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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LUÍS ALFREDO CHAMBAL A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA EM MOÇAMBIQUE DOUTORADO – EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE SÃO PAULO 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … ALFREDO... · nomes, e, por outro lado, ... valiosas contribuições durante o trabalho de campo. ... A Jeane, Ronaldo e Roberto

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

PUC-SP

LUS ALFREDO CHAMBAL

A FORMAO INICIAL DE PROFESSORES PARA A INCLUSO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICINCIA EM MOAMBIQUE

DOUTORADO EDUCAO: HISTRIA, POLTICA, SOCIEDADE

SO PAULO

2012

PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

PUC-SP

LUS ALFREDO CHAMBAL

A FORMAO INICIAL DE PROFESSORES PARA A INCLUSO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICINCIA EM MOAMBIQUE

DOUTORADO EDUCAO: HISTRIA, POLTICA, SOCIEDADE

SO PAULO

2012

PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

PUC-SP

LUS ALFREDO CHAMBAL

A FORMAO INICIAL DE PROFESSORES PARA A INCLUSO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICINCIA EM MOAMBIQUE

DOUTORADO EDUCAO: HISTRIA, POLTICA, SOCIEDADE

Tese apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo como exigncia parcial para obteno do ttulo de Doutor em Educao: Histria, Poltica, Sociedade, sob orientao do Professor Doutor Jos Geraldo Silveira Bueno.

SO PAULO

2012

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

______________________________________

______________________________________

______________________________________

Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrnicos.

Assinatura: _________________________ Local _____________ Data ___/___/____

Nota Prvia

A presente Tese foi produzida mediante o financiamento do Programa de Estudantes-Convnio de Ps-Graduao (PEC-PG), administrado conjuntamente pelo Ministrio das Relaes Exteriores da Repblica Federativa do Brasil, pela CAPES e pelo CNPq, no mbito da cooperao educacional desenvolvida, prioritariamente, com pases em desenvolvimento com os quais o Brasil mantm Acordo de Cooperao Educacional, Cultural ou de Cincia e Tecnologia.

Aos legisladores das polticas educacionais.

Aos profissionais da educao em diferentes nveis, aos tcnicos pedaggicos no nvel central e das instncias provincial e distrital em Moambique.

Aos formadores de professores nos Institutos de Formao de Professores e aos docentes das Universidades pblicas e privadas em Moambique.

Aos professores e outros profissionais que, em diferentes frentes da vida social, no medem esforos e contribuem em prol da educao e insero social das pessoas com necessidades educativas especiais, em especial aos meus companheiros de longas jornadas durante o Curso de Licenciatura em Educao: Especialidade de Defetologia, na Repblica de Cuba: Alfredo Amade, Afonso Sacume, Lucas Chiluvane, Luciano Jos, Pedro Baptista, Pires Jacinto e Incio Viniche.

AGRADECIMENTOS

Aps longa e rdua caminhada, chegou o momento de enderear meus agradecimentos a todos que direta ou indiretamente aportaram com seu esforo e alento no que permitiu dar origem ao trabalho que culmina com esta tese, desde docentes, colegas de estudos, amigos e familiares.

Estou ciente de que corro o risco, de um lado, de no conseguir abarcar, neste espao, todos os nomes, e, por outro lado, de no encontrar palavras que possam, na verdade, expressar a minha gratido como merecido.

Esta foi uma caminhada cheia de inmeras dificuldades de toda ndole, desde acomodao dos meus quatro filhos e esposa, por um perodo de quatro anos, legalizao de estadia, entre outras. Mas, todos esses percalos, longe de obscurecerem a minha trajetria acadmica, aumentaram o seu brilho. No lugar de me deterem, impulsionaram-me a seguir at esta fase: concluso da tese.

Posso afirmar, sem medo de errar, que esta tese o resultado mais visvel do processo de construo em meio a uma conjurao de afetos e amizades.

Portanto, dedico algumas palavras de apreo queles que tornaram possvel o meu sonho:

Primeiro, agradeo a Deus pela vida e oportunidade concedida.

Ao Prof. Dr. Jos Geraldo Silveira Bueno, na qualidade de orientador, os tantos e inesquecveis dilogos e orientao que ultrapassam o que foi escrito nesta tese; sou inteiramente grato sua orintao, bem como ao imenso carinho e compreenso nos momentos de dificuldades enfrentadas nesta trajetria, e no foram poucos.

Banca do Exame de Qualificao: Prof. Dr. Alda Junqueira Marin e Prof. Dr. Maria Aparecida Leite Soares, pelas ricas e profundas contribuies tericas e metodolgicas.

Aos professores do Programa-Educao: Histria, Poltica, Sociedade, da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, pelo compromisso, competncia e seriedade no tratamento dos contedos das cadeiras que lecionam. Meno especial Prof. Dra. Alda Junqueira Marin, Prof. Dr. Luciana Maria Giovanni, ao Prof. Dr. Odair Sass, Prof Dr Leda Maria de Oliveira Rodrigues, e ao Prof. Dr. Carlos Antnio Giovinazzo Jr.

A minha esposa Migdalia Rodriguez Cabrera e filhos Patricia, Lus, Rute Migdalia, pelo apoio e pacincia, por terem acreditado e compartilhado os meus desafios, e particularmente, por terem compreendido e cedido o seu tempo de lazer e suportado as minhas constantes ausncias durante os longos anos desta minha caminhada.

Ao Programa de Estudos e Convnio de Ps-Graduao (PEC-PG), pela bolsa de estudo concedida, sem a qual no teria sido possvel realizar os estudos do doutorado no Brasil.

Ao Ministrio de Educao e Cultura de Moambique, particularmente a dr Cristina Tomo, da Direo Nacional do Ensino Geral, o dr. Matavele e a dr Raquel, do Departamente de Formao de Professores; o dr. Manuel Rego e o dr. Joo Assale, do Departamento de Planificao; a dr Aissa Braga, o dr. Pires Jacinto, o dr. Manhia, do Departamento de Educao Especial, pela colaborao nesta esta pesquisa.

Ao Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educao, em Moambique, particularmente, do Dr. Rafael Bernardo pela disposio e facilitao para a consulta documental.

Direo Provincial de Educao e Cultura de Gaza, em Moambique, por ter concedido a autorizao para a continuidade dos estudos do nvel de doutorado no Brasil.

s Direes dos Institutos de Formao de Professores de Lichinga e Xai-Xai, e das Reitorias da Universidade Pedaggica de Maputo, Universidade Eduardo Mondlane, Universidade Catlica de Moambique e da Universidade Politcnica, pelo acolhimento e colaborao no fornecimento de informaes diversificadas para a pesquisa.

Aos docentes, dr. Ali e a dr Lcia Simbine, da Universidade Pedaggica de Maputo; dr. Jos Blaunde e o Prof. Dr. Mangue, da Universidade Eduardo Mondlane; dr. Martins Vilanculos, da Universidade Catlica de Moambique; dr. Lulu Bata e o dr. Daniel Mabota, do Instituto de Formao de Professores de Xai-Xai; dr. Domingos Quenklave, do Instituto de Formao de Professores de Lichinga; e, o Prof. Dr. Marcos Loureno, da Universidade Politcnica, pelas valiosas contribuies durante o trabalho de campo.

Professora Rita de Cassia Cardoso de Carvalho, pelo incentivo e apoio para a concretizao desta pesquisa, e pelas oportunidades de participao nos eventos educacionais em todos os estabelecimentos escolares por onde exerce atividades como docente e coordenadora de cursos.

Ao Pastor Reinaldo Namura e a Maria Namura, pelo incentivo e disposio em prestar o apoio incondicional durante a minha permanncia no Brasil.

Aos Pastores Vicente, Daniel, Eduardo, Alfredo Bila e Jlio Chissico.

A Jeane, Ronaldo e Roberto Cavalcante, pela amizade e apoio para a pesquisa de campo.

Aos meus compatriotas e colegas de longas jornadas da vida acadmica na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, entre os quais: Ana, Baslio, Bernadete, Brao, Fernando, Hizildina, Jacinto, Remane, Leonilda, Lnia, Ludovico, Maia e Pedro Mateus.

A Betinha, secretria do Programa-Educao: Histria, Poltica, Sociedade, na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, pela amizade e disposio de prestar o apoio incondicional sempre que foi solicitada.

Aos colegas da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, entre os quais, fao meno especial a Bete, Cladia, Flvia, Jos Luz, Ktia, Luclia, Lcia, Maluf, Mirian, Ricardo, Simo Samba, e Tathyana Gouva.

amizade fraternal concedida por Aurlio, Dalila, Glria, Lilian, Nkowana e Ricardo.

A Chiluvane, Jlio Sarracent, Maria Medina, Rosalina Zamora e lves Manguele, pela amizade, confiana e disposio para ajudar em deligncias de diversa ndole, em Cuba e Moambique, sem a qual a minha trajetria acadmica teria sido mais tortuosa.

H muito mais a quem agradecer. A todos aqueles que, embora no nomeados, me brindaram com seus apoios em distintos momentos da carreira e estadia nesta Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, que deixar tanta saudade em mim, por j fazer parte da minha vida, o meu reconhecimento e admirao!

A todos vocs o meu Khanimambo (Muito obrigado)

CHAMBAL, Lus Alfredo. A formao inicial de professores para a incluso escolar de alunos com deficincia em Moambique. Tese (Doutorado em Educao)- Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao: Histria, Poltica, Sociedade. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). So Paulo, 2012.

RESUMO

Esta pesquisa versa sobre a problemtica das polticas educacionais de formao docente, as instituies formadoras de professores, suas propostas curriculares e disciplinas especficas oferecidas, tendo em vista o atendimento ao alunado que apresenta algum tipo de deficincia ou necessidades educacionais especiais. A principal questo da pesquisa foi investigar o grau de recontextualizao das propostas curriculares destinadas incluso de alunos com deficincia no ensino regular em instituies de formao docente em Moambique, em relao s polticas nacionais e destas para as recomendaes dos organismos internacionais. Teve como objetivo geral analisar como as polticas de formao docente esto sendo incorporadas pelas diferentes instituies de formao docente, tendo em vista o atendimento dos alunos com deficincia no sistema educacional moambicano. Como procedimento para coleta e tratamento dos dados, privilegiou-se a anlise documental das polticas educacionais, das organizaes acadmica e curricular dos diferentes cursos ministrados nas seis instituies de diferentes nveis de formao docente e, complementarmente, a aplicao de entrevistas aos coordenadores dos cursos de formao de professores. A anlise dos dados est centrada em quatro fontes bsicas: 1) documentos nacionais de polticas educacionais; 2) documentos das instituies formadoras de professores; 3) documentos das disciplinas curriculares, como os planos e programas de disciplinas; e 4) depoimentos dos coordenadores dos cursos educacionais sobre contedos referentes ao atendimento aos alunos com deficincia em cada uma das seis instituies de diferentes nveis de formao, com base nas contribuies de Bernstein (1985 e 1988) e Gimeno Sacristn (2000), no referente recontextualizao, organizao e avaliao introduzidas nos diferentes nveis dos sistemas de ensino, particularmente nas instituies de formao de professores em Moambique. Os principais achados mostram que a centralidade da proposio curricular dos Institutos de Formao de Professores (IFPs) no garantiu homogeneidade de ao, nem incorporao dos princpios das polticas nacionais de educao para todos, na perspectiva da educao inclusiva, refletido por sua reduo a um subtpico de disciplina geral. No que se refere formao universitria, verificou-se tambm o mesmo processo de reduo. Entretanto, pde-se constatar que, ao lado de uma perspectiva reducionista e tradicional, no que se refere educao de alunos com necessidades educacionais ou deficincias, surgiram algumas iniciativas, ainda incipientes, de incorporao de princpios e prticas da educao inclusiva.

Palavras-chave: Polticas educacionais; Incluso escolar; Formao do professor; Necessidades educacionais especiais; Deficincia.

CHAMBAL, Lus Alfredo. Initial teachers education formation on school integration for disabled students in Mozambique. Thesis (Doctorate thesis on Education) - Program of Posgraduation Studies in Education: History, Politics, Society Pontifical Catholic University of So Paulo (PUC-SP). So Paulo, 2012.

ABSTRACT

This work aims on educational polices issues on teachers education formation, also focuses on the teachers education current institution centers, its curricular proposals and specific discipline available by taking into account the service enabled for disabled students or those with special intellectual needs. The main issue on this research is based on the investigation about the reconceptualization level on curricular proposals focused on disabled students integration in regular school and, on teacher education institutions in Mozambique related to domestic polices and into this subject, take into account recommended worldwide organizations. Such research has also as a general objective to analyze how do the teachers education formation polices are being embodied by different institutions, based on the service provided to disabled students in the educational system in Mozambique. As a procedure on the collection and data treatment, it has been prioritized the document analyses on educational polices, academic organizations, curricular organizations from distinct courses taken in the six institutions in different educational teaching levels and finally, interviews taking place with the coordinators of teachers trainings. The data analysis is mainly based on four basic sources: 1) national documentation on educational polices; 2) documentation from teachers educational institutions; 3) documentation from curricular disciplines such as discipline programs and its forecasts; and 4) interviews with coordinators from the educational course having its content on services rendered to disabled students in each one of the six different levels of education, based on Bernstein (1985 e 1988) and Gimeno Sacristn (2000) contributions, when it comes to reconceptualization, organization and assessments introduced in distinct educational system levels, especially in teachers educational institutions located in Mozambique. The main findings demonstrate the centralized curricular proposal in Institutos de Formao de Professores (IFPs) and it didnt guarantee action sameness, neither incorporation on the main national education polices for everybody, aiming in foreseeing an inclusive education that reflects through its reduction a subtype of general discipline. Regarding university degree, it has been verified the same process on reduction basis. Although, it is possible to certify that, next to the reduced perspective and traditional one, when it comes to disabled or intellectual students education it has been discovered some candidate initiatives still not yet completely formed but on the incorporation of principles and practices for inclusive education.

Key Words: Educational polices; School Inclusion; Teachers Education; Disabled Educational Needs; Disability.

Lista de Quadros Quadro 1- Seleo das instituies formadoras de professores ................ Quadro 2 - Nveis e sries escolares do Brasil e Moambique: do ensino superior educao infantil ........................................... Quadro 3 - Plano curricular de formao de professores para o ensino primrio .. Quadro 4 - Objetivos da disciplina de psicopedagogia ................................. Quadro 5 - Contedos da disciplina de psicopedagogia ............ Quadro 6 - Bibliografia definida na disciplina de psicopedagogia . Quadro 7 - Cursos de licenciatura oferecidos pelas instituies de ensino superiorQuadro 8 - Disciplinas especficas ofercidas nos cursos ..................... Quadro 9 - Objetivos da disciplina necessidades educacionais especiais ........... Quadro 10 - Objetivos das disciplinas que relacionaram educao e necessidades educacionais especiais ................................ Quadro 11 - Objetivos da disciplina educao especial e reabilitao ... Quadro 12 - Objetivos da disciplina educao inclusiva . Quadro 13 - Contedos da disciplina necessidades educacionais especiais .... Quadro 14 - Contedo das disciplinas que relacionaram educao e necessidades educacionais especiais Quadro 15 - Contedo da disciplina psicologia de necessidades educativas especiais ................................................................................................... Quadro 16 - Contedo da disciplina educao especial e reabilitao . Quadro 17 - Contedos das disciplinas especficas oferecidas nas universidades. Quadro 18 - Bibliografia das disciplinas sobre necessidades educacionais especiais ................................................................................................ Quadro 19 - Bibliografia das disciplinas especficas oferecidas nas universidades ........................................................................................ Quadro 20 - Bibliografia da disciplina educao especial e reabilitao ... Quadro 21 - Bibliografia da disciplina educao inclusiva .............................

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Lista de Tabelas Tabela 1 - Escolas pblicas na rede de ensino ... Tabela 2 - Alunos matriculados na rede de ensino . Tabela 3 - Professores existentes na rede de ensino ... Tabela 4 - Relao mdia entre professores/aluno na rede de ensino ........ Tabela 5 - Evoluo de efetivos no mbito das polticas de incluso escolar .... Tabela 6 - Formao profissional dos professores nas escolas do projeto Inclusivo......................................................................................................

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Lista de Figuras Figura 1 - Mapa de Moambique .......................................................................... Figura 2 - Mapa com a localizao geogrfica das cinco provncias moambicanas em que se situam as seis instituies visitadas durante o trabalho de campo .......................................................................................................... Figura 3 - Vista frontal do Instituto de Formao de Lichinga ........................... Figura 4 - Vista frontal do Instituto de Formao de Xai-Xai ............................ Figura 5 - Vista frontal da Biblioteca da Universidade Eduardo Mondlane ........ Figura 6 - Vista frontal da sede da Universidade Pedaggica na Cidade de Maputo .................................................................................................. Figura 7 - Vista parcial da Universidade Catlica, em Nampula ......................... Figura 8 - Vista frontal da Universidade Politcnica na Cidade de Quelimane ....

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Lista de Apndices Apndice 1 - Levantamento dos Documentos das Polticas Educacionais de Formao de Professores ....................................................................................... Apndice 2 - Modelos de Formao de Professores nas Diferentes Instituies Formadoras ........................................................................................................... Apndice 3 - Organizaes Acadmica e Curriculares ....................... Apndice 4 - Mapeamento de Material Pedaggico em Uso .. Apndice 5 - Roteiro para a Reportagem Fotogrfica ............ Apndice 6 - Roteiro para Carga Horria das Disciplinas Gerais .......... Apndice 7 - Roteiro para Carga Horria das Disciplinas Especficas .. Apndice 8 - Roteiro para Efetivos de Professores e rea de Formao ...... Apndice 9 - Cursos e Condies de Ingresso dos Formandos ...... Apndice 10 - Perfil de Formadores de Professores ................... Apndice 11 - Planos e Programas de Ensino ................ Apndice 12 - Cursos Educacionais nas Instituies Formadoras ..... Apndice 13 - Roteiro da Entrevista com os Coordenadores dos Cursos de Formao Docente ..............................................................................................

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Lista de Siglas

BM - Banco Mundial

Cfpp - Centros de Formao de Professores Primrios

DEE - Departamento de Educao Especial

EP1 - Ensino Primrio de 1o Grau (1 a 5 Srie)

EP2 - Ensino Primrio de 2o Grau (6 a 7 Srie)

ESGI - Ensino Secundrio Geral do 1o Ciclo

ESGII - Ensino Secundrio Geral do 2o Ciclo

FMI - Fundo Monetrio Internacional

IAP - Instituto de Aperfeioamento de Professores

Inde - Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educao

IMP - Institutos de Magistrios Primrios

MEC - Ministrio de Educao e Cultura

Mined - Ministrio de Educao

NEE - Necessidades Educativas Especiais.

Page - Planificao, Administrao e Gesto da Educao

Palops - Pases Africanos de Lngua Portuguesa

PEA - Processo de Ensino e Aprendizagem

PEI - Poltica para a Educao Inclusiva.

PEE - Plano Estratgico do Setor da Educao.

Pnee - Portadores de Necessidades Educativas Especiais

PPC - Progresso Profissional Contnua

UP - Universidade Pedaggica

Unesco - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

Unicef - Fundo das Naes Unidas para a Infncia

ZIPs - Zonas de Influncia Pedaggica

SUMRIO

INTRODUO ................................

CAPTULO I Polticas de Escolarizao de Alunos com Deficincia.................

1. 1. Polticas Educacionais e de Escolarizao de Alunos com Deficincia...............

1. 2. Polticas de Formao de Professores ....................................................

1. 3. Polticas de Formao Docente para a Incluso Escolar ....................

1. 4. Contexto Terico da Pesquisa ................................

1. 4. 1. Contribuies de Bernstein .....................................

1. 4. 2. Contribuies de Gimeno Sacristn ...........................................

CAPTULO II A Formao de Professores para a Educao Inclusiva em

Moambique: das Polticas Nacionais Viso dos Educadores .......................

2. 1. A Poltica Educacional e Curricular de Moambique ............................

2. 2. As Propostas Educacionais Institucionais .....................................................

2. 3. A Formao Oferecida pelos Institutos de Formao de Professores ........

2. 3. 1. Caracterizao dos Institutos de Formao de Professores ................

2. 3. 1. 1. Instituto de Formao de Professores de Lichinga .........................

2. 3. 1. 2. Instituto de Formao de Professores de Xai-Xai ..................

2. 4. A Proposta Institucional dos Institutos de Formao de Professores

Primrios..................................................................................................................

2.4.1. A organizao e as dinmicas curriculares dos Institutos de Formao de

Professores Primrios: Lichinga e Xai-Xai ........................................................

2.4.2. A formao proporcionada pelos institutos de formao de professores

para a atuao com alunos com necessidades educativas especiais .......................

2.4.3. A viso dos coordenadores dos cursos oferecidos pelos institutos de

formao de professores .................................................................................

2. 4.4. A formao universitria dos professores ...................................................

2. 4.5. A caracterizao das instituies universitrias ..............................

2. 4. 5.1. Universidade Eduardo Mondlane ........................

2. 4.5.2. Universidade Pedaggica de Maputo ...........................

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2. 4.5.3. Universidade Catlica de Moambique Cidade de Nampula ................

2. 4.5.4. Universidade Politcnica da Cidade de Quelimane ...........................

2.4.6. A formao proporcionada pelas instituies de ensino superior para a

atuao com alunos com necessidades educacionais especiais ..............................

2.5. A viso dos Coordenadores dos cursos oferecidos nas Instituies

Universitrias...........................................................................................................

CONSIDERAES FINAIS ....................................

REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS .....................................

ANEXOS .................................

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Com serenidade as relaes entre educao e excluso importam primeiro distinguir do que depende a excluso social e de seus efeitos na escola, da excluso escolar propriamente dita. A situao atual , sem dvida, definida pelo reforo dos processos sociais de excluso com o aumento das desigualdades e do desemprego. Entretanto, o fenmeno mais marcante e mais paradoxal o desenvolvimento da excluso escolar propriamente dita como consequncia de uma vontade de interrogao inigualada. Quanto mais a escola intensifica o seu raio de ao, mais ela exclui, apesar das polticas que visam a atenuar esse fenmeno. Nesse contexto, a excluso no apenas uma categoria do sistema e dos processos globais, tambm uma das dimenses da experincia escolar dos alunos. (DUBET, 2003, p. 1)

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INTRODUO

O presente trabalho insere-se na linha de pesquisa Escola e Cultura: Perspectivas

das Cincias Sociais, no Projeto Institucional Incluso/Excluso Escolar e

Desigualdades Sociais, desenvolvido no Programa de Ps-Graduao Educao:

Histria, Poltica, Sociedade na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, e tem

como objetivo analisar como as polticas de formao docente e a presena de

disciplinas ou contedos de educao especial/deficincia nos currculos e como esto

sendo incorporadas pelas diferentes instituies de formao docente para o

atendimento aos alunos com deficincia no sistema educacional moambicano.

Antes de entrar nos contornos do presente trabalho de pesquisa, pretende-se,

inicialmente, fazer uma breve esplanao do contexto da sua efetivao, assim, o

percurso que permitiu o meu ingresso na academia deu-se a partir daquilo que considero

ser uma rara oportunidade para os cidados do meu pas que pretendem seguir seus

estudos de ps-graduao, por me ter sido concedido uma bolsa de estudos, por meio de

um concurso pblico aberto aos interessados, pela Fundao Ford, no final do ano 2004,

em Moambique, onde exercia a funo de Tcnico Pedaggico, na Direo Provincial

de Educao e Cultura de Gaza.

Entre outras atribuies, era responsvel pela Repartio de Educao Especial,

precisamente, porque na altura possuia o nvel de Licenciatura em Educao -

Especialidade de Defetologia, concludo na Repblica de Cuba (1999), e foi no

exerccio dessa funo que foram surgindo inquietaes relativas forma como os

alunos com deficincia, em Moambique a documentao oficial os designa como

alunos portadores de necessidades educativas especiais eram incorporados na rede

escolar regular, em cumprimento estratgia poltica educacional designada por

educao inclusiva, por meio de escolas inclusivas.

A efetivao do sonho de ingressar na academia deu-se no segundo semestre

letivo de 2005, quando pude ser mais um privilegiado, como estudante, ao ingressar no

prestigiado Programa de Estudos de Ps-Graduao em Educao: Histria, Poltica,

Sociedade, formado por um corpo docente que, com sua experincia profissional,

pacincia e abnegao, contribuiu, em grande medida, para sanar as lacunas do saber

21

cientfico e, acima de tudo, para acalmar a ansiedade de um estudante que o muito que

trazia como bagagem era simplesmente a certeza de que algo no andava bem no

concernente aos procedimentos ou estratgias em vigor para a escolarizao dos alunos

com deficincia no sistema educacional moambicano; desta forma, aps o meu

ingresso no mestrado, e com o decorrer de vrios encontros de atividades programadas e

encontros de orientaes, pude clarificar e definir o projeto de pesquisa que deu origem

dissertao do mestrado, titulada a Escolarizao dos Alunos com Deficincia em

Moambique (CHAMBAL, 2007).

Na verdade, as pretenses para a efetivao da pesquisa que tornou possvel a

presente tese do doutorado, que hoje marca o fim de uma etapa na minha vida acadmica,

e quero acreditar que tambm constitui o incio de novos desafios profissionais e

acadmicos, comearam a se vislumbrar quando da coleta de dados realizada durante a

pesquisa de campo do mestrado, no segundo semestre de 2006, em quatro unidades

escolares: duas regulares e duas especiais, localizadas em trs provncias moambicanas,

ocasio em que pude constatar, entre outros aspectos, o despreparo do corpo docente para

lidar com o processo de escolarizao dos alunos com deficincia.

Portanto, a sua realizao prende-se ao fato de que a legislao, as diretrizes e

polticas pblicas vigentes na Repblica de Moambique contemplam a educao bsica

como um direito universal e gratuito para todos os indivduos, por ter o pas aderido aos

desafios do movimento internacional em prol da educao para todos, denominado

Declarao de Jomtien (1990) e Salamanca (1994), fato que levou implantao de seus

princpios na rede educacional de polticas de educao inclusiva.

Assim, com a pesquisa, pretende-se contribuir para a compreenso do cenrio atual

da educao em Moambique, e, particularmente, das propostas polticas de formao de

professores para o atendimento aos alunos com deficincia, no sistema educacional

moambicano.

Nesse sentido, a Declarao Mundial sobre a Educao para Todos (1990, p. 2)

admite que, em termos gerais, a educao que ministrada na maioria dos pases

apresenta graves deficincias, e por isso se faz necessrio torn-la mais relevante,

melhorar sua qualidade, e que esteja universalmente disponvel. E reconhece que

necessrio um enfoque abrangente, capaz de ir alm dos nveis atuais de recursos, das

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estruturas institucionais, do currculo e dos sistemas convencionais de ensino, para

construir sobre a base do que h de melhor nas prticas correntes.

A Declarao Mundial sobre a Educao para Todos, ao manifestar o seu

posicionamento em face das graves deficincias da educao que ministrada, o faz a

partir de um foco como se fosse possvel reformar a escola por dentro.

Deve-se, portanto, levar em conta, que a aquisio de conhecimentos e a

capacidade para resolver problemas esto intimamente ligadas s dimenses sociais,

culturais e ticas do desenvolvimento humano. Assim, se faz necessrio pensar o espao

educacional estrategicamente, visando, concretamente, melhorar as condies de

escolaridade, tendo como foco de vanguarda o respeito aos alunos e seu processo pessoal

de aprendizagem.

Para tanto, o currculo, a avaliao da aprendizagem, os materiais didticos devem

refletir uma variedade de critrios, como tambm os professores precisam se beneficiar

simultaneamente de programas de capacitao em servio e outros incentivos; as

instalaes, os administradores e outros precisam estar em consonncia com as novas

exigncias educacionais.

Assim,

o xito das atividades de Educao para Todos depender fundamentalmente da capacidade de cada pas conceber e executar programas que reflitam as condies nacionais; para isso, ser indispensvel uma slida base de conhecimentos, alimentada pelos resultados da pesquisa, lies aprendidas com experincias e inovaes, tanto quanto pela disponibilidade de competentes planejadores educacionais. (CONFERNCIA MUNDIAL DE EDUCAO PARA TODOS, 1990, p. 19)

Nesse sentido, a presente pesquisa versa sobre a problematizao das instituies

formadoras de professores: seu corpo docente e os contedos dos programas de ensino

que so ministrados aos formandos, tendo em vista o atendimento de alunos com

deficincia; portanto, a escolha por esse foco prende-se ao fato de que, ainda hoje, a

deficincia em si uma marca e traz limitaes que se deve ter em conta no processo de

ensino e aprendizagem, da sua relevncia nos diferentes modelos e programas

curriculares de formao de professores no sistema educacional moambicano.

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Da mesma forma, embora os documentos oficiais e os depoimentos dos gestores

(CHAMBAL, 2007) refiram-se aos alunos com necessidades educativas especiais, em

geral, os dados estatsticos sobre o alunado e sobre as questes que envolvem a sua

escolarizao se restringem somente aos alunos com deficincia. A outra razo da

escolha da formao de professores para o atendimento de alunos com deficincia

prende-se constatao, durante a pesquisa que resultou na dissertao do mestrado, da

quase inexistncia de dados quantitativos que pudessem sustentar a pretenso de

abranger a todo o efetivo de alunos considerados com necessidades educativas especiais

na rede de ensino pblica em Moambique, na medida em que os poucos disponveis se

restringiam aos alunos com deficincia, tais como visual, fsica, auditiva, dentre outras.

Assim, para o aprofundamento da temtica em questo, fez-se um levantamento

preliminar no qual se constatou que existem muitos estudos que versam sobre a

formao de professores no geral; mas, no concernente a pesquisas centradas em

polticas de formao de professores para a incluso escolar dos alunos com deficincia,

percebe-se que a temtica pouco estudada, na medida em que, das pesquisas

divulgadas, algumas focam a formao de professores para lidarem com uma

deficincia especfica, e outras, sim, focalizam a vertente da incluso escolar dos alunos

com deficincia.

Dessas pesquisas, destacam-se, entre outras, Michels (2004), que discute a

formao de professores de educao especial: ambiguidades estruturais e a reiterao

do modelo mdico-psicolgico; Gonalves (2008), que se debrua sobre a

implementao da incluso escolar no Municpio de Cariacica, no Estado do Esprito

Santo, no que tange s polticas pblicas, formao continuada de professores e s

prticas educativas e organizativas na escola; Menezes (2008), que analisa a formao

de professores de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular,

considerando que a maioria dos professores pauta o trabalho pedaggico em sua

formao inicial, e vai acrescendo-a de conhecimentos e estratgias julgadas necessrias

no decorrer de suas jornadas; a de Caetano (2009), que trata, de um lado, da formao

do generalista e do especialista em Educao Especial, ao apontar que h necessidade

de imbricao entre essas formaes, pois a Educao Especial, seja como disciplina,

seja como habilitao, vista pelos alunos como possibilidade de aprender sobre e lidar

com a deficincia; e, por outro lado, traz o contedo veiculado na formao sobre a

24

questo da incluso escolar, haja vista as exigncias das Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Curso de Pedagogia, no Brasil; e a levada a cabo por Ponzo (2009),

que centra seu foco nos novos desenhos das polticas de formao do profissional

docente em face da perspectiva educacional inclusiva: das diretrizes legais s vozes

dos professores.

No caso especfico de Moambique, no existe nenhum registro de pesquisas

realizadas sobre polticas de formao docente com foco na incluso escolar, mas, sim,

sobre a formao geral de professores, e algumas centradas na escolarizao de alunos

com deficincia no ensino regular.

De um lado, apoiando-se em Bueno (2008), a escolha pelo foco da deficincia

prende-se ao fato de que a Declarao de Salamanca1,

apesar de utilizar o termo necessidades educacionais especiais, [a Declarao] tem como foco, basicamente, a educao de alunos com deficincia, pois, praticamente todo o seu contedo se refere a eles. Entretanto, na sua parte introdutria (Princpios, politica y practica para lasnecesidades educativas especiales, pp. VII a X), ela incorpora essa escolarizao num mbito mais amplo que envolve uma gama de alunos que experimentam dificuldades na escola (p. 2).

Por outro lado, a escolha da temtica focalizada nesta pesquisa deve-se ao fato de

o Ministrio da Educao da Repblica de Moambique (2004) mencionar que a

estratgia da educao inclusiva est sendo posta em prtica em todo o pas, desde o

nvel Bsico, at o Secundrio e o Mdio, tendo diferentes desafios dos sistemas

escolares, inovaes e intervenes pedaggicas diversificadas, de modo a melhorar a

incluso escolar dentro do sistema educacional.

Portanto, por suas pretenses, a presente pesquisa diferencia-se de outros estudos,

na medida em que centra o seu foco em analisar e discutir, de forma relacional, as

polticas de formao docente e da incluso escolar dos alunos com deficincia,

procurando, de um lado, debruar-se sobre a complexidade da introduo das polticas

educacionais de formao docente, a partir dos eventos internacionais, tendo em vista a

incluso escolar dos alunos com deficincia, e por outro, procura debruar-se sobre

como as polticas de incluso escolar esto sendo incorporadas por meio de programas, 1 A Declarao de Salamanca fruto da Conferncia Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada nessa cidade da Espanha, em 1990.

25

planos curriculares e disciplinas especficas oferecidas nas diferentes instituies

formadoras de professores em Moambique.

Neste sentido, seria imprudncia da minha parte realizar a discusso dessa

temtica de polticas educacionais e curriculares para a formao de professores na

perspectiva de incluso, sem antes fazer uma explanao sobre a base, ou mesmo o

contexto, em que essas polticas so idealizadas e implementadas na maioria dos pases,

e desde logo em Moambique.

Assim, pretende-se destacar algumas contribuies que permitam ajudar na

compreenso da diversificao e complexidade da temtica de incluso social e

excluso social, na base da incidncia do neoliberalismo nas polticas educacionais.

Desta forma, considerando que esta discusso se centra sobre as polticas

educacionais e as propostas curriculares para a formao de professores na perspectiva

de incluso, aqui merece destaque, nesta tese, desvendar e explicitar a base em que estas

esto assentadas, assim como as contribuies sobre a diversificao e complexidade da

incluso social e excluso social, e a incidncia do neoliberalismo sobre as polticas

educacionais.

Dessa forma, comea-se por destacar a contribuio de Born (1995), quando

refere que os novos governos devem tambm demonstrar que a democracia uma

ferramenta eficaz para garantir a transformao social e a construo de uma boa

sociedade (p. 76).

Born (1995) faz meno ao fato de que a hegemonia ideolgica do

neoliberalismo e sua expresso poltica, o neoconservadorismo, adquiriram uma

desabitual intensidade na Amrica Latina aqui, me atrevo a dizer que o seu impacto

vai mais alm dos limites dos pases latino-americanos, ao se sentir os seus efeitos nos

pases africanos, entre os quais, Moambique e um dos seus resultados foi o radical

enfraquecimento do Estado, cada vez mais submetido aos interesses das classes

dominantes e renunciando a graus importantes de soberania nacional, diante da

superpotncia imperial, a grande burguesia transnacionalizada e suas instituies

guardis: o Fundo Monetrio Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e o regime

econmico que gira em torno da supremacia do dlar. Ainda, em todo caso, o amlgama

da crise estrutural do Estado com o discurso satanizador do setor pblico diminui a

26

capacidade deste para formular e executar polticas.

Nessa contextualizao, importa destacar que, segundo o Programa de Ao

Mundial para as Pessoas com Deficincia (UNESCO, 1982, p. 37) estima-se que, no

mnimo, 350 milhes de pessoas com deficincia vivem em zonas que no dispem dos

servios necessrios para ajud-las a superar as suas limitaes. Uma grande parcela

est exposta a barreiras fsicas, culturais e sociais, que constituem obstculos sua vida,

mesmo quando dispem de ajuda para a sua reabilitao.

Assim, os problemas inerentes sua escolarizao tornam-se mais complexos,

pois a maioria das pessoas com deficincia, da mesma forma que as populaes que

vivem nesses pases, extremadamente pobre. Elas vivem em regies onde a rede dos

servios de primeira necessidade, caso de sade, extremadamente escassa ou mesmo

precria. Dessa forma, nessas regies, no existe poltica ou mesmo estratgias de

deteco precoce das doenas e/ou deficincias.

Esse cenrio, precisamente, que leva Pochmann (2004) a considerar que os

promotores da agenda global de polticas sociais focalizadas e liberalizantes so atores

internacionais, com suas respectivas ramificaes nacionais. Ou seja,

fundamentalmente, agncias multilaterais, como o Fundo Monetrio Internacional e o

Banco Mundial, acompanhadas de vrias Organizaes No Governamentais (ONGs),

protagonizam tanto a regulao competitiva na distribuio da renda de parte das

corporaes transnacionais (responsabilidade empresarial) quanto reformas das polticas

sociais nacionais de carter universal.

Born (1995) afirma que, diante da reiterada comprovao de que o mercado s

agravar os problemas da pobreza e da iniquidade social, se acrescenta que o Estado se

encontra em bancarrota e que carece dos recursos necessrios para financiar uma

agressiva poltica social que, pelo menos, neutralize a massa de pauperizados que a cada

ano gera a aplicao das polticas neoliberais. evidente que o Estado, na maioria dos

pases da regio (acrescenta-se que o cenrio se repete no mundo) entra em bancarrota,

de joelhos, diante de seus credores (p. 85-86).

Esse autor ainda considera que o problema que a aplicao das receitas

neoliberais de estabilizao e de ajuste estrutural tende precisamente a produzir as

condies sociais menos promissoras para que as economias em questo possam

27

sobreviver exitosamente aos imperativos da abertura comercial e da liberalizao dos

mercados; o que o mesmo que dizer que: nossos governos esto destruindo a educao

e a sade pblicas, acentuando as desigualdades sociais, acrescentando a proporo de

pobres estruturais e marginais de todo tipo que no podem ser reconvertidos e

incorporados criativamente economia moderna (BORN,1995, p. 100).

Nesse contexto, Pochmann (2004) destaca que a temtica da excluso social

assumiu mais atualidade e importncia poltica com a crescente vulnerabilidade imposta

a determinados segmentos populacionais com considerveis dficits de cidadania

(segurana, sade, emprego, educao, etc.). Mas, ao adotar o termo excluso social,

descarta a priori uma viso dual e dicotmica em relao incluso, por se tratar de um

processo histrico que expe determinados segmentos sociais maior ou menor

possibilidade de integrao no interior do modo de produo capitalista.

Neste sentido, Born (1995) reala a amarga experincia das polticas neoliberais,

quando indaga que tipo de sociedade deixa como legado os 15 anos de hegemonia

ideolgica do neoliberalismo. Uma sociedade heterognea e fragmentada, marcada por

profundas desigualdades de todo tipo classe, etnia, gnero, religio, etc. que foram

exacerbadas com a aplicao das polticas neoliberais. Portanto, uma sociedade em que

se debilitou, at limites extremos, a integrao social e se dissolveram os laos sociais e

a trama de solidariedade preexistente, tambm uma sociedade na qual as tradicionais

estruturas de representao coletiva dos interesses populares esto em crise.

Ainda, Pochmann (2004) destaca que se toma como pressuposto que a excluso

social deriva de uma situao dialtica do ter e no ter. Mais precisamente no ter acesso

ou no terra, para produzir o suficiente para viver, e ao trabalho, para gerar renda

adequada ao atendimento das necessidades bsicas.

O autor salienta que, nos dias de hoje, nota-se que o processo de excluso torna-se

mais amplo e complexo. Ele deixa de assumir apenas e to somente a situao do ter e

no ter, para tratar dos constrangimentos do ter, o que torna o fenmeno da excluso

social algo tambm do ser, muito mais sofisticado do que o simplesmente ter.

Os atuais cenrios econmico e social de Moambique so caracterizados por

pobreza absoluta, embora seja notrio que, nos ltimos dez anos, tenham se registrado

elevadas taxas de crescimento econmico, como resultado da estabilidade poltica,

28

adoo de reformas e polticas econmicas favorveis, a reintegrao nos mercados

regionais e internacionais, o influxo de capitais estrangeiros, atrados em parte pelo

clima de estabilidade macroeconmica e potencialidade de recursos existentes no pas, o

ndice de incidncia da pobreza absoluta na populao moambicana, segundo os dados

do Plano de Aco para a Reduo da Pobreza Absoluta (Parpa), em Moambique,

atinge parte considervel da populao, com destaque para as zonas rurais. Em 1997,

estimava-se que 62% da populao urbana e 71% da populao rural eram assoladas pelos

efeitos da pobreza absoluta. E o relatrio do Desenvolvimento Humano de 2001 colocava

Moambique como o sexto pas com menor ndice de Desenvolvimento Humano (IDH)

(0.323, em 1999).

A situao da pobreza est regredindo gradualmente, graas ao desenvolvimento

econmico que se tem observado nos ltimos anos. Com efeito, em 2003, 54% da

populao moambicana vivia abaixo da linha da pobreza, sendo que 51,5% habitava nas

zonas urbanas e 55,3% nas zonas rurais, de acordo com o Inqurito Demogrfico de Sade

realizado naquele ano; contudo, o IDH vem melhorando, semelhana de outros

indicadores de pobreza. Segundo os dados de 2006, o pas estava no 168o lugar, tendo

melhorado o seu posicionamento em mais trs lugares, em relao a 2001.

Essas elevadas taxas de incidncia da pobreza absoluta em Moambique esto

intimamente associadas ao desemprego e subemprego; e a fatores tais como: elevadas

taxas de analfabetismo, principalmente entre as mulheres; baixos ndices de

produtividade no setor agrcola familiar, de onde provm os rendimentos de mais de

80% da populao; e a fraca disponibilidade de infraestrutura bsica nas zonas rurais

(estradas, energia, gua, telecomunicaes e outras) , simultaneamente, causa ou

consequncia, quer da pobreza absoluta, quer do desemprego, que afeta a maioria das

famlias moambicanas; e vale destacar que o emprego cobre a populao a partir dos 7

anos de idade, devido ao considervel peso do trabalho infantil, sobretudo no meio

rural, no setor agrcola.

Assim, esse cenrio que no se vislumbra que possa ser ultrapassado em curto

espao de tempo, considerando a incidncia da implementao de polticas neoliberais,

que incidem no campo educacional como um todo, aqui, considera-se relevante destacar

Martins (1997) quando refere, ao descurar sobre a complexidade conceitual de excluso,

ao assim designar o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma

29

incluso precria e instvel, marginal. A incluso daqueles que esto sendo alcanados

pela nova desigualdade social produzida pelas grandes transformaes econmicas e

para os quais no h se no, na sociedade, lugares residuais; porque, ainda que de um

modo insuficiente, a excluso, de fato, socialmente, no existe.

Para esse mesmo autor, o discurso corrente sobre excluso basicamente produto

de um equvoco, de uma fetichizao conceitual da excluso, a excluso transformada

numa palavra mgica que explicaria tudo. Rigorosamente falando, s os mortos so

excludos, e em nossas sociedades a completa excluso dos mortos no se d nem

mesmo com a morte fsica; ela s se completa depois de lenta e complicada morte

simblica.

Dessa forma, o conceito inconceitual, imprprio, e distorce o prprio

problema que pretende explicar; porque, pelo equvoco que contm e por sua

insuficincia, o conceito de excluso est certamente empobrecendo a perspectiva de

interpretao da prtica nos respetivos campos de atuao.

Para esse autor, na dvida epistemolgica, refere que, provavelmente, estejamos

mudando o nome da mesma coisa porque a mesma coisa est nos mostrando coisas

novas, que no conhecamos e no ramos capazes de ver. De certo modo, a palavra

excluso est desmistificando a palavra pobre. Com esse pseudoconceito, no revelador,

que acoberta de algum modo o que seria o pobre na fase anterior, estamos tentando

revelar a nossa desconfiana em relao antigamente suposta abrangncia explicativa

das palavras pobre e pobreza.

Desta forma, considerando Martins (1997) essa ateno, essa dificuldade a

palavra excluso indica uma dificuldade, mais do que uma certeza revela uma

incerteza no conhecimento que se pode ter a respeito daquilo que constitui o objeto da

nossa preocupao a preocupao com os pobres, os marginalizados, os excludos, os

que esto procurando identidade e um lugar aceitvel na sociedade. Portanto, a palavra

excluso nos fala, possivelmente, de um lado, da necessidade prtica de uma

compreenso nova daquilo que, no faz muito, todos chamvamos de pobreza.

De um lado, estamos em face do aparecimento de uma nova conscincia do que

est acontecendo na sociedade moderna. E, por outro lado, a palavra nos revela coisas

que j estavam l e no ramos capazes de perceber, coisas que agora somos capazes de

30

perceber.

Assim, segundo Martins (1997, p. 28) um srio erro de interpretao, que todos

podemos cometer, o de trabalhar a possivelmente nova cara da pobreza, utilizando

uma dicotomia interpretativa: existe excluso e a excluso produto do projeto

neoliberal (como se fosse possvel numa economia capitalista que tem como lgica a

expanso e o crescimento, expandir-se e crescer sem mercado, sem compradores, sem

includos, somente com excludos!).

Ainda, o mesmo autor destaca a gnese da excluso ao referir que o capitalismo,

na verdade, desenraiza e brutaliza a todos, exclui a todos. Na sociedade capitalista, essa

uma regra estruturante: todos ns, em vrios momentos de nossa vida, e de diferentes

modos, dolorosos ou no, fomos desenraizados e excludos. prpria dessa lgica de

excluso a incluso. A sociedade capitalista desenraiza, exclui, para incluir, incluir de

outro modo, segundo suas prprias regras, segundo sua prpria lgica. O problema est

justamente nessa incluso.

Porque, apoiando-se em Martins (2002), sempre o capitalismo procura dar soluo

aos seus problemas e crises, assim,

intil refletir a respeito do que o capitalismo nos dias de hoje a partir da intuio poltica e social, do homem comum, de que vivemos numa sociedade que visivelmente descarta e secundariza pessoas. Mas a excluso no diz respeito apenas aos excludos. Esse , certamente, o problema menor porque o mais visvel. A excluso o sintoma grave de uma transformao social que vem rapidamente fazendo de todos os seres humanos seres descartveis, reduzidos condio de coisa, forma extrema de vivncia da alienao e da coisificao da pessoa, que Marx j apontara em seus estudos sobre o capitalismo (p. 20).

Ainda nesse mbito, o mesmo autor refere que, sim, h processos excludentes,

mas no h excluses consumadas, definitivas, irremediveis. Uma sociedade cujo

ncleo a acumulao de capital, e cuja contrapartida a privao social e a cultural,

tende a empurrar para fora, a excluir, mas, ao mesmo tempo, o faz incluir, ainda que

de forma degradada, ainda que em condies sociais adversas. O excludo , na

melhor das hipteses, quem tem a vivncia pessoal de um momento transitrio, fugaz

ou demorado, de excluso-integrao, de sair e reentrar no processo de reproduo

31

social. E sair de um jeito e reentrar de outro, pois a sociedade contempornea pede

contnua ressocializao de seus membros, contnua reelaborao das identidades.

Perante esse cenrio, cabe destacar Peroni (2009), quando refere que,

a redefinio no papel do Estado resposta a um movimento de crise. As estratgias de superao dessa crise, neoliberalismo, globalizao, reestruturao produtiva e Terceira Via, que reorientam o papel do Estado, e diminuem a sua atuao como executor das polticas sociais. Vivemos, portanto, a tenso entre ter conquistado direitos, inclusive na legislao, mas a dificuldade de implement-los (p. 1).

Segundo a mesma autora, a educao especial vive esse mesmo processo. Aps

muita luta para ser garantida como um direito, a incluso garantida na legislao, mas,

assim como outros avanos em termos de direitos na educao, sua implementao

sofreu os impactos das redefinies no papel do Estado e dificuldades na sua

materializao. Dessa forma, o poder pblico que, historicamente, se desresponsabilizou

da educao especial, e no momento em que estava se tornando entendida como um

direito, a nova conjuntura de racionalizao de recursos dificulta a implementao com

qualidade das polticas de incluso e restringe a ampliao de escolas pblicas de

educao especial.

Neste contexto, a mesma autora faz meno ao fato de que,

alm de assumir algumas atividades que seriam do Estado, como a promoo ou a manuteno de bem-estar social, o Terceiro Setor acaba tambm assumindo um certo poder (econmico/poltico), principalmente quanto definio de seu prprio campo de cooperao internacional, no que se refere ao repasse e prestao de contas dos recursos financeiros, diretamente para as agncias internacionais sem a intermediao do Estado. Em outras palavras, as estratgias de ao, muitas vezes, ocorrem do internacional para o local, sem a mediao do nacional, principalmente quando o financiamento ocorre via agncias internacionais. (PERONI, 2009, p. 5)

A educao, apesar de ser considerada questo do direito plasmado na

constituio da maioria dos pases, entre os quais Moambique est inserido, no cenrio

em que ocorrem e se implementam as polticas educacionais, bastante conflitante,

porque,

32

os direitos universais so substitudos por polticas assistenciais e compensatrias, vistas reduo das consequncias sociais naturais da interveno econmica. Por orientao dos organismos financeiros internacionais, primeiro deve ver o ajuste, para que os pases se preparem para a integrao econmica, depois as reformas de estado, para que a integrao seja de longo prazo; ao termo do processo, os direitos sociais (se ainda houver a quem destin-los!). Nas duas primeiras fases, quando sobrevm as consequncias sociais dos impactos econmicos, as polticas devem ser assistenciais e compensatrias. (WARDE e HADDAD, 2003, p. 11)

Ainda segundo esses autores, no cenrio atual, vamos assistindo naturalizao

dos significados dessas reformas para vrios pases do Terceiro Mundo:

descentralizao, capacitao dos professores em servio, livros didticos, guias

curriculares, educao a distncia, prioridade ao ensino primrio, assistencialismo ou

privatizao para os demais nveis de ensino. Suas orientaes vo sendo

universalizadas, com receiturio nico, independentes da histria, cultura e condies

de infraestrutura da cada um desses pases, como bem nos demonstra Rosa Maria Torres

(2003). So economistas que pesquisam a educao e so eles que esto dando os

enquadramentos conceitual e metodolgico para essas reformas.

Nesse mesmo sentido, a apropriao ou incorporao dos ditames das polticas

internacionais, ou seja, imposies sem qualquer considerao, que no levam em conta

as condies objetivas, dos pases, de efetivarem as aes que lhes so determinadas, se

devem em grande medida,

a situao de crise e extrema vulnerabilidade dos pases endividados que passaram a depender quase que exclusivamente dos bancos multilaterais para receber recursos externos, j que os bancos privados interromperam seus emprstimos para esses pases aps moratria mexicana, o Banco Mundial passou a impor uma srie de condicionalidades, o Banco Mundial, tal como o FMI, passou a intervir diretamente na formulao da poltica interna e a influenciar a prpria legislao dos pases. Assim, a partir dos anos 80, mudou profundamente o carter da relao entre o Banco Mundial e os pases em desenvolvimento, o Banco Mundial passou a exercer amplo controle sobre o conjunto das polticas domsticas, sendo pea-chave no processo de restruturao desses pases [...] Assim, esse novo papel do Banco reforou a sua capacidade de impor polticas, dado que, sem o seu aval e o do FMI, todas as fontes de crdito internacional so fechadas, o que torna muito difcil a resistncia de governos eventualmente insatisfeitos com a nova ordem. (SOARES, 2003, p. 21)

33

Esse cenrio em que ocorrem as polticas educacionais mais complexo porque,

de um lado, apoiando-se em Coraggio (2003, p. 87-88) as novas polticas sociais se

caracterizam pela expresso para todos: sade, gua, saneamento e educao para

todos. Mas no incluem empregos nem, portanto, renda para todos. O emprego e a

renda poderiam sobrevir eventualmente da capitalizao que os pobres fizessem do

investimento em servios sociais a eles dirigidos (somente poucos ainda se animam a

antecipar algum impacto decorrente do crescimento da economia nos pases do Norte).

Em consequncia, tanto por razes de equidade quanto para promover o

desenvolvimento, o Estado deve intervir para garantir que aqueles que no tm renda

para obter esses servios no mercado (aqueles que esto abaixo das linhas de pobreza ou

indigncia) os recebam como servio pblico.

E, por outro lado, segundo o mesmo autor, essa proposta supe uma mudana de

sentido nem sempre evidente, o para todos significa degradar o conceito intrnseco de

sade, educao ou saneamento, refletido na utilizao do adjetivo bsico. O que se

supe que aqueles que podem pagar pela parte no bsica desses servios no esto

interessados ou ficam excludos do acesso ao pacote bsico pela pblica. Para tanto,

segmenta-se de fato a populao em dois setores: os pobres, que s dispem de servios

bsicos gratuitos ou subsidiados, que tendem a ser de menor qualidade; e os que obtm

servios mais amplos, integralmente por meio do mercado, incluindo servios bsicos

de melhor qualidade.

Portanto, importa destacar, apoiando-se em Coraggio (2003, p. 103), que o

problema que nossas sociedades enfrentam perante as novas polticas educativas, que

nossa realidade histrica (e sobretudo em algumas sociedades de outras regies do

mundo) no se ajusta ao modelo, e que aceitar as propostas sem discuti-las pode

significar a aceitao de uma interveno poltica externa, ou a introjeo de valores no

propostos abertamente sociedade como uma opo.

Na sua estratgia de interveno na maioria dos pases em desenvolvimento, o

BM no apresenta ideias isoladas, mas uma proposta articulada uma ideologia e um

pacote de medidas para melhorar o acesso, a equidade e a qualidade dos sistemas

escolares, particularmente do sistema de primeiro grau, nos pases em desenvolvimento.

Embora se reconhea que cada pas e cada situao concreta requerem especificidade,

trata-se de fato de um pacote de reforma proposto aos pases em desenvolvimento que

34

abrange um amplo conjunto de aspectos vinculados educao, das macro-polticas at

a sala de aula. (TORRES, 2003, p. 125).

Na sua tica, o BM considera que os sistemas educativos dos pases em

desenvolvimento tm, pela frente, quatro desafios fundamentais: a) acesso j

alcanado, no caso da escola de primeiro grau, na maior parte dos pases, permanecendo

como um desafio particularmente srio na frica; b) equidade considerada

principalmente em relao aos pobres, em geral, e s meninas e minorias tnicas; c)

qualidade vista como um problema generalizado que afeta o mundo em

desenvolvimento como um todo; e, d) reduo da distncia entre a reforma educativa e

a reforma das estruturas econmicas (TORRES, 2003, p. 130).

Percebe-se que, talvez, por uma omisso propositada, nesses quatro desafios

colocados para os diferentes sistemas educativos, a questo inerente formao docente

no recebe destaque, haja vista que,

o tema docente, em geral, um tema que incomoda atualmente o Banco Mundial e a sociedade geral e sobre o qual o BM mantm posies ambguas, inconstantes e inclusive contraditrias. Os professores costumam ser vistos principalmente como um sindicato, e sindicato magistral lembra automaticamente reivindicao salarial, corporativismo, intransigncia, greve, quando no simples corrupo e manobra poltica. Os professores (e seus sindicatos) so vistos como problema antes que recurso, insumo educativo necessrio, porm caro, complexo e difcil de lidar. Os mesmos professores, e no somente a sua formao, costumam de fato ser vistos como um beco sem sada. (TORRES, 2003, p. 130)

Essa situao evidenciada pela recente trajetria do BM, que se encontra, de

fato, em avano; partindo, de um lado, das posies que negam o impacto da formao

docente sobre a qualidade da educao e o rendimento escolar (apoiadas num conjunto

de estudos que mostrariam tal ausncia de impacto), chega-se a reconhecer cada vez

mais que o saber dos docentes um fator determinante em tal rendimento (e inclusive a

reconhecer que os estudos disponveis em torno da relao formao

docente/rendimento escolar no mostram um molde muito claro). No entanto, a

formao/capacitao docente continua ocupando um lugar (e um investimento)

marginal entre as prioridades e estratgias propostas pelo BM aos pases em

desenvolvimento, frente infraestrutura, reforma institucional e proviso de textos

escolares. Por outro lado, a formao/capacitao docente continua sendo vista de forma

35

isolada, sem atender s mudanas que seria preciso introduzir em outras esferas, a fim

de fazer do investimento em capacitao um investimento til e efetivo em termos de

custo (TORRES, 2003, p.161).

As contradies nas suas pretenses esto patentes na sua estratgia, quando,

segundo Torres (2003, p.162), o BM desaconselha o investimento na formao inicial

dos docentes e recomenda priorizar a formao em servio, considerada mais efetiva em

termos de custo. Na verdade, formao inicial e capacitao em servio so diferentes

etapas de um mesmo processo de aprendizagem, profissionalizao e atualizao

permanentes do ofcio docente. Tratando-se de um papel to complexo e de tanta

responsabilidade como o do ensino, e falando do objetivo da melhoria da qualidade da

educao, no se pode optar: tanto formao como capacitao so necessrios,

complementares e inseparveis num bom ensino de ambos os saberes: o das disciplinas

(o que se ensina) e o pedaggico ( como se ensina).

Nesse mesmo sentido, e apoiando-se na mesma autora, importa tencionar as

estratgias do BM, o fato de que tanto para a reforma curricular como para o caso da

formao docente, em vez de analisar os problemas e propor vias de superao para os

mesmos como se faz para tantos outros temas o BM opte por desconsiderar uma e

outra como se, em si mesmas e por si mesmas, fossem ineficazes. Evidentemente, no

a formao inicial a que deve ser desconsiderada e sim o modelo de formao docente,

tanto inicial como em servio, que tem prevalecido e que mostrou claramente sua

ineficincia e sua ineficcia.

Segundo Torres (2003, p.176-179), tanto na sua concepo como na sua

implementao, em vez de contribuir para melhorar a qualidade, a equidade e a

eficincia do sistema educativo, o pacote do BM est ajudando os pases em vias de

desenvolvimento a reforar e a investir na reproduo ampliada oculta talvez sob nova

roupagem e modernas terminologias do modelo educativo convencional, caraterizado

entre outros aspectos por:

Carecer de uma viso sistmica, ou seja, uma viso do todo educativo como um

sistema; prevalece a fragmentao e a desarticulao entre os diferentes nveis

(educao inicial, de primeiro grau, secundria, universitria); pretende incidir sobre

36

fatores isolados o fator administrativo, o legal, os textos, a capacitao docente, etc.

sem entender que a mudana educativa sistemtica.

Estar permeada por uma viso dicotmica da realidade e das opes de poltica

educativa: quantidade/qualidade, educao de crianas/de adultos, educao

bsica/superior, administrativo/pedaggico, contedos/mtodos, formao

inicial/capacitao em servio, oferta/demanda, centralizado/descentralizado, etc. Com

frequncia, a inovao e a mudana educativa consistem em movimentos pendulares, ou

seja, na opo pelos opostos, em vez de tentar um equilbrio entre o que se visualiza

erroneamente como polos opostos sendo, de fato, aspectos de um mesmo processo.

Mover-se no imediatismo e trabalhar para o curto prazo, amarrado aos tempos

da poltica, insensvel aos tempos da educao, sem viso de futuro e sem uma

estratgia de mudana planejada e sustentvel que sobreviva a cada perodo de governo

ou a cada administrao.

Privilegiar a quantidade sobre a qualidade, os resultados sobre os processos, o

quanto se aprende. A matrcula escolar constitui o indicador por excelncia (e s a ele

se reduz a compreenso do que significa universalizar o ensino de primeiro grau),

enquanto se d pouca ou nenhuma ateno reteno, concluso e aprendizagem

efetiva. A educao medida e valorizada pelo nmero de certificados e/ou anos de

instruo, e no pelo efetivamente aprendido.

Ao dissociar o pedaggico do administrativo, privilegia o ltimo. Subordina o

modelo pedaggico ao modelo administrativo, assumindo que as mudanas nesse ltimo

acarretaro mudanas no primeiro.

Priorizar o investimento nas coisas (construes, materiais, mobilirio, etc.)

sobre o investimento nas pessoas (salrios, formao, atualizao permanente e

promoo dos recursos humanos do setor educativo).

Basear-se no suposto da homogeneidade (todos so cidados, todos so

professores, todos so crianas, todos so alunos de uma srie, so da mesma idade e,

portanto, so iguais, etc.) e desenha, em consequncia, polticas e medidas homogneas

para toda a populao. No est habilitado para reconhecer a diversidade, aceit-la e

lidar com ela, tanto na esfera da poltica nacional como na sala de aula.

37

No fazer diferena entre ensino e aprendizagem: assume que o que ensinado

aprendido, que a no aprendizagem est relacionada somente com o aluno (problemas

de aprendizagem), e que modificaes no ensino produzem modificaes automticas

na aprendizagem.

Ver a educao como um processo de transmisso, assimilao e acumulao

de informao/contedos (enciclopedismo), proporcionados por um professor e por um

livro didtico, em vez de um processo de construo e apropriao de conhecimentos,

habilidades, valores e atitudes que acontece no somente na escola nem apenas a partir

do professor e do livro.

Basear-se num modelo frontal e transmissor de ensino, no qual ensinar equivale

a falar e aprender equivale a escutar. Esse modelo aplica-se tanto aos alunos como aos

professores, em sua formao e capacitao docente. Uns e outros alunos e

professores tm um papel intelectual didtico com orientao minuciosa e cada vez

mais alienado das decises que afetam seu trabalho cotidiano.

Mostrar incompreenso e negligncia ao lidar com a questo docente, com as

condies de vida e de trabalho dos docentes, o seu perfil profissional e a sua formao

continuada, desconhecendo o fato de que os professores so os atores fundamentais do

fazer educativo e fatores essenciais na qualidade e na mudana na educao. Relega o

docente a um papel secundrio e passivo; no contempla a participao e a consulta do

magistrio como condio fundamental no desenho, execuo e eficcia das polticas e,

em particular, da reforma educativa; tem uma viso estreita e de curto prazo da

formao docente; e concebe a capacitao como um problema de adequao dos

docentes a fins e objetivos preestabelecidos; privilegia no docente o seu conhecimento e

a sua atualizao em contedos, diminuindo a importncia de sua formao pedaggica.

Revelar marcada preferncia, no momento de desenhar a poltica e as estratgias,

pelas solues rpidas e fceis, com maior potencial de dividendos polticos, sem

considerar a sua eficcia e sustentabilidade (o decreto ou a medida legal como substituto

do trabalho de comunicao, explicao e persuaso; a reforma elaborada no pequeno

crculo de especialistas versus aquela elaborada com a participao docente e a consulta

social; produzir e distribuir materiais em vez da capacitar professores, etc.).

38

Entender a formulao de polticas como um eterno partir do zero, sem viso

retrospectiva, sem recuperar a experincia e a pesquisa disponveis, inclusive sem dar

ateno s condies reais e especficas (polticas, sociais, culturais, organizativas) de

implementao. O fracasso de determinada poltica ou programa, portanto, atribudo

mais falta de vontade ou incapacidade de quem o implementa (geralmente, os

professores) do que aos erros em sua concepo e em seu desenho.

Portanto, a autora destaca o fato de que o pacote proposto pelo BM, de fato,

refora essas tendncias negativas contidas no modelo educativo convencional, no

apenas porque compartilha, em sua formulao, muitas dessas caratersticas, mas

porque sua aplicao na prtica das situaes concretas provoca frequentemente os

resultados acima mencionados. De fato, o caminho percorrido pelas polticas e projetos

de melhoria da qualidade da educao em muitos pases em desenvolvimento permite

apreciar algumas das fragilidades e contradies do modelo BM em ao. E afirma que

seu papel colocar ao alcance dos pases em desenvolvimento um cardpio de opes

de poltica para que esses selecionem a combinao mais adequada s suas

necessidades.

No entanto, o pacote do Banco Mundial essencialmente homogeneizador e

prescritor. Isso aliado, muitas vezes, a uma recepo isenta de crtica por parte das

contrapartidas nacionais e dos pases beneficirios dos emprstimos, resulta na adoo

de enfoques, polticas, programas e projetos similares em todo o mundo, inclusive entre

realidades diferentes.

No caso especfico de Moambique, o Ministrio da Educao e Cultura da

Repblica de Moambique (MEC-DEE, 2006, p. 1) defende a incluso das crianas e

jovens com necessidades educativas especiais nos sistemas de ensino e nas Escolas

Inclusivas. Desta feita, em 1998, foi institucionalizado o Projeto Escolas Inclusivas, que

tinha como objetivo o desenvolvimento escolar mediante a formao de professores

para responder s necessidades especiais na sala de aula do sistema regular de ensino

guiado pelo lema: Combater a Excluso, Renovar a Escola, que se assenta nos objetivos

de aumentar o acesso educao bsica, melhorar a qualidade de ensino e reforar a

capacidade institucional. Para atingir esses propsitos, foi adotado como instrumento de

ao o conjunto de materiais do Projeto Unesco Formao de Professores, Necessidades

Especiais na Sala de Aula, que j foi introduzido em mais de 50 pases.

39

Aqui, no sistema educacional moambicano, pode-se perceber que, de fato, o que

teve maior peso para a adeso foi o simples fato de se tratar de uma experincia

educacional implementada em mais de 50 pases, sem se importar com os eventuais

resultados que tenham alcanado, o que vem corroborar com Coraggio (2003), ao

afirmar que,

vrias objees e terico-filosficas podem ser levantadas quanto deciso de dar centralidade anlise econmica no desenho das polticas e processos, como por exemplo, embora se declare que essa anlise apenas um ponto de partida e que os governos tm motivaes outras para estabelecer suas prioridades educativas, de fato, por razes que devemos determinar, as recomendaes especficas e gerais estabelecidas nos documentos do Banco Mundial parecem estar sendo assumidas sem crticas por muitos governos da regio e do mundo. Isso transforma os governantes, intelectuais e os tcnicos nacionais em co-responsveis pelas consequncias dessas polticas. [...] Em uma poca de crise de paradigmas e de grandes incertezas, a gravidade das consequncias de uma ampla interveno equivocada na rea educacional deveria evitar o unilateralismo disciplinar e facilitar a criao de um espao pluralista de busca coletiva, em que diferentes critrios e propostas plausveis fossem pesquisados e colocados prova com acesso equitativo aos recursos (p. 95-97).

Em sua estratgia de ao, o Ministrio da Educao e Cultura de Moambique

(2006) define como perspectiva, em mdio e em longo prazo, a transformao

progressiva das atuais escolas especiais em centros de recurso pedaggico nas regies

norte, centro e sul de Moambique, que sero destinados educao/ensino, formao,

orientao pr-vocacional, vocacional, profissional e reabilitao de pessoas com

deficincia e como referncia s instituies de formao de professores e como

tambm de apoio na rea das necessidades especiais na sala de aula do Ensino Bsico.

Nesse sentido o Ministrio da Educao (2004) projetou como desafios, para essa

implementao, a criao de equipes multisetorias, dos Ministrios de Educao, Sade

e o da Mulher e Ao Social, para caracterizao e orientao dos alunos que, segundo a

documentao oficial, abrange os alunos com necessidades educativas especiais e

deficincias e introduzir a disciplina da educao especial nos currculos de formao

inicial dos professores, para alm da formao no exterior de professores com nvel

superior em Educao Especial.

40

No mbito da introduo da estratgia de interveno para educao inclusiva no

sistema educacional moambicano, o Ministrio da Educao e Cultura (2004) prope

que o currculo leve em conta os recursos e apoios que cada indivduo precisa para

alcanar seu mximo de desenvolvimento. Para tanto, enfatiza a qualificao na

formao de professores e especialistas, mudanas na organizao escolar, nos horrios,

no regime do dia, diferentes agrupamentos, novas ofertas educativas, adaptaes de

acesso e curriculares.

Em sua estratgia de ao, em Moambique, o Ministrio da Educao (2006)

define como perspectiva, em mdio e em longo prazo, a transformao progressiva das

atuais escolas especiais em centros de recurso pedaggico nas regies norte, centro e sul

de Moambique, que sero destinados educao/ensino, formao, orientao pr-

vocacional, vocacional, profissional e reabilitao de pessoas com deficincia e como

referncia s instituies de formao de professores e como tambm de apoio na rea

das necessidades especiais na sala de aula do Ensino Bsico.

Nesse sentido, a estratgia destaca os diferentes tipos de adaptaes a ter-se em

conta no processo da adoo estratgica curricular na educao inclusiva, como so os

casos das adaptaes nos procedimentos e nos instrumentos de avaliao; adaptaes

metodolgicas; adaptaes nos contedos, e adaptaes nos objetivos.

Diante desse panorama legal e partindo do pressuposto de que o Ministrio de

Educao e Cultura aderiu ao movimento internacional que tem em vista a garantia de

uma educao para todos em concordncia com as diretrizes de Jomtien (1990) e

Salamanca (1994), a compreenso da estratgia de formao de professores com

perspectiva inclusiva, em Moambique, passa necessariamente por um detalhamento do

conjunto de materiais do Projeto Unesco Formao de Professores, Necessidades

Especiais na Sala de Aula por ter sido definido como base para iniciativas de formao

de professores, com o propsito de responder a necessidades especiais na sala de aula, a

ser aplicado de maneira flexvel e ter em conta as circunstncias e condies especficas

dos diferentes pases.

Assim, esse material constitui uma introduo ao projeto de Necessidades Especiais

na Sala de Aula (UNESCO, 1996) que inclui um conjunto de estratgias para serem

usadas em qualquer aula, quer os alunos sejam crianas, quer adultos.

41

Esse projeto foi iniciado pela Unesco, em 1998, que tinha como finalidade

desenvolver um conjunto de estratgias e materiais de formao que pudessem ser usados

por professores e formadores em diferentes partes do mundo, a fim de ajudar as escolas

regulares a responder positivamente diversidade dos alunos. Dessa forma, a iniciativa

do projeto resultou do permanente esforo da Unesco (1996) em encorajar os estados-

membros a adotarem estratgias que dessem resposta s crianas com necessidades

especiais que frequentam escolas regulares.

Mediante um estudo financiado pela Unesco, que abrangeu 14 pases e foi levado a

cabo por uma equipe de investigadores da Universidade de Londres, foram identificadas

trs prioridades no desenvolvimento da poltica educativa, sendo:

1. A aplicao da escolaridade obrigatria a todas as crianas;

2. A integrao, nas escolas regulares, de alunos com deficincia; e,

3. O aperfeioamento da formao de professores como meio de concretizar as

outras duas prioridades.

Portanto, as concluses desse estudo serviram de base para um conjunto de

seminrios regionais nos quais foram tomadas vrias decises como:

Realizao, em Nairbi, no Qunia, em abril de 1998, do seminrio-piloto para

professores e formadores de vrios pases africanos, no qual se fez uma avaliao de

vrios materiais e abordagens.

Equipes de consultores, constitudas por formadores e professores, criadas em

vrias partes do mundo. Essas equipes analisaram as primeiras verses do material e

contriburam com ideias e outros materiais para incluir no conjunto.

Professores de educao especial, e outros tcnicos voltados para a formao de

professores em todo o mundo, foram envolvidos nas primeiras verses do material

preparado.

Criou-se uma equipe pedaggica para avaliar a verso piloto do material e a

mesma equipe estava tambm implicada no desenvolvimento futuro dos materiais da

Unesco para a formao de professores.

42

No mbito da introduo do Conjunto de Materiais para formao de professores,

de acordo com a Unesco (1996), em abril de 1990, reuniram-se num seminrio de duas

semanas, na Universidade do Zimbabwe, os representantes de oito pases - Canad, Chile,

Espanha, ndia, Jordnia, Malta, Qunia e Zimbabwe. Essa aplicao experimental

terminou em maro de 1991 e cada equipe de coordenadores preparou um relatrio de

avaliao sobre o seu trabalho, sendo que o objetivo central desse trabalho de campo era

reunir informao que pudesse ser usada para preparar a verso definitiva e programar a

sua futura difuso.

Nesse processo de preparao e elaborao do material apropriado para a formao

de professores, foi levantada uma srie de dificuldades, o que fez surgir a seguinte

indagao: como produzir um conjunto de materiais adequados para to grande variedade

de contextos nacionais?

Assim, considerou-se que o uso dos materiais propostos para o projeto da Unesco

precisava ser flexvel, para ter em conta os diferentes contextos nacionais e para

responder s necessidades dos participantes de cada curso, admitindo-se que pudessem

ser utilizados em uma das seguintes situaes:

Cursos de formao inicial realizados em escolas superiores de educao ou

universidades;

Cursos ou aes de formao contnua para grupos de professores com

experincia; e

Como parte de projetos de formao para todo o pessoal docente de uma escola.

Nesse caso, o conjunto do material do projeto entende que as necessidades

educacionais especiais se sustentam, em termos da problematizao curricular, ao admitir

que as dificuldades educativas resultam da interao de vrios fatores contidos nos

diferentes contextos nacionais.

Diante dessa discusso, e segundo a Unesco (1996), o objetivo geral desses

materiais ajudar os professores a refletirem sobre o seu contedo e a sua prtica no que

se refere maneira como trabalham com alunos com dificuldades, portanto, contm as

mudanas tericas que deram origem a novas aplicaes em muitos pases, relacionadas

com as formas como os professores do resposta a crianas com dificuldades.

43

Assim, j no se trata de apoiar certos alunos rotulados como especiais, mas de

mudar o currculo para adequ-los a todos os alunos; desta forma, as ideias apresentadas

no Projeto Unesco Formao de Professores, Necessidades Especiais na Sala de Aula,

resultam de uma mudana de perspectiva: ao englobar todas as crianas e com o objetivo

de ajud-las a terem sucesso na escola, incluindo as que precisam ultrapassar deficincias

ou dificuldades especficas.

Nessa perspectiva, um novo olhar para o currculo pode contribuir amplamente na

aprendizagem dos alunos, inclusive alguns que so habitualmente excludos das escolas

ditas regulares. Assim, para adotar essa nova proposta, necessrio explicitar a base

terica curricular que destaque a perspectiva centrada no aluno, pois o fundamental

diagnosticar pedagogicamente o que estaria acontecendo com alguns alunos que no

esto desenvolvendo com sucesso a aprendizagem do currculo apresentado pela escola.

Com essa situao, muitas vezes, a escola juntamente com a famlia buscam

respostas no diagnstico clnico, ou seja, no histrico do modelo mdico pressupondo

muitas vezes que a dificuldade para desencadear o processo de ensino-aprendizagem

esteja limitada a problemas de condio clnica e no pedaggica, assim, quem sabe,

detectar alguma suspeita da causa do problema da criana ou seja, o diagnstico clnico,

a escola e, eventualmente, a famlia, tero condies de determinar a resposta apropriada

ou seja, prescrever o tratamento pedaggico.

Por seu lado, a perspectiva curricular, que constitui a nova maneira de pensar,

reconhece que, embora as diferenas individuais das crianas influenciem o seu

progresso, no trabalho de professor ele chamado a assumir o papel de responsabilizao

do processo compartilhado de aprendizagem e, consequentemente, resignificar suas

decises, as atividades que propem os recursos que utiliza e a maneira de organizar a

sala de aula. Esse cenrio curricular possibilita aos professores melhorar a sua capacidade

de interpretao dos acontecimentos e circunstncias que ocorrem nas salas aulas,

melhorando as condies globais de aprendizagem por meio da anlise das dificuldades

experimentadas pelos alunos na aula.

Essa nova maneira de pensar vai ao encontro de uma nova dimenso do olhar

pedaggico, se distanciando definitivamente dos perigos ligados classificao e,

consequentemente, da rotulao que se perpetua na vida dessas crianas.

44

Em vez de agrupar as consideradas especiais, ou que precisam de apoio, parte-

se do princpio de que todas as crianas so iguais.

E, consequentemente, o objetivo consiste em responder individualmente a todos os

alunos e reconhecer que se deve respeitar a individualidade, conduzindo evidentemente

questo central que se coloca aos professores: como planejar a ao educacional

respeitando as necessidades educacionais individuais de cada aluno?

Para os propsitos desta pesquisa, destaca-se Souza (2007), ao considerar que as

polticas pblicas constituem um campo de conhecimento que se debrua sobre a

introduo e a anlise de aes do governo, envolvendo tambm a proposta de mudanas

no rumo dessas aes; enquanto que os estudos sobre a poltica pblica abordam

processos, atores e a construo de regras e se distinguem dos estudos sobre poltica

social, centrados nas consequncias e resultados da poltica.

Para a compreenso da organizao estrutural do sistema educacional

moambicano, incorporam-se os elementos que ajudam a clarificar a composio dos

diversos subsistemas e at mesmo as modalidades especiais de ensino em Moambique,

dispostas na legislao vigente.

De acordo com a Lei 6/1992, o Sistema Nacional de Educao em Moambique

estrutura-se em ensino pr-escolar, ensino escolar e ensino extraescolar:

1. O Ensino Pr-escolar Realiza-se em creches e jardins de infncia, para crianas

com idade inferior a seis anos, como complemento ou supletivo da ao educativa da

famlia, com a qual coopera estreitamente. A rede do ensino pr-escolar constituda por

instituies e iniciativas dos rgos centrais provinciais ou locais e de outras entidades

coletivas ou individuais, nomeadamente associaes de pais e de moradores, empresas,

sindicatos, organizaes cvicas, confessionais e de solidariedade.

2. O Ensino Escolar Compreende o Ensino Geral, o Tcnico-Profissional, e o

Ensino Superior.

As instituies de ensino, consoante a sua propriedade, podem ser estatais,

cooperativas, comunitrias ou privadas. O Ensino Geral o eixo central do Sistema

Nacional de Educao e confere a formao integral e poltica; enquanto que o Ensino

Geral compreende dois nveis:

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O Nvel Primrio prepara os alunos para o ensino secundrio e envolve as sete

primeiras classes, subdivididas em dois graus:

a) 1o Grau, da 1a 5a Classe/Srie,

b) 2o Grau, da 6a 7a Classe/Srie,

O Nvel Secundrio prepara os alunos para o ensino superior e subdivide-se em

dois ciclos:

a) 1o Ciclo, da 8a 10a Classe/Srie,

b) 2o Ciclo, da 10a 12a Classe/Srie.

3. O Ensino Tcnico-Profissional Constitui o principal instrumento para a

formao profissional da fora de trabalho qualificada necessria para o desenvolvimento

econmico e social do pas; esse tipo de ensino compreende os seguintes nveis:

a) Elementar exige-se, como condio mnima para o ingresso, a concluso do 1o

Grau do Ensino Primrio, que a 5a Classe;

b) Bsico exige-se, como condio mnima para o ingresso, a concluso do 2o

Grau do Ensino Primrio, que a 7a Classe, ou o Ensino Bsico Tcnico-Profissional, ou

equivalente;

c) Mdio exige-se, como condio mnima para o ingresso, a concluso do 1o

Ciclo do Ensino Secundrio geral, que a 10a Classe, ou do Ensino Bsico Tcnico-

Profissional.

4. O Ensino Superior No sistema educacional moambicano, destina-se aos

graduados com a 12a Classe do ensino geral ou equivalente; e realizam-se em

universidades, institutos superiores, escolas superiores e academias.

Por outro lado, a Lei 6/1992, que reajustou o quadro geral do sistema educativo,

estipula as seguintes modalidades especiais de ensino em Moambique:

1. Ensino Especial Consiste na educao de crianas e jovens com deficincias

fsica, sensorial e mental, que se realiza, de princpio, atravs de classes especiais dentro

das escolas regulares. E as crianas com mltiplas defi