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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Andrea Maria Calazans Pacheco Pacífico O capital social dos refugiados: bagagem cultural versus políticas públicas DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Maria... · Carlos Henrique Falcão Tavares, ... Agradeço a Jesus Cristo, por me inspirar, ... Roberto Cardoso de Oliveira ( in memoriam

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Andrea Maria Calazans Pacheco Pacífico

O capital social dos refugiados: bagagem cultural versus políticas públicas

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Andrea Maria Calazans Pacheco Pacífico

O capital social dos refugiados: bagagem cultural versus políticas públicas

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais – Sociologia, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Doutora Lúcia Maria Machado Bógus.

SÃO PAULO

2008

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Banca Examinadora:

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Aos meus pais, Romildo e Salete Pacífico,

pelo apoio incondicional;

Aos meus irmãos, Romildo André (mano) e Flávio Henrique,

pelas eternas lembranças do convívio de outrora;

Ao Tio Carlos Henrique Falcão Tavares,

por ser um símbolo constante de paz e equilíbrio em minha vida.

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Agradecimentos

Agradeço a Jesus Cristo, por me inspirar, me guiar e me dar forças nesta caminhada;

Agradeço a minha família, na pessoa de meu rei Felipe, pela amizade e pelo apoio nas ausências em virtude desta pesquisa;

Agradeço a todos os meus mestres, nas pessoas da minha primeira professora, Tia Alda, e da minha orientadora nesta pesquisa, Professora Doutora Lúcia Maria Machado Bógus, a quem devo eterna gratidão, pelas paciência, confiança e crença em meu potencial;

Agradeços aos ex-professores do CEPPAC – UnB, Benício Schmidt, Roberto Cardoso de Oliveira (in memoriam) e Maria das Graças Rua, e aos ex-professores da PUC/SP, Luiz Eduardo Wanderley, Ana Amélia da Silva, Rogério Bastos Arantes e Edgard de Assis Carvalho, que muito me inspiraram na escritura deste trabalho;

Agradeço a todos do Centro de Estudos de Refugiados da Universidade de York, em Toronto, Canadá, nas pessoas da co-orientadora, Professora Doutora Susan McGrath, e da coordenadora, Michele Millard, que me receberam por seis meses, fazendo com que minha estada como acadêmica visitante naquela instituição terminasse coroada de êxito;

Agradeço aos funcionários da PUC/SP, especialmente a Lucimara, secretária da Assessoria de Relações Internacionais e Inter-institucionais, e ao Marcos e a Thalita, secretários da Coordenação da Pós-Graduação stricto sensu em Ciências Sociais;

Agradeço ao governo brasileiro que, por intermédio da CAPES, financiou, por seis meses, a realização da pesquisa de campo em Toronto, Canadá.

Agradeço ao apoio da Irmã Rosita Milesi, que me acompanhou desde o início, aconselhando-me e opinando a respeito da proteção aos refugiados, ao ACNUR-Brasil, ao Centro de Acolhida de Refugiados da CASP, nas pessoas da senhora Cecira Furtim (coordenadora) e dos advogados Roberto Yamato e Liliana Jubilut (ex-advogados do Centro) e aos ex-acadêmicos de Relações Internacionais, Roberto Tebet e Jefferson Estevo, pelo auxílio fornecido durante a realização das entrevistas com os refugiados em São Paulo;

Agradeço a todas as Organizações sem fins lucrativos estabelecidas em Toronto, Canadá, que abriram suas portas para esta pesquisa, especialmente a Casa Matthew, ao Centro para Pessoas que Falam Espanhol e ao Centro de Recepção FCJ;

Agradeço a todos os que fazem o CESMAC, nas pessoas dos professores Douglas Apratto Tenório, vice-diretor-geral, e Eduardo Tavares Mendes, diretor da

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FADIMA, por terem confiado em mim, apoiando-me em todos os momentos de meu crescimento profissional como acadêmica desta Instituição de Ensino Superior;

Agradeço, também, aos colegas, aos dirigentes e aos funcionários do UNICEUB e da UNIDF, em Brasília, pelo suporte fornecido e pela política de valorização do profissional que ali imperam;

Agradeço aos amigos Leif e Grace Olsson, pelo apoio na causa dos refugiados e pelo auxílio na formulação de todos os gráficos desta pesquisa, Ângela Britto, Cyntia Sampaio, Daniel Allan Borba, Flávia Nunes, Manuella Mello, Renata Mendonça, Roberto Cavalcante, Aparecida da Silva (Duda), Virgínia Dantas e ao meu irmão Flávio, pelos auxílios fornecidos;

Agradeço a eterna amizade das amigas Ana Rogato, Bianca Andrade, Ellen Alcântara e da “Tia” Regina, por terem me suportado nesta fase fatigante e exitosa, além dos amigos da Comunidade Católica Segue-me, em Maceió, nas pessoas do Samuel e Sandra, cujas orações muito me fortaleceram para alcançar o fim desejado com vitória;

Agradeço, ainda, aos meus alunos e ex-alunos dos Cursos de Direito da FADIMA, em Maceió, Alagoas, e do UNICEUB e UNIDF, em Brasília, pela amizade, pelo apoio e pela comprensão durante estes últimos anos.

Por fim, não poderia deixar de agradecer a todos os refugiados que aceitaram ser entrevistados por mim, abrindo seus corações para falar de momentos difíceis e traumáticos passados durante suas vidas. A eles, meu muito obrigada, estou ao lado de todos vocês nesta incansável luta.

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“Todo particular que persegue um homem, seu irmão, apenas por este possuir opinião contrária a sua, é um monstro.”

“Devemos nos perdoar mutuamente nossos erros; a discórida é o grande mal do gênero humano, e a tolerância é o único remédio.”

(Voltaire, Dicionário Filosófico, verbete: Tolerância, pp. 494 e 497)

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Lista de Siglas

ACNUDH – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ACNUR – Alto Comissariado das Naçoes Unidas para os Refugiados AGNU – Assembléia Geral da ONU AID – Agência para o Desenvolvimento Internacional ANUSR – Administração das Nações Unidas para o Socorro e Reconstrução CAPES – Coordenação de Aperfeiçaomento de Pessoal de Nível Superior CASP – Cáritas Arquidiocesana de São Paulo CBSA – Canadian Border Service Agency (Agência de Serviços de Fronteira Canadense) CCR – Comitê Canadense para os Refugiados CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina CEPPAC – Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais Comparadas nas Américas, da Universidade de Brasília CIC – Centro de Imigração Candense CICV – Comitê Internacional da Cruz Vermelha CIE – Carteira de Identidade de Estrangeiro CIGR – Comitê Intergovernamental para os Refugiados CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNI – Conselho Nacional de Imigração CONARE – Comitê Nacional de Refugiados CREDISOL – Crédito solidário CR/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social CSEM – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios CVC – Cruz Vermelha Canadense DLIS – Desenvolvimento Local Integrado Sustentado DOU – Diário Oficial da União DPF – Departamento da Polícia Federal DPR – Divisão de Proteção de Refugiados ETNs – Empresas Transnacionais FCJ – Fiéis Companheiras de Jesus FMI – Fundo Monetário Internacional GTCS – Grupo Temático sobre Capital Social IASFM – Associação Internacional para o Estudo da Migração Forçada IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IMDH – Instituto Migração e Direitos Humanos IPQ – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas IRB – Immigrant and Refugee Border (Tribunal de Proteção aos Imigrantes e Refugiados ) LdN – Liga das Nações LINC – Language Instruction for Newcomer to Canada (Instrução de Língua para recém-chegados ao Canadá) MRE – Ministério das Relações Exteriores MTE – Ministério do Trabalho e Emprego OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

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OCASI – Conselho de Ontário de Agências que Servem aos Imigrantes ONG – Organização Não Governamental OI – Organizações Internacionais OIM – Organização Internacional para os Migrantes OIR – Organização Internacional para os Refugiados OMC – Organização Mundial do Comércio OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas OSFL – Organização Sem Fins Lucrativos OUA – Organização da Unidade Africana PA – Palestinian Authority (Autoridade Palestina) PARinAC – Parcerias em Ação PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento QI-MCS – Questionário Integrado para Medir Capital Social RNE – Registro Nacional de Estrangeiro SDR – Síndrome de Dependência dos Refugiados SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa SEDH/PR – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SESC – Serviço Social do Comércio SESI – Serviço Social da Indústria SIAO – Somali International Aid Organisation (Organização de Auxílio Internacional Somali) SGEB – Sub-Secretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior SUS – Sistema Único de Saúde UNESCO – United Nations Education, Science and Culture Organisation (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) UNHCR - United Nations High Commissioner for Refugees (Alto Comissariado das Naçoes Unidas para os Refugiados) UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola UNRWA – United Nations Relief and Work Agency (Agência da ONU para Auxílio e Emprego) YMCA - Young Men's Christian Association (Associação de Jovens Cristãos)

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Lista de Figuras

1. Procedimento para solicitação de refúgio no Brasil........................ 77 2. Procedimento para solicitação de refúgio quando da chegada ao

Canadá............................................................................................ 105

3. Procedimento de audiências para solicitantes de refúgio no Canadá............................................................................................

107

4. Relação entre as competências dos órgão de refúgio no Canadá.... 108 5. Demonstração de capital social por James Coleman....................... 132 6. Demonstração de relações sociais abertas e fechadas por James

Coleman.......................................................................................... 134

7. Demonstração de ganhos e perdas nas transações mediadas por capital social por Alejandro Portes.................................................

137

8. As diferentes visões de Capital Social por Nan Lin........................ 147 9. Demonstração de capital social por Nan Lin................................... 153 10. Localização do ser, na rede, em busca de capital social denso –

Figura A.......................................................................................... 169

11. Localização do ser, na rede, em busca de capital social tênue – Figura B..........................................................................................

169

Lista de Gráficos

1. Total de migrantes forçados por perseguição no mundo................. 33 2. Nacionalidades dos refugiados no Brasil........................................ 70 3. Solicitações de refúgio (in) deferidas pelo CONARE..................... 71 4. Nacionalidade dos refugiados reassentados, em 2007 no Brasil..... 90 5. Nacionalidades dos Refugiados entrevistados em São Paulo.......... 198 6. Nacionalidades dos Refugiados entrevistados em Toronto............. 198

Lista de Tabelas

1. Total de migrantes forçados por perseguição no mundo................. 32 2. Total de migrantes forçados por perseguição no mundo sob a

proteção da UNRWA..................................................................... 55

3. Solicitações de refúgio (in) deferidas pelo CONARE..................... 71 4. Atendimento de solicitantes e de refugiados na CASP em 2007.... 71 5. Diferenças entre Asilo e Refúgio.................................................... 74 6. Reassentamento de refugiados no Brasil, em 2007, por

nacionalidade e por local de reassentamento................................. 88

7. Reassentamento de refugiados no Brasil, entre 2002 e 2007, por nacionalidade .................................................................................

89

8. Nacionalidade dos refugiados reassentados, em 2007 no Brasil..... 89 9. Processos Políticos Comparados por Young.................................. 287

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Resumo

PACÍFICO, Andrea Maria Calazans Pacheco O capital social dos refugiados:

bagagem cultural versus políticas públicas.

Esta tese resulta de um exaustivo trabalho de pesquisa acerca da importância da

inserção do estudo do capital social na temática dos refugiados, aglutinando o papel da

bagagem cultural trazida por estes indivíduos do país de origem com as políticas

públicas adotadas lo local de acolhimento. Em seguida, há uma investigação teórica do

capital social, constructo utilizado, também, como ferramenta de políticas públicas. Sua

importância reside nas relações que se formam entre locais e estrangeiros, mais

precisamente entre refugiados e comunidade local, devido à irreversibilidade do

fenômeno migratório, especialmente das migrações forçadas, que atualmente é parte da

Agenda Internacional. Assim, há necessidade de melhor preparar a comunidade e o

governo acolhedores para recebê-los, pois a integração entre os três poderá unir forças

que enfraquecerão problemas conjunturais já enraizados no cerne da sociedade, como a

falta de confiança na própria comunidade e nas instituições públicas, que culminam na

ausência de participação cívica, de cooperação e de apoio ao desenvolvimento da

sociedade acolhedora e dos próprios refugiados. Ab initio, trabalha-se o eixo refugiados,

definido, juridicamente, no início da guerra fria, com causas e fins políticos, e baseado

na sociedade então vigente. Assim é que urge adequá-lo ao novo sistema internacional.

A posteriori, a pesquisa avalia as políticas direcionadas para estes indivíduos, no Brasil

e no Canadá, não sem antes caracterizar estas sociedades, qualificadas a partir dos mitos

de sociedade cordial (a brasileira) e de multiculturalismo (a canadense), mostrando que,

em se tratando de refugiados, estes mitos se evaporam na teoria, não alcançando a

prática, como desejado. A originalidade desta pesquisa consiste em avaliar o capital

social dos refugiados em São Paulo e em Toronto, o papel das redes de apoio aos

mesmos, a integração deles nestas cidades, o sentir-se e ser visto como cidadão no novo

lar e, enfim, a importância da bagagem cultural que eles trazem do país de origem e a

influência das políticas públicas adotadas para eles nestas duas cidades. A comparação,

comum em estudos migratórios, e a transdisciplinaridade são as abordagens utilizadas,

pois não há ciência, singularmente, que solucione a problemática dos refugiados.

Palavras-chaves: Refugiado, capital social, bagagem cultural, políticas públicas.

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Abstract

PACÍFICO, Andrea Maria Calazans Pacheco The social capital of refugees: cultural

background versus public policy.

This thesis is a result of an exhausted research about the importance of inserting social

capital studies within the refugee issues, by joining the role of the cultural background

they bring with them from the country of origin with the public policies adopted by the

host place. Secondly, a theoretical investigation on social capital, a construct also used

as a public policy tool, was prepared. Its importance is within the relationships produced

between locals and foreigners, precisely between refugees and the local community, due

to the irreversible migratory phenomena, especially due to the forced migration, as part

of the new International Agenda. Thus, it is necessary to get ready the host community

and the government to host them, as the integration among them could join efforts to

weaken situational problems already rooted in the society, as lack of trust in the

community and in the public institutions, which lead to the lack of civic participation, of

cooperation and of support to host society and to refugees development. Ab initio, this

work deals with the refugee’s juridical definition, created by the beginning of the cold

war, under political causes and aims, and based on that society, being necessary changes

to adjust it to the new international system, which is characterized by human rights

organizations strength. A posteriori, there is an evaluation on policies targeted on these

people, in Brazil and in Canada, after characterizing these societies, qualified by the

myths of tender society (the Brazilian one) and multiculturalism (the Canadian one),

although, when dealing with refugees, these myths stay in theory, not reaching the

practice, as wished. The originality of this research is the evaluation of the social capital

produced by refugees in São Paulo and in Toronto, the role of some supporting

networks and their integration as well as whether or not the refugees feel themselves as

citizens and whether or not they are seen like that by the host society. At the end of the

day, the importance of the cultural background the refugees bring from the country of

origin and the influence of the public policy adopted within both cities were examined.

Comparison, which is common in migration studies, and transdisciplinarity were the

approaches chosen, as there is no single science which is able to solve the refugee

dilemma.

Key-words: Refugee, social capital, cultural background, public policy.

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Sumário

Dedicatória................................................................................................... IV Agradecimentos............................................................................................ V Epígrafe......................................................................................................... VII Lista de siglas .............................................................................................. VIII Listas de figuras, gráficos e tabelas........................................................... X Resumo e palavras-chaves........................................................................... XI Abstract and key-word................................................................................ XII Introdução..................................................................................................... 1 Parte I: Os refugiados................................................................................... 12

1. Aspectos histórico-jurídicos.............................................................. 16 2. Aspectos sócio-econômicos e políticos............................................. 23 3. A comunidade internacional............................................................. 37

3.1. A OIR........................................................................................ 38 3.2. O ACNUR................................................................................. 45 3.3. A UNRWA e os palestinos........................................................ 54 3.4. A África e as Américas.............................................................. 59

4. Os refugiados no Brasil..................................................................... 62 4.1. Formação e caracterização da sociedade cordial....................... 62 4.2. A proteção e os direitos.............................................................. 72 4.3. As soluções duráveis.................................................................. 85

5. Os refugiados no Canadá.................................................................. 94 5.1. A sociedade multicultural canadense......................................... 94 5.2. A proteção e os direitos............................................................. 104

6. Os sistemas Brasileiro e Canadense em comparação...................... 115 Parte II: O capital social................................................................................ 120

7. Aporte conceitual.............................................................................. 127 8. Formas teórico-práticas..................................................................... 164 9. Aporte operacional............................................................................ 173 10. Objetivos gerais e sssenciais............................................................. 179

Parte III: O capital social dos refugiados em São Paulo e em Toronto.......... 196

11. O perfil dos efugiados em comparação............................................. 206 12. O capital social dos refugiados em comparação............................... 220 13. As redes de apoio aos refugiados...................................................... 235 14. A integração dos refugiados: o ser-cidadão...................................... 256 15. A interferência da bagagem cultural na integração........................... 275 16. A interferência das políticas públicas na integração......................... 286 17. O capital social dos refugiados: bagagem cultural e políticas

públicas................................................................................................ 308

Conclusão.......................................................................................................... 318 Referências........................................................................................................ 324

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Anexos

A. Convenção de Genebra sobre Refugiados de 1951 e Decreto de Recepção no Brasil................................................................................

344

B. Protocolo Adicional à Convenção de Genebra sobre Refugiados de 1967 e Decreto de Recepção no Brasil.................................................

362

C. Lista dos Países que mais Enviam e mais Recebem Refugiados.......... 366 D. Países membros da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967......... 369 E. Declaração de Cartagena de 1984......................................................... 373 F. Relatório do CONARE......................................................................... 378 G. Lei Ordinária Federal do Brasil sobre Refugiados, n° 9474, de 22 de

Julho de 1997........................................................................................ 380

H. Acórdãos do Supremo Tribunal Federal em decisões que envolvem refugiados..............................................................................................

388

I. Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça em decisões que envolvem refugiados..............................................................................................

396

J. Matéria Jornalística sobre Refugiados Reassentados no Brasil............ 397 K. Relatório do Conselho Canadense de Refugiados................................ 399 L. Organizações sem Fins Lucrativos que lidam com refugiados em

Toronto.................................................................................................. 402

Apêndices A. Entrevista realizada com a então advogada da CASP, Dra. Liliana

Jubilut, por correio eletrônico............................................................... 409

B. Entrevista realizada com as Dras. Cezira Furtim e Liliana Jubilut, coordenadora e advogada do Centro de Acolhida para Refugiados da CASP....................................................................................................

410

C. Modelo do questionário utilizado para entrevistar os refugiados......... 413 D. Respostas compiladas das entrevistas realizadas em São Paulo e em

Toronto.................................................................................................. 416

E. Gráficos com os resultados das entrevistas realizadas aos refugiados..............................................................................................

426

F. Entrevista ao Dr. Francisco Lotufo, psiquiatra do Programa de Refugiados do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.......................................................................................................

460

G. Entrevistas realizadas com as OSFL em Toronto................................. 461 H. Entrevistas realizadas com professores no Canadá............................... 469

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Introdução

Esta tese resulta de um exaustivo trabalho de pesquisa acerca da importância da

inserção do estudo do capital social na temática dos refugiados, especialmente dos

acolhidos em São Paulo, Brasil, e em Toronto, Canadá, aglutinando o papel da bagagem

cultural trazida por eles do país de origem com as políticas públicas adotadas no local

de acolhimento.

Sua importância reside nas relações que se formam entre locais e estrangeiros,

mais precisamente entre refugiados e comunidade local, devido à irreversibilidade do

fenômeno migratório, especialmente das migrações forçadas, que atualmente faz parte

da Agenda Internacional de forma unânime. Assim, há uma imperiosa necessidade de

melhor preparar a comunidade e o governo acolhedores para recebê-los, pois a

integração entre os três poderá unir forças que enfraquecerão problemas conjunturais já

enraizados no cerne da sociedade, como a falta de confiança na própria comunidade e

nas instituições públicas, que culminam na ausência de participação cívica, de

cooperação, voluntária ou não, e de apoio ao desenvolvimento da sociedade acolhedora

e dos próprios refugiados.

Ab initio, trabalhou-se o eixo refugiados e a relevância desta temática, iniciando-

se por realizar um levantamento da evolução do termo, nas dimensões históricas,

jurídicas, sociais, econômicas e políticas, o que originou uma definição, com causas e

fins políticos, criada no início da guerra fria e baseando-se na ordem jurídico-social

vigente naquele momento. Assim é que urge modificá-lo, adequando-o ao novo sistema

internacional, em que as organizações internacionais intergovernamentais passam a se

fortalecer, especialmente quando se trata de direitos humanos (dimensão social), apesar

das crises nas áreas jurídicas e econômicas, por exemplo.

Ademais, foram analisadas as atividades e os programas da comunidade

internacional para a proteção e para a promoção dos direitos dos refugiados, desde seus

primórdios, com a criação da Organização Internacional dos Refugiados (OIR) e,

posteriormente, do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os

Refugiados (ACNUR), além dos sistemas regionais, como o americano, o africano e o

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sistema criado para a proteção dos palestinos que foram expulsos da terra natal após a

criação do Estado de Israel, em 1948.

Em seguida, ainda acerca dos refugiados, a pesquisa avaliou as políticas

direcionadas para estes indivíduos, no Brasil e no Canadá, não sem antes caracterizar

cada uma destas sociedades, qualificadas a partir dos mitos de sociedade cordial (a

brasileira) e de multiculturalismo (a canadense), mostrando que, em se tratando de

refugiados, estes mitos se evaporam na teoria, não alcançando a prática, como desejado.

O panorama da realidade dos refugiados, nestes dois países, foi traçado,

igualmente, analisando-se a ordem jurídica vigente e as políticas públicas

implementadas para solucionar, em definitivo, a situação daqueles indivíduos no país,

ou integrando-os ao local de acolhimento ou reassentando-os em um terceiro país ou,

ainda, repatriando-os (retorno ao país de origem). A primeira das alternativas é a mais

útil e viável, sendo o foco das principais políticas públicas, em níveis nacionais,

aplicadas aos refugiados. Para tanto, importa facilitar a formação de relações sociais

entre os refugiados e entre estes e a sociedade local, no sentido de facilitar-lhes a

inserção e, consequëntemente, a formação de capital social.

O segundo eixo da pesquisa foi, pelo exposto, um exame minucioso sobre o

capital social, como uma ferramenta imprescindível para as políticas públicas, quaisquer

que sejam elas e quaisquer que sejam seus alvos. Destarte, após uma avaliação histórica

do termo, unindo os mais diversos pensamentos sobre o tema, foram identificadas as

diversas formas de capital social e os mais variados modos de operacioná-lo, sem haver

a pretensão de exaustividade na temática, afinal o objeto principal da pesquisa são os

refugiados.

Após traçar os objetivos gerais e essenciais do capital social, encerrou-se a

pesquisa acerca deste constructo, assinalando-se algumas pesquisas que identificaram a

importância da relação entre capital social e migração e, outrossim, capital social e

refugiados residentes em campos. Foram encontradas raras pesquisas acerca do capital

social dos refugiados urbanos, algumas das quais no Canadá, o que não significa que

não existam outras mais.

A originalidade desta pesquisa consistiu em avaliar o capital social dos

refugiados em São Paulo (Brasil) e em Toronto (Canadá), o perfil dos 66 refugiados

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entrevistados, sendo 33 em São Paulo e 30 em Toronto, o papel das redes de apoio aos

mesmos (organizações sem fins lucrativos, governo, iniciativa privada, sociedade

acolhedora e os próprios compatriotas), a integração deles nestas cidades, o sentir-se, e

ser visto, como cidadão no novo lar e, enfim, a importância da bagagem cultural que

eles trazem consigo dos países de origem e a influência das políticas públicas adotadas

nestas duas cidades em relação aos refugiados.

Quanto aos refugiados entrevistados, estes foram divididos em três grupos, a

saber: os latino-americanos e caribenhos de língua espanhola, os africanos de língua

portuguesa e os árabes-muçulmanos, com o intuito de identificar os diversos tipos de

conflitos por que passaram e passavam e a bagagem cultural trazida do local de origem.

Quanto ao capital social, as entrevistas, divididas em 7 partes, com cerca de 30

minutos cada, buscaram avaliar o perfil do refugiados, desde sua chegada em São Paulo

ou em Toronto, a formação de grupos e redes no novo lar, além das relações de

confiança e solidariedade, de ação coletiva e cooperação, de informação e comunicação,

de coesão e inclusão social e de capacitação e ação política

In fini, com base nos resultados das entrevistas e na avaliação teórica acerca de

refugiados, de capital social, de cultura e de políticas públicas, concluiu-se que,

primeiramente, sim, os refugiados possuem direitos promovidos, protegidos, defendidos

e garantidos nas ordens jurídicas vigentes, em São Paulo e em Toronto, algumas vezes

até mais do que outros tipos de migrantes, embora tais direitos, assim como várias das

políticas públicas adotadas não alcancem, com freqüência, o universo e a realidade

destes indivíduos, ou por não se ajustarem às características culturais deles ou por não

haver implementação adequada por parte do ente público.

Em segundo, sim, os refugiados estão integrados, em maior ou menor grau, a

depender da dimensão em análise (jurídica, política, econômica, social ou cultural), nas

cidades em epígrafe, o que contribui para caracterizá-los como cidadãos, apesar da

ausência de alguns direitos políticos, como o direito de votar e ser votado e, conforme a

situação, a falta de permissão para trabalho (este, em Toronto).

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As cidades1 de São Paulo, no Brasil, e de Toronto, no Canadá, foram as

escolhidas para serem o universo de pesquisa, ou seja, nelas os refugiados foram

entrevistados e o capital social por eles produzido foi avaliado, por serem as duas

maiores cidades de países economicamente opostos, o primeiro de Terceiro Mundo e o

segundo Industrializado, embora localizadas no mesmo continente, além de serem as

cidades, em cada um dos países, a receberem a grande maioria dos refugiados ali

presentes.

Portanto, o objeto/problema levantado na pesquisa culminou em dados

conclusivos, a saber:

1. há, sim, integração dos refugiados, em maior ou menor grau, nas mais

diversas dimensões;

2. esta integração, sim, resulta na produção e na acumulação de capital social,

embora apenas de algumas de suas formas;

3. o capital social produzido e acumulado resulta de políticas públicas adotadas

no local de acolhimento, desde que tais políticas sejam criadas e

implementadas levando em consideração a bagagem cultural que os

refugiados trazem consigo do local de origem e as dificuldades de adaptação

do mesmo, devido às péssimas condições físicas e psíquicas que

caracterizam o refugiado como ser humano e como cidadão, lato sensu, nos

momentos antes, durante e após a fuga.

Espera-se, com esta pesquisa, que os governos, a sociedade civil, organizada ou

não, e a iniciativa privada passem a ver os refugiados “com outros olhos”, utilizando-se

dos mesmos, positivamente, para melhoria da qualidade de vida e do bem-estar de cada

um, com fundamento de que estes últimos são também seres humanos, com as mesmas

possibilidades de crescimento, desenvolvimento e aperfeiçoamento constantes em

1 Cidade, para Weber (1999, 408-25), pode ser definida por várias formas. Sociologicamente, seria “um

povoado, isto é, um assentamento com casas contíguas, as quais representam um conjunto tão extenso que falta o conhecimento pessoal mútuo dos habitantes, específico da associação de vizinhos.” Economicamente, seria “um povoado cujos habitantes, em sua grande maioria, não vivem do produto da agricultura, mas sim da indústria ou do comércio.” No sentido político-admnistrativo seria “uma localidade que não teria direito a esta denominação do ponto de vista econômico.” Politicamente, cidade era “um estamento especial de cidadãos, como portador destes privilégios (uma fortificação, um mercado, um tribunal próprio, um direito próprio, nem que fosse parcial, caráter de associação e uma administração realizada por autoridades, em cuja nomeação participassem de alguma forma os cidadãos como tais).”

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quaisquer das comunidades em que se encontrem inseridos, bastando, para isso, que

lhes sejam dadas condições necessárias para o alcance da meta basilar de quaisquer

indivíduos, qual seja, sentir-se e ser tratado como cidadão no seu lar, além de ser visto

como parte do todo, da totalidade, do mesmo planeta, da mesma humanidade. É este o

objetivo da abordagem transdisciplinar, utilizada na presente pesquisa, pois, ser um

refugiado é temática complexa, inserida neste mundo super-capitalista complexo, com

problemas complexos e demandando soluções complexas, cujo marco inicial pode ser a

Academia, conforme as metas estabelecidas pela UNESCO (apud Nicolescu, 1997).

A utilização da transdisciplinaridade no estudo dos refugiados se justifica em

razão das constantes mudanças por que passa o mundo, assim como os refugiados.

Ademais, se os problemas permanecem, as soluções precisam ser mais flexíveis e mais

focadas. O dilema dos refugiados já é endêmico e crítico na história humana, exigindo

novas metodologias e novos métodos de análise.

A proposta desta tese, ao usar esta abordagem, integrando disciplinas e ciências,

é alcançar uma paz mais durável no mundo, ao invés de soluções pontuais, paliativas e

de curto prazo. Afinal, ninguém deseja deixar sua terra natal e ser permanentemente

assentado em outro local, a menos que não haja chance de vida pacífica e segura no

local de origem.

A transdisciplinaridade, palavra usada, pela primeira vez, por Piaget, em 1970,

adotada pela Declaração de Veneza, de 1986, aprovada na Carta da

Transdiciplinaridade, em 1994, com apenas 15 artigos, na Declaração de Zurique, em

2000, e na Mensagem de Vila Velha, em 2005, recusa sistemas fechados de pensamento

e reconhece a necessidade de novos métodos educacionais a partir de um intercâmbio

dinâmico entre as ciências exatas, humanas, filosóficas e artísticas, além da tradição e

das experiências, com o intuito de contribuir para eliminar tensões que ameaçam a vida

no planeta, levando em consideração todas as dimensões do ser humano, a saber: corpo,

espírito e psique, conforme afirma Nicolescu (1997 e 2005).

Apenas mudanças complexas nos modelos atuais de governança global poderão

colocar um fim na problemática crônica dos refugiados. O início destas mudanças pode

emergir da Academia, cujas pesquisas e relatórios, mesmo que com dificuldades, são

ouvidas pelos governos, quando não são, o que muitas vezes ocorre, patrocinados pelos

mesmos. Muitas universidades possuem centros de excelência em pesquisa sobre a

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temática dos refugiados, como o Centro de Estudos de Refugiados (CRS) da

Universidade de York, em Toronto, Canadá, que visa, interdisciplinarmente, disseminar

pesquisas úteis, ao analisar resultados sob diferentes visões e perspectivas, capacitando,

assim, os governos, a criar e implementar novas políticas e normas.

Os professores2 do CRS são de diferentes áreas, como: Antropologia, Artes,

Ciência Política, Economia, Engenharia, Geografia, História, Meio Ambiente,

Psicologia, Psiquiatria etc. Entretanto, as pesquisas são compartilhadas e cada um

coloca sua área de conhecimento em prol dos refugiados, de forma interdisciplinar, ou

seja, todos os campos se relacionam, de alguma forma, com a temática, necessitando-se

do conhecimento de cada um no resultado final da pesquisa.

No Brasil, não existem cursos permanentes sobre refugiados, assim como esta

disciplina não é ofertada, de forma obrigatória, nos cursos de graduação em

universidades brasileiras, além da falta (ou não permissão de publicação) de dados

oficiais. Poucos professores em cursos de Direito ou de Relações Internacionais inserem

seu conteúdo nas disciplinas de Direito Internacional e/ou Direitos Humanos. Ademais,

apesar do Plano Nacional de Educação já ter se manifestado a favor da

interdisciplinaridade nas escolas, as universidades ainda se fecham a esta prática.

Importa mencionar que estudos comparativos são comuns em pesquisa sobre

migração, tanto é que foi realizado, também, para os fins desta tese. Mas, Crutchfield

(1978, 93) aponta que “os estudos comparativos das experiências com diversos grupos

étnicos são descritivos e analíticos, não normativos.” E, os refugiados, nos campos ou

urbanos, estão em meio a diferentes pessoas, talvez até com as mesmas características e

necessidades, mas afetados, diversamente, por certas situações sociais, podendo, então,

responder diferentemente àquelas necessidades e se comportarem diferentemente nas

formas de alcançar suas metas. O uso da interdisciplinaridade e, no futuro, da

transdisciplinaridade, pode auxiliar a solucionar a problemática dos refugiados.

Já que a palavra disciplina se refere a um aspecto particular do aprendizado, sua

perspectiva é mono, singular, podendo produzir interpretações e avaliações distorcidas,

como afirma Crutchfield (1978, 93). A intenção da interdisplinaridade e da

2 Vide entrevistas com alguns professores do CRS, na íntegra, no apêndice H, confirmando as diferentes

áreas de especialização e as diferentes formações, mas todos envolvidos com a temática dos refugiados.

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transdisciplinaridade é evitar distorções da realidade, erros, ilusões e paradigmas cegos,

que pode ocorrer ao se visualisar apenas um aspecto da temática em estudo. Quanto aos

refugiados, nenhuma disciplina, singularmente, possui condições de, adequadamente,

explicar todos os componentes do estudo. Por mais profundo que seja, o conhecimento

em uma única disciplina não é suficiente para que formuladores de políticas e

acadêmicos tomem decisões adequadas sobre as questões complexas surgidas do seio

das realidades dos refugiados.

Claro que a disciplinaridade precisa ser a base, afinal todas as pesquisas resultam

de disciplinas individualizadas. Mas, a interdisciplinaridade, segundo Kockelmans

(1979, 9), “é uma tentativa de reorganizar e integrar o conhecimento ao longo de linhas

que não estejam definidas pelas disciplinas presentes.” O dilema dos refugiados

continua em constante mudança, aumentando a cada dia e requerendo novas teorias e

paradigmas, pois, “diferentes circunstâncias exigem diferentes atitudes.”

Cabe, aqui, buscar em Menezes & Santos (2002) a diferença entre

multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade. A primeira se refere à união de várias

disciplinas tradicionalmente distintas de forma a mantê-las separadas, mesmo que

associadas, como na relação entre Engenharia e Direito, ao se estudar as condições de

habitação onde os refugiados residem e os seus direitos de habitação. Ou seja, cada

disciplina contribui com informações que pertencem ao seu próprio campo de

conhecimento, sem considerar a integração entre elas. Por sua vez, a

pluridisciplinaridade é vista como a justaposição de disciplinas geralmente situadas no

mesmo nível hierárquico e agregadas de forma que as relações existentes entre elas

sejam claras, como a Sociologia e a Ciência Política, Ciências Sociais que estudam os

refugiados, embora cada qual dentro de seu próprio campo de estudo.

Para o estudo dos refugiados, pesquisa disciplinar seria, por exemplo, estudar

apenas o direito dos refugiados (i.e., quem é protegido, excluído, perda da condição

etc.), sem levar em conta as questões sociais e psicológicas e as necessidades da

sociedade conectadas ao processo de formação da ordem jurídica. A pesquisa

multidisciplinar seria o estudo dos refugiados, por exemplo, se utilizando do Direito, da

Sociologia e da Economia (i.e., se há norma suficiente para proteger os refugiados de

forma que eles possam se considerar como cidadãos, com acesso ao mercado de

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trabalho, sentindo-se úteis e contribuindo economicamente para a sociedade e como a

sociedade acolhedora vê os refugiados no sentido de “força de trabalho”).

Com os complexos problemas do mundo atual, a falta de integração entre as

disciplinas não produzem efeitos positivos na transferência de conhecimento, o que fez

surgir a interdisciplinaridade, definida por Scott (1979) como “a união de várias

disciplinas tradicionalmente distintas de forma a criar um único produto: um curso, um

artigo ou mesmo um currículo”, representando uma tentativa de reorganizar e integrar

conhecimento, além das linhas já traçadas pelas disciplinas presentes, sem pressupor

apenas fusão de conhecimento, mas também profundo conhecimento de cada

participante a fim de alcançar a construção do todo.

Nas pesquisas com os refugiados, seria, por exemplo, ao se estudar uma pintura

feita por um refugiado, relacionar Artes (explicando as técnicas utilizadas), Psicologia

(interpretando os desenhos para descobrir os distúrbios), Geografia (buscando entender

o ambiente e a paisagem pintados), Medicina (estudando a saúde mental a partir da

Psiquiatria e da Psicologia), História (relacionando o período histórico de quando a

pintura foi feita) etc.

O aprendizado seria mais estruturado e rico, caso os conceitos fossem mais

organizados ao longo de unidades globais do conhecimento, com estruturas conceituais

e metodológicas compartilhadas por várias disciplinas. O futuro da interdisciplinaridade

poderá ser a transdisciplinaridade, no que se refere à cooperação entre as disciplinas, de

forma a impedir a separação entre elas. Seria o nascimento de uma “macrodisciplina”,

nas palavras de Girardelli (s.d.), sem hierarquia entre elas e resultante da

disciplinaridade, ou seja, seria, para Menezes e Santos (2002) um “princípio teórico em

busca de comunicação entre as disciplinas, tratando, efetivamente, um tema comum

(transversal), ou seja, na transdisciplinaridade não há fronteiras entre as disciplinas.”

Voutira & Dona (2007, 165)3 apontam que “o estudo dos refugiados é

multidisciplinar na sua abordagem”, pois “contém e representa diferentes disciplinas

que emprestam e redefinem suas ferramentas teóricas para o estudo dos refugiados,

embora pesquisadores individuais em suas próprias áreas desenvolvam uma linguagem

específica para conversar, criativamente, entre si e com outros atores.” De acordo com

3 Grifo no original.

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estas autoras, a partir da evolução e da consolidação deste campo de estudo, ambas

“interdisciplinaridade e multidisciplinaridade passaram a funcionar como uma estrutura

metodológica que uniu acadêmicos de diferentes disciplinas sob o mesmo teto, ao

introduzir a complexidade dos assuntos envolvendo ‘refugiados’.” Entretanto, a

Academia precisa ir mais longe, pois estes tipos de pesquisa e abordagens não têm sido

suficientes para solucionar o dilema dos refugiados.

Historiadores, psicólogos, geógrafos, sociólogos, advogados, economistas,

engenheiros, médicos, psiquiatras, cientistas políticos, internacionalistas, ambientalistas,

antropologistas, artistas e muitos outros estão engajados na problemática do refúgio,

através da inter e da multidisciplinaridade. Mas, a crise continua, os refugiados

permanecem em todos os locais, vidas se perdem, o sofrimento aumenta, políticas de

fronteira restritivas aumentam em vários países, muros são reconstruídos entre países e

acadêmicos e pesquisadores ainda não compreenderam a intenção da UNESCO (apud

Nicolescu 1997 e 2005) em defender a transdisciplinaridade, como um novo caminho

para melhorar a vida e o bem-estar de cada um dos refugiados.

Voutira & Dona (2007, 168) apontam as dificuldades existentes nas pesquisas

com refugiados, como “preocupações aumentadas com a segurança, mobilidade e

temporalidade”. Certamente, falta de acesso aos dados, há os refugiados “no limbo” e as

burocracias estatais criam dificuldades para os pesquisadores detectarem dados e

encontrarem soluções, mantendo o problema e seu sujeito, de certa forma, invisível,

precisando, então, ser repensado, reconceitualizado e reorganizado em novas

configurações e alianças entre disciplinas, especialmente no tocante à nova abordagem

transdisciplinar.

Morin (2001, 34) assinala que “a hiper-especialização nos impede de ver o

global (fragmentado por ela) e o essencial (dissolvido por ela). E impede-nos de tratar,

corretamente, problemas específicos que não surgem nem são considerados totalmente

“fora de contexto”,” como é o caso dos refugiados. Para ele, a hiper-especialização não

permite a integração na problemática global ou uma concepção completa do objeto do

qual ele considera apenas um aspecto ou uma parte.”

Consequentemente, a transdiciplinaridade, ou, no mínimo, a

interdisciplinaridade nos estudos e nas pesquisas sobre refugiados auxiliaria este mundo

inter-conectado super-capitalista em lidar com a problemática dos refugiados. Tanto é

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assim que a Declaração de Locarno (apud Nicolescu 1997 e 2005) aponta que o

conhecimento transdisciplinar

implica uma abertura multidimensional necessária da universidade em direção à sociedade civil, a outros locais de produção do novo conhecimento (instituições privadas e laboratórios, sociedades industriais, ONGs etc), ao ciber-espaço-tempo, ao objetivo da universalidade e à redefinição de valores capazes de governar sua própria existência,

pois “a emergência de uma nova cultura capaz de contribuir para a eliminação de

tensões que ameaçam a vida do nosso planeta será impossível sem um novo tipo de

educação que leve em consideração todas as dimensões do ser humano,” uma estrutura

conceitual dentro da qual a problemática dos refugiados cabe perfeitamente.4

Em suma, esta tese se caracteriza como transdisciplinar, pois foram analisadas e

discutidas diversas ciências, de forma transversal e em conjunto, para buscar soluções

para o dilema da integração dos refugiados (que precisam ser considerados,

simultaneamente, pelas mais variadas ciências) nos locais de acolhimento, a saber: a

evolução histórica da problemática e a análise da história do país (História); as normas

relativas aos refugiados (Direito); a caracterização do mundo atual e o papel das

organizações internacionais (Relações Internacionais); os problemas e os distúrbios

psicológicos dos refugiados, além da necessidade de tratamentos adequados (Medicina

– Psiquiatria e Psicologia); as políticas públicas adotadas (Ciência Política); a bagagem

cultural dos refugiados e as dificuldades de integração (Antropologia); a questão do

fenômeno migratório e o papel da sociedade acolhedora dos refugiados e a relação entre

ambos (Sociologia); o capital social (ferramenta utilizada por diversas ciências), a

inserção do refugiado no mercado de trabalho e sua contribuição com a economia local

(Economia); análise dos dados (Matemática e Estatística); a integração dos refugiados

no novo ambiente e os processo de ajuste a ele relacionados (Geografia); os programas

e/ou atividades para redução de estresse, depressão e melhoria de auto-estima (Artes);

aprendizado da língua como forma de inserção no e de identificação com o novo lar,

entendendo comportamentos pelo uso da língua (Lingüística); o papel da religião, pois

muitos dos grupos aos quais os refugiados entrevistados pertenciam são religiosos,

funcionando como facilitador de suas inserções no novo lar (Estudos Religiosos); etc.

4 Grifo no original.

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Este exemplo é de alto valor, podendo ser utilizado como ferramenta para

defender a pesquisa transdisciplinar no dilema dos refugiados. A crise continua e os

refugiados não mais precisam ser “entendidos”. Isto já vem sendo feito de forma eficaz

por acadêmicos e pesquisadores em todo o mundo. O que eles precisam é de soluções,

de mudanças nas atitudes, de ação, de novos modelos de comportamento em relação a

eles, de serem vistos como um todo, integrados, interpretados e contemplados sob “um

sistema que, com sucesso, simultaneamente, satisfaça suas necessidades físicas, mentais

e psíquicas, enquanto, ao mesmo tempo, tenha a capacidade de reduzir os custos de ter

que tratar todas as diferentes doenças e distúrbios” (Nicolescu, 2005). Este sistema já

existe, é a transdisciplinaridade.

Há uma urgência em unir temas sobre os refugiados, como acesso ao mercado de

trabalho, habitação, cuidados com saúde, educação, direitos, relações sociais, políticas

públicas, necessidades humanas etc. em um único ser humano, que existe como uma

criatura complexa dentro de uma sociedade complexa. Apenas após aceitar o estudo dos

refugiados desta forma, algumas soluções poderão ser identificadas pela Academia, de

forma a apoiar a sociedade civil, o governo e as ONGs, em suas atividades, fornecendo

melhores políticas e serviços públicos, que resultem no desenvolvimento econômico,

social, cultural e político, tanto do refugiado quanto do local de acolhimento.

Por fim, para finalizar este “andar em círculos”, o maior desafio para os

refugiados, em nível global, é o encontro de uma solução permanente, não apenas no

local de acolhimento, mas, também, auxiliando-os a findar os conflitos e, assim, evitar

que estes sejam obrigados a fugir de seus lares.

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Parte I

Os refugiados

“[…] Vinde, [...] porque [...] era peregrino e me acolhestes [...].” (Mateus, 25, 34-35).

Todos devem ter o direito e a liberdade de migrar, mas de forma voluntária e não

forçosamente. Entretanto, o ser humano tem sido obrigado a fugir, a sair de sua casa, em

busca de proteção, como conseqüência de todos os tipos de perseguição, conflitos

armados e violência (Milesi & Leão, 2001, 69).

Scalabrini (in Piacenza, 1988 apud Milesi, 2006, 1) afirmava “liberdade de

migrar, sim, mas não de fazer migrar”. As pessoas lutam por liberdade, por justiça, por

dignidade e por direitos, mas de forma muito mais teórica do que prática. Na teoria, é

muito bonito fazer discursos inflamados, escrever poemas e também pesquisas

acadêmicas. Alcançando a prática, ínfima é a quantidade de pessoas que

verdadeiramente lutam pelos seres humanos que perderam absolutamente tudo,

inclusive a identidade, o passado e, provavelmente, o futuro, e que foram forçadas a sair

do lugar de origem para proteger o único bem que restou, qual seja, a vida. É sobre tais

pessoas, os refugiados, que esta tese visa.

Para Chimni (2000, 1), a definição de refugiado no Direito Internacional é de

importância crítica, pois pode significar a diferença entre a vida e a morte para um

indivíduo que busca asilo. Esta definição é resultado de momentos históricos e políticos.

Inclusive, as realidades fazem a diferença quando países como Brasil e Canadá buscam

definir juridicamente o refúgio, seguindo a definição outrora determinada pela

comunidade internacional5, via Liga das Nações (LdN), a priori, ou via Organização

das Nações Unidas (ONU), a posteriori, mas adaptando-as às suas condições políticas,

sociais, econômicas e culturais.

5 Para fins desta tese, comunidade internacional é o termo utilizado para identificar a ONU e, no passado, a LdN.

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Esta parte inicial da tese visa a identificar a criação e a utilização do instituto do

refúgio pela comunidade internacional, bem como pelo Brasil e pelo Canadá, países que

foram objeto de estudo desta.

A definição legal de refugiados, conforme o artigo 1°, § 1° da Convenção de

Genebra de 1951, alterada pelo Protocolo adicional de 1967, reza sê-lo qualquer pessoa

que possua temor bem fundado6 de perseguição7 por motivos de raça8, religião9,

nacionalidade10, grupo social11 ou opiniões políticas12 e se encontra fora do país de sua

nacionalidade e, no caso do apátrida, fora do país onde possuía residência habitual, e

que não pode ou, em virtude desse temor, não quer se valer da proteção desse país.

Embora a perseguição por motivo de gênero esteja juridicamente excluída da concessão

de refúgio, na prática ela tem sido concedida, já que a grande maioria do contingente de

refugiados são mulheres e crianças, muitas delas vítimas de violência sexual.

6 Enquanto o Manual do ACNUR (Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados) sobre os procedimentos e critérios para determinar a concessão de refugiados (1979, §§ 37, 38, 40 e 42) recomenda o uso dos critérios objetivo e subjetivo na determinação do “temor bem fundado” , Hathaway (apud Chimni, 2000, 3) defende o uso do critério objetivo, rezando que a determinação da concessão de refúgio pouco pode fazer sobre o estado mental do indivíduo em questão. [...] Qualquer determinação [da condição jurídica de refugiado] é, acima de tudo, uma interpretação e, onde haja agências governamentais inseridas na temática, profundamente influencidas por políticas estatais. Ver Convenção de 1951 e Protocolo Adicional de 1967, na íntegra, nos Anexos A e B. 7 Embora a Convenção de 1951 não defina o termo perseguição, Hathaway (1991, 105) a define como a sustentada ou sistêmica violação dos direitos humanos básicos, demonstrando a perda da proteção estatal. 8 O parágrafo 68 do Manual do ACNUR a define no sentido mais amplo para incluir todos os grupos étnicos que sejam considerados como raças, além de grupos sociais específicos de descendência comum que formam minorias dentro de uma população maior. 9 O parágrafo 72 do mesmo Manual declara que perseguição por motivos religiosos pode assumir várias formas, e.g. proibição de ser membro de uma comunidade religiosa, de realizar trabalho religioso na esfera privada ou pública, de instrução religiosa ou sérias medidas de discriminação impostas nas pessoas por causa delas praticarem suas religões ou pertencerem a uma comunidade religosa em particular. 10 O parágrafo 74 do mesmo instrumento normativo declara que o termo nacionalidade nesse contexto não deve ser entendido apenas como cidadania. Ele também se refere a ser membro de um grupo étnico ou linguístico e pode, ocasionalmente, ser confundido com o termo raça. Perseguição por motivos de nacionalidade pode consistir de atitudes diversas e medidas dirigidas contra uma minoria nacional (étnica ou linguística) e, em certas circunstâncias, no fato de pertencer a certa minoria poder ser o bastante para levantar o temor bem fundado de perseguição. 11 O parágrafo 77 afirma que grupo social em particular se resume em pessoas de passado, hábitos ou status social similares. Uma solicitação por medo de perseguição, nesse caso, pode freqüentemente se confundir com o medo por questões de raça, religião ou nacionalidade. 12 O parágrafo 80 afirma que, nesse caso, o solicitante de refúgio deve ter opiniões não-toleradas pelas autoridades, sendo contrário às políticas e aos métodos deste último. Inclusive, tais opiniões devem ter chegado ‘aos ouvidos’ das autoridades ou ser atribuídas ao solicitante de refúgio pelas autoridades estatais.

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O mesmo instrumento jurídico exclui, em seu artigo 1°, § 6°, da concessão de

refúgio os que cometeram crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a

humanidade, crimes graves de direito comum fora do país de refúgio antes de serem

nele admitidos como refugiados e os culpados de atos contrários aos fins e aos

princípios da ONU. Ainda, o § 4° exclui da proteção aqueles já protegidos ou assistidos

por outro órgão da ONU que não seja o ACNUR.

Ademais, o § 3° do mesmo artigo declara cessar a condição de refúgio quando o

refugiado volta a se valer da proteção do país de nacionalidade; se havendo perdido a

nacionalidade, recupera-a voluntariamente; se adquiriu nova nacionalidade, gozando de

proteção integral no novo país de nacionalidade; se houve repatriação voluntária ao país

outrora abandonado por temor de peserguição; e, por fim, ao cessarem as condições que

ensejaram o refúgio.

Em princípio, vale salientar que a discussão atual, inclusive tendo sido o ponto

focal da Conferência da Asssociação Internacional para o Estudo da Migração Forçada

(IASFM), em janeiro de 2008, no Cairo, tem sido a relação entre refugiado e migrante

forçado.

Para Chimni (2008, mimeo), proveniente da nova escola acadêmica que busca

aproximar o Terceiro Mundo do Direito Internacional, tais diferenças são resultantes da

falta de relações profundas entre as instituições, especialmente entre o Norte e o Sul, o

que o leva a se posicionar contra a inclusão do estudo dos refugiados dentro do estudo

da migração forçada, já que aquele possui uma identidade distinta deste. Conforme

declara este acadêmico indiano, o estudo das migrações forçadas é proveniente da

história do colonialismo, necessitando-se modificar a agenda para o novo

humanitarianismo que seja parte da política e da realidade global atual, qual seja a de

restringir e de fechar fronteiras aos não-nacionais, como advogam, por exemplo, os

novos governos nacionalistas europeus.

Por outro lado, justifica Chimni, o estudo dos refugiados é caracterizado por três

fases de expansão, especialmente ao levarmos em consideração o movimento Sul-Norte,

quais sejam: entre 1940 e 1945, quando foram endereçados os problemas de guerra e

cujo foco era de absorção dos refugiados; entre 1945 e 1982, quando surgiram dúvidas

do que fazer com as pessoas que deixavam os campos de refugiados (os deslocados); e,

finalmente, entre 1982 e 2000, quando as políticas e as práticas dos refugiados

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chegaram aos meios acadêmicos, caracterizado pela criação dos Centros de Estudos de

Refugiados nas universidades de Oxford (Inglaterra) e de York (Canadá). Nessa última

fase, os focos passaram a ser tráfico e contrabando de pessoas, além de situações de

pós-conflitos.

Destarte, mudanças de comportamento na comunidade internacional passaram a

ser necessárias, inclusive devido à diminuição oficial dos números de refugiados, por

causa das restrições nas políticas nacionalistas, como acima dito, contrariando a

realidade. Ademais, após 2001, continua Chimni, em suas palavras, na conferência de

abertura da IASFM (2008) - , inicia-se a discussão em recolocar o estudo dos refugiados

inseridos no da migração forçada, até pelo nexo existente entre refúgio e asilo e pela

grande quantidade de deslocados internos existentes já neste século XXI. Para ele, o

estudo dos refugiados deve modificar seu foco de dar auxílio material e levar mais em

consideração a situação das crianças, do auxílio psicossocial, da integração na sociedade

receptora e da repatriação involuntária, que têm sido deixados à mercê do conhecimento

produzido pelos detentores do poder (políticas estatais), quando, pelo contrário,

deveriam utilizar-se os conhecimentos produzidos por ONG, pela Academia, por

Centros de Pesquisa e, também, em conjunto, pelos governos.

E acrescenta que é o uso do poder político-estatal, caracterizado pelo domínio

global, que posiciona o estudo dos refugiados em apenas mais uma categoria dentro do

estudo da Migração Forçada. Portanto, o primeiro está em crise de representação,

embora não haja sérios conflitos entre ambos, mas precisa encontrar seu próprio papel

dentro do segundo, com medidas restritivas, idéias políticas e políticas metodológicas.

Apesar de refugiado ser uma definição legal controlada por organizações

internacionais (OI), esta definição ainda consegue proteger refugiados. Todavia, por

exemplo, vários Estados asiáticos e do Oriente Médio não são membros da Convenção

Internacional dos Refugiados de 1951 (Convenção de 1951), embora concedam mais

proteção e direitos do que outros Estados não membros da Convenção, como a Jordânia.

Por fim, a prática e a teoria majoritárias sobre os estudos dos migrantes forçados

e dos refugiados classificam os migrantes entre voluntários (migração por motivo de

estudos, trabalho, casamento, contrabando etc.) e forçados ou involuntários (traficados,

solicitantes de asilo, migrantes por projetos de desenvolvimento ou desastres ambientais

e, por fim, os refugiados), conforme Castles (2003, 12-5).

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Capítulo I

Aspectos histórico-jurídicos

O refugeísmo não é algo novo, pelo menos no sentido literal da palavra, ou seja,

de alguém que forçadamente deixa sua terra natal em busca de melhores condições de

vida ou por qualquer outra razão pela qual o indivíduo não seja responsável, seja ela

perseguição, desordem pública, guerra civil, fome, desastres naturais ou degradação

ambiental.

A Bíblia relembra a história da Sagrada Família (José, Maria e o Menino Jesus),

que se viu obrigada a deixar sua terra e se refugiar no Egito para escapar de Herodes

(Mateus, 2, 13 e 14).

No sentido jurídico do termo, ou seja, como instituto jurídico de Direito

Internacional, o refúgio surgiu no seio da Liga das Nações (LdN), em 1921, como um

problema genuíno pouco antes, durante e logo após a Primeira Guerra Mundial, quando

os exércitos inimigos avançavam, enviando uma quantidade grande de pessoas para

além de suas fronteiras nacionais, notadamente européias (Hakovita, 1991, 21).

Andrade (1996, 20-1) assinala os refugiados que fugiram do Império Russo e

Otomano, dirigindo-se à Europa Central e à do Oeste e à Ásia, no período

imediatamente anterior a Guerra de 1914-1918. Com o fim da Guerra, as dificuldades

políticas, econômicas e sociais agravaram a situação dos refugiados. Ademais, como

resultado da implementação do Princípio da Soberania, os refugiados eram vistos como

estrangeiros capazes de afetar negativamente a vida local. Embora não houvesse um

mandato jurídico sob a LdN para a proteção dos direitos dos refugiados, a Liga nunca

negou responsabilidade para protegê-los de forma permanente.

Assim é que se inicia o primeiro período de proteção jurídica aos refugiados,

que compreende os anos de 1921 a 1938. Nesse ínterim, a proteção era concedida a

grupos inteiros de refugiados, para dar-lhes proteção jurídica (muitos eram, inclusive,

apátridas, como os russos). Além de desnacionalizados e sem proteção jurídica, muitos,

como os russos, não possuíam qualquer proteção material, (Andrade, 1996, 26).

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Andrade (1996) ainda aponta que a ajuda aos refugiados russos, nos anos 1920 e

1921, era feita pela Cruz Vermelha, auxiliada por outras ONGs. Mas ficava difícil de

continuar o trabalho em virtude da falta de apoio institucional, logístico e financeiro da

Comunidade Internacional, qual seja, da LdN. Ipso facto, a Liga nomeia o norueguês

Dr. Nansen como Alto Comissário para os Refugiados Russos em 01-11-1921, com os

poderes de definir a situação jurídica dos refugiados, organizar sua repatriação ou

reassentamento para os vários países que anuíssem recebê-los, providenciar trabalho e

realizar atividades de socorro e assistência, auxiliado por sociedades filantrópicas.

O prestígio, a versatilidade e a autoridade do Dr. Nansen, estadista e cientista,

foram o bastante para a criação e aceitação do Passaporte Nansen, como ficou

conhecida a primeira “cédula identitária” dos refugiados russos. Mas não somente os

Russos foram protegidos pelo mandato do Dr. Nansen, também os armênios, os turcos,

os assírios, os assírios-caldeus e assimilados estiveram sob o mandato do Alto

Comissariado para Refugiados da Liga das Nações, como afirma Andrade (1996, 62).

A Crise econômica de 1929 e o Governo Nazista adotado a partir de 1933

causam o aparecimento de mais refugiados, não apenas como problema de caridade,

mas principalmente como resultado de questões políticas, econômicas, sociais e

culturais. Loescher (1993, 12) assinala que a proteção e a assistência aos refugiados no

mundo ainda dependem da generosidade, mas o problema dos refugiados é

essencialmente político.

O Escritório Nansen para os Refugiados, criado sob os auspícios da LdN, deu

continuidade aos trabalhos do Dr. Nansen, que acreditava que em dez anos o problema

dos refugiados estaria resolvido, bastando, para isso, que fosse criado um organismo

com estatuto definitivo e que fosse adotado um planejamento adequado para tal

(Andrade, 1996, 72). Entretanto, não se contou com as surpresas da sociedade

internacional: a depressão econômica, o declínio da influência moral da LdN, a forte

pressão da URSS e o fluxo de refugiados provenientes da Alemanha, que impediram o

Escritório de fazer seu trabalho a contento.

Por todas as dificuldades que o problema dos refugiados continuava a causar à

comunidade internacional, a LdN resolveu criar a Convenção Relativa ao Estatuto

Internacional dos Refugiados, assinada por oito Estados em 1933, que tratou, entre

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outras situações, da situação jurídica dos refugiados, de suas condições de trabalho, do

bem-estar e da assistência, da educação e do regime fiscal (apud Andrade, 1996, 75).

De suma importância foram as cláusulas que protegeram todo tipo de refugiado,

que incorporaram as definições anteriores, que permitiram as modificações ou

ampliações (trazendo críticas, devido ao componente político que sempre acompanha o

assunto refugiados) e que defenderam o princípio do non refoulement (proibindo o

Estado acolhedor de devolver o refugiado ao Estado de perseguição). Ademais, quando

as perseguições, além de políticas, passaram a ser raciais, foi criado o Alto

Comissariado para Refugiados Provenientes da Alemanha e sua Convenção em 1938,

comprometida por apenas três Estados.

O segundo período se resume aos anos de 1938 a 1952, quando se abandona a

qualificação coletiva de refugiado, fornecida no período anterior e se passa para a

perspectiva individualista. Nesse momento histórico, para ser reconhecido como

refugiado, não importava a origem ou a participação em certo grupo político, étnico,

racial ou religioso, mas sim, as convicções pessoais do refugiado, influenciando

sobremaneira a última fase, ou seja, o período contemporâneo da proteção dos

refugiados, conforme afirma Andrade (1996, 26-7).

Em 1938, a LdN extingue os órgãos já existentes de proteção aos refugiados,

criando e regulamentando, o Alto Comissariado da Liga das Nações para os Refugiados,

para, entre outros direitos, prover proteção política e jurídica aos refugiados, monitorar

a entrada em vigor e a aplicação do estatuto jurídico dos refugiados (das convenções de

1933 e de 1938), facilitar a coordenação da assistência humanitária e auxiliar os

governos e as ONGs a promover a emigração e o assentamento permanente.

Após várias conferências, resoluções, discussões e órgãos constituídos, surge a

Organização Internacional para os Refugiados (OIR), substituindo todos os organismos

anteriormente criados e resultante de intenções mais políticas do que humanitárias

(Andrade, 1996, 151), especialmente no concernente à definição de refugiados, já que a

definição atual é proveniente desta época.

A OIR não chegou a amadurecer e foram logo arrancadas as suas raízes. Por

exemplo, Andrade (1996, 173) informa que

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as competências da OIR foram transferidas para os Estados onde havia refugiados em seus territórios e para outras organizações. Os países, onde os refugiados se encontravam, não se mostravam muito ansiosos em assumir a responsabilidade que lhes recaía em razão de seu posicionamento geográfico, a qual, sustentavam eles, era da comunidade internacional.

Esta experiência da OIR deixa claro que o espírito humanitário de proteção, de

promoção e de auxílio aos refugiados existe, embora em menor extensão do que a

politização do problema, ainda existente na atual comunidade internacional.

A OIR resultou no atual Alto Comissariado das Nações Unidas para os

Refugiados – ACNUR, que visa colocar em vigor a Convenção de Viena sobre o

Estatuto dos Refugiados de 1951, cujo objetivo inicial foi o de definir juridicamente o

termo refugiado, de forma ampla e universal, individual e coletiva. De acordo com a

Convenção de 1951, artigo 1º,

refugiado é qualquer pessoa que por medo bem fundado de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social em particular ou opinião política, está fora de seu país de nacionalidade e está incapaz, ou devido a tal temor, não pode se valer da proteção de tal país; ou que não tendo nacionalidade e estando fora do país de sua residência habitual, está incapaz, ou devido a tal temor, não pode voltar a tal país.

O Plano institucional-jurídico da definição de refugiado veio a se concretizar,

finalmente, com a Convenção de 1951, aperfeiçoada pelo Protocolo Adicional de 1967,

que removeu a cláusula que limitava o direito de ser refugiado àqueles que fugiram de

seus países como resultado da Grande Guerra de 1939-1945 (Pacífico, 1999, 8).

A própria Convenção de 1951 c/c Protocolo de 1967 vincula os indivíduos que

ficam sob a sua proteção jurídica: um refugiado deve ter ultrapassado as fronteiras de

seu país de origem ou de residência habitual, legal ou ilegalmente (diferentemente do

deslocado interno, que não ultrapassou as fronteiras); ser um civil; nunca ser um

migrante econômico ou um criminoso fugindo da pena; pode possuir mais de uma

nacionalidade; deve sempre ser protegido do refoulement; pode ter esta condição

aplicada individual ou coletivamente.

Embora o regime jurídico de refúgio seja global, alguns países não membros da

Convenção possuem seu próprio regime doméstico, como é o caso da Jordânia, que não

deixa de receber, proteger e assistir aos refugiados, mas sob o regime doméstico.

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Ademais, a própria Convenção e o Protocolo definiram as formas de cessação, perda e

exclusão da condição de refúgio, que neste momento não serão tratadas.

Um problema a ser tratado pormenorizadamente é a questão dos Palestinos, que

ficaram excluídos da condição de refúgio, em virtude da ONU ter criado um órgão

específico para protegê-los, qual seja, o UNRWA (United Nations Relief and Work

Agency). De acordo com os organismos internacionais de proteção aos refugiados (e o

Brasil bem recepcionou tal cláusula), sujeitos à Convenção de 1951, fica excluído da

condição de refúgio, entre outros, “todo aquele que já estiver sob a proteção de outro

órgão da ONU que não seja o ACNUR”. Dessa forma, os palestinos não são

considerados refugiados, no sentido jurídico do termo, o que traz enormes preocupações

a eles, à comunidade internacional e aos países de acolhimento dos refugiados. A

Convenção dos Apátridas de 1954/1960 trata da proteção deles, pois, em virtude da

criação do Estado de Israel, os palestinos foram deixados à mercê da política

internacional, no sentido de receberem proteção jurídica.

Na África, a Convenção da Unidade Africana amplia a definição de refugiados

com o intuito de incluir pessoas fugindo de seus países de origem devido às agressões

externas, ocupação ou eventos seriamente perturbadores da ordem pública em uma parte

ou em todo o país de origem ou de nacionalidade.

Nas Américas, a Declaração de Cartagena de 1984 recepcionou o Direito

Internacional dos Refugiados, ampliando a definição, quando inclui entre os refugiados

aqueles que deixaram seus países de origem por causa da guerra, da violação massiva de

direitos humanos ou de causas similares que perturbem gravemente a ordem pública.

Para Milesi (2006, 2), a Declaração é um marco na conceituação de refugiado na

América Latina, ao considerar a violência generalizada, a invasão estrangeira e os

conflitos internos como razões que justificam o pedido e a concessão de refúgio.

Embora sem força de Convenção, a Declaração tem produzido atitudes entre os países

latino-americanos, resultando no Plano de Ação no México de 2004, que, além de

reafirmar de forma absoluta a vigência da Declaração de Cartagena sobre as obrigações

dos Estados de oferecerem proteção e buscarem soluções duradouras para os refugiados,

sublinha a importância de tomar iniciativas sustentáveis para conseguir a efetivação dos

direitos econômicos-sociais-culturais; expressa a preocupação pelas medidas de

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segurança e controle migratório que possam causar xenofobia e intolerância; reafirma o

princípio do non refoulement como jus cogens13 etc.

Enfim, tal documento busca proteger os refugiados, instando os Estados, a

sociedade civil, a iniciativa privada e todos os militantes da área a promoverem ações

práticas, com o dever ético de trabalharem em conjunto, em prol dos refugiados, o que

resultará em uma sociedade melhor, mais humana, mais livre, mais justa para todos,

refugiados ou não. Parece-nos, enfim, que a proposta da formação de uma sociedade em

rede, no dizer de Castells (1999), seria a solução viável para o problema dos refugiados.

Nesta temática, Castells (1999, 287-363) afirma que a sociedade da informação

em que vivemos tem provocado esses fluxos migratórios, não somente, mas também, de

refugiados. Para ele, é a falência do Estado-nação, independente de ser o Estado Liberal

ou o Estado do Bem-Estar Social, em cumprir com seu papel de proteção ao cidadão

que tem provocado o fluxo de migrantes. Por isso, ele acredita que apenas a sociedade

em rede solucionará o problema das relações entre Estado e cidadãos. Na visão desse

estudioso, a sociedade em rede seria aquela onde o Estado, a iniciativa privada, os

indivíduos, as ONGs, o terceiro setor, enfim, todos estariam unidos na intenção de

cumprir um mesmo objetivo, qual seja o bem comum.

Já o sociólogo inglês Giddens (1991), na mesma linha de Castells, chama tal

sociedade de sociedade de risco, na qual os seres humanos possuem a necessidade de

acreditar no que ele chama de sistemas abstratos, como o dinheiro, e sistemas peritos,

como advogados, contadores, arquitetos etc., causando um maior estresse e mais risco

para a população. Para Giddens, nas sociedades pré-modernas, como os mundos árabe e

chinês, havia confiança nas pessoas locais, o que se extinguiu com a modernidade, a

saber, o estilo de vida que surgiu na Europa do século XVII. Para ele, entretanto, a

separação da Igreja e do Estado provocou o desenvolvimento da modernidade e impediu

o nascimento da sociedade de informação nas sociedades pré-modernas.

13 Citando Rezek (2005, 115-7), jus cogens é o direito imperativo, ou melhor, é “o conjunto de normas que, no plano do direito das gentes, impõem-se objetivamente aos Estados, a exemplo das normas de ordem pública que em todo sistema de direito interno limita a liberdade contratual das pessoas.” Ademais, a própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados celebrados entre Estados, em vigor desde 1980, afirma, no seu artigo 53, que qualquer tratado que conflite com uma norma de jus cogens, será nulo, sendo este, conforme esta Convenção, “uma norma aceita e obedecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como uma norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por uma norma de direito internacional geral da mesma natureza.” Independentemente da norma vir antes ou após o tratado, ela prevalece, segundo reza o artigo 64 desta mesma Convenção.

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Enfim, esta sociedade de risco com um Estado em crise e fraco, ou seja,

vulnerável ideologicamente e sem atingir o objetivo para o qual nasceu, provocou o

surgimento dos movimentos sociais, por meio dos quais os cidadãos iniciaram suas

buscas por uma vida mais segura e estável (Castells, 1999, 287-363 e 93-6). Assim é

que Chimni advoga em prol de políticas de proteção, assistência e integração aos

refugiados que sejam provenientes do apoio conjunto de ONGs, da Academia, de

centros de pesquisa e dos governos.

Apesar de toda a luta pela defesa, promoção e proteção dos direitos dos

refugiados, Castles (2003, 14) chega a afirmar que os refugiados oficialmente

reconhecidos como tal estão em melhores condições de vida e bem-estar que outros

migrantes forçados, tais como os deslocados internos, os solicitantes de asilo, os

deslocados por desastres ambientais ou por grandes projetos de desenvolvimento, os

deslocados por conflitos internos, os traficados e os contrabandeados.

Para Castles, os refugiados possuem um status legal claro e se valem da

proteção de uma instituição poderosa, qual seja, o Alto Comissariado das Nações

Unidas para os Refugiados – ACNUR, diferentemente do que advoga Hathaway (1997,

79), que afirma acreditar que “é errado caracterizar a definição como um padrão elitista.

Meu ponto de vista é que a Convenção de Refugiados continua com um valor ético

significativo, [...] pelo menos enquanto continuar a ser parte da prática estatal.”

No Brasil, o regime jurídico dos refugiados somente foi adotado em 22 julho de

1997, quando da publicação da Lei Ordinária Federal Nº 9474, que criou inclusive o

Comitê Nacional dos Refugiados (CONARE), que será objeto de análise, embora o

Brasil já recebesse refugiados há algum tempo, inclusive por meio de acordos entre o

governo federal e o ACNUR, sempre com o apoio institucional da Cáritas

Arquidiocesana, uma organização internacional criada no seio da Igreja Católica e por

ela mantida, como se verá.

Inserida em várias ciências, interdisciplinar e, talvez, transdisciplinarmente, em

um futuro próximo, não apenas fatos puramente históricos e jurídicos foram suficientes

para definir juridicamente os refugiados. Fatos sociais, econômicos e políticos também

tiveram seus papéis na formação do estudo autônomo dos refugiados.

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Capítulo 2

Aspectos sócio-econômicos e políticos

Chimni (2000, 10) pergunta se não somos todos refugiados, já que a questão

central reside no paralelo entre a condição de refúgio e a condição existencial da

humanidade, ou seja, o bem-estar necessário a todos os seres humanos.

Como visto, a criação de uma perspectiva jurídica ao termo refugiado reside na

necessidade de facilitar o movimento internacional de pessoas. O resultado foi que os

Estados passaram a relutar em admitir em seus territórios indivíduos que eram de

responsabilidade legal de um outro Estado, já que o ser humano não era sujeito de

direito internacional. Era uma situação anômala. Ipso facto, apenas os indivíduos fora

de seus países de origem ou de residência habitual poderiam solicitar a concessão de

refúgio.

Em contraste com a perspectiva jurídica da questão, surgida na primeira fase da

concessão de refúgio, Chimni (2000, 11-2) mostra a perspectiva social, definindo

refugiado como casualidades, sem qualquer auxílio, de ocorrências com amplas bases

sociais ou políticas, que os separam de suas sociedades de origem. O auxílio aos

refugiados é dado não apenas devido ao foco jurídico (para corrigir uma anomalia no

sistema jurídico internacional), mas, principalmente, para assegurar aos refugiados

segurança ou bem-estar, inclusive aos que tenham sido afetados por eventos sociais ou

políticos. São aqueles que perderam a proteção do Estado, de facto ou de jure, que são

considerados refugiados.

Ademais, Hathaway (1997, 79) aponta que freqüentemente sugere-se que a

definição de refugiado privilegia proteção a uma minoria de migrantes involuntários,

sendo considerada uma definição de padrão elitista, por conceder-lhes mais direitos do

que aos outros tipos de imigrantes. Assim, esse professor defende que tal definição tem

um significante valor ético, a partir do momento em que é viável e pode ser facilmente

parte de políticas governamentais. Sendo a base da proteção ao refúgio o risco severo ao

princípio da dignidade humana (causado pelo medo), e já tendo os Estados definido os

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padrões comuns de proteção à dignidade humana aceitáveis minimamente, isto, por si

só, já constitui um padrão ético.

Esta discussão ensina o quão perto das dimensões políticas, sociais e

econômicas está o problema dos refugiados. Castles (2003, 11), concordando com

Chimni (2008), lembra que a crise de migração global (e os refugiados aqui se incluem)

surgiu com as grandes diferenças entre o Norte e o Sul, com relação às condições

econômicas, ao bem-estar social e aos direitos humanos.

Conforme referido, os desastres econômicos (i.e., a crise econômica de 1929), as

questões políticas (i.e., a política racial nazista) e as questões sociais (i.e., imposição de

fronteiras) vêm afetando a vida da humanidade, deixando claro que o problema dos

refugiados, muito mais do que um problema jurídico, é um problema sócio-econômico e

político.

Alguém que migra voluntariamente, em busca de melhores condições de vida,

mas permanecendo com a proteção estatal e com o direito de retorno sempre que

desejar, fica excluído da condição de refúgio, sendo juridicamente reconhecido como

migrante econômico. O regime jurídico internacional dos refugiados o trata dessa forma

quando a única razão para migrar são as considerações econômicas, esquecendo-se de

que, muitas vezes, a necessidade econômica é a razão para migrar, mas esta está

absolutamente ligada às medidas políticas e econômicas estatais, que afetam

diretamente o ser humano.

Um exemplo claro são os retirantes da seca do Nordeste do Brasil, que são

forçados a migrar por questões econômicas que se encontram por trás do desastre

ambiental provocado pela seca. Outro exemplo são certas medidas econômicas que

destroem um grupo em particular dentro de um Estado, tais como a retirada de direitos

ao comércio ou tributação excessiva de pequenos agricultores rurais ou micro

comerciantes. Por trás de tais medidas econômicas, afetando a vida dos indivíduos

daquele Estado, podem haver objetivos ou intenções raciais, religiosas ou políticas

(Chimni, 2000, 55).

As solicitações de refúgio devem ser analisadas com muita acuidade, já que há

muitos casos de indivíduos que, em princípio, podem aparentar ser um migrante

econômico, mas o elemento político pode estar escondido nas medidas econômicas. Por

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exemplo, talvez tenham sido suas opiniões políticas que os expuseram, levando-os a

sérias conseqüências (Chimni, 2000, 55).

Para Castles (2003, 11-20), a migração forçada, incluindo-se aí o refugeísmo, tem-se

tornado cada vez mais politizada neste novo milênio. A Crise Global surgida neste Pós-

Guerra Fria (Wallerstein, 2002 e Nair, 2006) colocou a Migração Forçada na ordem do

dia, embora os Estados estejam fechando suas portas e impedindo estrangeiros de

entrarem. Já Bógus (1996) defende que

do ponto de vista da chamada “globalização”, pode-se afirmar que a internacionalização da economia e o conseqüente enfraquecimento das fronteiras nacionais agiram como um estímulo às correntes migratórias, acarretando, em contrapartida, nos países de destino, comportamentos restritivos à presença dos migrantes, seja por meio de manifestações ostensivas de racismo e xenofobia, seja pela adoção ou reforço de legislação restritiva à presença de estrangeiros.

Oficialmente, o número de refugiados diminuiu, mas a verdade não condiz com

tais números. Sabe-se que a partir do momento em que os Estados criam políticas de

restrição às migrações forçadas, vários indivíduos, especialmente os refugiados, deixam

de ser reconhecidos juridicamente como tais, dificultando a proteção, a promoção e a

defesa de seus direitos.

Violência endêmica, violações aos direitos humanos, implementação de políticas

estatais diferenciadas para as diferentes categorias de migrantes forçados criadas pelos

formuladores de política, o entendimento de que a migração (forçada e econômica) é

parte integral do processo global e regional de integração econômica, o fato de que os

imigrantes não apenas são assimilados pela sociedade receptora, mas principalmente

formam comunidades e mantêm suas próprias línguas, culturas e religiões e, por fim, a

visão de que a migração se tornou altamente politizada, sendo uma questão primordial

tanto na política nacional quanto na internacional, são temáticas que não podem ficar

fora do contexto das transformações sociais globais, sendo, inclusive, o desejo de

migrar reconhecido como parte deste processo.

Bógus (1998, 165) aponta que

dentre os fenômenos emergentes no processo de globalização contemporânea, a migração internacional é um dos que assume novos contornos e apresenta novos desafios no que se refere à sua análise e interpretação. Frente a tais desafios, é necessário pensar o processo de globalização, entendendo-o como uma nova expansão do capitalismo,

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que impõe uma racionalidade, padroniza culturas e acaba criando a ilusào de uma totalidade que de fato não existe.

Para Castles (2003), a globalização por si só gera fatores que favorecem a

mobilidade, que são mais poderosos do que as medidas estatais oficiais de controle. Tais

fatores seriam o crescimento da desigualdade entre o Norte e o Sul, a desestabilização

política em muitos países sulistas, resultando em relações de poder desigual e a atração

cultural pelo estilo de vida do hemifério Norte.

Tais fatores mostram que apenas as novas elites políticas e econômicas se

tornaram globais e migraram, enquanto que os pobres continuam sendo forçados a

permanecerem em suas casas. Os ricos são globais e os pobres são locais. Ipso facto,

muitos pobres percebem a migração como a oportunidade de riqueza e melhoria de vida,

desesperando-se por migrar.

As políticas de restrições fronteiriças, então, são tidas como medidas necessárias

pelos Estados nortistas ricos para prevenir os migrantes indesejáveis de deixarem seus

países. Tais políticas são parte de uma agenda de segurança global mais ampla, em que

os excluídos são tratados como fonte de conflito, terrorismo ou instabilidade. A

conseqüência é que as políticas de contenção de refugiados devem envolver a

intervenção nos conflitos, contrariando o princípio de neutralidade e imparcialidade do

direito humanitário.

Parece que esta nova política de intervenção militar direta não tem produzido os

efeitos necessários para prevenir e solucionar tais conflitos. Como bem afirmam Castles

(2003) e Nair (2006), a crise existente é nas relações Norte-Sul, e a migração,

especialmente a forçada, é uma das facetas de tal crise. Portanto, talvez a solução viável

seja mesmo a proposta de Castells (1999), da sociedade em rede. Afinal, é o modelo de

governança global que não está atingindo os objetivos para o qual foi criado, qual seja,

o modelo liberal resultante do Consenso de Washington, pois, embora não seja um

problema econômico para o Norte, o subdesenvolvimento está aumentando no Sul,

sendo visto como uma ameaça à segurança e à estabilidade global.

A ocidentalização, ou seja, a adoção do modelo de valores culturais, de relações

sociais, de estruturas econômicas e de instituições políticas da porção Oeste do planeta

Terra, não tem produzido desenvolvimento; pelo contrário, há um aumento de guerras

internas crônicas, deixando a paz cada vez mais distante. Para Castles (2003), a crise

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migratória no Norte é uma crise política e ideológica, constituindo-se a migração em um

símbolo da erosão da soberania do Estado-nação nesta era de globalização, ao passo que

a crise no Sul possui dois aspectos: o aumento maciço da migração forçada se deve às

novas guerras e ao aumento do abuso dos Direitos Humanos, além do bloqueio à livre

mobilidade para o Norte.

As restrições fronteiriças não eliminarão os refugiados, ou qualquer outro tipo

de migração, já que esta resulta, como visto, do desequilíbrio Norte-Sul, devido às

condições econômicas, sociais, de bem-estar e de direitos humanos. O objetivo agora

deve ser uma rápida transformação nos modelos existentes (Huntington, 1996), para

alcançar o desenvolvimento.

Para Duffield (1996, 184), o desenvolvimentismo é apenas o discurso racial do

Oeste colocado em prática pela visão funcional da sociedade (que vê a sociedade como

uma entidade pluralista, em que o papel e a função de cada parte sejam necessários para

manter o todo), até porque as instabilidades políticas e a violência resultam ou em

processos de ajustes (África) ou em transições para economias de mercado (Leste

Europeu e Ex-URSS). Mas a questão principal é a da reconstrução e da manutenção de

padrões de desenvolvimento estável, além da natureza da instabilidade política. O fim

da política (interna e externa) seria o de restabelecer o equilíbrio.

O que Duffield defende é que a sociedade internacional deve ser vista como um

todo, desde que as relações entre as partes sejam socialmente harmoniosas e

balanceadas, apoiando-se umas nas outras, pois a crise é complexa, incluindo uma

interação entre pobreza, colapso ambiental e econômico e declínio e conflito

institucionais. A sociedade internacional está em uma posição estática, acomodada na

resolução dos conflitos, nas emergências complexas e, principalmente, no auxílio aos

refugiados.

Portanto, apenas mudanças complexas nos modelos de governança global

podem solucionar o problema das migrações e dos refugiados. Os refugiados não podem

mais ficar à mercê de políticas e modelos institucionalizados, que fazem com que eles

sofram da Síndrome de Dependência dos Refugiados (SDR), causada pela falta de apoio

e pela institucionalização do sistema, quando estão em momentos de estresse, de

sentimentos morais destruídos, de raiva, de medo e de ameaças, das dificuldades de

encontrar abrigo (no país de acolhimento), resultantes da perseguição, da opressão, da

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violação dos Direitos Humanos, das dificuldades financeiras (no período pré-partida),

da fuga, da separação familiar, dos bens e da terra natal (durante a fuga). Para Clark

(1985), institucionalização é o rígido e poderoso sistema de proteção criado para cuidar

do refugiado, causando um círculo vicioso auto-sustentável, já que muitas ações que o

refugiado costumava realizar, ter o controle e a responsabilidade em seu país de origem,

estão agora sendo feitas por este sistema institucionalizado.

Neste ínterim, ele está fisicamente protegido, mas falta-lhe assistência

psicológica suficiente (aconselhamento, encorajamento a apoio social, ser ouvido,

engajamento nas atividades de primeiros socorros etc.), conduzindo-os à tal SDR, cujos

principais sintomas são: sentimentos de letargia e falta de vontade de viver; falta de

iniciativa; aceitação das bengalas (apoios prontos) sem atenção a sua auto-suficiência e

reclamações freqüentes, especialmente com relação à falta de ajuda externa.

Encontrando-se, neste momento, os refugiados traumatizados, sofrendo e

frustrados e, como quaisquer seres humanos, formados por físico e mente (e espírito,

para quem assim acredita), Pestre (2007) decidiu pesquisar a relação entre o Estado, o

refugiado e seu terapeuta, ou seja, como esta relação afeta as condições de vida psíquica

dos refugiados. Para ela, quando as decisões são tomadas, em geral, leva-se em

consideração a necessidade de proteção resultante de real perseguição, quando, na

verdade, as necessidades econômicas e terapêuticas deveriam ser as primordiais, já que

os refugiados são partes de uma população afetada por severos psico-traumatismos

(Pestre, 2007, 20), tendo que se submeter ao maquinário jurídico-administrativo

governamental, que não possui, e nem se interessa em possuir, competência

psicoterápica para lidar com eles.

A importância do conhecimento em distúrbios psíquicos deve já existir entre os

agentes governamentais da imigração que realizam os primeiros atendimentos aos

solicitantes, que já chegam sofrendo de nevrose traumática14, como afirma Pestre (2007,

140-143). Seus sintomas mais comuns são: o estado de hiper-vigilância, vista na

síndrome de repetição e manifestada em reações de surpresa; uma excitabilidade

elevada, que acompanha uma tendência ao acesso de cólera, à irritabilidade e a

explosões fáceis; perturbações neuro-vegetativas (distúrbios de sono, i.e., insônia,

14 A nevrose traumática se manifesta mais freqüentemente pelas lembranças diurnas e noturnas e pelos pesadelos de repetição com relação direta com a situação de perigo passada (i.e cenas de filmes, passagens de livros etc.).

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desordens dos aparelhos, i.e., vascular, respiratório, digestivo, cutâneo etc, além de

sintomas somatizados, i.e. cefaléias, vertigens, problemas visuais etc.), que são as mais

comuns; alterações de memória (amnésia, dificuldades de atenção e de concentração,

assim como ausências); angústias, como efeito de crises de histeria, de fobias ou de

obsessões, além de mudanças de personalidade (fragilidade, sensibilidade aguda,

empobrecimento das relações sexuais e sociais, inibição intelectual etc.); depressão e

seus sintomas correlatos, tais como: ansiedade, apatia, fatiga geral, esgotamento,

levando ao desinteresse e à redução de contato com o mundo exterior; o aparecimento

de pensamentos premonitórios, com referência à oportunidade, ao destino e à fatalidade;

e, enfim, problemas psicóticos, como alucinações, angústias persecutivas, paranóides e,

até, regressão a certo estado infantil importante.

Por causa destes sintomas encontrados nos refugiados analisados por Preste

(2007, 135-140), na França, esta psiquiatra assinala que o que existe em comum entre

os refugiados são a experiência de perseguição política, no sentido amplo do termo, e de

terem sido objetos de violência, religiosa, étnica ou ideológica ou, ainda, de terem

sofrido por serem habitantes de um país em guerra, com violação grave e generalizada

dos direitos humanos, pois suas culturas, ou, ainda, suas identidades culturais se

diferenciam, exigindo que sejam tratados conforme suas necessidades, resultantes de

suas características identitárias.

Relaciona-se, atualmente, os traumas, mais precisamente os distúrbios

resultantes de Estresse Pós-Traumático (DSPT), à problemática da migração,

concedendo-lhe uma coloração culturalista. Nesse sentido, Pestre (2007, 369) lembra a

Síndrome de Ulisses, uma alusão à experiência vivida pelo herói da guerra de Tróia,

Ulisses, durante suas viagens, e observada no cotidiano de imigrantes clandestinos e de

refugiados, que sofrem de uma multiplicidade de sintomas (insônia, depressão,

desorientação, enxaqueca etc.) ligados às suas condições, sendo diagnosticado como A

síndrome do imigrante com estresse crônico e múltiplo. Em seu romance A Síndrome de

Ulisses, Gamboa (2005, 370) assim se expressa acerca da personagem principal:

As coisas difíceis que deve ter vivido, sua auto-estima lá no chão, a sensação de estar indefeso e o medo, tudo isso deve tê-lo levado ao estresse crônico e à depressão. Tem uma doença muito relacionada com esses sintomas, disse o médico, mas não acrescentou mais nada, pois naqueles anos a síndrome ainda não tinha nome. Ainda não havia sido batizada como síndrome do imigrante ou síndrome de Ulisses.

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O país de acolhimento se esquece de que os refugiados, além de serem seres

humanos normais, iguais aos seus nacionais, fazem parte de uma elite, já que são

protegidos por normas domésticas e internacionais, sendo no Brasil, por exemplo,

altamente moderna e desenvolvida, recebendo mais e melhores direitos que qualquer

outro grupo de migrantes forçados e não podendo ser enviados de volta ao país de

origem, graças à proteção conferida pelo princípio do non refoulement, que na lei

brasileira se encontra inserido no artigo 7°, § 1° e, na Convenção de 1951, no artigo 33.

A Convenção da Unidade Africana de 1969 também defende este princípio.

Necessário se faz mostrar a importância do princípio do non refoulement para a

proteção dos refugiados, já considerados norma de direito internacional costumeiro

(Goodwin-Will, 1998, 143) e que, nas palavras de Goodwin-Gill (1998, 117),

“prescreve, em sentido amplo, que nenhum refugiado deverá ser enviado de volta para

qualquer país onde o/a mesmo/a possa encarar perseguição ou tortura”, ou seja, o risco

de perseguição ou tortura já se mostra suficiente para a aplicação de tal princípio.

Por outro lado, como bem afirma Goodwin-Gill (1998, 139), este princípio não é

absoluto. Por exemplo, questões de segurança nacional e ordem pública têm sido

reconhecidos há tempos como justificativas em potencial para derrogação desse

princípio (artigo 33 (2) da Convenção de 1951), embora a Convenção se utilize do

termo expulsão com base no devido processo legal, para diferenciar do refoulement.

Estados, como o Canadá (objeto de análise no capítulo 5), que são membros de

Acordos de Terceiro País Seguro, também se aproveitam de tais acordos para

impedirem refugiados de adentrarem nos países, quando estes provêm de países

considerados seguros no acordo em questão. Isto também caracteriza, na visão do

Goodwin-Will (1998, 167-170), o refoulement.

Ainda há Estados, e o Canadá também aqui se insere, que não autorizam a

entrada nem concedem a condição de refúgio aos imigrantes que chegam ilegalmente

em suas fronteiras, esquecendo-se de que muitas vezes tais pessoas estão sofrendo

perseguições e/ou não chegam diretamente de seus países de origem15, tendo já passado

15 De acordo com o artigo 31, § 1° da Convenção de 1951, os refugiados que entrarem ilegalmente no país de refúgio não receberão sanções penais, desde que cheguem diretamente do território no qual sua vida ou liberdade esteja ameaçada e se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões aceitáveis para sua entrada ou permanência irregular.

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por diversas rotas, até chegarem em algum país seguro. São pessoas que buscam

proteger a sua vida, que estão dispesos de seus familiares, que, resultante da perseguição

e dos temores em seus países de origem, sofrem de traumas e de distúrbios de ordem

física, mental e psícológica.

A solução para prevenir ou curar a Síndrome de Dependência dos Refugiados é,

a priori, lembrar sempre que os refugiados são criativos, adaptáveis, fortes o suficiente

para o trabalho pesado. Ademais, a melhor terapia, segundo Suzy (apud Buchwald,

1991), é envolvê-los em todas as atividades. E, acrescenta Clark, não devem ser criados

obstáculos desnecessários ao aumento da participação do refugiado, já que sua

participação ativa ajuda na construção da auto-estima, na reconstrução da

autoconfiança, a reduzir sentimentos de isolamento, letargia, depressão e dependência.

Toda essa preocupação com os refugiados, na proposição de mudanças nos

modelos de governança global, em todas as suas dimensões, econômica, social, cultural,

política e jurídica, reside no fato de que se trata de mais de vinte milhões de pessoas.

Não se pode cegar diante de um contingente tão grande, que se encontra espalhado em

todos os continentes, em praticamente todos os países do mundo.

O ACNUR16 assinala que, em 2007, havia no mundo 11.4 milhões de

refugiados. Entretanto, o ACNUR não considera, juridicamente, os palestinos como

refugiados (pois estes estão sob a proteção do UNRWA), cuja quantidade chega a 4.6

milhões de pessoas. A estes, devem-se acrescentar os cerca de 51 milhões de deslocados

internos17 (25 milhões de deslocados por desastres naturais e outros 26 milhões por

conflitos armados), os cerca de 12 milhões de apátridas (embora apenas 3 milhões

destes estivessem sob o mandato do ACNUR), os cerca de 647.200 solicitantes de asilo,

os 731 mil refugiados retornados, os 2.1 milhões de deslocados internos retornados, os

5.8 milhões de apátridas e 68.200 mil considerados como outros. Chega-se a um total de

cerca de 32.9 milhões de pessoas sofrendo por estarem longe de sua terra natal, em

16 UNHCR. 2007 global trends: refugees, asylum-seekers, returnees, internally displaced and stateless persons. UNHCR, 2008. In http://www.unhcr.org/statistics/STATISTICS/4676a71d4.pdf , acesso em 25 de junho de 2008. 17

Embora somente cerca de 13 milhões deste contingente esteja sob a proteção do ACNUR.

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200618, o que representou um aumento de quase um milhão de refugiados em relação ao

ano anterior.

No total, há cerca de 77 milhões de pessoas que estão fora de seus países de

origem devido aos diversos tipos de perseguições e não podem voltar, como refugiados

ou palestinos sob o mandato da UNRWA, embora se registre que apenas cerca de

metade destes (31.7 milhões) esteja sob a proteção oficial do ACNUR, como se verá abaixo:

Total ACNUR UNRWA Refugiados 11.4 milhões 11.4 milhões Palestinos 4.6 milhões - 4.6 milhões Deslocados Internos: - Conflitos naturais = 25 milhões - Conflitos armados = 26 milhões

51 milhões 13.7 milhões

Solicitantes de Asilo 647.200 mil 647.200 mil Refugiados Retornados 731 mil 731 mil Deslocados Internos Retornados 2.1 milhões 2.1 milhões Apátridas 5.8 milhões 3 milhões Outros 68.200 mil 68.200 mil Total 76.346.200 31.646.400 4.6 milhões Fonte: UNHCR – Global Trends 2007

Esta tabela melhor se visualiza sob a forma dos gráficos abaixo:

18 Segundo a OIM, dos cerca de 192 milhões de migrantes no mundo, que representam 3% da população mundial, 50% são mulheres. É o fenômeno chamado de feminização das migrações, já que no século passado a migração era essencialmente masculina. Deste contingente de 192 milhões, há 20 milhões de latino-americanos e 2 milhões de brasileiros. Porém, há dados de ONG, como o IMDH (Instituto Migrações e Direitos Humanos) que, em seu sítio (www.migrante.org.br) acredita na existência de cerca de 3,5 milhões de brasileiros residindo no exterior . Por causa dessa grande quantidade de migrantes e das conseqüências a posteriori explicadas, o tema migração passou a ser parte fundamental na agenda internacional e, também, no Brasil, já que este país foi reconhecido no passado como um país de imigrantes; embora esteja transformando-se em um país de emigração, no presente. In www.iom.int, acesso em 27 de fevereiro de 2008.

Em virtude dessa nova configuração brasileira, foi criada, no âmbito do Itamaraty, a Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior (SGEB), cujos objetivos são analisar e propor políticas públicas e estratégias com relação: à governabilidade das migrações internacionais e os direitos humanos, tendo-se em vista o Brasil ser um país de emigração; às projeções populacionais de brasileiros no exterior; às redes sociais por estes formadas para entrar e permanecer em certos países (entidades de união e apoio); aos controles migratórios e às opções em casos de inadmissão; à comunidade brasileira nos EUA, na Europa, no Japão e na América do Sul; às realidades e aos limites das ações que o Brasil possa efetivar pelos seus nacionais no exterior; à atuação do governo brasileiro na área trabalhista, previdenciária, educacional, de remessa de divisas; ao papel da mídia; e à representação política destes brasileiros no exterior. In http://www.abe.mre.gov.br/avisos/i-seminario-sobre-comunidades-brasileiras-no-exterior-1 acesso em 30 de junho de 2008.

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Fonte: UNHCR – Global Trends 2007

Segundo Relatório emitido pelo ACNUR, com dados de dezembro de 2007, o

total de refugiados passou de 9.9 milhões para 11.4 milhões; e o número de deslocados

internos, igualmente teve um significativo aumento, passando de 12.8 milhões , para

13.7 milhões de pessoas19.

Como quase 15 milhões do total dos 32.9 milhões de refugiados sob proteção do

ACNUR, a Ásia é a região que mais acolhe refugiados, comportando cerca de 30% (9.2

milhões) daqueles sob sua proteção, seguida da América Latina e do Caribe, com 11%

(ou 3.5 milhões de protegidos); da Europa, com 10% (ou 3.4 milhões), da América do

Norte, com 3% (ou 1.1 milhão); e da Oceania, com 0.3% (ou 86 mil). Excetuando-se a

Europa, todas as áreas sofreram aumento no número de refugiados entre 2006 e 2007,

reflexo das situações em Colômbia, Iraque, Sudão, dos cerca dos 3 milhões de apátridas

do Nepal20 e dos reajustes estatísticos produzidos pelos EUA.

A maioria dos refugiados está na África, cerca de 2.748 milhões (sendo 2.1

milhões de afegãos e 1.5 milhões de iraquianos), conforme dados de 2006 do Global

19Idem nota 16. 20

O Nepal foi quem mais recebeu refugiados sob o mandato do ACNUR, cerca de 3.6 milhões de pessoas até o final de 2006. A Colômbia ficou em segundo, acolhendo cerca de 3 milhões deles, sendo sua grande maioria formada por deslocados internos. Em seguida, vieram Iraque e Uganda (com 2.2 milhões cada um deles), República Democrática do Congo (1.8 milhão) e Sudão (1.6 milhão). Os cinco primeiros países de acolhimento, juntos, acolheram cerca de 39% (4 em cada 10) de toda a população sob proteção do ACNUR ao final de 2006. Vide lista de países que mais recebem e que mais enviam refugiados no Anexo C.

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Appeal do ACNUR). Nas Américas, há um total de 598.442 refugiados, sendo que, no

sul da América do Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai), o número

baixa para 7.492 refugiados. Embora o número seja pequeno, não se pode olvidar de

que se trata da falta de boa governança, de políticas públicas rígidas no cumprimento e

flexíveis na necessidade de permitir ajustes que melhor contribuam para adequar às

necessidades culturais de cada refugiado ou, no mínimo, de cada grupo de refugiados.

Tratando-se dos países que enviam refugiados, o Afeganistão continua a liderar.

Além dos quase 5 milhões de palestinos sob mandato do UNRWA, ao final de 2007

havia 2.1 milhões de afegãos refugiados em mais de 70 países de acolhimento

diferentes, o que conta cerca de 21% de toda a população refugiada em nível global. O

Iraque fica em segundo lugar, com cerca de 1.5 milhão de iraquianos vivendo,

basicamente, em países vizinhos (cerca de 1.2 milhão se encontra na Jordânia e na

Síria). Por fim, há o Sudão, com 686 mil nacionais fora do país. Os outros três maiores

são a Somália (com 46 mil), República Democrática do Congo e Burundi, com cerca de

400 mil cada um deles.

Keely & Elwell (1981, 6) afirmam que, dependendo da definição de refugiado

adotada em cada Estado (que possui liberdade de adotar seu próprio arcabouço

jurídico), estima-se que o número de refugiados no mundo flutue dramaticamente, na

ordem de milhões de pessoas, o que, radicalmente, alteram os custos e os métodos

propostos para alcançar as necesidades destes.

Não apenas a definição da Convenção de 1951 (criada e adotada por

plenipotenciários estatais), mas ainda os ordenamentos jurídicos domésticos relativos

aos refugiados já se encontram obsoletos, por terem sido criados em uma realidade

diferente da que nos encontramos hoje, quando as duas Grandes Guerras foram as

responsáveis pelo alto fluxo de refugiados. Além disso, a falta de especificações do que

constitui perseguição leva a várias interpretações e respostas por parte dos governos e

de organizações internacionais.

Resta claro que a tradição deve dar lugar ao que a realidade clama de forma

urgente. Os refugiados não são um problema temporário nem resultante unicamente de

motivos humanitários. Eles precisam ser tratados como seres humanos, provenientes de

longa situação precária, necessitando de políticas e metas com menos burocracia e que

proporcionem condições de auto-apoio físico, mental e psicológico.

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Mais importante do que definir juridicamente o refugiado, urge discutir e definir

as metas e estratégias para lidar com eles, com políticas governamentais, com o legado

do sub-desenvolvimento e com as lutas pela independência, cujos resquícios ainda se

encontram nos Estados sub-desenvolvidos e em desenvolvimentos da África, da

América Latina e do Caribe. A definição jurídica é importante, até porque força a

responsabilidade e a obrigação estatal a agir sob específicas condições. Entretanto, o

que fica provado é que o regime utilizado até agora não tem alcançado o êxito a que se

propôs, qual seja, soluções duráveis para a problemática dos refugiados, elencadas como

a repatriação ao país de origem (ou, no caso do apátrida, para o país onde o refugiado

possuía sua residência habitual), a integração no local de acolhimento e o

reassentamento em um terceiro país, praticados diferentemente no seio internacional.

A necessidade de buscar soluções duráveis para os refugiados é das temáticas

mais importantes, figurando no topo da agenda internacional quando se trata de

proteção internacional à pessoa humana. Não é sem motivo que foi o tema da 9ª

Conferência da Associação Internacional para o Estudo da Migração Forçada, que

aconteceu em São Paulo, entre os dias 9 e 13 de janeiro de 2005. Oportuno mencionar

que a conferência de abertura, proferida pela Professora Dra. Joanne van Selm,

intitulada “Acesso às soluções duráveis”, atraiu a atenção dos cerca de dois mil

integrantes da Associação.

Como solução durável, declara a acadêmica, a integração local na região de

origem é a chave. Integração a curto prazo pode dar uma dose de confiança por meio da

qual o refugiado pode, de fato, escolher retornar ao país de origem como última solução.

Para a maioria dos refugiados, integração a longo prazo em uma sociedade acolhedora

regional é a mais provável solução durável, mas, atualmente, nem sempre é possível.

Integração em um país vizinho é frequentemente abandonada por falta de conhecimento

político, social e econômico deste último. Para a integração local ser possível, o

refugiado deve ser protegido do refoulement e receber a condição jurídica de refúgio,

além da aceitação social, cultural e política de sua presença no território, na comunidade

e na economia do país de acolhimento, indo além da assistência humanitária.

Outros refugiados encontram como solução durável o retorno ou a repatriação ao

local de origem. Quando feita de forma voluntária e assistida, que é, na prática, a forma

mais comum das soluções duráveis e a mais frequentemente utilizada pelos refugiados,

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o ACNUR e os governos criam programas e financiam tais retornos, que muitas vezes

acontecem sem segurança pessoal, sem o senso de confiança suficiente do refugiado e,

até, sem a infra-estrutura necessária para que o refugiado reinicie sua nova vida.

Por fim, quando o refugiado não consegue retornar ao seu país de origem nem

alcança integração no primeiro país acolhedor, é necessário reassentá-lo/a em um

terceiro país, dentre os cerca de vinte países com programas específicos de

reassentamento de refugiados, como Brasil e Canadá. É sobre a integração no primeiro

país de acolhimento ou em um terceiro país que esta pesquisa trata.

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Capítulo 3

A comunidade internacional

Este capítulo visa retratar o interesse da comunidade internacional na

problemática dos refugiados, exposta por meio da ONU, ao analisar o regime dos

refugiados neste momento histórico. Ademais, as peculiaridades dos palestinos, criadas

no seio das Nações Unidas, e dos continentes africano e americano também serão objeto

de discussão e análise. Importante, ainda, levar em consideração que as agências da

ONU para os refugiados cumpriram e vêm cumprindo seus mandatos com apoio,

cooperação e confiança dos países membros e dos países não-membros, além da

sociedade civil e das associações de voluntários.

A criação da Organização Internacional para os refugiados e, posteriormente, do

Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados foi necessária para colocar

em prática um dos propósitos da criação da ONU, cuja Carta prevê, em seu artigo 1°

(3), a promoção e o estímulo ao respeito aos direitos humanos e às liberdades

fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. Ademais, a

nova doutrina e prática internacional finda a fragmentação clássica da proteção

internacional da pessoa humana.

Para tanto, mister se faz citar, corroborando com ele, o professor Cançado

Trindade (2004, parte I), quando este declara que

uma revisão crítica da doutrina clássica revela que esta padeceu de uma visão compartimentalizada das três grandes vertentes da proteção internacional da pessoa humana – direitos humanos, direito humanitário, direito dos refugiados, em grande parte devido a uma ênfase exagerada nas origens históricas distintas dos três ramos (no caso do direito internacional humanitário, para proteger as vítimas dos conflitos armados, e no caso do direito internacional dos refugiados, para restabelecer os direitos humanos mínimos dos indivíduos ao sair de seus países de origem). As convergências dessas três vertentes que hoje se manifestam, a nosso modo de ver, de forma inequívoca, certamente não equivalem a uma uniformidade total nos planos tanto substantivo como processual; de outro modo, já não caberia falar de vertentes ou ramos da proteção internacional da pessoa humana.

O que este capítulo deixa claro é que o papel da ONU, pelo menos em termos de

proteção internacional à pessoa humana, especialmente no campo dos refugiados tem

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sido de fundamental importância. Com toda a crise por que este organismo internacional

vem passando, no tocante a esta temática, os resultados positivos e o intento têm sido

alcançados, protegendo, promovendo e defendendo os refugiados em todo o planeta

terra, não importando qual seja a causa da saída do ser humano de seu país de origem

3.1. A Organização Internacional dos Refugiados (OIR)21

A OIR foi a primeira agência internacional criada pela ONU. Em seu curto

mandato (de 1947 a 1952), ela lidou com o maior problema de refugiados já enfrentado

pelo mundo ocidental, o período logo após a Grande Guerra Mundial finda em 1945,

sendo um exemplo de sucesso de cooperação em larga escala internacional para os

propósitos internacionais na história mundial, conforme afirma seu último diretor-geral,

apud Holborn (1956, 1).

Suas atividades remontam ao Alto Comissariado para os Refugiados Russos

(criado em 1921), ao Escritório Internacional Nansen para os Refugiados22, ao Alto

Comissariado da LdN para os Refugiados (criado em 1938 e extinto em 1946, quando a

LdN foi oficialmente extinta), ao Comitê Intergovernamental para os Refugiados

(CIGR), criado também em 1938 e que assumiu as funções do anterior até 1947, e a

Administração das Nações Unidas para Socorro e Reconstrução (ANUSR) que, juntas,

durante o mandato da LdN (1919-46)23 buscaram ajudar aos refugiados com

suprimentos e em busca de um lugar para residirem, esquecendo-se, entretanto, do

reassentamento, que foi programa basilar da OIR (1956, 2-3).

A tarefa imediata da OIR era fazer um registro completo para obter

particularidades individuais e familiares para cada solicitante de refúgio a fim de

21 Quase toda a informação obtida sobre a OIR foi adquirida no livro The International Refugee Organisation – a specialised agency of the United Nations – its history and work – 1946 to 1952, da autoria de Louise W. Holborn e publicada, em 1956, em Oxford, pela Oxford University Press. 22 Havia ainda o Alto Comissariado para os Judeus Provenientes da Alemanha (criado em 1936), que embora tenha sido criado em momento distinto do Escritório Nansen, extinguiu-se no mesmo dia deste, em 31 de dezembro de 1938, quando a LdN adotou a criação do Alto Comissariado da LdN para os Refugiados, conforme Andrade (1996, 107-9). 23 Em virtude da pesquisa não ser histórica, optou-se por não dar ênfase ao período anterior à Grande Guerra, quando ainda vigorava a LdN, pois, assim, tornaria extenso os aspectos históricos que culminaram na criação da OIR, em um primeiro momento, e do ACNUR, em um segundo momento.

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determinar suas elegibilidades básicas e necessidades de auxílio da Organização. Para

os mais necessitados, um programa da OIR era mantido, fornecendo-lhes abrigo,

alimento, vestuário, serviços médicos e hospitalares, emprego e treinamento vocacional,

educação, aconselhamento individual e serviços de bem-estar infantil (1956, 1-2).

Ademais, a Organização os auxiliava a se ajudarem mutuamente e a serem

repatriados ao país de origem ou a serem reassentados em um terceiro país, sempre com

proteção política e legal24 (1956, 5).

A Constituição da OIR, com 18 artigos e alguns anexos, era caracterizada como

uma agência especializada no seio da ONU, para tratar compreensivamente de todos os

problemas dos refugiados e deslocados (artigo 1°), de forma temporária. Conforme o

artigo 12, as funções da OIR, que deveriam estar de acordo com os propósitos e

princípios da ONU, seriam: repatriação, identificação, registro e classificação; cuidados

e assistência; proteção legal e política; transporte; reassentamento e restabelecimento

em países aptos e desejosos de recebê-los.

A dificuldade consistia em decidir o tipo e o grau de compartilhamento de

responsabilidades a serem assumidos, distintamente, pela OIR, pelos governos

nacionais dentro de seus territórios, pela sociedade civil e pelos próprios refugiados.

Concordamos com Holborn (1956, 127), quando afirma que o problema dos refugiados

tem sido de interesse internacional e nacional, justificando, assim, a necessidade e o

escopo da OIR em negociar com os governos e prover assistência a estes, com fundos

internacionais, facilidades intergovernamentais e recursos humanos, para auxiliar os

países que, devido aos resultados de guerras, foram agraciados com uma presença

maciça de refugiados e deslocados em seus territórios.

Estas cooperações desenvolvidas entre a OIR e os governos receptores (de

primeiro refúgio e também de reassentamento permanente) e entre a OIR e os Estados-

membros desta organização foram muito frutíferas e úteis, contribuindo decisivamente

para os resultados positivos alcançados pela OIR em seus quatro anos e meio de

24 Esta proteção consistia em prevenir discriminação contra os refugiados e deslocados, além de garantir os direitos econômicos e sociais e a liberdade de movimento dentro e fora de seu novo país de residência, facilitando a salvaguarda da assimilação material, cultural e moral e, posteriormente, a aquisição da nova nacionalidade (Holborn, 1956, 312-3.)

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operação25. Dessa forma é que a OIR, o Reino Unido, a França e os EUA, de um lado, e

Alemanha, Itália e Áustria, de outro, celebraram acordos de cooperação para solucionar

os problemas não somente políticos, mas também econômicos, que surgiram no seio do

pós-guerra.

Sob tais acordos (Holborn, 1956, 129-131), as principais responsabilidades dos

países ocupantes eram manter a ordem, a segurança e a saúde pública; providenciar

acomodação, geralmente em centros comunitários; providenciar transporte para o

deslocamento dos refugiados nas zonas ocupadas pelos EUA; e fornecer alimentos,

gasolina, vestuário, suprimentos médicos e produtos domésticos para a economia local.

Quando era necessário importar algum suprimento, o custo acima do padrão

determinado era pago pela OIR.

Estes países de primeiro refúgio, que mais tarde também se tornaram países de

reassentamento, selecionavam os refugiados a serem recebidos, inclusive a política de

recepção de familiares e reunificação familiar. Também dependia exclusivamente dos

governos nacionais reconhecer as funções da OIR em seus territórios e estabelecer

direitos civis aos refugiados em conexão com a proteção política e legal. Tudo isto

ficaria acordado, por escrito, por meio dos acordos firmados entre a OIR e os governos

locais que, após implementarem com sucesso tais acordos, teriam as responsabilidades

pelos reassentamentos dos refugiados transferidas pela OIR aos próprios governos

juntamente com associações de voluntários, também conhecidas como Organizações

Não Governamentais (ONG) (Holborn, 1956, 144-5).

As ONG locais, mesmo na ausência de missão da OIR, auxiliavam os refugiados

com serviços de bem-estar, auxílio legal, repatriação e implementação dos programas de

reassentamento, orientando-os, esclarecendo-os e identificando-os para um melhor,

mais rápido e mais fácil ajustamento aos novos lares. Havia ONGs religiosas e não-

religiosas, mas, dentre as mais atuantes naquele período, pode-se citar a YMCA, as

Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha, os movimentos dos escoteiros, as Sociedades

Judaicas e a Cáritas Internacional, que contribuíam com assistência material e espiritual

25 Importante mencionar que a grande maioria dos refugiados e deslocados (entre 80% e 85%) sob o mandato da OIR em 1947 (quando de sua criação) estavam residindo nos três países centro-europeus perdedores da Grande Guerra, a saber: Alemanha dividida, Itália e Áustria, conforme Holborn (1956, 128).

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aos refugiados, facilitadas que eram pelo conhecimento que possuíam das condições

locais de acolhimento (Holborn, 1956, 145-7).

Embora os recursos financeiros das ONG fossem sempre escassos, elas recebiam

muitas doações, cujos valores variavam de país para país. Um exemplo fantástico foram

os EUA e o Canadá que criaram uma legislação em que o cidadão que fizesse

contribuição financeira para a caridade teria redução de tributos. Tais dispositivos

vigoram até hoje nesses países.

Ainda de acordo com Holborn (1956, 160-161), alguns refugiados eram

excluídos do mandato da OIR26, como alguns russos que possuíam a proteção do

governo da antiga URSS ou que haviam adquirido outra nacionalidade. Nesses casos, a

assistência era feita pelas ONGs

Ademais, não apenas os governos locais e as ONG eram parceiros da OIR na

busca de soluções para os refugiados. A ONU, por meio de suas agências e órgãos,

também atuava junto aos primeiros. Por exemplo, a OIR recebia apoio moral, prático e

material da ONU (Holborn, 1956, 167).

De suma importância é lembrar as palavras de Holborn (1956, 171) que, quando

a OIR foi criada, em 1947, havia cerca de 10 a 12 milhões de refugiados na Europa,

além de muitos outros no Oriente Médio e na Ásia. Entretanto, apenas cerca de 2

milhões estiveram sob o mandato da OIR, quais sejam: um grupo menor de refugiados

pré-Guerra que já estavam nos países de refúgio e haviam estado sob os cuidados da

LdN, do CIGR e da ANUSR e um grupo maior de deslocados que, como resultado da

Grande Guerra, deixaram forçadamente seus países de origem ou residência e ainda não

haviam retornado. A grande maioria destes ainda vivia em campos de refugiados,

embora também houvesse refugiados urbanos27. Apenas estes dois grupos estiveram sob

os auspícios da ONU e dos governos que se uniram aos propósitos da OIR.

26 As funções da OIR de identificar, registrar e classificar os refugiados serviam para segregar as pessoas aptas a receberem assistência da OIR das que não possuiriam tal assistência, além de fornecer dados confiáveis ao comitê executivo da Organização, cujo propósito seria o de planejar os custos e as operações desta (Holborn, 1956, 204). 27 A maioria dos refugiados urbanos estava no Oriente Médio e na Europa Ocidental. Os custos destes refugiados para a OIR eram consideráveis – cerca de 13% do seu orçamento total para as questões administrativas e mais 13% para bem-estar médico, cultural e despesas materiais (transporte, suprimentos, estoques e equipamentos), além da necessidade de criação de um fundo de emergência (Holborn, 1956, 227).

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Independentemente de estarem em campos, em centros comunitários ou em

centros de repatriação, os refugiados eram agraciados com hospitais, sanatórios, casas

de convalescência, centros infantis nutricionais, centros vocacionais e de treinamento,

centros para crianças e jovens e também para idosos. Nas mais variadas acomodações,

como visto, os refugiados recebiam totais cuidados e manutenção.

Quanto à acomodação, eram mantidos os padrões mínimos de saúde e decência,

com razoável aquecimento, iluminação suficiente, facilidades sanitárias adequadas,

dormitórios com separação por idade e sexo, roupas adequadas ao clima e até recreação

era providenciada. Ainda nos campos, os refugiados eram ouvidos pela administração

do campo ou do centro antes da tomada de decisões que pudessem afetar suas vidas,

além de que estes eram chamados a colocar em prática tarefas da OIR (Holborn, 1956,

218-25), tanto administrativas quanto operacionais e profissionais.

Esta incorporação dos refugiados às atividades e funções práticas da OIR, dos

governos locais ou das ONG nos campos ou nos centros era de suma importância, pois

os ajudava a evitar a síndrome de dependência dos refugiados. Tanto é que no momento

atual, as ONG que atuam em campos de refugiados palestinos se utilizam dos próprios

refugiados para atividades não apenas corriqueiras, de administração do centro, mas

também atividades profissionais, como se verá adiante.

As políticas de nutrição e de saúde também eram mantidas em conjunto.

Serviços médicos, de enfermagem e dentários, medidas para prevenção de doenças

infecto-contagiosas e clínicas especiais para crianças, maternidades, farmácias,

ambulâncias e centros de imunização estavam entre os serviços à disposição dos

refugiados nos campos e nos centros comunitários onde eles se encontravam. Inclusive,

para as doenças mentais, havia terapia ocupacional, cujos programas colocados em

prática na Itália e na Alemanha obtiveram grande sucesso (Holborn, 1956, 239-64).

Outro programa específico era o das crianças desacompanhadas ou abaixo de 18

anos de idade, que eram colocadas para adoção, caso seus familiares não fossem

encontrados. Tudo ainda dependia da legislação no país da futura família substituta. As

principais condições eram escolher um guardião para supervisionar a nova família, além

da oportunidade de aquisição da nova nacionalidade, educação, proibição de trabalho

infantil e posse de recursos financeiros para manutenção da criança. Durante seu

mandato, a OIR reassentou 4.053 crianças desacompanhadas, sendo o Canadá um dos

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principais países receptores, ao lado dos EUA, Austrália, Suécia e Israel (Holborn,

1956, 493-512).

Embora o programa de cuidados e manutenção da OIR estivesse primeiramente

direcionado para o apoio e a recuperação material e física e para a reabilitação dos

refugiados e deslocados por meio do fornecimento de alimentos, vestuário, habitação,

auxílio médico, emprego28 e educação, havia problemas derivados indiretamente destas

necessidades, cujas dificuldades das pessoas eram mais psicológicas que materiais e

surgiam principalmente da ansiedade acerca do futuro. Tais problemas eram tratados

individualmente por meio do programa de assistência social individual, baseando-se nas

necessidades e interesses de cada refugiado, que poderiam ser quaisquer das soluções

duráveis (repatriação29, reassentamento em um terceiro país ou integração local no

primeiro país de acolhimento), conforme afirma Holborn (1956, 265-71).

Holborn (1956, 472) declara que muitos refugiados permaneceram nos primeiros

países de acolhimento, adaptando-se normalmente às condições encontradas e nunca

buscaram quaisquer auxílios da OIR ou de outra organização internacional. Outros,

impacientes e desapontados pela longa espera, fugiram dos centros ou dos campos,

desistindo do status de refugiado, e iniciaram seu próprio caminho de inserção na

economia do país em que passaram a residir. Alguns destes últimos buscaram alguma

assistência da OIR, no sentido de dirimir dúvidas quanto ao seu processo de integração

local.

Países como o Canadá e o Brasil, além de outros como os EUA e a Austrália,

possuíam programas de orientação aos refugiados escolhidos para serem reassentados

em seus países, como aprendizado da língua, cultura, características da nova sociedade

em geral (Holborn, 1956, 300).

28 O programa de emprego e treinamento vocacional era objetivo essencial da OIR, conforme sua Constituição, para evitar consequências desastrosas e anti-sociais. A OIR empregava refugiados, inclusive em funções administrativas e de manutenção. Holborn (1956, 272-3) afirma que após seis meses de operação, cerca de metade dos refugiados sob mandato da OIR estava empregada ativamente ou recebendo treinamento vocacional (também de aprendizado da nova língua), o que era uma proporção considerada alta, já que a maioria dos refugiados era mulheres com filhos, idosos, deficientes físicos ou jovens menores de 16 anos. 29 Conforme a Constituição da OIR, a repatriação deveria ser o principal meio de findar o problema dos refugiados. Ademais, cerca de 12 milhões de refugiados foram repatriados voluntariamente entre 1945 e 1946, pouco antes do início do mandato da OIR (Holborn, 1956, 339).

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Cerca de 1.038.750 pessoas foram reassentadas durante o mandato da OIR, da

forma mais organizada do que já havia sido feito em outra época no mundo. Os

governos, motivados por ideais políticos e humanitários, decidiram ajudar tais

refugiados e deslocados, inclusive a se tornarem cidadãos auto-sustentáveis nos novos

lares, contribuindo para a vida social e econômica do novo país (Holborn, 1956, 365).

Nesse momento, aponta Holborn (1956, 365-430), o governo brasileiro também

teve planos para reassentar um grande número de refugiados, embora preocupado em

proteger seus trabalhadores nacionais da competição. Pela mesma razão, o delegado

canadense apontou que, sob a lei canadense, os imigrantes deveriam possuir recursos

financeiros suficientes para manutenção deles mesmos por períodos determinados após

suas entradas no Canadá. Posteriormente, entretanto, alguns países ocidentais, como

esses dois, obtiveram sucesso e, como resultado de um plano inicial com muita

precaução, grandes programas de imigração foram praticados no Brasil e no Canadá,

colocando, inclusive, a reunificação familiar como primordial. No Canadá, a

reunificação familiar e a recepção de certas profissões, independentemente de origem ou

religião, foram tidas como primordiais. Entretanto, Holborn (1956, 376) aponta que, no

Canadá, os programas de reassentamento eram baseados em entendimentos verbais e em

detalhes operacionais usualmente decididos em nível do Poder Executivo.

Já no Brasil, em um primeiro momento, foram recebidas cerca de mil famílias,

totalizando por volta de cinco mil refugiados (isto somente no outono de 1946), quase

todos em São Paulo, devido à necessidade de mão-de-obra para o crescimento industrial

apresentado nessa localidade brasileira e ao desejo do governo brasileiro em

desenvolver a agricultura, aumentar a mão-de-obra e enviar imigrantes para os estados

menos avançados do país.

Infelizmente, no Brasil, não foram assentados profissionais liberais, por falta de

permissão das leis brasileiras de autorizar a práticas de tais profissões por estrangeiros.

Muitos refugiados e deslocados foram assentados em Porto Alegre para trabalharem em

minas de carvão. A ênfase foi dada na escolha de solteiros.

Vale salientar que o Brasil nunca chegou a ratificar a Constituição da OIR,

embora tenha sido um dos países que mais contribuíram para o reassentamento dos

refugiados e deslocados durante o mandato deste organismo, mantendo de forma

permanente um comitê de cerca de vinte pessoas no Rio de Janeiro, além dos comitês

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em São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Bahia e Goiás, com a

finalidade de recepcionar, de documentar, de transportar e de colocar os refugiados no

novo lar. Ao final de dezembro de 1948, 9.473 refugiados estavam reassentados, com

sucesso, no Brasil.

No ano seguinte, mais 3.018 refugiados foram reassentados na Ilha das Flores,

perto de Porto Alegre, depois de selecionados pelas missões brasileiras na Europa

Central. Infelizmente, no dia 25 de junho de 1949 o governo brasileiro ordenou a

suspensão da imigração em massa de refugiados ao Brasil e trouxe de volta suas

missões que operavam no exterior.

Apesar de todo seu esforço e dedicação, a OIR foi criada de forma temporária,

para auxiliar os refugiados e deslocados do período imediatamente anterior à Grande

Guerra Mundial, quando o mundo se encheu de vítimas do nazismo alemão, do

fascismo italiano e do falangismo espanhol, deixando de existir em 195230, quando deu

lugar à existência do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e da

Convenção de Genebra para os Refugiados de 1951, posteriormente sendo-lhes

acrescentado o Protocolo Adicional de 1967.

3.2. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)31

Apesar da extinção da OIR, como havia previsto sua Constituição, era necessária

a urgente criação de outro organismo que a substituisse na proteção e no apoio aos

refugiados. Nas palavras de Jubilut (2007, 79), “este organismo veio a ser um órgão da

ONU, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), para o

qual foi transferida a proteção dos refugiados após a extinção da Organização

Internacional dos Refugiados.”

30 Andrade (1996, 174) aponta divergências quanto à data de extinção da OIR, afimando que “ao que tudo indica, a OIR, que, em um primeiro momento deveria ser extinta em 30 de junho de 1950, concluiu suas atividades operacionais não em fins de 1951, mas sim, em janeiro de 1952, mais precisamente no dia 31, tendo sido extinta tão somente no mês seguinte, aos 28 de fevereiro.” 31 Os dados do ACNUR se encontram todos no site da própria instituição, qual seja, www.unhcr.org

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O ACNUR32 foi estabelecido no dia 14 de dezembro de 1950 no âmbito da

ONU33 (embora autônomo, segue as diretrizes da Assembléia Geral), diferentemente da

OIR (que era órgão autônomo), com mandato, também temporário, de três anos, mas

que vinha sendo renovado a cada cinco anos e, finalmente, em 2003, a Assembléia

Geral da ONU aboliu a necessidade do ACNUR de continuar renovando seu mandato.

Vale salientar que o ACNUR iniciou suas atividades no dia 1° de janeiro de 1951.

O mandato do ACNUR é para liderar e coordenar as ações internacionais para

proteger os refugiados e resolver seus problemas em nível internacional, contando com

o apoio dos Estados para, inclusive, implementar a Convenção de 1951 e as normas

criadas pelo ACNUR e pelos próprios Estados. Seu objetivo primordial é salvaguardar

os direitos e o bem-estar dos refugiados, além de esclarecer que todas as pessoas

possuem o direito a buscar asilo e lhes ser dado lugar seguro em um outro país, com a

opção de retornar voluntariamente para o lugar de origem, de ser integrado localmente

ou de ser reassentado em um terceiro país, de forma humanitária e apolítica.

Para o ACNUR34, proteção e apoio material caminham lado a lado. Daí que o

ACNUR poderá melhor fornecer proteção legal efetiva se as necessidades básicas do

refugiado (habitação, alimentos, água, cuidados sanitários e médicos) também forem

fornecidas. Portanto, esta agência internacional coordena as provisões e entrega de tais

itens, administra (ou ajuda a administrar) campos individuais ou sistemas de campos e

tem designado projetos específicos para mulheres vulneráveis, crianças e idosos, que

representam 80% (oitenta por cento) da população de refugiados em geral. Após o

assentamento, a educação é a maior prioridade do ACNUR, que também busca

encontrar as soluções duráveis para os refugiados, como acima citado.

Em mais de cinco décadas, o ACNUR já auxiliou cerca de 50 milhões de

pessoas a recomeçarem suas vidas e conta hoje com mais de 6.300 empregados em 278

escritórios em 111 países diferentes, ajudando mais de 32.9 milhões de pessoas, entre

32 A tradução do inglês se refere ao ACNUR como o Alto Comissário; por isso é que para se referir ao órgão, as publicações oficiais do ACNUR se referem ao Escritório do Alto Comissário, cujas funções são diretamente vinculadas ao Secretário-Geral da ONU. 33 Sendo órgão subsidiário da ONU, Jubilut (2007, 156-7) lembra de que o ACNUR tem poderes para celebrar tratados, quando a ONU delega tais poderes aos órgãos por ela criados, por meio de resoluções. 34 In Protecting refugees and the role of the UNHCR – 2007-2008, panfleto publicado pelo ACNUR, Genebra, e disposto em http://www.unhcr.org/basics/BASICS/4034b6a34.pdf acesso em 18 de março de 2008.

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refugiados, deslocados internos, apátridas e solicitantes de asilo, tendo ganhado o

Prêmio Nobel da Paz por duas vezes, em 1954 e em 1981.

As atividades do ACNUR são colocadas em prática graças ao apoio maciço dos

72 Estados-membros35, que se reúnem anualmente na sua sede em Genebra, além das

contribuições, inclusive financeiras, dos governos, membros e não-membros, de ONG,

corporações e indivíduos. Para as despesas administrativas, este organismo recebe uma

contribuição regular da ONU, o que equivale a cerca de 3% de seu orçamento, que já

ultrapassou a meta de US$ 1 bilhão (um bilhão de dólares americanos) por ano.

Ademais, ele aceita doações em espécie, como tendas, medicamentos, roupas,

caminhões e transporte aéreo.

Também outras agências e organismos, da ONU e fora da ONU, atuam em

conjunto com o ACNUR, para o alcance dos seus objetivos, tais como o Alto

Comisssariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a

Organização Mundial de Saúde (OMS), o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

(PNUMA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Comitê

Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a Organização Internacional para os Migrantes

(OIM), comunidades de refugiados, a sociedade civil em geral e cerca de 650 ONGs,

atuando em apoio ao ACNUR, tanto nos programas regulares quanto nos programas

emergenciais, como o que houve no sul do Líbano neste início de século XXI.

Jubilut (2007, 156) assinala que as parcerias do ACNUR com as ONG ocorre

principalmente nos processos de integração dos refugiados nos países de acolhida e nas

suas reintegrações aos Estados de origem, resultante das repatriações. Dessa forma é

que o ACNUR criou o programa Parcerias em Ação (PARinAC) para buscar as

melhores formas de atendimento e de proteção aos refugiados nesses casos.

O PARinAC36 foi criado em 1994, estabelecendo um extenso plano de ação por

meio de cooperação entre o ACNUR e mais de 800 (oitocentas) ONGs parceiras do

ACNUR no mundo, consistindo em mais de 130 (cento e trinta) recomendações em

áreas específicas, dentre as quais proteção aos refugiados, aos deslocados internos e

35 Ver lista de países-membros da Convenção de 1951 e do Protocolo Adicional de 1967 no Anexo D. 36 In http://www.unhcr.org/partners/3bbc5bd7a.html, acesso em 19 de fevereiro de 2008.

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preparação para emergências. ste programa foi revisado em 2000 com o intuito de

revitalizar o diálogo entre o ACNUR e as ONGs parceiras, emitindo recomendações

para fortalecer a parceria em nível local e nacional por meio de encontros anuais

regionais, além de meios em que o processo deste programa pudesse ajudar as ONGs

locais em suas capacidades e como usar tais capacidades em situações de emergência.

Apesar de problemas encontrados37, o PARinAC tem contribuído para

conscientizar o potencial de ONGs locais e nacionais, mesmo quando não há efetiva

cooperação entre os governos, as ONG e o ACNUR, aumentando a cooperação com

ONGs locais e nacionais, especialmente quando o ACNUR toma conhecimento de

práticas locais e também transfere certas tarefas às ONG locais, como no caso de

situações emergenciais

As ONG38, por meio dos acordos de parceria com o ACNUR, fornecem uma

gama de serviços para os refugiados mais vulneráveis, tais como alimentação, água e

habitação, assim como assistência legal, educação e atendimento médico. Para tanto, o

ACNUR canaliza anualmente entre 20% e 25% de seu orçamento para cerca de 600

ONG em mais de mil acordos no mundo todo. Os acordos de cooperação incluem a

assistência aos refugiados e às outras pessoas sob proteção do ACNUR em áreas de

saúde, nutrição, fornecimento de água, facilidades sanitárias, desenvolvimento

comunitário, educação, construção e manutenção.

O ACNUR também coopera com as ONG por meio de respostas emergenciais e

acordos “em espera”, capacidade de proteção, treinamento, advocacia e levantamento de

fundos. Algumas ONGs fornecem serviços aos refugiados com fundos adquiridos de

outras fontes que não o ACNUR, mesmo trabalhando em parceria com este. Em outros

casos, o ACNUR coopera com as ONGs e com outros doadores para assegurar a

reabilitação ou o desenvolvimento de fundos para projetos a longo prazo que beneficiem

uma comunidade maior, assim como os refugiados que estão retornando aos países de

origem.

37 Muitas vezes as percepções das ONG diferem das percepções do ACNUR e, então, problemas de comunicação permanecem na execução de programas. 38 In http://www.unhcr.org/partners/3bb0773ec.html, acesso em 17 de fevereiro de 2008.

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Com relação às parcerias com os governos,39 estando presente em mais de 110

países, o ACNUR trabalha bem perto dos governos acolhedores para proteger e assistir

aos refugiados a encontrar soluções a longo prazo para os problemas destes, assim como

contribui com fundos para o trabalho dos refugiados feito por instituições públicas em

muitos países.

Um total de 97 agências governamentais em 61 países, incluindo 54 com

responsabilidades específicas para os refugiados, estão no momento implementando

projetos dentro da estrutura do ACNUR. Outros atores incluem ministérios

individualmente, autoridades regionais, governos locais em áreas onde os refugiados

estão assentados, instituições privadas e membros do Poder Judiciário.

Em muitos países, como ocorre no Brasil com a Cáritas (parceira do ACNUR),

os governos, auxiliados pelo ACNUR, coordenam as atividades dos parceiros,

trabalhando para proteger e assistir aos refugiados e se responsabilizando pela

segurança física de ambos (dos refugiados e dos parceiros). Ademais, muitos países que

abrigam os refugiados contribuem financeiramente com o ACNUR e também fornecem

terra, recursos naturais, facilidades, empregados ou especialistas para proteger os

refugiados e auxiliar nos programas, sempre com o apoio do ACNUR, que fornece

capacitação para fortalecer e implementar tais programas.

Mesmo em países não-membros do ACNUR, ou seja, os não membros da

Convenção de 1951, ou onde não há legislação interna, o ACNUR, a convite do

governo local, tenta esclarecer quais os padrões internacionais apropriados a serem

colocados em prática. Vale mencionar que há os parceiros implementadores dos

programas, como o CICV e a Cáritas Internacional, e os parceiros operacionais, que

desenvolveram suas próprias capacidades de respostas em casos de desastres e

emergências nacionais ou internacionais, como o Time de Apoio Norueguês. Enquanto

os primeiros recebem fundos do ACNUR, os segundos recebem fundos de outras fontes

que não a ONU. Mas ambos possuem acordos, inclusive para necessidades urgentes,

com esta agência da ONU para os refugiados.

39 In http://www.unhcr.org/partners/3bb074b4a.html, acesso em 17 de fevereiro de 2008.

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O ACNUR também não deixa de lado um parceiro fundamental, qual seja, a

sociedade civil40, tido como parceiro crucial, já que ajuda esta a chegar até aos

refugiados e ao público em geral. O poder da população civil organizada, canalizado

através de auxílio de ensino, de defesa de celebridades e de associações esportivas, pode

promover o entendimento, conscientizar o público e melhorar as vidas dos refugiados

nos campos. Os programas do ACNUR e suas colaborações incluem o ensino, que

auxiliam os estudantes a entenderem este complexo processo que leva à violência e ao

conflito, causando refugiados, levando os estudantes a analisar criticamente sobre os

conflitos e suas resoluções e a valorizarem o respeito ao outro, além de criar neles um

sentido de responsabilidade social; o programa de embaixador da boa vontade, que

conta com o apoio de celebridades como Angelina Jolie e outros; e, ainda, há as

associações esportivas, pois desde 1996 o ACNUR é parceiro do Comitê Olímpico

Internacional, por exemplo, para, por meio do esporte, chegar a milhões de crianças

refugiadas nos campos e nos assentamentos na África e na Ásia, ao organizar

atividades recreacionais regulares e estruturadas, como times esportivos, que são

considerados como passos vitais na reconstrução de uma sociedade destruída e sem

auto-estima, além de auxiliar no processo curativo para jovens refugiados, ensinando-os

a jogar novamente.

Também as corporações41 são parceiras oficiais do ACNUR, reassentando

refugiados nos países onde tais empresas possam empregá-los, auxiliando-os ainda a

estudarem no tempo livre. Empresários enviam seus funcionários para entrarem em

contato com refugiados e analisarem suas habilidades, com intenção de contratá-los,

reassentando-os nos países onde tais empresas os empregarão.

Nike e Microsoft estão entre as corporações que mais têm empregado refugiados

devido às parcerias com o ACNUR. Ademais, o programa www.ninemillion.org já

levantou mais de dois milhões de dólares americanos para apoiar educação e esporte em

campos de refugiados ao redor do mundo. Desta forma, os refugiados são treinados e se

tornam aptos a exercer um ofício quando saem do campo, contribuindo para seus

próprios países, caso sejam repatriados, ou para os países de reassentamento.

40 In http://www.unhcr.org/partners/3d9433275.html, acesso em 17 de fevereiro de 2008. 41 In http://www.unhcr.org/partners/3d8f1be44.html, acesso em 17 de fevereiro de 2008.

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Ainda há as parcerias com os próprios refugiados42, considerada a área com

maior potencial e a menos desenvolvida até o momento. O ACNUR começou a buscar

maior participação e fortalecimento dos refugiados, capacitando-os e incorporando suas

idéias no planejamento das atividades e tarefas da agência. Um dos programas criados

se aplica às mulheres refugiadas, que frequentemente são vítimas de violência e abusos,

além de dependentes e excluídas das estruturas dominantes masculinas.

Conforme o relatório publicado no site acima mencioando, sempre que as

mulheres são envolvidas em atividades, como organização de eleições ou auxílio na

distribuição de ajuda, a qualidade da vida da refugiada aumenta significativamente. Um

exemplo fabuloso foram os refugiados em Côte D’Ivoire, que conduziram seus próprios

exercícios de registro e desenvolveram um currículo educacional escolar para eles

próprios.

Todos esses programas de parcerias mostram, cada vez mais, a necessidade de

implantar a sociedade em rede de que fala Castells, sendo fundamentais para solucionar

de forma permanente a problemática dos refugiados, que, desde os seus primórdios, não

possuem mudanças, permanecendo as mesmas, quais sejam: o repatriamento, o

reassentamento e a integração local.

O repatriamento encontra, na maioria das vezes, dificuldades, por vários

motivos, quais sejam: muitos refugiados acreditam que eles não possuem mais um país,

devido à falta de infra-estrutura, que foi destruída durante o conflito; outros estão

receosos de retornarem para uma área cujas fronteiras foram modificadas e, portanto,

suas nacionalidades foram trocadas; há ainda os que estão em total desacordo com o

novo tipo de governo instalado (no poder) e com os novos padrões econômicos; sem

contar com os ativistas políticos, cujos temores de perseguição ou vitimização

permanecem, e com aqueles detentores de fortes convicções religiosas, temerosos da

falta de liberdade religiosa; dentre outros (Holborn, 1956, 339); embora seja a

repatriação a esperança da maioria dos refugiados, qual seja, reconstruir suas vidas em

um ambiente familiar e seguro.

Quanto aos outros modos de solução permanente, tanto o reassentamento em um

terceiro país quanto a integração no primeiro país de acolhimento objetivam o ajuste do

42 In http://www.unhcr.org/partners/3bb08e526.html, acesso em 17 de fevereiro de 2008.

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refugiado ao estilo de vida no país de acolhimento, durando até o momento em que o

refugiado adquire nova nacionalidade, quando cessa a condição jurídica de refúgio,

pois, nesse caso, o refugiado não necessita mais da proteção da comunidade

internacional.

Quanto ao reassentamento, o Manual Reassentamento de refugiados: um manual

iinternacional para guiar recepção e integração, publicado na Austrália em 2002, pelo

ACNUR e pela Fundação Vitoriana para Sobreviventes de Tortura (FVST), afirma que

os programas de reassentamento são um importante caminho para esclarecer que a

responsabilidade pelos problemas dos refugiados deve ser compartilhada entre todos os

países do globo e também entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento (p.

4).

Conforme esse Manual, a integração local resultante do reassentamento43

necessita de planejamento, estratégias e compartilhamento global entre o ACNUR, a

sociedade local (que deve ser instruída e preparada para tanto), o governo receptor e

ONG locais, além do apoio de comunidades locais de refugiados, se houver. Também

deve ser levada em consideração a realidade do país de acolhimento (p. 10).

O reassentamento, cujo objetivo final é a integração total, inicia-se com a

identificação e a avaliação do solicitante de refúgio, estendendo-se até a sua recepção na

chegada do país de acolhimento e incluindo a integração a longo prazo na comunidade

receptora (p. 9). A integração consiste, assim, em um caminho de duas vias, pois tanto o

país receptor lucra com a chegada dos refugiados, que serão membros da economia

local, quanto os refugiados podem contribuir para o país receptor e para esta sociedade

acolhedora em geral, com seus atributos e habilidades, como participantes do mercado

de trabalho (p. 7-8).

Por fim, o próprio Manual do ACNUR (p. 32-3), para auxílio dos países e das

sociedades receptoras, cita as metas necessárias para uma boa e frutífera integração de

refugiados:

43 Conforme este Manual, confirmado pelo site do ACNUR, são países que possuem programas de reassentamento: Austrália, Benin, Brasil, Burkina Fasso, Canadá, Chile, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Holanda, Islândia, Irlanda, Nova Zelândia, Noruega, Suécia, Suiça e EUA.

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1. restaurar segurança, controle e independência social e econômica, ao

fornecer as necessidades básicas, facilitando a comunicação e buscando o

entendimento da sociedade receptora;

2. promover a capacidade para reconstrução de um futuro positivo nessa

nova sociedade44;

3. promover a reunificação familiar e restaurar as relações de apoio intra-

familiares;

4. promover ligações com voluntários e profissionais aptos a fornecer

apoio;

5. restaurar a confiança no sistema e nas instituições políticas e reforçar o

conceito de direitos humanos e das regras do Direito45;

6. promover a integridade cultural e religiosa e restaurar ligações para, e

promover participação em sistemas comunitários, sociais, culturais e

econômicos, ao valorizar a diversidade;

7. conter o racismo, a discriminação e a xenofobia, além de construir

comunidades hospitaleiras e acolhedoras;

8. apoiar o desenvolvimento de comunidades de refugiados fortes,

acolhedoras e liderança de refugiados com credibilidade46; e

9. desenvolver condições que apoiem a potencial integração de todos os

refugiados reassentados, levando em consideração o impacto das

diferenças de idade, gênero, estado civil e experiências de passado.

44 Dentre as atividades a serem concretizadas para o alcance positivo das metas acima, podem-se citar os programas de acomodação imediata, tradução e interpretação, aprendizado da nova língua, apoio financeiro e no acesso ao emprego e ao treinamento vocacional. 45 Para as metas 3, 4 e 5, ou seja, reunificação familiar, redes de apoio comunitários e de voluntários, avaliação de saúde e cuidados médicos, serviços para os sobreviventes de trauma e tortura, estratégias para aumentar a capacidade dos profissionais em engajamento na sociedade, sensibilização dos sistemas públicos e seus funcionários que lidam com refugiados e fornecimento de residência permanente e nacionalidade são algumas das atividades planejadas para seu alcance. 46 As metas 6, 7 e 8 serão colocadas em prática, entre outras atividades, na comunicação com a mídia, que pode dar um importante apoio, na orientação cultural e na criação de estratégias que promovam a diversidade cultural e contenham o racismo e a xenofobia.

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Por fim, o desenvolvimento de processos e de estratégias específicos para

responder a necessidades particulares dos recém-chegados com traumas relacionados

aos refugiados, homens, mulheres, idosos, crianças e jovens, especialmente os menores

desacompanhados, deve ser a principal atividade para a consecução de tal meta.

3.3. A Agência das Nações Unidas para Assistência e Proteção aos Palestinos

(UNRWA) e o palestinos47

Nem todos os refugiados, ou seja, nem todos os indivíduos que estão fora de seu

país de origem por temor de perseguição, conforme a Convenção de 1951 e o Protocolo

adicional de 1967, enquadram-se como refugiados. A própria Convenção, em seu artigo

1°, § 4°, exclui da condição de refugiados aqueles já beneficiados com proteção ou

assistência por outro organismo ou outra instituição da ONU que não o ACNUR.

Entretanto, quando tal proteção ou assistência houver cessado, por qualquer razão, sem

que a sorte dessas pessoas tenha sido definitivamente resolvida, de acordo com as

resoluções a ela relativas, adotadas pela Assembléia-Geral da ONU, essas pessoas se

beneficiarão de pleno direito do regime da Convençao de 1951.

Este dispositivo foi criado para justificar a exclusão de alguns palestinos do

regime de refugiados criado no seio do ACNUR, pois, para estes, já havia sido criada a

UNRWA (Agência das Nações Unidas para Assistência e Construção para os Palestinos

do Oriente Próximo), em 8 dezembro de 1949, aprovada que foi pela resolução 302 (IV)

Assembléia-Geral da ONU (AGNU), tendo iniciado suas operações apenas em maio de

1950, como órgão subsidiário da ONU.

Refugiados palestinos e refugiados da Palestina são diferenciados para efeito de

proteção da UNRWA48: ficam sob proteção da UNRWA, sendo então denominados

refugiados da Palestina, quem quer que tenha residido normalmente no território

palestino sob mandato britânico entre 1 de junho de 1946 e 15 de maio de 1948 e que

tenha perdido tanto seu nome quanto os meios de sobrevivência devido ao conflito

árabe-israelense de 1948. Também os descendentes destes estarão sob proteção da

47 In www.unrwa.org, último acesso em 30 de junho de 2008. 48 In The United Nations and Palestinian Refugees, folheto publicado pela UNRWA em janeiro de 2007, p. 5-6.

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UNRWA, tendo direitos a serem registrados49 para recebimento de auxílio; mas apenas

os refugiados que estejam residindo dentro de um dos cinco campos operacionais de

atuação desta agência, quais sejam: Jordânia, Líbano, Síria, Faixa de Gaza e Faixa

Oriental, incluindo o leste de Jerusálem. O número total de refugiados sob

responsabilidade da UNRWA, em 31 de dezembro de 2007, era o seguinte:

Campo de Operação

Quantidade de campos

Famílias registradas nos campos

Refugiados registrados nos campos

Refugiados registrados

Jordânia 10 63.591 332.948 1.903.490 Líbano 12 50,806 219.201 413.962 Síria 9 26.645 121.898 451.467 Banco Oriental 19 39.895 189.787 745.776 Faixa de Gaza 8 93.074 491.636 1.048.125 Total 58 274.011 1.355.470 4.562.820 Fonte: UNRWA, in http://www.un.org/unrwa/publications/index.html, acesso em 30 de junho

de 2008.

Somente nos territórios ocupados por Israel há cerca de 1.7 milhões de

refugiados registrados sob a UNRWA, que é a principal fornecedora de serviços

assistenciais no local50, tais como os programas específicos na assistência emergencial

de alimentos, de dinheiro, de saúde, de geração de empregos diretos e indiretos, além de

apoio psicossocial, de saúde ambiental, de organizações de base comunitárias e de

capacitação emergencial.

Além do mais, a maioria dos palestinos atualmente é refugiada (Shearer, 2006,

22; Samra, 2006, 37; Lowestein, 2006, 24) e apátrida51, tornando-se a maior

comunidade de apátridas do mundo, como exposto por SHIBLAK (2006, 8-9):

Um dos principais objetivos do esquema sionista na Palestina foi a erradicação dos palestinos do mapa, por meio da perda da identidade política e de uma base para sua nacionalidade. Atualmente mais da metade de oito milhões de palestinos são considerados apátridas de jure, dividindo-se em três categorias: os possuidores de documento de viagem para refugiado (Refugee Travel Document) emitido pela Síria, Líbano, Egito, Iraque e outros países árabes; os detentores de

49 Dados de 2008 apontam 4.6 milhões de refugiados da Palestina registrados sob mandato da UNRWA, sendo que 1/3 destes ainda residem nos campos. Há aqueles que já se mudaram para áreas fora da atuação da agência ou que estão residindo em outros países. In http://www.un.org/unrwa/english.html, acesso em 30 de junho de 2008. 50 In UNRWA Emergency Appeal 2008. 51 O art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 reza que “toda pessoa tem direito a uma nacionalidade”; sendo este direito responsável pela garantia de acesso à saúde, à educação, ao trabalho, à segurança pública, dentre outros.

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nacionalidades de conveniência, como os que possuem passaportes jordanianos; e os detentores do passaporte palestino emitido pela autoridade palestina (PA), que é considerado como um documento de viagem, aguardando a formação do Estado Palestino.

Felizmente, o ACNUR52 considera como refugiado palestino (e não da De acordo

com o exposto no Palestina), para efeito de proteção dos refugiados sob seu mandato,

conforme o sentido da resolução 194 (III) da AGNU, de 11 de dezembro de 1948, e

outras posteriores, que os deslocados daquela parte da Palestina que se tornou Israel e

que tenha estado inapto a lá retornarem. Também estão sob proteção do ACNUR os

palestinos que são deslocados, conforme o sentido da resolução da AGNU 2252 (ES-V),

de 4 de junho de 1967, e as resoluções subsequentes, além dos que tenham estado

inaptos a retornarem para os territórios palestinos ocupados por Israel desde 1967. Um

terceiro grupo de palestinos sob proteção do ACNUR são os indíviduos que nem são

refugiados palestinos nem deslocados, mas que, devido a um temor bem fundado de

perseguição, conforme a Convenção de 1951, estão fora dos territórios palestinos

ocupados por Israel desde 1967 e estão inaptos a retornarem ou, devido ao temor, não

querem retornar.

A UNRWA conta atualmente com 28 mil funcionários53 (sendo a maioria os

próprios refugiados da Palestina, como médicos, professores, enfermeiros e assistentes

sociais), sendo 20 mil na área educacional e 4 mil na área de saúde. O orçamento total

da UNRWA para 2007 foi de US$ 639 milhões de dólares americanos, excuindo os

programas emergenciais54, concretizados apenas na Faixa de Gaza e na Faixa Oriental,

que chegaram ao total de US$ 170,7 milhões de dólares americanos em 2006.

Assim como o ACNUR e a OIR, a UNRWA também foi criada de forma

provisória, apesar de que seu mandato foi recentemente estendido até 30 de junho de

2008, para continuar a fornecer educação, saúde, assistência social, habitação,

empréstimos de micro-créditos e auxílios emergenciais para os refugiados da Palestina,

nos cinco campos operacionais. 52 In The United Nations and Palestinian Refugees, folheto publicado pela UNRWA em janeiro de 2007, p. 10-1. 53 In http://www.un.org/unrwa/english.html, acesso em 21 de fevereiro de 2008 54 Os programas emergenciais se resumem em auxílio de comida, criação de emprego temporário e assistência em dinheiro.

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Para se ter uma idéia das atividades do UNRWA, basta saber que ela possui, em

operação, 663 escolas, 8 centros vocacionais, 125 escolas primárias, 65 centros de

programas femininos e 39 centros de reabilitação de base comunitária. Ademais,

fornece auxílio de alimentos para cerca de 250 mil refugiados e, desde 1991, tem

fornecido US$ 100 milhões de dólares americanos. Há ainda programas especiais para

mulheres, crianças e idosos.

Os programas-base da UNRWA são assistência humanitária e desenvolvimento

humano, além das intervenções feitas juntamente com autoridades governamentais,

levando esta agência a prover medidas de proteção para os refugiados da Palestina em

suas áreas de operação. A tarefa de buscar uma solução para o conflito palestino-

israelense foge do escopo da UNRWA, que entende ser ele de responsabilidade das

partes do conflito e de outros atores políticos, não sendo papel desta agência da ONU.

Os fundos do UNRWA provêm principalmeente de contribuições voluntárias

(95% de toda a renda) em dinheiro, embora haja ainda contribuições in natura, como

comida, suprimentos médicos e necessidades básicas. Apenas 113 de seus funcionários

são pagos pela ONU, em Nova York, o que representa menos do que 5% de seu

orçamento regular.

Ao lidar com a questão dos refugiados palestinos ou dos refugiados da Palestina,

três pontos devem ser levados em consideração. O primeiro deles, apontado por Rempel

(2006, 5-7), é que ainda não há uma definição compreensível para tais refugiados.

Enquanto Israel clama por uma definição restrita aos deslocados em 1948 e em 1967, os

palestinos advogam por uma definição ampliada, que inclua crianças e esposas de

refugiados, além de outros em condições assemelhadas, assim como os deportados dos

territórios ocupados por Israel e dos que se encontravam fora do território no momento

das hostilidades e permanecem inaptos ao retorno.

Um outro ponto, citado por El-Malak (2006, 46), é a necessidade e o direito dos

palestinos serem reparados/indenizados pelas perdas resultantes da criação do estado de

Israel, quais sejam: restituição da propriedade perdida, compensação pelos danos

ocorridos e reconhecimento do dano causado, ou uma combinação de ambos. A falta de

reparação até o momento presente fere o direito internacional, inclusive previsto pelas

resoluções 181 (Plano da Partilha) e 194 da AGNU em 1947/48. A primeira garante a

expropriação de terras feitas pelos israelenses, exceto para propósitos públicos, quando,

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neste caso, deverá haver plena compensação, conforme definido pela Suprema Corte, e

com pagamento prévio. Portanto, a desnacionalização em massa dos palestinos por

Israel, para prevenir seus retornos e a expropriação de suas terras estão contrárias ao

direito internacional.

A segunda resolução afirma que os palestinos terão os direitos ao retorno, caso

desejem, e de viverem em paz com seus vizinhos, além de que compensações devem ser

pagas para os que não desejarem retornar ou devido às perdas ou danos causados à

propriedade, conforme os princípios do direito internacional ou da eqüidade. Também,

até o momento, tal resolução não foi cumprida por Israel.

O terceiro e último ponto, é que a política da UNRWA e das ONGs locais

advogam que os refugiados devem se engajar politicamente nas decisões, nos programas

e nas atividades que afetem suas vidas. Por isso é que os próprios palestinos possuem o

direito legal e moral de decidirem se desejam o retorno à terra natal ou se preferem as

compensações a que têm direito, conforme rezam Abu-Iyun & Murad (2006, 47). Eles

também são parte dos programas nos campos, como funcionários das ONG, das

agências internacionais e dos governos locais, o que facilita a sua integração local e

evita a síndrome de dependência.

Para Meyer (2006, 52), a integração local ainda é a melhor solução durável para

os refugiados palestinos, ou da Palestina. Entretanto, em entrevistas feitas

informalmente a refugiados palestinos na Jordânia, em 2003, esta pesquisadora se

deparou com uma unanimidade, a saber: todos os refugiados entrevistados lutam pelo

direito de retorno à terra natal (suas ou de seus ancestrais, já que muitos dos

entrevistados já nasceram em campos de refugiados e são segunda ou terceira geração

destes), mesmo que para isso tenham que residir ao lado de judeus. O objetivo daqueles

é possuir os mesmos direitos destes e a criação do Estado da Palestina, nos moldes

como o que existia sob mandato britânico até o dia da criação de Israel como Estado

Soberano. Para estes refugiados, integração local na Jordânia, onde foram entrevistados,

seria esquecer o passado, as perdas, os danos e os sofrimentos causados pelos judeus

aos palestinos desde 1948.

Entretanto, não apenas os refugiados palestinos, ou ainda os refugiados da

Palestina, possuem suas peculiaridades, precisando de tratamento internacional e local

específicos, também os refugiados nos continentes americanos e africanos possuem suas

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necessidades diferenciadas, tendo havido a necessidade de criação de regimes próprios

para lidar com tais grupos de refugiados.

3.4. A África e as Américas

Tratando-se de continente africano, a Convenção da Organização da Unidade

Africana (OUA), de 1969, foi um marco na proteção aos refugiados e aos seus direitos,

ampliando a definição jurídica anteriormente exposta na Convenção de 1951.

Chimni (2000, 64), oportunamente, assinala que o problema dos refugiados

neste continente foi produto dos anos 60, a década da descolonização máxima e da

intensificação das lutas das nações africanas pela independência.

Em meio às lutas violentas pelo direito à auto-determinação e pelo

desenvolvimento nacional, a convenção de 1969 veio regionalizar o problema e adequar

a normativa dos refugiados à realidade do continente, rezando que (artigo 1°)

o termo refugiado deverá também ser aplicado a toda pessoa que, devido à agressão externa, ocupação, dominação estrangeira ou eventos seriamente perturbadores da ordem pública, em qualquer parte ou em todo o país de origem ou nacionalidade, está compelida a deixar seu lugar de residência habitual para buscar refúgio em outro lugar fora de seu país de origem ou nacionalidade.

Pela primeira vez o indivíduo que busca refúgio devido às agressões de outro

país ou resultante de invasões também será considerado como refugiado, pelo menos em

nível regional, ou seja, na África.

Concordando com Chimni (2000, 65-6), esta nova terminologia, que refletiu a

urgência para responder à realidade deste continente, também estabeleceu um

importante precedente no direito internacional, qual seja, mostrou uma resposta

humanitária ao problema e forneceu uma solução prática para determinar a condição

jurídica de refugiado na África, continente cujos países possuem o maior número de

refugiados, tanto enviando-os como recebendo-os. Como exemplo, pode-se apontar que,

em 1969, não havia uma definição jurídica para o termo, tendo sido adotada apenas em

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197455; e, com certeza, a definição de refugiado adotada pela convenção de 1969 ajudou

na aceitação da comunidade internacional em discuti-lo e em defini-lo juridicamente.

Não apenas o continente africano, mas também o continente americano achou

por bem regionalizar a definição jurídica de refúgio, para atender aos problemas legais e

humanitários que afetavam os refugiados, especialmente na América Central, o que foi

feito com a adoção da Declaração de Cartagena de 198456, adotada no “Colóquio sobre

a Proteção Internacional dos Refugiados na América Central, México e Panamá:

Problemas Jurídicos e Humanitários.”

Conforme publicação do ACNUR, intitulada de 20 Aniversario de la

Declaración de Cartagena sobre Refugiados – 1984-2004, naquele momento, cerca de

150 mil refugiados centro-americanos receberam assistência na região e outros 18

milhões foram afetados pelo conflito (alguns foram obrigados a cruzar uma fronteira

internacional ou a abandonar seus lugares de origem).

Esta declaração foi, assim como a convenção africana de 1969, um marco inovador na região, incluindo como refugiado, além da definição da convenção de 1951, “aquele que tenha deixado seu país de origem ou de nacionalidade devido à ameaça à sua vida, à sua segurança ou à sua liberdade, resultante de violência generalizada, da agressão estrangeira, de conflitos internos, de violência maciça aos direitos humanos ou outras circunstâncias que hajam perturbado gravemente a ordem pública.

Nesse momento, faz-se mister salientar que os países latino-americanos,

costumeiramente, já praticavam o asilo, tanto político ou territorial como diplomático

(forma provisória do primeiro)57, diferenciando-se, assim, da prática européia, que não

possui dois institutos diferentes para abrigar o indivíduo que está fora de seu país de

origem ou nacionalidade devido às perseguições políticas ou ainda, conforme Rezek

(2005, 215), “por dissidência política, pela prática de delitos de opinião ou por crimes

55 Em 1974, o Conselho de Segurança da ONU definiu agressão como “o uso da força armada por um Estado contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política de um outro Estado, ou de outra maneira inconsistente com a Carta da ONU, conforme exposto nesta definição. 56

Vide Declaração de Cartagena de 1984, na íntegra, no Anexo E. 57 Rezek (2005, 215-218) afirma com propriedade que esta forma provisória de asilo, qual seja, o diplomático, “só é praticada regularmente na América Latina, onde surgiu como instituição costumeira no século XIX, e onde se viu tratar em alguns textos convencionais a partir de 1928.”

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que, relacionados com a segurança do Estado, não configuram quebra do direito penal

comum.”

Barreto58, presidente do CONARE, aponta que “o asilo, apesar de ser

considerado como uma forma de proteção, possui diferenciações na sua aplicação entre

os continentes. Na América Latina, geralmente, é considerado como um asilo

diplomático, tendo sua origem no Tratado de Direito Penal Internacional de Montevidéu

de 1889; contudo, não é reconhecido como Instituto do Direito Internacional perante

outros países, pois ao ser concedido o status de asilado, este se torna posteriormente um

refugiado, sendo esta real aplicação no continente europeu.

Além do mais, havia ainda o âmbito de abrangência do refúgio, visto que este

dificilmente era aplicado na América Latina, pois esta não se enquadrava nas situações

descritas nas convenções. O asilo era mais aplicado a cada caso concreto, de acordo

com os instrumentos legais da região, e o papel desempenhado pela Liga das Nações era

quase que inexistente na América Latina59.

O que fica óbvio é que, no continente europeu, o indivíduo será juridicamente

considerado solicitante de asilo enquanto sua solicitação de abrigo no país acolhedor

estiver em análise, caso o motivo da perseguição se enquadre na definição da convenção

de 1951 combinada com o protocolo adicional de 1967. Tendo sua solicitação deferida,

o indivíduo será considerado refugiado, nos moldes do regime internacional dos

refugiados. Tendo sido político o motivo do refúgio, ele será classificado no rol dos

refugiados políticos, embora não haja um regime jurídico diferenciando o instituto de

asilo do instituto de refúgio.

No Brasil, a concessão de asilo político está inserida no artigo 4°, inciso X da

Constituição da República de 1988, sendo considerada um dos princípios pelo qual o

Brasil se rege nas suas relações internacionais. Entretanto, o regime jurídico do refúgio,

mesmo entre países americanos, não é padronizado. Enquanto o Brasil recepcionou a

Declaração de Cartagena em seu direito doméstico, ampliando a definição de refugiado

outrora definida pela Convenção de 1951 e pelo Protocolo Adicional de 1967,

publicando uma legislação específica para os refugiados, o Canadá protege os direitos

dentro da mesma normativa jurídica em que protege os imigrantes em geral.

58 In http://www.mj.gov.br/snj/artigo_refugio.htm, acesso em 26 de fevereiro de 2008 59 Ibidem

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Há, enfim, duas diferenças básicas entre o refugiado e o migrante econômico.

O refugiado é uma das espécies de migrante forçado, diferentemente dos migrantes

econômicos (que são migrantes voluntários), que migram em busca de melhores

condições de vida (os primeiros são forçados a migrar devido às perseguições), mas

conservando a proteção do país de origem ou de nacionalidade. É acerca da integração

destes refugiados no Brasil e no Canadá que esta pesquisa tem seu foco central.

Capítulo 4

Os refugiados no Brasil

É objetivo deste capítulo entender a sociedade brasileira, sua relação com o

governo, no sentido de poder público lato sensu, e com os refugiados, além de analisar

o direito dos refugiados no Brasil, com dados estatísticos, e as soluções duráveis

colocadas em prática pelo ACNUR, pela Cáritas Internacional, pela sociedade civil

organizada e pelos próprios refugiados.

4.1. Formação e caracterização da sociedade cordial

A formação da sociedade brasileira na contemporaneidade resultou,

principalmente, das relações entre locais e imigrantes, no período de colonização pelos

portugueses, e culminou em uma sociedade conservadora e familista, caracterizada pelo

valor dado às aparências mais do que ao bem comum, ou ainda, valor maior dado ao

bem privado do que ao bem público.

Para Pacífico (2006, 20), o retrato desta formação, a partir dos seus três

elementos originais, o índio nativo, o branco colonizador e o negro escravo, mostra as

relações conservadoras entre dominadores e dominados, entre a elite econômica e os

desassistidos, as pseudo-relações de cordialidade, a sociedade das aparências, a

preponderância do privado sobre o público, o trabalho tido como um favor e o mito de

democracia racial, fazendo-nos ver que, no Brasil, a sociedade recém-nascida já nasce

deformada. Ademais, o perfil da força de trabalho dos imigrantes é caracterizado por

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discriminações e desigualdades na prática em contraposição à igualdade prevista

teoricamente na Ordem Jurídica brasileira. Portanto, pode-se afirmar que a transição dos

regimes políticos adotados no Brasil não trouxe mudanças significativas para a melhoria

das vidas dos imigrantes e dos refugiados que para aqui sempre vieram, apesar do

avanço que foi a publicação de lei dos refugiados em 1997.

O Estado moderno, e o Brasil não foge à regra, tem estado desacreditado, não

obtendo êxito na criação ou na manutenção de uma sociedade equitativa e/ou

harmônica. Por isso, por diferentes motivos, como por perseguições na terra natal, o

indivíduo inicia o processo de migração na ilusão de que o “pote com ouro no final do

arco-íris” vai estar em outro lugar que não seu lugar de origem. É uma crise sem

precedentes na história mundial. O fenômeno das migrações, embora não seja novo,

apresenta características novas, que difere dos fluxos passados60.

A crise por que passa a sociedade internacional, e o Brasil também aqui se

insere, é multidimensional. Wallerstein (1984, mimeo) define crise como “um processo

de transformação, cujos resultados dependerão de como nos posicionamos durante tal

situação”. Hodiernamente, não se pode olvidar da crise clara que existe proveniente da

questão das migrações, aumentando o número de excluídos, de desempregados e de

pobres nos grandes centros urbanos e nos países desenvolvidos. É este panorama que

Wallerstein chama de crise no trabalho decorrente das migrações.

No Brasil, no período colonial, constatava-se a relação hierarquizada entre as

classes. Havia a exploração dos poderosos economicamente sobre os

colonizados/pobres/fracos economicamente. Araújo (1997, 21-2) cita que, em fins do

século XVIII,

um professor de grego de Salvador diria que o Brasil era a ‘morada da pobreza, o berço da preguiça e o teatro dos vícios’”, permanecendo, até hoje, “incólume a estrutura de poder, a forma e a fórmula geral

60 Barry (1992, 279-87) bem aponta que em meio à globalização desenfreada por que o mundo passa no momento, há a hipocrisia dos países, especialmente os desenvolvidos economicamente, que clamam pelo direito universal à emigração ao tempo em que impõem políticas restritivas de imigração. Enfim, as pessoas são livres para emigrar, mas não possuem liberdade para imigrar. Podem sair, mas não podem entrar. Ademais, existe a inconsistência moral das diferentes normas impostas pelos países para transferência de pessoas versus transferência de dinheiro. A facilidade em transferir dinheiro é inversa à facilidade na migração de pessoas.

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com que o Estado, ou quem o representa, mantém seu domínio sobre as pessoas.

Mesmo no século XIX, Araújo (1997, 85 e 112-3) conta que “o ócio, ou a

demonstração social do ócio, era o mais importante signo de abastança, ou de conforto,

ou de vida digna de quantos pudessem ter escravos para mostrar seu poder”. O

importante era parecer fidalgo, não importando como vivia dentro da residência, mas

apenas como ostentava o ócio e a vida pública.

Fica claro o quanto Araújo corrobora com Holanda (1956, 28), quando este

afirma que “o certo é que entre espanhóis e portugueses, a moral do trabalho

representou sempre fruto exótico”. Holanda ainda acrescenta que, para ambos, “o ócio

importa mais que o negócio e a atividade produtora é, em si, menos valiosa que a

contemplação e o amor”, ou seja, já havia na formação da sociedade brasileira um

problema social crônico e enorme que não se conseguia resolver, qual seja o ócio e a

presunção de fidalguia, a necessidade de viver na aparência. O que resultou no retrato

atual dessa sociedade foi o fato de que

quando a sociedade complexificou-se, em especial no século XVIII [...], antigos personagens que poucos cuidados davam às autoridades passaram para primeiro plano: os desocupados urbanos, o pequeno camponês e o contestador político da ordem estabelecida. Adveio então a crise do sistema colonial que resultaria em mudança de regime político. Todavia, os donos do poder se fortaleceram com o tempo, os burocratas públicos ficaram ainda mais burocratas, o judiciário permaneceu venal e o povo, esse, perpetuou-se eternos males a ele impostos e mazelas por ele próprio criadas (Araújo, 1997, 27).

A corrupção e o clientelismo originaram-se nesta fase e o clero não raro se

punha ao lado da elite, tanto é que nunca foi instalado no Brasil um tribunal permanente

do Santo Ofício (Araújo, 1997, 283-5). O problema principal residia justamente no

proveito particular – a todo custo – em detrimento da coisa pública.

Nesse sentido, Holanda (1956, 103-10 e 234) coloca que “a entidade privada

precede sempre, neles, a entidade pública” e que

a democracia no Brasil foi um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semi-feudal importou-a e tratou de acomodá-la, como fosse possível, aos seus direitos e privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no velho mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas.

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Destarte, continuou prevalecendo na sociedade brasileira a elite política e

econômica sobre todos os outros, o que se contrapunha a idéia de democracia racial

outrora defendida por Freyre para caracterizar essa sociedade no século XIX.

Em 1933, antes de Holanda publicar Raízes do Brasil, Freyre, em Casa-grande e

senzala, traçou um panorama da formação da sociedade brasileira, ou seja, da

“formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida” (Ventura, 2000, 10), onde

o negro escravo e sua cultura afro eram valorizados. Para Freyre, apud Ventura, o Brasil

se tornou um paraíso devido à confraternização de raças e culturas e a harmonização dos

conflitos que aqui se encontravam (2000, 12).

A formação original da sociedade brasileira se deu a partir de três raças, quais

sejam, o índio, o negro escravo61 e o europeu (especialmente o português colonizador),

embora depois tenham chegado árabes (especialmente sírios e libaneses), japoneses,

italianos, alemães e holandeses, o que caracterizou o Brasil como um país multicultural.

Para Freyre, entre as três raças (índio, negro e branco europeu) havia uma

democracia racial, que contribuiu para a formação sadia da sociedade brasileira. Tal tese

caiu em desuso, pois fica clara a submissão do negro em relação ao branco e a

intolerância do índio em não se deixar escravizar pelo branco colonizador. Embora

Freyre tenha traçado um excelente retrato da sociedade brasileira no início da república,

sua visão se deu a partir da “casa-grande”, pecando na análise da supremacia do

colonizador, do dono-de-engenho, sobre o negro.

Conforme a professora Ana Amélia da Silva62, “devido a sua visão elitista,

Freyre valoriza o português e visualiza que nossa sociedade não possui conflitos

raciais”. Embora critique o papel do índio, o sociólogo também critica a visão racista até

então existente contra o negro e defende a miscigenação para branquear a sociedade

brasileira.

Para Ventura (2000, 11), “o mito da democracia racial [construído a partir da

relação entre as três raças que viviam no Brasil] se tornou um obstáculo para o

61 Freyre (1995, 461-2 e 464) afirma que coube ao negro escravo o trabalho sujo de higiene doméstica e pública, além de animar a vida doméstica do brasileiro, entre outras funções de baixo nível e higiene precária, causando até o suicídio de alguns. 62 In aula do doutorado em Ciências Sociais, na PUC/SP, no dia 29/08/2005.

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enfrentamento das questões étnicas e sociais e uma barreira para as minorias, como

negros e índios”.

Que democracia era essa em que a própria Constituição Republicana de 1934

estabeleceu cotas para restringir a entrada de imigrantes no Brasil e a Consolidação das

Leis Trabalhistas (CLT), criada em 1943, determinou que “nenhum estabelecimento

poderia ter mais de um terço de empregados estrangeiros”? Se já não havia democracia

no tratamento dado às três raças que formaram a sociedade, tampouco havia com

relação aos novos imigrantes. O princípio da não-discriminação e da igualdade já não

era visto aqui no Brasil. Ipso facto, não haveria a possibilidade prática de assimilação

cultural, já que, no dizer de Holanda (1956, 30), “toda cultura só absorve, assimila e

elabora em geral os traços de outras culturas, quando estes encontram uma possibilidade

de ajuste aos seus quadros de vida”, o que não ocorreu na formação da sociedade

brasileira, apesar da chegada de tantos imigrantes em diversas épocas históricas.

Freyre mostrou para as elites triunfantes da República, apud Ventura (2000, 39),

que “a aristocracia nordestina, apesar de derrotada na política, tinha se mostrado

vitoriosa na história e nos costumes, ao construir uma ordem patriarcal que gerou uma

cultura plástica e universal, capaz de integrar as tradições ibéricas, maometanas,

africanas e indígenas que deram origem à civilização implantada no Brasil”.

Em primeiro, fica difícil visualizar essa relação social democrática entre as

culturas no Brasil: o índio, elemento originador desta sociedade, continua sendo tratado

como submisso pela elite social, assim como o negro. Por fim, os outros imigrantes,

como europeus e asiáticos, que aqui se uniram no início ou mesmo na já formada

sociedade, tendem a residir em locais fechados, criando comunidades próprias, fazendo

permanecer suas religiões, línguas, costumes e valores; enfim, não permitindo fazer

valer o processo de assimilação cultural.

Apesar de Freyre, apud Ventura (2000, 45), destacar que “por conta da intensa

troca entre grupos e etnias, as culturas indígena e africana não se isolaram no Brasil, e

as relações entre as raças se tornaram maleáveis e mesmo prazerosas”, deve-se salientar

que ele se refere às relações sexuais entre portugueses e índias/negras, não

caracterizando uma relação de democracia racial entre tais povos. Ademais, Freyre

ressalta (1995, 54), entre as condições de confraternização e mobilidade social

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peculiares ao Brasil, à hospitalidade a estrangeiros, o que discordamos, já que esta

sempre foi uma sociedade da aparência, conforme Araújo e Holanda.

A sociedade brasileira até se tornou híbrida na sua composição étnica, mas na

técnica de exploração econômica, continua escravocrata até os dias atuais, em virtude da

contínua exploração da elite dominante política e economicamente, o que também

acontece com relação aos imigrantes e os refugiados. Não há razão plausível que

justifique a falta de respaldo jurídico e a violência sobre estes, nem o desinteresse por

suas vidas, enquanto residentes em território brasileiro, contrariando a Constituição

Brasileira, que reza que tanto os brasileiros quanto os estrangeiros residentes no país

terão os mesmos direitos (artigo 5º, caput).

Segundo Holanda (1956, 13-30), a relação social hierarquizada na sociedade

brasileira era de mandonismo do colonizador63 sobre o negro e o índio, caracterizada

pelo familismo, pelos privilégios desta elite, pela troca de favores entre os primeiros,

em contraposição à submissão dos últimos, dificultando o reconhecimento do outro, do

alter como parte fundamental da formação desta sociedade.

Foi esta negação das contradições e da violência enraizada na sociedade

brasileira que ajudou a dificultar a construção da cidadania (no sentido sócio-político e

jurídico do termo, ou seja, nas facilidades de acesso aos direitos) neste país. O próprio

Sérgio Buarque de Holanda (1956), crítico literário por profissão, mas historiador social

por prazer, ao retratar a formação da democracia no Brasil, afirma, erroneamente, a

natureza do homem cordial brasileiro como legado a ser deixado pela sociedade

brasileira para o mundo, lembrando que, aparentemente, o homem social brasileiro é

cordial, embora na prática, o próprio Cassiano Ricardo (no apêndice desta mesma obra)

refute tal idéia, provando que na prática somos, sim, violentos.

Para Holanda (1956, 209-11, 248), o homem cordial brasileiro é aquele que

apresenta “lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade”, interpretada como sendo a

63 Sobre as diferenças entre o colonizador português e o espanhol, Holanda assim explica no cap. 2 da obra, comparando o espanhol ao semeador e o português ao ladrilhador: enquanto o primeiro é ordeiro, apto a construir/planejar/plantar os alicerces/formular a ordem jurídica/ocupar o interior com ordem, o português busca a riqueza fácil, não se adapta nem ama o Brasil, buscando apenas o rápido enriquecimento para poder voltar à terra natal (163-4), embora nenhum dos dois mostrasse orgulho de sua raça ou preconceito contra outras, o que facilitava a mestiçagem e a construção de uma pátria fora de casa, (51 c/c 76). Nas páginas 15 e 18, Holanda defende que a “falta de coesão em nossa vida social” decorre justamente da “tentativa de implantação de uma cultura européia” no Brasil, totalmente diferente e distante de nossas formas de convívio.

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fineza no tratamento aparente, ou a “técnica da bondade”. Tal cordialidade é apenas

aparente, já que o brasileiro é “avesso a rituais, a disciplinas, assimilando com

freqüência novas idéias, gestos e formas sem maiores dificuldades”.

É esta cordialidade aparente, escondendo a verdadeira violência existente desde

a chegada do europeu colonizador, que ajudou na formação desta sociedade patriarcal,

personalíssima e familista. Racionalmente, fica claro como uma sociedade formada por

elementos tão diferentes, como o índio, o branco e o negro, de diversas regiões, careça

de uma força aglutinadora que una tais elementos em prol do seu crescimento, da sua

evolução e do seu desenvolvimento. Imigrantes estrangeiros e refugiados (estes já no

século XX) fazem parte de sua formação, embora a relação, inclusive jurídico-social,

ainda apresente um fosso enorme entre uns e outros.

Portanto, o fenômeno da imigração no Brasil se confunde com o próprio

nascimento da sociedade, no sentido de sua descoberta pelos europeus. Iniciou-se com o

período de chegada dos portugueses e espanhóis, seguindo-se de outros europeus, como

ingleses, holandeses, franceses, sempre buscando dominar a costa. Aparece o tráfico

negreiro, já que o índio se mostrou indomável frente aos desmandos do colonizador. A

partir de então, chegam árabes (especialmente sírio-libaneses), japoneses, turcos,

italianos, alemães, judeus, até angolanos, colombianos e paraguaios, por exemplo, em

períodos mais recentes, sempre conflitando com os indígenas e com a elite

economicamente dominante. Chegam sempre provenientes de diferentes partes do

mundo, e com as mais diversas razões, desde perseguições em seus países de origem até

a busca por melhores condições de vida. Com todo esse retrato, o Brasil nunca soube

bem receber o imigrante, não facilitando sua assimilação cultural à sociedade brasileira,

apesar da aparente cordialidade, que juridicamente os protegia e os fornecia direitos

suficientes para uma vida digna.

Um exemplo, que Holanda (1956, 137-8) cita em sua obra, é o dos bandeirantes,

que nunca foram colonizadores, até o dia em que descobriram as minas. Com o

descobrimento das minas nas Gerais, iniciou-se um processo de emigração para além da

faixa litorânea. Entretanto, os estrangeiros foram excluídos por Portugal do direito de

emigrar, com exceção dos ingleses e holandeses (súditos de nações amigas). Também

foram excluídos os monges, os padres desempregados, os negociantes, enfim, todos os

que pudessem não ir a serviço exclusivo da metrópole. Em 1720, proibiram-se

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passagens para o Brasil, exceto para os investidos em cargos públicos com seus criados

indispensáveis; para os bispos, missionários ou outros religiosos que já tivessem

professados no Brasil; e, para os particulares que provassem ter negócios importantes no

Brasil, ainda assim, por prazo determinado.

Com tudo isso, a administração portuguesa era ainda mais liberal e flexível do

que a das possessões espanholas, pois ao contrário dessas, a portuguesa admitia aqui no

Brasil (1956, 148) “a livre entrada de estrangeiros que se dispusessem a vir trabalhar.

Foi então que aqui chegaram inúmeros espanhóis, italianos, flamengos, ingleses,

irlandeses e alemães, podendo percorrer a costa brasileira como mercadores e pagando

como imposto dez por cento do valor de suas mercadorias”. Esta situação perdurou até

1600, quando, durante o domínio espanhol, Filipe II ordenou que fossem

terminantemente excluídos todos os estrangeiros do Brasil, que passaram a ser vistos

como indesejáveis. Era o sentimento segregacionista no Brasil que ora se iniciava.

Mesmo na sociedade brasileira atual há uma certa aversão ao estrangeiro,

sempre tratado com aparente cordialidade, mas dificilmente recebido bem o suficiente

para alcançar êxito no processo de assimilação cultural ou mesmo de integração, no

sentido de acesso aos direitos humanos fundamentais, como preconizados na Carta

Constitucional Brasileira.

Fica a impressão que o conservadorismo continuísta da sociedade brasileira se

perpetua. As relações desiguais entre as classes dominantes e dominadas, de

mandonismo retratada por Holanda e a vida privada patriarcal, elitizada e excludente

pintada por Freyre se perpetuam nessa sociedade, mesmo com as transformações de

monarquia a império e de império a república. E, os imigrantes, ou seja, os estrangeiros,

principalmente os refugiados, aqueles indivíduos que se encontram em terra alheia,

alvos de violência, xenofobia, preconceito e outras tantas dificuldades de adaptação à

nova sociedade, são os que mais sofrem.

O que falta aos imigrantes e aos refugiados é um melhor conhecimento dos seus

direitos enquanto cidadãos, enquanto seres humanos, enquanto sujeitos de direito, em

um mundo de mudança. A elite econômica, de forma geral, precisa esquecer-se do

discurso de querer “civilizar” o imigrante/refugiado em seu território, bastando apenas

dar-lhe os direitos humanos fundamentais básicos, como o direito de ser tratado como

ser humano.

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O número de imigrantes no Brasil tem decrescido nas últimas décadas (Milesi &

Contini, 2001, mimeo) devido às dififuldades de entrada destes no país, cuja ordem

jurídica facilita a entrada de grandes investidores, dos detentores de altos recursos e da

mão-de-obra qualificada, enquanto que o trabalhador comum não tem alternativas para

entrar legalmente no país.

O Departamento de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteira do Distrito Federal,

em relatório fornecido ao Instituto Migração e Direitos Humanos (IMDH) em 2000 (in

Milesi & Contini, 2001, mimeo), mostra que, no Brasil, o número de estrangeiros é

inferior a 1% da população, diferenciando-se, por exemplo, da Espanha, um dos mais

baixos da Europa Central, mas cuja cifra chega a 2%.

Acerca dos refugiados, os dados do Comitê Nacional de Refugiados (CONARE)

de dezembro de 2007 afirmam ser de 3.815 o número de refugiados no Brasil.

Entretanto, até agosto de 2007, havia 3.400 deles, dos quais 53 eram crianças com até

11 anos de idade e 208 eram adolescentes com idade entre 12 e 18 anos. Havia, dentre

os 3.400, apenas 14 refugiados com idade igual ou maior a 60 anos. e 74,02% deles

eram sexo masculino, ao contrário da realidade mundial (o ACNUR registra cerca de

80% dos refugiados entre mulheres e crianças/adolescentes).

Milesi (2008) aponta que dos 3.815 refugiados no Brasil, em 31 de dezembro de

2007, 3.461 (90,7%) eram refugiados no primeiro país de acolhimento, enquanto que

apenas 354 (9,3%) eram reassentados, procedentes, fundamentalmente, do Equador, da

Costa Rica e da Jordânia (Palestina). Apesar da ausência do número de refugiados por

país de origem, o relatório do CONARE64 de 31 de dezembro de 2007 afirma que estes

refugiados provêm de 70 nacionalidades, assim distribuídos (no gráfico abaixo não

estão incluídos os reassentados):

64 Ver o relatório completo, enviado por email, por este órgão, para esta pesquisa, no Anexo F.

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Fonte: CONARE – Relatório 2007, publicado in Milesi (2008)

Importa mencionar que dos 2606 africanos, 1684 deles são angolanos, enquanto

que dos 474 latino-americanos e caribenhos, os colombianos são a maioria, assim como

os iraquianos são maioria entre os provenientes do Oriente Médio.

Ademais, conforme consta neste mesmo relatório, o número de solicitações

indeferidas na última década tem sido menor do que o número das solicitações

deferidas, como mostrado, ano a ano, desde 1997, na tabela abaixo.

Deferidas Indeferidas 1999 208 35 2000 470 313 2001 117 186

2002 112 490 2003 79 222 2004 159 198 2005 227 234 2006 208 401 Ago/2007 104 284

Fonte: CONARE - Relatório – agosto de 2007

A visualização em colunas facilita identificar o número de indeferimentos maior do

que o número de deferimentos, como se verifica no gráfico abaixo:

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Fonte: CONARE - Relatório – agosto de 2007

Vale salientar que o CONARE indeferiu, sem análise de mérito, nos termos da

Resolução Nº 11, da Lei 9474/97, 1038 pedidos de refúgio, desde sua criação em 1999 até

agosto de 2007.

Em São Paulo, objeto da pesquisa, o Programa para Refugiados da Cáritas

Arquidiocesana de São Paulo (CASP), em 31 de dezembro de 2007, havia atendido a

seguinte população:

Continentes Solicitantes de Refúgio Refugiados Total África 138 874 1012 América Latina 100 276 376 Europa 2 68 70 Ásia 10 11 21 Total 250 1229 1479

Fonte: Entrevista cuja íntegra se encontra no Apêndice B.

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Vale salientar que, ao longo de 2007, conforme informação da advogada do

Programa, Dra. Liliana Jubilut, foram atendidos 398 novas solicitações de refúgio, que ainda

podem estar nesta condição, terem sido reconhecidos como refugiados ou, por fim, terem

tido seus pedidos indeferidos.

Ademais, ainda segundo a coordenação do programa em epígrafe, deste total de 1479

refugiados e solicitantes de refúgio em São Paulo, 1291 eram do sexo masculino e apenas

416 do sexo feminino, ou seja, somente 24,37% eram mulheres, diferindo da média global,

onde as mulheres representam cerca de metade do contigente de refugiados e solicitantes de

refúgio no mundo. Quanto à faixa etária da população atendida, foi a que segue: 0,65% de

crianças entre 0 e 4 anos, 6,98% entre 5 e 17 anos, 90,68% entre 18 e 59 anos e 1,69%

maiores de 60 anos, o que confirma a média global de refugiados jovens.

4.2. A proteção e os direitos

O Brasil, como já visto, foi um país que sempre recebeu imigrantes. De acordo com

o folheto Refugiados no Brasil, publicado em conjunto pela Cáritas Arquidiocesana do

Brasil, pelo ACNUR e pelo Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), em 1995

(antes do advento da Lei 9474), as razões por que o Brasil se tornou conhecido como um

país de imigração são inúmeras, dentre as quais citam-se: “por encontrar-se voltado para o

Atlântico, por sua enorme extensão, pelas amplas fronteiras que possui, por sua tradicional

abertura à Europa, por sua longa história de comunicação com a África e por seu natural

relacionamento com os países da América Latina.”

Embora a lei brasileira de proteção aos refugiados somente tenha sido criada em

1997 (Lei 9474, de 22 de julho de 1997, publicada no Diário Oficial da União no dia

seguinte), em 1989, o Brasil aceitou integralmente a Convenção de 195165 e o Protocolo

Adicional de 196766 e, graças ao Decreto 99.757/90, retirou a cláusula geográfica que fazia

65 Recepcionada no Brasil pelo Decreto-legislativo 11, de 7 de julho de 1960 e promulgada pelo Decreto 50.215, de 28 de janeiro de 1961. Vide LOF 9474/97, na íntegra, no Anexo G. 66 Recepcionado no Brasil pelo Decreto-legislativo 93, de 30 de novembro de 1971 e promulgado pelo Decreto 70.946, de 7 de agosto de 1972.

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com que unicamente os refugiados de origem européia fossem reconhecidos como tais no

território brasileiro.

Antes disso, desde 1958, o Brasil já era membro do Conselho Executivo do ACNUR,

apesar de que não havia uma efetiva política de acolhida aos refugiados no Brasil, que,

conforme Jubilut (2007, 171), somente passou a concretizar-se no final da década de 1970.

Ademais, a grande maioria dos perseguidos que aqui chegavam recebiam a condição de

asilado, isentando o Brasil de obrigações internacionais.

Abrir-se-á um parêntese aqui para melhor explicar o instituto do asilo, que se

diferencia do refúgio em vários itens. A priori, o asilo nasceu na Grécia antiga como

instituto religioso e somente com a ascensão do Império Romano é que passou a ter

denominação jurídica, embora sua concessão ainda estivesse a cargo da Igreja. Para Hugo

Grotius (apud Andrade, 1996, 15-6),

asilo era um direito natural e uma obrigação do Estado, sustentando que, em obediência a um dever humanitário internacional, os Estados que concediam asilo estavam agindo em beneficio do civitas maximus de uma comunidade internacional, devendo o instituto ser concedido àqueles que sofressem perseguições políticas ou religiosas. (grifo no original).

A partir da Revolução Francesa, com o desenvolvimento dos ideais de liberdade e

dos direitos individuais, é que começou a se consolidar a aplicação do asilo a criminosos

políticos e a extradição de criminosos comuns. Dantas (2007, 5) afirma que com o

progressivo desenvolvimento da sociedade, o direito de asilo passou a ser convertido em

direito do Estado em acolher estrangeiros que fugiam de seus países por razões políticas,

deixando, por conseguinte de ter o caráter de direito individual.

Juridicamente, o direito de asilo surgiu na América Latina em 1889, com o Tratado

de Direito Penal Internacional de Montevidéu, do qual o Brasil é parte. Segundo este, a

concessão de asilo (conforme previsto no artigo 4º, X da CR/88) é de livre decisão do

Estado acolhedor, ao passo que os procedimentos e direitos do asilado naquele ficam à

mercê do Direito Internacional. Diferentemente, no continente europeu, não existe a figura

do asilado, mas apenas a do solicitante de asilo, que ao receber o deferimento de tal pedido,

torna-se refugiado.

Ademais, na América Latina, ainda se diferencia o asilo diplomático do asilo político

ou territorial. Enquanto o primeiro é temporário e concedido dentro das missões

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diplomáticas ou consulares, o segundo é concedido no território do Estado acolhedor. A

tabela abaixo mostra as diferenças67 entre ambos os institutos.

Asilo Refúgio

Data da Grécia Antiga Data do Século XX

Instituto jurídico regional, tendo alcance na América Latina

Instituto Jurídico Internacional

Ato discricionário estatal Regulado por normas internacionais

Sem limitações legais quanto à concessão

O ACNUR supervisiona sua concessão, impondo limites, como as cláusulas de exclusão, cessação e perda

Devido à perseguição política unicamente, cuja existência seja de fato e efetiva

Devido a perseguições (ou medo fundado de tal perseguição) por raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política

Medida essencialmente política Medida essencialmente humanitária

Pode ser concedido ainda no Estado de origem do solicitante

Somente pode ser concedido para quem já ultrapassou as fronteiras do Estado de origem

Apenas permite a residência legal no Estado acolhedor

Gera responsabilidades com relação à proteção do refugiado pelo Estado acolhedor

Baseia-se em decisão Estatal constitutiva

Baseia-se em decisão declaratória (o que é levado em consideração é a situação do solicitante no país de origem e não a decisão do Estado acolhedor)

Fonte: Jubilut (2006, 29) e de Piovesan (2007, 77-84)

Retornando ao Brasil no final da década de 70, nesta época, o reconhecimento da

condição de refúgio ficava a cargo do Ministério das Relações Exteriores (MRE),

concedendo-lhe um visto temporário e transmitindo sua decisão ao Ministério da Justiça,

para publicação no DOU. Com tal publicação em mãos, o refugiado se dirigia à Polícia

Federal para receber a Carteira de Identidade de Estrangeiro (CIE) e a Carteira de Trabalho,

permitindo-lhe estada legal no Brasil e integrar-se à vida laboral, respectivamente. Segundo

o folheto citado na página 72, “a razão pela qual o escritório do ACNUR no Brasil se

dedicava quase que totalmente a um trabalho de reassentamento, em outros países, dos

refugiados que aqui chegavam em busca de proteção”, foi a falta de reconhecimento jurídico

do indivíduo como refugiado.

67 No entanto, vale lembrar que ambos os intitutos são medidas unilaterais, destituídas de reciprocidade e cujo objetivo é fundamentalmente a proteção da pessoa humana.

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Conforme o próprio ACNUR, em 1977 este organismo iniciou suas atividades no

Brasil, por meio de um acordo com o Governo brasileiro, para atuar principalmente no

reassentamento dos refugiados, especialmente latino-americanos. Todavia, o

reconhecimento oficial pelo governo brasileiro, segundo Jubilut (2007, 171) deu-se somente

em 1982. Entre 1977 e 1982, as Cáritas68 Arquidiocesana de São Paulo e do Rio de Janeiro,

além da Comissão de Justiça e Paz, foram os apoios do ACNUR na proteção aos refugiados.

Jubilut (2007, 173) afirma com propriedade que esse acordo tripartite foi

fundamental para a atuação do ACNUR no Brasil, auxiliando este a dar proteção e

assistência (apesar da falta da condição jurídica de refugiado) aos 150 refugiados

vietnamitas resgatados em alto-mar por petroleiros brasileiros (1975-1980); alguns cubanos

já asilados em Curitiba, que receberam dinheiro para integração local e, após, foram levados

a São Paulo para apoio jurídico e na área de habitação e saúde (1975-1980); e 50 famílias

Baha’i em 1986.

A dificuldade do ACNUR residia na falta de apoio em geral, especialmente jurídico,

do governo brasileiro, além da aplicação do princípio da não-intervenção (o Governo

brasileiro ainda não havia fornecido respaldo jurídico ao ACNUR para atuar no território) e

da descolonização e independência de vários países africanos, o que gerou um grande

contingente de refugiados.

Nas Cáritas de SP e do RJ, ainda citando Jubilut (2007, 174), “os refugiados

contavam com assessoria jurídica e auxílio para habitação e saúde. Os vietnamitas, após

algum tempo, tiveram acesso ao programa de microcrédito para estabelecerem oficinas de

costura.” Estes exemplos marcam o início do processo de integração local dos refugiados na

sociedade brasileira. Juridicamente, em 1982, o reconhecimento do escritório do ACNUR

pelo Governo brasileiro aperfeiçoou tal proteção.

Começa, em 1984, o período de redemocratização na América Latina e vários

refugiados foram repatriados ao país de origem. Também no Brasil, em 1988, com o

advento da Constituição-Cidadã (Constituição da República de 1988 (CR/88), o

escritório do ACNUR é transferido para Brasília e a Portaria Interministerial 394/1991

68 A Cáritas Internacional, uma ONG da Igreja Católica, criada em 1950, cujo papel é o atendimento da população carente, existe hoje em 154 países, sendo parceira do ACNUR em 21 deles, e possuindo status de observadora da ONU no Conselho Econômico e Social, conforme dados in www.unhcr.org, acesso em 3 de março de 2008. Segundo Jubilut (2007, 173), no Brasil ela está ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e à Pastoral Social, tendo sido criada em 1956.

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“amplia o elenco de direitos dos refugiados e estabelece procedimento específico para a

concessão de refúgio envolvendo o ACNUR (análise dos casos individuais) e o

Governo brasileiro (dar a decisão final)”, nas palavras de Jubilut (2007, 175).

Em 1992, em meio a uma guerra civil, cerca de 1200 angolanos chegam ao

Brasil e solicitam refúgio. Neste momento, o Brasil amplia sua definição de refugiado,

seguindo as diretrizes da Declaração de Cartagena de 1984, que considera refugiado

também quem está fugindo de graves e generalizadas violações aos direitos humanos.

Urgia, então, a criação de uma normativa específica para os refugiados no

Brasil, que, na prática, vinha adotando uma atitude humanitária e positiva de recepção a

estes. A aprovação da Lei Ordinária Federal (LOF) 9474/97 fez nascer o Comitê

Nacional dos Refugiados (CONARE), um dos motivos para o ACNUR se retirar do

Brasil, também devido ao número pequeno de refugiados neste território.

Entre 1994 e 2004, as funções do ACNUR no Brasil eram exercidas por meio do

escritório regional em Buenos Aires, embora um assessor jurídico representasse o

ACNUR nas reuniões do CONARE. Nesse ínterim, as Cáritas de SP e do RJ, o ACNUR

e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccionais de SP e do RJ firmaram

convênios para assistência jurídica e entrevistas aos refugiados.

Por tais convênios (Jubilut, 2007, 177), a OAB, nas suas seccionais de SP e do

RJ, indicava os advogados, que eram contratados pelas Cáritas e pagos e treinados pelo

ACNUR, para se ocuparem dos processos de refúgio junto ao CONARE. As Cáritas,

como centros de acolhidas, eram os locais das consultas e onde era fornecido todo o

apoio técnico-administrativo, além do serviço de assistentes sociais, para auxiliar os

refugiados no processo de integração local e em suas necessidades básicas.

Finalmente, em 2004, o ACNUR reabre seu escritório em Brasília, ainda

subordinado a Buenos Aires, até 2005, quando se torna autônomo e com representante

oficial, coordenando os programas de assistência, integração e proteção, além de

recursos financeiros e da realização de contatos e negociações com o governo brasileiro.

O artigo 14, § 1º da lei 9474/97, afirma o direito do ACNUR de participar de todas as

reuniões do CONARE, com direito de voz, mas sem direito a voto. É a própria lei

9474/97, com as instruções normativas posteriormente criadas, quem define o

procedimento de solicitação de refúgio:

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Procedimento de Solicitação de Refúgio no Brasil

Estrangeiro chega ao Brasil (impedimentos) ↓

Solicitação do reconhecimento à autoridade migratória ↓ ↓

Comunicação ao DPF*(diz de processo) Informe ao ACNUR ↓ ↓ Emissão de Protocolo e CTPS*

Termo de Declaração ↓

Diligências requeridas pelo CONARE com relatório a ele enviado

↓ CONARE profere a Decisão (ato declaratório) e notifica o solicitante e o DPF

Decisão favorável Decisão desfavorável ↓ ↓

Registra-se o refugiado no DPF Recurso (15d) ao Min. da Justiça ↓ ↓ Decisão Decisão Favorável Desfavorável ↓ ↓ Registra no DPF Não cabe Recurso ↓ Decisão ao CONARE e ao DPF *DPF = Departamento de Polícia Federal; CTPS = carteira de trabalho e previdência social

Fonte: Lei 9474, de 22 de julho de 1997 e publicada no D.O.U em 23 de julho de 1997.

Primeiramente (artigos 7º e 8º), o estrangeiro deve encontrar-se no território

nacional e exprimir o desejo de ser aqui reconhecido como refugiado, não importando

se sua entrada no país se deu ou não de forma irregular, diferentemente, por exemplo da

lei canadense, cuja entrada irregular é motivo para deportação (refoulement). Esta

solicitação é feita à autoridade migratória na fronteira (um funcionário da Polícia

Federal), que fornece a ele as informações necessárias para o procedimento de aquisição

da condição jurídica de refúgio, sem o estabelecimento de prazos para tanto, o que pode

levar à demora em casos específicos, apesar do caráter de urgência deste procedimento.

Importa lembrar que a própria lei 9474 estipula que o processo de refúgio é

gratuito e possui caráter urgente, devendo ser interpretado em coadunação com os

preceitos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, da Convenção de

1951 e do Protocolo de 1967.

No § 1º deste artigo, o Brasil adota o princípio do non refoulement, como supra

mencionado, impedindo que o solicitante seja enviado de volta ao país onde sua vida ou

liberdade esteja sendo ameaçada.

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Quando da solicitação de refúgio à autoridade migratória (Polícia Federal), o

solicitante deverá preencher um Termo de Declaração69, historiando as razões que o

levaram a solicitar refúgio, as circunstâncias de entrada no Brasil, seus dados pessoais

básicos e nominando seus familiares dependentes economicamente que consigo se

encontram no momento da solicitação, já que a condição de refúgio se estende do

solicitante aos demais (artigo 2º). Tudo será feito na língua local, utilizando-se, a Polícia

Federal, de tradutor, caso seja necessário. Quanto ao papel da Polícia Federal no

procedimento de solicitação de refúgio, assim declaram Barbosa & Hora (2007, 55-7):

a CR/88, em seu artigo 144, § 1°, III, estabelece que a Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, em todo o território brasileiro, a exercer com exclusividade os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras. Ademais, o Decreto nº 73.332, de 19 de dezembro de 1973, que define a estrutura do Departamento de Polícia Federal, fixa, em seu artigo 1°, I, h, a competência para apurar as infrações às normas de ingresso ou permanência de estrangeiros no País. Por sua vez, tanto o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/80) quanto o seu Regulamento (86715/81) também responsabilizam o DPF pela inspeção da migração, ou seja, pelo controle e pela fiscalização da entrada, permanência e saída dos estrangeiros no País.

Na solicitação de refúgio, a autoridade migratória avisa ao ACNUR da nova

solicitação. Se houver pedidos de extradição contra o solicitante (artigos 10 e 33 a 35),

tais pedidos ficam suspensos até o final do processo de refúgio, que, caso seja deferido,

serão arquivados. Ademais, é a Polícia Federal quem fornece um protocolo provisório

ao solicitante, base legal de sua estada no país, e com o qual retirará a sua Carteira de

Trabalho e Previdência Social (CTPS) provisória, já possuindo direito ao trabalho,

conforme a lei brasileira. Assim, enquanto a Carteira de Identidade é expedida pelo

DPF, a CTPS fica a cargo do MTE.

Neste momento, importa abrir um parêntese para ressaltar, citando Barbosa &

Hora (2007, 62), que fica evidenciada a importância da atuação da Polícia Federal que,

69

Assim reza o artigo 9° da Lei 9474/97: “A autoridade a quem for apresentada a solicitação deverá ouvir o interessado e preparar termo de declaração, que deverá conter as circunstâncias relativas à entrada no Brasil e as razões que o fizeram deixar o país de origem.” Vale informar que as Resoluções Normativas 1 e 2, de 27 de outubro de 1998, estabelecem, respectivamente, os modelos para o Termo de Declaração e para o Questionário para Solicitação de Refúgio, a serem preenchidos pela PF quando da solicitação do refúgio. Esta fase é de suma importância, pois a autoridade migratória pode incorrer em crime de abuso de autoridade, caso pratique o refoulement, fazendo retornar o refugiado para o local onde sua vida se encontra em risco, conforme ressaltam Barbosa & Hora (2007, 56).

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para ser efetiva, depende de constante orientação e treinamento, além de uma contínua

interação com os demais órgãos responsáveis pelos processos de reconhecimento,

documentação, controle e proteção do refugiado. É notório que o Estatuto do

Estrangeiro no Brasil se encontra obsoleto e não se coaduna mais com a realidade do

país e da nova ordem mundial deste século XXI, caracterizada, entre outras, pelo

fenômeno migratório. Assim,

é sabido que imigração irregular e clandestina, inclusive envolvendo crimes de tráfico de pessoas e de órgãos humanos, contribui para deteriorar as condições de emprego, incentivar as atividades desreguladas e diminuir a eficácia das já precárias proteções sociais, mas aquela não pode ser confundida com a desafortunada imigração daqueles que se enquadram como refugiados.

Retornando para a apreciação da solicitação da condição de refúgio no Brasil, o

artigo 3º da lei 9474 reza quem são os indivíduos a serem excluídos da condição de

refúgio, tais como: aquele que já goze da proteção de outro órgão da ONU que não o

ACNUR (o que exclui os palestinos); aquele com visto de residente no Brasil; aquele

que cometeu crimes contra paz, de guerra, contra a humanidade, hediondo ou participou

de atos terroristas ou tráfico de drogas; além dos culpados por atos contrários aos

princípios e objetivos da ONU.

De posse do Protocolo provisório, o solicitante é encaminhado à Cáritas, mais

precisamente ao Centro de Acolhida para os Refugiados deste órgão, para, em virtude

do Convênio Cáritas/ACNUR, iniciar-se a análise jurídica da solicitação. Entretanto,

Jubilut (2007, 197), advogada do Centro de Acolhidas para os Refugiados da Cáritas

Arquidiocesana de SP (CASP), aponta que, na prática, na maioria das vezes, o

solicitante chega a CASP antes de sua ida ao DPF, sendo, portanto, a equipe da CASP o

primeiro contato do solicitante de refúgio no Brasil.

Na Cáritas, o solicitante preenche um questionário e é entrevistado. Com base

nestes dois procedimentos, a Cáritas elabora um parecer de elegibilidade a ser enviado

ao CONARE (infra explicado), juntamente com o questionário preenchido e a

entrevista.

Importante se faz citar Jubilut (2007, 196), quando esta afirma que mesmo antes

do advento da lei 9474 (embora a parceria tenha sido reforçada após a existência da lei),

já havia convênio entre o ACNUR e as Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e do Rio

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de Janeiro, já que estas possuem os Centros de Acolhidas para os Refugiados dentro das

três linhas de atuação do ACNUR (proteção, assistência e integração local), desde a

chegada dos solicitantes até o reconhecimento destes como refugiados.

Este convênio traz as diretrizes que as Cáritas de SP e do RJ devem seguir no

atendimento aos refugiados, estipula os deveres de ambas as partes (como o dever do

ACNUR de enviar fundos para as Cáritas e o da Cáritas de prestar contas) e estabelece

as responsabilidades dos funcionários que realizam os atendimentos, sendo as Cáritas

consideradas como as entidades legais a responderem legalmente por quaisquer

incidentes. É uma espécie de competência delegada pelo ACNUR às Cáritas.

Importa lembrar que, como a decisão da concessão de refúgio cabe

exclusivamente ao governo brasileiro, o solicitante será submetido a nova entrevista

com um representante do CONARE, cujo teor, de caráter sigiloso, será enviado a um

grupo de estudos prévios70 que elabora um parecer recomendando ou não a aceitação da

solicitação. Tal parecer é levado ao plenário do CONARE, que discutirá e apreciará o

mérito.

O refugiado no Brasil terá os mesmos direitos e deveres de um estrangeiro, além

do direito ao trabalho, documento de viagem (embora não possa se ausentar do país sem

a prévia autorização do governo brasileiro) e carteira de identidade (artigo 6º). Saliente-

se que o refugiado não poderá ser expulso (artigos 36 e 37), exceto por razões de

segurança nacional ou ordem pública. E, mesmo se a expulsão tiver que ser

concretizada, primeiro ele perderá, por sentença, a condição de refugiado e deverá ser

enviado a um país onde sua vida e/ou liberdade não esteja em risco.

Esta lei 9474/97 criou o Comitê Nacional de Refugiados (CONARE), órgão de

deliberação coletiva71 dentro do Ministério da Justiça, com função precípua de decidir,

em primeira instância72, se o solicitante deverá ser ou não considerado no Brasil como

70 Este grupo é composto por representantes do CONARE, do MRE, do ACNUR e da sociedade civil (no momento o IMDH é o representante da sociedade civil). 71 Os membros do CONARE (artigo 14) são um representante do Ministério da Justiça (que o preside), um do MRE, um do Ministério do Trabalho, um do Ministério da Saúde, um do Ministério da Educação e Esporte, um do Departamento da Polícia Federal e um de uma ONG que se dedique aos refugiados. Quanto a este último, desde a criação do CONARE, a Cáritas tem sido a ONG representante dos refugiados no CONARE. Ademais, o § 1° deste artigo concede ao ACNUR o direito de participar de todas as reuniões do CONARE, com direito a voz, mas sem direito de voto. 72 A segunda e última instância deliberativa cabe ao Ministro da Justiça, conforme o artigo 29 desta lei.

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refugiado, além da perda e cancelamento da condição de refúgio73. Por isso, de posse do

termo de declaração preenchido, o CONARE requer diligências (seguindo o princípio

da confidencialidade, artigo 23) e profere sua decisão como um ato puramente

declaratório (e não executório) e devidamente fundamentado (artigo 26).

Jubilut (2007, 193) afirma que a primeira reunião oficial do CONARE, com

apreciação de solicitações de refúgio ocorreu em 27 de outubro de 1998, embora “os

órgãos e representantes que o compõem já se reuniam informalmente desde 1994,

trabalhando na questão da integração local dos refugiados e na elaboração da lei 9474.”

A decisão do CONARE é enviada ao solicitante. Caso seja deferida, ele será

registrado como refugiado perante o DPF, onde assinará um termo de responsabilidade

e receberá sua carteira de identidade, ou seja, o Registro Nacional de Estrangeiro - RNE

(artigos 26 a 28). Caso a solicitação seja indeferida74, o mesmo terá 15 dias, a contar da

data da notificação da decisão, para se retirar do Brasil ou para apelar ao Ministro da

Justiça, cuja decisão é definitiva e, se negada a apelação, fica sujeito o solicitante aos

ditames do Estatuto do Estrangeiro, mais precisamente do regime geral de permanência

de estrangeiros no território nacional (artigo 39 da Lei 6815/80).

Enquanto perdurar a análise do pedido, a permanência do solicitante no Brasil é

legal. Ademais, a prática brasileira se coaduna com o princípio constitucional da

Presunção da Inocência, onde em caso de dúvida quanto à procedência do pedido, este

deve ser concedido (Jubilut, 2007, 198).

Caso seja reconhecido como refugiado, o indivíduo não deve olvidar-se de que

cessa tal condição (artigo 38) caso ele volte a se valer da proteção do seu país de

origem, recupere a nacionalidade outrora perdida, adquira nova nacionalidade e goze de

proteção do país devido a esta nova nacionalidade, seja voluntariamente repatriado ao

73 O CONARE também fornece as diretrizes e coordena as ações necessárias para a eficiência de proteção, assistência e apoio legal aos refugiados, além de aprovar as resoluções necessárias para a aplicação desta lei (artigo 12). Atualmente, há 13 resoluções normativas em vigor, tratando do modelo do termo de declaração a ser preenchido na Polícia Federal, do modelo do questionário a ser aplicado pela Cáritas, do termo de responsabilidade preenchido no DPF, da solicitação de reunificação familiar, da autorização para viagem internacional, da concessão de protocolo provisório, da adoção de prazos e atendimento à convocação, da notificação de indeferimento, do local para preenchimento de formulário, do refugiado com permanência definitiva no Brasil, de viagens internacionais e perda do refúgio e de resolução recomendada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNI). 74 Também as decisões de perda e de cessação da condição de refúgio podem ser apeladas ao Ministro da Justiça, em 15 dias.

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país de origem ou não possa mais recusar a proteção de seu país de origem, por não

haver mais as circunstâncias motivantes do refúgio.

Quanto à perda da condição de refúgio, será resultante (artigo 39) de renúncia

pelo refugiado, de provas de que os fatos alegados para a concessão de refúgio foram

falsos ou omitidos, de prática de atos contrários à segurança nacional ou ordem pública

(neste caso e no anterior ele será expulso do país) e, por fim, de saída do Brasil sem a

prévia autorização do governo brasileiro (neste caso e no primeiro, ele se sujeita ao

Estatuto do Estrangeiro (lei 6815/80).

Diferentemente dos estrangeiros em geral, que precisam de residência no Brasil

por 15 anos ininterruptos (artigo 12 da CR/88) para obterem nacionalização (exceção

feita aos originários de países de língua portuguesa, cujo prazo baixa para um ano), aos

refugiados basta esperar 6 anos para solicitar o visto de residente permanente e mais 6

anos como tal para requerer a nacionalidade brasileira (Jubilut, 2007, 193).

O que fica claro é que o procedimento da concessão de refúgio no Brasil, como

previsto e estipulado na lei 9474/97, é um processo administrativo, que “parece

combinar a necessidade do governo brasileiro de um pedido bem instruído, destinado a

evitar fraudes quanto às hipóteses previstas em lei, com as necessidades dos refugiados

de obter proteção e rapidez em sua integração local” (Jubilut, 2007, 198).

A ausência, na lei 9474/97, da possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, no

que diz respeito à solicitação de refúgio, e o fato de ser um processo administrativo

justificam a escassez de decisões judiciárias no Brasil sobre o tema. Claro que o recurso

ao Judiciário se encontra previsto como cláusula pétra no artigo 5°, XXXV da CR/88,

mas os solicitantes de refúgio e os refugiados são, normalmente, desconhecedores do

ordenamento jurídico brasileiro, dificultando que estes busquem tais remédios, que

seriam, no dizer de Jubilut (207, 193), “adequados em caso de violações de direitos

humanos”.

A jurisprudência brasileira apresenta apenas 18 julgados sobre o tema de

refugiados75. No Supremo Tribunal Federal (STF)76 há o Mandado de Segurança (MS)

75 Vide acórdãos, na íntegra, nos Anexos H (acórdãos do STF) e I (acórdãos do STJ). 76 In www.stf.gov.br, acesso em 08 e 09 de março de 2008, a partir de informações obtidas em Jubilut (2007, 102-3).

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24.304/DF de 2002, que trata da decisão negativa no procedimento para determinar a

condição de refugiado; o Habeas Corpus (HC) 69.268/DF d,e 1992, e o HC 71.935, de

1994, que tratam do pedido de proibição de expulsão de refugiado; os casos que tratam

de pedido de proibição de vedação de extradição, a saber: Extradição 232 (1961),

Extradição 419/ES (1985), Extradição 524/PG (1990), HC 81176/AL (2001), Segunda

Questão de Ordem em Extradição 785/ME (2001), Reclamação 2.069/DF (2002),

Agravo Regimental nos autos apartados da Extradição 783/ME (2002), HC 83.501/DF

(2003) e Embargos Declaratórios na Extradição 785/ME (2003); e os casos que tratam

de relaxamento de prisão para extradição quando feita solicitação de refúgio, como o

HC 81.127/DF (2001), a Segunda Questão de Ordem em Extradição 783/ME (2001) e a

Segunda Questão de Ordem em Extradição 784/ME (2001).

No Superior Tribunal de Justiça (STJ)77 há apenas três decisões em matéria de

refugiados, quais sejam: o agravo regimental do MS 12.212/DF , o HC 36.033/DF e o

HC 32.622/DF. Quanto ao primeiro, o julgado se refere ao refugiado como “foragido” e

quanto ao último, cita a lei 9474 como “lei 4947”, deixando explícita a falta de

conhecimento do Poder Judiciário Brasileiro sobre esta temática.

Algumas características do Regime Brasileiro de Refugiados o diferenciam, de

forma positiva, dos demais regimes do continente, como por exemplo, o fato de o Brasil

ter sido o primeiro país da América Latina a adotar uma legislação específica sobre

refugiados, ampliando a definição do termo para se coadunar com a Declaração de

Cartagena (Jubilut, 2007, 31), diferentemente de países desenvolvidos e tradicionais na

recepção de refugiados, como o Canadá, cuja legislação é una para imigrantes em geral

e refugiados; ou seja, um país como o Canadá não possui uma legislação específica de

proteção aos refugiados, tratando-os dentro da temática jurídica de imigrantes em geral,

embora academicamente tal autonomia já exista.

Outros pontos positivos (Jubilut, 2006, 34) são o respeito ao non refoulement; a

ampla definição de refugiado; a não-necessidade de prazo para solicitar o refúgio, após

a chegada ao Brasil; um processo de determinação compreensivo, claro e conciso

(diferentemente do que ocorre no Canadá, a ser visto no capítulo seguinte); a

composição híbrida do CONARE; a permissão de trabalho e do protocolo provisório ao

77 In www.stj.gov.br, acesso em 08 e 09 de março de 2008, a partir de informações obtidas em Jubilut (2007, 102-3).

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solicitante, deixando-o legalizado no país ainda enquanto solicitante; a prática do

reassentamento solidário; além dos convênios do ACNUR com a sociedade civil, como

com a Cáritas Internacional, para auxiliar aquele nas suas funções, como previsto na

antiga OIR.

Por outro lado, críticas também podem ser feitas. Um ponto levantado por

Jubilut (2006, 34) é a falta de previsão na lei 9474/97 da proteção aos direitos

econômicos, sociais e culturais dos refugiados, que deveria estar presente no

ordenamento jurídico brasileiro. Talvez a igualdade de direitos concedida aos

refugiados e aos nacionais seja a justificativa para tal atitude do legislador. Todavia, na

prática, os refugiados possuem dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e à

educação superior, como veremos quando da análise da integração dos refugiados no

Brasil e, especialmente, em São Paulo.

Outras críticas são levantadas por Jubilut e ratificadas por esta pesquisadora,

como as que se referem, na lei 9474/97, à falta de prazo imposta ao governo para decidir

a solicitação; à falta de previsão para determinação da condição de refugiado em caso de

chegada maciça de refugiados; ao fato de o CONARE ser órgão do Poder Executivo, o

que pode culminar em decisões políticas; ao fato de que o direito ao acesso ao Poder

Judiciário não se encontrar explícito na lei; e, por fim, à falta de políticas públicas

específicas, em nível nacional, para os refugiados, o que faz com que os refugiados

busquem se aglutinar no eixo SP-RJ.

O Brasil ainda caminha, agora com passos não tão lentos, em direção à proteção,

à assistência e à integração local dos refugiados, cernes do regime internacional dos

refugiados. Criando opções e buscando o apoio da sociedade civil, os refugiados

chegam cada vez mais neste país, inserindo-se como parte da sociedade acolhedora de

forma duradoura e alcançando, para si e para seus familiares, a paz e a segurança

perdidas na terra natal.

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4.3.As Soluções Duráveis

No tocante às soluções duráveis necessárias aos refugiados, a legislação

brasileira não inovou. O título VII da Lei 9474 trata das três soluções previstas pela

antiga OIR e pelo atual ACNUR, ou seja, da repatriação (artigo 42), da integração local

(artigos 43 e 44) e do reassentamento (artigos 45 e 46).

Repatriação

Quanto à repatriação, que deve ser voluntária, exceto nos casos de cessação da

condição de refúgio, o Brasil deixa a cargo do próprio refugiado tomar a decisão de

retorno, que será feita com o apoio do ACNUR. O mesmo ocorre com relação ao

reassentamento de um refugiado no Brasil em outro país, que reflete o desejo deste.

Reassentamento78

A peculiaridade do governo brasileiro é para o programa de reassentamento de

um refugiado no Brasil, ou seja, quando este refugiado se encontra em um terceiro país

e lá não se adaptou, não há mais condições de permanecer no primeiro país acolhedor,

por necessitar de cuidados médicos especiais ou ainda por falta de proteção neste

primeiro país acolhedor. Nesse caso, o reassentamento no Brasil79 é feito de forma

planejada, com a coordenação de ambos os Estados (onde o refugiado se encontra e o

Brasil), do ACNUR e da sociedade civil (representada por ONGs que se dedicam à

causa dos refugiados), que identificam áreas de cooperação e determinam as

possibilidades de tal reassentamento.

Jubilut (2006, 37) e Milesi (2008) afirmam que, tomando como base o artigo 46

da lei 9474, em 1999, o Brasil assinou, com o ACNUR, o Acordo Macro para

Reassentamento de Refugiados. Este acordo definiu os critérios e as formas para

implementação do reassentamento no Brasil.

78 Menos de 1% dos refugiados, no mundo, foram diretamente beneficiados com a solução do reassentamento no ano de 2007, conforme o Global Trends 2007, in http://www.unhcr.org/statistics/STATISTICS/4676a71d4.pdf , acesso em 25 de junho de 2008. 79 Em 2005, os principais países de reassentamento foram os EUA (53.800 reassentados, incluindo famílias pelo processo de reunificação familiar), a Austrália (11.700), o Canadá (10.400) e a Suécia (1.300), in http://www.unhcr.org/statistics/STATISTICS/4486ceb12.pdf, acesso em 18 de março de 2008.

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Marques (2007, 38) aponta que o início do processo de elegibilidade se dá com a

apresentação ao ACNUR das pessoas que desejam ser reassentadas no Brasil, o que

provoca o deslocamento de um representante do CONARE ao país onde se encontra o

refugiado, com o fim de conhecê-lo e fazê-lo conhecer as condições reais de vida no

Brasil. Ao final da missão de seleção, os refugiados selecionados são apresentados ao

CONARE, que passam a aplicar os critérios humanitários de elegibilidades, quais

sejam, segundo Marques (2007, 38-41) e Carneiro (2005, 68-72):

1º necessidade de proteção jurídica ou física, quando o reassentamento for o

único meio de proteção disponível, no caso de ameaça de repatriação forçada; de

captura, detenção ou encarceramento arbitrário, incluído o que decorre de sua condição

de refugiado; e do desrespeito aos direitos humanos ou à integridade física, comparável

ao que ocasionou a saída do país de origem;

2° refugiados vítimas de violência e/ou tortura que necessitam de atenção

médica especial, mas cujo reassentamento no Brasil está sujeito à disponibilidade de tais

serviços;

3º mulheres em perigo/risco, que não possuem a proteção tradicional de suas

famílias ou comunidades e enfrentam sérias ameaças físicas e/ou psicológicas (violação,

assédio sexual, violência, exploração, tortura etc.);

4° refugiados sem perspectivas de integração no primeiro país de refúgio, por

motivos culturais, sociais e/ou religiosos, dentre outros;

5º pessoas com necessidades especiais, como as que possuem vínculos com

refugiados no Brasil (reunificação familiar), menores desacompanhados (crianças e

adolescentes), idosos ou casos médicos (necessidades de saúde).

O programa brasileiro de reassentamento seria iniciado com 30 famílias a serem

reassentadas fora do eixo RJ-SP (já tidos como estados de recepção de refugiados). As

primeiras cidades de reassentamento no Brasil80 foram Mogi das Cruzes (SP), Natal

(RN), Porto Alegre (RS) e Santa Maria Madalena (RJ).

80 Jubilut (2007, 201) aponta que Passo Fundo (RS) aceitou em 1998 um autor cubano, tornando-se, com isso, a primeira cidade brasileira a participar em projeto de reassentamento e a primeira cidade americana a entrar na Rede de Cidades para Refugiados, criada pelo Parlamento Internacional de Escritores para proteger escritores perseguidos.

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88

O primeiro grupo a ser reassentado (Jubilut, 2006, 37) foi um grupo de afegãos,

que deveria ter chegado ao Brasil ainda em 2001, mas que devido aos ataques de 11 de

setembro teve sua chegada suspensa temporariamente. Conseqüentemente, apenas Porto

Alegre permaneceu com o projeto e, no dia 12 de abril de 2002, recebeu 10 afegãos

provenientes do Irã, cuja proteção já se havia iniciado naquele país, e, no dia 26 de abril

seguinte, mais 13 afegãos chegaram, agora provenientes da Índia. Todos eles foram

inicialmente assistidos por ONG local, após terem sido selecionados e registrados pelo

ACNUR e aceitos pelo CONARE, antes da chegada ao Brasil. Assim é que,

diferentemente dos refugiados reassentados em São Paulo e no Rio de Janeiro que são,

primeiramente, atendidos nas Cáritas, em Porto Alegre, é o CONARE quem faz o

primeiro atendimento, antes da sociedade civil passar a atuar81.

Importa registrar que destes 23 reassentados em um primeiro momento, 13 deles

solicitaram repatriação voluntária para o Afeganistão, devido às mudanças ocorridas no

país após 2001, à falta de adaptação à cultura brasileira e ao término do auxílio

financeiro concedido pelo ACNUR em abril, retornando no dia 20 de maio de 2003.

Em agosto de 200482, celebrando os 20 anos da Declaração de Cartagena, o

governo do Brasil propôs a criação do programa de reassentamento solidário para

refugiados latino-americanos, tomando como base os princípios de solidariedade

internacional e de responsabilidade compartilhada, tornando possível que qualquer país

da América Latina, quando achar oportuno, associe-se para receber refugiados que se

encontram em outros países latino-americanos, auxiliando a diminuir o impacto da

situação humanitária enfrentada pela região e compartilhando a carga dos países que

possuem mais refugiados colombianos reconhecidos, como Costa Rica e Equador.

Este programa, um dos componentes mais emblemáticos e inovadores do Plano

de Ação do México (pois promove o uso estratégico do reassentamento na região e

ressalta a importância da solidariedade regional na proteção aos refugiados como um

dever regional), visa estabelecer políticas de reassentamento que incluam um marco de

princípios e critérios de elegibilidade, respeitando o princípio da não-discriminação e

81 Em Porto Alegre, a Associação Antônio Vieira possui acordo com o ACNUR e com o CONARE para acolhida, proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados. 82 In http://www.acnur.org/pam/resul_solu_dur_reasentamiento.shtml, acesso em 09 de março de 2008

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sem criar acordos do tipo “acordo de terceiro país seguro”, como há entre EUA e

Canadá, que nega a possibilidade de um refugiado que já se encontre em um terceiro

país seguro solicitar refúgio no país membro do acordo.

O Brasil e o Chile se destacam como pioneiros na prática desta iniciativa latino-

americana, clamando à comunidade internacional a apoiá-la, com o fim de fortelecê-la e

consolidá-la em outros países e regiões. Na Argentina, este programa entrou em vigor

em 2005 e, no Uruguai, em 2006, ano em que o Brasil criou um programa de urgência

para mulheres refugiadas em situação de risco. Ainda em 2006, o programa recebeu o

apoio dos EUA, do Canadá e da Noruega, para avançar em sua implementação.

Os casos de reassentamento solidário são processados pelos escritórios do

ACNUR na Costa Rica e no Equador. O Brasil reassentou, em 2004, 75 refugiados em

1283 cidades (nos estados do RS, SP e RN), sendo a maioria colombianos que estavam

no Equador. Na primeira metade de 2005, mais 14 refugiados foram reassentados.

Ademais, 30 refugiados colombianos chegaram em situação de emergência.

Em 2006, o ACNUR apoiou o reassentamento de 745 refugiados na América

Latina, sendo 730 colombianos e 52 deles (15 famílias) foram reassentados no Brasil

(que aumentou de 12 para 1584 o número de cidades para reassentamento), dos quais 11

se encontravam no Panamá e 7 na Costa Rica. Dessas 52 pessoas, 16 seguiram o

procedimento rápido, aplicado em situações emergenciais e necessidade urgente de

proteção, conforme prevê o ordenamento jurídico pátrio no marco do programa de

reassentamento solidário. Em 31 de dezembro de 2007, estavam reassentados no Brasil,

conforme Milesi (2008), os seguintes refugiados, nos seguintes estados:

Estado Total de Refugiados Nacionalidades Rio Grande do Norte 34 Colombianos, guatemaltecos e

palestinos Rio Grande do Sul 150 Colombianos, palestinos,

afegãos e congoleses São Paulo 168 Colombianos e palestinos Pernambuco 01 Colombiano Goiás 01 Colombiano Total 354

83 As doze cidades pioneiras para reassentamento no Brasil são, no RS, Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Porto Alegre e Santa Maria; em SP, Campinas, Guararema, Jundiaí, São José dos Campos e Taubaté; e, no RN, Lajes, Natal e Poço Branco. 84 Passo Fundo e São Leopoldo, no RS, e Tremembé, em SP. Em 2007, uniram-se a estas Vitória e Vila Velha, no ES, e Gravataí, no RS.

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Fonte: CONARE – Relatório 2007, in Milesi (2008, tabela 5)

Conforme Jubilut (2007, 202), o Brasil possuía, em dezembro de 2006, 198

reassentados pelo procedimento padrão e 43 pelo procedimento rápido, acrescentando-

se os mais de 100 refugiados palestinos provenientes do Iraque no ano de 200785. A

tabela abaixo mostra a quantidade de refugiados reassentados no Brasil, ano a ano,

desde o ano de 2002.

Nacionalidades Ano Palestinos Afegãos Colombia

nos Congoleses

Equatorianos

Guatemal Tecos

Soma

2002 - 23 - - - - 23 2003 - - 15 1 - - 16 2004 1 - 71 - 3 - 75 2005 - - 72 - 4 - 76 2006 - - 44 - 6 - 50 2007 108 - 41 - - 2 151 Soma 109 23 243 1 13 2 391

Fonte: CONARE, in Milesi (2008, Tabela 3).

A tabela acima comprova a seriedade do Brasil com o reassentamento dos

refugiados e uma maior abertura ao programa de reassentamento solidário resultante do

Acordo Macro. As nacionalidades dos refugiados reassentados são as seguintes:

Nacionalidade Total de pessoas Colombianos 228 Palestinos 109 Afegãos 09 Equatorianos 05 Guatemaltecos 02 Congoleses 01 Total 35486

Fonte: CONARE, in Milesi (2008, Tabela 3).

Apesar de já exposto, na tabela acima, o número de refugiados reassentados no

Brasil, é mais bem explicitado no gráfico abaixo, em formato de pizza, onde a grande

maioria dos colombianos está mais bem visualizada.

85 Alguns não se adaptaram, solicitando reassentamento em um terceiro país, conforme veiculado na mídia brasileira. Vide Anexo J. 86 Dos 354 refugiados reassentados no Brasil, 37 deles deixaram o país por motivos diversos, como, por exemplo, a repatriação voluntária.

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Fonte: CONARE, in Milesi (2008)

O trabalho com os reassentados consiste em integrá-los na sociedade brasileira,

no que diz respeito ao mercado de trabalho, ao acesso à saúde, à educação e à moradia,

além do aprendizado da língua e da cultura brasileira, facilitando, inclusive, sua

inserção profissional, para aos que já chegam ao país com uma profissão definida e

regulamentada de seu país de origem. Nesse sentido é que o Brasil busca facilitar a

revalidação e/ou o reconhecimento dos títulos e dos diplomas que os refugiados trazem

consigo ou, em último caso, obter provas da profissionalização dos refugiados não

documentados; o que é feito com o auxílio do ACNUR, do Ministério das Relações

Exteriores, por meio da embaixada e dos consulados do Brasil no país de origem dos

refugiados, ou até de ONG que atuem no local do conflito, como é o exemplo do

Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

Milesi (2008) publicou uma pesquisa realizada pelo CONARE entre 27 de junho e 15

de setembro de 2006, com 101 reassentados nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio

Grande do Norte, buscando traçar o perfil deste grupo, com o intuito de melhor integrá-los

localmente. Descobriu-se que:

1. a média de idade deles é de 36 anos;

2. o grau de escolaridade é o que segue: 24% possuem ensino fundamental

incompleto; 12% completaram o ensino fundamental; 24% possuem ensino

médio incompleto; 22% completaram o ensino médio; 4% possuem curso

técnico profissionalizante; 4% possuem ensino superior incompleto e 10%

completaram o ensino superior;

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3. quanto às mulheres, em 21,05% dos núcleos, elas são as chefes de família;

49,12% são famílias bi-parentais e 29,83% são formados por homens com

filhos ou solteiros sozinhos;

4. acerca do estado civil, 56% dos reassentados são casados ou vivem em união

estável; 40% são solteiros e 4% são viúvos;

5. outra identificação feita foi com relação à atividade dos refugiados no país

de origem, quais sejam: 24% deles eram ruralistas; 22% comerciantes; 14%

prestadores de serviços, 10% autônomos (aqui incluíram-se os pequenos

empresários) e 8% professores;

6. já no tocante à atividade laboral no Brasil, 20% não possuem atividade

remunerada; 28% são prestadores de serviços (i.e. faxineiros, domésticos

etc.); 16% atuam na construção civil; 14% atuam nos diversos ramos da

indústria e 10% são comerciantes.

Este perfil traçado mostra claramente que os refugiados que o Brasil busca

reassentar são pessoas jovens, ativas no trabalho, embora sem um alto grau de

qualificação educacional e com vínculos familiares. Tais características facilitam a

produção de capital social, como se verá na Parte II desta pesquisa, já que são as

estruturas das relações sociais, com suas redes/organizações/comunidades, inclusive

étnicas, familiares e/ou no emprego que auxiliam na formação do capital social, ou

melhor, na formação de relações de confiança e de cooperação necessárias ao bem-estar,

ao desenvolvimento econômico e ao engajamento político dos refugiados durante seus

processos de integração à sociedade brasileira.

Integração

A integração dos refugiados no Brasil é prioridade do governo brasileiro87,

inclusive para os reassentados, que busca alcançar tal intento a partir de parcerias com a

mídia e com a sociedade civil.

Os artigos 43 e 44 da lei 9474 colocam de forma explícita a necessidade de levar

em consideração a situação atípica e desprivilegiada dos refugiados quando do

87 O artigo 1° da CR/88 prioriza, dentre os fundamentos da República, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, o que se coaduna com o artigo 4° do mesmo texto, onde a prevalência dos direitos humanos se insere como princípio por que o Brasil se rege em suas relações internacionais.

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momento de reconhecimento de seus diplomas emitidos pelo país de origem ou por seus

diplomatas e cônsules. Ademais, a entrada dos refugiados em instituições acadêmicas de

quaisquer níveis deve ser facilitada, pelos mesmos motivos.

No Brasil, os refugiados, reassentados ou não, terão acesso aos serviços públicos

de saúde e de educação em igualdade de condições com os nacionais, como previsto no

caput do artigo 5º da CR/88. Seus exames médicos são feitos no âmbito do SUS,

facilitados pela intervenção de órgãos federais e estaduais, a partir de convênios com o

ACNUR e ONG locais (em São Paulo, por exemplo, a Cáritas possui convênios

específicos, como se verá adiante). O acesso à educação pública primária e secundária é

direito dos refugiados. Ademais, o reconhecimento e a revalidação de seus cursos e

títulos deve ser facilitado. Ainda, os adultos receberão aulas de língua portuguesa e

instrução sobre a cultura brasileira e noções básicas da região em que estiver assentado.

Dentre os programas existentes, podem ser citados os setores de estágio dos

Cursos de Medicina, de Odontologia, de Psicologia e de Farmácia de universidades

parceiras (USP e UFMG, por exemplo) e cursos de língua portuguesa (no SENAC –

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - e por meio dos cursos de Letras e de

Pedagogia nas instituições de ensino superior parceiras). Os refugiados também contam

com o acesso aos programas de micro-crédito e outros programas públicos sociais que

beneficiam grupos de baixa renda e facilitam a inclusão dos refugiados na sociedade

brasileira.

Assim, Pereira & Rocha (2007, 28-9) apontam que, durante o processo de

inserção dos refugiados na sociedade brasileira, são desenvolvidos programas de

acompanhamento destes, para que a integração seja de forma concreta e estruturada. O

interesse do governo brasileiro e do ACNUR é que os programas façam com que os

refugiados, em um curto espaço de tempo, adquiram auto-suficiência econômica e criem

condições materiais e psicológicas para estabelecerem vida nova88.

Fundamental se faz apontar que os refugiados no Brasil enfrentam as mesmas

dificuldades que os nacionais, resultantes da pobreza e das desigualdades sociais que

atingem a maioria da população nacional. A deficiente qualidade no atendimento aos

serviços de saúde e de educação também atinge os refugiados, assim como as habitações

88 Em geral, o atendimento, inclusive financeiro, dura 6 meses, podendo ser prorrogado em caso de necessidade justificada.

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inadequadas, que permanecem como questão de difícil solução. Um exemplo são as

faltas de programas especiais para refugiados africanos, cuja economia no país de

origem é essencialmeente agrícola e não há, no Brasil, programas especiais de

capacitação profissional para auxiliá-los na integração, levando-os a entrar no mercado

por meio da economia informal. Por isso, os programas de micro-crédito e a formação

de cooperativas são um auxílio fundamental em seus processos de integração.

Vê-se, portanto, que a ausência, na lei 9474/97, da promoção e da proteção aos

direitos econômicos, sociais e culturais dos refugiados, além da falta de políticas

públicas adequadas e específicas para estas pessoas vulneráveis, culminam em

dificuldades de integração, como se verá a seguir. Felizmente, o governo brasileiro,

harmonicamente com o ACNUR, com as Cáritas, com o IMDH e com outras entidades,

públicas e privadas, estão em negociações para criar o Conselho Brasileiro de

Refugiados, para adequar os estudos e as práticas de recepção dos refugiados no Brasil,

constituindo-se em um fórum de debates sobre esta temática e auxiliando o governo na

criação e na implementação de políticas públicas que facilitem a integração dos

refugiados. O papel de tais políticas será analisado no capítulo 16.

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Capítulo 5

Os refugiados no Canadá

Este capítulo visa conhecer a sociedade “multicultural” canadense, também

chamada outrora de “mosaico”, cuja peculiaridade tem atraído imigrantes e refugiados

de todas as partes do mundo. Ademais, será analisada a relação desta sociedade com o

governo e com os refugiados que chegam e buscam a integração. O direito dos

refugiados, com dados estatísticos, e as soluções duráveis colocadas em prática pelo

governo e pela sociedade civil e pelos próprios refugiados também serão objeto de

discussão e análise.

5.1. A sociedade multicultural canadense

Para que a sociedade global esteja em harmonia, é necessário que novos

caminhos sejam buscados. Para Morin (2001, 82), uma ética do entendimento deveria

estar no topo da agenda internacional, fazendo com que argumentos e refutações

predominem sobre condenações, censuras, rejeições ou reprovações. “Se aprendermos a

entender antes de condenar, estaremos no caminho para humanizar as relações

humanas”.

A primeira temática que deve ser, então, entendida é a cultura, definida por

Morin (2001, 46) como “a totalidade do conhecimento, habilidades, regras, padrões,

proibições, estratégias, crenças, idéias, valores e mitos passados de geração em geração

e reproduzidos em cada indivíduo, que controla a existência da sociedade e mantém a

complexidade psicológica e social desta sociedade”.

Não há sociedade humana, arcaica ou moderna, sem cultura, embora toda cultura

seja singular. “Há sempre cultura nas culturas, mas cultura existe apenas através das

culturas”. Ademais, Morin afirma que “aqueles que reconhecem a diversidade cultural

tendem a minimizar ou obscurecer a unidade humana; aqueles que reconhecem a

unidade humana tendem a considerar a diversidade cultural como secundária”.

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Em verdade, Morin defende um tipo de assimilação cultural em que, de acordo

com ele, todos estão aptos a enriquecer quando integram suas próprias culturas às

culturas de outros, tais como habilidades, técnicas, costumes, idéias e alimentação.

Com relação à integração cultural, ou ainda à assimilação cultural, a intenção da

Política Multicultural Canadense é positiva, já que é parte de seu objetivo oficial

alcançar desenvolvimento, apesar de que, na prática, tal intento ainda não foi alcançado.

De fato, esta política pública foi criada para justificar as necessidades de força de

trabalho do Canadá durante a década de 70, embora as razões humanitárias tenham

surgido após sua criação.

O nascimento oficial do Multiculturalismo Canadense reside na declaração do

Primeiro Ministro Trudeau, em 1971, quando este a defendeu publicamente. Entretanto,

Dewing & Leman (2006, 4) apontam que esta declaração é resultado de muitos eventos

anteriores, que pavimentaram o caminho para a declaração de Trudeau, tais como: as

pressões por mudanças provenientes da agressividade crescente dos aborígenes

canadenses, a força do nacionalismo quebequense e o ressentimento crescente das

minorias étnicas com relação aos espaços ocupados por elas na sociedade canadense.

Esta é a chamada Fase Pré-1971 (de 1945 a 1970), ou fase incipiente, do

Multiculturalismo Canadense, resultante, principalmente, do período Pós-Grande

Guerra Mundial, quando o Canadá estava recebendo uma grande quantidade de

imigrantes e refugiados.

A segunda fase (de 1971 a 1985) é nominada por Fleras & Elliott (1992, 68) de

Fase Formativa, caracterizada, de acordo com Dewing & Leman (2006, 4), pela

publicação da Comissão Real de 1969, chamada de Livro Quatro, pela recomendação de

integração (e não assimilação), na sociedade canadense, de grupos minoritários étnicos

“com direitos de cidadania plena e participação igualitária na estrutura institucional

canadense. Estas recomendações marcaram a inclusão de uma nova política

etnocultural.”

A última fase é a Fase Expansionista (de 1985 até o tempo presente), quando se

observa a crescente institucionalização da política multicultural e das inúmeras

dificuldades no que diz respeito às relações raciais no Canadá. Nesse momento, Dewing

& Leman (2006, 5) lembram a “introdução de programas anti-discriminatórios criados

para auxiliar a remover as barreiras sociais e culturais que separam as minorias e os

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grupos majoritários no Canadá.” É nesta fase que foram adotadas a Carta dos Direitos e

das Liberdades (1982) e a Lei do Multiculturalismo (1988), “assegurando igualdade de

acesso e participação plena para todos os canadenses nas esferas sociais, políticas e

econômicas.”

Um parêntese deve ser aberto neste momento para apontar que, no Canadá atual,

nem todos os refugiados possuem cidadania plena ou, ao menos, visto de residente

permanente ou, nem mesmo, permissão de trabalho, ficando, portanto, fora da proteção

do multiculturalismo como política.

Lato sensu, Berry (1977, 231) define multiculturalismo como sendo “a

existência de grupos étnicos no Canadá que derivam de tradições culturais diferentes

dos franceses e dos britânicos, alguns dos quais, no mínimo, com desejos de manter

suas identidades. O termo também se refere à atual política do Governo Federal que

busca promover a retenção destas heranças e o compartilhamento destas entre os

canadenses [...]. Esta política possui também o propósito de auxiliar no afastamento de

atitudes discriminatórias e invejas culturais.”

O multiculturalismo canadense pode ser definido (Berry, 1977, 240; Fleras &

Elliott, 1992, 53, 68, 92; Dewing & Leman, 2006, 1) sob uma perspectiva descritiva,

como um fato sociológico (quando se refere à presença e à persistência de diversas

minorias raciais e étnicas que se definem como “diferente” e asssim desejam

permanecer); sob uma perspectiva prescritiva, como uma ideologia (ao se referir às

crenças gerais associadas à existência da diversidade cultural no Canadá, ou seja, ao

conjunto de idéias e ideais relativamente coerentes relativo à celebração da diversidade

cultural canadense, que leva à celebração da diversidade); sob uma perspectiva política

(gerenciamento da diversidade), como política pública estatal (quando se refere à

política multicultural atual estruturada para administrar a diversidade ou como meio de

iniciativas nos níveis federal, provinciais e municipais do Governo); e, ainda, o

multiculturalismo canadense pode ser visto como um processo, ou seja, como uma

diversidade com recursos (ao se referir a um conjunto de dinâmicas inter-grupais, pelo

qual minorias étnicas e raciais competem para obter apoio das autoridades centrais no

intuito de alcançarem certas metas e aspirações).

Para Day (2000, 6), em suma,

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é necessário distinguir entre as três formas de utilização do multiculturalismo, quais sejam: para descrever (construir) um fato sociológico da diversidade canadense; para prescrever um ideal social; e para descrever e prescrever uma política governamental ou agir em resposta a um fato ou como implementação de um ideal. [...] Podemos ver que o governo canadense tenta confundir os sentidos descritivos e prescritivos do multiculturalismo a fim de prover sua política com uma história e uma realidade de perdas. Este esforço criou um quarto significado para o multiculturalismo, qual seja, um ideal já alcançado. (grifo no original).

Há, entretanto, discordâncias sobre os sucessos e fracassos desta política

multicultural. Por um lado, Day (2000, 3) defende que

enquanto o multiculturalismo canadense se apresenta com uma nova solução para um velho problema, ele é melhor visto como o mais recente modelo de reprodução e proliferação do problema. Longe de alcançar seu objetivo, esta tentativa do governo de criar uma nação unificada tem paradoxalmente levado a um aumento tanto nos números de identidades minoritárias quanto na quantidade de esforços necessários para administrá-las.

Por outro lado, Kymlicka (1998), apud Dewing & Leman (2006, 11) afirma

categoricamente que

a evidência não apóia aqueles que afirmam que o multiculturalismo fez decrescer a taxa de integração de imigrantes. Utilizando estatísticas das taxas de naturalização entre imigrantes, dos níveis de participação política entre os grupos etnoculturais, das taxas em que os novos canadenses estão aptos a falar uma das línguas oficiais do Canadá e das taxas de casamento inter grupos culturais, o programa de multiculturalismo se mostrou eficaz sem evidências de que promoveu separação étnica.

Entretanto, o que estes acadêmicos e pesquisadores que vêm trabalhando com

multiculturalismo e imigração no Canadá esquecem é que os refugiados não são

migrantes econômicos, mas sim migrantes forçados, sendo impedidos de obterem a

nacionalidade canadense complacente e facilmente. Ipso facto, enquanto considerados

juridicamente apenas como refugiados, ou seja, no limbo89, eles não tomam parte na

sociedade canadense como cidadãos, não possuindo acesso aos direitos que os nacionais

possuem, nem valendo-se das metas positivas já alcançadas pelo multiculturalismo.

89 O termo refugiado no limbo é usado para designar aqueles refugiados que foram assim considerados como tais pelo Tribunal dos Refugiados (Immigration and Refugee Board – IRB), mas que, por diversas razões, como falta de documentos identificatórios, não podem ser registrados como tais pelo Órgão da Imigração Canadense (Citizenship and Immigration Canada – CIC), responsável pelo fornecimento da permissão de trabalho ao refugiado. Todo o procedimento por que passa um solicitante de refúgio no Canadá será tratado em capítulo infra.

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Portanto, fácil se faz concordar com Day (2000, 165) quando este afirma que

o governo canadense tomou para si a tarefa de treinar os seus a aceitarem os sinais dos outros que estavam sendo preservados. [...] Isto nada mais foi do que uma simulação dos seus para assimilarem os outros, já que as metas de longo prazo ainda eram a assimilação destes outros,

especialmente se for levado em consideração que a segregação é mais clara e forte no

mosaico canadense do que assimilação cultural.

A diversidade está fortemente presente e as comunidades minoritárias

permanecem dentro de seus próprios mundos, em grandes e pequenas cidades

canadenses, mesmo quando nascidos no próprio Canadá, mas, como bem declara Jansen

& Lam (2003, 92) “por causa da bagagem racial e/ou cultural, continuam a ser rotulados

como imigrantes”.

Destarte, mais difícil se tornam as vidas dos refugiados, já que muitos deles não

são nacionais canadenses por lei e nem possuem visto de trabalho. Ademais, Kernerman

(2005, 8) bem insiste que “todos os esforços para alcançar unidade em face da

diversidade tem deixado o Canadá menos unido”. E, é nesta socidade que os refugiados

se encontram inseridos.

Com relação às vidas dos refugiados na sociedade canadense, o

multiculturalismo tem sido pior do que o esperado, em virtude das promessas do

governo. Por trás do lema torontoniano “diversidade é a nossa força”, Jansen & Lam

(2003, 128-9) defendem que “existe uma presunção implícita de que os imigrantes

devem adaptar seus comportamentos ao dos nativos, cujos desempenhos servem como

referência.” E complementam que

insere-se, assim, a necessidade que possui a sociedade canadense de promover a aceitação dos récem-chegados por outros canadenses por intermédio da educação e da disseminação de informações confiáveis e precisas, promovendo as contribuições que os imigrantes e refugiados trazem à sociedade canadense.

Ademais, aprendizado da nova língua, acesso à educação e ao emprego e

aquisição de habitação são indicadores importantes dos estágios finais de integração na

sociedade acolhedora; indicadores tais que o multiculturalismo canadense não tem

facilitado para que refugiados e imigrantes em geral os alcancem.

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De acordo com Murdie & Teixeira (2003, 132-7), uma casa (um lar) tem que ser

confortável, apropriado, não caro (no Canadá, o refugiado ou imigrante deve possuir os

recursos financeiros suficientes para comprá-la) e situado em uma vizinhança onde o

refugiado se sinta seguro, ou seja, onde haja sentimento de pertencimento ao lugar,

devido ao número razoável de pessoas de mesma etnia, especialmente durante o período

inicial de assentamento. Entretanto,

os imigrantes e os refugiados podem se encontrar em posições de desvantagem quando procuram e avaliam uma casa para comprar, por causa da falta de familiaridade com o intrincado mercado de habitação local, com as barreiras cultural e da língua, além da discriminação existente dos responsáveis pelos aluguéis.

Para Preston, Lo & Wang (2003, 253), os imigrantes contribuem para a

economia de Toronto [e para a economia do país acolhedor em geral] pela participação

no mercado de trabalho, gerando renda e criando empregos. Entretanto, apesar da

política do multiculturalismo, os refugiados precisam de cerca de 10 a 15 anos no

Canadá para serem assentados e se adaptarem ao mercado de trabalho, o que os deixa,

durante este tempo, em situações de pobreza e discriminação, especialmente se eles não

conseguirem aprender a nova língua e/ou não possuirem educação superior. Destarte, há

grande probabilidade de geração da síndrome da dependência, já analisada.

A educação é outro problema que não pode deixar de ser analisado, não apenas

por causa das dificuldades para conseguir uma vaga em escola ou universidade, mas

também devido à falta de programas pedagógicos específicos para lidar com os

refugiados, que são, em geral, conforme Yau (1995, apud James & Burnaby, 2006, 263-

313), alvos de preconceitos, de xenofobia e de discriminação, necessitando lidar

diariamente com processos de adaptação, com processos burocráticos, com estresse pós-

traumático, com aprendizado de nova língua e cultura para conseguir um emprego,

tentando reunificar a família, financeiramente com problemas etc. Ademais, os

professores freqüentemente não estão aptos e preparados para distinguirem entre

refugiados e imigrantes. A falta de atividades, de políticas públicas e de programas para

lidar especificamente com refugiados na escola os levam a não se sentirem membros do

multiculturalismo canadense.

Relativamente aos cuidados com a saúde, a primeira discriminação vem da

política governamental, quando seleciona os refugiados fora das fronteiras do Canadá.

Os pretensos refugiados devem apresentar certificado de saúde antes de serem

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selecionados. Ademais, Noh & Kasper (2003, 350-1) apontam que enquanto pesquisas

mostram que os imigrantes e os refugiados são mais saudáveis do que os nascidos no

Canadá,

embora, em princípio, os sistemas de saúde pública universal forneçam acesso justo e igual e serviços a todos os residentes, [...] os cuidados básicos de saúde, assim como os atendimentos por especialistas caros não são acessíveis a todos os canadenses (conforme informações do Instituto Canadense de Saúde de 2000).

Portanto, os refugiados não são parte deste sistema, principalmente se levarmos

em consideração que muitos deles não são nacionais ou nem mesmo possuem visto de

residente permanente. Ainda, mesmo estando fisicamente saudável, é comum sofrerem

de estresse, depressão ou outros distúrbos mentais, resultantes da situação vivida no

passado. Dessa forma, deixá-los fora dos sistemas de saúde significa levá-los à morte.

Com relação à participação política e engajamento dos refugiados, Siemiatycki

et al (2003, 455) afirmaram que

nem o poder econômico nem o político é eqüitativamente distribuído. Divisões gritantes existem nos padrões de vida das diversas comunidades em Toronto [e no país como um todo], cujas raízes estão na condição jurídica do imigrante, na identidade etnoracial e no gênero, e não nas diferenças em nível educacional ou treinamento. (grifo no original).

Educação e treinamento são ferramentas poderosas para que os refugiados se sintam

forte o bastante para lutar pela vida, o único bem que lhe restou.

Tendo apresentado tais dados, resultantes de pesquisas bem fundamentadas dos

acadêmicos supra, esclarece-se que a realidade e alguns mitos sobre os resultados

positivos do multiculturalismo não se aplicam propriamente à vida dos refugiados na

sociedade canadense. Sendo nacional canadense, o multiculturalismo traz enormes

benefícios, mas, pelo contrário, sendo imigrante, especialmente refugiado, a realidade

canadense é bem diferente. Os mitos que são construídos pelo governo canadense fora

das fronteiras deste país, a fim de atrair força de trabalho, são descobertos assim que os

refugiados aterrissam no Canadá.

No mínimo, vê-se uma espécie de política segregacionista, dividindo pessoas

por classe ou origem etnoracial. Antes de buscar a união pela diversidade, os refugiados

deveriam ter acesso aos mesmos direitos dos nacionais, como ocorre no ordenamento

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jurídico brasileiro relativo aos refugiados (supra analisado) e estarem aptos a manter

suas culturas, seus valores e suas crenças, enquanto dura o processo de integração

(político, econômico, social e cultural) no Canadá.

O que mostra a sociedade canadense é muito mais um tipo de inter-gração de

nacionais, não importando o lugar de origem ou de nascimento do nacional, do que

multi-gração, já que se aplica apenas aos nacionais canadenses e, alguns direitos, aos

imigrantes com visto de residência permanente no país, como a permissão de trabalho.

Pouquíssimos direitos se aplicam aos refugiados, que permanecem no limbo até

que consigam o visto de residente permanente. Seu nome talvez devesse mudar para

Política Intercultural, ao invés de política multicultural, até por que o próprio

ordenamento jurídico canadense que trata dos refugiados não se coaduna com as

promessas da política humanitária do país.

Apesar da política multicultural, na teoria, e segregacionista, na prática, o

número de refugiados no Canadá aumenta a cada ano, principalmente os reassentados,

ou seja, os refugiados buscados pelo governo canadense além das fronteiras do Canadá,

provenientes de um processo seletivo rígido.

Ao final de 200690, havia no Canadá 151.827 refugiados, além de 23.593 casos

pendentes91 (solicitantes à espera de decisão). No Brasil (em 31 de dezembro de 2007),

este número era de 3.815, sendo que os solicitantes eram 398. Nenhum destes

refugiados no Canadá receberam apoio do ACNUR, ao contrário dos refugiados no

Brasil, onde 2.257 receberam tal apoio, especialmente financeiro92.

Ainda comparando dados, no início de 2006, havia no Brasil 314 solicitações

pendentes a serem decididas, resultantes do ano de 2005. A estas, juntaram-se 864

recebidas durante o ano. Destas, 200 solicitações foram deferidas, 470 rejeitadas e 102

90 In http://www.unhcr.org/cgi-bin/texis/vtx/home/opendoc.pdf?id=478ce34a2&tbl=STATISTICS, acessado em 11 de março de 2008. Além das informações obtidas no órgão oficial canadense, qual seja, Citizenship and Imigration Canada, in www.cic.gc.ca/english/resources/statistics/facts2006.index.asp acesso em 24 de junho de 2008. 91 Conforme o ACNUR (junho de 2008), em 31 de dezembro de 2007 este número era de 37.500, in www.unhcr.org/refworld.country acesso em 24 de junho de 2008. 92 Ademais, as divergências entre os números, apresentadas por diferentes fontes serão explicadas abaixo, quando da análise do procedimento para solicitação e aquisição da condição jurídica de refugiado.

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arquivadas. Ao final de 2006, ainda restavam 398 solicitações pendentes para serem

analisadas no ano de 2007, no Brasil.

Tratando-se de Canadá, os dados foram o que segue: ao final de 2007, havia

37.515 solicitações pendentes a serem decididas, resultantes do ano de 2006 e

anteriores93. A estas, juntaram-se 27.865 recebidas durante o ano. Destas, 5.885 foram

deferidas, 5.423 foram rejeitadas, 735 foram declaradas abandonadas e 1.779 foram

arquivadas ou solucionadas por outros meios. Ao final de 2007, 43% das solicitações

feitas foram deferidas.

Dos 147.171 mil refugiados no Canadá, ao final de 2005 (além dos 20.552

solicitantes de asilo/refúgio), 32.492 deles já possuíam o visto de residente permanente

e permissão de trabalho em julho de 2007. Ademais, dentre os solicitantes de refúgio

com idade igual ou acima dos 18 anos de idade, 53.948, cerca de 1/3 de todos os

refugiados canadenses, nesta data, eram residentes na Província de Ontário, sendo que

37.013 deles residentes na cidade de Toronto, mostrando que, assim como acontece em

São Paulo, a grande maioria dos solicitantes de refúgio/asilo no Canadá reside na maior

cidade do país.

Houve, no Canadá, em 2006, conforme dados recebidos pelo Conselho

Canadense de Refugiados, a partir do envio pelo Departamento de Cidadania e

Imigração Canadense (Citizenship Immigration Canada – CIC), 28.179 solicitações de

asilo/refúgio, dos quais 52% foram realizados quando da chegada no país por via

terrestre, 29% na fronteira com os EUA e 19% em algum aeroporto94. De todas as

solicitações, 59% delas foram realizadas apenas na Província de Ontário95, que possui

93

Conforme se pode visualizar na webpage oficial do órgão canadense Citizenshio and Imigration Canada (CIC), www.cic.gc.ca, finalmente o governo canadense decidiu abrir concurso público para selecionar novos juízes para o tribunal administrativo (IRB) responsável pelas decisões das solicitações de refúgio no país, com o intuito de diminuir e até eliminar os casos pendentes que se avolumam ano a ano no tribunal, o que se constituiu em mais uma vitória da sociedade civil organizada que atua com refugiados e solicitantes de asilo no Canadá. 94 A ONG “No One is Illegal”, em seu site http://toronto.nooneisillegal.org/node/570/print , acesso em 11 de março de 2008, publicou dados diferentes. Conforme esta ONG, em 2006, houve 22.887 solicitações no Canadá, dos quais 62% realizadas quando da chegada no país por via terrestre, 20% na fronteira com os EUA e 18% nos aeroportos. 95 Conforme dados da ONG na nota acima, 63% das solicitações foram feitas em Ontário.

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Toronto como sua capital, objeto de análise desta pesquisa. Ademais, 2.093 (7%, de

todas as solicitações) foram realizadas no aeroporto internacional de Toronto96.

Das 28.179 solicitações acima mencionadas, 684 foram indeferidas, ou seja,

apenas 2% delas. Destas, 504 (74%) foram indeferidas com base no Acordo de Terceiro

País Seguro, ou seja, os solicitantes eram provenientes dos EUA (primeiro país de

acolhimento e reconhecido como um país seguro para refugiados), e 103 (15% ) foram

indeferidas porque o solicitante já havia previamente solicitado refúgio no Canadá e seu

pedido já havia sido indeferido97.

A grande maioria dos solicitantes de asilo/refúgio (pela quantidade de

solicitações finalizadas) era proveniente do México (representando quase 26% de todas

as solicitações finalizadas em 2007)98, da China (cerca de 8%), da Colombia (cerca de

7%), do Sri Lanka (cerca de 6%) e do Paquistão. Os EUA estão em 12° lugar na lista.99

Nos dados do CIC, ao final de 2006, havia ainda 317 crianças100 como

solicitantes principais101. Ademais, dentre os solicitantes na fronteira terrestre, 54%

eram do sexo masculino, mantendo a mesma proporção do ano de 2006.

96 Ainda conforme esta ONG, 8%, ou 1.799 solicitações, foram realizadas no aeroporto de Toronto. 97 As estatísticas desta ONG declaram que 570 solicitações foram indeferidas (pouco mais do que 2%), sendo que 403 (71%) delas foram baseadas no Acordo de Terceiro País Seguro com os EUA, 149 (26%) por haver o solicitante previamente tido seu pedido indeferido no Canadá; 10 foram indeferidos por já serem reconhecidos como refugiados em outro país; 4 foram indeferidos como medida de segurança; 1 por violação aos direitos humano; e 3 por crimes graves. Ademais, 23 casos foram suspensos ou arquivados. Vide relatório do Conselho Canadense de Refugiados no Anexo K. 98 Segundo a ONG acima, 4.914 dos solicitantes eram mexicanos, representando 21% de todas as solicitações, em 2006. 99 Note-se que as solicitações de cidadãos estadunidenses são, na grande maioria, crianças e adolescentes filhos de solicitantes que estiveram residindo nos EUA antes de solicitarem a condição de refúgio no Canadá. 100 Vale salientar que o termo criança, para o direito internacional, segue o previsto na Convenção Unviersal dos Direitos da Criança, considerando como tal todos os menores de 18 anos, diferenciando-se do ordenamento jurídico brasileiro, que separa criança (até 12 anos incompletos) de adolescente (dos 12 aos 18 anos incompletos). 101 Nas estatísticas da ONG acima citada, foram 245 as crianças solicitantes principais.

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5.2. A Proteção e os Direitos

O procedimento para se tornar refugiado no Canadá não é simples como no

sistema brasileiro. Pelo contrário, é complexo, geralmente, demorado e divide-se em

vários programas. Há, primeiramente, os casos dos refugiados que chegam na fronteira

com o Canadá às suas custas, sem nenhum auxílio do governo canadense, do ACNUR

ou de outro órgão internacional.

Há, em segundo, os refugiados que são reassentados no Canadá, depois de serem

selecionados cuidadosamente pelos escritórios do governo canadense no exterior. E,

ainda, há aqueles que são trazidos pela própria família (por intermédio do programa de

reunificação familiar incentivado pelo ACNUR), por amigos, por grupos de pessoas ou

de ONGs ou por ONGs, individualmente, de natureza religiosa. Para cada programa há

um procedimento específico.

Além dos programas específicos, há soluções diferentes para as mesmas

solicitações. Por exemplo, um solicitante de refúgio, cujo pedido se baseia na

Convenção de 1951, pode ter seu pedido indeferido conforme rege a Convenção de

1951, mas pode ter a proteção do governo canadense como “pessoa protegida,

baseando-se na Convenção contra a Tortura de 1984”, que define o crime de tortura

como sendo

qualquer ato, onde dor ou sofrimento severos, físico ou mental, seja intencionalmente causado em alguém para os propósitos de obter de tal pessoa ou de terceiros informações ou confissões, punindo-a por qualquer ato que a mesma ou terceiro tenha cometido ou seja suspeito de ter cometido, ou intimidar ou coagir tal pessoa ou terceiro, ou por qualquer razão baseada em discriminação qualquer, quando tal dor ou sofrimento seja feito por ou instigado ou com o consentimento ou aquiescência de oficial público ou outra pessoa agindo oficialmente.

Os efeitos legais, conforme a ordem jurídica canadense, produzidos em ambos

os casos são basicamente iguais, mas, juridicamente, são condições diferentes de

permanência no país. Cada programa e cada procedimento serão analisados

individualmente.

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106

Procedimento de Solicitação de Refúgio quando da chegada ao Canadá102

Chegada do Solicitante → Entrevista para Elegibilidade ↓

(Detenção, como medida preventiva, caso necessário)103 ↓ ↓

Se elegível pelo CIC ou CBSA não elegível104 / indeferimento ↓ ↓ Caso enviado a um oficial da DPR do IRB Solicitação de revisão na Corte Suprema (CS) ↓ ↓ Preenche o Formulário Individual (FI) Avaliação de Risco Pré-Remoção (ARPR) (CIC)

↓ ↓ Audiência Apelação para Revisão Judicial (na CS)

↓ ↓ IRB recebe o FI (se autorizada, retorna ao CIC) Audiência ante um membro do RPD105 ↓

O Solicitante: Recusa/Negação Comparece Não comparece ↓

↓ ↓ ↓ ↓ Remoção (CIC/CBSA) Refugiado Negação abandonado/ nova audiência, (IRB) largado se razoável ↓ Solicitação para Residência Permanente (CIC)106 → Residência Permanente→Nacionalidade

Fonte: Lei de Proteção aos Imigrantes e Refugiados de 1 de novembro de 2001, emendada em julho de 2006.

Quando o indivíduo chega ao Canadá, ele se depara com um oficial da imigração

na fronteira (aérea, terrestre ou marítima), que pode ser no CIC (Centro de Imigração

Canadense) ou na CBSA (Agência de Serviços de Fronteira Canadense) e declara sua

intenção de ser reconhecido como refugiado (artigo 99 (3)). Neste momento, ele é

entrevistado pelo oficial que o recebeu, que decidirá se sua solicitação é elegível ou não.

102 Informações obtidas em entrevistas com um juiz do IRB (tribunal canadense para solicitação de refúgio), na webpage do CIC (www.cic.gc.ca), em entrevista a Dra. Sasha Baglay, autora do livro Direito dos Refugiados no Canadá e, principalmente, na Lei de Proteção aos Imigrantes e Refugiados, de 1 de novembro de 2001, emendada em julho de 2006. 103 O solicitante será detido se houver dúvidas quanto sua identidade ou se houve deserção do servíco militar. A cada duas semanas há revisão dos casos dos solicitantes detidos. A Divisão de Imigração, algumas ONGs e algumas agências especializadas e autorizadas pelo Governo Canadense trata de auxiliar os solicitantes enquanto detidos. 104 Razões para inelegibilidade: já ser refugiado, recusa anterior pelo Canadá, se chegou de um Terceiro País Seguro ou se a pessoa é um risco à segurança do país. 105 Ver Gráfico seguinte sobre audiências.

. 106 Após deferimento da solicitação de refúgio pelo IRB, muitos refugiados não conseguem permissão do CIC para visto de residente permanente, por falta de documentos identificatórios. Coates & Hayward (2005, 76-7) estimam em 20 mil refugiados no limbo no Canadá.

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107

Sendo considerado elegível, o solicitante será enviado ao oficial da Divisão de Proteção

de Refugiados (DPR), conforme a artigo 170 da Lei canadense, órgão do Tribunal de

Proteção aos Imigrantes e Refugiados (IRB), que deverá decidir em três dias; caso

contrário, a solicitação será enviada automaticamente ao IRB, para que este tome a

decisão (artigo 100).

Caso o solicitante seja elegível, a ele serão dadas todas as informações sobre o

procedimento de solicitação de refúgio e um formulário de informações pessoais (FI)107,

que deverá ser preenchido em 28 dias e enviado ao IRB. Quando do recebimento do FI,

o IRB revisa e decide sobre o tipo de audiência (privada e confidencial) a que o

solicitante deverá comparecer, ante um oficial da DPR. Após tal decisão, o solicitante

recebe uma carta com data, hora e local da audiência, explicada em figura infra.

Na audiência, não há arguição sobre a solicitação, mas apenas o oficial da DPR

faz perguntas sobre os fatos. Se o solicitante comparece, ele poderá receber a condição

de refugiado ou tê-la negada. Sendo deferida a solicitação, ele será encaminhado ao

CIC, para solicitar imediatamente o visto de residente permanente. Caso seja indeferida,

ele poderá apelar para revisão judicial ante a Suprema Corte (artigos 72 a 75). Nesse

momento, a ordem de remoção do país fica suspensa até a decisão da Corte.

Se a apelação for deferida, o caso retorna à DPR, sendo analisado por um outro

oficial. Mas, se for novamente indeferida, ele somente poderá solicitar uma avaliação de

risco pré-remoção (decidida pelo CIC) (artigos 112 a 116), que suspende a ordem de

remoção por 15 dias, a partir da data de recebimento dos formulários de solicitação

desta avaliação108. Se esta solicitação for indeferida, ele será removido do Canadá

(artigos 48 a 52). Mas, sendo deferida, ele poderá ser considerado como pessoa

protegida por questões humanitárias e de compaixão, embora essas decisões apenas

sejam dadas em circunstâncias excepcionais e o processo pode levar anos.

Vale salientar que são inelegíveis para a avaliação do risco pré-remoção os

solicitantes sujeitos à extradição, os inelegíveis a audiências, os solicitantes que tenham

sido removidos do Canadá há menos de 6 meses e os já reconhecidos como pessoas

107 O preenchimento do FI é individual e os pais devem preencher um para cada filho menor de 18 anos. Caso a solicitante seja criança desacompanhada, o IRB designa um representante para tal tarefa. 108 Se os formulários foram enviados pelo correio, e não entregues pessoalmente, acrescentam-se 7 dias mais.

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protegidas ou como refugiados de acordo com a Convenção de 1951 em outro país para

onde o solicitante possa retornar.

Retornando para o momento da audiência, se ele não comparece, o caso será

declarado como abandonado ou largado. Entretanto, mediante justificativa por escrito e

bem fundamentada, poderá ser solicitada nova data para audiência.

Se a solicitação for deferida, o solicitante poderá ser considerado refugiado de

acordo com a Convenção de 1951 ou ser considerado pessoa com necessidade de

proteção. No primeiro caso, são as perseguições definidas pela própria Convenção. No

segundo caso, são os que apresentam risco de tortura, de vida ou de tratamento cruel,

desumano ou degradante, conforme reza a Convenção contra a Tortura.

Quanto às audiências, são três os tipos, dependendo da solicitação:

Procedimento Rápido Audiência Curta (AC) Audiência Regular Audiência Completa

entrevista pela DPR até 1h

casos simples < 2h (entrevista pela DPR)

dura > 2h < 4h no Tribunal (IRB)

casos complexos > 4h no Tribunal (IRB)

↓ ↓ ↓ ↓ envia para um envia para AC -pelo Conselho do Ministro em nome do CIC juiz do IRB -a DPR pode assistir para obter evidências ↓ ↓ solicitantes de países -mais de duas questões para an álise favorável negado que produzem refugiados - ACNUR pode assistir ↓ ↓ decisão tomada uma/duas questões analisadas ↓ ↓ - aplicação das cláusulas de para AC sem audiência exclusão e cessação conforme ↓ os artigos 1E e 1F da determina o refúgio Convenção de 1951 Fonte: Lei de Proteção aos Imigrantes e Refugiados de 1 de novembro de 2001, emendada em

julho de 2006.

Importa apontar que as audiências variam de país para país e de tempos em

tempos, dependendo, por exemplo, das mudanças nas condições dos países.

Para evitar dúvidas quanto às funções dos três órgãos deste complexo sistema

jurídico canadense no tocante aos refugiados, vale mencioná-los separadamente:

• quanto ao CIC (Órgão de Cidadania e Imigração do Canadá), com exceção

das políticas de segurança, crimes de guerra e crime organizado, fica a seu

cargo todas as políticas de admissão no país, além das decições sobre

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cidadania, extradição, solicitação de permanência no país por questões

humanitárias e de compaixão, serviços, visto de residência permanente

(dentro e fora do Canadá), patrocínio de refúgio, assentamento e reunificação

familiar;

• quanto ao CBSA (Agência de Serviços de Fronteira do Canadá), ele trata da

admissibilidade das audiências, apelações (de ordem de remoção), detenções,

prisões, remoções, exames nas fronteiras, monitora a Divisão de Apelação,

auxílio, intervenção do Ministro nas solicitações de refúgio, exclusão de

refúgio e políticas de segurança, crimes de guerra e crime organizado.

• é política do CIC (Órgão de Cidadania e Imigração do Canadá), com o apoio

da CBSA (Agência de Serviços de Fronteira do Canadá), decidir sobre

apelação e sobre confirmação de ordem de remoção, avaliação do risco de

pré-remoção, processamento da solicitação de refúgio e re-determinação da

elegibilidade de refúgio.

• é política da CBSA (Agência de Serviços de Fronteira do Canadá), com o

apoio do CIC (Órgão de Cidadania e Imigração do Canadá), decidir sobre a

cessação do refúgio e assegurar ordens de remoção.

De forma geral, os três órgãos principais que tratam da política de imigração e

de refugiados no Canadá se resumem nas seguintes funções, sabendo-se que as funções

inseridas no círculo são comuns aos três.

Fonte: www.cic.gc.ca acesso em 24 de junho de 2008

*Segurança dos canadenses *Integridade do sistema de imigração e refugiados *Força e diversidade da nação *Resultados e Benefícios para os canadenses

CIC 3

IRB 1

CBSA 2

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1. IRB = tribunal administrativo independente que decide sobre questões de

imigração e de refugiados, de acordo com a lei local, e fornece relatório ao Parlamento.

2. CBSA = fornece serviços de fronteira integrado, de apoio às prioridades de

segurança nacional e facilita o livre fluxo de pessoas e mercadorias, incluindo animais e

plantas, desde que de acordo com a legislação nacional. Além de ter a responsabilidade

das funções de inteligência e de forçar o cumprimento das questões relativas à

imigração e aos refugiados.

3. CIC = responsabilidade em geral das questões relativas à imigração e aos

refugiados; determina as solicitações de proteção de refúgio nas embaixadas

canadenses; consulta, seleciona imigrantes, fornece visto de visitante e concede

cidadania; reassenta, protege e fornece um ambiente seguro aos refugiados.

Embora complexo, os solicitantes de refúgio no Canadá têm conseguido

alcançar êxito em tais procedimentos. A dificuldade maior, além da falta de intérpretes

nas entrevistas e nas audiências, são os casos que não são julgados por falta de

funcionários suficientes no IRB (Conselho de Proteção de Refugiados do Canadá). Ipso

facto, os prazos não estão sendo cumpridos e os solicitantes ficam à mercê do governo e

das deficientes políticas assistencialistas, já que não possuem ainda a permissão de

trabalho, sendo impedidos de contribuir para a economia do país, de melhorar sua saúde

mental e de ter sua situação jurídica legalizada no país. O que sobra é buscar sobreviver

na economia informal, dedicando-se ao trabalho ilegal.

Procedimento de Solicitação de Refúgio no Exterior109ou Reassentamento

O artigo 99 (2) da Lei de 2001 reza que, mesmo estando fora do Canadá, o

indivíduo pode solicitar refúgio; o que deverá ser feito em um dos escritórios do

governo canadense no exterior. Este programa de reassentamento é administrado pelo

CIC, que, desde o final da Grande Guerra, em 1945, já reassentou mais de 700 mil

refugiados conforme a Convenção de 1951 e ainda pessoas em situação parecida de

refugiado (como os casos enquadrados na Convenção contra a Tortura).

109 Informação obtida no relatório do ACNUR de 2006, capítulo Canadá, na webpage do CIC (www.cic.gc.ca) e no livro Direito dos Refugiados no Canadá, da professora e advogada Sasha Baglay em co-autoria com o professor e advogado Martin Jones, cujas entrevistas com eles formaram subsídios suficientes para entender o sistema canadense de refugiados.

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111

O CIC considera elegível para reassentamento se o indivíduo for indicado pelo

ACNUR, por outra organização internacional (ou ONG) ou por um patrocinador

particular (previamente aprovado pelo CIC). Entrentato, há áreas emergenciais onde o

CIC não faz tais exigências e o indivíduo pode fazer a solicitação diretamente.

O solicitante deve se encaixar nos critérios exigidos pela Convenção de 1951 ou

nas classes de pessoas protegidas por questão humanitária (Sasha & Jones, 2007, 200-

4), quais sejam: país de asilo ou país produtor de refugiado. O primeiro, são as pessoas

que fogem de seus países vítimas de guerra ou violação maciça dos direitos humanos. O

segundo, são as pessoas que permanecem nos seus países e são vítimas de guerra ou dos

direitos civis fundamentais ou que se encaixariam na definição da Convenção de 1951,

caso fugissem do país. O Canadá também tem diretrizes específicas para as mulheres,

cujas perseguições em virtude de gênero são levadas em consideração.

Em geral, os solicitantes devem provar potencial para se tornarem auto-

suficientes e obterem sucesso em se estabelecer no Canadá dentro de 3 a 5 anos

contados a partir da chegada no país (Sasha & Jones, 2007, 205-7). Dentre os fatores a

serem levados em conta pelo oficial canadense, para decidir a elegibilidade do

refugiado, estão, entre outros, educação, presença de familiares ou outro patrocinador

no Canadá, experiência profissional e qualificações e habilidade para aprender inglês ou

francês. Contudo, estes critérios não são levados em conta quando o oficial do CIC os

qualifica como pessoa vulnerável ou em necessidade urgente de proteção.

A discriminação acontece quando, para ser admitido no Canadá, o solicitante

deve passar por exames médicos, certidão criminal e certidão de segurança. Quanto à

certidão criminal e de segurança (o Canadá não aceita combatentes de crimes de guerra

ou crimes contra a humanidade, nem militares que pertenceram a organizações que

praticaram atos de violência), justifica-se pela segurança e defesa do país. Mas, não há

razão para evitar que um solicitante que esteja com o vírus do HIV ou sofrendo de

AIDS ou tuberculose, por exemplo, os casos mais comuns, não seja admitido como

refugiado no país, o que viola os direitos humanos e vai de encontro ao discurso de

humanitarianismo defendido e promovido pelo Canadá. A justificativa do governo

canadense é a probabilidade do refugiado ser um perigo para a saúde pública ou para a

segurança do país.

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112

Para ser reassentado no Canadá, o refugiado deve juntar os seguintes

documentos: formulário de registro de reassentamento do ACNUR (que pode ser

enviado eletronicamente), outros documentos relevantes (certidão médica, certidão de

nascimento etc.) e uma carta explicando as razões para solicitação de refúgio e se se

encontra em risco ou faz parte de uma das categorias consideradas vulneráveis.

Ademais, deve ser enviada também a solicitação de residência permanente, pois todos

os reassentados já chegam ao Canadá como tais. As solicitações podem ser feitas pelo

refugiado diretamente em um escritório do CIC, no local de origem daquele.

Normalmente, o refugiado é entrevistado (Sasha & Jones, 2007, 208-13), para

avaliar se ele é considerado elegível. Sendo aceito, os exames médicos são solicitados.

A condição de refúgio somente é liberada após o refugiado trazer os resultados dos

exames médicos. As análises de segurança e de criminalidade também acontecem nesse

momento.

A decisão final, quanto à aceitação ou não da solicitação, é feita no próprio

escritório local do Canadá, baseando-se nos resultados da entrevista, dos exames

médicos e dos controles de criminalidade e segurança. Se não for aceito, o refugiado

será informado da decisão por carta e as razões serão apontadas. Não há apelação, mas o

ACNUR pode solicitar reconsideração à Suprema Corte Canadense.

Outra dificuldade são os prazos, que não existem no sistema canadense de

reassentamento, dependendo das circusntâncias em certas áreas, do acúmulo de casos

aguardando resposta, da localização de populações refugiadas, da incidência de

problemas médicos e também dos recursos disponíveis para lidar com certas

solicitações. Entretanto, o Canadá pode conceder um empréstimo ao solicitante, para

cobrir despesas com transporte para o Canadá e com exames médicos, por exemplo,

desde que o solicitante demonstre necessidade e potencial suficiente para pagá-lo,

mensalmente, logo após sua chegada ao Canadá.

Às vezes, o governo canadense exige que o pagamento seja iniciado em até dois

anos da chegada do refugiado ao país. Ainda há casos especiais em que o governo

canadense contribui financeiramente com o refugiado, sem haver a necessidade de

retorno do pagamento. Quanto ao transporte (Sasha & Jones, 2007, 213), geralmente,

onde há atuação da Organização Internacional dos Migrantes (OIM) , ela se

responsabiliza pelo solicitante de refúgio, em coordenação com o escritório canadense.

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113

Nos casos emergenciais, solicitados pelo ACNUR, quando há ameaça imediata à

vida, à liberdade ou à segurança física do refugiado, o oficial canadense local envia ao

ACNUR em 24 horas a sua decisão. Sempre que possível, o Canadá envia o refugiado

ao país entre 3 e 5 dias da solicitação do ACNUR e, chegando lá, o refugiado completa

o processo de refúgio, embora já viaje com o visto de residente temporário, o que lhe dá

direito a viajar ao Canadá antes de completarem os procedimentos de saúde, segurança e

criminalidade.

Não sendo tais casos emergenciais, o refugiado selecionado no exterior já chega

ao Canadá com o visto de residente permanente e permissão de trabalho, podendo, após

3 anos, solicitar a cidadania plena. Os primeiros, após cumprirem os procedimentos de

controle de saúde, de criminalidade e de segurança (ou após um período de 5 anos),

podem solicitar a residência permanente.

Os refugiados com necessidades especiais, de acordo com a lei canadense, são

os que necessitam de cuidados médicos, os sobreviventes de violência e de tortura, as

mulheres em risco, crianças, idosos, patrocinadores privados e patrocínio de assistência

conjunta.

Com relação aos refugiados que necessitam de cuidados especiais, os governos

provinciais são responsáveis pelo acesso à saúde e pelos serviços sociais prestados.

Portanto, há casos de necessidades de tratamentos caros e os refugiados precisam ser

direcionados a determinados locais do país, dificultando sua ida. O governo canadense

aconselha que o solicitante busque o apoio de parentes no Canadá, que possam se

responsabilizar por eles, o que facilita o deferimento da solicitação.

Sobre as crianças, o Canadá, atualmente, não aceita os que não possuam família

no Canadá, assim como acontece com os idosos. Esta decisão é para fortalecer o

programa de reunificação familiar (artigo 3° (1D) da lei canadense de refugiados), que

inclui, inclusive, parceiros do mesmo sexo. Entretanto, no caso dos idosos, se houver

necessidade de cuidados médicos emergenciais, a solicitação poderá ser deferida.

Integração

Uma novidade do sistema canadense é a oportunidade que a sociedade civil, por

intermédio de ONG, de igrejas (grupos religiosos), de comunidades, de organizações e

de indivíduos possuem para patrocinar a vinda de refugiados, por meio de um acordo

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114

com o CIC, além dos refugiados patrocinados pelo próprio governo. Em 2006, mais de

3.300 refugiados foram reassentados no Canadá por meio deste programa. Estes grupos

se responsabilizam pela assistência básica ao refugiado, como acomodação, vestuário,

alimentação e serviços de assentamento, como auxílio na busca de emprego e na busca

da auto-suficiência, normalmente durante um ano a partir da chegada do refugiado, mas,

na prática, chega a durar 3 anos. Os refugiados podem ser identificados por tais grupos a

partir do auxílio do ACNUR ou por eles mesmos.

Ademais, há o patrocínio de assistência conjunta entre o governo e um grupo

privado, que compartilham a responsabilidade de patrocinar refugiados. O governo

assume a responsabilidade financeira e o grupo assume a responsabilidade de auxiliar os

refugiados no processo de integração no país. O período de patrocínio pode durar até 2

anos, tempo que se espera seja suficiente para o refugiado adquirir auto-suficiência.

O elemento-chave da estratégia canadense para integração dos recém-chegados é

a diferença entre imigrantes e refugiados, com dois programas específicos. Embora os

objetivos de uma integração de sucesso seja o mesmo, as necessidades especiais dos

refugiados são reconhecidas, teoricamente, e os esforços são direcionados para tais

necessidades.

Há os serviços disponíveis especificamente aos refugiados reassentados pelo

governo, como apoio financeiro e serviços essenciais imediatos (alimentação, vestuário

e acomodação). Os refugiados patrocinados por grupos privados recebem auxílio

financeiro e de integração de seus patrocinadores, no sentido de os ajudarem a

tornarem-se auto-suficientes, por um ano ou quando se tornarem auto-suficientes, o que

vier primeiro. No caso do patrocínio conjunto, a assistência pode durar 2 anos.

Os refugiados que chegam nas fronteiras recebem acomodação provisória

(pernoite) e refeição, caso desejem. Quando chegam no inverno, eles também recebem

roupas de inverno. Acomodação temporária é fornecida aos refugiados patrocinados

pelo governo até que consigam uma residência permanente. Geralmente o governo

compra hotéis, motéis ou patrocina centros de recepção. Quanto aos últimos, possuem

um ambiente mais familiar e holístico, aliviando sentimentos de abandono e solidão.

No Canadá, assim como no Brasil, os refugiados possuem direitos a seguro-

saúde, número da seguridade social, cursos de língua e indicação para empregos. Tais

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115

serviços essenciais, tais como cursos de língua, auxílio na busca de emprego e de

acomodação, são delegados pelo CIC para ONG, indivíduos, agências de imigrantes,

grupos comunitários, lojas comerciais, governos provinciais e municipais e instituições

educacionais, para que estas forneçam tais serviços aos refugiados. Muitas destas

entidades, inclusive, possuem entre seus empregados ou voluntários, indivíduos do

mesmo país de origem do refugiado, o que ajuda na dificuldade de comunidade com

relação à língua e à adaptação cultural.

O governo canadense e tais entidades têm produzido matérias de orientação aos

refugiados e distribuídos, inclusive nos aeroportos e nas fronteiras do país em geral,

para que o refugiado melhor entenda o estilo de vida canadense. Um exemplo é o

programa da Cruz Vermelha canadense em Toronto, que direciona os refugiados ou

solicitantes para os recursos existentes na comunidade e distribui um kit com

explicações sobre transporte público, bancos, cuidados diários, matrícula em escolas,

compras de alimentos e roupas, orçamento, nutrição, preparação de alimentos,

administração da casa, segurança, aluguel de casa e até babysitting.

Há entidades especializadas em serviços de tradução e interpretação, fornecidos

também de graça para os refugiados, principalmente para traduzir seus diplomas e

documentos, e outras especializadas em aconselhamento paraprofissionais, como os

departamentos de psicologia de universidades.

Os refugiados possuem o direito de cobertura de saúde, em nível provincial, em

até 90 dias da chegada ao Canadá. O governo federal fornece cuidados de saúde

essenciais e emergenciais para os refugiados, enquanto estes aguardam a elegibilidade

dos benefícios de saúde da província. Também fica a cargo da província o estudo em

escola pública até o ensino médio. Não há educação universitária pública no Canadá, ao

contrário do que ocorre no Brasil, onde refugiados possuem acesso à educação de nível

superior nas universidades públicas.

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116

Capítulo 6

Os sistemas brasileiro e canadense em comparação

Brasil e Canadá podem ser considerados como líderes na proteção dos

refugiados no continente americano. O Canadá, tradicionalmente visto como o mais

humanitário dos países ocidentais, e o Brasil (Jubilut, 2006, 1), com sua recente lei

9474/97 e a iniciativa de reeassentamento solidário, são modelos para os vizinhos e para

o mundo.

Quanto à institucionalização da proteção aos refugiados, no Brasil (Jubilut,

2007, 170-2), surgiu em 1977, quando o ACNUR estabeleceu no RJ um escritório ad

hoc, e se concretizou em 1997, quando a lei brasileira dos refugiados ampliou a

definição da Convenção de 1951, utilizando-se, também, da definição prevista na

Declaração de Cartagena, com o intento de se adequar às necessidades da região latino-

americana.

O Canadá, embora não possua uma legislação específica sobre refugiados,

ampliou a definição da Convenção de 1951 na lei de 2001, protegendo também as

vítimas de tortura, conforme reza a Convenção contra a Tortura, Tratamentos Cruéis,

Desumanos ou Degradantes.

De acordo com Jubilut110, entrevistada por email em 27 de setembro de 2007,

diferentemente do sistema canadense, após seis anos da condição de refúgio, o

refugiado pode solicitar a residência permanente no Brasil, permanecendo com a

condição jurídica de refugiado. Após mais seis anos, poderá, então, solicitar a

nacionalidade brasileira e, caso concedida, perde a condição de refúgio (artigo 3°, II, da

lei 9474/97).

No Canadá, tão logo receba o status de refugiado, poderá solicitar a residência

permanente e, após três anos, poderá solicitar a nacionalidade canadense. Importa

110

Quando desta entrevista, Liliana Jubilut era advogada do Centro de Acolhida para os Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP), tendo publicado sua dissertação de mestrado sobre este tema. Vide entrevistas, na íntegra, nos Apêndices A e B.

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117

mencionar que os refugiados reassentados já aterrissam em solo canadense com o visto

de residente permanente.

Enquanto o Canadá possui um sistema complexo, o que pode ser justificado pela

grande quantidade de refugiados acolhidos no território, o Brasil possui um sistema

simples e rápido. Entretanto, o sistema simples brasileiro não prevê a possibilidade da

chegada de um fluxo maciço de refugiados e nem busca refugiados previamente

selecionados no exterior, como bem faz o Canadá.

Outra diferença, mas desta vez o Brasil se coaduna com a proteção aos direitos

humanos, ao contrário do Canadá, é a aplicação do non refoulement. No Brasil,

diferentemente do Canadá, não há centros de detenção, onde o refugiado aguarda a hora

de ser retirado do país; não há acordos do tipo Acordo do Terceiro País Seguro com

nenhum outro país; não há possibilidade de um solicitante ser retirado do país única e

exclusivamente por ter entrado de forma ilegal no país. Ademais, no Canadá, se a

solicitação é negada, o solicitante deverá se retirar do país. No Brasil, ele poderá ficar,

sob o regime geral dos estrangeiros no país.

No Brasil, atos de terrorismo e tráfico de drogas excluem o indivíduo da

condição de refúgio, assim como no Canadá. A Suprema Corte canadense decidiu que

tráfico de drogas se encaixa nos crimes contra os propósitos da ONU e, portanto,

também é motivo para exclusão, como ficou decidido no famoso julgamento do caso

Pushpanathan versus Canadá (CIC) em 1998.

Sobre a extradição de refugiados, no Brasil, segundo os artigos 33 a 35 da lei

9474/97, nem o refugiado nem o solicitante de refúgio podem ser extraditados ou

expulsos (artigos 36 e 37 da referida lei), até por que a solicitação de refúgio suspende o

processo de extradição e, caso deferida, leva este ao arquivamento, exceto em casos de

ameaça à segurança nacional ou ordem pública, quando o refugiado será, então,

expulso, mas somente após perder a condição de refúgio.

Já no Canadá, se há solicitação de extradição, o indivíduo fica excluído da

condição de refúgio (Sasha & Jones, 2007, 228-9), ocorrendo extamente o contrário do

que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro. A seção 105 (1) da legislação canadense

reza que qualquer solicitação de refúgio fica suspensa enquanto durar o procedimento

da extradição.

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118

Diferentemente do Canadá e da prática européia, no Brasil há os institutos de

asilo e de refúgio. No Canadá, o solicitante de asilo será reconhecido juridicamente

como refugiado, se a solicitação for deferida. Caso o motivo da perseguição tenha sido

político, ele será considerado como refugiado político.

Por fim, quanto aos direitos dos refugiados em ambos os países, pode-se afirmar

que, no Brasil, a CR/88 expressamente garante o direito ao asilo (artigo 4°, X) e à

igualdade de direitos entre nacionais e estrangeiros residentes (aqui se inserem os

refugiados e os solicitantes de refúgio) (artigo 5°, caput). Ademais, o § 3° do artigo 5°

reza que os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil estão no mesmo nível

hierárquico da CR/88 e o Brasil ratificou os mais importantes tratados de direitos

humanos, sem reservas, tais como: a Declaração de 1948 e os Pactos Adicionais de

1966; as Convenções de Genebra de Direito Humanitário de 1949 e seus Protocolos; a

Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e

seu Protocolo Opcional, a Convenção Universal dos Direitos da Criança, a Convenção

contra e Discriminação Racial, a Convenção contra a Tortura, Tratamento Cruel,

Desumano e Degradante e o Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional111, além de

ser membro de vários tratados regionais, como a Convenção Interamericana para

Concessão de Asilo Territorial, Convenção Interamericana contra a Tortura e a

Convenção Interamericana dos Direitos Humanos.

Do lado do Canadá, a Carta dos Direitos e Liberdades garante um número de

direitos e liberdades a cada um e a todos, cidadãos e não cidadãos. De fato, a seção 7°

da Carta (direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa) tem sido freqüentemente

utilizada para desafiar vários aspectos do ordenamento jurídico de imigração e de

refugiados. Por exemplo, ela foi a base para que fosse dado o direito à defesa oral em

solicitações de refúgio na decisão do caso Singh de 1985.

Com relação aos direitos econômicos e sociais, o acesso a eles varia de província

para província, pois cada uma delas possui sua própria ordem jurídica, que inclui, entre

outros direitos, assistência social e legal.

111In http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/aa4b49bcb020363d41256324005233c6/$FILE/G0345262.doc

acesso em 27 de setembro de 2007.

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119

Importante se faz mencionar que a grande maioria dos refugiados no Brasil

reside em São Paulo, maior cidade do país, enquanto que, no Canadá, a maioria dos

refugiados está em Toronto, também maior cidade do país.

Com relação ao papel das ONG, no Brasil, o ACNUR auxilia no reassentamento

financeiramente, treina trabalhadores de ONG cria procedimentos a serem seguidos,

auxilia estas a preparar e a assinar acordos com hospitais, instituições educacionais etc.,

a fim de obter o apoio delas para que estas recebam e tratem os refugiados com

dignidade e respeito. O ACNUR atua em conjunto com ONG, com a sociedade civil e

com o governo brasileiro, para preparar o Brasil, como membro da comunidade

internacional, a promover os direitos dos refugiados, protegê-los e fazer suas vidas

melhores, conforme nos lembra Jubilut (2007, 199-204).

No Canadá, o reassentamento é, depois do processo de determinação da

condição de refúgio, a forma mais comum pela qual um indivíduo é admitido como

refugiado no país. Entre 1995 e 2005, este país reassentou uma média de 10 mil

refugiados por ano112, estando entre os três primeiros países do mundo no ranking do

reassentamento, diferentemente do Brasil, cujo programa de reassentamento se iniciou

neste início de século XXI.

Uma razão para as baixas taxas de refugiados no Brasil, via reassentamento,

pode ser a característica de país não-desenvolvido, com o índice de desenvolvimento

humano (IDH) de 0.792, em 69° lugar, entre os 175 países identificados pela ONU,

classificado, dessa forma, como país de médio desenvolvimento. É uma sociedade

desigual, com cerca de 200 milhões de habitantes113, cuja maioria é do sexo feminino e

menor que 29 anos de idade, caracterizando uma sociedade jovem.

Ademais, mais da metade da população possui apenas 7 anos de estudo e a taxa

de desemprego é maior do que 10% , sendo que entre as mulheres a taxa aumenta para

14% . Sobre habitação, 73% da população possui sua própria habitação, mas apenas

83% possui rede de saneamento de água, com diferenças enormes entre as regiões.

112 CIC, Facts & Figures: Immigration Overview 2004, in www.cic.gc.ca acesso em 25 de junho de

2008. 113 Dados disponíveis no site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) www.ibge.gov.br, acesso em 20 de setembro de 2007.

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120

Estes baixos indicadores explicam, mas não justificam, as dificuldades da

sociedade brasileira em lidar com seus próprios problemas, especialmente ao acolher

estrangeiros no país, apesar de que o Brasil sempre foi um país de imigrantes, desde seu

descobrimento. A sociedade brasileira não possui uma raça única/pura, mas apresenta

uma mistura de várias delas, responsáveis que foram, todas elas, pela criação/produção

da atual raça brasileira. Portanto, é uma sociedade que costuma cuidar dos recém-

chegados, mesmo sem o auxílio do governo.

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121

Parte II

O capital social

“Os sentimentos e as idéias não se renovam, o coração não cresce e o espírito não se desenvolve a não ser pela ação recíproca dos homens uns sobre os outros.” (Tocqueville, 1835 [1998], 392).

Para Tocqueville (1998, 149), pensador francês do século XIX e considerado o

pai-identificador do capital social – embora não tenha utilizado este termo em momento

algum – a ação acima descrita somente se desenvolve pela ação recíproca dos homens

uns sobre os outros”, a qual deve ser criada artificialmente, por meio das associação

civis. “Depois da liberdade de agir sozinho, a mais natural ao homem é a de combinar

os seus esforços com os esforços de seus semelhantes e agir em comum. Por isso, o

direito de associação parece-me quase tão inalienável, pela sua natureza, quanto o

direito à liberdade individual,” afirmou Tocqueville em A democracia na América,

publicado entre 1835/1840.

Acrescenta, ainda, que quando cidadãos são independentes, eles são também

sozinhos e frágeis, nada podendo, assim, contra seus semelhantes. Se eles não aprendem

a se ajudar mutuamente, caem todos na impotência. Esta era a lição dada pelos

habitantes da Nova Inglaterra aos europeus (1998, 402): “cada americano sabe sacrificar

uma parte dos seus interesses particulares para salvar o resto.”

Este alto grau de associativismo encontrado por Tocqueville entre os habitantes

dos EUA seria conseqüência da perfectibilidade, ou seja, da capacidade de aperfeiçoar-

se constantemente, diferencial basilar entre seres humanos e animais. Para Rousseau

(1992, 183-97), a capacidade de aperfeiçoar-se e a razão levariam o homem à

civilização e, também, à desigualdade social. À maneira que fosse civilizando-se, o

homem começaria um processo de degradação moral (embora substituído pela cultura

artificial), que o levaria a fundar o contrato social, baseado na vontade geral, cujo fim

seria o bem comum.

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122

No pensamento rousseauniano, em estado natural, os homens, bons, puros e

iguais, vivem em liberdade natural, ou seja, usufruindo os bens que possuem por terem

sido o primeiro ocupante deles. Entretanto, as ameaças constantes, por forças naturais

ou não, levá-los-iam a unir-se em torno de uma vontade geral (o contrato geral114), ou

seja, “a realidade coletiva, o que há de comum em todas as vontades

individuais”(1757/1978, 43), cujo fim é justamente esse bem comum. A posse115, antes

natural116 e frágil, passaria a ser pública117. Este pacto, criador do Estado civil,

conferiria, a este último, o direito de ser senhor dos bens de seus membros (e não de

outros Estados). Criar-se-ia, assim, o direito de propriedade.

Neste estágio, a liberdade natural passa a ser liberdade convencional118 por estar

baseada na convenção, no acordo de vontades, na vontade geral de todos os cidadãos. É

a democracia rousseauniana. Caso o governo se desviasse de sua finalidade, qual seja, o

bem comum, o povo, detentor da soberania, teria o poder de derrubar o governo. Esta é

a vontade geral que, por meio do contrato social, fundado na vontade geral119, criaria o

Estado Civil, ou seja, o corpo moral e coletivo para combater os abusos entre os

cidadãos.

Concorda com Rousseau o francês Tocqueville, que descreveu o grau de

associativismo existente nos EUA, resultando na democracia participativa hodierna

deste país. Na primeira metade do século XIX, este pensador europeu comparou a

114 Este pacto é um ato positivo que, entre outros direitos, estabelece o direito de propriedade,

caracterizando a posse, diferente da fragilidade vista no estado natural, como pública e irrevogável. 115 Para Rousseau (1755/1978, 36-7), no estado natural, a posse é obtida pelo primeiro ocupante do bem

ou por meio da força, enquanto que a propriedade é resultado da lei civil. 116 Em estado natural, o homem teria naturalmente direito ao necessário à sobrevivência. Por outro lado,

no Estado civil, além do direito ao necessário à sobrevivência, o contrato concede a ele o direito de utilizar do bem, ou seja, caso trabalhe a terra, respeita-se o direito de usar a propriedade. Resta ao Estado apenas o papel de depositário do bem público. É o comunismo rousseauniano. (1755/1978, 39).

117 O Direito brasileiro diferencia posse de propriedade, levando em consideração duas teorias opostas,

quais sejam: a defendida por Ihering e a defendida por Savigny. Entretanto, este assunto não diz respeito ao objeto da pesquisa, sendo excluído desta discussão.

118 Por liberdade convencional, Rousseau (1757/1978, 32) afirma ser “uma forma de associação que

defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, somente obedece, contudo, a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”.

119 Vontade geral, para Rousseau (1757/1978, 50, 55, 58-9), “é a livre associação de seres inteligentes,

que deliberadamente resolvem formar um certo tipo de sociedade, à qual passam a prestar obediência.[...] A vontade geral é legítima se busca o bem comum. Do contrário, pode ser derrubada ou modificada pelo próprio povo.”

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recém-nascida sociedade americana com a sociedade francesa e inglesa do século XIX.

Para ele, o mal das sociedades européias daquele século era o individualismo

exarcebado, que não gerava confiança nem reciprocidade, evitando a cooperação entre

os membros. A solução seria o equilíbrio entre igualdade e liberdade encontrado entre

os povos estadunidenses.

Para Tocqueville, a sociedade estadunidense alcançou um alto grau de

desenvolvimento e democracia120 graças, entre outros fatores, ao associativismo civil

entre seus membros. Aponta ele três remédios encontrados por tal sociedade para evitar

a tirania ou a anarquia, quais sejam: as liberdades locais, a religião (1998, 221-32) e as

associações civis, estatuindo que (1998, 389) “os americanos combateram, por meio da

liberdade, o individualismo que a igualdade fazia nascer, e o venceram”; e acrescenta

que o individualismo (1998, 386) “é um sentimento refletido e pacífico, que dispõe cada

cidadão a isolar-se da massa de seus semelhantes e a retirar-se para um lado com sua

família e seus amigos, de tal sorte que, após ter criado para si, dessa forma, uma

pequena sociedade para seu uso, abandona de bom grado a própria sociedade”.

Os cidadãos da sociedade estadunidense descrita por Tocqueville, claramente,

encontravam-se associados civilmente. Havia associação para todos os fins, graves e

fúteis. Associavam-se (1998, 391) “os americanos de todas as idades, de todas as

condições, de todos os espíritos, para resolver todos os problemas locais, deixando ao

Estado apenas o que não diz respeito diretamente àquela sociedade”. Os cidadãos

possuem necessidade de permanecerem associados, de resolverem seus problemas em

nível local, de agir em conjunto e aceitar o que a associação decidiu.

Um exemplo explícito desta noção de associativismo se dá na passagem que

Tocqueville narra (1998, 147), quando em um dado momento

sobrevém um obstáculo na via pública; a passagem fica interrompida, pára a circulação; imediatamente os vizinhos se organizam em corpo deliberativo; desta assembléia improvisada sairá um poder executivo que remediará o mal antes que a idéia de uma autoridade pré-existente à dos interessados se tenha interessado à imaginação de alguém.

É esta característica marcante que o autor encontrou naquela sociedade: os

habitantes aprendem a apoiar-se sobre si mesmos para lutar contra os males e os

embaraços da vida. Para a autoridade social, eles somente lançam um olhar desafiador e

120 No sentido de participação política, de igualdade e de liberdade.

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inquieto, e ssomente apelam para o seu poder quando não podem passar sem ele (1998,

146).

Definitivamente, prevalecia a confiança entre os membros locais e a confiança

gerava cooperação. Quanto mais se confia, mais se coopera e quanto mais se coopera,

mais se confia. Este círculo virtuoso gera desenvolvimento econômico e democracia

para a sociedade e diferenciava a sociedade estadunidense das sociedades européias do

século XIX, confirmando o dilema da ação coletiva que caracteriza o capital social, a

ser definido infra, produzido por uma comunidade.

Para exemplificar o dilema da ação coletiva, Putnam (2002a, 173) nos faz

recordar a Parábola dos Plantadores de Trigo contada por David Hume (2000, livro 3,

parte 2, seção 5), filósofo escocês do século XVIII, sobre as relações de confiança,

cooperação e reciprocidade que geram o capital social em certo grupo social, qual seja:

“teu milho está maduro hoje; o meu estará maduro amanhã. É vantajoso para nós que eu

te ajude a colhê-lo hoje e tu me ajudes amanhã. Não tenho amizade por ti e sei que

também tu não tens por mim. Portanto, não farei nenhum esforço em teu favor; sei que

se eu te ajudar, esperando alguma retribuição, certamente me decepcionarei, pois não

poderei contar com tua gratidão. Então, deixo de ajudar-te; e tu me pagas na mesma

moeda. As estações mudam; e nós dois perdemos nossas colheitas por falta de confiança

mútua”. Este exemplo mostra uma comunidade que não gera capital social.

Enquanto que na Europa Tocquevilliana o individualismo gerou desigualdades e

tiranias, nos EUA, o princípio da soberania do povo pairava sobre todo o sistema

político (1998, 56-7), ou seja, cada indivíduo constituía uma porção igual do soberano e

participava igualmente do governo do Estado, por meio da própria comuna em que se

achava inserido.

Franco (2001, 72) bem aponta que, nos EUA, “a associação civil também era

uma ‘escola de autogoverno’ que ensinava às pessoas hábitos cooperativos que elas

levavam consigo para a vida pública.” Os habitantes dos EUA criaram uma espécie de

governo civil, ou seja, um governo no seio das associações voluntárias, facilitando-lhes

o transporte dos hábitos da vida civil para a vida pública.

O associativismo civil voluntário entre os habitantes dos EUA (1998, 391-402),

responsável pela alta produção de capital social, é resultado desta característica peculiar

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a este povo, qual seja: “a arte de associação é, para estes, a ciência-mãe.” “Cada

americano sabe sacrificar uma parte dos seus interesses particulares para salvar o resto.”

Importa salientar que Tocqueville descreveu a sociedade da Região Nordeste do

EUA (Nova Inglaterra) do século XIX durante o ano em que lá residiu, pois o cientista

político Putnam (1995 e 2002b, 404-409) publicou, já em 1995, no Journal of

Democracy [6 (1) 65-78] um artigo intitulado “Bowling alone”, vislumbrando um

declínio do capital social visualizado e exaltado claramente pelo primeiro. Este último

apresenta exemplos desse declínio, tais como: declínio participativo na política e no

comparecimento às urnas, nas ações comunitárias das igrejas, na filiação às

organizações, no envolvimento em atividades sindicais e na filiação aos partidos

políticos, o que caracteriza uma redução de hábitos associativos, de esforços de ação

voluntária e de atividades de lazer; “atividades tais que representam as principais

instituições sociais para as três esferas primárias da vida comunitária – política,

emprego e fé, ou seja, fontes de identidade, apoio social, influência política,

envolvimento comunitário e amizade – em suma, o reservatório primário de capital

social.”

O estadunidense Putnam vai mais longe e ressalta as causas desse declínio,

apesar de não apontar um grau hierárquico entre elas, no tocante à importância, a saber:

o hábito de ver televisão, a pressão do trabalho, as dificuldades econômicas, a

mobilidade residencial, a suburbanização populacional, a inserção das mulheres no

mercado de trabalho, a instabilidade dos casamentos e a ruptura dos laços familiares, as

mudanças na estrutura da economia, os protestos culturais pacifistas dos anos 60, o

crescimento do welfare state, a revolução dos direitos civis e, por fim, a revolução

tecnológica.

A conseqüência mais clara é que as associações voluntárias nos EUA estão

sendo substituídas por burocracias bacharelescas. Giddens, apud Pacífico (2004, 23)

chama de sociedade de risco esta atual sociedade em que vivemos, onde deixamos de

confiar em pessoas e passamos a confiar em sistemas simbólicos (i.e. dinheiro) e em

sistemas peritos (i.e. advogados e contadores).

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Para Giddens121 (1999, 99-128), a sociedade civil contemporânea apresenta dois

tipos de excluídos: os hipo-excluídos e os hiper-excluídos. Estes últimos são

voluntários, ou seja, são as elites que se retiram das instituições públicas e escolhem

viver separadamente do resto da sociedade, considerados como grupos privilegiados que

vivem como que em ‘comunidades fortificadas’, pulando fora dos sistemas públicos de

saúde e de educação. Já os primeiros, são cortados das oportunidades que a sociedade

oferece.

Giddens (2000, 85-121) ainda enfatiza “[...] a exclusão social do topo e da base

quanto aos mecanismos de separação social, econômico e cultural, como, por exemplo,

a retirada das elites de suas obrigações sociais e econômicas, incluindo as obrigações

fiscais. Já a exclusão social de baixo não é o mesmo que pobreza [...], mas a falta de

compartilhamento de oportunidades que a maioria possui.” [...]. A exclusão pode ser,

ainda, “separação física do resto da sociedade”.

Neste caso, “os carentes são perdedores, mas os excluídos não tomam parte no

jogo.” Este pensador inglês se refere à exclusão como

as circunstâncias que afetam mais ou menos toda uma vida do indivíduo, não apenas certos aspectos dela. [...]. Ser excluído não é, sempre, o mesmo que ser impotente para influenciar as circunstâncias do outro. Os fatores sociais e econômicos que levam à exclusão são sempre filtrados pelo caminho que os indivíduos reagem aos problemas que confrontam.

Para o defensor da social democracia, “inclusão e exclusão têm-se tornado

conceitos importantes ao se analisar e para responder aos problemas de desigualdade,

devido às mudanças que estão afetando a estrutura de classes dos países

industrializados122. [...] A exclusão social é, então, também física e cultural […]. A

exclusão não é sobre as gradações da desigualdade, mas acerca dos mecanismos que

agem no sentido de deslocar grupos de pessoas do meio social.”

121 Giddens define igualdade como inclusão e desigualdade como exclusão. Inclusão se refere à cidadania, aos direitos civis e políticos e às obrigações que todos os membros da sociedade deveriam ter, não apenas formalmente, mas como realidade de suas vidas. Também se refere às oportunidades de envolvimento no espaço público. E, acrescenta, “em uma sociedade onde trabalho é central para a auto-estima e para os padrões de vida, o acesso ao trabalho é um dos mais importantes contextos das oportunidades. Educação é um outro.” 122 Toda a pesquisa de Giddens se resume aos estudos de países industrializados, como afirma ao final do livro.

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Este novo contrato social, que precisa ser revisto, deve criar novos mecanismos

para imposição de direitos e de obrigações tanto para o Estado, que deve continuar com

sua função de controle social, quanto para os indivíduos, que precisam se adequar à

nova estrutura social globalizada.

É esta mudança na estrutura social globalizada que, apesar da crescente

igualdade de condições, tem aprofundado o individualismo. Para Theda Skocpol123 a

solução seria, além de “trazer o Estado de volta e revitalizar a política democrática,

revitalizar a sociedade, mas não apenas restabelecendo grupos voluntários”. Esta

revitalização da sociedade, ou melhor, das relações sociais, deveria se dar entre os

particulares, por meio da produção de capital social, a ser distribuído entre os próprios

indivíduos responsáveis pela sua produção e acumulação.

A intenção desta Parte II da pesquisa é de fazer uma análise dos diferentes

aportes conceituais do capital social, tanto entre os clássicos quanto entre os modernos,

além de examinar as discussões do Grupo de Estudos da Comissão Econômica para a

América Latina (CEPAL) sobre o termo, culminando com sua aplicação na literatura

brasileira. A partir daí, far-se-á uma descrição operacional dos tipos de capital social,

como são criados, acumulados, medidos e as variáveis utilizadas para tanto, com o

intento de descobrir quais dimensões, quais formas de medição e quais variáveis serão

mais adequadas para medir o capital social produzido pelos refugiados em São Paulo e

em Toronto, alcançando o objetivo da pesquisa, qual seja, descobrir se o capital social

por estes produzidos resulta da bagagem cultural que estes trazem consigo do país de

origem ou se resulta das políticas públicas adotadas no local de acolhimento. Ao final, a

relação entre capital social e migração será exposta, com algumas pesquisas

apresentadas sobre o tema.

123 Theda Skocpol é socióloga e coordenou um projeto na Universidade de Harvard sobre o engajamento

civil na democracia estadunidense, considerando o aumento e o desenvolvimento das associações voluntárias desde 1790 até os dias atuais. In http://www.wjh.harvard.edu/soc/faculty/skocpol/

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Capítulo 7

Aporte conceitual

Neste capítulo, far-se-á uma análise do termo capital social que, embora nascido

no seio da Sociologia, já vem sendo largamente utilizado por outras ciências,

principalmente as Ciências Sociais lato sensu, para, então, a posteriori, discuti-lo à luz

da temática dos refugiados e da integração destes na sociedade acolhedora. Importa,

ainda, mencionar que não é intenção deste estudo aprofundadar e esgotar a bibliografia

publicada sobre o termo capital social, mas apenas analisar alguns conceitos que vêm

sendo utilizados e que possam servir de subsídio para identificar e medir o capital social

produzido, acumulado e distribuído pelos refugiados em São Paulo e em Toronto.

Ao que se saiba, a primeira pessoa a cunhar o termo capital social foi Lyda

Hanifan (1916, 130-8), ao defini-lo como “o conjunto dos elementos tangíveis que mais

contam na vida quotidiana das pessoas, tais como a boa vontade, a camaradagem, a

simpatia, as relações sociais entre indivíduos e a família”, partindo da idéia de que as

redes sociais podem ter valor econômico.

Se a primeira ênfase em capital social possui raízes nas relações sociais, justo é

citar Weber (1994, 25-7), precursor desta teoria, que classificou as relações sociais em

relação comunitária” (quando e na medida em que a atitude na ação social repousa no sentimento subjetivo dos participantes de pertencer (afetiva ou tradicionalmente ao mesmo grupo) ou “relação associativa” (quando e na medida em que a atitude na ação social repousa num ajuste ou numa união de interesses racionalmente motivados (com referência a valores ou fins). A relação associativa, como caso típico, pode repousar especialmente (mas não unicamente) num acordo racional, por declaração recíproca). [...] Uma relação social (tanto faz se comunitária ou associativa) será designada aberta para fora, quando e na medida em que a participação naquela ação recíproca, que a constitui segundo o conteúdo de seu sentido, não é negada, por sua ordem vigente, a ninguém que efetivamente esteja em condições e disposto a tomar parte nela. Ao contrário, é chamada fechada para fora quando e na medida em que o conteúdo de seu sentido ou sua ordem vigente exclui, limita ou liga a participação a determinadas condições. (grifo no original).

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Para Weber (1994, 27), os participantes de uma relação social esperam dela

oportunidades para satisfação dos seus interesses, “seja com vista ao fim ou ao

resultado, seja através da ação solidária ou em virtude do equilíbrio de interesses

compatíveis.” Assim, visualiza-se, em Weber, a importância de redes sociais formadas a

partir da reciprocidade e da solidariedade dos seus membros, para atingir um fim

comum, cujos resultados sejam positivos para todos os membros. Isto é capital social.

A utilização sociológica do termo com o significado atual foi pela primeira vez

produzida pela urbanista Jane Jacobs (1961, 138-151), quando afirmou que

para a autogestão de um lugar funcionar, acima de qualquer flutuação da população deve haver a permanência das pessoas que forjaram a rede de relações do bairro. Essas redes são o capital social urbano insubstituível. Quando se perde este capital, pelo motivo que for, a renda gerada por ele desaparece e não volta senão quando se acumular, lenta e ocasionalmente, um novo capital.

Ainda na conceituação inicial do termo, o economista e cientista social Glen

Loury (1977, 176) aponta que

a noção meritória, que em uma sociedade livre, cada indivíduo alcancará certo nível em razão de sua própria competência, conflita com a observação de que ninguém caminha na estrada sozinho. O contexto social a partir do qual a maturação individual ocorre fortemente condiciona o que, de outra forma, indivíduos igualmente competentes podem alcançar; implicando em que a absoluta igualdade de oportunidades, quando uma chance individual para o sucesso depende apenas de suas capacidades inatas, é um ideal que não pode ser alcançado.

E, acresenta Loury, buscando na teoria econômica explicações para uma Teoria

de capital social:

a teoria econômica clássica ensina que os ganhos diferenciais entre trabalhadores podem ser explicados a partir das diferenças individuais do nível educacional e da esperiência profissional. A noção de “capital humano” tem sido utilizada para descrever tais investimentos nos indivíduos. Este foco nos determinantes objetivos das disparidades de ganho, enquanto fornece uma razão conveniente para a existência das desigualdades, ignora o processo pelo qual tais investimentos são feitos. Portanto, teóricos de capital humano podem acuradamente predizerem as conseqüências que a evasão escolar individual terá nos ganhos a serem obtidos durante a vida de tal indivíduo, porém tais teóricos não têm analisado o porquê de um dado gasto per capita render uma educação de qualidade mais baixa no gueto do que em comunidades mais ricas do mesmo distrito escolar .

Loury conclui o artigo lembrando que

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a origem social individual possui um efeito óbvio e importante no montante de recursos que é ao fim investido em seu próprio desenvolvimento ”. Portanto, pode ser útil empregar o conceito de “capital social” para representar as conseqüências da posição social em facilitar a aquisição de características do padrão de capital humano. Enquanto os problemas de medição abundam, esta idéia possui a vantagem de forçar o analista a considerar em que extensão os ganhos individuais são responsáveis pelas forças sociais que se encontram fora do controle individual. Entretanto, precisamente por esta razão, é improvável que tal análise se desenvolva dentro da teoria tradicional neoclássica.

Neste sentido, o capital social seria um conjunto de recursos inerente às relações

familiares e às organizações sociais comunitárias, sendo úteis para o desenvolvimento

cognitivo e social de uma criança ou de um jovem. Coleman (1990, 301) entende que

Loury introduziu o conceito de capital social na Economia para identificar os recursos

sociais úteis para o desenvolvimento do capital humano.

Para Loury, fica claro que partindo do seio da teoria econômica clássica,

oportunidades desiguais podem levar a persistentes disparidades de renda entre grupos

étnicos. Ou ainda, como cita Quibria (2003, 3), as teorias econômicas ortodoxas que

focam meramente na criação de um mercado competitivo para o capital humano

individual, sem levar em consideração as redes sociais, seriam inadequadas ao tratar das

persistentes disparidades de renda raciais.

Esta perspectiva individual de capital social desenvolvida por Loury se coaduna

com a perspectiva bourdieuniana. Bourdieu (1986, 248) publicou as formas de capital,

tratando o capital cultural como base do capital social e conceituando este como

o conjunto de recursos reais ou potenciais que estão vinculados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de reconhecimento e pertencimento mútuos – ou, em outras palavras, de membro de um grupo – que fornece a cada um dos membros o capital coletivamente possuído, uma ‘credencial’ que os torna aptos ao crédito, nos vários sentidos da palavra.

Para Bourdieu (1986, 244-8), há três formas de capital, a saber:

• o econômico (imediata e diretamente convertível em dinheiro, além de poder

ser institucionalizado na forma de direitos de propriedade);

• o cultural (também convertível, sob certas condições, em capital econômico,

além de poder ser institucionalizado na forma de qualificações

educacionais), que pode existir de três formas, quais sejam:

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� estado incorporado: são as disposições de longa duração da mente e do

corpo, ou seja, o processo de incorporação/assimilação que leva tempo e

deve ser pessoalmente promovido pelo investidor, pressupondo um custo

pessoal, ou seja, é considerado como uma riqueza externa convertida em

parte integral da pessoa, em um hábito, não podendo ser transmitido

instantaneamente, como acontece com dinheiro, direitos de propriedade

ou títulos nobiliárquicos;

� estado objetificado: são pinturas, escritos, monumentos, livros,

dicionários, instrumentos, máquinas etc., cujas propriedades legais são

transmissíveis, mas não a posse dos meios de consumo, ou seja, tais bens

(capital cultural) podem ser apropriados material (o que pressupõe capital

econômico) e simbolicamente (o que pressupõe capital cultural); e

� estado institucionalizado: são as qualificações acadêmicas. Para Bourdieu

(1986, 248),

ao conferir reconhecimento institucional ao capital cultural possuído por algum agente dado, a qualificação acadêmica também torna possível comprar aos qualificados e mesmo promover troca entre eles (substituindo um por outro em sucessão). Ademais, torna possível estabelecer taxas de conversão entre capital cultural e econômico, ao garantir um valor monetário a um capital acadêmico dado. Este produto de conversão de capital econômico em capital cultural estabelece o valor, em termos de capital cultural, do possuidor de certa qualificação com relação a outros possuidores de qualificação e, pela mesma razão, o valor monetário pelo qual ele pode ser trocado no mercado de trabalho (o investimento acadêmico não possui significado a menos que um mínimo grau de reversibilidade de conversão em que ele implica seja objetivamente garantido).

• o social (produzido a partir das obrigações sociais – conexões –, também

convertível, sob certas condições, em capital econômico e podendo ser

institucionalizado na forma de um título nobiliárquico).

Na análise bourdieuniana, o volume de capital social possuído por um indivíduo

depende do tamanho da rede de conexões que este efetivamente mobiliza e do volume

do capital (econômico, cultural ou simbólico) possuído por cada um dos indivíduos a

que o primeiro estiver conectado. E acrescenta (1986, 249) que a existência desta rede

de conexões não é formada naturalmente nem é um dado social, mas sim o produto de

um esforço sem fim, ou seja, tal rede de relações é produto de estratégias de

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investimento, individual ou coletivo, inconsciente ou conscientemente, cujo objetivo é

estabelecer ou reproduzir relações sociais que sejam diretamente utilizáveis a curto ou a

longo prazo, i.e. capazes de transformar relações contingentes, tais como de vizinhança,

no ambiente de trabalho ou até familiares, em relações que sejam necessárias e eletivas,

implicando obrigações duráveis subjetivamente sentidas (sentimentos de gratitude,

respeito, amizade etc.) ou institucionalmente garantidas (direitos).

A reprodução do capital social em Bourdieu (1986, 250-1) pressupõe um esforço

sem fim de sociabilidade, uma série contínua de trocas onde o reconhecimento é para

sempre afirmado e reafirmado. Por exemplo,

os detentores do capital social herdado, simbolizado por um nome reconhecido, estão aptos a transformarem todas as relações circunstanciais em conexões duráveis. [...] Por serem conhecidos por mais pessoas do que eles conhecem, seus trabalhos de sociabilidade são altamente produtivos.

Por fim, Bourdieu (1986, 251-2) levanta a possibilidade de um representante do

grupo, que possa falar e agir em nome daquele. [...]. Esta delegação institucionalizada,

que assegura a concentração de capital social, também possui o efeito de limitar as

conseqüências dos lapsos individuais ao explicitar as responsabilidades delimitadas e

autorizar o porta-voz reconhecido. Ademais,

se a competição interna pelo monopólio da representação legítima do grupo não ameaçar a conservação nem a acumulação do capital, que é a base do grupo, os membros deste grupo devem regular as condições de acesso ao direito de se declarar membro do grupo e, ainda, estabelecer um membro como o representante do grupo, comprometendo, desta forma, todo o grupo.

Outro teórico do capital social é o sociólogo James Coleman, que, em 1988,

publicou “O capital social na criação do capital humano”, e, em 1990, As fundações da

teoria social, aprofundando o primeiro artigo, com o fim de introduzir na teoria social o

conceito de capital social, em paralelo aos conceitos dos capitais financeiro, físico e

humano. Apesar de ser reconhecido como o autor que mais buscou popularizar este

conceito, é notório o grau de confusão surgido a partir dos aspectos diferentes e

contraditórios de capital social encontrados na teoria de Coleman, que o conceitua a

partir de suas funções.

Diferentemente de Bourdieu, embora permanecendo na visão individualística do

conceito, para Coleman (1988, 20 e 1990, 302), capital social não é uma entidade

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133

B C

singular, mas uma variedade de diferentes entidades que possuem duas características

em comum, quais sejam: consistem em algum aspecto de uma estrutura social e

facilitam algumas ações dos individíduos que estão no interior desta estrutura. Para ele,

o capital social permite a criação de certos bens que sem a sua presença seriam

impossíveis, já que grupos ricos em capital social podem melhor promover o

crescimento do capital humano.

A intenção de Coleman foi de importar alguns princípios econômicos da teoria

da ação racional (em que cada ator possui controle sobre certos recursos e interesses em

determinados recursos e eventos) para utilizar na análise dos próprios sistemas sociais.

Dessa forma, o conceito de capital social seria uma ferramenta para auxiliar neste

objetivo, constituindo um tipo particular de recurso disponível para tal ator.

Nas suas palavras (1988, 20 e 1990, 305), “o capital social é definido por suas

funções”, quais sejam, “o valor de certos aspectos da estrutura social para os atores,

como recursos que eles possam usar para alcançar seus interesses” (1988, 22); “sendo

inerente à estrutura das relações entre atores”, e, por isso mesmo, considerado como

“um recurso para as pessoas.”

Coleman (1988, 22 e 1990, 304) evidencia três tipos de capital: o físico

(ferramentas, máquinas e outros equipamentos de produção, cujas modificações formam

ferramentas para facilitar a produção), o humano (criado por meio das mudanças nas

pessoas que fazem nascer habilidades e capacidades que os tornam aptos em várias

formas) e o social (nascido a partir das mudanças nas relações das pessoas, o que facilita

a ação). E complementa que o capital físico é absolutamente tangível, expresso em

formas materiais observáveis, enquanto que o capital humano é menos tangível do que

aquele, sendo expresso em habilidades e conhecimento adquiridos pelo indivíduo. Já o

capital social é o menos tangível dos três, pois existe nas relações entre pessoas,

conforme a figura infra. Porém, todos facilitam alguma atividade produtiva.

A

*

* *

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Fonte: Coleman (1990, 305, figura 12.1), estrutura de três pessoas: capital humano nos

asteriscos e capital social nas relações.

Ademais, ele (1988, 25-30 1990, 306-15) identifica algumas formas de capital

social, ou seja, formas de relações sociais que podem constituir recursos de capital úteis

para os indivíduos, a saber:

• obrigações e expectativas, que dependem da confiança no meio social, ou

seja, da confiança de que a obrigação será paga e da extensão real da

obrigação produzida, pois as estruturas sociais diferem quanto às

necessidades reais das pessoas que necessitam do auxílio, quanto aos

recursos disponíveis (i.e. se há serviços governamentais disponíveis), quanto

ao grau de riqueza (que diminui a ajuda precisada), quanto às diferenças

culturais no sentido de buscar e oferecer auxílio, quanto ao fechamento das

redes sociais, quanto à logística dos contatos sociais etc.;

• capacidade do fluxo de informações da estrutura social, ou seja, o potencial

para informação daquela estrutura social, pois aquisição de informação custa

alto. No mínimo, ela requer atenção. Portanto, um meio para adquiri-la

seriam as relações sociais mantidas para tal propósito, cujo fornecimento de

informações facilitaria a ação social;

• normas prescritas e efetivas, dentro de uma certa coletividade,

acompanhadas por sanções, e cujo interesse seria a própria coletividade.

Estas normas não facilitam a ação, mas sim inibem algumas delas, como, por

exemplo, comportamentos criminosos;

• relações de autoridade, que se dá quando um certo ator A transfere alguns

direitos de controle de determinadas ações para um outro ator B; destarte, B

possui capital social disponível na forma de direitos de controle. Entretanto,

se um número de atores transferiu direitos de controles similares a B, então

B possui disponível um corpo extenso de capital social, que pode ser

concentrado em certas atividades; e

• organizações sociais voluntárias, cujas criações resultam de certo propósito

específico, mas, após a resolução, a organização permanece como capital

social disponível que tenha melhorado, melhore ou venha a melhorar a

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D E

C

A

qualidade de vida dos seus membros, ou seja, é um recurso de certa relação

social a ser apropriado para uso por outros atores. Tal recurso pode ser

meramente uma informação, podem ser obrigações de uma pessoa em

relação à outra ou normas efetivas a serem impostas sobre determinado ator.

Quanto às organizações voluntárias, há dois tipos delas. O primeiro tipo são as

que nasceram com um propósito específico, constituindo, portanto, capital social

disponível para uso, mas podendo ser dissolvida em obrigações e expectativas,

informações, normas e relações de autoridade. O segundo, são as organizações

intencionais, onde há investimento direto em capital social pelos atores que buscam

receber algum retorno de seus investimentos, como as organizações comerciais criadas

por detentores do capital financeiro com o fim de lucrar com estas.

Ademais, Coleman (1988, 26-30) faz uma análise da estrutura social que facilita

o aparecimento do capital social, já que os atores sempre estabelecem relações com

certo fim e continuam com tais relações enquanto recebem benefícios destas. Segundo

ele, certos tipos de estrutura social são especialmente importantes ao facilitar algumas

formas de capital social. Ele identifica as relações sociais como fechadas e abertas,

conforme a figura infra.

Fonte: Coleman (1988, 27), figuras 2.1(a) e 2.1. (b) redes sem (a) e com (b) fechamentos.

Segundo ele, as normas precisam, para serem efetivas, de relações sociais

fechadas; somente assim são exitosas em limitar os efeitos negativos externos ou

encorajar os positivos. Em uma estrutura aberta (2.1b), o ator A possui relações com os

atores B e C, podendo realizar ações que imponham externalidades negativas em B ou

em C ou em ambos. Como B e C não possuem relações entre si, mas apenas com outros

(D e E), eles não podem unir forças para impor sanções a A a fim de constranger

determinadas ações deste. A menos que B ou C sozinhos sejam suficientemente

perigosos e poderosos para impor sanções em A sem a ajuda do outro. Já em uma

estrutura fechada (2.1a), B e C podem se unir para impor sanções a A, na forma de

sanção coletiva.

B

B C

A

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O fechamento de uma estrutura social, segundo Coleman (1988, 28), “é

importante não apenas para a existência de normas efetivas, mas também para uma

outra forma de capital social, qual seja, a confiança nas relações sociais que permite a

proliferação de obrigações e expectativas”[...], pois “sanções coletivas que asseguram

confiança são difíceis de serem impostas em estruturas abertas”, além de que “o

fechamento cria confiança em uma estrutura social.”

Coleman (1988, 30-6) ainda analisa os efeitos do capital social na criação do

capital humano, tanto no meio familiar quanto no meio extra-familiar. Quanto ao capital

social na família, a bagagem familiar seria analiticamente separada em três diferentes

componentes: capital financeiro (medido pela riqueza ou renda familiar), capital

humano (medido pelo nível educacional dos pais, auxiliando no aprendizado infantil) e

capital social (medido pelas relações entre pais e filhos, mas dependendo da presença

física dos adultos na família e da atenção dada pelos adultos aos filhos); enquanto que o

capital social fora da família, também imprescindível para o desenvolvimento do jovem,

pode ser encontrado na comunidade, ou seja, relações sociais entre os pais, no

fechamento apresentado por tal estrutura e nas relações dos pais com as instituições da

comunidade.

Para Coleman, o capital social é um bem público, ou, ainda, são recursos que

beneficiam todos os que são membros daquela estrutura social, produzidos, dentro e

fora da família, em organizações voluntárias e também em organizações formais, por

meio de obrigações e expectativas que dependem da confiança no meio social, da

capacidade do fluxo de informações da estrutura social e/ou de normas com sanções,

apresentando as características de inalienabilidade (embora sendo um recurso cujo valor

está no uso, não pode ser facilmente trocado, pois como atributo da estrutura social em

que a pessoa se insere, não é propriedade privada de qualquer pessoa que dele se

beneficia), benefícios indiretos (ou seja, os benefícios são para todos os atores de certa

estrutura social, não apenas pelos que investiram diretamente na criação de normas e

sanções que beneficiassem tal estrutura social) e, por fim, de bem público, já que o

capital social, para Coleman (1990, 317), é

um importante recurso para os indivíduos e pode afetar largamente suas habilidades para agir e suas qualidades de vida percebidas, tendo, tais indivíduos, a capacidade de fazer nascer tal capital social. [...] O resultado é que muitas formas de capital social são criadas ou destruídas como sub-produto de outras atividades.

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Por fim, ressalta Coleman (1990, 320-1) que vários fatores podem afetar a

criação ou a destruição de capital social, tais como: a estabilidade da estrutura social

(organizações com posições, em vez de pessoas, como elementos da estrutura, fornece

uma forma de capital social que mantém estabilidade apesar da instabilidade dos

indivíduos), ideologia (esta pode criar capital social ao impor aos indivíduos atos no

interesse do grupo, como acontece em escolas religiosas, mas também pode afetar

negativamente a criação daquele, como a ideologia da auto-suficiência) e riqueza

(quanto mais as pessoas buscam auxílio nos outros, mais gera capital social; entretanto,

quando, por exemplo, há auxílio governamental ou outro fator que impede as pessoas de

precisarem dos outros, menos capital social é gerado).

Como qualquer forma de capital, segundo Coleman (1990, 321),

o capital social é uma das formas de capital que deprecia com o tempo. Assim como o capital humano e o capital físico, o capital social deprecia se não for renovado. As relações sociais morrem caso não sejam mantidas; expectativas e obrigações murcham com o tempo; e normas dependem de comunicação regular,

além de que, como atributo da estrutura social em que a pessoa se acha inserida, ele não

é propriedade privada de quaisquer das pessoas que dele se beneficiam, apenas

existindo quando é compartilhado.

Outro teórico do capital social é o sociólogo Alejandro Portes, que, em 1998,

publicou “O capital social: suas origens e suas aplicações na sociologia moderna”,

concordando com Bourdieu e Coleman ao declarar que por meio do capital social os

atores podem obter acesso direto aos recursos econômicos, podem aumentar seus

capitais culturais mediante contatos com peritos ou indivíduos refinados ou,

alternativamente, podem afiliar-se a instituições que lhes oferecem credenciais válidas.

Para Portes, capital social são os recursos (informações, idéias, apoios) que os

indivíduos são capazes de procurar em virtude de suas relações com outras pessoas,

“apresentando-se como a habilidade dos atores em assegurar benefícios em virtude da

condição de membro de redes sociais ou de outras estruturas sociais” (1998, 6).

Tanto Bourdieu quanto Coleman enfatizam a intangibilidade do capital social,

com relação ao capital econômico (encontrado nas contas bancárias do indivíduo) e ao

humano (encontrado dentro das cabeças do ser humano), enquanto que o capital social

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se encontra inserido na estrutura das relações. E, acrescenta Portes (1998, 6), “para

possuir capital social uma pessoa deve estar relacionada com outras, sendo estas outras,

não a própria pessoa, que são as reais fontes de sua vantagem.”

Esses recursos (capital) são sociais à medida que são acessíveis somente dentro e

por meio dessas relações, contrariamente ao capital físico (ferramentas, tecnologia) e ao

humano (educação, habilidades), por exemplo, que são essencialmente propriedades dos

invidíduos. Ademais, ele nos lembra de que a estrutura de uma rede é formada por quem

se relaciona, com que freqüência os membros se relacionam e em que termos estes se

relacionam. Portes (1998, 8) se utiliza do gráfico abaixo para descrever os ganhos e as

perdas reais e potenciais nas transações mediadas por capital social.

Fonte/Motivações Definição Conseqüências/Funções

Consumatória

- introjeção de valor

- solidariedade limitada

+

- observância de normas (controle social) - apoio familiar - benefícioos mediados pela rede

Instrumental

- trocas recíprocas

- confiança forçada

Habilidade para assegurar benefícios por meio da condição de membro em redes e em outras estruturas sociais.

- acesso restrito às oportunidades - restrições à liberdade individual - reivindicações excessivas dos membros do grupo - baixa das normas de nivelamento

A explicação de Portes para o capital social, com base no gráfico supra, é a que

segue: com relação às motivações consumatórias, são os pagamentos de débitos, as

esmolas dadas e a obediência às regras, por sentir certa obrigação em agir de tal modo.

Tais normas internalizadas, que fazem tais comportamentos possíveis são, assim,

apropriadas pelos outros, como recursos. Dessa forma, os detentores do capital social

são outros membros da comunidade, que podem emprestar sem receio do não

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pagamento, beneficiar-se da caridade ou permitir que seus filhos brinquem na rua sem

preocupação alguma.

Conforme mencionado, Coleman se refere a tais fontes/recursos como normas

efetivas. Já as fontes instrumentais são o acúmulo de obrigações provenientes de outros

e de acordo com as normas de reciprocidade, ou seja, os doadores fornecem acesso

privilegiado aos recursos na expectativa de que serão totalmente pagos no futuro;

diferindo do capital econômico, pois naquele a data do pagamento futuro não é

especificada.

Outras duas fontes de capital social cabem na dicotomia acima, a saber:

consumatória é a solidariedade limitada, que surge quando indivíduos são postos juntos

em uma situação comum, aprendendo, assim, a identificar-se com o outro e a apoiar as

iniciativas do outro. Esta solidariedade limitada não resulta de normas introjetadas

durante a infância, mas é produto emergente do destino comum.

Por esta razão, adverte Portes (1998, 7): “as disposições altruísticas dos atores

nestas situações não são universais, mas limitadas às fronteiras da comunidade.” Por

outro lado, no caso da confiança forçada, a expectativa do pagamento não é baseada no

conhecimento do recipiente (como acontece nas trocas recíprocas), mas sim na inserção

de ambos os atores em uma estrutura social comum. E, ainda, o retorno pode não vir

diretamente do recipiente, mas da coletividade como um todo, na forma de status, honra

ou aprovação, agindo, então, a coletividade, como garantidora de quaisquer débitos

incorridos que serão pagos no futuro. Portanto, esclarece o autor, “a confiança existe

em tais situações por serem as obrigações forçadas, não devido à força da lei ou

violência, mas devido ao poder da comunidade”, cuja conseqüência é a apropriação da

confiança forçada, como fonte de capital social, tanto para o doador quanto para o

receptor: “para este, facilita o acesso aos recursos, e para aquele, produz aprovação e

acelera transações, assegurando-lhe contra malfeitores”.

Como as fontes de capital social são inúmeras, assim também são suas

conseqüências, que Portes (1998, 9-14) avaliou em várias pesquisas empíricas, tais

como em grupos de imigrantes, levando-o a distinguir três funções básicas de capital

social, a saber: como fonte de controle social, como fonte de apoio familiar e como

fonte de benefícios por meio de redes extra-familiares. Quanto à primeira, resulta do

capital social criado por redes comunitárias rigorosas, sendo úteis para pais, professores

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e autoridades policiais que objetivam manter disciplina e promover submissão entre os

que se encontram sob sua autoridade, facilmente identificados nas solidariedades

limitadas e nas confianças forçadas.

A segunda função do capital social, fonte de apoio familiar, possui, nos filhos,

“os beneficiários primeiros destes recursos, cuja educação e desenvolvimento da

personalidade são assim enriquecidos”. Resultados de pesquisa retratadas por Portes

mostram que o capital social é maior em famílias com dois pais e quando um deles não

trabalha fora de casa. No caso de comunidades de imigrantes, Portes descobriu que

o apoio dos pais leva a melhores realizações pessoais, tanto direta quanto indiretamente, por meio da compensação pela perda da comunidade [...] como é o exemplo de famílias israelenses nos EUA, cuja redução da primeira forma de capital social (limites sociais da comunidade – controle social) é parcialmente compensada pelo aumento do capital social na sua segunda forma, qual seja, apoio familiar.

A terceira e última função do capital social, de acordo com Portes, é a mais

comum, qual seja, os benefícios mediados pela rede, que vão além da família imediata e

apresenta similaridades com o capital cultural de Bourdieu, para quem o apoio dos pais

no desenvolvimento dos filhos é fonte de capital social, como supra citado, enquanto

que o capital social se refere aos bens ganhos por meio da condição de membro da rede.

Portes (1998, 11) aponta que o uso mais comum desta terceira função de capital é no

campo da estratificação, explicando o acesso ao emprego, a mobilidade mediante

sucessos ou as “subidas” profissionais.

Neste momento, faz-se mister lembrar Coleman, para quem o poder das

influências indiretas, além do círculo familiar fechado, produzem menos capital social,

enquanto que amigos íntimos e acesso às outras redes servem melhor como um sistema

informal de referência para emprego.

Pesquisas publicadas por Portes apontam a necessidade e o papel de redes

sociais comunitárias entre grupos étnicos de imigrantes, cujo papel da rede é vital para

tais grupos, que dependem de uma interação fechada com familiares e amigos próximos.

Como exemplo, Portes cita Granovetter (1974): “há jovens imigrantes que raramente

encontram emprego, mas, pelo contrário, os empregos chegam até eles através da

mediação dos pais e de outros adultos na comunidade imediata.”

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Portes também cita pesquisas dos anos 90 em que, “para compensar a falta desta

terceira forma de capital social, famílias de imigrantes põem ênfase na segunda forma,

qual seja, o apoio familiar, incluindo a preservação da orientação cultural dos países de

origem.”

Apesar da grande quantidade de conseqüências positivas do capital social, a

literatura registra algumas negativas, como se verá em Putnam, a ser analisado infra, e

em Portes (1998, 14-5), para quem “os mesmos mecanismos apropriáveis pelos

indivíduos e pelos grupos como capital social podem apresentar conseqüências menos

desejáveis.” Conforme visto no gráfico da página 137, são quatro as conseqüências

negativas do capital social:

• as mesmas ligações fortes que trazem benefícios aos membros do grupo,

comumente impede outros de possuir acesso a estes, especialmente quando

os membros do grupo buscam auferir vantagens econômicas por meio do uso

do capital social;

• as participações da comunidade ou do grupo necessariamente criam

demanda para conformismo. Portes exemplifica uma pequena cidade, onde

todos os vizinhos se conhecem, onde alguém pode comprar suprimento na

loja da esquina e “deixar na conta”, além de que os filhos podem brincar

livremente nas ruas, sob o olhar vigilante dos adultos. O nível de controle

social, então, é forte e restringe as liberdades individuais, reduzindo a

privacidade e a autonomia dos indivíduos;

• as reivindicações excessivas dos membros do grupo resultam, muitas vezes,

na prevenção do sucesso de iniciativas comerciais pelos próprios membros.

As reivindicações consistem, geralmente, no estabelecimento de normas

rígidas de assistência mútua no seio familiar e entre os membros da

comunidade em geral. Para os membros do grupo que fazem as

reivindicações, o “capital social consiste precisamente no acesso privilegiado

aos recursos dos membros do grupo.” Neste processo, oportunidades para

acumulação empreendedora e sucesso são dissipados; e,

• por fim, “existem situações em que a solidariedade do grupo é cimentada por

alguma experiência comum de adversidade e oposição à sociedade

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principal,” fazendo com que histórias de sucesso de indivíduos destruam a

coesão do grupo, pois este não está preparado para tais ocorrências.

Ao final, Portes não analisa apenas o capital social individual (entre atores

individuais ou entre um ator e um grupo, resultando em benefícios pela inserção na rede

ou em estruturas sociais mais amplas), como Bourdieu e Coleman, mas também o

capital social coletivo, como retratado em Putnam, infra explicado, afirmando que

(1998, 20) “não há nada intrinsicamente errado em definir capital social como uma

propriedade estrutural de grandes agregados.” No capital social coletivo, são analisadas

cidades e países e o grau de partipação dos indivíduos, ou, nas palavras de Putnam, o

grau de civismo das comunidades.

Nesta forma de capital social, o estoque deste resulta do nível de envolvimento

associacional e de comportamento participatório na comunidade, sendo medido por

indicadores como a leitura de jornais, a condição de membro em associações voluntárias

e o grau de confiança em autoridades políticas. Para Portes e Putnam, uma cidade onde

os habitantes obedecem à lei, votam, cooperam uns com os outros e cujos líderes são

honestos e comprometidos com o bem público, é rica em capital social, alcançando

resultados positivos, quais sejam, desenvolvimento econômico e redução de crimes. Isto

é o que Putnam chama de virtude cívica, que falta nas cidades com baixo nível de

capital social.

Robert Putnam, cientista político, é responsável pela inclusão do capital social

nesta ciência, com a publicação da pesquisa intitulada Comunidade e democracia – a

experiência da Itália moderna, em 1993, e do livro Democracias em fluxo – a evolução

do capital social na sociedade contemporânea, em 2002, onde o mesmo analisa o

capital social coletivo, ou seja, o nível de capital social em cidades e em países, tais

como Suécia, Australia, França, Alemanha, Espanha, EUA e Itália. Para ele, capital

social são redes, ou ainda, são as muitas e variadas maneiras pelas quais os membros de

uma comunidade interagem; são a natureza e a extensão do envolvimento de um

indivíduo em várias redes informais e organizações cívicas formais124, desde conversas

124 Putnam (2002a, 100-32) chama de comunidade cívica aquela em que a cidadania se caracteriza primeiramente pela participação nos negócios públicos, que pressupõe mais espírito público, além de estar mais voltada para vantagens partilhadas, implicando direitos e deveres iguais para todos (que ele chama de cidadania), solidariedade, confiança, tolerância e associações com estruturas sociais de cooperação que contribuam para a eficácia e a estabilidade do governo democrático. Em outros termos, seria, como indica o autor, uma comunidade onde há uma vida associativa vibrante, conectada, inclusive,

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com vizinhos ou engajamento em atividades recreativas e até filiação em organizações

ambientais, partidos políticos e afiliações religiosas.

A pesquisa experimental de Putnam (2002a, 173-94) compara o sul e o norte da

Itália, comprovando que “nas regiões menos cívicas, a vida coletiva ficou atrofiada por

mais de um milênio.”[...] Mas, “a incapacidade de cooperar para o mútuo proveito não

significa necessariamente ignorância ou irracionalidade”, embora, como na parábola de

Hume, “ambas as partes teriam a ganhar se cooperassem.” Acontece que as partes não

confiam e, por isso, não cooperam – pois não há garantia de que o outro irá cooperar.

Somente há cooperação de um lado se houver a crença, por este lado, de que se goza da

confiança do outro lado. Do contrário, cada parte considera irracional cooperar, já que

não há compromisso pela outra parte de que será cobrado.

Putnam lembra que Hobbes propôs uma solução clássica, o Leviatã, ou seja, o

Estado coercitivo, como meio de estabelecer a harmonia entre os indivíduos.

Entretanto, a teoria do capital social vem propor nova solução, menos onerosa do que a

coerção estatal, qual seja, as relações de confiança e cooperação voluntária em uma

determinada comunidade, necessárias para superar os dilemas de ação coletiva, como o

do plantador de trigo de Hobbes.

Segundo Putnam, “a cooperação voluntária é mais fácil numa comunidade que

tenha herdado um bom estoque de capital social sob a forma de regras de reciprocidade

e sistemas de participação cívica.” Nesse sentido, o “capital social diz respeito às

características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que

contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando ações coordenadas.”

Assim como Coleman, Putnam concorda que o capital social, considerado como

confiança, como normas e também como cadeias de relações sociais, são recursos cuja

oferta aumenta com o uso e não se esgotam se forem utilizados, pois “quanto mais duas

pessoas confiam uma na outra, maior a sua confiança mútua,” constituindo-se em um

bem público e não em um bem particular dos beneficiários. Portanto, confiança e

cooperação são complementares para a produção de capital social, podendo originar-se

por meio dos periódicos locais, das associações (culturais e recreativas locais, excetuando-se, em termos operacionais, os sindicatos, a Igreja e os partidos políticos) e do comparecimento às urnas. Em suma, relata Putnam, “civismo tem a ver com igualdade e também com engajamento.”

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de duas fontes conexas, nas palavras de Putnam, quais sejam: das regras de

reciprocidade e dos sistemas de participação cívica.

Quanto à reciprocidade, pode ser balanceada (diz respeito à permuta simultânea

de bens de igual valor – quando dois colegas de trabalho trocam seus dias de folga) e

generalizada (diz respeito à contínua relação de troca que a qualquer momento apresenta

desequilíbrio ou falta de correspondência, mas que supõe expectativas mútuas de que

um favor concedido hoje venha a ser retribuído no futuro – como a amizade),

lembrando, o autor (2002b, 7), que “uma sociedade caracterizada por reciprocidade

generalizada é mais eficiente do que uma sociedade desprovida de confiança, pela

mesma razão que dinheiro é mais eficiente do que troca. Confiança lubrifica a vida

social.” Dessa forma, pode-se afirmar ser o capital social tanto um bem público quanto

um bem privado, ao beneficiar tanto o indivíduo quanto a comunidade, a cidade ou o

país de forma geral.

Com relação aos sistemas de participação cívica, tais como as associações

comunitárias, as cooperativas, os clubes esportivos e os partidos de massa, todos

representam uma intensa interação horizontal. Para Putnam, “quanto mais

desenvolvidos tais sistemas [horizontais] em uma comunidade, maior será a

probabilidade de que seus cidadãos sejam capazes de cooperar em benefício mútuo”,

pois, assim como Portes, admite que tais sistemas aumentam os riscos para o

transgressor, promovem sólidas regras de reciprocidade, facilitam a comunicação e

melhoram o fluxo de informação sobre a confiabilidade dos indivíduos, além de

corporificar o êxito alcançado em colaborações anteriores, o que cria “um modelo

culturalmente definido para futuras colaborações.” Por outro lado, um sistema vertical é

incapaz de sustentar a confiança e a cooperação recíproca, como são os exemplos de

relações clientelistas e da máfia italiana.

Assim como Portes, Putnam analisa as relações de parentesco, afirmando terem

tais relações um papel fundamental na solução dos dilemas de ação coletiva supracitado,

comparando os laços de sangue aos vínculos horizontais do engajamento cívico, embora

considere a família mais universal do que a necessidade dos vínculos “fracos” que

fortalecem a colaboração no plano comunitário.

Neste ponto, importa mencionar Granovetter (1973, 1376), para quem vínculos

interpessoais fortes (como familiar e amizade íntima) são menos importantes do que

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vínculos fracos (como conhecimento e afiliação a associações secundárias) para

sustentar a coesão comunitária e a ação coletiva, o que não se coaduna com o

pensamento de Bourdieu, para quem prestígio, reputação e títulos nobiliárquicos contam

mais do que o nível educacional. Para Granovetter, assim também para Coleman, em

sistemas com vínculos fracos, os indivíduos possuem maiores chances de união com

outros grupos, aumentando a interação e a probabilidade de crescimento do capital

social, enquanto que nos sistemas com vínculos fortes, os indivíduos tendem a se

concentrar dentro dos próprios grupos, permanecendo isolados e sem promover uma

cooperação mais ampla.

Ao comparar o sul e o norte da Itália moderna, Putnam conclui que onde há

sistemas mais abertos, com grupos mais numerosos e mais fortes, a sociedade é mais

forte, até para suprir o governo fraco e o conseqüente Estado frágil. No sul italiano,

onde predomina a máfia, caracterizada por relações verticais de coerção, exploração e

dependência, o nível de capital social é baixo. Ipso facto, urge necessária a sua

produção, “para coibir o oportunismo, a trapaça e a transgressão, aumentando, assim, o

desenvolvimento econômico, que aumenta à medida que diminuem os primeiros.”

Muito oportuna a análise de Putnam (1995 e 2002a e b) em avaliar o papel da

história nacional na formação de uma sociedade apta a produzir mais ou menos capital

social, embora esta pesquisadora discorde de alguns pontos, a serem infra explicitados,

até por que a função da cultura que os refugiados trazem consigo do país de origem e a

apresentam no país de acolhimento é fundamental para a produção deste mesmo capital

social, a ser tratado na Parte III desta pesquisa.

Em Putnam (2002a, 188-189), “o lugar a que se pode chegar depende do lugar

de onde se veio, e simplesmente é impossível chegar a certos lugares a partir de onde se

está”, concordando, como ele mesmo afirma, com alguns teóricos da história econômica

que chamam esta característica de alguns sistemas sociais de “subordinação à

trajetória.” Para ele, no mesmo sentido de Lawrence Harrison125, “os latino-americanos

125 Harrison publicou, em 1985, a obra Subdesenvolvimento é um estado de espírito – a questão latino-americana, resultante de pesquisas decorrentes de sua função como diretor de missões da Agência para o Desenvolvimento Internacional (AID) dos EUA, tendo, por isso, residido em vários países americanos. Para ele, a cultura é o principal fator que afeta o dsenvolvimento, seguido de outros menos importantes, tais como: os recursos físicos, a qualidade do solo, a geografia e os fatores climáticos, as políticas de governo e até a história. Entretanto, enfatiza ele (1985, 14-16), “é principalmente a cultura que explica por que alguns se desenvolvem mais rápida e homogeneamente que outros.” No capítulo 15 desta pesquisa, retorna-se à discussão sobre as relações entre capital social, cultura e desenvolvimento.

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foram prejudicados pelo autoritarismo centralizado, o familismo e o clientelismo que

haviam herdado da Espanha medieval”, ou seja, enquanto que “os norte-americanos

herdaram tradições de civismo”, os latino-americanos herdaram “tradições de

dependência vertical e exploração.”

Embora chegue a afirmar (2002a, 189-93) que as regras informais e a cultura

além de mudar mais lentamente do que as regras formais, também tendem a remodelá-

las, fica na dúvida esse cientista entre o que causa o quê: cultura ou estrutura;

concluindo sua pesquisa entre o norte e o sul da Itália com algumas lições, a saber: o

contexto social e a história condicionam profundamente o desempenho das instituições;

mudando-se as instituições formais, pode-se mudar a prática política; e a história

institucional costuma evoluir lentamente. Entretanto, deve-se levar em consideração que

Putnam trabalhou o capital social coletivo, produzido por cidades e regiões, e não o

capital social individual, produzido por indivíduos, o que justifica em parte suas

descobertas.

Vê-se, na sociedade contemporânea atual, fatores que, para Putnam, são

responsáveis pelo declínio, de forma geral, do capital social no mundo industrializado,

tais como: o fortalecimento da sociedade civil, a modernização econômica e fatores

políticos (estruturas estatais rígidas e guerras, internas e internacionais), além dos

fatores já citados. Porém, o capital social pode ser considerado como causa e como

conseqüência do desenvolvimento econômico e da participação política dos indivíduos

no meio social, diminuindo, assim, o papel de tais fatores na produção deste tipo de

capital.

Criando, também, um nexo entre capital social e cultura, Fukuyama (2002),

Maturana (apud Franco, 2001), Inglehart (2002) e Harrison (1985 e 2002) se

posicionam positivamente, apontando ser a cultura fator importante para o capital

social. Fukuyama (2002, 155-171), para quem capital social “é um conjunto de valores

ou normas informais partilhados por membros de um grupo que lhes permite cooperar

entre si”, aponta que o grau de capital social produzido e/ou acumulado em certa

comunidade é baseado na confiança e na sociabilidade espontânea, o que se coaduna

com a idéia de Putnam. Entretanto, acrescenta esse especialista em políticas públicas, o

simples compartilhamento de valores e normas não é o bastante para produzir capital

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social, pois os valores podem ser os valores errados, como os exemplos da máfia

italiana.

Para Fukuyama, confiança é a expectativa de reciprocidade que alguém,

pertencendo a certa comunidade, baseado em normas informais e valores

compartilhados, possui sobre o comportamento dos outros, acrescentando que a

natureza humana é genética e culturalmente cooperativa, de forma que uma pessoa

sempre buscará o associativismo, a cooperação e o compartilhamento de normas e de

valores. Esta colaboração espontânea e natural criará relações sociais baseadas em rede

pessoais informais, horizontais e não-hierárquicas. Isto nada mais é do que alto grau de

capital social.

Existe, sim, a possibilidade de produzir capital social mudando formas de vida e

dinâmicas sociais. Segundo D’ Araújo (2003, 17), para isso, seria necessário que as

instituições agissem diretamente sobre a cultura da população, mudando seus hábitos e

rotinas do dia-a-dia. Essa capacidade e possibilidade de mudança da cultura, mesmo que

seja propiciada de forma lenta, através de políticas públicas, abre esperança para aqueles

que esperam relevantes mudanças para o desenvolvimento como um todo. Não é

fortuito que o conceito de capital social seja tão explorado pelos mais diversos

estudiosos, pois ele reflete o futuro das democracias onde ele atua.

As transformações na economia e nas estruturas produtivas, bem como as mudanças de valores e atitudes em relação ao governo, à família e às instituições em geral, abrem um leque de possibilidades para pensar o impacto de Capital Social sobre a política e suas instituições. (D’ Araújo, 2003, 31)

Independente de origem cultural, étnica, social, política ou econômica, o ser

humano, como lembrou Rousseau, possui a característica da perfectibilidade, ou seja, de

viver em constante aperfeiçoamento, além da adaptabilidade e da cooperação solidária,

sendo considerado, assim, um ser político e social, nas palavras de Aristóteles.

Enquanto Fukuyama defende que os conceitos de cooperação e competição não

são necessariamente diferentes em muitas formas, já que os seres humanos cooperam

para competir, o biólogo Maturana (apud Franco, 2001, 173-259), partindo da Teoria da

Cooperação (assim chamada por Franco, 2001) da Teoria Biológica do Fenômeno

Social, explica que, biologicamente falando, não há contradição entre o social e o

individual, pois tal contradição é apenas cultural, de acordo com a justificativa

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ideológica da competição para sobrevivência e pela exclusão que todas as sociedades

fazem dos indivíduos que não satisfazem todas as condições de pertencimento, que

define tal sociedade.

De fato, para Maturana (apud Franco, 2001, 173-259), a competição não cria o

social nem constitui a natureza humana, pois ela já faz parte desta e está na base do

social. Por outro lado, ela é anti-social, cultural e caracteriza a sociedade patriarcal,

hierárquica e regrada em que temos vivido nos últimos séculos, tanto quanto a biologia

humana nos leva à cooperação. Ao final, ele nos lembra de que nem toda relação

humana é relação social, já que relações trabalhistas e governamentais126, baseadas na

hierarquia, na verticalidade da relação e na subordinação, não são relações sociais, ou

seja, não são capazes de produzir e/ou acumular capital social.

Se por um lado, Putnam se coaduna com Fukuyama e Maturana ao afirmar que o

capital social é apenas produzido e acumulado em comunidades cívicas – onde há

relações sociais baseadas na cooperação horizontal, na confiança, na reciprocidade, no

civismo e no bem-estar coletivo, resultando no aparecimento da democracia e do

desenvolvimento econômico – por outro lado, ele diverge dos dois ao acreditar que o

capital social não pode ser produzido automática, natural ou espontaneamente.

De fato, o capital social pode e/ou deve ser produzido historicamente por um

grupo que decidiu não buscar a solução hobbesiana dos Dilemas da Ação Coletiva, por

meio da qual as partes alcançam o máximo com a cooperação, mas não cooperam

porque não confiam. Ademais, Putnam acredita que os governos e o mercado não são

capazes de produzir capital social por si mesmos, mas apenas a sociedade civil, já que

os governos são capazes apenas de usar a infra-estrutura social que pertence a estas

comunidades.

126 Estas não são consideradas relações sociais, para Maturana (apud Franco, 2001, 196-7 e 224-5), pois o centro delas é o produto, e não os seres humanos, que podem ser substituídos por autômatos. E, conforme temos analisado, somente as relações sociais horizontais de confiança e reciprocidade produzem capital social. Mesmo que se chegue a considerar, por outros fatores quaisquer, tais relações como sociais, estas não chegam a produzir capital social, na teoria de Maturana. Assim como na verticalidade dos sistemas governamentais (hierárquicos ou de poder), a aceitação da subordinação ou da sujeição do outro, numa dinâmica de ordem e obediência, leva a uma descaracterização dos sistemas sociais, que, conforme Maturana, “são sistemas de convivência constituídos sob a emoção do amor, que é a emoção que constitui o espaço de ações de aceitação do outro na convivência. Nesse sentido, sistemas de convivência fundados em uma emoção distinta do amor não são sistemas sociais.”

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O quadro abaixo auxilia no entendimento das diferentes visões sobre capital

social entre os teóricos clássicos acima discutidos:

Questão Afirmação Problema

Bem individual ou coletivo (Putnam e Coleman)

Capital social como bem coletivo

Confusão do capital social entre normas e confiança

Redes abertas ou Fechadas (Bourdieu, Coleman e Putnam)

Grupos fechados ou densos Visão de sociedade de classes e falta de mobilidade

Funcional (Coleman) Capital social indicado por seus efeitos em ações particulares

Tautologia (a causa é determinada pelo efeito)

Medição (Coleman) Não-quantificável Heurístico, não falsificável Fonte: Lin (2001b, 26), Tabela 2.1. Controvérsias em Capital Social

Na contemporaneidade, encontra-se o teórico Flap (2004, 3-7), que não se

esquece de que “homem algum é uma ilha”, definindo capital social como os recursos

fornecidos pelos alters que possuem relações com o ego ou, em outras palavras, é o

produto da disponibilidade dos recursos sociais e a propensão pelos alters em oferecer

tais recursos para ajuda, incluindo também os recursos sociais mobilizados. Ainda

afirma, que “o capital social se refere basicamente à importância dos recursos que,

embora possuídos por outras pessoas, são disponíveis para um dado indivíduo através

de suas relações sociais com estes outros.”

Ademais, ele acrescenta três elementos que formam o capital social: (1) o

número de pessoas dentro da rede social de alguém que estejam preparadas ou

obrigadas a ajudar ao outro quando chamadas a fazer isso, (2) a força/concentração da

relação indicando a prontidão da pessoa em ajudar e (3) os recursos que estas pessoas

possuem. Entretanto, para Flap (2004, 11-5), o capital social:

a) não é um bem homogêneo, pois os recursos pessoais de um indivíduo

podem possuir muitos elementos, tais como: as ligações com os outros, a

concentração, o conteúdo e outras qualidades de tais ligações, os recursos

dos outros ou as variedades de tais recursos, as características estruturais da

rede em que o indivíduo se encontra inserido (coesão, hierarquia etc.);

b) não é um recurso unidimensional para todos os fins; pelo contrário, possui

componentes distinguíveis com diferentes efeitos. Alguns podem ter

utilidades mais gerais, enquanto outros podem ter fins mais específicos.

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Algumas formas podem ser mais benéficas para certos domínios da vida

particular;

c) possui recursos que são utilizados para alcançar metas em conjunto com

outros recursos;

d) não resulta de investimento consciente, já que alguns são herdados pelo

nascimento ou obtidos ao se tornar membro de um dado grupo;

Nesse sentido, Flap (2001, 12) defende que “a criação e o funcionamento do

capital social pode ser visto como um intercâmbio não simultâneao de auxílio (a

reciprocidade generalizada já descrita), que geralmente é, no momento em que é dado,

corroborando com Coleman, consideravelmente mais valioso para quem recebe do que

mais caro para quem dá. Nesse sentido, a idéia de capital social é que as pessoas gastam

seus recursos com os outros não apenas pela recompensa no momento presente, mas

também com um olho no futuro. É o que Flap (2004, 5) chama de “reciprocidade

generalizada”.

e) possui como requisito fundamental, para sua criação e para seu uso, o

contato entre pessoas, que depende das chances de encontrar tais pessoas,

como, por exemplo, no seio familiar ou na vizinhança;

f) é direito de propriedade a partir do momento em que um indivíduo A possui

direitos sobre recursos de outro indivíduo B, caso B esteja na obrigação de

ajudar A devido a algum investimento que A realizou no passado em auxílio

a B; e

g) será mais bem produzido se houver um grupo coeso127 com recursos

similares, tais como status social, religião, etnia etc.

Este autor (2001, 17-8) é bem incisivo ao afirmar que “a eficiência das pessoas,

nas suas ações como indivíduos, como organizações e como comunidade (como um

todo), não depende apenas de fatores tecnológicos, de direitos políticos ou sociais ou de

127 Este grupo coeso com recursos similares foi chamado por Weber ( 1994, 202) de estamento, para quem estamento é “uma pluraridade de pessoas que, dentro de uma associação, gozam efetivamente de uma consideração estamental especial e eventualmente, também, portanto, de monopólios estamentais especiais [...]. Toda sociedade estamental é convencional, regulada por normas de modo de vida, criando, por isso, condições de consumo economicamente irracionais e impedindo, deste modo, por apropriações monopólicas e eliminação da disposição livre sobre a própria capacidade aquisitiva, a formação livre do mercado.”

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capital humano ou financeiro, mas também de capital social.” Além de que medi-lo,

“deverá levar em consideração sua natureza multi-dimensional.” Ver-se-á as formas de

medição do capital social no capítulo 9.

Como relação aos fatores tecnológicos, Field (2003, 101-6) ressalta que “não há

evidência real de que algum tipo de capital social esteja sendo produzido por redes on

line”, apesar da expansão da interação on line nos últimos tempos. Embora a internet

remova barreiras e facilite a comunicação, ela também divide os que possuem e os que

não possuem as habilidades e os equipamentos necessários para entrar no cyberspace,

além de desencorajar reciprocidade e de facilitar fraudes. Ademais, as pessoas que se

encontram on line tendem a se comunicar apenas com pequenos grupos de pessoas que

compartilham os mesmos intereses e visões, mostrando-se intolerantes com quem pensa

diferente deles.

Field (2003, 139-41) entende capital social como um “constructo relacional, que

somente pode fornecer acesso aos recursos onde os indivíduos tenham não apenas

formado ligações com outros, mas também internalizados os valores compartilhados do

grupo”. Por isso é que ele trata tal conceito como uma propriedade das relações

humanas, ou, ainda, como um atributo tanto do indivíduo (em relação aos outros)

quanto da coletividade. E acrescenta que o “capital social é um fenômeno diferenciado,

variando nos seus componentes, na sua liquidez e nos contextos nos quais ele é

encontrado.”

O lado negativo do capital social é retratado em Field (2003, 71-90), que

justifica ao lembrar-nos de que sendo um recurso, pode ser usado para o bem ou para o

mal. Por exemplo, cidadãos bem informados e ativos podem decidir não se engajarem

em certos tipos de atividades. O próprio Putnam retrata, o que ele chama de capital

social negativo, as relações de confiança e cooperação entre os membros da máfia, cuja

relação de hierarquia e autoridade faz este autor se contrapor a Coleman, para quem as

relações aptas a produzir capital social são relações horizontais.

Field (2003, 83) distingue duas redes sociais produtivas: as redes, que geram

resultados favoráveis tanto para os membros quanto para a comunidade como um todo,

e as redes perversas, que são as que apresentam resultados positivos para seus membros,

mas incluem resultados negativos para a comunidade em geral, como são os casos do

crime organizado e de corrupção, geralmente sustentados por métodos tidos pela

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sociedade como ilegítimo, tais como: imposição de medo, o uso da violência, da força

e/ou de atividades ilegais, como o caso dos usuários de drogas injetáveis.

Uma outra teórica contemporânea do capital social é Lin (2001a, 1), que busca

na teoria marxista128 as origens do capital social. Conceituando capital como “o

investimento de recursos com retorno esperado no mercado”, ou seja, o capital como

resultado de um processo de produção, ela defende que “o capital social deve ser

entendido a partir do exame dos mecanismos e dos processos pelos quais os recursos

embutidos nas redes sociais são capturados como investimento.”

Operacionalmente, o capital social é visto por ela (2001b, 24-5) como “os

recursos embutidos nas redes sociais129 acessadas e/ou utilizadas/mobilizadas pelos

atores para suas ações”. Neste sentido, capital social possui dois componentes

importantes: representa os recursos inseridos nas relações sociais (e não os indivíduos) e

o acesso e o uso de tais recursos residem nos atores, variando conforme as experiências

históricas, geográficas e coletivas de cada grupo.

Lin difere o capital humano e o capital cultural do capital social. Segundo a

autora (2001b, 8-14), o capital humano, cujas raízes se encontram em Adam Smith (que,

em 1937, apud Lin, incluiu todas as habilidades adquiridas e úteis da população de um

país como parte de capital), é o valor agregado expresso nos próprios trabalhadores,

tipicamente operacionalizado e medido por três variáveis, quais sejam: educação,

treinamento e experiência, sendo, assim, considerado o trabalho como esforço ou

investimento, ou, ainda, como uma função de retorno ou de produção/rendimento para o

trabalhador.

Já o capital cultural, para Lin (2001b, 14-8), “é a aquisição e o reconhecimento

errôneos da cultura dominante e de seus valores (conhecimento legitimizado),” ou, em

128 Marx, apud Lin (2001a, 4), analisa a forma como o capital emerge das relações sociais entre burguesia e trabalhadores no processo de produção de mercadoria e consumo. Para Marx, o capital é parte da mais valia – criada por meio de um proceso de produção e troca de mercadoria – que cria o lucro futuro. 129 Também chamada por Lin (2001a, 33 e 40) de estrutura social (conforme Coleman) e definida como um conjunto de unidades sociais (posições) detentoras de diferente recursos, hierarquicamente dividida (a autoridade possui controle dos recursos e acesso a eles), compartilhando normas e procedimentos para o uso/distribuição dos recursos e confiadas aos agentes que agem conforme tais normas e procedimentos. Esta definição mostra o caráter estrutural do capital social, que, para Lin, são os recursos embutidos em hierarquias e redes.

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outras palavras, seguindo a mesma linha de Bourdieu, é a reprodução dos valores da

classse dominante.

Ao analisar conjuntamente ambas as formas de capital (clássico, humano e o

cultural), Lin (2001b, 17-18) aponta que, enquanto o capital marxista é analisado em

nível macro e na estrutura das classes, o capital humano e o capital cultural

Bourdieuniano são analisados em nível micro e individual. Ademais, enquanto o

primeiro vê o capital como parte do processo de exploração de classes na sociedade, os

últimos indicam uma explicação em nível micro de como os trabalhadores individuais,

reconhecidos como atores, fazem os investimentos necessários para ganhar a mais valia

de seu trabalho no mercado.

Se por um lado, Lin nos lembra de que o capital humano leva em consideração

as variáveis família e outras características individuais (gênero, raça etc.), por outro

lado, ela aponta que o capital cultural enfatiza o papel da estrutura de classes na

sociedade e o que ela faz para as ações individuais. Esta relação entre estrutura e ação,

conforme afirma Lin (2001b, 18-9), faz nascer o capital social, que se resume no

“investimento nas relações sociais com retorno esperado no mercado”, ou, ainda, no

“capital capturado através das relações sociais.”

Quanto aos recursos, podem ser pessoais ou sociais. Os recursos pessoais como

capital humano são os recebidos por parentes (relações de amizade), por instituições ou

comunidades (educação) ou por meio de trocas (dinheiro ou troca), estando na posse dos

atores individuais que podem usar, transferir e dispor destes sem precisar receber

autorização específica para tanto. Já os recursos sociais como capital social são

disponíveis mediante as conexões sociais (reputação, riqueza ou poder).

Importa mencionar que os recursos das estruturas sociais somente serão

chamados de capital social a partir do momento em que são utilizados pelos atores para

seus próprios benefícios, não apenas para os benefícios das estruturas sociais. Ambos,

estruturas sociais e atores sociais se reforçam mutuamente, com o intuito de produzir

capital social.

Geralmente (Lin, 2001b, 19-20), quatro explicações são fornecidas quanto ao

porquê dos recursos embutidos em redes sociais melhorarem os resultados das ações,

quais sejam: o fluxo de informações é facilitado, tais relações sociais podem exercer

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influência nos agentes, relações sociais (e suas relações reconhecidas ao indivíduo)

podem ser reconhecidas pela organização ou por seus agentes como certificações das

credenciais sociais do indivíduo, algumas das quais refletem o acesso do indvíduo aos

recursos por meio das redes sociais e das relações (capital social) e, finalmente, espera-

se que as relações sociais reforcem identidade e reconhecimento.

Quanto aos reforços, especialmente no caso dos refugiados, eles são essenciais

para a manutenção da saúde mental e para o acesso aos recursos. Para Lin (2001b, 20),

“informação, influência, credenciais sociais e reforço são razões de por que o capital

social age ou controla.” A figura abaixo retrata claramente a teoria do capital social

desta pesquisadora, que também não se esquece do capital social coletivo, ou como ela

(2001b, 22) mesma afirma, em nível grupal, que trata de analisar como certos grupos se

desenvolvem e mais ou menos mantêm o capital social como um bem coletivo, além de

quanto um bem coletivo ajuda a aumentar as chances de vida dos membros de um certo

grupo:

Posição estrutural (hierarquia piramidal) Local da rede Capital Social Retorno (ligação densa e de ponte) (alto alcance, heterogeneidade (riqueza, poder, reputação) e extensão dos recursos embutidos) Propósito da ação (instrumental ou expressiva)

Fonte: Lin (2001a, 76), Figura 5.8. Modelo da Teoria do Capital Social

A figura acima resume o pensamento de Lin (2001a, 75-7), sobre o capital

social: seus conceitos são relacionais quanto à natureza, não podendo ser reduzidos ao

nível individualístico ou psicológico; sua estrutura é hierárquica; ele acarreta ações por

parte dos invidíduos (atores), o que requer análise em nível micro; seu desenvolvimento

se baseia em uma integração recíproca estreita de pesquisa teórica e empírica, para

evitar armadilhas de deduções abstratas infinitas. Assim, conclui Lin (2001a, 75-6) com

relação ao capital social:

• os recursos valorizados são embutidos nas estruturas sociais, onde posições,

autoridades, regras e agentes usualmente formam hierarquias piramidais em

termos de distribuição de tais recursos, número de posições, níveis de

autoridade e número de ocupantes. Quanto mais alto o nível na hierarquia,

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maior a concentração dos recursos valorizados, menor o número de posições,

maior o comando de autoridade e menor o número de agentes;

• as interações geralmente ocorrem entre agentes com características similares

de recursos e estilos de vida. Quanto maior a similaridade dos recursos,

menos esforços se requer na interação;

• nas redes sociais, atores em interação (in)diretamente carregam varios tipos

de recursos, estando alguns em posse pessoal (recursos pessoais ou

humanos) e outros (a maioria) embutidos em outros atores que estão em

contato entre si, (in)diretamente, ou, ainda, estão embutidos em posições

estruturais ocupadas por determinados atores ou que tais atores estejam em

contato;

• tais recursos embutidos estruturalmente são capital social para os atores e

também para as redes;

• os atores são motivados ou a manter ou a obter tais recursos nas ações

sociais. Ações para manter tais recursos são chamadas de ações expressivas e

para obtê-los são chamadas de ações instrumentais;

• o sucesso da ação é positivamente associado com o capital social;

• quanto melhor a posição de origem, mais provavelmente o ator melhor

acessará e utilizará o capital social;

• quanto mais forte for a ligação, mais provável que o capital social acessado

afete positivamente o sucesso da ação expressiva;

• quanto mais fraca for a ligação, mais provável será que o ator obtenha acesso

a um melhor capital social para ação instrumental;

• quanto mais perto estiverem os atores em uma relação de ponte (que une

pessoas com características semelhantes, a ser tratado no capítulo seguinte),

melhor capital social eles terão acesso para ação instrumental;

• a força de um local (nas proximidades de uma ponte) para ação instrumental

é contingente no diferencial do recurso do outro lado da ponte; e, por fim,

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• os efeitos da rede (ligação e local) são compelidos pela estrutura hierárquica

para os atores localizadas perto ou no topo e ao final da hierarquia.

Em nível latino-americano, louva-se o papel da Comissão Econômica para a

América Latina (CEPAL), que desde 2000 formou um grupo para estudos de capital

social, que, na perspectiva da CEPAL (2003, 13), entende-se “como o conjunto de

relações sociais baseadas na confiança e nos comportamentos de cooperação e

reciprocidade”.

O intuito deste grupo surgiu para examinar como este tipo de capital pode ser

utilizado para melhorar a efetividade das políticas formuladas para reduzir a pobreza.

Nesse sentido, em 2001, uma conferência, na sede da CEPAL, em Santiago do Chile,

discutiu as relações entre capital social e pobreza urbana, entre capital social e pobreza

rural, entre capital social, questões de gênero e pobreza dos lares, entre capital social,

gestão do meio ambiente e recursos naturais, dentre outras.

A intenção da CEPAL, além de outras, é de propiciar às populações com alto

grau de pobreza um acúmulo de capital social, aproveitando-se das políticas públicas e

dos programas sociais para redução de pobreza existentes, ou que porventura venham a

existir, na América Latina e no Caribe, além de incluir a participação do setor privado

em tais programas regionais. Robison, Siles e Schmid (2003, 55) assinalam, nesse

sentido, que “os esforços para redução da pobreza exercem uma influência positiva no

capital social de um país, pois diminuem a segregação.”

Durston (2003, 147-203), consultor da CEPAL, define capital social como “o

conteúdo de certas relações sociais – que combinam atitudes de confiança com condutas

de reciprocidade e cooperação –, que proporciona maiores benefícios àqueles que o

possuem em comparação com o que poderia alcançar sem este ativo,” afirmando que

“não somente as comunidades pobres possuem capital social; por certo, provavelmente

muitos grupos privilegiados usam seu próprio capital social para excluir e, inclusive,

limitar ou debilitar o capital social de outros grupos.” Assim, para Durston, confiança,

reciprocidade e cooperação são os três conteúdos das relações e das instituições sociais

de capital social. Confiança individual, para ele, “é uma atitude baseada na expectativa

do comportamento de outra pessoa que participa de uma relação e no afeto que existe

entre ambos.”

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A confiança se apoia culturalmente na reciprocidade e emocionalmente no afeto

que se sente em relação às pessoas que se mostram confiáveis e que manifestam

confiança em nós. Quanto à reciprocidade, ele identifica como “o princípio que rege as

relações institucionais formais e informais em nível de comunidade,” enquanto que a

cooperação “é a ação complementar orientada com vistas a alcançar os objetivos

compartilhados de um empreendimento comum.”

Seguindo a linha da CEPAL, que se utiliza do capital social como uma

ferramenta para redução da pobreza na América Latina, Durston (2003, 159-60) postula

seis diferentes formas de capital social: o individual (resulta de um contrato informal

entre duas partes com confiança e reciprocidade), o grupal (quando as relações se

cruzam entre si e se densificam), o comunitário (ou coletivo, cuja comunidade possui

uma atividade coordenada com certo fim comum, autogoverno, superestrutura cultural e

sentido de identidade), o de ponte (as partes possuem vínculos horizontais e simétricos

que lhes dão acesso às pessoas e às instituições distantes), o de escada (apesar da

confiança e da cooperação, o grau de controle e o capital social de uma das partes são

maiores de que nas outras partes) e o societal (apresentado na difusão progressiva das

instituições sociais e nas práticas de participação democráticas). O capítulo seguinte

cuidará de explicitar as diversas formas de capital social necessárias para o alcance das

metas desta pesquisa.

Kliksberg (2000, 19-58), também um dos expoentes na CEPAL, nos estudos que

ligam capital social, cultura e desenvolvimento, bem lembra da crise do pensamento

econômico tradicional (liberal e resultante do Consenso de Washington) e da

necessidade de buscar no capital social as soluções para a crise de pobreza,

desigualdade e falta de desenvolvimento econômico que caracteriza a América Latina e

o Caribe, que permanecem apresentando baixos índices de nutrição, saúde, educação e

liberdade, dentre outros.

Ainda, aponta ele que “na luta contra a pobreza, a cultura aparece como um

elemento-chave”, especialmente por ser considerado “um fator decisivo de coesão

social” e por “cruzar todas as dimensões do capital social de uma sociedade, subjacendo

por trás dos componentes básicos deste tipo de capital, quais sejam a confiança, o

comportamento cívico e o grau de associativismo.”

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Para ele, a estabilidade financeira e a política devem estar em equilíbrio, além de

que esta última deve estar ligada aos princípios de eqüidade e justiça social. E, conclui o

autor,

o capital social e a cultura são os componentes chaves destas interações. As pessoas, as famílias130 e os grupos são capital social e cultura na essência; são ainda portadores de atitudes de cooperação, de valores, de tradições e de visões da realidade, que são sua própria identidade.

Coadunando-se com Kliksberg na relação entre cultura, capital social e

desenvolvimento, Moreira (2001), à época da conferência acima mencionada diretor

presidente do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE),

expôs na mesma oportunidade o projeto desenvolvido pelo SEBRAE no Brasil, cujo

lema era “pequenos isolados não sobreviverão, com o fim de criar empreendedorismo

coletivo, construindo capital social no Brasil. Conforme Moreira,

desenvolvimento e crescimento econômico não são a mesma coisa. Este último é necessário, mas não é suficiente para gerar desenvolvimento, que precisa ser humano, social e sustentável, ou seja, precisa estar focado na promoção da qualidade de vida para as pessoas, todas as pessoas, as que estão vivas hoje e as que viverão no futuro. O desenvolvimento requer não só a criação e reprodução do capital econômico, mas também do capital humano (conhecimentos, habilidades e competências) e do capital social (confiança, cooperação, empoderamento, organização e participação social). A existência de capital humano e de capital social é uma pré-condição para o desenvolvimento do empreendedorismo (cultura empreendedora). (grifos no original).

Com o intuito de alcançar o sucesso da micro e da pequena empresa, que

também necessita do talento e da capacitação do empresário, o SEBRAE buscou criar e

manter “um macro-ambiente favorável ao desenvolvimento”, construindo parcerias,

coperação e integração para que os micro e pequenos negócios passassem a ser

competitivos em uma economia em processo de globalização.

Neste sentido, o SEBRAE adotou a metodologia conhecida como

desenvolvimento local integrado sustentado (DLIS), que promove o protagonismo local

(constitui fóruns para reunir lideranças), capacita tais fóruns para planejamento e gestão

participativa do desenvolvimento local, realiza diagnóstico participativo local para

identifcar potencialidades locais, elabora plano de desenvolvimento local com a

130 Kliksberg defende ser a família um componente central do capital social, cuja influência positiva é resultado direto de sua própria solidez, especialmente quando entre imigrantes.

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identificação de vocações e ações necessárias para o desenvolvimento de cada

localidade, além de definir agenda de prioridades para negociar e construir tais

parcerias.

Em 2001, o SEBRAE chegou a aplicar tal metodologia em 546 municípios,

alcançando vários resultados, dentre os quais enfatizam-se o crescimento do capital

humano (capacitação) e do capital social (construção de redes), além do controle social

das políticas públicas (empoderamento) e da mobilização da sociedade local em favor

do desenvolvimento.

Ainda no Brasil, Maria Celina D’Araújo (2003) e Augusto de Franco (2001) são

referências quando se trata da temática capital social. Para ela, capital social é,

conforme já referido, a capacidade da sociedade de estabelecer laços de confiança inter-

pessoal e redes de cooperação para produzir bens coletivos. Portanto, o capital social

pode ser considerado a “argamassa que mantém as instituições “sociais” em contato

entre si e as vincula posteriormente aos cidadãos”.

É o mesmo sentido dado por Putnam e por Fukuyama, para quem as relações de

cooperação e confiança, ao compartilhar normas e valores, levam ao desenvolvimento

econômico e à democracia. Rotineiramente, observa-se que, nas sociedades, se não há

confiança ou instrumento contratual que obrigue as partes, não haverá cooperação e não

se produzirá, espontaneamente, bens coletivos. Para D’ Araújo (2003, 17), “o uso da

razão não é suficiente para produzir o bem-estar”.

Já para Franco (2001, 20 e 49-67), concordando com Maturana, os seres

humanos são naturalmente cooperativos, biologicamente falando, de forma que para

alcançar democracia, desenvolvimento econômico e boa governança em geral, as

sociedades precisam produzir e acumular capital social, que ele define como

a capacidade de interação social que todos os membros da sociedade mostram, promovendo relações de parceria e arranjos de sociabilidade estáveis e duráveis com o fim de gerar normas horizontais e instituições hábeis a consolidar e reproduzir valores e atitudes que a constituam. [...] Na medida em que o ser humano é considerado um ser social há, em todas as coletividades humanas, uma tendência e uma propensão básica para uma cooperação entre os indivíduos, interpretada como uma predisposição para gerar o próprio capital social.

E acrescenta (2001, 52) que o capital social

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se refere à capacidade das pessoas de uma dada sociedade de subordinar interesses individuais aos grupos maiores; de trabalhar juntas visando a objetivos comuns ou ao benefício-mútuo; de se associar umas às outras e formar novas associações; e de compartilhar valores e normas para formar grupos o organizações estáveis e para constituir, compartilhar a gestão e, em suma, viver em comunidade.

Segundo Franco (2001, 54-8), esta capacidade de formar comunidade resulta

tanto das relações de parcerias como também dos “arranjos de sociabilidade

suficientemente estáveis e duráveis para gerar normas e instituições que consolidem e

reproduzam os valores e atitudes que as constituem”, quais sejam: o reconhecimento

mútuo, a confiança, a reciprocidade e a ajuda mútua, a solidariedade e a cooperação.

Ademais, tal relação de parceria que confere “capacidade de comunidade”

decorre tanto de um padrão de organização social (que é o padrão de rede com laços

horizontais de interdependência entre seus membros) como da maneira como a

sociedade regula seus conflitos.

Assim como as outras formas de capital, D’Araújo (2003, 19) afirma que o

capital social seria visto como produtivo, porém, diferentemente dos outros, seria

inerente às relações entre os indivíduos e não necessariamente positivo para o

relacionamento de todos eles.

É necessário que as redes sociais observem as normas de reciprocidade e de

confiança, distinguindo-as de um conjunto de obrigações mútuas entre as pessoas que

integram o próprio cerne desse relacionamento, facilitando, assim, a atividade

produtiva. Seu lado positivo se refere ao fato de que o indivíduo participe de redes

relativamente consideradas amplas, o que depende exclusivamente de sua inserção na

estrutura de classe que vai estabelecer a qualidade dos benefícios sociais recebidos pela

coletividade. Segundo D’Araújo (2003, 19), o fato de estar fora das redes limita o

acesso das outras pessoas aos seus recursos, formando, assim, um fator negativo ao

desenvolvimento.

Para Franco (2001, 22), a hierarquia como forma de relacionamento entre as

pessoas e a autocracia como modo de regulação de tal convivência são os dois

obstáculos à produção, à acumulação e à reprodução de capital social. Assim, quanto

menos hierarquia e quanto menos autocracia incidirem em uma coletividade humana,

mais condições essa coletividade terá de constituir-se como comunidade, produzindo,

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acumulando e reproduzindo cada vez mais capital social. É a necessidade de relações

sociais horizontais para fazer surgir o capital social de forma a produzir efeitos

positivos.

Vislumbra-se, em Franco (2001, 24), que o aumento social da cooperação é,

justamente, o que se chama de capital social e a sua reprodução numa escala ampliada é

o que dá origem ao fenômeno que o conceito de capital social quer expressar, ou seja, à

medida que as sociedades cooperam e constroem laços de afetividade, o capital social

cresce e se desenvolve trazendo benefícios para a coletividade. Assim o autor se

posiciona:

O capital social é função do grau do altruísmo social, ou seja, da capacidade de cooperar de uma sociedade. Mas não é virtude humana de um indivíduo que se soma as outras virtudes humanas de outros indivíduos para compor o estoque de capital social de uma sociedade e sim o padrão de organização e o modo de regulação adotados por essa sociedade que podem favorecer ou não a geração, a acumulação e a reprodução do capital social em escala ampliada.

Logo, Franco (2001, 25) bem aponta que capital social é um fator que somente

pode florescer e crescer plenamente em comunidades ou sociedades de parceria que se

ajudam e se completam/complementam entre si, quer dizer, em coletividades que

adotaram um padrão de organização em rede e que regulam seus conflitos

democraticamente sem atingir negativamente umas às outras de forma irreversível; não

restando dúvidas de que todas as comunidades objetivam produzir capital social, ou

seja, alcançar desenvolvimento para todos os seus membros, embora algumas não

tenham alcançado ainda, pois vivemos em um mundo de pobreza, de exclusão, de

racismo, de xenofobia, de todos os tipos de preconceitos e da falta de acesso aos direitos

humanos, especialmente contra os migrantes e refugiados, dificultando a integração

destes na comunidade acolhedora.

Apesar de buscar incentivar, árdua e incansavelmente, a necessidade de

produção de capital social, especialmente entre migrantes e refugiados, não se pode

fugir do relatório publicado por Quibria (2003), a pedido do departamento de pesquisa e

economia do Banco de Desenvolvimento Asiático.

Quibria (2003, 8-10), após analisar vários teóricos na temática do capital social,

conclui, por um lado, que “grande parte da literatura que define capital social tende a

exagerar seus [do capital social] benefícios, levantando a hipótese de que, por exemplo,

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Portes confunde as fontes com as conseqüências ou a existência com as funções deste

tipo de capital, ao passo que Coleman o define a partir de suas funções e Putnam o trata

como características da vida social que facilita a cooperação e a coordenação para

benefício mútuo. Por outro lado, ele vê os dois lados da moeda, ou seja, os benefícios e

os custos, além dos efeitos adversos, como a exclusão dos que estão fora da

rede/organização/comunidade, as reclamações excessivas dos membros da

rede/organização/comunidade, as restrições à liberdade individual e a perpetuação de

normas atrasadas. Os efeitos negativos do capital social, na análise de Quibria, são os

que seguem:

• o capital social abre oportunidades para os membros da rede, que é baseada

usualmente em etnia, religião, língua e profissão, mas ao mesmo tempo

constitui uma barreira enorme para a entrada dos que se encontram fora desta

mesma rede;

• um grupo unido e fechado pode ser uma fonte de dinamismo econômico para

seus membros, mas pode também diluir incentivos pessoais de trabalho duro.

O capital social pode levar a um risco moral e também à criação de um local

de bem-estar. Ele pode ajudar a sustentar a indolência e o empobrecimento

econômico dos que fracassaram devido aos recursos e ao trabalho duro dos

que apresentaram sucesso. Pode, enfim, ser uma rede segura que penaliza

sucesso e recompensa fracassos131;

• enquanto membros de um grupo de certa comunidade possuem suas

vantagens, tal grupo freqüentemente força o cumprimento de conformismos

restritos, infringindo liberdades individuais e criando pressões para

submissões medíocres. Além de que muitos indivíduos de mente

131 Em seu relatório, Quibria (2003, 10) levanta um diferencial entre países desenvolvidos e não desenvolvidos. Quanto aos últimos, podem representar um sério obstáculo à acumulação e ao sucesso de empreendedores, devido às taxações e à corrupção. Quanto aos desenvolvidos, onde redes sociais podem criar uma cultura de pobreza, há uma dificuldade enorme, pois quando os menos favorecidos interagem somente entre si, cria estagnação social, o que geralmente ocorre. Segundo Quibria, as evidências sugerem que as redes sociais entre os pobres são melhores, no sentido de fornecerem informações com relação à elegibilidade do sistema social estatal, do que a disponibilidade de emprego, criando pressões mais negativas entre os membros do que modelos/paradigmas positivos e sustentando uma cultura de dependência do sistema social estatal, ao invés de criar/sustentar um ambiente propício para empreendedorismo. Estes dados fornecidos por Quibria confirmam a manutenção de uma situação de dependência que mantém os refugiados a mercê de sistemas estatais burocráticos e inócuos, causando, assim, a síndrome de dependência dos refugiados supra discutida.

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independente consideram tais aspectos de uma vida comunitária como

sufocantes; e

• ao final, coordenação de grupos e de redes geralmente leva ao

estabelecimento de um mau equilíbrio entre normas e valores. Quando um

mau equilíbrio é estabelecido, o modelo [paradigma] usado e as influências

de certo membro do grupo tendem a sustentá-lo, causando baixa retribuição

do grupo, caso o indivíduo se desvie de tais normas e/ou valores.

Por fim, após analisar vários teóricos sobre o capital social, infere-se que ainda

não há um consenso em torno de sua conceituação, em virtude de este possuir natureza

multidimensional, sendo definido tanto como recursos como também como grupos,

redes, normas e confiança de que as pessoas dispõem para fins produtivos, como bem

lembra Putnam (2002, 12), ao declarar que “o capital social é multidimensional e

algumas de suas dimensões estão sujeitas a diferentes entendimentos.”

O Grupo Temático sobre Capital Social (GTCS) do Banco Mundial (Grootaert et

al, 2003) publicou um Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS) com

o intuito de “ser utilizado por pesquisadores, avaliadores, gerenciadores de projetos e

programas, por aqueles que estejam conduzindo levantamentos de índices de pobreza ou

surveys nacionais sobre capital social, e por aqueles que estejam desenvolvendo

estratégias nacionais de redução da pobreza.”

De suma importância, antes de adentrar na análise do GTCS é lembrar que o

Banco Mundial (apud Kliksberg, 2000, 28) elenca quatro formas básicas de capital: o

natural (constituído pela dotação de recursos naturais com que conta o país); o capital

construído, gerado pelo ser humano, que inclui diversas formas de capital (infra-

estrutura, bens de capital, financeiro, comercial etc.); o humano (determinado pelos

graus de nutrição, saúde e educação de sua população; e o social, infra definido como

multidimensional. Reconhecendo a natureza multidimensional do capital social, este

Grupo Temático (2003, 6) desenvolveu uma ferramenta para medi-lo, explorando:

a) os tipos de grupos e redes com os quais as pessoas em situação de pobreza

podem contar e a natureza e a extensão de suas contribuições para com

outros membros desses grupos e redes; e

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b) as percepções subjetivas dos entrevistados acerca da confiabilidade132 das

outras pessoas e das instituições cruciais que modelam suas vidas, assim

como as normas de cooperação e reciprocidade que envolvem as tentativas

de se trabalhar juntos para resolver problemas.

Por outras palavras, o GTCS do Banco Mundial (2003, 5-6) aglutina os aportes

conceituais de Portes e Lin e de Putnam. Para os dois primeiros, o termo capital social

se refere aos recursos (informações, idéias, apoios) que os indivíduos são capazes de

procurar em virtude de suas relações com outras pessoas. “Estes recursos (capital) são

‘sociais’ na medida em que são acessíveis somente dentro e por meio dessas relações,

contrariamente ao capital físico (ferramentas e tecnologia) e humano (educação,

habilidades), por exemplo, que são, essencialmente, propriedades dos indivíduos.”

Já Putnam, conforme o GTCS do Banco Mundial (2003, 6), aborda este tipo de

capital referindo-se à natureza e à extensão do envolvimento de um indivíduo em várias

redes informais e organizações cívicas formais (desde conversas com vizinhos ou o

engajamento em atividades recreativas até a filiação a organizações ambientais e

partidos políticos.

Com o intuito de alcançar os objetivos de tal pesquisa, ou seja, de avaliar e

medir o capital social produzido pelos refugiados em São Paulo e em Toronto, serão

utilizados alguns instrumentos de pesquisa, a serem definidos e explicados no capítulo

12 infra, mas sempre levando-se em conta o aporte conceitual utilizado pelo GTCS do

Banco Mundial, supra exposto, com algumas infusões de outros teóricos, quando

houver necessidade. 132Seligson & Rennó (2000) publicaram uma execelente pesquisa acerca da confiança interpessoal, apontando que o aporte teórico dos autores tradicionais do capital social (medido nos países industrializados), acima citados, que apontam ser a confiança interpessoal um componente básico de um padrão cultural que estimula a ativação política e a mobilização de indivíduos, aumentando a responsividade e a accountability do sistema político, contradiz os resultados encontrados na América Latina. [...] O argumento dos primeiros é que quanto mais confiáveis os cidadãos, mais inclinados estão para se envolverem em associações voluntárias. O aumento na participação política, por sua vez, conduz a um maior apreço pelo sistema político democrático. Em resumo, sem confiança interpessoal as chances de mobilização coletiva diminuem e sem participação política dos cidadãos, mais frágil é a democracia. Entretanto, pelo menos da forma como a confiança interpessoal vem sendo mensurada, seus resultados na América Latina têm sido decepcionantes. [...] Desta forma é que tais autores buscam em Stolle (1998, 503) a distinção entre confiança generalizada e personalizada. A primeira se refere a formas de confiança interpessoal que se expandem para além da vida particular, avaliando como as pessoas em geral são dignas de confiança e a magnitude de confiança que o entrevistado tem das outras pessoas, mas limitando-se a avaliações do ambiente externo onde o indivíduo está inserido. Já a personalizada, restringe-se à órbita da vida particular, a sentimentos internamente construídos acerca da confiabilidade transmitida por outras pessoas, enfatizando a intensidade com que indivíduos admitem que vêem outras pessoas como confiáveis. (grifo da autora).

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Capítulo 8

Formas teórico-práticas

Partindo do seu caráter multidimensional, analisar-se-ão algumas formas de

capital social e de sociedades detentoras ou não deste tipo de capital.

Sociedades Ricas e Pobres em Capital Social

Quanto mais alto o grau de capital social de uma sociedade, mais bem estar essa

sociedade possui. O capital social é o único tipo de capital que cresce à medida que é

usado, portanto quanto mais se confia na coletividade mais se usufrui das vantagens de

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se ter essa confiança. Ademais, praticar capital social significa praticar confiança,

solidariedade e reciprocidade. O aumento acontece à proporção que o praticamos,

formando, assim, um círculo virtuoso. Quanto mais se confia, mais se tem os benefícios

da ação do capital social.

Em sociedades pobres em capital social, as instituições públicas são

consideradas frágeis e a falta da democracia é acentuada, trazendo baixo

desenvolvimento econômico e com isso um alto grau de subdesenvolvimento. D’Araújo

(2003) afirma que confiança, que é a expectativa de reciprocidade que uma pessoa de

determinada sociedade possui em relação ao comportamento dos outros, é a base para a

prosperidade de uma comunidade e, como conseqüência, para o acúmulo de seu Capital

Social. E, acrescenta, ainda, concordando com Putnam (2002a), que a sociedade tem a

opção de utilizar o Estado como promotor de desenvolvimento ou de recorrer a

investimentos estrangeiros. Mas, enquanto o governo estiver incapaz de atuar, havendo

declínio de desempenho de suas instituições, novas expectativas e novos usos de

informação, que alteram a maneira do cidadão julgar seu governo, então talvez a

integração dos estrangeiros e o capital social produzido por eles sejam relevantes para o

desenvolvimento econômico e à promoção da democracia.

Para esta cientista social, assim como para Putnam (2002), alguns fatores

fizeram com que as sociedades valorizassem a existência do capital social: a

desigualdade, que cresce em ritmo acelerado, gerando pobreza no mesmo ritmo, e a

discussão sobre o futuro das democracias. Sobre este último, vale lembrar que, embora

o mundo nunca tenha estado tão democrático, por outro lado, as pessoas estão mais

individualistas. As antigas formas de participação, associações e sindicatos estão tendo

menos valor para as pessoas.

Seria, então, necessária uma boa prática de cooperar. Pois, quando uma

sociedade sabe cooperar, tem um recurso fundamental para produzir desenvolvimento

econômico, que significa comida, emprego e renda para as pessoas mais necessitadas e

carentes de qualquer comunidade.

Quando se trata de capital social, o governo deve fazer sua parte, no sentido de

discutir suas políticas públicas com a sociedade, convencendo-a da necessidade de

algumas delas. Logo, como nos afirma D’Araújo (2005), capital social, stricto sensu,

significa dizer que existe uma sociedade mais forte e um governo mais responsável.

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A partir da Parábola do Trigo de Hume, fica fácil visualizar uma sociedade rica

ou pobre em Capital Social, como uma sociedade na qual a confiança dos membros da

comunidade os leva a cooperar, gerando a participação de todos e desenvolvimento para

ambos. A parábola mostra que na dúvida ou na desconfiança os indivíduos decidem não

cooperar e por isso morrem à míngua. Logo, comportamentos racionais podem levar a

decisões que não são racionais que impedem a produção de capital social em uma

determinada sociedade.

Capital Social de Ligação, de Ponte e de Conexão

Para analisar o acesso às redes e as formas de participação, o capital social se

distingue em (GTCS, 2003, 6-8; Putnam, 2002b, 11; Anucha et al, 2006, 2-3; Field,

2003, 87-8; Flora & Flora, 2003, 555-78):

• capital social de ligação ou intra-grupos, que são os laços entre pessoas

similares, no sentido de compartilharem características demográficas, tais

como familiares, vizinhos, amigos, colegas de trabalho, ou, ainda, é aquele

que une pessoas semelhantes em vários aspectos, tais como etnia, idade,

gênero, classe social etc., e frequentemente associado com o bem público,

tais como aumento do talento educacional, redução dos custos de busca de

emprego e riscos minimizados de ser enganado nos negócios;

• capital social de ponte ou inter-grupos são os laços que ligam as pessoas que

não compartilham muitas das características acima, referindo-se às redes

sociais que unem pessoas com características diferentes entre si, mas que

também podem apresentar um “lado negro”, embora apto a alimentar as

redes dos membros e, assim, reproduzir desigualdade; e

• capital social de conexão, a saber: os laços mantidos com as pessoas que

detêm posições de autoridade, tais como representantes de instituições

públicas (polícia, partidos políticos) e privadas (bancos, escolas, agências de

seguro).

Enquanto que o capital social de ponte é essencialmente horizontal, conectando

as pessoas de posição social mais ou menos igual, esta última forma de capital social é

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mais vertical, conectando as pessoas a recursos políticos e instituições econômicas, por

exemplo, podendo ser transformada em nepotismo, troca de favores ou em favoritismo.

O GTCS (2003, 7) bem aponta que

não é a mera presença destas instituições (escolas, bancos, agências de seguro) que constituem o capital social de conexão, mas antes a sua natureza e a extensão dos laços sociais entre clientes e provedores, muitos dos quais são um meio inerente à prestação destes serviços. (grifo no original).

De acordo com Putnam (2002b, 11), o capital social de ponte tende a ser mais

positivo em seus efeitos do que os de ligação, já que, como supra citado, ao unir-se a

outros grupos há uma maior facilidade de obter apoio social.

Nos dois últimos, a questão não é a mera presença de tais instituições, mas a

natureza e a extensão dos laços sociais entre clientes e provedores, até porque em

comunidades pobres pode-se notar, muitas vezes, que algumas destas formas de capital

social podem ser utilizadas para dificultar, ao invés de contribuir para o bem-estar dos

indivíduos a partir do momento em que a polícia é corrupta, os professores apresentam

faltas contumazes ao trabalho e os próprios líderes locais e intermediários desviam os

recursos financeiros e físicos fornecidos por instituições externas para melhorar a

condição individual e social dos indivíduos da comunidade.

Anucha et al (2006, 2-3) ressaltam que o capital social de ponte facilita na

obtenção de mais informações e oportunidades, enquanto que o capital social de ligação,

dentro de uma comunidade, tende a reforçar identidades exclusivas e homogeneidade

grupal. E acrescentam que

não é infreqüente, entre os imigrantes, apresentar alto índice de capital social de ligação entre eles, embora apresentem capital social de ponte limitados, já que geralmente eles se ligam à própria comunidade etnocultural, criando-se, assim, o fenômeno chamado de ‘enclave étnico’.

Dessa forma, os imigrantes e refugiados com alto grau de capital social de ponte

ampliam a oportunidade de emprego, mas, por outro lado, os detentores de capital social

de ligação, embora obtenham um emprego com mais facilidade, geralmente são sub-

empregos, com baixos salários e com poucas perspectivas de crescimento. Burt (1992,

apud Anucha et al (2006, 3)) afirma com propriedade que “as redes internas fortes

dentro de um grupo de imigrantes pode facilitar o acesso a certos empregos, mas

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também pode levar a categorias estruturalmente restritas de trabalho, que criam

desigualdades entre os grupos.” Ademais, como visto em Bourdieu, em Lin e no Grupo

Temático da CEPAL, a distribuição desigual e a falta de acesso ao capital social podem

ser causas de desigualdade social e exclusão.

Simmel (apud Field, 2003, 87-8) se refere a capital social negativo – na forma

de racismo ou intolerância religiosa – quando os associados possuem ligações fortes, ou

seja, apresentam o capital social de ligação, que se caracterizam como uma tendência à

confiança particularizada, ou melhor, uma propensão a confiar naqueles com quem a

pessoa possui conhecimento pessoal ou íntimo ou que compartilha a condição de

membro de um grupo comum conhecido, como alguma igreja ou alguma associação.

Neste caso, os detentores deste capital social negativo excluem os estranhos aos

grupos e confiam nas ligações fechadas que representam uma fonte valiosa de

segurança. A título de ilustração, Field (2003, 87) lembra que uma pesquisa de Loizos

com refugiados reassentados em Chipre mostrou que muitas dessas famílias buscaram,

de forma deliberada e com sucesso, casar seus filhos com pessoas nativas/locais.

Ademais, um estudo (Mitchell & La Gory, apud Field, 2003, 87-8) sobre o

bem-estar mental entre residentes urbanos descobriu que os níveis de estresse mental

eram marginalmente mais baixos para os residentes com mais altos níveis de capital

social de ponte, enquanto que o capital social de ligação era positivamente relacionado

aos mais altos níveis de estresse mental, “sugerindo, assim, que o engajamento pode

trazer custos para os indivíduos em questão.”

Capital Social Denso e Tênue

Capital social denso e tênue133, dependendo da relação fechada ou aberta entre

os membros. Quanto aos primeiros, Putnam (2002b, 9-12) cita um grupo de carvoeiros,

que trabalham juntos todos os dias, saem para beber e vão à igreja todos os domingos

juntos; enquanto que o segundo tipo ocorre com indivíduos que se encontram

esporadicamente em supermercados ou ao esperar um elevador, por exemplo.

133 Esta distinção seria o que Granovetter chamou de relações com vínculos fortes e de relações com vínculos fracos, já mencionado, enfatizando que as relações fracas estão mais aptas a produzirem capital social.

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Fundamentais são os resultados das pesquisas de Lin (2001a, 55-77), para quem

as interações sociais são mais prováveis de acontecer entre indivíduos com níveis

hierárquicos similares, ou seja, nos níveis menos altos da pirâmide da estrutura

hierárquica, já que os níveis mais altos possuem menos ocupantes, dificultando as

interações. Para ela (2001a, 94), enquanto as ligações mais fracas claramente não são

úteis, pois as ligações sem força não oferecem incentivos para trocas, por outro lado, as

ligações mais fortes podem ser úteis, apesar da quantidade restrita dos recursos

acessados, mas porque tais ligações representam comprometimento, confiança,

obrigação e, portanto, motivações para ajuda.

Ainda, a densidade da ligação pode se refletir na duração destas entre os

indivíduos, cujos recursos são finalmente acessados. “Quanto mais tempo durar a cadeia

de conexão, mais fraca será a ligação.” Lin (2001a, 95) explica que

enquanto múltiplas ligações necessariamente enfraquecem o grau de obrigações, confiança e reciprocidade entre um membro A e um membro B, tal cadeia também estende o alcance aos recursos não presentes nas áreas próximas do membro A nas redes. Levando-se em conta que recursos heterogêneos ou ricos estão presentes em partes distantes da rede, a duração da cadeia ou as ligações mais fracas podem, de fato, se tornarem úteis.

Neste momento, faz-se mister levantar a questão da importância da localização

do indivíduo na rede social ou na estrutura hierárquica, que deve estar sempre

posicionado ou perto de locais estratégicos, como em ligações de rede ou “buracos

estruturais (Burt, apud Lin, 2001a, 95), já chamadas de pontes, o que produz vantagens

competitivas aos indivíduos no acesso aos recursos mais heterogêneos e ricos. As

figuras A e B abaixo demonstram tal diferença quanto à localização do membro na rede:

Figura A: A representa o indíviduo em busca de capital social, mas em uma

relação social densa, fechada, com vínculos fortes, ou, ainda, apta a produzir capital

social de ligação, com familiares, pessoas próximas/íntimas, de mesmas caracterísitcas,

B1

B3 B2

A

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muito comum de ocorrer entre grupos de imigrantes e refugiados que não confiam em

pessoas de fora da rede, além de faltar informação ou conhecimento de outras redes,

pois estes últimos também se fecham para ou excluídos destas. B representa os

membros da rede de A.

Figura B: A representa o indíviduo em busca de capital social, mas em

uma relação social tênue, aberta, com vínculos fracos, ou ainda, apta a produzir capital

social de ponte, com pessoas que não possuam muitas similaridades entre si. A extensão

das pontes faz com que a formação do capital social e seus efeitos sejam mais

demorados para se realizar e, também, mais longos, pois há dificuldade no alcance e

obtenção de confiança e reciprocidade quando não se conhece. Entretanto, para certos

fins, como busca de emprego, por exemplo, a literatura resultante de pesquisas

empíricas demonstra, como acima citado, que há uma facilidade maior de alcancar

resultados positivos, ou melhor, de produzir mais e melhor capital social. B representa

os membros da rede do A central, embora cada rede possua seu A e seus Bs.

Ainda na Figura B, pode-se diferenciar duas formas de relações sociais, ambas

aptas a produzir capital social, em maior ou menor grau. No núcleo relacional da

esquerda, os alters B1, B2 e B3 ainda possuem ligações abertas com outras redes, o que

facilitará mais ainda o capital social a ser produzido pelo A central. Já nos outros dois

núcleos, suas relações se fecham entre seus membros, apesar da ligação com o A

central, o que, em princípio facilita a relação do A central com tais redes (o que não

B1

B3 B2

A

B1

B3 B2

A

B1

B3 B2

A

B1

B3 B2

A

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ocorre com a Figura A), embora a produção de capital social do A central não avance

para além de tais redes.

Weber (1994, 29) também faz uma rápida análise das relações sociais

(comunidades ou sociedades), afirmando que elas

podem ter para os participantes, segundo sua ordem tradicional ou estatuída, a conseqüência de que determinadas ações a) de cada um dos participantes se imputam a todos os demais (“companheiros solidários”) ou b) de determinados participantes (“representantes”) se imputam a todos os demais (os “representados”), de modo que tanto as probabilidades quanto as conseqüências, para o bem ou para o mal, recaiam sobre estes últimos. (grifo no original).

A imputação de determinadas ações, na teoria weberiana, significa solidariedade

quando, “pela ação de um dos participantes, todos os demais se consideram

responsáveis, assim como ele mesmo; por outro lado, todos estão considerados

legitimados, no mesmo grau que o próprio agente, a desfurtar das possibilidades

asseguradas por essa ação.” É esta idéia que se coaduna com a teoria moderna de capital

social, de que uma ação individual na rede resulta em benefícios para todos os seus

membros.

Capital Social de Rede Formal e Informal

Capital Social de Olhar para Dentro e de Olhar para Fora

Putnam (2002b, 9-12) ainda elenca duas outras formas para se entender e avaliar

o capital social, que podem ser consideradas boas para alcançar a democracia e a saúde

social, enquanto outras são (ou ameaçam ser) destrutivas, quais sejam:

• capital social formal e informal, dependendo da organização ser formal com

escritórios reconhecidos, apresentando requisitos para se tornar membro e

possuindo encontros regulares (i.e. associações de trabalhadores e

organizações de pais) ou ser informal (i.e. jantares familiares); e

• capital social de olhar para dentro e de olhar para fora, ou seja, o primeiro

tende a promover os interesses materiais, sociais ou políticos de seus

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próprios membros, enquanto que o segundo se preocupa com os bens

públicos. Exemplos do primeiro, seriam as organizações de gênero, de

classe, de grupos étnicos, religiosos etc., que existem para preservar ou

fortalecer os limites de nascimento e circunstância. Já o segundo, são os

grupos de caridade, como a Cruz Vermelha, o Rotary Internacional e os

movimentos civis dos EUA, sendo organizações altruísticas e consideradas

por Putnam como “social e moralmente superior à primeira”.

Capital Social Individual (em nível micro) e Coletivo (em nível macro)

FLAP (2004, 199-12), com base na literatura sobre capital social, ainda

classifica o capital social entre individual (nível micro) e coletivo (nível macro),

lembrando que autores como Coleman e Putnam elaboraram teorias especificamente em

nível macro, tratando o capital social como um ente próprio e produzido coletivamente,

da qual toda a comunidade pode beneficiar-se. Nesse nível, “o capital social é

freqüentemente representado por normas, confiança e coesão social.”

Outros acadêmicos, como Bourdieu, Lin e o próprio Flap focaram suas pesquisas

no capital social sendo considerado como uma ferramenta adicional de recursos para os

indivíduos, que podem ser úteis para que estes atinjam suas metas individuais de forma

cogente e clara.

Flap define o capital social individual a partir de três dimensões, quais sejam: a

quantidade de alters em uma rede social individual, os recursos a que os alters dão

acesso e a disponibilidade destes recursos dos alters na direção ao indivíduo, por meio

da qual a disposição e a boa vontade do alter são os principais componentes. Por outras

palavras, o capital social individual pode ser definido como o acesso aos recursos

disponíveis. Esta pesquisa, como se verá adiante, tratou de avaliar o capital social

individual produzido pelos refugiados, independentemente das redes formais ou

informais a que tais indivíduos sejam ou tenham sido membros.

Por todo o já referido, esta pesquisa trabalhará o enfoque conceitual de capital

social como multidimensional (referindo-se aos grupos, redes, normas e confiança de

que as pessoas dispõem para fins produtivos), ou seja, aglutinará (GTCS, 2003, 5-7)

tanto o aporte de Putnam quanto o de Portes.

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Enquanto Putnam se refere à capital social como as muitas e variadas maneiras

pelas quais os membros de uma comunidade interagem (neste sentido, são a natureza e a

extensão do envolvimento de um indivíduo em várias redes informais e organizações

cívicas formais, tais como conversas com vizinhos ou engajamento em atividades

recreativas, até filiação a organizações ambientais e partidos políticos), Portes se refere

a capital social como os recursos (informações, idéias e apoios) que os indivíduos são

capazes de procurar em virtude de suas relações com outras pessoas, sendo “sociais” à

medida que são acessíveis somente dentro e por meio dessas relações, contrariamente ao

capital físico (ferramentas, tecnologia) e ao humano (educação, habilidades), por

exemplo, que são, essencialmente, propriedades dos indivíduos.

Capítulo 9

Aporte operacional

Após uma análise minuciosa do aporte conceitual e das formas de capital social,

este capítulo terá o fim de mostrar, concisamente, como o capital social se forma, é

produzido/criado, é acumulado, é distribuído, é medido, quais as suas variáveis, o grau

necessário de investimento para acesso e para retorno, as formas de acesso e o

retorno/efeitos deste.

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Devido à sua natureza multidimensional, a descrição operacional/estrutural, que

será aqui produzida, levará em consideração o objeto desta pesquisa, buscando já

analisá-lo dentro da metodologia utilizada na pesquisa de campo, a ser explicitada.

Quanto à sua formação, o capital social se forma, como visto, quando há

redes/ligações e indivíduos como pontos que unem tais redes. O objetivo de tal ligação

pode ser acesso aos recursos ou manutenção destes, ou pode ser o bem coletivo (o bem

comum dos membros do grupo) ou ainda objetivos específicos particulares, como

obtenção ou manutenção de emprego, status, prestígio, reputação, crescimento no nível

educacional etc.

Importa lembrar que estas relações somente produzem/criam capital social

quando há confiança e reciprocidade entre os membros, que se obrigam, internamente

que sejam (para com a comunidade ou consigo mesmo), devido à expectativa que cria

naquele que fornece os recursos de que no futuro também poderá contar com o mesmo

indivíduo ou grupo/comunidade a quem auxiliou naquele momento.

Franco (2001, 59) lembra que sendo o capital social a capacidade de constituir

comunidades, estas podem ser vistas como “usinas”de capital social, ou seja, “quanto

mais comunidades existirem numa sociedade, mais capital social será produzido,

acumulado e reproduzido”; dessa forma, conceitua ele comunidade como “unidades

sociais”, onde se encontram os seguintes elementos: valores compartilhados, sentido de

identidade e pertencimento, cultura e atividades econômicas e políticas comuns,

coordenação de atividades voltadas para fins coletivos e certo tipo de autogoverno.

Riedl & Winden (2004, 93) apontam que o conhecimento acerca do futuro de

uma certa relação influencia o comportamento do investimento em capital social, que

tende a ser mais alto quando há completa incerteza ou certeza acerca do futuro da

relação. Saber apenas que há um futuro comum sem saber seu papel neste futuro tende a

reduzir o capital social.

Por isso, pode-se afirmar que o capital social se acumula e cresce à medida que é

utilizado, aumentando e fortalecendo as redes, ou ainda, as interações entre os

indivíduos, podendo ser mais bem distribuído em redes abertas, cujos “buracos

estruturais”, citando Granovetter, facilitam a distribuição e o acúmulo dele.

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Como visto supra, quanto mais se investe em capital social, mais ele é

produzido, cresce, acumula-se e traz retornos/benefícios positivos para quem se utiliza

dele. Para Lin (2001a, 114), os efeitos do capital social podem ser definidos como “a

certeza do investidor em benefício futuro resultante do investimento realizado”, ou,

ainda, do desejo de alcançar status. Para tanto, suas pesquisas acerca da produção do

capital social individual se utilizaram, dentre outras, de variáveis de interesses de

indivíduos em nível particular, tais como: no setor de emprego (obtenção/manutenção

de emprego, crescimento na posição hierárquica do emprego, prestígio no emprego e

aumento da renda mensal.

Portanto, o investimento, resultando em retorno positivo, está estritamente

ligado à expectativa do indivíduo fornecedor quando, no futuro, precisar do auxílio (dos

recursos) de indivíduo outrora receptor dos recursos, que não necessariamente serão os

mesmos tipos de recursos, mas depende do que o indivíduo outrora receptor esteja apto,

naquele momento, a fornecer, a depender das necessidades e desejos do indivíduo

outrora fornecedor.

Flap (2001, 15-6) elenca alguns mecanismos que se encontram por trás da

produtividade do capital social:

• dar acesso às oportunidades para obtenção de recursos do alter, que são

principalmente capital humano e financeiro;

• fornecer informação não-redundante;

• fixar o tempo exato deste acesso ou desta informação sobre “oportunidades

de negócios”;

• dar referências dos membros da rede a outros, enfatizando as capacidades e

qualidades daqueles;

• confiar nas pessoas, nos acordos, nas qualidades dos produtos e dos serviços;

• obrigar-se a ajudar às pessoas, com base nos serviços fornecidos no passado,

no caso de a pessoa solicitar auxílio;

• auxiliar na expectativa de benefícios futuros;

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• passar à frente, alguns lugares, na fila das pessoas que estão esperando para

serem atendidas por determinada burocracia ou empresa de venda de

mercadorias escassa;

• controlar os benefícios, reconhecidamente com uma taxa de câmbio

favorável ao lidar com os outros;

• funcionar como óleo de rícino, sendo melhor em tarefas com muitas

contingências, não sendo facilmente subdividido ou não satisfazendo as

necessidades, já que o tempo da ocorrência é de difícil previsão e requer

atenção contínua;

• padronizar comparação sobre como decidir em situações de risco ou de

incerteza; e

• pressionar para conformar e internalizar normas.

Enfim, o capital social fará com que alguém lembre da antiga máxima: “mais

vale ser amigo do rei do que ser o próprio rei.”

Quanto à forma de medir o capital social, Flap (2001, 16) se pergunta como

medi-lo, dada sua natureza multidimensioal, suas metas específicas e sua condição

institucional. É ele mesmo quem responde, afirmando que se desconhece um caminho

único efetivo, confiável e parcimonioso para medição do capital social, podendo ser útil

para estudos comparados entre países, populações, organizações formais ou informais

etc. Fukuyama (2002, 158) também concorda com Flap, ao afirmar que “medir o

estoque total de relações sociais cooperativas com base em normas de honestidade e

reciprocidade não é tarefa pequena.” Portanto, sua forma de medir e as variáveis a

serem utilizadas se modificam a depender do objetivo da pesquisa.

Conforme Riedl & Winden (2004, 79-82), para quem “capital social é a

freqüência do comportamento cooperativo em um dilema social experimental”, o

caminho natural para se medi-lo em uma determinada relação é medindo a quantidade

de investimento no bem público, pois ser cooperativo desencadeia o clima cooperativo e

induz ao comportamento cooperativo do parceiro no jogo do bem público. Rield &

Winden chamam esta relação de “investimento notável para retorno a curto prazo”. Este

comportamento seria baseado na cooperação condicional, ou seja, baseado no

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comportamento recíproco do dilema hobbesiano da ação coletiva: comportamento

cooperativo leva ao comportamento cooperativo e comportamento não-cooperativo leva

ao comportamento não cooperativo. Ademais, acrescentam eles, investimento em bem

público também pode envolver retorno a longo prazo, quando alguém investe em uma

relação na esperança de algum retorno em um futuro distante, conforme já discutido.

Putnam (2002a), supracitado, usou dois tipos de medidas estatísticas para medir

o grau de capital social no Norte e no Sul da Itália, quais sejam: a informação sobre

grupos e integrantes de grupos, de clubes esportivos, partidos políticos e os índices de

participação política (i.e. comparecimentto às urnas nas eleições e público leitores de

jornais).

Fukuyama (2002, 158-9) discorda de Putnam, quando este afirma que o grau de

capital social está em declínio nos EUA, pois a filiação a grupos e o número de grupos

aumentaram nas últimas décadas. Devido à sua dimensão qualitativa, este tipo de capital

não pode ser medido apenas pela filiação a certo grupo/organização/comunidade. Para

Fukuyama, apenas ser membro de uma liga de boliche não significa produção de capital

social, mas, antes, é preciso avaliar a natureza da ação coletiva de que o grupo é capaz

e, de suma importância, “as externalidades positivas”, ou seja, os laços de confiança

criados fora do âmbito de filiação ao grupo e impregnados de honestidade e

reciprocidade, ao contrário de grupos que estimulam a intolerância, o ódio e a violência

contra não membros, como a máfia e o Ku Klux Klan. Quanto a estes últimos, Putnam

afirma serem detentores de capital social negativo, enquanto Fukuyama chama de

grupos ausentes de capital social.

Na pesquisa em tela, buscou-se avaliar como os refugiados em São Paulo e em

Toronto criam redes de cooperação e confiança, baseadas em normas formais ou

informais, resultando em facilidades no processo de integração na comunidade de

acolhimento, tanto entre os compatriotas quanto entre comunidades de imigrantes,

religiosas, culturais, recreativas, políticas, assim como entre estes refugiados e os

nativos e entre eles e as autoridades locais, regionais e nacionais.

O capital social foi medido a partir de questionário produzido e dividido em duas

partes. Na primeira, buscou-se conhecer o indivíduo, ou seja, suas qualificações

pessoais, as causas do refúgio, as dificuldades encontradas no local de acolhimento e as

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superações de tais dificuldades, ouvindo-se atentamente as histórias de vida de alguns

deles, apesar do tempo geralmente escasso deles em conceder entrevistas.

As variáveis utilizadas, além de suas qualificações pessoais, da religião, da

caracterização do meio familiar e dos programas sociais, públicos e privados, adotados

no local de acolhimento, foram baseadas nas seis dimensões de capital social utilizadas

pelo GTCS do Banco Mundial (2003, 8-9), acima citado, cujo questionário produzido

serviu de base para esta pesquisa, concentrada na necessidade de medir o capital social

em nível micro134. As dimensões são as que seguem.

• grupos e redes, que considerou a natureza e a extensão da participação de um

refugiado em organizações sociais e/ou em redes informais e o envolvimento

deste com tal grupo e/ou rede;

• confiança e solidariedade, que buscou conhecer a confiança dos refugiados

em relação aos seus compatriotas, aos seus vizinhos, aos provedores de

serviços essenciais e aos estranhos;

• ação coletiva e cooperação, que investigou se e como os refugiados

trabalham com outras pessoas em sua comunidade, em projetos conjuntos

e/ou em resposta a uma determinada crise. Ademais, considera as

conseqüências do não-cumprimento das expectativas em relação à

participação deles nestas ações coletivas e cooperativas;

• informação e comunicação, que explorou os meios pelos quais os refugiados

mais pobres recebem informações relativas às condições de mercado e de

serviços públicos, e até onde eles possuem acesso às infra-estruturas de

comunicação no local de acolhimento. Conforme já mencionado, “o acesso à

informação tem sido reconhecido cada vez mais como fundamental para

ajudar as comunidades empobrecidas a terem voz mais ativa em assuntos

relativos ao seu bem-estar”;

• coesão e inclusão social, que buscou identificar a natureza e o tamanho das

diferenças das comunidades (que possuem várias formas de divisão e

diferenças que podem fazer surgir conflitos) em que os refugiados são

134 Se houvesse a necessidade de medição do capital social em nível macro (país, região etc.), as variáveis e as formas de medi-lo seriam absolutamente diferentes, devido à sua natureza multidimensional.

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membros, os mecanismos por meio dos quais elas são gerenciadas e quais

grupos são excluídos dos serviços públicos essenciais. Ademais, considerou-

se as formas cotidianas de interação social; e

• autoridade (ou capacitação) [empowerment] e ação política, que averiguou o

sentimento de felicidade, eficácia pessoal e capacidade dos refugiados em

influenciar tanto eventos locais como respostas políticas mais amplas. Como

ressalta este Grupo Temático (GTCS), “os indivíduos possuem “autoridade”

ou são “capacitados” (are empowered) à medida que detêm um certo

controle sobre instituições e processos que afetam diretamente seu bem-

estar”, daí a necessidade da análise desta última, mas não menos importante,

dimensão.

Na Parte III desta pesquisa serão analisadas tais variáveis, quando se fará a

medição do capital social dos refugiados em São Paulo e em Toronto para, então,

chegar-se à conclusão da interferência das culturas dos refugiados e das políticas

públicas adotadas nestes locais para integração local daqueles, coadunando-se com os

objetivos da teoria do capital social, definidos a partir das pesquisas já produzidas e do

interesse da literatura publicada sobre tal temática.

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Capítulo 10

Objetivos gerais e essenciais

Com base nas pesquisas já publicadas e na literatura corrente sobre capital social

supra descritas, vê-se claramente que, como ainda não há unanimidade na ciência sobre

tal temática, sendo para uns uma teoria, para outros um constructo e, ainda, para outros

uma metáfora, seu objetivo vai depender do interesse do pesquisador, da forma de

capital social necessária à pesquisa, da forma de medi-lo e, ainda, das variáveis

utilizadas na pesquisa. Porém, de forma geral, pode-se relacionar esta temática com a

democracia, com o desenvolvimento econômico e com a cultura, sendo, ainda, de suma

importância nas pesquisas que objetivam comparar grupos de migrantes.

Capital Social e Democracia

Para se relacionar o Capital Social com a Democracia, D’Araújo (2003, 41)

afirma ser necessário voltar-se para seus primórdios, quando se observa que as leis, os

regulamentos e os institutos não podem ser completas abstrações, tendo que buscar a

vinculação com as crenças, com os costumes, com as tradições e com os hábitos da

comunidade. Para ela, a “cultura política é um fenômeno universal”, ou seja, onde há

uma comunidade humana, há formas organizadas de poder e há, portanto, uma cultura

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política, sendo, assim, um fenômeno universal, independentemente de ser autoritária ou

democrática.

Nesse sentido, D’Araújo concorda com Putnam (2002a) e Franco (2001) ao

comprovarem que não existiria mútua confiança nas relações horizontais de poder se

não houvesse sociedade civil organizada, com cultura cívica e com liberdade. Isto seria

a não-existência de capital social e, por conseguinte, uma democracia mal sucedida.

Utilizar-se-á, neste momento, o conceito de sociedade civil proposto por

D’Araújo (2003, 45), qual seja, uma “sociedade em que grupos organizados, formais ou

informais, com independência do Estado e do mercado, têm condições de promover ou

de facilitar a promoção de diversos interesses da sociedade”. Logo, facilmente

vislumbra-se que o capital social, que é considerado como relações de mútua confiança

entre as partes, faz com que as pessoas ajam em conjunto, buscando um bem comum,

sendo de fundamental importância para que as organizações da sociedade civil possam

prosperar e dar participação aos que ainda precisam de encorajamento e de proteção.

Franco (2001, 397-8) bem aponta que capital social não se produz, não se

reproduz e não se acumula em sociedades autocráticas. Logo, quanto mais autocrática

for considerada uma sociedade, menos se observará a existência de capital social. Por

conseguinte, sem a medida certa de capital social, nenhuma coletividade pode

experimentar um processo democrático, que exige, para sua existência, uma aceitação

da legitimidade do outro indivíduo, como sujeito de conversações numa esfera das

instituições públicas. Por outro lado, esta dose de capital social não se expandirá fora de

um regime democrático. “Quanto mais direta e participativa for a democracia, mais será

favorecida a reprodução e a acumulação do capital Social e mais se desenvolverá a

sociedade.”

É princípio basilar da democracia aceitar a legitimidade do outro, ou seja, aceitar

que os seres humanos possam gerar, coletivamente, projetos comuns de convivência que

reconheçam a legitimidade do outro. Portanto, para a existência da democracia é

necessário haver capital social, pois sem capital social não pode haver nenhuma forma

estável de coletividade humana, ou, dito de outra forma, sem certa dose mínima de

capital social não pode haver democracia.

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Fácil concordar com Franco (2001, 398-407), quando este aponta que “quanto

maior for o nível de capital social, maiores as condições de uma sociedade de

aprofundar, ampliar e fazer crescer o processo de democratização, e é nessa medida que

se pode afirmar ser a democracia uma função do capital social.” Por outro lado, o

capital social não pode expandir-se, acumular-se e se reproduzir na ausência de um

processo democrático e, mais ainda, “na ausência de um processo de democratização da

democracia.”

Dessa forma, D’Araújo (2003, 56) lembra que o capital social pode ser

considerado como a maneira de manter e de aprimorar sociedades já democráticas, mas

também pode ser um instrumento para promover a emergência da democracia onde ela

falhou, buscando sempre resultados positivos no desenvolvimento da coletividade.

Embora a literatura predominante a respeito da relação entre capital social e

democracia seja na esfera do capital social em nível macro, pode-se, facilmente,

visualizar a necessidade e a função do capital social individual na produção da

democracia, ou seja, na participação ou no engajamento político-social, não

necessariamente partidário, mas como membro da rede ou do grupo, além do acesso aos

recursos essenciais para alcançar o fim a que se destina tal capital específico, podendo

ser, como já descrito, a manutenção ou o acesso ao emprego, prestígio, reputação, nível

educacional etc.

Capital Social e Desenvolvimento Econômico

Quanto mais a desconfiança operar, mais as instituições públicas se tornarão

frágeis, inviabilizando, assim, não somente a democracia, mas também o

desenvolvimento econômico. O termo confiança (D’ Araújo, 2003, 33) será tratado no

sentido de “expectativa de reciprocidade que pessoas de uma comunidade, baseadas em

normas partilhadas, têm acerca do comportamento do outro.”

Quando o ser humano sente em seu interior que pode e deve confiar em seu

próximo, não se importando com a quantidade de confiança (se se confia mais ou

menos) depositada, recebe mais colaborações, aproveitando com mais firmeza as

oportunidades que lhes são oferecidas. A economia está cada vez mais envolvida com a

cultura, ficando dependente, assim, dos valores morais e da confiança entre a

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coletividade. É por isso que se comprova que quanto mais se confia, mais se tem a

possibilidade de haver um desenvolvimento econômico satisfatório. Para Franco (2001,

285),

cooperar para competir é um artifício de pensamento elaborado, na verdade, para salvar a competição como o fator impulsionador do desenvolvimento. Mas, o que se consegue com isso é apenas remeter o problema de um nível para o outro e não resolvê-lo.

É preciso, também, que ao se obter confiança não se preserve a competitividade.

Franco (2001, 267 e 284) afirma ser “inegável que sociedades competitivas, além de

não produzirem, destroem o capital social”, enquanto que “sociedades colaborativas

produzem e acumulam capital social”. Desenvolvimento social é, desse modo,

considerado como um aumento de capital social. Ademais, lembra ele, as teorias de

capital social argumentam que graus maiores de cooperação são mais favoráveis ao

desenvolvimento das sociedades humanas. Ao fazer isso, pressupõem que o

desenvolvimento social é condição para o desenvolvimento em geral.

Segundo D’ Araújo (2003, 36-7) e Putnam (2002b, 393-416), quando a

desconfiança que se gera em torno da sociedade é grande, os indivíduos tendem a se

proteger na família/na parentela e, quando é pequena, permite a expansão de contatos

horizontais e a ampliação dos negócios, fazendo com que haja uma maior produção e

acúmulo de capital social. Por exemplo, em países desenvolvidos, como Japão e Estados

Unidos, o nível de confiança interpessoal é alto, enquanto que nos países

subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, onde há baixa

possibilidade de se confiar nas pessoas que não fazem parte de suas famílias, este nível

é baixo. Estes últimos se caracterizam pela ausência das grandes companhias e de

grandes negócios, cerceando, assim, o desenvolvimento econômico.

O capital social aumenta cada vez mais à medida que é usado. Quanto mais se

coopera e se confia, mais se obtém cooperação e confiança, e, logo, prosperidade.

Portanto, D’Araújo (2003, 40) bem defende que a produção de capital social é de

extrema relevância para a sociedade e para a economia. Isso se dá pelo fato de que as

sociedades fortes em capital social não fornecem apenas mais riqueza, e sim, mais

sentimentos de justiça, de igualdade, de bem comum, de democracia e de

desenvolvimento das culturas e das políticas internas e externas.

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Concorda-se, facilmente, com Franco (2001, 49-67) quando este afirma que para

que haja uma considerável prosperidade econômica é necessário que os indivíduos,

separados ou coletivamente, consigam realizar empreendimentos, sendo indispensável,

para tanto, a presença de conhecimentos básicos para o desenvolvimento perfeito de tal

atividade, sendo este o diferencial em relação às mãos-de-obra não-qualificadas. Esses

conhecimentos advêm da possibilidade de tais indivíduos imporem suas vontades a

outros indivíduos em virtude de algum atributo diferencial (recursos) que pode ser a

força física, o conhecimento ou o poder econômico. Quem dá as forças para tais

realizações são as redes sociais, ou melhor, o capital social.

Para promover o desenvolvimento social é necessário, antes, promover o

desenvolvimento da economia e da democracia. Logo, a democracia existe para que

haja desenvolvimento. E quanto mais se tem desenvolvimento mais se tem democracia,

mais se avança no processo de democratização e mais existirá a democratização da

democracia, formando assim, um círculo virtuoso. Pode até haver um crescimento sem

democracia, mas jamais existirá o chamado desenvolvimento da coletividade.

Por esse motivo é que se faz necessário saber que o desenvolvimento é

dependente da capacidade de uma dada sociedade de cooperar e de confiar, gerando,

assim, produção e acúmulo de capital social.

O desenvolvimento econômico, nas conclusões de Inglehart (2000, 147-8), leva

a dois tipos de mudanças propícias à democracia, em uma ênfase à relação entre ambos

com a cultura, quais sejam:

• ele possui a tendência de transformar a estrutura social da sociedade,

trazendo a urbanização, a educação em massa, a especialização profissional,

crescentes redes organizacionais, maior igualdade de renda e uma

diversidade de desenvolvimentos associados que mobilizam a participação

em massa na política [...]; e

• favorece mudanças culturais que ajudam a estabilizar a democracia,

tendendo a aumentar a confiança interpessoal e a tolerância, além de levar à

difusão de valores pós-materialistas que atribuem alta prioridade à auto-

expressão e à participação no processo decisório.

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O que Inglehart busca mostrar é que, embora o desenvolvimento econômico

traga mudanças sociais e culturais, ele também aumenta a possibilidade da criação e da

manutenção de instituições democráticas, que caracterizam uma sociedade saudável e

feliz, com invidíduos mais confiantes e tolerantes entre eles mesmos e nas instituições,

que serão mais transparentes e que serão pressionadas pelos indivíduos em suas buscas

de bem-estar e de participação social.

O que este cientista político esquece é que nem toda democracia é

verdadeiramente uma democracia. Apesar de, na atualidade, praticamente todos os

países latino-americanos serem reconhecida e oficialmente democráticos, sabe-se, de

forma pública e notória, que os elevados índices de corrupção, violência, falta de

transparência nos atos públicos, desaparecimentos forçados, apatia política,

especialmente das classes mais altas, discriminações, preconceitos, falta de acesso aos

seviços básicos (i.e. saúde, educação e segurança) fazem tais países serem considerados

como uma democracia apenas na teoria.

Krisshna publicou uma excelente pesquisa sobre o papel do capital social em

originar desenvolvimento e democracia. Tendo a Índia como local de análise, foram

utilizadas como variáveis de resultado o desenvolvimento econômico, a paz na

comunidade e a participação política. Krisshna (2002, 185) defende que a capacidade de

crescimento das agências capacita os residentes a possuírem acesso e a ativar os

estoques de capital social mais efetivamente. Destarte, o resultado é que ambos,

desenvolvimento econômico e democracia, melhorarão.

A conclusão obtida, após comparação entre treze estudos com medidas

alternativas de capital social, entre 1993 e 1999, em vários países, foi que é o ambiente

institucional (leis, políticas, programas, estilos operacionais, preços) que incentiva ou

não a produção de capital social, considerado, por Krisshna (2002, 171), como redes,

papéis, normas, atitudes, valores e crenças. Por esta razão é que urge necessário

relacionar capital social e cultura.

Capital Social e Cultura

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Ao se olhar rapidamente o mapa mundial com os dados de países que enviam e

que recebem refugiados135, claramente se vê que os refugiados, em sua grande maioria,

são provenientes de países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento, enquanto que os

países receptores destes são os países desenvolvidos. Basta ver o exemplo desta

pesquisa, em que foram analisados refugiados de países africanos de língua portugesa,

latino-americanos de língua espanhola e árabes-muçulmanos; todos eles residindo em

Toronto e em São Paulo. Quanto a Toronto, cidade de país desenvolvido. Quanto a São

Paulo, embora situada em um país em desenvolvimento, com bolsões de pobreza e

ampla desigualdade social, esta cidade é retratada como a mais desenvolvida da

América Latina.

Dessa forma, a necessidade de relacionar capital social e cultura é de

fundamental importância, com o intuito de comparar cidades e/ou regiões de cultura

tradicional e moderna para, conseqüentemente, avaliar até que ponto a cultura tem

relação com as causas do refúgio, com a integração dos refugiados no local de

acolhimento e, enfim, com a produção do capital social nestes locais.

Harrison (1985, 14-6), já supra citado, para quem cultura são “os valores e

atitudes que uma sociedade incute em seu povo por meio de vários mecanismos

socializantes, como por exemplo o lar, a escola e a igreja”, afirma que a cultura pode

facilitar ou atrapalhar o processo de desenvolvimento. E enfatiza que, embora do ponto

de vista cultural não haja diferenças entre raças e grupos étnicos, a cultura é transmitida

socialmente (pelos pais, pelos iguais, pelas igrejas, pelas escolas, pelos meios de

comunicação, pelos governos etc.), recebida e, assim, modifica-se, com a finalidade de

ver o mundo da forma que determinará como os indivíduos e a sociedade em que se

acham inseridos desenvolver-se-ão.

Para este cientista (1985, 20-1), desenvolvimento se refere, além da dimensão

produtiva do ser humano, à dimensão social, particularmente saúde, educação e

previdência social, devendo o governo “arcar com a principal responsabilidade nesses

setores.” Para ele, a sociedade que mais progride rapidamente é aquela que é mais bem

sucedida em ajudar todo o seu povo a realizar seu potencial criativo (grifo do autor); o

qual está no cerne da capacidade de estabelecer parcerias para criação do capital social,

nas palavras já citadas de Franco (2001).

135

Vide lista de países que mais enviam e que mais recebem refugiados no anexo C.

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Harrison (1985, 14-6) reconhece outros fatores que contribuem para o progresso

do indivíduo e da humanidade (i.e. recursos naturais, clima, geografia, história,

dimensão do mercado, políticas governamentais), mas o “motor é a capacidade criativa

do homem.” Nesse ponto é que ele contraria a teoria da dependência, afirmando que

esta “tem estimulado a evolução de uma mitologia paralisante e causadora do próprio

fracasso latino-americano.”

Apesar da crítica ao modelo latino-americano de focar quase que exclusivamente

no imperialismo e no dependentismo os motivos do sub-desenvolvimento desta região,

ele (1985, 22-8) elenca sete modos necessários para que uma sociedade encoraje a

capacidade criativa humana, quais sejam, a criação de: um ambiente onde as pessoas

esperem e recebam um tratamento justo (expectativa de eqüidade); um sistema

educacional efetivo e acessível; um sistema de saúde que proteja as pessoas de doenças

que debilitam e matam; um ambiente que encoraje a experimentação e a crítica; um

sistema de incentivos que recompense o mérito e as realizações, ou seja,

correspondência entre talentos e empregos (desencorajando o nepotismo e a troca de

favores); e, por fim, um ambiente de estabilidade e continuidade que torne possível

planejar o futuro com confiança, resultante da identificação com outros que faz

fortalecer o sistema ético, que gera cooperação, compromisso, auto-disciplina, justiça e

até discordância. Tudo isto em conjunto harmônico e equilibrado leva ao progresso

social e econômico, descrevendo, assim, “uma sociedade democrática moderna e atual.”

As raízes da relação entre cultura e desenvolvimento estão em Tocqueville e em

Weber, já citados, que abriram caminhos para Almond e Verba (1963) e para Banfield

(1958). Os primeiros, assim como Putnam, são cientistas políticos e entrevistaram cerca

de mil pessoas em cinco países (EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália e México) para

avaliar as mudanças nas atitudes e nos valores que pudessem estar relacionadas ao grau

de coesão política e progresso obtido em cada país. O questionário produzido por eles

tratava de vários tópicos, tais como os sentimentos do indivíduo em relação ao governo

e à política e o senso de obrigação cívica. O objetivo precípuo da pesquisa foi o de

avaliar o grau de cultura cívica, ou seja, “os valores e atitudes da elite e do povo em

geral que tornam possível a democracia e suas ‘grandes idéias’ – as liberdades e as

dignidades do indivíduo e o princípio do governo por consentimento dos governados.”

(1963, 3).

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Para Banfield (1958, 8-10 e 54), também cientista político, cujo campo da

pesquisa se resumiu à Itália, ou, ainda, a uma cidade muito pobre do sul da Itália,

comparando-a com uma pequena cidade nos EUA. Ele aponta que a primeira não possui

nenhuma organização, enquanto que a segunda “é uma verdadeira colméia de

atividades.” Em verdade, o interesse de Banfield é identificar os motivos da falta de

desenvolvimento dos primeiros, que ele descobriu ser o que chamou de “familismo

amoral”, ou seja, “a incapacidade dos aldeões de agir unidos em benefício de seu bem

comum ou, mesmo, por qualquer finalidade que transcenda o interesse material

imediato da família nuclear.” Segundo o autor, nas sociedades tradicionais ou pobres,

como o exemplo da cidadezinha do sul italiano, a regra é “maximizar as vantages

materiais a curto prazo da família nuclear e [...] presumir que os outros agirão da mesma

forma.” Isto nada mais é do que a caracterização do dilema hobbesiano da ação coletiva,

geralmente aplicado nestes tipos de sociedades menos desenvolvidos.

Enquanto que, para Almond e Verba (1963, 308), a falta de confiança e o

isolamento social demonstram falta de cultura política, Banfield (1958, 141) aponta que

a única moralidade daquelas famílias italianas é a que diz respeito à família, ou seja,

aquela cujo objetivo é o bem-estar da família, é servir à família.

A falta de interesse no favorecimento do grupo, sobrepondo o interesse pessoal

sobre aquele, a dificuldade de criar e manter organizações, a falta de líderes, o voto

como instrumento utilizado para obtenção do interesse pessoal, a pouca confiança nas

promessas dos partidos políticos, dentre outros, são alguns dos corolários elencados por

Banfield (1958, 85-104) para caracterizar uma sociedade tradicional cuja cultura é o

individualismo e não o bem comum. E acrescenta o autor que haveria solução para esta

sociedade, apontando algumas medidas que deveriam ser tomadas, como o

desenvolvimento do senso de responsabilidade social pela classe média e superior,

televisão pública, um jornal, um time de futebol, maior descentralização do poder

concedido à cidade, melhoria das escolas e a introdução de missionários protestantes136.

A cultura será aqui caracterizada, conforme a Comissão Mundial de Cultura e

Desenvolvimento da UNESCO (1996), como “a maneira de viver junto [...], moldando

136 Neste momento, Banfield implicitamente remonta a Weber, para quem a ética protestante foi fundamental para o desenvolvimento do capitalismo na Alemanha, onde imperava o senso de ética, de organização, de responsabilidade, de cumprimento das obrigações, de respeito e de supremacia do bem comum sobre o interesse particular.

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nosso pensamento, nossa imagem e nosso comportamento.” Assim é que Kliksberg

(2000, 33) afirma que “a cultura engloba valores, imagens, formas de expressão e de

comunicação e muitos outros aspectos que definem a identidade das pessoas e das

nações.”

Ressaltando a relação entre cultura e desenvolvimento econômico e democracia,

Inglehart (2002, 133-53) une as duas correntes opostas, quais sejam: os já citados

Fukuyama, Harrison, Hungtinton e Putnam, que relacionam cultura e desenvolvimento

econômico nos moldes da concepção weberiana, no sentido de que culturas resistentes

moldam o comportamento econômico de determinada sociedade, e os teóricos da

modernidade, como Karl Marx e o próprio Inglehart, que “afirmam que o surgimento da

sociedade industrial está ligado a mudanças culturais coerentes, que levam a abandonar

sistemas de valores tradicionais [...] e que, à medida que as sociedades se desenvolvem

economicamente, suas culturas tendem a mudar em uma direção previsível .”

Unindo os dois pontos de vista, Inglehart defende que “o mundo está mudando

de forma a desgastar valores tradicionais”, pois o “desenvolvimento econômico traz,

quase invariavelmente, o declínio da religião, do provincianismo e das diferenças

culturais”, ao contrário da primeira corrente acima citada, para quem “as sociedades

contemporâneas se caracterizam por traços culturais distintos [...] com importante

impacto no desempenho político e econômico das sociedades.”

Para ele, não somente a religião e a família produzem impacto nas sociedades e

nas culturas destas, mas também a estrutura social, o nível econômico e a influência dos

laços coloniais. Um exemplo citado por este autor é a pesquisa de Tom Rice & Jan

Feldman, publicada em 1997, que descobriu as “fortes correlações entre os valores

cívicos de vários grupos étnicos nos EUA e os valores predominantes em seus países de

origem – até duas ou três gerações depois que suas famílias migraram.”

Este cientista político (1998) é bem incisivo ao afirmar que a cultura é uma

característica estável e permanente da sociedade, resultante de processos históricos, e

diferenciando-se de variáveis como, por exemplo, atitudes políticas, que refletem as

condições temporárias e específicas que caracterizam um regime particular, ou, ainda,

“cultura é o componente subjetivo do equipamento da sociedade para lidar com seu

ambiente: valores, atitudes, crenças, habilidades e conhecimento de sua população.”

(1997, 55). Entender democracia, defende ele, é entender não apenas as instituições

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políticas e o regime democráticos, mas também as respostas e os pensamentos das

pessoas, ou, por outras palavras, entender a cultura cívica/política desta sociedade. E o

capital social é reconhecidamente um elemento cultural que, juntamente com outros

elementos, promove a cultura democrática.

Para ele, os efeitos da cultura são independentes das outras variáveis. Portanto,

ele assinala que a relação entre cultura, desenvolvimento econômico e estrutura política

(e, neste caso, ele trata apenas dos regimes democráticos) não é jamais determinista,

mas sim uma relação complexa destes três fatores que mutuamente se influenciam,

embora, para ele, a cultura, enfatize-se, apresente seus efeitos de forma independente, a

partir do seu firme estabelecimento em dada sociedade e independente das

características culturais particulares desta sociedade.

Dessa forma, facilmente se faz uma relação entre cultura e migração, de modo

que ambas atuem em conjunto, unidas, como variáveis preponderantes na produção de

capital social de famílias/grupos/comunidades de imigrantes em países de acolhimento.

Capital Social e Migração

O capital social, como visto, está embutido nas sociedades como um fator de

integração entre os indivíduos para, assim, proporcionar o desenvolvimento da

coletividade, como já citado. Ele aglutina as formas de confiança e de cooperação entre

as pessoas para que se possa observar um crescimento tanto na economia quanto na

cultura, na política e na democracia.

Observa, então, D’ Araújo (2003, 7), que capital social pode ser considerado

como um instrumento conceitual para consolidar políticas públicas, sejam elas externas

ou internas, para promover o desenvolvimento sustentável das comunidades e para

revitalizar a sociedade civil, gerando mais confiança entre os indivíduos e fortalecendo

os conceitos democráticos existentes entre as pessoas.

De acordo com as diferentes culturas existentes no atual mundo globalizado,

poderá haver, ou não, tipos de confiança interpessoal e de cooperação voluntária, para

que, assim, obtenha-se um relevante bem-estar na coletividade. Como em qualquer

sociedade, existem regras de reciprocidade. O contrato moral das pessoas é que manterá

a cooperação de forma satisfatória. Se tal fato não for observado, existirão sanções que,

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neste caso, poderá ser a exclusão da rede, uma vez que “a consciência é o cimento moral

da comunidade cívica” (Hume apud D’ Araújo, 2003, 16).

Existem cerca de 192 milhões de pessoas137 vivendo e/ou trabalhando, em todo o

mundo, fora do país em que nasceram. A maior parte desse contingente é de pessoas de

países pobres que vão em busca de conforto e tranqüilidade nos países ricos. Não se

pode, entretanto, considerar isto como uma regra, uma vez que se observa a existência

de diversos fatores que levam também indivíduos que moram em países desenvolvidos

a buscar uma melhor qualidade de vida em países subdesenvolvidos, tais como: bons

negócios, empregos, reencontro familiar e uma rotineira calmaria.

O capital social, como visto, tem sido utilizado como ferramenta para os

governos auxiliarem imigrantes e refugiados a “sentirem-se em casa” nos locais de

acolhimento, apesar das diferenças, por exemplo, quanto à língua, religão, cultura,

questões de gênero e novos estilos de vida em geral.

Anucha et al (2006) produziram uma excelente pesquisa sobre o papel do capital

social no bem-estar de imigrantes e refugiadas de quatro comunidades étnicas, em

Windsor (Canadá), quais sejam: do Oriente Médio, do sul da Ásia, do leste da Ásia e do

Caribe africano. A escolha por Windsor foi que um em cada quatro habitantes desta

cidade nasceu fora do Canadá, mostrando, assim, uma grande quantidade de imigrantes

e refugiados naquela localidade. A metodologia utilizada foi a do diálogo comunitário,

em que as pesquisadoras participaram ativamente da vida cotidiana das organizações de

imigrantes e refugiadas. Foram entrevistadas 300 imigrantes/refugiadas e 22

organizações comunitárias, religiosas e culturais.

Ficou claro, na pesquisa, que homens e mulheres possuem diferentes padrões de

redes sociais (formais e informais) e de engajamento cívico (incluindo a natureza, a

duração e os resultados deste); por exemplo, mulheres estão mais engajadas com suas

famílias, seus amigos íntimos e seus vizinhos, fazendo maiores investimentos sociais

nas comunidades locais. Já os homens, buscam redes mais diversificadas, o que facilita

o fluxo de informações. No trabalho voluntário, as mulheres predominam nos campos

de saúde, de educação e de serviço social, gastando menos horas do que os homens e

estando mais engajadas no voluntarismo informal, embora elas façam maiores

137

Conforme dados da Anistia Internacional, in www.amnestyinternational.org, acesso em 23 de junho de 2008.

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investimentos sociais nas comunidades locais. Os resultados da pesquisa foram

esculpidos em quatro áreas:

1. o papel das organizações comunitárias na construção do capital social para

as imigrantes e refugiadas: ficou claro que as mulheres buscam tais

organizações para aulas de inglês (idioma local), programas de emprego e

trabalho voluntário, conhecendo outras que se encontram na mesma situação

e, assim, compartilhando experiências e obtendo vantagens em relações às

outras que não estão envolvidas naquelas;

2. a importância do emprego como processo de construção e acesso ao capital

social e como resultado deste para imigrantes e refugiadas (sempre presente

nas pesquisas de capital social dos imigrantes): as entrevistas com tais

mulheres mostraram que o emprego foi uma chance para muitas delas

construírem capital social com pessoas com as quais elas provavelmente não

interagiriam, não fariam amizade e não construiriam redes. Muitas

afirmaram que sem emprego seria difícil se sentir conectadas, além das

conseqüências do desemprego para a saúde, como o aparecimento de

depressão e de estresse;

3. religião/espiritualidade como fonte e forma de capital social para as

imigrantes e refugiadas: a religião é sempre um dos fatores mais importantes

na formação de redes sociais para mulheres, tanto é que a grande maioria das

mulheres entrevistadas construíram capital social a partir de grupos

religiosos (geralmente de ligação e quase nunca de ponte). Anucha et al

(2006, 96) bem afirmam que até se poderia falar em “capital religioso”, cujos

resultados positivos estão associados à saúde e ao bem-estar, além de aliviar

o estresse e ensinar paciência; e

4. saúde/bem-estar das imigrantes e refugiadas e capital social: como a maioria

das mulheres desconhecia seus próprios corpos e a forma de acesso ao

sistema de saúde, as organizações comunitárias criaram programas para

facilitar o acesso delas ao sistema de saúde, melhorando, assim, o bem-estar

físico e psicológico delas.

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Esse estudo (2006, 101) foi uma grande contribuição para melhorar o

entendimento das dimensões do capital social no contexto de imigração, raça e cultura,

indicando a relevância deste tipo de capital no bem-estar de tais mulheres. Suas relações

com amigos e familiares (capital social de ligação) ajuda na instalação imediatamente

após a chegada no local de acolhimento (habitação provisória e emprego temporário),

enquanto que suas relações com organizações religiosas e comunitárias resultam

fundamentais para as aulas de língua local e no acesso aos serviços de saúde e

oportunidades de emprego e de voluntarismo. Portanto, quanto mais conectadas as

imigrantes/refugiadas se mostravam nas organizações, mais benefícios elas obtinham.

Assim, os governos devem levar em conta a produção de capital social nas suas

políticas públicas e nos seus programas de desenvolvimento.

Outro ponto levado em consideração pelos pesquisadores acerca de

imigrantes/refugiados e das redes formadas por estes são as remessas feitas pelos que

migraram aos que ficaram. Horst (2006, 1-24) fez um trabalho de campo com os

somalianos em Minneapolis (EUA), no tocante às responsabilidades destes com a

família e o sonho da migração dos parentes. O interesse desta pesquisa pós-doutoral foi

mostrar como as redes transnacionais e os fluxos de remesssas de divisas, de

mercadorias e de informações são essenciais para a vida dos somalianos que recebem

tais remessas. O foco se deu em três tipos de conexões: as derivadas dos fluxos de

pessoas, de dinheiro e de mercadorias e as idéias que caracterizam o transnacionalismo;

as fronteiras além das fronteiras; e as conexões dos diferentes espaços físicos, sociais,

econômicos e políticos.

Horst descreveu o auxílio material fornecido, os procedimentos migratórios e as

trocas de informação, tanto a partir da perspectiva dos somalianos nos campos do

Quênia quanto da perspectiva dos reassentados nos EUA. Para ela (2006, 20),

“migração, remessa e informação claramente se influenciam mutuamente.”

O fim da pesquisa foi mostrar a importância das redes transnacionais para a

sobrevivência dos refugiados somalianos nos campos de refugiados no Quênia,

discutindo tanto as remessas enviadas, devido às responsabilidades com suas famílias e

outros que ficaram, quanto os sonhos de migração, baseados em imagens que não

existem. A vida das pessoas, suas escolhas e as decisões tomadas podem ser

influenciadas, de alguma forma, pelos parentes e amigos. Por exemplo, a sobrevivência

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nos campos pesquisados não seria possível sem a remessa financeira mensal dos

parentes nos EUA, que reconhecem a importância de tais remessas na sobrevivência dos

primeiros. Por outro lado, vê-se crianças e novas gerações diminuindo a quantia das

remessas, em parte por não serem educadas por seus pais para tal comportamento.

Ademais, outra ameaça à descontinuidade das redes transnacionais reside na pressão e

na obrigação do envio da remessa, que, muitas vezes, é alto e faz faltar aos

reassentados. Desta forma, os reassentados ou buscam fazê-los migrar da região ou os

auxiliam na busca de auto-suficiência. Ainda, há os reassentados que param de enviar

remessas por não estarem satisfeitos com a maneira como o dinheiro tem sido aplicado.

Muitas vezes, os reassentados buscam enviar as remessas por meio de programas de

ONG internacionais, como o apoio na construção de escolas ou fornecimento de água.

A pesquisa ainda mostrou os dois lados da vida de tais refugiados, no campo no

Quênia e os reassentados nos EUA. Se, por um lado, é difícil fazer ver a quem ficou na

África visualizar que a nova vida não é bem difícil, por outro lado, há uma enorme

relutância dos reassentados em desistir do status de viver nos EUA, evitando, assim,

falar dos problemas com que lidam nesta localidade, fazendo com que os parentes que

permanecem do outro lado do oceano imaginem que seus parentes estão ricos e

obtiveram sucesso como imigrante nos EUA.

Lindley (2007, 1-20) analisou as remessas feitas por somalianos residentes em

vários países para parentes somalianos refugiados residentes em um bairro do subúrbio

de Nairóbi, que pareceu, para os primeiros, ser uma forma de aliviar a pobreza e trazer

possibilidades e melhorias nas situações de deslocados de longo prazo. Estes refugiados

possuem um impacto significante no cenário urbano e nas relações econômico-sociais

daquela localidade, cujas redes de informação global, financeiras e familiares,

aumentam a cada dia, junto com as oportunidades, o que faz com que os somalianos que

chegam a cidade busquem imediatamente reassentarem-se na localidade.

As remessas, segundo Lindley, são muitas vezes usadas para resolver problemas

específicos ou aparentemente permanentes, como o auxílio financeiro para as mudanças

de pessoas da Somália e dos campos para Nairóbi ou para encontrar parentes em outros

países mais longe. “É muito comum ver mulheres com crianças receberem remessas dos

parentes para saírem dos campos e se instalarem em alguma zona urbana mais segura e

viverem, assim, às expensas das remessas dos parentes.” Há os que se utilizam das

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remessas e abrem algum negócio informal, começando a auxiliar, também, os outros

daquela localidade. Vê-se que as remessas faz com que os refugiados dispensem, no

todo ou em parte, o auxílio de organizações assistencialistas ou, como muitas vezes

ocorrem, repassem seus cartões de identificação para outros familiares que precisem

mais do que si mesmos.

Vale salientar que, embora as remessas se constituam, para vários refugiados,

uma fonte primária de renda, cujo remetente possui uma forte responsabilidade social

em auxiliá-los, tais refugiados geralmente possuem um plano de emigrar, encontrar um

emprego ou abrir um negócio, ou seja, eles buscam a auto-suficiência, o sentimento de

ser útil, uma vida ativa e independente. Como já visto, fundamental é a importância do

emprego/trabalho na construção de redes sociais capazes de produção de capital social.

Não se pode falar na relação entre capital social e migração e deixar de fora

Portes (1994, 632-9), que vem-se dedicando a este tema há algumas décadas,

especialmente quanto aos processos de integração de imigrantes nos EUA e seu papel

na estrutura da economia americana, iniciados ainda no século XIX, com os

recrutamentos de trabalhadores europeus e asiáticos pelas associações de empregadores.

Entretanto, embora o país abrisse as fronteiras para os imigrantes, devido à necessidade

de mão-de-obra, as discriminações, os preconceitos e as dificuldades de adaptação das

crianças filhas destes imigrantes fizeram com que os imigrantes se fechassem entre si,

criando comunidades/redes capazes de construírem capital social de ligação.

Atualmente, assinala Portes (1994, 636), apesar das posses materiais e morais

das famílias de imigrantes, o que facilita a vida da segunda geração destes, as

dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, as discriminações e os desafios sociais e

psicológicos ainda persistem. O capital social aparece para estes imigrantes na forma de

redes sociais entre identidades étnicas, na forma de obtenção de diploma educacional e

na forma de perspectivas na carreira.

Outra pesquisa que merece ser citada é a de Zhou & Bankston III (1994, 821-

45), que investigou o papel do capital social disponível em uma comunidade de

imigrantes vietnamitas em New Orleans (EUA) e a adaptação dos seus jovens na escola

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e no ambiente local, para identificar até que ponto a cultura do imigrante138 serve como

forma de capital social e afeta as experiências de adaptação do imigrante. Esses

pesquisadores descobriram que, por exemplo, os estudantes que possuem forte ligação

aos valores tradicionais familiares, forte compromisso à ética no trabalho e alto grau de

envolvimento na comunidade étnica possuíam uma tendência enorme a obter notas mais

altas na escola, a ter planos educacionais definidos e a apresentar altas notas em

orientação acadêmica, refletindo um alto nível de integração social entre os jovens

vietnamitas.

A dificuldade para as crianças imigrantes nos EUA é a pressão entre assimilação

ao estilo de vida dos EUA e à preservação de sua própria cultura. Quanto aos

refugiados, a pressão aumenta, pois houve a perda de parentes e amigos, de status

social, da terra natal, além dos problemas a serem enfrentados com as diferenças sócio-

culturais. Por isso é que Zhou & Bankston III (1994, 821-45) buscaram identificar

alguns aspectos da cultura do imigrante/refugiado para servir como fonte de capital

social e facilitar a adaptação daqueles.

Há defesas para os dois lados: enquanto há quem defenda a aderência à nova

cultura, há também quem ache que a manutenção da cultura original facilita a

adaptação. Portes e Zhou & Bankston III, por exemplo, advogam que “membros de

grupos étnicos minoritários e manutenção dos padrões de cultura original podem criar

fontes de vantagens adaptáveis.” O que esta corrente acredita é que, sendo tais

comunidades étnicas sistemas de apoio comunitário e sendo o capital social formado

por sistemas fechados de redes sociais, este tipo de capital será reconhecido, neste caso,

como um processo, cujo fim é facilitar o acesso aos benefícios e aos recursos que

melhor se coadunem às metas dos grupos específicos de imigrantes.

Foi identificado na pesquisa o alto grau de envolvimento dos vietnamitas na

comunidade étnica daquela localidade, a saber: as famílias se conhecem profundamente

e possuem uma forte relação entre si; há fortes relações com a igreja católica na forma

de participação nas atividades religiosas; há um sistema de organização cívica formal

(várias associações, i.e. educacional, de pais-professores e de eleitores), com ligações

138 Para estes autores (1994, 822), cultura do imigrante é “a cultura original de um grupo, consistindo em todo um estilo de vida, incluindo língua, idéias, crenças, valores, padrões de comportamento e tudo o que o imigrante traz com ele quando chega em um novo país.”

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fortes com a igreja; além da forte identidade étnica, para que os imigrantes sigam os

valores e os padrões de comportamento e as expectativas ditados pela comunidade.

Zhou & Bankston III (1994, 841-3) descobriram que o capital social disponível

para as crianças é mais importante nesta comunidade vietnamita do que o capital

humano ou outras características dos pais, ao determinar o grau de adaptação das

crianças imigrantes, apesar de que “aqueles que possuem capital humano suficiente ou

financeiro podem acreditar ser a assimilação ao país de acolhimento vantajoso.” Por

outro lado, os imigrantes com escassos recursos individuais, residentes em bairros longe

de sua comunidade étnica, tende a ver a etnia como único recurso para a integração

social, devido ao apoio e ao controle da comunidade, além dos padrões de

comportamento criados pelo grupo étnico e capazes de aumentar a probabilidade de

mobilidade sócio-econômica para cima.

Parte III

O capital social dos refugiados São Paulo e em Toronto

“É impossível ser feliz sozinho” (Wave, Tom Jobim, 1967).

E, parafraseando o poeta Tom Jobim, sendo impossível ser feliz sozinho, o

capital social também evita a síndrome de dependência dos refugiados, fazendo-os

sentirem-se úteis para si mesmos e/ou para suas famílias e seus amigos, para o Estado

que os recebeu e até para a comunidade acolhedora, independentemente de ser um

grupo formal ou informal, de ligação, de ponte ou de conexão, comunitário, étnico ou

religioso.

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Com relação ao Brasil, apesar de ele estar classificado entre um dos Estados com

pouco grau de desenvolvimento econômico, muitos dos estrangeiros, sejam eles

oriundos de países pobres ou não, buscam, neste país, benefícios não adquiridos em

seus países de origem. Logo, emprego e qualidade de vida estão no topo da lista das

causas dessa migração.

No caso do Canadá, além de possuir escritórios de incentivo à imigração em

várias regiões do mundo, este país possui políticas públicas altamente organizadas e

com recursos financeiros e humanos suficientes para atrair imigrantes e para aumentar a

força de trabalho em um país de baixa densidade populacional139.

O fenômeno das migrações está cada vez mais acentuado em todo o território

brasileiro e canadense e, como visto na Parte II desta pesquisa, São Paulo e Toronto

estão no topo da lista. Estrangeiros dos mais diversos países (sejam eles desenvolvidos

ou não) migram para São Paulo e para Toronto, todos os anos, e lá estabelecem laços de

confiança e de cooperação com os nacionais, produzindo, portanto, cada vez mais

capital social.

Tanto São Paulo quanto Toronto possuem elevados campos de desenvolvimento

devido aos seus pólos industrial, comercial e de serviços, sendo consideradas as cidades

mais desenvolvidas em seus respectivos países e, assim, fatores de atração

econômica140. Por tais motivos, muitos dos imigrantes que se estabelecem nestas

metrópoles não possuem a pretensão de retornar aos seus países de origem, já que

encontraram respaldo financeiro e familiar para se alcançar o tão almejado bem-estar,

permanecendo, então, em solos brasileiro e canadense.

Presume-se, a partir das entrevistas realizadas, que a maior parte do capital

social produzido e/ou acumulado pelos migrantes e, especialmente, refugiados,

139 Apesar do Canadá possuir uma área pouco maior do que a do Brasil, sua população se resume a pouco mais de 30 milhões de habitantes, enquanto que o Brasil possui mais de 180 milhões de habitantes. A maior cidade canadense, Toronto, possui pouco mais de 5 milhões de habitantes, enquanto que São Paulo, a maior cidade brasileira e sul-americana, possui pouco mais de 10 milhões de habitantes (sendo que os habitantes da metrópole ultrapassam 15 milhões de pessoas). Dados do Canadá obtidos em www.canada.org.br e do Brasil em www.ibge.gov.br acesso em 10 de maio de 2008 140

Segundo Bógus (1998, 170 e 2007) há “trabalhos já realizados (Bógus e Bassanezi, 1996; Malheiros, 1993; Baganha, 2000) que apontam as regiões metropolitanas como principais áreas de destino dos migrantes internacionais na Europa. Isso ocorre pela maior capacidade de absorção de mão-de-obra, com maior ou menor qualificação e a possibilidade de manter-se na clandestinidade, no caso dos imigrantes indocumentados, nessas áreas de maior população e diversidade cultural.”

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permanece no Brasil e no Canadá, continuando em São Paulo e em Toronto todas as

riquezas produzidas por eles, como se verá abaixo.

Considera-se, então, ser um excelente ponto de partida para o desenvolvimento e

para o crescimento da sociedade, o incentivo e o apoio à vinda de refugiados para o

Brasil, principalmente para São Paulo, e para o Canadá, especialmente para Toronto, já

que ambas são metrópoles multiétnicas. Diferentemente do que ocorre no Canadá, no

Brasil, nacionais e estrangeiros, com visto de residente e/ou refugiado, encontram-se

sob a égide da Constituição da República do Brasil de 1988, cujo caput do artigo 5º reza

que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Faz-se mister enfatizar que os refugiados, assim como outros migrantes, podem

ser totalmente integrados nas comunidades acolhedoras, pois são capazes de produzir

capital social, independentemente de suas culturas ou das políticas públicas adotadas no

local de acolhimento, para alcançar desenvolvimento pessoal e da própria comunidade,

especialmente se for levada em consideração a nova sociedade em rede que, na visão de

Castells e de Giddens, existe no momento, onde todos (indivíduos, sociedade civil,

poder público, iniciativa privada e ONG) se unem para o crescimento individual e

coletivo.

Os 33 refugiados entrevistados em São Paulo e os 30 entrevistados em Toronto,

foram divididos em 3 grupos, cujas entrevistas foram assim distribuídas, a depender das

facilidades no acesso aos mesmos e do tempo disponível para conceder entrevistas, que

duravam cerca de 30 minutos:

Gráfico 1: Refugiados em São Paulo: 40% de africanos, 36% de árabes e 24% de latinos.

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Gráfico 2: Refugiados em Toronto: 37% de árabes, 33% de latinos e 30% de africanos.

Antes de analisar tais grupos de refugiados em São Paulo e em Toronto,

importante se faz lembrar que conflitos141 existem em cada região de origem deles,

quais sejam:

1. Quanto aos latino-americanos de países de língua espanhola, em São

Paulo foram entrevistados 5 colombianos e 3 peruanos, havendo uma enorme

dificuldade de se encontrar refugiados desta região em São Paulo, pois, geralmente, os

nacionais encontrados eram migrantes econômicos. Em Toronto, foram entrevistados 6

mexicanos, 2 colombianos, 1 equatoriano e 1 cubano. Quanto a este último, embora seja

caribenho, foi importante sua entrevista, pois, na América do Norte, eles são

reconhecidos todos como “latinos”, independentemente de ser latino americano ou

caribenho. Importa também lembrar que todos estes países possuem como religião

oficial o cristianismo, sendo seguida pela maioria da população, além de um regime

político oficialmente democrático, excetuando-se Cuba.

O conflito colombiano é de origem política, envolvendo guerrilheiros de

esquerda, paramilitares de direita e as Forças Armadas, tendo-se agravado pela presença

do narcotráfico na década de 80. Desde o início do século XX, a Colômbia se divide

entre os liberais e os conservadores, o que provocou inúmeras guerras civis no país,

como a iniciada em 1929, quando da queda da Bolsa de Valores de Nova York, que

levou ao poder os liberais, propondo a reforma agrária e promovendo o crescimento

econômico. Devido às divergências entre os liberais, estes se dissociaram, se

enfraqueceram e os conservadores retornaram ao poder em 1946, para, em seguida,

unirem-se aos liberais, em nome da paz no país. Entretanto, em 1964, ex-combatentes 141 Encontra-se o perfil dos conflitos em cada país na webpage do ACNUR, in http://www.unhcr.org/cgi-bin/texis/vtx/home, acesso em 27 de junho de 2008, e no Almanaque Abril 2008.

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liberais fundaram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), abrindo

espaço para a criação de outras guerrilhas e fazendo avançar a guerra civil no país. As

FARC confrontam a polícia local, o exército, os EUA, as ONG e as organizações

internacionais, produzindo atentados com características de terrorismo e produzindo,

além de refugiados, a maior quantidade de deslocados internos do mundo. No Brasil, há

uma quantidade grande de refugiados “de facto” colombianos (fugindo das FARC) na

fronteira com a Amazônia, que, embora sem a condição jurídica de refugiados no Brasil,

este país lhes concede os mesmos direitos concedidos aos refugiados de jure.

Os peruanos também enfrentaram um conflito de origem política desde sua

independência, declarada em 1821 e assegurada em 1824. Grupos revolucionários,

como o Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Tupac Amaru produziram

atos de características terroristas, assim como os movimentos colombianos. As

acusações de fraude, corrupção, falsificações de documentos, violações de direitos

humanos de forma constante pelo governo, nas últimas três décadas, fazem com que

vários peruanos busquem refugiar-se em outros países, geralmente no próprio

continente, o que facilitaria o retorno ao país.

Também o Equador apresenta um confllito político entre liberais e

conservadores, que se alternam no poder desde a independência, em 1830, até 1932,

quando um presidente permaneceu no poder por 5 legislaturas, sendo derrubado,

finalmente, em 1972, por meio de um golpe militar. Os anos seguintes foram de crises

econômico-sociais, culminando na troca de presidentes e na reação violenta da

população, com rebeliões e greves contra cortes de salários, gastos públicos e

corrupção. Toda essa realidade faz o país enviar um bom número de refugiados.

O México, que, assim como todos os países de origem dos entrevistados,

também apresenta conflitos políticos e sociais que provoca a produção de refugiados,

envia uma grande quantidade de refugiados para os EUA e para o Canadá. A origem

deste conflito remonta a 1929, data da primeira revolução popular (outros conflitos bem

violentos ocorreram, em 1994, em Chipas e, em 2006, em Oaxaca), que fez nascer um

regime político mantido até 2000, durante o qual várias rebeliões eclodiram, além de

violações aos direitos humanos, como assassinatos de esquerdistas e desaparecimentos,

quando o governo sempre se apoiava em militares e em policiais para combatê-los de

forma violenta.

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Por fim, há que se falar em Cuba, que apresenta altos índices nos níveis de

educação e de saúde, mas sérias violações dos direitos humanos básicos, como liberdade

e participação política, desde o golpe de Fulgêncio Batista, em 1933, até a também

ditadura instalada por Fidel Castro em 1959. Com a queda da ex-URSS, Cuba passou a

apresentar sérias dificuldades sócio-econômicas, devido à falta de auxílio financeiro

daquela e agravando-se com o estado de saúde precário do seu líder revolucionário. A

falta de liberdade, especialmente política, a repressão e as dificuldades financeiras

levam cubanos a buscarem refúgio em outros países, especialmente nos EUA, que não

reconhecem o governo castrista.

2. Quanto aos africanos de países de língua portuguesa, todos os

entrevistados em Toronto são de nacionalidade angolana, enquanto que em São Paulo

foram entrevistados 9 angolanos e 4 guineenses142.

O conflito em Guiné-Bissau foi absolutamente político, com raízes no processo

que culminou na independência de Portugal, em 1974, e chegou ao início de 2006,

quando tropas do país entraram em confronto com grupos separatistas do sul de

Senegal, fronteira do país, afetando mais de 20 mil pessoas e levando a ONU a ajudar

os refugiados.

Também em Angola o conflito foi eminentemente político, iniciando-se com a

luta armada pela independência, em 1961, e agravada entre 1974 e 1975, quando da

queda do salazarismo português. Naquele momento, instaurou-se a guerra civil, que

durou até 2002, teoricamente, quando cerca de 50 mil homens da União Nacional para a

Independência Total de Angola (UNITA) foram desmobilizados e 5 mil deles foram

incorporados ao Exército e à polícia. Ainda, em 2004, o governo decretou a prisão de

mais de 3 mil mineiros estabelecidos em área sob controle da UNITA e expulsou cerca

de 11 mil deles para países vizinhos. A estes problemas, uniram-se a epidemia de febre

hemorrágica e de cólera, entre 2005 e 2006, ficando claro os problemas endêmicos,

políticos e de falta de infra-estrutura básica, enfrentados pelos angolanos.

3. Quanto aos árabes-muçulmanos, em São Paulo, foram entrevistados 4

libaneses, 3 iraquianos e 1 de cada uma das seguintes nacionalidades: centro-africano,

142 Apesar dos idiomas oficiais de Guiné-Bissau serem o espanhol e o francês, ficando o português afastado, este país foi colônia portuguesa e integra a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sendo este idioma falado em todo o país, tanto é que o entrevistado o falava fluentemente, justificando a entrevista.

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liberiano, somali, sudanês e mauritano. Em Toronto, foram entrevistados 4 afegãos, 3

somalis e 1 de cada uma das seguintes nacionalidades: sudanês, ruandês, iraquiano e

iraniano.

Enquanto nas duas regiões acima, América Latina e Caribe e África, os conflitos

geradores de refugiados são eminentemente políticos e os países apresentam-se como

cristãos, nos países de cultura árabe e religião muçulmana, o perfil dos conflitos

divergem um pouco, apesar do caráter político, muitas vezes, permanecer.

Quanto ao Líbano, embora quase metade da população seja cristã, buscou-se

entrevistar apenas os muçulmanos, para alcançar os objetivos da pesquisa, já que a

diversidade étnica e religiosa tem sido responsável pelos conflitos nessa região. Desde a

criação do Estado de Israel, em 1948, os conflitos na região se agravam, mas, para

interesse desta pesquisa, faz-se necessário mencionar alguns fatos que fizeram os

libaneses buscar refúgio em outros países, mesmo que do outro lado do oceano, como

são os exemplos de Brasil e Canadá. Os fatos são os que se seguem: uma guerra com

Israel, iniciada em 1982 e encerrada em 1990, deixou cerca de 150 mil mortos, ou seja,

5% da população do país. Com a saída de Israel para sul do país (em 1985 e,

definitivamente, em 2000), a Síria consolida seu domínio sobre o país, instalando cerca

de 30 mil soldados e apoiando o Hezbollah143, até a vitória dos muçulmanos e não

religiosos nas eleições de 2000, quando Hariri assume como Primeiro Ministro. Assim,

a Síria se retira de Beirute em 2001. O conflito continua entre Síria – Líbano e entre

Israel – Hezbollah, até a resolução 1559, do Conselho de Segurança da ONU, que exige

a retirada da Síria do país e o desarmamento de milícias locais. Hariri, então, renunciou

ao cargo, devido ao Parlamento ter ignorado a resolução supra. Em 2005, ele sofreu

atentado a bomba, falecendo em razão disso. O Hezbollah, em 2005, conseguiu a

maioria das cadeiras nas eleições parlamentares e, no ano seguinte, Israel atacou o país,

vitimando civis e destruindo a infra-estrutura do país, como rodovias, pontes, usinas de

energia elétrica e o aeroporto internacional de Beirute, fazendo com que milhares de

libaneses buscassem refúgio em outros países. A cada ato novo, resultante de acordo

imposto e mal feito no passado, nova onda de refugiados ressurge, levando civis, 143 O Hezbollah é grupo xiita de guerrilheiros cristãos, apoiados pela Síria e pelo Irã. Embora radicalmente contra o Estado de Israel, contra quem não mede esforços para atentar contra sua exisência, inclusive com atos terroristas, este grupo possui vários exemplos de trabalho social nos territórios palestinos, tais como construção de escolas, ambulatórios e creches; serviços estes prestados à população carente. As duras críticas a este grupo são com relação aos atos que levam à morte civis, mulheres e crianças, vítimas inocentes desses conflitos sangrentos.

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especialmente mulheres e crianças da região, a buscar apoio na luta pela sobrevivência,

além das fronteiras do país.

O Iraque, alvo da mídia quase diariamente desde a invasão dos EUA, em 2003,

já enviava refugiados para outros países muito antes do regime ditatorial do Saddam

Husseim, cheio de atrocidades, violações dos direitos humanos, corrupção, tortura e

desaparecimentos, além da ausência de liberdade e de participação política. Os conflitos

no Iraque moderno surgem com raízes políticas, com a queda da monarquia e a

nacionalização do petróleo, em 1958, além da repressão à rebelião curda entre 1974 e

1975 (e depois outra em 1988). A guerra Irã-Iraque, entre 1980 e 1988, e a guerra do

Golfo, entre 1990 e 1991, também produziram refugiados, além do grande número de

mortos, resultante não somente da repressão do governo, mas também da falta de infra-

estrutura no país. Com a queda de Saddam Husseim, em 2003, os EUA, autores da

intervenção, passaram a tentar trazer a população para um regime democrático de paz,

mas a violência aumenta a cada dia, produzindo mais refugiados e fortalecendo a

inimizade entre os grupos étnicos, quais sejam: os sunitas (20% da população,

composto por intelectuais e universitários), os shiitas (60% dos habitantes) e os curdos

(15% dos habitantes, claramente favoráveis à presença dos militares no país).

O Afeganistão sofre, desde a Guerra Fria, com as invasões da ex-URSS e dos

EUA. Quando da invasão da ex-URSS (1979-1989), os islâmicos se uniram para

expulsá-las. Mas, com sua saída, eles se dividiram e grupos étnicos e religiosos

passaram a guerrear entre si. Em 1995, o Talibã desponta e chega a dominar cerca de

90% do país, transformando-o em uma nação teocrática islâmica. Nesse momento, são

várias as denúncias de violações dos direitos humanos, corrupção e torturas, um

verdadeiro regime de terror, imposto especialmente para as mulheres, cujos direitos

foram absolutamente reprimidos. Em 2001, o EUA invadiram o país e retiraram o

Talibã do poder, buscando, assim, com apoio da ONU e do Crescente Vermelho,

reconstruir o país, no tocante ao retorno dos direitos humanos e da infra-estrutura

básicos. Entretanto, a violência entre grupos étnicos (pashtuns, 38%; tadjiques, 25%;

hazarás, 19%; e outros, 18%) continua, assim como as mortes pelas tropas estrangeiras,

que são rejeitadas pela população. Esse cenário faz do Afeganistão, o país com recorde

atual na produção de refugiados.

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Quanto à Somália, o país atravessa uma guerra civil entre clãs rivais desde o

início dos anos 1990. Ademais, há o conflito político, pois uma região ao norte luta pela

sua independência. Apesar do acordo de paz, em 2004, com as quatro maiores etnias, os

grupos contrários iniciam mais uma luta armada, enfraquecendo mais ainda um dos

países mais pobres, que, também, foi o país africano que mais sofreu com o tsunami do

Oceano Índico, em 2004, totalizando mais de 200 mortos e cerca de 30 mil

desabrigados.

O Sudão apresenta o maior genocídio da humanidade no período pós-guerra

mundial e a maior crise humanitária do planeta no momento atual. Apesar do fim da

guerra civil (que durou 50 anos), oficialmente, em 2005, entre muçulmanos e cristãos,

ao sul do país, a crise humanitária permanece, enviando milhares de refugiados para

países vizinhos e para outras partes do planeta, devido ao conflito separatista na região

de Darfur, entre uma minoria nômade (os separatistas) e o governo (elite islâmica). O

governo reage e inicia o que a comunidade internacional chamou de “limpeza étnica”,

causando, até o momento, estima-se, cerca de 200 mil mortes e 2.200.000 refugiados.

Em Ruanda, o conflito étnico entre Hutus e Tutsis também foi considerado um

genocídio, tendo causado a morte de cerca de 1 milhão de pessoas (a maioria tutsis) e

outro tanto de refugiados, além do alto índice de violações dos direitos humanos, como

estupros e outras violações sexuais. Importa lembrar que a raiz do conflito está na

independência do país, em 1962, quando os hutus assumem o poder e passam a

perseguir os tutsis, que são obrigados a se refugiar em outros países.

A Mauritânia, denunciada nas Nações Unidas pela prática de escravidão, apesar

de sua abolição em 1981, apresentou um conflito político, cuja raiz remonta às eleições

de 1984, quando seu presidente tomou o poder por meio de um golpe militar,

reprimindo grupos negros que exigiam o fim da supremacia árabe (99,1% dos habitantes

professam o islamismo no país). Entre golpes e situações de escassez de alimentos, a

Mauritânia apresenta promessas de uma estabilidade política em um futuro próximo,

com as eleições que ocorreram em 2007.

Existem na República Centro-Africana 80 grupos étnicos, embora falem o

mesmo idioma, o sango (além do francês, que é o idioma oficial). Apenas cerca de 15%

da população é islâmica. O conflito no país é político, haja vista que desde sua

independência, em 1960, até 2001 (quando um golpe deixa cerca de 300 mortos), o país

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vem sofrendo vários golpes de Estado. Entretanto, a falta de “golpes oficiais” não

diminui a instabilidade no país e, em 2006, o ACNUR estima que milhares de centro-

africanos tenham-se refugiado no Chade devido à violência entre o Exército e grupos

armados.

A Libéria, cuja maior parte dos habitantes vive na miséria e apresenta altas taxas

de analfabetismo e mortalidade infantil, teve sua situação agravada pela instabilidade

política e pelas guerras civis entre 1989 e 2003. Os muçulmanos são apenas cerca de

15% da população, já que cerca de 42% são adeptos de crenças tradicionais e pouco

mais de 43% são cristãos. Portanto, embora o refugiado entrevistado seja muçulmano e

tivesse residido em uma região islâmica do país, a Libéria é majoritariamente cristã,

apresentando o modelo de crise política dos países latino-americanos e africanos de

origem dos refugiados entrevistados.

Por fim, houve um refugiado iraniano, residente em Toronto, que embora não

seja árabe, é muçulmano, justificando, assim, a entrevista. Sendo o Irã um Estado

teocrata, desde 1979, o conflito étnico-religioso se confunde com o político. Apesar da

abertura entre 1997 e 2005, a linha ortodoxa retoma o poder em 2005, com

Ahmadinejad, que tem abolido as liberdades, como a de imprensa, fortemente, a

ideológica e a religiosa, perseguindo os contrários ao governo e direcionando seu

discurso às camadas mais pobres e carentes do país. A corrupção, a tortura e os

desaparecimentos são constantes no país, produzindo refugiados, principalmente para

países vizinhos.

Em vista do exposto, fica clara a raiz política dos conflitos religiosos e étnicos,

que caracterizam os Estados produtores de refugiados. O que se vê é, invariavelmente,

uma luta por poder, pelo domínio, é a necessidade de subjugar semelhantes, mesmo que

o alto “preço a ser pago” seja a vida dos seus semelhantes ou, no caso dos refugiados,

em que a vida é mantida, separação familiar, violações dos direitos humanos,

perseguições e deslocamentos forçados. A partir de então, será traçado o perfil dos

refugiados entrevistados, comparando as duas cidades de acolhimento, quais sejam, São

Paulo e Toronto, e o capital social produzido por eles.

Em seguida, serão identificadas as redes de apoio aos refugiados nas duas

cidades em epígrafe, analisando-se os programas e as atividades direcionados a estes

indivíduos. É, ainda, objetivo desta última parte da pesquisa, avaliar a interferência, no

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capital social dos refugiados, da bagagem cultural trazida por estes do local de origem e

a interferência das políticas públicas adotadas em São Paulo e em Toronto, para, enfim,

relacionar o papel da bagagem cultural e o papel das políticas públicas no capital social

produzido.

Capítulo 11

O perfil dos refugiados em comparação

Após analisar as nacionalidades dos refugiados entrevistados, a intenção deste

capítulo se fixa na identificação das semelhanças e das diferenças nos perfis destes, nas

duas cidades/países, para, dessa forma, avaliar o capital social produzido.

Da chegada no local de acolhimento

A priori, foi perguntado144 aos refugiados se eles haviam chegado ao local de

acolhimento antes ou após o 11 de setembro de 2001, para identificar o que mudou nsa

suas vidas, especialmente entre os muçulmanos, após essa data.

144 Encontra-se o questionário completo utilizado na pesquisa no Apêndice C. Ademais, no Apêndice D, podem-se ver os dados compilados com as respostas das entrevistas realizadas em São Paulo e em Toronto. Quanto aos gráficos resultantes do cruzamento dos dados entre os três grupos de refugiados em cada localidade, São Paulo e Toronto, estes poderão ser vistos no Apêndice E.

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Em São Paulo, o percentual dos refugiados que chegaram após 11/9 foi o

seguinte: 100% dos latinos, 75% dos árabes e apenas 31% dos africanos. No total, 64%

dos refugiados lá chegaram no período após o 11 de setembro de 2001. Já em Toronto,

100% dos latinos e dos árabes chegaram após 2001, enquanto que apenas 56% dos

africanos assim o fizeram, totalizando 87% dos refugiados.

Ademais, vale lembrar que, no Brasil, após 6 anos como refugiado, este pode

solicitar o visto de residente permanente e, após mais 6 anos, pode requerer a

nacionalização. Quanto aos refugiados no Canadá, após a condição de refúgio, já se

pode solicitar a residência permanente e, 3 anos após esta data, já se possui o direito de

requerer a nacionalização. Essa informação é importante, pois somente os imigrantes na

condição jurídica de refugiados foram entrevistados. Aqueles que chegaram ao país

como refugiados, mas já adquiriram a nacionalidade, não foram entrevistados, por não

serem parte do objeto da pesquisa.

Nenhum dos refugiados árabes chegados antes de 11 de setembro de 2001 no

Brasil e/ou no Canadá afirmou ter sentido mudanças na forma como é tratado pela

sociedade local. As dificuldades retratadas foram em decorrência de novas legislações

adotadas por parte do governo, restringindo meios de entrada e dificultando a

ultrapassagem das fronteiras, especialmente para quem estava chegando no Canadá, via

EUA, por causa do Acordo de Terceiro País Seguro.

Em segundo, perguntou-se sobre a forma de chegada no país de acolhimento.

Enquanto que no Brasil, 70% dos refugiados chegaram via aérea (63% dos latinos, 67%

dos árabes e 77% dos africanos), no Canadá, 61% deles também assim chegaram (90%

dos latinos, 71% dos árabes e 11% dos africanos). Dos 9 angolanos entrevistados em

Toronto, 8 deles chegaram ao país via terrestre, atravessando a fronteira com os EUA,

onde aterrissaram após a vinda, via aérea, de Angola.

Embora a mídia e várias pesquisas retratem a grande quantidade de imigrantes

sul-americanos, vizinhos brasileiros, chegando ao Brasil via fronteira amazônica, os

refugiados, mesmo os latino-americanos, aterrissam no Brasil proveniente de via aérea.

Também no Canadá foi o que ocorreu. Os dados dos angolanos que chegaram ao

Canadá, conforme acima mencionado, via terrestre, foi por ter havido uma maior

facilidade na obtenção de visto para chegada aos EUA. Mas, insatisfeitos com a vida

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nos EUA, decidiriam cruzar a fronteira canadense, geralmente na cidade fronteiriça de

Buffalo, solicitando o refúgio no Canadá e sendo, assim, assentados em Toronto.

A questão de gênero

Em segundo, foi-se investigado a respeito do gênero dos refugiados. Sabe-se que

mulheres, homens e crianças possuem necessidades comuns, mas específicas. Ipso

facto, coletar informações baseadas na idade e no sexo dos refugiados a fim de se criar

intervenções humanitárias e programas de planejamento, monitoração e avaliação dos

refugiados é, de certa forma, crítica, embora imprescindível. Como já mencionado no

capítulo 6 desta pesquisa, as estatísticas a respeito dos refugiados não são absolutamente

confiáveis. O ACNUR depende des informações enviadas pelos próprios Estados,

precisando confiar nelas, além de haver uma falta de dados disponíveis em alguns países

que não possuem condições de coletá-los e disponibilizá-los. Onde o ACNUR é

operacionalmente ativo e em Estados mais desenvolvidos, os dados são mais confiáveis

e em maior quantidade145.

A disponbilidade dos dados também varia em razão do tipo de população sob a

proteção do ACNUR, ou seja, há dados disponíveis para cerca de 70% da população

refugiada global, para 89% dos retornados, para 28% dos apátridas, para 10% dos

considerados como “outros” e apenas para 7% dos deslocados internos. Esta falta de

dados também varia de região para região: na Ásia e no continente americano, por

exemplo, há dados disponíveis para somente cerca de ¾ da população sob proteção do

ACNUR; na África, há dados para cerca de metade deste contingente populacional;

enquanto que, na Europa, os dados comportam apenas cerca de ¼ deste grupo

populacional.

Em 2007, os dados demográficos relatados pelo ACNUR assinalaram cerca de

20 milhões de mulheres refugiadas sob a responsabilidade deste órgão, cujos escritórios

se encontram em 135 países. Nestes dados, foram contabilizados apenas 63% da

população feminina refugiada. Os dados disponíveis por sexo indicam que as mulheres

representam cerca de metade de toda a população sob responsabilidade do ACNUR e

pouco menos de 47% de todos os refugiados e solicitantes de asilo. A menor proporção

de mulheres, entre as categorias sob proteção do ACNUR está em “outros”, qual seja, 145UNHCR. 2007 Global trends: refugees, asylum-seekers, returnees, internally displaced and stateless persons. UNHCR, 2008. In http://www.unhcr.org/statistics/STATISTICS/4676a71d4.pdf, acesso em 25 de junho de 2008.

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37%. Entretanto, esses dados escondem valores extremos, como é o caso do Brasil, em

que mais de 74% são refugiados e, em São Paulo, dentre os entrevistados, 76% são

também do sexo masculino (25% dos latinos, 92% dos árabes e 92% dos africanos),

enquanto que, em Toronto, coadunando-se com a média global, 67% dos entrevistados

são do sexo feminino (70% latinas, 73% árabes e 56% africanas).

Em relatório enviado pelo Centro de Acolhida de Refugiados da Cáritas

Arquidiocesana de São Paulo (CASP) ao ACNUR, em Brasília, retratando suas

atividades e atendimentos durante o ano de 2006, foi assinalado que haviam sido

atendidos por aquela instituição 384 mulheres e 1229 homens, ou seja, a população

feminina representou 23,80% da população total atendida.

Portanto, com relação à questão do gênero, há uma peculiaridade no Brasil, cujo

número diverge da média global existente ao final de 2007, cujo percentual foi de 47%

de mulheres entre a população refugiada e solicitante de asilo, o que resulta do perfil

dos refugiados e solicitantes de asilo no país, tratados logo abaixo.

De acordo com Furtim & Jubilut (2008), em entrevista retromencionada no

capítulo 4.2. (vide apêndices A e B), a justificativa para o pequeno número de

refugiadas no Brasil é que este país se encontra afastado da grande maioria das zonas de

conflito, o que dificulta a escolha deste destino, exigindo-se, muitas vezes, a vinda de

forma clandestina, em barcos, fazendo com que os homens estejam mais dispostos a

enfrentar os riscos. Além disso, não sendo o Brasil um país desenvolvido, com forte

atração econômica, e, geralmente, os solicitantes de refúgio desconhecem aonde estão

dirigindo-se, aumenta mais ainda o risco da viagem-fuga. Assim é que não se encontra

um grande contingente de mulheres perseguidas em busca de refúgio no Brasil,

permanecendo estas, de forma geral, nos países vizinhos ao país de origem, junto com

suas famílias e, em locais cujos idioma, religião e cultura facilitam a sobrevivência.

A importância de se avaliar a questão de gênero nas políticas públicas

direcionadas aos refugiados e às refugiadas reside no fato de que, especialmente quando

provenientes de países muçulmanos, as mulheres precisam de um direcionamento mais

preciso para facilitar sua integração no local de acolhimento, pois no local de origem

elas são sujeitos com poucos direitos reconhecidos. Um exemplo é a questão do

aprendizado do novo idioma local, que precisa ser rapidamente aprendido pelos seus

maridos, já que estas refugiadas muçulmanas permanecerão no lar cuidando dos filhos e

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da administração do lar, enquanto os seus maridos (refugiados) necessitarão do

aprendizado do novo idioma para a busca de novo emprego.

Se por um lado as mulheres refugiadas estão mais aptas e se ajustarem às novas

culturas e tradições, ultrapassando mais facilmente os efeitos debilitantes das mudanças

bruscas em suas vidas, de acordo com Essed, Frerks & Schrijvers (2004, 8), por outro

lado, elas, como resultado de tais mudanças, adquirem novas identidades políticas,

econômicas e sociais mais fortes e de forma mais rápida do que os homens. Ao

participarem mais ativamente de encontros em associações religiosas e/ou étnico-

culturais, assim como nas idas aos mercados locais de mesma origem, quando, então,

identidades e histórias são compartilhadas, elas se sentem membros da nova

comunidade. Ademais, como se verá adiante, há associações de voluntários nos locais

de acolhimento que oferecem cursos do idioma local, cursos para professores, para

agentes de saúde, de secretariado e outros cursos técnicos, geralmente com salas de

babycare para que as refugiadas deixem seus filhos enquanto estiverem nas aulas, como

na Organização de Auxílio para Imigrantes Somalis (SIAO), em Toronto.

Se para os homens, a dificuldade de passar por este processo de adaptação reside

na necessidade de encontrar uma nova fonte de renda a curto prazo, para o sustento seu

e de toda família, inclusive para superar a perda da identidade política, a perda das redes

de poderes formais a que eles tinham acesso, a perda de suas participações

institucionalizadas na antiga sociedade, a perda de dignidade e do própria lar, para as

mulheres, cuja violência lhes afeta de forma diferente, há experiências comuns,

independentemente de religião, classe social ou nível educacional ou financeiro, tais

como estupros, violências sexuais e outras buscas pelos seus corpos. Portanto, a questão

de gênero deve ser analisada separadamente dos refugiados, lembrando-se de que a

diferença nos termos reside em que gênero é termo de uso sociológico e político,

enquanto que sexo é termo de uso biológico.

Da qualificação

A quarta pergunta foi sobre o estado civil dos refugiados. Em São Paulo, 79%

deles eram solteiros (75% dos latinos, 92% dos árabes e 69% dos africanos); já em

Toronto, 67% eram casados (80% dos latinos, 55% dos árabes e 67% dos africanos).

Essa informação complementa a pergunta acerca do número de familiares que chegaram

com o entrevistado na cidade: em São Paulo, 70% dos refugiados lá chegaram sozinhos

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(apenas 38% dos latinos, 75% dos árabes e 85% dos africanos), e, em Toronto, 67%

vieram acompanhados de membro(s) da família (80% dos latinos, 64% dos árabes e

56% dos africanos).

Quanto à idade dos refugiados entrevistados, em São Paulo, todos possuíam

entre 20 e 37 anos, excetuando-se 2 deles, que possuíam 45 e 49 anos de idade. Em

Toronto, a média de idade foi a mesma, entre 18 e 43 anos de idade, exceto um deles,

com 57 anos de idade. Essa informação mostra que a população refugiada em São Paulo

e em Toronto é formada, predominantemente por jovens, como geralmente ocorre entre

os refugiados urbanos, coadunando-se com a média de idade da população sob

responsabilidade do ACNUR146, que possui entre 18 e 59 anos de idade e apenas 5%

destes estão acima dos 60 anos.

Importa, ainda, lembrar que não houve crianças refugiadas entrevistadas para

esta pesquisa, por não tê-las encontrado. Alguns dos refugiados entrevistados, mais

precisamente, angolanos em Toronto, chegaram no local de acolhimento ainda como

crianças, mas no momento da entrevista, já eram considerados adultos, com mais de 18

anos de idade.

Segundo o 2007 Global Trends, acima mencionado, dos 31.7 milhões de pessoas

sob a proteção do ACNUR, há dados disponíveis para cerca de 42% destes. Destes 42%,

cerca de 44% são crianças menores de 18 anos de idade, sendo que 10% destas estão

abaixo dos 5 anos. Entre os considerados refugiados e as pessoas em situação de

refúgio, embora não juridicamente assim consideradas, as crianças constituem cerca de

46% da população total; proporção esta, que é significante mais alta entre os refugiados

repatriados em 2007, que foi de 60%.

Esses dados apresentam desafios consideráveis para os programas de

repatriamento e de reintegração, especialmente no que diz respeito ao acesso à

educação, quando centros educacionais foram destruídos pelos conflitos armados. Por

outro lado, as crianças constituem apenas 27% de todos os solicitantes de asilo,

população tradicionalmente dominada por homens solteiros, principalmente entre os

países industrializados.

146 UNHCR. 2007 Global trends: refugees, asylum-seekers, returnees, internally displaced and stateless persons. UNHCR, 2008. In http://www.unhcr.org/statistics/STATISTICS/4676a71d4.pdf, acesso em 29 de junho de 2008

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Mesmo sendo uma população jovem, dos refugiados em São Paulo, 69% deles

possuíam o ensino médio (75% dos latinos e dos árabes e 63% dos africanos), não

havendo analfabetos entre os latinos e africanos, mas tão somente entre os árabes, cujo

percentual de analfabetos foi de 8%. Entre os refugiados em Toronto, 55% possuíam

grau universitário (60% dos latinos, 50% dos árabes e 56% dos africanos), além dos

14% que estavam estudando na universidade naquele momento (sendo 20% dos latinos

e dos árabes). Por outro lado, 44% dos africanos e 30% dos árabes entrevistados em

Toronto eram analfabetos.

Embora muitos possuíssem certo grau de escolaridade, há uma dificuldade na

obtenção de emprego em Toronto. Enquanto que todos os refugiados em São Paulo

trabalham, de forma formal ou informal, principalmente como comerciantes (50% dos

árabes assim o são), em Toronto, 64% deles estavam desempregados (80% dos latinos,

82% dos árabes e 44% dos africanos).

Vê-se que, entre os refugiados entrevistados, em São Paulo, a maioria é jovem,

solteira e chegou sozinha, enquanto que em Toronto a maioria é casada e chega com a

família. Sendo jovens e possuindo certo grau de escolaridade (os analfabetos são uma

minoria – 8% dos árabes em São Paulo, 30% dos árabes em Toronto e 44% dos

africanos em Toronto), eles possuem desejos efetivos de trabalhar e/ou de estudar, para

evitar a síndrome de dependência, resultante das políticas assistencialistas de cima para

baixo. Entretanto, mesmo que 55% dos refugiados em Toronto possuam curso

universitário completo e 14% deles estivessem cursando naquele momento, eles

reclamaram da falta de acesso ao emprego, formal ou informal.

Portanto, embora o Brasil seja visto como um país em vias de desenvolvimento

e o Canadá como um país altamente desenvolvido, os refugiados conseguem um

emprego em São Paulo mais facilmente do que em Toronto. E a questão do idioma e da

religião não podem ser vistos como empecilhos em nenhum dos dois países, cujas

liberdades religiosas são constitucionalmente professadas e cujos idiomas nativos (o

português, no primeiro, e o inglês, no segundo) são ensinados de forma gratuita aos

refugiados.

Em São Paulo, há o SENAC e o SESC, que, por meio de convênio com a CASP,

fornecem cursos de português aos refugiados e, antes disso, já aos solicitantes de

refúgio. Inclusive o material didático e o transporte público também são fornecidos,

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215

exceto para os que residem nas cercanias do local do curso, onde não recebem o auxílio

para o transporte.

Há inúmeras ONG (organizações não governamentais), no Canadá, que, graças a

convênios com o governo provincial, fornecem cursos gratuitos para os indivíduos com

a condição jurídica de refugiados. Eles geralmente residem no mesmo bairro onde

ocorre o curso. O programa LINC (Language Instruction for New-Comers ou Instrução

de Língua para os Recém-Chegados) oferece o mesmo, cujos instrutores possuem seus

salários pagos pelo governo da província. Ademais, algumas das ONG ossuem

programas específicos, como a SIAO (Somali Immigrant Aid Organization ou

Organização de Auxílio aos Imigrantes Somalis), que fornece cursos de inglês não

somente para refugiados, mas para quaisquer imigrantes, de quaisquer nacionalidades

(não somente somalis), possui uma espécie de creche recreativa, para brincar com as

crianças, enquanto seus pais estão na sala de aula, conforme exemplificado acima. Há

mães e jovens voluntários, geralmente imigrantes, que se revezam nessa atividade,

auxiliando aos novos imigrantes, principalmente as mães com filhos menores, para que

estes não deixem de ir para as aulas por não ter alguém com quem deixá-los em casa.

As causas do refúgio

Perguntou-se, também, sobre as causas que fizeram o entrevistado buscar

refúgio e ser este concedido. Em São Paulo, 76% responderam ter sido perseguição

político-ideológica (63% dos latinos, 67% dos árabes e 92% dos africanos). Ainda, 25%

dos árabes e 8% dos africanos responderam violação dos direitos humanos, além dos

17% dos árabes que responderam terem sido vítimas de perseguição étnico-racial. Em

Toronto, 63% dos entrevistados responderam perseguição político-ideológica (40% dos

latinos, 64% dos árabes e 89% dos africanos), além dos 27% dos árabes que

responderam terem sofrido violação dos direitos humanos e dos 50% dos latinos que

afirmaram terem sofrido perseguição étnico-racial.

O que se percebe é que, apesar da Convenção de 1951 c/c o Protocolo Adicional

de 1967, somente reconhecerem como refugiados os perseguidos, ou com temor bem

fundado de perseguição, em razão de nacionalidade, religião, raça, opinião política ou

pertencimento a certo grupo social, tanto o Brasil quanto o Canadá possuem uma

definição mais abrangente do que a Convenção/Protocolo. Submetendo-se à Declaração

de Cartagena, o Brasil reconhece um refugiado devido às violações dos direitos

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humanos, enquanto que o Canadá se coaduna com a Convenção contra a Tortura, para

receber refugiados, embora sem a condição jurídica de refugiado, mas apenas como

protegidos por questões humanitárias. Vale salientar que essa categoria canadense é

apenas teórica, pois, na prática, os direitos e deveres desses indivíduos no Canadá se

igualam aos dos refugiados.

A vida no Brasil e no Canadá

Com relação a terem escolhido o Brasil ou o Canadá, os refugiados entrevistados

assim se expressaram: em São Paulo, 60% dos latinos afirmaram ter sido o idioma e

40% deles ter sido a proximidade geográfica, enquanto os árabes se dividiram (33%

para cada resposta) entre a cultura brasileira, a residência de alguns familiares e os que

não sabiam que vinham para o Brasil. Com relação aos africanos, 41% afirmaram ter

sido o idioma, 33% ter sido a cultura, 15% a chance de adquirir educação e 11%, o

clima. Sobre as razões de escolha pelo Canadá, os latinos afirmaram o que segue: 36%

foram por boas informações e 21% deles (cada) por cultura, educação e parte de

programa do ACNUR. Já os árabes, em Toronto, afirmam ter sido parte de programa do

ACNUR (40%) e boas informações (30%), enquanto que os africanos afirmaram ter

sido as oportunidades de educação (33%), boas informações (31%) e programa do

ACNUR (17%).

Portanto, a facilidade do idioma, a proximidade geográfica, a cultura e o auxílio

prometido por familiares já residentes são causas determinantes da chegada de um

refugiado no local de acolhimento, além de boas informações de outros que ali

chegaram com antecedência. Uma diferença entre o Brasil e o Canadá foi com relação

ao programa de reassentamento, que já existe há décadas no Canadá, sendo novo no

Brasil. Enquanto o Canadá possui escritórios em várias regiões do mundo para atração

de imigrantes, aqui inserindo-se os refugiados, o Brasil apenas iniciou em 2001 este tipo

de programa. Ademais, o clima não foi levado em consideração, em nenhum momento,

pelos refugiados entrevistados, quando do momento da escolha do local de acolhimento,

do contrário, todos teriam vindo para o Brasil e nenhum deles teria ido para o Canadá,

cuja temperatura baixa no outono/inverno assusta até aos residentes, tendo sido uma das

grandes dificuldades de adaptação encontrada pelos refugiados entrevistados em

Toronto.

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As maiores dificuldades encontradas pelos refugiados em São Paulo, desde suas

chegadas, foram, para os latinos, acesso a emprego (73%) e discriminação/preconceito

(27%), enquanto que para os árabes foram, além do acesso ao emprego (70%),

dificuldades com o idioma local (30%). Os africanos também reclamaram do acesso ao

emprego (40%) e de terem sido alvos de discriminação/preconceito (35%), além de

terem reclamado da dificuldade no acesso à habitação (25%). Parece que a necessidade

de sentir-se útil, de trabalhar, de possuir uma renda, de não precisar da política

assistencialista do ACNUR, do governo ou de ONG locais não é parte dos interesses

dos refugiados residentes em São Paulo. Eles lutam acirradamente contra a síndrome da

dependência, mas, para isso, precisam do conhecimento do idioma local e de apoio.

Em Toronto, 38% dos latinos encontraram dificuldades com o idioma e 24%

com o clima, enquanto que os árabes reclamaram da falta de oportunidade de emprego

(30%), do clima (25%) e do idioma (25%). Quanto aos africanos, 31% encontraram

dificuldades com o clima, 31% sentíam muitas saudades da terra natal e 21%

encontraram dificuldades com o idioma local.

Excetuando-se os africanos no Brasil, a falta de aprendizado do idioma foi

reclamação constante de vários refugiados entrevistados, que também reclamaram por

não conseguir emprego, até pelo não aprendizado do idioma e pela falta de qualificações

profissionais, além de discriminações e preconceitos e dificuldades de habitação. Em

Toronto, cuja dificuldade de habitação é um dos maiores problemas no momento,

refugiados são obrigados a compartilhar uma casa/apartamento de dois quartos com

duas ou três famílias, devido ao preço exorbitante e à ausência de renda suficiente para

alugar um imóvel.

Com relação aos preconceitos e às discriminações, em Toronto eles reclamavam,

não da sociedade civil organizada, mas do procedimento jurídico longo, burocrático e

discriminatório, na concessão do refúgio. Houve entrevistados que ficaram anos

aguardando o resultado do processo. Houve um latino que reclamou de discriminação

por parte dos juízes do IRB (Tribunal Administrativo que julga as solicitações de

refúgio), que os tratavam de forma indigna. Uma solicitante de refúgio angolana

precisou casar, o que fez com a ajuda de um amigo da mesma nacionalidade, para obter

o visto de residente, pois já aguardava o deferimento do refúgio há vários anos.

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Ainda, como várias entrevistas foram realizadas em Toronto, nas residências dos

refugiados147, foi possível descobrir que eles buscam residir na mesma rua, bairro,

região de seus compatriotas, até pela facilidade de solicitar apoio de ONGs do bairro.

Daí é que alguns refugiados, recém-chegados e residentes em regiões fora da área de

residência de seus compatriotas, reclamaram dos preconceitos/discriminações por parte

dos residentes nativos, contra seus estilos de vida, como a forma de se vestir, de se

expressar e de educar os filhos.

Apesar das dificuldades, os refugiados entrevistados identificaram alguns pontos

positivos nos locais de acolhimento. Em São Paulo, os latinos identificaram o idioma

(60%) e o clima (40%), enquanto que os árabes identificaram o acesso ao emprego

(40%), cultura (30%) e habitação (30%), e os africanos identificaram, de forma positiva,

o idioma (29%), a cultura (21%) e o acesso à educação (18%). Em Toronto, os latinos

agradeceram o acesso à educação (29%) e o apoio governamental (29%), enquanto que

os árabes agradeceram também o apoio governamental (36%), o acesso à educação

(32%) e à saúde (32%). Para os africanos em Toronto, não houve maioria em nenhum

item, o que se presume que a história de vida de cada um foi essencial nas respostas,

quais sejam: 22% responderam como ponto positivo o acesso à educação; 22%, o

acesso à saúde; e, 22%, o apoio governamental.

Enquanto alguns, especialmente africanos, reclamaram do clima, alguns latinos,

provenientes de regiões mais frias dos Andes, não tiveram dificuldades com esse fator.

A facilidade de encontrar emprego e habitação se mostrou mais fácil para os

entrevistados em São Paulo do que em Toronto, assim como a cultura local e o idioma

(africanos e latinos foram privilegiados com o idioma falado no Brasil). A cultura local,

retratada pelos entrevistados como o apoio e a confiança dos vizinhos, inclusive no

“comprar fiado na venda da esquina”, foi de suma importância no processo de

integração destes em São Paulo, o que não ocorreu em Toronto, cuja maior diferença em

relação a São Paulo foi no apoio governamental, pois, em Toronto, o Poder Público

sempre esteve presente.

As relações, inclusive financeiras, com os compatriotas

147

Em São Paulo, todas as entrevistas foram realizadas na sede da CASP, onde se esperava que os refugiados lá aparecessem por algum motivo, para, então, solicitar a entrevista.

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219

Como vimos no capítulo 8, dentre as formas de capital social, há o capital social

de ligação, também chamado de capital social intra-grupos. Por isso é que foi

perguntado aos refugiados sobre as relações que eles mantêm com seus compatriotas,

tanto no local de acolhimento quanto no país de origem. Eles assim se expressaram:

quanto aos refugiados em São Paulo, a grande maioria mantém contato com seus

compatriotas no Brasil: 63% dos latinos, 75% dos árabes e 92% dos africanos. Já com

relação ao contato no país de origem, eles responderam o que segue: 88% dos latinos,

58% dos árabes e 92% dos africanos ainda mantêm contato. Dentre os que possuem

contato, foi perguntado se remetem algum auxílio financeiro para os parentes que estão

fora do Brasil: todos os latinos e 92% dos africanos remetem alguma quantia para seus

parentes no exterior, enquanto que, entre os árabes, apenas 25% deles o fazem. A

relação de intercâmbio com parentes no exterior parece bem forte entre os refugiados

residentes em São Paulo, tanto é que 88% dos latinos e 54% dos africanos recebem

algum dinheiro dos parentes residentes fora do Brasil. Entretanto, o mesmo não

acontece entre os árabes, pois apenas 8% deles afirmaram receber algum dinheiro dos

parentes que se encontram fora do Brasil.

Em Toronto, 60% dos latinos, 91% dos árabes e todos os africanos mantêm

contato com seus compatriotas no Canadá. Quanto ao contato com os compatriotas no

país de origem, 80% dos latinos, 82% dos árabes e 89% dos africanos mantêm algum

tipo de contato. Com relação à remessa aos parentes no exterior, poucos são os

refugiados residentes em Toronto que assim o fazem: apenas 30% dos latinos, 27% dos

árabes e 22% dos africanos enviam alguma quantia para seus parentes. Durante as

entrevistas, eles alegavam sempre as dificuldades financeiras por que passavam em

Toronto, justificando, assim, a falta de auxílio aos parentes que ficaram. Tanto é que

todos os latinos e árabes (e 89% dos africanos) reconheceram receber algum dinheiro

de seus parentes que estão fora do Canadá.

Por serem os refugiados seres humanos com baixo poder aquisitivo, geralmente

vivendo às custas de programas de governos e/ou ONG locais, há uma enorme

dificuldade em compartilhar quaisquer quantias econômicas recebidas com a sociedade

de origem, especialmente quando o local de acolhimento não é um país vizinho ao

mesmo. Esse transnacionalismo econômico, citando Turcotte & Silka (2007, 109-32),

que objetiva entender as dinâmicas entre os migrantes e seus países de origem, descrito

como um “processo pelo qual os imigrantes e refugiados desenvolvem e mantêm

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relações sociais multi-facetárias que os ligam às suas sociedades de origem e ao local de

acolhimento”, apenas resulta em sucesso quando os imigrantes e refugiados possuem

capacidade o suficiente para desenvolverem redes sociais entre o país de origem e novo

local de acolhimento.

Isto também ocorre quando possuem mais facilidade de assimilação para se

envolverem em ações transnacionais, o que dificulta se estão assentados em grandes

comunidades, tais como metrópoles, se não recebem apoio do local de acolhimento para

enviar tais remessas e se tais refugiados não têm interesses em compartilhar recursos

econômicos, tempo ou sentimentos de lealdade com o país de origem.

Do ordenamento jurídico e sua adaptabilidade

Outra pergunta, de importância jurídica, foi se o refugiado entrevistado já havia

saído do país de acolhimento desde a sua primeira entrada, pois, no caso de saída sem

autorização, há a perda da condição de refugiado, adquirida devido à perseguição ou ao

temor bem fundado de perseguição. Assim é que 91% dos refugiados entrevistados em

São Paulo (88% dos latinos, 83% dos árabes e todos os africanos) afirmaram que ainda

não haviam saído do Brasil, desde sua primeira entrada. No mesmo sentido foram as

respostas dos refugiados em Toronto: 87% deles ainda não haviam saído do Canadá

(80% dos latinos, todos os árabes e 78% dos africanos).

A respeito do ordenamento jurídico sobre os refugiados no Brasil e no Canadá,

os entrevistados assim se expressaram: em São Paulo, 50% dos latinos afirmaram “não

conhecer”e 25% afirmaram ser “boa”; quanto aos árabes, 33% “não responderam” e

25% disseram ser “boa”; já entre os africanos, 62% afirmaram “não possuir opinião

acerca da lei.” Em Toronto, os refugiados pareceram ser mais conscientes dos seus

direitos, conforme consta no ordenamento jurídico canadense sobre os refugiados, tanto

é, que 40% dos latinos afirmaram ser “boa”, 20% “muito boa” e 20% “humanitária”;

entre os árabes, 45% afirmaram ser “boa”, assim como afirmaram 56% dos africanos.

Assim é que foi possível identificar que vários solicitantes de refúgio são instruídos por

seus advogados para responderem às perguntas do CONARE, no Brasil, e do IRB, no

Canadá, de forma concisa, prática e objetiva, sem ao menos terem sido informados

claramente de todo o procedimento jurídico do país em que se encontram.

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Sobre o grau de satisfação dos refugiados em São Paulo e em Toronto, foi

possível avaliar quando se perguntou se eles gostariam de retornar ao país de origem.

Enquanto que 76% dos refugiados em São Paulo (75% dos latinos, 50% dos árabes e

todos os africanos) pretendem retornar ao seu país de origem, o mesmo não ocorre com

os refugiados acolhidos na cidade canadense de Toronto, em que todos os latinos, 91%

dos árabes e 78% dos africanos, não desejam retornar.

Foi, por fim, perguntado, o que eles gostariam de modificar na nova vida, em

São Paulo e/ou em Toronto. Quanto aos refugiados acolhidos em São Paulo, 63% dos

latinos afirmaram que gostariam de ter um emprego, assim como 33% dos árabes e 23%

dos africanos. Ainda, 17% dos árabes afirmaram que gostariam de poder estudar, além

de outros 17% que não mudariam nada na vida atual, e 38% dos africanos gostariam de

fazer um curso superior.

Fica clara, portanto, a necessidade que os refugiados possuem de buscar sua

auto-suficiência, embora encontrando dificuldades para isso, já que 36% de todos os

entrevistados afirmaram que o que realmente gostariam de ver modificado na nova vida

em São Paulo, seria a questão empregatícia. Quanto aos refugiados em Toronto, 37%

deles afirmaram a vontade de estudar (30% dos latinos, 27% dos árabes e 56% dos

africanos), não conseguindo devido à necessidade de trabalhar o dia inteiro para obter o

sustento deles e da família. Acrescente-se que 36% dos árabes e 33% dos africanos

afirmaram que não mudariam nada em suas novas vidas. Muitos dos refugiados

entrevistados assim se expressaram: “Não há mais o que mudar, tudo já foi

modificado.”

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222

Capítulo 12

O capital social dos refugiados em comparação

Tendo-se examinado os perfis dos refugiados entrevistados e os conflitos que

fizeram com que estes seres humanos fossem obrigados a fugir de seus lares, a

abandonar suas famílias e a buscar o início de uma nova vida em outro local, nem

sempre tão acolhedor como se imaginava antes, durante e após a fuga, passa-se, então, a

analisar a formação de grupos e redes destes refugiados no local de acolhimento, tanto

com a sociedade acolhedora quanto com seus compatriotas e com o governo, além das

relações de confiança e solidariedade entre eles, o que os levárá à produção de ação

coletiva e de cooperação, essenciais para a produção/formação de capital social desses

refugiados.

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Fatores como formas de obtenção de informação, formas de comunicação, graus

de coesão e de inclusão social, graus de conflito e de violência que significam paz e

segurança no lar, além das capacidades sobre si mesmos em conjunto com os poderes de

ação política, foram identificados, analisados e comparados entre os refugiados

entrevistados.

Dos grupos e redes

Ab initio, buscou-se saber se os refugiados pertenciam a algum grupo formal,

além do perfil tanto do grupo quanto dos membros desse grupo. Assim, identificou-se

que, em São Paulo, são os refugiados africanos que mais pertencem a grupos formais:

54% dos entrevistados pertencem a mais de três grupos, ao passo que 38% dos latinos e

42% dos árabes também não pertencem a nenhum grupo. Ademais, 38% dos latinos e

33% dos árabes pertencem a apenas um grupo. No total, 42% dos refugiados

entrevistados em São Paulo não pertencem a nenhum grupo.

Em Toronto, a ausência de pertencimento a grupos foi maior: 57% dos

entrevistados não pertenciam a nenhum grupo (60% dos latinos, 64% dos árabes e 44%

dos africanos). Ademais, apenas 27% dos refugiados árabes entrevistados e 33% dos

refugiados africanos entrevistados pertenciam a dois grupos.

Inclusive, os grupos a que pertencem esses refugiados são geralmente de mesma

religião, de mesma etnia ou de mesmo gênero, por exemplo: em São Paulo, 38% dos

latinos e 38% dos africanos se reportaram à sua religião e aos encontros nos templos

religiosos como sendo o grupo de pertencimento. Entre os árabes, os grupo a que

pertencem 46% deles é de pessoas do mesmo gênero, coadunando-se com a cultura de

separação entre os gêneros na vida diária deste povo. Já entre os refugiados

entrevistados em Toronto, os grupos a que pertencem a maioria dos entrevistados são de

pessoas do mesmo gênero (30% entre os latinos e 27% entre os árabes), salientando-se

que houve o mesmo número de respostas, entre os africanos, para grupos com membros

de mesmo gênero, de mesma religião e de mesma etnia. Também, 27% dos árabes

responderam pertencer a grupo de pessoas de mesma religião.

A partir das entrevistas, identificou-se que, em geral, os refugiados buscam

freqüentar seus templos religiosos, que, no caso dos árabes, separam homens e

mulheres, criando vínculos de amizade e auxílio mútuo a partir de tais grupos. Nos

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templos religiosos, há facilidades de encontro com pessoas de mesma etnia,

especialmente, tendo-se em vista a localização dos templos em bairros onde há

comunidades de determinadas etnias, para facilitar o acesso destes estrangeiros ao

grupo.

Sobre a formação de redes, ou ainda, de capital social de ligação (intra-grupo)

ou de ponte (inter-grupo), ficou claro que, embora distante da família, todos os

refugiados entrevistados afirmaram possuir pelo menos um amigo íntimo com quem

pudessem contar nos momentos mais difíceis, formando, assim, capital social de ligação

e facilitando a vida desses refugiados no momento de buscar emprego, encontrar

habitação, descobrir como ter acesso ao sistema de saúde e de educação públicos, de

tradução de documentos, de assistência jurídica e apoio de ONG locais. Também

observou-se a formação de capital social de ponte, quando foi-lhes perguntado o

seguinte: “se você precisasse de uma pouca quantia de dinheiro hoje, haveria pessoas,

fora de sua família, que lhe emprestariam, caso você pedisse?”

Tanto em São Paulo quanto em Toronto, os árabes e africanos estão bem mais

ligados em rede do que os latinos, tanto é que, em São Paulo, 75% dos árabes e 77% dos

africanos responderam entre “definitivamente sim” e “provavelmente sim”; ao passo

que 38% dos latinos responderam “provavelmente não”, embora 25% deles tenham

respondido “definitivamente sim” e outros 25% também tenham assim respondido. Em

Toronto, 40% dos latinos responderam “definitivamente não”, ao contrário dos árabes

(81% responderam entre “definitivamente sim” e provavelmente sim”) e dos africanos

(67% responderam “definitivamente sim”).

Dessa forma, vê-se uma dificuldade dos latinos em estabelecer redes intra-

grupos, ou melhor, entre pessoas de fora de sua família, fechando-se e, inclusive,

evitando relacionar-se de forma mais profunda com outros indivíduos ou grupos.

Durante duas semanas em que esta pesquisa foi efetivada no Centro de Apoio aos

Imigrantes e Refugiados de Língua Espanhola em Toronto, com o intuito de entrevistar

os refugiados latinos, foi observado, claramente, que os refugiados e imigrantes que ali

chegavam para atendimento, embora residissem no mesmo bairro de localização do

Centro, não se conheciam, não buscavam se conhecer, não conversavam entre si durante

o momento de espera para o atendimento. Já na Casa de São Cristóvão, onde, embora

atendam imigrantes e refugiados de diversas nacionalidades, no caso dos árabes, eles se

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conhecem e fazem atividades em conjunto; o mesmo foi observado na Organização de

Apoio ao Imigrante Somali (SIAO), em que muçulmanos, de ambos os sexos,

conversam, trocam informações e se auxiliam mutuamente. Talvez, nestes dois últimos

exemplos dados, as responsáveis pela formação de tais redes sejam as aulas de inglês,

de computação e outras atividades recreativas oferecidas pelos Centros, como bazares e

jogos.

Confiança e solidariedade

Nesse momento da entrevista, o objetivo era medir o grau de confiança que os

refugiados possuem no local de acolhimento, ou seja, nos vizinhos e conhecidos e nos

membros do governo, local e central. Ademais, mensurou-se o nível de solidariedade

apresentada por tais refugiados, como membros que são de determinada localidade

(bairro).

Primeiramente, perguntou-se o que os refugiados achavam sobre as pessoas em

geral, no local de acolhimento (São Paulo e Toronto), se estas eram confiáveis ou se

dever-se-ia ter cuidado ao lidar com tais pessoas. Claramente, os refugiados

entrevistados não confiam nas pessoas: 73% dos refugiados em São Paulo (63% dos

latinos, 58% dos árabes e 92% dos africanos) e 67% dos refugiados em Toronto (50%

dos latinos, 55% dos árabes e 100% dos africanos) disseram que “é melhor ter cuidado

ao lidar com as pessoas.” Saliente-se que, entre os africanos, o grau de desconfiança foi

bem maior: 92% dos africanos entrevistados em São Paulo e todos os africanos

entrevistados em Toronto responderam dessa forma. Parece que sendo um grupo de

menor idade do que os outros dois, a criação de expectativas maiores no local de

acolhimento fez com que maiores decepções aparecessem e de forma mais rápida,

minando a confiança nos seus pares.

A falta de confiança corrobora com as respostas fornecidas quando foi-lhes

perguntado se, naquela localidade em que residiam, a maioria das pessoas estava sempre

disposta a ajudar-lhes, caso fosse preciso. Embora não tivessem uma quantidade grande

de amigos íntimos, em São Paulo, 42% dos entrevistados (38% dos latinos, 25% dos

árabes e 62% dos africanos) responderam que “não”; enquanto que, em Toronto,

respostas divergiram, apesar de 37% do total responder com um “sim parcial”: 80% dos

latinos, ao contrário do grupo em São Paulo, afirmaram positivamente, ou seja, que,

“sim, parcialmente”, as pessoas estariam dispostas a ajudá-los; já 55% dos árabes

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responderam que ”não”. Os africanos em Toronto também divergiram entre si: 33%

responderam que “não” e que “sim, parcialmente.”

Estas respostas, demonstrando falta de confiança nos pares, resultam dos

traumas passados e das conseqüências dos períodos antes, durante e após a fuga, em que

o refugiado ainda não teve tempo suficiente de adaptação no local de acolhimento,

estando em processo de integração, o que dificulta a formação de confiança. Eles se

mostraram mais solidários do que confiantes, ou seja, eles, sempre que podem, buscam

ajudar, fornecer algum tipo de auxílio, tanto aos compatriotas quanto aos membros do

grupo de que são parte, independentemente de serem seus “conhecidos” ou não.

A pergunta seguinte é uma espécie de confirmação da anterior. Foi questionado

aos refugiados se, na localidade onde residem, era necessário estar sempre atento, do

contrário alguém poderia aproveitar-se para tirar vantagem/proveito dele/a. As respostas

divergiram entre os entrevistados em São Paulo e em Toronto. Enquanto que 50% dos

latinos em São Paulo concordam fortemente com tal afirmação, 30% dos latinos em

Toronto discordam totalmente. Entre os árabes em São Paulo, 33% deles concordam

totalmente e 33% discordam fortemente; já 55% dos árabes em Toronto concordam

totalmente. Com relação aos africanos, 36% dos entrevistados em São Paulo concordam

totalmente e 33% dos entrevistados em Toronto concordam parcialmente. Portanto,

apesar de sentirem que há pessoas com quem podem contar, financeiramente, como

visto na pergunta anterior, eles não confiam, em geral, nas pessoas residentes em suas

mesmas localidades.

Ainda sobre confiança, ficou claro, entre os refugiados entrevistados, que os

latinos e os africanos em São Paulo não se engajam politicamente, desconhecendo e/ou

não se interessando pela vida política local ou nacional; tanto é que 76% dos primeiros

confiam entre “pouco” ou “muito pouco” no governo local e 54% confiam “pouco” ou

“nem muito nem pouco”. Esses mesmos grupos, quando entrevistados em Toronto,

foram mais apáticos politicamente, pois 40% dos latinos e 67% dos africanos afirmaram

não confiar “nem muito nem pouco” nos membros do governo local. Por outro lado, os

árabes buscam estar sempre atentos às questões de política local e nacional, haja vista

67% deles, em São Paulo, confiarem “totalmente” nos membros do governo local, além

de que 72% deles afirmaram confiar “totalmente” ou “muito”nos membros do governo

torontoniano.

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227

Em relação à confiança nos membros do governo central, as respostas não

mudaram muito, embora os latinos em Toronto estejam um pouco mais atentos a estes,

confiando um pouco mais naqueles. Assim é que, em São Paulo, 50% dos latinos

confiam “pouco” e 38% “nem muito nem pouco”, ao passo que 83% dos árabes confiam

“totalmente” ou “muito” e 31% dos africanos confiam “totalmente” (embora 23% destes

afirmaram confiar “pouco”). Quanto aos refugiados entrevistados em Toronto, entre os

latinos, as respostas divergiram dos latinos em São Paulo, pois 60% deles responderam

confiar “totalmente” ou “muito”. Entre os árabes, 72% confiam “totalmente” ou

“muito”. Em Toronto, foram os africanos, mais uma vez, que apresentaram certo grau

de apatia política, já que 44% deles responderam que não confiavam “nem muito nem

pouco” nos membros do governo central, ou seja, não tinham idéia de quem eram ou do

que estavam fazendo para garantir a confiabilidade deles.

Até o presente momento, as entrevistas com os refugiados assinalam que eles, de

forma geral, participam de grupos formais, geralmente religiosos, o que se reflete em

grupos de pessoas de mesma etnia e, principalmente entre os árabes, de mesmo gênero,

além de que há formação de redes inter-grupos, mesmo que estas redes não sejam tão

fortes ou tão largas. Entretanto, o grau de confiança que eles possuem nas pessoas, em

geral, nos vizinhos ou nos líderes governamentais é baixa, especialmente entre os

latinos e, em menor grau, entre os africanos, que não se importam muito com aqueles,

preferindo buscar apoio entre os compatriotas, o que justifica a necessidade de utilizar-

se de refugiados ou imigrantes de mesma nacionalidade e/ou etnia quando da criação de

políticas públicas ou programas de apoio aos refugiados, especialmente no que diz

respeito às atividades que ensejem a integração deles no local de acolhimento, como foi

visto entre os refugiados angolanos entrevistados em Toronto.

Eles se sentem mais seguros e tranqüilos quando estão entre ou perto de pessoas

de mesma cultura que eles, o que faz com que busquem residir em localidades onde há

compatriotas, mesmo que o grau de sociabilidade deles seja mais alto do que o grau de

confiabilidade, como foi identificado quando se fez a seguinte pergunta aos

entrevistados: “se um projeto da comunidade/localidade onde reside não lhe beneficia

diretamente, mas possui benefícios para muitos outros nessa localidade, você

contribuiria com seu tempo ou seu dinheiro para esse projeto?”

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228

A resposta foi surpreendente: em São Paulo, 82% responderam que

contribuiriam com seu tempo (88% dos dos latinos, 83% dos árabes e 77% dos

africanos) e 70% que contribuiriam com dinheiro (50% dos latinos, 75% dos árabes e

77% dos africanos). Em Toronto, os refugiados foram mais sociáveis do que os

residentes em São Paulo: 93% dos entrevistados afirmaram contribuir com seu tempo

(todos os latinos e africanos, além de 82% dos árabes) e 60% com seu dinheiro (60%

dos latinos, 45% dos árabes e 78% dos africanos).

A essas respostas, quando lhes era perguntado, as mulheres geralmente

respondiam que não doariam maior tempo, pois não tinham com quem deixar as

crianças, enquanto que os homens, de forma geral, justificavam a falta de tempo para

esses tipos de auxílio com o trabalho, que lhes toma todo o tempo, não havendo

disponibilidade para ajudar. Muitos dos entrevistados respondiam que gostariam de

ajudar com dinheiro mais do que faziam, mas eles eram os que precisavam de ajuda,

então que eles ajudariam caso tivessem e/ou quando tivessem, sem dúvida alguma, mas

muitos, naquele momento da entrevista, eram receptores de auxílio financeiro do

governo e/ou do ACNUR. Mesmo refugiados que afirmaram enviar auxílio financeiro

para familiares residentes no exterior, informaram que tais remessas eram mínimas e

que esta necessidade era para evitar que o familiar “morresse de fome”. Houve quem

lembrasse da importância de “juntar dinheiro” para trazer o familiar para junto de si.

Ação coletiva e cooperação

Em terceiro, buscou-se medir o grau de ação coletiva e cooperação presentes

entre os refugiados entrevistados, perguntando-lhes se “nos últimos 12 meses ele havia

trabalhado com outros membros da comunidade/localidade em que residia pelo

benefício da própria comunidade/localidade.” Ainda, quanto ao auxílio, que se coaduna

com o grau de sociabilidade, os árabes saem na frente: 42% dos entrevistados em São

Paulo e 45% em Toronto responderam que “sim”, que realizaram algum tipo de

atividade comunitária. Entre os latinos, o índice foi bem baixo: 75% dos entrevistados

em São Paulo e 70% em Toronto responderam negativamente à pergunta. Os africanos

em São Paulo se mostraram mais engajados do que os de Toronto: enquanto que 46%

deles em São Paulo responderam que “sim”, nenhum africano (angolano) em Toronto

realizou alguma atividade comunitária nos últimos doze meses em sua comunidade ou

por ela.

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229

Encerrando a mensuração a respeito do grau de cooperação entre os refugiados,

foi-lhes perguntado o que segue: “se houvesse, por exemplo, um problema de

abastecimento de água nessa localidade, qual seria a probabilidade de as pessoas

cooperarem para resolver o problema?” Os latinos acreditam que as pessoas estão mais

aptas e/ou disponíveis a cooperar em São Paulo do que em Toronto, tanto é que, em São

Paulo, 63% deles responderam ser “muito ou relativamente provável” a cooperação,

contra apenas 40% dos latinos em Toronto. Entre os árabes, a diferença foi maior: 42%

dos entrevistados em São Paulo acreditam que, nesta localidade, é “muito ou

relativamente provável” que a população coopere, contra 27% dos árabes que

responderam “muito provável” em Toronto. Por fim, entre os africanos, a confiança no

grau de cooperação das pessoas foi maior em Toronto: em São Paulo, 46% deles

responderam acreditar ser “muito ou relativamente provável” que as pessoas cooperem,

ao passo que em Toronto, todos os africanos entrevistados acreditavam ser “muito ou

relativamente provável” a cooperação dos membros da localidade.

Informação e comunicação

Quando da análise teórica do capital social (na parte II), foi retratada a

importância do fluxo de informação na formação deste tipo de capital, especialmente

entre os recém-chegados no local de acolhimento. Algumas pesquisas foram descritas,

mostrando que as redes, formais ou informais, são meios para melhorar as relações de

informação e de comunicação entre os refugiados, no tocante às formas e aos meios de

buscarem integração no novo local de acolhimento. Anucha et al (2006), por exemplo,

quando pesquisaram sobre a relação entre capital social e o bem-estar das mulheres

imigrantes e refugiadas em Windsor (Canadá), concluiu que as mulheres que trabalham

ou participam de atividades na própria comunidade (religiosa, esportiva etc.) são mais

saudáveis e mais aptas ao crescimento pessoal e profissional, devido à formação de

redes e, conseqüentemente, ao maior fluxo de informação de que dispõem, resultantes

da própria estrutura de tais relações, como afirma Coleman (1990).

Dessa forma, perguntou-se, de início, qual a média dos mesmos no “realizar ou

receber uma chamada telefônica”. Todos os entrevistados, tanto em São Paulo quanto

em Toronto, possuíam um aparelho de telefone, geralmente celular, e todos eles

responderam fazer uso desse recurso diariamente. A partir daí, a intenção foi saber quais

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230

as principais fontes de informação utilizadas pelos refugiados entrevistados, quando eles

objetivam conhecer o que o governo está realizando.

Concluiu-se que refugiados entrevistados em São Paulo e em Toronto preferem

a televisão como fonte de informação, sendo esta o meio utilizado por 38% dos

entrevistados em São Paulo e, também, por 38% dos entrevistados em Toronto.

Entretanto, importa mencionar que, entre os árabes e os africanos em São Paulo, a

internet é o segundo meio utilizado em São Paulo, por 43% dos árabes e por 40% dos

africanos. Entre os latinos em São Paulo, o segundo meio utilizado são as informações

obtidas por meio de parentes, vizinhos e amigos.

Em Toronto, o segundo meio mais utilizado para os latinos e para os africanos

de Angola são os jornais da comunidade ou jornal local, como afirmaram 37% dos

latinos e 32% dos africanos. Entre os árabes, o segundo meio mais utilizado, depois da

televisão, são as informações obtidas por meio de parentes, vizinhos e amigos. A

conclusão a que se chega é que, com exceção dos latinos em São Paulo e dos árabes em

Toronto, que bem utilizam as redes próximas, as informações, de forma geral, chegam

aos refugiados entrevistados, de maneira impessoal, por meio de televisão e internet,

meios de comunicação de massa.

O uso da televisão, como lembrado por Putnam no capítulo 7, foi um dos fatores

que influenciaram no declínio do capital social entre os cidadãos dos EUA. Entretanto,

aqui, tanto a televisão quanto a internet vêm sendo utilizadas como ferramentas úteis

para auxiliar o refugiado na obtenção de recursos disponíveis e viáveis para produção de

capital social e, conseqüentemente, bem-estar, desenvolvimento sócio-econômico,

participação/engajamento político e melhor integração no local de acolhimento, sanando

traumas e distúrbios outros resultantes da fuga do país de origem.

Um programa de televisão, por exemplo, ou um site na web, onde se encontram

compatriotas residentes na mesma localidade, faz com que os refugiados se dirijam

diretamente ao local que possa lhe auxiliar na integração. A televisão de per si, assim

como a internet, não produz capital social, mas é meio para o conhecimento de grupos

e/ou redes que poderão afetar positivamente na criação deste tipo de capital.

Coesão e inclusão social

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Na penúltima parte da entrevista, o objetivo foi avaliar o grau de coesão e de

inclusão social dos refugiados no local de acolhimento, investigando a extensão do grau

de sociabilidade e a relação entre segurança e violência sentida no novo lar pelo próprio

entrevistado, especialmente por ter sido a perseguição, ou o temor bem fundado dela, o

motivo que culminou na condição jurídica de refugiado.

Ao se perguntar aos refugiados se eles sentiam haver diferença nas

características entre as pessoas residentes em suas localidades, assim expuseram: os

entrevistados em São Paulo estiveram mais atentos às diferenças, pois 38% dos

africanos afirmaram que seus vizinhos eram totalmente diferentes deles, ao lado de 42%

dos árabes. Estes dois grupos divergiram dos latinos em São Paulo, já que 63% destes

afirmaram serem as diferenças “poucas”, ao contrário dos latinos em Toronto, em que

50% destes afirmaram serem as diferenças “muitas”. O mesmo ocorreu com os árabes e

com os africanos: em Toronto, 45% dos árabes afirmaram serem totalmente diferentes

de seus vizinhos e 44% dos africanos afirmaram se sentirem “muito” diferentes dos

vizinhos.

O segundo passo foi investigar se tais diferenças causavam problemas de

convivência na localidade, a partir da visão dos próprios refugiados entrevistados. Para

surpresa, apesar das diferenças existentes, em São Paulo, 75% dos latinos afirmaram

não haver problemas causados pelas diferenças entre as pessoas. 42% dos árabes

entrevistados e 69% dos africanos também responderam no mesmo sentido. Com

relação às respostas dos refugiados entrevistados em Toronto, eles foram mais positivos

ainda, já que 70% dos latinos, 73% dos árabes e todos os africanos responderam não

haver problemas causados resultantes das diferenças apontadas, quais sejam:

1. Em São Paulo, 50% dos latinos afirmaram que as diferenças que mais

causam problemas são de nível educacional e os outros 50% afirmaram serem

diferenças de riquezas/posses materiais. Em Toronto, todos os latinos afirmaram que

todas as diferenças apontadas pela pesquisadora (de educação, de riqueza/posse

material, de posição social, de crença religiosa e de bagagem étnica ou lingüística) são

passíveis de causar problemas para os refugiados.

2. Quanto aos árabes, em São Paulo, suas respostas foram bem equilibradas,

quanto aos que responderam afirmativamente sobre os problemas causados pelas

diferenças: 33% deles afirmaram riqueza/posse material, 33% afirmaram ser crença

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232

religiosa a responsável pelos conflitos e 33% afirmaram serem as diferenças de

bagagem étnica ou lingüística. Em Toronto, 60% dos árabes colocaram a culpa dos

problemas nas diferenças dos níveis educacionais entre eles e a comunidade local, ao

passo que 40% deles culparam as diferenças de posição social.

3. Por fim, com relação aos africanos refugiados em São Paulo que

identificaram problemas causados pelas diferenças, 75% deles afirmaram serem as

diferenças de bagagem étnica ou lingüística responsáveis pelos problemas, além dos

25% deles que afirmaram serem as diferenças de posse/riqueza material. Em Toronto,

nenhum refugiado africano entrevistado identificou problema causado pelas diferenças

descritas.

Ao serem perguntados se alguns desses problemas culminou em violência na

comunidade local, em São Paulo, todos os latinos e árabes responderam negativamente,

ao passo que entre os africanos, as respostas foram empatadas: 50% deles afirmaram

que tais problemas já levaram à violência e 50% deles afirmaram o oposto.

Por outro lado, ficou explícito que os latinos e os árabes estão mais propensos a

receberem atos de violência em Toronto do que em São Paulo, pois, naquela cidade,

todos os latinos que responderam já ter havido problemas resultantes das diferenças,

afirmaram também que tais problemas resultaram em violência, ao lado de 33% dos

refugiados árabes entrevistados, que também assim se pronunciaram.

Com relação ao grau de sociabilidade, tanto latinos quanto árabes e africanos

entrevistados, em São Paulo e em Toronto, afirmaram se reunirem e/ou se encontrarem

com pessoas (amigos, vizinhos, parentes) em locais públicos (mercados, bares,

restaurantes, bazares) ou privados (casas dos amigos) para conversarem,

independentemente da religião, da etnia, da posição econômica e/ou social das pessoas

presentes no encontro. Apesar de que a maioria deles chegou a afirmar que os encontros

se davam mais freqüentemente com pessoas da mesma posição social e serem,

geralmente, de religião diferente, contrariando o mito de que árabes se reúnem somente

entre si.

Ainda a respeito do grau de coesão e inclusão social, foi perguntado aos

refugiados entrevistados como eles se sentiam quando estavam sozinhos nas suas

residências, afinal os traumas passados no local de origem, que culmiram na concessão

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do refúgio, continuavam acesos e as lembranças diárias do passado eram constantes.

Assim, apesar de muitas vezes sentirem-se diferentes e presenciarem violências

resultantes de tais diferenças, em São Paulo, 60% dos latinos afirmaram sentirem-se

“moderadamente seguros”. Entretanto, 40% deles afirmaram sentirem-se “muito

inseguros”. Entre os árabes, 63% deles afirmaram sentirem-se “moderadamente

seguros” e 38% “muito seguros”. Da mesma forma foram as respostas dos africanos,

quando 40% deles afirmaram sentirem-se “muito seguros” e 30% deles

“moderadamente seguros”.

Entre os refugiados entrevistados em Toronto, todos os africanos declararam

sentirem-se “muito seguros”, ao lado dos árabes, quando 60% deles declararam

sentirem-se “muito seguros” e 40% deles afirmaram sentirem-se “moderadamente

seguros”. Também os refugiados latinos se sentem mais seguros em Toronto do que em

São Paulo, pois 50% responderam sentirem-se “muito seguros” e os outros 50%

responderam sentirem-se “moderadamente seguros”.

O que se extrai dessas respostas é que apesar de um passado recente doloroso,

dos traumas crônicos permanecidos na mente de cada refugiado e dos conflitos

porventura existentes no local de acolhimento, de uma forma geral os refugiados

entrevistados em São Paulo e em Toronto ainda conseguem sentir-se bem, ou seja,

seguros, em suas novas residências. O que eles levavam em consideração no momento

de tais respostas foi que no novo lar não haveria a possibilidade de “milícias”, “forças

armadas” ou “grupos étnicos” contrários ao seu próprio grupo entrarem em suas casas,

em qualquer hora do dia ou da noite, com o intuito de rapto, violência sexual, tortura e,

muitas vezes, da morte hedionda, acontecida na frente de parentes, como idosos e

crianças. A ausência de conflitos, como os outrora vividos no país de origem, não

seriam passíveis de ocorrer no novo local de residência, fazendo com que os refugiados

entrevistados se sentissem mais seguros e, assim, reforçando a formação de capital

social, resultante do grau de coesão e de inclusão social criado.

Autoridade e ação política

A última fase da pesquisa buscou investigar o grau de felicidade dos refugiados

no local de acolhimento, seus poderes sobre as próprias vidas e o grau de ação política

alcançado por eles na nova comunidade.

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Ao serem perguntados o quão feliz se consideravam, em geral, os refugiados

entrevistados em Toronto estão mais felizes do que os entrevistados em São Paulo,

conforme se identifica a seguir: Em São Paulo, 50% dos latinos não se consideravam

“nem felizes nem infelizes” e 25% deles se consideravam “moderadamente felizes”. Já

em Toronto, 40% dos latinos entrevistados se consideravam “moderadamente felizes” e

30% deles “muito felizes”. Quanto aos árabes, em São Paulo, 58% deles afirmaram

serem “muito felizes” e 25% deles afirmaram não serem “nem felizes nem infelizes”. Já

em Toronto, 55% dos árabes afirmaram serem “moderadamente felizes” contra 36%

deles que se declararam “muito felizes”. Por fim, com relação aos africanos, eles se

mostraram serem mais flexíveis no reconhecimento da felicidade, pois 46% deles em

São Paulo se declararam “muito felizes” e 31% deles “moderadamente felizes”. Em

Toronto, 56% dos africanos se declararam “muito felizes” e 33% deles “moderadamente

felizes”.

Esta pergunta foi de suma importância para identificar o grau de adaptação a

novos costumes, a novos valores éticos e morais, a novas estruturas públicas, a uma

nova sociedade, a uma nova realidade de vida, como é a existente no novo local de

acolhimento. O grau de autoridade e de empoderamento dos refugiados no novo local de

acolhimento se mostrou tão alto e tão forte que, ao serem perguntados se “eles acham

que possuem poderes suficientes para tomar decisões importantes que possam modificar

o curso de suas vidas”, tanto em São Paulo como em Toronto, a grande maioria dos

refugiados entrevistados responderam que sim, são capazes. As respostas foram as que

seguem:

• em São Paulo, 77% dos africanos responderam que são totalmente capazes

de tomar tais decisões, ao lado de 75% dos árabes e 63% dos latinos;

• em Toronto, 67% dos africanos e 70% dos latinos também responderam no

mesmo sentido; e

• quanto aos árabes entrevistados em Toronto, as suas respostas divergiram

um pouco dos outros entrevistados, pois apenas 18% dos entrevistados

responderam serem totalmente capazes de tomar decisões que mudariam

suas vidas. Ainda, 45% deles responderam serem muito capazes, embora não

totalmente capazes.

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A razão para estas respostas é que houve apenas uma refugiada árabe

entrevistada no Brasil, ao passo que em Toronto 73% dos refugiados árabes

entrevistados são do sexo feminino, inclusive a grande maioria é casada. Assim, sendo

caracterísitca da população árabe-muçulmana a submissão da mulher casada ao marido,

as refugiadas responderam negativamente à pergunta, justificando que seus maridos são

os responsáveis por tomaram as decisões sobre as vidas dos membros da família e da

família como um todo.

Enfim, a última pergunta da entrevista foi com respeito à ação política dos

refugiados como membros da comunidade local, resultando na formação de capital

social, o que traz empoderamento aos sujeitos, culminando em engajamento político e

desenvolvimento sócio-econômico. Desta forma é que foi-lhes perguntado “quantas

vezes, nos últimos doze meses, as pessoas na sua localidade, reuniram-se para entregar,

conjuntamente, uma petição a membros do governo ou a líderes políticos, solicitando

algo em benefício da comunidade.”

Em Toronto, os refugiados entrevistados não se mostraram engajados

politicamente com a comunidade onde residem, tanto é que 100% dos árabes, 80% dos

latinos e 78% dos africanos responderam que “nunca” se reuniram, mesmo que 22% dos

africanos e 10% dos latinos tenham afirmado terem-se reunido “uma única vez”. Em

São Paulo, ao menos os latinos se mostraram mais engajados politicamente, pois

embora 63% deles “nunca” tenham-se reunido e 25% deles “não tenham sabido

responder, por não terem informações sobre tais atos”, 13% deles chegaram a se reunir

“entre duas e cinco vezes” para peticionar em conjunto pela própria comunidade.

Quanto aos árabes em São Paulo, 42% deles “nunca” se reuniram e 8% deles “não

souberam responder”. O mesmo ocorreu quanto às respostas dos africanos, quando 23%

deles afirmaram que “nunca” se reuniram e 15% deles afirmaram “não saberem” se

houve reunião na comunidade nos últimos dozes meses para peticionarem ao governo

ou a líderes políticos em prol da comunidade.

Procedendo-se a uma análise das entrevistas realizadas, conclui-se que há, sim,

capital social produzido pelos refugiados entrevistados em São Paulo e em Toronto, de

variadas formas e em graus diferentes, a depender do grupo entrevistado, ou seja, se

latino de língua espanhola, se árabe-muçulmano ou se africano de língua portuguesa.

Por exemplo, ficou claro que os refugiados, individualmente, produzem tanto capital

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social de ligação (dentro de seus próprios grupos), quanto de ponte (quando buscam

e/ou aceitam o apoio/auxílio de pessoas de grupos externos aos seus) e de conexão

(entre os refugiados e, por exemplo, os funcionários de associações de que fazem parte,

especialmente quando são associações religiosas ou culturais).

Não somente capital social de ponte, de ligação e de conexão são formados entre

os refugiados, mais ainda as formas de capital social denso e tênue são visualizadas

entre os refugiados entrevistados. Assim é que se identifica o capital social tênue

quando os entrevistados declararam saírem esporadicamente para se encontrarem com

grupos de amigos e/ou conhecidos, em locais públicos e/ou privados, para beberem e/ou

conversarem, apenas.

Quanto ao capital social denso, há vários refugiados que declararam pertencerem

a associações do bairro, tais como um grupo religioso, cultural, étnico ou estudo do

idioma local, reunindo diária ou semanalmente para serviços voluntários em prol da

comunidade e dos “novos chegados”, caracterizando, então, a formação de capital social

denso. Nessas características apresentadas pelos refugiados entrevistados, também se

inserem a formação de capital social de rede formal e de rede informal, pois, de acordo

com as respostas fornecidas nas entrevistas, há refugiados membros de redes formais,

como o trabalho realizado em associações de imigrantes voluntários, e membros de

redes informais, como nas reuniões e encontros com vizinhos e amigos, mesmo que

esporadicamente.

Um exemplo explícíto foi a busca para entrevistar os refugiados angolanos em

Toronto, qual seja: havendo dificuldades em encontrar refugiados originários de países

africanos de língua portuguesa, o auxílio fundamental foi da ONG Casa Matthew

(Matthew House), que buscou em seus arquivos o contato de um angolano outrora

residente na ONG. A partir do contato com este refugiado, agora residindo em habitação

alugada, independente da ONG, embora dividindo o apartamento com outros

compatriotas, e se auto-sustentando, foi possível encontrar outros refugiados de mesma

nacionalidade, já que este primeiro refugiado angolano entrevistado foi o responsável

por identificar e fornecer os contatos dos nove entrevistados seguintes.

Ainda, identificou-se a formação de capital social de olhar para dentro e de olhar

para fora entre os refugiados entrevistados em ambas as cidades, já que houve

refugiados tanto preocupados com seus próprios compatriotas, buscando sempre e cada

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vez mais buscar meios para auxiliá-los na nova vida, quanto encontrou-se refugiados

que continuam a prestar serviços, voluntários ou não, em associações não-

governamentais, de forma altruística, apenas com o intuito de auxiliar novos imigrantes

e refugiados, independentemente de serem originários de seus próprios países.

Por fim, no capítulo 8 desta pesquisa também foi classificado o capital social

entre individual (em nível micro) e coletivo (em nível macro). Assim é que foi

identificado, especialmente após o exemplo dos refugiados angolanos entrevistados em

Toronto, que há, sim, formação de capital social individual entre os refugiados em São

Paulo e em Toronto. Entretanto, embora o objeto desta pesquisa seja apenas analisar o

capital social em nível micro (o acesso dos refugiados aos recursos disponíveis), e não

em nível macro (o capital social produzido pelos países e/ou outras organizações

macro), importa salientar que vários dos recursos disponíveis aos refugiados

entrevistados são provenientes do apoio que estes recebem de organizações não-

governamentais e/ou associações de voluntários nos locais de acolhimento. Portanto, foi

necessária a realização de visitas e entrevistas em algumas destas organizações, tanto

em São Paulo quanto em Toronto.

Capítulo 13

As redes de apoio aos refugiados

Como esta pesquisa objetivou medir o capital social de refugiados urbanos (e

não daqueles confinados em campos de refugiados), houve uma dificuldade enorme de

encontrar “nas ruas”, aleatoriamente, os refugiados a serem entrevistados; tendo apenas

sido possível o encontro com os refugiados graças ao auxílio das organizações sem fins

lucrativos, em São Paulo e em Toronto, cujas finalidades são o atendimento e o apoio

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aos refugiados, independentemente de parcerias com o ACNUR local, com redes

religiosas ou com o governo local/regional/federal.

A doutrina e a prática internacional oferece diversos nomes para as organizações

sem fins lucrativos (Oliveira, 2001, 231-47), cujas finalidades são as mais diversas

possíveis. Desde Organizações Não Governamentais até Organizações da Sociedade

Civil e Organizações do Terceiro Setor da Caridade, vários são os nomes recebidos

pelas agências formadas pela iniciativa privada, sem fins lucrativos, sob a égide do

direito interno privado, embora com fins de interesse público e movidas pela

solidariedade, objeto principal de sua criação. É este o sentido das Organizações sem

Fins Lucrativos (OSFL), objeto de análise neste capítulo.

Enquanto em Toronto foi encontrada uma quantidade enorme de OSFL de

auxílio aos refugiados, houve dificuldades de identificá-las em São Paulo, o que se

explica pela falta de apoio governamental no Brasil e pelo monopólio exercido pelo

Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP),

que busca suprir todas as demandas da política de acolhimento aos refugiados na região,

responsável por cerca de metade dos refugiados acolhidos no Brasil. No Canadá, a

política nacional de refugiados busca compartilhar o “peso” da província de Ontário,

que, por questões geográficas, recebe a maior parte dos refugiados chegados ao país,

enviando-os às outras províncias e facilitando a abertura e a manutenção de OSFL em

outras partes do país.

Assim é que, este capítulo tem por intuito descrever e analisar as atividades e os

projetos das organizações sem fins lucrativos de auxílio aos solicitantes de refúgio e

refugiados, tanto em São Paulo quanto em Toronto, e suas relações de parcerias com os

governos (poder público) e com as sociedades civis locais; afinal nenhuma OSFL tem o

poder de trabalhar sozinha, por menor que seja o apoio do poder público e/ou da

sociedade civil. Ao final, serão identificadas as insatisfações tanto das OSFL quanto dos

próprios solicitantes de refúgio e/ou refugiados, propondo recomendações para facilitar

a integração dos refugiados no local de acohimento, em São Paulo e Toronto, fazendo

com que estes excluídos se sintam cidadãos no novo local de acolhimento.

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As Redes em São Paulo148

Conforme entrevista149 realizada com as senhoras Cezira Furtim (coordenadora)

e Liliana Jubilut (advogada) do Centro de Acolhida para Refugiados da CASP, em

fevereiro de 2008, este programa, conforme os capítulos 4.2. e 4.3., possui, à disposição

dos refugiados e dos solicitantes de refúgio150 que chegam a São Paulo os seguintes

programas:

1. Assistência, que engloba o tratamento das necessidades básicas dos

solicitantes de refúgio e dos refugiados, como alimentação, moradia, saúde e

auxílio com documentação, além de auxílio para transporte;

Com relação à alimentação, há a possibilidade de almoço com desconto no

SESC, o projeto Bom Prato do governo estadual e a doação de cestas básicas, quando

disponíveis. Já com respeito à moradia, há a possibilidade de encaminhamento para

albergues da rede pública e parcerias institucionais com albergues, além de outros

albergues com quem há relacionamento antigo, mesmo sem parcerias formalizadas. O

papel do programa na questão da documentação se resume no encaminhamento para a

obtenção do Protocolo Provisório junto ao Departamento de Polícia Federal e para a

obtenção do Registro Nacional de Estrangeiros (para aqueles que foram reconhecidos

como refugiados). Por fim, no setor de assistência aos refugiados e solicitantes de

refúgio, o programa ainda fornece apoio para vestuário (com doação de roupas

recebidas pela Cáritas e compra de roupas de inverno quando há disponibilidade), apoio

com kit de higiene para os residentes em albergue, apoio para obtenção de vagas em

escolas (para as crianças) e apoio com kit enxoval para filhos de refugiados.

As mulheres, os menores, os idosos e os portadores de HIV/AIDS, reconhecidos

como grupos vulneráveis, possuem proteção especial, a saber: as mulheres recebem a

mesma assistência que os homens, mas, desde 2006, a ONG Obra Social Nossa Senhora

Aparecida da Congregação das Irmãs Palotinas oferece alojamento, alimentação e 148

No Brasil, Sampaio (2008) identificou 39 entidades ligadas à Rede Solidária para Migrantes e Refugiados, desempenhando suas funções em 19 estados do Brasil, dentre organizações internacionais, organismos religiosos, ONG e centros acadêmicos universitários. As atividades destas entidades, conforme Sampaio, se dividem entre integração, proteção e assistência. 149 Vide entrevistas na íntegra nos apêndices A e B . 150Quando imigrantes estrangeiros em situação migratória diferente da dos refugiados buscam apoio no Centro, o próprio programa o encaminha a outras entidades especializadas no atendimento de migrantes.

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orientação psicossocial às mulheres recém-chegadas sós ou com filhos menores; os

menores desacompanhados são encaminhados à Vara da Infância e Juventude para

providências relativas ao abrigo, aos termos de guarda e às garantias dos direitos básicos

(moradia, saúde e educação), por intermédio dos órgãos governamentais; os idosos

atendidos na CASP são acompanhados pelo serviço social que lhes fornece apoio de

acordo com suas necessidades, enquanto que os idosos atendidos pela Fundação Tolstoy

ainda recebem assistência para cobertura de suas necessidades básicas; e, por fim, os

portadores de HIV/AIDS possuem acesso aos serviços públicos, por intermédio de

acompanhamento médico e fornecimento da medicação específica, além de contar com

apoio econômico do ACNUR.

Segundo Luiz Fernando Godinho, porta-voz do ACNUR no Brasil, os

refugiados possuem direito a CTPS, CPF, carteira de identidade de estrangeiro, bolsa-

família (em vias de implantação para os solicitantes de refúgio e refugiados), além do

acesso à educação e saúde públicas. Tudo é viabilizado à população refugiada em São

Paulo por intermédio da CASP. Ademais, o refugiado recebe auxílio financeiro por até

dois anos, com piso de 350 (trezentos e cinquenta) reais para solteiro, em julho de 2008.

No caso dos reassentados, ainda recebem o aluguel de uma casa com mobília e

eletrodomésticos, pago pela comunidade internacional, via ACNUR151.

Aos refugiados atendidos pela CASP, o auxílio financeiro aos detentores de

poucos recursos é de 6 meses, podendo ser estendido por até mais de 8 meses, para

aqueles com dificuldades no aprendizado do idioma, com problemas de saúde física

e/ou mental e com família numerosa.

Na área da saúde, há a possibilidade de encaminhamento para todos os serviços

da rede pública, bem como o pagamento de alguns medicamentos mediante receita

médica. Até os tratamentos odontológicos são alvos de parceria da CASP com o SESC,

fazendo com que os tratamentos não cobertos pela rede pública sejam realizados no

SESC, sob pagamento com custo reduzido.

151

O conhecimento destes dados é importante para desmistificar o papel da mídia e de certos grupos de refugiados que buscam serem reassentados em outros países mais desenvolvidos que o Brasil, não porque seus direitos de refugiados estejam sendo negados no Brasil, mas por falta de adaptação, pela institucionalização de programas de cima para baixo, que geram a síndrome de dependência e pelo sonho de construirem novas vidas em países industrializados. Vide matéria publicada na mídia no anexo J.

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241

Ademais, há o programa de atendimento no ambulatório do Instituto de

Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo, idealizado pelas assistentes sociais Cezira e Heloísa, do Centro de Atendimento

para Refugiados da CASP que, em 1997, entraram em contato com o Dr. Elias Lino, na

época coordenador da Saúde Mental da Secretaria de Saúde que, por sua vez, entrou em

contato com o Dr. Francisco Lotufo, coordenador deste programa, cujo objetivo tem

sido fornecer atendimento psiquiátrico aos refugiados que dele necessitem. Entretanto,

este programa de atendimento psiquiátrico é parte das atividades normais da Faculdade,

atendendo aos solicitantes de refúgio e refugiados por meio desta parceria, o que não

significa que outros pacientes não sejam atendidos no local.

Em entrevista ao Dr. Francisco Lotufo152, via telefone e, posteriormente, via

correio eletrônico, há, neste programa, além do próprio Dr. Lotufo, uma médica

residente com fluência no idioma francês, que atende juntamente com ele, além da

psicóloga Gabriela Gorenstein (contratada pela CASP) e do psiquiatra Dr. Eduardo

Aratangy, que também fazem atendimento no local. É a própria CASP ou colegas dos

pacientes que os encaminha para atendimento que, segundo o Dr. Lotufo, são

atendidos, em média mensal, cerca de 20 pacientes que, em geral, queixam-se de

depressão, de transtornos somatoformes, de transtornos de pânico, de estresse pós-

traumático e de psicoses diversas. Muitos deles sofrem da síndrome de dependência dos

refugiados, não conseguindo ajustar-se a nova vida e permanecendo dependentes dos

auxílios governamentais, da CASP e/ou da sociedade civil em geral.

Quanto ao tratamento, não há, segundo o Dr. Lotufo, como prever a duração,

pois, em geral, transtornos psiquiátricos são crônicos e podem durar vida toda. Mesmo

assim, o procedimento se inicia com o atendimento normal com medicação e com

encaminhamento para os serviços do hospital, quando necessário. A Dra. Carmem

Santana implantou atendimento por arte-terapia, para que os pacientes pudessem

superar mais facilmente as barreiras linguísticas, especialmente por ser a falta de

aprendizado do português a maior dificuldade encontrada pelos profissionais na

implementação deste programa. Por fim, o Dr. Lotufo também sente falta de uma coleta

de dados organizada, a respeito dos atendimentos realizados com os refugiados desde o

início do programa, não havendo profissional disponível para tal atividade. O único

152

Vide entrevista, na íntegra, no apêndice F.

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dado acadêmico sobre esse programa foi a dissertação de mestrado da Dra. Carmem

Santana, não tendo sido possível obter uma cópia dele.

2. Integração, que se ocupa da inserção dos solicitantes de refúgios e refugiados

no Brasil, sobretudo nos temas de emprego e educação.

Como fase preliminar há o encaminhamento para cursos de português em

parceria com o SESC e/ou classes dadas por voluntários no próprio Centro de Acolhida

para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (normalmente aulas de

reforço, aulas avançadas ou ainda aulas para grupos com necessidades especiais).

Ademais, há a possibilidade de apoio com cursos técnicos e profissionalizantes, como

os cursos gratuitos de língua portuguesa, oferecidos por parceiros da Cáritas, tais como

o SENAI, SESC e SENAC153, a possibilidade de apoio nos procedimentos de

revalidação de diplomas e títulos e a probabilidade de orientação para busca de

emprego, com elaboração de currículos, por exemplo, e de cartas de apresentação às

empresas e/ou agências de emprego. Por fim, é no setor de integração do programa que

é feito o encaminhamento para obtenção de CTPS e de CPF.

Conforme informação da coordenadora do Centro de Acolhida para Refugiados

da CASP, Cezira Furtim, o ACNUR possui um convênio com o Crédito Solidário

(CREDISOL) desde 2006, o que gerou interesse entre a população refugiada ávida por

abrir seu próprio negócio. Naquele ano, 24 refugiados apresentaram projetos, 13 dos

quais foram aprovados, mas apenas 12 tiveram seus créditos liberados, pois um deles

permaneceu no aguardo para revalidação, necessitando-se, entretanto, de um parceiro na

cidade de São Paulo para fornecer-lhes suporte técnico de acompanhamento. Soube-se,

informalmente, via telefone, que novos projetos não foram apresentados, em virtude da

metodologia do CREDISOL se encontrar em período de reformulação, devido ao grande

número de inadimplência e a falta de suporte técnico para acompanhamento dos

projetos em São Paulo. Também não foi possível obter informações sobre a efetivação

dos projetos que já se encontram em andamento.

3. Proteção, que é o setor de assistência jurídica, tratando das questões relativas

ao procedimento da condição jurídica do refugiado e do solicitante de

153

Pelo acordo da CASP com estes órgãos, os solicitantes de refúgio e refugiados possuem não apenas o direito de participar de seus cursos profissionalizantes, mas também de participar em atividades sociais, centros desportivos, creches e restaurantes.

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refúgio, assim como das condições destes no Brasil, fazendo o

acompanhamento do procedimento de solicitação do refúgio.

4. Saúde Mental, que objetiva o apoio aos solicitantes de refúgio e aos

refugiados em temas relativos a sua saúde mental, com atendimentos no

próprio Centro de Acolhida para Refugiados ou no Instituto de Psiquiatria do

Hospital das Clínicas (IPQ) supra mencionado.

5. Cidadania e Divulgação, que é um projeto intermitente, responsável por

cuidar de apoio aos solicitantes de refúgio e refugiados para o exercício

pleno de seus direitos no Brasil. Quanto à divulgação, há o chamado setor de

informação pública na CASP, que atua na articulação com os meios de

comunicação, atendendo os interessados no tema (estudantes universitários e

pesquisadores), confeccionando material de divulgação e assessorando

eventos e exposições, sempre em coordenação com os demais setores.

Para a realização deste programa, que possui uma média mensal de 40 novos

casos e 600 atendimentos, há, atualmente, 15 funcionários: uma coordenadora

(assistente social), três assistentes sociais, dois advogados, três funcionários

administrativos, um psiquiatra, uma psicóloga, uma assessora de comunicação, uma

recepcionista (quando o projeto de cidadania está ativo, há mais uma assistente social e

uma advogada, o que não existe no momento).

Importa mencionar que todos são contratados a partir de processo de seleção, em

que se levam em consideração as peculiaridades da população a ser atendida; sendo esta

uma diferença, como se verá em seguida, entre as OSFL em Toronto, cujo processo de

seleção leva em consideração já ter sido estagiário voluntário, ou não, da agência e ter

sido refugiado quando da chegada ao país.

Para a prática de suas atividades com os solicitantes de refúgio e refugiados no

estado de São Paulo, o Centro de Acolhida para Refugiados da CASP possui parceria

com o ACNUR, por meio de seu escritório em Brasília, e com o governo brasileiro, por

meio do CONARE e da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da

República (SEDH/PR), que fornecem auxílio financeiro, além de parcerias com a

sociedade civil e com o recém-criado Comitê Estadual para Refugiados, que visa formar

parcerias com a CASP, com o CONARE e com a SEDH/PR, para melhorar a assistência

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e o apoio jurídico aos solicitantes de refúgio e refugiados em São Paulo, culminando em

melhor e mais rápida integração destes no local acolhedor, a partir de novas políticas

públicas a serem criadas, levando em consideração a peculiaridade desta população e do

local de acolhimento, qual seja, o estado de São Paulo.

Quanto aos recursos financeiros provenientes do Governo Federal, é o próprio

CONARE quem se responsabiliza pelo repasse das verbas, “buscando sensibilizar, ao

lado do ACNUR, o governo federal para a necessidade de políticas públicas para a

população refugiada no Brasil”, nas palavras da Dra. Liliana Jubilut, em entrevista

concedida à autora, já mencionada.

Um exemplo de atividade com resultados positivos é que, desde 2006, a CASP

vem participando do Grupo de Trabalho (GT) sobre (i)migrantes e refugiados,

coordenado pela Comissão Municipal de Direitos Humanos. Por fim, “todas estas

parcerias são essenciais ao trabalho da CASP para a efetivação do compromisso

internacional assumido pelo Brasil de proteção aos refugiados”.

A CASP também se utiliza do apoio da sociedade civil na divulgação dos

direitos dos refugiados e da necessidade de auxílio a estes excluídos, por meio de

programas na mídia escrita e televisada, em eventos acadêmicos, em conjunto ou não

com o governo municipal/estadual, na publicação de livros sobre o tema e em

exposições fotográficas e artísticas em geral.

Quanto ao poder público, seu papel se resume na atuação de alguns órgãos, a

partir da competência prevista na lei ordinária federal 9474/97 e nos regulamentos

desta, tais como: CONARE (responsável pelos processos de elegibilidade, de políticas

públicas e de saúde mental), Polícia Federal (elaboração de documentos), Secretaria

Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (em nível federal) e algumas

secretarias do estado de São Paulo, a saber:

• Justiça e Defesa da Cidadania – Procuradoria Geral do Estado;

• Educação – Conselho Estadual e Diretorias de Ensino, Escolas de ensino

fundamental e médio, Escolas de Suplência, Creches, Universidades;

• Saúde – Hospitais Públicos e Postos de Saúde e conveniados com o poder

público;

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245

• Emprego e Relações do Trabalho – Delegacias Regionais de Trabalho,

Postos de Atendimento ao Trabalhador – documentação, cadastro para busca

de trabalho e orientação sobre causas trabalhistas;

• Segurança Pública; e

• Cultura – Espaços Culturais.

A população refugiada em São Paulo (capital e estado), assim como em todos os

estados da federação, possui acesso a todos os serviços públicos designados como de

caráter universal pela Constituição da República de 1988, como os expressos no Título

II, quais sejam, os direitos e garantias fundamentais, como a liberdade de circulação

dentro do país, embora devendo manter sempre seu endereço atualizado junto ao

CONARE, ao Departamento de Polícia Federal e à CASP; ao contrário do que ocorre no

Canadá, onde, por haver ordenamentos jurídicos provinciais divergentes, o refugiado,

após assentado em certa província, não tem autorização para se estabelecer em outra

sem a prévia autorização de ambas (da província de origem e da província de destino),

devido ao programa nacional de distribuição de refugiados por todo o país, evitando,

assim, “afogar” uma única província, como ocorre, ainda, com Ontário e British

Columbia, que, por conta de suas localizações geográficas, tendem a receber a grande

maioria dos solicitantes de refúgio e de refugiados que chegam ao Canadá.

Ao contrário das OSLF estabelecidas em Toronto, que possuem atividades

culturais, recreativas, de aprendizado do idioma etc., a CASP, como dito, não possui

esses tipos de atividades, realizando-as por meio de parcerias firmadas. Assim é que

“todas as atividades do Programa para Refugiados da CASP são baseadas nas

necessidades (práticas e legais) da população refugiada”; muitas vezes percebidas a

partir do atendimento direto, quando eless podem fazer sugestões e críticas a respeito

dos atendimentos. Ainda, o próprio ACNUR possui atividades pelas quais o próprio

refugiado e/ou solicitante é ouvido de modo direto e específico, via correio eletrônico,

visando ao aprimoramento do atendimento.

As Redes em Toronto

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Ao contrário do Brasil, que caminha a passos lentos, mesmo sem andar para trás,

no Canadá há o Conselho Canadense para Refugiados (CCR)154, fundado em 1978, com

sede em Montreal e possuindo cerca de 180 organizações filiadas, distribuídas por todo

o país. O CCR é uma organização com o fim de unir grupos que trabalham em prol da

proteção e do assentamento de refugiados e imigrantes no Canadá, sendo juridicamente

reconhecida como uma organização sem fins lucrativos, de caridade e administrada por

um comitê executivo voluntário eleito pelos próprios membros, com mandato para

representá-los em níveis nacional (mantendo diálogo com o governo sobre refugiados e

assentamento, além de manter o governo informado sobre os reais efeitos de suas

políticas públicas) e internacional (como nas reuniões do ACNUR).

Entre seus membros, o CCR possui organizações comunitárias, agências de

serviço social, associações etno-culturais, centros de pesquisa, comitês religiosos e

associações de advogados. Mesmo sem a intenção de ser membro, uma organização

pode juntar-se ao CCR como associada, como membro não-canadense ou como

observadora (como acontece com a Cruz Vermelha Canadense), pagando anuidades

diferenciadas.

As atividades do CCR se dividem entre consultorias (duas vezes ao ano), com a

presença de refugiados, imigrantes, ONGs, órgãos do governo, meio acadêmico e

convidados estrangeiros, para trocas de informações e tomadas de decisões em diversas

temáticas relacionadas aos refugiados e assentamentos; encontros de grupos de trabalho,

que se reúnem regularmente para analisar políticas públicas, desenvolver estratégias de

ações e produzir papers a partir de decisões de cada um dos cinco grupos de trabalho

(GT em proteção no país, GT em imigração e assentamento e GT em proteção no

estrangeiro e patrocínio; além dos dois grupos específicos em questões de gênero e anti-

racismo).

Como base no diretório de membros 2007-2008 desta organização “guarda-

chuva”, foram identificadas mais de 80 organizações sem fins lucrativos de apoio aos

refugiados – algumas também incluem o apoio aos imigrantes em geral em seus

mandatos, somente na província de Ontario, cuja capital é Toronto. Dentre estas, 43

154

Informações atualizadas sobre o CCR podem ser encontradas na web page oficial do Conselho, a saber: www.ccrweb.ca

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estão na cidade de Toronto155. Ademais, há diversas outras organizações sem fins

lucrativos, de apoio aos refugiados, e imigrantes em geral, que não são membros do

CCR, algumas das quais, inclusive, foram objeto de visita, entrevista e análise para esta

pesquisa.

Utilizando-se da metodologia de observação participativa, 8 OSFL em Toronto

foram visitadas e avaliadas156, a partir da presença em diversas atividades diárias e/ou

programas culturais, religiosos, recreativos e esportivos, comparando-as com as

atividades da CASP, a saber:

1. Centro para Gente de Habla Hispana, criado em 1974 para auxiliar a

comunidade latino-americana recém-chegada em Toronto, de acordo com suas

necessidades, conta, atualmente, com 28 funcionários, sendo 10 voluntários, entre

conselheiros (assistentes sociais), advogados e recepcionistas, atendendo refugiados e

recém-chegados (até três anos) de origem latino-americana, além de um programa

específico para mulheres latino-americanas, independentemente da data de chegada no

Canadá. Atendendo cerca de 400 pessoas por mês, este centro fornece 6 programas

permanentes, quais sejam: para mulheres vítimas de violência doméstica, de prevenção

ao HIV/AIDS, de auxílio com o assentamento em Toronto, de formação de voluntários,

assistência jurídica e um novo programa, iniciado em 2007, para jovens. Um programa

direcionado aos idosos se encontra em fase de implantação. Os recursos financeiros para

a manutenção do Centro são fornecidos pelo governo provincial, pelo CIC (órgão do

governo federal responsável pela imigração e cidadania) e pela OSFL United Way,

embora não hajam relações entre esta OSFL e outras OSFL locais. Quanto à formação

de redes, este centro é bem conhecido na região, sendo propagado por pessoas que já

foram atendidas no passado e que sempre retornam para saber dos novos programas

e/ou para apresentá-lo aos recém-chegados a Toronto, com o intuito de que estes

participem dos programas.

2. FCJ Centro de Refugiados, criado em 1991, para fornecer auxílio às

mulheres deslocadas (solicitantes de refúgio, refugiadas, ilegais, imigrantes residentes

permanentes com problemas etc.) e uma boa política de proteção para estas, conta

atualmente com 12 funcionários, sendo 7 deles advogados voluntários, além dos 5

155

Vide lista completa, com dados qualificatórios, no Anexo L. 156

Vide entrevistas na íntegra no Apênice G.

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estagiários por semestre, entre advogados, estagiários de direito, terapista ocupacional,

cientistas políticos, sociológos, filósofos, psicólogos e professores. Em geral, chega-se a

20 voluntários no Centro. Ainda, há contratações especiais, como para especialistas em

levantamento de fundos/recursos e tradutores, conforme a necessidade. Não são feitas

seleções para trabalhar neste Centro; todos os que iniciam como estagiários são futuros

funcionários em potencial. Atendendo cerca de 1500 a 1800 pessoas ao ano, além dos

cerca de 3000 por mês pelo website, são cerca de 15 a 20 casos solucionados por

telefone semanalmente, mais o programa de educação popular que atende 25 pessoas

por oficina, de 2 e 4 vezes ao mês.

Quanto ao atendimento no Centro, residem, por vez, até 28 imigrantes na sede

do Centro. Os programas permanentes são os que seguem: abrigo temporário para

mulheres, crianças e jovens (até treze anos de idade), integração (enviar as pessoas para

as instituições específicas de programa de bem-estar social, por intermédio de uma rede

de contatos), proteção jurídica (casos de refúgio, imigração, assessoria,

acompanhamento ao Tribunal de Refugiados), programa de assentamento (aulas de

inglês e francês). Embora tenha sido criado com o intuito único de servir às mulheres

deslocadas, atualmente o Centro também busca regularizar a situação de seus clientes,

além de advogar pela melhoria das políticas públicas canadense para imigrantes e

refugiados.

Seus recursos são provenientes das doações das irmãs católicas Fiéis

Companheiras de Jesus (FCJ), que são as donas das 4 casas do Centro e pagam um

salário para um funcionário, ou seja, 30% dos recursos são por elas fornecidos.

Ademais, o Centro recebe doações de alimentos uma vez por semana, doações de

roupas (especialmente para gestantes), doações para eventos específicos, como festas de

natal e páscoa, além de doações particulares, de fundações privadas, do governo federal

e do local, de igrejas e congregações e de sindicatos. Ainda, o centro é membro de três

organizações “guarda-chuva” no Canadá, a saber: CCR, Refugee Houses Networking e

OCASI, além de possuir boas relações, em todos os campos (exceto financeiro), com

outras organizações, como COSTI, Women Community Center e Pears Centre. Estas

organizações se auxiliam mutuamente, indicando umas às outras.

3. Serviços de Recepção aos Refugiados Casa Matthew, criada em 1992,

mas estabelecida como centro de abrigo permanente em 1998, para assistir aos

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solicitantes de refúgio com assentamento e busca de residência, possui atualmente 5

funcionários e dezenas de voluntários, de idades, gênero, experiência profisisonal e

nacionalidade diversas atendendo aos solicitantes de refúgio de quaisquer

nacionalidades. Importa expor que, desde 1998, o Centro já atendeu a mais de 700

solicitantes de refúgio, de 75 nacionalidades diferentes. A singeleza, a competência e os

resultados positivos demonstrados pelo trabalho do Centro fazem com que ex-

residentes, doadores e voluntários não se afastem das suas atividades, sempre presentes

nas datas festivas, especialmente nos encontros do Clube Matthew, que acontecem uma

vez ao mês, com o objetivo de manter o contato entre antigos e novos funcionários,

voluntários, residentes e doadores, já que este Centro sobrevive de doações particulares

de indivíduos e de igrejas. O único apoio do governo é uma bolsa para estudantes de

verão que dura três meses somente. Os acampamentos de verão da Casa Matthew e o

Clube Matthew mensal também possuem a finalidade de interagir os antigos e os novos

residentes na Casa, para que se conheçam e os antigos possam auxiliar os novos com os

desafios presentes.

O propósito da Casa Matthew é fornecer abrigo aos solicitantes de refúgio, pois,

como visto no capítulo 5.1, este é um dos maiores problemas encontrados em Toronto,

especialmente para este grupo vulnerável de pessoas que, chegando traumatizados pelo

passado, são re-traumatizados por suas experiências de chegada ao Canadá, quando são

forçados a permanecerem em abrigos para “sem teto”. A fundadora da Casa Matthew

havia trabalhado nestes abrigos por alguns anos e “teve seu coração tocado” pela falta

de decência que havia nos abrigos. Esta OSFL continua realizando este trabalho,

embora tenha expandido-se, contando no momento, ainda, com uma casa de transição e

o projeto de integração na comunidade, para auxiliar os ex-residentes da Casa a superar

os desafios encontrados. O programa de transição fornece residência a longo prazo para

os solicitantes de refúgio que possuem desafios mais sérios, tais como saúde (física ou

mental), menores desacompanhados e pais solteiros com filhos menores. Ademais, o

programa auxilia o solicitante de refúgio na busca e mudança para a nova residência.

Quanto à formação de redes, embora não receba apoio governamental, a Casa

Matthew é membro do CCR e trabalha em conjunto com outras OSFL, tais como:

Centro de Refugiados FCJ, Casa Adam, Casa Sojourn, Visão Mundial, além de outras

OSFL que possuem as mesmas finalidades dela, como Casa Matthew (CM) Fort. Erie,

CM Windsor, Casa de Recepção Cambridge etc. Ademais, há parceriar firmadas com a

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Cruz Vermelha Canadense e outras agências de apoio aos solicitantes de refúgio. Para a

diretora Casa Matthew, Anne, estas redes são extremamente úteis, facilitando a

concretização dos serviços oferecidos por esta OFSL.

4. Casa de São Cristóvão, é uma OSFL com diversos serviços, tendo sido as

visitas e entrevistas direcionadas ao Serviço de Apoio ao Imigrante e Refugiado. Esta

Casa foi criada, em 1912, por uma igreja presbiteriana local, como uma casa de

assentamento (abrigo) para imigrantes e refugiados, mas devido à complexidade desta

problemática de assentamento, houve a necessidade de expandir a missão, tornando-se,

atualmente, uma agência de desenvolvimento com base comunitária. Para este

programa, ela conta com 4 funcionários (todos são asssitentes sociais), 3 estagiários e

cerca de 20 voluntários, atendendo cerca de 800 imigrantes, refugiados e não

documentados (ilegais) por ano, por meio dos seguintes programas: aulas de

computação e de inglês – conversação (por professores voluntários, em grupos

pequenos, uma vez por semana), aulas de assentamento (tendo em vista que encontrar

um lugar para morar é o maior problema em Toronto, aliado à falta do idioma e de

trabalho), programas de apoio a refugiados e imigrantes engenheiros (para apresentá-los

aos locais, como ser um profissional), aulas específicas de inglês para imigrantes e

refugiados vietnamitas e para idosos, grupos de discussão sobre como residir no Canadá

(sistema de transporte, de emprego, de saúde, cultura etc.), informações, apoio e

referências a advogados gratuitos (algumas informações jurídicas são fornecidas

gratuitamente na própria Casa. Vale salientar que todos os programas são absolutamente

gratuitos, mas caso os participantes tenham o interesse de criar um programa específico

para eles mesmos (para seu próprio grupo), eles deverão pagar uma quantia para se

tornarem membros.

Os recursos financeiros são fornecidos pelos governos federal, provincial e local,

pela OSFL United Way, doações de particulares, tais como doações de alimentos e

roupas. Quanto ao governo, é necessiário, a priori, fazer a proposta por escrito. Após

análise submetida e aprovada (nem todas são aprovadas), o governo fornece o apoio,

alguns temporários e outros permanentes. Quanto às redes, a Casa possui parceria com a

United Way, que embora fundada pelo governo, este não é parceiro dela. Entretanto,

cada programa da Casa possui seus próprios parceiros, que são inúmeros e diversos,

pois há parcerias estratégicas e também de coordenação de programas.

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5. SIAO – Organização de Auxílio aos Imigrantes Somalis, criada em 1987

para atender aos imigrantes e refugiados somalis e de outras nacionalidades. Possuindo

19 funcionários, esta OSFL recebe o auxílio e apoio de cerca de 720 voluntários de

várias nacionalidades ao ano, para consecução de seus programas aos imigrantes e

refugiados, que pagam uma anuidade de CAN$ 10 dólares canadenses para terem

acesso aos programas, serviços e atividades, tais como: aula de inglês, programas para

idosos, cursos de preparação para emprego, aulas de saúde e de nutrição, serviços de

tradução e de interpretação, programas de apoio familiar, serviços para famílias e para

jovens, programa de desenvolvimento (econômico) comunitário, programas para

prevenção e tratamento de HIV/AIDS. Muito útil é a brinquedoteca, onde voluntários

brincam com as crianças enquanto suas mães estão nas aulas de inglês e/ou de

computação. Além de receber suporte financeiro do governo, a SIAO possui ligações

com outras organizações somalis em Toronto, para melhor atender aos clientes

(imigrantes e refugiados).

6. COSTI Serviços de Imigrantes, criada em 1952 pela comunidade italiana

em Toronto, passou a trabalhar com refugiados em 1989 e possui, no momento, 17

centros em Toronto, com 3 departamentos específicos, a saber: de emprego, de

educação e de assistência social (assentamento, habitação, saúde e emprego), atuando

em 60 idiomas diferentes. Atende a recém-chegados, imigrantes em geral e refugiados,

por intermédio de seus 200 funcionários e cerca de 170 voluntários, entre funcionários

comunitários, conselheiros, professores, assistentes sociais, advogados, com um

orçamento de CAN$ 18 milhões de dólares canadenses anuais. No ano de 2006, foram

atendidas 42.000 pessoas pela COSTI em Toronto.

Seus recursos financeiros são fornecidos pelo governo, nos três níveis, por

fundações privadas, por doações particulares e pela United Way. Importa afirmar que,

assim como a Casa São Cristóvão, para obter o suporte financeiro do governo, é

necessário que o projeto submetido seja aprovado, o que nem sempre acontece.

Portanto, a necessidade de conexões com outras OSFL são úteis e essenciais para o bom

funcionamento dos programas. Dependendo do programa, busca-se o apoio específico

de determinada OSFL e/ou de agências governamentais.

7. Exército da Salvação – Serviços aos Imigrantes e Refugiados, criado em

1865 em Londres pela Igreja Cristã, é uma organização de serviços comunitários, com

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escritório e programa específico aos imigrantes e refugiados criado em 1989, para

atender aos solicitantes de refúgio, aos refugiados, imigrantes e aos não documentados,

de forma pioneira em Toronto, a partir de contratos com o governo para patrocinar a

vinda de refugiados ao Canadá. No ano de 2006, foram atendidos 1112 clientes,

representando um total de 1518 deles com suas famílias no Canadá.

Seus funcionários e voluntários, espalhados entre os 4 escritórios estabelecidos

em Toronto, fornecem os seguintes programas e atividades: informações sobre

assentamento (educação, trabalho, serviços governamentais, habitação e imigração),

encaminhamento a serviços comunitários, preenchimento de formulários do governo,

aulas de inglês (parceria com o governo local) e de computação, conversação de inglês e

desenvolvimento de habilidades artísticas, sessões informativas para recém-chegados,

oportunidades de trabalho voluntário, aconselhamento em casos de crise e a curto prazo,

capelã para conselhos espirituais etc.

Conforme informação da senhora Florence, do serviço aos imigrantes e

refugiados, a intenção desta filial do Exército da Salvação em Toronto é iniciar um

programa de serviços de saúde mental, além de um programa específico com crianças e

outro sobre habitação. Quanto ao primeiro, há um programa piloto, embora ainda sem

avaliação. Quanto ao segundo, está em fase de concretização um convênio com uma

escola municipal no mesmo bairro desta OSFL para concretização deste projeto. A

respeito do terceiro, ainda se encontra em fase de estudos pela própria OSFL.

A respeito das parcerias para suporte financeiro, não há apoio do governo. Há,

sim, um programa do próprio Exército da Salvação para obtenção de recursos

financeiros e doadores permanentes. A única parceria governamental é com uma escola

local para ensino do idioma inglês. Há, sim, uma boa rede de suporte com outras OSFL,

tais como: CCR, OCASI, Conselho para Assuntos de Refugiados de Toronto, escritórios

jurídicos estabelecidos na própria vizinhança e outras organizações comunitárias na

própria vizinhança.

8. Cruz Vermelha Canadense (CVC) – Programas para Imigrantes e

Refugiados. Ao contrário da Cruz vermelha Brasileira, que não possui programas de

suporte aos imigrantes e refugiados, a CVC criou em 2001, de forma piloto, o programa

Primeiro Contato, para auxiliar aos recém-chegados no processo de adaptação ao local

de acolhimento, indicandoa eles onde há habitação, intérpretes, advogados, agências de

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abrigo, informações sobre transporte público, sistema de saúde e de educação, emprego

etc., ou seja, em todo o processo de ajustamento ao novo ambiente. Atualmente, já são

três programas, que se iniciam na chegada do imigrante/solicitante de refúgio/refugiado

na imigração, quais sejam: Programa Primeiro Contato (para serviços de assentamento),

Programa de Restauração de Ligações Familiares e Programa de Questões

Humanitárias. Para colocar em prática estes programas, a CVC em Toronto conta com 3

funcionários e cerca de 6 voluntários, das mais diversas formações (trabalho

comunitário, economia, estudos internacionais, ciências da saúde, serviço social etc.). A

respeito do número de atendimentos, entre abril de 2006 e março de 2007, foram

atendidos 971 indivíduos. Somente durante o mês de novembro de 2007, foram

atendidos 151 novos clientes. Geralmente, os clientes descobrem o programa por terem

sido indicados por alguma OSFL ou pela própria autoridade de imigração, que os

entrega o follheto da CVC sobre os programas. Não há parcerias formalizadas com

governo ou outra OSFL qualquer, mas eles se indicam uns aos outros. O único auxílio

financeiro recebido é da United Way.

Por fim, importante se faz mencionar que a Cruz Vermelha de Toronto possui

autorização do governo canadense, ao contrário de outras OSFL, para entrar nos centros

de detenção de imigrantes, trabalho este realizado por dois funcionários do “time de

monitoramento de detenção” do programa para imigrantes e refugiados da CVC, cujas

funções são avaliar as condições de detenção (se os direitos humanos básicos estão

sendo protegidos), realizar contatos entre familiares (troca de cartas, fotos etc.) e outras

assistências (busca de advogados etc.).

As Redes em Comparação

A partir da identificação de algumas OSFL de apoio e proteção aos refugiados

em São Paulo e em Toronto, é possível realizar uma comparação entre as redes

formadas. Por um lado, em São Paulo a CASP parece manter um monopólio das

políticas de apoio, proteção e assistência aos solicitantes de refúgio e refugiados,

resultante, presume-se, de sua vasta experiência nesta área de atuação. Embora esta

OSFL possua convênios e parcerias com outras instituições, como albergues, escolas,

óticas etc, não foi possível obter acesso a tais instituições para realizar entrevistas in

loco, excetuando-se o Dr. Francisco Lotufo, do programa de saúde mental, e o

CREDISOL. A CASP não repassou as informações, alegando serem confidenciais,

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mesmo que para a realização de pesquisa acadêmica, o que dificultou obter informações

mais precisas sobre as demandas dos refugiados em São Paulo.

Por parte da própria CASP, foram levantadas as seguintes necessidades dos

refugiados: o auxílio de subsistência fornecido nos primeiros 6 meses é insuficiente para

cobrir as necessidades básicas e garantir a integração em São Paulo; não há alojamento

suficiente para homens sozinhos com filhos menores e para famílias,

independentemente de possuírem filhos ou não, como ocorre com mães sozinhas com

filhos, que possuem o apoio de uma casa cristã; o atendimento odontológico, público ou

mais barato, via convênio, apresenta grandes listas de espera, o que dificulta o acesso, já

que o tempo do refugiado é sempre precioso e escasso, visando ser utilizado,

urgentemtente, na busca de emprego e aprendizado do idioma local; o alto custo de

vagas nas pensões parceiras da CASP também é outra dificuldade, além da dificuldade

no aluguel de imóveis para residir com a família, pois além do alto custo, os refugiados

não possuem conhecidos que possam ser avalistas do contrato; o acesso ao sistema de

saúde, mesmo que público, torna-se difícil, pois não há profissionais com conhecimento

de outros idiomas (mesmo inglês ou francês), dificultando o atendimento e o

diagnóstico; mesmo creches e/ou escolas conveniadas não possuem vagas suficientes

para as mães deixarem os filhos menores quando na busca de emprego, dificultando o

encaminhamento destas ao mercado de trabalho; e, por fim, a falta de estabilidade, já

que, segundo a CASP, à grande maioria dos refugiados são apenas oferecidos trabalhos

temporários, de dois a três meses.

Por outro lado, em Toronto, há inúmeras OSFL, em todos os bairros. Há,

inclusive, uma mesma OSFL, por exemplo, que possui escritórios em diversos bairros

da cidade, para melhor atender as demandas dos refugiados, como é o exemplo da

COSTI. Ainda, as redes (parcerias e convênios) são formadas tanto com o governo,

como com a iniciativa privada (instituições particulares cujos proprietários são

nacionais, mas de origem estrangeira e, inclusive, tendo sido refugiado quando da

chegada no Canadá). São estes apoios, mesmo entre as OSFL, que fazem com que os

refugiados possuam um melhor acesso ao sistema do novo local acolhedor, qual seja,

Toronto.

Para Wancy, recepcionista do Centro para Pessoas de Língua Espanhola, as

principais demandas dos refugiados que buscam o apoio deste centro são

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confidencialidade e ética no atendimento e a falta de advogados especialistas em

assuntos de habitação, pois as leis canadenses para aluguel de imóveis são complexas.

Já Francisco Rico157,, fundador e co-diretor do Centro de Refugiados FCJ, os maiores

problemas dos refugiados, além da habitação, também identificada por Wancy, é o

processo de solicitação e/ou deferimento de refúgio, que é muito complexo. Segundo

ele,

o problema é mais conceitual, pois os solicitantes ficam esperando que os advogados digam o que devem fazer e os advogados não dizem. Então, une-se a falta de experiência dos refugiados com as leis e as cortes do país e a falta de experiência dos advogados em lidar com pessoas absolutamente traumatizadas e sem experiência em procedimentos jurídicos. Ainda, os salários dos advogados que trabalham com refugiados é muito baixo.

Francisco Rico, assim como Anne e Astar, da Casa Matthew, também

identificaram a dificuldade dos refugiados na busca de alugar um local para residir,

tanto é que enquanto residentes nestas duas OSFL, os solicitantes de refúgio e/ou

refugiados são levados a se unirem e se auxiliarem mutuamente, sem a ajuda de

funcionários. Ipso facto, quando eles deixam a OSFL, geralmente, buscam alugar um

imóvel de forma compartilhada. Por exemplo, um imóvel com dois quartos servirá para

duas famílias, que já se conheceram e compartilharam suas necessidades durante o

tempo de residência na OSFL.

Para os refugiados atendidos na Casa São Cristóvão, segundo o senhor Darshan,

do Serviço de Apoio ao Imigrante e Refugiado, e para os atendidos pela Cruz Vermelha

Canadense em Toronto, conforme informações da senhora Jean Suh, coordenadora do

Programa, também a dificuldade de conseguir um local para residir tem sido a maior

reclamação dos refugiados, seguida pela falta de emprego e dificuldades com o

aprendizado do novo idioma.

Destarte, cada vez mais explícita é a necessidade da sociedade civil acolhedora

participar do processo de integração dos refugiados. Embora em São Paulo, entre os

anos de 2006 e junho de 2008, vários programas de rádio e televisão tenham veiculado

notícias sobre a situação dos refugiados na cidade, a partir de exposições de fotografias,

palestras proferidas, mostras artísticas, lançamento de CDs etc., sempre com o apoio da

CASP e do ACNUR, os refugiados parecem continuar “invisíveis” aos olhos da

157

Vide entrevistas com os representantes das OSFL, em Toronto, na íntegra no Apêndice G.

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população local. Um exemplo é que houve uma visita à maior mesquita muçulmana da

cidade, no intuito de encontrar refugiados árabes para possível entrevista e nenhum

funcionário desta soube dizer do que se tratava um refugiado, crendo que a pesquisadora

estava em busca de algum criminoso. O mesmo ocorreu em mercearias e lanchonetes

das cercanias da CASP e do SESC perto da CASP, onde há diariamente um grande

fluxo de refugiados. Não houve um único indivíduo que soubesse falar acerca de

refugiados, sempre pensando ser um criminoso em fuga.

Se, em São Paulo, os refugiados padecem de alto grau de invisibilidade perante a

sociedade local, em Toronto eles estão aparentemente segregados da população nativa

canadense, a partir do próprio ordenamento jurídico, que apenas promove e protege os

direitos dos nacionais, como visto no capítulo 5.1 desta pesquisa, apesar da Lei do

Multiculturalismo Canadense de 1988, emendada em 1993.

Carolina Gajardo, Gerente de Projetos de Habitação da COSTI Serviços de

Imigrante, em entrevista realizada para esta pesquisa, lembrou que “uma OSFL é

considerada ‘saudável’ se possui independência financeira, o que significa receber 50%

de seus recursos do governo (setor público) e os outros 50% a partir de atividades da

própria organização”. Entretanto, as OSFL precisam estar livres para buscar e alcançar

as necessidades da comunidade atendida, o que não acontece quando há intervenções do

governo. Para ela, “a participação da sociedade civil nas OSFL, assim como nos

programas de desenvolvimento comunitários, é a solução”. Somente assim, com esta

participação, é que a sociedade civil poderá sensibilizar-se para os problemas dos

refugiados, facilitando suas integrações no local de acolhimento.

Esta segregação dos refugiados na sociedade torontoniana é clara a partir das

próprias residências dos refugiados, que são forçados a residir em porões,

compartilhando quartos com outras famílias na mesma situação, como vários angolanos

e muçulmanos entrevistados na cidade. Um lar não é o mesmo que uma residência, o

que faz com que, neste ponto específico de habitação, São Paulo seja melhor do que

Toronto. Carolina Gajardo bem afirma que

a falta, em Toronto (mais precisamente em Ontário, já que o ordenamento jurídico é provincial), de uma política pública de habitação que forneça um lar, um sentido de pertencimento para o refugiados, de mudar com sentido para cima, para frente, com relação à construção de residências, pois um lar é que determina quem você é na sociedade acolhedora, [como visto no capítulo 5.1. supra].

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E, acrescenta ela, “um novo lar significa reconstruir uma vida aliada a

possibilidade de ter paz.” Embora em Toronto todos os residentes com a condição

jurídica legalizada, como são os refugiados documentados (para diferenciar dos

refugiados no limbo), possuam o direito a residências públicas do governo, na prática,

segundo Carolina Gajardo,

eles permanecem cerca de 7 anos em uma lista de espera, além de que, por decisões governamentais, o governo parou em 2007 de construir tais residências, em que 30% delas são chamadas de ‘casas de saúde’. [...] Enquanto solicitante de refúgio, o indivíduo não pode se candidatar a tais residências, recebendo apenas um auxílio de CAN$ 548,00 (quinhentos e quarenta e oito) dólares canadenses por mês, até que seja considerado refugiado e, ainda, receba o visto de permissão de emprego, que chega a demorar três meses para ser fornecido. Somente, então, é que o refugiado poderá se matricular nos cursos de LINC (inglês para estrangeiros, fornecidos nas OSFL e patrocinados, em parte, pelo governo da província).

Assim é que eles são obrigados a residir em condições absolutamente precárias,

permanecendo em um ciclo de pobreza, especialmente os mais vulneráveis, quais sejam

os pais solteiros, os sem qualificação educacional e/ou profissional e os doentes, idosos

e crianças, dependentes totalmente do suporte do poder público.

Portanto, as redes entre as OSFL permanecem capengas se seus programas e/ou

atividades não são produzidos em união com o setor público (na implementação de

políticas públicas adequadas às necessidades de cada grupo de refugiados e à realidade

de cada sociedade acolhedora) e com a sociedade local acolhedora (nos processos de

conscientização destes para recepção e facilitação da integração daqueles), no mínimo

para facilitar o acesso dos refugiados aos seus direitos fundamentais básicos,

promovidos em normas de natureza constitucional tanto no Brasil quanto no Canadá.

Em São Paulo, o governo, embora ainda sem enxergar os refugiados como

deveria, tratando-os como seres invisíveis e sem apoio prático, buscou criar o primeiro

Conselho Estadual para os Refugiados, no primeiro semestre de 2007, o que parece ser

o primeiro passo na construção de uma nova etapa no acolhimento destes, já que

objetiva criar políticas públicas de promoção e apoio aos refugiados, além de

conscientizar a população local para recebê-los e aglutinar os programas e as atividades

das OFSL para melhor contribuir para o bem-estar deles. De outro lado, em Toronto,

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eles continuam sentindo-se discriminados e segregados, tendo sido também esta a visão

das OSFL visitadas, entrevistadas e avaliadas.

As Organizações Não-Governamentais (ONG), assim chamadas por Wanderley

(1996), dotadas de notável diversidade, ganham cada vez mais importância devido às

inúmeras inciativas de articulação com o Estado e com a iniciativa privada, em busca de

melhorias na qualidade de vida da população onde as mesmas atuam, além das pressões

que exercem tanto em nível de Poder Executivo (ONG de pressão) quanto em nível de

Parlamento (ONG de concertação). Wanderley (1996, 101) assim se pronuncia: “não

isentas também de muitas ambigüidades, estão trazendo subsídios preciosos para a

esperada publicização ao prestarem serviços públicos relevantes e por gestarem formas

inovadoras de parceria com os poderes públicos.”

Em vista do exposto, urge analisar as políticas públicas criadas e implementadas

em São Paulo e em Toronto em favor dos refugiados ali acolhidos, o que será feito no

capítulo 16 desta pesquisa. Por ora, será analisado, no capítulo infra, se os refugiados

são considerados cidadãos no local de acolhimento, ou melhor, se eles se assim se

sentem e se os governos locais assim os tratam, até por acreditar ser o capital social

gerado a solução para as desigualdades, para as discriminações e para o apartheid social

que estão na base da sociedade brasileira e, pelo menos com relação aos refugiados, em

Toronto. A diferença é que, no Brasil, a sociedade bem os acolhe, e, no Canadá, o

governo positivamente cria normas de proteção e promoção dos direitos dos mesmos.

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Capítulo 14

A integração dos refugiados: o ser-cidadão

O papel das redes em apoiar o acesso dos refugiados aos direitos à educação, à

saúde, ao emprego, à habitação, à liberdade religiosa, à sua própria cultura, ou seja, aos

direitos básicos de cidadão, deve ser primordial. Assim é que este capítulo visa avaliar

se os refugiados são, teórica e praticamente, reconhecidos como cidadãos em São Paulo

e em Toronto, ou seja, se o grau de integração deles nestas cidades faz com que assim se

sintam e, por fim, se esta integração resulta da bagagem cultural que os refugiados

trazem consigo dos locais de origem, se resulta das políticas públicas adotadas nestes

locais de acolhimento ou se resulta de uma combinação de ambas, embora se busque

identificar qual das duas possui um peso maior no processo de integração destes

indivíduos.

Em maior ou menor grau, tanto em São Paulo quanto em Toronto, os refugiados

entrevistados se mostraram razoalmente integrados, o que não deve ser confundido com

assimilação cultural, ou seja, com o processo de desculturação do indivíduo necessário

para seu adequamento à comunidade receptora, sendo, assim, obrigado a apagar seu

passado cultural para adquirir de forma quase que absoluta a nova cultura que passa a

integrar.

Como visto, todas as pesquisas sobre capital social analisadas para este trabalho

tratam, mesmo que indiretamente, da capacidade que os indivíduos possuem de criar

grupos ou redes interpessoais, cujas relações produzem, ou não, laços de confiança de e

reciprocidade entre seus membros. Para Schmidt (2003), “investir em capital social, o

que é democratizante e des-hierarquizante, enseja a formação de redes, [...] ou seja, de

laços sociais geradores de confiança.”

Importa mencionar que estar integrado não significa sentir-se cidadão no novo

local de acolhimento. A formação de redes e grupos não necessariamente faz com que

os refugiados sejam tratados como e/ou se sintam cidadãos, sendo, entretanto, este um

primeiro passo para alcançar esta condição.

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Em primeiro, economicamente, apesar dos programas do governo local de

inserção dos menos favorecidos no mercado de trabalho, como o CREDISOL em São

Paulo, os refugiados, de forma quase unânime, reclamaram das dificuldades de inserção

no mercado de trabalho, o que provocaria a auto-sustentabilidade da família,

culminando no desenvolvimento econômico e eliminando a possível síndrome de

dependência. Esta reclamação veio especialmente das mulheres, que reclamaram por

ser-lhes oferecidos apenas trabalhos temporários e por não ter locais específicos ou

pesssoas com quem deixar os filhos menores, dificultando mais ainda a inserção no

mercado de trabalho local.

Em segundo, socialmente, e coadunando-se com a dificuldade de integração

econômica, a falta de aprendizado do idioma local é outro empecilho, exceto para os

angolanos em São Paulo, apesar dos cursos gratuitos oferecidos pelo SESC (São Paulo)

e pelo Programa LINC (Toronto). Também as mulheres e os idosos possuem estas

dificuldades. Outro problema é a dificuldade em obter vagas nas universidades. Tanto

no Brasil como no Canadá o ensino fundamental e médio gratuito abre espaço para as

crianças e para os adolescentes refugiados estudarem. Mas, muitos precisam continuar

os estudos para encontrarem melhores oportunidades de trabalho e, em Toronto, todos

reclamaram da falta de acesso, pois as universidades são privadas e caras.

A mesma reclamação ocorreu no tocante ao acesso à saúde que, apesar de

gratuita, em São Paulo, a precariedade impera e, em Toronto, o refugiado precisa se

cadastrar no Programa do Bem-Estar Social para ter acesso a alguns (não todos)

medicamentos e exames. Não houve reclamação quanto à dificuldade de adaptação e de

manutenção da religião de origem, do novo clima (nem em Toronto) nem da nova

cultura (valores, princípios éticos e morais, costumes, tradições e instituições políticas).

A política é outro fator necessário para caracterizar a integração do refugiado,

tendo sido afirmado pelos entrevistados que gostariam de possuir mais tempo para se

engajar nos trabalhos de associações voluntárias de auxílio aos seus próprios

compatriotas, assim como na defesa de seus direitos e de sua própria comunidade, como

afirmaram algumas latino-americanas entrevistadas em Toronto, que reclamaram da

“falta de união” entre os membros desta comunidade, que “não se auxiliam mutuamente

para melhorar as condições de vida deles em Toronto.” Entretanto, as entrevistas

realizadas mostraram que, talvez por não possuírem o direito de votar e ser votado, os

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refugiados entrevistados em ambas as cidades não se preocupam com a vida política

partidária local, regional ou nacional, com raras exceções, não sabendo declarar a

respeito das plataformas de governo dos principais líderes. Também um ou outro

entrevistado afirmou ter participado de encontros com sua própria comunidade para

peticionar e/ou reclamar melhorias em benefício de si mesmo e/ou dos membros de sua

comunidade.

Por fim, culturalmente, os refugiados, excetuando-se um entrevistado em

Toronto, não reclamaram do novo meio em que se acham inseridos, tendo já feito

amizades, entendendo-se e fazendo-se entender no local de acolhimento, quanto aos

seus anseios, necessidades e objetivos, apesar de estes nem sempre serem atendidos,

especialmente entre seus compatriotas e/ou indivíduos de mesma cultura e/ou religião, o

que gera confiança e reciprocidade, bases para criação do capital social. A partir das

entrevistadas realizadas, identificou-se que os refugiados se adequam à nova cultura

sem destruir sua bagagem cultural no novo ambiente.

A integração deve ser vista como base para os conceitos de cidadania moderna,

surgida a partir do processo globalizatório de derrubada de fronteiras nas mesmas

dimensões da teoria da integração (Santos, 2005, 25-102), ou seja:

• globalização econômica, “sustentada pelo consenso econômico neoliberal

que visa reduzir drasticamente a regulação estatal da economia, fornecer

novos direitos de propriedade internacional e subordinar os Estados

nacionais às agências multilaterais (i.e. FMI, OMC e Banco Mundial)”;

• gobalização social, que produz o desemprego em alta entre os refugiados

entrevistados, “a destruição das economias de subsistência e a minimização

dos custos salariais à escala mundial, tem como fim o crescimento e a

estabilidade econômica assentados na redução dos custos salariais.”

Para tanto, faz-se mister “liberalizar o mercado de trabalho, reduzindo os

direitos liberais, proibindo a indexação dos salários aos ganhos de produtividade e os

ajustamentos em relação ao custo de vida e eliminando, a prazo, a legislação sobre o

salário mínimo.” Assim é que, citando Santos (2005, 35), “o cidadão passa a ser o

consumidor e o critério de inclusão deixa de ser o direito para passar a ser a

insolvência”;

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• globalização política, caracterizada pela subordinação dos Estados

periféricos aos Estados hegemônicos, enfraquecendo o poder daqueles, quais

sejam, o Estados do hemisfério sul, que são obrigados a deixarem-se regular

pelo mercado, cujas normas que trazem transformações jurídicas e

institucionais são impostas pelos últimos e pelas empresas transnacionais.

Esta nova ordem resulta das exigências do Consenso de Washington, que,

segundo Santos (2005, 41), foi composto por três componentes: o consenso do Estado

fraco ou mínimo (Estado como inimigo da sociedade civil), o consenso da democracia

liberal (liberdade política e econômica e eleições e mercados livres) e o consenso do

primado do direito e do sistema judicial (liberalização dos mercados, dos investimentos

e do sistema financeiro); e

• globalização cultural, nome dado ao disfarce utilizado por “grupos, classes,

interesses e Estados que definem as culturas parciais enquanto culturas

globais”, controlando, assim, a agenda da dominação política. Para Santos

(2005, 45), a globalização cultural poderia ser mais corretamente chamada

de “ocidentalização ou americanização” (citando Ritzer, 1995),

já que os valores, os artefatos culturais e os universos simbólicos que se globalizam são ocidentais e, por vezes, especificamente norte-americanos, sejam eles o individualismo, a democracia política, a racionalidade econômica, o utilitarismo, o primado do direito, o cinema, a publicidade, a televisão, a internet etc.

Nesse mesmo sentido, Wallerstein (2002,43) identifica que “a consequência que

podemos prever [de todo esse processo globalizatório] é uma pressão migratória

realmente enorme do Sul para o Norte.” E, acrescenta o cientista,

é claro que haverá (já há) uma forte reação no Norte – exigindo leis mais repressivas para limitar a imigração e os direitos sociais e políticos dos imigrantes. O resultado pode ser a pior das soluções conciliatórias impostas pelas circunstâncias: será impossível impedir eficazmente a entrada de migrantes, mas estes terão garantido um status político de segunda classe.

É exatamente essa a conseqüência que os refugiados entrevistados em São Paulo

e em Toronto sentem no momento: a falta de acesso aos direitos que, teoricamente,

deveriam ser fornecidos pelo Estado, como ente público dotado de competência

suficiente para fazer o refugiado se sentir cidadão no novo local de acolhimento.

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Esta idéia de articulação dos direitos como reivindicação ao reconhecimento tem

sido invocada como o ideal de cidadania desde os tempos antigos, com os gregos e os

romanos, conforme lembra Isin (2002, 1-5), acrescentando que “o novo são as

condições econômicas, sociais e culturais que fazem possível a articulação das novas

reivindicações e o conteúdo e a forma destas novas reivindicações como direitos de

cidadania.”

Por sua vez, Schmidt (2001) aponta que “[...] os direitos da cidadania, nesse

mundo em transição, exigem redefinições, no sentido de garantir-se lealdade à categoria

fundaste da igualdade entre os homens,” especialmente em virtude da falência do

Estado Moderno Democrático, que, “se encontra –hoje – desaparelhado e incapaz de

uma intervenção que seja eficiente e democrática”. Embora falido, faz-se necessária a

“intervenção do Estado no próprio circuito mais profundo das relações sociais e

econômicas cotidianas,” para reduzir, no mínimo, “a existência massiva da pobreza e da

exclusão, ao lado de enorme e inusitada riqueza.” Para este cientista,

a imperícia estatal se revela na sua ineficiência como provedor de bens públicos essenciais, como serviços de educação, proteção social, educação e segurança; bem como na sua debilidade, como agente de ordem pública universal, para garantir o exercício dos direitos plenos de natureza individual e coletiva de seus cidadãos. Na verdade, o Estado Moderno, ao final do século XX, está indicando o fim de um ciclo, onde perdem o monopólio da representação dos interesses coletivos, o monopólio da força e da violência sistêmica, e o monopólio da iniciativa de políticas de interesse universal. [...] O fim do século XX, todavia, anuncia um período de enorme e necessária mudança nas suas formas de atuação.

Dentre os novos direitos elencados como direitos de cidadania, podem-se

exemplificar as condições de imigrantes e refugiados158, de aborígenes, de grupos

diaspóricos159, de mulheres, as injustiças ambientais e a problemática dos que não

158

Os capítulo 1 e 2 desta pesquisa se referem à definição de refugiado na ordem jurídica internacional como obsoleta e fundada em questões políticas, sendo latente a necessidade de modificar tal definição para se ajustar à nova ordem mundial, modificada após o final da guerra fria e, principalmente para os imigrantes e refugiados, no período que se sucede aos ataques da al qaeda às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, EUA, em 11 de setembro de 2001. 159

Suaréz, in aula do doutorado no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais Comparadas nas Américas (CEPPAC), da Universidade de Brasília (UnB), em 13 de setembro de 2002, diferencia o fenômeno migratório do diaspórico, identificando algumas características neste que não são encontradas naquele, quais sejam: o desejo de retorno à terra natal, que não ocorre na migração; a reivindicação política, enquanto que na migração há a permanência das identidades culturais (tratada no capítulo infra); a formação de uma sociedade plural, contrapondo-se à sociedade híbrida formada na migração; e, por fim, a diáspora é mais rara, mais definida, mais limitada e mais dinâmica do que a migração, que se apresenta de forma mais comum e mais universal, “estando em todos os lugares e em todos os momentos.”

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possuem habitação; sendo todos alvos de movimentos de luta pelos direitos e

obrigações de cidadania, fazendo surgir suas diferentes formas, por exemplo:

• a social: Roche (2002, 69) se refere à cidadania social como a dimensão

social da cidadania, ou seja, aos direitos sociais e à política social

estabelecida e mantida para os cidadãos, resultante da globalização, tais

como: as políticas direcionadas ao combate à pobreza, à desigualdade, aos

problemas de saúde e à exclusão social, ou, vista pelo lado positivo, as

políticas de manutenção de renda, de acesso ao emprego, aos serviços de

saúde e de habitação;

• a econômica: para Woodiwiss (2002, 52), diz repeito aos direitos

econômicos (emprego, seguridade etc.), como os direitos trabalhistas

coletivos, cujos desenvolvimentos vêm mudando a natureza das relações

trabalhistas160;

• a política: definida por Janoski e Gran (2002, 13-4) como “a garantia de

proteção legal e política do poder coercitivo,” comportando o pertencimento

a um Estado; as capacidades ativa, de influenciar a política, e passiva, de

direitos de personalidade sob um sistema legal; os direitos universalísticos

promovidos pela lei e implementados para todos os cidadãos; e a declaração

de igualdade, com direitos e obrigações balanceados dentro de certos limites;

direitos estes existentes “nos níveis individuais, organizacionais e societais.”

Para Miller (2002, 233), também engloba o direito de votar e ser votado, de

garantia da segurança física como retorno por ter cedido o direito à violência

ao Estado, além do direito de apelar ao governo representativo;

• a cultural: Miller (2002, 231) define a cidadania cultural como a que “se

preocupa com a manutenção e o desenvolvimento da linhagem cultural via

educação, costumes, idioma e religião e o reconhecimento positivo da

diferença em e através deste quadro”;

160

No Canadá, Woodiwiss (2002, 60) lembra a evolução positiva que houve com a Carta dos Direitos e Liberdades de 1982, protegendo mais ainda os trabalhadores canadenses. No Brasil, país de tradição patriarcal católica, conforme retratado no capítulo 4.1 desta pesquisa, a Consolidação das Leis Trabalhistas, promulgada em 1943, durante o regime Vargas, permanece, sem alterações robustas, apesar das liberdades sindicais, de greve e da formação de partidos políticos, como o Partido dos Trabalhadores (PT), organizados pelos trabalhadores em luta por mais direitos econômicos e sociais. (grifo da autora).

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• a sexual: Lister (2002, 192) aqui se refere à cidadania como um conceito de

gênero, englobando tanto direitos sexuais como das minorias sexuais;

• a ecológica161: também chamada pelo pastor Bertholdo Weber de “cidadania

franciscana”, em alusão ao santo católico São Francisco de Assis, que

enxergava todos os seres vivos, inclusive animais e plantas, como irmãos,

com direitos vários, tais como a uma existência saudável, em equilíbrio com

o mercado e com os seres humanos;

• a diaspórica: assim como a cidadania comunitária, visa aos direitos do grupo

diaspórico e sua relação de pertencimento com o território onde residem;

• a comunitária: para Delanty (2002, 159), é a cidadania baseada em

indivíduos membros de comunidade (= um grupo consciente de si mesmo

como uma entidade culturalmente definida) política e social, nascidas

naturalmente, portanto, antes de ordem política estatal. Ademais, Vieira

(2001, 39) lembra que ela “prioriza a comunidade, sociedade, nação,

invocando a solidariedade e o senso de um destino comum como pedra de

toque da coesão social, [...] tendo como principal objetivo a construção de

uma comunidade baseada em valores centrais, como identidade comum,

solidariedade, participação e integração”;

• a multicultural: Joppke (2002, 244) se refere à cidadania multicultural como

um mecanismo para, teoricamente, acomodar minorias étnicas, nacionais e

outras, embora, na prática, esta acomodação não tenha ocorrido tão

facilmente, como exposto no capítulo 5.1 acima, que caracterizou a

sociedade multicultural canadense; e

• a cosmopolita ou universal: resulta, para Vieira (2001, 239-41), dos

processos migratórios e, portanto, da necessidade de dissociar o conceito de

nacionalidade (cidadania legal) do conceito de cidadania, para que qualquer

pessoa que resida no território de certo Estado possa tornar-se cidadão. Neste

novo conceito de cidadão, o “laço jurídico e político que liga o indivíduo ao

161 In http://www.agirazul.com.br/artigos/weber.htm acesso em 29 de julho de 2008.

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Estado seria substituído por um conjunto de valores e práticas sócio-

econômicos [...].”

Como resultado, nas palavras de Isin (2002, 2), “várias lutas baseadas em

identidade e diferença encontraram novas formas de articular suas reivindicações como

reivindicações de cidadania, entendida não apenas como uma condição jurídica, mas

como reconhecimento político e social e como redistribuição econômica.”

Corroborando com Vieira (2001, 49) que afirma que “encontramo-nos, sem

dúvida, em um momento de revitalização do conceito de cidadania”, especialmente

devido à problemática contemporânea do fenômeno migratório e de refugiados,

agravada com a globalização, faz-se importante mencionar Isin (2002, 5-9), que trata,

assim como Vieira (2001), do problema de cidadania nacional em relação aos direitos

humanos, em relação às obrigações e às virtudes do cidadão e, ao final, em relação à

globalização e à territorialidade.

De início, Isin lembra a relação histórica entre cidadania, nacionalismo e estado-

nação. No passado, o conceito de cidadão era um conceito excluinte, pois apenas eram

assim considerados os residentes na cidade e participantes do processo civilizatório,

excluindo-se os estrangeiros e outros indivíduos, até que o sistema de Westphalia cria o

Estado soberano com a necessidade de ligar cidadania ao nacionalismo. A consolidação

se deu com a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, que igualou

em direitos e obrigações o homem ao cidadão na sociedade francesa.

A partir daí, a formação e a expansão do sistema internacional de direitos

humanos, embora sem poder coercitivo supra-nacional para impor autoridade legal aos

Estados, de forma a fazê-los cumpridores dos mesmos, reforça a cidadania legal,

levando os indivíduos a se protegerem sob o manto das cortes internacionais de direitos

humanos quando os Estados falham em prover os direitos dos humanos e dos cidadãos.

A relação entre as obrigações e as virtudes do cidadão resultam dos movimentos

sociais que foram essenciais na expansão dos direitos sociais, tais como a proteção dos

direitos do trabalhador migrante, resultando na adoção, em 2003, da Convenção

Internacional para a Proteção dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, ainda não

ratificada pelo Brasil.

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A importância desta Convenção é no sentido de minimizar os efeitos danosos da

globalização social, conforme acima mencionada, aos trabalhadores imigrantes e aos

refugiados, cuja dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e à educação resultam,

citando Isin (2002, 8), “em uma erosão da cidadania que podemos ver manifestada na

baixa participação nas eleições, na falta de confiança nos políticos, na falta de

investimento de capital social na sociedade, no declínio da esfera pública e no declínio

das universidades”. Não é a toa que os refugiados entrevistados em ambas as cidades

reclamaram da falta de trabalho e da falta de oportunidades de continuar os estudos que

vinham fazendo no país de origem.

A última preocupação de Isin é a respeito do local da cidadania nas relações

dinâmicas entre a região, o Estado e a sociedade global no mundo moderno, pois “como

o processo globalizatório produz múltiplas diásporas, podemos esperar relações

complexas entre a terra natal e as sociedades acolhedoras que farão a idéia tradicional

de cidadania crescentemente problemática.” Se, como pensa Morin (2001), a cidadania

universal (ou o ser cidadão do mundo) é a solução e, citando Isin (2002, 19), há que se

ter “direitos globais e cidadania cosmopolita”, “é necessário desenvolver uma

linguagem de obrigações e virtudes, [...] respeitando as outras culturas e

comprometendo-se a proteger a multiplicidade cultural da riqueza comum global, o que

seria a construção de uma virtude cosmopolita.”

O que se quer dizer é que com o processo globalizatório atual, produzindo

massas de imigrantes e refugiados, cada sociedade precisa administrar as diferenças

culturais e as tensões e os conflitos associados a estas diferenças, produzindo mudanças

significativas na construção dos processos e conceitos de cidadania, diferenciando as

diversas categorias de cidadão, a partir das necessidades e realidades sociais. Assim é

que Joppke (2007, 37) declara ser a “cidadania muitas coisas para muita gente.”

Mashall (apud Vieira, 2001; Isin, 2002; Nyers, 2004 e Joppke, 2007), em 1950,

que foi o responsável por tornar clássico o conceito de cidadania enquanto “direito a ter

direitos”, desenvolvendo “direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão,”

falhou ao tratar das novas realidades enfrentadas pelo crescente número da população

mundial, como os milhares de refugiados, deslocados internos e apátridas.

Nyers (2007, 3), entretanto, afirma que “a cidadania não é apenas uma condição

legal que é conferida, um presente do Estado. Cidadania é algo que é tomado tanto

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quanto é dado,” ou seja, é muito mais do que uma condição jurídica, é o reconhecimento

como pessoa, como o ser político e social de que trata Aristóteles. Para este cientista

político (2004, 203), “cidadania é a identidade política que aglutina as reivindicações

modernas de liberdade, igualdade, direitos, autonomia, auto-determinação,

individualismo e agência humana [a condição de ser agente político em uma

comunidade política].”

Joppke (2007, 37-48) aponta três dimensões do conceito moderno de cidadania:

a condição, os direitos e a identidade. A cidadania como condição “denota o

pertencimento formal a um Estado e as regras de acesso ao mesmo; como direitos, ela

“se refere às capacidades formais e às imunidades conectadas a tal condição”; e como

identidade, ela “se refere aos aspectos comportamentais dos indivíduos agindo e vendo-

se como membros de uma coletividade, classicamente a nação, ou à concepções

normativas de tais comportamentos imputados ao Estado.” E, acrescenta o autor, neste

último sentido, “a cidadania visa à unidade e à integração da sociedade, [...] cujas

campanhas visam, predominantemente, a incorporação dos imigrantes [e refugiados] e

das minorias étnicas.” (grifo no original).

A relação entre as três dimensões se aproxima do significado original de

cidadania como membro de um Estado-nação, ou seja, de cidadania legal, adquirida,

originalmente, a partir dos critérios do jus solis (a depender do território onde nasceu)

ou jus sanguinis (a depender da nacionalidade dos ascendentes), ou resultante de algum

processo de nacionalização, como a naturalização.

Para ele (2007), na dimensão condição, o desenvolvimento mais significante foi

a liberalização do acesso à cidadania em meados do século passado, removendo as

barreiras sexual e racial à naturalização e atribuindo ao jus solis um papel maior do que

ao jus sanguinis. O resultado foi uma diversificação interna nas dimensões étnicas,

raciais e religiosas.

Esta diversificação trouxe, segundo o autor, implicações importantes para a

segunda dimensão de cidadania, a dos direitos, tendo sido os direitos sociais os mais

importantes na era do Estado do bem-estar social, responsável pela criação ou retenção

de uma homonegeidade étnica e de redes de solidariedade necessárias para a

redistribuição de riquezas. “Com esta diversificação étnica da sociedade, a base para os

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direitos sociais se torna frágil ao passo que outros direitos tomam a dianteira, como os

direitos de anti-discriminação e de reconhecimento multicultural.”

Esta diversificação, novamente, traz conseqüências para a dimensão identidade

da cidadania. Joppke (2007) relata que

já que a cidadania se tornou disponível sem o estabelecimento de pré-condições étnicas, culturais ou raciais e as filiações aos grupos passaram a ser protegidas, inclusive sob os direitos anti-discriminatórios e multiculturais, o pertencimento a um Estado deixou de ter a conotação de uma identidade específica. A partir de então, pertencimento e identidade tomaram caminhos distintos. O fechamento do ciclo condição-direitos-identidade faz surgir preocupações no tocante à integração de sociedades diversas etnicamente e os Estados precisaram responder a isto com campanhas para simbolicamente fornecer cidadania, mesmo que incluindo um re-endurecimento do acesso.

O que sobra para o Estado mínimo e liberal na era globalizante são as políticas

migratórias, como o seu ressurgimento por intermédio da nova política migratória

aprovada pela União Européia, neste 2008. Tendo perdido o controle sobre inúmeras

problemáticas, resta ao Estado ser o vilão dos migrantes e refugiados, fechando-lhes o

cerco, ou melhor, fechando as fronteiras e obrigando à transformação da cidadania, mais

uma vez, como tem ocorrido ao longo da história.

O que Joppke quis enfatizar foi que as mudanças na primeira dimensão da

cidadania (como condição) causaram mudanças na segunda (como direitos), que

novamente causaram mudanças na terceira (como identidade). Assim ele retrata tais

mudanças:

(dimensão 1) a liberalização ao acesso da cidadania trouxe uma pluralização étnica à condição de cidadania... (dimensão 2) que dificultou a manutenção dos direitos sociais, trazendo os direitos das minorias (de anti-discriminação e de reconhecimento) para o front... (dimensão 3) e o Estado, em resposta, respondeu a esta ‘luta proveniente do centro’ demográfico-legal com campanhas centrípetas em favor da unidade e da integração, que, entretanto, possui a necessidade de ser conduzida de forma universalística.

Assim é que se chega à definição de cidadania de Yeatman (2007, 105), centrada

na idéia do ser humano como um indivíduo, como uma pessoa com uma condição

jurídica e com direitos de auto-preservação, ou seja, de segurança, fornecidos pelo

Estado, mesmo pelo Estado mínimo liberal. Para ele, a definição de cidadania diz

respeito à dimensão pública ou universal do individualismo, pois o indivíduo, como

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participante da vida social (nas relações familiares, sociais, trabalhistas, voluntárias

etc.), é o sujeito da cidadania.

A individualidade, que deve ser preservada para todos os cidadãos, inclusive

migrantes e refugiados, é, nas palavras de Yeatman (2007), “a construção do ser

humano em todos os aspectos de seu ser como uma unidade integrada e única da ação

social,” devendo, pois, ser preservada, inclusive pelo próprio Estado, ente detentor de

soberania e, portanto, de poder coercitivo superior e externo ao indivíduo.

A integração do refugiado, por exemplo, no local de acolhimento, não se dá de

forma automática. O indivíduo não alcança unidade automaticamente. Para que esta

unidade ocorra, o ser humano precisa viver em um mundo que valorize as condições de

vida e que ofereça apoio e facilidades para que a individualidade construa e mantenha

condições e formas de vida. E, isto é papel do Estado, principalmente ao se levar em

consideração a afirmação de Hindess (2004, 305-15), de que “a cidadania tem sido

sempre uma questão de ser governado, no mínimo uma questão de participar no

trabalho do governo.”

Para Hindess (2004), cujas características da cidadania são a progressividade

(busca melhorias nas condições que visam reconhecer o ser como cidadão) e ser um

importante degrau no desenvolvimento da humanidade,

a globalização da cidadania possui elementos que são progressivos em um sentido modesto. Em um mundo dominado pelo sistema de Estados, a condição dos que não possuem cidadania, ou residentes em um Estado que não possui a capacidade de assegurar-lhes seus benefícios, não é nada atraente.

Mesmo no caso da cidadania acidental, definida por Nyers (2006, 22-41) como

“um termo pejorativo utilizado para descrever as cidadanias resultantes de nascimento

de indivíduos nascidos no território dos EUA por pais que não possuem a cidadania

deste país”, como no caso da cidadania neurótica (Isin, 2004, 217-35), a obrigação do

Estado é mantida, no sentido de fornecer meios para uma vida segura e saudável ao seu

cidadão.

Isin (2004, 223) se refere ao cidadão neurótico como aquele que

é instigado a realizar investimentos sociais e culturais com o fim de eliminar vários perigos, regulando sua conduta na base das ansiedades e inseguranças, ao invés de tomar como base a racionalidade, sendo,

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ainda, convidado a se considerar como parte de uma espécie neurológica e a entender-se como uma estrutura com emoções.

Assim é que Isin (2004, 225) interpreta algumas práticas humanas de governo

através da neurose em vários aspectos da vida social (na economia – consumismo e

dívidas, no próprio corpo – anorexia e bulimia, no meio ambiente – ansiedade e medo

de um colapso enérgico, na rede informatizada – os vírus, em casa – os equipamentos de

segurança, e na fronteira – ansiedades por ser ilegal), diferentemente do governo que

“governa através do risco”, ou seja, de forma calculada, racional e competente.

Isin (2004, 232-3) lembra que o liberalismo e o neoliberalismo criaram o

“cidadão biônico”, um sujeito com competência, racionalidade e alta capacidade de

cálculo, enquanto que o cidadão neurótico é ativo e cheio de energias para mobilizar

ativamente suas emoções com o objetivo de governar-se a si próprio e para administrar

suas ansiedades e inseguranças sem fim, pois o que ele quer é impossível, ou seja:

“direito à seguridade, à segurança, ao corpo, à saúde, à riqueza, à felicidade assim como

à tranquilidade, à serenidade e à calmaria.”

A importância política deste cidadão neurótico, segundo Isin, é que “governar

através da neurose é um dos mais perigosos movimentos de nossos tempos, [...] pois as

reivindicações do cidadão neurótico estão articuladas em direitos inexistentes, em

‘justiça neurótica’”e [...] o governo não tem interesse em curar ou cuidar dela, mas

apenas em administrar a neurose e suas ansiedades”. Portanto, os imigrantes e os

refugiados, sofrendo de traumas crônicos, conforme afirmado pelo Dr. Lotufo (capítulo

13 acima), sofrendo da síndrome de dependência dos refugiados e, por vezes, da perda

de identidade, possuem uma alta tendência de se transformar em cidadãos neuróticos,

quando, por exemplo, as políticas públicas não os alcançam e os sentimentos de raiva,

nervosismo, estressse, injustiça, tristeza e depressão passam a ser constantes em seus

íntimos, apesar do apoio, quando há, de compatriotas.

A necessidade de criar novas formas de cidadania, a partir das palavras de Isin

(2002, 15) e de Nyers (2004, 206), se justifica, para os refugiados, e imigrantes em

geral, nas ameaças constantes resultantes da imagem do imigrante na comunidade

acolhedora; imagens estas associadas ao terrorismo, crime, doenças e desemprego. Este

rótulo com que é taxado o refugiado, e o imigrante em geral, afeta profundamente a

integração destes no local de acolhimento, impedindo de se verem e de serem vistos

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pelos outros como cidadãos. Com o reconhecimento como cidadão, as dificuldades

estruturais podem ser transformadas no sentido de permitir aos mesmos evitar ou, no

mínimo, de ver diminuído o risco, o perigo e a insegurança nas vidas daqueles rotulados

pelos termos negativos acima mencionados.

Portanto, com base no exposto, vê-se que a cidadania, assim como o capital

social, é um elemento multidimensional, podendo ser utilizado para diversos fins e para

harmonizar relações entre diversos sujeitos, a depender do objetivo da pesquisa. Assim

é que se justifica a necessidade de buscar o significado de cidadania moderna utilizado

no Brasil e no Canadá, cidades de análise desta pesquisa.

No Brasil, Dagnino (2006 e 2007) recorda que a noção de cidadania tem sido

utilizada cada vez mais no vocabulário político de movimentos populares de setores

excluídos, de sindicatos e de partidos de esquerda, que começaram a adotá-la como “um

elemento central de suas estratégias políticas, a partir do final dos anos de 1980.” Estes

movimentos, organizados em torno de diferentes demandas (habitação, saúde, educação,

desemprego, violência etc.), também passaram a usar este conceito para se articularem

entre si, com o governo e com a iniciativa privada. Inclusive, a “dimensão cultural,

incorporando preocupações ligadas às subjetividades, às identidades e aos direitos à

diferença”, também passaram a fazer parte do processo brasileiro de redefinição de

cidadania.

Dagnino (2007, 2470) enfatiza que este conceito de cidadania reconstruído no

Brasil, assim como em grande parte da América Latina, e nascido sob inspiração

neoliberal, deve ser entendido como “uma mera integração individual ao mercado”;

além de que, “ao mesmo tempo, como parte do mesmo processo de ajustes estruturais,

os direitos consolidados estão sendo progressivamente retirados dos trabalhadores em

toda a América latina”, por meio de práticas como a flexibilização dos direitos

trabalhistas, apesar de prática de mecanismos de democracia direta, como o orçamento

participativo.

Este Estado neoliberal mínimo, como bem afirma Dagnino (2007, 2471-3), “é

mínimo somente no tocante às políticas sociais direcionadas aos pobres, mas não no

tocante à proteção dos interesses capitalistas em risco, como se exemplifica no caso dos

esforços governamentais para salvar bancos de falência”. Por conta desta reestruturação

do Estado e da economia, o conceito de cidadania tem sido “uma arma crucial não

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apenas na luta contra a exclusão social e econômica e contra a desigualdade, mas

também na luta para ampliar as concepções dominantes de política.”

A preocupação dos movimentos sociais no Brasil com a necessidade de afirmar

o direito a ter direitos está intrinsicamente ligada à exclusão162 e ao autoritarismo sociais

e políticos, caracterizadores da sociedade brasileira. Assim, para Dagnino (2007, 2474-

6), com a redefinição de cidadania, também a esfera cultural precisa ser redefinida no

Brasil, para extinguir esta perversa cultura política e social de subalternidade e

dominação, para ampliar o significado de cidadania para além da aquisição jurídico-

legal de direitos e para incluir novos direitos emergidos de lutas específicas e de suas

práticas concretas, “a regular não apenas as relações entre o Estado e o indíviduo, mas

também estar implantado dentro da sociedade, presidindo todas as relações sociais, em

todos os níveis.”

O Brasil, nas palavras do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (2002),

precisa de uma política cultural eficaz, que ponha fim na “consciência colonizada” que

permeia a sociedade brasileira, alimentando sentimentos de impotência e de

subserviência e levando o país a uma vulnerabilidade ideológica que afeta a identidade

cultural brasileira e tem feito com que a elite intelectual e os governantes do país

“procurem sempre ver nos modelos estrangeiros as soluções para o subdesenvolvimento

econômico, para o ‘atraso cultural’, para o ‘autoritarismo’ político, para o ‘arcaísmo’

institucional brasileiro.” Para ele, a estratégia é

articular políticas de comunicação e educação, sempre com o objetivo estratégico de reduzir a hegemonia cultural de qualquer manifestação estrangeira face à produção cultural brasileira e ampliar a diversidade de oferta cultural à disposição da sociedade brasileira.

Em outras palavras, o que o embaixador quer dizer é que, coadunando-se com

Dagnino (2007, 33-5) o Brasil precisa fortalecer o conceito de cidadania diferenciada,

ou seja, “introduzir a idéia de direitos coletivos, que sejam pertinentes a certo grupo de

pessoas que compartilhem identidades etno-culturais.” No Brasil, o movimento

162 Robison, Siles & Schmid (2003, 55) assim se pronunciam a respeito da relação entre pobreza e capital social na América Latina: tanto é que a CEPAL possui grupos de trabalho realizando pesquisas na América Latina e no Caribe a partir do reconhecimento de que “existe uma interdependência entre os esforços dirigidos a reduzir a pobreza e a desigualdade e a iniciativas de inversão em capital social. Os esforços de redução de pobreza exercem uma influência positiva no capital social de um país, pois diminuem a segregação.”

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feminino tem sido um exemplo de luta em favor deste forma de cidadania, não se

escondendo por trás de outras diferenças, também importantes, como etnia e raça, mas

“buscando o direito à diferença como componente necessário à cidadania.”

Em São Paulo, os refugiados entrevistados reclamaram de que, embora haja

normas específicas que os atendam, não há pessoas qualificadas suficientes para realizar

o atendimento. Muitas vezes a falta de tradutores é uma dificuldade crucial para a

integração do refugiado no espaço público que está além do espaço da comunidade local

ou étnico. Um exemplo é a falta de funcionários qualificados que auxiliem os refugiados

na criação dos projetos de micro-crédito (CREDISOL), a que os mesmos possuem

direito, mas não possuem conhecimento sobre como acessá-lo.

Não se deve olvidar que a CR/88 elenca no seu artigo 4°, dentre os princípios

pelos quais o Brasil se rege nas suas relações internacionais, o direito a auto-

determinação dos povos, reforçando o conceito redefinido de cidadania no país,

englobando, alem da dimensão jurídico-legal, também a dimensão sócio-cultural e

política, embora esta última ainda esteja em fase de fortalecimento.

Os refugiados entrevistados em São Paulo reclamaram da falta de acesso ao

mercado de trabalho, à educação e ao sistema de saúde. Mesmo os que já estavam

trabalhando, afirmaram que gostariam de conseguir um emprego melhor. Isto tudo

significa, na prática, que os refugiados não possuem acesso aos direitos de cidadão, não

se sentindo como tais no local de acolhimento.

Do lado da sociedade de acolhimento, em São Paulo, os locais não sabem

diferenciar, na prática, entre quem seja um refugiado, um migrante voluntário ou um

estrangeiro qualquer lato sensu, tratando-os da mesma forma, igualitariamente,

independente de origem do mesmo ser de país latino-americano, africano ou árabe-

muçulmano.

No Canadá, Kymlicka (1996 e 2003) afirma que a cidadania ainda é confundida

com nacionalidade. Assim é que para ser cidadão canadense são necessários alguns

requisitos, como teste do idioma e de cultura (incluindo instituições, história e geografia

local e nacional), uma cerimônia formal, tempo de permanência no país, comprovante

de residência e do modo de manutenção financeira no país, além dos procedimentos

formais legais. No Brasil, também há os procedimentos formais, diferenciando-se do

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Canadá pois, neste, após três anos como residente no país, o refugiado já pode requerer

sua cidadania legal, enquanto que no Brasil são necessários seis anos como refugiado

para requerer o visto de residente permanente e mais seis anos para requerer a cidadania

legal.

Ao contrário do Brasil163, o Canadá, em regra, aceita a dupla nacionalidade, não

sendo, portanto, a naturalização um caminho obrigatório e sem volta para o processo de

assimilação cultural. Ademais, o Canadá submete seus nacionais, conforme identificado

no capítulo 5.1 desta pesquisa, à política nacional do multiculturalismo, uma política de

cima para baixo, ao contrário dos processos integracionistas ocorridos com os

estrangeiros no Brasil, que são realizados de baixo para cima.

A cidadania multicultural no Canadá fornece aos refugiados e aos imigrantes em

geral aulas de idioma, além de acesso ao seguro-desemprego, saúde pública (de forma

precária), liberdades de expressão e de associação (assim como acontece no Brasil) e, o

mais importante, total proteção de normas anti-discriminatórias fortes com relação à

habitação e emprego, embora todos os refugiados entrevistados em Toronto tenham

reclamado da dificuldade de acesso à habitação e muitos estarem desempregados.

Nem no Brasil nem no Canadá os refugiados ou quaisquer imigrantes podem

votar ou ser votado. Entretanto, o Canadá deporta refugiados condenados por crimes

sérios, ao passo que, no Brasil, estes não serão deportados, nem expulsos, nem

extraditados.

Os refugiados entrevistados em Toronto reclamaram, assim como os

entrevistados em São Paulo, da falta de acesso ao mercado de trabalho, da dificuldade

do aprendizado do novo idioma, da burocracia estatal que faz levar um bom tempo até

que seja proferida a decisão de (in)deferimento de refúgio, da detenção a que estão

sujeitos os solicitantes de refúgio indocumentados, da deportação, do refoulement, ainda

praticado no Canadá, dos baixos salários pagos aos refugiados e aos imigrantes, em

geral, em Toronto. Enfim, os refugiados em Toronto não se sentem cidadãos, no tocante

à dimensão jurídico-legal e econômica. Ademais, quanto à sociedade local, esta

163 A CR/88, no seu artigo 12, § 4º, II, reza que “será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.”

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demonstra um temor forte de que eles sejam solicitantes fraudulentos de refúgio,

preferindo tratá-los com indiferença, conforme cita Kymlicka (1996 e 2003).

A intenção de conceder cidadania jurídico-legal ao refugiado e ao imigrante no

Canadá em um curto espaço de tempo, segundo Kymlicka (2003, 199), reside no fato de

que

quando os imigrantes ganham a segurança psicológica e legal, que vem junto com a cidadania, eles apresentam uma probabilidade maior de estabelecer raízes, de contribuir com as inicitativas da comunidade local, de se preocupar no quão bem seus filhos estão se integrando, em investir nas habilidades linguísticas e no capital social que necessita para prosperar e, de forma mais geral, de desenvolver sentimentos mais fortes de identidade canadense e de lealdade.

Esta política de cidadania multicultural canadense seria uma espécie de meio do

caminho, sendo a integração o final do caminho, nas palavras de Kymlicka (1996, 199).

A importância de educar os locais para o multiculturalismo é tão forte, que a política

multicultural é parte obrigatória do currículo escolar desde os anos de 1970, objetivando

reduzir o medo que a sociedade local possui dos refugiados e imigrantes em geral.

Kymlicka (2003, 202-4) identifica que o tripé de sustentação da política

canadense para cidadania, nesta era de processos globalizantes e migratórios, é formado

pela cidadania, pela imigração e pelo multiculturalismo, havendo a ncessidade de

políticas públicas em equilíbrio em cada um dos três, para que a sociedade se

desenvolva em harmonia.

O multiculturalismo canadense reconhece a cidadania da diferença e a cidadania

comunitária, já mencionada, em que “os membros de certos grupos são incorporados na

comunidade política não apenas como indivíduos, mas também através do grupo, e seus

direitos dependem, em parte, da pertença ao grupo.” (Kymlicka, 1996, 38).

Tanto os refugiados em Toronto quanto os refugiados em São Paulo, afirmaram

não terem problemas de manter sua religião e suas culturas, inclusive se utilizando do

idioma originário, diariamente, em casa ou entre amigos, o que faz manter o forte

vínculo cultural com o país de origem, embora havendo a necessidade de aprendizado

do novo idioma e da cultura no local de acolhimento. Quanto a estes últimos, deriva da

necessidade de ingressar no mercado de trabalho (causas econômicas), para prover o

sustento do mesmo e da família. Houve, inclusive, refugiados entrevistados em Toronto

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que afirmaram possuir o desejo de buscar o resto da família que ficou no país de

origem, mas as dificuldades financeiras o impedem.

O que se conclui da análise das entrevistas com os refugiados é que, apesar de

integrados em São Paulo e em Toronto, os mesmos não se sentem totalmente como

cidadãos, pois alguns direitos de cidadania lhes são negados, por falta de políticas

públicas adequadas em ambas as cidades de acolhimento ou, em outras vezes, por falta

de conhecimento da cultura, do idioma e/ou do modo de funcionamento das instituições

públicas locais, dificultando aos mesmos conhecerem e terem acesso aos direitos

promovidos, protegidos e garantidos pela ordem jurídica local. Assim é que se analisará

o papel da bagagem cultural trazida pelos refugiados para os locais de acolhimento e o

papel das políticas públicas adotadas nestes, para tomar conhecimento da interferência

destas duas variáveis (cultura e políticas públicas) na formação do capital social dos

refugiados.

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Capítulo 15

A interferência da bagagem cultural na integração

Antes de relacionar a cultura com o capital social dos refugiados, importa

conceituá-la, mesmo por que, corroborando com Schmidt (2003), “o capital social é um

conceito que tem tudo a ver com a cultura, com a sua redescoberta; cultura no sentido

de material de análise.”

Kliksberg (2000, 19-58), já descrito no capítulo 7, aponta que “valores que

possuem suas raízes na cultura e que são fortalecidos ou dificultados por ela, como o

grau de solidariedade, de altruísmo, de respeito, de tolerância, são essenciais para o

desenvolvimento sustentável.” E complementa que “a cultura incide marcadamente

sobre o estilo de vida dos diversos grupos sociais.” Por isso é que a CEPAL, a que

Kliksberg faz parte como pesquisador, trata de articular capital social, pobreza e

desenvolvimento sustentável na América Latina e no Caribe, pois, segundo ele (2000,

32), “a desigualdade faz diminuir o capital social e isto afeta profundamente a saúde da

população;” saúde no sentido não de ausência de doença, mas de equilíbrio e harmonia

da população, aqui se incluindo os refugiados.

Guimaraes (2002) afirma que “cultura pode ser definida em sentido estrito como

o conjunto de atividades humanas, de natureza não utilitária, que expressam e

reproduzem a experiência individual ou coletiva, a disseminam no presente e a

transmitem no tempo, de geração em geração.”

Para Sardar e Loon (1997, 4), cultura é “o todo complexo que inclui

conhecimentos, crenças, artes, morais, leis, costumes e outras capacidades e hábitos

adquiridos pelo ser humano como membro de uma sociedade.” Assim, cultura também

pode ser “o comportamento aprendido de uma sociedade ou de um sub-grupo.”

Inglehart (1990 18-9), um dos teóricos que relacionam cultura e capital, como

visto no capítulo 10, define cultura como:

um sistema de valores, atitudes e conhecimento largamente compartilhado dentro de uma sociedade e transmitidos de geração em

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geração. Enquanto a natureza humana é biologicamente inata e universal, a cultura é aprendida e pode variar de uma sociedade a outra. O aspecto mais central e logo aprendido da cultura é a sua resistência à mudança.

Para ele, a cultura até pode ser modificada, mas é bem mais difícil de acontecer

do que com outras variáveis, como as atitudes políticas. E, quando acontece de haver

mudanças na cultura, primeiramente ocorre entre a população mais jovem, mais fácil de

lidar com o novo.

Um dos fundadores dos estudos culturais, Raymond Williams (apud Sardar &

Loon, 1997, 5 e Brooker, 1998, 31-40), define cultura da seguinte forma: “cultura inclui

a organização da produção, a estrutura da família, a estrutura das instituições que

expressam ou governam as relações sociais, as formas características através das quais

os membros de uma sociedade se comunicam,” inclusive como grupos e classes

diferentes lutam entre si em busca de dominação cultural, como a “guerra” atual

liderada pelo EUA em favor da disseminação do ocidentalismo.

A forma como a cultura se desenvolve se origina da linguagem, reconhecida por

Saussure (apud Sardar & Loon, 1997, 11-3) como um fenônemo cultural produtor de

significado por um sistema de relações, ao produzir uma rede de similaridades e

diferenças. Assim, Saussure retratou a cultura como “o estudo dos sinais”, sendo a

linguagem o principal deles, e chamou de representação “o processo e os produtos que

fornecem aos sinais seus significados particulares”; representação esta de fora do eu,

representação do alter, ou seja, de fora do próprio gênero, grupo social, classe, cultura

ou civilização.

O sociologista jamaicano, educado em Oxford e influenciado pelas idéias

marxistas, Stuart Hall (2001; apud Sardar & Loon, 1997, 37; e Brooker, 1998, 59-64),

ressalta com muita propriedade que a “sociedade é dirigida por conflitos baseados em

sexo, raça, religião e região, asssim como em classes. A cultura norteia o senso de

identidade das pessoas tanto quanto norteia a economia.” Para ele, “a cultura era vista

como um aparato da massa para a subordinação dos sem poderes pela classe

dominante.” Ele também trabalhou o conceito de hegemonia, que ele definia como

sendo “uma estrutura do invisível, por não ser vista pelo oprimido, mas usada pelo

governo, via educação, para controlar os indivíduos e forçá-los a consentirem nas suas

próprias submissões.”

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Hall (2001, 8) relaciona cultura com identidade164 (política, sexualidade, língua,

poder, feminismo, nacionalidade, cultura nacional, raça), chamando de identidades

culturais “aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso ‘pertencimento’

a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais.” Neste

sentido, Hall (2001, 10-5) identifica três concepções de identidade:

• a individualista (do sujeito do Iluminismo, baseada em uma concepção do

indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão,

de consciência e de ação, cujo centro essencial do eu era o núcleo interior,

era a iddentidade da pessoa);

• a coletiva e interativa (do sujeito sociológico), baseada na interação do eu

com a sociedade e refletindo a crescente complexidade do mundo moderno

aliada à consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo

e auto-suficiente, mas era formado na relação com outras pessoas

importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e

símbolos – a cultura – dos mundos que ele/a habitava, ou seja, este sujeito

sociológico possuía sua identidade formada a partir da interação entre o eu

(mundo pessoal) e a sociedade (mundo público), fragmentado o sujeito e

produzindo o sujeito pós-moderno; e

• a identidade em contínua mudança (do sujeito pós-moderno), em que o

sujeito não possui uma identidade fixa, essencial ou permanente, mas, sim,

sua identidade é formada e transformada continuamente em relação às

formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas

culturais que nos rodeiam, ou seja, ela é definida historicamente, pois o

sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos.

164

Ruben (1992, 79-88) aponta três momentos no processo de construção da teoria da identidade: o primeiro, surgido no período pós-Guerra, chamada de teoria estrutural de Lévi-Strauss, se caracteriza pela mudança e afirma que “todas as sociedades são portadoras de dimensões culturais especiais, próprias e únicas, por elas escolhidas que, de caráter irredutível, persistem e configuram as suas estruturas, viabilizando, portanto, a sua reprodução como sociedades humanas”; a segunda, surgida na década de 1960, chamada de teoria da aculturação, se caracteriza pela permanência e afirma que “as sociedades simples, quando em contato com outras sociedades e culturas (especialmente com a nossa cultura individualista) com maior expressão de poder e tecnologia, acabariam se diluindo nelas”; e a teoria geral da identidade contemporânea, surgida ainda no final da década de 1960, chamada de teoria da consolidação e tendo entre as suas causas o respeito aos direitos humanos e a permanência de minorias étnicas em diversas sociedades, forçando o “deslocamento definitivo do paradigma da aculturação, da mudança das culturas e da desaparição das sociedades que convivem em forma minoritárias, [...] além de enfatizar as permanências de certas dimensões como condições para sua reprodução.” (grifo da autora)

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A sociedade atual, chamada por Giddens de sociedade de risco, por Castells de

sociedade em rede e por Hall (2001, 17-8) de “sociedade da modernidade tardia” é

caracterizada pela “diferença”, ou seja, “ela é atravessada por diferentes divisões e

antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes ‘posições de sujeito’,

isto é, identidades – para os indivíduos.” Assim é que Hall cita Lacau para enfatizar os

pontos positivos dessa nova identidade, que “desarticula as identidades estáveis do

passado e abre a possibilidade de novas articulações, criando novas identidades,

produzindo novos sujeitos e recompondo a estrutura em torno de pontos modais

particulares de articulação”; pontos estes que podem ser as redes formadas para a

criação do capital social. Esta explicação claramente articula o declínio das identidades

nacionais (apesar das resistências de alguns contra os novos enclaves formados dentro

de outras culturas) em favor de novas identidades, chamadas de identidades híbridas por

Bhabha.

Ainda na Escola Britânica, Bhabha (2001) defende que as diferentes culturas são

incomensuráveis e, por isso, não podem ser categorizadas em uma moldura

universalista. Contrariando este “encerramento das culturas em uma espécie de caixa

fechada”, Bhabha procura inserir a cultura em um novo local, que ele chama de

“terceiro espaço”, qual seja, o hibridismo, que não apenas dispõe a história que o cria,

mas também constrói novas estruturas de autoridade e gera novas iniciativas políticas.

Segundo o autor, o processo de hibridismo cultural faz nascer algo diferente,

algo novo e irreconhecível, uma nova área de negociação de significado e de

representação. Portanto, o hibridismo pode ser chamado de “lugar de resistência”, um

“reverso estratégico do processo de dominação”, que faz com que o discriminado deixe

de olhar para baixo e passe a ter “um olho voltado para o poder.”

O francês Bourdieu (1996 e Brooker, 1998, 89-94), já analisado no capítulo 7

acima, afirma que o “capital cultural é a habilidade para ler e entender códigos culturais;

mas esta habilidade, e, portanto, o capital cultural, não é distribuído igualitariamente

entre as classes sociais,” possuindo, as classes trabalhadoras, por exemplo, pouco

capital cultural e, assim, vão perdendo a batalha na luta pelo poder cultural.

Para entender e estudar a cultura, Bourdieu buscou um termo latino, habitus,

que, segundo ele mesmo, “é constituído de vários fatores – classe, etnicidade, gênero,

educação, status- o habitus de um indivíduo pode se misturar a hábitos coletivos de

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acordo com a experiência compartilhada de opressão ou de dominação.” Para ele, o

habitus “fornece um sistema de classificação que capacita o indivíduo a identificar

escolhas de estilos de vida ou gostos específicos com posições de classe; através do

habitus, a distribuição do capital é transformada em qualidades e práticas

reconhecíveis.”

Por fim, Bourdieu (apud Brooker, 1998, 92) enfatiza que

as distinções culturais – e, de forma correspondente, as divisões desiguais no capital – não são largamente percebidas nem pelas classes superiores nem pelas inferiores, pois são economicamente impostas ou historicamente contingentes, mas, novamente, devido às disposições adquiridas com o hábito, são herdadas e naturais. O hábito, e o sistema de gostos que ele define, portanto, age para reforçar e legitimizar” as separações sociais e as hierarquias sociais, embora uma mobilidade social individual obtida e o movimento através de diferentes classes estará em uma posição mais fácil de ver estas estruturas mais claramente e poder optar por questioná-las.

Ao se falar em cultura, não se pode deixar de mencionar, mais uma vez, o

multiculturalismo, que, como já visto, descreve diversas raças vivendo em harmonia

comum. Por outras palavras, ele trata a diversidade como uma pluralidade de

identidades e como condição necessária para a existência humana. Para os

multiculturalistas (Sardar & Loon, 1997, 123-5), “a identidade é vista como produto de

uma junção de costumes, práticas e significados, de uma herança endurecida e de um

conjunto de tratamento e experiências compartilhadas.” Entretanto, uma de suas

fraquezas consiste no fato de que o multiculturalismo se preocupa apenas com a questão

das raças ao discutir a identidade. Concepções como classe, religião e gênero,165

geralmente não são consideradas.

Com relação à cultura de gênero, importa descrever as palavras de Sardar &

Loon (1997, 139), quando afirmaram que “a cultura é o lugar onde os arranjos sociais

de gênero podem ser contestados. As ideologias culturais e as instituições reforçam a

separação dualística entre masculino e feminino”, como nas produções (artistas, autores

165

Sardar & Loon (1997, 138) apontam claramente a diferença entre mulheres (sexo) e gênero: gênero possui dois significados: o primeiro é ser o oposto da palavra sexo, o que diferencia a construção social (qualquer construção social envolvendo a distinção entre masculino e feminino) da determinação biológica e o segundo surgiu quando as feministas compreenderam que a sociedade não apenas influencia personalidades e comportamentos, mas também influencia os caminhos em que os corpos aparecem. Para estes autores, “se o corpo é visto através da interpretação social, então sexo não é algo separado de gênero, mas apenas um artifício sob ele.”

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etc.) e nas representações (novelas, filmes etc.) culturais, onde há uma forte presença

das noções de gênero.

Principalmente durante este novo processo globalizatório, onde a cultura

também é uma das dimensões (tratada no capítulo infra), os direitos culturais estão cada

vez mais representados, promovidos e defendidos, embora o acesso aos mesmos, muitas

vezes, permaneça inóquo, em virtude, principalmente, da onda de ocidentalização e/ou

americanização em que se vive. Chamada de era das migrações, neste momento atual, o

choque entre culturas de grupos com características diferentes se torna latente. Ipso

facto, surge a importância de avaliar até que ponto as culturas dos refugiados em locais

de acolhimento interferem na formação do capital social produzido por eles. Ademais,

sendo a cultura multidimensional, assim como são o capital social e a cidadania, ela

serve para estudar quase tudo, inclusive a integração dos refugiados nos locais de

acolhimento e o capital social produzido por eles.

Importante lembrar que foram entrevistados refugiados de origem latino-

americana de língua espanhola (colombianos, peruanos, mexicanos, equatoriano e

cubano), de origem africana de língua portuguesa (angolanos e guineenses) e

muçulmanos (iraquianos, afegãos, somalis, sudaneses, centro-africano, liberiano,

mauritano, ruandês e iraniano), tendo sido a grande maioria do sexo masculino em São

Paulo (76%) e a maioria do sexo feminino em Toronto (67%).

Com relação ao gênero, nenhuma das refugiadas entrevistadas em São Paulo ou

em Toronto reclamaram de terem sido discriminadas ou de haver enfrentado dificuldade

de formar grupos, redes ou ter acesso aos programas de educação, de saúde, e habitação

ou de obtenção de emprego, apenas por serem do sexo feminino.

Se por um lado estas respostas devem ser conseqüência do fato de que tanto no

Brasil quanto no Canadá os direitos à igualdade de sexo e a não discriminação em razão

do mesmo são previstos em normas constitucionais, por outro lado, talvez a falta de

entendimento da estrutura política e social seja responsável por fazer com que tais

mulheres não compreendam as dificuldades passadas no local de acolhimento, como

discriminação em razão de sexo/gênero.

Ademais, vale salientar que as refugiadas muçulmanas entrevistadas ainda não

haviam aprendido a língua local (exceto as somalis em Toronto, que estavam

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participando do programa LINC, de aprendizado do inglês) e, no caso das casadas, não

possuíam dos esposos o direito a trabalhar, devendo permanecer em casa, cuidando das

crianças e do lar, o que dificulta, também, avaliar o capital social produzidos por elas e

o grau de interferência da cultura. Apesar de que, todas elas costumam freqüentar a

mesquita e grupos criados por OSFL, onde elas também não reclamaram de se sentirem

“estranhas”, “um peixe fora d’água”, mas todas afirmaram se ajustarem facilmente

àqueles grupos.

Articulando a questão de gênero com a religião, importa, ab initio, lembrar a

excelente pesquisa de Wuthnow (2002, 669-84), ao apontar o “envolvimento religioso

como um recursos social que gera redes, normas e relações que auxiliam os indivíduos e

as comunidades a alcançar importantes metas.” Segundo ele, o capital social de ponte,

que se forma claramente nas congregações religiosas, pode ser classificado em duas

formas: ponte-identidade (baseado nas divisões definidas culturalmente, como raça,

etnia, religião, preferência sexual e origem nacional, trata da necessidade de

cooperação, respeito mútuo e possibilidades de aprendizado ao unir diferentes valores e

estilos de vida) e ponte-status (baseado nas redes resultantes das relações de poder,

influência, riqueza e prestígio obtidas a partir das relações na congregação, trazendo

benefícios como obtenção de emprego, ascensão econômica, aquisição de posições

adminitrativas e/ou de informações seguras, assistência médica ou até ajuda nas crises

familiares).

O capital social do tipo ponte-status é de fundamental importância para os

refugiados membros de congregações religiosas que, ao fazerem amizades, via grupo

religioso, com servidores públicos, executivos, cientistas e/ou pessoas de alto poder

aquisitivo, se utilizam de tais amizades para obtenção de benefícios pessoais, mas que

se revertem em benefícios para a coletividade (para a família, para a congregação e para

a sociedade onde reside).

Por fim, Wuthnow (2002, 681) descobriu o que também foi confirmado nesta

pesquisa: as mulheres possuem mais dificuldades do que os homens em apresentar

amizades com pessoas altamente qualificadas, mesmo nas congregações religiosas, o

que se explica pela “presença de padrões continuados de sub-representação feminina no

serviço público, como executivas e como cientistas”, e não como resultado das relações

sociais formadas e, conseqüentemente, do capital social formado no meio religioso.

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Tanto refugiadas quanto refugiados fazem amizades capazes de produzir capital social

na congregação religiosa de que participam. Assim, importante é lembrar que os grupos

a que pertence o maior contingente de refugiados entrevistados em São Paulo e em

Toronto são grupos religiosos.

Embora Wuthnow (2002, 670) aponte que pessoas de baixa renda participam

menos ativamente de associações voluntárias ou de participação política (voto,

confiança no governo e administração), os refugiados entrevistados geralmente são

membros, ainda que não assíduos, de tais associações, especialmente quando o objetivo

é auxiliar novos refugiados e imigrantes de mesma origem nacional. Ainda, mesmo

quando não são membros de determinadas associações, religiosas ou não, os refugiados

de mesma origem se ajudam mutuamente, como foi presenciado por esta pesquisadora

entre os somalis e os angolanos em Toronto: todos os entrevistados se conhecem e se

auxiliam esporadicamente. Também os muçulmanos buscam residir na mesma região, o

que facilita os encontros entre os mesmos.

A problemática dos muçulmanos, explícita na União Européia e nos EUA pós 11

de setembro de 2001, não afetou a vida dos refugiados, principalmente dos muçulmanos

em São Paulo e em Toronto. Nestas regiões, aponta Modood (2003, 100-15), os

muçulmanos são vistos não somente pelo governo, mas também pela sociedade

acolhedora, como terroristas, sofrendo discriminações e sendo tratados com segregação

e situando-se entre os “detentores dos salários mais baixos, desempregados e sub-

empregados,” sendo obrigados à assimilação cultural para serem reconhecidos como

cidadãos.

Em São Paulo e em Toronto, os refugiados muçulmanos entrevistados, embora a

causa do refúgio tenha sido perseguição étnica-racial para apenas 17% dos entrevistados

em São Paulo e menos de 10% em Toronto, não reclamaram nem de discriminação em

virtude de etnia, nem em virtude de religião; o que reclamaram foi que apesar dos

direitos de cidadão estarem previstos em normas nacionais, fornecendo igualdade de

acesso e de condições aos refugiados, eles não chegam, na prática, a alcançar tais

direitos. Em Toronto a dificuldade é maior, pois, como visto no capítulo 5.2., os

refugiados não documentados, no limbo, não possuem o visto de trabalho, nem

conseguirão jamais obter o visto de residente permanente.

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Ademais, embora os refugiados entrevistados em ambas as cidades possam se

deslocar livremente dentro do país, devendo apenas informar o novo endereço (ao

CONARE, no Brasil, e ao IRB, no Canadá), na prática isto não ocorre. A política oficial

multicultural de cima para baixo em Toronto e a não oficial de baixo para cima

(característica da sociedade brasileira de “bem receber” o estrangeiro) tem dificuldade

de aplicar a concepção de igualdade, ou seja, cidadãos iguais aos refugiados, que

permanecem segregados na cidade grande, mantendo suas culturas de origem, mas

possuindo enorme dificuldade de assimilar a nova cultura, o que faria com que o

processo de integração e de acesso aos direitos na nova sociedade fossem facilitados.

Um ponto positivo em ambos os países onde a pesquisa foi feita é que vários

idiomas são estudados nas salas de aula das escolas públicas e o ensino religioso deve

ser oferecido imparcialmente, de modo que seja ensinando ao estudante as diversas

religiões existentes. Tanto é que nenhum entrevistado reclamou da falta de acesso a sua

religião.

Em São Paulo, apenas 27% dos latinos e 35% dos africanos reclamaram terem

sido alvos de alguma forma de discriminação e/ou preconceito na cidade. Em Toronto,

apenas uma pequena minoria fez tais reclamações. O resultado desta “forma de

receber”em São Paulo fez com que 30% dos árabes e 21% dos africanos entrevistados

identificassem a cultura local como ponto positivo do novo lar. Em Toronto, apesar dela

clamar ser a “cidade mais multicultural do mundo”, não houve refugiado identificando

como ponto positivo, no novo lar, a cultura local.

Um dado a ser levantado é quanto aos latinos, pois, tanto em São Paulo quanto

em Toronto, os refugiados entrevistados reclamaram da falta de união entre os mesmos,

o que enfraquece o grupo e dificulta a luta pela concretização de políticas públicas

direcionadas a protegê-los e a promover melhor seus direitos, especialmente ao se levar

em consideração que os refugiados são indivíduos com baixo poder aquisitivo e com

baixo acesso ao direitos de cidadania, na prática, por falta de conhecimento da cultura

local, o que pode ser revertido por meio da formação de capital social e de políticas

públicas de acesso à cidadania, como saúde, educação, habitação e emprego.

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O refugiado não quer, nem deve ser obrigado, a ser aculturado166 no local de

acolhimento, bastando, para isso, em se tratando de um ser humano com direitos e

obrigações perante o Estado acolhedor, de ter o direito e a oportunidade de manter sua

cultura e, hibridamente, adquirir características da nova cultura, necessárias para sua

adaptação e inclusão no novo lar. Buddington (2002, 447-64) bem aponta o impacto dos

processos de aculturação na saúde mental de imigrantes jamaicanos nos EUA,

recomendando práticas de serviços sociais com uma perspectiva psicológica ou de

saúde mental, para auxiliar estes imigrantes, especialmente no aprendizado do novo

idioma e na reorganização da estrutura familiar, como fatores indispensáveis para a

obtenção de sucesso na integração educacional, política (funcionamento das instituições

públicas e seus programas), econômica (emprego) ou social (educação, saúde etc.).

Enquanto Buddington (2002) identificou sintomas de estresse, de depressão, de

baixa-estima e de baixa produtividade acadêmica como características de invidíduos

forçados ao processo de aculturação, os refugiados entrevistados para esta pesquisa não

apresentaram estes sintomas, tanto é que 69% dos refugiados em Toronto declararam

sentirem-se totalmente seguros e livres do crime e da violência, quando sozinhos em

casa. Entre os refugiados entrevistados em São Paulo, 30% afirmaram se sentirem muito

seguros e 48% deles afirmaram se sentirem totalmente seguros.

Outro dado proveniente das entrevistas faz com que esta pesquisa apresente

resultados divergentes do encontrado na pesquisa de Buddington, qual seja: 39% dos

refugiados entrevistados em São Paulo se declararam “muito felizes” naquele momento

de suas vidas e 18% se declararam “moderadamente felizes.” Em Toronto, 40% dos

entrevistados afirmaram se sentirem “muito felizes” e 43% deles afirmaram ser

“moderadamente felizes.”

As duas informações acima não se contrapõem aos níveis de estresse e depressão

encontrados nos imigrantes jamaicanos estudados por Buddington nos EUA. Ademais,

com relação ao grau de auto-estima apresentado pelos refugiados, foi-lhes perguntado se

eles achavam possuírem poderes suficientes para tomar decisões importantes que

pudessem mudar o curso de suas vidas. Para surpresa da pesquisadora, 73% dos

refugiados entrevistados em São Paulo disseram serem “totalmente capazes” para tomar

166

Aculturação (Berry, 1980 e Landrine & Klonoff, 1994 apud Buddington, 2002, 447-64) “é o processo pelo qual grupos étnicos e raciais aprendem e começam a participar nas tradições culturais, dos valores e das crenças, assumindo e participando das práticas da cultura dominante ou do local de acolhimento.”

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tais decisões, além de 15% deles, que afirmaram serem “muito capazes.” Em Toronto,

as respostas não foram diferentes: 50% dos entrevistados afirmaram serem “totalmente

capazes” e 30% disseram serem “muito capazes.”

Portanto, não foram encontradas relações entre o processo por que passam os

refugiados, para se tornarem cidadãos, em São Paulo e em Toronto, e os ajustes

psicológicos (estresse, auto-estima e depressão). Estes sintomas, que são, sim,

encontrados nos refugiados, conforme, por exemplo, entrevista ao Dr. Lotufo (capítulo

13), resultam dos rótulos, dos estigmas, das discriminações e dos preconceitos que

dificultam o acesso aos direitos de cidadania, fazendo com que eles se sintam entranhos

ao local de acolhimento, alijados da sociedade acolhedora. Entretanto, não se deve

olvidar de que os refugiados entrevistados não reclamaram da sociedade acolhedora,

especialmente em São Paulo, onde os latinos foram os mais críticos, mas apenas da falta

de conhecimento dos programas públicos e da falta de políticas públicas que

facilitassem a inserção deles na nova sociedade, fazendo com que essas políticas e esses

programas fossem também aqui analisados e avaliados.

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Capítulo 16

A interferência das políticas públicas na integração

A definição de políticas públicas se faz imperiosa para articulá-la com o capital

social dos refugiados e com o acesso destes aos direitos de cidadão no local de

acolhimento. Retratar-se-ão as políticas públicas aplicadas aos refugiados acolhidos em

São Paulo e em Toronto, as formas de participação dos mesmos nestas, as suas

dificuldades de implementação e os resultados alcançados até o momento.

Para que se chegue a uma definição de políticas públicas, ab initio, importa

definir o que se caracteriza como público, para efeitos desta pesquisa. Wanderley (1996,

96-106) aponta a publicidade como um dos novos elementos centrais do Estados e a

caracteriza como a “eliminação do segredo burocrático e transparência na atuação, ou

seja, dar informação verdadeira a toda a sociedade a respeito das atividades estatais.”

Entretanto, infelizmente, a sociedade brasileira ainda apresenta contradições entre o

público e o privado, resultante da formação da sociedade do favorecimento já retratada

no capítulo 4.1 e caracterizada em Wanderley (1996) e em Dagnino (2006 e 2007).

No Brasil, não parece que o espaço público represente a vontade geral de que

falava Rousseau, como ocorre no Canadá, onde imigrantes, indígenas, nativos etc

possuem direitos de ouvir e de serem ouvidos, além de poderes suficientes para

aprovarem políticas públicas de interesse de seu grupo étnico, religioso, lingüístico,

nacional ou outro.

A inversão que se apresenta, não somente no Brasil, mas na América Latina,

principalmente, resulta, para Wanderley (1996, 98), de

um movimento crescente de interpenetração do espaço público pelo privado e vice-versa. Por um lado, tem havido a publicização do privado, quer pela intervenção dos poderes públicos na regulação da economia, quer pelo aumento da intervenção estatal em todos os domínios sociais, incluindo a regulação dos comportamentos dos indivíduos. E, por outro lado, uma privatização do público, expressa pela apropriação privada dos recursos públicos, pelos contratos coletivos entre organizações sindicais, pelas coalizões partidárias etc. (Grifo no original).

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Quanto às políticas públicas, estas são, em sentido geral, as políticas realizadas

pelo governo, diretamente ou por intermédio de agentes autorizados, visando a melhoria

da qualidade de vida da população alvo daquelas políticas, referindo-se não somente a

obras ou políticas assistencialistas, mas incluindo quaisquer políticas direcionadas à

população. Klein e Marmor (2006, 893) definem política pública como “o que o

governo faz e o que o governo se recusa a fazer. Tudo se refere à política167, resolver

(ou no mínimo atenuar) os conflitos acerca dos recursos, dos direitos e das morais.”

Neste sentido, Young (2006, 854) defende que “a necessidade de estruturar os

processos políticos nos diferentes níveis de organização social de forma a maximizar

sinergia e a minimizar conflitos emergiu como uma preocupação central no campo das

políticas públicas.” Para Young, os diferentes processos políticos nos diferentes níveis

de organização social são os seguintes:

Composição Social Processos políticos Sociedades de pequena

escala Sociedade nacional Sociedade internacional

Produtos políticos Convenções sociais Legislação/estatuto Convenções/Tratados Formação da agenda

Líderes individuais Grupos de interesse Sociedade civil/atores não-estatais

Conhecimento relevante

Conhecimento tradicional

Ciências convencionais

Ciências globais

Processos decisórios

Construção do consenso

Barganha legislativa Negociações internacionais

Implementação Interessados diretos Agências governamentais

Processo em dois degraus

Fontes de submissão

Pressão social Sanções Administração

Interpretação Tribunais ad hoc Cortes/litígios Procedimentos de auto-ajuda

Fonte: Tabela 41.2. Processos políticos comparados, p. 848.

Tanto no Brasil, quanto no Canadá, as políticas públicas direcionadas aos

refugiados resultam de atos governamentais nacionais que, inclusive, são responsáveis

por assentá-los em diferentes estados do país. Assim é que, levando-se em consideração

a tabela proposta por Young, os processos políticos em nível nacional são os que se

aplicam à situação dos refugiados nestes países, apesar das exceções, como as normas

provinciais no Canadá, que autoriza cada província a legislar sobre determinados

167

No Original, o autor assim se expressa: “It’s all about politics,” reforçando que a política, não no sentido partidário, mas como instrumento utilizado pelo Estado para consecução de suas metas, está inserido em todas as esferas do Estado.

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direitos (i.e. a quantidade de refugiados a ser acolhida), e os convênios firmados entre o

governo estadual de São Paulo, a CASP, o ACNUR e o CONARE, que, apesar da

representação do governo federal (por meio do CONARE), firma parcerias com

agências locais para acolhimento dos refugiados e fornecimento de certos direitos

humanos básicos, como aprendizado do idioma local, acesso à saúde, à educação e ao

mercado de trabalho. Também em Toronto, as parcerias firmadas pelo governo

provincial possuem o governo central como parte do acordo. É uma espécie de

compartilhamento de competência para facilitar o acolhimento dos refugiados e suas

vidas no novo lar.

De acordo com Birkland (2001, 20), não há consenso sobre o que seja política

pública; assim é que ele mesmo indica os elementos que são comuns a todas as

definições existentes, quais sejam: “é formulada sempre em nome do “público”, é

geralmente formulada ou iniciada pelo governo, é interpretada e implementada por

atores públicos e privados, é o que o governo pretende fazer e é o que o governo escolhe

não fazer.”

Para Weber (1999, 526-529), “política significaria para nós, portanto, a tentativa

de participar do poder ou de influenciar a distribuição do poder, seja entre vários

Estados, seja dentro de um Estado entre os grupos de pessoas que este abrange.”

Ademais, ele completa ser “o Estado uma relação de dominação de homens sobre

homens, apoiada no meio da coação legítima (quer dizer, considerada legítima). Para

que ele subsista, as pessoas dominadas têm que se submeter à autoridade invocada pelas

que dominam no momento certo.” (Grifo no original). Em suma, Weber constata que

o Estado moderno é uma associação de dominação institucional, que dentro de determinado território pretendeu com êxito monopolizar a coação física legítima como meio da dominação e reuniu para este fim, nas mãos de seus dirigentes, os meios materiais de organização.

Encontra-se, em Weber (1999 525), os fundamentos da definição sociológica do

Estado moderno, quando este assim se expressa:

[...] somente se pode, afinal, definir sociologicamente o Estado moderno por um meio específico que lhe é próprio, como também toda associação poítica: o da coação física. “Todo Estado findamenta-se na coação”, disse em seu tempo Trotski, em Brest-Litovsk. Isto de fato é concreto [...]. A coação não é o meio normal ou único do Estado – não se cogita disso -, mas é seu meio específico. [...] Hoje, o Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado território –

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este, o “território”, faz parte da qualidade característica -, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima.

Rua (1998, 231-60), seguindo a linha weberiana, aponta que a política, ao lado

da coerção pura e simples, é um dos meios utilizados pelo Estado para o

desenvolvimento e o progresso da sociedade, ou seja, para solucionar os conflitos

surgidos em sociedade; conflitos estes resultantes das diferenças existentes entre os seus

membros; não apenas diferenças de atributos (idade, sexo, religião, estado civil,

escolaridade, renda, profissão etc.), mas também de idéias, de valores, de interesses e de

desejos, como ocorre entre os refugiados e a sociedade acolhedora, cujas diferenças são

enormes, conforme apreciado no capítulo 12 desta pesquisa.

Assim como a coerção, a política também envolve relações de poder. Nas

palavras de Rua (1998, 231-60), “a política consiste no conjunto de procedimentos

formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução

pacífica dos conflitos quanto a bens públicos,” compreendendo “o conjunto das

decisões e as ações relativas à alocação imperativa de valores.” E acrescenta que

nesse sentido é necessário distinguir entre política pública e decisão política. Uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. Já uma decisão política corresponde a uma escolha dentre um leque de alternativas, conforme a hierarquia das preferências dos atores envolvidos, expressando - em maior ou menor grau - uma certa adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis. Assim, embora uma política pública implique decisão política, nem toda decisão política chega a constituir uma política pública. Um exemplo encontra-se na emenda constitucional para reeleição presidencial. Trata-se de uma decisão, mas não de uma política pública. Já a privatização de estatais ou a reforma agrária são políticas públicas.

Enquanto Rua (1998) identificou a diferença entre decisão política e políticas

públicas, Etzioni (2006, 834) também assim o faz, ao afirmar que “as pesquisas sobre

políticas auxiliam a determinar quais decisões políticas devem ser implementadas.”

Ademais, há que diferenciar o público do coletivo, pois as políticas públicas são

efetivamente públicas, e não meramente coletivas, devido ao seu caráter imperativo, ou

seja, resultam do poder coercitivo estatal. Para Goodin, Rein & Moran (2006, 3), as

políticas públicas são instrumentos da ambição dos agentes públicos em exercerem

controle sobre a sociedade, daí a necessidade daqueles em persuadirem esta para

aplicarem as políticas criadas. Esta prática culmina na necessidade que os agentes

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públicos possuem de serem vistos como confiáveis pela população receptora das

políticas adotadas; do contrário, haveria resistência na implementação prática das

políticas.

A importância da confiança é fundamental, especialmente para compreender se

as políticas públicas adotadas resultam em capital social. Um exemplo foi identificado

na pesquisa em tela: 36% de todos os refugiados entrevistados em São Paulo confiam

“totalmente” no governo local, contra apenas 17% dos entrevistados em Toronto. Em

Toronto, 33% dos entrevistados afirmaram não confiarem “nem muito nem pouco” no

governo local.

As respostas foram semelhantes quando a pergunta foi sobre a confiança nos

membros do governo central: em São Paulo, apenas 30% afirmaram confiar

“totalmente” neles, e, em Toronto, apenas 27% dos entrevistados assim responderam.

Portanto, os refugiados entrevistados não confiam, em geral, no governo, ou seja, no

poder público, o que resulta na falta de interesse nas políticas públicas adotadas em

ambas as cidades onde as entrevistas foram realizadas.

Para Ingram & Schneider (2006, 178), por exemplo, “o ceticismo e as atitudes

negativas dos cidadãos em relação ao governo e às políticas públicas estão entre os

desafios mais crescentes da democracia nos EUA.” Para estas cientistas, as políticas

públicas não se resumem apenas em fornecer serviços ou implementar metas, mas,

também, por exemplo, em reconhecer determinados problemas como legítimos (ou

ignorá-los) e em focá-los para apresentar benefícios para a população onde é ela

aplicada. Por isso é que, levando-se em consideração as diferenças societárias, retro-

mencionadas por Rua, as políticas públicas mudam, e assim deve ser, para se adequar à

realidade e às necessidades da população onde as mesmas serão aplicadas.

Nesse sentido, a implementação de políticas públicas prescinde de parcerias

entre o público e o privado, ou, ainda, entre os três setores (governo, mercado e

sociedade civil). Assim é que os movimentos sociais estão entre os responsáveis pelas

mudanças de foco e de objeto daquelas políticas, especialmente com relação aos

refugiados. Infelizmente, em São Paulo, não foi identificada nenhuma movimentação

coletiva dos refugiados em busca de melhorias e/ou criação de políticas públicas

adotadas, ao contrário do que existe cotidianamente em Toronto, a ser analisado.

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A governança colaborativa, definida por Donahue & Zeckhauser (2006, 496-

523) como sendo “a perseguição de metas públicas escolhidas de forma autoritária, de

forma que incluam o engajamento dos esforços de, e a discrição compartilhada com,

produtores alheios ao governo.” Embora muitas das políticas públicas não sejam

publicáveis, os esforços conjuntos de todos os setores são fundamentais para a

consecução e o alcance de seus resultados positivos.

A necessidade de ser discreto é essencial para que a governança colaborativa

alcance êxitos. Segundo Donahue & Zeckhauser (2006, 509-10), há algumas dimensões

potenciais que facilitam a definição de governança colaborativa, como a formalidade

(resultam de um contrato formal ou equivalente), a duração (pode ser permanente ou

colaboração ad hoc, que se dissolve quando a meta é atingida), o foco (pode ter meta

única ou ser direcionada para tarefas gerais), a diversidade das instituições participantes

(requisito essencial), a estabilidade (alcançada se os membros compartilham os mesmos

objetivos) e a discreção (i.e. filantropia corporativa). Quanto à esta última, ela diferencia

a governança colaborativa das outras formas de parcerias público-privadas.

Etzioni (2006, 833-41), ao caracterizar a metodologia das pesquisas políticas,

também trata da não publicização das políticas públicas, o que diferencia estas

pesquisas das pesquisas nos outros campos científicos, como das pesquisas básicas,

acrescentando que

as descobertas das pesquisas de política freqüentemente não são publicadas – elas são fornecidas particularmente para algum formulador de política ou outro (Radin, 1997, 204-18). O principal propósito da pesquisa política não é contribuir para o processo cumulativo de construção do conhecimento, mas colocar um conhecimento disponível ao serviço do governo ou de uma clientela específica.

Donahue & Zeckhauser, além de Etzioni, afirmam, portanto, categoricamente,

que muitas das políticas públicas não são publicáveis, que a governança colaborativa,

para dar certo, precisa ser discreta e que a metodologia das pesquisas de políticas

públicas não devem ser publicáveis. Importa mencionar que estas afirmações não

contradizem a característica estatal de publicidade descrita por Wanderley no início

deste capítulo. Para este último, as atividades e os programas dos governos devem ser

publicizados para que o cidadão tenha acesso aos mesmos, o que vem sendo feito,

muitas vezes, pelas organizações sem fins lucrativos parceiras do poder público e da

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iniciativa privada. Como se verá, muitos dos refugiados não possuem acesso às políticas

públicas existentes e direcionadas para eles por não terem conhecimento da existência

das mesmas.

Etzioni também admite que “geralmente os pesquisadores de política

reconhecem a necessidade de mobilizar o apoio público para as políticas públicas cujas

descobertas o favoreçam e, portanto, possam auxiliar os formuladores de política a

mobilizar tais apoios na comunicação com o público.”

Ademais, por um lado, Donahue & Zeckhauser (2006, 505-7) ressaltam os

motivos necessários para o envolvimento do setor privado nas políticas públicas, quais

sejam: os recursos (e a habilidade para mobilizá-los) necessários para o cumprimento da

meta criada pelo governo e possuídos pelo setor privado; a capacidade produtiva de

comando dos agentes externos que falta ao governo; a falta de informação do governo

no tocante a certas tarefas governamentais, que se encontram nas organizações privadas;

e a legitimidade, pois certas atividades/tarefas do governo são reconhecidas como

aceitáveis por determinadas culturas e inaceitáveis por outras. Um exemplo que bem se

encaixa neste último motivo é quando o governo é corrupto ou falido (no sentido de não

fornecer os direitos básicos aos cidadãos), “a colaboração com o setor privado consegue

apresentar legitimidade independente de quaisquer fatores responsáveis por tarefas

específicas.”

Por outro lado, a governança colaborativa apresenta riscos, elencados também

por Donahue & Zeckhauser (2006, 527-10): o controle diluído do governo, que vê seu

monopólio de autoridade diminuído; os altos custos, resultantes de previsão errada das

vantagens da produtividade privada, dos custos transacionais, da diluição do controle

governamental que encarece a tarefa e dos agentes privados que exploram e extraem os

recursos de seus parceiros governamentais; a vulnerabilidade reputacional que resulta da

exposição do governo em assumir certos riscos quando da realização de parcerias com

outros agentes; e a capacidade diminuída, pois muitas vezes a produção indireta pode

desencorajar ou precluir a manutenção da capacidade para a ação direta governamental.

Donahue & Zeckhauser (2006, 522) ainda reforçam a defesa de que a

“governança colaborativa é uma categoria consequencial crescente de ação coletiva

onde quer que haja uma entidade pública robusta o bastante para se unir ao governo.”

Isto nada mais é do que a ação coletiva que caracteriza o capital social de Coleman e de

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Putnam, analisado no capítulo 7 desta pesquisa. Assim é que na impossibilidade do

poder público de fornecer os serviços sob sua responsabilidade, pois, como bem lembra

Castells já citado, o Estado falido não consegue mais cumprir seu papel, o “impulso

colaborativo se intensifica,” havendo a necessidade desta forma de colaboração,

especialmente quanto aos serviços de saúde, de educação, de emprego e do bem-estar

social.

Em São Paulo, por um lado, apenas 7% dos refugiados entrevistados (todos

árabes) afirmaram ter vindo para o Brasil por já haver familiares aqui residindo, o que

resulta do programa brasileiro de reunificação familiar dos refugiados e que facilita a

entrada do refugiado que já possui algum familiar no país. Embora o Brasil seja parte do

programa de reassentamento, visto no capítulo 4.3., durante a pesquisa (entre 2005 e

2008) não foi possível encontrar refugiados reassentados em São Paulo para entrevista.

Por outro lado, em Toronto, 17% , dos refugiados entrevistados afirmaram terem

chegado ao país devido ao programa de reassentamento do governo canadense em

parceria com o ACNUR. Estes 17% foram distribuídos entre 21% dos latinos e 40% dos

árabes entrevistados. Importante mencionar que o Canadá também possui o programa de

reunificação familiar encontrado no Brasil, embora nenhum dos refugiados

entrevistados tenha chegado a Toronto por intermédo deste programa.

Quando se perguntou aos refugiados quais os pontos positivos de suas vindas ao

Brasil, apenas 6%, todos africanos, afirmaram ter sido o apoio governamental e outros

6%, também africanos, afirmaram ter sido as facilidades de acesso às instituições

jurídico-políticas. Em Toronto, os refugiados entrevistados puderam contar mais e

melhor com o poder público, tanto é que 27% dos entrevistados agradeceram o apoio do

governo, como ponto positivo de suas chegadas a Toronto, além dos 14% que

identificaram o apoio recebido das instituições político-jurídicas.

Com relação à publicização das políticas públicas nestas cidades, em São Paulo

a dificuldade é bem maior para os refugiados obterem informações sobre os

procedimentos e seus direitos como refugiados, pelo menos foi assim que se

expressaram os entrevistados, quando 48% deles afirmaram não terem opinião, não

terem resposta ou não saberem responder acerca da lei 9474/97, que trata dos

procedimentos de refúgio no Brasil e dos direitos dos mesmos. Já em Toronto, apesar da

complexidade do procedimento de solicitação de refúgio e da quantidade de órgãos com

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distintas competências, visto no capítulo 5.2, 60% dos entrevistados afirmaram serem

boa ou muita boa as normas sobre refúgio no Canadá.

As políticas públicas aos refugiados no Brasil

No Brasil, Milesi & Carlet (2007, 123-50) defendem que, no plano teórico, os

refugiados possuem seus direitos de seres humanos promovidos, protegidos e

defendidos já na Carta Constitucional de 1988 (artigos 1° ao 4°), ao elencar a cidadania

e a dignidade da pessoa entre os fundamentos do país, além da prevalência dos direitos

humanos e da concessão de asilo político como princípios a serem seguidos nas relações

internacionais. Ademais, a Carta reza, no caput do artigo 5°, que tanto os nacionais

quanto os estrangeiros aqui residentes receberão tratamento igualitário, além dos

direitos sociais do artigo 6°, que outorga tais direitos aos trabalhadores estrangeiros aqui

residentes.

A Carta Constitucional de 1988 também garante, no artigo 203, a prestação de

assistência social a quem dela precisar, acrescentando como um dos seus objetivos, no

inciso III, a promoção da integração ao mercado de trabalho. Assim é que ninguém mais

do que os refugiados necessitam da efetivação deste artigo, especialmente no tocante

aos direitos econômicos, sociais e culturais, mais precisamente no acesso à educação, à

saúde e ao mercado de trabalho, além do aprendizado do novo idioma.

Ademais, com a criação da lei 9474/97 e com a implantação do programa de

reassentamento, houve a necessidade de serem criadas políticas públicas para integrar os

refugiados no país, especialmente por que a própria lei reconhece aos refugiados os

direitos fundamentais básicos expressos na Carta de 1988. As cidades de São Paulo e do

Rio de Janeiro foram os alvos das primeiras políticas, em virtude de seus pioneirismos

no acolhimento de refugiados no país, conforme mencionado.

Os solicitantes de refúgio e os refugiados precisam tomar conhecimento das

políticas já existentes, além de haver a necessidade de criação de políticas específicas

para, por exemplo, populações refugiadas vulneráveis, como mulheres, crianças e

idosos, que possuem mais dificuldades de integração.

Para Milesi & Carlet (2007, 136-7), os refugiados e seus familiares precisam

conhecer a realidade e a conjuntura do novo local de acolhimento, cuidar da saúde,

estudar, encontrar vaga no mercado de trabalho, aprender o novo idioma, além de

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reconstruir laços sociais. Portanto, as políticas públicas precisam ser direcionadas para

suprir estas necessidades dos novos acolhidos, o que seria facilitado com a

municipalização, ou seja, se as prefeituras pudessem melhor participar, autonomamente,

nas definições de políticas endereçadas aos refugiados, devido às diferenças existentes

entre as cidades, e houvesse governança colaborativa, ou melhor, a formação do Estado-

rede de que trata Castells.

Milesi & Carlet (2007, 140-6) apontam alguns avanços do governo brasileiro na

implementação de políticas públicas concretas para os refugiados, como a alteração da

identificação lançada na CTPS quando de sua emissão para os refugiados: antes era

inserida a palavra “refugiado” na CTPS do mesmo, mas, a partir de junho de 2006,

passou-se a adotar “estrangeiros com base na lei 9474/97.” Outro avanço foi a criação

de uma dotação orçamentária destinada à acolhida dos refugiados no Brasil, que

contribui com a assistência aos refugiados no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio de

Janeiro, um avanço foi a criação do primeiro Centro de Referência para a Saúde dos

Refugiados, instalado no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, para

capacitar profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento aos

refugiados, nos moldes do que ocorre no Centro de Psiquiatria do Hospital das Clínicas

em São Paulo; sendo este resultante de convênio com a CASP.

Infelizmente, em São Paulo, não foi possível encontrar políticas públicas

específicas de apoio aos refugiados acolhidos na cidade, especialmente nas áreas mais

significativas, como saúde, educação, trabalho e integração social. O que há são

programas e atividades em andamento que passam a ser direcionados aos refugiados,

resultantes de convênios assinados entre a CASP e certos órgãos ou agências,

governamentais ou não, em virtude daquela, por meio de seu Centro de Acolhida para

Refugiados, possuir direitos delegados pelo ACNUR no Brasil para firmar tais

convênios e/ou parcerias.

Em sentido amplo, pode-se até afirmar que tais programas resultem de políticas

públicas, mas, stricto sensu, não seriam assim chamados, pois, além de não terem sido

criados especificamente para os refugiados (estes passam a ser sujeitos de políticas já

existentes e nascidas com outros objetivos), em algumas delas não há absolutamente

influência ou interferência do poder público, resultantdo apenas de acordo entre a CASP

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(órgão da Igreja Católica) e o ACNUR (organização internacional). Alguns dos

convênios e/ou das parcerias são os seguintes:

• convênios com SENAI, SENAC, SESC e SESI, permitindo o ingresso dos

refugiados em seus cursos profissionalizantes e suas participações em

atividades sociais, centros esportivos, creches, restaurante e cursos de

idioma. Infelizmente não houve autorização para entrar em contato com os

servidores destes órgãos no sentido de aprofundar o conhecimento acerca das

realizações de tais convênios;

• convênio com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, já

explicitado no capítulo 13 desta pesquisa;

• convênio com o curso de Relações Internacionais da Faculdades

Metropolitanas Unidas, que se encontra parado;

• convênio com o CONARE, para que a primeira entrevista com o refugiado

seja feita na CASP;

• convênio com a Associação Mulher Vida - Casa de Abrigo para Mulheres

“Madre Cristina Sodré Dória.” As tentativas de contato com esta Associação

foram todas inúteis; e

• convênio com o Serviço de Apoio Educativo de Capacitação e Orientação

Profissional. Também não houve possibilidade de contato com este projeto.

Na área da saúde, a CASP conta com alguns parceiros em São Paulo: Instituto de

Psiquiatria do Hospital das Clínicas; Hospital da Glória; Hospital de Referência da

Saúde da Mulher; Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas (APCD); serviços

odontológicos do SESC e da USP; Hospital do Jabaquara; Centro de doenças Infecto-

Contagiosas do Hospital “Emílio Ribas”; Hospital Infantil “Menino Jesus”; Hospital

Brigadeiro; Santa Casa de Misericórdia; Hospital de Atendimento Especializado em

Oftalmologia e Otorrinolaringologia (CEMA); além de todos os Postos de Atendimento

Médico da Rede Pública Estadual e Municipal.

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300

Na área da educação, a CASP possui parcerias com: UNESP; UNICAMP;

UFMG168; a USP; Escola Clara Mantelli (Suplência de 1º e 2º Graus); Instituto Paulista

de Ensino e Pesquisa (IPEP); Escolas Profissionalizantes Salesianas; Colégio São Luis;

e o Colégio Pueri Domus.

Quanto à habitação, um dos maiores problemas enfrentados pelos refugiados em

São Paulo e em Toronto, a CASP possui parcerias com os seguintes locais e/ou

programas: Albergue do Glicério; Albergue do Brás; Casa do Migrante (Antigo AVIM);

Albergue Noturno “Lígia Jardim”; Casa de Convivência Metodista; Casa Nosso Lar;

Cidade dos Meninos – Campinas (para menores); Centro Comunitário da Criança e do

Adolescente (Centro de Convivência); Abrigo Dom Bosco (para menores); Albergue 25

de Janeiro; Lar do Alvorecer Cristão; Abrigo Projeto SOS – Cidadania; Albergue

Jacareí; Centro de Convivência do Canindé – Projeto Gente; Centro de Convivência da

Moóca; Programa Criança Cidadã (menores); Pousada Coração (Albergue para

homens); e Pousada Nova Veneza.

Para facilitar a inserção do refugiado no mercado de trabalho em São Paulo, a

CASP, além do convênio com o CREDISOL, analisado no capítulo 14, há parcerias

firmadas com o Centro de Solidariedade ao Trabalhador (Sindicato dos Metalúrgicos),

com a Central Islâmica Brasileira de Alimentos Halal e com diversas agências de

emprego, conforme relatório da CASP ao CONARE ao final de 2006.

O Governo brasileiro também vem estudando a forma de estender o benefício do

bolsa-família aos refugiados no Brasil, conforme publicado no Jornal O Globo, no dia

20 de junho de 2008, pois possuindo o direito ao CPF, o refugiado terá condições

jurídicas de cadastramento no programa.

Apesar das políticas públicas adotadas, resultantes de parcerias e/ou convênios

com o governo e/ou com a sociedade civil, as necessidades dos refugiados acolhidos em

São Paulo, infelizmente, continuam insatisfeitas, pois, primeiramente, não há

publicidade das mesmas, impedindo ou dificultando o acesso dos refugiados.

168

A parceria com a UFMG resulta da Resolução 03/98, em que esta universidade, baseando-se na lei 9474/97 e sob orientação da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação relativa à criação de mecanismos de ingresso dos refugiados nos cursos de ensino superior, passou a permitir a admissão de refugiados como alunos de graduação em seus cursos, mediante documentação expedida pelo CONARE. A UFMG também garante aos seus alunos refugiados bolsa de manutenção, apoio psicológico, acesso aos programas de moradia e estágios remunerados.

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301

Esta pesquisadora contatou a Drogaria Onofre e a Ótica Knirps, por exemplo,

parceiras da CASP para fornecimento de medicamentos e de óculos, respectivamente, a

baixo custo aos refugiados. Entretanto, o atendente e o gerente afirmaram desconhecer a

parceria ou quaisquer tipos de descontos fornecidos aos refugiados naquele

estabelecimento, embora estas constem como parceiras da CASP, no relatório enviado

ao ACNUR em 2006.

O que se extrai do acima exposto é que as políticas públicas de apoio aos

refugiados em São Paulo existem, ou melhor, estão formalmente previstas e

implantadas, mas falta publicização das mesmas, para, como bem defende Milesi &

Carlet (2007, 146), que se constituam em “um mecanismo capaz de garantir a proteção e

a concretização dos direitos humanos, especialmente os sociais, econômicos, culturais

dos que são vítimas diretas da desordem e desequilíbrios mundiais, da violência e da

perseguição.” E acrescentam que

importa, ainda, que tais políticas, além de serem formalmente previstas, sejam estabelecidas e implementadas a partir de valores éticos, humanitários e de solidariedade social, sob pena de pouco contribuírem para a efetiva garantia dos direitos fundamentais, respeito à dignidade e cidadania de todo o ser humano.

Os resultados positivos do estabelecimento e da implementação destas políticas

poderão ocorrer mais rapidamente se e quando houver a articulação completa entre o

poder público, nos seus três níveis (federal, estadual e municipal), a iniciativa privada e

a sociedade civil, ou seja, quando todos estes se conscientizarem da importância da

efetivação da sociedade em rede no acolhimento dos refugiados no Brasil, o que

facilitará a formação do capital social a ser produzido por estes refugiados, pois,

somente assim, eles poderão se deslocar dentro das redes sociais a que pertencem e,

também, entre as redes existentes em São Paulo, acumulando conhecimento, recursos,

formando redes de confiança e cooperação que os levem ao reconhecimento de cidadão

na cidade, obtendo acesso aos direitos previstos na Carta Brasileira de 1988 e nos

instrumentos internacionais em que o Brasil é parte.

Política e coerção, conforme citou-se Rua supra, são instrumentos de que se vale

o governo para alcançar os objetivos de uma sociedade saudável e equilibrada. Weber

(1994, 142) também, no momento histórico sob sua análise, afirma que “a dominação

legal baseia-se na vigência das seguintes idéias, entrelaçadas entre si: [...] que – como se

costuma expressá-lo – quem obedece só o faz como membro da associação e só obedece

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‘ao direito’;” e, acrescenta, sendo a associação o Estado, ele o faz como cidadão. (grifo

no original).

As políticas públicas aos refugiados no Canadá

Quanto ao Canadá, primeiramente, importa lembrar que, ao contrário do que

ocorre no Brasil, enquanto o processo de solicitação de refúgio não for encerrado com a

decisão de deferir a condição de refugiado ao indivíduo, este ainda não possui o direito

de trabalhar no país, sendo considerado como “imigrante sem status”. Segundo Nyers

(2006), no Relatório Preliminar dos Imigrantes sem Status e Serviços Municipais

Acesso sem medo,

há muitos espaços no processo de determinação de refúgio onde o solicitante pode cair nas lacunas, como no caso de um refugiado com base na Convenção de 1951, que possui 180 (cento e oitenta) dias para solicitar o visto de residente permanente e, caso não o faça no prazo, sua solicitação será considerada abandonada. Muitos refugiados com solicitação indeferida não sabem que podem solicitar para permanecer no país por questões humanitárias. Ademais, os solicitantes pensam que possuem condições de permanecer no país por estarem em contato oficial o órgão Cidadania e Imigração no Canadá. Entretanto, apesar da aura de legitimidades e legalidade que a solicitação lhes confere, os refugiados com solicitação indeferidas podem ser detidos e deportados, mesmo se sua solicitação por questões humanitárias esteja em análise.

Assim é que os maiores problemas enfrentados pelos refugiados são com relação

aos refugiados no limbo (aqueles considerados como refugiados pelo Tribunal

Administrativo (IRB), mas que, por falta de documentação adequada, não podem

requerer residência permanente, nem permissão de trabalho no país) e aos solicitantes

de refúgio, que estão passíveis de deportação (refoulement) a qualquer momento. Para

estes, conforme aponta o relatório acima mencionado, “atividades simples do dia-a-dia,

como trabalhar, dirigir e ir à escola, correm o risco de serem transformadas em crimes e

atos ilícitos com sérias conseqüências,” pois estes não possuem direitos de possuir

carteira de habilitação, nem permissão para trabalhar, por exemplo.

Como identifica o relatório (2006, 9), “o que começa como uma demanda

legítima para a proteção, pode terminar como uma forma cruel de discriminação,” já

que para o refugiado a difícil linha de fronteira a ser cruzada não é somente o ponto

físico de entrada no país (nos portos, aeroportos ou via terrestre), mas, principalmente,

cruzar as fronteiras de acesso aos serviços públicos, especialmente os sociais, no local

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de acolhimento. Esta é a dificuldade contra a qual os solicitantes de refúgio e muitos

refugiados lutam cotidianamente em Toronto. As fronteiras permanecem fechadas em

áreas essenciais para a vida e o bem-estar do ser humano em qualquer local de

residência, como acesso aos seguintes serviços: habitação, saúde, escola e acesso

permanente ao mercado de trabalho.

Quanto à escola, as crianças, devido ao plano nacional de educação, são

obrigatoriamente colocadas na escola, o que verdadeiramente funciona, independente do

status jurídico, legal ou não, dos pais no Canadá. Entretanto, se os pais ainda não

regularizaram sua documentação e de seus filhos menores no país, não poderão

apresentar, por exemplo, certidão de nascimento da criança, declaração de residência e

documentação dos pais, imprescindíveis para matrícula na escola.

Quanto aos jovens e aos adultos, não existe ensino superior público no país e os

privados são caros demais para que um refugiado possua condições financeiras de pagá-

lo, quase que impossibilitando sua entrada no ensino superior. Desta forma,

permanecendo sem diploma, aumenta a dificuldade de inserção no mercado de trabalho.

Cabe, assim, lembrar Bourbieu, cujo conceito de capital cultural, interligado à educação,

facilitaria a integração e o bem-estar dos refugiados em Toronto.

No âmbito do acesso à saúde, os idosos possuem acesso gratuito ao sistema de

saúde canadense. Além dos idosos, os pobres na forma da lei, ou seja, os

desempregados, também possuem este acesso gratuito, bastando, para isso, se

inscreverem no sistema de bem-estar social, uma espécie de política assistencialista que

caracteriza o país. Entretanto, há uma lista de espera enorme para se obter vagas em

clínicas e vários exames e/ou remédios não são cobertos por este programa. Com

relação aos outros, inclusive refugiados em geral, não existe acesso gratuito à saúde,

exceto para a primeira consulta com o “médico do bairro”, uma clínica geral,

estabelecida nos bairros, que faz o atendimento de toda a população com nacionalidade

canadense, e dos estrangeiros que possuem permissão de trabalho no país, como

acontece com grande parte dos refugiados, especialmente os reassentados. O que deve

ficar claro é que estando inserido no mercado de trabalho, não há acesso gratuito ao

sistema canadense de saúde.

Em se tratando de habitação, conforme explicitado nos capítulos 5.1 e 13,

quando da entrevista com a senhora Carolina Gajardo, gerente dos projetos de habitação

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da OSFL COSTI, em Toronto, os refugiados, logo ao chegarem na cidade, possuem

direitos a um abrigo seguro. Entretanto, estes estão sempre lotados, não havendo

possiblidades, muitas vezes, das OSFL autorizadas pelo governo para recebê-los de lhes

concederem um local para dormir. Faltam leitos e o governo diminuiu os incentivos

financeiros que eram repassados às OSFL para tais programas.

Conforme o relatório acima citado, não somente os governos, mas muitas OSFL

que fornecem os serviços essenciais, como saúde, educação e habitação, não possuem

políticas oficiais articuladas para lidar com refugiados no limbo ou com solicitantes,

ainda sem a permissão de acesso aos mesmos, por não terem a condição de imigrante

reconhecida pelo país. Ademais, há os critérios que são impostos pelos patrocinadores

das OSFL, que, muitas vezes, impõem condições e critérios de atendimento e de

serviços oferecidos aos imigrantes.

Toronto, como cidade canadense, recebe refugiados reassentados no país. Estes,

que são selecionados no exterior, pelos escritórios oficiais do país, não encontram

problemas de acesso aos direitos previstos, pois, antes de chegarem ao país, passam por

entrevistas, exames médicos e análises das qualificações profissionais, já aterrisando no

Canadá com a permissão de trabalho e o visto de residente permanente, podendo, caso

haja interesse, após 3 anos, requerer a nacionalidade canadense. Infelizmente, este

procedimento não ocorre quando os indivíduos perseguidos no local de origem

solicitam o refúgio na fronteira do país, sendo, como alguns entrevistados afirmaram,

discriminados, mal-tratados e alvos de preconceitos.

Um solicitante mexicano afirmou: “eu não entendi nada, pois concederam o

refúgio a minha esposa e não o concederam a minha pessoa.” Enquanto que uma

angolana, com a pele marcada por queimaduras resultantes do conflito na cidade natal,

assim se pronunciou:

o primeiro da família a sair do país foi meu irmão, que recebeu um convite para jogar futebol em Portugal. Juntando dinheiro, ele foi enviando para nós, os irmãos que haviam ficado, para que também saíssemos do inferno, pois nossos pais já haviam sido mortos nos conflitos. Quando cheguei em Portugal, fiquei alguns meses, para juntar dinheiro e vir para o Canadá, pois não houve condições de ficar em Portugal: não consegui emprego e meu irmão não podia me sustentar, pois havia outros irmãos para retirar de Angola. Então, cheguei de avião em Montreal. Depois de três meses na cidade, indeferiram minha solicitação e me deportaram para Portugal, dizendo que eu lá deveria ficar. Indignei-me com isso e retornei a

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Toronto um ano depois. Na chegada tentaram me deportar, colocaram-me em uma sala sem comida e local para fazer as necessidades básicas. Isto já faz 3 anos e ainda aguardo o resultado de minha solicitação de refúgio. A sorte foi que encontrei um compatriota, que ja havia passado pela mesma situação, que resolveu casar comigo, para regularizar minha situação. Vivemos felizes e já temos nossa filhinha de um ano. Agora, estou somente aguardando o dia de realizar o exame para obter o visto de residente permanente. Enquanto isso, o procedimento de refúgio continua parado e não tenho direito algum em Toronto.

Este é outro problema sério no Canadá, a falta de juízes suficientes no IRB,

fazendo com que os processos se acumulem e não sejam julgados. Finalmente, neste

2008, houve concurso para novas vagas e alguns juízes foram nomeados em meados de

2008. Espera-se que, com isso, os casos dos anos anteriores sejam julgados e não haja

mais atrasos nos julgamentos das solicitações.

Outro problema se deparam as mulheres solicitantes de refúgio ou refugiadas

não documentadas (cujo processo foi deferido pelo IRB, mas não pelo CIC), que, nas

hipóteses de violência doméstica ou em hora de parto, não buscam auxílio público,

conforme aponta o relatório acima citado (2006, 24), por medo de serem deportadas e

terem seus filhos retirados delas.

Poucas OSFL fazem atendimento e/ou oferecem apoio aos solicitantes ou aos

não documentados em Toronto. Um exemplo de trabalho positivo atuante nesta área é o

FCJ Centro para Refugiados, que recepciona e auxilia qualquer imigrante, independente

de sua condição jurídica em Toronto, buscando regularizar a situação dos mesmos e

inseri-los na sociedade, inclusive realizando, duas vezes por mês, mini-cursos para

ensinar aos seus acolhidos como acessar os serviços públicos da cidade.

Ademais, importa lembrar que o sistema canadense para os refugiados (e

imigrantes em geral) possui duas formas de acesso ao país, apontadas no capítulo

5.2.,169: o sistema de proteção ao refúgio (quando o solicitante já se encontra em solo

canadense) e o programa de refúgio e reassentamento solidário (quando o solicitante se

encontra fora do país). Quanto a este último, divide-se em três formas: o patrocínio

realizado por grupos privados (por associações comunitárias, grupos religiosos ou

grupos privados de cinco pessoas), que podem indicar o refugiado a ser patrocinado ou

169

Sampaio (2008) faz uma análise precisa e clara sobre estes procedimentos, que podem ser encontrados na íntegra no página web oficial, a saber: http://www.cic.gc.ca/english/refugees/sponsor/index.asp acesso em 8 de agosto de 2008.

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esperar a escolha feita pelos oficiais do governo; o patrocínio realizado pelo governo

(pelo Programa de Proteção Urgente, cuja decisão deverá ser tomada em 24 horas e o

traslado do refugiado em cinco dias); e o patrocínio realizado em parceira entre o

governo e grupos privados (programa de assistência conjunta, em que o governo

financia e o grupo privado fornece orientação, assistência e proteção ao refugiado). Em

geral, os patrocínios fornecidos por estes sistemas de reassentamentos de refugiados

duram um ano, podendo ser ampliado, caso haja necessidade por parte deste e condições

(i.e. financeiras e físicas de manutenção do mesmo no centro de acolhida) por parte

daqueles.

Estes são exemplos de políticas públicas formuladas e aplicadas no Canadá que

levam em consideraçào às necessidades específicas de determinados grupos de

refugiados, a depender do local de origem, da situação de vulnerabilidade e das

necessidades de tratamento de saúde física e psicológica por que passa o indivíduo.

Todos estas dificuldades por que passam os refugiados no Canadá são

visivelmente maiores em Toronto, por ser a cidade que mais recebe refugiados, além de

ser a maior e mais multicultural do país, o que justificou a pesquisa na mesma.

Após identificar e analisar algumas políticas públicas aplicadas e/ou

direcionadas aos refugiados em São Paulo e em Toronto, identifica-se uma gama

enorme delas, cujas existências não são, várias vezes, publicizadas aos refugiados, que

ficam, em geral, a mercê da burocracia estatal, da “boa vontade” e do tempo disponível

dos agentes responsáveis pela implementação das mesmas, além da dificuldade em

obter informação sobre elas. Por exemplo, quando se perguntou aos refugiados

entrevistados quais as principais fontes de informação sobre o que o governo estava

fazendo, em São Paulo, 38% responderam ser a televisão e 33% a internet, enquanto

que em Toronto, 38% responderam também a televisão e 28% um jornal local ou

comunitário.

Por fim, outro ponto que merece análise é no tocante à caracterização do Brasil e

do Canadá quanto às políticas públicas adotadas para os refugiados em São Paulo e em

Toronto. Importante se faz, primeiramente, classificar os tipos de políticas públicas,

chamados por Rua (1998) de arenas políticas, a partir de Santos Júnior et al (2003):

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1. Redistributivas, com o intuito de redistribuir renda na forma de recursos e/ou

financiar equipamentos e serviços públicos. Assim, são as classes sociais

mais altas as responsáveis (financiadoras) por estas políticas, direta ou

indiretamente, enquanto que os beneficiários são indivíduos das classes mais

baixas. Um exemplo de redistribuição direta é a diminuição de IPTU para as

classes mais pobres e o seu aumento para classes mais altas (residentes em

mansões e apartamentos de luxo), pois, assim, a cobrança mais alta dos ricos

vai auxiliar a implantação de programas sociais, por exemplo, para as classes

mais pobres. É a famosa política Robin Hood, que tira dos ricos para dar aos

pobres. Todavia, o governo pode retirar do orçamento geral para aplicar em

programas específicos, como o acesso ao bolsa-família a ser dado aos

refugiados. Este último exemplo facilita sua implementação, pois apresenta

menor resistência das classes mais favorecidas.

2. Distributivas, com objetivos pontuais ou setoriais ligados à oferta de

equipamentos e de serviços públicos demandadas por grupos sociais

específicos. Quem a financia é a sociedade como um todo, por intermédio do

orçamento público, enquanto os beneficiários são pequenos grupos ou

indivíduos de diversas classes sociais. Um exemplo é a oferta de cadeira de

rodas para deficientes físicos ou a iluminação de rua onde o índice de

violência noturna é alto. Vê-se que não é uma política universal, pois não é

garantido por lei, sendo, portanto, de implantação mais fácil, pois há menos

opositores. No Brasil, estas políticas são as mais comuns, tornando-se alvo

da imprensa e de movimentos sociais, por se transformarem, muitas vezes,

em práticas clientelistas, especialmente pela “troca de votos” que ocorre em

período eleitoral. Felizmente, há políticas distributivas não clientelistas,

como as de emergência e de solidariedade que ocorrem em momentos de

enchentes e secas, por exemplo.

3. Regulatórias, que visam regular certo setor, ou melhor, criar normas para o

funcionamento dos serviços a serem executados e para a implantação de

equipamentos urbanos, referindo-se à legislação e sendo caracterizada como

um instrumento que permite regular (normatizar) a aplicação de políticas

(re)distributivas, como, por exemplo, o Plano Diretor. Por estarem reguladas

em leis, cuja linguagem não é fácil de interpretação, muitos indivíduos

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somente percebem a existência de tais políticas quando se sentem

prejudicados por elas.

Sefton (2006, 608), ao analisar as políticas distributivas e redistributivas,

focaliza as políticas sociais e de bem-estar do indivíduo, avisando que a “Política Robin

Hood” é apenas uma das dimensões ao longo da qual a redistribuição pode ocorrer, e

lembrando que

rendas baixas não são as únicas razões para receber benefícios financeiros ou outros serviços. Muitas políticas de bem-estar fornecem seguros contra diversos riscos, como desemprego e acidentes de trabalho, além de fornecer mecanismos para aumentar a renda durante o ciclo de vida.

O que Sefton (2006, 611) argúe é que “redistribuição não é apenas redistribuição

de renda, mas também redistribuição de oportunidades: acesso a uma melhor educação,

melhores empregos e melhor saúde que podem levar à melhor igualdade na renda a

longo prazo, assim como ser um fim em si mesmo.” E, claramente, são estes serviços,

que podem ser fornecidos via políticas públicas, que os refugiados mais reclamam de

não terem acesso, fazendo com que não se sintam, muitas vezes, cidadãos, em São

Paulo e em Toronto.

O Brasil, classificado, nas últimas décadas, como um Estado Liberal, apesar das

diversas políticas assistencialistas criadas (Comunidade Solidária, Bolsa-Família, Bolsa-

Escola etc.), se contrapõe ao Canadá, tipicamente reconhecido como um Estado Social-

Democrata170. Esta diferenciação é fundamental para classificar estes dois países quanto

às políticas públicas adotadas para os refugiados ali acolhidos.

Sefton (2006, 611-3) foca sua análise na noção de eqüidade que se encontra na

base destes regimes, refletindo-se diversamente em várias políticas redistributivas.

Conforme ele mesmo afirma, por um lado, “o regime liberal olha para o mercado como

sua primeira fonte de bem-estar.” O Estado assume a responsabilidade apenas quando a

família ou o mercado falha, além de procurar limitar seu comprometimento com o

170

Sefton (2006, 612) ainda menciona o regime corporativista, cujo fim é preservar a ordem existente e os padrões de distribuição ali existentes, diferente da social democracia, por exemplo, que busca alterar a distribuição entre ricos e pobres. Há, nestes regimes, auxílio mútuo e programas sociais generosos, financiados por contribuições, além de que os direitos sociais resultam, principalmente, do emprego que o indivíduo possui, diversamente de quando resulta da cidadania (no regime social democrata) ou das necessidades provadas (no regime liberal clássico). Como nem Brasil nem Canadá se caracterizam como nestes modelos, o mesmo não será tratado com profundidade.

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fornecimento de uma rede de segurança para os marginais e para grupos merecedores.

Suas regras são restritas, os níveis de benefícios são modestos e o tempo é limitado para

não encher o fornecimento privado ou a caridade, enquanto agindo como guardião

contra o perigo de cultivar uma cultura de dependência.

Por outro lado, a social democracia fornece um papel mais proeminente para a

política redistributiva. Diversamente do regime anterior, sua base consiste em que

os resultados do capitalismo são injustos e, portanto, os sócio-democratas estão bem mais preparados para manipular a economia de mercado, direcionando-a aos fins sociais (e.g. via forte proteção de emprego e salário mínimo legislado), mesmo que tudo isso custe um pouco da produtividade.

Sefton (2006, 611) continua, ao afirmar que a redistribuição também será

alcançada tomando-se certos bens e serviços, como saúde, educação e habitação, como

fora da órbita capitalista, além de ter certeza de que são distribuídos mais

igualitariamente do que a distribuição que ocorre com a renda ou com a riqueza. O

acesso a certos benefícios estatais, como os acima citados, devem ser vistos, na visão de

Sefton, como pertencentes aos direitos de cidadania, devendo, ainda, serem os sistemas

de seguro amplos e universais.

Enfim, Sefton (2006, 611) distingue ambos os regimes no tocante à população

alvo de suas políticas públicas, a saber: enquanto “o regime liberal possui suas políticas

focadas para os pobres ou grupos específicos menos favorecidos economicamente, a

social democracia é chamada de universalista, ou seja, favorece um fornecimento

universal de bem-estar a todos.”

O autor aponta que os universalistas (social democratas) acusam os focados

(liberais) de estigmatizarem os receptores e de serem socialmente divisivas, pois,

geralmente, comandam menos apoio político do que programas universais e, assim,

muitos dos necessitados podem deixar de se favorecerem das políticas em epígrafe, pois

suas necessidades se tornam difíceis de serem identificadas. Quanto aos focados

(liberais), estes argumentam serem as políticas públicas focadas mais eficientes no

combate a pobreza, podendo ser igualmente efetivas. Para estes, “as transferências

sociais impõem custos na economia, que são minimizados por meio de melhores focos.”

Assim é que, após análise das políticas públicas existentes em São Paulo e em

Toronto direcionadas aos refugiados ali acolhidos, descobre-se que há políticas

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universalistas, que não levam em consideração as origens e as culturas dos refugiados,

nem os motivos e as formas de chegada no local de acolhimento. Estes indivíduos

chegam carregados de traumas, de estresses, de baixa auto-estima, de distúrbios mentais

e psicológicos, além de necessidades físicas urgentes. Um exemplo de política

universalista é a lenta burocracia na definição da situação jurídica do indivíduo, que,

não pode, ainda, ser chamado de cidadão, um estatuto pessoal que lhe daria acesso aos

direitos locais. Outro exemplo é o que ocorre com mulheres, idosos e crianças,

desacompanhadas ou não, que, muitas vezes, não são levadas em consideração as

situações de vulnerabilidade em que se encontram.

Há, também, políticas focadas, como os abrigos para recém-chegados em

Toronto, os cursos gratuitos do novo idioma, os mini-cursos sobre cultura local e modo

de funcionamento das instituições políticas, além de serviços de tradução, interpretação

e apoio com preenchimento de formulários de solicitação de refúgio.

Com isso, conclui-se, claramente, que tanto o Brasil quanto o Canadá,

especialmente as maiores e mais importantes cidades de cada um deles, São Paulo e

Toronto, embora teoricamente sejam reconhecidos como liberal e social democrata,

respectivamente, no tocante às políticas públicas criadas e/ou adotadas para os

refugiados e/ou solicitantes de refúgio, ambos devem ser caracterizados como regimes

híbridos, ou seja, os refugiados se sujeitam a certas políticas universalistas, mas também

há políticas focadas para suas situações específicas, especialmente em Toronto, cujas

políticas públicas diretas (adotadas e implementadas pelo próprio governo) para os

refugiados são mais universalistas, enquanto que as focadas são de forma indireta, ou

seja, implementadas via organizações sem fins lucrativos (OSFL) que recebem, algumas

vezes, apoio governamental para realizá-las.

O que se deduz da relação entre políticas públicas redistributivas no regime

liberal e no da social democracia é que, primeiramente, é importante combinar a

implantação de todas as políticas públicas, quais sejam, as regulatórias, as distributivas

e as redistributivas, além de implementar, também, políticas públicas focadas e

universalistas, em ambos os regimes, para enfrentar os quadros de desigualdade e de

segregação que marcam São Paulo e Toronto, respectivamente, sempre levando-se em

consideração, ainda, as bagagens culturais trazidas pelos refugiados do local de origem,

o que facilitará a integração destes e a produção de capital social.

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Capítulo 17

O capital social dos refugiados: bagagem cultural e políticas públicas

Cui bono? Quem se beneficia? é um famoso adágio atribuído ao honesto e sábio

censor romano, Lucius Cassius171, por seu hábito de, antes de decidir sobre qualquer

litígio, perguntar-se e perguntar aos presentes quem seria o beneficiário, ou melhor,

quem levaria vantagens do ato em julgamento; sendo, assim, utilizado tanto para sugerir

um motivo dissimulado quanto para indicar que a parte responsável pelo ato pode não

ser quem aparenta ser no início das investigações. Geralmente, esta máxima é usada

para sugerir que uma pessoa, ou várias, acusada de cometer certo ato pode se encontrar

entre aquelas que levam vantagens com tal ato, especialmente financeiras. Entretanto, a

parte que se beneficia pode não ser facilmente identificada ou ter, com sucesso,

desviado a atenção dos julgadores e da opinião pública para algum “bode expiatório”.

Com relação aos motivos da prática de determinado ato, um projeto de políticas

públicas que objetiva beneficiar toda uma cidade pode ter sido iniciado com o intuito de

beneficiar um contribuinte de campanha favorecido com um contrato lucrativo, por

exemplo, como ocorre com certas políticas distributivas no Brasil. Nesse sentido, para

os refugiados, melhor seria a criação e a implementação de políticas públicas

redistributivas, mesmo que indiretamente, por intermédio de agentes ou organismos

autorizados, como a CASP, em São Paulo, e os centros de recepção de refugiados, em

Toronto, que, no último exemplo, possui, inclusive, nacionais ex-refugiados entre seus

funcionários e/ou voluntários.

171

Assim se pronunciou Cícero, grande orador e estadista romano, em seu discurso em favor de Roscio Amerino, na seção 84: “L. Cassius ille quem populus Romanus verissimum et sapientissimum iudicem putabat identidem in causis quaerere solebat 'cui bono' fuisset”, que assim se traduz para o português: “o famoso Lucius Cassius, a quem os romanos costumavam ver como um juiz muito honesto e sábio, tinha o hábito de perguntar, em tempo e novamente, ‘quem se beneficia’?”. Em um segundo momento, no discurso em defesa de Milo, Cícero, mais uma vez, cita a máxima cassiana, ao afirmar, na seção 32, “ Itaque illud Cassianum 'cui bono fuerit' in his personis valeat; etsi boni nullo emolumento impelluntur in fraudem, improbi saepe parvo”, ou seja: “portanto, a máxima de Cassius, para saber quem levou vantagens, bem pode ter influência com respeito à estas pessoas.” In http://thelatinlibrary.com/cicero/sex.rosc.shtml e http://www.thelatinlibrary.com/cicero/milo.shtml#32 e http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?lookup=Cic.+Mil.+33, respectivamente. Acesso em 9 de agosto de 2008.

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Políticas redistributivas gerais, normalmente, não atingem os refugiados e/ou os

solicitantes de refúgio, por falta de conhecimento da maneira como funcionam as

instituições locais e, assim, por não possuirem acesso aos programas dirigidos aos

nacionais, aos estrangeiros residentes no país e, lato sensu, aos cidadãos acolhidos por

certa localidade.

Ademais, não se deve olvidar de que políticas distributivas, para serem

implementadas com êxito, precisam do apoio da mídia e/ou de um bom canal de

comunicação para que os solicitantes de refúgio e/ou refugiados se beneficiem das

políticas formuladas e teoricamente implantadas. Dois exemplos fabulosos são

encontrados em Toronto, quais sejam: os programas do Centro de Refugiados FCJ e da

Cruz Vermelha Canadense – seccional de Toronto. Enquanto a primeira oferece

treinamentos (palestras e dinâmicas) quinzenais para “apresentar” a cidade e o seu

funcionamento aos recém-chegados, a segunda possui um kit completo com telefones,

endereços e mapas de locais úteis, inclusive os de emergência, com números de

telefones cujas ligações podem ser feitas a cobrar, 24 horas por dia, durante os sete dias

da semana.

De acordo com as entrevistas realizadas, os refugiados em São Paulo e em

Toronto buscam mais informações, sobre o que acontece na cidade, pela televisão (38%

em São Paulo e a mesma quantidade em Toronto). A internet também tem sido um meio

largamente utilizado pelos mesmos, pois 33% dos entrevistados em São Paulo e 23%

em Toronto afirmaram ser a internet um dos meios mais utilizados para tomar

conhecimento das políticas governamentais. Ipso facto, a presente pesquisa sugere a

necessidade de haver mais contato via televisão e via correio eletrônico172, informando-

lhes, e à sociedade acolhedora, os direitos destes indivíduos vulneráveis, especialmente

das mulheres, das crianças e dos idosos.

Cui bono? Quem se beneficia? Quem leva vantagens? A quem interessam as

políticas públicas destinadas a promover, proteger e defender os refugiados acolhidos?

Ao governo? À sociedade civil, (in) formal, organizada ou não? À iniciativa privada? À

qualquer pessoa interessada na localidade de acolhimento do refugiado? A resposta

172

somente as refugiadas muçulmanas casadas, em Toronto, afirmaram não possuírem endereço de correio eletrônico, embora se utilizassem da internet, esporadicamente, para encontrar trabalho para os filhos e/ou marido, escolher escolas e matricular os filhos, além de descobrir os centros de saúde mais próximos de suas residências. Também, todos os entrevistados, em Toronto, declararam usar a internet para conhecer o procedimento para a solicitação de refúgio, além de acompanhá-lo.

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313

deve ser: a mim mesmo/a, a você, a nós, a eles, a todos os indivíduos que, de alguma

forma serão os recipientes positivos do capital social produzido pelos refugiados na

cidade onde estes perseguidos no local de origem se instalaram.

O que deve ser levado em consideração é que, como visto no capítulo 9, o

capital social não nasce automaticamente, sendo necessária a mão bem visível do

governo, mesmo no Estado liberal (construtor de políticas focadas), formulando e

implementando políticas públicas universais e, também, direcionadas para estes

cidadãos. A necessidade de políticas públicas universais é para facilitar a integração,

fazendo com que os refugiados se sintam cidadãos, para evitar a segregação e para

diminuir os problemas físicos, mentais e psicológicos que os refugiados trazem consigo

do local de origem.

Escapando de mortes coletivas, estes indivíduos buscam refúgio em outro país,

cuja população é diversificada, mas acabam imergindo em isolamento e exclusão,

quando não há políticas públicas implantadas para a integração destes. Uma evidência

desta pesquisa foi que 42% dos refugiados entrevistados em São Paulo e 57% dos

entrevistados em Toronto afirmaram não pertencer a nenhum grupo ou rede.

Desta forma, Pestre (2007, 138-9) enfatiza que “a questão consiste em saber se o

que é traumático para uma sociedade o é para outra.” Ademais, “os processos psíquicos

não devem ser confundidos com os elementos culturais e o traumatismo é universal. O

exílio não pode ser reduzido a um trauma .”

O que Pestre identificou na sua pesquisa, primeiramente, foi que as normas

relativas aos procedimentos de refúgio não levavam em consideração as características

culturais dos indivíduos, já traumatizados com a perseguição e o exílio da terra natal,

havendo, imperativamente, a necessidade destes serem confrontados com uma nova

ordem jurídico-administrativa, com um novo sistema e com um interlocutor

desconhecido, cujo idioma era diferente e que o via como um anormal.

Nesse sentido, 73% dos refugiados entrevistados, em São Paulo, e 67% dos

entrevistados, em Toronto, declararam que, em geral, as pessoas não são confiáveis,

sendo essencial ter cuidado ao lidar com elas. A pergunta foi formulada em relação às

pessoas com que o refugiado lida no local de acolhimento cotidianamente, como

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vizinhos, colegas de trabalho ou de aula, servidores públicos, trabalhadores privados

(farmácia, padaria, supermercado, banca de revista etc.).

Tendo rompido com a comunidade de origem, o solicitante de refúgio e/ou

refugiado se sente em um mundo estranho. Os traumas, já especificados no capítulo 5,

serão mais facilmente diluídos se interligados com a nova cultura e com o novo sistema.

“A colisão que se produz no seio da psique entre os desastres psíquicos, sociais e

políticos é universal e confronta cada um com a singularidade de sua história e com sua

cultura.” (Pestre, 2007, 140).

Com base nesta pesquisa, foi identificado que, entre os refugiados entrevistados,

todos fogem de perseguições ou de temor bem fundado de perseguições, em virtude de

conflitos políticos em seus países de origem, cuja religião é cristã, como os latino-

americanos, os caribenhos e os africanos, que também apresentam altos índices de

desigualdades sócio-econômicas. Quanto aos árabes-muçulmanos, embora quase todos

os conflitos sejam caracterizados como étnicos e/ou religiosos (alguns são

eminentemente políticos), a dimensão política pode ser encontrada na base de quase

todos eles, resultante dos processos de independência que culminaram em conflitos

entre clãs, etnias e/ou grupos políticos na luta pelo poder. Duas peculiaridades podem

ser vistas: no Sudão, além do conflito religioso, há um conflito separatista na região de

Darfur, e, quanto ao Irã, um Estado teocrata, o conflito étnico-religioso se confunde

com o político.

O que se quer salientar com esta exposição é que, apesar de serem provenientes

de diversas regiões, detentores de diferentes culturas, histórias, traumas, conflitos e

realidades, o refugiado e/ou o solicitante precisa romper, por ora, com a comunidade de

origem e criar laços com o novo local de acolhimento, integrando-se, sentindo-se úteis,

participando da vida social, ou seja, há, para o bem-estar dos refugiados e da

comunidade acolhedora, uma necessidade premente de formação de capital social no

novo local, ou seja, a formação de redes e de relações sociais de confiança e de

cooperação, fundamentais para a obtenção e/ou manutenção de recursos suficientes para

fazer com que o refugiado e/ou o solicitante de refúgio se sinta como cidadão no novo

lar e, também, assim seja visto por quem o acolhe.

Entretanto, os Estados reforçam os traumas destes indivíduos recém-chegados

em diversas situações, tais como (Pestre, 2007, 143-71): na dor da espera (a

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precariedade dos serviços públicos e a incerteza do deferimento da solicitação unidas à

espera da decisão potencializam os traumas e favorecem o retorno a atitudes auto-

conservativas) e na obrigatoriedade das entrevistas (que faz o solicitante de refúgio

reviver os conflitos passados, os fantasmas destruidores de seu dia-a-dia, tudo o que

quer esquecer, tudo o que lhe machuca, quando, em verdade, o Estado deveria possuir

mecanismos que evitassem estes estímulos externos capazes de impulsionarem os

traumas). Ademais, Pestre (2007, 342) assinala que Distúrbios de Síndrome Pós-

Traumática (DSPT), “reconhecidos como eventos exteriores, exógenos, listados e

identificados como fora do comum (guerras, agressões, torturas etc.) e considerados

traumáticos”, de origem somáticas, são facilmente identificados entre os solicitantes de

refúgio e os refugiados.

Com todos estes traumas e distúrbios, o indivíduo é obrigado a reviver tudo isso,

em um tribunal, quando o Estado o chama para que o mesmo prove ser vítima de

perseguição em seu local de origem e prove, também, a trajetória realizada até chegar

no novo país de acolhimento, além de reconhecer as doenças que porventura possua. O

Estado, visando categorizar o indivíduo em seu aspecto clínico-jurídico, o reconhece

como vítima de perseguição e de trauma para dar-lhe acesso aos direitos de cidadão no

novo lar; do contrário, não sendo caracterizado como vítima, o indivíduo não terá tais

direitos de refugiado, podendo, inclusive, ser forçado a retirar-se do novo local. Vê-se,

assim, que “os traumas e maneira de diagnosticá-los possuem um peso nas ciências

jurídicas que se resumem ao regime de provas e a posse da atenção à cena jurídica.”

(Pestre, 2007, 367-8).

Por isso é que se deve utilizar a questão cultural para diminuir e evitar distorções

de entendimentos. Como visto no capítulo 15, as culturas representam o conjunto das

estruturas sociais e das manifestações artísticas, religiosas e intelectuais que definem um

grupo, possuindo, cada uma delas, a possibilidade de manifestações do psiquismo

emergirem. Por isso, segundo Pestre (2007, 369-70) é que os membros de uma mesma

cultura possuem em comum um certo número de conflitos inconscientes. “A herança

cultural é parte integrante do sujeito, tratando-se de mitos, de crenças etc., mesmo que

inconsciente. [...] É a nova etnopsiquiatria, que coloca como fundamentais as variáveis

culturais, afastando-se, assim, da universalidade do psiquismo.”

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A era atual da integração deve também ser a era da composição de novos

elementos culturais, tomando-se como base as diferenças de cada um para formar o todo

harmônico e equilibrado. A cultura de ser o elemento necessário para a produção das

redes de relações sociais intersubjetivas essenciais para a formação de capital social e

para o tratamento dos distúrbos e/ou doenças que afetam os solicitantes de refúgio e os

refugiados, tanto é que, dentre os refugiados entrevistados que declararam pertencer a

algum grupo ou rede, religião e gênero estiveram no topo da lista, ou seja, os grupos ou

as redes a que pertenciam eram de pessoas de mesma religião, gênero ou etnia: em São

Paulo, 30% responderam que os membros de seu grupo ou rede eram da mesma religião

e, em Toronto, 30% eram do mesmo gênero.

Devido às diferenças culturais, à falta de saúde173, física e psíquica, ao novo

sistema em que busca se inserir, com dificuldades lingüísticas, inclusive, além do medo

do novo, do estranho, é importante se perguntar se o solicitante de refúgio ou o

refugiado terá capacidade suficiente para convencer as autoridades estatais da

perseguição e dos traumas que estão sofrendo, desde o momento pré-fuga do local de

origem até a chegada no local de acolhimento, pois nem sempre houve preparação

prévia ou auxílio para fornecimento das respostas à autoridade migratória, além da falta

de conhecimento das normas locais.

Por mais determinado e traumatizado que esteja um indivíduo, ele pode,

consciente ou inconscientemente, gaguejar e se confundir diante da autoridade do

governo e não conseguir se fazer entender, parecendo haver (e muitas vezes há)

contradições em suas palavras, levando ao indeferimento da solicitação.

Infelizmente, a evidência, na pesquisa de Pestre (2007, 493) é que

173 Veenstra (2000, 619-29) analisou o papel do capital social como mediador da relação entre desigualdade de renda e condição de saúde em uma comunidade canadense, descobrindo que os mais altos níveis de confiança e participação associativa estiveram relacionados aos mais baixos níveis de mortalidade. Os indicadores utilizados foram confiança política (no governo), participação cívica (voluntarismo, votação, leitura regular de jornal, escrita de carta para editores de jornais etc), engajamento social (em associações, clubes e organizações religiosas) e condições de saúde. A conclusão de Veenstra foi de que “apenas o comprometimento com a felicidade pessoal esteve relacionada à saúde.” Entre os 534 entrevistados na pesquisa de Veenstra, apenas a freqüência com que se socializavam com os colegas de trabalho quando com problemas e a ida aos serviços religiosos estiveram significamente relacionadas à saúde, ou seja, somente o engajamento social apresentou forte relação entre a saúde do entrevistado e o capital social produzido. (grifo da autora). Na presente pesquisa, tanto os refugiados entrevistados em São Paulo quanto os entrevistados em Toronto declararam, naquele momento e depois de ultrapassada a fase da solicitaçào de refúgio, estarem “muito felizes’’ ou “moderadamente felizes”, a saber: 57%, em São Paulo, e 83% , em Toronto.

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o aleatório domina as respostas administradas pelo sistema político-jurídico condicionado pela crise do asilo. A chegada de refugiados no novo local de acolhimento resulta, por vezes, de acordos políticos bilaterais entre Estados ou de oportunidades outras ... se o reconhecimento pelo Estado, das perseguições que o sujeito afirma ter sofrido e sofrer, não rege, magicamente, seu passado caótico ou seus traumas, então ele participa consideravelmente de sua reconstrução político-subjetiva no novo local de acolhimento.

Os Estados devem modificar urgentemente estes procedimentos jurídicos

dolorosos, que não vêem o indivíduo como um todo, como um elemento dotado de

subjetividade, de individualidade, com cultura própria, visando à saúde e ao bem-estar

destes perseguidos e da sociedade onde serão inseridos.

Assim é que, devido aos traumas e às dificuldades do solicitante de refúgio e do

refugiado no novo local de acolhimento, a necessidade de políticas públicas focadas

urgem, levando em consideração, sempre, as especificidades de cada cultura, resultantes

da relação entre a bagagem cultural que o refugiado traz consigo do local de origem, a

causa da fuga e a necessidade de integração, sem haver a imposição de aculturação ou

assimilação cultural, o que pode culminar em algum tipo de segregação ou apartheid

social.

Cattell (2001, 1501-16), que analisou o papel mediador do capital social e das

redes sociais entre pessoas pobres, locais pobres e baixas condições de saúde, concluiu

que “quanto mais variada a rede, maior a variedade de recursos acessíveis, e maior os

benefícios potenciais para a saúde,” pois as redes possuem capacidades para fornecer

apoio social, desenvolver a auto-estima, ajudar na manutenção e na reconstrução da

identidade, auxiliar nas percepções de controle, além de fornecer esperança e otimismo.

Embora o universo de pesquisa de Cattell tenha sido dois distritos de Londres

(Inglaterra), suas conclusões se coadunam com a realidade dos refugiados, pois com

redes fracas ou sem coesão social no local de acolhimento, os refugiados sentem os

efeitos negativos na saúde, como: pena e desrespeito por eles mesmos, ansiedade social

e percepções de inferioridade induzidas ao interagir com pessoas de status sociais mais

elevados.

A dificuldade de se encontrar habitação em Toronto foi retratada no capítulo 5.1.

Grande parte dos refugiados entrevistados nesta cidade reclamaram desta falta de abrigo

físico e seguro, sendo, muitas vezes, obrigados a residirem longe de amigos, familiares

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ou de pessoas da mesma nacionalidade ou religião. Cattell (2001, 1511) aponta que

“[...] residir em um ambiente desfavorável estava ligado ao estresse, à depressão e ao

empobrecimento da saúde física,” além de que casa e lar não se confundem.

O refugiado precisa se sentir bem, feliz, efetivamente acolhido no novo local de

acolhimento. Assim é que Cattell (2001, 1514) conclui ser

o capital social – essencialmente um recurso individual e de vizinhança produzido quando as pessoas cooperam – uma construção que auxilia a identificar as condições que contribuem para a qualidade de vida. Como um conceito que une as questões estruturais e culturais à pobreza, o capital social é uma ferramenta útil ao entendimento da relação entre pobreza, local de residência, saúde e bem-estar.

Campbell & McLean (2002, 643-57) avaliaram o impacto da identidade étnica

(de 25 afro-caribenhos entrevistados em uma área multi-étnica pobre no sul da

Inglaterra) na possibilidade de participação das pessoas em redes de comunidades

locais, no contexto de políticas públicas recentes, enfatizando a necessidade de

participação de comunidades marginalizadas em tais redes como meios de redução de

desigualdades na área de saúde. A conclusão foi que

enquanto a identidade afro-caribenha teve um papel central na participação das pessoas nas redes inter-pessoais, esta solidariedade inter-pessoal não serviu para unir as pessoas no nível comunitário local, além das redes particulares. Os níveis de participação em organizações voluntárias e atividades comunitáras foram baixo.

A solução é, além da modificação do sistema jurídico, o reforço das políticas

públicas que auxiliem na formação e na produção de capital social. Os recursos devem

ser postos à disposição dos refugiados, de acordo com suas diversidades culturais e o

acesso às redes sociais devem ser facilitados. Entretanto, tudo isso somente pode ser

concretizado com políticas públicas (re)distributivas, que evitem a segregação e

fortaleçam a auto-estima. Somente assim os refugiados estarão aptos a quebrar o ciclo

negativo de vida em que se encontram, a se aceitarem e a aceitarem o outro, o novo, o

estranho, que não será mais estranho, pois será seu novo lar e ele se sentirá, sendo assim

considerado, parte desse todo, que o acolhe e que também deverá aprender a lidar com

estes refugiados. Nesse sentido, Durston (2003, 173) afirma que

o desenho das instituições formais de associações e de participação e a capacitação dos supostos beneficiários em sua gestão nunca lograrão seus objetivos, a menos que as instituições sócio-culturais informais de confiança, de cooperação, de liderança, de prestígio, de

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faccionalismo, de clientelismo sejam também temas de política pública.

Para ele, o grande desafio atual é saber “como trabalhar sinergicamente com os

sistemas sócio-culturais específicos para cada caso, para formar instituições produtivas

eficientes e atores sociais capazes de introduzir impactos positivos nos sistemas locais e

regionais que devam reproduzir o status quo da desigualdade.”

Os projetos devem ser particularmente direcionados para cada cultura, as

características e as necessidades individuais e do grupo devem ser levadas em

consideração, além dos padrões diferenciados de conhecimento e poder, conforme

afimam Essed, Frerks & Schrijvers (2004, 15-6), acrescentando que “as experiências do

refúgio, do deslocamento e da repatriação devem ser entendidas nos contextos das

identidades e dos discursos construídos e com referência aos amplos ambientes sócio-

econômicos.” Infelizmente, a realidade se apresenta diferente, com políticas,

organizações e burocratas sem conhecimentos suficientes da vida real e das experiências

passadas pelos refugiados, reforçando a imagem que possuem destes como pessoas

passivas e dependentes.

Turcotte & Silka (2007, 127-9) assinalam a importância de promover a cultura

do recém-chegado como forma de geração substancial da renda e, ainda, fornecem

exemplos: festivais culturais, apresentações artísticas étnicas, feiras de artesanato e

artes, que têm gerado lucros consideráveis em nível local. Destarte, além de promover a

cultura, a integração entre os refugiados e a população receptora aumenta e o capital

social se produz mais rapidamente, especialmente o inter-grupos.

Nesta pesquisa, foi identificado que, apesar de mais de 50% dos refugiados

entrevistados reconhecerem diferenças entre suas características e as das pessoas

residentes na mesma localidade, mais da metade deles (61% em São Paulo e 80% em

Toronto) afirmaram que tais diferenças não causam problemas entre estes e aqueles.

Por isso é que Durston (2003, 197) assinala que “uma política nacional de

formação de capital social pode incorporar aprendizagens de outros países, mas pode e

deve se basear na própria diversidade do acervo cultural e das formas sociais,” tendo-se

sempre em mente que “os impactos negativos do capital social se manifestam em

grupos sociais poderosos...que não levam em conta a cidadania e praticam a corrupção e

o amiguismo”. (Narayan, 1999 apud Durston, 2003, 171).

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Miller (2004, 238), ao tratar da cidadania cultural, inteligentemente, afirma que

a cultura está ligada à política em duas formas: a artística e a cotidiana. A artística emerge de pessoas criativas, sendo julgada pelo critério estético, visual, marcada pelos interesses e pelas práticas dos estudos textuais e da história cultural. Os costumes do cotidiano se referem à forma como vivemos nossa vida, a sensação do local e da pessoa que nos faz humano. A política cultural se refere, então, aos apoios institucionais que guiam a criatividade estética e as formas coletivas de vida, sendo personificadas em um guia de ação sistemático e regulatório, adotado por uma organização para alcançar suas metas. Em suma, a política cultural é burocrática, e não criativa,

o que faz supor que para uma política pública ser efetiva e compatível com as

necessidades da sociedade, precisa possuir relação direta com as características culturais

de seus recipientes (no caso desta pesquisa, dos refugiados), focando-se neles e nas suas

peculiaridades, embora haja a possibilidade, sempre, da existência de políticas públicas

gerais, universais, que supram as deficiências de outros setores da vida do refugiado,

facilitando-lhes a formação de capital social, tanto no sentido de formação de redes e

grupos sociais, quanto na formação e/ou obtenção de recursos essenciais para o

desenvolvimento de todas as partes do sistema, ou seja, do refugiado, da sociedade

acolhedora, do governo e da iniciativa privada, que, no caso desta última, poderá se

utilizar da capacidade produtiva do primeiro e alavancar a economia da localidade onde

ambos se encontram.

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Conclusão

Refugiados, condição de vida temporária de pessoas em estado crônico de

sofrimento, resultado de momentos passados, presentes e futuro incerto, são os

indivíduos (civis) que se encontram além das fronteiras de seu país de origem (ou país

de residência habitual, caso seja apátrida) por motivos de perseguição (ou temor bem

fundado de perseguição), em razão de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a

grupo social ou opiniões políticas, além de agressões externas e graves e violações

generalizadas dos direitos humanos; sendo estes dois últimos motivos presentes nos

sistemas regionais africano e americano, respectivamente. Embora, juridicamente,

afastados das razões de recebimento de refúgio, as mulheres e os palestinos, em vários

países, também se equiparam aos refugiados, no tocante ao reconhecimento dos direitos

e às obrigações no local de acolhimento.

Diferentemente do que ocorre com outros migrantes, especialmente os

voluntários, os direitos dos refugiados no local de acolhimento fazem com que eles

sejam vistos com restrições em alguns países e em certas comunidades acolhedoras, que

passam a competir com eles por considerá-los uma elite, no sentido jurídico e social,

devido aos direitos a eles reservados.

Ocorre que o refugiado não é um migrante normal, com direitos de retorno ao

seu país de origem e sua proteção. Ele precisa de apoio físico, psicológio e espiritual no

local de acolhimento, para reiniciar uma nova vida, completamente perdida e destruída

no passado, inclusive com separação familiar, núcleo primeiro e fundamental para o

desenvolvimento humano.

O regime internacional dos refugiados nasceu no seio da ONU, em 1951, pouco

se modificando desde então, apesar de a sociedade internacional permanecer em

constante modificação, especialmente após o final da guerra fria (1991) e dos ataques de

11/9, quando emergiu uma nova ordem jurídica mundial, com novas preocupações e

com a problemática das migrações, e dos refugiados, no topo da agenda. O novo regime

a ser criado para os refugiados deve levar em consideração a formação histórico-cultural

dos refugiados e as características dos conflitos por que eles passam no local de origem,

além de ampliar a responsabilidade dos governos na implementação das normas

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internacionais no direito interno, adequando-as às necessidades do refugiado em

harmonia com a sociedade acolhedora.

Esta pesquisa mostrou, claramente, as diferenças entre o Brasil e o Canadá, no

tocante ao regime dos refugiados: enquanto o Brasil possui um sistema mais simples,

facilitando a solicitação e a entrada dos refugiados no país, o Canadá possui um sistema

altamente complexo, o que dificulta ao solicitante que alcança as fronteiras do país

adquirir a condição de refugiado. Se por um lado, o Brasil melhormente busca recebê-

los e integrá-los no país e o Canadá ainda se utiliza do refoulement, de centros de

detenção e de deportações, por outro lado, o Brasil ainda engatinha na política de

reassentamento, enquanto o Canadá possui escritórios em vários países para “atrair” e

para buscar refugiados no local de origem. Os dois regimes possuem pontos positivos e

pontos negativos, havendo, apenas, a indispensabilidade de que se coadunem com a

realidade do refugiado e do local acolhedor.

Tanto em São Paulo quanto em Toronto, importante se faz notar que os

refugiados entrevistados, em geral, reclamaram da burocracia e da demora no

julgamento da solicitação de refúgio, além da falta de políticas públicas e de direitos

criados e implementados para eles. Todavia, a pesquisa mostrou uma quantidade

enorme de direitos que os mesmos possuem nestas cidades (e no Estado como um todo),

além de políticas públicas implementadas em conjunto com organizações sem fins

lucrativos e com organizações internacionais, para o apoio aos solicitantes de refúgio e

refugiados. Assim, pode-se concluir que a afirmação dos entrevistados não condiz com

a realidade, mas apenas resulta da falta de conhecimento.

Os Estados acolhedores precisam focar na tática de que a contribuição do

refugiado pode ser lucrativa (para eles, para a sociedade local e para o governo

acolhedor) se houver políticas públicas criadas e implementadas com o intuito de

auxiliá-los no processo de integração, sem forçar um processo de aculturação, ou

melhor, dentro das limitações, das características, dos interesses e das necessidades dos

mesmos, além de facilitar a formação de capital social entre eles mesmos e entre eles e

o novo lar.

Quanto ao capital social, possuindo natureza multidimensional, deverá ser

utilizado a partir do objetivo a ser atingido. Em se tratando de refugiados, e após análise

de várias de suas dimensões e de algumas pesquisas realizadas acerca do capital social

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dos migrantes, devem-se construir e implementar políticas públicas que levem em

consideração o capital social nas duas formas mais tradicionais: como recursos e como

redes sociais de confiança e de cooperação. Quanto aos recursos, são as informações, as

idéias e os auxílios de que se utilizam os refugiados no processo de integração, para

sentir-se cidadão, no sentido amplo do termo, na nova comunidade que os acolheu.

Quanto às redes de confiança e de cooperação, são formadas a partir do envolvimento

do refugiado em associações, de voluntários ou não, formais ou informais, ou seja,

desde conversas com vizinhos até filiações a partidos políticos.

As redes, em que os refugiados confiam, cooperam, utilizam-se dos seus

recursos e formam, a partir delas, capital social, podem ser inter-grupos ou intra-grupos,

a depender do objetivo a ser alcançado. Foram retratadas, por exemplo, na presente

pesquisa, que, na busca de emprego, o capital social inter-grupos facilita o êxito,

enquanto que no acesso à saúde, à educação e às instituições jurídicas e políticas,

melhor se faz quando há pessoas do mesmo grupo (étnico, racial, nacional etc.) que

ajam como ponte, pois a cultura em comum faculta ao refugiado a possibilidade de

entendimento da necessidade premente; afinal, aquele que está no papel de ajudante já

passou pelo mesmo processo de integração por que passa, naquele momento, o

refugiado, compatriota ou não.

Destarte, avaliou-se o capital social dos refugiados em São Paulo e em Toronto,

identificando-se que há capital social criado, em maior ou menor grau, pelos refugiados

em ambas as cidades, embora as políticas públicas implementadas pelo Estado-rede,

citando Castells, que se coadunem com as culturas e com as necessidades dos

refugiados deva ser a solução, especialmente ao levar em consideração os aspectos

psíquicos (traumas e outros sofrimentos) por que passam estes indivíduos quando da

chegada no novo local acolhedor.

É imprescindível a manutenção de um sistema internacional dos refugiados,

principalmente a atuação do ACNUR, que vem fornecendo um auxílio positivo aos

Estados, à sociedade civil e aos refugiados. Entretanto, as políitcas globais, provenientes

deste sistema internacional geral, embora, repita-se, devam ser aproveitadas, devem,

obrigatoriamente, ser adaptadas à realidade do local acolhedor. Somente assim os

refugiados serão verdadeiramente cidadãos, lato sensu, com os direitos promovidos,

protegidos e garantidos, teórica e praticamente.

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Se os direitos dos refugiados e as políticas públicas de integração não se

conformam com as características culturais e com as necessidades prementes dos

mesmos, esta dissociação dificulta a formação de capital social, especialmente aqueles

dos tipos de ponte (inter-grupos), tênue, de rede informal ou de olhar para fora e

individual, cujas ligações abertas possibilitariam o desenvolvimento econômico e o

engajamento político, com liberdade e igualdade, no local de acolhimento. Isto

significaria ser cidadão, ou ainda, sentir-se como tal e assim ser visto no novo lar.

À guisa de conclusão, para formar capital social, os refugiados precisam ser

incentivados por políticas públicas direcionadas, redistributivas e distributivas,

especificamente para suas necessidades, tomando como base a diversidade cultural de

cada grupo, o que demanda diferentes ações e estratégias.

Importa, também, mencionar algumas das dificuldades (desafios, lacunas e

limitações) enfrentadas durante esta pesquisa. Ab initio, no Brasil, foi sentido um

monopólio do Centro de Acolhida para os Refugiados da CASP, dificultando o acesso

desta pesquisadora aos refugiados e impedindo o acesso aos dados sobre os refugiados

em São Paulo (números e perfis) e aos parceiros da CASP, do ACNUR e do governo

brasileiro (por intermédio do CONARE).

O CONARE também fechou suas portas para a pesquisa, enviando, uma única

vez, um relatório pronto, com dados de 2006. Em vão, vários telefonemas e emails

foram enviados, solicitando dados atualizados. O apoio irrestrito foi do IMDH e do

CSEM, na pessoa da Irmã Rosita Milesi e do ACNUR-Brasil, na pessoa do senhor Luiz

Varella, ex-diretor do ACNUR no Brasil, que também abriu as portas desta OI para a

pesquisa.

Em segundo, houve a dificuldade de contactar os refugiados para as entrevistas,

pois a pesquisa foi realizada com refugiados urbanos, e não nos campos, além do tempo

escasso deles que impediu a entrada em contato com suas histórias de vida. A proibição

de gravação, por temor de represália de seus países de origem, caso a gravação

“chegasse em suas mãos”, foi outro empecilho. Em Toronto, os centros de recepção de

refugiados facilitaram os contatos com eles. Mas, em São Paulo, a CASP, que era a

única capaz de fazê-lo, mostrou dificuldades, alegando a falta de funcionários

suficientes para auxiliar na pesquisa e impedindo o acesso da pesquisadora aos seus

arquivos.

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Em terceiro, enquanto em Toronto há várias pesquisas sobre capital social

individual e várias publicações com dados sistematizados sobre refugiados, apesar de

misturados aos dados dos imigrantes em geral, no Brasil não há pesquisa sobre capital

social individual ou sobre refugiados. Em Toronto, o Conselho Canadense de

Refugiados (CCR) envia, por correio eletrônico, semanalmente, novos dados sobre a

situação dos refugiados no país, por região e por grupo, além de eventos e publicações

acerca da temática. No Brasil, o NIEM/RJ (Núcleo de Estudos Migratórios/ RJ) busca

realizar esta tarefa, enviando artigos, publicações, eventos e matérias jornalísticas, mas

sem dados oficiais do governo sobre os refugiados no país.

Faltam, ainda, pesquisas em áreas específicas da temática sobre refugiados

(saúde, educação, emprego etc.), que facilitem a análise e a avaliação do capital social

produzido por este grupo vulnerável que confia no Brasil como seu novo lar. Há uma

única dissertação de mestrado, da Dra. Carmem Santana, sobre o programa de

atendimento aos refugiados no Instituto de Psiquiatria do HC/SP, mas cujas tentativas

de obter uma cópia foram em vão.

Em seguida, houve a dificuldade de limitar e sistematizar o material

bibliográfico (doutrinário e documental) para citação e inclusão na pesquisa. Apesar de

não haver material suficiente no Brasil, durante os seis meses de estágio de doutorado

na York University, em Toronto, como bolsista da CAPES, foi possível ter contato

direto com os mais renomados autores e pesquisadores sobre capital social e sobre

refugiados, além da obtenção de pesquisas, artigos e livros publicados sobre o tema.

Por fim, espera-se que os resultados obtidos com esta pesquisa, mesmo que

considerada apenas como o marco inicial da luta, conduzam a outras pesquisas que

porventura surjam acerca desta problemática; conduzam a financiamentos dos governos

e de organizações internacionais em políticas públicas focadas para os refugiados; e,

conduzam ao engajamento da sociedade civil e do meio acadêmico na temática,

utilizando-se de estudantes para atuar com os refugiados, o que deveria ser considerado

atividade de extensão.

O NUARES (Núcleo de Apoio aos Refugiados do Espírito Santo), da

Universidade de Vilha Velha, sob a coordenação de Professora Viviane Rodrigues, pode

ser um exemplo a ser seguido. Ele nasceu, em 2004, agregando professores e alunos em

atividades de pesquisa e de extensão, além de estimular a participação de profissionais e

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de ONG que atuam na temática dos direitos humanos. Este projeto é pioneiro no

Espírito Santo e expressa o espírito humanitário da sociedade civil no atendimento aos

refugiados, integrando aquela região no conjunto de parceiros brasileiros do ACNUR,

na proteção e promoção dos direitos dos refugiados e na inserção destes na sociedade

brasileira.

No Brasil, assim como ocorre no Canadá e em países europeus, os cursos de

Ciências Sociais, de Direito, de Geografia e de História, no mínimo, deveriam possuir a

disciplina refugiados, ainda que de forma transversal. Outra sugestão é a utilização da

mídia na conscientização da sociedade acolhedora dos refugiados, que ainda pensa e

fala com o coração cheio de preconceitos e discriminação a respeito desses indivíduos

sofridos. Não há políticas públicas focadas para educar esta sociedade para bem receber

estes irmãos que já perderam quase tudo, exceto a própria vida, e que desejam refazê-la

no novo lar, contribuindo da melhor maneira e sentindo-se útil.

A contribuição dos refugiados deve ser resultado de políticas públicas que, de

alguma forma, engagem eles nas atividades, como ocorre nos centros de recepção e nas

OSFL em Toronto, onde a maioria dos funcionários, voluntários ou não, é ou foi

refugiado e, naquele momento, passou a contribuir com os recém-chegados,

compartilhando suas experiências, seus traumas, sua cultura, seu passado, seu presente e

seus anseios futuros. A liderança dos refugiados deve ser aproveitada em benefício dele

próprio, de seu grupo, da sociedade acolhedora e do governo.

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ONU. Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos e Degradantes de 1984. In http://www2.ohchr.org/english/law/cat.htm acesso em 16 de agosto de 2008. ONU. Convenção Universal dos Direitos da Criança de 1989. In http://www2.ohchr.org/english/law/crc.htm acesso 14 ago. 2008. ONU. Convenção Internacional para a Proteção de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias de 1990. In http://www2.ohchr.org/english/law/cmw.htm acesso 10 ago. 2008. ONU. Estatuto de Roma para criação da Corte Penal Internacional de 1988, promulgado, no Brasil, pelo Decreto Legislativo n° 4.388, em 8 de dezembro de 2004. In http://untreaty.un.org/cod/icc/statute/romefra.htm acesso ago. 2008. OUA. Convenção da Unidade Africana de 1969. In http://www.fd.uc.pt/hrc/enciclopedia/documentos/instrumentos_regionais/africa/convencao_oua.pdf acesso em 11 ago. 2008. UNESCO. Declaração de Locarno de 1997. In http://nicol.club.fr/ciret/locarno/loca7en.htm, acesso 24 ago. 2007. UNRWA. Emergency Appeal 2008. In www.unrwa.org e www.un.org/unrwa/english.html acesso 21 fev. 2008.

Sítios da Internet

BRASIL. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. www.ibge.gov.br BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. www.stj.gov.br BRASIL. Supremo Tribunal Federal. www.stf.gov.br CANADÁ. www.canada.gc.ca CANADÁ. Conselho Canadense para os Refugiados. www.ccrweb.ca ONU. United Nations Relief and Work Agency. www.unrwa.org ORGANIZACAO INTERNACIONAL DOS MIGRANTES . www.iom.int THE LATIN LIBRARY. [Bilioteca Latina]. http://thelatinlibrary.com

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Anexo A

Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951

Preâmbulo

As Altas Partes contratantes:

Considerando que a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de Dezembro de 1948 pela Assembléia Geral, afirmaram o princípio de que os seres humanos, sem distinção, devem desfrutar dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;

Considerando que a Organização das Nações Unidas tem manifestado várias vezes a sua profunda solicitude para com os refugiados e que se preocupou com assegurar-lhes o exercício mais lato possível dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;

Considerando que é desejável rever e codificar os acordos internacionais anteriores relativos ao estatuto dos refugiados, assim como alargar a aplicação daqueles instrumentos e a proteção que estes constituem para os refugiados, por meio de novo acordo;

Considerando que da concessão do direito de asilo podem resultar encargos excepcionalmente pesados para alguns países e que a solução satisfatória dos problemas de que a Organização das Nações Unidas reconheceu o alcance e caráter internacionais não pode, nesta hipótese, obter-se sem uma solidariedade internacional;

Exprimindo o desejo de que todos os Estados, reconhecendo o caráter social e humanitário do problema dos refugiados, façam tudo no que esteja em seu poder para evitar que este problema se torne uma causa de tensão entre Estados;

Registrando que o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados tem a missão de velar pela aplicação das convenções internacionais que asseguram a proteção dos refugiados, e reconhecendo que a coordenação efetiva das medidas tomadas para resolver este problema dependerá da cooperação dos Estados com o Alto-Comissário:

Convencionaram as disposições seguintes:

CAPÍTULO I - Disposições gerais

ARTIGO 1 - Definição do termo refugiado

A. Para os fins da presente Convenção, o termo «refugiado» aplicar-se-á a qualquer pessoa:

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(1) Que tenha sido considerada refugiada em aplicação dos arranjos de 12 de Maio de 1926 e de 30 de Junho de 1928, ou em aplicação das Convenções de 28 de Outubro de 1933 e de 10 de Fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de Setembro de 1939, ou ainda em aplicação da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados.

As decisões de não elegibilidade tomadas pela Organização Internacional dos Refugiados enquanto durar o seu mandato não obstam a que se conceda a qualidade de refugiado a pessoas que preencham as condições previstas no § (2) da presente secção;

(2) Que, em conseqüência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951, e receando, com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar.

No caso de uma pessoa que tenha mais de uma nacionalidade, a expressão «do país de que tem nacionalidade» refere-se a cada um dos países de que essa pessoa tem a nacionalidade. Não será considerada privada da proteção do país de que tem a nacionalidade qualquer pessoa que, sem razão válida, fundada num receio justificado, não tenha pedido a proteção de um dos países de que tem a nacionalidade.

B. (1) Para os fins da presente Convenção, as palavras «acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951», que figuram no artigo 1 secção A, poderão compreender-se no sentido quer de:

(a) Acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951 na Europa; quer de

(b) Acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951 na Europa ou fora desta;

e cada Estado contratante, no momento da assinatura, ratificação ou adesão fará uma declaração na qual indicará o alcance que entende dar a esta expressão, no que diz respeito às obrigações por ele assumidas, em virtude da presente Convenção.

(2) Qualquer Estado contratante que tenha adotado a fórmula (a) poderá em qualquer altura alargar as suas obrigações adotando a formula (b), por comunicação a fazer ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

C. Esta Convenção, nos casos mencionados a seguir, deixará de ser aplicável a qualquer pessoa abrangida pelas disposições da secção A acima:

(1) Se voluntariamente voltar a pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade; ou

(2) Se, tendo perdido a nacionalidade, a tiver recuperado voluntariamente; ou

(3) Se adquiriu nova nacionalidade e goza da proteção do país de que adquiriu a nacionalidade; ou

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(4) Se voltou voluntariamente a instalar-se no país que deixou ou fora do qual ficou com receio de ser perseguido; ou

(5) Se, tendo deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi considerada refugiada já não puder continuar a recusar pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade;

Entendendo-se, contudo, que as disposições do presente parágrafo se não aplicarão a nenhum refugiado abrangido pelo parágrafo (1) da secção A do presente artigo que possa invocar, para se recusar a pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade, razões imperiosas relacionadas com perseguições anteriores;

(6) Tratando-se de uma pessoa que não tenha nacionalidade, se, tendo deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi considerada refugiada, está em condições de voltar ao país no qual tinha a residência habitual;

Entendendo-se, contudo, que as disposições do presente parágrafo se não aplicarão a nenhum refugiado abrangido pelo parágrafo (1) da secção A do presente artigo que possa invocar, para se recusar a voltar ao país no qual tinha a residência habitual, razões imperiosas relacionadas com perseguições anteriores.

D. Esta Convenção não será aplicável às pessoas que atualmente beneficiam de proteção ou assistência da parte de um organismo ou instituição das Nações Unidas que não seja o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

Quando essa proteção ou assistência tiver cessado por qualquer razão sem que a sorte dessas pessoas tenha sido definitivamente resolvida, em conformidade com as resoluções respectivas aprovadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas, essas pessoas beneficiarão de pleno direito do regime desta Convenção.

E. Esta Convenção não será aplicável a qualquer pessoa que as autoridades competentes do país no qual estabeleceu residência considerem com os direitos e obrigações adstritos à posse da nacionalidade desse país.

F. As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas acerca das quais existam razões ponderosas para pensar:

(a) Que cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a Humanidade, segundo o significado dos instrumentos internacionais elaborados para prever disposições relativas a esses crimes;

(b) Que cometeram um grave crime de direito comum fora do país que deu guarida, antes de neste serem aceites como refugiados;

(c) Que praticaram atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

ARTIGO 2 - Obrigações gerais

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Cada refugiado tem para com o país em que se encontram deveres que incluem em especial a obrigação de acatar as leis e regulamentos e, bem assim, as medidas para a manutenção da ordem pública.

ARTIGO 3 - Não discriminação

Os Estados contratantes aplicarão as disposições desta Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, religião ou país de origem.

ARTIGO 4 - Religião

Os Estados contratantes concederão aos refugiados nos seus territórios um tratamento pelo menos tão favorável como o concedido aos nacionais no que diz respeito à liberdade de praticar a sua religião e no que se refere à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos.

ARTIGO 5 - Direitos concedidos independentemente desta Convenção

Nenhuma disposição desta Convenção prejudica outros direitos e vantagens concedidos aos refugiados, independentemente desta Convenção.

ARTIGO 6 - A expressão nas mesmas circunstâncias

Para os fins desta Convenção, os termos “nas mesmas circunstâncias” implicam que todas as condições que deveriam ser preenchidas pelo interessado para poder exercer o direito em questão, se não fosse refugiado (e em particular as condições relativas à duração e condições de permanência ou residência), devem ser por ele preenchidas, com exceção das condições que, em virtude da sua natureza não podem ser preenchidas por um refugiado.

ARTIGO 7 - Dispensa de reciprocidade

1. Salvas as disposições mais favoráveis previstas por esta Convenção, cada Estado contratante concederá aos refugiados o regime que conceder aos estrangeiros em geral.

2. Após um prazo de residência de três anos, todos os refugiados, nos territórios dos Estados contratantes, beneficiarão da dispensa de reciprocidade legislativa.

3. Cada Estado contratante continuará a conceder aos refugiados os direitos e vantagens aos quais já podiam pretender na falta de reciprocidade, na data da entrada desta Convenção em vigor em relação ao referido Estado.

4. Os Estados contratantes estudarão com benevolência a possibilidade de conceder aos refugiados, na falta de reciprocidade legislativa, direitos e vantagens entre aqueles a que os refugiados podem pretender em virtude dos parágrafos 2 e 3, assim como a possibilidade de fazer beneficiar da dispensa de reciprocidade os refugiados que não preencham as condições indicadas nos parágrafos 2 e 3.

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5. As disposições dos parágrafos 2 e 3 acima aplicam-se tanto aos direitos e vantagens indicados nos artigos 13, 18, 19, 21 e 22 desta Convenção como aos direitos e vantagens por ela não previstos.

ARTIGO 8 - Dispensa de medidas excepcionais

No que diz respeito às medidas excepcionais que possam tomar-se contra a pessoa, bens ou interesses dos nacionais de determinado Estado, os Estados contratantes não aplicarão essas medidas a um refugiado que seja nacional do referido Estado unicamente em virtude da sua nacionalidade. Os Estados contratantes que, pela sua legislação, não possam aplicar o princípio geral consagrado neste artigo, concederão, nos casos apropriados, dispensas a favor desses refugiados

ARTIGO 9 - Medidas provisórias

Nenhuma das disposições da presente Convenção terá o efeito de impedir um Estado contratante, em tempo de guerra ou noutras circunstâncias graves e excepcionais, de tomar em relação a determinada pessoa, provisoriamente, as medidas que esse Estado considerar indispensáveis à segurança nacional, desde que o referido Estado estabeleça que essa é pessoa efetivamente um refugiado e que a manutenção das referidas medidas é necessária a seu respeito, no interesse da segurança nacional.

ARTIGO 10 - Continuidade de residência

1. Quando um refugiado tiver sido deportado durante a segunda guerra mundial e transportado para o território de um dos Estados contratantes e ali residir, a duração dessa estada forçada contará como residência regular nesse território.

2. Quando um refugiado tiver sido deportado do território de um Estado contratante durante a segunda guerra mundial e tenha voltado a esse território antes da entrada desta Convenção em vigor, para nele estabelecer residência, o período que preceder e o que se seguir a essa deportação serão considerados, para todos os fins para os quais seja necessária uma residência ininterrupta, um só período ininterrupto.

ARTIGO 11 - Marítimos refugiados

No caso de refugiados que trabalhem regularmente como tripulantes de um navio que use bandeira de um Estado contratante, esse Estado examinará com benevolência a possibilidade de autorizar os referidos refugiados a estabelecer-se no seu território e de lhes passar documentos de viagem, ou de admiti-los temporariamente no seu território, em particular com o fim de facilitar a sua instalação noutro país.

CAPÍTULO II - Condição jurídica

ARTIGO 12 - Estatuto pessoal

1. O estatuto pessoal de cada refugiado será regido pela lei do país do seu domicílio, ou, na falta de domicílio, pela lei do país de residência.

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2. Os direitos precedentemente adquiridos pelos refugiados e resultantes do estatuto pessoal, e em particular os que resultem do casamento, serão respeitados por cada Estado contratante, ressalvando-se, quando seja caso disso, cumprimento das formalidades previstas pela legislação do referido Estado, entendendo-se, contudo, que o direito em causa deve ser dos que teriam sido reconhecidos pela legislação do referido Estado se o interessado não se tivesse tornado refugiado.

ARTIGO 13 - Propriedade mobiliária e imobiliária

Os Estados contratantes concederão a todos os refugiados um tratamento tão favorável quanto possível, e de qualquer modo um tratamento não menos favorável que o concedido, nas mesmas circunstâncias, aos estrangeiros em geral, no que se refere à aquisição da propriedade mobiliária e imobiliária e outros direitos que a estas se refiram, ao arrendamento e aos outros contratos relativos à propriedade mobiliária e imobiliária.

ARTIGO 14 - Propriedade intelectual e industrial

Em matéria de proteção da propriedade industrial, em particular de invenções, desenhos, modelos, marcas de fábrica, nome comercial, e em matéria de proteção da propriedade literária, artística e científica, todos os refugiados, no país onde têm a residência habitual, beneficiarão da proteção concedida aos nacionais do referido país. No território de qualquer dos outros Estados contratantes beneficiarão da proteção concedida no referido território aos nacionais do país no qual têm a residência habitual.

ARTIGO 15 - Direitos de associação

Os Estados contratantes concederão aos refugiados que residam regularmente nos seus territórios, no que se refere às associações de objetivos não políticos e não lucrativos e aos sindicatos profissionais, o tratamento mais favorável concedido aos nacionais de um país estrangeiro, nas mesmas circunstâncias.

ARTIGO 16 - Direito de sustentar ação em juízo

1. Todos os refugiados, nos territórios dos Estados contratantes, terão livre e fácil acesso aos tribunais.

2. Os refugiados, no Estado contratante onde têm a residência habitual, beneficiarão do mesmo tratamento que os nacionais no que diz respeito ao acesso aos tribunais, incluindo a assistência judiciária e a isenção da caução Judicatum solvi.

3. Nos Estados contratantes que não aqueles em que têm residência habitual, e no que diz respeito às questões mencionadas no parágrafo 2, os refugiados beneficiarão do mesmo tratamento que os nacionais do país no qual têm a residência habitual.

CAPÍTULO III - Empregos lucrativos ARTIGO 17 - Profissões assalariadas

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1. Os Estados contratantes concederão a todos os refugiados que residam regularmente nos seus territórios o tratamento mais favorável concedido, nas mesmas circunstâncias, aos nacionais de um país estrangeiro no que diz respeito ao exercício de uma atividade profissional assalariada.

2. Em todo o caso, as medidas restritivas aplicadas aos estrangeiros ou ao emprego de estrangeiros para proteção do mercado nacional do trabalho não serão aplicáveis aos refugiados que já estavam dispensados delas à data da entrada desta Convenção em vigor pelo Estado contratante interessada ou que preencham uma das condições seguintes:

a) Ter três anos de residência no país;

b) Ter por cônjuge uma pessoa com a nacionalidade do país de residência. Nenhum refugiado poderá invocar o benefício desta disposição se tiver abandonado o cônjuge;

c) Ter um ou mais filhos com a nacionalidade do país de residência.

3. Os Estados contratantes estudarão com benevolência a aprovação de medidas destinadas a assimilar os direitos de todos os refugiados no que diz respeito ao exercício das profissões assalariadas aos dos seus nacionais, isto em especial no que se refere aos refugiados que entraram nos seus territórios em aplicação de um programa de recrutamento de mão-de-obra ou de um plano de imigração.

ARTIGO 18 - Profissões não assalariadas

Os Estados contratantes concederão aos refugiados que se encontrem regularmente nos seus territórios o tratamento tão favorável quanto possível e em todo o caso não menos favorável que o concedido, nas mesmas circunstâncias, aos estrangeiros em geral, no que diz respeito ao exercício de uma profissão não assalariada na agricultura, indústria, artesanato e comércio, assim como à criação de sociedades comerciais e industriais.

ARTIGO 19 - Profissões liberais

1. Os Estados contratantes concederão aos refugiados residentes regularmente nos seus territórios, que sejam titulares de diplomas reconhecidos pelas autoridades competentes dos ditos Estados e deseje exercer uma profissão liberal, tratamento tão favorável quanto possível e em todo o caso tratamento não menos favorável que o concedido, nas mesmas circunstâncias, aos estrangeiros em geral.

2. Os Estados contratantes farão tudo o que esteja em seu poder, em conformidade com as suas leis e constituições, para assegurar a instalação de tais refugiados nos territórios, que não o metropolitano, de que assumem a responsabilidade das relações internacionais.

CAPÍTULO IV - Bem-estar

ARTIGO 20 - Racionamento

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Quando exista um sistema de racionamento aplicado à generalidade da população, que regule a repartição geral de produtos de que há escassez, os refugiados serão tratados como nacionais.

ARTIGO 21 - Alojamento

No que diz respeito a alojamento, os Estados contratantes concederão um tratamento tão favorável quanto possível aos refugiados que residam regularmente nos seus territórios, na medida em que esta questão caia sob a alçada das leis e regulamentos ou esteja sujeito à vigilância das autoridades públicas; de todos os modos, este tratamento não poderá ser menos favorável que o concedido, nas mesmas circunstâncias, aos estrangeiros em geral.

ARTIGO 22 - Educação pública

1. Os Estados contratantes concederão aos refugiados o mesmo tratamento que aos nacionais em matéria de ensino primário.

2. Estados contratantes concederão aos refugiados um tratamento tão favorável quanto possível, e de qualquer modo não menos favorável que o concedido aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias, quanto às categorias de ensino, que não o primário, e, em particular no que se refere ao acesso, aos estudos, ao reconhecimento de certificados de estudos, diplomas e títulos universitários passados no estrangeiro, ao pagamento de direitos e taxas e à atribuição de bolsas de estudo.

ARTIGO 23 - Assistência pública

Os Estados contratantes concederão aos refugiados que residam regularmente nos seus territórios o mesmo tratamento que aos seus nacionais em matéria de assistência e auxílio público.

ARTIGO 24 - Legislação do trabalho e segurança social

1. Os Estados contratantes concederão aos refugiados que residam regularmente nos seus territórios o mesmo tratamento que aos nacionais no que diz respeito às matérias seguintes:

a) Na medida em que estas questões forem regulamentadas pela legislação ou dependam das autoridades administrativas: a remuneração, incluindo os abonos de família, quando esses abonos façam parte da remuneração, a duração do trabalho, as horas suplementares, as férias pagas, as restrições ao trabalho caseiro, a idade de admissão em emprego, a aprendizagem e a formação profissional, o trabalho das mulheres e dos adolescentes e o benefício das vantagens proporcionadas pelas convenções coletivas;

b) A segurança socia1 (as disposições legais relativas aos acidentes de trabalho, doenças profissionais, maternidade, doença, invalidez e morte, desemprego, encargos de família

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e qualquer outro risco que, em conformidade com a legislação nacional, esteja coberto por um sistema de seguro social), ressalvando-se:

i) Os arranjos apropriados que se destinem a manter direitos adquiridos e direitos em curso de aquisição:

ii) As disposições particulares prescritas pela legislação nacional do país de residência acerca das prestações ou facções de prestações pagáveis exclusivamente pelos fundos públicos, assim como dos abonos pagos às pessoas que não reúnem as condições de quotização exigidas para a atribuição de uma pensão normal.

2. Os direitos a prestação criados pelo falecimento de um refugiado, em conseqüência de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional, não serão afetados pelo fato de o beneficiário desse direito estar fora do território do Estado contratante.

3. Os Estados contratantes alargarão aos refugiados o benefício dos acordos que firmaram ou venham a firmar entre si, acerca da manutenção dos direitos adquiridos ou em curso de aquisição em matéria de segurança social, desde que os refugiados reúnam as condições previstas para os nacionais dos países signatários dos acordos em questão.

4. Os Estados contratantes examinaram com benevolência a possibilidade de alargar aos refugiados, tanto quanto seja possível, o benefício de acordos análogos que estejam ou venham a estar em vigor entre esses Estados contratantes e Estados não contratantes.

CAPÍTULO V - Medidas administrativas

ARTIGO 25 - Auxílio administrativo

1. Quando o exercício de um direito por um refugiado careça normalmente do concurso de autoridades estrangeiras às quais não possa recorrer. Os Estados contratantes em cujos territórios resida proverão a que esse concurso lhe seja prestado, quer pelas suas próprias autoridades, quer por uma autoridade internacional.

2. A ou as autoridades indicadas no § 1 passarão ou mandarão passar aos refugiados, sob fiscalização sua, os documentos ou certificados que normalmente seriam passados a um estrangeiro pelas suas autoridades nacionais ou por seu intermédio.

3. Os documentos ou certificados passados substituirão os atos oficiais passados à estrangeiros pelas suas autoridades nacionais ou por seu intermédio e farão fé até prova em contrário.

4. Salvo as exceções que venham a ser admitidas a favor dos indigentes, os serviços mencionados no presente artigo poderão ser retribuídos, mas estas retribuições serão moderadas e em relação com as cobranças feitas aos nacionais por serviços análogos.

5. As disposições deste artigo não afetam nada os artigos 27.º e 28.º

ARTIGO 26 - Liberdade de circulação

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Os Estados contratantes concederão aos refugiados que se encontrem regularmente nos seus territórios o direito de neles escolherem o lugar de residência e circularem livremente, com as reservas instituídas pela regulamentação aplicável aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias.

ARTIGO 27 - Documentos de identidade

Os Estados contratantes passarão documentos de identidade a todos os refugiados que se encontrem nos seus territórios e não possuam documento de viagem válido.

ARTIGO 28 - Documentos de viagem

1. Os Estados contratantes passarão aos refugiados que residam regularmente nos seus territórios documentos com os quais possam viajar fora desses territórios, a não ser que a isso se oponham razões imperiosas de segurança nacional ou de ordem pública; as disposições do Anexo a esta Convenção aplicar-se-ão a estes documentos. Os Estados contratantes poderão passar um desses documentos de viagem a qualquer outro refugiado que se encontre nos seus territórios; concederão atenção especial aos casos de refugiados que se encontrem nos seus territórios e não estejam em condições de obter documento de viagem do país de residência regular.

2. Os documentos de viagem passados nos termos de acordos internacionais anteriores pelas Partes nesses acordos serão reconhecidos pelos Estados contratantes e tratados como se tivessem sido passados aos refugiados em virtude deste artigo.

ARTIGO 29 - Encargos fiscais

1. Os Estados contratantes não aplicarão aos refugiados direitos, taxas, impostos, sejam qual for a sua denominação, diferentes ou mais altos que os aplicados aos seus nacionais em situações análogas.

2. As disposições do parágrafo precedente não se opõem à aplicação aos refugiados das disposições das leis e regulamentos relativos às taxas devidas pela passagem de documentos administrativos, inclusive os documentos de identidade, aos estrangeiros.

ARTIGO 30 - Transferência de haveres

1. Os Estados contratantes permitirão aos refugiados, em conformidade com as leis e regulamentos dos seus países, transferirem haveres que tenham trazido para os seus territórios para o território de outro país onde tenham sido aceites para nele se reinstalarem.

2. Os Estados contratantes concederão atenção benevolente aos pedidos apresentados por refugiados que desejem obter autorização para transferir quaisquer outros haveres necessários para a sua reinstalação no país em que tenham sido aceites para nele se reinstalarem.

ARTIGO 31 - Refugiados em situação irregular no país de acolhida

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1. Os Estados contratantes não aplicarão sanções penais, devido a entrada ou estada irregulares, aos refugiados que, chegando diretamente do território onde a sua vida ou liberdade estavam ameaçadas no sentido previsto pelo artigo 1.·, entrem ou se encontrem nos seus territórios sem autorização, desde que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões consideradas válidas para a sua entrada ou presença irregulares.

2. Os Estados contratantes não aplicarão às deslocações desses refugiados outras restrições além das necessárias; essas restrições só se aplicarão enquanto se aguarde a regularização do estatuto desses refugiados no país de acolhida ou que os refugiados obtenham entrada noutro país. Para esta admissão, os Estados contratantes concederão a esses refugiados um prazo razoável e todas as facilidades necessárias.

ARTIGO 32 - Expulsão

1. Os Estados contratantes só expulsarão ou repelirão um refugiado que se encontre regularmente nos seus territórios por razões de segurança nacional ou ordem pública.

2. A expulsão de um refugiado só se fará em execução de uma decisão tomada em conformidade com o processo previsto pela lei. O refugiado, a não ser que razões imperiosas de segurança nacional a isso se oponham, deverá ser autorizado a apresentar provas capazes de ilibá-lo de culpa, a apelar e a fazer-se representar para esse efeito perante uma autoridade competente ou perante uma ou mais pessoas especialmente designadas pela autoridade competente.

3. Os Estados contratantes concederão a esse refugiado um prazo razoável para este procurar ser admitido regularmente noutro país. Os Estados contratantes poderão aplicar durante esse prazo as medidas de ordem interna que entenderem oportunas.

ARTIGO 33 - Proibição de expulsar e de repelir

1. Nenhum dos Estados contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.

2. Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo, sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país.

ARTIGO 34 - Naturalização

Os Estados contratantes facilitarão, em toda a medida do possível, a assimilação e naturalização dos refugiados. Esforçar-se-ão em especial por apressar o processo de naturalização e por diminuir, em toda a medida do possível, as taxas e encargos desse processo.

CAPÍTULO VI - Disposições executórias e transitórias

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ARTIGO 35 - Cooperação das autoridades nacionais com as Nações Unidas

1. Os Estados contratantes obrigam-se a cooperar com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ou com qualquer outra instituição das Nações Unidas que lhe suceda, no exercício das suas funções, e em particular a facilitar a sua missão de vigilância da aplicação das disposições desta Convenção.

2. A fim de permitir ao Alto-Comissariado, ou qualquer outra instituição das Nações Unidas que lhe suceda apresentar relatórios aos órgãos competentes das Nações Unidas, os Estados contratantes obrigam-se a dar-lhes na forma apropriada as informações e os dados estatísticos pedidos acerca:

a) Do estatuto dos refugiados;

b) Da aplicação desta Convenção, e

c) Das leis, regulamentos e decretos que estejam ou entrem em vigor, no que se refere aos refugiados.

ARTIGO 36 - Informações acerca das leis e regulamentos nacionais

Os Estados contratantes comunicarão ao Secretário-Geral das Nações Unidas os textos das leis e regulamentos que vierem a promulgar para promover a aplicação desta Convenção.

ARTIGO 37 - Relações com as convenções anteriores

Sem prejuízo das disposições do § 2 do artigo 28.º, esta Convenção, entre as Partes na Convenção, substitui os Acordos de 5 de Julho de 1922, 31 de Maio de 1924, 12 de Maio de 1926, 30 de Junho de 1928 e 30 de Julho de 1935, e bem assim as Convenções de 28 de Outubro de 1933, 10 de Fevereiro de 1938, o Protocolo de 14 de Setembro de 1939 e o Acordo de 15 de Outubro de 1946.

CAPÍTULO VII - Cláusulas finais

ARTIGO 38 - Solução dos litígios

Qualquer litígio entre as Partes nesta Convenção, relativo à sua interpretação e aplicação, que não tenha podido ser resolvido por outros meios, será submetido ao Tribunal Internacional de Justiça, a pedido de uma das Partes no litígio.

ARTIGO 39 - Assinatura. Ratificação e adesão

1. Esta Convenção será patente à assinatura em Genebra em 28 de Julho de 1951 e, depois dessa data, depositada junto do Secretário-Geral das Nações Unidas. Será patente à assinatura no Serviço Europeu das Nações Unidas de 28 de Julho a 31 de Agosto de 1951, voltando depois a ser patente à assinatura na sede da Organização das Nações Unidas de 17 de Setembro de 1951 a 31 de Dezembro de 1952.

2. Esta Convenção será patente a assinatura de todos os Estados Membros da Organização das Nações Unidas, assim como de qualquer outro Estado não membro

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convidado para a Conferência de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, ou de qualquer outro Estado ao qual a Assembléia Geral tenha enviado convite para assinar. Deverá ser ratificada e os instrumentos de ratificação serão depositados junto do Secretário-Geral das Nações Unidas.

3. Os Estados mencionados no § 2 do presente artigo poderão aderir a esta Convenção a partir de 28 de Julho de 1951. A adesão far-se-á pelo depósito de um instrumento de adesão junto do Secretário-Geral das Nações Unidas.

ARTIGO 40 - Cláusulas de aplicação territorial

1. Qualquer Estado, no momento da assinatura, ratificação ou adesão, poderá declarar que esta Convenção abrangerá o conjunto dos territórios que representa no plano internacional, ou um ou alguns deles. Essa declaração produzirá efeito no momento da entrada da Convenção em vigor para o dito Estado.

2. Em qualquer momento ulterior, esta extensão far-se-á por notificação dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas e produzirá efeito a partir do nonagésimo dia seguinte à data em que o Secretário-Geral das Nações Unidas tiver recebido a notificação, ou na data da entrada da Convenção em vigor para o dito Estado, se esta última data for posterior.

3. No que se refere aos territórios aos quais esta Convenção não se aplique na data da assinatura, ratificação ou adesão, cada Estado interessado examinará a possibilidade de tomar tão depressa quanto possível todas as medidas necessárias para se obter a aplicação desta Convenção aos ditos territórios, salvo, quando for caso disso, o assentimento dos governos desses territórios, se necessário por razões constitucionais.

ARTIGO 41 - Cláusula federal

No caso de um Estado federativo ou não unitário, as disposições seguintes aplicar-se-ão:

a) No que diz respeito aos artigos desta Convenção cuja aplicação cai sob a alçada da ação legislativa do poder legislativo federal, as obrigações do Governo federal serão, nessa medida, as mesmas que as das partes que não são Estados federativos;

b) No que diz respeito aos artigos desta Convenção cuja aplicação cai sob a alçada da ação legislativa de cada um dos Estados, províncias ou cantões constituintes, que, em virtude do sistema constitucional da Federação, não sejam obrigados a tomar medidas legislativas, o Governo federal, o mais rapidamente possível e com o seu parecer favorável, dará conhecimento dos ditos artigos às autoridades competentes dos Estados, províncias ou cantões.

c) Um Estado federativo Parte nesta Convenção comunicará, a pedido de qualquer outro Estado contratante, que lhe seja transmitida pelo Secretário-Geral das Nações Unidas uma exposição da legislação e práticas em vigor na Federação e suas unidades constituintes, no que se refere a determinadas disposições da Convenção, indicando a medida na qual se deu efeito à dita disposição, por meio de ação legislativa ou outra.

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ARTIGO 42 - Reservas

1. No momento da assinatura, ratificação ou adesão, qualquer Estado poderá formular reservas aos artigos da Convenção que não os artigos 1, 3, 4, 16 (1), 33, 36 a 46, inclusive.

2. Qualquer Estado contratante que tenha formulado uma reserva, em conformidade com o § 1 deste artigo, poderá em qualquer altura retirá-la por comunicação a fazer ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

ARTIGO 43 - Entrada em vigor

1. Esta Convenção entrará em vigor no nonagésimo dia seguinte à data do depósito do sexto instrumento de ratificação ou adesão.

2. Para cada um dos Estados que ratificarem a Convenção ou a esta aderirem, depois do depósito do sexto instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no nonagésimo dia seguinte à data do depósito do instrumento de ratificação ou adesão desse Estado.

ARTIGO 44 - Denúncia

1. Qualquer Estado contratante poderá denunciar a Convenção em qualquer momento, por notificação a fazer ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

2. A denúncia terá efeito para o Estado interessado um ano depois da data na qual tiver sido recebida pelo Secretário-Geral das Nações Unidas.

3. Qualquer Estado que tenha feito uma declaração ou notificação em conformidade com o artigo 40 poderá comunicar ulteriormente ao Secretário-Geral das Nações Unidas que a Convenção deixará de aplicar-se a qualquer território designado na comunicação. A Convenção cessará então de aplicar-se ao território em questão um ano depois da data em que o Secretário-Geral tiver recebido essa comunicação.

ARTIGO 45 - Revisão

1. Qualquer Estado contratante poderá em qualquer altura por meio de comunicação ao Secretário-Geral das Nações Unidas, pedir a revisão desta Convenção.

2. A Assembléia Geral das Nações Unidas recomendará as medidas a tomar, se for caso disso, a respeito desse pedido.

ARTIGO 46 - Comunicações pelo Secretário-Geral das Nações Unidas

O Secretário-Geral das Nações Unidas comunicará a todos os Estados Membros das Nações Unidas e aos Estados não membros indicados no artigo 39:

a) As declarações e comunicações indicadas na secção B do artigo 1.º;

b) As assinaturas, ratificações e adesões indicadas no artigo 39.º;

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c) As declarações e comunicações indicadas no artigo 40.º;

d) As reservas formuladas ou retiradas que se indicam no artigo 42.º;

e) A data em que esta Convenção entrar em vigor, em aplicação do artigo 43.º;

f) As denúncias e comunicações indicadas no artigo 44.º;

g) Os pedidos de revisão indicados no artigo 45.º.

Em fé do que os abaixo assinados, devidamente autorizados, assinaram a presente Convenção em nome dos seus Governos respectivos.

ANEXO PARÁGRAFO 1

1. O documento de viagem indicado no artigo 28.º desta Convenção será conforme o modelo junto em anexo.

2. Este documento será redigido em duas línguas, pelo menos: uma destas será a língua inglesa ou a língua francesa.

PARÁGRAFO 2

Com reserva dos regulamentos do país que passar o documento as crianças poderão ser mencionadas no documento de um parente ou, em circunstâncias excepcionais, de outro refugiado adulto.

PARÁGRAFO 3

Os direitos a cobrar pela passagem do documento não exercerão a tarifa mais baixa aplicada aos passaportes nacionais.

PARÁGRAFO 4

Salvo casos especiais ou excepcionais, o documento será passado para o maior número de países possível.

PARÁGRAFO 5

O prazo de validade do documento será de um ou, dois anos, à escolha da autoridade que o passar.

PARÁGRAFO 6

1. A renovação ou a prorrogação da validade do documento compete à autoridade que o passou, enquanto o titular não se estabelecer regularmente noutro território e resida regularmente no território da dita autoridade. A passagem de outro documento nas mesmas condições compete à autoridade que passou o antigo.

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2. Os representantes diplomáticos ou consulares especialmente habilitados para esse efeito terão qualidade para prorrogar, por período não superior a seis meses, a validade dos documentos de viagem passado pelos seus respectivos Governos.

3. Os Estados contratantes examinarão com benevolência a possibilidade de renovar ou prorrogar a validade dos documentos de viagem ou de passar outros documentos a refugiados que já não sejam residentes regulares nos seus territórios, nos casos em que esses refugiados não estejam em condições de obter um documento de viagem do país de sua residência regular.

PARÁGRAFO 7

Os Estados contratantes reconhecerão a validade dos documentos passados em conformidade com as disposições do artigo 28 desta Convenção.

PARÁGRAFO 8

As autoridades competentes do país para o qual o refugiado deseja seguir aporão, se estiverem dispostas a aceitá-lo, um visto no documento de que o refugiado é portador, se esse visto for necessário.

PARÁGRAFO 9

1. Os Estados contratantes obrigam-se a passar visto de trânsito aos refugiados que tiverem obtido o visto de um território de destino final.

2. A passagem desse visto poderá ser recusada pelos motivos que justifiquem a recusa de visto a qualquer estrangeiro.

PARÁGRAFO 10

Os direitos a cobrar pela passagem de vistos de saída, admissão ou trânsito não excederão a tarifa mais baixa aplicada aos vistos de passaportes estrangeiros.

PARÁGRAFO 11

No caso de um refugiado que mude de residência e se estabeleça regularmente no território de outro Estado contratante, a responsabilidade de passar novo documento, nos termos e condições do artigo 28.º, à autoridade competente do dito território, à qual o refugiado terá direito de apresentar o pedido.

PARÁGRAFO 12

A autoridade que passar novo documento deverá retirar o documento antigo e devolvê-lo ao país que o passou, se o documento antigo especificar que deve ser devolvido ao país que o passou; no caso contrário, a autoridade que passar o novo documento retirará e anulará o antigo.

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PARÁGRAFO 13

1. Cada um dos Estados contratantes obriga-se a permitir ao titular de um documento de viagem que lhe tenha sido passado pelo dito Estado, em aplicação do artigo 28 desta Convenção, regressar ao seu território em qualquer momento dentro do prazo de validade desse documento.

2. Salvo as disposições da alínea precedente, um Estado contratante poderá exigir que o título desse documento se submeta a todas as formalidades impostas aos que saem do país ou aos que a este regressem.

3. Os Estados contratantes reservam-se a faculdade, em casos excepcionais, ou nos casos em que a autorização de residência do refugiado é válida por um período determinado, de limitar, no momento de passarem o dito documento, o período durante o qual o refugiado poderá regressar, período esse que não poderá ser inferior a três meses.

PARÁGRAFO 14

Com reserva única das estipulações do § 13, as disposições do presente anexo não afetam nada as leis e regulamentos que regulam nos territórios dos Estados contratantes as condições de admissão, trânsito, estada, instalação e saída.

PARÁGRAFO 15

A passagem do documento e bem assim as indicações apostas nele não determinam nem afetam o estatuto do seu detentor, em particular no que se refere à nacionalidade.

PARÁGRAFO 16

A passagem do documento não dá ao seu detentor nenhum direito à proteção dos representantes diplomáticos e consulares do país de passagem e não confere a esses representantes um direito de proteção.

ANEXO Modelo do documento de viagem

O documento terá a forma de uma caderneta (15cm x 10cm, aproximadamente). Recomenda-se que seja impresso de tal maneira que as rasuras ou alterações por meios químicos ou outros possam notar-se facilmente e que as palavras «Convenção de 28 de Julho de 1951» sejam impressas repetida e continuadamente sobre cada uma das páginas, na língua do país que emite o documento. (Capa da caderneta)

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DOCUMENTO DE VIAGEM (Convenção de 28 de Julho de l951) Este documento caduca em ..... salvo prorrogação de validade.

Nome ...

Prenome (s) ...

Acompanhado de ... filho (s).

1. Este documento é passado unicamente com o fim de fornecer ao titular um documento de viagem que possa suprir a falta de passaporte nacional. O documento não se pronuncia sobre a nacionalidade do titular e não tem efeito sobre a mesma.

2. O titular é autorizado a regressar a ... [indicação do país cujas autoridades passam o documento] até ..., salvo menção adiante de uma data ulterior. [O período durante o qual o titular é autorizado a regressar não deve ser inferior a três meses].

3. No caso de estabelecimento num país diferente do que emitiu o presente documento, o titular, se quiser deslocar-se novamente, deve requerer um novo documento às autoridades competentes do país da sua residência. (O antigo documento de viagem será entregue à autoridade que emite o novo documento para ser remetido à autoridade que o emitiu) (1). (1) A frase entre parêntesis retos pode ser incluída pelos Governos que o desejem.

DECRETO Nº 70.946, DE 7 DE AGOSTO DE 1972.

Promulga o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, havendo sido aprovado, pelo Decreto Legislativo nº 93, de 30 de Novembro de 1971, o Protocolo sobre Estatuto dos Refugiados, concluídos em Nova York, a 31 de Janeiro de 1967;

Havendo sido depositado, pelo Brasil, um Instrumento de Adesão Junto ao Secretariado das Nações Unidas em 7 de abril de 1972;

E havendo o referido Protocolo, em conformidade com o seu artigo VIII, parágrafo 2, entrado em vigor, para o Brasil, a 7 de abril de 1972.

Decreta que o Protocolo, apenso por cópia ao presente Decreto, seja executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.

Brasília, 7 de Agosto de 1972; 151º da Independência e 84º da República.

EMÍLIO G. MÉDICI Mário Gibson Barboza

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Anexo B

Protocolo de New York de 1967, adicional à Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951

Preâmbulo

Os Estados - Partes no presente Protocolo considerando que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra em 28 de Julho de 1951 (daqui em diante referida como a Convenção), só cobre aquelas pessoas que se tornaram refugiados em resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1° de Janeiro de 1951, considerando que, desde que a Convenção foi adotada, surgiram novas situações de refugiados e que os refugiados em causa poderão não cair no âmbito da Convenção,

Considerando que é desejável que todos os refugiados abrangidos na definição da Convenção, independentemente do prazo de 1° de Janeiro de 1951, possam gozar de igual estatuto, concordaram no seguinte:

ARTIGO I - Disposições gerais

1. Os Estados- Partes no presente Protocolo obrigam-se a aplicar os artigos 2 a 34, inclusive, da Convenção aos refugiados tal como a seguir definidos.

2. Para os efeitos do presente Protocolo, o termo «refugiado» deverá, exceto em relação à aplicação do parágrafo 3 deste artigo, significar qualquer pessoa que caiba na definição do artigo 1°, como se fossem omitidas as palavras «como resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951 e» e as palavras «como resultado de tais acontecimentos», no artigo1-A (2).

3. O presente Protocolo será aplicado pelos Estados Partes sem qualquer limitação geográfica, com a exceção de que as declarações existentes feitas por Estados já partes da Convenção de acordo com o artigo 1-B (1) (a) da Convenção deverão, salvo se alargadas nos termos do artigo 1-B (2) da mesma, ser aplicadas também sob o presente Protocolo.

ARTIGO II - Cooperação das autoridades nacionais com as Nações Unidas

1. Os Estados - Partes no presente Protocolo obrigam-se a cooperar com o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, ou com qualquer outra agência das Nações Unidas que lhe possa vir a suceder no exercício das suas funções, e deverão, em especial, facilitar o desempenho do seu dever de vigilância da aplicação das disposições do presente Protocolo.

2. Com vista a habilitar o Alto-Comissário, ou qualquer outra agência das Nações Unidas que lhe possa vir a suceder, a fazer relatórios para os órgãos competentes das Nações Unidas, os Estados- Partes no presente Protocolo obrigam-se a fornecer-lhes as informações e dados estatísticos requeridos, na forma apropriada e relativos:

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a) À condição de refugiados;

b) À aplicação do presente Protocolo;

c) Às leis, regulamentos e decretos que são ou possam vir a ser aplicáveis em relação aos refugiados.

ARTIGO III - Informação sobre legislação nacional

Os Estados-Partes no presente Protocolo deverão comunicar ao secretário-geral das Nações Unidas as leis e regulamentos que possam vir a adotar para assegurar a aplicação do presente Protocolo.

ARTIGO IV - Resolução de diferendos

Qualquer diferendo entre Estados Partes no presente Protocolo que esteja relacionado com a sua interpretação ou aplicação e que não possa ser resolvido por outros meios deverá ser submetido ao Tribunal Internacional de Justiça a pedido de qualquer das partes no diferendo.

ARTIGO V - Adesão

O presente Protocolo ficará aberto à adesão de todos os Estados - Partes na Convenção ou de qualquer outro Estado Membro das Nações Unidas ou Membro de qualquer das agências especializadas ou de qualquer Estado ao qual tenha sido enviado pela Assembléia Geral das Nações Unidas um convite para aderir ao Protocolo. A adesão será efetuada pelo depósito de um instrumento de adesão junto do secretário-geral das Nações Unidas.

ARTIGO VI - Cláusula federal

No caso de um Estado federal ou não unitário, aplicar-se-ão as seguintes disposições:

a) No respeitante aos artigos da Convenção a aplicar de acordo com o artigo I, parágrafo 1° do presente Protocolo que caibam dentro da competência legislativa da autoridade legislativa federal as obrigações do Governo Federal serão nesta medida as mesmas que as dos Estados Partes que não forem Estados federais;

b) No respeitante aos artigos da Convenção a aplicar de acordo com o artigo I, parágrafo 1° do presente Protocolo que caibam dentro da competência legislativa de Estados constituintes, províncias ou cantões que não são, segundo o sistema constitucional da Federação, obrigados a tomar medidas legislativas, o Governo Federal levará, com a maior brevidade possível, os referidos artigos, com uma recomendação favorável, ao conhecimento das autoridades competentes dos Estados, províncias ou cantões;

c) Um Estado Federal parte no presente Protocolo deverá, a pedido de qualquer outro Estado Parte, transmitido através do secretário-geral das Nações Unidas, fornecer uma

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informação da lei e da prática da Federação e das suas unidades constituintes no tocante a qualquer disposição em particular da Convenção, a aplicar de acordo com o artigo I, parágrafo 1, do presente Protocolo, indicando na medida em que foi dado efeito, por medidas legislativas ou outras, à dita disposição.

ARTIGO VII - Reservas e declarações

1. No momento de adesão, qualquer Estado poderá formular reservas ao artigo 4 do presente Protocolo e à aplicação de acordo com o artigo I do presente Protocolo de quaisquer disposições da Convenção além das contidas nos artigos 1, 3, 4, 16 (1) e 33, desde que, no caso de um Estado Parte na Convenção, as reservas feitas ao abrigo deste artigo não abranjam os refugiados aos quais se aplica a Convenção.

2. As reservas formuladas por Estados Partes na Convenção de acordo com o seu artigo 42 aplicar-se-ão, a menos que sejam retiradas, em relação às suas obrigações decorrentes do presente Protocolo.

3. Qualquer Estado que faça uma reserva de acordo com o parágrafo 1 deste artigo poderá, a qualquer tempo, retirar tal reserva por meio de uma comunicação para esse efeito dirigida ao secretário-geral das Nações Unidas.

4. As declarações feitas segundo o artigo 40, parágrafos 1 e 2, da Convenção por um Estado Parte nela que adira ao presente Protocolo considerar-se-ão aplicáveis sob o regime do presente Protocolo, salvo se, no momento de adesão, for enviada uma notificação em contrário pelo Estado Parte interessado ao secretário-geral das Nações Unidas. As disposições do artigo 40, parágrafos 2 e 3, e do artigo 44, parágrafo 3, da Convenção considerar-se-ão aplicáveis, mutatis mutandis, ao presente Protocolo.

ARTIGO VIII - Entrada em vigor

1. O presente Protocolo entrará em vigor no dia do depósito do sexto instrumento de adesão.

2. Para cada Estado que adira ao Protocolo depois do depósito do sexto instrumento de adesão, o Protocolo entrará em vigor na data do depósito pelo mesmo Estado do seu instrumento de adesão.

ARTIGO IX - Denúncia

1. Qualquer Estado Parte poderá, a qualquer tempo, denunciar este Protocolo por meio de uma notificação dirigida ao secretário-geral das Nações Unidas.

2. Tal denúncia terá efeito para o Estado - Parte interessado um ano depois da data em que for recebida pelo secretário-geral das Nações Unidas.

ARTIGO X - Notificações pelo secretário-geral das Nações Unidas

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O secretário-geral das Nações Unidas informará os Estados referidos no artigo V, acima, da data de entrada em vigor, adesões, reservas, retiradas de reservas e denúncias do presente Protocolo, e das declarações e notificações com ele relacionadas.

ARTIGO XI - Depósito nos arquivos do Secretariado das Nações Unidas

Um exemplar do presente Protocolo, cujos textos chinês, inglês, francês, russo e espanhol são igualmente autênticos, assinado pelo presidente da Assembléia Geral e pelo secretário-geral das Nações Unidas, será depositado nos arquivos do Secretariado das Nações Unidas. O secretário-geral transmitirá cópias certificadas do mesmo a todos os Estados Membros das Nações Unidas e aos outros Estados referidos no artigo V, acima.

DECRETO N.º 207/75

Aprova, para adesão, o Protocolo Adicional à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados.

Usando da faculdade conferida pelo artigo 16.º, n.º 1, 3.º, da Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio, o Governo decreta o seguinte:

Artigo único. É aprovado, para adesão, o Protocolo de Nova Iorque, de 31 de Janeiro de 1967, adicional à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra em 29 de Julho de 1951, cujos textos, em inglês e na respectiva tradução em português, vão anexos ao presente decreto.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros. — Vasco dos Santos Gonçalves — Mário Soares.

Assinado em 1 de Abril de 1975.

Publique-se.

O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.

(D.R. n.º 90, I Série, de 17 de Abril de 1975)

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Anexo C

Lista dos países que mais enviam e que mais recebem refugiados

(Proporção de refugiados em relação à população dos países hospedeiros)

Embora as nações desenvolvidas contribuam mais com o financiamento para o auxilio dos refugiados em países de assentamento, as nações desenvolvidas hospedam a vasta maioria da população de refugiados do mundo.

Em conjunto, as nações com uma per capita de menos que US$2. 000 (dois mil dólares) hospedam quase dois - terços de refugiados. Nações com uma per capita em torno de US$10.000 (dez mil dólares), hospedam 5% (cinco por cento) da população mundial de refugiados.Na maioria dos países em desenvolvimento, os refugiados estão incluídos na porção total da população.

País Hospedeiro Proporção da população de refugiados para o total da população

Número de Refugiados

Israel,Cisjordânia e Faixa de Gaza

* 1:2 1,792,200

Jordânia 1:9 617,100 Síria 1:11 1,852,300 Líbano 1:12 325,800 Chade 1:37 294,100 Equador 1:50 272,700 Kuwait 1:55 51,000 Irã 1:71 1,003,100 Congo - Brazzaville 1:86 44,000 Tanzânia 1:89 432,500 Paquistão 1:90 1,877,800 Arábia Saudita 1:96 288,000 Sérvia 1:97 97,800 Chipre 1:100 10,000 Djibuti 1:100 8,000 Mauritânia 1:102 30,500 Gabão 1:102 12,700 Zâmbia 1:102 113,200 Gâmbia 1:105 14,300 Venezuela 1:109 252,200 Quênia 1:116 319,400 Uganda 1:121 235,800 Sudão 1:124 310,500 Tailândia 1:162 406,000 Malásia 1:165 164,400 Ruanda 1:172 54,100 Iêmen 1:180 124,600 Camarões 1:186 97,400 Guiné-Bissau 1:205 8,300 Libéria 1:346 11,000

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(População nos campos de refugiados)

As populações de 10.000 pessoas ou mais restritas aos campos ou aos reassentamentos segregados ou do contrário desprovidas dos seus direitos de liberdade e movimento ou de sustento( situações de extrema pobreza) especificadas nos últimos cinco anos ou mais.

A Convenção de 1951 não inclui o atraso de cinco anos no reconhecimento desses direitos. A USCRI acentua a situação dessa situação somente para ênfase.

Tempo de duração da situação

População País Hospedeiro Número

59 Palestinos Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza e Líbano

2,063,000

49 Tibetanos Nepal 20,500 40 Palestinos Jordânia, Arábia

Saudita, Egito, Kuwait 521,500

39 Eritreans Sudão, Etiópia 264,300 34 Filipinos Malásia 70,500 32 Angolanos Zâmbia 40,800 32 Saharwi Algeria 90,000 31 Congoleses (Kinshasa) Angola 13,300 28 Afegãos Irâ, Paquistão 2,790,900 28 Iraque Irâ 57,400 27 Etíopes Sudão 20,800 24 Sri Lankans Índia 102,300 24 Sudanese Uganda, Quênia,

Etiópia, Egito, etc. 300,700

23 Myanmarese Tailândia 146,700 19 Myanmarese Índia 75,000 18 Liberianos Costa do Marfim,

Gana, etc. 85,200

18 Mauritanos Senegal 20,200 18 Myanmarese Malásia 25,000 16 Afegãos Rússia, Índia 115,700 16 Butaneses Nepal 109,200 16 Georgianos Rússia 45,000 16 Myanmarese Bangladesh 177,500 16 Serra Leoninas Guiné, Libéria, Costa

do Marfim 12,300

16 Somalis Quênia, Etiópia, Yemen

418,400

14 Burundianos Tanzânia 331,900 14 Myanmarese Malásia 44,700 13 Rwandans Uganda 21,200 11 Congoleses

(Kinshasa) Tanzânia, Zâmbia, Ruanda, etc.

291,500

11 Myanmarese Tailândia 250,000 7 Coreanos do norte China 11,000

TOTAL: 8, 536,500 (8,525,500 para dez anos ou mais). Dados:31 de Dezembro de 2007.

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(Reassentamento por país)

U G E S U

A convenção referente ao status de Refugiados não requer que qualquer país tenha que trazer refugiados para a sua fronteira. Ainda assim, muitos aceitam uma cota de refugiados encaminhados pela UNHCR’s compelindo com necessidades e particularidades de proteção. Tradicionalmente, ricas nações com forte imigração nos seus históricos têm aceitado o maior número de refugiados para reassentamento.

Recentemente, vários países em desenvolvimento tem também começado a aceitar refugiados para Reassentamento. Abaixo são listadas as principais nações de reassentamento pela ordem de proporção de refugiados que eles aceitam em sua própria população.Reset

País Hospedeiro Refugiados reassentados

População hospedeira Proporção de refugiados reassentados na população hospedeira

Austrália 10,722 21,000,000 1:2,000 Canadá 11,079 32,900,000 1:3,000 Noruega 1,397 4,700,000 1:3,400 Suécia 1,848 9,l00,000 1:4,900 Nova Zelândia 697 4,200,000 1:6,000 Estados Unidos 48,281 302, 200,000 1:6,200 Finlândia 724 5,300,000 1:7,300 Dinamarca 472 5,500,000 1:11,700 Irlanda 144 4,400,000 1:30,600 Escócia 518 16,400,000 1:31,700 Reino Unido 498 61,000,000 1:122,500 Argentina 83 39,400,000 1:474,700 Chile 32 16,600,000 1:518,800 Brasil 153 189,300,000 1:1,237,300 Itália 40 59,300,000 1:1,482,500

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Anexo D

Países Membros da Convenção de 1951 e/ou do Protocolo Adicional de 1967

Participantes Assinatura Ratificação,Adesão (a), Sucessão (d)

Albânia 18 de Agosto de 1992 (a)

Afeganistão

África do Sul

Alemanha 19 de Novembro de 1951

1 de Dezembro de 1953

Argélia 21de Fevereiro de1963 (d)

Angola 23 de Junho de 1981 (a)

Antigua e Barbuda 7 de Setembro de 1995 (a)

Argentina 15 de Novembro de 1961 (a)

Armênia 6 de Julho de 1993 (a)

Austrália 22 de Janeiro de 1954 (a)

Áustria 28 de Julho de 1951 1de Novembro de 1954

Azerbaijão 12 de Fevereiro de 1993 (a)

Bahamas 15 de Setembro de 1993 (a)

Belarus 23 de Agosto de 2001(a)

Bélgica 28 de Julho de 1951 22 de Julho de 1953

Belize 27 de Junho de 1990( a)

Benin 4 de Abril de 1962( d )

Bolívia 9 de Fevereiro de 1982 (a)

Bósnia Herzegovina 1 de Setembro de 1993 (d)

Botsuana 6 de Janeiro de 1969( a)

Brasil 15 de Julho de 1952 16 de Novembro de 1960

Bulgária 12 de Maio de 1993 (a)

Burkina Fasso 18 de Junho de 1980( a)

Burundi 19 de Julho de 1963( a)

Camboja 15 de Outubro de 1992( a)

Camarões 23 de Outubro de1961 (d)

Cazaquistão

Canadá 4 de Junho de 1969 (a)

Chade 19 de Agosto de 1981( a)

Chile 28 de Janeiro de 1972 (a)

China3 24 de Setembro de 1982 (a)

Colômbia 28 de Julho de 1951 10 de Outubro de 1961

Congo 15 de Outubro de 1962 (d)

Costa Rica 28 de Março de 1978 (a)

Costa do Marfim 8 de Dezembro de 1961 (d)

Croácia 12 de Outubro de 1992 (d)

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Chipre 16 de Maio de 1963(d)

Cabo Verde *

Coréia do Sul

Dinamarca 28 de Julho de 1951 4 de Dezembro de 1952

Djibuti 9 de Agosto de 1977 (d)

Dominica 17 de Fevereiro de 1994 (a)

República Dominicana 4 de Janeiro de 1978 (a)

Equador 17 de Agosto de 1955 (a)

Egito 22 de Maio de 1981(a)

El Salvador 28 de Abril de 1983 (a)

Eslováquia

Eslovênia Espanha Estados Unidos*

Estônia 10 de Abril de 1997 (a)

Etiópia 10 de Novembro de 1969 (a)

Fiji 12 de Junho de 1972 (d)

Federação Russa Filipinas

Finlândia 10 de Outubro de 1968 (a)

Franca 11 de Setembro de 1952 23 de Junho de 1954

Gabão 27 de Abril de 1964 (a)

Gâmbia 7 de Setembro de 1966 (d)

Geórgia 9 de Agosto de 1999 (a)

Gana 18 de Março de 1963 (a)

Grécia 10 de Abril de 1952 5 de Abril de 1960

Guatemala 22 de Setembro de 1983 (a)

Guiné 28 de Dezembro de 1965 (d)

Guiné-Bissau 11 de Fevereiro de 1976 (a)

Guine Equatorial 7 de Fevereiro de 1986 (a)

Haiti 25 de Setembro de 1984(a)

Honduras 23 de Março de 1992 (a)

Hungria 14 de Março de 1989 (a)

Holanda

Islândia 30 de Novembro de 1955 (a)

Irã 28 de Julho de 1976 (a)

Iêmen Ilhas Salomão

Irlanda 29 de Novembro de 1956 (a)

Israel 1 de Agosto de 1951 1de Outubro de 1954

Itália 23 de Julho de 1952 15 de Novembro de 1954

Jamaica 30 de Julho de 1964 (d)

Japão 3 de Outubro de 1981 (a)

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Letônia 31 de Julho de 1997 (a)

Lesoto 14 de Maio de 1981 (a)

Libéria 15 de Outubro de 1964 (a)

Liechtenstein 28 de Julho de 1951 8 de Março de 1957

Lituânia 28 de Abril de 1997 (a)

Luxemburgo 28 de Julho de 1951 23 de Julho de 1953

Madagascar ** 18 de Dezembro de 1967 (a)

Malaui 10 de Dezembro de 1987 (a)

Mali 2 de Fevereiro de 1973 (d)

Malta 17 de Junho de 1971 (a)

Mauritânia 5 de Maio de 1987 (a)

México 7 de Junho de 2000 (a)

Mônaco ** 18 de Maio de 1954 (a)

Marrocos 7 de Novembro de 1956 (d)

Macedônia Moldávia Montenegro

Moçambique 16 de Dezembro de 1983 (a)

Namíbia ** 17 de Fevereiro de 1995 (a)

Nova Zelândia 30 de Junho de 1960 (a)

Nicarágua 28 de Março de 1980( a)

Níger 25 de Agosto de 1961 (d)

Nigéria 23 de Outubro de 1967 (a)

Noruega 28 de Julho de 1951 23 de Março de 1953

Panamá 2 de Agosto de 1978( a)

Papua Nova Guiné 17 de Julho de 1986 (a)

Paraguai 1 de Abril de 1970 (a)

Peru 21 de Dezembro de 1964 (a)

Polônia 27 de Setembro de 1991 (a)

Portugal 22 de Dezembro de 1960 (a)

Quênia Quirguistão

Republica da Coréia 3 de Dezembro de 1992 (a)

Republica de Moldova 31 de Janeiro de 2002 (a)

România 7 de Agosto de 1991 (a)

Republica Centro Africano

Republica Democrática do Congo

Republica Dominicana

Republica Tcheca

Reino Unido

Ruanda 3 de Janeiro de 1980 (a)

São Cristovão e Nevis** 1 de Fevereiro de 2002 (a)

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São Vicente e Granadinas 3 de Novembro de 1993(a)

Samoa 21 de Setembro de 1988 (a)

São Tome e Príncipe ** 1 de Fevereiro de 1978 (a)

Senegal 2 de Maio de 1963 (d)

Seicheles 23 de Abril de 1980 (a)

Serra Leoa 22 de Maio de 1981 (a)

Servia

Somália 10 de Outubro de 1978(a)

Santa Se 21 de Maio de 1952 15 de Março de 1956

Sudão 22 de Fevereiro de 1974 (a)

Suriname 29 de Novembro de 1978 (d)

Suazilândia 14 de Fevereiro de 2000 (a)

Suécia 28 de Julho de 1951 26 de Outubro de 1954

Suíça 28 de Julho de 1951 21 de Janeiro de 1955

Tadjiquistão 7 de Dezembro de 1993(a)

Tanzânia

Togo 27 de Fevereiro de 1962(d)

Trindade e Tobago 10 de Novembro de 2000 (a)

Tunísia 24 de Outubro de 1957 (d)

Turquia 24 de Agosto de 1951 30 de Março de 1962

Turcomenistão 2 de Março de 1998 (a)

Tuvalu 7 de Março de 1986 (d)

Uganda 27 de Setembro de 1976 (a)

Uruguai 22 de Setembro de 1970 (a)

Ucrânia

Venezuela*

Vaticano

Zâmbia 24 de Setembro de 1969 (d)

Zimbábue 25 de Agosto de 1981 (a)

*Países que não fazem parte da Convenção de Genebra de 1951. ** Países que não fazem parte do Protocolo Adicional de 1967.

Reservas do Brasil e do Canadá feitas sob a seção B do artigo artigo 1 °

BRASIL *

7 de Abril de 1972: Aos refugiados serão garantidos o mesmo tratamento dado aos nacionais de países estrangeiros em geral,com a exceção do tratamento preferencial estendido aos nacionais de Portugal devido ao Tratado de Amizade e Conferência de 1953 e o artigo 199 da Emenda Constitucional Brasileira número 1 de 1969.

CANADÁ*

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Sujeita-se a seguinte reserva referente aos artigos 23 e 24 da Convenção. O Canadá interpreta a frase “ estada legitima” ,se referindo apenas aos refugiados admitidos para residência permanente:refugiados admitidos para residência temporária terão o mesmo tratamento com as questões lidadas pelos artigos 23 e 24 referente aos visitantes,em geral.

Anexo E

Declaração de Cartagena sobre os Refugiados de 1984

INTRODUÇÃO

O Direito de Refugiados converteu-se num ramo de crescente importância no Direito Internacional, que se encontra - com autonomia própria - entre o campo dos Direitos Humanos e o do Direito Humanitário em geral. Neste contexto, e em cumprimento do mandato da Assembléia Geral das Nações Unidas para proporcionar e promover as medidas mais adequadas de proteção internacional aos refugiados, o ACNUR tomou a iniciativa de organizar o Colóquio de Cartagena, cujas conclusões e recomendações (conhecidas como Declaração de Cartagena) se apresentam nesta publicação.

Este Colóquio foi organizado conjuntamente com a Universidade de Cartagena e o Centro de Estudos do Terceiro Mundo sob os auspícios do Governo da Colômbia. Para o efeito, contou-se com o inestimável apoio pessoal de S. Ex. o Presidente da Colômbia, Dr. Belisário Betancur, e com o valioso apoio dos delegados dos governos da região, que juntaram a sua experiência à contribuição técnica dos especialistas na procura das soluções regionais mais adequadas à situação dos refugiados na América Central, México e Panamá.

A Declaração de Cartagena sobre os Refugiados, que colhe a melhor tradição latino-americana em matéria de asilo e direitos humanos, constitui um instrumento fundamental para a proteção dos refugiados, tomando-se um antecedente indispensável na matéria. Este Comissariado está empenhado na aplicação e divulgação desta Declaração, que requer a cooperação das autoridades nacionais dos países de asilo, bem como de todos os interessados em promover o bem estar e a segurança dos refugiados.

Michel MOUSSALLI Director da Divisão de Protecção Internacional, Genebra, Janeiro de 1985.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

I

Recordando as conclusões e recomendações adotadas pelo Colóquio realizado no México sobre Asilo e Proteção Internacional de Refugiados na América Latina, que estabeleceu importantes critérios para a análise e consideração desta matéria;

Reconhecendo que a situação na América Central, no que concerne aos refugiados, tem evoluído nestes últimos anos, de tal forma que tem adquirido novas dimensões que requerem uma especial consideração;

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Apreciando os generosos esforços que os países receptores de refugiados da América Central têm realizado, não obstante as enormes dificuldades que têm enfrentado, particularmente perante a crise econômica atual;

Destacando o admirável trabalho humanitário e apolítico desempenhado pelo ACNUR nos países da América Central, México e Panamá, em conformidade com o estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1951 e no Protocolo de 1967, bem como na Resolução 428 (V) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em virtude da qual, o mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados se aplica a todos os Estados, sejam ou não partes da mencionada Convenção e/ou Protocolo;

Tendo igualmente presente o trabalho efetuado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos no que concerne à proteção dos direitos dos refugiados no continente;

Apoiando decididamente os esforços do Grupo Contadora para solucionar de modo efetivo e duradouro o problema dos refugiados na América Central, que constituem um avanço significativo na negociação de acordos operativos a favor da paz na região;

Expressando a sua convicção de que muitos dos problemas jurídicos e humanitários que têm surgido na região da América Central, México e Canadá, no que se refere aos refugiados, só podem ser encarados tendo em consideração a necessária coordenação e harmonizarão entre os sistemas universais, regionais e os esforços nacionais.

II

Tendo tomado conhecimento, com apreço, dos compromissos em matéria de refugiados incluídos na Ata de Contadora para a Paz e Cooperação na América Central, cujos critérios partilha plenamente e que a seguir se transcrevem:

a) Realizar, se ainda o não fizeram, as alterações constitucionais, para a adesão à Convenção de 1951 e ao Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos Refugiados;

b) Adotar a terminologia estabelecida na Convenção e no Protocolo, citados no parágrafo anterior, com o objetivo de diferenciar os refugiados de outras categorias de migrantes;

c) Estabelecer os mecanismos internos necessários para aplicar as disposições da Convenção e do Protocolo citados, quando se verifique a adesão;

d) Que se estabeleçam mecanismos de consulta entre os Países da América Central com representantes dos gabinetes governamentais responsáveis pelo tratamento do problema dos refugiados em cada Estado;

e) Apoiar o trabalho que realiza o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) na América Central e estabelecer mecanismos diretos de coordenação para facilitar o cumprimento do seu mandato;

f) Que todo o repatriamento de refugiados seja de caráter voluntário, manifestado individualmente e com a colaboração do ACNUR;

g) Que, com o objetivo de facilitar o repatriamento dos refugiados, se estabeleçam comissões tripartidas integradas por representantes do Estado de origem, do Estado receptor e do ACNUR;

h) Fortalecer os programas de proteção e assistência aos refugiados, sobretudo nos aspectos de saúde, educação, trabalho e segurança;

i) Que se estabeleçam programas e projetos com vista à auto-suficiência dos refugiados;

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j) Capacitar os funcionários responsáveis em cada Estado pela proteção e assistência aos refugiados, com a colaboração do ACNUR ou outros organismos internacionais;

k) Solicitar à comunidade internacional ajuda imediata para os refugiados da América Central, tanto de forma direta, mediante convênios bilaterais ou multilaterais, como através do ACNUR e outros organismos e agências;

l) Procurar, com a colaboração do ACNUR, outros possíveis países receptores de refugiados da América Central. Em caso algum se enviará o refugiado contra a sua vontade para um país terceiro;

m) Que os Governos da região envidem os esforços necessários para erradicar as causas que provocam o problema dos refugiados;

n) Que, uma vez acordadas as bases para o repatriamento voluntário e individual, com garantias plenas para os refugiados, os países receptores permitam que delegações oficiais do país de origem, acompanhadas por representantes do ACNUR e do país receptor, possam visitar os acampamentos de refugiados;

o) Que os países receptores facilitem o processo de saída dos refugiados por motivo de repatriamento voluntário e individual, em coordenação com o ACNUR;

p) Estabelecer as medidas conducentes nos países receptores para evitar a participação dos refugiados em atividades que atentem contra o país de origem, respeitando sempre os direitos humanos dos refugiados.

III

O Colóquio adotou, deste modo, as seguintes conclusões:

Primeira - Promover dentro dos países da região a adoção de normas internas que facilitem a aplicação da Convenção e do Protocolo e, em caso de necessidade, que estabeleçam os procedimentos e afetem recursos internos para a proteção dos refugiados. Propiciar, igualmente, que a adoção de normas de direito interno sigam os princípios e critérios da Convenção e do Protocolo, colaborando assim no processo necessário à harmonizarão sistemática das legislações nacionais em matéria de refugiados.

Segunda - Propiciar que a ratificação ou adesão à Convenção de 1951 e ao Protocolo de 1967 no caso dos Estados que ainda o não tenham efetuado, não seja acompanhada de reservas que limitem o alcance de tais instrumentos e convidar os países que as tenham formulado a que considerem o seu levantamento no mais curto prazo.

Terceira - Reiterar que, face à experiência adquirida pela afluência em massa de refugiados na América Central, se toma necessário encarar a extensão do conceito de refugiado tendo em conta, no que é pertinente, e de acordo com as características da situação existente na região, o previsto na Convenção da OUA (artigo 1., parágrafo 2) e a doutrina utilizada nos relatórios da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. Deste modo, a definição ou o conceito de refugiado recomendável para sua utilização na região é o que, para além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, considere também como refugiados as pessoas que tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.

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Quarta - Ratificar a natureza pacífica, apolítica e exclusivamente humanitária da concessão de asilo ou do reconhecimento da condição de refugiado e sublinhar a importância do princípio internacionalmente aceite segundo o qual nada poderá ser interpretado como um ato inamistoso contra o país de origem dos refugiados.

Quinta - Reiterar a importância e a significação do princípio de non-refoulement (incluindo a proibição da rejeição nas fronteiras), como pedra angular da proteção internacional dos refugiados. Este princípio imperativo respeitante aos refugiados, deve reconhecer-se e respeitar-se no estado atual do direito internacional, como um princípio de jus cogens.

Sexta - Reiterar aos países de asilo a conveniência de que os acampamentos e instalações de refugiados localizados em zonas fronteiriças sejam instalados no interior dos países de asilo a uma distância razoável das fronteiras com vista a melhorar as condições de proteção destes, a preservar os seus direitos humanos e a pôr em prática projetos destinados à auto-suficiência e integrarão na sociedade que os acolhe.

Sétima - Expressar a sua preocupação pelo problema dos ataques militares aos acampamentos e instalações de refugiados que têm ocorrido em diversas partes do mundo e propor aos governos dos países da América Central, México e Panamá que apóiem as medidas propostas pelo Alto Comissariado ao Comitê Executivo do ACNUR.

Oitava - Propiciar que os países da região estabeleçam um regime de garantias mínimas de proteção dos refugiados, com base nos preceitos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 e na Convenção Americana dos Direitos Humanos, tomando-se ainda em consideração as conclusões emanadas do Comitê Executivo do ACNUR, em particular a n. 22 sobre a Proteção dos Candidatos ao Asilo em Situações de Afluência em Grande Escala.

Nona - Expressar a sua preocupação pela situação das pessoas deslocados dentro do seu próprio país. A este respeito, o Colóquio chama a atenção das autoridades nacionais e dos organismos internacionais competentes para que ofereçam proteção e assistência a estas pessoas e contribuam para aliviar a angustiosa situação em que muitas delas se encontram.

Décima - Formular um apelo aos Estados Signatários da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 para que apliquem este instrumento na sua conduta com os asilados e refugiados que se encontram no seu território.

Décima primeira - Estudar com os países da região que contam com uma presença maciça de refugiados, as possibilidades de integrarão dos refugiados na vida produtiva do país, destinando os recursos da comunidade internacional que o ACNUR canaliza para a criação ou geração de empregos, possibilitando assim o desfrutar dos direitos econômicos, sociais e culturais pelos refugiados.

Décima segunda - Reiterar o caráter voluntário e individual do repatriamento dos refugiados e a necessidade de que este se efetue em condições de completa segurança, preferencialmente para o lugar de residência do refugiado no seu país de origem.

Décima terceira - Reconhecer que o reagrupamento das famílias constitui um princípio fundamental em matéria de refugiados que deve inspirar o regime de tratamento humanitário no país de asilo e, da mesma maneira, as facilidades que se concedam nos casos de repatriamento voluntário.

Décima quarta - Instar as organizações não governamentais, internacionais e nacionais a prosseguirem o seu incomensurável trabalho, coordenando a sua ação com o ACNUR

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e com as autoridades nacionais do país de asilo, de acordo com as diretrizes dadas por estas autoridades.

Décima quinta - Promover a utilização, com maior intensidade, dos organismos competentes do sistema interamericano e, em especial, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos com o propósito de complementar a proteção internacional dos asilados e refugiados. Desde já, para o cumprimento dessas funções, o Colóquio considera que seria aconselhável acentuar a estreita coordenação e cooperação existente entre a Comissão e o ACNUR.

Décima sexta - Deixar testemunho da importância que reveste o Programa de Cooperação OEA/ACNUR e as atividades que se têm desenvolvido e propor que a próxima etapa concentre a sua atenção na problemática que gera a afluência maciça de refugiados na América Central, México e Panamá.

Décima sétima - Propiciar nos países da América Central e do Grupo Contadora uma difusão a todos os níveis possíveis das normas internacionais e internas referentes à proteção dos refugiados e, em geral, dos direitos humanos. Em particular, o Colóquio considera de especial importância que essa divulgação se efetue contando com a valiosa cooperação das correspondentes universidades e centros superiores de ensino.

IV Em conseqüência, o Colóquio de Cartagena, recomenda:

- Que os compromissos em matéria de refugiados contidos na Ata da Paz de Contadora constituam, para os dez Estados participantes no Colóquio, normas que devem ser necessária e escrupulosamente respeitadas para determinar a conduta a seguir em relação aos refugiados na América Central;

- Que as conclusões a que se chegou no Colóquio (III) sejam tidas adequadamente em conta para encarar a solução dos gravíssimos problemas criados pela atual afluência maciça de refugiados na América Central, México e Panamá;

- Que se publique um volume que contenha o documento de trabalho, as exposições e relatórios, bem como as conclusões e recomendações do Colóquio e restantes documentos pertinentes, solicitando ao Governo da Colômbia, ao ACNUR e aos organismos competentes da OEA que adotem as medidas necessárias a fim de conseguir a maior divulgação dessa publicação;

- Que se publique o presente documento como Declaração de Cartagena sobre os Refugiados;

- Que se solicite ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados que transmita oficialmente o conteúdo da presente Declaração aos Chefes de Estado dos países da América Central, de Belize e dos países integrantes do Grupo Contadora.

Finalmente, o Colóquio expressou o seu profundo agradecimento às autoridades colombianas, e em particular ao Senhor Presidente da República, Dr. Belisário Betancur, e ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Augusto Ramirez Ocampo, ao Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Dr. Poul Hartling, que honraram com a sua presença o Colóquio, bem como à Universidade de Cartagena de índias e ao Centro Regional de Estudos do Terceiro Mundo, pela iniciativa e realização deste importante evento. De um modo especial, o Colóquio expressou o seu reconhecimento ao apoio e hospitalidade oferecidos pelas autoridades do Departamento

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de Bolívar e da Cidade de Cartagena. Agradeceu, igualmente, o caloroso acolhimento do povo desta cidade, justamente conhecida como Cidade Heróica.

Finalmente, o Colóquio, deixou testemunhado o seu reconhecimento à generosa tradição de asilo e refúgio praticada pelo povo e autoridades da Colômbia.

Cartagena das Índias, 22 de Novembro de 1984.

Anexo F

Relatório do CONARE

(Em virtude deste relatório ser “de circulação restrita”, conforme correio eletrônico abaixo, publica-se, aqui, apenas os seus tópicos)

INFORME DE CONTROLE DE SUB-PROJETO

Símbolo do Subprojeto: 06/AB/BRA/LS/401(b)

Titulo do Sub-projeto: Integração Local de Refugiados no Brasil.

Período de Apresentação dos Informes: 01/01/2006 à 31/12/2006.

1. Visão Geral do Sub-projeto.

2. Descrição dos beneficiários:

a) Perfil da População Atendida na CASP.

b) Volume do Grupo Atendido, com sexo, faixa etária e população vulnerável.

3. Disposições para execução.

4. Impacto sobre a proteção dos beneficiários e medidas prioritárias do ACNUR.

5. Insumos e projetos relacionados.

6. Informações sobre o andamento do sub-projeto com respeito aos indicadores.

7. Avaliação Global dos resultados do sub-projeto:

a) Impacto Global, com as ações concretizadas pela Cáritas, no período.

b) Cooperação com outros atores: governo, ações concretas da igreja, convênio, saúde, educação, habitação, trabalho e outros.

c) Necessidades insatisfeitas.

d) Recomendações.

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(Mensagem enviada, pelo ACNUR – Brasil, por correio eletrônico no dia 30 de agosto de 2007)

Re: Fwd: tese sobre refugiados - noticias boas

From:Thais Bessa ([email protected])

Sent: Thursday, August 30, 2007 8:58:02 PM

To: [email protected]

Cc: Gabriel Godoy ([email protected]); Luis Varese ([email protected])

INF. NARR...doc (107.0 KB) Prezada Andrea, A pedido do Sr. Luis Varese, lhe repasso algumas in formações e indicações que espero serem de utilidade para a sua interessante tese. Em relação aos dados estatísticos, os números ofici ais são fornecidos apenas pelo governo. Sugiro que entre em contato co m a Maria Beatriz Nogueira ([email protected]), que poderá lhe passar os número de solicitações entre 1997 (quando foi aprovada a L ei 9474/97) e 2007, especialmente para SP e com a divisão entre deferid os e indeferidos. Sobre a lista de parcerias, com contatos, o seu ass istente pode ligar solicitando e depois ir à Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, e falar com a Heloisa ou Adelaide para pegar esta lista (Te l: (55 11) 3241-3239 e e-mail [email protected]). Em todo caso, envio em anexo o relatório final de atividades da Cáritas SP sobre a implementação do projeto em 2006 (documento de circ ulação restrita ). Atenciosamente, Thais Bessa Oficial Associada de Relações Externas ACNUR Brasil SHIS QL 24, Conjunto 4, Casa 16, Lago Sul Brasília - DF, 71665-025 Tel: (+55 61) 3367-4187 Fax: (+55 61) 3367-3989

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Anexo G

Lei N. 9.474, de 22 de Julho de 1997

Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências.

O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I - Dos Aspectos Caracterizadores CAPÍTULO I - Do Conceito, da Extensão e da Exclusão

SEÇÃO I - Do Conceito Artigo 1º - Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

SEÇÃO II - Da Extensão

Artigo 2º - Os efeitos da condição dos refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se encontre em território nacional.

SEÇÃO III - Da Exclusão

Artigo 3º - Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que:

I - já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR;

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II - sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro;

III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;

IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.

CAPÍTULO II - Da Condição Jurídica de Refugiado

Artigo 4º - O reconhecimento da condição de refugiado, nos termos das definições anteriores, sujeitará seu beneficiário ao preceituado nesta Lei, sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais de que o Governo brasileiro seja parte, ratifique ou venha a aderir.

Artigo 5º - O refugiado gozará de direitos e estará sujeito aos deveres dos estrangeiros no Brasil, ao disposto nesta Lei, na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e no Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967, cabendo-lhe a obrigação de acatar as leis, regulamentos e providências destinados à manutenção da ordem pública.

Artigo 6º - O refugiado terá direito, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, a cédula de identidade comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem.

TÍTULO II - Do Ingresso no Território Nacional e do Pedido de Refúgio

Artigo 7º - O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível.

§ 1º - Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política.

§ 2º - O benefício previsto neste artigo não poderá ser invocado por refugiado considerado perigoso para a segurança do Brasil.

Artigo 8º - O ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes.

Artigo 9º - A autoridade a quem for apresentada a solicitação deverá ouvir o interessado e preparar termo de declaração, que deverá conter as circunstâncias relativas à entrada no Brasil e às razões que o fizeram deixar o país de origem.

Artigo 10 - A solicitação, apresentada nas condições previstas nos artigos anteriores, suspenderá qualquer procedimento administrativo ou criminal pela entrada irregular, instaurado contra o peticionário e pessoas de seu grupo familiar que o acompanhem.

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§ 1º - Se a condição de refugiado for reconhecida, o procedimento será arquivado, desde que demonstrado que a infração correspondente foi determinada pelos mesmos fatos que justificaram o dito reconhecimento.

§ 2º - Para efeito do disposto no parágrafo anterior, a solicitação de refúgio e a decisão sobre a mesma deverão ser comunicadas à Polícia Federal, que as transmitirá ao órgão onde tramitar o procedimento administrativo ou criminal.

TÍTULO III - Do CONARE

Artigo 11 - Fica criado o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, órgão de deliberação coletiva, no âmbito do Ministério da Justiça.

CAPÍTULO I - Da Competência

Artigo 12 - Compete ao CONARE, em consonância com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional dos refugiados:

I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado:

II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado;

III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado;

IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados;

V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei.

Artigo 13 - O regimento interno do CONARE será aprovado pelo Ministro de Estado da Justiça.

Parágrafo único - O regimento interno determinará a periodicidade das reuniões do CONARE.

CAPÍTULO II - Da Estrutura e do Funcionamento

Artigo 14 - O CONARE será constituído por:

I - um representante do Ministério da Justiça, que o presidirá;

II - um representante do Ministério das Relações Exteriores;

III - um representante do Ministério do Trabalho;

IV - um representante do Ministério da Saúde;

V - um representante do Ministério da Educação e do Desporto;

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VI - um representante do Departamento de Polícia Federal;

VII - um representante de organização não-governamental, que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados no País.

§ 1º - O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR será sempre membro convidado para as reuniões do CONARE, com direito a voz, sem voto.

§ 2º - Os membros do CONARE serão designados pelo Presidente da República, mediante indicações dos órgãos e da entidade que o compõem.

§ 3º - O CONARE terá um Coordenador-Geral, com a atribuição de preparar os processos de requerimento de refúgio e a pauta de reunião.

Artigo 15 - A participação no CONARE será considerada serviço relevante e não implicará remuneração de qualquer natureza ou espécie.

Artigo 16 - O CONARE reunir-se-á com quorum de quatro membros com direito a voto, deliberando por maioria simples.

Parágrafo único - Em caso de empate, será considerado voto decisivo o do Presidente do CONARE.

TÍTULO IV - Do Processo de Refúgio CAPÍTULO I - Do Procedimento

Artigo 17 - O estrangeiro deverá apresentar-se à autoridade competente e externar vontade de solicitar o reconhecimento da condição de refugiado.

Artigo 18 - A autoridade competente notificará o solicitante para prestar declarações, ato que marcará a data de abertura dos procedimentos.

Parágrafo único - A autoridade competente informará o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR sobre a existência do processo de solicitação de refúgio e facultará a esse organismo a possibilidade de oferecer sugestões que facilitem seu andamento.

Artigo 19 - Além das declarações, prestadas se necessário com ajuda de intérprete, deverá o estrangeiro preencher a solicitação de reconhecimento como refugiado, a qual deverá conter identificação completa, qualificação profissional, grau de escolaridade do solicitante e membros do seu grupo familiar, bem como relato das circunstâncias e fatos que fundamentem o pedido de refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes.

Artigo 20 - O registro de declaração e a supervisão do preenchimento da solicitação do refúgio devem ser efetuados por funcionários qualificados e em condições que garantam o sigilo das informações.

CAPÍTULO II - Da Autorização de Residência Provisória

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Artigo 21 - Recebida a solicitação de refúgio, o Departamento de Polícia Federal emitirá protocolo em favor do solicitante e de seu grupo familiar que se encontre no território nacional, o qual autorizará a estada até a decisão final do processo.

§ 1º - O protocolo permitirá ao Ministério do Trabalho expedir carteira de trabalho provisória, para o exercício de atividade remunerada no País.

§ 2º - No protocolo do solicitante de refúgio serão mencionados, por averbamento, os menores de quatorze anos.

Artigo 22 - Enquanto estiver pendente o processo relativo à solicitação de refúgio, ao peticionário será aplicável a legislação sobre estrangeiros respeitadas as disposições específicas contidas nesta Lei.

CAPÍTULO III - Da Instrução e do Relatório

Artigo 23 - A autoridade competente procederá a eventuais diligências requeridas pelo CONARE, devendo averiguar todos os fatos cujo conhecimento seja conveniente para uma justa e rápida decisão, respeitando sempre o princípio da confidencialidade.

Artigo 24 - Finda a instrução, a autoridade competente elaborará, de imediato, relatório, que será enviado ao Secretário do CONARE, para inclusão na pauta da próxima reunião daquele Colegiado.

Artigo 25 - Os intervenientes nos processos relativos às solicitações de refúgio deverão guardar segredo profissional quanto às informações a que terão acesso no exercício de suas funções.

CAPÍTULO IV - Da Decisão, da Comunicação e do Registro

Artigo 26 - A decisão pelo reconhecimento da condição de refugiado será considerada ato declaratório e deverá estar devidamente fundamentada.

Artigo 27 - Proferida a decisão, o CONARE notificará o solicitante e o Departamento de Polícia Federal, para as medidas administrativas cabíveis.

Artigo 28 - No caso de decisão positiva, o refugiado será registrado junto ao Departamento de Polícia Federal, devendo assinar termo de responsabilidade e solicitar cédula de identidade pertinente.

CAPÍTULO V - Do Recurso

Artigo 29 - No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação.

Artigo 30 - Durante a avaliação do recurso, será permitido ao solicitante de refúgio e aos seus familiares permanecer no território nacional, sendo observado o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 21 desta Lei.

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Artigo 31 - A decisão do Ministro de Estado da Justiça não será passível de recurso, devendo ser notificada ao CONARE, para ciência do solicitante, e ao Departamento de Polícia Federal, para as providências devidas.

Artigo 32 - No caso de recusa definitiva de refúgio, ficará o solicitante sujeito à legislação de estrangeiros, não devendo ocorrer sua transferência para o seu país de nacionalidade ou de residência habitual, enquanto permanecerem as circunstâncias que põem em risco sua vida, integridade física e liberdade, salvo nas situações determinadas nos incisos III e IV do artigo 3º desta Lei.

TÍTULO V - Dos Efeitos do Estatuto de Refugiados Sobre a Extradição e a Expulsão

CAPÍTULO I - Da Extradição Artigo 33 - O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

Artigo 34 - A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

Artigo 35 - Para efeito do cumprimento do disposto nos artigos 33 e 34 desta Lei, a solicitação de como refugiado será comunicada ao órgão onde tramitar o processo da extradição.

CAPÍTULO II - Da Expulsão

Artigo 36 - Não será expulso do território nacional o refugiado que esteja regularmente registrado, salvo por motivos de segurança nacional ou de ordem pública.

Artigo 37 - A expulsão de refugiado do território nacional não resultará em sua retirada para país onde sua vida, liberdade ou integridade física possam estar em risco, e apenas será efetivada quando da certeza de sua admissão em país onde não haja riscos de perseguição.

TÍTULO VI - Da Cessação e da Perda da Condição de Refugiado CAPÍTULO I - Da Cessação da Condição de Refugiado

Artigo 38 - Cessará a condição de refugiado nas hipóteses em que o estrangeiro:

I - voltar a valer-se da proteção do país de que é nacional;

II - recuperar voluntariamente a nacionalidade outrora perdida;

III - adquirir nova nacionalidade e gozar da proteção do país cuja nacionalidade adquiriu;

IV - estabelecer-se novamente, de maneira voluntária, no pais que abandonou ou fora do qual permaneceu por medo de ser perseguido;

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V - não puder mais continuar a recusar a proteção do país de que é nacional por terem deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi reconhecido como refugiado;

VI - sendo apátrida, estiver em condições de voltar ao país no qual tinha sua residência habitual, uma vez que tenham deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi reconhecido como refugiado.

CAPÍTULO II - Da Perda da Condição de Refugiado

Artigo 39 - Implicará perda da condição de refugiado:

I - a renúncia;

II - a prova da falsidade dos fundamentos invocados para o reconhecimento da condição de refugiado ou a existência de fatos que, se fossem conhecidos quando do reconhecimento, teriam ensejado uma decisão negativa;

III - o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem pública;

IV - a saída do território nacional sem prévia autorização do Governo brasileiro.

Parágrafo único - Os refugiados que perderem essa condição com fundamento nos incisos I e IV deste artigo serão enquadrados no regime geral de permanência de estrangeiros no território nacional, e os que a perderem com fundamento nos incisos II e III estarão sujeitos às medidas compulsórias previstas na Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980.

CAPÍTULO III - Da Autoridade Competente e do Recurso

Artigo 40 - Compete ao CONARE decidir em primeira instância sobre cessação ou perda da condição de refugiado, cabendo, dessa decisão, recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação.

§ 1º - A notificação conterá breve relato dos fatos e fundamentos que ensejaram a decisão e cientificará o refugiado do prazo para interposição do recurso.

§ 2º - Não sendo localizado o estrangeiro para a notificação prevista neste artigo, a decisão será publicada no Diário Oficial da União, para fins de contagem do prazo de interposição de recurso.

Artigo 41 - A decisão do Ministro de Estado da Justiça é irrecorrível e deverá ser notificada ao CONARE, que a informará ao estrangeiro e ao Departamento de Polícia Federal, para as providências cabíveis.

TÍTULO VII - Das Soluções Duráveis CAPÍTULO I - Da Repatriação

Artigo 42 - A repatriação de refugiados aos seus países de origem deve ser caracterizada pelo caráter voluntário do retorno, salvo nos casos em que não possam recusar a

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proteção do país de que são nacionais, por não mais subsistirem as circunstâncias que determinaram o refúgio.

CAPÍTULO II - Da Integração Local

Artigo 43 - No exercício de seus direitos e deveres, a condição atípica dos refugiados deverá ser considerada quando da necessidade da apresentação de documentos emitidos por seus países de origem ou por suas representações diplomáticas e consulares.

Artigo 44 - O reconhecimento de certificados e diplomas, os requisitos para a obtenção da condição de residente e o ingresso em instituições acadêmicas de todos os níveis deverão ser facilitados, levando-se em consideração a situação desfavorável vivenciada pelos refugiados.

CAPÍTULO III - Do Reassentamento

Artigo 45 - O reassentamento de refugiados em outros países deve ser caracterizado, sempre que possível, pelo caráter voluntário.

Artigo 46 - O reassentamento de refugiados no Brasil se efetuará de forma planificada e com a participação coordenada dos órgãos estatais e, quando possível, de organizações não-governamentais, identificando áreas de cooperação e de determinação de responsabilidades.

TÍTULO VIII - Das Disposições Finais

Artigo 47 - Os processos de reconhecimento da condição de refugiado sério gratuitos e terão caráter urgente.

Artigo 48 - Os preceitos desta Lei deverão ser interpretados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com todo dispositivo pertinente de instrumento internacional de proteção de direitos humanos com o qual o Governo brasileiro estiver comprometido.

Artigo 49 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de julho de 1997; 176º da Independência e 109º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Iris Rezende

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Anexo H

Acórdãos do Supremo Tribunal Federal

1. Trata da decisão negativa no procedimento para determinar a condição de refugiado:

1.1 MS 24.304/DF de 2002

MS 24304 / DF - DISTRITO FEDERAL ../jurisprudencia/l <font color=RED>MANDADO DE SEGURANÇA

Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 04/09/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EXTRADIÇÃO. REFÚGIO: PEDIDO. CONSELHO NACIONAL DE REFUGIADOS - CONARE. Lei 9.474/97. I. - Inocorrência de subordinação hierárquica dos membros do CONARE ao Ministro de Estado da Justiça. Inocorrência, também, de quebra do sigilo das informações veiculadas no procedimento administrativo do pedido de refúgio. Inocorrência de descumprimento do disposto no art. 2º da Lei 9.784/99 e de violação do devido processo legal (C.F., art. 5º, LV). II. - Mandado de Segurança indeferido.

2. Tratam de pedido de proibição de expulsão de refugiado:

2.1. HC 69268/DF de 1992

HC 69268 / DF - DISTRITO FEDERAL ../jurisprudencia/l <font color=RED>HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI Julgamento: 22/05/1992 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA:"Habeas corpus" de que não se conhece na parte onde se intenta revolver a prova dos fatos motivadores do decreto de expulsão, por já ter sido objeto de impetração indeferida. Impertinência ou inconsistência das demais alegações, especialmente o reconhecimento da condição de refugiado, por organismo internacional sediado em Estado estrangeiro, a que não se poderia atribuir o condão de invalidar anterior decreto de expulsão.

2.2. HC 71935/94

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HC 71935 / SC - SANTA CATARINA ../jurisprudencia/l <font color=RED>HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. MOREIRA ALVES Julgamento: 27/10/1994 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: "Habeas corpus". Expulsão. - Os fundamentos de que os motivos que determinaram a expulsão do ora paciente eram insuficientes e de que ele e refugiado político são mera reiteração de alegações semelhantes não acolhidas por esta Corte em "habeas corpus" anteriores. - Se, em conformidade com o disposto no artigo 75, par. 1., da Lei 6.815/80 (com a redação dada pela Lei n. 6.964/91), a adoção ou reconhecimento de filho brasileiro superveniente ao fato que motivara expulsão não constituem impedimento a ela, o nascimento de filho brasileiro muitos anos após a edição do decreto de expulsão não e motivo legal para a revogação deste, revogação essa que depende sempre do juízo de conveniência do Presidente da Republica, como decidiu esta Corte no HC 68.324, relator o Sr. Ministro Sydney Sanches. "Habeas corpus" conhecido em parte, e nela indeferido.

3. Tratam de proibição de vedação de extradição:

3.1. Extradição 232 de 1961

Ext-segunda 232 / CA - CUBA ../jurisprudencia/l Ext-segunda<fonSEGUNDA EXTRADIÇÃO

Relator(a): Min. VICTOR NUNES Julgamento: 09/10/1961 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: 1)A situação revolucionaria de cuba não oferece garantia para um julgamento imparcial do extraditando, nem para que se conceda a extradição com ressalva de se não aplicar a pena de morte. 2) Tradição liberal da América latina na concessão de asilo por motivos políticos. 3) falta de garantias considerada não somente pela formal supressão ou suspensão, mas também por efeito de fatores circunstanciais. 4) a concessão do asilo diplomático ou territorial não impede, só por si, a extradição, cuja procedência e apreciada pelo supremo tribunal e não pelo governo. 5) conceituação de crime político proposta pela comissão jurídica interamericana, do rio de janeiro por incumbência da iv reunião do conselho interamericano de jurisconsultos (Santiago do Chile, 1949), excluindo 'atos de barbaria ou vandalismo proibidos pelas leis de guerra', ainda que 'executados durante uma guerra civil, por uma ou outra das partes'.

3.2. Extradição 419/ ES de 1985

Ext 419 / IT - ITALIA ../jurisprudencia/l Ext<font color=RE

EXTRADIÇÃO Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES Julgamento: 24/04/1985 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: Extradição. Associação internacional para delinqüir organizada e com atuação na Itália ('máfia'). Participação de italiano radicado em território brasileiro. Competência concorrente da jurisdição penal de ambos os países.

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Prevalência da jurisdição penal italiana, por não responder o extraditando a processo ou julgamento pelo mesmo crime no brasil. Extradição deferida.

3.3. Extradição 524/PG de 1990

Ext 524 / PG - PARAGUAI ../jurisprudencia/l Ext<font color=REEXTRADIÇÃO

Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 31/10/1990 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: EXTRADIÇÃO PASSIVA - NATUREZA DO PROCESSO EXTRADICIONAL - LIMITAÇÃO JURÍDICA DOS PODERES DO S.T.F. - INEXTRADITABILIDADE POR DELITOS POLITICOS - COMPROMISSO CONSTITUCIONAL DO ESTADO BRASILEIRO - ASILO POLÍTICO - EXTRADIÇÃO POLITICA DISFARCADA - INOCORRENCIA - DEFICIÊNCIA NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO DE EXTRADIÇÃO - INOBSERVANCIA DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO E DO TRATADO DE EXTRADIÇÃO BRASIL/PARAGUAI - INCERTEZA QUANTO A ADEQUADA DESCRIÇÃO DOS FATOS DELITUOSOS - ONUS PROCESSUAL A CARGO DO ESTADO REQUERENTE - DESCUMPRIMENTO - INDEFERIMENTO DO PEDIDO. O processo extradicional, que e meio efetivo de cooperação internacional na repressão a criminalidade comum, não pode constituir, sob o palio do princípio da solidariedade, instrumento de concretização de pretensões, questionáveis ou censuráveis, que venham a ser deduzidas por estado estrangeiro perante o governo do brasil. São limitados, juridicamente, os poderes do supremo tribunal federal na esfera da demanda extradicional, eis que esta corte, ao efetuar o controle de legalidade do pedido não aprecia o mérito da condenação penal e nem reexamina a existência de eventuais defeitos formais que hajam inquinado de nulidade a persecução penal instaurada no âmbito do estado requerente. A necessidade de respeitar a soberania do pronunciamento jurisdicional emanado do estado requerente impõe ao Brasil, nas extradições passivas, a indeclinável observância desse dever jurídico. - a inextraditabilidade de estrangeiros por delitos políticos ou de opinião reflete, em nosso sistema jurídico, uma tradição constitucional republicana. Dela emerge, em favor dos súditos estrangeiros, um direito público subjetivo, oponível ao próprio estado e de cogência inquestionável. Há. No preceito normativo que consagra esse favor constitutionis, uma insuperável limitação jurídica ao poder de extraditar do estado brasileiro. . - não há incompatibilidade absoluta entre o instituto do asilo político e o da extradição passiva, na exata medida em que o supremo tribunal federal não esta vinculado ao juízo formulado pelo poder executivo na concessão administrativa daquele beneficio regido pelo direito das gentes. Disso decorre que a condição jurídica de asilado político não suprime, só por si, a possibilidade de o estado brasileiro conceder, presentes e satisfeitas as condições constitucionais e legais que a autorizam, a extradição que lhe haja sido requerida. O estrangeiro asilado no Brasil só não será passível de extradição quando o fato ensejador do pedido assumir a qualificação de crime político ou de opinião ou as circunstancias subjacentes a ação do estado requerente demonstrarem a configuração de inaceitável extradição política disfarçada. A perspectiva - inocorrente no caso concreto - de submissão do extraditando a tribunal de exceção, qualquer que seja a

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noção conceitual que se lhe atribua, veja, de modo absoluto, a possibilidade de deferimento do pedido extradicional. A noção de tribunal de exceção admite, para esse efeito, configuração conceitual mais ampla. Além de abranger órgãos estatais criados ex post facto, especialmente instituídos para o julgamento de determinadas pessoas ou de certas infrações penais, com evidente ofensa ao princípio da naturalidade do juízo, também compreende os tribunais regulares, desde que caracterizada, em tal hipótese, a supressão, em desfavor do réu, de qualquer das garantias inerentes ao devido processo legal. A possibilidade de privação, em juízo penal, do due process of law, nos múltiplos contornos em que se desenvolve esse princípio assegurador dos direitos e da própria liberdade do acusado - garantia de ampla defesa, garantia do contraditório, igualdade entre as partes perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processante - impede o valido deferimento do pedido extradicional. . - impõe-se repelir todas as pretensões extradicionais fundadas em pecas processuais cuja desvalia resulte, fundamentalmente,da ausência ou insuficiência descritiva dos fatos delituosos subjacentes ao pedido de extradição. E essencial, especialmente nas extradições instrutorias, que a descrição dos fatos motivadores da persecução penal do estado requerente esteja demonstrada com suficiente clareza e objetividade. Impõe-se, desse modo, no plano da demanda extradicional, que seja plena a discriminação dos fatos, os quais, indicados com exatidão e concretude em face dos elementos vários que se subsumem ao tipo penal, poderão viabilizar, por parte do estado requerido, a analise incontroversa dos aspectos concernentes(a) a dupla incriminação, (b) a prescrição penal, (c) a gravidade objetiva do delito, (d) a competência jurisdicional do estado requerente e ao eventual concurso de jurisdição, (e) a natureza do delito e (f) a aplicação do princípio da especialidade. . O descumprimento desse ônus processual, por parte do estado requerente, justifica e impõe, quer em atenção ao que preceituam as clausulas do tratado de extradição, quer em obsequio as prescrições de nosso direito positivo interno, o integral e pleno indeferimento da extradição passiva. Pedido indeferido.

3.4. HC 81176/AL de 2001

HC 81176 / AL - ALAGOAS HABEAS CORPUS Relator(a): Min. NELSON JOBIM Julgamento: 08/11/2001 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXTRADIÇÃO. PEDIDO DE REFÚGIO E ASILO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO ATO ABUSIVO OU ILEGAL. A L. 9.474/97, art. 34, possibilita a suspensão do processo de extradição, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio. Para tanto, é indispensável que o paciente comprove a efetivação do pedido de refúgio e/ou asilo político. Isso não foi feito. Falta a caracterização do ato abusivo ou ilegal. Requisito constitucional (CF, art. 5º, LXVIII). HABEAS indeferido.

3.5. Segunda Questão de Ordem em Extradição 785/ME de 2001

Ext-QO-QO 785 / ME - MÉXICO SEGUNDA QUEST.ORD. EM EXTRADIÇÃO

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Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Julgamento: 13/09/2001 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: EXTRADIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE REFÚGIO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. LEI Nº 9.474/97, ART. 34. Questão de ordem resolvida no sentido de que o pedido de refúgio, formulado após o julgamento de mérito da extradição, produz o efeito de suspender o processo, mesmo quando já publicado o acórdão, impedindo o transcurso do prazo recursal.

3.6. Reclamação 2069/DF de 2002

Rcl 2069 / AD - ALEMANHA ORIENTAL ../jurisprudencia/l Rcl<font color=RERECLAMAÇÃO

Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 27/06/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. EXTRADIÇÃO. RECLAMAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PERANTE O JUÍZO FEDERAL DE 1º GRAU. I. - Extradição deferida pelo Supremo Tribunal Federal. Processo suspenso, dado que os extraditandos requereram, na forma da Lei nº 9.474/97, a condição de refugiados (Extradições 783-México, 784-México e 785-México). Processando-se, administrativamente, o pedido, impetraram os extraditandos mandado de segurança perante o Juízo de 1º grau. Competência do Supremo Tribunal Federal para o processo e julgamento desse mandado de segurança, dado que as questões relacionadas com a extradição são de sua competência, independentemente da qualidade da autoridade apontada coatora, tratando-se de habeas corpus e de mandado de segurança. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. II. - Reclamação julgada procedente.

3.7. Agravo Regimental nos autos apartados da Extradição 783/ME de 2002

Ext-autos apartados-AgR 783 / ME - MÉXICO AG.REG.NOS AUTOS APARTADOS DA EXTRADIÇÃO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 26/06/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: PROCESSUAL PENAL. EXTRADIÇÃO: PRESO: TRANSFERÊNCIA. I. - Extraditanda presa, à disposição do Supremo Tribunal Federal, com filho recém-nascido: sua transferência do hospital, onde fora internada, a fim de receber assistência médica por ocasião do parto, para local adequado, tendo em vista a sua condição de mulher com filho recém-nascido. Impossibilidade do deferimento de liberdade vigiada, prisão domiciliar ou prisão-albergue: Lei 6.815/80, art. 84, parág. único. II. - Prisão domiciliar já indeferida pelo Plenário: Ext. 783-México, Plenário, 28.11.2001. III. - Legitimidade constitucional do art. 84, parág.único, da Lei 6.815/80, e da prisão preventiva para extradição: STF, Ext. 785-México, e HC 80.993-RJ, Ministro Néri da Silveira, "DJ" de 05.10.2001 e 26.10.2001. IV. - Agravo não provido.

3.8. HC 83501/DF de 2003

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HC 83501 / DF - DISTRITO FEDERAL HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 29/10/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. EXTRADIÇÃO: PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE. I. - Caso em que, deferida a extradição, ficou suspenso o processo em razão de pedido de refúgio formulado pelos extraditados, suspensão que decorre da lei que regula o pedido. Resolvido este, foram interpostos embargos de declaração que impediram a entrega do extraditando ao Estado requerente. II. - Interrupção da prescrição, pela lei estrangeira, com a prisão do extraditando. III. - H.C. indeferido.

3.9. Embargos Declaratórios na Extradição 785/ME de 2003

Ext-ED-ED 785 / ME - MÉXICO EMB.DECL.NOS EMB.DECL.NA EXTRADIÇÃO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 20/08/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EXTRADIÇÃO: PRESCRIÇÃO. I. - Admitem-se embargos de declaração de acórdão que resolve embargos de declaração, se ocorrentes, neste último, os pressupostos dos embargos. Não cabimento de embargos de declaração de acórdão que resolve embargos de declaração, se tem por objeto o acórdão que decidiu a causa. II. - A prescrição é analisada quando do julgamento do pedido de extradição. III. - Embargos de declaração não conhecidos.

4. Tratam de relaxamento de prisão para extradição quando feitas solicitaçoes

de refúgio:

4.1. HC 81127/DF de 2001

HC 81127 / DF - DISTRITO FEDERAL HABEAS CORPUS Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES Julgamento: 28/11/2001 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PARA FINS DE EXTRADIÇÃO. PEDIDO DE REFÚGIO, PERANTE O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA: SUSPENSÃO DO PROCESSO EXTRADICIONAL, SEM DIREITO, PORÉM, DO EXTRADITANDO, À PRISÃO DOMICILIAR. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 34 E 22 DA LEI N° 9.474, DE 22.07.1997, EM FACE DO ART. 84 DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. "HABEAS CORPUS". 1. Dispõe o art. 34 da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências: "Art. 34. A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio." E o art. 22: "Enquanto estiver pendente o processo relativo à solicitação de refúgio, ao peticionário será aplicável a

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legislação sobre estrangeiros, respeitadas as disposições específicas contidas nesta Lei." 2. E o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, modificada pela Lei nº 6.964, de 9 de dezembro de 1981), regula a extradição do estrangeiro e sua prisão para tal fim (artigos 76 a 94). E no art. 84 esclarece: "Art. 84. Efetivada a prisão do extraditando (artigo 81), o pedido será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. Parágrafo único. A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue." Atento a essa expressa disposição, o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente recusado, durante o processo de extradição, a liberdade vigiada, a prisão domiciliar e a prisão albergue. 3. E não há, na Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, qualquer disposição no sentido de propiciar tais benefícios, sendo certo que, nos termos do artigo 33, somente o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio. Assim, se vier a ser indeferido o pedido de refúgio, nada obsta o prosseguimento do processo extraditório, para o qual é indispensável a manutenção do extraditando, na prisão, sempre sem direito à liberdade vigiada, à prisão domiciliar e à prisão albergue. 4. Não se vislumbrando, assim, qualquer ilegalidade na prisão questionada, inclusive enquanto se processa, no Ministério da Justiça, o pedido de refúgio, é de se indeferir o pedido de "Habeas Corpus", cassada, em conseqüência, a medida liminar, devendo, pois, o extraditando ser reencaminhado à prisão em que se encontrava, à disposição desta Corte. 5. "H.C." indeferido, cassada a liminar. Decisão unânime.

4.2. Agravo Regimental e Segunda Questão de Ordem em Extradição 783/ME de 2001

Ext-AgR 783 / ME - MÉXICO AG.REG.NA EXTRADIÇÃO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 27/11/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: PROCESSUAL PENAL. EXTRADIÇÃO: PRISÃO. PRISÃO DOMICILIAR: IMPOSSIBILIDADE. I. - Extraditanda presa, à disposição do Supremo Tribunal Federal: impossibilidade de prisão domiciliar, já indeferida, aliás, pelo Plenário: EXT 783/México, Plenário, 28.11.01; EXT. 783-AgR/México, Plenário, 26.6.2002. II. - Legitimidade constitucional do art. 84, parágrafo único , Lei 6.815/80, e da prisão preventiva para extradição: STF, EXT 785/México; HC 80 .993/RJ, Ministro Néri da Silveira, "DJ" de 05.10.2001 e 26.10.2001; EXT 783-AgR/México, Plenário, 26.6.2002. III. - Agravo não provido.

Ext-QO-QO 783 / ME - MÉXICO SEGUNDA QUEST.ORD. EM EXTRADIÇÃO Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Relator(a) p/ Acórdão: Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 28/11/2001 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: EXTRADIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. LEI Nº 6.815/80, ART. 84, PARÁGRAFO ÚNICO. Ainda que o processo de extradição esteja suspenso por

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força do disposto no art. 34 da Lei nº 9.474/97, inviável a revogação da prisão preventiva para extradição, bem como a concessão de prisão domiciliar, por expressa vedação constante do parágrafo único do art. 84 da Lei nº 6.815/80. Pedido indeferido.

4.3. Segunda Questão de Ordem em Extradição 784/ME de 2001

Ext-QO-QO 784 / ME - MEXICO SEGUNDA QUEST.ORD. EM EXTRADIÇÃO Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Relator(a) p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM Julgamento: 28/11/2001 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: EXTRADIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXTRADIÇÃO. REFÚGIO. POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA SUSPENSÃO À PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO DOMICILIAR. INDEFERIMENTO. A prisão do extraditando deverá perdurar até o julgamento final do processo de extradição, não se admitindo liberdade vigiada ou prisão domiciliar (art. 84, parágrafo único, da Lei 6.815/80). Entretanto, a incidência do art. 34 da Lei 9.474/97, que determina a suspensão do processo de extradição em caso de apresentado pedido de refúgio, altera características típicas do processo extradicional. Na hipótese de ocorrer a suspensão do processo, viabiliza-se um juízo do Tribunal no sentido de verificar a conveniência, ou não, de se conceder prisão domiciliar, prisão albergue ou liberdade vigiada. No presente caso, estando o pedido de refúgio também suspenso por decisão judicial obtida pelo próprio extraditando e considerando que o pedido de extradição já foi deferido pelo Supremo Tribunal Federal, nada aconselha a suspensão de prisão preventiva para o ato extradicional. Questão de ordem resolvida para indeferir os pedidos de revogação da prisão preventiva e de concessão da prisão domiciliar.

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Anexo I

Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça

1)PROCESSO : HC 36033 UF:DF REGISTRO: 2004/0080104-3 - HABEAS CORPUS AUTUAÇÃO : 03/06/2004 IMPETRANTE : SÍLVIO DE MAGALHÃES CARVALHO JÚNIOR IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA RELATOR(A) : Min. FRANCISCO FALCÃO - PRIMEIRA SEÇÃO ASSUNTO : Administrativo - Ato LOCALIZAÇÃO : Entrada em SEÇÃO DE DOCUMENTOS JUDICIÁRIOS em 08/04/2005. EMENTA: HABEAS CORPUS. REFÚGIO POLÍTICO. INADEQUAÇÃO DA HIPÓTESE AO TEOR DA LEI Nº 9474⁄97.I - O paciente não se enquadra no conceito de refugiado político, porquanto segundo as informações não sofre qualquer ameaça, sendo certo que a localidade de que é egresso em Angola não é considerada localidade de risco.II - O temor em prestar serviço militar não é fundamento apto à concessão de refúgio político.III - Habeas corpus denegado. 2) PROCESSO : HC 32622 UF:DF REGISTRO: 2003/0232856-9 - HABEAS CORPUS AUTUAÇÃO : 12/12/2003 IMPETRANTE : JUAN BERNABEU CÉSPEDES IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA RELATOR(A) : Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI - PRIMEIRA SEÇÃO ASSUNTO : Administrativo - Ato LOCALIZAÇÃO : Entrada em SECRETARIA DE DOCUMENTAÇÃO em 17/05/2004. EMENTA: HABEAS CORPUS. ASILO POLÍTICO. LEI Nº 9.474⁄97. DEPORTAÇÃO. 1. É inviável a apreciação em habeas corpus de aspectos do

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procedimento de deportação como a concessão de passagem para o país de destino e a isenção de multa no Brasil.2. Ordem denegada. 3) PROCESSO : MS 12212 UF: DF REGISTRO: 2006/0194834-1 c)MANDADO DE SEGURANÇA Nº 12.212 - DF (2006⁄0194834-1). AUTUAÇÃO : 11/09/2006 IMPETRANTE : LEONARDO ABEL SINÓPOLI AZCOAGA IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA RELATOR(A) : Min. ELIANA CALMON - PRIMEIRA SEÇÃO ASSUNTO : Administrativo - Ato LOCALIZAÇÃO : Saída para SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL em 13/06/2007. EMENTA: PROCESSO CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO LIMINARMENTE – MANUTENÇÃO DA DECISÃO. 1. A impetração, idêntica a duas outras, não contém fundamento algum que lastreie a alegação de nulidade do ato administrativo. 2. Ato administrativo que refutou o pedido de declaração de refugiado, por não se enquadrar o interessado nas hipóteses do art. 1º da Lei 9.474⁄94 (previsão em números clausus). 3. Agravo regimental improvido.

Anexo J

Matéria jornalística sobre a situação dos refugiados no Brasil

Busca de autonomia é desafio para reassentados palestinos, diz coordenadora de ONG Cláudia Andrade, em Brasília, 28 jun. 2008, às 7h, in http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/06/28/ult5772u204.jhtm

A ONG Asav (Associação Antônio Vieira) faz o atendimento aos palestinos que vivem no Rio Grande do Sul. O trabalho, que é feito em parceria com Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados no Brasil (Acnur), foi alvo de críticas por parte de um grupo de refugiados que quer deixar o país. Para a coordenadora da ONG, a mudança não vai, necessariamente, ajudar no processo de integração. "Essa transição de uma vida de assistência, que é a que tinham no campo, para uma vida de autonomia, é difícil", diz Karin Kaid Wapechowski.

No final do ano passado, um grupo de 107 palestinos veio ao Brasil, depois de passar quatro anos em um campo de refugiados na Jordânia. Eles tiveram de deixar Bagdá após a queda de Saddam Hussein, por sofrerem perseguições. Oito deles estão acampados há mais de um mês em Brasília, em protesto para tentar deixar o Brasil. Um dos integrantes do grupo, Ahmad Mustafa, diz que os membros da ONG não estavam disponíveis quando ele precisou. "Não querem nos ouvir", reclama. Karin responde admitindo que os refugiados "ressentem muito um acompanhamento 24 horas" da ONG. "Mas o objetivo não é este", explica. "A idéia é ajudar no processo de desenlace da vida de assistência, senão pode piorar a situação de dependência. Mas é um processo dolorido, porque o refugiado chega em uma situação de vulnerabilidade muito grande."

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Para a coordenadora, é preciso que os refugiados "tomem iniciativas próprias" e se adaptem à realidade brasileira. "Talvez, se eles fossem morar na Suécia, não vão precisar trabalhar o resto da vida, porque o governo de lá tem um fundo para sustentá-los. O Brasil oferece liberdade e autonomia, mas tem que trabalhar. Eles passaram quatro, cinco anos numa vida informação, ou dentro ou fora do campo, e têm que passar a cumprir horário, assumir um compromisso do começo ao fim, entrar numa rotina formal. Este é o desafio." Segundo ela, o período de dois anos em que fazem parte do programa de reassentamento "deve ser usado na busca por esta autonomia." "Digo para eles aproveitarem para estudar, aprender o português. Mas muitos deles não têm escolaridade em sua origem, são analfabetos, e fica difícil aprender", diz. Agentes locais voluntários fazem visitas aos refugiados, que moram em Santa Maria, Venâncio Aires, Sapucaia e Pelotas, de acordo com Karin. A coordenadora diz ainda que todos passaram por um check up quando chegaram ao Estado. "Eles ficaram em uma casa de retiro em Porto Alegre, com refeições, e depois foram para suas cidades com um levantamento mínimo de suas necessidades de saúde. Recebem os medicamentos conseguidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e o que compramos também". Em relação ao mercado de trabalho, ela conta que a maior oferta vem da própria comunidade palestina que mora na região. "A maioria das vagas estão no comércio e na construção civil. Mas, talvez, eles achem que o trabalho não está à altura de sua expectativa", pondera. A escolha de cidades menores para reassentar os refugiados é proposital, explica a coordenadora. "É para evitar a impessoalidade da cidade grande. Uma cidade menor tem mais possibilidade de acolher bem o refugiado." Sem sustentação O porta-voz do Acnur no Brasil, Luiz Fernando Godinho, afirma que as demandas dos refugiados que estão acampados em Brasília "não é sustentável." "As demandas que estão colocando são perfeitamente aceitáveis e negociáveis dentro do programa brasileiro de reassentamento. E ao mesmo tempo, não justificam um novo reasentamento", avalia. Questionado sobre o contato com os acampados, Godinho diz que "o diálogo não foi suspenso em nenhum momento". "Eles estão na nossa calçada, temos contato todos os dias. Temos que resolver o problema deles demonstrando que essa atitude não resolve". Como alternativas, o porta-voz cita a possibilidade de os palestinos morarem em outros locais, que sejam administrados por organizações não-governamentais diferentes. "Um deles, por exemplo, recebeu uma oferta de emprego no interior de Goiás", conta. A maioria dos refugiados que vieram ao Brasil moram atualmente no Rio Grande do Sul e em São Paulo (Mogi das Cruzes). Procurado pela reportagem do UOL , o Ministério da Justiça informou, por meio de sua

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assessoria de imprensa, que "o que o Brasil podia fazer pelos refugiados já foi feito" e que "não pode obrigar nenhum outro país a recebê-los". Um órgão vinculado ao ministério, o Conare (Comitê Nacional para Refugiados), tem, entre suas atribuições, a análise de pedidos de reconhecimento da condição de refugiado. Segundo Godinho, o plano para os que estão acampados em Brasília é convencê-los a permanecer no país. "Eles estavam em um campo de refugiados na Jordânia totalmente inviável. A ONU fez um esforço para reassentá-los. Eles já chegam ao Brasil com a documentação pronta: carteira de trabalho, CPF, identidade de estrangeiro, além de acesso à saúde e educação públicas. Recebem auxílio financeiro por dois anos, com piso de R$ 350 - para um solteiro sozinho -, mais o aluguel da casa com mobília e eletrodomésticos, que é paga pela comunidade internacional", enumera.

Anexo K

Relatório do Conselho Canadense para os Refugiados, de 31 de dezembro de 2007 (por correio eletrônico)

[CCRLIST] IRB statistics 2007/Statistiques de la CISR 2007

From: Canadian Council for Refugees ([email protected]) on behalf of Janet Dench ([email protected])

You may not know this sender.Mark as safe|Mark as unsafe

Sent: Monday, April 28, 2008 2:13:38 PM Reply-to:

Janet Dench ([email protected])

To: [email protected]

Immigration and Refugee Board Statistics for 2007 Decisions of Refugee Protection Division 13,826 refugee claims were finalized 5,885 (43%) were positive 5,423 (39%) were negative 735 (5%) were declared abandoned 1,779 (13%) withdrew or were otherwise resolved Given the continuing problems at the IRB because of the government failure to fill member vacancies, it is no surprise to see the number of claims finalized has grown ever lower: 13,826 in 2007 19,828 in 2006 27,212 in 2005 40,408 in 2004 42,477 in 2003

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As a result, the number of claims pending at year end continues to rise, with the backlog starting to climb back to the levels that created such problems five years ago. Claims pending year end: 37,513 end 2007 23,476 end 2006 20,552 end 2005 27,290 end 2004 41,575 end 2003 52,761 end 2002 The number of referrals also grew. In 2007, there were 27,865 claims to the IRB, bringing the number back to pre-safe third levels. 27,865 claims referred in 2007 22,873 claims referred in 2006 20,786 claims referred in 2005 25,750 claims referred in 2004 The acceptance rate has gone down since 2006: 43% claims accepted in 2007 47% claims accepted in 2006 44% claims accepted in 2005 40% claims accepted in 2004 42% claims accepted in 2003 The percentage of withdrawn claims has gone up dramatically - from 7% in 2006 to 13% in 2007. The percentage of hearings that end in a positive decision remains stable (i.e. not counting abandoned and withdrawn). In 2007, claims decided at a hearing had a 52% chance of being accepted (53% in 2006, 50% in 2005, 45% in 2004). Regional acceptance rates (as a percentage of total claims finalized) for 2007 were as follows: Eastern region: 35% (48% in 2006) Central region: 48% (47% in 2006) Western region: 35% (41% in 2006) When we look only at claims decided at a hearing (i.e. not counting abandoned and withdrawn), regional acceptance rates also show that the regional variance has increased since 2006. Eastern region: 44% (53% in 2006) Central region: 58% (54% in 2006) Western region: 43% (49% in 2006) The top 20 countries, by number of decisions finalized, were as follows (with

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acceptance rate for 2007, followed, for comparison purposes, by rates for 2006 and 2005): 1. Mexico 10% (down from 28% in 2006, 19% in 2005) 2. China 65% (up from 49% in 2006, (48% in 2005) 3. Colombia 78% (similar to 77% in 2006, 79% in 2005) 4. Sri Lanka 88% (up from 73% in 2006, 67% in 2005) 5. Pakistan 49% (up from 46% in 2006, 40% in 2005) 6. India 12% (down from 35% in 2006, 25% in 2005) 7. Nigeria 44% (up from 40% in 2006, 41% in 2005) 8. Zimbabwe 67% (up from 65% in 2006, 78% in 2005) 9. Congo, DR 63% (same as 63% in 2006, 61% in 2005) 10. Haiti 49% (down from 53% in 2006, 58% in 2005) 11. Burundi 82% (not in last year’s top 20 - also 82% in 2006) 12. USA 5% (3% in 2006) 13. Israel 17% (similar to 18% in 2006, 31% in 2005) 14. Turkey 30% (down from 43% in 2006, 57% in 2005) 15. Afghanistan 69% (not in last year’s top 20 - 82% in 2006) 16. Ethiopia 79% ( not in last year’s top 20 - 71% in 2006) 17. St.Vincent 27% (down from 36% in 2006, 37% in 2005) 18. Albania 53% (similar to 52% in 2006, 48% in 2005) 19. El Salvador 42% (not in last year’s top 20 - 33% in 2006) 20. Somalia 81% (not in last year’s top 20 - 69% in 2006) Note that the top country, Mexico, by itself makes up 26% of the claims finalized in 2007. The next three biggest countries, China, Colombia and Sri Lanka, make up 8%, 7% and 6% respectively. Given the concerns about IRB scheduling priorities which seemed to favour some countries over others, it might be interesting to compare rates of finalization by country. To do this, we can look at the numbers by country finalized in 2007 as a percentage of the pending claims from that country at the end of 2006. Among the top 10 countries, we see a wide variation, from 75% for Mexico and Sri Lanka at the top end, to 37% at the bottom end for Haiti. This means that, by the end of 2007, most Mexicans and Sri Lankans with claims pending at the end of 2006 had had their claims finalized, while most Haitians in that situation were still waiting for finalization. These statistics are prepared by CCR for its members from data provided by IRB. Please use for internal purposes only. Any media inquiries about statistics should be referred to the IRB. -- Janet Dench Canadian Council for Refugees Conseil canadien pour les réfugiés 6839 Drolet #302 Montréal, Québec, H2S 2T1 514-277-7223 (x 2) Fax 514-277-1447 [email protected] www.ccrweb.ca

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Anexo L

Lista de algumas Organizações sem Fins Lucrativos que lidam com refugiados em Toronto

1. Access Alliance Multicultural Community Health Centre, 1989 (Centro de Saúde Comunitário Multicultural Aliança de Acesso) [email protected] Funcionários: 46 Voluntários: 40 Clientes: imigrantes e refugiados Serviços básicos: treinamento do idioma, organização comunitária, advocacia, informação pública, interpretação, serviços de cuidados de saúde primário, programas de educaçao para diabetes, programas para recém-chegados. Áreas de competências especiais: serviço de saúde para for imigrantes e refugiado, trabalho com não documentados, serviços de interpretação. 2. Afghan Women’s Counseling Integration Community Support Organization,

1990 (Organização de Apoio Comunitário, Integração e Aconselhamento para Mulheres Afegãs)

[email protected] Funcionários: 61 Voluntários: 150 Clientes: famílias afegãs (mulheres, crianças, jovens e idosos) Serviços básicos: acompanhamento, aconselhamento, emprego, formação lingüística, organização comunitária, análise política, defesa de eventos sociais, informações públicas, patrocínio, tradução, patrimônio lingüístico. Áreas de competências especiais: cursos de línguas, serviços de liquidação.

en

3. African Canadian Legal Clinic, 1994 (Clínica Legal africano-canadense) Funcionários: 6 Voluntários: 1-4 Clientes: Africano-canadenses Serviços básicos: Análise política, defensoria pública, informação, serviços jurídicos.

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Áreas de competências especiais: litígios em casos contra racismo e discriminação. 4. Amnesty International, 1961 (Anistia Internacional) [email protected] Funcionários: 2 (em refugiado programa) Voluntários: 40 Clientes: Refugiados Serviços básicos: Análise política, defesa de informação pública. Áreas de competências especiais: documentação de violações dos direitos humanos Internacionais 5. Anglican United Refugee Alliance, 1988 (Aliança de Refugiados Unidos

Anglicanos) [email protected] Funcionários: 2 Voluntários: 6 Alvo: patrocinar grupos/igrejas e refugiados no estrangeiro, em necessidade de reinstalação. Serviços básicos: patrocínio, informação pública, advocacia Áreas de formação especial: facilitar o patrocínio privado dos refugiados programa. 6. Becoming Neighbours – Joint Apostolic Ministry (Tornando-se Vizinhos – Ministério Apostólico Unido) 7. Bloor Information and Life Skills Centre, 1971 (Centro de Informações e de Habilidades de Vida Bloor) [email protected] Funcionários: 11 Clientes: pessoas que necessitam de ajuda de diversos grupos da comunidade. Os serviços básicos: informação pública, defesa de emprego, aconselhamento, organização comunitária, interpretação, informação, encaminhamento. Áreas de competências especiais: trabalho e prontidão à procura de emprego e habilidades são prioridades; há aumentado o treinamento para os indivíduos e as famílias. 8. Canadian Centre for Victims of Torture,1977 (Centro Canadense para Vítimas de Torturas) [email protected] Funcionários :25 Voluntários:210 Clientes: sobreviventes da tortura e das vítimas de guerra. Serviços básicos: Acompanhamento, aconselhamento, emprego, formação lingüística, organização comunitária, os serviços jurídicos: a saúde mental, a análise política, eventos sociais, informações públicas, instrução da comunidade. Áreas de competências especiais: stress pós-traumático, desordem, crianças, ensino da língua para a sobrevivência. 9. Canadian Friends Service Committee-Quaker Committee for refugees, 1931 (Comitê de Serviços dos Amigos Canadenses – Comitê Quaker para os Refugiados) [email protected] Funcionários: 6 Voluntários: 50 + Clientes: Refugiados e os novos imigrantes Serviços básicos: Liquidação Aconselhamento, informação pública, eventos sociais Áreas de competências especiais: serviços de acomodação.

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10. Caw Canada – Human Rights Department, TCA Canada (Canadá Caw – Departamento de Direitos Humanos) [email protected] Serviços básicos: advocacia. 11. Centre for Refugee Studies York University, 1981 (Centro para Estudos de Refugiados da Universidade de York) [email protected] Funcionários:2 Serviços básicos: Análise política, informação pública, pesquisa e comunicação. Áreas de formação especial: asilo de políticas e práticas do Canadá; asilo de necessidades globais, as práticas nacionais e internacionais de partilha de encargos; refugiado e diásporas e as suas comunidades internas, relações internacionais e transnacionais; implementação da paz, do retorno, de reconciliação, reconstrução e reintegração; globalização, desenvolvimento, ambiente, conflito; soberania, a intervenção humanitária e de conflito civil. 12. Centre for Spanish-Speaking People (Centro para pessoas que falam espanhol) [email protected] 13. Citizen for Public Justice (C.P.J.) 1963 (Cidadão pela Justiça Pública) [email protected] Funcionários: 9 Voluntários: 2-3, numa base regular, Cliente: cidadãos que precisam de orientação relativa a justiça social. Serviços básicos: análise política, defesa de informação pública. Áreas de formação especial: advocacia do trabalho sobre questões refugiado. 14. Community Legal Education Ontario (Educação Legal Comunitária de Ontário) [email protected] 15. COSTI Immigrant Service, 1952 (Serviço de imigrantes COSTI) [email protected] Funcionários: 200 Voluntários: 170 Clientes: Todos os imigrantes e refugiados, comunidades e pessoas que necessitam de assistência. Serviços básicos: acomodação, aconselhamento, emprego, formação lingüística, tradução, abrigos de oportunidades para refugiados, reabilitação, especializada serviços de emprego para os indivíduos treinados internacionalmente, bem como a informação e encaminhamento para os serviços apropriados. Análise política, defensoria pública, informação, acompanhamento, emprego, organização comunitária, serviços jurídicos: a saúde mental, eventos sociais, informações públicas, instrução para a comunidade. Áreas de formação especial: Treino adaptação para trabalhadores e recém-formados, agências, serviços de emprego, formação lingüística. 16. FCJ Refugee Centre, 1991 (Centro de Refugiados FCJ) [email protected] Funcionários: 7 Voluntários: 25

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Clientes: Refugiados reclamantes e pessoas sem status. Serviços básicos: acompanhamento, aconselhamento, serviços jurídicos, advocacia, informação pública, tradução. Áreas de formação especial: determinação em processo de refugiados, refugiados reclamantes, acomodação e refúgio para as mulheres requerentes. 17. Inter Clinic Immigration Working Group (I.C.I.W .G.) (Grupo de Trabalho de Imigração Entre-Clínicas) [email protected] Clientes: seus membros trabalham em clínicas que atendem a população de baixa renda que vive em bacias hidrográficas. Serviços básicos: Trata-se de uma rede de agentes que se encontram na clínica para compartilhar informações e advogar em questões que afetam as suas comunidades. 18. Jesuit Refugee Service Canada, 1983 (Serviço de Refugiados Jesuítas do Canadá) [email protected] Funcionários: 1 Clientes: Refugiados reclamantes e recém-chegados. Serviços básicos: acompanhamento, acomodação, aconselhamento, advocacia, formação lingüística, eventos sociais, informações públicas, patrocínio, aspectos religiosos de refugiado cuidado, acampamento de verão para refugiados. 19. Jewish Immigrant Aid Services of Canada (JIAS), 1922 (Serviços de Auxílio aos Imigrantes Judeus do Canadá) [email protected] Funcionários: 22 Voluntários: 15 Clientes: judeus refugiados e imigrantes Serviços básicos: Acomodação, aconselhamento, formação lingüística, organização comunitária, defesa de patrocínio, pré-consultoria e assessoria para migração, integração e programação. 20. KAIROS: Canadian Ecumenical Justice Initiatives Refugees and Migration Program, 2001 (Programa de Iniciativas de Justiça Ecumênica Canadense para Migrantes e Refugiados) [email protected] Funcionários: 22 Voluntários: 15 Clientes: judeus refugiados e imigrantes Serviços básicos: Acomodação, aconselhamento, formação lingüística, organização comunitária, defesa de patrocínio, pré-consultoria e assessoria em migração, integração e programação. 21. Matthew House, 1998 (Casa Matthew) [email protected] Funcionários: 5 Voluntários: 50 Clientes: reclamantes refugiados recém-chegados. Serviços básicos: aconselhamento, eventos sociais, informações públicas favoráveis à habitação: a casa Mathew pode acomodar até 12 habitantes / refugiados em um dado momento. A permanência média é de 1-2 meses, cujo período faz com que se sintam confortáveis e com tempo suficiente para encontrar o seu próprio alojamento. Antigos

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moradores ficam em contato e recebem assistência, quando necessário. Áreas de conhecimentos específicos: auxiliar refugiados recém-chegados, reclamantes com suporte moradia, assistência e de acomodação. 22. Mennonite New life Centre of Toronto, 1983 (Centro Nova Vida Mennonite de Toronto) [email protected] Funcionários: 18 Voluntários: 50 Clientes: Refugiados e imigrantes. Croata, sérvio, bósnio e pessoas que falem espanhol. Serviços básicos: Acompanhamento, aconselhamento liquidação, eventos sociais, informação ao público, organização comunitária, defesa de patrocínio. Ajuda mútua entre grupos. Áreas de competências especiais: Cruzamento-cultural de serviços, luto / vida. Transição de serviços e de patrocínios da Igreja. O reagrupamento familiar esforços através de patrocínios privados e / ou grupo de 5. 23. Midaynta Community Services, 1995 (Serviços Comunitários Midaynta) Funcionários: 29 Voluntários: 155 Clientes: comunidades iniciantes. Serviços básicos: acompanhamento, acomodação, aconselhamento, emprego, organização comunitária, defesa de informação pública, tradução, serviços jurídicos, eventos sociais. Áreas de formação especial: pedidos de refugiados do Leste Africano, mulheres refugiadas e reagrupamento familiar. 24. Neighbourhood Legal Services (Serviços Legais para a Vizinhança) 25. Northwood Neighbourhood Services, 1982 (Serviços para a Vizinhança de Northwood) [email protected] Funcionários: 20 Voluntários: 145 Clientes: recém-chegados, idosos, adultos, jovens e crianças. Serviços básicos: resolução aconselhamento, advocacia, eventos sociais, informações públicas, emprego, formação lingüística, tradução. Áreas de formação especial: serviços de liquidação para os adultos, jovens, crianças e idosos, a violência contra as mulheres. 26. OCASI Ontario Council of Agencies Serving Immigrants, 1978 (Conselho de Agências a Serviço de Imigrantes de Ontário) [email protected] Funcionários: 21 Voluntários: 2-4 Clientes: comunidades voltadas para imigrantes e de agências que servem refugiados. Serviços básicos: Análise Política, representação, informação pública, organização comunitária. Áreas de formação especial: Formação e desenvolvimento do setor. 27. Parkdale Community Legal Services, 1971 (Serviços Legais Comunitários Parkdale) Funcionários: 20 Voluntários: 20 (estudantes do direito PCLS clínica direito programa) Clientes: como somos uma clínica do direito da pobreza, nós ajudamos membros de

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baixa renda da Comunidade Parkdale em Toronto, com questões jurídicas em nossa área de especialização. Também realizamos reuniões públicas de educação, da campanha de reforma legislativa e sensibilização da comunidade e do desenvolvimento. Serviços básicos: serviços jurídicos, advocacia. Áreas de formação especial: imigração e de direito dos refugiados, a assistência social. 28. Primate’s World Relief and Development Fund (PWRDF), 1959 (Fundo para o Desenvolvimento e para o Auxílio Mundial do Primata) [email protected] Funcionários: 2 Voluntários: 25 Clientes: refugiados, no Canadá e no estrangeiro. Serviços básicos: Advocacia, informação pública, análise política, financiamento de projetos no exterior. Áreas de formação especial: situações de refúgio no exterior. 29. Refugee Law Office, 1994 (Escritório de Direito de Refugiados) Funcionários: 10. Clientes: Refugiados reclamantes. Serviços básicos: serviços jurídicos, advocacia, informação pública. 30. Rexdale Community Legal Clinic, 1976 (Clínica Legal Comunitária Rexdale) Funcionários: 8 Voluntários: 13 Clientes: pessoas de baixa renda no Norte de Etobicoke. Os serviços básicos: serviços jurídicos, análise política, defesa de informação pública Áreas de formação especial: somalis. 31. Roma Community Centre (Centro Comunitário Roma) [email protected] 32. Romero House, 1991 (Casa Romero) [email protected] Funcionários: 10 Voluntários: 25. Clientes: Refugiados reclamantes. Serviços básicos: Acompanhamento, liquidação aconselhamento, emprego, formação lingüística, organização comunitária. Áreas de formação especial: acompanhamento, baseada na comunidade de rede e de apoio. 33. Sojourn House, 1989 (Casa Sojourn) Funcionários: 16 Voluntários: 40 + Alvo cliente grupo: reclamantes refugiados recém-chegados. Serviços básicos: acompanhamento, defesa de liquidação aconselhamento, de curto equipe housinglegal ajuda, advogados, os serviços de saúde, escolas, etc 34. South Etobicoke Community Legal Services, 1985 (Serviços Legais Comunitários de Etobicoke do Sul) Funcionários: 5 Voluntários: 20 Cliente: baixa renda residentes do sul Etobicoke. Serviços básicos: Serviços Jurídicos. Áreas de formação especial: inquilinato, assistência social, direitos do trabalhador, alguns refugiados e de imigração.

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35. Southern Ontario Sanctuary Coalition, 1993 (Coalisão Santuário de Ontário do Sul) [email protected] Voluntários: 12 Clientes: refugiados recusados por ordens de deportação ou remoção. Serviços básicos: Análise política, defesa de informação pública. 36. St. Joseph’s Women Health Centre, 1989 (Centro de Saúde da Mulher São José) Funcionários: 15 Voluntários: 6 Clientes: mulheres com idade superior a 16 são elegíveis para os nossos serviços. A prioridade é dada às mulheres que enfrentam vários obstáculos (tais como a pobreza, a questões de mobilidade, língua, filiação sexual ou cultural, isolamento social, sem teto, e estigma: doenças psiquiátricas). Serviços básicos: Advocacia, organização comunitária, serviços da mulher e da criança; prevenção de abusos da mulher; terapia individual e de aconselhamento para as mulheres; grupo de aconselhamento, advocacia e colaboração. 37. The Presbiterian Church in Canada, 1875 (Igreja Presbiteriana no Canadá) [email protected] Funcionários: 8 Voluntários: congregação local através do Canadá. Clientes: Grupos Constituintes ou grupos de apoio (congregações da Igreja Presbiteriana do Canadá). Serviços básicos: acompanhamento, defesa de patrocínio, informação pública. 38. The Salvation Army, 1865 (O exército da Salvação) [email protected] Funcionários: 1 a delegação nacional; 7 a GTA escritório Voluntários: membros das igrejas locais; membros da comunidade; 11 GTA escritório. Clientes: recém-chegados, refugiados, refugiados requerentes. Serviços básicos: patrocínio, a acomodação, aconselhamento, formação lingüística e de emprego, defesa, atendimento espiritual e religioso. Áreas de formação especial: ajuda de emergência, abrigos, serviços de abrigo, de patrocínio. 39. Thorncliffe Neighbourhood Office (Escritório para a Vizinhança Thorncliffe) [email protected] Conselho dos Assuntos de Refugiados de Toronto (TRAC) Funcionários: 1 (tempo parcial) Voluntários: 7 Clientes: agências comunitárias com base na maior área de Toronto, prestando assistência aos refugiados e imigrantes. Serviços básicos: advocacia, informação pública, proporciona um fórum para a troca de informações entre os organismos e fora dela. 40. Working Women Community Centre (Centro Comunitário para Mulheres Trabalhadoras) [email protected] 41. World Vision Reception Centre, 1989 (Centro de Recepção Visão Mundial)

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[email protected] Funcionários: 20 Voluntários: 50 Clientes: Refugiados reclamantes. Serviços básicos: Divulgação apoio, aconselhamento, acomodação. Defensoria, patrocínio, tradução.

Apêndice A

Entrevista realizada com a então advogada do Centro de Acolhida para Refugiados da CASP, Dra. Liliana Jubilut

Re: duvida: status de refugiado x residencia legal

From:Liliana Jubilut ([email protected])

Sent: Wednesday, September 26, 2007 5:13:46 PM

To: andrea pacifico ([email protected])

Oi Andrea! No Brasil, o refugiado pode pedir a permanencia após 6 anos do seu reconhecimento como refugiado e após mais 6 anos de permanência pode pedir a naturalizacao. Caso ele peça a permanência, ele fica com as duas condições: de refugiado e de permanente, isso porque a condição de refugiado deveria ser temporária, mas somente é "retirada" pela aplicação da cláusula de cessação - que por sua vez só é aplicada se há alteração positiva na situação objetiva do país de origem- o que, na prática, nunca vi acontecer no Brasil. Assim, é possivel que ele fique com as 2 condições. Acho que isso responde sua duvida, mas, se não, por favo,r me avise! Bjs Liliana

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Apêndice B

Entrevista realizada com a coordenadora do Centro de Acolhida para os Refugiados da CASP, Dra. Cezira Furtim, e com a então advogada, Dra. Liliana

Jubilut, que responderam as perguntas conjuntamente.

1. Endereço: Rua Venceslau Bras, 78, 2º andar, Centro, Sao Paulo, SP, CEP 01016000.

2. Que tipo de programas oferece/possui?

a) Assistência- trata das necessidades básicas dos solicitantes de refúgio e dos refugiados, como alimentação, moradia, saúde, documentação.

Para alimentação há a possibilidade de encaminhamento para almoço no SESC com desconto, para projetos do governo (como o Bom Prato) e doação de cestas básicas quando disponíveis.

Para a moradia há a possibilidade de encaminhamento para albergues da rede pública. Há parcerias institucionais com albergues e há outros albergues com quem há relacionamento antigo sem parcerias formalizadas.

Para saúde há a possibilidade de encaminhamento para todos os serviços da rede pública, bem como pagamento de alguns medicamentos mediante receita médica.

Na questão da documentação há o encaminhamento para a obtenção do Protocolo Provisório junto ao Departamento de Polícia Federal e para a obtenção do Registro Nacional de Estrangeiros (para aqueles que foram reconhecidos como refugiados).

Neste setor há ainda o apoio para vestuário (com doação de roupas recebidas pela Cáritas e compra de roupas de inverno quando há disponibilidade), apoio com kit de higiene para os residentes em albergue, apoio para obtenção de vagas em escolas (para as crianças) e apoio com kit enxoval para filhos de refugiados.

b) Integração – se ocupa da inserção dos solicitantes de refúgio e refugiados no Brasil, sobretudo dos temas de emprego e educação

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Como fase preliminar há o encaminhamento para cursos de português em parceria com o SESC e/ou classes dadas por voluntários no próprio Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (normalmente aulas de reforço ou aulas avançadas ou ainda aulas para grupos com necessidades especiais)

Há a possibilidade de apoio com cursos técnicos e profissionalizantes oferecidos por parceiros da Cáritas, tais como o SENAI, SENAC, CESPROM, e SASECOP.

Há a possibilidade de apoio nos procedimentos de revalidação de diplomas e títulos.

Há a possibilidade de orientação para busca de emprego, com elaboração de cvs, por exemplo, e e cartas de apresentação às empresas e/ou agências de emprego.

É no setor de Integração que é feito o encaminhamento para obtenção de CTPS e de CPF.

c) Proteção – é o setor de assistência jurídica. Trata das questões relativas ao procedimento de reconhecimento do status de refugiado, e das questões relativas a tal status no Brasil.

d) Saúde Mental – traz apoio aos solicitantes de refúgio e refugiados em temas relativos a sua saúde mental, com atendimentos no próprio Centro de Acolhida para Refugiados ou no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPQ)

e) Cidadania e divulgação – é um projeto intermitente que cuida de apoio aos solicitantes de refúgio e refugiados para o exercício pleno de seus direitos no Brasil

3. Qual é o número de funcionários? e Quem são eles?

O Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de SP possui atualmente:

1 coordenadora (assistente social)

3 assistentes sociais

2 advogados

3 funcionários administrativos

1 psiquiatra

1 psicóloga

1 assessora de comunicação

1 recepcionista

(quando o projeto de cidadania está ativo, há mais 1 assistente social e 1 advogada)

Todos são contratados a partir de processo de seleção, em que se levam em consideração as peculiaridades da população a ser atendida

4.Qual é o número de refugiados atendidos, em média, por mês? e quem são eles?

Em média são atendidos 40 casos novos por mês e são realizados em média 600 atendimentos por mês.

Em 31/12/2007, a população atendida era composta da seguinte forma:

Continentes Solicitantes de Refúgio* Refugiados Total África 138 874 1012 América Latina 100 276 376 Europa 2 68 70 Ásia 10 11 21 - Do total da população havia 1291 homens e 416 mulheres (ou seja 24,37% eram mulheres)

- Quanto à faixa etária tínhamos: 0,65% de crianças entre 0 e 4 anos 6,98% entre 5 e 17 anos 90,68% entre 18 e 59 anos

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1,69% maiores de 60 anos * Ao longo de 2007 foram atendidos 398 novos solicitantes de refúgio, os quais podem ainda estar nesta condição, ter sido reconhecidos como refugiados, ou ter tido seus pedidos negados

5. Vocês atendem apenas solicitantes de refúgio e refugiados?

O Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo tem como população alvo os solicitantes de refúgio e os refugiados, contudo, algumas vezes chegam estrangeiros em situação migratória diferente da dos refugiados buscando apoio. Neste caso é feito o encaminhamento a outras entidades especializadas no atendimento de migrantes.

6. Como este Programa de Refugiados da CASP sobrevive (recursos financeiros e humanos)?

O Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo tem parcerias com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e com o governo brasileiro, por meio do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) e da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) das quais provêm os recursos financeiros.

7. Que tipo de apoio recebe do Poder Público (federal, estadual e municipal)?

Como mencionado no item acima, o Poder Público tem parcerias com o Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, incluindo o repasse de recursos. Como o CONARE é o órgão encarregada da proteção aos refugiados no Brasil há contato direito com este órgão, nas questões do dia-a-dia. Tanto o CONARE quanto o ACNUR buscam sensibilizar o governo federal para a necessidade de políticas públicas para a população refugiada no Brasil.

Em 2007, o governo estadual passou a ter maior interesse no tema, e estabeleceu o Comitê Estadual para Refugiados, o que se espera será o início da criação de políticas públicas para os refugiados no Estado de São Paulo.

Desde 2006, a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo participa do Grupo de Trabalho sobre (I)migrantes e refugiados coordenado pela Comissão Municipal de Direitos Humanos. Além destes apoios diretos, a população refugiada tem acesso a todos os serviços públicos designados como de caráter universal pela Constituição Federal.

8. Em que extensão você diria que as pessoas atendidas participam dos programas?

Todas as atividades do Centro de Acolhida para Refugiados são baseadas nas necessidades (práticas e legais) da população refugiada. Tais necessidades, muitas vezes, são percebidas a partir do atendimento direto feito à esta população. Ao longo dos atendimentos a população atendida pode dar sugestões e criticar os aspectos do atendimento. Além disso, o ACNUR tem atividades pelas quais os refugiados/solicitantes são ouvidos de modo direto e específico visando o aprimoramento do atendimento.

9. O Programa de Refugiados da CASP possui relações/parcerias com outras organizações em SP (ACNUR etc)? QUAIS? Por que? Tem sido útil para esta organização possuir tais relações?

O Centro de Acolhida para Refugiados, como mencionado, possui parcerias com a comunidade internacional (ACNUR), com os governos federal, estadual e municipal, e com entidades da sociedade civil. Todas essas parcerias são essenciais para o trabalho da Cáritas e para a efetivação do compromisso internacional assumido pelo Brasil de proteção aos refugiados.

10. Há solicitantes de refúgio ou refugiados detidos/presos em SP? e no Brasil?

Há casos de solicitantes e refugiados detidos por cometimento de crimes mas não em função de seu status de solicitante de refúgio ou de refugiado.

No Brasil não há centros de detenção provisória aos solicitantes enquanto aguardam a decisão de seus pedidos de refúgio.

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11. Em sua opinião, por que, contrariando a média mundial, no Brasil há muito mais refugiados do sexo masculino? E por que a grande maioria dos refugiados no Brasil se fixam na cidade de SP? Que outros estados e/ou cidades do interior de SP os recebem?

Como o Brasil está afastado da grande maioria das zonas de conflito, chegar ao Brasil não é fácil (muitas vezes exigindo que se venha como clandestinos em barcos) o que faz com que os homens estejam mais dispostos a enfrentar os riscos.

Além disso, como o Brasil não é um país desenvolvido com uma forte atração econômica, muitas vezes os refugiados não sabem para onde estão indo o que aumenta o risco da empreitada, e ajuda a explicar o fato de termos mais homens do que mulheres.

A fixação em São Paulo se deve tanto a aspectos relativos á própria estrutura da cidade (a mais desenvolvida do país, o que pode ser visto como um fator de atração econômica) quanto a existência do Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, com um trabalho longo de apoio aos refugiados e de busca de parcerias para sua integração.

É importante destacar, contudo, que os solicitantes de refúgio e os refugiados têm liberdade de circulação dentro do país, mas devem sempre manter seu endereço atualizado junto ao CONARE, á Polícia Federal e à CASP.

No Estado de São Paulo há outras cidades que recebem refugiados pelo projeto de reassentamento, que é coordenado no Estado pela Cáritas Brasileira.

Apêndice C

Modelo do questionário utilizado com os refugiados

Parte 1: situação anterior e atual 1. N° 2. Nacionalidade (indicar se é originária) 3. Local e data de chegada no país 4. Meio de entrada no país (aéreo, terrestre ou marítimo) 5. Sexo 6. Estado civil 7. Idade 8. Endereço (bairro) 9. Escolaridade 10. Profissão 11. Emprego 12. Veio só? 13. N° de membros da família que vieram juntos 14. Quem veio com você? 15. Quantos membros da família vivem com você no mesmo endereço? 16. Ano da concessão do refúgio 17. Causas do refúgio (perseguição política/ideológica, religiosa, racial/étnica, por

grupo social, sexual, violação dos direitos humanos, outros). 18. Por que escolheu este país ? (trabalho, religião, língua, educação, cultura, clima,

instituições político-jurídicas, boas informações de parentes/amigos, programa do ACNUR/outros).

19. Maiores dificuldades encontradas neste país? (trabalho, religião, língua, educação, cultura, clima, moradia, instituições político-jurídicas, discriminação/preconceito, dificuldades econômicas, saúde, falta de apoio do governo e/ou da sociedade, saudades de casa, outros).

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20. Pontos positivos da vinda para este país? (trabalho, religião, língua, educação, cultura, clima, moradia, instituições político-jurídicas, discriminação/preconceito, dificuldades econômicas, saúde, apoio do governo e/ou da sociedade, outros).

21. Mantén contato com seus compatriotas neste país? 22. Mantén contato com seus compatriotas no país de origem? 23. Envia auxílio financeiro para seus familiares no exterior? 24. Recebe auxílio financeiro de seus familiares no exterior? 25. Já saiu deste país desde sua primeira entrada? 26. Pretende retornar ao país de origem? 27. Opine sobre o direito dos refugiados neste país. 28. Que você mudaria neste direito? 29. Que você mudaria na sua vida aqui?

Parte II: Grupos e Redes I. Grupos ou organizações/redes/associações a que você ou qualquer outro membro de

seu domicílio pertencem: 1. De quantos grupos você faz parte? 2. De todos os grupos de que você faz parte, qual é o mais importante para seu

domicílio? 3. Quanto aos membros deste grupo, a maioria é do mesmo...religião? sexo? Grupo

étnico/lingüístico/raça? 4. Os membros deste grupo possuem, na maioria, a mesma ocupação? Formação

educacional ou grau de escolaridade? 5. Este grupo trabalha/interage com outros fora do bairro? (não; sim, ocasionalmente;

sim, freqüentemente)

II. Redes 6. Quanto amigos próximos você diria que tem hoje? 7. Se de repente você precisasse de uma pequena quantia em dinheiro, há pessoas, de

fora do seu domicílio, ou parentes próximos, que estariam dispostas a lhe fornecer este dinheiro, se você pedisse a elas? (definitivamente; provavelmente; não tenho certeza; provavelmente não; definitivamente não).

Parte III: Confiança e Solidariedade 8. Em geral, sobre suas relações com outras pessoas, você diria que se pode confiar nas

pessoas ou que nunca é demais ter cuidado? 9. Em geral, você concorda ou discorda, total ou parcialmente, das seguintes

afirmações? 1.1. A maioria das pessaos neste bairro está disposta a ajudar, caso eu precise. 1.2. Neste bairro, é preciso estar atento, do contrário alguém pode tirar

vantagens de mim. 10. O quanto você confia nos membros do governo local e do governo central,, em uma

escala de 1 a 5? (confia: totalmente, muito, nem muito nem pouco, pouco, muito pouco).

11. Se um projeto da comunidade não lhe beneficia diretamente, mas tem benefícios para muitas outras pessoas do bairro/localidade, você contribui com seu tempo e/ou dinheiro para o projeto?

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Parte IV: Ação Coletiva e Cooperação 12. Nos últimos doze meses, você trabalhou com outros membros no seu bairro para

fazer algo em benefício da comunidade? 13. Quantas vezes? 14. Se houvesse um problema de abastecimento de água neste bairro, qual seria a

probabilidade de que as pessoas cooperassem para tentar resolver o problema? (muito (im) provável, relativamente (im) provável, nem provável nem improvável).

Parte V: Informação e Comunicação 15. No último mês, quantas vezes você fez ou recebeu um telefonema? 16. Quais são as três fontes mais importantes sobre o que o governo está fazendo?

(parentes, amigos, vizinhos, boletins da comundiade, mercado local, jornal local, jornal nacional, rádio, TV, grupos ou associações, colegas de trabalho ou sócios, associações políticas, líderes comunitários, um agente do governo, ONGS, internet).

Parte VI: Coesão e Inclusão Social 17. Muitas vezes há diferenças nas características entre as pessoas que vivem em uma

mesma localidade. Até que ponto você diria que as pessoas são diferente no seu bairro? (extremamente, muito, relativamente, pouco ou muito pouco diferentes).

18. Alguma destas diferenças causa problema? (se não, pular para a questão 21) 19. Quais são as duas diferenças que mais causam problemas? (de educação, de posse

de terras, de riquezas/posses materiais, de posição social, entre homens e mulheres, entre gerações mais jovens/mais velhas, entre antigos/novos moradores, de filiação política, de crenças religiosas, de raça/etnia, outras).

20. Estes problemas levaram, alguma vez, à violência? 21. No último mês, quantas vezes você se encontrou com pessoas em um local público

ou em casa para conversar, comer e/ou beber? 22. As pessoas com quem você se encontrou, ou que você visitou, eram, em sua

maioria de diferentes: grupo étnico/lingüístico/racial, situação econômica, posição social, grupo religioso?

23. Em geral, como você se sente em relação ao crime e à violência quando está sozinho em casa? (muito (in) seguro, moderadamente (in) seguro, nem seguro nem seguro).

Parte VII: Autoridade ou Capacitação e Ação Política 24. Em geral, você se considera uma pessoa: muito (in) feliz, moderadamente (in) feliz,

nem feliz nem infeliz. 25. Você sente que tem poder para tomar decisões que podem mudar o curso de sua

vida? (totalmente (in) capaz, geralmente (in) capaz, nem capaz nem incapaz). 26. Nos últimos doze meses, quantas vezes as pessoas neste bairro se reuniram para

entregar conjuntamente uma petição a membros do governo ou a líderes políticos, pedindo algo em benefício da comunidade? (nunca, uma vez, algumas vezes, muitas vezes)

Obs: Quando a pergunta se referia a “bairro”, muitas vezes, houve a necessidade de adaptá-la, perguntando localidade, comunidade, condomínio etc, a depender onde o entrevistado estava a residir naquele momento.

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416

Apêndice D

Respostas Compiladas das Entrevistas com os Refugiados

Em São Paulo: 33 entrevistas

Perguntas Grupo 1 Latino-Americanos

Grupo 2 Árabes-Muçulmanos

Grupo 3 Africanos (língua portuguesa)

Parte 1 1 quantidade 8 12 13 2 nacionalidade 5 colombianos

3 peruanos 3 iraquianos 4 libaneses 1de República Centro-africana, Libéria, Somália, Sudão, Mauritânia

9 angolanos 4 guiné-bissau

3 local e data de chegada

8 chegaram após 2001 6 chegaram por SP

1 em 1993 1 em 1997 1 em 1999 9 após 09/2001

1 em 1997 5 em 1999 3 em 2000 1 em 2004 2 em 2005 1 em 2006

4 meio de entrada: aéreo, terrestre, marítimo

5 A - 2 T - 1 M 8 A - 4 M 10 A – 3M

5 sexo 6 mulheres 11 homens 12 homens 6 estado civil 6 solteiros 11 solteiros 9 solteiros 7 idade Entre 20 e 49 21-37, 1 tem 45 Entre 23 e 30 8 endereço (bairro) Diversos Diversos Diversos (4 Bela Vista) 9 escolaridade 6 ensino médio

2 graduação 9 ensino médio 1 graduação 1 ensino básico

11 ensino médio (4 graduação incomp.) 1 graduação

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417

1 analfabeto 10 profissão Diversos Diversos 7 estudantes

2 autônomos 11 emprego Diversos 6 comerciantes Diversos 12 veio só? 5 acompanhados 9 sim 11 sim 13 familiares que vieram juntos

2 vieram com um familiar

1 veio com 2 1 com 4 1 com 5

1 veio com 6 familiares

14 quem veio junto? Diversos Diversos Marido/mulher e filhos 15 quantos familiares vivem no mesmo endereço

2 pessoas 1 pessoa

Diversos Um disse 3

16 ano da concessão do refúgio

1994 Solicitante

2 em 2005 1 em 2001 2 solicitantes

3 em 2000 1 em 1999 1 solicitante

17 causas do refúgio 5 perseguição político-ideológica

8 perseguição político-ideológica 3 violação aos DH 2 perseguição étnico-racial

12 perseguição político-ideológica 1 violação aos DH

18 por que Brasil? 3 língua 2 proximidade

3 família já morava 3 não sabia 3 cultura Diversos

11 língua 9 cultura 4 educação 3 clima

19 dificuldades encontradas no Brasil

8 trabalho 3discriminação/preconceito

6 língua 7 trabalho

8 trabalho 7discriminação/preconceito 5 moradia

20 Pontos positivos da vinda ao Brasil

6 língua 4 clima

4 trabalho 3 cultura 3 moradia

8 língua 6 cultura 5 educação 3 saúde 3 instituições pol-jur 3 apoio govern.

21 mantém contato com seus compatriotas no Brasil

5 sim 9 sim 12 sim

22 mantém contato com seus compatriotas no país de origem

7 sim 7 sim 12 sim

23 Envia auxílio financeiro a sua família no exterior?

8 sim 9 não 12 não

24 Recebe auxílio financeiro de sua família no exterior?

7 sim 11 não 7 sim

25 Saiu do Br após a 1ª entrada?

7 não 10 não 13 não

26 Quer retornar ao seu país?

6 sim 6 sim 1 só visitar

13 sim

27 Opine sobre a Lei 9474

4 não sabem 2 boa

4 não respondeu 3 boa 2 nem boa nem ruim

8 não opinaram 2 boa (1 no papel) 1 não muito boa 1 muito ruim

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28Que mudaria na Lei 9474?

5 não sabem 2 nada, mas que fosse bem aplicada

6 não respondeu 1 tirar o nome refugiado da CI e por estrangeiro 1 burocracia menor 1 moradia

8 não responderam 1 apoio mais direto 1 mais apoio financeiro e residencial 1 tirar o nome refugiado da CI 1 muito ruim 1 não sabe

29 Que mudaria na sua vida aqui?

5 questão de trabalho 4 emprego 2 estudar 2 nada 1 tudo Diversos

1 nada 3 não responderam 3 trabalho 5 faculdade 1 obter residência 1 mais auxílio govern.

Parte 2 Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 I. Grupos e Redes Grupos 1 de quantos grupos você faz parte?

3 participam de nenhuma 3 de uma

5 nenhum 4 de 1 2 de 2 grupos

6 nenhum 7 de 3 grupos

2 dos grupos, qual é o mais importante?

2 igreja 2 grupos de jovens

4 comerciantes 2 mesquita

3 sócio-cultural 2 político 1 faculdade 1 igreja

3 os membros do grupo são do mesmo...

3 religião 1 sexo

3 mesma etnia 2 religião diferente

5 mesma religião 6 mesmo sexo 5 mesma etnia

4 os membros do grupo são da mesma ocupação ou grau escolar?

Não 4 ocupação 2 mesma ocupação 1 mesma escolar.

5 esse grupo interage com outros fora do bairro?

2 frequentemente sim 1 ocasionalmente

3 não 4 ocasionalmente

5 sim, frequentemente 2 ocasionalmente

Redes 6 quantos amigos próximos você tem hoje?

Todos possuem mais de 4 4 mais de 10

1 muitos e 1 possui 8 1 só colegas 9 de 1 a 5 pessoas

4 mais de 10 6 possuem de 3 a 5 3 possuem de 0 a 2

7 se você precisasse de dinheiro pouco hoje, fora sua família, quantas pessoas lhe emprestariam?

3 provavelmente não teriam 2 definitivamente sim 2 provavelmente sim

5 definitivamente 4 provavelmente sim

7 definitivamente 3 provavelmente sim 2 definitivamente não

II. Confiança e Solidariedade

8 Que você diria sobre suas relações com os outros?

5 disseram que nunca é demais ter cuidado

7 que nunca é demais ter cuidado

12 que nunca é demais ter cuidado

9.1 Aqui, a maioria das pessoas está disposta a ajudar, caso você precise

3 discordam totalmente 2 nem concordam nem discordam

3 concordam totalmente 3 discordaram totalmente 3 concordam em parte

8 discordam totalmente

9.2 Aqui, é preciso estar atento ou podem

4 discordam totalmente

4 discordam totalmente 4 concordam totalmente

7 concordam totalmente

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tirar proveito de você? 4 discordam totalmente 10.1 o quanto você confia nos membros do governo local?

3 muito pouco 3 pouco

8 totalmente 2 muito pouco

4 confia totalmente 3 pouco 4 nem muito nem pouco

10.2 o quanto você confia nos membros do governo central?

4 pouco 3 nem pouco nem muito

4 muito 6 totalmente

4 confia totalmente 3 muito pouco

11 você contribuiria com um projeto da comunidade que não lhe beneficiasse diretamente?

4 com o tempo/dinheiro 1 não 3 com tempo

9tempo/dinheiro 1Não 1Com tempo

10Tempo/dinheiro 2Não

III. Ação Coletiva e Cooperação

12 no últimos ano, você trabalhou com outros membros do bairro em benefício da comunidade?

6 não 5 sim 7 não

6 não 6 sim

13 nos últimos 12 meses, você participou de atividade comunitária?

1 todo domingo 1 2x por semana

3 de 1 a 4x 1 todo dia 1 6x

5 não 2 muitas x 1 1x 1 2x

14 se houvesse problema de água na comunidade, as pessoas cooperariam para resolver o problema?

3 acham relativamente provável 2 muito provável 2 nem provável nem improvável

3 muito provável 2 muito improvável 2 relativamente improvável 2 relativamente provável

2 muito provável 2 nem provável nem improvável 4 relativamente provável

IV. Informação e Comunicação

15 no último mês, quantas vezes você fez/recebeu um telefonema?

Todos acima de 8 4 acima de 10 ligações

6 diariamente 3 de 5 a 15

1 possui um celular quebrado 9 várias (1 20x)

16 quais as 3 fontes de informação sobre o que o governo está fazendo?

5 TV 4 parentes, amigos, vizinhos 3 jornal nacional

9 TV 9 internet 3 colegas de trabalho/sócios

8 TV 3 jornal nacional 10 internet 4 jornal local/da comunidade 3 parentes/amigos

V. Coesão e Inclusão Social

17 qual é o grau de diferenças entre as pessoas de seu bairro

5 disseram ser pouco diferentes

5 relativamente diferentes 3 extremamente diferentes

5 extremamente diferentes 4 muito diferentes 4 pouco diferentes

18 tais diferenças causam problemas?

6 não 2 sim 5 não 1 sim 9 não 4 sim

19 quais as duas diferenças que mais causam problemas

1 disse: educação 1 riquezas/posses materiais

1 disse: religião 1 disse: etnia e raça 1 disse: econômica

1 de riquezas/posses materiais 3: etnia

20 alguma vez tais 2 não Os 5: não 2 sim

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diferenças levaram à violência

2 não

Sociabilidade 21 no último mês, quantas vezes você se encontrou com alguém em público por lazer?

2 não saíram 2 saíram 1x 2 saíram 2x 2 muitas vezes

6 de 3 a 5x 2 bastante e 2 2x 2 1x 1 todo dia e 1 não saiu

1 não saiu 1 3x e 2 1x 5 2x 1 todo dia (1 várias)

22 essas pessoas, eram na sua maioria...

4 : de religião diferente 3: de etnia diferente e 3 igual 5: da mesma situação econômica e posição social

8: etnia diferente 7: mesma situação econômica e posição social 6: religião diferente

6: etnia diferente 6: situação econômica diferente 7: posição social igual 8: religião diferente

Conflito e Violência 23 como você se sente em relação ao crime e violência quando está sozinho em casa

3 moderadamente seguro 2 muito inseguro

3 muito seguro 5 moderadamente seguro

4 muito seguro 3 moderadamente seguro 3 nem seguro nem inseguro

VI. Autoridade e Ação Política

24 você se considera... 4 nem feliz nem infeliz 2 moderadamente feliz

7 muito feliz 3 nem feliz nem infeliz

6 muito feliz 4 moderadamente feliz

25 você sente que tem poder para tomar decisões importantes que podem mudar sua vida?

5 são totalmente capazes 2 geralmente

9 totalmente capaz 3 geralmente

10 totalmente capaz

26 nos últimos 12 meses, quantas vezes as pessoas nesse bairro se reuniram para entregar conjuntamente uma petição a membros do governo ou líderes políticos, pedindo algo para a comunidade?

5 nunca 2 não sabe 1 2x

5 nunca 1 não sabe

3 nunca 2 não sabe

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421

Em Toronto: 30 entrevistas

Perguntas Grupo 1 Latino-Americanos

Grupo 2 Árabes-Muçulmanos

Grupo 3 Africanos (língua portuguesa)

Parte 1 1 quantidade 10 11 9 2 nacionalidade 6 mexicanos

2 colombianos 1 equatoriano 1 cubano

4 afegãos 3 somalianos 1 sudanês 1 Ruandês 1 Iraquiano 1 Iraniano

9 angolanos

3 local e data de chegada

8 chegaram em Toronto 2 chegaram em Buffalo 4 em 2007 Todos entre 2002 e 2007

10 chegaram em Toronto 1 em Montreal 4 em 2006 3 em 2004 Todos entre 2002 e 2007

1 em Montreal 8 Toronto 3 em 2002 2 em 2000 2 em 2001 2 em 2003

4 meio de entrada: aéreo, terrestre, marítimo

9 A - 1 T 10A - 1 T 1 aéreo 8 terrestre, via EUA

5 sexo 7 mulheres 8 mulheres 5 mulheres 6 estado civil 8 casados 6 casados

6 solteiros

7 idade Entre 29 e 57 Entre 23 e 43 Entre 18 e 36 8 endereço (bairro) 8 residem em North

York 5 em Weston 3 em York

4 no centro 3 North York

9 escolaridade 6 ensino médio (2 univ incompleto) 2 graduação 2 Pós-graduados

5 ensino médio 3 ensino fundamental 2 graduados

3 Graduação incompleto 4 ensino fundamental 2 ensino médio

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10 profissão Diversos 5 sem profissão 3 sem profissão 3 estudantes

11 emprego 8 desempregados 9 desempregados 1 emprego temporário

4 desempregados 3 comerciários

12 veio só? 8 acompanhados 7 acompanhados 5 acompanhados 13 familiares que vieram juntos

4 vieram com um familiar 1 veio com 11 (família da esposa)

2 vieram com 2 familiares Os outros vieram em número diversos

4 vieram com um irmão 1 com marido e 2 filhos

14 quem veio junto?

3 vieram com esposo/a 3 com esposo/a e filhos

4 vieram com esposo/a e filhos

4 com irmão 1 família próxima

15 quantos familiares vivem no mesmo endereço

3 pessoas disseram 1 1 pessoa

2 pessoas vivem sós 9 entre 1 e 2

4 vivem com amigos 3 disseram 3

16 ano da concessão do refúgio

2 em 2005 1 em 2004 7 solicitantes (1 em apelação e 1 por razões humanitárias)

3 em 2007-11-13 3 em 2005 3 em 2004 1 em 2006 1 em 2003

2 em 2002 2 em 2003 2 em 2005

17 causas do refúgio

5 perseguição por grupo social 4 perseguição político-ideológica

7 perseguição político-ideológica 3 violação aos Direitos Humanos

8 perseguição político-ideológica

18 por que Canadá?

5 boas referências 3 programa do ACNUR 3 cultura 3 educação

4 programa do ACNUR/Gov. 3 educação 3 boas referências

8 educação 5 trabalho 5 informações de parentes e amigos

19 dificuldades encontradas no Canadá

8 língua 5 clima 4 trabalho 4 saudades de casa

6 emprego 5 língua 5 clima 4 saudades de casa

9 clima 9 saudades de casa 6 língua 5 cultura (1 enquadramento)

20 Pontos positivos da vinda ao Canadá

8 educação 8 apoio do governo 6 saúde 6 apoio da sociedade

8 apoio do governo 7 educação 7 saúde

9 educação 9 saúde 9 apoio do governo 7 apoio da sociedade 7 trabalho

21 mantém contato com seus compatriotas no Canadá

6 sim 10 sim 9 sim

22 mantém contato com seus compatriotas no país de origem

8 sim 9 sim 8 sim

23 Envia auxílio financeiro a sua família no exterior?

7 não 8 não 7 não

24 Recebe auxílio financeiro de sua família no exterior?

10 não 11 (todos) não 8 não

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25 Saiu do CA após a 1ª entrada?

8 não 11 (todos) não 7 não

26 Quer retornar ao seu país?

10 não (2 para visitar) 10 não (3 visitar) 7 sim

27 Opine sobre a Lei Canadense dos Refugiados

2 humanitária 2 excelente 4 boa 1 não conhece 1 disse que os veredictos se formam antes dos solicitantes serem ouvidos, sendo portanto cheia de racismo prepotência e abuso de autoridade

5 boa 2 perfeita 2 ótima 1 difícil p aceitar refugiados 1 deveria trazer mais iraquianos

1 uma benção 1 bastante bom, produtivo, política diferente de forma positiva 1 bom, mas podem dar mais ajuda 4 bom, positivo (1 ajuda as mulheres) 1 trabalham mal; negam e não dão oportunidade, não são muito humanos; a pessoa tem que ter sorte 1 não sei, não conheço bem para opinar

28Que mudaria nela?

2 mais intérpretes 2 o tempo 2 o tratamento 2 não conhece 1 nada 1 acabar o acordo de terceiro país seguro e deixar entrar todos que necessitam

5 nada 2 não sabe, pois não a conhece

1 habitação 1 rever a deportação quando se é refugiado 2 o refoulement não deveria ter, mas fazer algo de bom pelos que tiveram o refúgio negado. Há espaço aqui 2 time limit (diminuir o tempo pra sair a decisão) 1 trazer quem está fora, parentes 1 dar uma chance as pessoas 1 não sabe

29 Que mudaria na sua vida aqui?

3 aprender ingles Diversos

4 nada 3 educação 3 emprego

5 estudar 3 nada 1 trabalho melhor

Parte 2 Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 I. Grupos e Redes Grupos 1 de quantos grupos você faz parte?

6 participam de nenhum

7 não participam de nenhum 3 de dois grupos 1 de um grupo

4 participam de nenhum 3 de dois 2 de um

2 dos grupos, qual é o mais importante?

1 religioso 1 língua 1 casa cultural 1 voluntarismo em hospital

2 religioso 1 étnico 1 étnico/gênero

3 étnico

3 os membros do grupo são do mesmo...

3 sexo diferentes 2 mesma religião, língua e etnia

3 mesma religião 3 sexo diferente

3 mesma religião 3 mesmo sexo 3 mesma etnia

4 os membros do grupo são da mesma ocupação

2 sim 2 não

4 não 5 ocupação diferente 3 escolaridade diferente

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ou grau escolar? 5 esse grupo interage com outros grupos fora do bairro ou da localidade onde se enocontram instalados?

2 sim, ocasionalmente 3 não 1 sim, freqüente

3 sim, ocasionalmente

Redes 6 quantos amigos próximos você tem hoje?

3 nenhum 3 um somente

6 dois amigos 3 mais de dez

4 entre 2 e 4 2 nenhum

7 se você precisasse de dinheiro pouco hoje, fora sua família, quantas pessoas lhe emprestariam, se você pedisse a eles?

4 definitivamente não

5 provavelmente 4 definitivamente

6 definitivamente

II. Confiança e Solidariedade

8 Que você diria sobre suas relações com os outros?

8 disseram que nunca é demais ter cuidado

8 disseram que nunca é demais ter cuidado

Disseram que nunca é demais ter cuidado

9.1 neste bairro, a maioria das pessoas está disposta a ajudar, caso você precise

5 concordam em parte 6 discordam fortemente

3 concordam em parte 3 discordam em parte

9.2 neste bairro, é preciso estar atento ou alguém pode tirar proveito de você?

3 concordam totalmente

6 concordam fortemente

3 concordam em parte

10.1 o quanto você confia nos membros do governo local

4 nem muito nem pouco 3 muito

5 totalmente 3 muito

6 nem muito nem pouco

10.2 o quanto você confia nos membros do governo central

3 totalmente 3 muito 3 nem pouco nem muito

5 totalmente 3 muito

4 nem muito nem pouco

11 você contribuiria com um projeto da comunidade que não lhe beneficiasse diretamente

6 com tempo e dinheiro 4 com tempo Ninguém só dinheiro

5 com tempo e dinheiro 4 com tempo 2 não contribuiriam com nada

7 com tempo e dinheiro 2 com tempo

III. Ação Coletiva e Cooperação

12 nos últimos 12 7 não 5 sim 9 não

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meses, você trabalhou com outros membros do bairro em benefício da comunidade?

13 no último ano, você participou de atividade comunitária?

1 3x por semana 1 4x (em 3 meses) 1 várias

2 2x-3x por mês 1 1x por mês 1 4x por mês 1 1x ao ano

14 se houvesse problema de água na comunidade, as pessoas cooperariam para resolvê-lo?

4 acham relativamente provável 3 nem provável nem improvável

3 muito provável 5 muito provável 4 relativamente provável

IV. Informação e Comunicação

15 no último mês, quantas vezes você fez/recebeu um telefonema?

5 diariamente 2 mais de 10

6 diariamente

8 diariamente

16 quais as 3 fontes de informação sobre o que o governo faz?

7 TV 7 jornal local 5 internet

9 TV 7 parentes/amigos 5 internet e jornal local

8 TV 6 jornal local 5 internet

V. Coesão e Inclusão Social

17 qual é o grau de diferenças entre as pessoas daqui?

5 disseram ser muito diferentes

5 muitíssimo diferentes 3 mais ou menos

4 relativamente diferentes 3 extremamente diferentes

18 tais diferenças causam problemas?

7 não 8 não 9 não

19 quais as duas diferenças que mais causam problemas

3 disseram as mais diversas

3 educação 2 status social

20 alguma vez tais diferenças levaram à violência

1 disse sim 1 sim 2 não

Sociabilidade 21 no último mês, quantas vezes você encontrou pessoas em público por lazer?

4 não saíram 2 saíram 1x 2 saíram 2x

5 não saíram 3 2x-3x por semana

4 1x por semana

22 essas pessoas, eram na sua maioria...

5 disseram ser da mesma etnia, língua e situação econômica 6 da mesma posição social 4 da mesma religião

5 diferente religião 4 diferente etnia (1 mesma língua) e status econômico 3 diferente status social (e 3 iguais)

5 etnia, situação econômica e social iguais 6 mesma religião

Conflito e Violência

23 como você se 4 moderadamente 6 muito seguro 8 muito seguro

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sente em relação ao crime e violência quando só em casa

seguro 4 muito seguro

4 moderadamente seguro

VI. Autoridade e Ação Política

24 você se considera...

4 moderadamente feliz 3 muito feliz

6 moderadamente feliz 4 muito feliz

5 muito feliz 3 moderadamente feliz

25 você sente que tem poderes para tomar decisões que podem mudar sua vida?

7 são totalmente capazes 2 geralmente

5 muito capaz 3 mais ou menos 2 totalmente capaz

6 totalmente capaz 2 geralmente capaz

26 no último ano, quantas vezes as pessoas aqui se reuniram para pedir, a membros do governo/líderes políticos, algo para a comunidade?

8 nunca 1 1x

11 nunca (todos) 7 nunca 2 1x

Apêndice E

Gráficos com os resultados das entrevistas realizadas com os Refugiados

Parte I – Brasil / Canadá

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3. Data de Chegada

Brasil

Canadá

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428

4. Meio de Chegada

Brasil

Canadá

5. Genêro

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429

Brasil

Canadá

6. Estado Civil

Brasil

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430

Canadá

9. Nível Escolar

Brasil

Canadá

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431

12. Veio Só?

Brasil

Canadá

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17. Causas do Refúgio

Brasil

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433

Canadá

18. Por que escolheu o Brasil?

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18. Por que escolheu o Canadá?

19. Dificuldades tidas no Brasil

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435

19. Dificuldades tidas no Canadá

20. Pontos Positivos da vinda ao Brasil

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20. Pontos Positivos da vinda ao Canadá

21. Você mantém contato com seus compatriotas no Brasil?

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437

21. Você mantém contato com seus compatriotas no Canadá?

22. Você mantém contato com seus compatriotas no seu país de origem?

Brasil

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438

Canadá

23. Você envia dinheiro para seus parentes fora do Brasil?

23. Você envia dinheiro para seus parentes fora do Canadá?

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439

24. Você recebe dinheiro de seus parentes fora do Brasil?

24. Você recebe dinheiro de seus parentes fora do Canadá?

25. Você já saiu do Brasil desde sua primeira entrada?

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440

25. Você já saiu do Canadá desde sua primeira entrada?

26. Você pretende retornar ao país de origem?

Brasil

Canadá

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441

27. Opine quanto à Lei 9474/97

27. Opine sobre a Lei Canadense de Refugiados

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442

29. O que você mudaria na sua vida aqui?

Brasil

Canadá

Parte II – Grupos e redes

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1. Membros de Grupos e Redes

Brasil

Canadá

3. Os membros do grupo mais importante são da mesma...

Brasil

Canadá

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7. Há pessoas fora de sua família que lhe emprestaria dinheiro caso você precisasse?

Brasil

Canadá

Parte III – Confiança e Solidariedade

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8. Em geral, você diria que a maioria das pessoas são confiáveis ou que é melhor ter

cuidado ao lidar com elas?

Brasil

Canadá

9.1. A maioria das pessoas nessa localidade está disposta a ajudar caso você precise?

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446

Brasil

Canadá

9.2. Nessa localidade, é melhor estar alerta ou alguém pode tirar vantagem de você?

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447

Brasil

Canadá

10.1. O quanto você confia nos membros do governo local?

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448

Brasil

Canadá

10.2. O quanto você confia nos membros do governo central?

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449

Brasil

Canadá

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450

11. Se um projeto da comunidade não lhe beneficia diretamente, mas tem benefícios

para outros membros desta localidade, você contribuiria com seu tempo ou dinheiro

para esse projeto?

Brasil

Canadá

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Parte IV – Ação Coletiva e Cooperação

12. Nos últimos 12 meses, você ou alguém de sua residência participou de alguma

atividade comunitária, onde as pessoas se unem para realizar algum trabalho em

benefício da comunidade?

Brasil

Canadá

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14. Se houvesse um problema de abastecimento de água nessa localidade, qual seria a

probabilidade de as pessoas cooperarem para resolver o problema?

Brasil

Canadá

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Parte V – Informação e comunicação

16. Quais as três principais fontes de informação sobre o que o governo está fazendo (%

das respostas)?

Brasil

Canadá

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Parte VI – Coesão e Inclusão Social

17. Em que extensão as diferenças entre as pessoas caracterizam essa localidade?

Brasil

Canadá

18. Algumas dessas diferenças causam problemas?

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Brasil

Canadá

19. Quais diferenças mais causam problemas?

Brasil

Canadá

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20. Algum desses problemas já levou à violência?

Brasil

Canadá

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23. Em geral, o quão seguro de crime e violência você se sente quando sozinho/a em

casa?

Brasil

Canadá

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Parte VII – Autoridade e Ação Política

24. Em geral, o quão feliz você se considera?

Brasil

Canadá

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25. Você acha que possui poderes suficientes para tomar decisões importantes que

possam mudar o curso de sua vida?

Brasil

Canadá

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26. Nos últimos 12 meses, com que frequência as pessoas nessa localidade se uniram

para, em conjunto, peticionar ao governo ou a líderes políticos por algo em benefício da

comunidade?

Brasil

Canadá

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Apêndice F

Entrevista realizada com o Psiquiatra Dr. Francisco Lotufo (Programa de Refugiados do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas -

USP)

RE: pergunta para tese sobre refugiados From:franciscolotufo ([email protected])Sent: Thursday, May 15, 2008 11:40:38 AM To: apacifico ([email protected]) 1. Qual é o nome oficial deste programa? Não há. é um ambulatório do Instituto de

Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

2. Quando foi criado? com que objetivo? quem foram os idealizadores? A Cáritas (Assistentes Sociais Cesira e Heloísa) entrou em contato com Dr. Elias Lino, na época coordenador da Saúde Mental da Secretaria da Saúde, e ele indicou meu nome no Hospital das Clínicas. Isto foi em 1997. O objetivo foi fornecer atendimento psiquiátrico aos refugiados que o necessitassem. 3. Que tipos de atendimento são feitos? Atendimento psiquiátrico. 4. Quantos profissionais há no programa? de quais áreas? há estagiários? No momento há uma médica residente fluente em francês que atende comigo. A Caritas contratou uma psicóloga (Gabriela Gorenstein) e um (psiquiatra Eduardo Aratangy), que fazem atendimento lá. Encaminham para o Instituto de Psiquiatria os que necessitam. 5. Quantos refugiados/solicitantes de refúgio são atendidos por mês (uma média)? 20. 6. Como os refugiados/solicitantes de refúgio descobrem o programa? Encaminhados por Cáritas ou por colegas. 7. Qualquer pessoa pode ser atendido por este programa? Sim. 8. Quais os problemas mais comuns de que se queixam os clientes? Depressão, transtornos somatoformes, Transtorno de Pânico, Estresse pós traumático e psicoses. 9. Há clietes sofrendo da sindrome de dependência de refugiados? Sim. 10. Quanto tempo, em média, dura um atendimento? e o tratamento? Transtornos psiquiátricos são crônicos e podem durar a vida toda. 11. Como é feito o tratamento? Atendimento médico normal com medicação e encaminhamento para os serviços do hospital quando necessário. Dra. Carmen Santana implantou atendimento por arteterapia, para superar as barreiras linguísticas. 12. Quais as maiores dificuldades de vocês, profissionais, na implementação deste programa?Língua. 13. Que você modificaria neste programa? Organizar a coleta de dados. 14. Há relatórios impressos com dados passíveis de serem disponobilizados para minha pesquisa? como posso obtê-los? A Dissertação de Mestrado de Carmen Santana.

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Apêndice G

Entrevistas realizadas com 8 OSFL em Toronto

1. Nome da OSFL

a. Centro para Pessoas que Falam Espanhol (entrevistada: Wancy, recepcionista)

b. FCJ Centro para Refugiaddos (entrevistados: Francisco e Loli Rico, fundadores-diretores)

c. Serviços de Recepção de Refugiados Casa Matthew (entrevistadas: Anne e Astar,

diretoras)

d. Casa São Cristóvão – Serviço de Apoio ao Imigrante e Refugiado (entrevistado: Sr. Darshan, coordenador do programa)

e. Organização de Auxílio aos Imigrantes Somalis (entrevistada: Nasteeha, gerente de

projetos)

f. Serviços para Imigrantes COSTI (entrevistada: Carolina Gajardo, gerente de habitação)

g. Exército da Salvação – Serviços aos Imigrantes e Refugiados (entrevistada: Florence, gerente do programa)

h. Cruz Vermelha Canadense – Programa Primeiro Contato (entrevistada: Jean Suh,

coordenadora, e Tenzing, funcionário)

2. Endereço e sítio na internet, se houver:

a. 2141 Jane St, 2° andar – www.spanishservices.org

b. 208 Oakwood Av. – www.fcjrefugeecentre.com

c. 981 Dundas St W; M6J 1W4 - www.matthewhouse.ca

d. 248 Ossington Av – www.stchrishouse.org

e. 1778 Weston Rd, suite 105 – www.somalicanadians.ca

f. Sheridan Mall, 1700 Wilson Av, suite 114 (este foi o endereço da entrevista, pois há 17 centros com três departamentos específicos em cada um dos centros, com atendimento em 60 idiomas diferentes)– www.costi.org

g. 7 Labatt Av, suite 204 – www.savos.com/irstoronto

h. 1623 Yonge St, www.redcross.ca

3. Que tipo de serviços/atividades oferece?

a. Cinco programas: para mulheres vítimas de violência doméstica; de prevenção a AIDS;

de assentamento de imigrantes e refugiados; de voluntários e clínica jurídica; além de um novo programa para jovens. Estará, em breve, iniciando um programa para idosos.

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b. Abrigo temporário para mulheres com filhos menores e para jovens (rapazes com até

13 anos); integração (enviar pessoas para as instituições específicas, por meio das redes criadas); programa jurídico: casos de refúgio e imigração, tais como: assessoria, acompanhamento no IRB e programas de emprego; programa de assentamento, tais como: aulas de inglês e de francês.

c. Assistência com programas de auxílio à habitação e à integração para solicitantes de

refúgio.

d. Aulas de inglês (iniciante e conversação por professores voluntários e para grupos especiais, como para vietnamitas e para idosos), além de aulas para auxiliar na integração, como grupos de discussão sobre a vida (sistemas de saúde, de transporte, de emprego etc.) e a cultura de Toronto e do Canadá e informações sobre escritórios de advocacia; programas de apoio sobre o mercado de trabalho para imigrantes e refugiados engenheiros, apresentando-os aos profissionais locais.

e. Aulas de inglês; programas para idosos; cursos preparatórios para emprego; saúde e

nutrição; programa sem barreiras; serviços de tradução e de interpretação; programa de apoio familiar; serviços para jovens e famílias; desenvolvimento comunitário; desenvolvimento econômico comunitário; e HIV/AIDS.

f. Emprego, educação e assistência social (serviços de assentamento, habitação e saúde,

neste último).

g. Aos imigrantes e refugiados, oferecemos, gratuitamente, informações sobre assentamento (educação, trabalho, serviços do governo, habitação, procedimento de refúgio e imigração), encaminhamento aos serviços comunitários, preenchimento de formulários do governo, aulas de idiomas, cursos de habilidades (artes, artesanato, alimentos etc.), sessões informativas sobre a vida e a cultura canadenses, oportunidades para voluntariado, aconselhamento em casos de crise e apoio religioso com uma capelã.

h. Programa Primeiro Contato (com serviços de assentamento), Programa de Restauração

de Ligações Familiares e Programa de Assuntos Humanitários.Todos estes são programas que auxiliam uma comunidde que não possui informação ou apoio, assim é que distribuímos nossos cartões em portas de entrada no país aos solicitantes de refúgio, quando da chegada deles em Toronto, para que recebam assistência e encontrem abrigo temporário, serviços médicos, auxílio jurídico, aulas de inglês e auxílio com os procedimentos de solicitação de refúgio.

4. Quantos funcionários possui?

a. 18 pagos e 10 voluntários.

b. 5 pagos, 20 voluntários gerais, 7 advogados voluntários e mais 5 voluntários da área

jurídica por semestre.

c. 4 em tempo integral, 1 em tempo parcial e dúzias de voluntários.

d. 2 em tempo integral, 2 em tempo parcial, 3 estagiários e mais de 20 voluntários.

e. 19.

f. 200 em tempo integral e mais 170 voluntários.

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g. Não sabe.

h. Este programa possui uma funcionária em tempo integral (Jean), uma assistente de serviços comunitários (que divide seu tempo entre dois programas do departamento internacional, além do Tenzing (funcionário em tempo parcial e por contrato temporário, até março de 2008). Ainda, há cerca de 6 voluntários temporários.

5. Quantos clientes possuem? Quem são eles?

a. Imigrantes e refugiados latinos com menos de 3 anos no país. Fazemos cerca de 400

atendimentos por mês.

b. Entre 1500 e 1800 por ano, além de cerca de 3000 por mês via website, sendo que a maioria é dos EUA. Ainda são atendidos e resolvidos cerca de 15 a 20 casos por telefone por mês. Na Casa, residem o máximo de 28 a cada vez. Ademais, há o programa de educação popular, onde são atendidas 25 pessoas por oficina, que ocorrem entre 2 e 4 vezes ao mês.

c. Solicitantes de refúgios de várias nacionalidades (nestes 9 anos, mais de 700 solicitantes

de mais de 75 países por aqui passaram).

d. Imigrantes, refugiados, ilegais, além de alguns recém-chegados. Atendemos cerca de 800 por ano.

e. Somalis e de outras nacionalidades também.

f. Quaisquer pessoas, inclusive refugiados. Foram atendidos 42000 pessoas, em 2006,

sendo que 84% deles não possuíam a nacionalidade canadense. No programa de habitação, cerca de 15% dos atendimentos são realizados com refugiados. O orçamento anual da COSTI é de cerca de CAN$ 18 milhões de dólares canadenses.

g. Atendemos, em 2006, 1112 clientes, representando um total de 1518 pesssoas (clientes

com família), no Canadá, não apenas neste serviços específico.

h. Tivemos 151 novos clientes em novembro de 2007. Mas, entre abril de 2006 e março de 2007, servimos 971 indivíduos.

6. Que tipo de funcionários existem aqui?

a. Assistentes sociais, advogados e recepcionistas. b. Advogados, estagiários de Direito, terapeutas ocupacionais, cientistas políticos,

sociólogos, filósofos, psicólogos, professores e pessoas contratadas para serviços específicos, como os especialistas em angariar recursos e tradutores. Entretanto, nas Casas de recepção não existem funcionários, devido a intenção de fazer com que os refugiados se auxiliem mutuamente.

c. Não entendi bem, mas o perfil dos funcionários é diverso, quanto à idade, gênero,

experiência profissional, nacionalidade etc.

d. Assistentes sociais e voluntários das mais diversas profissões.

e. Diversos.

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f. Trabalhadores comunitários, conselheiros (especialmente em assuntos de assentamento e de administração de ONG), professores, assistentes sociais e um advogado (pro bono).

g. Diversos.

h. Diversos: eu (Jean) sou formada em serviços comunitários, mas há pessoas da área de

Economia, Estudos Internacionais (Tenzing), Ciências da Saúde, Serviço Social etc.

7. Como alguém pode se tornar um funcionário desta OFSL ou se envolver nas suas atividades?

a. As pessoas deixam os currículos aqui e também colocamos as vagas no sítio da internet.

b. Se há vagas, começa-se como voluntário e, depois, é descoberto e convidado para

permanecer como funcionário.

c. Os funcionários são recrutados à medida que se necessita deles, por meio de avisos de vaga e quando os fundos permitem. Qualquer pessoa pode se candidatar para ser voluntário.

d. Primeiramente, tenta-se internamente; depois, externamente, passando por um longo

processo de busca e escolha da pessoa certa.

e. Candidatando-se, pelo currículo.

f. A vaga é colocada no website e há um departamento de recursos humanos que faz a seleção. Igualdade de gênero e eqüidade são levadas em consideração. Existem 5 diretores em nível de gerência máxima, escolhidos, em geral, entre os funcionários do Centro.

g. Anunciamos, primeiro, internamente, depois externamente, tanto no sítio da internet

quanto por meio do sítio www.settlement.org.

h. Primeiro, anuncia internamente, Não preenchendo a vaga, anuncia no website.

8. Quem pode ser membro desta OSFL?

a. Refugiados e latinos recém-chegados ao Canadá, quaisquer mulheres latinas e quaisquer jovens.

b. Solicitantes de refúgio, ilegais e residentes permanentes com problemas.

c. Temos muitos amigos que são devotos da causa dos refugiados. Não há membros, mas

todos os antigos residentes, doadores e voluntários são membros da famiília Casa Matthew.

d. Qualquer pessoa, mesmo os ilegais (que não possuem nenhum direito no Canadá). Entretanto, para ter acesso às aulas de inglês, há restrições, por exemplo: depende de haver professor voluntário para dar a aula e os visitantes devem pagar uma taxa.

e. Qualquer um que pague uma taxa de CAN$ 10 dólares por ano.

f. Qualquer pessoa: recém-chegados, imigrantes, refugiados e a população em geral.

g. Refugiados, imigrantes e ilegais.

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h. Refugiados e imigrantes.

9. Quando ela foi criada?

a. Em 1974.

b. Oficialmente, em 1991. Mas, na verdade, começou em maio de 1990 com os próprios

fundadores e atuais diretores.

c. Em 1992, mas se estabeleceu como abrigo permanente em 1998.

d. Em 1912, como uma casa de assentamento para imigrantes e refugiados.

e. 20 anos atrás.

f. Em 1952, mas passou a trabalhar com refugiados em 1989.

g. Em 1865, na Inglaterra. Este escritório foi criado em 1989.

h. O primeiro programa para imigrantes e refugiados, o Primeiro Contato, foi criado em 2001, como um projeto piloto e, no mesmo ano, tornou-se um projeto permanente.

10. Por que ela foi criada? Ela modificou sua estrutura e/ou seu propósito, desde a

criação? Se sim, em que extensão?

a. Foi criada para ajudar a comunidade latina recém-chegada em Toronto. A estes, outros se uniram. Tem se modificado, de acordo com as necessidades da comunidade latina.

b. No início foi criada para servir às mulheres deslocadas (refugiadas, ilegais etc.) e oferecer-lhes uma boa política. Agora, além disso, tratamos de regularizar a situação delas e dos outros, além de lutar para melhorar a política pública canadense para os imigrantes e refugiados.

c. Fornecer abrigo de apoio aos solicitantes de refúgio, baseando-se no fato de que havia

uma escassez enorme de abrigos decentes e apropriados para solicitantes de refúgio na cidade. Alguns solicitantes de refúgio estavam re-traumatizados por suas experiências de chegada no Canadá, pois eles eram forçados a ficar em abrigos de “sem teto”, muitos dos quais inadequados para as necessidades dos refugiados. A fundadora, que tinha estado trabalhando nestes tipos de abrigo por muitos anos foi tocada por essa situação, o que resultou no estabelecimento da Casa Matthew. O objetivo da Casa Matthew não mudou, mas o trabalho se expandiu para atuar também com os desafios da transição e da integração na comunidade que alguns refugiados enfrentam após deixar o abrigo da Casa Matthew. Assim é que temos o Programa de Transição que fornece um abrigo a longo prazo para os solicitantes que possuem diversos desafios, como saúde (física e mental), maturidade (menores), composição familiar (pais solteiros com filhos menores), que enfrentarão desafios de ajustes. O programa também fornece apoio por meio de visitas às residências dos residentes que se mudaram do abrigo para seus novos lares.

d. Era um abrigo, criado pela Igreja Presbiteriana. Mas, devido à complexidade da problemática, foi preciso abrir a missão. Agora, nós somos uma agência de serviços com base comunitária.

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e. Sim. Além de somalis, atende outros imigrantes. E os programas aumentam e se

diversificam com o tempo., pois os italianos não eram mais os maiores grupos de imigrantes, abrindo-se, assim, os serviços da COSTI para outros imigrantes.

f. Sim. Foi criada pela comunidade italiana em Toronto, mas, nos anos 70, houve uma mudança.

g. É uma organização de serviços comunitários, tendo sida criada por uma igreja cristã.

Em Toronto, foi criada para realizar um serviço pioneiro com solicitantes de refúgio, comm o programa de patrocínio de refugiados. Hoje, ampliou seus trabalhos, como já dito.

h. Para auxiliar as pessoas recém-chegadas (refugiados), no novo ambiente, com todo o

processo de adaptação, desde enviá-las aos abrigos, fornecer-lhes intérpretes, encontrar-lhes advogados, apresentar-lhes agências de assentamentos e informações sobre emprego.

11. Como ela sobrevive (recursos financeiros e humanos)?

a. Financiamento da United Way, do CIC (órgão do governo federal) e do governo

provincial.

b. As irmãs católicas Fiéis Companheiras de Jesus (FCJ) são as donas das 4 casas do Centro de Refugiados FCJ e contribuem com cerca de 30% das despesas, pagando, inclusive, um salário para um funcionário. Ademais, há outras fontes, como fundações privadas, governo federal e local, igrejas, congregações e sindicatos. As fundações privadas doam alimentos uma vez por semana e para os eventos especiais, além de roupas, especialmente quando há mulheres gestantes.

c. Doações particulares de indivíduos e igrejas que se preocupam com os refugiados.

d. Apoio financeiro do governo federal, provincial e local, da United Way, doações

privadas (particulares) e doações de alimentos e roupas.

e. Recebemos apoio financeiro de doadores privados e do governo.

f. Há um fundo de vários níveis (de todos os os níveis governamentais, além de doações de fundações privadas e doadores particualres. Também recebemos doações da Unired Way.

g. Há um programa de obtenção de fundos da própria ONG, que consegue doações, tanto

privadas quanto de agências internacionais. No passado, havía cursos de idiomas com a LINC, hoje não mais.

h. No momento, recebemos apoio financeiro da United Way.

12. Que tipo de apoio/recomendação esta OSFL recebe do governo?

a. Financeiro, do governo provincial.

b. Financeiro, trabalho voluntário e transporte público gratuito para o deslocamento dos

clientes.

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c. Não recebe nenhum apoio governamental, exceto uma doação para estudantes de verão por três meses a cada verão.

d. O governo solicita um projeto, antes de fornecer os serviços. Daí, nós o submetemos ao

CIC e passamos por uma seleção. Alguns projetos são permanentes e outros temporários.

e. Recursos financeiros e humanos.

f. Financeiro. Mas, é mais do que isto, pois nos anos 90, o governo solicitou propostas de

programas e de atividades das ONG, para que estas começassem a realizar o papel dele.

g. Não há apoio do governo federal nem provincial, apenas uma cooperação com uma escola local, para atendimento a crianças imigrantes do bairro.

h. Não diretamente.

13. O que você pode falar acerca da participação das pessoas nas

atividades/programas desta OFSL?

a. Eles estão contentes e aqui é bem conhecido. O feedback é alto. As principais demandas dos clientes são: confidencialidade, ética, informação para trazer familiares e advogados especialistas em questões de habitação.

b. Depende da experiência pessoal de cada um e do clima, pois quando está muito frio e nevando, muitos permanecem em casa. Mas, em geral, todos participam dos eventos. Os principais problemas são, em primeiro, a falta de habitação, depois, a falta de experiência dos refugiados com as leis, além da complexidade do processo de refúgio, e, enfim, os baixos salários percebidos pelos refugiados que trabalham.

c. A Casa Matthew possui várias atividades que dão oportunidades para residentes novos e

antigos participarem. Um exemplo é o Clube Casa Matthew mensal, onde os residentes interagem, os especialistas fazem apresentações sobre tópicos relevantes, as aulas de orientação enquanto eles estão no abrigo e as pesquisas. Há, também, um acampamento de verão e outras celebrações durante todo o ano.

d. Nossos programas encorajam os participantes, especialmente os idosos. As pessoas

pagam uma taxa para certos programas que eles desejem criar para eles próprios ou para um grupo a quem pertençam, por exemplo, um grupo de engenheiros. As principais demandas dos nossos clientes são habitação, falta de emprego e dificuldade com a língua.

e. Há 720 pessoas envolvidas nas atividades desta organização a cada ano.

f. Neste departamento de habitação, realizamos análises, pesquisas e batemos na porta do

governo para convencê-los a mudar. Com os clientes, nós avaliamos todos os aspectos das necessidades para buscar estabilidade para eles, em profundidade; afinal, todos os que nos procuram são pessoas vulneráveis e em sofrimento, passando por várias necessidades. Para se ter uma idéia, há programa público de habitação, mas os refugiados chegam a ficar, em média, 7 anos na lista de espera, até conseguir uma residência do governo.

g. As pessoas realmente nos procuram para fornecer,voluntariamente, aos clientes cursos

de artes, artesanato, alimentos, computação etc. Várias habilidades são aqui ensinadas e

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os imigrantes sempre se inscrevem para os cursos. Inclusive, alguns chegam a ocorrer na lanchonete do Centro, por falta de espaço.

h. Os que mais nos procuram são os enviados de outras agências ou as próprias agências,

solicitando auxílio. Nosso maior problema é encontrar abrigos para os solicitnates de refúgio, já que estes, em geral, estão lotados. Outro problema é obter a permissão para colocar algum funcionário nosso no aeroporto de Toronto, o que tem sido proibido pela CBSA.

14. Esta OSFL possui relações com outras? Quais? Por que? É útil ter tais ligações

a. Não.

b. Sim, há boas conexões em todos os campos, oferecendo diveros produtos, exceto

dinheiro. Temos ligações com: CCR, OCASI, COSTI, Centro Pears, Centro Comunitário Feminino e a rede de casas de recepção de refugiados.

c. A Casa Matthew é membro do CCR e trabalha com outras agências, como o Centro de Refugiados FCJ, a Casa Adam, A Casa Sojourn, a Visão Mundial e outras agências irmãs inspiradas no modelos da Casa Matthew (CM), tais como: Casa Matthew Forte Erie, CM Windsor, Casa Micah e Casa de boas-vindas Cambridge. A CM também possui parcerias com a Cruz Vermelha, com a Casa da Liberdade em Detroit, com o Centro de recepção Peace Bridge, Vive la Casa em Buffallo e outras agências que servem os solicitantes de refúgio. A rede é extremamente útil.

d. Sim, com a United Way, em que o governo é fundador, mas não parceiro. Cada programa aqui tem seus próprios parceiros. Há uma rede enorme de parceiros, como nos programas de assentamento ou abrigo. Há parceiros estratégicos e em coordenação com outros.

e. Sim, com outras organizações somalis, para melhor servir aos nossos clientes.

f. Com milhares, a depender do programa. Inclusive, com agências governamentais. Somente no departamento de habitação, há ligação com 7 outras organizações e algumas precisam de nosso apoio, antes de se tornarem auto-suficientes. Eu defendo a idéia da necessidade da participação da sociedade civil nas ONG, nos programas de desenvolvimento comunitário, até pela lei de responsabilidade social canadense (charitable tax receipt), que isenta de tributação as doações para a caridade.

g. Sim, com OCASI, CCR, Conselho de Assuntos de Refugiados de Toronto, comunidade do bairro e escritório de advocacia do bairro.

h. Não temos parceiros, mas há uma lista de agências que indicamos aos imigrantes e refugiados, para que eles mesmos as procurem.

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Apêndice H

Entrevistas realizadas com 5 Professores em Toronto

1. Nome, universidade, função e correio eletrônico

a. James Simeon. Professor assistente da Faculdade de Políticas Públicas e Administração da Faculdade Atkinson de Estudos Profisionais e Liberais e do Centro para Estudos de Refugiados da York University, Toronto. [email protected]

b. Michaela Hynie. Professora associada de Psicologia e diretora Associada da YIHR da York University. [email protected]

c. Sasha Baglay. Professora assistente da Faculdade de Criminologia, Justiça e Estudos

Políticos da Universidade do Instituto de Tecnologia de Ontário. [email protected]

d. Wenona Giles. Professora da Faculdade de Ciências Sociais da Faculdade Atkinson e Diretora associada do Centro de Estudos de Refugiados da York University. [email protected]

e. Marie Lacroix. Professora associada da Université de Montreal. [email protected]

2. Qual é sua formação acadêmica:

a. PhD e mestrado em Ciências Políticas na York University e um bacharelado em

Ciência Política e Psicologia na Wilfrid Laurier University, Walterloo.

b. Psicologia Social e da Saúde.

c. Direito.

d. Antropologia.

e. Bacharelado com honra em Ciências Sociais, com especialização em Sociologia, mestrado e doutorado em Serviço Social.

3. Qual é seu campo de pesquisa?

a. Minha área de pesquisa inclui direito internacional de refugiados, na teoria e na prática,

suas comparações, particularidades, instrumentos regionais de direitos e cortes regionais de direitos humanos. Minha pesquisa inclui comparações entre políticas para refugiados e suas práticas quais sejam, formulação, confirmação e implementação (administração) de políticas de refugiados nos Estados.

b. Meu interesse são as normas sociais e culturais, bem como as consequências que elas possuem para a) um comportamento ético e moral ou para b) a saúde relacionada com comportamentos e resultados.

c. Imigração e direitos e políticas dos refugiados, além do direito comparado de refugiados.

d. Migração e os aspectos que envolvem refugiados, gênero e globalização.

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e. Imigração e políticas para os refugiados, além do impacto da política imigratória sobre

solicitantes de asilo e refugiados.

4. Até que ponto você se interessa pela problemática dos refugiados?

a. Tenho grande interesse em refugiados e nas questões relacionadas ao tema. Servi no quadro de Imigração e de Refugiados do Canadá (IARLJ) por 11 anos e como diretor executivo da Associação Internacional de Juízes de Direitos de Refugiados por mais que um ano. Continuo a ser um participante ativo do IARLJ e servi como coordenador da Inter-Conferência do Processo do Partido dos Trabalhadores do IARLJ. Também sou membro residente do Centro de Estudos para Refugiados na Universidade de York.

b. Estou interessada em saúde dos imigrantes e a saúde dos refugiados é uma questão relacionada. Meu interesse é mais na aculturação e nas mudanças de normas culturais, se estas são conseqüências da migração, forçada ou voluntária. Portanto, o meu interesse não está somente nos refugiados.

c. Essa é minha principal área de pesquisa.

d. Os refugiados têm sido um importante foco do meu trabalho nos últimos 15 anos.

e. A maioria das minhas pesquisas e publicações tem sido sobre refugiados. Sou profundamente comprometida e interessada nesta temática.

5. Como você avalia a relação entre sua formação acadêmica e o estudo dos

refugiados?

a. Meu desempenho acadêmico e meu conhecimento no campo das ciências políticas me deram o conhecimento necessário e as ferramentas de análise suficientes para estudar as questões em torno de refugiados.

b. Na medida em que eu estudo sobre cultura, ela está relacionada às experiências com refugiados durante a chegada. Muitos dos nossos participantes nos estudos da saúde dos imigrantes, por exemplo, são, na realidade, refugiados e não migrantes voluntários.

c. Fiz meu doutorado em direito de refugiados.

d. No começo de minha pesquisa, eu estava interessada em migração e mobilidade, em

questões de desenvolvimento e, claro, em relações de gênero. Sempre estive interessada em pobreza e migração econômica. Isso leva a um interesse em migração, política e refugiados.

e. A sociologia me forneceu a base para entender como as questões estruturais possuem impacto nas vidas das pessoas. Fiz minha dissertação de mestrado sobre a política de desinstitucionalização dos pacientes psiquiátricos. O estudo da política é sobre o processo e ele pode ser generalizado em qualquer área da política. Neste sentido, meu estágio, durante meu mestrado em serviço social, cujo foco foi em políticas sociais, preparou-me para a pesquisa na área de políticas de refugiados e das implicações destas políticas em populações focadas. Entretanto, durante os anos 80, quando fiz meu mestrado, os estudos sobre refugiados ainda não eram muito desenvolvidos. Apenas durante meu doutorado é que comecei a ler e a pesquisar na área de refugiados.

6. De acordo com seu ponto de vista, como você diria que os refugiados são vistos em

Toronto (pela sociedade civil, pelo governo e por eles mesmos)?

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a. Obviamente, isso não se baseia em nenhuma evidência empírica ou dado objetivo; baseado em coisas tais como opiniões públicas, pesquisas de opinião pública ou pesquisas oficiais de governo. Primeiramente gostaria de alertar da dificuldade em generalizar como o público ou o governo os percebe e até mesmo como os refugiados enxergam a si próprios. Essa é uma questão difícil que provavelmente muda com o tempo, dadas as circuntâncias particulares e a situação local, nacional e internacionalmente. Acredito que a mídia tem um papel muito importante em formar a opinião que as pessoas têm de refugiados, inclusive em como eles próprios se vêem ou ao menos como os mesmos passam a ter noção de como são vistos pela sociedade. Isso pode ou não ser exato. Em segundo lugar, pode ser banal notar que sociedade, o governo eos refugiados não são entidades monolíticas. A sociedade civil é composta por diferentes organizações e grupos, sendo que alguns destes têm por objetivo a advocacia comunitária para refugiados, os quais são vistos de uma forma bastante positiva. De fato, seu papel, em parte, é induzir a uma visão positiva dos refugiados para com os governos e para com a sociedade. Do mesmo modo, dentro dos governos, há agências e departamentos que promovem uma visão positiva dos refugiados, não só com outros departamentos e níveis de governo, mas também com o público. Novamente, refugiados consistem em diferentes indivíduos, comunidades e nacionalidades de todo o mundo. Isso torna extremamente difícil fazer qualquer generalização num sentido mais amplo, de como os refugiados se vêem, quer você esteja vendo essa questão de forma individual, abrangendo uma família ou um grupo mais largo ou base comunitária. Em terceiro lugar, essa não é a minha área de atuação ou área de interesse de pesquisa, por si, portanto não saberia o quanto ajudaria com minhas impressões especulativas neste contexto. Só poderia oferecer minha própria impressão geral nesta questão, que não é baseada em nenhuma pesquisa. Em quarto, minhas impressões gerais surgem a partir do fato de que o Canadá é largamente uma sociedade composta por imigrantes e refugiados. É oficialmente uma sociedade bilíngüe e multicultural que honra e celebra sua diversidade e se orgulha por sua tolerância e humanitarismo e ideais de direitos humanos. O Canadá é visto internacionalmente como um país que impulsiona os direitos humanos e os esforços para a manutenção da paz por meio das Nações Unidas e demais agências e organizações internacionais. Também é visto como uma sociedade aberta que acolhe imigrantes e refugiados por todo o mundo. Tudo isto não quer dizer que o Canadá sejauma sociedade perfeita, isenta de problemas sociais e econômicos. De todo modo, dado o que precede advertências e qualificações, gostaria de dizer que, segundo minha impressão da sociedade civil de Toronto, governo e refugiados são vistos e se enxergam positivvamente. Isso talvez possa ser evidenciado a partir do fato de que Toronto é uma das cidades mais diversificadas e cosmopolitas do Norte da América e, de fato, do mundo.

b. Em relação a outros imigrantes, os refugiados são, de alguma forma, considerados mais positivos. O governo e o público canadense têm um senso de obrigação para com aqueles e são mais tolerantes, pois estes podem ter dificuldades quando da primeira chegada no Canadá. No entanto, esta tolerância evapora rapidamente, pois espera-se que os refugiados se aculturem rapidamente, aprendam o idioma e passem a fazer parte do conjunto da sociedade. O Governo, atuando com as suas obrigações iniciais, presta apoio em termos de cuidados de saúde e serviços sociais, mas o suporte social é subitamente retirado após 3 anos (cuidados de saúde continua sob responsabilidades provinciais). Existe, muitas vezes, insuficiente preparação para essa retirada e insuficiente formação ministrada, deixando refugiados em situações econômicas e sociais difíceis. Existe também um estressante período durante o qual os solicitantes de refúgio, após a chegada, devem esperar as audiências para serem ouvidos pelos juízes de imigração. Este período prolongado de incerteza deixa o solicitante de refúgio em um estado precário e instável ao longo de meses. O Governo mostra uma certa relutância em deferir as solicitações de refúgio, reconhecendo-os como refugiados legítimos. Esta suspeita é muito prejudicial. Aqueles que são visivelmente minorias lidam com o estresse de ser uma minoria visível,

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independentemente de sua condição (imigrantes ou refugiados), mas o prejuízo é agravado pelas dificuldades lingüísticas e pelas divergências em termos de vestuário e hábitos. Emprego e oportunidades são limitadas, especialmente para quem não conhece o idioma local, além de modos e atitudes [cultura nativa] que prejudicam a contratação. O público, em geral, reage aos refugiados e aos imigrantes com hostilidade porque eles trazem diferentes práticas culturais, e o público quer que eles assimilem as nossas próprias práticas. Eles são freqüentemente acusados de não aprender a língua suficientemente rápido, como se esta fosse a prova de que não não se incomodam em aprender o idioma. São acusados de viver fora do bem-estar social, e de não contribuir para o bem-estar da comunidade, não desejando se misturar com a população local. Ironicamente, também são acusados de tomar empregos dos nativos, e muitas vezes não podem participar de eventos da comunidade porque trabalham longas horas e, muitas vezes, também freqüentam aulas de forma a alcançar um melhor emprego.

c. A sociedade civil é muito ativa na missão de ajudar aos refugiados e defendê-los em seu nome; esta os vê a partir da perspectiva de seres humanos que devem ser ajudados e protegidos, em processo justo e eqüitativo de oportunidade. No entanto, isso não significa que os refugiados são vistos como meros receptores passivos de ajuda. Ao contrário, penso que há um entendimento sobre isto: eles possuem capacidade e vontade de fazer a sua vida no Canadá. Penso que esta, em muitos aspectos, coincide com a forma como eles próprios se vêem. Eles não enxergam a si próprios como desamparados, mas certamente possuem necessidade de alguma ajuda inicial para se familiarizar com a vida no Canadá. Acho que eles desejam ser mais envolvido na vida social, ser empregados ou matriculados em cursos de estudo. Tenho trabalhado com muitos refugiados que reclamam, mas, por vezes, provaram que são capazes de encontrar trabalho bastante rápido e estabelecer ligações com pessoas de suas comunidades étnicas ou de fora delas. Creio que muitos daqueles que se tornaram relativamente estabelecidos, mas que foram preteridos em receber proteção, consideram que é injusta e contraproducente obrigá-los a sair do Canadá, depois de terem se estabelecido e tendo-se revelado bons funcionários e membros da comunidade. O governo proclama oficialmente o seu compromisso de humanismo e de proteção dos refugiados, mas também está preocupado com o potencial de abuso de processo por "falsos" refugiados. Ele não tem uma "porta aberta" para os refugiados políticos. Diversas medidas de interdição são utilizadas para evitar potenciais refugiados requerentes de chegar em território Canadense. Por isso, penso que o verdadeiro humanismo do Canadá é bastante questionável e relativo. Claro que o nosso tratamento dos refugiados poderia ser melhor do que ou existente em outros países, mas nunca é incondicional e puramente benévolo (por exemplo, vamos fazer a reinstalação de refugiados, mas desde que eles mostrem que têm potencial para se tornarem um sucesso estabelecido).

d. Nas ruas do Canadá, as pessoas não necessariamente distinguem refugiados de demais migrantes. de todo modo, depois de 11 de setembro houve mais suspeitas relacionadas a refugiados - especialmente os provenientes do Oriente Médio. O Estado do Canadá oscila entre uma aproximação mais humanitária e uma preocupação por segurança.

e. Creio que os refugiados em Toronto são vistos da mesma forma que no resto do Canadá, como exploradores do sistema de imigração; como "furadores de fila"- as pessoas que não passaram pelo processo de imigração "usual" e que fizeram uma solicitação de refúgio. Há uma distinção a ser feita entre os solicitantes de asilo e os refugiados, que não é freqüentemente feita na esfera pública. Tem havido casos de refugiados, de pessoas selecionadas fora do país, que têm sido reassentadas em Toronto e em outras partes do país e que podem ser vistas mais positivamente porque são considerados como refugiados verdadeiros, pela mídia e pelo governo canadense. Esta distinção entre refugiados "reais" e "falsos", entre aqueles considerados "merecedores" e aqueles não merecedores, possuem um papel importante na visão negativa dos refugiados.