289
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Silvio Luís de Camargo Saiki A alíquota tributária como norma de competência e de segurança jurídica MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp072249.pdf · Especialmente ao Dr. Roque Antonio Carrazza, meu orientador,

Embed Size (px)

Citation preview

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Silvio Luís de Camargo Saiki

A alíquota tributária como norma de competência e de segurança jurídica

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2008

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Silvio Luís de Camargo Saiki

A alíquota tributária como norma de competência e de segurança jurídica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de mestre em

Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Roque Antonio

Carrazza

SÃO PAULO

2008

3

Banca Examinadora

_________________________________

_________________________________

_________________________________

4

Dedicatória

Aos meus pais, que nunca mediram esfo rços para

me dar amor e educação.

Às minhas amadas Maria Alice, companheira em todos os

momentos, e Maria Fernanda, filha angelical, que me fazem feliz e eternamente

apaixonado.

Aos demais membros de minha família, tanto da Saiki

quanto da Damasceno, que sempre me deram o prazer de um convívio intenso, cheio de

carinho e de alegria.

Aos meus sobrinhos e sobrinhas que me tratam com o amor

sincero da infância.

Aos meus amigos e amigas que complementam a minha

família.

5

Agradecimentos

Fazer um agradecimento não é fácil porque sempre corremos o risco de nos

esquecermos de alguém. Ocasionalmente, esse risco só existe quando somos ajudados por

muitos.

Essa é a minha situação e, por isso, para não cometer esse tipo de injustiça, quero

agradecer, desde já, a todos que concorreram de algum modo, direto ou indireto, para que

Eu ultrapassasse algumas barreiras e chegasse até aqui.

De forma direta, não posso deixar de agradecer à Dra. Maria Leonor Leite Vieira

e à Dra. Carolina Romanini Miguel, que me incentivaram, de modo especial, a ingressar no

Mestrado da PUC/SP.

Do mesmo modo, devo agradecimentos ao Dr. Paulo de Barros Carvalho por ter

me aprovado no processo seletivo e me dado a oportunidade de integrar o corpo discente

do Curso de Pós-Graduação da PUC/SP e ter desfrutado da sua convivência em sala de

aula e, às vezes, até mesmo, fora dela.

À Comissão de Bolsas do Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da

PUC/SP e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,

igualmente os meus agradecimentos pela grandiosa colaboração para o desenvolvimento

dos meus estudos.

À Professora Eloísa Galesso pelo seu entusiasmo e incentivo, singularmente em

matéria de linguagem e estilo.

Especialmente ao Dr. Roque Antonio Carrazza, meu orientador, que me recebeu,

desde o primeiro contato, com muita gentileza e atenção, dedicando muito do seu tempo

para ouvir as minhas idéias. Com a dedicação de seu tempo e conhecimento ao meu estudo

deixou evidente sua vocação de Mestre dos mestres.

Por fim, agradeço a Deus por ter permitido que Eu vivesse essa experiência perto

de pessoas tão boas.

6

Resumo

Tomando o Direito como um conjunto de normas sistematizadas (coordenação e

subordinação) e resguardando a importância do processo comunicacional para a sua

análise, tentamos imprimir rigor científico para destacar a composição do direito positivo

pelos planos de expressão (sistema dos enunciados legais) e de conteúdo (sistema das

normas jurídicas).

A partir do estudo acerca da produção das normas jurídicas, passamos a analisar a

importância das normas de competência tributária e da regra-matriz de incidência,

notadamente no que atina aos limites constitucionais para que as alíquotas sejam

introduzidas no sistema do direito positivo. Nesse mister, verificamos que as normas de

competência tributária estabelecem o arquétipo da atividade tributária, despertando

interesse sobre a forma como a instituição do tributo deve ser observada pelo legislador

infraconstitucional na fixação das alíquotas tributárias e visando a atestar serem essas

normas mais um critério de segurança jurídica existente no sistema jurídico tributário.

Destacadamente, além da identificação de normas constitucionais delimitadoras da

competência tributária, procuramos demonstrar que as normas de competência relativas às

alíquotas não são critérios quantitativos da regra-matriz de incidência e que, por isso,

influenciam sobremaneira a produção de enunciados no exercício da competência

impositiva do Estado.

Isso nos possibilitou a verificação empírica dos critérios de fixação das alíquotas

pelos diversos entes políticos tributantes e para as diversas espécies de tributos, podendo

evidenciar em quais hipóteses constitucionais o legislador ordinário está adstrito ou não à

observância de limites competenciais na fixação de alíquotas em respeito à segurança

jurídica dos sujeitos passivos da obrigação tributária.

Não nos aprofundamos nos limites ditos formais por dizerem respeito ao órgão e ao

procedimento para a produção de normas tributárias, assunto que entendemos fugir à nossa

proposta dissertativa.

Palavras-Chave: alíquota, fixação, critério quantitativo, competência e segurança

jurídica. Silvio Luís de Camargo Saiki A alíquota tributária como norma de competência e de segurança jurídica

7

Summary

Taking the law as a set of systematized norms (coordination and subordination) and

considering the relevance of the communicational process for its analysis, we tried to bring

scientific rigor to call the attention to the composition of positive law by the plans of

expression (system of legal statements) and of content (system of rules of law).

Starting by the study upon the production of the rules of law, we analyzed the

relevance of the norms of tax ability and matrix rule of incidence, focusing on the

constitutional limits for aliquots to be part of the system of positive law. In this sense, we

realized that the norms of tax ability establish a model for tax activities, calling the

attention upon the way the setting of the tribute should be observed by the infra-

constitutional legislator while fixing the tax aliquots and aiming to set these norms as

another criteria of legal security in the Brazilian Tax System.

Beyond the identification of the constitutional norms that set the limits of tax

ability, we tried to demonstrate that the norms of tax ability regarding the aliquots are not

quantitative criteria to the matrix rule of incidence and that, therefore, influence the

production of enunciates in the exercise of state imposed competency.

All previously stated made it possible to empirically verify the criteria of aliquots

setting by the different political tax actors and for the different types of tributes, making it

possible to see in which constitutional hypothesis the ordinary legislator is attached or not

to observing the competency limits in aliquots’ setting regarding the legal security of the

players that do have the tax obligation.

We did not deepen the study in the so called formal limits as they developed

according to the agency and the procedure for the production of tax norms, since we

understood that as off limits to our original study proposal.

Key-words: aliquot, setting, quantitative criteria, competency and legal security

Silvio Luís de Camargo Saiki

The tax aliquot as competency and legal security norm

8

Sumário

1. Delimitação do objeto ............................................................................................. 12

2. Metodologia adotada ............................................................................................... 13

3. Desenvolvimento do trabalho .................................................................................. 14

Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito .................................. 16

Capítulo 1 - Conceito de Direito .................................................................................... 16

4. Orientação sociologista ou realista .......................................................................... 16

5. Teorias jusnaturalistas ............................................................................................. 17

6. Teorias com influências positivistas ........................................................................ 18

7. Opção conceitual .................................................................................................... 19

Capítulo 2 - A concretização do direito ......................................................................... 20

8. Aspecto lingüístico das relações intersubjetivas ...................................................... 20

9. A verdade da realidade como linguagem ................................................................. 24

10. O processo comunicacional do direito ..................................................................... 26

11. Os planos lingüísticos do direito – enunciado e norma ............................................ 32

11.1. Produto positivado – texto legal enunciado ..................................................... 32

11.2. Produto regulador – norma jurídica ................................................................ 35

12. Texto e contexto – sistemas normativos .................................................................. 37

12.1. Sistema dos enunciados legais ........................................................................ 41

12.2. Sistema das normas ........................................................................................ 42

13. A Interpretação no direito ....................................................................................... 44

14. Definição e Classificação no Direito ....................................................................... 47

14.1. Classificação da norma jurídica ...................................................................... 49

14.1.1. Classificação pelo evento/fato do antecedente da norma .............................. 50

14.1.2. Classificação pela relação jurídica do conseqüente da norma ....................... 51

14.1.3. Classificação da norma pelo caráter da conduta regulada ............................. 53

14.1.4. Classificação pelo caráter coativo da norma................................................. 55

15. A validade da norma no direito ............................................................................... 57

16. A validade do enunciado legal ................................................................................ 60

Capítulo 3 - O sistema jurídico-tributário brasileiro.................................................... 62

17. Sistema jurídico nacional ........................................................................................ 62

18. Sistema constitucional-tributário brasileiro ............................................................. 66

19. O federalismo e o sistema tributário brasileiro......................................................... 69

9

20. Federalismo e tributação ......................................................................................... 72

21. Competência é norma do sistema jurídico positivo .................................................. 75

22. Tributo é norma do sistema jurídico positivo ........................................................... 78

23. Princípios jurídicos constitucionais ......................................................................... 82

23.1. Princípio é norma do sistema jurídico positivo ............................................... 83

23.2. Princípios, regras e aplicação no direito positivo ............................................ 87

23.3. Princípios constitucionais e estrutura da norma de competência tributária ...... 93

23.4. Segurança jurídica é sobrenorma do sistema jurídico positivo......................... 97

Capítulo 4 – Estrutura da norma de exação tributária ................................................ 99

24. O tributo é norma de conduta e, não, de competência .............................................. 99

24.1. Regra-matriz de incidência tributária ............................................................ 100

24.1.1. Critérios do antecedente da regra-matriz .................................................... 102

24.1.1.1. Critério material ..................................................................................... 102

24.1.1.2. Critério espacial...................................................................................... 103

24.1.1.3. Critério temporal .................................................................................... 104

24.1.2. Critérios do conseqüente da regra-matriz ................................................... 105

24.1.2.1. Introdução à relação jurídica e ao objeto do conseqüente normativo ....... 105

24.1.2.2. Critério pessoal....................................................................................... 106

24.1.2.3. Critério quantitativo – considerações gerais ............................................ 109

24.1.2.3.1. Base de cálculo .................................................................................... 109

24.1.2.3.2. Alíquota – considerações gerais ........................................................... 110

25. Classificação dos tributos e competência tributária ................................................ 111

25.1. Espécies tributárias....................................................................................... 111

25.2. Arquétipo competencial................................................................................ 115

Título II – Argumentação acerca da alíquota como norma de competência e de segurança jurídica no sistema do direito positivo .............................................. 118

Capítulo 5 – Alíquota – definição e características ..................................................... 118

26. Breves comentários acerca do tema perseguido ..................................................... 118

27. Aspecto “quantitativista” da alíquota..................................................................... 121

28. Relação jurídico-tributária e alíquota..................................................................... 127

29. Obrigação tributária e alíquota .............................................................................. 129

29.1. Objeto-prestação – um aspecto da obrigação tributária ................................. 129

29.2. Objeto material– outro aspecto da obrigação tributária ................................. 131

29.3. Influência da alíquota sobre a obrigação tributária ....................................... 132

10

29.4. Função da alíquota ....................................................................................... 133

Capítulo 6 - Alíquota e os princípios constitucionais tributários ............................... 137

30. Princípios que influem na fixação das alíquotas .................................................... 138

30.1. Princípio da legalidade ................................................................................. 138

30.2. Tipicidade ou função material da legalidade................................................. 140

30.3. Vinculabilidade ao princípio da legalidade ................................................... 142

30.4. Irretroatividade da lei tributária e alíquota ................................................... 148

30.5. Princípio da anterioridade e alíquota ............................................................ 151

30.6. Princípio da igualdade.................................................................................. 157

30.7. Princípio da igualdade e progressividade da alíquota .................................... 162

30.8. Capacidade contributiva e alíquota .............................................................. 164

30.8.1. Noções gerais ..................................................................................... 164

30.8.2. Capacidade contributiva subjetiva e progressividade ........................... 167

30.8.3. Capacidade contributiva objetiva e progressividade ............................ 168

30.9. Seletividade e alíquota ................................................................................. 170

30.10. Não-confisco e alíquota ............................................................................. 173

30.11. Princípio da não-diferenciação tributária, em razão da procedência ou destino ......................................................................................................... 175

Capítulo 7 - Alíquota e regras de competência tributária .......................................... 178

31. A alíquota é mais um critério conformador da competência tributária ................... 178

32. A norma de competência da alíquota e as espécies tributárias................................ 182

32.1. Contribuições Sociais, de Intervenção no Domínio Econômico e de Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas .................................. 184

32.2. A norma de competência da alíquota mínima para as Contribuições Sociais dos servidores públicos .................................................................... 185

32.3. A norma de competência da alíquota para as contribuições interventivas ...... 187

32.4. A norma de competência da alíquota para as contribuições sociais ............... 189

32.5. A norma de competência da alíquota para os impostos regulatórios (II – IE – IPI – IOF) ............................................................................................. 192

32.6 A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre a Renda - IR ...... 194

32.7. A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI ................................................................................... 200

32.8. A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR ................................................................................. 202

32.9. A norma de competência da alíquota mínima para o IOF sobre o Ouro ........ 204

11

32.10. A norma de competência da alíquota máxima para o ITCMD .................... 205

32.11. As diversas normas de competência das alíquotas do ICMS ....................... 208

32.12. A norma de competência da alíquota para o IPVA ..................................... 214

32.13. A norma de competência das alíquotas para o IPTU .................................. 217

32.14. A norma de competência das alíquotas do ISS ........................................... 219

33. O termo “alíquota” em outros dispositivos constitucionais .................................... 223

33.1 Imposto sobre Venda a Varejo de Combustíveis – IVVC (art. 34, § 7º, do ADCT) ........................................................................................................ 223

33.2 Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF – artigos 74 e 75 do ADCT ............................................................................. 223

33.3 Contribuição para a Seguridade Social - art. 56 do ADCT ............................ 226

33.4 Fundo Social de Emergência - artigo 72 do ADCT ....................................... 227

33.5 Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza ............................................... 229

33.5.1 Fundo Federal - Adicional sobre a CPMF .................................................. 230

33.5.2 Fundo Federal - Adicional sobre o IPI ....................................................... 232

33.5.3 Fundos Estaduais e Distrital – Adicional sobre o ICMS ............................. 233

33.5.4 Fundos Municipais e Distrital - Adicional sobre o ISS ............................... 234

34. Destinatário das normas constitucionais relativas às alíquotas ............................... 235

35. Limitação do poder de tributar e alíquota .............................................................. 238

Capítulo 8 – Alíquota como garantia de segurança jurídica em matéria tributária ............................................................................................................. 241

36. Norma de competência legislativo-tributária como segurança jurídica ................... 241

37. Exercício regular da competência tributária do Estado como segurança jurídica .... 244

Conclusão ..................................................................................................................... 248

Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do Direito ..................................... 248

Título II – Argumentação acerca da alíquota como norma de competência e de segurança jurídica no sistema do direito positivo ................................................... 261

Referências bibliográficas ............................................................................................ 277

12

Introdução

1. Delimitação do objeto

O estudo jurídico é desafio intelectual de grande vulto. Exige-se o domínio de um

emaranhado de conceitos, definições, sistemas e valores existentes no universo

comunicacional que é infinito e, por isso, exige de qualquer estudioso a necessidade de

delimitar o objeto estudado, demarcando rigorosamente os institutos com ele (objeto)

relacionados.

Nessa seara, importante destacar que o presente trabalho cuida do estudo do

Direito, com ênfase no modo analítico de aspecto jurídico específico que ao longo dos

tempos não tem sido objeto de estudos aprofundados. Trata-se da análise dos critérios

constitucionais da proposição-hipótese e do conseqüente-tese da norma de competência

tributária e da regra matriz de incidência, no que dizem respeito aos seletores das alíquotas

tributárias, capazes de influir no exercício da competência legislativo-tributária dos entes

políticos tributantes.

Em especial, embora intuitiva dos estudiosos do Direito, não se vê um

detalhamento analítico acerca da indispensabilidade de o legislador infraconstitucional

estar adstrito aos limites materiais da norma de competência no que atinam à fixação das

alíquotas tributárias.

O tema é por inteiro relevante, na medida em que, para a hipótese analisada, há a

possibilidade de propormos respostas às questões inerentes à introdução de enunciados

relativos à definição, estrutura, fixação e utilização das alíquotas tributárias pelo legislador

infraconstitucional e evidenciar a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação

tributária relativamente a esses predicados.

A obrigação tributária sofrerá, conforme o caso, conseqüências a ponto de irradiar

efeitos equivocados quanto ao montante do tributo a ser pago pelo sujeito passivo, se os

critérios constitucionais da norma de competência na instituição de regras-matrizes de

incidência não forem rigorosamente observados. Esclareça-se que a adoção da alíquota

tributária poderá (deverá) ser maior ou menor conforme os critérios de imputação deôntica

que, eventualmente, forem identificados nas normas de competência instituídas pela

Constituição Federal.

13

2. Metodologia adotada

Diante dessa relevância, um estudo científico a respeito das alíquotas tributárias

exige revelar os meios para manipular o Direito, passando-se pelos seus principais

instrumentos conceituais de análise, para registrar a metodologia científica.

A tentativa foi a de empregar método investigativo, especificamente no campo da

Dogmática Jurídica, na esteira do que asseverava Hans Kelsen, para quem o “objeto da

ciência jurídica é o Direito”,1 esforçando-nos para operarmos nos limites de uma Ciência

Jurídica Strictu Sensu.2

Com esse intento, vigiamos as nossas investigações para não adentrarmos

naquelas tidas “zetéticas” que, para Tércio Sampaio Ferraz Júnior, seriam aquelas que têm

o Direito como um objeto de estudo no âmbito da Sociologia, da Antropologia, da

Psicologia, da História, da Filosofia, da Ciência Política, etc., não sendo, como assevera o

autor, nenhuma delas jurídica, mas tão somente complementares aos juristas, para auxiliá-

los na investigação estrita da Ciência Jurídica.3

Assim, voltamo-nos às advertências de Karl Larenz para nos manter na retentiva

de que os cortes metodológicos do presente trabalho foram incisivos a favor da Dogmática

Jurídica, que pauta sua investigação na “delimitação balizada pela sua orientação aos

princípios fundamentais do ordenamento jurídico vigente”.4

Para além disso, mister foi demarcar a existência de critérios na Constituição

Federal, especificamente em relação às alíquotas tributárias, focando-se as suas normas de

estrutura (competência), tidas como arquétipos tributários para a instituição de regras-

matrizes de incidência tributária.

É com este espírito que o rigor científico propiciará a convicção da existência de

seletores constitucionais prefixadores das alíquotas tributárias e, ainda, esmiuçar as

1 Teoria Pura do Direito. 2006, p. 79 2 Esclareça-se que o termo “Ciência” será tratado, na esteira do aludido por Eurico Marcos Diniz de Santi, como o conjunto de proposições descritivas, passíveis de verificação empírica, acerca de um objeto suficientemente demarcado, que, no nosso caso, são os enunciados de direito positivo (Lançamento Tributário. 2ª ed. 2001, p. 50) 3 Introdução ao Estudo do Direito. 2003, págs. 44-47 4 Metodologia e Ciência do Direito. 2005, p. 269

14

diversas espécies de tributos discriminadas na Constituição Federal, para demonstrar as

respectivas normas de competência relativas às alíquotas.

O impulso investigativo nos conduz a uma meticulosa delimitação da competência

legislativo-tributária no que diz respeito à observância dos critérios constitucionais

prefixados para a introdução de enunciados prescritores de alíquotas tributárias. Falamos

da nuance dinâmica5 do tributo, no plano normativo abstrato.

Esse tipo de trabalho demonstra que o tema propicia uma investigação necessária

e sem precedentes na doutrina brasileira porque não se fala a respeito dos critérios

constitucionais definidores da competência tributária a partir da alíquota.

3. Desenvolvimento do trabalho

A ausência de trabalhos que tratem da alíquota como norma jurídico-tributária, as

características de nosso sistema jurídico tributário e a individualidade das nossas regras-

matrizes de incidência, nos afastam da doutrina estrangeira e nos limita o auxílio da

nacional, cujas incursões só se darão para apoio teórico de natureza subsidiária pela

peculiaridade da ótica do estudo proposto.

Dessa carência revelou-se a importância do tema, abrindo porta para uma

continuidade destes estudos ou, ao menos, para chamar a atenção dos juristas

especializados para uma investigação permanente nesse sentido.

Para a efetividade de tal desígnio, o presente estudo foi desenvolvido partindo-se

inicialmente da necessidade de demarcar as proposições conceituais e revelar a forma

como se pretende manipular o direito positivo para extrair argumentos e demonstrar o que

se pretende. Diante disso, de forma sucinta, pareceu-nos indispensável dissertar revelando

o conceito de Direito adotado e demarcando a base de todas as premissas; em seguida, a)

destacamos a importância da linguagem no Direito, sem a qual nem Direito temos; b)

registramos como se opera o direito positivo, os enunciados e as normas em geral; c)

decorrência disso, falamos da construção e aplicação das normas para manipular os

5 Segundo Kelsen, “A teoria da construção escalonada da ordem jurídica apreende o Direito no seu movimento, no processo, constantemente a renovar-se, da sua auto-criação. É uma teoria dinâmica do Direito, em contraposição a uma teoria estática do Direito que procura conceber este apenas como ordem já criada, a sua validade, o seu domínio de validade, etc., sem ter em conta a sua criação.” Teoria Pura do Direito, 2006, p. 309.

15

sistemas do direito; d) acerca da norma de competência, fizemos uma análise do seu

antecedente/hipótese e do seu conseqüente; e) esmiuçamos os critérios da regra matriz de

incidência tributária para revelar como se dão na aplicação do direito tributário; f) em

relação à alíquota, abrimos a análise específica do tema para uma exposição geral acerca

das suas características e de sua definição; g) na seqüência da investigação, fizemos uma

análise da Carta Magna no que pertine ao emprego do termo “alíquota” e à identificação

dos critérios constitucionais das diversas normas de competência relacionadas ao termo; h)

posteriormente apresentamos uma análise da alíquota em relação aos princípios

constitucionais tributários e a sua regra de prefixação como norma de estrutura capaz de

influenciar a competência do legislador infraconstitucional, para dar segurança jurídica ao

contribuinte e estabilidade ao sistema jurídico; i) por fim, concluímos pela existência de

critérios constitucionais que estabelecem a competência tributária mediante a prefixação

constitucional das alíquotas, de observância obrigatória para o exercício da atividade

legislativo-tributária, no que atina à introdução de enunciados normativos no sistema de

direito positivo pelo órgão político tributante. Com essa conclusão, conferimos ser a norma

de competência da alíquota mais um instrumento de segurança jurídica do sujeito passivo

da obrigação tributária e do Estado democrático de direito.

16

Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito

Capítulo 1 - Conceito de Direito

Este trabalho exige, de início, uma delimitação, ainda que objetiva e sucinta, do

conceito de “Direito”, o qual será considerado para todos os fins que possam nortear as

idéias e argumentações que adiante serão expressas.

Pensando do mesmo modo que Tércio Sampaio, “reconhecemos, sem pôr em

discussão, a pluridimensionalidade do objeto que chamamos direito, o que permite

diversos ângulos de abordagem, ora separados, ora ligados por nexos meramente lógicos

ou didáticos, ora integrados em formas sintéticas. Quem pretende realizar uma

investigação ontológica do direito corre, por isso, o risco de privilegiar aspectos deste

fenômeno plural, na forma de sociologismo ou psicologismos ou formalismos ou

moralismos, conforme a lição de Miguel Reale a respeito.”6

Assim, de forma direta, podemos relembrar que o modo de conceber o Direito tem

sido diferente por diversas correntes filosóficas. Diante de tamanha grandeza do Direito,

são inúmeros os fatores que contribuem para dificultar o alcance de um conceito universal

do Direito, dentre eles a diversidade de perspectivas de enfoque a partir das quais se

contempla o fenômeno jurídico. Pois bem, essas diferentes perspectivas de concepção do

Direito deram ensejo ao estabelecimento, durante séculos, de polêmicas entre aqueles que,

de forma unilateral e reducionista, pretendem oferecer uma concepção geral do Direito em

função de algum de seus componentes.

Apesar das dificuldades de integração e comunicação dos povos e,

conseqüentemente, por serem muitas as doutrinas que se ocuparam e ocupam do tema em

destaque de forma individual, podem elas ser reduzidas, para fim meramente propedêutico,

a três grandes grupos.

4. Orientação sociologista ou realista

Denominamos como doutrinas de orientação sociologista ou realista aquelas que

descrevem o Direito pelas ações humanas como fontes da sua criação, aplicação ou

6 Teoria da Norma Jurídica. 2006, p. 5

17

eficácia. Em termos genéricos, só para demarcar essa orientação, pode-se considerar I) a

chamada Escola Histórica, que compreende o Direito a partir do ânimo popular que se

considera como a sua força criadora; II) além dessa corrente, tem-se também a

Jurisprudência de Interesses, que tem como corte epistemológico os interesses sociais que

inspiram o Direito e lhes dá a respectiva garantia de sua eficácia; III) pode-se, ainda,

incluir nessa orientação as denominadas Escolas do Direito Livre, o Realismo Americano e

o Escandinavo, além de outros com igual perfil, que advogam o Direito apenas pelo

aspecto “criador” das sentenças judiciais.

Em resumida síntese, tem-se que essas orientações, sociologistas ou realistas,

revelam seu ponto caracterizador na circunstância de priorizarem o seu corte

epistemológico na eficácia social do Direito, a partir da sua vigência social experimentada

por meio de sua influência nos comportamentos reais dos homens.

Para nós, na esteira de Alfredo Augusto Becker, essas orientações constituem o

chamado "momento pré-jurídico",7 pelo que não nos filiamos a ela.

5. Teorias jusnaturalistas

As teorias jusnaturalistas tendem a vislumbrar o Direito a partir dos valores que

possam ser considerados como base de fundamentação, legitimando-o para a sua

consecução finalística. A partir dessa compreensão do Direito, o valor da justiça passa a ser

concebido em um sentido bem amplo do bem comum ou dos direitos humanos,

constituindo, assim, o sentido pragmático de toda regra jurídica e o fundamental parâmetro

de sua validade.

Alguns aspectos mais modernos dessa escola mostram que, conforme a natureza

das coisas, a realidade social passa a possuir força normativa, constituindo uma fonte de

Direito à qual o direito positivo deve se amoldar. Trata-se de uma reação mais recente

contra o positivismo, para um retorno às concepções jusnaturalistas.

Esta corrente revela existir uma instituição jurídica que deriva não do direito

positivo, mas, sim, dos fatos da natureza, dos costumes, tradições ou usos ou das relações

7 Teoria Geral do Direito Tributário. 2007, p. 22

18

vitais, como se fosse uma espécie de “tipo ideal” de justiça que se obtém mediante a

tipificação e a idealização da individualidade da relação vital que se considera.8

6. Teorias com influências positivistas

As teorias que sofrem influências positivistas concebem a idéia de um Direito que

se identifica com as normas jurídicas ou sistemas normativos, como regras prescritas à

sociedade pelo detentor do poder, que trata de impô-las, coativamente ao âmbito social.

Essa forma de expedir regras coativas e exigir que sejam cumpridas revela a

característica da perspectiva adotada para conceber o Direito e a forma de se aferir a sua

validade. Assim, para essa corrente, uma norma será jurídica se, e somente se, cumprir os

requisitos procedimentais previstos no próprio sistema normativo para a produção de

normas.

Integram o Positivismo Jurídico, dentre outras, as Teorias do Cepticismo e do

Realismo Empírico, o Positivismo Ideológico, o Formalismo Jurídico e o Positivismo

Metodológico ou Conceitual.9

Não nos interessa, aqui, esmiuçar os detalhes e/ou peculiaridades de cada uma das

teorias integrantes aos três grandes grupos aqui discriminados, mas sim destacar a

concepção do Direito sob a ótica geral das principais correntes que nos levam a alguma

uniformidade. Assim, para o Positivismo Jurídico, o Direito, de modo genérico, é comando

arbitrário, inteiramente relativo, privado de autoridade intrínseca.

Para os adeptos dessa teoria, o Direito é visto como conjunto de regras impostas

pelo poder que exerce o monopólio da força de uma determinada sociedade, por meio de

sua organização, formando um ordenamento.10 Esse Direito, com sua própria existência,

independentemente do valor moral de suas regras, serve para a obtenção de certos fins

desejáveis, como a ordem, a paz, a certeza e, em geral, a justiça legal.

Para essa corrente, o direito positivo, tão-só pelo fato de ser positivo, isto é, a

emanação da vontade dominante, é justo; ou seja, o critério para julgar a justiça ou

8 Aftalión, Enrique R. Fernando Garcia Olano e José Vilanova. Introduccion al derecho, 1972, p. 163/191 9 Para aprofundamento no tema, recomenda-se a leitura de Carlos Santiago Nino, Introducción al Análisis del Derecho. Colección Ariel Derecho. 8ª ed. Barcelona: Astrea, 1997 10 Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico, 2006, p. 27

19

injustiça das leis coincide perfeitamente com o que se adota para julgar sua validade ou

invalidade. Pretende esse positivismo que os juízes assumam uma posição moralmente

neutra e que se limitem a decidir segundo o direito positivo vigente.

Por meio dessas premissas, essa corrente entende que o Direito está composto

exclusiva ou predominantemente por preceitos legislativos, ou seja, por normas

promulgadas explícita e deliberadamente por órgãos centralizados. Por fim, essa corrente

pressupõe que a ordem jurídica é um sistema auto-suficiente para prover a solução unívoca

para qualquer caso concebível, resumindo-se o Direito ao conjunto das leis.

7. Opção conceitual

Diante dessa discussão filosófica acerca da ontologia do Direito é que

reconhecemos a dificuldade de conceituá-lo. Entretanto, queremos registrar que o presente

trabalho será desenvolvido com base num conceito em que o Direito será visto como um

sistema harmônico e hierarquizado de normas e preceitos jurídicos, tendentes a regular as

relações intersubjetivas.

Notadamente reconhecemos como característica estrutural do direito, como

sistema positivado, a presença do fato, relação e norma (jurídicos) e, na seara de sua

aplicação, o imperioso reconhecimento dos valores positivados.

Reconhecemos, com isso, que o Direito, posto como sistema, é uno, indivisível,

não podendo ser cindido, sob pena de ser descaracterizado como tal.11 Em face disso, falar-

se em Direito Tributário é promover tão somente uma aparente cisão, de natureza

meramente didática, visando a seu estudo como elemento do Direito e na tentativa de

esgotar a análise, até os limites de suas nuances. Eis o motivo de reconhecermos o Direito

Tributário como disciplina jurídica cujo conceito apropriado parece-nos ser o conjunto de

normas atinentes a regular a criação, fiscalização e arrecadação das prestações de natureza

tributária.12

Assim, importa registrar que, para fins da Ciência do Direito, fixamos como

objeto-formal, em sentido estrito, o direito positivo, entendido, neste trabalho, como o

11 Consideramos para o fechamento sintático do sistema o axioma da norma fundamental de Kelsen. 12 Nesse sentido Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 2005, p. 16.

20

conjunto de normas jurídicas válidas. Por essa forma, o presente estudo seguirá uma

investigação calcada nessas normas, vistas como unidades estruturais do direito positivo.

Capítulo 2 - A concretização do direito

8. Aspecto lingüístico das relações intersubjetivas

A manifestação humana se dá pela linguagem. Sem linguagem não há significado

e, portanto, inexiste qualquer expressão humana. Por assim ser, reconhece-se não haver

mundo sem linguagem.

Os seres humanos já nascem com características que os fazem ser dependentes da

linguagem. Por ser um ser social, o homem necessita da linguagem para se comunicar com

os seus semelhantes, todos dotados de habilidades cerebrais e sensoriais capazes de

produzir, mediante o uso da linguagem, a comunicação.

A linguagem, então, como um conjunto de signos,13 rege as relações humanas e a

intersubjetividade delas decorrente enseja um processo comunicacional munido de regras

que carecem de inúmeras fórmulas aclaradoras e assecuritárias de sentido, em face da

complexidade e grandiosidade das infinitas formas de comunicação.14

Assim é que se exige um idioma entre os interlocutores, uma base uniforme de

emprego de signos, uma estrutura convencionada para a sua utilização, visando obter

sucesso no processo comunicacional. Esse processo não é outra coisa senão um sistema

comunicativo e se constitui, em regra, pela conhecida esquematização de Romam

Jakobson, que elegeu seis elementos vitais para o processo comunicacional verbal:

remetente, destinatário, mensagem, contexto, contacto e código.15

13 Carvalho, Paulo de Barros, citando E. Husserl. Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência. 2005, p. 17. 14 Sentido sintático, semântico e pragmático. 15 Há outras denominações para se referir a esses elementos, como emissor (remetente), receptor (destinatário), conteúdo (mensagem), referente (contexto), canal físico (contacto) e língua/idioma (código). Lingüística e Comunicação, 2003, p. 123

21

Segundo Jakobson, por meio desses elementos é que manipulamos as funções da

linguagem16 e, com isso, conseguimos influir nas relações intersubjetivas. Nesse sentido,

com o uso das funções da linguagem, o homem consegue produzir resultados, orientando a

mensagem na direção que pretende.

Samira Chalhub ensina que “as atribuições de sentido, as possibilidades de

interpretação – as mais plurais – que se possam deduzir e observar na mensagem estão

localizadas primeiramente na própria direção intencional do fator da comunicação, o qual

determina o perfil da mensagem, determina sua função, a função de linguagem que marca

aquela informação.”17

Disso resulta que há uma infinidade de meios funcionais da linguagem que

propiciam e que interferem nas relações intersubjetivas humanas.

Contudo, a linguagem não está restrita às mensagens verbais, como produto da

fala do Homem, havendo outros meios de linguagem que também propiciam a

comunicação - que é infinita.

“O corpo fala, a fotografia flagra, a arquitetura recorta espaços, a pintura imprime,

o teatro encena o verbal, o visual, o sonoro, a poesia – forma especialmente inédita de

linguagem – surpreende, a música irradia sons, a escultura tateia, o cinema movimenta

etc.”. “A linguagem participa de aspectos mais amplos que apenas o verbo.”18

Além disso, a linguagem não é só comunicação, pura e simples; é processo

sofisticado de expressão do pensamento humano. É também processo de conhecimento,

pois este não se limita às percepções sensoriais do indivíduo humano.

Por esse método de conhecimento, o indivíduo projeta de sua imaginação

proposições sobre objetos percebidos no mundo físico, e até metafísico, elucubrando

16 Idem 17 Funções da Linguagem. 2000, p. 6. 18 Idem

22

significações. Segundo Lourival Vilanova19 “é por meio da linguagem que se fixam as

significações e, por conseguinte, que se constrói o conhecimento”.

Essa manifestação lingüística, humana, se dá por meio da fala que é distinto da

língua. Esta é o processo sistêmico social, como objeto de convenção dos signos adotados

em uma dada comunidade (idioma). É objeto cultural, eminentemente. A fala, por sua vez,

é ato de uso da língua, psicofísico e individual. Constitui-se pela seleção discricionária da

estrutura lingüística com o fim de exteriorização de um discurso lingüístico do indivíduo.20

A fala se materializa por meio de enunciados lingüísticos, caracterizando a

mensagem falada. Assim, o enunciado é o plano de expressão da mensagem direcionada

ao destinatário, tendo como atributo ser o suporte físico da mensagem pronunciada. O

texto. Este é integrante da relação sígnica, juntamente com o “significado” e a

“significação”. Diante disso, evidencia-se que o enunciado não é “significado” e nem

“significação”.

Diferentemente, o enunciado produzido pelo ser cognoscente propicia tão somente

a atribuição de significados às coisas, como estrutura lingüística que permite ser utilizada

para predicar objetos. Assim, os significados enunciados por um indivíduo serão

experimentados por outro, que produzirá a sua significação.

É inerente ao processo comunicacional que o receptor de uma mensagem, de um

enunciado, tome contato com o significado de um fenômeno qualquer21 e produz a sua

significação a respeito. Importante é que a significação produzida pelo receptor de um

enunciado nem sempre corresponde à significação de outro indivíduo qualquer que tenha

contato com aquele mesmo enunciado. E, além disso, é comum que a significação

produzida pelo destinatário do enunciado seja diferente da significação pretendida pelo

próprio emissor do enunciado. Isso se dá pelo fato de que o processo de apreensão da

mensagem, compreensão do enunciado, é relativamente22 livre.

19 Vilanova, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 38. 20 Fiorim, José Luiz. Linguagem e ideologia, 2000, págs. 10 e 11. 21 Objeto de apreensão sensível em sentido amplo. 22 Relativo porque em se tratando de interpretação sempre haverá um limite em face, ao menos, da literalidade do texto.

23

Com a expedição de um enunciado, ingressamos no terreno da interpretação em

que, muito embora, a fonte comunicativa possa ser a mesma (o mesmo enunciado), o

intérprete, o destinatário ou qualquer outro indivíduo que se proponha a analisar aquela

mesma fonte, não estão adstritos ao plano físico do enunciado. Como dito, o enunciado

serve para emitir uma mensagem, porém, a informação, como produto final do processo

comunicacional, exige ainda mais. Exige a observância do contexto em que foi inserido tal

enunciado.

Alf Ross delimita bem essa carência do enunciado ao dizer que a comunicação,

em relação tanto à intenção do emissor quanto ao efeito produzido no receptor da

mensagem enunciada, depende de seu contexto, tomado em seu sentido amplo, ou seja, a

compreensão do enunciado depende totalmente da situação vital concreta em que a

comunicação ocorre.23

Para demonstrar essa necessidade contextual da comunicação, ROSS apresenta os

seguintes enunciados exemplificativos: “`Pedro, feche a porta!’, `O rei está morto.’ e `Está

chovendo’”. Formulando questões como `Qual Pedro e qual porta se refere?’, `Que rei?’ e

`Onde e em que momento está chovendo?’, ele demonstra, então, que a significação da

mensagem enunciada varia muitíssimo segundo as circunstâncias da expressão.

Assim, evidencia-se que a comunicação não está limitada ao plano de expressão

do enunciado lingüístico e só obterá sucesso nas relações intersubjetivas quando a

informação for apreendida no contexto adequado. Evita-se, por essa forma, a afasia da

linguagem conforme asseverou Roman Jakobson.24

Importa destacar outro enfoque da linguagem; a multiplicidade de suas funções.

Essa característica é oportuna para uma análise pragmática da linguagem, haja vista que

esta tem como núcleo comunicativo a expedição de enunciados introdutores de mensagens

tendentes a exercer influência no comportamento dos seus destinatários.

23 Ross, Alf. Lógica de las normas, 1971, p. 14 24 Lingüística e comunicação. 2003, p. 34.

24

A linguagem, quando colocada sob essa ótica pragmática, revela uma mensagem

cujo conteúdo traz consigo a vontade do seu expedidor em alterar o comportamento do seu

destinatário, seja no sentido de convencê-lo a agir de algum modo, seja com a intenção de

alterar-lhe os sentimentos, enfim, objetiva-se que o receptor sofra os seus efeitos e aja na

direção funcional da mensagem enviada.

Assim, o que se anota é que, dependendo do ânimo do emissor é possível

classificar a linguagem conforme a função preponderante cravada no processo

comunicacional. Falamos em preponderante porque, segundo Samira Chalhub,25 as funções

dialogam e a predominância de um dos fatores determinará a predominância de uma

função da linguagem. Em suma, sempre há mais de uma função, embora predomine uma.

As funções são várias; há aquelas que visam descrever um objeto, outras que

visam persuadir o destinatário, visam fins meramente informativos, fins interrogativos, e

tantas outras mais que interferem e constituem as relações intersubjetivas.

9. A verdade da realidade como linguagem

Diz-se, com base na evolução da filosofia da linguagem, que a realidade não é

mais buscada com base na essência do objeto do conhecimento e sim por meio do

significado que se atribui ao objeto.26

Disso resulta que a filosofia atual busca o conhecimento por meio dos signos, em

que não mais se analisa a imagem do objeto (não a essência da imagem), mas sim o seu

plano de expressão, como suporte físico do objeto referido e estrato lingüístico.

Assim, por meio da filosofia da linguagem, analisando os signos lingüísticos,

tidos como plano de expressão (suporte físico), passou-se a entender que realidade é o

significado atribuído ao objeto que permite chegar ao conhecimento, articulando

proposições e construindo significações. Por essa forma, para a moderna filosofia da

linguagem e para a manipulação da linguagem pelo Direito, temos como ponto de partida

25 Funções da Linguagem. 2000, p. 8. 26 Oliveira. Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática da filosofia contemporânea, 2001, p. 13

25

indispensável o conhecimento do “signo”.27 O ramo especulativo dos signos é a Semiótica,

a qual se pode dizer teve sua origem nas obras de Charles S. Peirce, Ferdinand Saussure e

dos membros fundadores do Neopositivismo Lógico do histórico círculo de Viena,

notadamente de Charles Morris e Rudolf Carnap.28

O “signo” deve ser entendido como a unidade de um sistema lingüístico que

relaciona o “suporte físico” (plano de expressão), o “significado” e a “significação” como

sua estrutura.29

Por assim ser, podemos notar que a realidade não é aquilo que vemos ou tocamos

no mundo, não é a imagem do mundo que temos aos olhos. O que vemos, e temos como

realidade, é um conjunto de proposições lingüísticas formuladas em nosso cérebro sobre as

imagens do mundo físico. Este, por sua vez, não pode ser esquecido ou ignorado, pois, se o

“conhecimento não fosse efeito da ação dos objetos sobre os órgãos dos sentidos, não

haveria explicação possível para a existência de sensações”.30

Assim, os estímulos sensoriais humanos são a tradução de objetos do mundo

físico. Todavia, não se confunda a tradução de objetos com cópia. Goffredo Telles Júnior31

assevera que por muitos motivos não se pode pensar que uma imagem seja uma simples

cópia de um objeto que ela visa reproduzir. Primeiramente ele afirma que “toda cópia é

cópia de um objeto conhecido. Não é possível copiar o que não se conhece”. Em segundo

lugar ele afirma que “a imagem não pode ser cópia do objeto porque a imagem, embora

tradução cerebral dele, não é idêntica ao seu objeto”. “A imagem é infinitamente pobre...É

sempre, ou quase sempre, vaga, imprecisa, incerta e, às vezes, falsa”.

Com isso, conclui o citado autor que cada sensação possibilita uma significação,

mas possibilita dentro de uma organização, de uma estrutura. Segundo ele, “as estruturas

deu ao homem a possibilidade de reconhecer um objeto que jamais impressionou seus

27 Charles W. Morris, fundamentos da teoria dos signos, 1976, p. 13 28 Apud Santaella, Lúcia. O que é semiótica. 23a reimpr. Ed. Brasiliense. São Paulo. 2006, p. 15/16 e 80/81 29 John Lyons, Lingua(gem) e lingüística. Uma introdução, 1987, p. 29 30 Telles Júnior, Goffredo. O Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 1985, p.211 31 Idem, p. 271

26

órgãos sensórios e do qual, portanto, nunca teve sensações e percepções, nem guarda

qualquer imagem”.32

Por essas linhas, podemos perceber que o conhecimento da realidade depende de

um sistema de referências. A idéia de sistema referencial é condição indispensável para o

conhecimento.

Com efeito, é o sistema de referências que permite a aferição da verdade e esta só

existirá se for referida a um sistema de referência. Em outras palavras, o conhecimento só é

verdade quando representar uma tradução cerebral da realidade.33

Por assim ser, a realidade se apresenta para o Direito como um conhecimento

revestido num estrato lingüístico, e, por isso, asseverou Tércio Sampaio Ferraz Júnior que

“a realidade, o mundo real, não é um dado, mas uma articulação lingüística mais ou menos

uniforme num contexto existencial.”34

Por derradeiro, a idéia de verdade e realidade está adstrita ao universo de um

sistema referencial lingüístico.

10. O processo comunicacional do direito

Em face do acima exposto, há que se reter na memória a existência de uma

linguagem constituidora da realidade social e outra linguagem constituidora da realidade

jurídica. Esta última é construída a partir da primeira, funcionando como um seletor de

acontecimentos sociais os quais serão captados para ingresso nos domínios do Direito.

Assim, com a dinâmica social, vê-se o Direito tentando acompanhá-la para ver

esgotados os valores da sociedade por meio da linguagem do Direito, de cunho deôntico.

O Direito, objeto cultural35 que é, manifesta-se sempre em linguagem específica.

Desta forma, surge, assim, “o direito positivo como uma camada de linguagem idiomática,

32 Ibidem , p. 271 33 Ibidem, p. 291 34 Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, nominação. 2003, p. 270. 35 Bem cultural visto na concepção integrativa do ser e do dever-ser, cuja dualidade existencial o suporte e o significado (valor) numa relação de implicação e polaridade a que se refere Miguel Reale (Introdução à

27

empregada na função prescritiva de condutas”.36 Revestido dessa forma, a linguagem do

Direito é canalizada para uma função prescritiva, voltada para expedição de ordens,37

comandos voltados ao comportamento das pessoas.

Nesse diapasão, é importante notar que o Direito, por meio da linguagem, não

detém o poder de controlar as condutas humanas, mas tão somente de motivá-las a um

desiderato.

Sendo o direito positivo um corpo de linguagem utilizado na função prescritiva

surgem, então, importantes ferramentas de análise para manipular e extrair o melhor

conhecimento desse estrato lingüístico, tais como a lógica deôntica, que se encarrega de

analisar as estruturas sintáticas da linguagem jurídica; a semântica, que trata dos processos

de significação e a pragmática, que trata do modo como essa linguagem se opera.

Melhor explicando, o direito positivo apresenta-se como um conjunto de

enunciados lingüísticos com predomínio da função prescritiva da linguagem. Sobre essa

camada de linguagem prescritiva do Direito é que podemos imprimir conhecimento sob a

ótica: a) sintática; b) semântica; e c) pragmática.

Esmiuçando cada uma destas, vemos que a análise sintática da linguagem do

direito positivo possibilita examinar as relações entre os signos que a compõem (relação

entre eles).

A análise semântica da linguagem do direito positivo, por sua vez, permite

verificar de que modo os signos se relacionam com os objetos, com os fatos e com as

condutas a que eles se referem (objetos significados). 38 Esse tipo de análise visa revelar as

significações contidas em seus comandos lingüísticos, permitindo identificar os valores

insculpidos pela sociedade, que esta pretende proteger no meio social.

Filosofia, 2003, p. 7) e Paulo de Barros Carvalho (Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 4) 36 Carvalho, Paulo de Barros. A visão semiótica na interpretação do direito, Revista da Associação dos Pós-Graduandos da PUC-SP, 2:5, 1997, p. 5. 37 Robles, Gregório. O Direito como Texto. Quatro estudos da teoria comunicacional do direito. Trad. de Roberto Barbosa Alves. São Paulo: Editora Manole, 2005, p. 79. 38 Santi, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 2ª Ed. 1999, p. 28.

28

Por fim, o estudo pragmático da linguagem do Direito elucidará as relações

viventes entre os sujeitos – emissores e receptores de mensagens jurídicas – e as

mensagens propriamente ditas. Por essa ótica, pragmática, vê-se que o direito positivo

objetiva alterar as condutas, orientando-as no sentido desejado.

Segundo Paulo de Barros Carvalho, a busca do resultado desejado pelo direito

positivo implica a influência por todo tipo de estímulos, até mesmo a sanção em último

caso.39

Além desse ângulo de visão, do direito positivo como camada de linguagem, vale

voltar os olhos para o fato de que há outras linguagens e, em especial, linguagens que

cuidam de explicar outras linguagens. Isso nos dá a idéia de um sobreplano de linguagens,

da existência de uma hierarquia de linguagens.

Nesse sentido, o autor supracitado discorre acerca da denominada hierarquia da

linguagem (linguagem-objeto e metalinguagem), teoria que parte da premissa de que onde

houver uma linguagem existirá sempre a possibilidade de falar-se a respeito dela. Importa

reconhecer que há níveis de linguagem, de tal modo que aquela em que se fala é chamada

de linguagem-objeto, ao passo que a empregada para falar da linguagem-objeto denomina-

se metalinguagem.40

Dentre as diversas metalinguagens que há no universo comunicacional, destaca-se

a que têm o direito positivo como linguagem-objeto, denominada de Ciência do Direito.

Esta é uma linguagem que se constitui em um corpo de proposições descritivas do sistema

de prescrições que compõe o direito positivo.

A respeito dessa relação hierárquica, existente entre direito positivo e Ciência do

Direito,41 Lourival Vilanova aduzia que “a linguagem da ciência jurídica inevitavelmente

passa a ser linguagem sobre outra linguagem, tomando a linguagem do direito positivo

como linguagem-objeto. (...) seu propósito é exibir em linguagem apofântica a linguagem

39 Curso de direito tributário, 2005, p. 516 e Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência, 2005, p. 15 40 Carvalho, Paulo de Barros. “Língua e Linguagem - Signos Lingüísticos - Funções, Formas e Tipos de Linguagem - Hierarquia de Linguagens”. In: Apostila do Curso de Filosofia do Direito I - Lógica Jurídica. Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 41 Adotaremos Direito em letra maiúscula para nos referirmos à Ciência do Direito e em letras minúsculas para o direito positivo.

29

deôntica do direito positivo, recolhendo, pois, tanto normas quanto as condutas

normativamente qualificadas.”42

Em face disso, podemos concluir que a linguagem da Ciência do Direito

possibilita a expedição de proposições capazes de descrever os enunciados prescritivos do

direito positivo. Com efeito, portanto, há que se distinguirem os planos da linguagem do

direito positivo do plano da linguagem da Ciência do Direito, especialmente pela função

que cada uma desempenha no processo comunicacional do Direito.

As proposições do direito positivo se revestem de uma linguagem prescritiva,

ordenativa, de condutas; já as proposições da Ciência do Direito apresentam-se como

linguagem descritiva, denotativa ou referencial. Essa diferença na função da linguagem se

faz no plano de sentido pragmático.

Além dessa cunhagem diferencial de função da linguagem do direito positivo e da

Ciência do Direito, é possível distingui-las também no plano sintático, de natureza lógica.

Como dito acima, a Ciência do Direito se expressa por proposições descritivas e, por essa

forma, são experimentadas pelos valores de verdade ou de falsidade da Lógica

Apofântica.43 Formalizando, podemos dizer que são fórmulas do tipo “A é B” e que, por

isso, experimentam o sucesso da verdade ou falsidade da proposição.

Diferentemente, a linguagem prescritiva do direito positivo é testada pelos valores

válido ou não-válido, próprios da Lógica Deôntica.44 Vale notar que não são os

comportamentos humanos a experimentarem o sucesso da validade ou invalidade dessa

linguagem; as proposições desta linguagem objetivam tão somente modificar os

comportamentos sem, entretanto, expô-los a teste.

Isso significa tão somente que o comportamento humano, contrário a uma

prescrição normativa, não afeta o seu valor de verdade/falsidade, pois, em termos

científicos, a norma jurídica é válida ou inválida.45

42 Vilanova, Lourival. Norma jurídica – Proposição Jurídica (Significação semiótica). RDP 61/12, p. 12 43 Idem 44 Ibidem 45 Trataremos sobre validade da norma em subtítulo próprio.

30

Destaque-se, como fez Lourival Vilanova,46 que o ilícito não invalida a

proposição normativa correlata, sob pena de ruir o respectivo sistema de normas. Para este

consagrado jusfilósofo, “a proposição que recolhe o caso concreto discrepante do tipo

normativo é proposição descritiva de um estado-de-coisas (de conduta que, de fato,

descumpre o juridicamente estatuído); todavia tal proposição descritiva não pode

invalidar proposição deôntica ou prescritiva.”.

Por derradeiro, o ângulo semântico também oferece uma distinção no plano das

linguagens do direito positivo e da Ciência do Direito.47 Esse plano estreita o intervalo

interpretativo entre as linguagens do direito positivo e da linguagem social, haja vista estar

voltado ao sentido das condutas intersubjetivas no seu contexto social. No que atina à

Ciência do Direito, o uso da linguagem, na função semântica, propicia a formulação de

proposições cujo objetivo é proporcionar uma melhor compreensão das ordens e dos

valores emanados pelos textos do direito positivo (textos legais).

Insta salientar, que tal discurso tem natureza eminentemente descritiva, fala de seu

objeto, o direito positivo, que, por sua vez, também se apresenta como um estrato de

linguagem, porém de cunho prescritivo.

A Ciência do Direito deve ser entendida como o conjunto de proposições

descritivas a respeito de um determinado sistema de direito positivo, cuja finalidade é

investigar, interpretar e descrever o feixe de normas jurídicas que tem como objetivo

ordenar as relações intersubjetivas.

Igualmente, trata-se de linguagem de sobrenível (pois descreve um objeto que, por

sua vez, também está vertido em linguagem), de natureza descritiva (sendo a “verdade” e a

“falsidade” seus valores prevalentes), cuja base empírica serão os textos legais que

veiculam as normas do direito positivo, os quais são depurados mediante a substituição de

termos imprecisos por outros, buscando sempre que possível a univocidade dos vocábulos

lingüísticos.

46 Vilanova, Lourival. 1997, p. 106. 47 Carvalho, Paulo de Barros. “A visão Semiótica na Interpretação do Direito”, 1997, p.6.

31

De qualquer maneira, a linguagem da Ciência do Direito sempre será empregada

de modo a assegurar um “processo de elucidação” com a apresentação do sentido de

eventuais termos “ambíguos” ou “vagos” empregados na linguagem.

Para a afirmação de conceitos, importa anotar que empregamos o termo “ciência”

como o “conjunto de proposições descritivas, passíveis de verificação empírica, acerca de

um objeto suficientemente demarcado: no caso, os enunciados de direito positivo”.48

Segundo Paulo de Barros Carvalho, para isolar o Direito é necessário promover

um corte no domínio heterogêneo da linguagem que recobre todo o espaço da vida social,

provocando, com isso, o aparecimento de um subdomínio homogêneo em que se situa a

linguagem prescritiva. Nesta camada de linguagem, realiza-se outro talho selecionando o

outro subdomínio formado pela linguagem prescritiva do direito positivo, com o qual se

identificam os enunciados prescritivos que exibem a característica da juridicidade.49

Neste particular, observe-se que a juridicidade de um enunciado prescritivo

qualquer não poderá ser atestada pelo exame do seu próprio corpo de enunciado. Isto

ocorre porque a diferença existente entre um enunciado prescritivo jurídico e outro

enunciado qualquer é, justamente, o sistema de enunciados em que o primeiro está

inserido.

A compreensão de juridicidade desloca o predicado “ser-jurídico” dos enunciados

prescritivos para o conjunto em que estes enunciados estão contidos, do mesmo modo

como Norberto Bobbio deslocou a questão de ser jurídica a norma pertencente a um

ordenamento jurídico. Segundo este jusfilósofo, “o problema da definição do Direito se

torna um problema de definição de um ordenamento normativo e, conseqüentemente,

diferenciação entre este tipo de ordenamento normativo e um outro, não o de definição de

um tipo de normas.”50

Em razão disso, na esteira de Bobbio, devemos inferir que para identificar um

enunciado prescritivo jurídico bastará constatar que ele pertence à linguagem do direito

positivo. Conclui-se, portanto, inútil será qualquer esforço para demarcar o direito positivo

48 Santi, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 1999, p. 50 49 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2005, p. 4

50 Teoria do Ordenamento Jurídico. 2006, p. 28

32

indo diretamente aos enunciados que o compõe, o que só será possível pela consideração

de todo o conjunto de enunciados.

11. Os planos lingüísticos do direito – enunciado e norma

Diante dos aspectos da linguagem acima comentados, podemos reafirmar que o

direito positivo aparecerá sempre como fato comunicacional, cuja expressão se dá em

planos distintos, aparecendo primeiramente como produto legislado,51 na feição de

enunciado legal e, em segundo plano, como produto regulador, na estrutura de uma norma

jurídica.

Vale notar que o plano dos enunciados legais é um plano de expressão textual do

direito positivo e encontra-se como pressuposto do plano normativo, das normas jurídicas.

Assim, é necessário evidenciar que o direito positivo se manifesta pelos planos de

expressão e de conteúdo, revelando-se a importância em se ter discernimento acerca da

diferença semântica entre enunciados e normas jurídicas para a manipulação do Direito.52

A proposta deste capítulo vem no sentido epistemológico, pois se tenta demarcar

os pressupostos que serviram de instrumentos para a manipulação do direito positivo,

como adiante tentaremos demonstrar.

11.1. Produto positivado – texto legal enunciado

Ao reconhecermos na linguagem o único meio de se construir a expressão dos

objetos do mundo físico, levando-se em conta o seu suporte físico, o significado e a

significação, entusiasmadamente a tomamos como ferramenta eficiente para o isolamento

do direito no universo lingüístico para dele conhecer o seu conteúdo.

Trata-se de um isolamento gnosiológico, em que podemos restringir a nossa

análise ao estrato de linguagem do direito positivo, como discurso produzido pela

51 Sentido amplo de produto introduzido no sistema do direito positivo 52 Carvalho, Paulo de Barros. Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2005, p. 59/61.

33

linguagem do legislador.53 Com isso, vemos a importância de destacarmos o estrato de

linguagem, como objeto significado, produzido pelo legislador (sentido amplo), e como

plano de expressão do direito positivo, ou seja, somente como texto legal produzido.

Queremos enfocar que a produção e a introdução de enunciados legais, como

objeto do direito, nos possibilitam o acesso, num primeiro momento, tão somente ao

produto legislado, ao texto legal especificamente.

Assim, o direito positivo é o conjunto de enunciados prescritivos produzidos pela

autoridade competente, como pressuposto das normas jurídicas reguladoras das condutas

humanas. Com efeito, não pode ser considerada uma proposição da Ciência do Direito,

pois se trata de um texto legal, visto suas características lingüísticas serem incompatíveis

com o discurso científico.

Temos, nesse estrato lingüístico, um texto de natureza prescritiva, cujos valores

vigentes são os da lógica deôntica54 (válido e não-válido), tendo como escopo influenciar

as relações intersubjetivas ocorridas entre os indivíduos do lugar no qual propaga seus

efeitos.

O produto positivado, portanto, como texto de direito, em hipótese alguma, pode

ser confundido com as proposições da Ciência do Direito, já que se trata de corpos de

linguagem diversos, com discursos díspares e incompatíveis e com funções semânticas e

pragmáticas diferentes.

Nesse universo lingüístico, identificamos o texto legal como o objeto empírico da

Ciência do Direito. É sobre esse texto que o operador do direito debruça-se com o intuito

de interpretá-lo e descrevê-lo de modo a poder extrair de seu interior as normas que

nortearão o comportamento dos indivíduos em suas relações intersubjetivas.

53 Em sentido amplo para amparar toda e qualquer autoridade competente para introduzir enunciados legais no sistema do direito positivo, assim abrange os parlamentares que introduzem leis (em sentido amplo), os magistrados que expedem sentenças/acórdãos, as autoridades administrativas que procedem autuações e até mesmo os particulares quando celebram contratos. 54 Vilanova, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 1997, p. 106.

34

O produto positivado é documento normativo e, bem nesse sentido, vem à lição de

Tárek Moysés Moussallem, para quem a Constituição Federal, emenda constitucional, lei

complementar, lei ordinária, decreto, portaria, instrução normativa, sentença, acórdão, ato

administrativo, contrato, etc., são invólucros compostos por enunciados, que não vêm a ser

as normas.55

Como se percebe, o produto legislado é o plano de expressão do direito positivo e

esse é corpo lingüístico que possibilita a estimulação de mensagens deônticas. Nessa linha,

inevitável não destacar que o legislador56 não cria normas, não produz significações

normativas. Ele se limita a introduzir enunciados legais no sistema do direito positivo.

Assim também agem os magistrados e os Tribunais em relação às sentenças e acórdãos,

bem como as autoridades administrativas, na lavratura de autos de infração e imposição de

multa, e, até mesmo, os particulares em relação à celebração de contratos; todos eles

expedem enunciados que viabilizam a produção de significados necessários para a

construção de normas jurídicas.

Obviamente que o processo de construção da significação deôntica não decorre

exclusivamente do plano de expressão, dos enunciados. Esse é o primeiro dado para

impulsionar o processo;57 há tantos outros relevantes, sem os quais não se chegará com

rigor à significação do deôntico, tais como: valores, circunstâncias históricas, políticas,

ideologias e tantas outras circunstâncias que interferem no processo de produção do

sentido jurídico de determinada norma. São inerentes ao processo de significação as

associações de sentidos, pois, visa-se a buscar o contexto em que a norma poderá ser

construída.

Assim, para o direito, não pode haver texto sem contexto.58

55 Moussallem, Tárek Moysés. As fontes do direito tributário. 2006, p. 166 56 Sentido amplo, abrangendo toda autoridade competente para expedir enunciados legais. 57 Paulo de Barros Carvalho diz que o texto é ponto de partida para a formação das significações e, ao mesmo tempo, para a referência aos entes significados, perfazendo aquela estrutura triádica ou trilateral que é própria das unidades sígnicas. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 17. 58 Carvalho, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 18.

35

11.2. Produto regulador – norma jurídica

Entendemos como produto regulador a entidade originada em decorrência do

processo de construção de uma significação deôntica completa, que tem como pressuposto

a existência de enunciados legais. É a norma jurídica, dotada de comando normativo

regulador das relações intersubjetivas.

A norma jurídica é a significação que obtemos por meio da leitura e interpretação

dos textos de direito positivo. É ato cognitivo, produzido dentro da mente do intérprete,

resultado da percepção sensorial do mundo exterior e selecionado pelos sentidos. É,

exatamente, o objeto empírico da Ciência do Direito.

Quanto à sua estrutura, pode-se afirmar que a norma jurídica possui estrutura

dual,59 ou seja, é composta por duas partes distintas denominadas de hipótese60 e

conseqüente. A hipótese, de natureza descritiva, reproduz uma situação do mundo

fenomênico que, ao se verificar, acarretará o nascimento de uma relação jurídica cuja

prescrição encontra-se no conseqüente da norma.61

Nas palavras de Lourival Vilanova, a proposição normativa, mostra estrutura

implicacional: se se dá um fato “F”, recolhido numa proposição “p”, um sujeito se coloca

em relação deôntica com outro sujeito.62

Por assim ser, a norma jurídica possuirá sentido deôntico completo quando for

formada, a partir do direito positivo, pela descrição de um evento, como uma hipótese, a

qual servirá de pressuposto a desencadear uma conseqüência, representada, por sua vez,

por uma proposição relacional prescritiva de uma conduta proibida, permitida ou obrigada

(uma conduta modalizada).

59 Não nos referimos à teoria da estrutura dual da norma como sendo norma primária (preceito primário) e norma secundária (norma sancionadora) a que se refere Lourival Vilanova em As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 111. Trata-se da estrutura dual interna da norma. 60 Adotaremos o termo “hipótese” para fazer referência ao pressuposto das normas abstratas e o termos “antecedente” para as normas concretas. 61 Cléber Giardino já defendia essa estrutura em meados de 1980, em “Introdução à teoria das reduções tributárias”, RDT, 13-14, págs. 224/236. 62 Vilanova, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 112

36

Vale notar que a estrutura formal da norma nada diz sobre fatos ou

comportamentos; insta destacar que servirá à necessidade de atestar que a um fato

pressupõe a existência de outro. Isso só nos ajudará a entender que a norma, sob essa

perspectiva, deve conter elementos mínimos para a constituição de uma relação jurídica.

O preenchimento do conteúdo da hipótese e do conseqüente normativo dependerá

de interpretação do texto do direito positivo, em que haverá que se identificar o evento

descrito e as correspondentes relações que dele (evento) irradiam.

Assim, os elementos normativos são construídos pelo intérprete do direito positivo

a partir de seu contato com a textualidade dos enunciados introduzidos no sistema

jurídico.63 O percurso do intérprete pelo texto do direito positivo é que o estimulará à

produção de um juízo acerca do que está nele e ao seu redor incrustado, explícita ou

implicitamente. É a presença da sincronia entre texto e contexto proporcionando a

formulação de uma proposição deôntica, cuja mensagem e informação acerca de

determinado comportamento se constituem no conteúdo material da norma jurídica. Assim,

saberá se o comportamento é permitido, proibido ou obrigatório.

Paulo de Barros Carvalho assevera, nesse sentido, que a “norma jurídica é a

significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo

que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado

pelos sentidos. Vejo os símbolos lingüísticos marcados no papel, bem como ouço a

mensagem sonora que me é dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreensão

sensorial propicia outro, no qual associo idéias ou noções para formar um juízo, que se

apresenta, finalmente, como proposição.”64 Como corolário, a norma jurídica é a

significação dos enunciados prescritivos do direito positivo e de seu contexto.

No universo de enunciados e normas não vemos correspondência quantitativa entre

uns e outras. Com certeza, encontraremos uma quantidade de enunciados totalmente

diversa da de normas, assim podemos encontrar um número maior de normas do que de

enunciados ou, até mesmo, maior de enunciados em relação às normas.

63 Sobre sistema jurídico aduziremos na seqüência. 64 Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 2005, p.8.

37

Isso se deve pelo fato de que tratamos de universos distintos, de planos lingüísticos

distintos. Esses planos indicam que a construção das normas decorrem da interpretação do

plano de expressão dos enunciados e, portanto, podemos ter v.g. para alguns enunciados

uma única norma ou, do contrário, um único enunciado possibilitar algumas normas (se

bem que mais incomum no direito positivo brasileiro).

Outro aspecto relevante da norma jurídica é que, no seu plano abstrato,65 podemos

antever uma relação implicacional da proposição-hipótese, como elemento descritivo de

um evento hipotético, com a proposição-tese, a qual prescreve critérios necessários à

constituição de uma relação jurídica qualquer entre sujeitos de direitos e deveres e, por

isso, predicamos de conseqüente normativo.

O que vale notar nesse cenário é que os elementos proposicionais da norma jurídica

(hipótese e tese) fornecem critérios para a constituição de fatos jurídicos e das respectivas

relações jurídicas que deles se desencadearam, regulando-as.

Em remate, é no conseqüente da norma jurídica, mais precisamente nos critérios da

relação jurídica prescrita, que encontramos um “dever-ser” modalizado pelos imperativos

permitido, proibido e obrigatório, regulando as relações intersubjetivas.

12. Texto e contexto – sistemas normativos

Em uma conformação da linguagem na busca de sentido, não podemos admitir a

hipótese de existir “texto sem contexto”.66 O texto é instância física com o qual o homem

toma contato para a produção de significações. Essas significações, no entanto, não

decorrem pura e simplesmente desse contato físico; são, na verdade, o resultado de idéias,

noções, sensações experimentadas juntamente com o contato físico do texto.

65 Abstrato no sentido de não existir ainda uma relação jurídica concreta, efetivamente amoldada àquela hipótese por ato de aplicação do direito. 66 Expressão utilizada por Paulo de Barros Carvalho em Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 18

38

Como assevera Paulo de Barros Carvalho, “o texto é o ponto de partida para a

formação das significações e, ao mesmo tempo, para a referência aos entes significados,

perfazendo aquela estrutura triádica ou trilateral que é própria das unidades sígnicas.”67

Por assim ser, o texto ganha conotação relacional, agregando à sua instância física

uma porção de tantas outras instâncias textuais que acabam por gerar associações e, por

conseqüência, possibilitar as significações.

Essas associações não pertencem mais ao domínio do texto e, sim, do contexto, e é

nesse sentido que Paulo de Barros Carvalho afirma que “surge logo uma distinção que há

de ser feita: texto em sentido estrito e texto em acepção ampla. Strictu sensu, texto se

restringe ao plano dos enunciados como suportes de significações, de caráter

eminentemente físico, expresso na seqüência material do eixo sintagmático. Mas não há

texto sem contexto, pois a compreensão da mensagem pressupõe necessariamente uma

série de associações que poderíamos referir como lingüísticas e extralingüísticas.”68

Em relação a isso, assevera Alf Ross que o “o processo de comunicação (ou mais

brevemente, `a comunicação’) depende de algo mais que de fatores lingüísticos. Sabe-se

que a comunicação, em relação tanto à intenção do emissor quanto ao efeito produzido no

receptor, depende de seu contexto, tomado em seu sentido amplo, isto é, depende da total

situação vital concreta em que a comunicação ocorre.”69

Decorrente dessas manifestações é que podemos vislumbrar que, sem

ingressarmos na sua estrutura contextual, o enunciado lingüístico (texto) por si só, em sua

instância eminentemente físico-material, não possui significação.

Com efeito, a significação decorre da idéia de texto e contexto e, tendo em vista

isso, somos levados a pensar na unidade do discurso lingüístico, visando buscar a sua

67 Carvalho, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 17 68 Idem, p. 18. 69 O original consta assim: “El proceso de comunicación (o más brevemente, `la comunicación’) depende de algo más que de factores lingüísticos. Como es sabido, la comunicación, em relación tanto la intención del emisor como al efecto producido em el receptor, depende de su contexto, tomado en un sentido amplio, esto es, depende de La situación vital concreta en la situacón ocurre.”. ROSS, Alf. Logica de las normas, 1971, p. 14.

39

uniformidade e entender como o direito regula as relações intersubjetivas por meio das

normas.

Ainda na esteira de Paulo de Barros Carvalho, vale lembrar que “como

significações construídas a partir dos enunciados prescritivos, as normas jurídicas existem

num universo de discurso que é o sistema de direito posto.”70

Assim, em termos científicos, podemos aduzir que a idéia de sistema é que nos

trará um discurso jurídico coerente e uniforme. No entanto, acerca do termo “sistema”,

cumpre-nos destacar, de início, que há grande instabilidade semântica no seu emprego e,

em face disso, há também infindáveis discussões filosóficas e científicas71 sobre a forma

sistematizada para se chegar ao conhecimento. Por envolver questão da ontologia, não

vamos manifestar um juízo a esse respeito. Partiremos da adesão ao conceito de sistema

como “um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma

referência determinada”.72

Registre-se também a importância da classificação de sistema feita por Hans

Kelsen em que fala acerca dos sistemas dinâmicos73 (em que as normas são deduzidas

umas das outras por sucessivas delegações de poder) e estáticos (em que as normas se

interligam no que se refere ao seu conteúdo). Assim também enriquecedora a classificação

feita por Marcelo Neves, sobre a qual aderimos à idéia de sistema proposicional,

nomoempírico descritivo (para enunciados da Ciência do Direito) ou prescritivo (para

enunciados do direito positivo).74

Vale observar que o direito positivo, como discurso jurídico (texto e contexto),

passa a ser visto como um ordenamento de enunciados e de normas. Nesse sentido, Tércio

Sampaio Ferraz Júnior certifica que, no direito contemporâneo, a dogmática tende a ver o

70 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 41 71 Bobbio, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 2006, p. 71 72 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 43 73 Teoria Pura do Direito, 2006, p. 219. 74 Teoria da inconstitucionalidade das leis. Saraiva, 1988, p. 4.

40

ordenamento jurídico como um conjunto sistemático e, por isso, segundo ele, quem fala em

ordenamento pensa, logo, em sistema.75

Em consonância com o conceito de sistema acima colacionado, Norberto

Bobbio, ao estudar a coerência do ordenamento jurídico, formulou a seguinte idéia:

“Entendemos por ‘sistema´ uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais

existe uma certa ordem.76

Conquanto esteja aberta a discussão ontológica sobre sistema, fiquemos

aqui com a idéia fundamental de um conjunto de elementos relacionados uniformemente

entre si, em face de uma mesma referência e segundo uma estrutura única.

Em termos paradigmáticos, mas enfocando o sistema das línguas, José

Luiz Fiorin afirma que “o sistema é um conjunto de elementos com uma organização

interna, ou seja, com uma estrutura.”77

Assim, destaca-se que a estrutura do sistema é escalonada, caracterizando-se

como um conjunto de regras que estabelecem as diferentes relações internas de

coordenação (horizontalidade) e de subordinação78 (verticalidade) entre os elementos do

conjunto.

Com fulcro nessas premissas, podemos afirmar que um conjunto qualquer de

normas, agrupadas sem critério, não se encaixa no conceito de sistema. Será, no máximo,

um conjunto de normas (um simples “repertório” no dizer de Tércio Sampaio Ferraz

Júnior),79 mas jamais um sistema hierárquico de normas.

Em remate desse tema, importa destacar que, ao sistema jurídico, predicam-se

foros de unidade mediante corte metodológico, com o apoio do axioma da “norma

hipotética fundamental” de Kelsen,80 para a qual todas as normas jurídicas convergem em

75 Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 176. 76 Teoria do ordenamento jurídico, 2006, p. 71 77 Fiorin, José Luiz. Linguagem e ideologia. 7ª ed. São Paulo: Ed. Ática. 2000, p. 11. 78 Segundo Tércio Sampaio, “hierarquia é um conjunto de relações, estabelecidas conforme regras de subordinação e de coordenação.” Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 175 79 Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 175. 80 Teoria Pura do Direito, 2006, p.217

41

face da força hierárquica existente entre elas. Por derradeiro, a homogeneidade do sistema

é atestada pela “multiplicidade de normas de mesma índole”81 dentro do sistema.

12.1. Sistema dos enunciados legais

O texto jurídico prescritivo não pode ser confundido com o sistema do direito

positivo. Paulo de Barros Carvalho destaca muito bem acerca da distinção que deve haver

entre “sistema dos enunciados legais” e “sistema do direito positivo”. Para ele, o primeiro

está no plano das literalidades textuais, da morfologia e sintaxe gramaticais. É mero

suporte físico que possibilita tão somente análise vernacular do texto jurídico, sem entrar

no plano de conteúdo do direito.

Trata-se de uma cisão, de cunho estritamente metodológico, para segregar,

analiticamente, o suporte físico (texto) do conteúdo (norma) dos enunciados prescritivos do

direito positivo.

É, quiçá, obra de interesse acadêmico para enfatizar que o texto normativo é o

único e exclusivo dado objetivo para os integrantes da comunidade comunicacional. Essa

objetivação, por meio do texto legal, ganha foros de importância, na medida em que, num

ordenamento jurídico escrito, a ausência de suporte físico implica a ausência de norma

jurídica e, conseqüentemente, a falta de regulamentação das relações intersubjetivas não

previstas.

Segregando a estrutura textual dos enunciados jurídicos, pode-se, num primeiro

momento, fazer a análise morfológica das unidades lingüísticas e detectar a existência de

um conjunto, sintaticamente finito, cujos elementos mantêm uma estrutura sistêmica. É o

que assevera Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que “os textos jurídico-positivos, nessa

dimensão de análise, vão constituir conjuntos finitos de enunciados prescritivos,

racionalmente organizados na forma de sistema.”82

Com essas breves palavras, queremos destacar que não se opera o direito tão

somente com a manipulação do texto jurídico, com a sua base material (mero suporte

81 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 48 82 Idem, p. 66

42

físico). É instintivo, mas é bom que se registre, que o contato com o texto nos leva

imediatamente ao plano do conteúdo do enunciado, porém, na seara científica, mister se

faz ressalvar que uma coisa é análise do plano de expressão e outra coisa é a análise do

plano de conteúdo do enunciado do direito positivo. São sistemas discursivos distintos.

O sistema da literalidade textual permite ao exegeta transitar pelos domínios da

língua (idiomática) e ingressar na análise morfológica e sintática da estrutura enunciada,

podendo avaliar o sentido (sintático) das construções frásicas. É relevante tal experiência,

na medida em que permite uma avaliação prévia do sistema textual que dá base para a

construção das significações de todo o sistema jurídico positivo, permitindo antever

deficiências morfológicas e sintáticas e ignorá-las ou corrigi-las para o ingresso no plano

de conteúdo dos enunciados prescritivos do direito positivo.

Como vimos, é nessa plataforma lingüística que o legislador (sentido amplo)

introduz alterações e faz repercutir, em todo o sistema jurídico positivo os efeitos da sua

mudança que, embora textual, altera o conteúdo das significações dos enunciados legais.

12.2. Sistema das normas

Ingressando agora no plano de conteúdo dos enunciados jurídicos, vamos nos ater

ao limite substancial da significação, isto é, à proposição extraída do enunciado. Isso nos

dá uma idéia de que enunciado aqui é entendido como a base material, articuladamente

produzida pelas regras idiomáticas, e a substância do seu conteúdo como uma proposição

de sentido. Portanto, enunciado e proposição serão tidos como de instâncias materiais

distintas.

Diante dessa evolução, podemos notar que o jurista ingressa em outro sistema, em

um sistema de significações jurídicas em que ele poderá identificar a regulação das

relações humanas (intersubjetividades).

Contudo, esse ingresso, por si só, ainda é limitado. Conquanto o jurista se depare

com o conteúdo dos enunciados prescritivos, enxerga-o de forma isolada, retirando

pequenas porções de significação do deôntico.

43

Agindo assim, o intérprete terá mero contato com a significação do plano básico

do enunciado prescritivo, como unidade do sistema do direito positivo. Nesse angusto

espaço construirá significações também isoladas que não revelarão o verdadeiro teor do

deôntico normativo do sistema positivado. Não irá construir normas jurídicas.

Nesse sentido, veja-se como o exemplo citado por Paulo de Barros Carvalho é

elucidativo: “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.” 83. Como podemos notar, o disposto no artigo 13 da Constituição Federal, embora seja um

enunciado prescritivo, não revela em seu corpo e conteúdo o mínimo do deôntico (o dever-

ser normativo), permanecendo como uma simples frase prescritiva (mera unidade

enunciada). Disso resulta que, se ficássemos limitados a esse domínio, teríamos a seguinte

dúvida: Está bem que é o idioma oficial do Brasil, mas e daí, o que isso significa? Significa

que, somente com esse estrato lingüístico, compreenderíamos que é o idioma oficial do

Brasil e pronto.

Por assim ser, o sistema do direito positivo exige mais do intérprete para que ele

atinja o patamar das normas jurídicas. Reclama a aglutinação e o confronto de enunciados

prescritivos, fazendo com que o intérprete articule e transite pelos “enunciados soltos” 84

por todo o conjunto sistêmico.

É por meio dessa atividade que se revela a existência de um sistema do direito

positivo, em que as unidades se caracterizam como um sistema de normas, diversamente

do sistema de enunciados.85 Assim é que podemos afirmar que as normas jurídicas são

elementos do direito positivo.86

Importa destacar, ainda, que é nesse plano sistêmico que encontramos os “fatos

jurídicos”, as “relações jurídicas”, as “hipóteses” e “conseqüências” jurídicas, todos como

elementos integrantes das normas jurídicas. Por isso, não podemos admitir a hipótese de

83 Ibidem, p. 72 84 Enunciados prescritivos soltos no sentido de unidades sistêmicas isoladas, integrantes de um mesmo conjunto. 85 No sentido anteriormente comentado, ou seja, como mera plataforma física (suporte físico). 86 Lourival Vilanova assevera que “um sistema de normas jurídicas é sistema empírico”. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 247

44

encontrarmos desgarrados do sistema do direito positivo por comporem a estrutura das

normas jurídicas.

É de se ver, então, que os comandos normativos, reguladores das condutas

humanas, estão sempre no sistema do direito positivo, integrados à estrutura condicional

própria das normas jurídicas, correspondendo à fórmula lógica-proposicional

“se...então...deve-ser...”.

Por essas razões, ao aduzirmos acerca do sistema do direito positivo,

vislumbramos um conglomerado de normas em relação estrutural, no plano horizontal e no

vertical. As normas estão organizadas hierarquicamente quando percebemos seu plano

vertical v.g. uma relação jurídica em que observamos as normas a partir da Constituição

Federal, leis complementares, leis ordinárias, decretos, regulamentos, portarias, etc. até

chegarmos à relação concretamente constituída. Podemos falar, aqui, em subordinação das

normas.

De outro modo, a organização pode ocorrer no plano horizontal, em que

detectamos uma relação jurídica a partir de normas coordenadas entre si, sem relação

hierárquica, porém, integrativas. É o que se chama de coordenação das normas.

Com efeito, o sistema do direito positivo apresenta-se como um sistema de

normas, cuja composição vertical se dá por elementos derivados, material e formalmente,

uns dos outros, em que a hierarquia vem de alto a baixo atestando as respectivas

competências. De outro modo, olhando-se o sistema do direito positivo de baixo para cima,

podemos atestar que cada norma está fundada em outras que lhe são superiores, atestando

as respectivas validades.

13. A interpretação no direito

Temos falado até aqui sobre a influência da linguagem no direito, mediante a qual

procuramos analisá-lo partindo do seu estrato lingüístico, nos seus planos, de expressão e

de conteúdo, em que sempre nos deparamos com as entidades que o caracterizam: os

suportes físicos, os significados e as significações.

45

Assim, como fenômeno de coerência de nosso discurso, que pretende ser

científico, é mister falarmos acerca de como se dá a interpretação do direito nesse sistema

de linguagem.

Assim, convém destacar que a aplicação87 do direito pressupõe a interpretação,

entendida como atividade cognoscitiva, norteada por regras hermenêuticas, tendente a

buscar o sentido, o alcance e o conteúdo das normas jurídicas.

Todavia, a doutrina tradicional sempre fez referência ao método de interpretação do

direito, apontando como hermenêutica jurídica algumas técnicas de interpretação que

pretendiam “buscar” o conteúdo das significações dos textos legais. Sempre foi uma

metodologia voltada a identificar a “vontade” do legislador88 como se fosse possível

“encontrar” uma significação separada do próprio texto legal. Sempre se teve uma noção

de que interpretar era usar técnicas hermenêuticas para “identificar” a significação que

estava “por detrás” do texto legal.

Exemplo claro dessa doutrina é citado por Paulo de Barros Carvalho,89 em que

aponta a clássica obra Hermenêutica e aplicação do direito, de Carlos Maximiliano, que

adota o modelo convencional, cuja orientação vem no sentido de que se faça o uso dos

métodos tradicionais, como a interpretação literal ou gramatical, o histórico, o lógico, o

teleológico e o sistemático. Por tão conhecidos, esses métodos dispensam maiores

detalhamentos. Por relevante, lembra o autor que essa doutrina convencional sempre

considerou, equivocadamente, a integração como um processo fora da interpretação, até

porque levada a essa inclinação pelo próprio Código Tributário Nacional – CTN - que

segregou os conceitos como se fossem processos distintos de conhecimento.

Dessa forma, percebe-se que, para a doutrina convencional, não há uma clara

percepção da hermenêutica e interpretação, ora misturando-se e ora segregando-se o

método hermenêutico da construção de significações.

87 Contudo “aplicação do direito” deve ser entendida como a atividade produtiva de veículos introdutores de normas jurídicas. Nesse sentido vale consultar Eurico Marcos Diniz de Santi. Lançamento tributário, 2001, p. 78; José Souto Maior Borges, Isenções Tributárias, p. 149 e Pontes de Miranda, Incidência e Aplicação da Lei, Revista da Ordem dos Advogados de Pernambuco. 88 Legislador em sentido amplo, abrangendo todo expedidor de atos normativos. 89 Curso de Direito Tributário, 2005, pág. 96

46

Em face disso, importa registrar a necessidade de aclarar a interpretação que

entendemos melhor delimitar esse espectro. Primeiramente, queremos chamar a atenção

para o fato de nos parecer mais adequado à busca das significações normativas a fixação de

um conceito mais abrangente de hermenêutica, adotando-a em sentido amplo, como aduz o

supracitado autor ao sentido de “hermenêutica filosófica”, em que a interpretação não se

limita à teoria científica do método, mas, sim, à interpretação que possibilite a construção

de significações do produto legislado.90

Com efeito, visto o direito como um plano lingüístico, o seu conhecimento exige a

investigação sempre calcada pelos seus planos fundamentais, que são a sintaxe, a

semântica e a pragmática. Com isso, é de se ver que os métodos da hermenêutica científica

estão aglutinados nesses planos lingüísticos e assim distribuídos: (i) da interpretação literal

ou gramatical e lógico estão abrangidos pelo plano sintático, já que é formado pela

“relação que os símbolos lingüísticos mantêm entre si, sem qualquer alusão ao mundo

exterior ao sistema”; (ii) a interpretação histórica e teleológica influem tanto no plano

semântico quanto no pragmático, já que o primeiro plano atina às “ligações dos símbolos

com os objetos significados”, e o segundo refere-se às “formas como os utentes da

linguagem a empregam na comunidade social, para motivar comportamentos”91 e (iii) a

interpretação sistemática, que “envolve os três planos da linguagem”.92

Com isso, deixamos claro que interpretar o discurso prescritivo do direito é

percorrer todos os planos dos sistemas jurídicos que o compõe, notadamente pelos seus

planos lingüísticos, e construir as correspondentes significações normativas.

É por isso que Eros Roberto Grau assevera que é “equívoco

reiteradamente consumado pelos que supõem que se interpretam normas”. Prossegue o

eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, dizendo que “a interpretação é, portanto,

atividade que se presta a transformar textos – disposições, preceitos, enunciados – em

normas”. Nessa linha ele deixa claro, com a remissão a Ruiz e Cárcova, que “as

90 Produto legislado em sentido amplo, abrangendo todos os atos normativos legais e infralegais. 91 Curso de Direito Tributário, 2005, p. 100 92 Nesse mesmo sentido pode-se ver as posições de Alchourrón – sobre interpretação ver Introducción a la metodologia de las ciências jurídicas e sociales, p. 113 e de Bulygin Hacia un critério empírico de validez, p. 23

47

disposições, os enunciados, os textos, nada dizem; eles dizem o que os intérpretes dizem

que eles dizem”. 93

14. Definição e classificação no direito

Segundo o “Dicionário prático de filosofia”, o termo “definição” pode ser

entendido, no sentido etimológico, como oriundo do “latim definire, demarcar, fixar

limites, definir – de fines, limites”. Já com significado comum, pode ser a “afirmação

formulando qualidades próprias a um ser ou a uma coisa e daí o significado da palavra que

designa ou ser ou a coisa. Para a lógica e para a filosofia, “definição” é o “enunciado que

formula a essência de um ser ou de uma coisa (Aristóteles, Tópicos 1, 5, 101 a)”.94

Segundo Luis Alberto Warat, a formulação de uma definição científica percorre o

denominado processo de estipulação ou de elucidação, em que o termo empregado no

discurso científico tem o seu significado especificado de forma mais precisa.95

Podemos ensaiar, em linhas gerais, que definir é delimitar os contornos de um

dado objeto, visando atribuir-lhe convencionalmente um significado; sendo assim, para o

direito,96 o que nos revela mais importante não é a “definição” em si mesma, mas sim a

utilidade da função definidora, pois esta possui a característica de eliminar as

ambigüidades e vaguidades dos termos, tornando-os mais precisos.

Postas dessa forma, as definições servem para buscar uma linguagem unívoca,

digna de um discurso científico.

Segundo Eurico Marcos Diniz de Santi,97 “toda definição é classificatória, na

medida em que compõe duas classes: a que atende e a que não atende ao critério do

93 Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do direito. 3ª ed. 2005, p. 23. 94 Dicionário prático de filosofia, p. 84. Podem ser encontrados outros significados como v.g. “definição de verdade”, “definição estipulativa”, “definição real”, “definição ostensiva” dentre outros, no Dicionário Oxford de Filosofia, de Simon Blackburn; consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes; [trad., Desidério Murcho...et al.] – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Edição de 1997. Págs. 90/92. Há também outros significados em “Dicionário de filosofia”, de Mario Bunge. Editora Perspectiva. [trad. de Gita K. Guinsburg] – São Paulo: Perspectiva, 2002. – (coleção big bang). Págs. 96/97 95 O direito e sua linguagem. 1995, 57. 96 Quando empregamos o termo “Direito”, com a primeira letra maiúscula, fazemos referência como Ciência. 97 As classificações no sistema tributário brasileiro. 1988, p. 129

48

definiens (ser ou não tributo, por exemplo)”. As definições também permitem segregar os

objetos em gêneros e espécies, propiciando uma ordenação do trabalho intelectual e

facilitando a compreensão do intérprete.

Assim, com o emprego de nomes genéricos, permite-se a criação de classes por

meio da agregação de todos os objetos com características semelhantes. Como exemplo,

podemos citar a palavra “mamíferos”, que representa um critério conotativo de uso da

palavra como, no caso exemplificado, de um termo aglutinador de todos os seres

portadores de glândulas mamárias. A existência de glândulas mamárias em alguns animais

é critério denotativo de inclusão na classe dos mamíferos. De outro modo, podemos anotar

a existência de outras características que acabam por representar critérios adicionais a

certos mamíferos, subdividindo-os em subclasses.

Sobre classe e subclasse, Irving Copi entende que “a classe cujos membros se

dividem em subclasses é o gênero e as diversas subclasses são as espécies”.98

As sucessivas divisões de classes e subclasses decorrem de um acréscimo de

predicado, denominado “diferença específica” por Santi, que nos permitem a visualização

do gênero e da espécie. Contudo, como adverte esse autor, as classificações dependem de

nossos interesses e de nossas necessidades.99

Nessa seara, Roque Antonio Carrazza ensina que “as classificações objetivam

acentuar as semelhanças e dessemelhanças em diversos seres, de modo a facilitar a

compreensão do assunto que estiver sendo examinado”. Segundo esse autor, “isto nos leva

a concluir que as classificações não estão no mundo fenomênico (no mundo real), mas na

mente do homem (agente classificador)”.100

Diante desse emaranhado discursivo e mantendo-se na esteira da linguagem do

direito, podemos vislumbrar, então, que há uma classificação no plano do direito positivo e

outra no plano da Ciência do Direito.

98 Introdução à lógica, 1981, p. 128. 99 Lançamento tributário, 1999, p. 208. 100 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 495

49

Segundo Santi, “as classificações no direito positivo têm cunho nitidamente

prescritivo e o fim precípuo de outorgar regimes jurídicos e definir situações jurídicas

específicas aos produtos dessas classificações. De outra parte, as classificações da Ciência

do Direito caracterizam-se por apresentar em linguagem descritiva e, justamente, têm por

objeto descrever as proposições prescritivas do direito positivo”.101

No cotejo dessas classificações, podemos atestar que a classificação pertinente ao

direito positivo, aquela posta pelo legislador,102 estará sempre submetida ao teste da

validade ou invalidade, como a todos os enunciados positivados, segundo a lógica

aplicável ao sistema jurídico a que pertencem. Já no caso da classificação da Ciência do

Direito, elaborada pelo cientista do Direito, por meio de linguagem descritiva própria,

estará submetida à lógica alética, tradicional, cujos valores são o verdadeiro e o falso.

Cuida-se aqui de proposição descritiva que exige coerência lógica dos critérios científicos

empregados para explicar o direito positivo.

De uma forma geral, as classificações no direito hão de observar critérios que

possam cunhá-las de jurídicas. Ademais, qualquer critério que não observe o limite

normativo do direito não produzirá classificação jurídica que lhe sirva com utilidade

aclaradora.

Nesse sentido, afirma Roque Antonio Carrazza que uma classificação jurídica

“deverá necessariamente levar em conta o dado jurídico por excelência: a norma jurídica.

Reforçando a asserção, a norma jurídica é o ponto de partida indispensável de qualquer

classificação que pretenda ser jurídica”.103

14.1. Classificação da norma jurídica

Como corolário do discurso até aqui apresentado, importa destacar agora as

classificações das normas jurídicas a partir da análise da Ciência do Direito, porém,

adotando, sem qualquer inovação, a classificação comumente referida pela doutrina pátria

101 Lançamento tributário, 1999, p. 211 102 No sentido amplo, abrangendo todas as pessoas competentes para introduzir enunciados legais. 103 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 494

50

e pelos meios acadêmicos, por gozar de prestígio em face de sua grande capacidade

elucidativa.

Falamos da classificação das normas jurídicas em individuais ou gerais e

abstratas ou concretas, levando em consideração, como fundamento classificatório,

basicamente os elementos que integram o antecedente e o conseqüente normativo.

14.1.1. Classificação pelo evento/fato do antecedente da norma

Cuidemos, primeiramente, neste subtítulo, da classificação pelo critério do

antecedente normativo em que encontramos o caráter abstrato ou concreto da norma.

Nesse mister, podemos afirmar que a norma jurídica será abstrata ou concreta

conforme a ocorrência ou não, no mundo fenomênico e jurídico, da hipótese descrita no

seu antecedente normativo.

Isso implica dizer que um dos elementos integrantes da norma jurídica é uma

proposição descritiva de um dado evento social cuja ocorrência jurídica104 permite

classificá-la em concreta e a sua não ocorrência em abstrata.

Assim, em outras palavras, podemos dizer também que a norma jurídica abstrata é

composta por uma hipótese descritiva de critérios determinantes de um dado evento, que é

insculpida em forma de enunciado conotativo. Dessa forma, a hipótese conota um evento

futuro, ainda não ocorrido (abstração). Essa classe de norma segue a fórmula: “se ocorrer

o fato F”.

Na seara do direito tributário, podemos aduzir à regra-matriz de incidência como

exemplo de norma abstrata, embora também geral, porque não denote qualquer relação

jurídica ainda, como adiante veremos.

Já acerca da concretude da norma, podemos afirmar que assim será classificada a

norma cujos eventos sociais descritos hipoteticamente na norma abstrata venham a se

104 Vale deixar clara a idéia de que o evento social por si só não terá relevância jurídica se não for vertido em linguagem competente por autoridade igualmente competente. Queremos esclarecer que o importante para o direito não é o fato social, por si só, mas sim sua versão em fato jurídico.

51

concretizar no mundo fenomênico e a sua ocorrência seja relatada em linguagem por

autoridade competente, constituindo-os em fato jurídico.

É de se observar que toda vez que uma autoridade competente constitui um fato

jurídico, com o relato em linguagem competente da ocorrência de uma dada hipótese

normativa, num dado tempo e lugar, a norma jurídica será classificada como concreta. Por

assim ser, não se trata mais de hipótese normativa e, sim, de um fato jurídico, revelando-se

como antecedente da norma concreta um enunciado denotativo. Essa classe de norma

segue a fórmula: “dado ter ocorrido o fato F”.

Como exemplo de norma concreta podemos trazer à colação o lançamento

tributário, em que o sujeito competente105 relata a ocorrência da hipótese prevista na norma

abstrata, promovendo a subsunção de todos os critérios da norma jurídica ao fato jurídico

tributário e implicando a correspondente relação jurídica entre sujeitos determinados

(contribuinte e Fisco). Esta norma, além de concreta, também é individual como veremos

logo abaixo.

14.1.2. Classificação pela relação jurídica do conseqüente da norma

Com semelhante enfoque, vale analisar as normas gerais ou individuais, cuja base

classificatória está calcada nos sujeitos da relação jurídica a ser constituída a partir de

critérios que se encontram no conseqüente dessas normas.

Assim, se o conseqüente normativo estiver prevendo uma relação jurídica entre

sujeitos indeterminados, tratar-se-á de uma norma geral. Cite-se, por exemplo, uma

proposição-conseqüente que estipula uma classe indeterminada de sujeitos, porém finita,

como “proprietários de veículos automotores” os quais deverão pagar o Imposto sobre a

Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Nota-se prima facie que estaremos diante

de uma norma geral porque não sabemos quem são os proprietários de veículos

automotores. Há indeterminação do sujeito.106

105 Referimo-nos à pessoa credenciada pelo sistema para promover o lançamento tributário. 106 Na sintaxe, fala-se em indeterminação do sujeito quando o verbo intransitivo ou transitivo indireto está na 3a pessoa do plural: “falaram mal de você”; ou na 3a do singular com índice de indeterminação: “precisa-se

52

De outro modo, havendo a individualização, mediante a expedição de uma norma

cuja proposição-conseqüente identifique o sujeito da relação jurídica, estaremos diante de

norma individual (o comentário é truísta, mas válido pelo registro retórico).

Na esteira do exemplo acima, imaginemos que o sujeito “Tício de Souza” tenha

sido identificado na norma concreta como sendo proprietário de veículo automotor; a

determinação desse fato implica uma relação jurídica constituída segundo os critérios da

proposição-conseqüente da norma, em que “Tício” estará obrigado a pagar o IPVA ao

respectivo Estado; daí ser essa norma da classe das individuais.

Em remate, importa destacar que a classificação das normas jurídicas, embora

tenha recorrente a aparição na doutrina, não se dá tão somente com a combinação de

normas gerais e abstratas ou individuais e concretas. No sistema do direito positivo,

encontramos várias combinações lógicas entre essas classes normativas, tais como: normas

gerais e concretas, individuais e abstratas e individuais e concretas.

Nesse sentido advertiu Luiz César Souza de Queiroz,107 buscando fundamento em

Kelsen e Bobbio, que a indicação desses binômios (geral e abstrata ou individual e

concreta), como se fossem combinações necessárias, não é correta; são imprecisas quando

assim indicadas porque não condizem com as possibilidades combinatórias.

Essas combinações vão surgindo, segundo Paulo de Barros Carvalho, na medida

em que o direito vai se positivando com vistas à regulação efetiva das condutas

interpessoais. Assim, na hierarquia do direito posto, quanto mais alto for o plano de ação

da norma, mais geral e abstrata ela tende a ser. É o processo de generalização das normas.

Na medida em que se desce nessa escala hierárquica a norma jurídica tende a concretude e

individualização das relações intersubjetivas. É o chamado processo de positivação das

normas jurídicas, caracterizando-se pelo avanço em direção às condutas humanas.108

de pedreiro”. Não é o caso a que nos referimos, pois, estamos a considerar a generalização do texto legal, que não especifica o sujeito. 107 Queiroz, Luiz César Souza de. Sujeição passiva tributária. 2002, p. 48. 108 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 36

53

14.1.3. Classificação da norma pelo caráter da conduta regulada

Embora toda norma vise a regular condutas, é relevante destacar uma outra

classificação normativa em que se segregam (i) as normas voltadas a regular condutas

comuns, relacionadas tão somente às relações interpessoais, denominada pela doutrina de

normas de comportamento ou regras de conduta, das (ii) normas direcionadas a regular

condutas que produzem novas regras jurídicas; são condutas produtoras de novas estruturas

normativas e, por isso, também denominadas pela doutrina de normas de estrutura ou de

produção normativa.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho destacou bem a diferença entre essa classe

de normas, ao dizer que aquilo que se quer expressar sobre norma de comportamento é que

essa regra esgota a qualificação jurídica da conduta, orientando-a em termos decisivos e

finais, como a regra de estrutura, com seu timbre de mediatidade, institui condição,

determina limite ou estabelece outra conduta que servirá para a construção de outras regras

do primeiro tipo (de conduta).109

Como se pode ver, o objeto que permite o discríminem classificatório é o caráter

imediato/mediato da conduta regulada; assim, a conduta imediata (caracterizada pelas

relações interpessoais finais) é objeto da norma de comportamento e a conduta mediata

(caracterizada pela conduta que expede regra para regular outro comportamento)110 objeto

da norma de estrutura.

Segundo Luiz César Souza de Queiroz, essa classificação possui uma relevância

extrema para o estudo do processo de produção do direito.111 Para se ter uma idéia da

importância dessa classificação, basta lembrarmos alguns exemplos. Primeiro, como

normas de comportamento, destaquem-se as regras-matrizes de incidência dos tributos e

aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais (obrigações

109 idem, p. 39 110 Esclareça-se que não se trata, necessariamente, de hierarquia de normas; as normas de conduta não prescindem, necessariamente, de outras normas de inferior hierarquia para alcançar a região material das condutas. 111 Sujeição passiva tributária, 2002, p. 53/54

54

acessórias), oriundas da legislação infraconstitucional,112 dentre tantas outras. Segundo,

como normas de estrutura, invoquemos as normas que outorgam competências tributárias

e as que regulam os procedimentos administrativo-fiscais, para evidenciarmos a relevância

exemplar.

Bobbio, ao falar sobre o ordenamento jurídico, assevera que este é composto por

normas de conduta (que prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter) que estão

alinhadas a outras normas, as de estrutura ou de competência (que prescrevem condições e

os procedimentos por meio dos quais emanam normas de conduta válidas).113

Como exemplos vivos do direito positivo vigente, podemos construir as seguintes

normas com base na legislação114 do IPVA:

Norma de Comportamento (destinada à conduta final):

Antecedente = ser proprietário de veículo automotor, no primeiro dia do ano civil,

no território do Estado.

Conseqüente = o proprietário deverá pagar à Fazenda do Estado a importância

equivalente a 4% do valor venal do veículo.

Norma de Estrutura: (destinada à conduta de produzir outra regra)

Antecedente = dado o fato de o Estado possuir órgão legislativo.

Conseqüente = deve ser a competência para que esse órgão edite normas sobre o

IPVA.

112 Destacamos que só a regra-matriz de incidência prevista na legislação infraconstitucional pode servir de exemplo de norma de conduta, pois, o arquétipo tributário referido por Roque Antonio Carrazza, não pode servir de exemplo dessa espécie de norma por se tratar de norma de competência tributária. 113 Teoria do ordenamento jurídico, 2006, p. 33. 114 Sentido amplo, a contar dos termos da Constituição Federal, CTN, lei ordinária dos Estados, etc.

55

Em remate, vale acrescentar que a presente classificação nos permite a

individualização da categoria normativa e a conseqüente aproximação da análise em

relação ao objeto que cada uma das normas efetivamente regula.

14.1.4. Classificação pelo caráter coativo da norma

O direito positivo, por si só, como estrato lingüístico, não tem o poder de interferir

fisicamente nas condutas humanas; possui, sim, um poder motivador115 psico-jurídico-

social que orienta como devem ser as relações intersubjetivas.

Assim, a depender tão somente desse plano orientador, a finalidade do direito

positivo ficaria condicionada à eficácia social116 das normas, ou seja, a sua finalidade só

seria atingida se a comunidade cumprisse todas as orientações, sem qualquer conflito. Isso

seria um plano ideal, porém utópico dado a complexidade das relações humanas e à

diversidade de interesses, além de infinitos fenômenos de mutação social, econômica, etc.

Diante dessa realidade, o direito positivo possui um aparato coativo no seu

sistema normativo, que visa a incrementar a sua força motivadora e tornar eficaz o seu

poder regulador sobre os comportamentos praticados no seio da comunidade social.

Conforme aduziu Kelsen, é o Poder do Estado como coação.117

Por assim ser, não queremos, com isso, afirmar que a clareza dos enunciados

prescritivos, possibilitando a construção de normas cristalinas, tenha o condão de coagir o

cidadão-administrado118 a cumprir o estatuído no direito positivo.

Na seara do direito positivo, o sujeito passivo de uma determinada relação jurídica

pode cumprir ou descumprir qualquer um dos modais deônticos (permitido, proibido e

obrigado) da norma jurídica. É o arbítrio dele que estará ou não em consonância com as

115 Referimo-nos ao poder de motivação em face do domínio do Estado, a que aduziu Kelsen. Teoria Geral do Estado, 2000, p. 12/13 e 21/22. 116 Como eficácia social queremos significar o cumprimento voluntário de todo o sistema normativo pelo cidadão, acatando-o sem contestação ou conflito. 117 Teoria Geral do Direito e do Estado, 2006, p. 129 118 No sentido de “povo”, como elemento objetivo do Estado, adotado por Celso Ribeiro Bastos, no seu Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 6ª ed. 2004.

56

regras comportamentais estabelecidas pelo Estado para a comunidade social, sem que isso

afete a validade ou eficácia jurídica do sistema normativo.

Em decorrência disso é que surge uma visão maior da estrutura das normas

jurídicas, em que podemos atinar para o caráter unitário do direito positivo, porém,

bifásico, donde se evidencia uma primeira fase com a normatização substantiva das

relações jurídicas, compondo-as com os direitos e deveres e, numa segunda etapa, uma fase

de adjetivação sancionatória dos comportamentos não adequados à primeira fase

normativa.119 É a chamada estrutura completa da norma, decorrente da teoria da estrutura

dual da norma jurídica, em que constam duas partes: a norma primária e a norma

secundária.120 Essa a classificação a que nos referimos aqui.

As chamadas normas primárias estatuem as relações deônticas de direitos e

deveres correlatos; tudo isso se opera em face da verificação dos pressupostos fixados na

proposição descritiva de situações sociais ou já juridicamente qualificadas. No caso das

normas secundárias, preceituam-se as conseqüências do não cumprimento das normas

primárias, estabelecendo-se a sanção correlata.

Nesse cenário, importa destacar que não se trata de uma relação causal entre a

norma primária e secundária, mas de uma relação lógico-jurídica de antecedente e

conseqüente normativos. A norma secundária pressupõe logicamente a determinação

prévia de uma conduta pela norma primária (relação jurídica) e o seu descumprimento é

que ensejará a coação121 estatal por meio de órgão jurisdicional.122 É o Estado motivando

as condutas humanas por meio do seu poder coativo que é exercido, num estado

democrático de direito, pela sua função judiciária.123

A estrutura completa da norma jurídica poderia assim ser representada: “dado o

fato F, então deve-ser reconhecida a existência de relação jurídica entre `Sujeito Ativo -

119 Lourival Vilanova assim predica as normas primárias (substantivas) e secundárias (adjetivas). Causalidade e relação no direito, 2000, p. 123, 126 e 130. 120 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p.111 121 Importante destacar que as normas primárias também podem ter preceito sancionador sem, entretanto, se confundirem com as normas secundárias pela ausência da eficácia coercitiva. Veja “Lançamento Tributário”, de Eurico Marcos Diniz de Santi, 2001, p. 43. 122 Obviamente temos por pressuposto a provocação da máquina judiciária pelo interessado. 123 Na mesma linha. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2001, p. 553.

57

Sa’ e `Sujeito Passivo - Sp’, em que o primeiro tem o direito de exigir um dado objeto do

segundo, e este, o dever jurídico de entregá-lo”; e124 “Dado o fato de `Sp’ não ter cumprido

o seu dever perante `Sa’, então sofrerá os efeitos da decisão imposta pelo Poder

Judiciário”.

Por derradeiro, muito embora essa classificação seja inerente às normas jurídicas

e, ademais, relevante para a Ciência do Direito, importa destacar que, para os fins desta

dissertação, não recorreremos ao emprego da norma secundária, sancionatória, no trato de

nossas análises.

15. A validade da norma no direito

A partir do momento em que tomamos o direito positivo como um sistema

proposicional de normas, composto por vários subsistemas em decorrência das construções

mentais do intérprete, passamos a perceber que há uma relação entre norma e o critério por

ele (sistema) adotado para considerá-la como parte integrante.

É, pois, uma operação de inclusão do elemento normativo na sua classe (pura

construção lógica); daí, sustenta-se que a validade não é propriedade da norma e, sim, uma

relação entre a norma e o critério eleito pelo jurista.125

Pela identidade dos elementos componentes das normas com os critérios eleitos é

que se afirma ser a validade uma relação de pertinencialidade dela com o sistema.126

Assim sendo, a validade da norma equivale à existência; se existe é porque faz

parte do sistema eleito ou, logicamente, se faz parte do sistema é porque existe. Por essa

forma, podemos admitir que o preenchimento dos requisitos necessários implica a entrada

no sistema e, a partir desse ingresso, passa a existir (a norma será válida).

124 Destaque-se que este “e” deve ser tido na função lógica para atestar a validade das proposições primária e secundária, pois, se uma delas não for válida não há estrutura completa da norma, o que implicaria dizer, em direito positivo, inexistência de relação jurídica. É o que assevera Lourival Vilanova quando discorre sobre a “conexão entre norma primária e norma secundária, em “As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, págs. 117 a 122. 125 Martin Diego Farrell, em La metodologia del positivismo lógico, 1979, p. 174. 126 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 50.

58

Lourival Vilanova assegura que “não há norma jurídica que não pertença a um

determinado sistema. Isoladamente, não tem ela o específico característico de valer, de ser

exigível, em sua observância e aplicação. Mesmo diante de toda norma cabe a pergunta: de

onde provém, de onde obtém sua existência válida? Há de provir de um sistema, em cujo

interior se encontram os modos de constituir e de desconstituir normas.”127

Vista a validade dessa forma, pode-se até mesmo criticar o uso da expressão

“norma válida” por caracterizar uma redundância. A norma existe ou não existe; daí que,

ao falar em “norma inválida” incorre-se em uma contradição em termos (se é norma, não

tem como ser inválida).

Diante desse discurso, logo vamos levantando questão correlata no que atina ao

modo de como se reconhecer a validade da norma, a sua existência. Importa dizer que o

próprio sistema jurídico estabelece os requisitos da existência da norma (validade),

mediante a prefixação do órgão competente e o procedimento128 para a sua introdução e,

até mesmo, muitas vezes, delimita a sua matéria. É, em outras palavras, a relação de

pertinencialidade da norma ao sistema do direito positivo.

Note-se que o sistema prescreve o processo de produção normativa e o produto

dele resultante há de ser presumido como norma válida. Disso resulta uma conclusão: se é

o sistema quem cria a norma, só o sistema pode expurgá-la. Trata-se de um processo intra-

sistêmico.

Explique-se que, posta uma proposição prescritiva, ela é presumidamente válida,

até que outra proposição prescritiva a exclua do sistema.

Desse processo resulta uma presunção de existência da norma introduzida no

sistema (presume-se válida a norma). Conquanto possa parecer que a dúvida acerca de

como reconhecer a validade da norma, a sua existência sistêmica, permanece aberta, não

127 Causalidade e relação no direito, 2000, p. 55 128 O modelo kelseniano vem no sentido de ser válida a norma produzida por órgão credenciado pelo sistema e na conformidade com o procedimento também previsto no ordenamento jurídico. Teoria pura do direito, 2006, p. 166/167.

59

nos esqueçamos de que a presunção de validade da norma é juris tantum129 e, portanto, até

prova em contrário, ela será considerada válida.

Ocorre, todavia, que, aos olhos do destinatário da norma, nem sempre é clara a

visão acerca do seu processo de produção ou da autoridade que a introduziu no sistema,

permanecendo a aparência de legitimidade do veículo introdutor ou do órgão emissor. Mas,

ainda que seja explicitamente visível aos olhos do destinatário, a norma continuará válida,

surtindo, inclusive, todos os seus efeitos130 jurídicos.

Essa afirmação, que pode até doer no espírito do justo, vem carregada pelo

pressuposto de que o sistema jurídico é prescritivo e, assim sendo, somente uma prescrição

pode afastar outra prescrição do ordenamento jurídico positivo.

Kelsen asseverou que “as normas de uma ordem jurídica valem enquanto a sua

validade não termina, de acordo com os preceitos dessa ordem jurídica.”131 Em outras

palavras, a norma num sistema jurídico é válida até que o sistema, mediante outra norma

válida, cancele sua validade.

Por essa forma, por mais absurda que possa parecer a norma, a eventual não

submissão do seu destinatário aos efeitos dela decorrentes carecerá de outra prescrição

normativa. Assim como o sistema dispõe de meios para a introdução das normas, possui

também outros meios de eliminação daquelas que não cumpriram os requisitos sistêmicos à

sua introdução.

Como o destinatário da norma não pode, por si só, expulsar a norma do sistema,

ele torna disponíveis meios para ingressar em seu contexto e pleitear a sua invalidação.

Igualmente ao processo de introdução da norma, o processo de expulsão também se dará

por órgão credenciado e procedimento previsto pelo próprio sistema. É o processo,

administrativo ou judicial, conforme a natureza da norma jurídica (geral e abstrata, geral e

concreta, individual e concreta ou individual e abstrata).

129 Presunção relativa que admite prova em contrário. 130 Ressalvamos os efeitos em decorrência de vigência e eficácia serem distintos da validade. 131 Teoria pura do direito, 2006, p. 233

60

Por isso, ninguém, em sã consciência, deixa de cumprir uma norma pela crença,

ou até certeza, de sua ilegalidade ou inconstitucionalidade. Assim, evidencia-se que o

sistema estabeleceu que a validade da norma fosse contemporânea à sua introdução no

sistema (imediata e presumida) ao passo que a sua invalidação depende de nova norma

prescritiva.

Por derradeiro, temos para nós que válida é a norma que pode ser aplicada aos

fatos que pretende regular, ainda que sua vigência tenha sido restrita, no tempo, por outra

norma, permanecendo aplicável tão somente aos fatos praticados ao tempo em que

vigorou.

16. A validade do enunciado legal

Outro cenário da validade diz respeito ao plano dos enunciados legais, do suporte

físico das normas jurídicas, ou seja, dos textos legais em face do sistema de enunciados

prescritivos do direito.

Por essa forma, importa destacar que são diferentes os planos de validade das

normas jurídicas e dos enunciados prescritivos do direito positivo.

Como referido anteriormente, o sistema de enunciados prescritivos é composto

pelo conjunto de enunciados que servem de suporte físico às normas jurídicas. Esse

sistema está estruturado pelo conjunto de documentos legais, normativos, introduzidos

conforme as regras do direito positivo e, por isso, nem todos os enunciados existentes

pertencem ao sistema dos enunciados prescritivos do direito positivo.

Exemplificativamente lembremo-nos do texto da Constituição Federal, das Leis

Complementares, das Leis Ordinárias, dos Decretos, das Portarias, das Instruções

Normativas, etc.

Nesse sentido, é fácil destacarmos dessa realidade sistêmica os enunciados

emitidos por um parlamentar em forma de um relatório de atividades, de um projeto de lei,

um esclarecimento do Governo, publicado no diário oficial, e tantos outros enunciados

61

lingüísticos que, mesmo veiculando informações oficiais dos Poderes do Estado, não são

leis.132

Por essa distinção é que podemos vislumbrar que há uma forma de ingresso no

sistema de enunciados do direito positivo, regulada por ele próprio. Nesse sentido, Tárek

Moysés Moussalem discorre longamente acerca da norma sobre produção jurídica,

dizendo que “a norma sobre produção jurídica descreve, em seu antecedente, um agente

competente e o procedimento prescrito pelo ordenamento para a produção normativa e, em

seu conseqüente, prescreve a obrigação de todos respeitarem as disposições inseridas, pelo

próprio veículo introdutor, no sistema do direito positivo.”133

Com isso, podemos anotar que o direito positivo regula, por meio de normas, a

produção e a alteração dos enunciados prescritivos, compondo o respectivo sistema, o

sistema dos documentos normativos.

Por essa forma, só integrarão o sistema de enunciados prescritivos aqueles

introduzidos por normas jurídicas que resultam da “aplicação da norma sobre a produção

jurídica e são da espécie concreta e geral, construída a partir da leitura da epígrafe e do

preâmbulo134 do documento normativo, responsável por introduzir enunciados prescritivos

no sistema.135 O antecedente desse tipo de norma é composto por um enunciado protocolar

– fato jurídico – que projeta no documento normativo a linguagem constitutiva do agente

competente, do espaço, do tempo em que se realizou a sua atividade, bem como deixa

indícios (nome da espécie do veículo introdutor) do procedimento utilizado para a

confecção do documento. Todos presumidos juris tantum. O conseqüente é composto de

uma relação jurídica modalizada pelo functor obrigatório (O), que prescreve o dever de

toda a comunidade observar as regras jurídicas criadas pelo exercício de uma dada

competência e de um dado procedimento.”.136

132 Em sentido estrito, como espécie normativa de texto legal. 133 Fontes do direito tributário, 2006, p. 171 (item 6.4) 134 Refere-se o autor ao título (epígrafe) v.g. “Lei n. 7777, de 20 de novembro de 2007” e à ementa (preâmbulo) v.g. “Esta lei dispõe sobre o Imposto sobre Produto Industrializados – IPI”, como veículo introdutor. 135 É o denominado “veículo introdutor de normas” a que aduz Tárek Moyses Moussallem em Fontes do Direito Tributário, 2006. 136 Idem, p. 176-177 (item 6.4).

62

Assim, para o sistema dos enunciados prescritivos, válidos serão tão somente os

enunciados que tiverem como pressuposto a validade do seu respectivo veículo introdutor.

Enfim, havendo incongruência entre eles (veículo introdutor e enunciado prescritivo) o

enunciado não será pertinente ao sistema de enunciados e, conclusivamente, não será

válido.

Capítulo 3 - O sistema jurídico-tributário brasileiro

17. Sistema jurídico nacional

Como já referido, o sistema jurídico é o conjunto de normas jurídicas dispostas de

forma harmônica e hierarquicamente organizadas, que mantém uma estrutura unitária com

vínculos de coordenação e subordinação de umas normas em relação às outras.

Em decorrência desse vínculo, podemos antever uma hierarquia de normas que

nos faz logo olhar para o ápice dessa estrutura para sabermos de onde sai o fundamento de

validade de todas elas.

A resposta devemos buscar na norma fundamental de Kelsen, em que

encontramos o axioma de que todo o sistema retira sua validade. Mas, sabendo que a

norma de Kelsen é pressuposta137 e, portanto, como fonte do sistema, estaria ela própria

fora dele, passamos, então, por meio de um corte medotológico, a considerar essa força

axiomática e a fixar o mais alto plano do sistema jurídico na Constituição Federal de 1988.

É na Constituição Federal que encontramos todos os elementos do Estado; ela é o

documento normativo em que “estão incluídas as linhas gerais que disciplinam a

organização dos elementos do Estado, a forma e estrutura dele, o sistema de governo, a

divisão e funcionamento dos Poderes, o modelo econômico, direitos, deveres e garantias

constitucionais, dentre outros.”138

137 Teoria pura do direito, 2006, p. 225 138 Luiz Alberto David Araújo, Curso de Direito Constitucional. 2008, p. 3. Em sentido semelhante José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 2001, p. 37;

63

A Constituição139 é a lei fundamental de uma nação, fruto de um evento político

marcado como Poder Constituinte, que cria o Estado.140

Por essa compleição, podemos vislumbrar que aqui reside o fundamento de

validade de todo o sistema jurídico nacional. Assim, pode-se garantir que o conjunto de

normas construídas diretamente do texto da Constituição Federal constitui o subsistema

jurídico das normas constitucionais do direito positivo brasileiro.141 E, paralelamente a

esse sistema, encontramos o subsistema dos enunciados constitucionais do direito positivo

brasileiro, compondo a base fundamental de todo o sistema jurídico.

Com efeito, podemos, prima facie, anotar que a norma jurídica constitucional

goza de status superior na hierarquia do sistema do direito positivo. Nesse sentido assevera

Roque Antonio Carrazza que “as normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da

pirâmide jurídica, caracterizam-se pela imperatividade de seus comandos, que obrigam não

só as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio

Estado.”142

É dessa seara que didaticamente “recortamos” os demais subsistemas do direito

positivo, assim como, v.g., o direito civil, o penal, o tributário, o processual, etc., que hão

de estar em consonância com a Constituição.

Cumpre observar que, devido ao fato de a Constituição ser entendida numa

concepção mais formal,143 ou seja, são normas constitucionais aquelas que se identificam

com os enunciados insculpidos em seu corpus, a identificação de uma norma

139 Em que pesem os diversos significados que podem ser atribuídos ao termo “Constituição”, ficamos com o sentido de estrutura íntima do Estado como órgão emissor de ordens imperativas e detentor do Poder coercitivo. 140 Estado em sentido amplo, abrangendo todos os órgãos emissores de ordens imperativas e detentor do “monopólio” da coerção. 141 Paulo de Barros Carvalho assevera ser o “fundamento último de validade semântica” do sistema do direito positivo brasileiro, Curso de direito tributário, 2005, p. 102 142 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 34 143 Importa destacar exceção introduzida recentemente na Constituição Federal em que a EC n. 45, de 08 de dezembro de 2004, introduziu o parágrafo 3º ao artigo 5º da Constituição Federal, estabelecendo que os enunciados contidos em tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, gozam de status constitucional equivalente ao status das Emendas Constitucionais. Portanto, aqui está uma exceção à regra de que todas as normas constitucionais estão na Constituição Federal.

64

constitucional prescinde de maiores investigações do seu conteúdo substancial (material).

Ir a fundo no conteúdo da norma constitucional implica, na verdade, a identificação dos

vetores axiológicos que influem na construção das normas em geral, até mesmo das

normas constitucionais, tais como: república, federalismo, soberania, igualdade, segurança

jurídica, etc.

Posto dessa forma, vemos que, no Brasil, não é necessária a investigação do

conteúdo da norma para que seja caracterizada como constitucional e ocupe o patamar

hierarquicamente mais elevado no sistema do direito positivo; basta, para isso, construí-la a

partir dos enunciados constitucionais, ressalvada a exceção anteriormente anotada em

rodapé (EC n. 45/04 sobre direitos humanos).

Importa ressaltar que, muito embora haja diferentes significações adotadas pela

doutrina, pátria e alienígena, acerca do termo “Constituição”,144 preferimos adotar

objetivamente o sentido que leva em consideração a (in)compatibilidade vertical das

normas inferiores com a própria constituição, ou seja, o sentido formal e o material das

normas.

Nessa linha, no sentido formal, aduzimos às normas que são produzidas por

autoridade competente e de acordo com o procedimento estabelecido pela própria

Constituição. Já no sentido material, referimo-nos à substância material ditada pela

constituição para a produção das normas. Ou seja, o conteúdo objetal das normas jurídicas

deve estar em consonância com o conteúdo delimitado nas normas constitucionais.145

144 Celso Ribeiro Bastos, certifica que o sentido amplo de Constituição é "a idéia de que a Constituição é a estrutura íntima de um ser.". Já em sentido estrito, por sua vez, seria possível atribuir sentido (a) material, definida como o conjunto de forças políticas, econômicas, ideológicas, etc., que conforma a realidade de determinado Estado – definição não jurídica (b) substancial, definida pelo conteúdo de suas normas, o qual deveria ser substancialmente constitucional e (c) formal, esse nada tem a ver com uma dada matéria ou com as forças políticas intersubjetivas, mas tão-somente com uma espécie de documento normativo. Curso de Direito Constitucional. 2001, p. 41/47. 145 Roque Antonio Carrazza assegura que a própria norma constitucional deve ser interpretada e aplicada de modo consentâneo com os princípios da Carta Constitucional, Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 44.

65

Assim sendo, o descompasso entre enunciado inferior (leis, decretos, portarias,

etc.) e a Constituição, seja no sentido formal seja material, acarreta a sua

inconstitucionalidade, podendo ser invalidado.

Igualmente, é a partir da Constituição que se regula toda a atividade de produção

normativa, dispondo sobre competência legislativa. Assim, a norma constitucional, além de

estabelecer os órgãos competentes e o procedimento para a introdução de normas jurídicas

no sistema do direito positivo, determina também, em maior ou menor grau, o conteúdo da

norma a ser produzida.

Trata-se, nesse caso, de norma constitucional de estrutura, em que se estabelecem

os modais deônticos da competência normativa, permitindo, proibindo ou obrigando algum

sujeito de direito a criar uma norma jurídica. Essa norma constitucional pode, ainda, em

maior ou menor potência, estabelecer a estrutura normativa, ou seja, pode fixar as

hipóteses e as conseqüências como termos de sua composição.

Por assim ser, evidencia-se que o sistema do direito positivo brasileiro não impede

que a Constituição estabeleça o conteúdo da norma jurídica.146 Essa limitação pode se dar,

em regra, tanto pelos modais, “proibido” e “permitido”, em que a norma jurídica a ser

produzida está proibida ou permitida a conter determinada substância, quanto pelo modal

obrigado, em que a norma jurídica não poderá deixar de conter determinada matéria.

A título exemplificativo, podemos destacar alguns dispositivos da Constituição

Federal de 1988 em que, embora os modais não apareçam tão identificados com os termos

clássicos (permitido, proibido e obrigado), aparecem com suas diversas variantes. Citem-

se, inicialmente, como exemplos relativos aos modais, “permitido” e “proibido”, o “caput”

do artigo 145, cujo enunciado dispõe que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios poderão instituir os seguintes tributos:”; o artigo 150 estabelece que “sem

prejuízos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,

146 Nesse sentido encontramos as lições de Hans Kelsen, para quem a norma jurídica constitucional “tem a atribuição de prescrever positivamente certo conteúdo dos futuros estatutos.” Teoria pura do direito, 2006, p. 249.

66

ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem que lei que o

estabeleça.” (grifos nossos)

Já no que atina ao exemplo do modal “obrigado”, podemos fazer referência ao

inciso I do § 2º do artigo 153, que estabelece que o imposto sobre a renda e proventos de

qualquer natureza “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da

progressividade, na forma da lei;”. (grifos nossos)

Como dito acima, o texto constitucional vem expresso nas variações lingüísticas

dos modais deônticos, mas, ainda assim, explicitam o imperativo da ordem constitucional.

Há, em toda a constituição, normas com esses modais, de maneira que seríamos repetitivos

fossem arrolados mais exemplos.

Por essa forma, podemos ver que a superioridade da Constituição acarreta uma

limitação - material e procedimental - à criação e alteração de enunciados prescritivos do

direito positivo. Com efeito, podemos concluir que a Constituição Federal estabelece o

conteúdo que há de possuir as normas jurídicas introduzidas pelos enunciados produzidos

pelo órgão legislador, num primeiro momento (em face do princípio da legalidade) e, por

conseqüência, em seguida, aos demais órgãos autorizados a introduzir normas jurídicas no

sistema do direito positivo (em face da regulamentação e aplicação do direito).

Na esteira da comentada hierarquia do direito positivo, vale lembrar que o

significado dos enunciados da Constituição Federal se sobrepõe ao significado dos

enunciados da legislação infraconstitucional. Assim, a significação formulada pelo

intérprete acerca dos enunciados de inferior hierarquia, para a construção de normas

jurídicas, há de ser em consonância com o significado dos enunciados constitucionais.

A norma constitucional deve sempre se sobrepor, em termos semânticos, a todos

os ramos do ordenamento jurídico, influindo na construção de todas as normas jurídicas de

inferior hierarquia.

18. Sistema constitucional-tributário brasileiro

Como visto, o conjunto de normas jurídicas constitui o sistema jurídico brasileiro

e a investigação acerca de sua composição permite-nos ver que no ápice desse sistema,

67

encontramos, com características próprias, um subsistema em decorrência do corpo de

enunciados da Constituição Federal - os enunciados constitucionais - formando, então, o

que denominamos de direito constitucional, do qual se produzem as respectivas normas

constitucionais.

Esmiuçando um pouco mais o subsistema constitucional e analisando as suas

porções é possível “dividi-lo”, didaticamente, em tantos outros subsistemas nos quais se

aglutinam características normativas que conotam um objeto material comum. Trata-se, em

verdade, de um conjunto de normas que acabam por constituir outro subsistema, como

aduzimos exemplificativamente, o subsistema do direito constitucional, tributário,

administrativo, civil, comercial, penal, processual, etc.

Disso resulta que, identificando-se a presença de normas jurídicas, dentre tantas

outras no emaranhado de enunciados constitucionais, que regulem, direta ou indiretamente,

a atividade estatal de tributar, tem-se aí o conglomerado de normas constitutivas do

subsistema constitucional tributário.

Note que, como unidade sistêmica, a homogeneidade do subsistema constitucional

tributário se dá pelo fato de estarem todas as normas insculpidas no texto constitucional e

disciplinarem a atividade estatal de criar, fiscalizar e arrecadar tributos. Com efeito, é um

subsistema que, quase exclusivamente, regula a competência tributária atribuída aos entes

políticos tributantes: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

É realidade que a nossa Constituição Federal cuidou minuciosamente da questão

tributária, estabelecendo toda a diretriz normativa para as relações jurídicas envolvendo

matéria dessa natureza.

Nesse sentido, assevera Geraldo Ataliba que algumas constituições se

caracterizam como um “cheque em branco” no que diz respeito à disciplina tributária, sem

regras ou com regras muito frouxas, permitindo discricionariedade da Administração

Pública no trato da matéria tributária.147

147 Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, 1968, p. 31.

68

Não é o caso da Constituição Federal do Brasil que, segundo Roque Antonio

Carrazza, o “nosso constituinte cuidou do tema à exaustão e com esmero, podendo-se dizer

que, neste passo, beirou os limites do casuísmo”.148

Por assim ser, nossa Constituição Federal está caracterizada por uma marca

expressiva de enunciados destinados a regular a matéria tributária, colocados ao lado de

tantos outros destinados a disciplinar a estrutura do Estado, a divisão e organização dos

poderes, os direitos e garantias fundamentais. Por esse paralelo, há de se ver, então, a

importância que galgou o subsistema constitucional tributário.

Como corolário, as disposições constitucionais tributárias estabelecem as balizas

mestras do objeto, material e formal, que as pessoas políticas, União, Estados, Distrito

Federal e os Municípios deverão observar para a produção de normas jurídico-tributárias.

Isso quer dizer que a produção normativa relativa às relações jurídico-tributárias está

integralmente regulada pela Constituição Federal.

Nessa seara, importa destacar que a norma jurídico-tributária caracteriza-se pela

constituição de uma norma infraconstitucional cuja hipótese possui elementos descritivos

de um evento lícito e prescreve em seu conseqüente os critérios para a constituição de uma

relação jurídica entre dois sujeitos, cujo objeto será uma prestação pecuniária devida pelo

sujeito passivo ao Estado, numa relação implicacional.

Por essa forma, podemos ver que o subsistema constitucional tributário regula o

Poder de tributar, limita o Poder do Estado, equiparando-o juridicamente ao do particular,

ou seja, deixando ambos submetidos aos limites impostos pelo direito positivo.

Com efeito, o subsistema constitucional tributário disciplina a limitação ao

“poder” de tributar, estabelecendo o que se conhece como competência tributária. Esta é

caracterizada como um vértice regulador em que vislumbramos a vertente do exercício da

capacidade tributária ativa do Estado (direito de tributar) de um lado e a vertente da

capacidade contributiva do contribuinte (direito de ser tributado até o limite de sua

capacidade econômica) do outro.

148 Conflitos de Competência – Um caso concreto. 1984. p. 30

69

Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza assevera que “entre nós, a força tributante

estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em

seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário

(manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da

autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A

competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são

de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias.”149

Impende registrar que a norma de competência tributária, por estar alçada no

plano constitucional, não está restrita a uma visão pragmática, cuja finalística seria regular

tão somente o comportamento do órgão político tributante; mais que isso, a norma de

competência, para esse mister, possui um perfil completo acerca da matéria tributária.

Assim, ela alcança todas as nuances que implicam uma relação jurídica tributária,

esboçando, então, o arquétipo tributário às pessoas políticas.

Insta dizer que a norma de competência descreve como hipóteses normativas os

eventos possíveis de serem tributados, os fatos jurídicos e as pessoas possíveis de serem

imunes à tributação, a conformação do valor ao fato tributado (base de cálculo e alíquota) e

até mesmo os princípios constitucionais aplicáveis a cada espécie tributária. É a

demarcação do campo de atuação do legislador infraconstitucional.

Por derradeiro, é no bojo do subsistema constitucional tributário que

encontraremos as prescrições normativas acerca do processo legislativo e dos respectivos

documentos normativos, credenciados para introduzir no sistema de enunciados

prescritivos do direito positivo tributário, novos enunciados com substância tributária.

19. O federalismo e o sistema tributário brasileiro

Como visto até aqui, o direito positivo está calcado em um sistema normativo

estruturado hierarquicamente, do qual as normas inferiores retiram o fundamento de

validade das normas superiores.

149 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 469

70

Dessa forma, a criação e alteração do direito positivo atuam como uma referência

circular, em que a aplicação do direito pressupõe a introdução de novos enunciados e

novas normas e ambos pressupõem a existência de enunciados e normas que os precedem

como fundamento de validade. Assim, diz- se que o direito cria o próprio direito.

Nesse mister, estamos aqui a considerar a criação e a alteração do plano de

expressão do direito (corpus), mediante a introdução de enunciados no sistema de

enunciados do direito positivo.

Vale registrar, porém, que o direito como objeto cultural que é, recebe a carga

semântica dos valores que também implicam a sua alteração.

Os valores são a carga quantitativa e qualitativa de afeição psicofísica que

atribuímos a determinados objetos,150 dimensionando-os conforme nossa influência social.

Assim, determinados objetos têm seus valores variantes de indivíduo para indivíduo.

O mesmo ocorre com o direito positivo, pois, embora o signo expresso no direito

positivo (o enunciado) não seja alterado por qualquer outro, ainda, assim, pode ocorrer

alteração semântica dos seus termos. Importa lembrar recente alteração promovida pela Lei

nº 11.106/05 no Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de

1940, cuja causa foi exatamente a alteração do sentido em face da evolução do valor que se

emprestava à expressão “mulher honesta”151 e “mulher virgem”,152 nos crimes sexuais

praticados contra a mulher.

Não fosse a evolução do valor da mulher no seio da sociedade, como titular de

direitos e deveres iguais aos dos homens,153 o adjetivo “honesta” continuaria sendo

elemento nuclear dos crimes sexuais praticados “só” contra mulheres ditas honestas. Como

se admitisse que as mulheres supostamente (ou ainda que fossem assumidamente)

150 No sentido de objeto do conhecimento, coisa a ser explorada. 151 Esta expressão era empregada nos artigos 215 e 216 do CP para os crimes de posse sexual e atentado ao pudor, ambos mediante fraude. 152 Esta expressão constava do artigo 217 do CP que previa o crime de sedução e foi revogado. 153 CF, artigo 5º, inciso I. “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição;”

71

desonestas não poderiam ser vítimas de crimes sexuais (em outras palavras, o agente não

seria considerado criminoso e tampouco punido).

O mesmo se diga a respeito do valor acerca da emancipação sexual da mulher em

que a citada lei revogou o artigo 217, que previa o crime de sedução de mulher virgem e

visava a assegurar a sua virgindade até os 18 anos de idade.

Essa revogação se deve à evolução da sociedade, possivelmente influenciada

pelos movimentos modernistas de igualdade aliadas à prematuridade dos jovens da

sociedade moderna, que propiciou a alteração semântica do conceito, influindo,

primeiramente, na aplicação caso a caso do direito pelos juízes e, posteriormente, com a

alteração sintática dos próprios enunciados do direito positivado pelo legislador.

Assim, além desses breves destaques acerca das possibilidades de intervenção no

sistema do direito positivo, é corolário destacar o comentado no item “classificação da

norma pelo caráter da conduta regulada”, do capítulo II, em que destacamos que esse

sistema jurídico positivo alberga normas destinadas a (a) regular as condutas humanas e (b)

normas destinadas a disciplinar os comportamentos de produção normativa.

Igualmente, a característica hierárquica do direito positivo revela-nos que a cada

uma dessas normas correspondem outras em relação superior, que lhes dão o seu

fundamento de validade.

Desse modo, as normas de produção normativa são normas de estrutura,154 que

estabilizam as nuances do processo legislativo, estabelecendo os limites legiferantes do

órgão introdutor de enunciados no sistema do direito positivo. É a denominada norma de

competência legislativo-tributária.

É por meio de normas dessa natureza que a Constituição garante a divisão do

direito de tributar entre as pessoas políticas que abaixo tentaremos demonstrar.

154 Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 2005, p. 139

72

20. Federalismo e tributação

Conforme ensina Roque Antonio Carrazza, para sabermos as reais dimensões da

competência tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,

precisamos conhecer acerca do federalismo no Brasil.155

Contudo, colocaremos de fora tudo o quanto não for diretamente relacionado à

questão da competência tributária. Portanto, não ingressaremos nas discussões ontológicas

do federalismo, de cunhos filosóficos, históricos, políticos e tantos outros que não

exprimem diretamente idéias sobre a relação federalismo e tributação.

Assim, como intróito deste subitem, queremos registrar que federalismo atina à

forma de composição de um Estado. É o perfil de como se apresenta um Estado e por meio

do qual podemos vislumbrar sua organização.

Fala-se, então, em federação, quando nos referimos ao Estado constituído a partir

da associação de diversos outros Estados, os quais consentem em institucionalizar sua

integração participativa, abrindo-se mão de algumas prerrogativas políticas em prol da

soberania do Estado novo, mas mantendo a sua própria autonomia político-administrativa.

É a chamada união de Estados.156

Assim, o reconhecimento, pelos Estados-membros,157 de um poder supremo e

autônomo do Estado Federal indica a sua característica marcante e distintiva dos demais

Estados/Nações.158

Não deve ser confundida Federação com Confederação de Estados e Estado

Unitário Descentralizado. No primeiro, há uma união de Estados, geralmente de cunho

internacional, formando a confederação sem, entretanto, os Estados-membros perderem a

155 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 123 156 Distingue-se “União de Estados” dos “Estados Simples”, aqui Estado unitário lá associação de vários Estados. 157 Estados-membros abrange o Distrito Federal e os Municípios, também como entes políticos de uma Federação. 158 Nesse sentido Roque Antonio Carrazza afirma que o “traço distintivo e específico do Estado é a soberania, entendido como poder supremo autônomo e originário. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 128

73

sua própria soberania. Diferente, ainda, no segundo caso, identificamos um Estado único,

soberano, em que há a presença de diversos governos autônomos, porém vinculados a um

governo central, cuja competência legislativa é tão ampla que pode até mesmo promover

alteração - ou ainda extinguir - na autonomia dos governos descentralizados.

Baseados nessas sucintas características, já podemos afirmar que o Brasil é uma

Federação159 e, também, fundamentar essa assertiva com base no artigo 1º da Carta Magna,

que estabelece ser “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal...”. Como se não bastasse esse dispositivo,

atentemo-nos para um outro ainda mais relevante; o artigo 60, §4º, inciso I, o qual

estabelece que a “ forma federativa de Estado” não poderá ser abolida por emenda à

Constituição.

Geraldo Ataliba aduz que “Federação implica igualdade jurídica entre a União e

os Estados, traduzida num documento (constitucional) rígido, cuja principal função é

discriminar competências de cada qual, de modo a não ensejar violação da autonomia

recíproca de qualquer das partes.”. Por essa visão, numa Federação a Constituição é alçada

à condição de fundamento da repartição de competências.

Por assim ser, vemos que o princípio federativo é a base da divisão jurídica160 do

Estado Brasileiro. Nesse sentido, professa Roque Antonio Carrazza revelando que, por

força do princípio federativo, convive harmonicamente uma múltipla incidência normativa,

ou seja, a ordem jurídica global (o Estado brasileiro) e as ordens jurídicas parciais (a

União, como ordem central, e os Estados-membros, como ordem periférica) e que essa

159 Michel Temer registra que “o Brasil é Federação desde 15 de novembro de 1889. Segundo ele, o Decreto n. 1, como ato constituinte, fixou que as antigas Províncias ficariam constituindo só ‘Estados Unidos do Brasil”. O Decreto no. 1, de 15 de novembro de 1889, assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que proclamou provisoriamente e decretou, como forma de governo da Nação Brasileira, a República Federativa, e estabelece as normas pelas quais se devem reger os Estados Federais, prescreveu, em seu artigo 1º, que “Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da Nação Brasileira – a República Federativa”. Elementos de Direito Constitucional. 2005, p. 84 160 Aqui expressamos uma idéia ampla de divisão jurídica para abranger todas as atribuições juridicamente possíveis dos Estados-membros, não só a competência tributária.

74

harmonia só é possível por força de rigorosa discriminação de competências no bojo da

Constituição Federal.161

Assim, em outras palavras, a competência se dá pela autonomia legislativa de

cada Estado-membro e da União para expedir enunciados legais que compõem, juntamente

com a Constituição Federal, o sistema do direito positivo do Estado brasileiro.

Com efeito, isso nos revela que essas ordens jurídicas possuem áreas delimitadas

pela Constituição Federal para atuação. A Lei Máxima demarca, então, um controle das

fronteiras da autonomia dos Estados-membros e da União, não podendo qualquer delas

extrapolar esses limites, sob pena de ofensa ao princípio federativo.

No campo tributário, essa demarcação vem explícita às pessoas políticas na

medida em que a Constituição Federal estabelece a cada uma a forma e os meios para

prover as necessidades de seu governo e de sua administração. Para isso, há uma garantia

de receitas tributárias próprias, viabilizadas pela divisão da competência tributante que

serve como suporte à autonomia dos entes federados.

Com efeito, então, evidencia-se que a sobrevivência de uma Federação depende

da não restrição da autonomia dos entes federados, bem como do não abuso da autonomia

por eles mesmos.

Há, em outras palavras, necessidade de uma harmonia das autonomias dos entes

federados, mediante uma equilibrada distribuição de competências para a aferição de

receitas, notadamente tributárias, que sirva de instrumento para preservar o regime

federativo.

Nesse sentido, assevera Sacha Calmon Navarro Coelho, “é essencial à estrutura

federal de Estado a repartição de competência, de modo que cada ordem jurídica parcial,

que somente vale dentro do âmbito territorial de cada ente descentralizado, possa nascer de

Poder Legislativo próprio daquele ente estatal descentralizado”.162

161 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 139 162 Comentários à Constituição de 1988. 2006, p. 20

75

Com efeito, dado que, em decorrência do princípio federativo, cada ente político

necessita obter seus próprios recursos, a Constituição Federal de 1988 estatuiu normas de

competência tributária que conferem às diferentes pessoas políticas de direito público

interno, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, instituir seus próprios

tributos.

21. Competência é norma do sistema jurídico positivo

Diante dessa divisão jurídica do Estado, vemos que, ao lado das normas relativas à

estrutura do Estado, divisão e organização de Poderes, direitos e garantias fundamentais,

convivem disposições acerca da matéria tributária, que conferem competência aos entes

políticos para legislar e, assim, obter recursos financeiros para a satisfação dos interesses

públicos atinentes ao seu território.

Assim, muito se discute, na seara da Ciência Jurídica, o significado da chamada

competência tributária no Estado brasileiro.

Como já destacado anteriormente, a norma jurídica qualificada pela conduta

regulada pode ter como desiderato disciplinar a conduta humana decorrente das relações

intersubjetivas ou o comportamento de produção normativa.

No caso da competência tributária, vemos que há uma norma direcionada aos

Estados-membros,163 autorizando-os, por meio de seus respectivos órgãos legislativos, a

editarem e introduzirem enunciados prescritivos no sistema do direito positivo.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho adverte que não se pode confundir

competência com capacidade tributária ativa. A primeira deve ser entendida como a

habilitação para editar enunciados prescritivos, inovando o direito positivo, a segunda

corresponde à integração ao pólo ativo da relação jurídico-tributária.164

163 Sentido amplo, que abrange também o Distrito Federal e os Municípios. 164 Curso de Direito Tributário, 2005, p. 219.

76

Por assim ser, podemos notar que a expressão “competência tributária”, então,

pode ser entendida no sentido de direito subjetivo de que são titulares os órgãos

legislativos dos Estados-membros para a criação de tributos.

Nessa seara, no entanto, importa registrar que a referida expressão dá margem a

interpretações bem mais abrangentes. Ricardo Lobo Torres, por exemplo, ao falar da

competência recebida pelos Estados-membros, faz alusão a um “poder tributário” que

surge rigidamente limitado pela Constituição e constitui uma especial manifestação do

poder estatal.165

Além disso, a expressão “competência tributária” é mais uma daquelas cujo

significado pode ser atribuído conforme a ênfase que se pretende destacar, ou seja, pode-se

referir à “competência tributária” a fim de identificá-la como parte da soberania do

Estado166; como “poder tributário”167; como “partilha do poder de tributar”168; como

“princípio constitucional”.169

Em que pesem esses empregos pelos mais renomados doutrinadores do país, com

a ênfase peculiar que cada um pretendeu imprimir a seu discurso, o ponto relevante é que

não se pode confundir “poder” com “competência tributária”. O primeiro é pré-jurídico, é

pressuposto do sistema do direito positivo. Já o segundo, diz com o próprio sistema

normativo, é integrante do sistema como elemento normativo.

Nesse sentido, assevera Roque Antonio Carrazza que “no Brasil, por força de uma

série de disposições constitucionais, não há falar em poder tributário (incontrastável,

165 Curso de Direito Financeiro e Tributário. 1998, p. 310. 166 Ruy Barbosa Nogueira identifica competência tributária como parte da soberania do Estado, cujo exercício é regulado pelo Direito Constitucional Tributário. Curso de Direito Tributário. 1995, p. 117 167 Gian Antonio Micheli identifica competência tributária como “poder tributário” a “potestade tributária”. Curso de Direito Tributário. 1978. p. 56/57. Sacha Calmon Navarro Coelho, também faz referência à competência tributária, como “poder” para instituir e exonerar tributos. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 2001, p. 477/478. 168 Hugo de Brito Machado ao discorrer sobre a competência tributária dos Estados-membros, adota, como sinônimas, as expressões “partilha do poder de tributar” e “parcela do poder tributário”, e as elenca entre os princípios jurídicos da tributação. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 2008, p. 40, 272-273. 169 Victor Uckmar entende competência tributária como um verdadeiro princípio de Direito Constitucional Tributário, se reportando a um poder tributário do Estado. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. 1999, p. 104-129.

77

absoluto), mas, tão somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo

direito).170

Seja como for, a expressão “competência tributária” e as suas “variantes

sinonímicas” têm sido empregadas, no mais das vezes, pela Ciência do Direito, para

designar os direitos subjetivos de que são portadores os órgãos legislativos para criar um

dado tributo.

Roque Antonio Carrazza assevera que “competência tributária é a possibilidade de

criar in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência,

seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.”.171

Na mesma linha discorre Paulo de Barros Carvalho, para quem “a competência

tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são

portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a

produção de normas jurídicas sobre tributos.”.172

Além dos autores acima, registre-se a adesão de José Eduardo Soares de Melo173e

de Eduardo Marcial Ferreira Jardim,174 que também, comumente empregam a expressão

“competência tributária” e no mesmo sentido. Há, ainda, no cenário da doutrina nacional,

outros autores que também dão ênfase ao direito subjetivo dos Estados-membros de criar

tributos como indicativo da competência tributária. Citamos José Artur Lima Gonçalves;175

Hugo de Brito Machado;176 Márcio Severo Marques;177 Betina Treiger Grupenmacher,178

Maria do Rosário Esteves179 e Clélio Chiesa.180

170 Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 469 171 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 471 172 Curso de direito tributário, 2005, p. 218 173 Curso de Direito Tributário. 2001, p. 100/104 174 Manual de Direito Financeiro e Tributário. 1999. P. 180-185 175 Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. 2002, p. 88-89 176 Curso de direito tributário. 2008, p. 272 177 Classificação constitucional dos tributos. 2000, p. 93 178 Tratados internacionais em matéria tributária e ordem interna. 1999, p. 37 179 Normas gerais de direito tributário. 1997, p. 57 180 A competência tributária do Estado brasileiro – desonerações nacionais e imunidades condicionadas. 2002, p. 28

78

Assim, pode-se ensaiar que “competência tributária” é norma de competência

legislativo-tributária, em sentido estrito, ou seja, é norma de estrutura que estabelece os

critérios autorizadores para que as pessoas constitucionais possam proceder à edição e à

modificação das regras-matrizes de incidência tributária, instituidoras de seus respectivos

tributos.

Importa notar que tal autorização não é absoluta, devendo observar os limites

formais e materiais para a instituição de tributos que o próprio sistema do direito positivo

impõe.

Há limites a serem observados pelo legislador dos Estados-membros (legislador

infraconstitucional). Os limites formais dizem respeito aos órgãos e ao procedimento de

como devem ser editados os enunciados prescritivos. Já os limites materiais disciplinam o

conteúdo dos enunciados a serem editados pelo ente político competente, sujeito passivo

da norma de competência tributária.

22. Tributo é norma do sistema jurídico positivo

A linguagem adotada pelo legislador não carrega em si mesma o rigor perseguido

pela Ciência do Direito.

O parlamento, em regra, congrega homens das mais diversas experiências e

conhecimentos, cada um com suas influências formadoras, com vocação para representar o

povo segundo os interesses que cada um entende estar representando. Disso, resulta um

emaranhado de enunciados que são introduzidos no sistema de enunciados do direito

positivo, com uma linguagem eivada dessa ascendência heterogênea.

Por esse motivo, importa registrar que o termo “tributo”, empregado na

Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, não é unívoco, dá margem à

ambigüidade e, portanto, dificulta o conhecimento do direito positivo.

79

Tanto é verdade que Paulo de Barros Carvalho registra seis acepções181

comumente encontradas na manipulação do direito positivo brasileiro, tanto pela doutrina

quanto pela jurisprudência. Diz o autor ter encontrado os seguintes significados: “a) tributo

como quantia em dinheiro; b) tributo como prestação correspondente ao dever jurídico do

sujeito passivo; c) tributo como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) tributo

como sinônimo de relação jurídica tributária; e) tributo como norma jurídica tributária; e, f)

tributo como norma, fato e relação jurídica. Eis aí a nossa ambigüidade.

A Constituição Federal possui dezenas de enunciados em que é empregado o

termo “tributo”, assim como encontramos variações decorrentes desse termo, tais como

“tributário” e “tributar” sem, entretanto, qualquer delimitação de seu significado. Se

contarmos, um a um, considerando o termo “tributo” e seus derivados, identificaremos 52

(cinqüenta e duas) referências expressas a eles no texto constitucional.182

O Código Tributário Nacional, por sua vez, prescreve em seu artigo 3º, uma

definição de tributo, porém, como resultado legislativo, vez que a linguagem técnica

empregada não foi suficiente para oferecer um adequado entendimento desse termo.

Por assim ser, a boa doutrina, há muito tempo, vem criticando a atecnia do

legislador acerca da definição de tributo e, como atividade científica, descritiva do direito

positivo, tem tentado oferecer uma definição mais rigorosa desse objeto cognitivo.183

Nesse mister, por ser uma criação do subsistema constitucional tributário e em

face da superior hierarquia que as normas constitucionais exercem sobre as demais normas

da denominada pirâmide jurídica, o significado de “tributo” não pode ser construído a

partir das normas infraconstitucionais.

Assim, se admitimos como critério validador das normas a hierarquia sistêmica,

do mesmo modo não podemos admitir que a definição de termos empregados na

181 Curso de direito tributário, 2005, p. 19 182 Não relacionamos os artigos para não se tornar exaustiva uma mera exemplificação que não agregaria muita coisa ao nosso discurso. 183 A propósito disso Roque Antonio Carrazza ensina que não cabe à lei definir, muito menos à Lei Maior. Segundo ele, definir é missão da doutrina. A lei deve mandar, proibir ou facultar. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 380

80

Constituição Federal sejam definidos pela legislação infraconstitucional num processo de

inversão da pirâmide, especialmente no caso de termos cujo significado implica uma

obrigação jurídica e ainda que a tentativa seja com significado aclarador. Em nosso sistema

jurídico, as significações devem ser buscadas nas normas de superior hierarquia, não o

contrário.

Com efeito, podemos antever que a definição de tributo não pode ficar ao arbítrio

do legislador infraconstitucional, sendo indispensável a sua construção a partir dos

enunciados da Constituição Federal. Essa tem sido a tônica de uma doutrina mais vigorosa

visto que, como profere Roque Antonio Carrazza, “a procura pela verdade científica não

pode terminar na simples leitura de um texto legislativo (ainda mais quando ele briga com

texto legislativo hierarquicamente superior)”.184

Nesse sentido, então, encontramos o esforço da doutrina de José Artur Lima

Gonçalves, em que ao tratar do conceito constitucional de “renda”, para fins de conhecer

sobre o “tributo” incidente sobre a “renda”, teve a feliz constatação de que “admitindo-se

que é a Constituição que confere ao legislador as competências tributárias impositivas, o

âmbito semântico dos veículos lingüísticos por ela adotados para traduzir o conteúdo

dessas regras de competência não pode ficar à disposição de quem recebe a outorga de

competências”.185

Fosse assim, o limite da competência ficaria à discricionariedade do próprio

legislador infraconstitucional e, aí, teríamos o desmoronamento do sistema do direito

positivo brasileiro.

Assim como acontece com o termo “renda”, também o termo “tributo” não

encontra definição no texto constitucional, havendo, portanto, a necessidade de sua

edificação por meio do contexto normativo constitucional, ou seja, há que se promover

construção da definição constitucional de “tributo” a partir das normas constitucionais.186

184 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 42 185 Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. 2002, p. 171 186 Nesse sentido temos o endosso de Roque Antonio Carrazza que adverte que “o fenômeno tributário não pode ser analisa com respaldo, apenas, na legislação infraconstitucional. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 377

81

Em outras palavras, cabe ao intérprete construir o significado de tributo a partir das normas

constitucionais.

Por esse caminho já trilhou Geraldo Ataliba, o qual identificou que as relações

jurídicas decorrentes do sistema jurídico nacional, que se caracterizam pela entrega de

dinheiro ao Estado, são oriundas de situações lícitas ou ilícitas. Assim, concluiu ele, em

face da relação constituída, que a entrega de dinheiro decorrente de condutas lícitas é uma

obrigação tributária e a de ilícitas outras obrigações não tributárias.187

Também com o mesmo ânimo científico, Roque Antonio Carrazza, após

reconhecer que a Constituição não estabeleceu explicitamente o que venha a ser “tributo”,

cuidou de figuras afins a ele, como, v.g., a desapropriação, o serviço militar e outras

obrigações impostas pelo Estado ao cidadão, e concluiu que os contrastes oferecidos pela

Constituição Federal, em termos de relações jurídicas, propicia a construção do significado

de “tributo”. Por esse caminho, ele definiu “tributo” como sendo “a relação jurídica que se

estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida pelo direito positivo), tendo por

base a lei, em moeda, igualitária e decorrente de um fato lícito qualquer.”188

Por entendermos ser esse o caminho adequado para o significado do termo

“tributo” é que também entendemos que a definição oferecida pelo Código Tributário

Nacional, no citado artigo 3º, ou seja, “tributo é toda obrigação pecuniária compulsória, em

moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,

instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, só

será válida189 se estiver em consonância com o significado empreendido pela Constituição

Federal sem, entretanto, existir margem para interpretações restritivas ou extensivas do

significado que lhe é hierarquicamente superior.

187 Conclui Geraldo Ataliba assim: "a obrigação pecuniária, legal, não emergente de fatos ilícitos, em princípio. Estes fatos ilícitos podem ser geradores de multa ou de obrigação de indenizar." Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 37. 188 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 380 189 Como se trata de texto do direito positivo, a validade aqui decorre da lógica deôntica, alética, em que os valores são a validade e invalidade dos termos, e não da lógica apofântica cujos valores são a verdade e falsidade.

82

Como se observa, quer-nos parecer que a definição constitucional de “tributo”

exige a fixação em dois termos normativos que podem ser extraídos por meio da estrutura

analítica190 das normas jurídico-constitucionais que regem as obrigações; o primeiro diz

respeito à instituição por lei de uma hipótese obrigacional de ato lícito, praticado

discricionariamente pelo sujeito administrado e, como segundo termo, a conseqüência de

entregar dinheiro, pelo sujeito que praticou o ato discricionário, ao órgão credenciado por

aquela lei.

A existência desses elementos no antecedente e conseqüente da norma jurídica a

discrimina das demais normas jurídicas, permitindo-nos a identificação do significado de

“tributo” e a individualização como norma jurídico-tributária.

Por derradeiro, tributo é norma jurídico-tributária, em cujo antecedente

encontramos a descrição de critérios de um evento hipotético, cuja ocorrência implica uma

relação jurídica entre dois sujeitos em torno de um objeto pecuniário, devido pelo sujeito

passivo ao sujeito ativo. É esse o conceito de “tributo” que enredaremos nesta dissertação.

23. Princípios jurídicos constitucionais

A manipulação do direito positivo pelo intérprete exige, de imediato, o seu

contato com o sistema de enunciados do direito positivo. É, na verdade, o contato do

intérprete com os enunciados prescritivos do direito (incluída aqui a jurisprudência) que

possibilitará a construção de significados jurídicos.

As articulações do discurso jurídico perante os planos de expressão e de conteúdo

do direito positivo permitem ao cientista do Direito a construção de proposições deônticas.

É a partir dessa atividade que se constroem as normas jurídicas.

Com efeito, é nesse processo construtivo que sentimos a influência das ideologias,

dos valores, dos interesses e das circunstâncias que cercam o conhecimento humano e

auxiliam na construção de significados normativos.

190 Referimo-nos aos elementos, antecedente e conseqüente, comuns às normas jurídicas em geral.

83

Nesse cenário, deparamo-nos com a linguagem do direito positivo que, ao

albergar os “princípios”, fornece-nos uma entidade sem representação concreta e de difícil

delimitação significativa.

O caráter sistêmico do direito positivo permite-nos vislumbrar que os princípios

jurídicos dele fazem parte e, assim, podemos aduzir que a interpretação no sistema jurídico

constitucional reclama, como pressuposto científico, uma delimitação de significado dos

princípios jurídicos.

O caminho é pela Constituição Federal, em que encontramos as normas de maior

relevo jurídico, as normas de superior hierarquia no sistema do direito positivo. Há, porém,

conforme adverte Roque Antonio Carrazza, normas mais importantes e normas menos

importantes, já que algumas veiculam simples regras e outras verdadeiros princípios.191

23.1. Princípio é norma do sistema jurídico positivo

A noção do significado do termo “princípio” carece do referencial eleito para se

determinar o seu limite, o seu alcance. Trata-se de termo sem representação física e de

delimitação abstrata, o que dificulta qualquer tentativa de precisão no processo

interpretativo.

Contudo, partindo-se de sua expressão mais básica, podemos aduzir a idéia leiga

de que “princípio” corresponde a início, a partida de algum desiderato, fonte ou até mesmo

origem de alguma coisa.

Roque Antonio Carrazza, depois de apresentar o significado etimológico do termo

e de registrar que, depois de introduzido na filosofia, Platão utilizou-o como “fundamento

de raciocínio” e Aristóteles como a “premissa maior de uma demonstração”, assevera que

“em qualquer Ciência, princípio é seu começo, seu alicerce, seu ponto de partida” e que

“pressupõe, sempre, um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a

demonstração de algo.”192

191 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 36 192 Princípios constitucionais tributários e Competência tributária. 1986, p. 6

84

Segundo o dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa,193 o

termo “princípio” pode possuir a seguinte extensão semântica: 1) “origem, causa, começo,

início.” 2) “Preceito, regra, lei.” 3) “Máxima, norma, sentença.” 4) “Estréia.” 5) “Razão,

base: O trabalho é o princípio de toda riqueza (Séguier).” 6) “Teoria.” 7) “Opinião,

parecer, modo de ver, ponto de vista: Ser fiel aos seus princípios (idem).” 8) Pl.

“Antecedentes.” 9) “Educação, instrução; convicções, opiniões: É um homem sem

princípios.” 10) “Elementos, noções, rudimentos, tintura: Princípios de álgebra.”

Como se vê, ao buscar recurso na lexicografia, podemos anotar que há uma

diversidade relevante do emprego do termo “princípio”, acarretando conseqüentemente,

alguns significados que podem ser bem ou mal empregados de acordo com a situação

eleita.

Sob a ótica do dicionário de filosofia Logos,194 “princípio” significa “começo,

início, origem, fundamento, primeiro de uma série e, em geral, aquilo de que algo procede,

seja de que modo for. No sentido original, é o começo de uma grandeza espacial e, por

conseqüência, do movimento e do tempo. Desde Aristóteles, a noção de princípio tem de

comum ser a fonte de que deriva o ser, o devir e o conhecimento”. Segundo esse

dicionário, os princípios podem ser ontológicos e lógicos. Os ontológicos dizem respeito

ao “ser” e podem ser extrínsecos, se se distinguem dele (ser), ou intrínsecos, se constituem

o “ser” de que se dizem os princípios. Já os princípios lógicos atinam aos enunciados de

que deriva o conhecimento de outros enunciados. Podem ser lógico-formais, quando dizem

respeito às proposições de que deriva o conhecimento de outras proposições, ou lógico-

materiais, ao enunciarem fatos a partir dos quais se conhecem outros fatos.

De qualquer forma, os primeiros princípios sempre foram compreendidos por

Aristóteles, Descartes e Kant como a base segura, a última fundamentação de todo o

conhecimento, pois, racionalmente, a última fundamentação faz entrar na axiologia.195

193 Francisco Fernandes. 1999, p. 696 194 Dicionário Logos da Enciclopédia Luso-brasileira de filosofia, Lisboa/São Paulo. Editorial Verbo. Edição realizada sob o patrocínio da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa. 1992. 195 Similar ao raciocínio de Hans Kelsen acerca da norma hipotética fundamental do sistema jurídico.

85

Anota-se que, por ora, é evidente tratar-se de termo ambíguo, pois, mesmo no

conhecido dicionário jurídico de Maria Helena Diniz,196 é possível conceber inúmeras

possibilidades de empregos do termo pelos juristas, comprovando sua ambigüidade no

direito.

Em que possa parecer aproveitável, essa plurivocidade do termo “princípio” para

a linguagem do cotidiano, para fins científicos isso não é produtivo. Constatamos a

dificuldade de delimitação desse termo, ou melhor, a utilização com sentidos variados até

mesmo pelo discurso da nossa doutrina. Não há consenso na delimitação de seu

significado.

Conforme Hugo de Brito Machado, o problema da delimitação do significado do

termo “princípio” é correlato à influência filosófica do intérprete, pois, v.g., para os

jusnaturalistas, os princípios são o fundamento de validade do direito positivo. Seriam os

princípios um elemento integrante do Direito Natural. Ainda, segundo esse autor, para

aqueles que têm uma concepção positivista, “princípios” são normas jurídicas.197

Para Paulo de Barros Carvalho, o termo “princípio” conota uma força valorativa

axiológica muito grande influindo na construção de grande parte do ordenamento jurídico.

Segundo ele, isso se deve ao fato de o direito e as normas serem objeto cultural.198

Por isso, em direito positivo, os princípios são empregados tanto para expressar

valores quanto para normas. Contudo, arremata, afirmando que “em direito positivo,

princípios são normas jurídicas portadoras de intensa carga axiológica, de tal forma que a

compreensão de outras unidades do sistema fica na dependência da boa aplicação daqueles

vetores.”199

Outro aspecto relevante dos comentários de Paulo de Barros é no sentido de que

não há um universo de valores suprapositivos, pairando sobre o sistema do direito positivo.

196 Dicionário Jurídico. “Nas linguagens, jurídica e comum, pode significar: a) preceito; norma de conduta; b) máxima; c) opinião; maneira de ver; d) parecer; e) código de boa conduta através do qual se dirigem as ações e a vida de uma pessoa; f) educação; doutrina dominante; h) alicerce; base”. 2005, Vol. 3, p. 830. 197 Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 1991, p. 14 198 Curso de direito tributário, 2005, p. 144/148 199 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, RDT 61, p. 88

86

Assim, para ele, como as normas, os princípios integram o sistema do direito positivo e

que, em face da existência de hierarquia sintática no sistema, eles (os princípios)

distribuem escalonadamente os valores, garantindo-lhes, ao lado de sua supremacia

hierárquica, posição de superioridade axiológica.

Da destreza analítica demonstrada por Paulo de Barros Carvalho, importa lúcida a

explicação que ele entende deva ser dada aos princípios jurídicos ao lecionar que “a

interpretação dos princípios, como normas que verdadeiramente são, depende de uma

análise sistemática que leve em consideração o universo das regras jurídicas, como

organização sintática (hierarquia sintática) e organização axiológica (hierarquia dos valores

jurídicos), pois assim como uma proposição prescritiva do direito não pode ser apreciada

independentemente do sistema a que pertence, outro tanto acontece com os valores

jurídicos injetados nas estruturas normativas. Desse processo de integração resultará o

entendimento da mensagem prescritiva, em sua integridade semântica, sempre elástica e

mutável.”200

Geraldo Ataliba doutrinou sobre princípios entendendo como um valor

condicionante da atividade interpretativa. Essa concepção se faz presente ao asseverar que

“princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico.

Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos

pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do

querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da

administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser

prestigiados até as últimas conseqüências.”201

Nesse mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello entende “por princípio a

disposição expressa ou implícita, de natureza categorial em um sistema, que informa o

sentido das normas implantadas em uma dada ordenação jurídico-positiva. Vale dizer:

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que

se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua

200 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, RDT 61, p. 89 201 República e Constituição. 2001, p. 34.

87

exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do

sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe outorga o sentido harmônico.”202

Em remate, as lições de Roque Antonio Carrazza vigorizam as posições acima,

quando diz que “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por

sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito

e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas

jurídicas que com ele se conectam.”203

Como se percebe da lição dos mestres, o termo “princípio” conota,

principalmente, os vetores normativos exegéticos que norteiam os intérpretes na

construção de outras normas jurídicas em conformidade com um estado de coisas

finalisticamente desejado pelo direito positivo.

23.2. Princípios, regras e aplicação no direito positivo

Roque Antonio Carrazza assevera, com efeito, que “mesmo na Constituição

existem normas mais importantes e normas menos importantes”.204

Humberto Ávila, na esteira dos pensamentos de Carrazza, cuida de delimitar

conceitualmente as diferenças entre princípios e regras. Aponta que tanto Josef Esser

quanto Karl Larenz consideram como fator distintivo um critério qualitativo; assim, os

princípios seriam diferentes das regras por caracterizarem fundamentos normativos para a

tomada de decisão, para a aplicação do direito.205

Claus-Wilhelm Canaris assevera que os princípios diferem das regras porque

possuem forte conteúdo axiológico, que seria construído por um processo dialético

decorrente da interação com outras normas que são decorrentes da axiologia ao contrário

das regras.206

202 Curso de Direito Administrativo. 2005, p. 545 203 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 39 204 Idem, p. 36 205 Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2005, pp. 35/36 206 Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, 2002, págs. 30/38 e 208/209

88

Ronald Dworkin, em aparente antagonismo ao positivismo, assegurou que as

regras são aplicadas, por serem válidas e, portanto, suscetíveis de implicar conseqüências,

ou não são aplicadas por não serem válidas. É do tipo tudo ou nada. Por isso, no caso de

colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. No caso dos princípios,

Dworkin afirma que não determinam a decisão, mas fundamentam, conjuntamente com

outros princípios, a aplicação do direito. Segundo ele, havendo colisão entre princípios,

sobrepõe-se o de maior valor, sem afetar a validade do princípio colidente. Dworkin não os

comparou (princípios e regras), mas estabeleceu uma classificação quanto às suas

estruturas lógicas.207

Robert Alexy, delimitando as argumentações de Dworkin, advertiu que os

princípios são uma espécie de normas jurídicas aplicadas pelas regras da prevalência,

assim, havendo colisão entre princípios, pondera-se o peso de cada um e aplica-se o

prevalente para o caso concreto.208

Ávila adverte que princípio ou regra dependem do intérprete, pois, conforme o

enfoque por ele adotado, uma norma pode caracterizar uma regra ou um princípio.

Segundo ele, o qualificativo de princípio ou regra depende do uso argumentativo e, não, da

estrutura hipotética.209

Sobre princípios e regras, Ávila assevera que é mais grave descumprir uma regra

que descumprir um princípio pelo fato de que a regra é explícita, é mais clara, é mais

evidente e, por isso, descumprir o que está à mostra é mais reprovável do que descumprir

um fim, um vetor, um conteúdo que carece de complementação, como é o caso dos

princípios.210

Quer-nos parecer, que Ávila tem bons argumentos quando traz à colação

exemplos que ilustram a prevalência das regras quando em aparente conflito com os

princípios. Quando aduz à regra de proibição de prova ilícita em confronto com o princípio

do interesse público repressivo, revela-nos que a regra deve prevalecer porque o legislador,

207 Ronald Dworkin – apud Humberto Ávila em teoria dos princípios. 2005, 37 208 Teoría de los derechos fundamentales. 2001, págs. 87/90 e 98/103 209 Teoria dos princípios, 2005, p. 42-43 210 Idem, p. 104

89

mesmo conhecedor do princípio, instituiu a regra para situação específica, limitando a

aplicação do princípio.211

Noutro caso, destaca a posição do Supremo Tribunal Federal acerca da ampliação,

por lei ordinária, da base de cálculo de uma contribuição social prevista em uma regra

constitucional de competência.

Nesse julgamento, discutiu-se se deveria haver a prevalência dos princípios da

solidariedade social e da universalidade do financiamento da Seguridade Social, para

justificarem a ampliação da base de cálculo (para receita bruta), em detrimento da regra

constitucional de competência, que previa, apenas, a instituição do tributo sobre

determinado fato jurídico (faturamento de bens e serviços).212

Como se sabe, prevaleceu o entendimento de que as regras de competência,

quando em conflito com os princípios, não podem ser alteradas, por estabelecerem balizas

conceituais, impondo limites constitucionais.

Nessa esteira, concluiu Ávila que, quando se tratar de princípios e regras de

mesma posição hierárquica, sempre prevalecerá a regra sobre o princípio. Contudo, nem

sempre será assim, pois, no caso de aparente conflito entre regras e princípios, entre regras

e regras ou, ainda, entre princípios e princípios de diferentes níveis hierárquicos, há que

prevalecer a norma hierarquicamente superior.

Dessa forma, existindo confronto entre um princípio constitucional e uma regra

legal, prevalecerá o princípio constitucional. Note-se que, nesses casos, a prevalência

depende da hierarquia e, não, da espécie normativa (princípio ou regra).213

De outro modo, para Ávila, havendo confronto entre uma regra e um princípio,

ambos constitucionais, prevalecerá a regra sobre o princípio. Isso se dá pelo fato de que a

regra possui caráter de decidibilidade mais intenso, é causa imediata de regulação da

conduta humana e possuidora de forte razão na sua aplicabilidade. Quanto aos princípios,

211 Ibidem, p. 107 212 Ibidem, p. 108 213 Ibidem, p. 105

90

sua causa imediata é o fim e não diz respeito diretamente à região material das condutas,

possuindo um caráter finalístico e geral na sua aplicabilidade. Então, em face da

especificidade das regras em relação aos princípios é que aquelas (regras) são

prevalecentes.

Para bem situarmos bem a posição de Ávila, vale dizer que, para ele, não há uma

“oposição” entre princípios e regras, havendo, sim, uma relação de “complementação”

entre eles, pois, diferem tão somente quanto às suas funções normativas.214

As regras têm função decisória imediata e, por isso, destinadas a solucionar

conflitos decorrentes das relações diretamente ligadas a bens e interesses. As regras

assumem caráter primariamente retrospectivo, por descreverem um contexto fático

conhecido do legislador, ao contrário dos princípios, que possuem caráter prospectivo,

determinante de um estado de coisas a ser construído.215 Por essa característica, as regras

são mais rígidas nas suas razões para serem superadas por contra-razões, ao contrário dos

princípios, que se mostram mais flexíveis, por serem superados com menor ônus

argumentativo.

No que tange aos princípios, notamos que Ávila os caracteriza por normas com

função de complementariedade, auxiliando na aplicação do direito positivo.

Entre os princípios e as regras, normalmente, há uma “conexão substancial” e,

não, uma efetiva oposição entre eles. Havendo confronto efetivo, resolve-se, primeiro, pela

hierarquia e, depois, pela prevalência das regras. Essa a opinião de Ávila.

Outro aspecto relevante é atinente à distinção estabelecida por Ávila entre

princípios, regras e postulados, pois, para ele, postulados são metanormas e não se

confundem com eles. Diferenciam-se dos princípios porque a regra “não tem elevado grau

de abstração e generalidade: como norma, dirige-se a situações determinadas (colisão entre

princípios em razão da utilização de um meio cuja adoção provoca efeitos que promovem a

realização de um princípio, mas restringem a realização de outro) e a pessoas determinadas

214 Ibidem, p. 105 215 Ibidem, p. 106

91

(sujeitos, normalmente autoridades públicas, que adotam medidas com a pretensão de

realizar determinados princípios).

Os postulados também não podem ser considerados uma regra, pois não têm

hipótese e uma conseqüência que permita a subsunção do conceito do fato ao conceito da

norma (não diz respeito à conduta diretamente).

Em vez de uma hipótese de fato ou da definição de um efeito, os postulados

estabelecem uma estrutura argumentativa de aplicação do direito por meio de critérios

relacionais de elementos, tais como a ponderação, a razoabilidade, a proporcionalidade, a

adequação, a necessidade e a relação entre valor e desvalor promovido, algo bem diverso

dos princípios e das regras.216

Os postulados são normas que estão num sobrenível em relação aos princípios e

regras, disciplinando o modo de aplicação deles. Embora sutil, há diferença entre promover

um fim e promover uma estrutura que dê respaldo à promoção do fim. Assim operam os

postulados, promovendo o modo de raciocínio e de argumentação para a aplicação das

normas relativas à prescrição de comportamentos. É nesse sentido que Ávila entende os

postulados e os denomina de metanormas ou normas de segundo grau.217

Tal aplicação, explica Ávila, se dá mediante a exigência de relações de elementos

com base em critérios mais ou menos específicos, embora existam alguns postulados que

não pressupõem a preexistência de elementos e critérios.

Resumindo-se os esclarecimentos do ilustre autor acerca dessa espécie de

postulado, destacamos (a) “a ponderação de bens como método de atribuição de pesos a

elementos que se entrelaçam, sem ter em vista pontos de vista materiais que orientam esse

sopesamento”; (b) “a concordância prática exige a realização máxima de valores que se

imbricam”; e, (c) “a proibição de excesso que proíbe que a aplicação de uma regra ou de

um princípio restrinja de tal forma um direito fundamental que termine lhe retirando seu

mínimo de eficácia”.

216 Ibidem, p. 126 217 Ibidem, p. 123

92

Além desses postulados, que não exigem preexistência de critérios, Ávila indica

outros postulados que dependem deles, como o da igualdade, que estrutura a aplicação do

direito quando há relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de

diferenciação e finalidade de distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em

razão do fim).218

Já o postulado da razoabilidade, segundo o referido Autor, aplica-se por três

fórmulas: (1) como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades

do caso concreto; (2) como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o

objeto referido no mundo fenomênico; (3) diretriz que exige relação de equivalência entre

duas grandezas.219

Por fim, Humberto Bergmann Ávila destaca o postulado da proporcionalidade,

que é aplicado nos casos em que haja uma relação de causalidade entre meio e fim,

concretamente perceptível. Para aferição dessa relação, ele sugere o critério que revele a

adequação do meio ao fim; a necessidade do meio para se chegar ao fim; e, a

proporcionalidade entre o valor e desvalor entre o meio e o fim.220

Sobremais, mister considerar que a mencionada prevalência das regras sobre os

princípios só se dará quando ocorrer efetivo conflito entre eles, no mesmo plano normativo,

e se fará sempre ao modo dos postulados, ou seja, mediante ponderação de critérios

relacionais de elementos como a proporcionalidade, a razoabilidade e a necessidade da

norma em face do caso concreto.

Interessante atentar-se para a importância de que a relação de

complementariedade entre princípios e regras, aplicados sob o influxo dos postulados,

tende a concretizar a aplicação do dever de o Estado e os órgãos legislativos escolher o

meio que concretamente promova o fim desejado pelo direito positivo.221

218 Ibidem, p. 168 219 Ibidem, p. 169 220 Ibidem, p. 169 221 Ibidem, p. 153

93

Seja como for, somos da opinião de que, no confronto ou complementariedade

entre princípios e regras, ao final sempre teremos que sopesar a hierarquia de um ou outro

princípio ao caso concreto, pois, sempre por detrás de uma regra, há um princípio influindo

na aplicação do direito.

23.3. Princípios constitucionais e estrutura da norma de competência

tributária

Como visto, é na Constituição Federal que encontramos as normas de superior

hierarquia, aquelas que dão fundamento de validade para as normas inferiormente

escalonadas.

Nessa linha, vimos que a nossa Lei Maior foi quase casuística ao tratar da matéria

tributária, contendo uma marca expressiva de enunciados com a diretriz normativa para as

relações jurídicas, envolvendo matéria dessa natureza.

Notadamente, o princípio federativo implicou a divisão jurídica do Estado

brasileiro e, com ela, a necessária atribuição de competência tributária aos Estados-

membros (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Em face disso, as normas constitucionais delimitaram, em certa medida, as

normas jurídico-tributárias, vinculando, desta forma, a atividade legislativo-tributária das

unidades federativas.

Com efeito, é a partir dos enunciados prescritivos, insculpidos na Constituição

Federal de 1988, que o intérprete do direito deverá construir normas relativas à produção

normativa e à competência tributária.

Em outras palavras, o texto constitucional possui uma série de prescrições

normativas estabelecedoras de critérios para a produção de enunciados em matéria

tributária, fixando o procedimento, o sujeito e a matéria correspondentes. É o plano

primário aduzido originalmente por Renato Alessi, em que a competência tributária tem a

94

ver com o controle abstrato da instituição de um tributo, mormente por decorrer de

atividade que antecede à sua instituição.222

Trata-se, então, de normas dirigidas à região material da atribuição das pessoas

políticas, estabelecendo-se, como hipótese normativa para a instituição de tributos, o

procedimento do ente político.

Assim, importa destacar que saber quando essas normas constituem princípios

envolve avaliação subjetiva, de cunho axiológico. Tem muito a ver com a ideologia

cultural do intérprete como adverte Hugo de Brito Machado.223

Como se sabe, a Constituição Federal possui inúmeros princípios, ditos gerais,

que são aplicáveis a todo o ordenamento jurídico, e os que, de modo específico, estão

diretamente ligados à atividade exacional do Estado.

No dizer de Paulo de Barros Carvalho, a construção de normas jurídicas, a partir

dos princípios, vem influenciada por fortes vetores axiológicos ou por limites objetivos,

que acabam compondo a sua estrutura como antecedente ou conseqüente normativo. Para

esse autor, os princípios constitucionais, tanto os gerais quanto os tributários, são

elementos integrantes da estrutura sintática das normas de competência tributária e das

normas de produção jurídica correspondentes.224

Os princípios constitucionais tributários são, em outras palavras, elementos

proposicionais normativos que orientam, com maior ou menor influência, o sentido das

normas jurídicas.

Desse modo, a construção das normas de competência, assim como das normas de

produção jurídica a elas relacionadas, deve partir de uma articulação entre os textos que

exprimem os princípios constitucionais tributários e os demais enunciados prescritivos da

Constituição Federal. É por meio dessa atividade cognoscente que o intérprete chegará ao

222 Renato Alessi fala em planos abstratos e concretos da atividade tributária para se referir, respectivamente, à competência tributária, que ele denomina de primário, e à atividade administrativa de cobrança do tributo, designado por plano complementar. Instituzioni di Diritto Tributário, G. Stammati, 1ª Ed. Torino, UTET. 223 Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 1991, p. 14. 224 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. RDT. vol. 61, p. 81 e também Curso de Direito Tributário. 2005, p.144.

95

sentido daquelas normas jurídicas, desvendando os valores ou os limites finalísticos

inerentes aos princípios constitucionais correlatos.

Nessa seara convém um último e importante destaque acerca da diferença entre

norma de competência e norma sobre produção jurídica. A norma de competência é o que

Paulo de Barros Carvalho denomina de “regra de estrutura”,225 reguladora do

comportamento de criação de normas, que é diferente da disciplina sobre o comportamento

em relação ao processo legislativo, que é disciplinado pela norma sobre produção

normativa.

Levando-se em conta a estrutura normativa, podemos anotar que a norma de

competência possui estrutura diversa da norma sobre produção normativa. Esta, como

aduzido no item 16, do capítulo II, retrocomentado, possui como antecedente um

enunciado protocolar – fato jurídico – que projeta no documento normativo a linguagem

constitutiva do agente competente, do espaço e do tempo em que se realizou a sua

atividade, bem como deixa indícios (nome da espécie do veículo introdutor – Emenda

Constitucional, Lei Complementar, Lei, etc...data e local) do procedimento utilizado para a

confecção do documento.226

O conseqüente da norma sobre produção jurídica é composto de uma relação

jurídica modalizada pelo modal obrigatório, que prescreve o dever de toda a comunidade

observar as regras jurídicas criadas pelo exercício de uma dada competência e de um dado

procedimento. Em outras palavras, é a norma que regula o processo de elaboração do

enunciado prescritivo.

Já a norma de competência tributária, nada tem a ver com o processo legislativo

em si mesmo. Em largas palavras, podemos dizer que o antecedente da norma de

competência descreve como hipótese227 normativa a existência do sujeito credenciado para

a criação, modificação ou supressão de normas no sistema do direito positivo e, em seu

225 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 38 226 Todos presumidos “juris tantum” para os efeitos do teste de sua validade. 227 Considere o emprego do termo para indicar tanto o evento (abstratamente previsto) como o fato jurídico (concretizado).

96

conseqüente, a permissão ou obrigação a esse sujeito de legislar sobre o objeto de sua

competência.

Com intuito de nos fazermos entender melhor, cotejemos os exemplos abaixo.

Norma de competência

antecedente: dada a existência da pessoa política estadual;

conseqüente: deve-ser a permissão para legislar a respeito do Imposto

sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e de Prestação de Serviços

de Transporte de Natureza interestadual e intermunicipal ou de Comunicação -

ICMS e o dever jurídico de a sociedade observar a faculdade de legislar nos termos

em que for estabelecida.

Norma sobre produção jurídica

antecedente: se órgão legislativo estadual cumprir os procedimentos

legislativos necessários à edição da lei ordinária e exercitar a faculdade de legislar

sobre o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e de

Prestação de Serviços de Transporte de Natureza interestadual e intermunicipal ou

de Comunicação - ICMS;

conseqüente: deve-ser a obrigação de a sociedade observar os enunciados

introduzidos no sistema de enunciados do direito positivo pelo respectivo veículo

introdutor para a construção de normas jurídicas.

Pontuando as distinções sobre as normas de conduta, comentamos, no item 7.1.3,

do capítulo II, em que nos referimos à classificação da norma conforme a

imediatidade/mediatidade da conduta regulada. Assim, vale repisar que se considera norma

de conduta aquela que regula imediatamente as relações interpessoais finais, geralmente

oriundas da legislação infraconstitucional.

Em meio a tudo isso, importa dizer que, sendo os princípios constitucionais

tributários elementos normativos integrantes do ordenamento jurídico tributário, de cunho

hierárquico e com forte valor axiológico, eles influem no processo interpretativo para

97

estabelecer, finalisticamente, o limite da competência tributária e disciplinar a validade das

normas de conduta inseridas no sistema do direito positivo.

Corroborando tudo isso, importa registrar as palavras de Roque Antonio Carrazza,

para quem a norma de competência tributária estabelece as nuances principiológicas em

que a pessoa política poderá proceder para a criação de tributos, prescrevendo como

critérios normativos a hipótese normativa possível, o sujeito ativo possível, o sujeito

passivo possível, o critério quantitativo possível.228

23.4. Segurança jurídica é sobrenorma do sistema jurídico positivo

A nossa Constituição Federal alberga todos os fundamentos que garantem a

caracterização de um Estado democrático de direito. Nosso país é um verdadeiro Estado

Constitucional, em que todos, sem exceção, público ou particular, Poderes e Instituições,

estão sujeitos, para o exercício de direitos e o cumprimento de deveres, aos limites

encartados na Constituição Federal.

Sendo assim, o princípio da segurança jurídica atua na promoção dos valores

supremos de toda a sociedade, conferindo certeza do direito e igualdade de tratamento nas

relações em geral.

Por assegurar o cumprimento de direitos fundamentais, tais como a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança pública e à

propriedade, é tido como um sobreprincípio.

Assim, segurança jurídica é um sobreprincípio que realiza o valor supremo da

previsibilidade dos efeitos das relações jurídicas, estabelecendo, normativamente, uma

diretriz para todo o sistema jurídico positivo, que deverá com ele se coadunar sob pena de

invalidade de seus preceitos.

Trata-se de uma garantia ampla, geral e irrestrita, que garante a manutenção dos

efeitos das relações jurídicas consolidadas no passado, como o direito adquirido, o ato

228 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 482

98

jurídico perfeito e a coisa julgada, em consonância com o que dispõe o inciso XXXVI, do

artigo 5º da Constituição Federal, prescrita pela irretroatividade da lei.

A garantia das relações passadas dá segurança aos cidadãos, que se vêem

confiantes no planejamento de relações futuras, acreditando na aplicação da lei e na

realização do direito que conhecem (previsibilidade das relações).

Com efeito, além de outros princípios, tais como o da justiça e da certeza do

direito (definitividade das relações), o princípio da segurança jurídica é mais uma das vigas

mestras do direito positivo, que rege a unidade e uniformidade do sistema, atestando o

âmbito de validade das normas que regem as relações intersubjetivas.

Por essa implicação geral do sistema jurídico positivo pelo princípio da segurança

jurídica, podemos inferir que o seu influxo hierárquico sobre os princípios e regras

específicas, notadamente as do subsistema constitucional tributário, possibilita a

previsibilidade dimensível do âmbito de validade do exercício das competências tributárias

e das normas de conduta reguladoras das relações jurídico-tributárias delas decorrentes.

Desta forma, a competência tributária só pode ser exercida dentro dos parâmetros

constitucionais; fora disso, haverá insegurança jurídica, pois, ficará o contribuinte sujeitos

aos caprichos do Poder Público.

Se em um plano normativo temos a competência dos entes políticos para legislar

e, por esse meio, obter recursos financeiros para a satisfação dos interesses públicos,

encontramos no altiplano normativo a segurança jurídica dos contribuintes como garantia

de que serão obrigados a cumprir as exigências do Estado tão somente nos limites

estatuídos na Constituição, ou melhor, nos limites dos poderes outorgados pelo próprio

povo, como vetor calibrador da igualdade e da justiça.

Em remate, podemos afirmar que, na seara tributária, a observância rigorosa do

arquétipo competencial pelos entes políticos tributantes realiza o primado da segurança

jurídica e garante a estabilidade do sistema jurídico tributário brasileiro.

99

Capítulo 4 – Estrutura da norma de exação tributária

24. O tributo é norma de conduta e, não, de competência

Importa destacar, de início, acerca da posição da doutrina brasileira que há muito

tempo sustenta que a Constituição Federal não cria tributo. No entanto, tal consenso foi

provocado com a manifestação de José Souto Maior Borges que asseverou, enfaticamente,

que “mesmo antes de sua instituição por lei, o tributo apenas previsto na Constituição já

existe”.229

Importante dissenso nos permite registrar que colhida tal manifestação em termos

exegéticos, pode até parecer-nos cristalina a existência das características essenciais dos

tributos na Constituição Federal. A impressão é a de a Carta Magna prefine o tributo,

deixando os contornos da hipótese de incidência para a lei ordinária.230

Essa idéia é reforçada pela aparente constatação de predeterminação na

Constituição Federal do principal critério dos tributos, o material, em que logo se vê um

verbo e o respectivo complemento como síntese da espécie tributária.231

Assim, em que pese o aparente conflito, logo se vê que a Constituição Federal não

cria tributo, com certeza ela estabelece os critérios estruturais de todas as espécies

tributárias e, com isso, em verdade, está a demarcar exclusivamente a competência para

instituí-las.

A competência tributária como norma estabelece os limites da ação legislativo-

tributária das pessoas políticas, preestabelecendo a norma-padrão para a instituição de cada

tipo tributário. Assim, repetimos a advertência de Roque Antonio Carrazza, para quem a

Constituição Federal, ao discriminar as competências tributárias, garantiu certa margem de

liberdade ao legislador apontando “a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo

229 A Fixação em Lei Complementar das Alíquotas Máximas do Imposto sobre Serviços. Ed. Resenha Tributária, 1975, p. 05. 230 Aires Barreto, Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 26. 231 Paulo de Barros Carvalho em Curso de Direito Tributário exemplifica “prestar serviços” como verbo e complemento do ISS. 2005, p. 268 e Teoria da Norma. 1974, p 106

100

possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das

várias espécies e subespécies de tributos.”232

Contudo, uma coisa é a estrutura da norma de competência tributária e outra é a

norma tributária exacional, ou seja, a norma de conduta que institui o tributo.

Anteriormente, no capítulo III, item 4.1.1, dissemos que competência tributária é norma de

competência legislativo-tributária, em sentido estrito, ou seja, é norma de estrutura que

estabelece os critérios autorizadores para que as pessoas constitucionais possam proceder à

edição e à modificação das regras-matrizes de incidência tributária, instituidoras de seus

respectivos tributos. Dissemos também que tributo é norma de conduta jurídico-tributária,

em cujo antecedente encontramos a descrição de critérios de um evento hipotético, cuja

ocorrência implica uma conseqüente relação jurídica entre dois sujeitos em torno de um

objeto pecuniário, devido pelo sujeito passivo ao sujeito ativo.

Com isso, pretendemos esclarecer que o tributo detalha a hipótese normativa e

prescreve a implicação jurídica, fazendo nascer a correspondente relação jurídico-tributária

entre os sujeitos ativo e passivo, em que se estabelece o direito de um e o correlato dever

do outro, em torno de um objeto prestacional expresso em moeda, não decorrente de

sanção por ato ilícito.233

Assim, tributo é norma de conduta que regula as relações interpessoais finais e

que decorre do exercício da competência tributária, a qual, por sua vez, é norma de

estrutura voltada a delinear a ação de criar tributos.

24.1. Regra-matriz de incidência tributária

Vale repisar que a norma jurídica é construção do intérprete, o qual a projeta a

partir do sistema de enunciados do direito positivo.

As “normas tributárias em sentido estrito”, no dizer de Paulo de Barros Carvalho,

são aquelas que “assinalam o núcleo da percussão jurídica do tributo”. É a denominada

232 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 482 233 Na esteira do artigo 3º do CTN.

101

“norma-padrão” ou “regra-matriz de incidência tributária”.234 Todas as demais são normas

em sentido amplo.

Podemos considerar uma norma tributária em sentido estrito quando as suas

proposições, antecedente e conseqüente, ligadas por uma imputação deôntica, ensejarem a

constituição de um fato jurídico tributário e a conseqüente relação jurídica. Pode-se dizer

que esta é a estrutura mínima do deôntico na fórmula normativo-tributária.

A estrutura da regra-matriz possui, ao menos, então, no seu antecedente, uma

proposição-hipótese descritiva de um evento de cunho econômico capaz de implicar, no

conseqüente, uma proposição-tese prescritiva de uma relação jurídica, de conteúdo

obrigacional, entre uma pessoa política de direito público interno, na condição de sujeito

ativo, e uma pessoa física ou jurídica, como sujeito passivo, de modo a imputar um direito

subjetivo público à primeira pessoa que lhe possibilitará exigir, da segunda, o cumprimento

do dever jurídico de pagar-lhe determinado valor em dinheiro.

Na regra-matriz de incidência tributária encontramos, então, uma hipótese com a

descrição de um comportamento ou estado pessoal de conteúdo econômico, condicionado

no tempo e no espaço e, uma conseqüência, composta pelos critérios de constituição da

relação jurídica, que inclui a indicação dos critérios de identificação dos sujeitos, ativo e

passivo, que irão compor a relação tributária, e do critério de quantificação da dívida

tributária. Sem qualquer um desses elementos, não se poderá, identificar, ou melhor,

constituir o fato ou a relação jurídica tributária e, portanto, não haverá a norma tributária

em sentido estrito.

Atente-se, novamente, que somente as proposições normativas, extraídas do

processo de significações do sistema de enunciados, permitem a implicação jurídica.

Além desse aspecto, importa lembrar também que a regra-matriz de incidência

tributária é norma jurídica do tipo geral e abstrata, conotando os critérios (traços,

características, marcas, aspectos, linhas) hipotéticos que condicionam o sucesso do tributo

no mundo fenomênico. Equivale dizer que são critérios condicionais para identificar as

234 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 83

102

referências aos componentes da hipótese e da conseqüência da norma tributária em sentido

estrito.

24.1.1. Critérios do antecedente da regra-matriz

24.1.1.1. Critério material

O critério material da regra-matriz de incidência tributária corresponde às marcas

referenciais de conteúdo de um dado evento social. É o elemento nuclear da hipótese de

incidência tributária e, portanto, não se confunde com o fato jurídico.

Trata-se de critério descritivo das referências indicativas dos acontecimentos

sociais. É a juridicização de eventos sociais, de cunho econômico, selecionados para se

sujeitarem aos efeitos da norma tributária.

Contudo, o critério material não oferece, por si só, todas as referências do evento

juridicizado, pois, como sabemos, o acontecimento de um evento também está

condicionado pelas marcas de tempo e lugar para que seja assim caracterizado.

Com o registro dessas particularidades, importa dizer que o critério material

corresponde às marcas do comportamento ou o estado particular de uma pessoa, física ou

jurídica.

No dizer de Paulo de Barros Carvalho, o critério material é composto por um

verbo e um complemento, abstraindo-se, obviamente, as condicionantes de tempo e lugar

que também caracterizam um evento social. Com isso, quer esse autor chamar a atenção

para o fato de que o critério material não é a hipótese de incidência, sendo tão somente o

núcleo dela.235

Destacar as referências de tempo e lugar do comportamento, num processo de

abstração pura, permite-nos antever que não é correto afirmarmos que o critério material

corresponde à hipótese de incidência tributária ou ao fato tributário. A hipótese, em sua

235 Curso de direito tributário, 2005, p. 257

103

integridade, também possui as referências ao tempo e ao lugar do comportamento das

pessoas, físicas ou jurídicas.

Notadamente encontramos, nos textos normativos, expressões do tipo “vender

mercadorias”, “importar mercadorias”, “ser proprietário”, “industrializar produtos”,

“prestar serviços”, “auferir renda”, e tantas outras expressões que indicam um verbo e o

seu complemento. Assim, abstraindo aqueles elementos espaços-temporais, podemos

atestar que o critério material é o núcleo da hipótese da regra-matriz de incidência

tributária.

24.1.1.2. Critério espacial

O critério espacial corresponde às referências de lugar onde deva ocorrer o critério

material. É a designação do espaço onde o comportamento humano previsto no núcleo da

hipótese deva ocorrer, para que seja possível a incidência da regra-matriz.

Geraldo Ataliba entende que o aspecto espacial é a indicação de circunstância de

lugar, contida, explícita ou implicitamente, na hipótese de incidência, relevante para a

configuração do fato imponível.236

No ordenamento jurídico brasileiro, alguns documentos normativos trazem

explícitas as marcas do lugar e outros, no entanto, não o fazem. É, aparentemente, opção

do legislador e depende do esmero que cada um quer emprestar à clareza dos enunciados

normativos. De qualquer forma, sempre haverá a marca do espaço físico em que se deu o

comportamento hipotético descrito na norma jurídica.

Importa notar que não se pode confundir o critério espacial da hipótese de

incidência tributária com a territorialidade da norma jurídico-tributária, pois esta diz

respeito à divisão da competência entre as pessoas políticas de direito público interno no

que toca aos tributos federais, estaduais e municipais. Outro aspecto distintivo importante

diz respeito ao plano de eficácia territorial da lei que nada tem a ver com o critério espacial

da hipótese de incidência tributária.

236 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 104.

104

O âmbito de validade territorial da norma transcende o local de ocorrência do fato;

em sentido contrário, podemos dizer que o local de ocorrência da hipótese de incidência

(critério espacial) está contido no interior do universo da eficácia territorial da norma

(aspecto territorial). São ontologicamente distintos.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho exemplifica bem com a legislação do

IPTU, em que os efeitos da lei alcançam todo o território do município, mas somente os

imóveis localizados nas áreas urbanas sofrem o impacto desse tributo.237

Assim, na esteira do entendimento de Geraldo Ataliba, pode-se concluir que as

conotações espaciais da hipótese de incidência são decisivas para a conformação do fato

imponível.238

24.1.1.3. Critério temporal

As relações jurídicas decorrem, por força da imputação deôntica, dos

comportamentos referidos no núcleo da hipótese de incidência tributária, os quais

acontecem num dado lugar e num estrato de tempo determinado.

É o tempo do comportamento o marco exato do liame abstrato da relação jurídica

de que surgirão direitos e obrigações correlatas. Esse marco temporal é, sem dúvida, o

ponto decisório acerca do preciso instante em que acontece o fato descrito no suposto da

norma tributária e o momento em que se irradiam os efeitos jurídicos.

Assim, na hipótese da regra-matriz de incidência tributária, além do núcleo

material e do lugar do comportamento, encontramos o elemento tempo, que oferece

indicações relevantes para a identificação do momento em que se dá o sucesso dos eventos

juridicizados que se pretendem alcançar com a tributação.

Nessa linha discorre Paulo de Barros Carvalho, que compreende o “critério

temporal da hipótese de incidência tributária como o grupo de indicações, contidas no

suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso

237 Curso de direito tributário, 2005, p. 261 238 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 104

105

instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e

credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária”.239

Por essa forma, podemos considerar que o marco temporal da hipótese de

incidência tributária deve assinalar o exato momento em que surge um direito e um dever,

em torno de uma obrigação tributária.

24.1.2. Critérios do conseqüente da regra-matriz

24.1.2.1. Introdução à relação jurídica e ao objeto do conseqüente normativo

Até aqui analisamos os elementos contidos no antecedente da regra-matriz de

incidência tributária, com vistas a esmiuçar as referências normativas que possibilitam

identificar o fato descrito na norma.

Com o mesmo foco analítico, pretendemos, agora, estudar os meandros do

deôntico que regulam as relações intersubjetivas, aqueles critérios insculpidos no

conseqüente da norma e que prescrevem direitos e obrigações às pessoas envolvidas com o

acontecimento do fato jurídico tributário, com o desiderato de promover um determinado

objeto.

É noção cediça que o sucesso do evento descrito na hipótese constitui o fato

jurídico e, pela imputação deôntica, deve ser constituída uma relação jurídica que vinculará

duas pessoas, ou mais, em torno de um dado objeto jurídico.

Nesse tocante, importa assentar, de início, que não se pode confundir o

comportamento objeto da relação jurídica constituída no conseqüente da regra-matriz de

incidência tributária com o objeto desse comportamento. Uma coisa é estar obrigado a um

determinado comportamento, decorrente da relação jurídica constituída; outra coisa, o

resultado da ação desse comportamento.

Nesse sentido, Geraldo Ataliba assevera que o “objeto das normas jurídicas é o

comportamento humano. Assim, o objeto da obrigação tributária é o comportamento do

239 Curso de direito tributário, 2005, p. 264

106

sujeito passivo = entrega do dinheiro aos cofres públicos. O dinheiro, assim, é objeto do

comportamento. Este é que é objeto da obrigação”.240

Por tais razões, diz-se que o comportamento positivado na relação jurídica

tributária é o pagamento de uma dívida tributária em dinheiro, e ele é o objeto da prestação

devida. Daí inferirmos que o conseqüente da regra-matriz de incidência tributária se

constitui de dois elementos, as pessoas da relação jurídica, denominado de critério pessoal,

e o objeto da relação, cuja aferição se faz pela verificação da ocorrência de uma conduta

em entregar o quantum debeatur.

Por derradeiro, importa registrar as advertências de Sacha Calmon Navarro

Coelho, a respeito da afirmativa de existirem dois elementos no conseqüente da regra-

matriz de incidência tributária, para quem defende que, “além dos pontos magnos

relacionados por Barros Carvalho – sujeito ativo e passivo (critério pessoal da

conseqüência) e base de cálculo e alíquotas (critério quantitativo) -, outros aspectos são

encontradiços, todos pertinentes à relação jurídica que se forma com a realização da

hipótese de incidência: como, onde, de que modo, quando, em que montante satisfazer ao

débito em favor do sujeito ativo.”241

Embora registremos as advertências de Sacha Calmon, para os efeitos deste

trabalho não vemos como um imperativo enfrentar a análise de todos os demais elementos

do conseqüente da regra-matriz de incidência tributária, porque entendemos que os

critérios pessoal e quantitativo, juntamente com os critérios do antecedente, revelam-se

suficientes para uma análise do mínimo deôntico da regra-matriz de incidência tributária.

24.1.2.2. Critério pessoal

É com a ocorrência da hipótese normativa que se irradiam os efeitos jurídicos,

relacionando-se os sujeitos envolvidos naquela hipótese. Então, é no conseqüente da regra-

matriz de incidência tributária que encontramos os elementos necessários a identificar os

240 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 32. 241 Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária. 2003, p. 100.

107

sujeitos da relação jurídica constituída com a ocorrência do fato jurídico tributário instado

como antecedente normativo.

No conseqüente normativo, em verdade, encontraremos os critérios para a

identificação dos sujeitos ativo e passivo que irão compor a relação jurídica tributária,

donde serão identificados os direitos e deveres de um em relação ao outro sujeito.

Nesta seara, temos, então, a figura do sujeito ativo, que é o titular do direito

subjetivo de exigir do sujeito passivo o cumprimento de determinada obrigação tributária.

Segundo Geraldo Ataliba, o critério pessoal “é a qualidade – inerente à hipótese

de incidência – a qual determina os sujeitos da obrigação tributária, que o fato imponível

fará nascer. Consiste numa conexão (relação de fato) entre o núcleo da hipótese de

incidência e duas pessoas, que serão erigidas, em virtude do fato imponível e por força da

lei, em sujeitos da obrigação. É, pois, um critério de indicação de sujeitos que se contêm na

h.i.” 242

Comumente, o sujeito ativo se identifica com o ente político competente para a

instituição e cobrança da exação tributária. Entretanto, nem sempre é assim; há vezes em

que a lei instituidora do tributo prescreve que o sujeito ativo, aquele que comporá a relação

jurídica tributária, seja outra pessoa, distinta do ente político competente. Para fins

exemplificativos, importa lembrar-se dos tributos pagos ao INSS, as contribuições pagas às

entidades de categorias profissionais, como OAB, CREA, etc. cuja pessoa competente é

uma e a beneficiária/arrecadadora é outra. Em suma, nem sempre quem institui o tributo é

quem figura na relação jurídica como sujeito ativo.

Aqui importa destacar a diferença entre competência tributária e capacidade

tributária ativa. A competência tributária é a aptidão constitucional para instituição de

tributos; já a capacidade ativa é o atributo para figurar numa relação jurídica tributária, por

força de lei. Por isso, vemos muitas vezes uma entidade no pólo ativo de uma relação

jurídica tributária distinta da pessoa política que instituiu a exação.

242 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 72

108

Na competência tributária temos a pessoa a quem está constitucionalmente

reservado o direito subjetivo de instituir tributo; já na capacidade tributária ativa temos a

figura da pessoa que foi posta pela autoridade competente no pólo ativo da relação jurídica

tributária como apta a cobrar o correspondente tributo.

No caso em que houver a indicação de terceira pessoa para figurar na relação

tributária, é indispensável também que seja definida a destinação pública da

arrecadação.243

De outro lado, encontramos a figura do sujeito passivo, pessoa sobre quem recai o

dever jurídico de entregar dinheiro ao sujeito ativo da relação jurídica tributária.

O sujeito passivo é a pessoa que mantém relação direta ou indireta com a

ocorrência da hipótese tributária, embora nem sempre dê ensejo à sua ocorrência. Assim, é

importante destacar que, algumas vezes, resguardadas as limitações do próprio direito

positivo, realizar o comportamento tipificado na hipótese de incidência tributária não

significa, necessariamente, ser o devedor do tributo. Só o será aquele sujeito cujas

características coincidam com os critérios descritos no conseqüente da regra-matriz de

incidência.

Nesse sentido, vale lembrar as hipóteses de “sujeição passiva indireta” destacadas

por Geraldo Ataliba, em que o devedor do tributo não é a mesma pessoa que realiza o

sucesso da hipótese de incidência tributária.244

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho observa que uma "coisa é a aptidão para

concretizar o êxito abstratamente descrito no texto normativo, outra é integrar o liame que

se instaura no preciso instante em que adquire proporções concretas o fato previsto no

suposto da regra tributária."245

243 Cf. Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 67 244 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 89 245 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência, 2005, p. 157

109

24.1.2.3. Critério quantitativo – considerações gerais

Como dito, no conseqüente normativo encontramos as referências que permitirão

constituir uma relação jurídica e quantificar o objeto dessa relação. Uma delas é o critério

pessoal, acima comentado, que possibilita a instauração da relação jurídica propriamente

dita e, a outra, o critério quantitativo, que propicia a mensuração do objeto da relação

tributária.

Esse objeto (objeto-prestação) conota um comportamento obrigatório do sujeito

passivo, caracterizado pela entrega de dinheiro (objeto material) ao sujeito ativo. No

entanto, esse objeto carece de mensuração, de identificação do quantum debeatur, de

delimitação do seu montante, pois, se o comportamento do sujeito passivo é entregar

dinheiro ao sujeito ativo, mister saber o seu valor. É aqui que surge o critério quantitativo

da regra-matriz de incidência tributária.

Assim, a quantidade de dinheiro a ser entregue pelo sujeito passivo ao sujeito ativo

carece de um critério quantificador. Com efeito, é no conseqüente da regra-matriz de

incidência tributária que cabe ao critério quantitativo fornecer elementos necessários ao

cálculo da dívida tributária. Como regra, esses elementos são a base de cálculo e a alíquota,

cujas referências, em cálculo matemático simples de multiplicação, tendem a fornecer o

valor exato da dívida do sujeito passivo.

Em remate, a base de cálculo e a alíquota são elementos normativos, constituintes

da regra-matriz de incidência tributária e auxiliam na conformação do arquétipo do tributo,

possibilitando, ao final, a mensuração da dívida tributária.

24.1.2.3.1. Base de cálculo

A base de cálculo, conforme ensina Aires Barreto, é o atributo dimensível do

aspecto material da hipótese de incidência. Com isso, quer-nos mostrar que a base de

cálculo é um padrão, um critério ou uma referência para medir um fato tributário. Alerta

para a distinção entre base de cálculo e base calculada, revelando que para as hipóteses

tributárias (plano normativo abstrato) tem-se atributos abstratos para a base de cálculo e,

110

contrariamente, para fatos tributários (plano normativo concreto), os atributos

consentâneos com o critério material, nos termos da lei.246

Por essa forma, a base de cálculo, como critério legal de mensuração do fato

jurídico tributário, confirma, afirma ou infirma o critério material da hipótese de

incidência.247

Conforme preleciona Paulo de Barros Carvalho, a base de cálculo é, antes de

qualquer fator de mensuração, um enunciado prescritivo que fornece um quantum de

descritividade das propriedades a ela inerentes e juridiciza a grandeza material da hipótese

de incidência.248

Juntamente com a alíquota, a base de cálculo fornece a exata dimensão quantitativa

do objeto da obrigação tributária, o montante do tributo.

Ressalte-se que nossos comentários acerca da base de cálculo permanecerão no

plano normativo, sem aprofundamento na denominada “base calculada” tão bem explicada

por Aires Barreto,249 registrando sucintamente tão somente que por base de cálculo

referimos aos critérios legais que a conotam e que por “base calculada” o montante já

determinado que denotam aqueles critérios. Em suma, base de cálculo abstrata e base de

cálculo concreta.

24.1.2.3.2. Alíquota – considerações gerais

Sendo o objeto central deste trabalho o tema das alíquotas, neste momento faremos

um simples intróito a respeito, para, mais adiante, entrarmos efetivamente nas

considerações meritórias.

246 Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 38 247 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência. 2005, p. 178 248 Idem, p. 179 249 Aires Barreto aprofundou conhecimento na “base calculada” para registrar a diferença entre a base de cálculo, referida no plano normativo abstrato, e a “base calculada”, referida sempre no plano concreto de aplicação da norma. Refere-se à base de cálculo já dimensionada e não aos critérios para a sua dimensão. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais. 1998, p. 94

111

Como dito, a alíquota está aliada à base de cálculo como critério legal de se

mensurar a real dimensão quantitativa da dívida tributária. E, nesse sentido, podemos

registrar, de antemão, que a alíquota é o fator proporcional a ser confrontado com a base

calculada (já determinada) para a obtenção do objeto da prestação tributária.

Nisso, importa destacar, de início, que a alíquota não é parte, quota, fatia da

materialidade da hipótese de incidência. Partilhamos da opinião de Aires Barreto no

sentido de que a alíquota é um indicador da proporção, quando diante do plano abstrato da

norma, e é termo da operação algébrica (multiplicação), quando da sua aplicação concreta

sobre a base calculada, no plano concreto da norma.250

Vale registrar também, nesta consideração inicial, que tentaremos demonstrar outro

foco para o estudo das alíquotas, revelando-as além do critério quantificador do objeto da

prestação tributária.

Para progresso científico desse tema, nosso propósito será focar a análise da

alíquota em face das normas de competência e da segurança jurídica, tentando demonstrar

que o seu estudo não pode ser relegado ao segundo plano pela doutrina, bem como ficar

limitado à análise focal eterna de simples quantificadora do tributo. É mais do que isso.

Fiquemos com essas idéias iniciais, para melhor explorá-las nos capítulos seguintes.

Dando seqüência às nossas premissas, importa tratar acerca dos arquétipos

competenciais que influem na instituição dos tributos, independentemente da espécie

exacional, por serem decisivos na fundamentação deste estudo.

25. Classificação dos tributos e competência tributária

25.1. Espécies tributárias

Discorrer sobre o tema das alíquotas como norma de competência que garante a

segurança jurídica exige, de plano, se faça uma incursão sobre a classificação das espécies

tributárias e sobre os arquétipos competenciais.

250 Idem, p.44

112

Importa registrar que, sobre classificação dos tributos, encontram-se, na doutrina

pátria, diversas posições a respeito. São tantas opiniões em face da importância dada ao

estudo da individualização das normas exacionais, que quase toda a doutrina nacional já se

manifestou, cada qual ao seu tempo e modo, sobre o assunto.251

Repassando rapidamente acerca disso, podemos lembrar que Geraldo Ataliba

iniciou bem a classificação de tributos em vinculados e não vinculados a uma atuação

estatal e, partindo do critério material da hipótese de incidência como elemento aglutinador

de características, definiu que as espécies seriam os impostos (hipótese de incidência não

vinculada), as taxas (hipótese de incidência diretamente vinculada) e as contribuições

(hipótese de incidência indiretamente vinculada). Esse o denominado “critério

tricotômico”.

Essa classificação encontrou adeptos importantes na doutrina nacional, como

Rubens Gomes de Souza,252 Alfredo Augusto Becker,253 Roque Antonio Carrazza,254 Paulo

de Barros Carvalho255 e Aires Barreto,256 além de outros tributaristas de renome.

Registre-se a existência de posição daqueles que adotam o critério dicotômico ou

classificação bipartida, cujas espécies se resumem, de uma forma ou de outra, em somente

impostos e taxas, em que encontramos Alberto Xavier, Pontes de Miranda, Alfredo

Augusto Becker e Eduardo Marcial Ferreira Jardim, conforme relaciona Soares de Melo.257

Além deles, há também outros, como Ives Gandra da Silva Martins e Cláudio

Santos, que aderem à teoria “qüinqüipartida”, por meio da qual os tributos são impostos,

taxas, contribuições de melhoria, contribuições e empréstimos compulsórios.258

251 Sobre essa circunstância vale conferir a consolidação de idéias e argumentos de diversos autores elaborada por José Eduardo Soares de Melo, em Contribuições sociais no sistema tributário. 2006, págs. 38/43. 252 Ver RDP, vol.17/309-310 253 Teoria geral do direito tributário, 2007, p. 382 254 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 495. 255 Curso de direito tributário, 2005, p. 33 256 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 36. 257 Contribuições sociais no sistema tributário. 2006, p. 40 258 Apud José Eduardo Soares de Melo, em “Contribuições sociais no sistema tributário. 2006, p. 42

113

Embora haja diversificação de critérios, ressalte-se que o grande apego ao critério

material da hipótese de incidência para o fim classificatório fez surgir uma grande repulsa

à admissão dos elementos da destinação constitucional da receita do tributo e da sua

restituição obrigatória, nos casos de empréstimos compulsórios.

Para os defensores da classificação tricotômica, esses elementos são considerados

alheios à seara tributária e, por isso, imprestáveis ao estudo das espécies tributárias.

De outro lado, quanto à destinação constitucional da receita e à restituibilidade, há

outros estudiosos que entendem importante a sua consideração como critério classificatório

dos tributos.

Sobre isso, Luciano da Silva Amaro assevera que "há situações em que a

destinação do tributo é posta pela Constituição como aspecto integrante do regime jurídico

da figura tributária, na medida em que se apresenta como condição, requisito, pressuposto

ou aspecto do exercício legítimo (isto é, constitucional) da competência tributária."259 Para

ele, essa circunstância é normativa e, por isso, suficiente para identificar uma espécie

tributária em especial.

Com a autoridade de suas palavras, arremata afirmando que “se a destinação do

tributo compõe a própria norma jurídica tributária constitucional definidora da

competência tributária, ela se torna um dado jurídico que, por isso, tem relevância na

definição do regime jurídico específico da exação, prestando-se, portanto, a distingui-la de

outras”.260

Com efeito, “ad argumentandum”, se, para a identificação das espécies tributárias

é suficiente a análise do critério material e da sua respectiva base de cálculo, pois, assim,

se confirmará se há ou não atividade vinculada do Estado e conseqüentemente a

especificação da espécie, parece-nos, no entanto, “data maxima venia” daqueles que

divergem, que esse critério objetiva conhecer a natureza jurídica do tributo.

259 Amaro, Luciano da Silva. Conceito e Classificação dos Tributos. 1991, p. 284 260 Idem, p. 285.

114

Nessa linha, relevante parece a questão levantada por Alfredo Augusto Becker

que, baseado na posição nuclear da base de cálculo, e sustentando que “imposto” é a regra

jurídica tributária cuja base de cálculo seja um fato lícito qualquer, e “taxa”, a regra

jurídica que tenha como base de cálculo o serviço estatal ou coisa estatal, registrou que,

dentre outras, a destinação do imposto ou taxa, a posição do sujeito ativo ou passivo, não

são circunstâncias influentes sobre a natureza jurídica do imposto ou taxa. 261

Para Becker, é preciso não confundir natureza jurídica do imposto ou taxa com

validade da regra jurídica correspondente. Segundo ele, embora essas circunstâncias

“nenhuma influência exerçam sobre a natureza jurídica do imposto ou sobre a taxa,

entretanto aquelas circunstâncias poderão ter influência decisiva sobre a validade

(juridicidade) da regra jurídica que, ao criar o tributo, tiver violado regra jurídica (ex.:

constitucional), cuja regra (preceito) seja precisamente uma daquelas supra referidas

circunstâncias.”262

Nessa esteira, vemos que, para o teste de validade da norma jurídica que institui o

tributo, nem sempre basta a verificação do binômio materialidade e base de cálculo, pois

há de estar toda ela em conformidade com o regime jurídico estatuído pela norma de

competência tributária. Assim, parece-nos que o critério da corrente tricotômica serve à

classificação das espécies tributárias e, de outro modo, o critério adotado pelas demais

correntes servem a identificação da competência tributária.

Nesse sentido, não desconsideramos os alertas da doutrina para a importância de

não nos deixarmos levar para a seara extrajurídica, bem como não discordamos do critério

de classificação dos tributos segundo a consistência material da hipótese de incidência ser

ou não vinculada à ação estatal, mas queremos enfatizar que, além do critério

classificatório dos tributos, há normas de competência para atestar a validade das normas

exacionais a partir do regime jurídico do tributo.

Justifica-se, pois, a prevalência das normas de competência em nosso estudo, por

serem elas as normas que fornecem os regimes jurídicos (critérios mínimos) a serem

261 Teoria geral do direito tributário, 2007, p. 403 262 Idem

115

observados pelo legislador infraconstitucional na instituição de tributos, seja qual for a

espécie tributária.

Como proposta científica, entendemos que o estudo a partir das normas de

competência, além de ser um redutor de complexidades, já que possibilita ultrapassar a

discussão acerca da classificação das espécies,263 permitirá aferir a validade das normas

exacionais na amplitude de suas nuances regimentais, não se limitando à consistência

material do binômio hipótese de incidência e base de cálculo.

25.2. Arquétipo competencial

Impende registrar que a importância dada, por Luciano da Silva Amaro e José

Eduardo Soares de Melo, à destinação constitucional da receita tributária das contribuições

faz-nos olhar, obrigatoriamente, para as normas de competência tributária, quando

queremos desvendar a validade dos tributos em face do nosso sistema positivo.

Nesse mister, a contribuição fornecida por Eurico Marcos Diniz De Santi é

totalmente valiosa. Seguindo na esteira das classificações dos tributos, esse autor imprimiu

estudo e consignou a sua classificação na conjugação de duas categorias, denominadas por

ele critérios intrínsecos e extrínsecos.264

Para Eurico, o critério intrínseco se assemelha ao de Geraldo Ataliba, relativamente

à vinculação ou não do critério material da hipótese de incidência à atividade estatal. Trata-

se de uma visão bipartida originada da classe, considerando tão somente os vinculados e

não vinculados e desconsiderando a subclasse dos vinculados, aqueles denominados

tributos diretamente ou indiretamente vinculados à ação estatal.

Na exploração da classificação intrínseca, o autor percebeu que há, em nosso

sistema constitucional tributário, outras variáveis possíveis ao critério classificatório, quais

263 Como é cediço, o ato de classificar é método de facilitação para o conhecimento do objeto estudado e só por isso deve ser empregado. Roque Carrazza pontifica que: “Em expressão abreviada, classificar é o procedimento lógico de dividir um conjunto de seres (de objetos, de coisas) em categorias, segundo critérios preestabelecidos. As classificações objetivam acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre diversos seres, de modo a facilitar a compreensão do assunto que estiver sendo examinado. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, pág. 493. 264 Lançamento tributário, 1999, p. 207.

116

sejam a destinação da receita e a restituibilidade, formando as características extrínsecas do

tributo. Esse autor reconhece que essas duas variantes não integram a estrutura da norma

tributária exacional, mas revela que, inexoravelmente, condicionam (suficientemente) a sua

validade. Daí o caráter extrínseco da norma tributária.

Diante disso, conclui esse autor que, “se o imposto não pode ser destinado

especificamente a nenhum órgão, não basta ser tributo não-vinculado; exige-se também

que seja não destinado”.265 Nessa seara, então, entende que “três são, a priori, os critérios

diferenciadores que convivem, concomitantemente, no âmago constitucional: o primeiro e

indiscutível é a vinculação, ou não, de uma atividade estatal no desenho da hipótese

tributária; o segundo, a previsão do destino legal do tributo; o terceiro, a previsão legal da

restituição.”266

Assim, se o critério de Geraldo Ataliba revela condições de estabelecer a

classificação dos tributos pelas características da vinculação ou não descritas no critério

material da hipótese de incidência, também o critério intrínseco de Eurico possui

credenciais classificatórias do mesmo jeito. Ambos consideram um aspecto intranormativo

da norma exacional, deixando, em conseqüência, espaço para a admissão do critério

extrínseco (destinação da receita e restituibilidade) revelado por Eurico.

Contudo, tanto o critério de um quanto o de outro servem para a classificação de

tributos e o que procuramos revelar é que, além dos critérios de classificação dos tributos,

existem também as normas de competência tributária, que permitem, de forma mais ampla,

o teste de validade de todas as normas desse subsistema, a partir da observância do

arquétipo competencial.

Destaque-se que a destinação do produto da arrecadação e a exigência de o

legislador prever a sua restituição ao sujeito passivo são elementos do conseqüente da

norma de competência tributária e, não, do tributo. Por essa forma podemos ver que esses

dados (destinação e restituição) integram uma estrutura normativa (competência), mas não

integram a estrutura normativa específica do próprio tributo.

265 As classificações no sistema tributário brasileiro. 1988, p. 139. 266 Idem.

117

Diante disso, na esteira do pensamento de Eurico sobre os critérios intrínsecos e

extrínsecos da classificação dos tributos, temos para nós que podemos, em nível de

sobreposição de normas, passar a considerar as normas de competência tributária para a

aferição do teste de validade das normas tributárias, em vez das regras de classificação das

espécies.

Para nós, importa destacar que a validade dos tributos criados no exercício das

competências tributárias tem a ver com a observância integral do arquétipo competencial

pelo órgão legislativo. Isso implica atender normativamente aos contornos do regime

jurídico do tributo, constitucionalmente predefinido. Enfatize-se, entretanto, que, para os

desígnios desta dissertação, limitaremos nossas análises ao critério constitucional relativo

às alíquotas tributárias, com vistas à identificação das respectivas normas de competência

existentes em nosso sistema jurídico positivo para cada figura exacional.

118

Título II – Argumentação acerca da alíquota como norma de competência e

de segurança jurídica no sistema do direito positivo

Capítulo 5 – Alíquota – definição e características

26. Breves comentários acerca do tema perseguido

Antes de tecermos comentários diretos acerca da alíquota como norma de

competência e de segurança jurídica, impende a exposição de noções introdutórias acerca

do nosso tema.

Uma das formas de afetação patrimonial do particular se dá com a tributação.

Ocorre o “desfalque” patrimonial, especialmente por meio da dimensão percentual

(alíquota) estabelecida pela legislação tributária e, não, por meio da base de cálculo.267

Essa é a representação dimensível do fato jurídico tributário o qual, por sua vez, nada mais

é do que a perspectiva normativa de um “bem da vida”, de cunho patrimonial legalmente

eleito para ser afetado.

Assim, formalmente, essa perspectiva normativa de um bem particular é formada

pela conjugação do “critério material” e da “base de cálculo”. Em termos genéricos, o

legislador tributário escolhe um “patrimônio”,268 nos limites de sua competência,

descrevendo, normativamente, o seu conteúdo econômico (critério material = renda,

imóvel, negócio mercantil, etc.) e prescreve os critérios para apuração de seu valor (base

para cálculo).269

Uma vez estabelecidos os critérios para a identificação e mensuração legal do

patrimônio, o legislador tributário estabelece,270 por fim, um “indicador da proporção”271

(alíquota), que determinará a dimensão da “incisão” algébrica daquele patrimônio,

267 Função primária da alíquota e secundária da base de cálculo. 268 O termo patrimônio será sempre empregado em sentido amplo, para referir de forma abrangente, todas hipóteses normativas de afetação tributária decorrentes da ocorrência de eventos jurídicos e a existência de bens. 269 Deixemos de lado os comentários critérios espacial e temporal por não serem incisivos neste ponto e apelarmos para a objetividade do tema. 270 Ainda no plano abstrato da norma. 271 Aires Barreto, ob. cit. p. 51

119

legalmente individualizado pela descrição do critério material e da base de cálculo. Nesse

sentido, vale lembrar que Aires Barreto, autor de obra específica sobre os critérios

quantitativos da regra-matriz de incidência, não refuta seja a alíquota um “critério para a

atribuição de uma parcela da riqueza do particular ao Estado.”272

Adiante, descendo no processo de positivação do direito, no plano de aplicação das

normas individuais e concretas, encontraremos uma pessoa competente273 relatando, em

linguagem jurídica, mediante adoção dos critérios hipotéticos da norma, a identificação e

mensuração do patrimônio.

Aqui, impõe-se um parêntese para afirmar que é, exatamente, em função da

atividade legal de confrontação do patrimônio identificado com a aferição de seu

respectivo valor que se tem a assertiva de que a base de cálculo274 “confirma, afirma ou

infirma” o critério material da hipótese de incidência tributária.275

Note-se que, tanto no plano abstrato quanto no plano concreto da norma jurídica,

podemos atestar a assertiva retro-referida, pois vemos que é indispensável haver uma

relação simétrica entre as grandezas dimensíveis dos critérios material e base de cálculo da

regra-matriz de incidência para que o patrimônio possa ser corretamente identificado e

tributado.

Contudo, podemos inferir que a alíquota não se presta a esse fim, pois,

diversamente da base de cálculo, sua relação com o critério material pode ser assimétrica.

Isso nos quer dizer que o “indicador de proporção” (alíquota) poderá276 ser inferior à

grandeza dimensível do critério material277 ou, até mesmo, equivalente ou maior que o

272 Idem, ob. cit. p.52 e 93. 273 Sabe-se que no direito positivo tributário a pessoa competente pode ser tanto pública como privada, em face da possibilidade de o lançamento ser feito diretamente pelo próprio contribuinte. 274 Função primária da base de cálculo. 275 Paulo de Barros Carvalho, em Curso de direito tributário. 2005, p. 342. 276 Deverá, no mais das vezes, em face da proibição do confisco, conforme veremos mais adiante. 277 Situação comum nas relações tributárias com fim arrecadador de recursos para fazer frente às despesas de interesse público do Estado em contraponto às relações tributárias com fim extra fiscal ou regulador.

120

critério material, como é recorrente nos casos de tributação com efeito parafiscal ou

meramente regulador.278

No plano concreto da norma, conforme nos ensina Aires Barreto,279 o “indicador de

proporção” passa a ser “termo” da operação algébrica (multiplicação) quando da sua

aplicação concreta sobre a “base calculada”, possibilitando a determinação da carga

tributária permitida pelo legislador.

Por essa forma vemos que, qualquer que seja o fato jurídico de conteúdo

econômico, critério material eleito e a sua respectiva base de cálculo, sempre será a carga

tributária operada pela alíquota que afetará o patrimônio do contribuinte e, nesse mister,

quanto maior ou menor a alíquota, maior ou menor será o impacto fiscal.

Essa visão, em que pesem os efeitos financeiros a favor do Estado e em desfavor do

contribuinte, está longe de ser interpretada como de natureza financeira. É jurídica, pois

estamos a considerar não o impacto fiscal em si mesmo, mas, sim, as normas jurídico-

tributárias que permitem e estabelecem a manipulação do sistema jurídico positivo, para

impor os limites na determinação da referida carga tributária a partir das alíquotas.

Com efeito, os critérios constitucionais para a fixação das alíquotas permitem, além

de mensurar o impacto tributário sobre a capacidade tributária280 do sujeito passivo,

também aferir a respectiva competência tributária do sujeito ativo e a segurança jurídica

das relações dela decorrentes.281

Disso resulta que, ao lado dos demais critérios constitucionais relacionados com a

hipótese de incidência tributária, é fundamental identificarmos os traços das normas de

competência tributária que dizem respeito ao comando necessário à fixação das alíquotas

pelo legislador infraconstitucional.

278 É o que acontece com a tributação de bens supérfluos e nocivos à saúde ou até mesmo à economia ou ao interesse público. Muito comum na legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. 279 Ob. cit. 280 Note-se que a capacidade tributária é tida como um dado objetivo de conteúdo econômico, selecionado como hipótese normativa. 281 Tal aferição se dará com a verificação da fixação de alíquotas pelo legislador infraconstitucional de acordo ou não com os princípios e regras constitucionais que a prefixam.

121

Assim, imaginamos que um estudo nesse sentido demandará explorar os tópicos

seguintes, visando a apresentar novas perspectivas jurídicas às questões relacionadas às

alíquotas tributárias, extrapolando a sua atual dimensão quantitativista, cunhada pela

doutrina.

27. Aspecto “quantitativista” da alíquota

Em que pese a ausência de trabalho específico acerca do tema das alíquotas

tributárias, importa registrar que a doutrina brasileira sempre teceu importantes

comentários gerais a respeito. E, embora marcada pela heterogeneidade de suas influências

jusfilosóficas, toda a doutrina, de algum modo, direto ou indireto, inclina-se, quase que

uniformemente, para considerar unicamente a alíquota como um critério quantitativo, que,

aliado ao da base de cálculo, possibilita a mensuração da dívida tributária.

Poderíamos aqui transcrever muitos desses trabalhos, mas, por um apelo à

objetividade desta dissertação, preferimos tão somente indicar os inúmeros registros feitos

pelos mais diversos autores, começando-se pela doutrina mais remota, como a de Aliomar

Baleeiro282 e de Rubens Gomes de Souza283 e evoluir historicamente pela doutrina de

Amílcar de Araújo Falcão,284 de Fábio Fanuchi,285 de Ylves José de Miranda Guimarães,286

Alfredo Augusto Becker,287 Geraldo Ataliba,288 passando-se, então, a mais atual de José

Souto Maior Borges,289 Hugo de Brito Machado,290 Paulo de Barros Carvalho291 e Roque

Antonio Carrazza,292 dentre tantos outros autores nacionais que deixaremos de citar pela

desnecessidade de exaustão exemplificativa. Também na doutrina estrangeira tivemos

opiniões no mesmo sentido de J.J. Ferreiro Lapatza293 e Juan Ramallo Massanet.294

282 Baleeiro. Direito tributário brasileiro. 2006, p. 65. 283 Compêndio de legislação tributária. 1975, p. 103. 284 Fato gerador da obrigação tributária. 1999, p. 31 285 Curso de direito tributário brasileiro. 1979, p. 117. 286 Os princípios e normas constitucionais tributários. 1976, p.103. 287 Teoria geral do direito tributário, 2007, p. 398 288 Hipótese de incidência tributária. 2008, p.103 289 Lançamento tributário. 1999, p. 147 290 Curso de direito tributário. 2006, p.112 291 Curso de direito tributário, 2005, p. 342 292 Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 483 293 Cuantificacion de la deuda tributaria. Revista de Direito Tributário. Volume 49. 1989, p. 13.

122

Em que pese a já extensa lista de autores acima citados, vale destacar os trabalhos

de Valdir de Oliveira Rocha e de Aires Barreto, os quais imprimiram maior dedicação aos

critérios quantitativos da obrigação tributária, e que, muito embora tenham concluído

também no mesmo sentido da doutrina pátria, demonstraram argumentação diferenciada do

tema.

Valdir de Oliveira Rocha295 parte da premissa de que há, em nosso direito positivo,

tributo fixo e tributo variável, e que a determinação de seu montante deve ser operada por

meio das modalidades “quantificação”, “fixação” e “avaliação”.

É na modalidade “quantificação” que esse autor vislumbra a existência da base de

cálculo e da alíquota por demandar a presença de cálculo matemático para a determinação

do montante do tributo. O autor observa que, para se determinar o montante do tributo, é

necessário, além da base de cálculo, de um fator, a alíquota. Para ele, a alíquota é “o fator

que se aplica à base de cálculo, para se quantificar o montante do tributo”. Igualmente à

boa parte da doutrina, entende que o termo “alíquota” não deve ser estudado a partir de sua

etimologia.

Em relação às outras duas modalidades de determinação do tributo, Valdir de

Oliveira Rocha entende que a “fixação” tem a ver com a possibilidade de tributo fixo,

especialmente em relação às taxas, pois se posiciona no sentido de que o nosso direito

positivo permite a instituição de tributos já determinados, fixados, que prescindem de

cálculo (“quantificação”) e, nesse sentido, não haveria que se falar em base de cálculo e

alíquota. Nessa linha, conclui que só não pode haver impostos fixos, em face do princípio

da capacidade contributiva.

Por fim, em relação à modalidade da “avaliação”, entende esse autor que há um

único caso possível, que seria na hipótese das contribuições de melhoria, em que a

determinação do tributo não se daria pela “quantificação” ou “fixação”, mas, sim, pela

avaliação da valorização do patrimônio do contribuinte, em face da obra pública realizada

294 Hecho imponible y cuantificación de la prestación tributaria. Revista de Direito Tributário. Volume 11-12, 1980, p. 21. 295 Determinação do montante do tribute: quantificação, fixação e avaliação. 1995, p. 101-103

123

pelo poder tributante, prescindindo, portanto, da base de cálculo e da alíquota, também. De

qualquer forma, embora esse autor tenha posição bem diferenciada de grande parte da

doutrina, o que nos fez citá-lo, também entende, conclusivamente, que a alíquota é critério

quantitativo da dívida tributária, como todos os demais autores.

Deixamos para o fim as reflexões que entendemos mais aprofundadas acerca das

alíquotas. Para nós, Aires Barreto foi quem mais se aproximou do tema da alíquota como

norma de competência e de segurança jurídica, muito embora seus ensinamentos também

tivessem permanecido na seara quantitativa da alíquota.

Esse último autor apresentou, em sua obra “Base de Cálculo, Alíquota e princípios

constitucionais”, dois pilares fundantes desse tema, estabelecendo-os como premissas de

todo o seu arrazoado: (i) a delimitação do princípio da capacidade contributiva e (ii) o

reconhecimento da juridicização das proposições matemáticas. A sua justificativa foi a de

que estes institutos são inerentes ao estudo das entidades que servem para medir e à própria

medição dos eventos tributáveis.296

Esmiuçando as idéias desse autor, comecemos pela (i) delimitação do princípio da

capacidade contributiva, em que o autor registra que a Constituição exige um tratamento

paritário dos cidadãos, pautado por um princípio de igualdade. O autor, tendo o princípio

da capacidade contributiva como desdobramento da igualdade297 observa que, nos tributos

vinculados, impõe-se ao legislador ordinário escolher, como hipótese normativa, fatos com

conteúdo econômico e, no conseqüente normativo, prescrever critério de mensuração (base

de cálculo) ad valorem.

Desse modo, afirma o renomado autor, fere-se a capacidade contributiva eleger fato

sem conteúdo econômico ou adotar base de cálculo que não seja lastreada no valor, com o

que não admite a figura do “tributo fixo”, no que concerne aos tributos não vinculados. No

296 Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. 1998, p.25 297 Dino Jarach, em sentido análogo, observa que o “princípio da capacidade contributiva é que está na base do imposto. Temos visto que dito princípio constitui a característica das hipóteses de incidência, que sempre são manifestações de riquezas sujeitas a uma valoração política do legislador. Como conseqüência disso, a obrigação tributária que nasce da realização dos fatos imponíveis guarda com estes uma relação ou uma proporção que será dada pela alíquota do imposto. Raros são os impostos que têm como montante uma soma fixa, porque isto contrasta com a idéia fundamental de proporcionar a obrigação à capacidade contributiva.” (“Aspectos da hipótese de incidência tributária”, Revista de Direito Público. Vol. 17, p. 302)

124

caso dos tributos que possuem em sua hipótese normativa a descrição de uma atuação

estatal, salienta que, tratando-se de taxas, apesar de a única base de cálculo possível ser o

valor da atuação estatal, ainda assim torna-se necessária a presença de referências à base de

cálculo e à alíquota, o mesmo ocorrendo com a contribuição de melhoria.298

Quanto à (ii) juridicização das proposições matemáticas, Aires Barreto anota a

assertiva de que o comportamento humano de entregar uma quantia ao Estado, como

direito/dever da obrigação tributária, não prescinde da utilização da Ciência Matemática.299

Contudo, ele explica que, por vezes, ocorre a absorção, pelo direito, de categorias,

conceitos, definições etc. que integram outras Ciências, transformando tais entidades em

linguagem jurídica e fazendo ingressar no sistema do direito.

Com efeito, esse autor ressalta que a “juridicização de dada proposição se dá pelo

acolhimento de todos os princípios a que se subordina e dos preceitos ou regras aos quais

se enlaça.”300 Com isso, conclui que, o direito, ao acolher tais entidades, acolhe também as

operações fundamentais da matemática e as regras que lhes dizem respeito.

Realce do trabalho de Aires Barreto é o aprofundamento na distinção entre base de

cálculo e base calculada, a qual, segundo esse autor, é idéia originada dos pensamentos de

Alberto Xavier. Assim, a “base de cálculo”, para Aires, é um conjunto de referências

normativas a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários e, em

conseqüência dessa operação quantificadora, tem-se que a “base calculada” é o “resultado

expresso em moeda da aplicação do critério abstrato (designado base de cálculo) a um

caso concreto.”301

Por essa forma, no momento em que se constitui a base calculada, assevera-se que a

alíquota deixa de ser uma “indicação de proporção” de um valor indeterminado (uma

incógnita), passando a ser calculada sobre um valor legalmente determinado (a base

calculada), permitindo-se, assim, conhecer a quantia da dívida tributária.

A partir dessas manifestações sobre a base de cálculo e base calculada, o autor

supracitado nos revela a importância de nos atentarmos para a consciência em manipular o

298 Aires Barreto. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 137. 299 Idem, p. 31. 300 Ibidem, p. 32. 301 ibidem, p. 127.

125

critério quantitativo no plano normativo abstrato e no plano concreto. E, mantendo-se esse

rigor, Aires Barreto define alíquota, no plano abstrato, como “o indicador da proporção a

ser tomada da base de cálculo”.302 Em lado oposto, observa que a “alíquota in concretu” é

o “fator aplicável à base calculada para a obtenção da dívida tributária.”303 É o termo da

operação algébrica de multiplicação.304

Seguindo nessa linha, ele adverte que têm sido comum na doutrina considerações

no sentido de que a alíquota é parte, quota, pedaço, fatia ou fração a ser retirada da base

imponível. Colocando em confronto essa doutrina com a realidade, demonstra ser comum

o ensejo de normas jurídico-tributárias prescrevendo critérios que atribuem ao Poder

Público quantias tributárias equivalentes à própria base de cálculo e, até mesmo, em alguns

casos, quantias superiores ao valor tributável.

Com isso, esse ilustre autor adverte que a alíquota não é parte, fatia, quota ou fração

da base de cálculo, mas, sim, o critério legal para a obtenção de uma parte, de uma fatia,

de uma quota ou de uma fração da grandeza expressa pela base calculada. A alíquota é,

resumindo, o operador legal de aferição da quantia devida (o quantum debeatur).

Quer-nos parecer que, em remate, na visão do autor, poder-se-ia cogitar apenas de

que é o quantum debeatur a fração do todo (patrimônio em sentido amplo)305 e, não, a

alíquota. Em consonância com essa afirmação, podemos inferir que em inúmeros casos

também não se cogita ser a dívida tributária parte da base de cálculo, há vezes em que é

superior, como no caso do IPI sobre cigarros, v.g.

No mesmo cenário da base de cálculo, o presente autor teve também a preocupação

de distinguir a “alíquota normativa” daquela utilizável no caso concreto. Segundo ele,

enquanto a base de cálculo será, necessariamente, um valor, a alíquota poderá consistir em

percentual ou unidade de medida. Nesse particular, observa ainda que um “tributo só é

proporcional, progressivo ou regressivo, à medida que o é a alíquota aplicável, diante da

relação jurídico-tributária.”306

302 Ibidem, p. 58. 303 Ibidem, p. 128. 304 Ibidem, p. 44. 305 Ibidem, p. 56. 306 Ibidem, p. 128.

126

Proporcional, para ele, é a alíquota que não varia, apesar da variação do valor

expresso pela base calculada. Progressiva, por sua vez, são as alíquotas que aumentam no

mesmo sentido que varia a base calculada. Lastreado nas lições de Rubens Gomes de

Souza, Aires Barreto anota que a progressão simples é aquela em que cada alíquota é

aplicada por inteiro à base calculada, enquanto progressão graduada é aquela em que cada

alíquota é aplicada sobre uma parcela da base calculada, tendo-se em mente a idéia de

faixas de aplicação de alíquota. A alíquota regressiva, por fim, é aquela que varia no

sentido inverso à variação da base calculada.307

Anotação sutil percebida pelo autor foi a situação em que a lei prescreve algo como

em tal ou qual situação a alíquota será duplicada ou reduzida. Nesses casos, observa a

existência de hipótese de alíquota só precisamente definida após a realização desse cálculo

e, não, expressando que isso ocorrerá apenas e tão somente por ocasião da expedição da

norma individual e concreta.308

Notadamente, outro aspecto quantitativo a considerar é que, relativamente à

classificação dos tributos em fixos ou variáveis, seguimos a opinião majoritária da

doutrina, no sentido de que nosso subsistema constitucional tributário não admite a

modalidade fixa, pois, em que possa parecer desfavorável a não vedação expressa nos

enunciados constitucionais, os arquétipos tributários revelam que todas as espécies deles

derivadas hão de se constituir a partir de regras-matrizes, com seus respectivos critérios

(material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo – base de cálculo e alíquota), daí todos

carecerem da modalidade “quantificação”.

Com base nessa afirmativa, podemos inferir que os tributos vinculados sempre são

quantificados, pois, como todos os demais tributos não vinculados, também carecem da

previsão de uma hipótese material de incidência, cujo valor é atribuído segundo o critério

normativo nuclear da base de cálculo e apurado pela “base calculada”, possibilitando, pela

perspectiva quantitativa da obrigação tributária, a aplicação da alíquota a qual, comumente

nos tributos vinculados, é de 100% (cem por cento).

307 Ibidem, p. 129. 308 Ibidem, p. 59.

127

Nesse cenário, ainda, pode-se afirmar que os tributos vinculados também

possibilitam cumprir os princípios da capacidade contributiva e do não-confisco, pois,

sabendo-se que o ente político competente pode cobrá-los até o limite do preço de seus

“serviços”,309 mediante a aplicação de uma alíquota de 100%, fica patente que ela pode ser

graduada entre 0% e 100%, para atender, em muitos casos (i) ao exercício da cidadania e à

dignidade da pessoa humana, bem como para (ii) erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais do país.310

Podemos imaginar, então, que, por esse foco, é possível a previsão de alíquotas

inferiores a 100%, podendo-se atingir até 0% (zero por cento), na instituição de tributos

vinculados às atividades estatais, prestadas ou colocadas à disposição de pessoas

financeiramente hipossuficientes.

Registre-se que esses pontos de vista revelam uma posição “quantitativista” da

doutrina sobre o estudo tanto da base de cálculo quanto da alíquota, não os revelando,

especialmente esta última, como mais uma norma de competência tributária e de segurança

jurídica insculpida em nosso sistema jurídico.

28. Relação jurídico-tributária e alíquota

Importa registrar que o “fato jurídico tributário” e a “relação jurídico-tributária”

habitam o plano das normais individuais e concretas, enquanto os “critérios” da hipótese e

da conseqüência estão fincados no plano das normas gerais e abstratas.

Com efeito, é na seara do conseqüente da norma geral e abstrata que estão

prescritos os critérios para que o aplicador do direito identifique a relação jurídico-

tributária e determine o valor devido (quantum debeatur). Desse modo, vemos que, no

conseqüente das normas gerais e abstratas, não há uma efetiva relação entre sujeitos de

direito, mas tão somente os critérios para a sua constituição, a qual se dará com a

expedição da respectiva norma individual e concreta.

309 Empregado em sentido amplo, abarcando todo o critério material da hipótese de incidência das diversas hipóteses dos tributos vinculados. 310 Conforme artigos 1o, incisos II e III e 3o, inciso III, todos da Constituição Federal.

128

Com isso, vale notar que, uma coisa são os critérios prescritos pela norma geral e

abstrata e outra coisa, a relação jurídica efetivamente constituída pela norma individual e

concreta.

Sob a ótica concreta, então, na relação jurídico-tributária, encontramos a

determinação de um comportamento por uma pessoa, comumente denominada sujeito

passivo pela doutrina, e a determinação do objeto desse comportamento, a ser entregue ao

sujeito ativo.

Isso nos revela que a relação jurídica tributária é constituída pela norma individual

e concreta, a partir da determinação por autoridade competente,311 além da influência

indireta de outros, mas especialmente dos critérios pessoal e quantitativo prescritos na

norma geral e abstrata. No critério pessoal, a norma individual e concreta irá identificar os

sujeitos da relação jurídica tributária e, no critério quantitativo, os critérios determinantes

do objeto da conduta, consistente na entrega de dinheiro do sujeito passivo ao sujeito ativo.

No entanto, exclusivamente no que pertine ao critério quantitativo alíquota,

podemos anotar que, no plano normativo, geral e abstrato, encontramos critérios mínimos

que influem a quantificação do objeto, delineando o universo para a constituição da relação

jurídico-tributária.

Com efeito, importa lembrar que a relação jurídica forma-se não só em torno do

direito de um sujeito e o correlato dever de outro. Além dos sujeitos e de outros aspectos,

tais como tempo, lugar, modo, etc., há o objeto sobre o qual circunda toda relação jurídica.

Isso implica dizer que, além da observância do critério para identificação dos

sujeitos e da matéria da relação jurídico-tributária (critério pessoal), o aplicador do direito

deverá observar também a diretriz legal estabelecida para a determinação do critério

quantitativo, tanto para base de cálculo quanto para a alíquota. Sem isso, podemos afirmar

que, relativamente à alíquota, a inobservância dos critérios mínimos, prescritos na norma

geral e abstrata, implica a invalidade da norma individual e concreta produzida e impede a

constituição de relação jurídico-tributária.

311 Entenda-se como o órgão encarregado de constituir o fato jurídico-tributário.

129

Nesse cenário, então, subindo-se na escala hierárquica normativa,312 notamos que a

prescrição infraconstitucional de critérios legais tendentes a delinear a regra-matriz de

incidência, para fins de constituição de relações jurídico-tributárias, carece da observância

integral da norma de competência tributária (o arquétipo competencial), não podendo

aviltar qualquer dos critérios dos tributos constitucionalmente reservados aos entes

políticos tributantes.

Assim, quando a Constituição Federal estabelece regras ou princípios, explícitos ou

implícitos, a serem observados para o pleno exercício da competência tributária, quer-nos

parecer que há uma diretriz a ser observada pelo legislador infraconstitucional para o

delineamento do critério material, temporal, espacial, pessoal, quantitativo e,

evidentemente, então, também em relação às alíquotas.

Em suma, se a Constituição Federal estabelece normas de competência, com

balizamento dos critérios para a fixação das alíquotas tributárias, não se há como constituir

relação jurídico-tributária a partir de legislação infraconstitucional que desatenda as

referidas normas.

29. Obrigação tributária e alíquota

29.1. Objeto-prestação – um aspecto da obrigação tributária

Como dito acima, toda relação jurídica se forma especialmente em torno de um

objeto, sobre o qual se estabelecem direitos e deveres. Ocorre, contudo, que relação

jurídico-tributária, quando entendida como aquela da qual decorre o dever jurídico de um

determinado sujeito entregar uma determinada quantia em dinheiro a outro, que tem o

direito subjetivo de exigir o cumprimento daquele dever, parece-nos conotar, de início, a

existência de um objeto comportamental.

312 Invertendo-se a pirâmide do processo de positivação de Kelsen em direção à generalização e abstração normativa para atestarmos a validade das normas frente à Constituição Federal. Teoria pura do direito, 2006, p. 246.

130

Nesse sentido, o artigo 3o do Código Tributário Nacional é bem explícito ao

delinear o conceito de tributo, prescrevendo que tributo, como obrigação tributária, é a

“prestação pecuniária”.

Cristalino se torna esse conceito para revelar que a obrigação tributária, como

“prestação pecuniária”, decorre de uma ação pelo sujeito passivo. Assim, quer-nos parecer

que o dever jurídico-tributário se encerra nos limites do comportamento de determinado

indivíduo em levar determinada quantia ao titular do direito subjetivo. Estamos aqui a

retratar um aspecto da obrigação tributária, em decorrência da competência do ente político

tributante, exclusivamente no âmbito do direito de exigir e dever de cumprir dos sujeitos

dela integrantes tão somente.

Sobre isso, Geraldo Ataliba salienta que “o objeto da norma tributária não é o

dinheiro, transferido aos cofres públicos, mas, sim, o comportamento de levar dinheiro aos

cofres públicos. As obrigações de dar têm um objeto que é o comportamento consistente

em dar alguma coisa. Esta coisa é o objeto material do comportamento, o qual, à sua vez, é

objeto do comando. O comportamento objeto do comando, na relação obrigacional, recebe

a designação de prestação”.313

Ocorre, porém, que, para um indivíduo estar sujeito ao comportamento (objeto-

prestação) de entregar dinheiro a outro, é indispensável que a obrigação tributária tenha

sido efetivamente constituída a partir das regras-matrizes de incidência postas no sistema

do direito positivo, com a observância dos critérios constitucionais que a influem.

Em outras palavras, a exigência de um dado comportamento, decorrente da

instituição de determinado tributo, deve estar em total consonância com a norma de

competência tributária, observando-se o respectivo arquétipo.

Assim, é a norma de competência que fornece o delineamento da obrigação

tributária e permite que o sujeito ativo a institua e exija, como seu objeto, um

comportamento consistente na entrega de dinheiro. O objeto prestação é, efetivamente, o

efeito jurídico do exercício da competência tributária.

313 Hipótese de Incidência Tributária. 2008, p. 22

131

29.2. Objeto material – outro aspecto da obrigação tributária

O objeto-prestação, o comportamento, exigido na obrigação tributária, não surge

só, despido de qualquer aspecto físico. Ao invés disso, a obrigação tributária descreve o

comportamento exigido e atribui um predicado a ele. Em sentido análogo, Aires Barreto

aludiu que ao “verbo e complemento”314 da hipótese de incidência há que se aditar um

“adjunto adnominal” e, aproveitando os exemplos de Paulo de Barros Carvalho, emenda,

afirmando que o “vender mercadorias”, “industrializar produtos”, “ser proprietário de bem

imóvel”, exige o adjunto adnominal “de que valor?”.

Assim, aproveitando os mesmos exemplos, equivale dizer que o comportamento de

“vender” reclama o complemento “mercadorias”, que, por sua vez, carece de uma

valoração significativa.

Essa valoração é o objeto material da obrigação tributária, correspondente à

substância do dito objeto-prestação. Isso nos quer dizer que o comportamento exigido pela

obrigação tributária reclama sempre a entrega de dinheiro, que é a coisa material,

expressão física pecuniária, que acompanha referido comportamento.

Assim, é indubitável que o aspecto quantitativo da obrigação tributária está

relacionado ao objeto material e, não, ao objeto prestação.

Com isso, podemos anotar, com uma visão clássica de obrigação tributária, a

existência de uma perspectiva quantitativa por meio do objeto-material e outra perspectiva,

de natureza relacional, no que atina ao objeto-prestação, compondo ambas as suas nuances

características.

Assim, quando se faz referência ao aspecto quantitativo da obrigação tributária,

estar-se-ia direcionando a análise tão somente ao objeto material, no que pertine aos

critérios relacionados ao cálculo do tributo. De outro modo, as anotações sobre o objeto-

prestação fazem referência direta aos critérios relativos à competência tributária.

314 Paulo de Barros Carvalho ensina que a hipótese de incidência sempre haverá de ter um verbo e um complemento para indicar o critério material do tributo. ob. cit.

132

Por essa forma, importa anotar que objeto-prestação e objeto-material se

distinguem um do outro, mas constituem juntos as duas faces da obrigação tributária.315

Em decorrência disso, ao se fazer referência às alíquotas, como simples aspecto

quantitativo, estar-se-ia tão somente direcionando comentários aos critérios relacionados

ao objeto-material da obrigação tributária.

Entretanto, além disso, quer-nos parecer que o nosso sistema de enunciados do

direito positivo veicula um conjunto de princípios e regras constitucionais relativos às

alíquotas tributárias que influi, juntamente com outros, na constituição do arquétipo da

competência tributária.

29.3. Influência da alíquota sobre a obrigação tributária

No plano normativo individual e concreto, o “lançamento tributário” concretiza a

existência dos objetos (prestacional e material) da obrigação tributária e denota, por si só,

marcas da consumação dela.

Contudo, importa lembrar que a validade da obrigação tributária depende da

validade da norma individual e concreta que a instituiu e, nesse sentido, voltando-se os

olhos para as normas gerais e abstratas que lhe serviram de fundamento, encontraremos, no

plano hierárquico das leis, outras normas que constituem o sistema do direito positivo com

todas as diretrizes de validade tanto das normas individuais e concretas quanto das próprias

normas gerais e abstratas.

Assim sendo, com a análise da alíquota, numa perspectiva prestacional da

obrigação tributária, temos a oportunidade de verificação da validade das normas gerais e

abstratas postas no sistema, antes mesmo da instalação da obrigação tributária, checando a

atividade legislativa do ente político tributante, no que concerne ao exercício de sua

competência tributária.

Por essa forma é que atestamos a influência das normas constitucionais, gerais e

abstratas, relativas à alíquota, sobre os objetos da obrigação tributária posta no sistema

315 Obviamente que estamos a considerar a implicitude dos aspectos, temporal e espacial, que sempre marcam a existência de qualquer fato.

133

pelas normas de conduta. O processo de positivação das normas jurídicas relativas às

regras-matrizes de incidência tributária, tendente a constituir obrigações dessa natureza,

carece da observância de todos os critérios constitucionalmente preestabelecidos.

Com efeito, a inobservância dos critérios constitucionais relativos à alíquota

tributária, além de outros, influi na possibilidade jurídica de instituir tributos, além da de

constituir obrigação tributária para a exigência dos seus objetos.

Assim, é de se concluir que, na seara da obrigação tributária, além de seu aspecto

quantitativo, as alíquotas possuem outro, relacionado aos critérios da competência

tributária, que influi na constituição da obrigação tributária.

29.4. Função da alíquota

Além de falar especificamente acerca da função da alíquota, impende discorrer,

preliminarmente, sobre a base de cálculo, pois importa registrar que a base de cálculo, em

regra, corresponde à exata dimensão do fato jurídico tributário, como habitualmente

propagado pela doutrina nacional.

Merece destaque o fato de que o valor do fato jurídico tributário deve ser sempre o

mesmo valor do negócio jurídico nuclear do critério material da regra-matriz de incidência

tributária, pois a base de cálculo opera uma lapidação limitativa nos contornos do núcleo

da hipótese, para determinar de forma cristalina o seu valor.

A mensuração da base calculada opera as arestas do referido núcleo de incidência

de modo a adicionar ou excluir outros valores que, por fim, conformam a dimensão do fato

jurídico tributário, mas que com ele não se confundem. Como constatação dessa assertiva,

basta analisar a legislação do Imposto sobre a Renda316 - IR -, cujo fato jurídico tributário

nuclear (auferimento de renda) é o resultado decorrente das exclusões e adições à receita

ingressada no patrimônio do contribuinte, previstas na regra-matriz de incidência deste

316 Confira a legislação do IR (lei 4.506/64 e DL 5.844/43 e Dec. 3.000/99)

134

imposto. Também vemos essa mesma regra lapidar na legislação do ICMS317 dos Estados e

do Distrito Federal, na legislação do IPI318 e na do ISS,319 dentre outras.

Importa alertar que a relevância de a tributação afetar tão somente o acréscimo

patrimonial,320 por imperativo de “justiça tributária,”321 implicam sejam feitas exclusões e

adições ao valor do fato jurídico nuclear. Por esse motivo a doutrina tem proclamado, em

resumo, que a base de cálculo infirma, afirma ou confirma o critério material da regra-

matriz de incidência tributária.322

Outro exemplo que reforça nossa afirmativa diz respeito ao Imposto sobre

Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de

Transporte de Natureza Interestadual ou Intermunicipal ou de Comunicação – ICMS,323 em

que o valor do fato jurídico tributário nuclear não pode ser, como tradicionalmente ocorre,

confundido com o valor da venda de mercadoria ou o valor da prestação do serviço, pois

ele nunca será o mesmo da base de cálculo desse imposto. Isso se dá pelo fato de que a

legislação aplicável à espécie (ICMS) estabelece que a base de cálculo seja o valor do

negócio jurídico relativo à operação ou à prestação (entenda-se o valor do fato jurídico

tributário), incluindo-se, aí, todos os demais valores que integram o negócio mercantil.

Abra-se um parêntese para lembrar que esse é o motivo pelo qual a doutrina não admite o

acréscimo do próprio imposto (ICMS) e de outras despesas não relacionadas ao negócio

jurídico na sua base de cálculo.324

317 Ver LC 87/96. 318 Lei n. 4.502/64 e Regulamento do IPI 319 Ver LC 106/00 320 Empregamos em sentido amplo, para nos referirmos a todo acréscimo patrimonial em decorrência de algum fato jurídico qualquer, como obtenção de renda, venda de mercadoria, ganho de capital, ganho de loteria, etc. 321 Justiça no sentido de obediência à política jurídico-fiscal decorrente dos princípios constitucionais tributários, que estabelecem uma tributação adequada à capacidade contributiva de cada contribuinte. 322 Esse é o sentido comumente empregado pela doutrina Brasileira. 323 Veja a Lei Complementar n. 87/96 e legislações estaduais sobre ICMS. 324 Essa sempre foi a posição da doutrina nacional, em que pese o STF já ter decidido acerca da constitucionalidade dessa hipótese em face da EC n.º 33/01. Criticando duramente o instituto do "cálculo por dentro", fixado pela legislação complementar do ICMS, Roque Antonio Carrazza, assim manifestou-se: "Destarte – como será melhor demonstrado –, o montante de ICMS não pode integrar sua própria base de cálculo, sob pena de desnaturar-se o tributo e, o que é pior, de se infringirem maus tratos ao estatuto do contribuinte, constitucionalmente traçado. "Na verdade, não é possível inserir, na base de cálculo do ICMS a sua própria incidência (cálculo por dentro), ensejando a cobrança de imposto sobre o imposto." Em que pese a consistência dos argumentos acima, e ainda, a sapiência de seus defensores, o Supremo Tribunal Federal

135

Posto isso, evidencia-se que a base de cálculo decorre de uma prescrição

normativa de um conjunto de valores, dentre eles o valor do fato jurídico tributário – mas

não só, cuja motivação é empírico-constitucional, para a realização da referida justiça

tributária.

A alíquota, diferentemente da base de cálculo, funciona por um método exclusivo

de afetação patrimonial. Repare que, enquanto a base de cálculo tem a função primordial

de medir o valor patrimonial a ser afetado, delineando a exata dimensão da capacidade

contributiva325 do sujeito passivo, a alíquota investe contra essa dimensão patrimonial e

demarca-lhe o gravame tributário – o objeto-material da prestação tributária.

Trata-se, no plano abstrato da norma tributária (de conduta), que a alíquota se

perfaz em uma previsão aritmética do comprometimento do “patrimônio” do contribuinte,

v.g., 10% (dez por cento) ou 110% (cento e dez por cento) da base de cálculo, conforme a

natureza da exação (arrecadatória ou regulatória).326

No plano concreto da incidência normativa, a alíquota atua sobre a base de

calculada, com as nuances acima comentadas,327 possibilitando, ao final, a mensuração do

objeto material da prestação tributária.

(STF), apreciando a questão, decidiu pela constitucionalidade do "cálculo por dentro" do ICMS, não acolhendo as alegações de afronta aos princípios da capacidade contributiva, estrita legalidade e não-cumulatividade, dentre outros (RE nº 212.209, rel. Ministro Marco Aurélio, redação para acórdão Ministro Nelson Jobim, 23 de junho/99). "ICMS – Inconstitucionalidade da Inclusão de seu Valor, em sua Própria Base de Cálculo", em “Revista Dialética de Direito Tributário” nº 23, São Paulo: Dialética, p. 102 325 No sentido de capacidade contributiva pelo porte do patrimônio, aferido pelo valor do fato jurídico tributário e os respectivos acréscimos e decréscimos. 326 Como dito anteriormente, exceção feita tão somente aos tributos vinculados, em que entendemos deva ser a alíquota limitada a 100%, no exato limite da base de cálculo, que deverá corresponder, por sua vez, ao valor nuclear da hipótese de incidência. Vislumbramos que não há tributos fixos em nosso sistema positivo e, por isso, entendemos que os tributos vinculados têm suas regras-matrizes constituídas pelos mesmos critérios dos não vinculados, ou seja, material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo (base de cálculo e alíquota). Nesse cenário, então, imaginamos que a base de cálculo dos tributos vinculados deva corresponder ao valor intrínseco da hipótese material de incidência e a alíquota poderá ser de até 100%. Em regra, a cobrança dos vinculados se dá pela alíquota de 100% da base de cálculo, mas nada impede que seja graduada entre 0% e 100%, conforme a capacidade econômica do sujeito passivo. Por exemplo, pode-se estabelecer uma taxa de serviço público com alíquota de 0% (com efeito de isenção) para as pessoas carentes de recursos financeiros, pobres na acepção jurídica do termo, para dar eficácia aos fundamentais valores da cidadania e dignidade da pessoa humana, e 100% para quem não prove tal carência. 327 A base calculada de Aires Barreto.

136

Assim, numa perspectiva quantitativa da obrigação tributária, a função da base de

cálculo está para a mensuração pecuniária do patrimônio a ser afetado e a alíquota para a

dimensão valorativa do objeto material da prestação tributária, o qual corresponde à

parcela do patrimônio particular que deverá ser entregue aos cofres públicos. Essa a função

quantitativa da alíquota.

No entanto, entendemos haver outras funções da alíquota. Segundo Aires Barreto,

“a alíquota tem por função, no caso de imposto, possibilitar o exame da não

confiscatoriedade; nas taxas, atua como indicador da capacidade contributiva e, por fim, na

contribuição de melhoria, como elemento de aferição do confisco.”328

Pensamos que a Constituição Federal, no que pertine ao subsistema jurídico

constitucional tributário, estabeleceu diversas competências, delineando-as segundo o

regime jurídico dos tributos e alguns critérios normativos consagrados como parâmetros de

fixação das alíquotas pelo legislador infraconstitucional.

Por essa forma, em face do regime jurídico de cada espécie tributária, podemos

aferir também a competência de cada ente político tributante. Nesse sentido, sabemos que,

quanto ao critério de classificação dos tributos, podemos considerar o binômio critério

material e base de cálculo, donde chegamos à classificação dos tributos em vinculados a

uma atuação estatal e os não vinculados, aferindo-se as espécies taxas, contribuições e

impostos, respectivamente. De outro modo, pensando-se em classificação a partir do

regime jurídico das espécies tributárias, encontramos na Constituição Federal até 5 (cinco)

espécies (impostos, taxas, contribuições sociais, contribuições de melhoria e empréstimos

compulsórios).

Vale ponderar que, ao analisarmos as normas constitucionais relativas às diversas

espécies tributárias sem, no entanto, considerar qualquer critério de classificação dos

tributos, podemos afirmar que a alíquota também possui a função de calibrar a

competência tributária, influindo na instituição das diversas regras-matrizes pelo

legislador infraconstitucional.

328 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 84

137

Com efeito, pensamos conclusivamente que há princípios e regras constitucionais

que estabelecem o arquétipo tributário e fornecem critérios que predeterminam as alíquotas

das regras-matrizes possíveis e, com isso, delimitam a competência tributária dos entes

políticos tributantes, garantindo, assim, a segurança jurídica das relações jurídico-

tributárias.

Capítulo 6 - Alíquota e os princípios constitucionais tributários

Anteriormente comentamos que, sendo os princípios constitucionais tributários

elementos normativos integrantes do ordenamento jurídico tributário, de cunho hierárquico

e com forte valor axiológico, eles influem no processo interpretativo para estabelecer,

finalisticamente, o limite da competência tributária e disciplinar a validade das normas

inseridas no sistema do direito positivo.

Analisando alguns princípios constitucionais tributários, em face da aplicação das

normas relativas à alíquota, podemos encará-los como limites objetivos (princípios e

regras) do direito positivo brasileiro para o exercício da atividade do legislador

infraconstitucional.

Isso implica fazermos uma breve incursão sobre alguns dos princípios

constitucionais, alguns gerais e outros de natureza eminentemente tributária, que a nosso

ver são considerados vitais à sustentabilidade do subsistema tributário, influindo

decisivamente na construção das normas de competência tributária e respectivas normas de

conduta, consideradas por nós como pilares mestres do direito tributário.

Obviamente que a limitação ao universo dos princípios constitucionais se dá pela

necessidade de objetividade do trabalho que exige sejam citados tão somente aqueles que

exercem influência direta ao nosso tema, não considerando preteridos outros princípios, até

pela unidade ínsita do próprio sistema jurídico.

138

30. Princípios que influem na fixação das alíquotas

30.1. Princípio da legalidade

A busca pelo sentido do princípio da legalidade deve ser iniciada a partir do artigo

5º, inciso II, da Constituição Federal, o qual estabelece que “ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Desse enunciado podemos inferir que há um poder impositivo estabelecendo a

principal diretriz do sistema jurídico positivo, em que se percebe a grandeza de uma força

originária de quem lhe outorga. O povo.

É o princípio da legalidade a expressão maior da vontade do povo de um Estado

democrático de direito, regido por um regime político de representação popular, mediante

sufrágio universal e secreto. É, o princípio da legalidade, em outras palavras, o exercício

regular da vontade do povo levado a efeito mediante representação exercida pela atividade

política parlamentar e, que, caracteriza a primeira outorga de competência.

Conforme ensina Roque Antonio Carrazza, a “legalidade é a morada da

isonomia”, pois, explica esse autor, todos os princípios estão a serviço da isonomia e, por

isso, fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei, só será legítimo se for em

face de “lei igualitária”.329 Assim, na esteira do mestre, parece-nos que a legalidade

estampa a igualdade entre os cidadãos do povo e estabelece limitações ao poder de tributar.

Pelo princípio da legalidade há igualdade de sujeição entre os cidadãos, bem como do

próprio Poder constituído.

Invocando Pontes de Miranda, o ilustre jurista Sacha Calmon Navarro Coelho

assegura que legalidade da tributação “significa o povo se tributando a si próprio. Traduz-

se como o povo autorizando a tributação através de seus representantes eleitos para fazer

leis, ficando o príncipe, o chefe do Poder Executivo – que cobra os tributos – a depender

do Parlamento”.330

329 Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 420 330 Curso de direito tributário. 2005, p. 221

139

No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado assevera que “a lei, a manifestação

legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser

instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada

seu patrimônio para dele retirar os meios indispensáveis à satisfação das necessidades

coletivas.331

Em matéria tributária, além do inciso II do artigo 5o da Constituição Federal,

encontramos o reforço do inciso I do artigo 150 da Carta Política que estabelece que “Sem

prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios (...) exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

Com isso, é patente em nosso sistema positivo que só a lei pode definir os tipos tributários.

Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza professa que o “princípio da legalidade

garante, decisivamente, a segurança das pessoas, diante da tributação.” E, assim, arremata,

afirmando que “o patrimônio dos contribuintes só pode ser atingido nos casos e modos

previstos na lei, que deve ser geral, abstrata, igual para todos (art. 5o, I, e art. 150, II,

ambos da CF), irretroativa (art. 150, III, “a”, da CF), não-confiscatória (art. 150, IV, da

CF) etc.”332

Quanto à função do princípio da legalidade em matéria tributária, Regina Helena

Costa destaca três distinções relevantes, lembrando a “função formal”, que é a exigência

indispensável de veículo legislativo; a “função material”, caracterizada pela especificação

de todos os aspectos necessários à verificação do fato jurídico-tributário (especificidade ou

tipicidade) e respectiva obrigação, e a “função vinculante” relativa à vinculatividade dos

órgãos da Administração aos seus comandos.333

Adotando as distinções acima destacadas, podemos apurar, em nosso sistema

jurídico positivo, grande relevância analítica delas para o estudo do direito tributário.

Assim, no sentido de “função formal” do princípio da legalidade encontramos a posição de

Américo Lacombe, assentando: que “podemos afirmar que, com o advento do Estado

331 Curso de direito tributário, 2006, p. 53. 332 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, págs. 243 e 247 333 Praticabilidade e justiça tributária – Exeqüibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. 2007, p. 142

140

moderno, o princípio da legalidade perdeu o cunho de autotributação, passando a adquirir

um cunho meramente formalista, que se traduz na idéia de que só a lei ordinária, emanada

do Poder Legislativo, pode estabelecer os critérios da hipótese de incidência e do

mandamento da norma jurídica tributária.”334

Com efeito, relevando-se o extremismo de algumas posições formalistas, é a partir

da “função formal” que se pode afirmar não ser possível a criação ou alteração de tributos

por qualquer modo legislativo ou administrativo; exige-se, sempre, a introdução de

enunciados prescritivos pelo parlamento por meio de documentos normativos específicos,

como a Lei Complementar e a Lei Ordinária. Nesse cenário, vale lembrar rapidamente

acerca da polêmica envolvendo a introdução de matéria tributária no sistema positivo, por

meio do documento normativo, oriundo do Poder Executivo, denominado Medidas

Provisórias, pois, após a Emenda Constitucional n.o 32, de 11 de setembro de 2001, em que

pesem as diversas opiniões contrárias da doutrina pátria, tem-se admitido a instituição ou

alteração de tributos também por essa espécie “legislativa”.

A “função formal” do princípio da legalidade, ainda, a nosso ver, tem função

estruturante, pois norteia toda a construção das normas de produção jurídica, disciplinando

todo o processo legislativo tendente a instituir, majorar, extinguir, diminuir tributos,

influindo decisivamente na introdução de documentos normativos e seus respectivos

enunciados prescritivos na órbita do direito positivo.

30.2. Tipicidade ou função material da legalidade

No que atina à “função material” do princípio da legalidade, importa destacar

eminente posição de José Artur Lima Gonçalves, o qual, após assentar que a criação e

cobrança de tributo deve estar sempre calcada em lei, assevera que, de outro lado, a lei

(referindo-se ao princípio da legalidade) “deve tipificar taxativamente o tributo criado” e,

com isso, explana que esse documento normativo “deve descrever a materialidade da sua

hipótese de incidência, a definição do sujeito passivo, a fixação da alíquota e base de

cálculo etc.”335 Disso, conclui esse autor que a tributação, no Brasil, depende de dois

334 Princípios Constitucionais Tributários. 1996, p. 42. 335 Imposto sobre a Renda, pressupostos constitucionais. 2002, p. 80

141

requisitos: a legalidade e a tipicidade, os quais, a nosso ver, correspondem mais às funções,

formal e material, do princípio da legalidade do que a institutos de gênero próprio.

Seja como for, a “função material”, também denominada de “tipicidade” ou,

ainda, “especificidade”, do princípio da legalidade vem no sentido traçado por Alberto

Xavier que, ao vislumbrar a premissa garantidora do princípio da legalidade para se evitar

uma tributação arbitrária, concluiu, asseverando que “a lei, mesmo em sentido material,

deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio

critério da decisão do caso concreto. Nesse sentido, esse autor advertiu que, se o princípio

de reserva de lei formal exige lex scripta, o de reserva absoluta coloca-nos diante da

necessidade de uma lex stricta, em que deve conter todos os elementos da decisão do caso

concreto, do conteúdo ao fim.336

Diante disso, podemos assegurar que a Constituição, quando estabelece que

apenas a lei possa instituir ou majorar tributo, está prescrevendo que a construção da regra-

matriz de incidência tributária deve ser fundada, além do plano de expressão, no conteúdo

dos enunciados introduzidos no sistema do direito positivo por documentos normativos

competentes.

Nessa linha, reforça a idéia os pensamentos de Paulo de Barros Carvalho, para

quem o “veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei

(sentido lato), porém o princípio da estrita legalidade diz mais do que isso, estabelecendo a

necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato

jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. Esse plus caracteriza a tipicidade

tributária, que alguns autores tomam como outro postulado imprescindível ao subsistema

de que nos ocupamos, mas que pode, perfeitamente, ser tido como uma decorrência

imediata do princípio da estrita legalidade.”337

Como corolário, é de se ver que o chamado princípio da tipicidade tributária ou,

para nós, “função material”, surge, inevitavelmente, em decorrência do princípio da

legalidade, mediante o qual a lei, em sentido estrito, deve prescrever a hipótese de

incidência tributária, descrevendo todos os seus critérios (material, espacial, temporal,

336 Os princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. 1978, p. 37 337 Curso de Direito Tributário. 2005, p. 158/159

142

pessoal e quantitativo – base de cálculo e a nossa prezada alíquota). É nesse sentido que

percebemos a função material do princípio da legalidade, proibindo a integração da regra-

matriz de incidência tributária por documentos normativos diversos da lei, de hierarquia

inferior.

Em resumo disso tudo, podemos invocar as palavras de Roque Antonio Carrazza,

para quem o “tributo, pois, deve nascer da lei (editada, por óbvio, pela pessoa política

competente). Tal lei deve conter todos os elementos e supostos da norma jurídica tributária

(hipótese de incidência do tributo, seus sujeitos ativo e passivo e suas bases de cálculo e

alíquotas), não se discutindo, de forma alguma, a delegação, ao Poder Executivo, da

faculdade de defini-los, ainda que em parte. Remarcamos ser de exclusividade da lei, não

só a determinação da hipótese de incidência do tributo, como, também, de seus elementos

quantitativos (base de cálculo e alíquota). Resta evidente, portanto, que o Executivo não

poderá apontar – nem mesmo por delegação legislativa – nenhum aspecto essencial da

norma jurídica tributária, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.”338

É por isso que Carrazza conclui advertindo que “o Poder Executivo não pode,

com o pretexto de terminar a obra do legislador, regulamentar tudo o que este prescreveu

em linhas largas, agregando novos componentes ou definindo os conceitos utilizados pelo

legislador do nada.”339

30.3. Vinculabilidade ao princípio da legalidade

Por fim, no que tange à “função vinculativa” do princípio da legalidade, podemos

aduzir à necessária e indispensável submissão dos órgãos da Administração Pública, em

especial da administração tributária, aos comandos da lei.

338 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 247 339 “Laboram em equívoco, portanto, os que sustentam que o Chefe do Executivo, no que tange à tributação, pode terminar a obra do legislador, regulamentando tudo o que ele apenas descreveu com traços largos. Na verdade, a faculdade regulamentar serve para ressaltar alguns conceitos menos claros contidos na lei, mas não para agregar-lhes novos componentes ou, o que é pior, para defini-los do nada. Entendimento contrário viola o princípio da legalidade em sua própria essência.” Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 248.

143

Nesse sentido, alerta Regina Helena Costa que, no Brasil, “o princípio da

legalidade é um dos primados essenciais do direito público, impondo à Administração que

adote tão-somente condutas previamente descritas em lei”.340

Não que se negue a possibilidade de atos discricionários à Administração, mas a

prática de atos relevantes, diretamente relacionados com a instituição das exações

tributárias, há que estar vinculada às estreitas raias do comando normativo da lei.

Não é outro o sentido empregado no discurso de Paulo de Barros Carvalho,

quando trata do denominado “princípio da vinculabilidade da tributação”, que, para nós,

não deixa de ser mais uma das funções do princípio da legalidade. Vamos às suas palavras.

“A atividade impositiva do Poder Público está toda ela regulada por prescrições

jurídicas que lhe permitem exercer, concretamente, os direitos e deveres que a legislação

tributária estabelece, desenvolvendo sua função administrativa mediante a expedição de

atos discricionários e atos vinculados.”

“O magistério dominante inclina-se por entender que, nos confins da estância

tributária, hão de existir somente atos vinculados, fundamento sobre o qual exaltam o

chamado princípio da vinculabilidade da tributação. Entretanto, as coisas não se passam

bem assim. O exercício da atuosidade administrativa, nesse setor, se opera também por

meio de atos discricionários, que são, aliás, mais freqüentes e numerosos. O que acontece é

que os expedientes de maior importância, aqueles que dizem mais de perto aos fins da

pretensão tributária, são pautados por uma estrita vinculabilidade, caráter que, certamente,

influenciou a doutrina no sentido de chegar à radical generalização. Podemos isolar um

catálogo extenso de atos administrativos, no terreno da fiscalização dos tributos, que

respondem, diretamente, à categoria dos discricionários, em que o agente atua sob critérios

de conveniência e oportunidade, para realizar os objetivos da política administrativa

340 Praticabilidade e Justiça Tributária – exeqüibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. 2007, p. 101 – destaca o inc. II do Art. 5o (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”) e o art. 37, caput, (“A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:...”), da Constituição Federal.

144

planejada e executada pelo Estado. Compreendido com essa ressalva, nada haverá de

extravagante em proclamarmos o vigor do princípio da vinculabilidade da tributação.”341

Assim, importa concluir que as três fundamentais funções do princípio da

legalidade exercem, no universo das relações jurídicas, um balizamento formal na

elaboração dos documentos normativos, prescrevendo o procedimento e a autoridade

competente, e delimitam substancialmente o conteúdo desses documentos, os quais

vinculam materialmente a todos no sistema jurídico.

Dito isso, vislumbramos que a intersecção da alíquota com o princípio da

legalidade se dá a partir da edição das leis tributárias, as quais, ao instituírem as diversas e

possíveis regras-matrizes de incidência, devem observância, além, obviamente, da função

formal desse princípio, que exige lei em sentido estrito, ao critério quantitativo –

alíquota.342 Ela deve ser inserida na lei para a satisfação da função material do referido

princípio, pois, sob a ótica formal, a lei (veículo introdutor) deverá ser produzida sob o

influxo material das normas de competência e de produção normativa.

Por fim, importa lembrar que, embora pouquíssimas, há exceções ao princípio da

legalidade. Nesse sentido José Artur Lima Gonçalves lembra alguns casos que existem,

mas ressalva que todos “circunscritos e excepcionais, e só existem quando expressamente

autorizados pelo próprio texto constitucional.”343 Segundo a lembrança desse autor, temos

as seguintes exceções ao princípio da legalidade: (i) o caput do art. 48 prevê que não serão

objeto de lei as matérias de competência exclusiva do Congresso listadas no art. 49; da

Câmara relacionados no art. 51; e do Senado conforme art. 52, cujos veículos normativos

são os decretos legislativos e as resoluções (art. 59, VI e VII); (ii) a medida provisória, que

tem força de lei (art. 62), mas que perde a eficácia se não convertida em lei em trinta dias

(parágrafo único), só podendo ser editada em caso de urgência e relevância; (iii) a lei

delegada, que, todavia, depende de resolução do Congresso(art. 68 e §2o), que lhe fixará o

“conteúdo e os termos do seu exercício”.

341 Curso de Direito Tributário, 2005, p. 165 342 Os conceitos podem ser ampliados também à base de cálculo, porém, manteremos concentração no critério quantitativo alíquota, para não desviarmos o foco. 343 Imposto sobre a Renda, pressupostos constitucionais. 2002, p. 66

145

Ocorre, porém, que, falando mais especificamente em relação à seara tributária,

não podemos nos esquecer do alerta feito por Roque Antonio Carrazza, no sentido de que

“laboram em equívoco” os autores que “entendem que alguns tributos não precisam

obedecer ao princípio da legalidade”. O alerta do autor refere-se às aparentes exceções ao

princípio da legalidade, notadamente em relação àquelas hipóteses em que ocorrem

majorações de alíquotas pelo Poder executivo, nos termos do §1º, do artigo 153, da

Constituição Federal, o qual prevê o aumento de alíquotas do Imposto de Importação – I.I.,

do Imposto de Exportação – I.E., do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, e do

Imposto sobre Crédito, Câmbio, Seguro ou relativa a Títulos e Valores Mobiliários – IOF,

por meio de decreto executivo.

A afirmativa vem acompanhada de arrazoado contundente, demonstrativo de que,

embora majoradas por decreto executivo, as condições e limites estabelecidos foram

instituídos por meio de lei.344

Parece-nos, de fato, incontestável a posição do autor no que pertine à instituição,

formal e material, do tributo, em que se determinam as hipóteses de incidência tributária.

Contudo, de modo oposto, também são de Roque Antonio Carrazza as

advertências acerca dos limites do princípio da legalidade. Segundo ele, ilações sobre a

potencialidade do princípio da legalidade “podem levar-nos a entender que o campo de

incidência do princípio da legalidade é ilimitado, isto é, que tudo pode ser sindicado pela

lei.” Com sua sapiência cristalina, não nos deixa sem resposta ao asseverar que “esta

primeira expressão, porém, é logicamente absurda, pois a competência para a legalidade –

como de resto toda e qualquer competência -, se implica uma autorização, encerra também

uma limitação.”345

Assim, tendo em mente os alertas do mestre Carrazza, relativamente às alíquotas,

acrescentamos algumas hipóteses excessivas ao princípio da legalidade, tais como:

344 Segundo Carrazza, “Não há, neste dispositivo constitucional, qualquer exceção a princípio da legalidade. Apenas o Texto o Magno permite, no caso, que a lei delegue ao Poder Executivo a faculdade de fazer variar, observadas determinadas condições e dentro dos limites que ela estabelecer, as alíquotas (não as bases de cálculo) dos mencionados impostos”. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 294 345 Curso de direito constitucional Tributário, 2006, p. 349

146

(iv) a fixação de alíquotas máximas do Imposto sobre Transmissão “Causa

Mortis” e Doações – ITCMD, nos termos do inciso IV do §1o, do artigo 155 da

Constituição Federal, deve ser por meio de resolução do Senado Federal como documento

normativo competente;

(v) o inciso IV do §2o do artigo 155 da Constituição Federal, prevê que a

resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos

Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas do

Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de

serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS, aplicáveis

às operações e prestações, interestaduais e de exportação;

(vi) o inciso V do §2o do artigo 155 da Constituição Federal, que estabelece a

faculdade ao Senado Federal para a) estabelecer alíquotas mínimas de ICMS nas operações

internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de

seus membros; b) fixar alíquotas máximas do ICMS, nas mesmas operações para resolver

conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da

maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;

(vii) § 6º do artigo 155, da Constituição Federal, que estabelece a faculdade de o

Senado Federal, também por resolução, instituir a alíquota mínima do imposto sobre

propriedade de veículos automotores – IPVA.

Em nosso entender, com os acréscimos feitos, entendemos que o universo de

normas infraconstitucionais criadoras, modificadoras e extintivas de direito, possíveis no

sistema jurídico-tributário brasileiro e que prescindem de lei em sentido estrito está bem

exemplificado.

Conclusivamente, importa ressaltar que, em que pese a possibilidade da edição

dos atos infraconstitucionais exemplificados acima, o nosso sistema jurídico é

hierarquizado e, por isso, a edição de leis ordinárias criadoras, modificadoras e extintivas

de direito, por parte dos entes políticos, há de observar os limites estabelecidos naqueles

documentos normativos (ainda que infralegais), pela força constitucional que ostentam.

147

Assim, exemplificativamente, uma lei ordinária estadual que pretenda instituir

IPVA com alíquota inferior àquela estabelecida em Resolução do Senado Federal será

inconstitucional, por falta de competência do ente político tributante para tal instituição.

Do mesmo modo, a instituição de alíquotas internas do ICMS, por uma determinada

unidade federativa, sem observar a mínima estabelecida em resolução do Senado Federal,

será inconstitucional. Ocorrerá, também, neste caso, extrapolação do limite da competência

tributária estadual.

Contudo, fazemos a ressalva em relação aos nossos acréscimos à articulação de

Lima Gonçalves, para destacar que nossa exceção vem na direção das normas que

prefixam regras de competência tributária, influindo o conteúdo material da própria lei

instituidora do tributo.

Com isso, queremos registrar que a Constituição Federal excepcionou, nos casos

acima destacados, a instituição de alíquotas mínimas e máximas do princípio da legalidade.

Em paralelo, podemos dizer que, assim como ao Poder Executivo, na hipótese do §1o do

artigo 153 da Constituição Federal, fixou a faculdade de fazer variar, dentro dos limites da

lei, as alíquotas do IPI, do IOF, do I.E. e do I.I., o legislador ordinário, nas hipóteses acima

relacionadas ao ITCMD, ao ICMS e ao IPVA, também só poderá fazer variar a alíquota

por lei dentro dos limites, mínimo e máximo, fixados em resolução do Senado Federal.

A resolução do Senado Federal, em nossa afirmativa, é veículo introdutor de

norma jurídica que desenha o arquétipo dos referidos tributos, influenciando,

independentemente de lei,346 as respectivas regras-matrizes de incidência, e o eventual

exercício da competência tributária dos entes políticos tributantes.

É com esse enfoque que entendemos existir exceção ao princípio da legalidade

tributária.

346 Referimo-nos ao sentido estrito, como espécie normativa, lei ou lei complementar.

148

30.4. Irretroatividade da lei tributária e alíquota

Pensar isoladamente em irretroatividade da lei poderia nos levar à conclusão

inicial de que, sob o ponto de vista formal das normas jurídicas, não haveria nada que

impedisse tal circunstância, pois a estrutura das normas, construídas a partir dos

enunciados legais, possibilita, em tese, que, no seu antecedente sejam descritos eventos já

ocorridos e sobre eles se atribua conseqüências normativas.

Hans Kelsen, ao tratar do que ele denominou de “domínio da vigência”, expressou

sua opinião no sentido de que há normas retroativas, asseverando que o período de tempo

em que uma norma vale pode ser limitado ou ilimitado pela própria norma ou

predeterminado por norma superior.347

Para esse jusfilósofo, é “verdade que aquilo que já aconteceu não pode ser

transformado em não acontecido; porém, o significado normativo daquilo que há um longo

tempo aconteceu pode ser posteriormente modificado através de normas que são postas em

vigor após o evento que se trata de interpretar”.348

Na esteira desses pensamentos, Kelsen adverte que permitir que leis retroajam é

admitir um sentimento de injustiça, pois a qualquer um poder-se-iam atribuir

conseqüências que, ao tempo de sua ação, não teria como saber que a ela se vincularia tal

conseqüência. Contudo, conclui o ilustre jusfilósofo afirmando que, por mais imoral ou

politicamente incorreto que possa parecer, leis retroativas podem existir.349

Contudo, em que pese a retidão dos argumentos sob o ponto de vista estritamente

formal, quer-nos parecer que a aplicação do direito vai muito além de seu aspecto formal e,

nessa seara, vemos dia-a-dia a tentativa da busca incessante por justiça, movida pela força

dos princípios gerais do direito.

347 Teoria Pura do Direito, 2006, p. 15 348 Idem, p. 15 349 Ibidem, p. 61

149

Para nós, a irretroatividade da lei tributária é um princípio geral do direito que

impede seja o sistema normativo manipulado de forma a impingir conseqüências negativas

a eventos passados.

Assim, mesmo na ausência de disposição expressa sobre a irretroatividade de leis

no seu sistema de referência, pensamos ser impossível a retroatividade de normas jurídicas

que implicam conseqüências onerosas. Nossa justificativa se ampara no ideal de justiça

conformado pelo próprio direito e garantido pelo princípio da segurança jurídica. Pelos

mesmos argumentos sustentamos, até pela obviedade, que as normas que acarretam

conseqüências benéficas retroagem.

Com essas poucas palavras, já estamos demonstrando que o princípio da

irretroatividade das leis tributárias reforça a segurança jurídica e, por conseqüência, a

estabilidade de todo o nosso sistema jurídico.

Nesse sentido, então, tendo em vista o nosso sistema positivado, podemos, sem

maiores problemas, afirmar que as leis tributárias são irretroativas, pois encontramos

guarida, tal como o princípio da legalidade, na própria Constituição Federal.

De antemão, além de outras disposições análogas, como a irretroatividade da lei

penal e as anistias no campo político, podemos apontar o disposto no artigo 5o, inciso

XXXVI, da Constituição Federal, que estabelece uma regra geral impeditiva à

retroatividade das leis. Assim está expresso: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o

ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Como se não bastasse a disposição geral a respeito, o legislador constituinte

originário foi mais adiante e demarcou, agudamente, na seara tributária, a irretroatividade

das leis exacionais. Confira-se: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – (...);

III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência

da lei que os houver instituído ou aumentado;”

Nesse diapasão, podemos afirmar que a irretroatividade de lei tributária é critério

constitucional que se aloca no conseqüente da norma de competência, limitando o

exercício do legislador ordinário. Este, por sua vez, então, no plano hierarquicamente

150

inferior, não poderá incluir no antecedente da norma geral e abstrata, mais precisamente no

critério temporal, a descrição de eventos ocorridos em data anterior à vigência da própria

lei.

Assim, podemos vislumbrar que, em nosso sistema jurídico positivo, a

irretroatividade nunca poderá deixar de ser levada em consideração na construção do

conseqüente das normas de competência tributária, delimitando uma fração da hipótese

normativa possível do arquétipo tributário com o estabelecimento de um marco temporal

futuro.

No que pertine às alíquotas tributárias, importa destacar que as diversas regras

constitucionais, em face da harmonia do sistema, ligam-se umas às outras, num movimento

de coordenação e subordinação e, juntas, influem a formação da competência tributária do

legislador infraconstitucional.

Assim, entendemos que, conjuntamente, as regras constitucionais da

irretroatividade, assim como a das alíquotas tributárias, fornecem critérios indispensáveis

para a construção das normas de competência tributária. Por essa forma, como a

irretroatividade fornece a fração temporal da hipótese normativa possível do arquétipo

tributário, não permitindo seja a norma geral e abstrata retroativa, a regra da alíquota

também fornece a sua fração normativa, estipulando, em alguns casos, as alíquotas mínima

e máxima que deverão auxiliar no contorno das normas de competência. Por essa forma,

entendemos que as regras da irretroatividade e da alíquota atuam em comum na

composição da competência tributária.

Assim, são alguns exemplos de regras de prefixação das alíquotas tributárias que

sempre atuarão, conjuntamente ao princípio da irretroatividade, na conformação da

competência tributária os seguintes artigos: 149, § 1º. “Os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em

benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será

inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União”; 153, § 4º -

“O imposto previsto no inciso VI do caput: (ITR) I - será progressivo e terá suas alíquotas

fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”; 153, § 5º -

“O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, se sujeita

151

exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do "caput" (IOF) deste

artigo, devido na operação de origem; a alíquota mínima será de um por cento”; 155, §2o,

IV - § 2.º - “O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte: resolução do

Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores,

aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às

operações e prestações, interestaduais e de exportação;” (destaques nossos)

Veremos detalhadamente, mais adiante, mas apressamo-nos em apontar algumas

disposições em que o conseqüente da norma de competência há de ser sempre construído,

basicamente, seguindo uma estrutura mínima que, no presente tópico, seria estruturada da

seguinte forma:

Antecedente da norma de competência tributária: dada a faculdade de instituir

tributo;

Então, deve-ser:

Conseqüente da norma de competência tributária: que as alíquotas sejam

instituídas segundo a prefixação dos arquétipos tributários e que a respectiva norma geral e

abstrata não atinja fatos anteriores à sua vigência.

30.5. Princípio da anterioridade e alíquota

O princípio da anterioridade tributária tem como característica fundamental

estabelecer o prazo inicial dos efeitos normativos das leis tributárias (eficácia),

estabelecendo a data a partir da qual os tributos podem incidir após terem sido

regularmente introduzidos nos sistema do direito positivo (vigência).350

Em outras palavras, o princípio da anterioridade é verdadeiro instrumento

regulador da vacatio legis das leis tributárias, impedindo que qualquer norma jurídico-

350 Eficácia está sendo empregado no sentido diverso de vigência. Esta, como Paulo de Barros Carvalho, entendemos a norma que está apta a propagar seus efeitos, com o acontecimento no mundo fenomênico dos eventos por ela descritos. A Eficácia, entretanto, é o processo mediante o qual a ocorrência dos fatos descritos no antecedente da norma, faz irradiar os efeitos do conseqüente normativo. Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo. Saraiva. 2005. p. 53

152

tributária, que institua ou aumente tributos, surta efeitos antes do prazo por ele (princípio)

estabelecido.

Em termos mais objetivos, podemos dizer que o princípio da anterioridade proíbe

que um tributo incida sobre fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro em que a

respectiva lei foi editada. Assim, por essa forma, a lei que cria ou aumenta o tributo, ao

entrar em vigor, tem sua eficácia adiada, em regra, para o exercício seguinte.

Esse princípio vem encartado nas alíneas, “b” e “c”, do inciso III, e §1o, do artigo

150, e §6o, do artigo 195, todos da Constituição Federal, dos quais construímos a norma

constitucional que a doutrina denomina de princípio da anterioridade, verbis:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – (...); III - cobrar tributos: a) (...); b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; § 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.” Art. 195 (...) § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".”

Como se pode notar, é a partir desse conjunto de enunciados que construímos o

significado do princípio da anterioridade, o qual se mostra como uma norma jurídica que

impõe um limite objetivo aos efeitos das leis exacionais tributárias, impedindo, como

regra, a eficácia normativa delas no mesmo exercício financeiro e, cumulativamente, antes

de decorridos 90 (noventa) dias da data da sua publicação.

No entanto, como exceção, podem ser instituídos e majorados no mesmo exercício

financeiro e, ainda, mesmo antes de decorridos 90 (noventa) dias da data de publicação da

153

lei exacional, os Empréstimos Compulsórios, os Impostos de Exportação, de Importação e

sobre Operações de Crédito, Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários e Seguro e os

Extraordinários decorrentes de calamidade pública ou guerra externa. Em suma, esses

tributos não estão sujeitos a estas anterioridades, podendo ter sua eficácia definida na

própria lei que os instituir ou majorar.

No que pertine ao Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, nota-se que esse

imposto pode incidir no mesmo exercício financeiro, porém deve obedecer ao prazo

mínimo de 90 (noventa) dias para ter eficácia. Ao contrário do IPI, o Imposto sobre Rendas

e Proventos de Qualquer Natureza – IR, e as alterações da base de cálculo do IPVA e do

IPTU, não podem surtir efeitos no mesmo exercício financeiro, mas podem ter eficácia

antes do decurso do prazo mínimo de 90 (noventa) dias.

Importa destacar, ainda, que a regra da anterioridade é integralmente aplicável às

contribuições sociais de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias

profissionais ou econômicas, previstas no artigo 149, da Constituição Federal, assim como

às contribuições municipais/distrital para o custeio do serviço de iluminação pública,

previstas no artigo 149-A, do mesmo Estatuto Magno.

Contudo, a anterioridade do artigo 150, III, “b”, da Constituição Federal, não se

aplica às contribuições sociais destinadas ao custeio da Seguridade Social,351 pois estas são

regidas pela regra exposta no parágrafo 6º, do artigo 195, no sentido de que, além da

instituição, a simples modificação, independentemente de majoração, da legislação não

poderá vigorar antes de decorridos 90 (noventa) dias da data da publicação da lei que as

tenha modificado.

Vale anotar que, no caso do IR, o legislador constitucional derivado352 permitiu,

em explícita falta de bom senso e afronta a direitos fundamentais do contribuinte, que a

instituição ou majoração desse imposto possa continuar sendo feita no dia 31 de dezembro

351 Importa destacar que, a anterioridade do art. 150, III, “c”, também não se aplicava à CPMF, recentemente extinta, que seguia a anterioridade nonagesimal do §6o, do artigo 195, por força dos artigos 74 e 75 do ADCT, todos da Constituição Federal. 352 Vale lembrar que os enunciados relativos às alíneas “a” e “b”, do inciso III, do artigo 150, da CF, foram introduzidos no plano de expressão do direito positivo pelo constituinte derivado, por meio da Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003.

154

para ter eficácia no dia seguinte, ou seja, no dia 1º de cada ano. Data maxima venia, quer-

nos parecer que tamanho equívoco é dado à total falta de conhecimento técnico da

diferença entre vigência e eficácia da norma jurídica.

Para nós, a lei majoradora do IR, publicada, p.ex., no final do mês de dezembro de

2005 (ano de vigência), só teria efeitos após o término dos fatos jurídicos ocorridos entre

1o de janeiro e 31 de dezembro de 2006 (fato imponível) e, portanto, sendo exigível o

tributo a partir de 1o de janeiro de 2007 (eficácia jurídica).

Em resumo, então, temos que o princípio da anterioridade estabelece que,

ressalvadas as exceções acima, a instituição ou majoração de tributo não surtirá efeitos no

mesmo exercício e antes de decorridos 90 (noventa) dias, contados da data da publicação

da respectiva lei.

A preocupação do legislador constitucional com a fixação de um prazo mínimo

para a eficácia das leis tributárias que instituam ou majorem tributos tem a ver com a

necessidade de preservar um valor maior, indispensável à estabilidade de todo o sistema

jurídico.

Assim, é a segurança jurídica o valor maior que exige seja o sistema jurídico

aplicado em tempo razoável, como critério mínimo de justiça, pois é justo que se dê tempo

ao contribuinte para preparar a sua vida, a sua economia, o seu patrimônio, enfim, a sua

propriedade, que será “dividida” com o Estado.

A observância do princípio da anterioridade gera, sem dúvida, a preservação do

sentimento de segurança jurídica do contribuinte, pois, ao afastar-lhe a tributação surpresa,

impõe-se a confiança dele nas relações jurídico-tributárias a serem constituídas com o

Fisco e minimiza-se a possibilidade de ofensa, rebeliões e até a ruptura do próprio sistema

normativo.

155

Segundo Roque Antonio Carrazza, “o princípio da anterioridade é o corolário

lógico do princípio da segurança jurídica. Visa evitar surpresas para o contribuinte, com a

instituição ou a majoração de tributos, no curso do exercício financeiro.”353

Em termos estruturais, vemos que o princípio da anterioridade habita o

conseqüente da norma de produção jurídica, influindo na ação dos sujeitos, ativo e passivo,

da obrigação tributária. Assim, é um limite objetivo que, uma vez inserido no sistema de

enunciados, traz um mandamento no sentido de estabelecer o momento em que os

enunciados tributários podem e devem ser obedecidos.

Relativamente às alíquotas tributárias, vale notar que o princípio da anterioridade

sofre influências de algumas regras e propiciam a construção de normas constitucionais

que dão outros contornos para a eficácia temporal das leis tributárias, em situações

específicas.

O artigo 155, §4o, inciso IV, “c”, da Constituição Federal, que dispõe sobre a

incidência única do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e de

Prestação de Serviços de Transporte de natureza interestadual ou intermunicipal e de

Comunicação – ICMS sobre combustíveis e lubrificantes, a pretexto de mero

restabelecimento de alíquota anteriormente reduzida, trata da possibilidade de majoração

das alíquotas no mesmo exercício financeiro, afastando a aplicação da anterioridade do

artigo 150, III, “b”, da mesma Constituição.

Vale notar que, no caso acima, a construção da norma relativa ao princípio da

anterioridade ficará restrita, substancialmente, ao prazo de 90 (noventa) dias, contados da

data de publicação da respectiva lei “restabelecedora” da alíquota, pois, a nosso ver, não

consta no sistema de enunciados da Constituição Federal qualquer disposição restritiva à

aplicação da anterioridade “nonagesimal”, prevista no artigo 150, III, “c”.

Outra situação, influenciadora na construção da norma da anterioridade tributária,

é a prevista na alínea “b”, do inciso I, do §4º, do artigo 177, da Constituição Federal, que

dispõe sobre a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, relativa às atividades

353 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 188

156

de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus

derivados e álcool combustível – CIDE Combustíveis, pois estabelece que as alíquotas

possam ser reduzidas ou restabelecidas por ato do Poder Executivo, não lhe sendo

aplicável a anterioridade prevista no artigo 150, III, “b” (exercício seguinte).

Aqui, igualmente ao caso do ICMS, empregou-se o termo “restabelecer” para

ocultar uma majoração de alíquota dentro do mesmo exercício financeiro, implicando uma

anterioridade tão somente de 90 (noventa) dias, nos termos do artigo 150, III, “c”, da

Constituição Federal.

Outro aspecto a considerar é que, diante do acima exposto, percebemos que no

sistema de enunciados constitucionais encontramos regras relativas às alíquotas tributárias

que, revestidas de princípio da anterioridade, também influem temporalmente na eficácia

da norma que institui ou majora tributos.

Assim, por mais que o legislador ordinário exerça sua competência, instituindo ou

majorando tributos, algumas regras sobre alíquotas tributárias estabelecem o marco inicial,

a partir do qual, algumas relações jurídico-tributárias poderão ser constituídas.

Entendemos que essa intersecção entre as regras da anterioridade e das alíquotas

tributárias é um ponto relevante para o direito tributário, não só pela harmonia do sistema,

como também pela necessidade de despertar os olhos críticos para o sentido de que há

regras constitucionais sobre alíquotas que influem outros campos e valores desse ramo do

direito, muito além de características meramente quantitativas.

Em remate, vale registrar que as exceções ao princípio da anterioridade, como no

caso do IR, do ICMS, da CIDE, citadas acima, e outras introduzidas no sistema de

enunciados constitucionais pelo legislador constituinte derivado, por meio de emendas

constitucionais (33/01 e 42/03), que reduziram o lapso temporal da eficácia da lei

tributária, que instituir ou majorar tributo, é inconstitucional por transformar o legislador

constituinte derivado em originário e ferir direitos fundamentais do contribuinte,

especialmente o direito à propriedade, nos termos do artigo 60, §4o, IV, da Constituição

Federal.

157

30.6. Princípio da igualdade

É na Constituição Federal que encontramos diversos vetores normativos tendentes

a consagrar a igualdade jurídica de tratamento entre as pessoas. Há um vasto conjunto de

enunciados constitucionais que prescrevem, de forma direta ou indireta, a igualdade em

sentido formal.

São dispositivos que regem desde o preâmbulo da Constituição até capítulos

específicos, tais como a igualdade entre trabalhadores rurais e entre portadores de

deficiências físicas,354 e tantas outras disposições que direcionam o sistema jurídico a um

tratamento igualitário entre os cidadãos. Exemplos disso são encontrados no disposto no

inciso IV, do artigo 3o, que prescreve o bem de todos, sem discriminação de origem, raça,

sexo, cor, idade; no inciso II, do artigo 5o, que estabelece a igualdade entre homens e

mulheres; no artigo 7o, que estabelece os mesmos direitos para trabalhadores urbanos e

rurais; no artigo 14, que estipula o mesmo valor do voto para todos; na seara das finanças e

negócios públicos, o inciso XXI, do artigo 37, prescreve a igualdade para concorrer a

licitações; e, na seara tributária, o inciso II, do artigo 150, estabelece a igualdade tributária,

impedindo que os contribuintes sejam tratados de forma desigual, no que pertine à

condição de equivalência entre eles.

O que importa destacar, de início, é que o princípio da igualdade é decorrência do

Estado Federal que caracteriza o Brasil. Assim, o federalismo permite uma divisão

harmônica das competências, inclusive a tributária, garantindo uma autonomia aos entes

políticos, os quais podem, assim, viabilizar o exercício do poder distribuído e aplicá-lo de

forma igualitária no seio da sociedade.

É também a forma republicana de governar o Brasil que fortalece a igualdade

formal de tratamento, já que é um sistema de governo constituído pelo poder do povo e

exercido em seu nome, daí a necessidade de o poder político distribuir igualitariamente os

seus efeitos.

354 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;”

158

Sobre isso, importa destacar a lição de Geraldo Ataliba que correlaciona república

e isonomia. Para ele, “não teria sentido que os cidadãos se reunissem em república,

erigissem um Estado, outorgassem a si mesmos uma Constituição, em termos republicanos,

para consagrar instituições que tolerassem ou permitissem – seja de modo direto, seja

indireto – a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico,

condição da ereção do regime. Que dessem ao Estado – que criaram em rigorosa isonomia

cidadã – poderes para serem usados criando privilégios, engendrando desigualações,

favorecendo grupos ou pessoas, ou atuando em detrimento de quem quer que seja. A res

publica é de todos e para todos. Os poderes que de todos recebe devem traduzir-se em

benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade se não

fosse marcada pela igualdade.”355

Com autoridade, Roque Antonio Carrazza professa que se é o povo que outorga

competência, não se pode admitir que, numa república, possa existir tratamento

diferenciado a pessoas que se encontrem em situação equivalente.356

Disso resulta que a construção de toda e qualquer norma jurídica deve estar em

consonância com o cânone republicano da igualdade, com a isonomia de tratamento

jurídico.

Nesse sentido, escreveu Francisco Campos, citado por Celso Antonio Bandeira de

Mello, que o destinatário da cláusula constitucional da igualdade é precisamente o

legislador e, em conseqüência, a legislação.357 Acrescentamos que o aplicador do direito

também é destinatário do princípio isonômico, uma vez que cabe a ele a função de

construir as normas jurídicas e aplicá-las igualitariamente às relações jurídicas.

Sobre isso, Celso Antonio Bandeira de Mello alerta que “o respeito ao princípio

da igualdade reclama do exegeta uma vigilante cautela”, qual seja, “não poder interpretar

355 República e Constituição. 2001, p. 160 356 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 82/83 357 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2007, p. 9

159

como desigualdades legalmente certas situações, quando a lei não haja “assumido” o fator

tido como desequiparador”.358

É dessa assertiva que se extrai a idéia de que o tratamento isonômico das pessoas,

no sistema do direito positivo decorre de uma igualdade formal, oriunda dos termos legais.

Trata-se de uma igualdade enunciada nos documentos normativos como critérios abstratos

para a aferição de relações equânimes.

Disso resulta uma oposição da igualdade formal ao conceito de igualdade material

ou substancial, que vem a ser a igualdade efetivada, aplicada ao caso concreto, como fato

jurídico.

Em face desse cenário contraposto, entre igualdade formal e material, é que ficaria

a pergunta de Celso Antonio Bandeira de Mello: “que espécie de igualdade veda e que tipo

de desigualdade faculta a discriminação de situações e pessoas sem quebra e agressão aos

objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia?”.359

Joaquim José Gomes Canotilho assevera que indagar sobre a concretização da

isonomia é um “problema de valoração”.360 Em resposta a Bandeira de Mello, parece-nos

aplicável a recomendação cautelosa de Humberto Bergmann Ávila que assevera a

importância de centrar exame nos controles de razoabilidade, proporcionalidade e não-

excessividade na aplicação do princípio da igualdade.361 Com isso, esse autor registra que é

possível haver restrição ao princípio da igualdade, nos casos em que a finalidade é de

atingir resultado diverso do tratamento formal igualitário.

Para o autor gaúcho, a igualdade formal, então, é a igualdade na aplicação da lei, a

uniformidade da lei aplicada para os mesmos casos e a igualdade material, a igualdade na

elaboração da lei, no seu conteúdo, impedindo “a escolha de critérios arbitrários para a

358 Idem, p. 45 359 Ibidem, p. 15 360 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2002. p. 428 361 O princípio da isonomia em matéria tributária, em Teoria Geral da Obrigação Tributária, estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. Coord. Heleno Taveira Torres. 2005, p. 734

160

diferenciação de tratamento, objeto de análise no postulado da razoabilidade-

congruência.”362

Como é de se ver, a igualdade não corresponde simplesmente a um mesmo

tratamento para todos os sujeitos de direito, podendo enunciar hipóteses a partir de

diferentes referenciais, acabando por criar distinções. Daí surgir a necessidade de

estabelecer os limites da diferenciação existentes em nosso sistema jurídico que não

atentem contra a isonomia.

Diante dessa inquietante incerteza, Celso Antonio Bandeira de Mello apresentou

alguns critérios para identificação desses limites, podendo-se, a partir deles, afirmar se

houve ou não violação ao princípio da isonomia. Para esse autor, as diferenciações que não

podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a primeira refere-se à

necessidade de investigar o critério discriminatório, o “fator de desigualação” adotado pela

lei; a segunda, em contraposição à primeira, refere-se à verificação da racionalidade lógica

entre o traço desigualador e a disparidade estabelecida no trato jurídico adotado; a terceira

e última atina em apurar se o traço desigualador da norma abstrata se afina em concreto

com os interesses absorvidos no sistema constitucional.363

Em remate, o ilustre autor conclui que a conjugação dos três critérios permitirá

apurar se houve violação ao princípio da igualdade, pois, segundo ele, a violação pode

estar em qualquer um dos três.

Relativamente à consonância da discriminação com os interesses protegidos na

constituição (terceira regra), assevera o autor supracitado que um discrimem legal poderá

conviver com a isonomia quando concorrerem quatro elementos: “a) que a desequiparação

não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas

desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer,

possuam características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em abstrato,

uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime

jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo

362 Idem, p. 741 363 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2007, p. 22

161

de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente

protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão

valiosa - ao lume do texto constitucional - para o bem público.”364

Com esses recursos, o professor administrativista da PUC/SP conclui sua obra

afirmando que haverá ofensa ao preceito constitucional da igualdade quando: “I - A norma

singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma

categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada. II - A norma adota como

critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos

fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende

tomar o fator ‘tempo’ - que não descansa no objeto - como critério diferencial. III - A

norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção de discrimem adotado que,

entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes

outorgados. IV - A norma supõe relação de pertinência lógica em abstrato, mas o

discrimem estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes

dos interesses prestigiados constitucionalmente. V - A interpretação da norma extrai dela

distinções, discríminens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por

ela de modo claro, ainda que por via implícita.”365

Diante dessas ponderações é que podemos vislumbrar que a tributação, num

Estado republicano, decorre necessariamente da adequação do sistema tributário ao sistema

constitucional da igualdade tributária. E, especificamente, em relação à exação tributária,

podemos antever que a isonomia tributária irradia seus efeitos sobre a distinção da carga

tributária suportada pelos contribuintes.

É nessa seara, então, que imaginamos a afeição do princípio da igualdade com as

alíquotas, uma vez que a correta manipulação delas pelo legislador infraconstitucional

caracteriza exercício regular da competência tributária e será vital para a concreção desse

princípio.

364 Idem, p. 41 365 Ibidem, p. 48

162

30.7. Princípio da igualdade e progressividade da alíquota

Em que pesem algumas posições contrárias,366 a concreção da isonomia tributária

prevista em nosso sistema positivo carece da adoção de tributos progressivos. E é aí que a

alíquota ganha espaço de respeito na seara das discussões jurídicas correlatas, pois,

representa um mecanismo perfeito para a efetividade da igualdade tributária e, na medida

em que essa igualdade influi todos os demais princípios e regras do nosso ordenamento,

tem ela (alíquota) influência decisiva sobre o exercício da competência tributária.

Não é outro o pensamento de Roque Antonio Carrazza para quem “a

progressividade das alíquotas tributárias, longe de atritar com o sistema jurídico, é o

melhor meio de se afastarem, no campo dos impostos, as injustiças tributárias, vedadas

pela Carta Magna. Sem impostos progressivos, não há como atingir-se a igualdade

tributária. Logo, o sistema de impostos, no Brasil, deve ser informado pelo critério da

progressividade. Impostos com alíquotas crescentes em função do aumento das suas bases

tributáveis (bases de cálculo in concreto) levam corretamente em conta que o sacrifício

suportado pelo contribuinte para concorrer às despesas públicas é tanto maior quanto

menor a riqueza que possui (e vice-versa). Ademais, permitem que o Estado remova, pelo

menos em parte, as desigualdades econômicas existentes entre as pessoas. Realmente,

impostos com alíquotas fixas agravam diferenças sociais existentes, porque tratam de

maneira idêntica contribuintes que, sob o ângulo da capacidade contributiva, não são

iguais.”367

Ainda que o ideal das alíquotas progressivas para a concreção da igualdade não

possa ser aplicável à realidade de todas as nossas espécies tributárias pelas peculiaridades

da natureza jurídica de cada uma delas, parece-nos indispensável a sua adoção naquelas

hipóteses de incidência, cuja materialidade e respectiva base de cálculo são signos

presuntivos de riqueza individualmente considerada, aplicando-se, portanto, aos tributos

que incidem sobre a propriedade mobiliária ou imobiliária, tal como o IPVA e o

366 Veja posição contrária de Ives Gandra da Silva Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 6o vol. tomo I, São Paulo: Saraiva, 1990, págs. 61/63 e também de Ricardo Lobo Torres, no seu Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II. Rio de Janeiro: Renovar 2005, págs. 312/320 367 Curso de Direito Constitucional. 2006, p. 88

163

IPTU/ITR, respectivamente, e sobre a renda e heranças ou doações, como o IRPF/IRPJ e o

ITCMD.368

Com efeito, além do enunciado geral sobre igualdade, há outros que interferem

especificamente em questões tributárias, estabelecendo a impossibilidade de instituição de

tratamento tributário desigual entre contribuintes que estejam na mesma situação, seja em

relação à ocupação profissional ou função.369 Mas note-se que, o inciso II, do artigo 150,

da Constituição Federal, prevê a possibilidade de o legislador criar um tratamento

tributário diferençado em função da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte.

Exemplo disso encontra-se no parágrafo 9º, do artigo 195, da Constituição Federal, em que

as alíquotas ou bases de cálculo das contribuições sociais também poderão ser

diferenciadas em razão da atividade econômica.

Por fim, no parágrafo 12 do artigo retrocitado, a Constituição alude à

possibilidade de adoção do regime de não-cumulatividade para a apuração das

contribuições sociais para diferentes setores de atividade econômica.

Assim, pode-se dizer, em resumo, que o princípio da legalidade estabelece uma

diretriz isonômica na elaboração e aplicação da legislação sem, entretanto, inibir

discríminens necessários ao sucesso da isonomia jurídica, inclusive no que pertine à

fixação das alíquotas tributárias.

Por assim ser, vislumbramos que a fixação de alíquotas diferençadas pelo

legislador infraconstitucional deve seguir os vetores discriminatórios do princípio da

igualdade tributária, sob pena de extrapolar a competência tributária constitucionalmente

predeterminada.

368 As siglas referem-se ao Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, ao Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, Imposto Territorial Rural – ITR, Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Física – IRPF, Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Jurídica – IRPJ e o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doações – ITCMD. 369 Inciso II, do artigo 150 da Constituição Federal – “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – (...); II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

164

30.8. Capacidade contributiva e alíquota

30.8.1. Noções gerais

Ao discorrer sobre igualdade tributária, Mizabel de Abreu Machado Derzi afirma

que ela nada mais é do que a concretização do princípio geral da igualdade, que ela

denomina de “unidade do justo”, fundamentando que “não pode haver igualdade parcelada,

justiça parcelada, pois a Constituição integra as partes distintas em um todo harmônico e

coerente. Por isso, mesmo, generalidade, capacidade contributiva (considerada

proporcional ou progressivamente) e outros valores, ditados pela política econômica e

social do País, são desdobramentos de um mesmo e único princípio, o da igualdade.”370

Acreditamos que o princípio da capacidade contributiva realmente é um

desdobramento do princípio da igualdade tributária, como afirma a autora, e, nesse sentido,

o texto da nossa Constituição Federal assim estabelece:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

§1o – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

É corolário que capacidade contributiva tem a ver com os fatos signos-presuntivos

de renda ou capital acima do mínimo vital, ou seja, o patrimônio que excede ao mínimo

indispensável à subsistência do contribuinte, especialmente para garantir-lhe um direito

mínimo à sua dignidade humana. Em outros termos, a capacidade contributiva diz com a

potencialidade patrimonial do cidadão excedente à manutenção de suas necessidades

humanas básicas.

Nesse sentido já se manifestava Rubens Gomes de Souza, antes mesmo da atual

Constituição, que definia capacidade contributiva como sendo “a soma da riqueza

disponível depois de satisfeitas as necessidades elementares da existência, riqueza essa que

370 Nota em Limitações ao poder de tributar. Aliomar Baleeiro. 1997, p. 523

165

pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem

prejudicar as suas atividades econômicas.”371

Em face dessa visão programática do princípio da capacidade contributiva,

Alfredo Augusto Becker afirmou, enfaticamente, que dizer que capacidade contributiva é

dividir os ônus do Estado entre os contribuintes nos limites de sua capacidade é uma

tautologia, pois, é óbvio que, para contribuir, o contribuinte necessita ter capacidade

contributiva. Daí ele ter afirmado que a expressão “capacidade contributiva” “não constitui

um conceito científico”, sendo, por isso mesmo, “uma locução ambígua” caracterizada por

ele como um “recipiente vazio que pode ser preenchido pelos mais diversos conteúdos.”372

A doutrina, de forma geral, entende que o princípio da capacidade contributiva do

sujeito passivo da obrigação tributária está aliado à idéia de modulação do ônus tributário

de acordo com a riqueza de cada um, respeitado o seu mínimo vital. Comungam desse

pensamento os mais diversos e renomados autores da doutrina nacional, merecendo

destaque, dentre outros, a posição de Geraldo Ataliba,373 Roque Antonio Carrazza,374 Hugo

de Brito Machado,375 Mizabel Abreu Machado Derzi.376

Discute-se, ainda, a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva aos

impostos tão somente ou a todos os tributos. Como é cediço em questões tormentosas

como esta, há correntes doutrinárias nos dois sentidos, bem como há uma intermediária em

que se vislumbra a obrigatoriedade em relação aos impostos e uma facultatividade de

aplicá-lo também às taxas, “sempre que possível”.

Defendem, dentre outros, a aplicação do princípio da capacidade contributiva tão

somente aos impostos, Geraldo Ataliba,377 Regina Helena Costa,378 Elizabeth Nazar

371 Compêndio de Legislação Tributária. 1975, p. 85 372 Teoria Geral do Direito Tributário, 2007, p. 511 373 Hipótese de Incidência Tributária. 2008, p. 69 374 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 91/92. 375 O princípio da capacidade contributiva. Cadernos de Pesquisas Tributárias, vol. 14, São Paulo: Resenha Tributária, 1989, p.126 376 Ob. cit. pág. 690 377 Ob. cit. pág. 195 378 Ob. cit. pág. 34-35

166

Carrazza,379 e Humberto Bergmann Ávila.380 Em contraponto, sustentam a posição de que

o referido princípio é de aplicabilidade compulsória a todas as espécies tributárias Josë

Marcos Domingos de Oliveira,381 Aires Barreto382 e Sacha Calmon Navarro Coelho.383 No

ponto de equilíbrio dessas posições extremadas encontramos as ponderações dos já citados

autores Roque Antonio Carrazza,384 Hugo de Brito Machado385 e Mizabel Abreu Machado

Derzi,386 que entendem a aplicação obrigatória do princípio da capacidade contributiva aos

tributos ditos não vinculados a uma atuação estatal e facultativa aos vinculados.

Considerando-se a posição do órgão máximo do Judiciário, parece-nos que

prevalece, no direito interno, a posição intermediária acima aduzida, pois o Supremo

Tribunal Federal, por meio do Ministro Carlos Velloso, manifestou acatamento à tese de

que é possível que a lei institua taxa, com faixas de valor, para realizar o princípio da

capacidade contributiva, insculpido no parágrafo 1o, do artigo 145, da Constituição

Federal, pois, para ele, não há impedimento em nossa Magna Carta.387

Importa destacar, ainda, que, além dessas discussões, queremos também destacar

considerações importantes quanto à classificação da capacidade contributiva. Nesse

sentido, Aires Barreto assevera, com muita clareza, que “a capacidade contributiva é

princípio prestigiado pela Constituição e, por isso, requerido para a criação de tributo. Essa

capacidade manifesta-se subjetiva ou objetivamente.”388

379 Ob. cit. pág. 63-64 380 Sistema constitucional tributário. 2006, p. 382 381 Capacidade contributiva – conteúdo e eficácia do princípio. 1998. págs. 82/114 382 Ob. cit. pág. 19-23 383 Ob. cit. pág. 86 384 Ob. cit. nota 44, pág. 85 385 Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 2004, p. 77 e princípio da capacidade contributiva como princípio de justiça (item 5.1). 386 Ob. cit. págs. 694-695 387 Confira-se o teor no julgamento do Recurso Extraordinário n.o 177.835, publicado no D.O.J. de 25.05.2001, em que o Sr. Ministro opinou sobre a constitucionalidade da “taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários”, instituída pela lei n. 7.940/89. Para o Ministro Velloso, a referida lei “procura realizar, com a variação do valor da taxa, em função do patrimônio líquido da empresa, é o princípio da capacidade contributiva – C.F. art. 145, §1o. Esse dispositivo constitucional diz respeito aos impostos é certo. Não há impedimento, entretanto, na tentativa de aplicá-lo relativamente às taxas, principalmente quando se tem taxa de polícia, isto é, taxa que tem por fato gerador o poder de polícia.” 388 Ob. cit. pág. 22

167

30.8.2. Capacidade contributiva subjetiva e progressividade

No que atina ao princípio da capacidade contributiva subjetiva, podemos inferir

que nos referimos ao elemento específico insculpido no conseqüente da norma de

competência tributária, modulador dos critérios, pessoal e os quantitativos (base de cálculo

e alíquota) do arquétipo do tributo.

Note-se que a norma de competência tributária sofre o influxo do princípio

constitucional da capacidade contributiva, pois a sua estrutura normativa será sempre –

mais enfaticamente nos tributos não vinculados – constituída levando-se em conta que, no

antecedente, encontraremos a autorização constitucional para a pessoa política criar

tributos e, no seu conseqüente, a obrigação de levar em consideração a capacidade

econômica do sujeito passivo, ao prescrever os critérios que determinarão o crédito

tributário.

Por essa forma, vemos que será subjetivamente modulada a capacidade

contributiva quando a competência tributária do ente político tributante for exercida

mediante a instituição de regra-matriz de incidência, cujo elemento modulador da referida

capacidade estiver voltado a ter eficácia valorativa apenas sobre pessoas que se coloquem

em situações configuradoras ou representativas de um conteúdo econômico, e atribuir a

determinação do crédito tributário mediante a prefixação da base de cálculo e da alíquota

conforme essas características pessoais.

Podemos citar como exemplo da capacidade tributária subjetiva o Imposto sobre a

Renda Retido na Fonte – IRRF, em que a renda e/ou proventos recebidos pelas pessoas em

geral são tributados segundo as peculiaridades pessoais de cada um, pois, conforme a renda

e/ou proventos recebidos, incidirá a alíquota respectiva, que será maior ou menor conforme

o ganho auferido (embora não seja satisfatória a progressividade desse imposto, conforme

adiante será demonstrado).

Na hipótese acima, podemos notar que o elemento modulador da capacidade

econômica do sujeito passivo atua enfaticamente sobre as pessoas que auferirem renda,

determinando a base de cálculo e alíquota conforme a dimensão do seu conteúdo

168

econômico. Assim, em face daquele modulador subjetivo, as pessoas que não se

encontrarem nessa situação (auferir renda) não serão alcançadas pelo referido tributo.

Sob essa ótica subjetivista, podemos imaginar que a técnica da progressividade

dos tributos seria um elemento modulador da capacidade contributiva, segundo o qual, à

variação do valor do patrimônio do sujeito passivo,389 para maior ou para menor,

corresponderia também a variação da alíquota no mesmo patamar.390 Essa técnica, então,

estaria moldada também no conseqüente da regra matriz de incidência tributária, a partir da

constituição da relação jurídico-tributária e respectiva determinação do crédito tributário.

Com isso, podemos vislumbrar que a modulação da capacidade contributiva do

sujeito passivo está voltada a influenciar o exercício da competência tributária, e a

alíquota, como elemento modulador que é, juntamente com os demais critérios da regra-

matriz de incidência, contribui para a aferição da regularidade desse exercício.

30.8.3. Capacidade contributiva objetiva e progressividade

O que nos parece é que o elemento modulador da capacidade contributiva não se

limita ao conseqüente da norma jurídico-tributária, pois, além da progressividade

anteriormente referida, os entes políticos tributantes estão autorizados pela Constituição

Federal a exercerem suas competências exacionais mediante a instituição de regras-

matrizes de incidência tributária em que dito elemento modulador esteja prioritariamente391

no antecedente da norma jurídico-tributária. É o que podemos chamar de capacidade

contributiva objetiva.

Nesse particular, vale notar que, em muitas espécies tributárias, o elemento

modulador da capacidade contributiva está descrito no critério material da hipótese de

incidência tributária e, portanto, insculpido no antecedente da norma jurídico-tributária, em

que o arquétipo estabelece que os eventos tributáveis sejam aqueles que ostentam signos de

riqueza, passíveis de mensuração.

389 Aferido pela base de cálculo do tributo. 390 Ou, se admitida, também a proporcionalidade – igualmente instada no conseqüente normativo. 391 Prioritariamente porque mesmo o modulador estando tão somente fincado no critério material da hipótese de incidência, a norma tributária sempre exige a existência de todos os demais critérios (tempo, lugar, pessoas, base de cálculo e alíquota) para a conformação do tributo.

169

O que se vê em nossa Constituição Federal é que a norma de competência

tributária varia de acordo com a espécie exacional. Assim, em relação ao princípio da

capacidade contributiva, podemos atestar que os tributos em geral possuem como elemento

modulador, além da previsão de uma situação pessoal que configure conteúdo econômico

(subjetividade), a conotação de circunstâncias representativas de riqueza (objetividade).

Disso resulta que o critério material das diversas regras-matrizes prevê,

suficientemente, a conotação de aspectos tangíveis da capacidade contributiva, que

significa, no dizer de Aires Barreto, que o “ato-fato, fato ou estado de fato conectado ao

contribuinte é revelador de conteúdo econômico, ontologicamente considerado, sem

perquirições de natureza subjetiva.”392

Assim, pode-se concluir que a consideração da (i) posição de pessoas em

situações indiciárias de conteúdo econômico e (ii) a exigência da prescrição hipotética de

fatos tidos como signos presuntivos de riqueza pela nossa Constituição Federal, revelam

que o Documento Magno estabeleceu limites ao exercício da competência tributária,

mediante a observância da capacidade subjetiva e objetiva do sujeito passivo.

Importa destacar que o elemento modulador da capacidade contributiva atuará,

inevitavelmente, na conjugação de critérios da regra-matriz de incidência tributária, mais

especificamente entre o critério material do antecedente com o pessoal e os quantitativos

do conseqüente da norma jurídico-tributária. A partir, então, dessa conjugação, pode haver

preponderância de um critério sobre os demais.

Assim, num rápido exemplo, pode-se acentuar o critério material para dar

prevalência à tributação de “grandes fortunas” (critério objetivo do antecedente normativo

prevalente), restringindo o universo dos sujeitos passivos a pessoas cuja capacidade

contributiva decorra dessa posição financeira privilegiada e configuradora de riqueza

(critério subjetivo do conseqüente normativo secundário), apurando-se a respectiva base de

cálculo e alíquota conforme a dimensão dessa riqueza.

392 Ob. cit. pág. 21

170

De outro modo, porém, dentre o universo objetivo de pessoas ricas, há os menos

ricos e os mais ricos e, nessa medida, a ênfase do elemento modulador da capacidade

contributiva pode ser assentada na progressividade da base de cálculo e da alíquota para

selecionar as pessoas menos e as mais ricas (critério subjetivo do conseqüente normativo

prevalente) e possibilitar uma variação de tratamento entre ricos, exaurindo a igualdade

formal entre eles.

Quanto à efetividade, devemos anotar que o princípio da capacidade contributiva,

quando visto como norma de natureza negativa, limita, por meio dos seus moduladores –

dentre eles a alíquota – o universo competencial, impedindo que a pessoa política

inviabilize, por meio de tributos, os direitos e garantias fundamentais. Nessa feição, então,

esse princípio é aplicável a toda espécie tributária.

Em remate, podemos afirmar que há, de outro modo, uma eficácia positiva do

princípio da capacidade contributiva que reclama a repartição das cargas tributárias,

mediante os recursos possíveis, estabelecendo uma tributação progressiva, genérica,

universal e seletiva, afinando-se com o princípio da igualdade para a sua efetividade.

30.9. Seletividade e alíquota

Em que pese a importância da técnica da progressividade da tributação, como

corolário dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, pensamos que o

legislador constituinte estabeleceu sua aplicação especificamente a alguns casos, como,

v.g., ao Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), previsto no artigo

153, §2º, I; ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), nos termos do artigo

153, §4º, I;393 e, ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU),394 instituído no

artigo 156, §1º, I, todos da Constituição Federal.

Entendemos dessa forma porque imaginamos ter sido vislumbrado pelo legislador

constituinte que as diferentes hipóteses de incidência tributária, com diversos critérios

393 Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003 394 Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000

171

materiais, inviabilizariam a aplicação da tributação progressiva a todas as espécies, muito

embora fosse tida como ideal para justiça tributária.

Em decorrência disso, pensamos que foram introduzidas, ainda, outras técnicas

capazes de dar efetividade aos princípios da capacidade contributiva e da igualdade

tributária, perfazendo uma tributação justa e realizadora da dignidade da pessoa humana

como um dos fundamentos do Estado democrático de direito.

Daí a exigência de nossa Carta Constitucional ao legislador ordinário, para que a

técnica da seletividade em razão da essencialidade do objeto tributado fosse insculpida na

regra-matriz de tributos que não admitissem, pelas suas próprias características materiais

de incidência, a técnica da progressividade, como v.g. o inciso I, do parágrafo 3o, do artigo

153, que estabeleceu ser o IPI seletivo, devido à essencialidade do produto industrializado,

e o inciso III, do parágrafo 2o, do artigo 155,395 que previu também ser o ICMS seletivo,

dada à essencialidade das mercadorias e dos serviços negociados.

Não é outra a opinião de Roque Antonio Carrazza, que assevera: “Salientamos

que estas normas constitucionais, mandando que tais impostos sejam seletivos, não estão

dando uma mera faculdade ao legislador, mas, pelo contrário, estão lhe impondo um

inarredável dever, de cujo cumprimento ele não se pode furtar”.396

Os impostos supra-referidos são considerados, pelas suas características

incidentais, como de natureza onerosa ao consumo em geral e, portanto, capazes de atingir

toda a massa populacional, independentemente da condição social do consumidor.

Por essa forma, consideram-se tributos cuja repercussão tem forte efeito político-

social capaz de impactar, como instrumento regulador, o âmbito das relações jurídico-

sociais.

Nessa seara, então, a técnica da seletividade possibilita ao ente político tributante

estimular ou desestimular o consumo de certos produtos/mercadorias, conforme a sua

395 O inciso III, do §2o, do artigo 155, da Constituição Federal emprega o termo “poderá”, no entanto, acompanhamos a opinião daqueles que entendem tratar-se de poder-dever, 396 Curso Constitucional Tributário, 2006, p. 95

172

essencialidade. Por essa técnica, a Constituição estabeleceu competência para os entes

políticos instituírem impostos menos gravosos aos produtos/mercadorias mais essenciais, e

mais gravosos aos menos essenciais.

Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza afirma que “estamos confirmando,

destarte, que o IPI e o ICMS devem ser utilizados como instrumentos de ordenação

político-econômica, estimulando a prática de operações (com produtos industrializados ou

mercadorias) ou serviços havidos por necessários, úteis ou convenientes à sociedade e, em

contranota, onerando outros que não atendam tão de perto ao interesse coletivo.”397

Muito embora seja possível, em tese, qualquer técnica para alteração seletiva da

carga tributária, ela ocorre, em regra, pela diminuição da base de cálculo ou da alíquota, ou

de ambas conjuntamente. Entretanto, como se tem observado na prática, a seletividade tem

sido praticada basicamente pela manipulação das alíquotas.398

Segundo Hugo de Brito Machado, “dizer que um imposto é seletivo é apenas dizer

que ele incide de forma diferente sobre os objetos tributados. A razão dessa incidência

diferenciada é o que denominamos critério da seletividade.”399

Em termos de estrutura normativa, pode-se afirmar que o princípio da seletividade

vem insculpido no conseqüente da norma de competência tributária, e atua diretamente

sobre a ação do legislador infraconstitucional.

Assim, quando a Constituição Federal estabelece que o IPI deva ser seletivo, e que

o ICMS poderá400 sê-lo, está em verdade delimitando o arquétipo da competência tributária

397 Idem, p. 95 398 Roque Carrazza afirmou tal constatação: “Temos, porém – o que acaba sendo confirmado na prática – que por intermédio da manipulação das alíquotas mais facilmente se alcança a seletividade, nestes impostos.” Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 96 399 Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 2004, p.111 400 Vale ressalvar que o inciso II, do §2º, do artigo 155, da CF, estabelece que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Contudo, em decorrência dos princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, III e IV, da CF) e dos princípios da capacidade contributiva (artigo 145, CF) e da igualdade (artigo 5º, I, da CF) como direitos fundamentais de um do Estado democrático de direito, entendemos que a expressão “poderá ser seletivo” só pode ser interpretada como “deverá ser seletivo”, restando ao legislador infraconstitucional a discricionariedade de como será estabelecida a seletividade (quanto à forma). Sabemos que a grande maioria

173

e vinculando, materialmente, o legislador ordinário que deverá, por ocasião da instituição

desses impostos, observar essa diretriz constitucional.

Aqui encontramos outro ponto de intersecção da alíquota com esse critério

constitucional, pois o objetivo seletivo constitucionalmente estabelecido para o IPI e para o

ICMS exige do legislador ordinário instituir regras-matrizes de incidência cujo “critério

quantitativo” preveja a graduação (i) da base de cálculo – menos comum e mais difícil de

operar – ou (ii) das alíquotas – substancialmente comum e reiteradamente praticada.

Por essa forma, a instituição de hipóteses de incidência do IPI e, a nosso ver,

também do ICMS, sem previsão de alíquotas diferenciadas, ofende o princípio da

seletividade e denota a extrapolação da competência tributária relativa a essas espécies

tributárias.

30.10. Não-confisco e alíquota

O princípio do não confisco é decorrente da capacidade contributiva, pois garante

uma tributação justa, uma tributação equânime, dentro dos limites legais, em que se

respeita a capacidade econômica do sujeito passivo. Assim, vemos que a exação fiscal, em

desconformidade com a capacidade contributiva do sujeito passivo, caracteriza confisco

por se tornar excessiva, aviltante do patrimônio mínimo vital e inviabilizadora, por vezes,

da atividade profissional do sujeito passivo, conforme o caso de sua incidência.

Importa destacar que o princípio do não-confisco é um limite ao poder de tributar,

pois funciona como uma proibição ao Poder público para que não afete a fonte de riqueza

do sujeito passivo, o seu mínimo vital,401 indispensável à produção de suas necessidades,

sejam elas básicas e indispensáveis à sua sobrevivência ou inerentes às suas atividades

profissionais indispensáveis à sua produção de riqueza.

da doutrina tem interpretado tal dispositivo como uma faculdade do legislador e não uma imposição constitucional, mas ousamos discordar. 401 Conforme dispõe o inciso IV, do artigo 7o, da Constituição Federal. “IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;”

174

Assim, no plano tributário, o princípio do não-confisco visa a proteger a

propriedade, garantindo segurança jurídica e justiça tributária aos cidadãos. Importa

destacar que, na sociedade moderna, a visão “engessada” de propriedade intocável não

mais se aplica, sendo relativizada para se estabelecer o limite da sua função social,

demarcando o limite entre o interesse particular do proprietário e o eventual interesse

público.

Nos dias atuais, é comum vermos ocorrerem desapropriações e tributações

extrafiscais, exatamente com o objetivo de adequar a propriedade particular aos interesses

da coletividade. Mas, além dessa circunstância de cunho de interesse público,

eminentemente social, o princípio do não-confisco prevê como limite competencial o

patrimônio particular que exceder ao mínimo vital.

Não é tarefa fácil estabelecer o parâmetro divisório em que o tributo passa a ser

confiscatório e, por isso, os efeitos do princípio do não-confisco surgirá com a análise de

cada caso concreto. Segundo Roque Antonio Carrazza, “a análise, porém, de cada caso

concreto, tendo em vista os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da função

social da propriedade e a dignidade da pessoa humana, tem força bastante para revelar se

atingiu as raias do confisco, hipótese em que o Poder Judiciário, devidamente provocado,

declarará inconstitucional a lei irrazoável que o criou.”402

O confisco, então, pode ser definido como o esbulho ilegal do patrimônio do

contribuinte por meio de tributação, que acontece, por vezes, por meio da medição

incorreta do patrimônio, em decorrência de meio arbitrário na apuração da base de cálculo,

superdimensionando403 o valor patrimonial, ou pode ocorrer por meio da aplicação de

alíquota desarrazoada404 sobre o patrimônio, ainda que ele seja corretamente mensurado

pela base de cálculo.

Assim, temos aqui a possibilidade, além da base de cálculo, de a alíquota, como

elemento quantificador do crédito tributário, ser utilizada como instrumento calibrador da

402 Ob. cit. p. 101 403 No sentido de super avaliar ou não promover deduções legítimas. 404 No sentido de fixação acima do limite constitucionalmente permitido.

175

carga tributária e impedir o efeito confiscatório. Obviamente essa afirmação vale para os

impostos e as contribuições de melhoria, em que a presença da alíquota é critério marcante

do espectro quantificador desses tributos.

Para as taxas, entendemos que a aferição dos efeitos confiscatórios partirá de um

exame do critério material da hipótese de incidência em que o órgão julgador levará em

consideração (i) o exercício regular da cidadania, não impedindo esse direito por meio de

tributação, (ii) a dignidade humana da pessoa, em que será preservado o patrimônio

mínimo vital e (iii) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, em que deverá haver

razoabilidade na incidência de taxas, de modo a não inviabilizar a fonte produtora de

riqueza do cidadão. Assim, a tributação não confiscatória, por meio de taxas, há de ser

exercida tão somente sobre aqueles serviços cuja utilização ou disponibilização não afetem

esses fundamentais direitos, caracterizadores de um Estado democrático de direito.405

30.11. Princípio da não-diferenciação tributária, em razão da procedência

ou destino

A Constituição Federal, ao mesmo tempo que concede competência tributária aos

entes políticos para instituírem tributos, também impõe limites ao seu exercício, regulando

o arbítrio do legislador ordinário visando a evitar distorções na política tributária do país.

Desse modo, o artigo 152 da Carta Magna estabelece que “é vedado aos Estados,

ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços,

de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.”

Como se percebe, essa vedação é mecanismo de política fiscal decorrente do pacto

federativo insculpido em nossa Constituição e tem como principal objetivo dar

uniformidade geográfica à tributação, evitando-se discriminação em razão da procedência

ou destino de bens ou serviços.

405 Conforme expressa o artigo 1o, da Constituição Federal: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

176

Da mesma forma que José Afonso da Silva406 asseverou ser criticável a regra da

uniformidade geográfica da tributação (art. 151, I, da CF), por ser inaplicável num país em

que as desigualdades geoeconômicas são tão marcantes – situação que, segundo ele, ao

contrário, requer tratamento diferenciado, a fim de que se possa executar uma política

fiscal niveladora da economia nacional, Paulo de Barros Carvalho também alertou quanto à

não discriminação tributária, prevista no artigo 152, da Constituição Federal, afirmando

que “a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito de manipulação das

alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito

Federal.”407

Segundo esse último autor, o princípio só vale como preceito geral, posto que,

sobre o mesmo conteúdo material por ele tratado, exercem influência outros valores de

idêntica índole constitucional.

Quer-nos parecer, no entanto, que o sentido pretendido pelo legislador

constitucional foi o de impedir tão somente qualquer tipo de discriminação regional que

ofendesse o princípio da igualdade, numa concepção meramente formal.

Contudo, o enunciado constitucional retro-referido, parece merecer tal crítica

quando confrontamos o princípio da não discriminação tributária, em razão da procedência

ou destino, com o valor do regime constitucional de alíquotas do ICMS, que estabelece

uma categoria para as operações/prestações internas e outra para as interestaduais, gerando,

aparentemente, a discriminação “vedada” pelo artigo 152, da Constituição Federal.

Confira-se o regime de alíquotas do ICMS, estatuído no artigo 155, parágrafo 2o, inciso

VII, da Carta Magna:

“VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

406 Comentário contextual à Constituição, Malheiros Editores, 2005, p. 660 407 Ob. cit. p. 166.

177

Sobre esse aparente confronto, Ylves José de Miranda Guimarães teve a

oportunidade de se manifestar antes mesmo da Constituição Federal de 1988, alegando que

a distinção entre as alíquotas internas e interestaduais do ICMS revelava a necessidade de

reserva diferenciada de recursos entre os Estados, produtores e consumidores de bens e

serviços, confrontando, então, naquela ocasião, a uniformidade geográfica com o princípio

federativo.

Em outras palavras, a questão, posta antes da Constituição de 1988, envolvia a

cobrança do ICM sobre as operações subseqüentes à interestadual, pois, dependendo a

origem e destino dos bens, havia perda de arrecadação pelos Estados mais consumidores.

A correção, então, veio com a Constituição atual, em que a adoção da alíquota

interestadual, geralmente inferior às alíquotas internas, só é empregada quando o

destinatário for contribuinte do ICMS, hipótese em que o Estado destinatário passou a ter

direito sobre a diferença entre as alíquotas praticadas (diferencial de alíquota).

A partir disso, então, Ylves José de Miranda Guimarães argumentou que,

pragmaticamente, a diferenciação entre alíquotas em razão da procedência e destino, nesses

casos, acaba por implementar a uniformidade final desse imposto. Assim, ele arrazoou que

“aventando a hipótese de dois comerciantes, estabelecidos em diferentes margens de divisa

interestadual, verificamos que se um consumidor domiciliado no Estado ‘A’ adquirir

mercadoria do comerciante estabelecido também no Estado ‘A’, será onerado em 16,5% de

ICM; se o mesmo consumidor adquirisse a mesma mercadoria do comerciante estabelecido

no Estado ‘B’, que poderia estar localizado a poucos metros distante do outro, o

consumidor seria onerado com 14,5%. O absurdo é patente. Acaso, com efeito, esse

entendimento não fere, efetiva, frontal e profundamente, a vedação constitucional acima

referida? A diferenciação final da alíquota – o gravame tributário do conjunto das

operações relativas à circulação da mercadoria que pesará sobre o consumidor final – não

ocorreria, aí, precisamente, em razão da procedência ou destino da mercadoria? É evidente

178

que sim. A uniformidade inicial ou parcial da alíquota do imposto implicaria,

necessariamente, uma desuniformidade final, isto é, numa ‘biformidade’ da alíquota”.408

Com essa ressalva, a Constituição Federal encampou a igualdade material entre as

regiões, ao permitir que o legislador ordinário adote um tratamento tributário desigual,

conforme as desigualdades regionais.

Desse modo, vemos que é exatamente o regime diferenciado das alíquotas que dá

eficácia à não-diferenciação tributária, assegurando-se ao fundo um tratamento igualitário.

Capítulo 7 - Alíquota e regras de competência tributária

31. A alíquota é mais um critério conformador da competência

tributária

Na esteira do que até aqui temos tentado marcar, registramos que a Constituição

Federal não criou tributos, mas, sim, traçou detidamente os contornos da tributação. Nesse

sentido, Roque Antonio Carrazza ensina que "quando afirmamos que a Constituição não

criou tributos, estamos emprestando à frase um significado bem preciso. Reconhecemos

que ela cuidou pormenorizadamente da tributação, traçando, inclusive, a norma-padrão de

incidência de cada uma das exações que poderão ser criadas pela União, pelos Estados,

pelos Municípios e Distrito Federal.”409

Em outro pertinente comentário, o ilustre autor registra que “o Código Magno, ao

conferir às pessoas políticas, competências tributárias, teve o cuidado de gizar-lhes todos

os contornos. Em razão disso, o legislador ordinário, ao descrever os vários aspectos da

norma jurídica instituidora ou majoradora de cada tributo, deve observar os parâmetros

constitucionais que disciplinam o exercício da competência tributária.”410

408 Os princípios e normas constitucionais tributários: sua classificação em função da obrigação tributária. 1976, pp. 105-106. 409 Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 478/479 410 Idem, p. 668

179

Nesse sentido, podemos, então, antever que o sistema jurídico tributário tem, além

de seu fundamento de validade na Constituição Federal, todas as suas nuances marcadas

por enunciados, regras e princípios, previstos na Carta Magna.

Como referido antes, José Souto Maior Borges, em sua obra intitulada “A fixação

em lei complementar das alíquotas máximas do Imposto sobre Serviços”, asseverou que o

tributo previsto na Constituição Federal já existe mesmo antes de ser instituído por lei.411

Com cometimento, Aires Barreto colhe o entendimento de Souto Maior e lhe dá

razão nos seus termos. Segundo esse autor, “facialmente informe, mas já insculpido nos

seus traços ligeiros, o tributo se prefine na Constituição mesma.” Explica que os contornos

nítidos da hipótese de incidência estão, obviamente, reservados à lei ordinária, não

obstante estar cinzelada a prefiguração do tributo na própria Constituição. Ademais,

entende este autor que, além dos critérios, material e pessoal, há também contornos quanto

à base de cálculo e traços informadores pertinentes às alíquotas.412

Diante disso, parece-nos inquestionável haver, no mais alto plano normativo do

nosso sistema jurídico tributário, normas relativas à alíquota tributária que influem

decisivamente na positivação do direito tributário, notadamente, para nós, normas de

competência tributária e de segurança jurídica, que preestabelecem o arquétipo

competencial para cada exação tributária, embora as posições dos autores supra terem

grande peso e serem relacionadas à regra-matriz.

Nessa seara, a questão a ser levantada para experimentar tal afirmativa seria:

Existem regras constitucionais de competência que predeterminam a fixação das alíquotas,

de forma a vincular o legislador infraconstitucional na instituição de tributos? Em uma

perspectiva otimista, a pergunta seguinte seria: Caso existam as referidas regras, quais são

e como devem ser aplicadas no direito positivo tributário?

411 Ob. cit. p. 5 412 Ob. cit. p. 26

180

Caminhando para as respostas, importa destacar que os critérios normativos da

competência existem na Constituição Federal e dentre eles encontramos diversas regras e

princípios norteadores da fixação das alíquotas pelo legislador infraconstitucional.

Nesse sentido, ressalte-se que a Constituição Federal emprega o termo “alíquota”

em 38 dispositivos,413 os quais estabelecem o seu modal deôntico próprio, obrigando,

permitindo ou proibindo a instituição (competência) de diversas regras-matrizes de

incidência tributária pelo legislador ordinário, conforme adiante mostraremos.

Roque Antonio Carrazza assevera que a competência foi distribuída pela

constituição Federal segundo os critérios material e territorial, pois o material, por si só,

não é suficiente, por ser concorrente entre os entes políticos e, daí, para se evitar o conflito

de competência, conjuga-se ao territorial para a devida repartição de competências

impositivas.414 Note-se, porém, que a lição do mestre foi, na esteira de Cléber Giardino,

diretamente relacionada à solução de conflitos de competência sem, entretanto,

desconsiderar a importância dos demais critérios para a positivação do direito tributário.

Concordamos, integralmente, com a assertiva acima e ousamos escrever em

paralelo que, além dos critérios, material e territorial, a conformação da competência

tributária carece, para o seu exercício pleno, também dos critérios temporal, pessoal e

“quantitativo” - base de cálculo e alíquota, pois, além da função repartidora e inibidora de

conflitos daqueles dois primeiros, há um limite impositivo dentro do exercício de cada uma

das competências, distribuídas a partir do arquétipo competencial tributário.

Assim, uma vez bem alinhada a competência material ao seu território, importa

observar se será ela exercida nos moldes dos demais critérios estabelecidos pela

Constituição Federal. Com efeito, ao estabelecer os arquétipos tributários, a Constituição

Federal prefixou alguns limites prevendo, às vezes, especificidades quanto aos sujeitos da

413 (1) Art. 149, § 1º; (2) Art. 149, § 2º, III; (3) Art. 153, § 1º; (4) Art. 153, § 4º, I; (5) Art. 153, § 5º; (6) Art.155, IV; (7) Art.155, § 2º, IV; (8) Art.155, V, “a”; (9) Art.155, V, “b”; (10) Art.155, VI; (11) Art.155, VII, “a” e “b”; (12) Art.155, VIII; (13) Art.155, § 4º, IV; (14) Art.155, § 6º, I e II; (15) Art.156, § 1º, II; (16) Art.156, § 3º, I; (17) Art.177, § 4º, I; (18) Art.195, § 8º; (19) Art.195, § 9º; (20) Art.201, § 13º; ADCT – (21) Art.34, § 7º; (22) Art.56; (23) Art.72, III; (24) Art.72, III; (25) Art.72, V; (26) Art.72, § 1º; (27) Art.74, § 1º; (28) Art.75, § 1º; (29) Art.75, § 2º; (30) Art.80, I; (31) Art.80, II; (32) Art.82, § 1º; (33) Art.82, § 2º; (34) Art.84, § 2º; (35) Art.84, § 3º; (36) Art.88, I; (37) Art.88, II e (38) Art.90, § 2º. 414 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 611/612

181

relação jurídico-tributária, outras vezes quanto ao momento da constituição da relação

jurídica e outras tantas quanto aos critérios relativos ao montante do tributo.

Essa ótica, a nosso sentir, permite apurar que todos os critérios prefixados na

Constituição Federal destinam-se, juntos, a estabelecer o arquétipo competencial a que nos

referimos no item 0 retro, delimitando, então, como o próprio Roque Antonio Carrazza

ensina, o critério material possível, o critério territorial possível, o critério espacial

possível, o critério pessoal possível e as bases de cálculo e alíquotas possíveis, para o

exercício da competência tributária.415

Assim, é evidente que a Constituição Federal preestabelece, além de outros

critérios, a alíquota como um critério conformador da competência tributária que, se não é

suficiente para inibir conflitos territoriais de competência, é necessária para o seu regular

exercício.

Nessa esteira, importa lembrar que a norma jurídica constitucional é construída a

partir de enunciados insertos na Constituição Federal. Como dito anteriormente, as normas

constitucionais gozam de superioridade hierárquica sobre as demais normas existentes no

sistema do direito positivo.

Por essa forma, as normas constitucionais modalizam as normas de inferior

hierarquia, determinando o seu conteúdo, em um dos modais obrigatório, permitido ou

proibido. Com esse enfoque, temos as lições de Hans Kelsen para quem as normas da

Constituição Federal podem estabelecer, de forma positiva ou negativa, que as leis tenham

uma delimitação do conteúdo.416

Ao reconhecermos o subsistema constitucional tributário, estamos a admitir a

existência de um subsistema de enunciados constitucionais voltados às questões tributárias,

dos quais podemos construir infinitas normas jurídico-tributárias.

415 Idem, p. 482 416 Teoria Geral do Direito e do Estado. 2000, p. 183

182

As referidas normas disciplinam, dentre tantas outras questões marginais, os

critérios dos tributos e, dentre eles, encontramos os das alíquotas, que poderão ser

instituídos, e as pessoas que poderão instituí-los, conformando a competência tributária.

Em remate, ainda que a doutrina contemporânea queira dar prevalência ao estudo

dos critérios da materialidade e da base de cálculo da regra-matriz de incidência tributária,

é indisfarçável a importância do estudo das alíquotas quando olhamos para elas além de

um simples critério infraconstitucional quantificador de tributos, pois a experiência que

tentamos esboçar revela-nos que são prefixadas, na Constituição Federal, como critérios

conformadores da competência tributária.

32. A norma de competência da alíquota e as espécies tributárias

Uma idéia fundamental que norteia a seara tributária é a de que todos os tributos

estão, de algum modo, sujeitos às limitações constitucionais impostas pelos princípios

informadores do sistema tributário, tais como as normas veiculadas pelo princípio

federativo, da legalidade, anterioridade, irretroatividade, não confisco e tantos outros.

Todavia, tão fundamental quanto as normas dos princípios são as regras constitucionais e

infraconstitucionais que conformam a competência tributária.

Ao lançarmos olhos mais críticos sobre o nosso sistema constitucional tributário

encontraremos alguns tributos cuja competência do ente político está conformada, tão

somente, por princípios, e outros tantos que, além da influência deles, têm sua competência

também conformada por regras específicas.

É de se notar, então, que a Constituição Federal estabelece arquétipos tributários,

desenhando, por conseqüência, a competência do legislador infraconstitucional, seja

porque está adstrito aos princípios, seja porque está submetido às regras estabelecidas pela

ordem constitucional ou por ambos, na maioria dos casos.

De qualquer forma, o que queremos demonstrar é exatamente que, além das

normas constitucionais, calcadas nos enunciados constitucionais que descrevem a

materialidade e a base de cálculo dos tributos, as quais estabelecem o arquétipo do tributo

como fator de resolução de conflitos, há, também, algumas regras constitucionais relativas

às alíquotas que constituem verdadeiras normas de competência tributária, estruturando a

183

forma como deve agir o legislador ordinário no seu mister de instituir regras-matrizes de

incidência.

Há situações em que a alíquota é posta pela Constituição Federal como aspecto

integrante do regime jurídico da espécie tributária, na medida em que se apresenta como

condição, requisito, pressuposto ou aspecto do exercício legítimo da competência

tributária.

Importa esclarecer que, conforme ensina a doutrina dominante,417 a análise do

critério material e da respectiva base de cálculo do tributo possibilita a identificação da sua

natureza jurídica e, com isso, resolvem-se eventuais conflitos de competência. Contudo, a

nosso sentir, o tema que ora nos atrevemos desenvolver tem a ver com o momento

posterior à existência de eventual conflito de competência, pois, está diretamente

relacionado com o exercício desta, regrando a atividade legislativa do ente político

tributante na manipulação das alíquotas por ocasião da instituição das regras-matrizes de

incidência.

Melhor explicando. A nosso sentir, é a partir dos arquétipos competenciais

tributários que poderemos identificar quais os casos em que o legislador ordinário tem

limitações ou faculdades discricionárias para manipular algumas regras-matrizes de

incidência, articulando para maior ou para menor as alíquotas tributárias dos tributos que

lhe competem.

Com esse alinhamento, temos para nós que a Constituição Federal parametrizou a

competência tributária em dois planos normativos que se interligam, estabelecendo,

primeiro, uma competência cunhada pelo princípio federativo em que se reconhece a

autonomia dos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para divisar,

por meio dos critérios material e territorial, as suas aptidões político-tributárias e, num

segundo plano, uma competência calcada nas regras constitucionais-tributárias, em sentido

estrito, em que se moldam as ações tributárias dentro dos limites das respectivas aptidões

417 Representada aqui pelos autores anteriormente citados.

184

(materiais e territoriais), na manipulação de todos os critérios da regra-matriz de incidência

tributária, notadamente o da alíquota.

Nessas circunstâncias, então, ao examinar a figura tributária, não se pode ignorar a

questão da alíquota, nem descartá-la como critério constitucional que permita identificar a

respectiva norma de competência tributária.

Para confirmar essas afirmações, vale analisarmos as regras que identificamos na

Constituição Federal e ponderarmos acerca dos efeitos jurídicos de cada uma delas para, ao

final, concluirmos se são ou não normas conformadoras da competência tributária, capazes

de influir na atividade impositiva do legislador ordinário.

Comecemos pela mesma ordem articulada pela Constituição Federal, visando, no

entanto, a comentarmos, conjuntamente, os dispositivos relativos a uma mesma espécie

tributária, segundo a denominação adotada pela própria Carta Magna, já que qualquer

classificação doutrinária dos tributos não implicará nossa argumentação.

32.1. Contribuições Sociais, de Intervenção no Domínio Econômico e de

Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas

Conforme ensina Roque Antonio Carrazza, no artigo 149 da Constituição Federal,

encontramos alguns dispositivos que ajudam a moldar o arquétipo de três tipos de

contribuições: (1) as Contribuições Sociais, (2) as de Intervenção no Domínio Econômico

e (3) as de Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas.418

Segundo assevera esse autor, diferentemente do que acontece com os impostos e

as taxas, que até estão sujeitas às vedações do artigo 167, IV, da Constituição Federal

(destinação específica ou vinculação da receita),419 “as `contribuições’ ora em exame não

418 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 553 419 “Art. 167, IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).”

185

foram qualificadas, em nível constitucional, por suas regras-matrizes, mas, sim, por suas

finalidades constitucionais.” Segundo Carrazza, parece sustentável que haverá esse tipo de

exação sempre que implementada uma de suas finalidades constitucionais.420

Nessa esteira, interessa-nos destacar tão somente os critérios constitucionais que

conformam a competência tributária para a instituição dessas contribuições, a partir da

prefixação de suas alíquotas, haja vista que todos os outros aspectos da regra-matriz, além

de fugirem à proposta dessa dissertação, já são estudados de forma abundante pela doutrina

brasileira.

32.2. A norma de competência da alíquota mínima para as Contribuições

Sociais dos servidores públicos

Inicialmente, importa citar o critério estabelecido para as contribuições

previdenciárias dos servidores públicos, previsto no parágrafo 1º, do artigo 149 da

Constituição Federal, que estabelece norma conformadora da competência tributária

concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que atina

à alíquota. Confira-se:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no

domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como

instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e

150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que

alude o dispositivo.”

“§1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus

servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art.

40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos

efetivos da União.”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

(grifamos)

Desse dispositivo, podemos extrair a conclusão de que, além da materialidade

tributária das contribuições sociais previdenciárias, há prefixação limitativa das pessoas

(servidores públicos) que poderão ser tributadas pelos respectivos entes políticos.

420 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 557

186

Ademais, nesse mesmo dispositivo, há, em especial, exemplo da prefixação da

alíquota, por meio da qual os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm sua

competência determinada a um limite mínimo, qual seja, o de não adotar alíquota inferior à

da contribuição devida pelos servidores da União.

Assim sendo, podemos aduzir que a Constituição Federal, de modo excepcional,

pela natureza previdenciária desse tributo, estabeleceu uma norma de competência

impositiva, pelo emprego do modal obrigatório, em que se constrói o seguinte sentido: Os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios são obrigados a instituir contribuição

previdenciária com a alíquota igual ou superior à da contribuição cobrada dos servidores

da União.

Em termos formais, essa norma jurídica seria construída com uma estrutura que

poderia ser descrita da seguinte forma:

Antecedente: Dado o fato de os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

terem funcionários públicos, igualmente a União;

então, deve-ser:

Conseqüente: a obrigação de instituírem contribuição previdenciária, com

alíquota não inferior à da contribuição cobrada dos servidores

da União.

Embora a introdução do enunciado acima transcrito no sistema de enunciados do

direito positivo constitucional não tenha, até o momento, sido declarado inconstitucional,

pesam contra ele argumentos da doutrina a respeito da inconstitucionalidade da Emenda

Constitucional nº 41, 19.12.2003, que o introduziu, segundo a qual não seria possível ao

legislador derivado introduzir regra no sistema constitucional, para impor comportamentos

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, interferindo na sua autonomia, por

187

confrontar com o regime de separação dos poderes estatuído no artigo 60, §4º, III, da

CF.421

De qualquer forma, considerando os efeitos de sua eficácia nos dias atuais, vemos

inequívoca a conformação da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios com especial influência da alíquota na atividade legislativa desses entes

políticos ao instituírem ditas contribuições previdenciárias.

E, assim, considerando que a finalidade (destinação legal do produto da

arrecadação) é o caminho mais seguro para identificar o regime jurídico das contribuições

e que a Constituição Federal não forneceu traços precisos das regras-matrizes dessa

contribuição, como o fez com os impostos e as taxas, pensamos que isso reforça nossos

argumentos quanto à importância da alíquota como critério conformador da norma de

competência tributária que auxilia na análise da regularidade do exercício competencial

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para instituírem contribuições

previdenciárias.

32.3. A norma de competência da alíquota para as contribuições

interventivas

Inicialmente, vale destacar que Roque Antonio Carrazza discorre sobre os

equívocos da Emenda Constitucional n.o 33/01, que pretensamente introduziu na

Constituição Federal as denominadas “Contribuições de Intervenção no Domínio

Econômico”, trazendo cristalina lição no sentido de que as características enunciadas nos

artigos 149 e 177 do Texto Constitucional revelam que de “contribuições” não se tem

nada, pois as materialidades e as supostas destinações, vinculações da receita, não

justificam a criação de tributos (contribuições) interventivos.

Com esse arrazoado, o ilustre autor conclui que “as contribuições interventivas,

previstas na Emenda Constitucional 33/2001, inobstante seu nomem iuris, são, na

realidade, novos impostos federais, que deveriam, em tudo e por tudo, ao serem instituídos,

421 Nesse sentido José Afonso da Silva, em “Comentário contextual à Constituição”, 2005, p. 651, e Roque Antonio Carrazza, em “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 2006, p. 578.

188

obedecer às diretrizes do art. 154, I da CF (instituição por meio de lei complementar,

observância do princípio da não-cumulatividade e necessidade de hipóteses de incidência e

bases de cálculo diversas dos impostos mencionados nos arts. 153, 155 e 156 da Carta

Magna), tudo sem prejuízo do disposto no art.157, II, do mesmo Diploma Excelso (partilha

de 20% do produto de sua arrecadação com os Estados-membros e o Distrito Federal).”422

Com efeito, a precisão das críticas de Roque Antonio Carrazza, que faz coro à

melhor doutrina nacional, revela ainda mais a importância que queremos destacar para os

critérios das alíquotas, quando prefixados na Constituição Federal. Conforme temos

tentado demonstrar, a análise da conformação da competência tributária não se pode

limitar aos aspectos da materialidade, da base de cálculo ou da finalidade (no caso das

contribuições), pois, uma vez ultrapassada a discussão acerca da correção ou não da

observância dos critérios constitucionais relacionados a esses aspectos, entra em cena

também, no plano da possibilidade legislativa ordinária, a análise do universo dos critérios

constitucionais das alíquotas de cada tributo, quando for o caso.

Nesse sentido, então, vejamos o que dispõe o parágrafo 2º, do artigo 149, da

Constituição Federal.

“Art. 149 (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; III - poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)” (grifamos) Art. 177. Constituem monopólio da União: § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) diferenciada por produto ou uso; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

422 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 568/569

189

b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) (grifamos)

O que importa, nesse dispositivo, é que a competência da União sofre influência

do critério da alíquota posto pela Constituição Federal, o qual a conforma a esse universo

único de alíquotas, pois, por mais que se destaque a discricionariedade na escolha do

critério, não poderá o legislador ordinário selecionar outro.423

Trata-se, aqui, de uma discricionariedade fechada, em que a ação competencial

está restrita à instituição por lei de um desses critérios (ad valorem, específica ou

diferençada por produto ou uso) e, não, outro.

Diante disso, olhando-se todos os critérios constitucionais (princípios, regras,

materialidade, finalidade, etc.) que conformam a competência tributária das contribuições

interventivas, é induvidoso admitir que o da alíquota, também aqui, integra a sua

formatação e nada tem a ver com o aspecto quantitativo (infraconstitucional) da alíquota

tributária. Este aspecto nascerá com a lei editada no exercício regular da competência

tributária.

32.4. A norma de competência da alíquota para as contribuições sociais

A conformação da isonomia tributária pela capacidade contributiva é corolário

lógico decorrente da Constituição e, por esse motivo, a Carta Magna estabelece formas

diversas para o alcance da proposição geral da igualdade tributária, enunciada no inciso II

de seu artigo 150, ao admitir as atividades econômicas desempenhadas pelos contribuintes

como critério diferenciador do respectivo tratamento tributário.

Nesse sentido, no parágrafo 9º, do artigo 195, da Constituição Federal, o

constituinte estabeleceu que, em razão da atividade econômica, as contribuições sociais ali

previstas poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas. Além disso, no parágrafo

12 do mesmo artigo, o enunciado constitucional ainda estabelece que o regime de não-

423 Nesse sentido, Tácio Lacerda Gama, exemplifica que a liberdade de prescrever alíquotas progressivas para as contribuições interventivas demanda expressa previsão constitucional, como no caso do Imposto sobre a Renda – artigo 153, §2º, I da CF – e do Imposto sobre Propriedade Territorial – artigo 156, §1º, I da CF. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. 2003. p. 222.

190

cumulatividade para o cálculo das contribuições sociais poderá ter por base diferentes

setores de atividade econômica. Confira-se:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)” (grifos nossos)

Com efeito, foi para a eficácia do princípio da isonomia que a Constituição Federal

estabeleceu outras regras que levassem em conta a desigualdade, modificando o âmbito de

aplicação da regra geral da isonomia em matéria tributária.

Em decorrência disso, as diferenças instituídas no seio de contribuições sociais

destinadas ao custeio da Seguridade Social, além da influência de outros princípios a serem

ponderados, são normas que conformam a competência tributária, influenciando a ação do

legislador.

Importa notar, mais uma vez, que chamamos a atenção para o fato de que o termo

“poderão”, enunciado no parágrafo 9º, do artigo 195, retrotranscrito, corresponde ao

“dever-poder” e em nada tem de facultativo. É, por força do princípio da isonomia e da

capacidade contributiva, uma norma de competência que obriga o legislador a estatuir um

tratamento diferençado, da alíquota ou da base de cálculo, “em razão da atividade

econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição

estrutural do mercado de trabalho”.

191

Assim, como se nota, o enunciado constitucional acerca da alíquota das

Contribuições Sociais, assim como da base de cálculo, constitui-se em norma de

competência tributária, não se podendo argumentar se tratar de critérios quantitativos das

Contribuições Sociais. Eles nascerão com a edição de lei no sistema jurídico positivo, que

deverá fornecer o respectivo “indicador de proporção” (único critério quantitativo).

Além desse aspecto diferençado e conformador da norma de competência

tributária para a instituição das Contribuições Sociais, a Constituição Federal, por força da

Emenda Constitucional n.o 20/98, bem como pela observância dos efeitos da isonomia e da

capacidade contributiva, também estabeleceu outra norma conformadora da competência

tributária, visando a criar um sistema de inclusão previdenciária dos “trabalhadores de

baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho

doméstico, no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda”.

Essa norma é uma diretriz constitucional que preestabelece ao legislador ordinário

a obrigação de instituir Contribuições Sociais para pessoas nessas condições, mediante a

fixação de alíquotas inferiores às da previdência geral. Confira-se.

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente

ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

192

§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) (grifos nossos)

Em remate, quer-nos parecer que a intuição do Constituinte em preservar a

isonomia fez com ele insculpisse, na Constituição Federal, diversos elementos

diferençados que conformassem a competência tributária, com o fim de calibrá-la à

capacidade contributiva. Assim, além de outros aspectos ipso jure, podemos anotar que os

enunciados constitucionais acima destacados veiculam verdadeiras normas de competência

tributária.

32.5. A norma de competência da alíquota para os impostos regulatórios

(II – IE – IPI – IOF)

Conforme dispõe a Constituição Federal, o Poder Executivo pode alterar as

alíquotas do Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II, sobre a Exportação

de Produtos Nacionais ou Nacionalizados – IE, sobre Operações com Produtos

Industrializados – IPI e sobre Operações de Crédito, de Câmbio, de Seguro e de Títulos e

Valores Mobiliários – IOF, nas condições e limites estabelecidos em lei. Confira-se,

abaixo, o referido dispositivo.

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – (...); IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.”

O enunciado retrotranscrito nos propicia, de antemão, uma aparente certeza

quanto à possibilidade de construção de uma norma jurídica permissiva, em que o Poder

Executivo da União seria competente para alterar as alíquotas daqueles impostos sem, no

entanto, estar adstrito ao processo legislativo para tanto.

Paradoxalmente, podemos afirmar que a Constituição Federal está, em verdade,

veiculando duas normas jurídicas relativas a esses impostos. A primeira norma reafirma o

critério geral da legalidade, estabelecendo a obrigatoriedade de lei para a introdução de

alíquotas no sistema do direito positivo; a segunda norma, veiculada no modal permitido,

193

autoriza sejam as alíquotas moduladas por ato infralegal do Poder Executivo, dentro dos

parâmetros fixados em lei.

Segundo Roque Antonio Carrazza, a correta proposição descritiva do §1º do art.

153 da CF, deveria ser a seguinte: “O legislador poderá fixar teto e piso de alíquotas dos

impostos alfandegários, do IPI e do IOF, permitindo, assim, que o Executivo, obedecendo

às condições fixadas na lei, as faça variar dentro desses limites.”424

Por essa forma, como dito antes, vê-se que não se trata, aqui, de uma exceção ao

princípio da legalidade, em que uma análise mais apressada poderia concluir. É, em

verdade, um plus competencial relativamente a esses impostos, em decorrência das

características extrafiscais voltadas ao controle do equilíbrio político-econômico do

Estado.425

Pelo grande interesse público do Estado na manipulação rápida da carga tributária

dos impostos em questão é que o constituinte viu a necessidade de outorgar uma

competência administrativa por viés tributário ao Poder Executivo Federal.426

Assim, como tem sido em nosso sistema jurídico, o Poder Legislativo federal,

com base em sua competência legislativa, edita as leis relativas a esses impostos,

estabelecendo as margens das respectivas alíquotas. Com isso, possibilita a competência

424 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 296 425 Nesse sentido, Ives Gandra Martins assevera que “os impostos regulatórios, todavia, no mais das vezes, objetivam menos a arrecadação e mais a instrumentalização de mecanismos para evitar distorções nas relações comerciais, monetárias e cambiais, que poderiam afetar o comércio interno e externo.” In Comentários à Constituição do Brasil, 6º volume, tomo I, p. 235 426 Importa destacar que não ignoramos a existência de opiniões doutrinárias acerca da possibilidade de delegação de competência legislativa tributária, como v.g. defendida por Ives Gandra Martins ao comentar o referido parágrafo 1º, do artigo 153, da Constituição Federal, em que afirma: “Embora correta a colocação (da doutrina que considera delegável apenas a capacidade tributária), pois não há delegação de exercício de competência já exercida, no caso presente a delegação é de competência legislativa. A competência é indelegável, salvo exceção constitucional. A capacidade não. A hipótese, todavia, é de delegação de competência legislativa, por força de princípio constitucional, no que a exceção se justifica, e não mero exercício de capacidade arrecadatória.” (Cf. Comentários à Constituição do Brasil, p. 276) (acrescentamos os esclarecimentos entre parênteses aos comentários do autor). Ives busca apoio nas lições de Hamilton Dias De Souza o qual adverte ser “sem propósito sustentar que a delegação legislativa é prática pouco recomendável por conduzir ao amesquinhamento do Parlamento e à hipertrofia do Executivo, ou ainda, por contrariar o próprio regime democrático, à medida que vai de encontro ao princípio da separação dos poderes.” Esse autor cita diversos motivos para sustentar esse argumento, indo desde a prática comum nos países modernos (fato) que deve vincular a formulação das teorias, a quebra do dogma da “separação dos poderes”, impossibilidade (limitação) do Parlamento ser eficiente para a totalidade da demanda legislativa e pelo fato de que, ao final, é o Legislativo que sempre limita e controla o exercício das funções do poderes. (In Estrutura do Imposto de Importação no Código Tributário Nacional, IBDT/Resenha Tributária, 1980, p. 58-60)

194

administrativa do Poder Executivo Federal para manipular, exclusivamente nesses casos,

as alíquotas dos impostos regulatórios em questão.

Por essa forma vemos que, no que pertine aos impostos referidos no parágrafo 1º,

do artigo 153, da Constituição Federal (I.I., I.E., IPI e IOF), há um critério constitucional

da alíquota que extrapola a natureza tributária desses tributos, chegando às raias da

competência administrativa do Poder Executivo.

A afirmação pode parecer tautológica, mas imprescindível para o nosso destaque.

A existência da regra do parágrafo 1º, do artigo 153, da Constituição Federal, evidencia

que a alíquota, quando enunciada no plano constitucional, não é critério quantitativo. É,

sim, norma de competência tributária e, às vezes, como no presente caso, norma de

competência administrativa, em face da finalidade do ato de elevação da alíquota.

32.6 A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre a Renda -

IR

Segundo José Luiz Bulhões Pedreira, “a tendência moderna para a importância do

imposto de renda resulta do conhecimento de que a renda é a fonte dos tributos. Por isso,

seria a medida mais perfeita da capacidade contributiva individual.”427

À evidência, importa lembrar que o imposto sobre a renda, por incidir sobre o

aumento da riqueza,428 é um tributo que oferece condições a uma política distributiva e,

portanto, maior capacidade de arrecadação e conseqüente risco confiscatório sobre a

propriedade do cidadão.

Introdutoriamente, destaque-se que a comunidade jurídica tem discutido

profundamente acerca do conceito de renda, discussão que não será explorada aqui pela

impertinência objetal para esta dissertação. Para os fins deste trabalho, renda será tratada

tão somente como disponibilidade pecuniária capaz de acarretar acréscimo patrimonial,

assim entendida a riqueza superior àquela necessária e indispensável à sobrevivência digna

do cidadão (mínimo vital).429

427 Imposto de renda. 1969, p. 2-5 428 Incidência sobre o acréscimo patrimonial, considerando-se imune o mínimo vital. 429 Para maiores informações consulte Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos), de Roque Antonio Carrazza ou Imposto sobre a Renda – Pressupostos Constitucionais, de José Artur Lima Gonçalves, ambas de Malheiros Editores, São Paulo.

195

Assim, importa dizer que, além dos efeitos dos princípios e regras gerais

determinados no sistema jurídico tributário, o Imposto sobre a Renda está sujeito, também,

às regras específicas da universalidade, da generalidade e da progressividade. Essas regras

serão tomadas por nós, objetivamente, pelo significado de que o Imposto sobre a Renda

deverá incidir sobre todas as espécies de rendas e proventos (universalidade), auferidas por

quaisquer espécies de pessoas (generalidade) e que, quanto maior o acréscimo de

patrimônio, maior deverá ser a alíquota aplicável (progressividade).

Deixaremos de lado maiores comentários acerca dos critérios da universalidade e

da generalidade pelo fato de não estarem diretamente relacionados ao estudo das alíquotas

que ora tentamos imprimir, importando-nos destacar que se deve entender a

progressividade aludida na Constituição Federal tão somente como uma seqüência

numérica de alíquotas que dê eficácia ao exercício da competência tributária e, com isso,

garanta os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.

Temos, então, que a progressividade referida na Constituição Federal não tem a

ver com simples definições matemáticas ou econômicas. É, em verdade, uma regra que

proíbe seja o Imposto sobre a Renda instituído com alíquotas fixas, visando a preservar a

aplicação e os efeitos dos referidos princípios quando do exercício da competência

tributária.

Tendo em mente essas ressalvas, vamos ao que dispõe o inciso I, do parágrafo 2º,

do artigo 153, da Constituição Federal, para melhor identificarmos os referidos critérios e,

por fim, demonstrar que o da alíquota do IR também influi na respectiva competência

tributária da União, igualmente aos tributos retro comentados.

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III - renda e proventos de qualquer natureza § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; (grifos nossos)

Diante dessa transcrição, podemos antever que o dispositivo supra, além de dispor

expressamente sobre a universalidade e generalidade como regra constitucional do Imposto

sobre a Renda, estabelece indiretamente uma progressividade da alíquota como critério

conformador da competência impositiva da União.

196

Falamos em progressividade indireta da alíquota porque a Constituição Federal

estabelece que o imposto deva ser progressivo, possibilitando, com isso que a técnica da

progressividade seja exercida mediante a manipulação direta da base de cálculo ou

mediante outros artifícios que impliquem a obtenção de alíquotas progressivas (efetivas)

sem, no entanto, seja necessário manipular diretamente as alíquotas nominais enunciadas

no texto legal. É o que acontece com o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física - IRPF,

conforme adiante mostraremos.

Ressalte-se, também, que, em decorrência da expressão “na forma da lei”,

enunciada na parte final do dispositivo acima, a doutrina pátria já discutiu muito se esses

critérios seriam obrigatórios ou se estariam vinculados à vontade do legislador ordinário.

Ao que tudo indica e na esteira da melhor doutrina, temos para nós que são obrigatórios na

compostura do Imposto sobre a Renda, norteando a competência da União na instituição

das respectivas regras-matrizes de incidência.

Nesse sentido, pontifica Roque Antonio Carrazza que o inciso I, do parágrafo 2º,

do artigo 153, da Constituição Federal, “encerra norma cogente, isto é de observância

obrigatória. A lei poderá regular o modo pelo qual se dará a progressividade no Imposto

sobre a Renda. Mas não poderá anular a supramencionada exigência constitucional – o que

ocorreria caso o imposto passasse a ter alíquota fixa.”430

Assim, podemos vislumbrar que, no que atina ao Imposto sobre a Renda de

Pessoa Física - IRPF, a progressividade “tem sido” exercitada pela denominada “tabela

progressiva de alíquotas e descontos”, em que se tem uma isenção para os rendimentos

auferidos até o limite de R$ 1.164,00, uma alíquota de 15% para os rendimentos entre R$

1.164,01 e R$ 2.326,00, com desconto de R$ 174,60 e, finalmente, uma alíquota de 27,5%

para os rendimentos superiores a esse último valor, com desconto de R$ 465,35. Confira-se

a tabela exemplificativa abaixo.

430 Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos), 2006, p. 88

197

REMUNERAÇÃO

PERCEBIDA

ALÍQUOTA

ENUNCIADA

IRPF APURADO

PELO CONTRIB.

DESCONTO

ENUNCIADO

IRPF EXIGIDO PELO

FISCO

ALÍQUOTA PROGRESSIVA

INDIRETAMENTE ENUNCIADA

DIFERENÇA PROGRESSIVA

P/IGUALDADE-CAPACIDADE

Até 1.164,00 - isento - isento A 0

De 1.164,01 15,00% 174,60 174,60 0,001 B 0,0001% B-A 0,0001%

Até 2.326,00 15,00% 348,90 174,60 174,30 C 7,4936% C-B 7,4934%

4.652,00 27,50% 1.279,30 465,35 813,95 D 17,4968% D-C 10,0032%

9.304,00 27,50% 2.558,60 465,35 2.093,25 E 22,4984% E-D 5,0016%

18.608,00 27,50% 5.117,20 465,35 4.651,85 F 24,9992% F-E 2,5008%

37.216,00 27,50% 10.234,40 465,35 9.769,05 G 26,2496% G-F 1,2504%

74.432,00 27,50% 20.468,80 465,35 20.003,45 H 26,8748% H-G 0,6252%

148.864,00 27,50% 40.937,60 465,35 40.472,25 I 27,1874% I-H 0,3126%

297.728,00 27,50% 81.875,20 465,35 81.409,85 J 27,3437% J-I 0,1563%

595.456,00 27,50% 163.750,40 465,35 163.285,05 K 27,4218% K-J 0,0782%

1.190.912,00 27,50% 327.500,80 465,35 327.035,45 L 27,4609% L-K 0,0391%

931.000.000,00 27,50% 256.025.000,00 465,35 256.024.534,65 M 27,5000% M-L 0,0390%

Sobre essa tabela, importa comentar que a fixação das alíquotas do IRPF em 15%

e 27,5% não impede que se afirme existir uma progressividade. Contudo, essa limitada

seqüência numérica de porcentuais e descontos, bem como a existência de variadas faixas

sociais, em que a renda respectiva representa realidades patrimoniais totalmente díspares,

obriga-nos a interpretar que a progressividade constitucional é aquela que se adequa aos

princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Como se pode notar, a tabela acima reproduzida deixa evidente que a pretensa

progressividade do IRPF só é perceptível para além das casas decimais, demonstrando uma

diferença irrisória entre as alíquotas progressivas indiretamente enunciadas, ainda que uma

dada remuneração percebida seja o dobro da faixa anterior.

Assim, evidencia-se o equívoco no exercício competencial da União quando as

alíquotas fixadas pela lei do Imposto sobre a Renda, ainda que possam corresponder aos

critérios de uma pseudoprogressividade, acarreta, para além do exercício irregular da

competência tributária, uma inobservância aos princípios da igualdade e da capacidade

contributiva.

Por essa forma, podemos comprovar que a tabela de alíquotas do IRPF, a despeito

de a Constituição Federal estabelecer um arquétipo competencial bem definido, mostra-se

como um mero arremedo de progressividade, em desrespeito à capacidade contributiva do

cidadão.

Com muito otimismo, embora seja óbvio que essa quantidade ínfima de alíquotas

não perfaz com eficiência a propagação dos efeitos da progressividade constitucional do

Imposto sobre a Renda, podemos dizer que o legislador ordinário, ao menos, sofreu alguma

influência das normas de competência quando instituiu duas alíquotas nominais e

198

descontos para a obtenção de alíquotas “progressivas” (conforme demonstrado no quadro

acima).

Por essa forma, entendemos que já é possível notar que a previsão constitucional

da alíquota progressiva desse imposto está longe de uma definição meramente quantitativa.

É, muito além disso, precisamente, uma norma de competência tributária, em que a União

deverá instituir o Imposto sobre a Renda segundo a observância desse critério, além dos

outros ipso jure.

Como experiência confirmadora dessa assertiva, também vale lembrar o que tem

acontecido no âmbito do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, em que,

mais uma vez, identificamos a ausência da progressividade constitucional das alíquotas,

em ofensa às normas de competência e aos princípios estabelecidas pela Constituição

Federal.

Assim, independentemente das discussões jurídicas a respeito do que venha a ser

lucro,431 concentraremos nossas considerações sobre o aspecto de que a Constituição

Federal não concedeu autorização para a União instituir o IRPJ mediante alíquota fixa,

bem como determinou fossem elas progressivas, de forma a atender aos princípios da

igualdade e da capacidade contributiva.

Com efeito, em que pese o teor do disposto no inciso I, parágrafo 2º, do artigo 153

da Carta Magna, a legislação de regência desse imposto prevê uma alíquota de 15% sobre

o lucro apurado da pessoa jurídica.

Além disso, com o intuito de tornar o IRPJ progressivo, o legislador ordinário

pretensamente estatuiu um adicional de 10% sobre o lucro mensal excedente a

R$20.000,00 e anual a R$240.000,00432 gerando, com isso, o efeito de aumentar a alíquota

efetiva (alíquota indiretamente enunciada) do imposto, conforme o aumento do lucro

obtido.

431 Quanto a isso, importa dizer que os critérios introduzidos no sistema positivo para os fins de apuração do lucro das pessoas jurídicas são totalmente discutíveis e, por isso, para os fins desta dissertação, limitaremos o conceito de lucro como sendo, genericamente, a diferença positiva entre receitas e custos/despesas apurados no balanço de resultados em um determinado período de apuração, conforme determinação legal. Veja Lei e Regulamento do IR – Dec. 3.000/99. 432 Segundo a legislação, o limite é de R$20.000,00 por mês, no período de apuração. Como no Brasil o período de apuração é de 12 meses, o limite anual para incidência do adicional é de R$ 240.000,00.

199

Confira-se, no quadro abaixo, a expressão prática do critério adotado pelo

legislador infraconstitucional para o IRPJ:

Base de Cálculo Imposto a Alíquota de Imposto Adicional a Total do Imposto Alíquota efetiva Diferença Alíq. Efetiva

R$ 15% 10% R$ % %

20.000,00 3.000,00 - 3.000,00 15,0000%

50.000,00 7.500,00 3.000,00 10.500,00 21,0000% 6,0000%

100.000,00 15.000,00 8.000,00 23.000,00 23,0000% 2,0000%

1.000.000,00 150.000,00 98.000,00 248.000,00 24,8000% 1,8000%

10.000.000,00 1.500.000,00 998.000,00 2.498.000,00 24,9800% 0,1800%

100.000.000,00 15.000.000,00 9.998.000,00 24.998.000,00 24,9980% 0,0180%

1.000.000.000,00 150.000.000,00 99.998.000,00 249.998.000,00 24,9998% 0,0018%

10.000.000.000,00 1.500.000.000,00 999.998.000,00 2.499.998.000,00 25,0000% 0,0002%

100.000.000.000,00 15.000.000.000,00 9.999.998.000,00 24.999.998.000,00 25,0000% 0,0000%

Dessa forma, podemos notar que o IRPJ433 foi introduzido no sistema do direito

positivo mediante a adoção de um critério misto, mesclando progressividade e

proporcionalidade, em vez de adotar um critério eminentemente progressivo e que atenda

aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, conforme estabelecido na

Constituição Federal.

Com efeito, ao instituir esse sistema de progressividade, em que as alíquotas

efetivas apresentam-se com diferenças irrisórias, bem como tornar invariável a alíquota a

partir de uma determinada faixa de lucro,434 a União extrapolou a sua competência

tributária e, conseqüentemente, infringiu a norma do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo

153, da Constituição Federal, além de impossibilitar a eficácia dos princípios da igualdade

(inc.I, §2º, art. 5º, CF) e da capacidade contributiva (§1º, art. 145, CF).

Nesse sentido, importa lembrar que, se de um lado a progressividade

constitucional do IR não tem a ver com os conceitos extrajurídicos da matemática ou da

economia, devendo-se aferir uma diversificação numérica de alíquotas que dêem eficácia

aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, de outro lado, não temos como

nos afastar da definição matemática de proporcionalidade, assim entendida como a

433 Igualmente ocorre com o IRPF, em que a alíquota deixa de ser progressiva, mantendo-se totalmente inalterada e independentemente do número de casas decimais a partir do lucro de R$ 931.000.000,00. Em que pese ser um lucro exorbitante, a alíquota aplicável é praticamente a mesma daquela aplicada ao lucro de aproximadamente R$ 30.000,00. Confira essa discrepância na tabela anteriormente apresentada. 434 Note que a partir do lucro de R$ 1.000.000,00 a alíquota é basicamente a mesma.

200

igualdade entre duas ou mais razões. Em outras palavras, quando os quocientes forem

iguais (alíquota efetivas no nosso caso), haverá proporcionalidade.435

Tendo isso em vista, podemos notar, na tabela acima reproduzida, que o critério

adotado pelo legislador ordinário para a fixação das alíquotas do IRPJ para a faixa de lucro

que vai até R$ 10.000.000,00, apresenta-se com uma “pseudoprogressão” da alíquota

efetiva, cuja variação também se mostra irrisória a partir de diferenças identificadas nas

casas decimais.

Denominamos de “pseudoprogressão” porque a diferença é ínfima e não atende de

modo algum aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Outro aspecto é que,

acima dessa faixa (R$ 10.000.000,00), notamos que a carga tributária torna-se invariável,

apresentando-se um efeito proporcional da alíquota efetiva e nivelando, em um mesmo

patamar, a carga tributária incidente sobre lucros diversos, em total afronta à Constituição

Federal.

A progressividade do Imposto sobre a Renda não é um sistema progressivo

qualquer, voltado à mera quantificação do tributo, mas, sim, um elemento conformador da

competência tributária do ente político, indispensável para a efetividade da tributação,

segundo a capacidade contributiva e igualdade tributária.

Em remate, o que queremos destacar é que a Constituição Federal, quando

estabeleceu que a União poderia instituir um imposto sobre a renda, desde que universal,

geral e progressivo, introduziu no sistema jurídico-tributário uma norma de competência

para preservar direitos e deveres fundamentais e, não, um mero aspecto quantitativo.

32.7. A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre Produtos

Industrializados – IPI

Muito embora a seletividade possa ser praticada de formas variadas, entendemos

que, relativamente ao IPI, em decorrência de sua incidência recair sobre todo e qualquer

produto industrializado, a Constituição Federal a estabeleceu “em função da essencialidade

435 Razão é o quociente entre dois números naturais, sendo o segundo diferente de 0, e que, por esse motivo, deve ser entendida como proporcionalidade a igualdade entre duas ou mais razões, ou seja, quando os quocientes forem iguais há proporcionalidade. “Matemática: Volume Único”. Gelson Iezzi e outros. São Paulo: Atual Editora, 1997.

201

do produto, determinada pela necessidade do consumidor e pelo tipo de produto

fabricado”.436

Nessa medida, quer-nos parecer que a seletividade constitucional do IPI já veio

formatada com base na variação das alíquotas e, não, em outra forma. Confira-se o texto

constitucional:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

§1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

IV - produtos industrializados;

§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:

I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;”

Assim, a nosso ver, o Poder Executivo passou a ter a legitimidade para alterar as

alíquotas do IPI, ficando dispensado do processo legislativo e da anterioridade, para esse

fim.

Contudo, importa destacar que, muito embora o Poder Executivo tenha adquirido

tal legitimidade, isso não quer dizer que poderá deixar de exercê-la, não alterando as

alíquotas e impedindo fazer valer a seletividade do IPI.

A nosso ver, a faculdade do parágrafo 1º, do artigo 153, da Constituição Federal

diz respeito tão somente a essa suposta “delegação”, para firmar que o Executivo pode,

sem as amarras da lentidão do processo legislativo e sem a observância do princípio da

anterioridade, alterar as alíquotas dentro dos limites legais.

Noutro passo, temos que a essencialidade, por ser decorrente de norma cogente,

obriga o Executivo a agir rapidamente para manter a integridade da seletividade do IPI nos

moldes constitucionais. Trata-se de uma norma específica que conforma a competência

tributária da União, estabelecendo que o IPI terá alíquotas seletivas, que deverão ser

alteradas pelo Executivo conforme a necessidade essencial do consumidor e do produto

fabricado.

436 Cf. Ives Gandra Martins, em Comentários à Constituição do Brasil. vol. 6, tomo I. 1990, p. 298

202

Em remate, vislumbramos que a norma constitucional relativa à alíquota do IPI,

além de exercer influência sobre a instituição de alíquotas seletivas, mínima e máxima,

pelo legislador ordinário (função típica do Poder Legislativo), também exerce influência

sobre a função atípica de legislar do Poder Executivo (alteração das alíquotas por decreto),

evidenciando seu caráter de norma de competência.

32.8. A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre

Propriedade Territorial Rural – ITR

Tendo como pano de fundo a função social da propriedade imobiliária, notamos

que a Constituição Federal concedeu competência tributária à União para instituir imposto

sobre propriedades territoriais rurais, com o fim de possibilitar a esse ente político o

estímulo à manutenção de terras produtivas.

Nesse sentido, encontramos o parágrafo 4o, do artigo 153, da Constituição

Federal, com a seguinte redação:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: VI - propriedade territorial rural; § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003);” (grifamos)

Embora a pretensão final seja a de estimular a função social/produtiva da

propriedade rural, vale ressaltar que o ITR continua tendo natureza tributária. O registro é

válido para que não se confunda com a natureza sancionatória da desapropriação por

interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que não esteja cumprindo sua

função social.437

A nosso ver, a Constituição Federal concedeu competência tributária à União

para, por meio do ITR, desenvolver uma política agrária e fundiária estabelecendo, porém,

437 O artigo 184 da Constituição Federal dispõe o seguinte: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”

203

que este imposto só poderá ser instituído como instrumento auxiliar dessa política. Assim

sendo, registre-se aqui a primeira característica da competência da União para instituí-lo.

Além da finalidade constitucional acima referida, considerada por boa parte da

doutrina como extrafiscal, há que se observar que referida competência vem bem delineada

por outras duas características. Segundo a Carta Magna, o imposto deve ser (i) progressivo

e (ii) ter alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades

improdutivas.

Diante disso, devemos entender que a Constituição Federal, além dos princípios e

regras gerais normalmente influentes na conformação da competência tributária, também

estabeleceu um arquétipo competencial para o ITR a partir da prefixação de uma alíquota

progressiva com função social.

À evidência, determinar seja o imposto progressivo a partir de alíquotas fixadas

com um fim específico prova a existência de mais um critério constitucional relativo à

alíquota como norma de competência tributária.

Em outras palavras, podemos dizer que a Constituição Federal proíbe que o ITR

seja instituído para o fim meramente arrecadatório ou orçamentário do governo, bem como

obriga que a União exerça sua competência mediante a instituição de um imposto

progressivo, com alíquotas desestimuladoras às propriedades improdutivas que não

cumpram sua função social.

Com efeito, não se trata de um critério meramente quantitativo da alíquota, pois a

norma que se produz a partir do enunciado constitucional é no sentido de que a União só

tem competência para instituir o ITR se, e somente se, (1) for ele instrumento de política

agrária e/ou fundiária, (2) for progressivo, com (3) alíquotas desestimuladoras à

manutenção de propriedades improdutivas.

Não nos parece restarem dúvidas de que a regra da alíquota, estatuída no inciso I,

do parágrafo 4º, do artigo 153, da Constituição Federal, é uma norma de competência que

norteia a função do legislador ordinário na instituição do ITR.

204

Nesse sentido, em relação aos aspectos da obrigação tributária, materialidade

possível, base de cálculo possível, alíquota possível, sujeitos possíveis, entendemos que a

Constituição Federal tratou deles como critérios conformadores das normas de

competência tributária e, por isso, para nós, o caráter quantitativo da alíquota só passa a

existir a partir da instituição, por lei, das regras-matrizes. Nunca na Constituição Federal.

32.9. A norma de competência da alíquota mínima para o IOF sobre o

Ouro

Seguindo a articulação disposta na Constituição Federal, encontramos outro

exemplo de arquétipo constitucional tributário, que, por sua vez, implica a competência da

União. Trata-se do disposto no parágrafo 5º, do artigo 153, da Carta Magna, que também

estabelece a competência da União para instituir o Imposto sobre Operações de Crédito,

Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários - IOF, quando envolver o

ouro como ativo financeiro, mediante a predeterminação de uma alíquota mínima. Vamos à

letra da Constituição Federal.

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(...); V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

§ 5º - O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, se sujeita exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do "caput" deste artigo, devido na operação de origem, a alíquota mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da arrecadação nos seguintes termos: (grifamos)

Como visto, aqui também se evidencia uma norma de competência conformada

pela influência da alíquota. Nesse caso, podemos vislumbrar que do dispositivo acima

transcrito, é possível constatar a existência de uma norma jurídica que conforma a

competência da União num aspecto positivo, permitindo a instituição do IOF sobre o ouro,

quando definido como ativo financeiro ou instrumento cambial e, num aspecto negativo,

proibindo que a alíquota seja inferior a 1% (um por cento).

Ao analisar o texto legal supratranscrito, evidencia-se a conformação da

competência tributária da União, naquelas condições, mediante o aspecto negativo da

alíquota mínima de 1%, pois o legislador constituinte sentiu a necessidade de conformá-la

com essa limitação para impedir que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

205

ficassem, por vontade política unilateral da União, sem participar do resultado da riqueza

constituída a partir de seus respectivos territórios.

Essa é mais uma experiência que denota ser a alíquota, além de um simples

aspecto quantitativo, um critério conformador da competência tributária e garantia do

regime federativo brasileiro.

32.10. A norma de competência da alíquota máxima para o ITCMD

Primeiramente, importa comentar que, no que atina ao ITCMD, a Constituição

Federal estabeleceu que os Estados e o Distrito Federal tivessem competência para instituí-

lo até o limite da alíquota máxima definida pelo Senado Federal. Assim, por mais que se

queira extravasar o estudo de outros critérios da regra-matriz desse imposto, essa

competência também está conformada pelo critério constitucionalmente predeterminado da

alíquota, não podendo qualquer ente federado extrapolar tal limite, sob pena de

inconstitucionalidade dos efeitos decorrentes. Vamos ao texto constitucional:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

§ 1.º O imposto previsto no inciso I:

IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;” (grifamos)

Diante do texto constitucional, vemos que a competência dos Estados e do

Distrito Federal para instituir o ITCMD foi conformada pela prefixação de uma alíquota

máxima, tendo em vista a necessidade de se estabelecer um teto nacional como política de

igualdade e justiça tributária, impedindo abusos confiscatórios que poderiam ser

perpetrados pelos Estados/Distrito Federal contra o direito de herança e doação.

Como se nota, as regras-matrizes do ITCMD a serem definidas pelos entes

políticos tributantes deverão pautar as respectivas alíquotas dentro do limite

206

constitucionalmente reservado à decisão do Senado Federal, sob pena de extrapolação da

competência tributária concedida.438

Por força do inciso IV, do parágrafo 1º, do artigo 155, da Constituição Federal, o

Senado Federal editou a Resolução n.o 9/92, fixando a alíquota máxima do ITCMD em 8%,

a partir de 1º de janeiro de 1992, facultando aos Estados instituir alíquotas progressivas

conforme o quinhão herdado. Confira-se o enunciado da resolução 9/92.

“RESOLUÇÃO N° 9, de 5 de maio de 1992

Art. 1° A alíquota máxima do imposto de que trata a alínea a, inciso I, do art. 155 da Constituição Federal será de oito por cento, a partir de 1° de janeiro de 1992.

Art. 2° As alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal.

Art. 3° Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4° Revogam-se as disposições em contrário.” (grifamos)

A resolução supratranscrita representa mais uma circunstância confirmadora da

existência da alíquota tributária como norma de competência. Há que se destacar que, além

de estabelecer uma alíquota máxima, em fiel cumprimento ao disposto no artigo 155, §1º,

IV, da Constituição Federal, a resolução estabelece também uma data retroativa para seus

efeitos e, ainda, “faculta” aos Estados e ao Distrito Federal a instituição de alíquotas

progressivas.

Ao dispor sobre a retroatividade de seus efeitos e sobre progressividade

facultativa, a Resolução n.o 9/92 extrapolou o limite material da norma constitucional da

alíquota do ITCMD, pois essa norma concedeu ao Senado Federal tão somente a

competência administrativo-legislativa para instituir a alíquota máxima definidora da

competência tributária dos Estados/Distrito Federal em relação a esse imposto.

438 Nesse sentido já se manifestou o STF – “Imposto de transmissão causa mortis. Alíquota, Fixação pelo Senado Federal. CF/69, art. 23, I. CF/88, art. 155, IV. A nova Carta Constitucional manteve a antiga regra de que cabe ao Senado Federal estabelecer as alíquotas máximas do imposto de transmissão causa mortis. Diante da existência de resolução reguladora da matéria, compatível com o novo Texto, não restou espaço para o legislador estadual dispor acerca da alíquota do tributo, sob invocação do §1º” (STF – 1ª T. – Agravo Regimental em agravo de instrumento ou de petição no 147.490/RS – Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 1º out. 1993, p. 20.217).

207

Se, de um modo, só podemos afirmar que a retroatividade dos efeitos da alíquota

máxima estabelecida pela Resolução do Senado Federal é inconstitucional,439 por violar o

princípio da legalidade, da anterioridade e, conseqüentemente, da segurança jurídica,

podemos, de outro modo, afirmar que a faculdade concedida aos Estados e ao Distrito

Federal para instituir alíquotas progressivas sobre o quinhão herdado é inconstitucional,

por violar a norma de competência administrativo-legislativa da alíquota máxima

insculpida na Carta Magna.

Melhor explicando. Para nós, conquanto seja a progressividade o melhor método

de distribuição de justiça tributária, por possibilitar os efeitos da capacidade contributiva

do parágrafo 1º, do artigo 145, da Constituição Federal, não nos parece tenha o Senado

Federal competência para autorizar os Estados e o Distrito Federal a instituir ITCMD

progressivo. Essa autorização não consta do Texto Magno.

Se o ITCMD deverá ou poderá ser progressivo é uma discussão que desloca a

análise jurídica para aplicabilidade ou não do disposto no referido artigo 145, pois será

nessa seara que se deverá discutir a natureza desse imposto, se ele é real ou pessoal, se

admite ou não o regime de alíquotas progressivas, considerando-se os argumentos da

jurisprudência do STF em relação ao IPTU (antes da EC n.o 29/2000) e ao ITBI.440

Com efeito, independentemente da aplicabilidade ou não do parágrafo 1º, do

artigo 145, da Constituição Federal,441 isso nos revela que o termo “alíquota”, empregado

no inciso IV, do parágrafo 1º, do artigo 155, da Constituição Federal, não pode jamais ser

interpretado como um simples critério quantitativo, porque se trata, na verdade, de uma

norma de competência. Essa afirmação reforça também o argumento de que o critério para

quantificação dos tributos surge com a lei, nunca com a Constituição Federal.

439 O Supremo Tribunal Federal já decidiu nesse sentido no RE n.o 218.182/PE, 1ª turma, rel. Min. Moreira Alves. 440 Quanto a isso, vale lembrar que o plenário do STF decidiu ser inconstitucional a fixação de alíquotas progressivas para o IPTU (antes da EC n.o 29/00 – RE n.o 153.771-0/MG) e o ITBI (RE n.o 234.105-3/SP), sob o fundamento de serem impostos reais, razão que impediria a aplicação do §1º, do artigo 145 da CF. 441 Entendemos possível seja aplicada a progressividade ao ITCMD, com base no §1º, do artigo 145, da Constituição Federal.

208

32.11. As diversas normas de competência das alíquotas do ICMS

No que pertine ao ICMS, é de se notar que a conformação da competência

tributária dos Estados e do Distrito Federal é mais exaustiva, pois a Constituição Federal

predetermina um arcabouço de regras, de modo a estabelecer alguns arquétipos

competenciais para a instituição de diversas regras-matrizes desse imposto.

Inicialmente, além dos nossos comentários feitos nos itens 30.9.

SELETIVIDADE e alíquota” e 32.7. A NORMA de competência da alíquota para o

Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI”, importa fazermos alguns comentários

acerca da seletividade do ICMS.

A Constituição Federal, no inciso III, do parágrafo 2º, do artigo 155, estabelece

que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos

serviços”. Como já ressalvado, entendemos que esse “poderá” corresponde ao que Celso

Antonio Bandeira de Mello denomina de dever-poder,442 que reclama seja interpretado

como um dever e, não, como uma faculdade.

Assim sendo, posicionamo-nos no sentido de que a seletividade do ICMS é uma

obrigação imposta ao legislador pelos reclamos dos princípios fundamentais da dignidade

da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, III e IV,

CF), da igualdade (artigo 5º, I, CF) e da capacidade contributiva (artigo 145, §1º, CF).

Ocorre, todavia, que a seletividade não é uma regra hermética, fechada, de feição

única. Ao contrário, possui múltiplas formas e pode ser operada por diversas técnicas que

permitem a gradação seletiva de um dado objeto.

Segundo entendemos, a Constituição Federal, ao estabelecer que cabe ao

Executivo alterar as alíquotas do IPI, acabou por predeterminar a técnica da

progressividade das alíquotas para esse imposto, conformando a competência tributária da

União (tanto do legislativo federal na edição de lei, quanto do executivo na edição de

decreto) para a instituição e alteração das respectivas alíquotas. Tendo esse paradigma,

442 Curso de Direito Administrativo. 2005, págs. 60/61

209

somos da opinião de que a seletividade do ICMS, ao contrário do IPI, não foi predefinida

pelo Texto Constitucional, podendo o legislador infraconstitucional operá-la por qualquer

meio que lhe dê efetividade.

Nesse sentido, vale lembrar as lições de Roque Antonio Carrazza que, muito

embora se manifeste no sentido de que é com a variação das alíquotas que a seletividade do

ICMS se torna mais alcançável, assevera claramente que ela “poderá ser alcançada com o

emprego de quaisquer técnicas de alteração quantitativa da carga tributária: sistema de

alíquotas diferençadas, variação de bases de cálculo, criação de incentivos fiscais etc.”443

Em contato com o texto constitucional, percebemos que não há predeterminação

constitucional no sentido de que, especificamente, as alíquotas do ICMS sejam seletivas e,

em conseqüência, não vislumbramos aqui uma norma de competência relativamente à

seletividade das alíquotas do ICMS.

Feitos esses comentários iniciais, vamos, na seqüência, à regra insculpida no

parágrafo 2º, inciso IV, do artigo 155, da Constituição Federal, que trata da norma de

competência para a prefixação das alíquotas para as operações e prestações interestaduais e

de exportação.

§ 2.º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:

IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; (destacamos e grifamos)

Embora a redação não tenha sido das melhores, entendemos que a Constituição

Federal estabeleceu, em relação às operações e prestações interestaduais e de exportação,

que a competência dos Estados e do Distrito Federal será conformada mediante a

observância das alíquotas, mínima e máxima, definidas pelo Senado Federal e, por essa

forma, igualmente às regras do ITCMD, a instituição ordinária das diversas regras-matrizes

443 ICMS, 2006, p. 376 e também em Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 96

210

do ICMS pelos entes políticos tributantes sofrem a influência das normas de competência

das alíquotas constitucionalmente predeterminadas.444

Importa destacar que, conforme adverte Roque Antonio Carrazza, em razão do

princípio federativo e da autonomia distrital, “o Senado terá que ser bastante criterioso no

fixar quer as alíquotas mínimas, quer as máximas, de modo a não anular a autonomia das

pessoas que tributam por meio de ICMS”.445

Em outras palavras, podemos dizer que os Estados e o Distrito Federal só são

competentes para instituir ICMS sobre negócios interestaduais e de exportação, se o

fizerem mediante a observância dos limites constitucionais dos critérios normativos da

alíquota predeterminados pela Constituição Federal, além, obviamente, de outros critérios

regulares.446

Semelhantemente à hipótese acima, encontramos no inciso V, do parágrafo 2º, do

artigo 155, da Constituição Federal, regras que também estabelecem a conformação da

competência dos Estados e do Distrito Federal em relação às alíquotas internas do ICMS,

em que as mínimas e as máximas também são definidas por Resolução do Senado Federal.

Prescreve o dispositivo constitucional o seguinte:

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (ICMS)

V - é facultado ao Senado Federal:

444 O STF já teve a oportunidade de confirmar o critério de prefixação da alíquota pelo Senado Federal. STF – “Impossibilidade de a alíquota, nas operações de exportação, ser fixada pelo convênio. É que se à lei complementar não cabe fixar a alíquota, também não poderia fazê-lo o convênio. A fixação da alíquota, em tal caso, cabe ao Senado Federal: CF, art. 155, §2º, IV. Essa fixação somente ocorreu com a Resolução no 22, de 19-05-1989. Destarte, entre 1-3-1989 a 31-5-1989, não houve incidência do ICMS na saída de produtos semi-elaborados remetidos para o exterior” (STF – 2ª, T. – RE. No 145.491/SP – Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 20 Fev. 1998, p. 21). 445 O ICMS na Constituição, 2006, p. 79 446 Atualmente a alíquota interestadual e de exportação é definida pela Resolução 22, de 19/05/89, do Senado Federal, sendo 12% (doze por cento) para os negócios realizados com contribuintes localizados nas regiões Sul e Sudeste, exceto o Estado do Espírito Santo, e de 7% (sete por cento) para contribuintes localizados nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e o Estado do Espírito Santo. As exportações, quando tributadas, terão alíquotas de 13% (treze por cento). Nos dias atuais, grande parte de bens e serviços goza de imunidade tributária ou de isenção fiscal, conforme estabelece o artigo 155, §2º, inciso X, alínea “a”, da CF e a Lei Complementar n. 87/96, que estabelecem que o ICMS não incidirá sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).

211

a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;

b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; (destacamos e grifamos)

Nessas hipóteses, as regras-matrizes do ICMS a serem instituídas pelos entes

políticos tributantes deverão observar os balizamentos, mínimo e máximo, das alíquotas

predeterminadas pela Constituição Federal, para que haja o exercício regular da

competência tributária.

De outro modo, podemos dizer que o ente federativo, ao instituir alíquotas do

ICMS aquém da mínima ou além da máxima fixadas pelo Senado Federal, estará atuando

fora de sua competência tributária, exacerbando formal e materialmente a ação delimitada

pela Constituição Federal.

Outro tocante dispositivo que vale ser lembrado é o inciso VI, do parágrafo 2º, do

artigo 155, da Constituição Federal, que conforma a competência tributária dos Estados e

do Distrito Federal com a predeterminação de alíquotas mínimas nas operações praticadas

dentro dos seus respectivos territórios. Vejamos a redação do dispositivo:

“§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (ICMS)

VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g" (Lei Complementar regulará a forma da deliberação), as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;" (destacamos e grifamos)

Como se pode ver, a Constituição Federal estabeleceu que os Estados e o Distrito

Federal só serão competentes para instituir regras-matrizes do ICMS em seus territórios, se

os critérios das respectivas alíquotas forem iguais ou superiores aos das alíquotas

interestaduais, também pré-fixadas pela própria Constituição Federal (art. 155, §2º, IV).

Outra prova de que a competência tributária é conformada pela predeterminação

constitucional de alíquotas pode ser encontrada no disposto nos incisos VII e VIII, ambos

do parágrafo 2º, do artigo 155, da Constituição Federal. Vamos aos enunciados:

“VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

212

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;”

“VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do

destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;” (grifamos)

Segundo esses dispositivos, quando se tratar de operação ou prestação que destine

bens ou serviços a consumidor final, localizado em outro Estado, a competência dos

Estados e do Distrito Federal para instituir regras-matrizes do ICMS está conformada pela

observância do critério constitucional das alíquotas, interestadual e interna, no caso de o

destinatário, respectivamente, ser ou não ser contribuinte desse imposto.

Em outros termos, em se tratando de operação/prestação interestadual, a

predeterminação da alíquota foi estabelecida conforme a condição do destinatário da

mercadoria, pois, se ele for contribuinte do ICMS, a alíquota predeterminada será a

interestadual e, no caso contrário, a alíquota será a interna do Estado de origem.

Ademais, no caso da competência conformada pela alíquota interestadual (alínea

“a”, do inciso VII, acima), geralmente menor que a alíquota interna instituída pelos

Estados de origem (da mercadoria ou do serviço), nota-se a conformação de outra

competência tributária, a do Estado447 destinatário, que passará a ter a sua competência a

partir da diferença entre as alíquotas praticadas pelo exercício do Estado de origem da

mercadoria/serviço (diferencial de alíquotas).

Sobre a incidência única do ICMS sobre os combustíveis e lubrificantes, definidos

em lei complementar, a Constituição Federal estabeleceu que a conformação da

competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir a alíquota desse imposto se

dará, além da definição em lei complementar (i) da forma deliberativa para concessão de

desonerações fiscais e (ii) dos combustíveis e lubrificantes que sofrerão incidência única,

447 Distrito Federal, quando for o caso.

213

(iii) por meio das alíquotas definidas em Convênio, celebrado no âmbito do CONFAZ.448

Confira-se a redação constitucional:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (ICMS)

XII - cabe à lei complementar:

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b;

§ 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:

IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

a) serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto;

b) poderão ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem, incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o produto ou seu similar alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência;

c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.

§ 5º As regras necessárias à aplicação do disposto no § 4º, inclusive as relativas à apuração e à destinação do imposto, serão estabelecidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g.

Traduzindo-se os termos que interessam a este trabalho, podemos dizer que a

Constituição Federal estabeleceu que as alíquotas do ICMS para os combustíveis e

lubrificantes, definidos em lei complementar, serão:

a) definidas por ato infralegal (convênios) decorrente de deliberação das Unidades Federadas;

b) uniformes em todo o território e seletivas por produto;

448 O Conselho Fazendário – CONFAZ é constituído com a participação de todos os Secretários da Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, bem como do Secretário do Ministério da Fazenda, conforme estabelece a LC no 24/75.

214

c) específicas, por unidade de medida, ou ad valorem; e,

d) reduzidas ou restabelecidas no mesmo exercício financeiro.

Nessa seara, vemos que há uma influência bastante incisiva das normas de

competência da alíquota sobre a atividade do legislador ordinário (Poder Legislativo

Estadual), pois que, para fixar as alíquotas do ICMS-Único sobre combustíveis e

lubrificantes, o legislador estadual/distrital haverá que observar o conteúdo dos convênios

celebrados entre os Estados (deliberação do Poder Executivo).449

Com efeito, segundo a Constituição Federal, a competência tributária do

legislador ordinário para instituir o ICMS-Único passa a ser conformada pelo conteúdo dos

convênios editados a partir das deliberações dos Executivos Estaduais/Distrital.

Assim sendo, podemos concluir que o legislador ordinário está adstrito a instituir

a regra-matriz do ICMS, relativamente às operações com combustíveis e lubrificantes,

segundo a influência da norma de competência das alíquotas definidas em convênios, além

de outros critérios ipso jure.

Essa circunstância nos obriga a repisar a afirmação de que os enunciados

constitucionais que veiculam os termos relativos às alíquotas do ICMS são verdadeiras

normas de competência tributária, estruturantes do sistema jurídico dessa espécie tributária.

Diante de tudo isso, podemos afirmar que não há critérios quantitativos da

alíquota do ICMS na Constituição Federal, havendo tão somente normas de competência

tributária. Os critérios quantitativos só surgem com a edição de lei, editada segundo a

observância das normas de competência das alíquotas tributárias.

32.12. A norma de competência da alíquota para o IPVA

O Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA - substituiu a

antiga Taxa Rodoviária Única, popularmente conhecida como TRU, cuja competência

449 Não fizemos referência à Lei Complementar n. 87/96 porque, segundo a Constituição Federal, a ela caberia a função de definir os combustíveis e os lubrificantes sujeitos ao ICMS-Único. E, como ficou expresso, as normas relativas às alíquotas ficaram a cargo da deliberação dos Estados pelo instrumento do Convênio (§2º, XII, “g”, art. 155, CF e Lei Complementar n. 24/75)

215

tributária pertencia à União e incidia sobre a propriedade de veículos automotores no

momento do licenciamento do veículo pelo respectivo proprietário.

A origem constitucional do IPVA se deu pela Emenda n. 27, de 28 de novembro

de 1985, na vigência da Constituição passada, e o imposto foi mantido pelo inciso III, do

artigo 155, da Constituição Federal de 1988. Contudo, a competência tributária foi

deslocada para os Estados e para o Distrito Federal, com a arrecadação partilhada pela

metade com os Municípios onde os veículos forem licenciados.

Fora esse aspecto competencial, voltado mais à natureza material do IPVA,

queremos ressaltar que o parágrafo 6º, do artigo 155, da Constituição Federal, acrescentou

outros critérios conformadores da competência tributária dos Estados/Distrito Federal para

instituir o IPVA. Confira-se a redação constitucional:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

III - propriedade de veículos automotores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 6º O imposto previsto no inciso III: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

I - terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

II - poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). (grifamos)

Com efeito, a partir da Emenda Constitucional n.o 42/03, além da propriedade de

veículo automotor, que é a materialidade nuclear do IPVA, a Constituição Federal passou a

estabelecer normas relativas à alíquota que também conformam a competência dos Estados

e do Distrito Federal, delimitando o arquétipo competencial com alíquotas mínimas fixadas

pelo Senado Federal e diferençadas em função do tipo e utilização dos veículos.

Em outras palavras, além dos demais critérios ipso jure, o legislador ordinário só

poderá instituir o IPVA mediante a fixação de alíquotas iguais ou superiores à alíquota

mínima prefixada em resolução do Senado Federal, podendo, ainda, prescrever variações

conforme o tipo e utilização do veículo.

216

Sobre o primeiro critério normativo (alíquotas mínimas), importa considerar que a

Constituição Federal outorgou competência administrativo-legislativa ao Senado Federal

(órgão democrático e composto por representantes dos Estados da Federação e do Distrito

Federal) para prefixar a norma de competência tributária mediante a prefixação de uma

alíquota mínima do IPVA.

Quer-nos parecer que a razão de o Senado Federal preestabelecer uma alíquota

mínima foi motivada pela necessidade de se limitar o exercício da competência para a

efetividade do princípio fundamental da igualdade republicana e do princípio federativo,

nos termos do artigo 1º da Constituição Federal.

No que atina ao outro aspecto constitucional da alíquota do IPVA, relativo à

expressão “poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização”, temos para

nós que aqui, mais uma vez, o termo “poderá” corresponde ao dever-poder, denominado

por Bandeira de Mello, para indicar que não se trata de uma faculdade e sim de uma

obrigação imposta ao legislador ordinário, pois, a faculdade aqui é relativa ao fato de o

ente federado ter a discricionariedade quanto à determinação (escolha) de uma alíquota

para cada “tipo” e “utilização” do veículo. Paralelamente, há o dever do ente político

tributante de fazer variar a alíquota sobre o critério eleito.

Entendemos que a variação das alíquotas do IPVA, nos termos do inciso II, do

parágrafo 6º, do artigo 155, da Constituição Federal, encerra uma norma cogente de

competência que veicula ser obrigatória tal variação, em razão da necessidade de

observância dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, fazendo com que

haja melhor distribuição da carga tributária e de justiça fiscal.

O “tipo” e a “utilização” do veículo devem ser entendidos segundo a legislação

ordinária regulamentar. Por essa forma, vemos que a competência dos Estados e do

Distrito Federal para a instituição do IPVA é, além de outros critérios ipso jure,

conformada por normas relativas às alíquotas.

É por esse motivo que as alíquotas do IPVA, em quase todas as unidades da

federação, exemplificativamente, para caminhonetes com cabine dupla e cabine simples

são diferentes. Os Estados e o Distrito Federal são competentes para estabelecer o

217

tratamento diferençado em decorrência do “tipo” e da “utilização” do veículo, segundo a

classificação do Conselho Nacional de Trânsito para caminhonetes com essas

características.450

Em remate, podemos afirmar que os enunciados relativos ao IPVA, acima

transcritos, ajudam a evidenciar que a Constituição Federal não veicula critérios

quantitativos da alíquota, mas tão somente normas de competência tributária. Os critérios

quantitativos das alíquotas do IPVA serão fixados na legislação ordinária dos Estados e do

Distrito Federal, segundo as respectivas normas de competência das alíquotas.

32.13. A norma de competência das alíquotas para o IPTU

Relativamente ao Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana – IPTU, vale

registrar, inicialmente, que a doutrina nacional sempre discutiu acerca da efetividade dos

princípios da capacidade contributiva e da igualdade, em decorrência das regras da (i)

progressividade em razão do valor do imóvel; (ii) da progressividade de acordo com a

localização e o uso do imóvel; e, (iii) da progressividade temporal da alíquota, em razão do

descumprimento das regras do plano diretor dos Municípios (sancionatória).451

Referidas regras advêm do disposto nos incisos I e II, do parágrafo 1º, do artigo

156, e no inciso II, do parágrafo 4º, do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Confira-

se:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) (grifamos)

450 Atualmente vige a Resolução CONTRAN n.o 262/07. 451 Nesse sentido, ensina Elizabeth Nazar Carrazza, in IPTU e Progressividade – Igualdade e capacidade contributiva. Juruá Editora. 1996. Curitiba. P. 103

218

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; (grifamos)

Independentemente da classificação, fiscal ou extrafiscal, que se adote em razão

dessas características progressivas do IPTU, temos para nós que a Constituição Federal, em

matéria tributária, sempre veicula normas destinadas a dar efetividade aos princípios

constitucionais gerais e tributários, mas, sempre, em especial, o da capacidade contributiva,

da igualdade e da segurança jurídica. Por isso, quase sempre o destinatário das normas

constitucionais tributárias são o legislador e os aplicadores do direito (o Poder Executivo e

do Judiciário). São, em regra, normas estruturantes que balizam o comportamento

institucional destes poderes.

Posto dessa forma, entendemos que os enunciados constitucionais relativos ao

IPTU, acima transcritos, veiculam normas de competência destinadas a moldar os limites

da ação dos entes políticos tributantes municipais na instituição das respectivas regras-

matrizes.

É por isso que, a nosso ver, encontraremos o critério quantitativo da alíquota,

dentre outros, tão somente nas normas veiculadas pelas leis ordinárias e decretos

regulamentares, conforme o caso.

Daí podermos vislumbrar que não cabe falar em critérios quantitativos da alíquota

do IPTU, quando se analisam aspectos constitucionais do tributo, pois, em regra, não há,

na Carta Magna, qualquer “indicativo de proporção”, ainda que, excepcionalmente,

contenha algumas indicações de parâmetros mínimos e/ou máximos, como p.e. ocorre no

caso do artigo 153, § 5º, da Constituição Federal (alíquota mínima de 1% para a tributação

incidente sobre o Ouro e os demais exemplos já citados).

Nesse sentido, importa relembrar que Aires Barreto ensinou que a alíquota é o

indicador da proporção, quando diante do plano abstrato da norma, e é termo da operação

219

algébrica (multiplicação), quando da sua aplicação concreta sobre a base calculada, no

plano concreto da norma.

A nosso ver, o plano abstrato a que se refere o ilustre autor só pode ser o

infraconstitucional, da lei em sentido estrito que institui as regras-matrizes, nunca o da

constituição, pois, nela, “indicador” só o será de competência tributária.

Diante do exposto, sentimo-nos autorizados a arrematar que não se tem qualquer

quantificação do IPTU na Constituição Federal, impedindo-nos de considerar as normas

constitucionais relativas à alíquota como critério quantitativo desse imposto.

32.14. A norma de competência das alíquotas do ISS

Vale recordar que competência tributária é a aptidão constitucional para criar, em

abstrato, tributos, o que equivale a dizer, em última análise, que é a possibilidade jurídica

para instituir as suas regras-matrizes, com todos os seus elementos, incluindo,

necessariamente, a alíquota.

Estabelecer a alíquota do ISS, então, como critério quantitativo, é matéria

reservada ao legislador ordinário municipal da pessoa política competente, segundo os

critérios competenciais previstos no sistema do direito positivo.

Nesse sentido, a Constituição Federal estabeleceu que a competência tributária

para a instituição do ISS será conformada pela prefixação das alíquotas, máxima e mínima,

pelo legislador complementar. É o que enuncia o artigo 156, §3º, da Constituição Federal,

abaixo transcrito:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

220

III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)” (grifamos)

Originalmente, a prefixação de alíquota máxima do ISS fora enunciada no inciso

I, do parágrafo 4º, do artigo 156, da Constituição Federal. A Emenda Constitucional n.o

03/93 revogou a redação desse parágrafo e a transformou no atual parágrafo 3º, que

também foi alterado pela Emenda Constitucional n.o 37/02, para acrescentar a prefixação

de alíquota mínima, que trataremos mais abaixo.

No que atina à prefixação da alíquota máxima, muito embora a Emenda

Constitucional n.o 01/69,452 já há muito tempo tenha enunciado que “lei complementar

poderá fixar as alíquotas máximas” do ISS, isso veio a ocorrer tão somente em 1999, pelo

artigo 4º, da Lei Complementar n.o 100, de 22 de dezembro de 1999, que estabeleceu, em

caráter aparentemente específico, a alíquota máxima de 5% para os contratos de concessão

de serviços relativos às rodovias.453

Essa limitação foi mantida pelo artigo 8º, inciso II, da Lei Complementar n.o

116/03, e deve ser tida como uma norma que regula a conformação da competência

tributária dos Municípios e do Distrito Federal para a instituição do ISS.

Nesse sentido, assevera José Souto Maior Borges que a lei complementar, ao

estabelecer a limitação da alíquota nos termos da Constituição Federal, está apenas

“regulando uma limitação constitucional ao poder de tributar”.454

Diante disso, não há que se argumentar acerca de violação ao princípio da

autonomia dos Municípios e do Distrito Federal, pois a necessidade de observarem uma

norma, que prefixa um parâmetro máximo para as alíquotas do ISS, introduzida por meio

de lei complementar, é elemento de definição da própria autonomia e da competência

tributária.

452 É o que dispunha o artigo 24, §4º, da Emenda Constitucional 01/69, que alterou a CF de 67. 453 José Eduardo Soares de Melo registra a origem da fixação de alíquotas máximas no Ato Complementar 34, de 30.01.67, na vigência da CF de 1946 sem, entretanto, haver fundamento constitucional. Aspectos teóricos e práticos do ISS, 2ª Ed. Dialética, São Paulo, 2001, p. 108. 454 Lei Complementar tributária. 1975, p. 209

221

Isso se torna mais visível quando reconhecemos que essa regra limitativa,

juntamente com outras regras constitucionais, dá contornos à autonomia dos entes políticos

tributantes, contribuindo para a própria definição do arquétipo competencial do ISS.

Obviamente que a prefixação de uma alíquota máxima em lei complementar exige

rigoroso empenho por parte do legislador complementar, pois não poderá preestabelecer

um parâmetro ínfimo sob pena de diminuir ou, até, anular a autonomia do ente político.

Infelizmente, por se tratar de análise que extrapola a seara jurídica do direito

Tributário, não podemos alegar que a prefixação da alíquota máxima do ISS em 5%, pela

Lei Complementar 116/03, limita a autonomia dos Municípios e do Distrito Federal. Tal

investigação, s.m.j., deve ser feita na órbita da Ciência das Finanças Públicas. Preferimos,

por enquanto, admitir que o limite máximo da alíquota, prefixado por lei complementar,

decorre de norma de competência tributária constitucional.

Relativamente à prefixação de alíquotas mínimas do ISS, entendemos que a

Emenda Constitucional n.º 37, de 12 de junho de 2002, alterou equivocadamente a norma

de competência dos Municípios e do Distrito Federal.

Além de ter estabelecido que caberia à lei complementar prefixar uma alíquota

mínima do ISS (inexistente até o momento), a Emenda Constitucional 37/02 também

acrescentou o artigo 88 ao Ato da Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT,

estabelecendo que, enquanto não sobrevier referida lei no sistema do direito positivo, o ISS

terá alíquota mínima de 2%, excetuando-se, tão somente os serviços relacionados ao setor

de construção civil. A redação é a seguinte:

“Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

I - terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

II - não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)” (grifamos)

222

Em que pese a motivação de acabar com a denominada “guerra fiscal” entre os

Municípios e o Distrito Federal, originada, em regra, pela redução de alíquotas do ISS,

para atrair empresas e investimentos para os seus territórios, a medida foi totalmente

equivocada sob o ponto de vista jurídico-tributário.

Infelizmente, a alteração da Constituição Federal pelo Constituinte derivado

mostra-se violadora de diversas normas constitucionais. A primeira violação está

relacionada à limitação imposta aos Municípios e ao Distrito Federal para instituírem as

suas próprias regras-matrizes do ISS, pois, segundo o que dispõe o inciso II, do artigo 88,

acima transcrito, impede que os entes políticos legislem sobre isenções, incentivos e

benefícios fiscais que alterem a alíquota mínima do imposto.

Pelo fato de impedir a concessão de isenção, que pode se dar, por exemplo, por

meio de fixação de alíquota zero, a prefixação da alíquota mínima em 2% representa total

anulação da autonomia dos Municípios e do Distrito Federal.

Uma segunda violação ao sistema constitucional tributário corresponde à

conseqüência da estreita limitação das alíquotas do ISS entre 2% e 5%, pois essa ínfima

variação inviabiliza que os entes políticos tributantes instituam um efetivo sistema

progressivo de alíquotas, podendo fazê-lo tão somente do ponto vista formal entre os

extremos fixados (2% e 5%). Não há como atingir a capacidade contributiva e distribuir

justiça tributária com uma competência tributária tão limitada.

Uma última violação cometida pelo legislador Constituinte Derivado diz respeito

à quebra da isonomia tributária, pois não há qualquer critério constitucionalmente

sustentável para discriminar as empresas relacionadas ao setor de construção civil dos

demais prestadores de serviço e permitir que a elas se possam fixar alíquotas inferiores a

2%, como se pretendeu na parte final do inciso I, do artigo 88, retrotranscrito.

Em remate, em que pesem todas as inconstitucionalidades acima comentadas, elas

servem de apoio ao nosso desiderato, pois podemos afirmar que as normas relativas às

alíquotas do ISS, sejam as introduzidas pelo legislador Constituinte Originário (alíquota

máxima - artigo 156 da CF), sejam pelo legislador Constituinte Derivado (alíquota mínima

223

- Emenda Constitucional n.o 37/02), são normas que conformam a competência tributária e

influem na ação do legislador ordinário dos Municípios e do Distrito Federal.

33. O termo “alíquota” em outros dispositivos constitucionais

33.1 Imposto sobre Venda a Varejo de Combustíveis – IVVC (art. 34, §

7º, do ADCT)

Embora já extinto, vale registrar que o IVVC era um imposto de competência da

União, que passou à competência dos Municípios e do Distrito Federal com o advento da

Constituição Federal de 1988.

O artigo 34, parágrafo 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –

ADCT - também conformava a competência para a instituição do extinto Imposto sobre

Vendas a Varejo de Combustíveis – IVVC - mediante norma específica da alíquota

tributária, estabelecendo a máxima de 3% (três por cento) até que fossem fixadas em Lei

Complementar.

33.2 Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF –

artigos 74 e 75 do ADCT

A Emenda Constitucional n. 12/96, introduziu o artigo 74 ao Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias – ADCT para conceder à União competência tributária para

instituir a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de

Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, cuja arrecadação fora destinada

integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de

saúde.455

Muito embora a CPMF tenha sido extinta em 31 de dezembro de 2007, após

várias prorrogações,456 entendemos relevante comentarmos alguns de seus aspectos, tendo

455 Os artigos que dispõem sobre a CPMF são: arts. 74, § 1º; 75, § 1º e § 2º; 84, §2º e §3º; e 90, todos dos ADCT. 456 Veja artigo 75 do ADCT, incluído pela EC n. 21/99 e Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei nº 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência também foi prorrogada por idêntico prazo pela mesma Emenda Constitucional nº 21, de 1999, e foi objeto de grande celeuma no cenário jurídico e judiciário do País.

224

em vista que nos permitirá demonstrar, mais uma vez, que a alíquota na constituição é

norma de competência e, não, um critério quantitativo.

Assim, importa destacar que a competência tributária da União para instituir a

CPMF, além de ter sido bem delineada no seu aspecto material e finalidade arrecadatória,

também foi conformada pela prefixação das alíquotas, tendo iniciado com uma prefixação

de 0,25% e sido alterada para 0,38%, sendo que 0,08% foram destinados ao Fundo de

Combate e Erradicação da Pobreza, instituído pelo artigo 80, inciso I, do ADCT,

acrescentado pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000.

A respeito das alterações constitucionais, vale destacar que a Emenda

Constitucional nº 42/03 incluiu o artigo 90 ao Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias - ADCT - com o intuito de prorrogar o prazo de vigência da Contribuição

Provisória sobre a Movimentação Financeira ("CPMF") até 31 de dezembro de 2007.

Lembre-se que a prorrogação da CPMF foi alvo de inúmeras discussões no

cenário brasileiro e, especialmente, na seara jurídica do direito tributário nacional.

Anteriormente, esse tributo já havia sido prorrogado pela Emenda Constitucional nº 37, de

12 de junho de 2002, ocasião em que o legislador constituinte derivado autorizou a sua

cobrança até 31 de dezembro de 2004.

Na ocasião, a EC 37/02 estabeleceu que a União tivesse competência para cobrar

a CPMF, nos exercícios de 2002 e de 2003, mediante uma alíquota de 0,38% e, no

exercício de 2004, essa competência seria limitada a alíquota de 0,08%.

Como o advento da EC 42/03, o legislador constituinte derivado alterou a

competência da União para, novamente, permitir que ela cobrasse a CPMF com base na

norma da alíquota de 0,38% - inclusive no exercício de 2004.

Diante desse emaranhado de alterações na Constituição Federal acerca da CPMF,

verifica-se que as normas prescritas pela EC 42/03 não se limitam à prorrogação da CPMF,

a exemplo do que ocorreu quando da edição da EC 37/02. E é nesse cenário que nossa

argumentação ganha força, pois a verdade é que, ao modificar a alíquota da contribuição

para o exercício de 2004 – alíquota essa que já havia sido fixada em 0,08% pelas regras

introduzidas por meio da EC 37/02 – o constituinte derivado acabou por modificar o

225

arquétipo da competência tributária da União para instituir a regra-matriz de incidência da

CPMF, razão pela qual haveria a necessidade de instituição de nova alíquota e, portanto, a

exigência da contribuição ficaria sujeita à legalidade estrita e à anterioridade nonagesimal.

Nesse sentido, embora o pleno do STF, ao julgar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 2.666/DF, tenha firmado o entendimento de que a prorrogação da

CPMF instituída pela EC 37/02 não estaria sujeita à anterioridade nonagesimal, sob a

argumentação de que ocorreu a mera prorrogação de um tributo que já existia, importa

observar que há uma grande diferença com a promulgação da EC 42/03, pois, a rigor, não

se está diante de simples prorrogação da CPMF, mas, sim, de efetiva mudança na

competência tributária que era conformada pela alíquota aplicável durante o exercício de

2004, o que exige sejam observados os princípios da estrita legalidade (edição de lei em

sentido estrito, pela impossibilidade jurídica de emenda constitucional prorrogar a eficácia

de lei, com vigência determinada e eficácia sobre “fatos geradores” determinados) e da

anterioridade de 90 dias, expresso no artigo 195, parágrafo 6º, da Carta Constitucional.

A existência infraconstitucional a que se referira o STF era fundamentada na Lei

n. 9.311/96, DOU de 25.10.1996, cujo artigo 20 dispunha sobre o prazo determinado de

sua vigência e acerca da sua eficácia sobre fatos geradores específicos: Confira-se:

“Art. 20 A contribuição incidirá sobre os fatos geradores verificados no período de tempo correspondente a treze meses, contados após decorridos noventa dias da data da publicação desta lei, quando passará a ser exigida.” (grifamos)

Importa lembrar também que, na seqüência, veio a Lei n. 9.539/97, DOU de

15.12.1996, antes mesmo do término da vigência da lei 9.311/96 a qual, a pretexto de

prorrogá-la, acabou por instituir nova incidência da CPMF sobre novos “fatos geradores”,

também específicos e delimitados no tempo, caracterizando uma revogação tácita, por

regular integralmente a matéria da lei anterior, mas deixando bem clara a marca temporal

de sua incidência: sobre os fatos geradores ocorridos tão somente nos 24 meses, contados a

partir do dia 23 de janeiro de 1997. Confira-se a redação:

“Art. 1º Observadas as disposições da Lei n. 9.311/96, a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira incidirá sobre os fatos geradores ocorridos no prazo de 24 meses, contado a partir de 23 de janeiro de 1997.” (grifamos)

226

Em que pese a decisão do Pleno do STF em admitir, a nosso ver

equivocadamente, a prorrogação da vigência e da eficácia de leis tributárias incidentes

sobre “fatos geradores” passados para atingir outras hipóteses de incidência, as mudanças

na CPMF nos ajudam a demonstrar que, no plano constitucional, as alíquotas são

verdadeiras normas de competência tributária, as quais, se alteradas, implicam novos

processos legislativos para a exigência de tributos, notadamente quando as leis

introduzidas no sistema do direito positivo pelo legislador infraconstitucional forem

incompatíveis com a nova competência ou tiverem prazo e objetos determinados pela

competência anterior.

33.3 Contribuição para a Seguridade Social - art. 56 do ADCT

No que atina à contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários,

muito embora já tenhamos comentado anteriormente, quando nos referimos às

contribuições sociais, importa registrar que, por ocasião da promulgação da Constituição

Federal de 1988, o legislador constituinte originário estabeleceu uma norma conformadora

da competência relativamente à destinação da arrecadação desse tributo à Seguridade

Social.

Como havia sido previsto, antes da alteração promovida pela Emenda

Constitucional n.o 20/98, o legislador constituinte estabeleceu, na redação original do

artigo 195, I, da CF, que a Seguridade Social seria financiada, dentre outras fontes, por

contribuições dos empregadores incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o

lucro, nos termos da lei. Em decorrência disso, o artigo 56 do ADCT regulava,

provisoriamente, a competência tributária da União para a instituição e arrecadação desse

tributo. Vale conferir a redação do disposto no artigo 56 do ADCT.

“Art. 56. Até que a lei disponha sobre o art. 195, I, a arrecadação decorrente de, no mínimo, cinco dos seis décimos percentuais correspondentes à alíquota da contribuição de que trata o Decreto-Lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, alterada pelo Decreto-Lei nº 2.049, de 1º de agosto de 1983, pelo Decreto nº 91.236, de 8 de maio de 1985, e pela Lei nº 7.611, de 8 de julho de 1987, passa a integrar a receita da seguridade social, ressalvados, exclusivamente no exercício de 1988, os compromissos assumidos com programas e projetos em andamento.” (grifamos)

227

Com o advento da Lei Complementar n.o 70/91, que instituiu a contribuição social

para financiamento da Seguridade Social, nos termos do artigo 195, I, da CF, a eficácia do

artigo 56 do ADCT expirou.

No entanto, importa-nos destacar tão somente que o dispositivo transitório,

embora tivesse enunciado o termo “alíquota”, usou-o para veicular uma norma que

conformasse a competência da União relativamente ao destino do produto da arrecadação

da contribuição, não estabelecendo arquétipo competencial específico acerca da alíquota

tributária.

É de se notar, independentemente do advento da Lei Complementar n.o 70/91, a

norma de conformação da competência tributária relativamente à alíquota da contribuição

social para financiamento da Seguridade Social sempre foi construída a partir dos

princípios gerais da legalidade, da anterioridade, da capacidade contributiva, do não-

confisco, etc.

33.4 Fundo Social de Emergência - artigo 72 do ADCT

Na esteira do “Fundo de Estabilização Fiscal”, instituído pelo artigo 71 do ADCT,

veio o “Fundo Social de Emergência”, enunciado pelo artigo 72 também do ADCT,

veiculando norma para o aumento da alíquota da contribuição social das instituições

financeiras, por meio de emenda constitucional de revisão n.o 01/94.

Contra esse aumento pesaram alegações doutrinárias no sentido de essa alteração

ter violado o princípio da isonomia e da capacidade contributiva, em razão da instituição

de alíquotas diferençadas para o setor bancário.

Contudo, a quarta turma do TRF da 3º Região julgou como válida a instituição da

alíquota diferenciada da CSLL para as instituições financeiras, tendo-se sustentado no RE

343.446 do STF, cujo relator foi o ministro Carlos Veloso (j. 20.03.2003 e DJ 04.04.2003),

que julgou válida a alíquota diferenciada da contribuição social para o Seguro Acidente de

Trabalho, conhecido como SAT, por entender não ter havido qualquer violação aos citados

princípios (isonomia e capacidade contributiva). O Texto Constitucional está assim

enunciado:

228

Art. 72. Integram o Fundo Social de Emergência: (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994)

III - a parcela do produto da arrecadação resultante da elevação da alíquota da contribuição social sobre o lucro dos contribuintes a que se refere o § 1º do Art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a qual, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, bem assim no período de 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997, passa a ser de trinta por cento, sujeita a alteração por lei ordinária, mantidas as demais normas da Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 10, de 1996)

§ 1.º As alíquotas e a base de cálculo previstas nos incisos III e V aplicar-se-ão a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores à promulgação desta Emenda. (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994)

Seja como for, o que nos interessa destacar é que, mais uma vez, temos a

oportunidade de experimentar a veiculação de norma constitucional relativa à alíquota para

fins de conformação da competência tributária.

Para nós, a alteração promovida pela Emenda Constitucional de Revisão n.o 01/94

evidenciou a veiculação de norma que ampliou a competência tributária do ente político

tributante, possibilitando que a União, no caso, a exercesse mediante a simples majoração

da alíquota para um determinado segmento da economia.

Com efeito, o confronto das alegações doutrinárias de violação aos princípios da

isonomia e da capacidade contributiva com a posição contrária da jurisprudência nacional

nos permite afirmar, mais uma vez, que a norma que possibilita a majoração da alíquota da

CSLL das instituições financeiras é, efetivamente, uma norma que conforma a

competência tributária da União e, não, um simples critério quantitativo.

À evidência, vale destacar que, à época, a União não foi questionada acerca de sua

competência para majorar a alíquota da CSLL. Foi, sim, de outro modo, questionada sobre

o exercício da competência para majorar a alíquota tão somente para um determinado

segmento da economia (instituições financeiras), ferindo os princípios da isonomia e da

capacidade contributiva.

Com esses comentários, queremos afirmar que uma coisa é (i) ser competente para

majorar a alíquota em 30% e outra coisa é (ii) possuir competência para majorar a alíquota

em 30% tão somente para as instituições financeiras. Na primeira hipótese, (i) há uma

norma que conforma a competência tributária para permitir a tributação, mediante a

fixação da alíquota em 30%, para qualquer pessoa, e, na segunda, (ii) uma outra norma que

229

estabelece a competência para tributar, mediante a fixação da alíquota em 30%, tão

somente as instituições financeiras.

Veja-se que, na segunda hipótese, ainda que a União pretendesse tributar

igualmente outros segmentos da economia, majorando a alíquota em 30% com base na

Emenda Constitucional n.o 01/94, não poderia fazê-lo, pois a sua competência estava

limitada a obter recursos tão somente por meio de majoração das alíquotas prefixadas para

as instituições financeiras.

Desse modo, podemos vislumbrar que no núcleo da discussão travada à época

sobre a majoração da alíquota da CSLL não se tratou do aspecto quantitativo da alíquota

(25% ou 30% p.e.), mas, sim, da norma de competência relativa à alíquota prefixada para

um único segmento econômico (instituições financeiras).

Em remate, podemos dizer que o episódio da majoração da CSLL pela Emenda

Constitucional de Revisão n.o 01/94 reafirma a impossibilidade de se discutir critérios

quantitativos no plano constitucional, havendo espaço tão somente para críticas sobre a

norma de competência veiculada pela prefixação de alíquotas tributárias.

33.5 Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza

O Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza foi instituído pela Emenda

Constitucional n.o 31, de 14 de dezembro de 2000, que inseriu os artigos 79 a 83 ao ADCT,

visando a viabilizar níveis dignos de subsistência a todos os brasileiros, em decorrência do

objetivo de erradicar a pobreza, insculpido no o inciso III, do artigo 3º, da Constituição

Federal, e como corolário do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana,

previsto no inciso III, do artigo 1º, também da Carta Magna.

Para isso, segundo assevera José Afonso da Silva, “foi necessário fazê-lo por meio

de norma constitucional, porque se teve que vincular recursos de tributos ao Fundo,

abrindo, assim, exceção à proibição constante do art. 167, IV, da CF, e também porque se

teve que instituir formas de tributação que não constam da parte permanente da

Constituição, como é o caso do adicional sobre a contribuição social de que trata o art. 75

do ADCT (art. 79, I) e do adicional do IPI incidente sobre produtos supérfluos, tal como

definidos em lei federal (art. 84). A disposição constitucional ainda era necessária para

230

impor aos Estados, Distrito Federal e Municípios a obrigação de criar Fundos de Combate

à Pobreza, assim como instituir adicionais estaduais sobre o ICMS e municipais sobre o

ISS e vincular recursos da União ao Fundo, em decorrência das privatizações de empresas

de economia mista e empresas públicas federais.”457

Vejamos os enunciados pertinentes ao nosso tema, começando pela instituição de

alíquota adicional à CPMF, a qual, embora extinta, foi norma introduzida no sistema do

direito positivo que nos revelou a ampliação da competência tributária (i) para majorar a

alíquota em 0,08% e (ii) para destinar o produto da arrecadação dessa majoração ao Fundo

de Erradicação da Pobreza. Confira a redação constitucional:

33.5.1 Fundo Federal - Adicional sobre a CPMF

Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)

I - a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de oito centésimos por cento, aplicável de 18 de junho de 2000 a 17 de junho de 2002, na alíquota da contribuição social de que trata o art. 75 (CPMF) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000) (negritamos e destacamos entre parênteses)

Art. 84. A contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, prevista nos arts. 74, 75 e 80, I, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será cobrada até 31 de dezembro de 2004. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

§ 1º Fica prorrogada até a data referida no caput deste artigo, a vigência da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, e suas alterações.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

§ 2º Do produto da arrecadação da contribuição social de que trata este artigo será destinada a parcela correspondente à alíquota de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

I - vinte centésimos por cento ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

457 Comentário contextual à Constituição, Malheiros Editores, 5ª Ed., São Paulo, 2008, p. 942. O artigo 167, IV, da CF, estabelece o seguinte: Art. 167. São vedados: IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”. Já o artigo 75 do ADCT trata da CPMF.

231

II - dez centésimos por cento ao custeio da previdência social; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

III - oito centésimos por cento ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de que tratam os arts. 80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002) (grifamos)

§ 3º A alíquota da contribuição de que trata este artigo será de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

I - trinta e oito centésimos por cento, nos exercícios financeiros de 2002 e 2003; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

II - oito centésimos por cento, no exercício financeiro de 2004, quando será integralmente destinada ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de que tratam os arts. 80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002) (Revogado pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (grifamos)

Embora longa, a transcrição acima nos ajuda a identificar que os enunciados

constitucionais alteraram a competência da União, conformando-a, transitoriamente, para

possibilitar ao legislador infraconstitucional a cobrança da CPMF por mais um período

determinado e com alíquota superior à até então vigente.

Em que pese a já comentada prorrogação equivocada da CPMF, o que nos importa

mostrar é que se alterou a norma de competência da União para cobrar a dita contribuição,

não só para continuar cobrando-a como também para aumentá-la, por meio da alíquota, e

destinar o produto da arrecadação decorrente desse acréscimo ao Fundo de Combate e

Erradicação da Pobreza. Note-se também que, além dessa destinação, havia ainda a

obrigação de destinar vinte centésimos por cento ao Fundo Nacional de Saúde, para

financiamento das ações e serviços de saúde, e dez centésimos por cento ao custeio da

previdência social (Emenda Constitucional nº 37, de 2002).

À evidência, caso o legislador ordinário não estipulasse que o acréscimo de 0,08%

sobre a alíquota da CPMF não fossem destinadom ao referido Fundo, assim como também

não fossem observadas as demais destinações, haveria total desvio de finalidade da

arrecadação em decorrência do exercício irregular da competência tributária estatuída nos

artigos 79 a 84 do ADCT.

Vale notar que tal competência se revela estritamente impositiva, seja no que diz

respeito à obrigação de instituir o adicional, seja porque não há margem de escolha da

alíquota, pois, deverá ser exatamente de 0,08%, nem mais nem menos. Isso nos ajuda a

232

revelar que a alíquota na Constituição Federal não é um critério quantitativo, mas, sim,

uma norma de competência tributária que aparece, no caso presente, com o modal deôntico

“obrigado”, estipulando que a União é detentora de um dever jurídico consistente na

introdução de normas no sistema do direito positivo, para a constituição do Fundo de

Combate e Erradicação da Pobreza por meio da alíquota adicional da CPMF.

Em remate, podemos dizer que a Constituição Federal de 1988 é rica em

exemplos de normas de estrutura (competência) em que o Poder Legislativo está obrigado

a produzir normas.

33.5.2 Fundo Federal - Adicional sobre o IPI

Semelhantemente ao adicional da CPMF, foi instituído o adicional sobre as

alíquotas do IPI, incidentes sobre produtos supérfluos. O artigo 80, II, do ADCT ampliou a

competência da União para permitir que esta adicione 5% às alíquotas de produtos

supérfluos até a extinção do Fundo. Vamos ao Texto Constitucional.

Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)

II - a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de cinco pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, ou do imposto que vier a substituí-lo, incidente sobre produtos supérfluos e aplicável até a extinção do Fundo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)

Nesse caso, trata-se de uma competência que, embora também seja impositiva,

forçando, então, a União a instituir o referido adicional, permite, por outro lado, ao

legislador discriminar os produtos supérfluos sobre os quais recairá o ônus adicional.

Com efeito, o enunciado acima transcrito veicula mais uma norma delineadora do

arquétipo constitucional da competência tributária da União, influenciadora da ação do

legislador infraconstitucional, o qual deverá alterar as regras-matrizes do IPI para, segundo

a competência imposta no artigo 80, II, do ADCT, adicionar cinco pontos percentuais no

“indicador de proporção” dos produtos supérfluos.

Em outras palavras, a norma de competência relativa à alíquota adicional do IPI

determina que a União altere o critério quantitativo das regras-matrizes relativas aos

produtos supérfluos, para lhes adicionar o encargo de mais cinco pontos percentuais.

233

33.5.3 Fundos Estaduais e Distrital – Adicional sobre o ICMS

O legislador Constituinte derivado reformou a Constituição Federal e alterou,

além da competência da União acima comentada, também a competência dos Estados e do

Distrito Federal, no que pertine à instituição do ICMS. Vejamos o dispositivo

constitucional.

Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate á Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)

§ 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de

até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (grifamos)

Tendo em vista a autonomia dos Estados e do Distrito Federal e o princípio

federativo, há dúvidas acerca da legitimidade dessa alteração, uma vez que se estão

obrigando esses entes políticos a adotar medidas adversas aos seus compromissos já

assumidos com o combate e erradicação da pobreza, nos termos do princípio fundamental

da dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III, do artigo 1º, da Constituição

Federal, pelo Constituinte Originário.

Para nós, as alterações constitucionais promovidas pelo legislador derivado não

ferem o princípio federativo e a autonomia dos respectivos entes políticos por se tratar de

mera ampliação de competência, ainda que decorrente de norma cogente que estabelece

seja ela, efetivamente, exercida.

De qualquer forma, independentemente de vir a ser considerada a

inconstitucionalidade da Emenda n.o 31/00, vale analisar que o enunciado do artigo 82 ao

ADCT veicula uma norma de competência tributária, objetivando obrigar os Estados e o

Distrito Federal a instituírem Fundos de Combate à Pobreza, mediante a instituição de

alíquotas adicionais do ICMS sobre produtos supérfluos.

Com efeito, embora obrigados à instituição do adicional, aos Estados e ao Distrito

Federal foi facultada a fixação da alíquota adicional até o limite máximo de dois pontos

234

percentuais. Obviamente que a referida discricionariedade está adstrita, além do limite

máximo, a um mínimo razoável que garanta a eficiência do Fundo de Combate à Pobreza,

sob pena de inviabilizar a sua constituição e ferir a norma cogente da competência

tributária. Assim, não se poderá instituir um adicional, p.ex., de 0,01%, por completa

ausência de expressão econômica para a constituição do Fundo e verdadeira dissimulação

do exercício da competência tributária e conseqüente violação à respectiva norma cogente.

33.5.4 Fundos Municipais e Distrital - Adicional sobre o ISS

Do mesmo modo que os Estados e o Distrito Federal, em relação ao adicional do

ICMS, podemos afirmar que os Municípios e o Distrito Federal também se sujeitam às

mesmas normas, pois o mesmo artigo 82 do ADCT prevê a obrigação de instituir Fundos

de Combate à Pobreza pelos Municípios e pelo Distrito Federal, relativamente à

competência tributária relacionada com o ISS, podendo criar uma alíquota adicional de até

meio ponto percentual. Confira-se:

“§ 2º Para o financiamento dos Fundos Municipais, poderá ser criado adicional de até meio ponto percentual na alíquota do Imposto sobre serviços ou do imposto que vier a substituí-lo, sobre serviços supérfluos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)” (grifamos)

Assim, podemos dizer que a única diferença entre a norma destinada ao legislador

ordinário da União, relativamente à CPMF, dos Estados e do Distrito Federal,

relativamente ao ICMS, e a norma destinada ao legislador dos Municípios e do Distrito

Federal, relativamente ao ISS, é tão somente a mensuração do adicional que a cada um

compete instituir. Em outras palavras, isso quer-nos dizer que o arquétipo competencial

desses adicionais difere tão somente em relação à mensuração da abrangência normativa

constitucional que prefixa as alíquotas adicionais - no primeiro, a competência pode ser

exercida até cinco pontos percentuais; no segundo, até dois e, no terceiro, até meio ponto.

Em remate, podemos afirmar que os enunciados retro transcritos em nada se

parecem com o critério quantitativo instituído pela legislação infraconstitucional, pois

dizem respeito à estrutura do Sistema Constitucional Tributário, delimitando, tão somente,

as ações do legislador tributário dos entes políticos federados.

Por fim, vale registrar que o parágrafo 8º, do artigo 195, da Constituição Federal,

estabelece que “o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador

235

artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de

economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social

mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e

farão jus aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

20, de 1998).

Esse dispositivo, muito embora contenha em seu enunciado o termo “alíquota”,

não veicula uma norma de competência especificamente em relação à alíquota tributária.

Para nós, trata-se de uma norma de competência que predetermina a base de cálculo da

contribuição social a ser exigida dos trabalhadores rurais e pescadores e, por isso, maiores

comentários exorbitam a seara desta dissertação.

34. Destinatário das normas constitucionais relativas às alíquotas

No dizer de Geraldo Ataliba, “as normas jurídicas genericamente são voltadas para

toda a comunidade social. De seu cunho obrigatório resulta a respeitabilidade de seus

efeitos por parte de todos, inclusive dos próprios órgãos do poder.”458

Assim sendo, toda norma visa regular condutas e, nesse mister, as normas

constitucionais destinam-se a regular, basicamente, a conduta de dois grandes grupos de

destinatários. Num ângulo podemos inferir, então, que temos normas voltadas a (i) regular

as condutas comuns do povo, direcionadas tão somente às relações interpessoais, que a

doutrina denomina de “normas de comportamento” ou “regras de conduta”, e, num outro,

(ii) normas direcionadas a regular as condutas dos representantes do povo, que produzem

novas regras jurídicas; são condutas produtoras de novas estruturas normativas e, por isso,

também denominadas, pela doutrina, de “normas de estrutura ou competência” ou de

“produção normativa”.459

Nesse passo, então, logo vemos, na esteira do ilustre autor, que “é destinatário da

norma o sujeito cujo comportamento é visado precipuamente por ela.”460

458 República e Constituição. 2001, p. 152 459 Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário. 2005, págs.139/141 460 República e Constituição. 2001, p. 153

236

É de bom alvitre destacar, logo de início, que não ignoramos o alerta que Paulo

Bonavides faz, ao registrar as críticas de estudiosos, notadamente de Santi Romano, sobre

a impossibilidade de distinção entre as normas programáticas e as preceptivas, pelo

critério do destinatário da norma, pois, ao final, as normas são voltadas para toda a

coletividade.461

Obviamente que as normas constitucionais, numa visão global, una e indivisível,

destinam-se a toda a coletividade, aplicam-se a toda comunidade, às pessoas e às

instituições, públicas ou privadas, de qualquer natureza. Entretanto, isso não impede de

fazermos incursões analíticas para registrarmos que há, em nosso sistema jurídico

constitucional, subsistemas de enunciados e de normas que atuam, precipuamente, sobre

destinatários específicos, sem, com isso, ofender a harmonia de todo o sistema.

Nesse sentido, Geraldo Ataliba exemplifica que “os destinatários da lei processual

são os órgão do Poder Judiciário e as partes, perante ele atuando, como partes. Os

destinatários do direito administrativo são administração e administrados, nas suas relações

recíprocas. Destinatários da lei tributária são fisco e contribuinte (e terceiros envolvidos),

nas relações jurídicas estabelecidas a propósito do exercício da tributação. Destinatários do

direito constitucional são o Estado e seus súditos (cidadãos e terceiros investidos e os

servidores, pela própria Constituição, em direitos), os agentes políticos e os servidores

públicos como tais. Os destinatários das normas se fazem devedores dos comportamentos

nelas prescritos, sob pena de aplicação das respectivas sanções.”462

Nessa linha, podemos afirmar que o sistema do direito positivo possui uma gama de

normas constitucionais e infraconstitucionais relativas às alíquotas tributárias que, embora

possam ser consideradas, finalisticamente, como normas de conduta, uma vez que, em

termos pragmáticos, sempre influenciarão as relações interpessoais, são normas

especificamente direcionadas ao legislador ordinário e, portanto, são precipuamente

461 Curso de Direito Constitucional. 2008, p. 239/241. A doutrina italiana, em relação à classificação das normas, trata como programáticas as normas dirigidas ao legislador e preceptivas ou não-programáticas aquelas dirigidas aos cidadãos e ao juiz. 462 República e Constituição. 2001, p. 154

237

normas de estrutura, pois, visam a estabelecer um arquétipo (das alíquotas) para o

exercício da competência tributária.

Assim, antes mesmo da constituição de relações jurídico-tributárias no plano

concreto das normas, a Constituição Federal direcionou aos entes políticos um emaranhado

de enunciados e normas, a fim de dar eficácia ao sistema constitucional tributário,

estabelecendo a faculdade de criar tributos (competência tributária) nos moldes por ela

delimitados.

Com efeito, essa delimitação advém do arquétipo constitucional da competência

tributária e é destinada aos órgãos legislativos dos entes políticos, impondo-lhes a

observância de um universo, mínimo ou máximo, na fixação de alíquotas, quando da

edição de leis instituidoras de tributos.

Como exemplos confirmatórios dessa afirmativa, podemos relembrar os enunciados

constitucionais que estabelecem (a) que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

instituirão contribuição previdenciária dos seus servidores públicos, mediante uma alíquota

não inferior à da contribuição dos servidores públicos da União (art. 149, §1º, da CF); (b) a

proibição aos Estados e ao Distrito Federal de instituírem alíquotas internas do ICMS

superiores às alíquotas interestaduais, nas operações relativas à circulação de mercadorias e

nas prestações de serviços (art. 155, §2º, VI, da CF); (c) que o Senado Federal estabelecerá

as alíquotas do ICMS aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação,

por meio de resolução, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos

Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros (art. 155, §2º, IV, da CF), etc.

Note-se que, nos exemplos acima, todas as normas constitucionais direcionam-se

para o legislador, estabelecendo uma diretriz para o exercício da sua competência

tributária. Daí a assertiva de que as normas de estrutura das alíquotas se destinam,

precipuamente, aos legisladores, representantes do povo que têm o mister de editar

enunciados introdutores de outras normas.

Com isso, o legislador infraconstitucional, por ocasião do exercício da sua

competência tributária, introduzirá no sistema jurídico positivo normas de conduta

destinadas precipuamente às relações interpessoais.

238

Com efeito, podemos arrematar que o destinatário das normas de conduta não

estará adstrito aos seus efeitos quando o legislador infraconstitucional introduzi-las no

sistema jurídico positivo sem a observância das normas constitucionais de estrutura,

extrapolando, portanto, sua competência tributária.

35. Limitação do poder de tributar e alíquota

Os princípios e regras constitucionais tributários fixam balizamentos jurídicos e

resguardam valores consagrados pela Constituição Federal como relevantes, assegurando,

em especial, os direitos e garantias individuais.

Por essa forma, o conjunto de princípios e regras, em especial os anteriormente

comentados, norteiam a competência tributária e, por isso, correspondem, em parte, às

denominadas limitações do poder de tributar.

Roque Antonio Carrazza afirma, categoricamente, que é induvidoso que o

legislador, ao exercitar a competência tributária, encontra limites jurídicos. Segundo

Carrazza, “um primeiro limite ele encontra na observância das normas constitucionais. O

respeito devido a tais normas é absoluto e sua violação importa irremissível

inconstitucionalidade da lei tributária.”463

O respeito a que se refere o ilustre autor tem a ver com a compatibilidade das

normas legais com os limites impostos pelas normas constitucionais, fato que revelará,

pois, o âmbito de sua validade jurídica.

O Professor Carrazza ainda assevera que o legislador encontra outro limite nos

grandes princípios constitucionais, que também não podem ser violados. “É o caso dos

princípios republicano, federativo, autonomia municipal e distrital, da segurança jurídica,

da igualdade, da reserva de competência, da anterioridade, etc., que operam como balizas

intransponíveis à tributação. Guiam a ação estatal de tributar, que só será válida se

observar todos eles.”464

463 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 475 464 Idem, p. 475

239

No mesmo sentido, adverte Luciano da Silva Amaro que os limites do poder de

tributar definidos na Constituição Federal não se esgotam nos enunciados nela contidos. E,

nesse sentido, ele lembra que várias imunidades não se encontram no capítulo dedicado ao

“Sistema Tributário Nacional” e, bem assim, também, outros tantos requisitos formais ou

materiais, limites quantitativos, características específicas de um ou outro tributo qualquer

permeiam não só este capítulo como também são encontráveis em várias outras normas

esparsas de outros capítulos da Constituição e, ademais, há, ainda, campo aberto pela

própria Carta Magna para atuação de outros tipos normativos, como é o caso de lei

complementar,465 resoluções do Senado e Convênios, na seara, v.g., do ICMS/IPVA/ISS466

que, em certas situações, também balizam o poder do legislador tributário na criação ou

modificação de tributos.467

Tendo função estruturante do sistema constitucional tributário e como destinatário

precípuo o legislador ordinário, é patente que o plexo normativo delimitador da

competência tributária não está restrito aos enunciados da Constituição Federal, mas, sim,

ao universo normativo por ela definido.

465 Estabelece o artigo 146 da Constituição Federal: – “Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) I - será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) 466 Entenda-se Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte de natureza interestadual ou intermunicipal e de Comunicação. 467 Direito Tributário Brasileiro. 1991, p. 106

240

Como exemplos desse universo podem ser citadas, além daquelas

supracomentadas, algumas outras regras estatuídas para impor tais limites, tais como: (i) o

artigo 155, §1º, IV, da Constituição Federal, que estabelece a obrigação de os Estados e o

Distrito Federal, ao instituírem impostos sobre a transmissão causa mortis e doação -

ITCMD, de quaisquer bens ou direitos, observarem as alíquotas máximas fixadas pelo

Senado Federal; (ii) O artigo 155, § 6º, I, da Constituição Federal, prevê que o Imposto

sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA terá alíquotas mínimas fixadas pelo

Senado Federal; (iii) o inciso IV, do parágrafo 2º, do mesmo artigo, estabelece que os

Estados deverão observar, ao instituírem o ICMS, a alíquota máxima fixada por Resolução

do Senado, iniciada pelo Presidente da República ou de um terço dos Senadores, para as

operações ou prestações interestaduais e de exportação; (iv) o inciso I, do parágrafo 3º, do

artigo 156, da Constituição Federal, estabelece que a competência dos Municípios para

instituírem o ISS deve observância às alíquotas máximas e mínimas estabelecidas em lei

complementar, etc.

Com efeito, o exercício do poder de tributar reclama a sua “conformação com os

princípios constitucionais tributários e a adequação, quando seja o caso, aos limites

normativos competenciais (alíquotas máximas ou mínimas) definidos na Constituição, em

leis complementares ou em resoluções do Senado Federal”.468

Em remate, importante destacar que os limites ao poder de tributar encerram os

aspectos formais e materiais da atividade impositiva do Estado, impondo ao legislador

infraconstitucional a observância do seu universo competencial para a instituição,

majoração e diminuição de tributos, notadamente na fixação de alíquotas.

468 Luciano da Silva Amaro, ob. cit. p. 107

241

Capítulo 8 – Alíquota como garantia de segurança jurídica em matéria

tributária

36. Norma de competência legislativo-tributária como segurança

jurídica

A norma de competência, no seu plano de expressão concreto e geral, diz respeito

à norma cujo antecedente se reveste de um efetivo fato jurídico e o conseqüente de uma

determinada relação jurídica. É concreta quando já há a existência de um fato jurídico

(com o perdão da redundância, já constituído) e, geral, quando, na relação jurídica, está de

um lado um sujeito ativo determinado e de outro um sujeito passivo indeterminado.

Como exemplo aclaratório de norma de competência concreta e geral, podemos

lançar o seguinte:

Antecedente: dada a existência de órgão legislativo estadual (fato jurídico);

Então, deve-ser (modalizador neutro);

Conseqüente: a permissão para que este órgão (sujeito ativo) legisle sobre o ICMS,

introduzindo a regra-matriz de incidência, modificando-a ou extinguindo-a, e o dever de

todos os administrados (sujeito passivo indeterminado) respeitarem a faculdade legislativa;

Como se nota, trata-se de uma norma em que o modal deôntico “permitido” é

nuclear do direito de legislar, acarretando, por via lógica, os modais deônticos “obrigado

permitir” e “proibido não permitir”.469

Diferentemente, a norma de competência, na sua feição abstrata e geral, encena

em seu antecedente, tão somente a descrição de critérios necessários e suficientes470 para a

constituição do fato jurídico e, por corolário, no seu conseqüente, a prescrição de critérios

que vincularão, por meio de uma relação jurídica, de um lado o órgão competente (sujeito

469 Resume-se em norma de faculdade de legislar. 470 Uma condição é suficiente quando, numa estrutura condicional, afirmar a verdade do antecedente permitir afirmar a verdade do conseqüente. Lógica, Proposición e Norma. 1995, p. 61.

242

ativo) e de outro a comunidade (sujeito passivo indeterminado). Para melhor compreensão,

exemplifiquemos novamente, do seguinte modo:

Antecedente: se o órgão legislativo estadual editar lei ordinária tendente a instituir,

modificar ou extinguir o ICMS, com a observância dos critérios

constitucionais (procedimento legislativo e materialidade

normativa)471 necessários à edição da respectiva lei (hipótese);

Então, deve-ser (modalizador neutro);

Conseqüente: a obrigação de toda a comunidade observar o enunciado introduzido

no sistema de enunciados do direito positivo, para a construção de

normas jurídicas relativas ao ICMS;

Com efeito, trata-se agora de uma norma472 em que o núcleo do modal deôntico se

apresente na feição “proibido” legislar sem a observância dos critérios constitucionais,

acarretando, da mesma forma lógica, os modais “obrigado” legislar, com a observância dos

critérios constitucionais, e “permitido” proibir que se legisle, sem a observância dos

critérios constitucionais.

Diante dessas possibilidades, importa destacar que a aplicação da norma de

competência abstrata e geral pelo ente político competente, implica a aplicação simultânea

da norma de competência concreta e geral, por inerradável corolário lógico dos seus

efeitos. Melhor explicando, só é possível o exercício da competência tributária (veiculada

por norma abstrata e geral), mediante a existência de órgão legislativo do ente político

competente (norma concreta e geral).

Importa reiterar que é no conseqüente das normas de competência tributária que

encontramos o conteúdo que a norma tributária poderá (ou deverá) prescrever. Nesse

sentido, advoga Roque Antonio Carrazza que a relação jurídica constituída no conseqüente

da norma de competência tributária estabelece os termos em que a pessoa política

471 Deve-se entender por materialidade normativa os aspectos que encerram o arquétipo competencial para a instituição do tributo, tais como o critério material (operação mercantil relativa à circulação de mercadoria), critério temporal, espacial, pessoal e quantitativo – base de cálculo e alíquota. 472 Resume-se em norma que proíbe legislar fora dos critérios constitucionais.

243

competente poderá exercitar a faculdade de criar tributos, prescrever os sujeitos possíveis

(ativo e passivo), a hipótese normativa possível, o critério quantitativo possível.473

De outro modo, vale destacar também que a norma sobre produção jurídica

prescreve, em sua hipótese, o sujeito credenciado para a criação, modificação ou supressão

de normas no sistema do direito positivo e os procedimentos legislativos necessários à

produção normativa. Em seu conseqüente, prescreve a obrigação de todos respeitarem as

disposições inseridas no sistema de enunciados prescritivos pelo respectivo veículo

introdutor.

Igualmente, a norma de competência concreta e geral possibilitará a edição de

outra norma denominada “veículo introdutor de normas”, em face do exercício efetivo da

competência tributária. Assim, o órgão competente, ao editar um enunciado normativo,

insere no sistema do direito positivo um documento normativo (lei, decreto, resolução,

portaria, etc.) do qual construímos as normas jurídicas infraconstitucionais por ele

introduzidas.

Esse processo produtivo (formal e materialmente) deve estar em perfeita harmonia

com a norma de competência abstrata e geral, devendo o seu produto final, a lei, observar a

forma e procedimento estabelecidos (produção jurídica).

Isso nos revela que os enunciados constitucionais relativos às alíquotas tributárias,

tipicamente caracterizados como normas de competência legislativo-tributária, compõem

um feixe de proposições normativas que delimitam, juntamente com as normas de

produção jurídica, o universo de ação do legislador infraconstitucional e, a partir disso,

garantem, finalisticamente, a segurança jurídica do jurisdicionado.

Essa garantia se dá pelo fato de que as normas de comportamento, introduzidas

pelo legislador infraconstitucional no subsistema jurídico-tributário, só poderão afetar as

relações intersubjetivas quando estiverem em perfeita harmonia com todas as normas de

competência legislativo-tributária, notadamente das alíquotas.

473 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 482

244

37. Exercício regular da competência tributária do Estado como

segurança jurídica

Dissemos anteriormente que, no plano normativo constitucional, encontramos a

competência dos entes políticos para legislar e, por esse meio, obter recursos financeiros

para a satisfação dos interesses públicos. No mesmo sentido, podemos afirmar que, no

altiplano das normas constitucionais, encontramos, por necessidade antagônica à

competência tributária, a segurança jurídica dos contribuintes, como garantia de que serão

obrigados a cumprir as exigências do Estado tão somente nos limites estatuídos na

Constituição, ou melhor, nos limites dos poderes outorgados pelo próprio povo, como

vetor calibrador da igualdade e da justiça.

A segurança jurídica como valor constitucional supremo dá estabilidade ao sistema

jurídico, implicando outros valores do ordenamento e impondo limites objetivos para a sua

eficácia. Numa visão apressada, poderiam alguns afirmar que a efetividade da segurança

jurídica dependeria dos limites impostos pelos princípios da legalidade, da anterioridade e

da irretroatividade da lei. Contudo, um olhar mais abrangente, revelará que há, antes

mesmo da edição de leis e dos seus efeitos (anterioridade e irretroatividade), limites outros

oriundos da própria Constituição Federal.

Mais especificamente, esses limites são decorrentes dos direitos fundamentais

encartados nos mais diversos enunciados da Constituição Federal, alguns explícitos e

outros implícitos, mas, de qualquer forma, ali presentes. Segundo Roque Antonio

Carrazza,474 são preceitos que servem à Constituição determinar de modo negativo o

conteúdo possível das leis tributárias e, indiretamente, dos atos infralegais, tais como

regulamentos, portarias e atos administrativos em geral. Isso quer dizer que são preceitos

que impõem proibições.

Assim, quando a Constituição Federal, em seu artigo 5o, estabelece garantia à

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,

474 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 406

245

reconhecendo um direito público subjetivo, oponível ao próprio Estado, está estabelecendo

um direito fundamental e um limite às ações tributárias que pretendam investir contra ele.

Tendo em vista a harmonia do sistema jurídico, entendemos estar o conteúdo

material dos enunciados constitucionais que explicitam regras jurídicas relativas à

prefixação das alíquotas tributárias em total comunhão com os princípios fundamentais do

Estado democrático de direito (arts. 1o ao 4o, da CF) e com os direitos e garantias

individuais (consagrados no citado artigo 5o, da CF), pois a União, os Estados, os

Municípios e o Distrito Federal, ao exercitarem suas competências tributárias, são

obrigados a preservar os direitos e garantias fundamentais.475

As regras de prefixação das alíquotas são normas de estrutura que moldam o

arquétipo competencial de diversos entes políticos para a criação de tributos e garantem

uma tributação justa, nos moldes constitucionais.

Em conseqüência, a prefixação constitucional das alíquotas são limites que

possibilitam a previsibilidade dos efeitos das relações jurídicas a serem constituídas no

plano concreto das normas tributárias. Além disso, essa prefixação constitucional é uma

norma que estabelece uma diretriz para todo o subsistema jurídico legal e infralegal, que

deverá com ela (prefixação constitucional) se coadunar, sob pena de invalidade de seus

preceitos.

Com efeito, igualmente a tantas outras, as normas constitucionais que prefixam as

alíquotas, para as mais diversas situações e espécies tributárias, moldando a competência

tributária dos entes políticos, influem decisivamente na ação do legislador ordinário,

traçando-lhe, previamente, uma diretriz a ser seguida na instituição de tributos. Essas

normas de prefixação, então, nada mais são do que limites objetivos que dão eficácia à

segurança jurídica das relações jurídico-tributárias, funcionando coativamente sobre o

exercício da competência legislativo-tributária.

475 Nesse sentido a manifestação do STF para declarar que - “Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito.” (STF – 2ª Turma – HC no 73.454-5 – Rel. Min. Maurício Corrêa. Informativo STF, no 34).

246

Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza assevera que: “Portanto, no Brasil, o

legislador de cada pessoa política (União, Estados, Municípios ou Distrito Federal), ao

tributar, isto é, ao criar, in abstrato, tributos, vê-se a braços com o seguinte dilema: ou

praticamente reproduz o que consta na Constituição – e, ao fazê-lo, apenas recria, num

grau de concreção maior, aquilo que nela já se encontra previsto – ou, na ânsia de ser

original, acaba ultrapassando as barreiras que ela lhe levantou e resvala para o campo da

inconstitucionalidade.”476

Por assim ser, o cidadão-contribuinte sempre saberá, com antecedência, que a lei

ordinária, instituidora da regra-matriz de incidência tributária, deverá se coadunar com

aquelas normas constitucionais que prefixam as alíquotas tributárias, dando-lhe a exata

dimensão da certeza de seu direito em face da afetação de sua propriedade.

Esse conhecimento prévio garante, assim, a possibilidade de o contribuinte

fiscalizar a ação do legislador ordinário e demandá-lo, com todas as demais garantias

processuais, administrativas e judiciais, para que se recomponham as suas ações exacionais

aos limites da competência que lhe foi, constitucionalmente, reservada.

Igualmente, as normas constitucionais que prefixam as alíquotas tributárias são de

utilidade relevantíssima, pois possibilitam, ainda no plano abstrato, a verificação empírica

da validade das leis exacionais. Com efeito, por ocasião da publicação da lei, criadora de

determinado tributo, já será possível ao contribuinte saber se a sua sujeição à determinada

incidência tributária, com as alíquotas que lhe foram fixadas, é constitucional ou não.

Nesse cenário, além do respeito aos princípios gerais e tributários indispensáveis

em qualquer estudo aprofundado, imaginamos que a confrontação das leis exacionais com

as normas constitucionais que prefixam alíquotas tributárias se caracteriza como mais um

critério de segurança jurídica, pois, por essa forma, será possível revelar quais exações

podem ou não podem ser legítimas e aplicadas.

Ademais, no plano normativo concreto, o lançamento tributário que vier pretender a

constituir relação jurídico-tributária, baseado em lei instituidora de tributo, cuja alíquota

476 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 378

247

estiver em dissonância com os preceitos constitucionais prefixados para aquela exação,

poderá ser desconstituído pelo Judiciário em garantia à segurança jurídica do contribuinte

em face da exacerbação da competência tributária do ente político tributante ao instituí-las.

Trata-se, aqui, de um direito público subjetivo, oponível a terceiros particulares e

ao próprio Estado.

Assim, podemos arrematar que a prefixação de alíquotas pela constituição Federal

corresponde a um arquétipo competencial que influi no exercício do legislador

infraconstitucional e garante a segurança jurídica do contribuinte.

248

Conclusão

Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do Direito

1. Como proposta acadêmica de cunho científico, uma dissertação deve necessariamente estabelecer, de antemão, as premissas fundamentais dos argumentos que se pretende lançar. Daí o nosso intróito propedêutico neste título I.

Capítulo 1 – Conceito de Direito

2. Fazer Ciência exige um corte epistemológico para delimitação do seu objeto. Por essa forma, a Ciência do Direito exige, de início, uma delimitação do próprio conceito de direito, pois ele, como objeto de estudo, é pluridimensional e oferece significações infinitas. 3. Isso se dá pelo fato de que as inúmeras correntes jusfilosóficas, ao tentarem buscar o conceito de direito na sua ontologia, acabam por sofrer influências sociológicas, naturalistas, formalistas, moralistas, etc.477 4. Daí que, para a Ciência do Direito, entendemos que a incisão epistemológica deva segregar como objeto de estudo tão somente o conjunto de normas jurídicas positivadas em determinado sistema jurídico, fato que nos permitirá conceituar o Direito como um sistema harmônico e hierarquizado de normas e preceitos jurídicos, tendentes a regular as relações intersubjetivas.

Capítulo 2 – A concretização do direito

5. Ocorre que o exercício da Ciência do Direito exige a descrição do objeto, os seus aspectos e as suas manifestações. Disso resulta indispensável dizer que o Direito, como um sistema de normas jurídicas, manifesta-se por uma linguagem prescritiva de condutas. Esta, assim como a manifestação humana, se dá, inicialmente, pela linguagem, como forma de comunicação de mensagens, no caso de mensagens deônticas. 6. Ao direito positivo, então, compete prescrever, por meio de um sistema de enunciados legais, as condutas jurídico-sociais, disciplinando, normativamente, as relações intersubjetivas. 7. Esse é o aspecto lingüístico do direito, que cria a realidade jurídica ao selecionar alguns eventos do universo de fatos sociais de uma determinada sociedade. 8. O direito possui um processo comunicacional diverso da comunicação comum, pois, ao discriminar fatos sociais, passa a exercer seu domínio sobre eles, motivando-os ao seu desiderato normativo.

477 Conforme advertências de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Teoria da Norma Jurídica. 2006, p. 3

249

9. Essa comunicação deôntica se opera pelos planos lingüísticos dos enunciados e das normas jurídicas. 10. O enunciado corresponde ao plano de expressão do direito positivo. É o texto legal introduzido no direito positivo pelos órgãos legiferantes. Caracteriza-se como produto positivado e corresponde aos documentos normativos, tais como a Constituição Federal, a Lei Complementar, a Lei Ordinária, o Decreto, a Resolução, a Portaria, a Sentença, o Acórdão, o Contrato, etc. 11. A norma jurídica, por sua vez, tem a ver com o plano de conteúdo do direito positivo. É o produto regulador originado em decorrência do processo de construção de uma significação deôntica completa, que tem como pressuposto a existência de enunciados legais. 12. É a norma jurídica que é dotada de comando normativo regulador das relações intersubjetivas, possuindo, então, uma estrutura condicional com antecedente e conseqüente normativos. No antecedente, são descritas as hipóteses normativas que, uma vez ocorridas, implicam, no conseqüente, a correspondente relação jurídica que se apresenta como tese. 13. Por esse motivo, a norma jurídica é definida como a significação que obtemos por meio da leitura e interpretação dos textos de direito positivo. É ato cognitivo, produzido dentro da mente do intérprete, resultado da percepção sensorial do mundo exterior e selecionado pelos sentidos. É, exatamente, o objeto empírico da Ciência do Direito. 14. Em conseqüência, pode-se afirmar que o direito se concretiza, se torna paupável, por meio dos sistemas de enunciados legais e das normas jurídicas, suportados em razão do aspecto lingüístico do sistema comunicativo de um determinado povo. 15. A idéia de sistema como “conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada que possibilita um discurso jurídico coerente e uniforme”,478 permite-nos afirmar que é condição necessária para a construção das significações normativas pelo intérprete, que deverá, para isso, transitar pelos textos legais enunciados e ingressar na sua estrutura contextual, pois o enunciado, considerado isoladamente na sua instância físico-material, não possui significação deôntica. 16. Dessa forma, a interpretação no direito, como método que possibilita a construção de significações do produto legislado (norma jurídica), é ferramenta indispensável para a concretude do sistema jurídico positivo, pois permite aferir a sua dimensão para efetivá-lo, ao final, no plano da sua aplicabilidade. 17. O processo cognitivo de interpretar o sistema de enunciados do direito positivo e construir o correspondente sistema das normas jurídicas dispõe de inúmeras possibilidades metodológicas, sendo praxe o recurso ao uso de definições e classificações como modelo

478 Aduzida por Paulo de Barros Carvalho, em Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência.

250

de reduzir as complexidades e aclarar o sentido, conteúdo e o alcance da mensagem deôntica 18. Disso decorre que, na atualidade, além da definição de norma jurídica acima referida, também é muito comum a doutrina de bom quilate classificar as normas jurídicas para permitir uma aproximação maior e uma visão mais analítica do objeto que cada uma regula. 19. Assim, regra geral, temos a classificação das normas jurídicas em gerais, individuais, concretas e abstratas, as quais se apresentam no direito positivo com inúmeras combinações, sendo, no entanto, mais comuns o surgimento de normas jurídicas com a combinação de gerais e abstratas e individuais e concretas. 20. As normas abstratas e concretas são assim classificadas pelo critério da ocorrência ou não, no mundo fenomênico, da hipótese descrita nos seus antecedentes, podendo-se denominar de concretas ipso facto as normas cuja hipótese tenha ocorrido e de abstratas as que ainda não tiveram a ocorrência de sua hipótese. 21. Isso implica dizer que um dos elementos integrantes da norma jurídica é uma proposição descritiva de um dado evento social cuja ocorrência jurídica permite classificá-la em concreta e a sua não ocorrência em abstrata. 22. Já as normas jurídicas gerais e individuais têm como critério classificatório a determinação ou não dos sujeitos da relação jurídica a ser constituída no conseqüente dessas normas. Por essa forma, teremos uma norma individual sempre que uma proposição-conseqüente identificar os sujeitos da relação jurídica e, ao contrário, estaremos diante de uma norma geral sempre que a sua proposição-conseqüente indicar sujeitos indeterminados. 23. Além dessa classificação normativa e de suas possíveis combinações entre si, há também a classificação segundo o caráter da conduta regulada, muito embora todas as normas visem, ao final, a regular condutas. Referimo-nos às normas voltadas à disciplinar as condutas comuns, tipicamente voltadas às relações interpessoais, denominada, pela doutrina, de “normas de comportamento” ou “regras de conduta”, e aquelas outras normas direcionadas a regular as condutas das pessoas que produzem novas regras jurídicas, também denominadas pela doutrina de “normas de estrutura” ou de “produção normativa”. 24. O discríminem desse processo classificatório é o critério imediato/mediato da conduta regulada. Por essa forma, a conduta imediata, caracterizada pelas relações interpessoais, é objeto da norma de comportamento como a conduta mediata, caracterizada pela conduta que introduz, no sistema jurídico, regra para regular outros comportamentos, é objeto da norma de estrutura. 25. Essa classificação possui uma relevância extrema para o estudo do processo de produção do direito e, em especial, do direito tributário. Isso porque, como normas de comportamento, podemos lembrar, v.g., das fundamentais regras-matrizes de incidência dos tributos e aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais

251

(obrigações acessórias). Já como normas de estrutura, lembremo-nos das normas que outorgam competência tributária e as que regulam os procedimentos administrativo-fiscais. 26. Uma última classificação das normas jurídicas que dão concretude ao direito tem a ver com o seu caráter coativo. Em decorrência disso, podemos ter uma visão maior da estrutura das normas jurídicas, pois o caráter unitário do direito positivo mostra-se bifásico, evidenciando-se uma primeira fase com normas substantivas das relações jurídicas, compostas com os direitos e deveres e, numa segunda, uma fase de adjetivação sancionatória dos comportamentos não adequados à primeira fase normativa. 27. O direito positivo, diante da impossibilidade de inexistência de conflitos interpessoais, não tem sua finalidade limitada à eficácia social das normas. Por esse motivo, os sujeitos de direito têm livre arbítrio para cumprirem ou descumprirem as normas jurídicas. No entanto, o seu descumprimento está sujeito às sanções do Estado, que tem a função, não só de regular, mas também de obrigar sejam as condutas readequadas a desiderato relacional pretendido pelo direito positivo. 28. Em outras palavras, podemos afirmar que há uma relação lógico-jurídica de antecedente e conseqüente normativos entre essas duas fases do direito positivo. A norma secundária pressupõe, logicamente, a determinação prévia de uma conduta pela norma primária (relação jurídica) e o seu descumprimento ensejará a coação estatal por meio de órgão jurisdicional. 29. Assim, na hierarquia do direito posto, quanto mais alto for o plano de ação da norma, mais geral e abstrata ela será. É o que se denomina de “generalização das normas”. De modo inverso, na medida em que se desce na escala hierárquica, a norma jurídica tende à concretude e individualização das relações intersubjetivas, caracterizando o chamado processo de positivação das normas jurídicas, que avança em relação às condutas humanas.479 30. Diante desse discurso, a questão correlata que se apresenta diz respeito ao modo de se reconhecer a validade dos enunciados e das normas jurídicas, como imperativo da concretude do direito positivo. 31. A validade dos enunciados prescritivos é aferida pela observância das chamadas “normas de produção jurídica”, as quais regulam o modus operandi (processo legislativo ou de produção normativa) do agente competente para a sua introdução no sistema positivo e demarcam a respectiva espécie (Constituição Federal, Emenda Constitucional, Leis Complementas, Leis Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos, sentenças, acórdão, contratos, etc.) 32. Nesse sentido, importa concluir que é o próprio sistema do direito positivo que estabelece os requisitos da existência da norma jurídica, reconhecendo-lhe a validade, se observado o órgão competente e o procedimento necessários à sua introdução no sistema

479 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 34.

252

jurídico, bem como o seu conteúdo material (objeto normativo). Assim, a norma jurídica será considerada válida sempre que estiver presente a presunção “juris tantum” da observância dos critérios para a sua introdução no sistema jurídico-positivo. 33. Em remate, pode-se dizer que o próprio direito positivo dá concretude aos seus sistemas jurídicos, predeterminando o órgão competente e o procedimento tanto para a introdução quanto para a expulsão das normas jurídicas, respectivamente, válidas e inválidas. Essas últimas deixarão de ter sua aplicabilidade no sistema, a partir da introdução de outras normas válidas que assim o prescreverem, podendo-se dar por meio do Poder Legislativo (ab-rogação) ou do Poder do Judiciário (declaração).

Capítulo 3 – O sistema jurídico-tributário brasileiro

34. Nessa dimensão de concretude que lançamos acima, em termos científicos, podemos afirmar que a idéia de sistema é que nos trará um discurso jurídico coerente e uniforme.480 35. Essa coerência decorre da organização que oferece todo sistema, cuja estrutura é escalonada em um conjunto de regras que estabelece as diferentes relações internas coordenação (horizontalidade) e de subordinação (verticalidade) entre os elementos do conjunto. É a hierarquia aludida por Tércio Sampaio Ferraz Júnior.481 36. Com essas bases, cremos que não se opera o direito positivo tão somente com a manipulação do texto jurídico (plano de expressão), com a sua base material (mero suporte físico). É indispensável o ingresso consciente no plano de conteúdo do enunciado, pois, embora o contato com o texto nos leve imediatamente ao seu plano de conteúdo, muitos não percebem que apenas o fazem de forma instintiva e se deixam levar pelo simples texto. 37. Contudo, esse ingresso exige ainda mais do intérprete, pois não poderá se limitar a enxergar, de forma isolada, o conteúdo mínimo de enunciados prescritivos, retirando-lhes frações do deôntico. Essas frações, por si sós, não constituem uma norma jurídica. 38. O patamar das normas jurídicas, para ser atingindo, reclama do intérprete do direito que ele transite pelos enunciados “soltos” por todo o conjunto sistêmico, pinçando as frações, aglutinando-as e confrontando-as para a construção do sentido deôntico completo do direito positivo. 39. À evidência, a manipulação do direito exige interpretar o seu discurso prescritivo mediante o percurso de todos os planos do sistema jurídico que o compõem e construir as correspondentes significações normativas.

480 Já tivemos a oportunidade alertar que o termo “sistema” apresenta infindáveis discussões filosóficas e científicas e, por isso, aderimos ao conceito de sistema como “um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada”. Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 40. 481 Introdução ao estudo do direito. Técnica, decisão dominação. 2003, p. 175

253

40. Posto isso, é de se ver que o nosso sistema jurídico nacional é composto por um conjunto sistêmico de normas jurídicas dispostas de forma harmônica e hierarquicamente organizadas, que nos obrigam olhar para o ápice do sistema na busca do fundamento de validade de todas essas normas. 41. A resposta vem ao encontro da norma fundamental de Kelsen, em que encontramos o axioma necessário à validade de todo e qualquer sistema. A incisão metodológica, com essa premissa axiomática, fixa o mais alto plano do Sistema Jurídico Nacional na Constituição Federal de 1988. 42. É a partir da Constituição Federal, então, que o conjunto de normas construídas diretamente do seu texto/contexto constitui o subsistema jurídico das normas constitucionais do direito positivo brasileiro. 43. Com efeito, a norma jurídica constitucional goza de status superior na hierarquia do sistema do direito positivo. Nesse sentido, ensina Roque Antonio Carrazza que “as normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da pirâmide jurídica, caracterizam-se pela imperatividade de seus comandos, que obrigam não só as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio Estado.”482 44. No Brasil, não é necessária a investigação do conteúdo da norma para que seja caracterizada como constitucional e ocupe o patamar hierarquicamente mais elevado no sistema do direito positivo; basta, para isso, construí-la a partir dos enunciados constitucionais.483 45. Em conseqüência, qualquer descompasso entre as normas veiculadas pelos enunciados inferiores (leis, decretos, resoluções, portarias, sentenças, acórdãos, contratos, etc.) e as da Constituição Federal, seja no sentido formal seja material, acarreta a sua inconstitucionalidade, podendo ser invalidadas. 46. Para ingressarmos no direito tributário, “recortamos”, didaticamente, da seara constitucional, todos os demais subsistemas do direito positivo, assim como, v.g., o direito civil, o penal, o processual, o tributário, etc. que hão de estar em consonância (unidade e harmonia) com a Constituição. 47. Por derradeiro, é no bojo do subsistema constitucional tributário que encontraremos as prescrições normativas inerentes ao processo legislativo das diversas espécies de documentos jurídicos, credenciados a introduzir, no sistema de enunciados do direito positivo tributário, novos enunciados com substância tributária. 48. Daí, então, advêm as normas constitucionais tributárias que estabelecem as balizas mestras do objeto, material e formal, que as pessoas políticas, União, Estados, Distrito

482 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 34 483 Exceção feita em relação aos tratados internacionais sobre direitos humanos, em decorrência da Emenda Constitucional n. 45/04, que os equiparou aos dispositivos constitucionais.

254

Federal e os Municípios, em obediência ao princípio do federalismo, deverão observar a adequada produção de normas jurídico-tributárias. 49. À evidência, podemos afirmar que o subsistema constitucional tributário regula o Poder de tributar, limita o Poder do Estado, estabelecendo o que se conhece como competência tributária. Essa é a aptidão constitucional para criar tributos em abstrato. 50. Por isso, Roque Antonio Carrazza assevera que “entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias.”484 51. Em termos estruturais, pode-se dizer que a norma de competência descreve como hipóteses normativas os eventos possíveis de serem tributados, os fatos jurídicos e as pessoas possíveis de serem imunes à tributação, a conformação do valor ao fato tributado (base de cálculo e alíquota) e, até mesmo, os princípios constitucionais aplicáveis a cada espécie tributária. 52. Em remate, competência tributária é norma de competência legislativo-tributária, em sentido estrito, que estabelece os critérios autorizadores para que as pessoas constitucionais possam proceder à edição e à modificação das regras-matrizes de incidência tributária. 53. Disso resulta que tributo, necessariamente, tem que ser entendido na acepção de norma jurídico-tributária decorrente do exercício da competência tributária dos entes políticos federados e construída a partir do sistema jurídico-tributário brasileiro. 54. O termo “tributo” oferece inúmeras significações, sendo, portanto, ambíguo por originar-se da linguagem do legislador cuja formação e influências sociais são as mais variadas possíveis. Por assim ser, a doutrina vem criticando, há muito tempo, essa atecnia legislativa e tentando oferecer uma definição que possa seguir critérios científicos, como atividade descritiva do direito positivo. 55. Assim, diante das diversas propostas científicas, preferimos nos filiar àquela que considera tributo como uma norma jurídico-tributária, na qual encontramos, como antecedente normativo, a descrição de critérios de um evento hipotético, cuja ocorrência implica uma relação jurídica entre dois sujeitos em torno de um objeto pecuniário, devido pelo sujeito passivo ao sujeito ativo. Conforme definido, segundo entendemos, no artigo 3º, do Código Tributário Nacional.

484 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 469

255

56. Considerando o caráter sistemático do direito positivo, podemos concluir que os princípios jurídicos dele fazem parte e, assim, podemos aduzir também que a interpretação no sistema jurídico constitucional reclama, como pressuposto científico, uma delimitação de significado dos princípios jurídicos. 57. O termo “princípio” também não se apresenta unívoco, oferecendo grande margem para diversas significações e, por isso, carecendo de delimitação segura para o estudo do direito. 58. Assim, caminhar na esteira da boa doutrina é entender “princípios” como normas jurídicas, cuja primazia sobre as demais normas decorre da sua posição constitucional de vetor normativo exegético, que norteiam os intérpretes na construção de outras normas jurídicas em conformidade com um estado de coisas, finalisticamente, desejado pelo direito positivo. 59. É por esse motivo que Roque Antonio Carrazza adverte, com autoridade, que “mesmo na Constituição existem normas mais importantes e normas menos importantes”.485 Daí porque a doutrina estrangeira também sempre discutiu a importância em se distinguirem princípios das regras, tais como autores do quilate de Ronald Dworkin,486 Robert Alexy487 e Claus-Wilhelm Canaris.488 60. Vale destacar que, embora as ponderações muito bem fundamentadas de Humberto Ávila, no sentido de que não há uma “oposição” entre princípios e regras, havendo, sim, uma relação de “complementação” entre eles, pois, diferem tão somente quanto às suas funções normativas, havendo que, por vezes, a regra poderá prevalecer sobre os princípios quando ambas estiverem no mesmo plano normativo-hierárquico, a doutrina nacional, assim como a doutrina estrangeira, ainda tem-se mantido praticamente unânime, no sentido de que os princípios são vetores axiológicos que apontam a finalidade do direito positivo e acabam compondo a estrutura das normas jurídicas, seja no antecedente seja no conseqüente normativo, e prevalecendo sobre as regras jurídicas em geral. Para a doutrina nacional, princípios são lançados ao nível dos postulados aduzidos por Ávila, que os entende como vetores axiomáticos.489 61. No que atina à distinção entre princípios e regras, importa ressaltar que na Constituição Federal encontramos as normas de superior hierarquia que dão fundamento de validade para as normas inferiormente escalonadas, bem como encontramos inúmeros princípios, ditos gerais, que são aplicáveis a todo o ordenamento jurídico e, os que, de modo específico, estão diretamente ligados à atividade tributária do Estado.

485 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 36 486 Ronald Dworkin – citado por Humberto Ávila em teoria dos princípios, 37 487 Teoría de los derechos fundamentales. 2001, p. 98 488 Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. 2002, págs. 204/210 489 Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2005, pp. 35/36

256

62. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho assevera que os princípios constitucionais, tanto os gerais quanto os tributários, são elementos integrantes da estrutura sintática das normas de competência e das normas de produção jurídica.490 63. É por isso que se pode afirmar que o texto constitucional possui uma série de prescrições normativas estabelecedoras de critérios para a produção de enunciados em matéria tributária, fixando o procedimento, o sujeito e a matéria correspondentes. É o plano primário, aduzido originalmente por Renato Alessi, em que a competência tributária tem a ver com o controle abstrato da instituição de um tributo, mormente por decorrer de atividade que antecede à sua instituição.491 64. Trata-se, então, de normas dirigidas à região material da atribuição das pessoas políticas, estabelecendo-se como hipótese normativa para a instituição de tributos o procedimento do ente político. 65. Assim é que se pode dizer que os princípios constitucionais tributários são, em outras palavras, elementos proposicionais normativos que orientam, com maior ou menor influência, o sentido das normas jurídico-tributárias. 66. Desta feita, a construção das normas de competência, assim como das normas de produção jurídica a elas relacionadas, deve partir de uma articulação entre os textos que exprimem os princípios constitucionais tributários e os demais enunciados prescritivos da Constituição Federal. 67. É por meio dessa atividade cognoscente que o intérprete chegará ao sentido das normas jurídicas do sistema jurídico-tributário, desvendando os valores ou os limites finalísticos inerentes aos princípios constitucionais correlatos. 68. Por derradeiro, revela-se importante destacar a diferença entre norma de competência e norma sobre produção jurídica. A norma de competência é o que Paulo de Barros Carvalho denomina de “norma de estrutura”, reguladora do comportamento de criação de normas, que é diferente da disciplina sobre o comportamento em relação ao processo legislativo, que é disciplinado pela norma sobre produção normativa. 69. A norma de competência possui estrutura diversa da norma sobre produção normativa. Essa última possui como antecedente um enunciado protocolar – fato jurídico – que projeta no documento normativo a linguagem constitutiva do agente competente, do espaço e do tempo em que se realizou a sua atividade, bem como deixa indícios (nome da espécie do veículo introdutor – Emenda Constitucional, Lei Complementar, Lei, etc., data e local) do procedimento utilizado para a confecção do documento.492

490 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, p. 81 e também Curso de Direito Tributário, p.144 ed. 2003. 491 Instituzioni di DirittoTributário, G. Stammati, 1ª Ed., Torino, UTET. 492 Todos presumidos “juris tantum” para os efeitos do teste de sua validade.

257

70. O conseqüente da norma sobre produção jurídica é composto de uma relação jurídica modalizada pelo modal obrigatório, que prescreve o dever de toda a comunidade observar as regras jurídicas criadas pelo exercício de uma dada competência e de um dado procedimento. 71. Em outras palavras, é a norma de produção jurídica que regula o processo de elaboração do enunciado prescritivo. 72. Já a norma de competência tributária nada tem a ver com o processo legislativo em si mesmo. Em largas palavras, podemos dizer que o antecedente da norma de competência descreve como hipótese normativa a existência do sujeito credenciado para a criação, modificação ou supressão de normas no sistema jurídico-tributário e, em seu conseqüente, a permissão ou obrigação a esse sujeito de legislar sobre o objeto de sua competência. 73. Daí porque, em nossa ótica, as normas de competência e de produção jurídica se apresentam como as características estruturais do sistema jurídico tributário. O exemplo é aclarador de nossas conclusões.

Norma de competência

antecedente: dada a existência da pessoa política estadual;

conseqüente: deve-ser a permissão para instituir o Imposto sobre Operações

relativas à Circulação de Mercadorias e de Prestação de Serviços de Transporte

de Natureza interestadual e intermunicipal ou de Comunicação - ICMS, nos

termos constitucionais, e o dever jurídico de a sociedade observar a faculdade

de legislar nos termos em que for estabelecida.

Norma sobre produção jurídica

antecedente: se órgão legislativo estadual cumprir os procedimentos

legislativos necessários à edição da lei ordinária e exercitar a faculdade de

legislar sobre o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias

e de Prestação de Serviços de Transporte de Natureza interestadual e

intermunicipal ou de Comunicação - ICMS;

conseqüente: deve-ser a obrigação de a sociedade observar os enunciados

introduzidos no sistema de enunciados do direito positivo pelo respectivo

veículo introdutor para a construção de normas jurídicas.

74. Pode-se arrematar, então, que, além das normas de conduta, que regulam imediatamente as relações interpessoais finais, geralmente oriundas da legislação

258

infraconstitucional, o sistema jurídico-tributário nacional é composto por normas de produção jurídica e por normas de competência.

75. Em meio a essas normas, é conclusiva a idéia de que, sendo os princípios constitucionais tributários elementos normativos integrantes do ordenamento jurídico tributário, de cunho hierárquico e com forte valor axiológico, eles influem no processo interpretativo para estabelecer finalisticamente o limite da competência tributária e disciplinar a validade das normas de conduta inseridas no sistema jurídico-tributário brasileiro.

76. Essa influência vetorial dos princípios sobre o direito positivo e, em especial, à competência tributária, alberga todos os fundamentos que garantem a caracterização de um Estado democrático de direito, em que todos, sem exceção, Poderes e Instituições, públicos ou particulares, estão sujeitos, para o exercício de direitos e o cumprimento de deveres, aos limites encartados na Constituição Federal.

77. Para além desse aspecto, o sistema jurídico-tributário brasileiro necessita, ainda, de uma garantia maior que lhe dê estabilidade à sua aplicação. Essa garantia advém do princípio da segurança jurídica que atua na promoção dos valores supremos de toda a sociedade, conferindo certeza do direito e igualdade de tratamento nas relações em geral.

78. Daí dizer-se que o princípio da segurança jurídica é uma sobrenorma do sistema jurídico positivo, aplicável ao subsistema jurídico-tributário e todos os demais subsistemas, pois assegura o cumprimento de todos os direitos/deveres fundamentais de um Estado democrático de direito e, por esse motivo, é alçado ao ápice do sistema jurídico como um sobreprincípio, viga mestra do direito positivo.

79. Segurança jurídica é uma garantia ampla, geral e irrestrita, para a manutenção dos efeitos das relações jurídicas, assegurando aos cidadãos planejamento das suas ações futuras diante da aplicação da lei e na realização previsível do direito posto.

80. Por essa implicação geral do sistema jurídico positivo pelo princípio da segurança jurídica, podemos afirmar que o seu influxo hierárquico sobre os princípios e regras específicas, notadamente as do subsistema constitucional tributário, possibilita a previsibilidade dimensível do âmbito de validade das normas de conduta decorrentes do exercício das competências tributárias e das relações jurídico-tributárias delas decorrentes.

81. Diante disso, é conclusivo dizer que o sistema jurídico-tributário alberga em um plano normativo a competência tributária dos entes políticos para legislar e, por esse meio, obter recursos financeiros para a satisfação dos interesses públicos e, em contrapeso, no altiplano normativo, a segurança jurídica dos contribuintes como garantia de que serão obrigados a cumprir as exigências do Estado tão somente nos limites estatuídos na Constituição, ou melhor, nos limites dos poderes outorgados pelo próprio povo, como vetor calibrador da igualdade e da justiça.

82. Na seara tributária, podemos afirmar que a observância rigorosa do arquétipo competencial pelos entes políticos tributantes realiza o primado da segurança jurídica e garante a estabilidade do sistema jurídico tributário brasileiro.

259

Capítulo 4 – Estrutura da norma de exação tributária

83. No que atina ao tributo em si mesmo, objeto nuclear do exercício da competência tributária, temos a concluir que, como bem sustenta o consenso doutrinário, a Constituição Federal não criou tributos.

84. Muito embora tal consenso tenha se intimidado com a manifestação contundente de José Souto Maior Borges, que asseverou, enfaticamente, que “mesmo antes de sua instituição por lei, o tributo apenas previsto na Constituição já existe”,493 entendemos que as normas constitucionais que se referem aos diversos aspectos das diversas espécies tributárias são normas de competência e jamais podem ser confundidas com normas de conduta.

85. As normas que instituem tributos, como sustentado antes, são normas de conduta estrito senso e regulam as relações interpessoais (sujeito ativo e passivo da obrigação tributária) e, por isso, entendemos não existir tributos na Constituição.

86. A alegação de que “mesmo antes de sua instituição por lei, o tributo previsto na Constituição já existe,” não considera que as suas nuances constitucionais são normas de competência tributária que estabelecem, sob a égide do regime federativo, os limites da ação legislativo-tributária das pessoas políticas, preestabelecendo a norma-padrão de competência para a instituição de cada tipo tributário e não o tributo em si mesmo.

87. Daí porque Roque Antonio Carrazza asseverou que a Constituição Federal, ao discriminar as competências tributárias, garantiu certa margem de liberdade ao legislador apontando “a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos.”494

88. Para dissipar eventual confusão sobre isso, mister ter em mente o discernimento da diferença entre a norma de estrutura (competência), que estabelece os critérios autorizadores para que as pessoas políticas possam proceder à edição e à modificação das regras-matrizes de incidência tributária, e as normas de conduta, que as instituem. Uma coisa é o arquétipo competencial e outra coisa a regra-matriz de incidência, decorrentes de normas jurídicas com estruturas totalmente distintas entre si.

89. As “normas tributárias em sentido estrito”, no dizer de Paulo de Barros Carvalho, são aquelas que “assinalam o núcleo da percussão jurídica do tributo”. É a denominada “norma-padrão” ou “regra-matriz de incidência tributária”.495

90. A estrutura da regra-matriz é composta por critérios que, ao menos, no seu antecedente, caracterizam uma proposição-hipótese descritiva de um evento de cunho econômico capaz de implicar, no conseqüente, uma proposição-tese prescritiva de uma

493 A Fixação em Lei Complementar das Alíquotas Máximas do Imposto sobre Serviços, p. 05, São Paulo, Ed. Resenha Tributária, 1975. 494 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 482 495 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 83

260

relação jurídica, de conteúdo obrigacional, entre uma pessoa política de direito público interno, na condição de sujeito ativo, e uma pessoa física ou jurídica, como sujeito passivo, de modo a imputar um direito subjetivo público à primeira pessoa que lhe possibilitará exigir, da segunda, o cumprimento do dever jurídico de pagar-lhe determinado valor em dinheiro.

91. Os critérios da regra-matriz, então, são normalmente denominados pela doutrina de (i) material, para designar as marcas referenciais de conteúdo de um dado evento social como nuclear da hipótese de incidência tributária. Os critérios, (ii) espacial e (iii) temporal, referem-se às referências de tempo e lugar em que a referida hipótese deva ocorrer para desencadear efeitos jurídicos.

92. Os três critérios acima se encontram alojados no antecedente da regra-matriz de incidência tributária. No conseqüente dela encontramos os critérios (iv) pessoal e (v) quantitativos. O pessoal se refere aos sujeitos da relação jurídica a ser constituída a partir da ocorrência da hipótese material. Já o critério quantitativo se apresenta bipartido pelas referências à base de cálculo e à alíquota. Base de cálculo é definida pela doutrina, de forma quase unânime, como sendo o atributo dimensível do aspecto material da hipótese de incidência e, alíquota, na esteira de Aires Barreto, tem sido apresentada como um “indicador de proporção” a ser confrontado com a “base calculada” (base de cálculo já determinada) para a obtenção do valor da dívida tributária.

93. Além desse aspecto, importa lembrar também que a regra-matriz de incidência tributária é norma jurídica do tipo geral e abstrata, conotando os critérios (traços, características, marcas, aspectos, linhas) hipotéticos que condicionam o sucesso do tributo no mundo fenomênico.

94. É a partir do reconhecimento das características da regra-matriz de incidência tributária que parte da doutrina classifica tributos, levando-se em conta os aspectos da materialidade e da base de cálculo respectiva (corrente tricotômica – tributos diretamente vinculados, indiretamente vinculados e não vinculados à ação estatal, ou dicotômica que considera simplesmente vinculados ou não vinculados, redundando ambas nas espécies – impostos, taxas e contribuições).

95. De outro modo, a outra parte da doutrina, com base na competência tributária, segrega o regime jurídico constitucional do tributo e o classifica pelo critério da (i) vinculação ou não do tributo à ação estatal; (ii) da destinação específica do produto da arrecadação; e, (iii) da restituição compulsória do produto arrecadado, para reconhecer cinco espécies tributárias (impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios).

96. Para nós, o que importa é que a validade dos tributos criados no exercício das competências tributárias tem a ver com a observância integral do arquétipo competencial pelo órgão legislativo. Isso implica dizer que o ente político tributante deve atender, normativamente, aos contornos do regime jurídico do tributo, para bem exercer sua competência tributária constitucionalmente definida.

261

Título II – Argumentação acerca da alíquota como norma de competência e

de segurança jurídica no sistema do direito positivo

Capítulo 5 – Alíquota – definição e características

97. Diante dessas premissas, sustentamos, como desígnio conclusivo desta dissertação, que a alíquota, como critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária, não pode ser estudada na seara constitucional, pois, sempre que assim for considerada, estar-se-á a analisar a estrutura da norma de exação tributária e, não, a da norma de competência.

98. Somente no plano normativo infraconstitucional é que são aceitáveis as afirmações doutrinárias no sentido de que a alíquota é um critério quantitativo que, aliado ao da base de cálculo, possibilita a mensuração da dívida tributária, como dito por Aliomar Baleeiro,496 Rubens Gomes de Souza,497 Amílcar de Araújo Falcão,498 Fábio Fanuchi,499 Ylves José de Miranda Guimarães,500 Alfredo Augusto Becker,501 Geraldo Ataliba,502 José Souto Maior Borges,503 Hugo de Brito Machado,504 Paulo de Barros Carvalho,505 Valdir de Oliveira Rocha,506 Aires Barreto,507 J.J. Ferreiro Lapatza,508 Juan Ramallo Massanet509 e tantos outros.

99. Os comentários da doutrinária impõem, basicamente, uma única visão da alíquota, como se ela fosse tão somente um aspecto quantitativista. São sempre comentários voltados, consciente ou inconscientemente, a descrevê-la como sendo um aspecto mensurador do objeto material da obrigação tributária.

100. Sobre obrigação tributária, é de bom alvitre que se destaque que o seu objeto, como “prestação pecuniária” (art. 3º, do CTN), decorre de uma ação do sujeito passivo, cujo dever jurídico-tributário se encerra nos limites do comportamento de determinado indivíduo em levar quantia ao titular do direito subjetivo (sujeito ativo). Isso é o retrato de um aspecto da obrigação tributária em decorrência do exercício da competência do ente político tributante, exclusivamente no direito de exigir e o dever de cumprir dos sujeitos dela (obrigação) integrantes.

496 Direito Tributário Brasileiro. 2006, p. 65. 497 Compendio de legislação tributária. 1975, p. 103. 498 Fato gerador da obrigação tributária. 1999, p. 31 499 Curso de direito tributário brasileiro. 1971, p. 117. 500 Os princípios e normas constitucionais tributários. 1976, p.103. 501 Teoria Geral do Direito Tributário, 2007, p. 398 502 Hipótese de incidência tributária. 2008, p.103 503 Lançamento tributário, 2001, p. 147 504 Curso de Direito Tributário. 2006, p. 305. 505 Curso de Direito Tributário, 2005, p. 342 506 Determinação do montante do tribute: quantificação, fixação e avaliação. 1995, págs. 101-103 507 Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. 1998, p.25 508 Cuantificacion de la deuda tributaria”. Revista de Direito Tributário. Volume 49, p. 13. 509 Hecho imponible y cuantificación de la prestación tributaria”. Revista de Direito Tributário. Volume 11-12, p. 21.

262

101. O outro aspecto da obrigação tributária tornou-se aparente com os comentários de Geraldo Ataliba, o qual, muito embora sempre se referisse à alíquota como aspecto quantitativo, afirmou que o objeto da norma tributária não é o dinheiro transferido aos cofres públicos, mas, sim, o comportamento consistente em dar alguma coisa. Essa “coisa” é o objeto material do comportamento, o qual, por sua vez, é objeto do comando. Em resumo, podemos concluir que Ataliba asseverava que na obrigação tributária hão de ser encontrados o objeto prestação (comportamento exigido pela lei) e o objeto material (o quantum debeatur).510

102. Ocorre que, quando se fala em obrigação tributária, está-se a considerar como pressuposto a existência de uma norma de conduta, decorrente de uma lei que a tenha introduzido no sistema do direito positivo. Estar-se-ia, então, limitado ao plano normativo infraconstitucional todo e qualquer comentário que se referir à alíquota como critério quantitativo. Assim, é indubitável que o aspecto quantitativo da obrigação tributária serve ao objeto material como complemento do objeto prestação.

103. Ademais, a prova de que uma visão “quantitativista” da alíquota só faz sentido no plano normativo infraconstitucional reside no fato de que, além de limitá-la ao universo do objeto material da obrigação tributária, é tão somente a partir do conseqüente da norma geral e abstrata, oriunda de enunciado legal introduzido no sistema do direito positivo pela pessoa política competente, que encontraremos a prescrição dos critérios necessários à identificação da relação jurídico-tributária e da alíquota como elemento determinante do valor da respectiva dívida (objeto material - quantum debeatur). Não se tem isso na Constituição Federal, embora tenhamos normas dispondo sobre alíquotas tributárias.

104. Outro aspecto a destacar é que a alíquota, enquanto for considerada tão somente um aspecto quantitativo da regra-matriz, também estará sendo limitada a auxiliar tão somente na análise da validade das normas individuais e concretas no confronto com as normas gerais e abstratas que lhe deram origem.

105. Em outras palavras, pensamos que o teste de validade de um, v.g., lançamento tributário (norma individual e concreta), no que atina à alíquota como critério quantitativo, só poderá atestar se o objeto material da obrigação lançada corresponde ao “indicador de proporção” (critério) da lei que lhe deu respaldo, nada mais.

106. Assim sendo, para além de uma análise meramente do objeto material da obrigação tributária, a análise da alíquota, numa perspectiva constitucional da competência tributária, nos dá a oportunidade de verificação da validade das normas gerais e abstratas postas no sistema, antes mesmo da instalação da obrigação tributária, checando a atividade legislativa do ente político tributante, no que concerne à regularidade do exercício de sua competência tributária, no que pertine à fixação das alíquotas.

107. Posto isso, mister destacar que a alíquota, enquanto limitada a um aspecto quantitativo, diferentemente da base de cálculo, tem por função um método exclusivo de afetação patrimonial. Importa dizer que, enquanto a base de cálculo tem a função

510 Hipótese de Incidência Tributária. 2008, p. 22

263

primordial de medir o valor patrimonial a ser afetado, delineando a exata dimensão da capacidade contributiva511 objetiva do contribuinte, a alíquota investe contra essa dimensão patrimonial e demarca-lhe o gravame tributário – o objeto-material da prestação tributária.

108. Por esse modo, vemos que, numa perspectiva quantitativa da obrigação tributária, a função da base de cálculo está para a mensuração pecuniária objetiva do patrimônio a ser afetado e a alíquota, para a dimensão valorativa do objeto material da prestação tributária, o qual corresponde, ao final, à parcela do patrimônio particular que deverá ser entregue aos cofres públicos. Essa a função quantitativa da alíquota.

109. No entanto, há outra perspectiva jurídica da alíquota que não guarda relação direta com a dimensão quantitativa do objeto material instituído em face das normas de conduta (seja no plano geral e abstrato – lei - ou no individual e concreto - lançamento). Trata-se das normas constitucionais relativas às alíquotas, em que elas possuem, eminentemente, função calibradora da competência tributária dos entes políticos federados.

Capítulo 6 - Alíquota e os princípios constitucionais tributários

110. A Constituição Federal, no que pertine ao subsistema jurídico constitucional tributário, estabeleceu diversas competências, delineando-as segundo o regime jurídico dos tributos e alguns critérios normativos foram consagrados como parâmetros constitucionais para a fixação das alíquotas pelo legislador infraconstitucional.

111. Ao analisarmos as normas constitucionais relativas às diversas espécies tributárias sem privilegiar, no entanto, qualquer critério de classificação dos tributos, podemos apurar que a alíquota é tida, em muitos casos, como elemento conformador da competência tributária do respectivo ente político.

112. Com efeito, na Constituição Federal há princípios e regras constitucionais que estabelecem o arquétipo tributário e fornecem critérios que predeterminam as alíquotas, como conteúdo material das normas de conduta (regras-matrizes possíveis) e, com isso, delimitam a competência tributária dos entes políticos tributantes e as relações jurídico-tributárias dela decorrentes.

113. Uma breve incursão no Texto Constitucional nos permite apurar que alguns princípios gerais e outros de natureza eminentemente tributária são vitais à sustentabilidade do subsistema tributário, influindo, decisivamente, na construção das normas de competência tributária e respectivas normas de conduta.

114. Daí porque não se pode deixar de considerar o princípio da legalidade como exigência maior para a alteração formal do direito posto, não se podendo exercer a competência tributária na instituição ou majoração de tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I, CF). Logo, a irretroatividade da lei tributária se apresenta também como um princípio geral do direito que impede seja o sistema normativo manipulado de forma a

511 No sentido de capacidade contributiva pelo porte do patrimônio, aferido pelo valor do fato jurídico tributário e os respectivos acréscimos e decréscimos.

264

impingir conseqüências negativas a eventos passados. Daí a conclusão de que a legalidade e a irretroatividade são normas constitucionais que conformam a competência tributária e prefixam que nenhum ente político está apto a fixar ou majorar alíquotas sem lei e que, se legalmente for instituída, não poderá ela afetar as relações passadas. São, indiscutivelmente, normas que conformam a competência tributária e influenciam a atividade legislativa dos entes políticos.

115. Por esse motivo, o princípio da anterioridade tributária, com sua característica fundamental de estabelecer o prazo inicial dos efeitos normativos das leis tributárias (eficácia), estabelece, taxativamente, a data a partir da qual os tributos podem incidir, após terem sido regularmente introduzidos nos sistema do direito positivo (vigência).512

116. Igualmente, podemos concluir que o princípio da anterioridade tributária também conforma a competência tributária, notadamente em relação à alíquota, para delimitar os seus efeitos (fixação ou majoração) no mesmo exercício financeiro ou antes do prazo constitucionalmente preestabelecido para a cobrança do tributo.

117. Como corolário lógico desse princípio, mister destacar que o denominado princípio da “tipicidade”, ou também considerado como “função material” da legalidade, implica decisivamente no exercício da competência tributária de vez que, por meio desse princípio, deve o ente político exercer sua competência tributária, tipificando, taxativamente, o tributo criado, com todas as suas nuances estruturais – materialidade, tempo, lugar, sujeitos ativo e passivo, base de cálculo e alíquota.

118. Com efeito, nos casos em que a Constituição Federal estabeleceu os critérios relativos às alíquotas como, v.g., nas operações interestaduais relativas à circulação de mercadorias – ICMS, em que os Estados e o Distrito Federal deverão observar a prefixação do Senado Federal (atualmente em 7% ou 12%, entre contribuintes, conforme a região do país),513 esses entes políticos devem, para o exercício regular de sua competência, além de tipificar a alíquota taxativamente, instituí-la nos exatos limites preestabelecidos, sob pena de extrapolação da competência que lhe fora reservada.

119. Assim, como decorrência da legalidade, conforme destacam Regina Helena Costa e Paulo de Barros Carvalho, os atos mais relevantes na seara do direito tributário, assim como a fixação ou majoração de alíquotas, hão de ser praticados sob a égide do princípio da vinculabilidade da tributação, em que a ação impositiva do Estado está vinculada às estreitas raias do comando normativo da lei no exercício de sua competência. Como corolário lógico, não haverá, a contrário senso, vinculabilidade da tributação quando a lei exacional fixar alíquotas em descompasso com os critérios constitucionais que as prefixaram como norma conformadora da respectiva competência tributária.

120. Outro aspecto conclusivo é que, na Constituição Federal, encontramos diversos vetores normativos tendentes a consagrar a igualdade jurídica de tratamento entre as

512 Eficácia está sendo empregado no sentido diverso de vigência. A Eficácia é o processo mediante o qual a ocorrência dos fatos descritos no antecedente da norma faz irradiar os efeitos do conseqüente normativo. Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo. Saraiva. 2005. p. 53 513 Resolução SF n. 22/89

265

pessoas. Há um vasto conjunto de enunciados constitucionais que prescrevem, de forma direta ou indireta, a igualdade em sentido formal para todos os fins, incluindo-se o exercício da tributação.

121. Por esse motivo escreveu Francisco Campos, citado por Celso Antonio Bandeira de Mello, que o destinatário da cláusula constitucional da igualdade é precisamente o legislador e, em conseqüência, a legislação.514 Acrescentamos que o aplicador do direito também é destinatário do princípio isonômico, uma vez que cabe a ele a função de construir as normas jurídicas e aplicá-las igualitariamente, às relações jurídicas.

122. Em que pesem algumas posições contrárias,515 concluímos também que a concreção da isonomia tributária prevista em nosso sistema positivo carece da adoção de tributos progressivos. E, por esse motivo, entendemos que a alíquota ganha espaço de respeito na seara das discussões jurídicas correlatas, pois, representa um mecanismo perfeito para a efetividade da igualdade tributária e, na medida em que essa igualdade influi todos os demais princípios e regras do nosso ordenamento, tem ela (alíquota) influência normativa na conformação da competência tributária e do respectivo exercício.

123. Pensamos que respaldam os argumentos acima o pensamento de Roque Antonio Carrazza, para quem “a progressividade das alíquotas tributárias, longe de atritar com o sistema jurídico, é o melhor meio de se afastarem, no campo dos impostos, as injustiças tributárias, vedadas pela Carta Magna. Sem impostos progressivos, não há como atingir-se a igualdade tributária. Logo, o sistema de impostos, no Brasil, deve ser informado pelo critério da progressividade. Impostos com alíquotas crescentes, em função do aumento das suas bases tributáveis (bases de cálculo in concreto), levam corretamente em conta que o sacrifício suportado pelo contribuinte para concorrer às despesas públicas é tanto maior quanto menor a riqueza que possui (e vice-versa). Ademais, permitem que o Estado remova, pelo menos em parte, as desigualdades econômicas existentes entre as pessoas. Realmente, impostos com alíquotas fixas agravam diferenças sociais existentes, porque tratam de maneira idêntica contribuintes que, sob o ângulo da capacidade contributiva, não são iguais.”516

124. Como conseqüência, em matéria tributária, o princípio da capacidade contributiva é um desdobramento do princípio da igualdade tributária e tem a função de modular o ônus tributário de acordo com a riqueza de cada um, respeitando-se o seu mínimo vital e, por isso, torna-se relevante o sistema progressivo de alíquotas como norma conformadora da competência tributária.

125. Nessa esteira, é de se admitir que o princípio da seletividade serve como complemento à efetividade da igualdade e da capacidade contributiva, pois, a técnica da progressividade é mais facilmente empregada em alguns casos, como v.g. o I.R. (art. 153, §2º, I, CF), o ITR (art. 153, §4º, I, CF) e o IPTU (art. 156, §1º, I, CF), mas não em todos.

514 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2007, p. 9. 515 Veja posição contrária de Ives Gandra da Silva Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 6o vol., tomo I, São Paulo: Saraiva, 1990, págs. 61/63 e também de Ricardo Lobo Torres, no seu Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II. Rio de Janeiro: Renovar 2005, págs. 312/320 516 Curso de Direito Constitucional, 2006, p. 88.

266

Assim, no caso do ICMS e do IPI, que são impostos que incidem sobre o consumo, a seletividade da alíquota perfaz uma norma de competência que realiza, objetivamente, uma tributação justa e realizadora da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado democrático de direito.

126. O princípio do não-confisco, por sua vez, decorre da capacidade contributiva, pois garante uma tributação justa, uma tributação equânime, dentro dos limites legais, em que se respeita a capacidade econômica do sujeito passivo. Assim, vemos que a exação fiscal, mediante a fixação de alíquotas em desconformidade com a capacidade contributiva do sujeito passivo, caracteriza confisco por se tornar excessiva, aviltante do patrimônio mínimo vital e inviabilizadora, por vezes, da atividade profissional do sujeito passivo, conforme o caso.

127. Esse panorama nos permite afirmar, conclusivamente, com rigor científico, que as normas constitucionais que prefixam alíquotas não confiscatórias são parâmetros normativos de conformação da competência tributária e, não, critérios quantitativos.

128. Um último aspecto principiológico da alíquota tem a ver com o fato de que a Constituição Federal, no artigo 152, estabeleceu que “é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.”

129. No entanto, para se evitarem deformidades no trato da igualdade tributária, como aquela apontada no exemplo de Ylves José de Miranda Guimarães, em que o contribuinte morador próximo à divisa de Estado pudesse optar em comprar mercadoria sujeita ao ICM do lado em que a alíquota fosse menor, entendemos que a Constituição encampou a igualdade material entre as regiões, ao permitir que o legislador ordinário adote um tratamento tributário desigual, conforme as desigualdades regionais, prefixando ela mesma, no entanto, as alíquotas segundo as desigualdades constitucionalmente asseguradas.

130. Essa prefixação da alíquota, então, como elemento discriminador, é norma de competência tributária que visa a dar efetividade à igualdade tributária. Foi o que aconteceu no artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, da Carta Magna, em que o destino de bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado teve a prefixação alíquota interna ou interestadual do ICMS conforme a condição de contribuinte ou não do destinatário.

Capítulo 7 - Alíquota como norma de competência tributária

131. Além da influência dos princípios na construção de normas de competência relativas às alíquotas tributárias, entendemos haver, ainda, regras constitucionais relativas a elas que também conformam a competência tributária dos entes políticos tributantes, influindo sobre a sua atividade de introduzir normas de conduta no sistema do direito positivo para cobrar tributos, antes mesmo de existir o tão propagado e popular “aspecto quantitativo”. Este, reforce-se, só surgirá com a enunciação legal do “indicador de proporção” que, algebricamente aplicado à “base calculada”, ensejará a quantificação do objeto-material (verdadeiro quantum debeatur).

267

132. Quando afirmamos que a Constituição não criou tributos, consideramos como pressuposto que o processo de positivação das normas jurídicas relativas às regras-matrizes de incidência tributária, tendente a constituir obrigações dessa natureza, carece da observância de todos os critérios constitucionalmente preestabelecidos como requisito de validade.

133. Com efeito, a inobservância das regras constitucionais relativas à alíquota tributária, além de outros requisitos, influi na possibilidade jurídica de instituir tributos (competência), implicando a eventual pretensão de constituir obrigação tributária para a exigência dos seus objetos (prestacional e material).

134. Nesse sentido, identificamos que a Constituição Federal empregou o termo “alíquota” em 38 dispositivos, estabelecendo, na maioria deles, o seu modal deôntico próprio, obrigando, proibindo ou permitindo a instituição (competência) de diversas regras-matrizes de incidência tributária pelo legislador ordinário.

135. Por essa forma, podemos antever que o critério denominado pela doutrina de quantitativo, além daqueles outros, material, espacial, territorial e pessoal, quando identificados no subsistema constitucional tributário, são regras que prefixam elementos conformadores da competência tributária, moldando o que chamamos de “arquétipo competencial”.

136. É por isso que afirmamos que, ao lançarmos olhos mais críticos sobre o nosso sistema constitucional tributário, encontraremos matéria tributária cuja competência do ente político está conformada tão somente por princípios e outros tantos que, além da influência destes, têm sua competência também conformada por regras específicas.

137. É de se notar, então, que a Constituição Federal estabelece arquétipos tributários desenhando, por conseqüência, a competência do legislador infraconstitucional, seja porque está adstrito aos princípios, seja porque está submetido às regras estabelecidas pela ordem constitucional ou por ambos, na maioria dos casos.

138. Para nós, é conclusiva a idéia de que é a partir dos arquétipos competenciais tributários que poderemos identificar em quais casos o legislador ordinário tem limitações ou faculdades discricionárias para manipular algumas regras-matrizes de incidência, articulando para maior ou para menor as alíquotas tributárias dos tributos e demais elementos que lhe compõem.

139. Com esse entendimento, podemos afirmar que a Constituição Federal parametrizou a competência tributária em dois planos normativos que se interligam, estabelecendo, primeiro, uma competência cunhada pelo princípio federativo em que se reconhece a autonomia dos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para divisar, por meio dos critérios, material e territorial, as suas aptidões político-tributárias e, num segundo plano, uma competência calcada nas regras constitucionais tributárias, em sentido estrito, em que se moldam as ações tributárias dentro dos limites das respectivas aptidões (materiais e territoriais) na manipulação de todos os critérios da regra-matriz de incidência tributária, notadamente o da alíquota.

268

140. Nessas circunstâncias, então, ao examinar a figura tributária, não se pode ignorar a questão da alíquota, nem descartá-la como critério constitucional que permite identificar a respectiva norma de competência tributária.

141. É o que se atesta quando analisamos as seguintes regras constitucionais:

(1) Contribuições Previdenciárias dos servidores públicos

142. No artigo 149, parágrafo 1º, identificamos a norma de competência da alíquota mínima para a instituição de contribuições previdenciárias dos servidores públicos. Norma que estabelece que nenhum Estado, Distrito Federal ou Municípios poderá instituí-las com alíquota inferior a definida para os servidores da União.

(2) Contribuições Interventivas

143. Nas alíneas “a” e “b”, do inciso II, do parágrafo 2º, do artigo 149, e alíneas “a” e “b”, do inciso I, do parágrafo 4º, do artigo 177, encontramos disposições que tratam da norma de competência da alíquota para as contribuições interventivas, em que se estabelece o dever-poder de fixar alíquotas ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro ou, ainda, específica por unidade de medida, assim como diferençadas por produto ou uso e reduzidas e restabelecidas por ato do Poder Executivo. Importa esclarecer que advogamos que o termo “poderá” desses dispositivos nada tem de facultativo, pois a discricionariedade aqui se apresenta fechada a esses termos constitucionais. O legislador está adstrito a essas alternativas e, não, outras.

(3) Contribuições Sociais

144. A norma de competência da alíquota para as contribuições sociais prevista no parágrafo 9º do artigo 195, em que o constituinte estabeleceu que, em razão da atividade econômica as contribuições sociais ali previstas poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas. Além disso, no parágrafo 12 do mesmo artigo, o enunciado constitucional ainda estabelece que o regime de não-cumulatividade para o cálculo das contribuições sociais poderá ter por base diferentes setores de atividade econômica. Outro aspecto revelador da alíquota como norma de competência é a diretriz constitucional do artigo 201 que preestabelece ao legislador ordinário a obrigação de instituir Contribuições Sociais para pessoas de baixa ou sem renda mediante a fixação de alíquotas inferiores às da previdência geral.

(4) Imposto de Importação - I.I., Exportação - I.E., Produtos Industrializados

- IPI e Operações Financeiras - IOF

145. A norma de competência da alíquota para os impostos regulatórios dispõe que o Poder Executivo pode alterar as alíquotas do Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II, sobre a Exportação de Produtos Nacionais ou Nacionalizados – IE, sobre Operações com Produtos Industrializados – IPI e sobre Operações de Crédito, de Câmbio, de Seguro e de Títulos e Valores Mobiliários – IOF, nas condições e limites estabelecidos em lei. A existência dessa regra no parágrafo 1º, do artigo 153, da Constituição Federal, evidencia que a alíquota, quando enunciada no plano constitucional, não é critério

269

quantitativo. É, sim, norma de competência tributária e, às vezes, como no presente caso, norma de competência administrativa em face da motivação e finalidade do ato de elevação da alíquota.

(5) Imposto sobre a Renda - IR

146. O inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 153, da Constituição Federal, além de dispor expressamente sobre a universalidade e generalidade como regra constitucional do Imposto sobre a Renda, estabelece indiretamente uma progressividade da alíquota como critério conformador da competência impositiva da União.

147. Repise-se que falamos em progressividade indireta da alíquota porque a Constituição Federal estabelece que o imposto deve ser progressivo, possibilitando, com isso, que a técnica da progressividade seja exercida mediante a manipulação direta da base de cálculo ou mediante outros artifícios que impliquem a obtenção de alíquotas progressivas (efetivas) sem, no entanto, seja necessário manipular diretamente as alíquotas nominais enunciadas no texto legal. De qualquer forma, ao determinar que o IR será progressivo, a Constituição Federal delimitou o campo de ação do legislador ordinário, vinculando-o, se quiser instituir esse imposto, à sua progressividade que, em regra, se opera por meio das alíquotas.

(6) Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI

148. O inciso I, do parágrafo 3º, do artigo 153, da Constituição Federal, ao estabelecer que o IPI será seletivo, em função da essencialidade do produto, veicula norma cogente, obrigando ao legislador ordinário a instituí-lo com essa característica normativa. Para nós, trata-se de uma norma específica que conforma a competência tributária da União para instituí-lo conforme a necessidade essencial do consumidor e do produto fabricado.

(7) Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR

149. A regra da alíquota, estatuída no inciso I, do parágrafo 4º, do artigo 153, da Constituição Federal, é no sentido de que a União só tem competência para instituir o ITR se, e somente se, (a) for ele instrumento de política agrária e/ou fundiária, (b) for progressivo, com (c) alíquotas desestimuladoras à manutenção de propriedades improdutivas.

150. Para nós, trata-se de uma norma de competência que norteia a função do legislador ordinário na instituição do ITR.

(8) IOF sobre o Ouro Ativo Financeiro

151. Entendemos que o disposto no parágrafo 5º, do artigo 153, da Carta Magna, ao estabelecer que o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, se sujeita exclusivamente à incidência do IOF, devido na operação de origem, a alíquota mínima de um por cento, está a veicular uma legítima norma de competência.

152. Evidencia-se a conformação da competência tributária da União, nessas condições, mediante a prefixação de um aspecto proibitivo da alíquota inferior a 1%, pois o

270

legislador constituinte sentiu a necessidade de conformá-la com essa limitação para impedir que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ficassem, por vontade política unilateral da União, sem participar do resultado da riqueza constituída a partir de seus respectivos territórios.

(9) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD

153. Por força do inciso IV, do parágrafo 1º, do artigo 155, da Constituição Federal, compete ao Senado Federal fixar a alíquota máxima do ITCMD, o que acabou acontecendo por meio da Resolução n.o 9/92, a partir de 1º de janeiro de 1992, a qual fixou a alíquota em 8% e facultou aos Estados instituir alíquotas progressivas conforme o quinhão herdado.

154. Pelo texto constitucional, abstraímos uma norma em que a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir o ITCMD foi conformada pela prefixação de uma alíquota máxima, em decorrência da necessidade de se estabelecer um teto nacional como política de igualdade e justiça tributária, impedindo abusos confiscatórios que poderiam ser perpetrados pelos Estados/Distrito Federal contra o direito de herança e doação.

155. Como se nota, as regras-matrizes do ITCMD a serem definidas pelos entes políticos tributantes deverão pautar as respectivas alíquotas dentro do limite constitucionalmente reservado à decisão do Senado Federal, sob pena de extrapolação da competência tributária concedida.

(10) Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e

Prestação de Serviços de Transporte de Natureza Interestadual ou Intermunicipal e

de Comunicação - ICMS

156. Por força do disposto no parágrafo 2º, do artigo 155, da Constituição Federal, o ICMS é o imposto que apresenta maior número de regras relativas à prefixação de alíquotas conformadoras da respectiva competência tributária.

157. Primeiramente, pode-se destacar que o inciso III estabelece que o ICMS poderá ser seletivo, semelhantemente ao IPI. Sobre essa regra entendemos, como Celso Antonio Bandeira de Mello, deva ser compreendida como dever-poder, em decorrência dos princípios da isonomia e capacidade contributiva, e não como uma simples faculdade posta ao arbítrio do legislador.

158. Além dessa regra, segue-se a insculpida no inciso IV, do parágrafo 2º do artigo 155, da Constituição Federal, que trata da norma de competência para a prefixação das alíquotas para as operações e prestações interestaduais e de exportação. Segundo essa regra, os Estados e o Distrito Federal só poderão instituir o ICMS sobre operações e prestações interestaduais e de exportação nos moldes das alíquotas estabelecidas por resolução do Senado Federal.

159. Já no que atina às alíquotas internas do ICMS, também a Constituição Federal, nas alíneas “a” e “b”, do inciso V, do parágrafo 2º, do artigo 155, conformou a competência dos Estados e do Distrito Federal com os limites, mínimo e máximo,

271

estabelecidos pelo Senado Federal. À evidência de tratar-se de norma de competência reside no fato de que a resolução do Senado Federal visa resolver conflito entre os entes políticos delimitando a fixação das alíquotas internas deste imposto, limitando o arbítrio tributário a esses limites.

160. Outra regra conformadora da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal é o inciso VI, do parágrafo 2º, do artigo 155, da Constituição Federal, que predetermina as alíquotas mínimas nas operações praticadas dentro dos seus respectivos territórios, impedindo que elas sejam inferiores às interestaduais. Trata-se de norma limitativa do arbítrio fiscal para impedir sejam incentivadas as operações internas e desestimuladas as interestaduais, prejudicando o desenvolvimento de outras unidades federativas.

161. Os incisos VII e VIII, ambos do parágrafo 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, veiculam a prefixação das alíquotas a serem instituídas nas operações interestaduais envolvendo consumidor final. São normas de competência que visam a tributar isonomicamente o consumidor final, independentemente do seu Estado de origem ou destino, e distribuir, igualitariamente, a carga tributária entre os entes políticos tributantes.

162. No caso dos combustíveis e lubrificantes, a Constituição Federal estabeleceu, no inciso XII e parágrafo 4º, competência para que sejam tributados uma única vez pelo ICMS e que suas alíquotas sejam definidas por meio de convênios, celebrados no âmbito do Conselho Fazendário - CONFAZ, e nos termos da lei complementar, devendo, no entanto, ser uniformes em todo o território nacional e podendo ser diferençadas por produtos, específicas por unidade de medida, ou ad valorem e, ainda, serem reduzidas e restabelecidas no mesmo exercício financeiro.

163. Essas tantas circunstâncias relativas ao ICMS nos obrigam a repisar a afirmação de que os enunciados constitucionais que veiculam os termos relativos às suas alíquotas são verdadeiras normas de competência tributária, estruturantes do sistema jurídico dessa espécie tributária e, em nada se confunde com o aspecto quantitativo da norma de conduta instituída pelos entes federados.

(11) Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotivos – IPVA

164. No que atina ao IPVA, encontramos nos incisos I e II, do parágrafo 6º, do artigo 155, da Constituição Federal, incluídos pela Emenda Constitucional n.o 42/03, normas relativas à alíquota que também conformam a competência dos Estados e do Distrito Federal, delimitando o arquétipo competencial com alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal e diferençadas em função do tipo e utilização dos veículos.

165. Segundo essas regras constitucionais, além dos demais critérios ipso jure, o legislador ordinário só poderá instituir o IPVA mediante a fixação de alíquotas iguais ou superiores à alíquota mínima prefixada em resolução do Senado Federal, “podendo-devendo” prescrever variações conforme o tipo e utilização do veículo.

166. Para nós, trata-se de norma constitucional motivada pela necessidade de se conformar o exercício da competência para a efetividade do princípio fundamental da

272

igualdade republicana e do princípio federativo, nos termos do artigo 1º, da Constituição Federal, bem como de uma norma cogente de competência que veicula ser obrigatória a variação da alíquota em razão da necessidade de observância dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, fazendo com que haja melhor distribuição da carga tributária e de justiça fiscal.

(12) Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU

167. Relativamente ao IPTU, encontramos as regras dispostas nos incisos I e II do parágrafo 1º, do artigo 156, com redação dada pela Emenda Constitucional n.o 29/00, que prevêem que este imposto deverá ser progressivo (1) em razão do valor do imóvel; (2) ter alíquotas diferençadas de acordo com a localização e o uso do imóvel.

168. Essa regra constitucional estabelece, em outras palavras, que a competência dos Municípios para instituir o IPTU está moldada pelo critério de que quão maior for o valor do imóvel, maior “poderá-deverá” ter a alíquota correspondente e, ainda, mais, “poderá-deverá” ter a alíquota diferençada conforme a localização e o uso do imóvel.

169. Para nós, trata-se de normas constitucionais conformadoras da competência exacional, em sintonia com o princípio da capacidade contributiva, realizador da igualdade tributária. Assim sendo, segundo a Constituição Federal, em que pese não serem assim na prática, os Municípios deveriam instituir o IPTU segundo esses parâmetros competenciais.

170. Outro aspecto competencial diz respeito à norma veiculada pelo inciso II, do artigo 4º, do artigo 182, da Constituição Federal, que prevê a conformação da competência tributária para a instituição do IPTU, progressivo no tempo, para a realização da função social da propriedade imobiliária. À evidência, trata-se de norma de natureza extrafiscal que estabelece a possibilidade de instituir alíquotas progressivas no tempo para a realização de uma finalidade social. Essa alíquota (direta ou indireta/efetiva) progressiva no tempo e a finalidade social da medida são, indiscutivelmente, regras constitucionais conformadoras da competência tributária dos Municípios.

(13) Imposto sobre Serviços – ISS

171. A Constituição Federal, em seu artigo 156, §3º, inciso I, estabeleceu que a competência tributária para a instituição do ISS será conformada pela prefixação das alíquotas, máxima e mínima, pelo legislador complementar.

172. Como dissemos, a prefixação da alíquota máxima, muito embora a Emenda Constitucional n.o 01/69,517 já há muito tempo tenha enunciado que caberia à lei complementar fixar as alíquotas máximas do ISS, isso veio a ocorrer tão somente em 1999, pelo artigo 4º, da Lei Complementar n.o 100, de 22 de dezembro de 1999, que estabeleceu,

517 É o que dispunha o artigo 24, §4º, da Emenda Constitucional 01/69, que alterou a CF de 67.

273

em caráter aparentemente específico, a alíquota máxima de 5% tão somente para os contratos de concessão de serviços relativos às rodovias.518

173. Essa limitação foi mantida pelo artigo 8º, inciso II, da Lei Complementar n.o 116/03, e deve ser tida, enquanto válida no sistema, como uma norma que regula a conformação da competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal.

174. Já no que pertine à prefixação de alíquotas mínimas do ISS, entendemos que a Emenda Constitucional n.º 37, de 12 de junho de 2002, em que pese a sua equivocada enunciação, caracteriza-se como uma norma conformadora da competência dos Municípios e do Distrito Federal.

175. Além de ter estabelecido que caiba à lei complementar prefixar uma alíquota mínima do ISS (inexistente até o momento), a Emenda Constitucional 37/02 também acrescentou o artigo 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, estabelecendo que, enquanto não sobrevier referida lei no sistema do direito positivo, o ISS terá alíquota mínima de 2%, excetuando, tão somente os serviços relacionados ao setor de construção civil.

176. A conclusão vem no sentido de que, embora sejam normas de competência, há equívoco em intervir na autonomia dos Municípios e do Distrito Federal, impedindo-os de conceder isenções e benefícios fiscais, com ou sem a redução de alíquota a zero.

177. Outra crítica que podemos fazer às regras de competência relativas às alíquotas do ISS é que a pequena margem existente entre a alíquota de 2% e de 5%, constitucionalmente prefixada, impede os Municípios de instituírem um efetivo sistema progressivo de alíquotas.

178. Uma última violação cometida pelo legislador constituinte derivado, ao modificar a conformação da competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal para a instituição do ISS, diz respeito à quebra da isonomia tributária pela discriminação inconstitucional do setor de construção civil dos demais prestadores de serviço. Segundo o artigo 88, inciso I, parte final, esse setor pode ser beneficiado com alíquotas inferiores a 2%.

179. Em remate, em que pesem todas as inconstitucionalidades acima comentadas, elas servem de apoio ao nosso desiderato, pois, podemos afirmar que as normas relativas às alíquotas do ISS, sejam as introduzidas pelo legislador Constituinte Originário (alíquota máxima - artigo 156 da CF) ou pelo legislador Constituinte Derivado (alíquota mínima - Emenda Constitucional n.o 37/02), são normas que conformam a competência tributária e influem na ação do legislador ordinário dos Municípios e do Distrito Federal, não se podendo considerá-las como simples critérios quantitativos.

518 José Eduardo Soares de Melo registra a origem da fixação de alíquotas máximas no Ato Complementar 34, de 30.01.67, na vigência da CF de 1946 sem, entretanto, haver fundamento constitucional. Aspectos teóricos e práticos do ISS, 2ª Ed. Dialética, São Paulo, 2001, p. 108.

274

180. Embora tenhamos feito o registro de que o termo “alíquota” foi empregado em 38 dispositivos constitucionais, apuramos que, em alguns deles, efetivamente se caracterizavam como normas de competência, embora já não mais em vigor no sistema jurídico, como no caso do Imposto sobre Venda a Varejo de Combustíveis – IVVC (art. 34, § 7º, do ADCT), Contribuição para a Seguridade Social (art. 56 do ADCT), Fundo Social de Emergência – (artigo 72 do ADCT), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF (artigos 74 e 75 do ADCT), e outros tantos como o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (artigos 79 a 83), que veicularam normas de competência relativas à instituição de alíquotas adicionais tanto para tributos federais, quanto para estaduais, distritais e municipais.

181. Diante de todo esse arsenal de normas constitucionais relativas às alíquotas para a conformação das inúmeras competências tributárias, mister destacar que, diferentemente das normas de conduta estrito senso, as normas de competência são destinadas a regular as condutas dos representantes do povo, aquelas autoridades incumbidas de produzirem novas regras jurídicas.

182. Nesse passo, podemos concluir, então, que o sistema do direito positivo possui uma gama de normas constitucionais (e infraconstitucionais, quando revestidas de conotação constitucional, tais como a resolução do Senado Federal e a Lei Complementar editadas segundo os preceitos da própria Constituição Federal), relativas às alíquotas tributárias que, embora possam ser consideradas finalisticamente como normas de conduta, uma vez que, em termos pragmáticos, sempre influenciarão as relações interpessoais, são normas especificamente direcionadas ao legislador ordinário e, portanto, são precipuamente normas de estrutura que visam a estabelecer um arquétipo das alíquotas como norma de competência tributária e funcionam como limites normativos ao exercício do poder de tributar.

Capítulo 8 – Alíquota como garantia de segurança jurídica em matéria tributária

183. Como corolário lógico, a competência tributária, que é norma geral e abstrata, só pode ser exercida mediante a existência e ação do órgão legislativo do ente político competente.

184. Disso resulta que, no conseqüente das normas de competência tributária, encontraremos o conteúdo, os termos em que a pessoa política competente deverá exercitar a faculdade de criar tributos, prescrever as hipóteses, os sujeitos, os critérios quantitativos, o tempo e o lugar de ocorrência do fenômeno tributário.

185. Isso implica reconhecer que a normas de competência, com todos os seus aspectos, incluindo-se aí o da alíquota, possibilita e delimita a edição de outra norma, denominada “veículo introdutor de normas”, em decorrência do seu exercício (da competência).

186. Por essa forma, o órgão competente, ao editar um enunciado normativo insere no sistema do direito positivo um documento normativo (lei, decreto, resolução, portaria, etc.) que nos permite construir as normas de conduta por ele introduzidas.

275

187. A conseqüência é que a norma de conduta introduzida pelo agente competente, para que surta seus efeitos jurídicos, carece de compatibilidade com os balizamentos da norma de competência tributária.

188. Esse processo produtivo revela-nos que os enunciados constitucionais relativos às alíquotas tributárias são, tipicamente, caracterizados como normas de competência legislativo-tributária e compõem um feixe de proposições normativas que delimitam, juntamente com as normas de produção jurídica, o universo de ação do legislador infraconstitucional e, a partir disso, garantem, finalisticamente, a segurança jurídica do jurisdicionado.

189. Essa garantia se dá pelo fato de que as normas de comportamento, introduzidas pelo legislador infraconstitucional no subsistema jurídico-tributário, só poderão afetar as relações intersubjetivas quando estiverem em perfeita harmonia com todas as normas de competência legislativo-tributária, notadamente das alíquotas.

190. Nesse sentido, entra em cena a segurança jurídica como valor constitucional supremo que dá estabilidade ao sistema jurídico, implica outros valores do ordenamento e impõe limites objetivos para a sua eficácia (do sistema).

191. Isso significa reconhecer que o conteúdo material dos enunciados constitucionais que explicitam regras jurídicas relativas à prefixação das alíquotas tributárias, assim como outras tantas regras constitucionais, devem estar em total comunhão com os princípios fundamentais do Estado democrático de direito (arts. 1º ao 4º, da CF) e com os direitos e garantias individuais (art. 5º, da CF), implicando decisivamente no exercício das competências tributárias

192. As regras constitucionais que prefixam alíquotas são normas de estrutura que moldam o arquétipo competencial dos entes políticos para a criação de tributos e garantem uma tributação justa, nos moldes constitucionais.

193. Por essa forma, o cidadão-contribuinte sempre saberá, com antecedência, que a lei instituidora de um determinado tributo, deverá se coadunar com aquelas normas constitucionais que prefixam as alíquotas tributárias, dando-lhe a exata dimensão da certeza de seu direito em face da afetação de sua propriedade.

194. Podemos acrescentar que as normas constitucionais relativas às alíquotas tributárias se apresentam como limites que possibilitam a previsibilidade dos efeitos das relações jurídicas a serem constituídas no plano concreto das normas tributárias.

195. O conhecimento prévio das normas constitucionais relativas às alíquotas, assim como acontece com os outros aspectos, permite a verificação empírica da validade das leis exacionais, possibilitando ao contribuinte demandá-las perante o Judiciário para proteger o seu patrimônio do exercício irregular da competência tributária.

196. Diante disso tudo, concluímos que as normas constitucionais que prefixam alíquotas tributárias são efetivamente normas de competência, cuja estrutura impede seja a alíquota considerada tão somente como um aspecto quantitativo da obrigação tributária (norma de conduta). Ademais, como arquétipos competenciais que são, as normas

276

constitucionais relativas às alíquotas delimitam o exercício do legislador infraconstitucional na sua fixação ou majoração, garantindo, assim, a segurança jurídica do contribuinte, no tocante a esse aspecto.

277

Referências bibliográficas

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. São Paulo: Martins

Fontes, 2ª Edição. 1998.

AFTALIÓN, Enrique R. Fernando Garcia Olano e José Vilanova. Introduccion al derecho,

Buenos Aires, Coopeadora de derecho y ciências sociales. 1972.

ALESSI, Renato. Instituzioni di Diritto Tributário, G. Stammati, 1ª Ed., Torino, UTET.

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Colección: El Derecho y La

Justicia. Madrid. Centro de Estudos Políticos y Constitucionales. 2001.

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Competências na Constituição de 1988. 2a ed. São

Paulo: Atlas, 2000.

AMARO, Luciano da Silva. Conceito e Classificação dos Tributos. Revista de Direito

Tributário. São Paulo: Malheiros, n. 55. 1991.

__________ Direito Tributário Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004.

ARAÚJO, Luiz Alberto Davi. Nunes Jr., Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo. Saraiva. 2008.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 9ª tiragem. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2008.

__________ República e Constituição. 2a ed. (atualizada por Rosoléa Miranda Folgosi).

São Paulo: Malheiros, 2001.

__________ Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1968.

__________ Princípio Federal – Rigidez Constitucional e Poder Judiciário. Estudos e

Pareceres de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos

princípios jurídicos. 4a Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

278

__________ Sistema Constitucional Tributário. 2ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2006.

__________ O princípio da isonomia em matéria tributária, In: Teoria Geral da

Obrigação Tributária, estudos em homenagem ao Professor José Souto

Maior Borges. Coord. Heleno Taveira Torres. Malheiros Editores, São

Paulo, 2005.

AYALA, José Luiz Perez de. Derecho Tributário, Madrid, Ed. de Derecho Financiero, vol.

1. 1970.

__________ Las ficciones del derecho tributário, Madrid, Editorial de Derecho

Financiero, 1970.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª Edição. Atualizada por Mizabel

Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

__________ Limitações constitucionais ao poder de tributar. Edição atualizada Mizabel

Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro. Forense. 1997.

BALERA, Wagner. Fontes do Direito Tributário, artigo publicado na Revista do

Advogado, vol. 32, São Paulo, Associação dos Advogados de São Paulo,

1990.

BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª Edição. São

Paulo: Max Limonad, 1998.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva.

1996.

__________ O direito constitucional e a efetividade de suas normas limites e

possibilidades da constituição brasileira. Rio de Janeiro. Editora Renovar,

2006.

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. 2ª Edição. Trad. Izidoro Blinkstein. São

Paulo: Cultrix, 1975.

__________ A aventura semiológica: trad. Maria de Santa Cruz. 1987.

279

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Saraiva,

2001.

__________ Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 6ª ed. São Paulo: Celso Bastos

Editora. 2004

__________ Comentários à Constituição do Brasil. vol. 6, tomo I. com Martins, Ives

Gandra da Silva. São Paulo. Saraiva. 1990.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª Edição. São Paulo:

Editora Noeses. 2007.

BERLIRI, Antonio. Princípios de Derecho Tributário – vol. I e II (trad. de Amorós Rica e

Eusébio Gonzales Garcia), Madrid, Ed. de Derecho Financiero – 1971.

BERLO, David Kenneth. O Processo da Comunicação: Introdução à teoria e à prática.

Trad. Jorge Arnaldo Fontes. São Paulo: Martins Fontes. 9ª Edição. 1999.

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos.

Brasília: Editora Universidade de Brasília. 10ª Edição, 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Malheiros Editores.

2008.

BORGES, José Souto Maior. A isonomia tributária na constituição federal de 1988.

Revista de Direito Tributário. Volume 64, São Paulo: Malheiros.

__________ Lançamento Tributário. São Paulo: Malheiros, 1999.

__________ Obrigação Tributária (uma introdução metodológica). 2ª Edição. São Paulo:

Malheiros, 1999.

__________ A Fixação em Lei Complementar das Alíquotas Máximas do Imposto sobre

Serviços. São Paulo. Ed. Resenha Tributária, 1975.

__________ Lei Complementar tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975.

280

BOTALLO, Eduardo Domingos. Fundamentos do Imposto sobre Produtos

Industrializados. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

CALDAS AULETE. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro:

Delta, 1958.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo:

Max Limonad. 2002.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do

Direito. 3ª Ed. Introdução e Tradução de A. Menezes Cordeiro, Fundação

Calouste Gulbenkian. Lisboa. 2002.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. rev. Coimbra: Livraria

Almedina, 1993.

__________ Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra. Ed. Coimbra,

1994.

__________ Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. Coimbra. Ed. Almedina,

2002.

CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – Igualdade e Capacidade

Contributiva. 1ª edição – 2ª tiragem. Juruá Editora. 1996. Curitiba.

CARRAZZA, Roque Antonio. Custo de Direito Constitucional Tributário. 22ª Edição. São

Paulo: Malheiros, 2006.

__________ ICMS. São Paulo: Malheiros, 2006.

__________ Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos). São Paulo:

Malheiros Editores. 2005.

__________ O sujeito ativo da obrigação tributária. Dissertação de Mestrado, PUC/SP,

1976.

281

__________ Conflitos de competência: um caso concreto. São Paulo. Ed. Revista dos

Tribunais, 1984.

__________ Princípios constitucionais tributários e competência tributária. São Paulo.

Ed. Revista dos Tribunais. 1986.

CARRIO, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência.

São Paulo: Saraiva, 2005.

__________ Curso de Direito Tributário. 17ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2005.

__________ A visão semiótica na interpretação do Direito. Revista da APG: Revista da

Asssociação dos Pós-Graduandos da PUC-SP. ano VI. Número 2, Especial

de Direito, 1997, São Paulo, Associação dos Pós-Graduandos da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

__________ O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. Revista de Direito

Tributário. Volume 61. São Paulo: Malheiros.

CHALHUB, Samira. Funções da Linguagem. São Paulo: Ática. 8ª Edição. 2000.

__________ A metalinguagem. São Paulo: Ática. 4ª Edição. 2005.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática. 12ª Edição, 1999.

CHIESA, Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro – desonerações nacionais e

imunidades condicionadas. São Paulo: Max Limonad, 2002.

CLÉMENT, Élisabeth. e outros: Dicionário prático de filosofia. Trad. Manuela Torres e

outros. Lisboa – Portugal. Editora Terramar. 1997.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo, da interpretação e da

exoneração tributária (O significado do art. 116, parágrafo único, do CTN).

3ª Edição. São Paulo: Dialética, 2003.

282

__________ Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. 10ª Ed. Rio de

Janeiro. Forense. 2006.

__________ A base de cálculo dos tributos e demais fatores de quantificação da

prestação tributária. Revista de Direito Tributário. Volume 25-26. Ano VII.

São Paulo. Julho/Dezembro de 1983.

__________ Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª Ed. 3ª tiragem. Rio de Janeiro:

Forense, 2007.

COPI, Irving Marmer. Introdução à Lógica. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Mestre Jou.

1981.

COSTA, Alcides Jorge. ICMS na Constituição. São Paulo. Revista de Direito Tributário,

v.12, n.46, out/dez. 1988.

__________ ICM Na Constituição e na Lei Complementar, Ed. Resenha Tributária, São

Paulo, 1979.

COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária – exeqüibilidade de Lei

Tributária e Direitos do Contribuinte, Malheiros Editores, 2007.

COSTA, Ramon Valdez. Curso de Derecho Tributário, Montevideo, 1978.

CUNHA, Celso. Luís F. Lindley Cinta. Nova gramática do português contemporâneo. Rio

de Janeiro: Nova Fronteira, 3ª Edição. 11ª reimpressão. 2005.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986.

__________ Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo. Saraiva. 2006.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Volume III. 12ª Edição. Rio de Janeiro:

Forense. 2004.

__________ Vocabulário Jurídico. Volume IV. 12ª Edição. Rio de Janeiro: Forense.

2004.

283

DERZI, Mizabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, São Paulo,

RT, 1988.

__________ NOTAS in BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de

tributar. 7a Ed. Rio de Janeiro: Forense. 1997.

__________ NOTAS in BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª Edição.

Rio de Janeiro: Forense, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva. Volume 1, 3. 2005.

ECHAVE, Delia Teresa. María Eugenia Urquijo e Ricardo A. Guibourg. Lógica,

Proposición e Norma. 1ª Edición. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1997.

ESTEVES, Maria do Rosário. Normas gerais de Direito Tributário. São Paulo: Max

Limonad, 1997.

FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 6ª Edição revista e

atualizada pelo Prof. Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense. 1999.

FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Volume I. São Paulo: Resenha

Tributária, 1971.

FARRELL, Martin Diego. La metodologia del positivismo lógico. Buenos Aires. Astrea.

1979.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão,

dominação. 4ª Edição, São Paulo: Atlas. 2003.

__________ Teoria da Norma Jurídica. Ensaio de pragmática da Comunicação

normativa, 4a ed. São Paulo: Editora Forense, 2006.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros,

2006.

FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Ática. 7ª Edição. 2000.

284

__________ As astucias da enunciação, categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo:

Ática, 2001.

FONROUGE, Carlos M. Giuliani. Conceitos de Direito Tributário, (trad. de Geraldo

Ataliba e Marco Aurélio Greco), São Paulo, Lael, 1973.

GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo:

Quartier Latin, 2003.

GIARDINO, Cléber. Introdução à teoria das reduções tributárias. Revista de Direito

Tributário. Volume 13-14. Ano IV. São Paulo. Julho/Dezembro de 1980.

GOMES, Nuno Sá. As situações jurídicas tributárias, 1ª Ed. vol. I, Lisboa, Cadernos de

Ciência e Técnica Fiscal, 1969.

GONZALES GARCIA, Eusebio. Temas actuales de Derecho Tributário. Coord. Pollyana

Vilar Mayer. Barcelona: J.M. Boch, 2005.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do Direito. 3a ed.

São Paulo: Ed. Malheiros Editores. 2005.

GRECO, Marco Aurélio. Norma jurídica tributária, São Paulo, EDUC – Saraiva. 1974.

__________ Tributo, definição e classificação - Dissertação de Mestrado 340 G791t

GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados internacionais em matéria tributária e ordem

interna. São Paulo: Dialética, 1999.

GUIBOURG, Ricardo A. Derecho, Sistema y Realidad. Buenos Aires: Editorial Astrea de

Alfredo y Ricardo Depalma, 1986.

GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. Os princípios e normas constitucionais tributários:

sua classificação em função da obrigação tributária. São Paulo: LTr, 1976.

IEZZI, Gelson. Matemática: Volume Único. Gelson Iezzi e outros. São Paulo: Atual

Editora, 1997.

JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix. 19ª Edição, 2003.

285

JAPIASSÚ, Hilton. Marcondes, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia, Rio de Janeiro,

Jorge Zahar Editor. 3ª Edição, 1999.

JARACH. Dino. Aspectos da hipótese de incidência tributária. Revista de Direito Público.

Vol. 17. São Paulo: Revista dos Tribunais.

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. São Paulo.

Saraiva. 1999.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luiz Carlos Borges. 3ª Edição.

São Paulo: Martins Fontes, 2000.

____________. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª Edição. São Paulo:

Martins Fontes, 2006.

LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios constitucionais tributários. São Paulo:

Malheiros, 1996.

LAPATZA, J.J. Ferreiro. Cuantificacion de la deuda tributaria. Revista de Direito

Tributário. Volume 49. São Paulo. Ano 13. Julho-Setembro de 1989.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 4ª Ed. Fundação Calouste Gulbenkian,

Lisboa. 2005.

LIMA GONÇALVES, José Artur. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros,

1998.

__________ Imposto sobre a Renda - Pressupostos Constitucionais. São Paulo:

Malheiros, 2002.

__________ Contribuições de Intervenção. In: Grandes Questões Atuais do Direito

Tributário. Coord. Valdir de Oliveira Rocha. 7º Volume. São Paulo:

Dialética.

LYONS, John. Lingua(gem) e lingüística. Uma introdução, Trad. Marilda Winkler

Averbug. Rio de Janeiro. LTC. 1987.

286

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª Edição. São Paulo:

Malheiros Editores, 2008.

__________ Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. São Paulo:

Dialética, 1991.

__________ O princípio da capacidade contributiva. Cadernos de Pesquisas Tributárias,

vol. 14, São Paulo: Resenha Tributária, 1989.

MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max

Limonad, 2000.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do

Brasil. vol. 6, tomo I. São Paulo. Saraiva. 1990.

MASSANET, Juan Ramallo. Hecho imponible y cuantificación de la prestación tributaria.

Revista de Direito Tributário. Volume 11-12. Ano IV. São Paulo.

Janeiro/Junho de 1980.

MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS - Problemas Jurídicos. São Paulo: Dialética, 1996.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 9ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1995.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:

Malheiros Editores. 2005.

__________ O Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3a Ed. 15a tiragem. São

Paulo. Malheiros Editores. 2007.

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS Teoria e Prática, São Paulo: Dialética, 2002.

__________ Curso de Direito Tributário, São Paulo, Dialética, 2001.

__________ Aspectos teóricos e práticos do ISS. 2ª Ed. Dialética, São Paulo, 2001.

__________ Contribuições Sociais no Sistema Tributário, São Paulo: Editora Malheiros,

2006.

287

MICHELI, Gian Antonio. Curso de Direito Tributário. São Paulo. Revista dos Tribunais.

1978.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, 5º volume, São Paulo:

Editora Saraiva, 32ª edição, 2006.

MORRIS, Charles W. Fundamentos da teoria dos signos. Trad. Milton José Pinto. Rio de

Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca. 1976.

MOUSSALEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo. Editora Noeses.

2006.

NINO, Carlos Santiago. Introducción al Análisis del Derecho: Colección Ariel Derecho.

8.ed. Barcelona: Editorial Ariel, 1997.

NOGUEIRA, Rui. Curso de Direito Tributário. 14ª Ed. São Paulo. Saraiva. 1995.

OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade contributiva – conteúdo e eficácia do

princípio. 2ª Ed. Rio de Janeiro. Renovar. 1998.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia

contemporânea. São Paulo: Loyola, 2001.

PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de renda. Rio de Janeiro – APEC, 1969

PINHO, Alessandra Gondim. Fato Jurídico Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001.

PINKER, Steven. Como a mente funciona. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2001.

QUEIROZ. Luíz César Souza. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo:

Martins Fontes. 1998.

ROCHA, Valdir de Oliveira. Determinação do montante do tributo: quantificação, fixação

e avaliação. 2ª Edição. São Paulo: Dialética, 1995.

288

ROSS, Alf. Logica de las normas. Trad. Jose S.-P. Hierro. Madrid: Editorial Tecnos, 1971.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 1ª Edição. (Coleção Primeiros Passos). São

Paulo: Brasiliense, 2006.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 2ª Edição, São Paulo: Max

Limonad, 1999.

__________ As classificações no sistema tributário brasileiro. In: Congresso

Internacional de Direito Tributário, 1, Vitória, Justiça Tributária. 1988.

__________ Compensação e Restituição de tributos. In: Repertório IOB de

Jurisprudência. 1ª Quinzena de Fevereiro de 1996, nº 3.

SCAVINO, Dado. La filosofía actual: Pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidós. 1ª

Edição. 1999.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19ª Edição. São Paulo:

Malheiros, 2001.

__________ O processo constitucional de formação das leis. São Paulo: Malheiros, 2006.

SOUZA, Rubens Gomes. Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho. Comentários ao

Código Tributário Nacional: parte geral. 2ª Edição. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1985.

__________ Compêndio de legislação tributária. Edição Póstuma. São Paulo: Resenha

Tributária, 1975.

__________ Interpretação no Direito tributário. São Paulo. Saraiva, 1975.

__________ Um caso de ficção legal no Direito Tributário: A pauta de valores como

base de cálculo do ICMS. Revista de Direito Público. Volume 11, Ano III.

São Paulo: Revista dos Tribunais. Janeiro-Março de 1970.

TELLES JÚNIOR, Goffredo. O Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Max Limonad. 1ª Edição. 1985.

289

__________ A criação do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1953.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 17ª Edição. São Paulo: Malheiros,

2005.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 5a. Ed. Rio de Janeiro.

Editora Renovar. 1998

UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. 2ª Ed.

Malheiros Editores. 1999.

VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. Max

Limonad. São Paulo. 1997.

__________ Causalidade e relação no direito. 4ª Edição. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000.

__________ Norma jurídica – Proposição Jurídica (Significação semiótica). Revista de

Direito Público. Ano XV. Vol. 61. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1982.

WARAT, Luís Alberto. O direito e sua linguagem. 2ª Ed. Porta Alegre. S.A. Fabris. 1995

XAVIER, Alberto Pinheiro. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, 1ª

ed. Ed. Revistas dos Tribunais, 1978.