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10 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo André Renato Servidoni Delineamentos da Responsabilidade Penal Individual na direção de Empresas Mestrado em Direito Penal São Paulo Março / 2.006

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo · ... não poderia esquecer da minha esposa querida, ... é necessário ser-lhe fiel. Ela, como ... pouco importando se teve culpa

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10

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

André Renato Servidoni

Delineamentos da Responsabilidade Penal Individual na direção de Empresas

Mestrado em Direito Penal

São Paulo Março / 2.006

11

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

André Renato Servidoni

Delineamentos da Responsabilidade Penal Individual na direção de Empresas

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Penal, sob a orientação do Professor Doutor Dirceu de Mello.

São Paulo Março / 2.006

12

Comissão Julgadora

______________________________________

______________________________________

______________________________________

13

Dedico este trabalho primeiramente a meus pais Agostinho e Marlene que, embora junto de Deus, me acompanham espiritualmente. Além disso, não poderia esquecer da minha esposa querida, Heloísa, mulher exemplar, mãe dedicada e advogada brilhante, pelo incentivo e compreensão, bem como a minhas filhas Ana Clara e Sofia, fontes do meu viver.

14

"Para encontrar a justiça, é necessário ser-lhe fiel. Ela, como todas as divindades, só se manifesta a quem nela crê"

Piero Calamandrei

15

SINOPSE

O direito penal evoluiu muito com o passar dos anos.

Calcado inicialmente na responsabilidade objetiva, prescindia da

discussão da devida culpa para punir o agente criminoso. Porém,

percebeu que esta responsabilização era inconsistente e, assim,

iniciou o estudo da responsabilidade subjetiva, atualmente presente

em nossa legislação, inclusive no âmbito constitucional.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi abordar a

evolução da culpabilidade, inicialmente pela doutrina estrangeira e,

posteriormente, na nacional, inclusive com conotação da legislação

pertinente.

Este estudo tem fundamental importância para o deslinde

dos processos em julgamento, principalmente nos casos que

envolvam a punição dos responsáveis por empresas, quando estas

são acusadas de alguma infração penal, isto porque o Poder

Judiciário, em algumas oportunidades, dispensa o estudo sobre a

culpabilidade de cada agente na condução destas pessoas jurídicas,

imputando a responsabilidade sobre eles de forma generalizada,

ferindo, conseqüentemente, o princípio da culpabilidade.

Desta forma, através do estudo da doutrina, legislação e

jurisprudência, ficou constatado que o princípio da culpabilidade deve

ser respeitado e aplicado, sob pena de infringência a vários princípios,

entre eles da individualização da pena e responsabilidade objetiva.

16

ABSTRACT

Penal law had a great evolution with the years.First

basedon the objective responsibility, it did without the guilt to punish

the criminal agent. However, this responsibility was not consistent and

therefore, it starts the subjective responsibility study, present in our

legislation currently, including the constitional sphere.

Therefore, the purpose of this work was to broach the guilt

evolution, first through the foreign doctrine legislation connotation.

This study is important for the lawsuit under process

conclusion, mainly in the cases wich the responsible for companies

punishment when they are charged with some penal lawsuit because

the judicial power, disenses the study about the guilt of each agent in

some opportunities attributing the responsibility for them in a

widespread way, injuring the culpability principle.

Anyway, through the doctrine study, legislation and

jurisprudence, it was said the culpability principle must be respected

and applied under to break the law of many principles, among them the

sentence individuality and objective responsibility.

17

Agradeço a toda a minha família, notadamente a minha avó Doracy, irmã Mônica, meu sogro José Mauro e sogra Regina pelo apoio incondicional. Não poderia deixar de registrar meu agradecimento eterno ao meu orientador Prof. Dr. Dirceu de Mello pela atenção e oportunidade.

Por fim, agradeço a bolsa concedida pela CAPES, pois, sem ela, dificilmente conseguiria terminar este curso, tão sonhado.

18

SUMÁRIO

Resumo

Introdução.................................................................................................. 10

Problemática e Objetivos-.......................................................................... 13

Metodologia - ............................................................................................. 14

Capítulo I – Culpabilidade – Histórico e Evolução Doutrinária

1.1 – Noção histórica.................................................................................. 15

1.2 - A culpabilidade pela doutrina estrangeira........................................... 20

1. 2.1– Das concepções: normativa e psicológica................................ 26

1. 2.2 – Da culpabilidade: pelo fato singular e pela conduta na vida.... 32

1.2.3 - Da culpabilidade: personalidade e capacidade para delinqüir... 35

1.2.4- Culpabilidade e periculosidade.................................................. 37

1.2.5 – Concepção da culpabilidade na doutrina finalista..................... 39

1.2.5.1 – Elementos da culpabilidade, segundo a doutrina finalista. 46

Capítulo II - A Culpabilidade no Brasil

2.1-Evolução doutrinária............................................................................ 53

2.2 – Evolução legislativa........................................................................... 58

2.2.1.– Do fundamento constitucional........................................................ 58

2.2.2 – Apontamentos relativos às teorias constitucionalistas do

Direito penal......................................................................................... 61

2.2.3 – Dos princípios constitucionais do direito penal........................ 62

2.2.4 – Da culpabilidade nas Constituições Brasileiras........................ 71

2.2.5 – Análise da culpabilidade nos Códigos Penais Brasileiros......... 74

Capítulo III – Culpabilidade e Responsabilidade Penal

3.1 – Delineamento da culpabilidade e responsabilidade penal................ 87

3.2 – Responsabilidade penal da e na empresa......................................... 90

3.3 – A individualização da responsabilidade penal nos crimes cometidos por

meio da empresa........................................................................................ 93

3.4 – Culpabilidade e justificação da pena................................................. 95

19

3.5 – Questões processuais....................................................................... 99

3.5.1 – Denúncia genérica.......................................................... ........100

3.5.2 – Individualização da pena........................................................ 104

3.5.3 – Responsabilidade penal da pessoa jurídica............................ 107

Considerações Finais............................................................................... 111

Referências Bibliográficas........................................................................ 116

10

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como finalidade tecer algumas

considerações sobre a teoria da culpabilidade aplicada nos “crimes

empresariais”, com reflexos nas obrigações e responsabilidades

empresariais.

O direito penal, de cunho eminentemente individual, tem se

alterado com o passar do tempo. Observa-se especificamente que a partir

da Revolução Industrial, houve um avanço nos novos centros de mão-de-

obra – a empresa – e, com ela, seu estudo dentro do seio jurídico. A

empresa sendo uma das fontes essenciais do modo de ser das

comunidades das atuais sociedades pós-industriais é o lugar onde ou por

onde a criminalidade econômica pode advir.

Conseqüentemente, cresce a importância do, assim chamado,

Direito Penal Econômico, hoje, um fenômeno notório e de escala mundial.

Neste sentido, há uma ampliação da intervenção do direito penal sobre

novas áreas das atividades econômicas desenvolvidas, notadamente, pelas

empresas.

Assim, os delitos econômicos estão se alterando e

criminalizando cada vez mais as condutas sociais, com vários propósitos,

entre eles, a ânsia de o Poder Público em angariar mais recursos para seus

cofres, ou até com o propósito ilusório de manter a “paz social”, esquecendo-

se de que cada conduta criminalizada significa uma liberdade a menos para

os cidadãos.

Em decorrência, um dos principais alvos dessa ânsia pública

está na empresa, que, além de arcar com altos índices de impostos,

necessita de extrema atenção para não incidir em crime.

11

Recentes alterações legislativas dão mostras deste intuito, por

exemplo, as Leis 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), 8.137/90

(Crimes contra a Ordem Tributária), 9.605/98 (Crimes contra o meio-

ambiente) e 9.983/00, que acrescentou os artigos 168-A e 337-A no Código

Penal.

Por outro lado, a pessoa jurídica, em algumas circunstâncias, é

instituída e utilizada para a prática de crimes, utilizando-se os agentes da

dificuldade de identificação da responsabilidade na condução da empresa.

Neste aspecto, deve ser lembrado que a globalização

possibilitou a criação e surgimento de grandes empresas multinacionais

dentro de nosso território, sendo certo que as dificuldades operacionais de

punição a condutas transnacionais são evidentes, o que pode ser um

caminho para a impunidade.

Entretanto, em quaisquer dos casos, a responsabilidade penal

deve ser altamente discutida para se evitar equívocos indesejáveis, assim,

na instauração do inquérito policial, durante o processo e no julgamento da

causa, a discussão sobre a culpabilidade deve ser evidenciada, até para que

pessoas não participantes do ilícito penal não sejam processadas ou

condenadas sem a necessária responsabilidade.

Desta forma, neste trabalho, abordaremos as questões mais

importantes para o deslinde da culpabilidade, passando por uma análise na

visão da doutrina estrangeira, nacional e, em seguida, delimitando a

responsabilidade penal na atuação da empresa, dentro dos critérios exigidos

pelo direito penal.

Em suma, sabe-se que o tema da culpabilidade é um dos mais

complexos no âmbito do direito penal, o que torna a discussão de sua

aplicação nos “crimes empresariais” um desafio, mas, sem dúvida, é muito

importante para a ciência penal e para atualidade forense, principalmente,

12

porque a tendência é a incriminação cada vez maior das condutas

praticadas no gerenciamento da empresa, com o claro objetivo de aumentar

a arrecadação fiscal do Estado.

13

PROBLEMÁTICA E OBJETIVOS

Embora admitida pela legislação e, muitas vezes, necessária, a

intervenção penal vem sendo aplicada, na maior parte das vezes, como a

prima ratio ao invés da ultima ratio, desrespeitando o princípio da

intervenção mínima, propalado pela doutrina como um dos pilares do direito

penal.

Assim, há por parte do Estado uma vontade desenfreada de

criminalizar condutas com o objetivo de supostamente pacificar a sociedade.

Todavia, várias dessas condutas criminosas estão voltadas

para a atuação empresarial, com objetivos arrecadadores, esquecendo-se o

Estado de que possui os meios legais para a fiscalização e cobrança dos

tributos devidos decorrentes desta atividade empresarial.

Além disso, os responsáveis por essas empresas, após

incidirem em crime, são considerados co-autores e punidos de uma mesma

forma, sem que o Poder Judiciário tenha prescindido da devida discussão a

respeito dessa responsabilidade, pois cada sócio tem, normalmente, uma

participação diferenciada no gerenciamento da empresa.

É com essa preocupação que será analisada a teoria da

culpabilidade para se desvendar e descrever a possível responsabilidade

penal de cada sócio, uma vez que a Constituição Federal também preserva

a individualização da pena, e, por outro lado, pretende-se auferir se o Poder

Judiciário está respeitando este princípio.

14

METODOLOGIA

O método a ser empregado na elaboração do presente projeto

foi escolhido de maneira a preencher os requisitos necessários para sua

perfeita elaboração.

No que tange à coleta de dados, foi utilizado como material de

pesquisa as legislações vigentes, revistas especializadas, jurisprudência,

bem como a doutrina referente ao assunto.

Foram, ainda, adotados os seguintes procedimentos:

levantamento dos pontos importantes do trabalho, análise do material

coletado, desenvolvimento do texto e conclusões acerca dos problemas

detectados.

Por fim, para ilustrar a abordagem dada à matéria pelo Poder

Judiciário foram analisados alguns casos concretos de crimes societários a

serem selecionados de acordo com os tópicos envolvidos.

15

Capítulo I

Culpabilidade – Histórico e evolução doutrinária

1.1- Noção histórica

A história da culpabilidade sofreu considerável evolução no

decorrer da história da humanidade. Por culpabilidade, no aspecto histórico,

devemos analisar a responsabilidade penal, uma vez que o conceito técnico

de culpabilidade é bem recente, com implicações diretas na justificação do

próprio direito de punir do Estado e na finalidade da pena.

Como assevera Francisco Assis de Toledo, o direito penal, em

sua origem, foi de cunho eminentemente intimidativo1.

A pena criminal assim entendida como instrumento de

intimidação e de prevenção geral só adquire algum sentido se estiver

presente a noção de evitabilidade do fato praticado.

Nos tempos primitivos, a responsabilidade penal estava ligada

tão somente a uma relação de causalidade com o fato, isto é, a

responsabilidade penal era objetiva, onde desconsiderava-se a existência de

alguma ligação, além da simples causalidade física, entre o fato causado e o

agente.

Na fase arcaica e jusprivatista do direito penal, quando a pena

era considerada “vingança de sangue”, encomendada como direito-dever à

parte ofendida e ao seu grupo familiar, a responsabilidade penal equiparava,

solidariamente, o ofensor e seus parentes, como conseqüência quase

1 Princípios Básicos de Direito Penal, p. 217.

16

exclusiva do elemento objetivo da lesão, e não da imputação direta a seu

autor, nem sequer das suas intenções. 2

Na verdade, acreditava-se que a paz era uma dádiva

assegurada pela vontade dos deuses e que o infrator deveria ser punido

para satisfação da vingança divina, pouco importando se teve culpa ou não.

Em um momento posterior, surgiu a Lei de Talião, que acabou

sendo adotada no Código de Hamurabi e pelos hebreus, bem como a Lei

das XII Tábuas, que podem ter representado, a seu tempo, uma certa

evolução nos costumes, posto que, embora expressão de vingança, o

castigo estava limitado à ofensa praticada e era disciplinado pelo poder

público.

Na Idade Média, fortemente influenciada pela filosofia cristã, a

justiça passou a ter como base o livre-arbítrio, onde todo homem era livre

para decidir entre o bem e o mal, sendo o crime um pecado derivado da

vontade humana, assim, não se justificava uma punição a quem não agia

com dolo ou culpa, nem de modo reprovável na causação de um resultado,

portanto, o nexo meramente causal entre a ação e dano já não era mais

suficiente.

Essa concepção da culpabilidade atrelada à intencionalidade

da ação, desenvolvida pelo pensamento iluminista, onde a vontade humana

era a base do direito penal, foi integralmente acolhida pela Escola Clássica,

que, como se sabe, especialmente em Carrara, fundava a responsabilidade

penal no livre arbítrio e entendia a pena com caráter meramente retributivo,

ao contrário da Escola Positiva, criada por Lombroso, que defendia que a

criminalidade derivava de fatores biológicos, contra os quais era inútil o

homem lutar.

2 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, p. 390.

17

É claro que esta evolução histórica da culpabilidade contém

algumas concepções extravagantes que vicejaram em determinadas épocas

e locais, como por exemplo, a responsabilização de animais e coisas. Neste

sentido, FERRAJOLI explica que:

“a igualdade e a identidade subjetiva de todos os seres humanos no âmbito penal é uma conquista relativamente recente. Assim, por exemplo, e deixando de lado os diferentes privilégios e imunidades penais que abundam no direito pré-moderno, as mulheres têm sido, por muito tempo, consideradas inferiores, sujeitas à responsabilidade atenuada “quia minus rationis habent, quam masculi”.3

Assim, com o passar do tempo e com o aprimoramento da

cultura, começou-se a perceber a diferença existente entre a evitabilidade e

a inevitabilidade de um dano, bem como que este fato residia no interior do

ser humano.

Este descobrimento deu origem à previsibilidade e à

voluntariedade do resultado danoso e, a partir de então, foram iniciados os

estudos sobre a culpabilidade, dentro do chamado “elemento subjetivo”.

Na verdade, não se pode apontar com exatidão o momento

histórico em que tal fenômeno ocorreu. Fora de dúvida, porém, é que, deste

fato, é que começou a ser construída a noção de culpabilidade, com a

introdução, na idéia do crime, de alguns elementos psíquicos, ou anímicos –

a previsibilidade e a voluntariedade – como condição da aplicação da pena

criminal – nullum crimem sine culpa.4

Por outro lado, não se pode olvidar que, concebida

normativamente como reprovabilidade pelo fato cometido, a culpabilidade

3 Ibidem, p. 390 4 TOLEDO, Francisco de Assis, obra citada, p. 219.

18

carregou e carrega evidentes conotações éticas, mesmo porque a culpa é

um juízo indicativo de desvalor ou demérito moral e social.

Neste diapasão, BETTIOL assevera que:

“na concepção teleológica do direito penal é sempre lesão do bem jurídico que assume relevo e função de critério diretivo, porque a culpabilidade adquire também um conteúdo e um significado somente quando posta em contato com o mundo dos valores tutelados. Não há culpabilidade vazia de conteúdo, mas há uma culpabilidade em razão do que foi realizado. A culpabilidade, como juízo de reprovação, postula sempre uma coisa qualquer em relação à qual se endereçava a vontade que se considera reprovável.”5

Porém, essa maior ou menor conotação moral está ligada à

missão e modelo do direito penal, que, numa primeira posição, apregoa uma

intervenção ampla do Estado na vida social, até para uma conformação

moral dos cidadãos, ou uma função estritamente protetiva, como ultima ratio,

sem qualquer pretensão de transformação moral do homem.

É certo, ainda, que toda a teoria do delito evoluiu durante o

passar dos tempos, sendo esta o fundamento básico para o direito penal e,

conseqüentemente, da aplicação da pena.

Entretanto, a culpabilidade é um dos temas mais importantes

dentro desta teoria, sendo muito questionada e debatida, ou nas palavras de

ZAFFARONI e PIERANGELI: “quando os alicerces de um edifício são mal

construídos, o problema mais árduo é conseguir que suporte os últimos

andares da obra. Por essas razões, a culpabilidade é o mais apaixonante

estrato da teoria do delito.”6

5 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, p. 320 6 Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 601.

19

É claro que não é uníssono o entendimento acerca da

culpabilidade, principalmente no que diz respeito ao seu conceito e posição

jurídica, como poderá ser verificado durante este trabalho, mas é inegável a

sua vital importância nos dias atuais, ou nas palavras do mestre ROXIN:

“Nenhuma categoria do direito penal é tão controvertida quanto a culpabilidade, e nenhuma é tão indispensável. Ela é controvertida, por uma série de mal-entendidos; indispensável, por constituir o critério central de toda imputação. Essa imputação de um acontecimento exterior a um homem determinado – e, no futuro, talvez a pessoas jurídicas – é o objeto único da dogmática jurídico-penal. É por isso que não pode existir direito penal sem princípio da culpabilidade; é possível conferir a este outra denominação, mas não se pode eliminá-lo.”7

Outrossim, a culpabilidade é o pressuposto necessário para a

punição pelo Estado, ou melhor, “el principio de culpabilidad significa que la

culpabilidad es um presupuesto necesario de la legitimidad de la pena

estatal. A su vez, la culpabilidad es el resultado de uma imputación

reprobatoria, en el sentido de que la defraudación que se ha producido viene

motivada por la voluntad defectuosa de una persona.”8

Portanto, a culpabilidade evoluiu com o passar do tempo,

sendo, atualmente, um dos pilares do direito penal e pressuposto para

aplicação da pena, calcada no princípio nullum crimem sine culpa, onde a

punibilidade está direcionada apenas nos atos intencionais, considerando

injusta qualquer forma de responsabilidade objetiva ou sem culpa.

7 ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal, Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 46, p. 46 8 JAKOBS, Günther. Fundamentos Del Derecho Penal, p. 15.

20

1.2 – A culpabilidade na doutrina estrangeira

Será abordada a culpabilidade na visão da doutrina estrangeira,

somente através de alguns doutrinadores, ante a complexidade do tema e a

vastidão de posições doutrinárias.

Para a doutrina italiana, nos dizeres de BETTIOL, o princípio da

culpabilidade está ligado, a partir da Revolução Francesa, com as garantias

fundamentais, embasando a constitucionalidade do Direito Penal com o

brocardo latino nullum crimen sine culpa. Explica que “para que um fato

constitua crime não basta que o sujeito-agente o tenha realizado

materialmente, enquanto lesivo do bem juridicamente protegido, mas é

necessário que o tenha realizado também culpavelmente. Em outras

palavras, não há crime sem culpabilidade”9.

Assim, a culpabilidade é o principal elemento constitutivo do

crime, onde se tem construído a idéia humana e moral da noção de delito.

Na verdade, nem sempre fôra assim, pois em tempos remotos o direito penal

utilizou-se da premissa de um simples nexo objetivo de causalidade,

buscando estabelecer uma relação entre a ação humana e o evento, sem

fornecer a menor importância à possível existência de um liame de caráter

subjetivo-psicológico, que pudesse ligar o evento ou fato ao agente.

Desta forma, era aplicada a responsabilidade penal objetiva.

Buscava-se, assim, uma supremacia dos conceitos de lesão e dano

ocorrido, sem nenhuma análise das condições psicológicas da atuação do

agente. BETTIOL explica que “com o burilar do espírito humano, o legislador

percebeu que era errado colocar, no mesmo plano, o dano ocasionado pelo

raio ou pelo animal e o produzido pela ação do homem. Enquanto os dois

primeiros devem ser considerados inevitáveis, o último, pelo contrário, é

evitável porque o homem pode prever as conseqüências do seu atuar e

abster-se assim de agir em face delas”10.

9 Idem, p. 317. 10 Ibid., p. 318.

21

Conseqüentemente, a argumentação feita por BETTIOL fez surgir a doutrina da imprescindibilidade de divisão

entre um dano ocorrido mediante ação humana, de um elemento de formação psicológica e de um aspecto voluntário do fato

ocorrido.

Nascem, portanto, às concepções psicológica e normativa da

culpabilidade, pois, até então, o direito penal prescindia do caráter culpável

do delito, inclusive, no seu anseio de exercício do ius puniendi, considerava

suficiente a vontade delituosa, sem a devida prestação ao evento lesivo.

BETTIOL, então, leciona que o direito penal ficou dividido entre a doutrina da

concepção do evento e do resultado da ação, e a doutrina da concepção da

vontade delituosa. O que fez com que tal divisão ficasse conhecida como

sendo “direito penal de fundo objetivo, o primeiro; de fundo subjetivo, o

segundo”11.

A questão que surge de tal definição é que mesmo antes de uma

análise do princípio da antijuridicidade, aufere-se o conceito e a existência

da culpabilidade, desprezando-se o aspecto material do acontecimento, do

fato.

Destarte, a idéia de auferir a culpabilidade ficou dividida entre a

atuação estatal se efetivar seja diante da figura do delito de resultado ou de

vontade. Podendo-se afirmar que uma atuação estatal em função da prática

de um delito de resultado é bem mais democrática, é legitimante para o

sistema penal, já que se ausenta de uma atuação intempestiva, não

determinando uma limitação à liberdade de ação do agente. A essa

concepção BETTIOL chamou de concepção liberal.

Por sua vez, a atuação estatal em função da prática do delito de

vontade, que objetiva apenas a vontade delituosa do agente, desde o seu

primeiro momento de exteriorização, caracteriza uma ação deslegitimada

determinando o poder estatal de punição sem nenhuma preocupação com a

análise de um evento lesivo. A essa concepção BETTIOL chamou de

concepção antiliberal.

Porém, para o jurista italiano, o melhor caminho a ser percorrido

é o de uma idéia intermediária acolhida pela legislação. Diz ele: “o melhor

11 Ibid., p. 319.

22

caminho é o intermediário, que foi escolhido por nossa legislação. Nem de

um lado a presença de um só evento lesivo independente da voluntariedade

do próprio evento pode ser suficiente para estabelecer a responsabilidade

penal, nem, de outro, a vontade que não seja exteriorizada num ato idôneo

(tentativa) pode ser objeto de reprodução penal”12.

A última via, mencionada por BETTIOL, e acolhida pela

legislação italiana, assim como pela brasileira, é a concepção resultante da

combinação do delito de resultado com o delito de vontade delituosa. Porém,

alerta BETTIOL que as legislações que adotam a concepção da vontade

delituosa, independente de uma ação idônea, ou os chamados crimes de

consumação antecipada, não significa uma substituição da concepção de

lesão do bem jurídico pela da culpabilidade.

Já BATTAGLINI, entende a culpabilidade ou a culpa em sentido

lato, como sendo o segundo elemento do delito, diante de uma relação

psíquica existente entre o agente e o fato, apontando sua previsão no

Código Penal italiano. Na sua doutrina, busca por um entrelaçamento,

colocando a imputabilidade como pressuposto da culpabilidade. Assim como

BETTIOL identifica na legislação a adoção de um caminho intermediário, na

teoria do delito, entre crime de resultado e de vontade delituosa.

Leciona BATTAGLINI que “analisando-se o fato considerado pela

lei penal, verifica-se ser o mesmo constituído pela ação e pelo evento, que é

o produto da ação. Se o agente tiver vontade consciente tanto da ação

quanto do evento, haverá dolo; se, pelo contrário, o agente quiser apenas a

ação, haverá culpa em sentido estrito. Dolo e culpa constituem as duas

espécies fundamentais da culpabilidade”13.

Um ensinamento claro e irrefutável na doutrina de BATTAGLINI,

é que não é possível discutir a culpabilidade sem antes realizar uma análise

profunda da tipicidade. E, uma discussão da culpabilidade apenas é admitida

mediante uma associação de análise do seu pressuposto que é a 12 Ibid., p. 319 13 Direito Penal – Parte Geral. Tradução por PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR e ADA PELLEGRINI GRINOVER, notas por EUCLIDES CUSTÓDIO DA SILVEIRA. São Paulo : Saraiva, 1964, p. 217

23

imputabilidade. Portanto, só diante da constatação da imputabilidade é que

se começa a discussão em torno da culpabilidade.

Para BATTAGLINI, o estudo da culpabilidade se refere a uma

verificação quanto ao agente (concretamente) ter praticado uma ação em

que estejam presentes os requisitos de natureza psíquica. Não se faz

necessária apenas a existência de uma causalidade material, mas também,

a presença de causas psíquica e moral.

BATTAGLINI, ao contrário de alguns outros autores, não

considera a culpa como qualidade do agente. Para ele, a culpa deve estar,

obrigatoriamente, relacionada com o fato. A qualidade do agente não é a

culpa, mas sim, a imputabilidade. Provavelmente, o fundamento dessa

afirmação de BATTAGLINI venha do ensinamento de que o importante é a

ação humana. O direito penal deve se preocupar com a conduta do agente,

pois é a ação que é criminosa e não o homem. É, simplesmente, a negação

ao Direito Penal do autor.

Destarte, para BATTAGLINI, culpabilidade “é a relação psíquica entre o agente reconhecido (enquanto capaz

de entender e de querer) como válido destinatário da norma abstrata de conduta, e o fato por ele praticado em concreto.

Sabemos que o fato típico do delito é formado pela ação e pelo evento. Ora, a culpabilidade resulta exatamente de dois

elementos: um relativo à ação; outro, ao evento”14.

Neste sentido, CONDE explica que “a distinção entre

antijuridicidade e culpabilidade, e, conseqüentemente, entre causa de

justificação e causa de exclusão da culpabilidade, é uma das descobertas

técnico-jurídicas mais importantes da ciência do direito penal em nosso

século. Tal descoberta não é uma pura lucubração teórica, pois tem base no

direito penal vigente e importantes conseqüências práticas.”15

Continuando, o jurista espanhol explica que não há

culpabilidade em si, mas culpabilidade em relação aos demais, isto é, a

culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma

qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui para poder

imputá-la a alguém como seu autor e lhe fazer responder por ela. Portanto,

tem um aspecto social, sendo produto da correlação de forças sociais

14 Op. cit., p. 251 15 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Direito, p. 125

24

existentes em um determinado momento histórico, que define os limites do

culpável e do não culpável, da liberdade e da não liberdade.

Conseqüentemente, antes que psicológico, o conceito da culpabilidade tem

fundamento social.

Por fim, a doutrina alemã, vem disciplinando a culpabilidade de

uma outra forma.

WESSELS, ao elaborar seu estudo sobre a culpabilidade, parte

de uma associação entre culpabilidade e censurabilidade pessoal,

apontando o conceito normativo de culpabilidade, identificando os

pressupostos e elementos da culpabilidade e as causas de exculpação.

Assim, diante da diferenciação entre injusto e culpabilidade

efetuada pelo Código Penal alemão, WESSELS vai dizer que, “enquanto que

no campo do injusto a ação punível é investigada em sua conformidade com

as normas do dever da ordem jurídica, isto é, em sua ‘antijuridicidade’, no

campo da culpabilidade trata-se da questão de se o fato antijurídico deve ser

censurado pessoalmente ao autor”. Conclui: “culpabilidade é

censurabilidade da formação e da manifestação da vontade”16.

Correspondendo ao aspecto humanista da Lei Fundamental, o

Direito Penal Alemão vai, então, buscar uma fundamentação no princípio da

culpabilidade e responsabilidade, sendo a pena pressuposto para a

culpabilidade.

Daí, leciona WESSELS que “o fundamento do princípio da

culpabilidade e responsabilidade é constituído pela capacidade do homem,

de se decidir livre e corretamente entre Direito e o Injusto. Só quando exista

esta liberdade de decisão é que terá sentido se impor uma censura de

culpabilidade contra o agente”17

16 WESSELS, Johannes. Direito Penal – Parte Gera, p. 82 17 Op.cit., p. 83

25

Conclui o renomado autor que “culpabilidade significa, assim, a

censurabilidade do fato com consideração sobre o ânimo ativo juridicamente

repreensível”.18

A propósito, JESCHECK explica que “El principio de culpabilidad

tiene em Alemania la consideración de pensamiento rector de la Justicia

penal; la pena criminal solo puede basarse em la constatación de que cabe

reprochar al autor la formación de voluntad conducente a la decisión del

hecho, y tampoco puede superar nunca a la que el autor merezca según su

culpabilidad..”

Continua o emérito jurista, “El principio de culpabilidad tiene

como presupuesto lógico la libertad de decisión del hombre, pues solo

cuando existe basicamente la capacidad de dejarse determinar por las

normas jurídicas puede el autor ser hecho responsable de haber llegado al

hecho antijurídico em lugar de dominar los impulsos criminales. Si toda

actuación activa o pasiva se hallara definitivamente determinada, a

semejanza de los sucesos naturales, por el efecto causal de fuerzas

objetivas y sustraídas a la influencia de la voluntad, tendría tan poço sentido

reprochar al hombre sus hechos como hacerle responsable de sus

enfermedades. Pero, incluso si todas lãs acciones humanas, aunque no

naturalísticamente, estuvieram psicologicamente fijadas de modo inevitable

por las peculiaridades del carácter, la prevalência de los motivos

concurrentes y los estímulos del mundo exterior, la pena no podría ser

concebida como juicio de desvalor éticosocial, antes al contrario, debería

recibir um significado neutral.”19

Por fim, WELZEL assevera que culpabilidade “é a

reprovabilidade da resolução de vontade. O autor podia adotar no lugar da

resolução de vontade antijurídica – tanto se esta se dirige à realização

dolosa do tipo como se não se aplica à direção final mínima exigida – uma

resolução de vontade conforme a norma. Toda culpabilidade é, pois,

18 Idem, p. 84 19 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal – Parte Geral, p. 367.

26

culpabilidade de vontade. Apenas aquilo que depende da vontade do

homem pode ser-lhe reprovado como culpável.”20

Em apertada síntese, o exposto acima retrata a doutrina a

respeito da culpabilidade na visão de renomados juristas estrangeiros.

1.2.1 - Das concepções: psicológica e normativa

A divisão clássica da culpabilidade – efetuada pela doutrina – é a

das concepções: psicológica e normativa.

A primeira concepção surge com Liszt e Beling quando a

doutrina volta seus estudos para o campo subjetivo da ciência penal, numa

análise dúplice de dolo e culpa. É a visão de buscar uma ligação existente

entre o fato ocorrido e o agente, é a chamada verificação do previsto ou do

querido, ou ainda, do não querido podendo ser previsto ou previsível,

apresentando-se como querido apenas a conduta praticada pelo agente.

Daí o magistério de BETTIOL acerca da concepção psicológica

da culpabilidade, “(...) se Fulano previu e quis a morte de Beltrano como

conseqüência da própria ação ou omissão, afirma-se que há dolo; ao passo

que se Fulano quis apenas a conduta da qual derivou a morte de Beltrano,

prevista ou previsível, diz-se que há culpa. Portanto, o liame psicológico que

une um evento ao sujeito agente pode ser doloso ou culposo: doloso quando

foi previsto e querido; culposo quando o evento, não querido, é previsto ou

ao menos era previsível. A concepção psicológica da culpabilidade

fundamenta-se pois sobre um vinculo de caráter subjetivo que relaciona o

fato ao seu autor, nos limites respectivos do dolo ou da culpa”21

Assim, o importante era o liame subjetivo que unia o autor ao fato típico e antijurídico, por meio do dolo

ou culpa. Daí a afirmação, até os dias atuais, que a culpabilidade constitui o momento subjetivo do crime.

Na verdade, como explica Luiz Regis Prado, a teoria psicológica ou subjetiva reunia os elementos

subjetivos do delito na culpabilidade, conforme uma orientação naturalista e considerava a imputabilidade como seu

pressuposto, enquanto não afetava a relação psíquica entre autor e fato. Era característica determinante da noção de

20 WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico-Penal, Tradução de Luiz Regis Prado, p. 88. 21 Op. cit., p. 321

27

culpabilidade, como elemento do crime, a rígida separação entre o objetivo e o subjetivo, sendo aquele equiparado à ilicitude e

este último à culpabilidade propriamente dita. Era assim definida como o nexo subjetivo (psicológico ou psíquico) entre a

vontade do agente e o resultado, apresentando como suas formas o dolo e a culpa. Essa orientação sofreu com o passar dos anos

severas críticas. Em primeiro lugar, não ordenava sistematicamente a imputabilidade, que ora era pressuposto do dolo e da

culpa, ora era pressuposto da pena; não explicava convincentemente a culpa inconsciente, onde era inexistente a relação

psicológica; não era tampouco capaz de explicar adequadamente o estado de necessidade exculpante, visto que mesmo presente

o dolo, não havia culpabilidade; não compreendia a culpabilidade como um conceito graduável e, por fim, agasalhava uma

metodologia científica positivista naturalista e jurídica, já superada pela dimensão axiológica de cunho neokantiano22.

No entanto, surge a concepção normativa da culpabilidade, que

objetiva uma análise recheada por outros elementos que não apenas o do

liame psicológico.

Segundo WELZEL, “o primeiro passo para a compreensão do

caráter normativo da culpabilidade foi dado por Frank (Aufbau dês

Schuldbergriffs, 1907) e seguiram-no de pronto Beling (Unschuld,

Schuldproblem, 1913), Freudenthal (Schuld und Vorwurf, 1922) e a doutrina

majoritária”23

Na verdade, Reinhard Frank, ao analisar o dolo no caso do

estado de necessidade exculpante, salientou que a culpabilidade não se

esgotava no nexo psicológico entre o agente e o resultado. Desta forma,

acrescenta à imputabilidade, ao dolo e à culpa, a normalidade e

concomitância das circunstâncias nas quais o agente praticou conduta

delitiva. Assim, a culpabilidade é reprovabilidade, como juízo de valor sobre

o fato em relação ao seu autor, diante das circunstâncias reais em que agiu.

De seu lado, Freudenthal contribui para aperfeiçoar essa idéia,

dizendo que a reprovabilidade da conduta depende da possibilidade de

exigir-se do agente comportamento diverso do previsto na norma, o poder

atuar de outro modo, assim, a inexigibilidade de outra conduta exclui a

reprovação, servindo de base para exclusão de toda culpabilidade.

Essa concepção de culpabilidade, entretanto, ainda não havia

determinado a exclusão do dolo e da culpa, que haviam deixado de ser

entendidos como suas formas, para serem apenas seus elementos. Assim,

22 Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 397. 23 Op. cit. p. 91

28

poderia concorrer o dolo e faltar a culpabilidade quando existisse uma causa

de exculpação, ou na culpa inconsciente.

Na verdade, a concepção normativa não se divorcia do vínculo

psicológico como alguns autores – buscando sua eliminação – procuram dar

a entender em seus escritos. Não quer também significar que a concepção

normativa procure efetivar uma associação entre o liame psicológico com o

caráter normativo de exigência da norma penal. A norma penal tem a sua

exigência de valoração por essência, pois o direito penal é um sistema de

proteção de bens valorados. O que ocorre na concepção normativa da

culpabilidade, é que o vinculo psicológico continua a existir e de forma

objetiva, no entanto, sua valoração vai ser determinada pela norma penal, no

âmbito de uma hierarquia presente nesse sistema de valores.

O que a concepção normativa da culpabilidade descobriu é que

a culpabilidade é um juízo de reprovação, é uma situação de antítese entre

vontade do agente e o preceito determinado pela norma penal. “Ela é o

resultado da filosofia dos valores no campo do direito penal, daquela filosofia

que, contrapondo o fato ao valor, não podia, numa ciência valorativa como a

jurídico-penal, manter-se, a propósito da culpabilidade, atada a uma

concepção psicológica e, portanto, naturalística. Não é o nexo psicológico

como tal, mas a valoração deste nexo em relação às exigências de uma

norma que dá significado à doutrina da culpabilidade”24.

O conceito normativo de culpabilidade fornecido por BETTIOL é

no sentido de que “podemos, pois, definir a culpabilidade, sob o prisma

normativo, como ‘um juízo de reprovação pessoal pela prática de um fato

lesivo a um interesse penalmente protegido’. Os elementos sobre os quais o

juízo se baseia são a capacidade de entender e de querer, a voluntariedade

do fato nos limites respectivos do dolo e da culpa e a possibilidade de uma

motivação normal da vontade”25.

O que não pode ser esquecido é que a origem remota da

culpabilidade e responsabilidade pressupõe o homem como ente livre e

24 BETTIOL, op. cit., p. 25 Idem, p.

29

auto-determinável para o exercício de suas ações, é vislumbrar que o “objeto

da censura de culpabilidade é a defeituosa posição do autor para com as

exigências de conduta da ordem jurídica, manifestada no fato antijurídico”26.

WESSELS procura efetuar uma purificação na sua elaboração

de conceito normativo da culpabilidade, afirmando que não existe uma

reprovação de caráter moral ou social, as reprovações existentes não

determinadas pela norma penal. Diz ele que “culpabilidade em sentido

jurídico-penal, por outro lado, é culpabilidade jurídica, não culpabilidade

moral ou social. Decisivas para a censura de culpabilidade são apenas as

representações de valor da ordem jurídica (...) A teoria normativa, fundada

por FRANK, vê a essência da culpabilidade na censurabilidade da formação

da vontade, portanto, na valoração normativa de uma relação de fato

psíquica”27.

Destarte, como decorrência natural da adoção da concepção

psicológica, sérias dificuldades se evidenciaram no plano da culpabilidade,

gerando mais tarde o abandono de sobredita concepção. Por outro lado, o

normativismo não passou ileso de críticas, notadamente pelos defensores da

teoria finalista, adotada pelo Código Penal Brasileiro, onde a estrutura

analítica é modificada para extrair os elementos subjetivos da culpabilidade.

Com efeito, a manutenção do dolo na culpabilidade é

insustentável na medida em que ele é afastado dos elementos subjetivos do

tipo ou do injusto. Não há, desta forma, razão para o dolo e para os demais

elementos subjetivos caracterizadores da conduta serem tratados em

setores diversos.

Finalmente, fruto da doutrina finalista da ação, criada por

Welzel e seguida por tantos outros, nasce a teoria normativa pura ou

finalista, entendendo que a culpabilidade é juízo de censura pela realização

do injusto típico, quando podia o autor ter atuado de outro modo.

26 WESSELS, op. cit., p. 84 27 Idem, p. 86

30

Exatamente nesse poder de agir de outro modo é que reside a

essência da culpabilidade.

Assim, excluem-se do conceito de culpabilidade a maioria dos

elementos subjetivos, anímicos ou psicológicos, integrantes do tipo do

injusto, conservando-se essencialmente o critério da censurabilidade ou

reprovabilidade (elemento valorativo), conseqüentemente, este juízo de

reprovação vai se fundamentar sobre a imputabilidade, a consciência da

ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, que serão abordadas mais

adiante.

Na verdade, ao transferir o dolo e a culpa stricto sensu para o

tipo, a culpabilidade fica sem alguns corpos estranhos, sem todavia perdê-

los, visto que são apenas transferidos de localização. Com isso, foi permitido

que o juízo de culpabilidade possa, retornando a suas autênticas origens,

ocupar-se verdadeiramente com a evitabilidade ou a inevitabilidade do fato

praticado28.

Portanto, toda culpabilidade, na doutrina finalista, é

culpabilidade de vontade. Somente se pode reprovar o sujeito como culpável

quando pode realizar algo voluntariamente.

Vê-se, pelo exposto, que WELZEL ao limitar-se a apanhar os

resultados da teoria psicológica e da teoria normativa e, a partir da

arrumação de um novo quadro do sistema do direito penal, dar uma nova

redistribuição sistemática aos elementos estruturais do crime,

conseqüentemente, possibilitou uma superação de impasses a que haviam

chegado penalistas anteriores.

Hodiernamente, aponta-se a evolução da teoria normativa pura

para a extremada e limitada da culpabilidade, calcadas nos mesmos

fundamentos jurídicos, mas com algumas diferenças entre elas,

notadamente para as causas de justificação, sendo para a primeira erro de

proibição, para a segunda, uma espécie anômala de erro que produz os

28 TOLEDO, Francisco de Assis, obra citada, p. 232.

31

mesmos efeitos do erro sobre elemento do tipo, ensejando, portanto, o

aparecimento da modalidade culposa.

Em síntese, estas são as principais correntes a respeito da

culpabilidade, sendo certo que será abordada em tópico próprio e, com mais

ênfase, a teoria finalista da ação.

1.2.2- Da culpabilidade: pelo fato singular e pela conduta na vida

Aqui se encontra presente uma enorme problemática do Direito

Penal enquanto ciência humana, que é auferir a culpabilidade levando-se em

consideração o fato ocorrido, a conduta praticada pelo agente, e, não, a sua

personalidade, o seu caráter, enfim, a sua conduta de vida.

Um direito penal de índole democrática, de obediência à

legalidade é direcionado para uma apuração do fato, do acontecimento

como fenômeno social. A lição de BETTIOL, pautada nos ensinamentos de

BINDING, é no sentido de que “é um fragmento, um segmento da vida de

um homem que é objeto de censura (...) um acontecimento singular da vida,

uma ação instantânea – talvez de todo excepcional no teor de vida mantido

até então pelo agente – torna-o culpável e somente por isto torna-o

penalmente responsável, não pelo seu caráter, não pelo seu temperamento

permanente, não pela sua conduta antecedente ou subseqüente à ação”29.

O que não quer significar a existência de uma culpabilidade

reduzida ou simplificada ao fato, a proclamação do divórcio entre ação e

agente, mas sim, uma análise da culpabilidade – como regra – que leva a

uma maior consideração os fenômenos que envolvem o fato, e uma menor

envolvendo o agente. O que se quer afirmar é que a maioria dos

acontecimentos no campo do direito penal se refere ao fato, enquanto, que

uma minoria se refere ao agente. Tal concepção não se furta ao

29 Op., cit., p. 20

32

reconhecimento de que há alguns casos ligados à figura do homem,

enquanto ser.

A lição de WESSELS é no sentido de que “o ponto de

referência para o juízo de culpabilidade é constituído pela ação do injusto. A

culpabilidade do direito penal é culpabilidade do fato isolado, não

‘culpabilidade de caráter’ e só indiretamente ‘culpabilidade pela conduta de

vida”30. A doutrina considera o conceito (indiretamente) dado por WESSELS,

questionável.

MEZGER foi o primeiro a conceituar a culpabilidade

direcionando uma análise única e total sobre o agente, em desprezo à ação

singular, como sendo culpabilidade pela conduta de vida “a reprovação

atém-se a toda personalidade. E é por isto que na doutrina mais recente se

acentuou que nem sempre a ‘culpa do autor’ é uma culpa ‘pela conduta’ de

vida, podendo-se perfeitamente admitir esta figura também na hipótese em

que, independentemente de uma série mais ou menos ampla de ações

delituosas, o agente tenha, num determinado momento, decidido dar

orientação determinada à sua vida”31.

Na verdade, direito penal do fato é o sistema jurídico-penal que

leva em consideração a ação concreta realizada pelo autor como requisito

da punibilidade, isto é, a punição recai sobre o fato individual e não sobre

modo de vida do autor.

Contrariamente, no direito penal do autor, a punibilidade está

vinculada à personalidade do autor ou ao seu modo de vida, ou seja, a

sanção penal representa uma resposta não a um determinado fato praticado,

mas a toda uma forma de ser do autor.

Em outras palavras, para a primeira posição, censura-se o

autor em face de seu ato típico e antijurídico na medida de sua culpabilidade

de determinar-se no caso concreto, enquanto para a segunda, o seu ato

30 Op., cit., p. 84 31 BETTIOL, op., cit., p. 24

33

exsurge como manifestação de sua personalidade, não pelo que fez, mais

sim pelo que é.

O certo, porém, é que a opção por um sistema penal do fato ou do autor é uma opção política criminal,

cabendo observar que o Estado mais liberal tende à criminalização do fato, até mesmo em respeito ao princípio da legalidade

que estipulará o ato ilícito criminal com maior precisão em relação à proibição de determinada forma de ser, necessariamente

mais genérica que fatos verificáveis.

Por outro lado, um direito penal do autor contém maiores possibilidades preventivas na medida em que se

pode prever melhor a ocorrência de futuros delitos com base na personalidade dos delinqüentes.

Entretanto, o ideal é a fusão das duas correntes, como

assevera JESCHECK32 ao explicar a reforma penal no Código Alemão.

Desta forma, nenhum sistema é totalmente puro, ou seja,

mesmo um direito penal calcado no fato, por vezes também criminaliza

condutas de vida, como acontece no Código Penal Brasileiro quando tipifica

os crimes de rufianismo e vadiagem, ou como explica TOLEDO33:

“Entre essas duas posições opostas, situam-se as correntes moderadas em prol de um direito penal do fato que considere também o autor. Esta é a posição do moderno direito penal, predominantemente um moderado direito penal do fato. Assim é na Alemanha, na Itália, no Brasil e em outros países civilizados.”

1.2.3 - Da culpabilidade: personalidade do réu e capacidade de

delinqüir

A questão da culpabilidade se torna de difícil resolução para o

direito penal quando se chega na problemática da personalidade do réu.

Geralmente o que se nota é uma confusão rotineira na apuração da culpa

em função de uma interpretação da pessoa em particular do réu. O fator

fundamental reside no empreendimento ilimitado que o direito penal

dispensa para relacionar a ação ao agente, objetiva um enquadramento da

culpabilidade na personalidade do agente de forma a descobrir a sua face

criminológica.

32 Tratado de Derecho Penal – Parte General, p. 382 33 Ibidem, p. 251.

34

Daí BETTIOL realizar uma diferenciação fundamental no que

concerne à problemática da culpabilidade do agente e à personalidade do

réu, dizendo que “as finalidades das duas questões são diversas: na

primeira a personalidade é considerada enquanto objeto de censura, na

segunda, é sempre a ação que é objeto da reprovação; mas a culpabilidade

pela ação é compreendida apenas com referência à personalidade do réu”34.

Diante da diferenciação mencionada por BETTIOL, passa-se a

enxergar a capacidade limitada da concepção psicológica da culpabilidade

para o direito penal, principalmente, por ser este pautado no princípio

constitucional da individualização na aplicação da pena. “De que serve

estabelecer um nexo psicológico entre a mens de um indivíduo e um evento

lesivo a fim de determinar a culpabilidade, se não pode ser negado que esta

varia de indivíduo para indivíduo conforme a sua personalidade naturalística

e ética, ou conforme o caráter das condições que podem ter influído na sua

ação”35.

Nessa relação da forma de culpabilidade e da personalidade do

réu – para alguns autores – a solução encontra-se no conteúdo dos seus

elementos de composição, um fato punível e punível de forma mais ou

menos gravosa conforme a conduta praticada. Basta se analisar os crimes

nas suas formas: culposa e dolosa.

A lição de WESSELS parte da premissa de que “assim como

‘injusto’ e ‘culpabilidade’ se correspondem um ao outro, subsiste uma

relação de trocas entre a forma de conduta e a forma de culpabilidade do

acontecimento punível. A realização dolosa ou negligente do tipo de injusto

constitui, como forma de conduta, o correlato para a forma de culpabilidade

estampada pelas ponderações da censurabilidade (= estágios da

culpabilidade); à forma de comissão dolosa ou negligente corresponde o tipo

de culpabilidade dolosa ou negligente”36.

34 Op. cit., p. 27 35 Idem, Ibidem, p. 27 36 Op., cit., p. 89

35

Outro problema, no campo da culpabilidade, é a capacidade de

delinqüir, já que o direito penal insiste em afirmar que é possuidor de

mecanismos capazes de identificar tal capacidade. A capacidade de

delinqüir, necessariamente, deve ser analisada à luz da correlação existente

entre culpabilidade e personalidade do réu, ou seja, essa capacidade de

delinqüir não poderá ser auferida de maneira divorciada da ação.

Entretanto, aparentemente o direito penal insiste em fornecer os

instrumentos necessários para a identificação dessa capacidade de

delinqüir. Neste diapasão, o direito pátrio no artigo 59, do Código Penal,

primeira parte (fixação da pena privativa de liberdade), abre um leque de

instrumentos que devem ser utilizados pelo magistrado, na busca da

chamada capacidade de delinqüir.

A lição de BETTIOL, portanto, é que “a capacidade de delinqüir

não pode ser apreciada independentemente da ação, como se pudesse

constituir por si o objeto de uma censura: ela é sim, uma qualificação

subjetiva, mas deve ser relacionada com uma ação a fim de interpretar de

forma retributiva a própria ação (...). Ora, capacidade de delinqüir não é

senão um sinônimo da personalidade moral do réu, no sentido de que a

culpabilidade pela ação assume grau mais ou menos intenso desde que

maior ou menor a ‘perversidade’ moral do sujeito agente”37.

1.2.4 - Culpabilidade e periculosidade

Há de ser identificado um aspecto de conflito ou contrariedade

entre culpabilidade e periculosidade, principalmente, quando diante da

concepção normativa da culpabilidade. Mas onde se encontra, exatamente,

este conflito? Pode-se afirmar que, em função do aspecto de valoração

(FRANK) atribuído à culpabilidade normativa, é que surge a contrariedade

com a periculosidade, pois, esta tem finalidades diversas da primeira,

podendo-se vislumbrar o caso concreto de se constatar um vínculo efetivo e

37 Op. cit., p. 32-4

36

real na personalidade criminológica do agente que o leve de forma irrefutável

à ação.

Diante deste aspecto valorativo fornecido à culpabilidade

normativa, com um elemento ético e social como imperativo para uma

reprovação, requerendo a presença de um elemento subjetivo, seja de

cunho perverso ou anti-social, para se falar em culpabilidade do agente, é

que se diz “entre culpa normativa e periculosidade não há portanto nexo

algum, mas antes contradição: uma coisa é julgar um fato merecedor de

censura porque fruto de uma motivação que podia ser evitada, outra coisa é

dizer que um individuo poderá no futuro vir a cometer crimes ulteriores. Se

os dois juízos devem ser igualmente circunstanciados, para aderir à

realidade ética e naturalística, a individualização é para fins tolo coelo

diversos: num a ‘reprovação’ importa em retribuição e portanto em pena, no

outro a ‘previsão’ do dano postula uma medida preventiva. Também a

capacidade de delinqüir, como critério de medida de culpabilidade, não tem

a ver com a periculosidade: uma é um juízo ético, a outra um juízo

naturalístico. A primeira diagnostica para fins retributivos, a segunda

prognostica para fins preventivo”38

Portanto, vislumbra-se na lição de BETTIOL, o núcleo de conflito

e contrariedade entre culpabilidade e periculosidade, pois, enquanto uma se

trata de juízo ético a outra se refere a um juízo naturalístico. Daí o autor

elaborar sua diferenciação definitiva no campo da possibilidade e da

probabilidade. A primeira dirigida a todos, e a segunda, apenas a alguns.

No entanto, se a periculosidade não enseja uma desaprovação

ou reprovação por parte da ordem jurídica, pois, não chega a ofender o

elemento ético e social, o que é a periculosidade? Utilizando-se dos

ensinamentos PETROCELLI para a construção de um conceito de

periculosidade, BETTIOL vai dizer que é considerada como “o complexo de

condições, subjetivas e objetivas, sob cuja ação é provável que um indivíduo

cometa um fato socialmente lesivo ou perigoso” Continua o autor “a

periculosidade é destarte uma qualidade pessoal de um indivíduo enquanto 38 BETTIOL, Giuseppe, op. cit., p. 36-7

37

causa provável de crimes e a providência que se deve aplicar para eliminá-la

é a medida de segurança”39.

Daí a discussão em torno da sua antijuridicidade. Porque (a

priori) não estar diante de uma violação da norma jurídica, provocaria a

dispensabilidade de um exame do direito objeto, uma vez que a constatação

da ilicitude é apontada quando do cometimento de uma ação que colida com

os ditames da norma jurídica, portanto, só através da ação é que o homem

realiza o vínculo de conflito existente entre a sua vontade de ação e as

determinações da norma jurídica, surgindo então o juízo de desaprovação

pelo ato lesivo e de reprovação pela ação culposa.

A solução é encontrada no momento tanto da culpabilidade

quanto da periculosidade, que são totalmente distintos. Pois, enquanto a

primeira enseja a retribuição, a segunda obriga a prevenção. “Logicamente

tudo que é predisposto por medidas de caráter preventivo não pode ser

suscetível de um juízo de antijuridicidade, porque a antijuridicidade reivindica

necessariamente a idéia de reação peculiar a qual medida repressiva”40.

São estas, portanto, algumas ponderações a respeito da

culpabilidade.

1.2.5 – Concepção da culpabilidade na doutrina finalista

No sistema da teoria finalista, criada por WELZEL, o crime é compreendido, assim como nos demais

sistemas, como uma ação típica, antijurídica ou ilícita e culpável, todavia, analiticamente esta estrutura foi modificada pelo

finalismo.

WELZEL inicia seu estudo asseverando que a ação humana é

exercício de uma atividade final, isto é, “a atividade final é uma atividade

dirigida conscientemente em razão de um fim, enquanto o acontecer causal

39 Idem, p. 38 40 Idem, p. 39

38

não está dirigido em razão de um fim, mas é a resultante causal da

constelação de causas existentes em cada momento. A finalidade é, por isso

– dito de forma gráfica – “vidente”, e a causalidade, “cega”.41

Mais à frente, o jurista alemão explica que uma ação converte-se em delito se infringe a ordem da

comunidade de um modo previsto em um dos tipos legais e pode ser reprovável ao autor no conceito de culpabilidade. A ação

tem que infringir, por conseguinte, de um modo determinado a ordem da comunidade, isto é, tem que ser típica e antijurídica,

além disso, reprovável ao autor como pessoa responsável, portanto, tem que ser culpável.

Desta forma, no entendimento deste doutrinador, a tipicidade, a

antijuridicidade e a culpabilidade são os três elementos que convertem a

ação em delito. A culpabilidade – a responsabilidade pessoal pelo fato

antijurídico – pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a

antijuridicidade tem que estar, por sua vez, concretizada nos tipos legais. A

tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão vinculadas logicamente

de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior.42

Assim, o tipo – tanto quando está descrito na lei de modo

exaustivo, como quando deve ser complementado pelo juiz nos tipos abertos

– é o conteúdo das normas proibitivas do Direito Penal, sendo uma figura

conceitual que descreve formas possíveis de conduta humana.

Entretanto, toda realização do tipo de uma norma proibitiva é

contrária à norma, mas não é sempre antijurídico, pois o ordenamento

jurídico não se compõe apenas de normas, mas também, de preceitos

permissivos. Nesse caso a realização do tipo de uma norma proibitiva é

jurídica. Antijuridicidade é, pois, no entendimento de WELZEL, ”a

contradição da realização de um tipo com o ordenamento jurídico em seu

conjunto, não apenas com uma norma isolada”43.

41 Idem, p. 27 42 Ibidem, p. 47 43 Ibidem, p. 51.

39

Desta forma, a antijuridicidade é sempre a contradição entre

uma conduta real e o ordenamento jurídico. Não o tipo como figura

conceitual, mas tão somente sua realização antijurídica. Não há tipos

antijurídicos, mas apenas realizações antijurídicas do tipo.

Já culpabilidade é a reprovabilidade da resolução de vontade.

O autor teria podido adotar, em vez da resolução de vontade antijurídica,

uma resolução de vontade conforme a norma. Toda culpabilidade é,

portanto, culpabilidade de vontade, pressupondo que o autor tenha podido

adotar uma resolução de vontade antijurídica de modo mais correto, ou seja,

conforme a norma, e isso não no sentido abstrato de um homem qualquer no

lugar do autor, mas no sentido concreto de que esse homem, nessa

situação, teria podido adotar uma resolução de vontade de acordo com a

norma.44

Portanto, o pressuposto existencial do juízo de reprovação é a possibilidade de autodeterminação do agente no

sentido de poder atender ao dever jurídico imposto pela norma, onde essa possibilidade é representada pela capacidade abstrata

de culpabilidade, isto é, a imputabilidade.

Conseqüentemente, a principal atitude da teoria finalista foi a transformação do conceito de dolo, que

perdeu um de seus elementos constitutivos, qual seja, a consciência da antijuridicidade do fato e foi deslocado para o tipo penal,

causando, de um lado, a subjetivização do injusto e, de outro, a dessubjetivização e normatização da culpabilidade.

Despida do elemento subjetivo e psicológico do delito, a culpabilidade aparece constituída por três

elementos ou pressupostos, segundo a teoria finalista:

a) imputabilidade;

b) possibilidade de conhecimento da antijuridicidade;

c) exigibilidade de uma conduta conforme a norma.

Como dito, para WELZEL, a culpabilidade fundamenta a reprovação social contra o autor, no sentido de que não

omite a ação antijurídica quando podia fazê-lo. A conduta do autor não é conforme as exigências do dever-ser do direito, apesar

de ter ele podido observar tais exigências, ou seja, motivar-se conforme a norma. WELZEL coloca ainda, que o objeto primário

da reprovação da culpabilidade é a vontade, justamente porque é por meio da vontade que o autor pode dirigir sua conduta

conforme a norma. Culpável é portanto não só a ação, mas também a vontade de ação. Somente pode ser reprovável aquilo que

o homem pode fazer voluntariamente. Por fundar a culpabilidade na vontade individual WELZEL entende que a pessoa jurídica

não pode ser considerada culpada, por não ter vontade.45

44 WELZEL, p. 93 45 Ibidem, p. 109.

40

Entretanto, a teoria finalista da ação não passou imune a críticas e sugestões.

ROXIN46, sustenta que a dogmática penal somente trata de estabelecer em quais condições e em que

medida alguém pode ser considerado responsável por um ato socialmente danoso, de modo a dar lugar a alguma das sanções

deste âmbito jurídico.

Nas palavras do mestre alemão:

“A conhecida controvérsia, sobre se o dolo “pertence” ao tipo ou à culpabilidade,

é, portanto, um problema aparente. O dolo é essencial para o tipo, pois sem ele a

descrição legal do delito não poderia ser determinada como exige o Estado de

Direito; mas ele também é relevante sob o aspecto da culpabilidade, porque tem a

função de distinguir a forma mais grave de culpabilidade da mais leve (a

negligência), devendo ser formulado também levando-se em conta os princípios

valorativos desta categoria do delito.”47

Assim, a culpabilidade no sentido do direito penal é a realização do injusto apesar da capacidade de

reação normativa e da faculdade de conduzir-se dali derivada, sendo certo que a concessão recíproca de liberdade de decisão

domina não somente o ordenamento jurídico, mas também a vida social e privada das pessoas.

Na tentativa de superação da polêmica dogmática, ROXIN reformula o conceito analítico de delito,

particularmente na culpabilidade, isto porque introduz a responsabilidade como conceito reitor, dele fazendo parte a

culpabilidade e a necessidade preventiva de pena.

Conclui ROXIN dizendo que as transformações da política criminal e de nossa consciência metodológica

ocorridas nos últimos anos precisam transformar consigo o sistema penal, se ele quiser manter sua capacidade de rendimento,

de forma que, neste campo, estamos sempre outra vez no começo.48

Por sua vez, CONDE49 descarta o conceito tradicional de culpabilidade, como produto de uma ideologia

individualista predominante.

Continuando, o jurista espanhol explica que não há culpabilidade em si, mas culpabilidade em relação aos demais,

isto é, a culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se

lhe atribui para poder imputá-la a alguém como seu autor e lhe fazer responder por ela. Portanto, tem um aspecto social, sendo

produto da correlação de forças sociais existentes em um determinado momento histórico, que define os limites do culpável e

do não culpável, da liberdade e da não liberdade. Conseqüentemente, antes que psicológico, o conceito da culpabilidade tem

fundamento social.

46 Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal, p. 67 47 Ibidem, p. 87 48 Ibidem, p. 88 49 Idem, p. 126

41

Desta forma, a ordem jurídica é que tem determinado certos desenvolvimentos no indivíduo, e sobre essa

base é que a norma estabelece sua conduta.

Além disso, SOLER percebeu a confusão entre o plano fático e o normativo que existe na teoria finalista:

“Me parece que a concepção pode preceder dessa forma e colocar o dolo, a culpa

e as circunstâncias, dentro do mesmo nível, para definir logo a culpabilidade como

reprovabilidade, porque previamente deu àqueles elementos um sentido puramente

psíquico e fático, neutro de valor. Como se disséssemos que em vez de incorrer em

psicologismo ao final, incorreu nele ao início da construção. Nesse ponto é

evidente que o gênio da língua jogou alguma treta. Se os latinos em vez de falar de

“dolo” falassem, como se fazia antes, de “intenção”, possivelmente teríamos

seguido caminhos semelhantes aos dos alemães. Estes podem tomar a expressão

Vorsatz em um sentido puramente psíquico equivalente ao que nós damos à palavra

“intenção”. “Intenção” é também um fato, um puro fato psíquico incolor. Quando

os alemães falam de um conceito “natural” de Vorsatz, entram em um desvio cheio

de complicações e equívocos. Tão somente a apresentação desta colocação traz

implícito um erro gnoselógico pouco explicável, ao supor que a teoria jurídica

maneja duas “classes” de conceitos: uma composta de conceitos jurídicos e outra

de conceitos naturais.”50

O mais grave, porém, foi o desvio ideológico no sentido autoritário, decorrente da subjetivação do injusto,

com a decorrente valorização da ação em si mesma e desvalorização de seu resultado. Nesse diapasão, JUAREZ TAVARES

explica que:

“O finalismo inova em dois aspectos substanciais. Em primeiro lugar subordina

toda a estrutura do injusto ao conceito final da ação, que não é um conceito

normativo, mas um conceito antológico, quer dizer, anterior a qualquer

formulação e cujo elemento essencial – a finalidade – fora descoberto como uma

verdade incontestável. Segundo este conceito, o legislador deve submeter seus

projetos aos esquemas da ação final, que não podem ser modificados por sua

vontade ou conforme seus interesses. Este conceito, inclusive, vale não apenas para

o direito, mas para todas as ciências do comportamento. Em segundo lugar, no

campo político confere à norma penal a função primária de proteção de valores

ético-sociais. Com isso, em vez do resultado, elege o sentido da própria ação como

o elemento essencial da configuração do injusto. Mediante um raciocínio refinado

e sedutor, foi fácil demonstrar a função no injusto de uma valoração incidente

sobre o sentido da ação e não sobre o resultado, como decorrência da elaboração

de uma teoria subjetiva do injusto que, contrariamente a qualquer outra, é lançada

com o epíteto de definitiva. Quem não se ajustasse aos seus parâmetros estaria

decididamente condenado ao inferno, porque estaria contrariando a ordem natural

das coisas.”51

Além disso, a maior crítica que se costuma fazer ao finalismo é não conseguir explicar o crime culposo,

cuja conduta é despida de qualquer sentido finalístico. Neste ponto, perfeitamente válida a observação de Aníbal Bruno:

“Se finalidade é dolosidade e o dolo é, portanto, elemento da ação, o crime

culposo, onde não há ação dirigida ao fim punível, fica fora desse conceito. Na

culpa, há um simples acontecer causal, em que o resultado típico não pertence,

como fim visado, ao querer do agente. A vontade que orienta o comportamento do

sujeito não se dirige ao acontecer.”52

50 SOLER, Sebástian. Derecho Penal Argentino, p. 22 51 Teoria do injusto penal, p. 152. 52 Direito Penal, p. 290

42

É claro que WELZEL tentou explicar o crime culposo, dentro da teoria finalista da ação, com o

argumento de que o resultado seria evitável mediante uma ação dirigida a um fim; todavia, este caminho serve apenas para

fundamentar a reprovabilidade da conduta, mas não para incluir essa conduta culposa dentro do conceito finalista.

Por fim, observa-se que há uma incongruência na teoria finalista da ação, quando esta assevera que a

culpabilidade é um juízo de reprovação que, necessariamente, precisa de uma análise do elemento intencional do delito para

possibilitar a sua graduação, porém, não está elencado nos seus elementos esta subjetivização.

Na verdade, a partir do momento da transferência do dolo para o tipo penal, como dito alhures, a

culpabilidade passou a ser mais normativa do que psicológica, porém, como fonte para graduar e delimitar a reprovação penal,

necessariamente, ela precisa de um critério subjetivo; aliás, neste ponto, pode ser observado o Código Penal Brasileiro, no

artigo 59, quando exige que o Juiz verifique a culpabilidade do agente para estabelecer a pena que seja necessária e suficiente

para reprovação e prevenção do crime.

Portanto, a teoria finalista da ação não poupou esforços na busca de uma construção estritamente

normativa da culpabilidade, com a intenção de criar um conceito de culpabilidade como juízo de reprovação dirigido ao autor

por não haver obrado de acordo com o Direito, quando lhe era exigível uma conduta em tal sentido; porém, esta teoria ainda

contém alguns equívocos conceituais que merecem revisão.

1.2.5.1 – Elementos da culpabilidade, segundo a doutrina finalista

Como mencionado, o finalismo desloca o dolo e culpa para o

injusto, retirando-os de sua tradicional localização, a culpabilidade, com o

que a finalidade é levada ao centro do injusto. Assim, na culpabilidade

concentram-se somente aquelas circunstâncias que condicionam a

reprovabilidade da conduta contrária ao direito, e o objeto da reprovação

repousa no injusto. 53

Neste sentido, a teoria finalista da ação aponta três elementos

para a culpabilidade:

Primeiramente, a imputabilidade, derivada da palavra do latim

imputare, tem o sentido de atribuir responsabilidade a alguém, ou nas

palavras de MANZINI:

53 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, p. 348.

43

“Cuando en concreto concurran las condiciones necesarias para la “imputabilidad” de la violación de un precepto penal, se tiene, como consecuencia normal, la “responsabilidad” de derecho penal en el autor de la violación misma. Esta responsabilidad consiste en la atribuición de la pena o de las penas principales y de las eventuales penas acessorias a aquel que ha resultado imputable (culpable). La responsabilidad, sin embargo, puede ser eliminada por circunstancias que se refieram exclusivamente a ella, desejando ideológicamente inalterada la imputabilidad del hecho, esto es, sin tocar aquello que basta para concretar el elemento material o psíquico del delito.”54

A evolução da imputabilidade penal acompanha, de certa

forma, a própria história da responsabilidade, onde, no passado, até os

doentes mentais respondiam pelo delito, sendo certo que, atualmente, este

fato é afastado pelo direito penal.

De certo modo, a culpabilidade na visão da teoria finalista tem como base a capacidade de livre

autodeterminação de acordo com o sentido do autor, isto é, o poder ou faculdade de atuar de modo distinto de como atuou.

Desta forma, a primeira questão que envolve esta posição é se o agente, no momento da prática do delito,

tinha a capacidade de culpabilidade, isto é, a imputabilidade.

Ademais, para que uma ação contrária ao direito possa ser reprovada ao autor, será necessário que

conheça ou possa conhecer as circunstâncias que pertencem ao tipo e ilicitude, sob pena de excluir a reprovabilidade, quando

inevitável ou sendo atenuante quando evitável, portanto o segundo elemento da culpabilidade é a potencial consciência da

ilicitude.

É claro que o ordenamento jurídico prega que a ninguém é permitido ignorar a lei, todavia, nos tempos

modernos essa regra foi abrandada em homenagem ao princípio da responsabilidade subjetiva e da exigência de culpabilidade.

Por último, além dos requisitos acima mencionados, deverá ser analisado se o agente tomou uma

resolução de acordo com a exigência da norma penal, pois, em algumas situações não é exigida uma conduta adequada ao

direito, ainda que se trate de sujeito imputável e que realize dita conduta com conhecimento da antijuridicidade que lhe é

própria, isto é, a inexigibilidade de conduta diversa.

54 MANZINI, Vincenzo. Tratado de Derecho Penal, p. 153.

44

Todavia, dentro do sistema penal brasileiro, existem causas que excluem a culpabilidade,

conseqüentemente, isentando o agente da reprovação penal.

Inicialmente deve ser observado que a imputabilidade é definida de forma negativa, por exclusão, assim, serão

imputáveis aquelas pessoas que não são consideradas inimputáveis pela legislação.

No artigo 26, do Código Penal Brasileiro, estão sendo definidos os casos de inimputabilidade total ou parcial

decorrentes de doença ou perturbação de saúde mental.

Para definir a inimputabilidade do agente no caso de doença ou perturbação mental, existem três sistemas

ou critério. O biológico é calcado exclusivamente no estado mental do agente, independentemente de se perquirir se, no

momento do crime, tinha ele ou não capacidade de entendimento e vontade. Além deste, existe o sistema psicológico que não

indaga se há uma perturbação mental mórbida, declarando a irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente,

seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato e de determinar-se de acordo com essa apreciação.

Finalmente, o sistema biopsicológico, adotado pelo nosso código penal, é a reunião dos dois primeiros, isto é, a

responsabilidade só é excluída se o agente, em razão de enfermidade ou retardamento mental, era, no momento da ação, incapaz

de entender o caráter ilícito e de autodeterminar-se.

Assim, para que o agente de um crime seja dotado de imputabilidade, deverá estar no gozo de certas

faculdades intelectivas e de determinado grau de saúde mental, à época do fato.

Entretanto, além da capacidade mental, o agente, para ser considerado responsável criminalmente e sofrer

uma punição, deverá possuir na época do fato a idade maior que dezoito anos, de acordo com o artigo 27, do Código Penal

Brasileiro, sob pena de ser considerado inimputável.

Razões de política criminal levaram o legislador brasileiro a optar pela presunção absoluta de

inimputabilidade do menor de dezoito anos, como, aliás, está demonstrada na exposição de motivos do Código Penal atual.

Outro fato que poderá levar à exclusão da culpabilidade é a prática do delito em razão de coação

irresistível ou à obediência hierárquica, mencionados no artigo 22 do diploma penal.

Observe-se, porém, que a coação que exclui a culpabilidade não se confunde com o estado de

necessidade, excludente da antijuridicidade. Neste, há um comportamento típico, praticado para a salvação de direito próprio ou

alheio, enquanto que, na coação, há uma pessoa (o coator) que obriga outra (o coato) a realizar um fato típico e antijurídico.

Sendo ilícita a conduta do coator, a do coato não deixa também de ser antijurídica, mas, como não age livremente, não enseja a

reprovabilidade social (culpabilidade).

Já na obediência hierárquica, a ordem deve ser ilegal, mas não manifestamente ilegal, não flagrantemente

ilegal. Na verdade, quando a ordem for ilegal, mas não manifestamente, o subordinado que a cumpre não agirá com

culpabilidade, por ter avaliado incorretamente a ordem recebida, incorrendo no erro de proibição. Entretanto, quando cumpre

ordem manifestamente ilegal, tanto o superior hierárquico quanto o subordinado são puníveis. O subordinado não tem a

45

obrigação de cumprir ordens ilegais, mas tem a obrigação de cumprir ordens inconvenientes, inoportunas, mas não ilegais. Não

tem o direito, como subordinado, de discutir a oportunidade e conveniência de uma ordem, mas se for ilegal tem o dever de

apontá-la e negar-se a cumprí-la.

Também pode ser apontado como excludente da culpabilidade a embriaguez completa proveniente de

caso fortuito e força maior (art. 28, §1°) e o erro de proibição (art. 21, caput), ambos do Código Penal.

No caso da embriaguez, somente poderá ser apontada como excludente da culpabilidade se for completa,

acidental e proveniente de caso fortuito e força maior. Neste ponto devem ser questionados os postulados da actio libera in

causa, com a determinação mencionada no artigo 28, II, do Código Penal.

Os elementos decisivos para o estabelecimento da imputabilidade, nos termos do artigo 28, II, são os

processos psicológicos existentes no momento da prática do fato, assim, para que haja responsabilidade penal no caso da actio

libera in causa, é necessário que no instante da imputabilidade o sujeito tenha querido o resultado, ou assumido o risco de

produzi-lo. Na hipótese de imprevisibilidade, não há que falar-se em responsabilidade penal ou em aplicação desta teoria, assim

o Código Penal admite a responsabilidade penal objetiva neste aspecto.

Portanto, criada para analisar as ações livres na causa, essa teoria ainda configura resquício da

responsabilidade objetiva em nosso sistema penal, sendo admitida excepcionalmente quando for de todo necessário para não

deixar o bem jurídico sem proteção, segundo parte da doutrina. Todavia Damásio E. de Jesus afasta completamente a utilização

desta teoria do sistema penal brasileiro, asseverando que não é mais possível a responsabilidade penal objetiva diante do

princípio constitucional do estado de inocência55.

Também, a errada compreensão de uma determinada regra legal pode levar o agente a imaginar que certa conduta

injusta seja justa, lícita uma conduta ilícita, nesse caso, surge o erro de proibição, diferentemente do erro de tipo, onde o agente

tem uma visão distorcida da realidade, não vislumbrando na situação que se lhe apresenta a existência de fatos descritos no tipo

como elementares ou circunstâncias.

Por fim, embora não previstas em lei, existem causas

supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa, que levam à

exclusão da culpabilidade, muito embora parte da doutrina e jurisprudência

não reconheçam esta possibilidade.

Neste diapasão, Francisco de Assis Toledo56, assevera que a

inexigibilidade é um verdadeiro princípio do direito penal, acentuando que

inexiste razão para o temor que muitos demonstram na aceitação da tese,

55 Direito Penal, p. 513. 56 Op. cit. P. 329.

46

posto que o juízo de reprovação compete ao juiz do processo e a ninguém

mais.

Destarte, em apertada síntese, estes são os elementos da

culpabilidade, segundo a teoria finalista da ação.

Capítulo II

A Culpabilidade no Brasil

2.1- Evolução doutrinária

A discussão ocorrida na doutrina estrangeira a respeito das

concepções psicológica e normativa também atingiu os juristas nacionais,

que buscavam suporte neles quanto à estruturação e desenvolvimento da

teoria da culpabilidade.

Pela primeira corrente, a culpabilidade era uma ligação de

natureza psicológica que havia entre a conduta e o resultado, assim como a

relação física era a causalidade. O injusto se ocupava, pois, dessa relação

física, enquanto à culpabilidade cabia a missão de tratar da relação

psíquica57.

Por sua vez, “a chamada concepção normativa da culpabilidade

de que é um reflexo à inserção do elemento valorativo na noção do dolo,

floresceu na Alemanha, a partir de 1907, com aprofundado estudo de

REINHARD FRANK, seguido por GOLDSCHMIDT, FREUDENTHAL,

MEZGER e outros. O núcleo comum da teoria reside em que a culpabilidade

não é mero fato psicológico intelectual-volutivo, mas um juízo valorativo.

Efetuado por quem? Pelo próprio agente (normativismo subjetivo), ou por

quem julga a conduta, considerando-a ou não como um processo censurável

do autor, que se colocou ou não em contrariedade à norma (normativismo

objetivo).”58

A concepção psicológica acabou por fundir-se com a

normativa, completando uma a outra. Desse modo, o elemento psicológico-

normativo da culpabilidade passou a integrar-se de consciência e vontade,

rumo a um fim previamente desejado, que se sabe injusto. Não se trata de

57 ZAFFARONI, Raul Eugênio. Manual de Derecho Penal, p. 513 58 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, p. 251.

48

um entendimento e uma vontade potencial ou estática, como na

imputabilidade, mas de um processo dinâmico, in fieri 59

Na verdade, “a culpabilidade, portanto, não tem por base

puramente o vínculo psíquico que prende o agente ao seu ato, mas resulta

de um conjunto de condições, entre as quais aquele vínculo psicológico, que

justificam a reprovação. Os que pretendem expurgar o conceito de

culpabilidade de todo elemento psicológico, na realidade esvaziam o

conceito de uma parte de seu conteúdo. A culpabilidade não é só

psicológica, mas também não pode ser exclusivamente normativa. Na

realidade, há situação de fato, situação do próprio agente, em si mesma

reprovável, que provoca o juízo de reprovação e que só através desse juízo

penetra, como elemento do crime, com o sentido de culpabilidade, no

domínio do Direito Penal” 60.

Em sua redação original, o Código Penal adotou a concepção

psicológica-normativa da culpabilidade, como assevera ARIEL DOTTI61,

fundamentando seu argumento no item 13 da exposição de motivos do

mencionado diploma.

Mas, pela teoria finalista, o dolo e a culpa são deslocados para

o tipo, com o que a finalidade é levada ao centro do injusto, desta forma, na

culpabilidade somente subsistem circunstâncias que condicionam a

reprovabilidade da conduta contrária à ordem jurídica.

Destarte, a doutrina brasileira encara a culpabilidade, com a

adoção do finalismo, extraindo dela todos os elementos subjetivos que a

integravam, tornando-a puramente normativa.

Como pondera TOLEDO, a conseqüente lógica da adoção da

teoria normativa-pura foi à localização do dolo e da culpa no tipo legal de

crime, pois, se este é a descrição da ação proibida, e se o dolo e a culpa

59 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal, Vol. I, p. 84. 60 BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral, p. 31. 61 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 345.

49

pertencem à ação, não se pode deixar de situar no tipo todos os elementos

estruturais da ação62.

Na verdade, a culpabilidade é um juízo de valor, uma censura,

que se faz do agente que pratica uma conduta criminosa.

Desta forma, a maioria dos juristas brasileiros adota esta

posição, e entre eles, podemos apontar os seguintes:

Segundo Miguel Reale Jr, “a culpabilidade é, a nosso ver, um

puro juízo de valor que incide sobre a formação do querer do

comportamento. Dolo e culpa são incompatíveis com um juízo de “dever-ser”

expresso pelas teorias ora criticadas, cuja incongruência está em reuni-los

sob um mesmo conceito. Dolo e culpa não são elementos ou condições de

culpabilidade, mas o objeto sobre o qual ela incide.”63

Por sua vez, TOLEDO explica que a culpabilidade é o terceiro

elemento do conceito jurídico do crime, devendo ser entendida como

exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença de

que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, agir de

outro modo. A não-utilização dessa faculdade, quando da prática do ilícito

penal, autoriza aquela reprovação. A noção de culpabilidade está, pois,

estreitamente vinculada à de evitabilidade da conduta ilícita, uma vez que só

se pode emitir um juízo de reprovação ao agente que não tenha evitado o

fato incriminado quando lhe era possível fazê-lo64.

Já René Ariel Dotti65, conceitua a culpabilidade como sendo a

reprovabilidade pela formação da vontade, em outras palavras, é a

reprovabilidade de um fato típico e ilícito, quando o autor, na situação

concreta, podia sujeitar-se aos comandos e às proibições do direito.

Por fim, José Frederico Marques66, assevera que a

culpabilidade traduz a relação do ato ilícito com o homem: pode haver fato

típico não punível, apesar de antijurídico, se não existir culpa em sentido 62 Op. Cit. p. 228 63 Teoria do Delito, p. 146. 64 Idem, p. 87. 65 Curso de Direito Penal, p. 335. 66 Tratado de Direito Penal, p. 10

50

lato, de quem o praticou. Não se deve, assim, atribuir esse fato típico e

antijurídico ao agente do ato ilícito quando há ausência de culpabilidade.

Outra discussão que ocorre na doutrina brasileira é se a

culpabilidade é elemento da teoria do crime ou somente pressuposto para

aplicação da pena.

Citando René Ariel Dotti, Damásio E. de Jesus assevera que a

culpabilidade é um dos pressupostos e não requisito ou elemento do crime,

principalmente, em razão da sanção penal ser imposta quando houver um

juízo de reprovação que recai sobre um comportamento passado67.

Argumenta que quando o Código Penal trata de causa excludente da

ilicitude, emprega expressões como “não há crime”, “não constitui crime”,

porém, quando cuida das causas excludentes de culpabilidade, utiliza

expressões como “é isento de pena”.

Destarte, para que exista crime são necessários dois requisitos:

fato típico e antijuridicidade. A culpabilidade liga o agente à punibilidade, ou

seja, a pena é ligada ao agente pelo juízo da culpabilidade. Esta posição

também é adotada por MIRABETE68.

Por outro lado, BITENCOURT não compartilha da mesma idéia,

anotando que a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são

predicados de um substantivo, que é a conduta humana definida como

crime.69

Este pensamento é reforçado por FRAGOSO70, ao asseverar

que a expressão “elemento” é inadequada, pois dá idéia de partes simples

de um composto, logo depois conceitua crime como ação ou omissão típica,

antijurídica e culpável.

Na verdade, dizer que a culpabilidade não integra o conceito de

delito é asseverar que o crime não pressupõe censura, possibilitando o

inconveniente de se imputar uma prática criminosa ao agente, cuja

67 Idem, p. 457. 68 Manual de Direito Penal, p. 98. 69 Tratado de Direito Penal, p. 331. 70 Lições de Direito Penal, p. 150.

51

respectiva conduta não é censura pelo ordenamento jurídico. Ou melhor,

separar a culpabilidade da referência obrigatória à estrutura do crime é

esvaziar o conceito de ilícito criminal, sendo certo que as expressões

utilizadas pelo Código Penal, acima mencionadas, não podem ser utilizadas

como fonte desta divisão.

Neste sentido, José Frederico Marques71 destaca:

“Não resta dúvida de que o crime é, em si, fato jurídico uno, como proclamam os sequazes do unitarismo. Isso, todavia, não significa que, para uma tarefa eficiente de pesquisa, e para melhor aplicação dos cânomes legais, a análise não se torne necessária, e dela resulte a decomposição do conceito nos seus elementos essenciais e fundamentais. Só o irracionalismo de concepções instuicionistas pode prescindir desse trabalho analítico, no qual os elementos estruturais do instituto jurídico sejam separadamente estudados, para que se realize uma decomposição do todo, que possibilite um conhecimento mais perfeito dos fenômenos jurídicos-penais, e uma aplicação mais segura, justa e acertada das normas que disciplinam o crime.”

Esta posição também é defendida, entre outros, por E.

Magalhães Noronha72, Francisco de Assis Toledo73, Eugenio Raúl Zaffaroni

e José Henrique Pierangeli74.

Assim, no conceito dogmático, a ação humana, para ser

criminosa, há de corresponder objetivamente à conduta descrita na lei,

contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou

reprovação social, e, considera-se delito como ação típica, antijurídica e

culpável, pois ele não existe sem uma ação ou omissão, a qual se deve

ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo

através de um juízo de reprovação.

71 Op. cit. p.13. 72 Direito Penal, p. 97. 73 Op. cit. p. 80. 74 Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 390.

52

2.2 – Evolução legislativa

Agora, se faz necessária a análise da evolução legislativa da

culpabilidade no Brasil, do ponto de vista das Constituições Federais e dos

Códigos Penais, uma vez que a evolução doutrinária já foi abordada em

tópico próprio.

2.2.1 – Do fundamento constitucional

A origem dos princípios do direito penal está na Constituição

Federal, como sendo o norte para todas as legislações infraconstitucionais.

Neste ponto, manteve-se tradição nascida com a Constituição do Império, de

1824. Alguns constavam das Bases da Constituição Política da Monarquia

de 1821. As Constituições seguintes dispuseram no mesmo sentido.75

Na verdade, a relação do direito penal com o direito

constitucional deve ser sempre muito estreita, pois o estatuto político da

Nação – que é a Constituição Federal – constitui a primeira manifestação

legal da política penal, dentro de cujo âmbito deve enquadrar-se a legislação

penal propriamente dita, em face do princípio da supremacia

constitucional.76

Ou, nos dizeres de CERNICCHIARO:

“como se expressou o doutor Professor José Frederico Marques, na aula inaugural

proferida na Faculdade de Direito de Curitiba, em 1958, “a Constituição de um

país – segundo exprimia PELEGRINO ROSSI – é a tête de chapire de todas as

75 CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal na Constituição, p. 13. 76 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal, p. 181

53

disciplinas do Direito, visto que traz inscritas, em seus textos e cânones, normas

reguladoras de caráter geral, para os diversos setores da ordem jurídica”

Continua o grande jurista:

“nessa interpenetração, ressalta-se o Direito Penal, um dos mais sensíveis a sofrer os reflexos de qualquer alteração no Direito Constitucional, que, por sua vez, recolhe e exprime as marcantes oscilações políticas. Toda vez que a ordem política e social sente transformação de estrutura, modifica-se o Direito Penal. E essa modificação varia na proporção direta das transformações políticas. A história de nosso Direito ilustra a conclusão, já em 1830, tínhamos um Código Penal, conseqüência da emancipação política em 1822; no ano seguinte à proclamação da República, era sancionado o Código Penal de 1890. Entretanto, apenas em 1850 entrou em vigor o Código Comercial, e as Ordenações Filipinas foram mantidas até 1917, data em que o Código Civil passou a reger as relações jurídicas de âmbito privado.”77

Desta forma, como assevera Luiz Regis Prado:

“a Constituição, como marco fundante de todo ordenamento jurídico, irradia sua força normativa para todos os setores do Direito. Todavia, tem ela particular e definitiva influência na seara penal.

Isso porque cabe ao Direito Penal a proteção de bens e valores essenciais à livre convivência e ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, insculpidos na Lei Fundamental, em determinada época e espaço territorial. A relação entre a Constituição e o subsistema penal é tão estreita que o bem jurídico-penal tem naquela suas raízes materiais.

A Constituição, fonte primeira da lei penal, contempla uma série de normas de Direito Público, dentre as quais se destacam as referentes às garantias e direitos individuais.

Essas normas consubstanciam explícita ou implicitamente princípios basilares do Direito Penal – princípios constitucionais penais -, próprios do Estado de Direito democrático, que

77 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Estrutura do Direito Penal, p. 126.

54

impõem limitação infranqueável ao juis puniendi estatal.”78

Com efeito, diante do princípio de supremacia da Constituição

na hierarquia das leis, o direito penal deve nela enquadrar-se e, como o

crime é um conflito entre os direitos do indivíduo e a sociedade, é na Carta

Magna que se estabelecem normas específicas para resolvê-lo de acordo

com o sentido político da lei fundamental, exercendo-se, assim, influência

decisiva sobre as normas punitivas79.

Desta forma, a Constituição Federal é o norte para toda

disciplina infraconstitucional, ressaltando que os seus princípios irradiam

eficácia e vigência por toda a legislação.

2.2.2. – Apontamentos relativos às teorias constitucionalistas do direito

penal

Em um Estado de Direito democrático e social, a tutela penal

não pode ser dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada

legítima, sob a ótica constitucional, quando socialmente necessária.

Na verdade, o conceito de bem jurídico penal florece da própria

sociedade, sendo reconhecido pela lei e na Constituição. Assim, pode-se

deduzir que, enquanto o constituinte busca os bens jurídicos penais na

sociedade, o legislador os retira da Constituição.80

Ou nas palavras de Luiz Regis Prado:

“O legislador ordinário deve sempre ter em conta as diretrizes contidas na Constituição e os valores nela consagrados para definir os bens jurídicos,

78 Curso de Direito Penal, p. 59 79 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, p. 28 80 PASCHOAL, Janaina Conceição, Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo, p. 49.

55

em razão do caráter limitativo da tutela penal. Aliás, o próprio conteúdo liberal do conceito de bem jurídico exige que sua proteção seja feita tanto pelo Direito Penal como ante o Direito Penal.”81

Além dessa relação entre valores sociais e Constituição,

também tem fundamento constitucional o fato de o direito penal atingir, direta

ou indiretamente, a liberdade individual, que tem raiz constitucional, sendo

coerente pretender que o bem, cuja lesão poderia ensejar a máxima

intervenção estatal, possua, igualmente, natureza constitucional.

Assim, se a liberdade é um preceito constitucionalmente

relevante, o bem cujo ferimento pode ensejar a privação da liberdade,

necessariamente, há de ter relevância constitucional, isto é, o bem há de

merecer tutela penal ou ser digno dela.

Conseqüentemente, a doutrina começa a debater se a

Constituição pode ser considerada como limite negativo ou positivo ao

Direito Penal.

Para os partidários da limitação negativa, o Estado pode

tipificar condutas atentatórias a valores que não tenham sido reconhecidos

pela Constituição, desde que tal criminalização não fira os valores

constitucionais.

Paralelamente à posição da Constituição como limite negativo

ao direito penal, existe a teoria que vê a Constituição como um limite positivo

ao direito penal.

Com efeito, para a máxima intervenção estatal ser admissível,

não basta que a lei penal não entre em conflito com a Constituição, devendo,

necessariamente, recair sobre condutas que firam os valores de relevância

constitucional.

81 Bem Jurídico- Penal e Constituição, p. 67.

56

Porém, independentemente da posição negativa ou positiva, o

que se deve entender é que o direito penal deve estar em consonância com

o texto constitucional, até para limitar o poder punitivo estatal.

2.2.3 - Princípios constitucionais do direito penal

A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 1°, caput,

definiu o perfil político-constitucional do Brasil como o de um Estado

Democrático de Direito, significando não apenas que todos devem ser

submissos ao império da lei, mas que as leis possuam conteúdo e

adequação social, descrevendo como infrações penais somente os fatos que

realmente colocam em perigo bens jurídicos fundamentais para a sociedade.

Na verdade, os princípios constitucionais e as garantias

individuais devem atuar como balizas para a correta interpretação e a justa

aplicação das normas penais, não se podendo cogitar de uma aplicação

meramente automática dos tipos incriminadores, ditada pela verificação

rudimentar da adequação típica, olvidando-se de qualquer apreciação do

injusto.

Por reflexo, o direito penal há de ser legítimo, democrático e

obediente aos princípios constitucionais que o informam, que atuam como

garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal.

Vários são os princípios penais contidos na Carta Magna,

porém, somente alguns serão abordados, em consonância com o tema

deste trabalho:

a) princípio da legalidade ou da reserva legal: exercendo efetiva limitação

ao poder punitivo estatal, por este princípio a elaboração de normas

incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser

considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que

57

antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e

cominando-lhe a sanção correspondente.

Este princípio costuma ser enunciado por meio da expressão

latina nullum crimem, nulla poena sine lege, construída por Feuerbach, no

começo do século XIX, difundida pela obra do Marquês de Beccaria, Dos

Delitos e das Penas. Entretanto, este princípio já se encontrava na Magna

Charta Libertatum (século XIII), no Bill of Rights das colônias inglesas na

América do Norte e na Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen, da

Revolução Francesa, de onde se difundiu para os demais países.82

Considerada a primeira legislação penal genuinamente

brasileira, e seguindo a tendência jurídica da época, o Código Criminal do

Império estabeleceu no seu artigo 1°, que “Não haverá crime ou delicto sem

uma lei anterior que o qualifique.”, princípio que foi mencionado pelas

legislações posteriores.

Assim, seguindo uma orientação mais avançada, a

Constituição brasileira estabelece no seu artigo 5°, inciso XXXIX que “não

haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal”, conteúdo que é repetido no artigo 1° do Código Penal atual.

Ressalte-se que modernamente a doutrina vem apontando

para a existência do princípio da reserva legal, significando que somente a

lei, na sua concepção formal e estrita, emanada e aprovada pelo Poder

Legislativo, por meio de procedimento adequado, pode criar tipos e impor

penas, fato que foi corroborado pela Emenda Constitucional n. 32, que

incluiu no artigo 62, §1°, I, “b” da Constituição Federal a vedação de medidas

provisórias para regulamentar a matéria penal.

Portanto, o princípio da legalidade é hoje universalmente

reconhecido em seu sentido básico de garantia essencial do cidadão em

face do poder punitivo do Estado, determinando com segurança a esfera da

ilicitude penal.

82 TOLEDO, obra citada, p. 22

58

b) princípio da anterioridade da lei: corolário da legalidade, este princípio

exige que o fato tenha sido cometido depois de a lei entrar em vigor, para

que haja punição.

Na verdade, um dos efeitos decorrentes da anterioridade da lei

penal é a irretroatividade, pela qual a lei penal é editada para o futuro e não

para o passado.

Contudo, a despeito do princípio da irretroatividade, deve ser

lembrado que ele somente vige em relação à lei penal mais severa, sendo

certo que pode ser retroativa a lei mais favorável.

c) princípio do estado de inocência: previsto no artigo 5°, inciso LVII,

assevera que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado

de sentença penal condenatória”, conseqüentemente, o agente somente

poderá sofrer as agruras da pena, após o trânsito em julgado da sentença.

Na verdade, o Estado, em relação aos suspeitos da prática de

crimes ou contravenções, deverá proceder a sua acusação formal e, no

curso do devido processo, provar a autoria do crime pelo agente.

Por fim, deve ficar consignado que este princípio sofre algumas

limitações, notadamente nas prisões processuais, fato reconhecido pela

jurisprudência83.

d) princípio da proporcionalidade: este princípio sempre esteve presente

nos diversos ramos do Direito, seja na aplicação da pena criminal, na noção

de abuso do civilista ou, ainda, como meio de conter a discricionariedade do

poder estatal no âmbito administrativo.

As controvérsias, no ordenamento jurídico brasileiro, acerca de

sua fundamentação constitucional, uma vez que não está expresso no texto

constitucional, muito embora majoritariamente aceito pela doutrina, referem-

se ao questionamento sobre seu caráter de princípio autônomo ou quanto a

sua derivação de outros princípios expressamente consagrados na 83 A Súmula 09 do STJ estabelece que a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.

59

Constituição, entre eles do devido processo legal, da isonomia e

individualização da pena.

Por sua vez, FERRAJOLI explica que o fato de que entre pena

e delito não exista nenhuma relação natural não exime a primeira de ser

adequada ao segundo em alguma medida. Ao contrário, precisamente o

caráter convencional e legal do nexo retributivo que liga a sanção ao ilícito

penal exige que a eleição da qualidade e da quantidade de uma seja

realizada pelo legislador e pelo juiz em relação à natureza e à gravidade do

outro.84

O certo é, porém, que a jurisprudência brasileira vem aplicando

este princípio em vários ramos do Direito, notadamente na área penal ao

estabelecer a coerência entre a conduta e a sanção criminal.85

A proporcionalidade, assim, é a exigência de racionalidade, a

determinação de que os atos estatais não sejam desprovidos de um mínimo

de sustentabilidade.

Com efeito, um direito penal democrático não pode conceber

uma incriminação que traga mais temor, mais ônus, mais limitação social do

que benefício à coletividade.

Ou nas palavras de ZAFFARONI e PIERANGELI:

“A coerção penal deve reforçar a segurança jurídica, mas, quando ultrapassa o limite de tolerância na ingerência aos bens jurídicos do infrator, causa mais alarme social do que o próprio delito.”86

Ademais, a resposta punitiva estatal ao crime deve guardar

proporção com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à

84 Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, p. 320. 85 O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 736432/DF, julgado em 05.12.2005, tendo como relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, aplicou o princípio da proporcionalidade para adequar a dosimetria da pena. Este mesmo tribunal, no Habeas Corpus n. 44301/DF, julgado em 28.11.2005, tendo como relator o Ministro Paulo Medina, possibilitou a progressão de regime, na hipótese de crime hediondo, tendo como um dos argumentos o princípio da proporcionalidade. 86 Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 95.

60

extensão do dano, não se admitindo penas idênticas para crimes de

lesividade distintas, ou para infrações dolosas e culposas.

Assim, desde o Iluminismo procura-se eliminar, dentro do

possível, toda e qualquer intervenção desnecessária do Estado na vida

privada dos cidadãos.

Portanto, com base no princípio da proporcionalidade podemos

afirmar que um sistema penal somente estará justificado quando a soma das

violências – crimes, vinganças e punições arbitrárias que ele pode prevenir -

for superior a das violências constituídas pelas penas que cominar. Enfim, é

indispensável que os direitos fundamentais do cidadão sejam considerados

indisponíveis, afastados da livre disposição do Estado, que, além de

respeitá-los, deve garanti-los. 87

e) princípio da intervenção mínima: antes de se recorrer ao Direito Penal

deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social.

Desta forma, o princípio da intervenção mínima orienta e limita

o poder incriminador do Estado, entendendo que a criminalização de uma

conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de

determinado bem jurídico, tendo como corolário o princípio da

subsidiariedade.

Por isso, o direito penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve

atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes

de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria

sociedade.

Porém, hodiernamente os legisladores contemporâneos têm

abusado da criminalização e da penalização, em franca contradição com o

princípio em exame, levando ao descrédito não apenas o Direito Penal, mas

a sanção criminal, que acaba perdendo força intimidativa diante da “inflação

legislativa”.

87 BITENCOURT, Tratado.., p. 24.

61

f) princípio da insignificância: cunhado pela primeira vez por Claus

ROXIN, significa que o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas,

do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que

descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.

Na verdade, a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade

ao bem jurídico protegido, ou melhor, é imperativa uma efetiva

proporcionalidade entre a gravidade da conduta que pretende punir e a

drasticidade da intervenção estatal.

Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta

deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente

atingido, mas notadamente em relação ao grau de sua intensidade.

Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a

relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de

direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente

necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens

jurídicos que lhes sejam essenciais.

Com efeito, segundo a maior parte da doutrina e da

jurisprudência, o princípio da insignificância é vetor interpretativo do tipo

penal, tendo por escopo restrição impeditiva da abrangência de condutas

provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado.

Neste diapasão, o Ministro Celso de Mello, integrante do

Supremo Tribunal Federal, ao relatar o Habeas Corpus n. 84.412-0, julgado

em 19/10/2004, aplicou o princípio da insignificância e descaracterizou a

tipicidade penal de um delito de furto, imposta a um jovem desempregado,

com apenas 19 anos de idade, onde o objeto furtado foi avaliado em R$

25,00.

Portanto, este princípio tem relevante aplicação dentro do

Direito Penal.

62

g) princípio da humanidade: por este princípio, o Direito Penal não pode

impor penas que criem um impedimento físico permanente (morte,

amputação etc), como também qualquer conseqüência jurídica indelével do

delito.

Toda a conseqüência jurídica de um delito – seja ou não uma

pena – deve cessar em algum momento, por mais longo que seja o tempo

que deva transcorrer, mas não pode ser perpétua no sentido próprio da

expressão.

Assim, o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que

atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição

físico-psíquica dos condenados, isto é, que atente contra a incolumidade da

pessoa como ser social.

h) princípio da culpabilidade: segundo este princípio, não há crime sem

culpabilidade. Assim, a pena só pode ser imposta a quem, agindo com dolo

ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico e

antijurídico.

Com efeito, o juízo de reprovabilidade (culpabilidade) elaborado

pelo juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira

diversa, tinha condições de alcançar o conhecimento da ilicitude do fato.

Assim, o juízo de culpabilidade serve de fundamento e medida da pena,

repudiando a responsabilidade penal objetiva.

É certo que parte da doutrina rechaça o entendimento de que o

princípio da culpabilidade estaria esculpido na Carta Magna, uma vez que

não há menção expressa neste sentido.

Todavia, mesmo não estando expressamente previsto na

Constituição Federal, este princípio está implicitamente elencado, decorrente

de outros princípios, tais como da dignidade da pessoa humana,

63

individualização da pena e outros, sendo abordado, neste sentido por

Damásio E. de Jesus88 e Luiz Regis Prado, asseverando este último que:

“Igualmente, encontram agasalho constitucional implícito ou indireto outros princípios também importantes. Assim, o postulado da culpabilidade, que rechaça toda e qualquer hipótese de imposição de pena sem culpabilidade e fixa nesta última os limites da responsabilidade penal, é implicitamente acolhido pelo texto constitucional no artigo 1º, III (dignidade da pessoa humana), ratificado pelos artigos 4º, II (prevalência dos direitos humanos), 5º, XLVII (individualização da pena) e 5º, caput (inviolabilidade do direito à liberdade), além de vincular-se estreitamente ao princípio da igualdade (art. 5º, caput)”89.

Ressalte-se que o entendimento de que a culpabilidade está

implicitamente acolhida no texto constitucional também é adotado por Cezar

Roberto Bitencourt90, Maurício Antônio Ribeiro Lopes91 e René Ariel Dotti92,

quando este último assevera que o princípio da culpabilidade está elencado

no artigo 1º, III, da Carta Magna.

Não se pode olvidar, ainda, que o princípio da culpabilidade é

uma garantia do cidadão, ou melhor, nas palavras de Cezar Roberto

Bitencourt:

“poderíamos chamar de princípios reguladores do controle penal princípios constitucionais fundamentais de garantia do cidadão, ou simplesmente de Princípios Fundamentais de Direito Penal de um Estado Social e Democrático de Direito. Todos esses princípios são de garantia do cidadão perante o poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988 (art. 5º)”93.

88 Ibidem, p. 11. 89 Ibidem. 90 Manual de Direito Penal, p. 09 91 Princípios Políticos do Direito Penal, p. 75 92 Curso de Direito Penal, p. 64 93 Tratado de Direito Penal, p. 09.

64

Na verdade, todos esses princípios, hoje insertos, explícita ou

implicitamente, em nossa Constituição (art. 5º), têm a função de orientar o

legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado

para os direitos humanos, embasado em um direito penal da culpabilidade,

um direito penal mínimo e garantista.”94

2.2.4 – Da culpabilidade nas Constituições Brasileiras

Como dito alhures, é estreita a ligação do direito penal com a

Constituição Federal, sendo esta a fonte para a tipicidade infraconstitucional.

Assim, é mister a verificação se nas Constituições Brasileiras

houve a menção expressa ou implícita da estipulação da culpabilidade.

A primeira Constituição Federal do Brasil entrou em vigor em

1824, muito embora outorgada, ela marcou o início da institucionalização da

monarquia constitucional e, a partir daí, instituiu os Poderes do Estado,

garantiu os direitos e conteve os abusos.

Não houve menção expressa ao princípio da culpabilidade,

porém algumas normas podem ser interpretadas como tendo o propósito de

limitar a atuação estatal frente ao criminoso.

Assim, no artigo 179, estão contidos os direitos civis e políticos

dos cidadãos. Entre eles podemos citar os incisos:

“I – Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei;”

“VIII - Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do território, o Juiz por uma nota, por ele assinada,

94 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, p. 09.

65

fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador e os das testemunhas, havendo-as.”

“XIIII – A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.”

“XXI – As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes.”

Já a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 era vazada em 91

artigos e mais oito das Disposições Transitórias e, por isso, caracteriza-se

como a mais concisa das seis Constituições da República, advindas da

primeira Assembléia Constituinte, convocada após a proclamação da

República em 15.11.1889.

Por orientação de Rui Barbosa, nossa Primeira Constituição

Republicana tomou por modelo a Constituição norte-americana, cujos

princípios fundamentais foram adotados pelos constituintes pátrios.95

Assim, podemos mencionar os seguintes parágrafos do artigo

72 da mencionada Carta Política, que podem ser entendidos em favor do

cidadão e limitador do jus puniendi:

“1° - ninguém pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude de lei”;

“14 – ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, salvas as exceções específicas em lei, nem levado à prisão, ou nela detido, se prestar fiança idônea, nos casos em que a lei a admitir”;

“16 – aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em vinte e quatro horas ao preso e assinada pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas”;

“19 – nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente.”

95 CRETELLA JR, J. Elementos de Direito Constitucional, p. 34.

66

Por fim, ressalte-se que esta Constituição determinou o fim da

pena de galés, de banimento judicial e de morte, reservada esta última

apenas para a legislação militar.

Por sua vez, a Constituição de 1934 representou um progresso

na direção do realismo constitucional, no cotejo com o idealismo de 1891.

Não obstante ideológico, resultaram em ineficácia em razão do golpe de

1937, porém, servirá como repositório valioso de temas constitucionais.

Da mesma forma que as Constituições precedentes, não houve

menção expressa ao princípio da culpabilidade, apenas dos direitos e

garantias individuais, fato corroborado pelas Constituições posteriores.

Entretanto, como já mencionado neste trabalho, a Carta Magna

de 1988, implicitamente, elenca a origem da culpabilidade, no artigo 1º,

inciso III, que estabelece a dignidade da pessoa humana, ainda, pelo artigo

4º, II, pela prevalência dos direitos humanos e artigo 5º, caput, que descreve

a inviolabilidade do direito à liberdade e princípio da igualdade. Por fim, o

inciso XLV do prefalado artigo 5º, estabelece o princípio pessoal da

responsabilidade penal, onde cada agente responderá por sua conduta.96

Portanto, o princípio da culpabilidade não foi mencionado

expressamente por nenhuma Constituição, talvez por entender o Poder

Constituinte que este tema deveria ser tratado na esfera infraconstitucional,

como realmente aconteceu.

O certo, porém, é que esse tema tomou maior relevância com o

passar do tempo, ante a evolução da doutrina e jurisprudência, o que

autorizou alguns juristas a auferirem que ele está previsto na Constituição,

mesmo que implicitamente, provavelmente por entenderem que uma norma

constitucional proporcionará maior proteção ao cidadão em face à ânsia

punitiva do Estado.

96 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit, p. 101.

67

2.2.5 – Análise da culpabilidade nos Códigos Penais Brasileiros

Agora, se faz necessária a análise da evolução do princípio da

culpabilidade dentro do Direito Penal Brasileiro.

a) Legislação indígena

Quando se deu o descobrimento do Brasil, os nossos indígenas

não ostentavam um grau de desenvolvimento cultural semelhante a outros

povos que habitavam outros continentes.

Entre os indígenas brasileiros, havia uma série de crimes que

eram punidos exemplarmente, e, entre eles, podemos citar o homicídio, as

lesões corporais, o furto, o rapto, o adultério da mulher, a deserção.

Além disso, não houve um aprofundamento dos indígenas sobre

a responsabilidade penal, de modo que não existia, por exemplo, uma idade

limite para que o agente pudesse responder pelos atos criminosos.

b) Ordenações Filipinas

Com o descobrimento do Brasil e a sua colonização, verificou-se

o traspasso da civilização européia para a colônia portuguesa da América.

Durante este período colonial é acentuada a influência

portuguesa. A legislação da metrópole é válida na colônia. Assim, registram-

se como leis nacionais as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.

68

Entretanto, foram as Ordenações Filipinas que, a partir de 1603,

projetaram-se como verdadeira legislação, notadamente depois de

proclamada a independência política.

Nas Ordenações não vigia o que hoje denominados de

princípio da legalidade (nullum crimen nulla poena sine lege), desta forma,

compreende-se que para alguns delitos fosse cominada a chamada pena

arbitrária, exatamente aquela que ficava ao talante do julgador.

Com efeito, essa legislação era um misto de despotismo e de beatice,

híbrida e feroz, inspirada em falsas idéias religiosas e políticas que,

invadindo as fronteiras da jurisdição divina, confundia o crime com pecado, e

absorvia o indivíduo no Estado fazendo dele um instrumento. Na previsão de

conter o mau pelo terror, a lei não media a pena pela gravidade da culpa; na

graduação do castigo obedecia, só, ao critério da utilidade.

Assim, no Livro V das Ordenações do Reino, não consta

qualquer delimitação da responsabilidade penal, abrangendo todos os

agentes que praticassem os crimes descritos na lei, sem qualquer discussão

sobre sua culpabilidade.

c) Código Criminal de 1830

Proclamada a independência, em 04 de março de 1823, o

Imperador D. Pedro I determinou a elaboração de uma Constituição que foi

outorgada somente em 25 de março de 1824.

No artigo 179 da Carta Magna, foram fixadas várias regras que teriam

que ser observadas pelo legislador ordinário, e que, desde logo, alteravam

todo o sistema penal.

69

Neste sentido, em 16 de dezembro de 1830, foi promulgado o

Código Criminal do Império, com a influência dos códigos francês e italiano,

muito embora este fato seja discutível no âmbito da doutrina.

Ou nas palavras de PIERANGELI:

“Alguns autores, muitas vezes sem explicitar quando e onde, têm assinalado a influência do Código francês de 1810 e do Código Napolitano de 1819, como, aliás, o fizemos na primeira edição desta obra. Hoje, embora assinalado o fato, salientamos que é bem mais provável que essa influência derive do Projeto de Mello Freire, anterior ao Código Francês, mas que refletia as idéias iluministas da época, das quais também se serviu a legislação francesa da época, inclusive o Código Napoleônico de 1810”.97

Na verdade, o referido código foi muito festejado pela doutrina

brasileira, principalmente por suas idéias liberais e humanistas, nascidas

com o iluminismo.

Neste aspecto, “o Código Criminal do Império no Brasil constitui

o primeiro grande estatuto jurídico elaborado na América Latina. Baseado

em projeto apresentado por um dos mais ilustres políticos brasileiros dos

anos que sucederam a independência, Bernardo Pereira Vasconcelos, após

uma relativamente rápida tramitação parlamentar, passou a vigorar em

meados de dezembro de 1830.”98

Entretanto, como bem definiu o jurista Francisco Assis de

Toledo:

“Vê-se, pois, que o festejado Código em exame, ao lado das virtudes inegáveis que o ornavam, exibia, ainda, alguns resíduos de uma sociedade escravocrata, que não abria mão de certos instrumentos de repressão, utilizados no passado.

97 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil, p. 70. 98 LUISI, Luiz. Os princípios Constitucionais Penais, pg. 75.

70

Mas, para surpresa dos pesquisadores de hoje, as críticas da época se concentravam não sobre esses aspectos mas sobre o caráter liberal do novo código que se supunha responsável pelo recrudescimento da criminalidade.E, assim, não tardou o surgimento de uma reação antiliberal que, durante a vigência do novo estatuto, logrou editar algumas leis de cunho retrógrado, principalmente contra escravos.”99

No tocante à culpabilidade, podemos verificar a existência de

alguns artigos que dão guarida ao início de sua existência. Vejamos:

“Artigo 3° - Não haverá criminoso ou delinqüente sem má fé, isto é, sem conhecimento do mal e intenção de o praticar.” “Artigo 10 – Também não se julgarão criminosos:

(.................)

2° - Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos e nelles commetterem o crime. 3° - Os que commetterem crimes violentados, por força ou por medo irresistíveis.”

“Artigo 14 – Será o crime justificável, e não terá lugar à punição delle:

(.................) 5° - Quando fôr feita em resistência a execução de ordens illegaes, não se excedendo os meios necessários para impedila.” “Artigo 33 – Nenhum crime será punido com penas que não estejão estabelecidas nas leis, nem com mais ou menos daquellas que estiverem decretadas para punir o crime no grão máximo, médio ou mínimo, salvo o caso em que aos juízes se permittir arbítrio.”

99 Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 5ª ed. p. 59

71

“Artigo 36 – Nenhuma presempção, por mais vehemente que seja, dará motivo para imposição de pena.”

Neste ponto deve ser lembrado que a doutrina estava iniciando

o seu estudo sobre a culpabilidade, sendo certo que o caráter normativo da

culpabilidade, por exemplo, começou a surgir no ano de 1907, através da

obra de Reinhard Frank.

Portanto, calcado nas idéias do Iluminismo, o Código Criminal

de 1830 trouxe várias inovações para o mundo jurídico da época, entre elas

podemos anotar a individualização da pena, co-delinqüência como

agravante, responsabilidade sucessiva nos crimes praticados por meio da

imprensa, levando-o a ter expressiva repercussão na Europa.

Todavia, não passou imune a críticas, sendo certo que, em

1832, foi promulgado o Código de Processo Criminal e, posteriormente, o

Código Criminal de 1890.

d) Código Penal de 1890

Com a proclamação da República, foi editado em 11/10/1890 o

novo estatuto básico, agora com a denominação de Código Penal. Logo, foi

ele alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava e que decorriam,

evidentemente, da pressa com que fora elaborado. Aboliu-se a pena de

morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que

constituía um avanço na legislação penal.

Na verdade, o referido código não levou em consideração

notáveis avanços doutrinários que então se faziam sentir, oriundos do

movimento positivista, bem como o exemplo de códigos estrangeiros mais

72

recentes, especialmente o Código Zanardelli, conseqüentemente, o CP de

1890 apresentava graves defeitos de técnica, aparecendo atrasado em

relação à ciência de seu tempo. Foi, por isso mesmo, objeto de críticas

demolidoras, que muito contribuíram para abalar o seu prestígio e dificultar

sua aplicação.100

Além disso, o código era mal sistematizado e, por isso, foi

modificado por inúmeras leis até que, dada à confusão estabelecida pelos

novos diplomas legais, foram todas reunidas na Consolidação das Leis

Penais, pelo Decreto n. 22.213 de 14/12/1932.101

Todavia, alguns artigos disciplinam a questão da culpabilidade,

notadamente do artigo 24 ao 35, com o título “Da Responsabilidade Criminal;

as Causas que Dirimem a Criminalidade e Justificam os Crimes”. Vejamos

os mais importantes:

“Artigo 7° - Crime é a violação imputável e culposa da lei penal.” “Artigo 25 – A responsabilidade penal é exclusivamente pessoal.”

“Artigo 29 – Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão entregues ás suas famílias, ou recolhidos a hospitaes de alienados, si o seu estado mental assim exigir para segurança do publico.”

”Artigo 31 – A isenção da responsabilidade criminal não implica a da responsabilidade civil.”

Ainda no tocante à culpabilidade, o referido código disciplina os

casos que não excluem a intenção criminosa no artigo 26, as hipóteses de

inimputabilidade no artigo 27 e os isentos de punição nos artigo 32, 33 e 34.

100 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, p. 62. 101 MIRABETE, Julio Fabbrini. obra citada, p. 43.

73

Destarte, este código acabou sendo excessivamente criticado

na época, pois, analisando-se as suas disposições, percebe-se que, num

aspecto geral, contém normas condizentes com a ciência criminal, como

pode ser constatado na questão da culpabilidade.

e) Consolidação das Leis Penais de 1932

As inúmeras alterações do Código Penal de 1890 tornaram-no

de consulta difícil. A prudência recomendou a unificação das leis vigentes. O

trabalho foi operado pelo Desembargador Vicente Piragibe, tornado

obrigatório pelo Decreto n. 22.213/1932.

O texto era composto de quadro Livros, onde obedeceu ao

sistema da legislação vigente e a matéria foi distribuída em quatrocentos e

dez artigos, sendo certo que vários artigos foram repetidos do Código

Criminal de 1890, entre eles os da culpabilidade.

Assim, situa-se a Consolidação como um texto de transição

entre o Código de 1890 e a grande reforma penal que seria empreendida

durante o Estado Novo, em 1940/1941, sob os auspícios do Ministro da

Justiça Francisco Campos, abrangendo não só a legislação penal material

como também a processual.

f) Projeto Virgílio de Sá Pereira (1935)

Neste projeto, não houve expressiva mudança no tocante à

culpabilidade, sendo certo que no artigo 33, a menoridade ficava

estabelecida em 14 anos, da mesma forma que o Código Criminal de 1890,

e em consonância com o Código de Menores, vigente na época do projeto.

g) Código Penal de 1940

74

Após a implantação do regime político da Constituição de 1937,

o Ministro da Justiça, Francisco Campos, solicitou ao Professor Alcântara

Machado, da Faculdade de Direito de São Paulo, a redação do projeto de

Código Penal.

Registre-se, contudo, que a redação final do referido projeto

sofreu várias transformações da Comissão Revisora, mantida, entretanto, a

contribuição de seu autor.

No novo projeto de Código Penal, que foi convertido em lei pelo

Decreto 2.848 de 07 de dezembro de 1940, ficou consignada nos artigos 22

ao 24 a questão da culpabilidade, sob o título de “Da Responsabilidade”.

Na exposição de motivos, quando trata da responsabilidade, o

ministro Francisco Campos, assevera que “na fixação do pressuposto da

responsabilidade penal (baseada na capacidade de culpa moral),

apresentam-se três sistemas: o biológico ou etiológico (sistema francês), o

psicológico e o biopsicológico. Mais adiante, o ministro assevera que “o

critério mais aconselhável, de todos os pontos de vista, é, sem dúvida, o

misto ou biopsicológico”

Em seguida, o ministro acaba explicando cada sistema, não

chegando a asseverar expressamente qual o adotado para a delimitação da

responsabilidade penal, no tocante à idade acolhida.

Todavia, quando o projeto delimitou a responsabilidade penal

na idade, acolheu o critério biológico, justamente porque declara a

irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente, seja

qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato,

entendendo-se que, abaixo de 18 anos, o agente não teria esta capacidade.

75

Também, deve ficar consignado que na exposição de motivos,

o Ministro Francisco Campos definiu a orientação doutrinária seguida pelo

projeto:

“Coincidindo com a quase totalidade das modificações modernas, o projeto não reza em cartilhas ortodoxas, nem assume compromissos impenetráveis ou incondicionais com qualquer das escolas ou das correntes doutrinárias que se disputam o acerto na solução dos problemas penais. Ao invés de adotar uma política extremada em matéria penal, inclina-se para uma política de transação ou de conciliação. Nele, os postulados clássicos fazem causa comum com os princípios da Escola Positiva.”

Por fim, segundo a melhor doutrina, o projeto do Código Penal

de 1940 recebeu influência do Código Italiano de 1930 e do suíço de 1937,

verbis:

“O Código Penal de 1940 recebeu influência marcante do Código italiano de 1930 (o famoso Código Rocco) e do suíço de 1937. Essa influência é geralmente reconhecida e foi atestada por Costa e Silva. O curioso é que, fruto de um Estado ditatorial e influenciado pelo código fascista, manteve a tradição liberal iniciada no Código do Império.”102

h) Código Penal de 1969

Ao eminente jurista Nelson Hungria, o governo conferiu a tarefa

de elaborar o anteprojeto de Código Penal que rapidamente foi apresentado.

O anteprojeto Nélson Hungria mantinha, basicamente, a

mesma estrutura do Código de 1940, procurando apenas excluir os defeitos

mais graves que aquele apresentava.

102 TOLEDO, Francisco de Assis. obra citada, p. 63.

76

Na exposição de motivos, ficou consignado que o projeto

seguiu a orientação de outras legislações, pautando com base na escola

clássica e positiva. Vejamos:

“O Código Penal vigente será, talvez, a melhor de nossas codificações. Sua técnica bem revela o elevado desenvolvimento da Ciência do Direito Penal entre nós. Por isso mesmo, não se pretendeu elaborar um Código totalmente novo, abandonando-se a sistemática de nossa atual legislação. Ao contrário, o propósito foi sempre o de manter, tanto quanto possível, as soluções da lei vigente, cuja eficiência e correção foram demonstradas em longos anos de aplicação, por todos os tribunais do País. Procurou-se aperfeiçoar nossa lei penal, com a correção de reconhecidos defeitos e a introdução de contribuições novas, fruto do desenvolvimento notável da Ciência Penal de nosso tempo.”

No projeto, em seus artigos 31 a 34, ficou delimitada a questão

da responsabilidade penal, sob o título de “ Da Imputabilidade Penal”,

disciplinando quem seriam os inimputáveis, o efeito da embriaguez e

redução da pena em razão de incapacidade mental.

Na própria exposição de motivos, o Ministro da Justiça, Alfredo

Buzaid, explicou que:

“Dando aplicação ao princípio básico da inexistência de responsabilidade penal sem culpa, o projeto incorporou a regra, hoje generalizada, de que o agente só responde pelos resultados que especialmente agravam as penas, quando os houver causado pelo menos culposamente.Isso se aplica a todas as causas de aumento situadas no desdobramento causal da ação, e, em particular, aos crimes qualificados pelo resultado. O princípio nullum crimem sine culpa é uma das constantes do projeto e sua significação exegética não deve ser esquecida.”

77

Desta forma, o projeto pautou-se pela responsabilidade

pessoal, calcada na culpabilidade do agente.

Porém, esse anteprojeto veio a transformar-se, em

circunstâncias pouco esclarecidas (consta que o projeto não estava

concluído), no Código Penal de 1969, editado pela Junta Militar então no

Poder. Mal recebido pela crítica, teve o novo estatuto o seu início de

vigência adiado por mais de uma vez até que, no Governo do Presidente

Geisel, optou-se pela reforma parcial do Código de 1940 e pela revogação

definitiva do Código de 1969, o que de fato se deu, respectivamente, pelas

Leis n. 6.416, de 24 de maio de 1977, e 6.578, de 11 de outubro de 1978.103

i) A Reforma Penal de 1984

Após a revogação do Código de 1969, prossegue, então, o

Código de 1940, com as alterações determinadas pela Lei 6.416/77, que

nele introduziu significativas modificações no título relativo às penas.

Tais modificações, porém, embora bem recebidas nos meios

jurídicos, caracterizaram uma providência urgente e de transição, até uma

efetiva reforma penal.

Esta reforma, com efeito, foi encetada em outro Governo, com

o Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, nomeando Francisco Assis de

Toledo como presidente da Comissão Revisora.

A nova parte geral introduziu numerosas disposições que

aperfeiçoaram tecnicamente o Código Penal, no que diz respeito à aplicação

da lei penal e ao fato punível (teoria do delito). Sua característica mais

relevante, no entanto, está no abandono do sistema do duplo binário, depois

da malograda experiência com as medidas de segurança detentivas para

103 TOLEDO, Francisco Assis de, obra citada, p. 66.

78

imputáveis, que apareceram, a seu tempo, como uma das grandes

inovações do Código Penal de 1940.104

Assim, adota-se o sistema vicariante (pena ou medida de

segurança), naqueles casos em que o agente é semi-imputável.

Ademais, na conferência proferida pelo referido jurista e

presidente da Comissão Francisco Assis de Toledo, anexada em seu livro, a

reforma adotou, sem as restrições e as reservas do passado, o princípio da

culpabilidade. Assim, com a reforma em exame, não se admitirá a aplicação

de pena sem que se verifique a culpabilidade do agente por fato doloso ou

pelo menos por fato culposo.

Prosseguindo, o eminente jurista esclarece que o resultado

dessa tomada de posição aponta em duas direções com importantes

conseqüências, isto é, a primeira delas revela a dupla função limitadora do

princípio da culpabilidade, uma com poder de despenalização e a outra

sobre a dosimetria da pena, a segunda direção com três colunas de

sustentação de um direito penal de índole democrática (nullum crimem nulla

poena sine lege, direito penal do fato e a culpabilidade do fato).

Finalizando, o jurista assevera que, apesar do crescimento do

crime atroz, violento, ao lado do aparecimento de novas formas

delinqüenciais que se valem dos próprios instrumentos da técnica e do

progresso, a procura de instrumental mais adequado de combate ao crime

deve ser feita com muito engenho e arte, para não se pôr em risco o que já

constitui valiosa conquista da humanidade.105

Este entendimento é refletido na exposição de motivos da Lei

7.209 de 11 de julho de 1984.

Desta feita, estão disciplinados nos artigos 26 a 28, sob o título

“ Da Imputabilidade Penal” as causas de exclusão ou diminuição da

imputabilidade, conseqüentemente, da própria culpabilidade, além de outros

artigos dispersos pelo Código.

104 FRAGOSO, Heleno Cláudio, obra citada, p. 68. 105 Obra citada, p. 73.

79

Portanto, estas são as considerações a respeito da evolução

da culpabilidade no Brasil, de forma sintetizada.

80

CAPÍTULO III

Culpabilidade e Responsabilidade Penal

3.1 – Delineamento da culpabilidade e responsabilidade penal

Como mencionado durante este trabalho, a culpabilidade é um dos

elementos da teoria do crime, desta forma, para que o sujeito ativo de um fato

criminoso seja punido, é imprescindível a existência de um fato típico e

antijurídico.

Porém, existindo estes dois elementos, há necessidade de se auferir

sobre a culpabilidade.

Primeiramente, somente existirá um juízo de reprovação se o agente

possuía a liberdade de decisão no momento da ação106, ou como assevera

JESCHECK107 “el principio de culpabilidad tiene como pressupuesto lógico la

libertad de decisión del hombre, pues solo cuando existe basicamente la

capacidad de dejarse determinar por las normas jurídicas puede el autor ser

hecho responsable de haber llegado al hecho antijurídico en lugar de dominar los

impulsos criminales.”

Em seguida, serão analisados os elementos constantes da

culpabilidade, ou seja, imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e

inexigibilidade de conduta diversa.

Ressalte-se, inicialmente, que imputabilidade, culpabilidade e

responsabilidade são conceitos distintos, mas extremamente ligados.

Com efeito, estes conceitos designam garantias, isto é, condições

que podem também faltar e que faltam de fato nos sistemas que admitem figuras

de responsabilidade não pessoal e objetiva.

Por sua vez, imputabilidade é o conjunto de condições psicológicas

capazes de tornar alguém apto a assumir as conseqüências jurídico-penais de

106 No entender de ROXIN a base real da verificação da culpabilidade é a idoneidade para ser destinatário de normas. 107 Tratado de Derecho Penal, p. 367

81

seus atos, sendo diferente da capacidade porque esta é a aptidão, em tese, para

responder pelas conseqüências penais da conduta, enquanto a imputabilidade é

essa aptidão em concreto, verificada no caso específico, isto é, a capacidade é

gênero do qual a imputabilidade é espécie.

Já culpabilidade é um dos elementos do crime, que pressupõe a

existência da imputabilidade, como dito alhures.

Por fim, responsabilidade é a aptidão para responder e sofrer uma

sanção penal, após a análise dos outros requisitos legais. Assim, o sujeito pode

ser imputável, mas não responsável pela infração praticada, quando não tiver a

possibilidade de conhecimento do injusto ou quando dele for inexigível conduta

diversa.

Como explica MANZINI:

“La capacidad de derecho penal, por consiguiente, es el presupuesto de la imputabilidad y de la responsabilidad, y no debe confundirse con éstas. La primera concierne a las condiciones por las cuales un hombre puede considerarse sujeto de derecho penal en general; las otras se refieren a un hecho concreto, contrario al derecho penal, llevado a cabo por tal hombre. Cualquiera, que no esté afectado por causas extintivas de la capacidad penal, es sujeto de derecho penal; pero son imputables y responsables, solamente aquellos que efectivamente fueron causas eficientes de un delito.”108

É certo, porém, que ROXIN apresenta um outro posicionamento

sobre a culpabilidade.

Assim, o mestre alemão assevera que para a imputação subjetiva da

ação injusta deve concorrer a culpabilidade do autor e a necessidade preventiva

de pena. Por isso, propõe chamar a categoria do delito que sucede ao injusto não

de “culpabilidade” mas “responsabilidade”, pois, na teoria da imputação subjetiva

devem ser integradas, ao lado da culpabilidade, aspectos preventivos, de maneira

que a culpabilidade representa somente um aspecto, daquilo que denomina

“responsabilidade”.109

108 Obra citada, p. 126. 109 A culpabilidade e sua exclusão no direito penal in Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 46.

82

Desta forma, arremata ROXIN repudiando as críticas de outros

juristas:

“Se a doutrina tradicional, após o injusto, somente analisa se está presente a “culpabilidade” do autor, isto é conseqüência de uma concepção outrora dominante, hoje já de há muito ultrapassada, a respeito dos fins da pena, que faz tudo depender da mera retribuição, exigindo a punição também nos casos em que, presente a culpabilidade, inexista qualquer necessidade social para tanto.”110

De qualquer forma, Cezar Roberto Bitencourt111 atribui, em direito

penal, um triplo sentido ao conceito de culpabilidade:

Em primeiro lugar, a culpabilidade, como fundamento da pena,

refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um

fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a

presença de uma série de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência

da ilicitude e exigibilidade da conduta - que constituem os elementos positivos

específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer

desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal.

Em segundo lugar, a culpabilidade, como elemento da determinação

ou mediação da pena, onde funciona não como fundamento da pena, mas como

limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida

prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios,

como importância do bem jurídico, fins preventivos e outros.

Por fim, explica o autor que a culpabilidade, como conceito contrário

à responsabilidade objetiva, isto é, o princípio da culpabilidade impede a

atribuição da responsabilidade objetiva. Ninguém responderá por um resultado

absolutamente imprevisível se não houver obrado com dolo ou culpa.

Em síntese, não há pena sem culpabilidade, necessitando do

delineamento de seus elementos para que exista a possibilidade de

responsabilização do sujeito ativo de um delito.

110 Obra citada, p. 66. 111 Tratado de Direito Penal, p. 14.

83

3.2- Responsabilidade Penal da e na Empresa

No exercício da atividade empresarial, como de resto em qualquer

atividade humana, existe sempre a possibilidade de condutas ilícitas. Porém, na

atividade empresarial essa possibilidade é aumentada pelo próprio objetivo

essencial da atividade, que é o lucro.

Assim, na tentativa de coibir as práticas ilícitas que ocorrem no

âmbito das empresas, o legislador brasileiro optou pela criminalização de certos

atos, e até chegou a atribuir a prática de ilícitos penais à própria pessoa jurídica,

como no caso dos crimes ambientais, que será comentado em tópico próprio.

Neste diapasão, vários artigos da nossa legislação já avançam para

penalizar os participantes de empresas como, por exemplo, o artigo 2° da Lei

9.605/98 ao estipular a responsabilidade concomitante dos diretores,

administradores, membros do conselho e de órgão técnico, auditor, gerente,

preposto e mandatário da pessoa jurídica que, sabendo do ilícito ambiental,

deixarem de impedir sua prática, quando podiam agir para evitá-la.

Entretanto, a questão da responsabilidade penal de sócios e de

administradores de empresas suscita, ainda, muita discussão.

Na prática, muitos têm sido os casos em que diretores são

denunciados simplesmente porque ocupam este cargo, prescindindo da análise

da responsabilidade penal.

É claro, porém, se ficar comprovado que o acusado exerce de fato a

administração da empresa e participou ou anuiu com a conduta ilícita, a sua

punição emerge claramente.

Por outro lado, a responsabilização individual não exonera a

discussão em torno da punição da pessoa jurídica, dentro dos casos previstos em

lei.

84

Como observa Sérgio Salomão Shecaira112, para o reconhecimento

da responsabilidade penal das pessoas jurídicas é necessário que a infração

individual seja praticada no interesse da pessoa coletiva e não pode situar-se fora

da esfera da atividade da empresa, bem como que a infração executada pela

pessoa física seja praticada por alguém que se encontre estreitamente ligado à

pessoa coletiva, mas sempre com o auxílio do seu poder, o qual é resultante da

reunião das forças econômicas agrupadas em torno da empresa.

Desta forma, o fato punível pode ser obra de um só ou de vários

agentes, havendo concurso de pessoas quando houver pluralidade de agentes

concorrendo para a consecução do delito, dentro da esfera da teoria do domínio

do fato, disciplinando quem é o autor, co-autor ou partícipe do crime.

Segundo Damásio E. de Jesus113, autor é quem detém o domínio do

fato; co-autor, o domínio funcional do fato, tendo influência sobre o “se” e o

“como” do crime; partícipe só possui o domínio da vontade da própria conduta,

tratando-se de um “colaborador”, uma figura lateral, não tendo o domínio finalista

do crime. O delito não lhe pertence: ele colabora no crime alheio.

A empresa, todavia, não comete atos delituosos por si mesma. Ela

o faz através de alguém, objetivamente uma pessoa natural, conseqüentemente,

não se deixará de verificar a existência inicial de um concurso de pessoas.

Porém, ela poderá ser enquadrada como co-autora ?

A idéia de co-autoria encontra seu fundamento na concepção da

divisão de trabalho. Há crimes que podem ser praticados individualmente ou por

mais de uma pessoa. Porém, há aqueles que, por sua natureza de execução,

pressupõem a existência de mais agentes para a coordenação dos atos que

redundarão na prática da conduta típica. Assim, co-autor é aquele que intervém

na execução do delito, agindo como co-titular da decisão anteriormente

engendrada, pois só assim pode ter domínio sobre o fato.

112 “Responsabilidade dos Sócios, Gerentes, Diretores e da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais”, in SALOMÃO, Heloísa Estellita (Org.), Direito Penal Empresarial, p. 284. 113 Direito Penal, p. 412.

85

Especificamente no crime praticado pela empresa, poderemos ter a

autoria mediata, pois ela sempre agirá através de alguém, seu co-autor

imediato114.

Ressalte-se que a empresa não poderá ser enquadrada como

partícipe, assim, instigação não poderá ocorrer, logicamente, pela própria

natureza do ato, bem como o induzimento e o auxílio.

Na verdade, embora defendida por parte da doutrina, entende-se

que a empresa não pode ser responsabilizada como autora mediata do dano

criminal, simplesmente porque estará agindo através de outras pessoas, ante a

teoria da ficção que perdura sobre a pessoa jurídica.

Destarte, ou seus agentes são penalizados e punidos pela conduta

criminosa ou somente a empresa receberá a punição, sendo incompatível o

concurso de agentes entre eles.

3.3 – A individualização da responsabilidade penal nos crimes cometidos

por meio de empresa

No estágio atual da legislação criminal brasileira, o princípio da

subsunção típica é de indeclinável necessidade, apontando-se a realização de

uma conduta por parte do acusado, seja ação ou omissão.

Desta forma, a autoridade policial e o Ministério Público devem

narrar, com clareza e exatidão, o comportamento típico e o resultado naturalístico,

com todas as suas circunstâncias.

No tocante aos crimes envoltos à empresa, a delimitação desta

responsabilidade será atribuída à conduta de cada agente.

Primeiramente, deve ser observado que a pessoa jurídica pode ser

constituída de várias formas, tudo dentro da legalidade.

114 SHECAIRA, Sérgio Salomão, “Responsabilidade dos Sócios, Gerentes, Diretores e da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais”, in SALOMÃO, Heloísa Estellita (Org.), Direito Penal Empresarial, p. 284.

86

A partir de sua formulação115, a pessoa jurídica já adquire direitos e

obrigações, podendo responder pelos seus atos em várias áreas do direito,

notadamente a cível, penal e tributária.

Por disposição legal, os sócios, administradores e gerentes já

possuem as obrigações estabelecidas, como podem ser observados nos artigos

1001 e seguintes do Código Civil.

Se a conduta praticada estiver dentro dos limites da lei, logicamente,

que o participante da sociedade não sofrerá qualquer repreensão.

Porém, se a ação ou omissão for contrária aos ditames legais ou

contratuais poderá haver sanção, desde que a conduta encontre no Código Penal

e leis extravagantes a devida tipicidade, até por respeito ao princípio da

legalidade e anterioridade.

Na área penal, a conduta punida deverá ser individualizada, a fim de

que recaia sobre o agente a responsabilidade subjetiva.

Assim, quando se trata de crime cometido por intermédio de

empresa, não é suficiente à autoridade policial ou ao Ministério Público a

descrição genérica e impessoal do fato, como se tivesse sido cometido pela

pessoa jurídica.

Portanto, a plenitude da democracia depende da obediência aos

preceitos legais, dentre os quais se projeta a responsabilidade pessoal, onde o

cidadão só responde pelo que fez ou, devendo fazê-lo, omitiu-se voluntariamente.

3.4 – Culpabilidade e justificação da pena

O conceito de culpabilidade, basicamente, está relacionado com o

conceito mais genérico de responsabilidade, com implicações diretas na

justificação do próprio direito de punir do Estado e na finalidade da pena, aliás, na

115 O artigo 985 do Código Civil estabelece que a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos.

87

linguagem popular costuma-se empregar a voz culpa como sinônimo de

responsabilidade.

Na verdade, a culpabilidade está estritamente ligada com a

aplicação da pena.

Um sistema jurídico próprio de um Estado Democrático de Direito

rejeita a periculosidade como fundamento ou limite da pena, assim como ocorre

nos regimes autoritários quando a imprecisão das normas incriminadoras se

acumplicia com o caráter fluído do estado perigoso e permite a imposição de uma

sanção de caráter evidentemente preventivo. Ao reverso, nos regimes inspirados

pela efetiva democracia, a culpa pelo ato concreto deve ser a base sobre a qual

incidirão a qualidade e a quantidade da pena adequada.116

Com efeito, o juízo de reprovabilidade (culpabilidade) elaborado pelo

juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira diversa, tinha

condições de alcançar o conhecimento da ilicitude do fato. Assim, o juízo de

culpabilidade serve de fundamento e medida da pena, repudiando a

responsabilidade penal objetiva.

Ou como diz Jorge de Figueiredo Dias117, num Estado de Direito, de

cariz social e democrática, a compreensão dos fundamentos, do sentido e dos

limites das penas deve partir de uma concepção de prevenção geral de

integração, ligada institucionalmente a uma pena da culpa, a ser executada com

um sentido predominante de (re)socialização do delinqüente.

Desta feita, nas palavras do jurista português:

“A função da culpabilidade, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros

116 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 64 117 “Breves Considerações Sobre o Fundamento, o Sentido e a Aplicação das Penas em Direito Penal Econômico”, “In” PODVAL, Roberto (Org.). Temas de Direito Penal Econômico, p. 124.

88

próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, estabelecer uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”118

Conseqüentemente, o momento inicial e decisivo de fundamentação

da pena deve residir na necessidade de estabilização das expectativas

comunitárias na validade da norma violada, pela reafirmação das orientações

culturais e dos critérios ético-sociais de comportamento que naquela se contém.

No tocante aos crimes fiscais, por exemplo, é inequivocamente o

critério político-criminal da necessidade que se reconhece como critério decisivo

legitimador da criminalização de comportamentos que implicam fuga ilegítima ao

Fisco.

Significa isto, então, que a decisão de criminalização só está

legitimada se revela, primeiramente, dimensão de ultima ratio, bem como se os

meios de natureza penal utilizados são aptos a tutelar, de modo eficaz, os bens e

valores que importa garantir.

Entretanto, embora estes crimes não causem um grande alarme

social, a punição penal se justifica, desde que legítima, proporcional e adequada.

Mas, dentro do sistema penal brasileiro, a prioridade não é a punição

e sim a arrecadação.

Neste diapasão, o artigo 34 da Lei 9249/95 possibilita a extinção da

ação penal se houver o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia

pelo Ministério Público, nos crimes tratados nas Leis 8.137/90 e 4.729/65.

Em seguida, as Leis 9.964/00 e 10.684/03, que disciplinaram o

programa de recuperação fiscal federal, autorizaram a suspensão da ação penal

se houver o parcelamento do tributo questionado.

Além dessas, o §2º do artigo 168-A do Código Penal julga extinta a

punibilidade se houver o pagamento da contribuição social, antes do início da

ação fiscal.

118 Questões Fundamentais do Direito Penal Revisitadas, p. 134.

89

Ora, se a justificação da pena é de prevenção e ressocialização, as

determinações legais acima mencionadas não estão de acordo com esta

finalidade, em verdadeira contradição.

E pior, dificultam a atuação do juiz ao apreciar e limitar a pena, uma

vez que a reprovação social da conduta (culpabilidade) não está definida de forma

coerente dentro do seio social e jurídico.

É certo, porém, que a fixação da pena estará limitada à quantidade

prevista em lei, ou como assevera ROXIN119:

“O princípio da culpabilidade exige, portanto, determinação do tipo, a proibição estrita de leis retroativas e a proibição de toda analogia em prejuízo do agente. Deste modo liga o poder estatal à lex scripta e impede uma justiça arbitrária. Mas também limita o máximo de pena permitido em caso de clara violação da lei escrita.”

Assim, a repreensão penal será necessária quando o juízo de

reprovação estiver presente, com todos os elementos da culpabilidade, a partir de

então, o juiz poderá fixar a pena ao agente, de acordo com os critérios legais.

A propósito, JESCHECK120 afirma que:

“El juicio de desvalor sobre la actitud interna del autor respecto al Derecho no se formula globalmente, atendiendo a la impresión conjunta de la personalidad, sino que descansa en la comprobación de los elementos de la culpabilidad previstos por la ley. Esto representa, de un lado, uma garantía del Estado de Derecho para el acusado, por cuanto no se confía, sin más, al arbitrio del juez la decisión acerca de las condiciones bajo las que procede afirmar el reproche de culpabilidad, pero, de otto, también una relativa severidad del Derecho penal, ya que los elementos de la culpabilidad se configuran negativamente (como causas de exclusión de la culpabilidad) de manera que la culpabilidad ha de tenerse ya por presente cuando en el caso concreto faltan los puntos de apoyo para su exclusión.”

119 A culpabilidade como critério limitativo da pena in Revista de Direito Penal n. 9/10. 120 Obra citada, p. 387.

90

De toda sorte, por exigência legal estampada no artigo 59 do Código

Penal Brasileiro, a quantidade e qualidade de pena aplicada ao sujeito está

limitada principalmente à sua culpabilidade, de modo que a discussão deste

instituto durante a tramitação do processo é indispensável.

Inclusive é reforçado pelo artigo 19 do mesmo diploma legal ao

determinar que, pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o

agente que o houver causado ao menos culposamente.

Neste diapasão, ao comentar o artigo 59 acima referido, René Ariel

Dotti121 assevera que a culpabilidade será esteio para fundamentar e escolher a

pena, fixar seus limites, o regime inicial e substituição da pena privativa de

liberdade por restritiva de direito.

Finalmente, deve ficar consignado que é equivocado o entendimento

que a culpabilidade liga o agente diretamente ao crime. O crime é um todo

unitário, estando seus requisitos ou caracteres englobados e inter-relacionados.

Não há ligação da pena com o agente. Mas sim, da pena com o crime praticado

com o agente. A pena traduz-se em legítima conseqüência do delito praticado

pelo sujeito ativo. O sujeito já se encontra ligado ao fato criminoso, pelo simples

fato de tê-lo cometido. Se o autor do fato delituoso não puder ser

responsabilizado por ausência de censura, não há que se falar em crime e,

conseqüentemente, em aplicação da pena.

Destarte, a culpabilidade é o primeiro pressuposto para a justificação

e aplicação da pena.

3.5- Questões processuais envolvendo a culpabilidade

Em decorrência das questões de direito material, surgem as de

direito processual, entre elas podemos anotar algumas que afligem diariamente

os nossos tribunais.

121 Curso de Direito Penal, p. 40.

91

3.5.1 - Denúncia Genérica

A primeira questão processual que surge nos “crimes empresarias” é

a denúncia em face ao acusados.

Calcado na dificuldade de delimitação da responsabilidade, o

Ministério Público vem utilizando a chamada denúncia genérica para dar início à

ação penal, desprezando os requisitos elencados no artigo 41 do Código de

Processo Penal que determina que toda exordial acusatória deverá descrer, de

forma individualizada, a conduta do réu, bem como a exposição do fato criminoso

com todas as suas circunstâncias.

Damásio E. de Jesus, quando ensina sobre a denúncia coletiva,

assevera que "no estágio atual da legislação criminal brasileira, para processar-se

o princípio da subsunção típica, é de indeclinável necessidade apontar-se a

realização de uma conduta por parte do acusado, seja ação, seja omissão.

Significa que a autoridade policial e o Ministério Público devem narrar na portaria

ou denúncia, com clareza e exatidão, o comportamento típico e o eventual

resultado naturalístico (fato material), com todas as suas circunstâncias (artigo 41

do CPP)"122.

Esta posição é adotada por parte da jurisprudência, ao impedir a

denúncia genérica.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, no HC n. 9.906-PE,

julgado pela 6ª Turma em 05.09.2.000, rel. Ministro Vicente Leal, publicado no

DJU de 23.10.2.000 e na RT 786/585, asseverou que:

"Denúncia - Inépcia - Ocorrência - Crime contra a ordem tributária - Inicial acusatória que formula acusação genérica sem apontar de modo circunstanciado a participação da ré no fato delituoso - Mera qualidade de sócio ou diretor de uma empresa, na qual se constatou a ocorrência de crime de sonegação fiscal que não autoriza que contra o mesmo diretor seja formulada uma acusação penal em juízo - Inteligência do artigo 41 do CPP".

122 Código de Processo Penal Anotado, p. 44

92

Ainda:

"Crime societário - Denúncia - Invocação da condição de sócio, gerente ou administrador da sociedade, sem descrição de condutas específicas - Inadmissibilidade - Imprescindibilidade de que a inicial acusatória descreva, pelo menos, o modo como os co-autores concorreram para o crime".(STJ - HC 8.258-PR - 5ª Turma - j. 20.04.1999 - rel. Min. Edson Vidigal - DJU 06.09.1999 - RT 771/547).

"Crime contra a ordem tributária - Denúncia - Necessidade de a peça inicial acusatória definir a participação de cada acusado no delito - Irrelevância dos denunciados serem diretores da empresa, pois tal fato não basta por si só para caracterizar a responsabilidade penal".( TRF 2ª Região - HC n. 98.02.51905-7 - RJ - 5ª Turma - j. 04.05.1999 - rel. Des. Federal Chalu Barbosa - DJU 06.07.1999 - RT 722/709).

Outra parte da jurisprudência e da doutrina, admite a possibilidade

da denúncia genérica nos crimes societários, em razão da dificuldade da

individualização da conduta de cada sócio, o que seria feito durante a tramitação

do processo.

O que acontece, normalmente, nestes casos, é que o Ministério

Público é instado através de uma representação do órgão fiscal, após a autuação

de uma infração tributária na empresa.

Porém, partindo do pressuposto que o inquérito policial é

dispensável ou que pode ocorrer a prescrição, o Ministério Público já oferece a

denúncia contra os sócios da empresa fundamentado nos documentos levantados

pelo fiscal de renda, olvidando-se da devida individualização da conduta de cada

agente.

Na verdade, o sistema penal permite esta conduta da acusação,

entretanto, ocasiona vários problemas processuais, tais como:

Primeiramente, nem sempre existe a devida tipificação da conduta

do agente ao crime denunciado, isto é, a partir do momento em que não foi

discriminada a conduta precisa de cada agente, poderá, então, ocorrer uma

93

tipificação inadequada como, por exemplo, do sócio que não possui qualquer

participação administrativa na empresa, que, mesmo assim, é denunciado.

Neste ponto deve ser lembrado que o nosso sistema jurídico veda a

responsabilidade objetiva, como já mencionado neste trabalho, e mais uma vez

explicado pelos doutrinadores Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa

Júnior, ao comentarem o princípio da responsabilidade pessoal:

"O Direito Penal moderno realça, cada vez mais, a importância da responsabilidade subjetiva, banindo categoricamente a responsabilidade objetiva. Os códigos mais modernos conferem roteiro seguro para ilustrar a afirmação: República da Alemanha, Áustria, Portugal e Espanha..... Giuseppe Bettiol escreveu: o princípio da personalidade da responsabilidade penal importa também que o fato delituoso possa ser imputado a uma pessoa ratione personae, vale dizer, não sob a constatação de um nexo material e objetivo entre a ação e o evento lesivo (critério mecanicístico), mas com base em uma imputação humana, que deve poder resolver-se em juízo de reprovação. Tal juízo é excluído quando o feito é debitado apenas material e objetivamente ao sujeito. A responsabilidade objetiva deve pois considerar-se em contraste com a letra e o espírito da Constituição"123.

Além disso, pode acontecer da denúncia asseverar que os fatos

ocorreram em concurso de pessoas, mas não descrever o liame subjetivo entre

os sócios da empresa, ferindo o princípio constitucional da ampla defesa e o

artigo 41 do CPP.

“A co-autoria ou a participação exigem liame subjetivo (acordo de vontades, que não é imprescindível, ou induzimento, instigação ou auxílio). Esse elemento subjetivo, que se manifesta na adesão de uma vontade a outra, faz parte do tipo penal. Em conseqüência, é necessário que o Promotor de Justiça, na denúncia, descreva o fato constitutivo desse elemento subjetivo do tipo, sob pena de narrar um fato atípico sob a ótica do concurso de pessoas: a ausência da narração da conduta que configura a co-autoria leva a crer tratar-se

123 Direito Penal na Constituição, p. 93

94

de autoria colateral, em que um sujeito desconhece o comportamento do outro”124

Ademais, a responsabilidade penal é diferente da responsabilidade

tributária, sendo a primeira de caráter individual e subjetiva e a segunda, objetiva;

conseqüentemente, a menção feita pelo fiscal de renda no auto de infração deve

ser levada com ressalva pelo representante do Ministério Público, quando do

oferecimento da denúncia, a título de autoria, co-autoria ou participação.

O que não pode ser olvidado é que a acusação formulada em juízo

contra uma pessoa integrante de uma sociedade empresarial provoca várias

conseqüências, entre elas a moral, psicológica e até comercial, dependendo da

repercussão que o caso alcançar, sem se falar que o próprio Poder Judiciário se

vê obrigado a julgar, após anos, inocente a pessoa processada, gerando

descrédito social.

Todos estes equívocos poderiam ser sanados se houvesse a

utilização efetiva do inquérito policial como meio de delimitar a responsabilidade

penal de cada agente, que, normalmente é dispensado, como dito alhures.

Com efeito, há uma inversão de valores, uma vez que se parte do

princípio que o inquérito policial somente irá atrasar o trabalho da acusação ou

que ocorrerá a prescrição da ação penal, esquecendo-se que nosso sistema

penal é baseado na legalidade e, hodiernamente, na culpabilidade do agente, de

modo que somente os agentes envolvidos no fato criminoso devem ser

processados pelo Estado.

Este argumento é reforçado se imaginarmos a rápida tramitação do

inquérito policial e do próprio Poder Judiciário em investigar o fato imputado.

Portanto, o cidadão está padecendo as agruras de uma acusação

processual, às vezes injustamente, em razão da própria justiça entender que não

é ágil para investigar o fato criminoso.

3.5.2 – Individualização da pena

124 JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado, p. 42

95

Outro ponto de vital importância para o deslinde do processo é a

individualização da pena de cada agente criminoso.

Na Idade Média, o arbítrio judicial, imposto por exigências políticas

da tirania, era produto de um regime penal que não estabelecia limites para a

determinação da sanção penal.

Com a evolução do direito penal, o arbítrio judicial passou a ser

cerceado pela adoção da pena fixa, onde o juiz limitava-se à aplicação mecânica

do texto legal.

Entretanto, se a pena absolutamente indeterminada deixava

demasiado arbítrio ao julgador, com sérios prejuízos aos direitos fundamentais do

indivíduo, igualmente, a pena absolutamente determinada impediria o seu

ajustamento, pelo juiz, ao fato e ao agente, diante do fato concreto.

Assim, como explica BITENCOURT:

“Essa constatação determinou a evolução para uma indeterminação relativa: nem determinação absoluta, nem absoluta indeterminação. Finalmente, abriu-se um grande crédito à livre dosagem da pena, pelo juiz, estabelecendo o Código Penal francês de 1810 limites mínimo e máximo, dentre os quais pode variar a mensuração da pena. Essa concepção foi ponto de partida para as legislações modernas, fixando os limites dentre os quais o juiz deve – pelo princípio do livre convencimento – estabelecer fundamentadamente a pena aplicável ao caso concreto.” 125

Assim, partindo do princípio da responsabilidade penal do sujeito

ativo, cabe ao juiz estipular a retribuição penal, sendo certo que não se resolve

com fundamento na interpretação dos elementos da hipótese delituosa, porque,

125 Tratado de Direito Penal, p. 604.

96

se assim fosse, superadas as dúvidas interpretativas, a aplicação da pena deveria

traduzir-se em simples automatismo.

Com efeito, BETTIOL explica que, “se considerar a pena sob o perfil

retributivo, vê-se que a retribuição não pode ser considerada em abstrato, mas

apenas em concreto. É o legislador que determina as orientações cogentes em

abstrato para o juiz, limites que não poderá superar, mas em concreto é o juiz que

determina a atualidade ou a quantidade de pena que, tendo-se em conta critérios

vários, aparece como verdadeira pena retributiva, como pena justa. Não existe,

portanto, uma pena retributiva que não seja pena justa, que não leve em conta

todas as características do caso concreto, a fim de que a relação entre crime e

pena não se considere, inexoravelmente, rompida.”126

Neste sentido, seguindo as orientações das legislações mais

modernas, o inciso XLVI, do artigo 5°, da Constituição Federal, determina que a

lei regulará a individualização da pena, fato que é corroborado pelas normas

contidas nos artigos 32 e seguintes do Código Penal.

Deve ser observado, principalmente, o disposto no artigo 68, do

Código Penal, que determina o sistema trifásico para o cálculo da pena, isto é, a

estipulação da pena base diante das condições estabelecidas no artigo 59, após

as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por fim, as causas de diminuição e

de aumento.

No caso dos “crimes empresariais”, também tem aplicação o

princípio constitucional da individualização da pena.

Nos delitos empresariais há uma dificuldade maior na delimitação da

culpabilidade de cada participante, adstritos na formação contratual e

hierarquizada da empresa, notadamente as de grande porte. Assim, durante a

126 Direito Penal, p. 686.

97

tramitação do processo, o juiz não deve prescindir da investigação da descoberta

do verdadeiro responsável, bem como de sua participação no crime.

Ressalte-se que, normalmente, nestes crimes, os sócios da empresa

são denunciados pelo simples fato de constarem no contrato social, porém, no

dia-dia da empresa, cada agente possui sua participação.

Neste caso, a juiz deve analisar com cautela a conduta de cada

agente criminoso, determinando a responsabilidade penal e conseqüentemente a

punição proporcional.

Portanto, a conduta criminosa deve ser rigorosamente analisada

pelo juiz e aplicada a pena de acordo com as determinações legais, com

discricionaridade e não arbitrariedade.

3.5.3 – Responsabilidade penal da pessoa jurídica

A responsabilidade criminal das pessoas coletivas representa um

novo e mais decidido impulso em relação ao princípio clássico da culpa individual.

Na sua origem estão as dificuldades e limitações de uma

responsabilidade exclusivamente pessoal, aliadas à punição individual de

pessoas por condutas que, via de regra, redundam em benefício direto da própria

empresa.

A responsabilidade criminal das pessoas coletivas é aceite, sem

reservas, em países como: Japão, Israel, Estados Unidos e, em geral, nos países

fiéis ao sistema do common law. Também o Conselho da Europa se tem

pronunciado favoravelmente a um princípio de ampla punibilidade das pessoas

coletivas.

Por seu turno, também o artigo 11°, do Código Penal português,

acaba de abrir a via à idéia de admissibilidade desta responsabilidade penal.

98

Pelo contrário, a Alemanha Federal, a Áustria, a Espanha, a

Finlândia e a Grécia contam-se entre os países cujo ordenamento jurídico não

admite esta derrogação ao caráter pessoal da responsabilidade penal.

Como soluções intermediárias, admitindo a responsabilidade

criminal das pessoas coletivas em áreas mais ou menos limitadas, podemos

mencionar a França, Bélgica e Suíça127.

Ora, independentemente das dificuldades teóricas que se pode

mergulhar a questão da definição jurídica da empresa, é indiscutível que, se a

empresa adquire uma forma jurídica e, neste sentido, aparece no mundo da

normatividade jurídica, como pessoa coletiva ou como pessoa jurídica, então,

aquilo que era tão-só uma ficção passa agora a ser um centro autônomo de

imputação jurídica.

Partindo deste preceito, a doutrina nacional discute a viabilidade de

punição em face da pessoa jurídica.

Na opinião do jurista Sérgio Salomão Shecaira128, existem

argumentos favoráveis e contrários à responsabilização penal da pessoa jurídica,

ocorrendo a discussão em torno dos seguintes temas: a) não há responsabilidade

sem culpa; b) princípio da personalidade das penas; c) inaplicabilidade das penas

privativas de liberdade; d) a impossibilidade de arrependimento pela pessoa

jurídica.

O referido autor, conclui asseverando que devem ser alcançadas

pela responsabilidade penal da pessoa jurídica todas as pessoas jurídicas de

direito privado, desde que se reconheça o desvio de finalidade das empresas com

a utilização de sua estrutura para a prática de crimes. Já as pessoas jurídicas de

direito público não devem ser punidas, dada sua natureza e em face de não dever

o Estado punir-se a si próprio.

Por outro lado, este assunto tem pertinência neste trabalho quando

existe um crime praticado pela empresa, a partir de então, inicia-se a discussão

sobre a culpabilidade, também aplicada nestes casos.

127 “Sobre a Concepção e os Princípios do Direito Penal Econômico”, “In” PODVAL, Roberto (Org.). Temas

de Direito Penal Econômico, p. 113 128 Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica,p. 103

99

Assim, a grande questão que envolve estes fatos é identificar o

responsável pelo ato criminoso que, conseqüentemente, será processado e

punido, notadamente em empresas de grande porte, multinacionais.

Este debate foi agravado pela chegada da globalização que produziu

novas formas de criminalidade que se caracterizam, fundamentalmente, por ser

uma criminalidade supranacional, sem fronteiras limitadoras, por ser uma

criminalidade organizada no sentido de que possui uma estrutura hierarquizada,

quer em forma de empresas lícitas, quer em forma de organização criminosa e

por ser uma criminalidade que permite a separação tempo-espaço entre a ação

das pessoas que atuam no plano criminoso e a danosidade social provocada.

Neste diapasão, Alberto Silva Franco, ao escrever sobre a

globalização e a criminalidade, assevera q ue:

“A inexistência de um Estado mundial ou de organismos internacionais suficientemente fortes que disponham do ius puniendi e que possam, portanto, emitir normas penais de caráter supranacional, a carência de órgãos com legitimação para o exercício do ius persequendi e a falta de concretização de tribunais penais internacionais agravam ainda mais as dificuldades do enfrentamento dessa criminalidade gerada pela globalização. Além disso, o Estado-nação, derruído na sua soberania e tornado mínimo pelo poder econômico global não tem condições de oferecer respostas concretas e rápidas aos crimes dos poderosos, em relação aos quais há, no momento, um clima que se avizinha à anomia”129.

Além disso, o que demonstra de forma cabal a necessidade do

reestudo da criminalidade cometida no seio da empresa é o fato de que raras

vezes são aplicadas sanções punitivas a pessoas diversas dos agentes diretos

das transgressões, lembrando-se que esses agentes diretos são funcionários ou

empregados de nível inferior. A punição a esses agentes é ineficaz, posto que são

eles intercambiáveis e também em face da quase inexistente possibilidade de

influírem sobre o comportamento da empresa a que estão vinculados. Ademais,

129 “Globalização e Punição dos Poderosos”, “In” PODVAL, Roberto (Org.). Temas de Direito Penal

Econômico, p. 257

100

sempre que se pretende a punição dos prováveis responsáveis – aqueles que

normalmente detêm os cargos de direção – esbarra-se na notória dificuldade da

falta de provas no âmbito da criminalidade das empresas130.

Dentro desse contexto, globalizante, com que se observa a

empresa, não se pode deixar de notar que a empresa deve ter sob seu estrito

controle a atividade de seus funcionários, posto que as vantagens conseguidas

em face de um ato ilícito só a ela beneficiam. Ademais, a punição eventual de um

autor imediato, que muitas vezes sequer tem consciência da prática do ato ilícito,

apresenta o inconveniente de não dissuadir a empresa como um todo dos crimes

que venha a cometer. Desta forma, a prevenção especial não será atingida, a

despeito da punição individual do autor físico do delito. Nesse sentido mais geral,

está a empresa numa função de “garante” em face do seu empregado. Deve ela

ser reprovada como tal, por poder e dever agir para evitar o resultado. A empresa

poderá, pois, não só ser punida quando deliberar e praticar um ato ilícito, mas

também quando não impedir que ele seja praticado em seu benefício exclusivo.131

130 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, p. 112. 131 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Obra citada, p. 115.

101

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, a culpabilidade não era afeta à discussão sobre a

existência do crime, fato que começou a ser discutido com o passar do tempo.

Assim, com a evolução do direito penal a questão sobre a

culpabilidade começou a ter início, passando da teoria normativa para a

psicológica e, após, pela teoria finalista da ação.

Portanto, a culpabilidade evoluiu com o passar do tempo, sendo,

atualmente, um dos pilares do direito penal e pressuposto para aplicação da

pena, calcada no princípio nullum crimem sine culpa, onde a punibilidade está

direcionada apenas nos atos intencionais, considerando injusta qualquer forma de

responsabilidade objetiva ou sem culpa.

Inclusive, como mencionado durante este trabalho, a teoria da

culpabilidade tem origem constitucional e está elencada no artigo 29 do Código

Penal, justamente para que cada agente responda na medida de sua participação

no crime.

Todavia, esta teoria tem sido desprezada pelo Poder Judiciário,

notadamente nos crimes societários, uma vez que não está sendo observada a

conduta e a individualização da pena dos sócios de uma empresa.

Esta desatenção pode ter origem no acúmulo de processos ou na

falta de estrutura do Poder Judiciário, por exemplo, mas, mesmo assim, não são

motivos para a existência de uma denúncia e processo criminal contra um

cidadão inocente.

Na impossibilidade de investigação e apreciação do delito de forma

ágil e coerente, dentro dos limites da lei, o Poder Judiciário dá início à ação penal,

sem qualquer delimitação da responsabilidade penal, porém, dentro do inquérito

policial este debate poderia ser efetuado, sem maiores complicações.

Como assevera Francisco Assis de Toledo, “a experiência do direito

penal, por vezes dramática, tem revelado que juízes e tribunais, na grande

102

maioria dos casos, dentro de uma concepção tradicional, esquecem-se da própria

culpabilidade, o mais importante elemento do crime, ao confundi-la com o dolo e a

culpa. Verificando que o agente atuou com dolo, encerram o julgamento e aplicam

a pena criminal. Não pesquisam a evitabilidade do fato e, pois, a sua

censurabilidade. Com a nova construção, ver-se-ão os julgadores,

necessariamente e sempre, diante do problema da culpabilidade. De uma

culpabilidade concreta do aqui e agora. De uma culpabilidade deste homem nesta

situação, não do homo medius, abstrato, inexistente, de triste memória.”132.

Assim, verificando a existência da culpabilidade, o próximo passo é

a sua utilização para delimitação e aplicação da pena.

Porém, a quantificação da culpabilidade é arbítrio do juiz, dentro dos

padrões legais, ou como assevera ROXIN:

“É certo, evidentemente, que não é possível uma exata quantificação da culpabilidade, de tal modo que para um fato determinado lhe corresponda uma pena matemática e univocamente calculável. Mas isto tampouco é necessário. Já que a função político-criminal do princípio da culpabilidade consiste, sobretudo, como vimos, em impedir abusos da pena, de caráter geral ou especial preventivos, e estes abusos (nos quais a pena está fora de relação como respeito à culpabilidade do agente) podem ser reconhecidos perfeitamente.”133

Na verdade, ao decidir a causa, o juiz deve se ater à questão da

culpabilidade, isto é, ao decidir, num instante derradeiro, pela aplicação da pena

criminal, antes de proferir seu julgamento final, haverá o juiz que defrontar-se com

a advertência de Welzel: A censura de culpabilidade pressupõe tenha podido o

autor formar sua resolução de ação antijurídica mais corretamente, ou seja, de

acordo com a norma. E isto não em um sentido abstrato de algum homem no

lugar do autor, mas no mais concreto sentido de que este homem, nesta situação,

tenha podido formar sua resolução de vontade de acordo com a norma.134

132 Obra citada, p. 232. 133 ROXIN, Claus. A culpabilidade como critério limitativo da pena, Revista de Direito Penal, p. 12. 134 TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, p. 233.

103

É certo, ainda, que “a justiça perfeita não é deste mundo, e qualquer

pretensão de tê-la realizado por parte de um sistema penal não é só ilusória,

como também um sinal da mais perigosa das imperfeições: a vocação

totalitária.”135

De qualquer forma, esta nova concepção do direito penal, calcado

no princípio da culpabilidade pode desagradar à opinião pública, cada vez mais

adepta da utilização do aumento das penas para apaziguar os delitos, no

momento em que as penas poderão ser menores e mais proporcionais ao fato

criminoso, porém, os aplicadores do direito não podem sucumbir com este

propósito.

Neste sentido, Roberto Lyra assevera que:

“O certo é que o Direito Penal se elastece em perfeito e incessante synchronismo com os factos. É um para cada emergência, ora sob as formulas desesperadas de “salvação pública”, ora sob a fraude dos sophismas machiavelicos. Não há uma sciencia criminal, mas uma política criminal traçada na água revolta. Os Códigos vão adaptando formulas vagas e complacentes. Defesa social e temibilidade são conceitos relativos e malleaveis bem da época.”136

Tudo isto significa que poucas disciplinas jurídicas são, como o

direito penal, infiltradas pelo conteúdo das concepções dominantes, por aquele

complexo de elementos que determinam a “atmosfera cultural” do momento

histórico em que a norma vem à luz. Não se pode, na verdade, estudar e

compreender o direito penal, com mentalidade agnóstica e com critérios de pura

lógica formal, que poderão ser úteis na fixação da estrutura do sistema penal,

mas não ajudam absolutamente a penetrar no “espírito” do próprio sistema. Estes

critérios podem ter validade para o estudo de outros complexos jurídicos, nos

quais se repercutam menos o desenvolvimento cultural de um povo ou onde, pela

natureza das ações que disciplinam, possam com algumas de suas normas

afastar-se dos limites políticos nacionais de um Estado e, assim,

“internacionalizar-se”. Tais considerações valem, por exemplo, para o direito das

135 FERRAJOLI, idem, p. 370 136 LYRA, Roberto. Economia e Crime, página 96.

104

obrigações ou para o direito marítimo, onde o momento político se faz sentir em

menor intensidade.

O direito penal, ao contrário, está totalmente imerso nos valores que

exprimem um determinado ambiente cultural, de modo que não se pode deles

prescindir se quiser entender o espírito de uma legislação penal. Isto, no entanto,

não significa negar a existência dos valores universais e absolutos, ligados à

essência da natureza humana e subtraídos, desta forma, ao curso variável da

história.137

Mais uma vez, deve ser lembrada a advertência proferida por

ZAFFARONI e PIERANGELI:

“A coerção penal deve reforçar a segurança jurídica, mas, quando ultrapassa o limite de tolerância na ingerência aos bens jurídicos do infrator, causa mais um alarme social do que o próprio delito.”138

Neste sentido, o teor do presente trabalho apresentou a evolução da

culpabilidade, como também sua aplicação nos “crimes empresariais”, com a

delimitação e individualização da pena, bem como a desatenção do Poder

Judiciário ao tratar de tão complexo assunto.

137 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, p. 24 138 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José H.. Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 95

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