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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Lilian Correia Pessôa Trilhares que ensinam: incursões em experiências formativas portuguesas para ressignificação de modelos formativos brasileiros. SÃO PAULO 2015

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Correia... · Maria do Céu Roldão, que com muita disposição aceitou coorientar-me nesta pesquisa no tempo que permaneci

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Lilian Correia Pessôa

Trilhares que ensinam: incursões em experiências

formativas portuguesas para ressignificação de modelos formativos

brasileiros.

SÃO PAULO

2015

- 1 -

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação da Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida e coorientação da Professora Doutora Maria do Céu Neves Roldão da Universidade Católica Portuguesa (Porto/Portugal).

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Lilian Correia Pessôa

Trilhares que ensinam: incursões em experiências

formativas portuguesas para ressignificação de modelos formativos

brasileiros.

SÃO PAULO

2015

- 2 -

Banca examinadora:

__________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

- 3 -

Para Aline...

Se trabalho para a construção de um mundo melhor,

faço-o pensando na humanidade que você representa.

Filha querida, o fim de uma etapa se deu.

A Deus minha gratidão; a você minha alegria!

Você desperta o melhor que há em mim...

- 4 -

Agradecimentos

Não creio que haja palavras suficientes para traduzir o sentimento de

gratidão por todo suporte e apoio recebido no percurso aqui trilhado. Contudo, seria

ingratidão desmedida não se esforçar na tentativa de aproximar-se de um modo de

fazê-lo. Que as palavras que seguem sejam compreendidas na perspectiva de que

não expressam, tanto quanto seria merecido, o valor dos gestos, orientações,

apoios, indicações, ensinamentos, e tudo o mais que recebi para até aqui chegar.

Faço, então, o melhor que posso para agradecer...

...à Profa. Dra. Laurinda Ramalho de Almeida, minha orientadora, no

mestrado e no doutorado, pelos braços abertos, pelos ensinamentos acadêmicos,

pelo incentivo, pelo entusiasmo, pelas orientações... mas, acima de tudo, pela

humanidade que irradia. Se cheguei até aqui sei que foi porque ela me tomou pela

mão e me fez enxergar aquilo que sozinha eu não seria capaz. Concluo esta etapa

com o desejo de continuar, por isso, ouso dizer que a nossa parceria não pode

acabar aqui...

...à Profa. Dra. Maria do Céu Roldão, que com muita disposição aceitou

coorientar-me nesta pesquisa no tempo que permaneci em Portugal, abrindo-me as

portas para interagir com profissionais de elevada tarimba, que contribuíram

sobremaneira com o meu desenvolvimento profissional. O que aprendi em suas

aulas, nas suas orientações, no acompanhamento das suas ações de formação, nas

palestras ministradas nos seminários, tem um valor imensurável na minha vida

profissional...

...à Profa. Dra. Marli Eliza Dalmazo Afonso André, a quem admiro pela

sabedoria, pela trajetória profissional, pela ética com que conduz o seu trabalho,

pelo compromisso com a pesquisa e com a formação de professores e,

especialmente, pela dedicação para acolher as infinitas dúvidas que surgem quando

estamos estruturando os pilares da nossa pesquisa. Sinto-me demasiadamente feliz

por ter sido sua aluna. E tê-la como membro da minha banca examinadora é um

privilégio para a minha formação profissional e acadêmica...

...ao Prof. Dr. Rinaldo Molina, com quem tive a satisfação de atuar

profissionalmente na Diretoria de Ensino, todo o meu reconhecimento pela

competência, pela habilidade para trabalhar em equipe, pela capacidade de

- 5 -

discordar de propostas infundadas e, sobretudo, pela humildade com que se coloca

ao lado daqueles que, como eu, querem aprender. Impossível não aprender com ele

no convívio profissional. A costumeira disposição para o diálogo, a reflexão e o

trabalho em equipe são marcas desse convívio que sempre me acompanharão...

...à Profa. Dra. Vera Lucia Trevisan de Souza, com quem aprendo a

analisar a situação na sua concretude, demonstrando toda a sua preocupação e

compromisso com uma transformação na educação que seja real, meu

reconhecimento pelas valiosas contribuições no meu exame de qualificação. Seus

questionamentos e reflexões, proferidos nas diferentes oportunidades que eu tive de

ouvi-la, ecoaram em mim durante a construção deste trabalho. Admiração profunda

pela intensidade do seu envolvimento com as questões da educação...

...à Profa. Dra. Vera Maria Nigro de Souza Placco, cuja presença na

minha banca examinadora no mestrado e no doutorado enche-me de orgulho, toda

minha gratidão pelos ensinamentos desde então, dentre os quais destaco a clareza

com que expõe suas ideias e a capacidade de olhar para uma situação complexa e

dela extrair aspectos essenciais. Contar com o seu apoio nos momentos marcantes

do meu desenvolvimento acadêmico foi, sem dúvida, decisivo para o meu

crescimento acadêmico e profissional...

...aos amigos que estiveram ao meu lado nesta jornada, em especial à

Ana Lucia de Sant`Ana Ferrari Vieira e à Andrea Jamil Paiva Mollica, cujo respeito,

parceria e apoio tornaram mais leve os obstáculos a serem superados, ainda que

nem sempre eu tivesse tido a condição de retribuir à altura, todo o meu

agradecimento pelas palavras, pelos gestos, pela companhia...

...à amiga Ana Lucia Pereira, com quem cursei o mestrado e tive a

imensa alegria de reencontrar no doutorado, oportunidade em que se solidificou uma

amizade com a qual espero poder contar sempre, meu agradecimento por todas as

suas intervenções, por toda a disponibilidade para ouvir e compreender, por toda a

paciência nos momentos de crise. Aprendi com a sua sabedoria, com a sua

capacidade de manter o foco e, sobretudo, com a sua generosidade...

...aos amigos e colegas de profissão da Universidade Paulista, onde atuo

como professora e coordenadora no curso de Pedagogia, dentre os quais destaco a

Profa. Ma. Eliana Mariano Rosa e a Profa. Ma. Glaucia Piaccentini Agreste por se

colocarem ao meu lado, por torcerem por mim, por oferecerem a mão sempre

- 6 -

estendida para o que fosse necessário. A vida é mais bonita quando se sabe que há

pessoas como elas para compartilhar alegrias e tristezas...

...ao Coordenador Geral do curso de Pedagogia na Universidade Paulista,

Prof. Dr. Nonato Assis de Miranda, com quem sempre pude contar no meu

desenvolvimento profissional, seja para o ingresso no doutorado seja para a

participação em eventos acadêmicos, profissional que ensina com muita ação e que

se tornou referência e segurança para a equipe que lidera. Orgulho-me por fazer

parte da sua equipe...

...aos professores participantes desta pesquisa, profissionais que

aceitaram o desafio de revelar suas experiências com a formação de professores,

recebendo-me voluntariamente nas instituições em que atuam, apesar dos tantos

afazeres impostos pelo cotidiano acadêmico e profissional, revelando, com tal

disponibilidade, o quanto acreditam que a educação pode ser melhor, meu

reconhecimento pelos valiosos ensinamentos. Saí renovada da presença de cada

um deles...

...à minha família, base da minha formação, que muitas vezes oferece o

seu apoio mesmo sem compreender minhas escolhas acadêmicas, toda a minha

gratidão. Minha mãe, Luiza Correia Araujo, que oscila entre exigências e

compreensões, mas com quem sei que sempre posso contar; meus irmãos (Lucia

Pessôa, Luiz Pessôa, Luci Pessôa de Almeida, Laércio Pessôa e Maria Aparecida

Pessôa), com quem compartilho a alegria de viver, alimento que me impulsiona nos

projetos que tenho, dentre os quais destaco aquele que tem sido referência para

mim, Luciano Pessôa, irmão, pai, amigo... Às vezes acho que ele acredita e aposta

mais em mim do que eu mesma...

...à minha filha, Aline Pessôa Hoffmann, por existir na minha vida. Por ela

e para ela renovo minhas forças todos os dias. Penso que foi para isso que Deus

criou os filhos: para que não desistíssemos de lutar por um mundo melhor. Espero

que o resultado desse trabalho tenha feito valer a pena todas as minhas ausências...

...à CAPES pelo financiamento desta pesquisa, incluindo o intercâmbio

com Portugal, sem o qual não teria sido possível a interlocução com formadores de

referência nas diferentes instituições portuguesas.

- 7 -

Tudo o que você fizer dará certo, e a luz

brilhará no seu caminho. (Jó 22:28)

- 8 -

RESUMO

Partindo de questionamentos suscitados na experiência da pesquisadora como formadora de coordenadores pedagógicos em uma das Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo, esta pesquisa objetivou identificar fundamentos que possam contribuir para avanços nos modelos formativos que contribuem com o desenvolvimento profissional dos professores em formação em contexto brasileiro. Considerando a frequente utilização da produção acadêmica portuguesa para questões que se referem à formação de professores no Brasil, estabeleceu um intercâmbio com formadores portugueses que tiveram trabalhos de formação expressivo no seu país. O referencial teórico foi constituído a partir das contribuições de Henri Wallon, especialmente para as discussões sobre a constituição de grupo e suas relações com o meio e com o outro, bem como sobre o conjunto funcional afetividade, do qual foi destacado o caráter contagioso da emoção como via facilitadora do envolvimento dos profissionais em formação. Para as questões que se referem especificamente aos processos formativos, foram utilizados autores de referência na área, tais como Marcelo, Gatti, André, Barreto, Formosinho, Roldão, Canário, dentre outros. Os dados coletados originaram-se de oito entrevistas não estruturadas, realizadas in loco com formadores portugueses que atuam nas universidades de Aveiro, Minho, Lisboa e Instituto Politécnico de Lisboa. Dessas entrevistas, foram estabelecidos seis eixos norteadores a partir dos quais a análise foi realizada. São eles: 1- Articulação entre universidade e escola; 2- Efeitos “contagiosos” da formação; 3- Formação e pesquisa; 4- Formador de formadores; 5- Trabalho colaborativo; 6- Perspectivas sobre a formação. Os resultados dessa análise apontaram para: a necessidade de estabelecer princípios de formação que possam servir de fundamento para as ações formativas; a importância de estabelecer critérios claramente definidos para a seleção do formador, negando o princípio de que um bom professor será, necessariamente, um bom formador; a adoção do trabalho colaborativo como forma de romper com a hierarquia existente na formação, bem como para envolver os participantes, favorecendo a responsabilidade partilhada nas decisões tomadas; a importância de conceber uma formação que, dado o devido valor à sua dimensão teórica, possa contribuir para a resolução de situação concretas do contexto educacional em que atua o docente e, neste sentido, cada grupo em formação deverá ter um delineamento próprio de ações formativas, dado que os contextos (os meios, os outros e as situações geradas nesta interação) são diferentes. Apresenta, por fim, como encaminhamentos possíveis, a realização de pesquisas que, na sua continuidade, possam investigar quais características que, de fato, devem constituir o formador de formadores, bem como o rol de conhecimentos que dele devem ser esperados, especialmente aqueles que se referem a: estratégias de formação, educação de adultos, concepção e condução de projetos colaborativos de intervenção e reflexão sobre a prática.

Palavras-chave: formação de formadores; coordenador pedagógico; formação de professores.

- 9 -

Abstract

Starting from the questioning that rose from our experience as a researcher, while

giving training to curriculum coordinators in one of the teaching directories of the

State of São Paulo, this research aims to find the structure needed to promote the

increasing value of formative models that might promote the professional

development of the participants. Considering the common use of Portuguese

literature for teacher training in Brasil, it was established an exchange with

Portuguese trainers that had worked in relevant training in their own country. The

theoretical framework was built using Henri Wallon contributions, mainly over group

creation and the relationships with the environment and with the others, but also with

the parts that compose the teaching-learning process, where it stood out the

contagious nature of emotion as a way to facilitate the engagement of the training

professionals. For the issues concerning the training processes I used leading

authors like Marcelo, Gatti, André, Barreto, Formosinho, Roldão, Canário and et al.

The collected data came originally from eight unstructured interviews done live with

Portuguese trainers that work in the Aveiro, Minho and Lisboa universities and also in

the Instituto Politécnico de Lisboa. From those interviews it was established eight

guidelines that were used to perform our analysis. Those guidelines are: 1 - School

and university relations; 2 - “Contagious" effects of training; 3 - Training and

research; 4 — Trainer of trainers; 5 - Cooperative work; 6 - Training perspectives; 7 -

Training strategies; 8 - Execution and professional experience context. The research

results pointing towards: the need to build a training theory that can be used to base

training actions; the importance of establishing clear criteria for the trainer selection,

changing the notion that a good teacher is automatically a good trainer; developing a

cooperative work as a way to break the established hierarchy in training today, but

also involving all the players, and promoting the shared responsibility in decision

making; the importance to create a training that, because of the value the theoretical

dimension of training, can contribute to the resolution of specific situations in the

educational context of the teacher, and so each group in training can have specific

training actions, because each context (environment, the others agents and the

situations created by the interaction) is different. And to conclude, it presents, as a

possibility, the creation of research models that will allow to discover the best profile

for a training teacher, and also the knowhow that should be expected, specially

concerning: training strategies, adult education, creation and management of

intervention cooperative projects, and practice analysis.

Key words: training of trainers, curriculum coordinator; teachers training.

- 10 -

Sumário

Introdução........................................................................................................ - 12 -

TRILHA I – Processos Formativos...................................................................

- 24 -

1. Visão geral sobre a formação de professores no Brasil........................ - 25 -

2. Considerações sobre os modelos formativos....................................... - 41 -

2.1 Críticas às lógicas arraigadas nos modelos formativos.................. - 42 -

2.1.1 A lógica do modelo escolar.................................................... - 43 -

2.1.2 A lógica do déficit ou da deficiência....................................... - 45 -

2.1.3 A lógica da cascata................................................................ - 48 -

TRILHA II – Formação para o desenvolvimento profissional: princípios

norteadores...............................................................................

- 52 -

3. Ação formativa para a promoção do Desenvolvimento Profissional..... - 53 -

3.1 Formação e saber/conhecimento profissional................................. - 55 -

4. A prática reflexiva nos processos formativos........................................ - 58 -

TRILHA III – Alguns princípios wallonianos para compreensão dos processos

formativos.....................................................................................

- 61 -

5. Princípios wallonianos........................................................................... - 62 -

5.1 O imbricamento do conceito de meio e de outro na concepção de

grupo...............................................................................................

- 65 -

5.2 O caráter contagioso da emoção.................................................... - 67 -

TRILHA IV – Percurso metodológico...............................................................

- 71 -

6. Delineamento da pesquisa: o percurso trilhado.................................... - 72 -

TRILHA V – Diálogos com formadores portugueses.......................................

- 79 -

7. Experiências com a formação: lições de incursões dialógicas............. - 80 -

7.1 Eixo 1 – Articulação entre universidade e escola......................... - 82 -

7.2 Eixo 2 – Efeitos “contagiosos” da formação................................. - 89 -

7.3 Eixo 3 – Formação e Pesquisa..................................................... - 94 -

- 11 -

7.4 Eixo 4 – Formador de Formadores............................................... - 100 -

7.5 Eixo 5 – Trabalho colaborativo..................................................... - 106 -

7.6 Eixo 6 – Perspectivas sobre a formação..................................... - 112 -

TRILHA VI – Trilhares que ensinam: lições de um percurso...........................

- 120 -

Considerações finais........................................................................................

- 121 -

REFERÊNCIAS................................................................................................

- 125 -

LEGISLAÇÃO CONSULTADA.........................................................................

- 129 -

APÊNDICE A – Quadro 1 – Entrevista com E1 – Posicionamentos em

destaque.............................................................................

- 130 -

APÊNDICE B – Quadro 2 – Entrevista com E2 – Posicionamentos em

destaque.............................................................................

- 136 -

APÊNDICE C – Quadro 3 – Entrevista com E3 – Posicionamentos em

destaque.............................................................................

- 145 -

APÊNDICE D – Quadro 4 – Entrevista com E4 – Posicionamentos em

destaque.............................................................................

- 148 -

APÊNDICE E – Quadro 5 – Entrevista com E5 – Posicionamentos em

destaque.............................................................................

- 161 -

APÊNDICE F – Quadro 6 – Entrevista com E6 – Posicionamentos em

destaque.............................................................................

- 166 -

APÊNDICE G – Quadro 7 – Entrevista com E7 – Posicionamentos em

destaque.............................................................................

- 169 -

APÊNDICE H – Quadro 8 – Entrevista com E8 – Posicionamentos em

destaque.............................................................................

- 175 -

APÊNDICE I – Quadro 9 – Síntese dos Eixos Norteadores....................... - 179 -

- 12 -

INTRODUÇÃO

A preocupação com a formação de professores tem ocupado lugar de

destaque entre todos aqueles que buscam melhorias para a educação. Diferentes

programas e projetos já foram implantados na esfera pública de ensino e muitos

outros são propostos constantemente por educadores, pesquisadores e

governantes, sem que haja, até o momento, uma mudança significativa, na maioria

dos casos, que permita verificar a almejada melhoria na educação, mais

especificamente na aprendizagem dos alunos.

A importância de uma formação continuada aos profissionais da

educação no seu campo de atuação é fato indiscutível. Sabe-se da necessidade de

refletir sobre a própria prática, sobre a prática de colegas, estudar teorias, buscar

formas alternativas para as dificuldades enfrentadas, trocar experiências entre

pares, enfim, há para a equipe docente, independente de qual seja o segmento de

ensino no qual atua, uma necessidade real de formação. Esta formação, cabe

salientar, não se circunscreve apenas na esfera da “atualização profissional”. A

formação continuada é condição para uma atuação docente que possibilite a

aprendizagem e o desenvolvimento dos professores e, sobretudo, dos alunos.

Este cenário complexo e repleto de desafios a serem superados

apresenta, ainda, questões fundamentais para o êxito da formação em contexto

escolar que são pouco discutidas: quem é o formador de professores? Quem o

forma? Quais são seus parâmetros? Que estratégias coloca em ação? Como

seleciona os assuntos que coloca em pauta? Quem são seus pares? A quem recorre

quando necessita? Que critérios utiliza para a seleção de materiais e recursos para

a formação?

Esses questionamentos revelam parte da complexidade que é pensar a

formação de professores, seja na perspectiva do formador ou do professor em

formação, pois é preciso que se dedique igual cuidado, empenho e dedicação com a

formação desses profissionais, sob o risco de continuar colhendo insucessos com

propostas potencialmente interessantes.

Na rede pública de São Paulo, considerando-se as esferas estadual e

municipal, o coordenador pedagógico é o profissional responsável pela formação

- 13 -

continuada dos professores nos horários semanais obrigatórios de estudos coletivos

oferecidos na escola em que atua. Devido à intensa rotina escolar, bem como por

falta de uma proposta de formação consistente, esse estudo coletivo, destinado à

formação continuada, teve seu propósito inicial desviado e é possível afirmar que,

em muitas escolas, funciona como um momento reservado para avisos e recados

sobre os mais variados assuntos.

Na tentativa de resgatar o objetivo primeiro desses encontros, ou seja, a

formação continuada de professores, foram elaboradas propostas de formação, por

órgãos oficiais da educação, que pudessem ser referência para o trabalho de

formação realizado pelos coordenadores pedagógicos. Tais medidas, entretanto,

foram criadas e implementadas sem que os coordenadores pedagógicos fossem

ouvidos, sem que delas fizessem parte. A realidade da educação brasileira, em

geral, tem muitos pontos comuns, mas cada escola é um espaço único de interações

constitutivas da sua identidade. Portanto, a padronização de medidas não pode ser

compreendida como uma ação viável para a conquista de melhorias na educação.

Sem que minimamente esses aspectos sejam considerados no momento

da concepção de uma proposta de formação, é pouco provável que qualquer

iniciativa de desenvolvimento desse trabalho dê certo.

No caso do estado de São Paulo, quando vivi a experiência como

formadora de coordenadores pedagógicos, a legislação previa encontros semanais

de oito horas destinados à formação dos coordenadores pedagógicos que atuavam

nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano, correspondente à faixa etária

de 6 a 10 anos). O profissional responsável por essa formação na Diretoria Regional

de Ensino era o PCNP (Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico). Tais

encontros eram determinados pela Resolução SE 891 de 19.12.2007, no seu artigo

3º que define:

Art. 3º O Professor Coordenador que atuar na unidade escolar nas séries iniciais do ensino fundamental cumprirá 8 (oito) horas das 40 semanais obrigatórias, na Diretoria de Ensino para participação em reuniões, grupos de estudos e orientações técnicas.

1 A Resolução SE 75 de 30.12.2014 revoga a Resolução SE 88/2007 e suas alterações, as Resoluções SE 89, SE 90 e se 91, bem como a Resolução SE 3/2013, SE 13/2013 e SE 18/2013. No entanto, está sendo referenciada neste estudo a Resolução SE 89/2007, pois era esta que vigorava na época da minha atuação como formadora.

- 14 -

Instituir oficialmente um período de oito horas semanais dedicados à

formação dos coordenadores pedagógicos é um avanço imensurável na trajetória da

formação continuada no Brasil. Mas, o que poderia ser um momento produtivo de

formação, torna-se, em muitos casos, mais uma diretriz burocrática, sem sentido

para os envolvidos, já que seus anseios, suas expectativas e suas experiências não

foram considerados na sua concepção.

Da minha experiência como formadora de coordenadores pedagógicos

em uma das 91 Diretorias Regionais de Ensino (DE) do Estado de São Paulo, na

função de Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico (PCNP) 2 , surgem as

principais inquietações a partir das quais se origina este estudo. É desse cenário,

portanto, que partimos para possibilitar a compreensão das trilhas que o

constituíram.

Como professora efetiva no ensino público estadual paulista, em 2007,

lecionava nos anos iniciais do ensino fundamental quando a Secretaria Estadual da

Educação (SEE) concedeu-me uma bolsa de estudos em razão do meu ingresso no

mestrado. Fui, então, designada como “bolsista” na Diretoria de Ensino (DE) para

cumprir 20 horas semanais de trabalho e dedicar-me aos estudos. Nessa

oportunidade, conheci o trabalho de formação realizado pelo Núcleo Pedagógico3 e

aproximei-me da atuação dos PCNPs responsáveis pela formação dos

coordenadores pedagógicos, sobretudo dos anos iniciais do ensino fundamental,

acompanhando-os, na condição de “bolsista”, nos encontros de formação que

promoviam para coordenadores e professores, mas também naqueles em que

participavam como formandos, convocados pelas diferentes esferas da Secretaria

Estadual da Educação (SEE).

Ainda no final de 2007, por força da Resolução SE 89 de 19-12-2007,

ficou estabelecido que os PCNPs deveriam oferecer formação semanal, de oito

horas, aos coordenadores pedagógicos. A partir de então, intensificaram-se,

2 Em 2011, quando deixei a Diretoria de Ensino, a função que ocupava era PCOP (Professor Coordenador da Oficina Pedagógica). As modificações que sucederam esse período incluiu modificações na nomenclatura dessa função, sendo sua designação atual PCNP (Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico). Para evitar o uso de duas nomenclaturas para referir-se a uma mesma função, assumimos a designação atual, qual seja, PCNP. 3 Chamado de Oficina Pedagógica, na época.

- 15 -

concomitantemente, a formação recebida pelos PCNPs e a formação 4 por eles

oferecida aos coordenadores pedagógicos, num afã de cumprir com o que fora

determinado por força da legislação, mas também por acreditar ser essa uma forma

adequada de dar suporte ao trabalho pedagógico e propiciar melhoria na

aprendizagem dos alunos. Evidencia-se um modelo de formação em cascata, uma

vez que as diretrizes do trabalho eram definidas em esferas superiores da Secretaria

da Educação (SE) e “repassadas” aos PCNPs que, por sua vez, as “repassavam”

aos coordenadores pedagógicos e estes, mais uma vez, “repassavam-nas” aos

professores.

Em 2007, na DE em que eu estava, este trabalho de formação nos anos

iniciais do ensino fundamental era realizado por apenas um professor designado

como PCNP, mas, progressivamente, passou a comportar dois, três, quatro, até que,

em março de 2009, comportava cinco professores designados para esta função,

dentre os quais eu me incluía, agora não mais como “bolsista”.

Somando-se, portanto, o período em que observei o trabalho como

bolsista e o período de atuação efetiva como PCNP, foram quatro anos de

acompanhamento ao trabalho de formação dos coordenadores pedagógicos dos

anos iniciais do ensino fundamental, período que me proporcionou colecionar

aprendizagens e frustrações, sendo a mais intrigante (e força motriz desta pesquisa)

o fato de constatar que, muitas vezes, os encontros de formação oferecidos aos

coordenadores pedagógicos não eram por eles valorizados, tornando-se palco de

queixas coletivas, desabafos incontidos, lamentos contagiosos e insatisfações

infindas.

O que deveria ser um privilégio oferecido aos coordenadores pedagógicos

dos anos iniciais do ensino fundamental, contemplados semanalmente com uma

formação de oito horas para subsidiá-los na condução do trabalho de formação

continuada que devem realizar na escola em que atuam, tornou-se um fardo pesado

demais para ser carregado por eles. De um modo geral, os coordenadores alegavam

que os assuntos abordados eram repetitivos, já que tratavam especialmente de

4 O trabalho de formação realizado pelos PCNPs dos anos iniciais do ensino fundamental seguia as diretrizes do programa “Ler e Escrever”, instituído pela SEE.

- 16 -

discussões acerca de conceitos relacionados ao processo de alfabetização. Além

disso, queixavam-se da dinâmica dos encontros, considerando-a cansativa por ser

muito teórica para o tempo a que se destinava, o que os levava a concluir que oito

horas semanais dedicadas à sua formação era muito tempo.

Argumentavam os coordenadores pedagógicos que a intensa dinâmica da

escola exigia muito deles e, para que fosse viável deixá-la por um dia inteiro, a cada

semana, essa formação deveria ser motivadora e oferecer soluções práticas e

imediatas para a sua atuação junto aos professores, o que não acontecia na maioria

dos encontros.

Por outro lado, a equipe responsável pela formação dos coordenadores

pedagógicos na Diretoria Regional de Ensino não dispunha de referenciais sólidos

que os fundamentassem em suas ações e a partir dos quais pudesse analisar e

refletir sobre sua ação nos momentos da formação. Os PCNPs recebiam formação

de órgãos superiores da educação quanto ao conteúdo a ser apresentado aos

coordenadores pedagógicos e acompanhavam esses profissionais nos resultados

alcançados em seu trabalho por meio de mapas que apresentavam os índices

obtidos pelas escolas, por tabelas de desempenho e por visitas, mas não

encontravam o suporte necessário para lidar com as necessidades sentidas pela

equipe de coordenadores pedagógicos das escolas sob a jurisdição da DE.

É possível observar, assim, o que pode ser comparado ao “efeito

dominó”: as peças são enfileiradas e, quando a primeira delas é empurrada, caem

todas as que estão depois, pois, por semelhante modo, instâncias superiores da

educação não encontravam meios para a formação adequada dos PCNPs; estes,

por sua vez, não conseguiam atender às necessidades do seu grupo de

coordenadores pedagógicos, os quais se distanciavam cada vez mais de seus

professores, migrando para as tarefas administrativas e operacionais exigidas pela

rotina escolar, abandonando o trabalho da formação continuada.

Como não havia uma atuação autônoma e eficiente na formação

oferecida pelos PCNPs, uma atuação que considerasse as especificidades da

equipe de coordenadores pedagógicos para além dos conteúdos, ou seja,

abarcando todas as suas dimensões (social, pessoal, profissional,...) de modo a

- 17 -

tornar a formação significativa e subsidiária de sua prática, não havia como esperar

que esse profissional desenvolvesse um trabalho de formação eficiente com a sua

equipe de professores.

Era verdadeiramente frustrante observar que, após todo o esforço para

preparar um encontro de oito horas (o que não é uma tarefa fácil), os coordenadores

pedagógicos não mediam esforços para buscar, sempre que fosse possível, formas

de ausentar-se da formação. Costumava ser nesse dia que eles marcavam suas

consultas, enfrentavam problemas “inadiáveis” e qualquer outro motivo que

justificasse a sua ausência. Daqueles que compareciam aos encontros, recebíamos

pedidos particulares para saírem mais cedo por motivos diversos, de ordem pessoal,

ou para que fôssemos breves e liberássemos todos mais cedo. Houve, inclusive, o

caso de uma coordenadora pedagógica que não comparecia a nenhum encontro,

justificando que aquela formação não contribuía com o seu trabalho na escola.

Mesmo advertida pela equipe da DE, ainda que alertada que aquela era uma

condição para o exercício do cargo que ocupava (definida por meios legais), a

coordenadora recusava-se a participar dos encontros de formação.

Em muitos casos, era apenas a força da lei que mantinha o grupo, uma

vez que os obrigava a estarem ali. Em outras situações, discussões e críticas

transformavam-se em rivalidades pessoais. Tínhamos um número aproximado de 65

coordenadores pedagógicos e o desgaste na organização e realização desses

encontros tornava-se cada vez mais intenso. O grupo de PCNPs tentava diversificar

a dinâmica, modificar o conteúdo, levar o que acreditava ser bom para a atuação

desses profissionais, mas não obtinha sucesso. O desgaste era mútuo: todos

(PCNPs e Coordenadores Pedagógicos) sentiam-se cansados e desmotivados para

o trabalho desenvolvido nos encontros de formação. Era ainda mais desanimador

quando nos encontrávamos com PCNPs de outras DEs 5 e percebíamos que a

situação não era diferente com eles e que os problemas e dificuldades vivenciados

em outras diretorias eram muito parecidos com os nossos.

Observando-se as consequências desastrosas decorrentes de um modelo

formativo vertical, não era de se estranhar que o trabalho de formação que o

coordenador pedagógico realizava na escola também estivesse comprometido 5 Regularmente a SEE promovia encontros com os PCNPs de todas as DEs.

- 18 -

devido à recíproca falta de credibilidade entre coordenador pedagógico e sua equipe

de professores. A descrença do coordenador pedagógico no que tange ao trabalho

formativo era sentida no desvio de sua função: apesar de queixar-se

constantemente de que havia no seu cotidiano um número consideravelmente maior

de tarefas burocrático-administrativas do que pedagógicas, ele as aceitava e,

notava-se que, em muitos casos, as preferia. É possível compreender que esse seu

discurso, apesar de contraditório, fez-se necessário na medida em que justificava

seu afastamento do trabalho formativo e o ajudava a aliviar o peso da culpa que

sobre ele recaía pelo fracasso desse trabalho.

Desse modo, propagou-se uma onda de frustração em que formadores e

formandos eram invadidos por uma sensação de incompetência, de falta de

conhecimento, de incapacidade, tanto para enfrentar os desafios que lhes eram

impostos no cotidiano escolar, como para modificar a situação profissional

desfavorável em que se encontravam. Movidos por tais sentimentos, o desânimo se

instalava e chegava na sala de aula. Os alunos, afetados por esse quadro que se

intensificava no decorrer do ano letivo, não gostavam de estudar, não valorizavam a

pessoa do professor e o seu trabalho e, em muitos casos, entendiam a escola

unicamente como um lugar de lazer e de encontro com amigos, destituindo-a de seu

atributo essencial: lugar de aprender.

Essa situação não era, contudo, uma regra. Seria injusto não citar as

iniciativas que apresentaram bons resultados, praticadas por diretores,

coordenadores e professores. Entretanto, estas eram iniciativas isoladas, pontuais,

que se constituíam no cotidiano escolar por aqueles que buscavam constantemente

um suporte que lhes possibilitasse uma atuação eficaz e, apesar das dificuldades

enfrentadas, conseguiam motivar-se autonomamente, o que lhes garantia fôlego

para proposições transformadoras e exitosas. Talvez o mais frustrante fosse ter que

admitir (ao menos intimamente) que esse sucesso não era fruto da formação que

lhes era oferecida por nós, PCNPs, ou seja, era evidente que o envolvimento

pessoal e profissional que esses coordenadores tinham com o trabalho pedagógico

não era resultado da formação que oferecíamos...

Tais coordenadores (a minoria no grupo) não desistiam do seu papel

formador e remavam contra a maré, num esforço ímpar de conferir sentido à

- 19 -

formação, buscando possibilidades para propor um trabalho significativo junto à

equipe de professores com a qual atuava. Essas iniciativas costumavam revelar uma

escola com uma equipe de trabalho coesa, motivada, participativa.

Todavia, por serem minoria, esses coordenadores foram, ao longo do

tempo, silenciados por seus colegas nos encontros de formação promovidos pela

Diretoria de Ensino. Aos poucos, deixaram de relatar suas experiências, de

exemplificar situações que ajudariam a compreender a teoria proposta em estudo,

de admitir que o trabalho poderia dar certo... Isso ocorreu porque, segundo

relataram, estavam ficando mal vistos pelos colegas, estavam sendo considerados

como aqueles que gostam de falar para “aparecer mais do que os outros”, o que

lhes causava desconforto e constrangimento.

Esse fato torna evidente que uma proposta de formação precisa ser bem

conduzida pela equipe que a lidera, sob o risco de ofuscar o trabalho daqueles que

de algum modo conseguiram encontrar um bom caminho para conduzi-lo, além de

não oferecer subsídios para a promoção das necessárias mudanças na ação

pedagógica da sua equipe docente.

A realidade da maioria dos coordenadores, contudo, apresentava-se

numa vertente oposta. Um considerável mal-estar instalava-se porque formadores e

formandos não rumavam a um mesmo destino. Um clima de acusações mútuas

tornava o espaço de formação improdutivo e palco de relações tensas que não

contribuíam para a constituição de uma proposta de trabalho adequada para a

realidade da qual faziam parte.

Quando os resultados desastrosos dessa falta de diretriz na formação

ultrapassam o âmbito da escola e ganham a força que a mídia lhes confere, a

sociedade acaba por querer encontrar o culpado por essa situação. Nesse

momento, intensificam-se os conflitos, pois, quando cada um dos envolvidos

(alunos, professores, pais, coordenadores pedagógicos, diretores, PCNPs,

governantes, etc.) reflete sobre a questão considerando unicamente o seu ponto de

vista, a situação tende a tornar-se um jogo cujo objetivo é safar-se cada qual de

suas responsabilidades, escondendo suas limitações e faltas para apontar as

- 20 -

alheias, atitude que enfraquece e desvaloriza os profissionais da educação, além de

não contribuir para torná-la melhor.

Esta tensão instalada nos processos formativos, longe de estar saturada

ou desacreditada, é um campo fértil para a proposição de ações que viabilizem a

necessária mudança. Para tanto, assumimos nesse trabalho alguns pressupostos,

oriundos das leituras realizadas sobre a temática (e que serão exploradas

posteriormente, neste estudo), mas também da experiência como formadora de

formadores (coordenadores pedagógicos), quais sejam:

o trabalho de formação precisa ser compreendido na perspectiva da formação de

adultos, contemplando a participação ativa de todos os envolvidos e

considerando, tanto quanto possível, a sua formação profissional, bem como a

sua experiência na área, sob o risco de destituir de sentido todo o processo;

a adoção dos princípios de colaboração no processo de formação institui uma

dinâmica em que os objetivos e as responsabilidades são partilhados,

promovendo, portanto, o envolvimento de todos com os resultados almejados,

assim como o desenvolvimento profissional;

a ampliação do conhecimento sobre o trabalho de formação, buscando conhecer

diferentes contextos (nacionais e internacionais), contribui para a construção de

propostas viáveis aos contextos locais, já que possibilita a aprendizagem com

experiências alheias que podem ser modificadas, adotadas ou descartadas pela

equipe formativa, após análise de sua (in)validade;

o diálogo com outras áreas do conhecimento favorece o desenvolvimento

profissional de formadores e formandos, uma vez que possibilita reconstruir

constantemente o que se sabe sobre as questões colocadas em pauta nas ações

de formação.

Assente em tais pressupostos, parte desta pesquisa foi realizada em

Portugal, sob a coorientação da Profa. Dra. Maria do Céu Roldão, na Universidade

Católica Portuguesa/Porto, fato que possibilitou uma imersão na temática, já que os

profissionais deste país têm desenvolvido trabalhos significativos na área de

formação de professores e têm sua produção acadêmica muito utilizada no Brasil.

- 21 -

É certo que foi a reflexão sobre minhas experiências como formadora que

fomentou o desejo de buscar algumas respostas que pudessem contribuir com

melhoria dos processos formativos. E, neste sentido, a própria produção acadêmica

fornece muitas orientações e caminhos (alguns possíveis, outros nem tanto). Mas,

ainda assim, isso não era suficiente. Era preciso ir além da produção acadêmica e

aproximar-se da realidade dos formadores para melhor compreendê-la e assim

possibilitar mudanças.

Delineou-se, assim, o caminho metodológico desta pesquisa que,

inicialmente, era:

- estabelecer interlocução com formadores de portugueses de atuação expressiva

para compreender, analisar e ressignificar suas experiências no contexto brasileiro;

- reunir-se periodicamente com um grupo de formadores em uma das Diretorias de

Ensino de São Paulo e, colaborativamente, construir uma proposta de formação que

levasse em consideração a sua realidade, com princípios e pressupostos suscitados

pelo próprio grupo.

Entretanto, devido a uma reorganização significativa nas estruturas da

educação pública estadual que ocorreu em 2012, por meio do Decreto nº 57.141, de

18 de julho de 2011, não foi possível compor um grupo colaborativo com formadores

que atuam na Diretoria de Ensino. Por outro lado, a imersão na produção acadêmica

portuguesa, bem como o diálogo com os formadores portugueses, por meio de

entrevistas com professores de atuação expressiva na formação de professores do

país, gerou um material valioso que mereceu uma análise mais aprofundada.

É preciso salientar que a escolha da interlocução com formadores

portugueses deu-se em função do fato de terem, os autores portugueses, suas

obras muito utilizadas aqui no Brasil (no âmbito da educação). Contudo, em muitos

casos, nota-se que há uma aplicabilidade direta das ideias difundidas naquele país,

sem a necessária ressignificação de seus princípios, sem a essencial análise e

reflexão dos contextos em que ocorrem, sem considerar as especificidades das

diferentes realidades.

Todavia, é preciso reconhecer que os autores portugueses defendem e,

em alguns casos, realizam, um trabalho de formação cujos princípios estão assentes

- 22 -

na colaboração, no desenvolvimento profissional e na prática reflexiva, tal como

desejamos em nossa realidade. Considera-se, ainda que, sendo Portugal um país

com uma extensão territorial significativamente menor do que a do Brasil, a

implantação de projetos, programas e propostas formativas, em nível nacional,

envolve menos riscos do que aquela que ocorre no Brasil, ainda que esta aconteça

de forma gradativa, fato que possibilita aprendizagens significativas, pois funciona

como um recorte de realidade a ser analisada. Soma-se a isto o fato de que a

proximidade com o idioma torna todo o acervo de produção acadêmica, bem como

os diálogos com os formadores, mais acessíveis.

Essa redefinição da trajetória durante o percurso da pesquisa sustenta-se,

inclusive, na fala de um dos participantes, que chamaremos de E1, que em seu

depoimento afirma:

As coisas que eu vou fazer em projetos ou não, atividades ou ações, seja lá o que for, as coisas que eu vou fazendo nunca são aquilo que eu pensei no princípio, nunca. Eu normalmente penso mais largo do que aquilo que consigo fazer, mas também aquilo que faço às vezes vai por outros caminhos e mais longe e diferente do que eu tinha. Mas normalmente nós partimos muito gulosos e depois temos necessidade de ir cedendo.(...) É preciso as pessoas terem noção que estão a caminhar num sentido que, se calhar, não tinham trabalhado antes e, portanto, que não vão resolver tudo,... (...) vão fazer uma série de coisas que não vão correr bem, que provavelmente não vão chegar nem à metade daquilo que queriam, mas vão chegar a algum lado. E este lado que vão chegar é uma partida pra outros continuarem. (...) Aquilo há de ser o princípio de alguma coisa e isso eu acho também que é importante que as pessoas tenham muito em mente.

Assim, necessário se fez lidar com a impossibilidade de conseguir formar

um grupo colaborativo para repensar a formação num contexto real e redefinir os

rumos da pesquisa sem desviar-se do seu foco central: a formação de

professores/formadores.

O valioso material coletado durante o intercâmbio com Portugal

possibilitou delinear esta pesquisa a partir das inquietações suscitadas na formação

de formadores (apresentadas nos parágrafos anteriores), fundamentadas nos

depoimentos de formadores de atuação expressiva na realidade portuguesa, com o

objetivo de identificar fundamentos que possam contribuir para avanços nos

modelos formativos que contribuem com o desenvolvimento profissional dos

professores em formação em contexto brasileiro, constituindo-se este, portanto, o

objetivo central desta pesquisa. Para alcançar tal intento, deste objetivo mais geral

outros derivaram. São eles:

- 23 -

- conhecer o que pensam os formadores portugueses sobre a formação do

formador;

- distinguir propostas de formadores portugueses que possam contribuir para que

formadores e formandos possam ressignificar os modelos formativos brasileiros.

É preciso ressaltar que esta pesquisa busca responder à seguinte

questão: que proposições apresentadas pelos formadores portugueses contribuem

para pensar os modelos formativos brasileiros?

Na dinâmica do trabalho formativo feito nesta perspectiva circunscrevem-

se preceitos da Psicologia da Educação, haja vista as relações implicadas na

constituição e funcionamento da equipe em formação.

- 24 -

TRILHA I

PROCESSOS FORMATIVOS

...a formação apresenta-se-nos como um fenómeno complexo e diverso sobre o qual existem apenas escassas conceptualizações e ainda menos acordos em relação às dimensões e teorias mais relevantes para a sua análise. (GARCÍA, 1999, p.21)

- 25 -

1. Visão geral sobre a formação de professores no Brasil

As questões que se referem aos processos formativos têm sido

intensamente discutidas no Brasil, mas também em muitos outros países. Seja no

âmbito acadêmico, na escola ou nos diversos cursos que surgiram nos últimos anos

com o propósito de formar professores, essa discussão vem progressivamente

conquistando seu espaço.

Em uníssono, os profissionais da educação defendem a importância de

investir na formação para que seja possível oferecer um ensino melhor, para

alcançar uma “educação de qualidade”, como afirmam. Esse brado ecoa, inclusive,

nas esferas governamentais, passando pelos diferentes níveis hierárquicos; tornou-

se um discurso obrigatório nos encontros de educação, seminários, simpósios,

congressos; também está presente nas propagandas eleitorais e nas propostas

políticas que objetivam melhorias para a educação. Tal relevância deve-se,

especialmente, à contribuição de muitos pesquisadores que desenvolvem trabalhos

sistematizados e rigorosos de discussão, reflexão, observação e análise dos

diversos fatores implicados na questão e que são divulgados por diferentes meios,

como palestras, artigos, livros, dissertações, teses, meio eletrônico,... Outro fator

que evidencia tal relevância refere-se, infelizmente, aos resultados pouco

satisfatórios do rendimento dos alunos, como apontam as avaliações externas

realizadas em âmbito nacional, em que a obtenção de resultados que constituem

índices de rendimentos aquém do esperado para uma boa parcela de alunos, parece

não ser surpresa para a comunidade escolar e a sociedade em geral. Entretanto,

nem seriam necessárias consultas ou análises dos índices apresentados nas

avaliações externas: uma breve observação do uso básico da leitura/escrita dos

alunos dos anos iniciais do ensino fundamental já seria suficiente para constatar a

ineficácia do sistema de ensino.

Contudo, constatar que a formação de professores tem sido amplamente

discutida no Brasil não é, por si só, suficiente para crer que rumamos à

concretização de uma educação melhor na medida da necessidade social. A

realidade do ensino oferecido nas escolas revela que ainda há muito a ser feito em

- 26 -

relação a essa considerável parcela de alunos que continua sem aprender o que

lhes é fundamental. E, nesse sentido, assusta o fato de saber que tem sido

considerado “normal” o fato de alunos frequentarem a escola, mas não aprenderem.

E as hipóteses para justificar esse fracasso são muitas: há professores que

ingressam na carreira com uma formação inicial insuficiente e, como consequência,

logo ficam desmotivados; há instituições desestruturadas (seja por falta de recursos

ou por falta de uma gestão competente, democrática, participativa); o número de

alunos por sala de aula não é adequado; as famílias não participam da vida escolar

de seus filhos; etc. Soma-se a isso a falta de políticas públicas que possam dar

solidez, autonomia e sustentação a todo o sistema educacional.

Considerando-se que estes aspectos não são independentes, mas

articulam-se continuamente em cada escola, do modo como concretamente é

possível, sendo que o mau funcionamento de um compromete os demais, a

formação surge como a solução para todos os problemas enfrentados e

transforma-se, assim, numa panacéia que traz consigo a solução para os problemas que se colocam aos indivíduos e aos grupos sociais, que contém as respostas para todas as interrogações e para todas as dúvidas e angústias de uma sociedade em mudança. (AMIGUINHO, 1992, p. 23)

Resulta dessa visão miraculosa da formação como solução para todos os

males uma espantosa oferta de cursos e palestras, ministrados, inclusive, por

profissionais que não são da área da educação, oferecendo receitas ou passos a

serem seguidos quando se pretende alcançar bons resultados. É preciso destacar

que não se pretende, contudo, difundir a ideia de que os cursos ou palestras sejam

inadequados ou ineficientes na formação de professores. Por meio de eventos como

esses é possível conhecer diferentes propostas de atuação, o que pensam, propõem

e em que se fundamentam diversos autores, enfim, deparar-se com formas

anteriormente não percebidas de compreender a educação, o que pode modificar o

que até então se pensava sobre ela, favorecendo uma atitude reflexiva,

potencialmente transformadora, para com a própria ação pedagógica. Porém, deve-

se admitir que tais eventos são insuficientes quando se constituem como única via

de formação oferecida ou da qual participam os professores, uma vez que ignoram a

singularidade dos formandos, dos espaços em que atuam, das pessoas a quem

ensinam e com quem lidam, pois, tal como esclarecem Placco, Almeida e Souza

- 27 -

(2011, p.228), “não se pode falar de escola, genericamente, mas de cada escola em

particular, dado que cada uma tem características pedagógico-sociais específicas”.

Também García (1999, p.21), na revisão da produção acadêmica que faz a respeito

do conceito de formação, afirma que “Uma peculiaridade das acções de formação é

que se desenvolvem num contexto específico, com uma determinada organização

material e com certas regras de funcionamento.”.

Não se deve, portanto, percorrer o caminho da formação por meio de

atalhos ou desvios, isto é, partindo de uma premissa que confere aos diversos

cursos, simpósios, encontros, palestras, a total responsabilidade por esse processo.

Acreditando nesse princípio é que se constitui uma formação deformante em

detrimento de uma que seja transformadora. A ânsia pela obtenção de resultados

significativos em intervalos cada vez menores tem levado muitos educadores a

experimentar uma sensação de fracasso que o desmotiva na busca por aprimorar a

sua ação pedagógica constantemente. É descartada, nesses casos, a importância

de uma proposta formativa que se estabeleça numa rotina, num continuum de

permanente interlocução com a atuação pedagógica cuja interrupção só possa ser

admitida no encerramento da carreira docente.

Das muitas discussões propostas sobre os processos formativos em

contexto escolar, destaca-se o fato de que há autores que defendem, inclusive, o

desenvolvimento de uma teoria da formação. Nessa perspectiva, García (1999, p.20)

refere Honoré e sua proposição para utilização do termo “formática”, referindo-se “à

área do conhecimento que estuda os problemas relativos à formação.” E muitos são

os obstáculos que precisam ser superados no caminho da formação, como a justa

remuneração para o tempo coletivo dedicado além da jornada de trabalho,

acomodações adequadas, tecnologia disponível, biblioteca atualizada, diminuição

dos procedimentos burocráticos, recursos disponíveis para a realização de projetos,

entre outros. Não se pode citar todos esses obstáculos sem destacar que eles, por si

só, devem ser intensamente discutidos, dada a sua relevância no processo

educativo. Entretanto, tal discussão não será feita nessa pesquisa (mesmo que em

diversos momentos sejam inevitáveis as considerações generalizadas ou pontuais

sobre tais obstáculos) e, é preciso enfatizar, isso não ocorre devido à pouca

importância que lhes é destinada, mas para ser fiel ao propósito inicialmente

- 28 -

estabelecido, buscando evitar, assim, os desvios que se constituem em riscos

iminentes devido à complexidade do assunto abordado.

As preocupações que envolvem os processos formativos na educação

pública brasileira perpassam as esferas municipal, estadual e federal. O sistema

educativo clama por modelos de formação que viabilizem a qualificação dos

professores, por profissionais competentes que promovam a aprendizagem dos

alunos e resgatem o interesse e respeito social pela docência.

Essa necessidade sentida pelo sistema educativo, bem como pela

sociedade em geral, e as propostas de formação instituídas pelas esferas

governamentais revelam uma falta de sintonia generalizada, tal como também revela

Martins (2013, p. 111).

O desenvolvimento de cursos de formação alheios às necessidades individuais dos professores ou particulares da escola parece contraditório com o discurso de valorização, protagonismo e autonomia docente presentes em documentos oficiais, ou, na verdade, fornece indícios de que este discurso sobre o protagonismo represente um recurso eloquente de convencimento dos professores no sentido de que podem participar e decidir.

No discurso, todos concordam que é preciso investir na formação; na

prática, as ações denunciam uma oferta de programas que, ainda que sejam bons (e

o são), não atendem as necessidades sentidas nas escolas; não formam formadores

para que estes, juntamente com a sua equipe docente, se apropriem da essência de

tais programas e façam reflexões que possibilitem: 1) compreender propósitos

explícitos e implícitos, 2) promover adequações necessárias para a realidade em

que se encontram e 3) apresentar argumentos sólidos para aspectos que julguem

inadequados. Por isso, esses programas não propiciam a modificação de realidades

e, consequentemente, não viabilizam a aprendizagem dos alunos.

Numa breve consulta à página eletrônica do MEC6 é possível identificar

oito programas de formação oferecidos aos docentes da educação básica. São eles:

Formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC): tem

como objetivo melhorar a qualidade do ensino no ciclo de alfabetização; 6 Consulta ao endereço eletrônico <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18838&Itemid=842> em 11.01.2015

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Proinfantil: formação em nível médio (à distância, na modalidade normal)

oferecida aos profissionais que atuam na educação infantil e que não têm

formação para o magistério;

Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR):

possibilita a formação em nível superior, gratuita, aos professores de

educação básica da rede pública que ainda não a possuem;

Proinfo Integrado: voltado para o uso didático-pedagógico das Tecnologias

da Informação e Comunicação – TIC no cotidiano escolar, articulado à

distribuição dos equipamentos tecnológicos nas escolas e à oferta de

conteúdos e recursos multimídia e digitais;

e-Proinfo: ambiente virtual colaborativo de aprendizagem que permite a

concepção, administração e desenvolvimento de diversos tipos de ações,

como cursos a distância, complemento a cursos presenciais, projetos de

pesquisa, projetos colaborativos e diversas outras formas de apoio à distância

e ao processo ensino-aprendizagem;

Pró-letramento: programa de formação continuada de professores para a

melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática nos

anos iniciais do ensino fundamental;

Gestar II: formação continuada em língua portuguesa e matemática oferecida

aos professores dos anos finais (do sexto ao nono ano) do ensino

fundamental em exercício nas escolas públicas;

Rede Nacional de Formação Continuada de Professores: o público-alvo

prioritário da rede são professores de educação básica dos sistemas públicos

de educação. As áreas de formação são: alfabetização e linguagem,

educação matemática e científica, ensino de ciências humanas e sociais,

artes e educação física. O Ministério da Educação oferece suporte técnico e

financeiro e tem o papel de coordenador do desenvolvimento do programa,

que é implementado por adesão, em regime de colaboração, pelos estados,

municípios e Distrito Federal.

Há, ainda, neste mesmo endereço eletrônico, o Portal do Professor, que é

um espaço para troca de experiências entre professores do ensino fundamental e

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médio num ambiente virtual com recursos educacionais que facilitam e dinamizam o

trabalho dos professores.

No caso específico do Estado de São Paulo, foi criada em 2009 a Escola

de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores “Paulo Renato de Souza” (EFAP)

com o objetivo de oferecer cursos de formação continuada aos servidores da

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Os cursos na EFAP contemplam modalidades de ensino à distância, por

meio de videoconferências da Rede do Saber e atividades a serem realizadas em

Ambientes Virtuais de Aprendizagem.

No caso dos professores ingressantes por meio de concurso público, a

EFAP cumpre o papel de oferecer a formação atualmente obrigatória a esses

profissionais. É ela, portanto, quem realiza os Cursos de Formação Específica.

A julgar pelo número de programas de formação oferecidos pelo governo

federal e pelo trabalho desenvolvido pela EFAP, no caso do Estado de São Paulo,

poder-se-ia afirmar que os profissionais da educação recebem suporte suficiente

para o seu desenvolvimento profissional. Por que, então, os alunos continuam sem

aprender?

O INEP divulgou os dados da Prova Brasil (ANRESC) 2013 apenas por

escola. Entretanto, o portal “Todos pela Educação”7 revela que apenas 11% dos

alunos avaliados no 9º ano8 obtêm um nível de aprendizado considerado adequado

em matemática. Em Língua Portuguesa, o índice de alunos com aprendizagem

considerada adequada é de 22%.

Considerando que o referido Portal destaca uma modesta melhoria nos

índices de 2013 em relação à avaliação anterior (2011), é preciso ressaltar que este

resultado não inspira comemorações. Antes, revela que estamos alcançando uma

situação menos ruim (mas, ainda ruim). Isto porque a delimitação deste estudo não

permite colocar em discussão as condições de aplicação e realização das provas,

7 Fonte: <http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/32239/cai-para-11-o-indice-de-alunos-que-aprendem-o-esperado-em-matematica/> Acesso em 11.01.2014. Dados dados compilados pelo Portal QEdu. 8 A Prova Brasil avalia, a cada dois anos, alunos do 5º e 9º anos, isto é, alunos concluintes dos dois ciclos do Ensino Fundamental.

- 31 -

bem como as práticas adotadas pelas escolas de “treinar” os alunos para as

avaliações externas, o que colocaria em dúvida os resultados obtidos (que poderiam

ser piores).

Portanto, colocar como prioridade os processos formativos, apesar de ser

um ponto de partida importante, por si só não promove melhoria de ensino. É de

extrema importância que todas as instâncias envolvidas (professores e seus

formadores) encontrem sentido na formação, que se identifiquem com ela, que

saibam para onde ir e como chegar lá. Por isso, o sentido precisa ser construído no

cerne do próprio grupo em formação. Qualquer proposta impositiva isenta os

envolvidos de sua responsabilidade no processo e os distancia do desenvolvimento

profissional almejado. Entretanto, se os formadores não tiverem clareza desse

princípio da formação, todo o trabalho pode ficar comprometido; mas pouca atenção

tem sido dada ao trabalho desse profissional. Parece que o único ator da formação

de professores é o próprio professor.

Não se trata de hierarquizar o processo, destacando este ou aquele

profissional, mas de reconhecer que há papéis cujo desempenho ocorre de forma

diversa e que, portanto, necessitam de um suporte que possa ser útil de acordo com

a especificidade da sua atuação.

Há muitas pesquisas no âmbito da formação de professores. Uma busca

no Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD) 9 , usando como descritor a

expressão “formação de professores”, apresenta como resultado 9.073 pesquisas

(de mestrado e doutorado), no período de 1976 a 2015, sendo que, deste total, o site

não informa a data de publicação de dois trabalhos. Esse número sofre uma queda

considerável quando se altera o descritor para “formação de formadores”, revelando

um total de 714 pesquisas (de mestrado e doutorado), no período de 1986 a 2015.

Com a realização do mesmo processo de consulta no Banco de Teses da

CAPES10, quando o descritor é “formação de professores”, obtém-se 3.596 registros

encontrados. A informação sobre o período de publicação dessas pesquisas, de

acordo com o site consultado, é que 1.810 desses trabalhos foram publicados em

2011 ou anos anteriores e 1786 foram publicados em 2012. Para “formação de

9 Endereço: < http://bdtd.ibict.br/> Acesso em 15.11.2015. 10 Endereço: < http://bancodeteses.capes.gov.br/> Acesso em 15.11.2015.

- 32 -

formadores” há apenas 179 registros, sendo 87 deles publicados em 2011 ou anos

anteriores e 92 publicados em 2012. Infere-se que esse número deve ser maior

atualmente, pois não registros de trabalhos posteriores a 2012 até a presente data.

No Portal do Domínio Público 11 encontram-se 881 trabalhos para “formação de

professores”, no período de 2004 a 2010 e 5 trabalhos para “formação de

formadores”, no período de 2006 a 2009.

Este cenário denuncia a priorização de apenas uma das perspectivas da

formação, a do professor em formação. Como consequência, há uma preocupação

consideravelmente menor com a perspectiva do professor formador. Não

defendemos a ideia de que deve haver uma inversão desses pilares, mas uma

equivalência, já que ambas as perspectivas são essenciais para o sucesso do

processo.

O Coordenador Pedagógico (CP) é, no contexto brasileiro de atuação

docente, o responsável pela formação continuada na escola, ainda que nem sempre

este profissional tenha um perfil de formador de professores (conforme será

discutido adiante). A pesquisa realizada por Placco, Almeida e Souza (2011, p. 248),

fornece evidências da necessidade específica de formação sentida por esses

formadores. Nela, as autoras entrevistaram CPs das cinco regiões brasileiras e, ao

analisar os dados sobre o tempo e a experiência profissional dos entrevistados,

afirmam que “a maioria valoriza também a formação específica para o CP. Acreditam

que é preciso um movimento constante em direção à busca de conhecimentos e

atualização profissional.”.

Em outro ponto da mesma pesquisa, as autoras revelam que

...tanto CPs como diretores enfatizam a importância de formação específica para os coordenadores exercerem suas funções. Entendem que o mais importante é que o CP esteja em formação permanentemente. A maioria dos diretores acha importante a formação específica para o exercício da função de CP. Alguns entendem que o aperfeiçoamento e especialização trazem benefícios e dizem buscar assegurar a possibilidade de participação

do CP. (PLACCO, ALMEIDA e SOUZA, 2011, pp. 253-254).

Este fato é especialmente significativo neste estudo, pois, ainda que não

seja uma unanimidade, CPs e Diretores de escolas percebem a necessidade de

11 Endereço: < http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp> Acesso em 14.01.2015.

- 33 -

formação específica para os formadores. Urge que os resultados da referida

pesquisa, de âmbito nacional, possam ser considerados por aqueles que estruturam

as políticas de formação. Os CPs, especificamente, e formadores, em geral, nas

diferentes instâncias do setor educacional (como as DEs, por exemplo), necessitam

de uma “formação específica” que, em muitos aspectos se assemelha àquela que

será oferecida aos professores, mas que não pode estar limitada a ela. Não é uma

formação para quem vai ensinar o aluno, mas para quem irá ensinar a ensinar. É

preciso, contudo, compreender que o conceito de ensinar é “caracterizador nuclear

da actividade docente, e desejavelmente legitimador do seu grau de

profissionalidade.” (ROLDÃO, 2009, p.20). Esclarecemos ainda que,

Ensinar consiste, do ponto de vista em que nos colocamos, em desenvolver uma acção especializada, fundada em conhecimento próprio, de fazer com que alguém aprenda alguma coisa que se pretende e se considera necessária, isto é de acionar e organizar um conjunto variado de dispositivos que promovem a aprendizagem do outro, embora não a possam garantir em absoluto, já que o sujeito aprendente terá de desenvolver os correspondentes procedimentos de apropriação. (ROLDÃO, 2009, pp. 14-15)

Tal como vimos que há um número consideravelmente menor de

trabalhos e pesquisas sobre formação de formadores, a produção acadêmica sobre

formação continuada reflete esta mesma lógica. As obras, em sua maioria, ocupam-

se da formação de professores, compreendendo que, neste cenário inserem-se

também os formadores. Ocorre que, ao colocar no mesmo patamar a formação de

professores e de seus formadores, a produção acadêmica despreza especificidades

de uma e de outra, considerando apenas a vertente das características que as

aproxima.

Pessôa et. al. (2013) discutem as especificidades da formação de

formadores, afirmando que

...há duas características da formação de formadores que não podem ser deixadas à margem: uma diz respeito ao fato de que os formadores ensinam em uma instância indireta (o que exige pensar a formação de acordo com esta particularidade, ou seja, do ponto de vista da necessidade daquele que ensina, do professor, mas com vistas a promover a aprendizagem do aluno); a outra refere-se à própria formação do formador, considerando-se que este, muitas vezes, formou-se para ser professor, atuar com os alunos, e acabou tornando-se formador por circunstâncias diversas. Essas duas características já exigem, por si só, um tratamento especial em relação à formação do formador.

- 34 -

Há uma compreensão velada de que, sendo o professor alguém que sabe

ensinar, seguramente saberá conduzir um processo de formação. Concordamos

que, de fato, há boas chances de isto acontecer, já que, tal como ocorre na

preparação das aulas, o formador também necessita selecionar conteúdos,

organizá-los, escolher estratégias de ação, conduzir o trabalho, avaliar o processo.

Entretanto, quando se muda o perfil do público a quem se destina o trabalho, muita

coisa é transformada.

Na relação entre aluno e professor, num contexto de aula, ainda que

possa ser a mais democrática possível, sabe-se que há uma hierarquia

estabelecida, um líder (o professor) reconhecido socialmente. A relação entre

professor formador e professor em formação, por sua vez, pressupõe uma reunião

de líderes que possuem formação para atuação profissional (em geral,

licenciaturas), experiência profissional que por vezes colocam em xeque a formação

que lhes é proposta.

Além disso, é diferente formar professores para ensinar e formar

formadores que ensinem a ensinar. É o ensino na segunda instância e, em geral,

professores não são formados para isso. Frequentemente os formadores são

selecionados para a função porque se destacam como docentes e não é raro

observar a derrocada desse profissional que é retirado da sala de aula por ser um

excelente professor, mas torna-se um formador de atuação regular. Há que se

destacar, apesar de parecer redundante, que a aprendizagem da profissão é

aprendizagem profissional e, como tal, não pode estar pautada apenas na intuição,

na experiência pessoal e numa trama de tentativa e erros. Tudo isso só será válido

se estiver articulado com conhecimento profissional, obtido na formação inicial e

mantido na formação contínua.

Cumpre ressaltar que a formação de professores e a formação de

formadores possuem muitas aproximações, o que faz com que sejam colocadas

num mesmo patamar de discussão. Entretanto, aquilo que as diferencia não pode

ser ignorado quando se pensa em um processo formativo, de tal modo significativo,

que possibilite o desenvolvimento profissional para todos os envolvidos e resulte na

aprendizagem dos alunos.

- 35 -

Alguns trabalhos acadêmicos corroboram com o princípio de que deve

haver uma preocupação com a formação dos formadores. É o caso da dissertação

de mestrado de Gouveia (2012, p.21), em que a autora afirma:

Os coordenadores pedagógicos podem ser os parceiros mais experientes dos professores, podem ser articuladores de uma rede de aprendizagem dentro da escola, podem garantir que a reflexão seja constante, que o contexto de trabalho seja o objeto de discussão atrelado à teorização necessária e também podem ser responsáveis pela qualidade de aprendizagem dos alunos. A formação dos coordenadores contribui para tornar as escolas espaços de formação permanente de seus professores.

A visão da autora expõe toda a importância do papel do formador

(coordenador pedagógico) e os benefícios que podem ser alcançados quando este

recebe uma formação adequada. Faz-se necessário, contudo, salientar que não

estamos colocando toda a responsabilidade do sucesso da formação no formador. É

preciso uma gama de condições (físicas, materiais, políticas, financeiras, teóricas,...)

para que ela frutifique. O que aqui se coloca é o fato de que, dentre essas

condições, a que menos tem sido discutida é a formação do formador, tornando-se

uma fragilidade que precisa ser superada com a urgência que o assunto requer.

É nessa vertente que encontramos também o trabalho de Gastaldi (2012,

p. 67) em que, de modo muito perspicaz, a autora faz apontamentos sobre a

formação de professores e de formadores.

Um trabalho de formação de professores cuja proposta formativa está baseada na identificação e enfrentamento de problemas práticos dos professores coloca os formadores diante do desafio de, assim como os professores, identificar e fazer propostas para superar constantemente os problemas surgidos ao longo da formação. Nesse sentido, precisam dominar os conhecimentos relacionados à própria prática de formação, além do conhecimento da realidade onde atuam os professores que estão sob sua coordenação. Por isso a formação continuada deve se colocar como um espaço de formação dos próprios formadores, para que, por meio deste processo se estabeleçam situações de interlocução em que os formadores tenham oportunidade de analisar coletivamente suas atuações, bem como as ações de seus alunos-professores, para assim, gradativamente, fortalecerem-se e legitimarem-se como formadores.

A autora evidencia, tal como temos defendido, especificidades da

formação de formadores. É mister que seja oferecido aos formadores oportunidades

em que possam, tal como revelou Gastaldi: identificar necessidades e elaborar

propostas de formação, dominar os conhecimentos relacionados à própria prática de

formação e à do professor e analisar na coletividade a sua atuação e a de seus

- 36 -

professores. Peculiaridades como essas não podem ficar diluídas, esmaecidas,

perante outras prioridades. Elas são fundamentais para uma atuação formativa que

possa, de fato, propiciar aprendizagens.

A pesquisa desenvolvida por Gomes (2008, pp. 70-71) também contribui

para trazer à tona a importância de se pensar a formação do formador na sua

perspectiva.

...foi possível perceber a dimensão do papel do formador no processo de formação de professores. O domínio teórico dos conteúdos do curso e da experiência como professora alfabetizadora, ainda que fundamentais, não eram suficientes para atender às expectativas dos professores cursistas que adentravam o curso com um sem-número de dúvidas, queixas e problemas. Neste entrechoque de expectativas versus possibilidades, evidenciaram-se sobremaneira a necessidade de o formador apresentar um olhar crítico e mais afinado sobre as propostas que implementaram, principalmente no tocante ao que é factível ou não de se propor aos professores considerando-se a realidade nas quais esses professores estão imersos cotidianamente.

Essa conclusão da autora expõe uma das questões cruciais da formação

de formadores: o domínio do conteúdo e a experiência como docente são

fundamentais para a atuação do formador, mas não são suficientes. Necessário se

faz enfatizar que não desprezamos aquilo que já foi construído na formação.

Entretanto, chamamos a atenção para o fato de que não podemos ficar limitados a

algumas exigências que, apesar de essenciais, por si só não bastam para a

condução de um processo de formação. É preciso ir além! É preciso conhecer a

realidade profissional daquele que participa da formação, é preciso dominar

estratégias de formação, é preciso articular espaços de diálogos e trocas de

experiências.

A pesquisa nacional sobre a formação de professores da educação

básica realizada por Gatti e Barreto (2009, p. 229), corrobora o que aqui colocamos

em discussão. Para as autoras,

...os estudos e as investigações sobre processos formativos para o desenvolvimento profissional do professor indicam que o tema da formação de formadores merece atenção. A qualidade da formação inicial e do desenvolvimento profissional dos professores tem relação com a preparação dos profissionais que atuam como formadores nesse trabalho, seu domínio conceitual e prático e seu envolvimento e compromisso com a formação de educadores.

- 37 -

A ênfase no fato de que a qualidade da formação, inicial ou continuada,

está vinculada com a preparação dos formadores coloca a formação destes no

patamar de prioridades, lugar que sempre deveria ter ocupado. Quando as

preocupações com a formação dos formadores começam a vir à tona, outros

aspectos correlatos, até então invisíveis nessa esfera, também se desvelam. É o

caso do perfil do formador. Que critérios são levados em consideração quando se

destaca um profissional para realizar o trabalho de formação? Que atributos lhes são

essenciais? Qual a formação profissional necessária?

O perfil do formador foi analisado na pesquisa sobre Políticas Docentes

no Brasil, realizada por Gatti, Barretto e André (2011, p. 219).

Quanto à composição do grupo de formadores, os estudos de campo mostraram certa variedade: ora são supervisores da rede, ora são professores universitários; ora são técnicos da Secretaria de Educação, ora são profissionais dos sistemas apostilados de ensino ou de fundações privadas. Na maioria dos casos, as equipes são formadas por um conjunto desses profissionais. Entrevistados de quatro secretarias explicitaram que professores com trabalho destacado na rede podem atuar como formadores (SEDUC/CE, SEMEDs de Campo Grande, Aparecida de Goiânia e Jundiaí).

A existência de uma diversidade de profissionais da educação atuando na

formação de formadores pode representar uma perspectiva valiosa de formação,

uma vez que não está limitada por parâmetros que dificultem aos profissionais das

diferentes áreas da educação a atuação como formadores; mas, por outro lado,

também pode denunciar a falta de critérios para esta atuação, isto é, quando não há

exigências, qualquer um (entendido como aquele que não possui o perfil de

formador – o que não significa, necessariamente, que seja um mau profissional)

pode ocupar a função. Entretanto, o papel do formador é crucial nos processos

formativos, pois, uma parte considerável do êxito que pode ser obtido com esse

trabalho deve ser viabilizado por meio da sua atuação. Por esse motivo, deve haver

um cuidado especial na seleção desse profissional, já que

O papel dos formadores de professores, quer em situação de pré-serviço, quer em serviço, torna-se crucial, como crucial é terem consciência de que estão atuando para a formação humana, intelectual e pedagógica dos docentes para as próximas gerações. (GATTI, 2013, p.8)

Essa afirmação de Gatti traz à tona um fato pouco discutido: os efeitos de

uma formação mal conduzida podem ser sentidos no futuro, por tempo

- 38 -

indeterminado... Eis, então, mais um motivo para que a preocupação com a

formação de formadores venha a ocupar um lugar prioritário no rol das discussões

sobre processos formativos.

A problemática sobre a seleção dos formadores não é algo que ocorre

somente no Brasil. Maradan (2003, p. 140) revela uma realidade que nos parece

muito familiar. Segundo ele,

O indivíduo torna-se formador um pouco por acaso, um pouco por paixão, muitas vezes pelo jogo de necessidades ou de oportunidades. Adota-se o percurso de suplência ou da prática, e inclusive, de forma cada vez mais frequente, o das ciências da educação; põe-se à prova suas capacidades na ação pedagógica, às vezes na administração escolar; em geral, revela-se muito trabalhador, mas nem sempre bom comunicador.

Essas lacunas existentes na formação de formadores podem explicar a

falta de êxito nas ações formativas realizadas em muitas escolas no contexto escolar

brasileiro. Profissionais que estão à frente da formação necessitam refinar o olhar

para atender as demandas da realidade em que se encontram, mas também

precisam ir além do seu entorno, conhecer realidades distintas, trocar experiências

com outros formadores, para que lhes seja possível ampliar o seu conhecimento

sobre esse processo e, assim, tornarem-se constantemente profissionais cuja

atuação está em constante reformulação.

A produção acadêmica nacional e internacional sobre a formação de

professores tem defendido fortemente a ideia de que a formação continuada

realizada no contexto de atuação, isto é, na escola (na maioria dos casos), deve

estar centrada na sua realidade, na sua problemática real, nas experiências vividas

pela equipe docente, tal como nos apontam, por exemplo, Imbernón, 2011;

Formosinho, 2009; Canário, 1998; Pimenta et. al., 2005; Junckes e André, 2012;

Almeida e Placco, 2013.

Esse esforço de evidenciar que a formação deve ser instituída a partir da

realidade escolar justifica-se pela constatação de que as discussões que são

travadas nesses espaços, em geral propostas por um formador muito bem

intencionado, não são condizentes com a realidade dos professores que, por sua

vez, acabam construindo uma ideia de que a formação é “perda de tempo”, já que

- 39 -

não contribui concretamente para a solução dos problemas que enfrenta no seu

cotidiano.

Calderano (2012) apud Pires e Saçço (2013, p. 81), destaca o relato de

uma professora, muito expressivo para o que colocamos aqui em discussão, e que

revela o distanciamento entre as formações e a realidade do professor.

Agora curso de formação no Brasil para professor é uma vergonha, isso tem que mudar, isso tem que mudar para ontem (fala com tom de revolta, indignação). Primeiro conhecer a realidade, a nossa realidade... eu te confesso eu poderia muito bem pegar meu material da minha formação que não considero que foi tão ruim diante do que vi de muito material e jogar fora, porque na prática você não consegue executar nada daquilo não [Profª Hera, Escola Marte]

Para transpor o patamar que separa a formação que é oferecida na

escola e a realidade da própria escola é que se tem defendido uma formação

centrada na escola. As consequências desastrosas dessa separação, bem como os

benefícios propiciados por uma mudança de perspectiva, tem sido objeto de debate

na produção acadêmica sobre formação de professores. Entretanto, uma

compreensão equivocada dessa deficiência na formação pode conduzi-la a outra

vertente que, além de não resolver a questão, tende a favorecer o surgimento de

outros problemas até então inexistentes com os quais será necessário lidar.

É o que ocorre quando há uma compreensão literal sobre a “formação

centrada na escola”. Nessa ótica, entende-se que a formação apenas e tão somente

é válida se tudo o que a envolver tiver como fundamento a realidade da própria

escola. Entendemos, contudo, que essa é uma visão limitada sobre a concepção de

formação a que nos referimos. A centralidade na escola deve pressupor uma forte

relação com a realidade escolar em pauta, mas isso não significa que outras

realidades não possam suscitar discussões e reflexões que contribuam para o

desenvolvimento profissional de formadores e professores.

Podemos aprender com erros e acertos alheios. Podemos criar uma nova

realidade inspirada (não copiada) em modelos que deram certo. Podemos evitar o

fracasso de uma proposta a partir da análise de programas e projetos já implantados

em outras realidades. Ignorar a necessidade de articular diferentes realidades para

refletir e analisar a própria pode ter como consequência o isolamento de uma

unidade (a escola) dentro de um sistema mais amplo (a comunidade, o sistema

- 40 -

educativo), perdendo-se, desse modo, a conexão com a sociedade. E um ensino

desarticulado da realidade social é justamente o que não queremos que continue

ocorrendo nas escolas, qualquer que seja o contexto em que se encontra. Por isso,

desconsiderar realidades diversas traz como consequência justamente aquilo que se

deseja evitar: o isolamento que distorce e deforma a realidade, ao invés de

transformá-la.

- 41 -

2. Considerações sobre os modelos formativos

As muitas discussões acerca dos fatores implicados nos processos

formativos originam-se de um princípio comum, qual seja, a necessidade constante

de construir e reconstruir a ação docente nos seus diferentes contextos para que, de

fato, os alunos possam aprender aquilo que os professores ensinam. Entretanto,

devido à multiplicidade de trabalhos existentes sobre a temática, e que envolvem

concepções convergentes e divergentes, difundindo posicionamentos por vezes

contraditórios ou, ainda, discussões acirradas sobre nomenclaturas adotadas e

preferidas por este ou aquele autor, necessária se faz a apresentação de

esclarecimentos iniciais sobre algumas escolhas feitas nesta pesquisa, sem que isso

possa significar que estas sejam mais ou menos relevantes que outras, ou ainda,

que este seja o único caminho.

O primeiro ponto a ser destacado é que esta pesquisa trata da formação

contínua, realizada no contexto em que atuam formandos e formadores (podendo

ser a escola, a DE, a SEE, a Universidade,...), considerando as especificidades

locais e a experiência profissional dos envolvidos no processo, o que, neste quesito,

difere da formação inicial de professores, em que tanto a identidade como o

conhecimento profissional estão em processo de constituição e, na maioria dos

casos, inexiste a experiência profissional. Reconhece, contudo, que as críticas, os

questionamentos e as orientações que apresenta podem ser valiosos para ambos os

patamares da formação, inicial e contínua, cujas intersecções também serviram de

alimento para o corpus teórico que foi constituído.

Outro ponto é a especificidade da formação de formadores, uma vez que

neste cenário implicam-se, mutuamente (quem forma e quem é formado),

profissionais responsáveis pela formação de professores. É preciso uma atenção

especial a esse aspecto, já que tal especificidade exige cuidados da parte de quem

os investiga, pois, o formador de formadores (como o PCNP que forma o

coordenador pedagógico que, por sua vez, forma o professor) lida com profissionais

que já possuem uma identidade profissional, experiência na função, expectativas,

frustrações, conhecimentos, valores e atitudes próprios da profissão. Há que se

considerar que a constituição dessa “bagagem” profissional não é homogênea, pois,

- 42 -

cada construção, apesar de coletiva (por muitas vezes ser realizada em grupo), não

é processada da mesma forma pelos seus diferentes atores devido ao componente

pessoal, às elaborações individuais, que se configuram de modo particular em cada

profissional, considerando-se, também, a própria dinâmica que se estabelece no

grupo como uma organização particular e diferente em relação a outros grupos.

Assim, não se pode perder de vista que, no caso da formação contínua de

formadores/professores, as duas partes envolvidas (formadores e formandos)

dispõem do conhecimento profissional viabilizado na formação inicial e em outras

modalidades de formação que porventura tenham participado ao longo da sua

atuação, bem como da bagagem experiencial que a profissão e a convivência social

lhes propiciaram e que, em razão desse “movimento”, se reorganiza continuamente.

A ação do formador de formadores, portanto, precisa modificar-se consoante às

características dos seus formandos, respeitando-se as suas especificidades. Assim,

se vai atuar na formação de formadores (como é o caso da formação realizada pelos

PCNPs para os coordenadores pedagógicos) ou na formação de professores (como

é o caso da formação contínua realizada pelo coordenador pedagógico na escola ou

pelo professor universitário, no caso da formação inicial, que formará os futuros

professores), a atuação do formador deve ser concebida e realizada respeitando-se

tanto os princípios gerais que regem a formação como os específicos de uma

determinada equipe.

Ainda nesses esclarecimentos iniciais, é preciso dizer que a formação de

formadores pauta-se, em boa medida, nos estudos sobre a formação de

professores, área da qual emerge (considerando-se as aproximações e os

distanciamentos existentes), pois não há muitos escritos sobre a formação de

formadores. Desse modo, quando nos referimos à formação de formadores também

estamos falando da formação de professores, sendo o contrário também verdadeiro.

2.1. Críticas às lógicas arraigadas nos modelos formativos.

A atuação na formação de professores possibilitou-me verificar a

utilização de diferentes modelos cuja lógica neles implícita promove uma ação mais

deformante do que formativa. Neste sentido, por melhor que seja o formador, por

- 43 -

mais que esteja comprometido com uma formação efetiva, não haverá êxito na sua

ação se não puder refletir, analisar e ressignificar a própria ação, o que certamente

será muito mais difícil se este for um trabalho solitário, se não houver o outro para

interlocução.

Dos modelos formativos dos quais participei e concebi como formadora

na DE e das formações recebidas na condição de formanda, em diferentes

contextos de atuação, isto é, como professora nos anos iniciais do ensino

fundamental, como Coordenadora Pedagógica, como PCNP na DE, como

professora universitária, evidenciam-se três lógicas, muito utilizadas, que merecem

uma atenção especial, quais sejam: a lógica do modelo escolar; a lógica do déficit ou

da deficiência; a lógica da cascata.

Apesar de tratadas distintamente neste capítulo, cumpre ressaltar que as

lógicas arraigadas na formação estão de tal modo imbricadas nas ações formativas

que se torna, por vezes, muito difícil separar uma lógica da outra. Elas têm princípios

e fundamentos comuns que lhes dão sustentabilidade e, por esse motivo, coadunam

harmoniosamente. A separação que a seguir é apresentada ocorre apenas para

ressaltar características pontuais dessas lógicas que, verdadeiramente, estão

imersas num sincretismo que as impedem de serem diferenciadas na concretude

cotidiana.

2.1.1. A lógica do modelo escolar

De um modo geral, a formação acontece utilizando-se o modelo escolar

como princípio. Isto quer dizer que se parte do pressuposto de que os profissionais

em formação são alunos que devem aprender aquilo que os formadores, então no

papel de professores, têm a ensinar. Além disso, a equipe em formação é vista

como um grupo homogêneo e, portanto, tratada na sua generalidade em detrimento

da sua especificidade.

Nesta perspectiva, impera a visão de que os “alunos” são tábulas rasas

nas quais pode ser impresso aquilo que o “professor” deseja, tal como vem sendo

praticado no ensino tradicional. É como uma transposição do modelo escolar

- 44 -

tradicional que ocorre nas escolas para os processos formativos. Os resultados que

se verificam numa formação que ocorre nesta lógica coincidem com o que denuncia

Silva (2003, p.122):

Ao nível da formação contínua, é uma realidade que as escolas e os professores se sentem desencantados com a situação atual. Os professores assumem-se mais como espectadores do que como autores do seu processo de formação. Esperam que lhes sejam apresentadas as acções, que são depois obrigados a frequentar, (...) Em face disto, os professores sentem a necessidade de uma fuga para a frente, preferindo ser consumidores de formação a autores da mesma, acabando por alimentar um sistema de que são eminentemente críticos, mas do qual se tornam conscientemente cúmplices, pelo jeito que lhes dá. (Grifos do autor)

Assumir uma posição de espectador é destituir-se de toda a

responsabilidade com o processo, visto que não há implicação ou compromisso

assumidos. Esta é uma consequência desastrosa quando se defende uma atuação

profissional com base em princípios de autonomia, por exemplo. Ao colocar-se na

posição de quem “assiste” a formação, o fracasso ou o sucesso do que será feito a

partir de então não dependerá mais de uma atuação profissional consistente, mas

do fator “sorte”, talvez por haver alguma semelhança entre os contextos (o da

formação e o da ação) quando, então, a formação poderá ter alguma validade.

A lógica do modelo escolar nos processos formativos, portanto,

desconsidera que os envolvidos nesse processo são profissionais com experiência

na função (uns mais, outros menos), com formação profissional para o exercício da

docência, com capacidade de propor, questionar, criar, criticar, observar, refletir, ou

seja, capazes de participar como autores da própria formação.

Imbernón (2011, p.15) também critica esse modelo de formação em que

um ensina e o outro aprende. Para o autor,

...a formação assume um papel que transcende o ensino que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza. Enfatiza-se mais a aprendizagem das pessoas e as maneiras de torná-la possível que o ensino e o fato de alguém (supondo-se a ignorância do outro) esclarecer e servir de formador ou formadora.

Reconhecer o fato de que alguém que ensina supõe a ignorância do outro

merece algum cuidado. É fato que a formação segundo a lógica do modelo escolar

- 45 -

pressupõe uma relação entre aquele que sabe (o formador) e aqueles que

aprendem (os formandos). Entretanto, há um risco na generalização desta ideia,

pois, nem sempre aquele que ensina se coloca no lugar de quem sabe mais ou de

quem é superior ao outro. Isto dependerá do tipo de relação estabelecida na

situação, pois, quando alguém se propõe a ensinar algo a alguém, pode estar

contribuindo para o desenvolvimento do outro de maneira significativa, sem que isso

possa desmerecer aquele que aprende. Por isso, a afirmação de Imbernón precisa

ser compreendida neste contexto de formação segundo o modelo escolar.

Assim, por limitar o profissional em formação, desprezando suas

potencialidades, dentre outros fatores, a lógica contida neste modelo formativo não

tem sido bem vista por aqueles que se dedicam a analisar o que não tem dado muito

certo na formação.

2.1.2. A lógica do déficit ou da deficiência

A falta de articulação entre teoria e prática, já na formação inicial,

estabeleceu, tacitamente, um princípio segundo o qual a formação contínua deveria

preencher as lacunas deixadas pela formação inicial. É o que afirmam Pereira e

Pereira (2013, p.127):

Os problemas que ocorreram nos cursos de formação inicial deram à formação continuada a ideia de aprimoramento profissional como também a concepção de formação compensatória a fim de preencher os déficits da formação inicial.

Vista como uma forma de oferecer aos profissionais em formação os

conteúdos ou estratégias que lhes “faltam”, este tipo de formação acaba por não

contribuir com o desenvolvimento profissional. Isto porque, aquilo que “falta” ao

professor pode não ser condizente com as necessidades sentidas na sua atuação

docente. Além disso, também neste caso, permanece a ideia de um formador que

sabe mais e de professores que sabem menos ou, até mesmo, não sabem.

Ao analisar esta situação, Formosinho-Oliveira (2009, pp.280-281)

enfatiza que

- 46 -

Subjacente a esta perspectiva há, muitas vezes, a ideia de que a formação inicial é muito incompleta e cabe à formação contínua complementar essas insuficiências. (...) Esta concepção, implícita ou explicitamente, olha para o professor como objecto e não como sujeito de desenvolvimento. (...) É esta imagem passiva do professor projectada pelo modelo que é mais contestada, dado que o auto-reconhecimento das limitações que a cada momento sente o professor não tem de o desacreditar, pode antes significar exigência profissional.

A análise que faz esta autora sobre o modo como o professor é visto

nesta lógica é muito pertinente, dado que o fato de não saber ou não conhecer algo

não pode ser motivo para desmerecê-lo profissionalmente. Se assim fosse,

retomaríamos a crença de que o professor é aquele que sabe, ou deveria saber,

todas as coisas, o que seria um retrocesso, uma vez que essa ideia já foi há algum

tempo superada.

A lógica do déficit ainda pressupõe uma formação que se pauta no ensino

de conteúdos. Seu foco, muitas vezes, é ensinar aquilo que o professor não

aprendeu, pois, imagina que assim suprirá a tal deficiência da formação. Entretanto,

as atuais exigências formativas revelam outras necessidades, sendo o conteúdo

apenas uma de suas faces. Entretanto, dominar o conteúdo não é tudo. Nem é a

face mais complexa da questão. Apesar de ser imprescindível para quem vai

ensinar, sabe-se que há atualmente outras exigências para que o ensino ocorra de

modo efetivo. É como afirmam Gatti, Sá e André (2011, pp. 25-26):

Cada vez mais, os professores trabalham em uma situação em que a distância entre a idealização da profissão e a realidade de trabalho tende a aumentar, em razão da complexidade e da multiplicidade de tarefas que são chamados a cumprir nas escolas. A nova situação solicita, cada vez mais, que esse(a) profissional esteja preparado(a) para exercer uma prática contextualizada, atenta às especificidades do momento, à cultura local, ao alunado diverso em sua trajetória de vida e expectativas escolares. Uma prática que depende não apenas de conhecimentos e de competências cognitivas no ato de ensinar, mas também de valores e atitudes favoráveis a uma postura profissional aberta, capaz de criar e ensaiar alternativas para os desafios que se apresentam (TEDESCO, 1995; TEDESCO, 2006; TEDESCO; FANFANI, 2006; GATTI, 2007). São disposições subjetivas que, porém, se constroem nas experiências formativas e profissionais concretamente vivenciadas e interpretadas de forma representativa com base em um dado contexto socioprofissional significativo por cada educador(a).

Se, como dizem as autoras, cada vez mais há exigências para que os

professores atuem segundo uma “prática que depende não apenas de

conhecimentos e de competências cognitivas no ato de ensinar”, não se pode

- 47 -

centrar as ações formativas apenas nos conteúdos. A preocupação com o “como”

ensinar e com as especificidades do contexto em que o ensino ocorre devem

permear a ação de formadores e formandos, sabendo-se, inclusive, que não há uma

resposta universal que possa ser válida em todos os casos, e que será preciso

assumir riscos, já que a busca de situações adequadas de ensino nem sempre

resultam em práticas de sucesso. Entretanto, avanços e retrocessos fazem parte do

processo de desenvolvimento, de crescimento, de melhoria, de transformação. Será,

portanto, necessário lidar com essa dinâmica de idas e vindas.

As autoras ainda referem o fato de que os professores devem ter uma

“postura profissional aberta, capaz de criar e ensaiar alternativas para os desafios

que se apresentam.” Contudo, a lógica do déficit, qual seja, a de que o professor

atua com uma formação deficiente, repleta de lacunas, não propicia o

desenvolvimento de ações inovadoras e criativas. Isto ocorre, em grande parte,

porque o que “falta” no outro é pensado na perspectiva do formador e não do

contexto de atuação do profissional em formação. E, como apontam ainda as

mesmas autoras, o desenvolvimento dessa postura aberta, criativa, que toma

decisões a partir da análise do contexto em que atua, é também papel da formação,

construído nas experiências formativas.

Por esse motivo é que se faz necessário romper com essa lógica do

déficit e pensar num modelo formativo em que todos os envolvidos sejam vistos

como profissionais qualificados para o exercício da docência, com saberes e

potencialidades que podem contribuir para encontrar caminhos para superação de

obstáculos enfrentados no seu cotidiano profissional. É papel da formação favorecer

a constituição desse perfil profissional. Para tanto, precisa oferecer condições de

participação nas tomadas de decisão, propiciar um ambiente de troca de

experiências de tal modo favorável ao desenvolvimento profissional que as

dificuldades sentidas na ação possam ser relatadas aos pares sem que isso

implique qualquer desmerecimento ou descrédito profissional em relação àquele que

as relata.

- 48 -

2.1.3. A lógica da cascata

Um terceiro modelo de formação, muito utilizado, apresenta uma

organização também merecedora de reflexão: a lógica da cascata. Tal como a

brincadeira de infância conhecida como “telefone sem fio” em que alguém diz uma

frase uma única vez, em segredo (baixinho, próximo ao ouvido), para um dos

participantes que deve repassá-la usando os mesmos critérios para o próximo,

seguindo assim até chegue ao último participante que deve pronunciá-la em alta

voz, garantindo o divertimento quando se constata a distorção do que foi dito

inicialmente, o que normalmente ocorre a cada repasse do que é dito, a formação

em cascata possui uma dinâmica parecida.

Hargreaves e Fink (2007, p.72), ao fazerem referência à formação

segundo a lógica da cascata, alertam para o fato de que essa formação limita-se a

replicação de tendências. Acreditam que,

A aprendizagem profissional aprofundada e reflectida é substituída por uma formação contínua em áreas politicamente prioritárias. O tempo para inquirição é diminuído pela velocidade da implementação. As práticas de ensino são afectadas por sequências de formação de formadores apressadas e organizadas em cascata, de tal forma que em cada nível os formadores têm progressivamente menos conhecimentos do que aqueles que os precederam. Profissionais azafamados dão origem a crianças apressadas.

Concebida em instâncias superiores da educação (ao nível da SE, por

exemplo), desconsiderando características e necessidades próprias dos diferentes

contextos em que o ensino ocorre, o modelo de formação em cascata faz um

“repasse” de conteúdos ou propostas didático-metodológicas, de modo

descendente, iniciando nas esferas hierarquicamente superiores até chegar ao

professor na escola. A cada “repasse” vão se somando distorções, desvios,

equívocos, supressões, acréscimos dissonantes,... Ao chegar ao seu destinatário

final, em geral o professor, a exemplo do telefone sem fio, o que se tem é muito

diferente do que foi concebido inicialmente. Como resultado, o professor deixa de

acreditar na formação, pois não consegue enxergar nada que possa contribuir com a

sua ação profissional; além disso, esse modelo não propicia melhorias na

aprendizagem dos alunos.

- 49 -

A distância entre aquilo que foi concebido por especialistas ou teóricos e

aquilo que o professor recebe na formação é cada vez maior. Toda essa dinâmica

fomenta a ideia de que teoria e prática não se articulam e de que os teóricos não

conhecem a realidade vivida nas escolas pelos professores. Esse é o resultado de

propostas de formação concebidas como se fosse um manual a ser seguido, um

receituário cujas instruções pudessem “curar” os problemas de aprendizagem na

escola. A crítica de Santos (2005, p.11) também aponta nessa direção:

As concepções de formação elaboradas pelas instituições mesmo imbuídas dos mais nobres fins são marcadas por arrolar conhecimentos definidos por especialistas e destinam-se a professores vistos como um grupo homogêneo. A prevalência de uma atitude prescritiva e normativa para a formação revela a opção pelo emaranhado de idéias consideradas necessárias para torná-lo um melhor profissional, em que os professores são vistos como meros executores.

Necessário se faz compreender que, para os casos que envolvem um

grande número de profissionais, de escolas, de instituições, como é o caso da SE de

São Paulo, o modelo de formação em cascata torna-se atrativo, dada a possibilidade

das diretrizes ou propostas concebidas sairem do ponto mais longínquo e, passando

por instância intermediárias, chegar ao professor. Mas, este processo não pode ser

visto de forma tão linear, tão direta, tão simplificada.

A formação que busca propiciar o desenvolvimento profissional não pode

ser concebida na perspectiva de um “repasse” de informações. A complexidade na

qual o professor atua não pode ser desprezada, nem traduzida por “lições”

padronizadas, que podem até terem dado muito certo num determinado tempo e

espaço, o que as tornam muito interessantes para serem discutidas na formação,

mas não podem ser “receitadas” indiscriminadamente, sem passar pelo crivo da

reflexão e da análise do contexto. Pereira e Pereira (2013, p.128) corroboram com

essa ideia quando afirmam:

Diferenças culturais compõem o cenário das escolas: professores, alunos, administradores, enfim, todo o pessoal da escola traz consigo o resultado de sua formação como pessoa humana e social. A compreensão destas diferenças vai estar nas demandas de formação continuada. Não existem receitas de como “lidar” com o ser humano; de como ensinar a todos indistintamente de forma coletiva, se quer aprendizagens individuais. É uma utopia desconsiderar as divergências, as contradições, mas é realidade a importância de se preparar para enfrentá-las, atingi-las em seu mais ínfimo “ser”.

- 50 -

Apesar de ser um grande equívoco, a formação dos

professores/coordenadores na escola pública brasileira, em geral, é elaborada nos

gabinetes das Secretarias de Educação, conforme apontam Placco, Almeida e

Souza (2011), em pesquisa realizada em âmbito nacional com coordenadores

pedagógicos, o que revela uma visão unilateral por parte de seus idealizadores e,

portanto, sugere que os coordenadores devem recebê-la passivamente. Afirmam as

autoras sobre a formação de professores no Brasil: “...a formação de professores

das escolas, em geral, é planejada e organizada pelas Secretarias de Educação do

Estado e do Município”.

Sem saber ao certo o que fazer nos espaços de formação, impera a ideia

de “replicar” as informações que recebem. Na minha experiência com a formação na

DE, PCNPs replicavam o que recebiam da SE aos coordenadores pedagógicos e

estes para os professores, esvaziando assim de todo o sentido a formação

continuada. Vivenciei, portanto, toda a tensão desse processo de formação com os

coordenadores pedagógicos. Preparar uma formação de oito horas para um grupo

de aproximadamente 65 coordenadores pedagógicos dos anos iniciais do ensino

fundamental (como era o caso da diretoria em que eu atuava) não é tarefa simples.

Exige a mobilização de toda a equipe12, uma divisão de tarefas coerente com as

possibilidades e limitações de cada um de seus componentes, bem como momentos

de pesquisa e estudos que possam fomentar as discussões propostas. Lembrando

que a lógica de formação era a da cascata. Ainda assim, era preciso apropriar-se do

conteúdo recebido de instâncias superiores para que fosse “repassado”

adequadamente.

Gatti e Barreto (2009), em pesquisa realizada no Brasil, já alertaram para

os riscos que a formação na lógica da cascata oferece. Segundo as autoras,

Não raro o modelo de capacitação segue as características de um modelo “em cascata”, no qual um primeiro grupo de profissionais é capacitado e transforma-se em capacitador de um novo grupo que por sua vez capacita um grupo seguinte. Mediante esse procedimento, que geralmente percorre os diferentes escalões da administração dos extensos sistemas de ensino, corpo técnico-pedagógico, supervisores regionais, professores especialistas, embora permita envolver um contingente profissional bastante expressivo em termos numéricos, tem-se mostrado pouco efetivo quando se

12

A equipe da qual eu fazia parte era composta por cinco PCNPs e dois supervisores de ensino que acompanhavam o trabalho, portanto, sete profissionais na Diretoria de Ensino envolvidos na formação dos coordenadores pedagógicos com atuação nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano).

- 51 -

trata de difundir os fundamentos de uma reforma em suas nuances, profundidade e implicações. (GATTI e BARRETO, 2009, p.202)

As consequências de uma rotina mecanizada, que pode até ser muito

bem planejada, mas não alcança o seu objetivo (tornar-se um referencial para a

atuação do profissional em formação), torna-se um desgaste físico e emocional que

abarca todos os envolvidos no processo (PCNPs, coordenadores pedagógicos e

professores), gerando conflitos desnecessários que comprometem a relação entre

profissionais, além de retirar a credibilidade desse espaço de formação, que é uma

conquista considerável da qual não se pode desistir.

- 52 -

TRILHA II

FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:

PRINCÍPIOS NORTEADORES

O papel dos formadores de professores, quer em situação pré-serviço, quer em serviço, torna-se crucial, como crucial é o terem consciência de que estão atuando para a formação humana, intelectual e pedagógica dos docentes para as próximas gerações. (GATTI, 2013, p.9)

- 53 -

3. Ação formativa para a promoção do Desenvolvimento Profissional

Assentes no pressuposto de que os processos formativos devem

promover o desenvolvimento profissional de todos os envolvidos, necessário se faz

adotarmos também uma perspectiva teórica que o defina e o fundamente.

Considerando que diferentes autores vêm discutindo essa questão, com princípios

convergentes e divergentes, dedicamo-nos, então, ainda que brevemente, a

apresentar a compreensão que aqui adotamos.

Na pesquisa sobre políticas públicas no Brasil, realizada por Gatti,

Barretto e André (2011), as autoras identificam, na região sudeste do país, uma

secretaria de educação que possui um Programa de Desenvolvimento Profisssional,

cujos princípios foram assim apresentados:

O Programa pressupõe que o desenvolvimento profissional é resultado de processo dinâmico e coletivo. Sua estratégia baseia-se na constituição de grupos autogerenciados de estudo, reflexão e ação, denominados Grupos de Desenvolvimento Profissional (GDPs). Em decorrência da concepção de desenvolvimento profissional, a necessidade de enriquecimento curricular, entendida como o conjunto de ações destinadas a elevar a qualidade da educação escolar, passa a ser o foco principal do trabalho de um GDP. (GATTI, ANDRÉ e BARRETTO, 2011, p.233).

Reconhecemos aqui, ainda que não anunciada numa perspectiva

formativa, uma proposta de formação para o desenvolvimento profissional,

organizada como um programa que privilegia o trabalho coletivo, a autonomia

(autogerência), a reflexão e a ação. A referida secretaria focaliza o desenvolvimento

profissional na coletividade, na colegialidade, na equipe, o que é muito valioso nas

ações de formação, já que o trabalho em equipe, a coletividade desejável, tem

revelado o seu devido valor no cenário educacional devido à multiplicidade de

possibilidades de que dispõe. E, no sentido que entendemos a formação de

professores, isto é, para a promoção do desenvolvimento profissional, o trabalho

coletivo é fundamental.

Contudo, ancorados em Day (2001) e Imbernón (2011), queremos ampliar

o entendimento de desenvolvimento profissional para além da dimensão coletiva,

dado que ele também ocorre na dimensão individual. Ambas as dimensões, é

- 54 -

preciso compreender, não se excluem mutuamente, mas se complementam numa

dinâmica sem hierarquias, pois uma não se destaca como mais importante do que a

outra. Pessôa et. al. (2014, p.848) já afirmaram que

...acreditamos numa versão mais ampliada sobre desenvolvimento profissional, entendendo que este não se limita ao trabalho coletivo, pois também ocorre na individualidade. Essa afirmação exige um cuidado especial, pois, ao afirmarmos que o desenvolvimento profissional também se dá na ação individual, não estamos trilhando uma direção oposta à coletividade. Ressaltamos que tudo o que é possibilitado por meio do trabalho em equipe (apoio mútuo, parceria, compromisso, decisão conjunta, troca de experiências,...) faz com que essa seja a principal via de formação que conduz ao desenvolvimento profissional. A questão que aqui se coloca é que ela não deve ser a única.

Para evitarmos o risco de uma compreensão de desenvolvimento

profissional simplificada, que sugira tão somente o entrecruzamento das dimensões

pessoal e profissional, recorremos a Imbernón (2011, pp. 45-46) quando diz que

...não podemos afirmar que o desenvolvimento profissional do professor deve-se unicamente ao desenvolvimento pedagógico, ao conhecimento e compreensão de si mesmo, ao desenvolvimento cognitivo ou teórico. Ele é antes decorrência de tudo isso, delimitado, porém, ou incrementado por uma situação profissional que permite ou impede o desenvolvimento de uma carreira docente. (...) Essa perspectiva é mais global e parte da hipótese de que o desenvolvimento profissional é um conjunto de fatores que possibilitam ou impedem que o professor progrida em sua vida profissional. A melhoria da formação ajudará esse desenvolvimento, mas a melhoria de outros fatores (salário, estruturas, níveis de decisão, níveis de participação, carreira, clima de trabalho, legislação trabalhista etc.) tem papel decisivo nesse desenvolvimento.

Esta visão mais política que o autor apresenta retira da formação o peso

de ser a única via responsável pelo desenvolvimento profissional. As condições de

trabalho e a estrutura na qual o professor atua, incluindo aquilo que pode ser

viabilizado pela equipe gestora (num nível micro) e pelos governantes (num nível

macro), têm papel de relevância no desenvolvimento profissional dos professores. A

perspectiva de Imbernón, portanto, abarca dois aspectos fundamentais para o

desenvolvimento profissional, quais sejam: 1) a concepção de propostas

significativas de formação, pautadas na ampliação do conhecimento sobre a

profissão, sobre a realidade em que atua, sobre seus pares, sobre o conhecimento

pedagógico e suas teorias, numa dinâmica individual e coletiva e 2) a oferta de

- 55 -

condições (físicas, estruturais, materiais, políticas,..) que viabilizem uma atuação

adequada às necessidades que a realidade impõe.

Partir dessa concepção permite compreender que, por tratarmos apenas

de uma das vertentes apresentadas por Imbernón, estamos fazendo um recorte da

perspectiva do desenvolvimento profissional na formação de professores.

Assinalamos, contudo, a importância que deve ter essa perspectiva do

desenvolvimento profissional mais ampliada, mais abrangente, sendo a escolha para

lidar com apenas uma de suas vertentes uma questão de delimitação da pesquisa e

não uma compreensão de que uma possa ser mais importante do que a outra.

Considerando, então, o desenvolvimento profissional que é viabilizado

nos processos formativos, adotamos a perspectiva de Day, segundo a qual

O desenvolvimento profissional envolve todas as experiências espontâneas de aprendizagem e as actividades conscientemente planificadas para benefício, directo ou indirecto, do indivíduo, do grupo, ou da escola e que contribuem, através destes, para a qualidade da educação em sala de aula. É o processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, revêem, renovam e ampliam, individual ou colectivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, o conhecimento, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e prática profissionais eficazes, em cada uma das fases de suas vidas profissionais. (DAY, 1999, pp. 20-21).

Verifica-se em Day que as dimensões individual e coletiva não se

excluem mutuamente, nem são contraditórias, mas interdependentes. Ainda que

possa haver aspectos dicotômicos em tais dimensões, não há como dissociá-las.

Por isso, o homem deve ser visto nesta complexidade e, como tal, compreendido na

sua totalidade e integração, sem hierarquizar a individualidade ou a coletividade no

contexto do desenvolvimento profissional, mas, assumindo que ambas as

dimensões são constitutivas do mesmo processo, já que a formação de professores

deve ter “como eixo de referência o desenvolvimento profissional dos professores,

na dupla perspectiva do professor individual e do colectivo docente.” (NÓVOA, 1992)

3.1. Formação e saber/conhecimento profissional

Um dos conceitos diretamente ligados com o desenvolvimento

profissional é o saber ou conhecimento profissional. A discussão que se trava neste

- 56 -

âmbito é tratada de forma peculiar por diferentes autores que, por sua vez, também

os definem de modo particular, utilizando uma nomenclatura própria. Encontra-se na

produção acadêmica que se refere ao assunto, dentre outras definições, aqueles

que preferem usar a expressão conhecimento profissional e aqueles cuja preferência

é saber profissional, escolhas estas devidamente justificadas em suas produções

escritas

É o caso de Tardif (2000, p.212) quando afirma que:

É necessário precisar também que atribuímos à noção de “saber” um sentido amplo que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser.

Neste caso, o saber é compreendido como algo mais abrangente, um

conceito que abarca outros, mais precisamente os conhecimentos, as competências,

as habilidades e as atitudes. Nessa perspectiva, falar de conhecimento profissional

é, necessariamente, falar de saber.

Roldão, por sua vez, realiza estudos sobre o que chama de conhecimento

profissional, definindo-o como

...conhecimento profissional específico, corporizado, e, por sua vez, estimulado pelo reconhecimento da necessidade de uma formação própria para o desempenho da função, reconhecimento que constituiu um dos grandes passos, no início do século XX em particular, para o reconhecimento social dos docentes enquanto grupo profissional. (2007, p.96)

A mesma autora, entretanto, utiliza a expressão saber profissional, em

outro trabalho, quando destaca que “o saber profissional tem de ser construído – e

refiro-me à formação – assente no princípio da teorização, prévia e posterior,

tutorizada e discutida, da acção profissional docente, sua e observada noutros.”

(ROLDÃO, 2007)

O pressuposto de que o conhecimento profissional deve ser construído,

considerando, entre outros aspectos de relevância, a ação docente, encontra

- 57 -

expressão na pesquisa de âmbito nacional brasileiro de Placco, Almeida e Souza

(2011)13, quando as autoras relatam que:

Os CPs consideram momentos de formação que acarretam melhores resultados os desenvolvidos na escola, pois: • decorrem dos problemas da realidade escolar; • provocam discussões e mudanças na prática do professor; • garantem um movimento reflexivo.

Retornando à definição de saber de Tardif, compreende-se que, apesar

de próximos, há uma diferença considerável na definição de saber profissional e

conhecimento profissional, visto que o primeiro refere-se a tudo aquilo que constitui

o profissional (no caso desta pesquisa, o profissional da educação – professor,

coordenador pedagógico, PCNP, enfim, o profissional da educação), incluindo teoria,

experiências, valores etc.; no caso do segundo, trata-se do aporte teórico que o

legitima como profissional e, portanto, corresponde apenas a um dos aspectos do

saber profissional.

Adotamos aqui ambas as perspectivas, saber e conhecimento

profissional, numa tentativa de ampliar, tanto quanto possível, aquilo que constitui o

professor como profissional do ensino.

13

Na pesquisa citada os coordenadores pedagógicos foram referidos como CPs.

- 58 -

4. A prática reflexiva nos processos formativos.

No tocante à discussão sobre a relevância da reflexão na ação, sabe-se

que esta ganha expressividade no Brasil com Donald Schön, na década de 1990, e

logo seus princípios se fazem presentes na obra de autores de referência no âmbito

da educação. Cumpre ressaltar que uma das autoras responsáveis por difundir a

obra de Schön, com repercussão no Brasil, foi Isabel Alarcão, autora portuguesa

cujas obras têm expressiva circulação em nosso país.

No prefácio da obra Formação reflexiva de professores, coordenada por

Alarcão, referindo-se aos “modismos” que muitas vezes contaminam a educação, a

autora afirma:

Na arena educativa emergem, de vez em quando, ideias novas – ou renovadas – que catalisam, contagiam e... quase se transformam em slogans alienadores. Professor reflexivo é, no estado actual da formação de professores, uma dessas ideias. É de bom tom profissional, hoje em dia, os teóricos referirem, enquadrarem e tomarem posição crítica perante esse conceito. Reportam-se a autores actuais como Schön e Zeichner, revisitam Dewey, tentam explorar modelos de formação de cariz reflexivo. Tenho consciência de que contribuí para esse movimento em Portugal... (ALARCÃO, 1996, p.7)

E, acrescentamos nós, essa contribuição ultrapassou os limites

portugueses e alcançou o Brasil. Para esta autora, a reflexão

...baseia-se na vontade, no pensamento, em atitudes de questionamento e curiosidade, na busca da verdade e da justiça. Sendo um processo simultaneamente lógico e psicológico, combina a racionalidade da lógica investigativa com a irracionalidade inerente à intuição e à paixão do sujeito pensante; une cognição e afectividade num acto específico, próprio do ser humano. (ALARCÃO, 1996, p.175)

Roldão, autora também portuguesa, tal como Alarcão revela preocupação

com a superficialidade com que o conceito de Schön sobre reflexão tem sido

compreendido. Segundo esta autora, por tratar-se de um conceito também muito

utilizado no senso comum, este tende a dar o tom da definição, o que não condiz

com o que fora proposto por Schön. Segundo ela,

...importa tornar clara a distinção entre o sentido simplificador que muitas vezes se tem associado, no senso-comum, à noção de prática reflexiva e o suporte teorizador da reflexividade no interior da epistemologia da prática.

- 59 -

(...) A “prática reflexiva” requer pois: (1) o recurso a conhecimento teórico e prático prévios, (2) a teorização problematizadora da situação prática em apreço e (3) a produção de conhecimento susceptível de ser comunicado a outros, e mobilizado noutras situações. (ROLDÃO, 2011, p.217)

Outros autores de reconhecida importância para a educação também

defendem a importância de uma atuação profissional reflexiva. É o caso de Philippe

Perrenoud:

A autonomia e a responsabilidade de um profissional dependem de uma grande capacidade de refletir em e sobre sua ação. Essa capacidade está no âmago do desenvolvimento permanente, em função da experiência de competências e dos saberes profissionais. (2002, p.13)

Perrenoud também demonstra preocupação em clarificar o conceito,

evitando que fique enfraquecido por distorções de interpretação no senso comum.

Para este autor, é preciso que saibamos diferenciar as reflexões episódicas que

realizamos no cotidiano da nossa atuação (e todos nós as realizamos), de uma

prática reflexiva de fato. As reflexões esporádicas não se constituem numa prática

reflexiva, pois, é preciso continuidade, permanência de sua ocorrência para que seja

considerada, de fato, uma prática e possa superar obstáculos do cotidiano que

poderiam impedi-la de acontecer em diversos momentos.

Visando chegar a uma verdadeira prática reflexiva, essa postura deve se tornar quase permanente, inserir-se em uma relação analítica com a ação, a qual se torna relativamente independente dos obstáculos encontrados ou das decepções. Uma prática reflexiva pressupõe uma postura, uma forma de identidade, um habitus. (PERRENOUD, 2002, p.13)

Não se pode deixar de citar os autores de referência no Brasil que

também se dedicam a estudar a relevância de ações reflexivas, contribuindo para

ampliar a compreensão do conceito e como evitar desvios, como é o caso de

Marcolino e Mizukami (2008), que em um de seus trabalhos revelam que

Desde a década de 1980, tem aumentado o interesse, em diversas profissões, de investigar a prática profissional, especialmente após as contribuições de Donald Schön (2000; 1983) sobre a natureza desta prática, que passou a ser compreendida, não como uma aplicação de teorias, mas como conhecimento produzido pelo profissional com base em situações onde existe incerteza, singularidade, complexidade e conflito de valores.

- 60 -

Considerando-se, ainda, a produção acadêmica brasileira sobre a prática

reflexiva tal como fora proposta por Schön, é importante destacar que, apesar de

toda a sua aceitação no território brasileiro, isso não se dá sem que haja

questionamentos, discordâncias, críticas e oposições, o que é desejável em

qualquer situação. Nesta direção, encontramos Duarte (2003), que questiona os

pressupostos epistemológicos e pedagógicos de Schön e acredita que este autor

“adota uma pedagogia que desvaloriza o conhecimento escolar e uma epistemologia

que desvaloriza o conhecimento teórico/científico/acadêmico.”

Entretanto, por acreditarmos na importância da incorporação da ação

reflexiva nos processos formativos e, buscando distanciar-se das definições que

tratam do assunto com superficialidade, como “modismo”, entendemos que,

especialmente os profissionais envolvidos com a formação, precisam debruçar-se

sobre a questão da reflexão de forma a apreender a essência a partir da qual é

compreendida e estudada por pesquisadores que se dedicam ao assunto. Só assim

será possível beneficiar-se de suas potencialidades em prol de uma ação docente

progressivamente melhor.

- 61 -

TRILHA III

ALGUNS CONCEITOS WALLONIANOS PARA COMPREENSÃO DOS

PROCESSOS FORMATIVOS

Está na natureza do grupo que estas duas tendências, individualismo ou espírito colectivo, entrem em confronto ou entre os membros do grupo ou em cada um deles. Se ambas podem comprometer a sua existência, é no entanto, das duas em conjunto, que o grupo tira a sua vida. (WALLON, 1975b, pp.175-176)

- 62 -

5. Princípios wallonianos

Por acreditarmos que os processos formativos não devem contemplar

apenas os conteúdos de ensino, mas igualmente as dimensões social, profissional e

pessoal, adotamos como referencial, além dos autores já apresentados, a teoria

psicogenética delineada por Henri Wallon, especialmente porque esse autor

discorda da concepção de um ser humano fragmentado, constituído pela soma de

partes, sejam elas afetivas, cognitivas ou motoras. Wallon considera que “todas as

etapas que conduzem a criança do nascimento à idade adulta mostram uma ligação

estreita entre a evolução da sua personalidade e a da sua inteligência.” (1975a,

p.140). Faz-se necessário esclarecer que por personalidade Wallon entende o “...ser

total, físico-psíquico e tal como ele se manifesta pelo conjunto do seu

comportamento.” (1975a, p.131).

Assim como o ser humano não pode ser compreendido de modo

fragmentado, isolado em suas características (físicas ou psíquicas), os processos

formativos não podem privilegiar a razão, a cognição, em detrimento da dimensão

relacional, que se encontra no campo afetivo e é vinculada à “expressão de mal-

estar ou de bem-estar” (WALLON, 2007, p.115), ou seja, às sensações de prazer ou

desprazer, conforto ou desconforto.

Isto posto, entende-se que as sensações de desconforto, provocadas por

um processo formativo sem uma estrutura adequada (como é o caso da formação

de coordenadores pedagógicos, citada anteriormente), não podem ser ignoradas

pela equipe de formadores nos momentos de avaliação e reflexão sobre a sua ação,

o que possibilita a concepção de um planejamento mais adequado para os

encontros posteriores. É preciso debruçar-se sobre aquilo que frustra e desmotiva

PCNPs e Coordenadores Pedagógicos nos encontros de formação para que seja

possível refletir sobre suas origens e construir, coletivamente, propostas de

superação. Ignorar esses aspectos é fadar ao fracasso todo o trabalho organizado

(fato que vem acontecendo com certa frequência nos processos formativos

oferecidos aos profissionais da educação).

- 63 -

Outra importante proposição walloniana a ser aqui considerada centra-se

na definição de grupo e na compreensão de seu funcionamento, considerando-se,

para tanto, aspectos da sua constituição, das interações que nele se estabelecem e

do meio em que se encontra, tal como apresenta Almeida (2000, p.82) ao referir-se

às entrevistas que realizou em seis escolas, com diretores, professores,

coordenadores pedagógicos e alunos, por ocasião da sua pesquisa de doutorado14:

...ficou evidente que, em cada escola, diretor, coordenador e professores firmaram-se como grupo porque tinham de lutar por uma intenção comum, coletivamente proposta. Os professores perceberam que é possível desenvolver competência trabalhando de forma integrada – e passaram a investir numa capacitação coletiva – somando esforços, trocando experiências, estudando teorias, elaborando planos.

É condição sine qua non que a formação oferecida aos coordenadores

pedagógicos faça sentido para eles e para seus formadores. Ao afirmar que os

“professores perceberam que é possível desenvolver competência trabalhando de

forma integrada”, a autora destaca o momento em que esses profissionais

compreenderam a importância do trabalho coletivo, ou seja, o momento em que o

trabalho em grupo ganha sentido para eles e, como consequência de tal

compreensão, os professores mobilizam-se para rever a ação pedagógica. Sem

essa compreensão a atuação do professor distancia-se do seu propósito, tornando-

se uma rotina enfadonha e burocrática.

Wallon define que a existência de um grupo “baseia-se na reunião de

indivíduos tendo entre si relações que notificam a cada um o seu papel ou o seu

lugar dentro do conjunto” (1975b, p. 167). Partindo dessa compreensão encontra-se,

ainda, o suporte que permite compreender porque o grupo de profissionais da

educação citado por Almeida (op. cit.) desenvolve competência na ação grupal. Os

objetivos partilhados pelos membros que o compõem, bem como o estabelecimento

de papéis nele exercidos são a base para o seu surgimento e funcionamento. Diz

Wallon (1975, p.173) a esse respeito:

Quer sejam temporários ou duradouros, todos os grupos têm objectivos determinados e a sua composição depende desses mesmos objectivos; do mesmo modo, a repartição dos cargos rege entre eles as relações dos membros e, se necessário, a sua hierarquia.

14

ALMEIDA, Laurinda Ramalho. O Projeto Noturno: incursões no vivido por educadores e alunos de escolas públicas paulistas que tentaram um jeito novo de caminhar. Tese de Doutoramento, PUC-SP, 1992.

- 64 -

Identificando tais atributos, próprios da constituição e funcionamento de

um grupo, desvela-se um caminho a ser percorrido para ampliar a compreensão que

se tem sobre ele no espaço escolar, como aquele composto por coordenadores

pedagógicos liderados pelo PCNPs, pois:

Qualquer processo formativo e qualquer prática educativa só avançam se abordados da perspectiva do trabalho coletivo. Este pressupõe integração de todos os profissionais da escola, a não-fragmentação de suas ações e práticas e, fundamentalmente, o compromisso com a formação do aluno. A ação coletiva implica o enfrentamento dos desafios presentes na escola, de modo que uma ação coesa e integrada dos gestores da escola – direção e coordenação pedagógico-educacional – e dos demais profissionais da educação, a partir de uma reflexão sobre o papel desses gestores na articulação e parceria entre os atores pedagógicos, reverta em um processo pedagógico que melhor atenda às necessidades dos alunos. (PLACCO e SOUZA, 2008, p. 27)

As teorias e concepções que se nos apresentam pesquisadores,

estudiosos, teóricos de uma determinada área necessitam do esforço constante da

interpretação e articulação com a prática, com a experiência vivida ou observada,

que as validam e atualizam. Nesse esforço contínuo, é mister destacar que a ação

coletiva colocada em pauta ocorre no espaço escolar, conforme citam as autoras.

Esse espaço, para Wallon, é um meio propício para que vários grupos sejam

constituídos.

A escola não é um grupo propriamente dito, mas um meio onde podem constituir-se grupos com tendência variável e que podem estar ou em discordância ou em concordância com seus objectivos. (WALLON, 1975, p.167)

Se a escola pode ser compreendida como um meio que abarca vários

grupos, o grupo de coordenadores pedagógicos liderados pelos PCNPs pertence a

este universo e é nele constituído, ao mesmo tempo em que o constitui. As relações

que nele se estabelecem, portanto, não podem ser vistas como simples ajuntamento

de pessoas em que as decisões são tomadas de acordo com o que pensam alguns

de seus integrantes. As propostas de trabalho, as discussões, as argumentações, as

decisões e tudo o que permeia esse espaço de interação constituem,

continuamente, um “novo” grupo. Não porque seus membros, hierarquias ou papéis

sejam modificados (ainda que a ocorrência dessas situações seja natural), mas

- 65 -

porque as relações nele estabelecidas diferenciam-no do momento anterior; e isso

acontece ininterruptamente.

Esse movimento dialético tem implicação direta na atuação pedagógica

do PCNP e do coordenador pedagógico, sendo este o motivo que justifica o estudo

desse conceito nesta pesquisa. Souza (2006, p.27) retrata a relevância de

compreender a constituição de um grupo, quando afirma que:

...não basta uma somatória de pessoas para existir um grupo e, tendo em vista que os professores devem ser liderados pelo coordenador pedagógico, necessário se faz pensar em como possibilitar a construção do grupo, para desenvolver um trabalho coletivo rumo à superação das fragmentações hoje comum nas escolas.

5.1. O imbricamento do conceito de meio e de outro na concepção de grupo

Sabendo-se que a constituição do grupo envolve aspectos de natureza

individual e coletiva, analisá-lo exigirá um trabalho com outros conceitos da teoria

walloniana15. Isto porque, pode-se afirmar, não há grupo sem o outro e sem o meio,

pois, para que exista e possa funcionar de modo adequado, é preciso situá-lo no

tempo e no espaço, considerando a atuação de pessoas que exercem diferentes

papéis, possuem interesses comuns, estejam dispostas a dirigir esforços para o

alcance de objetivos situados entre o âmbito individual e o coletivo.

Ao referir-se ao meio, Wallon afirma que:

O meio é o complemento indispensável do ser vivo. Ele deve corresponder às suas necessidades e às suas aptidões sensório-motoras e mais tarde psicomotoras. (...) Não existe apropriação rigorosa e definitiva entre o ser vivo e o seu meio. As suas relações resumem-se a uma transformação mútua;... (1973a, p.164)

Se as relações entre o homem e o seu meio não são estáveis, o que dizer

das relações que se estabelecem nos grupos, mais especificamente num grupo de

coordenadores pedagógicos que atuam em diferentes escolas e é formado pela

concentração de um número variável de pessoas que trazem em sua bagagem as

“marcas” dos diferentes meios?

15

Alguns desses conceitos já foram explorados por ocasião da minha pesquisa de mestrado, como é o caso do “papel do outro” e dos “meios”, mas retornarão a esse trabalho para conceder-lhe a fundamentação necessária.

- 66 -

O pressuposto de que entre o homem e o meio há uma relação de

reciprocidade, de “transformação mútua”, como afirma Wallon, revela a necessidade

de repensar os processos formativos, quer sejam de coordenadores pedagógicos ou

professores, numa perspectiva sistêmica, considerando uma compreensão

multidimensional que abarca as pessoas implicadas na formação e tudo o que com

elas se relaciona, ou seja, é preciso considerar a questão do outro e do meio na

dinâmica estabelecida, na relação de constituição mútua; o que é bastante

complexo.

Não é de admirar que, apesar de tantos serem os discursos que têm por

meta colocar o processo de avaliação em evidência, em lugar de destaque, poucos

são aqueles que, de fato, conseguem fazê-lo de modo a contribuir com o

aprimoramento da ação pedagógica. A complexidade do assunto associada à

intensa dinâmica escolar leva muitos profissionais da educação a desistirem de

investir na formação. Difunde-se, assim, a falsa e perniciosa ideia de que toda essa

discussão é perda de tempo e não leva a lugar nenhum.

O esforço de compreender uma dada realidade à luz de uma teoria que

não concebe fragmentações, isolamentos ou mesmo a simples justaposição de

partes para compor o todo, requer um estado de vigilância constante, pois a ideia da

divisão ou somatória das partes como sinônimo de aprendizagem é muito presente

na sociedade atual. Entretanto, não se pode desistir daquilo que deve servir de

fundamento e sustentação do trabalho pedagógico, qual seja a formação

continuada, amparando-se no fato de que a complexidade emperra o trabalho.

Viver é complexo! Não se pode simplificar a vida e, nem por isso, as

pessoas, em sua maioria, desistem viver. Portanto, é preciso enfrentar a questão da

formação dos coordenadores pedagógicos buscando, tanto quanto possível,

considerar todos os aspectos que a constitui. Empenhar-se na superação de uma

visão parcial do homem e do mundo que o cerca é essencial para que seja possível

construir coletivamente uma proposta de formação que possa envolver aqueles a

quem é destinada, afetando de maneira positiva a sua ação pedagógica.

Desse modo, compreender que o outro e o meio da constituição do eu e,

consequentemente, da dinâmica de um grupo, seja ele composto por professores ou

- 67 -

coordenadores pedagógicos em processos formativos, conduz à reflexão sobre tais

processos considerando, tanto quanto possível, as especificidades da situação em

que se encontram, das quais fazem parte e por meio das quais se constituem

recíproca e continuamente. Todo esse processo é fundamental para ressignificar

aspectos-chave dos processos formativos.

5.2. O caráter contagioso da emoção

Wallon afirma que o psiquismo humano é constituído por conjuntos

funcionais, de tal modo integrados que não é possível separá-los. Esses

conjuntos funcionais são: afetividade, ato motor, conhecimento e pessoa. Para

efeito deste trabalho, trataremos apenas do conjunto funcional afetividade, com

ênfase no caráter contagioso da emoção.

Entretanto, para ser coerente com o que defende Wallon, não se pode

deixar de ressaltar que esta escolha não se deve à maior ou menor relevância

que o conjunto funcional afetividade possa ter na constituição do indivíduo. Não

há, entre os conjuntos funcionais, uma escala de importância. Todos são

igualmente relevantes e afetam-se reciprocamente. Portanto, a cisão ora

proposta só é possível no âmbito teórico.

A necessidade de ser coerente com Wallon também nos impele a

enfatizar que não se pode compreender a pessoa a partir de um único conjunto

funcional, já que somos constituídos por todos eles. Contudo, são as limitações

humanas, de possibilidades de escrita, de adoção de critérios para a realização

da pesquisa, de impossibilidade de tratar teoricamente o todo, indissociado, que

faz com que pensemos separadamente em um conjunto funcional que se

constitui de outros ao mesmo tempo que a eles também constitui.

No conjunto funcional afetividade situam-se as sensações de prazer e

desprazer, tensão e alívio, conforto e desconforto. É constituído por emoção,

sentimento e paixão.

A emoção é a manifestação corpórea da afetividade. Por meio das

expressões que ocorrem no corpo, a emoção adquire visibilidade. É assim

- 68 -

quando percebemos coordenadores pedagógicos entediados com a formação,

pois o corpo pode ficar largado no assento, cedendo ao sono, ao cansaço, enfim,

a uma espécie de fuga da realidade em que é obrigado a permanecer. Quando

nervoso, pode surgir suor ou tremores nas mãos; pode manter o cenho franzido;

pode apresentar rubor na face. Todas essas são manifestações corpóreas da

emoção.

Há, contudo, um caráter específico da emoção pelo qual temos um

interesse particular neste estudo. Para Wallon, a emoção é contagiosa.

Existe uma espécie de mimetismo emocional que explica até que ponto as emoções são comunicativas, contagiosas e como elas se traduzem facilmente nas massas por impulsões gregárias e pela abolição em cada indivíduo do seu ponto de vista pessoal, do seu autocontrolo. (WALLON, 1973a, p.154)

A relevância que tem esse conceito nesta pesquisa deve-se ao fato de

que, sendo a formação de professores uma ação que ocorre com um grupo de

pessoas, é fundamental ao formador estar atento à questão do contágio que,

cumpre alertar, vale para aspectos positivos ou negativos da situação em

questão.

Assim, por exemplo, um coordenador pedagógico que sempre contesta

o que é dito, que demonstra descrédito em relação ao que lhe é apresentado,

tende a queixar-se do horário, das acomodações, do café, pode despertar

insatisfação em outros professores, dado o poder de contágio da emoção que

expressa. A expressão corpórea de pessoas nessa situação tende a ser uma

postura mais contraída, braços cruzados, meneio de cabeça expressando

reprovação, testa franzida, dentre outras.

A contribuição que este conhecimento concede ao campo formativo

centra-se no fato de que o formador pode, em alguns casos, evitar essa situação

se conseguir identificar o foco da insatisfação, isto é, a pessoa que irradia essa

emoção, o que pode ser observado na expressão do seu corpo, e conquistá-la

para os fins da formação. É um trabalho que envolve a sedução, com

argumentação e fundamento, do profissional para a parceria e colaboração no

trabalho formativo.

- 69 -

Sabemos que,

O caráter contagioso da emoção manifesta-se até mesmo quando a situação em questão é forjada e a emoção que se apresenta teve uma origem sabidamente artificial, como no caso de encenações teatrais, tramas de filme ou novela, em que o espectador, mesmo ciente de que a cena a qual assiste não é real, torce vigorosamente por um final feliz para um determinado personagem e revela-se inconformado, e pode até mesmo chorar quando situações de perda ou injustiça são apresentadas. (PESSÔA, 2010, p.52)

Emissoras de televisão, em geral, utilizam o caráter contagioso da

emoção para garantir audiência. Para tanto, exploram notícias e enredos

dramáticos e alcançam o seu objetivo. Como já é possível depreender, a

utilização do conhecimento sobre o contágio da emoção ainda possibilita a

manipulação de pessoas, o que pode servir como mecanismo de perpetuação de

ideologias instaladas, o que não é desejável.

No caso específico dos processos formativos, queremos ressaltar o

quão importante torna-se estar atento a tais expressões da emoção. Não se

deve usar esse conhecimento para fins de manipulação (o que negaria a própria

ação educativa que compreende, dentre outros aspectos, o desenvolvimento

crítico e autônomo do ser humano), mas numa vertente de sedução para o

desenvolvimento profissional, o que só pode ser feito com um compromisso ético

do formador em relação ao trabalho que desempenha junto a outros

profissionais, com os quais deve haver uma relação de reconhecimento

profissional e respeito mútuo.

Com uma equipe convencida de que a formação é um caminho

importante para o desenvolvimento profissional e para a melhoria da

aprendizagem dos alunos, o trabalho formativo pode tornar-se menos penoso

para todos os envolvidos, além de ter aumentadas as suas chances de ações

que de fato possam ser significativas para a formação.

No tocante ao sentimento, tal como concebido na teoria walloniana,

pode-se afirmar que é a representação da emoção. Ocorre no nível intelectual.

Enquanto a emoção é corpórea, com impressões que não estão no plano da

razão (as pessoas não decidem ficar ruborizadas ou tremer quando querem), o

sentimento tem sua expressão a partir de uma racionalidade (que pode ser maior

- 70 -

ou menor, a depender da situação em questão) e ganham expressão na

linguagem oral, na arte, na música, na gestualidade (com intenção

comunicativa).

A emoção representada atinge o plano dos sentimentos. Por isso,

podemos inferir que, quando um coordenador pedagógico revela ao formador a

sua insatisfação com algo que ocorreu na formação e o deixou aborrecido, está

no plano do sentimento, pois está representando a sua emoção por meio da

linguagem oral. A emoção que permanece com o sentimento, mas agora

minimizada, teve o auge da sua expressão no momento em que ocorreu o

evento (que pode ter sido uma aceleração nos batimentos cardíacos, por

exemplo). Logo, será valioso ao formador buscar transformar emoções em

sentimentos, por meio do processo reflexivo.

No caso da paixão, sabe-se que esta

...por sua vez, pressupõe o autocontrole do indivíduo. Está ligada à capacidade de tornar secreta a emoção que se faz presente, tornando velado aquilo que o sentimento publicaria. Para Wallon a paixão torna a emoção silenciosa. Contudo, é preciso compreender que, ainda que não haja exteriorização, ou seja, uma manifestação objetiva da emoção, esta não deixa de existir e de ser constitutiva do indivíduo, podendo, em algum momento, vir a tornar-se pública (muitas vezes até de modo inadequado). (PESSÔA, 2010, p.54)

É, portanto, a paixão que possibilita aos professores em formação

evitar o constrangimento de se indisporem com o formador quando discordam de

algo que lhes é proposto. A emoção velada, temporariamente, pode aguardar a

situação propícia para revelar-se ou pode explodir em outra situação, por já não

conseguir aguentar permanecer no secreto.

Afirma Wallon que os “sentimentos, sem dúvida, e a paixão, sobretudo,

serão tanto mais tenazes, perseverantes e absolutos quanto mais irradiarem

uma afetividade mais ardente,...” (2007, p.216). Por isso, não se pode perder a

dimensão de que o conjunto funcional afetividade (composto por emoção,

sentimento e paixão) não está isolado da ação do meio e do outro que

mutuamente se constituem e com os quais interage permanentemente.

- 71 -

TRILHA IV

PERCURSO METODOLÓGICO

As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. (MARX E ENGELS, 1932/2008, p.10)

- 72 -

6. Delineamento da pesquisa: o percurso trilhado.

Parte significativa da compreensão, do entendimento de uma pesquisa

deriva do modo como foi conduzida. As escolhas feitas, as decisões tomadas, o

percurso trilhado estão intrinsecamente ligados com os resultados nela obtidos.

Revela-se, assim, a necessidade de explicitá-los, tanto quanto possível, a fim de

fornecer ao leitor as bases que a constituíram.

Com o objetivo de possibilitar uma audição com poucas interferências

sobre o trabalho realizado na área de formação de professores, adotamos a técnica

de entrevista aberta ou não estruturada, dado que esta possibilita maior liberdade ao

entrevistado, que pode seguir uma linha de raciocínio por ele traçada, com o mínimo

de interrupções possível. Boni e Quaresma (2005, p.74) corroboram essa visão ao

afirmarem que

A técnica de entrevistas abertas atende principalmente finalidades exploratórias, é bastante utilizada para o detalhamento de questões e formulações mais precisas dos conceitos relacionados. Em relação à sua estruturação o entrevistador introduz o tema e o entrevistado tem liberdade para discorrer sobre o tema sugerido. É uma forma de poder explorar mais amplamente uma questão. As perguntas são respondidas dentro de uma conversação informal. A interferência do entrevistador deve ser a mínima possível, este deve assumir uma postura de ouvinte e apenas em caso de extrema necessidade, ou para evitar o término precoce da entrevista, pode interromper a fala do informante.

Uma vez escolhida a técnica de entrevista aberta, passamos a

estabelecer o perfil para a escolha dos entrevistados. Adotando-se o critério de que

seria necessário ouvir as experiências dos profissionais da educação que possuem

vivência significativa na formação de professores, foram escolhidos oito formadores,

com larga experiência nesse quesito, que atuam em instituições de ensino superior

portuguesas.

A escolha de tais profissionais deu-se por indicação e intermediação da

coorientadora desta pesquisa, Profa. Dra. Maria do Céu Roldão, que considerou a

expressividade da trajetória profissional desses formadores no país. Em ordem

alfabética, são eles:

- 73 -

Profa. Dra. Ângela Rodrigues – Universidade de Lisboa

Prof. Dr. Bernardo Canha – Universidade de Aveiro

Profa. Dra. Flávia Vieira – Universidade do Minho

Profa. Dra. Isabel Alarcão – Universidade de Aveiro

Profa. Dra. Luísa Alonso – Universidade do Minho

Profa. Dra. Manuela Esteves – Universidade de Lisboa

Prof. Dr. Rui Canário – Universidade de Lisboa

Profa. Dra. Teresa Leite – Instituto Politécnico de Lisboa

A técnica da entrevista aberta torna-se ainda mais significativa quando

consideramos o perfil dos profissionais entrevistados. Isto é, considerando que os

entrevistados são professores universitários, com experiência profissional de pelo

menos 20 anos na área de formação de professores (inicial e contínua), titulados

(todos possuem título de doutor), palestrantes, conferencistas, enfim, profissionais

que têm no seu cotidiano a prática de expor ideias, explicar conceitos, explanar a

respeito de perspectivas e pontos de vista, entendemos que a entrevista aberta lhes

conferiria a liberdade necessária para compor o seu discurso.

Entretanto, dos oito entrevistados, foi possível constatar que um deles

não ficou muito à vontade com a ausência de um roteiro que conduzisse a sua fala.

No seu discurso foi perceptível certa expectativa de que haveria um rol de perguntas

a partir das quais pudesse discorrer. Em alguns momentos chegava a dizer: “não sei

se quer perguntar alguma coisa...” ou “quer que eu pare de falar para perguntar o

quiser?” ou, ainda, “não sei se o que estou falando está de acordo com o que você

precisa...”. Esse desconforto foi superado assim que o depoimento ganhou ritmo e

fluência, o que ocorreu quando o/a entrevistado/a sentiu-se envolvido e afetado pelo

tema.

Apesar da dificuldade apresentada por um dos entrevistados, julgamos ter

sido essa a melhor escolha para o que se pretendia, dado que todos os depoimentos

- 74 -

coletados foram expressivos e valiosos e os demais entrevistados demonstraram

desenvoltura e conforto nesse modelo de entrevista.

Considerando, ainda, aspectos relevantes na condução da entrevista,

destacamos que outro/a entrevistado/a centrou sua preocupação no fornecimento de

referências bibliográficas para serem consultadas posteriormente. A cada tentativa

de retornar ao tema da entrevista havia, por parte do entrevistado, uma preocupação

em fornecer uma indicação de leitura que pudesse contribuir no esclarecimento da

temática.

Contudo, não consideramos que tal procedimento ocorreu devido ao fato

da entrevista ter sido não estruturada. Houve, neste caso, por parte da

pesquisadora, várias tentativas para focar no depoimento oral (o que ocorreu por

meio de perguntas, comentários, questionamentos,...). Entretanto, o entrevistado

tinha uma preocupação com o fato de que o seu discurso deveria estar ancorado em

uma base teórica, em uma fundamentação que lhe desse sustentação. Com essa

perspectiva em mente, mesmo que a técnica de entrevista fosse um pouco mais

estruturada, supomos que não mudaria a conduta do entrevistado/a durante o seu

depoimento.

Outro aspecto importante que merece ser ressaltado é que, dentre os

profissionais entrevistados, dois deles têm suas obras conhecidas e utilizadas aqui

no Brasil. É o caso da Profa. Dra. Isabel Alarcão e do Prof. Dr. Rui Canário. Não tão

conhecidos aqui no Brasil, mas com trabalho expressivo e com propósito de

continuidade daquilo que foi proposto por Alarcão, estão o Prof. Dr. Bernardo Canha

e a Profa. Dra. Flávia Vieira, que foram orientandos de Alarcão.

Canário, por sua vez, foi citado nas entrevistas por vários entrevistados e

tem seu trabalho de formação e suas obras reconhecidas em seu meio. Tornou-se

referência para professores, colegas de profissão e debatedores da temática sobre

formação de professores.

Esse esclarecimento se faz necessário para que seja possível

compreender que os entrevistados comungam e propagam ideias de autores de

referência em Portugal e no Brasil.

- 75 -

Os profissionais entrevistados foram identificados nesta pesquisa por E1,

E2, E3, E4, E5, E6, E7 e E8 (E=Entrevistado/a), de acordo com a cronologia do

agendamento das entrevistas, isto é, o primeiro profissional entrevistado passou a

ser chamado de E1, o segundo de E2, o terceiro de E3 e assim sucessivamente.

Vale ressaltar que não há uma correspondência alfabética na atribuição da forma

por meio da qual serão identificados os formadores entrevistados nesta pesquisa; o

critério adotado foi unicamente a cronologia, ou seja, a ordem de datas em que as

entrevistas ocorreram.

Para o agendamento das entrevistas, o primeiro contato era sempre feito

pela professora coorientadora, Profa. Dra. Maria do Céu Roldão, que me abria as

portas, apresentando-me (pessoalmente, por correspondência eletrônica ou por

telefone) àqueles a quem pretendíamos entrevistar. A partir de então, eu assumia o

agendamento e a condução da entrevista.

As oito entrevistas ocorreram nas universidades às quais estão

vinculados os formadores entrevistados, em seus respectivos gabinetes ou, em

alguns casos, em salas destinadas a reuniões.

No momento inicial da entrevista expunha ao entrevistado as condições

da minha atuação como formadora de coordenadores pedagógicos, explicitando a

ineficiência do modelo de formação em cascata naquelas situações.

Na tentativa de possibilitar uma visualização da hierarquia existente e

tornar mais clara a posição em que me encontrava como formadora naquele

contexto, o que possibilitaria ao entrevistado compreender melhor os anseios que

movem a minha pesquisa, construí um esquema que lhes era apresentado neste

momento inicial da entrevista e que a seguir é reproduzido, conforme Figura 1 –

Representação esquemática do modelo de formação oferecido pela SEE.

- 76 -

Figura 1 – Representação esquemática do modelo de formação oferecido pela SEE.

Esse momento inicial não era gravado. Constituía-se numa conversa

informal em que entrevistador e entrevistado conheciam-se, tiravam dúvidas sobre

procedimentos, combinavam o que seria feito, como se ficariam à vontade para falar

livremente ou se haveria uma limitação de horário (uma das professoras

entrevistadas daria aula após a entrevista).

Depois dessa conversa inicial, sanadas as dúvidas, o gravador era ligado

e o depoimento do entrevistado tinha o seu início oficialmente.

Uma vez apresentada a minha experiência como formadora e o

consequente interesse em questionar modelos de formação hierarquizados, em

4º Considerando suas perspectivas pessoais e profissionais, incluindo nestas as experiências formativas, o professor organiza o seu trabalho para que o aluno

aprenda.

SEE

1º - As propostas de formação são concebidas na esfera da Secretaria Estadual de Educação (SEE) e repassadas

periodicamente às equipes de PCNPs das 91 Diretorias Regionais de Ensino (DRE).

2º - As equipes de PCNPs de cada uma das DRE

semanalmente “repassam” a formação aos

Coordenadores Pedagógicos (CPs) das escolas sob a

sua jurisdição.

CP CP

CP

Professor

CP

CP CP

Professor

3º - Nas escolas, cada PC

“repassa” a formação recebida à sua equipe

de professores.

CP CP CP

Professor

DRE (PCNP)

DRE (PCNP)

DRE

(PCNP) )

DRE

(PCNP)

DRE (PCNP)

- 77 -

cascata, a entrevista iniciava com uma comanda muito geral: “gostaria que me

falasse um pouco da sua formação e experiência profissional, mais especificamente

nos trabalhos com a formação de formadores, bem como de pesquisas das quais

participou/orientou nesta área, que é o foco desta entrevista. A partir daí, vamos

conversando.”

Os entrevistados tinham, portanto, a oportunidade de falar livremente,

decidindo por onde iniciariam e quando encerrariam o seu discurso. As intervenções

da pesquisadora ocorreram em situações específicas, ou seja, quando se fez

necessário esclarecer alguma ideia que fora exposta ou quando notou que o

entrevistado estava com expectativa de uma interlocução, uma aprovação, um

comentário. Com a devida permissão, todas as entrevistas foram gravadas e

posteriormente transcritas para a análise dos dados.

Cada profissional foi entrevistado uma única vez. Vale ressaltar que todos

eles têm uma agenda intensa, o que dificultava a inclusão de um novo atendimento.

Apesar disso, todos se dispuseram a reorganizar suas agendas incluindo a

entrevista solicitada e, no momento da sua realização, demonstraram envolvimento

e sensibilidade com as questões sobre a formação de professores e de formadores.

Depois de realizada a transcrição e com inspiração em Almeida (2012,

p.24), procedeu-se a leitura do material para propiciar familiaridade com as

entrevistas. Segundo a autora, para a realização da análise

O primeiro passo é a leitura do texto todo para familiarizar-se com seu conteúdo. (...) Lê tantas vezes quanto o necessário para ganhar intimidade com o texto. Uma vez que o sentido do todo foi apreendido, e como é impossível analisa-la de uma só vez, o pesquisador volta ao começo do texto mais uma vez e passa a identificar momentos distinguíveis da totalidade do texto;...

Esse procedimento permitiu a construção dos quadros com destaque de

posicionamentos proferidos pelos entrevistados. No momento da leitura, foram-se

evidenciando aspectos relevantes em cada entrevista e estes foram sendo

destacados no próprio texto. Depois disso, para cada entrevista foi constituído um

quadro com esses recortes de depoimentos considerados relevantes pela

pesquisadora, de acordo com as premissas desta pesquisa. Cada entrevistado

possui, então, um quadro com “Posicionamentos em Destaque”. Tais quadros estão

publicados na íntegra como Apêndice ao final deste relatório.

- 78 -

O próximo passo foi verificar, dentre os posicionamentos que foram

destacados, aqueles que eram comuns entre os entrevistados, o que se manteve em

outras entrevistas, o que foi repetido de outra forma, em outro contexto, mas que

tem por base o mesmo fundamento. Isto possibilitou o estabelecimento dos eixos

norteadores da discussão proposta na análise de dados.

Assim, os eixos norteadores constituídos a partir deste procedimento

foram:

Eixo 1- Articulação entre universidade e escola.

Eixo 2- Efeitos “contagiosos” da formação.

Eixo 3- Formação e pesquisa.

Eixo 4- Formador de formadores.

Eixo 5- Trabalho colaborativo.

Eixo 6- Perspectivas sobre a formação.

A análise que se seguiu partiu desses eixos, buscando discuti-los tanto à

luz das produções acadêmicas sobre a formação de professores, como também das

experiências da pesquisadora na formação de coordenadores pedagógicos. Para

tanto, houve vários retornos à transcrição da entrevista, no intuito de buscar trechos

que pudessem localizar o posicionamento do entrevistado.

Entendemos que resgatar o que foi dito pelo entrevistado é fundamental

para fornecer as bases do que está sendo colocado em discussão. Esse movimento

possibilita ao leitor acompanhar a linha de raciocínio do pesquisador e compreender

o caminho por ele empreendido.

O que foi feito, portanto, esteve muito próximo do que foi proposto por

Almeida (2012, p.25), quando sintetiza o movimento de análise.

Resumindo o movimento de análise proposto: a partir da explicitação de significados, agrupá-los em combinações possíveis; identificar o fio condutor que perpassa as várias combinações para propor os eixos de discussão. Para essa discussão, faz-se um caminho de volta às combinações e retomam-se trechos dos depoimentos para dar suporte às interpretações.

- 79 -

TRILHA V

DIÁLOGOS COM FORMADORES PORTUGUESES

Desde os meus dez anos é para mim uma espécie de dogma o fato de que eu consisto de muitas pessoas, das quais de forma alguma estou consciente. Creio que são elas que determinam o que me atrai ou o que me repugna nas pessoas que encontro. Foram elas o pão e o sal de meus primeiros anos. São elas a verdadeira vida secreta do meu intelecto. (CANETTI, 1987, p.111-112)

- 80 -

7. Experiências com a formação: lições de incursões dialógicas

As análises e discussões aqui apresentadas partem das entrevistas que

foram realizadas com oito formadores portugueses em suas instituições de atuação

profissional em Portugal. O resultado destas entrevistas, às quais temos nos referido

também como diálogos, fornecem pistas valiosas para a ressignificação de

princípios norteadores de modelos formativos.

Os entrevistados, chamados de E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7 e E8,

relataram experiências significativas com a formação, comentaram a respeito de

projetos e pesquisas dos quais participaram ou tiveram conhecimento, relacionados

à temática, e apontaram caminhos para a superação de entraves que surgiram

nessa trajetória e para os quais foi preciso buscar soluções para prosseguir.

Cada uma das entrevistas foi transcrita na íntegra e, posteriormente, foi

feita uma seleção de trechos considerados importantes, na nossa perspectiva, que

foram organizados em quadros que se encontram no apêndice deste relatório de

pesquisa. A partir desses quadros, foi analisado o fio condutor dos diálogos

estabelecidos com os formadores entrevistados e, a partir de um agrupamento de

ideias e concepções próximas, constituíram-se seis eixos norteadores das

entrevistas, agrupados num novo quadro, chamado “Quadro síntese dos eixos

norteadores” (que também pode ser consultado no apêndice), com referências às

falas dos entrevistados.

Os eixos norteadores das entrevistas, a partir dos quais se deu a análise

sobre questões relativas aos processos formativos, são:

Eixo 1- Articulação entre universidade e escola.

Eixo 2- Efeitos “contagiosos” da formação.

Eixo 3- Formação e pesquisa.

Eixo 4- Formador de formadores.

Eixo 5- Trabalho colaborativo.

- 81 -

Eixo 6- Perspectivas sobre a formação.

As análises que seguem resultam do esforço de articular o que disseram

os entrevistados, o que há na produção acadêmica como suporte teórico que

sustenta ou refuta a visão expressa e as experiências de formação vividas na

atuação como formadora de coordenadores pedagógicos.

Apesar de parecerem independentes, todos os eixos extraídos das

entrevistas estão interligados, articulando-se de tal modo que, mesmo tratados de

modo separado, nas discussões surgirão aspectos específicos de um ou de outro

eixo que será necessário trazer à tona para dar sentido ao que está sendo colocado

em foco.

7.1. Eixo 1- Articulação entre universidade e escola. Estamos no limiar do século XXI e ainda vivemos problemas relacionados

a polaridades: teoria e prática, tradicional e moderno, artesanal e tecnológico, dentre

outros. No caso dos processos formativos, mais especificamente, estas questões

centram-se em posicionamentos, a favor ou contra, questões relacionadas ao

distanciamento entre a teoria e a prática, bem como à desarticulação entre

universidades e escolas no que se refere à formação de professores.

Nas entrevistas realizadas com os formadores portugueses surgiram

relatos que denunciam estes afastamentos. É o caso de E1 que, em seu

depoimento, identifica problemas relacionados à ideia pré-concebida que se tem do

professor que atua na escola. Acredita-se que estes não participam de

pesquisas/investigações no meio acadêmico porque desconhecem o seu valor.

Entretanto, esta concepção gera uma cisão entre professores universitários e

professores que atuam nas escolas de educação básica, e institui uma hierarquia

que pode ser desastrosa para as propostas de formação. Para E1,

...há uma certa ideia instalada de que os professores não gostam da

investigação, não querem investigar, não gostam do conhecimento

científico e suspeitam dele. E é uma ideia instalada que tem alguma raiz.

Mas, o que é fato é que as pessoas quando experimentam e quando veem

uma utilidade nas coisas, é que dão valor a elas. Portanto, se conseguirem

- 82 -

enxergar o valor que tem a investigação para o seu cotidiano profissional,

poderão interessar-se por ela. (...) Não se pode aceitar o discurso de que

não é possível contar com os professores para fazer investigação porque

eles não conseguem levantar hipóteses e cumprir com as exigências da

investigação acadêmica. (E1, março/2013)

Evidencia-se neste depoimento uma preocupação com o fato de uma

parcela significativa de professores ser considerada quase como “incapaz” de

participar de pesquisas no modelo acadêmico. Fica subentendido que a capacidade

intelectual dos professores do ensino básico não comporta a complexidade das

discussões e ações realizadas no âmbito acadêmico (o que não é verdade). Com

efeito, o professor é colocado à margem das pesquisas realizadas nas universidades

e, não somente mas, também, por causa disto, pode permanecer estagnado em

relação ao seu desenvolvimento profissional.

Como veremos adiante, a participação dos professores em pesquisas

estruturadas, tal como ocorre nas universidades, contribui significativamente para o

seu desenvolvimento profissional. Entretanto, cabe ressaltar que o que está sendo

colocado em pauta não é a transformação do professor da escola básico em um

acadêmico. A carreira acadêmica é de escolha pessoal (a qual o professor também

deve ter acesso). O que se põe em discussão é sua participação como profissional

da educação; alguém capaz de pensar, explorar, questionar, decidir, enfim,

contribuir na busca de uma atuação profissional progressivamente melhor.

Cada vez se torna mais evidente a necessidade de romper com

posicionamentos partidários que nos impelem a escolher este ou aquele, como a

universidade e toda a teoria que ela defende e produz ou a escola com a sua

concretude, com a sua realidade e singularidade, cujos problemas nem sempre

estão previstos nas diferentes teorias. A complexidade da ação formativa exige que

saibamos a importância destas e outras dimensões que interferem na realidade

educativa. Não é “este ou aquele” mas, “este, aquele e outros mais”.

Esta visão encontra eco no depoimento de E3 quando discorre sobre

problemas encontrados na formação, inicial e contínua:

...na formação inicial e, até certo ponto, na contínua também, eu acho que

o principal problema, e todos os autores dizem isto, portanto não é

- 83 -

novidade nenhuma, mas digamos, que as minhas práticas destes anos

todos de formação confirmem isso, é a questão da relação de teoria e da

prática, questão da articulação das escolas de formação com as escolas

básicas, com as escolas das crianças. Porque nós pomo-los a fazer

estágio, mas não pode ser só assim, não pode ser só metê-los em estágio,

nós temos que depois conseguir processos de articulação com as escolas.

É muito mais consistente, porque se não nós estamos a dizer uma coisa e

as escolas estão a dizer outra, e na cabeça dos alunos é uma confusão

desgraçada. (...) Por outro lado, nós também corremos o risco, nas escolas

de formação, de perdermos a ligação com o terreno e a certa altura

estarmos a falar de realidades que já não existem. Portanto, para estarmos

ligados ao concreto, é muito importante que essa articulação se faça nos

dois sentidos, quer de nós pra eles quer deles pra nós, e é preciso criar

processos até muito práticos de articulação. E, se isto acontece na

formação inicial, e sempre aconteceu, na verdade, porque todos os autores

dizem isso, mas o estranho é que também acontece muito na formação

contínua. (E3, março/2013)

Há um distanciamento entre a orientação que a universidade concede aos

professores em formação e a realidade das escolas em que poderão atuar. Apesar

de não ser desejável que assim fosse, compreende-se que os diferentes contextos

(universidade e escola) e papéis (professores formadores, professores em formação

e professores no exercício da profissão), em condições restritas de diálogo, de

trabalho em parceria ou de trocas de experiências, contribuem para distanciamento

que, desejamos nós, seja minimizado tanto quanto possível.

Se é que pode haver algo que justifique o distanciamento entre

universidade e escola, entre formadores e professores na formação inicial, a

situação deveria ser diferente quando se trata da formação continuada, uma vez

que, em geral, formandos e formadores encontram-se no mesmo espaço de atuação

profissional. Contudo, o estranhamento de E3 deve-se ao fato de constatar que nada

muda quando se olha para a formação contínua e, neste cenário, a formação

deveria acontecer em outro nível, isto é, as ações formativas deveriam ser

concebidas considerando-se que são destinadas a profissionais com formação

específica para lecionar, com experiências significativas na docência e que podem

discutir as questões de ensino com seus formadores numa relação horizontalizada.

Na tentativa de evitar os efeitos que essa dicotomia acarreta, Zeichner

(2010) propõe que a formação aconteça considerando o que chama de “terceiro

- 84 -

espaço”, conceito derivado de teorias que defendem o hibridismo, bem como o

princípio de que o homem constrói um sentido de mundo a partir de múltiplos

espaços. Reconhecendo também a indesejável relação de hierarquia entre

formadores e formandos (universidade e escola), o autor afirma que,

Da perspectiva das faculdades e das universidades, a solução para a desconexão entre universidade e escolas na formação de professores e na formação profissional continuada para professores da Educação Básica tem sido, habitualmente, tentar perceber maneiras melhores de trazer o saber acadêmico das faculdades e das universidades para os professores da Educação Básica. Esse tem sido um modelo de fora para dentro, no qual o saber está primordialmente entre os acadêmicos e não entre os professores da Educação Básica (ZEICHNER, 1995). A criação de terceiros espaços na formação de professores envolve uma relação mais equilibrada e dialética entre o conhecimento acadêmico e o da prática profissional, a fim de dar apoio para a aprendizagem dos professores em formação. (ZEICHNER, 2010, p.487)

Sabemos que a formação “de fora para dentro”, como afirma Zeichner,

tem apoio no modelo formativo do déficit ou da deficiência, em que se verifica o que

“falta” aos professores para lhes oferecer uma proposta que possa suprir suas

deficiências. Para tanto, o pressuposto é que aquele que está de fora, neste caso, a

universidade, sabe mais do que aquele que está com os pés na escola, aquele que

pratica o ato de ensinar, ou seja, o professor.

Além de partir de um pressuposto equivocado, no nosso entender, esse

modelo de formação reforça a hierarquia entre professores universitários e

professores que atuam nas escolas, difundindo a ideia de que os primeiros são

“mais” (no sentido de serem melhores) do que os outros. E1 esclarece que o modo

como são chamados os professores universitários e os professores que atuam nas

escolas de educação básica, em Portugal, é diferenciado. Segundo E1,

...em Portugal, quando se fala dos professores, as pessoas entendem os

professores das escolas. Se quiser referir-se aos professores da

universidade têm que dizer de maneira diferente porque, de uma forma

geral, as pessoas não os incluem naquela. Ou chamam “os acadêmicos”

ou chamam “os professores universitários”. O que deu origem à

diferenciação dos termos é um pensamento sobre as atividades

profissionais de uns e de outros, sobre o que se deve e se pode esperar de

uns e de outros, sobre quais são os seus papéis... e que, apesar de estar a

mudar, de ser questionado, de estar um bocadinho... positivamente

confuso neste momento, ainda é muito o que está lá na raiz.

- 85 -

Se hierarquizamos a atuação dos professores segundo o seu nível de

ensino, dificilmente teremos uma relação profícua entre formadores e formandos.

Contudo, não se pode negar a especificidade de atuação de cada um: professores

da educação infantil, professores do ensino fundamental, professores do ensino

médio, professores universitários,... De acordo com o segmento de ensino no qual

atua, há aspectos que são característicos do grupo (e do contexto) e que devem ser

conhecidos pelo professor. Entretanto, reconhecer que diferentes saberes são

exigidos nos diferentes segmentos de ensino ou, ainda, que a formação/titulação

exigida para atuar neste ou naquele segmento de ensino pode ser diversa, não

significa estabelecer entre os professores uma hierarquia. A relação verticalizada na

formação de professores tende a afastar formadores e formandos e,

consequentemente, inviabilizar o desenvolvimento profissional.

Calderano, Martins e Marques (2013, p.9), ao fazerem referência ao

grupo de pesquisa do qual fazem parte, deixam clara a importância da articulação

entre universidade e escola na formação de professores. Dizem as autoras ao

enfatizarem o objetivo do seu grupo de pesquisa:

O propósito do nosso grupo é exatamente fomentar estudos e pesquisas diretamente relacionados à formação de professores, entendida como um processo que diz respeito tanto à universidade quanto à escola. Importa deixar claro esse ponto, pois é recorrente a ideia de que a formação de professores só se dá na universidade, e na verdade isto não procede. A universidade é um espaço muito importante, mas de forma alguma podemos descartar a importância dos outros campos, como, por exemplo, a escola enquanto lócus propício para a formação docente.

A necessidade dessa aproximação entre o conhecimento acadêmico e a

prática profissional, tal como propõem os autores citados, é sentida no trabalho de

E4. Ao referir-se ao grupo com o qual trabalha e do qual é coordenadora, E4 tem a

preocupação de estabelecer uma dinâmica não hierarquizada, horizontalizada, de

reciprocidades, que valoriza tanto o trabalho da academia sobre formação e

educação em geral, como a própria atuação como formadora junto à sua equipe, a

qual, em conjunto com a sua equipe de professores (formadores e em formação),

tem sido constantemente questionada, problematizada. Revela em seu depoimento:

...sempre entendemos que, enquanto formadoras, enquanto supervisoras

do estágio dos professores, era importante para nós investirmos na

formação como campo de estudos, de diferentes formas: não só

orientando os estudantes que vêm fazer mestrados, mas, sobretudo,

- 86 -

estudando as nossas próprias práticas e tentando ir melhorando essas

práticas à luz das teorias, mas também à luz da nossa experiência. (E4,

abril/2013)

Em diversos momentos propostos para reflexão na formação de

professores, é comum notar que as pessoas apontam os dedos umas para as

outras: coordenadores dizem que a formação oferecida pelos PCNPs é superficial,

inconsistente, desinteressante; PCNPs dizem que os coordenadores pedagógicos

não levam o trabalho de formação a sério; alunos queixam-se da dinâmica das aulas

dos professores; professores reclamam que seus alunos não querem estudar.

Entendemos, por isso, que o depoimento de E4 torna-se valioso por promover o

questionamento das próprias práticas de formação. É importante que isto seja

destacado, dado que deve haver coerência entre aquilo que propomos, quer nas

ações de formação quer nas ações de sala de aula. Se o grupo com o qual estamos

a lidar notar a incoerência entre o que defendemos no discurso e o que fazemos na

prática, perde-se a credibilidade da equipe e inviabiliza-se o desenvolvimento

profissional.

Nessa direção deparamo-nos com E5, quando afirma que

...tem que haver uma coerência entre aquilo que defendemos nos nossos

discursos e a maneira como fazemos, como trabalhamos, não é?

Provavelmente, um tipo de... nas orientações, ou... enfim, nesse pacote de

formação se fala muito de quê? O conteúdo provavelmente fala muito da

motivação intrínseca, fala muito da aprendizagem significativa, da

participação, da colaboração, da... mas, se nós vamos dizer aos outros

como se deve fazer, mas não o praticamos na nossa maneira de trabalhar

a formação, não funciona porque é uma incoerência radical! Ou seja,

estamos no discurso, nos situamos num paradigma e na prática nos

situamos em outro paradigma. (...) Se eu defendo que os professores têm

que trabalhar de forma colaborativa na escola porque é muito importante

para a inovação das práticas, na formação eu não posso trabalhar de outra

maneira. (...) Não posso porque eu própria me sinto mal. Por uma questão

de princípios e uma questão ética também. Para além de princípios

científicos eu acho que é uma questão de ética profissional. (E5,

abril/2013).

Apesar de parecer óbvia e clara a observação que faz E5 sobre a

coerência entre aquilo que dizemos e aquilo que fazemos, a experiência revela que

- 87 -

este é um tipo de divergência muito encontrado nas ações de formação e que se

torna motivo de insatisfações por parte de quem dela participa na condição de

formando. Numa situação de formação de formadores, por exemplo, esse tipo de

reflexão sobre a ação (que normalmente se faz nos bastidores) deve tornar-se

conhecido pelo grupo de formandos para que estes percebam o quão importante

são os questionamentos, as modificações, as transformações, os redirecionamentos

na atuação profissional. É esse movimento que contribui para o desenvolvimento

profissional.

Cumpre esclarecer que, tal como os entrevistados defendem uma

parceria profícua entre universidade e escola nos processos formativos, também

reconhecemos o quanto esta parceria pode ser importante para o desenvolvimento

profissional de todos os envolvidos no processo, quais sejam formadores e

formandos. Entretanto, desse reconhecimento não se deve depreender que somente

serão válidas as ações de formação que tenham universidade e escola como

parceiras. Há situações em que o grupo de docentes ou de coordenadores,

conforme o caso, desenvolveu uma dinâmica de funcionamento, ao mesmo tempo

colaborativa e autônoma, que conseguem se automobilizar na direção de uma

formação que lhes seja válida e produtiva. Portanto, apesar de sua relevância, a

parceria universidade e escola não pode ser condição ou impedimento para que

boas ações de formação aconteçam.

É o que revela E6 quando perguntada se acha que as ações de formação

são melhores quando há parcerias das escolas com as universidades.

Eu não sou assim tão categórica. Eu digo que em princípio sim, porque a

universidade traz a dimensão da investigação, não é? E a dimensão da

investigação ajuda. Agora, pode haver coisas em que a universidade só

traz uma componente muito teórica, e aí não ajuda. Por outro lado, nas

escolas hoje em dia em Portugal já temos muita gente que fez mestrado e

até doutorado e, portanto, já tem a dimensão da investigação. Portanto,

aceito que possa haver grupos só nas escolas que façam um bom

trabalho. E agora, o ideal pra mim é realmente cruzar os dois, até porque

as pessoas da universidade estão em contato permanente com a

atualização, têm que estar, não é? Têm que estar atualizadas, e, portanto,

podem trazer mais inovação para as escolas. (E6, abril/2013)

- 88 -

Para E6, portanto, a possibilidade de uma formação no contexto escolar

pode ocorrer independente da universidade quando há professores que possuem

titulação de mestres ou doutores, dado que estes profissionais possivelmente

contribuirão na condução de pesquisas, o que tende a ser valioso para toda a

equipe.

É, contudo, unanimidade a defesa de uma parceria produtiva entre a

escola e a universidade na formação. Teoria e prática não podem ser

compreendidas isoladamente, como expressões de um ideal que não corresponde à

realidade, no caso da teoria, ou, no caso da prática, como aplicação de

conhecimentos técnicos e intuitivos simplesmente, que “dão certo” (a que preço?),

mas não encontram respaldo nos estudos e pesquisas realizados sobre a temática.

A preocupação expressa no depoimento de E7 revela que, diferente do

que pensam alguns acadêmicos que defendem que a escola necessita deles, o que

existe é uma necessidade recíproca, pois o isolamento coloca em risco todas as

dimensões da formação. O isolamento dos professores na sua ação cotidiana já tem

sido alvo de discussão para muitos estudiosos. Entretanto, quando olhamos para

pesquisadores e teóricos, também encontramos riscos. E7 alerta que

...há muita gente discursando sobre a formação. E discursando bem.

Entretanto, essa gente que discursa não tem nem as responsabilidades,

nem as pertenças institucionais, nem os interesses de quem está nas

práticas, seja no ministério da educação seja na sala de aula. (E7,

maio/2013)

Os relatos dos entrevistados vieram ao encontro de observações

realizadas na formação de coordenadores pedagógicos, oportunidade em que os

PCNPs eram vistos como pessoas que estavam distantes da escola, portanto, da

prática, e que pouco poderiam contribuir com as transformações necessárias para

que houvesse melhorias no ensino nela oferecido. Portanto, acreditamos que sem o

estabelecimento das parcerias necessárias, de forma contínua (e não apenas

pontual, como ocorre em muitos casos), a exemplo do que apontou E4, as

universidades tenderão a afastar-se da realidade da escola e esta, por sua vez,

perderá as referências teóricas que dão sustentação e suporte a práticas de ensino.

Ambos (universidade e escola) perdem. Consequentemente, os alunos e a

sociedade, em geral, colherão os prejuízos desta desarticulação.

- 89 -

7.2. Eixo 2- Efeitos “contagiosos” da formação.

Dos oito depoimentos coletados nas entrevistas, três fizeram menção à

questão do contágio na formação, ainda que o assunto não tivesse sido abordado

diretamente. Supomos, com isso, que se a abordagem tivesse sido direta, outros

entrevistados poderiam ter discorrido sobre o assunto em concordância com a sua

relevância nos processos formativos.

A questão do contágio na formação surge nos depoimentos de E1, E2 e

E7, considerando-se tanto a perspectiva do professor que participa das ações

formativas, como a perspectiva do formador que a promove. Iniciamos esta reflexão

com o que diz E1, ao afirmar que a “contaminação”, neste caso, é um fator favorável

ao processo formativo, pois

...quando os professores procuram a universidade para fazer investigação,

com o objetivo de progredirem na carreira, mas envolvem-se no processo,

acabam por “contaminar” outros professores e a motivá-los na mesma

busca, o que favorece a aquisição de conhecimento e desenvolvimento

profissional dos envolvidos. Portanto, a “contaminação” é um fator

favorável no processo formativo. (E1, março/2013)

Apoiando-nos em Wallon, afirmamos que o caráter contagioso da

emoção, no sentido de promover a motivação de outros profissionais a participarem

da formação, é um aspecto valioso e que deve fazer parte do rol de conhecimentos

profissionais do formador.

Em seu depoimento, E1 sugere que, a princípio, os professores buscam a

formação na universidade para que possam receber créditos concedidos pela

participação em atividades acadêmicas e, com isso, obter vantagens financeiras, o

que ocorre por meio da “progressão na carreira”. Entretanto, ao se envolverem no

processo, a atitude emocional, espontânea do professor participante da formação,

passa a contaminar, isto é, passa a motivar, a incentivar outros profissionais a

fazerem o mesmo. Aqueles que ingressam na formação por essa via, possivelmente

o farão com menos resistência, com menos rejeição às propostas que lhe serão

feitas, com menos indisposição para a formação.

Não se pode perder de vista que, para que um professor possa sair de

uma ação de formação a tal ponto motivado que possa contagiar outros, esta deve

- 90 -

ter sido significativa para ele; deve ter possibilitado o vislumbre de uma ação

docente que possa realmente fazer com que os alunos aprendam (objetivo de todo

professor); deve ter viabilizado aprendizagens e desafios profissionais; deve, enfim,

ter sido reveladora de uma didática efetiva para o seu contexto de atuação. E, uma

ação com tais características não se promove sem planejamento, reflexão, estudo,

pesquisa, troca de experiências, análise contextual, etc.

É nessa perspectiva que encontramos o depoimento de E2, quando

afirma que

...o formador começa a perceber que o papel dele não é apenas o papel de

transferir não sei que teoria da psicologia da educação para os professores

lá da escola, o papel dele é de entusiasmar os professores lá da escola a

criarem um projeto de combate à indisciplina, onde a formação entra como

um dos recursos. O que é que aqueles professores sabem de indisciplina

ou violência? O que é que conhecem dos estudos que já existem? Que

projetos é que já houve com mais êxito ou menos êxito em outras escolas?

E o que eles estão dispostos a fazer na sua própria escola? Aí a formação

passa a ser não um fim, mas um meio. E se é um meio para eu resolver

um problema que me aborrece, eu passo a estimá-la. (E2, março/2013)

No papel de “entusiasmar” os professores entendemos que o formador

precisa seduzi-los, motivá-los, isto é, contagiá-los, fazer com que sejam

sensibilizados por aquilo que está sendo colocado em pauta. Nesse sentido, é mister

que conheça o seu grupo de professores em formação para abordar temáticas que

lhes sejam relevantes. Se, como diz E2, é a questão da indisciplina, este deve ser o

caminho; se é a questão da aprendizagem da leitura e escrita, este é o ponto. Acima

de tudo, a grande contribuição deste depoimento centra-se no fato de que a

formação deve ser vista como um “meio” e não um “fim” em si mesma.

Compreender a formação como um meio significa concebê-la como um

modo para enfrentar os desafios da profissão. Os desafios reais, as situações

concretas da profissão. Estas devem ser o ponto de partida para o formador; assim

poderá “contagiar” a sua equipe. E, é preciso enfatizar, isso não significa negar o

aporte teórico, mas usá-lo a favor das necessidades formativas.

O contágio em Wallon é a emoção expressa no corpo. Quem nunca

gostou de uma determinada disciplina por causa do brilho nos olhos do professor?

- 91 -

Quem não foi atraído para a realização de uma tarefa pelo sorriso do professor ao

orientar a sua execução? A empolgação sentida no outro contagia e seduz. Por isso,

o formador precisa ser alguém que tenha compromisso ético com o seu trabalho.

Na posição de PCNP, perdida em meio a tantos afazeres, programando

uma formação semanal para ocupar oito horas, cuidando para “repassar” aquilo que

havia recebido em outras formações, o clima era de tensão. A emoção que vigorava

não era de tranquilidade e empolgação. Mesmo que as palavras proferidas

quisessem estabelecer um clima de aprendizado, o corpo devia demonstrar a

insegurança do momento: no corpo contraído, no gestual, na ausência de cadência

da voz, no olhar,...

Entretanto, não se pode colocar todo o peso do sucesso da formação

sobre os ombros dos formadores. E7 evidencia a importância de condições

adequadas de formação, sem as quais tornam-se impraticáveis ações de formação

exitosas. Falando sobre a necessidade de “apaixonar” os sujeitos (contagiá-los), E7

afirma que

...o formador tem que “manipular” os sujeitos. Tem que os apaixonar, tem

que os motivar, tem que os interessar, tem que trabalhar neste reino

emocional. Paixão pela formação, ou paixão por ter bons professores ou

paixão por ter bons alunos. Isto é difícil ocorrer numa formação para 200. É

relativamente mais fácil quando nós temos 20. Num dia se aproximam 5,

no outro dia são outros 5, no outro dia são outros 5... nunca são os

mesmos e vamos criando laços afetivos que são essenciais para o êxito do

trabalho. O melhor seriam grupos até mais restritos porque o grupo de

professores é formador. É se for pequeno, se for próximo, e não há

proximidade quando o grupo de professores, por exemplo, é de 30. (E7,

maio/2013)

Vários são os fatores que têm implicação direta com a formação, incluindo

as políticas educacionais, as condições físicas e materiais, a seleção de pessoal

com perfil adequado, e muitos outros. Em seu depoimento, E7 fala de uma condição

muito importante para a formação de professores: a questão do número de pessoas

que constituem o grupo. É muito diferente lidar com um grupo que tenha um número

de participantes pequeno e outro que tenha muitos participantes. Quanto maior o

número, maior a tendência de distanciamento entre formadores e formandos; e a

- 92 -

questão do contágio, que aqui temos discutido, fica diluída e perde em

potencialidade.

Gatti e Barreto (2009), analisando as tendências da formação continuada,

admitem que o sucesso da formação não depende somente do “envolvimento” dos

professores, mas de condições adequadas para que a formação possa se estruturar,

de forma a favorecer o desenvolvimento profissional dos que nela estão envolvidos.

Dizem as autoras que

...a introdução de processos formativos que utilizam a reflexão crítica sobre as práticas no contexto de um compromisso com o fortalecimento da escola, enquanto instituição com responsabilidade social relevante e desafiadora no mundo atual, implica ambientes propícios a trabalho coletivo, gestão participativa e disponibilidade de recursos pedagógicos e materiais apropriados. Ambos os modelos, o fortalecimento institucional da escola e a prática reflexiva, supõem transformações que ultrapassam as questões de envolvimento dos professores e de formação continuada propriamente dita, dado que demandam condições institucionais e estruturais propícias. (GATTI e BARRETO, 2009, p.203)

Ao tratar da importância do contágio da emoção, ou seja, da relevância

que tem para a formação a atuação de um formador que assuma o seu trabalho com

compromisso ético, sabendo o que fazer (o que é diferente de ter todas as

respostas, mas um ter uma diretriz, uma orientação clara, concebida e planejada

antecipadamente – ainda que possa ser modificada durante o processo), que

acredite naquilo que faz (em muitos casos é daí que surge o brilho no olhar), temos

que tomar o cuidado de não simplificar a questão. É evidente que parte da

responsabilidade é de quem conduz a formação, e esta deve ser assumida pelos

formadores. Entretanto, há outros fatores que não podem ser ignorados e que, em

geral, não dependem de ações isoladas, mas de atitudes de caráter político,

assumidas com compromisso e articuladas com outros profissionais da educação.

Muitas vezes, o que o formador tem a seu favor é a força da lei. Algo que

obriga os professores, os coordenadores, enfim, a participarem de ações de

formação. Isto não é uma condição adequada, pois, em educação temos que

trabalhar de forma mais conscienciosa, mais democrática; queremos romper com o

modelo impositivo. Entretanto, há relatos que revelam que, a partir dessa

obrigatoriedade, os professores foram envolvidos com a formação porque a emoção

do formador os contagiou. Esta situação é descrita no relato de E1.

- 93 -

...de um modo geral, acreditavam que a formação servia para cumprir uma

obrigação, obter créditos de formação e, portanto, levavam aquilo com

certa ligeireza, nunca achavam que iam ali fazer nada, não iam ali buscar

nada de especial, iam ali porque tinham que cumprir aquelas horas.

Porém, quando se veem diante de coisas que são significativas, percebem

com deslumbre, e até com naturalidade, que aquilo é uma ferramenta útil,

tal como revela o relato de uma professora mais tradicional (“quero dar as

minhas aulas, ganhar e pronto”) durante um encontro de formação: "que

engraçado, nunca pensei que, para uma formação de professores, ler uma

coisa de uma pessoa que se chama Profa. Maria do Céu Roldão, que eu já

tinha ouvido falar vagamente, poderia perceber que isso me é tão útil e que

é tão o meu pensamento”. (E1, março/2013)

No Brasil temos uma situação parecida, pois grande parte das redes de

ensino público oferece vantagem financeira para professores que frequentam cursos

para “atualização” e “aperfeiçoamento” profissional. Isto pode ter um efeito positivo,

no sentido de mobilizar os professores a buscar algum tipo de formação, mas,

também pode haver um efeito negativo, possibilitar que professores participem de

ações de formação sem compromisso com o seu crescimento profissional, apenas

para obtenção dos créditos e do consequente retorno financeiro que eles

proporcionam. Também nesse sentido posicionou-se E1.

...há vantagens e desvantagens na prática de conceder créditos à

formação. A desvantagem é que os professores acabam participando de

ações formativas simplesmente para obter os tais créditos. Não há muito

compromisso e envolvimento destes profissionais. Por outro lado, a

vantagem é que também pode despertar parte desses profissionais para a

importância e necessidade de envolver-se com a sua formação

continuada. Sem a obrigatoriedade, alguns profissionais talvez nunca

tivessem a oportunidade de compreender o quão relevante a formação é

para o seu desenvolvimento profissional. (E1, março/2013)

Os episódios descritos revelam que não se pode cruzar os braços sob a

alegação de que, se as condições não estão adequadas, nada há para fazer. O

desenvolvimento de uma consciência política e participativa não se dá apenas no

discurso, mas, sobretudo, na experiência cotidiana, já que esta possibilita

compreender as potencialidades e limitações da realidade educacional. É a

experiência que nos permite representar uma classe, uma categoria, um grupo de

pessoas. Entretanto, não pode ser uma experiência qualquer, precisa ser aquela que

tem como alvo promover as mudanças necessárias para superar os obstáculos que

impedem os alunos de aprender.

- 94 -

Por isso, mais uma vez, chamamos a atenção para o fato de que há um

conjunto de ações a serem adotadas para a obtenção de condições favoráveis de

formação. Dentre elas, está a atuação individual do formador e o que aqui

colocamos em pauta é a consciência que deve ter de seu papel, como disse E7, de

entusiasmar os professores e, para usar os conceitos wallonianos, assinalamos que

o formador deve estar ciente da possibilidade da sua emoção contagiar o outro. E

que seja um contágio para a promoção de uma formação significativa para os

professores em formação.

7.3. Eixo 3- Formação e pesquisa.

Este eixo foi concebido a partir de uma visão, citada por cinco dos oito

entrevistados, que acredita na pesquisa, na investigação como proposta

viabilizadora da formação. Estes formadores defendem que investigar a própria ação

profissional ou os problemas a ela diretamente relacionados, utilizando-se das

etapas constituintes de uma pesquisa acadêmica, contribui significativamente com o

desenvolvimento profissional dos professores, pois amplia o olhar que se tem para o

objeto que está sendo investigado e possibilita analisar a situação-problema numa

perspectiva diferente daquela que se tem no senso comum.

O depoimento de E1 (citado no Eixo 1), já assinalou que não se pode

mais aceitar a ideia de que os professores que atuam nas escolas não são capazes

de fazer investigação. Denunciando uma ideia preconceituosa de que os professores

não são capazes de atender ao que é solicitado numa proposta de pesquisa (como

levantamento de hipótese, identificação de um problema, análise de dados, etc.),

defende que a formação também pode ser feita por meio de um projeto de pesquisa

colaborativa que se daria a partir de um planejamento inicial, com possibilidades de

modificações no decorrer no trabalho, pois, acredita que quando algo é concebido

antecipadamente, pode não corresponder ao que se verifica na realidade e, nesse

sentido, a pesquisa não pode querer que a realidade se molde a ela; necessitará,

portanto, ser redirecionada, sem que se perca, no meio do caminho, o objeto de

estudo.

- 95 -

...quando se propõe trabalhar a formação em colaboração, partindo do

pressuposto de que o modelo descendente (em cascata) não está

funcionando bem, até que seja possível ouvir o grupo, não terá a certeza

de que a formação não tem estado a funcionar por falta de colaboração ou

se, por exemplo, as pessoas vão logo dizer: “não, não, trabalhar em

colaboração não nos interessa nada porque nós gostamos do

descendente.” Por exemplo, imagine que, falando com os professores nas

escolas, eles digam assim "não, não, nós queremos que venham cá dizer

como é que fazemos. Agora, os coordenadores que nos mandam não

sabem nada do que é que estão a fazer e, portanto, nós queremos

pessoas mais bem preparadas para nos dizerem bem a lição”. (E1,

março/2013)

Verifica-se neste trecho do seu depoimento uma preocupação em ouvir o

grupo com o qual se trabalha, livre de ideias pré-concebidas. Parti de um

pressuposto de que a formação em cascata, tal como realizava quando era

formadora na DE, não era boa para os coordenadores pedagógicos. Entretanto,

estes não foram ouvidos. Será que sentiam falta da participação ou será que

queriam menos discursos e mais “receitas” sobre como fazer o aluno aprender?

Talvez gostassem da diretividade... Só ouvindo os coordenadores poderíamos

conhecer a verdade sobre suas necessidades.

De qualquer modo, seria necessário um trabalho reflexivo, o que poderia

ser suscitado na articulação entre pesquisa e formação, para que fosse possível

realizar apontamentos críticos sobre a situação formativa na qual estavam imersos.

Afinal, é também papel do formador abrir os olhos da sua equipe para outras

perspectivas que porventura possam não estar enxergando. Mas, isso deve ser feito

sem que a sua visão seja imposta sobre as demais.

Entretanto, não concordamos com o fato de que todos os professores,

necessariamente, tenham que estar envolvidos em pesquisa, nos modelos

acadêmicos, para a obtenção de seu desenvolvimento profissional. Esta deve ser

uma escolha pessoal e profissional e não uma imposição que ocorre num sistema

que, em nome da democracia, impõe a academização dos seus profissionais.

- 96 -

Zeichner (2008), ao defender que o formador deve permitir que a sua

equipe esteja à frente dos projetos de pesquisa-ação para que haja compromisso

com a formação, reconhece o risco iminente de o formador impor seus desejos e

opiniões, mas não acredita que deva abandoná-la à própria sorte, em favor de uma

neutralidade que não existe. Referindo-se à pesquisa na formação inicial de

professores, assinala que

...os formadores de professores precisam tomar cuidado pra não doutrinar, com crenças individuais, os professores em formação. O importante é desenvolver uma consciência crítica por parte dos futuros professores e cultivar a capacidade de examinar sua prática e aprender com ela de modo a incluir um olhar sobre as dimensões sociais e políticas de seu trabalho. (ZEICHNER, 2008, p.84)

É preciso assumir os riscos existentes na tentativa de encontrar o limite

entre o não ser incisivo no que se diz na formação (não doutrinar) e não deixar de

posicionar-se (abandonar a crença na neutralidade), pois, essa postura contribui

significativamente com a formação de uma consciência crítica.

Apropriando-nos das concepções de formação destinadas à formação

inicial, no sentido de que também possam valer para a formação contínua,

encontramos E2 que afirma que, quando fez o doutorado, passou a se interessar

pela utilização da pesquisa como estratégia de formação de futuros professores.

Para tanto, propõe um caminho para iniciar o projeto de pesquisa, qual seja,

identificar um problema (dentre os vários que possa haver na equipe em formação)

que seja, ao mesmo tempo, representativo da equipe e passível de ser pesquisado.

Defende que o foco não pode estar no indivíduo em formação, mas no seu contexto

de atuação. Pode-se começar por identificar um problema a partir da realidade da

escola, isto é, “a primeira questão é ver que problema, ou que problemas, de

investigação é que podemos sobre essa realidade suscitar?” (E2, março/2013)

Uma vez identificado o problema em questão, desenvolve-se o plano de

pesquisa que haverá de culminar, concomitantemente, na formação dos professores

e no seu desenvolvimento profissional, bem como na solução para a questão-

problema levantada inicialmente.

Na defesa do uso da pesquisa como proposta de formação, E3 demonstra

indignação com pesquisadores que se utilizam da realidade dos professores nas

- 97 -

suas pesquisas, mas não os envolve nelas, sequer lhes dão a conhecer os

resultados a que chegaram.

...as instituições de ensino superior fazem investigação sobre as escolas,

mas nunca envolvem os professores nessa investigação, limitam-se a ir lá

recolher dados. Os investigadores vão lá recolher dados, mas depois nada

disso é devolvido às escolas e os professores que estão nas escolas

acabam por não ter qualquer ligação com os resultados da investigação

que é feita sobre eles, e que deveria servir para eles. Portanto, há aqui

uma grande lacuna em termos da relação entre a investigação e aquilo que

se faz na prática. E a única maneira de ultrapassar isso passa pelo

envolvimento dos professores nos processos de investigação. E, portanto,

a formação tem que passar também por processos de investigação, pelo

menos ao nível de mestrados e dos próprios doutoramentos e dos projetos

de investigação que se façam, têm que envolver as escolas. Mas,

basicamente, são sempre questões de articulação, os problemas são por

questões de articulação entre a formação e a prática pedagógica nas

escolas, entre a investigação e as práticas pedagógicas. (E3, março/2013)

Volta ao cenário o distanciamento entre a teoria e prática que, segundo

E3, pode ser minimizado se os professores forem, de fato, envolvidos nas situações

de pesquisa propostas pelas universidades. O que, neste caso, contribuiria para a

formação de mestres e doutores, mas também com a formação dos professores que

atuam nas escolas que foram alvo da investigação.

Referindo-se ao grupo com o qual realiza um trabalho de formação, E4

revela como tem sido importante o desenvolvimento desse trabalho na perspectiva

de uma pesquisa colaborativa, pois, acredita que nesse caminho tem alcançado o

duplo objetivo de melhorar as próprias ações formativas, além de poder constituir um

referencial teórico e metodológico que contribua com a formação de professores.

...ao longo dos anos, houve sempre (isso foi uma ideia que foi sendo

reforçada entre nós) uma intenção de fazer também dos processos

formativos em que estávamos envolvidas, objeto de alguma investigação.

E eu acho que isso é muito importante no percurso desta equipe. Porque

nos permitiu, por um lado, analisar o modo como fazemos a formação e

melhorar essas estratégias. E, por outro lado, foi nos permitindo construir,

de alguma forma, o referencial teórico e metodológico para as práticas de

formação e, concretamente para as práticas de supervisão. (E4, abril/2013)

Os depoimentos que ora analisamos deixam claro os contributos da

pesquisa na formação de professores. Porém, como tudo na formação envolve

- 98 -

muitas dimensões, o que a torna um objeto de estudo bastante complexo, é mister

que se esclareça que a adoção de uma proposta de formação baseada na pesquisa

sobre a própria prática, não pode ser compreendida como a solução para todos os

males existentes na formação.

Os defensores desse tipo de pesquisa, também chamada de pesquisa-

ação, reconhecem suas potencialidades e sua complexidade que, por vezes,

culmina em desvios que afastam os envolvidos dos objetivos propostos. Por isso,

alerta Zeichner (2008, p.85),

É importante que não se tenha uma visão romântica acerca do que pode ser alcançado por meio da pesquisa-ação ou de qualquer outra estratégia institucional que venha a ser utilizada na formação de professores. A pesquisa-ação não é a panacéia para o estado lamentável da formação de professores norte-americanos no que diz respeito à igualdade e diversidade.

Cumpre lembrar que os formadores de professores entrevistados nesta

pesquisa falam a partir da realidade de Portugal, onde a condição para o exercício

da docência é ter cursado, pelo menos, o mestrado. Neste cenário, portanto, a

proposta de formação a partir de pesquisas encontra um campo fértil para ocorrer.

Esta condição, entretanto, é muito diferente da realidade brasileira, em que ainda há

professores atuando sem a formação superior e onde os cursos de mestrado e

doutorado ainda são pouco acessíveis para a maioria dos docentes.

Portanto, ainda que possamos reconhecer as potencialidades de um

trabalho de formação a partir de pesquisas na ação docente, reconhecemos também

que estamos mais distantes dessa realização. É importante que essa limitação seja

colocada em pauta, pois, sem ela corre-se o risco de alimentarmos altas

expectativas, quase utópicas, sobre a formação, e colhermos frustrações e

decepções durante o percurso formativo.

Soma-se a isso o fato de que não é somente a realização de pesquisas,

do tipo pesquisa-ação, por exemplo, que contribui para o desenvolvimento

profissional de formandos e formadores. A singularidade de cada contexto, a

possibilidade de discussão e reflexão, bem como o trabalho colaborativo, poderá

contribuir para que cada grupo em formação identifique o caminho que será seguido

para atender às suas especificidades.

- 99 -

Contudo, os argumentos apresentados por E7 reúnem aspectos

fundamentais dos benefícios que a pesquisa tem na formação de professores.

...uma formação que se baseia na investigação, isto é, que se baseia no

olhar à realidade (observação, analise à luz de teorias, de quadros de

referências teóricas, ideológicas, científicas e pedagógicas) e, em

conformidade com o que encontra, permita decidir o que fazer, contribui

para uma formação de caráter profissional, tornando difícil a propagação

de comportamentos tecnicistas. (E7, maio/2013)

Envolver os professores em pesquisas pressupõe promover espaços de

reflexão, de discussão, de diálogo, de tomadas de decisão, opondo-se à lógica de

formação centrada no modelo escolar, em que o professor é visto numa perspectiva

passiva, receptiva, sem espaço para desenvolvimento e expressão de sua

intelectualidade. Pode ser um caminho para dissolver a cisão entre teóricos e

práticos.

Entretanto, não se pode gerar a expectativa de transformar o professor

em um acadêmico. Já dissemos anteriormente, esta é uma decisão de caráter

pessoal. E esse cuidado também foi sentido no depoimento de E7. Assim, se

estamos distantes de uma formação para a docência que tenha como formação

mínima o mestrado, o que pressupõe uma atuação em pesquisa acadêmica,

encontramos uma possibilidade de aproximação em E7 quando assinala a

importância de uma “atitude” investigativa e a diferencia de uma formação de

investigadores.

...não quer dizer que os professores têm que fazer investigação científica,

têm que ser investigadores. Eles devem aprender a ter as características

que o investigador tem que ter: saber observar a realidade, questionar a

realidade à luz do que sabe, do que leu, do que a teoria a demanda,

interrogar sobre isso, analisá-la em função da literatura e tomar decisões

sobre o que fazer, como fazer, e como avaliar o que se fez. Isso é o que

nós aprendemos quando fazemos investigação. É competência transversal

que se aprende. Quando os formadores adquirem essa competência

transversal, acaba havendo quase que um “boicote” em relação a qualquer

tentativa de ação com base na tecnicidade. E os formandos acabam por

serem dotados de uma ética que é própria da investigação: quando

investigo, não investigo por qualquer coisa, investigo porque quero mudar

alguma coisa. Não se pode alimentar a ideia de que formar na atitude

investigativa é a mesma coisa que formar investigadores. Não é. Os

investigadores são pessoas que querem predominantemente saber mais,

- 100 -

ter mais conhecimento, criar mais conhecimento, criar, fabricar

conhecimento. Um professor com uma atitude investigativa o que quer

saber é como é que se intervém melhor. É uma coisa diferente, se bem

que pra intervir melhor é preciso saber mais. E, sobretudo, é preciso saber

olhar para a realidade. (E7, maio/2013)

Aguçar o olhar para a realidade, identificar os problemas passíveis de

solução, rumar à teoria e retornar à realidade para promover mudanças. Este é o

movimento que se quer realizar por meio do trabalho formativo que se fundamenta

numa proposta de pesquisa.

7.4. Eixo 4- Formador de formadores. A discussão sobre a formação do formador é central quando se pretende

um debate crítico sobre as condições em que ocorrem a formação continuada. Há,

neste eixo, vários quesitos que podem ser discutidos. Entretanto, fazem parte desta

análise aqueles que surgiram a partir dos depoimentos dos entrevistados.

Colocamos em pauta, inicialmente, a relação entre formador e formando

e, como nosso foco é a formação continuada, lembramos que ambos possuem

formação profissional para atuar na docência. De um modo geral, o formador é visto

como alguém que sabe mais, que tem um conhecimento superior, alguém que se

destacou na sua atuação docente, uma pessoa que possui uma titulação superior,...

Além disso, em muitos casos, o formador ocupa um cargo ou função que é superior

ao professor, o que o legitima como alguém que é mais. É possível, também, que

atue num setor da administração que lhe dê o status de um profissional que está em

um nível superior ao do professor.

Entretanto, conceber o formador nesta perspectiva, isto é, de alguém que

sabe mais, é estabelecer, mesmo que não se tenha consciência disto, uma

hierarquia que não contribui para a formação ativa daqueles que estão em formação.

E1 esclarece os problemas decorrentes desse tipo de relação quando diz que

...se o formador tem uma relação de hierarquia com o seu grupo de

formandos (ocupa um cargo superior, atua numa instância administrativa

que fiscaliza a escola,...), as pessoas à partida vão estar à espera que

aquele coordenador vai lhe propor coisas, vai dizer aquilo que se deve

- 101 -

fazer. Portanto, nesses casos, ainda mais necessário se torna explicar o

que é que se pretende no modelo de formação escolhido. (E1,

março/2013)

Há situações na formação que não conseguimos mudar. É o caso do

lócus de atuação do formador. Se atua na SE ou na DE, ou qualquer outro órgão da

administração escolar, só esta característica não pode ser impeditiva da sua ação

formativa. Aliás, há quem defenda que o formador de algum modo deve ter um

diferencial em relação aos professores.

... devem ser distintos dos professores, não podem ser pares (“santos de

casa não fazem milagres”). Uma forma de marcar a diferença é o salário.

Devem ter horários de trabalho adequados à função, não pode ser um

horário de trabalho como o dos professores/coordenadores, por exemplo.

Se esta cadeia se mantiver, será quase inconcebível que uma pessoa

formada desta forma proponha aos professores formações que não

tenham interesse pra eles. (E7, maio/2013)

Entretanto, analisando a questão na perspectiva do profissional que está

em formação, não há como negar o peso contido nesta situação. Será preciso um

esforço inicial expressivo, no sentido walloniano de afetar o outro, ou seja,

estabelecer um clima confortável para que a hierarquia seja minimizada e possa

haver a desejada participação por parte da equipe. E isto não será tarefa fácil,

especialmente porque muitas ações de formação promovidas pelos órgãos centrais

da educação são realizadas de modo pontual, sem continuidade, tanto da temática

tratada como do formador que atendeu a equipe.

Todo esforço será necessário e válido para ao menos esmaecer as

marcas da hierarquia estabelecida ou imaginada, pois a participação da equipe no

seu processo formativo é fundamental. É, portanto, função do formador provocar

reflexões, dirigir questionamentos, problematizar, enfim, promover a reflexão

necessária para as tomadas de decisão necessárias a uma atuação melhor,

alcançando o crescimento profissional que se busca. Esse é o sentido assumido na

condução do trabalho de formação de E4.

...é um trabalho bastante intensivo que numa fase inicial lhes causa

imensas dúvidas... e, depois, eu questiono muito os professores, não é?

Porque não é só pô-los a fazer e depois ver no fim. Não. Eles têm que

discutir comigo toda a fase da planificação da experiência: “ok, qual é o

- 102 -

tema?”, “por que que é esse tema?”, eles têm um guião, aliás, para fazer

isso, “o que que lhes interessa saber?”, por quê?”, ou “por que que

definiram esse objetivo?”, “o que querem saber?”... há muitas

reformulações na fase... Muitas vezes isto conduz a um questionamento

das suas próprias práticas. Porque é assim, como eles têm que partir da

identificação de um problema ou qualquer coisa que não possam ver na

sua prática pedagógica, cá está, a partir dos interesses dos professores e,

depois, quando eu vou discutir com eles essas questões, eles são

obrigados, no fundo, a fazer um exercício de autocrítica. E não só esse

exercício de autocrítica de questionamento do que se passa nas escolas e

concretamente nas suas práticas, como também têm que fazer exercícios

de imaginação do que é que podem fazer de maneira diferente. E apesar

de serem professores experientes, nem todos têm muita facilidade em

passar por esse processo. O papel do formador aqui é fundamental. (E4,

abril/2013)

Para assumir este papel questionador, quase maiêutico, junto à equipe

em formação, o formador precisa saber de onde partir, aonde quer chegar e como

fazê-lo. Isto significa que não pode perguntar por perguntar, os questionamentos

devem ser fulcrais, devem ser mobilizadores dos saberes da equipe, devem

possibilitar um estranhamento àquilo que inicialmente parece óbvio, além de suscitar

o desejo de buscar informações complementares, de saber mais sobre o assunto.

Portanto, depreende-se dessa premissa que o formador não pode ser alguém

escolhido aleatoriamente ou alguém que se tornou formador por acaso.

...o coordenador/formador tem que ser muito bem formado e muito bem

selecionado. Nem todas as pessoas deverão poder ser

coordenadores/formadores. Não é bastante ser bom professor pra ser

coordenador/formador. Talvez até nem seja essencial. O que ele precisa é

ser formado para ser um bom coordenador/formador e consiga fazer aquilo

que um bom professor faz com seus alunos: motivá-los pra aprender

coisas chatas. Um bom professor consegue que os alunos tenham paixão

por uma coisa que ele também tenha paixão, mesmo que seja fictícia, que

seja didática, teatral. Cabe ao coordenador/professor propor coisas que

sejam aliciantes como, por exemplo, conhecer a realidade. Haverá

professores formandos que se envolverão 100% com essa proposta, mas

também aqueles que se envolverão a 70% e, quem sabe, até 50%. Mas,

não se deve ter a pretensão de catequizar e evangelizar, estamos

formando profissionais, não estamos catequizando-os e castigando quem

não se comporta bem... (E7, maio/2013)

- 103 -

Mais uma vez explicita-se a importância do contágio na formação. O

formador deve ser alguém capaz de fazer sua equipe apaixonar-se, deve seduzir,

deve propor ações aliciantes (no sentido de serem atrativas), mas não podem ser

doutrinárias. O princípio crítico e democrático não pode ser esquecido nesse

processo. Não se pretende vedar os olhos da equipe em formação para que façam o

que os formadores desejam, mas que despertem o desejo pela busca de solução

para os problemas enfrentados na sua realidade, que sintam prazer nas trocas de

experiências entre pares e que possam reconhecer a importância de uma revisão

constante de sua ação profissional. Por isso,

...os coordenadores têm que ter um conhecimento, uma discussão, uma

posição clara sobre quais são os fundamentos da profissão docente; quais

são os fundamentos da formação desses profissionais que constituem a

profissão docente? Ou seja, aquela questão de em que modelo é que

estamos a funcionar? Que valores, que ética, que orientação é que nós

vamos dar a estes professores? E depois naturalmente ensinar-lhes as

coisas técnicas que eles têm que saber. Sejam métodos de ensino, de

avaliação, teorias curriculares, didáticas e, na base disso, um

conhecimento aprofundado do que têm que ensinar, seja a leitura, seja a

escrita, seja ciências naturais, seja matemática ou outra coisa qualquer...

(E7, maio/2013)

E7 não nega a importância da dimensão técnica na formação, mas

demonstra que não se pode conduzir um trabalho formativo considerando apenas a

natureza técnica da atuação docente. Por isso, a seleção de um formador não pode

ser feita sem critérios previamente estabelecidos. Os frutos que podem ser colhidos

com a atuação de um bom formador são imensuráveis. É preciso ressaltar que

sabemos que não está somente nas mãos do formador a possibilidade de mudar a

educação; defendemos também a necessidade de políticas de formação que

forneçam todo o suporte necessário para uma formação adequada nos diferentes

contextos em que ela ocorre. Entretanto, a seleção do profissional que conduz a

formação é essencial.

Dentre os entrevistados desta pesquisa (que já dissemos anteriormente,

são profissionais que atuam na formação inicial e contínua, com obtenção de

resultados expressivos em Portugal), E1 e E4 foram formados por E6. No seu

depoimento, E6 revela que não teve oportunidade de realizar a formação segundo

os princípios que acreditava, por causa do momento histórico e político. Acredita que

- 104 -

sua proposta não inspirou credibilidade porque o momento não era propício para

uma discussão pautada em princípios reflexivos, colaborativos e críticos.

Entretanto, dois de seus orientandos (E1 e E4) puderam, cada qual a seu

tempo, realizar o trabalho que E6 apregoou, mas não teve oportunidade de realizar.

... quando hoje, por exemplo, olho pro trabalho de E4 e vejo E4 e aquele

grupo de professores eu digo, e tenho dito a ela, "isso era aquilo que eu

queria fazer nos anos 80", só que nos anos 80 as pessoas ainda não

estavam maduras para isso. (...) fico contente por ver que E4 enveredou

por aí e E1 também enveredou por aí. Portanto, as minhas experiências,

as minhas investigações em termos de colaboração são um bocado

diferidas, ou seja, estão a ser feitas mais pelos meus alunos do que

propriamente por mim, que papel é que me cabe aí? Cabe-me o papel

mais de conceptualizadora e de apoiante deles para a realização desses

projetos de colaboração. (E6, abril/2013)

Por consequência, ser formador implica fornecer os subsídios necessários

para que aquele que participa da formação possa assumir o controle da situação e

atuar com autonomia e independência (em relação ao formador), sabendo que

dispõe dos fundamentos que embasam a sua ação. Esses são os frutos que os

formadores desejam colher. O formador pode não chegar lá mas, se for um bom

formador, possibilitará ao que vem depois chegar mais além do que ele conseguiu.

O problema que enfrentamos, de forma muito intensa aqui no Brasil e,

nota-se pelas entrevistas, também em Portugal, é que os formadores chegam a

exercer esse papel sem que tenha sido planejado antecipadamente. Há também

uma falsa crença de que para ser um bom professor basta dominar o conteúdo a ser

ensinado.

...mantém-se a ideia de que se eu souber de culinária, eu sou

provavelmente um bom professor de culinária; se eu souber de história,

provavelmente vou ser uma boa professora de história. Não se percebe

que não é a mesma coisa. Nesta lógica, entende-se que para termos bons

professores de matemática deve-se exigir que sejam sábios em

matemática. Absolutamente. Têm que ser sábios em matemática, mas têm

que ter mais uma outra dimensão profissional que os separa dos

matemáticos, que é a formação profissional para serem professores de

matemática. Porque não basta eles saberem pra saberem ensinar, é

essencial, mas não é condição suficiente. (E7, maio/2013)

- 105 -

Não se nega a importância do domínio do conteúdo para que o docente

possa atuar. Essa é uma condição sem a qual não é possível ensinar. Entretanto,

ela não é suficiente para que a aprendizagem aconteça. É preciso uma outra

dimensão, chamada por Roldão (2007) de dupla transitividade. Assim, a ação de

ensinar

...é antes caracterizada, na nossa perspectiva, pela figura da dupla transitividade e pelo lugar de mediação. Ensinar configura-se assim, nesta leitura, essencialmente como a especialidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a alguém (o acto de ensinar só se actualiza nesta segunda transitividade corporizada no destinatário da acção, sob pena de ser inexistente ou gratuita a alegada acção de ensinar) (Roldão, 2005a). (ROLDÃO, 2007, p.95, grifos da autora)

O domínio do conteúdo, considerando-se a perspectiva de Roldão, situa-

se na primeira esfera da transitividade e sem ele não há ensino. Contudo, ele não é

suficiente. É preciso dominar um conjunto de estratégias para fazer o outro

aprender. Sem conhecimento sobre “como ensinar” a aprendizagem do outro ficará

comprometida.

No caso da formação de formadores, a concepção de que um bom

professor será um bom formador (o que nem sempre é verdade) é quase uma regra.

A falta de critérios previamente estabelecidos, fundamentados em pesquisas e

teorias que delas derivam, contribui para que princípios do senso comum sejam

adotados na seleção dos formadores.

E8 aponta os critérios que acredita serem indispensáveis no perfil de um

bom formador.

A minha concepção em relação à formação contínua de professores é de

que as aprendizagens se fazem na ação. E, portanto, o papel do formador

é um de ser um mediador entre recursos que existem, coisas que ele sabe,

em que possa ajudar ou a construir projetos ou a responder problemas ou

a perguntas. (E8, maio/2013)

Sua visão destaca a mediação, a articulação e o posicionamento de um

formador como alguém que está ali para conduzir, viabilizar, apoiar, ou, para ser fiel

ao relato, “ajudar”.

- 106 -

No entanto, E2 amplia esses critérios de uma maneira singular, quando

faz alguns questionamentos sobre o perfil do formador.

...o que um formador precisa de saber que como simples professor ele não

sabe? Não tem que saber. Metodologias de trabalho... a metodologia do

trabalho com projeto, porque no fundo o que a gente vai é orientar,

dinamizar, coordenar projetos na sua escola. O que é isso da metodologia

de um projeto? Quando é que uma coisa é um projeto e quando que não

é? Metodologias têm intervenção? Como é que se deve intervir junto de

profissionais que já são experientes, que são muitas vezes competentes,

tão competentes como o formador, eventualmente, até mais competentes

que o formador como professores? Nada me garante que o coordenador

pedagógico é mais competente que os professores da escola. Nem tem

que ser. Nem tem que ser. Mas tem é que saber como intervir junto com os

colegas e o que é isso de ser um formador de profissionais. Não é a

mesma coisa que ser professor da criança pequena. Em que o adulto é

diferente? Como é a melhor forma de estabelecer uma estratégia de

formação? Ela tem que ter a visão dos formandos. Se não tiver a visão dos

formandos rapidamente se tornará inerte, não serve para nada. E como é

que se pode ganhar a atenção dos colegas?

Em E2 encontramos os saberes desejáveis em um formador: que saiba

sobre metodologias, sobre o trabalho com projetos, sobre intervenção no trabalho de

profissionais experientes, sobre seu papel como formador, sobre estratégias de

formação, sobre formação de adultos. Portanto, da experiência, da produção

acadêmica, dos depoimentos, enfim, de fontes diversas, é possível reunir elementos

que corroboram com o fato de que é preciso ser criterioso na seleção de um

formador. Não se pode mais aceitar o fato de que seja alguém, como no caso de

alguns coordenadores pedagógicos, que não quer mais o trabalho na sala de aula e,

por isso, ocupa o posto de formador. Os avanços no âmbito da formação ocorrem a

passos lentos. Se somado a isso tivermos um formador que não corresponde ao

perfil esperado, portanto, atua de forma limitada ou até inadequada, corremos o

risco de retrocessos que nos fazem patinar estagnados ao invés de avançar...

7.5. Eixo 5- Trabalho colaborativo.

O trabalho colaborativo foi um dos eixos contemplado nos depoimentos

de quase todos os entrevistados. Apenas dois, dentre oito entrevistados, não

conferiram ênfase à dimensão colaborativa.

- 107 -

Vista como uma proposta de trabalho de muitas potencialidades, o

trabalho colaborativo torna-se uma possibilidade de inverter as relações

verticalizadas, descendentes, hierarquizadas, tornando o processo de formação

mais democrático e participativo.

Ocorre que muito se tem discutido sobre o que é colaborar e, o que se

compreende por tal, no senso comum, está distante do que se pretende realizar com

princípios teóricos de colaboração. Por esse motivo, é mister que o formador

esclareça, de início, com o grupo com o qual trabalha, o que se entende por

colaboração e o que se espera de um grupo que funciona nessa perspectiva.

...todos temos que saber que, quando dizemos que estamos a colaborar,

temos que entender a mesma coisa sobre o que é colaboração. Esse

conceito tem que ser negociado à partida. Eu percebo qual é o meu papel

e o do outro e não vou estar à espera de coisas que não vão acontecer.

(E1, março/2013)

É vital para o sucesso da formação evitar, tanto quanto possível,

expectativas sobre coisas que não vão acontecer. A frustração, a decepção, a

expectativa não atendida gera o desânimo e o descrédito em relação à formação. É

muito mais difícil reverter essa situação do que estabelecer, no início do processo,

como será a condução do trabalho.

...caso o grupo decida que aceita trabalhar em colaboração, o que se torna

fundamental? Primeiro isso: que as escolhas sejam assumidas em

conjunto e que as pessoas se revezem nos papéis que ocupam. Ainda que

a decisão que seja tomada no final, seja avessa àquilo que se quer

individualmente, a pessoa precisa sentir que participou dela. Deve haver

um sentido de pertença: se não sentir aquilo que faz como dela,

dificilmente o trabalho será colaborativo. (E1, março/2013)

Além da quebra da verticalização na relação entre formador e sua equipe,

o trabalho colaborativo promove o desenvolvimento de um sentido de

responsabilidade partilhada, de comprometimento com a proposta, um sentido de

pertença. Aquilo que é recebido externamente, o que é imposto por outrem, ainda

que a pessoa tenha a responsabilidade de realizar, se esteve excluído no momento

em que foi concebido, não tem o compromisso com o sucesso ou o fracasso que os

resultados apontarão.

- 108 -

Por outro lado, se no processo de concepção e de tomada de decisão

houve a participação de todos os envolvidos, a responsabilidade partilhada os

impele a empenhar-se na obtenção de bons resultados. Este é um contributo de

grande importância possibilitado pelo trabalho colaborativo: o envolvimento de seus

participantes com o trabalho delineado no grupo.

Mesmo quando as coisas não dão muito certo, não resultam conforme

foram inicialmente propostas e o redirecionamento do trabalho se faz necessário, se

todos estiveram de acordo no início, este não será um momento para um jogo de

culpas e acusações. Ao contrário disso, as pessoas poderão apoiar-se mutuamente,

assumindo cada qual sua parcela de responsabilidade e encorajando-se para

alcançar a meta traçada.

Quando se abre a possibilidade que o trabalho colaborativo confere, que

é a negociação, a decisão conjunta, a partilha de responsabilidade, pode-se

encontrar estratégias de trabalho que sejam mais produtivas para a equipe. Assim,

especialmente quando esta equipe de profissionais em formação tem um número de

componentes que supera o que pode ser considerado adequado e sabe-se que

Cada um vem da sua escola. As escolas têm alguns problemas comuns e

têm outros diferentes. E eu não posso dizer a eles, "olhem, colegas, é

assim, vocês têm problemas muito diferentes, mas vamos todos trabalhar

sobre os problemas ali daquelas dez escolas, que é aprendizagem da

língua portuguesa. E, agora, vão todos ficar a saber mais sobre como atuar

no campo do estudo da língua portuguesa". Não. Quer dizer, aí, depois, a

estratégia dos formadores dos formadores passa a ter que ser uma outra

que é identificar linhas do projeto e separar aqueles 65 por 5 ou 6 grupos

diferentes, focados em problemas diferentes. Porque eu não posso fazer

um trabalho com cada um dos 65, mas, se calhar, eu posso fazer um

trabalho com 5 grupos, ou 6. Porque, entre eles, as preocupações

principais não são iguais. Uns tantos falam que é indisciplina, outros falam

que é a aprendizagem do português, outros dizem que não, é mais a

matemática. E, então, eu tenho que fazer uma negociação com eles para

encontrar um plano de trabalho que os agreguem por grupos pequenos,

mas que não chegam até ao indivíduo, porque eu não posso fazer 65

projetos. Mas, entre um só projeto para os 65 ou um projeto para cada um,

eu tenho ali um ponto intermédio, que é, vamos tentar aqui animar 3

projetos, 4, 5, não mais do que isso num dado ano. No ano seguinte posso

refazer todo este esquema. (E2, março/2013)

- 109 -

Quando o grupo adquire a sintonia necessária para o trabalho

colaborativo, (e sintonia não quer dizer que não haja problemas, conflitos ou

divergência nas opiniões, se todos pensassem de modo igual não seria produtivo

para a formação), as resistências começam a ser quebradas, os professores deixam

de temer a exposição do seu erro e passam a querer contar com os colegas para a

superação de suas dificuldades. Aliviadas as resistências, o trabalho colaborativo

possibilita o rodízio de papeis, dado o seu caráter de relação horizontal, favorecendo

mudanças de perspectivas, o que contribui significativamente para o crescimento

profissional de formadores e formandos, pois, uma coisa é falar na posição de

formador, de coordenador, de PCNP, outra coisa é, por meio da inversão de papeis

(quem estava na posição de formador agora assume a condição de formando),

participar do processo numa perspectiva diferente da que estava anteriormente.

A experiência de E2 revela o quão produtiva pode ser a inversão de

papeis numa proposta de trabalho colaborativo.

A princípio nós pensávamos que os professores iam ter muita dificuldade,

não iam querer que os colegas fossem lá para dentro da aula, que iam ter

medo de serem vistos por outro colega, que era um colega de escola, mas

tem ali uma atribuição de formador. (...) Mas, então, eles também iam

observar as aulas dos outros. Portanto, não estava cada um a ser

observado pelo formador, depois criavam, às vezes, dispositivos em que já

não era o formador que ia para a aula do colega, era o colega que ia para

a aula do colega. E em alguns dias estava a ser ajudado, estava a ser

formado e outros dias ele estava a ajudar a formar o outro. E então não

ficava naquela posição inferior. (E2, março/2013)

O rompimento com as barreiras hierárquicas aproxima as pessoas, pois

encerra a sensação de superioridade ou inferioridade. Além disso, o rodízio de

papeis, comum no trabalho colaborativo, estabelece uma relação mais respeitosa

com o profissional que é o professor, já que na dinâmica do grupo a pessoa se

forma, mas também contribui para a formação de outros. Sabemos que, ainda que

não seja de modo intencional, isto também ocorre em qualquer modelo de formação,

pois, quando as pessoas e o meio estão em interação (e o estão constantemente), a

teoria walloniana nos permite afirmar que elas afetam-se mutuamente. Entretanto, é

justamente na intencionalidade desta ação, que é assumir que formamo-nos

continua e reciprocamente, que se evidencia o respeito profissional pelo outro.

- 110 -

A formação que condiciona a pessoa a permanecer no papel daquele que

não sabe ou que nada tem a contribuir, dificilmente obterá o envolvimento e o

compromisso de seus participantes tão necessários para que haja aprendizagens,

mudanças, crescimento e desenvolvimento profissional. E, historicamente, sabemos

que

Os professores foram “fabricados” na formação inicial e na tradição da

escola como pessoas que têm que saber, não se enganam, não podem ser

ignorantes e, portanto, são perfeitos. Para isso fecham a porta para que

ninguém veja o que eles fazem, e ficam na sua sala. A colaboração não se

faz com pessoas assim. A colaboração tem que se fazer com pessoas

abertas, com pessoas que são capazes de assumir que erram, fazem

disparates, são normais, e têm que buscar melhorar. Não se pode

colaborar por imposição (porque está na moda, por exemplo) nem por

conveniência (eu colaboro contigo tu dás-me o teu texto eu dou-te o meu

texto, tu falas de um autor, eu falo de outro autor), pois esta seria uma

formação egoísta, não seria desenvolvimentista. A colaboração tem que

partir de objetivos comuns: pessoas que querem fazer uma escola, isto é,

dos alunos que frequentam a escola, os melhores alunos que imaginar se

possam, e fazer de tudo o que estiver ao seu alcance para isso... (E7,

maio/2013)

O depoimento de E7 revela elementos de elevada relevância no trabalho

colaborativo. Ao encontro do que postula Wallon, para quem a constituição de um

grupo se dá na reunião de pessoas que partilham de um mesmo objetivo, E7 é

enfática ao afirmar que a colaboração não se faz por imposição ou por

conveniências, mas por haver entre os seus membros objetivos comuns. Seu

depoimento emocionante (e, por que não dizer, contagiante) resgata um princípio de

colaboração, alcançar objetivos comuns, bem como a finalidade do trabalho

docente, oferecer aos alunos uma boa formação. É para atingir esta finalidade do

trabalho docente (a aprendizagem do aluno) que se busca continuamente rever os

processos formativos, no sentido de subsidiá-los para que possam ser cada vez

melhores. Muitas vezes, essa dimensão fica diluída na tempestade de tarefas que os

profissionais da educação têm para realizar, o que culmina em desvios de função,

de incompreensões do propósito educativo, e até mesmo do sentido que a formação

pode ter para aqueles que nela estão implicados.

Contudo, a implantação de um trabalho colaborativo, apesar de

teoricamente parecer tranquila, não é nada fácil. O trabalho nessa perspectiva retira

- 111 -

as pessoas de uma zona de conforto da qual, muitas vezes, não querem sair. É

muito mais fácil deixar a situação como está, pois, com a hierarquia estabelecida,

não precisam assumir compromissos, não têm responsabilidade com o fracasso do

processo, além de poderem manter um distanciamento tal que lhes permite apontar

os problemas como se deles não fizessem parte. Esta é, sem dúvida, uma situação

limitada, em que muitos querem permanecer justamente por poderem eximir-se do

seu trabalho. E não o fazem de modo consciente, isto é, não querem realmente a

falta de compromisso, mas foram formados neste modelo, aprenderam que é assim

que funciona e a mudança gera medo, insegurança e exige mais trabalho (leituras,

estudos, discussões, análises, reflexões, debates,...), com o qual não estão

acostumados. Entretanto,

Se nós pudermos, na formação, e através da experiência da colaboração,

levar os professores a perceber a importância da colaboração, eu acho

que estamos a dar um contributo importante para o trabalho nas escolas.

(...) Mas esses dois elementos eu acho que sim, são importantes,

combinados com a questão do tempo (tem que haver um tempo de

formação) e com a questão do número de alunos ou número de

professores que seja razoável para o formador poder acompanhar. Acho

que são fatores importantes. Pronto. (E4, abril/2013)

Vimos assinalando ao longo desse trabalho que as condições de trabalho

para que a formação ocorra adequadamente são cruciais. Na maioria dos casos

reclama-se de um tempo insuficiente para a formação. Entretanto, este não deve ser

muito nem pouco, pois, resgatando da minha experiência como formadora as oito

horas semanais destinadas à formação do coordenador pedagógico, penso que

talvez esse tempo fosse demais. Lembro-me de que havia coordenadores que

sugeriam encontros quinzenais e, talvez tivessem razão.

Outro ponto importante, citado por E4 e anteriormente por E2 refere-se ao

número de pessoas em formação num mesmo grupo, aspecto que também merece

um cuidado especial. O grupo de coordenadores formados pela minha equipe na DE

era de, aproximadamente, 65 pessoas. Número elevado para estabelecer uma

proximidade, ainda que fosse com oito horas semanais o que, neste caso, não

ajudava, já que o esforço para manter a atenção de uma equipe numerosa por um

período de tempo grande é muito maior, como maiores também são as chances

desse trabalho tornar-se enfadonho.

- 112 -

É importante observar o posicionamento assumido por E8, quando

ressalta a importância de que, independente dos setores envolvidos nos processos

formativos em colaboração, o trabalho desenvolvido há de ter como meta a

resolução das dificuldades enfrentadas pelos professores no seu cotidiano.

...sou favorável a modalidades colaborativas entre a administração ou

entre as escolas de formação de professores e os professores que estão

no terreno, no sentido de ir confrontando pontos de vista mas, por

referência, a problemas que os professores têm. (E8, maio/2013)

7.6. Eixo 6- Perspectivas sobre a formação. Incluem-se neste eixo as ideias, concepções e modos de pensar a

formação na perspectiva dos entrevistados. Iniciamos esta análise a partir de críticas

que surgiram nos depoimentos sobre formas equivocadas de conceber a formação.

... curiosamente, a maior parte da formação continuada que se faz, mesmo

a formação de formadores, parte sempre desse paradigma do defeito ou

da deficiência. O que eu vou fazer com a formação? Eu vou tratar de

eliminar os defeitos de formação que ele tem. Vou-lhe falar do que ele não

sabe, vou-lhe mostrar técnicas que ele nunca viu, vou-lhe falar de autores

que ele não conhece, vou-lhe falar de teorias que são mais modernas e,

portanto, ainda não estão muito disseminadas entre os professores e,

portanto, é isso que eu chamo de paradigma... eu e outros autores em

quem me inspiro... chamo o paradigma do déficit ou o paradigma da

deficiência. A formação continuada existe para tapar as deficiências. Os

professores, os formadores têm uma formação com lacunas, antiquada,

não sabem as coisas mais modernas, então, a gente aqui na formação vai

aprimorar os saberes e as competências deles. E vamos cheios de boa

vontade fazer isso e isso, depois, não dá grande rendimento. (E2,

março/2013)

O paradigma do déficit é muito conhecido e praticado no Brasil. A grande

questão, entretanto, que parece permanecer sem solução é: como fazer para mudar

essa perspectiva? Não partimos do pressuposto de que os equívocos e desvios

praticados nas ações de formação ocorram intencionalmente. Reconhecemos todo o

empenho e toda a dedicação de formadores que, como eu pude vivenciar, sabem

que há algo que não funciona bem, mas não conseguem, individualmente, identificar

o foco do problema, tampouco vislumbrar caminhos para superá-lo.

- 113 -

O princípio de reconhecer no outro a ausência de um conhecimento e

querer supri-la, inicialmente não parece uma opção ruim. Só por meio de

questionamentos sobre a própria prática, de reflexões fundamentadas, de uma

audição atenta de seus interlocutores é que o formador conseguirá reunir elementos

para compreender a essência dessa prática. Esse movimento é que possibilita um

sair da superficialidade das questões, de uma visão mais ingênua, para uma que

seja mais crítica e transformadora.

No caso da formação em cascata, lógica de formação que vivenciei como

formadora e que impera nas redes de ensino pública no Brasil, sabe-se que há uma

tendência à distorção da informação à medida que esta é repassada de uma

instância a outra, o que tem sido desastroso para o trabalho formativo.

Há um caso, célebre, em que o Ministério da Educação contratou 10 ou 12

pessoas das mais sábias que havia em Portugal na educação, aquelas que toda

gente conhece e reconhece... há uns 20 anos. Ótimas, todas ótimas. E pediu

que organizassem ações de formação de acordo com uns temas em que cada

um deles era especializado. E eles fizeram o programa da ação, os objetivos, os

conteúdos e os dossiês com os materiais. Portanto, essa era a equipe central.

Depois, havia em cascata uma disseminação, havia pessoas que ficavam

responsáveis por regiões do país: Porto, Minho, Vila Real, Lisboa, Setúbal...

estes tinham que trabalhar com professores das escolas a quem passavam

aquilo que estava na ação, os quais depois nas suas escolas tinham que passar

aos colegas. Foi um desastre completo. Portanto, a informação degrada-se à

medida que desce seus degraus (...) (E2, março/2013)

Apesar de serem grandes as chances de degradação da informação

numa formação segundo a lógica da cascata, esse modelo vem sendo empregado

com muita frequência. Há formadores e formandos que, talvez por não terem a visão

do processo como um todo (desde a concepção da proposta, seus fundamentos,

sua perspectiva, e o caminho percorrido até que chegue ao professor, na escola),

ainda não perceberam os entraves desse tipo de formação. Outros, apesar de terem

identificado o problema, sentem-se impotentes para modificar a situação, pois

envolveria instâncias superiores da educação, o que não está ao alcance de

iniciativas individuais.

Contudo, representado a seguir, no depoimento de E2, está um modelo

de formação segundo a lógica da cascata que todos os entrevistados disseram que

- 114 -

foi uma formação que deu muito certo. Foi realizado com os professores do primeiro

ciclo do ensino básico, e divididos em três programas: Plano Nacional da

Matemática, Plano Nacional da Leitura e da Escrita e Plano Nacional das Ciências

Experimentais. Apesar de abordarem áreas do conhecimento diferentes, tinham um

mesmo princípio no que se refere às ações de formação.

Portanto, há uma equipe nacional, que foi a primeira a ser formada, depois essa

devia passar o conhecimento para equipes regionais até chegar ao nível da

escola, isto é, por último, em cada escola tentava-se identificar um professor que

pudesse ser um formador dentro do plano da ação da matemática. Esse

professor recebia formação e ficava encarregado da formação dos colegas. A

formação era para quê? A formação era para ele poder ajudar os colegas a

resolver os problemas das suas salas de aula. Ou seja, não era... a dúvida não

era, será que os nossos professores sabem matemática? Não. A questão era,

como é que os nossos professores estão a ensinar matemática dentro da sala?

(...) A formação na escola consistia em os professores daquela escola relatarem

uns aos outros como eram as suas práticas para ensinar as operações, a adição,

a multiplicação, como é que faziam. Que resultados estavam a ter nesse ano

com seus alunos? Quais eram os alunos que estavam a ter dificuldades ou maior

lentidão? E o que escolhia experimentar fazer para eles aprenderem melhor

matemática? E o professor da escola, que era formador, coordenador

pedagógico, ia com o colega para dentro da sala de aula. Observar, registrar,

sugerir estratégias, métodos alternativos. No dia seguinte, ia experimentar com

aqueles alunos e ver se resultava melhor que o processo anterior ou se resultava

pior, porque às vezes resulta pior. Não está garantido. Os professores adoraram

essa modalidade de formação. Porque sentiram que essa formação chegava até

à sala de aula. (E2, março/2013)

Os diálogos com os entrevistados revelaram que o diferencial entre o

modelo de formação em cascata que deu certo e outros que não deram certo foi o

cuidado (acompanhamento e supervisão) na passagem de uma instância a outra.

Não era um esquema em que a informação era lançada ao vento e quem a

recebesse tinha que buscar sozinho as alternativas para o próximo repasse, da

melhor forma que podia, como acontece em muitas outras formações que se utilizam

do efeito cascata. Havia um período de acompanhamento e efetiva formação a cada

vez que a proposta tinha que ser conduzida a outra esfera.

Apesar dos entrevistados referirem-se a esse modelo de formação como

“um modelo em cascata que deu certo”, supondo, então, que o problema não estaria

na cascata em si, mas no modo como se dá a condução do trabalho de uma

instância formativa a outra, no modo como é concebida a aprendizagem do

- 115 -

formador, entendemos nós que a condução de um trabalho como este não constitui

um modelo em cascata, pois, o que caracteriza esse modelo é justamente uma

passagem mecanizada, automatizada, de conteúdos advindos de uma instância a

outra. Neste sentido, a formação em cascata não poderá ser significativa para

formandos e formadores, já que tem como preocupação central a passagem de um

determinado conteúdo por diferentes instâncias hierárquicas.

Acreditamos que a formação continuada necessita ser compreendida na

perspectiva da formação de adultos. Isso implica entender que aquele que participa

da formação é um profissional, com formação para o exercício da docência, que

possui experiência profissional, convicções profissionais e pessoais, alguém capaz

de refletir, criticar, transformar, destruir, reconstruir,... “A aprendizagem do adulto

resulta da interação entre adultos, quando experiências são interpretadas,

habilidades e conhecimentos são adquiridos e ações são desencadeadas”.

(PLACCO e SOUZA, 2006, p.17)

A formação que se fundamenta na educação de adultos respeita a

trajetória profissional e pessoal do professor. Não descarta suas experiências,

aprendizagens informais, não interpreta suas dúvidas segundo a lógica do déficit,

isto é, como uma lacuna na sua formação ou um conhecimento que lhe falta. Suas

dúvidas, medos e anseios, são vistos como decorrentes de um processo de

aprendizagem que, partilhado entre pares, pode vir a tornar-se ainda mais

enriquecedor. É o que assinalam Placco e Souza (2006, p.38), quando afirmam

Processos formativos precisam oferecer oportunidades para que os professores busquem pontos de intersecção com seus pares por meio de depoimentos e relatos de experiência. Nesses processos, convive-se com a declaração de dúvidas e angústias, a confirmação das conquistas e o enfrentamento das dificuldades, num movimento de interlocução, de acolhidas, de pontuações necessárias, que enriquecem o trabalho tanto no individual como no coletivo.

Vislumbra-se, portanto, na compreensão da formação segundo a

educação de adultos, um modo de superar algumas lógicas anteriormente criticadas,

como a do déficit e a do modelo escolar, nas quais a trajetória profissional e pessoal

do professor é desprezada, desrespeitando-se as experiências anteriores que o

constituíram o profissional que é.

- 116 -

O questionamento feito por E7 provoca a reflexão sobre o modo como o

profissionalismo docente tem sido tratado. Indignada com incoerências da formação,

pergunta:

...como é que um sistema que quer que os professores sejam

profissionais, admite que os seus formadores não o sejam. Como é que

isto faz sentido? (E7, maio/2013)

Sua provocação eleva a discussão sobre os processos formativos para

uma perspectiva profissional. A formação tem implicação na constituição de

crianças, jovens e adultos de uma sociedade; não pode mais ser tratada com

amadorismo. Precisa de um corpus teórico que lhe dê solidez, e muito já tem sido

produzido pelos autores e pesquisadores, especialistas na área. Todavia, esses

escritos encontram-se pulverizados, diluídos dentre outras necessidades que

imperam na educação. Também se faz urgente que haja um estabelecimento de

critérios para a seleção do formador que, por sua vez, precisa ser formado para ser

formador e, para tanto, conhecer sobre educação de adultos, sobre estratégias de

formação, sobre a concepção e condução de projetos colaborativos de intervenção,

etc.

Pessôa et. al. (2014, p.133) diferenciam a ação do professor (ensinar –

primeira instância) da ação do formador de formadores (ensinar a ensinar – segunda

instância).

Por um período significativo o cenário da formação não conseguiu ocupar-se, tal como deveria, de seus formadores. Imperava o entendimento de que, sendo o professor o profissional do ensino, qualquer professor poderia ensinar a ensinar. É evidente que esse não é um princípio equivocado. Sua raiz tem solidez. Entretanto, o que tem sido desconsiderado é o fato de que, assim como é preciso “aprender a ensinar” (processo vivenciado por todo professor na formação inicial e contínua, bem como nas experiências profissionais e pessoais), é mister que as especificidades do “ensinar a ensinar” sejam igualmente aprendidas para que a didática, a metodologia, a estratégia e todo o processo formativo possa, de fato, possibilitar o desenvolvimento profissional de seus atores.

Defendemos, portanto, que o formador deve ser formado

profissionalmente para exercer a função, pois nela há especificidades sem as quais

todo o processo pode ficar comprometido e desacreditado. Não basta contar com a

“boa vontade” do formador que, por mais que seja comprometido com o seu

- 117 -

trabalho, não terá muito que fazer se lhe falta a dimensão profissional que o legitima

como formador porque confere as ferramentas e os dispositivos necessários para

serem mobilizados na condução do seu trabalho quando necessário.

Como sabemos que não pode haver cisão entre o pessoal e profissional,

e afirmamos isso com base em princípios wallonianos, segundo os quais o homem

não é um ser fragmentado, mas constituído por dimensões integradas, que podem

se alternar, predominar uma sobre a outra, mas não dissociar-se, também não há

como promover o desenvolvimento profissional docente ignorando a dimensão

pessoal do professor. Pode parecer ambicioso, mas, o fato é que, quando afirmamos

que é preciso promover mudanças por meio do desenvolvimento profissional, o que

queremos é promover mudança na pessoa como um todo complexo e indiviso.

. ...o conhecimento profissional não transforma apenas a ação profissional.

Aliado a outras experiências do cotidiano, ele transforma a pessoa. Os

professores que participaram do grupo de formação IRA (Investigação,

Reflexão e Ação), sentiam que era importante ter estado naquele espaço

de formação, sentiam que aquele tempo não se tinha perdido, não era em

vão, a pessoa estava diferente, “a pessoa”. E é isso que queremos porque

a pessoa diferente não consegue fazer as mesmices que não têm sentido.

(E7, maio/2013)

Muitas vezes o medo de nos tornarmos pretenciosos, ambiciosos em

excesso, nos faz camuflar verdades que precisam estar expostas. Quando a pessoa

muda profissionalmente, ela muda como “pessoa”, sendo o contrário também

verdadeiro, isto é, se há mudanças no âmbito pessoal, haverá mudanças no

profissional. Não há nada de mal em querer que isso ocorra, se assumimos que

estamos todos os dias em interação com os outros e com os diferentes meios pelos

quais circulamos e que a consequência disto é que estamos num processo de

permanente mudança.

Um último tópico a ser discutido neste eixo, ainda referindo-se às lógicas

de formação (modelo escolar, déficit e cascata), é a crítica que fazem E3 e E8 sobre

a formação oferecida como um menu. Este tipo de formação costuma ser realizado

em qualquer uma dessas três logicas, já discutidas, como uma solução de formação

oferecida para quem dela necessita. Trata-se de uma oferta de formação, uma

espécie de menu, em que aquele que a solicita (o diretor, o coordenador, o gestor,

- 118 -

os professores,.) pode escolher o tema a ser tratado, como fazemos num

restaurante ao escolher o prato da refeição a ser feita.

... eram formações que não tinham nada a ver com aquilo que os

professores precisavam. Era o que as escolas de formação ou os

formadores achavam que deviam dar, mas não o que as escolas precisam.

E, portanto, aquilo acabou por não ter nenhum impacto, em termos das

práticas. Com o tempo, desde 1990 até agora, foi se tentando ultrapassar

isso e tentando criar outras formas de articulação com as escolas para a

formação contínua, procurando, enfim, dar respostas às necessidades das

escolas, em vez de oferecer a formação que as escolas de formação

queriam. (E3, março/2013)

E8 também faz referências críticas à formação do tipo menu.

...o que aconteceu é que os Centros de Formação faziam, perguntavam às

escolas que necessidades de formação é que tinham. Recebiam temas,

iam à procura de formadores que dessem aqueles temas e, portanto,

devolviam um menu de ofertas formativas. (E8, maio/2013)

Como forma de superar a formação oferecida como menu, E8 propõe:

...uma educação não escolarizada dos professores, portanto, que seja

construída a partir de problemas postos pela prática dos professores. Isso

o obriga a desenvolver trabalhos de projetos. Também não implica que não

se possam fazer suas temáticas sobre determinados temas, porque nós

pensamos que é importante que haja na formação. Mas é um trabalho

totalmente diferente de fazer apenas um menu, um catálogo das ações de

formação. (...) uma das ideias fundamentais era a ideia da formação

centrada na escola, em vez de ser centrada nos conteúdos a transmitir ao

professor pela disciplina ou aos professores das turmas.

Mais uma vez, parece ingênua e até apropriada a ideia de conceber um

menu de temáticas para formação de professores. Menu este, muitas vezes

sugerido pela própria equipe docente. Entretanto, esta formação fica centrada no

conteúdo e não nas necessidades sentidas pelos profissionais em formação. Vem

pronta, num pacote temático, sem mobilizar a equipe para a busca de soluções para

as dificuldades enfrentadas. A impressão que fica é que andamos e não saímos do

mesmo lugar, pois não conseguimos desarraigarmos das lógicas do modelo escolar,

do déficit, da cascata.

- 119 -

Contudo, ao apontar a possibilidade de uma formação centrada nas

escolas e nos seus problemas, E8 nos aponta uma possibilidade de sairmos desse

ciclo que não tem sido efetiva nos processos formativos. Se é centrada na escola, se

os problemas desta escola precisam ser elencados, se o contexto escolar precisa

ser conhecido, o formador, como já explicitou E8 quando discutimos a formação do

formador, será aquele que media e articula e não aquele que sabe e repassa os

conteúdos. Seu papel não será o de dizer o que deve ser feito, mas o de promover a

problematização, a discussão, a busca por respostas, a troca entre os pares, a

reflexão, a desconstrução de ideias pré-concebidas, a construção de novas

proposições. Nesta perspectiva, ao iniciar o processo de formação, ele não sabe

antecipadamente o resultado final, mas sabe como mobilizar o grupo na direção de

obtê-lo.

- 120 -

TRILHA VI

Trilhares que ensinam: lições de um percurso...

Quando os processos formativos levam em consideração que cada escola tem uma história, uma cultura, uma identidade própria e que os profissionais que nela habitam também são sujeitos que trazem uma bagagem acumulada nos diferentes meios pelos quais passaram, têm maior possibilidade de sucesso. Tanto mais se considerarem que as intervenções devem envolver toda a instituição escolar, e não apenas professores desta ou daquela disciplina. (ALMEIDA, 2013, p.12)

- 121 -

Considerações Finais

Ainda que haja muito a discutir é chegada a hora de concluir... Uma

conclusão que esperamos ser provisória pelas possibilidades de continuidade

vislumbradas nesta pesquisa.

Tal como um motorista conduz um veículo, escolhendo, conforme seu

destino, o melhor caminho, o atalho, o desvio de lugares tortuosos, estradas que

possam danificar o seu automóvel, obedecendo regras de trânsito, imprevistos que

surgem (animais na pista, uma tempestade inesperada, a passagem de um

ambulância que segue apressada), assim também esta pesquisa trilhou seu

percurso, conduzindo suas escolhas da melhor forma que lhe foi possível naquele

momento.

Se fosse hoje, dia em que termino este estudo, faria tudo igual? Não.

Claro que não. Ao findar deste trabalho não sou a mesma pessoa que iniciei. Faria

certamente outras escolhas, sem nenhuma garantia de que seriam melhores do que

estas.

Contudo o trabalho que ora se encerra partiu de uma indagação que

agora recuperamos para tentar respondê-la: quais experiências realizadas no

contexto português, conduzidas por formadores de referência no país, podem

contribuir para ressignificar modelos formativos em contexto brasileiro?

Das entrevistas realizadas, da forma de análise proposta, da

compreensão possível pela pesquisadora, foi possível depreender que os discursos

sobre formação, realizados por formadores de expressivo reconhecimento em

Portugal, são realizadas com princípios de colaboração, proposta de trabalho em

que se verificam o esmaecimento de hierarquias em prol de uma relação mais

horizontal, bem como o envolvimento dos profissionais em formação com as

propostas acordadas no grupo, tornando-se todos corresponsáveis pelo sucesso ou

fracasso do trabalho.

- 122 -

Também foram notórias as experiências formativas que se pautaram no

princípio de que prática e teoria se articulam e uma não pode se sobrepor à outra,

mas, juntas, contribuem para a resolução dos problemas enfrentados pelos

professores nos contextos em que atuam, bem como para o seu desenvolvimento

profissional. Neste sentido, os entrevistados defendem a parceria entre escola e

universidade, como estratégia que pode promover a aprendizagem de professores

acadêmicos e professores não acadêmicos.

Dos depoimentos coletados, destaca-se também a necessidade de

constituir uma teoria de formação que possa servir de fundamento para as ações

formativas; a importância de estabelecer critérios claramente definidos para a

seleção do formador, negando o princípio de que um bom professor será,

necessariamente, um bom formador.

No percurso trilhado, foi possível, ainda, analisar e consolidar uma

percepção, fruto da minha experiência com a formação de professores, de que a

lógica da cascata é um problema para a formação. Em contato com os oito

entrevistados, todos relataram que a maioria das experiências com a formação em

cascata não deram bons resultados, mas que o último Plano Nacional de Formação

foi concebido em cascata, com um diferencial de acompanhamento na passagem de

uma instância para outra, e o resultado, tal como foi concebido, chegou até a escola,

motivou o professor e teve um impacto significativo nas ações docentes.

Estes relatos inesperados, levaram à reflexão inicial de que o problema

talvez não seja a cascata em si, pois, há diretrizes que precisam ser repassadas de

modo descendente, o problema centra-se, então, na forma como o processo é

conduzido. Mais uma vez, a questão central para a obtenção do sucesso ou

fracasso na implantação de um programa estaria na formação.

Entretanto, se considerarmos o princípio da lógica da formação em

cascata, qual seja, o de um repasse mecânico de conteúdos a profissionais de

outras instâncias, verifica-se que o modelo citado pelos entrevistados não se

constitui numa “cascata”, dado que, na passagem de uma instância a outra ocorre

análise, reflexão, acompanhamento, ressignificação,... A adoção de tais

procedimentos retira a lógica da cascata desse modelo de formação.

- 123 -

Sabendo que esta pesquisa teve por objetivo, a partir dos depoimentos

coletados, identificar fundamentos que possam contribuir para avanços nos modelos

formativos que contribuem com o desenvolvimento profissional dos professores em

formação em contexto brasileiro, passamos então a apresentar os fundamentos que

identificamos e consideramos válidos para este propósito e que, de um modo geral,

constituíram os eixos de análise das entrevistas. São eles:

- articulação entre universidade e escola na promoção de ações de

formação, aproximando teoria e prática, além de possibilitar que profissionais de

ambos os contextos possam desenvolver-se profissionalmente;

- adoção de estratégias de formação que contemplem uma ação

motivadora, sedutora em relação às questões tratadas na formação, o que provoca

entusiasmo no professor, aproxima formadores e formandos e estabelece boas

relações afetivas, essenciais na condução de um trabalho em grupo;

- desenvolvimento de uma atitude investigativa com o objetivo de

possibilitar aos professores em formação: saber observar a realidade, questionar a

realidade à luz do que sabe, do que leu, do que a teoria a demanda, analisá-la em

função da produção acadêmica e tomar decisões sobre o que fazer, como fazer e

como avaliar o que se fez, sem que isso os obrigue a tornar-se um pesquisador

acadêmico;

- constituição de princípios que possam servir de referência para os

processos de seleção de formadores, fundamentados não somente na sua formação

acadêmica, mas no domínio de conhecimentos específicos para a formação

(estratégias de formação, fundamentos da formação de adultos, trabalho

colaborativo, concepção e realização de projetos de intervenção, entre outros);

- atuação segundo a proposta de trabalho colaborativo que, além de

romper com a relação hierárquica, promove o desenvolvimento de uma participação

responsável e comprometida com a ação;

- adoção de uma perspectiva de formação segundo a formação de

adultos, o que caracteriza respeito ao profissional que participa da formação e

confere espaço para a reflexão, a troca de experiência, a crítica, a exposição de

- 124 -

problemas enfrentados, numa perspectiva dialógica que busca contribuir com o

desenvolvimento profissional do professor.

Apresentamos, por fim, os encaminhamentos possíveis para a realização

de outras pesquisas que possam investigar o que, de fato, contribui para a melhoria

nos processos formativos. Nesse sentido, ressaltamos a importância de investigar

quais estratégias de formação têm sido utilizadas nas ações formativas, bem como o

modo como são conduzidas. A educação de adultos também se revelou um campo

fértil para pesquisas sobre formação, considerando ter sido este um dos

fundamentos identificados nas entrevistas realizadas, bem como o fato de que, ao

observar as ações de formação que ocorrem no contexto brasileiro, é possível

verificar que, pelo menos a maioria, não adota princípios da formação de adultos, o

que compromete o trabalho formativo. Outro encaminhamento possível é a

concepção e condução de projetos colaborativos de intervenção e reflexão sobre a

prática (propósito inicial desta pesquisa, inviabilizado pela mudança na legislação).

No trajeto percorrido nesta pesquisa evidencia-se o fato de que os

referenciais portugueses têm sido utilizados em contextos brasileiros dada a

similaridade com a realidade brasileira. Entretanto, isso não pode significar que haja

uma adoção de conceitos e teorias sem passar pelo crivo da reflexão, análise e

ressignificação por formandos e formadores. Isto também se faz necessário quando

falamos do contexto brasileiro. Talvez por sua extensão territorial, já estamos

acostumados, aqui no Brasil, a fazer tais análises, modificações, reajustes. De uma

escola para outra, não se pode adotar as mesmas práticas, as mesmas ações, a

mesma dinâmica, pois o contexto é diferente. Por isso, não nos espanta que

também o tenhamos que fazer quando nos deparamos com as experiências que nos

foram relatadas.

Destino alcançado, desligo o motor do veículo que até aqui nos trouxe e

passo a planejar outras incursões, a partir daquilo que sou agora...

- 125 -

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30.12.2014. Dispõe sobre a função gratificada de Professor Coordenador.

________________. SECRETARIA ESTADUAL DA EDUCAÇÃO. Decreto nº

57.141, de 18.07.2011. Reorganiza a Secretaria da Educação e dá providências

correlatas.

________________. SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Resolução SE 89,

de 19.12.2007. Dispõe sobre função gratificada de Professor Coordenador das

quatro séries iniciais do ensino fundamental, em escolas da rede estadual de ensino.

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APÊNDICE A – Quadro 1 – Entrevista com E1 – Posicionamentos em destaque.

- TRAJETÓRIA ACADÊMICA E PROFISSIONAL: ...fiz a minha licenciatura aqui na Universidade. (...) o primeiro ano que tinha sido professor tinha sido na escola em que fui aluno e agora propunham-me ser professor também na universidade onde fui aluno e, portanto, eu nunca deixava de sair da casa! E achei que precisava de ver outras coisas. (...) fiz o serviço militar obrigatório, tive que fazer durante 15 meses, e quando regressei fui logo para a escola superior de educação, para o Porto, também por convite, para a formação inicial de professores (tinha 23 anos na altura). E depois dali passei pra Faculdade de Letras da Universidade do Porto e depois dali estive uns anos na gestão de uma escola particular e depois vim pra Aveiro também apoiar a formação inicial de professores aqui com a Universidade. Depois integrei-me na Universidade. Desde muito cedo eu fiquei logo ligado à formação de professores, na formação inicial de professores. (...) Havia a reforma curricular na altura, para o ensino básico e para o ensino secundário, e na altura aquilo foi uma grande revolução do pensamento, causou muitas questões, muito desconforto... (...) portanto, as pessoas estavam com muita necessidade de fazerem formação nessas áreas, nas áreas de projeto... Eu fiz muita, muita formação nessa altura. Fiquei muito relacionado com a formação contínua de professores nessa altura.”

- IDEIA PRECONCEITUOSA: há uma certa ideia instalada de que os professores não gostam da investigação, não querem investigar, não gostam do conhecimento científico e suspeitam dele. E é uma ideia instalada que tem alguma raiz. Mas, o que é fato é que as pessoas quando experimentam e quando veem uma utilidade nas coisas, é que dão valor a elas. Portanto, se conseguirem enxergar o valor que tem a investigação para o seu cotidiano profissional, poderão interessar-se por ela.(...) Não se pode aceitar o discurso de que não é possível contar com os professores para fazer investigação porque eles não conseguem levantar hipóteses e cumprir com as exigências da investigação acadêmica. E1 diz que não aceita esta ideia, e afirma: “já há muito mais formas de investigação participativa, ou seja, de investigação em que professores das escolas e acadêmicos trabalham em conjunto”.

- MUDANÇA DE PARADIGMA: E1 afirma que as pessoas já conheciam o seu jeito de trabalho, portanto, quando participavam de suas ações de formação não esperavam algo muito tradicional. Entretanto, de um modo geral, acreditavam que a formação servia para cumprir uma obrigação, obter créditos de formação e, portanto, levavam aquilo com certa ligeireza, nunca achavam que iam ali fazer nada, não iam ali buscar nada de especial, iam ali porque tinham que cumprir aquelas horas. Porém, quando se veem diante de coisas que são significativas, percebem com deslumbre, e até com naturalidade, que aquilo é uma ferramenta útil, tal como revela o relato de uma professora mais tradicional (“quero dar as minhas aulas, ganhar e pronto”) durante um encontro de formação: "que engraçado, nunca pensei que para uma formação de professores, ler uma coisa de uma pessoa que se chama Profa. Maria do Céu Roldão, que eu já tinha ouvido falar vagamente, poderia perceber que isso me é tão útil e que é tão o meu pensamento."

- CONCESSÃO DE CRÉDITOS DE FORMAÇÃO: há vantagens e desvantagens na prática de conceder créditos à formação. A desvantagem é que os professores acabam participando de ações formativas simplesmente para obter os tais créditos. Não há muito compromisso e envolvimento destes profissionais. Por outro lado, a vantagem é que também pode despertar parte desses profissionais para a importância e necessidade de envolver-se com a sua formação continuada. Sem a obrigatoriedade, alguns profissionais talvez nunca tivessem a oportunidade de compreender o quão relevante a formação é para o seu desenvolvimento profissional.

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- A CONTAMINAÇÃO NA FORMAÇÃO: quando os professores procuram a universidade para fazer investigação, com o objetivo de progredirem na carreira, mas envolvem-se no processo, acabam por “contaminar” outros professores e a motivá-los na mesma busca, o que favorece a aquisição de conhecimento e desenvolvimento profissional dos envolvidos. Portanto, a “contaminação” é um fator favorável no processo formativo.

- INVESTIGAÇÃO COLABORATIVA: quando se parte para trabalhar em conjunto, colaborativamente, é preciso que as pessoas que estão ali envolvidas saibam todas do que é que estão a falar, colaborar quer dizer o quê? Quer dizer que eu e tu vamos tomar decisões: isto é nosso e nós tomamos decisões? Ou quer dizer que eu venho cá colaborar contigo e, portanto, tu dizes e eu decido se te faço aquilo que me pedes ou não? Estes dois entendimentos existem na cabeça das pessoas. Baseado em Tripp, E1 apropria-se da ideia de que a colaboração relaciona-se com o teor da responsabilidade que os diferentes elementos assumem na condição de uma determinada atividade, no caso a investigação acadêmica.

- RELAÇÃO HIERÁRQUICA: se o formador tem uma relação de hierarquia com o seu grupo de formandos (ocupa um cargo superior, atua numa instância administrativa que fiscaliza a escola,...), as pessoas à partida vão estar à espera que aquele coordenador vai lhe propor coisas, vai dizer aquilo que se deve fazer. Portanto, nesses casos, ainda mais necessário se torna explicar o que é que se pretende no modelo de formação escolhido.

- INVESTIGAÇÃO EXIGE ASSUMIR RISCOS: quando se propõe trabalhar a formação em colaboração, partindo do pressuposto de que o modelo descendente (em cascata) não está funcionando bem, até que seja possível ouvir o grupo, não terá a certeza de que a formação não tem estado a funcionar por falta de colaboração ou se, por exemplo, as pessoas vão logo dizer: “não, não, trabalhar em colaboração não nos interessa nada porque nós gostamos do descendente.” Por exemplo, imagine que, falando com os professores nas escolas, eles digam assim "não, não, nós queremos que venham cá dizer como é que fazemos. Agora, os coordenadores que nos mandam não sabem nada do que é que estão a fazer e, portanto, nós queremos pessoas mais bem preparadas para nos dizerem bem a lição”.

- REORGANIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO: se acontece isto à partida (os formandos não se interessam pelo trabalho colaborativo, tal como proposto pelo investigador), o caminho tem que ser outro: ou eles arcam com o que querem e modifica-se a proposta inicial, ou, então, deve-se criar ali um espaço que lhes permita às tantas perceber que talvez aquele não seja o melhor caminho. Investigar os dados da realidade exige que o pesquisador esteja atento para não forçar uma situação: ou a favorece o desabrochar da situação ou muda os rumos.

- SENTIDO DE PERTENÇA: caso o grupo decida que aceitam trabalhar em colaboração, o que se torna fundamental? Primeiro isso: que as escolhas sejam assumidas em conjunto e que as pessoas se revezem nos papéis que ocupam. Ainda que a decisão que seja tomada no final, seja avessa àquilo que se quer individualmente, a pessoa precisa sentir que participou dela. Deve haver um sentido de pertença: se não sentir aquilo que faz como dela, dificilmente o trabalho será colaborativo.

- INVESTIGAÇÃO COLABORATIVA E PROJETO COLABORATIVO: para que seja colaborativa, a investigação teria que ser construída coletivamente (desde o estabelecimento de objetivos, levantamento de hipóteses, definição de pressupostos, etc., até a redação do relatório final). Nesta perspectiva, um trabalho acadêmico (mestrado ou doutorado) nunca será colaborativo porque é definido por uma pessoa sob a orientação de um professor acadêmico. Há que se diferenciar, portanto, um estudo que se faz sobre

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um projeto colaborativo do projeto colaborativo em si. E1 relata: “uma pergunta que me espantou na minha defesa de doutoramento foi se os propósitos colaborativos do meu trabalho não estavam enviesados pelo fato de eu ser o investigador principal, ou seja, claramente aquela pessoa juntou os dois níveis e depois pus-me a pensar… Porque que isso aos olhos dela? Uma pessoa que eu acho que é brilhante, eu tenho uma admiração por aquela pessoa em vários níveis, mas como é que ela não percebeu isso, está tão bem escrito, está tão claro, é tão evidente, como é que ela não viu? Ela não viu porque não é assim que ela pensa.”

- DISTINÇÃO DE PAPÉIS NA REDAÇÃO DO RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO: para E1, numa investigação acadêmica sobre um projeto colaborativo há diferentes vozes. A voz nós, a voz eu… “Às vezes eu digo eu, outras vezes digo coordenador do projeto, e somos a mesma pessoa. Só que quando eu digo eu, estou a falar ‘eu que estou a fazer essa investigação’. Sou eu, o autor desse estudo. Quando eu digo o coordenador, também sou eu, mas é a pessoa que, por coincidência, era coordenador do projeto que eu estou a analisar agora. Por que isto é confuso? Porque eu tive vários papéis: eu era o investigador, mas simultaneamente também era o coordenador daquele projeto colaborativo que foi desenvolvido, pelo grupo, pela equipe e, portanto, eu era a mesma pessoa, mas em termos do relatório do estudo eu não sou a mesma pessoa.”

- FLEXIBILIDADE NO “CALENDÁRIO” DA INVESTIGAÇÃO: deve haver um calendário, um planejamento inicial para se realizar uma investigação. Entretanto, se a pesquisa estiver um pouquinho desligada do processo (no sentido de não haver uma dependência em relação ao funcionamento da equipe), os seus calendários não interferem na realidade e, portanto, se as pessoas chegarem só a um ponto previsto, se chegarem só ao primeiro momento,(...) se eram 20 encontros e só fizeram 5, para o estudo isto é completamente indiferente, porque o estudo pode dizer coisas ótimas sobre aquilo, o estudo não depende do sucesso daquilo. (...) Como investigador é-me completamente indiferente ter chegado à frente ou atrás, o que é importante é o que consigo dizer sobre aquilo e o que é que dali sai pra se fazer outras coisas.(...) Muitas vezes os investigadores que estão envolvidos na sua própria investigação sentem, ainda que não conscientemente, uma necessidade que tudo tenha corrido bem, porque se não, parece que falhou. E, portanto, há uma certa tendência pra contar histórias muito bonitas destas dinâmicas e que são histórias que estão lá porque muitas vezes se retiram nos dados que concorrem para essa ideia de que é bonito, mas depois se esquece de outros que relativizam aqueles. É preciso contar histórias maravilhosas em cima de coisas que não ocorreram assim tão bem, porque as pessoas também acham que ficam comprometidas: “aquilo que não correu bem… a culpa foi minha”.

- PROBLEMAS DA FORMAÇÃO: o investimento é muito pouco, portanto, um dos problemas principais é um problema de motivação. A primeira coisa é a motivação. Formação pra quê? (...) Por outro lado, há problemas mais profundos, da essência da formação: quais são os esquemas que funcionam? o sistema permite ou não permite a autonomia dos professores? ou o sistema também é um sistema como extra produtivo ao fim e ao cabo e quer a produção? (...) Outro problema é a ideia genuinamente que se tem, no fundo, de que o professor é um técnico. (...) Outro problema é o fato de que a formação ainda não passou da institucionalização para a vivência genuína, ou seja, a formação ainda é muito uma coisa que se faz porque as pessoas precisam fazer para cumprir um requisito. E isso de alguma forma contamina a apetência, contamina a disponibilidade com que estou a fazer as coisas, contamina o interesse com que eu exploro possibilidades.(...) O outro problema é a falta de supervisão ou a supervisão que se faz das coisas. Quer nos níveis mais micros, quer nos níveis mais macros. (...) a supervisão que se faz não é no sentido de ajudar as pessoas a transformar aquilo que sabem da formação de acordo dos princípios do sistema, mas é no sentido de perceber

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se aquilo cumpriu ou não cumpriu os requisitos no final. E, portanto, quando acontece assim, as pessoas levam para a prática aquilo que já conhecem e fazem aquilo que já estavam habituadas a fazer. E, depois, quando aquilo resulta, em muitas situações, numa frustração, essa frustração acaba por ser o rótulo da formação em geral e, portanto, a conclusão, em geral, é: a formação contínua de professores não serve, funciona mal, não vale a pena investir nela.

- POLÍTICAS DE FORMAÇÃO: é preciso que o sistema, ou melhor, a administração central, quem decide sobre as coisas, esteja realmente convencida que aquilo que institui é uma coisa boa. Se acreditasse realmente que a formação de professores é boa para os professores e para o ensino, faria as coisas de outra maneira.(...) Se a administração não estiver interessada, não dá as condições de fazerem as coisas. E se não tenho as condições para fazer as coisas eu vou ter obstáculos, vou ter barreiras em um dos momentos em que eu mais preciso. E, portanto, isto desmobiliza. Depois eu vou dizer “isto, afinal, não funciona!” porque depois qual a conclusão que tira? Não é que a ideia de base não foi bem trabalhada, é que a ideia não presta. Colaborar não funciona quando realmente não consigo colaborar!

- POSSIBILIDADE DE MUDANÇA NA INVESTIGAÇÃO: Outra coisa é fundamental: uma dose de grande ambição e uma dose de grande sonho. “As coisas que eu vou fazer em projetos ou não, atividades ou ações, seja lá o que for, as coisas que eu vou fazendo nunca são aquilo que eu pensei no princípio, nunca. Eu normalmente penso mais largo do que aquilo que consigo fazer, mas também aquilo que faço às vezes vai por outros caminhos e mais longe e diferente do que eu tinha. Mas normalmente nós partimos muito gulosos e depois temos necessidade de ir cedendo.(...) É preciso as pessoas terem noção que estão a caminhar num sentido que, se calhar, não tinham trabalhado antes e, portanto, que não vão resolver tudo, vão fazer uma série de asneiras, vão fazer uma série de coisas que não vão correr bem, que provavelmente não vão chegar nem à metade daquilo que queriam, mas vão chegar a algum lado. E este lado que vão chegar é uma partida pra outros continuarem. Não há de ser aquela coisinha que vão fazer ali naquele tempinho que vai resolver a vida deles todos. Aquilo há de ser o princípio de alguma coisa e isso eu acho também que é importante que as pessoas tenham muito em mente.”

- O PAPEL DA ESCRITA NA FORMAÇÃO NA FORMAÇÃO: depois de um período, é preciso avaliar a trajetória percorrida e fazer um “balanço”. Nesse sentido, a escrita pode ser uma estratégia valiosa porque começar da escrita obriga-nos a um outro tipo de “balanço”. Há alguns momentos em que as pessoas têm que escrever individualmente, mas que também têm que escrever colaborativamente, ou seja, têm que negociar aquilo que vão por num texto. São momentos demorados, mas são momentos de muita riqueza. (...) esses momentos do grupo voltar para si, são fundamentais. São fundamentais quando detectar que há ali qualquer indício de problema e são fundamentais por rotina, ainda que não note nada, mas que num determinado momento “então, como é que está?”, “agora vamos à etapa que nós tínhamos combinado”, “como é que está? estamos satisfeitos, não estamos, está tudo bem?”… mesmo que não haja nenhum sinal. Esses momentos de introspecção do grupo são fundamentais. (...) os professores escrevem muito pouco. Aliás, escrevem muita coisa, quer dizer, escrevem relatórios pequenos. Mas, repetem frases que estão já mecanizadas para colocarem aqui e acolá, tipificarem, escrevem umas atas… A escrita que é um instrumento de ação não faz parte da rotina dos professores.

- DEFINIÇÃO DE COLABORAÇÃO: todos temos que saber que, quando dizemos que estamos a colaborar, temos que entender a mesma coisa sobre o que é colaboração. Esse conceito tem que ser negociado à partida. Eu percebo qual é o meu papel e o do outro e não vou estar à espera de coisas que não vão acontecer.

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- DEFINIÇÃO DE PAPÉIS NUM GRUPO COLABORATIVO: os papéis não devem ser fixos até o final. A não ser o do coordenador. E, se o papel do coordenador for como eu entendo, não afeta grande coisa. Porque se o coordenador não for a pessoa que manda, se o coordenador for só a pessoa que cria condições para que as coisas aconteçam, não define o rumo em que as coisas vão.(...) O que pode acontecer, e que é muito natural que aconteça, é que ao longo desenvolvimento das tarefas de trabalhos sobre o tema, há uma pessoa que sabe um bocadinho mais disto; há outra pessoa que tem um bocadinho mais de experiência naquilo e essas pessoas naturalmente vão assumindo a liderança ou, pontualmente dizem, “olha, então, ficas tu a tomar conta disto”. Mas, todos decidem. “Ah, eu precisava disto.” Então, o coordenador/formador não tem que carregar tudo, pelo menos nos organizarmos para isso.

- PAPEL DE FORMADOR COMPARTILHADO: não é bom que o grupo fique à espera que seja sempre aquela pessoa (o formador) a trazer as ideias, que seja sempre aquela pessoa a comandar as coisas. O único papel que pode ficar permanente nestas circunstâncias é o do coordenador. Não do formador. Na formação colaborativa, na situação de formação colaborativa... quando eu parto para uma sessão de formação colaborativa, parto do princípio de que aquelas pessoas estão em iguais condições de contribuir para a formação de cada um e do grupo. Então, todos têm papéis de formandos e formadores,(...) o princípio foi que essas pessoas todas juntas têm coisas à dizer umas as outras. E as coisas que umas têm a dizer não são mais importantes do que as outras têm a dizer, podem ser diferentes, mas não são mais importantes para o desenvolvimento das coisas que todos querem fazer

- CONCEITO DE PROFESSOR NAS DIFERENTES MODALIDADES DE ENSINO: em Portugal, quando se fala dos professores, as pessoas entendem os professores das escolas. Se quiser referir-se aos professores da universidade tem que dizer de maneira diferente porque, de uma forma geral, as pessoas não os incluem naquela. Ou chamam “os acadêmicos” ou chamam “os professores universitários”. O que deu origem à diferenciação dos termos é um pensamento sobre as atividades profissionais de uns e de outros, sobre o que se deve e se pode esperar de uns e de outros, sobre quais são os seus papéis... e que, apesar de estar a mudar, de ser questionado, de estar um bocadinho... positivamente confuso neste momento, ainda é muito o que está lá na raiz.

- FINALIDADE DA FORMAÇÃO: em última análise, o que é que queremos todos? Queremos que os alunos aprendam melhor. Não importa em qual instância da educação possamos estar. Na formação inicial de professores trabalha-se para que aqueles professores em formação um dia sejam bons professores e que possam permitir aos seus alunos que aprendam bem. No Ministério da Educação, nas políticas educativas, nos programas, seja onde for, ainda que o trabalho não seja diretamente com alunos, ele existe para que, de alguma maneira, contribua para que os alunos aprendam. Em todo lado em que estivermos, desde que o trabalho seja na educação, somos parceiro do outro; parceiro no sentido que devemos sentir que estamos trabalhando para a mesma coisa.

- A MUDANÇA REQUER TEMPO: a forma como nós próprios nos traímos, nas coisas que fizemos e que fazemos, é muito interessante, ou seja, uma coisa é aquilo que nós, por pensamento, pela consciência, pela reflexão, pela forma como construímos o nosso conhecimento, dizemos isto tem que ser assim e, convictamente, dizemos isto tem que ser assim. Outra coisa é aquilo que nós estamos habituados a fazer, é aquilo que nós realmente sabemos fazer. Isso leva tempo para desmontar e deve ser constantemente confrontado. “Por muito que o projeto de que participei tivesse sido um projeto de princípios colaborativos, de trabalho em equipe, nos momentos mais tensos, o que sobrevém é o acadêmico formador e o professor formador.”

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- PERFIL DO LÍDER: O líder deve ser uma pessoa reconhecida como tal pelo grupo. E esse líder, para ser realmente um líder com eficácia, não pode ser o líder que manda. Deve ser um líder que faz essa gestão das vontades das pessoas e faz aquilo que as pessoas querem... ser o seu mentor. Porque um líder muito centralizador do seu poder, tem a sua vida limitada. (...) As pessoas podem cumprir escrupulosamente as regras todas que eles mandam e não fazer nada. Posso fazer um esquema, enroladito, apertadíssimo e as pessoas andam todas ali... parece que essa gente anda com a coisa toda na linha... e não fazem nada, e cumprem tudo.

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APÊNDICE B – Quadro 2 – Entrevista com E2 – Posicionamentos em destaque.

- FORMAÇÃO E CURRÍCULO: O meu campo de interesse científico principal foi sempre o da formação de professores. E depois, secundariamente, o campo do currículo e do desenvolvimento curricular. Há estudos mais centrados na formação, outros mais centrados no currículo, ainda que as duas coisas tenham que andar articuladas, porque a gente não forma professores para coisa nenhuma, nós formamos professores para serem atores, e dos fundamentais, do currículo, porque estamos aqui a falar na educação formal, na educação escolar e, portanto, o principal instrumento de trabalho do professor é o currículo. Então, nós temos que tentar articular as duas coisas, e daí que os dois campos não sejam distinguíveis totalmente, que não possamos dizer que estamos a trabalhar num e que não temos nada que ver, ou que não nos interessamos pelo outro.

- A FORMAÇÃO DEVE ATENDER A UMA NECESSIDADE: a primeira condição para uma formação continuada, nesse caso, é a formação dos formadores, ser pertinente, ser relevante, é que ela responda a alguma necessidade. Se o professor chega a uma situação de formação e tudo aquilo que está a ser apresentado não responde a nenhuma das necessidades que ele sinta, ele ouve com atenção, às vezes até gosta do que ouve, até fica com muito boa opinião sobre a formadora, mas também sente o tempo todo que aquilo é de outro planeta. Não tem nada que ver com a sua escola. E, às vezes, a gente nas ações de formação ouve as pessoas dizerem "ah, isto é muito interessante, mas na minha escola isto não se aplica". Quando uma professora diz, "mas na minha escola isso não se aplica, ou não se pode aplicar"... há qualquer coisa que está errada. Eu estou a tentar formar alguém em qualquer coisa que ela pensa que não tem utilidade nenhuma, que não serve para nada, que não pode ser investida na ação. E eu tenho que pensar que formação é aquela, o que eu estou ali a fazer, o que a pessoa está ali a fazer, por que é que estamos a gastar dinheiro, se não é nosso, é do Estado, afinal... e, portanto, desse trabalho eu relevo este aspecto.

- INVESTIGAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE FORMAÇÃO: Depois, quando eu fiz o trabalho do doutorado, interessei-me pela utilização da investigação como estratégia de formação de futuros professores. (...) Indo agora à sua questão específica, que é a preocupação sobre esta situação que viveu, portanto, de formação, de coordenadores pedagógicos, que não se investia muito nessa formação, não reconheciam, se calhar, o valor dela, faziam porque eram obrigados a fazer, mas sempre que podiam escapavam... Bom, eu penso que... quer dizer, a primeira questão é ver que o problema, ou que problemas de investigação é que podemos sobre essa realidade suscitar. Eu penso que há um possível, que é identificar as causas desta pouca eficácia da formação, ou nenhuma eficácia. Por que isso aconteceu? Quer dizer, por que naquelas situações se constata que a maioria dos docentes, dos formandos, que são formadores do ponto de ver da sua função, não reconhecem, não atingem, não compreendem, não usam... isso é um problema possível. Um outro, um pouco diferente é, a partir dessa situação, imaginar que soluções ou que pistas, ou que princípios é que nós devemos adotar para que uma formação desta seja relevante. É outro plano de análise, é outro plano de preocupações, porventura é mais estimulante tentar encontrar princípios norteadores de uma formação eficaz, de uma formação útil, de uma formação reconhecida como valiosa pelos formandos do que ficar só numa... num diagnóstico das causas porque, se calhar, nós até somos capazes de entender, de perceber, de levantar as nossas hipóteses, que nem precisamos quase depois estudar para mostrar que estão certas.

- PARADIGMA DO DEFEITO OU DA DEFICIÊNCIA FORMATIVA: Mas quando se inicia, digamos, esse diálogo como formadora, o diálogo está focado na pessoa do formador e na sua atuação? Ou no contexto onde ele trabalha? Porque, às vezes, nós pensamos que

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o mais imediato é "eu vou formar esse formador", começo por tentar perceber o que ele fala, o que ele sabe, onde é que estão as dificuldades dele, as dúvidas dele, depois, a partir dali, “olha, eu tenho aqui um programa de formação para si e vamos lá trabalhar sobre isto”. Não costuma ser muito rentável. Embora, curiosamente, a maior parte da formação continuada que se faz, mesmo a formação de formadores, parte sempre desse paradigma do defeito ou da deficiência. O que eu vou fazer com a formação? Eu vou tratar de eliminar os defeitos de formação que ele tem. Vou-lhe falar do que ele não sabe, vou-lhe mostrar técnicas que ele nunca viu, vou-lhe falar de autores que ele não conhece, vou-lhe falar de teorias que são mais modernas e, portanto, ainda não estão muito disseminadas entre os professores e, portanto, é isso que eu chamo de paradigma... eu e outros autores em quem me inspiro... chamo o paradigma do déficit ou o paradigma da deficiência. A formação continuada existe para tapar as deficiências. Os professores, os formadores têm uma formação com lacunas, antiquada, não sabem as coisas mais modernas, então, a gente aqui na formação vai aprimorar os saberes e as competências deles. E vamos cheios de boa vontade fazer isso e isso, depois, não dá grande rendimento.

- FORMAÇÃO A PARTIR DAS NECESSIDADES DO CONTEXTO DE ATUAÇÃO: Outro ponto de partida diferente deste é começar por perguntar quais são os problemas que a escola dele tem. Não ir à pessoa dele, onde é que ele se formou, o que ele sabe ou não sabe. Não. É outra coisa. Quais são os problemas principais da escola dele? Ou das escolas deles todos porque, normalmente, a gente não trabalha com um de cada vez, trabalha com um grupo. E depois, a seguir por essa questão: em que a formação dos professores “dessas escolas” poderia ajudar a solucionar o problema? O problema é a indisciplina dos alunos, pronto. É uma escola com grandes níveis de indisciplina, muitos processos disciplinares, às vezes até violência, porque há escolas onde já não é simples indisciplina escolar, são casos mesmo de violência. O problema é este, o problema não é a formação dos professores no princípio, o problema está aqui. Agora, em que a formação dos professores dessa escola... aumentada, alargada, aprofundada... feita, porventura, desejavelmente, em trabalho colaborativo de todos os professores, pode ajudar a enfrentar o problema da indisciplina? E, então, a formação do formador passa a ser uma formação que nós pensamos que se, os professores passassem a ter, e ele vai ser encarregado da tal cascata, portanto, ele vai ter que passar aquela ação para os seus professores... Portanto, o que vai ele fazer com eles, para os fortalecer, para os tornar mais aptos, para lhes dar instrumentos para eles tentarem opor a esse problema da indisciplina? Aí as coisas começam a ganhar logo outro sentido.

- FORMADOR COMO ESTUSIASTA: o formador começa a perceber que o papel dele não é apenas o papel de transferir não sei que teoria da psicologia da educação para os professores lá da escola, o papel dele é de entusiasmar os professores lá da escola a criarem um projeto de combate à indisciplina, onde a formação entra como um dos recursos. O que é que aqueles professores sabem de indisciplina ou violência? O que é que conhecem dos estudos que já existem? Que projetos é que já houve com mais êxito ou menos êxito em outras escolas? E o que eles estão dispostos a fazer na sua própria escola? Aí a formação passa a ser não um fim, mas um meio. E se é um meio para eu resolver um problema que me aborrece, eu passo a estimá-la.

- QUESTÃO CENTRAL PARA A FORMAÇÃO: Que formação é adequada para que eles façam experiências de mudança nas suas salas de aula, para encontrar formas mais satisfatórias da aprendizagem da língua portuguesa para os seus alunos? E aí a formação tem que ser, digamos assim, o tal recurso que eu trabalho com o formador, o tal formador pedagógico, para que ele depois possa trabalhar com os professores.

- FORMAÇÃO EM GRUPOS/PROJETOS: Cada um vem da sua escola. As escolas têm

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alguns problemas comuns e têm outros diferentes. E eu não posso dizer a eles, "olhem, colegas, é assim, vocês têm problemas muito diferentes, mas vamos todos trabalhar sobre os problemas ali daquelas dez escolas, que é aprendizagem da língua portuguesa. E, agora, vão todos ficar a saber mais sobre como atuar no campo do estudo da língua portuguesa". Não. Quer dizer, aí, depois, a estratégia dos formadores dos formadores passa a ter que ser uma outra que é identificar linhas do projeto e separar aqueles 65 por 05 ou 06 grupos diferentes, focados em problemas diferentes. Porque eu não posso fazer um trabalho com cada um dos 65, mas, se calhar, eu posso fazer um trabalho com 05 grupos, ou 06. Porque, entre eles, as preocupações principais não são iguais. Uns tantos falam que é indisciplina, outros falam que é a aprendizagem do português, outros dizem que não, é mais a matemática. E, então, eu tenho que fazer uma negociação com eles para encontrar um plano de trabalho que os agreguem por grupos mais pequenos, mas que não chegam até ao indivíduo, porque eu não posso fazer 65 projetos. Mas, entre um só projeto para os 65 ou um projeto para cada um, eu tenho ali um ponto intermédio, que é, vamos tentar aqui animar 03 projetos, 04, 05, não mais do que isso num dado ano. No ano seguinte posso refazer todo este esquema.

- FORMAÇÃO DE ADULTOS E O SENTIDO DA FORMAÇÃO: ...esta formação de formadores é uma formação de adultos. Então, tudo o que nós já sabemos sobre essa formação de adultos especializados, que não vão ali para aprender as coisas mais básicas, já vão ao nível de uma certa sofisticação, eles já são professores e, porventura, professores bem sucedidos, muito sabedores... o que nós queremos é transformá-los em formadores de professores. O que é outra coisa. E, portanto, nós temos aí que ter preocupações como: os adultos só aprendem, ou aprendem melhor, quando aquilo que estão a aprender for significativo para a sua atuação. Então eu tenho que descobrir o que pode ser significativo para a atuação deles com os colegas, porque se não, o que eles fazem quando chegam lá às escolas? Dizem, "oh, colegas, desculpem lá, agora temos que ir para a ação de formação, venham cá, todos. Vou lhes dizer o que as colegas lá da secretaria nos disseram. Desta vez, mostraram-nos um vídeo sobre uma experiência na Amazônia. Muito interessante, muito ligado ao intercultural, gostamos imenso de ver o vídeo. Aliás, até nos deram a cópia do vídeo, eu vou por o vídeo, vamos todos ver aqui também, está bem, colegas?". E da parte deles ficam a ver o vídeo, os ecrãs são sempre atrativos, a gente vê coisas engraçadas, acha que o filme está “giro”... A gente aqui usa muitas palavras que acho que vocês não usam. (...) "Muito interessante, ah, que vídeo tão bem feito, muitas cores, está muito bem, a imagem está muito bem, essa professora fala muito bem", mas depois, quando acaba, desliga e vai buscar o filho à escola, vai tratar do jantar, nunca mais se lembra. A não ser que teve ali umas horas, um bocadinho de tempo com o formador que mostrou o mesmo vídeo e que, portanto, passou em cascata. Nem fez sentido na primeira, nem fez sentido na segunda. (...) Lindo... Estávamos todos muito mais empenhados, descansamos durante um bocadinho, não estávamos na sala de aula, estávamos em outra sala a ver vídeo, falamos com os colegas, trocamos umas palavras, conversamos sobre o vídeo, mas aquilo não tem nada que ver com a nossa sala de aula. A gente, no dia seguinte, entra na sala de aula já esqueceu o vídeo, aquilo não tinha nada a ver. E agora vamos outra vez para a tarefa do costume, vamos outra vez preocuparmos aí com os nossos alunos e aborrecer-nos com os problemas deles e... eu diria que a formação anda, assim, como uma coisa que corre ao lado. Que não diria que é completamente inútil porque é bom os professores terem os espaços de encontro, ver um vídeo, não leva ao mal... Mas a formação não pode ser só isto, não é?

- FOCO DA FORMAÇÃO: Está aqui uma questão central da formação e, nesse caso, da formação de formadores que é o problema das necessidades de formação. Porque no fundo, quando nós focamos as necessidades de formação no contexto do trabalho, na escola, nos problemas da escola, é completamente diferente de eu dizer, "olha, colega, o que é que, quando você se formou, aprendeu psicologia? Você ainda se lembra dos

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estádios do Piaget?", "ah, eu acho que ouvi falar nos estudos de Piaget, eu não sei o que é", "ah, então vamos aqui ter uma sessão sobre os estádios de desenvolvimento de Piaget". Bem, as pessoas ouvem, então acham engraçado, houve um homem na Suíça chamado Piaget, que disse que passávamos por uma série de estádios de desenvolvimento cognitivo... agora, para que isso serve na minha aula com os meus alunos? Não estou a ver. E, portanto, juntei ou não juntei mais aquele conhecimento na minha arca de conhecimentos mais inúteis ou mais úteis, ficou lá arrumadinho e, se calhar, daqui a dois anos, se alguém me voltar a perguntar, "você alguma vez estudou os estádios de desenvolvimento do Piaget?", eu digo, "não, nunca", ou, "já me esqueci. Quer dizer, por acaso sim, já me mostraram isso, mas eu já não lembro". Outros dirão, "ah, eu acho que já ouvi falar" e outros com melhor memória dizem "ah, o ano passado já tivemos sessão sobre estudo de Piaget". Pronto. Mas nada daquilo interferiu com a realidade. Portanto, aqui há o problema das necessidades, onde é que nós focamos as necessidades de formação? Focamos no professor individual? No formador individual? Ou focamos as necessidades nos contextos da ação? Nos contextos de trabalho? Se focarmos nos contextos de trabalho há mais condições para que a pessoa reconheça a vantagem, a necessidade, a utilidade da formação. Porque a formação ajuda a atuar. É útil. Amanhã, no dia seguinte, no trabalho que eu tenho que depois fazer com os tais professores lá na escola.

- FRACASSO DA FORMAÇÃO: PROBLEMA DE ESTRATÉGIA: Depois é um problema de estratégia. Uma estratégia que implica que os formadores dos formadores tenham que ter muito trabalho. Porque isso, por exemplo, de organizar os formandos em projetos focados nas escolas e nos problemas das escolas vai dar muito mais trabalho ao formador do que montar as sessões dizendo assim, "bem, o que a gente vai aqui pôr nas sessões?". O tal caso das oito horas semanais, "olha uma vai ser sobre educação intercultural, a gente vai buscar uns vídeos, a gente vai falar, é uma coisa muito importante hoje no mundo". É, é muito importante no mundo, mas eu perguntei se nas escolas deles também era? (...) Numa semana o assunto é “intercultural”, na outra semana pode ser a “indisciplina”, na outra depois vêm “os testes de avaliação dos alunos” e na outra vai não sei o que, e agora fala-se da globalização, vamos também falar disto, porque os professores têm que saber alguma coisa da globalização... Eles chegam ao fim, não veem o cimento que há ali. A gente pensa que não há nenhum e, se calhar, não há. E, depois, fazem o mesmo na escola com os colegas, que também acham que aquilo também é uma... Portanto, é um problema de estratégia e eu, pessoalmente, e também da experiência por ter aqui instituições portuguesas, eu conheço desde formações em cascata que foram fracassos completos, totais...

- FORMAÇÃO EM CASCATA – DEGRADAÇÃO DA INFORMAÇÃO: Há um caso, célebre, em que o Ministério da Educação contratou 10 ou 12 pessoas das mais sábias que havia em Portugal na educação, aquelas que toda gente conhece e reconhece... há uns 20 anos. Ótimas, todas ótimas. E pediu que organizassem ações de formação de acordo com uns temas em que cada um deles era especializado. E eles fizeram o programa da ação, os objetivos, os conteúdos e os dossiês com os materiais. Portanto, essa era a equipe central. Depois, havia em cascata uma disseminação, havia pessoas que ficavam responsáveis por regiões do país: Porto, Minho, Vila Real, Lisboa, Setúbal... estes tinham que trabalhar com professores das escolas a quem passavam aquilo que estava na ação, os quais depois nas suas escolas tinham que passar aos colegas. Foi um desastre completo. Portanto, a informação degrada-se à medida que desce seus degraus. E eu vi casos em que o formador na escola pegava num dossiê deste tamanho com textos, ainda não havia muito internet, nem... ainda estávamos no tempo das disquetes e toda gente ainda andava muito com papel... papel. Então era, assim, um dossiê com textos sobre indisciplina e a pessoa na escola, a última, dizia aos colegas, "temos que ler esses textos todos e vamos agora começar", quer dizer, organizava-os. E as pessoas, de uma semana

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para a outra, liam dois ou três textos, vinham na semana seguinte, discutiam os textos e passavam aos outros três seguintes. Nunca tinha sido esta as ideias dos primeiros. Aquilo eram textos de apoio para usar quando e se os formandos precisassem. Era para escolher. Era uma coletânea. Ao invés de ser uma base de recursos à disponibilização, não, era obrigação. Então, eu via pessoas loucas, porque em cada semana tinham que preparar três, quatro textos até esgotar o dossiê todo. E, portanto, eu depois falei com algumas dessas pessoas que tinham imaginado a ação. Porque não tinha estado ali... ia lá e vi aquilo e comecei a ver acontecerem coisas raras nas escolas, coisas estranhas, as pessoas cheias de textos para ler. E uma vez ou outra encontrei algum deles, "que programa é este? que ações são essas?" e explicaram. E eu disse, "mas vocês sabem o que está a acontecer agora nas escolas?", "então conta lá", e eu contei alguns desses episódios. E eles deitaram as mãos à cabeça. Porque o que estava a acontecer no último degrau não tinha nada a ver com o que tinha sido imaginado.

- FORMAÇÃO EM CASCATA – EXPERIÊNCIA DE SUCESSO: Também conheço casos bons. (...) Porque esse programa incorpora um programa de formação de professores e teve que passar pela formação dos formadores. Portanto, Plano da Ação da Matemática, já vou dizer o que é. Um outro parecido, que é o Plano da Leitura e da Escrita, da Leitura e do Livro, acho que é assim que se chama, Plano da Leitura e do Livro e o outro Plano do Ensino Experimental das Ciências. Estes três planos são diferentes no seu objeto, mas são parecidos na sua filosofia formativa e é disso que eu agora iria falar. (...) Programas nacionais, era para cobrir o país todo, ao nível, sobretudo, do primeiro ciclo, do ensino fundamental, ou seja, dizem logo os primeiros quatro anos. E a ideia era começar por formar nestes três... são três programas separados, não é? O programa da matemática. Portanto, há uma equipe nacional, que foi a primeira a ser formada, depois essa devia passar o conhecimento para equipes regionais. Até chegar ao nível da escola, isto é, por último, em cada escola tentava-se identificar um professor que pudesse ser um formador dentro do plano da ação da matemática. Esse professor recebia formação e ficava encarregado da formação dos colegas. A formação era para quê? A formação era para ele poder ajudar os colegas a resolver os problemas das suas salas de aula. Ou seja, não era... a dúvida não era, será que os nossos professores sabem matemática? Não. A questão era, como é que os nossos professores estão a ensinar matemática dentro da sala? (...) A formação na escola consistia em os professores daquela escola relatarem uns aos outros como eram as suas práticas para ensinar as operações, a adição, a multiplicação, como é que faziam. Que resultados estavam a ter nesse ano com seus alunos? Quais eram os alunos que estavam a ter dificuldades ou maior lentidão? E o que escolhia experimentar fazer para eles aprenderem melhor matemática? E o professor da escola, que era formador, coordenador pedagógico, ia com o colega para dentro da sala de aula. Observar, registrar, sugerir estratégias, métodos alternativos. No dia seguinte experimentar qualquer com aqueles alunos e ver se resultava melhor que o processo anterior ou se resultava pior, porque às vezes resulta pior. Não está garantido. Os professores adoraram essa modalidade de formação. Porque sentiram que essa formação chegava até à sala de aula.

- FORMAÇÃO ENTRE PARES (NÃO HIERÁRQUICA): A princípio nós pensávamos que os professores iam ter muita dificuldade, não iam querer que os colegas fossem lá para dentro da aula, que iam ter medo de serem vistos por outro colega, que era um colega de escola, mas tem ali uma atribuição de formador. (...) Mas, então, eles também iam observar as aulas dos outros. Portanto, não estava cada um a ser observado pelo formador, depois criavam, às vezes, dispositivos em que já não era o formador que ia para a aula do colega, era o colega que ia para a aula do colega. E em alguns dias estava a ser ajudado, estava a ser formado e outros dias ele estava a ajudar a formar o outro. E então não ficava naquela posição inferior. (...) lá era uma formação desenraizada, o formador era uma pessoa próxima deles, era um colega da escola que se interessava

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mais pela matemática e que recebia formação e que dava formação. Mas, tanto aquela que ele recebia como aquela que ele dava estava focada na aprendizagem da matemática para os meninos preocupavam-se em saber como é que podemos fazer para os nossos meninos aprenderem melhor, aprenderem mais depressa, aprenderem com mais sucesso... matemática? Não estava lá... quer dizer, todos aqueles professores sabiam ensinar as noções de matemática.

- FORMAÇÃO A SERVIÇO DA APENDIZAGEM DOS ALUNOS: ...como é que um formador deve encarar a sua função de formador. Ele não estava a formar ignorantes, ele não está a formar pessoas que não sabem nada daquilo, ele está a lidar com colegas dele, da mesma escola, às vezes, até mais antigos, com mais tempo, com uma formação idêntica a deles, formaram-se no mesmo tipo de instituição... Às vezes, professores muito competentes, não estava em questão a competência do professor, mas o que estava em questão eram os problemas dos alunos. Isto é, o professor mais competente do mundo pode, num dado ano, defrontar-se dentro da sua sala com miúdos com dificuldade de aprendizagem. O que está a acontecer ali? Quer dizer, o que se pode fazer? O que se pode fazer mais? O que se pode fazer diferente? O serviço não é questionar a competência do professor, é dizer, "ah, talvez ajude na formação". A formação pode, talvez, dar-nos pistas para eles fazerem experiências. Porque, como disse, podiam dar melhor resultado ou pior. Agora, o professor que nunca corre o risco de experimentar pode nunca piorar, mas também nunca melhora. Fica onde está pra não correr risco nenhum. Não correu risco nenhum... “ah, maioria dos meus alunos aprende”, "ah, eu tenho lá na minha sala, neste ano, um sucesso de 80%". O problema não é esse, o problema é: e os outros 20%? "Ah, eu não posso mexer porque esses 80% estão a aprender assim bem, não mexo em nada". E os outros 20%? "Ah, os outros 20, olha... paciência, não se pode fazer nada. Se a maioria aprende, a minoria... olha, para além pode ser que já estejam mais maduros, a gente vai esperar que cresçam e pode ser que crescendo...".

- UTIIDADE DA FORMAÇÃO: O primeiro passo é perceber quais são os problemas que nós temos aqui na escola este ano; o que é que cabe. E aparecem muitas coisas. E depois é preciso selecionar um ou dois problemas que todos nos comprometemos a atacar ao mesmo tempo, mesmo que naquele ano a gente tenha que deixar uns outros de lado. Mas, isto acaba por ter mais condição para motivar os professores e para os implicar, do que se eu fizer de conta que eles pertencem àquela escola, mas que podiam ser de outra. E, portanto, vou lhes dar uma formação que eu acho que é sempre útil, que é aquela coisa que os professores também dizem muito, "ah, eu já sabia de tudo, mas é sempre útil voltar a ouvir". É sempre útil para quê? A pessoa já sabia aquilo tudo, mas é sempre útil voltar a ouvir. Parece uma coisa de um gravador, sabe? Eu podia esquecer, assim, verifiquei que ainda não me esqueci. Atualizei a minha memória, afinal, eu estava bem lembrado. “Olha, já tinha esquecido algumas coisas, até foi bom lá ir porque voltei a lembrar.” Mas, isso não dá certo com os problemas do dia a dia, quer dizer, aqui a questão é, de fato, a gente tentar melhorar as nossas escolas. A formação dos professores só interessa se ajudar a melhorar as escolas e a aprendizagem dos alunos. Se não for para isso, serve para quê?

- SABERES QUE CARACTERIZAM O FORMADOR: o que um formador precisa de saber que como simples professor ele não sabe? Não tem que saber. Metodologias de trabalho... a metodologia do trabalho com projeto, porque no fundo o que a gente vai é orientar, dinamizar, coordenar projetos na sua escola. O que é isso da metodologia de um projeto? Quando é que uma coisa é um projeto e quando que não é? Metodologias têm intervenção? Como é que se deve intervir junto de profissionais que já são experientes, que são muitas vezes competentes, tão competentes como o formador, eventualmente, até mais competentes que o formador como professores? Nada me garante que o

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coordenador pedagógico é mais competente que os professores da escola. Nem tem que ser. Nem tem que ser. Mas tem é que saber como intervir junto com os colegas e o que é isso de ser um formador de profissionais. Não é a mesma coisa que ser professor da criança pequena. Em que que o adulto é diferente? Como é a melhor forma de estabelecer uma estratégia de formação? Ela tem que ter a visão dos formandos. Se não tiver a visão dos formandos rapidamente se tornará inerte, não serve para nada. E como é que se pode ganhar a atenção dos colegas?

- RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA NA FORMAÇÃO: Há muito formador que acha que “eu sou um formador e você agora é o formando”. É meu colega, mas agora é meu formando. Será que não podemos dividir responsabilidades, por exemplo, dentro da escola, há um que é o coordenador pedagógico, mas não há situações em que ele pode entregar a um colega uma parte da formação? Um tempo dentro de uma hora de formação? Para que seja outro colega a ser responsável? Às vezes, a gente tem nas nossas escolas um professor que é especialmente sabedor e competente na avaliação, outro que é muito bom na relação com os pais, com as famílias... O coordenador pedagógico devia saber quais são os recursos que há e convidar esses colegas para serem eles corresponsáveis, isto é, o papel de formador não está concentrado numa só pessoa, essa pessoa sabe dividi-lo com os outros. Isso é que dá aos outros a ideia de que não são tratados como inferiores.

- FORMAÇÃO DE ADULTOS: a formação do formador tem que ser bastante uma formação que o habilita a trabalhar com adultos que são profissionais altamente especializados.

- FORMAÇÃO DO FORMADOR: Nós aqui em Portugal, retirados estes programas que se ocuparam de formar os próprios formadores, que eles não começaram a atuar sem terem formação e a formação deles depois foi sendo acompanhada, ao longo do tempo, a nossa tradição é de não formar os formadores. O formador, como que ele é? O formador tem que estar acreditado. Uns ficam acreditados porque tiveram certos graus acadêmicos. Fizeram mestrado, fizeram doutorado e, então, submetem à agência que acredita os formadores: “está aqui o meu título de doutor... fiz um doutoramento em química, faz favor de me certificar como formador”. E não há medida nenhuma, fez um doutorado, é formador. Qual é o problema? Ele fez um doutorado em química, ele ficou mais especializado em química, mas ele não sabe nada de formador. E, então, isto de só dar o título de formador pelo grau, tem riscos muito grandes porque esse é um conhecimento que é meu, mas saber ensinar aquilo que eu sei... pronto. E aquele grau de doutorado em química prova que a pessoa aprofundou os seus conhecimentos e investigação em química, não em formação de professores. Ele estudava tanto... ele esteve a estudar química, valha-me Deus! Mas, fica logo acreditado. Pronto. Mestrado: fez um mestrado em educação, em ciências da educação. Se bem melhor que um doutorado em química, mas pode ter feito um mestrado em administração educacional. Como é que se administra, os problemas da administração das escolas, dos órgãos, das competências. Também fica formador de professores automático porque o mestrado é na área da educação. Pronto, já está. Acho que não sabe muito bem como é que deve atuar, pois pronto, já é formador. E, depois, temos outro grupo de formadores que são pessoas que têm um currículo vitae significativo e que submetem as suas experiências, já foram cooperantes na formação inicial de professores, ou até já trabalharam há algum tempo numa escola superior a formar professores, ou já foram responsáveis na sua escola, delegados de grupo, ou delegados por disciplina, responsáveis pela formação dos colegas e, portanto, têm uma vida profissional já como conjunto de experiências e, então, eles apresentam esse currículo ao tal conselho científico ou pedagógico e pedem sua acreditação. E mediante da constatação de que aquele é um currículo profissional significativo, a pessoa é acreditada como capacitada para intervir na formação de

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professores. Estes normalmente são... na maior parte dos casos, bons profissionais, bons professores, mas, às vezes, nunca tiveram muita experiência como formadores, ou nunca se formaram para serem formadores. Às vezes, até já colaboraram em experiências de formação inicial, mas não temos em Portugal bem claro a necessidade de formar os formadores, que devia ser responsabilidade das instituições superiores como esta. Ter permanentemente programas de formação de formadores. Porque eles não nascem caídos do céu, alguém tem que os formar.

- PROBLEMAS NA SELEÇÃO DO FORMADOR: é a falta de formação dos formadores. Ainda há muitos casos onde... felizmente, não são todos mas, ainda há muitos casos onde se pensa que um bom professor é obrigatoriamente um bom formador de professor. Se ele trabalha bem com os seus alunos, se ele teve uma avaliação positiva na sua escola, se ele é considerado pelos colegas como bom professor, então, ele vai ser um bom formador. Não. Porque ele pode ser ótimo com as crianças do ensino fundamental, até sabe ensinar, mas depois... nem ele nunca pensou o que era formar um professor.

- FORMAÇÃO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO: É que a questão era a aposta nesses coordenadores pedagógicos, quer dizer, essa ideia de formar os coordenadores pedagógicos como formadores é uma boa ideia. Mas a questão é, qual é a estratégia melhor nessa formação? Se for assim, um bocadinho, uma estratégia acadêmica antiquada, do vamos fornecê-los mais informação, mais informação, mais informação, não... quer dizer, o resultado fica como a Lillian disse... um experimento que não serve para grande coisa. Não tem sentido.

- FORMAÇÃO COMO EDUCAÇÃO BANCÁRIA: ...vendo na estratégia qual é o enfoque principal da formação. É o contexto de trabalho ou é o professor? Começa logo vendo isso. Se eu acho que é o professor individual, eu vou para o paradigma do déficit. Vou dar mais informação, mais informação, mais informação. Eu acho que ele é... umas vezes não entra, outras vezes está antiquado, ainda pensa coisas que se diziam há 20 anos, já não teve oportunidade. Mas a gente vai atualizar. Ainda é uma deficiência, ainda está antiquado, (...) E a gente lança cargas de informação em cima dele. Pode ser informação verbal, que é chata, pode ser informação com filmes, com vídeos, que é mais dinâmica. Mas é sempre esta a ideia da informação. Vamos recomendar-lhe textos, pô-lo a ler textos, é informação. É um bocadinho a estratégia bancária do Paulo Freire, não é? Tem que depositar créditos nele. Então eu vou pôr mais créditos lá dentro dele, abro-lhe a cabeça, “olha, toma que talvez não saiba mais disto”. E eu sei mais! Eu sei mais, eu é que sei e tu és, por alguma razão, menos sabedor, então eu preciso transmitir. Portanto, é a lógica da transmissão do que sabe mais para o que sabe menos, ou não sabe o suficiente, ou não sabe moderno, tem que saber moderno. Agora fala-se tanto do portfólio, o que vocês sabem do portfólio? “Já ouvimos falar”. Então vamos ver aqui uma ação sobre portfólios. Nem ele se perguntou se na escola deles valia a pena usar os portfólios, se já havia professores que punham os alunos a fazer portfólio, se falamos de portfólios de alunos ou de portfólios do professor. O que é isso do portfólio? Não, vamos falar dos portfólios. Olha tem aqui uns autores americanos que já escreveram sobre portfólio, então vamos ler um texto. Aí no próximo dia vamos discutir este texto sobre portfólios. Pronto. E a pessoa vai para a casa com o texto, lê o texto, gosta, não gosta, tira alguma coisa do texto, não tira nada, porque já sabe que no dia seguinte o formador vai perguntar, "então, leste o texto do portfólio?" e ele tem que demonstrar que sim, para não desagradar ao colega que está ali como formador, "eu li o texto” e fala do texto... não estou a ver muito bem qual é a relação do portfólio com ele.

- PRODUÇÃO ACADÊMICA: Dos trabalhos que eu tenho, portanto, há talvez dois que possam aqui ser mais importantes, que foi, por um lado, o meu trabalho de pesquisa para a tese de mestrado, quando fiz a dissertação do mestrado, que foi focado na análise de necessidades de formação de professores. Análises de necessidades de formação

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continuada; dirigi o meu interesse para aí. Foi um trabalho feito no fim dos anos 80, princípio dos anos 90, que depois saiu publicado em um livro, porque houve uma colega minha, a Ângela Rodrigues, com quem eu também penso que vai conversar, que se interessou pela análise das necessidades de formação de professores, mas, na formação inicial. E então, quando terminamos os nossos trabalhos, fomos convidadas a fazer um livro em conjunto, portanto, o trabalho de uma e o trabalho da outra, conversam e convergiram para um livro que está esgotado, mas que se pode consultar nas bibliotecas, que está, precisamente, indicado como Ângela Rodrigues e Manuela Esteves e chama-se “A análise de necessidades na formação de professores”.

- APRENDIZAGEM DA CRIANÇA E APRENDIZAGEM DO ADULTO: com as crianças é engraçado, porque os estudos que existem sobre psicologia da aprendizagem mostram que as crianças estão mais disponíveis para aprender coisas que não fazem imediatamente sentido na vida delas. Quer dizer, eu ir ensinar a uma criança que o sol não anda, que o que ela vê todos os dias não é verdade, ela vê o sol a andar no céu, ele não anda, nós é que estamos a andar... A criança acha graça, quer dizer, aquilo não lhe faz falta nenhuma. Percebe? Para a vida dela, tanto faz que seja o sol que se mexe, como a Terra que se mexe, é indiferente. Os dias dela todos são iguais, ela vive bem ou mal, igualmente, quer saiba isto quer não. Mas, é capaz de achar graça a isto: "olha, que engraçado, afinal, o sol não se mexe. Aprendi hoje na escola que o sol não anda. E o professor mostrou como é que isso pode ser para os meus olhos me enganarem. E eu pensava que o sol se mexe...” Pronto. Ele fica muito contente de ter aprendido aquilo que, como digo, é completamente inútil na vida delas, quer dizer, a sua vida, a minha teriam sido exatamente, se calhar, parecidas, iguais, quer eu soubesse como que era isso de o sol andar ou do sol estar parado, é indiferente. Os adultos são diferentes das crianças. Se lhes começamos a ensinar coisas que para eles não fazem sentido, eles rejeitam, recusam. "Para que que eu vou lá aprender uma coisa que eu não sei que interesse é que tem no real?". E, sobretudo, se é uma formação profissional. E se eu depois não posso usar aquilo na minha atuação profissional, então para que me estão a dizer?

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APÊNDICE C – Quadro 3 – Entrevista com E3 – Posicionamentos em destaque.

- TRAJETÓRIA ACADÊMICA: Eu estou na formação de professores há vinte e oito anos. (...) Portanto, comecei a trabalhar na formação de professores para primeiro ciclo, segundo ciclo e educação especial, e é o que eu continuo a fazer, basicamente. Neste momento atuo nas Licenciaturas e nos Mestrados, mas é isso que eu tenho feito. A minha formação de base, eu fiz o primeiro ciclo, o Magistério Primário, depois fiz a especialização em Educação Especial, depois fiz uma Licenciatura em Ciências de Educação, depois fiz um Mestrado em Ciências da Educação e depois fiz um Doutoramento em Ciências da Educação. São cinco cursos.

- HABILITAÇÃO PARA LECIONAR: Neste momento, em Portugal, não se pode dar aula só com Licenciatura. Quer dizer, os novos, os antigos já estão. (...) eles têm que fazer primeiro uma Licenciatura que tem uma grande carga de disciplinas que têm a ver com o conteúdo das disciplinas que eles vão ensinar. Portanto, tem muito pouca didática, ainda, é pouca pedagogia. É mais mesmo o Português, a Matemática, as Ciências, as discussões, etc. Depois, com essa Licenciatura eles têm poucas saídas profissionais, muito poucas. Não podem ser professores, não são profissionalizados. Podem trabalhar em projetos, podem trabalhar em atividades de tempo livres e esse tipo de coisa, mas não podem ser professores. Para serem professores eles têm que fazer o mestrado ou em Educação de Infância ou em Primeiro Ciclo ou em Segundo Ciclo, juntos, ou a Educação Musical ou a Educação em uma segunda língua, que seja, mas têm que fazer o mestrado. O mestrado é que lhes dá a profissionalização.

- FORMAÇÃO CONTÍNUA: Também já trabalhei em Formação Contínua. E nós temos aqui também na Escola programas de Formação Contínua em que trabalhamos com as escolas. Não propriamente em um menu, quer dizer, não é que temos um menu, uma lista de ofertas e as pessoas escolhem. Não é bem isso. É mais,... organizamos planos de formação de acordo com o que os agrupamentos de escolas, nós funcionamos por agrupamentos de escolas, nos pedem. E organizamos planos de formação e funcionamos assim com as escolas. Temos vários projetos, programas, com parcerias. E, só para acabar, quer o meu Mestrado quer o meu Doutoramento são em Formação Contínua de Professores, quer um quer outro, não são em Formação Inicial.

- A FORMAÇÃO DEVE CHEGAR NA SALA DE AULA: o problema da formação contínua é que na maior parte dos casos é muito pontual, quer dizer, chega-se lá, faz a formação, vamos embora. O fato de ser continuada mesmo, durar um ano inteiro, com sessões de formação espalhadas ao longo do ano, em continuidade umas das outras, com observação em sala de aula e análise do que se faz em sala de aula, eu acho que isso é que foi importante porque envolveu os professores no processo, não é? Porque, de fato, só falar das coisas não chega, é preciso ir pra dentro da sala e ver como que isso funciona com os meninos e quais são os problemas dos professores em por em prática, quando põem em prática as questões que são abordadas na formação. E eu acho que isso é que foi importante em qualquer dessas três formações, foi essa parte da observação em sala de aula. Não é bem observação, observação aqui é um meio, é a análise que se fez, que depois se fazia em conjunto, os formadores e os professores, a análise que se fazia destas observações. E fazer isto continuadamente durante um ano, alguns deles continuavam nos anos seguintes, se queriam, continuavam nos anos seguintes, portanto houve gente que fez isto durante três anos, obviamente as práticas mudaram muito.

- PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS: a comissão permanente, ou seja, os

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professores lá de cima, digamos, a estrutura dirigente, produziu também materiais, e isto também foi muito importante porque muitas vezes os professores quando estão na formação, ouvem as coisas, mas tudo aquilo é muito abstrato, e depois são eles que têm que construir os materiais para porem em prática, ou então usarem manuais que são feitos noutra perspectiva completamente diferente. Essa produção de materiais para os professores usarem e a experimentação desses materiais em sala de aula, parece-me também muito importante porque eram ideias novas de como abordar aqueles assuntos. E os professores não ficavam perdidos, porque não se dizia, "olha, é preciso se abordar a escrita de outra maneira", mas depois não se lhes mostrava na prática como que se podia fazer, e com essas brochuras e esses materiais que se fizeram, isso ajudou muito depois aos professores a depois porem em prática outras maneiras de ensinar.

- PLANO DE FORMAÇÃO EM CASCATA – EXPERIÊNCIA POSITIVA: Foram três planos nacionais, porque era um pra Ciências Experimentais, outro pra Português e outro pra Matemática. (...) O programa a nível nacional durou três anos. Depois, nas escolas ninguém era obrigado a fazer isto. Os professores só faziam se quisessem, inscreviam-se para a formação, se quisessem. E houve professores que se inscreveram um ano; houve professores que se inscreveram nos três anos, observe, é isso. Porque era voluntário, não era obrigatório fazerem isto, os professores inscreviam-se como queriam, mas teve uma enorme adesão. (...) Eu acho que o fundamental nesses programas, e que deu certo, foi exatamente essa ida para dentro da sala.

- TRANSPOSIÇÃO DA TEORIA PARA A PRÁTICA: Mas tem mesmo que se falar pra lá, porque falar do lado de fora... é interessante, as pessoas apanham discursos, apanham aquela maneira de falar, aquele vocabulário, etc,, mas depois não fazem a transposição para a sala de aula, na maior parte dos casos, para as práticas, e é aí que a gente tem que chegar.

- FORMAÇÃO DO SUPERVISOR: é preciso ser professor primeiro para depois ir fazer uma especialização em Supervisão. Não pode fazer de origem, tem que ser primeiro professor, estar profissionalizado, e depois, então, vai fazer uma especialização em Supervisão, que na maior parte dos casos é o Mestrado.

- ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA: ...na formação inicial e, até certo ponto, na contínua também, eu acho que o principal problema, e todos os autores dizem isto, portanto não é novidade nenhuma, mas digamos, que as minhas práticas destes anos todos de formação confirmem isso, é a questão da relação de teoria e da prática, questão da articulação das escolas de formação com as escolas básicas, com as escolas das crianças. Porque nós pomo-los a fazer estágio, mas não pode ser só assim, não pode ser só metê-los em estágio, nós temos que depois conseguir processos de articulação com as escolas. É muito mais consistente, porque se não nós estamos a dizer uma coisa e a escolas estão a dizer outra, e na cabeça dos alunos é uma confusão desgraçada. (...) Por outro lado, nós também corremos o risco, nas escolas de formação, de perdermos a ligação com o terreno e à certa altura estarmos a falar de realidades que já não existem. Portanto, para estarmos ligados ao concreto, é muito importante que essa articulação se faça nos dois sentidos, quer de nós pra eles quer de eles pra nós, e é preciso criar processos até muito práticos de articulação. E, se isto acontece na formação inicial, e sempre aconteceu, na verdade, porque todos os autores dizem isso, mas o estranho é que também acontece muito na formação contínua.

- CRÍTICA À FORMAÇÃO CONTÍNUA COMO MENU: Em Portugal, durante os

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primeiros anos em que começou existir formação contínua, que foi o grande boom da formação contínua foi nos anos noventa do século passado, e até porque houve fundos comunitários que ajudaram a pagar a formação contínua para toda a gente em todo o país, mas aí não eram programas nacionais, eram programas que cada região decidia e oferecia em lista para as pessoas escolherem. E o que acontecia, foi isso, quer dizer, eram formações que não tinham nada a ver com aquilo que os professores precisavam. Era o que as escolas de formação ou os formadores achavam que deviam dar, mas não o que as escolas precisam. E, portanto, aquilo acabou por não ter nenhum impacto, em termos das práticas. Com o tempo, desde 1990 até agora, foi se tentando ultrapassar isso e tentando criar outras formas de articulação com as escolas para a formação contínua, procurando, enfim, dar respostas às necessidades das escolas, em vez de oferecer a formação que as escolas de formação queriam.

- FORMAÇÃO E INVESTIGAÇÃO: eu estou falando de formação só. Mas, então, se falarmos de investigação, o distanciamento entre as instituições de ensino superior e as escolas é muito grande. Quer dizer, as instituições de ensino superior fazem investigação sobre as escolas, mas nunca envolvem os professores nessa investigação, limitam-se a ir lá recolher dados. Os investigadores vão lá recolher dados, mas depois nada disso é devolvido às escolas e os professores que estão nas escolas acabam por não ter qualquer ligação com os resultados da investigação que é feita sobre eles, e que deveria servir para eles. Portanto, há aqui uma grande lacuna em termos da relação entre a investigação e aquilo que se faz na prática. E a única maneira de ultrapassar isso passa pelo envolvimento dos professores nos processos de investigação. E, portanto, a formação tem que passar também por processos de investigação, pelo menos ao nível de mestrados e dos próprios doutoramentos e dos projetos de investigação que se façam, têm que envolver as escolas. Mas, basicamente, são sempre questões de articulação, os problemas são por questões de articulação entre a formação e a prática pedagógica nas escolas, entre a investigação e as práticas pedagógicas.

- UTILIDADE DA FORMAÇÃO: ...os professores, ao princípio, até têm alguma resistência a que se lhes entre pela sala adentro, não gostam... mas, depois, gostaram muito. E é engraçado porque eu já orientei e já fui a júri de várias dissertações de mestrado e até teses de doutoramento sobre esses programas de formação, portanto, foram feitas inquirindo os professores que estiveram envolvidos nesses processos ou analisando os resultados dos alunos, enfim, várias metodologias, mas em todas essas dissertações o resultado é que os professores gostaram imenso. E que houve mudanças nos alunos, nos resultados dos alunos. Houve mudanças nos processos de ensino em sala de aula e houve mudanças nos resultados dos alunos. E, de algum modo, houve mudanças nos próprios professores e em suas concepções de ensino. Eu acho que uma outra coisa que foi importante nesses programas foi terem uma parte uma parte pedagógica inovadora, didática, digamos, como ensinar Português, como ensinar Matemática, inovadora, mas, centravam-se também muito nos conteúdos da Matemática e do Português ou de Ciências. E isso foi importante porque tinha uma relação muito forte entre aquilo que os professores tinham que ensinar e uma forma inovadora de dar aqueles conteúdos. Os professores perceberam que aquilo era útil pra eles. Porque às vezes há formações em que se fala teorias pedagógicas extremamente interessantes, mas como não se relaciona aquilo com as áreas disciplinares que os professores têm que dar, Português, Matemática, seja o que for, aquilo fica muito no vago, depois as pessoas não percebem como podem pôr aquilo em prática, acho que foi muito por isso.

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APÊNDICE D – Quadro 4 – Entrevista com E4 – Posicionamentos em destaque.

RELAÇÃO ENTRE ATIVIDADE DE FORMADORA E ATIVIDADE DE INVESTIGADORA: nem sempre os formadores investigam a formação. E o papel do formador, e o estatuto do formador, nem sempre é um estatuto muito privilegiado ou com grande mérito nas instituições de formação. (...) apesar de haver muitos formadores em Portugal, que sempre se dedicaram à formação como campo de investigação e, portanto, foram desenvolvendo pesquisas com professores ou sobre a formação inicial ou contínua, foram desenvolvendo propostas teóricas, metodológicas no campo da formação e da supervisão... Isso não é verdade para todos os formadores. (...) Às vezes não há muita diferença entre ser um professor na área da educação e da formação de professores ou ser um professor de uma qualquer outra área científica. E apesar de na educação e, concretamente, na formação de professores, nós lidarmos diariamente com teorias da formação que ensinamos aos alunos e etc, nem sempre as colocamos em prática enquanto formadores. E nem sempre estudamos os processos de formação e, em particular, as nossas pedagogias de formação.

CONVERGÊNCIA ENTRE TEORIA E PRÁTICA: ... sempre entendemos que enquanto formadoras, enquanto supervisoras do estágio dos professores, era importante para nós investirmos na formação como campo de estudos, de diferentes formas: não só orientando os estudantes que vêm fazer mestrados, mas, sobretudo, estudando as nossas próprias práticas e tentando ir melhorando essas práticas à luz das teorias, mas também à luz da nossa experiência.

BENEFÍCIOS DA ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO E INVESTIGAÇÃO: ...ao longo dos anos, houve sempre (isso foi uma ideia que foi sendo reforçada entre nós) uma intenção de fazer também dos processos formativos em que estávamos envolvidas, objeto de alguma investigação. E eu acho que isso é muito importante no percurso desta equipe. Porque nos permitiu, por um lado, analisar o modo como fazemos a formação e melhorar essas estratégias. E, por outro lado, foi nos permitindo construir, de alguma forma, o referencial teórico e metodológico para as práticas de formação e, concretamente para as práticas de supervisão.

PEDAGOGIA PARA AUTONOMIA EM CONTEXTO ESCOLAR: começamos em 1995 a desenvolver um projeto de supervisão que integrava a investigação-ação como estratégia formativa e que, em simultâneo, integrava a ideia da autonomia dos alunos como meta educativa. Isto porque o meu estudo de doutoramento, que entretanto eu estava a realizar, era um estudo que envolveu a colaboração com uma professora de uma escola básica e que tinha como objetivo principal (a experiência foi em 1991-1992, a experiência que eu consegui com essa professora) explorar a possibilidade de desenvolver uma pedagogia para a autonomia em contexto escolar. E esta é uma das minhas áreas de investigação.

CONSTRUÇÃO DE SABERES BASEADOS NAS EXPERIÊNCIAS E REFLEXÕES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS: de doutoramento sobre as possibilidades de desenvolver essa autonomia em contexto escolar. Portanto, mais uma vez aqui a articulação... eu não estava a fazer um trabalho de formação de professores, estava a fazer um trabalho sobre pedagogia escolar, a minha colega, entretanto, iniciou um estudo de mestrado sobre formação inicial através de investigação-ação e nós, depois, a equipe, decidiu iniciar um projeto de supervisão que integrasse essas duas linhas de trabalho: a formação reflexiva de professores através de investigação-ação com a finalidade de promover uma pedagogia para a autonomia na escola. É mais um

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exemplo de como nós fomos entrelaçando, procurando, na medida do possível, que o nosso trabalho de investigação tivesse alguma relação com o nosso trabalho enquanto formadoras e vice-versa. E isso acabou por ser uma decisão, do meu ponto de vista, como estava a dizer, absolutamente central para garantir um olhar crítico sobre aquilo que estávamos a fazer e sobre outras práticas e até teorias da formação de professores porque fomos construindo um saber muito baseado na experiência e na reflexão sobre a experiência. E isto só foi possível porque também havia um trabalho de equipe. Porque eu acho que é muito difícil o investigador ou o formador isolado, isoladamente, chegar a algum lado. Bom, a não ser estudar as suas coisinhas muito bem mas... quer dizer, depois qual é o impacto disso nas práticas?

IMPORTÂNCIA DO TRABALHO EM EQUIPE: o trabalho em equipe permitiu-nos ir construindo práticas, discursos, publicações, que eu acho que tem alguma consistência (...) o fato de trabalharmos em equipe eu acho que foi, pelo menos eu sinto isso, foi muito importante.

O GTPA (GRUPO DE TRABALHO PEDAGOGIA PARA A AUTONOMIA): Eu coordeno, desde 1997, um grupo de trabalho que se chama GTPA (Grupo de Trabalho Pedagogia para a Autonomia) e que é um grupo de trabalho que reúne professores dos ensinos básico e secundário e um grupo menor de docentes do ensino superior. Este grupo surgiu em 1997 na sequência de um projeto que eu e algumas das minhas colegas tínhamos desenvolvido. Um projeto que era de investigação e de formação e em que nós também procuramos articular as questões da pedagogia para a autonomia, que era uma questão muito nova na altura, o projeto desenvolveu-se entre 1993 e 1996, era um projeto financiado externamente, mas que incluía a formação de um grupo de professores que voluntariamente iam lá fazer essa formação. Uma formação teórica-prática numa primeira fase e, depois, numa segunda fase, uma experimentação no terreno, que deu origem a relatórios da prática. Depois de terminar esse projeto, esses professores, dessa segunda fase, que era um grupo pequeno, treze professores, gostaram muito da experiência e manifestaram a vontade de continuar a trabalhar conosco. No ano seguinte, contratamos esses professores e constituímos este grupo de trabalho.(...) este grupo, que nesse momento tem quinze anos de existência foi crescendo, por um lado, e foi-se expandindo em termos de áreas disciplinares, que ele começou por ser com professores de línguas estrangeiras e nesse momento é multidisciplinar, qualquer professor pode fazer parte. Depois... é um grupo que começou, como disse, muito pequeno e que, nesse momento... bom, nós temos muitas pessoas que fazem parte da lista de distribuição, mais de cem pessoas, mas, nem todas vêm às nossas reuniões. Algumas pessoas afastam-se temporariamente, depois regressam, mas é um grupo que foi criando uma dinâmica também cada vez maior ao nível da partilha de experiências, do desenho de novas experiências, de realização de correntes de estudos muito ligadas à questão da Pedagogia para a Autonomia, quer ao nível da escola quer ao nível da formação de professores. No âmbito deste grupo temos feito também alguns encontros que chamamos congressos, de dois em dois anos ou de três em três anos realizamos, e onde estão presentes os professores de outras escolas que não pertencem ao GTPA e onde nós partilhamos experiências e estudos desenvolvidos no grupo, publicamos as atas (temos uns cadernos para uma publicação mais caseira)... (...)

DIFICULDADE SENTIDA NO GTPA: ...uma das dificuldades que nós sentimos neste grupo é a extensão da mudança nas escolas, ou seja, as pessoas pertencem (e nós temos professores de várias escolas, de muitas escolas que vão realizando experiências, às vezes individualmente, outras vezes com um colega nas suas escolas), mas depois aquilo fica muito circunscrito à sua turma ou aos seus alunos. É muito difícil passar para a escola e os professores queixam-se muito de uma cultura

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escolar pouco colaborativa, pouco aberta à mudança e, portanto, os professores tendem, no fundo, a fechar-se no grupo e essa expansão na escola é mais difícil. Essa nossa decisão de passar a fazer algumas dessas reuniões nas escolas também passava por essa intenção de levar às escolas um pouco do trabalho que nós fazemos, essa foi outra alteração que também fizemos.

FUNCIONAMENTO DO GTPA: E esse grupo (comemoramos agora, recentemente, os 15 anos) é um grupo que funciona de uma forma bastante flexível porque não é preciso pagar quotas, ninguém tem prazos para fazer nada, as pessoas entram e saem quando quiserem... (...) Esse foi o ponto de partida: em 1997 os professores pediram para continuar essa colaboração conosco. E depois, a partir daí, formou-se o grupo como uma comunidade, na verdade, este grupo, nesse momento, constitui uma comunidade de aprendizagem e desenvolvimento profissional.

FORMAÇÃO CONTÍNUA OU ESPAÇO PARA APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL? ...eu tenho alguma dificuldade de dizer que é uma iniciativa de formação contínua, porque não há, nem nunca houve, uma intenção clara de “OK, vamos fazer a formação de professores”. Não, não é essa intenção. A intenção é criar um espaço em que membros da universidade e membros da escola possam reunir-se e discutir as questões da autonomia na aprendizagem das línguas e na aprendizagem dos outros campos (começamos com as línguas, como lhe disse, mas nesse momento é em termos mais gerais). Como é que isso pode ser desenvolvido nas escolas? O que é que dificulta esse trabalho? Como é que isso pode ser promovido na formação de professores? E como nós aqui na universidade estamos ligados à formação de professores este nosso trabalho aqui no GTPA acaba por ter influência no nosso trabalho com os professores, já no âmbito dos mestrados acadêmicos, portanto, ao nível já da formação especializada. Aliás, como professora desses mestrados de supervisão, faço sempre uma apresentação do grupo, às vezes convido professores do grupo a virem falar aos professores do mestrado e faço um convite aos professores do mestrado para virem a uma reunião do grupo... Alguns desses professores depois inscrevem-se no grupo. Só têm que mandar um e-mail e dizer que querem fazer parte do grupo. E, portanto, de certa forma, esse grupo existe por vontade dos professores, também por vontade dos colegas das universidades (que são colegas aqui do Minho, mas também de outras universidades), mas nós é que... enfim, no fundo fazemos mais um trabalho de coordenação também por nossa vontade de continuar porque a ideia é contrariar o divórcio entre as universidades e as escolas na produção do conhecimento educacional. Portanto, nós não estamos ali para fazer a formação de professores. Nós estamos ali para, com os professores, ir dando-lhes, eventualmente, algum input que os professores queiram. Por exemplo, já organizamos sessões formais, de formação, ações de formação, porque os professores quiseram.

CURRÍCULO DE FORMAÇÃO/ TEMAS PARA DISCUSSÃO: Os temas são negociados no grupo. Exatamente. A Agenda do grupo é negociada no grupo. Claro que eu posso chegar numa reunião e fazer uma proposta, e depois discutirmos a proposta, e depois ajustarmos a proposta, mas é tudo negociado no grupo, nestas reuniões que nós vamos fazendo, onde depois também partilhamos experiências. Os professores apresentam experiências que vão desenvolvendo nas escolas ou nós apresentamos experiências que vamos desenvolvendo também com professores no campo da formação e depois há esse trabalho de disseminação, que é muito importante, e que é feito ao nível desses encontros ou ao nível das atas, dos cadernos, e outras...

GTPA – COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM: não é um programa de formação

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contínua de professores, não é um projeto de investigação, é uma comunidade que foi surgindo e que foi desenvolvendo e expandindo ao longo dos anos, e que foi assumindo direções, um pouco em função daquilo que as pessoas foram decidindo que era importante, e que integra elementos de investigação, integra elementos de formação, integra elementos de pedagogia... Pedagogia que era escolar e que era da formação de professores. E que eu acho que tem sido uma experiência fantástica porque não sendo uma iniciativa muito estruturada... eu costumo dizer que ela funciona de uma forma “estruturadamente caótica”! É. Porque ela tem elementos de estrutura. Há elementos de estrutura que é essa preocupação comum que nós temos com o que se passa nas escolas e nas instituições de ensino superior ao nível da qualidade da educação e, concretamente, preocupação com o desenvolvimento da autonomia dos professores e dos alunos. Isto é comum, no grupo. As pessoas só vêm para o grupo porque estão interessadas nisto. Então, isto é comum. Depois, há um conjunto de princípios pedagógicos e de procedimentos que conferem alguma estrutura ao nosso trabalho, desde as reuniões que fazemos aos encontros mais alargados, às publicações e aos resultados que estamos obtendo. Isso confere ao grupo alguma coisa... Mas, depois, o grupo é muito diverso porque nós temos pessoas muito jovens, há pessoas com muita experiência, há pessoas que já trabalham a autonomia há muitos anos, pessoas que estão a começar, pessoas que têm formações acadêmicas muito diversificadas, algumas já fizeram mestrado ou doutoramento, outras não, só fizeram uma licenciatura, pessoas que trabalham em contextos muito diversos...

NO GTPA NÃO HÁ A EXIGÊNCIA DE QUE OS PROFESSORES TENHAM QUE SER INVESTIGADORES: Não há neste grupo (ainda bem que me faz esta pergunta... nunca pensei muito sobre esta questão)... não há neste grupo uma intenção das pessoas fazerem uma investigação mais estruturada como há em outros grupos de trabalho em que as pessoas fazem parte daquele grupo sabendo que poderão fazer o mestrado ou poderão fazer o doutoramento. E até há grupos que se constituem nesta base, ou seja, são as pessoas que são supervisoras e os mestrandos e doutorandos, portanto, são grupos muito voltados para a investigação. Não é o caso deste grupo. Este grupo tem, sobretudo, preocupações com a pedagogia escolar e com a formação de professores; depois, tem pessoas que realmente depois de integradas no grupo fizeram mestrado e, se calhar, tem o contrário: tem pessoas que estavam a fazer o mestrado, souberam do grupo e se integraram no grupo.

O GTPA FUNCIONA A PARTIR DOS INTERESSES DO GRUPO: Eu acho que uma das coisas fundamentais é que este grupo funciona em função, em resultado dos interesses do grupo, ou seja, são as pessoas que definem o que querem fazer. Não há nenhuma agenda pré-definida para as pessoas (digo para as pessoas, mas estou a pensar mais nos professores), portanto, as pessoas sabem que são livres para vir às sessões só para ouvir o que os outros têm para contar, sabem que são livres para quando quiserem desenvolver uma experiência pedagógica, podem desenvolvê-la e podem contar com o nosso apoio, temos as publicações que, também, ao circularem no grupo (e temos muitas publicações de natureza pedagógica – materiais que são produzidos no grupo) são também um suporte, uma inspiração para os professores começarem, elas próprias, experimentar com seus alunos e depois contar aos outros como é que foi... Eu acho que um fator essencial é a agenda de trabalho do grupo, em termos de “o que é que fazemos”, “como fazemos”, “com quem fazemos”, “durante quanto tempo fazemos”, é totalmente autodeterminada. Pode ser autodeterminada ao nível individual “eu quero fazer isto”, e a pessoa pode ou não pedir ajuda, ou pode ser ao nível dos pequenos grupos “nós vamos fazer isto na nossa escola; queremos fazer isto” ou até pode haver iniciativas mais coletivas, e tem havido algumas iniciativas mais coletivas.

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A AGENDA/DINÂMICA DE FUNCIONAMENTO DO GTPA É DECIDIDA NO GRUPO: o que eu quero dizer com isto é que, sejam estes estudos, sejam as experiências pedagógicas, as experiências de formação, seja para discutir um tema, seja para organização uma ação de formação (as pessoas precisam de crédito para subir na carreira e já aconteceu do GTPA organizar ações de formação acreditadas, sem que os professores tenham que pagar nada, só para os professores do GTPA que estivessem interessados – eles podem vir todos, mas há alguns, os que estão interessados nos créditos, têm que ter certificado e têm que ser avaliados, portanto, eles são avaliados) e já temos promovido ações, ligadas à autonomia, de atualização de conhecimentos, sempre com um trabalho mais prático na escola,... mas isso são coisas pontuais quando os professores pedem isso ou quando nós começamos a sentir que era capaz de ser interessante organizar uma ação e propomos isso... Isso é um dos fatores: não haver uma agenda pré-definida. A única coisa que está pré-definida neste grupo é o interesse, a preocupação com as questões da autonomia. Porque como o grupo é Grupo de Trabalho Pedagogia para a Autonomia, claro que, se um professor não está nada interessado no estudo da autonomia certamente não vai dizer “quero pertencer ao grupo”. Mas eu nem posso considerar que seja um requisito de pertença. O próprio professor é que decide. E muitas vezes os professores ouvem falar do grupo e ficam assim “ah, mas eu não sei...”. Eu digo: venha a uma reunião, se gostar, fica, inscreve-se; se não gostar não se inscreve. Portanto, isso funciona muito assim.

“ESTILO ACADÊMICO” (ASPECTO NEGATIVO): Eu acho que uma das razões pelas quais acaba, não é a única, mas uma das razões é que muitas vezes os estilos acadêmicos, têm uma ideia (...) muito definida sobre o que querem que as pessoas façam. Eles vão ao trabalho dos professores, com os professores, implementar em sala de aula as ideias que eles na universidade desenvolveram. E eu acho que isso... quando os professores sentem e, por isso aquilo que estávamos a dizer um bocado antes de iniciarmos a entrevista, da necessidade de envolver os coordenadores na definição do programa de formação, e os próprios professores, parece-me um fator fundamental. Porque quando os professores sentem que aquilo emergiu dos seus interesses, relaciona-se com as suas necessidades ou com aquilo que lhes é útil no contexto de trabalho... eu acho que esse é um primeiro fator de envolvimento dos professores e de comprometimento com a formação ou com o que quer que seja, esse é um dos fatores. (...)

RELAÇÃO DEMOCRÁTICA/SIMÉTRICA (ASPECTO POSITIVO): outro fator é haver uma relação muito democrática ou simétrica entre as pessoas da universidade e da escola. Não há uma relação hierárquica ou, pelo menos, tentamos que não haja porque é sempre muito difícil abolir a hierarquia mas, tentamos que a relação que nós temos com os professores das escolas seja uma relação o mais natural e conversacional possível... e de grande respeito pelo trabalho dos professores... e de valorização do trabalho dos professores. Então, eu acho que esse aspecto de uma certa democratização nas relações universidade-escola, que também se prende com o aspecto anterior, da agenda ser definida de uma forma coletiva e não só pela universidade, não só por não sei o quê... são dois fatores de importância. A liderança do grupo parece que tem sido um fator importante para a sua sustentabilidade. Eu tenho assumido as funções de coordenação do grupo, embora os meus colegas, ou alguns colegas, me tenham ajudado bastante nesta função, portanto, no fundo é uma equipa, e eu acabo por ter que ter a iniciativa de “ok, vamos marcar uma reunião”, “ok, vamos mandar um e-mail para não sei o quê...”, “vamos organizar o congresso”, mas há uma equipa que me ajuda a fazer isso tudo. E essa liderança é uma liderança que eu considero, não sei, bastante flexível, se quisermos... eu não estou ali como

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alguém que tem que impor nada àquele grupo, estou ali para ajudar o grupo a funcionar e para promover encontros do grupo e pronto. E então eu acho que esse tipo de liderança, que é uma liderança que, se calhar, é eficaz porque quase não se nota, porque não é uma coisa imposta, mas que as pessoas reconhecem que existe... acho que pode ser um fator importante.

RELAÇÕES INTERPESSOAIS (ASPECTO POSITIVO): E, depois, as relações interpessoais que são criadas no seio do grupo porque as pessoas têm associado este grupo a sentimentos de colegialidade, de respeito mútuo, de valorização interpessoal, de interajuda, de colaboração, de liberdade de expressão... e tudo isto é fundamental, faz parte de um clima do grupo. Mesmo as pessoas que vão pela primeira vez conhecer a experiência sentem isto. As pessoas sentem-se bem dentro do grupo. E eu acho que sentirmo-nos bem dentro de um grupo é também uma condição fundamental. Então, eu diria que criar um clima de relações interpessoais e de trabalho em que as pessoas se sintam respeitadas, em que as pessoas se sintam ajudadas, em que as pessoas se sintam livres para falarem das suas preocupações, livres para dizer o que pensam sem achar que alguém vai avaliá-los e fazer algum juízo de valor e dizer isto ou aquilo... que é uma coisa que se vai construindo também... acho que isso pode ser, e é, um fator muito importante.

CULTURA DO GRUPO E CONTEXTO EDUCACIONAL: uma das coisas que de maneira geral as pessoas dizem é que a cultura do grupo é muito diferente da cultura do seu contexto educacional. E isto não se desliga de todo o resto que eu disse, ou seja, enquanto nas escolas eles sentem uma certa competitividade (...) um certo fechamento das pessoas... um certo individualismo... medo de se expor, medo de sair da rotina, medo de desafiar o estabelecido... Neste grupo é o contrário. Portanto, as pessoas querem desafiar o estabelecido... com cuidados, mas querem desafiar. Querem ter uma visão crítica sobre o que se passa nas escolas. Querem ter a capacidade para expressar a sua opinião. Querem desenvolver experiências inovadoras, querem experimentar, querem correr riscos. E sabem que neste grupo isto é apoiado. E sabem que se precisarem de ajuda, são ajudados. E sabem que esse trabalho é valorizado. E, portanto, o que de alguma forma e paradoxalmente tem contribuído para a sustentabilidade do grupo é o fato de as pessoas não encontrarem no seu ambiente de trabalho aquilo de que necessitam. E como não encontram aquilo que necessitam vêm procurar neste grupo.

RISCOS DE UMA FORMAÇÃO FORA DO CONTEXTO DE ATUAÇÃO: Isto tem um risco. O risco é que as pessoas deixem de investir na mudança no seu contexto de trabalho com as pessoas (...) Este é o risco: de um certo isolamento que as pessoas podem, depois, dentro dos seus contextos de trabalho (...) O fato de terem neste grupo aquilo que não têm nos seus contextos profissionais é um fator que faz com que as pessoas queiram continuar e, portanto, é uma base de sustentabilidade do grupo. E o fato de ser a questão da autonomia, eu acho que é uma questão importante porque estas pessoas estão genuinamente interessadas nas questões da autonomia, que são questões muito difíceis de por em prática nas escolas. E, portanto, este grupo dá-lhes pistas de trabalho... aqui neste grupo elas podem construir propostas de trabalho...

A QUESTÃO DA AUTONOMIA NO GTPA: essas preocupações com a autonomia muitas vezes são demasiado centrada nos alunos e pouco centradas nos professores ou, então, nós temos correntes que são centradas só no professor e correntes que são centradas só nos alunos. E o que nós procuramos fazer neste trabalho e em outros trabalhos é articular essas coisas. Pressupondo que uma educação democrática... pressupondo que a autonomia é um interesse coletivo. E se é um

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interesse coletivo que nós associamos a outros valores numa educação democrática, então, se eu quero desenvolver a autonomia dos meus alunos, isso não se desliga da minha própria autonomia profissional e da minha emancipação profissional. Agora, claro que a autonomia do professor e do aluno se desenvolvem em modos diferentes, mas, desenvolvem-se em contextos comuns, muitas vezes. Porque é no trabalho com os alunos que os professores também vão percebendo melhor o que é podem fazer o que não podem, o que é que devem, o que é que “não sei quê”. Claro que não se restringe à ação da sala de aula, há outros componentes de trabalho profissional que são essenciais à sua emancipação profissional, mas o trabalho de sala de aula é, na verdade, talvez o trabalho mais importante do professor. E nós incidimos muito no trabalho de sala de aula. Portanto, tentamos não dissociar, não separar, não divorciar as questões do desenvolvimento profissional do professor, emancipatório, com o desenvolvimento também emancipatório para o aluno, entendendo a autonomia como um interesse coletivo e não só no âmbito da escola como também no âmbito da sociedade.

RESPEITO PELO TRABALHO DO PROFESSOR: ...eu acho que uma das aprendizagens mais importantes, e que tem que ver com o tal respeito com o trabalho dos professores, é perceber que o trabalho do professor é extremamente complexo e que as escolas não têm condições, não criam condições... o sistema escolar, o sistema educativo, em geral, não está muito interessado na autonomia. Nós temos a palavra autonomia nos programas, na legislação estadual... Mas, na verdade, a escola nem sequer está organizada nesse sentido e, portanto, há imensas dificuldades e o que os professores fazem é uma luta constante para tentar encontrar espaços, pequenos espaços, que podem ser em sala de aula, e que majoritariamente tenham a ver com o trabalho de sala de aula, mas que podem ser também a outros níveis de trabalho com os colegas, espaços onde este estado de coisas, que é constrangedor relativamente a uma educação tendencialmente mais democrática, possam sofrer pequenas alterações. Eu costumo dizer que, às vezes, as pessoas acham que têm que fazer grandes coisas para “não sei quê”, eu costumo dizer pequenas mudanças às vezes fazem grandes diferenças.

A FORMAÇÃO DEVE RELACIONAR-SE COM A PRÁTICA DO PROFESSOR: ...quando os professores estão genuinamente interessados e quando veem resultados práticos de ideias que no início parecem ideias teóricas, utópicas, abstratas, que não têm nada a ver com a prática, mas quando eles começam a ver que são capazes de mudar as práticas naquele sentido, e começam a ver as reações dos alunos, e começam a ver as suas próprias mudanças profissionais, então, eles nunca mais desistem, embora possa haver momentos mais ativos em termos de mudança e outros menos ativos em termos de mudança, porque não podemos ficar a mudar sempre, mas eu acho que os professores mudam verdadeiramente a sua forma de olhar para a educação e de olharem para si próprios enquanto professores. Isso eu tenho verificado mais em uns casos do que em outros, e mais vez o que está aqui em causa é o interesse do professor por aquilo que está a fazer e a sua liberdade para decidir e tomar algumas decisões, ainda que tenha muitos constrangimentos, ele sempre está a tomar algumas decisões na direção que lhe interessa e que ele acha que interessa aos seus alunos. Isso é um fator que, quer ao nível individual quer ao nível de um grupo, me parece absolutamente central. Não quer dizer que as pessoas vão todas fazer a mesma coisa porque não vão; nem quer dizer que toda a gente tem a mesma noção de autonomia porque não temos; há muita diversidade. Mas, há uma preocupação comum com essas questões e um comprometimento profissional.

DIMENSÃO EXPERIENCIAL DA FORMAÇÃO: Há uma componente no GTPA e em

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outros contextos de formação que eu considero que é central para motivar os professores, que é a dimensão experiencial da formação. Porque muita formação contínua não está organizada de forma a contemplar espaços em que os professores possam decidir e planejar a ação pedagógica, levar este plano para a prática, avaliá-los,... E eu acho que enquanto a formação não tem esta componente... pra já tem muito pouco impacto, ou tem muito menos impacto, depois é mais desmotivadora para os professores porque não está diretamente relacionada com as suas práticas. Claro que, para alguns professores é isso que eles procuram: uma formação rápida, que lhes dê os créditos de que necessitam, porque é assim, como é em todas as profissões, há professores mais apaixonados pela profissão e menos apaixonados; mais comprometidos ou mais disponíveis para aprender e menos disponíveis.

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL COMO CENTRO DA FORMAÇÃO: são experiências próximas da investigação-ação em que eles em grupos, lá está o trabalho colaborativo, eles têm que constituir grupos, e cada grupo vai desenhar e levar a cabo e avaliar uma experiência pedagógica. Essa experiência é levada a cabo numa escola por um dos professores do grupo, porque um semestre não dá para tudo, mas então, eu desenho tudo em grupo, eu desenho os materiais em grupo, eu faço muito acompanhamento desse processo... Depois implementam a experiência numa turma de um professor do grupo, os outros professores se puderem vão observar, mas o professor tem que recolher informação através de questionários, através de observações,... e, portanto, eles depois têm em grupo novamente que analisar a informação recolhida, tem que avaliar a experiência, produzir uma narrativa profissional, que faz parte depois de um portfolio da experiência (...) E este processo coloca a experiência profissional no centro da formação. Porque por um lado eles estão a analisar a experiência profissional de outros colegas, e esta análise de narrativas é uma estratégia que dá para fazer imensas coisas, porque a partir da análise da narrativa eu posso introduzir os conteúdos teóricos da disciplina. Em vez de eu expor os conteúdos teóricos... porque as narrativas, elas próprias referem conceitos, princípios pedagógicos, que depois podem ser explorados, podem ser expandidos, com o formador. Muitas vezes eu dou-lhes um referencial teórico qualquer para eles analisarem as narrativas: “ok, vamos agora analisar as narrativas deste ponto de vista” ou “daquele ponto de vista”. Normalmente começo com uma leitura mais pessoal da narrativa, o que que as pessoas sentiram, o que que acham, gostaram, não gostaram, porque, é assim que fazem, não é assim que fazem,... começa com uma discussão mais ou menos informal, mas depois começo a introduzir ou chamar alguns conceitos e alguns princípios e a dar algum input teórico que lhes permite depois ter um olhar mais crítico sobre a narrativa. Isto é uma forma de construção do conhecimento que tem no centro a experiência profissional de um professor ou de um grupo de professores. (...) o que eu tenho avaliado ao longo desses anos é que essa forma de construir conhecimento não é fácil para os professores, não é fácil, mas é muito mais eficaz do ponto de vista de um envolvimento progressivo dos professores na sua aprendizagem e na formação e de uma maior capacidade de intervenção depois na escola.

PAPEL DO FORMADOR: é um trabalho bastante intensivo que numa fase inicial lhes causa imensas dúvidas... e, depois, eu questiono muito os professores, não é? Porque não é só pô-los a fazer e depois ver no fim. Não. Eles têm que discutir comigo toda a fase da planificação da experiência: “ok, qual é o tema?”, “por que que é esse tema?”, eles têm um guião, aliás, para fazer isso, “o que que lhes interessa saber?”, por quê?”, ou “por que que definiram esse objetivo?”, “o que querem saber?”... há muitas reformulações na fase... Muitas vezes isto conduz a um questionamento das suas próprias práticas. Porque é assim, como eles têm que partir da identificação de um problema ou qualquer coisa que não possam ver na sua prática pedagógica, cá

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está, a partir dos interesses dos professores e, depois, quando eu vou discutir com eles essas questões, eles são obrigados, no fundo, a fazer um exercício de autocrítica. E não só esse exercício de autocrítica de questionamento do que se passa nas escolas e concretamente nas suas práticas, como também têm que fazer exercícios de imaginação do que é que podem fazer de maneira diferente. E apesar de serem professores experientes, nem todos têm muita facilidade em passar por esse processo. O papel do formador aqui é fundamental.

PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS: é fundamental ao próprio formador, aqui, ajudar os alunos a montar a experiência, a perceber porque que é assim, porque que não é assim, a justificarem as suas opções, a construírem os materiais... Porque apesar dos professores lidarem todos os dias com materiais didáticos, têm imensa dificuldade em construir materiais porque, em Portugal é obrigatório usar manuais, portanto, os materiais já são feitos. E depois os manuais são cada vez mais completos porque tem um manual do aluno, um manual do professor, um livro de exercícios, um livro de testes, o CD que tem os filmes, que tem as gravações para os alunos ouvirem, enfim...(...) uma coisa que eles têm obrigatoriamente que fazer é construir materiais. Podem se basear em materiais já existentes, mas eles têm que construir de raiz, materiais pedagógicos que lhes permitam também recolher informação sobre a experiência e, por norma, têm muita dificuldade. E acham que não, acham que vai sair à primeira. Há um questionário aos alunos sobre concepções de leitura, quando eles começam a ver que eu dou feedback, depois volta, depois volta várias vezes a seguir, até o questionário estar pronto demora um certo tempo... Eles começam a perceber que realmente é um trabalho um bocadinho duro, é um trabalho um bocadinho exigente, mas que depois compensa muito porque a partir dali eles estarão preparados para fazer outras coisas semelhantes àquelas, em outras circunstâncias, muito mais rapidamente, sem ter que passar por esse processo de acompanhamento que passam aqui.

APRENDER A LIDAR COM A INCERTEZA: Claro que haverá pessoas que estão mais predispostas... e até por seu tipo, por personalidade, são mais questionadores. Tenho encontrado professores que colocam muitas perguntas e questionam e gostam disso. Outros, não. Têm muito medo da incerteza porque a reflexividade implica uma certa capacidade de lidar com a ambiguidade das coisas, com a incerteza. E essa é uma aprendizagem que eu tento que os meus alunos, professores, façam também através dessa abordagem que lhes causa imensas dúvidas. Aprenderem a lidar com a incerteza do que é ser professor e com a imprevisibilidade da mudança... mas nem todos os professores estão muito dispostos. Eu encontro atitudes muito diferentes. Há professores que quase têm medo de arriscar, mas, logo depois, como trabalham em grupo e têm o meu apoio, acabam por se sentir um bocadinho mais seguros. Mas no início há uma fase de grande instabilidade, e eu digo-lhes “isso é normal, e ainda bem que é assim. E ainda bem que é assim! Se vocês estivessem aqui a fazer uma disciplina de mestrado e não sentissem nenhuma instabilidade nas vossas teorias ou nas vossas práticas, então, pra que que serve? Não serve para nada! Se é assim, está muito bem. Claro que eles não podem ficar nessa instabilidade muito tempo e daí que o formador tem é que ter aqui um papel importante de discutir com os alunos, de resolver problemas, de dar pistas de trabalho, “e se fizesse assim”, “e se fizesse desta maneira”, “isto talvez funcione melhor”... E aí, como eu sou da área da didática, tenho essa vantagem como formadora... e como sempre orientei estágios e, portanto, sempre fiz essas discussões com os alunos estagiários, dos materiais, planos e tal, transporto-me com essas competências para aquele outro contexto de professores experientes mas que, na verdade, têm muito a aprender. Porque a própria profissão não favorece muito esse tipo de competências. Portanto, chegam ali e têm dificuldades de fazer material novo, de saber o que perguntar aos alunos, definir um

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objetivo...

CONDIÇÕES ADEQUADAS PARA A FORMAÇÃO: eu estou a falar deste trabalho com grupos de 15, 16, 20 alunos. Não estou a falar de turmas de 100 alunos, onde isto é impossível de fazer. O número de formandos é um fator muito importante. O tempo de formação é outro fator muito importante. Agora, se nós tivermos um número razoável de pessoas e um tempo razoável de formação, eu diria que é possível trazer para a formação a componente experiencial, a experiência profissional.

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL: a mim parece-me que a experiência profissional é uma das chaves do sucesso da formação profissional. Se nós fizermos uma formação sem referências, sem chamar essa experiência, o professor até pode gostar muito. Eu lembro-me que tinha aulas, quando era aluna para ser professora, fiz o curso na Universidade do Minho, licenciatura em ensino, eu tinha professores expositivos, brilhantes, de quem eu gostava imenso. E se calhar, em alguns contextos uma aula teórica, ou mais teórica, pode ser extremamente eficaz. No contexto de formação em que nós queremos que aquilo tenha algum impacto no pensamento do professor e na sua prática, e é desse contexto que estamos a falar, porque na formação continuada ou contínua o que nós queremos é que ela “faça a diferença” no pensamento do professor e na prática do professor, eu diria, se não tiver essa componente experiencial não vai fazer diferença ou vai fazer muito pouca diferença.

COLABORAÇÃO: eu pessoalmente acho que a colaboração é fundamental. A colaboração, e aqui a colaboração é do formador com os formandos, entre formadores e formandos, e prende-se muito com aquilo que eu costumo designar como uma abordagem dialógica da formação.

DIÁLOGO: Eu tento que, nas turmas que tenho, às vezes consigo isso melhor outras vezes não, que se gere um tal clima de diálogo e de trabalho entre mim e os alunos, e entre os alunos, que nós funcionemos quase como uma pequena comunidade, quase como um pequeno GTPA, temporário, em que as pessoas de fato estão ali interessadas, sentem que aquele trabalho é útil, sentem que têm vontade de participar, sentem que têm liberdade de participar, sentem que podem expor... muitas vezes os professores dizem “ai, não sei se vou falar uma asneira...” mas eu digo assim, “aqui não há asneiras”. Mesmo o fato de eles dizerem “não sei se vou dizer uma asneira”, isto já é melhor do que estarem calados porque têm medo de dizer uma asneira. Eu acho que o diálogo é fundamental e esse diálogo implica uma certa colaboração. Ou a colaboração implica o diálogo, se quisermos. Então tem que haver uma colaboração entre o formador e os formandos e eu acho que é muito importante criar também essa colaboração e esse diálogo entre os formandos.

TRABALHO EM EQUIPE: eu acho que o trabalho em equipe, embora possa levantar alguma dificuldade, é mais difícil... é mais difícil porque temos que gerir diferentes ambiguidades, diferentes experiências, diferentes visões sobre as coisas, eles têm que chegar num consenso sobre as decisões que vão tomar, demoram mais tempo do que se fosse individualmente. Mas é exatamente esse processo de confronto de perspectivas que é muito mais enriquecedor para os professores. Por outro lado, eu acho que lhes dá um maior sentido de alguma proteção, porque não estão isolados no trabalho. Eles estão a trabalhar numa equipe e, portanto, se eu não tiver tempo para fazer isto meu colega poderá fazer por mim. Podemos distribuir tarefas, podemos apoiar-nos uns aos outros se as coisas não correrem muito bem. Então, mesmo do ponto de vista do apoio mais psicológico entre as pessoas, desde a criação de laços mais afetivos no trabalho, eu acho que o trabalho colaborativo, claro que umas vezes funciona melhor outras vezes funciona pior, mas eu sou uma forte

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apologista, aposto muito nisso

COLABORAÇÃO E FORMAÇÃO: Se nós pudermos, na formação, e através da experiência da colaboração, levar os professores a perceber a importância da colaboração, eu acho que estamos a dar um contributo importante para o trabalho nas escolas. (...) Mas esses dois elementos eu acho que sim, são importantes, combinados com a questão do tempo (tem que haver um tempo de formação) e com a questão do número de alunos ou número de professores que seja razoável para o formador poder acompanhar. Acho que são fatores importantes. Pronto.

NEGOCIAÇÃO: essa colaboração, de que falou, integra, além da questão do diálogo, integra também a questão da negociação que eu referi quando falei do GTPA. O fato da agenda de trabalho ser definida em conjunto, das pessoas não sentirem que as coisas estão sendo impostas de algum lado... Pode haver propostas, mas as pessoas têm que se identificar com aquelas propostas, tem que as discutir e, eventualmente, as alterar. Isso implica alguma negociação com os formandos.

CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO DE FORMAÇÃO: numa fase inicial, os professores sentem-se pouco à vontade para discordar porque é o formador que está a propor, mas há sempre formas de os alunos serem envolvidos, e aqui isto tem a ver com a colaboração, porque eu faço a proposta mas, na verdade, a minha proposta, como inclui tarefas em que eles vão ter que tomar decisões, como por exemplo, o desenho de uma experiência pedagógica, tem que ser a partir dos seus interesses e eles é que têm que fazer. Eu vou ajudar, mas o ponto de partida tem que ser eles, portanto, eu estou a fazer uma proposta, mas essa proposta em si, já implica que os alunos tomem decisões sobre aquilo que querem fazer, como querem fazer e, na verdade, eles acabam por ser co-construtores do currículo da formação. (...) Porque ao desenharem essa experiência, ao fazerem leituras que se prendem com o objeto que escolheram, ao fazerem a avaliação do que vão fazer na escola e depois terem que escrever sobre isso e integrar leituras, eles são, tal como eu, ou, mais do que eu... na verdade o currículo da formação é muito mais o resultado do trabalho que eles fazem do que propriamente do meu trabalho. Eu tenho a coisa arquitetada, eu tenho a arquitetura... tenho os pilares, tenho as propostas de trabalho mas, depois, como é que isso var ser tudo... tenho, claro, também o meu input teórico quando é necessário, mas é muito em função do que vai surgindo, daqui das prestações que eles vão tendo, das intervenções que vão fazendo, das questões que vão colocando, dos problemas que vão surgindo, “ok, temos que refletir sobre isto!”, ou então, para a semana vou lhes trazer um texto sobre essa questão que estamos a discutir aqui hoje. A coisa vai se construindo muito neste espírito de negociação em que o formador tem que estar muito atento àquilo que vai aparecendo e muito sensível aos interesses, às necessidades ou às dúvidas dos formandos. Portanto, esta colaboração não é só uma colaboração ao nível do diálogo e da interajuda, é também uma colaboração assente na ideia de que o currículo... a construção do currículo em ação, é partilhada entre formadores e formandos. (...) E isto encaixa numa concepção do currículo como uma construção continuada em que o formador, tendo o papel central, dá aos alunos, aos estudantes, também um papel muito importante, de tal forma que eles sintam isto mesmo! Isto é, aquilo que está a acontecer nas aulas, que é o currículo em ação, a pedagogia, não depende apenas das ideias do formador, depende muito dos interesses dos formandos. Aqui há um esforço mútuo, entre nós, de que sem que ele desvie, ou sem que ele deixe de fazer aquilo que eu acho que é importante fazer naquela situação com os formandos, eles também não deixem de sentir que eles são importantes na construção desse currículo.

PAPEL DO FORMADOR PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA DO

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FORMANDO: esse é um aspecto importante que do meu ponto de vista se associa à colaboração de certo modo mas, tem que ver com o como é que o formador se vê no seu papel de formador e como é que vê o papel dos formandos na construção do currículo da formação. Isto joga com a ideia de desenvolver a autonomia dos formandos. Que não significa que o formador deixa de ter um papel importante, eu acho que tem um papel ainda mais importante, com muito mais responsabilidades do que um formador mais expositivo, transmissivo, que apenas tem que ter um conjunto de conhecimentos que vai depois transmitir e a seguir avaliar como um trabalho qualquer... Eu acho que é a forma mais fácil de ensinar... A partir do momento em que eu começo a centrar-me mais nos formandos ou nos estudantes e a tentar perceber como é que eu posso arquitetar o curso de modo que os formandos tenham um papel ativo na sua aprendizagem, isto cria-me, também em mim, muito mais incertezas sobre como é que a coisa vai correr. Então, eu tenho que ir ajustando a minha pedagogia à medida que ela vai decorrendo. E, nessa medida, o meu papel é muito mais importante do que é numa pedagogia que está tudo pré-controlado, pré-definido, e não há riscos, não há imprevistos, não há surpresas.

- O IMPACTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: o processo de Bolonha que veio reestruturar a formação inicial de professores e dividir a formação de professores, e não só, veio dividir os tipos de aprendizagem em primeiro e segundo ciclo e, portanto, os alunos da formação de professores nesse momento têm o mestrado de dois anos, após licenciaturas de três anos. Essas licenciaturas são, sobretudo, nas áreas científicas, por exemplo, no caso das línguas, em línguas ou línguas e literaturas, e depois têm o mestrado de ensino, que podem frequentar para serem professores, por dois anos, que integra toda a componente educacional da formação mais um estágio, que funciona em moldes muito diferentes do que funcionava anteriormente, mas que nós conseguimos (muito é resultado dessa experiência anterior) que esse modelo de estágio integrasse algumas componentes dessa nossa experiência, que era uma experiência do nosso grupo, mas que não era uma experiência do Instituto de Educação. Porque não havia na altura, propriamente, um modelo de formação inicial de professores. Havia umas linhas muito gerais, havia um regulamento e depois cada um fazia como entendia. Com Bolonha, e eu acho que aí foi uma vantagem, fomos obrigadas a repensar toda a nossa formação, a desenhar novos currículos e isso deu-nos oportunidade de mudar um pouco o modelo que tínhamos antes, no sentido de tornar mais intencional e mais orientado para uma formação reflexiva de professores, integrando uma componente de investigação das práticas. E então conseguimos montar um modelo de formação e, nomeadamente ao nível do estágio, que procura articular a investigação e o ensino e que visa a formação de professores reflexivos, como intelectuais críticos, portanto, numa orientação bastante atual da formação. (...) Cá está mais um exemplo de como um projeto que foi desenvolvido ao longo de um conjunto de anos acabou por ter algum impacto, depois, na reestruturação curricular da formação inicial.

UTOPIA: E temos consciência de que são metas um bocadinho utópicas, mas achamos que é necessário ter utopias para avançar no nosso trabalho. E, então, sem pretendermos que as nossas práticas, por exemplo, deste grupo, sejam práticas modelo, ou sejam práticas ideais, porque não acreditamos nisso, pretendemos que sejam práticas tendencialmente aproximadas aos ideais que defendemos. São práticas que ficam, de certa forma, entre o real e o ideal. Nós dizemos uma expressão que é “reidealistas”: nem são realistas nem são idealistas, são “reidealistas”, é uma mistura.

APRECIAÇÃO CRÍTICA POR MEIO DA ESCRITA: todo esse processo e, depois, a escrita da própria narrativa, porque é outra dificuldade com a escrita, escrever; um

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escrever que não seja só um relatar acontecimentos. Aliás, eu apelo muito a uma escrita criativa, a uma escrita muito pessoal, que combina um estilo acadêmico quando é preciso, com um estilo mais pessoal também quando é preciso. Que produza um texto que eles achem que outros professores vão gostar de ler. Que não é um texto “massudo”... então eu dou sugestões também sobre isto e eles constroem também essas narrativas, que é outro processo não muito fácil porque não estão habituados a fazer esse trabalho, mas que tem resultados muito interessantes do ponto de vista do desenvolvimento profissional dos professores. Claro que alguns ficam mais entusiasmados do que outros, é normal, uns sentem-se mais envolvidos do que outros, até muitas vezes por questões de... uns têm mais tempo, outros têm menos tempo para fazer de fazer as coisas... mas, de uma maneira geral, a avaliação que eles têm feito, por um lado, porque eles fazem sempre uma apreciação crítica da disciplina, e por outro lado, a avaliação que eu tenho feito através da leitura das narrativas, através do acompanhamento do processo etc., tem me levado a concluir que é uma abordagem extremamente importante para a transformação do pensamento e das práticas profissionais e para criar um maior comprometimento com a mudança. Cá está, a componente experiencial é fundamental. Porque quando eu vou fazer formações, por acaso também acontece, mais teóricas, às vezes vou fazer formações mais intensivas, uma semana, em que não há espaço de tempo para as pessoas irem experimentar, trazer os resultados... eu acho que esse tipo de formação é útil, sem dúvida, mas eu acho que é muito pouco, tem muito pouco impacto sobre na pessoa do professor.

APRENDER A LIDAR COM O ERRO: Essa atitude de as pessoas se permitirem errar, refazer, não é uma atitude que seja muito fomentada, pelo contrário, as pessoas estão muito à caça do erro. Então os alunos estão muito inibidos para mostrar as suas fragilidades. (...) também é preciso conversar com os alunos sobre isso, conversar com os professores sobre isso. “Desdramatizar” o erro porque faz parte e o processo de trabalho é assim mesmo: fazer e refazer, não há outra maneira, não há outro jeito.

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APÊNDICE E – Quadro 5 – Entrevista com E5 – Posicionamentos em destaque.

- FORMAÇÃO PARTICIPATIVA: ao longo da minha carreira já passei por imensos modelos de formação de professores. Tanto na formação inicial, como na formação contínua e também de formação de formadores. Trabalhei nesses três campos sempre com uma perspectiva que eu defendi, mas enquadrada em programas diferentes, não é? Alguns programas mais predefinidos, mais standarizados e outros mais livres que eu tive possibilidade de criar. Não é? E de facto, comparando uns com os outros, evidentemente, que a experiência me diz que a verdadeira formação, a autêntica formação que tem impacto na mudança e no desenvolvimento profissional dos formadores ou dos professores, é aquela em que eles se envolvem ativamente, não é? E para se envolverem ativamente eles têm que sentir que têm participação ativa na construção dos materiais, do modelo, que têm algum tipo de participação, ou seja, que não é algo que lhes é imposto e que eles têm que seguir religiosamente, não é? Como se segue uma Bíblia... (...) porque que nos movemos e nos interessamos quando fazemos projeto, quando nos envolvemos em atividades? Naquilo que, de fato, é significativo para nós, tem sentido, tem significado. E o mesmo se passa em todos os campos da vida, não é? E isto nós também podemos aplicar ao ensino e aprendizagem das crianças. Todas as perspectivas construtivistas, que apelam às aprendizagens significativas nas crianças, se aplicam exatamente à formação de professores ou de qualquer outro profissional, não é?

- FORMAÇÃO COMO PRINCÍPIO DE APRENDIZAGEM ATIVA: ...quando falamos na formação de professores estamos a falar de aprendizagens. Aprendizagem é no sentido de aprender conhecimentos, de aprender capacidades, de aprender valores, atitudes, tudo o que faz parte do que chamamos conteúdos de formação ou conteúdos de aprendizagem. Para quê? Para que ajude as pessoas a tornar-se melhores cidadãos ou melhores profissionais... enfim. E, nesse sentido, esse pra mim é um princípio da aprendizagem ativa.

- COERÊNCIA ENTRE TEORIA E PRÁTICA: ...tem que haver uma coerência entre aquilo que defendemos nos nossos discursos e a maneira como fazemos, como trabalhamos, não é? Provavelmente, um tipo de... nas orientações, ou... enfim, nesse pacote de formação se fala muito de quê? O conteúdo provavelmente fala muito da motivação intrínseca, fala muito da aprendizagem significativa, da participação, da colaboração, da... mas, se nós vamos dizer aos outros como se deve fazer, mas não o praticamos na nossa maneira de trabalhar a formação, não funciona porque é uma incoerência radical! Ou seja, estamos no discurso, nos situamos num paradigma e na prática nos situamos em outro paradigma. (...) Se eu defendo que os professores têm que trabalhar de forma colaborativa na escola porque é muito importante para a inovação das práticas, na formação eu não posso trabalhar de outra maneira. (...) Não posso porque eu própria me sinto mal. Por uma questão de princípios e uma questão ética também. Para além de princípios científicos eu acho que é uma questão de ética profissional.

- FORMAÇÃO EM CONTEXTO: E, depois, há outra que também acho muito importante que é não retirar as pessoas dos seus contextos para fazer a formação. Não significa que não se possa fazer algumas seções de formação na universidade, mas somente na continuidade do trabalho que faz na prática.

- INVESTIGAÇÃO-AÇÃO - METODOLOGIA DE FORMAÇÃO: E aqui vamos ter um terceiro princípio que eu defendo, e que eu vou dar agora uma aula porque estou a fazer um seminário sobre investigação-ação, que a melhor maneira de formar os

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professores ou formadores é através da investigação-ação. É a metodologia privilegiada, não há outra melhor... em que as pessoas em equipe, planificam, fazem, intervêem, avaliam, observam, tiram conclusões, refletem, voltam outra vez a planificar em torno de problemas que são significativos para eles, na prática. E que queiram resolver, que queiram melhorar, não é? E nessa medida, seja a investigação-ação pura, radical, aquela que... ou seja aproximações que nos fazemos às perspectivas de investigação-ação, não é? Porque é a única maneira de transformar a realidade. Seja a realidade social seja a realidade das práticas pedagógicas, não é?

- PROCUR – PROJETO CURRICULAR: E isso eu também tenho posto em prática, especialmente num projeto que eu coordenei durante bastantes anos, que se chamou Projeto PROCUR. PROCUR são as primeiras sílabas de PROjeto CURricular em que fomos desenvolvendo progressivamente equipes de professores em escolas aqui perto. Era coordenado... o projeto era coordenado por mim e uma equipe aqui na Universidade do Minho. (...) o objetivo fundamental do projeto, o objetivo central (depois tinha outros) era ajudar aos professores a adequar o currículo aos seus contextos. Portanto, a fazer a tal disposição, a criar, a recriar o currículo às necessidades das crianças, das famílias, dos contextos, à necessidade da escola... E o projeto surgiu no âmbito de uma formação também de formadores que nós estávamos a fazer aqui na Universidade do Minho...

- A FORMAÇÃO NO PROCUR É um projeto que ao mesmo tempo... era um projeto de inovação, como foi entendido, um projeto de inovação “barra” formação. Porque para inovar é preciso formar-se, não é? Só que a formação como se fazia? Nós tínhamos dois tipos de formação, uma formação que era aquela que os professores faziam quando trabalhavam sobre os seus projetos curriculares nas escolas com o apoio dos nossos acompanhantes, que chamávamos supervisores, acompanhantes aqui da universidade, tínhamos uma equipe em que alguns eram professores da universidade, outros eram professores das escolas que se tinham formado e eram coordenados por mim, e que se deslocavam periodicamente, havia um calendário, periodicamente cada um tinha um número determinado de escolas sob a sua alçada e fazia o acompanhamento lá mesmo, no terreno. De vez em quando também nós fazíamos formação cá, na universidade, mais sistematizadas, sobre temas que eram importantes aos professores trabalhar. Organizávamos ao longo do ano seis sessões, por exemplo, seis sessões de formação que era creditada, também, para que os professores sentissem... e o projeto também estava creditado no Conselho de Formação Contínua... Depois se foi conseguindo junto das autoridades da administração, da direção geral, que os professores pudessem, ao estarem envolvidos no projeto, pudessem dar continuidade, ou seja, que continuassem nas escolas, ainda que não fossem do quadro, que pudessem continuar de um ano para outro. Por causa da importância da continuidade. Porque se muda o corpo docente... aí tem que se recomeçar de novo, não é? Portanto, a formação... para além disso, havia outro tipo de formação que eram os encontros. Nós fazíamos um encontro no princípio do ano com todas as escolas e professores para definir, para planificar, planear o que se ia fazer durante esse ano. Depois fazíamos um ou dois encontros intermedios, em que os professores apresentavam os seus projetos uns aos outros, num encontro com todos e depois também havia uma fase de convívio, que também é importante nos projetos. Almoçávamos todos... se fazia cada vez em uma escola diferente. E a escola organizava o encontro e se organizava para oferecer comida e outras atividades culturais. E havia um tema, sempre um tema central em cada encontro...

- IMPACTO DO PROCUR NA REORGANIZAÇÃO CURRICULAR: houve uma disseminação grande do projeto até o ponto de que este projeto PROCUR teve uma

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influência muito grande na reorganização curricular que se fez em 2001. Foram buscar no projeto muitas ideias e perspectivas que se denominou a gestão flexível do currículo. E, de fato, teve a nível nacional. Porque depois o projeto também funcionou, foi transposto para a educação de adultos, que também trabalhamos no campo da educação de adultos com as mesmas perspectivas curriculares porque construímos um modelo curricular muito interessante, com uma metodologia própria, do próprio modelo.

- PROFESSORES FORMADORES DO PROCUR: ...nós tínhamos reuniões todos os meses em que também eles tinham que ler isso e ler aquilo, portanto, seria algo pro formando, para além de que já tinham uma formação de base, eles iam se autoformando à medida em que tinham que dar respostas aos desafios que lhes ia colocando a sua função. Portanto, não eram pessoas que soubessem tudo, mas foram também formando-se à medida em que formavam.

- COMPROMISSO COM A FORMAÇÃO: A proposta era apresentada na escola, reuníamos no princípio do ano com os diretores das escolas, e era apresentada a proposta e aderiam as pessoas... mas quem aderia tinha que assumir compromissos de levar até o fim, não é? Embora sempre havia algum que depois achava que era muito trabalho, que tal e também era livre de ter... mas assinava um termo de compromisso. E tivemos também muito apoio da administração, da direção regional, naquela altura... não é como agora que em vez de ser para apoiar é para lutar contra os professores, não é?

- O PROJETO DE FORMAÇÃO CHEGA ATÉ O ALUNO: ...em termos, por exemplo, de sucesso escolar dos alunos eu acredito e todos os que participaram acreditamos que os alunos que tinham dificuldades, que tinham fracasso e participaram do projeto melhoraram muitíssimo. Porque estimulava muito também a participação ativa do aluno como... as crianças, tu ias à escola e falavas com elas e diziam: “eu pertenço ao projeto PROCUR.” E sabiam explicar o que que era. E também nós nos encontros, os professores traziam sempre as crianças; quando apresentavam os projetos os apresentavam com as crianças e elas falavam. Não é? E isso também lhes dava um sentido de pertença e, claro que, embora não tenhamos muitos dados estatísticos, mas a realidade nos mostrou e os próprios professores ainda agora falas com eles, encontro muita gente que participou “Ai, professora, o PROCUR, aquilo foi tão bom!”...

- DISPOSITIVOS PARA O SUCESSO DE UM PROJETO: O difícil é como mobilizar... como levar isso à prática e, com esse projeto, nós conseguimos. Agora, é necessário ter uma série de dispositivos para facilitar, se não... Não é fácil produzir inovação nas escolas, exige muita persistência e exige a utilização de dispositivos que a investigação nos diz que têm que ser utilizados. Por exemplo, a formação que acompanha sistematicamente. Não é uma das ações de formação para além do trabalho de investigação-ação, tem que haver uma formação que acompanha sistematicamente para ir trabalhando os temas que nós queremos... porque se dizemos aos professores “vocês têm que trabalhar utilizando esta metodologia”.... Mas, tens que explicar bem e eles têm que perceber bem em que sustenta a metodologia, como é que se faz, que materiais é necessário utilizar e mostrar experiência... Isto tem que ser muito apoiado, não é? Outro dispositivo que é fundamental é a supervisão das equipes; é o acompanhamento. É fundamental, porque a escola sozinha precisa sempre do que se chama de assessores externos ou, na literatura internacional se lhe chamam assessores, facilitadores, amigos críticos, há muitas designações.

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- PAPEL DO SUPERVISOR EXTERNO: Trabalha com os professores, lhes ajuda a resolver as suas questões, as suas dúvidas... trabalha com eles. Embora estando de fora, faz parte da equipe. Está dentro e está fora. Mas o seu papel, fundamentalmente, é estimular, é ajudar a resolver problemas, não é dizer como é que se faz, e sim como é que se está a fazer e porque, como é e no que pode mudar, e como vamos fazer, enfim, esse é outro aspecto muito importante, fundamental, sem o qual é muito difícil. Para nós desde o princípio foi um aspecto muito usado. O outro é o da investigação-ação, não é? E ter muito organizadas essas equipes dentro da escola; com um responsável, embora o responsável deve “rotar”, mas durante um ano a equipe deve escolher um responsável que presta contas perante os supervisores e perante o projeto. E com quem nós dialogamos mais, não é?

- FORMADORES EXTERNOS/PARTICIPAÇÃO EM CONGRESSOS: Os encontros eram muito importantes; os encontros periódicos que fazíamos no princípio do ano e convidávamos o diretor regional para dar... convidávamos sempre um especialista no tema que nós queríamos tratar, um especialista que fosse bom, que os professores também se sentiam... Ah, e outra coisa que nós fizemos, e que foi muito interessante, que foi levar os professores a congressos, a apresentar...

- ENVOLVIMENTO DOS PROFESSORES: nós começamos a levar as nossas equipes a esses encontros nacionais, porque havia outros projetos no país, diferentes, que reuniam, e a primeira vez que eles foram a falar em um fórum nacional, eles estavam tão nervosos, porque os professores não estavam acostumados. E, naquela altura, a sair da sua escola e a ir a um congresso ou a um encontro nacional ou internacional a dizer o que faziam... Portanto, isso foi algo que ajudou muito a subir o sentido de autoconceito e de autoestima... e dos professores correu muito bem! Nessa preparação eram momentos que, enfim, de grande envolvimento. Depois viajávamos todos juntos, alugávamos uma caminhonete... foi uma época de grande...

- INVIABILIDADE DA FORMAÇÃO PARTICIPATIVA: ... ela não acontece por várias razões. Uma porque exige muito trabalho! Não é? E exige, eu acho sempre, que as universidades estejam envolvidas. E as universidades, cada vez mais, se vão retirando, estamos mais... temos exigências de fazer outros tipos de investigação e de internacionalização e abandonamos as escolas. Essa é uma realidade. (...) ...naquela altura tínhamos uma série de organismos que apoiavam a investigação das escolas. (...) Foi tudo integrado ao Ministério da Educação, na Direção Geral, e eles têm uma perspectiva muito centralista aqui em Portugal, não é? Muito centralista e não apoia, não incentivam também, nas universidades não temos incentivos para participar em projetos.

- MODELOS DE FORMAÇÃO EM CASCATA QUE DERAM CERTO: Houve nesses últimos anos, já depois do PROCUR, dois projetos que penso que se parecem um bocado o seu, em cascata. Mas, tinham alguma diferença do seu. E foram promovidos pelo Ministério da Educação. Não por esse atual que... enfim, pelo anterior. Que foi o Projeto Nacional de Matemática... foram três projetos, dirigidos todos aos professores do primeiro ciclo. Projeto Nacional de Matemática, o Projeto Nacional de Leitura e o Projeto Nacional de Ensino Experimental das Ciências. (...) ...nós tínhamos esses três projetos, fazíamos a coordenação deles em toda esta região. A Escola Superior de Viana fazia na zona de Viana; a Escola Superior do Porto... na zona do Minho, por influência da Universidade do Minho, éramos nós. Então, tínhamos formadores, professores universitários, que formavam formadores que, pela sua vez, esses formadores trabalhavam com os professores nas escolas. Mas, não era só fazer formação, observavam aulas... havia intervenção. Não era só a

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cascata em termos de formação. (...) Era um modelo em cascata, mas era um bocado de cima para baixo e de baixo para cima. E funcionaram muito bem. Tiveram um grande impacto porque foram ao nível nacional. (...) o modelo em cascata bem aplicado, bem utilizado tem muitas potencialidades. Agora, é como tudo na vida, é o como fazemos, é a questão da organização que é importante, não é? Depois é a questão de todos os dispositivos que se utiliza para acompanhar o projeto.

- JORNAL PROCUR: Outro dispositivo que nós utilizamos e que também foi muito importante foi o jornal. Portanto tínhamos um boletim, um jornal, chamava-se “Folha Informativa PROCUR”. Eu tenho aí todos os exemplares da Folha que era feita pela equipe de coordenação, mas a Folha servia para quê? Servia para, de alguma forma, criar o sentido da rede, não é? Porque a Folha era distribuída a todos, era trimestral...trimestralmente saía uma, tinha um editorial que era eu que escrevia sempre, a coordenadora, e depois tinha várias seções. Tinha a seção em que as equipes apresentavam e falavam dos seus projetos. Porque havia uma pessoa na coordenação que era encarregada do editorial e, então, contatava com as equipes para que lhes mandassem uma síntese, ou desenho do seu projeto, ou a avaliação do projeto. Depois tinha uma parte que era dos alunos. Tinha outra parte que era para dar informações sobre encontros, sobre, enfim... Tinha outra em que se ia fazendo a avaliação do projeto... Portanto, era também um elemento de criar a tal comunidade que era a ideia de COMUNIDADE PROCUR que nós designávamos assim, quando ainda não se falava de comunidades de aprendizagem... é engraçado... nós já tínhamos uma comunidade de aprendizagem de formação, que chamávamos de COMUNIDADE PROCUR. Que tinha a sua identidade, os professores diziam: “eu sou do PROCUR”. Sentiam que faziam parte de algo que os unia e que lhes dava alguma identidade. Fundamentalmente eram esses os dispositivos. Havia outros, mas esses eram os que tinham mais impacto, ou seja, a formação, o jornal, o acompanhamento, a supervisão, a investigação-ação, as equipes terem responsáveis, que eram com quem nós dialogávamos e os encontros.

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APÊNDICE F – Quadro 6 – Entrevista com E6 – Posicionamentos em destaque.

O FORMADOR COMO “APOIANTE” DO FORMANDO: quando hoje, por exemplo, olho pro trabalho de E4 e vejo E4 e aquele grupo de professores eu digo, e tenho dito a ela, "isso era aquilo que eu queria fazer nos anos 80", só que nos anos 80 as pessoas ainda não estavam maduras para isso. (...) fico contente por ver que E4 enveredou por aí e E1 também enveredou por aí. Portanto, as minhas experiências, as minhas investigações em termos de colaboração são um bocado diferidas, ou seja, estão a ser feitas mais pelos meus alunos do que propriamente por mim, que papel é que me cabe aí? Cabe-me o papel mais de conceptualizadora e de apoiante deles para a realização desses projetos de colaboração.

ESCOLA REFLEXIVA: minha ideia fundamental é de que os professores são fundamentais para dar volta ao ensino, não os professores sozinhos, mas os professores a colaborarem uns com os outros, e o ambiente da escola é muito importante para que isso possa acontecer, daí também a minha ideia de escola reflexiva.

REFLEXÃO EM GRUPO SOBRE A PRÁTICA: Nos anos 90 saiu a legislação sobre a formação contínua em que as universidades já podiam fazer e as escolas também podiam fazer, mas num primeiro momento foi muito centrada nas universidades. E aí eu propus dois cursos. Um era aqui centrado na universidade sobre a avaliação dos alunos no contexto da disciplina de inglês com uma equipa aqui da universidade, mas era a universidade que oferecia, não funcionou porque não tivemos número suficiente de inscrições, e aí já havia créditos. As pessoas diziam, "ai não, não estamos para fazer esse curso, que essa coisa da E6 é muito puxado, muito exigente, não estamos pra isso. Preferimos fazer os que são oferecidos nas escolas e que são menos exigentes. Mas houve um que foi organizado pelas escolas, mas que a formadora fui eu, e aí estive a formar-lhes e correu muito bem. Por que que essas pessoas vieram? Essas pessoas vieram por um lado porque era a E6 mas, sobretudo, porque era um curso inovador para altura, porque era um círculo de estudos. Ou seja, não era um curso teórico, era um curso em que eu não ia às escolas, mas eu punha as pessoas em círculos de estudos, em círculo de reflexão, a refletir sobre o que se passava nas escolas, com algumas experiências de observação de aulas que as pessoas depois traziam para fazer análise do discurso da aula e as pessoas gostaram muito.

PARCERIA UNIVERSIDADE E ESCOLA: P1: E a senhora acredita então, por exemplo, que os trabalhos de formação são melhores quando eles têm parceria com a universidade? E6: Eu não sou assim tão categórica. Eu digo que em princípio sim, porque a universidade traz a dimensão da investigação, não é? E a dimensão da investigação ajuda. Agora, pode haver coisas em que a universidade só traz uma componente muito teórica, e aí não ajuda. Por outro lado, nas escolas hoje em dia em Portugal já temos muita gente que fez mestrado e até doutorado e, portanto, já tem a dimensão da investigação. Portanto, aceito que possa haver grupos só nas escolas que façam um bom trabalho. E agora, o ideal pra mim é realmente cruzar os dois até porque as pessoas da universidade estão em contato permanente com a atualização, têm que estar, não é? Têm que estar atualizadas, e, portanto, podem trazer mais inovação para as escolas.

CONCEITO DE SUPERVISÃO: a partir de determinada altura, no meu pensamento muito cedo, mas era só eu a falar nisso, comecei a achar que supervisão não deveria ficar confinada à formação inicial, mas devia fazer parte do desenvolvimento

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profissional dos professores. E, portanto, a formação contínua e sobretudo a formação, mas o desenvolvimento profissional nas escolas, mesmo que ao nível informal, devia ter muito esta componente de supervisão entre pares. E sempre defendi também a auto-supervisão, portanto, a supervisão que a própria pessoa faz de si, e essa supervisão que a pessoa faz de si tem muito a ver com a reflexão. Depois, progressivamente, eu fui alargando o conceito de supervisão e hoje em dia pra mim a supervisão abarca também a supervisão institucional, ou seja, um bocadinho na vossa linha do coordenador pedagógico na escola. Acho que a escola como instituição tem que, por um lado, inculcar na vida de todos e na cultura de todos, que todos são supervisores: supervisores de si próprios e supervisores uns dos outros. Mas deve ter aos vários níveis da escola, portanto, nas gestões intermédias, pessoas que têm um perfil especial e uma responsabilidade especial de fazer supervisão.

FUNÇÃO DO SUPERVISOR: ...o que é fazer supervisão? Fazer supervisão é orientar a atividade de forma que ela vá ao encontro dos objetivos, não é? E, portanto, é fazer a monitorização da atividade. Eu acho que um diretor de turma também tem a obrigação de fazer a monitorização do que acontece na turma. Agora, não vou dizer que o diretor de turma é um supervisor, vou dizer que o diretor de turma é o diretor de turma, mas que nas funções de diretor de turma tem um momento de supervisão.

PAPEL DO SUPERVISOR: eu não acho que o supervisor da escola tenha que fazer muitos cursos, não tem que fazer cursos. Tem é que andar pela escola, tem que captar interesses de determinados grupos, tem que fomentar aqueles para que se formem, tem que dar o apoio na formação também mas, fundamentalmente, seu papel é dinamizar comunidades, dinamizar as sementinhas que estão lá na escola e articular todos esses focos de desenvolvimento profissional, de melhoria da qualidade, pra articular isto tudo no contexto escola.

A LEGISLAÇÃO COMO SUPORTE PARA A SUPERVISÃO: ...a legislação ajuda bastante a mudança das culturas. Até porque aqui os que querem exercer supervisão numa determinada lógica, se for a lógica da legislação, têm o suporte legislativo pra exercer o ensino.

CONTEXTUALIZAÇÃO: ...disse uma coisa interessante que é... que acha que tem que ser contextualizado. A reflexão, a colaboração e a contextualização são três aspectos, pelo menos, importantes. Ou seja, há a diretrizes, mas as diretrizes têm que ser contextualizadas na escola, elas não podem ser contextualizadas se não refletirem e a reflexão deve ser em grupo, portanto, deve ser colaborativa.

ASPECTOS DA VIDA PROFISSIONAL: porque eu acho que a experiência de vida influência muito as nossas concepções, eu vou lhe contar, assim, muito rapidamente alguns aspectos da minha vida profissional pra conseguir depois encaixar. P1: Perfeito. E6: Eu, antes de ser professora aqui na universidade, fui professora numa escola do ensino secundário, em várias escolas do ensino secundário, correspondendo ao vosso ensino médio. Comecei a lecionar quando ainda não tinha feito estágio pedagógico, na altura em que a gente podia começar sem ter feito estágio, tive dificuldades, obviamente, no primeiro ano, mas senti que nesse ano os meus colegas mais velhos me tinham dado um apoio muito grande. Nomeadamente, lembro-me de uma experiência muito interessante que era... alguns colegas mais velhos considerados muito bons professores naquela escola, que abriam as suas aulas para os colegas mais novos poderem observar e depois discutir. Experiência que me marcou. Depois, passado 1 ou 2 anos, eu fiz o estágio pedagógico com um grupo de

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colegas muito bom também e com um supervisor, um metodólogo sensacional, que também me marcou. E também trabalhávamos muito em equipa, portanto, aí também a ideia da marcação da equipa é importante. P1: Isso antes de se formar? Antes de estar formada? E6: Não. Eu fiz uma licenciatura em línguas e culturas, uma licenciatura de 5 anos, mas não era de formação de professores. E, portanto, com essa licenciatura eu podia dar aulas, mas a certa altura eu quis mesmo enveredar para a profissão de professora e, portanto, fiz o estágio pedagógico com esse tal metodólogo e esse grupo de colegas muito bom. E começou-me a interessar para além, enfim, da didática, das línguas, que era aquilo do que eu era professora, começou-me a interessar outras coisas mais vastas de educação e até de formação de professores. E tive oportunidade de fazer um mestrado nos Estados Unidos. E quando vim dos Estados Unidos fui convidada aqui para universidade para trabalhar nos cursos de formação de professores. E logo a minha ideia, talvez porque eu viesse do secundário, foi que a universidade deveria trabalhar muito a imigração com as escolas. Isto é pra situar já em termos da colaboração, muito a imigração com as escolas. E como sei, eu também tinha tido algumas experiência de supervisão, orientação de estágios, e comecei a querer aprofundar essa questão e, portanto, fiz um doutoramento na Inglaterra sobre supervisão. A questão era, "como formar professores de inglês?", porque inglês era meu conteúdo de ensino. E aí, também, a maneira como realizei o doutoramento foi muito de uma lógica de ir para o terreno e ir trabalhar com meus alunos, eram meus alunos aqui da universidade que estavam a fazer a disciplina de didática do inglês, mas o projeto... não numa disciplina teórica mas numa disciplina prática, envolvendo-os logo a fazer experiências de ensino. Quando acabei o doutoramento e comecei a pensar, a estruturar a investigação, a universidade aqui estava a começar, portanto, nós estávamos a começar tudo de novo, a minha ideia foi realmente fazer um projeto grande com professores das escolas. E aí encontrei a dificuldade ou parte da dificuldade, de que o E1 lhe falou, que era... os professores naquela altura, estamos a falar dos anos 80, eles queriam e não queriam. Eles queriam porque isso era inovação, enfim, era posto, considerados como intelectuais mas, por outro lado, não queriam porque não recebiam nada por isso, não tinham nenhuma vantagem em termos de carreira e, portanto, alguns poucos começaram, mas progressivamente foram deixando.

MUDAR A CULTURA: Essa questão como está a por, créditos ou não créditos, no fundo é essa a questão, eu também tenho dúvidas, porque por um lado eu acho legítimo que a pessoa que se vai valorizar a fazer um curso ganhe algo em troca. Portanto eu em princípio até concordo com os créditos. Mas eu reconheço que na cultura dos professores e de outros profissionais, não é só dos professores, há muita gente que só vai pelo crédito, portanto, o que a gente tem que tentar é mudar a cultura. Agora se me perguntar "como é que muda a cultura?", mudar culturas é uma coisa muito complicada. Eu acho que a gente vai mudando lentamente, fazendo coisas que as pessoas reconhecem que tenham valor independentemente dos créditos.

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APÊNDICE G – Quadro 7 – Entrevista com E7 – Posicionamentos em destaque.

- FUNDAMENTOS DA FORMAÇÃO: a importância de haver clareza sobre o que é formar professores. O que é isso? O que se pretende? Que teorias tem como fundamento? Que metodologias e estratégias são eficazes para a sociedade em que ela ocorre?

- FORMAÇÃO INICIAL: a referência dos professores que atuam na formação inicial é a especificidade da sua área (Psicologia da Educação, Currículo, Didática, Metodologia,...). Aqui há um problema de raiz: na formação inicial, a formação dos professores não é tomada como um objeto de trabalho. O objeto de trabalho e a identidade profissional é a docência no ensino superior.

- FORMAÇÃO INICIAL: a maioria dos professores não compreende a formação dos professores como um campo de trabalho específico. Ela é um campo que é somatório do trabalho dos psicólogos da educação, dos curriculistas, dos didáticos, dos historiadores e, por acaso, na cabeça dos formandos, que eventualmente serão professores, eles vão fazer a mistura disso e serem professores, mas não há teoria nenhuma da formação.

- FORMAÇÃO CONTÍNUA: no caso da formação contínua, não há nada que unifique, que agregue os formadores em nenhuma instituição. Geralmente, os formadores de professores na formação contínua são professores, que têm alguma experiência, algum conhecimento, às vezes nem muito bem reconhecidos. Outras vezes, são profissionais de outras áreas (psicólogos, fonoaudiólogos, administradores, historiadores, sociólogos,...) que fazem formação nas horas vagas para complementar a renda salarial.

- COMPONENTE IDEOLÓGICO: há pelo menos duas grandes perspectivas da formação que devem ser objeto de reflexão de todos os que com ela se envolvem – a formação do profissional e a formação do técnico. Se o que queremos é uma educação com professores que são autônomos e responsáveis, capazes de adequar o ensino aos diferentes contextos, às políticas nacionais, de forma profissional, respeitando naturalmente o currículo que é nacional, fazendo com que as suas práticas de sala de aula, as suas práticas de escola, sejam diferenciadas de acordo com os contextos, trabalhando diferentemente com os alunos para que cheguem às mesmas metas... Ou se o que se escolhe, do ponto de vista ideológico, é de fato um professor que é um técnico, que sabe de métodos, mas que não questiona as políticas educativas. Há uma grande confusão em sobre a formação de professores: é que discursivamente optamos pelo profissional, na prática optamos pelo técnico.

- TEORIA SEM PRÁTICA: há muita gente discursando sobre a formação. E discursando bem. Entretanto, essa gente que discursa não tem nem as responsabilidades, nem as pertenças institucionais, nem os interesses de quem está nas práticas, seja no ministério da educação seja na sala de aula.

-DILEMA DE FORMAÇÃO: quando se coloca em pauta a questão da optar entre uma formação profissional e uma formação técnica, há uma grande ilusão: nunca se vai estar numa posição em que possa ser tão clara e tão precisa, tão rigorosa que permita formar apenas profissionais ou apenas técnicos. Em geral, a situação exige a conciliação de coisas diversas.

- MODELOS DE FORMAÇÃO: existem modelos que propiciam e, de certa maneira,

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inibem, pela sua própria natureza, o aparecimento de estruturas e de comportamentos tecnicistas, e outros que desenvolvem exatamente o sentido profissional... o profissionalismo do professor.

- FORMAÇÃO PELA INVESTIGAÇÃO: uma formação que se baseia na investigação, isto é, que se baseia no olhar à realidade (observação, analise à luz de teorias, de quadros de referências teóricas, ideológicas, científicas e pedagógicas) e, em conformidade com o que encontra, permita decidir o que fazer, contribuiu para uma formação de caráter profissional, tornando difícil a propagação de comportamentos tecnicistas.

- METODOLOGIA INVESTIGATIVA: não quer dizer que os professores têm que fazer investigação científica, têm que ser investigadores. Eles devem aprender a ter as características que o investigador tem que ter: saber observar a realidade, questionar a realidade à luz do que sabe, do que leu, do que a teoria a demanda, interrogar sobre isso, analisá-la em função da literatura e tomar decisões sobre o que fazer, como fazer, e como avaliar o que se fez. Isso é o que nós aprendemos quando fazemos investigação. É competência transversal que se aprende. Quando os formadores adquirem essa competência transversal, acaba havendo quase que um “boicote” em relação a qualquer tentativa de ação com base na tecnicidade. E os formandos acabam por serem dotados de uma ética que é própria da investigação: quando investigo, não investigo por qualquer coisa, investigo porque quero mudar alguma coisa. Não se pode alimentar a ideia de que formar na atitude investigativa é a mesma coisa que formar investigadores. Não é. Os investigadores são pessoas que querem predominantemente saber mais, ter mais conhecimento, criar mais conhecimento, criar, fabricar conhecimento. Um professor com uma atitude investigativa o que quer saber é como é que se intervém melhor. É uma coisa diferente, se bem que pra intervir melhor é preciso saber mais. E, sobretudo, é preciso saber olhar para a realidade.

- CONDIÇÕES DE TRABALHO DO FORMADOR: devem ser distintos dos professores, não podem ser pares (“santos de casa não fazem milagres”). Uma forma de marcar a diferença é o salário. Devem ter horários de trabalho adequados à função, não pode ser um horário de trabalho como o dos professores/coordenadores, por exemplo. Se esta cadeia se mantiver, será quase inconcebível que uma pessoa formada desta forma proponha aos professores formações que não tenham interesse pra eles.

- DESVALORIZAÇÃO DA FORMAÇÃO: a formação de professores atualmente é massificada e, portanto, é muito mais cara, é pra todos, é uma coisa generalizada. E onde é que se vai abaratar o sistema? Na preparação do professor. Uma educação pra todos custa dinheiro, mas não se faz abdicando nem da exigência do conhecimento científico do conteúdo, portanto a formação excelente em física, matemática, português, seja lá o que for, e uma formação também excelente do ponto de vista pedagógico que obriga a que a formação não faça economia, não faça poupança nos gastos que uma formação dessa natureza envolve, porque formar o professor numa perspectiva investigativa é muito mais caro do que formar um técnico que vai dar aulas.

- DUPLA TRANSITIVIDADE: mantém-se a ideia de que se eu souber de culinária, eu sou provavelmente um bom professor de culinária; se eu souber de história, provavelmente vou ser uma boa professora de história. Não se percebe que não é a mesma coisa. Nesta lógica, entende-se que para termos bons professores de matemática deve-se exigir que sejam sábios em matemática. Absolutamente. Têm

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que ser sábios em matemática, mas têm que ter mais uma outra dimensão profissional que os separa dos matemáticos, que é a formação profissional para serem professores de matemática. Porque não basta eles saberem pra saberem ensinar, é essencial, mas não é condição suficiente.

- INCOERÊNCIAS DA FORMAÇÃO: como é que um sistema que quer que os professores sejam profissionais, admite que os seus formadores não o sejam. Como é que isto faz sentido?

- CONDIÇÃO PARA A FORMAÇÃO EM CONTEXTO: é preciso refletir sobre a bondade da formação contínua feita no local, pelos pares, na socialização uns com os outros. É muito importante a socialização, mas esta socialização tem que ter um ponto prévio que é: os profissionais que estão a socializar devem ser de boa qualidade. Quando somos todos péssimos, não pode haver uma coisa boa. Na perspectiva das teorias da formação de adultos, a formação deve ser feita no trabalho, no contexto, na realidade. Só que ela não dota, não dá aos profissionais que lá estão profissionalismo, se ele não tiver sido adquirido.

- O PAPEL DO COORDENADOR: se os profissionais que estão na escola não são bons, são todos uns técnicos, por muito que socializem não vão formar-se, pelo contrário, estão permanentemente deformando-se. Portanto, a formação no futuro deve ser vista, não na perspectiva de multiplicar, dos coordenadores para os professores, mas os professores entre si. Antes, porém, temos que ter formação dos professores que individualmente os prepara. Isto é, não parece que apostar na socialização e no contexto e na formação na escola seja uma boa ideia. A menos que a formação da escola seja feita pelo coordenador da escola.

- CONHECIMENTOS QUE EMBASAM A AÇÃO DO COORDENADOR/FORMADOR: os coordenadores têm que ter um conhecimento, uma discussão, uma posição clara sobre quais são os fundamentos da profissão docente; quais são os fundamentos da formação desses profissionais que constituem a profissão docente? Ou seja, aquela questão de em que modelo é que estamos a funcionar? Que valores, que ética, que orientação é que nós vamos dar a estes professores? E depois naturalmente ensinar-lhes as coisas técnicas que eles têm que saber. Sejam métodos de ensino, de avaliação, teorias curriculares, didáticas e, na base disso, um conhecimento aprofundado do que têm que ensinar, seja a leitura, seja a escrita, seja ciências naturais, seja matemática ou outra coisa qualquer...

- FORMAÇÃO E SELEÇÃO DO COORDENADOR/FORMADOR: o coordenador/formador tem que ser muito bem formado e muito bem selecionado. Nem todas as pessoas deverão poder ser coordenadores/formadores. Não é bastante ser bom professor pra ser coordenador/formador. Talvez até nem seja essencial. O que ele precisa é ser formado para ser um bom coordenador/formador e consiga fazer aquilo que um bom professor faz com seus alunos: motivá-los pra aprender coisas chatas. Um bom professor consegue que os alunos tenham paixão por uma coisa que ele também tenha paixão, mesmo que seja fictícia, que seja didática, teatral. Cabe ao coordenador/professor propor coisas que sejam aliciantes como, por exemplo, conhecer a realidade. Haverá professores formandos que se envolverão 100% com essa proposta, mas também aqueles que se envolverão a 70% e, quem sabe, até 50%. Mas, não se deve ter a pretensão de catequizar e evangelizar, estamos formando profissionais, não estamos catequizando-os e castigando quem não se comporta bem.

- CONHECIMENTO PROFISSIONAL: o conhecimento profissional não transforma

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apenas a ação profissional. Aliado a outras experiências do cotidiano, ele transforma a pessoa. Os professores que participaram do grupo de formação IRA (Investigação, Reflexão e Ação), sentiam que era importante ter estado naquele espaço de formação, sentiam que aquele tempo não se tinha perdido, não era em vão, a pessoa estava diferente, a pessoa. E é isso que queremos porque a pessoa diferente não consegue fazer as mesmices que não têm sentido.

- CONVÍVIO COM OS PARES: os professores que participam de um processo formativo com princípios de reflexão, autonomia, responsabilidade, etc., sentem dificuldade de conviver com aqueles que não partilham de tais princípios. Nesta situação, a sala dos professores pode tornar-se um espaço insuportável, tal como relata uma das professoras que participou do IRA: “Ai, eu agora quando estou na escola, é um massacre, eu não consigo entrar na mesquinhez da sala dos professores. Elas só falam de coisas inúteis, de futilidades, eu não consigo, eu não consigo. Eu às vezes fico a pensar, mas tu estás com mania elitista, não podes ser elitista, tu tens que ser menos elitista. Mas, não consigo, eu não aguento a mesquinhez da sala dos professores.”

- QUANTIDADE DE FORMANDOS POR TURMA E OS LAÇOS AFETIVOS: o formador tem que “manipular” os sujeitos. Tem que os apaixonar, tem que os motivar, tem que os interessar, tem que trabalhar neste reino emocional. Paixão pela formação, ou paixão por ter bons professores ou paixão por ter bons alunos. Isto é difícil ocorrer numa formação para 200. É relativamente mais fácil quando nós temos 20. Num dia se aproximam 5, no outro dia são outros 5, no outro dia são outros 5... nunca são os mesmos e vamos criando laços afetivos que são essenciais para o êxito do trabalho. O melhor seriam grupos até mais restritos porque o grupo de professores é formador. É se for pequeno, se for próximo, e não há proximidade quando o grupo de professores, por exemplo, é de 30.

- LIDERANÇA COMPARTILHADA: no caso da formação, há uma parte que tem que ser garantida, a proximidade do formador com o formando. Quando há essa proximidade até a pessoa que é pivô na formação deixa de ser formador. Ela é apenas a gestora do processo e, verdadeiramente, o que se passa à volta dela é que é importante. É a ajuda que os grupos se dão porque é propiciada por ela que atua como mediadora, permitindo que as trocas se façam.

- O TRABALHO COLABORATIVO: Os professores foram “fabricados” na formação inicial e na tradição da escola como pessoas que têm que saber, não se enganam, não podem ser ignorantes e, portanto, são perfeitos. Para isso fecham a porta para que ninguém veja o que eles fazem, e ficam na sua sala. A colaboração não se faz com pessoas assim. A colaboração tem que se fazer com pessoas abertas, com pessoas que são capazes de assumir que erram, fazem disparates, são normais, e têm buscar melhorar. Não se pode colaborar por imposição (porque está na moda, por exemplo) nem por conveniência (eu colaboro contigo tu dás-me o teu texto eu dou-te o meu texto, tu falas de um autor, eu falo de outro autor), pois esta seria uma formação egoísta, não seria desenvolvimentista. A colaboração tem que partir de objetivos comuns: pessoas que querem fazer uma escola, isto é, dos alunos que frequentam a escola, os melhores alunos que imaginar se possam, e fazer de tudo o que estiver ao seu alcance para isso...

- ATITUDE INTERROGATIVA: a atitude interrogativa não é julgadora. Quando se interroga, não deve haver julgamento. O objetivo da interrogação é compreender a ação e não julgar se aquilo é sábio ou tolo. É uma atitude muito mais aprofundadora do conhecimento.

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- A FORMAÇÃO DO FORMADOR: a formação dos formadores é absolutamente crucial e precisa tonar-se institucional. Contudo, contra a ideia de que se devem formar formadores vêm argumentos que dizem que se nós formássemos formadores de professores, também tínhamos que formar formadores dos formadores de professores. E quem os formaria? Essa argumentação é desenvolvida para convencer-nos de que não vale a pena formar o formador.

- PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO: a essência da profissão docente tem que ser discutida para que seja possível saber como modificar a formação. Quando formamos o profissional e esquecemos de discutir com ele o que acha que é ser professor, estamos a dar asas para que haja profissionais que acham que o seu trabalho não é educar, é ensinar matemática; ou que acham que é educar ensinando matemática; ou, ainda, que acreditam que é ensinar matemática e por causa disso, educa-os. São perspectivas diferentes. A profissão tem que discutida. Tem que se discutir a formação, tem que se descobrir as metodologias e, de fato, um formador tem que lidar com isto profissionalmente.

- Quando se coloca um professor para aprender com um profissional que não tem por fundamento a formação de professores, por exemplo, quando um informático vai ensinar novas tecnologias a professores, não se está promovendo uma formação, mas o ensino de algo prático a uma pessoa adulta (o uso do correio eletrônico, de uma plataforma tal, de um sistema X,...). Isto porque o princípio não é mudar os professores, e com os professores a escola, e com a escola o ensino, e com o ensino obter melhores resultados com os alunos.

- Os manuais/livros didáticos ajudam a deixar o professor dócil, domesticado. As orientações curriculares são traduções de programas, quer dizer, há um programa e depois há uma tradução em orientações curriculares do programa e depois ainda há uma ação na escola para orientar os professores, como se os professores fossem analfabetos e não tivessem uma formação profissional, o que os desobriga de serem responsáveis e autônomos. Mas aos professores também convém isto. Eles também gostam de não serem autônomos e não terem responsabilidades, portanto, a situação conjuga-se.

- Quando a gente põe isso em termos discursivos e teóricos, estamos a iludir uma coisa que é: nunca vai estar numa posição em que possa ser tão clara e tão precisa, tão rigorosa que diga: eu quero formar profissionais ou eu quero formar técnicos. Provavelmente vai estar numa situação em que tem que conciliar coisas diversas porque não vai ter dinheiro, não é autônoma no dinheiro, não é dona do sistema, por aí afora...

- O Brasil está numa fase de grande desenvolvimento e de grande implicação da educação. Eu diria que vocês estão neste momento como nós estávamos nos anos 90 e isso é muito bom e tem que ser aproveitado. Onde é que eu acho que nós tendo tido essa possibilidade não aproveitamos? É que a formação, tendo estas coisas boas e nós tendo essas competências para agir, não foi entendido como um campo de trabalho que tivesse por trás uma teoria formação. Mais uma vez, não tinha. E verdadeiramente os governos que nós vamos tendo, entre tantas coisas importantes que têm pra decidir, a educação é para eles algo que é sempre muito importante da boca pra fora, porque é a base... mas, não é propriamente onde eles querem investir porque não se vê qualquer espécie de retorno imediato do ponto de vista econômico.

- Os professores que fazem o mestrado costumam ser rejeitados nas escolas porque acham que eles sabem demais. O ministério não os valoriza e, como são em número

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menor, acabam por serem marginalizados (os colegas acreditam que ele se julga um perito, um sábio, um cientista,...). Nessa lógica acabam por ficar isolados. Os poucos que foram utilizados para a formação não tiveram condições de fazê-la com os seus pares na escola porque os professores não lhes reconhecem como formador. Não lhes reconhecem porque não querem reconhecer e porque ele será incômodo. Por isso, não os querem. Esses mestres até conseguem entrar na formação contínua, mas nesta formação contínua mais formal, mais escolarizada, mais de sala de aula, e que também não funciona, além de deixá-los tristes, frustrados. Muitos retornam à academia para o doutorado, o que parece natural. O que não é natural é o motivo que os leva a essa continuidade: fazer o doutoramento não pela lógica da instituição do ensino superior, não para progredir na investigação, para produzir conhecimento,... mas na lógica de fugirem à mesquinhez mental e profissional da escola e, portanto, procuram no doutorado um espaço de reflexão, um espaço de questionamento, um espaço de desenvolvimento pessoal.

- EFEITOS INDESEJADOS DE UMA FORMAÇÃO: há professores que acabam desenvolvimento uma ideia de que, porque participam de um grupo crítico-reflexivo que lhes proporciona alcançarem resultados melhores, são bons e têm uma coisa boa para dar aos outros. A formação não se faz por essa por essa via. Ficam como se fossem portadores de uma boa nova e, portanto, fossem especiais. A lógica da investigação é de outra natureza. Ela pressupõe entender os motivos que levam o outro a atuar deste ou daquele modo. “Porque que tu fazes assim?” Isto é diferente de dizer “eu sei como é que tu deves fazer”. Quando eu pergunto, “por que tu fazes assim”, eu aprendo, porque é uma maneira diferente de ver a coisa, e então posso ensinar. “Ah, eu não faria assim, eu faria assim, porque isto é...” Desse modo, há troca, há diálogo, há partilha, e aí há colaboração.

- A FORMAÇÃO COMO INVESTIMENTO: os formadores devem ser profissionais da formação. A formação é hoje um campo de trabalho que tem que ter profissionais. A formação profissional fora da escola já pensa assim, já pensa a formação como investimento, um banco pensa a formação como investimento e trabalha com os formadores. E se o formador não fabricar bons formandos, nunca mais vai fazer formação no banco. Se um formador é contratado para ensinar os formandos a trabalhar com cheques e eles não aprenderam, aquele formador não atuou bem. Portanto, o que acontece é que há uma pressão avaliativa sobre o formador que o obriga a fazer formação profissional. No caso dos professores, isso não acontece. Porque eles não são responsabilizados, eles formadores, não são responsabilizados pelo trabalho que fazem.

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APÊNDICE H – Quadro 8 – Entrevista com E8 – Posicionamentos em destaque.

- FORMAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO: ...como uma formação de adultos profissional tem área específica, própria e tal... mas encarando os professores como uma caso particular de educação e da formação de adultos. Nesse sentido, a maior parte das aprendizagens que nós fazemos são de natureza não formal, quer dizer, em relação aos próprios professores, eles começam... quer dizer, o processo de formação e de aprendizagem confunde-se sempre com um processo de socialização.

- FORMAÇÃO E IMITAÇÃO: os professores começam a formar-se como professores enquanto alunos da escola. Até porque, muitas vezes, quando começam a dar aulas retomam como modelos ou têm exemplos que querem imitar.

- MODALIDADE COLABORATIVA DE FORMAÇÃO: ...sou favorável a modalidades colaborativas entre a administração ou entre as escolas de formação de professores e os professores que estão no terreno, no sentido de ir confrontando pontos de vista mas, por referência, a problemas que os professores têm.

- PROJETO ECO (ESCOLA-COMUNIDADE): Um dos grandes projetos em que eu participei, como coordenador de uma equipa, foi no projeto ECO. ECO significa Escola-Comunidade, que era desenvolvida numa Aldeia, num Conselho Rural. E, portanto, havia uma equipa de formadores que eu liderava e que se relacionava com uma equipa que juntava todos os professores num Conselho (professores, educadores de infância, animadores culturais que vinham no conselho, educadores de adultos,...). Nós construímos aqui uma equipa que, em princípio, os destinatários deveriam ser apenas estes, os professores, mas como na nossa perspectiva era preciso fazer uma intervenção integrada naquele território e atuar de maneira diferente a relação entre a escola e a comunidade, nossa finalidade primeira era descentrar os professores da escola e das suas práticas. Quer dizer, fazê-los ver os problemas que eles sentiam, de outra maneira, pra ter um filtro que era a comunidade local: quem eram os alunos, do que que eles gostavam, as famílias o que é que faziam, realizar trabalhos de pesquisas em torno de questões locais, etc.

- PROPÓSITO DA FORMAÇÃO: A formação consiste em posicionar problemas e mobilizar recursos, é fazer projetos, ou para as escolas e para os alunos, e fazer a avaliação disso.

- PAPEL DO FORMADOR: A minha concepção em relação à formação contínua de professores é de que as aprendizagens se fazem na ação. E, portanto, o papel do formador é um de ser um mediador entre recursos que existem, coisas que ele sabe, em que possa ajudar ou a construir projetos ou a responder problemas ou a perguntas.

- PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO: Nossa perspectiva sempre foi a de, em vez de dizer aos professores o que eles deviam fazer, interrogá-los sobre o que é que os alunos faziam e porquê e o que é que seria interessante que os alunos fizessem. (...) Tudo isso se traduziu numa maneira diferente das pessoas olharem para aquelas comunidades e para aqueles alunos, que eles viam sempre de uma maneira altamente desvalorizada. Quando nós íamos falar com eles, ao princípio, o que eles nos diziam era que resolvêssemos os problemas que eles tinham como professores, porque os alunos não gostavam de estudar, os pais eram analfabetos, toda uma visão absolutamente descontextualizada.

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- FORMAÇÃO EM CONTEXTO: ...nós conseguimos sempre tentar fazer coincidir a formação com o próprio exercício do trabalho.

- FORMAÇÃO POR PROBLEMATIZAÇÃO: nós tentávamos que as reuniões de formação não fossem informativas, mas sim que problematizassem o que que as pessoas faziam, que dificuldades é que encontravam no terreno e como é que eles podiam encontrar respostas. E seguimos avaliando isto. Por vezes, nós identificávamos determinados assuntos, que eram determinados temas específicos, por exemplo, a utilização de (dispositivos) na sala de aula. Havia uma pessoa que sabia fazer isto, fazia uma formação destas para todos, em que isso era apresentado e um deles era o formador ou nós. Mas, pronto, isso era com temas que ali surgiam do próprio cotidiano, das intervenções.

- RESPONSABILIDADE DA FORMAÇÃO: ...a nossa ideia é que as escolas que fazem a formação inicial devem ser as mesmas que fazem a formação contínua. É aquilo como está na sua prática...

- PRESSUPOSTOS DA FORMAÇÃO: ...os pressupostos da formação são sempre estes, não é? Os da formação a partir de problemas e a formação na ação. E, portanto, encarar a formação contínua como um processo de socialização dos professores e não um processo de debitarem informação.

- CRÍTICA À FORMAÇÃO OFERECIDA COMO UM MENU: Nestes Centros de Formação delimitavam-se os centros comunitários para financiar projetos e criavam uma oferta para os professores das suas escolas. É claro que essa inovação teve futuros muito diferentes consoantes aos contextos porque, na maior parte, em muitos casos, o que aconteceu é que os Centros de Formação faziam, perguntavam às escolas que necessidades de formação é que tinham. Recebiam temas, iam à procura de formadores que dessem aqueles temas e, portanto, devolviam um menu de ofertas formativas. E aquilo que nós defendíamos era tentar transformar a doação entre os Centros de Formação e as escolas e os professores na base do trabalho da formação na ação e do trabalho do projeto.

- INTERVENÇÃO INTEGRADA: ...o projeto nas escolas rurais foi se desenvolvendo numa lógica em que se passou do problema do isolamento, porque nós pensávamos que os professores estavam isolados,... o problema era o isolamento dos professores. Passamos a uma segunda fase em que nós consideramos que eram as escolas que estavam isoladas. Portanto, isto aqui a seguir não era só para juntar os professores, era para por em comunicação as escolas, umas com as outras. O grande problema destas escolas e do contexto era das comunidades isoladas, que são comunidades rurais, em zonas onde tendem a diminuir a população e, portanto, o trabalho do projeto das escolas rurais, sendo um trabalho que tinha como finalidade promover a formação contínua dos professores, representava de fato uma intervenção integrada em um mundo rural. (...) Lembro-me que com esse trabalho com as escolas nós passamos a encarar o trabalho da formação de professores como um trabalho de intervenção da comunidade.

- FORMAÇÃO A PARTIR DA PRÁTICA – CENTRADA NA ESCOLA: ...fomos discutir de que modo é que a escola se podia relacionar com essa questão da exclusão social e o que é que isso tinha a ver com a formação de professores. Mas, a perspectiva é sempre a mesma. Não um esquema de racionalidade técnica, que é “primeiro aprende-se e depois faz”, mas sempre aprende-se a partir daquilo que se questiona e do que se faz e aprende-se fazendo. (...) Em toda parte a formação que se faz em relação aos professores normalmente tem tendência a ser uma formação

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escolarizada. Portanto, o que está subjacente a estes três estudos é uma educação não escolarizada dos professores, portanto, que seja construída a partir de problemas postos pela prática dos professores. Isso o obriga a desenvolver trabalhos de projetos. Também não implica que não se possam fazer suas temáticas sobre determinados temas, porque nós pensamos que é importante que haja na formação. Mas é um trabalho totalmente diferente de fazer apenas um menu, um catálogo das ações de formação. (...) uma das ideias fundamentais era a ideia da formação centrada na escola, em vez de ser centrada nos conteúdos a transmitir ao professor pela disciplina ou aos professores das turmas.

- FORMAÇÃO “A LA CARTE” (DO TIPO MENU) X FORMAÇÃO CENTRADA NA ESCOLA: ...agora a questão é que estamos numa posição entre a formação "à la carte", do tipo menu ou a formação que visa responder problemas reais, que se colocam no terreno nas escolas.

- A FORMAÇÃO DEVE INTERVIR NA PRÁTICA: Os formadores anteriores, antes de haver esses projetos (projetos que, entretanto, acabaram) punham-se na posição de perguntar aos professores que temas é que eles queriam ver tratados na formação. E os professores diziam "avaliação, desenvolvimento curricular, novas tecnologias", então, a partir daí faziam um menu de ações a serem oferecidas às pessoas e que não tinham nenhuma relação direta com o que eles faziam na escola. Por exemplo, imagina que eu tenho um trabalho de projeto num Centro de Associação de Escolas que é sobre o papel das bibliotecas escolares. O que eu posso fazer? Constituir um grupo de formandos, que são os coordenadores das bibliotecas. E, portanto, eu faço reuniões com eles; são reuniões que lhes são úteis. Porque fico a saber o que é que eles andam a fazer e eles ficam a pensar na sua própria atividade. Tanto quanto possível a formação não deve ser algo extra, que se vem informar aquilo que o professor já faz, tem que ser intervir na maneira como ele trabalha, não é?

- REPENSAR A PRÁTICA POR CONFRONTO DE IDEIAS: Esse é o diagnóstico que eu faço... nós partimos do princípio que os professores para promoverem o sucesso escolar não podem ter ações de formação sobre o insucesso escolar, não é? Porque senão vão repetir sempre as mesmas coisas: os alunos não aprendem porque não estudam, trabalham pouco, não fazem os trabalhos de casa,... Nós temos que lidar com os problemas ao contrário. Quer dizer, vamos num determinado momento discutir com eles, por exemplo, neste Conselho Pedagógico do Projeto ECO, o que é que se fazia nas escolas, não é? Íamos fazer visitas às escolas, as pessoas ficavam na escola, em que o professor era o único professor e tinha alunos das quatro primeiras séries, e estavam todos a fazer as mesmas coisas... isto era um caso absurdo, não é? Porque estás a fazer a mesma coisa com os da primeira série e os da quarta? E como o número de alunos era muito pequeno, eram situações ideais para fazerem o ensino individualizado! Mas eles não faziam, não é?... Por outro lado, se eu propuser uma ação de formação sobre esse ensino individualizado, aquilo entra por um lado e sai pelo outro rapidamente. Quer dizer, no ensino individualizado tem é que se propor, digamos assim, tentar encontrar para os professores estratégias de trabalho e projetos de trabalho que os obriguem a repensar a sua própria prática e, portanto, colocarem problemas. Neste sentido há sempre um confronto e os formadores têm que ter uma teoria sobre a formação. Portanto, neste caso os formadores fazem uma oferta de formação a estes professores que estão aqui, como no caso dos Centros de Associações de Escolas. O Centro de Formação faz uma oferta de formação para um determinado território. Quer dizer, a formação é sempre um confronto entre as ideias do formador e as ideias do formando, que nunca podem ser coincidentes porque se forem exatamente as mesmas ninguém aprende nada, tem que haver diferenças entre elas. Portanto, o que está em causa é confrontar uma

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com a outra para se chegar a um projeto de trabalho.

- CRITÉRIO PARA A ESCOLHA DO FORMADOR: ... as instituições encarregadas de fazer a formação inicial devem ser as mesmas que fazem a formação contínua. A formação continua é mais importante do que a formação inicial porque é no contexto das escolas em que os professores vão construir as suas próprias ideias sobre a profissão. Portanto, a equipe de formadores deve ser uma equipe escolhida em função desta filosofia, não é? Para poder fazer um diagnóstico do que é que se vive nas escolas e deve-se chamar isso de análises de necessidades. Porque as nossas necessidades remetem para listas contínuas, enquanto que o diagnóstico remete para solucionar problemas.

- MUDANÇA DE PARADIGMA A PARTIR DA ANÁLISE DA PRÁTICA: ...os nossos antigos formadores são pessoas que veem problemas aqui, da ideia de que os formadores são pessoas que aprendem também com eles. Mas, tem esses problemas, por exemplo, quando nós chegávamos neste Conselho de Arronches, não é? Era um Conselho que tinha uma média altíssima de taxa de insucesso escolar. Portanto, nós confrontávamos as pessoas como era a questão do ensino, depois começávamos a discutir as próprias respostas que eles davam. E eles diziam que eram os alunos que não tinham tantas competências. Como nós que fizemos o projeto do olival, do ciclo do azeite, etc..., vimos que os alunos manifestaram imensas competências e desenvolveram um modo de trabalho em que começaram a produzir coisas, a produzir textos e, portanto, isto fazia com que a formação fosse mudar a visão que os professores tinham dos alunos para poder ter com eles outras estratégias de trabalho.

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APÊNDICE I - Quadro 9 - Síntese dos eixos norteadores

Eixo 1- ARTICULAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA.

E1- Relação entre professores universitários e professores das escolas: ideias pré-

concebidas, mudança de paradigma, relação hierárquica, parceria necessária.

E3- Articulação entre teoria e prática.

E4- Convergência entre teoria e prática.

E5- Coerência entre teoria e prática.

E6- Parceria universidade e escola.

Eixo 2- EFEITOS “CONTAGIOSOS” DA FORMAÇÃO.

E1- Contaminação da formação: professores que participam de ações de formação

incentivam e motivam outros a participarem.

E2- Formador como entusiasta.

E7- Laços afetivos: aproximação formador-formando e processo de “sedução” para

a formação.

Eixo 3- FORMAÇÃO E PESQUISA.

E1- Investigação: projeto colaborativo, definição de papéis, flexibilidade nos

objetivos iniciais, riscos assumidos, reorganização da pesquisa.

E2- Investigação como prática de formação.

E3- Formação e investigação.

E4- Relação entre atividade de formadora e atividade de investigadora.

E4- Benefícios da articulação entre formação e investigação.

E7- Formação pela investigação: a atitude investigativa favorece o desenvolvimento

profissional.

Eixo 4- FORMADOR DE FORMADORES.

E1- Hierarquia na relação entre formador e formando.

E4- Papel do formador.

E6- O formador como “apoiante” do formando.

E7- Constituição de uma identidade profissional para o formador que atua na

formação inicial e na contínua.

E7- Dupla transitividade: conhecimento profissional fundamental ao formador.

E7- Considerações para a seleção do coordenador e o seu papel como formador na

escola.

E8- Papel do formador.

Eixo 5- TRABALHO COLABORATIVO.

E1- Sentido de pertença nas decisões tomadas por um grupo que trabalha

colaborativamente.

E1- Liderança compartilhada com a equipe em formação.

E2- Formação em grupos/projetos.

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E2- Formação entre pares (não hierárquica).

E4- Pedagogia para autonomia em contexto escolar E4- o GTPA (grupo de trabalho

pedagogia para a autonomia): funcionamento, dificuldades, currículo de

formação, agenda, aspectos positivos e negativos,...

E4- Importância do trabalho em equipe.

E7- Trabalho colaborativo e liderança compartilhada.

E8- Formação e socialização.

E8- Modalidade colaborativa de formação.

Eixo 6- PERSPECTIVAS SOBRE A FORMAÇÃO.

E1- Problemas relacionados à formação inicial e/ou contínua.

E1- Finalidade da formação em qualquer esfera da educação: a aprendizagem dos

alunos.

E2- Paradigma do defeito ou da deficiência formativa.

E2- Formação em cascata – degradação da informação.

E2- Formação em cascata – experiência de sucesso.

E2- Formação de adultos e o sentido da formação.

E2- Formação e currículo.

E3- Formação contínua.

E3- Plano de formação em cascata: experiência positiva.

E3- Crítica à formação contínua como menu.

E4- Formação contínua ou espaço para aprendizagem e desenvolvimento

profissional?

E4- Aprender a lidar com a incerteza.

E4- Respeito pelo trabalho do professor.

E5- Formação participativa.

E5- Formação como princípio de aprendizagem ativa.

E5- Envolvimento dos professores.

E5- Inviabilidade da formação participativa.

E5- Modelos de formação em cascata que deram certo.

E5- PROCUR – Projeto Curricular: formação, impacto na reorganização curricular,

formadores, compromisso, aprendizagem do aluno,...

E7- Importância de discutir os fundamentos da formação e da profissão docente à

luz de teorias da formação.

E7- Perspectivas de formação (profissional autônomo e técnica) estão embasadas

em princípios ideológicos diferentes.

E7- Conhecimento profissional como transformador da atuação profissional e

pessoal.

E8- Formação e imitação.

E8- Perspectiva da formação.

E8- Responsabilidade da formação.

E8- Pressupostos da formação.

E8- Crítica à formação oferecida como um menu.

E8- Intervenção integrada: comunidade-escola-professores.

E8- Formação “a la carte” (do tipo menu) X Formação centrada na escola.