprendizagem de determinado conteúdo. Logo, reduzir o brincar a uma

atividade didática, desestimula a participação e o envolvimento da criança, posto que o

seu propósito não é a atividade em si.

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Na escola, o papel do professor deve ser o de criar e de possibilitar as condições

necessárias para o desenvolvimento da brincadeira, cabendo a ele a criação de

espaços, tempos e materiais para que elas ocorram.

Na escola, o professor, que é adulto e, em geral, não brinca junto com a criança,

acaba conduzindo o processo de acordo com suas convicções didático-pedagógicas.

Pesquisas efetuadas em creches e pré-escolas, tais como, Kishimoto(1996), Canholato

(1990) e Pinnaza (1989) demonstram que os materiais privilegiados pelas instituições

infantis continuam sendo os educativos, referendando mais uma vez valores

relacionados às atividades didáticas predominantes no modelo escolar e

marginalizando a expressão, a criatividade e a iniciativa da criança.

Neste sentido, o professor precisa ter bastante cuidado para não fazer da

brincadeira apenas um ato pedagógico. Afinal, o papel do professor é de suma

importância, pois é ele quem cria os espaços, disponibiliza os materiais e os

brinquedos, participa ou não das brincadeiras, ou seja, é ele quem possibilita o

processo de mediação para construção do conhecimento. Logo, o professor :

tem o papel explicito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente (...) Os procedimentos regulares que ocorrem na escola- demonstração, assistência, fornecimento de pistas, instruções- são fundamentais na promoção do ‘bom ensino’ (...) A interação de outras pessoas- que no caso específico da escola, são os professores e as demais crianças- é fundamental para a promoção do desenvolvimento do indivíduo.” ( OLIVEIRA, 1997, p.62)

O professor, nessa perspectiva, atua como mediador entre a criança e a

brincadeira. O conceito de mediação é fundamental na teoria de Vygotsky. Ele trabalha

com o conceito de mediação tomando de Marx o conceito de trabalho como mediador

entre o homem e a produção cultural.

A mediação é um processo de intervenção de um elemento intermediário numa

relação que deixa de ser direta para ser mediada, sendo um elo entre o sujeito e o

objeto. Assim, para Vygotsky, a relação homem-mundo é uma relação mediada, na qual

os processos mediadores vão ser construídos ao longo do desenvolvimento, não

estando ainda presentes nas crianças pequenas.

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Na educação infantil, em particular, os mecanismos de imitação, que fazem parte

da atividade infantil, podem ser utilizados pelo educador como instrumentos

possibilitadores de alargamento da Zona de Desenvolvimento Proximal, permitindo à

criança situar-se em um nível organizacional superior, adquirindo, gradualmente,

consciência das ações que realiza. Como atesta Vygotsky (1988, p. 112), “com o auxílio

da imitação na atividade coletiva guiada pelos adultos, a criança pode fazer mais do

que com a sua capacidade de compreensão de modo independente”.

O professor, como mediador, deve propiciar a expressão, a comunicação de

sentimentos, expectativas, crenças e saberes que estão presentes em determinado

grupo de alunos, que vive em contexto específico, esforçando-se para entender como

cada participante do grupo elabora essa diversidade.

Embora, por si só, a brincadeira na escola não constitua a única estratégia

mediadora de apreensão do conhecimento e desenvolvimento, pode-se afirmar que ela,

pelas possibilidades que encerra, constitui um procedimento metodológico importante,

devendo fazer parte do planejamento dos professores. Do mesmo modo, o brinquedo

na escola fornece ao professor uma ferramenta útil à constatação do nível de

desenvolvimento em que as crianças se encontram, de suas possibilidades de

interação, de suas habilidades consolidadas e as que estão em vias de consolidação.

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Cap 3. - PERCURSO METODOLÓGICO

3.1- Pesquisa qualitativa de abordagem sócio-histórica

A metodologia ocupa lugar central no interior das ciências sociais, pois ela faz

parte intrínseca da visão social de mundo veiculada na teoria. Segundo Minayo (2000,

p.22), metodologia é “o caminho e o instrumental próprios de abordagem da realidade.”

Para desenvolver esta pesquisa optei pela abordagem sócio-histórica para a

investigação qualitativa, proposta por Freitas (2002) cujos pressupostos se apóiam,

especialmente, nas contribuições de Vygotsky.

A pesquisa qualitativa, segundo Bogdan e Bikclen (1994, p.11), é uma

metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria

fundamentada e o estudo das percepções pessoais. Esse método é apropriado para

lidar com fenômenos complexos, de natureza social, o que “implica em considerar

sujeito de estudo: gente, em determinada condição social, pertencente a determinado

grupo social ou classe com suas crenças, valores e significados. (MINAYO, 2002, p.22)

Assim, os estudos qualitativos na perspectiva sócio-histórica, proposta por Freitas

(2002), ao valorizar os aspectos descritivos e as percepções dos sujeitos o focalizam

como parte da totalidade social (BOGDAN; BIKLEN, 1994), buscando compreendê-los

através do contexto em que estão inseridos.

Nessa perspectiva, em que se pretende compreender os comportamentos dos

sujeitos da investigação, inserindo-os no contexto do qual fazem parte, “não se cria

artificialmente uma situação para ser pesquisada, mas se vai ao encontro da situação

no seu acontecer, no seu processo de desenvolvimento.” (FREITAS, 2002, p.27)

Nesse sentido, Vygotsky (1991) propõe que o comportamento humano seja

estudado em sua especificidade e, para tal, deve-se levar em conta a interação dialética

de duas linhas de desenvolvimento - a natural e a cultural, isto é, na perspectiva da

relação com a cultura e como produto de interações sociais.

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Ao propor um método investigativo, Vygotsky considera que “os fenômenos

humanos sejam estudados em seu processo de transformação e mudança, portanto,

em seu aspecto histórico (...) a preocupação do pesquisador deve ser maior com o

processo em observação do que com o seu produto.” (FREITAS, 2002, p.27)

Para tal, é importante descrever o fenômeno, revelando seu aspecto exterior,

mas também avançar no sentido de sua compreensão, através do acompanhamento do

processo de realização da atividade.

Em busca dessa compreensão fui ao campo para familiarizar-me com a situação

e com os sujeitos da pesquisa, entrando em contato com as crianças de 4 a 5 anos,

com a professora desta turma e com a auxiliar da professora. Durante este período

observei a escola e a sala de aula, conversando e recolhendo informações que

pudessem me ajudar a compreender aquele espaço, ou seja, aquela situação.

Na pesquisa qualitativa de abordagem sócio-histórica, segundo Freitas (2002,

p.28),

“a observação não se deve limitar a pura descrição de fatos singulares, o seu verdadeiro objetivo é compreender como uma coisa ou acontecimento se relaciona com outras coisas e acontecimentos. Trata-se, pois de focalizar um acontecimento nas suas mais essenciais e prováveis relações (...) De fato, só ao colher os traços mais importantes e depois aqueles mais secundários, identificando suas possíveis conseqüências, é que começam a emergir claras relações que os ligam entre si.”

Nesse sentido, segundo a referida autora, esta abordagem favorece um encontro

de muitas vozes ao se observar um evento. Na escola pude observar a dinâmica de

uma sala de aula, o dia-a-dia dessas crianças, as brincadeiras de faz-de-conta com

seus diferentes acontecimentos, falas, expressões e representações.

Logo, o pesquisador não pode se limitar a contemplar os sujeitos durante a

observação, mas é necessário falar com ele (o sujeito da pesquisa, neste caso, as

crianças e a professora) e estabelecer um diálogo com ele. Segundo Freitas (2002,

p.24), “inverte-se, desta maneira, toda a situação, que passa de uma interação sujeito-

objeto para uma relação entre sujeitos. De uma orientação monológica passa-se a uma

perspectiva dialógica.” Com esta postura, muda-se tudo em relação à pesquisa, pois

agora investigador e investigado são ambos sujeitos em interação.

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Também Vygotsky considera a pesquisa como uma relação entre sujeitos,

portanto, promotora de desenvolvimento, sempre que mediada por um outro.

Nessa perspectiva, o pesquisador tem um papel fundamental, pois ele faz parte da

própria pesquisa e se relaciona com os sujeitos pesquisados de maneira dialógica. O

pesquisador, durante a pesquisa, passa por diversas transformações e assim acaba se

ressignificando no campo. Nessa direção, Oliveira (1999, p.63) afirma que,

É interessante observar que essa contribuição metodológica de Vygotsky é particularmente importante para a educação. Uma vez que a situação educativa consiste de processos em movimento permanente, a transformação constitui exatamente o resultado desejável desses processos, os métodos de pesquisa que permitem a compreensão dessas transformações são os métodos mais adequados para a pesquisa educacional.

Também segundo Freitas (2002, p.26) “essa forma outra de fazer ciência, que

envolve a arte da descrição complementada pela explicação e que pode ser encontrada

na pesquisa qualitativa com enfoque sócio-histórico, realizaria a síntese sonhada por

Luria, Vygotsky e Bakthin.”

Para coleta de dados utilizei durante a pesquisa de campo os seguintes

procedimentos: observação, pesquisa documental, entrevista informal e registro

fotográfico. Para melhor entendimento dos procedimentos utilizados, farei uma breve

explicação dos mesmos.

Como principal procedimento utilizei a observação, o que “implica a existência de

um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do observado.

Planejar a observação significa determinar com antecedência ‘o quê’ e ‘o como’

observar. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.25.)

A observação aconteceu em uma Escola particular de Belo Horizonte-MG, em

uma turma composta por crianças de quatro a cinco anos de idade. Neste sentido, as

crianças desta faixa etária podem representar um desafio em termos relacionais,

conforme nos alertam Bogdan e Biklen (1994);

as crianças poderão olhar para os adultos de diversos modos; podem procurar a sua aprovação ou inibir-se. Terá de se levar em conta esses fatos ao participar no contexto e ao tentar compreender os dados que recolheu (...) É difícil conseguir que uma criança aceite um adulto como igual, embora seja

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possível que o tolere como membro de um grupo de crianças. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.126)

Neste sentido procurei atender as recomendações de Bogdan e Biklen e

combinei com a diretora da escola, com a coordenadora da Educação Infantil e com a

professora, no final do ano de 2005, que acompanharia as atividades do grupo desde o

primeiro dia letivo, mantendo-me em contato com as crianças na sala e evitando assim

ser considerada uma estranha pelas crianças. Mas devido a um imprevisto no início do

semestre letivo de 2006, a coordenadora da Educação Infantil me solicitou que

esperasse mais um tempo para iniciar a pesquisa na escola.

Segundo os autores Buford e Junker (1971), a observação pode apresentar as

seguintes variações:

a)- participante total, quando o observador não revela ao grupo sua verdadeira

identidade de pesquisador nem o propósito do estudo;

b)- participante como observador, quando ele revela apenas parte do que pretende

realizar;

c)- observador participante, quando a identidade do pesquisador e os objetivos do

estudo são revelados ao grupo desde o início;

d)- observador total, quando o pesquisador não interage com o grupo observado. Pode

desenvolver a atividade sem ser visto ou estar na presença do grupo sem estabelecer

relações interpessoais.

Ainda com respeito à observação, Buford e Junker (1971) recomendam que o

pesquisador deve optar se tornará ou não explícits o seu papel e os seus propósitos de

estudo.

Nesta pesquisa, de acordo com as variações apresentadas por de Buford e

Junker, atuei como participante observador, pois tanto as crianças como a professora

tinham apenas uma noção dos propósitos de minha pesquisa. Afinal, foi dito às crianças

que eu as estaria observando durante suas brincadeiras; e, para a professora, que

estaria pesquisando sobre a brincadeira, em especial, sobre a brincadeira de faz-de-

conta.

O processo de observação aconteceu por 5 meses, incluindo a pesquisa

exploratóri, do grupo e a pesquisa de campo propriamente dita e meu objetivo foi

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descrever, compreender e analisar a brincadeira de faz-de-conta com crianças entre 4 e

5 anos de idade.

A observação me possibilitou um contato diário com as crianças e a professora.

Durante as observações tive o cuidado de separar os aspectos relevantes dos triviais,

de fazer anotações e de utilizar alguns procedimentos para validar minha observação,

como, por exemplo, entrevistas informais com a professora e registro fotográfico da

brincadeira de faz-de-conta.

Além da observação utilizei também a pesquisa documental, entendida como,

qualquer suporte que contenha informação registrada, formando uma unidade, que possa servir para consulta, estudo ou prova. Incluem impressos, manuscritos, registros audiovisuais e sonoros, imagens, sem modificações, independentemente do período decorrido desde a primeira publicação. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2000)

Neste sentido, foram analisados os seguintes documentos da Escola: o Projeto

Político Pedagógico, o Jornal da Escola e o Caderno de Registro de Experiências

realizadas pelas professoras e seus alunos. Este último constitui um conjunto de textos

que relatam as experiências das professoras, das crianças e as práticas educativas

vivenciadas na escola.

Outro procedimento que utilizei durante a coleta de dados foi o uso da entrevista

informal com a professora e com as próprias crianças. De acordo com Freitas (2002,

p.29), a “entrevista, na abordagem qualitativa de cunho sócio-histórico, também é

marcada por essa dimensão do social. Ela não se reduz a uma troca de perguntas e

respostas (...) mas é concebida como (...) dialógica.”

Finalmente, outro recurso que utilizei durante o trabalho de campo foi a

fotografia. Segundo Guran, a fotografia permite:

destacar um aspecto de uma cena a partir do qual seja possível se desenvolver uma reflexão objetiva sobre como os indivíduos ou grupos sociais representam, organizam e classificam as suas experiências e mantêm relações entre si. A função mais importante da fotografia como método de observação, convém sublinhar, não é apenas expor aquilo que é visível, mas sobretudo tornar visível o que nem sempre é visto. (GURAN, p.10, 1997 )

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O referido autor acrescenta que a fotografia utilizada em uma pesquisa pode

atender a dois objetivos: o primeiro é obter informações que contribuam para o

pesquisador se familiarizar com seu objeto de estudo e formular as primeiras questões

práticas com relação à pesquisa. O segundo é demonstrar ou enunciar conclusões.

Familiarizando com o campo, o pesquisador utiliza a fotografia para destacar, com

segurança, certos aspectos e situações do contexto estudado, tarefa relevante, pois

segundo Guran (1997, p.13), citando Verger:

no dia-a-dia da vida (...) o que você viu é substituído três segundos depois por uma outra impressão que se sobrepõe a primeira: a fotografia tem a vantagem de parar as coisas (...) e desta maneira permitir que se veja o que só tinha sido entrevisto e imediatamente esquecido, porque uma nova impressão veio apagar a precedente e assim por diante e o visto vira coisa esquecida.

Por outro lado, é relevante ressaltar que a fotografia contempla simultaneamente

duas dimensões, ou seja, o espaço e o tempo em que se desenvolve o fenômeno

pesquisado.

Assim, a imagem fotográfica se constrói a partir de um elemento visual que

constitui o ponto de partida para sua leitura. Elas devem ser costuradas no texto, assim

como as falas dos informantes.

Nesta direção Guran (1997) nos esclarece que:

a fotografia feita para contar é aquela que visa especificamente a integrar o discurso, a apresentação das conclusões da pesquisa, somando-se as demais imagens do corpus fotográfico e funcionando sobretudo na descrição e na interpretação dos fenômenos estudados. É geralmente produzida quando o pesquisador já pode identificar os aspectos marcantes dos fenômenos estudados cujo registro contribui para a apresentação de sua reflexão. (GURAN, p.15, 1997)

Segundo o mesmo autor, é necessária uma articulação entre as linguagens

escrita e visual, para que a utilização da fotografia seja eficaz na análise do observado.

Assim, as fotos devem ser ordenadas de modo a produzir sentido por si mesmas, em

seu conjunto e, individualmente, em relação ao texto. Neste sentido a fotografia pode

suceder ao texto, apresentando-se como explicação complementar ou como uma

descrição de situações complexas. Ela pode inclusive, revelar certos aspectos da

realidade que antes passavam despercebidos aos olhos dos pesquisadores.

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3.2 - Conhecendo a Escola

Nesta pesquisa qualitativa de abordagem sócio-histórica, a escolha da escola e

dos sujeitos pesquisados foi um ponto importante para o desenvolvimento da pesquisa,

pois tal escolha deveria estar em sintonia com o objeto de estudo. Segundo Larocca

(2000, p.58), “todo processo de escolha de participantes deve ser consoante ao objeto

de estudo que tem. Para isso, exige-se a satisfação de alguns critérios básicos que, se

não forem atendidos, poderão contribuir para o insucesso da empreitada.”

Assim, para a realização da pesquisa, elaborei os seguintes critérios para a

escolha da Escola e da professora a serem pesquisadas:

1. uma escola que utilizasse e adotasse a brincadeira de faz-de-conta em sua prática

cotidiana na Educação Infantil;

2. uma escola com uma turma do 1° período da Educação Infantil, composta por

crianças de 4 a 5 anos de idade;

4. uma professora que aceitasse participar da pesquisa, permitindo à pesquisadora

coletar os dados necessários ao estudo.

Logo, para a escolha da escola e da professora foram considerados e

respeitados os critérios estabelecidos acima. A escolha da escola ocorreu após

conversa com uma colega do Mestrado da PUC-MINAS, que não só me indicou uma

escola e como me colocou em contato com a coordenadora da Educação Infantil.

Após um primeiro contato, via e-mail com a referida coordenadora de Educação

Infantil, ficou definida uma reunião na própria escola na qual eu seria apresentada à

diretora e à professora da turma a ser pesquisada.

Esse encontro aconteceu em dezembro de 2005 e nele foram negociadas as

seguintes condições:

1. a identidade da Escola será mantida no anonimato, assim como o nome da

professora e das crianças;

2. a pesquisa iniciará no princípio ano letivo de 2006 e não terá uma data estabelecida

para seu término;

3. a professora será indicada pela escola e sua identidade será preservada;

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4. a pesquisadora deverá se comprometer, ao término da pesquisa, de apresentar os

resultados à escola.

A Escola Querubim (nome fictício), situada na região sul de Belo Horizonte-MG,

pertence à rede particular de ensino e atende, além da Educação Infantil, o Ensino

Fundamental: 1ª a 5ª série.

A Escola Querubim foi criada no início dos anos 70, época em que Belo

Horizonte crescia e se modernizava, à sombra da ditadura militar. Desde sua criação

esta instituição adota as diretrizes do Ministério da Educação, tendo uma metodologia e

um currículo abertos às transformações sócio-culturais, características de nossa

sociedade contemporânea.

A Escola Querubim define seu currículo a partir de três eixos temáticos: arte e

cultura, cidadania e ecologia. E de três campos de conhecimento: múltiplas linguagens,

ciências sociais e humanidades e ciência da natureza e matemática. Esses eixos e

campos de conhecimento se conectam através de atividades investigativas e

participativas, conforme o diagrama a seguir:

Os princípios fundamentais que orientam a proposta da Escola Querubim

defendem uma educação que não se reduz à transmissão de conteúdos e adotam a

concepção de um processo de ensino-aprendizagem que se concretiza nas relações

entre alunos, objeto de conhecimento e professor, tendo como preocupação central, a

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construção de significados, conforme documento da escola - o Caderno de Registro de

Experiências - que diz o seguinte:

o aluno aprende um conteúdo qualquer, quando é capaz de atribuir-lhe significado, isto é, quando consegue estabelecer relações substanciais entre o que está aprendendo e o que já conhece, de modo que esse novo conhecimento seja assimilado aos seus esquemas de compreensão da realidade e passe a ser utilizado como conhecimento prévio em novas aprendizagens.

A Escola adota, desde 1984, uma perspectiva pedagógica construtivista. Ainda

que se possa dizer que o construtivismo teve sua matriz teórica estruturada na década

de 50, no Brasil, foi somente na década de 80 que ocorreu um movimento de difusão e

de apropriação de suas contribuições teóricas e de suas práticas pedagógicas, através

de diferentes autores como Piaget, Emília Ferrero, entre outros.

Adotando essa perspectiva, a Escola Querubim entende o construtivismo como

uma teoria psicopedagógica de aprendizado e ensino que privilegia a noção de

construção de conhecimento mediante as interações entre sujeito (aquele que conhece)

e objeto (sua fonte de conhecimento). Para o construtivismo, o homem responde a

estímulos externos e age sobre eles para, desta maneira, construir e organizar seu

próprio conhecimento de forma cada vez mais elaborada.

Neste sentido, a concepção de construtivismo adotada pela escola defende;

a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se institui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento. (BECKER, p.88-89, 1993)

Recorrendo também ao documento do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

(CEALE, 1996, p.12), considera que o construtivismo é:

uma concepção ou uma teoria pedagógica que privilegia a noção de “construção” de conhecimento, efetuada mediante interações entre sujeito (aquele que conhece) e objeto (sua fonte de conhecimento) (...) Por entender tal construção como gênese, elaboração ou equilibração contínuas, a teoria valoriza ainda as noções de atividade do sujeito em suas relações com o meio.

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Assim, segundo essa perspectiva, cabe ao professor a função de mediador na

construção de conhecimentos, equilibrando as situações de aprendizagem e de

conflitos que ocorrem na sala de aula. A avaliação ocorre de forma processual,

possibilitando o acompanhamento do progresso do aluno em suas várias etapas. Outra

característica da proposta construtivista é o fato de proporcionar uma organização do

espaço escolar em bases mais coletivas, possibilitando participação e envolvimento dos

alunos.

Ainda nessa direção, Bruner, citado por Hernández (1998, p.72), acrescenta que

“essa visão contempla os projetos como uma peça central do que constituiria a filosofia

construtivista na sala de aula”, ou seja, para o referido autor, os projetos de trabalho

(pedagogia de projetos) se inscrevem na prática do construtivismo.

Seguindo esta orientação, a Escola Querubim optou pela Pedagogia de Projetos,

no início dos anos 90, no que diz respeito às questões e sugestões relativas à melhoria

da qualidade de seu ensino, entre outras decisões. Essa decisão significou uma

mudança de postura em relação à organização do cotidiano escolar e às práticas

utilizadas pela escola, uma vez que a Pedagogia de Projetos

visa a re-significação desse espaço escolar, transformando-o em um espaço vivo de interações, aberto ao real e às suas múltiplas dimensões. O trabalho com projetos traz uma nova perspectiva para entendermos o processo de ensino-aprendizagem. Aprender deixa de ser memorização e ensinar não significa mais repassar conteúdos prontos. Nessa postura todo conhecimento é construído em estreita relação com o contexto em que é utilizado. (LEITE, 1996, p.27)

Numa das reuniões pedagógicas da escola foi discutido o livro de Josette

Jolibert “Formando lectores” no qual a Pedagogia de Projetos era o tema utilizado pela

autora para sua proposta de envolver os alunos no cotidiano da escola.

Coincidentemente era esta a busca da escola: envolver os seus alunos de forma mais

efetiva na tomada das decisões, no planejamento das ações e na avaliação do

processo de ensino. Essa decisão, a partir de 1996, provocou uma reflexão sobre o uso

do tempo, do espaço, a relação entre as áreas do conhecimento, os processos de

avaliação, enfim sobre toda a instituição escolar.

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Segundo Hernández (1998), os projetos de trabalho se caracterizam pela:

1)- escolha de um tema-problema que favorece a análise, a interpretação e a crítica;

2)- concepção de professor como um aprendiz e não um especialista;

3)- questionamento de uma versão única da realidade;

4)- singularidade do percurso de cada aluno;

5)- reconhecimento de diferentes formas de aprender aquilo que queremos ensinar;

6)- aproximação atualizada das disciplinas e dos saberes;

7)- forma de aprendizagem em que se leva em conta que todos os alunos podem

aprender a encontrar seu lugar;

8)- entendimento de que a atividade manual, o fazer e a intuição são formas de

aprendizagem.

A adoção dessas características dos projetos de trabalho vão exigir da escola

uma mudança de postura no sentido de viabilizar uma nova organização curricular.

Neste contexto o professor deixa de ser apenas um transmissor de conteúdos

prontos e se transforma em pesquisador e aprendiz. O professor concebe seus alunos

como sujeitos sociais. Já os alunos passam a ser co-responsáveis pelo trabalho e

pelas escolhas ao longo do desenvolvimento do projeto. O aluno, ao participar de um

projeto, se envolve em uma experiência educativa, em um processo de construção do

conhecimento que se articula com as práticas cotidianas. Em geral, o projeto privilegia

os grupos de trabalho, contribuindo para a construção de uma rede de trocas e de

socialização entre os vários grupos da escola.

Portanto, a Pedagogia de Projetos baseia-se em uma análise global da realidade

permitindo aos alunos analisar os problemas, as situações e os acontecimentos

inseridos em um contexto, utilizando para isso os conhecimentos das disciplinas e sua

experiência sócio-cultural.

Nesta perspectiva, a Pedagogia de Projeto é entendida como um caminho para

transformar o espaço escolar em um espaço aberto à construção de aprendizagens

significativas para todos.

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3.3- Os Sujeitos da pesquisa e a sala de aula

O trabalho de campo foi desenvolvido no primeiro semestre de 2006, na Escola

Querubim, da rede particular de ensino, em Belo Horizonte-MG.

Neste período, a Escola Querubim tinha suas turmas de Educação Infantil

organizadas em quatro momentos:

a)- Maternal I, composta por uma turma, de crianças de 1 a 2 anos de idade, a

Professora e uma auxiliar da professora;

b)- Maternal II, composta por uma turma, de crianças de 2 a 3 anos de idade, a

Professora e uma auxiliar da professora;

c)- Maternal III, composta por duas turmas, de crianças de 3 a 4 anos de idade, a

Professora e uma auxiliar da professora;

d)- 1° Período, composta por duas turmas, de crianças de 4 a 5 anos de idade, a

Professora e uma auxiliar da professora;

Para a Escola, à Educação Infantil deve cumprir um papel socializador, de

aprendizagens diversificadas em situações de interação diversas. Assim, o trabalho na

Educação Infantil leva em consideração três dimensões fundamentais:

Educar significa propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos produzidos pela cultura. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. Nesse sentido, o ambiente e a rotina de trabalho são organizados para atender às necessidades das crianças, bem como favorecer a socialização, a cooperação e o desenvolvimento autônomo de habilidades. O uso do banheiro, higiene pessoal, lavar, enxugar, limpar, guardar, despir, vestir e calçar a si própria e ajudar as outras crianças, tornam-se aprendizagens importantes e é fundamental observar, ouvir e respeitar a criança. Seu comportamento pode “dar pistas” não apenas das suas necessidades, mas também da qualidade do tratamento que está recebendo. Brincar é uma atividade necessária à criança, pois promove o seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e social. Quando brinca, a criança situa-se em uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que entra em contato com a cultura, também produz elementos culturais próprios da infância. O brincar ocorre no plano da ação física e da imaginação, pois quando a criança brinca, utiliza diferentes modalidades de linguagens, ligadas à corporeidade, ao gesto, expressão facial, às emoções e ao simbólico. (Documento da Escola)

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Na educação infantil esses três eixos: o brincar, o cuidar e o educar andam

juntos e se correlacionam, o que significa dizer que a criança deve brincar, mas sem

esquecer que existem outras dimensões tão importantes quanto brincar.

Logo, para que a Escola Querubim contemple cada um dos três eixos citados, ao

lidar com a criança, é preciso, antes de tudo, que o professor possua uma formação

que lhe dê conhecimentos e condição suficiente para interagir como mediador entre a

criança e o mundo. (GARCIA, 1993)

A pesquisa foi realizada em uma das duas turmas do 1° período da Educação

Infantil. A turma pesquisada era composta por 14 crianças: 9 meninas e 5 meninos, na

faixa de 4 a 5 anos de idade. No decorrer do trabalho de campo um menino dessa sala

mudou para o turno da manhã e outro menino, Pedro, começou a freqüentar a Escola

no início do segundo semestre de 2006.

A professora desta turma é estudante de Psicologia. Ela iniciou seu trabalho nesta

escola como estagiária e, mais tarde, assumiu como professora uma turma. Ela atua

nesta instituição há mais de seis anos. A professora conta com o auxílio de uma

ajudante que atende, simultaneamente, as duas turmas do 1° Período do turno da

tarde.

A entrada e saída das crianças da Educação Infantil no prédio escolar é feita por

uma porta lateral e separada, o que facilita o movimento de seus pais para levá-las e

buscá-las na escola.

O uso da fotografia será utilizado neste momento para melhor visualização e

familiarização do contexto estudado, ou seja, da sala de aula pesquisada. Neste

sentido, Guran (1997, p.7) afirma que “a função mais importante da fotografia como

método de observação, convém sublinhar, não é apenas expor aquilo que é visível,

mas, sobretudo tornar visível o que nem sempre é visto.”

Nesta articulação, a fotografia pode apresentar, segundo Guran (1197, p.10),

“explicação complementar ou como evidência de um aspecto descrito ou comentado

(...) é vantajoso que elas se intercalem ao texto, formando um todo com as informações

escritas.” Nesse sentido, serão utilizados dois discursos distintos: o escrito e o visual,

de maneira que um complemente e enriqueça o outro.

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Nesta pesquisa, para facilitar a leitura, as fotos vão ser ordenadas a partir de

números, de modo a produzirem um sentido por si mesmas em seu conjunto e,

individualmente, na sua relação com o texto.

A Foto 1, mostra a sala de aula da turma pesquisada, que contém: um quadro

“negro” e, abaixo dele, são colocadas as letras do alfabeto e o calendário de cada mês

do ano; uma caixa vermelha onde ficam guardados os brinquedos; mesas e cadeiras

(são cinco conjuntos de mesas e cadeiras, no qual ficam juntas quatro mesas pequenas

e quatro cadeiras) e também o mural de recados.

Foto 1: Sala de Aula

A Foto 2 mostra também a sala de aula pesquisada e os elementos que a

constituem. Nesta foto aparece o mural de recado da turma pesquisada e nele estão:

duas fotos das crianças e da professora; diversos papéis fixados, tais como, os recados

escritos pela professora, os bilhetes escritos pelas outras turmas para esta turma;

também contém quatro folhas coloridas - laranja, verde, branco e amarelo - que dividem

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as crianças em grupos de 4 para disposição nas mesas na hora do lanche; e, por fim, à

direita do quadro, uma cartolina laranja com os nomes de todas as crianças

pertencentes a esta turma.

FOTO 2: Mural

A Foto 3 mostra o local, no canto da sala, onde as crianças colocam as mochilas

quando chegam na sala de aula (existe um prego para colocar a alça de cada mochila)

e acima delas se encontra o mural de recados do turno da manhã. É interessante

observar que as crianças já são estimuladas e incentivadas pela escola a tomar conta

de seu material, ou seja, das mochilas, o que contribui para criar uma responsabilidade

e, também, uma certa independência nas crianças.

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FOTO 3: Mochilas

A Foto 4, última foto da sala de aula, mostra uma mesa no canto da sala onde

ficam os copos e, embaixo deles. ficam os porta-copos contendo o nome de cada

criança e um desenho e, por fim, uma garrafa com água dentro de uma cesta.

O espaço da sala de aula na escola Querubim é flexível, permitindo que o

espaço da sala de aula possa ser adaptado para diferentes propostas de trabalho.

FOTO 4: Cantinho da Água

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Em seguida serão mostrados outros espaços extra-classe, freqüentados pelas

crianças durante sua permanência na escola, através de suas respectivas fotos: pátio 1,

foto 5 e 6, pátio 2 (sem foto), galpão, foto 7 e a quadra para aula de Educação Física.

O pátio 1 é um local grande e espaçoso, que contém um tanque de areia com

vários brinquedos, tais como: balde, pá, fôrma de bolo, copo, colher, etc; e um forno de

argila. O pátio 1 é um lugar no qual as crianças da turma pesquisada passam o

“recreio” que ocorre entre 16:00 e 17:00 horas. Neste momento elas se encontram, se

misturam e brincam com as crianças da outra turma de 04 a 05 anos. A ajudante é

responsável pelas crianças neste momento, pois é o horário de lanche das professoras.

FOTO 5: Pátio 1- Fogão

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FOTO 6: Pátio 1- brinquedo

O pátio 2, de fácil acesso às turmas da Educação Infantil, fica perto das salas de

aula. Neste espaço pode-se se ver uma mesa grande com dois bancos em volta, onde

as crianças fazem diversas atividades, tais como: pintura, massinha, colagem, etc;

Neste local tem um espaço pequeno para as crianças brincarem, contém alguns

pneus e uns tubos circulares abertos, que são explorados por elas quando terminam as

atividades programadas (pintura, massinha, colagem, etc) e enquanto esperam os

outros colegas terminarem seus trabalhos. Não foi colocada nenhuma foto deste pátio

para preservar e dificultar que a escola fosse reconhecida.

Outro local utilizado pelas professoras e pelas crianças é o galpão. Trata-se de

um espaço fechado, utilizado pelas crianças, principalmente, em época de chuva, como

opção para o recreio. É também neste local que ocorrem parte dos Jogos Internos da

Escola. Estes jogos acontecem uma vez ao ano e movimentam toda a escola. É uma

época em que os alunos, com uniformes específicos, divididos por cores, são

distribuídos em times, respeitando sua faixa etária. É uma espécie de “olimpíada” entre

turmas de uma mesma idade.

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FOTO 7: Galpão

Todas essas atividades propiciam às crianças e ao professor uma diversificação

de atividades e, também, contribuem para o brincar e, conseqüentemente, para o

desenvolvimento da criança.

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CAP. 4- A BRINCADEIRA DE FAZ-DE-CONTA Os dados colhidos no campo de pesquisa serão apresentados e analisados a

partir das transcrições de fragmentos de diálogos ocorridos durante as brincadeiras

desenvolvidas por um grupo de crianças, do 1° período, de uma escola particular de

Belo Horizonte, durante o período de abril a setembro de 2006.

Esta análise foi construída a partir da articulação entre informações empíricas e

contribuições teóricas, principalmente os estudos realizados por Vygotsky em relação à

brincadeira de faz-de-conta.

Assim, as informações coletadas foram organizadas a partir de três tipos de

brincadeiras de faz-de-conta: brincadeira de casinha, brincadeira de encaixe e

brincadeira com os brinquedos trazidos de casa.

Foram selecionados três episódios, ou seja, três dias de brincadeiras de faz-de-

conta: 12/05/06, 16/05/06 e 09/08/06, estabelecidos a partir dos seguintes critérios:

a)- presença da professora em sala de aula durante as brincadeiras;

b)- presença de todas as crianças na sala de aula;

c)- e situações de brincadeiras de faz-de-conta, que apresentassem elementos que se

repetiam no cotidiano escolar das crianças.

4.1- Brincadeira de Casinha

Casinha era uma brincadeira que acontecia de uma a duas vezes por semana

na sala de aula pesquisada. Para essa brincadeira os materiais já se encontravam

organizados em ambientes pré-determinados pela professora: Salão de Beleza,

Cozinha, Hospital, Berçário e Escritório, como se pode observar nas fotos (8 a 12)

apresentadas a seguir:

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Foto 8: Sala de aula

• Foto 9: Salão de Beleza, que contém os seguintes brinquedos: secador, espelho,

batom, telefone, bob’s e pente de cabelo.

Foto 9: Salão de Beleza

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• Foto 10: Escritório, que possui os seguintes instrumentos: teclado de computador,

telefone, papel, caneta.

Foto 10: Escritório

• Foto 11: Cozinha, que contém diversas comidas em miniatura, tais como: ovo, pão,

alface, maçã, fogão, panelas, badeja, copos e uma jarra.

Foto 11: Cozinha

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• Foto 12: Hospital e o Berçário ficam em um mesmo local. O Hospital contém

remédios, seringas e aparelho para ouvir coração. E o berçário possui bonecas - tanto

de meninas, quanto de meninos - e os panos.

Foto 12: Hospital e Berçário

Episódio 1: Brincadeira de Casinha

A seguir, passo a descrever e analisar o episódio 1, Brincadeira de Casinha,

ocorrido no dia 09 de agosto de 2006. Nesta data, a brincadeira transcorreu no período

inicial do dia e a sala de aula foi organizada em quatro ambientes: salão, consultório,

berçário e cozinha.

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. Organizados em uma roda, a professora pergunta: “O que vai ter hoje na Casinha?”

1)- Maria: “berçário”

2)- Felipe: “escritório”

3)- Maria: “salão”

4)- Felipe: “cozinha”

. A professora escreve no quadro os locais da casinha e pede às crianças que

escolham o lugar em que querem iniciar a brincadeira. Ela escreve no quadro as

escolhas de cada criança:

Salão: Tatiana, Renata e Clara

Consultório: Tiago, Daniela, Felipe e Daniel

Berçário: Caroline, Maria, Eduardo e Bruna

Cozinha: Carlos e Rita

. Eduardo pede para ir ao escritório e a professora responde que, naquele dia, não

haveria escritório.

5)- Em seguida a professora dirige-se para Eduardo e diz : “Escolhe outro lugar”

6)- Eduardo responde: “Berçário”

7)- Professora: “Pessoal, bumbum na parede que vocês vão me ajudar a montar a

casinha hoje”

. A professora, neste instante, já havia organizado os materiais que disponibilizaria

para as crianças.

8)- Professora: “Podem vir para o Salão de Beleza” (chama as meninas para montarem

o salão). Ela faz o mesmo com os outros ambientes: Consultório, Berçário e Cozinha.

9)- Tatiana: “Quem quer passar batom?” (e começa a passar em Renata)

10)- Professora: “Esse papel aqui é para alguém telefonar e para vocês anotarem.” Em

seguida ela anuncia: “Eu vou primeiro ao médico”

. Tatiana continua no Salão de Beleza e neste momento ela penteia Tiago.

11)- Tiago para Tatiana: “eu vou aí outro dia pegar o meu óculos”

. A professora pega o telefone e liga para o médico.

. Daniel atende o telefone e anota o recado.

12)- Professora: “Gente eu tenho médico, tenho que ficar linda, vou ao salão”

. Professora marca horário para ir ao salão. Renata atende e marca.

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13)- Professora: “Oi gente! Eu vim arrumar meu cabelo. Quem vai arrumar?”

14)- Tatiana, referindo-se a Clara, responde para a professora: “Ela é minha filha e

trabalha comigo”.

. Clara que fazia a unha da professora, quando Bruna chegou ao salão e começou a

pentear o cabelo da professora.

. Enquanto isso Tiago, Rita e Carlos estão na Cozinha e Maria e Caroline estão no

Berçário, ambas grávidas.

15)- Caroline: “ Ô Tatiana, eu também posso casar?”

. Tatiana arruma Maria, colocando um véu nela.

16)- Maria: “Meu neném vai nascer amanhã”.

17)- Tatiana fala com a professora: “Olha! Minha filha que vai casar.” (mostra Maria)

18)- A professora responde: “Vai casar?”

. Tatiana balança a cabeça afirmativamente e sai andando pela sala.

. Em seguida a professora vai ao médico.

19)- Rita chega com um copo para a pesquisadora e diz: “Toma, é suco de uva”! Em

seguida sai andando.

. No Berçário estão Maria, Clara, Tiago e Tatiana.

. Tatiana deita na mesa e Tiago, o médico, cuida dela.

20)- Tatiana: “Aqui dói muito”, apontando para a testa.

21)- Tiago: “Vou te dar 10 agulhas”

. Enquanto isso a Professora cola o cartão para o dia dos Pais, em um canto da sala.

22)- Tatiana se dirige a Maria, dizendo: “Mãe!”

23)- Tiago também se dirige a Maria e diz: “Mãe! Olha! Sua filha já está pronta!”

. Maria olha de longe.

24)- Tatiana grita: “mamãe! mamãe” !!!

25)- Maria ainda de longe diz: “o quê?”, enquanto se dirige ao Consultório.

. Maria passa a mão na cabeça de Tatiana, acariciando-a e a cobre com um pano.

. A Professora interrompe e pede às crianças para guardarem os brinquedos.

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Este episódio mostra, em especial, a maneira pela qual a criança se

apropria do mundo em que vive. Mostra como a criança trabalha suas experiências na

brincadeira, projetando-se em atividades do mundo dos adultos, ensaiando valores e

comportamentos para os quais ainda não está preparada. Os papéis sociais

observados neste episódio foram: mãe e filha, cozinheiro, médico, cabelereira,

manicure, maquiadora e a professora, que assume o papel de cliente nos diferentes

ambientes construídos.

Recorrendo a Baquero (1998, p.102), podemos dizer que “a criança

ensaia nos cenários lúdicos comportamentos e situações para os quais não está

preparada na vida real, mas que possuem certo caráter antecipatório ou preparatório.”

Neste episódio, a representação dos papéis sociais acontece, primeiramente,

logo após a fala número 9, quando Tatiana penteia Tiago, atuando, neste momento,

como “Cabelereira”. Depois de um tempo, ainda no Salão de Beleza, mais

especificamente na fala número 14, Tatiana atua no papel de “mãe” de Clara. E, por

fim, no final da brincadeira, em torno da fala número 22, Tatiana assume o papel de

“filha” de Maria, no hospital.

Neste sentido, é possível afirmar que, durante a brincadeira, Tatiana

participa de diversos contextos nos quais representa papéis sociais distintos, atuando

por meio da imitação. Ao imitar, a criança recria vivências do cotidiano em que está

inserida. É importante ressaltar que a imitação não é uma mera cópia de uma situação,

de uma profissão ou mesmo de uma atividade mecânica, pois, ao realizar esta ação, a

criança constrói, em nível individual, o que observou no coletivo.

A imitação possibilita um avanço no processo de desenvolvimento da

criança, pois ela se torna capaz de agir, de estabelecer relações e de criar

comportamentos para os quais não estaria preparada na vida real. Assim, ela exerce

um papel muito importante no aprendizado das crianças, conforme se pode constatar

nas palavras de Rego (1999, p.111), apoiando-se em Vygotsky:

... dá uma nova dimensão também ao papel da imitação (...) para Vygotsky, a imitação oferece a oportunidade de reconstrução (interna) daquilo que o individuo observa externamente. A imitação pode ser entendida como um dos possíveis caminhos para o aprendizado, um instrumento de compreensão do sujeito.

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Neste sentido, a atuação da professora é fundamental, pois é ela quem

disponibiliza os brinquedos, quem cria os espaços e quem participa ou não da

brincadeira.

Retornando ao início deste episódio observei a intervenção e mediação da

professora selecionando os ambientes da brincadeira e os tipos de brinquedos. Ao

mesmo tempo ela oferece às crianças a possibilidade de escolher o local onde querem

brincar primeiro e deixa livre a escolha dos locais durante toda a brincadeira.

O comportamento da professora vai ao encontro das indicações de Porto (2005,

p.4): “a intervenção se dá através da seleção dos brinquedos e demais materiais

colocados à disposição das crianças, de sua arrumação num determinado espaço e da

participação na brincadeira, quando é convidado”.

No caso deste episódio, além da intervenção inicial, a professora participa da

brincadeira durante algum tempo, de acordo com as falas de número 11, 13 e 14. Em

alguns momentos, na brincadeira de faz-de-conta, ela participa e interage com as

crianças, possibilitando uma troca de conhecimento e de vivências. Mas no final da

brincadeira, ela se retira e desenvolve outra atividade. Nesse sentido pode-se destacar

a adequação do papel da professora, conforme propõe Oliveira (2002, p.134):

O educador pode desempenhar um importante papel no transcorrer das brincadeiras se consegue discernir os momentos em que deve só observar, em que deve intervir na coordenação da brincadeira, ou em que deve integrar-se como participante das mesmas.

E, por fim, as últimas falas (da 22 ao final do episódio), mostram uma

representação social vivida por Maria e Tatiana, que atuam como mãe e filha. Neste

momento, estão presentes dois elementos centrais da brincadeira: a situação

imaginária e as regras de comportamento a que se refere Vygotsky.

A situação imaginária, contida nessas falas, é representada pela relação mãe e

filha, que estão no médico porque a filha está doente. Nessa brincadeira a criança imita

o comportamento que uma criança pensa que uma mãe deveria apresentar, através de

suas experiências e da influência de seu meio social, conforme explica Vygotsky (1991,

p.108) “o que na vida real passa despercebido pela criança, torna-se uma regra de

comportamento no brinquedo.”

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Foi possível perceber nesta brincadeira duas situações de interação entre mãe e

filha. Na primeira, a mãe (Maria) passa, carinhosamente, a mão na cabeça da filha

(Tatiana), que está doente. Na segunda, a mãe observa a filha durante a consulta com

o médico e a atende prontamente quando esta grita por seu nome. Essas duas

situações refletem o que para Maria é “ser mãe”, ou seja, a representação do que ela

acredita que uma mãe é na vida real. Assim, o que pode passar despercebido para a

criança no seu dia-a-dia, se torna uma regra de comportamento na brincadeira.

4.2- Brincar de Encaixe

Brinquedos de Encaixe são brinquedos de plástico que ficavam em uma caixa

no canto da sala de aula ou em um armário no corredor da escola. Essa brincadeira

consiste em montar brinquedos através de várias peças que se encaixam. Esta

brincadeira ocorria, normalmente, no início das aulas, não havendo uma programação

prévia.

Episódio 2: Brincadeira de Encaixe

Transcrevo, a seguir, o primeiro episódio dos brinquedos de encaixe, ocorrido no

dia 04 de maio de 2006.

Após a chegada e entrada de algumas crianças na sala de aula, elas

espontaneamente pegaram o brinquedo de montar que estava em um canto, enquanto

esperavam as demais crianças chegarem.

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. Em uma mesa estavam conversando Maria e Clara:

1)- Maria: “Eu sou a Rosinha! A Laranja! Não, vou ser a Rosa”!!!

2)- Clara: “Eu sou a morena”.

3)- Maria: “Somos as meninas super-poderosas”.

. Clara, que fazia aniversário naquele dia, chegou mais tarde na sala. As meninas que

estavam brincando, pararam e foram cumprimentá-la. Enquanto isso, Rita dirigiu-se à

pesquisadora com um brinquedo montado.

4)- Rita: “Olha meu gancho”.

5)- Pesquisadora [não entendendo o que ela dizia, perguntou] : “Gancho”?

6)- Rita: “É, meu gancho”!

7)- Pesquisadora: “O que você vai fazer com ele”?

8)- Rita: “Nada. Eu fiz uma espada, um gancho e uma agulha”. (Rita mostra para a

pesquisadora os três objetos e sai andando para o meio da sala de aula).

Após montarem seus brinquedos, Daniel e Tiago, iniciam uma brincadeira.

9)- Daniel (fala com Tiago): “Olha a minha espada”; “tum, tummm”.

10)- Tiago: “Olha a minha metralhadora!” “Você aperta esse botão aqui e atira...

tummtum”! (Tiago mostra para Daniel a metralhadora, atira e sopra na ponta da arma).

11)- Tiago (para Daniel): “Isso é uma arma? O que ela faz?”

12)- Daniel: “Ela derrete os poderes com bola de fogo!”

13)- Maria se aproxima dos meninos e fala: “Mas eu tenho uma arma! Meninas super-

poderosas! São 8 meninas, viu”? [Maria se refere ao número de meninas que, na sala,

é maior que o de meninos]

. Os meninos escutam Maria sem dar muita atenção e assim que ela sai, eles voltam a

brincar entre si.

14)- Rita (dirige-se à Tatiana): “Eu tenho uma espada a laser para matar eles”.

[referindo-se aos meninos]

. As meninas: Tatiana, Maria, Clara e Rita estão em uma mesa separadas dos meninos.

Elas estão montando uma arma em mais de uma mesa, com um formato reto e muito

grande. Os meninos estão em um canto da sala brincando, cada um com a sua arma.

. A professora interrompe a brincadeira e as crianças começam a guardar os

brinquedos.

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Esse episódio se inicia, nas falas 1 a 3, com duas crianças: Maria e Clara

dialogando sobre os super-heróis que elas viram em desenhos na televisão. Neste

caso, os super-heróis são as super-poderosas3 que também são meninas, assim como

elas. A representação das super-poderosas realizadas pelas Maria e Clara vai ao

encontro da idéia de Kishimoto, ao afirmar que:

... os brinquedos lidam com o âmbito da reprodução da realidade da criança e seus contextos e pode, ou não, incorporar representações de um universo à parte: aquele presente nas histórias em quadrinhos, em seriados de TV e no mundo encantado dos contos de fada. (apud in: ALMEIDA, 2006, p.544)

Nesta seqüência o diálogo entre Maria e Clara se refere a uma representação

imaginária de personagens de um desenho animado apresentado na televisão.

Quando as duas meninas imitam as super-poderosas, elas não apenas copiam o

personagem, mas o reconstroem individualmente. Neste sentido, Maria imita Florzinha,

que é a personagem cor de “rosa” (na realidade é vermelha, mas Maria confundiu sua

cor). Maria, durante as brincadeiras, em geral, gosta de impor suas idéias e de

comandar as brincadeiras. Daí, me parece que ela se identifica com esta personagem

que na história é a líder das super-poderosas. Por sua vez, Clara me parece uma

criança comunicativa e independente, com atitudes aventureiras, e, porisso,

possivelmente, se identifica com a personagem morena, que na história é a Docinho.

A brincadeira, na perspectiva histórico-cultural, é capaz de captar elementos –

tais como valores, atitudes – em que a sociedade é pensada, reproduzida e

representada simbolicamente. É uma forma pela qual a criança se apropria do mundo.

Entre as falas 4 e 8, Rita, após montar um brinquedo, se aproxima da

pesquisadora, mostrando os objetos que construiu: uma espada, uma agulha e um

gancho. Os três objetos se assemelham em seu formato.

3 O desenho americano The Powerpuff Girls ou As Meninas Super Poderosas (como foi chamado no Brasil), foi criado por Craig McCracken.� As super-poderosas são três meninas: Docinho, Lindinha e Florzinha, que têm superpoderes, cujo objetivo é salvar o mundo e a cidade de Townsville de terríveis criminosos e criaturas perigosas. Elas ainda são crianças e são cuidadas como filhas pelo Professor Utonium.

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Retomando a seqüência entre as falas 09 e 12, as crianças, desta vez são os

meninos, brincam com as armas. Eles brincam mais uma vez com armas (eles

brincaram com armas também na Brincadeira de Casinha do episódio 1).

Os meninos iniciam uma brincadeira de guerra entre eles, até que Maria os

interrompe. Maria se aproxima do grupo de meninos e anuncia que tem uma arma (fala

13), que é menina super-poderosa e faz questão de deixar claro que “elas” são maioria

na sala.

Logo em seguida, Rita, com a arma na mão, se dirige à Tatiana mostrando-lhe

sua arma e dizendo que é a laser e serve para matar os meninos. Em seguida, as

meninas se reúnem em torno de uma mesa para construir uma única arma, muito

grande para matar os meninos. Essa seqüência nos remete à situação que estamos

vivendo hoje na sociedade brasileira, em que presenciamos a violência em todos os

espaços sociais.

Outro aspecto observado nesta brincadeira de faz-de-conta expressa uma

questão de gênero em que os meninos ignoram as meninas, brincando entre si e as

meninas, que estão disputando com os meninos, são super-poderosas, têm uma arma

maior que a deles, para poder matá-los.

Ainda neste trecho percebe-se a visão diferenciada que meninos e meninas têm

sobre as armas. No caso dos meninos, suas armas são bem semelhantes às armas do

“mundo real”, apresentando o mesmo formato e um local específico para apertar e

atirar. Já as meninas têm outro tipo de visão. Para elas, ter uma arma de tamanho

maior é mais vantajoso, podendo lhes garantir a vitória na competição com os meninos.

A diferença entre meninos e meninas acontece provavelmente porque os

meninos estão mais acostumados e familiarizados com a arma. Eles ganham estes

objetos de presente de seus pais desde pequenos e as vêem nos desenhos animados

constantemente. Logo, todo esse contexto em que estão inseridos contribui para a

construção da brincadeira de uma forma mais próxima da realidade vivida por eles

cotidianamente.

Durante esse episódio da brincadeira de encaixe, a professora não fez nenhum

tipo de interferência na brincadeira, desenvolvendo outras atividades relacionadas às

crianças

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4.3- Brincadeira com os Brinquedos trazidos de Casa

Essa brincadeira acontecia no último dia da semana, quando as crianças traziam

brinquedos de suas casas para se divertirem. Isso era válido para todas as turmas da

Educação Infantil e não somente para a turma pesquisada. As crianças tinham dois

espaços neste dia para brincarem com o que traziam: a sala de aula e também a

quadra.

Episódio 3: Brinquedos trazidos de Casa

As crianças chegam à Escola Querubim, na sexta-feira, trazendo diversos tipos

de brinquedos, tais como:

- Clara: 3 bonecas

- Rita: 1 Barbie sereia

- Daniela: 2 Barbies

- Felipe: Peteca

- Mateus: Moto

- Tatiana: Pônei

- Daniel: Carrinho

- Bruna: Fantasia Branca de Neve

- Renata: Fantasia de princesa

- Caroline: Massinha que brilha

- Maria: Boneca e bolsa

- Eduardo: Espada de Jedai

- Tiago: Espada e máscara de power ranger

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Transcrevo, a seguir, o episódio 3, em que a brincadeira se constituirá a partir

dos brinquedos trazidos de casa pelas crianças, ocorrido no dia 12 de maio de 2006 em

sala de aula.

. A brincadeira começa com as meninas brincando com uma massinha brilhante trazida

por Caroline. Ela dá um pedaço da massinha para cada menina.

1)- Rita: “Olha só, brilha”!!! [mostra para a pesquisadora sua mão].

2)- Maria: “Olha a minha é cor de rosa. Que lindo”!

3)- Caroline pede uma boneca emprestada.

. Daniela escolhe uma das bonecas que trouxe e empresta a outra para Caroline.

4)- Caroline pega a boneca e diz: “Olha só a Rampuzel”!

5)- Caroline dirige-se a Rita: “Olha Rita, tá na hora de guardar”! [ela toma a massinha

da mão de Rita].

. Maria, Caroline e Rita levantam e param de brincar com a massinha.

. Renata e Bruna pedem para a professora colocar nelas as fantasias que trouxeram

de casa. Uma se veste de princesa e a outra de Branca de Neve. Elas incorporam as

personagens das referidas estórias dos contos-de-fada.

. Rita pega a Barbie Sereia (boneca) que trouxe de casa e entrega para Caroline. Esta

lhe devolve a massinha e ambas começam a brincar.

. Enquanto as crianças brincam, a professora monta o presente do dia das mães.

. Maria, Clara e Tatiana brincam juntas com suas bonecas e um pônei.

6)- Maria: “Elas estão na fazenda”! [coloca o pônei no meio da mesa, falando com

Clara e Tatiana ].

7)- Maria: “Você não é a primeira, a mamãe é a primeira”! [referindo-se a ela. Em

seguida pega a boneca e a põe assentada no pônei].

8)- Tatiana para Maria: “Vamos arrumar a casa”?

9)- Maria responde: “Vamos”!

. Enquanto isso os meninos, Tiago e Eduardo, conversam:

10)- Tiago: “Vou te matar”! [pega a espada e coloca na barriga de Eduardo].

11)- Eduardo: “Você achou que eu caí”?

12)- Tiago: “Corrente de gelo em você”!

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13)- Eduardo: “Eu peguei e quebrei a corrente”!

14)- Eduardo [mostra sua espada e fala] “Ela tem controle para matar”!

15)- Tiago: “Essa espada controla os zumbis”!

16)- Felipe, que observava os dois colegas brincando, os interrompe e fala: “Controla o

mal”?

17)- Tiago: “Não, os zumbis”!

18)- Tiago: “Não se mexam, ou morram”!

. No momento seguinte, eles modificam a brincadeira, transformando suas armas em

instrumentos musicais.

18)- Eduardo: “Você toca e eu canto, tá”?

19)- Tiago: “Tá“. [e coloca a espada em diagonal no peito ea toca como se fosse uma

guitarra].

. Em seguida Eduardo coloca a espada dele em pé e reta e a usa como se fosse um

microfone.

. Os dois meninos saem correndo com seus instrumentos (espadas).

20)- A professora interrompe as brincadeiras e pergunta: “Gente, tá bonito o presente

do dia das mães”?

21)- Algumas crianças respondem: “Tá”! As demais crianças continuam brincando.

. A professora chama as crianças, mostra o presente e avisa que está na hora de irem

para a quadra.

Nesse episódio, entre as falas 01 e 05, pode-se perceber a presença de regras

implícitas na brincadeira. Logo no início, o brinquedo foi partilhado entre Caroline, que o

trouxe de casa, e algumas meninas. Depois de um tempo, Caroline resolveu que a

brincadeira tinha terminado, apesar de saber que uma das meninas ainda estava

brincando com a boneca. Desta forma, ela determinou o início e também o término da

brincadeira, ou seja, ela determinou as regras.

Vygotsky (1991) entende que ao brincar a criança cria uma situação imaginária

com regras próprias e estas podem ser implícitas ou explícitas.

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Quando a massinha foi tomada das mãos de Rita, ela percebeu que poderia

trocar sua boneca pela massinha de Caroline. Para tal, não foi necessário que Rita se

expressasse verbalmente, bastou entregar a boneca à Caroline que, em seguida, ela

devolveu a massinha para Helena.

Percebe-se nesta seqüência que a maneira de se transmitir uma mensagem

durante a brincadeira pode variar, podendo acontecer de forma implícita ou explícita,

verbal ou não verbal. Ao se voltar para Caroline, Rita usou uma forma implícita e não

verbal, para conseguir a troca dos brinquedos.

Outro aspecto observado neste episódio, entre as falas 6 a 9, é a brincadeira de

“mãe e filha”, na qual duas meninas (Tatiana e Maria) utilizam as bonecas para

reproduzir situações da vida cotidiana, que são: comer, dormir, no caso deste episódio

observado, arrumar a casa, entre outras atividades. Pode-se perceber nessa situação

uma negociação entre as significações veiculadas pelos objetos lúdicos e a experiência

anterior da criança.

Ainda no episódio 3, entre as falas 10 e 18, os dois meninos (Tiago e Eduardo)

estão brincando, como no episódio 2, com armas para matar. Já nas falas 18 e 19, eles

mudam o tipo de representação substituindo o objeto espada por um instrumento

musical. Eles utilizam as próprias espadas construídas anteriormente como suporte

para criar outros brinquedos e uma nova brincadeira: a arma de Tiago se transforma em

guitarra e a arma de Eduardo se transforma em microfone.

As falas desses meninos remetem a um conceito importante da teoria de

Vygotsky: o rompimento do vínculo significado-objeto e a ênfase à ação e ao significado

do brincar.

Quando a criança brinca, ela pode ou não atribuir um novo significado ao

brinquedo (objeto), dependendo do tipo de brincadeira de que participa.

Segundo Vygotsky, é na idade pré-escolar que ocorre, pela primeira vez, uma

divergência entre os campos do significado e da visão, em que a ação surge das idéias

e não dos objetos. Nas palavras do referido autor:

... no brinquedo, no entanto, os objetos perdem sua força determinadora. A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação aquilo que ela vê (...) a ação numa situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela

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situação que a afeta, mas também pelo significado dessa situação. (VYGOSTKY, 1991, p.110)

Outro aspecto observado neste episódio é a ação de duas meninas (Bruna

e Renata) que vestem fantasias de princesa e Branca de Neve, incorporando e

reelaborando através de gestos e atitudes, comportamentos observados em

personagens de contos-de-fada, confirmando os achados da pesquisa de Porto (2003,

p.3), quando, baseando-se em Bettelheim, a autora afirma:

Representar esses papéis permite-lhe chegar perto da realidade dessas personagens e de como elas se ‘sentem’, o que a leitura ou a televisão não podem propiciar. Um papel passivo e receptivo não é substituto para encontros ativos com a realidade da experiência.

Por fim, pode-se constatar neste episódio que a professora não intervem nos

papéis e nas representações das crianças. Se, de um lado, lhes dá maior liberdade

para criar as situações vivenciadas, por outro lado, a ausência de mediação poderia

significar a perda de alguma oportunidade favorável ao desenvolvimento e aprendizado

das crianças. Refletindo sobre situações como esta, Cerisara nos dá uma pista para

repensar os cursos de formação de professores que não exercitam a sensibilidade dos

docentes diante da heterogeneidade de situações colocadas pela prática escolar

cotidiana:

... por motivos distintos, também as educadoras, com um nível socioeconômico melhor e com formação superior, apresentam dificuldade em lidar com o lúdico. Isto ocorre não só por confundirem atitude intelectual e teórica com ausência de ludicidade, mas fundamentalmente porque, na forma como estão estruturados, nos cursos que pretendem formar educadoras para trabalhar com crianças de 0 a 6 anos em instituições educativas – creches e pré-escolas- não existe lugar para o exercício da imaginação e da criação nas mais diferentes formas de pensar, sentir, imaginar, brincar e criar. (CERISARA, 2002, p.135-136)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória desta pesquisa traz, no seu processo, uma transformação no olhar da

pesquisadora. A perspectiva do trabalho foi se modificando, não de forma súbita, mas

lentamente, durante o processo de desenvolvimento do trabalho.

Essa investigação foi realizada em uma escola particular da cidade de Belo

Horizonte–MG com uma turma de crianças de 4 a 5 anos de idade. Minha intenção foi a

de observar, analisar e descrever as brincadeiras de faz-de-conta em uma sala de aula

do primeiro período da Educação Infantil.

Os dados foram colhidos durante os diálogos estabelecidos entre as crianças e,

também, entre elas e a professora durante o desenvolvimento de diferentes tipos de

brincadeiras de faz-de-conta que aconteciam na sala de aula.

A análise das narrativas foi baseada na perspectiva histórico-cultural proposta

por Vygotsky que contribuiu para a desconstrução, para a desnaturalização das

situações observadas na sala de aula entre as crianças e entre estas e a professora,

me permitindo compreender o que ocorria naquele espaço/tempo, podendo, assim,

responder aos questionamentos propostos pela pesquisa: qual a importância do

brincar? Qual o lugar do brincar no processo de desenvolvimento da criança? Como a

escola trabalha o brincar no seu cotidiano? Qual a potencialidade da brincadeira faz-de-

conta para o desenvolvimento de crianças pequenas?

Portanto, o desenvolvimento desta pesquisa exigiu um esforço teórico que

ampliou meu campo de conhecimento e me permitiu apresentar e interpretar

informações que possam contribuir para uma maior compreensão do que acontece na

sala de aula, quando crianças pequenas desenvolvem atividades relativas à brincadeira

de faz-de-conta.

A pesquisa de campo realizada me permite constatar a importância da

brincadeira de faz-de-conta, objeto de investigação, no desenvolvimento e aprendizado

de crianças pequenas.

A pesquisa também me permite destacar, a importância das condições materiais

da escola (infra-estrutura, organização dos espaços e tempo, recursos, relações, entre

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outros aspectos) para o desenvolvimento de atividades destinadas ao brincar. Também

o Projeto Pedagógico da Escola e sua Matriz Curricular em constante processo de

avaliação e construção, contribuem para que o brincar ocupe um lugar central na sua

proposta de Educação Infantil.

Na instituição pesquisada, Escola Querubim, a brincadeira é vista como uma

atividade fundamental para o desenvolvimento das crianças pequenas, fazendo parte

das atividades diárias da escola, conforme pude constatar durante todo o período de

observação.

A Escola Querubim se preocupa em ministrar uma educação de qualidade para

as crianças pequenas (zero a seis anos de idade), proporcionando o uso dos

brinquedos e das brincadeiras como base para sua formação, desenvolvimento e

aprendizado.

Os dados revelados através dos diálogos das crianças demonstram que elas

brincam utilizando elementos da cultura em que estão inseridas, (re)significando suas

experiências cotidianas, seus desejos, seus personagens preferidos da televisão e dos

contos de fada.

Partindo do pressuposto da perspectiva histórico-cultural de Vygotsky, de que o

ser humano é constituído através de sua interação com o social e o cultural, posso

afirmar que as brincadeiras de faz-de-conta realizadas durante a pesquisa estão

marcadas por elementos culturais e mediadas pelos sujeitos. Ou seja, durante as

brincadeiras, as crianças (re)criaram situações a partir de suas vivências anteriores

(obtidas em seu meio social e cultural) e das interações que estabelecem com o “outro

social”, que podem ser os pais, a professora, a televisão, os desenhos animados, entre

outros.

Estas situações e representações que a criança cria, durante a brincadeira,

conforme se constata nas palavras de Vygotsky: “(...) constitui algo novo, criado, que

pertence à criança sem que seja apenas a repetição de coisas vistas ou ouvidas. Esta

faculdade de compor um edifício com esses elementos, de combinar o antigo com o

novo é a base da criação.” (apud CERISARA, 2002, p.125)

Neste processo, o papel da professora é essencial, pois, quando a criança está

na escola, é a professora que vai atuar como o “outro social”, ou seja, como mediadora

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no processo de desenvolvimento e aprendizado da criança. Durante a pesquisa, ao

observar as brincadeiras de faz-de-conta, pude constatar que a professora fez uso da

mediação, quando disponibilizou os brinquedos, quando selecionava os tipos de

brincadeiras, quando determinava o tempo e local das brincadeiras, entre outras

situações. Em outras ocasiões esteve à parte da cena, desenvolvendo atividades

paralelas.

Conforme afirma Oliveira (2002),

o educador pode desempenhar um importante papel no transcorrer das brincadeiras se conseguir discernir os momentos em que deve só observar, em que deve intervir na coordenação da brincadeira, ou em que deve integrar-se como participante das mesmas.” (apud CERISARA, 2002, p.134)

Apesar da professora da escola Querubim ter feito uso da mediação em certos

momentos da brincadeira, em outras ocasiões esteve à parte da cena, desenvolvendo

atividades paralelas. Essa última situação pode ser lida de duas formas: a primeira,

como perda de valiosas informações e interações das crianças que poderiam, ou não,

serem utilizadas nas futuras intervenções relativas ao aprendizado das crianças. A

segunda, como um fator positivo, na medida que as crianças não se submeteriam a

nenhum tipo de coerção da professora, tendo ampla liberdade para desenvolver seu

espírito criativo.

Nesse sentido, aponto para a necessidade de se resgatar a brincadeira na

educação infantil, de considerá-la como a principal atividade da crianças , como

também, uma fonte de desenvolvimento e aprendizado, de se observar as brincadeiras

de faz-de-conta com outros olhos, em um contexto em que, cada vez mais se busca

escolarizar a educação.

Sendo assim, espero que esta pesquisa possa contribuir no sentido de alertar e

oferecer sugestões para a importância da brincadeira de faz-de-conta na vida das

crianças pequenas.

Nessa perspectiva a experiência com a elaboração desta pesquisa e os

resultados do trabalho de campo me sugerem novas perguntas: o que ocorre nos

cursos de formação de educadoras que não possibilita a elas a apropriação da

brincadeira como uma atividade fundamental para o desenvolvimento e aprendizado de

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crianças pequenas? Será devido a uma deficiente formação teórica? Ou devido a

dificuldades para lidar com o lúdico, por não terem vivenciado esse tipo de experiência?

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