Upload
hanhi
View
218
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
PODER E CONFLITO EM BACIAS HIDROGRÁFICAS INTERNACIO NAIS
Leticia Caroline Barche Tatemoto
Belo Horizonte
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
PODER E CONFLITO EM BACIAS HIDROGRÁFICAS INTERNACIONAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais.
Orientador: Paulo Luiz Lavigne Moreaux Esteves
Co-orientadora: Matilde de Souza
Belo Horizonte
2011
FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Tatemoto, Letícia Caroline Barche T217p Poder e conflito em bacias hidrográficas internacionais / Letícia Caroline
Barche Tatemoto. Belo Horizonte, 2011. 117f. : Il. Orientador: Paulo Luiz Lavigne Moreaux Esteves Co-orientadora: Matilde de Souza Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais 1. Bacias hidrográficas. 2. Fronteiras. 3. Conflito internacional. 4.
Cooperação internacional I. Mendes, Cristiano Garcia II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. III. Título.
CDU: 327.5
Leticia Caroline Barche Tatemoto
Poder e Conflito em bacias hidrográficas internacionais
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais.
Paulo Luiz Lavigne Moreaux Esteves (orientador) – PUC Minas
Matilde de Souza (co-orientadora) – PUC Minas
Danny Zahredinne – PUC Minas
Oswaldo Bueno Amorim Filho – PUC Minas
Belo Horizonte, 30 de março de 2011
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, pelos recursos que me foram concedidos para a realização desta
pesquisa.
Todos os professores do Programa merecem também minha gratidão pela competência
e dedicação ao curso, que me beneficiaram direta ou indiretamente na elaboração da
dissertação.
Esta pesquisa não seria possível sem o extenso trabalho dos vários acadêmicos cujos
artigos, livros e bancos de dados constituíram minhas fontes. Minha dívida é especialmente
grande com os pesquisadores dedicados a conflitos por recursos hídricos (Program in Water
Conflict Management and Transformation) da Universidade do Estado do Oregon, EUA, com
quem, infelizmente, nunca tive contato.
Finalmente, o maior agradecimento é devido à professora Matilde de Souza,
responsável por boa parte dos méritos deste trabalho.
RESUMO
Esta dissertação realizou um estudo sobre as interações conflituosas e cooperativas
entre países que partilham bacias hidrográficas. Seu objetivo foi examinar as relações de
poder entre os países e o modo como tais relações se configuram no tocante às águas que
dividem. O trabalho foi elaborado em duas etapas complementares. A primeira consistiu na
realização de uma pesquisa diagnóstica amostral explorando 71 bacias escolhidas
aleatoriamente. Para as bacias nas quais se verificou a presença de conflito ou cooperação
entre os países compartilhadores das águas, o papel da escassez, dos recursos de poder, do
acesso a recursos da bacia a partir da localização em relação ao fluxo das águas, e do número
de países envolvidos foram analisado frente à existência de conflito, ao grau de conflito, e à
existência de tratados de cooperação. A segunda etapa centrou-se em uma metodologia
qualitativa, a partir do estudo de duas bacias, a do rio Nilo e a do rio Indo. Com tal estudo,
buscou-se compreender os conflitos em relação à exploração dos recursos das bacias a partir
de contextos regionais mais amplos, com ênfase nas relações de poder e nos interesses
prevalentes. Os resultados da dissertação sinalizam que as relações entre países que
compartilham bacias hidrográficas transfronteiriças são preponderantemente cooperativas,
que conflitos são fenômenos restritos a situações particulares, e que escassez de água,
significativa heterogeneidade quanto a recursos de poder, e divisão das bacias entre um maior
número de países são fatores que aumentam a probabilidade de conflito.
Palavras-chave: Bacias hidrográficas transfronteiriças; conflito internacional por recursos
hídricos; cooperação internacional.
ABSTRACT
This dissertation conducted a study on conflictive and cooperative interaction among
countries that share river basins. Its goal was to examine the power relations between
countries and how such relations are configured regarding shared water resources. The
research was elaborated in two complementary stages. The first consisted of a diagnostic
exploratory research sampling 71 randomly selected watersheds. For the basins in which
there was the presence of conflict or cooperation among riparian countries, the role of water
scarcity, capabilities, access to the basin’s resources in relation to the flow of water, and the
number of countries involved were analyzed against the existence of conflict, the degree of
conflict, and the existence of cooperation treaties. The second stage was based on qualitative
methodology, and focused on the study of two river basins, the Nile and the Indus. With this
study, we sought to understand the conflicts regarding the use of the river’s resources
considering the broader regional contexts, with emphasis on power relations and prevalent
interests. The results of this research indicate that the relations between countries that share
transboundary river basins are mainly cooperative, that conflicts are phenomena restricted to
particular situations, and that water scarcity, significant heterogeneity in capabilities, and a
larger number of riparians are factors that increase the likelihood of conflict.
Key-words: Transboundary river basins; international conflict over water resources, international cooperation.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Relação entre variáveis em acordos para CPRs................................ 28
FIGURA 2 Mapa da bacia do rio Nilo................................................................... 71
FIGURA 3 Mapa da bacia do rio Indo.................................................................. 85
FIGURA 4 Mapa da bacia do rio Ganges-Brahmaputra...................................... 90
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Histórico de acordos internacionais sobre o rio Nilo 73
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Amostra de bacias da América do Norte – presença de tratados e conflitos.......................................................................................
36
TABELA 2 Amostra de bacias da América Central e do Sul – presença de tratados e conflitos.........................................................................
37
TABELA 3 Amostra de bacias da África – presença de tratados e conflitos........... 39
TABELA 4 Amostra de bacias da Ásia – presença de tratados e conflitos.......... 41
TABELA 5 Amostra de bacias da Europa – presença de tratados e conflitos........ 43
TABELA 6 Distribuição dos casos de conflito, por gravidade, na amostra......... 47
TABELA 7 Relações de poder nas bacias onde se verifica ocorrência de conflito... 48
TABELA 8 Indicações sobre stress hídrico........................................................ 51
TABELA 9 Posição relativa dos mais poderosos e stress hídrico........................... 56
TABELA 10 Razão entre maior e menor PIB entre os países das bacias em que há tratados...................................................................................................
59
TABELA 11 Razão entre maior e menor PIB entre os países das bacias em que há conflito...........................................................................................
60
TABELA 12 Distribuição em intervalos dos resultados das Tabelas 10 e 11............ 60
TABELA 13 Dados sobre os países da bacia do rio Nilo............................................ 72
LISTA DE ABREVIATURAS
Af. – África
Am. – América
As. – Ásia
Bi. – Bilhões
Ed. – Editor
Eu. – Europa
Ex. – Exemplo
Front. – Fronteira
Mi. - Milhões
Org. – Organizador
Tri. – Trilhões
LISTA DE SIGLAS
BAR – Basins at Risk / Bacias em risco
CIDA/ACDI – Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional
CPR – Common-pool resource
EUA – Estados Unidos da América
JRC – Indo-Bangladesh Joint Rivers Commission / Comissão Conjunta de Rios Índia-Bangladesh
NBI – Nile Basin Initiative – Iniciativa da Bacia do Nilo
OMM – Organização Meteorológica Mundial
PIB – Produto Interno Bruto
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 12
2 DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS E O COMPORTAMEN TO DE ATORES INTERNACIONAIS .................................................................
16
2.1 Recursos hídricos – particularidades ............................................................ 17 2.2 Quando a cooperação pressupõe riscos ...................................................... 22 2.3 Quando a cooperação pressupõe ganhos..................................................... 25 2.3.1 Cooperação e CPRs: compromissos internacionais e águas compartilhadas.. 27 2.4 Síntese do capítulo....................................................................................... 33
3 PESQUISA DIAGNÓSTICA AMOSTRAL ......................................................... 34 3.1 Conflito.................................................................................................... 45 3.1.1 Critérios adicionais.................................................................................. 49 3. 1. 2 Síntese da seção...................................................................................... 54 3.2 Cooperação............................................................................................... 54 3.2.1 Heterogeneidade de recursos.................................................................... 58 3.3 Considerações finais.................................................................................. 61
4 A DISPUTA POR TESOUROS – RESULTADOS DE PESQUISAS SIMILARES E O CASO DO RIO NILO ..........................................................
64
4.1 A bacia do rio Nilo...................................................................................... 69 4.2 Conclusão – a bacia onde o risco de guerra é real, mas foi contornado até o presente...........................................................................................................
80
5 FRONTEIRAS INFELIZES E A SEDE INDIANA ............................................. 83 5.1 Ganges - um contraponto........................................................................... 90 5.2 Conclusão.................................................................................................. 93
6 CONCLUSÃO........................................................................................................ 94
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 101
ANEXOS........................................................................................................... 108
12
1 INTRODUÇÃO
A disciplina das Relações Internacionais estabeleceu-se inicialmente a partir de
estudos preponderantemente ligados à segurança, à estabilidade, e as relações de poder no
sistema internacional. Preocupações sociais e ambientais começaram a ser abordadas em
conferências internacionais após a fundação da Organização das Nações Unidas. No entanto,
nunca com importância comparável à das questões de segurança, e sim como uma
conseqüência dos movimentos da sociedade civil e da comunidade científica. Tais questões
foram definitivamente incorporadas à agenda de pesquisa das Relações Internacionais muito
recentemente, em uma frente principal, o estudo da cooperação internacional, e também nos
estudos da chamada “segurança ambiental”. O fim da Guerra Fria pode ser entendido como
marco central tanto da ampliação da preocupação da disciplina de Relações Internacionais,
como do crescimento em conteúdo e importância dos diálogos internacionais sobre tais
questões (TATEMOTO, 2008). Como motores dessa mudança estão os avanços científicos e
o entendimento de que uma crise de alimentos, por exemplo, pode causar tantas mortes
quanto um bombardeio.
Homer-Dixon, em um artigo publicado em 1991 na conceituada revista International
Security, sintetiza a produção científica da época e contribui definitivamente para estabelecer
o campo de estudo da segurança ambiental. Segurança, entendida como garantia da
sobrevivência,
Como podem mudanças ambientais levar a conflito agudo? Alguns especialistas propõem que mudanças ambientais podem deslocar o balanço de poder entre Estados seja regionalmente ou globalmente, produzindo instabilidades que poderiam levar à guerra. (HOMER-DIXON, 1991, p. 76, versão livre)1
Uma afirmação como a de Homer-Dixon baseia-se no entendimento de que recursos
ambientais não são estáticos, uma vez que podem ser transformados por atividades humanas
e, mais ainda, dele dependem muitas das condições que mantêm essas atividades e a
estabilidade internacional. Atualmente, a discussão acerca dos recursos hídricos tem ganhado
bastante destaque, em conjunto com as mudanças climáticas. No entanto, mesmo no início da 1 How might environmental change lead to acute conflict? Some experts propose that environmental change may shift the balance of power between states either regionally or globally, producing instabilities that could lead to war.
13
década de 1990, quando os possíveis efeitos das mudanças climáticas sobre os recursos
hídricos ainda não eram conhecidos, a água já era uma preocupação muito grande.
A escassez de água é agora a maior ameaça para a saúde humana, o ambiente e o fornecimento global de alimentos. [...] Ele também ameaça a paz mundial enquanto países da Ásia e do Oriente Médio buscam lidar com a escassez. (SECKLER; MOLDEN; BARKER, 1998, versão livre) 2
Da água dependem a preservação da vida em todas as suas formas, os aspectos mais
fundamentais da existência humana, o conjunto das atividades produtivas, e o equilibro do
meio ambiente. Podemos ter fontes alternativas de energia, mas não há substituto para a água.
Com a industrialização e o crescimento populacional aumentando constantemente a demanda
por recursos hídricos, a sua disponibilidade conformou-se claramente como questão de
segurança.
A água doce, como os demais recursos da superfície do planeta, se distribui de forma
desigual pelos territórios dos diversos países. E, em muitos casos, essa distribuição acontece
de forma alheia a fronteiras. Rios correm no fluxo de seus leitos, atravessando fronteiras
políticas. Se dois ou mais países dependem de rios transfronteiriços para obter sua água, tem-
se um problema de política internacional. Quando tais rios se encontram em regiões com
especial importância geopolítica, como o Oriente Médio, o problema torna-se ainda mais
claramente uma questão de segurança.
Mas as questões de segurança normalmente são pensadas como “tudo ou nada”. No
caso das águas transfronteiriças, é difícil conceber uma situação de total bloqueio do fluxo de
águas por parte de um país. As relações entre países sobre os rios que compartilham são
preponderantemente problemas de distribuição de benefícios – ou, águas. Como mencionado
anteriormente, para além da segurança ambiental os estudiosos da cooperação internacional
também oferecem contribuições para a problemática dos recursos hídricos. Tais autores focam
seus estudos no papel das instituições internacionais na promoção de interações pacíficas
entre compartilhadores de recursos hídricos.
2 Water scarcity is now the single greatest threat to human health, the environment, and the global food supply. […] It also threatens global peace as countries in Asia and the Middle East seek to cope with shortages.
14
Contrariamente à afirmação de que a teoria institucionalista é irrelevante para as questões de distribuição, defendemos que os conflitos distributivos podem tornar as instituições mais importantes. Para compreender esse ponto, é essencial distinguir entre dois problemas que Estados enfrentam quando tentam cooperar. Eles freqüentemente se preocupam com a possibilidade de serem enganados pelos outros, como em um Dilema do Prisioneiro. Mas eles também enfrentam o problema da coordenação das suas ações sobre um específico resultado cooperativo estável (resolvendo o problema de múltiplos equilíbrios, na terminologia da teoria dos jogos). Normalmente mais de um resultado cooperativo existe. Os Estados envolvidos não podem concordar sobre quais desses resultados é o preferido, pois cada um tem diferentes implicações distributivas. Discordância sobre a forma específica de cooperação é o principal obstáculo para a cooperação em tais jogos de coordenação. A menos que algum mecanismo de coordenação exista, os Estados podem deixar de conquistar os ganhos potenciais de cooperação. Instituições não constituem o único mecanismo possível de coordenação. Todavia, em situações complexas que envolvem muitos Estados, as instituições internacionais podem intervir para fornecer "pontos focais construídos" que tornam determinados resultados da cooperação proeminentes. (KEOHANE; MARTIN, 1995, p. 45, versão livre, ênfase no original.)3
O presente trabalho representa um esforço para a compreensão da real situação dos
Estados compartilhadores de recursos hídricos. Seria essa situação tão conflitiva quanto
supõem os que entendem a água como questão de sobrevivência nacional, ou há espaço e
disposição política para cooperar em relação às águas transfronteiriças? A água,
principalmente quanto escassa, é sem dúvida um recurso de poder. É preciso compreender,
então, como o acesso a este específico recurso de poder se contrapõe aos recursos tradicionais
das relações internacionais, ou, em que medida o acesso a água altera as relações de poder
entre compartilhadores de recursos hídricos.
O trabalho, que emprega uma metodologia dedutivo-comparativa, se estrutura a partir
de duas frentes, uma pesquisa preponderantemente quantitativa e estudos de caso, que serão
apresentados após as considerações teóricas que fundamentam e guiam a pesquisa, expostas
no próximo capítulo. A pesquisa quantitativa constitui um esforço diagnóstico sobre conflito e
3 Contrary to the assertion that institutionalist theory is irrelevant to distributional issues, we argue that distributional conflict may render institutions more important. To understand this point, it is essential to distinguish between two problems that states face when they attempt to cooperate. They often worry about the potential for others to cheat, as in a Prisoners' Dilemma. But they also face the problem of coordinating their actions on a particular stable cooperative outcome (solving the problem of multiple equilibria, in game- theoretic terminology). Usually more than one cooperative outcome exists. The states involved may not agree on which of these outcomes is preferred, as each has different distributional implications. Disagreement about the specific form of cooperation is the principal barrier to cooperation in such coordination games. Unless some coordinating mechanism exists, states may fail to capture the potential gains from cooperation. Institutions do not provide the only possible coordinating mechanism. However, in complex situations involving many states, international institutions can step in to provide "constructed focal points" that make particular cooperative outcomes prominent.
15
cooperação quanto a recursos hídricos. A partir de uma amostra aleatória com 71 bacias
internacionais estuda-se a ocorrência de eventos de conflito e de cooperação, e a influência
sobre eles de fatores apontados pela bibliografia como relevantes no caso da cooperação em
geral e para recursos hídricos.
Os estudos de caso selecionados – a saber: rio Nilo e rio Indo – são informados não
apenas pela teoria, mas também pelas indicações obtidas pelos resultados da etapa anterior, e
realizados a partir de análise bibliográfica, preponderantemente de material secundário, e
documental. Em linhas gerais, o que interessa nesses casos é saber quais interesses
prevalecem na disputa pelos recursos dos rios, uma vez que, diferentemente da pesquisa
quantitativa, é possível estudar não apenas as variáveis destacadas na pesquisa diagnóstica
mas, também, como conjuntos específicos de países, a partir de suas relações únicas,
históricas e mais complexas do que um sintético conjunto de indicadores pode traduzir,
adaptam-se às condições que se apresentam quanto a recursos hídricos compartilhados.
16
2 DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS E O COMPORTAMEN TO DE
ATORES INTERNACIONAIS
A preocupação acadêmica sobre o papel do acesso a recursos hídricos como promotor
de conflitos internacionais é recente. Boa parte da produção bibliográfica e dos esforços de
pesquisa acerca da temática começa na década de 1990. No entanto, é inegável que a água
sempre foi vista como recurso estratégico. O trecho a seguir é parte da introdução elaborada
para o livro-relatório que compila a produção de um simpósio organizado pelo Comitê
Internacional da Cruz Vermelha em 1994, sobre “Água em conflitos armados”:
A água traz vida. Água traz morte e destruição. Com intuição poética e profética, os Antigos designaram a água - junto com o ar, o fogo e a terra - como um dos quatro elementos básicos que compõem toda a existência. Se interpretarmos o "fogo" para dizer "energia" e "terra" como “matéria", podemos afirmar que, mesmo hoje, é a matéria, impulsionada pela energia e alimentada pela água, que traz a vida. [...] Portanto não é surpresa que o disputado controle sobre a água foi e ainda é uma causa potencial de conflito, ou mesmo guerra, e é muitas vezes a principal questão em jogo. (MULLI, 1994, p.7, versão livre.)4
Incontáveis textos - humanitários, relatórios de organizações internacionais, e mesmo
artigos acadêmicos - começam seu argumento exaltando a importância dos recursos hídricos
para a vida e para todas as atividades humanas a fim de ressaltar a necessidade seja da
preservação, da distribuição igualitária, ou do gerenciamento internacional cooperativo do
recurso. O problema central que motiva tantos estudos e preocupações acerca de uma dita
provável “crise da água” é a forma como o recurso está distribuído, e não a escassez em
termos absolutos.
Certamente os recursos hídricos possuem características particulares em comparação com
outros recursos indispensáveis à vida humana. Este capítulo abordará as particularidades dos
recursos hídricos e seus desdobramentos para as relações políticas entre os atores que os
4 Water brings life. Water brings death and destruction. With poetic and prophetic intuition, the Ancients designated water – along with fire, air and earth – as one of the four basic elements that make up for all existence. If we interpret “fire” to mean “energy” and “earth” as "matter”, we can affirm that even today that it is matter, driven by energy and nourished by water, that brings forth life. […] It therefore comes as no surprise that disputed control over water has been and still is a potential cause of conflict, or even war, and is often the main issue at stake.
17
cercam, bem como as possibilidades de cooperação em relação a águas compartilhadas a
partir das teorias mainstream das Relações Internacionais.
2.1 Recursos hídricos – particularidades
A água apresenta características distintas de outros recursos naturais, notadamente no que
diz respeito a sua distribuição geográfica. É extremamente abundante em algumas regiões e
seriamente escassa em outras, por vezes dentro de um mesmo país. Trata-se de um recurso
limitado e sensível ao mau uso humano.
[...] a água doce é um dos recursos naturais mais importantes. É crucial para o desenvolvimento agrícola e a produção de alimentos (e.g. agricultura irrigada, pesca), suprimento energético (e.g. produção de hidroeletricidade, resfriamento em usinas nucleares), transporte, desenvolvimento industrial, e saúde pública. Ela também serve ao descarte de todos os tipos de resíduos industriais e domésticos. Conseqüentemente, o uso eficiente dos recursos hídricos é essencial para o desenvolvimento socioeconômico sustentável e bem-estar humano em geral. 5 (BERNAUER, 1997, p. 154, versão livre)
Um terço das terras do planeta é coberto por desertos e áreas semi-áridas,
concentrados especialmente na porção meridional da África, no Oriente Médio e na Ásia
Central. Nestas regiões a situação é agravada pela degradação da terra e pelo uso excessivo da
água das regiões circunvizinhas, que ampliam o processo de desertificação, como afirmam
Uitto e Duda (2002). Aproximadamente 500 milhões de pessoas viviam, já no final da década
de 1990, em países onde havia stress hídrico devido ao consumo maior que a taxa de
reposição dos rios e aqüíferos, e as estimativas apontam que, caso não haja alteração nos
padrões de consumo, em 2025 dois terços da população mundial podem viver em áreas
sujeitas a stress hídrico6 moderado a intenso (UITTO; DUDA, 2002). Ainda, boa parte da
5 [...] freshwater is one of the most important natural resources. It is critical to agricultural development and food production (e.g. irrigated agriculture, fisheries), energy supply (hydroelectric power production, cooling of nuclear power plants), transportation, industrial development, and public health. It also serves as a sink for the disposal of all sorts of industrial and household waste. Consequently, efficient use of freshwater resources is essential for sustainable socioeconomic development and human welfare in general. 6 O stress hídrico ocorre quando a demanda por água é superior ao volume do recurso disponível em uma dada região.
18
água doce disponível no planeta encontra-se em bacias hidrográficas7 transfronteiriças,
também chamadas de internacionais. Quando a população de dois ou mais países depende dos
recursos de uma mesma bacia a conseqüência mais imediata é que tais países se tornam
interdependentes. E, dado o número e a distribuição das bacias transfronteiriças, o nível de
interdependência em relação a recursos hídricos no planeta é bastante alto.
As bacias hidrográficas internacionais — represas ou reservas, incluindo lagos e lençóis de água subterrânea pouco profundos, partilhados por mais de um país — cobrem quase metade da superfície terrestre. Duas em cada cinco pessoas no mundo vivem atualmente nestas bacias hidrográficas, que também são responsáveis por 60% do total de caudais fluviais. [...] Em 1978, havia 214 bacias hidrográficas internacionais. Hoje, existem 263. A profunda interdependência que estes números sugerem fica patente na quantidade de países situados em bacias hidrográficas partilhadas — 145 ao todo, englobando mais de 90% da população mundial. Mais de 30 países estão integralmente situados dentro dos limites de bacias transfronteiriças. (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2006, p. 205)
Ainda, grande parte dos recursos de água doce não é estática. Mesmo os lagos
dependem de novos fluxos de água para reposição. A gestão destes conjuntos não-estáticos de
recursos por dois ou mais “donos”, os Estados, é freqüentemente problemática.
Os países bem podem legislar sobre a água como se ela fosse um bem nacional, mas o fato é que este recurso atravessa fronteiras políticas sem precisar de passaporte, através de rios, lagos e aqüíferos. As águas transfronteiriças estendem a interdependência hidrológica para além das fronteiras nacionais, ligando consumidores de diferentes países dentro de um sistema partilhado. Gerir essa interdependência constitui um dos grandes desafios de desenvolvimento humano que a comunidade internacional enfrenta. (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2006, p. 203)
Até certo ponto, escassez e distribuição desigual dos recursos hídricos pelo tempo e espaço são causadas por ciclos hidrológicos naturais. Entretanto, em vários casos esses problemas também resultam do consumo humano insustentável de água. Teorias da Ciência Política e de falhas de mercado desenvolvidas por economistas sugerem que a principal razão para o uso insustentável de recursos naturais não é primariamente a incapacidade técnica e intelectual dos seres humanos e suas sociedades de reconhecer e tentar lidar da melhor maneira com problemas de escassez de água. Uma razão mais importante é que certas estruturas de incentivos bem como problemas políticos e institucionais impedem que países ribeirinhos e suas bases de
7 De acordo com Mason (2004), bacia hidrográfica é a área de terra a partir da qual todas as águas fluem, através de uma seqüência de córregos, rios e lagos, para o mar em uma única foz, estuário ou delta.
19
apoio estabeleçam e operem coletivamente sistemas eficientes de gestão para águas transfronteiriças. 8 (BERNAUER, 1997, p. 156, versão livre)
Recursos naturais na forma de sistemas físicos ou biológicos, quando se encontram
amplamente fora da jurisdição dos Estados e são considerados valorosos, como o sistema
hidrológico mundial, podem ser classificados como bens comuns internacionais (YOUNG,
1997); mas quando se encontram sob a jurisdição de dois ou mais Estados, como as bacias
hidrográficas, são recursos compartilhados. Buck (1998) contribui para aprimorar o conceito
de bens comuns através de uma classificação dos bens em geral. A autora baseia sua
classificação nas variáveis subtratividade (uso por um consumidor acarreta redução da
quantidade de recurso disponível para o outro) e exclusão (possibilidade de impedir que outro
ou outros tenham acesso ao recurso). Assim, os bens são classificados do seguinte modo:
a) Baixa subtratividade e fácil exclusão: bens tributados;
b) Baixa subtratividade e difícil exclusão: bens públicos;
c) Alta subtratividade e fácil exclusão: bens privados;
d) Alta subtratividade e difícil exclusão: common-pool resources (CPRs).
O conceito de CPRs interessa particularmente a este trabalho porque contribui para a
diferenciação entre a água que faz parte do sistema hidrológico mundial, pouco afetado pelas
ações de um ator internacional (bem público), e a água presente nos rios e bacias
hidrográficas, empregada diretamente em diversas atividades humanas e compartilhada por
apropriadores seja dentro dos limites de Estados, seja entre Estados vizinhos. Os CPRs são,
como descritos por Buck (1998), bens dos quais é bastante difícil excluir usuários. Os custos
de tal exclusão seriam, via de regra, significativamente altos. Ainda, os CPRs são recursos
limitados, de forma que a apropriação por parte de diferentes usuários reduz o volume
disponível do recurso para os demais. Ou seja, a água de rios e bacias pode ser considerada
um CPR dado que serve aos usuários locais até o limite da exaustão dos recursos.
8 To some extent, scarcity and uneven distribution of freshwater resources across time and space are caused by natural hydrological cycles. In many instances, however, these problems also result from unsustainable human consumption of freshwater. Political science theory and market failure theories developed by economists suggest that the principal reason for unsustainable use of natural resources is not primarily the technical and intellectual of human beings and their societies to recognize and cope with water scarcity problems. A more important reason is that certain incentive structures as well as political and institutional problems prevent riparian countries and their constituencies from collectively establishing and operating effective management systems for transboundary water courses.
20
Além da distribuição geograficamente desigual, outro aspecto físico fundamental para
a análise das bacias transfronteiriças é o sentido dos fluxos d’água. A água flui da nascente –
ou montante – para a foz – ou jusante. A conseqüência imediata é que os Estados a jusante
recebem o volume total de águas do rio descontado o volume utilizado pelo(s) Estado(s) a
montante. Uma bacia hidrográfica, via de regra, é formada por um rio principal e diversos
afluentes ou tributários, que podem ter maior ou menor importância para o volume total de
águas. Em muitos casos, um país pode ter parte de uma bacia transfronteiriça em seu
território, mas não ter acesso ao curso d’água principal. Ainda assim, tal país não pode deixar
de ser considerado como parte do conjunto porque, como provedor de águas para o fluxo
principal, ele pode ser também um causador de externalidades.
Se o(s) Estado(s) a jusante recebem o volume total de águas do rio descontado o
volume utilizado pelo(s) Estado(s) a montante, recebem também todas as alterações causadas
nesta água. Essas alterações são as chamadas externalidades, ou seja, conseqüências não
intencionais de atividades que ocorrem no território de um país e que são sentidas em
outro(s). Exemplos comuns de externalidades são a poluição, a sedimentação do leito do rio e
alterações nos ciclos de cheias e secas. Há casos excepcionais em que atividades que ocorrem
a jusante afetam Estados localizados a montante, como o efeito de represas na migração de
peixes ou nas possibilidades de navegação. No entanto, a literatura trata das externalidades
normalmente como geradas a montante, produzindo custos para os Estados a jusante, ou seja,
são fatores negativos e potenciais geradores de conflito. Assim, a cooperação torna-se custosa
para Estados a montante, uma vez que ela, via de regra, exige deles controlar a geração de
externalidades ou prover compensações aos prejudicados.
A tomada de decisão estatal acerca dos usos das águas transfronteiriças não é simples,
como afirma Ostrom (1990):
As decisões e ações de apropriadores de CPRs de apropriar-se ou disponibilizar um CPR são decisões de indivíduos amplamente racionais, que se encontram em situações complexas e incertas. A escolha do comportamento de um indivíduo em qualquer situação particular dependerá de como ele conhece, vê, e pesa os benefícios e custos de ações e as suas ligações com resultados. 9 (OSTROM, 1990, p. 33, versão livre)
9 The decisions and actions of CPR appropriators to appropriate from and provide a CPR are those of broadly rational individuals who find themselves in complex and uncertain situations. An individual’s choice of behavior in any particular situation will depend on how the individual learns about, views, and weights the benefits and costs of. actions and their perceived linkage with outcomes.
21
Os custos e benefícios aos quais a autora se refere, no caso do compartilhamento
internacional, são ligados a possibilidades de conflito ou cooperação com países vizinhos. De
acordo com Mostert (2003) a água pode ter papéis diferentes em relação a conflito e
cooperação entre países, sendo possível agrupar os principais problemas em: (a) problemas
coletivos – nos quais os países envolvidos têm interesses similares, como a construção de uma
hidrovia; (b) externalidades negativas – atividades em um país que prejudicam o uso de águas
nos demais, como poluição; e (c) externalidades positivas, como obras para controle de
enchentes. O conflito acontece com mais facilidade no caso de externalidades negativas, e a
cooperação, no caso de problemas coletivos. No entanto, o autor sustenta que se os Estados
envolvidos tiverem interesse em manter boas relações, a cooperação ocorrerá mesmo em caso
de extremas externalidades negativas. É importante destacar, ainda, de acordo com Mostert
(2003), a necessidade de distinção entre água como um objeto, um instrumento, ou um
catalisador de conflito e cooperação. Interesses ligados aos recursos hídricos não são isolados
das demais questões de política externa entre os Estados
Às vezes conflito e cooperação envolvem interesses diretamente ligados aos recursos hídricos, mas a água também pode ser usada como instrumento para obtenção de outra coisa. Por exemplo, Estados à montante podem ameaçar alterar o curso de um rio internacional não por real necessidade de água, mas para prejudicar ou pressionar um país à jusante. A cooperação pode acontecer como um primeiro passo para melhores relações entre os países. Os recursos hídricos podem ser um catalisador para conflito, por exemplo, quando uma seca em um país causa instabilidade política internamente e isso, por sua vez, cria instabilidade internacional. (MOSTERT, 2003, p. 2, versão livre)10
De acordo com Heikkila (2007), conflitos ligados a CPRs são basicamente
relacionados a limites e usos. Divergências quanto a fronteiras surgem quando usuários têm
resultados sub-ótimos. Nesses casos, eles passam a questionar quem deveria ser autorizado a
usar o recurso ou de que forma ele deveria ser adequadamente utilizado. Em relação ao uso,
os conflitos surgem quando os usuários consideram que um ator específico está apropriando-
se do recurso em quantidade demasiada ou utilizando-o de forma a reduzir expressivamente a
10 Sometimes conflict and co-operation involve water-related interests, but water may also be used as an instrument for obtaining something else. For instance, upstream states may threaten to divert an international river not because they are in need of the water, but in order to harm or pressurize a downstream state. Co-operation may develop as a first step towards better international relations. Water may act as a catalyst for conflict when for example water shortages within a country create internal political instability that in turn creates international instability.
22
qualidade do mesmo. A literatura disponível a respeito de conflito pelo uso de recursos
hídricos é majoritariamente dedicada aos casos de compartilhamento dentro de um mesmo
Estado, e grande parte do debate centra-se no papel e no número de atores. No entanto, no
caso de bacias internacionais, existe extrema dificuldade em analisar o papel dos usuários
sub-nacionais e mesmo de incorporá-los a mecanismos de compartilhamento internacionais.
Os atores centrais são, nestes casos, certamente os Estados.
A fim de aprofundar a discussão acerca das possibilidades de conflito e/ou cooperação
em relação ao compartilhamento de recursos hídricos transfronteiriços é essencial destacar
que a literatura da disciplina de Relações Internacionais apresenta divergências significativas
em relação ao entendimento de “quando os Estados cooperam”. Os autores das correntes
majoritárias – a saber, os chamados Neo-Realistas e Liberal-Institucionalistas – concordam
em diversos aspectos. No entanto, para os primeiros, a cooperação é muito mais difícil de ser
atingida e mantida, enquanto para os últimos ela é possível e desejável. Não por acaso grande
parte da literatura acerca do compartilhamento de CPRs vem de autores liberal-
institucionalistas.
2.2 Quando a cooperação pressupõe riscos
O Realismo, como caracterizado por Grieco (1993) sugere cinco proposições
definidoras. A primeira é a de que os Estados são os principais atores internacionais. A
segunda diz respeito ao sistema internacional, que “penaliza severamente Estados se eles
falham em proteger seus interesses vitais ou se perseguem objetivos além de suas
capacidades; assim, Estados são sensíveis a custos e se comportam como agentes unitários
racionais” (GRIECO, 1993, p. 118, versão livre)11. A terceira proposição é a de que o sistema
internacional é anárquico, e tal anarquia molda os interesses e o comportamento dos agentes
internacionais.
A quarta proposição diz respeito aos efeitos da anarquia. A conseqüência mais
importante da ausência de um poder central no sistema internacional é que a preocupação
principal dos Estados é sua própria sobrevivência – logo, poder e segurança são objetivos
preponderantes. Assim, os Estados “estão predispostos ao conflito e à competição, e
11 […] severely penalizes states if they fail to protect their vital interests or if they pursue objectives beyond their means; hence, states are “sensitive to costs” and behave as unitary rational agents.
23
freqüentemente falham em cooperar mesmo quando têm interesses comuns” (GRIECO, 1993,
p. 118, versão livre)12. A quinta e última proposição é conseqüência da anterior: as
instituições internacionais têm pouco efeito sobre a disposição para cooperar.
De acordo com Grieco (1993) os neorealistas são bastante pessimistas em relação às
possibilidades da cooperação internacional, não apenas em relação a seu escopo, mas também
a sua extensão, e, ainda, são pessimistas quanto às capacidades e efetividade de instituições
internacionais. Existem, de acordo com o autor, duas principais preocupações que geram
impedimentos para a cooperação internacional. A primeira é a preocupação dos Estados
quanto à deserção (comportamento diferente do previsto pelas regras acordadas) dos parceiros
– a barreira da confiança. A segunda é a preocupação quanto à distribuição desigual dos
ganhos da cooperação, ou seja, que os parceiros obtenham ganhos relativamente maiores. A
sobrevivência do Estado é questão realista central, é importante destacar, e as diferenças na
concentração de poder podem significar desequilíbrios no sistema internacional que ameaçam
tal sobrevivência.
O argumento do autor é que, para essa corrente teórica, “Estados preocupam-se que o
amigo de hoje pode, amanhã, ser um inimigo na guerra, e temem que ganhos conjuntos que
gerem vantagens a um amigo do presente possam produzir um potencial oponente mais
perigoso no futuro” (GRIECO, 1993, p.118, versão livre)13 Ou seja, os Estados no sistema
anárquico querem impedir os ganhos em capabilities (recursos de poder) uns dos outros.
Portanto, “um Estado irá recusar-se a participar, abandonar, ou limitar drasticamente seu
comprometimento com o arranjo cooperativo se ele acreditar que seus parceiros estão obtendo
ou podem potencialmente obter ganhos relativamente superiores” (GRIECO, 1993, p.128,
versão livre)14
Os Estados são maximizadores de ganhos; logo, sempre serão sensíveis a diferenças
entre os payoffs da cooperação, sensibilidade esta manifestada como tendência a deserção,
desconfiança ou predisposição à não-cooperação. Essa sensibilidade será maior, ainda de
acordo com Grieco (1993), se há histórico de inimizade com o parceiro do que se há histórico
de aliança. Ainda, a sensibilidade às diferenças de payoffs é menor quando se trata de
cooperação em assuntos econômicos ou sociais, por exemplo, do que em assuntos de
segurança. No entanto, se estes ganhos econômicos ou sociais puderem ser facilmente 12 [...]are predisposed toward conflict and competition, and often fail to cooperate even in the face of common interests. 13 […]states worry that today’s friend may be tomorrow’s enemy in war, and fear that achievements of joint gain that advantage a friend in the present may produce a more dangerous potential foe in the future. 14 A state Will decline to join, Will leave, or Will sharply limit its commitment to cooperative arrangement if it believes that partners are achieving,or are likely to achieve, relatively greater gains.
24
transformados em capabilities e, principalmente, se tais capabilities puderem ser associadas a
questões de segurança, a sensibilidade estatal é, também, aumentada.
Há ainda dentro da corrente realista a chamada “teoria da estabilidade hegemônica”,
que prediz que a cooperação em áreas não militares acontece com menor dificuldade se o
hegêmona – Estado que concentra maiores recursos de poder em um dado grupo – assume a
liderança da questão (GILPIN, 1981). A teoria da estabilidade hegemônica, então, oferece
“uma declaração clara sobre a forma como a concentração de poder pode mudar a
probabilidade de que os Estados consigam resolver os problemas” (MARTIN, 1995, p.74,
versão livre)15. A teoria sustenta que a cooperação depende da existência de um hegêmona
que, portador dos meios e do interesse de fazê-lo, seria capaz de suportar o provimento de um
bem comum. Apesar de ser amplamente criticada a partir de pesquisas empíricas e
argumentos teóricos (MARTIN, 1995), a teoria da estabilidade hegemônica ou seu preceito
central – o êxito da cooperação depende diretamente da vontade do hegêmona – sintetiza boa
parte do pensamento neorealista sobre a cooperação no sistema internacional.
Por mais que represente um risco, é importante acrescentar que a decisão de cooperar
para os neorealistas é um recurso estratégico. Thomas Schelling (1960), ao elaborar sua
discussão acerca da teoria dos jogos, faz contribuições significativas quanto às estratégias nos
jogos colaborativos, ou jogos de soma positiva. O autor entende que nas situações de soma
positiva todos os atores têm preferências idênticas, mas que coordenar o comportamento ao
longo do jogo (cooperação) não é fácil.
Os jogadores devem entender uns aos outros, descobrir padrões de comportamento individual que tornam as ações de cada jogador previsíveis para os demais; eles têm que testar uns aos outros por um senso compartilhado de padrão ou regularidade, e explorar clichês, convenções e códigos improvisados para sinalizar suas intenções e responder aos sinais uns dos outros. (SCHELLING, 1960, p.84-85, versão livre)16
Assim, neorealistas entendem a cooperação internacional como mais difícil de atingir,
mais custosa e, portanto, difícil de manter, e mais dependente do poder do Estado. O
argumento neorealista em relação às possibilidades de cooperação centra-se na idéia de que
ela pressupõe que todos obtenham ganhos, mas que Estados cooperam apenas quando
15 A straightforward statement on how the concentration of power might change the probability that states will manage to solve problems. 16 Players have to understand each other, to discover patterns of individual behavior that make each player’s actions predictable to the other; they have to test each other for a shared sense of pattern or regularity and to exploit clichés, conventions and impromptu codes for signaling their intentions and responding to each other signals.
25
entendem que ganhos próprios serão superiores aos dos demais e quando tais ganhos superam
os riscos, o que reduz as possibilidades e a disposição para cooperar.
2.3 Quando a cooperação pressupõe ganhos
Mantendo o entendimento de que o sistema internacional é anárquico e de que os
Estados são os principais atores internacionais, os autores do Liberal-Institucionalismo
(alternativamente, neoliberais ou apenas institucionalistas) enfatizam variáveis diferentes
daquelas realçadas pelos Realistas e por isso são mais abertos às possibilidades de cooperação
no sistema internacional. Para estes autores, os Estados no mundo contemporâneo se
encontram em uma condição de “interdependência complexa” (KEOHANE; NYE, 1977). Isto
significa dizer que as relações internacionais não são mais diretas entre Estado x e Estado y,
mas acontecem em níveis, arenas e escopos diferentes, com crescente importância das
questões de low-politics, e que não se pode precisar quais são os afetados por cada política ou
decisão. Ou seja, uma atitude do Estado x que visa atingir o Estado y na agenda A pode
também ter repercussões nos Estados z e w; não só na agenda A, mas também na B, C, e
assim por diante. Assim, recursos de poder em diferentes arenas e a habilidade de negociação
crescem em importância frente aos recursos militares, já que os Estados perseguem objetivos
diferentes nas diversas arenas, muito além da sobrevivência no sistema internacional.
Outra variável fundamental que diferencia as duas correntes teóricas é que enquanto os
realistas consideram a contribuição das instituições internacionais para a cooperação como
mínima, os institucionalistas defendem que, apesar de que tais instituições muito dificilmente
consigam se sobrepor ao poder das grandes potências, elas podem promover a cooperação
internacional.
As instituições – entendidas como regras formais – seriam capazes de reduzir os
efeitos da anarquia no sistema internacional ao possibilitarem o fortalecimento da confiança
entre os Estados (KEOHANE, 1989). As instituições são estruturas estáveis, e facilitam os
fluxos de informação entre os Estados, afetando, assim, o temor da deserção causada pelo
desconhecimento e pela incapacidade de monitorar a obediência (compliance) aos
compromissos estabelecidos. Elas ampliam, também, as possibilidades de negociação, pois
pressupõem a continuidade da interação/cooperação entre os Estados. As barganhas podem,
26
pois, ser pensadas como processos contínuos, alterando as expectativas sobre o
comportamento dos demais e possibilitando a construção de credibilidade entre os envolvidos.
A partir de estudos baseados na teoria dos jogos – especificamente, jogos do tipo
dilema do prisioneiro repetido - Axelrod (1984) afirma que interação contínua altera o
equilíbrio dos jogos, já que a expectativa de interações futuras e os ganhos que as mesmas
podem trazer desestimulam a deserção. Em resumo, “o problema básico de que trata a Teoria
da Cooperação é a tensão comum entre o que é bom para o ator individual no curto prazo, e o
que é bom para o grupo no longo prazo.” (AXELROD, 2000, p.3, versão livre17)
Em um jogo repetitivo, um jogador pode usar uma estratégia que se baseia nas informações disponíveis até o momento para decidir, em cada movimento, que escolha a fazer. Como os jogadores não sabem quando o jogo termina, ambos têm um incentivo e uma oportunidade para desenvolver a cooperação com base na reciprocidade. A sombra do futuro fornece a base para a cooperação, mesmo entre egoístas. (AXELROD, 2000, p.4, versão livre18)
Quando ocorre cooperação, cada parte muda seu comportamento dependendo de mudanças no comportamento do outro. Podemos avaliar o impacto da cooperação através da medição da diferença entre o resultado real da situação e que teria sido obtido na ausência de coordenação: ou seja, o equilíbrio míope auto-imposto do jogo. A verdadeira cooperação melhora as recompensas de ambos os jogadores.(KEOHANE, 1988, p. 380, grifo no original, versão livre.19)
A cooperação, tanto para realistas como para institucionalistas, é um recurso
estratégico, que não pode ser julgado a partir de critérios éticos, como sustenta Keohane
(1988). Ela não depende, segundo o autor, de altruísmo, honra, idealismo, normas
internalizadas ou valores culturais comuns, já que cooperação acontece em uma diversidade
de contextos competitivos. Por exemplo, “países ricos podem planejar ações conjuntas para
extrair recursos dos países pobres, e governos predatórios que podem formar alianças
agressivas.” (KEOHANE, 1988, p. 380, versão livre20) Outro ponto importante ressaltado
17 The basic problem that Cooperation Theory addresses is the common tension between what is good for the individual actor in the short run, and what is good for the group in the long run. 18 In an iterated game, a player can use a strategy that relies on the information available so far to decide at each move which choice to make. Since the players do not know when the game will end, they both have an incentive and an opportunity to develop cooperation based upon reciprocity. The shadow of the future provides the basis for cooperation, even among egoists. 19 When cooperation takes place, each party changes his or her behavior contingent on changes on the other’s behavior. We can evaluate the impact of cooperation by measuring the difference between the actual outcome and the situation that would have obtained in the absence of coordination: that is, the myopic self-enforcing equilibrium of the game. Genuine cooperation improves the rewards of both players. 20 Rich countries can devise joint actions to extract resources from poor ones, predatory governments can form aggressive alliances.
27
pelo autor é que é errôneo pensar que as instituições internacionais sempre facilitam a
cooperação; tais instituições podem ser desenhadas de forma a facilitar ou privilegiar ganhos
individuais ou de poucos em um conflito político. As condições para a cooperação são dadas
pelo modo como as instituições são criadas e operadas.
Por outro lado, casos de cooperação podem ter lugar com apenas um mínimo de estruturas institucionais de apoio. Mas todos os esforços na cooperação internacional acontecem dentro de um contexto institucional de algum tipo, que pode ou não facilitar esforços cooperativos. [...] "Cooperação" é um termo contestado [...] nitidamente distinto tanto de harmonia como de discórdia. Quando a harmonia prevalece, as políticas dos atores automaticamente facilitam a realização de objetivos do(s) outro(s). Quando há discórdia, as políticas dos atores impedem a realização dos objetivos do(s) outro(s), e não são corrigidas para torná-las mais compatíveis. Em ambas harmonia e discórdia, nenhum ator tem incentivo para mudar seu comportamento. (KEOHANE, 1988, p. 380, versão livre.21)
Ou seja, a cooperação depende da existência de algum grau de conflito, já que a partir
dele se desenvolvem os esforços para equacionamento dos problemas a partir de regras
estabelecidas entre as partes; mas graus extremos de conflito são impeditivos para a
cooperação, uma vez que geram grande indisposição entre as partes, minimizando as
possibilidades de negociação.
2.3.1 Cooperação e CPRs: compromissos internacionais e águas compartilhadas
Conflitos sobre águas transfronteiriças são conflitos entre Estados; e estes “podem
fazer compromissos críveis, e são freqüentemente capazes de conceber novos conjuntos de
regras que mudam a estrutura de incentivos básica com a qual se deparam.” 22 (KEOHANE;
OSTROM, 1995, p. 2, versão livre.) As regras criadas pelos Estados possibilitariam a
cooperação. Contudo, normalmente inexistem mecanismos que garantam a imposição das
21 Conversely, instances of cooperation can take place with only minimal institutional structures to support them. But all efforts in international cooperation take place within an institutional context of some kind, which may or may not facilitate cooperative endeavors. […] “Cooperation” is a contested term […] sharply distinguished from both harmony and discord. When harmony prevails, actors’ policies automatically facilitate the attainment of other’s goals. When there is discord, actors’ policies hinder the realization of other’s goals, and are not adjusted to make them more compatible. In both harmony and discord, neither actor has an incentive to change his or her behavior. 22 [...]can make credible commitments, they are frequently able to devise new constraints (institutions, sets of rules) that chance the basic structure of incentives that they face.
28
mesmas. Como já foi afirmado anteriormente, a observância dos compromissos viria, então,
do entendimento pelos Estados de que os ganhos da cooperação dentro do arranjo acordado
superariam os da não-cooperação; além disso, as instituições criadas oferecem padrões que
possibilitam aos Estados perceber o nível de conformidade com as regras nas ações dos
demais.
O esquema abaixo é proposto por Keohane e Ostrom (1995), e serve para ilustrar a
relação entre as variáveis mais relevantes em mecanismos de compartilhamento de CPRs:
Figura 1 - Relação entre variáveis em acordos para CPRs Fonte: Keohane e Ostrom (1995, p. 16)
De acordo com a Figura 1, existe um significativo número de fatores distintos que são
relevantes para determinar a capacidade de cooperar, as regras dessa cooperação e o
comportamento dos atores. Estes fatores são físicos, determinados por fenômenos naturais e,
portanto, externos aos Estados; internos, referentes às capacidades, políticas e necessidades de
cada país; e referentes à interação entre os atores. Segundo os autores, o modelo proposto no
diagrama representa o processo político para a cooperação. A partir deste modelo é possível
avaliar custos e capacidades de comprometimento com novas regras para uso do CPR, além
dos prováveis benefícios do acordo, tendo assim a estrutura de incentivos à cooperação. Na
29
Figura 1, os três quadros à esquerda representam as condições anteriores, ou seja, é sobre elas
que as instituições atuarão, e a partir delas que serão moldadas. As funções das regras
institucionais aparecem definidas sob o título “variáveis intervenientes”; como discutido
anteriormente, cabe às instituições que visam promover a cooperação reduzir custos de
transação, facilitar a comunicação e a obtenção de informação sobre as partes e entre elas, e
dar aos Estados a capacidade de fazer compromissos credíveis, aumentando a confiança entre
as partes. Os “incentivos para cooperação” aparecem em seguida genericamente denominados
dizendo respeito ao produto da interação entre os Estados a partir das regras: o
comportamento dos atores se adéqua aos constrangimentos e possibilidades da nova estrutura
de interação. Os resultados da cooperação (outcomes) são avaliados pelos envolvidos, o que
pode gerar necessidade de adaptações e mudanças institucionais.
Entre as “variáveis centrais” do esquema anterior, os autores destacam a
heterogeneidade entre os atores. Sobre ela e suas conseqüências para a viabilização dos
mecanismos de compartilhamento, Martin (1995) defende que diferentes preferências e
vantagens condicionam e facilitam os benefícios a partir das trocas, e que a concentração de
capacidades ou recursos de poder em um menor número de atores ou um só ator pode também
facilitar a cooperação, a partir da formação de liderança (MARTIN, 1995; YOUNG, 1995).
Sobre as possibilidades de ganhos a partir de trocas, Martin (1995) sustenta que
Assimetrias na intensidade de preferências podem levar os Estados a cruzar negociações em diferentes questões ou agendas a fim de melhor atingir seus objetivos. O cruzamento de agendas23, assim, torna-se um dos elementos-chave na compreensão de cooperação internacional. (MARTIN, 1995, p. 81, versão livre24)
Diferentes preferências ou interesses não resultam necessariamente em conflito, pois,
desde que haja o entendimento comum quanto à possibilidade de ganhos a partir da
cooperação, o arranjo institucional deve ser capaz de equacionar essas diferenças a fim de
facilitá-la. Martin (1995) afirma que mesmo entre atores com interesses idênticos pode haver
23 A expressão inglesa “issue linkage”, que pode ser traduzir na forma mais literal como “ligação de questões” é, aqui, traduzido como “cruzamento de agendas”. Martin (1995) cita alguns exemplos de como as issue linkages podem se conformar: Extorsão – exigência de concessões por meio de ameaça relacionada a uma questão diversa; Troca – um país pode aceitar perda(s) na questão sendo negociada em troca de benefícios em outra; Explicação – tática preponderantemente discursiva que visa criar uma ligação inerente entre duas questões para que essas passem a ser negociadas em conjunto. 24 Asymmetries of preference intensities can lead states to link issues to one another in order to further their own self-interest. Issue linkage thus becomes one of the key elements in understanding international cooperation.
30
conflito, por exemplo, em relação às formas de distribuição dos ganhos. Ou seja, a
heterogeneidade de preferências pode ser determinante para o escopo ou o tipo de cooperação.
Ela não produz, necessariamente, conflito, assim como não é verdade que a cooperação é
preponderantemente uma maneira de superar conflitos. No caso dos CPRs, de acordo com
Souza (2002), tão ou mais importante para a cooperação que a superação de conflitos é o
desejo de exploração conjunta dos recursos, um interesse comum que facilita a criação de
regras de compartilhamento.
A posição de Martin (1995) de que a heterogeneidade facilitaria a cooperação a partir
das trocas não se aplica a todos os casos. Segundo Snidal (1995), há ocasiões em que a
homogeneidade entre os compartilhadores de um CPR conduz à cooperação, notadamente
quando os atores têm relações já muito próximas em outras agendas. Para o autor, “a
variedade de formas e conseqüências da heterogeneidade leva a uma conclusão pouco
satisfatória: o impacto da heterogeneidade é heterogêneo.” (SNIDAL, 1995, p.63, versão
livre25). Portanto, cabe ao tipo de arranjo institucional estabelecer os parâmetros da
cooperação, seja ela entre atores homogêneos ou heterogêneos. O autor destaca, ainda, que o
horizonte temporal esperado para a cooperação intervém. Entre atores bastante distintos, a
cooperação é mais interessante quanto mais longa for a expectativa para sua duração e
conseqüentes ganhos.
Sobre o papel das assimetrias de poder, Martin (1995) sintetiza as conclusões da
agenda de pesquisa institucionalista no parágrafo seguinte:
Quando o poder está concentrado, podemos esperar que a escolha institucional reflita os interesses dos mais poderosos. Quando ele é difuso, a lógica da ação coletiva no cenário internacional com um grande número de Estados envolvidos sugere que a organização para a construção de regras para a gestão dos recursos será difícil. As tentativas de resolver problemas ambientais internacionais envolvendo muitos Estados, por exemplo, mostram a dificuldade de projetar sistemas de regras na ausência de liderança de um Estado poderoso [...]. Nestes casos, os Estados [...] tentam construir regras através de complexos processos de negociações multilaterais. Contudo, a adoção destas regras exige que os Estados mais poderosos as aceitem. Em alguns casos, as tentativas de desenvolver regras são incorporadas em instituições relacionadas, de modo que os Estados possam superar os problemas da ação coletiva através da adoção de processos de negociação especificados por uma organização base como as Nações Unidas. O processo de desenho institucional é afetado por assimetrias de poder, na medida em que Estados poderosos vão escolher regras que operam em seu próprio benefício. Ainda que essas regras provavelmente
25 The variety of forms and consequences of heterogeneity leads to a less than satisfying conclusion: the impact of heterogeneity is heterogeneous.
31
não sejam notavelmente justas, elas pelo menos evitam o pior resultado: nenhuma cooperação. Se o poder é distribuído mais uniformemente, o próprio processo de cooperação pode criar heterogeneidade por meio da diferenciação funcional, proporcionando um padrão alternativo de soluções institucionais. (MARTIN,1995, p. 75-76, versão livre26)
Sobre o número de atores envolvidos, Bernauer (1997) e Buck (1998) ressaltam a
dificuldade em excluir usuários da água a custos aceitáveis. Assim, seria possível supor que
questões exógenas, como a geografia ou a tecnologia, determinassem o número de atores.
Entretanto, as conclusões de Snidal (1995) vão além dessa suposição. Para o autor, o número
de atores27 pode ser, por vezes, uma questão endógena. Ou seja, a determinação dos membros
está inter-relacionada às regras institucionais e aos resultados esperados: atores podem
escolher participar ou não das instituições, da mesma forma que é possível admitir que,
dependendo da estrutura de custos apresentada, atores sejam excluídos da participação pelos
demais. Há que se admitir, nesse caso, que a possibilidade de exclusão de atores deve
respeitar a hipótese de Bernauer (1997), isto é, os custos dessa exclusão devem ser aceitáveis
em relação aos benefícios esperados.
Sobre a escolha da não-participação, o argumento de Haftendorn (1999) considera a
questão das assimetrias em relação ao sentido do fluxo das águas, anteriormente abordada. A
autora oferece uma contribuição interessante, demonstrando como a cooperação pode ser uma
desvantagem, e o que é necessário para que seja revertida essa situação:
26 When power is concentrated, we can expect institutional choice to reflect the interests of the most powerful. When it is diffuse, the logic of collective action in the international setting with a large number of states involved suggests that organizing to construct rules for the management of resources will be difficult. Attempts to solve international environmental problems involving many states, for example, show the difficulties of designing systems of rules in the absence of leadership from a powerful state […]. In these instances […] states attempt to construct rules through complex processes of multilateral negotiations. However, adoption of these rules requires that the most powerful states accept them. In some instances, attempts to develop rules are embedded within nested institutions, so that states may overcome collective-action problems by adopting the negotiating procedures specified by an umbrella organization such as the United Nations. The process of institutional design is affected by power asymmetries, in that powerful states will choose rules that operate to their own benefit. While these rules are unlikely to be fair or just, they at least avoid the worst outcome of no cooperation whatsoever. If power is more evenly distributed, the process of cooperation itself may create heterogeneity through functional differentiation, providing an alternative pattern of institutional solutions. 27 O autor analisa também a hipótese de Olson, em sua “Teoria da ação coletiva” de 1965, e de autores subsequentes que se dedicaram à questão do uso compartilhado de bens de que a ação coletiva é tão mais difícil quanto maior o número de autores envolvidos. Segundo Snidal, não há comprovação para tal hipótese, sendo que é possível observar êxito na cooperação entre grandes grupos da mesma forma que isso pode não ocorrer entre poucos atores – ou seja, o arranjo institucional estabelecido é preponderante para a determinação da cooperação.
32
Todos os conflitos sobre águas correntes são conflitos assimétricos – chamados de situações “rambo”28, nos quais há um Estado ou Estados que controlam a nascente do rio ou seu fluxo superior, deixando os Estados a jusante em desvantagem. Como tal Estado ou tais Estados se beneficiam dessa situação, a manutenção do status quo seria favorável a eles, e não à tentativa de chegar a um entendimento com os Estados a jusante. […] O Estado dominante abandona sua vantagem hidrológica em troca de recompensas específicas e side-payments materiais. Nesse caso, assumimos que uma condição prévia essencial para qualquer solução do conflito seria sua ligação a outros aspectos de uma relação bilateral ou multilateral.29 (HAFTERDORN, 1999, p.2, versão livre)
Sobre as situações nas quais existe incentivo para a cooperação entre compartilhadores
de recursos hídricos, Souza (2002) resume as hipóteses propostas por Haftendorn (1999):
Uma primeira hipótese seria considerar que a cooperação pode se tornar uma boa alternativa para os atores em situações que envolvem países com bom relacionamento bilateral, onde problemas em outras áreas são resolvidos através de consenso; essa tradição levaria a que o conflito com relação aos recursos hídricos fosse tratado como um conflito à parte e a prática da cooperação em outras arenas terminaria por abrir possibilidades de acordo entre os interessados. Outra hipótese seria a do surgimento de conflito entre Estados que já tivessem um alto grau de interação, como é o caso de países da União Européia; nesse caso, apesar do conflito, as bases para a cooperação já estariam dadas por instituições propiciadoras dessa estratégia como adequada ao comportamento dos atores. A terceira hipótese seria a interferência de um árbitro externo, ou negociador, ou mesmo a presença de uma potência com interesses na região do conflito que, de certa forma, obrigaria as partes a um acordo. Neste último caso, a interferência externa altera a posição relativa dos atores, tornando a escolha da não cooperação uma estratégia pouco recomendável, em função dos seus custos. (SOUZA, 2002, p. 8-9)
Assim, as hipóteses de Haftendorn consideram a interferência dos “parâmetros
exógenos”, como definidos por Keohane e Ostrom (1995), conforme mostra a Figura 1. Além
dos “arranjos institucionais anteriores”, como os dois primeiros casos, onde a cooperação
seria um pequeno incremento em uma relação já cooperativa, a autora apresenta ainda a
possibilidade da interferência de atores externos. No caso dos recursos hídricos, consideram-
28 Segundo o Dicionário Cambridge Advanced Learner, o significado de “rambo” denota alguém ou algum ator que usa ou ameaça usar métodos firmes e violentos contra seus inimigos. 29 All running water conflicts are asymmetrical conflicts — so called rambo situations, whereby there is a state or states that control a river’s source or upper flow placing the lower lying riparian states at a disadvantage. As such a state or states would profit from this situation it would be in their favor to maintain the status quo and not to attempt to reach an understanding with the lower-lying riparians. […] The dominant state relinquishes its hydrological advantage in return for specific rewards or political and material side payments. In this case, we assume that a crucial precondition for any solution of the conflict would be its linkage to other aspects of a bilateral or multilateral relationship.
33
se atores externos aqueles que não são apropriadores do CPR, mas que têm interesse em
influenciar nos arranjos de cooperação, e capacidade para fazê-lo.
2.4 Síntese do capítulo
Ambas as teorias apresentadas entendem o Estado como um ator utilitarista,
maximizador de ganhos, e defendem que o poder está no cerne das possibilidades de
cooperação. Realistas são profundamente categóricos ao afirmar que o poder e a busca por
concentração de recursos de poder moldam o comportamento dos Estados, e institucionalistas
apresentam um entendimento bastante similar, abrandado apenas pela importância dada às
variáveis institucionais: “Quando o poder está concentrado, pode-se esperar que a escolha
institucional reflita os interesses do mais poderoso.” (MARTIN, 1995, p.76, versão livre30).
Os segundos, ainda, têm uma visão bastante mais otimista em relação às possibilidades de
cooperação.
Em relação às contribuições dos autores institucionalistas, os únicos que de fato
oferecem análises a respeito da cooperação quanto a CPRs, é importante relembrar o destaque
dado ao arranjo institucional. As regras ou instituições para a cooperação podem ser variáveis
antecedentes – quando definem o número de atores envolvidos, por exemplo – ou
intervenientes – quando alteram as condições de interação que podem fazer com que, por
exemplo, a heterogeneidade seja positiva ou negativa para a cooperação. Ainda em relação à
heterogeneidade, notadamente nos aspectos relacionados a capabilities e preferências, é
interessante destacar que pequenas diferenciações podem gerar resultados institucionais
bastante distintos, e que a análise da cooperação não pode restringir-se à negociação quanto
ao CPR em questão, mas necessita considerar diversos aspectos ligados ao relacionamento
entre os Estados envolvidos, dado que esse tipo de simplificação ignora o entendimento de
que a interdependência permeia todas as negociações entre os Estados.
30 When power is concentrated, we can expect institutional choice to reflect the interests of the most powerful.
34
3 PESQUISA DIAGNÓSTICA AMOSTRAL
A pergunta que guia a presente pesquisa trata da contraposição entre os recursos de
poder gerados pela distribuição geográfica das bacias hidrográficas e as capabilities conforme
são pensados pelas teorias tradicionais das Relações Internacionais. O fato de o Estado com
maior concentração de capabilities na bacia situar-se próximo à nascente ou foz do curso
principal interfere nas relações de cooperação ou conflito entre os países?
A fim de avaliar a importância relativa da variável “posição geográfica do Estado
compartilhador na bacia”, os indicadores selecionadas para o estudo são (a) posição do
hegêmona em relação ao curso d'água, (b) ocorrência de conflitos pelos recursos da bacia, e
(c) acordos para uso compartilhado dos recursos da bacia.
A primeira etapa do estudo, descrita neste capítulo, é uma pesquisa diagnóstica por
amostragem. Entre as 263 bacias hidrográficas transfronteiriças identificadas no planeta
(PROGRAMA DAS NAÇÕS UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO,2006), uma
amostra de 71 bacias foi selecionada aleatoriamente. Para tal seleção, foi usada uma
ferramenta eletrônica gratuita, via internet, de geração de amostra aleatória. O tamanho da
amostra, estatisticamente, oferece 10% de margem de erro e 95% de confiança.
A partir desta amostra, os seguintes dados foram sistematizados:
a) Número de países e porcentagem da área da bacia nos mesmos, a partir do banco de
dados “International River Basin Registry” (PROGRAM IN WATER CONFLICT
MANAGEMENT AND TRANSFORMATION, 2002);
b) Presença de tratados internacionais ligados ao compartilhamento dos recursos da
bacia, tendo como fonte o banco de dados “International Freshwater Treaties
Database”(PROGRAM IN WATER CONFLICT MANAGEMENT AND
TRANSFORMATION, 2007);
c) Ocorrência de conflito31 sobre os recursos da bacia, tendo como única fonte o banco
de dados “International Water Events Database” ”(PROGRAM IN WATER
CONFLICT MANAGEMENT AND TRANSFORMATION, 2008);
d) Localização dos países em relação ao fluxo dos rios, a partir de mapas
hidrográficos.
31 Considera-se, na pesquisa diagnóstica, apenas um valor para cada bacia, ou seja, em bacias com duas ou mais ocorrências de conflito, considera-se o mais grave, de acordo com o critério do banco de dados.
35
Assim, entre as bacias para as quais se verifica a existência de tratados ou conflitos, os
seguintes dados sobre os países compartilhadores foram sistematizados32:
e) Produto Interno Bruto - PIB, de acordo com a taxa de cambio oficial, a partir do
banco de dados do “The World Factbook 2009” (CENTRAL INTELLIGENCE
AGENCY, 2009);
f) PIB per capita, de acordo com a paridade de poder de compra, a partir do mesmo
banco de dados;
g) População, a partir do mesmo banco de dados;
h) Extensão territorial, também a partir do mesmo banco de dados;
i) Gasto militar, a partir do “Military Expenditure Database”33 (STOCKHOLM
INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE,2009);
j) Homens capazes para o serviço militar34 de acordo com o “The World Factbook
2009”;
l) Porcentagem do território sob stress hídrico, a partir do “Environmental
Performance Index 2010” (JAY EMERSON ET AL, 2010).
PIB per capita, população, extensão territorial, gasto militar e homens capazes para o
serviço militar são um conjunto de variáveis capaz de expressar as capabilities ou recursos de
poder em geral dos atores estudados. Estes estão entre os dados mais comumente empregados
em pesquisas conduzidas, principalmente, por acadêmicos ligados à corrente realista, descrita
no capítulo anterior. A porcentagem do território sob stress hídrico foi um dado adicionado à
pesquisa em um momento posterior, devido a necessidades específicas, que serão
mencionadas adiante.
Certamente, por se tratar de um estudo quantitativo, a homogeneização dos dados pode
gerar problemas de interpretação, notadamente, nesta pesquisa, ligados a datas (ex. acordos
recentes e conflitos antigos/superados, mudanças de fronteiras e alterações em assimetrias de
capabilities). No entanto, dado o tamanho da amostra necessária a fim de se conseguir
resultados representativos, os limites da pesquisa restringem a possibilidade de refinamento
em relação às mudanças históricas, aceitando os dados mais recentes como adequados para o
escopo “diagnóstico” da pesquisa. Ainda, é importante frisar que a pesquisa quantitativa
32 A fim de determinação de hegemonia relativa aos demais países da bacia, as variáveis “PIB” e “Gastos militares” foram consideradas como determinantes, e as demais, complementares. 33 No caso de Zimbabwe e Sérvia, que o banco de dados não contempla, foi empregado o cálculo da porcentagem do PIB destinada a gastos militares, a partir de dados do “The World Factbook 2009” 34 Esse dado é empregado a fim de chegar a uma aproximação do efetivo militar dos países. Trata-se de uma aproximação tosca, porém relativamente homogênea, uma vez que não foi encontrado banco de dados com o efetivo militar de uma parcela significativa dos países constantes na amostra.
36
oferece informações interessantes em relação à amostra como um todo, mas implica uma
simplificação que desconsidera particularidades que são, em relação a cada caso, definidoras
das relações entre cada grupo de países. A seguir estão, divididas por continente (América do
Norte, América Central e do Sul, Ásia, África e Europa), as bacias selecionadas e uma versão
resumida dos dados coletados a respeito das mesmas35.
TABELA 1
Amostra de bacias da América do Norte – presença de tratados e conflitos
Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
México 88,24 1,017 tri. 5.490 mi. Candelária
Guatemala 11,74
Sim Não
36,9 bi. 175 mi.
Honduras 97,68 Choluteca
Nicarágua 2,32
Não Não
Canadá 63,6 Firth
EUA 36,4
Não Não
México 61,14 1,017 tri. 5.490 mi.
Guatemala 28,5 36,9 bi. 175 mi.
Hondo
Belize 10,36
Sim Não
1,424 bi. 15,6 mi.
Haiti 62,03 6,558 bi. 25,2 mi. Massacre
Rep.
Dominicana
35,96
Sim Não
46,74 bi. 272 mi.
Guatemala 90,85 Motaqua
Honduras 9,11
Não Não
EUA 70,86 14,43 tri. 663.255 mi. St. Croix
Canadá 29,14
Sim Não
1,335 tri. 20.564 mi.
Canadá 63,5 1,335 tri. 20.564 mi. St. John
EUA 36,22
Sim Não
14,43 tri. 663.255 mi.
Canadá 52,98 1,335 tri. 20.564 mi. St.
Laurence EUA 47,02
Sim Sim (-2)
14,43 tri. 663.255 mi.
Guatemala 68,79 36,9 bi. 175 mi. Suchiate
México 31,21
Sim Não
1,017 tri. 5490 mi.
EUA 59,83 Yukon
Canadá 40,17
Não Não
Fonte: Elaborado pela autora a partir de Program in Water Conflict Management and Transformation (2002), Program in Water Conflict Management and Transformation (2007), Program in Water Conflict Management and Transformation (2008), Central Intelligence Agency (2008), Stockholm International Peace Research Institute (2009)
35 As tabelas completas podem ser consultadas ao final do trabalho, como anexos.
37
TABELA 2 Amostra de bacias da América Central e do Sul – presença de tratados e conflitos
(continua)
Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
Venezuela 86,89 Amacuro
Guiana 13,11
Não Não
Brasil 62,36 1,499 tri. 27.124 mi.
Peru 16,26 128,9 bi. 1.502 mi.
Bolívia 12,01 17,76 bi. 268 mi.
Colômbia 6,25 231,3 bi. 10.055 mi.
Equador 2,1 56,27 bi. 506,4 mi.
Venezuela 0,68 357,6 bi. 3.254 mi.
Guiana 0,25 1,21 bi. 7,9 mi.
Amazonas
Suriname 0,02
Sim Sim (-2)
3,184 bi. 19,1 mi.
Bolívia 85,72 Cancoso
Chile 14,28
Não Não
Colômbia 82,11 Jurado
Panamá 17,89
Não Não
Brasil 46,49 1,499 tri. 27.124 mi.
Argentina 27,68 304,9 bi. 2.608 mi.
Paraguai 13,54 13,77 bi. 140 mi.
Bolívia 8,3 17,76 bi. 268 mi.
Prata
Uruguai 3,78
Sim Sim (-3)
31,98 bi. 496 mi.
Bolívia 56,32 17,76 bi. 268 mi.
Peru 42,94 128,9 bi. 1.502 mi.
Lago
Titicaca
Chile 0,74
Sim Não
152,1 bi. 5.683 mi.
Equador 73,98 Mataje
Colômbia 26,02
Não Não
Venezuela 65,18
Colômbia 34,68
Orinoco
Brasil 0,08
Não Não
38
TABELA 2 Amostra de bacias da América Central e do Sul – presença de tratados e conflitos
(conclusão)
Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
Chile 54,87 Palena
Argentina 45,13
Não Não
Chile 53,51 Pascua
Argentina 46,46
Não Não
Chile 98,39 Valdívia
Argentina 0,69
Não Não
Argentina 62,14 Yelcho
Chile 37,86
Não Não
Chile 59,6
Argentina 19,65
Zapareli
Bolívia 20,75
Não Não
Fonte: Elaborado pela autora a partir de Program in Water Conflict Management and Transformation (2002), Program in Water Conflict Management and Transformation (2007), Program in Water Conflict Management and Transformation (2008), Central Intelligence Agency (2008), Stockholm International Peace Research Institute (2009)
39
TABELA 3
Amostra de bacias da África – presença de tratados e conflitos
(continua) Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
Camarões 61,65 Akpa
Nigéria 38,17
Não Não
Gana 57,58 Bia
Costa do
Marfim
40,28
Não Não
Nigéria 76,34 Cross
Camarões 23,66
Não Não
Guiné-Bissau 67,69
Senegal 31,88
Geba
Guiné 0,42
Não Não
África do Sul 62,47 280,6 bi. 3.926 mi.
Moçambique 31,20 9,767 bi. 92,5 mi.
Incomati
Suazilândia 6,33
Sim Sim (-1)
2,963 bi. 60 mi.
Costa do
Marfim
74,67
Burkina Faso 21,66
Gana 2,85
Komoe
Mali 0,82
Não Não
Angola 86,68 70,53 bi. 2.893 mi. Kunene
Namíbia 13,32
Sim Sim (-2)
9,145 bi. 283 mi.
Chade 48,18 7,056 bi. 412 mi.
Níger 28,23 5,386 bi. 43 mi.
Rep. Centro
Africana
9,15 2,006 bi. 36,7 mi.
Nigéria 7,54 167,4 bi. 1.681 mi.
Argélia 3,77 136,4 bi. 5.677 mi.
Sudão 3,47 54,93 bi. 1.971 mi.
Camarões 1,96 54,93 bi. 352 mi.
Lago
Chade
Líbia 0,19
Sim Sim (-2)
61,32 bi. 1100 mi.
TABELA 3
40
Amostra de bacias da África – presença de tratados e conflitos
(conclusão) Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
Libéria 82,84 Mana-
morro Serra Leoa 17,16
Não Não
Gabão 92,97 Mbe
Guiné
Equatorial
7,02
Não Não
Gabão 93,56 Nyanga
Rep. Do
Congo
6,44
Não Não
Botsuana 50,65 10,94 bi. 353 mi.
Namíbia 24,93 9,145 bi. 283 mi.
Angola 21,23 70,53 bi. 2.893 mi.
Okavango
Zimbábue 3,19
Sim Não
3,598 bi. 136 mi.
Benin 82,98
Nigéria 16,29
Uoeme
Togo 0,73
Não Não
Zimbábue 73,85 Sabi
Moçambique 26,15
Não Não
Gana 87,96 Tano
Costa do
Marfim
11,21
Não Não
Moçambique 65,87 9,767 bi. 92,5 mi.
Suazilândia 32,44 2,963 bi. 60 mi.
Umbeluzi
África do Sul 0,27
Sim Não
280,6 bi. 3.926 mi.
Fonte: Elaborado pela autora a partir de Program in Water Conflict Management and Transformation (2002), Program in Water Conflict Management and Transformation (2007), Program in Water Conflict Management and Transformation (2008), Central Intelligence Agency (2008), Stockholm International Peace Research Institute (2009)
41
TABELA 4
Amostra de bacias da Ásia – presença de tratados e conflitos
(continua) Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
Cazaquistão 34,46 108,3 bi. 1540 mi.
Uzbequistão 31,07 30,68 bi. 52 mi.
Tadjiquistão 11,02 4,741 bi. 63,4 mi.
Quirguistão 9,07 4,736 bi. 185 mi.
Afeganistão 8,52 13,47 bi. 272 mi.
Turcomenistã
o
5,68 16,24 bi. 236 mi.
China 0,15 4,814 tri. 98.800 mi.
Mar de
Aral
Paquistão 0,01
Sim Sim (-4)
168,5 bi. 4.823 mi.
China 97,63 Bei Jiang
Vietnã 2,35
Não Não
China 84,92 Beilun
Vietnã 15,08
Não Não
Paquistão 52,48 168,5 bi. 4.823 mi.
Índia 33,51 1,095 tri. 37.427 mi.
China 6,69 4,814 tri. 98.800 mi.
Indo
Afeganistão 6,63
Sim Sim (-3)
13,47 bi. 272 mi.
Mianmar 91,2
China 5,58
Irrawady
Índia 3,49
Não Não
Azerbaijão 29,28 43 bi. 1.434 mi.
Irã 20,55 335,7 bi. 9.174 mi.
Armênia 18,03 8,785 bi. 405 mi.
Geórgia 17,77 11,11 bi. 665 mi.
Turquia 14,32 608 bi. 19.009 mi.
Kura-
Araks
Rússia 0,03
Sim Sim (-5)
1,232 tri. 61.000 mi.
42
TABELA 4
Amostra de bacias da Ásia – presença de tratados e conflitos
(conclusão) Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
Mianmar 49,11 Pakchan
Tailândia 47,24
Não Não
China 87,39
Mongólia 12,48
Rússia 0,09
Pu Lun
T’o
Cazaquistão 0,04
Não Não
China 52,4
Mianmar 43,85
Salween
Tailândia 3,73
Não Não
China 52,65 Yalu
Coréia do
Norte
46,82
Não Não
Fonte: Elaborado pela autora a partir de Program in Water Conflict Management and Transformation (2002), Program in Water Conflict Management and Transformation (2007), Program in Water Conflict Management and Transformation (2008), Central Intelligence Agency (2008), Stockholm International Peace Research Institute (2009)
43
TABELA 5
Amostra de bacias da Europa – presença de tratados e conflitos
(continua) Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
Ucrânia 75,44 117,1 bi. 4..258 mi.
Moldávia 24,52 5,391 bi. 27,5 mi.
Dniester
Polônia 0,05
Sim Sim (-1)
427,9 bi. 10.860 mi.
Albânia 45,39 11,86 bi. 276 mi.
Sérvia e
Montenegro
41,4 42,88 bi. 1.070 mi.
Drin
Macedônia 12,18
Não Sim (-1)
8,929 bi. 204 mi.
Alemanha 62,85 3,273 tri. 48.022 mi.
Rep. Checa 32,02 191,9 bi. 3.246 mi.
Áustria 0,54 378,8 bi. 3.650 mi.
Elbe
Polônia 0,54
Sim Sim (-1)
427,9 bi. 10.860 mi.
Suécia 84,54 402,4 bi. 6.135 mi. Klaralven
Noruega 15,46
Sim Não
373,3 bi. 6.098 mi.
Espanha 50,88 1,466 tri. 19.409 mi. Lima
Portugal 49,04
Sim Sim (-1)
222,4 bi. 4.884 mi.
Rússia 69,82 Mius
Ucrânia 30,07
Não Não
Noruega 57,73 373,3 bi. 6.098 mi. Naatamo
Finlândia 41,47 238,2 bi. 3.768 mi.
Rússia 53,2 1,232 tri. 61.000 mi.
Estônia 34,09 18,26 bi. 460 mi.
Letônia 11,13 24,48 bi. 692 mi.
Narva
Bielorrúsia 1,57
Sim Não
46 bi. 1.036 mi.
Bósnia e
Hezergovina
95,98 Neretva
Croácia 3,47
Não Não
Rússia 89,37 1,232 tri. 61.000 mi. Olanga
Finlândia 10,62
Sim Não
238,2 bi. 3.768 mi.
Rússia 76,9 Prohladnaja
Polônia 23,1
Não Não
44
TABELA 5
Amostra de bacias da Europa – presença de tratados e conflitos
(conclusão) Bacia Países Porcentagem
da bacia no
país
Tratado Conflito
(gravidade)
PIB (US$) Gasto
militar
(US$)
França 89,88 2,666 tri. 67.316 mi.
Suíça 10,05 489,8 bi. 4.141 mi.
Rhone
Itália 0,05
Sim Não
2,114 tri. 37.427 mi.
França 67,39 2,666 tri. 67.316 mi. Roia
Itália 30,45
Sim Não
2,114 tri. 37.427 mi.
Letônia 78,52 Salaca
Estônia 5,7
Não Não
França 50,03 2,666 tri. 67.316 mi.
Bélgica 49,28 466,9 bi. 5.674 mi.
Schelde
Holanda 0,47
Sim Não
799 bi. 12.642 mi.
Bulgária 57,66 45,3 bi. 1.127 mi.
Grécia 25,88 342,2 bi. 13.917 mi.
Macedônia 12,22 8,929 bi. 204 mi.
Struma
Sérvia e
Montenegro
4,19
Sim Não
42,88 bi. 1.070 mi.
Espanha 66,06 1,466 tri. 19.409 mi. Tagus/Tejo
Portugal 33,5
Sim Sim (-1)
222,4 bi. 4.884 mi.
Suécia 67,98 402,4 bi. 6.135 mi.
Finlândia 28 238,2 bi. 3.768 mi.
Torne
Noruega 4,03
Sim Não
373,3 bi. 6.098 mi.
Bulgária 95,25 Velaka
Turquia 3,74
Não Não
Polônia 87,45 427,9 bi. 10.860 mi.
Ucrânia 6,55 117,1 bi. 4.258 mi.
Bielorrúsia 5,03 46 bi. 1.036 mi.
Eslováquia 0,96 89,33 bi. 1.316 mi.
Vistula/
Wista
Rep. Checa 0,01
Sim Não
191,9 bi. 3.246 mi.
Fonte: Elaborado pela autora a partir de Program in Water Conflict Management and Transformation (2002), Program in Water Conflict Management and Transformation (2007), Program in Water Conflict Management and Transformation (2008), Central Intelligence Agency (2008), Stockholm International Peace Research Institute (2009)
45
3.1 Conflito
Peter Gleick, em 1995, afirmou que
Há uma longa história de disputas relacionadas á água, de conflitos sobre o acesso a recursos hídricos a ataques intencionais a sistemas de abastecimento durante guerras. A água e os sistemas de abastecimento de água foram as raízes e instrumentos de guerra. O acesso a recursos hídricos compartilhados foi cortado por razões políticas e militares. Fontes de abastecimento de água têm estado entre as metas de expansionismo militar. E as desigualdades no uso da água têm sido a fonte dos atritos e tensões regionais e internacionais. Esses conflitos continuarão - e em alguns locais se tornarão mais intensos – à medida que populações crescentes demandam mais água para o desenvolvimento agrícola, industrial e econômico. (GLEICK, 95, p.83, versão livre) 36
Além de Gleick, outros teóricos e autoridades apontaram para a probabilidade de
aumento dos conflitos ligados a recursos hídricos compartilhados. Entre eles, o ex-vice-
presidente do Banco Mundial, Ismail Serageldin, que em 1995 afirmou: “Se as guerras deste
século foram travadas pelo petróleo, as do próximo serão travadas pela água” (LANGER,
2009, p.1, versão livre37). Em relação à amostra analisada, o primeiro dado relativo à
ocorrência de conflitos pode parecer alarmante: entre as 71 bacias da amostra, em 15 foi
identificada a ocorrência de conflitos (21,1% dos casos). No entanto, a tendência à
cooperação, até o presente, é clara, sendo que em apenas um caso (1,4%) de conflito não
existe também um tratado entre os compartilhadores. Trata-se da bacia do Rio Drin,
compartilhada por Albânia, Sérvia e Montenegro, e Macedônia. O conflito em questão foi a
manifestação de descontentamento com más práticas ambientais. (PROGRAM IN WATER
CONFLICT MANAGEMENT AND TRANSFORMATION, 2008)
O banco de dados “International Water Event Database: 1950-2008” (PROGRAM IN
WATER CONFLICT MANAGEMENT AND TRANSFORMATION, 2008) classifica os
eventos catalogados de acordo com uma escala que vai de (-7) a (+7), sendo (-7) o
equivalente a uma declaração formal de guerra, e (+7), a unificação de dois Estados. Aqui,
interessam apenas os valores negativos:
36 There is a long history of water related disputes, from conflicts over access to water supplies to intentional attacks on water systems during wars. Water and water-supply systems have been the roots and instruments of war. Access to shared water supply has been cut off for political and military reasons. Sources of water supply have been among the goals of military expansionism. And inequities in water use have been the source of regional and international frictions and tensions. These conflicts will continue - and in some places grow more intense - as growing populations demand more water for agricultural, industrial and economic development. 37 If the wars of this century were fought over oil, the wars of next century will be fought over water.
46
(-1) – leve expressão verbal de desacordo38;
(-2) - forte expressão verbal de desacordo, com hostilidade39;
(-3) – ações diplomáticas ou econômicas hostis40;
(-4) – ações políticas ou militares hostis41;
(-5) - atos militares de pequena escala42;
(-6) – extensivos atos de guerra43.
O caso da bacia do rio Drin, citado acima como único caso em que se verifica
ocorrência de conflito e onde não há nenhum tratado entre os países da bacia, foi classificado
como grau (-1).
As ocorrências de conflito representadas na amostra se distribuem da seguinte forma:
38 Low key objection to policies or behavior; communicating dissatisfaction through third party; failing to reach an agreement; refusing protest note; denying accusations; objecting to explanation of goals, position, etc.; requesting change in policy. Both unofficial and official, including diplomatic notes of protest. 39 Warning retaliation for acts; making threatening demands and accusations; condemning strongly specific actions or policies; denouncing leaders, system, or ideology; postponing heads of state visits; refusing participation in meetings or summits; leveling strong propaganda attacks; denying support; blocking or vetoing policy or proposals in the UN or other international bodies. Official interactions only. 40 Increasing troop mobilization; boycotts; imposing economic sanctions; hindering movement on land, waterways, or in the air; embargoing goods; refusing mutual trade rights; closing borders and blocking free communication; manipulating trade or currency to cause economic problems; halting aid; granting sanctuary to opposition leaders; mobilizing hostile demonstrations against target country; refusing to support foreign military allies; recalling ambassador for emergency consultations regarding target country; refusing visas to other nationals or restricting movement in country; expelling or arresting nationals or press; spying on foreign government officials; terminating major agreements. Unilateral construction of water projects against another country's protests; reducing flow of water to another country, abrogation of a water agreement. 41 Inciting riots or rebellions (training or financial aid for rebellions); encouraging guerilla activities against target country; limited and sporadic terrorist actions; kidnapping or torturing foreign citizens or prisoners of war; giving sanctuary to terrorists; breaking diplomatic relations; attacking diplomats or embassies; expelling military advisors; executing alleged spies; nationalizing companies without compensation. 42 Limited air, sea, or border skirmishes; border police acts; annexing territory already occupied; seizing material of target country; imposing blockades; assassinating leaders of target country; material support of subversive activities against target country. 43 Use of nuclear weapons; full scale air, naval, or land battles; invasion of territory; occupation of territory; massive bombing of civilian areas; capturing of soldiers in battle; large scale bombing of military installations; chemical or biological warfare.
47
TABELA 6
Distribuição dos casos de conflito, por gravidade, na amostra
Grau Eventos Porcentagem - amostra Porcentagem - total de eventos44
(-1) 6 8,57% 40%
(-2) 4 5,63% 26,66%
(-3) 3 4,22% 20%
(-4) 1 1,4% 6,66%
(-5) 1 1,4% 6,66%
Fonte: Elaborado pela autora com base em Program in Water Conflict Management and Transformation (2008)
Como ilustra a Tabela 6, três dos cinco eventos de gravidade maior, (-3) a (-5),
ocorreram em bacias na Ásia. Em outros continentes os eventos são na Bacia do Prata e na do
rio Narva, na fronteira entre Rússia e Estônia. O caso mais grave (-5) é o da Bacia Kura-Araks
(Azerbaijão, Irã, Geórgia, Turquia e Rússia), numa região de escassez, poluição e marcantes
conflitos entre os Estados (WOLF; NEWTON, 2008). O caso de grau (-4) é o Mar de Aral,
de significativa escassez. O último caso, de grau (-3), também na Ásia, é do rio Indo, marcada
pelo conflito entre Índia e Paquistão.
A Tabela 7, a seguir, mostra dados relativos às relações de poder entre os
compartilhadores das 15 bacias onde se verificou ocorrência de conflito:
44 O total de eventos, 15, representa um subconjunto de casos limitado. Este dado, a porcentagem de eventos de cada grau de gravidade entre os 15 eventos, é apenas uma ilustração, e deve ser interpretado com referência à amostra, e não ao universo de bacias internacionais, dadas as distorções/heterogeneidades prováveis em conjuntos pequenos.
48
TABELA 7
Relações de poder nas bacias onde se verifica ocorrência de conflito
Bacia45 Grau Número de países na bacia
Posição em relação ao curso do rio
principal do país com maior
concentração de capabilities
Posição na hierarquia de capabilities do
país com maior acesso aos
recursos da bacia (área da bacia)
Posição na hierarquia de capabilities do país onde se
localiza a nascente
Incomati – af -1 3 nascente 1º 1º
Dniester – eu -1 3 tributário 2 º 2 º
Elbe – eu -1 4 foz 1 º 1 º
Lima – eu -1 2 nascente 1 º 1 º
Tejo – eu -1 2 nascente 1 º 1 º
Kunene – af -2 2 nascente 1 º 1 º
Lago Chade – af -2 8 não se aplica
[5º em área]
6 º não se aplica
St. Lawrence –
am
-2 2 Foz [fronteira] 2 º 2 º
Amazonas – am -2 9 foz 1 º não se aplica
Prata - am -3 5 nascente 1 º 1 º
Indus – as -3 4 nascente 3 º 1 º
Narva - eu -3 4 1 [fronteira] 1 º 1º e 4 º
Mar de Aral – as -4 8 não se aplica
[7º em área]
3 º não se aplica
Kura-Araks - as -5 6 Tributário 4 º 2 º
Drin * - eu -1 3 Nascente [existem 2
nascentes]
2 º 1 º e 3 º
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Program in Water Conflict Management and Transformation (2002), Program in Water Conflict Management and Transformation (2008), Central Intelligence Agency (2008), Stockholm International Peace Research Institute (2009)
Infelizmente, muito pouco se pode inferir a partir desse quadro, talvez por não
existirem relações tão claras determinando o surgimento de conflitos. Em 66,6% dos casos de
conflito de menor gravidade, (-1) e (-2), à exclusão da bacia do rio Drin, o país onde se
localiza a maior área da bacia é também o primeiro na hierarquia de capabilities; e em 44,4%
45 As notações “af”, “eu”, “am” e “as” são empregadas para indicar a localização das bacias – respectivamente, África,Europa, Américas e Ásia, apenas para informação.
49
das bacias, neste mesmo grupo, o primeiro na hierarquia de capabilities também controla a
nascente.
Ainda, entre os casos de conflitos de maior gravidade, (-3) a (-5), também existe
prevalência de casos em que o primeiro país do grupo na hierarquia de capabilities controla a
nascente (60% dos casos) ou a maior área da bacia (também 60%). Em relação ao total de
bacias em que há conflito, 15, em 53,3% dos casos o país com maior concentração de
capabilities detém a nascente; e em 60% dos casos este país controla a maior parte da área da
bacia. Ainda, em 6 casos o país que controla a nascente tem em seu território, também, a
maior área da bacia.
Se há uma conclusão plausível a partir dessas informações é a de que existe a
tendência a conflito – de qualquer grau – quando o país com maior concentração de
capabilities é também aquele que tem maior acesso aos recursos da bacia. No entanto, trata-se
de uma hipótese provisória, já que ainda é necessário examinar os dados sobre cooperação e
contrapô-los aos já aqui descritos para confirmar tal conclusão.
3.1.1 Critérios adicionais
Considerando que os critérios estabelecidos inicialmente (sinteticamente: posição na
bacia do país que mais concentra capabilities versus conflito) não são capazes de fornecer
resultados significativos, ao menos enquanto são consideradas apenas as relações de conflito,
é possível, neste momento da pesquisa, dada a finalidade preponderantemente diagnóstica,
tomar em consideração os critérios que outros autores estabelecem a fim de enriquecer os
resultados.
Gleick (1995, p 84-85) afirma que:
As características que tornam a água passível de tornar-se uma fonte de rivalidade estratégica são: (1) o grau de escassez, (2) a medida em que o recurso é compartilhado por mais de uma região ou Estado, (3) o poder relativo dos Estados da bacia, e (4) a facilidade de acesso a fontes alternativas de água doce. (GLEICK, 1995, p. 84-85, versão livre)46
46 The characteristics that make water likely to be a source of strategic rivalry are: (1) the degree of scarcity, (2) the extent to which the water supply is shared by more than one region or state, (3) the relative power of the basin states, and (4) the ease of access to alternative fresh water sources.
50
A escassez (1) é tida pela quase totalidade dos autores como determinante do conflito.
Por isso, será examinada em um quadro próprio, a seguir. Dados sobre acesso a fonte
alternativa de água (4) são de difícil obtenção e, assim, não serão apurados. O poder relativo
(3) é o cerne da pesquisa, e vem sendo analisado com vagar neste capítulo. Finalmente, o grau
de compartilhamento (3) é, certamente, uma variável importante e, aparentemente, uma
relação bastante óbvia, dado que se há um maior número de compartilhadores, há um maior
número de possíveis descontentes. Além disso, o grau de compartilhamento pode ser
observado com facilidade a partir dos dados já expostos. Assim, considerando a média do
número de países por bacia, a amostra indica o seguinte:
a) As bacias com ocorrência de conflito de grau (-1) e (-2) são compartilhadas, em
média, por 3,7 países;
b) As bacias com ocorrência de conflito de grau (-3), (-4) e (-5) são compartilhadas,
em média, por 5 países.
Certamente, em um número tão pequeno de casos os desvios tendem a alterar as
médias significativamente. No entanto, mesmo isolando os grupos por grau47, a relação entre
número de países e grau de conflito parece evidente, como propõe Gleick (1995). Mas se
parece óbvio que dado um maior número de compartilhadores, há um maior número de
possíveis descontentes, é importante testar também a possibilidade de que dado um maior
número de compartilhadores, há um maior número de possíveis cooperadores. Tal
possibilidade será analisada a seguir, em momento oportuno. Em seguida analisa-se a variável
“escassez”.
Há diferentes metodologias empregadas para estimar a escassez de água em uma dada
região ou país. Nesta pesquisa empregam-se os dados do “Environmental Performance Index
2010”(JAY EMERSON ET AL, 2010), especificamente o dado “porcentagem do território
sob stress hídrico” que indica porcentagem do território de um país onde a demanda por
recursos hídricos é superior à oferta.
47 A média de países para o conjunto de bacias de cada grau de conflito é a seguinte: (-1), 2,8 países; (-2), 5 países; (-3), 4,33 países; (-4), 8 países; (-5), 6 países.
51
TABELA 8
Indicações sobre stress hídrico
(continua)
Bacia Grau Países Porcentagem do território sob stress hídrico
África do Sul 58,84
Moçambique 13,44
Incomati – af -1
Suazilândia 4,02
Ucrânia 24,19
Moldávia 54,69
Dniester – eu -1
Polônia 5,56
Alemanha 15,94
Rep. Checa 2,56
Áustria 0
Elbe – eu -1
Polônia 5,56
Espanha 37,06 Lima – eu -1
Portugal 9.96
Espanha 37,06 Tejo – eu -1
Portugal 9.96
Angola 5,5 Kunene – af -2
Namíbia 52,01
Chade 16,44
Níger 28,67
Rep. Centro Africana 0,49
Nigéria 4,66
Argélia 24,47
Sudão 10,67
Camarões 0
Lago Chade – af -2
Líbia 24,67
Canadá 1,66 St. Lawrence –
am
-2
EUA 21,28
Brasil 2,28
Peru 31,5
Bolívia 5,12
Colômbia 2,82
Equador 19,24
Venezuela 9,71
Guiana 0
Amazonas – am -2
Suriname 0
52
TABELA 8
Indicações sobre stress hídrico
(conclusão)
Bacia Grau Países Porcentagem do território sob stress hídrico
Brasil 2,28
Argentina 24,12
Paraguai 23,27
Bolívia 2,12
Prata - ame -3
Uruguai 0
Paquistão 33,35
Índia 33,53
China 19,55
Indus – asi -3
Afeganistão dado indisponível
Rússia 2,06
Estônia 2,51
Letônia 0
Narva - eu -3
Bielorrússia 1,79
Cazaquistão 20,14
Uzbequistão 42,12
Tadjiquistão 14
Quirguistão 20,5
Afeganistão dado indisponível
Turcomenistão 27,92
China 19,55
Mar de Aral – asi -4
Paquistão 33,35
Azerbaijão 31,39
Irã 25,34
Armênia 68,61
Geórgia 7,03
Turquia 13
Kura-Araks - asi -5
Rússia 2,6
Albânia 0
Sérvia e Montenegro 1,57
Drin * - eu -1
Macedônia 0
Fonte: Elaborado pela autora com base em Program in Water Conflict Management and Transformation (2008), Jay Emerson et al (2010)
53
A forma mais simples (e que pela simplicidade traz a vantagem da fácil compreensão
dos resultados) de manipular esses dados a fim de conseguir uma indicação objetiva sobre a
relação entre stress hídrico e conflito é o cálculo da média simples de stress hídrico para o
conjunto de países de cada bacia. Certamente, principalmente nos casos de países com
extensões territoriais maiores, esse método, por não levar em conta a extensão territorial da
bacia em cada país, pode indicar resultados totalmente distintos da realidade de cada região.
No entanto, o próprio dado bruto empregado gera problemas similares como, por exemplo, o
caso do Peru que, com 31,5% de seu território sob stress hídrico, principalmente na região
desértica, é o segundo país em área na bacia do Amazonas, extremamente úmida, mas não
aproveita essa água na área desértica dada a dificuldade de transportá-la através dos Andes;
porém, na análise diagnóstica quantitativa, o dado de 31,5% de território sob stress hídrico
não pode ser desconsiderado.
Assim, temos os seguintes resultados, sendo que os países para os quais não há dados
disponíveis foram desprezados no cálculo:
a) conflito (-1) e (-2): Incomati, 25,5%; Dniester, 28,1%; Drin,0,5%; Elbe, 6%; Lima e
Tejo, 23,5%; Kunene, 28,7%; Lago Chade, 14%; St. Lawrence, 11,4%; Amazonas,
8,8%;
b) conflito (-3) a (-5): Prata, 10,3%; Indus, 28,8%; Narva, 1,6%; Mar de Aral, 25,3%;
Kura-Araks, 24,6%.
Ainda que sejam considerados os problemas dos dados e técnica, não há dúvida de que
a escassez, na amostra, não define o grau de conflito entre os Estados. É evidente que, como
já foi afirmado, a técnica aplicada não permite que a partir dos resultados obtidos com a
Tabela 8 se possam fazer afirmações generalizantes acerca da relação entre escassez de água e
grau de conflito; o que, inclusive, negaria a quase totalidade do que afirmam os principais
teóricos do campo de conhecimento, além do senso comum. No entanto, o que é certamente
possível afirmar é que a escassez, por mais importante, não é necessária para a existência de
conflitos sobre os recursos de bacias hidrográficas, e tampouco suficiente para tal. Os motivos
que levam ao conflito sobre recursos hídricos podem ser completamente diversos de fatores
como escassez ou abundância de água, como os que são ligados, por exemplo, a formas
concorrentes e/ou incompatíveis de uso das águas (geração de energia ou transporte; pesca e
consumo humano ou eliminação de dejetos tóxicos, por exemplo), assim, a escassez não é
condição necessária para o conflito. Ainda, em casos onde os países da bacia mantêm relações
próximas a escassez pode não ser razão suficiente para conflito.
54
3. 1. 2 Síntese da seção
Até este momento verifica-se que na amostra (a) há apenas um caso em que houve
conflito entre os compartilhadores da bacia, mas inexiste um tratado relacionado à bacia; (b) o
número de conflitos em que há movimentos hostis efetivos é baixíssimo, de apenas 5 casos
em 71; (c) não há relação clara entre relações de poder (capabilities), acesso a recursos da
bacia e grau dos conflitos; (d) bacias compartilhadas por um maior número de países tendem a
apresentar conflitos de maior grau; (e) a escassez, como foi medida no presente estudo, não
apresenta relação direta com o grau dos conflitos.
3.2 Cooperação
Como afirmado no capítulo anterior, diversos fatores (físicos, internos aos atores e
ligados à interação entre eles) são relevantes para determinar a capacidade e a disposição para
cooperar, as regras dessa cooperação e o comportamento dos atores (Keohane e Ostrom,
1995). Ainda,
[…] é possível admitir que a cooperação não surge apenas da necessidade de superar conflitos, podendo também ser desenvolvida pelo desejo de exploração conjunta dos recursos. Nesses casos, a criação de normas e procedimentos é facilitada pelo fato de que existe um interesse comum. (SOUZA, 2002, p.9)
Uma das questões centrais discutidas pelos autores consultados é o papel da
heterogeneidade/homogeneidade entre os atores para a cooperação. Martin (1995) e Young
(1995) entendem que a heterogeneidade de preferências e capabilities tende a facilitar a
cooperação a partir da formação de lideranças e possibilidades de ganho por trocas.
Assimetria de interesses ou poder não significa necessariamente conflito de interesses. Problemas de distribuição de ganhos de cooperação, por exemplo, surgem mesmo quando todos os atores têm interesses idênticos. Considere a situação na qual dois indivíduos tentam dividir um dólar entre eles. Presuma que cada um tenha a mesma função utilidade, desejando capturar o máximo possível do dólar para si. Essa situação
55
maximiza o conflito de interesse e ilustra que tais conflitos podem surgir mesmo entre indivíduos homogêneos. Uma divisão igualitária do dólar pode parecer a solução óbvia, mas na verdade qualquer distribuição pode ser um equilíbrio, dependendo das regras do jogo, como a seqüência de ações. 48 (MARTIN, 1995, p. 73, versão livre)
Nos 71 casos da amostra, verifica-se que para 18 deles existe pelo menos um tratado
acerca dos recursos da bacia, e nenhum conflito relatado. A tabela a seguir mostra a relação
entre a concentração de poder e o acesso a recursos dessas bacias, bem como a média simples
da porcentagem do território sob stress hídrico.
48 “[...] asymmetry of interest or power does not always imply increased conflict of interest. Problems of distributing the gains of cooperation, for example, arise even when all actors have identical interests. Consider a situation where two individuals are attempting to divide a dollar between themselves. Assume each has an identical utility function, wishing to capture as much of the dollar for himself as possible. This situation maximizes conflict of interest and illustrates that such conflicts may arise even when individuals are homogeneous. An equal division of the dollar may seem an obvious focal point solution, but in fact almost any distribution can be an equilibrium, depending on the rules of the game, such as sequence of moves.”
56
TABELA 9
Posição relativa dos mais poderosos e stress hídrico
Bacia Número de países na bacia
Posição em relação ao
curso do rio principal do
país com maior concentração de
capabilities
Posição na hierarquia de capabilities do
país com maior acesso aos
recursos da bacia (área da
bacia)
Posição na hierarquia de capabilities do país onde se localiza a nascente
Média simples da
porcentagem do território dos países
membros sob stress hídrico
Okavango - af 4 Nascente 3 º 1 º 27,14
Umbeluzi – af 3 Tributário 2 º 3 º 24,1
Candelária – am 2 Foz 1 º 2 º 15,75
Hondo – am 3 Nascente
(fronteira)
1 º 1 º e 3º (front.) 10,5
Massacre – am 2 Nascente
(fronteira)
2 º 1 º e 2 º (front) 11
St. Croix – am 2 Nascente 1 º 1 º 11,47
St. John – am 2 Nascente 2 º 1 º 11,47
Suchiate – am 2 Foz (fronteira) 2 º 2 º 15,75
Lago Titicaca –
AM
3 não se aplica
(3º em área)
3 º não se aplica 21,77
Klaralven - eu 2 Nascente 1 º 1 º 0,17
Naatamo - eu 2 Foz 1 º 2 º 0,21
Olanga - eu 2 Foz 1 º 2 º 1,24
Rhone - eu 3 Foz 1 º 3 º 8,69
Roia - eu 2 Nascente 1 º 1 º 13
Schelde - eu 3 Nascente 1 º 1 º 27,45
Struma - eu 4 Foz 2 º 2 º 10,63
Torne - eu 2 Nascente 1 º 1 º 0,25
Wista - eu 5 Nascente 1 º 1 º 6,82
Fonte: Elaborado pela autora com base em Program in Water Conflict Management and Transformation (2008),
Jay Emerson et al (2010), Program in Water Conflict Management and Transformation (2002)
A primeira informação que salta aos olhos ao se analisar a Tabela 9 é que o número de
países por bacia é significativamente menor que na tabela 7. A média de países por bacia
passa de 4,33 na tabela 7 para 2,66 na tabela 9. Esse dado certamente reforça a afirmação
anterior, a partir de Gleick (1995), de que há maior tendência a conflito em bacias
compartilhadas por mais Estados. Existem 38 bacias na amostra que não foram examinadas
57
em nenhum dos quadros, dado que não apresentaram relatos de conflito tampouco de
realização de tratados nos bancos de dados consultados. A média de países por bacia neste
caso é de 2,21. Portanto, o que os dados obtidos a partir da amostra, que contém mais de um
quarto das bacias hidrográficas compartilhadas do planeta, permitem afirmar é que nos casos
onde há conflito ligado aos recursos da bacia entre os Estados compartilhadores, o grau de
compartilhamento da bacia/número de países na bacia é significativamente maior do que
naqueles onde não há conflito. Ou seja, o número de países compartilhadores interfere
diretamente na chance de ocorrência de conflito. A diferença do número médio de países
entre as bacias para as quais há tratado e aquelas para as quais não há tratado ou conflito é
bastante pequena e, portanto, inconclusiva.
Em relação à escassez, na seção anterior chegou-se à conclusão de que ela não
apresenta relação direta com o grau dos conflitos. Tomada a média simples entre as
porcentagens de stress hídrico da tabela 7, tem-se 15,8% de território sob stress hídrico. Para a
tabela 9 o resultado é de 12% de território sob stress hídrico. Trata-se de uma diferença
significativa, que torna possível afirmar que ainda que a escassez, como medida neste
trabalho, não pareça influir no grau dos conflitos, é plausível admitir que influa na
probabilidade de conflitos ligados ao acesso a recursos hídricos compartilhados.
Na seção anterior propôs-se a hipótese provisória de que há tendência ao conflito, de
qualquer grau, quando o país com maior concentração de capabilities tem também maior
acesso aos recursos da bacia. No entanto, os dados para os países da tabela 9 podem derrubar
essa hipótese. Em 10 bacias hidrográficas entre as 18 da tabela 9, o que equivale a 55,5%, o
país com maior PIB está localizado na nascente do curso d’água principal. Em relação à área,
em 61,1% dos casos - ou 11 em 18 – a maior área da bacia se localiza no país com maior PIB.
As duas ocorrências concomitantes, controle da nascente e da maior área, se verificam em 7
dos casos, ou 38,8%. Assim, não parece haver relação direta entre a concentração de
capabilities e de acesso a recursos da bacia hidrográfica por um mesmo país e a ocorrência de
conflito ou de cooperação.
Essa conclusão não oferece uma resposta completa aos objetivos da pesquisa. A
hipótese central a ser testada é, pois, que os interesses dos países com maior concentração de
capabilities são determinantes para a construção dos acordos para uso compartilhado de
recursos hídricos de bacias transfronteiriças, e que Estados com maiores vantagens sobre o
acesso a recursos de bacias transfronteiriças só conseguem sobrepor-se aos hegêmonas
regionais quando o grau de assimetria entre os mesmos não é alto. Os números acima nada
58
nos dizem acerca dos interesses dos países. No entanto, a ausência de relação clara entre
concentração de poder e conflito ou cooperação é, certamente, um dado a se considerar.
3.2.1 Heterogeneidade de recursos
Finalmente, esta seção trata da análise do grau de heterogeneidade quanto a recursos
entre os Estados compartilhadores das bacias. Diferentes autores abordam a questão da
heterogeneidade de capabilities e sua influência na cooperação internacional, mas não há
consenso sobre seus resultados. Entre tais autores, Martin (1995) entende que, via de regra, a
heterogeneidade facilita a cooperação, e Snidal (1995) defende que há ocasiões em que a
homogeneidade entre os compartilhadores de um CPR conduz à cooperação. A compreensão
dessa divergência, para o autor, é facilitada a partir da análise da importância da estrutura
institucional, uma vez que, segundo ele, as várias formas de heterogeneidade podem ser
afetadas por arranjos institucionais políticos e sociais pertinentes.
A mais profunda solução reside no fato de que diferentes configurações institucionais não só mediam as características chave dos atores, mas as determinam. [...] o número e a heterogeneidade dos atores não são puramente exógenos determinantes da cooperação, mas são codeterminados juntamente com outros aspectos do âmbito institucional. 49 (SNIDAL, 1995, p. 48, versão livre.)
Não são interessantes, nesse momento, os aspectos institucionais. No entanto, a fim de
avaliar se na amostra são perceptíveis tendências à cooperação ou ao conflito a partir da
heterogeneidade de capabilities é possível empregar comparação similar àquela dos quadros
anteriores. Neste caso, optou-se por medir a heterogeneidade de capabilities usando como
indicador apenas o PIB de acordo com a taxa de câmbio oficial. O cálculo empregado é a
proporção (razão) entre o maior e o menor PIB entre os países da bacia.
Em primeiro lugar, a tabela ilustrativa das bacias para as quais há tratados e, na
seqüência, aquela das bacias onde há ocorrência de conflito.
49 “The deeper resolution lies in the fact that different institutional settings not only mediate key actor characteristics but determine them. [...] the number and heterogeneity of actors are not purely exogenous determinants of cooperation but rather are codetermined along with other aspects of institutional scope.”
59
TABELA 10
Razão entre maior e menor PIB entre os países das bacias em que há tratados
Bacia Razão
Okavango 19,6
Umbeluzi 94,7
Candelária 27,5
Hondo 714,2
Massacre 7,1
St Croix 10,8
St John 10,8
Suchiate 27,5
Lago Titicaca 8,5
Klaralven 1,1
Naatamo 1,5
Olanga 5,2
Rhone 5,4
Roia 1,2
Schelde 5,7
Struma 38,3
Torne 1,7
Wista 9,3
Fonte: Elaborado pela autora com base em Central Intelligence Agency (2009)
60
TABELA 11
Razão entre maior e menor PIB entre os países das bacias em que há conflito
Bacia Razão
Incomati 94,7
Dniester 79,4
Elbe 17,1
Lima 6,6
Tejo 6,6
Kunene 7,7
Lago Chade 83,4
St Lawrence 10,8
Amazonas 1238
Prata 108,8
Indus 357,4
Narva 67,4
Mar de Aral 1016,4
Kura-Araks 140
Drin 4,8
Fonte: Elaborado pela autora Central Intelligence Agency (2009)
TABELA 12
Distribuição em intervalos dos resultados das Tabelas 10 e 11
Intervalo de valores da razão entre o maior e o menor PIB
nas bacias
Quadro 5 – Bacias com registro de tratados (total: 18)
Quadro 6 – Bacias com registro de conflito (total: 15)
0 – 15 12 5
15 – 50 4 1
50 – 100 1 450
> 100 1 4
Fonte: Elaborado pela autora com base em Program in Water Conflict Management and Transformation (2008)
50 Entre os casos deste grupo está a China, que tem 0,15% da área do Mar de Aral. Sem ela, a razão entre maior e menor PIB seria de 28,8. A distorção, neste caso, é de quase 45 vezes. No entanto, apesar deste tipo de distorção, previsível, dado o modelo quantitativo, a opção por considerar ou desconsiderar dados de países com participação inferior a 1% das bacias deve ser uniforme. Desconsiderar a China implicaria na necessidade de desconsiderar, por exemplo, Venezuela, Guiana e Suriname na bacia do rio Amazonas. No entanto, não deixa de ser relevante apontar tais distorções extremas.
61
Como a tabela 12 deixa evidente, a heterogeneidade de capabilities, pelo menos em
relação às capabilities econômicas51, é significativamente maior entre os países de bacias com
ocorrência de conflito. É importante relembrar, no entanto, que neste grupo de bacias só existe
um caso em que há registro de conflito sem que exista pelo menos um tratado relacionado à
bacia. Assim, se por um lado os dados apresentados nas tabelas acima permitem concluir com
tranqüilidade que a maior heterogeneidade em relação a capabilites entre os Estados que
compartilham uma mesma bacia hidrográfica está relacionada à ocorrência de conflitos
sobre os recursos desta bacia, é importante reforçar que essa heterogeneidade não é
impedimento para a cooperação.
3.3 Considerações finais
A pesquisa diagnóstica demonstrada ao longo deste capítulo foi capaz de esclarecer
diferentes questões relacionadas ao conflito e cooperação sobre recursos hídricos
compartilhados. A questão mais superficial, mas que perpassa uma percepção corrente tanto
entre estudiosos da área de recursos hídricos e cooperação internacional quanto do senso
comum, é a idéia de que a crescente escassez de água já motiva muitos conflitos e, no futuro
próximo, pode motivar guerras. Entre as bacias selecionadas para amostra estudada nesta
pesquisa, obtida por seleção aleatória, só foram identificados dois casos de conflito com alto
grau de hostilidade entre as partes: Kura-Araks e Mar de Aral. Nos dois casos, não se pode
isolar a questão hídrica como origem de quaisquer indisposições entre os países das bacias.
A água é um recurso limitado, mas que, com uso adequado, não é esgotável. No
entanto, a água é indispensável para o funcionamento de todos os setores da sociedade, da
economia e o meio ambiente, e cerca de 40% da população mundial vive em áreas de bacias
transfronteiriças. Por tudo isso, afirma Homer-Dixon (1995), a percepção de que o risco de
“guerras por água” está crescendo é comum. O entendimento do autor, assim como demonstra
esta pesquisa, é de que se trata de uma percepção equivocada.
51 Na amostra estudada, disponível em detalhes nos arquivos anexos, fica claro que para a quase totalidade dos grupos de países aquele com maior PIB é também o que tem maior gasto militar. A variação ocorre com maior freqüência em relação a território, população, PIB per capita e homens capazes para o serviço militar. Nesta seção opta-se por empregar apenas o PIB devido às dificuldades de se quantificar a importância relativa de cada um dos indicadores citados em um índice único.
62
A história é mais complicada do que parece à primeira vista. As guerras por águas fluviais entre vizinhos a montante e a jusante são provaveis apenas em um pequeno conjunto de circunstâncias: o país a jusante deve ser altamente dependente da água para o seu bem-estar nacional; o país a montante deve ser capaz de restringir o fluxo do rio; deve haver uma história de antagonismo entre os dois países e, mais importante, o país a jusante deve ser militarmente mais forte do que o país a montante. Há, de fato, muito poucas bacias hidrográficas em todo o mundo onde todas estas condições se verificam. (HOMER-DIXON, 1995, p.1, versão livre. ) 52
Certamente não é papel desta pesquisa testar as proposições de Homer-Dixon.
Contudo, é plenamente razoável a idéia de, em uma situação de escassez, um país com poucos
recursos localizado à jusante de um país poderoso não ser capaz de fazer muito mais do que
pedir para que o país a montante não prejudique seu acesso a água. Segundo o autor, esse tipo
de alarmismo quanto a “guerras por água” é, além de infundado, prejudicial.
Este sensacionalismo distrai a atenção do público dos resultados reais da escassez de água. Os períodos de escassez reduzem a produção de alimentos, agravam a pobreza e a doença, estimulam grandes migrações, e minam a autoridade moral de um Estado e sua capacidade para governar. Com o tempo, essas tensões podem rasgar o tecido social de uma sociedade pobre, causando agitação popular crônica e violência. (HOMER-DIXON, 1995, p.2, versão livre 53)
“Conflito” significa muito mais que “guerra”. Divergências e desentendimentos,
conflitos em grau bastante leve, são relativamente comuns entre países que compartilham
bacias hidrográficas. No entanto, a existência de pelo menos um tratado entre os países
compartilhadores de 14 entre as 15 bacias em que há registro de conflito na amostra estudada
demonstra que a disposição ou necessidade de cooperar independe dos desentendimentos.
Esperava-se constatar, com esta pesquisa diagnóstica, algum tipo de relação entre a
localização do país mais poderoso da bacia em relação ao curso d’água da mesma e a
ocorrência de conflitos. Isto não foi possível. É notável, inclusive, que o país com maior
concentração de recursos de poder na bacia é, muito freqüentemente, aquele que controla a
nascente e/ou a maior parte da área da mesma, sem que isso implique em variação nos casos 52 The story is more complicated than it first appears. Wars over river water between upstream and downstream neighbors are likely only in a narrow set of circumstances: the downstream country must be highly dependent on the water for its national wellbeing; the upstream country must be able to restrict the river's flow; there must be a history of antagonism between the two countries; and, most importantly, the downstream country must be militarily much stronger than the upstream country. There are, in fact, very few river basins around the world where all these conditions hold. 53 This sensationalism distracts the public's attention from the real results of water scarcity. Shortages reduce food production, aggravate poverty and disease, spur large migrations, and undermine a state's moral authority and capacity to govern. Over time, these stresses can tear apart a poor society's social fabric, causing chronic popular unrest and violence.
63
de conflito ou acordo entre os países. É provável que, como sustentam alguns dos autores
citados, a disposição para cooperar esteja ligada a outras variáveis, principalmente de
interdependência, e que o contexto institucional no qual se dá a interação dos países quanto a
seus recursos compartilhados possa atender melhor aos interesses dos países mais poderosos.
No caso dos países com maior concentração de capabilities e maior acesso aos recursos da
bacia, seja em relação à área ou à nascente, é plausível supor que eles, como atores mais
interessados, aceitem bancar a maior parte dos custos decorrentes do uso compartilhado (com
ou sem presença de mecanismos formais de cooperação) em função não apenas da
necessidade como também da possibilidade de trocas em outros campos de relacionamento
com os demais co-usuários da bacia.
Esperava-se, também, que a escassez se destacasse como variável importante ou
central para a ocorrência de conflitos. Não foi possível medir a escassez por bacia, pois não
foram encontrados dados desse tipo para todos os casos considerados. No entanto, a partir da
média de território sob stress hídrico dos países das bacias, os dados obtidos apontam para a
importância da escassez em geral na ocorrência de conflitos. Mas maior grau de escassez não
parece implicar maior grau de conflito.
Outra conclusão obtida a partir do estudo diagnóstico é relativa à importância do
número de compartilhadores para a ocorrência de conflito. Ficou demonstrado que as
ocorrências de conflito encontradas estão em bacias compartilhadas por um maior número de
países e, ainda, que o maior número de compartilhadores parece estar ligado a conflitos de
maior grau.
Finalmente, os resultados demonstram que não há relação clara entre as relações de
poder, acesso a recursos da bacia e o grau dos conflitos. Mas a maior heterogeneidade em
relação a capabilites entre os Estados que compartilham uma mesma bacia hidrográfica está
relacionada à ocorrência de conflitos sobre os recursos desta bacia. Ou seja, em bacias
compartilhadas por Estados significativamente desiguais a ocorrência de conflitos é maior.
Mais uma vez, dada a importância conferida pelos autores consultados à questão, é importante
reforçar que essa heterogeneidade não é impedimento para a cooperação, dado que
divergências e acordos se verificam concomitantemente na imensa maioria dos casos.
64
4 A DISPUTA POR TESOUROS – RESULTADOS DE PESQUISAS SIMILARES E O
CASO DO RIO NILO
Existem pouquíssimas pesquisas que avaliam indicadores, principalmente
quantitativos, de conflito/cooperação em um grande número de bacias hidrográficas,
especialmente em bacias internacionais. “Os trabalhos existentes geralmente são estudos das
bacias de mais volatilidade e excluem análises sobre cooperação [...] e definições precisas de
conflito” (YOFFE; WOLF; GIORDANO, 2003, p. 1109, versão livre54)
Apesar da ampla literatura teórica e descritiva a respeito de conflito sobre recursos, conflito em geral e especificamente conflito sobre água, poucos estudos empíricos sistemáticos têm sido realizados. Isso é surpreendente, considerando a importância do tema e o tom alarmista do debate público. (GLEIDITSCH; BROCHMAN; 2006, p.4, versão livre55)
Entre as poucas pesquisas realizadas, as de Toset, Gleiditch e Hegre (2000) e Yoffe,
Wolf e Giordano (2003) são representativas por considerarem todas as bacias internacionais56.
O que esses estudos e a presente pesquisa têm em comum é indicar que conflitos por recursos
hídricos são menos comuns, mais pontuais, menos graves do que o senso comum faz supor.
Em relação ao primeiro estudo citado, os autores analisam países vizinhos, divididos
em duplas, que compartilham o rio principal das bacias seja como fronteira ou como relação
montante/jusante. As hipóteses propostas pelos autores foram:
(i) As demais variáveis sendo iguais, países que dividem um rio têm mais conflito bilateral; [...] (ii) Quanto maior o número de rios compartilhados entre dois países, maior a probabilidade de conflito entre eles; [...] (iii) Entre países compartilhadores de rios, aqueles em situações do tipo montante/jusante têm mais conflitos bilaterais; [...] (iv) A relação entre rios compartilhados em fronteiras e conflito é acentuada ao longo do tempo; [...] (v) As demais variáveis sendo iguais, dois países contíguos com escassez de água têm maiores chances de ter conflito; [...] (vi) A escassez de água
54
Existing work often consists of case studies from the most volatile basins and excludes examination of cooperation, spatial variability, and precise definitions of conflict. 55 Despite the extensive theoretical and descriptive literature on resource conflict in general and water conflict specifically, few systematic empirical studies have been conducted. This is surprising, considering the importance of the issue and the alarmist tone of the public debate. 56 Os autores empregam metodologias distintas para identificar quantas e quais seriam essas bacias. Na presente pesquisa, o banco de dados a partir do qual a amostra é montada é o mesmo empregado por Yoffe e Wolf. Ainda, o artigo citado (Yoffe, Wolf e Giordano, 2003) é apenas um dos vários trabalhos que divulgam os resultados da pesquisa liderada por Yoffe e Wolf, entre outros, na Oregon State University, EUA.
65
aumenta a relação entre o compartilhamento de rios e conflito bilateral. (TOSET; GLEIDITCH; HEGRE, 2000, p. 979-981, versão livre57)
Os resultados da pesquisa confirmam praticamente todas as relações propostas,
principalmente quanto à escassez. Sendo o resultado mais expressivo o de que entre duplas de
países onde há escassez em pelo menos um deles, o risco de conflito é aproximadamente
quatro vezes maior do que em duplas onde não há escassez. No entanto, os autores afirmam
que:
Nesse momento, não temos muitas evidências sólidas para afirmar que o compartilhamento de um rio seja uma importante fonte de conflito armado, ou que a escassez de água seja a única ou mesmo a principal questão que leve à ocorrência de tais conflitos. (TOSET; GLEIDITCH; HEGRE, 2000, p. 993, versão livre58)
Na pesquisa citada, a possibilidade de cooperação é vista de forma particular. Para os
autores, existem dois cenários distintos sobre os quais os estudos a respeito de conflito sobre
recursos hídricos compartilhados são realizados. O cenário de conflito prevê crescimento da
escassez de água e, como conseqüência, aumento dos conflitos potenciais. Nesse cenário o
acesso a água é uma questão de segurança nacional. O cenário alternativo é o da cooperação,
que “enquanto admite livremente a possibilidade de conflito, nega sua inevitabilidade”
(TOSET; GLEIDITCH; HEGRE, 2000,p. 976, versão livre59). Ou seja, os autores consideram
a possibilidade de arranjos cooperativos para o compartilhamento de rios e entendem que ela
pode ser exitosa – principalmente se o esforço de cooperação destinar-se a solucionar ou
remediar problemas de qualidade da água, e não de quantidade.
Em rios onde há um problema de qualidade, como o Reno e o Colorado, há um grande incentivo para cooperação entre os Estados ribeirinhos. No Nilo e no Ganges, caracterizados por um problema de quantidade, os incentivos para a cooperação são menos óbvios. Nestes casos, negociações tendem a ser bilaterais, e ameaças militares e boicotes tornam-se rotineiramente parte do comportamento de barganha. (TOSET; GLEIDITCH; HEGRE, 2000, p. 997, versão livre60)
57 Everything else being equal, countries that share a river have more dyadic conflict behavior; The more shared rivers between two countries, the higher the probability of conflict behavior between them; Among countries with shared rivers, upstream/downstream situations have more dyadic conflict behavior; The relationship between shared river boundaries and conflict is accentuated over time; Everything else being equal, two contiguous countries with water scarcity are more likely to have conflict behavior; Water scarcity increases the extent to which river-sharing is associated with dyadic conflict behavior. 58 At this stage we do not have much solid evidence for saying that sharing a river provides a major source of armed conflict, or that water scarcity is the only or even the main issue in whatever such conflicts do occur. 59 While freely admitting the possibility of conflict, it denies its inevitability. 60 In rivers where there is a quality problem, such as in the Rhine or the Colorado River, there is a strong incentive for cooperation among the riparian states. In the Nile and Ganges, characterized by a quantity problem,
66
A partir de metodologia diversa, Yoffe, Wolf e Giordano (2003) chegaram a
conclusões bastante semelhantes. Os autores buscaram indicadores históricos de conflito e
cooperação sobre recursos hídricos transfronteiriços com a finalidade de avaliar as bacias com
potencial para conflitos futuros. Empregaram dados biofísicos, socioeconômicos, e
geopolíticos e compararam com uma base de dados de “incidentes” de cooperação ou conflito
ligados a recursos hídricos compartilhados61. Os autores resumem suas conclusões a seguir:
As relações internacionais sobre os recursos de água doce foram extremamente cooperativas e cobriram uma ampla gama de assuntos, incluindo a quantidade de água, a qualidade da água, a gestão conjunta e hidrelétricas. Relações conflitivas tenderam a centrar-se na quantidade e na infra-estrutura. Nenhum indicador único - incluindo o clima, o stress hídrico, o tipo de governo, e a dependência da água para a agricultura ou energia - explicou conflito/cooperação sobre a água. Mesmo indicadores mostrando uma correlação significativa com o conflito pela água, como densidade populacional, baixo PIB per capita e relações internacionais em geral hostis, explicam apenas uma pequena porcentagem da variabilidade dos dados. Os conjuntos mais promissores de indicadores para o conflito sobre água foram os associados à rápida ou extrema mudança física ou institucional dentro de uma bacia (por exemplo, grandes barragens ou internacionalização de uma bacia) e o papel fundamental dos mecanismos institucionais, tais como tratados para água doce, no sentido de mitigar tais conflitos. (YOFFE; WOLF; GIORDANO, 2003, p. 1109, versão livre62)
O objetivo do estudo, identificar bacias com potencial para conflitos futuros, gerou
uma classificação de três conjuntos de bacias. O primeiro é o daquelas onde os países
compartilhadores estão em processo de negociação de conflitos presentes – Mar de Aral, Nilo,
Tigre-Eufrates e Jordão. Existem tratados para todas essas bacias, mas eles não incluem a
totalidade dos compartilhadores. O segundo agrupa bacias onde se verificam grandes projetos
de desenvolvimento ou outras condições que levem ao stress hídrico, e existem evidências e
demonstrações de conflito/tensão entre os compartilhadores devido a tais acontecimentos. São
the incentives for cooperation are less obvious. In these cases, negotiations tend to be bilateral, and military threats and boycotts routinely become part of the bargaining behavior. 61 A mesma base de dados empregada na pesquisa amostral do presente trabalho. 62 International relations over freshwater resources were overwhelmingly cooperative and covered a wide range of issues, including water quantity, water quality, joint management, and hydropower. Conflictive relations tended to center on quantity and infrastructure. No single indicator – including climate, water stress, government type, and dependence on water for agriculture or energy – explained conflict/cooperation over water. Even indicators showing a significant correlation with water conflict, such as high population density, low per capita GDP, and overall unfriendly international relations, explained only a small percentage of data variability. The most promising sets of indicators for water conflict were those associated with rapid or extreme physical or institutional change within a basin (e.g., large dams or internationalization of a basin) and the key role of institutional mechanisms, such as freshwater treaties, in mitigating such conflict.
67
elas: Asi/Orontos, Ganges-Brahmaputra, Han, Indo, Kune, Lago Chade, Mekong, Okavango,
Salween e Senegal. O terceiro grupo, maior, possui também alterações que podem levar a
conflito, mas ainda sem evidência de tensões entre as partes.
Ainda, outro estudo interessante particularmente pela sua amostra é o de Kliot,
Shmueli e Shamir (2001), que examina a natureza, as características e os resultados dos
arranjos institucionais adotados por compartilhadores de 12 bacias transfronteiriças - Mekong,
Indo, Ganges–Brahmaputra, Nilo, Jordão, Danúbio, Elbe, Rio Grande, Colorado, Rio da
Prata, Senegal e Niger. Os autores indicam como motivo da escolha da amostra o fato de tais
bacias terem “desenvolvido instituições elaboradas para a gestão de seus recursos hídricos
transfronteiriços” (KLIOT; SHMUELI; SHAMIR, 2001, p.231, versão livre)63. Muitas delas,
no entanto, são objeto de conflito entre seus compartilhadores. Após apontar os principais
obstáculos para a cooperação e analisar os casos das 12 bacias citadas a partir das instituições
internacionais criadas para sua gestão, os autores apresentam uma conclusão bastante
otimista: “As muitas instituições que regem a gestão dos recursos hídricos transfronteiriços
apontam para o fato de que muitos países em bacias hidrográficas são capazes de superar suas
diferenças e cooperar para o benefício de todos.” (KLIOT; SHMUELI; SHAMIR, 2001,
p.230, versão livre)64
No capítulo anterior foram expostas as condições nas quais Homer-Dixon (1995)
acredita serem prováveis as guerras por águas fluviais em bacias internacionais: grande
dependência do país a jusante, capacidade de contenção do fluxo d’água pelo país a montante,
capacidade militar superior do país a jusante, e histórico de inimizade entre eles. Segundo o
autor,
Há, de fato, muito poucas bacias hidrográficas em todo o mundo onde todas estas condições se verificam. O exemplo mais óbvio é o Nilo: O Egito é totalmente dependente das águas do rio, tem relações historicamente turbulentas com seus vizinhos a montante, Sudão e Etiópia, e vastamente mais poderoso que qualquer um deles. E, certamente, o Egito ameaçou várias vezes recorrer à guerra para garantir um suprimento adequado de águas do Nilo. Porém, mais comum é a situação do Ganges, onde a Índia construiu uma enorme barragem – a barragem Farakka – com consequências devastadoras para as terras de cultivo a jusante, para a pesca e para cidades em Bangladesh. Bangladesh é tão débil que o máximo que pode fazer é pedir à Índia que libere mais água. Há pouca chance de uma guerra por água aqui entre países a montante e a jusante. O mesmo é verdadeiro para outras bacias hidrográficas
63 […] developed elaborate institutions for the management of their transboundary water resource. 64 The many institutions which govern the management of transboundary water resources point to the fact that in many river basins countries are able to overcome their differences and co-operate to the benefit of all.
68
onde alarmistas falam de guerras iminentes, incluindo Mekong, Indo, Paraná e Eufrates. (HOMER-DIXON, 1995, p. 1-2, versão livre.65)
Artigos citados acima tratam de algumas bacias em comum, apontando-as, por
diferentes motivos como centrais no estudo de conflito/cooperação. Entre elas, Nilo, Indo e
Ganges-Brahmaputra que, pela relevância claramente apontada nos estudos acima, serão
estudadas com maior vagar no presente trabalho. Nenhuma dessas bacias faz parte do
conjunto analisado na pesquisa diagnóstica amostral. No entanto, já foram estudadas por um
considerável número de autores, ampliando as possibilidades de acesso a informações sobre
as mesmas. Além disso, são contextos bastante distintos (no caso do Nilo, o país com maior
concentração de capabilities está na foz e é imensamente dependente das águas do rio; no
Ganges-Brahmaputra a dependência também ocorre, mas o país da foz é extremamente fraco
se comparado àquele que o antecede em relação ao fluxo do rio; e o Indo se localiza junto a
uma fronteira extremamente conturbada por conflitos territoriais e políticos) que possibilitam
a exploração da teoria estudada de forma ampla.
É importante destacar que nem todos os autores apresentam a mesma visão sobre essas
bacias. Sobre a bacia do rio Indo, por exemplo, Yoffe, Wolf e Giordano (2003) a apontam
como tendo alto potencial para conflito, enquanto Homer-Dixon (1995) afirma que há pouca
probabilidade de que nela ocorram conflitos mais graves. E, enquanto Toset, Gleiditch e
Hegre (2000) identificam poucos incentivos à cooperação nas bacias do Nilo e do Ganges-
Brahmaputra, Kliot, Shmueli e Shamir (2001) ressaltam os progressos, mesmo em situações
desfavoráveis, atingidos pelos esforços cooperativos.
Se mesmo entre autores que realizaram pesquisas extensas em termos tanto de amostra
quanto de conjunto de variáveis não há consenso, cabe a este trabalho oferecer uma nova
visão, informada pelos resultados das pesquisas precedentes, mas a partir do conjunto teórico
específico, já proposto. Assim, o primeiro estudo de caso, a bacia do rio Nilo, será
65 There are, in fact, very few river basins around the world where all these conditions hold. The most obvious example is the Nile: Egypt is wholly dependent on the river's water, has historically turbulent relations with its upstream neighbors Sudan and Ethiopia, and is vastly more powerful than either. And, sure enough, Egypt has several times threatened to go to war to ensure an adequate supply of Nile waters. But more common is the situation along the Ganges, where India has constructed a huge dam – the Farakka Barrage -- with devastating consequences on downstream cropland, fisheries, and villages in Bangladesh. Bangladesh is so weak that the most it can do is plead with India to release more water. There is little chance of a water war here between upstream and downstream countries. The same holds true for other river basins where alarmists speak of impending wars, including the Mekong, Indus, Pirana (sic), and Euphrates.
69
apresentado abaixo, seguido, no capítulo posterior, da análise da bacia do rio Indo e de
considerações breves sobre o rio Ganges66.
4.1 A bacia do rio Nilo
De acordo com Mason (2004) é possível sintetizar o conflito atual no Nilo a partir dos
seguintes fatos: o Egito é 95% dependente da água de países a montante; 85% desta água vem
da Etiópia; a Etiópia pretende utilizar mais do seu volume de águas. Assim, o Egito, o mais
forte militar e economicamente entre os países da bacia, teme pelas repercussões da redução
do volume de águas do Nilo que chega a seu território. Todos os países têm apontado maior
demanda de recursos hídricos, gerando um impasse que vem sendo negociado desde o final da
década de 1990 sem sinal de êxito.
É relevante notar que, do ponto de vista geopolítico, a bacia do Nilo fica no nordeste
africano, junto à região chamada de Chifre da África, e próxima ao Oriente Médio. É uma
área que recebe especial atenção internacional devido a sua volatilidade, visto que “conflitos
emergindo lá podem espalhar instabilidade política, social e econômica para as áreas
vizinhas” (KAMERI-MBOTE, 2007, p. 3, versão livre67).
O Nilo é o rio mais longo do mundo. Da nascente mais distante à foz, ele percorre
6695 km. A área total da bacia do Nilo é de 3.031.700 km² (o que equivale aproximadamente
ao território da Índia, sétimo maior país do mundo, ou 10% da área do continente africano).
Como é formado pelo encontro de dois fluxos de água com origens distintas, o rio
normalmente é dividido em duas porções, o Nilo Branco e o Nilo Azul, além do curso
principal. A nascente mais distante é a do Nilo Branco, que fica em Ruanda e é a maior fonte
de águas para o Lago Vitória (entre Tanzânia, Uganda e Quênia). Do lago, o rio segue para o
norte, por Uganda e Sudão, chegando a Khartoum, onde encontra o Nilo Azul. Este, mais
curto, tem origem a leste, no Lago Tana, localizado no planalto da Etiópia. O rio entra no
Sudão e o fluxo segue a noroeste até Khartoum. A participação do Nilo Branco e do Nilo
Azul no volume total de águas que chega a foz varia durante o ano, sendo que o segundo é o
maior provedor de águas, chegando a representar 85% do volume total em Kharthoum,
66
O rio Ganges seria, originalmente, examinado em separado, como um estudo de caso independente. No entanto, como trata-se de um caso menos complexo e que oferece menores possibilidades analíticas, optou-se por explorá-lo apenas como contraponto ao caso do rio Indo. 67 Conflicts emerging here might spread political, social, and economic instability into the surrounding areas.
70
tomada a média anual (OLOO, 2007). No entanto, durante a estação seca as chuvas na Etiópia
são raras, e o Nilo Branco torna-se a maior fonte de água para o curso principal do Nilo. De
Khartoum, no Sudão, o rio segue pelo Egito até sua foz, no Mar Mediterrâneo. (NILE BASIN
INITIATIVE, s.d.)
Dez países têm porções da bacia do Nilo em seus territórios e, apesar de o rio ser
freqüentemente lembrado como fonte do desenvolvimento e prosperidade do Egito Antigo,
entre esses dez países, oito (Burundi, República Democrática do Congo, Eritréia, Etiópia,
Ruanda, Sudão, Uganda e Tanzânia) fazem parte do grupo de “países menos desenvolvidos”
das Nações Unidas. Isso significa que estão entre os países mais pobres do mundo (o grupo,
atualmente, conta com 49 países), com baixíssima renda per capita, precários indicadores de
desenvolvimento humano e socioeconômico, e grande vulnerabilidade econômica.
(ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O ALTO REPRESENTANTE PARA OS
PAÍSES MENOS DESENVOLVIDOS, s.d.)
A variabilidade hidrológica e geográfica da bacia do Nilo é acompanhada pelas diferenças socioeconômicas entre os países. A gama de níveis de renda e as diferenças estruturais entre as economias nacionais abrangem desde o Egito – país de renda média, com setor industrial em desenvolvimento – em um extremo da escala, a vários países a montante que no sentido econômico são uma fração do Egito e que são prejudicados por endividamento, economias estáticas ou em declínio, e enormes externalidades causadas, entre outras coisas, por conflitos internos e o impacto de doenças como HIV/AIDS e malária. (NICOL, 2003, p. 18, versão livre)68
Segundo Oloo (2007) Burundi, Ruanda, Uganda, Sudão e Egito são intensa ou
completamente dependentes das águas do Nilo, enquanto os demais países da bacia contam
com outras fontes de água. O principal uso econômico das águas da bacia do Nilo é a
agricultura. Todos os países da bacia têm economias fortemente agrícolas, mas apenas o Egito
e o Sudão empregam sistemas de irrigação de larga escala. A importância relativa da
agricultura na economia dos países é variável. Segundo Nicol (2003) 42% da população do
Egito trabalha no setor agrícola. No Sudão e no Congo esse número sobe para entre 70 e 75%,
e nos demais países chega a 90% da população.
A seguir estão um mapa da bacia e a Tabela 13, que contém dados sobre a distribuição
territorial da bacia entre os dez países, além de população, área e PIB dos mesmos. 68 The hydrological and geographical variability of the Nile Basin are matched by socioeconomic differences between countries. The range of income levels and the structural differences between national economies spans Egypt – a middle-income, industrializing nation – at one end of the scale, to many upstream states that in an economic sense are a fraction of the size of Egypt and are weighed down by debt, static or declining economies, and huge externalities caused, amongst other things, by internal conflict and the impact of diseases such as HIV/AIDS and malaria.
71
Figura 2 – mapa da bacia do rio Nilo Fonte: Wolf e Newton (2008)
72
TABELA 13
Dados sobre os países da bacia do rio Nilo
País Área da bacia no país (km²)
Porcentagem da área da bacia no país
Território (km²)
População PIB (US$)
Sudão 1.929.300 63,64 2.505.813 43.939.598 98,79 bi Etiópia 356.000 11,74 1.104.300 88.013.491 84,02 bi Egito 277.000 9,14 1.001.450 80.471.869 500,9 bi Uganda 238.500 7,87 241.038 33.398.682 41,7 bi Tanzânia 120.200 3,96 947.300 41.892.895 62,22 bi Quênia 50.900 1,68 580.367 40.046.566 65,95 bi Rep. Dem. Congo
21.400 0,71 2.344.858 70.916.439 22,92 bi
Ruanda 20.700 0,68 26.338 11.055.976 11,84 bi Burundi 12.900 0,43 27.830 9.863.117 3,418 bi Eritréia69 3.500 0,12 117.600 5.792.984 4,178 bi Fonte: Elaborado pela autora, a partir de Program in Water Conflict Management and Transformation (2002), Central Intelligence Agency (2009)
O contexto da região do Nilo é de grande desigualdade e intensa dependência dos
recursos da bacia. É ainda relevante o fato de que estimativas apontam que a população da
região deve dobrar nos próximos 15 (ARSANO, 2010) ou 25 anos (KAMERI-MBOTE,
2007)70. A disponibilidade de água é também um problema para alguns desses países, mas
principalmente em regiões desérticas, fora da bacia do Nilo. Os dados sobre porcentagem do
território sobre stress hídrico para a região são os seguintes: Egito 25,46%; Etiópia 18,16%;
Quênia 13,86%; Tanzânia 10,84%; Sudão 10,67%; Uganda 1,35%; Burundi, Ruanda, Congo
e Eritréia 0%. (JAY EMERSON ET AL, 2010).
O Nilo que sustentou a população do Egito por mais de cinco mil anos, cujos ciclos de
secas e cheias geraram ascensões e quedas de dinastias, que atraiu a atenção do império
romano, macedônio, turco, persa, bizantino e, mais recentemente, da França de Napoleão e do
império colonial britânico, não é só visto de forma romantizada como uma “jóia” no norte da
África, mas é, de fato, um recurso de imenso valor – no caso do Egito e do Sudão, o rio é a
base da existência dos países. (OKOTH, 2007). O histórico de tratados internacionais a
69 A base de dados International River Basin Registry (PROGRAM IN WATER CONFLICT MANAGEMENT AND TRANSFORMATION, 2002) indica ainda a República Centro Africana como parte da bacia. Com 1200 km² da área da bacia no país, o equivalente a 0,04% da bacia do Nilo. O país tem 622.984 km² de território, população de 4844.927 habitantes, e PIB de 3.468 bilhões de dólares. 70 Diferentes autores consultados apontam a possibilidade de agravamento dos conflitos na região devido a fenômenos ligados às mudanças climáticas. No entanto, tais fenômenos não são considerados nesta pesquisa por serem em grande parte hipóteses sobre as quais não há consenso.
73
respeito das águas do Nilo deixa muito clara a preocupação dos países a jusante em manter
controle sobre o volume de águas do rio.
O Quadro 1, a seguir, apresenta uma síntese desses tratados.
Ano Países Resumo do acordo 1891 Grã-Bretanha e
Itália Demarcação de esferas de influência das potências coloniais no leste da África. A Itália se compromete a não desenvolver projetos de irrigação que afetem significativamente o fluxo do afluente Atbara para o Nilo.
1902 Grã-Bretanha e Itália; Itália e Etiópia.
Tratado sobre fronteiras no qual o imperador Menelik II, da Etiópia, se compromete a não construir ou permitir a construção de quaisquer obras ao longo do Nilo Azul, lago Tana ou rio Sobat que possa reduzir o fluxo de águas para o Nilo – a não ser com o consentimento da Grã-Bretanha e do Sudão Anglo-Egípcio71.
1906 Grã-Bretanha e Congo
O Congo se compromete a não construir ou permitir a construção de quaisquer obras que afetem os rios Simliki e Isango, podendo reduzir a volume de águas do lago Albert, a não ser com o consentimento do Sudão Anglo-Egípcio.
1925 Grã-Bretanha e Itália
O governo italiano reconhece os direitos previamente adquiridos por Egito e Sudão em relação às águas do Nilo Azul e Nilo Branco, e se compromete a não construir nas nascentes desses rios ou em seus afluentes quaisquer obras que possam modificar substancialmente seus fluxos para o Nilo principal.
1929 Grã-Bretanha e Egito (este, em nome de Sudão, Quênia, Tanganica72 e Uganda)
O tratado estipula que nenhuma obra será construída no Nilo, seus afluentes e lagos que formam seu curso sem o consentimento do Egito, principalmente se tais obras forem ligadas a irrigação ou geração de energia, se afetarem o volume de águas que chega ao Egito, ou se forem prejudiciais de qualquer outro modo ao Egito.
1934 Grã-Bretanha (em nome de Tanganica) e Bélgica (em nome de Ruanda e Burundi)
Em relação ao rio Kagera, que flui até o lago Vitória, estipula que as partes se comprometem a devolver ao rio, antes da fronteira comum entre Tanganica, Ruanda e Burundi, quaisquer porções de água que sejam desviadas para geração de energia.
1953 Grã-bretanha (em nome de Uganda) e Egito
Sobre a construção da represa de Owen Falls, para a geração de energia em Uganda. Determina a elevação da represa a fim de elevar o nível do lago Vitória, deixando mais água para irrigação no Egito e gerando mais energia para Uganda e Quênia.
1959 Sudão e Egito Chamado “Acordo para utilização total das águas do Nilo”73, estipula que o volume do fluxo médio anual de águas do Nilo, 84 bilhões de metros cúbicos, deve ser dividido entre Egito, recebendo 55,5 bilhões de metros cúbicos, e Sudão, recebendo 18,5 bilhões. Os 10 bilhões restantes seriam perdidos por evaporação.
Quadro 1 – Histórico de tratados internacionais sobre o rio Nilo Fonte: Adaptado de Nicol (2003)
71 Nome dado ao Sudão quando era administrado por um condomínio entre Grã-Bretanha e Egito, entre 1899 e 1956. 72 Antiga colônia britânica que hoje é parte da Tanzânia. 73 No original: Agreement for the Full Utilization of the Nile Waters
74
Os primeiros tratados foram motivados em grande medida pelo interesse britânico em
garantir a produção agrícola, principalmente de algodão, de Sudão e Egito. Após o fim do
domínio colonial no Sudão, o principal conflito da região foi entre os dois países, que
brigavam pela determinação de cotas de uso das águas. Tal divergência só foi contornada com
o acordo de 1959 que, além da divisão do volume de águas, determinava que a necessidade de
todos os outros países da bacia não ultrapassaria 2 milhões de metros cúbicos, e que em caso
de desentendimento, Egito e Sudão manteriam uma única posição em favor da manutenção
das alocações determinadas no tratado de 1959. Ainda, um comitê técnico permanente ficaria
responsável por ajudar a solucionar eventuais disputas, além de decidir sobre a distribuição de
águas em caso de secas excepcionais. No caso de cheias excepcionais, as águas seriam
divididas igualitariamente entre Egito e Sudão. (WOLF; NEWTON, 2008)
A Etiópia, excluída das negociações entre Egito e Sudão, baseadas nos “direitos
históricos” de exploração do rio, anunciou publicamente que iria buscar unilateralmente o
desenvolvimento da exploração dos recursos do Nilo em seu território (OLOO, 2007; WOLF;
NEWTON, 2008). Em termos geopolíticos, à época a região representava uma zona de
interesse para as potências ocidental e oriental. De acordo com Kitissou (2004), na década de
1950 o governo egípcio começou os planos para a construção da Represa Alta de Assuã (a
maior barragem no Nilo) e não encontrou apoio financeiro para a construção junto ao governo
americano, dado que este apoio foi negociado em conjunto com a compra de armamentos para
o fortalecimento do exército egípcio, o que os EUA identificavam como uma possível fonte
de ameaça a Israel, aliado na região. Assim, o país voltou-se para a União Soviética.
A posição da Etiópia era fortalecida na época por sua forte conexão com os interesses da política externa dos Estados Unidos. Com o Egito indo ao encontro da esfera de influência soviética, os Estados Unidos se aproveitaram da reação da Etiópia ao acordo entre Egito e Sudão propondo um estudo sobre o desenvolvimento das águas do Nilo na Etiópia. Em 1964 o US Bureau of Reclamation produziu o Estudo das Águas do Nilo Azul, que incluía propostas para uma série de grandes represas e sistemas de irrigação na Etiópia. Esses projetos nunca chegaram a ser executados, no entanto, ajudaram a atiçar os temores egípcios em torno das ações dos países a montante. (NICOL, 2003, p. 18, versão livre74)
74 Ethiopia’s position was strengthened at the time by the strong connection to US foreign policy interests. With Egypt moving towards the Soviet sphere of influence, the United States took advantage of Ethiopia’s reaction to the NWA by proposing a study of the development of the upstream Nile waters in Ethiopia. By 1964 the US Bureau of Reclamation had produced the Blue Nile Waters Study, which included proposals for a series of huge dams and irrigation schemes in Ethiopia. These projects never came to fruition, yet helped to stoke Egyptian fears surrounding the actions of upstream riparians.
75
A história das relações entre Egito e os demais países da bacia, principalmente a
Etiópia, é marcada pela desconfiança. Arsano (2010) afirma que desde tempos remotos as
secas mais severas do Nilo eram atribuídas à Etiópia, que, acreditava-se, seria capaz de
represar as águas do rio. Os etíopes, por sua vez, exploravam esse temor, usando sua suposta
capacidade de represar o Nilo como ameaça contra os vizinhos. Em 1902 esse medo se
expressa pela primeira vez em um tratado realizado entre a Etiópia e a Grã-Bretanha, no qual
o imperador etíope se compromete a “não parar o Nilo” através da construção de barragens.
Mesmo após o período colonial, com a identificação correta das nascentes do Nilo e do
percurso do rio, o medo histórico parece perdurar entre os egípcios.
É notável que, em 1979, depois de assinar um tratado de paz com Israel75, o presidente Anwar Sadat declarou: “A única questão que poderia levar o Egito à guerra é a água”. Pouco mais de uma década depois, em 1990, Boutros Boutros-Ghali, o então Ministro de Relações Exteriores, fez a mesma ameaça velada: “A segurança nacional do Egito, que se baseia na água do Nilo, está nas mãos de outros países Africanos” (KITISSOU, 2004, p.5, versão livre.)76
A década de 1980 e o período que seguiu ao fim da União Soviética foram
especialmente turbulentos na região. Conflitos no Sudão e nos países a montante,
principalmente Etiópia, Eritréia, e República Democrática do Congo, trouxeram especial
instabilidade. “Sob tal mosaico mutante de acontecimentos ideológicos e políticos, a política
da região tem sido com freqüência extremamente violenta, do nível local ao nacional, e ao
internacional.” (NICOL, 2003, p. 16, versão livre.)77. Kitissou (2004) chega a afirmar que o
Egito teve papel importante na promoção desses conflitos, na tentativa de dificultar o
desenvolvimento dos países e conseqüentes demandas em relação às águas compartilhadas.
75 Israel ocupara a peninsula do Sinai desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e os conflitos entre os dois países foram intensos desde então. De acordo com Mason (2004) a desconfiança entre os países permanece grande após os acordos de paz. No entanto, planos conjuntos entre Egito e Israel para exploração das águas do Nilo, principalmente compra de águas por Israel, que foram possíveis após 1979 sempre encontraram extrema oposição por parte do países a montante. 76 Is it quite remarkable that, in 1979, after signing a peace treaty with Israel, President Anwar Sadat declared: “The only matter that could take Egypt to war is water”. A little more than a decade later, in 1990, Boutros Boutros-Ghali, then Minister of State for Foreign Affairs, made the same veiled threat: “The national security of Egypt, which is based on the water of the Nile, is in the hand of other African countries”. 77 Under this shifting mosaic of ideological and political developments, the contemporary politics of the region have frequently been extremely violent, from local to national to international level
76
Apesar das mudanças ideológicas e de alianças externas durante e após a Guerra Fria,
as relações entre os países mudaram pouco com o passar dos anos. Entre Egito e Sudão, após
o acordo de 1959, outros aspectos das relações políticas não se mantiveram constantes. No
entanto, as relações quanto ao Nilo foram tratadas quase que de forma isolada, sendo
consideradas prioritárias para a segurança de ambos. Em 1976 os presidentes dos dois países
assinaram um acordo militar que expressava claramente a interdependência dos países em
relação ao Nilo, e a importância de manterem uma postura próxima em possíveis futuros
conflitos por água na região. O Egito, inclusive, se comprometeu a defender ativamente o
Sudão em caso de possíveis agressões. (ARSANO, 2007)
Em relação a Egito e Etiópia, o antagonismo entre os países já foi mencionado. Sudão
e Etiópia também apresentam inimizade histórica, centrada em motivos religiosos – a
oposição entre islâmicos sudaneses e católicos ortodoxos etíopes – e reforçada no período
colonial e durante a Guerra Fria. De acordo com Arsano (2007), atualmente, no cenário de
países a montante versus países a jusante em relação ao Nilo, o Sudão geralmente se comporta
como um país a jusante. No entanto, o autor observa que
A partir das disposições do acordo de 1959 fica bastante claro que o Sudão não pode esperar ganhar maior redistribuição de águas para suprir sua demanda crescente. Não está claro se o Sudão desejaria colaborar com países a montante por novas negociações em direção a uma nova divisão dos recursos hídricos do Nilo. Aparentemente, a não ser que o Sudão trabalhe junto aos países a montante, especialmente a Etiópia, não apenas seus campos e planícies continuarão a ser inundados, e suas represas a ser preenchidas com lodo e pedregulho provenientes do planalto da Etiópia, mas a quantidade de águas recebida pelo Sudão pode também não ser sustentável. Sudão e Etiópia acordaram vários gestos de boa vontade, incluindo os protocolos de 1980 e 1991 para cooperação no desenvolvimento das águas do Nilo. Dada a aliança geopolítica e proximidade cultural do norte do Sudão com o Egito, sua cooperação com Estados a montante não se tornou mais profunda que declarações de intenções. Certamente não houve um empreendimento bilateral ou multilateral conhecido entre os dois países para o desenvolvimento das águas. O futuro do Nilo será severamente conformado pelo fato de o Sudão cooperar mais ou não com a Etiópia do que tem feito até agora. (ARSANO, 2007, p.197, versão livre)78
78 From the provisions of the 1959 agreement it is rather clear that Sudan cannot hope to gain a greater reallocation of water for her increasing demands. It is also not clear if Sudan would wish to collaborate with upstream countries for fresh negotiations towards a new reallocation of the water resources of the Nile. It seems that unless Sudan works with the upstream countries, especially Ethiopia, not only will its fields and plains continue to be flooded and its dams filled up with silt and pebbles carried down from the Ethiopian highlands, but the quantity and quality of the waters Sudan receives may also not be sustainable. Sudan and Ethiopia have agreed several gestures of good will, including the 1980 and 1991 protocols to cooperate on the Nile waters development. Due to North Sudan’s geopolitical alliance and cultural attachment to Egypt, its cooperation with upstream states has not gone deeper than declarations of intent. Certainly there has not been a known bilateral or multilateral water development venture between the two countries. The future of the Nile will be greatly shaped by whether Sudan cooperates more with Ethiopia than it has done up until now.
77
Os demais países a montante conquistaram sua independência após 1960. Burundi,
Ruanda e a República Democrática do Congo tornaram-se independentes da Bélgica em 1960.
Para Tanzânia, Uganda e Quênia, a ruptura dos laços coloniais com a Grã-Bretanha ocorreu,
respectivamente, em 1961, 1962 e 1963. (ARSANO, 2007) Como a soberania de tais países
só foi conquistada após a realização do acordo de 1959, eles foram incapazes de contestá-lo
anteriormente, e segundo Oloo (2007) consideraram o acordo nulo. Mais ainda, tais países
lidavam com problemas internos que comprometiam a capacidade de negociações quanto a
recursos hídricos. Esses países têm importante potencial de exploração dos recursos do Nilo
para a busca de desenvolvimento, principalmente a partir de geração de energia e de sistemas
de irrigação. No entanto, pouco dos projetos elaborados foram levados a diante, além dos
motivos internos, pela ausência de coordenação entre eles em um esforço coerente de
oposição a Egito e Sudão. “Eles estão relacionados aos países a jusante de modo similar. Mas
o principal aspecto de suas relações mútuas é uma óbvia ausência de qualquer estratégia
combinada e aliança frente aos países a jusante” (ARSANO, 2007, p.205, versão livre)79 Sua
posição em negociações é, também pela falta de coesão, bastante fraca.
A cooperação técnica na bacia do Nilo acontece desde 1959, mesmo que essa tenha
sido, em muitos momentos, bastante débil. Apenas com o fim da Guerra Fria pode haver
maior interação entre os países, inclusive devido à grande interferência de atores externos. A
cooperação técnica, apesar de ser desconsiderada pela maioria dos autores consultados, pode
ser entendida como um passo inicial para esforços de aproximação e institucionalização das
relações entre os países quanto ao Nilo. A partir de Keohane (1989), pode-se esperar que tal
aproximação tenha o efeito de reduzir desconfianças, facilitar a troca de informações e atue
como um embrião de um possível mecanismo de cooperação em termos amplos. A forte
participação de atores internacionais como apoiadores das iniciativas técnicas no Nilo pode
ser entendida como um forte indício de que esses atores viam em tais iniciativas uma
possibilidade de evitar conflitos na região da bacia do Nilo.
O primeiro dos esforços de cooperação técnica foi o Hydromet80, focado em estudos
meteorológicos e hidrológicos, estabelecido em 1967 com a participação de Egito, Quênia,
Sudão, Tanzânia e Uganda, além da Etiópia como membro observador, e a parceria e
financiamento da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e do Programa das Nações
79 They are related to the downstream countries in a similar manner. But the main aspect of their mutual relations is an obvious absence of any combined strategy and alliance in view of the downstream countries. 80 Nome oficial: The Hydro-meteorological Survey of Lakes Victoria, Kiyoga, and Albert.
78
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Segundo Arsano (2007), “o Hydromet permaneceu
em operação por 25 anos sem ter nenhum impacto substantivo em harmonizar a polarização
de interesses montante-jusante.” (ARSANO, 2007, p.214, versão livre)81
O fórum Undugo, que significa “irmandade” na língua suaíli, foi criado em 1983, por
iniciativa egípcia e com apoio financeiro do PNUD, e existiu até 1993. Entre seus membros
registram-se Sudão, Uganda, República Democrática do Congo e República Centro Africana,
além de Etiópia, Tanzânia e Quênia como observadores. O objetivo do fórum era discutir
possibilidades de cooperação nos campos da cultura, telecomunicações, geração de energia,
comércio e recursos hídricos. O fórum encerrou suas atividades por a Etiópia não admitir a
legitimidade do fórum na proposição de projetos para o Nilo. (ARSANO, 2007)
Em 1992 outra iniciativa, um comitê ministerial denominado TECCONILE82, foi
estabelecida com a finalidade de promover cooperação e desenvolvimento entre os países da
bacia do rio Nilo. República Democrática do Congo, Egito, Ruanda, Sudão, Tanzânia e
Uganda tornaram-se membros do comitê, e Burundi, Etiópia, Quênia e Eritréia participaram
como observadores. O TECCONILE recebeu apoio da Agência Canadense para o
Desenvolvimento Internacional (CIDA/ACDI) e, em 1995, aprovou o Plano de Ação para a
Bacia do Nilo, um conjunto de 22 projetos de cooperação técnica com orçamento total de cem
milhões de dólares. Um dos projetos do Plano, denominado Projeto D-3 era a criação da base
de um acordo-quadro de cooperação entre os países.
De acordo com Oloo (2007), tal acordo-quadro nunca foi atingido. No entanto, com a
colaboração do PNUD e do Banco Mundial, além da agência canadense de cooperação, a fim
de buscar a concretização do Projeto D-3, em 1999 os ministros responsáveis pelos recursos
hídricos de todos os países da bacia concordaram com a necessidade de criação de um
acordo-quadro legal e institucional para a exploração conjunta do Nilo (ARSANO, 2007).
Foi o início da Iniciativa da Bacia do Nilo (NBI)83 que se auto-descreve como um “arranjo
transitório até que um acordo legal e institucional permanente entre em vigor”. (NILE BASIN
INITIATIVE, 2000, versão livre)84
81 Hydromet remained in operation for 25 years without having any substantive impact on harmonizing the upstream-downstream polarization of interests 82 Technical Cooperation Committee for Promotion of the Development and Environment Protection of the Nile Basin. Em tradução livre, Comitê de Cooperação Técnica para a Promoção do Desenvolvimento e Proteção Ambiental da Bacia do Nilo. 83 Nile Basin Initiative. 84 “transitional arrangement until a permanent legal and institutional framework is in place”.
79
Discordâncias iniciais já foram notadas em dezembro de 1999, durante a deliberação sobre o rascunho do acordo-quadro legal/institucional preparado por um consultor do PNUD. Os países a montante insistiam que um novo acordo devesse desconsiderar todos os acordos anteriores dos quais suas nações não fazem parte. Por outro lado, os países a jusante esperavam que um novo acordo levasse em consideração todos os acordos anteriores como parte do novo. (ARSANO, 2007, p.217, versão livre)85
Apesar do antecipado sinal de que a aparente disposição para a cooperação iria de
encontro a um posicionamento presente há quatro décadas nas relações entre os países, os
trabalhos da NBI se estenderam, e uma estrutura organizacional bastante significativa foi
estabelecida (OKOTH, 2009). Diferentes projetos, principalmente locais, foram
desenvolvidos a partir dos esforços da NBI e com o apoio de seus parceiros internacionais86
(OKOTH, 2009; NICOL, 2003). Oloo (2007) afirma que o êxito da NBI é o que denomina
“avanços institucionais”, como a adoção de princípios como a tomada de decisão no menor
nível apropriado e o uso equitativo dos recursos da bacia, que constam das recentes
recomendações internacionais para a governança de recursos hídricos transfronteiriços.
Segundo o autor, “A NBI, até o momento, envolveu sobretudo tecnocratas”.(OLOO, 2007, p.
104, versão livre.)87
A adoção de tais princípios pela organização, que, como foi afirmado anteriormente,
se auto-define como um arranjo transitório, e que tem o objetivo de negociar um futuro
acordo para a cooperação no Nilo, pouco representa na ausência de tal compromisso
definitivo. Considerando a situação atual, é plausível até mesmo a hipótese de que a adoção
de tais princípios tão defendidos pela comunidade internacional possa representar apenas uma
“cortesia” aos parceiros internacionais, responsáveis pela concessão dos fundos que sustentam
a NBI e seus projetos.
Desde 1999, ano de criação da NBI, as posições dos grupos de países a montante e a
jusante muito pouco se alteraram. Segundo Arsano (2010), os países ainda têm como
preocupação principal o estabelecimento de cotas de uso das águas. Os países a jusante, Egito
85 Initial disagreements were already noted in December 1999 during the deliberation on the draft legal/institutional framework prepared by a UNDP consultant. The upstream countries insisted that a new framework must disregard all previous agreements to which their nations are not a party. On the other hand the downstream countries hope that a new framework would take into account the previous agreements as an integral part of a new agreement. 86 Em sua página de internet, a NBI lista 18 atores internacionais como “parceiros para o desenvolvimento” (development partners). São eles: Bando Africano de Desenvolvimento; CIDA/ACDI; Finlândia; França; Alemanha; Itália; Itália; Holanda; Noruega; Suécia; reino Unido; Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO); Agencia de Cooperação Técnica Alemã (GTZ); União Européia; PNUD; Escritório das Nações Unidas para Serviços de Projetos (UNOPS); Banco Mundial; Dinamarca; Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). 87 The NBI initiative has so far mainly involved water technocrats.
80
e Sudão, não admitem abrir mão dos “direitos históricos” de quase total disposição dos
recursos da bacia do Nilo, e sustentam que não possuem acesso a outras fontes de água, o que
não seria verdade para os demais. Enquanto isso, os países a montante defendem que esses
supostos direitos históricos são uma inaceitável herança do período colonial e que não podem
ser considerados em um novo acordo.
O impasse entre os países, cuja duração já configura meio século, recebeu uma
primeira solução concreta em maio de 2010. De acordo com Cambanis (2010) Etiópia,
Uganda, Tanzânia, Quênia e Ruanda assinaram um novo acordo para a bacia do Nilo. Além
de o mesmo não reconhecer os acordos internacionais precedentes, ele estabelece a
necessidade apenas de maioria simples entre os membros para aprovar novos projetos.
Burundi e República Democrática do Congo não se manifestaram. O novo acordo entra em
atividade em maio de 2011, prazo dado a Egito e Sudão para se manifestarem (CAMBANIS,
2010). Arsano (2010) afirma que a situação da bacia do Nilo é anárquica, e que os países a
montante já iniciaram diversos projetos para a exploração das águas no Nilo. A Etiópia já
inaugurou duas grandes represas, contando com fundos da Itália e do Banco de Investimento
Europeu, e duas mais estão em construção. Uganda e Ruanda constroem represas, e Tanzânia
executa obras de irrigação a partir do Lago Vitória. Ainda segundo Arsano (2010), o próprio
Banco Mundial, que tem a política de só apoiar projetos em bacias transfronteiriças com o
aval do conjunto dos compartilhadores, financia projetos na região. E Cambanis (2010) afirma
que a China e países do Golfo Pérsico expressaram interesse em promover grandes projetos
de agricultura na Etiópia e em Uganda, que dependeriam de águas do Nilo.
4.2 Conclusão – a bacia onde o risco de guerra é real, mas foi contornado até o presente
Em síntese, os países da bacia do rio Nilo se mantêm em uma situação que representa
a continuidade de conflitos históricos. Egito e Sudão são quase totalmente dependentes dos
recursos da bacia. Para tais países, negociações quanto ao Nilo não estão no âmbito do
desenvolvimento, da economia, ou, menos ainda, do meio ambiente: água é questão de
segurança. Sendo assim, mesmo que as relações entre eles e os países a jusante fossem
próximas em outras agendas ou no geral amistosas, a questão do Nilo permaneceria ligada à
sobrevivência e, portanto, como argumenta a corrente neo-realista das Relações Internacionais
(GRIECO, 2003), tratada a partir de uma perspectiva estratégica que não pode assumir os
81
riscos da cooperação. Além disso, as chances de possíveis ganhos a partir das trocas
desenvolvidas com a cooperação superarem a importância da sobrevivência são nulas.
O esquema proposto por Keohane e Ostrom (1995) para a análise da cooperação em
relação a CPRs, reproduzida em capítulo anterior, determina como variáveis centrais o
número de atores e a heterogeneidade quanto a recursos, preferências, informações e crenças,
além de aspectos físicos, arranjos institucionais anteriores e variáveis internas. Como
variáveis intervenientes, determinantes para os incentivos à cooperação, estão os custos de
transação, a capacidade de comunicação e a capacidade de firmar compromissos credíveis.
Na bacia do Nilo o país mais forte militar e economicamente é muitíssimo dependente
das águas do rio, mas não tem controle sobre a origem dessas águas. Os países a montante são
paupérrimos. A Etiópia, em cujo território se origina a maior parte do volume das águas da
bacia, tem relações historicamente hostis com o Egito, além de interesses próprios de
exploração das águas. Em geral, têm-se um elevado número de partilhadores do CPR - o que
já foi demonstrado, em capítulo anterior, ser um fator que aumenta a probabilidade de
conflitos. A heterogeneidade também é extrema, não apenas quanto a recursos (a
superioridade do Egito frente a alguns dos países mais pobres do mundo é esmagadora), mas
também quanto a preferências. Para o Egito, abrir mão de garantias quanto ao volume de
águas disponível para si é inaceitável. A escassez, no caso do Nilo, não parece ser variável
mais importante que a dependência dos países em relação a uma única fonte limitada.
Os arranjos institucionais anteriores ignoram totalmente necessidades e interesses dos
países a montante, sendo, inclusive, desconsiderados por eles. Assim, sua utilidade real é
meramente de justificativa do argumento dos países a jusante de que haveria direitos
históricos a garantir. Apesar dos esforços de atores externos para promover a comunicação e,
a partir dela, a confiança, entre os países do Nilo ela nunca foi efetiva. A situação de impasse
nunca foi de fato flexibilizada. Segundo Mason (2004) o avanço dos diálogos da NBI foi
conseguir que a Etiópia aceitasse uma negociação projeto a projeto, e que o Egito admitisse
tratar de um quadro legal. No entanto, nenhum dos países passou a considerar a cooperação
como baseada em outra coisa que não a distribuição de cotas de uso das águas. O Egito exige
a manutenção de direitos históricos, e a Etiópia exige o reconhecimento de direitos territoriais.
Se Homer-Dixon (1995) afirmou que o Nilo é uma das raras bacias em que o risco de conflito
armado é real, sua posição se sustenta nesse complicado contexto.
As mudanças efetivas na negociação quanto à bacia, com o anúncio do novo acordo
entre os países a montante, é muitíssimo recente. E ainda não houve repercussões suficientes
82
para orientar a hipótese de abertura do Egito para flexibilizar a negociação ou a hipótese de
recrudescimento do conflito latente.
Na história da região houve ameaças, discursos hostis, supostos incitamentos a
conflitos internos por parte do Egito, mas nunca enfrentamento direto. Segundo Arsano
(2007) a ameaça de guerra por parte do Egito no caso de tentativas de desvio de águas do Nilo
por países a jusante é constante, e exige enormes esforços diplomáticos na região. A razão
mais óbvia para a manutenção dessa situação de tensão constante, mas ausência de conflito
direto, é que este nunca foi necessário. O poderio do Egito é inegável, e o volume de águas
utilizado pelos países a montante sempre foi muito pequeno. Só agora tais países efetivamente
começam a explorar a água em volume significativo. Indicador claro do interesse na
manutenção e ampliação dessa exploração é o novo acordo de 2010.
Não é papel desta pesquisa fazer qualquer exercício de “futurologia”. O contexto
presente é o agravamento da situação de conflito latente no Nilo, reforçada inclusive pelas
afirmações dos autores consultados na primeira porção desse capítulo. Se um enfrentamento
militar significativo ocorrer, será a primeira grande “guerra por água” da história. Se o Egito
aceitar flexibilizar seus critérios de negociação com os países a montante, será uma grande
evidência de quão grandes os custos da guerra realmente são, frente à possibilidade de
manutenção de estabilidade (ainda que relativa) a partir da cooperação em uma questão de
segurança/sobrevivência nacional. Os desdobramentos do conflito por águas no Nilo
constarão, possivelmente, em muitos debates teóricos de Relações Internacionais.
83
5 FRONTEIRAS INFELIZES E A SEDE INDIANA
Os pesquisadores do projeto Basins at Risk (BAR)88 da Universidade de Oregon,
EUA, examinaram 1831 eventos envolvendo a interação de Estados em relação a bacias
compartilhadas, e descobriram que a maioria de tais interações envolveu cooperação
(YOFFE; WOLF; GIORDANO, 2003). Na pesquisa diagnóstica amostral realizada neste
trabalho, a conclusão principal também é de que a cooperação é mais freqüente do que os
conflitos por recursos hídricos transfronteiriços e que, mais ainda, arranjos cooperativos,
melhor ou pior sucedidos, estão presentes na imensa maioria das bacias onde há conflito.
Yoffe, Wolf e Giordano (2003) definiram uma lista de “bacias em risco”, ou seja, bacias onde
existem tensões entre compartilhadores e onde a escalada do conflito é possível. De acordo
com os autores, o principal fator que leva a este risco são mudanças institucionais ou físicas –
como construção de projetos de exploração dos recursos, modificação de regras, ou qualquer
coisa que altere a forma de interação entre os países em relação à bacia que compartilham.
Snidal (1995), Martin (1995), Keohane e Ostrom (1995), cujas contribuições para o
estudo do compartilhamento de CPRs foram apresentadas em capítulo anterior, não poderiam
ser mais enfáticos quanto ao papel das “regras do jogo” para possibilitar a cooperação sobre
águas transfronteiriças. Snidal (1995) e Martin (1995) são especialmente enfáticos em relação
à necessidade de regras específicas para cada caso, pois de sua adaptabilidade à conjuntura
dada e à expectativa de resultados depende o produto do esforço cooperativo. A literatura
institucionalista em Relações Internacionais (KEOHANE, 1989; NYE, 1993) trata da relação
positiva entre estabilidade e cooperação. Nesse sentido, apesar de não dialogar com esses
teóricos diretamente, Yoffe, Wolf e Giordano (2003) produzem, com sua pesquisa, uma
contribuição interessante às discussões dos autores citados. Na maioria das “bacias em risco”
listadas, o conflito emerge da quebra da estabilidade dentro de um arranjo cooperativo
estabelecido (independentemente de êxitos ou falhas), e o desafio para a manutenção da
cooperação é adaptar ou recriar as regras frente à nova situação. A presente pesquisa não tem
como preocupação os processos de adaptação e transformação institucional, mas sim a analise
e comparação dos efeitos das relações de poder e das instituições sobre situações de conflito e
cooperação em águas transfronteiriças.
88 Em versão livre, Bacias em Risco.
84
No caso do Nilo, estudado no capítulo anterior, praticamente inexistem arranjos
institucionais. Apesar da grande heterogeneidade de recursos de poder e do claro
antagonismo, o conflito nunca escalou para além das ameaças. Neste capítulo os rios
abordados são o Indo e o Ganges/Ganges-Brahmaputra. Ambos contam com acordos de
cooperação efetivos e com um problema similar: o “apetite” indiano por mais água.
A origem da questão dos desentendimentos entre Índia e Paquistão pelo rio Indo, e
entre Índia e Bangladesh pelo rio Ganges está ligada à história dos países. À época da
dominação colonial britânica, o território que hoje corresponde aos três países era uma só
colônia. Com a independência, em 1947, a separação interna entre hinduístas e muçulmanos
motivou a cisão do território. A porção noroeste, no estado do Punjab, fronteira com o
Afeganistão, foi delimitada e denominada Paquistão Ocidental. Ao norte desse território ficam
as províncias de Jammu e da Caxemira, que até o presente têm sua posse contestada entre
Índia e Paquistão. O estado mais a leste, Bengala, foi também dividido, formando o Paquistão
Oriental e a porção indiana, Bengala Ocidental. Até 1971, Paquistão Ocidental e Oriental
formavam um único Estado independente; mas após uma guerra de independência,
Bangladesh separou-se do Paquistão, conformando a distribuição geográfica que conhecemos
hoje (METCALF; METCALF, 2006).
Coincidentemente, a divisão da ex-colônia impôs uma fronteira cortando os cursos de
dois importantes rios: Indo e Ganges. Os mapas deste capítulo ilustram a geografia das bacias
de tais rios. O primeiro, do rio Indo. No mapa, a porção mais ao norte do território indiano
corresponde à província da Caxemira.
85
Figura 3 – mapa da bacia do rio Indo Fonte: Wolf e Newton (2008)
De acordo com Wolf e Newton (2008), mesmo antes da divisão entre Índia e
Paquistão, já havia disputas pelo Indo dentro da Índia britânica. Os sistemas de irrigação a
partir das águas do Indo são antiqüíssimos, e a partir deles se desenvolveu a civilização da
região. Durante o período colonial, com os investimentos britânicos, os sistemas de irrigação
eram os mais extensos do mundo. E justamente sobre o direito de uso de tais sistemas eram as
disputas entre as províncias coloniais. Com a divisão, os problemas se tornaram internacionais
e agravaram-se, dadas as hostilidades entre os novos países. O mapa acima mostra que uma
enorme porção do território paquistanês é banhada pelas águas da bacia do Indo. A principal
nascente do rio está localizada no Tibet, próximo à fronteira com a Índia. Ainda, as nascentes
dos principais tributários estão também na Índia, tornando o Paquistão dependente de águas
provenientes do Estado vizinho com quem mais têm desentendimentos.
86
O vale do rio Indo é muito semelhante ao do Nilo. Uma planície com terras muito
férteis, mas onde as chuvas são escassas. A fonte de águas, no caso do Nilo, são os planaltos
ao sul, e no caso do Indo, o derretimento das neves do Himalaia. Ambos, Egito e Paquistão,
contam com grandes sistemas de irrigação, e intensa dependência das águas dos rios que
compartilham (PEARCE, 2006)
Segundo Alam (2002) o contexto geral da bacia do Indo apresenta muitos
“ingredientes” largamente entendidos como grandes promotores de conflito: os países são
inimigos em uma disputa mais ampla; o Paquistão é completamente dependente das águas do
Indo; há escassez de água mesmo com o alto volume de fluxo do rio. Assim, para o autor, as
chances de guerra pelo Indo seriam altas. No entanto, apesar de problemas iniciais, Índia e
Paquistão têm sido capazes de resolver pacificamente seus conflitos quanto à bacia.
Logo após a divisão territorial entre Índia e Paquistão, foram firmados acordos entre
governantes locais para garantir a continuidade do fornecimento de águas aos canais de
irrigação paquistaneses. No entanto, tais acordos venceram em março de 1948 e, em meio aos
movimentos migratórios que sucederam a divisão da Índia, e o estado geral de indisposição
entre os países, no dia seguinte ao vencimento dos acordos o Punjab indiano interrompeu o
fluxo de águas do rio Sutlej – afluente do Indo - para o Paquistão.
Segundo Alam (2002), na época em que a interrupção no fornecimento de água para a
irrigação ocorreu, ela acarretaria a perda de praticamente toda a produção agrícola tanto de
inverno quanto de verão, trazendo prejuízos incalculáveis. Os primeiros-ministros da Índia e
do Paquistão, Jawaharlal Nehru e Liaquat Ali Khan, respectivamente, iniciaram negociações
emergenciais, e Nehru interviu imediatamente junto ao governo do Punjab para garantir o
retorno do fornecimento de águas. Em maio de 1948 os governos concluíram um acordo
estabelecendo a necessidade de continuidade das conversas bilaterais, além da necessidade e
do direito de ambos de ter garantido o acesso às águas do Sutlej. Como aponta Biswas (1992),
a negociação do acordo foi bastante complicada devido, principalmente, a problemas na
Caxemira e ao desejo de alguns líderes indianos de causar o máximo de prejuízo ao Paquistão,
eventualmente forçando-o a juntar-se novamente à Índia. O acordo de 1948 foi uma solução
apenas temporária.
As desavenças entre os dois países cresceram tanto nos anos seguintes que o Paquistão
chegou a sugerir que o caso fosse levado a cortes internacionais. Eventualmente, em meio às
disputas e acusações, ambos os lados buscaram ajuda junto ao Banco Mundial, que se tornou
um ator externo essencial para as negociações. O presidente do Banco Mundial à época,
David Black, forneceu rapidamente um conjunto de princípios essenciais que guiariam as
87
propostas de cooperação. De acordo com Wolf e Newton (2008), entre esses princípios
estavam a gestão cooperativa das águas do Indo, a busca de soluções funcionais em lugar de
políticas, e a não-retaliação em relação a negociações anteriores. Seria ingênuo supor que por
terem manifestado tais opções os Estados excluam aspectos políticos diversos das
negociações. No entanto, em um quadro de desconfiança, afirmações como essas podem ser
tomadas como uma expressiva manifestação de boa vontade, e como um sinal de que os
países estão sim dispostos a cooperar.
A partir de então as discordâncias entre os países ficaram condicionadas por demandas
quanto à divisão dos rios e construção de obras que facilitariam tal divisão. O impasse
continuou até o final da década de 1950, quando o Banco Mundial, ainda profundamente
envolvido nas negociações, sugeriu que ao invés de estabelecer quais países seriam
responsáveis por quais obras, a divisão deveria ser relativa aos custos do conjunto de obras.
Sob tais condições, ambos os lados concordaram com a resolução de um pagamento fixo, e com um período de dez anos de transição em que a Índia continuaria provendo os fluxos históricos ao Paquistão. Em agosto de 1959, Black organizou um consórcio de doadores para apoiar o desenvolvimento da bacia do Indo, que levantou perto de 900 milhões de dólares, em adição ao compromisso indiano de 174 milhões. O Tratado das Águas do Indo foi assinado em Karachi, em 19 de setembro de 1960, e as ratificações governamentais [...] em 1961. (WOLF; NEWTON, 2008, p. 6, versão livre89)
De acordo com Alam (2002) entre os resultados do acordo estão:
a) abordagem de questões técnicas e financeiras, incluindo a perspectiva de um
período de transição e adaptação;
b) comprometimento indiano a não restringir o acesso do Paquistão ao conjunto mais
ocidental de rios;
c) provisões para construções essenciais, entre canais e barragens;
d) determinações sobre troca constante de informações e o modo como a cooperação
futura deve ocorrer;
e) necessidade de todas as obras de engenharia planejadas serem informadas à
Comissão, que pode ter acesso a quaisquer dados importantes relacionados a elas; 89 With these conditions, both sides agreed to a fixed payment settlement, and to a ten-year transition period during which India would continue to provide Pakistan's historic flows to continue.In August 1959, Black organized a consortium of donors to support development in the Indus basin, which raised close to $900 million, in addition to India's commitment of $174 million. The Indus Water Treaty was signed in Karachi on September 19, 1960 and government ratifications were exchanged in Delhi in January 1961.
88
f) no caso de conflitos para além da interpretação do Tratado, um árbitro externo deve
ser consultado e, caso a mediação falhe, uma corte especial deve ser convocada.
O acordo não foi quebrado desde sua entrada em vigor. Os projetos previstos no
Tratado foram realizados sem desentendimentos entre as partes. Os encontros anuais e a troca
de informações entre Índia e Paquistão ocorreram conforme planejado, mesmo durante as
guerras e momentos de tensão no conflito pela Caxemira. Assim, o êxito da cooperação sobre
o a bacia do rio Indo é inquestionável. Alam (2002) sustenta que a principal explicação para
tal foi o apoio financeiro recebido, de o equivalente a mais de um bilhão de dólares de acordo
com as taxas da época. Dinheiro este proveniente principalmente do Banco Mundial, com os
Estados Unidos como principal financiador.
Pearce (2006) discute principalmente os atuais problemas ambientais enfrentados pelo
Paquistão em decorrência de equívocos no uso das águas do Indo. Tais problemas, em um
olhar inicial, não teriam lugar na discussão deste trabalho. No entanto, o comentário do autor
sobre implicações sociais dos problemas pode ser esclarecedor em um aspecto bastante
particular da cooperação do Indo. Partindo da idéia de que mais de dois quartos da população
do vale irrigado do Indo dependem dos produtos agrícolas ali cultivados para a sobrevivência,
e que, com a redução da produção, grandes migrações começaram, o autor apresenta a
seguinte situação:
Conforme os sistemas de irrigação falham e os recursos naturais do Indo e seu delta expiram, a coesão social que os britânicos uma vez tão deliberadamente buscaram criar no Paquistão está também se desfazendo com rapidez. Mas as gangues atuais de bandidos desempregados rondam o interior do país, exigindo dinheiro em troca de proteção dos fazendeiros que ainda têm seu negócio. E milhões de pessoas deixaram os campos e mudaram-se para Karachi. Durante a década de 1990, este antigo porto colonial perto da foz do Indo tornou-se a cidade com mais rápido crescimento na Terra. Inchada por descontentes refugiados ambientais, a cidade tem agora mais de 10 milhões de habitantes. A maioria vive nas vastas favelas sem lei da cidade, que são terreno fértil para Al Qaeda e outros grupos terroristas.(PEARCE, 2006, p.32, versão livre)90
A conclusão da situação apresentada por Pearce (2006) é, em resumo, de que o
resultado de milhares de agricultores desempregados e deslocados pode ser catastrófico
90 As the irrigation systems fail and the natural resources of the Indus and its delta expire, the social cohesion that the British once so deliberately sought to create in Pakistan is also fast breaking down. But today gangs of unemployed bandits stalk the country-side, exacting protection money from those farmers still in business. And millions of people have left the field and moved to Karachi. During the 1990s, this former colonial port near the mouth of the Indus became the fastest-growing city on earth. Swelled by disgruntled environmental refugees, it now has more than 10 million inhabitants. Most live in the city’s vast lawless slums, which are breeding ground for Al Qaeda and other terrorist groups.
89
devido às transformações sociais decorrentes. É possível propor, assim, que a aproximação
entre Índia e Paquistão, mesmo em meio a seus conflitos pós-coloniais, nas negociações
quanto ao Indo, estivesse relacionada a uma preocupação indiana com a possibilidade de uma
situação similar. Por mais desprovida de referências que essa hipótese possa parecer, à
primeira vista, e por mais difícil que possa ser comprová-la, ela não pode ser completamente
ignorada, uma vez considerado o contexto pós-colonial.
A divisão da Índia britânica provocou um grande fluxo migratório de muçulmanos de
todas as partes do país em direção ao Paquistão. Os muçulmanos na Índia formavam uma
importante minoria (e é assim até o presente), muito significativa numericamente, mas mais
pobre, menos culta, e discriminada pela maioria hinduísta. A separação de um território
muçulmano certamente agradou a boa parte da população indiana. E, nos anos que sucederam
a migração dos muçulmanos, é possível supor um temor quanto ao retorno dos mesmos a seus
lugares de origem, caso não encontrassem condições minimamente favoráveis no Paquistão,
ou a conjuntura do país mudasse radicalmente. Apesar das disputas centradas na região da
Caxemira, oficialmente parte da Índia, mas requerida pelo Paquistão, a divisão
Índia/Paquistão era aceita pela maioria (METCALF; METCALF, 2006).
Tanto o argumento financeiro quanto a hipótese acima não explicam a permanência da
cooperação. O interesse legítimo na manutenção das relações no Indo como determinadas
pelo Acordo indica que a cooperação provou-se benéfica para ambas as partes. Certamente, a
exigência de contínuo diálogo e troca de informações teve papel importante na redução de
desconfianças. É impossível saber com certeza se houveram compensações em outras agendas
em troca da manutenção da paz no Indo. Mas, de fato, o Paquistão é extremamente
dependente dos recursos da bacia do Indo, e a Índia tem a capacidade de interromper boa
parte de seus cursos d’água. Não o fez mesmo durante deflagrado conflito armado com o
Paquistão, apesar de menções, na literatura consultada, sobre ameaças indianas nesse aspecto.
A situação de antagonismo e medo não foi eliminada, mas nunca houve uma escalada
importante do conflito. O banco de dados International Water Events Database (PROGRAM
IN WATER CONFLICT MANAGEMENT AND TRANSFORMATION, 2008) lista, de
1961 a 2008, 48 eventos de cooperação de grau BAR91 igual ou superior a (3). O sistema de
contabilidade de eventos do banco de dados é bastante específico, incluindo, por exemplo,
entradas diferentes para a assinatura de um acordo de cooperação e sua ratificação. Ainda
assim, trata-se de um número bastante significativo. No caso dos eventos de conflito
91 Sistema de classificação já empregado no capítulo que apresenta análise quantitativa.
90
acentuado – grau igual ou inferior a (-3) – foram apenas 4. Conflitos mais leves – (-1) e (-2) –
computam 92 casos. Finalmente, são 89 as entradas cooperativas menos significativas, de
grau (1) ou (2), e 20 de grau igual ou superior a (3). Entre os eventos negativos, as ameaças
são minoria frente às manifestações de divergências quanto a novos projetos. A maioria delas,
resolvida posteriormente com sucesso.
5.1 Ganges - um contraponto
O caso do rio Ganges é, em comparação com o estudo do Indo, e mesmo com o Nilo,
abordado anteriormente, menos rico em termos da análise que dele se pode depreender.
Abaixo, o mapa da bacia, que inclui também a área da bacia do rio Brahmaputra.
Figura 4 – mapa da bacia do rio Indo Ganges-Brahmaputra Fonte: Wolf e Newton (2008)
91
A bacia do rio Ganges é dividida por China, Nepal, Índia e Bangladesh. A Índia é o
país que detém a maior área da bacia em seu território (79%). Bangladesh é o último país a
receber as águas do rio, que nasce no Himalaia. O rio Brahmaputra também nasce nas
montanhas, no Butão, e se junta ao Ganges em Bangladesh, após passar pelo estado indiano
de Assam. Em resumo, como é possível verificar no mapa acima, Bangladesh é imensamente
dependente de águas que chegam a seu território a partir da fronteira com a Índia (MIRZA,
2005).
Em 1974, a construção da barragem de Farraka foi concluída. Trata-se de uma
barragem localizada antes da fronteira com Bangladesh cujo objetivo é de captar as águas do
Ganges e transferi-las para Calcutá. Os planos para a construção dessa barragem existiam
desde a independência, mas o Paquistão (à época Bangladesh não havia se separado) se opôs.
No entanto, tal oposição apenas atrasou o início das obras (RAHAMAN, 2006). Segundo
Wolf e Newton (2008), o Paquistão foi informado do início da construção da barragem em
1961. Seguiram-se, então, diversas tentativas de diálogo nas quais, segundo os autores, a
estratégia indiana era predominantemente de protelação.
Em 1971, Bangladesh se tornou independente, e imediatamente buscou junto à Índia o
estabelecimento do acordo de que os países deveriam buscar a cooperação quanto aos rios que
compartilham. Foi iniciada, assim, a Comissão Conjunta de Rios Índia-Bangladesh92 (JRC).
Muitas reuniões da comissão se seguiram, e o antagonismo estava centrado na demanda de
Bangladesh de garantir suas necessidades em termos de volume de água, buscando limitar a
água retirada do Ganges a partir da barragem de Farraka. O volume de águas do Ganges é, em
geral, suficiente para suprir as necessidades de toda a região, a não ser no período de Janeiro a
Abril, a estação seca, que afeta Índia e Bangladesh. Uma das funções de Farraka é garantir o
suprimento de água a Calcutá durante a estação seca, comprometendo as necessidades de
Bangladesh (TANZEEMA; FAISAL, 2001). A principal proposta indiana para aumentar o
volume de águas em Bangladesh era a construção de barragens e um canal no rio
Brahmaputra, que o conectariam a Farraka, e as águas seriam aproveitadas para benefício
mútuo (WOLF; NEWTON, 2008), o que, obviamente, seria uma solução ainda pior para
Bangladesh.
Em 1977 foi assinado o Acordo de Águas do Ganges, previsto para ter duração de
cinco anos (WOLF; NEWTON, 2008). O acordo contava com determinações muito débeis
quanto à alocação de águas. A JRC ficaria responsável por arbitrar quaisquer
92 Indo-Bagladesh Joint Rivers Commission
92
desentendimentos, e os Estados se comprometeram a buscar uma solução de longo prazo para
o rio. Uma série de outros tratados foi celebrada, mas de acordo com Tanzeema e Faisal
(2001) o volume médio de águas chegando a Bangladesh sempre foi, em média, 50% do que
havia antes da construção de Farraka.
Mirza (2002) afirma que houve expressiva redução do volume de águas que chega a
Farraka. Um acordo foi celebrado em 1996 contando com cotas de alocação de águas. No
entanto, devido à redução, o volume de águas em Farraka no ano posterior foi inferior ao
mínimo previsto pelo acordo, impedindo que tanto Índia como Bangladesh recebessem as
cotas previstas.
5.2 Conclusão
Apesar de alguns autores (RAHAMAN, 2009; RAHAMAN, 2006) entenderem que as
relações no Ganges são, no geral, cooperativas, os dados apontam para o diagnóstico de que
todas as negociações e acordos até o momento têm sido extremamente favoráveis à Índia. A
cooperação, portanto, pode ser vista como uma evolução da estratégia de protelação
identificada por Wolf e Newton (2008). Os autores, ainda, defendem que a ausência do
envolvimento de terceiros, seja dos outros países da bacia ou de atores externos, contribui
para a fragilidade da cooperação. Os incentivos para a cooperação entre Estados tão
desproporcionais - o PIB de Bangladesh, considerada a paridade de poder de compra, é de
259,3 bilhões de dólares, enquanto o indiano ultrapassa 4 trilhões de dólares (CENTRAL
INTELLIGENCE AGENCY, 2009).
O contexto da bacia do rio Ganges entre Índia e Bangladesh apresenta um
distanciamento de compromissos concretos: a Índia não se nega a cooperar em termos muitos
gerais, mais evita o estabelecimento de quaisquer constrangimentos que possam prejudicar
sua clara superioridade na região.
É interessante observar que um mesmo país, a Índia, é o “provedor” de águas de dois
vizinhos, e tem relações completamente diferentes com cada um deles. Entre Índia e
Paquistão a heterogeneidade de recursos de poder não é tão pronunciada quanto entre Índia e
Bangladesh. O conflito territorial entre os países torna a fronteira um ponto de interesse no
contexto de segurança mundial, e, certamente, amplia as pressões contra conflitos.
Bangladesh está na lista das Nações Unidas dos países menos desenvolvidos do globo
93
(ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O ALTO REPRESENTANTE PARA OS
PAÍSES MENOS DESENVOLVIDOS, s.d.) e, por mais que receba muita atenção
internacional em termos de ajuda humanitária, não oferece riscos em relação à segurança.
Se as situações do Indo e do Ganges forem analisadas a partir do modelo proposto por
Keohane e Ostrom (1995), conclusões bastante coerentes tanto com a teoria quanto com os
resultados observados são possíveis. O número de atores é o mesmo em ambos os casos. Os
aspectos físicos de distribuição dos recursos são similares, mas há a diferença de que uma
grande cidade indiana, Calcutá, e a região em que se encontra têm o Ganges como fonte de
águas mais facilmente disponível.
A heterogeneidade de recursos entre Índia e Paquistão é menor do que entre ela e
Bangladesh. De acordo com a literatura, extremos como esse tendem a ser prejudiciais ao
estímulo à cooperação. Em relação às preferências, é plausível supor que, como conseqüência
do que já foi exposto, em ambos os casos, todos os atores preferem a cooperação; no entanto,
nas relações com Bangladesh, a preferência por cooperação é apenas uma forma de dissuadir
maiores conflitos, usar a cooperação débil, como a estabelecida, como forma de evitar tanto
compromissos como conflitos. Informações e crenças não podem ser estimadas
adequadamente com base em análise bibliográfica secundária. E, finalmente, quanto às
variáveis intervenientes, a única situação em que custos de transação são expressivos é na
bacia do Indo, onde, dados os conflitos históricos, a cooperação com o Paquistão é vista com
desconfiança por atores internos.
Assim, não só o contexto entre Índia e Paquistão é, no geral, mais propício às
tentativas de cooperação, como a presença de um ator externo e a forma como as regras foram
estabelecidas, privilegiando contatos constantes, além da opção por entender as águas a partir
da ótica funcional, e não política, tiveram e têm importância para estabelecer a o êxito, até o
momento, da cooperação. Além disso, o cruzamento de agendas, ou ganho a partir de trocas,
como proposto por Martin (1995) é mais provável em relação a países que efetivamente têm
coisas a oferecer um ao outro. No caso do rio Ganges, Bangladesh tem pouco ou nada a
oferecer à Índia que compense maiores concessões de águas. Já em relação ao Paquistão, mais
amplas negociações são claramente possíveis.
94
6 CONCLUSÃO
A principal conclusão deste trabalho é que, se existe uma percepção comum de que
guerras pela água são iminentes, são poucas as indicações concretas de que tal percepção seja
verdadeira. Na verdade, os dados da pesquisa demonstram que as relações entre países que
compartilham recursos hídricos tendem a ser cooperativas em relação aos mesmos. Conflitos
por recursos hídricos são raros, pontuais, não escalam a níveis muito preocupantes, e
geralmente ocorrem entre Estados que têm relações hostis por motivos diversos.
Aaron Wolf é autor de trabalhos com objetivos semelhantes a este, mas que estende
sua pesquisa pela totalidade de bacias transfronteiriças do mundo. Em um dos primeiros
trabalhos que publicou com os resultados de sua pesquisa, chama a atenção o fato de que entre
1870 e 1997 foram contabilizados 145 tratados de cooperação bilateral ou multilateral em
relação a recursos hídricos compartilhados, enquanto apenas sete conflitos armados, todos de
pequena escala e ligados a conflitos sobre questões diversas, ocorreram devido à disputa por
água (WOLF, 1998). A conclusão central do autor é a mesma deste trabalho: o temor das
guerras por água é infundado para a imensa maioria das regiões do mundo. “A guerra pela
água não parece ser nem estrategicamente racional, nem hidrograficamente efetiva, nem
economicamente viável” (WOLF, 1998, p. 251, versão livre)93.
Para o autor, as características específicas da água tendem a ser particularmente
indutoras de cooperação, e a incitar violência apenas em casos excepcionais. A primeira
dessas características é a distribuição geográfica. Apenas nas raras situações onde o Estado
mais forte está localizado junto à foz da bacia existem incentivos estratégicos reais para uma
disputa armada. O caso do Egito na bacia do rio Nilo é um dos principais exemplos dessa
situação. No entanto, como discutido anteriormente, apesar de tensões e ameaças constantes, a
guerra nunca ocorreu.
Wolf (1998) afirma ainda que para bacias que contam com arranjos institucionais,
estes tendem a ser muito resilientes. A Comissão do Rio Indo, por exemplo, sobreviveu a três
guerras entre os países que dela fazem parte, Índia e Paquistão. É possível entender que a
bacia do Indo constitui um caso extremo, e que seu êxito, estabilidade e permanência estão
ligados preponderantemente a aspectos institucionais específicos, como exigências quanto à
troca de informações. No entanto, considerando os custos envolvidos na negociação e no
estabelecimento de compromissos, além da possibilidade de adaptação de instituições, o
93 War over water seems neither strategically rational, hydrographically effective, nor economically viable.
95
argumento pela resiliência é bastante pertinente.
O último argumento apresentado pelo autor diz respeito aos incentivos econômicos
para a guerra: a água é um recurso muito barato, enquanto os custos da guerra são altíssimos.
Wolf (1998) cita a afirmação de um analista do exército de Israel durante a invasão do Líbano
de 1982 quando questionado sobre se a água teria sido um fator central para a decisão da
guerra: “Por que ir a guerra por água? Pelo preço de uma semana de batalha seria possível
construir cinco plantas de dessalinização. Sem vidas perdidas, sem pressão internacional, e
uma fonte confiável que não precisa ser defendida em território hostil” (WOLF, 1998, p.262,
versão livre)94. Por mais que seja extremamente difícil analisar guerras a partir de cálculos de
custo-benefício, o argumento econômico do autor não deixa de ser válido, pelo menos para
casos onde há fontes alternativas de água que podem ser transportadas com relativa facilidade,
onde existe acesso ao oceano e a dessalinização é possível (e, evidentemente, a tecnologia
para tal tende a tornar-se cada vez mais barata e eficiente). A água não é, por exemplo, como o
petróleo, que é transportado em navios entre continentes. O volume de águas exigido por
indústrias, para a agricultura, e para as necessidades humanas diárias de dessedentação,
preparação de alimentos, higiene e saneamento dificilmente seria suprido satisfatoriamente
por navios cargueiros. Ainda assim, as hipóteses de Wolf (1998) para o porquê de os Estados
estarem tão dispostos a cooperar em relação a água são as principais entre as poucas
oferecidas pela literatura.
Por que, então, a noção de que as guerras por água são eminentes é tão comum? Dois
fatos inegáveis são o crescimento da demanda por recursos hídricos a partir do
desenvolvimento (industrial, agricultura intensiva, urbanização) e do aumento populacional, e
a redução de oferta de água doce pelos danos causados a sistemas hídricos e pela poluição95.
Mas tais fatos certamente para um aumento sensível da escassez, o que não é suficiente para a
deflagração de guerras.
A maior parte das afirmações que apontam para um elevado ou crescente risco de
guerra por águas têm origem em relatórios de organizações não-governamentais, que
poderiam usar esse tipo de afirmação para despertar ou elevar o interesse pelas causas que
defendem. Não é incomum encontrar tais afirmações na mídia comum, ligadas também a
coberturas ambientais. Certamente, nestes casos não há empenho em confirmar o mérito
técnico de tal afirmação aparentemente inofensiva e, dada a percepção do senso comum,
94 Why go to war over water? For the price of one week's fighting, you could build five desalination plants. No loss of life, no international pressure, and a reliable supply you don't have to defend in hostile territory. 95 Aqui, como no restante do trabalho, desconsideram-se as questões ligadas às mudanças climáticas, pelas incertezas quantitativas que ainda as cercam.
96
correta. Ainda, há textos acadêmicos que fazem referência à tal “crise da água”, certamente
com um tom muito menos alarmista que organizações ambientalistas ou os meios de
comunicação de massa, e o fazem principalmente no argumento pela necessidade de pesquisas
acerca da questão. Assim, essas são hipóteses plausíveis para justificar a prevalência da
percepção do risco de guerras por água a despeito das evidências que apontam para o
contrário.
O argumento realista pela prevalência do poder e da auto-ajuda frente à perspectiva
dos ganhos relativos advindos da cooperação é efetivamente enfraquecido pela quantidade de
acordos para o compartilhamento de recursos hídricos existentes e pelos êxitos de acordos
como o do rio Indo. No caso do rio Ganges, onde as regras institucionais da cooperação são
claramente favoráveis à vontade do país mais poderoso, pode-se argumentar que a escolha da
Índia por um acordo foi estratégica, e tanto riscos como custos para tal acordo são
baixíssimos. Tal situação é prevista por autores realistas, que entenderiam o acordo entre os
países como um recurso do mais poderoso para alcançar maiores benefícios próprios, e
também por autores institucionalistas, que defendem que a não-cooperação é o pior cenário
possível e que, a exemplo da afirmação de Lisa Martin de que “Quando o poder está
concentrado, pode-se esperar que a escolha institucional reflita os interesses do mais
poderoso” (MARTIN, 1995, p.76, versão livre96) não entendem a cooperação internacional de
modo ingênuo, e sim como um fenômeno adaptável a conjunturas e necessidades localizadas.
Quanto ao caso do Egito em relação ao atual impasse na bacia do Nilo, cooperar pode
ser menos custoso que o emprego de estratégias militares e, por mais que seus antagonistas a
montante possam receber vultosos investimentos que dependam do uso de maior volume de
águas, tal uso poderia ser negociado a partir de compensações egípcias tanto financeiras
quanto em trocas em outras agendas. Certamente há grande desconfiança na região sobre a
possibilidade de constrangimentos institucionais serem capazes de gerar estabilidade. A
guerra, no Nilo, não deixa de ser um resultado possível. Mas as conclusões gerais deste
trabalho e de trabalhos similares apontam um cenário bastante otimista, e é inevitável que tal
percepção seja estendida ao Nilo.
As contribuições teóricas realistas e institucionalistas apresentadas no capítulo 2
apontam para dois caminhos analíticos bastante distintos a partir de suas hipóteses. Em
síntese, para realistas a cooperação não é um curso de ação interessante para a resolução de
uma situação de conflito por adicionar, em um ambiente onde a anarquia leva ao
96 When power is concentrated, we can expect institutional choice to reflect the interests of the most powerful.
97
comportamento de auto-ajuda, ainda outros riscos a uma situação já complexa. Por outro lado,
institucionalistas defendem a busca pela cooperação por ser ela, em um ambiente também
anárquico mas de ampla interdependência, capaz de reduzir riscos. No caso dos recursos
hídricos transfronteiriços, as hipóteses institucionalistas se mostraram muito mais próximas
das observações empíricas.
Quanto aos resultados da pesquisa diagnóstica, os dados indicam a importância
relativa da escassez como fator para a ocorrência de conflitos. No entanto, não foi possível
determinar a relação entre diferentes graus de escassez e de conflito, ou se há algum tipo de
patamar de escassez em que os conflitos se tornam mais prováveis. Trata-se de um resultado
que merece ser destacado pelo que representa tanto frente à literatura quanto frente ao senso
comum. Gleick (1995), um dos mais reconhecidos e respeitados estudiosos sobre conflito e
recursos hídricos, enfatiza a escassez de água como variável central. Ainda, o discurso do
senso comum a respeito dos riscos da crise ou guerra da água é baseado na premissa de que a
água doce pode motivar guerras pela provável redução de sua oferta. Entre os autores
adicionados ao arcabouço teórico específico da pesquisa no capítulo 4, Toset, Gleiditch e
Hegre (2000) chegaram a conclusão similar. Para os autores, a escassez pode sim ter efeito
sobre a probabilidade de conflitos, mas esse efeito é condicionado por demais variáveis.
Outro resultado importante foi a relação entre o número de países compartilhadores de
bacias transfronteiriças e conflitos. Em geral, os dados apontam para uma relação em quanto
maior o número de compartilhadores, mais grave tende a ser o conflito. Essa
proporcionalidade – o grau em que a variável x se apresenta implica no grau em que se
verifica a variável y – foi buscada em diferentes variáveis, mas só foi confirmada em relação à
quantidade de compartilhadores. Assim, temos que se trata do efeito mais direto auferido por
essa pesquisa. Como se pode inferir logicamente, quanto maior o número de indivíduos
envolvidos em qualquer situação, maior o número de possíveis descontentes, e essa relação é
verdadeira também para compartilhamento de bacias hidrográficas internacionais.
As relações de poder, ou heterogeneidade de recursos entre os Estados da bacia, não
apresentaram relação clara com o grau dos conflitos. Foi demonstrado, no entanto, que em
bacias compartilhadas por Estados significativamente desiguais a ocorrência de conflitos é
maior. A heterogeneidade de capabilities certamente interfere nas relações de hostilidade ou
de cooperação em relação a recursos hídricos. Se contrapostas às hipóteses das teorias
empregadas neste trabalho, essas conclusões se adéquam bem a explicações realistas e
institucionalistas. Para os ambos, esforços cooperativos são profundamente dependentes da
vontade do país mais poderoso. Assim, em casos mais extremos de heterogeneidade, onde o
98
mais forte pode conseguir seus objetivos por meios considerados mais seguros ou menos
custosos, este dificilmente apoiará esforços cooperativos. Ou, lembrando o caso do rio
Ganges, é plenamente possível conceber uma alternativa institucional que satisfaça os
interesses do país mais forte. No entanto, tal arranjo pode oferecer um adequado grau de
estabilidade, mas não eliminará os descontentamentos da parte mais fraca. Ainda que hajam
trocas em diferentes agendas, o descontentamento específico quanto ao acesso a água não é
solucionado. Assim, conflitos, ainda que de menor grau, podem perdurar mesmo dentro de
um arranjo institucional.
Ainda quanto à pesquisa diagnóstica, ela comprovou que conflitos e acordos entre
compartilhadores acontecem concomitantemente em muitos casos. Isso pode ser interpretado
tanto como indicação de que muitos acordos são falhos ou ineficazes, como de que os
conflitos são muito freqüentemente acompanhados de tentativas de solução pacífica, já que
não foi estudada a interação temporal entre eventos de conflito e realização de acordos.
As relações apontadas pelo estudo diagnóstico se verificam na análise da bacia do rio
Nilo: grande número de compartilhadores e extrema heterogeneidade de poder entre eles
resultando em tensões constantes, seguidas por esforços diplomáticos, e percepção
generalizada de conflito latente entre as partes. No impasse do Nilo o papel da escassez
necessita ser interpretado de forma algo distinta. Mais importante que escassez absoluta é a
ausência, para o Egito, de fontes alternativas de água. Ainda, o Nilo configura um excelente
exemplo de local onde a demanda por água é crescente em todos os países, e a oferta,
obviamente, não se altera em termos gerais, mas pode ser reduzida nos países a jusante devido
ao aumento do consumo em países a montante.
Os países do Nilo não contam com um arranjo internacional que trate da gestão
compartilhada da bacia. Antagonismos históricos, desconfiança e debilidades próprias do
contexto da região, de países paupérrimos que sofrem com diferentes problemas causadores
de instabilidade social e política, são, ainda, um impedimento à cooperação. Soluções para o
impasse podem ser negociadas como conseqüência de uma proposta drástica de aliança entre
os países a montante. No entanto, tais países são demasiadamente débeis para fazer frente ao
Egito em situações de confronto militar. A situação ainda está por se desenrolar, e seus
resultados trarão esclarecimentos importantes à agenda de pesquisa da cooperação
internacional.
O caso do rio Indo demonstra a importância do desenho institucional para o êxito da
cooperação, mesmo em uma situação tão desfavorável quanto entre Índia e Paquistão. Snidal
(1995) defende exatamente o argumento de que a importância de quaisquer variáveis
99
inicialmente tidas como promotoras de conflito pode ser contrabalançada por regras
adequadas. Colaborando com esse argumento, Bernauer (1995) afirma que “Se o grau de
sucesso de uma colaboração internacional pode ser influenciado pelas instituições que
estabelecemos e operamos, podemos ter mais sucesso se soubermos desenhar instituições de
forma a produzir o efeito desejado.” (BERNAUER, 1995, p. 351, versão livre)97
No caso do Indo, a comunicação promovida pelo arranjo cooperativo entre as partes
certamente teve papel fundamental. Ao Paquistão a continuidade da cooperação é
absolutamente interessante, dados os possíveis custos de conflitos. Para a Índia, certamente os
constrangimentos institucionais servem de maior estímulo à cooperação. A Índia controla as
nascentes, não é dependente das águas do Indo e, em relação às capabilities, é
indubitavelmente mais forte que o Paquistão – ainda que essa superioridade não seja extrema.
No entanto, segue cooperando no uso das águas do Indo. Esta cooperação não incorre em
significativos custos, e os mesmos poderiam ser bastante elevados no caso da opção por
restringir os fluxos de água do Indo para o Paquistão. No entanto, mesmo em situações de
guerra entre os países, onde tais custos seriam diluídos entre os custos da guerra, a cooperação
não foi abalada. Este caso certamente tende a reforçar o argumento institucionalista das
Relações Internacionais. Os ganhos, ainda que relativamente inferiores, alcançados com a
cooperação podem superar e superam – dada a escolha do curso de ação – os da não-
cooperação na estratégia dos países em questão.
As hipóteses institucionalistas se adéquam aos resultados empíricos encontrados a
partir da realização da pesquisa, e dificilmente seriam os argumentos realistas capazes de
explicar tais resultados. No entanto, as contribuições institucionalistas não tocam as
particularidades das situações enfrentadas por países que compartilham bacias hidrográficas.
A fim de atingir um maior grau de refinamento nas análises oferecidas, esta pesquisa recorreu
também às contribuições de acadêmicos dedicados a estudos sobre bacias compartilhadas.
Além de Wolf (2008)98, os argumentos de Toset, Gleiditch e Hegre (2000), Homer-Dixon
(1995) e Gleick (1995) também se mostraram bastante pertinentes, também por serem, em
grande medida, constatações a partir de pesquisas empíricas. As contribuições desses autores
não contradizem as hipóteses institucionalistas, servindo como adequado complemento a elas.
Tais autores ajudaram a conformar a conclusão principal deste trabalho – conflitos sobre
recursos hídricos são menos comuns que o senso comum faz supor, e as relações
97 If the degree of success in international collaboration can be influenced by the institutions we establish and operate, we can be more successful if we know how to design institutions that produce the desired effect. 98 Yoffe, Wolf, Giordano (2003) é uma das principais referências para capítulos anteriores, e outras obras do autor e colegas foram também consultadas.
100
internacionais quanto aos mesmos são preponderantemente cooperativas.
Em relação a quaisquer questões da agenda internacional ou quaisquer recursos
compartilhados que não os recursos hídricos transfronteiriços, é plenamente possível que as
conclusões aqui expressas sobre a comprovação empírica das hipóteses das principais
correntes teóricas da disciplina das Relações Internacionais não se confirmem. No entanto,
espera-se que tanto a metodologia quanto os resultados desta pesquisa ofereçam uma
contribuição válida aos estudos sobre conflito e cooperação internacional, principalmente em
relação ao campo da segurança ambiental. Por mais que a água seja um recurso particular em
diversos aspectos, principalmente por não ser um recurso estático e pelo forte componente
estratégico, é um CPR, assim como vários outros recursos.
101
REFERÊNCIAS
ALAM, U. Questioning the water wars rational: a case study of the Indus Waters Treaty. The Geographical Journal, n.168, v.4, p. 354-64. 2002 ARSANO, Yacob. Beyond Drops Water: Four Imperatives to Cooperation in the Nile Basin. Filmado em 12 dez. 2010. (48 min.) Disponível em: <http://www.nai.uu.se/events/multimedia/arsano_101215/> Acesso em 13 jan. 2010 ARSANO, Yacob. Ethiopia and the Nile: Dilemmas of National and Regional Hydropolitics . Zurich, Switzerland: Center for Security Studies, the Swiss Federal Institute of Technology. 2007 AXELROD, R. On Six Advances in Cooperation Theory. School of Public Policy, University of Michigan. 2000. Disponível em: <http://www.fordschool.umich.edu/research/papers/PDFfiles/00-003.pdf> Acesso em: 03 ago. 2010. AXELROD, R. The Evolution of Cooperation. Nova Iorque: Basic, 1984. BERNAUER, Thomas. Managing International Rivers. In: YOUNG, Oran R. Global Governance: Drawind Insights from the Environmental Experience. Cambridge, MIT Press, 1997. BISWAS, A.. Indus Water Treaty: The Negotiating Process. Water International , n.17, v. 44, p. 201- 209. 1992 BUCK, Susan. The Global Commons: an introduction. Washington: Island, 1998. CAMBANIS, Thanassis. Egypt and Thirsty Neighbors Are at Odds Over Nile. New York Times. Nova Iorque, 25 set. 2010. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2010/09/26/world/middleeast/26nile.html> Acesso em 22 out. 2010. CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook, 2009. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/> Acesso em 10 out. 2010. EMERSON, Jay et al. Environmental Performance Index, 2010. Disponível em: <http://epi.yale.edu> Acesso em 24 out. 2010.
102
ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O ALTO REPRESENTANTE PARA OS PAÍSES MENOS DESENVOLVIDOS. Least Developed Countries: Country profiles. Disponível em: <http://www.unohrlls.org/en/ldc/related/62/> Acesso em 29 nov. 2010. GILPIN, M. War and Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1981. GLEICK, P.H., (Ed). Water in Crisis. A Guide to the World's Fresh Water Resources, Nova Iorque : Oxford University Press. 1993. GLEIK, Peter H. Water and Conflict: fresh water resources and international security. In LYNN-JONES, Sean M.; MILLER, Steven E. (Ed.) Globar Dangers: changing dimensions of international security. Cambridge: MIT Press, 1995. GRIECO, J.. Understanding the Problem of International Cooperation: the Limitations of Neoliberal Institutionalism and the Future of Realist Theory. IN: BALDWIN, David.(Ed) Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate. Nova Iorque: Columbia University Press, 1993. HAFTENDORN, Helga. Water and International Conflict. In: International Studies Association 40th Annual Convention. Washington, fev., 1999. HEIKKILA, Thanya. Resolving Conflicts in Transboundary River Basins: The Importance of Conflict Types, Forums and Outcomes. American Political Science Association Annual Meeting, 2007 HOMER-DIXON, The Myth of Global Water Wars. Toronto Globe and Mail, Totonto, 9 nov. 1995. Disponível em: <http://www.homerdixon.com/download/the_myth_of_global.pdf> Acesso em 01 mar. 2010. HOMER-DIXON, Thomas. On The Threshold: Environmental Changes as Causes of Acute Conflict. International Security, v. 16, n. 2, p. 76-116, 1991. KAMERI-MBOTE, P. Water, conflict, and cooperation: lessons from the Nile river basin. Navigating Peace, n. 4. 2007. Disponível em: <http://www.wilsoncenter.org/topics/pubs/NavigatingPeaceIssue4.pdf> Acesso em 13 out. 2010
103
KEOHANE, R. International Institutions and State Power: Essays in International Relations Theory. Boulder: Westview Press, 1989. KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph O. Power and Interdependence. Boston: Little Brown, 1977. KEOHANE, Robert, O.; OSTROM, Elinor (Ed.). Local Commons and Global Interdependence: Heterogeneity and Cooperation in Two Domains. 1995. KEOHANE, Robert; MARTIN, Lisa. The Promise of Institutionalist Theory. International Security, v. 20, n. 1, p. 39-51, 1995. KEOHANE, R. . International Institutions: Two Approaches. International Studies Quarterly , v. 32, n. 4, p. 379-396, 1988. KITISSOU, Marcel. Politics of Water: Conflict and Cooperation in Africa, Regional Peace Studies Consortium Journal, 2003-2004. KLIOT, N.; SHMUELI, D.; SHAMIR,U. Institutions for Management of Transboundary Water Resources: Their Nature, Characteristics and Shortcomings. Water Policy, v. 3, p.229-255.2001 LANGER, Andrew. Hydro Wars The Struggle for Water and survival in The Euphrates-Tigris river Basin . 2009. Disponível em: <http://www.helvidius.org/files/2009/2009_Langer.pdf> Acesso em: 30 out. 2010 MARTIN, Lisa. Heterogeneity, linkage and common problems. In: KEOHANE, Robert, O.; OSTROM, Elinor (Ed.). Local Commons and Global Interdependence: Heterogeneity and Cooperation in Two Domains. 1995 MASON, Simon A. From Conflict to Cooperation in the Nile Basin. Zurich: Swiss Federal Institute of Technology. 2004. Disponível em: <http://www.isn.ethz.ch/isn/Digital-Library/Publications/Detail/?id=7387&lng=en> Acesso em 17 set. 2010 McMURRAY, C. Africa's water crises and the U.S. response. The U.S. Department of State, 2007. Disponível em: <http://merln.ndu.edu/archivepdf/AF/State/85333.pdf> Acesso em 18 out. 2010
104
METCALF, Barbara; METCALF, Thomas. A Concise History of Modern India. Cambridge: Cambridge University Press, 2006 MIRZA, M. The Ganges water-sharing treaty: risk analysis of the negotiated discharge. International Journal of Water , n.2, v.1, p. 57-74. 2003 MOSTERT, Erik. Conflict and co-operation in international freshwater management: a global review. International Journal of River Basin Management. v. 1, v. 3, p. 1–12. 2003. MULLI, Jean-Claude. Water and War: Impact on the civilian population. IN: International Committee of the Red Cross. Water and War. Symposium on Water and Armed Conflicts. Genebra, 1994. NICOL, A. The Nile: Moving Beyond Cooperation. UNESCO Technical Documents in Hydrology, PC-CP Series, n. 16. UNESCO, Paris, 2003. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001333/133301e.pdf> Acesso em 17 set. 2010 NILE BASIN INITIATIVE. About the NBI. Disponível em: <http://nilebasin.org/newsite/index.php?option=com_content&view=article&id=71:about-the-nbi&catid=34:nelsap-background-facts&Itemid=74&lang=en> Acesso em 22 out. 2010 NYE, Joseph. Understanding International Conflicts. Nova Iorque: HarperCollis. 1993. OKOTH, Simon. A ‘seat at the table’: Exploring the relationship between pluralist structures and involvement in decision-making – the case of the Nile Basin Initiative. 2007, 286f. Tese (Doutorado), Virginia Commonwealth University. Richmond. OLOO, Adams. The Quest for Cooperation in the Nile Water Conflicts: The Case of Eritrea. African Sociological Review n.11, v.1, p.95-105. 2007, Disponível em: <http://www.codesria.org/IMG/pdf/07_Oloo.pdf> Acesso em 13 out. 2010 OSTROM, Elinor. Governing the Commons: an evolution of institutions for collective action. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. PEARCE, Fred. When the Rivers Run Dry: Water--The Defining Crisis of the Twenty-First Century. Boston: Bacon Press, 2006 PROGRAM IN WATER CONFLICT MANAGEMENT AND TRANSFORMATION. International Freshwater Treaties Database. 2007. Disponível em:
105
<http://www.transboundarywaters.orst.edu/database/interfreshtreatdata.html> Acesso em 12 nov. 2010 PROGRAM IN WATER CONFLICT MANAGEMENT AND TRANSFORMATION. International Water Event Database. 2008. Disponível em: <http://www.transboundarywaters.orst.edu/database/interwatereventdata.html> Acesso em 12 nov. 2010 PROGRAM IN WATER CONFLICT MANAGEMENT AND TRANSFORMATION. International River Basin Registry, 2002. Disponível em: <http://www.transboundarywaters.orst.edu/database/interriverbasinreg.html> Acesso em 12 nov. 2010 PROGRAMA DAS NAÇÕS UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Água para lá da escassez: poder, pobreza e a crise mundial de água. Relatório de desenvolvimento humano de 2006. Disponível em: <http://hdr.undp.org/hdr2006/report_pt.cfm> Acesso em 04 jul. 2010. RAHAMAN, M. M. The Ganges Water Conflict: A Comparative Analysis of 1977 Agreement and 1996 Treaty. Journal of International & Peace Studies, n.1, v.2, p. 195-208. 2006 RAHAMAN, Muhammad Mizanur. Integrated Ganges basin management: conflict and hope for regional development. Water Policy n.11 v. 2 p 168–190. 2009
SCHELLING, T. The Strategy of Conflict. Cambridge: Harvard University Press, 1960. SECKLER, David; MOLDEN, David; BARKER, Randolph. Water Scarcity in the Twenty-First Century . International Water Management Institute. Colombo, Sri Lanka. 1998. SNIDAL, Duncan. The politics of scope: Endogenous actors, heterogeneity and institutions. In: KEOHANE, Robert, O.; OSTROM, Elinor (Ed.). Local Commons and Global Interdependence: Heterogeneity and Cooperation in Two Domains. 1995. SOUZA, Matilde de. Águas Internacionais. In. ENCONTRO NACIONAL DA ABCP, 3, 2002. Niterói: Universidade Federal Fluminense. SOUZA, Matilde de. Águas Internacionais. In. ENCONTRO NACIONAL DA ABCP, 3, 2002. Niterói: Universidade Federal Fluminense.
106
STOCKHOLM INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE. Military Expenditure Database, 2009. Disponível em: <http://www.sipri.org/databases/milex> Acesso em 15 out. 2010. TANZEEMA, S.; FAISAL, I. M. Sharing the Ganges: a critical analysis of the water sharing treaties. Water Policy, n.3, v.1, p. 13-28. 2001. TATEMOTO, Leticia Caroline Barche. Águas compartilhadas: a incorporação de princípios e diretrizes globais para a água em mecanismos regionais de compartilhamento de recursos hídricos. 2008. Monografia (conclusão de curso) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Departamento de Relações Internacionais, Belo Horizonte. TOSET, H. P. W.; GLEIDITSCH, N. P.; HEGRE, H. Shared rivers and interstate conflict. Political Geography, v. 19, n.6,p. 971-996. 2000 UITTO, Juha; DUDA, Alfred. Management of transboundary water resources: lessons from international cooperation for conflict prevention. The Geographical Journal, dez. 2002.
WOLF, A. Conflict and Cooperation Along International Waterways. Water Policy. v.1 n. 2. p. 251-265. 1998 WOLF, Aaron T.; NEWTON, Joshua T., Case Studies of Transboundary Dispute Resolution. Appendix C IN: DELLI PRISCOLI, Jerry, WOLF, Aaron T. Managing and Transforming Water Conflicts. Cambridge: Cambridge University Press. 2008 YOFFE, S. B.; WOLF, A. T. Water, Conflict and Cooperation: Geographical Perspectives. Cambridge Review of International Affairs. n.12 v.2, p. 197-213. 1999 YOFFE, Shira; WOLF, Aaron; GIORDANO, Mark. Conflict and Cooperation over international freshwater resources: indicators of basins at risk. Journal of the American Water Resources Association, v. 39, n. 5, p. 1109-1126. 2003.Disponível em: <http://www.transboundarywaters.orst.edu/publications/abst_docs/Yoffe_Wolf_Giordano.pdf> Acesso em 30 jul. 2010 YOUNG, Oran R. Problem of scale in human/environment relationships. In: KEOHANE, Robert, O.; OSTROM, Elinor (Ed.). Local Commons and Global Interdependence: Heterogeneity and Cooperation in Two Domains. 1995.
107
YOUNG, Oran R. Rights, Rules and Resources in World Affairs. In: YOUNG, Oran R. Global Governance: Drawing Insights from the Environmental Experience. Cambridge: MIT Press, 1997.
108
ANEXOS
ANEXO A - DADOS BACIAS AFRICANAS
Bacia Área km2
países área do país na
bacia km2
porcentagem do país na bacia
tratado conflito montante>jusante Pib (US$) PIB per capita (US$
ppc)
população território km2 orçamento militar (US$)
homens capazes para o serviço
militar
Water Stress Index
Akpa 4900 Camarões 3000 61.65 não não 2?
Nigéria 1900 38.17 1?
Bia 11100 Gana 6400 57.58 não não 1
Costa do Marfim 4500 40.28 2
Cross 52800 Nigéria 40300 76.34 não não 2(?)
camarões 12500 23.66 1
Geba 12800 Guiné-Bissau 8700 67.69 não não 3
Senegal 4100 31.88 2
Guiné 50 0.42 1
Incomati 46700 África do sul 29200 62.47 sim sim (bar
scale -1)
1 280.6 bi 10300 49109107 1219090 3926000000 7676331 54,84
Moçambique 14600 31.20 3 9.767 bi 900 22061451 799380 92500000 2448161 13,44
Suazilândia 3000 6,33 2 2.963 bi 4400 1354051 17364 60000000 196633 4,02
Komoe 78100 Costa do Marfim 58300 74,67 não não 2
Burkina fasso 16900 21,66 1
Gana 2200 2,85 tribut.
Mali 600 0,82 tribut.
Kunene 110000 Angola 95300 86,68 sim sim (bar
scale -2)
1 70.53 bi 8400 13068161 1246700 2893000000 1506489 5,5
Namíbia 14700 13,32 2 (front) 9.145 bi 6600 2128471 824292 283000000 341783 52,01
Lago Chade
2388700 Chade 1079299 48,18 sim sim (bar
scale -2)
lago 7.056 bi 1900 10543464 1284000 412000000 1141776 16,44
Níger 674200 28,23 5.386 bi 700 15878271 1267000 43000000 2104378 28,67
República centro africana
218600 9,15 2.006 bi 700 4844927 622984 36700000 637474 0,49
Nigéria 180200 7,54 167.4 bi 2300 152217341 923768 1681000000 20298351 4,66
Argélia 90000 3,77 136.4 bi 7100 34586184 2381741 5677000000 8481036 24,47
Sudão 82800 3,47 54.93 bi 2300 41980182 2505813 1971000000 6094209 10,67
Camarões 46800 1,96 22.08 bi 2300 19294149 475440 352000000 2721307 0
Líbia 4600 0,19 61.32 bi 13400 6461454 1759540 1100000000 1490011 24,67
Mana-morro
6800 Libéria 5700 82,84 não não $878.2 million
400 3685076 111369 7100000 510337
Serra Leoa 1200 17,16 $2.088 billion
900 5245695 71740 44600000 713190
Mbe 7000 gabão 6500 92,97 não não 2
Guiné equatorial 500 7,02 1
Nyanga 12300 Gabão 11500 93,56 não não 2
República do Congo
800 6,44 1
Okavango 706900 Botsuana 358000 50,65 sim não 4 10.94 bi 12800 2029307 71740 353000000 713190 30,64
Namíbia 176200 24,93 2 9.145 bi 6600 2128471 824292 283000000 341783 52,01
Angola 150100 21,23 1 70.53 8400 13068161 1246700 2893000000 1506489 5,5
Zimbábue 22600 3,19 tribut. 3.598 bi 100 11651858 390757 136 mi *** 1327894 20,43
Uoeme 59500 Benin 49400 82,98 não não 1
Nigéria 9700 16,29 2
Togo 40 0,73
Sabi 115700 Zimbábue 8540 73,85 não não 1
Moçambique 30300 26,15 2
Tano 15600 Gana 13700 87,96 não não 1
Costa do Marfim 1700 11,21 2
Umbeluzi 10900 Moçambique 7200 65,87 sim não 2 9.767 bi 900 22061451 799380 92500000 2448161 13,44
Suazilândia 3500 32,44 1 2.963 bi 4400 1354051 17364 60000000 196633 4,02
África do sul 30 0,27 tribut. 280.6 bi 10300 49109107 1219090 3926000000 7676331 54,84
ANEXO B - DADOS BACIAS ASIÁTICAS
Bacia Área km2
países área do país na
bacia km2
porcentagem do país na
bacia
tratado conflito montante>jusante Pib (US$) PIB per capita (US$
ppc)
população território km2 orçamento militar (US$)
homens capazes para o serviço
militar
Water Stress Index
Mar de Aral 1231400 Cazaquistão 424400 34,46 sim Sim (-4)
Mar 108.3 bi 11800 15460484 2724900 1540000000 2902859 20,14
Uzbequistão 382600 31,07 30.68 bi 2800 27865738 447400 52000000 6456675 42,12
Tadjiquistão 135700 11,02 4.741 bi 1900 7487489 143100 63400000 1461896 14
Quirguistão 111700 9,07 4.736 bi 2200 5508626 199951 185000000 1101709 20,5
Afeganistão 104900 8,52 13.47 bi 1000 29121286 652230 272000000 3888358 n
Turcomenistão 70000 5,68 16.24 bi 6700 4940916 488100 236000000 1046907 27,92
China 1900 0,15 $4.814 trillion 6600
1330141295 9596961 98800000000 314668817 19,55
Paquistão 200 0,01 $168.5 billion
2500 177276594 796095 4823000000 35774936 33,35
Bei Jiang/Hsi 417800 China 407900 97,63 não não 1 – 2
Vietnã 9800 2,35 tribut.
Beilun 900 China 800 84,92 não não 1 (?)
Vietnã 100 15,08 (fronteira)
Indus 1138800 Paquistão 597700 52,48 sim Sim (-3)
3 168.5 bi 2500 177276594 796095 4823000000 35774936 33,35
Índia 381600 33,51 2 1.095 tr 3100 1173108018 3287263 37427000000 244727406 33,53
China 76200 6,69 1 4.814 tri 3620 1330141295 9596961 98800000000 314668817 19,55
Afeganistão 72100 6,63 tribut. 13.47 bi 1000 29121286 652230 272000000 3888358 n
Irrawady 404200 Mianmar 368600 91,2 não não 1 – 2
China 18500 5,58 tribut.
Índia 14100 3,49 tribut.
Kura-Araks 193200 Azerbaijão 56600 29,28 sim Sim (-5)
3 43 bi 10400 8303512 86600 1434000000 1753878 31,39
Irã 39700 20,55 tribut. 335.7 bi 12500 67037517 1648195 9174000000 17844536 25,34
Armênia 24800 18,03 tribut. 8.785 bi 5500 2966802 29743 405000000 644195 68,61
Geórgia 34300 17,77 2 11.11 bi 4400 4600825 69700 665000000 901307 7,03
Turquia 27700 14,32 1 608 bi 11400 77804122 783562 19009000000 17447579 13
Rússia 60 0,03 tribut. 1.232 tri 15100 139390205 17098242 61000000000 20746777 2,6
Pakchan 3900 Mianmar 1900 49,11 não não (fronteira)
Tailândia 1800 47,24 (fronteira)
Pu Lun T'o 89000 China 77800 87,39 não não indisponível $4.814 trillion
3620 1330141295 9596961 314668817
Mongólia 11100 12,48 $4.261 billion
1380 3,086,918 1,564,116
715,585
Rússia 80 0,09 $1.232 trillion
8838 139390205 17098242 20746777
Cazaquistão 30 0,04 $108.3 billion
7005 15460484 2724900 2902859
Salween 244000 China 127900 52,4 não não 1 $4.814 trillion
3620 1330141295 9596961 314668817
Mianmar 107000 43,85 2 $26.83 billion
502 53414374 676578 10281131
Tailândia 9100 3,73 3 $269.6 billion
4060 66404688 513120 13247646
Yalu 50900 China 26800 52,65 não não (fronteira)
Coréia do Norte 23800 46,82 (fronteira)
ANEXO C - DADOS BACIAS EUROPÉIAS
Bacia Área km2
países área do país na bacia km2
porcentagem do país na
bacia
tratado conflito montante>jusante Pib (US$) PIB per capita (US$
ppc)
população território km2 orçamento militar (US$)
homens capazes para o serviço
militar
Water Stress Index
Dniester 62000 Ucrânia 46800 75,44 sim Sim (-1) 1 117.1 bi 6300 45415596 603550 4258000000 6970035 24,19
Moldávia 15200 24,52 2 5.391 bi 2300 4317483 33851 27500000 877031 54,69
Polônia 30 0,05 tribut. 427.9 bi 17900 38463689 312685 10860000000 7860841 5,56
Drin 17900 Albânia 8100 45,39 não Sim (-1) 2 11.86 bi 6400 3659616 28748 276000000 802097 0
Servia e
Montenegro 7400 41,4 1 42.88 bi 10600 7344847 77474 1070000000 ? 1,57
Macedônia 2200 12,18 1 8.929 bi 9100 2072086 25713 204000000 442953 0
Elbe 132200 Alemanha 83100 62,85 sim Sim (-1) 2 3.273 tri 34100 82282988 357022 48022000000 15564748 15,94
Rep. Checa 47600 32,02 1 191.9 bi 24900 10201707 78867 3246000000 2086662 2,56
Áustria 700 0,54 tribut. 378.8 bi 39200 8214160 83871 3650000000 1595379 0
Polônia 700 0,56 tribut. 427.9 bi 17900 38463689 312685 10860000000 7860841 5,56
Klaralven 51000 Suécia 43100 84,54 sim não 1 402.4 bi 36600 9074055 450295 6135000000 1709592 0,35
Noruega 7900 15,46 2 373.3 bi 57400 4676305 323802 6098000000 888310 0
Lima 2300 Espanha 1200 50,88 sim Sim (-1) 1 1.466 tri 33600 40548753 505370 19409000000 8040207 37,06
Portugal 1100 49,04 2 222.4 bi 21700 10735765 92090 4884000000 2104945 9,96
Mius 2800 Rússia 1900 69,82 não não
Ucrânia 800 30,07
Naatamo 1000 Noruega 600 57,73 sim não 2 373.3 bi 57400 4676305 323802 6098000000 888310 0
Finlândia 400 41,47 1 238.2 bi 34100 5255068 338145 3768000000 958949 0,42
Narva 53000 Rússia 28200 53,2 sim Sim (-3) 1 (front) 1.232 tri 15100 139390205 17098242 61000000000 20746777 2,06
Estônia 18200 34,09 1 (front) 18.26 bi 18500 1291170 45228 460000000 213740 2,51
Letônia 5900 11,13 tribut. 24.48 bi 14400 2217969 64589 692000000 406592 0
Bielorrússia 800 1,57 tribut. 46 bi 12500 9612632 207600 1036000000 1708634 1,79
Neretva 5500 Bósnia e
Hezergovina 5300 95,98 não não
Croácia 200 3,47
Olanga 18800 Rússia 16800 89,37 sim não 2 1.232 tri 15100 139390205 17098242 61000000000 20746777 2,06
Finlândia 2000 10,62 1 238.2 bi 34100 5255068 338145 3768000000 958949 0,42
Prohladnaja 600 Rússia 500 76,9 não não $1.232 trillion 139390205 17098242 20746777
Polônia 100 23,1 $427.9 billion 38463689 312685 7860841
Rhone 100200 França 90100 89,88 sim não 2 2.666 tri 32600 64057792 551500 67316000000 12053912 8,39
Suíça 10100 10,05 1 489.8 bi 41400 7623438 41277 4141000000 1502736 0
Itália 50 0,05 tribut. 2.114 tri 29900 58090681 301340 37427000000 11092984 17,68
Roia 600 França 400 67,39 sim não 1 2.666 tri 32600 64057792 551500 67316000000 12053912 8,39
Itália 200 30,45 2 2.114 tri 29900 58090681 301340 37427000000 11092984 17,68
Salaca 2100 Letônia 1600 78,52 não não $24.48 bi 2217969 64589 406592
Estônia 100 5,7 $18.26 billion 1291170 45228 213740
Schelde 17100 França 8600 50,03 sim não 1 2.666 tri 32600 64057792 551500 67316000000 12053912 8,39
Bélgica 4800 49,28 2 466.9 bi 36800 10423493 30528 5674000000 1949361 49,84
Holanda 80 0,47 tribut. 799 bil 39500 16783092 41543 12642000000 3213954 24,14
Struma 1500 Bulgária 8600 57,66 sim não 1 45.3 bi 12500 7148785 110879 1127000000 1337201 36,51
Grécia 3900 25,88 2 342.2 bi 31000 10749943 131957 13917000000 2050018 4,45
Macedônia 1800 12,22 tribut. 8.929 bi 9100 2072086 25713 204000000 442953 0
Servia e
Montenegro 600 4,19 tribut. 42.88 bi 10600 7344847 77474 1070000000 ? 1,57
Tagus/Tejo 77900 Espanha 51400 66,06 sim Sim (-1) 1 1.466 tri 33600 40548753 505370 19409000000 8040207 37,06
Portugal 26100 33,5 2 222.4 bi 21700 10735765 92090 4884000000 2104945 9,96
Torne/Torneaven 37300 Suécia 25400 67,98 sim não 1 402.4 bi 36600 9074055 450295 6135000000 1709592 0,35
Finlândia 10400 28 2 238.2 bi 34100 5255068 338145 3768000000 958949 0,42
Noruega 1500 4,03 tribut. 373.3 bi 57400 4676305 323802 6098000000 888310 0
Velaka 700 Bulgária 700 95,25 não não
Turquia 30 3,74
Vistula/Wista 194000 Polônia 169700 87,45 sim não 1 427.9 bi 17900 38463689 312685 10860000000 7860841 5,56
Ucrânia 12700 6,55 tribut. 117.1 bi 6300 45415596 603550 4258000000 6970035 24,19
Bielorrússia 9800 5,03 tribut. 46 bi 12500 9612632 207600 1036000000 1708634 1,79
Eslováquia 1900 0,96 tribut. 89.33 bi 21100 5470306 49035 1316000000 1162282 0
Rep. Checa 20 0,01 tribut. 191.9 bi 24900 10201707 78867 3246000000 2086662 2,56
ANEXO D - DADOS BACIAS AMERICANAS
Bacia Área km2 países área do país na bacia km2
porcentagem do país na
bacia
tratado conflito montante>jusante Pib (US$) PIB per capita (US$
ppc)
população território km2 orçamento militar (US$)
homens capazes para o serviço
militar
Water Stress Index
Candelaria 12800 México 11300 88,24 sim não 2 1.017 tri 13200 112,468,855 1,964,375 5490000000 22,893,649 31,51
Guatemala 1500 11,74 1 36.9 bi 5100 13,550,440 108,889 175000000 2,494,903 0
Choluteca 7400 Honduras 7200 97,68 não não
Nicarágua 200 2,32
Firth 6000 Canadá 3800 63,6 não não
EUA 2200 36,4
Hondo 14600 México 8900 61,14 sim não 1 (front) 1.017 tr 13200 112,468,855 1,964,375 5490000000 22,893,649 31,51
Guatemala 4200 28,5 tribut. $36.9 bi 5100 13,550,440 108,889 175000000 2,494,903 0
Belize 1500 10,36 1 (front) 1.424 bi 8300 314,522 22,966 15600000 57,759 0
Massacre 800 Haiti 500 62,03 sim não 1 (front) 6.558 bi $1300 9035536 27750 25,2 mi*** 1573371 1,56
República
Dominicana 300 35,96 1(front) 46.74 bi 8300 9650054 48670 272,000,000 2090785 20,42
Motaqua 16100 Guatemala 14600 90,85 não não
Honduras 1500 9,11
St. Croix 4600 EUA 3300 70,86 sim não 1 14.43 tri 46000 310,232,863 9,826,675 663 255 000
000 60,388,734 21,28
Canadá 1400 29,14 tribut. 1.335 tri 38200 33,759,742 9,984,670 20564000000 6,642,190 1,66
St. John 47700 Canadá 30300 63,5 sim não 2 1.335 tri 38200 33,759,742 9,984,670 20564000000 6,642,190 1,66
EUA 17300 36,22 1 14.43 tri 46000 310,232,863 9,826,675 663 255 000
000 60,388,734 21,28
St. Lawrence 1055200 Canadá 559000 52,98 sim sim (-2) 1...2 1.335 tri 38200 33,759,742 9,984,670 20564000000 6,642,190 1,66
EUA 496100 47,02 2 (front.) 14.43 tri 46000 310,232,863 9,826,675 663 255 000
000 60,388,734 21,28
Suchiate 1600 Guatemala 1100 68,79 sim não 1...2 36.9 bi 5100 13,550,440 108,889 175000000 2,494,903 0
México 500 31,21 2 (front.) 1.017 tri 13200 112,468,855 1,964,375 5490000000 22,893,649 31,51
Yukon 829700 EUA 496400 59,83 não não
Canadá 333300 40,17
Amacuro 5600 Venezuela 4900 86,89 não não
Guiana 700 13,11
Amazonas 5883400 Brasil 3670300 62,36 sim sim (-2) 2 1.499 tri 10100 201,103,330 8,514,877 27124000000 38,518,822 2,28
Peru 956500 16,26 tribut 128.9 bi 8500 29,907,003 1,285,216 1502000000 6,045,256 31,5
Bolívia 706700 12,01 tribut 17.76 bi 4700 9,947,418 1,098,581 268000000 1,714,438 5,12
Colômbia 367800 6,25 tribut 231.3 bi 9200 44,205,293 1,138,914 10055000000 8,957,960 2,82
Equador 123800 2,1 tribut 56.27 bi 7500 14,790,608 283,561 506,4 mi*** 2,770,465 19,24
Venezuela 40300 0,68 tribut 357.6 bi 13000 27,223,228 912,050 3254000000 5,504,152 9,71
Guiana 14500 0,25 tribut 1.21 bi 6500 748,486 214,969 7900000 132,188 0
Suriname 1400 0,02 tribut 3.184 bi 9500 486,618 163,82 19.1 mi *** 108,555 0
Cancoso/Lauca 23500 Bolívia 20200 85,72 não não
Chile 3400 14,28
Jurado 700 Colômbia 500 82,11 não não
Panamá 100 17,89
Prata 2954500 Brasil 1329300 46,69 sim sim (-3) 1 1.499 tri 10100 201,103,330 8,514,877 27124000000 38,518,822 2,28
Argentina 817900 27,68 4 304.9 bi 13400 41,343,201 2,780,400 2608000000 8,366,206 24,12
Paraguai 400100 13,54 3 13.77 bi 4600 6,375,830 406,752 140000000 1,375,610 23,27
Bolívia 245100 8,3 2 17.76 bi 4700 9,947,418 1,098,581 268000000 1,714,438 2,12
Uruguai 111600 3,78 5 31.98 bi 12600 3,510,386 176,215 496000000 713,223 0
Lago Titicaca 111800 Bolívia 63000 56,32 sim não lago 17.76 bi 4700 9,947,418 1,098,581 268000000 1,714,438 2,12
Peru 48000 42,94 128.9 bi 8500 29,907,003 1,285,216 1502000000 6,045,256 31,5
Chile 800 0,74 152.1 bi 14600 16,746,491 756,102 5683000000 3,599,328 31,7
Mataje 700 Equador 500 73,98 não não
Colômbia 200 26,02
Orinoco 927400 Venezuela 604500 65,18 não não
Colômbia 321700 34,68
Brasil 800 0,08
Palena 13300 Chile 7300 54,87 não não
Argentina 6000 45,13
Pascua 13700 Chile 7300 53,51 não não
Argentina 6400 46,46
Valdívia 15000 Chile 14700 98,39 não não
Argentina 100 0,69
Yelcho 11100 Argentina 6900 62,14 não não
Chile 4200 37,86
Zapareli 2600 Chile 1600 59,6 não não
Argentina 500 19,65
Bolívia 500 20,75