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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP Renata Elaine Silva Decisão Judicial em Controle de Constitucionalidade das Normas Tributárias: Análise Sob o enfoque da Teoria da Linguagem MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

Renata Elaine Silva

Decisão Judicial em Controle de Constitucionalidade das Normas Tributárias: Análise Sob o enfoque da Te oria da

Linguagem

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

Renata Elaine Silva

Decisão Judicial em Controle de Constitucionalidade das Normas Tributárias: Análise Sob o enfoque da Te oria da

Linguagem

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Doutora Fabiana Del Padre Tomé.

SÃO PAULO

2008

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Banca Examinadora

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Dedico este trabalho aos meus pais, Valdemar e

Dina, pelo eterno amor e apoio incondicional em

todos os momentos de minha vida, pelo exemplo de

força, dedicação, fé e coragem.

À minha irmã, Roberta, pelo carinho e torcida por

mais esta conquista e por estar sempre ao meu lado

nos momentos difíceis.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus, pelo presente da Vida e por guiar meus

pensamentos.

Ao professor Paulo de Barros Carvalho, sem o qual não seria possível a realização

deste sonho e pelos ensinamentos, que levarei por toda minha vida.

À minha orientadora, Fabiana Del Padre Tomé, pelas horas dispensadas com

reuniões e leituras para orientação desta obra, que muito contribuiu para meu

amadurecimento intelectual.

Ao professor Ricardo Castilho, pelo apoio em minha carreira profissional e carinho

dispensado durante anos de amizade preciosa e rara.

Ao professor Regis Fernandes de Oliveira pelo carinho e convivência profissional

que muito me honra.

À amiga, Patrícia Fudo, pelo convívio pessoal e profissional, e por estender as

mãos para me confortar nos momentos difíceis.

Aos professores Tácio Lacerda Gama e Robson Maia Lins, pela força, apoio e

carinho antes e durante o mestrado.

Aos amigos Rubya Floriani dos Anjos e German Alejandro San Martin Fernandez,

pela amizade verdadeira e preciosa ajuda com a finalização do trabalho.

A todos os amigos e professores da Pontifícia Universidade Católica. E, por fim, a

todos os amigos e professores da Escola Paulista de Direito.

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“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche, e a peça termine sem aplausos”.

Charlie Chaplin

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as decisões judiciais em controle de

constitucionalidade das normas tributárias. A análise será elaborada partindo da

teoria de como se processa a decisão judicial, as premissas decisórias, o limite e a

construção do aplicador do direito da norma concreta de decisão judicial. Para só

após analisar a pragmática, através das próprias decisões proferidas em controle de

constitucionalidade no âmbito no Supremo Tribunal Federal. Todo o

desenvolvimento da teoria e da prática do trabalho será realizado de acordo com a

Teoria da Linguagem como construção do direito em seus aspectos sintáticos,

semânticos e pragmáticos.

Palavras-chave: Direito Tributário. Decisão Judicial. Controle de Constitucionalidade.

Efeitos da decisão em Controle de Constitucionalidade. Teoria da Linguagem.

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ABSTRACT

The present work aims at analyzing the judicial decisions in control of constitutionality

of the tax norms. The analysis will be elaborated from the theory of how the judicial

decision is processed, decision premises, limit and construction of the applier of the

law of the of the concrete norm of judicial decision. Afterwards, through the very

decisions uttered in constitutionality control from Federal Supreme Court, pragmatic

will be analyzed. The whole theory and practical development in the work will be

accomplished in agreement with the Theory of the Language as construction of the

Law in its syntactic, semantic and pragmatic aspects.

Key-words: Tax right. Judicial decision. Control of Constitutionality. Effects of the

decision in Control of Constitutionality. Theory of Language.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13

1 INTRODUÇÃO CIENTÍFICA DO TRABALHO

1.1 Abordagem ........................................................................................................ 16

1.2 Inserção Filosófica .............................................................................................. 17

1.3 Constructivismo Lógico-Semântico .................................................................... 18

1.3.1 Contexto Cultural no Constructivismo Lógico-Semântico ................................ 21

1.4 Teoria da Linguagem Jurídica ............................................................................ 23

1.4.1 Plano de Investigação dos Sistemas Sígnicos ................................................ 26

1.4.2 Mensagem Jurídica: Elemento Comunicacional .............................................. 28

1.4.3 Atos de Fala e Força Ilocucionária das Decisões Judiciais ............................. 31

2 ESTRUTURA NORMATIVA DA E NA DECISÃO JUDICIAL EM CONTROLE

DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1 Introdução .......................................................................................................... 40

2.2 Conceito de Norma Jurídica ............................................................................... 42

2.2.1 Norma em Sentido Amplo e Norma em Sentido Estrito ................................... 44

2.2.2 Regra-Matriz de Incidência Tributária .............................................................. 46

2.2.3 Objeto e Procedimento: Norma Primária e Secundária .................................. 48

2.2.4 O que são as “espécies”: normas gerais e abstratas, normas gerais ou

individuais e concretas. ............................................................................................ 49

2.2.5 Normas de Estrutura e Normas de Comportamento ....................................... 51

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2.2.5.1 Os Princípios como Norma de Estrutura ...................................................... 53

2.3 Norma Jurídica Válida e sua Importância nas Decisões em Controle de

Constitucionalidade .................................................................................................. 58

2.3.1 Validade como Relação de Pertinencialidade.................................................. 61

2.3.2 Validade do Controle de Constitucionalidade na Teoria de HERBERT L. A.

HART ....................................................................................................................... 66

2.3.3 Validade Adotada para Desenvolvimento do Tema ........................................ 71

2.4 O que é Inconstitucionalidade? .......................................................................... 72

2.5 O que é Vigência? ............................................................................................. 74

2.6 O que é Eficácia? .............................................................................................. 75

2.7 Retirada de Norma Inconstitucional do Sistema ................................................. 77

3 CONSTRUÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL EM CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

3.1 Introdução........................................................................................................... 81

3.2 O Juiz e o processo de interpretação ................................................................ 81

3.3 O Juiz diante de uma lacuna no direito............................................................... 89

3.3.1 Lacuna em seu aspecto sintático .................................................................... 91

3.3.2 Lacuna em seu aspecto semântico e pragmático ........................................... 93

3.4 Construção e Formação dos Conceitos.............................................................. 98

3.4.1 Os Valores na Construção e Formação dos Conceitos ................................. 104

3.4.2 Como Resolver o Problema Semântico: Ato de Escolha ............................... 109

3.5 Decisão Judicial e Criação Jurídica .................................................................. 113

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3.5.1 O Juiz perante um caso de difícil decisão...................................................... 116

4 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS TRIBUT ÁRIAS E

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

4.1 Introdução ........................................................................................................ 122

4.2 Breve análise histórica evolutiva do Controle de Constitucionalidade

no Brasil.................................................................................................................. 125

4.3 Controle Difuso de Constitucionalidade ........................................................... 129

4.3.1 O Princípio da Reserva de Plenário .............................................................. 132

4.3.2 Resolução do senado .................................................................................. 134

4.3.3 Efeitos da Decisão em Controle Difuso ......................................................... 136

4.3.3.1 Modulação dos efeitos em Controle Difuso................................................. 136

4.3.4 Transcendência dos Motivos Determinantes da Decisão ............................. 137

4.4 Controle Concentrado de Constitucionalidade ................................................ 141

4.4.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ................................................... 143

4.4.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Por Omissão ............................ 145

4.4.3 Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) ........................................ 149

4.4.4 Medida Cautelar ............................................................................................ 151

4.4.5 Efeitos da Decisão em Controle Concentrado .............................................. 153

4.4.5.1 Diferença entre nulidade ex tunc e anulabilidade ex nunc ......................... 154

4.4.5.2 Modulação dos efeitos em Controle Concentrado ..................................... 156

4.4.5.3 O efeito vinculante ..................................................................................... 158

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4.5 O Supremo Tribunal Federal: órgão jurídico ou político.................................... 161

4.6 A função do Supremo Tribunal Federal: dar segurança Jurídica às relações. . 169

5 CASOS CONCRETOS DE DECISÃO EM CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS

5.1 Introdução ........................................................................................................ 172

5.2 Vaguidade e Ambigüidade dos Signos no Controle Judicial de

Constitucionalidade: Contribuição Para Financiamento da Seguridade Social –

COFINS ................................................................................................................. 172

5.3 Princípios no Controle Judicial de Constitucionalidade: Isenção de Imposto

sobre Propriedade de Veiculo Automotor – IPVA .................................................. 178

5.4 Modulação dos efeitos sem controle de Constitucionalidade: Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI), creditamento de aquisição de insumos

favorecidos com alíquota-zero ............................................................................... 180

5.5 Não Modulação dos Efeitos em Controle Difuso: Revogação da Isenção da

Sociedade Civil de Prestação de Serviços Profissionais ........................................ 183

5.6 Medida Cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade: Inclusão do

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo

da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do

Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do

Servidor Público (PIS/PASEP) ............................................................................... 185

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6 CONCLUSÕES ................................................................................................... 187

7 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 203

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INTRODUÇÃO

O estudo da decisão judicial no âmbito do Supremo Tribunal Federal,

especialmente quando a decisão envolve matéria tributária em controle de

constitucionalidade, é uma proposta que pretende ir além do aspecto formal do

direito1.

A proposta é estabelecer, por meio da teoria analítica do conhecimento,

sem adentrar nas questões empíricas tratadas pelo realismo jurídico 2 , uma

construção da norma concreta “decisão judicial”, de modo a delimitar apenas

daquelas proferidas em controle de constitucionalidade e seus respectivos efeitos no

universo do direito tributário.

Primeiramente, a abordagem terá como ponto de partida as premissas

científicas que serão usadas como base para o pensamento aqui adotado; após,

passar-se-á à construção do fenômeno jurídico “decisão judicial”, através da Teoria

da Linguagem em seus aspectos sintático, semântico e pragmático, construindo todo

o sistema3.

Partimos da norma jurídica geral até a criação da norma concreta em seu

processo de positivação. Isso porque o direito aqui adotado é aquele entendido

1 Não há aqui que se confundir “Direito” (Ciência do Direito) com “direito” (direito positivo). A Ciência do Direito, bem como o direito positivo, são realidades inconfundíveis, cada qual se encontra em planos distintos, e possui organização lógica, peculiaridades e características lingüísticas (semântica e pragmática) próprias. Sem entrar na discussão que encontramos na doutrina nacional e estrangeira sobre a palavra direito e seu aspecto semântico, apenas para diferenciação o Direito como ciência será grafado de letra maiúscula e o direito positivo com minúscula, sempre nessa disposição. Nos casos em que a palavra apresentar outro significado diferente do aqui adotado será prontamente especificado. 2 Apesar de tratar de decisões judiciais, não adotaremos ao realismo de ALF ROSS, que entende que a validade da norma jurídica é dada pela sentença dos tribunais. As bases serão positivistas e a pesquisa será analítica.

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como objeto cultural que carrega consigo valores que se pretendem alcançar. Por

derradeiro, serão abordadas as decisões do Supremo Tribunal Federal – órgão que

diz a última palavra em direito quando a matéria é constitucional –, porque toda

matéria tributária tem sua delimitação geral constitucionalmente estabelecida.

Com apoio em grandes juristas e filósofos, pretende-se desenvolver uma

teoria que, com bases científicas, explique as recentes decisões do Supremo

Tribunal Federal, que certamente servirá não apenas para a melhor compreensão

das normas tributárias, mas, também, para melhor entender as polêmicas decisões

tomadas por este órgão, que, diferente do que acha boa parte da doutrina, não age

como “legislador positivo4”.

Isso porque abundam comentários sobre as decisões do Supremo

Tribunal Federal (STF) em controle de constitucionalidade, quanto à aplicação dos

seus efeitos, em especial quando versam sobre matéria tributária, pois o aspecto

pragmático do direito muitas vezes é esquecido e somente vem à tona quando

determinado fato não se encontra ipsis verbis regulado pela norma jurídica, em

razão da impossibilidade do legislador de prever, em sua atividade legiferante, todos

os fatos sociais possíveis que visam ser jurisdicizados.

Como se processam as normas jurídicas como fenômeno lingüístico que

é? A definição de validade é importante para a definição de direito? O STF tem um

papel jurídico ou político? Como fica a situação de algumas normas que,

interpretadas pelo STF, podem adquirir conteúdo semântico diferente daquele

3 Também apenas a titulo de esclarecimento, a expressão sistema jurídico será usada como sinônimo de ordenamento jurídico, assim como PAULO DE BARROS CARVALHO e diferentemente de GREGÓRIO ROBLES. 4 O “legislador positivo” é aquele que cria nova norma através de sua decisão. Nova norma que seria de competência exclusiva do Poder Legislativo.

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positivado? O princípio é norma de estrutura e deve ser observado pelo Juiz na

criação do direito diante da existência de lacunas? O juiz cria normas? A criação

judicial de normas possui limites? O juiz pode decidir fora da “moldura” de Kelsen?

Como dizer o que está fora ou dentro da “moldura”? Para que serve a “textura

aberta” do direito de Hart? Como se processa o controle de constitucionalidade das

normas tributárias?

Eis alguns dos problemas que se pretende enfrentar no decorrer do

trabalho, por meio de movimento dialético entre a teoria e a prática (fazendo um

paralelo com os próprios julgados), para ao final chegar a uma conclusão com bases

científicas do fenômeno da decisão em controle de constitucionalidade e de seus

efeitos no mundo jurídico tributário. Pois, só a teoria nos dá base para a construção

científica sólida.

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1 INTRODUÇÃO CIENTÍFICA DO TRABALHO

1.1 Abordagem

Inicia-se o presente trabalho estabelecendo as premissas teóricas

científico-filosóficas que guiarão todo o desenvolvimento e análise do tema objeto de

estudo.

Todo trabalho que tem a pretensão de ser científico necessita de uma

organização. Tal organização começa com a demarcação do contexto filosófico, ou

seja, o paradigma em que o trabalho está inserido; em seguida identifica-se o

método escolhido, para, então, finalmente, chegar à necessária delimitação do

objeto, o que se dará através do corte metodológico.

O corte metodológico é necessário para delimitar o objeto, o que não

entendemos como reducionismo do objeto e sim parte integrante da ciência, sem o

qual não é possível o conhecimento científico.

O trabalho também contará com a linguagem em sua função

metalingüística, demonstrando a preocupação com que a mensagem pretendida

atinja o receptor sem ruídos; além da função metalingüística, contaremos também

com inúmeras notas explicativas para que possamos aclarar e destacar o sentido

das palavras, que, como se sabe, são, segundo ALF ROSS5 , sempre vagas e

potencialmente ambíguas.

5 ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. 2. ed. Buenos Aires: Eudeba, 1997, p. 112.

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O método de pesquisa do trabalho também deve ser delimitado; o aqui

adotado é o “constructivismo lógico-semântico”. Neste sentido, é interessante

colacionar o que escreveu PAULO DE BARROS CARVALHO6:

Na proposta epistemológica do direito, não me canso de repetir que todo trabalho com aspirações mais sérias há de expor previamente seu método, assim entendido o conjunto de técnicas utilizadas pelo analista para demarcar o objeto, colocando-o como foco temático, e em seguida, penetrar seu conteúdo.

Após a breve introdução sobre o método adotado para desenvolvimento

do tema, passa-se agora à analise do aspecto filosófico.

1.2 Inserção Filosófica

Conforme mencionado, todo trabalho científico precisa da indicação do

paradigma7 em que está inserido, como também da demarcação de seu método. O

presente estudo tem como inserção filosófica a Filosofia da Linguagem.

Desse modo, os elementos filosóficos que serão usados para a análise do

tema proposto: “Decisão Judicial em Controle de Constitucionalidade das Normas

Tributárias: Analise sob o enfoque da Teoria da Linguagem” serão os relacionados

com a Filosofia da Linguagem, mais precisamente conhecidos por “giro lingüístico”.

6 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 2008. 7 Segundo THOMAS S. KUHN, paradigma seria uma teoria mais ampla formada por conceitos, modelos, analogias, valores, regras de avaliação de teoria, formulação de problemas, princípios metafísicos e pelos exemplares que para o autor são a parte mais importante de um paradigma. (KUHN, Thomas S. As estruturas das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boreira e Nelson Boreira. São Paulo: Perspectiva, 1970, p. 232, passim.)

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O “giro lingüístico”, movimento filosófico que representa a mudança de

paradigma da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem, relaciona

linguagem e conhecimento, construção do conhecimento por meio da linguagem.

Portanto, é um modelo filosófico que auxilia a aprofundar o conhecimento através da

linguagem, fazendo desta o seu ponto de partida.

Pelo método aqui adotado, toda forma de compreensão se dá através da

linguagem, não mais como simples instrumento que aproxima o sujeito do objeto,

mas como instrumento de construção do próprio sujeito e do próprio objeto de

conhecimento, passando a ser uma relação de significações (sentidos) entre

linguagens.

1.3 Constructivismo Lógico Semântico

O constructivismo lógico-semântico é método analítico 8 de trabalho

hermenêutico que auxilia no exame do direito. O constructivismo enfatiza a

uniformidade na análise do objeto e a precisa demarcação da esfera de

investigação, somando-se sempre o contexto cultural que está inserido o objeto de

investigação. Desse modo, os métodos lógicos coerentes somados às categorias

semióticas da linguagem com a intenção de compreensão com racionalidade é o que

chamamos “constructivismo lógico-semântico”.

Neste sentido são as palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO9:

8 Afirmamos ser “um dos métodos”, pois muitos são os sistemas de referência por intermédio do qual o direito pode ser examinado, cada qual representando seu corte metodológico que o ser cognoscente trava com seu objeto de estudo. Nesse sentido CARVALHO, P., 2008, p. 6. 9 Ibid., p. 5.

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Agora, se agregarmos a tal critério expositivo a preocupação com a linguagem jurídica-normativa; se atinarmos para o rendimento que pode ser obtido pela utilização das categorias do projeto semiótico, mais precisamente para as dimensões lógico-semânticas do texto prescritivo; se pensarmos que toda a marcha do raciocínio se reporta a uma visão da norma jurídica, analisada com vigor na sua inteireza conceptual, como “unidade mínima e irredutível” da mensagem deôntica portadora de sentido completo; se não perdermos de vista a necessidade premente de o discurso teórico propiciar a compreensão, com boa dose de racionalidade, da concretude empírica do direito posto; estamos diante daquilo que bem se pode chamar de “constructivismo jurídico”, vertido sobre o subsistema de regras tributárias […].

A indicação do método é fundamental (como já mencionado) e surge junto

com a necessidade de indicação do paradigma em que o trabalho está inserido. Os

critérios metodológicos definem como o objeto deve ser pesquisado.

Todos os métodos que trabalham sob a filosofia do “giro lingüístico” têm

em comum a preocupação com a precisão do discurso científico; esta preocupação

existe porque o discurso científico inegavelmente é afetado pelas estruturas

sintáticas, pelo campo semântico e pela argumentação pragmática.

Os métodos precisam ser rigorosos para serem eficazes. No

constructivismo, o rigor apresenta-se na linguagem, pois seu método de investigação

é o analítico, ou seja, o objeto de estudo é decomposto analiticamente em partes,

para só depois ser reconstruído através da contextualização.

Paulo de Barros Carvalho10, enfatizando o rigor com a linguagem que vem

crescendo progressivamente no direito, e principalmente no direito tributário, após o

movimento do “giro-lingüístico”, leciona que:

Foi com esta preocupação em “escrever bem e pensando” que o constructivismo lógico-semântico tomou força em toda a comunidade

10 CARVALHO, P., 2008, p. 159.

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científica. A busca incessante de se aperfeiçoar a Teoria Geral, com o objeto de aprofundar o conhecimento da matéria, tornou-se a base do movimento que introduziu, no campo do epistemológico do direito, mudanças ideológicas relevantes.

Nessa entoada, vemos que no constructivismo lógico-semântico o sentido

é construído dentro do contexto cultural, que é pressuposto de significação. Primeiro

se faz uma decomposição analítica, para depois construir o sentido dos termos,

sempre considerando o contexto cultural. Mesmo com a decomposição analítica, não

se desprezam os valores, representados pela semântica da linguagem e pelo

aspecto pragmático inserido nesse contexto cultural. Desse modo, após a

decomposição, faz-se a contextualização para se ver o todo.

Visto que o constructivismo segue a tradição interpretativa, porque os

significados não se dão de modo imediato e precisam ser construídos pelo

interprete, ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER11 elencam a necessidade de

três elementos: a) visão do conjunto (holística): a compreensão depende da inter-

relação que se tem do contexto; b) abordagem indutiva: parte-se da observação

particulares para fazer generalizações; c) investigação naturalística: que é aquela

em que a investigação do pesquisador no contexto observado é reduzida ao mínimo.

Para os constructivistas, a realidade é construída pela linguagem, assim

pode-se até dizer que há sempre múltiplas realidades sobre uma dada questão

(relativismo). Mas, o relativismo não se torna um problema se a pesquisa se propõe

a compreender o aspecto cultural em que está envolvido o sujeito congnoscente, ou

seja, tenta entender a “cultura” de grupos que têm diferentes visões.

11 ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1999, p. 131.

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O método do “constructivismo lógico-semântico” no estudo do direito

positivo torna o pensamento coerente, permitindo, além do rigor lingüístico, o

conhecimento do sistema jurídico como um todo. Mas, para isso, necessita do

contexto cultural.

1.3.1 Contexto Cultural no Constructivismo Lógico- semântico

O conceito de cultura torna-se necessário para o método do

constructivismo lógico-semântico, principalmente quando estamos na região ôntica

dos objetos culturais 12 . Isso porque será através do contexto cultural que se

alcançará o sentido dos termos jurídicos.

O culturalismo aborda o homem e a sua realidade circundante; não há

como sustentar um ordenamento jurídico dotado de normas que “devem-ser” sem

considerar a realidade e os valores que envolvem o ser cognoscente.

O conceito de cultura teve como precursor TOBIAS BARRETO DE

MENEZES13, fundador da Escola de Recife, porém seus pensamentos foram se

sedimentando na teoria da linguagem por LOURIVAL VILANOVA, como uma

totalidade de valores, idéias e normas, incorporadas nas condutas humanas e coisas

físicas14.

12 Esta divisão foi retomada e explicitada por Carlos Cossio, que sintetizou a teoria husserliana dos objetos em: naturais, ideais, metafísicos e culturais. “Já os culturais são reais, têm existência espaço-temporal, suscetíveis, portanto, à experiência, além de serem valiosos, positiva ou negativamente. O acesso cognoscitivo se dá pela compreensão e o método próprio-dialético, já que o saber, nesse campo, pressupõe incessantemente idas e vindas da base material ao plano dos valores e, deste último, à concreção da entidade física que examinamos”. CARVALHO, P., 2008. p. 14-17. 13 Segundo AIRES BARRETO, “o mundo do homem não é produto natural, mas cultural”. (CARVALHO, José Maurício de. Curso de Introdução à filosofia brasileira. Londrina: CEFIL – EDUEL, 2000, p. 122.) 14 VILANOVA, Lourival. Teoria Jurídica da Revolução. Escritos Jurídicos e Filosóficos. v. 2. São Paulo: Axis Mundi/IBET, 2003, p. 295.

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Foi MIGUEL REALE15 o jurista que mais contribuiu para o estudo do

culturalismo no Brasil. Segundo o autor, culturalismo é “concepção do direito que se

integra no historicismo contemporâneo e aplica, no estudo do Estado e do direito, os

princípios fundamentais da axiologia, ou seja, da teoria dos valores em função dos

graus de evolução social”. Ressalta ainda o jurista 16 que “ninguém pensa in

abstracto, e nenhuma realidade é cognoscível em abstração de suas

circunstâncias.”17

Não há como estudar culturalismo sem fazer referência ao tema dos

valores18; apenas para ilustrar, é salutar a lição de JOHANNES HESSEN19: “cultura

significa precisamente realização de valores, realização de valores objetivos por

meio duma actividade exercida pelo homem”.

Sendo a cultura condição do conhecimento, este (conhecimento) só será

alcançado quando houver uma comunicação entre ambos, pois a cultura e o

conhecimento estarão sempre unidos.

15 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 08. 16 E de acordo com a teoria tridimensional de MIGUEL REALE, o direito é fato, valor e norma. Mas, apenas para esclarecimentos é importante mencionar que, mesmo adotando a posição de culturalismo do autor, a teoria normativa-positivista não trabalha com a teoria tridimensional “fato, valor e norma”; para a teoria há uma inclusão de classes em que o fato e o valor estão na própria norma. A teoria tridimensional não resiste ao paradigma adotado. 17 REALE, Miguel. Cinco Temas do Culturalismo. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 42. 18 Sobre os valores, trataremos no capítulo próprio. 19 HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. Coimbra: Almedina, 2001, p.102.

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23

1.4 Teoria da Linguagem Jurídica

“Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”20.

Dentro do paradigma em que se desenvolve o trabalho somente por meio da

linguagem, é possível o conhecimento21; a linguagem constrói a realidade jurídica e

nos permite compreender o sujeito e o objeto. Sem linguagem não há realidade, não

há conhecimento, não há compreensão. Por este motivo, o parágrafo foi iniciado

com a proposição 5.6 de WITTGENSTEIN, pois a teoria do filósofo dava ênfase à

relação linguagem e realidade22.

Segundo VILÉM FLUSSER, 23 a língua é realidade; ela forma, cria e

propaga a realidade.

Necessário se faz delimitar que estamos afirmando que a linguagem é

instrumento de criação do direito, que é um objeto cultural, e é dentro desse sistema

que as premissas aqui adotadas são relevantes.

ALFREDO ALGUSTO BECKER24 sabiamente já dizia:

20 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Edusp, 2001, proposição 5.6, p. 245. 21 Diferentemente, TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM afirma que o direito não é linguagem, pois, através das lições de GREGÓRIO ROBLES, entende que a afirmação de que o direito é só linguagem é redutiva do fenômeno jurídico. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em Matéria Tributária. São Paulo: Editora Noeses, 2005, p. 55.) 22 Segundo MENDES: “Os trabalhos de Ludwig Wittgenstein dão ênfase à relação existente entre a linguagem e a realidade, intermediada pelo pensamento. No Tractatus, a relação da linguagem com o mundo é representativa, isto é, a linguagem representa o mundo. Em Investigações Filosóficas, LUDWIG WITTGENSTEIN verifica que não existe uma relação única e imutável entre a linguagem e o que ela representa. A relação somente pode ser descoberta através do uso que se faz da linguagem. (MENDES, Sonia Maria Broglia. Validade Jurídica Pré e Pós-Giro Lingüístico. São Paulo: Editora Noeses, 2007. p. 71.) 23 Segundo o autor: “A língua é o conjunto de todas as palavras percebidas e perceptíveis, quando ligadas entre si de acordo com regras preestabelecidas”. (FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2004, p. 41.) 24 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2. ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 51.

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24

Ele [mundo jurídico] substitui o mundo dos fatos reais por um universo de palavras. Onde há floresta amazônica, o legislador determina que deva existir uma flor de papel. Tudo se converte em papel em signos gráficos no papel: as palavras. Os próprios juristas passam a vida a investigar palavras, a escrever palavras a propósitos de palavras”. O direto se manifesta, se propaga e se cria através da linguagem.

A linguagem prescritiva do direito positivo ordena e tem o condão de estar

perante a sociedade para regulá-la e organizá-la. A linguagem prescritiva cria e não

apenas relata. Por outra feita, a linguagem descritiva da Ciência (Teoria da

Linguagem) apenas diz como é a realidade, o que o cientista entende do mundo que

o entorna, sem alterá-lo.

A linguagem das normas jurídicas tributárias, sejam elas abstratas,

advindas do Poder Legislativo, sejam elas concretas, advindas do Poder Judiciário,

por meio de uma decisão será sempre técnica, jamais será científica, pois não

descreve o objeto, mas sim prescreve comportamentos intersubjetivos. Para definir

linguagem técnica, valemo-nos das lições de PAULO DE BARROS CARVALHO25:

Linguagem técnica é toda aquela que se assenta no discurso natural, mas aproveita em quantidade considerável palavras e expressões de cunho determinado, pertinentes ao domínio das comunicações científicas. Não chegando a atingir uma estrutura que se possa dizer sistematizada, busca transmitir informações imediatas acerca da funcionalidade do objeto, utilizando, para tanto, número maior ou menor de termos científicos.

A linguagem formalizada também é importante, pois é através dela que a

ciência atinge maior grau de consensualidade, mas, por ter um conteúdo semântico

mínimo, passa a ser uma objeção à utilização na ciência jurídica, que precisa ser

25 CARVALHO, P., 2008. p. 57.

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significativa e suficientemente clara; v.g., a linguagem matemática que é o grau

máximo da formalização e universalmente válida, mas sem conteúdo semântico.

O cientista, portanto, deve ter preocupação com a linguagem, deve se

expressar em uma linguagem clara e sanar, na medida do possível, os casos de

ambigüidade e vaguidade, para ser universalmente compreendido. A precisão e

clareza é pré-condição da ciência. Por isso, dizemos que a linguagem científica é

artificialmente construída pelo homem.

A análise da decisão judicial em controle de constitucionalidade das

normas tributárias parte da premissa de que direito, antes de qualquer coisa, é

comunicação e, por esse motivo, deve ser analisado pelos instrumentos da Teoria

da Linguagem.

Não se nega, sobretudo, que direito positivo é o conjunto normas válidas

em um determinado espaço e tempo delimitado, cuja linguagem se apresentará na

função prescritiva; e que a Ciência do Direito é conjunto de enunciados que terá

como objeto as normas do direito positivo, que, por sua vez, apresentará a

linguagem em sua função descritiva. Mas, por ser “sistema que comunica aos seus

destinatários/usuários padrões de conduta social” 26 teremos que estudar os

fenômenos jurídicos pelos métodos lingüísticos.

A linguagem prescritiva criará o fato jurídico; antes dela, o fato jurídico

não existe. O direito não possui outra forma se não a linguagem para juridicizar os

fatos sociais. Não é apenas a descrição de um determinado evento que garante a

passagem de evento para fato jurídico, é necessária a linguagem prescritiva do

direito. Antes da prescrição de que, v.g., todos que moram na zona urbana do

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município devem pagar um tributo chamado Imposto de Propriedade Territorial

Urbana (IPTU), o tributo não existe como fato jurídico relevante para o direito;

apenas o evento físico de morar na zona urbana não é suficiente para o direito, que

necessita da mensagem prescritiva, sem se olvidar que a linguagem, contudo, é

instrumento jurídico que nunca toca a realidade27.

A linguagem pode ser analisada em seu caráter técnico e filosófico

através da semiótica e da hermenêutica, que são, respectivamente, a ciência dos

signos e da compreensão. Linguagem, em sentido amplo, é toda forma de

expressão do pensamento possível de ser lida, interpretada e compreendida, toda

linguagem que apresente estas três formas hermenêuticas – ler, interpretar e

compreender – é linguagem em sentido amplo.

1.4.1 Plano de investigação dos Sistemas Sígnicos

Destaca-se a importância da semiótica como ciência que estuda os signos

e o fenômeno da representação. Signo pode ser entendido

Como unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação, para aplicarmos a terminologia husserliana. 28 (destaque consta no original).

26 ARAUJO, Clarice Von Oertzen de. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 17. 27 Cf. CARVALHO, P., 2008, p. 162: “porquanto sabemos que a linguagem, ainda que proferida com a autoridade coativa dos órgãos do Poder Público, não chega a tocar materialmente os eventos e as condutas por ela regulados.” 28 Cf. Ibid., p. 33. Isso porque o autor adota as terminologias de Husserl, de “suporte físico, significação e significado” assim como adotamos neste trabalho. (Idem, p. 34). Mas, também podemos destacar a explicação de signo relatada por CLARICE VON OERTZEN DE ARAÚJO, 2005b, p. 128: “Para a tradição filosófica, um signo pode ser qualquer objeto ou acontecimento usado como menção de outro objeto ou acontecimento. Esta seria a definição mais genérica de signo, a partir da qual poderíamos partir para uma investigação que venha lhe sofisticar ou definir com maior precisão. Em sentido um pouco mais preciso, um signo seria uma relação, uma associação.”

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A semiótica tem como objetivo o exame do modo de produção da

significação e do sentido, é método investigativo capaz de compreender a

linguagem.

Segundo CLARICE VON OERTZEN DE ARAUJO,29

A semiótica é a ciência dos signos, a ciência que estuda os fenômenos da representação. Como ciência, estuda não somente as representações verbais, ou seja, as representações vertidas em palavras, mas sistematiza rigorosamente qualquer tipo de representação, assim entendida a ação ou modo de comportamento de qualquer tipo de signo.

CHARLES MORRIS, influenciado pela distinção de PIERCE, distingue

três planos na investigação dos sistemas sígnicos30: (i) sintático: relação de signos

entre si, ou signo com signo; (ii) semântico: relação signo com objeto do mundo que

ele representa (dicionário); (iii) pragmático: relação dos signos com o utente

(usuários) da linguagem (emissor e destinatário). Ou seja, o plano sintático seria a

organização dos signos; o plano semântico, a significação dos signos; o plano

pragmático, a possível determinação dos signos construída pelos utentes.

A linguagem será analisada nesses três planos para a interpretação dos

vocábulos, mesmo que um deles tenha mais ênfase em face dos outros, será

necessária a analise dos três planos.

Como a proposta é estudar o fenômeno da decisão judicial em controle de

constitucionalidade pelo ângulo analítico, tem-se que atentar aos planos de

investigação dos sistemas sígnicos, sem, contudo, estudar a semiótica do direito em

29 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Fato e Evento Tributário – uma análise semiótica. In: Curso de Especialização em Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005a, p. 335. 30 CARVALHO, P., 2008. p. 36.

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sua profundidade, assim como fez CLARICE VON OERTZEN DE ARAUJO31 através

da obra de CHARLES SANDERS PEIRCE, mas apenas delimitar as dimensões,

sintática, semântica 32 e pragmática da linguagem e dos fenômenos jurídicos

inerentes ao tema.

1.4.2 Mensagem Jurídica: elemento comunicacional

A comunicação jurídica pode ser entendida como sendo: troca entre

sujeitos de direito (emissores e receptores) por meio de uma relação jurídica em que

temos um código comum para que haja o recebimento da mensagem pelos

receptores, através de um canal, tudo isso relacionado a um contexto em que deve

estar inserida a mensagem.

Nas lições de ROMAN JAKOBSON33, temos

O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser eficaz, a mensagem requer um contexto a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um contacto, um canal físico e uma conexão psicológica entre remetente e o destinatário, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação.

31 ARAÚJO, 2005b. 32 Apenas para esclarecimento, com lição de um dos mais eminentes lingüistas da atualidade: “Certos teóricos afirmam, é verdade, que a sintaxe se ocupa das relações dos signos entre si e a semântica das relações entre os signos e as coisas. Limitemo-nos, entretanto, no quadro da Lingüística sincrônica, a examinar qual a diferença entre sintaxe e semântica. A linguagem implica dois eixos. A sintaxe se ocupa do eixo dos encadeamentos (concatenação), a semântica do eixo das substituições. Suponhamos que eu diga, por exemplo, “o pai tem um filho”: as relações entre “o” , “pai”, “tem”, “um”, e “filho” se situam no campo da cadeia verbal, são sintáticas.Quando comparo os contextos – “o pai tem um filho”, “a mãe tem um filho”, “o pai tem uma filha”, “o pai tem dois filhos”, substituo certos signos por outros e as relações semânticas com que nos havemos são relações tanto lingüísticas quanto sintáticas. A concatenação implica a substituição. (JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Editora Cultrix, 2007, p. 30.) 33 Ibid., p.123.

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Os emissores são responsáveis pela autoprodução do direito. O Supremo

Tribunal Federal encontra-se na posição de emissor e a decisão judicial tributária

seria o canal da mensagem; isso porque a mensagem jurídica abstrata necessita ser

contextualizada e concretizada para que a mensagem atinja os indivíduos, sejam

eles individualmente ou geralmente considerados. É oportuno destacar que a

mensagem estará sempre na função prescritiva, ordenando condutas34.

O direito como comunicação jurídica deve ter uma mensagem; a

mensagem, com vimos linhas acima por ROMAN JAKOBSON, é o conteúdo

normativo veiculado na norma, que necessita de um significado, que pode ser

entendido de acordo com. CLARICE VON OERTZEN DE ARAUJO35:

O significado das normas está, mediata ou imediatamente, relacionado com a ordenação das condutas humanas em sociedade. Ou seja, o seu significado é a informação que elas transmitem. Ora, normas transmitem comandos que poderiam ser classificados em obrigações, permissões e proibições. No entanto, com referência ao seu conteúdo, as normas podem se referir diretamente à conduta ou podem disciplinar competência ou procedimentos jurídicos.

O processo de incidência (aqui considerado como aplicação do

direito) é necessário para que haja comunicação da mensagem jurídica, atingindo as

condutas interpessoais. A incidência ou aplicação do direito deve ser

necessariamente feita através de um sujeito de direito (homem), isto é, não se dá de

forma automática, solicita sempre um sujeito de direito habilitado pelo sistema. Essa

é a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO36:

34 CRISTIANO CARVALHO escreve que “Essa é a característica principal que diferencia o direito dos demais sistemas comunicacionais: o fato de emitir mensagens sempre na função prescritiva ou ordenadora de condutas”. (CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico: direito, economia, tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 135.) 35 ARAÚJO, 2005b, p. 45. 36 CARVALHO, P., 2008, p. 169-170.

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Somente sujeito de direito, indicado pela lei, poderá, por intermédio da norma individual e concreta [ou geral e concreta], recolher os elementos verificados no acontecimento efetivo da vida social, proceder à operação lógica de subsunção e expedir a norma individual e concreta, construindo em linguagem a relação jurídica. Em outras palavras, e transportando essas reflexões ao campo do fato comunicacional, só será emissor da mensagem jurídica aquele que estiver assim qualificado pelo código comunicacional, ou seja, pelo ordenamento positivo.

Pela teoria de NIKLAS LUHMANN 37 , que não é uma teoria que

adotaremos em sua integridade, mas apenas usaremos nos pontos convergentes

em que for possível colher as mesmas conclusões das premissas adotadas pelo

autor, a decisão é definida como comunicação jurídica que mantém a autopoiese do

sistema. O sistema autopoiético é aquele que tem como elemento apenas

comunicação; excluem–se os indivíduos. Desse modo, para LUHMANN só há grupo

social com comunicação (linguagem); portanto, é a comunicação que dá surgimento

da sociedade. Os próprios juízes também são comunicações.

Na mesma linha de raciocínio, concorda CRISTIANO CARVALHO38:

Quanto ao sistema jurídico, os órgãos jurídicos são, antes de mais nada, comunicações jurídicas também. Ser juiz não é ser uma entidade biológica, composta de sangue, osso e tecido. É ter uma função atribuída pelo sistema comunicacional do direito, através de atos comunicativos jurídicos que outorgam competência para expedição de outros atos comunicativos jurídicos. Portanto, verificamos que o sistema jurídico é formado por atos comunicativos e esses próprios atos comunicam também quem os enviou.

As decisões jurídicas em controle de constitucionalidade das normas

tributárias também podem ser vistas como atos de fala, elemento dinâmico do

direito. O direito é elemento aberto cognitivamente (aspecto semântico) e fechado

37 A teoria de Luhamann apareceu em um momento em que o positivismo estava em crise e o naturalismo havia chegado ao fim, daí a necessidade de se chegar a uma “nova teoria do direito” com bases científicas e não mais filosófica que era encontrada na Teoria Kelseniana. 38 CARVALHO, C., 2005, p. 141.

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operativamente (aspecto sintático) e opera com progressivas transformações, auto-

reproduzindo-se.

1.4.3 Atos de fala e força ilocucionária das decisõ es judiciais

É possível, como mencionado, fazer uma leitura da decisão judicial em

controle de constitucionalidade das normas tributárias através dos atos de fala. A

teoria dos atos de fala entende que a ação de falar (falar no sentido amplo) é uma

ação que cria uma nova situação. É a linguagem como ação, atuando sobre o plano

real, não apenas como representação da realidade. Desse modo, ao ser

exteriorizada a ação de enunciação pelo enunciado, cria-se uma nova situação

prescritiva de conduta que se denomina atos de fala.

A teoria dos atos de fala, assim como as demais teorias aqui adotadas,

insere-se na filosofia analítica de tradição britânica, que teve um dos seus

precursores WITTGENSTEIN, mas surge com duas intenções iniciais, sendo a

primeira: analisar frases para delimitar forma lógica e elementos constitutivos, isto é,

uma “teoria filosófica sobre a natureza e estrutura da linguagem, examinado noções

como termos e proposições, sentido e referência, nomes próprios e predicativos,

verdade, etc.” e a “segunda tarefa da filosofia será desenvolvida pela corrente

conhecida por vezes como filosofia da linguagem ordinária, filosofia lingüística ou,

ainda, Escola de Oxford”.39

O primeiro estudioso da teoria dos atos de fala (speech acts) foi JOHN

LANGSHAW AUSTIN 40 . Esse autor contrapõe-se à teoria tradicional de que a

linguagem é essencialmente descritiva. E através da “teoria da linguagem

39 AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990, p. 8.

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performativa” estabeleceu diferenças entre enunciados performativos (que não

constatam fatos ou ações, mas executam uma ação) e enunciados constatativos

(meramente descritivos). Mas, foi a partir da experiência fracassada com a distinção

dos procedimentos constatativos e performativos que AUSTIN fez a primeira

tentativa de articulação sistemática da “teoria dos atos de fala”, no que tange à sua

pluridimensionalidade.

Pela teoria desenvolvida por AUSTIN, todo o problema pode ser

considerado restrito a “semântica” da linguagem, delimitando seu contexto para

saber se determinado termo pode ou não ser usado naquele contexto em que está

inserido.

Daqui, já percebe-se que a linguagem sempre dependerá de um caso

concreto, termos abstratos de linguagem sempre devem ser analisados sob

determinado contexto. Assim, “Não há mais uma separação radical entre

“linguagem” e “mundo”, porque o que consideramos “realidade” é constituído

exatamente pela linguagem que adquirimos e empregamos”41.

Para AUSTIN as palavras ou sentenças lingüísticas não apenas

descrevem uma situação de fato, ou apenas declaram, mas, sim, realizam uma

ação; por este motivo, chama as sentenças de performativas ou proferimento

performativo. Isso porque o proferimento de uma palavra é geralmente42 a realização

de um ato.

40 Ibid., passim. 41 AUSTIN, 1990, p. 10. 42 Digo “geralmente” pois um ato pode ter outras ocorrências, como ações físicas ou mentais. Exemplo dado pelo próprio AUSTIN de uma doação que não se realiza caso a pessoa diz: “dou-lhe isto”, mas não faz a entrega do objeto. (Ibid., p. 26.)

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Para o autor, o ato de fala é pluridimensional, pois é uma realidade

complexa, com muitas dimensões43. A primeira delas seria atos de fala como “ato

locucionário”, em que cada procedimento lingüístico é um tipo de ação humana,

como articular uma palavra ou emitir uma frase ou texto de acordo com a gramática

(significado). É ato locucionário, e.g., a simples frase: “Se auferir renda, deve pagar

Imposto sobre a renda”.

“Ato ilocucionário” seria outra dimensão dos atos de fala, dimensão esta

que surge do “ato locucionário”; isso significa que o “ato ilocucionário” (proposição in

em inglês, ao em português) é o ato de dizer algo, fazendo também algo (força). A

função lingüística da frase nem sempre é explícita, necessitando do contexto para

que possa ser identificada sua real função. É aquele que nos diz se a pessoa disse

algo para emitir um juízo, advertir, prevenir, ordenar, informar etc., e.g., “se auferiu

renda, deve pagar Imposto sobre a Renda” (a autoridade está ordenando o

contribuinte a pagar tributo).

A terceira dimensão dos atos de fala é o “ato perlocucionário” (proposição

by em inglês, por em português), que é aquele que provoca, por meio de expressões

lingüísticas, certos efeitos nos sentimentos, pensamentos e ações de outras pessoas

(efeito). O ato perlocucionário é aquele que exerce influência de forma determinada

sobre outras pessoas, tais como convencer, persuadir, impedir, etc., e.g., “aquele

que auferiu renda pagou o tributo (foi obrigado a pagar o tributo que era devido).

43 OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2001, p. 157.

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TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. 44 diz: “podemos dizer que ‘atos

locucionários’ têm significado, ‘atos ilocucionários’ desempenham um papel (o papel

de ameaçar ou descrever uma sanção), ‘atos perlocutivos’ visam a certos efeitos,

não são instrumentos para agir, mas realizam imediatamente uma ação”.

Por isso AUSTIN diz que “Devemos distinguir o ato ilocucionário do ato

perlocucionário. Por exemplo, devemos distinguir entre ‘ao dizer tal coisa eu estava

prevenindo’ e ‘por dizer tal coisa eu o convenci, ou surpreendi, ou fiz parar’”45

AUSTIN46, em sua obra, na tentativa de compreender a força ilocucionária

dos atos de fala, divide a dimensão em cinco classes: (1) veriditivos, (2) exercitivos,

(3) comissivos, (4) comportamentais, (5) expositivos.

A força ilocucionária veriditiva, segundo o Autor, é caracterizada por um

juízo, um veredicto sobre valores ou fatos, assim como sugere o nome. Pode não

ser definitivo, mas constitui uma estimativa, um cálculo, uma apreciação. São atos

judiciais e se distinguem dos legislativos ou executivos que são os exercitivos.

Os atos de fala classificados por ilocucionários exercitivos são aqueles

que consistem em uma tomada de decisão que se dá em nome de determinado

poder, de um direito ou influência, é advogar que determinada coisa deve ser assim

no lugar de determinar que seja; por exemplo: designar, votar, anunciar, advogar,

avisar, tendo como objetivo que os receptores se ajustem ao ato de fala proferido.

44 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 70. 45 AUSTIN, 1990, p. 96. 46 Ibid., p. 123.

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Os comissivos são aqueles que comprometem o locutor a fazer ou

assumir algo, não constituindo apenas as promessas, mas também declarações e

anúncios de intenções ou até mesmo as adesões; são os verbos: pretender, planejo,

defendo, sou a favor de, etc.

Os comportamentais são aqueles que têm relação com o comportamento,

com a reação diante da conduta passada, como felicitar, elogiar, dar os pêsames,

etc. Segundo AUSTIN47, os comportamentais deixam uma oportunidade bastante

grande para a insinceridade.

Por fim, os expositivos são aqueles que esclarecem usos e referências,

isto é, como um ato de fala deve ser considerado; aclara a expressão através das

locuções: exemplifico, cito, repito que, etc.

Resumidamente pode-se dizer, segundo AUSTIN, que48,

verideditivo é um exercício de julgamento, o exercitivo é uma afirmação de influência ou exercício de poder, o comissivo é assumir uma obrigação ou aclarar uma intenção, o comportamental é a adoção de uma atitude e o expositivo é o esclarecimento de razões, argumentos e comunicações.

No estudo do direito, os atos de fala demonstram que uma declaração em

direito jamais será uma declaração de fato, pois constituirá direitos e deveres e

mudará a situação de fato, já que, na linguagem do direito positivo, o procedimento é

normativamente estipulado. Na decisão em controle de constitucionalidade, teremos

o ato de fala com força ilocucionária veriditiva.

47 AUSTIN, 1990, p. 130. 48 Ibid., p. 131.

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O direito basicamente é formado por atos de fala, porque os enunciados

prescritivos do direito nada descrevem, nem nada declaram, mas, sim, realizam

ações de ordem ao prescreverem condutas, por isso verificamos que o direito

positivo se constitui por atos de fala: “Dizendo no presente o direito do passado, o

juiz o reorganiza necessariamente”49.

AUSTIN também determinou que os atos de fala não são verdadeiros ou

falsos, como acontece com os atos descritivos, e também não assumem caráter de

valido ou não válido dos prescritivos deônticos. Mas, como servem para realizar

ações, serão felizes ou infelizes, de acordo com seu sucesso ou insucesso de certas

condições estabelecidas ou normativamente estipuladas.

Após AUSTIN, outro autor contribuiu para as pesquisas do ato de fala,

JOHN R. SEARLE, que tentou responder algumas questões não solucionadas por

AUSTIN. Entre elas, que o objeto da filosofia da linguagem é a relação entre palavra

e mundo, e que apenas há fenômeno comunicacional, desde que haja consciência e

intencionalidade. Contudo, adotaremos neste trabalho apenas as bases filosóficas

do pensamento AUSTIN.

Desse modo, para desenvolvimento da pragmática da decisão judicial,

adotaremos a dimensão ilocucionária dos atos de fala, pois, como vimos, é através

da dimensão ilocucionária (propósito pretendido pelo autor) que a prescrição

normativa da decisão atingirá a força perlocucionária (efeitos gerados nos

receptores) dos atos de fala. Isso porque consideramos que a decisão judicial em

controle de constitucionalidade é ato comunicacional, ou seja, atos de fala que

pressupõem um emissor e um destinatário.

49 OST, François. O Tempo do Direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru, SP: Edusc, 2005, p.177.

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Mais uma vez, não significa que estamos negando o caráter da decisão

judicial como norma individual ou geral e concreta, mas olhando o fenômeno da

decisão judicial pelo prisma da Pragmática da Linguagem como ramo da Teria da

Linguagem; podemos sacar pelo ângulo da ação humana que são também atos de

fala ilocucionários.

No direito, verificamos que os atos de fala criam um novo estado para a

coisa. Mesmo os enunciados prescritivos que aparecem na forma declaratória têm a

função de prescrever. Assim, TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM50 leciona que os

atos de fala possuem a máxima de “‘dizer alguma coisa é fazer alguma coisa’, pode-

se inferir que em termos de direito positivo ‘dizer alguma coisa é fazer alguma coisa

juridicamente relevante’.”

MOUSSALLEM 51 entende que o conceito de atos de fala pode ser

entendido em três sentidos: (i) enunciado; (ii) ação de emissão de proferimento; e

(iii) enunciação, enquanto ato produtor de enunciados.

Neste trabalho, conseguimos identificar duas acepções de (iii) enunciação

e de (i) enunciado, porque a enunciação é o ato de criação da decisão judicial, mas,

por se esvair no tempo, apenas o que fica são as marcas da enunciação, que é

chamada de enunciação–enunciada, ou seja, a enunciação no enunciado 52 . O

enunciado seria o produto da enunciação. Assim, enunciação é conduta

caracterizadora de tomadas de decisão, ato que produz o enunciado, isto é, o

processo. O resultado dessa conduta, o produto produzido, seria o enunciado, ou

50 MOUSSALLEM, 2005, p. 67. 51 Ibid., p. 68. 52 FIORIN, José Luiz. As Astúcias da Enunciação – As Categorias de Pessoa, Espaço e Tempo. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 2005, p. 32.

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seja, um suporte físico, as marcas de tinta no papel. A enunciação-enunciada seria

as marcas da enunciação com delimitação de espaço, tempo e pessoa competente

para produção do ato, são os fatos enunciativos, isto é, os dêiticos53.

A decisão judicial através de seu veiculo introdutor (acórdão ou sentença)

é o produto que nos permitirá verificar as marcas da enunciação. Portanto, só após o

ingresso no sistema será possível verificar ou controlar a constitucionalidade das

normas postas pelo legislativo.

O juiz, no seu mister de produzir veículos introdutores (sentenças) através

de normas individuais ou gerais, mas sempre concretas, se encontra na função de

fontes do direito, praticando a enunciação do direito54 . Nesse sentido, arremata

TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM55:

Frisemos: os juízes (órgão singular ou colegiado), quando provocados, exercem uma atividade jurisdicional que denominamos enunciação. Esse procedimento cria um documento normativo (sentença e acórdão, respectivamente). Nesse documento normativo, distinguimos um veículo introdutor, norma individual e concreta, que denominamos “enunciação-enunciada” (infelizmente denominada pelos teóricos de “sentença” e “acórdão”), no qual consta a incidência de uma norma de produção jurídica. Por sua vez, o veículo introdutor insere no sistema do direito positivo enunciado(s)-enunciados(s), que perfarão a norma individual e concreta ou geral e concreta, também despretensiosamente designada sentença ou acórdão, que consiste na incidência de uma regra de comportamento ou uma regra de revisão sistêmica (regra revogatória, sentença procedente em ação rescisória, declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal).

53 Dêiticos são os elementos da linguagem que permitem ao intérprete a reconstrução da enunciação, como a indicação da pessoa que proferiu o ato, o lugar e o tempo (eu (ego); aqui (hic); agora (nunc)), sem os quais a mensagem fica incompreensível. 54 “O que cria a sentença e o acórdão (norma jurídica) é o processo judicial impulsionado pelo juiz, ou seja, a fonte produtora da sentença/acórdão é a atividade de enunciação exercida pelo juiz. Esta nos parece ser a fonte do direito e não a sentença ou o acórdão”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. Editora Noeses, 2006, p. 150.) 55 Ibid., p. 151.

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Em suma, após o movimento do “giro lingüístico” e as investigações de

LUDWIG WITTGENSTEIN, várias teorias se criaram em torno da linguagem como

instrumento de criação da realidade, porque não existe apenas uma única relação

entre linguagem e realidade, mas várias. tais como apontado. Portanto, as teorias

adotadas são compatíveis e aplicáveis ao fenômeno da decisão judicial em controle

de constitucionalidade das normas tributárias. O constructivismo lógico-semântico é

método analítico-hermenêutico que permite a construção da realidade jurídica por

meio da linguagem (entendida como conjunto de signos) que objetiva a comunicação

da mensagem jurídica, que, na visão pragmática, é ato de fala ilocucionário.

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2 ESTRUTURA NORMATIVA DA E NA DECISÃO JUDICIAL EM CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

2.1 Introdução

O motivo pelo qual foram eleitas apenas as decisões tributárias em

controle de constitucionalidade ocorreu porque nessas espécies de ação não se

analisam os fatos, mas tão somente o direito e a relação de direito entre contribuinte

e fisco. O objeto do controle de constitucionalidade aqui adotado serão sempre as

normas gerais e abstratas do direito positivo tributário; após o processo de

positivação pelo Supremo Tribunal Federal, verifica-se o surgimento de uma nova

norma, que será individual ou geral, mas sempre concreta, dependendo do caso e

do procedimento, se difuso ou concentrado.

Desta feita, podemos dizer que a norma jurídica como uma classe que

possui atributos peculiares é “gênero” da qual as “espécies” são56: (i) normas gerais

e abstratas (objeto da ação); e (ii) normas gerais ou individuais e concretas

(decisão). Por isso, a norma (objeto) na decisão judicial em controle de

constitucionalidade será abstrata; e a norma da decisão será sempre concreta,

sendo individual e concreta no controle difuso, e geral e concreta no controle

concentrado.

56 PAULO DE BARROS CARVALHO (2008, p. 118) ensina que “os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de espécies e de gênero, sendo que espécies designam os grupos contidos em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais extenso que contém as espécies”.

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Resumidamente, é o processo de positivação: normas abstratas de um

lado e concretas do outro. Análise normativa vista em duas dimensões.

Apenas as normas introduzidas por lei serão objetos de nosso estudo. As

normas veiculadas por instrumentos introdutores sem força legal, apesar de o

dispositivo legal (art. 102, I, a) mencionar que serão objeto de controle de

constitucionalidade “as lei ou ato normativo”, não farão parte dos nossos estudos. O

STF já se prenunciou sobre a questão, não dando seguimento a pedido de

declaração de inconstitucionalidade 57 de ato normativo “instrução normativa”.

Apenas normas introduzidas por veículos introdutores “leis” que possuam abstração

e generalidade (emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada,

medida provisória (reedição ou conversão em lei quando mantida a mesma redação

não prejudica a ação), decreto legislativo e resoluções, decretos autônomos (que

inova autonomamente a ordem jurídica com força de lei) e tratados internacionais)

serão objeto de nossos estudos. Isso porque, como salientou MANOEL

GONÇALVES FERREIRA FILHO58, “O ‘controle’ de constitucionalidade é, destarte,

condição da supremacia da Constituição”.

57 ADI-AgR 365 / DF - DISTRITO FEDERAL, AG. REG. NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Rel. Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 07/11/1990, Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO, Publicação DJ 15-03-1991. Ementa ação direta de inconstitucionalidade - agravo regimental - impugnação de instrução normativa do departamento da receita federal - alegada vulneração de princípios constitucionais tributários - seguimento negado - natureza das instruções normativas - caráter acessório do ato impugnado - juízo prévio de legalidade - matéria estranha ao controle concentrado de constitucionalidade - medida provisória - disciplina constitucional das relações jurídicas fundadas em medida provisória não convertida em lei - efeitos radicais da ausência de conversão legislativa - insubsistência dos atos regulamentares fundados em medida provisória não-convertida - agravo não provido - público, com ela mantinham - ou deveriam manter - estrita relação de dependência normativa e de acessoriedade jurídica, tais como as instruções normativas. 58 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 88.

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2.2 Conceito de Norma Jurídica

Norma jurídica é um conceito essencial para o direito, que, como objeto

cultural, visa organizar os comportamentos dos indivíduos, alterando a realidade

social. Sem a norma jurídica, o direito não alcançaria seu objetivo59. Nessa linha de

raciocínio, para a teoria normativista de KELSEN60, os comportamentos humanos só

são conhecidos mediatamente pelo cientista do direito, enquanto regulados por

normas61.

Observou TÁCIO LACERDA GAMA: falar em norma jurídica é falar em

conceito ambíguo, cujo significado deve ser explicado, para evitar contradições ou

imprecisões no discurso.62

KELSEN inicia sua obra Teoria Geral das Normas, explicando o que é

norma, e diz63:

A palavra “norma” procede do latim: norma, e na língua alemã tomou o caráter de uma palavra de origem estrangeira – se bem que não em caráter exclusivo, todavia primacial. Com o termo se designa um mandamento, uma prescrição, uma ordem. Mandamento não é, todavia, a única função de uma norma. Também conferir poderes, permitir, derrogar são funções de normas.

59 TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. (2006, p. 36): “A literatura sobre a norma é vasta, difícil de ser reduzida a uma unidade. Houve já quem, só no âmbito sociológico, contasse 82 definições de norma”. 60 Logo a teoria normativista divide a realidade em duas partes: do mundo do ser (sein) e o mundo do dever-ser (sollen), em que o mundo do ser é o mundo real dos fatos e o mundo do dever-ser é o mundo do direito e das normas. Esta dualidade de ser e dever-ser foi difundida por KELSEN, mas foi iniciada por KANT e permanece assim pelos seguidores positivismo normativista. 61 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 98. 62 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 40-41. 63 KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1986, p. 01.

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Em seu turno o Italiano NORBERTO BOBBIO64 esclarece que

o melhor modo para aproximar-se da experiência jurídica e apreender seus traços característicos é considerar o direito como um conjunto de normas, ou regras de conduta. Comecemos então por uma afirmação geral do gênero: a experiência jurídica é uma experiência normativa.

Para alguns autores, norma é a proposição que extraímos da leitura dos

textos do direito positivo65, ou norma é texto jurídico elaborado66, ou ainda não é

texto, e nem tampouco conjunto deles, mas o sentido da interpretação sistemática

de todo os textos normativos.67

É importante destacar que a norma jurídica pode ser conceituada através

dos três planos de investigação do sistema signo, conforme ensina ROBSON MAIA

LINS68:

Em voga na doutrina, temos definições que ora primam pelo enfoque semântico (v.g., norma jurídica é o instrumento elaborado pelos homens para lograr aquele fim consistente na produção da conduta desejada); outros vão sobrelevar o nível pragmático (v.g., norma jurídica é um programa de ação em face da crescente estabilização e burocratização dos sistemas sociais); e outros ainda primam pelo aspecto sintático (v.g., norma jurídica é um juízo hipotético- condicional, que por meio da imputação deôntica ou causalidade jurídica, liga o antecedente ao conseqüente).

64 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 3. ed. rev. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Barueri, SP: Edipro, 2005, p. 23. 65 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.8. 66 ROBLES, Gregório. O Direito como Texto. São Paulo: Manole, 2005, p. 01. 67 GUASTINI, Riccardo, Teoria e Dogmática delle Fonti. Millano: Giuffré Editore, 1998, p. 16, e GUASTINI, Riccardo. Dalle Fonti alle Norme. Torino: Giappichelli, 1992, p. 20 et seq. apud ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 30. 68 LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 52.

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Assim como procedeu ROBSON MAIA LINS, no presente serão

trabalhados os três enfoques semióticos, ora como norma jurídica como juízo

hipotético –condicional (sintático), ora como prescrição que relaciona o conteúdo

com o fato que implica relações jurídicas (semântico), ato de fala ilocucionário

(pragmático)69.

Norma não se confunde com lei, ou texto de lei. Lei e texto de lei é

suporte físico, veículo introdutor de norma, mas, neste trabalho, os termos lei e

norma serão usados como sinônimos, visto que é assim que usualmente são

empregados na doutrina jurídica, mas a distinção é importante. Quanto a intenção

for o uso da palavra lei como suporte físico ou veículo introdutor, usar-se-ão as

expressões em sua literalidade, suporte físico ou veiculo introdutor.

Seguindo essa linha de raciocínio, podemos dizer que norma pode ser

conceituada em dois sentidos: amplo e ou estrito.

2.2.1 Norma em Sentido Amplo e Norma em Sentido Est rito

Para conceituar norma jurídica, é necessário delimitar a norma em sentido

amplo: é toda e qualquer proposição construída pelo intérprete a partir do texto do

direito positivo. É produto do intelecto70, que não se apresenta em estrutura lógica

hipotético-condicional e sentido deôntico completo.

Nas palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO71:

69 No mesmo sentido, ocorrerá com a expressão decisão judicial que ora será apresentada como norma individual e concreta (sintático) ou como ato de fala ilocucionário (pragmática). 70 Sobre o intelecto é oportuno o ensinamento de VILÉM FLUSSER (2004, p. 47), que diz que o intelecto “consiste de palavras, e as transporta ao espírito, o qual, possivelmente, as ultrapassa. O intelecto é, portanto, produto e produtor da língua, “pensa”. 71 CARVALHO, P., 2008. p. 128.

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conteúdos significativos das frases do direito posto, vale dizer, aos enunciados prescritivos, não enquanto manifestações empíricas do ordenamento, mas como significações que seriam construídas pelo intérprete.

Por sua vez, a norma jurídica em sentido estrito é “a significação que

obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo”72, com estrutura lógica

hipotético-condicional e “sentido deôntico-jurídico73”. Isso significa que, ocorrendo o

fato descrito no antecedente, deve-ser a conseqüência que constituirá a relação

jurídica modalizada entre dois sujeitos de direito. É prescrição deôntica, dotada de

significação completa e estrutura sintática hipotética-condicional, formada por

enunciados prescritivos que são frases bem construídas dentro da regra do idioma,

dotadas de sentido74.

Pode-se dizer que norma é a significação 75 que captamos quando

entramos em contato com os suportes físicos do direito positivo, organizada em uma

estrutura lógica hipotético-condicional; que possui valores lógicos de válido ou não-

válido e modalizadores deônticos de condutas: permitido (P) obrigatório (O) e

proibido (V)76.

72 CARVALHO, P., 2007. p. 8. 73 Id., 2008. p. 128. 74 A representação da estrutura lógica da norma jurídica completa é: D [(p → q) v (–q →s)], ou ainda: D { (p → q) v [ (p . –q) → s] }. 75 Sobre significação é relevante a lição de Roman Jakobson (2007, p. 33): “A lógica simbólica não tem deixado de lembrar-nos que as significações lingüísticas pelo sistema das relações analíticas de uma expressão com outras expressões, não pressupõem a presença das coisas. Os lingüistas, ao contrário, fizeram o impossível para excluir a significação, e todo o recurso à significação, da Lingüística. Dessarte, o campo da significação permanece uma terra de ninguém.” 76 “Sob o ponto de vista sintático e semântico do sistema de proposições normativos do Direito, a conduta que não estiver proibida, ou não for obrigatória, é permitida. Quarta possibilidade não se dá. Sintaticamente, os modais deônticos são irredutíveis, mas interdefiníveis, modalizando-se o operador de negação”. (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais; EDUC, 1977, p. 153.)

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2.2.2 Regra-Matriz de Incidência Tributária

A regra-matriz de incidência tributária é o esquema lógico formal que

permite a verificação da constitucionalidade da lei instituidora da relação tributária

havida entre Fisco e contribuinte, desde que sua análise seja realizada entre regra-

matriz e Constituição Federal. Isso porque, se a lei instituidora do tributo não guardar

inteira consonância com Constituição Federal e esquema lógico, o tributo instituído

será passível de reconhecimento de inconstitucionalidade.

Com a construção da regra-matriz de incidência tributária, o texto do

direito positivo será organizado de modo a permitir a identificação dos critérios

mínimos de manifestação do deôntico, sem os quais uma norma seria

inconstitucional.

Esses critérios são verificáveis através do antecedente e conseqüente da

regra-matriz de incidência tributária: Antecedente: critério material, representado por

verbo e seu complemento; critério espacial, reporta-se ao local do fato descrito no

antecedente; critério temporal, refere-se ao marco de tempo em que se reputa

ocorrido o fato descrito no antecedente. Em seu turno no conseqüente da regra-

matriz de incidência tributária, encontram-se os seguintes critérios: critério

quantitativo, consistente no aspecto pecuniário da obrigação tributária, representado

pelo binômio base de cálculo e alíquota. A base de cálculo consiste na quantificação

do valor pecuniário devido a título de tributo. A alíquota é “indicador da proporção a

ser tomada da base de cálculo”, em geral é a percentagem aplicável sobre a base de

cálculo77 ; critério pessoal, representa o critério subjetivo da obrigação tributária,

77 BARRETO, Aires F. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1988, p. 134.

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sendo composto pelo sujeitos: ativo e passivo. O primeiro é aquele que tem o direito

subjetivo do crédito, e o segundo é aquele de que tem o dever jurídico do débito.

A regra-matriz é método de investigação formal que necessita de

preenchimento com os aspectos semânticos e pragmáticos da linguagem, fazendo,

assim, a tão famosa ligação entre a teoria e a prática.

Nas palavras do ilustre Paulo de Barros Carvalho78, temos:

Na regra-matriz de incidência tributária, vale dizer, aquela responsável pelo impacto da exação, quando reduzida à sua estrutura formal, no mínimo irredutível que é o ponto de confluência das indagações lógicas, vamos encontrar o pressuposto ou antecedente representado simbolicamente da maneira supramencionada [ Ht ≡ Cm (v.c) . Ce. Ct ]. Sabemos, contudo, que a interpretação não se esgota no plano formal, havendo necessidade de investigarmos os conteúdos de significação que a linguagem do direito positivo carrega e, ainda, os modos como os utentes dessa linguagem empregam seus signos. O passo subseqüente, então, será preencher as variáveis daquela fórmula lógica com as constantes do direito posto.

Assim, a regra-matriz é norma jurídica tributária capaz de prever uma

descrição hipotética de cunho tributário, ou seja, a relação jurídica legalmente79

estabelecida entre fisco e contribuinte, cada qual com seu respectivo direito subjetivo

e dever jurídico, que terá como núcleo um valor que corresponda a uma prestação

pecuniária compulsória que não constitua sanção de ato ilícito nos termos do art. 3º

do Código Tributário Nacional.

78 CARVALHO, P., 2008, p. 149. 79 O princípio da legalidade dispensa comentários, para ratificar sua importância além da legalidade geral consagrada na Constituição Federal, art. 5º, II, temos também o princípio da estrita legalidade que consagrado no art. 150, I, do mesmo diploma.

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2.2.3 Objeto e Procedimento: Norma Primária e Secun dária

A norma primaria é a norma que institui as relações entre os sujeitos de

direito e prevê os fatos juridicamente qualificados, portanto possui natureza material.

É a norma obrigacional que traz a instituição dos direitos e deveres correlatos, com

natureza material de direito substantivo. Para EURICO MARCO DINIZ DE SANTI,

pode ser subdividida em primária dispositiva e sancionatória80.

A norma secundária, de natureza processual, preceitua as conseqüências

sancionatórias advindas do descumprimento da previsão hipotética que se encontra

no conseqüente da norma primária. É a sanção que garante a juridicidade da norma.

A norma secundária na teoria Kelseniana, ou norma processual, prevê

uma atuação do Estado-Juiz. É norma garantidora da manutenção e harmonia do

sistema do direito, o qual, por meio do exercício de sua função judiciária, garantirá

pelo uso da força (se necessária) a restauração da ordem jurídica violada e a

posterior penalização do agente violador através do exercício do direito de ação.

A estrutura da norma (primária ou secundária) no seu aspecto sintático

será sempre homogênea e no seu aspecto semântico sempre heterogênea; o

primeiro porque terá estrutura sempre idêntica para qualquer tipo de norma,

(hipotético-condicional) e o segundo porque terá sempre um fato da vida para

regular, que nunca será o mesmo, assim receberá variados significados.

80 EURICO MARCO DINIZ DE SANTI bem assevera sobre o tema: Importante identificar nessa investigação uma categoria elipsada naquele corte abstrato: a norma primária sancionadora. A norma primária sancionadora, como a norma secundária, tem por pressuposto o não-cumprimento de deveres e obrigações; carece, entretanto, da eficácia coercitiva daquela. E continua: Têm-se, portanto, norma primária estabelecedora de relações jurídicas de direito material decorrentes de (i) ato ou fato lícito, e (ii) de ato ou fato ilícito. A que tem pressuposto antijurídico denominado norma primária sancionadora, pois veicula sanção – no sentido de obrigação advinda do não-cumprimento de um dever jurídico – enquanto que outra, por não apresentar aspecto sancionatório,

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2.2.4 O que são as “espécies”: normas gerais e abst ratas e normas gerais ou

individuais e concretas.

Na introdução do capítulo, foi dito que norma jurídica é “gênero” da qual

as “espécies” são: (i) normas gerais e abstratas (objeto da ação); e (ii) normas gerais

ou individuais e concretas (decisão). Oportuno agora fazer a distinção entre norma

geral e abstrata, individual e concreta, geral e concreta e ainda individual e abstrata.

Analisando o antecedente das normas, pode-se dizer que as normas

abstratas terão em seu antecedente apenas conotação de fatos e que as normas

concretas conterão um enunciado denotativo sacado dos enunciados conotativos

existentes na norma geral e abstrata.

A combinação dos enunciados conotativos do antecedente e conseqüente

da norma geral e abstrata, e dos enunciados denotativos do antecedente e

conseqüente da norma individual e concreta possibilitará a existência das normas

abstrata e geral, abstrata e individual, concreta e geral, concreta e individual, como

leciona PAULO DE BARROS CARVALHO81.

O universo dos discursos geral e abstrato será conotativo, como uma

porta aberta que enuncia os critérios de pertinencialidade (critérios que pertencem à

classe). Desse modo, os fatos previstos do antecedente serão de possível

ocorrência (futuro) que vinculará uma relação também de possível ocorrência, com

sujeitos ainda indeterminados.

convencionamos chamar norma primária dispositiva. (Lançamento Tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 43-44.) 81 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 35.

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Em seu turno, no discurso individual e concreto, os enunciados que

compõem a norma estarão denotativamente determinados. No antecedente,

encontraremos um fato jurídico concreto, identificado no tempo e no espaço e, no

conseqüente, uma relação com sujeitos e quantum também definidos (verbo no

passado), assim ensina PAULO DE BARROS CARVALHO82.

Somente a norma concreta traz a mensagem do direito positivo; assim, “a

norma geral e abstrata, para alcançar o inteiro teor de sua juridicidade, reivindica,

incisivamente, a edição de norma individual e concreta”83 emitida em linguagem

prescritiva de condutas; atingirá seus objetivos, que são os comportamentos

interpessoais, o que chamamos de “processo de positivação”84.

Urge consignar que em controle de constitucionalidade a norma abstrata

objeto de controle (difuso ou concentrado) “aponta para uma ação cuja realização

não esgota a sua força normativa, a norma está apta a incidir todas as vezes em que

a conduta ocorrer” e a norma proferida pela decisão, ou seja, norma concreta,

descreve “uma ação que, realizada, esgota o comando normativo 85 ”, pois, no

82 CARVALHO, P., 2006, passim. 83 Id., 2008, p. 141. 84 Diz PAULO DE BARROS CARVALHO (2006, p. 226): "Esse caminho, em que o direito parte de concepções abrangentes, mas distantes, para chegar às proximidades da região material das condutas intersubjetivas, ou, em terminologia própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para chegar a normas individuais e concretas, e que é conhecido por “processo de positivação”, deve ser necessariamente percorrido, para que o sistema alimente suas expectativas de regulação efetiva dos comportamentos sociais”. No mesmo sentido CARVALHO, P. (2008, p. 168.), “Em suma, as normas gerais e abstratas não ferem diretamente as condutas intersubjetivas para regulá-las. Exigem o processo de positivação […]”. 85 LINS, 2005. p. 71, O autor baseia-se na definição de MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 22º edição, 2007, p. 405

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antecedente desta última, encontraremos um fato jurídico concreto, conforme

consignou ROBSON MAIA LINS.86

Por isso, a proposta é estudar as decisões do Supremo Tribunal Federal

na sua função de emissor de norma geral e concreta (decisões em controle

concentrado de constitucionalidade) ou norma individual e concreta (decisão em

controle difuso de constitucionalidade); sem adentrar em considerações que

excedam os limites do tema, o tópico serve apenas como base para reflexões do

trabalho.

2.2.5 Normas de Estrutura e de Comportamento

Segundo NORBERTO BOBBIO, as normas podem ser classificadas em

normas de comportamento e normas de estrutura. Sendo de comportamento

aquelas que se dirigem às condutas dos destinatários da comunicação normativa e

de estrutura as que regulam o “modo de regular um comportamento ou, mais

exatamente, o comportamento que elas regulam é de produzir regras”.87

Contudo, a classificação realizada por NORBERTO BOBBIO deve ser

realizada com ressalva de que todas as normas, mesmo as de estrutura, se dirigem

a um comportamento. Isso significa que as normas de estrutura, além de estarem

voltadas às condutas, estabelecem a forma de elaboração de outras normas, ou

seja, são normas de produção normativa que se direcionam às pessoas eleitas pelo

sistema para fazer normas; assim são as chamadas normas de estrutura que

determinam o órgão e o expediente pelo qual as normas serão criadas, alteradas ou

86 LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 71, O autor baseia-se na definição de MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 405.

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desconstituídas, ou seja, subdividem-se em (i) norma de produção normativa: de

competência, que indica “quem” pode criar norma e, de procedimento, que indica

“como” deverá ser a norma criada; e, ainda, (ii) norma de revisão sistêmica, que é

aquela que visa à revisão das normas existentes no sistema. Assim, as normas de

estrutura são normas de comportamento, pois dirigem de forma imediata ao

comportamento do legislador.

Dentro da divisão formulada, podemos destacar os princípios como sendo

uma norma em sentido amplo de produção normativa direcionada ao julgador que

indica “como” a norma concreta criada por ele deve ser, ou seja, dentro dos limites

da legalidade, da anterioridade, da capacidade contributiva, da segurança jurídica,

etc. Ou ainda, no caso do controle de constitucionalidade, se a norma (objeto da

ação) foi criada respeitando princípios que são procedimentos de criação das

normas.

Em sede de controle de constitucionalidade, faz-se oportuno, ainda,

esclarecer que a decisão proferida em sede de controle concentrado tanto pode ser

de revisão sistêmica ou de produção normativa, a depender do caso, ou seja, a

decisão proferida em controle concentrado que reconhece a inconstitucionalidade ou

não de uma norma suspende a vigência e eficácia da norma abstrata objeto da ação,

e na hipótese de inconstitucionalidade da norma tributária com força vinculante para

os demais órgãos do Poder Judiciário, representando verdadeira norma de estrutura

de produção normativa88.

87 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 5. ed. Brasília: UNB, 1995, p. 45. 88 LINS, 2005, p. 58-61.

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2.2.5.1 Princípios como norma de Estrutura

Os princípios são fundamentais na ordem jurídica, vez que assumem

posição de vetor axiológico do aplicador do direito (juiz) no momento da composição

da decisão.

Além de ser denominado por grande parte da doutrina de forma abstrata

como “pilares” e “vigas mestras”, os princípios, em termos mais concretos, são

normas de estrutura (competência 89 e procedimento) que possuem conteúdo

valorativo eleito de forma objetiva pelo sistema, que obriga o criador da norma de

comportamento (legislador e juiz) à sua observância.

Nesse sentido, os princípios são normas de estrutura que se dirigem

imediatamente ao legislador em sentido amplo90 e mediatamente aos destinatários

da norma.

Interessante destacar o pensamento de CRISTIANO CARVALHO, que

concorda com a posição que adotamos neste trabalho sobre os destinatários dos

princípios91.

89 Como norma de competência, temos a posição adotada por TÁCIO LACERDA GAMA (2003, p. 144), que diz: “Princípios tributários são enunciados prescritivos que compõem a norma de competência, ampliando ou restringindo as possibilidades de criar normas jurídico-tributárias – relacionadas, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos”. E adiante completa que “Princípios é enunciado que compõe a norma de competência em sentido estrito. Toda e qualquer prescrição veiculada por um princípio servirá para delimitar um ou mais dos critérios da norma de competência”.

90 Os princípios como norma de estrutura, na posição que adotamos, se dirigem ao aplicador. Diferentemente do voto do ministro Sydney Sanches, na ADI 939, “Insta destacar que esses princípios constitucionais de tributação caracterizam-se como normas programáticas vinculante para o legislador, e não, para o magistrado. Ao julgar, cabe interpretar a norma infraconstitucional com prudência”. 91 CARVALHO, Cristiano. Ficções jurídicas no direito tributário. São Paulo: Editora Editora Noeses, 2008, p. 163-164. O autor não concorda que os princípios são normas de estrutura, diz: “Os princípios são normas. Todavia, são normas, por assim dizer, de uma categoria especial [meta-regras]. São traduções axiológicas, digitalizações lingüísticas de valores sociais, internalizados no sistema pelo legislador constituinte”. Desse modo, entende que são “componentes formadores das normas de

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Os destinatários imediatos dos princípios, e esse é um ponto fundamental, não são os cidadãos comuns, mas aqueles investidos de competência jurídica, em outras palavras, os órgãos emissores de regras. Em suma, os princípios são normas endógenas, que servem à função de controle da autogeração do sistema jurídico; os órgãos produtores de regras devem ater-se aos valores enunciados pelos princípios, sob pena de terem seus atos normativos invalidados.

Contudo, pela definição acima, que muito interessa para as premissas

adotadas neste trabalho, vê-se que os princípios vinculam o legislador e o aplicador.

Isso porque o sistema jurídico é um complexo que liga de forma bem estruturada

todas as disposições legais e garantem a condição de obrigatoriedade de decidir,

non liquet.

Os princípios jurídicos são infinitos. Acreditamos que nenhum cientista

tenha tido a ousadia de catalogá-los; isto se deve, justamente, pela premissa que

adotamos que o sistema do direito é uno e indivisível e é apenas cindido para fins

didáticos; então, desse modo, temos: princípios constitucionais gerais, princípios

constitucionais específicos, princípios legais gerais, princípios legais específicos e

princípios infralegais gerais e específicos, além, é claro daqueles, criados todos os

dias pelos cientistas do direito para fundamentar um direito individual. Por este

motivo, SAMPAIO DORIA92 diz que, “genericamente, princípios se entendem por

normas gerais e fundamentais que inferem leis”.

A doutrina de PAULO DE BARROS CARVALHO93 faz distinção entre os

princípios em decorrência do maior ou menor grau de conteúdo axiológico. Classifica

os princípios em “valores” e em princípios que apontam para fixar “limites objetivos”,

estrutura” (p. 168), por ser a norma de estrutura mais complexa. Discordamos do autor, pois pela divisão normativas que adotamos neste trabalho não cabe aos princípios outra categoria que não seja a norma de estrutura, pois, se assim não fosse, teríamos que entender que os princípios não são normas, o que seria um contra-senso. 92 DORIA, A. de Sampaio. Princípios Constitucionaes. São Paulo: Editora Ltda, 1926, p. 17.

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que, por sua vez, também apontam para “valores”. Os princípios “limites objetivos”

se direcionam ao julgador, como o princípio da legalidade e do devido processo

legal; os princípios “valores” seriam o princípio da justiça, da igualdade, da

segurança jurídica, da racionalidade, da certeza jurídica, etc.

A distinção é importante e ajuda a compreensão dos princípios, pois,

como bem salienta o Jurista, esses limites objetivos “voltam à realização dos valores

de forma indireta, mediata”94. Mas, trabalharemos com o critério geral de princípios

como normas (em sentido amplo) de estrutura de conteúdo valorativo. Todo princípio

está necessariamente impregnado de valores, o valor é o próprio conteúdo do

princípio.

Os princípios são necessários para a decisão judicial, pois o “juiz cria de

forma condicionada” o direito, e sua criação encontra essa limitação também nos

princípios. Conforme REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA95, princípios são “normas

que orientam a elaboração de outras de primeiro grau, extraídas, por dedução, do

sistema normativo, operando limitação das próprias normas e auto-integração do

sistema”. Os princípios (norma de estrutura) funcionam como uma “moldura” que

não pode ser ignorada, sob pena de inconstitucionalidade da norma.

Os princípios constitucionais, sem sombra de dúvida, são os mais

importantes e requerem observância obrigatória; nesse sentido, bem salientou

FABIANA DEL PADRE TOMÉ96:

93 CARVALHO, P., 2007, p. 150. 94 CARVALHO, P., 2007. p. 155. 95 OLIVEIRA, Regis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. 6. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 32. 96 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Contribuição pra a Seguridade Social: A Luz da Constituição Federal. 1. ed., 3. tir. Curitiba: Juruá, 2004, p. 127.

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Os mais importantes, porém, são os constitucionais, posto que hierarquicamente superiores aos demais, dirigindo a aplicação de todas as normas jurídicas, interferindo, inclusive, no exercício das competências constitucionalmente previstas.

Merecem destaque as lições de ROQUE CARRAZZA 97 , que também

enaltece a importância dos princípios:

Muito bem, em razão de seu caráter normativo, os princípios constitucionais demandam estrita observância, até porque, tendo amplitude maior, sua desobediência acarreta conseqüências muito mais danosas ao sistema jurídico que o descumprimento de uma simples regra, ainda que constitucional. São eles que estabelecem aquilo que chamamos de pontos de apoio normativos para a boa aplicação do Direito. (grifos do autor)

Além das funções de compor em termos semânticos a “textura aberta” do

direito, os princípios constitucionais orientam a interpretação de todo o sistema; isso

se dá porque toda e qualquer interpretação deve partir do texto constitucional e dele

sacar suas premissas cognoscitivas. Isto nos leva a crer que o princípio tem dupla

função: norma de estrutura de observância obrigatória de conteúdo valorativo e

instrumento axiológico de interpretação.

Os princípios constitucionais tributários trazem em sua estrutura lógico-

semântica valores fundamentais que são aqueles fundantes do sistema jurídico. Vale

dizer, “onde houver direito, haverá, certamente, o elemento axiológico”.98

O tema “princípios” sempre chamou a atenção dos cientistas dos direito,

mas atualmente vê-se com uma maior freqüência seu uso pelos Tribunais, mais

precisamente pelo Supremo Tribunal Federal em decorrência do que dispõe o art.

97 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucionais Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 41. 98 CARVALHO, P., 2008. p. 174

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27, da lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que assim está redigido: “Ao declarar a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e, tendo em vista razões de segurança

jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por

maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou

decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro

momento que venha a ser fixado”. “Razões de segurança jurídica” ou “interesse

social”, eis aí o princípio da segurança jurídica e o princípio do interesse social para

justificar a prática de efeitos prospectivos da decisão. Essa norma, na verdade,

hierarquiza os dois valores declinados, dando a eles superioridade em relação aos

demais.

DWORKIN 99 , que não segue as bases filosóficas adotadas por este

trabalho 100 , mas converge nesse ponto, entende que os princípios diferem da

regras 101 porque têm uma dimensão de peso; por isso, em um conflito entre

princípios, deve-se ponderar o de maior peso, sem que isso implique sua

inaplicabilidade a outros casos. Os princípios implícitos que encontramos no texto

constitucional são os chamados sobreprincípios, que extraem seu sentido de outros

princípios e normas expressas na Constituição.

Assim, recentes decisões do Supremo Tribunal Federal estão apoiadas

em princípios, tais como: legalidade, razoabilidade, publicidade, anterioridade. Desse

modo, qualquer teoria que pretende ser científica deve agasalhar o tema dos

99 DWORKIN, Ronald M. Taking Rights Seriously. 16. ed. Cambridge: Harvard University Press, 1997, p. 26 apud HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. 3. ed. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 323. 100 DWORKIN diferencia as regras (rules) dos princípios e entende que o sistema jurídico não contém apenas regras (positivismo) mas também princípios, isto porque os juízes diante de hard cases (casos de difícil decisão) decidem com base nos princípios ou em standards (padrões). DWORKIN trabalha com um sistema avaliativo e de justificação encontrado na jurisprudência. (Ibid., passim.)

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princípios. Sobre os valores que são conteúdos dos princípios, maior esclarecimento

será elaborado no capítulo 3, item 3.4.2.

Os princípios implícitos que encontramos no texto constitucional são os

chamados sobreprincípios, que extraem seu sentido de outros princípios e normas

expressas na Constituição. Sobre os valores que são conteúdos dos princípios,

maior esclarecimento será elaborado no capítulo 4 item 4.4.2.

2.3 Norma Tributária Válida e sua Importância nas D ecisões em Controle de

Constitucionalidade

A declaração de inconstitucionalidade tem relação direta com a validade

da norma, pois somente normas válidas podem participar do sistema, e o controle de

constitucionalidade foi a maneira que o sistema encontrou de verificar a

compatibilidade da norma com a Constituição. Desse modo, “o jurídico da norma é

dado pela sua validade”102; não existe norma jurídica inválida, norma inválida não é

norma jurídica.

Analisando o direito em seu aspecto dinâmico, poderíamos dizer que o

tema validade é complexo. Mas, não mais ou menos complexo se comparado aos

demais temas jurídicos. Assim não é um risco dizer que a complexidade é inerente

ao mundo do direito.

101 Sobre a distinção entre princípios e regras, interessante estudo foi elaborado por HUMBERTO ÁVILA (2006), que não será aprofundada em nosso trabalho para não fugir do fim proposto. 102 LINS, 2005, p. 74.

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Para iniciar o capítulo, necessário se faz delimitar que a validade aqui

colocada da norma jurídica é sempre em relação a alguma coisa, ou seja: (i)

sintática: norma com relação à norma em seu aspecto formal (signo-signo); (ii)

semântica: norma e objeto que ele representa, que pode ser entendido como os

comportamentos intersubjetivos que ela regula (signo – objeto) e, por fim, (iii)

pragmática: norma – usuários ou aplicador da norma, relação entre normas e seus

usuários (signo-utentes).

A validade de uma norma inicia-se com a publicação da norma jurídica

tributária, no “canal” eleito pelo sistema em seu processo comunicacional jurídico,

Diário Oficial (jornais oficiais da União, Estados e Municípios e Distrito Federal).

O tema validade será abordado através de duas teorias: HANS KELSEN e

HERBERT L. A. HART, pois ambos desenvolvem de forma fascinante a questão da

validade, gerando uma legião de seguidores quando o assunto é esse. Dentro das

similitudes e diferenças encontradas em cada teoria, pretende-se compatibilizar e

harmonizar ambas, para atender a proposta de trabalho, que é analisar o tema sob

o enfoque da Teoria da Linguagem (que nos remete às categorias da sintaxe, da

semântica e da pragmática).

KELSEN desenvolve sua teoria através de uma relação sintática103, formal

de validade, diferentemente de HART, que desenvolve, além da relação sintática,

uma relação semântica e pragmática104 de validade.

103 Encontraremos autores que defende a validade para KELSEN não era apenas sintática, que a validade sintática da norma seria apenas quando se está tratando das normas derivadas, mas quando se refere à “norma fundamental” acaba sendo uma validade semântica. O que discordamos. Nesse sentido, é importante trazer a colocação à opinião do respeitável professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR.: “Na verdade, Kelsen parece insistir, sem o perceber claramente, que a validade para ele é uma qualidade puramente sintática quando trata de normas derivadas, mas uma qualidade semântica, quando fala da norma fundamental, dizendo, por exemplo, que uma norma só é valida no

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Nesse aspecto interessante, disse MENDES105:

O normativismo jurídico é a concepção mais difundida e mais desenvolvida do ponto de vista teórico, no século XX e, como esclarece Manuel Atienza, embora existam vários tipos de normativismo, ele propõe a redução de todos estes a dois modelos básicos: i) o normativismo formalista de Hans Kelsen e ii) o normativismo analítico ou positivismo analítico representado de forma paradigmática pela obra de Hart. […] diferem em aspectos secundários, mas coincidem em pontos essenciais que os separam tanto dos jusnaturalistas quanto dos realistas.

Todas as normas nascem com a presunção de validade, e o sistema

jurídico trabalha com esta realidade de presunção de validade, até que outra norma

do sistema venha retirar a validade da norma, através da revogação. Por isso que,

na dúvida, deve-se decidir pela constitucionalidade da lei. Conforme defendeu

BITTENCOURT106, desde os idos de 1949: “É claro que na dúvida, decidir-se-á pela

constitucionalidade”. E continua:

Esta é um corolário da regra anterior. Uma vez que a inconstitucionalidade não se presume, é indispensável que sua demonstração seja feita de modo tal que a incompossibilidade entre a lei e o Estatuto Político fique acima de toda dúvida razoável – beyond all reasonable doubt.

O controle de constitucionalidade das normas é instrumento que verifica a

validade ou não das normas, ou seja, é o meio processual que o sistema encontrou

sistema, mas que o sistema, como um todo (referência à unidade proporcionada pela norma fundamental), só é válida se eficaz”. (grifos do autor). (FERRAZ JR., 2006. p. 98.) 104 Outro autor que também entende que a validade é pragmática é FERRAZ JR. “A validade ou relação de imunização de uma norma por outra norma não é, porém, como em Kelsen, uma relação formal ou sistêmica, mas uma relação pragmática. Envolve os usuários, suas possíveis reações e contra-reações”. (FERRAZ JR., 2003. p. 256). Também TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM: “A aceitação da norma jurídica pela comunidade confere-lhe validade ao passo que sua desconfirmação, aceita pelas autoridades, gera sua invalidade. Daí falar-se em validade por consentimento ou validade pragmática. (MOUSSALLEM, 2006, p. 175.) 105 MENDES, S., 2007, p. 111.

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de verificar se o Poder Legislativo, órgão político que detém a função pública de

colocar normas no sistema jurídico, as colocou de acordo com as regras

determinadas pela Constituição.

Ao Supremo Tribunal Federal foi outorgada a competência Constitucional

de controlar a constitucionalidade dos veículos normativos e das normas tributárias

quando o controle for concentrado. Quando o controle for difuso, o Supremo Tribunal

Federal também analisará a constitucionalidade ou não da norma tributária via

recursal, Recurso Extraordinário.

Levantadas as premissas relevantes para justificar o subitem da validade

no tema proposto, passemos à analise da Teoria de KELSEN e HART.

2.3.1 Validade Como Relação de Pertinencialidade

O pensamento Kelseniano procurou conferir à Ciência do Direito

autonomia científica, método e objeto próprio. KELSEN procurou distanciar a sua

teoria dos aspectos axiológicos e sociais, e procurou concentrar suas atenções

apenas na norma jurídica. Com essa atitude metodológica, preservou a autonomia, a

neutralidade e a objetividade da Ciência do Direito. Daí a renúncia à avaliação do

justo e do injusto, visto que seria impossível superar a cientificidade e a

multiplicidade do sistema moral.107

Mesmo que as normas derivadas da “norma fundamental” fossem

injustas, o direito que delas decorre seriam válidos e legítimos, pois ser justa ou

106 BITTENCOUT, C. A. Lúcio. O contrôle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. Rio de janeiro: Revista Forense, 1949, p. 115. 107 A teoria Kelseniana que reduz o objeto jurídico à norma, esquecendo das dimensões sociais e valorativas, causou e causa muitas polêmicas; nesse contexto, é oportuna à citação do grande jurista MIGUEL REALE, que entendia que o jurista ante o sistema de normas, deve sentir que há nele algo subentendido como os fatos e valores, não poderia abstrair tais fatos e valores presentes. Mas,

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injusta é considerar a norma sobre outro ponto de vista, sobre o ponto de vista do

sistema social e não do sistema do direito, que, portanto, não lhe altera a

validade108.

KELSEN trabalha com o dualismo neokantiano do “ser” e “dever ser”.

Entende que a lei da natureza é governada pela probabilidade e não pela

causalidade. Para ele, no campo do direito, o princípio metodológico prevalecente é

o da imputação, uma vez que se estabelece uma conexão entre o lícito e a

conseqüência do ilícito, ou seja, uma ligação deôntica entre descrição de uma

conduta e a sanção estatuída. O jurista, segundo a concepção kelseniana, deve

aplicar este método.

Observou que as normas devem ser consideradas, válidas ou inválidas, e

que esta validade é decorrente de uma escala de normas (validade relacional de

norma para norma), sendo que todas as normas teriam como pressuposto de

validade a chamada “norma fundamental”, norma esta considerada uma ficção109, ao

contrário das demais normas que são postas por uma decisão. Por isso, afirma que

a validade de uma norma é o mesmo que sua existência.

Desse modo, para o mestre de Viena, o direito positivo é direito posto e

modificado por uma decisão; é conjunto dinâmico de normas que se entrelaçam e

reconheceu que KELSEN determinou “melhor a natureza lógica da norma jurídica”. (REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 457.) 108 O positivismo-normativista nos termos que KELSEN propôs tinha como estudo o direito de maneira pura, sem interferências de outros sistemas que pudesse interferir no direito. A teoria kelseniana é uma conseqüência da 1ª Guerra Mundial e da decadência do mundo capitalista-liberal. Kelsen chegou até mesmo a ser injustamente acusado de ter servido, ainda que indiretamente, ao regime nazista. Kelsen era judeu, jamais foi nazista, fugiu da Alemanha, e teve que reconhecer quando chegou ao exílio nos EUA que o direito nazista era válido e legítimo, “embora criticável do ângulo de boas intenções moralizantes, ainda assim era direito” (FERRAZ JR., 2006, p. 164.) 109 KELSEN, 1986, p. 328.

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controlam sua própria produção. KELSEN ainda diz que o direito é um sistema que

auto-regula sua produção.

Validade, então, é “o nome da relação que entre as normas do sistema é

estabelecida”110. A norma válida deve ter seu fundamento de validade em outra

norma hierarquicamente superior, ou de escalão superior, por isso se diz que é uma

validade formal. A “norma fundamental” seria o fundamento para todo o

ordenamento jurídico. Assim, KELSEN vê o sistema totalmente fechado, pela “norma

fundamental”111.

Para KELSEN a norma jurídica é vaga e ambígua e, em razão dessa

indeterminação, ela deve ser “metaforicamente” comparada a uma “moldura”, dentro

da qual se amoldam muitos significados. Por isso KELSEN admite a existência de

várias interpretações e entende que cabe ao Juiz interpretar as normas para aplicá-

las ao caso concreto112. Assim como também cabe ao Direito quando descreve o

direito interpretar suas normas113.

Partindo da premissa que uma norma é valida quando pertence ao um

sistema do direito, esta relação de pertinencialidade deve estar de acordo com uma

condição de validade, qual seja: procedimento estabelecido pelo sistema e

autoridade competente.

110 FERRAZ JR., 2006, p. 97. 111 A questão da norma fundamental é criticada por muitos autores, pois a grande maioria entende que é uma deformidade em sua teoria. 112 Neste caso, KELSEN diz que a interpretação é autêntica pois “A interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito […] cria Direito não apenas para o caso concreto mas para todos os casos iguais, ou seja, quando o ato designado como interpretação autêntica representa a produção de uma norma geral.” E continua “Da interpretação através de um órgão aplicador do Direito distingue-se toda e qualquer outra interpretação pelo fato de não ser autêntica, isto é, pelo fato de não criar Direito. (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 394, 395.) 113 Ibid., p. 388.

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É importante destacar que, analisando a obra no idioma de KELSEN,

verifica-se que a palavra utilizada por ele tanto pode significar validade quanto

vigência, como se fossem a mesma coisa. Isso acontece porque a palavra utilizada

por KELSEN, em alemão, Geltung, significa tanto validade como vigência, e, com a

tradução de sua obra para outros idiomas, essa dualidade de significados se

perdeu114. Nesse sentido, explica MENDES115:

Kelsen utiliza o termo “Geltung” para designar validade. Na verdade, esse termo, em alemão, designa tanto validade como vigência. Ocorre, contudo, que na língua portuguesa existem duas palavras distintas. No sentido de existência e obrigatoriedade, “Geltung” é melhor traduzido como validade. Quando Kelsen faz referência ao aspecto temporal, a melhor tradução para “Geltung” é vigência. (grifos do autor)

Assim, KELSEN116 coloca que, em se tratando de validade no aspecto

temporal, ela pode ser limitada por uma norma mais elevada ou que regule sua

produção, vejamos: “Como a outro propósito já foi referido, o domínio de validade

pode ser limitado, quer dizer: o começo e o fim da sua validade podem ser

determinados, por ela própria ou por uma norma mais elevada que regula a sua

produção”. KELSEN117 se refere ao principio da legitimação:

114 Por este motivo concordarmos com VILÉM FLUSSER (2004, p. 61) de que a tradução em rigor é impossível: “a possibilidade de tradução é uma das poucas possibilidades, talvez a única praticável, de o intelecto superar os horizontes da língua. Durante esse processo, ele se aniquila provisoriamente. Evapora-se ao deixar o território da língua original, para condensar-se de novo ao alcançar a língua da tradução. Cada língua tem uma personalidade própria, proporcionando ao intelecto um clima específico de realidade. A tradução é, portanto, a rigor, impossível. Ela é possível aproximadamente, graças às semelhanças existentes entre as línguas, semelhanças ontológicas. A possibilidade da tradução diminui com a diminuição das semelhanças. Todo esse complexo revela, com força redobrada, o que ficou assentado no parágrafo anterior: a relatividade ontológica de cada língua”. 115 MENDES, S., 2007. p. 116. 116 KELSEN, 2006, p. 232. 117 Ibid., p. 233.

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O princípio de que uma norma de uma ordem jurídica é válida até sua validade terminar por um modo determinado através desta mesma ordem jurídica, ou até ser substituída pela validade de outra norma desta ordem jurídica é o princípio da legitimação.

A validade sintática pressupõe que, além de buscar seu fundamento de

validade na “norma fundamental”, também deve observar como a norma deve ser

produzida, qual o procedimento e qual a autoridade prevista, norma de competência

e norma de procedimento, respectivamente.

O principio da legitimação encontra-se limitado por outro principio que é o

da efetividade, que significa dizer que a norma tem que ter o mínimo de eficácia

como condição de validade118 . A eficácia aqui referida é a eficácia sociológica,

eficácia em sentido empírico, conforme explica MARCELO NEVES 119 : “à

conformidade das condutas à norma”, ou seja, “se a norma foi realmente

“observada”120, “aplicada”121, “executada122” (imposta) ou “usada”123.

118 Importante trazer à baila a distinção de MARCELO NEVES: “Da eficácia, compreendida como mera conformidade dos comportamentos ao conteúdo (alternativo) da norma, tem-se procurado distinguir a efetividade, surgindo-se uma referência aos fins do legislador ou da lei. Formulando com outras palavras, pode-se afirmar que a eficácia diz respeito à realização do “programa condicional”, ou seja, à concreção do vínculo “se-então” abstrata e hipoteticamente previsto na norma legal, enquanto a efetividade se refere à implementação do “programa finalístico” que orientou a atividade legislativa, isto é, à concretização do vínculo “meio-fim” que decorre abstratamente do texto legal”. (NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994, p. 46.) 119 NEVES, 1994. p. 42. Interessante anotar a explicação que faz o ilustre professor da PUC/SP da eficácia técnico-jurídico que “refere-se à possibilidade jurídica de aplicação da norma, ou melhor, à sua aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade. A pergunta que se põe é, nesse caso, se a norma preencheu as condições intra-sistêmicas para produzir os seus efeitos jurídicos específicos”. 120 “a observância significa que se agiu conforme a norma legal, sem que essa conduta esteja vinculada a uma atitude sancionatória impositiva”, “diz respeito à norma primária”. (Ibid., p. 42.) 121 “...a aplicação normativa pode ser conceituada como a criação de uma norma concreta a partir da fixação do significado de um texto normativo abstrato em relação a um caso determinado...” (Ibid., p. 43.) 122 “surge exatamente como reação concreta a comportamentos que contrariam os preceitos legais, destinando-se à manutenção do direito ou ao restabelecimento da ordem violada”. “refere-se à norma secundária”. (Ibid., p. 42.) 123 “Não estando presentes as condições (“infra-estrutura”) para o uso das ofertas de regulamentação legalmente postas, pode-se falar, então, de ineficácia normativa. Porém, nesse caso, não se trata de respeito, violação ou burla de preceito legal, mas sim de uso, desuso ou abuso de textos legais que contém oferta de auto-regulamentação de relações intersubjetivas”. (Ibid., p. 45.)

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Vemos que a validade formal pode ser aplicada pelos tribunais, conforme

na ADI 652 QO/MA, voto de Celso de Mello. Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Acórdão de 2 abr.1992. Diário da Justiça, Brasília 2 abr. 1993124:

Ação Direta de Inconstitucionalidade – controle normativo abstrato – Natureza do ato inconstitucional – Declaração de inconstitucionalidade – Eficácia retroativa – O Supremo Tribunal Federal como “legislador negativo” – Revogação superveniente do ato normativo impugnado – Prerrogativas institucionais do poder público – Ausência de efeitos residuais concretos – Prejudicidade – O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade de ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição. Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de “menor” grau de positividade jurídica guardam “necessariamente”, relação de conformidade vertical com as regras inscritas na carta política, sob pena de ineficácia e de conseqüente inaplicabilidade.

2.3.2 Validade do Controle de Constitucionalidade n a Teoria de HERBERT L. A.

HART

Com relação à divisão lógica das normas em primárias e secundárias é

oportuno trazer as lições de HERBERT L. A. HART, que, através de sua proposta de

uma Teoria Geral para o ordenamento jurídico, sem querer explicar um ordenamento

jurídico específico ligado a uma cultura concreta, veio mudar de certa forma o

paradigma hermenêutico utilizado até então com bases na teoria Kelseniana. Sua

teoria é de caráter descritivo, importando a análise da estrutura do direito e do seu

funcionamento sem o uso da justificação moral.

A teoria de HERBERT L. A. HART desenvolve-se com bases na teoria

analítica, influenciada pela corrente filosófica da linguagem. Apesar de ser

positivista-normativisma, assim como KELSEN, sua corrente não se preocupa

somente com o aspecto formal de estrutura normativa.

124 MENDES, S., 2007. p. 176.

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Para o Autor, as normas ou regras jurídicas são necessariamente

indeterminadas, porque sabe-se pouco sobre o fatos concretos e, ao estabelecer as

regras, não se pode prever todos os casos possíveis de aplicação, antecipando

experiências futuras que ao longo do tempo podem mudar.

HART entende que existem dois tipos de regras125 no sistema: as regras

primárias e as regras secundárias. As regras primárias seriam aquelas dirigidas ou

não à realização de determinada conduta, as regras secundárias seriam aquelas que

se dirigem às regras primárias, subdividindo-se em: reconhecimento (rules of

recognition), alteração (rules of change) e julgamento (rules of adjudication). As

regras secundárias são aquelas que definem quais regras são válidas, quais regras

alteram ou não o sistema e quem são as pessoas competentes para emitir regras

primárias. Por este motivo, as regras primárias precisam das regras secundárias, e a

união de ambas as regras formariam o sistema completo para o autor ou, melhor

dizendo, o coração de um sistema jurídico.

A regra de reconhecimento soluciona a questão da validade de modo

empiricamente comprovado, através da “aplicação e efetividade de suas normas

numa determinada ordem social”126, diferentemente de KELSEN, que soluciona a

questão da validade com a criação “norma fundamental”, que é apenas mentalmente

verificada. A necessidade da criação da norma pressuposta kelseniana e da norma

de reconhecimento de HART existe para que o sistema seja fechado, caso contrário

haveria uma situação infinita de norma que procura seu fundamento de validade em

outra norma; assim, ad eternum.

125 Para este trabalho regras e normas são palavras sinônimas. 126 CARVALHO, C., 2005. p. 161.

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HART, desse modo, trabalha com um sistema circular, em que o sistema

cria suas próprias normas válidas, buscando, assim, suas validades dentro do

próprio sistema, sem a necessidade de buscar seu fundamento de validade em uma

“norma fundamental” que está fora do sistema. A validade aqui é dada pela própria

norma do sistema que determina a aplicação e a efetividade das normas, chamada

de norma de reconhecimento.

A norma de reconhecimento seria aquela que reconhece a prescrição

jurídica dotada de autoridade como modo de adequação e eliminação e dúvidas

acerca da validade (existência) da regra, ou seja, o reconhecimento da norma é a

eliminação de dúvidas sobre a validade da norma, isto é, o reconhecimento é o

fundamento de validade da norma (assim como a “norma fundamental” de Kelsen).

É aquela baseada em uma forma comum de consenso judicial. Por esse

motivo, a regra de reconhecimento é o próprio conceito de validade para HART. No

controle de constitucionalidade, vemos que a regra de reconhecimento de Hart é

aquela que permite que o sistema controle a compatibilidade da norma posta com a

Constituição.

As regras de alteração são aquelas que conferem a determinados sujeitos

autoridade para introduzir novas regras primárias ou ainda para eliminar as antigas

regras primárias para a conduta da vida do grupo ou de certa classe dentro dele e

para eliminar as antigas 127.

E, ainda, as regras julgamento consistem em atribuir poderes aos

indivíduos que julgam, além de definir também o processo que deve ser seguido.

Essas regras não impõem deveres e sim atribuem poderes. Será dentro da regra de

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julgamento que encontraremos os conceitos de sentença, juiz, jurisdição e tribunal.

MOUSSALLEM128 entende que a norma secundária para HART seria a norma de

atuação judicial, pois, “além de identificarem os indivíduos que devem julgar, tais

regras definirão também processo a seguir”.

A questão da validade para HART está justamente na regra secundária de

reconhecimento. O aspecto interno e externo da regra de reconhecimento é de suma

importância dentro de sua teoria, pois a verificação da validade de uma norma pode

ser vista sob o ponto de vista interno e externo. O ponto de vista interno se dá em

relação ao sistema (semântico) e o ponto de vista externo se dá em relação ao

sujeito, que tem que reconhecer a regra como válida, submetendo-se ou não a ela

(pragmático).

Também com base na visão normativa interna e externa, pode se dizer

que a regra de reconhecimento existe como fato ou direito, pois, vista em seu

interior, é direito, já que a regra fornece critérios para a identificação de outras

regras; e, vista em seu aspecto externo, é fato, no sentido de que sua existência

corresponde a uma comprovação fática129.

Por fim, percebe-se que uma norma só será valida se a regra de

reconhecimento existir em sua completude, não só no aspecto interno como direito,

mas principalmente no aspecto externo, que diz respeito ao uso feito pelos Tribunais

dos elementos fornecidos pela regras de reconhecimento: reconhecer pelo Tribunais

127 HART, 2001, p. 105. 128 MOUSSALLEM, 2005, p. 106. 129 Ness sentido, concorda MENDES, S., 2007, p. 135.

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sua existência130. Se isso não existir, não haverá regra válida e sim uma “patologia

do sistema”, nas palavras de HART.

A obrigatoriedade de decidir é da própria essência do direito131. A regra

jurídica limita a liberdade de escolha, pois tem como um de seus modais o

obrigatório132, e a aplicação através do tribunal por meio de uma decisão é o que dá

reconhecimento a uma regra jurídica.

O papel dos tribunais é muito importante neste aspecto, como dizia

HART133:

a história do direito, todavia, sugere insistentemente que a falta de instâncias oficiais para determinar com autoridade o facto da violação das regras constitui um defeito muito grave; porque muitas sociedades remediaram este defeito muito antes do outro.

Principalmente quando estamos tratando de inconstitucionalidade e

constitucionalidade das normas, verifica-se que o aspecto circular de validade

realmente ocorre, pois será o órgão competente Supremo Tribunal Federal que

poderá “declará-la” (de modo prescritivo) a inconstitucionalidade ou

constitucionalidade da norma; esse sentido ficou bem claro por CRISTIANO

CARVALHO:

130 Diz HART (2001, p. 113) que, “na maior parte dos casos a regra de reconhecimento não é anunciada, mas sua existência manifesta-se no modo como as regras são identificadas, tanto pelos tribunais ou outros funcionários, como pelos particulares ou seus consultores”. 131 O tema da obrigatoriedade de decidir non liquet será tratado no capítulo sobre lacunas do direito. 132 Sobre a obrigatoriedade, HART (2001, p. 143) faz uma interessante distinção “A afirmação de que alguém tem ou está sujeito a uma obrigação traz a verdade implícita a existência de uma regra; todavia, nem sempre se verifica o caso de, quando existem regras, o padrão de comportamento exigido por elas ser concebido em termos de obrigação. “Ele tinha o dever de ter” e “ele tinha a obrigação de” nem sempre são expressões mutáveis entre si, mesmo se são semelhantes por conterem uma referência implícita aos padrões de conduta existentes ou são usadas para extrair conclusões, em casos particulares, de uma regra geral. 133 HART, 2001, p. 103.

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Muitas vezes, por mais óbvio que a inconstitucionalidade desta lei possa ser aos olhos dos juristas, somente o Supremo tem o condão de declará-la constitucional. O fundamento de validade desta lei não só será declarado pelo Órgão, mas também constituído e confirmado por ele, numa dinâmica sistêmica verdadeiramente circular. Note-se que numa análise anterior à declaração do referido Tribunal, o jurista concluiria que tal diploma legal não atende aos requisitos de validade do sistema e por isso deve ser expurgado dele. Após a declaração, todavia, não tem como considerar mais isto, buscando inclusive essa validação na própria norma expedida pelo Supremo Tribunal, que tem a função de modificar incessantemente o sentido da Constituição Federal e, conseqüentemente, de todo o sistema jurídico.

Para HART uma regra valida é aquela que passou por todos os critérios

da regra de reconhecimento. “Dizer que uma regra é válida é reconhecê-la como

tendo passado todos os testes facultados pela regra de reconhecimento e, portanto,

como uma regra do sistema” 134 . Ainda assim, a norma secundária garante a

continuidade e permanência no tempo e no espaço de acordo com a evolução dos

tempos, do direito, pois através delas o direito pode ser criado, modificado e extinto.

2.3.3 Validade Adotada para Desenvolvimento do Tema

Como o conceito de validade define o conceito de direito adotado, vimos

que sem o conceito de validade não podemos seguir adiante, pois sem ele o direito

não existe, logo o trabalho se tornaria deficiente. Sem mencionar que o controle de

constitucionalidade trabalha justamente com este cotejo: a norma posta no sistema

pela autoridade competente seguindo o procedimento eleito.

Dessa forma, o trabalho analisou o fenômeno da validade com bases

analíticas, considerando duas teorias, adotando, portanto, um modelo aglutinador,

em que duas teorias se comunicam de maneira dialógica. Isso se dá porque a

validade para Kelsen pode ser analisada junto com a validade de HART.

134 HART, 2001, p. 114.

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É importante colocar que a escolha de uma não implica necessariamente

a renúncia da outra, pois ambas trabalham com convergências e divergências, fato

comum quando se trata de assuntos do mundo social que nunca serão totalmente

esgotados, visto que o conhecimento está sempre em contínuo aprimoramento.

Adotaremos a validade em todo o trabalho como relação de

pertinencialidade, porque, com estes requisitos formais, já é possível que a norma,

que diretamente seja incompatível com a Constituição, seja objeto de controle de

constitucionalidade. Contudo, a teoria de HART demonstra-se importante para o

desenvolvimento do trabalho, pois o Autor defende, através de sua norma de

“reconhecimento”, que há necessidade de o Tribunal reconhecer a validade da

norma e que só poderá assim fazer através do controle de constitucionalidade.

Desse modo, o que o controle de constitucionalidade brasileiro faz nada mais é que

aplicar a validade pragmática inspirada na “norma de reconhecimento” de HART.

Inclusive, depois do advento da Ação Declaratória de Constitucionalidade, a

aplicação da teoria ficou muito mais explícita, vez que, em caso de dúvida da

validade da norma tributária, a mesma necessita da norma de “reconhecimento” para

sanar a dúvida com relação a sua válida.

Desta feita, mesmo que no decorrer do trabalho não se faça menção a

todo tempo da norma de reconhecimento de HART, entendemos que a decisão em

controle de constitucionalidade é a própria aplicação da validade de HART.

2.4 Que é Inconstitucionalidade?

Inconstitucionalidade é um fenômeno que ocorre toda vez que uma norma

geral, válida, é analisada pelo instrumento processual de controle de

constitucionalidade e por esse processo verifica-se a sua incompatibilidade com

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norma de hierarquia superior, qual seja a Constituição Federal. Isso significa que

houve ofensa direta135 da norma abstrata com relação à Constituição. Desse modo,

a inconstitucionalidade sempre tem que ser analisada com relação à Constituição e

à regra-matriz de incidência tributária.

É importante frisar que inconstitucionalidade não se confunde com

“invalidade”, mesmo porque, após o reconhecimento da inconstitucionalidade, a

norma continua válida à espera de um veiculo normativo da mesma natureza

(abstrata) para retirá-la do sistema. A validade é inerente ao processo de produção

da norma, a inconstitucionalidade é instrumento de controle do processo de

produção. Dizer que uma norma é invalida é impróprio, pois a validade formal é da

natureza da norma, sinônimo de existência.

Adotamos a divisão doutrinária de inconstitucionalidade formal como

inobservância do procedimento previsto constitucionalmente, bem como ao órgão

competente, e inconstitucionalidade material como sendo aquela que se refere ao

conteúdo da norma introduzida (enunciado-enunciado), levando-se em conta o

aspecto semântico. Adotamos, apenas para fins didáticos, sem que isso implique

equiparação de inconstitucionalidade formal e material à invalidade, posição esta

que rechaçamos.

ROBSON MAIA LINS136 resume a inconstitucionalidade formal e material

da seguinte forma:

A inconstitucionalidade formal pode ser detectada com o exame do antecedente da norma introdutora, que aponta o órgão, o

135 A norma deve derivar diretamente da Constituição, não pode ser uma derivação indireta que seria hipótese de ilegalidade e não inconstitucionalidade. 136 LINS, 2005, p. 258.

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procedimento, data e lugar da constituição da RMIT. Já a inconstitucionalidade material é averiguada no exame da norma introduzida que, no caso, resta incompatível com alguma norma ou princípio constitucionais.

Assim, a inconstitucionalidade sempre analisará a validada da norma

abstrata, norma esta que se presume válida formalmente, pois o controle de

constitucionalidade não retira validade, apenas retira a vigência da norma no caso

de controle concentrado e a eficácia no caso de controle difuso.

2.5 O que é vigência?

A validade não deve ser confundida com a vigência da lei. A vigência tem

status de relação é condição necessária para que o ocorra à força da norma. “A

vigência é propriedade das regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos,

tão logo aconteçam, no mundo fáctico, os eventos que elas descrevem”137.

A vigência também pode ser analisada no tempo, porque, quando uma

norma fica condicionada ao prazo da vacatio legis, prescrito no art. 1º da Lei de

Introdução ao Código Civil, que assim dispõe: “Salvo disposição contrária, a lei

começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente

publicada”, não tem vigência para disciplinar os fatos, assim como ocorre no direito

tributário: antes do término do prazo da anterioridade a norma não é vigente. O

princípio da anterioridade, no caso de instituição ou majoração de tributo, conforme

art. 150, III, “b” e “c”, sendo um conhecido como anterioridade geral (alínea “b”),

proibição de cobrar tributo no mesmo exercício financeiro, em que haja sido

publicada a lei que os instituiu ou aumentou; e a anterioridade nonagesimal (alínea

“c”), que prescreve que não se pode cobrar antes de ocorridos os noventa dias da

137 CARVALHO, P., 2007, p. 84.

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data que tenha sido publicada a lei, não adquire vigência. Ambos preceitos juntos

possibilitam a harmonia do sistema e alcançam o tão almejado tratamento

isonômico, além de garantir também a previsibilidade (Segurança Jurídica).

A vigência tem relação temporal com o conseqüente do veículo introdutor,

ou seja, determina o prazo em que a norma terá força para regulamentar conduta.

Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal pode estabelecer prazo de vigência da

norma.

Desse modo, toda vez que uma norma for declarada inconstitucional pelo

controle concentrado, o que ocorrerá será a retirada da sua vigência, ou seja, a

norma não tem mais força para regular as condutas prescritas em seu conteúdo

semântico; por sua vez, sem vigência, não há que se falar em eficácia, que também

acaba sendo retirada junto com a vigência. E em controle difuso retira-se apenas a

eficácia.

2.6 O que é Eficácia?

A eficácia é um fenômeno que garante os efeitos desejados ou

conseqüências almejadas. A norma é eficaz quando produz os efeitos típicos. A

inconstitucionalidade em controle difuso trabalha justamente nesse plano, no plano

da eficácia técnica sintática. Em controle concentrado, além da perda da eficácia, a

concomitante perda da vigência. A eficácia pode ser dividida em: técnica (sintática

ou semântica), jurídica ou social.

Podemos dizer que a eficácia jurídica ocorrerá toda vez que os fatos

previstos no antecedente da norma desencadearem os efeitos previstos no

conseqüente, como uma operação lógica de incidência, também chamada de

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causalidade jurídica, que nas lições de PAULO DE BARROS CARVALHO 138 é:

“vínculo de implicação mediante o qual, ocorrendo o fato jurídico (relatado do evento

no antecedente da norma), instala-se a relação jurídica”.

A eficácia técnica é aquela em que os efeitos ficam condicionados à

remoção de obstáculos de ordem sintática ou semântica, para produção de efeitos.

Podemos exemplificar uma ineficácia técnica sintática com resolução do Senado

Federal, que suspende a eficácia da norma devido a declaração de

inconstitucionalidade da lei, nos termos do art. 52, X da CF, ou ainda, falta de lei

complementar para disciplinar a cobrança do Imposto Sobre Grandes Fortunas, nos

termos do art. 153, VII da Constituição; por sua vez, ineficácia técnica semântica

seria a norma que encontra dificuldades de ordem material, para produzir efeitos, ou

seja, na hipótese de falta de bafômetros para cumprir a Lei 11.705/2008 (Lei Seca),

quando a mesma foi instituída. Isso, de fato, não ocorreu, mas, se ocorresse, seria

um exemplo de ineficácia técnica semântica.

Quando o Senado edita resolução, suspende a eficácia técnica da regra,

que, mesmo vigente, não pode atuar, continuando também válida até que o órgão

que a promulgou venha a expulsá-la do sistema, conforme explicação de PAULO DE

BARROS CARVALHO139.

Por fim, a eficácia social seria aquela norma que atende as expectativas

do órgão produtor, ou seja, os comandos emanados da norma são acatados por

seus destinatários, assunto que é extra-jurídico, pois a efetividade da norma não

interessa ao direito positivo.

138 CARVALHO, P., 2008, p. 413.

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É importante destacar que inconstitucionalidade não se confunde com

invalidade; toda declaração de inconstitucionalidade reconhece a validade ou não de

uma norma, mas não a retira do sistema. Os efeitos ocorrerão no plano da eficácia

da norma jurídica tributária, quando o controle for difuso, ou seja, reconhece-se a

invalidade da norma, mas não se a retira do sistema, pois a norma continua

existindo para os casos passados e continua surtindo efeitos. Da mesma forma,

constitucionalidade e validade são coisas distintas: a Constitucionalidade reconhece

a invalidade, mas não é instrumento competente para tirar a norma do sistema, pois

apenas suspende sua eficácia (difuso) ou a vigência (concentrado).

Desse modo, eficácia é a condição que a norma tem para descrever

acontecimento, que, uma vez ocorrido, irradia efeitos jurídicos, já que não há

obstáculos para impedir sua propagação.

2.7 Retirada de Norma Inconstitucional do Sistema

Como vimos, a decisão de declaração de inconstitucionalidade não retira

a norma, mas tão somente retira a eficácia ou a vigência de acordo com o tipo de

controle da norma. Assim, mesmo com a declaração de inconstitucionalidade, a

norma continua válida no sistema para casos pretéritos140. A única forma por que o

sistema permite a retirada da norma declarada inconstitucional é através de outra

norma que veio apenas para este fim ou de maneira indireta assim o faça.

139 CARVALHO, Paulo de Barros. Crédito Prêmio de IPI: estudo e pareceres III. Barueri, SP: Minha Editora, 2005, p. 26. 140 ROBSON MAIA LINS (2005, p. 83) adota posição diferente entendendo que em duas hipóteses poderá haver retirada da validade, quais sejam: quando a norma objeto de controle de constitucionalidade ainda não adquiriu vigência (por que respeita o princípio da anterioridade ou porque ainda encontra-se na vacatio legis). Ou seja, a norma é valida mais ainda não é vigente, não produziu efeitos; ou, ainda, quando a declaração de inconstitucionalidade reconhece a inconstitucionalidade da norma geral, revogando as normas individuais criadas sob fundamento de

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Estamos tratando da revogação, que pode ser expressa ou tácita. A

revogação expressa é aquela que traz em seu suporte físico “texto de lei” a

expressão o dispositivo X fica revogado. Em seu turno, pode-se dizer que a

revogação tácita é aquela em que implicitamente, por ausência do dispositivo

expresso, pode-se entender que uma norma foi revogada. Isso porque no sistema

existem duas normas – uma anterior e uma posterior – conflitantes, e, nesse caso, a

última norma regulou inteiramente a matéria veiculada na lei anterior.

Assim como dispõe o art. 2º e § § da LICC, assim dispõe:

Art. 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora

perdido a vigência.

Nas palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO141, temos:

Diz-se haver revogação expressa quando a lei revogadora manifestamente o declare, e haverá revogação tácita quando existir incompatibilidade entre lei anterior e lei posterior, ou, ainda, quando esta regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Observando o direito como texto, poderíamos dizer a revogação expressa atua no plano da literalidade textual (S1), enquanto a revogação tácita ocorre no altiplano das significações, quer consideradas isoladamente (S2), quer articuladas na forma de juízo hipotético-condicional (S3)”.

validade com base na lei inconstitucional, ou seja, os efeitos ocorrerão no plano da norma individual e concreta. 141 CARVALHO, P., 2008, p. 399.

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Segundo TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR.142, a norma revogadora tem

um período de tempo limitado e surge apenas para cumprir seu papel de revogar

uma norma. A norma, introduzida no sistema pelo veículo introdutor chamado lei,

que conflita com outra norma já existente no sistema, derroga implicitamente a

norma anterior. KELSEN diz que a norma revogadora apenas prevê um não-dever-

ser de outra norma. Ela, a norma revogadora, apenas existe para tirar a validade de

outra norma.

Seguindo os dispositivos normativos do art. 2º § § da LICC, podemos

dizer que uma lei declarada inconstitucional tem o poder de restaurar a vigência da

legislação anteriormente existente, que tratava do mesmo assunto, a lei 9.868/99 em

seu art. 11, § 2º: “torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo

expressa manifestação em sentido contrário”.

Também, a lei não recepcionada pode ser considerada revogada. É o

caso de lei editada antes da Constituição de 1988, que seja com ela incompatível,

pois, o sistema não admite a inconstitucionalidade superveniente.

Como a declaração de inconstitucionalidade não retira a norma do

sistema, continuando válida, apenas ataca sua força através da eficácia normativa;

conforme HART, a revogação é instrumento primordial ao sistema jurídico.

A revogação, nesses moldes, apenas será possível através do próprio

ente ou Poder que a criou. Isso significa que norma, posta no sistema através de

veiculo introdutor (lei), só pode ser retirada por veiculo introdutor da mesma

natureza, ou seja, lei e não sentença.

142 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Inconstitucionalidade de norma de revogação e racionalidade sistemática. In: Direito Constitucional: Liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e

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Com relação às normas individuais e concretas que foram produzidas

com fundamento de validade na norma abstrata declarada inconstitucional, as

mesmas deverão ser objeto de nova norma que retire sua validade devido o efeito

erga omnes, pois a declaração de constitucionalidade é linguagem constitutiva ou

desconstitutiva da vigência e eficácia da norma.

Somente norma abstrata retira a validade de norma abstrata; a norma

concreta da decisão em controle de constitucionalidade não tem a força ilocucionária

de revogar norma abstrata.

outros temas. Barueri, SP: Manole, 2007ª,. p. 55.

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3 CONSTRUÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL EM CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

3.1 Introdução

Sabe-se que a decisão é um processo complexo; por este motivo,

analisaremos neste capítulo o que um julgador deve considerar para chegar a uma

decisão em controle de constitucionalidade.

Consideramos que o processo semântico de decisão inicia-se pela

interpretação, que são os primeiros passos que o sujeito cognoscente emissor de

decisão judicial necessita percorrer para a emissão de norma concreta, pois sem

interpretação não se constrói o sentido do texto.

Após a análise do processo de interpretação, vamos analisar um

problema real que o julgador encontra no seu processo de formação de decisão: as

lacunas e também o próprio valor, problema axiológico de qualquer objeto cultural;

tudo convergindo para a criação de uma decisão que se dá através de um processo

de escolha e vontade, o qual terá necessariamente um limite que aqui também será

tratado.

3.2 O Juiz e o Processo de Interpretação

Todo é qualquer texto necessita de interpretação. A interpretação é

inerente ao conhecimento. Sem interpretação o texto não tem contexto, e texto sem

contexto não é texto. Desse modo, a expressão latina que diz que In claris cessat

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interpretatio (A lei sendo clara dispensa interpretação) não condiz com a realidade

jurídica.

Interpretar é um ato de conhecimento e vontade. Quanto maior for o

conhecimento do intérprete com relação ao seu objeto de conhecimento maior será

sua coerência na interpretação, por isso é sempre um ato criativo. Ao interpretar

uma lei, o juiz necessariamente terá que construir143, através de ato de vontade

criativo, uma significação dos enunciados que compõem a norma.

PAULO DE BARROS CARVALHO 144 leciona que interpretação é “a

atividade intelectual que se desenvolve a luz de princípios hermenêuticos, com a

finalidade de construir o conteúdo, o sentido e o alcance das regras jurídicas”. E

continua afirmando que “a interpretação é tema fundamental e, sem ela, não

teremos acesso ao conhecimento do direito”.

A doutrina de PAULO DE BARROS CARVALHO 145 explica o

comportamento de quem pretende interpretar e, através de quatro passos S1, S2,

S3, S4, conhecido como percurso gerador de sentido, explica também que o

intérprete alcançará o sentido do texto jurídico-positivo que pretende interpretar;

assim, partindo do conjunto de enunciados tomados no plano da expressão, suporte

material da linguagem prescritiva, ou seja, seu aspecto documental, que pertence à

escala da expressão dos textos prescritivos, passará ao conjunto de conteúdo de

significação dos enunciados prescritivos, isolando a base física do texto que se

143 O processo pré-interpretativo começa com a leitura do texto ou do objeto que se pretende interpretar. Após passa-se à análise interpretativa, que consiste em chegar a um sentido coerente do objeto da leitura, para assim compreender através da captação dos sentidos. A compreensão é ilimitada, por isso é conhecida como “espiral hermenêutico”. O espiral hermenêutico é sugerido por GREGORIO ROBLES, 2005, p. 50. 144 CARVALHO, P., 2007. p. 96. 145 CARVALHO, P., 2006, p. 63-84.

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pretende entender ou interpretar, para, assim, atribuir valores unitários aos signos,

fazendo a compreensão de cada enunciado, ou produto da enunciação, para depois

colocar em conjunto, atingindo o conhecimento total que se chegará ao domínio das

significações normativas. No domínio das significações normativas, passará, por fim,

à noção de sistema, em que as normas são organizadas numa estrutura escalonada.

Antes de qualquer coisa, é necessário estabelecer quem interpretará a

norma: jurista ou aplicador. Se o ato de interpretação provém do cientista do Direito,

do jurista, este não cria normas, a Ciência do Direito não cria norma jurídica, apenas

cria proposições normativas ou jurídicas. A Ciência do Direito trabalha com

metalinguagem que serve para falar da linguagem-objeto que é o direito positivo.

Para o presente trabalho, apenas a interpretação realizada pelo aplicador

será objeto de estudo, pois é ele que outorga significação às normas ou aos

enunciados que compõem a norma, completando o processo de positivação da

norma geral e abstrata à individual ou geral e concreta.

Quando um órgão aplicador interpreta uma lei, ele emite sobre ela

enunciados normativos, que, por sua vez, têm força vinculante; assim, no processo

de aplicação, sempre cabe ao órgão aplicador interpretar a lei. O juiz, nesse caso,

faz uma delimitação do significado do texto normativo de acordo com sua vontade

(ato de vontade Kelseniano146).

Podemos estender essa forma de interpretar também para os órgãos do

poder legislativo. É de se perceber, até por uma questão óbvia, que, mesmo se

146 “na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar a combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva. Com esse ato, ou é produzida uma norma de escalão inferior, ou é executado um ato de coerção estatuído na norma jurídica aplicanda”. (KELSEN, 2006, p. 394.)

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tratando de ato de conhecimento, o intérprete da lei (judiciário ou legislativo, ou

particular no direito privado) o faz por ato de vontade147, através de atos cognitivos

(conhecimento), sendo que o primeiro se sobrepõe ao segundo.

O intérprete indubitavelmente se vê frente a diversas significações que a

linguagem vaga e ambígua propicia. Contudo se a significação conduzir a várias

interpretações possíveis, com valores iguais, apenas uma delas se tornará direito

positivo no ato de aplicação do direito. Assim, o intérprete deve considerar todo o

contexto em que está inserida a norma, além, é claro, dos valores objetivos que

encontram-se no sistema, como assevera FABIANA DEL PADRE TOMÉ148:

O direito, como objeto cultural que é, exige inevitavelmente tomada de posição daquele que o interpreta, não havendo como dele se aproximar na condição de sujeito puro, despojado de atitudes axiológicas.

A norma geral é propositadamente criada com certa indeterminação149

pela norma superior, que HART chama de “textura aberta”, e essa margem de

indeterminação somente poderá ser preenchida dentro de um limite que KELSEN

chama de “quadro ou moldura”.

Essa indeterminação própria da norma geral é necessária para o ato de

aplicação, porque a norma individual continuará o processo de criação do direito,

determinando o que a norma geral apenas traçou em linhas gerais. É claro que

147 Podemos distinguir dois atos de vontade: a vontade da lei (voluntas legis), que é a doutrina objetivista, e a vontade do legislador (voluntas legislatoris), que é a doutrina subjetivista. 148 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. São Paulo: Editora Noeses, 2005, p. 252. 149 Para GÜNTHER, “a indeterminação não é um problema da estrutura da norma, contudo uma perífrase do procedimento de aplicação imparcial. Se uma norma só puder ser aplicada de modo imparcial, sob a consideração de todos os sinais característicos de uma situação, a propriedade da indefinição se aplica a cada norma”. (GÜNTER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Trad. Cláudio Molz; introdução à edição brasileira Luiz Moreira. São Paulo: Landy Editora, 2004, p. 398.)

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haverá sempre um limite máximo e mínimo, imposto ao aplicador. As referências

sintáticas, semântica e pragmática da linguagem encontradas na norma,

representam esse limite na interpretação dos textos normativos.

Também não se pode olvidar que em um sistema positivo, em que há

uma norma hierarquicamente superior, toda e qualquer interpretação deve ser feita

sob o prisma da Constituição Federal150, ou seja, a constituição deve se projetar

como um dos princípios máximo da interpretação 151 da norma jurídica. A

Constituição, pela posição que ocupa, no ápice do sistema, deve emanar toda a

atitude interpretativa. Isso porque no “processo interpretativo temos, de um lado, a

prescrição constitucional, de outro, a realidade152”.

Por isso, pondera GERMAN ALEJANDRO SAN MARTÍN FERNÁDEZ153 que

O sistema constitucional brasileiro apresenta algumas peculiariedades. Entre as mais importantes estão a rigidez da Constituição, a prevalência dos princípios e dos enunciados constitucionais e os métodos próprios de interpretação da Constituição Federal, tudo isso por força da posição de supremacia que a Carta Magna ocupa em relação às demais normas integrantes do sistema”.

150 Assim entendeu a ação ADI 3246 / PA. Ação Direta De Inconstitucionalidade Rel. Min. Carlos Britto Julgamento: 19/04/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 01-09-2006 .Ementa: Constitucional. Ação Direta De Inconstitucionalidade. Impugnação Do Inciso I Do Art. 5º Da Lei Nº 6.489/02, Do Estado Do Pará. Decisão: O Tribunal, à unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do inciso I do artigo 5º da Lei nº 6.489, de 27 de setembro de 2002, do Estado do Pará, para aplicar-lhe interpretação conforme à Constituição Federal, no sentido de que sejam excluídos do âmbito da sua aplicação os créditos relativos ao ICMS que não tenham sido objeto de convênio entre os Estados da Federação, tudo nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente no exercício da Presidência. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Falou pelo requerido, Governador do Estado do Pará, o Dr. José Aloysio Campos, Procurador-Geral do Estado. Plenário, 19.04.2006. 151 Aqui ainda não se trata de “interpretação conforme a constituição” e sim apenas de uma referência hierárquica como um início para o ato interpretativo. 152 FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 278. 153 FERNÁNDEZ, German Alejandro San Martín. Introdução ao Direito Tributário. São Paulo: MP Editora. 2008, p. 235-236.

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É a chamada interpretação conforme a Constituição. Nas palavras de

GILMAR FERREIRA MENDES154, temos:

interpretação conforme a Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição.

Desse modo, é regra de hermenêutica que busca o melhor sentido da

norma de acordo com a Constituição e baseia-se na presunção de

constitucionalidade das leis e na supremacia da Constituição, pressupondo vários

significados, os quais devem ser eleitos somente se forem compatíveis com a

Constituição. Nesse sentido, Regis Fernades de Oliveira155 arremata:

O direito é um todo harmônico. […] Todas as normas jurídicas devem ser interpretadas de acordo com o que se contém na Constituição. É ela fonte inspiradora e integradora de todo o direito. Por vezes, basta atentar ao conteúdo, para que se possa interpretar o problema concreto.

Sendo o Supremo Tribunal Federal guardião da Constituição, nada mais

coerente que seja o órgão competente para interpretar as leis e sua compatibilidade

com o Texto Maior. Porém, sabe-se que todos os tribunais são os órgãos

competentes para interpretar as leis, contudo, conforme SONIA MARIA BROGLIA

MENDES:

normalmente, esse papel cabe às cortes constitucionais e, no nosso sistema jurídico, em último grau de jurisdição, ao Supremo Tribunal Federal. O que se faz é, por meio da interpretação, estabelecer se as

154 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 287. 155 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 2. ed. ver. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 26.

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regras dos jogos jurídicos permitem aquele uso determinado, contido em determinada norma.156

A interpretação conforme a constituição é premissa inicial; desse modo, a

interpretação deve ser feita de modo dialógico: interpretação conforme a constituição

de forma sistemática. Nesse sentido, BASTOS157: “a letra da lei é ponto de partida

de sua interpretação e, mais adiante, consistirá no limite da mesma”. Quando há

interpretação conforme a constituição, o Supremo elimina as demais possíveis

interpretações incompatíveis com o texto constitucional, desde que seja analisado

todo o sistema jurídico tributário.

O que pretendemos sobre a problemática das decisões judiciais das

normas tributárias com enfoque das normas de controle de constitucionalidade é

uma análise que visa ao sentido dos signos em seu campo sintático, semântico e

pragmático. Para tanto, a interpretação conforme a Constituição deve ser realizada

de maneira sistemática, pois será através da interpretação sistemática que o

aplicador poderá ver o sistema como um todo e analisar dentro de todo o

contingente de possibilidade possíveis e disponíveis no sistema, como os princípios

gerais e específicos, as normas, os valores e, assim, emitir uma decisão jurídica com

bases legais dentro da competência que lhe foi atribuída. Por isso, professa PAULO

DE BARROS CARVALHO158: “o método sistemático parte, desde logo, de uma visão

grandiosa do direito e intenta compreender a lei como algo impregnado de toda a

pujança que a ordem jurídica ostenta.”

156 MENDES, S., 2007. p. 192. 157 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editores, 1997, p. 110. 158 CARVALHO, P., 2007. p. 99.

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Para TÉRCIO SAMAPAIO FERRAZ JR. 159 “Quando se enfrentam as

questões de compatibilidade num todo estrutural, falemos em interpretação

sistemática (stricto sensu).”

e mais:

em tese qualquer preceito isolado deve ser interpretado em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerência do todo. Portanto, nunca devemos isolar o preceito nem em seu contexto (a lei em tela, o código: penal, civil etc.) e muito menos em sua concatenação imediata (nunca leia só um artigo, leia também os parágrafos e os demais artigos).160

No método sistemático de interpretação, o intérprete terá uma visão global

do direito para então entender os mecanismos de existência do direito positivo. A

análise alcançará os princípios, as normas, a relação de subordinação e

coordenação das normas. Isso porque a interpretação sistemática envolve os três

planos da investigação lingüística, os quais são: sintático (arranjo dos signos

jurídicos e uso da palavra na frase normativa); semântico (estudo das denotações e

conotações dos termos jurídicos, a acepção do vocábulo); pragmático (relação dos

signos e seus utentes, ou seja, inclui-se o fato da interpretação em que a aplicação

do direito é promovida por alguém que pertence ao contexto social por ele regulado);

Assim, por envolver os três planos da linguagem, torna a interpretação exaustiva.

Será através da atividade interpretativa que os objetos e os fatos

começaram a existir. Conforme FABIANA DEL PADRE TOMÉ161, “o fato inexiste

antes da interpretação”, a interpretação antecede ao objeto, só através da

interpretação e da linguagem que a realidade passa a existir.

159 FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 288. 160 Ibid., p. 289.

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HART162 entende que a linguagem da norma geral e abstrata elaborada

pelo legislador tem como elemento necessário a “textura aberta”. O problema da

“textura aberta” deve ser resolvido pela interpretação, mas adverte que não existe

uma interpretação definitiva.

A interpretação deve ser conforme a Constituição, analisando todo o

sistema; se assim não for, estaremos não aplicando o papel do Tribunal de

“Guardião da Constituição”.

3.3 O Juiz diante de uma Lacuna no Direito

O tema da lacuna no direito pode ser analisado através de duas

concepções: uma formal, em que se analisa a compatibilidade das normas com o

sistema, isto é, se as normas deste sistema são completas ou não, e uma

pragmática, em que o preenchimento das lacunas caberá a decisão judicial.

Como a intenção do trabalho é analisar os aspectos sintáticos,

semânticos e pragmáticos do direito para entender as decisões judiciais em controle

de constitucionalidade das normas tributárias, tem-se o dever de assim proceder

também com o subitem “lacunas do direito”, visto que as concepções se completam

e não se excluem.

Adotando-se a premissa que o direito é um sistema único e indivisível e

por ter como função resolver conflitos intersubjetivos, necessariamente será

indeterminado e terá lacunas. Por isso, o legislador deixa essas lacunas para serem

161 TOMÉ, 2005, p. 4. 162 HART, 2001, p. 139.

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preenchidas pelo aplicador, visto que os fatos sociais não podem ser todos previstos

pelo legislador, respeitando a dinamicidade do direito.

Todo sistema será aberto para os fatos sociais e fechado em sua

estrutura. Isso decorre de sua estrutura homogênea em termos sintáticos e sua

estrutura heterogênea em termos semânticos, necessária para abarcar os fatos

sociais que necessitam serem regulados. Para KELSEN, a estrutura sintática é

fechada pela “norma fundamental” e para HART pela “norma de reconhecimento”.

Normalmente, as lacunas do direito são identificadas pela doutrina como

ausência ou omissão (lacuna normativa) de norma jurídica geral para determinado

caso concreto, ou seja, inexistência de previsão legal que certamente levaria ao

aplicador a recorrer ao meio de integração permitido em seu sistema jurídico como:

analogia, costume163, princípios gerais, etc. Ou, ainda, presença de uma solução que

para o caso concreto se tornou insatisfatória (lacuna axiológica)164.

A doutrina divide as lacunas em: genuínas (ou normativas), que são

aquelas que surgem quando o direito é omisso; e ordinárias, que são aquelas

indeterminações que surgem quando o direito utiliza termos vagos. Há autores,

163 Com relação aos costumes e a analogia e importante observar que nem todas as normas são passíveis de aplicação analógica, inclusive em Direito Tributário. A analogia seria uma forma de aplicação de uma norma a um fato semelhante que não encontra qualificação normativa, ou seja, um caso que não se subsuma a norma, mas apresenta uma semelhança do fato tipo previsto. O costume seria a prática reiterada de determinado fato que não previsto na norma acaba por passar a ser previsto devido a sua repetição, mas parto da premissa que apenas o costume-enunciação ou seja, o costume que foi positivado que pode ser usado em direito tributário, ver explicação detalhada sobre costume-enunciação em MOUSSALLEM, 2006. 164 Para ALCHOURRÓN e BULYGIN a última é uma lacuna axiológica que são aquelas que apresenta a presença de uma solução insatisfatória, quando há uma discrepância entre a tese de relevância do sistema e a hipótese de relevância, ou seja, as quais existe solução para o caso, mas o julgador a considera inadequada política e eticamente e, portanto, haveria uma subordinação do direito às questões éticas. E a primeira é a lacuna normativas que apresenta-se quando há insuficiência do direito positivo (escrito ou consuetudinário) para determinadas situações objetivas, que exige uma decisão judicial complementar ao direto positivado. (ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la Metodología de las Ciencias Jurídicas y Sociales. Ed. Astrea, Buenos Aires, 1974.)

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como RAZ165, por exemplo, que entendem que as lacunas ordinárias são inevitáveis.

Esse entendimento vem ao encontro das premissas da teoria da linguagem, vez que

o direito é construído pela linguagem e sabemos que a linguagem será sempre

ambígua e vaga166.

3.3.1 Lacuna em seu Aspecto Sintático

Ao analisar as lacunas em seu aspecto sintático/formal, destaca-se a

posição kelseniana, que entende que este tipo de problema de ausência de norma é

de impossível ocorrência167, levando-se em conta que a norma jurídica é estruturada

de forma “ser/dever ser”, isto é, “descrição de uma conduta e a sanção estatuída”.

Veja então que, se no ordenamento não há uma norma geral proibitiva, a conduta

será permitida (através da permissão geral), que KELSEN chama de “ordem jurídica

negativa”168; deste modo, nunca haveria ausência de norma.

Revela o mestre que, diante de um caso concreto que não encontre

literalmente o fato descrito em alguma norma, os órgãos aplicadores do direito

poderão aplicar a solução mais justa. No entanto, isso não representaria a existência

de uma lacuna, pois para ele o sistema é completo, e as normas que o compõem

165 RAZ, Joseph. Legal Principles and the Limits of Law (Postscript). In: COHEN, Marshal (ed.), Ronald Dworkin and Contemporary Jurisprudence. Totowa, New Jersey: Rowman & Allanheld, 1984, p. 81 166 “É mister esclarecer que apenas nas linguagens puramente formais, como a da lógica e a da matemática puras, não surge esse problema da vaguidade, não porque os seus conceitos sejam mais exatos do que o de outros tipos de linguagem, mas, sim, porque são empíricos. Em outros termos, o problema da aplicação de um conceito matemático ou lógico a objetos da experiência sensível, simplesmente não se apresenta, pois nada há na experiência sensível que corresponda ao ponto geométrico, ao numero 5 ou à implicação lógica. Porém, quando estes mesmos conceitos são utilizados empiricamente, isto é, para a descrição da realidade empírica – como sucede com a geometria aplicada – o problema da vaguidade reaparece com todas as suas implicações. Poder-se-á dizer, parafraseando Einstein, que “na medida em que os conceitos se referem à realidade são vagos, e na medida em que não soa vagos não se referem à realidade”. (DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 7. ed. adaptada ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 273.) 167 No mesmo sentido RAZ, Joseph, Legal Reasons, Sources and Gaps. In: ______. The Authority of Law. Oxford: Clarendon Press, p. 53-77, 1979, p. 76. 168 KELSEN, 2006, p. 273.

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têm possibilidade solucionar qualquer problema. Pois, o que não está proibido está

permitido ou ainda o que não está permitido é proibido169, fazendo assim com que

todas as condutas sejam juridicamente qualificadas,

sendo o sistema jurídico uno, pleno e harmônico, não pode haver lacunas ou espaços em branco no direito: todo conflito, toda controvérsia encontra nele solução adequada, sempre será possível a decisão judicial, de forma que o direito é, necessariamente, aplicável em qualquer hipótese.170

KELSEN assim entende porque o legislador não tem condições de

antecipar todas as futuras ações humanas e a conduta do legislador deve escolher

entre não aplicar uma sanção por ausência de norma geral ou ainda aplicar um dos

meios de integração. Não cabe à Ciência do Direito verificar as razões internas do

julgador, mas sim a psicologia ou a sociologia.

Assim, quando a aplicação da ordem jurídica vigente é insatisfatória para

o caso que foi apresentado ao Juiz para decidir, este só poderá fazer as vezes do

legislador quando o direito apresentar uma lacuna. Mas, e se o direito não tem

lacunas?

O julgador nesse caso teria que aceitar a existência de “suposta lacuna” e

criar direito novo. Contudo, o Tribunal deveria assumir a responsabilidade de

colocar-se no lugar do legislador e criar uma norma individual sem correspondência

em relação à norma geral. KELSEN, no entanto, afirma que “raramente fará uso do

poder, que lhe é conferido, de assumir o lugar do legislador”171.

169 Ibid., p. 270. 170 DINIZ, 2002, p. 44. 171 KELSEN, 2006, p. 275-276.

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Assim, de certa forma, KELSEN admite como “ficção” a existência das

lacunas, que chama de política ou axiológica. Interessante a passagem de MARIA

HELENA DINIZ172, que concorda:

Apesar de Hans Kelsen não admitir a existência de ”lacunas” no sistema jurídico, reconhece a importância da teoria das lacunas no âmbito da jurisdição, como um limite ao poder normativo do magistrado. Considerando a “lacuna” como uma ficção utilizada pelo legislador com a finalidade de restringir o poder de interpretação e de integração conferido aos tribunais, quando estes constatam a falta de uma determinada norma, na ordem jurídica, para resolver certo caso, ‘falta essa determinada com base num juízo de valor ético-político subjetivo, que é apresentada como impossibilidade lógica da aplicação dessa ordem jurídica’.

KELSEN, portanto, admitindo que as lacunas são ficções que

estabelecem limites ideológicos à atividade judicial e que diante de um caso

concreto, no nível da decisão judicial, o sistema é incompleto quando não possui

norma. Acredita-se que apenas em seu aspecto formal o mestre de Viena teria

razão, mas, como já mencionado, o direito não pode ser visto apenas por um ângulo

(formal) que o torna injustificável, quando efetivamente estamos no âmbito de

aplicação da norma geral e abstrata.

3.3.2 Lacuna em seu Aspecto Semântico e Pragmático

Em seu turno, quando se analisa a questão das lacunas no campo

pragmático, para os autores que defendem essa corrente, o problema da lacuna

existe como uma continuação da positivação do direito, pois, no seu ciclo de

positivação, necessita do aplicador, que estará apenas aclarando os termos

abstratos. Forma analítica que constrói a seguinte norma: dado o fato de existir um

172 DINIZ (2002, p. 44) comentando a posição de Kelsen.

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conflito, deve ser a decisão judicial. Daí advém a necessidade de decisão para os

conflitos.

Sem mencionar que sistema jurídico é diferente do demais sistemas

(político, social, ético, econômico, etc.), por ser o único sistema que se auto-obriga a

tomar decisões, esta é sem dúvida a grande diferença de todos os demais sistemas,

pois que, no caso de existência de controvérsia, também se socorre do sistema

jurídico. É claro que o sistema jurídico apenas decidirá casos que forem compatíveis

com sua própria linguagem, casos que serão filtrados pela linguagem do direito para

serem levadas aos Tribunais.

Essa obrigatoriedade de tomar decisões chama-se cláusula de proibição

de denegação de justiça ou non liquet, que pressupõe uma aparente posição

hierárquica do legislador sobre o julgador, mas, de outro modo, também demonstra a

necessidade de o juiz decidir, inclusive para os casos em que o legislador não

normatizou. Em nosso ordenamento, a cláusula está positivada através do art. 108

do Código Tributário Nacional e no art. 126 do Código de Processo Civil, além de

estar também no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.173

Esta cláusula nada mais é que uma norma de estrutura que assegura ao

julgador que na ausência de norma material que se subsuma ao caso concreto,

haverá a norma de estrutura que lhe dá legitimidade para decidir criando para o caso

173 O art. 108 do CTN da maneira que está prescrito admite expressamente que o sistema pode ter lacunas. Art. 108 do CTN: “Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem indicada: I – analogia; II – os princípios gerais de direito tributário; III – os princípios gerais do direito público; IV – a equidade”.

Art. 126 do CPC: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo recorrerá a analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito.

Art. 4º da LICC: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

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concreto uma decisão com base legal. Esta então seria uma técnica para resolver

casos concretos que apresentem uma falta de norma, e não a negação de existência

de lacunas devido à cláusula do non liquet.

As decisões do Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de

constitucionalidade, não apenas cria uma norma para o caso concreto como também

cria uma norma que vincula todos os demais casos a emitirem normas que resolvam

os demais caso concretos. Contudo, quando a decisão é proferida pelo Supremo

Tribunal Federal, mas em controle difuso, a lacuna permanece porque a decisão não

terá status deôntico de garantir todos os comportamentos.

Na teoria luhmanniana, também encontramos a cláusula de

obrigatoriedade de decidir: “Los tribunales deben decidir allí donde no pueden decidir

– en todo caso deciden fuera de los estándares aceptables de la racionalidad. Y si

no pueden esforzarse en poder. Si no se encuentra el derecho, hay que

inventarlo”174.

A sociedade moderna é uma sociedade de risco onde a contingência

impera, pois no futuro tudo pode ser diferente, sem mencionar que o sistema jurídico

não pode se negar a decidir diante de um caso concreto. Apesar de Luhmann

afirmar a inexistência de lacunas, concorda que há, devido à cláusula do non liquet,

uma “decisão formal de desvio”, que para nós, em termos finalísticos, significa a

mesma coisa.

174 LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. Mexico: Universidad Iberoamericana, 2002, p. 379.

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O centro do sistema jurídico será ocupado pelos Tribunais que têm o

dever de decidir, devido à cláusula do non liquet175, que de certa forma, além de

obrigar a decidir, também permite a liberdade176 na interpretação em suas decisões

(construindo o direito).

A decisão é a comunicação jurídica que mantém a autopoiese 177 do

sistema, ou seja, é ato de fala ilocucionário. Isso tudo ocorre em conseqüência do

fechamento operativo do direito e de sua abertura cognitiva, da necessidade de

decidir e do poder de criar.

Em outras palavras a norma individual e concreta, ou geral e concreta

emitida pelo Juiz ou pelo Supremo Tribunal Federal é necessária para a continuação

do sistema, e sua criação não é autônoma, feita com base em seu livre arbítrio, e

sim dentro dos limites formais delimitados pelo próprio sistema (moldura da norma).

Com relação à classificação doutrinária no campo da pragmática, é

importante trazer à baila os conceitos de “lacunas de conhecimento” e “lacunas de

reconhecimento”, apresentadas por ALCHOURRÓN e BULYGIN178, que diz que as

“lacunas de reconhecimento” são aquelas que decorrem do desconhecimento acerca

da resolução de um caso, em virtude da indeterminação semântica dos conceitos

175 TÉRCIO SAMPAIO entende que nesse caso podem ser usadas as “regras de calibração”: “Assim, por exemplo, quando no interior do ordenamento surge a configuração de um fato cuja relevância jurídica se reconhece, mas para o qual não se encontra uma norma adequada (problema das lacunas), o sistema evoca uma regra de calibração segundo a qual é defeso ao juiz deixar de julgar sob o argumento de falta de obscuridade da lei”. (FERRAZ JR., 2003, p. 193.) 176 É claro que está liberdade não é subjetiva e sim mitigada por valores objetivos, vide capítulo dos valores. 177 “O conceito de autopoiese será definido mais enfaticamente por LUHMANN, sob influência de MATURANA e VARELA, como auto-referência dos elementos sistêmicos: “um sistema pode ser designado como auto-referência, se ele mesmo constitui, como unidades funcionais, os elementos de que é composto […]”. Aqui se trata primariamente da reprodução unitária dos elementos construtores do sistema e, simultaneamente, por ele constituídos, não da auto-organização ou da manutenção estrutural do sistema.” (NEVES, 1994. p. 116.) “O modelo luhmanniano do Direito moderno (positivo) como sistema autopoiético é, numa perspectiva empírica, suscetível de restrições”. (Ibidem, p. 124.)

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(vagueza) que caracterizam um caso genérico. Para os autores, a vagueza pode até

ser reduzida pelo uso de termos técnicos, mas não desaparece nunca. Por outra

feita, as “lacunas de conhecimento” são aquelas que apresentam o

desconhecimento do fato, o juiz desconhece na aplicação do direito ao caso

concreto as informações fáticas. Nesse último caso, pode-se dizer que a ausência

de conhecimento pode ser suprida pelas presunções legais179 e outras regras de

natureza processual.

É possível falar em inconstitucionalidade de lacuna? Não, apenas

podemos suscitar a inconstitucionalidade da omissão legislativa que impediu o

exercício de um direito reconhecido pela norma. Seria a chamada

inconstitucionalidade por omissão passível de Ação direta de inconstitucionalidade

por omissão, tipo de ação direta de inconstitucionalidade propriamente dito que

possui algumas particularidades, como veremos no capítulo 4, item 4.4.2.

O aplicador do direito apenas resolverá, para um determinado caso

concreto, a ausência da norma (lacuna), mas jamais a eliminará do sistema. Essa

tarefa de eliminar caberá apenas ao legislador; mesmo no caso das decisões do

Supremo Tribunal Federal, em controle abstrato o mesmo se dará, visto que a

decisão em controle de constitucionalidade não retira ou põe norma abstrata no

ordenamento que pode resolver o problema de lacuna.

Resumidamente, quando o direito é analisado por seu aspecto formal, a

estrutura normativa e sua lógica, dado fato (F), deve ser a relação deôntica entre

dois sujeitos de direito S’ e S’’, não sendoo possível a existência de lacunas, pois o

178 ALCHOURRÓN; BULYGIN, 1974, p. 61-63.

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que não está proibido está permitido, mesmo porque há inclusive a existência de

norma permissiva da integração do direito. Mas, quando a análise recai sobre fatos

concretos, no campo pragmático (e aqui, mais uma vez ressalva-se que a analise é

jurídica positiva) as lacunas existem como parte do sistema de positivação do direito

(norma de estrutura voltada ao Juiz) e cabe ao Juiz, através de suas decisões, o

preenchimento das lacunas para emissão da norma concreta, seja ela individual seja

ela geral.

O preenchimento dessa lacuna, ou seja, o modo como o juiz emite a

decisão quando não tem uma norma materialmente positivada no sistema que lhe

sirva de fundamentação, é o que veremos a seguir.

3.4 Construção e a Formação dos Conceitos

Percebe-se que as demandas muitas vezes giram em torno do conteúdo

de significação dos institutos, o problema semântico é existente, fato que não temos

como negar, mas é lógico que o aspecto sintático e pragmático também estão

ligados de forma inseparáveis. O que ocorre é maior predominância de um em

detrimento de outro.

Segundo ALF ROSS, todas as palavras são vagas e potencialmente

ambíguas, e o significado de uma palavra é a conexão da expressão, do contexto e

da situação180. Assim, onde houver linguagem haverá os problemas semânticos de

179 As presunções legais podem ser consideradas em síntese como aquelas “elaboradas pelo legislador e impostas como regras jurídicas gerais e abstratas”. (FERRAGUTT, Maria Rita. Presunções no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 294.) 180 ROSS, 1997, p. 112. “En resumen, los siguientes axiomas se aplican a las palabras en el uso cotidiano: 1)El significado posible de toda palabra es vago; su posible campo de referencia es indefinido; 2) La mayor parte de las palabras son ambiguas; 3) El significado de una palabra se determina en forma más precisa cuando ella es considerada como parte integrante de una

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vaguidade e ambigüidade. Vago é o termo que representa o fato de não existir regra

que permita identificar sua aplicação, é o termo indefinido181; por sua vez, ambíguo é

o termo que apresenta mais de um significado. WARAT182 diz que um termo é

ambíguo quando existem dúvidas sobre qual seu âmbito de denotação, ao passo

que será vago toda vez que, especificado seu campo denotativo, surgirem dúvidas

em torno de sua extensão.

Um termo vago apresenta-se, assim, com uma zona de penumbra, v.g., a

palavra jovem: até que idade uma pessoa é ou não “jovem”?. Ou ainda, a pessoa

considerada “careca”: quantos fios de cabelo precisam estar faltando em sua cabeça

para ser considerado “careca”? Ou seja, não há um limite onde começa e termina183.

A vaguidade potencial que as palavras apresentam foi chamada por WAISMANN184

de “textura aberta” da linguagem, que se apresenta como necessária à linguagem

natural, assim como a textura aberta normativa apresentada por HART.

determinada expresión; 4) El significado de una expresión – y con ello el significado de las palabras contenidas en la misma-se determina en forma más precisa cuando la expresión es considerada en la conexión en que es formulada. Esta conexión puede ser lingüística (el contexto) o no lingüística la situación). A partir de 3) y 4) es posible formular la siguiente generalización: el significado de una palabra es una función de la conexión – expresión, contexto, situación”. 181 O dicionário nos dá várias acepções da palavra, sendo sempre a primeira acepção de base e as demais como é a palavra comumente usada. Sobre temos o que diz OGDEN: “Essa fixidez em referência é apoiada e mantida na sua maior parte, pelo uso de dicionários e, para muitos fins, o ‘significado de dicionário’ e o ‘bom uso’ seriam equivalentes. Mas é possível indicar um sentido mais refinado de significado de Dicionário. O Dicionário é uma lista de símbolos-substitutos. Com efeito, ele diz: “Isto pode ser substituído por aquilo em tais circunstâncias.” Pode fazer isso porque, nessas circunstâncias e para intérpretes adequados, as referências causadas pelos dois símbolos serão suficientemente análogas. Assim, o Dicionário serve mais para assinalar as preposições entre as referências de símbolos do que para definir os seus respectivos campos”. (OGDEN, C. K.; RICHARDS I. A. O significado de significado: Um estudo da influência da Linguagem sobre o Pensamento e sobre a Ciência do Simbolismo. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972, p. 212-213.) 182 WARAT, Luís Alberto. O Direito e sua Linguagem. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 79 apud CARVALHO, P., 2005, p. 23. 183 CARRIÓ, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguaje, 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 31-35: “Ya sabemos lo que quiere decir ‘joven’ o ‘calvo’. No se trata aquí de un problema de ambigüedad. El problema es este otro: carece de sentido preguntarse a qué precisa edad se deja de ser joven, o cuántos cabellos hay que tener para no ser calvo […]”.

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Por outro lado, a característica das palavras de apresentarem mais de um

significado (ambigüidade) pode ser suprida, se for considerado o contexto lingüístico

e a situação humana em que as palavras são usadas. Nesse sentido, GENARO R.

CARRIÓ185.

Tanto a questão da indefinição do termo quanto a questão do significado

do termo em se tratando de decisão judicial passa a ser uma questão chamada, pela

semiótica, de semântica. O conteúdo normativo é o significado.

Assim, podemos definir uma palavra pelo seu uso, natural ou técnico,

dentro de um sistema lingüístico determinado, que é a chamada definição nominal

ou ainda podemos definir uma palavra pela realidade apresentada, ou seja, a

palavra seria um instrumento que indica a realidade, que é chamada de definição

real, mas como trabalhamos com a Teoria da Linguagem não podemos admitir que a

palavra capta a realidade, pois sabemos que construímos a realidade pela

linguagem, levando em conta o contexto em que ela está inserida. Por isso,

trabalharemos com a definição nominal.

Dizemos que o significado de uma palavra se dá pelo seu uso186, isso não

significa um processo mental que termina na mente do sujeito187, não é uma relação

184 Cf. CARRIÓ (ibid., p. 35), este termo foi apresentado por WAISMANN, no artigo “Verifiability” (WAISMANN, F. Verifiability. In: Logic and Language (primeira série) Oxford: A.N.G. Flew; Blackwell, 1951, p. 119.) 185 Ibid., p. 29-31: “las palabras está en función del contexto lingüístico en que aparecen y de la situación humana dentro de la que son usadas. Claro está que el contexto y la situación, en la generalidad de los casos, disipan toda posibilidad de confusión”. 186 É importante destacar a diferença entre uso e menção, que está na distinção de um objeto ou um nome, ou seja, o uso (manifestação direta sobre o objeto) é quando usamos um vocábulo em seu papel ou seja em seu lugar e a menção (referência sem comunicação direta) é quando usamos o nome em lugar de outro, fazemos menção ou referência. Ex.: São Paulo é cidade (uso); “São Paulo” é nome de cidade (menção). 187 Mas, não podemos ignorar a existência mental de um significado; sabemos que, quando lemos a palavra cadeira, só sabemos o que é porque temos uma representação mental sobre ela, cada qual com uma representação própria, mas uma representação global com detalhes necessários que antes

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psicológica entre palavra e significado, também não se pode dizer que o significado

está ligado na palavra, por isso diz WAISMANN 188 (desenvolvendo a teoria de

WITTGENSTEIN):

También é engañoso hablar de que el significado fuese una especie de entidad mágica unida a la palabra de manera muy semejante a como el alma lo está al cuerpo. Pero el significado no es alma en el cuerpo de la palabra, sino que lo que llamamos el “significado” se manifiesta a si mismo en el uso de la palabra. Todo el propósito de nuestra explicación podría resumirse diciendo: Si desea saber qué significa una palabra, inquiere cómo se usa.

WAISMANN e J. L. AUSTIN, apesar de trabalharem com teorias

diferentes, sendo o primeiro com teoria do significado e o segundo com a teoria da

ação, ambos convergem com a premissa de que “são as condições de uso da

sentença que determinam seu significado”189

O que se extrai é que o contexto jurídico deve sempre ser levado em

conta, e essa tarefa cabe ao julgador, que tem o dever de impor um significado

jurídico de acordo com o caso concreto; isso significa que, devido ao problema

lingüístico da vaguidade e da ambigüidade, o aplicador deve analisar o uso dos

termos que compõem a norma dentro do contexto jurídico.

foram convencionados; por exemplo, ter uma plataforma para se sentar e que possua uma altura do solo que permite no mínimo dobrar as pernas, mas cada uma vai imaginar uma cor, com braços ou sem braços, com três ou quatro pés de diferentes materiais, etc. Desse modo, a imagem mental é prova da compreensão do que foi dito; se eu disser imbu e o ouvinte não souber como é o fruto do imbuzeiro, não conseguirá entender o que quero dizer e não formará em sua mente o fruto, mas não sabe como é, nem ao menos que de fruto trata-se. 188 WAISMANN, F. Los Principios de La Filosofía Lingüística. Trad. José Antonio Robles. México: Universidad Nacional Autónoma de México, Ciudad Universitaria, 1970, p.174. Tradução livre: “Também é enganoso falar que o significado fosse uma espécie de entidade mágica que se une à palavra de maneira muito semelhante a como a alma está ao corpo. Mas o significado não é a alma nem o corpo da palavra, somente o que chamamos significado se manifesta em si mesmo no uso da palavra. Todo o propósito de nossa explicação poderia se resumir dizendo: Se deseja saber que significa uma palavra, pergunte como se usa”. 189 AUSTIN, 1990, p. 11.

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O significado escolhido pelos tribunais chama-se “poder de violência

simbólica que é o poder capaz de impor significações como legítimas”190 . Isso

porque, “de certa forma, as palavras com que se faz o direito, as palavras das leis e

das decisões, e mesmo as palavras da doutrina, são normatizadoras de sentidos

literais, impondo-se de modo violento191”. Não concordamos totalmente com o “poder

de violência simbólica”, pois sabemos que no caso das normas abstratas (leis) esse

poder de violência simbólica não se opõe devido a vaguidade e ambigüidade das

palavras. Apenas se opondo no caso das normas concretas.

TORQUATO CASTRO192 admite que, “na verdade, ainda está mesmo

longe de uma explicação literalmente científica para o problema do sentido e do

significado como um todo”.

A súmula vinculante é um problema de “poder de violência simbólica” que

atualmente vem impor uma determinada decisão judicial como correta para todos os

casos semelhantes.

A decisão baseada em súmula vinculante ou precedente193 judicial é um

problema que o Supremo Tribunal Federal tem que enfrentar após a Emenda

Constitucional 45 de 8 de dezembro de 2004. A súmula vinculante não resolve o

problema semântico da linguagem. Apesar de a súmula indicar qual o uso que de

190 Cf. FERRAZ JR., 2006, p. 175. O termo é de BOURDIEU, Passeron; PASSERON, Jean-Claude. La Reproduction. Paris: Ed. de Minuit, 1970, p. 18. 191 CASTRO JR. Torquato. Interpretação e Metáfora no Direito. In: BARRETO, Aires F. et al. Segurança Jurídica na Tributação e no Estado de Direito. (II Congresso Nacional de Estudos Tributários). São Paulo: Editora Noeses, 2005, p. 667-668. 192 Ibid., p. 669. 193 O termo precedente aqui não significa aquele adotado por ALEXY como método de argumentação “A aplicação do precedente é assim mostrada como um método de argumentação que por si mesmo é requerido por motivos práticos gerais (o princípio da universalidade / a regra sobre o encargo do argumento) e é racional até esse ponto. Além disso, seu uso pressupõe outros argumentos,

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deve dar à palavra em determinado caso, ou como devem os demais julgadores

julgar casos semelhantes, é na verdade um erro, uma anomalia que precisa ser

combatida, porque sempre haverá uma interpretação que levará em conta os

valores; assim, sabe-se que “os tribunais que decidem um caso posterior podem

chegar a uma decisão oposta à contida do precedente e da admissão de algumas

acepções a ela que não foram antes consideradas ou, se foram consideradas, foram

deixadas em aberto” 194 . Isso ocorre, pois cada caso é um caso e há sempre

“diferença juridicamente relevante” 195 que deve ser considerada em um caso

concreto.

ROBERT ALEXY 196 concorda na impossibilidade de os casos serem

totalmente semelhantes:

As razões básicas para seguir os precedentes é o princípio de universalidade, a exigência de que tratemos casos iguais de modo semelhante, o que está por trás da justiça como qualidade formal. Isso imediatamente revela uma das dificuldades decisivas de seguir o precedente: dois casos não são sempre totalmente idênticos. Sempre é possível descobrir uma diferença. O problema real não muda para o problema de determinar que diferenças são relevantes.

HART197 diz que a textura aberta do direito significa que há, na verdade,

áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para ser desenvolvidas

pelos tribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz das

circunstâncias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso para caso.

particularmente os práticos gerais”. (ALEXY Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Ed. Landy, 2001, p. 262.) 194 HART, 2001, p. 148. 195 HART, loc. cit. 196 ALEXY, 2001, p. 259. 197 HART, 2001, p. 148.

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Assim, pode-se extrair que a construção ou formação dos conceitos se

dará em cada caso concreto através da decisão judicial, pois esta estará apta a

aplicar o melhor significado e a melhor determinação da linguagem jurídica e, para

isso, terá que aplicar aspectos subjetivos e valores considerados também objetivos,

esse é o papel do julgador.

3.4.1 Os Valores na Construção e Formação dos Conce itos

Sem pretensão de tornar o tema dos valores como tema central, conforme

fizeram JOHANES HESSEN, MAX SCHELER, NICOLAI HARTMANN e MIGUEL

REALE198, analisaremos os valores objetivos, devido sua importância no ato de

decidir.

O olhar científico será primordial para tentar fugir do senso comum de um

modo geral, porque o ato de valorar em uma decisão judicial não deve ser visto

como algo pessoal discricionário e até mesmo indiscriminado.

O ato de valor é inerente ao ser humano, assim como o de respirar ou o

de piscar os olhos, algo que está presente: queira ou não. Por esse motivo, não

iremos iniciar o tema definindo valor, mesmo porque o conceito de valor não pode

ser rigorosamente definido, pertence ao número dos conceitos supremos que não

admite definição, como a palavra ser199.

Assim, a possibilidade que nos resta é de tentar classificá-lo ou mostrar

seu conteúdo, dizendo que valor é vínculo que se institui entre o agente do

conhecimento e o objeto, vinculo esse que faz com que o sujeito não se comporte

198 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses, 2008. p. 177 199 HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. Coimbra: Almedina,2001, p.37

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com indiferença frente ao objeto e lhe atribui qualidades positivas ou negativas. O

valor não é algo existente, mas é algo existente para alguém (uma sociedade).

O ato de valorar está presente na norma jurídica quando ela realiza a

seleção dos fatos relevantes que o direito pretende regular, estabelecendo uma

relação de imputação e armazena em seu antecedente; mas, também quando

pratica o ato de aplicação do direito decidindo judicialmente os fatos da vida.

Os valores não são normas, mas as normas devem necessariamente

conter valores, pois o direito existe para cumprir o fim específico de regrar o

comportamento humano nas suas relações de interpessoalidade; com isso, implanta

os valores que a sociedade almeja alcançar.

Desse modo, não há direito positivo e Ciência do Direito sem ato de

valoração. O direito, quando regula as relações intersubjetivas, está valorando

positiva ou negativamente às condutas dos indivíduos, por isso sempre haverá o ato

de valoração; dessa maneira, entende PAULO DE BARROS CARVALHO200.

E continua PAULO DE BARROS CARVALHO201:

quem se proponha a conhecer o direito positivo não pode aproximar-se dele na condição de sujeito puro, despojado de atitudes axiológicas, como se estivesse perante um fenômeno da natureza ou uma equação algébrica. A neutralidade axiológica impediria, desde o início, a compreensão do sentido das normas, tolhendo a investigação. Alem do mais, o conhecimento jurídico já encontra no seu objeto uma auto-explicação, pois o direito fala de si mesmo e este “falar de si” é componente material do objeto.

200 CARVALHO, P., 2008, p. 175. 201 CARVALHO, Paulo de Barros. O Sobreprincípio da Segurança Jurídica e a Revogação de Normas Tributárias. In: Crédito Prêmio de IPI – Estudos e Pareceres. Ed. Manole, 2005, p. 3.

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Todo fato jurídico está inserido em um contexto cultural, e será através da

análise do contexto cultural que um fato será jurídico ou não. O conteúdo normativo

necessita de uma significação que será influenciada pelo contexto cultural. Por isso,

dizemos que o direito cria sua própria realidade, o conteúdo semântico da norma; o

conceito jurídico de uma palavra pode ser completamente diferente daquele

usualmente aceito por dada comunidade, pois o significado para os objetos

culturais 202 são aqueles convencionalmente aceitos com intuito de regular as

condutas intersubjetivas.

Valorar é um ato humano. Todos os objetos possíveis são capazes de ser

valorados, pois todos eles são objetos de apreciação humana, mas haverá apenas

duas opções para se valorar: positivo ou negativo. Nas relações deônticas que são

as reguladas pelo direito, os valores positivos seriam os dos modais obrigatório e

permitido, e os valores negativos, do modal proibido203.

Valor é um conceito relacional, sempre haverá uma relação com o

sujeito204, porque o valor é atribuído por alguém; por esse motivo, afirma-se que

valor é uma relação. Essa referência a um sujeito não representa um subjetivismo,

pois aqui refere-se ao sujeito homem, ou sujeito supra-individual, ou interindividual,

como chamou HESSEN205, de um modo geral e não a um sujeito apenas. Se uma

202 Segundo COSSIO, os objetos culturais necessitam da existência do substrato e a existência do sentido. (COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. 2. ed Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1959, p. 38.) 203 Na mesma linha, CARVALHO, P., 2008. p. 174-175. 204 Cf. SUCUPIRA, Newton. Tobias Barreto e a filosofia alemã. Rio de Janeiro: Gama Filho, 2001, p. 149-150 apud CARVALHO, P., 2008. p. 175: “Newton Sucupira apresenta alguns princípios gerais que norteavam a teoria de Lotze e que se encontram na filosofia dos valores do neokantiniana da escola de Baden e em outros filósofos: 1). os valores repousam sobre validades irreais; 2). constituem campo autônomo junto e sobre o ser concreto; 3). O valor é sempre uma relação ligada a um sujeito; 4) não é atividade puramente teorética, mas uma faculdade prática que nos conduz à apreensão do valor”. 205 HESSEN, 2001, p. 49.

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coisa vale apenas um sujeito, trata-se de subjetivismo, o que não faz parte desta

proposta. Aqui a referência é ao sujeito homem; o valor deve ser reconhecido por

todos do mesmo modo, como uma validade geral. Isso porque o valor, para o direito,

quer aquele escolhido pelo legislador, quer pelo aplicador, não pode depender da

vontade individual, deve ser algo comumente aceito por dada sociedade, por isso

dizer que é objetivo e não subjetivo.

Os valores não possuem existência por si mesmos, têm necessidade de

outro ser para existir. O valor é algo que se adere ao ser, não é o próprio ser, mas

sim algo que depende do ser. Isso é, os valores não possuem existência por si sós,

necessitam de outro “ser” onde possam aderir, não pode o “ser” se confundir com o

valor; por exemplo, o valor amor: se a pessoa a quem você ama trai alguém ou deixa

de amar esse alguém, ou vice-versa, não significa que o valor amor deixa de existir;

assim também se dá com o valor justiça. Desse modo, não tem existência real, pois

os valores não são, mas valem. O valor está intimamente ligado ao ser, mas com ele

não se confunde.

Há valores considerados pessoais, individuais e subjetivos que valem

para determinada pessoa de acordo com seu sistema moral206, em que “cada um (é)

o seu próprio juiz207”, não sendo este caso relevante para as bases científicas aqui

adotadas.

Para o fim proposto, apenas interessam os valores gerais, objetivos, que

residem na própria essência da vida. Valores que não se relacionam com um único

206 Quanto à utilização do sistema moral, é interessante o pensamento de GÜNTER (2004, p. 367): “O fato de se dispor de recursos para produzir empiricamente uma decisão, portanto, não pode ser exposto às mesmas fraquezas motivacionais, por cuja compensação fundamentou-se moralmente o direito. Para controlar esse perigo, não obstante, dispõe-se novamente apenas do Direito.

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indivíduo, mas com o ser homem de um modo geral208. HESSEN209 também diz que

esse valor é absoluto porque é “incondicional e independe de quaisquer valorações

acidentais e particulares dos indivíduos”.210

Também PAULO DE BARROS CARVALHO concorda afirmando que “A

aplicação do direito é promovida por alguém que pertence ao contexto social por ele

regulado e emprega os signos jurídicos em conformidade com pautas axiológicas

comuns à sociedade.”211 (grifo nosso). E será exatamente no conteúdo das normas

principiológicas que encontraremos tais valores.

FRANÇOIS GÉNY entende que, “para que o juiz escape aos perigos da

arbitrariedade, ele deve desligar-se, portanto, de toda e qualquer influência pessoal

e fundar sua decisão (construída) sobre elementos de natureza objetiva, que são os

dados”. Os dados são um conjunto de realidades normativas sociais que

apresentam, embora “normativa” independa da vontade do legislador, “realidades

morais, econômicas etc.”212

207 LOCKE, John. Zwei Abhandlungen über die Regierung, 2. Abhandlung. Stuttgart: Suhrkamp, 1978, p. 66, 98 apud GÜNTER, 2004, p. 367. 208 Diferentemente da posição que adotamos, para FABIANA DEL PADRE TOMÉ (2005, p. 242), o conhecimento adquirido pelo julgador no decorrer de sua experiência de vida influencia sua decisão. Nesse sentido, coloca: “Dentro da liberdade conferida ao julgador atuam as denominadas máximas de experiência. Os conhecimentos adquiridos pelo julgador ao longo de sua vivência social e profissional influenciam decisivamente na apreciação das provas. […] o julgador com base nas normas jurídicas vigentes e em seus valores, seleciona os fatos que entende convincentes […]”. 209 HESSEN, 2001, p. 95. 210 É claro que encontramos os adeptos da corrente do relativismo axiológico que entende que todos os valores são relativos e que não existe valor absoluto e geral, mas de fato apenas para fazer esta afirmação emitindo juízo de valor desmente a própria tese. 211 CARVALHO, P., 2008, p. 200. 212 GÉNY, François. As lacunas no direito. São Paulo: Saraiva, 2002 apud DINIZ, 2002, p. 97-98.

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O juiz nunca emite ato de valoração partindo de um valor pessoal, pois o

valor é impessoal, é objetivo e adere ao ser e não à pessoa213. É claro que se for

possível verificar que o aplicador usou de valores pessoais e não gerais em sua

função de julgador, pode-se suscitar a falta de validade da sentença, que não pode

ser objeto de controle de constitucionalidade, pois o objeto do controle de

constitucionalidade são apenas as normas abstratas, a decisão deve encontrar

outros instrumentos jurídicos processuais para sua reforma. Se a decisão do

Supremo Tribunal Federal não encontrar mecanismo processual para sua reforma,

ficará como formalmente válida no sistema.

Por fim, como o valor utilizado pelo Juiz no momento de sua decisão

judicial é aquele que é ideologicamente214 inerente a toda sociedade; esse valor

eleito pela sociedade necessita estar positivado ou juridicizado pelos sistema, para

poder ser aplicado pelo julgador em sua decisão; por isso, como dissemos, ele será

enunciado prescritivo que compõe a norma de estrutura princípios. Essa é a única

forma de separar a pessoa do julgador da função que ele exerce, é a única forma

também de apresentar os valores dentro de uma teoria positivista e não

jusnaturalista.

3.4.2 Como resolver o problema semântico: Ato de es colha

Vimos então que o problema semântico é inerente à linguagem, que por

sua vez se torna um problema inerente ao próprio direito.

213 De maneira diferente das premissas aqui adotadas escreveu CRISTIANO CARVALHO (2005, p. 194) em seu livro sobre Sistema Jurídico: “O Juiz, ao exarar a sentença, toma como ponto de partida o fato concreto que se apresenta, para, então, escolher a norma a ser aplicada e, principalmente, fundamentar sua decisão. Tal fundamentação costuma ser efetuada não apenas levando em consideração a norma a ser aplicada, como os valores, a cultura e o contexto em que o aplicador adquiriu ao longo da experiência pessoal e profissional”. 214 Ideologia entendida como conjunto de valores de uma sociedade.

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Assim, vaguidade e ambigüidade são problemas inerentes ao próprio

direito, porque a linguagem constrói a realidade para o direito. Por esse motivo, o ato

de escolha também é inerente ao direito, não só sua aplicação, e à própria

constituição pelo poder legislativo, iniciado desde sua origem no Congresso

Nacional.

O homem legislador não é ser Divino capaz de prever todos os fatos

possíveis que devem ou deveriam ser regulamentados por normas; por isso, a

norma, apesar de ser geral (número indeterminado de pessoas) e abstrata (que

prevê reiterada aplicação, não se esgota com a produção da situação hipotética

prescrita215), possui uma abertura semântica para acomodar os fatos que não foram

naquele momento previstos de forma precisa.

HART216, inclusive, comenta em seu livro que

se o mundo em que vivemos fosse caracterizado só por um número finito de aspectos e estes, conjuntamente com todos por que se podiam combinar, fossem por nós conhecidos, então poderia estatuir-se antecipadamente para cada possibilidade. Poderíamos fazer regras cuja aplicação a casos concretos nunca implicasse uma outra escolha. Mas, ao final coloca que simplesmente este mundo não é o nosso mundo; os legisladores humanos não podem ter tal conhecimento de todas as possíveis combinações de circunstâncias que o futuro pode trazer.

Muitas vezes vemos os aplicadores das normas jurídicas se utilizando de

variações de sentido das palavras jurídicas, e.g. pode-se extrair das lições de

PAULO DE BARROS CARVALHO217:

215 Cf. MELLO, 2007, p. 405. 216 HART, 2001, p. 141. 217 CARVALHO, P., 2005, p. 19.

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A utilização inadequada de símbolos jurídicos-normativos não se dá apenas com regras de “decreto-leis” ou de “medidas provisórias”, diplomas que por sua própria peculiariedade são vistos com restrição pela comunidade jurídica. A Lei n. 8.383/91, editada em 31 de dezembro pretendendo vigorar no ano subseqüente, isto é, a partir de 1º de janeiro de 1992, começou a circular, tornando-se pública, tão-só no dia 2 de janeiro.

Ora, segundo o princípio da anterioridade, sua vigência deveria ficar protraída para o ano seguinte (1/1/1993), uma vez que o sentido de “publicar” é “dar ao conhecimento público”, “tornar o ato conhecido por todos”, e tal providência veio a realizar-se somente com a circulação, no dia 2 de janeiro de 1992.

Todavia, contra todas as expectativas, o Poder Público Federal defendeu a tese de que a “impressão” aconteceu em 21/12/1991, o que seria insuficiente para determinar a ciência dos administrados. Por mais absurda que seja a argumentação, o singelo uso “circular”, com o valor semântico de “publicar” modifica o conteúdo de significação do princípio da anterioridade, exatamente no instante máximo de sua concretude, evitando que genuína concepção daquele primado chegue intacto ao plano das condutas intersubjetivas e, desse modo, ameaçando a “segurança jurídica”..

Devido à própria vaguidade e ambigüidade da linguagem, o juiz pratica

um ato de escolha, fazendo uso do significado previamente estabelecido pelas

próprias palavras, levando em consideração os significados que melhor se ajustem

ao contexto do caso sub judice, passando a ser um poder “discricionário” que

encontra “vinculação” dentro dos limites da linguagem e do contexto. HART nesse

particular trabalha com a “textura aberta” do direito que, em termos lingüísticos, é um

maravilhoso mecanismo de abertura para que vários conceitos se apliquem a vários

casos, em suas diferentes formas de repetição218.

218 DWORKIN, criticando a teoria de HART, dizia que esta tratava-se apenas de uma teoria semântica ou baseada em considerações lingüísticas; “o positivista, segundo ele, aceita erradamente que os mesmos estão fixados por regras lingüísticas, partilhadas pelos juízes e juristas, as quais regulam o uso e, por isso, o significado da palavra “direito”, não só quando esta surge nas afirmações do que é o “direito” de um sistema concreto sobre um ponto concreto, mas também em afirmações acerca do que é “direito”. (HART, 2001, p. 306).

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O ato de escolha não seria possível, se o sistema não elegesse um órgão

que ficasse no centro do sistema219, resolvendo todo o problema semântico. Os

tribunais desempenham esse papel, e, como o corte do presente trabalho analise

apenas as decisões em controle de constitucionalidade das normas tributárias, o

Tribunal a qual estaremos nos referindo será o Supremo Tribunal Federal.

O único modo de resolver o paradoxo entre linguagens é colocando no

centro do sistema jurídico um órgão jurídico capaz de resolver o paradoxo. Essa

posição é atribuída aos Tribunais, em especial ao Supremo Tribunal Federal, que

são organizações com competências decisórias e atribuição estabelecida por norma

para desempenhar suas funções com adequação exigida pelo sistema jurídico. O ato

de escolha não imprime um timbre de ato político, a escolha aqui é limitada pelo

contexto jurídico.

Assim como as normas positivas pelo legislador são objetos de ato de

escolha, as normas criadas através da decisão dos Tribunais também são atos de

escolha. Os tribunais são os órgãos que possuem função calibradora capaz de dizer

qual será o melhor sentido para os termos jurídicos

Pertinente o pensamento de KELSEN, no sentido de que os Tribunais,

mesmo estando no centro do sistema, devem cumprir o que estatui a norma geral,

deve sempre interpretar dentro dos limites da “moldura ou quadro” da norma

abstrata para a criação de norma concreta. Isso porque KELSEN220 entende que a

norma concreta é a continuação do processo de criação do direito, sendo um

219 Isso porque entendemos que a decisão judicial proferida pelos Tribunais é continuação do processo de criação da norma. 220 KELSEN, 2006, p. 272.

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limitador da criatividade221. É possível criar desde que dentro da “moldura da norma”,

como veremos agora.

3.5 Decisão Judicial e Criação Jurídica

O direito em sua dinamicidade se recria a todo o instante, parte do geral e

abstrato para o individual e concreto, através do processo de positivação do direito,

em que a linguagem constitui e desconstitui relação jurídicas através da verificação

dos pressupostos da conseqüência que fora determinada pela norma geral, ligando

assim a sanção ao fato através da imputação. Segundo LOURIVAL VILANOVA, “A

decisão judicial é ato que qualifica deonticamente uma situação controvertida”222.

Em uma visão pragmática, conforme ficou consignado no capítulo próprio,

decisão é ato de fala proferido por autoridade eleita pelo sistema. Apresenta-se

como ato de fala, expressão comunicativa produtora de enunciados. Toda norma

jurídica é ato de uma decisão, sempre haverá uma decisão que precede uma norma,

e a atividade que a gera é ato de fala. O ato de decidir é complexo e consiste na

prática de aplicação do direito criando norma. Conforme FABIANA DEL PADRE

TOMÉ223: “O ato decisório, sendo criador da norma jurídica, apresenta-se como um

ato de fala, expressão comunicativa produtora de enunciados, ou seja, enunciação”.

Para TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. 224, todo conflito pede uma decisão

e neste contexto decisão seria, “um ato de fala que soluciona uma questão sem

eliminá-la”. Continua o autor com mestria, dizendo que a decisão tem por finalidade

221 Ibid., p. 265. 222 VILANOVA, 1977, p.179. 223 TOMÉ, 2005, p. 245. 224 FERRAZ JR., 2006, p. 29.

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“absorver inseguranças” e que as decisões “não eliminam alternativas, mas tornam

alternativas indecidíveis em decidíveis”.

Se partirmos do estudo que o juiz é responsável pela dinâmica do direito e

desta feita coloca a cada momento novas normas no ordenamento, não se pode

ignorar que o juiz ao interpretar 225 sempre agirá com certa dose de criação 226

normativa. É notório, todavia, que o juiz prefere aplicar a lei existente ao invés de

criá-la. Mas, há casos em que a lei existente se mostra insuficiente ao caso

concreto, obrigando o juiz a criar uma lei nova227.

Assim, o juiz, na sua função de aplicador do direito, ejeta normas no

ordenamento jurídico (normas individuais e concretas, gerais e concretas). E no seu

mistér de criador de norma individual e concreta ou geral e concreta, jamais poderá

atuar como legislador positivo228.

Quando se fala em criação, que a decisão judicial é um ato criativo, não

se pode usar a palavra como algo que nasce, como a criação Divina, e sim como

225 Interessante complementar o pensamento com as palavras de FRANÇOIS OST (2005, p. 180): “Cada um sabe, que qualquer texto escrito é interpretado e o quanto as interpretações são criativas. A teoria da linguagem demonstrou a inevitabilidade da interpretação; a teoria do direito apropriou-se do caráter normativo da produção jurisprudencial. Se se tornou claro, portanto, que o juiz não se limita a repetir uma norma preexistente, mas contribui para configurá-la (adaptando-a às vezes, às vezes criando-a) […]” 226 Não se pode confundir o poder de criação que têm os Tribunais no sistema common law que cria norma geral e abstrata, visto ser o Poder Judiciário o principal órgão emissor de normas. A criação aqui será sempre concreta. 227 “Dworkin insiste para que os juízes não criem novos direitos, mas descubram os direitos que sempre existiram, ainda que freqüentemente de modo implícito. Esta argumentação de Dworkin é conseqüente, porque, no âmago, direitos são de natureza moral, portanto, inacessíveis à alteração positivadora”. (GUNTHER, 2004, p. 410.) 228 Nesse sentido AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RE-AgR 278.466-4 / RS - RIO GRANDE DO SUL, Publicação 06.12.2002, voto do Ministro Maurício Corrêa que relatou: “Por outro lado, no que diz respeito às alegações da empresa, que pretende a declaração de inconstitucionalidade da limitação prevista na lei, importa recordar que a atuação do Poder Judiciário se dá como legislador negativo, não sendo admissível a declaração de inconstitucionalidade, por supressão de parte de dispositivo legal, de modo a dar ao ordenamento positivo alcance não pretendido pelo legislador ordinário e, assim, permitir a compensação de maneira integral. Ademais, se houvesse inconstitucionalidade na norma e essa eiva fosse declarada pelo Supremo Tribunal Federal, a decisão não teria o condão de repristinar a norma revogada”.

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algo que dependente da vontade humana e dos valores objetivados pelo sistema.

Uma coisa é criar, outra é ser criativo (inovador). Isso porque o juiz deve ser o

seguidor da lei geral e abstrata, pois é dela que se extrai a validade da norma

individual. Deve, então, julgar de acordo com os ditames estabelecidos na norma de

superior hierarquia.

O Tribunal tem o dever de criar a norma jurídica individual, mas seu

conteúdo é muito mais limitado do que o conteúdo concedido ao legislador pela

Constituição. Mas, o julgador pode ser criativo, pois, mesmo limitado, possui uma

margem de livre apreciação. Conforme afirma KELSEN, a norma jurídica geral é

uma moldura dentro da qual o órgão julgador (Tribunal) deve criar a norma

individual. É claro que essa moldura poder ser, na expressão de KELSEN, “mais

larga ou mais estreita” dependendo do conteúdo, e.g., quando a norma geral apenas

atribui competência para a criação da norma individual, a moldura é mais larga,

porque o Tribunal deve criar todo o conteúdo da norma jurídica individual229.

Em regra, o Tribunal tem competência para criar uma norma individual. A

norma individual vincula apenas o sujeito de direito à qual ela foi criada. Mas, há

possibilidades de uma certa norma, que foi criada para ser individual, também

vincular casos idênticos, e desse modo a norma individual passa a ser geral. Isso

acontece principalmente no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de última

instância. É o chamado precedente judicial230. Mas, apenas isso será possível, se

houver uma norma geral que for criada para que casos iguais sejam julgados de

forma igual, o que ocorre no caso de controle de constitucionalidade concentrado ou

do controle difuso na hipótese de Resolução do Senado.

229 KELSEN, 2006, p. 272. 230 Ibid., p. 278.

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A conclusão a que se chega é que para KELSEN a decisão judicial dos

Tribunais é a continuação do processo de criação do direto e não uma nova

criação231. Desse modo, a criatividade até existe, mas de maneira limitada.

É importante deixar claro que o fato de defender a criação dos tribunais e

seu papel perante a textura aberta do direito, os limites da moldura de KELSEN, não

qualifica o pensamento aqui como cético. Não há pretensão alguma em defender

que as normas não existem e o que existe são apenas aquelas aplicadas pelos

tribunais.

3.5.1 O Juiz perante um caso de difícil decisão

Há casos em que se verifica a perfeita subsunção do fato jurídico

tributário à norma geral e abstrata, permitindo ao juiz aplicar o direito criando norma

concreta. Decerto que haverá casos em que o fato jurídico tributário não encontre

perfeito encaixe com a norma geral e abstrata prevista para o caso, pois na norma

geral e abstrata encontram-se apenas fatos conotados, que devido à ambigüidade e

vaguidade da linguagem permitirá mais de uma solução, que ficará sob ponderação

do aplicador do direito.

São os chamados hard cases, que são os casos difíceis apresentados ao

aplicador, decorrentes da “textura aberta” do direito; nesse sentido, interessante a

leitura que Genaro R. Carrió232, realiza da doutrina de HART:

La teoría que puede extraerse o, mejor dicho, extrapolarse de los textos de Hart publicados desde 1960, según la cual, al enfrentarse con casos difíciles, los jueces ejercen virtudes típicamente judiciales que no pueden describirse adecuadamente por medio de

231 Ibid., p. 283. 232 CARRIÓ, 1990, p. 361.

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expresiones tales como “legislación judicial”, “elección”, “discreción” o “fiat”. Al decidir los casos difíciles los jueces aplican “criterios de relevancia y proximidad de parecidos” que dependen de muchos factores complejos que se dan a lo largo del sistema jurídico”. Muy a menudo ocurre que, tras esa deliberación, la solución del caso puede presentarse como natural y aun como necesaria. Pero no hay buenas razones para sostener que haya siempre una única respuesta correcta que aguarda ser descubierta; por ende, no tiene sentido esforzarse por descubrirla. Muchas veces los jueces tienen que sopesar argumentos de fuerza equivalente, todos igualmente fundados en los materiales jurídicos que han guiado sus deliberaciones. A veces la guía puede ser muy tenue.

FABIANA DEL PADRE TOMÉ233 coloca em sua teoria que existem dois

tipos de critérios para decidir, um baseado no livre convencimento que confere a

liberdade plena ao julgador e outro baseado na persuasão racional em que exige

que o julgador sujeite-se às normas jurídicas postas […]. Isso significa que diante de

casos fáceis aplica-se a persuasão racional e, diante dos hard cases, o livre

convencimento limitado pela moldura (vale dizer: valores, conteúdo semântico,

contexto).

No entanto, naquilo que não estiver estabelecido, que estiver

indeterminado, caberá ao “livre convencimento”, que ao nosso ver encontra-se

limitado. A limitação se dará pelo contexto jurídico, pelas palavras e seu uso dentro

do contexto jurídico, pelos valores objetivos comuns à sociedade, pelos princípios

que carregam valores, tudo conforme delimitado neste trabalho.

Na teoria de HART234 que trabalha com a textura aberta do direito, que

são as áreas que os legisladores deixam em aberto na norma para serem

preenchidas pelos tribunais, dizemos então que os tribunais exercem desse modo

233 TOME, 2005, p. 246-250. 234 Acrescente HART (2001, p. 149) dizendo que Num sistema em que o stare decisis (Expressão latina que significa à letra acatar os casos decididos. Esta expressão designa o princípio fundamental do direito inglês, segundo o qual, os precedentes são vinculativos, devendo ser seguidos por todos os tribunais quando ocorram no fundo casos semelhantes) é firmemente reconhecido, esta função dos

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uma função criadora. Hart, quando adverte que o julgador possui discricionariedade

(livre convencimento), esclarece que ela é utilizada à medida que há uma suposta

lacuna no sistema em que o caso concreto não encontra uma solução nas normas

existentes, sendo assim pode-se dizer que a discricionariedade de HART seria a

solução de preenchimento da lacuna. Portanto, não há discricionariedade enquanto

arbitrariedade e ilegalidade, mas enquanto necessidade de cumprimento do dever

de decidir possibilitando a dinamização e transformações do direito. Mas, não se

pode esquecer que mesmo o ato discricionário tem sua competência, finalidade e

forma vinculados, ou seja, mesmo a discricionariedade não pode ser total ao livre

arbítrio do sujeito competente.235

Assim, a discricionariedade do juiz está adstrita ao ordenamento jurídico,

e sua criação está respaldada pelo próprio legislador através dos art. 126 c/c art.

335, ambos do Código de Processo Civil, e art. 4º e 5º da Lei de Introdução ao

Código Civil.

Com relação à “textura aberta”, urge esclarecer que na maioria das vezes

os casos são claros e requerem apenas a aplicação da norma cabível, ou conforme

FABIANA DEL PADRE TOMÉ, na “persuasão racional”236. Repisa-se então que nos

casos difíceis, haverá necessariamente a necessidade de ponderação do juiz, livre

tribunais é muito semelhante ao exercício de poderes delegados de elaboração de regulamentos por um organismo administrativo. 235 O ato vinculado é aquele em que a lei não deixa margem de liberdade ao sujeito competente a praticar o ato, todos os elementos estão vinculados ao disposto na lei. Com relação ao ato discricionário, o ato pode ser praticado com um certo limite de escolha, nos termos da lei, apenas o motivo (oportunidade e conveniência) e o objeto (conteúdo) podem ser livres estando a competência, finalidade e forma sempre vinculados. Segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2007, p. 414), “Discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal”. 236 TOMÉ, 2005, p. 246-250.

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convencimento ou discricionariedade limitada. Mas, como o direito prescreve a

obrigação de decidir conforme a lei, e ainda prescreve uma lei de competência para

o juiz julgar os casos difíceis, mantém afastada a idéia realista de que o direito é

aquilo que os juízes dizem que é. Mas é aquilo que o juízes dizem que é com

embasamento em lei.

Assente que mesmo perante uma zona de penumbra, o julgador não pode

deixar de decidir diante de uma situação concreta. Daqui advém o que HART

denominou de “poder discricionário do Juiz”, que não significa fazer uma escolha

arbitrária nem aleatória ou irracional, mas fundamentada dentro da ordem jurídica

que impõe os limites do poder criativo do juiz.237

Esta é a interpretação parecida que realizou KLAUS GUNTHER sobre o

tema:

Regras jurídicas ostentam, conseqüentemente, uma ‘estrutura aberta’, da qual só será possível obter um ‘paradigma’ para casos claros, enquanto casos difíceis dependerão da avaliação do juiz. HART não considera as conseqüências dessa indeterminação estrutural de regras jurídicas tão importantes que obriguem a conclusões ceticistas em relação a regras. O seu argumento é empírico: já que, na maior parte dos casos, conseguimos aplicar regras segundo as condições necessárias e, em geral, suficientes de aplicação ao nosso comportamento; não precisamos ficar apreensivos pelos poucos casos em que as condições de aplicação não são claras.238

237 DWORKIN propõe um modelo descritivo-justificativo mediante a “casos difíceis” se opondo a HART, sobre a discricionariedade do Juiz e diz através da “tese da resposta certa”, alegando que não poderia haver discricionariedade do juiz, pois as partes de um processo têm direito uma solução através de direito pré-existente. Pois é possível buscar no sistema solução sem dar margem à criação do juiz, e isso se daria através dos princípios ou políticas; poderia, assim, o juiz chegar à melhor justificação política possível à decisão, sem criar um novo direito. (DWORKIN, Ronald M. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, passim.) 238 GÜNTHER, 2004, p. 397.

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Os tribunais usam da função criadora que lhes é deixada pela “textura

aberta” das normas. Mas haverá sempre regras que limitará a decisão, normalmente

representada por um princípio. O juiz continua o processo de positivação da

norma239, pois só a norma concreta pode alterar a realidade, por isso alguns autores

defendem que “norma” é apenas a norma concreta, conforme FRIEDRICH MÜLLER

citado por MARCELO NEVES, que afirma: “norma jurídica só é produzida no

decurso da solução do caso”240. Ressaltamos que a norma concreta é continuação

do processo legislativo, sem tornar o juiz “o único legislador”241, como defende o

Autor alemão.

Como disse HART242, “Um supremo tribunal tem a última palavra a dizer

sobre o que é o direito e, quando a tenha dito, a afirmação de que o tribunal estava

“errado” não tem conseqüência dentro do sistema: não são por isso alterados os

direitos ou deveres de ninguém”

O fato de entendermos que o juiz pode ser criativo não significa dizer que

entendemos que a norma jurídica tributária em sua estrutura formal é desnecessária,

como bem disse HART sobre o ceticismo sobre as regras. Assim fazendo uma

239 KELSEN, 2006, p. 283. 240 MÜLLER, Friedrich. Essais zur theorie von Recht und Verfassung. Publ. Ralph Christensen. Berlim: Duncker & Humblot, 1990, p. 273 apud NEVES, 1994, p. 78: “Nesse sentido, Müller define a normatividade em duas dimensões: “normatividade significa a propriedade dinâmica da [...] norma jurídica de influenciar a realidade a ela relacionada (nomatividade concreta) e de ser, ao mesmo tempo, influenciada e estruturada por esse aspecto da realidade (normatividade materialmente determinda). Se o âmbito normativo, que importa uma função seletiva perante os âmbitos da matéria e do caso, não se constitui de forma suficiente, a normatividade do respectivo texto constitucional é atingida. Faltam, então, as condições e os pressupostos para a “produção” da norma jurídica – “que rege mediatamente um caso determinado” – e, portanto, da norma de decisão – “imediatamente normativa, reguladora do caso determinado”. Nesse contexto, não se fala de legislação e de atividade constituinte como procedimentos de produção de norma jurídica (geral), mas sim de emissão de texto legal (Gesetzestextgebung) ou de emissão de texto constitucional (Verfassungstextgebung). A norma jurídica, especialmente a norma constitucional, é produzida no decorrer do processo de concretização”. 241 Ibid., p. 127 apud NEVES, 1994, p. 78. 242 HART, 2001, p. 155.

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leitura de HART, entendemos que mesmo defendendo que os Tribunais têm um

poder final definitivo de dizer o direito, estes só fazem porque existe no sistema uma

norma permissiva dirigida a eles; desse modo, não há uma decisão tomada de forma

intuitiva, como defendiam os céticos sobre as regras. Quando a norma jurídica

individual é criada pelo Tribunal sem a existência de uma norma geral que prescreve

o seu conteúdo, ela deve se fundamentar na norma geral que atribui competência ao

Tribunal.

O juiz jamais poderá, quando constituiu uma sentença de declaração de

inconstitucionalidade, emitir em sua decisão uma norma que substitui a norma

declarada inconstitucional (revogação), isso é fato; pode-se apenas reconhecer a

inconstitucionalidade da norma jurídica tributária e atribuir os efeitos cabíveis, mas

jamais legislar norma abstrata.

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4 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS TRIBUT ÁRIAS E O

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

4.1 Introdução

O controle de constitucionalidade é instrumento que garante a harmonia

do sistema tributário, em que de um lado encontra-se o contribuinte com o dever

jurídico de pagar tributo, para assim contribuir com o funcionamento do Estado (em

sentido lato), e do outro o Estado com o direito subjetivo de cobrar o tributo que

garantirá a arrecadação (efeito fiscal) para suprir as necessidades públicas ou ainda

regular o mercado (efeito extrafiscal), tudo isso em harmonia com o sistema que

necessita garantir a Segurança Jurídica de ambas as partes.

Tarefa árdua foi atribuída ao Supremo Tribunal Federal que no âmbito do

Direito Tributário recebe severas críticas por aqueles que entendem que há

discricionariedade ilimitada. Contudo, nosso posicionamento supre de maneira

científica que não há discricionariedade ilimitada e sim limitada pela lei, pelos

princípios, pela interpretação do contexto jurídico, pelos valores, etc.

Contudo, como veremos no capítulo 5, toda a teoria aqui desenvolvida é

aplicada pelo Supremo Tribunal Federal nas decisões proferidas em controle de

constitucionalidade, mas, antes de verificamos a aplicação, é importante entender a

posição do Supremo Tribunal Federal e sua função quando se está perante uma

decisão em controle de constitucionalidade.

Para tanto, é necessário entender que o modelo de controle de

constitucionalidade brasileiro é chamado misto, por ter sofrido influências do modelo

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americano (difuso) e do modelo austríaco (concentrado); na verdade, não é um

simples modelo misto, em que aplicam-se as duas teorias da maneira que foram

concebidas em sua origem, porque no sistema brasileiro os modelos foram

adaptados de modo que pode ser considerado novo modelo.

No modelo americano, assim como no modelo difuso brasileiro, o controle

é exercido de forma incidental, por ocasião da apreciação do caso concreto, mas, no

modelo americano, diferentemente do brasileiro, as decisões proferidas têm força

vinculante chamada stare decisis, diferentemente do que ocorre com o modelo

brasileiro, que necessita de um órgão do Poder Legislativo (Senado Federal) para

assim declarar a decisão proferida pelo Poder Judiciário com efeito vinculante aos

demais órgãos da Administração e do Poder Público. Do mesmo modo, ocorre com

austríaco 243 (de Kelsen), que inspirou o modelo concentrado brasileiro. Que

originalmente na Europa é exercido pelo Tribunal Constitucional244, órgão que não

compõe a estrutura do Poder Judiciário, visto possuir total autonomia com relação ao

Poder Judiciário, inclusive suas decisões tem força de lei 245 ou melhor, norma

abstrata, por este motivo este órgão, Tribunal Constitucional, tem competência para

retirar a norma válida do sistema, sua decisão emite no sistema norma geral e

abstrata e não geral e concreta como vemos no modelo “adaptado” no Brasil.

No modelo americano, os efeitos são inter partes e ex tunc (nulo ab initio

ou ipso jure); no modelo europeu, são erga omnes e ex nunc (a pronúncia da Corte

Constitucional é de invalidação a partir da data da decisão, assim como ocorre com

243 KELSEN, 2003, p. 306-309. 244 “A Corte Constitucional não se encontra inserida como uma nova instância no complexo das jurisdições ordinárias. Ao revés, desempenha uma função especial – a jurisdição constitucional” (MENDES, G., 2007, p. 14-15.) 245 Ibid., p. 11-12.

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a edição de uma lei que deve respeitar os princípios da irretroatividade e do direito

adquirido).246

Por estes motivos, vê-se a confusão em torno do modelo brasileiro, que

não é apenas um modelo misto americano-europeu, mas sim um modelo

brasileiro 247 . Desse modo, qualquer analogia realizada com base no modelo

americano ou europeu deve necessariamente antever estas diferenças para justificar

a posição aqui tomada.

Há vários tipos de controle, os quais por uma questão de corte

metodológico não serão abordados neste trabalho; apenas como lembrança,

podemos citar o controle prévio ou preventivo do Poder Legislativo, Executivo e

Judiciário, além do controle posterior ou repressivo político ou jurisdicional exercido

pelo Legislativo e Executivo248. O que vamos analisar será apenas o controle Judicial

e seus sistemas de controle, concentrado quando for exercido apenas pelo Supremo

Tribunal Federal e difuso quando exercido por qualquer juiz ou tribunal, mas que em

grau de recurso seja decidido em última instância pelo Supremo Tribunal Federal.

As normas objeto de controle de constitucionalidade não serão apenas as

leis emanadas do Poder Legislativo, mas aquelas do Poder Executivo (medidas

provisórias) e ainda aquelas do Poder Judiciário (regimento interno). No caso

246 MARIANO, Cynara Monteiro. Controle de Constitucionalidade e ação rescisória em matéria tributária. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 15. 247 É de se notar que não é apenas o Brasil que adotou um sistema próprio com base nos sistemas americano e europeu; cada País, v.g. Portugal em seu modelo europeu, aliou-se ao modelo americano com a ressalva à força retroativa das decisões do Tribunal Constitucional em seu art. 282, § 4º, permitindo que a corte restrinja os efeitos retroativos da decisão, ou seja, adota a teoria de acordo com sua necessidade (CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial da constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 115-118.) 248 O STF já se manifestou na ADIMC- 221/DF; Rel. Moreira Alves, DJ 22.10.1993 que “o controle de constitucionalidade da lei ou atos normativos é da competência exclusiva do poder judiciário”.

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brasileiro, temos ainda a Emenda Constitucional como o que aconteceu com a ADI

926 e 939, que julgaram a emenda que criou a IPMF249.

4.2 Breve análise histórica evolutiva do controle d e constitucionalidade no

Brasil

A Constituição Republicana de 1891 inseriu no contexto brasileiro o

controle de constitucionalidade incidental incidenter tantum, que é mantido até hoje.

Com influência no direito norte-americano, através do controle de constitucionalidade

difuso, qualquer juiz ou tribunal judicial 250 possuía competência para analisar a

constitucionalidade da uma norma que demonstrasse, no caso concreto, prejudicial

ao mérito.

Nas Constituições seguintes, 1934 e 1937, o sistema eleito de

constitucionalidade se manteve com pequenas alterações 251 . Mas, foi na

249 Segundo MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 146 (nota de rodapé): “O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Constitucional indiano, até onde sei, são os únicos tribunais do mundo a terem declarado a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional (agradeço essa constatação ao Prof. Dimitri Dimoulis). Apesar de outros sistemas constitucionais também preverem cláusula pétreas, o STF foi um dos primeiros a ter tido esta ousadia. O curioso é que a Constituição de 1988 não lhe conferiu esta competência. O art. 102, I, é a base de sua atribuição para exercer a jurisdição constitucional. No entanto, refere-se apenas ao controle de ‘lei ou ato normativo’. Extrair desta expressão a competência para julgar a constitucionalidade de emendas constitucionais parece um razoável desvio daquilo que o constituinte originário lhe reservou”. 250 Coloca-se aqui como tribunal judicial para diferenciar dos tribunais administrativos que na minha concepção não possuem competência para declarar a constitucionalidade das normas tributárias, visto que sua decisão faz coisa julgada para a administração e no caso de declaração de inconstitucionalidade contra a administração esta não poderia recorrer ao judiciário e teria uma declaração de inconstitucionalidade declarada por um órgão julgador administrativo, o que demonstraria uma usurpação de competência. O que os tribunais administrativos podem, assim como os judiciais, é afastar a aplicação de uma lei em detrimento de outra, ato de escolha que resolve o problema semântico assim como veremos no item próprio. 251 A Constituição de 1934 incluiu a cláusula de reserva de plenário e atribuiu ao Senado Federal competência para suspender a eficácia da norma declarada inconstitucional. A Constituição de 1937 estabeleceu a possibilidade de o Presidente da Republica influenciar as decisões do Poder Judiciário que declarassem inconstitucional determinada lei ou ato normativo.

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Constituição de 1946, com a Emenda Constitucional nº 16 de 1965, que a ação

direta de inconstitucionalidade de competência originária do STF foi inserida no

ordenamento. Desse modo, o Supremo Tribunal Federal passou a ter competência

para processar e julgar originariamente a inconstitucionalidade das normas (lei ou

ato normativo), federal ou estadual, de legitimação exclusiva do Procurador Geral da

República. Também foi essa Emenda Constitucional que estabeleceu que poderia

haver controle de constitucionalidade concentrado no âmbito federal.

A Constituição de 1967 retirou do ordenamento a regra estabelecida pela

Constituição anterior (mas, a EC 1/69 previu o controle de constitucionalidade de lei

municipal, em face da Constituição Estadual apenas para fins de intervenção no

município). Contudo, a Constituição de 1988 restabeleceu a ação direta de

inconstitucionalidade de competência originária do STF e ampliou o rol das pessoas

legitimadas252 para a propositura da ação no controle concentrado.

Além disso, foi na atual Constituição253, de 05 de outubro de 1988254, que

evoluindo para um sistema misto (controle concentrado e difuso) criou a

possibilidade do controle de constitucionalidade das omissões legislativas “ADI por

Omissão”, quando se trata de controle concentrado, e “Mandado de Injunção”,

252 Vide art. 103 da Constituição Federal de 1988. 253 Cf. NEVES (1994, p. 160-161), “A falta de concretização normativo-jurídica do texto constitucional está associada à sua função simbólica. […] Em face da realidade social discrepante, o modelo constitucional é invocado pelos governantes como álibi: transfere-se a “culpa” para a sociedade desorganizada. […] Ao nível da reflexão jurídico-constitucional, essa situação repercute ideologicamente, quando se afirma que a constituição de 1988 é “a mais programática” entre todas as que tivemos e se atribui sua legitimidade à promessa e esperança de realização no futuro: “a promessa de uma sociedade socialmente justa, a esperança de sua realização […] na medida em que se ampliam extremamente a falta de concretização normativa do documento constitucional e, simultaneamente, o discurso constitucionalista do poder, intensifica-se o grau de desconfiança no Estado. A autoridade pública cai em descrédito”. 254 Publicada no Diário Oficial da União nº 191-A.

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quando se trata de controle difuso. Assim como a criação da argüição de

descumprimento de preceitos fundamentais – ADPF255.

Mas, a expressiva alteração foi a redução da competência do Supremo

Tribunal Federal, em face da existência do controle difuso. De toda sorte, foi dado a

esse órgão a incumbência de “Guardião da Constituição”.

Nesse contexto, já podemos perceber que a Constituição tem um papel de

extrema relevância, pois nela se guarda toda a expectativa de uma sociedade e,

quando o sistema elege um órgão como “guardião de todas as expectativas de uma

sociedade”, imputa a este órgão uma responsabilidade e um poder imensurável.

Como modo de controle desse “poder imensurável”, o próprio sistema

tentou traçar procedimentos de delimitação da conduta atribuindo à Constituição

uma forma de alteração bastante rígida256. Ou seja, o sistema elegeu o Supremo

Tribunal Federal como órgão principal controlador de constitucionalidade, mas traçou

limites para que o mesmo pudesse assim proceder. Em face dessas disposições,

sempre haverá um “limite” a ser respeitado pelo Tribunal em sua função de controle

de constitucionalidade da regra-matriz de incidência tributária, qual sejam as

próprias normas constitucionais, aí incluídos os princípios constitucionais (norma de

255 A ADPF, que não será objeto deste trabalho, tem como hipótese de cabimento evitar ou reparar lesão a preceito fundamental ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal. Encontra-se no art. 102, parágrafo 1º da CF/88, que foi declarado de eficácia limitada pelo STF AGRPET -1140/TO, relator ministro Sydney Sanches, DJ 31.05.1996, e que por este motivo foi regulamentado pela lei 9.882/99. 256 “No Estado Brasileiro a Constituição tem características rígidas, ou seja, sua alteração depende de requisitos rigorosos (exige-se proposta de um terço dos membros de uma das Casas do Parlamento - art. 60, I; ou do Presidente – II; ou de mais de metade da Assembléia Legislativas de cada unidade federativa, mediante maioria relativa de seus membros – III) e apenas será aprovada a emenda se obtiver, em ambas as Casas do Congresso, “três quintos dos votos dos respectivos membros” (§ 2º do art. 60 da CF)” OLIVEIRA, R., 2008. p. 24.

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estrutura) em especial as cláusulas pétreas 257 estatuídas no art. 60 § 4º da

Constituição Federal de 1988.

Desse modo, a idéia de controle de constitucionalidade surge junto com o

tipo de Constituição de cada País. A forma de alteração rígida258, apresentada pela

Constituição brasileira, serve como requisito essencial de controle das normas

jurídicas tributárias.

Prescreve o art. 60, § 4º da Constituição Federal de 1988 259 o

procedimento de controle dos atos normativos, ou seja, como poderá a Constituição

ser emendada. Isso porque a forma de alteração rígida pressupõe um processo

severo e solene 260 de emendas, tais como se apresentam do modo como

disciplinado no citado dispositivo constitucional.

257 Chamada de regra superconstitucional por MENDES, C., 2008, passim e VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça. São Paulo: Malheiros, 1999, passim. 258 Podemos destacar que, além da forma de alteração a CF/88, também pode ser analisada quanto à sua origem: promulgada; quanto à forma: escrita; quanto ao conteúdo: formal; quanto ao modo de elaboração: dogmático-sistemática. Tais, análises não serão elaboradas para não tornar o trabalho predominantemente constitucional. 259 Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais. 260 A única forma de mudar a ordem jurídica vigente seria através de uma revolução social.

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Veremos então a relevância do papel da Constituição em uma sociedade

e mais ainda a responsabilidade dos Tribunais em interpretar as normas tributárias

diante da função constitucional de controle de constitucionalidade dos atos

normativos, vez que terá que interpretar e através dessa interpretação escolher a

única e melhor forma de regular condutas intersubjetivas.

Esse é o panorama geral colocado de forma sucinta do controle de

constitucionalidade das normas ou atos normativos tributários. Desse modo, o

Supremo Tribunal Federal, órgão eleito como “Guardião da Constituição”, analisará a

compatibilidade da norma tributária válida com a Constituição para então

“declarar261” sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.

4.3 Controle Difuso de Constitucionalidade

O controle de constitucionalidade chamado difuso é assim nomeado

porque leva em consideração o aspecto subjetivo, permitindo que qualquer juiz ou

tribunal de maneira “difusa” possa reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei ou

ato normativo de acordo com suas regras de competência.

Via de regra, o controle difuso é realizado via incidental ou de exceção,

através de incidente processual, também conhecido como concreto, haja vista que

as partes e a matéria encontram-se individualizadas. Percebe-se que há uma certa

confusão com a nomenclatura nos textos doutrinários, usando-se um termo pelo

outro, como se tratassem da mesma coisa.

261 Já nos posicionamos que o termo declarar é impróprio, pois entendemos decisão judicial como ato de fala ilocunionário; desse modo, não apenas declara, mas constitui uma situação de fato.

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Sob o ponto de vista formal, será incidental ou de exceção, isto é, a

questão da inconstitucionalidade será analisada antes do mérito da ação; e sob o

ponto de vista subjetivo, será difuso uma vez que qualquer juiz ou tribunal pode

exercer seu controle.

Isso porque originalmente apenas o réu poderia pleitear o reconhecimento

da inconstitucionalidade da lei tributária como matéria de defesa perante uma

obrigação tributária advinda de uma norma inconstitucional. Hoje não mais subsiste

apenas como tese de defesa, podendo ser utilizada pelo autor da demanda, que não

quer se sujeitar aos efeitos da norma tributária inconstitucional.

No sistema de controle incidental, haverá necessariamente uma norma

individual e concreta objeto de pretensão resistida em que, para se chegar ao mérito

da questão, há necessariamente que resolver o problema incidental que é a

constitucionalidade ou não da lei que institui ou majorou o tributo. O juiz ou o

tribunal, verificando a existência de norma tributária inconstitucional, poderá

reconhecer a inconstitucionalidade por meio de sentença para depois passar ao

mérito da ação.

Nesse sentido, esclarece BUZAID262:

O exame sobre a inconstitucionalidade representa questão prejudicial, não a questão principal debatida na causa; por isso o juiz não decide principaliter, mas incidenter tantum, pois ele não figura nunca como objeto do processo e dispositivo da sentença.

Pode-se dizer que, com o controle difuso, todos os órgãos do poder

judiciário fazem parte da chamada justiça constitucional. Desse modo, é uma via de

262 BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 23-24.

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acesso a todas as pessoas, visto que não terem um rol de legitimado para propor a

ação, como vemos no controle concentrado que será estudado no item 4.4.

Em termos históricos, o controle de constitucionalidade difuso teve início

através do famoso caso julgado pelo Juiz John Marshall, da Suprema Corte dos

Estados Unidos que, em 1803, analisando o caso Marbury versus Madison, decidiu

que é nula qualquer lei que não seja compatível com a Constituição, inaugurando

desse modo o controle de constitucionalidade e destacando a supremacia da

Constituição263. Segundo OSCAR VILHENA VIEIRA264, “Este poder de controlar a

compatibilidade das leis com a Constituição decorre, assim, da jurisprudência

americana e não de uma autorização positivada de forma expressa pelo

constituinte”.

Nessa espécie de controle, o pedido de inconstitucionalidade será a

causa de pedir próxima. Isso porque em matéria tributária temos que o pedido

principal é o não pagamento do tributo, ou ainda a repetição dos valores pagos por

com suporte em uma lei que deve ser reconhecida como inconstitucional. Não se

pede como pedido principal a declaração da inconstitucionalidade, apesar de ser a

causa de pedir, não é o pedido (mediato ou imediato).

No controle difuso não só autor e réu podem alegar a

inconstitucionalidade, mas o Ministério Público quando esteja atuando na causa

(como parte ou custos legis), os terceiros (litisconsorte, assistente e interveniente) e

ainda o próprio magistrado de ofício em qualquer grau de jurisdição.

263 Para melhor conhecimento sobre o tema, ler BARROSO, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3-10. 264 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência política. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 66.

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Outra diferença do controle concentrado é que qualquer lei pode ser

objeto de controle via incidental, ou seja, uma lei federal, estadual ou até municipal

pode ter sua constitucionalidade questionada em um litígio. E até mesmo os

regulamentos, a resoluções e as portarias. No controle concentrado, apenas lei

federal e estadual.

Toda vez que ocorrer de forma incidental, o pedido de declaração de

inconstitucionalidade o tribunal ad quem que estiver julgando a matéria tributária

deve suscitar uma questão de ordem que deve ser analisada pelo pleno ou órgão

especial265 a chamada “cláusula de reserva de plenário”, instituída pelo art. 97 da

Constituição Federal, apenas ficando dispensado do disposto no art. 97 da

Constituição Federal, se já houve decisão do órgão especial, pleno ou Supremo

Tribunal Federal sobre a mesma matéria; nesse caso, pode ser inconstitucionalidade

declarada e reconhecida pelos demais tribunais de plano.

4.3.1 Princípio da Reserva de Plenário

Nos Tribunais, a declaração de inconstitucionalidade deve respeitar o

princípio da reserva de plenário; isso significa que a inconstitucionalidade de uma lei

somente pode ser declarada pela maioria absoluta dos membros, assim dispõe o art.

97 da Constituição Federal de 1988:

Art. 97 - Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais

265 Cf. RE 179170-CE, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 30.10.1998, “Ora, em se tratando de inconstitucionalidade de norma jurídica a ser declarada em controle difuso por Tribunal, só pode declará-la, em face do disposto no artigo 97 da Constituição, o Pleno dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto da maioria absoluta dos membros de um ou de outro”.

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declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.266

O princípio de reserva de plenário também deve ser observado no

controle concentrado. Desse modo, nenhum órgão fracionário, turma, seção ou

câmara pode declarar a inconstitucionalidade de norma tributário incompatível com a

constituição, a não ser, é claro, que a inconstitucionalidade da mesma norma já

tenha sido reconhecida pelo plenário ou órgão especial. O órgão fracionário apenas

poderá reconhecer a inconstitucionalidade e encaminhar o processo ao plenário, ou

câmara especial para que este declare a inconstitucionalidade; nesse período de

tempo, o processo ficará suspenso no órgão fracionário.

Após a decisão do pleno ou órgão especial, o processo retoma ao órgão

fracionário com a decisão de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma,

para que o órgão fracionário se aplique ao caso. A única exceção é dos processos

que estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal; após o plenário decidir

sobre a inconstitucionalidade, o processo não retorna ao órgão fracionário, a decisão

será julgada diretamente pelo plenário. Da decisão do pleno ou órgão especial não

cabe recurso, apenas poderá ser questionada no recurso contra a decisão de mérito

do processo.

O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante, em razão da

freqüência com que órgãos fracionários dos Tribunais reconheciam indiretamente a

inconstitucionalidade de lei ou dispositivo:

Súmula Vinculante 10 - Viola a cláusula de reserva de Plenário (CF/ artigo 97), a decisão do órgão fracionário de Tribunal que, embora

266 Veja procedimento prescrito pelo Código de Processo Civil, art. 480 ao art.482. No caso do STF verificar os arts. 176 a 178 do Regimento Interno.

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não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, do poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Após o procedimento de declaração de inconstitucionalidade por maioria

absoluta, será feito o comunicado ao Senado Federal.

4.3.2 Resolução do Senado

Declarada a inconstitucionalidade de uma lei pelo Supremo Tribunal

Federal, através de decisão definitiva, respeitando os ditames do artigo 97 da

Constituição Federal (maioria absoluta do pleno do Supremo Tribunal Federal), deve

a decisão ser submetida ao Senado Federal em respeito ao que dispõe o art. 52,

X 267 da CF e o art. 178 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

(RISTF)268 e art. 386 do Regimento Interno do Senado Federal269.

Isso porque, em controle difuso de constitucionalidade, a declaração que

reconhece a inconstitucionalidade por sentença atinge apenas as partes envolvidas

267 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

[…]

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; 268 Art. 178 - Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos artigos 176 e 177, far-se-á a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do Art. 42, VII, da Constituição. 269 Art. 386. O Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade total ou parcial de lei mediante:

I – comunicação do Presidente do Tribunal;

II – representação do Procurador-Geral da República;

III – projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Art. 387. A comunicação, a representação e o projeto a que se refere o art. 386 deverão ser instruídos com o texto da lei cuja execução se deva suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento.

Art. 388. Lida em plenário, a comunicação ou representação será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte.

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no processo, contudo, sendo a matéria analisada de grande importância,

necessitando que os efeitos deixem de atender apenas as partes para atender a

todos os contribuintes que estão sob a égide da mesma lei, poderá o Senado

Federal editar resolução.

A resolução do senado é ato político e, desse modo, não é obrigatório, ou

seja, o senado poderá ou não suspender o ato normativo, no todo ou em parte, de

acordo com sua conveniência e oportunidade. Isso porque o Senado é órgão do

poder legislativo, e o legislador está investido de interesses políticos (o juiz não).

Se decidir por editar a resolução, fica restrito à decisão do Supremo

Tribunal Federal, ou seja, se a declaração do Supremo Tribunal Federal for total, a

suspensão através de resolução também deve ser total, se for parcial, idem, deve

obedecer ao que dispôs a decisão do Tribunal. Contudo não foi o que ocorreu com a

Resolução do Senado nº 71/05 que teria o condão de solucionar a divergência que

havia entre o fim do prazo do decreto 491/69 (crédito prêmio do IPI), se tivesse sido

editada nos exatos termos da decisão, que não ocorreu gerando mais dúvidas e

divergências com relação ao fim do prazo do Crédito- Premio do IPI. O tema não

será abordado visto que a decisão ocorreu no âmbito do Superior Tribunal de

Justiça, tribunal que não está sendo analisado.

A resolução poderá ser declarada de lei estadual, municipal ou federal e

ainda de atos normativos declarados inconstitucionais.

O que se discute atualmente é se realmente há necessidade da resolução

do senado para dar efeito vinculante e eficácia erga omnes; nesse sentido, houve

manifestação do ministro Gilmar Mendes na Reclamação Constitucional 4.335- AC,

que alega que o art. 52, X da CF teria sofrido mutação constitucional.

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4.3.3 Efeitos da Decisão

Os feitos deverão ser analisados com relação às partes, ao tempo e aos

próprios órgãos. Assim, no controle difuso das normas tributárias, tendo em vista

que o processo será de um caso concreto em que as partes serão individualizadas

os efeitos só atingirão as partes do processo, o chamado inter partes e quanto ao

lapso temporal ex tunc.

Somente após a publicação da Resolução do Senado, a decisão que

reconheceu a inconstitucionalidade da norma tributária de modo incidental, passará

a ter efeitos, erga omnes (contra todos) e ex nunc (não retroage).

Com relação ao efeito vinculante, como vimos, este apenas poderá ser

produzido na hipótese de Resolução do Senado; antes da Resolução, a declaração

de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso

não vincula os demais órgãos da Administração Pública e do Poder Judiciário.

4.3.3.1 Modulação dos efeitos em Controle Difuso

A modulação dos efeitos da decisão, em controle difuso, é a possibilidade

de a decisão com efeitos ex tunc passar a ter efeitos ex nunc, ou seja, os efeitos não

retroagem à data da edição da lei inconstitucional, mas tão somente serão aplicados

a partir da data da declaração de inconstitucionalidade, ou seja, a partir do trânsito

em julgado ou em outro momento que venha a ser fixado pelo julgador que o faz

desde que haja razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

A permissão legar para a modulação dos efeitos encontra-se no art. 27 da

Lei 9868/98, que aplica-se apenas à ação direta de inconstitucionalidade, ou seja,

em controle de constitucionalidade concentrado. Desse modo, não há norma no

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sistema que autorize a modulação em controle difuso. Daí advém a discussão

doutrinária da possibilidade de se aplicar o art. 27 da Lei 9868/98 às ações que não

sejam em sede de controle de constitucionalidade concentrado: ADI e ADC,

modulando assim os efeitos temporais da decisão. 270

No âmbito tributário, vemos que a tentativa de modulação dos efeitos da

decisão vem sendo intentada até mesmo quando não há declaração de

inconstitucionalidade de norma, mas o Supremo Tribunal Federal nesse sentido tem

sido cauteloso, apesar de o assunto ainda não está pacificado na doutrina; por este

motivo, o tema é várias vezes referenciado no decorrer do trabalho.

4.3.4 Transcendência dos motivos determinantes da d ecisão

Vimos, portanto, que no controle difuso de constitucionalidade a causa de

pedir é a declaração de inconstitucionalidade da norma jurídica tributária e não o

pedido. Desta feita, a matéria de mérito não é a inconstitucionalidade da lei e sim a

não incidência da relação jurídica tributária, desenhada regra-matriz de incidência

tributária.

Consideramos que as sentenças e acórdão judiciais (veículos introdutores

de norma) compõem-se formalmente de três partes essenciais, conforme dispõe o

art. 458 do Código de Processo Civil: (i) Relatório: mera descrição fática, que

conterá os nomes das partes, o resumo do pedido, registro dos acontecimentos

processuais; (ii) Motivação ou Fundamentação: em que o juiz analisará os motivos

270 O ministro Gilmar Mendes já admitiu na decisão de julgamento da Ação Cautelar 189 do RE 197.917 que em sistema difuso ou incidental pode haver controle de constitucionalidade com mitigação dos efeitos, ou efeitos para o futuro.

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de fato e de direito que justificarão sua conclusão, a ausência da motivação é causa

de nulidade absoluta, é elemento essencial do ato jurisdicional, haja vista que sua

ausência acarreta a nulidade da sentença, a teor do artigo 93, inciso IX da CF; (iii)

Dispositivo: é a conclusão da decisão em que o juiz resolve a questão a qual foi

submetido. Na parte dispositiva que serão aplicados os efeitos da decisão (inter

partes, vinculante) fazendo coisa julgada, sua ausência é motivo de inexistência da

sentença.

Exemplificando, na decisão de controle de constitucionalidade em controle

difuso de uma norma tributária inconstitucional, temos: (i) Relatório: contribuinte e

Fisco; contribuinte pleiteia o não pagamento do tributo, por entender que

incidentalmente a lei X que instituiu o tributo é inconstitucional; (ii) Fundamentação:

na análise da questão incidental declara-se a inconstitucionalidade da lei X que

instituiu o tributo; (iii) Dispositivo: O contribuinte não deve pagar o tributo. Apenas a

parte dispositiva da decisão faz coisa julgada.

Isso ocorre porque a declaração de inconstitucionalidade não era o pedido

da ação mas tão somente a causa de pedir; desta feita, os efeitos da declaração

apenas atingirão as partes envolvidas, tudo porque a fundamentação da sentença

não faz coisa julgada, não vincula os demais órgãos, servindo apenas de

pressuposto para análise da matéria meritória. Segundo dicção do art. 469 do

Código e Processo Civil que segue:

Art. 469 - Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;

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III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.

A falta de vinculação dos motivos da decisão ao demais órgãos do Poder

Judiciário e da Administração Pública acarreta a inaplicabilidade da interpretação

conforme a Constituição; nesse sentido, concorda CELSO RIBEIRO BASTOS271. A

incorporação da fundamentação é a única forma de resolver o problema. Como

defendia em 1995 MERLIN CLÈVE272: “Parece ser inevitável conferir-se às referidas

decisões uma eficácia vinculante que se estenda para além do dispositivo,

alcançando também a fundamentação da sentença […]”.

PEDRO LENZA273, discorrendo sobre o assunto, conclui que

Há que se observar, contudo, a distinção entre ratio decidendi e obter dictum. Obter dictum são os comentários laterais, de passagem, que não influem na decisão. Portanto, não vinculam para fora do processo. Por outro lado, a ratio decidendi é a fundamentação que ensejou aquele determinado resultado da ação. Nessa hipótese, o STF vem entendendo que a “razão da decisão” passa a vincular outros julgamentos.

Assim a transcendência dos motivos determinantes seria reconhecer a

eficácia vinculante não apenas da parte dispositiva da decisão mas também os

fundamentos ratio decidendi , conforme destaca o Inf. STF 379

O plenário do Supremo Tribunal Federal, no exame final da Rcl 1.987/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso sistema jurídico, a

271 BASTOS, 1997, p. 171. 272 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 178. 273 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Método, 2007, p. 202. “Como exemplo, no julgamento da ADI 3345/DF que reduziu o número de vereadores de todo o país, o SFT entendeu que a Suprema Corte conferiu “efeito transcendente aos próprios motivos determinantes que deram suporte ao julgamento plenário do RE 197.917’”.

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existência do fenômeno da ‘transcendência dos motivos que embasaram a decisão’ proferida por esta Corte, em processo de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito vinculante refere-se, também, à própria ‘ratio decidendi’ projetando-se, em conseqüência, para além da parte dispositiva do julgamento, ‘in abstracto’, de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade.

A autoridade de coisa julgada que alcança a parte dispositiva da decisão

apenas se aplica quando há declaração em controle concentrado (ADI ou ADC274),

visto ser objeto principal da ação. Oportuno lembrar que a decisão de procedência

da ação nada impede que os legitimados da ação recorram novamente ao STF,

propondo uma nova ação, por motivos diferentes ou até por mudança no contexto

social. Mas é claro que poderá o STF rejeitar a ação se entender que os motivos da

improcedência continuam os mesmos, invocando o que já foi decido sobre a matéria.

Em matéria tributária, não há nenhum precedente de transcendência dos

motivos determinantes, mas, em razão da forte tendência de abstrativação do

controle difuso, fazem-se necessários os apontamentos, visto que uma decisão de

inconstitucionalidade em matéria tributária certamente não interessa apenas às

partes envolvidas e sim a todos os demais contribuintes que se encontram sob a

incidência da lei inconstitucional; uma possível vinculação de uma decisão inter

partes aos demais órgãos e Tribunais garante a posição do Supremo Tribunal

Federal como “guardião da Constituição”. Desse modo, só terá efeitos vinculantes se

transcender os motivos da decisão inter partes.

274 Lei 9.868/99, art. 24: “Proclamada a constitucionalidade, julga-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e proclamada a inconstitucionalidade, julga-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória”.

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4.4 Controle Concentrado de Constitucionalidade

O controle concentrado surgiu na Áustria influenciado por Kelsen275 e se

estendeu por toda a Europa, atribuindo a guarda da Constituição a um único órgão,

diferentemente do sistema americano estudado no controle difuso.

O controle concentrado é aquele que tem um órgão apenas, que

concentra através de uma competência originária o controle de constitucionalidade;

no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal. Analisado sob o critério formal, pode

ser via principal, por isso chamado de abstrato ou direto.

No controle abstrato, a análise da constitucionalidade será o objeto

principal da ação. Desse modo, não um conflito de interesses a ser solucionado pelo

juiz. A função do julgador é atípica, ou seja, “A ação direta destina-se ao julgamento,

não de uma relação jurídica concreta, mas da validade da lei em tese”.276

Via de regra, o controle concentrado é exercido pelo sistema por via de

ação direta, principal ou abstrato. No controle das normas tributárias, não

encontramos nenhum exemplo que possa trazer exceção à regra, ou seja, que seja

concentrado por via de exceção, mas bem comenta PEDRO LENZA277 que

No direito brasileiro, como exceção a regra do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, podemos pensar em situação na qual o controle será concentrado (em órgão de cúpula, com

275 “Não se ignora, porém, que esse sistema inclinou-se sobretudo para a solução de conflitos de competência entre federação e seus estados membros, já que o acesso ao Tribunal Constitucional estava franqueado apenas ao governo federal, quanto às normas dos Lander, e aos governos regionais, quanto às normas da federação”. (TAVARES, André Ramos. Tribunal e Jurisdição Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p.15.) 276 ADInMC 1.434-SP, rel. Min Celso de Mello. 277 LENZA, 2007, p. 172.

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competência originária), mas incidental, discutindo-se a questão de constitucionalidade como questão prejudicial ao objeto principal da lide.

Por isso dizemos que a ação direta é um instrumento de proteção da

Constituição, que evita que uma norma incompatível com o Texto Maior venha a se

instalar no sistema de maneira a gerar insegurança jurídica.

A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto é uma

técnica judicial que consiste em que o Supremo Tribunal Federal declare algumas

hipóteses de incidência da norma sem mexer em seu suporte físico, porque a norma

está lacunosa ou muito ampla e geral.278

Poderá haver ainda controle de constitucionalidade concentrado das

normas federais e estaduais no plano Federal, de competência do Supremo Tribunal

Federal (art. 102, I, a); e ainda das normas estaduais e municipais no plano

Estadual, cuja competência é atribuída ao Tribunal de Justiça (art. 125, parágrafo

2º).

No controle concentrado, os órgãos legitimados agem no interesse de

uma sociedade, beneficiando a todos que estão sob a égide da lei, diferentemente

do que ocorre no controle difuso, como acabamos de ver.

As decisões em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ação

Declaratória de Constitucionalidade (ADC) têm caráter dúplice, o que significa dizer

que a procedência de ADI equivale à improcedência da ADC; desse modo, a

278 RE nº 83.119/SC, rel. Min. ILMAR GALVÃO: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DECORRENTE DE EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS.EXPRESSÃO: “CORRESPONDENTE AO PERÍODO-BASE DE 1989", CONTIDA NO CAPUT DO ART. 1º DA LEI Nº 7.988, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1989, ENQUANTO REFERIDA AO INC. II DO MESMO DISPOSITIVO. Inconstitucionalidade que se declara, sem redução de texto, por manifesta incompatibilidade com o

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improcedência de ADI corresponde à procedência da ADC: no primeiro caso,

decisão pela inconstitucionalidade; no segundo, pela constitucionalidade. Passemos

à análise de cada ação.

4.4.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) é aquela que tem como

objeto a norma geral e abstrata entendida como inconstitucional. Por ser uma ação

sem partes, autor-réu, lide, direitos controversos envolvidos alguns princípios como o

contraditório à ampla defesa não são aplicados. Dessa maneira, doutrinariamente

existe posição no sentido de não se tratar de uma ação, mas sim de um remédio

constitucional de controle legal.

A defesa da ADI será feita pelo advogado geral da União, conforme

prescreve, art. 103, § 3º; o mesmo funciona como defensor da presunção de

constitucionalidade, mas nada impede que se oponha à lei manifestando pela sua

inconstitucionalidade279.

Os legitimados, ativos para a propositura da ação, segundo o art. 103, Inc.

I ao IX, são divididos em dois grupos pela doutrina: os primeiros são chamados

universais, que são aqueles que podem propor a ação a qualquer hipótese:

Presidente da República, as mesas do Senado e da Câmara, o Procurador Geral da

República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos

políticos com representação no Congresso Nacional; e os legitimados especiais, que

são aqueles que só podem propor a ADI se a norma ou lei impugnada tiver relação

direta com seus interesses jurídicos ou de seus filiados, os quais são: o Governador

art. 195, § 6º, da Constituição Federal (princípio da anterioridade mitigada). Recurso não conhecido” (DJ 14.02.97).

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do Estado, a Mesa de Assembléia Legislativa, confederação sindical ou entidade de

classe de âmbito nacional. Também teremos a presença obrigatória do Procurador

Geral da República, que deverá emitir parecer sendo ou não autor do pedido e a

presença facultativa do amicus curie (órgão ou entidade, terceiros na ação que tenha

interesse quando a matéria tenha relevante discussão).

Na ADI, os legitimados passivos são os órgãos responsáveis pela

elaboração da lei, que se pretende ver inconstitucional. Podem ser objeto de ADI

emenda constitucional (ADI 939, rel. Min. Sydney Sanches), lei complementar, lei

ordinária, lei delegada, medida provisória (reedição ou conversão em lei quando

mantida a mesma redação não prejudica a ação), decreto legislativos e resoluções,

decretos autônomos (que inova autonomamente a ordem jurídica com força de lei),

legislação estadual e tratados internacionais.

Apenas atos normativos e leis federais ou estaduais podem ser objeto da

ação direta de constitucionalidade (não cabe contra ato judicial). Com relação às leis

municipais, não podem ser argüidas via ADI, apenas via de exceção em controle

difuso, mesmo porque seria inviável ao Supremo Tribunal Federal analisar a

inconstitucionalidade em controle concentrado de mais de cinco mil municípios.

No Brasil, em direito tributário, temos um caso raro: a declaração de

Inconstitucionalidade de uma Emenda Constitucional. Isso porque neste caso o

magistrado age contra a vontade de uma maioria qualificada, três quintos do

Congresso Nacional280 . Nesse sentido, podemos concordar com VIEIRA281 : “Ao

decidir sobre a constitucionalidade ou não de uma emenda à Constituição o

279 ADI 3.082- DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence e ADI 1.616-4 – PE, rel. Min. Maurício Corrêa. 280 No mesmo sentido, VIEIRA, 1999, p. 233.

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magistrado deve sentir-se submetido a uma pressão ainda mais forte, por parte do

princípio democrático, do que quando decide sobre a constitucionalidade de uma lei

ordinária”.

No dispositivo da ação direta de inconstitucionalidade a causa de pedir é

o enunciado da lei (que se afirma em desconformidade com a Constituição); e o

pedido o objeto da ação direta de inconstitucionalidade, acórdão constitutivo da

inconstitucionalidade da lei.

4.4.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) po r Omissão

É modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, que visa à

declaração pelo Supremo Tribunal Federal de uma omissão, um não fazer legitimado

pela Constituição.

Isso significa dizer que a Constituição prevê um comando que obriga a

atuação positiva de determinado Poder ou órgão competente editar lei ou ato

normativo, sem o qual o comando Constitucional não pode ser eficaz ou é

parcialmente eficaz (omissão total ou parcial). Assim, a declaração do Supremo

Tribunal Federal é no sentido de que o Poder Público ou órgão da Administração

Pública sane sua inércia e edite a lei ou ato normativo omisso282.

Não é qualquer inércia do Poder Legislativo que configura

inconstitucionalidade por omissão e sim uma omissão constitucionalmente ilegítima,

pois sabe-se que legislar é um ato discricionário do Poder Legislativo.

281 VIEIRA, 1999, p. 233. 282 Em controle difuso, temos o mandado de injunção que visa determinar que direitos e garantias assegurados pela Constituição sejam regulamentados pelos sujeitos competentes. Nesse caso, em face da omissão constitucional a parte poderá pleitear ao Juiz que seja garantido o seu direito de gozo que tenha sido privado em decorrência da omissão. O tribunal poderá determinar que a parte assim procede sem estar ferindo a separação de poder, pois aqui haverá uma decisão concreta.

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O Supremo fica vinculado ao pedido da ação, mas não fica vinculado à

causa de pedir, que pode, tendo em vista sua função de Guardião da Constituição,

analisar a norma objeto da ação com relação a todo o sistema.

Esse tipo de ação vem suprir as lacunas normativas (conforme vimos no

capítulo III item 3.3), nos casos em que a Constituição impõe ao Poder Legislativo a

edição de normas necessárias à efetivação do comando Constitucional. Desse

modo, nas hipóteses em que a edição de uma lei é necessária para o comando

normativo constitucional sua omissão é caso típico de inconstitucionalidade por

omissão. Por isso, não há que se dizer aqui em usurpação de competência entre

judiciário e legislativo, pois o judiciário só está atuando nos casos em que a

Constituição já previa mandamento no mesmo sentido, sem que isso interfira na

separação de poderes.

Os legitimados para a propositura da ação serão os mesmo elencados no

art. 103 da CF (assim como ocorre com a ADI), os quais estão divididos em

universais e especiais: os primeiros são aqueles que podem propor a ação a

qualquer hipótese: Presidente da República, as mesas do Senado e da Câmara, o

Procurador Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do

Brasil e os partidos políticos com representação no Congresso Nacional; e os

legitimados especiais que são aqueles que só podem propor a ADI se a norma ou lei

impugnada tiver relação direta com seus interesses jurídicos ou de seus filiados, a

chamada pertinência temática, os quais são: o Governador do Estado, a Mesa de

Assembléia Legislativa, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito

nacional.

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Com relação à legitimidade passiva será o próprio órgão ou pessoa que

deveria ter editado a lei que a Constituição elegeu e não cumpriu o comando

Constitucional.

Na ação direita de inconstitucionalidade por omissão será proferida uma

decisão judicial reconhecendo a inércia de um órgão administrativo competente ou

um Poder legitimado pelo sistema para edição de uma norma jurídica tributária. A

decisão apenas reconhece a inércia, mas não aplica qualquer tipo de sanção,

servindo apenas como uma comunicação. A única sanção possível seria a

estabelecida no art. 37 § 6º da CF283. Vale notar que o art. 103, § 2º da CF,

estabelece:

§ 2º do art. 103 - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Registra-se assim uma diferença com relação ao sujeito passivo, que

sendo um Poder (Legislativo, Executivo ou até mesmo Judiciário) não haverá sanção

para eventual descumprimento. O Supremo Tribunal Federal apenas dá ciência aos

Poderes para que tomem as providências. Mas, se for um órgão administrativo,

deve-se respeitar o que estatui o art. 103 § 2º. Nesse sentido, é a lição de

BARROSO284 :

Pela literalidade da previsão do art. 103 § 2º, são duas possibilidades. Se o sujeito passivo na ação for um dos Poderes, o pedido é limitado a que lhe seja dada ciência da ocorrência da

283 “Art. 37 - § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. 284 BARROSO, 2008, p. 244.

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omissão inconstitucional, para a adoção das providências necessárias. Embora o STF já tenha admitido a fixação de prazo, ressaltou que se tratava de mera indicação, sem estabelecer conseqüências para o caso de eventual descumprimento. Por outro lado, sendo a omissão imputável a um órgão administrativo, a decisão terá caráter de uma verdadeira ordem, cabendo a ele adotar as providências necessárias no prazo de trinta dias, sob pena de responsabilização.

A doutrina faz distinção entre a omissão inconstitucional total e parcial,

embora na constituição ou em normas infralegais não faça a distinção. A omissão

total é aquela em que há uma abstenção completa do Poder ou órgão pública da

edição de lei que a Constituição manifestou a necessidade de edição para prática de

algum direito; isso dependerá se a norma é auto-aplicável: sendo o Supremo

Tribunal Federal, poderá fazê-la incidir sem a norma omitida e, não sendo o Tribunal,

terá que declarar a mora legislativa do órgão responsável para que a norma seja

editada. A omissão parcial é aquela em que o legislador atuou de modo insuficiente

ou deficiente; o exemplo mais emblemático que não é tributário, mas serve apenas

para fins didáticos, é a declaração de inconstitucionalidade por omissão parcial do

salário mínimo, ADI 1.458-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. Mesmo que os valores

estabelecidos não cumpram com as exigências constitucionais (art. 7º, IV, CF), o

Poder Judiciário fica mitigado a exigir que o Poder Público edite um valor de salário

mínimo que cumpra as exigências constitucionais sem interferir nas políticas

públicas.

Esse tipo de Ação não tem prazo prescricional, e sua decisão de

constitucionalidade possibilita que em outro momento a norma possa se tornar

inconstitucional e o Supremo precise apreciar novamente sua inconstitucionalidade.

Nesse sentido, também concorda CLÈVE285.

285 CLÈVE, 1995, p. 161.

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4.4.3 A Declaratória de Constitucionalidade (ADC)

A ação declaratória de Constitucionalidade é aquele que pleiteia ao

Supremo Tribunal Federal uma decisão que imprima “timbres de

constitucionalidade286” a uma norma que possua questionamento de compatibilidade

com o sistema Constitucional no qual está inserida.

A presente ação tem como objetivo que o Supremo Tribunal Federal

reconheça expressamente que a norma infraconstitucional extraiu seu fundamento

de validade da Constituição, sendo com ela compatível, uma vez que haja no âmbito

judicial interpretações divergentes. Assim, o pedido se restringe ao reconhecimento

da constitucionalidade, uma vez que haja controvérsia judicial que ponha em dúvida

a validade da norma infraconstitucional federal. A controvérsia judicial, com decisões

divergentes, é imprescindível para que o Supremo não se torne órgão de consulta de

validade de normas infraconstitucionais, vindo então a servir a declaração como

instrumento de segurança jurídica em um sistema em que se verifique a dúvida da

norma infraconstitucional que sacou seu fundamento de validade da Constituição

Federal.

Isso porque todas as leis possuem presunção de validade e apenas no

caso de questionamento dessa validade é que pode o supremo se pronunciar sobre

o caso. Assim como a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de

Constitucionalidade é ação objetiva sem partes e sem contraditório, apesar de

permitir que outros interessados apresentem pareceres para defenderem sua

posição de inconstitucionalidade.

286 TAVARES, 1998, p. 100.

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Na questão de ordem levantada na ADC nº 1-DF, suscitou-se pelo

Supremo Tribunal Federal justamente as questões de constitucionalidade da própria

ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e seus procedimentos, que

posteriormente foram disciplinados pela Lei nº 9.868, em 10 de novembro de 1999.

Os legitimados para a propositura da ação são os mesmos da ADI após a

emenda Constitucional 45/2004, ou seja, os sujeitos prescritos no art. 103, Inc. I ao

IX. Não há necessidade de que a ação seja proposta contra (sujeito passivo) o órgão

que elaborou a lei, da mesma forma não há atuação do Advogado Geral da União,

apenas do Procurador Geral da Republica, diferentemente do que ocorre com a ADI,

como vimos. Proposta a ação, não poderá mais desistir do pedido.

A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) perante o Supremo

Tribunal Federal apenas pode ter como objeto lei ou ato normativo federal, sendo os

da mesma natureza da ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ou seja: emenda

constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medida provisória

(reedição ou conversão em lei quando mantida a mesma redação não prejudica a

ação), decreto legislativo e resoluções, decretos autônomos (que inovam

autonomamente a ordem jurídica com força de lei) e tratados internacionais .

Na parte dispositiva do acórdão da ação declaratória de

constitucionalidade, a causa de pedir é o enunciado da lei, e o pedido, a declaração

de que a lei está em conformidade com a Constituição. A Ação Declaratória de

constitucionalidade visa que a lei seja mantida no ordenamento jurídico como válida.

Na Ação Declaratória de Constitucionalidade, não há processo de

conhecimento, e portanto não há que se falar em análise dos fatos da incidência,

assim como já mencionado. O objetivo é que a sentença enuncie que a norma

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pertence ao ordenamento jurídico. Também é oportuno destacar que não há efeito

condenatório, porque não se conhece dos fatos, não podendo constituir direitos

subjetivos, também não se exige atribuição de valor à causa, indicação de provas ou

requerimento de citação e nem identificação do réu, visto que inexiste defesa.

A decisão que reconhece a Constitucionalidade da norma também gera

efeito vinculante aos órgãos do Judiciário e do Executivo, apesar de não ter havido

mudança na situação normativa, que antes era válida, vigente e eficaz e, com a

declaração na ação declaratória de constitucionalidade, continua com o mesmo

status; mesmo assim, gera efeito vinculante, pois em um dado momento houve

dúvida da validade da lei e a confirmação deve vincular os demais órgãos.

No caso de não reconhecimento do pedido de constitucionalidade e

declarando-se que a norma é inconstitucional, apesar do nome declaratória, constitui

uma nova situação de fato, ou seja, cria uma nova norma ou uma segunda norma, a

norma declarada inconstitucional continua existindo, mas tem sua vigência e eficácia

suspensa, continua válida. Tanto é verdade que todas as normas individuais e

concretas que se criaram com fundamento de validade da norma agora

inconstitucional necessitam de uma nova norma para retirar sua validade.

4.4.4 Medida Cautelar

Como medida de caráter excepcional, o pedido de Medida Cautelar é

cabível em Ação Direita de Inconstitucionalidade, assim como na Ação Declaratória

de Constitucionalidade, sempre após uma análise prévia e superficial do pedido,

devendo para tanto apresentar a plausibilidade jurídica da tese exposta, a

possibilidade do perigo em decorrência da demora da decisão, a possibilidade de

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serem os danos irreparáveis, a necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão

prevista no ordenamento.

A concessão do pedido cautelar gera um efeito vinculante ao próprio

Supremo, que deve suspender o curso de mais processos sob a mesma matéria em

andamento, mas a denegação do pedido não traz efeitos aos demais processos.

Também a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal vem entendendo que

tem efeito vinculante aos demais órgão do Poder Judiciário e da Administração

Pública287.

Também a concessão terá eficácia erga omnes e será concedida com

efeito ex nunc, mas de acordo com a lei 9.868/99 em seu art. 11 § 1º, o Supremo

Tribunal Federal poderá dar-lhe eficácia retroativa, se assim entender.

O art. 10 e seguintes da Lei 9.868/99 prevê a possibilidade de deferimento

de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, desde que seja por

maioria absoluta de seus membros (onze ministros), prevendo ainda a possibilidade

de eficácia erga omnes (contra todos) e efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender

que deverá conceder eficácia retroativa (ex tunc).

Em seu turno, o art. 21 do mesmo dispositivo legal, prevê do mesmo

modo a possibilidade de deferimento de medida cautelar na Ação Declaratória de

Constitucionalidade, desde que seja por maioria absoluta de seus membros, para

que os juízes e os Tribunais suspendam, até o julgamento final, os processos que

envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação. A suspensão perdurará

por apenas 180 dias para que a ação declaratória seja julgada pelo tribunal; caso a

ação não seja julgada dentro dos 180 dias, a eficácia da medida cautelar será

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suspensa. O cabimento de liminar em ADC foi pacificado através do julgamento da

ADC - 4.

Em tratando de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Art. 11, § 2º da lei

9868/99, alega que “A concessão da medida cautelar [em ADI] torna aplicável a

legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido

contrário”. Esse artigo foi um dos mais criticados e encontra-se com dois pedidos de

Inconstitucionalidade 288 , ADI 2.258-0 e ADI 2.154-2. Isso porque, declarada

inconstitucional uma lei que tenha revogado uma lei anterior, a decisão de

revogação restaura a norma revogada, o que não acorrerá caso haja “expressa

manifestação em sentido contrário” do Supremo Tribunal Federal. A Corte poderá

nesse caso entender que a lei que fora revogada pela norma declarada

inconstitucional padeça também de inconstitucionalidade e assim não atribuir efeito

repristinatório à norma revogada.

4.4.5 Efeitos da Decisão em Controle Concentrado

Os efeitos de uma decisão proferida nos processos subjetivos (difuso), de

praxe só alcançam as partes do processo. Mas, no caso das ações objetivas (de

controle concentrado) em que as partes não atuam em interesse próprio, agindo

como substituto processual (atuam em nome próprio mas em interesse da sociedade

em geral), os efeitos desse modo não podem ser inter partes, mas, sim, devem ser

erga omnes.

287 MC na Reclamação 2.256-1, rel. Min. Gilmar Mendes. 288 Este artigo, juntamente com o art. 27, encontra-se com dois pedidos de Inconstitucionalidade um ADI 2.258-0 interposto pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, distribuído em 04.08.2000 e outra ADI 2.154-2 interposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL, distribuída em 22.2.2000, ambas com relatoria do Min. Menezes Direito, com pedido de vista da Min. Cármen Lucia.

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O efeito erga omnes é aquele de natureza subjetiva que alcança todas as

pessoas sob a égide da lei, independente de serem parte de um processo.

A decisão que declara a inconstitucionalidade ou não de uma ADI é

irrecorrível, cabendo apenas Embargos de Declaração do requerente ou requerido.

A decisão gera efeitos retroativos, ex tunc, mas, devido ao excepcional interesse

social e razões de segurança jurídica, o Supremo poderá restringir os efeitos da

decisão. Também são vinculantes e erga omnes.

Na ADI por omissão, quanto aos efeitos são os mesmos vinculante e erga

omnes da ADI, apenas os efeitos temporais não podem retroagir ao momento inicial

da ausência de norma, ou seja, da data da promulgação da Constituição ou no dia

seguinte ou um mês, mesmo porque nunca saberíamos qual seria o exato momento

em que a norma deveria ter sido editada.

4.4.5.1 Diferença entre nulidade ex tunc e anulabilidade ex nunc

O tema da nulidade e anulabilidade merece comentários, haja vista que,

em se tratando de controle concentrado, não há dispositivo atribuindo

expressamente eficácia ex tunc às decisões proferidas no controle jurisdicional de

constitucionalidade, “jurisprudência e doutrina sempre se orientam no sentido da

nulidade ipso jure da lei declarada inconstitucional”289, quer seja no bojo de um

julgamento de procedência da ADI ou improcedência da ADC. Os argumentos

doutrinários recorrem o precedente do caso Marbury versus Madison do modelo de

controle de constitucionalidade americano que foi incorporado ao modelo brasileiro,

o qual argumentava que, se assim não fosse, haveria uma afronta direta ao princípio

da supremacia da Constituição.

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Contudo, o sistema de controle de constitucionalidade austríaco de

Kelsen entendia que as leis inconstitucionais são apenas anuláveis 290 , seriam

válidas até que um órgão competente declarasse sua inconstitucionalidade, porque

no sistema austríaco o controle de constitucionalidade era exercido pela Corte

Constitucional que era um órgão com função legislativa, por isso sua declaração de

inconstitucionalidade retirava a validade de uma lei.

A nulidade é a condição da norma, que uma vez reconhecida como nula

deixa de surtir efeitos desde sua origem. A anulabilidade, por sua vez, deixa de surtir

efeitos desde o momento do seu reconhecimento, não retroagindo a sua origem e

sim a partir da data do reconhecimento. O reconhecimento da nulidade ou

anulabilidade, segundo a doutrina, tem relação com o ato declaratório ou

constitutivo, gerando respectivamente os efeitos ex tunc, ex nunc.

Com a adoção da teoria da linguagem, em que todos os atos são

constituídos pela linguagem, a ação direita de inconstitucionalidade ou ação

declaratória de constitucionalidade de fato nada declaram, mas, sim, constitui uma

nova situação de direito. Desta feita, não faremos essa ligação entre os efeitos

declaração (ex tunc) e constituição (ex nunc).

A decisão em ADI e ADC produzirá efeitos contra todos (erga omnes) e

terá efeitos ex tunc, retroagindo desde a data da lei que fora “declarada”

inconstitucional ou constitucional, além dos efeitos vinculantes em relação aos

órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual, municipal e

distrital.

289 MARIANO, 2006, p. 30. 290 KELSEN, 2006, p. 290-299.

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4.4.5.2 Modulação dos Efeitos em Controle Concentra do

A regra geral em controle de constitucionalidade concentrado é que os

efeitos da decisão são: erga omnes e ex tunc. Com o advento da lei 9.868 de 10 de

novembro de 1999 que introduziu a técnica já edificada no direito alemão e

português da “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade”, a

vigente regra de que é nula a lei declarada inconstitucional em controle de

constitucionalidade encontra-se atualmente com a ressalva legal estabelecida pelo

art. 27 da referida lei.

Isso porque, entendendo o Supremo Tribunal Federal, por maioria

qualificada de 2/3 de seus membros que em razões de segurança jurídica ou

excepcional interesse nacional, os efeitos da nulidade da decisão poderão ser

restritos ao trânsito em julgada da declaração (ex nunc) ou ainda em outro momento

que será fixado pelo julgador. Assim prescreve a lei 9.868/99291:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

A modulação dos efeitos em tese se aplica apenas nas ADI, não se

aplicando na ADC, mesmo porque assim estabelece o art. 27 da lei 9.868/99;

contudo, acreditamos que nada impede que os efeitos da ADC sejam modulados no

291 No mesmo sentido, art. 11 da lei 9.882/99 que trata do julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais, que não será abordada neste trabalho.

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caso de grande repercussão em que se comprove a necessidade com base na

segurança jurídica e no excepcional interesse social.292

Outra crítica que se levanta com a questão da polêmica modulação dos

efeitos da decisão é que mais uma vez o poder de “temporalizar o tempo” fica com o

Supremo Tribunal Federal, mas não se pode esquecer que esse poder encontra-se

limitado a um quorum qualificado; desse modo, exigência em modular os efeitos

mediante dois terços dos membros do Tribunal, demonstrando que todo poder é

limitado.

Vemos que não é sempre o Supremo Tribunal Federal aplica o

dispositivo, que exige razões de segurança jurídica ou excepcional interesse

social 293 . Por isso que bem esclarece BARROSO 294 : “Aliás, a rigor técnico, a

possibilidade de ponderar valores e bens jurídicos constitucionais não depende de

previsão legal”.

Faz-se necessário lembrar que o referido artigo 27 da lei 9.868/99,

encontra-se com dois pedidos de declaração de Inconstitucionalidade ADI 2.154-2 e

ADI 2.258-0, que até a presente data295 encontra-se no gabinete da Min. Cármen

Lúcia com pedido de vista.

292 MOUSSALLEM, 2005, p. 150. 293 O último precedente encontrado foi da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3458, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que, por decisão unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais, as normas instituídas em 2004 pelo estado de Goiás que dispõem sobre o sistema de conta única de depósitos judiciais. A decisão também modulou os efeitos da decisão da data da decisão que foi em 21.02.2008, para que ela passe a ser aplicada apenas 60 dias depois da sua publicação. Essa solução foi proposta pelo relator da ADI, ministro Eros Grau, com objetivo de dar ao governo de Goiás tempo suficiente para desarmar o sistema por ele estruturado, em que a administração dessa conta estava subordinada à Secretaria estadual de Fazenda. 294 BARROSO, 2008, p. 118. 295 ADI 2.258-0, 14.08.2008.

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Finalizamos, parafraseando MOUSSALLEM296, na passagem de Chronos

da mitologia grega, que diz: “o direito controla o tempo jurídico-lingüístico ao seu bel-

prazer: Em suma, o direito temporaliza o tempo”.

4.4.5.3 Efeito Vinculante

Efeito vinculante é aquele que obriga aos demais órgãos do Poder

Judiciário, bem como pela Administração Pública direta e indireta, nas esferas

federal, estadual e municipal (art. 102 § 2º da CF), a acatar a decisão proferida pelo

Supremo Tribunal Federal. No mesmo sentido, discorre o art. 28, parágrafo único da

lei 9.868/99.

art. 28, parágrafo único – A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

O supremo Tribunal Federal está inexoravelmente vinculado às decisões

por ele produzida em controle abstrato de constitucionalidade, só poderá rever seus

posicionamentos nos casos de significativa mudança das circunstâncias fáticas ou

relevante alteração das concepções jurídicas dominantes297. Note-se que a decisão

não vincula os órgãos do Poder Legislativo, pois, desse modo, haveria um

engessamento do Poder Legislativo.

Nessa mesma linha de raciocínio, uma determinada lei tributária, num

dado momento histórico, pode ser declarada constitucional em sede de ADC, e,

futuramente, após mudança na realidade fática ser declarada inconstitucional por

296 MOUSSALLEM, 2005, p. 150.

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meio de ADI. Mas, simples mudança dos membros do tribunal não enseja alteração

de lei já apreciada anteriormente. Nesse sentido, foi o voto do Min. Carlos Mário

Velloso no julgamento de QO na ADC 1-DF:

a declaração de constitucionalidade da lei não impede, a meu ver, diante de alteração das circunstâncias fáticas ou da realidade normativa, a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Penso que está é uma posição que a Corte constitucional deve assentar. É que, como foi dito: hoje, a lei pode ser constitucional, amanhã, não.

O instrumento cabível caso não seja respeitado o efeito vinculante da

decisão pelos tribunais ou órgão da administração pública é a Reclamação ao

Supremo Tribunal Federal, previsto no art. 102, I, L, da CF, para que se garanta a

autoridade com força vinculante da decisão.

Com relação ao efeito vinculante, urge consignar que várias hipóteses

podem ser encontradas nas demais instâncias do poder judiciário, no caso de

reconhecimento em controle difuso da constitucionalidade da norma, conflitando

assim com o reconhecimento da inconstitucionalidade em controle concentrado, e

havendo o efeito vinculante da decisão proferida em controle concentrado:

(i) com prazo para recurso: o contribuinte deve pleitear a reforma da

sentença de primeiro grau ou tribunal com base no reconhecimento da

inconstitucionalidade em controle concentrado298;

(ii) sem prazo para recurso, mas com prazo para ação rescisória (art. 495

CPC): deverá o contribuinte propor ação rescisória com base no art. 485,

297 RE 105.012-8, rel. Min. Nery da Silveira, DJ 01.07.1988. 298 Cabe inclusive em matéria de embargos de declaração, quando for a decisão de inconstitucionalidade, conforme art. 741 e 745 do Código de Processo Civil.

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V do CPC “violar literal disposição de lei”, no prazo de dois anos da

decisão transitada em julgado, haja vista a não aplicação da súmula 343

no caso de controle de constitucionalidade, requerendo nova norma

individual e concreta com efeito revogatório para desconstituir a decisão

anteriormente proferida (nesse caso, se proferida a decisão em ação

rescisória com base na decisão de inconstitucionalidade em controle

concentrado), a nova sentença retira a validade da sentença anteriormente

proferida (norma individual e concreta, desconstituindo norma individual e

concreta), lembrando que, se no curso da declaração de

inconstitucionalidade houver medida cautelar com efeito vinculante e

eficácia erga omnes, o prazo decadencial da ação rescisória se suspende

também;

(iii) sem prazo para recurso e sem prazo para ação rescisória (art. 495 CPC):

nada poderá ser feito pelo contribuinte que é detentor de uma decisão que

está sob o manto da coisa julgada, que, com base no princípio da

segurança jurídica, representa para o ordenamento jurídico limites

processuais (assim como: decadência, direito adquirido, ato jurídico

perfeito), e, nesse caso, “Permanecem no sistema, mas com outro

fundamento de validade, tais quais a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e

o direito adquirido” 299 . Há controvérsia doutrinária a esse respeito

daqueles que defendem que o prazo de dois anos é contado da data da

publicação da ADI ou ADC, mas essa não é a posição que adotamos,

mesmo porque aqueles que defendem que caberia ação rescisória mesmo

fora do prazo de dois anos motivam-se por razões que transcendem o

299 LINS, 2005, p. 240.

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campo do direito, principalmente do direito tributário, e.g., prejuízo

financeiro;;

(iv) não havendo decisão, mas apenas norma individual e concreta do

contribuinte que ainda não seja objeto de demanda judicial, poderá o

contribuinte requerer ação de repetição de indébito dos últimos 5 anos.300

4.5 O Supremo Tribunal Federal órgão jurídico ou po lítico?

Sem delongas, não nos privaremos da afirmação contundente que o

Supremo Tribunal Federal é órgão jurídico e não político. Vários são os motivos que

nos levam à afirmação.

Primeiro porque é órgão que compõe o Poder Judiciário, não é órgão

autônomo com função legislativa. Sua decisão deve ser com bases jurídicas. Todo o

desempenho em decidir é inerente ao Poder Judiciário, terá que analisar as normas

do sistema jurídico, dentre elas os princípios, terá que fazer uma interpretação

constitucional sistematizando todo o ordenamento jurídico, terá que valorar de forma

objetiva levando em conta os valores de uma sociedade e não valores pessoais, terá

que respeitar as formas estabelecidas pelo sistema para julgar (relatório,

fundamentação e dispositivo).

O Poder Legislativo, sim, pode ser considerado órgão político, pois sua

função é de representante de uma nação. Seus membros representam um ideal

político – partidário. A função legiferante, o Poder Legislativo, é considerado fonte do

direito, vez que introduz no ordenamento jurídico normas introdutoras e introduzidas.

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Ou seja, mesmo com toda sua “falta de técnica jurídica” (porque na maioria das

vezes não são operadores do direito) são os responsáveis pela dinâmica do direito,

alimentando o sistema jurídico com o ingresso de normas formalmente válidas no

sistema (desde que tenha competência e tenha respeitado a procedimento

estabelecido para a função). Normas que possuem presunção de validade em

decorrência do dogma do “legislador racional” 301 . Desse modo, seguindo o

raciocínio, no caso de uma norma que em termos formais ou materiais não respeitou

a constituição, deve ser “despolitizada 302 ” e juridicizada pelo controle de

constitucionalidade, ou seja, adequada aos termos jurídicos, apenas um órgão

jurídico poderia desempenhar esse papel.

Diferentemente do que ocorre com o legislador o ministro do Supremo

Tribunal Federal não está vinculado a interesses políticos partidários, além de ser

detentor de “notório saber jurídico” sua fundamentação, por mais que tenha signos

do sistema político (na linguagem luhmanniana, código político governo-oposição,

código econômico ter-não ter) é sempre jurídica.

Por isso, coube a competência ao Judiciário decidir sobre a

constitucionalidade das normas, por ser órgão jurídico, representante do Poder

Judiciário. Não se pode apenas analisar os efeitos da decisão que por óbvio atinge

todos os Poderes (Executivo, Legislativo e o próprio Judiciário), bem como os

setores econômicos, políticos e sociais. Do mesmo modo, não se pode partir do

300 Neste sentido ver estudo de LINS, 2005, p. 248. 301 O legislador racional segundo SAMPAIO, Tércio. Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 280-281, “Trata-se de uma construção dogmática que não se confunde com o legislador normativo, nem com legislador real. É uma figura intermediária, que funciona como um terceiro metalingüístico, em face da língua normativa (LN) e da língua realidade (LR)”. O Autor resume as propriedades com base em Santiago Nino, quais são: trata-se de uma figura singular, permanente, único, consciente, finalista, omnisciente, justo, coerente, omnicompreensivo, econômico, operativo e preciso.

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pressuposto que o Supremo Tribunal Federal é órgão político sob argumento de que

os legitimados para propor a ADI ou ADC são órgãos políticos, ou que a nomeação

dos Ministros se realiza por meio do Presidente da República303, chefe do Executivo,

após sabatina do Congresso, e por esse motivo seria um órgão político, mesmo

porque não se pode esquecer que mantém os ministros do Supremo independência

funcional em relação ao executivo e ao legislativo, vitaliciedade, inamovibilidade, ou

seja, prerrogativas inerentes a qualquer magistrado. Além das virtudes judiciais,

denominadas por HART, que são: imparciabilidade e neutralidade ao examinar as

alternativas.

Para Celso Fernandes Campilongo304 :

A representação política tem estruturas, funções e técnicas de atuação que não lhe permitem substituir ou suprir as deficiências e lacunas dos sistemas econômico e jurídico. A economia e o direito, por sua vez, operam em bases que não se confundem com as da política. É evidente a enorme relação entre estes sistemas. Mas isso não significa que um determine o outro. Política, economia e direito podem trocar prestações, mas nunca atuar com lógicas intercambiáveis. Dito de outro modo: os sistemas sociais particulares são funcionalmente isolados e, por isso, só podem ser autocontrolados e auto-estimulados. Só a política pode reproduzir o sistema político.

A confusão muitas vezes é da própria Constituição Federal que é

instrumento multitemático que “deve abarcar conteúdos políticos, econômicos e

sociais, constituindo-se o reflexo da realidade 305 ”. As matérias delimitadas na

302 Termos utilizados por MENDES, C., 2008, p. 157. 303 Art. 101 da CF de 1988: “O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Parágrafo único. O Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. 304 CAMPILONGO, Celso Fernandes. A Crise da representação política e a Judicialização da política. In: O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 75. 305 OLIVEIRA, R., 2008, p. 25.

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Constituição uma vez seja objeto de decisão pelo Supremo Tribunal Federal torna-se

jurisdicizada. Os efeitos finais da decisão podem até ser políticos, econômicos e

sociais, pois, em se tratando de matéria tributária, em que os interesses antagônicos

entre Contribuinte e Pessoas Políticas de Direito Publico (União, Estados,

Municípios, Distrito Federal), os efeitos podem ser políticos ou na maior parte

econômicos, mas o processo de decisão, a elaboração da decisão terá que respeitar

o ordenamento jurídico, os limites impostos pela norma (moldura), tendo em vista a

textura aberta. Apesar de não existir disposição expressa no ordenamento jurídico

de que o Supremo Tribunal Federal não possa dar decisões políticas como fez a

constituição de 1934 em seu art. 68. Pois um juiz, mesmo analisando o contexto

extrajurídico, não pode se esquivar do direito e das premissas jurídicas aqui

estabelecidas quando estiver decidindo.

A Constituição para o sistema político é um instrumento político tanto da

política instrumental quanto da política simbólica, e para o sistema jurídico é uma lei

fundamental. Segundo Luhmann306, a Constituição é uma reação à diferenciação

entre direito e política, ou dito com uma ênfase ainda maior, à total separação de

ambos os sistemas de funções e à conseqüência necessidade de uma religação

entre eles (riallacciamento) 307.

306 LUHMANN, Niklas. A Constituição como Aquisição Evolutiva. Trad. Prof. Menelick de Carvalho Neto. [Orig. ZAGREBELSKY, Gustavo; PORTINARO, Píer Paolo; LUTHER, Jorg (orgs.). La constituzione come acquisizione evolutiva. In: II futuro della constituzione. Torino: Einaudi, 1996), p. 3. 307 NEVES (1994, p. 66-67): “A inexistência de Constituição juridicamente diferenciada conduz – na sociedade altamente complexa e contingente do mundo contemporâneo, não orientada por uma moral compartilhada globalmente e válida em todas as esferas da vida – à manipulação política arbitrária do Direito, o que impede sua positivação. A uma legislação ilimitada, que tem como conseqüência a quebra da autopoiese do sistema jurídico, isto é, a alopoiese da reprodução da comunicação jurídica, opõe-se à forma interna de hierarquização através da validade supralegal do Direito Constitucional”. A “validade e o sentido do Direito Constitucional depende da atividade legiferante e da aplicação concreta do Direito. A interna hierarquização ‘Constituição/Lei’ atua como condição da reprodução autopoiética do Direito moderno, serve, portanto, ao seu fechamento normativo operacional. Nesse sentido, enfatiza Luhmann que a “Constituição fecha o sistema jurídico, enquanto o regula como um domínio no qual ela mesma reaparece”. “Sob esse ângulo, pode-se

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Isso porque não se pode esquecer que matérias de cunho político

também são submetidas à apreciação do Supremo Tribunal Federal, pois a

Constituição que lhe coube como “guardiã” da Constituição que também é diploma

político, além de jurídico, é aquisição evolutiva da modernidade, passando a ser a lei

máxima que regrará os dois sistemas: político e jurídico, vez que regula atividades

políticos, divisão de poder, competência, atuação dos partidos políticos, etc., mesmo

assim, quando enfrenta matéria política, sua função é dar uma solução jurídica,

regulando condutas intersubjetivas e estará fazendo com sua formação jurídica,

formal e material, juridicizando a matéria para que possa decidir juridicamente.

Nesse sentido ENTERRÍA308,

Es, pues, cierto que el Tribunal decide conflictos políticos, pero lo característicos es que la resolución de los mismos se hace por criterios y métodos jurídicos […] (grifos do autor)

O raciocínio percorrido por TAVARES 309 demonstra-se oportuno para

argumentos deste trabalho:

Decidir matéria que apresenta contornos políticos não transforma a atividade de jurisdicional em política, da mesma forma que falar sobre um psicopata não transforma ninguém num doente mental. Não se quer dizer que se trate de decisões formalmente jurídicas e materialmente políticas. A decisão constitucional é de cunho jurídico em todos os sentidos.

afirmar que a positivação do direito na sociedade moderna, além da distinção entre estabelecimento de norma geral (legislação) e aplicação concreta do Direito (jurisdição, administração), pressupõe a diferenciação entre Constituição e lei. 308 ENTERRÍA, Eduardo García de. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. Madrid: Editorial Civitas, 1985, p. 178. 309 TAVARES, 1998, p. 42.

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E mais, “mesmo que na motivação da decisão entrem elementos

extrajurídicos, o que é inevitável, ainda assim está-se perante uma decisão

judicial”310.

Com base mais uma vez na teoria de HART, vê-se que linguagem política

não pode ser usada pra justificar “linguagem jurídica” por serem regras diferentes e

situarem em diferentes contextos, é chamado “jogos de linguagem”, v.g.,

fundamentação de decisões da contribuição previdenciária de inativos que usava

como argumento o prejuízo ao Erário, aumentando o déficit previdenciário (código

econômico-ter não ter).311

Interessante comentar passagem do voto de vista do ministro Marco

Aurélio de Melo (relator) do Recurso Extraordinário (RE) 370682 na questão de

ordem sobre a modulação dos efeitos da decisão em ação subjetiva estendendo-se

os efeitos do art. 27 da Lei nº. 9.868/99:

Na espécie, em momento algum, declarou-se a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Jamais figurou, no ordenamento jurídico pátrio, o creditamento, pela alíquota final, de valor que o contribuinte não recolheu a título de imposto sobre produtos industrializados em operação anterior isenta, não tributada ou sujeita à alíquota zero. Até aqui o que se tem é o pronunciamento do Plenário do Supremo sobre a inexistência do direito ao crédito, e isso se fez a partir de interpretação conferida, como já consignado, a Constituição Federal, mais precisamente ao artigo 153, § 3º, inciso II, nela contido, que a União sempre aponto como infringindo.

Em síntese, pressupondo a aplicação analógica moldura semelhante à que disciplina pela norma em relação à qual se pretende a extensão, não há campo para chegar-se ao implemento respectivo.

310 TAVARES, 1998, p. 46. 311 Nesse sentido, concorda MENDES, S., (2007, p. 190), em nota de rodapé 539 “Ministro da Previdência alerta STF sobre inativos – “O ministro Amir Lando (Previdência) disse ontem ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, que a derrubada da contribuição previdenciária de servidores inativos e pensionistas impediria o governo de arrecadar cerca de R$ 1,9 bilhão por ano” (Silvana de Freitas, Folha de S. Paulo, 28/05/2004).”

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Conclusão diversa implicaria não o acionamento da analogia mas a atuação do Supremo como se legislador fosse e pudesse empreender, sem a atuação do Congresso Nacional, na ordem jurídica, dispositivo viabilizador da limitação de eficácia do julgado, pouco importando a existência pretérita de lei dispondo em certo sentido.

Busquem a razão de ser do artigo 27 da Lei nº. 9.868/99. Outra não senão a presunção de legitimidade do ato normativo, a gerar a confiança dos cidadãos em geral no que nele previsto. […] O preceito que se quer aplicar por analogia, mesmo ausente a lacuna quanto ao direito questionado e objeto de decisão, pressupõe, sempre e sempre, pronunciamento no sentido da constitucionalidade de lei ou ato normativo, reconhecendo do conflito do que disciplinado com a Constituição Federal, e, neste caso, tem-se, sem o questionamento sequer de lei específica – inimaginável, portanto, o envolvimento de declaração de inconstitucionalidade […].

Em complemento ao raciocínio seguem dois parágrafos finais do voto do

Ministro Ricardo Lewandowski, único voto vencido na questão de ordem dos efeitos

prospectivos que após fundamentar seu voto de maneira bem justificada

juridicamente assim diz:

Por essas razões entendo que convém emprestar-se efeitos prospectivos às decisões em tela, sob pena de impor-se pesados ônus aos contribuintes que se fiaram na tendência jurisprudencial indicada nas decisões anteriores desta Corte sobre o tema, com todas as conseqüências negativas que isso acarretará nos planos econômicos e social.

Assim, Senhora Presidente, ante as peculiaridades do caso, e em homenagem não apenas ao princípio da segurança jurídica, mas também aos postulados da lealdade, da boa-fé e da confiança legítima, sobre os quais se assenta o próprio Estado Democrático de Direito, proponho que se confira efeitos ex nunc as decisões proferidas nos REs 353.657 e 370.682”.

Impõem-se nos trechos dos votos proferidos no Recurso Extraordinário

370.682-SC (mesmo não sendo proferido em controle de constitucionalidade, mas

sobre ele e seus efeitos que se discute), as premissas discutidas nas páginas desse

trabalho, não se pode negar que os efeitos econômicos e sociais são de grande

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monta para o contribuinte diante de uma tão pesada carga tributária brasileira a que

temos que nos submeter, mas abstendo-se do sentimento de contribuinte e

analisando o fenômeno jurídico positivo a decisão proferida pelo Ministro Celso de

Melo traduz o sistema jurídico positivo e o papel do Supremo Tribunal Federal,

enquanto o trecho da decisão do Ministro Lewandowski demonstra uma decisão com

bases em justificativas de outro sistema, qual sejam econômico e político.

Na introdução do capítulo, apontamos as diferenças encontradas nos

modelos de controles de constitucionalidade que serviram de base para o sistema de

controle brasileiro. O controle de constitucionalidade brasileiro não adota as teorias

americanas e austríaca em sua intereza; no sistema austríaco, a Corte

Constitucional é órgão com função legislativa e uma análise com base nas lições

Kelsenianas não pode ignorar está distinção. Não foi o que fez Hugo de Brito

Machado312, pois este com base na “Teoria Pura do Direito” de Kelsen, diz que a

declaração de inconstitucionalidade de uma lei equivale a sua revogação, é portanto

ato de natureza legislativa. Entendendo exatamente o contrário, ou seja, a

declaração de inconstitucionalidade não tem função legislativa, não revoga norma no

sistema, apenas suspende sua vigência no caso de controle concentrado e sua

eficácia no caso de controle difuso. O Autor certamente se esqueceu que a

fundamentação com base em Kelsenianas deve guardar à mente que o mestre de

Viena refere-se a Corte Constitucional que possui função legislativa, diferentemente

do que ocorre com o sistema brasileiro de constitucionalidade.

312 “Segundo a teoria pura do direito, a declaração de inconstitucionalidade de uma lei equivale a sua revogação. Tem, portanto, a natureza de ato legislativo e, assim, tal como acontece com os atos legislativos em geral, não pode produzir efeitos retroativos, salvo em favor do cidadão. E esta é a doutrina que melhor preserva a segurança, e assim melhor realiza o objetivo fundamental de toda ordem jurídica”. (MACHADO, Hugo de Brito. A Supremacia constitucional como garantia do contribuinte. Revista dialética de direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 68, maio 2001, p. 411.)

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A Constituição brasileira313 convive de forma bem ordenada com questões

política e jurídica: todas as suas disposições são feitas de forma abstrata, contendo

uma textura aberta necessária, de modo a servir de forma eficaz às gerações

futuras. Contudo, na sua função precípua de decidir, certamente faz dentro do

sistema jurídico, mesmo que as questões impostas sejam de ordem

constitucionalmente política. Desse modo, o controle de constitucionalidade garante

a supremacia da constituição, e o Supremo Tribunal Federal é o órgão “guardião”

desta, exerce através do controle de constitucionalidade função harmonizar as

normas aos ditames da Constituição. A função do Legislativo é colocar normas no

ordenamento jurídico a função do Judiciário e reconhecer que a norma é compatível

com a Constituição e, desse modo, garantir a segurança jurídica nas relações.

4.6 A função do Supremo Tribunal Federal: Dar segur ança Jurídica às relações

O princípio da segurança jurídica é princípio implícito, apenas encontrado

quando da análise de todos os valores explícitos do ordenamento jurídico, levando a

crer que todos os demais princípios convergem para um fim: Segurança Jurídica.

Decerto está que esse sobreprincípio só será alcançado se outros

princípios também forem. Isso significa que os princípios da legalidade, da

igualdade, da irretroatividade, etc., além do respeito das normas constitucionais

313 A Constituição brasileira como bem saliente CARVALHO, Cristiano (2005, p. 310) nas lições de Ney Prado “A Constituição brasileira foi inspirada na Constituição portuguesa, denominada Constituição Dirigente, que teve por mentor o constitucionalista português Joaquim Gomes Canotilho, de formação marxista. Destarte, o Estado democrático de direito passa a ser não um fim em si mesmo, mas uma etapa para a instauração do socialismo e, posteriormente, do comunismo. Em verdade, a Constituição de 1988 não chega ao ponto de instaurar uma ordem política socialista no Brasil, simplesmente porque, ao prestigiar os direitos e garantias individuais, impossibilita, pelo menos formalmente, a instauração dessa forma de totalitarismo”.

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positivas de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada, devem estar

conjugados. Isso não apenas nas normas abstratas, mas também nas normas

concretas.

A Construção doutrinária em cima desse princípio também se mostra

expressiva e, na sua maioria, remete ao enfoque de mínimo de previsibilidade que o

sistema jurídico urge ter. O Termo é facilmente expresso em decisões judiciais e foi

expresso também na lei 9.868/99. Assim, como de forma abstrata, o princípio da

segurança jurídica apenas encontra-se em instrumento infraconstitucional. Nas

normas concretas ele realmente é sempre lembrado. É princípio fecundo que só

aparece em decisão judicial.

Como órgão de composição de conflitos, imediatamente o papel do

Supremo Tribunal Federal é resguardar os valores embutidos na Constituição

Federal; agindo desse modo, estará gerando um sentimento de segurança. Isso

decorre de seu papel de “guardião da constituição”. A maneira com se comporta o

judiciário dentro de toda a teoria que estudamos tem um único objetivo: dar

segurança jurídica às relações.

O equilíbrio entre a norma, o seu conteúdo e como ela será emitida, além

da necessidade de busca do passado e adequação no presente fazendo com que a

relação seja harmoniosa entre legislador, juiz e partes, é tarefa da segurança

jurídica. Arremata PAULO DE BARROS CARVALHO314:

Sendo assim, de nada adiantam direitos e garantias individuais, placidamente inscritos na Lei Magna, se os órgãos a quem compete efetivá-los não o fizerem das maneiras que o bom uso jurídico requer. Não haverá respeito ao sobreprincípio da segurança jurídica

314 CARVALHO, P., 2005, p. 32.

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sempre que as diretrizes que o realizem venham a ser concretamente desrespeitadas e tais situações infringentes se perpetuem no tempo, consolidando-se.

A segurança jurídica é aquela que direciona a atividade do aplicador do

direito e, desse modo, confere estabilidade e previsibilidade às relações

intersubjetivas.

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5 CASOS CONCRETOS DE DECISÕES EM CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS

5.1 Introdução

Neste capítulo, serão abordadas algumas decisões, em controle de

constitucionalidade concentrado e difuso, proferidas em matéria tributária. Sem

adentrar as questões meritórias se a posição tomada pelo Supremo Tribunal Federal

frente à questão é ou não correta (com exceção ao item 5.2 no qual nos

posicionamos), mas, tão somente, instrumentalizando a teoria da decisão judicial

aqui desenvolvida ao caso concreto, ligando a teoria à prática.

5.2 Vaguidade e Ambigüidade dos Signos no Controle Judicial de

Constitucionalidade: Contribuição Para Financiament o da Seguridade Social –

COFINS

O primeiro caso abordado será a questão da Emenda Constitucional

20/98, que alterou a redação original do art. 195, I da Constituição Federal que

apenas se referia ao termo “faturamento” e com a nova redação passou a abranger

na alínea “b” – a receita ou o faturamento.

A COFINS surgiu através da Lei Complementar 70/91 que instituiu de

forma permanente a Contribuição Social incidente sobre faturamento. Em 27 de

novembro de 1998 foi editada a Lei 9.718, a qual foi publicada em 28 de novembro

de 1998 (resultante da Medida Provisória 1.724/98), que pretendeu dar novo critério

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material para a regra-matriz de incidência tributária da COFINS, deixando de

abranger apenas o “faturamento” compreender também a “totalidade das receitas

aferida pela pessoa jurídica”, a denominada receita bruta, além de aumentar a

alíquota.

Como nesse período muitas discussões geraram em torno do comando

constitucional do art. 195, I, que se referia apenas a “faturamento”, para acabar com

a discussão foi editada e Emenda Constitucional 20/98 em 16 de dezembro de 1998

que inseriu a alínea “b” no diploma constitucional, a qual, além do faturamento,

prescreveu: “a receita ou o faturamento”. Com isso, pretendeu a referida emenda ser

o fundamento de validade da lei ordinária 9.718/98, achando que com isso acabava-

se a discussão em torno do suposto “alargamento” do critério material possível eleito

pela Constituição de 1988.

Com a Lei n.º 9.718, de 27 de novembro de 1998, o que de fato ocorreu

foi s extensão do conteúdo semântico da palavra faturamento, "equiparando-a" a

receita bruta de pessoa jurídica, independente de classificação contábil ou atividade

desenvolvida pela empresa. A edição da Emenda Constitucional n.º 20, de 16 de

dezembro de 1998, não poderia ter o condão de outorgar validade à Lei n.º 9.718, de

27 de novembro de 1998 e assim legitimar a cobrança da COFINS, com força

retroativa (27/11/98). Percebe-se nitidamente que o legislador não respeitou o

contexto lingüístico, ou seja, a situação jurídica tributária em que a palavra era

usada, não verificando assim a definição nominal.

Contudo, em novembro de 2005, o Supremo Tribunal Federal reconheceu

a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º, da Lei n.º 9.718/98, no julgamento do RE

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346.084-6/PR315 em relação ao conceito semântico de faturamento como receita

bruta de vendas de mercadorias e serviços. Porém, mesmo reconhecendo a

inconstitucionalidade, entendeu que a EC 20/98 teria o condão de elidir a

constitucionalidade. Conforme comentários de FERRAZ JR. 316:

O voto do ministro Ilmar Galvão havia reconhecido a inconstitucionalidade, porém entendeu que, diante de haver sido a lei editada para produzir efeitos a partir de 1º de fevereiro de 1999, nos termos do seu art. 17, mas, antes de esgotado tal termo, ter sido promulgada a Emenda Constitucional n. 20/98 – que deu nova redação ao art. 195, I, b, da CF, passando a dispor sobre faturamento ou receita -, teria sido elidida a inconstitucionalidade congênita de que padecia o diploma legal, concluindo que somente após a vacatio legis, ou seja, a partir de 1º de fevereiro de 1999, é que começaria a ser contada a anterioridade nonagesimal, circunstância que teria tornado a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) exigível apenas a partir de maio de 1999.

Desse modo, “faturamento” passou a ter o conteúdo semântico de “receita

bruta entendida como a totalidade de receitas auferidas”, vimos de ver que o

significado se dá pelo uso da palavra; dessa forma, não pode haver uma mera

315

RE 346084/PR–PARANÁ. RECURSOEXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. Ilmar Galvão Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO - Julgamento: 09/11/2005 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 01.09.2006. Ementa: CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada. No mesmo sentido: RE 390840 / MG - MINAS GERAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. Marco Aurélio - Julgamento: 09/11/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 15-08-2006. 316 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Realidades institucionais e sentido das palavras. In: Direito Constitucional: Liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. Barueri, SP: Manole, 2007b, p. 18.

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definição arbitrariamente estipulada, mas, sim, aquela que se dá pelo uso dentro do

sistema lingüístico. O que de fato não ocorreu.

A redação do art. 195 da CF, em 28 de novembro de 1998 (data da

publicação da lei 9.718), antes da EC 20, era:

Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salário, o faturamento e o lucro.

Redação do art. 2º e 3º da Lei n.º 9.718 em 27 de novembro de 1998:

Art. 2º - As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei;

Art. 3º - O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

Redação do art. 195 depois da EC 20.98, em 15 de dezembro de 1998:

A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salário e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

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b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

Como dissemos, o significado de uma palavra deve ser extraído do uso. O

termo faturamento decorre da prática comercial de emissão de fatura, fatura

entendida o documento que identifica a venda de mercadoria ou de serviços

prestados, individualizando as partes, a data o tipo de mercadoria, quantidade,

preço, etc. Assim, faturamento é atividade de que resulta nas faturas (vendas)

realizadas em um determinado período. Nesses termos, é importante complementar

a posição de PAULO DE BARROS CARVALHO317:

faturamento é signo que representa o ingresso bruto de recursos externos, provenientes de operações de vendas a prazo ou à vista, de mercadorias, produtos ou serviços, tanto no mercado interno como no exterior. A fatura aparece como o registro documental que expressa a quantificação de negócios jurídicos realizados pelo contribuinte, ao passo que o faturamento, enquanto calor final das atividades praticadas registradas em fatura, equivale exatamente ao resultado de tais negócios.

Por outro lado, receita bruta seria, além das faturas (venda de

mercadorias ou de serviços prestados), os juros, correção monetária, lucros,

dividendos, royalties, aluguéis, etc., “independente da classificação contábil”. No

mesmo sentido, completa PAULO DE BARROS CARVALHO318:

Em conclusão, receita é o acréscimo patrimonial que adere definitivamente ao patrimônio da pessoa jurídica, não a integrando quaisquer entradas provisórias, representadas por importâncias que se encontrem em seu poder de forma temporária, sem pertencer-lhe em caráter definitivo.

317 CARVALHO, P., 2008, p. 724 318 Ibid., p. 729.

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Como bem observou SAMPAIO FERRAZ JR. 319 , uma coisa é aplicar

interpretação extensiva, ou, bem diferente, é estabelecer uma equivalência

semântica entre dois termos, como fez a lei n.º 9.718, de 27 de novembro de 1998,

Ou seja, enquanto a interpretação do STF foi extensiva (estende o sentido de faturamento a qualquer venda, com ou sem permissão de fatura), a nova lei realizou uma verdadeira equiparação estipulativa, estabelecendo uma equivalência semântica entre os dois termos, sem autorização para tanto, tendo em vista o disposto no art. 195, I, b, da CF, na redação vigente à época.

Em nada justifica a conduta do legislador ordinário, que nitidamente

contrariou os mandamentos constitucionais, interpretando uma palavra sem levar em

consideração seu conteúdo semântico. Mesmo porque poderia, no lugar de alargar o

conteúdo semântico, ter usado o mandamento constitucional de maneira racional, ou

seja, utilizar-se do mesmo art. 195, em seu parágrafo 4º e instituir nova contribuição,

pois prescreve o dispositivo que “A lei poderá instituir outras fontes destinadas a

garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecidos o disposto no

art. 154, I.” Ou seja, poderia ser instituída a contribuição sobre receita bruta, desde

que por lei complementar, que não fosse não cumulativo e não tivesse fato gerador

ou base de cálculo próprio dos os impostos já discriminados na Constituição.

Por isso, dissemos que os significados dos termos não podem ser

arbitrariamente constituídos; deve ser respeitado o uso estipulado lingüisticamente

dentro do contexto jurídico, para interpretar uma palavra. Desse modo, o “poder de

violência simbólica” não pode prosperar, pois, mesmo tendo prevalecido, no caso em

análise que o significado da palavra faturamento deve ser entendido como “receita

319 FERRAZ JR., 2007. p. 25.

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bruta”; para os demais casos, cada qual deve ser entendido com seu significado já

demarcado pelo uso. Como assim vem sendo.

5.3 Princípios no Controle Judicial de Constitucion alidade: Isenção de Imposto

sobre Propriedade de Veiculo Automotor - IPVA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma de efeitos concretos. Impossibilidade de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Alegação improcedente. O fato de serem determináveis os destinatários da lei não significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para tê-la por norma de efeitos concretos. Preliminar rejeitada. 2. Lei Estadual 356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica. Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

Merece comentário, outrossim, a ementa acima da Ação Direta de

Inconstitucionalidade – ADI 1.655/PR, julgada procedente declarando a

inconstitucionalidade dos art. 1º e 2º da Lei Estadual 351, de 07 de julho de 1997, do

Estado do Paraná que concedia isenção de Imposto sobre Propriedade de Veículo

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Automotor – IPVA aos proprietários de veículo destinados a transporte escolar,

devidamente regularizados perante uma cooperativa municipal específica. Por óbvio,

essa ADI não causou tanta polêmica como a questão anteriormente levantada, mas

os apontamentos suscintos aqui tecidos apenas têm como objetivo a demonstração

da aplicação dos princípios e da necessidade de o Supremo Tribunal Federal, como

órgão que está no centro do sistema, resolver de acordo com os valores que a

sociedade como um todo pretende ver protegido, não se limitando a privilegiar

classes de pessoas que se encontrem em posição de igualdade com demais.

No julgamento da ADI, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a Lei

Estadual em comento violava o princípio da isonomia tributária, vez que previa

expressamente tratamento desigual entre contribuintes que se encontravam em

situação equivalente, assim prevaleceu no julgado a aplicação dos valores objetivos,

conteúdo do princípio. Conforme segue:

Tenho que lei violadora de tais princípios, ao estabelecer tratamento desigual aos que se encontram na mesma situação, necessariamente particularizará seus destinatários, criando assim situação de discrímen injustificado.

[…]

No mérito, a vedação constitucional de tratamento desigual a contribuintes que estão em situação equivalente não foi observada pelo legislador estadual, ao editar a lei ora atacada. Um exame mais aprofundado, após o deferimento da medida liminar, revela não ser possível, no universo dos proprietários de veículos destinados ao transporte escolar, que somente os filiados a determinada cooperativa alcancem a isenção do IPVA.

A cerca do princípio da isonomia a que se refere o artigo 152, da Constituição Federal, e da observância a ele devida, bem resumiu os termos de sua abrangência Sacha Navarro, ao explicitar que “o principio da igualdade da tributação impõe ao legislador “não discriminar entre os iguais, que devem ser tratados igualmente.

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Do trecho transcrito do voto do ministro Maurício Corrêa, em 03 de março

de 2004, (Tribunal Pleno - DJ 02.04.2004) percebe-se a aplicação dos princípios

como norma de estrutura de observância obrigatória, vez que não houve a

obrigatória observação do legislador Estadual no momento de edição da lei. E ao

Supremo Tribunal Federal como “guardião” da Constituição coube a tarefa de

declarar inconstitucional a referida lei. Para tanto observou a aplicação dos

princípios dos valores objetivados pelo sistema.

5.4 Modulação dos efeitos sem controle de Constituc ionalidade: Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI), creditamento de aq uisição de insumos

favorecidos com alíquota-zero

Apesar do julgamento em questão não se referir a um controle de

constitucionalidade, procurou-se estender os efeitos do art. 27 da lei 9.868/99, lei

esta que regulamentou o procedimento e julgamento da ação direita de

constitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo

Tribunal Federal, para a decisão do Recurso Extraordinário que analisava o direito

ao crédito de IPI para dos adquirentes de mercadorias com isenção ou não-

incidência.

Desse modo, o Supremo Tribunal Federal em 05 de março de 1998,

analisando a falta de norma constitucional positivada que proibia o creditamento de

IPI, assim como havia para o ICMS, entendeu que o silêncio constitucional poderia

ser interpretado como permissivo, ou seja, a aquisição de insumo isento de IPI

geraria direito ao creditamento do valor do imposto que teria sido pago, caso não

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houvesse a isenção. Isso para que o produto com isenção não fosse onerado com a

falta de compensação com outro crédito tornando a isenção inócua.

Posteriormente, através do julgamento dos RREE 350.446, 353.668,

357.277 e 358.493, decidiu-se também pelo creditamento dos insumos adquiridos

tributados com alíquota zero. Veja ementa do RE 350.446/PR (de igual teor aos

demais julgados), rel. Min. Nelson Jobim, 18.12.2002 (DJ 06.06.2003):

se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o principio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admitido o crédito. 320

No julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Recursos

Extraordinários (REs) 370682 e 353657, em 15 de fevereiro de 2007, o

entendimento foi modificado e decidiu-se pela impossibilidade dos contribuintes do

Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de se creditarem do valor na aquisição

de insumos favorecidos com alíquota-zero; que a admissão ao creditamento

implicaria ofensa ao inciso II do § 3º do art. 153 da CF.

Haja vista a mudança de posicionamento que para os contribuintes já

estava sendo sinalizada, no sentido de poder se creditar do Imposto Sobre Produtos

Industrializados, houve questão de ordem suscitada pelo Min. Ricardo Lewandowski,

no sentido de dar efeitos prospectivos à decisão sob argumento de antes a Corte

320 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF: teoria e jurisprudência. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 178.

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Suprema já haver se pronunciado pelo direito de crédito. Em 25 de junho de 2007,

recurso voltou a ser discutido devido ao pedido de modulação dos efeitos da

decisão, que foi rejeitado pelo Plenário do Supremo, sob argumento de que a

decisão que apontava para o direito de creditamento não transitou em julgado e por

isso não gerou nenhum direito adquirido ao contribuinte, e desse modo garantiu o

direito da União de reaver das empresas os créditos de IPI.

Desta feita, os efeitos da decisão foi ex tunc, podendo atingir os fatos

geradores ocorridos antes de sua publicação, no prazo prescricional de cinco anos.

Apesar da decisão supra não ser sobre controle de constitucionalidade, é

interessante trazer à baila, pois mesmo assim se tentou modular os efeitos que

apenas diz respeito às ações em controle de constitucionalidade conforme art. 27 da

Lei 9868/98.

Interessante destacar mais um parágrafo do voto do Min. Marco Aurélio:

No tocante à alegada segurança jurídica que proporcionou um sem-número de pareceres – confesso que nunca presenciei tão grande movimento - , parte-se de premissa que não corresponde à realidade. O tema sobre o creditamento, ao contrário de outros em que, de qualquer forma, houve a reversão do quadro decisório, não chegou a ser pacificado no Tribunal. É certo que, em 18 de dezembro de 2002, ao julgar os Recursos Extraordinários nº 350.446-1/PR, 353.668-1/PR, 357.277-6/RS e 358.493-6/SC, o Plenário proclamou esse direito, vencido, na oportunidade, o ministro Ilmar Galvão e impedido o ministro Maurício Corrêa. Não menos correto é que os acórdãos formalizados vierem a ser impugnados mediante declaratórios. Os interposto nos três primeiros somente foram apreciados em fevereiro passado, quando proferi voto desprovendo –os. O trânsito em julgado não se confirmou em virtude de novos embargos. O último permanece concluso ao ministro Eros Grau – que sucedeu o ministro Nelson Jobim na relatoria -, para apreciação dos declaratórios. Então, não cabe dizer que o Supremo assentou, mediante acórdão coberto pela coisa julgada, o direito ao creditamento. A matéria estava pendente de decisão final pelo Plenário. Vale registrar a informação prestada pela Fazenda, no respectivo memorial, de que nenhum processo transitou em julgado.

[…]

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A segurança jurídica está, na verdade, na proclamação do resultado dos julgados tal como formalizada, dando-se primazia à Constituição Federal e exercendo o Supremo o papel que lhe é reservado – o de preservar a própria Carta da República e os princípios que a ela são ínsitos, como o da razoabilidade e o do terceiro excluído.

[…]

Eis o dilema que se coloca: caminha o Supremo no sentido de desprezar as balizas legais e constitucionais ou torná-las prevalecentes, sinalizando aos demais órgãos do Judiciário a impossibilidade de ter-se, considerado o sistema atual, revelador do direito posto, a adoção do denominado direito alternativo?

Da minha parte, pouco importa os interesses individuais e momentâneos em jogo, sufrago o entendimento, sempre e sempre, da predominância da ordem jurídica. É o preço a ser pago em um Estado democrático de Direito, e é módico. Concluo pela eficácia das decisões tal como proferida. (grifos nossos)

Isso, mais uma vez vem em consonância com a teoria carreada no

presente trabalho de que o Supremo como órgão jurídico deve decidir de acordo

com os ditames positivados, e não há previsão constitucional ou legal para a

aplicação do art. 27 da lei 9.868/99, que regulamenta o procedimento e julgamento

da ação direta de constitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade

para ações que não versem sobre controle de constitucionalidade como no presente

caso, garantindo assim a segurança jurídica.

5.5 Não Modulação dos Efeitos em Controle Difuso: R evogação da Isenção da

Sociedade Civil de Prestação de Serviços Profission ais.

Recentemente, o mundo jurídico tributário acompanhou a discussão em

torno da revogação da isenção da Contribuição para o Financiamento da Seguridade

Social – COFINS para as sociedades civis de prestação de serviços profissionais

relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada, em que teve uma

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isenção regulamentada por lei Complementar que posteriormente foi revogada por

lei ordinária.

Desde modo, a lei complementar 70/91 não poderia ter sido revogada

pelo art. 56 da lei 9.430/96, por ser a lei ordinária não tendo o condão de revogar lei

complementar, levando-se em consideração a hierarquia das leis (caso que não

pretendemos nos posicionar neste trabalho), mas os votos proferidos até a presente

data sinalizam que não houve violação alguma à hierarquia das leis e, desse modo,

a isenção da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS

para as sociedades civis de prestação de serviços profissionais poderia ter sido

revogada por meio de lei ordinária.

Os recursos extraordinários, RREE 381964 e 377457 ainda pendentes

com vista ao ministro Marco Aurélio, por questões processuais não se pronunciou

sobre o pedido de modulação, mas no julgamento do RE-AgR 526.335-BA, Bahia,

AG.REG.NO Recurso Extraordinário, Relator Min. Gilmar Mendes,

Julgamento: 18/12/2007, Órgão Julgador: Segunda Turma, o pedido de modulação

foi negado. O voto do relator Min. Gilmar Mendes assim prescreveu a questão da

modulação:

Finalmente, também não merece acolhida a pretensão de se conceder efeito pro futuro à decisão desta Corte proferida no julgamento dos RE 377.457 e RE 381.964. No presente caso, não houve declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo, não sendo possível, portanto, a aplicação da norma contida no art. 27 da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999.

Mas, tendo em vista que os recursos extraordinários, RREE 381964 e

377457, estão pendentes de julgamento e que em uma possível decisão favorável

ao contribuinte, o art. 56 da lei 9.430/96, que prescreve: “As sociedades civis de

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prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir

para a seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços,

observadas as normas da Lei Complementar 70, de 30 de dezembro de 1991”.

Poderá ser declarado inconstitucional e caberá ao Supremo Tribunal Federal a

análise dos efeitos prospectivos, que ora estende o permissivo do art. 27 da lei

9.868/99 para o controle difuso (o qual somos contra), ora nega com o fundamento

de que não se trata de controle de constitucionalidade. Mas, vez que certamente

haverá “razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”. Vamos

aguardar o posicionamento do Supremo com relação à aplicação ou não dos efeitos

prospectivos.

5.6 Medida Cautelar em Ação Declaratória de Constit ucionalidade: Inclusão do

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo

da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do

Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do

Servidor Público (PIS/PASEP)

Merece comentário a decisão proferida em 13.08.2008 no Plenário do

Supremo Tribunal Federal, que por nove votos concedeu liminar na ADC 18, que

trata da inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na

base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)

e do Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do

Servidor Público (PIS/PASEP), a liminar suspende, até o julgamento da ADC, por

180 dias todos os processos judiciais que questionam na Justiça a obrigatoriedade

de excluir da base de cálculo do ICMS a Cofins e o PIS/PASEP previsto na Lei

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federal 9.718/98. Com a decisão, todos os processos que estavam sendo julgados

em controle difuso também serão atingidos pelo efeito da decisão.

Desse modo, não há ainda a decisão sobre a questão posta, que muito é

aguardada pelos contribuintes e que certamente muito enriqueceria a análise aqui

elaborada, pois a mesma certamente será rica em detalhes dada a repercussão que

vem causando no mundo jurídico. Mas, apenas esperamos que qualquer que seja a

decisão, seja com base no sistema jurídico com aplicação das premissas arroladas

em todo decorrer do trabalho.

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6 CONCLUSÕES

Por fim, podemos sintetizar as seguintes conclusões de tudo que foi exposto.

Capítulo 1

1. Demarcando o contexto filosófico, ou seja, o paradigma em que o trabalho está

inserido, pode-se dizer que para a análise do tema utilizaremos da Teoria da

Linguagem ou “giro lingüístico”.

2. Pelo “giro lingüístico” toda forma de compreensão se dá através da linguagem,

não mais como simples instrumento que aproxima o sujeito do objeto, mas como

instrumento de construção do próprio sujeito e do próprio objeto de conhecimento,

passando a ser uma relação de significações (sentidos) entre linguagens.

3. O método escolhido foi o constructivismo lógico-semântico: método analítico de

trabalho hermenêutico que auxilia no exame do direito, enfatiza a uniformidade na

análise do objeto e a precisa demarcação da esfera de investigação, somando-se

sempre o contexto cultural em que está inserido o objeto de investigação. O método

do “constructivismo lógico-semântico” no estudo do direito positivo torna o

pensamento coerente, permitindo além do rigor lingüístico, o conhecimento do

sistema jurídico como um todo. Mas, para isso, necessita do contexto cultural. Isso

porque será através do contexto cultural que se alcançará o sentido dos termos

jurídicos. O culturalismo aborda o homem e a sua realidade circundante, não há

como sustentar um ordenamento jurídico dotado de normas que “devem-ser” sem

considerar a realidade e os valores que envolvem o ser cognoscente.

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4. Pode-se dizer então que somente por meio da linguagem é possível o

conhecimento, a linguagem constrói a realidade jurídica e nos permite compreender

o sujeito e o objeto. Sem linguagem não há realidade, não há conhecimento, não há

compreensão. A linguagem das normas jurídicas tributárias sejam elas abstratas,

advindas do Poder Legislativo, sejam elas concretas, advindas do Poder Judiciário,

por meio de uma decisão será sempre técnica, jamais será científica, pois não

descreve o objeto, mas sim prescreve comportamentos intersubjetivos

5. A análise da decisão judicial em controle de constitucionalidade das normas

tributárias parte da premissa de que direito, antes de qualquer coisa, é comunicação

e por este motivo deve ser analisado pelos instrumentos da Teoria da Linguagem. A

linguagem será analisada em três planos: o plano sintático seria a organização dos

signos; o plano semântico, a significação dos signos; e o plano pragmático, a

possível determinação dos signos construída pelos utentes. Mesmo que um deles

tenha mais ênfase em face dos outros, será necessária a analise dos três planos.

6. A comunicação jurídica pode ser entendida como sendo troca entre sujeitos de

direito (emissores e receptores) por meio de uma relação jurídica em que haverá um

código comum para que haja o recebimento da mensagem pelos receptores, através

de um canal, tudo isso relacionado a um contexto em que deve estar inserida a

mensagem. Nesse contexto identifica-se o Supremo Tribunal Federal na posição de

emissor e a decisão judicial tributária seria o canal da mensagem que estará na

função prescritiva, ordenando condutas, porque a mensagem jurídica abstrata

necessita ser contextualizada e concretizada para que atinja os indivíduos, sejam

eles individualmente ou geralmente considerados.

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7. Em seu aspecto pragmático é possível a identificação das decisões judiciais em

controle de constitucionalidade das normas tributárias através dos atos de fala. A

teoria dos atos de fala entende que a ação de falar (falar no sentido amplo) é uma

ação que cria uma nova situação. É a linguagem como ação, atuando sobre o plano

real, não apenas como representação da realidade. Desse modo, ao ser

exteriorizada a ação de enunciação pelo enunciado cria-se uma nova situação

prescritiva de conduta que se denomina atos de fala. Os atos de fala podem ser:

“ato locucionário”, em que cada procedimento lingüístico é um tipo de ação humana,

como articular uma palavra ou emitir uma frase ou texto de acordo com a gramática

(significado); “ato ilocucionário”, que é o ato de dizer algo, fazendo também algo

(força). É aquele que nos diz se a pessoa disse algo para emitir um juízo, advertir,

prevenir, ordenar, informar, etc. E por fim, o “ato perlocucionário” que é aquele que

exerce influência de forma determinada sobre outras pessoas, tais como convencer,

persuadir, impedir.

8. A força ilocucionária dos atos de fala, divide-se em cinco classes: (1) veriditivos:

exercício de julgamento; (2) exercitivos: afirmação de influência ou exercício de

poder; (3) comissivos: assumir uma obrigação ou aclarar uma intenção; (4)

comportamentais: adoção de uma atitude; (5) expositivos: esclarecimento de razões,

argumentos e comunicações. Na decisão em controle de constitucionalidade,

teremos o ato de fala com força ilocucionária veriditiva.

9. Por fim, pode-se dizer que após o movimento do “giro lingüístico” e as

investigações de LUDWIG WITTGENSTEIN várias teorias se criaram em torno da

linguagem como instrumento de criação da realidade, porque não existe apenas uma

única relação entre linguagem e realidade, mas várias tais como apontado. Portanto,

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as teorias adotadas são compatíveis e aplicáveis ao fenômeno da decisão judicial

em controle de constitucionalidade das normas tributárias.

Capítulo 2

10. Normas são “gênero” da qual as “espécies” são: (i) normas gerais e abstratas

(objeto da ação de controle de constitucionalidade); e (ii) normas gerais ou

individuais e concretas (decisão). Por isso, a norma (objeto) na decisão judicial em

controle de constitucionalidade será abstrata; e a norma da decisão será sempre

concreta, sendo individual e concreta, no controle difuso, e geral e concreta, no

controle concentrado.

11. A norma jurídica no sentido amplo é toda e qualquer proposição construída pelo

intérprete a partir do texto do direito positivo. É produto do intelecto, que não se

apresenta em estrutura lógica hipotético-condicional e sentido deôntico completo.

Por sua vez, a norma jurídica em sentido estrito é aquela dotada de estrutura lógica

hipotético-condicional, isso significa que: ocorrendo o fato descrito no antecedente,

deve-ser a conseqüência, que constituirá a relação jurídica modalizada entre dois

sujeitos de direito.

12. A regra- matriz de incidência tributária é o esquema lógico formal em que permite

a verificação da constitucionalidade da lei instituidora da relação tributária havida

entre Fisco e contribuinte, desde que sua análise seja realizada entre regra-matriz e

Constituição Federal.

13. A norma primaria é a norma que institui as relações entre os sujeitos de direito e

prevê os fatos juridicamente qualificados, portanto possui natureza material. A norma

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secundária, de natureza processual, preceitua as conseqüências sancionatórias

advindas do descumprimento da previsão hipotética que se encontra no

conseqüente da norma primária. É a sanção que garante a juridicidade da norma.

14. As normas ainda podem ser de estrutura e de comportamento, contudo, com a

ressalva de que todas as normas, mesmo as de estrutura, se dirigem a um

comportamento. Isso significa que as normas de estrutura, além de estarem voltadas

às condutas, estabelecem a forma de elaboração de outras normas, ou seja, são

normas de produção normativa que se direcionam às pessoas eleitas pelo sistema

para fazer normas. Assim são as chamadas normas de estrutura, que determinam o

órgão e o expediente pelo qual as normas serão criadas, alteradas ou

desconstituídas.

15. Os princípios compõem em termos semânticos a “textura aberta” do direito. Os

princípios constitucionais orientam a interpretação de todo o sistema, porque toda e

qualquer interpretação deve partir do texto constitucional e dele sacar suas

premissas cognoscitivas. Têm, portanto, dupla função: norma de estrutura de

observância obrigatória de conteúdo valorativo e instrumento axiológico de

interpretação.

16. A validade adotada é aquela estabelecida pela teoria Kelseniana: relação de

pertinencialidade, porque, com estes requisitos formais, já será possível que a

norma diretamente incompatível com a Constituição seja objeto de controle de

constitucionalidade. Contudo, a validade desenvolvida pela teoria de HART

demonstra-se importante para o desenvolvimento do trabalho, pois o Autor defende

através de sua norma de “reconhecimento” que há necessidade de o Tribunal

reconhecer a validade da norma, o que nos faz entender que o modo de aplicar a

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norma de reconhecimento de HART se dá através do controle de

constitucionalidade. Desse modo, o que o controle de constitucionalidade brasileiro

faz nada mais é que aplicar a validade pragmática inspirada na “norma de

reconhecimento” de HART.

17. Inconstitucionalidade é um fenômeno que ocorre toda vez que uma norma geral,

válida, é analisada pelo instrumento processual de controle de constitucionalidade e

por este processo verifica-se a sua incompatibilidade com norma de hierarquia

superior, qual seja, a Constituição Federal. Isso significa que houve ofensa direta da

norma abstrata com relação à Constituição. Assim, a inconstitucionalidade sempre

analisará a validade da norma abstrata, norma esta que se presume válida

formalmente, porque o controle de constitucionalidade não retira validade, apenas

retira a vigência da norma no caso de controle concentrado e a eficácia no caso de

controle difuso.

18. Quando uma norma tributária for declarada inconstitucional pelo controle

concentrado, ocorrerá a retirada da sua vigência, ou seja, a norma não terá mais

força para regular as condutas intersubjetivas. Por sua vez, retira-se também a

eficácia junto com a vigência. Eficácia que é a condição que a norma tem para

descrever acontecimento que, uma vez ocorrido, irradia efeitos jurídicos, vez que

não haja obstáculos para impedir sua propagação. Na declaração de

constitucionalidade em controle difuso, retira-se apenas a eficácia técnica sintática

da norma.

19. Revogação é retirar a validade da norma do sistema. Apenas norma abstrata

retira a validade de norma abstrata, a norma concreta da decisão em controle de

constitucionalidade não tem a força ilocucionária de revogar norma abstrata.

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Capítulo 3

20. Interpretar é um ato de conhecimento e vontade. Quanto maior for o

conhecimento do intérprete com relação ao seu objeto de conhecimento maior será

sua coerência na interpretação. A interpretação deve ser sempre sistemática,

buscando a regra de hermenêutica que melhor sentido dê às normas, de acordo com

a Constituição; o melhor significado será aquele compatível com a Constituição.

21. A lacuna é ausência de norma para um caso concreto, faz parte do ordenamento

jurídico negar sua existência e apenas dar nomes diferentes a situações

semelhantes. Mas o desafio não está em dar o nome mais adequado ao problema

de ausência de norma, e sim entender que a existência de lacunas no plano formal

aparentemente não existe, contudo, se o sistema normativo for interpretado como

um todo, de forma sistemática como propomos, verificaremos que apenas a

integração das normas abstratas (normas advindas do poder legislativo) em conjunto

com as normas concretas (emitidas pelo aplicador) soluciona o problema. O

aplicador do direito apenas resolverá, para um determinado caso concreto, a

ausência norma (lacuna), mas jamais a eliminará do sistema. Essa tarefa de eliminar

caberá apenas ao legislador, mesmo no caso das decisões do Supremo Tribunal

Federal em controle abstrato o mesmo se dará, visto que a decisão em controle de

constitucionalidade não retira ou põe norma abstrata no ordenamento que pode

resolver o problema de lacuna.

22. O contexto jurídico deve sempre ser levado em conta, e essa tarefa cabe ao

julgador que tem o dever de impor um significado jurídico, de acordo com o caso

concreto, e o uso do termo lingüístico vago e ambíguo analisado. Assim, pode-se

extrair que a construção ou formação dos conceitos se dará em cada caso concreto

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através da decisão judicial, pois esta estará apta a aplicar o melhor significado e a

melhor determinação da linguagem jurídica e, para isso, terá que aplicar aspectos

subjetivos e valores considerados também objetivos; esse é o papel do julgador.

23. Valor é um conceito que não admite definição. É algo que adere ao ser, mas com

ele não se confunde. Para o fim deste trabalho, interessam apenas os valores

gerais, objetivos que residem na própria essência da vida, os considerados

pessoais, individuais e subjetivos, que valem para determinada pessoa de acordo

com seu sistema moral, não é relevante para as bases científicas aqui adotadas.

Apenas os juridicizados pelo sistema podem ser aplicados pelo julgador em sua

decisão, essa é a única forma de separar a pessoa do julgador da função que ele

exerce, é a única forma também de apresentar os valores dentro de uma teoria

positivista e não jusnaturalista.

24. O ato de escolha só será possível através do Supremo Tribunal Federal, órgão

eleito pelo sistema para ocupar a região central, com a função de resolver o

problema semântico com força de norma concreta, de continuação do processo de

positivação.

25. Todo ato de decisão é um ato criativo; desse modo, o Supremo Tribunal Federal,

quando decide em controle de constitucionalidade, está criando norma concreta e

continuando o processo de positivação do direito. Mas, a criatividade do Juiz deve se

limitar à lei, à chamada “moldura kelseniana”. Mas, existem casos difíceis, os

chamados hard cases, para os quais a norma não encontra perfeita descrição ao

caso concreto e, como o Juiz é obrigado a julgar, usará a norma de estrutura que lhe

atribui competência para proferir a decisão. Nesse ato, por óbvio, haverá criatividade

e discricionariedade, mas não arbitrariedade e ilegalidade, pois é aqui que o julgador

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deverá limitar-se ao contexto jurídico, pelas palavras e seu uso dentro do contexto

jurídico, pelos valores objetivos comuns à sociedade, pelos princípios que carregam

valores, tudo conforme delimitado neste trabalho.

Capítulo 4

26. O corte metodológico se dará nas normas proferidas em controle judicial de

Constitucionalidade. Controle concentrado, quando for exercício apenas pelo

Supremo Tribunal Federal, e controle difuso, quando exercido por qualquer juiz ou

tribunal, mas que, em grau de recurso, seja decidido em última instância pelo

Supremo Tribunal Federal.

27. O modelo de controle de constitucionalidade brasileiro não é apenas um modelo

misto americano-europeu, mas, sim, um modelo brasileiro. Desse modo, qualquer

analogia realizada com base no modelo americano ou europeu deve

necessariamente antever as diferenças comuns de cada sistema.

28. O instrumento de controle de constitucionalidade inseriu-se no contexto brasileiro

desde a Constituição Republicana de 1891, através do controle de

constitucionalidade difuso, através de influências do sistema americano. Na

Constituição de 1946, com a Emenda Constitucional nº 16 de 1965, a ação direta de

inconstitucionalidade de competência originária do STF foi inserida no ordenamento.

Mas, foi na atual Constituição, de 05 de outubro de 1988, que evoluindo para um

sistema misto (ou sistema brasileiro) de controle concentrado e difuso, em que,

outrossim, criou-se a possibilidade do controle de constitucionalidade das omissões

legislativas.

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29. Desde então, o Supremo Tribunal Federal é o órgão eleito como “Guardião da

Constituição” e, desse modo, através do controle de constitucionalidade, analisa a

compatibilidade da norma tributária válida com a Constituição.

30. O controle de constitucionalidade chamado difuso é assim nomeado porque leva

em consideração o aspecto subjetivo, permitindo que qualquer juiz ou tribunal, de

maneira “difusa”, possa reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei ou ato

normativo de acordo com suas regras de competência. Com o controle difuso, todos

os órgãos do poder judiciário fazem parte da chamada justiça constitucional. Desse

modo é uma via de acesso a todas as pessoas, visto que não ter um rol de

legitimado para propor a ação, como que ocorre no controle concentrado.

31. Nos Tribunais, a declaração de inconstitucionalidade deve respeitar o princípio

da reserva de plenário; isso significa que a inconstitucionalidade de uma lei somente

pode ser declarada pela maioria absoluta dos membros. No controle difuso das

normas tributárias, tendo em vista que o processo será de um caso concreto em que

as partes serão individualizadas, os efeitos só atingirão as partes do processo, o

chamado inter partes e quanto ao lapso temporal ex tunc. Somente após a

publicação da Resolução do Senado, a decisão que reconheceu a

inconstitucionalidade da norma tributária de modo incidental passará a ter efeitos,

erga omnes (contra todos) e ex nunc (não retroage).

32. A modulação dos efeitos da decisão, em controle difuso, é a possibilidade da

decisão com efeitos ex tunc passar a ter efeitos ex nunc (a partir do trânsito em

julgado ou em outro momento que venha a ser fixado). A permissão legar encontra-

se no art. 27 da Lei 9868/99, que se aplica apenas em controle de

constitucionalidade concentrado, especialmente em ação direta de

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inconstitucionalidade (ADI). Desse modo, não há norma no sistema que autorize a

modulação em controle difuso. Mas, no âmbito do direito tributário, vemos que a

tentativa de modulação dos efeitos da decisão vem sendo intentada até mesmo

quando não há declaração de inconstitucionalidade de norma, mas o Supremo

Tribunal Federal nesse sentido tem sido cauteloso.

33. A transcendência dos motivos determinantes da decisão é aquela que permite

que não apenas a parte dispositiva da decisão transite em julgado vinculando as

partes, mas toda a fundamentação e motivos que embasaram a parte dispositiva.

Isso porque, em controle difuso de constitucionalidade, a causa de pedir é a

declaração de inconstitucionalidade da norma jurídica tributária e não o pedido.

Desta feita, a matéria de mérito não é a inconstitucionalidade da lei e sim a não

incidência da relação jurídica tributária desenhada regra-matriz de incidência

tributária. Em matéria tributária, não há nenhum precedente de transcendência dos

motivos determinantes, mas, em razão da forte tendência de abstrativação do

controle difuso, foram necessários os apontamentos.

34. O controle concentrado é aquele que tem um órgão apenas que concentra

através de uma competência originária o controle de constitucionalidade; no caso

brasileiro, o Supremo Tribunal Federal. Analisado sob o critério formal, pode ser via

principal, por isso chamado de abstrato ou direto. É um instrumento de proteção da

Constituição, que evita que uma norma incompatível com o Texto Maior venha a se

instalar no sistema de maneira a gerar insegurança jurídica. No controle

concentrado, os órgãos legitimados agem no interesse de uma sociedade,

beneficiando a todos que estão sob a égide da lei.

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35. A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) é aquela que tem como objeto a

norma geral e abstrata entendida como inconstitucional, é ação objetiva sem partes.

Efeitos em regra erga omnes, ex tunc e vinculante.

36. A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) por omissão é modalidade de ação

direta de inconstitucionalidade que visa à declaração pelo Supremo Tribunal Federal

de uma omissão, um não fazer legitimado pela Constituição. A ADI por omissão vem

a suprir as lacunas normativas, nos casos em que a Constituição impõe ao Poder

Legislativo a edição de normas necessárias à efetivação do comando Constitucional.

Efeitos em regra erga omnes, ex tunc.

37. A ação declaratória de Constitucionalidade (ADC) é o tipo de ação que requer ao

Supremo Tribunal Federal o reconhecimento por decisão a constitucionalidade de

norma que apresenta dúvida quanto a sua compatibilidade com o sistema

Constitucional ao qual ela está inserida. Para a propositura da Ação Declaratória de

Constitucionalidade, é necessário que haja um questionamento prévio da

constitucionalidade da lei ou ato normativo. Efeitos em regra erga omnes, ex tunc e

vinculante.

38. A Medida Cautelar é cabível em Ação Direita de Inconstitucionalidade, assim

como na Ação Declaratória de Constitucionalidade, sempre após uma análise prévia

e superficial do pedido, devendo para tanto apresentar a plausibilidade jurídica da

tese exposta, a possibilidade do perigo em decorrência da demora da decisão, a

possibilidade de serem os danos irreparáveis, a necessidade de garantir a ulterior

eficácia da decisão prevista no ordenamento.

39. O reconhecimento da nulidade gera efeitos ex tunc e o reconhecimento da

anulabilidade gera efeitos ex nunc, ou seja, deixa de surtir efeitos desde sua origem

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no primeiro caso e deixa de surtir efeitos desde o momento do seu reconhecimento

no segundo. Não adotaremos a relação entre declaração/ex tunc e constituição/ex

nunc, vez que, pela teoria da linguagem, todos os atos são constitutivos de nova

situação; assim, a ação direita de inconstitucionalidade ou ação declaratória de

constitucionalidade de fato nada declaram, mas, sim, constituem uma nova situação

de direito.

40. O efeito vinculante é aquele que obriga aos demais órgãos do Poder Judiciário,

bem como pela Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual

e municipal (art. 102 § 2º da CF), a acatar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal

Federal.

41. Identificamos as seguintes hipóteses que podem ser encontradas nas demais

instâncias do poder judiciário, no caso de reconhecimento em controle difuso da

constitucionalidade da norma, conflitando assim com o reconhecimento da

inconstitucionalidade em controle concentrado, e havendo o efeito vinculante da

decisão proferida em controle concentrado:

(i) com prazo para recurso: o contribuinte deve pleitear a reforma da

sentença de primeiro grau ou tribunal com base no reconhecimento da

inconstitucionalidade em controle concentrado321;

(ii) sem prazo para recurso, mas com prazo para ação rescisória (art. 495

CPC): deverá o contribuinte propor ação rescisória com base no art. 485,

V do CPC “violar literal disposição de lei”, no prazo de dois anos da

decisão transitada em julgado, haja vista a não aplicação da súmula 343

321 Cabe inclusive em matéria de embargos de declaração, quando for a decisão de inconstitucionalidade conforme art. 741 e 745 do Código de Processo Civil.

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no caso de controle de constitucionalidade, requerendo nova norma

individual e concreta com efeito revogatório para desconstituir a decisão

anteriormente proferida (nesse caso, se proferida a decisão em ação

rescisória com base na decisão de inconstitucionalidade em controle

concentrado), a nova sentença retira a validade da sentença anteriormente

proferida (norma individual e concreta, desconstituindo norma individual e

concreta), lembrando que, se no curso da declaração de

inconstitucionalidade houver medida cautelar com efeito vinculante e

eficácia erga omnes, o prazo decadencial da ação rescisória se suspende

também;

(iii) sem prazo para recurso e sem prazo para ação rescisória (art. 495 CPC):

nada poderá ser feito pelo contribuinte que é detentor de uma decisão que

está sob o manto da coisa julgada, que, com base no princípio da

segurança jurídica, representa para o ordenamento jurídico limites

processuais (assim como: decadência, direito adquirido, ato jurídico

perfeito). Há controvérsia doutrinária a esse respeito daqueles que

defendem que o prazo de dois anos é contado da data da publicação da

ADI ou ADC, mas essa não é a posição que adotamos, mesmo porque

aqueles que defendem que caberia ação rescisória mesmo fora do prazo

de dois anos motivam-se por razões que transcendem o campo do direito,

principalmente do direito tributário;

(iv) não havendo decisão, mas apenas norma individual e concreta do

contribuinte que ainda não seja objeto de demanda judicial, poderá o

contribuinte requerer ação de repetição de indébito dos últimos 5 anos.

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42. Supremo Tribunal Federal é órgão jurídico e não político. O Poder Legislativo,

sim, pode ser considerado órgão político, pois sua função defende um ideal político –

partidário. O Supremo Tribunal Federal compõe o Poder Judiciário em sua estrutura,

não é órgão autônomo com função legislativa. Desse modo, no caso de uma norma

que em termos formais ou materiais não respeitou a constituição, deve ser

“despolitizada” e juridicizada através do reconhecimento de constitucionalidade ou

inconstitucionalidade, adequada aos termos jurídicos; apenas um órgão jurídico

poderia desempenhar esse papel.

43. O papel do Supremo Tribunal Federal é resguardar os valores embutidos na

Constituição Federal; agindo desse modo, estará gerando um sentimento de

segurança. A maneira com se comporta o judiciário dentro de toda a teoria que

estudamos tem um único objetivo: dar segurança jurídica às relações. A segurança

jurídica é aquela que direciona a atividade do aplicador do direito e, desse modo,

confere estabilidade e previsibilidade às relações intersubjetivas.

Capítulo 5

44. Para aplicação da teoria desenvolvida, foi analisada a decisão sobre a

Contribuição Para Financiamento da Seguridade Social – COFINS que demonstrou

a vaguidade e ambigüidade dos signos. Também, analisou-se a aplicação dos

princípios em controle de constitucionalidade na ADI que julgou a Isenção de

Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor – IPVA. Analisou-se, outrossim, a

modulação dos efeitos sem controle de Constitucionalidade dos Impostos sobre

Produtos Industrializados (IPI), creditamento de aquisição de insumos favorecidos

com alíquota-zero, bem como a não modulação dos efeitos em Controle Difuso:

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Revogação da Isenção da Sociedade Civil de Prestação de Serviços Profissionais.

Por fim, a aplicação na Medida Cautelar em Ação Declaratória de

Constitucionalidade: Inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS) na base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da

Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social/Programa de

Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP).

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