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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP LEONARDO NUNES PEREIRA FERNANDES “PERIGO ALEMÃO OU GERMANOFOBIA”? OS ALEMÃES EM SÃO PAULO ENTRE 1889 E 1918 MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL SÃO PAULO 2011

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Nunes... · As relações entre Brasil e Alemanha, no decorrer dos séculos XIX e XX, ... “perigo alemão” e refletir

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

LEONARDO NUNES PEREIRA FERNANDES

“PERIGO ALEMÃO OU GERMANOFOBIA”? OS ALEMÃES

EM SÃO PAULO ENTRE 1889 E 1918

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

LEONARDO NUNES PEREIRA FERNANDES

“PERIGO ALEMÃO OU GERMANOFOBIA”? OS ALEMÃES

EM SÃO PAULO ENTRE 1889 E 1918

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em História Social, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Estefânia Knotz Canguçu Fraga.

SÃO PAULO

2011

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente ao Grande Arquiteto do Universo.

À Capes pela bolsa concedida no último ano de pesquisa.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pelo ambiente propício ao

desenvolvimento acadêmico de Qualidade.

Aos professores que lecionaram as disciplinas do curso de mestrado, Antonio

Rago, Maria Antonieta, Maria Odila, Maria do Rosário, aos professores da

banca de qualificação Antonio Totta e Vera Lúcia muito obrigado. Ao professor

Antonio ZIlmar, pelos conselhos, disponibilidade e sugestões durante este

trabalho. À professora Célia, que revisou este trabalho com tanto critério e

carinho. E, especialmente a Profª Drª Estefânia Knotz Canguçu Fraga, por toda

atenção, incentivo, paciência e porque não pelas cobranças, fatores

fundamentais para a conclusão desta dissertação de mestrado, professora,

muito obrigado.

Aos amigos de sala de aula, Felipe, Luciano, Marcelo, Regis e Rafael.

Aos funcionários do Arquivo Público do Estado de São Paulo, a Michaela Stork,

do Instituto Martius-Staden que contribuiu, não somente com a digitalização

dos exemplares do Germania utilizado na pesquisa, como também com

informações sobre a comunidade Alemã de São Paulo. Muito obrigado

Michaela.

Ao meu referencial, José Luis Vasquinho, professor do ensino médio que fez

despertar em mim a paixão pela História. Aos meus alunos do ensino médio do

Colégio da Polícia Militar (Centro).

Ao meu sogro Eli e minha sogra Edeli, aos amigos Fábio Silvestre, Greg, Erica

e Beto, que em muitos momentos de aflição foram meu ponto de fuga nas

brincadeiras e churrascos de domingo com tardes deliciosas.

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Ao meu sogro Agnaldo e sua esposa Rita, e minha cunhada Camila.

À minha base, meus irmãos, Hernanda, Leandro e Ricardo pela inspiração e

compreensão em muitos momentos de ausência.

Aos meus heróis de infância, meu pai (Hermes) e minha mãe (Josefa), que

apesar de toda dificuldade empreendida pela vida, educaram a mim e aos

meus irmãos. Absolutamente tudo que tenho hoje é exclusivamente advindo de

um metalúrgico e de uma empregada doméstica. Mãe-Pai qualquer

agradecimento não seria suficiente, as palavras não conseguem expressar

minha veneração a vocês.

Este trecho final, dedico a pessoa mais importante nestes dois anos de

mestrado, pessoa esta que, caminhou do meu lado nessa estrada, dividindo

comigo desde a alegria de receber o e-mail de aprovado na seleção, até as

aflições e cobranças do cotidiano da vida acadêmica, que não somente,

enxugou as minhas lágrimas como chorou comigo também, e nos momentos

mais difíceis foi quem me motivou a não desistir (- pensa de onde você veio,

você chegou muito longe para desistir agora, entre outras frases), com

paciência motivou e me deu inspiração, este titulo de mestre não é apenas meu

e sim nosso, minha amada esposa Viviane.

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Você não sabe o quanto eu caminhei, pra chegar até aqui, percorri milhas e milhas antes de dormir, eu nem cochilei.

Os mais belos montes escalei...

(Cidade Negra)

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RESUMO

O que é o perigo alemão? Ele realmente existiu? Ou apenas perscrutava

o imaginário da sociedade? Os franceses, diante da derrota na Guerra Franco-Prussiana, seguidos pelos americanos inspirados nos ideários da Doutrina Monroe, foram os principais divulgadores da tese do “perigo alemão” que consistia na probabilidade de as colônias do Sul do Brasil representarem o ponto de entrada para expansão imperialista alemã na América. Tão logo tais justificativas e argumentos ideológicos eclodiram em território nacional, acabaram influenciando as elites brasileiras e permitindo que se difundisse aqui a iminência do perigo estrangeiro, que acabou por afetar, diretamente, as colônias alemãs. Este trabalho tem como fulcro nevrálgico discutir o perigo alemão na cidade de São Paulo, no balizamento temporal entre 1889 a 1918. Busca enfatizar as perseguições e as vigilâncias empreendidas contra os alemães e teuto-brasileiros, através da análise dos periódicos Germania, O Estado de São Paulo e a Gazeta, assim como dos prontuários policiais, estabelecendo um paralelo entre as publicações feitas pelos jornais, condizentes co o “perigo alemão”, e o reflexo das mesmas, na sociedade paulistana, demonstrando que a ideia de “perigo alemão” foi, ainda mais, legitimada e disseminada entre a população, devido às veiculações por parte da imprensa.

Palavras-chave: Perigo alemão, Alemães em São Paulo, Periódicos, Prontuários Policias.

ABSTRACT

The danger is that German? He really exist? Or just prefaced the imagination of society? The French, before the defeat in the Franco-Prussian War, followed by Americans inspired by the ideals of the Monroe Doctrine, were the main promoters of the thesis of "German danger" which was the probability of the colonies in southern Brazil represent the entry point for expansion German imperialism in America. As soon as such ideological justifications and arguments broke out in the country and in turn influenced the Brazilian elites and allowing here would spread abroad the impending danger, which eventually affect, directly, the German colonies. This work has the nerve to discuss the core German danger in the city of São Paulo, marking time between 1889 to 1918. Seeks to highlight the persecution and surveillance campaign against the German Teutonic-Brazilian and through periodic analysis of Germania, O Estado de Sao Paulo and Gazeta, as well as the police records. Performing a parallel between the publications made by the newspapers, consistent and reflect the danger of German society in the same venues, showing that the German idea of danger was even more legitimate and widespread among the population due to placements by the press. Key words: Danger German, Germans in Sao Paulo, Journals, Medical recordsCops.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8 CAPÍTULO I

O PERIGO ALEMÃO SOB A ÓTICA DO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO .................................................................................................. 28

1. 1 O imigrante alemão em São Paulo ................................................ 28 1.2 O perigo alemão no jornal O Estado de São Paulo ........................ 36

CAPÍTULO II

GERMANOFOBIA: PERIGO LATENTE OU FOBIA AOS ALEMÃES? A VISÃO DO PERIÓDICO GERMANIA .................................................. 62 2.1 A imprensa alemã em São Paulo ..................................... 62 2.2 Germanofobia: perigo latente ou fobia aos alemães? .................... 66

CAPÍTULO III

A COMUNIDADE ALEMÃ EM SÃO PAULO DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL: PERSEGUIDA PELOS JORNAIS E VIGIADA PELA POLÍCIA ..................................................................................... 82

3.1 Breve contexto da entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial .. 82 3.2 Os jornais e o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha .............................................................................................. 86 3.3 “Boches” Malditos: os alemães em São Paulo durante a Primeira Guerra Mundial segundo o Jornal A Gazeta ........................................ 97 3.4 A vigilância policial sobre os alemães durante a Primeira Guerra Mundial ................................................................................................ 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 118 FONTES ........................................................................................................ 122 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 124 ARTIGOS ....................................................................................................... 129 ANEXOS ........................................................................................................ 131

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INTRODUÇÃO

As relações entre Brasil e Alemanha, no decorrer dos séculos XIX e XX,

deram-se de muitas formas. Contudo, este estudo focar-se-á em um processo

ocorrido junto ao imigrante alemão, que aqui ingressara, por meio do processo

de imigração, e que, dada uma junção de conjunturas nacionais e

internacionais, passou a ser visto como ameaça à soberania da Nação.

A bibliografia sobre a imigração alemã para o Brasil, estudou a

resistência dos alemães à integração na sociedade e à miscigenação,

preservando suas características étnicas, os modos de vida e a língua, que se

constituiu em forte símbolo de identidade germânica, sobretudo na região sul

país. Segundo estudos, os imigrantes alemães mostraram-se resistentes ao

processo de integração à sociedade receptora e à miscigenação, preservando

suas características étnicas, nas regiões que ocupavam, cultivando muito dos

modos de vida alemão e também a sua língua1.

Os alemães, tendo em vista a onda imigratória, recebida pelo Brasil,

eram numericamente inferiores às demais nacionalidades que se aqui

instalaram e se estabeleceram, em sua maior parte, na região sul do país,

fazendo jus à política vigente, que tinha em conta a ocupação das terras

devolutas.

Segundo Seyferth tem-se que:

A imigração alemã, numericamente, foi muito menos significativa do que a italiana, portuguesa, espanhola e japonesa. Também não apresentou período de maior afluxo, caracterizou-se por entradas mais ou menos constantes no período de 1850 a 1919, com aumento brusco na década de 1920, relacionados a dificuldade do pós guerra na Alemanha2.

1 CAMPOS, C. M. A política da língua na era Vargas: proibição do falar alemão e resistência no sul do Brasil. Tese de doutorado. Campinas: Unicamp, 1998, p. 18. 2 SEYFERTH, G. Identidade étnica, assimilação e cidadania: a imigração alemã e o Estado Brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 9, n. 26, 1994, p. 103-122.

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Percebe-se, por meio dessa afirmação que, mesmo sendo

numericamente inferior, a população alemã e sua descendência alcançaram

visibilidade, através, sobretudo, de notícias veiculadas em jornais de São

Paulo, sobre a ameaça que representava a presença de alemães no país,

especialmente em áreas onde se constituíram colônias pouco permeáveis aos

contatos com a população brasileira

Dessa forma, o objetivo principal dessa pesquisa é o de estudar o

“perigo alemão” e refletir sobre essa problemática a respeito da constituição da

ideia de que os alemães representariam perigo para a nação brasileira, tendo,

como temática central, as notícias, nos periódicos paulistanos sobre o perigo

que os alemães poderiam representar para a segurança nacional. Assim, esta

pesquisa intitula-se O “perigo alemão” ou Germanofobia? Os alemães em São

Paulo entre 1889 e 1918.

Muitas pesquisas foram desenvolvidas, tendo como foco os imigrantes

no sul do país. No entanto, aqui será proposto um novo balizamento temporal

(1889 - 1918), deslocando-se o olhar do eixo sul do Brasil, para voltá-lo à

região sudeste, mais precisamente, para a cidade de São Paulo.

O recorte histórico selecionado -1889 a 1918 - abarca a Proclamação da

República e o final da Primeira Guerra Mundial, e tem por intenção contribuir

para os estudos historiográficos que envolvem o tema, dado que a maior parte

dos principais estudos, até agora desenvolvidos, via de regra, ocupam-se da

imigração alemã na região sul do país, fato compreensível, por ter sido nela

que ocorreu a maior recepção de imigrantes de origem alemã e por ter sido o

local em que se instauraram as maiores e mais representativas colônias de

alemães.

No que se refere ao deslocamento espacial do sul para São Paulo, a

pesquisa apóia-se no fato de que, com a Proclamação da República, as críticas

ao enquistamento das comunidades alemãs tornaram-se mais frequentes,

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associando-se a isto, o surgimento, na Alemanha, da Liga Pangermânica3 -

organização que incentivava os laços de pertencimento étnico – cujos ideais

propostos ecoaram nas comunidades alemãs do Brasil e resultaram em

debates entre os intelectuais. Tais questionamentos resultaram em contendas

entre a intelectualidade e os políticos brasileiros, reproduzidas nas páginas de

três jornais de grande circulação: O Estado de São Paulo, A Gazeta de São

Paulo e o jornal da comunidade alemã Germania.

É oportuno lembrar que Nelson W. Sodré menciona, em sua obra

História da Imprensa no Brasil4, que a imprensa é, por muitas vezes, a

responsável pela difusão de ideias e de informações que refletem a sociedade

à qual está inserida e, no período que compreende esta pesquisa, o jornal

fazia-se muito presente entre as mais diversas camadas sociais; permitindo o

acesso e a propagação de ideias dentre os seus leitores. Por fim, no que se

refere ao período da Primeira Guerra, o foco recairá os prontuários policiais

registrados na cidade de São Paulo, que possibilitarão um novo olhar sobre a

questão.

Para que se possam aprofundar as questões propostas nesta pesquisa,

é necessário fazer-se referência, tanto ao contexto político nacional quanto ao

internacional, para se entender a temática que orienta a pesquisa sobre o

potencial perigo representado pelos imigrantes alemães à unidade e segurança

do território brasileiro.

É sabido que, no transcorrer do século XIX, os estados germânicos5

apresentavam estruturas organizacionais feudais, condições que seriam

transpostas, a partir da derrota para o exército francês, que introduziu, nos

territórios conquistados, os modelos de administração e economia

fundamentados no código civil napoleônico. Tais conflitos exerceram influência

3 SEYFERTH, G. A Liga pangermânica e o “perigo alemão” no Brasil: Análise sobre dois Discursos Étnicos Irredutíveis. História. Questões e Debates, Curitiba, v. 5, n. 18/19, 1992. p. 113-156. 4 SODRÉ, N. W. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 96. 5 A descrição como Alemanha surge pós-unificação anterior a este processo é caracterizado como, Confederação Germânica.

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na formação do nacionalismo alemão e posteriormente na consolidação do

Estado alemão6.

O processo de unificação completou-se, na segunda metade do século

XIX, quando os resquícios revolucionários de 1848, juntamente com o

desenvolvimento industrial prussiano e a política de exaltação do espírito

nacionalista, consolidaram a expansão dos territórios germânicos,

confrontando, dessa forma, com os interesses de outros países e levando a

Confederação Alemã a afrontar belicamente três países no período de sete

anos, o que culminou na Guerra dos Ducados (1864), na Guerra Austro-

Prussiana (1866) e, por fim, na Guerra Franco-Prussiana (1870 – 1871), sendo

esta a responsável, efetivamente, por unificar os estados germânicos, a partir

do Tratado de Frankfurt, que define Alsácia e parte da Lorena, como territórios

do recém Império Alemão.

Posterior à Guerra Franco-Prussiana, de 1870/1871, e, mediante as

indenizações de guerra que o lado derrotado concedeu em pagar, e a

concentração de poder proporcionada pela fundação do Reich, retomou-se o

desenvolvimento industrial, que tinha como fulcro a formalização de um Império

unificado territorialmente e próspero economicamente.

Deste modo, concomitantemente à expansão capitalista do século XIX, e

com a entrada da Alemanha na corrida imperialista, em regiões africanas e

asiáticas, cria-se nos países europeus o receio de que a Alemanha poderia

anexar determinados territórios estratégicos na América. Os franceses, diante

da derrota na Guerra Franco-Prussiana, seguidos pelos americanos inspirados

nos ideários da Doutrina Monroe, foram os principais divulgadores7 da tese de

““perigo alemão””, que consistia na probabilidade de as colônias do Sul do

Brasil representarem o ponto de entrada para a expansão imperialista alemã na 6 OLIVEIRA, R. S.“Colonização alemã e poder: a cidadania brasileira em construção”. Dissertação de Mestrado, UNB, Brasília 2008, p. 38. 7 No que condiz com a propaganda francesa ver L’ essor industrial et commercial du peuple alemmand. IN: SCHINAIDER, A. B. “Sílvio Romero: hermeneuta do Brasil.”. São Paulo: ANNABLUME, 2005, p. 184. Pelo viés Americano (GREATER GERMANY IN SOUTH, GERMANY SOUTHERN BRAZIL, LITTLE GERMANY, GERMAN INASION IN SOUTH AMERICAN) In: SEYFERT, G. História: Questões & Debates, ano 10 n° (18/19). 1987, p. 123.

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América. Tão logo tais justificativas e argumentos ideológicos eclodiram em

território nacional, acabaram influenciando as elites brasileiras e permitindo que

se difundisse aqui a iminência do perigo estrangeiro, que acabou por afetar,

diretamente, as colônias alemãs, no Brasil.

Fato substancial para o fortalecimento da ideia de que os alemães eram

representantes de um perigo que se instaurava em território nacional, é o

pioneirismo desses imigrantes em território brasileiro, se comparados aos

demais povos europeus não portugueses, uma vez que a imigração

quantitativa dos mesmos só ocorreu por volta de 1870. A imigração alemã foi

apoiada pelo governo brasileiro, a partir do decreto datado de 16 de março de

1820, que menciona:

Considerando a vontade de migrar que os diferentes povos da Alemanha e de outros países manifestam pelo excesso de suas populações e considerando oportuno o estabelecimento de colônias estrangeiras no seu Reino do Brasil, seja para bem deste mesmo Reino, seja para bem das famílias e pessoas que formarão as ditas colônias, Sua Fidelíssima Majestade Real se dignou determinar as condições sob as quais estes colonos deverão ser admitidos e as vantagens que lhe serão outorgadas.8

Para Silvana Siriani, esse decreto pode ser associado a dois fatores

incomuns: o primeiro relativo ao branqueamento da população, haja vista, que

de 3.500.000 brasileiros havia 1.500.000 escravos9; o segundo, relativo á

introdução e à ocupação de terras devolutas na região sul do Brasil, pois as

tensões diplomáticas nas cisplatinas eram evidentes. Como contenção, o Brasil

precaveu-se com a distribuição de terras para colonos10. Sendo assim, em

1824 chegaram as primeiras ondas migratórias para o povoamento dessas

áreas.

8 SIRIANI, C. L. S. “Uma São Paulo Alemã: vida quotidiana dos imigrantes germânicos na região da capital (1827 – 1899)”. São Paulo: Ed imprensa oficial, 2003, p. 63. 9 Idem p. 46. 10 Estima-se que 3.000 soldados alemães lutaram no front em prol brasileiro na Guerra da Cisplatina. LISBOA, K. M. “Olhares alemães sobre a imigração no Brasil: imperialismo, identidade nacional e germanismo”. Espaço Plural, ano IX, n° (19), 2008.

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Durante aproximadamente 50 anos, os alemães exerceram duplo papel

no Brasil, pois, se de um lado, exerceram deliberadamente uma influência

étnica desejada na formação do país, por outro, preservaram em suas colônias

a identidade alemã. O “enquistamento étnico”, entendido aqui como a

preservação de traços culturais típicos da nacionalidade de origem11,

consolidaria, no imaginário brasileiro, as concepções de não assimilação e, por

conseguinte, de ““perigo alemão”12”.

O sentimento de pertencimento identitário dos alemães é consequência,

como afirma Giralda Seyfert, do próprio sistema de colonização empregado

pelo Brasil.

Deve ser ressaltado, porém, que o isolamento étnico da maior parte da população de origem alemã estabelecida no Brasil, em parte, foi consequência do próprio sistema de colonização, através do qual os imigrantes europeus ocuparam terras devolutas, áreas pioneiras, sob controle direto ou indireto do Estado, sem qualquer preocupação com a integração destes à sociedade brasileira13.

Pelo fato de estarem concentrados em determinados espaços

geográficos relativamente isolados e por ocuparem áreas pioneiras e

enfrentarem as dificuldades impostas pela situação, as colônias alemãs

preservaram sua individualidade étnica, a partir dos casamentos endogâmicos,

da criação de sociedades de ajuda mútua e da propagação dos ideários

Deutschtum14 (Germanidade ou Germanismo), que constituíam a valorização

dos costumes culturais, como a língua e a unidade étnica. A concepção

11 Não se diz que apenas os imigrantes alemães e seus descendentes mantiveram seus costumes e identidades ligados ao território de origem, muito pelo contrário, outros grupos como italianos, espanhóis e árabes também se mantiveram ligados às suas identidades, entretanto o que surge como indagação é: se os outros imigrantes também matinham seus laços étnicos, por que apenas os alemães eram vistos como perigo para nação? 13 SEYFERT, op. cit., p. 124, 1987. 14 “marcador de uma ancestralidade genética permitia aos alemães afirmarem seu pertencimento a uma nacionalidade alemã – herdada e mantida através da língua e dos costumes alemães, partindo do princípio que um alemão é sempre um alemão, ainda que tenha nascido em outro país.” SEYFERTH, G. Nacionalismo e identidade étnica. Florianópolis, Fundação Catarinense de Cultura, 1981. PAG 3 – 20. GERTZ. R. “O “perigo alemão””. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1995, p. 32.

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ideológica do Deutschtum advém do termo Volktum, tangenciado pelo

nacionalismo romântico – ufanista alemão do século XIX. Sendo assim, o

prisma nacional era defendido por tradições culturais e não pela nacionalidade,

desvinculando-o da eventual cidadania de outra nação.15

Em 1891, foi criada a Liga Pangermânica (“Alldeutscher Verband)16, que

apoiava as associações, cujo intuito era preservar a nacionalidade alemã, tanto

pelo lado financeiro quanto pelo ideológico, como destaca, em seu estudo,

Marionilde Brepohl:

Divulgação e propagação dos planos expansionistas da germanidade, União integral da germanidade em todo mundo, Campanha em favor da germanidade no exterior17

Membros dessa instituição classificavam os colonos de origem alemã no

Brasil como “alemães no exterior” (“Auslandsdeutsche”) e entendiam que a

região das colônias de imigrantes alemães não poderia ser administrada como

domínios ou protetorados coloniais, mas que, por representar o reino alemão e

um potente mercado consumidor de produtos alemães, deveria ser beneficiada

por uma política econômica sistemática, visando à obtenção de lucros com

esse mercado em potencial. Dessa forma, as colônias existentes no Brasil

eram vistas como possíveis fontes de renda para a Alemanha.

As ideias propagadas pela Liga Pangermânica incentivavam a

conservação do Deutschtum18, sem ter em conta o local de nascimento do

alemão, pois a germanidade era uma questão herdada por laços culturais e

permitia considerar alemão todo aquele que possuía “sangue alemão”. Tal

condição permitia ser cidadão brasileiro (a cidadania), mas fiel à nacionalidade

de seus antepassados de origem alemã (a origem). Portanto, duas concepções

15 Idem, p. 37. 16 MAGALHÃES, M. B. Pangermanismo e nazismo. A trajetória alemã rumo ao Brasil. Campinas: UNICAMP, 1998, p. 105. 17 Idem. 18 SEYFERTH, op. cit., p. 3 – 20, 1981.

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de cidadania, uma brasileira, apoiada no jus solis, ligada ao território, e outra

apoiada no jus sanguinis19, fundamentam as concepções e valores étnicos.

Em tese que estuda o período - final do século XIX -, publicada em 1966,

pelo historiador alemão Jurger Hell e intitulada A política do Império Alemão

com vistas à transformação do sul do Brasil em uma Nova Alemanha

transatlântica (1890-1915), percebe-se que os ideais da Liga Pangermânica

não se faziam infundados, pois o interesse econômico pelas regiões brasileiras

eram anteriores até mesmo, ao ingresso da Alemanha na corrida imperialista:

A ideia de uma ‘Nova Alemanha’ na América do Sul remonta a um memorando redigido... em 1826, e ela experimentou, na primeira metade do século XIX, formas as mais diversas, dentro do contexto de uma emigração em massa. Sua execução foi assumida, depois da criação do Império Alemão, pelos porta-vozes da indústria de exportação e pelos ‘entusiastas colonialistas’ provenientes dos setores sociais médios, os quais, entre outros, criaram o Zentralverein fur Handelsgeographie und Forderung Deutscher Interessen im Ausland [Sociedade Central de Geografia Comercial e de Fomento dos Interesses Alemães no Exterior], o Kolonialverein [Sociedade Colonial] (desde 1884), o Alldeutscher Verband [Liga Pangermânica] (desde 1891), orientando suas atividade para o sul do Brasil. Mesmo antes que a África entrasse no foco das atenções colonialistas, esses grupos concentraram sua atuação no sentido de transformar o sul do Brasil num território alemão, numa Nova Alemanha Brasileira.20

Note-se que os setores econômicos ligados às associações de

preservação dos costumes alemães enxergavam no sul do país a possibilidade

de expansão de suas fronteiras, visto que, nessas terras, residiam alemães e,

por isso, poderiam ser consideradas território alemão21.

19 Idem, p. 3 – 20. – Aspecto que será aprofundado nesta dissertação. 20 HELL, J. Die Politik des Deutschen Reiches zur Umwandlung Südbrasiliens in ein Überseeisches Neudeutschland (1890-1914). Rostock: Philosophische Fakultät der Universität Rostock, 1966 (tese de doutorado). APUD. GERTZ, R. E. Brasil e Alemanha: os brasileiros de origem alemã na construção de uma parceria histórica. Textos de história , v. 16, n°2, 2008.

21 Vale lembrar que alguns intelectuais como; Von Heinrich Treitschke e Hermann Meyer apoiavam a imigração alemã para o Brasil e reprovavam a imigração para os E.U.A, pois segundo esses intelectuais, os imigrantes que se dirigiam para os E.U.A, eram rapidamente

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As ideias pregadas por todas as instituições, mencionadas no excerto

em questão, se propagavam entre os alemães que aqui residiam e que

buscavam cultivar seus costumes e que, por isso, passaram a ser vistos como

resistentes a uma possível integração à sociedade brasileira.

Das instituições de fomento aos alemães no exterior, a Liga

Pangermânica adquiriu maior destaque, pois, nos ideais difundidos por ela, via-

se a propagação dos interesses das organizações e dos grupos privados

alemães, pois, segundo René E. Gertz22, durante o período em pauta (1890-

1915), as instâncias alemãs (Zentralverein fur Handelsgeographie und

Forderung Deutscher Interessen im Ausland [Sociedade Central de Geografia

Comercial e de Fomento dos Interesses Alemães no Exterior], o Kolonialverein

[Sociedade Colonial] (desde 1884) e o Alldeutscher Verband [Liga

Pangermânica] (desde 1891) voltavam sua atenção para o sul do Brasil e para

a população de origem alemã que aqui residia, com intenção de aproveitar-se

de tal fato, seja pela expectativa de que essa população se tornasse um

mercado consumidor para produtos da indústria alemã, seja pela facilidade da

obtenção de matérias-primas brasileiras.

Pelo que foi colocado, até o momento, em relação a essa questão,

compreendem-se melhor os intentos de preservação cultural dos

pangermanistas, que visavam por meio do pangermanismo, expandir o

território alemão e manter a consciência nacionalista nos alemães que

imigraram, pregando a necessidade de manterem seus costumes e auxiliando

financeira e ideologicamente instituições como escolas, igrejas e demais

instituições culturais·.

“absorvidos” pela sociedade receptora, fato esse que não ocorria no Brasil. A manutenção da identidade pelos imigrante alemães que migraram para o Brasil, suscitaria, segundo os intelectuais, a possibilidade dos mesmos de serem consumidores de produtos industrializados da Alemanha. MEYER, H. Die deutsche Auswanderung nach Südamerika, besonders nach Südbrasilien. Verhandlungen des Deutschen Kolonialkongresses 1902. Berlin 1903, p. 641. Apud, LORENZ, S. “Processos de purificação: expectativas ligadas à emigração alemã para o Brasil (1880 – 1918). Espaço Plural, ano IX, n° (19), 2008, p. 29 – 38.

22 GERTZ, op. cit., p. 15 , 2008.

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As características do Deutschtum ou germanismo são muito importantes

para se entender a formação da ideia de “perigo alemão” no Brasil e, por

consequência em São Paulo, pois a reação a esses preceitos étnicos culminou

em desconfiança, em relação aos imigrantes alemães, pois estes

representariam os interesses e objetivos da Alemanha em relação ao Brasil.

Mesmo que a suspeita em relação aos alemães já houvesse ocorrido no início

do processo de migração, no sul do país, foi nesse período, final do século XIX

e início do XX, que ganhou força e divulgação a ideologia do “perigo alemão”,

tornando-se tema de livros e colunas permanentes em jornais, como será visto

mais detidamente, por exemplo, n’O Estado de São Paulo. Percebe-se, que as

características supracitadas contribuíram fortemente para a criação de um

conceito que permitiria enxergar, no imigrante alemão, perigo à soberania

nacional.

Dessa forma, observa-se que, durante as últimas duas décadas do

século XIX, desencadeou-se um conflito em relação a proposta de integração

junto à sociedade brasileira, pois, devido ao isolamento dos colonos, os

alemães, de modo geral, mesmo aqueles estabelecidos no meio urbano, como

São Paulo, onde era expressiva a presença de alemães dedicados ao

comércio, à industria e a outras profissões, passaram a ser vistos como figuras

representantes de um perigo estrangeiro por conservarem seus costumes, fator

este que culminou em críticas advindas de diversas instâncias da sociedade

brasileira que reforçavam a possibilidade de perigo de uma secessão do

território brasileiro

Em 1906, conferindo força às ideias contraproducentes, em relação ao

possível “perigo alemão”, ocorreu a publicação de “O allemanismo no Sul do

Brasil: seus perigos e meios de os conjurar”. O autor da obra, Silvio Romero,

critica o enquistamento étnico alemão, defendendo maneiras de conter os

avanços do Deutschtum:

1º) proibir as grandes compras de terrenos pelos sindicatos alemães, máxime nas zonas das colônias; 2º) obstar a que estas se unam, se liguem entre si, colocando entre elas, nos terrenos ainda desocupados,

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núcleos de colonos nacionais ou nacionalidades diversas da alemã; 3º) vedar o uso da língua alemã nos atos públicos; 4º) forçar os colonos a aprenderem o português, multiplicando entre eles as escolas primárias e secundárias, munidas dos melhores mestres e dos mais seguros processos; 5º) ter o maior escrúpulo, o mais rigoroso cuidado em mandar para as colônias, como funcionários públicos de qualquer categoria, somente a indivíduos da mais esmerada moralidade e de segura instrução; 6º) desenvolver as relações brasileiras de toda a ordem com os colonos, protegendo o comércio nacional naquelas regiões, estimulando a navegação dos portos e dos rios por navios nossos, criando até alguma linha de vapores que trafeguem entre eles e o Rio de Janeiro; 7º) fazer estacionar sempre vasos de guerra nacionais naqueles portos; 8º) fundar nas zonas de Oeste, tolhendo a expansão germânica para o interior, fortes colônias militares de gente escolhida no exercício.23

A posição de Silvio Romero diante da questão é nitidamente influenciada

pela propaganda franco–americana, uma vez que, em diversos momentos, o

intelectual busca a legitimidade de suas teorias, em recortes jornalísticos e

teóricos franceses, criticando a imprudência das autoridades brasileiras em não

atentarem ao “perigo alemão” 24.

O autor acreditava que, devido à Doutrina Monroe, não haveria o risco

do estabelecimento de colônias alemãs no sul do país, no sentido político-

imperialista, mas afirmava que o governo brasileiro deveria ter sempre em vista

os alemães, por representarem, constantemente, a possibilidade de

fragmentação do território.

É importante mencionar que, na obra em questão, Silvio Romero fazia

menção a Tobias Barreto, intelectual que defendia o germanismo para o Brasil,

por acreditar que os alemães difundiriam um grande legado científico, cultural e

moral, que seria de grande proveito para a República em formação e que

endossava tais ideias, acreditando também que os aspectos culturais alemães

23 ROMERO, S, O allemanismo no Sul do Brasil: seus perigos e meios de os conjurar. Rio de Janeiro: Typ. Heitor Ribeiro & C., 1906, p. 165-66. 24 Descreveremos os recortes jornalísticos quando compararmos as fontes.

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enriqueceriam a cultura brasileira; porém, segundo Gertz25, a posição de

Romero era contraditória, pois, para o autor, a parceria intelectual e cultural

deveria ocorrer sem a presença dos alemães no Brasil.

Segundo Poutignat e Streif26, a assimilação considerada ideal, para

Romero, deveria ser concebida como um processo de uniformização cultural,

via transformação dos imigrantes e de seus descendentes. Tal processo

resultaria na dissolução dos grupos étnicos e na absorção de seus membros na

sociedade de acolhimento dos imigrantes. Não se tratava, portanto, de uma

interpenetração e de uma fusão, que permitissem a integração de diferentes

grupos em uma vida cultural comum.

Essa posição em relação aos alemães se fez presente também em

outras obras, semelhantes à de Silvio Romero, a respeito do “perigo alemão”,

por exemplo, O perigo prussiano no Brasil27, obra publicada durante a Primeira

Guerra e de autoria de Raimundo Bandeira, que afirmava que as instituições

alemãs aqui existentes faziam parte de um projeto de concretização dos

objetivos alemães em relação ao domínio de regiões brasileiras:

O Reichstag de Berlim vota anualmente uma verba para as escolas públicas alemãs do Brasil; os médicos, dentistas e advogados diplomados pelas universidades de além-Reno exercem livremente as suas profissões nas colônias teutônicas do sul28.

Raul Darcanchy, em O pangermanismo no sul do Brasil, também

apontou as instituições como propagadoras do germanismo:

Existe no Estado de Santa Catarina grande número de batalhões de atiradores alemães que, so seu conjunto, constituem um perfeito exército colonial prussiano, sob o disfarce de associações de tiro teuto-brasileiras.

25 GERTZ, op. cit., p. 16, 2008. 26 POUTIGNAT, P, STREIF. J. Teorias da etnicidade. São Paulo: UNESP, 1998, p. 65–67. 27 ARBIVOHN. O perigo prussiano no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. do “Jornal do Comércio”, 1914, p. 35. 28 Idem, p. 24.

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Esse modelo de organização militar, criada e mantida pelos alemães, é quiça, a mais audaciosa obra do pangermanismo levado a efeito naquela porção do território nacional. Nada falta para lhes dar o caráter que efetivamente têm de há muito tempo, tropas de desembarque já desembarcadas29.

Ambas as obras criticam a fundação de instituições (escolas,

associações) pelos alemães, pois estas representariam e difundiriam a

manutenção da identidade cultural e religiosa dos imigrantes alemães.

Os efeitos da disseminação das ideias sobre os problemas que os

alemães, influenciados pelo ideário do pangermanismo poderiam representar

para o país em termos de segurança nacional, justificariam as reprovações em

relação aos alemães, nas três últimas obras supracitadas, uma vez que o

alastramento de instituições de caráter educacional, cultural, recreativo,

esportivo, religioso, social e econômico era visto, se associado a toda

conjuntura aqui exposta, como uma tentativa de “dominação” e não integração

entre os alemães e a sociedade receptora.

A eclosão do conflito mundial, em junho de 1914, elevou

acentuadamente o número de publicações anti–germânicas30, todavia não se

intensificaram apenas no plano político e no aumento de publicações contra os

mesmos, pois, segundo Gertz, em O aviador e o carroçeiro31, o panorama

nacional permite afirmar que as críticas aos imigrantes alemães transformaram-

se em atos de violência contra bens materiais, culturais e também contra

pessoas32.

29 DARCANCHY, R. O pangermanismo no sul do Brazil. Rio de Janeiro: s. e., 1915, p. 120. 30 ARBIVOHN. O perigo prussiano no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1914. DARCANCHY, R. O Pangermanismo no sul do Brasil. Rio de Janeiro: [s.n], 1915. 31 GERTZ, R. O aviador e o carroceiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. 32 Este viés será tratado no terceiro capítulo desta dissertação, buscaremos mensurar de que maneira o “perigo alemão” desloca-se do campo das ideias, para uma perseguição tanto social como institucional.

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Dentre as obras produzidas no período de guerra, uma se faz digna de

menção, O plano pangermanista desmascarado, do autor francês Andre

Cheradame, publicada em 1917. A obra baseou-se nas possíveis intenções do

Reich em anexar os territórios do Sul do Brasil, formalizando a conquista

territorial da Alemanha Austral ou Meridional33.

No prefácio, escrito por Graça Aranha, vê-se reproduzido o discurso da

incredulidade estatal e dos perigos relacionados às comunidades teuto-

brasileiras. Segundo ele se tem:

A massa de allemães aglomerados em zonas de territorio ocupadas exclusivamente por elles constitue um perigo imminente, pois a influencia de novos immigrantes, vindos da Allemanha e possuidos do espírito pangermanista, nos antigos colonos é uma ameaça permanente para o paiz, desapercebido de elementos de defesa. Ao lado dessa força latente, ha a atividade dos banqueiros, dos negociantes, verdadeiros agentes politicos, que pelos seus methodos, commerciaes se applicam infatigaveis ao trabalho da absorpção economica do Brasil pela Allemnaha; ha o zelo dos consules que se insinuam no interior do paiz; os professores de língua allemã nas colonias e nas zonas germanicas do territorio brasileiro; os viajantes e uma chusma de individuos que por toda parte zumbem apregoam, intrigam, remexem e esgaravatam na afanosa lida de preparar o terreno da Alemanha Austral. Temos de resolver o povoamento do território dentro das forças da nossa nacionalidade, e de todas as raças que buscam o Brasil, a menos assimilável e a mais perigosa pelo seu poder de absorção é a raça allemã. [...]. O elemento allemão subsiste perigoso e repulsivo. O futuro da nacionalidade brasileira exige a parada dessa infiltração allemã [...]. Será uma medida de sabedoria prohibir no Brasil a invasão teutonica, que se prepara para se espalhar no mundo depois da guerra34.

Graça Aranha teceu esses comentários durante o período da Primeira

Guerra, quando ocorreram os ataques às embarcações brasileiras. Em 1917, o

Brasil declarou guerra às Potências Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria) e o

33 CHÉRADAME, A. “O plano pangermanista desmascarado”. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1917, p. 211. 34 ARANHA, G. Brasil e pangermanismo. In: CHÉRADAME, op. cit., p. XXI – XXVI.

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discurso anti-germânico ganhou intensidade, afetando diretamente o cotidiano

das colônias germânicas, ao proibir o uso do idioma e ao fechar os jornais e

associações alemãs.

É necessário ressaltar que a obra, tendo sido prefaciada por Graça

Aranha – autor de muito prestígio naquele momento - fez com que as teorias

defendidas no livro ganhassem força. Tais teorias tinham por intuito denunciar

e vulgarizar o plano pangermanista, isto é, a suposta união dos povos

germânicos em um Estado único e as pretensões do Império de Guilherme II

de conquistar territórios na América do Sul.

Segundo Chéradame, o plano pangermanista teria sido criado no ano de

1895 e se fundamentava no exato conhecimento que os alemães haviam

adquirido dos problemas políticos, geográficos, econômicos, sociais, militares e

navais, não só da Europa, mas do mundo inteiro.35

Esta pesquisa busca especificamente encontrar os elementos que

constituíram aquele embate e, nessa direção, é expressiva a manchete do

jornal paulista A Platéia que, opinando a respeito da comunidade teuto-

brasileira designa:

“Si bem que de longe venham as reclamações contra abuso do ensino do allemão em nosso paiz, trabalhando habilmente feito para a germanisação, do Brasil, só agora procuram dar um combate decisivo ao mal que até aqui apenas se pediam ou suggeriam providencias, contra o que se passava em Santa Catarina: mas agora já se sabe que a obra satânica dos allemães é ativíssima em toda parte (...) cantar diariamente treis hymnos em allemão, não há melhor nem mais suggestiva propaganda, de resultados duplos, ao mesmo tempo que se germanisam, tendo atravez desses hymnos apenas a imagem da pátria de seus paes, as crenças vão se desafeiçoando da verdadeira patria” 36

35 CHERADAME, op. cit., p. 46. 36 (São Paulo, A Platéia, 2/11/17) In: BREPOHL, op. cit., p. 146. Ver também as páginas seguintes, jornais de outros estados como Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

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Mesmo com o final da Primeira Guerra Mundial e a derrota do Império

Alemão, ainda é possível encontrar manifestações que, comemorando a vitória

dos aliados na guerra contra os alemães, deixam entrever que a derrota dos

alemães no conflito representou a “salvação” do país de uma possível

conquista de território pelos germânicos, especialmente nos estados onde era

maior o número de colônias alemães.

O texto de Aranha é, nesse sentido, bastante expressivo:

Se ainda algum incrédulo duvidar das vantagens obtidas pelo Brasil em combater a Alemanha, se perguntar o que lucramos materialmente, a melhor resposta a esta indignação utilitária seria, aquela muito simples do obscuro, mas arguto jornal de província: Ganhamos São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul37.

Desta forma, é possível afirmar que, a partir da ideia de que as

comunidades alemãs representavam perigo em território nacional, resultou,

prioritariamente, em um profícuo debate entre os intelectuais que se dividiam

em suas opiniões, acentuando-se durante a Primeira Guerra Mundial, um dos

recortes temáticos do presente estudo38.

O estudo historiográfico, aqui proposto, privilegia o trabalho com jornais

e dialoga com autores que escreveram textos em que defendem e divulgam a

ideia de que os alemães aqui residentes poderiam representar um perigo para

a nação, tendo em vista o contexto histórico mundial, nas duas primeiras

décadas do século XX.

37 ARANHA, G. IN: GERTZ, op. cit., p. 12, 1991. 38 Tem-se um quadro que se instaurou no Brasil por consequência de uma política internacional que, inicialmente, entendia o alemão não residente em seu respectivo território como o representante dos preceitos ideológicos e políticos de sua nação de origem, e, ademais, desfavorecido pela política imigratória estabelecida pelo governo brasileiro, que estabelecia suas colônias em terras devolutas e afastadas dos centros urbanos, permitindo que estas compartilhassem preceitos que tinham em comum, como língua e folclore, entre outros. Até mesmo a necessidade de criação de instituições, como escolas e igrejas em suas propriedades é decorrência deste afastamento, que desvalia a possibilidade de integração entre os colonos e brasileiros.

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Fazem parte também da documentação consultada os jornais O Estado

de São Paulo, Germania e A Gazeta no período entre 1889 e 1918 e os

prontuários policiais do período em questão. O trabalho com essas fontes

permitiu traçar-se uma visão crítica de como o termo ““perigo alemão”” cunhou-

se e expandiu-se na cidade de São Paulo.

A dissertação está dividida em três capítulos, que têm como eixo

temático de estudo as questões que envolvem produção e divulgação de

notícias em periódicos impressos em São Paulo sobre o potencial perigo que a

presença de alemães representaria para o país e a posição do jornal alemão

Germania39 em resposta aquelas notícias

No primeiro capítulo, intitulado O “perigo alemão” sob a ótica do jornal O

Estado de São Paulo, serão trabalhados dois aspectos: o primeiro deles visa a

abordar, de forma sintética, a imigração alemã para São Paulo40, para que se

possa compreender a mudança espacial do eixo sul para o sudeste, além das

particularidades que a presença de alemães em São Paulo apresenta, em

contraposição à ocorrida no sul do país.

A segunda vertente tem por intuito a interpretação e a análise de artigos

que tratam a questão dos alemães residentes no país, sob uma ótica

acusatória e estereotipada.

O periódico O Estado de São Paulo pode ser considerado como um

representante da elite paulista e em seus textos, no tocante ao alemão

residente em São Paulo, estuda-se como a propagação do termo ““perigo

alemão”” ocorreu.

39 Os dois principais jornais da comunidade alemã durante o período de 1889 – 1917 é o Germania e o Deutsche Zeitung. Nesta pesquisa, o Deutsche Zeitung não aparece como fonte, pois o número de matérias relacionadas ao “perigo alemão” que encontramos foi muito reduzida. 40 Para maiores informações sobre o tema consultar as seguintes obras: ZENHA, Edmundo. Colônia Alemã de Santo Amaro. São Paulo, 1950. In Revista do Arquivo v. CXXXI. Departamento de Cultura. SIRIANI, C. L. S. “Uma São Paulo Alemã: vida quotidiana dos imigrantes germânicos na região da capital (1827 – 1899)”. São Paulo: Ed imprensa oficial, 2003. SÃO PAULO (ESTADO). A Imigração e as Condições do Trabalho em São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 1915.

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Para contrapor-se à visão do jornal O Estado de São Paulo, no segundo

capítulo, optou-se pela análise de um periódico produzido pela comunidade

alemã, em São Paulo, denominado Germania41, fundado em 1878. A escolha

por esse corpus se apresenta pelo fato de o periódico alemão rebater o

posicionamento expresso pelo jornal O Estado de São Paulo, mencionando

que o ““perigo alemão”” era uma utopia desmedida, e o que ocorria,

verdadeiramente, era uma Germanofobia (horror aos alemães).42 Sendo

assim, o segundo capítulo traz como título: Germanofobia: perigo latente ou

fobia aos alemães? A visão do periódico Germania.

A intenção de se trabalhar com essas duas fontes, O Estado de São

Paulo e o Germania, tem por intuito principal apontar visões díspares sobre a

mesma questão, que seja, germanofobia. O primeiro representa o ponto de

vista das elites paulistas e seus respectivos interesses, e o segundo, um

discurso que, se por um lado menciona que não existe um ““perigo alemão””,

mas sim um processo de germanofobia, gerado por “interesses escusos”, na

ótica do próprio jornal, e que não é compreensível a demora no processo de

assimilação de brasileiros e germânicos; por outro lado promove campanhas

para a preservação da cultura alemã.

Por meio das notícias, dos comentários e dos demais textos publicados

pelos periódicos, foi possível perceber como aqueles jornais se envolviam

nos dois lados da questão, objeto deste estudo: o ““perigo alemão”” em São

Paulo.

41 Outro grande jornal da comunidade alemã era o Deutsche Zeitung, todavia optamos pelo Germania por ser o periódico que mais trouxe notícias sobre essa questão e se envolveu na polêmica com o jornal O Estado de S. Paulo. Outros jornais paulistas também se envolveram na discussão do “perigo alemão”, porém estas discussões ocorreram apenas no período condizente a primeira guerra mundial. Dentre eles podemos citar: A nação e A Gazeta, este último será utilizado como fonte no terceiro capítulo, pois matérias sobre a polêmica envolvendo a discriminação dos alemães e representando-os como um perigo para o País, deixam de ser publicadas no jornal O Estado de São Paulo.  

42 BOLLE, C., Jornal Germania, 30 de dezembro de 1885, p.1. Apud: KOETHE, M. O Imigrante Alemão na Província de São Paulo - Opinião de Jornais. São Paulo, 1987. Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica.

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Ademais, trabalhar com os jornais permitiu compreender a constituição

de um discurso ideológico que envolve tanto o alemão aqui residente quanto

a imagem que se criou dele por parte dos brasileiros.

Por fim, o terceiro capítulo A comunidade alemã em São Paulo durante a

Primeira Guerra Mundial: perseguida pelos jornais e vigiada pela polícia será

subdividido em: 3.1 Breve contexto da entrada do Brasil na Primeira Guerra

Mundial, 3.2 Os jornais e rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e

Alemanha, 3.3 “Boches” Malditos: os alemães em São Paulo durante a

Primeira Guerra Mundial segundo o Jornal A Gazeta e 3.4 A vigilância policial

sobre os alemães durante a Primeira Guerra Mundial.

O enquadramento temporal deste capítulo refere-se exclusivamente ao

período que abarca a Primeira Grande Guerra.

Neste capítulo, será demonstrado que os fatos mencionados e

divulgados pelos periódicos analisados passaram do plano do discurso para o

da prática, sobretudo como consequência da eclosão da Primeira Guerra

Mundial, quando o alemão passou a ser visto como perigo real e iminente à

integridade da Nação brasileira, levando as autoridades locais a cercearem os

direitos da comunidade teuto-brasileira aqui situada.

Nessa etapa, será utilizado sobretudo o jornal A Gazeta de São Paulo,

pois o periódico O Estado de São Paulo deixa de veicular matérias sobre o

““perigo alemão””, fato que será discutido, com detalhes, no terceiro capítulo.

Com a proibição da veiculação dos jornais alemães (Germania e Deutsche

Zeitung) devido ao rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e

Alemanha, e posteriormente a declaração de guerra, perdeu-se a possibilidade

de se reconstruir este período sob a ótica dos jornais alemães; sendo assim,

buscou-se utilizar outra fonte, que permitisse a análise sobre as condições dos

alemães em São Paulo, durante a Primeira Guerra. A fonte escolhida foi um

diário encontrado no arquivo Martius-Staden, da senhora Frieda Stupakoff,

denominado “Familie Stupakoff in São Paulo”, que possibilitou obter razoável

compreensão da perseguição sofrida pela comunidade alemã de São Paulo.

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Para estudar a vigilância que o órgão policial exercia sobre a

comunidade alemã na cidade de São Paulo, foram consultados prontuários

policiais, que possibilitaram estudar tanto a ação da polícia em supostos casos

de espionagem, como também as denúncias realizadas contra os alemães, que

vão desde supostas padarias que envenenavam pães até aeroplanos que

serviriam para uma invasão da aviação alemã.

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Capítulo I

O “PERIGO ALEMÃO” SOB A ÓTICA DO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO 1.1 O imigrante alemão em São Paulo

A imigração alemã no Brasil iniciou-se pelo programa de incentivo a

imigrantes, do governo brasileiro, em 1818, mas foi somente em 1824, que

surgiria a formação da primeira colônia no Rio Grande do Sul, atual São

Leopoldo. De 1824 a 1833, o fluxo imigratório era contínuo. Outras regiões,

como o estado de São Paulo, também receberam alguns imigrantes nessa

época. Os imigrantes que se dirigiam para a região Sul estavam relacionados

ao processo de povoamento das terras e os que ficavam em São Paulo

supriam a mão-de-obra nas lavouras de café.

Entre os anos de 1850 e 1871, ano em que se instituiu o Império

Alemão, o processo imigratório intensificou-se, mesmo com algumas

interrupções passageiras, que questionavam o não-cumprimento das

condições divulgadas no estrangeiro, principal atrativo ao imigrante.

Segundo as autoras Claudia Mauch e Naira Vasconcelos43 o fluxo

imigratório de alemães no Brasil apresenta a seguinte configuração:

Imigração alemã no Brasil

Período Total

1824 - 1847 8.176

1848 - 1872 19.523

1848 – 1872 14.325

1880 - 1889 18.901

1890 - 1899 17.084

1900 - 1909 13.848

1910 - 1919 25.902

43 MAUCH, C; VASCONCELOS, N. (Org). Os Alemães no Sul do Brasil: cultura, etnicidade e história. Canoas: Ed. Ubra, 1994. p. 165.

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Os dados apresentados na tabela demonstram o fluxo imigratório de

alemães para o Brasil, no período correspondente à pesquisa, nota-se a

entrada de aproximadamente 31.000 alemães, que, em sua maioria, foram

direcionados para o Sul do Brasil. Na Província de São Paulo, segundo Sergio

Buarque de Holanda, no ano de 1887 havia aproximadamente, entre 12.000 e

15.000 alemães44.

Em dezembro de 1827, chegou a Província de São Paulo o primeiro grupo

de imigrantes alemães, composto por 226 imigrantes alemães de origens

diversas, se estabelecendo em diferentes localidades da Província. Alguns se

dirigiram para regiões como Santo Amaro, Itapecerica da Serra e regiões

próximas, que foram classificadas como bairros rurais. Os imigrantes que

vieram para a cidade de São Paulo se estabeleceram, na maior parte, na

região da Sé e de Santa Ifigênia45.

No que se refere aos alemães alocados em Santo Amaro, percebe-se,

pelos registros históricos, que passaram por uma série de provações. A vila em

questão não possuía ligação adequada com a província de São Paulo e

nenhum outro tipo de infra-estrutura capaz de receber e fornecer aos

imigrantes o necessário para as condições básicas de vida. As terras eram

montanhosas e pouco férteis, e toda produção agrícola e manufaturada era

utilizada para consumo dos habitantes do local. Inicialmente a dificuldade em

lidar com esse tipo de solo fez com que os imigrantes trabalhassem na lavoura

apenas para a subsistência dos seus sem excedentes para se comercializar.

Por outro lado, as regiões centrais, como a freguesia da Sé, eram locais

interessantes para os alemães, que buscavam manter seus ofícios de origem,

que não agrícolas, pois neles havia uma abundância de casas comercias e

prestadoras de serviços, que colaboravam para a criação e o desenvolvimento

44 HOLANDA apud DAVATZ , T. Memórias de um colono no Brasil – 1850. São Paulo: Edusp, 1980, p. 43-44. 45 Ribeiro, E. M. H “Os Alemães dos Núcleos coloniais de Santo Amaro e Itapecerica da Serra (1831-1914). Tese de Doutorado – FFLCH, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002, p. 35.

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da capital, além da grande circulação de moedas e mercadorias, que advinham

da movimentação desses comércios.

O bairro da Liberdade e Vergueiro eram outras duas localidades com um

número expressivo de alemães. Neles, segundo os dados empregados por

Marionilde Brepohl46, retirados de inventários e escrituras, encontrava-se uma

grande quantidade de comerciantes e artesãos. É importante mencionar que

nessa região estava a principal estrada de ligação entre a capital e a colônia de

Santo Amaro, o que permite concluir que o núcleo imigrante habitante da

capital mantinha contato frequente com a parte que optou por dedicar-se aos

trabalhos agrícolas.

Penha, Brás e Tatuapé foram também regiões que receberam imigrantes

alemães e nessas localidades coexistiam tanto pequenas chácaras, cujos

proprietários trabalhavam em regime de subsistência, quanto pequenos

comércios de casas de secos e molhados.

Ao chegarem aqui, o governo provincial não possuía um plano para

recebê-los e alojá-los adequadamente. Consequentemente as condições de

vida desses imigrantes eram muito precárias, como se percebe na seguinte

afirmação:

Lindas descrições, relatos atraentes que a imaginação entreviu: quadros pintados de modo parcial e inexato, em que a realidade é às vezes deliberadamente falseada, cartas ou informes sedutores e fascinantes de amigos, de parentes; a eficácia de tantos prospectos de propaganda e também, sobretudo, a atividade infatigável dos agentes de emigração, mais empenhados em rechear os próprios bolsos do que em suavizar a existência do pobre [...] logo que se ofereça oportunidade, decidem-se com freqüência a realizar os seus projetos até o dia em que – quantas vezes! – nada restará senão confessar o triste engano. “Fui ludibriado!” 47

46 MAGALHÃES, op. cit., p. 100. 47 DAVATZ, T. op. cit., p. 51. A repercussão dos seus escritos leva a Prússia a outorgar o Decreto von Heydt, o qual penalizava com perda de benefícios as empresas que transportassem imigrantes para o Brasil; desse modo, o restrito não pode ser visto como ato de proibição, mas sim um empecilho.

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Nos anos iniciais do Império, a cidade de São Paulo era pequena,

praticamente toda a movimentação ocorria em torno da Faculdade de Direito,

no largo de São Francisco. A cidade, conseqüentemente, atraía estudantes do

interior da Província e de outras regiões do Império. Contudo, a presença de

um número expressivo de imigrantes, em relação à população da cidade,

causava estranheza aos moradores.

Segundo Silvia Siriani48, os primeiros alemães que para cá foram

enviados, instalaram-se, primeiramente, no Hospital Militar de São Paulo,

estadia que durou cerca de dois anos, até que pudessem receber os lotes de

terras prometidos pela política imigratória.

As promessas feitas aos imigrantes alemães, pelas propagandas

imigrantistas, eram descabidas frente à realidade das condições econômicas e

estruturais da cidade de São Paulo e, com a vinda de números significativos de

imigrantes alemães para a cidade, o orçamento público ficou sobrecarregado,

uma vez que era necessário garantir subsídios diários para os imigrantes

alemães ($ 160 réis para os adultos e $ 80 réis para as crianças)49, assim como

arcar com os salários do funcionalismo público; entretanto, tais salários

deixaram de ser pagos para que o governo pudesse honrar com os subsídios

prometidos.

Neste ínterim, os imigrantes alemães passaram a ser vítimas de

desafetos, os jornais estampavam artigos criticando duramente as atitudes

governamentais e a população local enxergava os alemães como responsáveis

pelas mazelas econômicas nas quais se encontravam os cofres provinciais.

Uma das possíveis causas para o descaso e à desorganização, nos

assentamentos à disposição dos alemães em terras paulistas, seria uma

contenda que se instaurou nos meios políticos da província de São Paulo,

envolvendo a questão latifundiária sob dois vieses.

48 SIRIANI, op. cit., p. 40. 49 Idem, p. 58 - 59.

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O primeiro deles, defendido pelos políticos capitalistas, entendia os

imigrantes como aqueles que poderiam desmatar e preparar a terra para o

cultivo, construindo estradas e infra-estrutura a baixo custo para os grandes

proprietários; e o segundo, tendo sua representação maior na figura de Nicolau

de Campos Vergueiro, defendia arduamente a não-inserção de colonos

alemães em terras paulistas alegando que:

Chamar colonos para fazê-los proprietários a custas de grandes despesas é uma prodigalidade ostentosa, que não compadece com o apuro de nossas finanças. O meu parecer é, pois, que se acabe o quanto antes com a enorme despesa que está fazendo com eles.50

É notória a contradição desse discurso, pois o Senador Vergueiro foi um

dos incentivadores da imigração suíça/alemã, todavia defendia uma imigração

sob o regime de parceria, em que os colonos deveriam arcar com metade dos

custos da viagem Europa/São Paulo e ser inseridos em fazendas já existentes,

quando, no final do mês, dividiriam os resultados da produção entre proprietário

e colono. Desse modo, os imigrantes não deveriam receber pequenos lotes de

terra, pois fariam concorrência com os grandes latifundiários.

É clara, por meio da fala do senador Vergueiro, a crítica acerca da vinda

dos alemães para terras brasileiras, especificamente paulistas. Todavia, não se

pode deixar de mencionar que tal crítica representava apenas um ponto de

vista possível dentre as diversas posições em relação ao tema.

Em meio a uma política protecionista, os alemães adentraram a

província paulista, e dados os interesses locais, apenas em 1829, foram

encaminhados a Santo Amaro, Itapecerica da Serra e suas subdivisões de

Embu e Parelheiros.

Para as regiões acima mencionadas, destinaram-se os alemães cuja

intenção principal era o trabalho agrícola, porém, parte dos imigrantes

50 SIRIANI, S. C. L. Os descaminhos da imigração para São Paulo no século XIX: aspectos políticos. In.: São Paulo: Almanack USP. Disponível em: http://www.almanack.usp.br/PDFS/2/02_apresentacao_pt.pdf

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estabelecidos em São Paulo optou por manter-se junto aos centros urbanos e

exercer atividades e ofícios artesanais.

Na capital permaneceram aqueles com ofícios urbanos que, dado ao lento desenvolvimento industrial da região, puderam exercer seus ofícios artesanais sem grandes entraves. Um grande número de ferreiros, carpinteiros, padeiros, entre outros, passou a conviver com a população local que pôde usufruir também das pequenas fábricas de cervejas, chapéus, alfaiatarias, oficinas de fundição, relojoarias, tipografias, farmácias e inúmeros outros estabelecimentos comerciais.51

A inserção do trabalhador alemão, na então crescente economia da

cidade estabeleceu, a essas regiões, uma nova dinamicidade local, até mesmo

pelo fato de alguns desses imigrantes exercerem profissões liberais, como

professores, mecânicos, advogados, entre outros, fator que contribuiu para o

desenvolvimento da cidade de São Paulo.

Segundo Edmundo Zenha52, as colônias de imigrantes em São Paulo,

depois de formadas, eram abandonadas ao descaso das autoridades, uma vez

que nunca receberam professores ou pároco; com isso, a precariedade de vida

dos primeiros imigrantes alemães nas colônias acabava por ocasionar o seu

isolamento.

Outro fator que se tornava um empecilho na vida da comunidade alemã

era a questão religiosa, uma vez que a liberdade de culto não era garantida

pela Constituição brasileira, em que se institucionalizava o catolicismo como

religião oficial do Estado brasileiro. Vale ressaltar que a dos imigrantes

alemães era de fé protestante53 e os seus cultos não poderiam ser realizados

em templos ou em qualquer outro lugar que indicasse a religiosidade

protestante. Mesmo os enterros de imigrantes deveriam ser feitos em lugar

separado no Cemitério do Araçá.

51 SIRIANI, op. cit., p. 96. 52 ZENHA, E. Revista do Arquivo v. CXXXI São Paulo, Departamento de Cultura, 1950. 53 Segundo Siriani, nas documentações por ela levantadas, os indivíduos alemães de culto protestante correspondiam a 28,98% dos registros, contra 27,02% de católicos apostólicos romanos. SIRIANI, op. cit., p. 237.

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A situação de isolamento dava-se por fatores como os anteriormente

citados, mas também por uma questão espacial, uma vez que não existiam

estradas para São Paulo e os caminhos que permitiam acesso à capital eram

tortuosos, a ponto de fazer com que o percurso Santo Amaro – São Paulo

durasse alguns dias.

Posteriormente, em relação aos descendentes da segunda geração de

imigrantes, ocorreu o que Emílio Willems54 nomeou de acaboclamento do

imigrante, “uma relação de benefícios mútuos, de completude e

complementação entre o elemento teuto-brasileiro e a população nativa do

sertão de Santo Amaro”55. A relação entre o elemento imigrante e o nacional

tinha em conta os intercasamentos e, no que se refere à questão da terra, o

trabalho associativo com o caboclo, que conhecia a região em que residiam os

alemães e a tornava cultivável.

No entanto, é preciso ressaltar que esse processo de assimilação

existente entre alemães e santo-amarenses não ocorreu junto à primeira

geração de imigrantes que aqui se instalou, pois estes adentravam no países já

adultos e, dados os problemas que aqui se mencionaram, e que culminaram no

afastamento dos colonos alemães em relação aos centros urbanos,

deparavam-se, ainda, com a barreira dos idiomas distintos.

Outra peculiaridade em relação à distribuição espacial dos colonos

germânicos é que nem todos que foram para Santo Amaro trabalhar na lida

com a terra; uma vez que uma parte deles estabeleceu-se em torno do Largo

do Jogo da Bola, hoje, Largo 13 de Maio, pois nele configurava-se o centro

social e econômico da vila, além de ser passagem obrigatória para os demais

bairros da região. Assim, parte dos imigrantes instalou-se nessa localidade,

exercendo ofícios dos quais pudesse melhor se beneficiar, dada a

dinamicidade imposta pela localização estratégica do espaço.

54 WILLEMS, E. A Aculturação dos Alemães no Brasil. São Paulo: Ed. Brasiliana, 1980. 55 Idem, p. 90.

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A estrutura geográfica da distribuição dos colonos, que corresponde a

um percentual em áreas urbanas, e a outro, em regiões agrárias; a tentativa de

inserção dos mesmos na conjuntura tipicamente citadina da capital e a

perspectiva que tinham de organização e trabalho na área campesina;

associada, principalmente, ao “fechamento” e por que não dizer ao descaso da

elite dirigente na inserção destes indivíduos na estrutura urbana e agrária, com

o não-preenchimento das demandas públicas de que esses grupos

necessitavam, permitiram que tais ajuntamentos humanos – estabelecidos seja

na capital ou no campo – buscassem outras formas de resguardar a sua

subsistência em terras paulistanas, permitindo, dessa forma, a criação de

sociedades de ajuda mútua56.

Se essa era a conjuntura interna que se apresentava à estadia dos

colonos em terras paulistanas, ou seja, de abandono estatal e de

desorganização estrutural para sua permanência, obrigando-os às formas

alternativas de fomento à sua subsistência; externamente, no decorrer do

período, era possível se tanto com uma estrutura advinda da nova organização

do Estado Alemão, Liga Pangermânica, com a propaganda e a ideologia por

ela construída, da sempre identificação do alemão, independentemente do

local em que se encontrasse, - jus sanguinis -, como também com a divulgação

franco-americana, constituída de um conjunto de ações que associavam a

Deutschtum (germanidade) a uma série de ressalvas que culminaram, como já

visto anteriormente, na ideia de que esses imigrantes representavam um perigo

que ameaçava a soberania nacional.

Fica evidente que a situação do imigrante, que é devida à inserção na

sociedade brasileira, não tem relação com a vontade de diferenciar-se do todo

nacional, como aponta Silvia Siriani, que ao estudar como se dava a dinâmica

espacial da população de imigrantes alemães na Província percebeu pelos

registros em inventários, escrituras e hipotecas, que aqueles estavam de certa

56 Associações como a Sociedade Germania, fundada em 1868 com intuito de auxiliar os imigrantes recém chegados. Sociedades musicais como Club Haydn, fundada em 1887. Deutsche Hilfvsverein (sociedade alemã beneficiente), sociedade alemã de socorro, dentre outras. È importante ressaltar que a maioria dessas associações buscavam, beneficiar a comunidade.

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forma, bem distribuídos em toda a região de São Paulo, não se concentrando

prioritariamente em bairros ou ruas específicos, deslegitimando qualquer

possibilidade de se dizer que existiam bairros alemães o contrário, o que

ocorreu, de fato, foi uma “pulverização germânica”, pois estes se encontravam

nas mais diversas áreas da província.

1.2 O “perigo alemão” no jornal O Estado de São Paulo.

Parte-se aqui de uma citação de Heloísa de Faria Cruz, que afirma que

“a importância crucial dos meios de comunicação faz da reflexão sobre a

comunicação social um campo social interdisciplinar estratégico para a

compreensão da vida” 57. Desta afirmação, afere-se que o estudo de fontes que

estão diretamente inseridas no contexto social como, é o caso dos jornais

trabalhados nesta pesquisa, permite analisar como se produziram e se

divulgaram imagens sobre os imigrantes alemães e o suposto perigo que

representavam para a unidade nacional.

Nesta parte, estudou-se o jornal O Estado de S. Paulo, no período entre

1889 e 1918, partindo-se de cuidados metodológicos que foram indicados por

autoras como Heloisa Cruz.

Renée Zicman chama a atenção para o fato de que a “imprensa é rica

em dados e elementos, e para alguns períodos é a única fonte de

reconstituição histórica, permitindo um melhor conhecimento das sociedades

ao nível de suas condições de vida, manifestações culturais e políticas” 58, ou

seja, é uma fonte importante, no acesso à informação que se permite conhecer

e esclarecer as mais diversas opiniões que se criavam e se divulgavam acerca

do imigrante, mas sempre com atenção aos cuidados metodológicos que a

natureza dessa fonte coloca. 

57 CRUZ, H. F. e PEIXOTO, M.R.C. Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. Projeto história, São Paulo, n. 35, p. 255-272, dez. 2007. 58 ZICMAN, R. B. História através da imprensa – algumas considerações metodológicas. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História da PUCSP. São Paulo: PUCSP, nº4, Junho de 85, p. 89-102.

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É preciso deixar claro que, como veículo de informação, os jornais,

dadas as articulações históricas, agiram como força ativa na constituição de

processos de “hegemonia” social, pois atuam e atuaram diretamente na

articulação, na divulgação e na disseminação de projetos, valores, ideias e

comportamentos, em um mesmo período histórico, na sua atividade de

produção de informação de atualidade e, por consequência, na formação de

uma visão imediata de realidade e de mundo. De acordo com Heloisa Faria

Cruz:

Convém lembrar que não adianta simplesmente apontar que a imprensa e as mídias ‘têm uma opinião’, mas que sua atuação delimitam espaços, demarcam temas, mobilizam opiniões, constituem adesões e consensos59.

Percebe-se, portanto, que a eleição de dois jornais, como objetos de

estudo, torna-se justificável por se entender a imprensa como instrumento de

manipulação de interesses e de intervenção nas relações sociais, deixando

claro que se trata de uma fonte que não deve ser entendida apenas como

transmissor imparcial dos fatos ocorridos em determinado contexto, pois este

se encontra inserido em uma realidade político-social que, evidentemente, é

refletida em seus textos, que se tornam, por consequência, representantes de

ideologias e posições defendidas pelos veículos de divulgação.

Cotejando as informações acima às questões inicialmente propostas

nesta dissertação, nota-se, nos periódicos mencionados, uma fonte de extrema

riqueza, uma vez que apresenta o ponto de vista de dois grandes jornais da

época a respeito do imigrante alemão à sociedade paulista.

Viu-se anteriormente que a ideia de “perigo alemão” deu-se por uma

junção de fatores com os quais se passou a entender o afastamento das

comunidades teuto-brasileiras, como uma ameaça à nação brasileira, na

Região Sul do país, onde os imigrantes alemães formaram colônias com pouca

inserção na sociedade da região, conforme informam pesquisas realizadas

59 Heloisa de Faria Cruz, H. F. e Peixoto, M.R.C , op. cit., p. 255-272.

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sobre o assunto60. Todavia, questiona-se aqui, como tal problemática se

instaurou onde os imigrantes alemães não formavam grupos separados,

relativamente isolados, mas, ao contrário, se integravam à economia e à

sociedade local, como foi o caso da cidade de São Paulo

Para encontrar dados que permitam refletir sobre a questão acima

colocada, trabalhou-se o periódico O Estado de São Paulo, como fonte

principal nesta parte da pesquisa. Percebeu-se, no decorrer da pesquisa, que

este periódico constituiu-se como meio privilegiado para produzir e divulgar

opiniões, atingindo diversas camadas sociais do Estado de São Paulo, como já

foi pesquisado por autores que usaram como fonte esse jornal.61

Defensor de ideais abolicionistas e republicanos, surge no ano de 1875

A província de São Paulo, periódico que antecedeu O Estado de São Paulo.

Segundo Nelson Werneck Sodré o jornal surgiu em um momento histórico

extremamente conturbado:

No momento em que vários acontecimentos políticos abalavam o país, tais como a Lei do Ventre Livre, o surgimento das idéias republicanas e o alastramento do abolicionismo, a imprensa do governo era ardorosa e disciplinada, sentia-se a necessidade de um jornal que, não sendo republicano extremado viesse a discutir com serenidade os absorventes problemas do momento. Para esse fim constitui-se uma sociedade em comandita, levantando 50 contos de réis de capital, surgindo A Província de São Paulo, vivia de anúncios comerciais, falecimentos, missas, espetáculos de teatro, negros fugidos, não havendo venda avulsa. A partir de 1884, o jornal assumia posição francamente republicana62.

60 WILLEMS, E. A Aculturação dos Alemães no Brasil. São Paulo: Ed. Brasiliana, 1980. Seyferth, G. Nacionalismo e identidade étnica: a ideologia germanista e o grupo étnico teuto brasileiro numa comunidade do Vale do Itajaí. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. Dreher, M. N. Igreja e germanidade. São Leopoldo: Sinodal, 1984. Gertz, R. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. Magalhães, M. D. B. Alemanha mãe-pátria distante. Campinas: Unicamp, 1993. (Tese de Doutorado). 61 Autores como: Nelson Werneck, Maria Ligia Prado e Maria Helena Capelato. SODRÉ, N. W. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Ligia. O Bravo Matutino. Imprensa e Ideologia no jornal “O Estado de S. Paulo”. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. 62 SODRÉ, op. cit., p. 122.

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No entanto, no decorrer dos anos, o periódico transpôs o papel de mero

anunciante de serviços e mercadorias que inicialmente constituíam a maior

parte de suas publicações, para defender, com mais afinco, seus postulados

liberais e, na maior parte das vezes, posicionar-se de maneira contrária aos

governos constituídos.

Segundo Maria Ligia Prado em O bravo matutino, A Província de São

Paulo63 manteve uma posição jornalística que ultrapassava os limites do

informar imparcialmente, mas representava e atuava como órgão formador da

opinião pública.

Em suas primeiras décadas de existência, A Província de São Paulo

pode ser caracterizada como representante dos interesses dos latifundiários do

café, pois, mesmo questionando os problemas existentes nas leis de imigração,

segundo Mercedes G. Kothe64, era no interesse de que tais entraves fossem

resolvidos que as publicações se faziam, pois visavam ao maior fluxo da

imigração.

As notícias publicadas no jornal O Estado de São Paulo, a partir 1891,

data da fundação da Liga Pangermânica, são divulgadas, contendo alertas

sobre a possibilidade da expansão imperialista da Alemanha na África e

expondo os perigos que tal intenção poderia trazer para a nação brasileira,

caso se estendesse ao país, com a ajuda e o apoio de imigrantes alemães

radicados no Brasil.

Essa questão ganha ainda mais força ao associar-se à propaganda

franco–americana que, no Brasil, obtinha o apoio de intelectuais como Silvio

Romero, que publicou em 1906 -“O allemanismo no Sul do Brasil: seus perigos

e meios de os conjurar” - com o objetivo de – na opinião do autor - esclarecer e

63 CAPELATO, M. H; PRADO, M. L. op. cit., p. 150. 64 KOETHE, M. O Imigrante Alemão na Província de São Paulo (1880 a 1889) - Opinião dos jornais da época. São Paulo, 1987. Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica, p. 14.

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apontar os motivos que comprovam que o imigrante alemão representa um

perigo à soberania nacional.

É nesse turbilhão de acontecimentos e de propaganda ideológica que o

alemão é noticia quase diária no jornal O Estado de São Paulo, material

divulgado para todo o estado de São Paulo.

Aqui busca-se analisar detidamente notícias que ganharam as páginas

do jornal em questão, para se poder compreender melhor como se deu a

dinâmica da formação de uma opinião que produzia, em conjuntura

internacional (a ameaça imperialista na África e a presença de alemães no

país, sobretudo nas colônias do Sul que se mantinham relativamente isoladas

da sociedade local ) a imagem do alemão como um elemento perigoso para a

integridade territorial da nação.

Diferentemente do atual formato de diagramação assumido pelo O

Estado de São Paulo que hoje se conhece, em que, na primeira página do

jornal, encontra-se as principais manchetes e seus respectivos lides –

parágrafo introdutório que conduz o leitor para o restante da notícia,

geralmente publicada em um caderno específico – a página inicial de O Estado

de São Paulo, no período estudado, apresentava uma série de pequenas

colunas que tratavam dos mais diversos assuntos, que iam desde publicações

e respostas a cartas de leitores a pequenos classificados e anúncios de

serviços gerais.

Entretanto, mesmo possuindo diagramação diferenciada da atual, a

primeira página de um periódico simbolizava, assim como nos dias de hoje:

lugar de destaque. Como afirma Heloisa de Faria Cruz65 “a capa de um

periódico funciona como uma espécie de vitrine da publicação que, por meio de

“chamadas” indica ênfase em determinado assunto”.

65 Heloisa de Faria Cruz, H. F. e Peixoto, M.R.C , op. cit., p. 255-272.

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As reportagens e notícias trabalhadas nesta pesquisa, foram coletadas

na primeira página do jornal, o que indica que o tema imigrante alemão tinha

considerável importância, sobretudo levando-se em conta o lugar que notícias

sobre ele ocupavam no jornal.

Associe-se a isso, o fato de que um leitor, ao tomar contato com um

periódico, é na primeira página que concentra inicialmente suas buscas, para

que detenha sua atenção sobre aquilo que lhe é de interesse; todavia, não se

pode deixar de mencionar que, mesmo que um leitor não se atenha à notícia a

respeito do imigrante, é por meio da manchete exposta que, muitas vezes,

formará a sua opinião.

Em 29 de fevereiro de 1904, o jornal O Estado de São Paulo, publicou,

em sua coluna intitulada A vida nacional, texto em resposta a uma carta

enviada ao veículo por um imigrante alemão. Essa parte do jornal dedicava-se

a responder sempre a três leitores que se manifestassem a respeito de algo

publicado anteriormente:

Respostas: - A um allemão – A. C. M. de Bello Horizonte. [...] <<Um allemão, demonstrando-nos o seu apreço, qualilficou-nos a dias de germanophobo, traçando o vacábulo, com todas as letras, numa dedicatória. Está enganado o amável filho da gloriosa e velha Germania. Não nutrimos o menor sentimento hostil aos allemães. Antes admiramos nesse povo o seu caráter enérgico e intelectual e amor ao estudo (...) Simplesmente abrimos os olhos dos nossos compatriotas sobre o que descobrimos de verdadeiro no famoso perigo allemão, que nós, os próprios brasileiros éramos descuidosos das conseqüências futuras. Seremos germanophobos porque não negamos cega e obstinadamente a existência desse perigo? Mas como negar o que é evidente? Como desconhecer o que até a imprensa alleman reconhece, discutindo sem reservas a possibilidade de conquista do sul do Brasil? Nessa melindrosa questão não somos nem um ingênuo optimista nem um pessimista odiento. O nosso patriotismo não destroe o nosso bom senso. Sem alarmes injustificáveis, acham que, no fundo de tudo, há realmente, no modo de colonisação que se

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realisou em nossos estados meridionaes, uma seria ameaça para a integralidade da nação brasileira. Porque alli se constituíram e se conservam núcleos estranhos a população nacional, que podem motivar naturalissimos atentados a essa colossal pátria americana. (...) O que tememos é a propaganda dos pan-germanistas, cujo prestigio na opinião alleman é grande, segundo o confessou o insuspeito Max Nordeau. <<Um allemao>> mais veiu rebustecer esse receio nosso. A potencia que possue aquelles generaes emplumados, aquelles primorosos regimentos rutillantes, aquelles soberbos couraçados não sentirá tentações de usá-los contra um povo fraco e inerte cujas riquezas lhe convenham? (...) Para nós bastam apenas, de par com eficaz organização militar, escolas, muitas escolas boas, que pela razão e pelo amor convertam em excellentes cidadãos brasileiros, os filhos dos colonos, actualmente um tanto segregados da communhão nacional66.

P.P.

A vida nacional ocupava na primeira página do jornal, três colunas para

as respostas às cartas; a resposta dedicada ao alemão obtém espaço

considerável, 2/3 da mesma. Vem-se suscitadas, nessa resposta, questões que

se justificam pela conjuntura internacional instaurada pela Doutrina Monroe e a

propaganda gerada pela Liga Pangermânica. O trabalho com as matérias

publicadas, nessa parte do jornal, constituiu importante fonte de informação

sobre como era produzida a imagem e a ideia de que o alemão deveria ser

visto como um elemento perigoso para a segurança nacional.

Tem-se um texto, cuja assinatura limita-se a duas iniciais P.P., autor

esse que claramente defendeu os postulados ideológicos do jornal, assim

como os interesses da elite paulista. Primeiramente, antes das respostas às

cartas, a coluna foi apresentada ao leitor pelo editor do jornal, que deixou claro

que, cada vez mais, aquela coluna ia ganhando espaço entre os leitores e que

P.P. gozava de certa consideração entre eles: “Aplausos, porém, já nos tem

sido dispensados alguns, por maneira assaz e generosa, indicando que os

66 Jornal O Estado de São Paulo, 29 de fevereiro de 1904, Matéria: A vida nacional, capa.

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despretensiosos escritos de P.P.(grifo nosso) não desinteressam de todo aos

numeroso leitores do Estado67”.

O autor dos textos, portanto, gozava de certo prestígio e confiabilidade

junto aos leitores do jornal, fator que contribuiu muito para que suas afirmações

e acusações ganhassem caráter de “verdade” junto aos leitores.

A estratégia textual adotada por P.P. faz-se interessante, uma vez que o

brasileiro é apresentado em posição vulnerável, traçando um caminho

discursivo que parte do enaltecimento do alemã, para culminar em uma

associação que permitiria afirmar que a inteligência de um povo permite que

ele se torne audacioso diante de uma nação mais fraca.

Partindo de elogios à nação e ao povo alemão, P.P. menciona que os

brasileiros não sentiam rancor pelos alemães, mas reconheciam a

possibilidade de invasão no Brasil, utilizando como argumento principal uma

notícia publicada por um jornal alemão, que muito provavelmente simpatizava

com a ideologia da Liga Pangermânica como, por exemplo, o conceito de jus

sanguinis68, em que se faz alemão qualquer um que possua o sangue alemão e

o de jus solis69.

O jogo no uso dos adjetivos deixa claro que o autor da matéria procura

demonstrar que os brasileiros conseguiram conviver com os alemães, mesmo

possuindo ciência da periculosidade que eles traziam consigo. A aproximação

de ambos os termos de mesma classe gramatical - ingênuos e odientos -

coloca o autor em uma posição de segurança, pois permite que ele faça a

crítica e que também possa se justificar, se necessário, dizendo que seu texto

não incita a nenhuma atitude ou postura contra o imigrante aqui residente.

O autor da carta publicada no jornal – e que recebeu grande destaque

possivelmente por ir ao encontro dos objetivos do periódico - ao alertar para o

67 Idem. 68 SEYFERTH, op. cit., p. 35, 1981. 69 Idem 5

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perigo que o imigrante alemão poderia representar, colocou-se na retaguarda,

não se limitando à denúncia, mas em um jogo de construção da frase, para não

parecer contraditório, afirmando que os brasileiros não são ingênuos a ponto

de não reconhecerem um potencial perigo representado pelos alemães e que

além disso, o caráter do brasileiro não abrigava emoções como o ódio a um

povo ou a um grupo.

Uma das críticas mais marcadas pelo autor está no enquistamento das

comunidades da região Sul, fato este que fez com que os alemães tornassem-

se estranhos à população local, no processo de colonização utilizado para

povoar a região.

Para não incitar levantes contra os colonos teuto-brasileiros, o jornal

afirmava não ter dúvidas sobre a integridade do alemão aqui residente, mas

que não poderia deixar de considerar a força militar existente na Alemanha, à

disposição de um imperador inquieto e que, juntando-se esse fator às ideias da

Liga Pangermânica, o país poderia vir a ter problemas; para tal, justificou as

inserções militares alemãs em outros países como Panamá e Coréia.

P.P., no fim de sua resposta ao leitor, apontou que uma das possíveis

ações por parte do governo brasileiro seria a de oferecer educação aos colonos

para que os mesmos pudessem aprender a língua e a história do país e, desse

modo, se sentirem cidadãos integrantes da nação brasileira.

É importante salientar que o leitor do jornal não teve acesso à carta

enviada pelo alemão de Belo Horizonte, mas apenas à resposta elaborada pelo

jornalista, fato, que restringe a análise a apenas um dos pontos de vista, pois

também esta pesquisa não teve acesso à carta enviada pelo leitor.

Um fator considerável a ser discutido tem em conta outro processo

utilizado por P.P. no decorrer de sua resposta: a ironia. Um leitor desavisado,

ou seja, pouco atento às estratégias discursivas, lê o texto apresentado, sem

perceber que, muitas vezes, os procedimentos de adjetivação e rebuscamento

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do texto não colocam o povo alemão em posição de enaltecimento, mas sim,

em uma posição de questionável ironia.

Em 20 de março do mesmo ano, novamente a coluna A vida nacional

trouxe à tona o tema que discutia a existência do “perigo alemão”, todavia, não

sob forma de resposta a uma carta, mas em um texto que traçava comentários

acerca da questão. Percebe-se que a coluna tinha por objetivo discutir os

acontecimentos que estavam em voga no período, seja por meio de respostas

cartas de leitores, ou por reportagens e crônicas. A coluna inicia seu montante

com os seguintes títulos:

As provas da existência do perigo allemão – Pretensões curiosas e ataques insolentes. – commentários de um jornal – O que se conta na Allemanha70

Nesse texto, novamente assinado por P.P., nota-se um fato novo: até

então os alemães representavam um suposto perigo para a nação, naquele

momento, o autor afirmava categoricamente a existência do “perigo alemão”.

Para justificar sua tese, P.P. mencionava na coluna do jornal um panfleto que

havia chegado às suas mãos. Tal panfleto foi distribuído nas comunidades

alemãs do Sul do país.

Conforme opinião expressa, P.P., em matéria publicada no jornal em 20

de março de 1904, deixou claro que o fato de os alemães do sul expressarem,

através de panfletos e jornais, uma crítica aos mecanismos de integração dos

alemães, - como, por exemplo, pela frequência de crianças em escolas para

aprender a língua nacional – indicava que os alemães significavam

potencialmente grande perigo para a nação.

Fato que se coloca passível de questionamento, nessa notícia, é a

questão do posicionamento da imprensa. No início de seu texto, P.P. chamava

a atenção do leitor para que, naquele momento, haveira provas de que o

alemão aqui residente era um braço da política imperialista presente na

70 Jornal O Estado de São Paulo, 20 de março de 1904, Matéria: A vida nacional, capa.

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Alemanha “outro dia quando dizíamos a respeito de que tudo quanto corre a

respeito do muito discutido “perigo alemão”, havia sempre alguma coisa de

verdade, longe estávamos de pensar que mais um fato característico, viria logo

apoiar a nossa afirmativa71”. Em seguida, afirmou que O Estado de São Paulo

estava atento a isso e sempre disposto a alertar o leitor.

Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado dedicam-se a estudar, em

sua obra O bravo matutino, o nacionalismo e o regionalismo presentes em O

Estado de São Paulo. Tal estudo, leva a compreensão sobre o pioneirismo da

imprensa paulista em apontar o “perigo alemão” anteriormente à imprensa so

sul. As autoras diagnosticam que esse jornal possuía forte empenho em afirmar

a nacionalidade, corroborando uma consciência nacional, deixando

transparecer a presença do regionalismo paulista na ideologia de seus

representantes. Segundo elas, o ‘O ESP’, enfatizava que o movimento de luta

pela afirmação da nacionalidade brasileira deveria partir de São Paulo72.

Para Julio de Mesquita Filho, autor de A crise Nacional e, na época,

diretor do jornal aqui estudado, era natural que São Paulo encabeçasse esses

movimentos, pois:

uma fatalidade histórica quis que de São Paulo sempre partisse a palavra ou gesto decisivo para os destinos do Brasil nos momentos mais aflitivos de sua evolução. Aqui se plasmou a raça, daqui partiram os que deveriam traçar as fronteiras dentro das quais haveríamos de envolver... Por que, pois, faltarmos a nossa secular missão, e não darmos, agora, início a autonomia popular, integrando definitivamente a nacionalidade do conjunto dos povos democráticos do universo?73

Em 22 de maio de 1905, P.P. assinou outro texto voltado ao mesmo

tema, porém, agora, fora dos domínios da coluna A vida nacional. Tratava-se

71 Jornal O Estado de São Paulo, 20 de março de 1904, Matéria: A vida nacional, capa. 72 CAPELATO, M. H.; PRADO, M. L O bravo matutino. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980. 73 MESQUITA FILHO, J. de. A crise nacional – reflexões em torno de uma data. São Paulo, Seção de obras de O Estado de São Paulo, 1925, p. 32.

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de uma reportagem denominada Inquérito, cujo subtítulo era O imperialismo

alemão:

Nenhuma das potencias imperialistas precisa tanto como a Allemanha a conquistar colônias. Accumula todas as condições que determinaram o imperailismo contemporâneo. (...) Não tem sido fácil porém a velha Germania, esse triumpho inesperado. Tenzamente guerreadas pelos franceses, ingleses e yankees, com dificuldade lhes disputa os fregueses. Donde resulta evidente, para ella, a utilidade dos domínios coloniais, em que annulle a concorrência de competidores terríveis (...)74.

P.P.

Nesse texto, o autor relatava a situação política e econômica da época

na Alemanha, demonstrando que o império estava em constante expansão,

aumentando suas receitas, tornando-se um orgulho nacional e, por

consequência, aumentando seu número de habitantes.

Para P.P. estes fatores eram incentivos para que a nação alemã

continuasse na corrida imperialista e em busca de novos territórios. O

excedente populacional justificaria a busca por novos territórios, dado as

regiões alemãs serem, em sua maioria, inférteis, impulsionando a imigração

para outros países cujo solo e produções permitissem suprir a demanda que

surgia nas regiões alemãs.

O jornal enxergava, no avanço econômico, a justificativa para a

colonização e afirmava, como se percebe, no segundo excerto selecionado,

que, dados os impasses existentes entre Alemanha, França, Inglaterra e

Estados Unidos, aquela apontaria suas direções para as colônia brasileiras.

Em todo momento, o jornal, representado pela figura do jornalista,

colocava-se como sendo imparcial no tocante à questão.

74 Jornal O Estado de São Paulo, 22 de maio de 1904, Matéria: Um inquérito, capa.

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No dia 9 de julho de 1904, novamente sob o título principal de Inquérito e

sob assinatura de P.P., O Estado de São Paulo publicou reportagem, sob

seguinte subtítulo:

O perigo allemão - Há um perigo allemão? -Sim. E uma ameação termenda! Nesta disputa inútil e pavorosa estamos nós brasileiros, há cinco anos, a perder um tempo precioso, ora pretendendo ocultar o que é evidente, ora descobrindo o que não existe. Negam uns, por lamentável ignorância originado no receio de perturbar o espírito com assumptos desagradáveis (...) ... Ao Dr. Guilherme Weichman, que viajou pelo nosso paiz, disse a 12 de maio de 1901, na Sociedade Colonial Alleman de Berlim: - “No Brasil, os estados do sul oferecem tudo a immigração alleman e ao germanismo. Coritiba, a capital do estão brasileiro do Paraná é uma cidade completamente alleman, Santa Catarina é celebre pelo seu germanismo e o Rio Grande do Sul é um paiz allemão... O brasileiro é indolente. Não applica os músculos e o cérebro. Se o paiz não fosse de maravilhas, lá morreriam de fome todos os homens como os brasileiros. Esta nação está justamente predestinada a ser explorada. .... As leis brasileiras abrem largas portas á emigração, e o subdiro allemão fica sempre sob a proteção de seu governo: é só invocai-a quando a sua pessoa e bem correm perigo com os muitos distúrbios políticos da República. Mas não é só: o governo brasileiro nada desconfia das pretensões allemans. ... Reconhece que o Brasil deseja fomentar vivamente a immigração aleman e apoiar as empresas que têm capital allemães, mais que as exhortações germânicas para que permaneçam os immigrantes fieis ao idioma e as tradições de seu paiz, evitem as fusões das raças, brasileira e germânica, prpovocando os receios no Brasil. Tanto mais quanto os propagandistas do germanismo não ocultam os desejos de fundar um estado allemão em território brasileiro. ... Generoso amigo desta grande pátria brasileira elle quer brindar-nos com nada menos de duzentos mil colonos allemães (...) os seus intuitos serão meramente comerciais: trata-se de criar um vasto mercado consumidor de productos allemães. Comtudo, por causa das duvidas, pretende limitar esse mercado somente em nossos Estados meridonaes,

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onde os allemães conservariam a sua civilização, sua língua e suas tradições75.

P.P.

Nesta seleção de excertos, encontram-se aqueles considerados mais

significativos para análise da conjuntura social da época. A matéria, como

mencionado no primeiro período selecionado, inicia-se com um

questionamento: Há realmente um “perigo alemão”?

Diferentemente de outros textos, em que o jornal assumia um

posicionamento e que buscava demonstrar ao leitor que apenas expunha fatos,

naquele momento, era feita uma afirmação categórica da presença efetiva do

perigo. Todavia, assim como nas outras reportagens citadas, manteve-se a

mesma estratégia discursiva, ao sugerir que alemães devessem ser

considerados ilustres e respeitáveis. Esse recurso era uma tentativa do

jornalista de manter-se imparcial, diante das afirmações e das acusações feitas

em todo o texto.

A tese de que existe um real perigo justificava-se, em um depoimento

dado pelo Dr. Guilherme Weichman à Sociedade Colonial Alemã de Berlim, de

que, no Brasil, os estados do sul são prioritariamente alemães. Ademais, ele

citava que o brasileiro é um povo indolente e preguiçoso, que sobrevive

apenas, dado o fato de o país oferecer excelente quantidade de recursos, uma

vez que o brasileiro não era afeito ao trabalho, fator esse, que justificaria a

exploração.

O jornalista tentava demonstrar, a todo momento, para o leitor, que, na

Alemanha, eram constantes as articulações que buscavam incitar um

movimento separatista das regiões sulistas, justificando que o governo alemão,

como mencionado em discurso no Congresso Colonial de Berlim em 1903,

enxergava, nas colônias brasileiras, um extenso mercado consumidor de

produtos industrializados alemães, e que para tal enviaria cerca de duzentos

mil colonos para concretizar a iniciativa, porém, P.P. chamava a atenção para o

fato de aquelas intenções poderiam não ser puramente econômicas,

75 Jornal O Estado de São Paulo, 9 de julho de 1904, Matéria: Inquérito, capa.

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questionando o porquê de concentrar-se aquele mercado apenas na região sul

e que tal atitude culminaria em aumento demográfico de alemães no sul do

país, o que poderia dificultar a assimilação, que levaria diretamente à

separação dos estados do sul.

Visto o jogo de interesses existente em ambas as nações, a flexibilidade

de leis que suscitavam a imigração para o Brasil era vista com bons olhos,

dado o interesse comercial. A Liga Hanseática, grande proprietária de terras,

via nos colonos um grande mercado consumidor, lembrando que seu intuito era

de comprar e revender terras para os colonos.

No decorrer da reportagem, seu autor busca deixar claro que

independentemente de interesses comerciais, os colonos do sul e as intenções

alemãs não poderiam deixar de ser alvo de atenção dos brasileiros, pois, junto

a esse discurso de acordos comercias, estava a preservação de seus

costumes, ou seja, as pretensões comerciais associadas à preservação do

Deutschtum76, conceito que marcava uma ancestralidade genética do alemão,

possibilitando que este afirmasse o seu pertencimento à uma nacionalidade

alemã – herdada e mantida por meio da língua e dos costumes alemães.

22 dias depois, novamente, o jornal publicou matéria sob o título de O

“perigo alemão”. Ainda buscando posicionar-se de forma neutra, o jornal

direcionava seu foco a Guilherme II, atribuindo-lhe a qualificação de expoente

maior do pangermanismo.

Gyralda Seyferth77 menciona que Guilherme II representava fortemente

o ideário proposto pela Liga Pan-Germânica, principalmente no tocante à

aquisição de colônias para expansão do território alemão e construção de um

poderio naval forte o suficiente para fazer frente aos britânicos. Apoiado neste

fato e também no conceito de propagação do Deutschtum, que P.P. passou a

76 SEYFERTH, op. cit., p. 3 – 20, 1981. 77 Idem, p. 42.

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buscar argumentos que afirmassem a condição de representatividade do perigo

internacional.

A todo o momento, o jornalista demonstrava que, no Brasil, o processo

de assimilação dos colonos era inadequado:

O allemão que se dirige a enorme gueia dos Estados-Unidos perde-se em geral muito breve para a mãe pátria. O americanismo que tudo nivela, assimila-o; e a Allemanha todos os annos tem a se lamentar a perda irreparável de muitos patrícios trabalhadores. Nos Estados do Sul do Brasil, sobrepuja o germanismo78.

O jornalista deixava claro que o processo de imigração norte-americano

não permitia ao alemão a conservação de seus costumes, ou seja, o governo

norte-americano tinha ciência das intenções alemãs e, ao receber o imigrante

alemão, o acolheu e o assimilou, de modo a fazer com que ele fosse inserido

aos outros cidadãos e nivelado por ele. O processo, no Brasil era falho,

todavia, possibilitando que o Império Alemão enxergasse as colônias do sul

como alternativas à expansão territorial.

Para fortalecer seus argumentos, P.P. citava passagens do jornal

alemão Vossiche Zeitung, de 12 de maio de 1901, cuja reportagem

mencionava as vantagens de imigração para o Brasil, pois aqui, o alemão teria

boas condições e não estaria sujeito a um processo efetivo de assimilação,

diferentemente do que ocorria nos Estados Unidos.

Pelas informações accordes de todos os competentes, existem no Sul do Brasil as melhores condições para o crescimento das colônias allemans e os patrícios que lá se estabeleceram, mantiveram durante cinco gerações os costummes allemães79.

Citações mencionando a imprensa alemã eram uma constante nos

artigos de P.P., uma vez que buscava, por meio dos fragmentos mencionados,

esclarecer que o alemão, por muitas vezes, subjugava a nação brasileira e o

78 Jornal, O Estado de São Paulo, 9 de julho de 1904, Matéria: Inquérito, capa. 79 Idem.

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povo aqui residente, por não imporem aos imigrantes a assimilação da cultura

nacional - “mantiveram por cinco gerações os costummes allemães” – e

incentivarem a política de imigração. Por todo o momento, o jornalista deixava

claro que ele apenas “aprecia” os fatos, buscando denotar certa imparcialidade

diante dos mesmos.

A ideia de que os alemães representariam um perigo para a sociedade

brasileira, pela primeira vez, foi apresentada sob outro viés, quando O Estado

de São Paulo publicou, no dia 6 de agosto de 1904, artigo intitulado de Arcadia

da Alemanha, sob autoria de Euclides da Cunha. Este já possuía grande

respeito diante da intelectualidade brasileira e também perante os leitores.

Nesse artigo, Euclides da Cunha chama atenção do leitor para as

dificuldades de o Brasil constituir-se como uma nação, fundada no progresso

social, mencionando que as nações “civilizadas” poderiam acabar devorando-

nos cedo ou tarde. Criticando os governantes do país, assinalava que,

enquanto outros povos cresciam aceleradamente, os brasileiros mantinham-se

em crescente mediocridade. Procurava demonstrar que a nação tinha sido

incapaz de criar condições econômica e socialmente desenvolvidas, fato que

acarretaria em falta de forças para enfrentar o imperialismo moderno.

Para exemplificar suas indagações a respeito de como as nações

buscavam soluções, devido ao Imperialismo, Euclides da Cunha menciona a

Alemanha, afirmando:

A Alemanha é o melhor exemplo. E o caso típico de um povo sob a ameaça permanente de seu mesmo progresso. Passando, com uma rapidez sem par na história, do regime agrícola em que se aplicavam, há meio século, três quartos da sua gente, para o máximo regime industrial, onde se aplicavam hoje dois terços da sua atividade - ficou duplamente adstrita a todas as exigências do expansionismo obrigatório. Para viver e para agir. De um lado, calcula-se que o seu solo, intensamente explorado, no máximo, bastará a alimentar trinta milhões de homens, e ela tem quase o dobro. De outro, cerca de metade das matérias-primas, que lhe alimentam as indústrias, vem do exterior. Está numa alternativa. Ou isolar-se num papel

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secundário e obscuro, procurando, na emigração pacifica, um desafogo à sua sobrecarga humana - ou expandir-se, sistematicamente conquistadora, arriscando-se às maiores lutas80.

O autor chamava a atenção para o fato de a Alemanha ter se tornado

vítima de sua evolução, não possuindo, em seu território, solo suficiente para

suprir a demanda exigida pelo seu contingente populacional e apontava o fato

de muitos acharem que os territórios do sul seriam uma possível solução para

essa exigência que a eles se impunha. Buscava esclarecer, inclusive, que até

mesmo os alemães pensavam nessa estratégia, apresentando um excerto de

uma publicação alemã, cujo autor, Dr. Leyser, afirma:

"Hoje, nestas províncias (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) cerca de 30% dos habitantes são germanos ou seus descendentes: e, por certo, nos pertence o futuro desta parte do mundo. De feito, ali, no Brasil meridional, há paragens ricas e salubres, onde os alemães podem conservar a nacionalidade, e um glorioso futuro se antolha a tudo que se compreende na palavra - germanismus81".

Todavia, para a surpresa do leitor, Euclides da Cunha, pela primeira vez,

em O Estado de São Paulo, apresentava um contraponto a todas as

publicações que até então vinham sendo veiculadas e que buscavam

demonstrar o imigrante como um perigo à nação.

Consciente da realidade internacional, o autor explicava que dada a

corrida imperialista, a Alemanha encontrava-se entrelaçada em um jogo de

interesses que envolviam França, Estados Unidos e Inglaterra:

O seu duelo econômico com a América do Norte e com a Inglaterra é dos que não terminam nunca; a sua incompatibilidade com a França é irremediável; e a aliança com a Itália implica com a solidariedade latina renascente. Guilherme II, com o seu desastrado ansiar pelas simpatias de todo o mundo, só conseguiu um amigo, um deplorável amigo, o seu grande amigo Habdul-Hamid, o sultão vermelho, encouchado,

80 Jornal O Estado de São Paulo, 6 de agosto de 1904, Matéria: Arcádia da Alemanha, capa. 81 Idem.

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traiçoeiramente, nos Dardanellos, na encruzilhada suspeita de dois mundos... Argumenta que os interesses comerciais norte-americanos e ingleses não permitiriam aos alemães expandirem-se e formarem mercados consumidores extra-fronteiras que pudessem a vir abalar as suas respectivas relações comercias. E mais do que isso, acredita que dado todo este contexto político, a nação brasileira poderia manter-se extremamente calma e voltar seus olhares para o nosso “alevantamento próprio”. Por fim, encerra seu artigo afirmando que “Ali nasceu Schiller, de quem se conhece um verso admirável/Arcádia, pátria ideal de toda a gente!/ Sendo assim, errou o minúsculo sociólogo precipitado, A Arcádia da Alemanha não é o Brasil”.

Essa publicação fez-se interessante por demonstrar um ponto de vista

diferenciado do que até então se tinha. Pela primeira vez, em artigo de capa,

um autor chamava a atenção para a realidade nacional e demonstrava ter

conhecimento da dinâmica imperialista na qual se inseria a Alemanha,

afirmando categoricamente que os problemas políticos, econômicos e sociais,

advindos da corrida imperialista e dos impostos, na Alemanha, são de ordem

muito maior, que a impossibilitaria de expandir seus territórios para a região sul

do país.

No entanto, em 25 de agosto de 1904, P.P. voltou a assinar reportagens

de cunho acusatório aos alemães:

Um inquérito O pangermanismo e o Brasil. Sob a constante ação grande parte da imprensa alleman, que proclama de contínuo ser o Sul do Brasil uma terra alleman. (...) O Congresso Colonial de 1902 é de opinião que tanto o interesse ideal da cultura e da emigração allemans como o interesse da industria e commercio indicam, como uma necessidade, a conducção da emigração alleman para os paizes de clima moderado da América do Sul e principalmente para o Sul do Brasi82l.

O jornalista iniciou seu texto, partindo de afirmações que foram feitas

durante o Congresso Colonial de Berlim, no ano de 1902. Mencionava que já

82 Jornal O Estado de São Paulo, 25 de agosto de 1904, Matéria: Inquérito, capa.

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era um fato visto como certo pela imprensa alemã, que as colônias do Sul do

país se tornariam parte do território alemão, dada a quantidade de alemães

residentes nelas.

Apontou que o Congresso demonstrava a urgente necessidade da

imigração em massa, “principalmente para o sul do país” (grifo de P.P.) e

novamente afirmou que era preciso colocar-se em constante atenção, diante

dessas afirmações. Para embasar seus argumentos, P.P. citava a fala de Dr.

Jannasch, classificando-o como pessoa de influência e cujas ideias foram

muito respeitadas no decorrer do Congresso:

Para qualquer imigrante fazer-se proprietário de uma terra, não é preciso o <o formalismo dos juristas>, nem título legal, basta embrenhar-se pelas matas virgens, preparar a terra e regal-a, com o seu suor que é o seu sangue.83

O jornalista utilizava novamente um recurso que era uma constante em

seus textos: demonstrar como os alemães se enalteciam diante do brasileiro.

Na fala do Dr. Jannesch, era notável a supervalorização do trabalho alemão,

assim como a desorganização que possivelmente imperava, no tocante à

política de distribuição de terras.

No restante de seu artigo, o jornalista buscava afirmar que o tão amigo

Congresso, por tom irônico, foi supostamente convocado pela Sociedade

Colonial de Berlim e que esta possuía, entre seus membros, uma série de pan-

germanistas que estavam sempre a pregar a necessidade de manter a

consciência étnica de origem e a demonstrar, para todos os alemães fora de

território germânico, que estes nunca deixaram de ser alemães.

A corrente de idéias que avassalou o Congresso vem indubutavelmente dos pan-germanistas. Eles que fomentam em toda Allemanha, de alguns annos, que mais cedo, ou mais tarde, os Estados Meridionaes do Brasil, pertencerão ao Império formado por Bismarck. E que são esses pan-germanistas que tantos ruídos causam desde a unificação alleman? São os menbros

83 Idem 75.

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da poderosa Sociedade Pan-Germânica, cujo programma é: manter a consciência da unidade de origem alleman, defender os membros separados84...

Todo o parágrafo seguinte seguia por traçar os principais postulados da

Liga Pangermânica, fazendo afirmações sobre o quanto esses ideais eram

perigosos, quando há em um país grandes colônias de alemães.

Em seguida, P.P. apresentou depoimento de Max Nordeau, que

afirmava que os ideais da Liga Pangermânica poderiam ser prejudiciais ao

próprio governo imperial alemão, uma vez que poderia desestimular acordos

comerciais e cessar o movimento de imigração, dado que muitos poderiam

passar a entender os conceitos divulgados pelos pangermânicos como um

prenúncio de problemas políticos.

Na sequência, P.P. fez um apanhado dos argumentos utilizados em todo

o texto e voltou a traçar crítica aos pangermanistas, demonstrando que os

ideais da Liga eram visíveis, inclusos no próprio hino nacional da Alemanha:

“Alemanha, Alemanha acima de tudo, acima de todo o mundo”; enfatizando,

por todo o momento, que parte dos ideais dos alemães era demonstrar a sua

superioridade perante todas as nações mundiais. Para reforçar ainda mais a

representatividade de perigo, afirmava que os brasileiros não estavam

preparados para tamanha ameaça e que não possuíam, exatamente, nenhuma

condição de enfrentá-los, pois, além da força armada da Alemanha, cada

colono representa efetivamente um soldado alemão.

Para finalizar seu texto, o autor partia para a teatralização global,

afirmando que os interesses alemães, representados pela figura de seu Kaiser,

estavam dispostos a enfrentar as restrições impostas pela Doutrina Monroe e

criar, nas regiões norte-americanas, colônias alemãs.

Em reportagem de 20 de março, P.P. atentava ao leitor de O Estado de

São Paulo que o brasileiro deveria passar a se preocupar com o alemão, a

partir das ações destes, que permitiam crer que defendiam os ideais alemães. 84 Idem.

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No mês de setembro, P.P. legitimava o “perigo alemão”, citando atitudes

tomadas pela Liga Pangermânica, que justificariam entendê-lo dessa forma.

Primeiramente, P.P. afirmava ser a Liga uma fomentadora dos ideais de

Deutschtum, pois patrocinava materiais didáticos e enviava docentes alemães

para que a educação recebida viesse diretamente permeada pelas propostas

por ela divulgada e também manter forte a propaganda de incentivo à

imigração.

Recurso já conhecido daquele jornalista buscava em jornais ingleses,

franceses e norte-americanos, países que conhecidamente estavam em

constante embate com os alemães, argumentos que pudessem legitimar a sua

tese de que os alemães consistiriam sim em um perigo a soberania nacional.

Durante todo o ano de 1904, a questão do “perigo alemão” permeou as

primeiras páginas de O Estado de São Paulo. Com artigos e cartas escritos por

um único autor, cujas iniciais eram P.P., este buscava demonstrar que o

alemão aqui residente representava um perigo à soberania nacional por estar

diretamente relacionado aos ideais de deutschtum divulgados pela Liga

Pangermânica.

Percebe-se, pela análise detida dos artigos, que a estratégia discursiva

utilizada pelo autor, que sempre buscava deixar claro ser imparcial diante da

questão, levantava argumentos que fomentavam o olhar desconfiado para os

colonos.

A maior parte dos textos de O Estado de São Paulo baseava-se em uma

estratégia de enaltecimento e diminuição, em que o jornalista buscava

demonstrar como o alemão se vangloriava diante do povo brasileiro por meio

de constantes adjetivações. Os brasileiros foram, por inúmeras vezes,

chamados de “idiotas”, “frágeis”, “ignóbeis”, “lentos para o trabalho”, entre

outros, enquanto o alemão era descrito como povo “inteligente”, “trabalhador” e

“amante do saber”. Esse percurso discursivo criava, no leitor, um sentimento de

aversão ao próximo, que apenas reconhecia em si o que existe de produtivo.

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Em todos os textos aqui lidos, a questão do enquistamento era

demarcada como um forte argumento, que comprovava as intenções alemãs e,

em nenhum momento, questionava-se o fato de que o afastamento, em sua

maioria, se dava por motivos impostos pela própria política de imigração

brasileira, cuja intenção era a ocupação das terras devolutas.

Outro traço estilístico encontrado nos textos de P.P. era a constante

busca de argumentos, em outras fontes jornalísticas, principalmente de países

considerados, pelos brasileiros, como desenvolvidos e estruturados: França,

Estados Unidos e Inglaterra. Essas remissões às ideias propagadas em tais

nações, em específico, podiam ser compreendidas como argumentos de

autoridade, ou seja, aqueles que tentam sustentar uma conclusão, apelando ao

conhecimento ou à reputação de uma autoridade, no caso, países

estabelecidos política e economicamente.

Em 20 de março de 1904, em uma dessas suas remissões a jornais,

para mencionar um panfleto de autoria atribuída aos pangermanistas, P.P.

mencionou que se baseava em reportagem escrita pelo Jornal do Commércio

de Porto Alegre, e que este poderia ser considerado como fonte idônea, por

não se ater às questões do “perigo alemão”. Como já mencionado

anteriormente, esse fato chamava a atenção, uma vez que a imprensa, que

estava próxima ao principal foco de perigo, não via motivos para alerta.

Tal situação leva a pensar porque, de certa forma então, a imprensa

paulista buscava manter, em seus jornais, com relativa freqüência, o aviso de

que os imigrantes alemães eram representantes do “perigo alemão”, uma vez

que, em São Paulo, já estavam inseridos na dinâmica citadina e nas

comunidades paulistas mais afastadas, como Santo Amaro, segundo Silvia

Siriani e, no período desses escritos, já estavam acaboclados?

Uma possível resposta está diretamente relacionada à ideologia pregada

pelo O Estado de São Paulo. Em O bravo matutino85, suas autoras comprovam

85 CAPELATO, M. H.; PRADO, M. L. O bravo matutino. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980.

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que, por todo o momento, os postulados do jornal atendiam a perspectiva da

classe dominante; nesse caso, portanto, demonstrar que os alemães

representam perigo, estava ligado à questão da propriedade de terra, que

atingia a elite cafeeira paulista, haja vista que os alemães, ao chegarem a São

Paulo, adquiriam pequenas propriedades de terras, e, mesmo os que se

estabeleciam na região da capital, mantinham sua profissão de ofício,

constituindo-se assim como classe social intermediária, entre os grandes

proprietários de terras e as classes mais baixas (brancos pobres e escravos).

Em sua trajetória, o jornal sempre buscou traçar críticas ao estado de

coisas vigente, tentando despertar consciências e “modelá-las” conforme seus

valores e interesses políticos, procurando indicar uma direção ao

comportamento político do público leitor.

A atuação política do jornal se orientava por um projeto idealizado para o

Brasil e para São Paulo, cujas bases se prendiam a um corpo de ideias que

compunham a doutrina liberal e a experiência prática de outros países,

reforçando, então, as remissões feitas a outros jornais por P.P.

Segundo Ingedore Koch86, o processo de produção de um texto, no

quadro das teorias sócio-interacionais da linguagem, é concebido como

atividade interacional dos sujeitos sociais, tendo em vista a realização de

determinados fins.

Por meio da seleção e da análise dos artigos de jornal e seu estudo no

contexto geral do processo histórico brasileiro, levantou-se a hipótese de que

estes poderiam ter contribuído para a formação de uma mentalidade de “perigo

alemão”, e, partindo da afirmação de Koch, nota-se que, mesmo buscando

demonstrar imparcialidade, o discurso proferido pelo jornal, atendia a fim

específico e moldava opiniões. Por meio da formação discursiva adotada por

P.P., a enunciação conduzia, por muitas vezes, o leitor a concordar com o que

havia sido dito pelo jornalista.

86 KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2008.

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Pêcheux87 afirma que a formação discursiva está intimamente

relacionada à noção de formação ideológica:

Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, em uma formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina "o que pode e o que deve ser dito" (articulado sob a forma de uma alocução, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.).

O autor sugere que a questão ideológica é materializada por meio de

discursos e articulada por sujeitos; dessa forma, o sujeito é interpelado pela

ideologia que o constitui, ou seja, o assujeitamento; mostrando que, ao

enunciar, todo sujeito fala de uma formação discursiva, marcando uma posição

de sujeito. Dessa maneira, esse posicionamento acaba por constituir no sujeito

uma identidade enunciativa.

No campo discursivo, "posicionamento", deve ser entendido, mais

precisamente, como uma identidade enunciativa forte ("o discurso do partido

comunista de tal período", por exemplo88), um lugar de produção discursiva

bem específico.

O Estado de São Paulo, mesmo afirmando ser imparcial em suas

publicações, sempre marcou fortemente o seu posicionamento, diante da

questão que envolvia o imigrante alemão, a sua identidade discursiva, trazia

consigo o posicionamento das elites, ou seja, “(...) o sentido de uma palavra, de

uma expressão, de uma proposição, etc., não existe "em si mesmo (...)" mas,

ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no

processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são

produzidas (isto é, reproduzidas)”89.

87 PÊCHEUX, M. Semántica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 3.ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997, p.160. 88 CHARAUDEAU, P. & MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004. 89 PÊCHEUX, op. cit., p.160.

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Por fim, tendo em mente uma das definições de Michel Foucault a

respeito de formações discursivas, temos que “os enunciados, diferentes em

sua forma, dispersos no tempo, formam um conjunto quando se referem a um

único e mesmo objeto”90; o que permite afirmar que, mesmo não seguindo uma

sequência firme de publicação, e de diferentes gêneros, seja crônica, respostas

a cartas ou reportagens, o tema “perigo alemão” formou um conjunto de

produções que trabalhavam o processo de formação de uma mentalidade e,

diante do veículo através do qual eram divulgados, atingiam as mais diversas

camadas da população, contribuindo para que o conceito “perigo alemão” fosse

legitimado diante da sociedade paulista.

Em contrapartida, um órgão da imprensa da comunidade alemã

residente em São Paulo, no caso o periódico Germania, buscava rebater as

críticas proferidas aos teuto-brasileiros pelo jornal O Estado de São Paulo. Tal

posicionamento será o ponto norteador do próximo capítulo.

90 FOUCAULT, M. A ordem do discurso. 9.ed. São Paulo: Loyola, 2003.

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Capítulo II

GERMANOFOBIA: PERIGO LATENTE OU FOBIA AOS ALEMÃES? A

VISÃO DO PERIÓDICO GERMANIA

2.1 A imprensa alemã em São Paulo

Por volta do ano de 1875, houve um crescimento significativo da colônia

alemã, situada na cidade de São Paulo, cerca de 2.000 alemães91. Tal fato se

deu, devido ao desenvolvimento das relações comerciais entre Brasil e

Alemanha. Os alemães aqui residentes manifestavam o desejo de criar, assim

como fora feito no Rio Grande do Sul, um órgão de imprensa em língua alemã.

No interior da Sociedade Germania92, a idéia se fortaleceu e, através de cotas

de participação, os associados conseguiram reunir o capital necessário para a

publicação em 1878, do primeiro jornal em língua alemã do estado de São

Paulo, denominado Germania.

Os membros fundadores e cotistas, em sua maioria, integravam também

outras associações alemãs, como por exemplo, a Comunidade Luterana

fundada em 1872, a Sociedade Beneficente de 1865 e a primeira escola alemã

de São Paulo. A veiculação do jornal Germania trouxe resultados relevantes

para a comunidade alemã de São Paulo, transformando-se em um órgão de

união, integração e comunicação entre os membros residentes na cidade, e

outras províncias do Império.

Desde o começo das publicações, o Germania poderia ser adquirido e

assinado no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador e em cidades do interior

91 KOETHE, op. cit., p. 14. 92 Sociedade fundada em 1868, que tinha por objetivo: “Sociedade alemã para recreio, canto e propagação de conhecimentos geraes e úteis, principalmente de conhecimentos industriaes, por meio de jornais discursos e huma biblioteca. Funciona na rua do Ouvidor, nº 58, está aberta todos os dias das 8:00 às 00:00 horas. Tem um vasto salão para recreio e leitura, encontrando-se ali os principaes jornaes, revistas alemãs e outras, uma biblioteca com mais de 3000 volumes e dous bilhares. Número de sócios 100.” DAESP, Almanak para a província de São Paulo para o anno de 1884.

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paulista como Santos, Sorocaba e Campinas. Dez anos após sua data de

fundação, o jornal ampliava consideravelmente sua área de veiculação,

chegando a cidades como Amparo, Araras, Botucatu, Campinas, Curitiba,

sendo vendido até mesmo na Argentina.93

Certos de que o fluxo migratório seria um processo constante para o

Brasil, os redatores do jornal buscavam constantemente auxiliar os imigrantes

recém-chegados, desde o desembarque na cidade de São Paulo até sua

locação em residências.94

Ao se analisarem as publicações, nota-se que o jornal abordava temas

bem dicotômicos, discutindo desde a política externa alemã até os problemas

enfrentados pela comunidade alemã paulista, podendo-se destacar alguns

desses artigos. Em janeiro de 1889, apareceu, como matéria da capa, a

seguinte problemática “Quem deve migrar para São Paulo, colônias do

governo? Colônias Particulares? Ou trabalhadores nas fazendas?”95. Tal

indagação advém das dificuldades impostas pelo sistema de imigração. Em

1889, manifestou-se positivamente em prol da obrigatoriedade da naturalização

dos alemães, como maneira de inserção social96. Por fim, nos últimos anos do

Império, o jornal se posicionou a favor da liberdade religiosa e da legalidade do

casamento civil97.

Em meados da década de 1880, assumiu a direção do Germania, o Sr.

Eppstein, que se identificava com as linhas políticas adotadas pelo Imperador

alemão Guilherme I, e apresentava uma postura conservadora98. Entretanto,

93 Segundo o Jornal Germania, 04/04/de 1888, p. 2. 94 Ribeiro, op. cit., p. 169. 95 Jornal Germania, 03 de janeiro de 1889, Matéria da Capa. “Wer soll nach São Paulo auswander, Regierrungskkolonieen? Privatkolonieen? Oder Plantagenarbeiter?”. 96 Jornal Germania, 18 de dezembro de 1889. Matéria da Capa “Die Grosse Naturalisation”. Procuramos reproduzir o termo inserção social. 97 Jornal Germania, 20/03/1887. Vale lembrar que o catolicismo era institucionalizado pelo Estado, e os alemães eram em sua maioria pertencentes a outros credos, sobretudo protestante. Com relação ao casamento, este só era institucionalizado pela igreja Católica, sendo assim, os imigrantes alemães não eram considerados casados. 98 GEHSE, H. Die deutsche Presse in Brasileien von 1852 bis zur Gegenwart. Münster in Westefalen: Aschendorfsche Verlagsbuchhandlung, 1931. p. 69-70. . In: KOETHE, M. O

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com a morte do Imperador (1888), e ascensão ao poder de Guilherme II, que,

como se conhece, modificou os rumos da política externa da Alemanha em

defesa do imperialismo, a postura do jornal Germania também é alterada,

Segundo Hans Gehse:

(...) O Germania passou adotar uma postura cada vez mais de ‘livre pensador’ e a fazer uma critica mais aguda das questões da política interna alemã, num sentido democrata radical. (...) em um artigo bastante polêmico, que Epstein escreveu em 1896, resultou no afastamento público da maior parte dos proprietários99.

O ‘artigo polêmico’ o qual se refere a citação, foi publicado no dia 20 de

maio de 1896, por ocasião do aniversário do Kaiser alemão, em que Eppstein

criticava com veemência a postura política e o comportamento do Imperador.

Essas críticas recorrentes ao Imperador alemão o levaram a uma profunda

divergência no grupo, que apoiava financeiramente a manutenção do jornal, os

alemães pertencentes à classe média urbana.

Tal divergência ocasionou uma cisão entre os membros do Germania,

fazendo emergir, sob direção do grupo dissidente, um novo jornal no ano de

1898, intitulado Deutsche Zeitung (Jornal alemão). Hans Gehse traz a seguinte

informação:

“Os insatisfeitos se juntaram e reuniram o capital de 100 contos (130.000 marcos-ouro), uma soma bastante considerável para as condições da época. Com isso fundaram Deutsche Zeitung, que apareceu a partir de 1898100.”

Nas décadas seguintes, ficariam evidentes as posições contrárias de

ambos os periódicos; se, por um lado, o Germania criticava a política tanto

alemã quanto a brasileira em relação ao “perigo alemão”, o Deutsche Zeitung,

Imigrante Alemão na Província de São Paulo - Opinião de Jornais. São Paulo, 1987. Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica. p. 15. 99 Idem, p. 15. 100 Idem, p. 16.

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não abria espaço para polêmicas101, -segundo seus redatores. Acredita-se, que

esse posicionamento de “neutralidade” do Deutsche Zeitung advêm de dois

motivos distintos, o primeiro corresponde ao apoio financeiro recebido da Liga

Pangermânica102, já o segundo:

O jornal Deutsche Zeitung que entre outros através dos artigos de Albert Kuhlmann, passou apoiar a política de imigração do governo iniciada em 1905 – recebeu grande apoio governamental pelo fato de o governo adquirir 500 exemplares do suplemento semanal (Die Hausfreund – O Amigo do lar, que aparecia na mesma editora), que era distribuído na Europa para fins de propaganda103.

Sendo assim, o jornal Deutsche Zeitung apresentava-se em jogo dúbio,

por um lado recebia apoio financeiro estatal, com a venda de revistas de

propaganda; por outro, era árduo defensor das ideologias da Liga

Pangermânica, e, deste modo, tornava-se evidente que o jornal não iria se

contrapor às reportagens veiculadas pela imprensa paulista.

Por outro lado, o jornal Germania apresentava uma postura diferente,

discutindo o “perigo alemão”, sobretudo por três vieses, sendo estes: o

contexto imperialista, o processo de assimilação dos alemães radicados no

Brasil, e, por fim, a influência negativa da Liga Pangermânica. A escolha por

esse corpus documental se evidencia pelo posicionamento de não-neutralidade

e de grande representatividade na colônia alemã de São Paulo ou, como seus

redatores se auto denominavam, “A voz da comunidade alemã104”.

101 Mediante ao balizamento temporal proposto, apenas em um parágrafo se vê o posicionamento do Deutsche Zeitung, sobre o tema “perigo alemão”, que se resume em evitar polêmicas. Deutsche Zeitung, 1905. 102 MAGALHÃES, M. B. Alemanha, mãe-pátria distante. Utopia pangermanista no sul do Brasil. Tese de doutorado. Departamento de História (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas, 1993, p. 124. 103 GEHSE, op. cit., p. 16. 104 Subtítulo do jornal.

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2.2 Germanofobia: perigo latente ou fobia aos alemães?

A migração alemã foi enfaticamente discutida, tanto no cenário brasileiro

como no alemão, na transposição entre os séculos XIX e XX. A questão

referente à desejável influência eugênica era um fator bastante considerado

entre a intelectualidade brasileira; já os políticos e cientistas alemães focavam

a região sul do Brasil como sendo o destino ideal para a emigração alemã.

Brasil e Alemanha apresentavam interesses específicos e opostos,

relacionados à migração alemã (branqueamento da população e Deutschtum,

respectivamente), e, com isso, culminaram diversos conflitos, entre os anos de

1889 e 1918.

A imigração estrangeira no Brasil era considerada necessária, devido à

demanda por mão-de-obra, em especial com o fim da escravidão, ocorrida em

1888. Visando a amenizar a falta de trabalhadores, o país lançou, como uma

de suas alternativas, um sistema de parceria com outros países, entre eles a

Alemanha. Com a nova configuração política – o estado-nação - redesenhada

pela Alemanha, que se tornara formalmente nação imperial em 1884, e pelo

Brasil, que teve sua República proclamada em 1889, ambos os países

passaram a discutir acerca das questões referentes à identidade nacional.

A partir de então, iniciou-se, com os intelectuais brasileiros, entre eles

cientistas, historiadores e políticos, uma grande preocupação com fatores que,

segundo eles, refletiriam diretamente na formação da identidade nacional,

como a origem dos imigrantes e sua integração com a sociedade receptora.

Na Alemanha, porém, os destinos preferidos para a emigração, assim

como as expansões coloniais, começaram a ser discutidos a partir do prisma

imperialista, uma vez que os imigrantes aqui radicados passaram a ser vistos

como mercado consumidor, em potencial, de produtos industrializados

alemães.

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Sobre o reflexo da corrida imperialista e a possível anexação dos

territórios meridionais do Brasil, o jornal Germania se posiciona da seguinte

maneira:

O Brasil e os alemães:

De uma anexação política de uma parte do Brasil só pode falar alguém que jamais viu esse país e que imagina que ele seja uma caricatura de Estado como os que são dominados pelos pequenos príncipes da Índia. Esquece-se aí que se está falando de um Estado completamente civilizado, com o qual seria preciso fazer uma guerra regular para poder arrancar-lhe algumas províncias. Para a conquista e manutenção de cada uma das 20 províncias precisar-se-iam não menos que 20.000 homens, o que resulta num exercito de 400.00 soldados. Mas quem andou acalentando essa idéia? Jornais franceses o fizeram, pondo-se advertir os brasileiros sobre as más intenções de Bismarck. Seguramente essa fonte não é insuspeita. Os franceses são os rivais comerciais dos alemães; em termos de comércio, nos últimos anos os franceses perderam algum terreno no Brasil, enquanto os alemães ganharam terreno. Só uma fantasia de faro infantil é que pode entregar-se seriamente a esses pensamentos pervertidos. 105.

Mediante o excerto mencionado, nota-se primeiramente que o autor

buscava legitimar a impossibilidade de invasão do território brasileiro, sob o

prisma militar e, em seguida, destacava a rivalidade entre a Alemanha e a

França, sobretudo em decorrência da disputa por mercados consumidores de

produtos industrializados. Ao se analisar a planilha de relações comerciais de

importação e de exportação do período, compreende-se, de maneira mais

segura, a posição do autor. Mircea Buescu106 apresenta os seguintes dados:

105 Jornal Germania, 19 de março de 1889. Matéria: O Brasil e os alemães, autor Carlos Bolle. 106 Buescu, M. Evolução Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Apec, 1977. p. 161 – 164.

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Quadro 10.4 Distribuição das Exportações

(Em % do valor total) 1903 1912 1919 1930 1938 Estados Unidos 41,2 39,1 40,7 40,5 34,3 Inglaterra 19,3 11,9 7,2 8,1 8,8 Alemanha 14,8 14,3 2,5 11,0 19,1 França 9,4 9,8 21,3 9,0 6,4 Argentina 2,1 3,9 8,0 7,1 4,5 Total dos 5 países 86,8 79 79,7 75,7 73,1

Fonte: Buescu, M. Evolução Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Apec, 1977. p. 161.

Quadro 10.9 Distribuição das Importações

(Em % do valor total) 1903 1914 1928 1938 1945 Estados Unidos 11,3 17,5 24,1 24,2 55,1 Inglaterra 28,3 23,8 19,4 10,4 4,0 Alemanha 12,3 16,1 11,4 25,0 - França 8,8 7,8 5,0 3,2 0,0 Portugal 7,2 5,1 1,9 1,6 3,0 Argentina 8,9 9,6 13,4 11,8 21,6 Total dos 6 países 76,8 79,9 75,2 76,2 83,7

Fonte: Buescu, M. Evolução Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Apec, 1977. p. 164.

Ao se analisarem as tabelas acima, sobre as relações comerciais do

Brasil, é evidente o predomínio das exportações para os E.U.A, e das

importações da Inglaterra - ressaltando que o balizamento interessante ao

estudo compreende o período entre 1903 e 1914 - , todavia no que tange as

relações entre Brasil – Alemanha e Brasil – França, apresenta-se uma

considerável diferença, em que se mostra o crescimento relativo nos valores

das importações entre Brasil e Alemanha, crescendo percentualmente,

aproximadamente, 4% durante o período, enquanto a França apresentou

queda de 1%.

Essa concorrência mercadológica fez com que a França propagasse que

os interesses da Alemanha, no Brasil, não se restringiam apenas aos setores

comerciais, mas sim a uma possível incorporação da região meridional

brasileira, corroborando a disseminação da ideia de “perigo alemão”. O mapa

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abaixo foi extraído da obra francesa O Plano Pangermanista Desmascarado107,

de autoria de Andre Chéradame e que traz certa dimensão sobre a visão e as

intenções do governo francês:

Por outro lado, existiam obras que buscavam desmistificar tais

presunções, acrescentando que o “perigo alemão” nada mais era que o fruto de

imaginações férteis, chegando até mesmo a se supor que, se havia um perigo

iminente de ordem imperialista, esse seria Francês ou Inglês e não Alemão,

Dunshee Abranches, faz a seguinte observação em sua obra a Ilusão

Brasileira:

A Alemanha não somente não teria necessidade de taes anexações [...] cujo o principal objetivo é anexar territórios europeus, contíguos às suas principais fronteiras [...] Dos dois perigos [“perigo alemão” e inglês] , com que desde já nos apavoram, o britânico é o que, em uma rápida síntese, mais facilmente se pode entre nós demonstrar em suas raízes históricas. A Grã-Bretanha e a França foram sempre as nações, que

107 CHÉRADAME, op. cit., p. XXXIII.

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desde a nossa independência, mais nos tem oprimido e maltratado até hoje. Durante mais de meio século, pode se dizer que não houve um ano em que uma ou outra nação não nos infligisse as mai tristes humilhações.108

Essa citação traz uma observação interessante, além de desmistificar o

“perigo alemão”, alude a novos ‘perigos’, no caso o britânico e o francês,

demonstrando que o território brasileiro vivia sob constante risco de secessão

de proporções territoriais.

Mediante as citações mencionadas anteriormente, nota-se que o

contexto imperialista refletia-se diretamente na discussão do “perigo alemão”

no Brasil, todavia países como a França e a Inglaterra buscavam justificar o

“perigo alemão”, não sob a ótica comercial, mas sim sob as concepções de que

os imigrantes alemães e seus descendentes mantinham-se culturalmente

ligados à Alemanha, mostrando-se como ameaça aos interesses brasileiros.

O jornal Germania, no ano de 1904, abria espaço, em sua folha, para

uma extensa discussão sobre assimilação, mensurando que não existia um

“perigo alemão”, mas uma perseguição aos alemães a que o jornal intitula

Germanofobia. O Germania abre sua série da seguinte maneira:

Germanofobia Repetidas vezes nós já nos ocupamos com as manifestações nativistas, que são diretamente direcionadas contra o elemento germânico, e que periodicamente apareceram no jornal “O estado”, e que tem como autor um Sr. “P.P” que assina seu artigo anonimamente. O Sr. “P.P” vê a sua pátria diante de um grande perigo, ameaçado pelos alemães, e teme que os três estados do sul, nas quais os teuto-brasileiros formam uma acentuada parcela da população, sejam, mais cedo ou mais tarde, anexados pela Alemanha, ou que os luso-brasileiros venham a ser absorvidos pelas teuto-brasileiros. O Sr. “P.P” publicou novamente na edição de sábado do “O Estado”, sob o título “A Colonização alemã”, mais um artigo gerado pela sua excitada fantasia109.

108 Abranches, D. A ilusão brasileira. Rio de Janeiro: imprensa nacional, 1917. p. 362-365. 109 Jornal Germania, 18 de outubro de 1904, capa. Matéria: Germanofobia. Jornalista, Carlos Bolle.

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Este trecho é representativo, pois mostra uma exaustão relacionada à

discussão da ameaça alemã, [Repetidas vezes], também há indagação pelo

jornalista que assina a matéria, nos artigos seguintes, independentemente do

conteúdo, que uma constante é finalizar a réplica ao jornal O Estado de São

Paulo questionando: se os alemães representam uma ameaça, por que o

senhor P.P não mostra sua face? Questionando a autoria das informações,

Carlos Bolle, apresentava-se como fonte fidedigna e confiável ao público leitor.

Assim como no jornal O Estado de São Paulo, as matérias que tratavam

sobre o “perigo alemão”, apresentavam notável importância, sempre expostas

na primeira página, ocupando aproximadamente 70% da mesma, locada em

colunas assinadas, sendo prioritariamente a primeira matéria à disposição do

leitor. O periódico Germania tinha como fulcro nevrálgico ser o porta voz da

comunidade alemã paulista, buscando responder às acusações dirigidas pelo

Estado de São Paulo. Em continuação ao artigo anterior, o jornal Germania

adentra em uma discussão melindrosa sobre assimilação:

Germanofobia Os alemães não se deixam assimilar: os alemães querem formar um "Estado dentro do Estado" - O que e que Imaginam esses cavalheiros, para os quais a assimilação não transcorre com rapidez suficiente, ser o processo de assimilação? Os alemães estão muito longe de querer construir um Estado dentro do Estado ou sequer querer construir com a sua especificidade uma parte dentro do todo. Elementos humanos tão radicalmente diferenciados como os alemães e os brasileiros, naturalmente assimilam-se muito lentamente [...] Não existe uma base que possibilita o processo de fusão. No que tange aos costumes que os germano-brasileiros herdaram dos seus antepassados seria profundamente lamentável, se eles os abandonassem, pois abandonariam simultaneamente uma parte da sua própria personalidade. (Germania 27/10/1904). Uma mudança nesta condição seria possível através da melhoria do nível de escolaridade e da possibilidade da instalação de muitas escolas estaduais. É obvio que os mentores pedagógicos destas escolas devem ter plano conhecimento de ambos os idiomas alemão e português. (22/10/1904)

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A condição de ocupantes de terras devolutas, e o descaso do governo

federal, fizeram com que as comunidades alemãs se organizassem, para sanar

algumas deficiências como, por exemplo, associações beneficentes e

construção de escolas comunitárias110, em que as aulas e os conteúdos eram

lecionados em alemão. Nesse excerto, Carlos Bolle (jornalista que redige todas

as matérias sobre a Germanofobia), posicionava-se a favor da criação de

escola estatuais que possibilitassem a fusão das culturas alemã e brasileira,

mencionando, como ressalva, que o docente tivesse a fluência em ambos os

idiomas.

Com relação ao idioma, são dignos de nota os embates entre os dois

jornais, pois a preservação da língua alemã, segundo o jornal O Estado de São

Paulo, seria justificativa primordial do não abrasileiramento dos alemães. Em

reposta o Germania realça:

Germanofobia Por outro lado é de se considerar que a vida social na Alemanha era radicalmente diferente da vida social no Brasil, que os hábitos e costumes dos povos da etnia germânica diferem grandemente dos povos oriundos das etnias romanas, e que os de menor nível cultural, do quais se compunha o grosso dos imigrantes, tinham grande dificuldade em assimilar um idioma estranho e até mesmo um idioma próximo. [...] É inconcebível que exista um numero tão grande de brasileiros cultos e instruídos que ainda vêem uma ameaça á sua pátria e aos seus costumes, quando nos três estados do sul uma expressiva parte da população se utiliza do idioma alemão no trato do dia-a-dia. É inimaginável que o idioma do país seja, algum dia suprimido em função do idioma alemão, como também nos Estados Unidos, onde em algumas partes do país o elemento germânico é predominante, o idioma inglês não foi suprimido. [...] Pode-se ser um bom brasileiro, amar realmente este belo e grande país, sem dominar o idioma português com a total perfeição como, por exemplo, pretendem o germanofobos autores brasileiros111.

110 Cabe lembrar que nessas escolas comunitárias a maioria dos professores tinha apenas o domínio do idioma alemão, deste modo o ensino se dava a partir da língua alemã. SIRIANI, op. cit., p. 87. 111 Jornal Germania, 27 de outubro de 1904. Matéria: Germanofobia, capa. Matéria Carlos Bolle

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Não é foco deste trabalho o aprofundamento no embate entre

identidades distintas, entretanto, o tema assimilação e enquistamento étnico é

uma constante na veiculação do “perigo alemão”, principalmente no que tange

à preservação do idioma, fazendo-se de suma importância uma breve

explanação acerca de tais temas.

Abordar a questão da assimilação dos teuto-brasileiros é algo complexo,

devido à sua multiplicidade de interpretações. Segundo alguns autores112, as

causas do embate étnico, entre assimilação e preservação cultural, no caso

dos teuto-brasileiros, se dá principalmente pelo fato de cada grupo envolvido

no debate interpretar especificidades como Nacionalidade e Cidadania de

maneira dicotômica.

Pela ótica brasileira, a nacionalidade advém pelo principio de jus soli, ou

seja, a nação é definida pelo local de nascimento. A concepção dos teuto-

brasileiros não está vinculada ao local de nascimento, mas sim a uma ligação

cultural, definida pelos termos Deutschtun e Volkstum, segundo Seyferth:

Deutschtun e Volkstum, portanto, trazem consigo a idéia de que a nacionalidade é herdada, produto de um desenvolvimento físico, espiritual e moral: um alemão é sempre alemão, ainda que tenha nascido em outro país. Nesse sentido, nacionalidade e cidadania não se misturam. A nação é um fenômeno étnico-cultural e, por isto mesmo não tem limites políticos; quanto à nacionalidade, significa basicamente a vinculação a Volk (povo) e não a um Estado. É a cidadania que liga um individuo a um Estado e, portanto, expressa sua identidade política.

112 Seyferth, G. Nacionalismo e identidade étnica: a ideologia germanista e o grupo étnico teuto brasileiro numa comunidade do Vale do Itajaí. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. Dreher, M. N. Igreja e germanidade. São Leopoldo: Sinodal, 1984. Gertz, R. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. Magalhães, M. D. B. Alemanha mãe-pátria distante. Campinas: Unicamp, 1993. (Tese de Doutorado). Dickie, M. A. S. Afetos e circunstâncias; um estudo sobre os Mucker e seu tempo. USP: 1996. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1996. Grützmann, I. A mágica flor azul: a canção em língua alemã e o germanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, PUCRS, 1999. Tese (Doutorado), Faculdade de Letras, Curso de Pós-Graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica do RGS, 1999. Cem anos de germanidade – 1824-1924. Trad. por Arthur Blasio Rambo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2000.

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Todavia divergências nas concepções de nacionalidade e cidadania não

são peculiaridades dos teuto-brasileiros, mas sim uma característica decorrente

do processo migratório do século XIX, Eric Hobsbawm apresenta:

A identificação das nações como território exclusivo criou tais problemas e amplas áreas do mundo de imigração e massa [...] que foi preciso desenvolver uma definição alternativa da nacionalidade. A nacionalidade era considerada inerente, não ao um trecho especial do mapa ao qual estaria ligado um conjunto de habitantes, mas aos membros desses conjuntos, aos homens e mulheres que considerassem pertencentes a uma nacionalidade, onde quer que por acaso estivessem. Como tais, esses membros de uma nacionalidade, gozariam de “autonomia cultura113 ”.

Desse modo, os teuto-brasileiros reivindicavam a sua especificidade

étnica, evidenciando que, falar alemão e preservar hábitos culturais,

[Deutschtun] não impediria ninguém de ser um cidadão leal ao Brasil, como o

jornal enfatizava “pode-se ser um bom brasileiro, amar realmente este belo e

grande país, sem dominar o idioma português com a total perfeição como, por

exemplo, pretendem o germanofobos autores brasileiros.114”

Ainda referente à questão do idioma, no dia 27 de outubro de 1904, o

jornal Germania buscava justificar que a preocupação com a manutenção da

língua não era cabível, uma vez que, em outros países, não existia apenas um

idioma oficial:

Germanofobia

Tomemos por exemplo em primeiro plano a Suíça, onde francês, alemão e italiano tem os mesmos direitos. Adiante temos a Bélgica onde existe igualdade entra o francês e o flamengo, e até mesmo nas partes polonesas da Prússia o cidadão de língua polonesa pode se servir do seu idioma, como e onde lhe agrada. Pode-se, em face destes fatos, afirmar que o idioma do país seja substituído pelo alemão? – Porque então

113 Hobsbawm, E. J. A era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 210. 114 Jornal Germania, 27 de outubro de 1904. Matéria: Germanofobia, capa. Matéria Carlos Bolle.

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parafrasear sobre um perigo que na realidade não existe? [...] Intolerância na área lingüística, principalmente nos países novos que necessitam de emigrantes tanto quanto a planta necessita de luz e ar para vicejar, é não menos perniciosa que a intolerância religiosa. Quanto mais tolerância se praticar para como o emigrante, quanto menos se interferir nos seus hábitos de vida, tanto mais rápida será sua adaptação às novas circunstancias, e tanto mais breve ele se tornará um membro útil na sociedade na qual terá de conviver. Além disso, o português nem é o idioma do país, é tido como tal por ser falado pela maioria da população e por ser o idioma oficial. O idioma dos verdadeiros brasileiros, ou seja, dos legítimos senhores do país é o Guarani ou Tupi, e fundamentalmente o português não tem maiores direitos que o alemão, o italiano ou qualquer outro idioma115.

Carlos Bolle, nessa publicação, norteia seus pressupostos, referindo-se

a nações que buscam conviver naturalmente com a presença de outros

idiomas, sem que os grupos minoritários representem algum tipo de ameaça à

legitimidade territorial e nacional, questionando, de maneira contundente, a

falta de discernimento do jornal O Estado de São Paulo, que insistentemente

tecia comentários a respeito. Buscando, através de indagações plausíveis,

refletir sobre quais eram os reais objetivos da imprensa paulista, em proferir

acusações infundadas a um perigo que não existia, ou seja, o autor além de

refutar as ideias de “perigo alemão”, constrói um argumento favorável aos

imigrantes e revela seu pesar pelos acontecimentos.

Outro aspecto relevante da matéria é o contra-argumento construído

pelo jornalista. Ora, da mesma maneira que o idioma alemão contrariava o

oficial, o idioma português, não poderia ser visto como tal, pois, segundo o

autor, a legitimidade do idioma deveria ser dos povos indígenas, que ocupam o

território brasileiro anteriormente à chegada do europeu. Sendo assim, Carlos

Bolle rebate as acusações com posicionamento pertinente e, polêmico.

Finalizando as discussões sobre assimilação e enquistamento, o

Germania abriu espaço para outra análise, convicto de que o “perigo alemão”

115 Jornal Germania, 27 de outubro de 1904. Matéria: Germanofobia, capa. Matéria Carlos Bolle.

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não era uma criação dos jornais brasileiros, mas sim reflexo de uma conjunção

política imperialista norte-americana, inglesa e francesa, aliado aos ideais

fantasmagóricos116 proferidos pela Liga Pangermânica, abrindo espaço para

uma série de artigos, questionando os intuitos da Liga e como os mesmos

prejudicavam os alemães residentes em outros países.

Como afirmou-se anteriormente, na Introdução, os preceitos divulgados

pela Liga Pangermânica ecoavam diretamente nas colônias alemãs, pelo lado

econômico, com patrocínio de periódicos, igrejas, instituições e principialmente

de escolas, investindo em construções, cedendo material didáticos e enviando

professores para o Brasil117, com objetivo de preparar gerações vindouras para

possíveis intuitos da Liga, sendo estes:

1) A Liga Pangermânica pretende a animação do caráter nacional alemão em todo o mundo, a conservação da índole e dos costumes alemães na Europa e além-mar e a união total do Deutschtum. Os grupos da Liga Pangermânica nos respectivos países decidem, por si, de acordo com a direção central...

2) Quando os meios adequados para alcançar esses objetivos foram considerados pela Liga Pangermânica sem prejuízo para o parágrafo 1, os grupos preservarão sua autonomia: 1. Animação da consciência nacionalista na pátria e campanha contra todos os desenvolvimentos nacionais de direção contrária; 2. Solução das questões das constituições, educação e escola nos espírito do nacionalismo alemão; 3. Cuidado e proteção dos esforços nacionais alemães em todos os países onde existem afiliados do nosso POVO, e lutar pela manutenção da sua particularidade, e a concentração de todos os alemães do mundo para este objetivo; 4. Exigência de uma enérgica política de interesses alemães na Europa e além-mar, especialmente da continuação do movimento colonial alemão com resultados práticos.

3) Cada alemão integro pode ser membro da Liga Pangermânica, sem levar em conta sua cidadania118.

Posicionamentos tão radicais adjuntos a um nacionalismo exacerbado

levaram o jornal Germania a questionar os anseios e os objetivos da Liga,

116 Idem. 117 Magalhães, op. cit., p. 133, 1993. 118 Seyferth, op. cit., p. 45, 1976.

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enfatizando que parte da repercussão sobre o “perigo alemão” era advinda das

propagandas disseminadas pela Liga, transformando-se em um empecilho para

os teuto-brasileiros. Vale lembrar que, nos jornais consultados, mediante

balizamento temporal, apenas o Germania questionava essa instituição,

descrevendo-a como:

Eles [Liga Pangermânica] não mais se limitavam em fazer propaganda pela incorporação de territórios sem dono à propriedade colonial alemã, mas também se julgavam no direito de interferir nas atividades dos mercadores e exercerem uma espécie de previsão para os alemães espalhados pelos quatro cantos da terra, lembrá-los de suas obrigações para com a pátria mãe e colocarem uma espécie de movimento pan-germânico em ação. Em palavras e letras apregoa-se urbi et orbi, que não se tem somente à vontade, mas também o poder de proteger os alemães que vivem no exterior, de apoiá-los solidamente na preservação do seu idioma e de suas características. Inofensivos propagandistas do colonialismo tornam-se imperialistas que atribuíram a si próprios o sonoro nome “alemães em geral” [Liga Pangermânica]119.

O autor deixa evidente que a Liga Pangermânica, desde sua criação, em

1891, exercia forte influência no contexto mundial, por meio da veiculação de

suas propagandas aos alemães, residentes nos mais diversos territórios ao

redor do mundo, uma vez que as mesmas acabavam por incutir nos imigrantes

ideias extremadas sobre seus “direitos”, seus posicionamentos e suas

condutas, alimentando o imaginário acerca da criação de um suposto perigo

latente, presente nas comunidades teuto-brasileiras.

Ao referir-se aos pangermânicos, Carlos Bolle o fez de forma

desafiadora, demonstrando certa irritação com a postura e a presunção

apresentada pelos componentes da Liga, uma vez que os mesmos, após a

consolidação do Imperialismo, acabaram por “adequar” seus objetivos

esquecendo-se de considerar o bem-estar dos alemães.

119 Jornal Germania, 29 de outubro de 1904. Matéria: Germanofobia, capa. Jornalista Carlos Bolle.

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Na publicação do dia 29 de outubro de 1904, ficou evidente o

posicionamento contrário do jornal Germania à existência da Liga, não somente

considerando os seus ideais, mas além, chegando até mesmo a indagar sobre

a própria existência da mesma. Mostrando claramente que a postura adotada

pela Liga Pangermânica prejudicava consideravelmente os interesses dos

imigrantes alemães, o autor discorre:

O imperialismo é uma doença da moda semelhante ao nativismo. Como na Inglaterra existe o pan-anglicismo, nos Estados Unidos o pan-americanismo, na Alemanha o pan-germanismo. O pan-anglicismo tem até certo ponto justificativa, já que seus adeptos se limitam a objetivar a fusão das colônias inglesas como um território comercial unitário. Porém o pan-germanismo não tem nenhuma justificativa para sua existência e deve ser visto como um perigo para os interesses dos alemães no exterior. Deve-se deixar claro de uma vez que aquilo que os “alemães em geral” [A Liga] principalmente objetivam é uma posição de destaque das colônias alemãs em países soberanos, pois é justamente nesta direção que sua propaganda flui, e que fatalmente deverá despertar uma reação das populações locais, colocando as colônias alemãs em situação crítica120.

A crítica proferida se mostrava adequada, uma vez que a situação dos

teuto-brasileiros ia paulatinamente se tornando crítica frente aos brasileiros. As

concepções do imperialismo alemão, juntamente com os ideais da Liga,

tomaram proporções tão significativas que ultrapassaram a capacidade do

governo de contê-las, fazendo com que os alemães passassem a ser vistos

com maus olhos, sofrendo importantes sanções em seu cotidiano.

O nacionalismo ufânico, pregado pelos ideais da Liga Pangermânica não

considerava ou até mesmo desconhecia a realidade vivida pelo imigrante ou

descendente alemão no Brasil, haja vista que a mesma impunha aos milhões

de alemães que viviam fora dos limites do Império, que vivessem como

“estranhos”, no país de sua opção, o que obviamente tornava a vida desses

imigrantes insustentável, perdendo-se o grande motivo de sua emigração, a

busca por melhores condições de vida.

120 Idem.

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O excerto abaixo exemplifica, com primazia, as justificativas

mencionadas anteriormente, trazendo ao cerne da discussão o fomento à

disseminação da ideia instituída de um “perigo alemão”:

O imperador e seus conselheiros foram os “parteiros” do pan-germanismo, a vida foi lhe dada pelo povo alemão, ao aquele povo que no suor do seu rosto produz a riqueza alemã, e que torna a indústria alemã apta a concorrer nos mercados mundiais, porem aquela fração que se auto-intitula a nata da nação, e que se sente destinado a governar as massas. O pan-germanismo é um produto daquele meio que se compõem das classes abastadas, da juventude mal educada e distorcida que vive no “dolce far niente”, dos filhos do oficialato que são tratados iguais pavões à mostra. Se esse grupo que se intitula “alemães em geral” pelo menos levasse em consideração os alemães que vivem no exterior, eles não propagariam suas idéias com tão tola abertura. Mas em numerosos discursos e documentos eles apregoam suas distorcidas opiniões, e aquilo que dizem e escrevem muitas vezes tendenciosamente distorcidos, imediatamente circula pela imprensa de todo mundo e é usado pelos nativistas para fundamentar a sua germanofobia. Na maioria dos casos esta germanofobia foi causada pelas armações dos “alemães em geral”. Um ““perigo alemão”” só é conhecido no Brasil desde que começou o “carnaval” dos “alemães em geral”, e por isso estes “alemães em geral” são os responsáveis pela corrente de animosidade, como esta se fazendo sentir nos círculos de maior escolaridade já há algum tempo121.

Essa passagem é fundamental para se compreender a posição do jornal,

desde a transição de poder, na Alemanha, com o falecimento de Guilherme I e

ascensão de seu filho ao poder, Guilherme II. O jornal adotou uma postura de

questionamento aberto à política exterior do Kaiser, principalmente no que diz

respeito aos direcionamentos da Liga Pangermânica, pois a mesma

desconhecia a realidade em que viviam os alemães no exterior, enfatizando

que os programas elaborados pela Liga abrangiam uma concepção elitista da

sociedade, sendo distantes das classes trabalhadoras.

121 Idem.

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Sendo assim, o pangermanismo não era fruto de uma nação, mas de

uma classe abastada, que procurou disseminar seus anseios e conquistar seus

objetivos, exigindo dos alemães que vivessem no além – mar, que se

mantivessem estranhos a sua sociedade receptora em “prol de uma grande

Alemanha”. Por outro lado, o autor buscava justificar seu posicionamento,

lembrando que o jornal era assinado principalmente por teuto-brasileiros,

alertando que o “perigo alemão” só era veiculado pela imprensa, devido às

ideologias proposta pela Liga Pangermânica.

Analisar o “perigo alemão”, a partir das páginas de um periódico

publicado em alemão e para comunidade alemã de São Paulo e outras regiões,

leva à reflexão sobre algumas questões levantadas no decorrer da pesquisa:

enquanto os jornais concorrentes122 do Germania, pouco ou nada se

preocupavam com o “perigo alemão”, por que o Germania separava tantas

páginas para discussão e análise do tema?

Essa pergunta ecoou durante boa parte da pesquisa. Encontraram-se

possíveis repostas somente quando Brasil declarou guerra à Alemanha, em

1917, e assim se iniciou uma série de perseguições às comunidades teuto-

brasileiras. A primeira reposta estaria ligada à ‘sensibilidade’ do jornalista

Carlos Bolle, que enxergava iminente uma perseguição aos alemães, saindo do

campo da teoria e adentrando a prática, sendo, nas matérias que serão

tratadas no próximo capítulo, recorrente o termo, “nós já havíamos avisado”.

Deste modo, percebe-se que a pergunta que leva o nome do capítulo, perigo

latente ou fobia aos alemães? Pode ser reconstruída de maneira inversa, uma

fobia construída que irá levar a sociedade paulistana a “encontrar” um perigo

latente.

Fomentar na população brasileira o medo de uma ameaça constante

permitiu, aos interessados instaurar um clima de tensão entre a população. As

relações econômicas e sociais foram alteradas significativamente, chegando ao

seu ápice, com as perseguições policiais sofridas pelos teuto-brasileiros,

122 Deutsche Zeitung e Freie Presse.

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emergindo assim o fulcro nevrálgico do nosso terceiro e último capítulo,

intitulado: A comunidade alemã em São Paulo durante a Primeira Guerra

Mundial: perseguida pelos jornais e vigiada pela polícia. Nele, serão analisados

os prontuários policiais da cidade de São Paulo, contendo denúncias realizadas

contra os imigrantes alemães, acusando-os de perigosos infratores, atuantes

por meio de atividades subversivas à ordem instituída.

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Capítulo III A COMUNIDADE ALEMÃ EM SÃO PAULO DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL: PERSEGUIDA PELOS JORNAIS E VIGIADA PELA POLÍCIA 3.1 Breve contexto da entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial

Perseguição a núcleos de imigrantes, nacionalização de escolas,

proibição de circulação de jornais em outros idiomas, campos de confinamento

no período de guerra: informações como estas podem ser facilmente ligadas ao

período Varguista e à campanha nacionalista do Estado Novo; todavia, durante

a Primeira Guerra Mundial, todas essas citações também ocorreram no Brasil,

evidentemente não na mesma intensidade. Neste capítulo, será discutida a

maneira como a imprensa paulista divulgou o “perigo alemão” e a vigilância

policial sobre os alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Entretanto, se faz

necessário um breve contexto da declaração de guerra do Brasil à Alemanha.

Em 4 de agosto de 1914, o Brasil declarou-se oficialmente neutro na

Primeira Guerra Mundial. Com isso, houve somente um ataque a um navio

brasileiro, o Rio Branco, que foi afundado no dia 3 de maio de 1916 por um

submarino alemão; entretanto, o navio se encontrava em águas restritas,

estando a serviço dos ingleses e com uma tripulação de maioria norueguesa.

Devido a tais fatores, o fato gerou comoção nacional, mas não poderia ser

considerado como um ato ilegal dos alemães.

A situação social e econômica do Brasil, mesmo sendo neutro, no início

da guerra, era bastante complicada. Possuía sua economia fundamentada

apenas na exportação de um produto, o café. Por este não ser um produto

essencial, suas exportações, assim como as rendas alfandegárias, diminuíram

consideravelmente com o conflito. O quadro se tornou ainda mais crítico com o

bloqueio alemão, e, posteriormente, com a proibição à importação do café em

1917, realizada pela Inglaterra, uma vez que a mesma passou a considerar o

espaço de carga nos navios somente aos produtos vitais, levando em conta as

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grandes perdas causadas pelos afundamentos de navios mercantes pelos

alemães123.

Com a decisão do Império Alemão de autorizar seus submarinos a

atacarem qualquer navio que entrasse nas zonas de bloqueio, as relações

entre o Brasil e a Alemanha foram abaladas. Assim, no dia 5 de abril de 1917,

um dos maiores navios da marinha mercante, o vapor brasileiro Paraná, com

4.466 toneladas, carregado de café, foi torpedeado por um submarino alemão,

na França, matando três brasileiros. O ataque ocorreu, mesmo o navio

brasileiro estando de acordo com as exigências feitas a países neutros.

Decorridos seis meses do abatimento do navio Paraná, nas

proximidades do Canal da Mancha, outra embarcação brasileira, o

encouraçado Macau, foi atacada pelos alemães. A população se mostrava

indignada e exigia das autoridades uma resposta contundente. Portanto, a

participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial, se deu devido a uma série

de episódios envolvendo embarcações brasileiras na Europa, como

mencionado anteriormente124.

O então presidente, Venceslau Brás, firmou aliança com os países da

Tríplice Entente (Estados Unidos, Inglaterra e França) opondo-se ao grupo da

Tríplice Aliança, composta pelo Império Austro-Húngaro, Alemanha e Império

Turco-Otomano. Por não possuir uma tecnologia bélica expressiva, o Brasil

teve uma participação bastante tímida, na Primeira Guerra, tendo, entre

algumas ações, o envio de pilotos de avião, o oferecimento de navios militares

e o apoio médico.

A presença e apoio brasileiros foram muito mais significativos, com o

envio de matéria-prima e suprimentos agrícolas, procurados pelas nações

beligerantes. As implicações da Primeira Guerra, na economia do Brasil, foram

de suma importância, haja vista que a retração econômica sofrida pelas

123 Bueno, C. Política externa da primeira república: os anos de apogeu – de 1902 a 1918. São Paulo: Paz e terra, 2003, p. 115 e posteriores. 124 VINHOSA, F. L. T. O Brasil e a Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1990, p. 120.

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grandes nações industriais europeias, possibilitou que a industrialização se

desenvolvesse em nosso país.

Como se viu anteriormente, o Brasil entrou “efetivamente” no cenário da

Primeira Guerra, em outubro de 1917, ao lado dos Aliados. No entanto, faz-se

indispensável salientar que os interesses dos países Aliados, principalmente da

Inglaterra, já permeavam o Brasil, nos primeiros meses da guerra, em 1914.

Visando objetivamente à conquista completa dos mercados

internacionais brasileiros, a Inglaterra, trazendo como subsídios a guerra contra

a Alemanha, tentou implantar no mercado um boicote aos produtos alemães

aqui comercializados. A “ideia” inglesa passou a ser divulgada nos jornais,

boletins e circulares, buscando atingir a população brasileira, fazendo-a aderir

firmemente a tal propósito. Em sua obra “A illusão brazileira”, Abranches

menciona acerca do fato:

(...) Improvisaram-se meetings á sombra de boletins incendiarios em que se pregava o repudio a tudo que nos viera ou continuasse a vir da Allemanha. (...) Em uma palavra, espalharam-se milheiros de circulares, redigidas na linguagem altisonante dos manifestos civicos, convidando todos os brazileiros, empenhados moralmente naquelle instante com as nações alliadas na defeza da civilização e da raça latina, a não comprarem um só objecto nas casas allemães ou que fosse de fabricação germanica!(...)125

O plano inglês, a princípio, não obteve o êxito esperado; a população

brasileira e o comércio interno não demonstraram a sensação de repúdio

pretendida. Todavia, as tentativas da Inglaterra em incitar a opinião pública

contra os alemães, a fim de afastá-los da concorrência aos mercados internos

não cessaram, e quando menos se esperava os ingleses instituíram, até

mesmo para os países neutros na guerra, a Black-List, ou Lista Negra.

125 ABRANCHES, op. cit., p. 246.

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Segundo Abranches126, o ato inglês foi a mais séria violência praticada

pelos ingleses, devendo ser denominado como monstruoso, uma afronta à

soberania e à neutralidade, perturbando profundamente a economia interna

desses países.

A Lista Negra consistia em um documento, no qual constava o nome de

empresas e indivíduos “inimigos” alemães, que deveriam ser banidos do

comércio e da sociedade dos países neutros e aliados, ou seja,

estabelecimentos em que a população não poderia adquirir seus produtos ou

realizar qualquer tipo de transação comercial. Havia uma intensa e rigorosa

fiscalização realizada pelas embaixadas, legações e consulados ingleses e um

efetivo sistema de espionagem política, militar e comercial que faziam valer as

especificações contidas na Black-List. A respeito da fiscalização empreendida,

Abranches nos aponta:

(...) A’s embaixadas e legações estão entregues a questões politicas e militares; aos consulados, foi confiada a tarefa commercial. Até ahi nada ha de censuravel nos methodos inglezes que são, aliás, identicos aos das outras potencias belligerantes. Mas, quando o gabinete inglez decidiu ampliar a Lista Negra, de modo a estender o caracter inimigo aos súbditos de nações neutras, a funcção dos cônsules britannicos, que até então havia sido apenas de informantes do seu governo, passou a ser judiciaria. (...) A differença que acontecia quando a Lista Negra apenas inclui os nomes de individuos e firmas inimigas e o que ocorre agora que o rigor britannico se applica tambem aos neutros, póde ser facilmente apprenhendida. (...)127

O impacto da Lista Negra no Brasil foi considerável, alguns comerciantes

de estados como o Rio de Janeiro, não respeitaram as determinações impostas

e mantiveram “clandestinamente” contatos comerciais e/ou pessoais com as

empresas alemães, chegando a solicitarem intervenção do governo na delicada

situação, uma vez que as empresas listadas eram primordiais para a nossa

economia interna, Abranches cita:

126 Idem. 127 Idem, p. 251.

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O commercio portuguez no Rio de Janeiro mostrava desta forma que não haviamos commetido um exagero quando, na nossa carta-official, endereçada ao Presidente da República, apontando os perigos que poderiam advir para a economia brazileira si amanhã a Allemanha resolvesse tambem organizar uma Lista Negra para o Brazil nos mesmos termos da ingleza (...) o elemento germanico, como tambem o chamado teuto-brazileiro, não representa hoje apenas o commercio intermediario; não é só o grande commisario da importação, o maior exportador, o mais habil banqueiro, o melhor cliente e o mais liberal dos credores mercantis (...) é industrial, é lavrador e, acima de tudo, em largas zonas, já chega a ser o pequeno, o precioso cultivador dos generos de primeira necessidade (...)128

3.2 Os jornais e o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha

Antes de se adentrarem os noticiários dos periódicos, cabe justificar a

substituição do jornal O Estado de São Paulo pelo jornal A Gazeta, também

publicado em São Paulo.

Durante o período de levantamento de fontes, a pesquisa deparou-se

com uma situação inusitada: o periódico O Estado de São Paulo, que, durante

as últimas décadas do século XIX e a primeira do século XX, foi um árduo

divulgador do “perigo alemão”, mudou sua postura, pois, com o decorrer da

primeira década do século XX, diminuíram consideravelmente tais publicações,

chegando a apresentar poucas notícias abrangendo a temática mesmo durante

o período beligerante.

Desse modo, surge uma indagação: por que o veículo de informação

paulista que mais propagou a ideia de “perigo alemão” deixou de questionar a

eventual ameaça alemã, sobretudo no período beligerante, em que o Brasil

declarou guerra à Alemanha, considerando-a um inimigo iminente?

Ao se analisar o jornal durante o período de 1914 a 1918 – balizamento

correspondente à Primeira Guerra Mundial – depara-se com poucas notícias

128 Idem, p. 268.

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sobre os alemães residentes em São Paulo. O jornal enfatizava, na maioria das

vezes, a guerra na Europa, mesmo no ano de 1917, em que, após o

torpedeamento das embarcações brasileiras e o rompimento das relações

entre Brasil e Alemanha em abril129, e posteriormente à declaração de guerra,

em 26 de outubro de 1917, não se nota, nas manchetes grandes alterações

nas informações, sempre ponderadas, díspares das notícias do ano de 1904

apresentadas no primeiro capítulo.

Até mesmo as notícias relacionadas ao Brasil na guerra não

apresentavam grande destaque, como mostra a imagem abaixo:

A imagem da capa do jornal do sábado, dia 03 de novembro de 1917, ou

seja, no primeiro final de semana após o início da guerra apresenta certo

“desinteresse” do jornal, mencionando apenas alguns acontecimentos da

guerra. No que condiz às notícias relacionadas ao Brasil na guerra, apareciam

apenas no interior do jornal, sempre entre as páginas 5 e 7 em colunas

diminutas.

A partir dessas informações, rastreou-se o motivo que poderia ter levado

o jornal a adotar uma nova postura com relação aos alemães residentes em

São Paulo. Uma obra que nos auxiliou foi Julio de Mesquita, de autoria de

129 Vale ressaltar que o Brasil rompe as relações com a Alemanha no dia 11 de abril de 1917, após o torpedeamento do navio Tijuca. Um fato curioso é que este navio sofreu o ataque no dia 20 de maio do mesmo ano, todavia o Brasil só vai romper as relações com Alemanha, no dia 11 de abril, 5 dias após os EUA terem declaro guerra à Alemanha.

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Paulo Duarte130, no trecho em que o autor reproduz as divergências entre os

jornais alemães de São Paulo e o jornal O Estado de São Paulo, que era

denominado em tom pejorativo pelos jornais alemães de “State of São Paulo”,

uma maneira de aludir à influência inglesa-americana sofrida pelo periódico.

Segundo o autor, a presença de artigos depreciativos sobre os

alemães131 faria com que o jornal perdesse a maioria dos seus anunciantes,

haja vista que os mesmos eram de origem germânica, pois se, por um lado a

colônia alemã de São Paulo era reduzida; por outro, era de grande poder

aquisitivo, principalmente ligada ao comércio varejista e atacadista132.

Tendo como referência a obra de Paulo Duarte, averiguou-se qual era a

relevância dos anúncios das empresas alemãs no jornal O Estado de São

Paulo, no período da Primeira Guerra Mundial, e constatou-se o que a obra já

havia afirmado: grande parte dos anúncios era de empresas alemãs,

principalmente ligadas ao comércio, desde chocolates, clínicas médicas como

a do doutor Heinzelmann, anunciada duas vezes no mesmo jornal133, a

cervejaria Antártica e a farmacêutica Bayer, esta última ocupando praticamente

80% da página.

130 CAMARGO, op. cit., p. 248. 131 “É digno de nota, que o único jornal que não utiliza o termo ‘Boche”, (termo este criado pelos franceses durante a guerra, tendo como finalidade hostilizar os alemães) era o jornal O Estado de São Paulo. 132 O Estado se São Paulo abrigava em torno de 170 empresas ligadas à comunidade alemã, sendo que 32% desses estabelecimentos estavam associados ao comércio. In: Pinheiro, J. A. U. Empresas alemãs no Estado de São Paulo 1873-1945. Campinas, 2001. Dissertação de Mestrado em Economia, p. 85. 133 Clínica anunciada nas páginas 6 e 8. Jornal O Estado de São Paulo, p. 6 e 8, 1917.

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Sendo assim, buscou-se suporte metodológico em outro jornal, para que

se pudesse analisar o cotidiano dos alemães em São Paulo após a declaração

de guerra. O periódico então selecionado foi o jornal A Gazeta de São Paulo,

fundado no ano de 1906, pelo jornalista Adolfo Araújo. Optou-se por esse

periódico, não apenas pelas matérias veiculadas, mas também pela maneira

como se noticiavam a guerra e os alemães em São Paulo.

Outro requisito importante para escolha deste corpus foi sua

diagramação gráfica, mais uma vez recorrendo aos estudos da professora

Heloisa de Faria Cruz, em que a mesma destaca que a capa do jornal e as

manchetes representam a vitrine134 das matérias que serão apresentadas, A

Gazeta nos trás uma formatação da capa dividida em 7 colunas, sendo que a

ordem era: “Do Rio”, que noticiava os principais acontecimentos da capital

federal, “Notas e Comentários”, que enfatizava breves textos do cotidiano,

“Queixas e Reclamações” coluna dedicada à prestação de serviços e “Nomes

do dia”, que mencionava textos de escritores, médicos e jornalistas. As outras

três colunas eram espaço exclusivo para as informações da guerra, além da

manchete principal, denotando mais relevância ao conteúdo.

A primeira manchete selecionada para análise corresponde ao

rompimento oficial das relações entre Brasil e Alemanha, ocorrido no dia 10 de

abril de 1917. É interessante observar a relevância que é dada à matéria da

capa do jornal, exclusivamente para relatar as informações do rompimento com

a Alemanha.

134 Heloisa de Faria Cruz, H. F. e Peixoto, M.R.C , op. cit., p. 253-270.

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Todavia, outros fatos chamam a atenção; o primeiro deles está

relacionado ao subtítulo da manchete, As providências do governo para

assegurar a ordem na capital da República, logo após o anúncio da rescisão

diplomática entre as duas nações ocorre uma “comoção” nacionalista, em que

estabelecimentos alemães são atacados e invadidos, fato este que se verá

mais à frente. Em seguida, o conteúdo da matéria é digno de nota, em uma

coluna denominada E se o Brasil entrar na guerra..., o periódico responde qual

seria o papel militar e estratégico do Brasil:

Si entramos na guerra, obrigados a colaboração material com os aliados, que poderemos fazer? O nosso arsenal de Guerra esta razoavelmente aparelhado, e pode produzir munições, desde que se aumente o potencial técnico; nas mesmas condições dispomos das fabricas de cartuchos, de pólvora e usinas de ferro, já não falamos no carvão nacional, cujos os resultados recentes são magníficos(...) As fabricas de pólvora da Estrela e do Piquete podem abastecer o Exército e a Armada da a quantidade necessária – nesses pontos estamos em excelentes condições.135

Algumas contradições podem ser notadas no discurso do jornal: nota-se

que o periódico não enfatizava uma participação efetiva do exército brasileiro,

inserindo o Brasil apenas como fornecedor de matérias primas. Ora, se o

“arsenal brasileiro está razoavelmente aparelhado”, por que apenas se enviam

matérias-primas? A reposta pode ser encontrada em um artigo de Adler

Homero Fonseca de Castro:136

A situação do Brasil nas vésperas do conflito não era das melhores. O boom econômico da borracha, que tinha financiado em parte os programas de modernização da marinha (adquiriu dois encouraçados, dois cruzadores e 10 contratorpedeiros do último tipo em 1910) e do exército (comprou centenas de metralhadoras, 212 canhões de diversos calibres e 400.000 fuzis Mauser entre 1905 e 1910) tinha acabado, com a substituição das importações européias pela borracha da Malásia. Isso resultou no fato de que as forças armadas contassem com

135 Jornal, A Gazeta, 10/04/1917. Matéria da Capa. 136 Especialista em tecnologia militar Adler Homero Fonseca de Castro é Curador de armas portáteis do Museu Militar Conde de Linhares, localizado em São Cristóvão (RJ); Pesquisador do IPHAN e mestre em História. O texto foi publicado na Rede de Memória Virtual Brasileira disponível no site: http://www.grandesguerras.com.br/artigos/text01.php?art_id=68

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equipamentos modernos, mas carecessem de meios de operá-los eficazmente137.

Deste modo, evidencia-se uma valorização exacerbada do Exército

brasileiro, por parte do jornal, pois embora possuindo considerável quantidade

de armamentos, carecia de habilidade para operá-las, algo que não é citado

nas páginas do periódico. Entretanto a questão bélica não ocupa o centro das

discussões do jornal, sendo tratada de maneira concisa. O periódico tem como

fulcro salientar o cotidiano de uma São Paulo em “guerra”.

As notícias apresentadas pelo jornal A Gazeta, nos dias posteriores ao

torpedeamento do navio Paraná e o consequente rompimento das relações

entre Brasil-Alemanha, traz um retrato do cotidiano vivenciado por paulistas e

teuto-brasileiros em São Paulo.

A situação dos alemães radicados no Brasil mudaria drasticamente com

o rompimento das relações diplomáticas entre os dois países. Se, durante um

longo período, o “perigo alemão” que apenas rondava o imaginário popular em

livros e páginas de jornais, agora se transformava em um perigo real e iminente

à nação brasileira. Com isso, ocorreram diversas manifestações populares

contra os alemães nos grandes centros do Brasil, como Rio Grande do Sul,

Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, sendo este último o nosso

foco.

Como era de se esperar, a população paulista não ficou inerte aos

acontecimentos publicados nos jornais, e, nos dias posteriores, a população

saiu às ruas para apoiar a causa governamental. Deste modo, no período que

corresponde aos dias 11 e 12 de abril de 1917, diversos estabelecimentos

alemães foram invadidos e destruídos, como mostram as fontes. A Gazeta

publicou os acontecimentos da seguinte maneira:

137 Idem. Grifos nossos.

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Manifestações populares

Como noticiamos em nossa segunda edição, realizou-se hontem, ás 14 horas, a imponente manifestação patriótica promovida pela mocidade acadêmica. Aquela hora, uma multidão inumerável como jamais se viu em São Paulo, se apinhava naquele local e nas ruas vizinhas. Enquanto não se movia o majestoso cortejo, fizeram o uso da palavra, entre outros, Alfredo Ellis Filho, Ribeiro Couto Nelson, Silvio Flores e Ulisses de Sousa e Silva. Não tardou que a colossal multidão, empunhando o pavilhão nacional e bandeiras dos países aliados se movesse para as ruas da cidade, vibrante de entusiasmos, erguendo vivas ao Brasil. Entrando na rua Direita o povo estacionou defronte do “Jornal do Commercio” falando da redação o secretário da folha, Sr. Valente de Andrade. Entrado na rua 15 de novembro, a multidão reclamava a palavra do redator da “ A Gazeta”. Assomando a uma das portas da redação um dos nossos redatores, o Dr. Antonio Covello, pronunciou eloqüente oração. Disse, em resumo no redator que se rejubilava com aquela manifestação do povo, por que ela era a manifestação da repulsa aos atentados inomináveis contra a justiça e o direito, perpetrados pela Alemanha. O fato da indignação foi se incendendo de povo para povo, de nação para nação, até explodir na revolta contra a barbárie germânica, ante a qual o mundo não podia mais permanecer impassível. O Brasil que se mantivera numa rigorosa neutralidade, não poude mais se conter deante o ultraje, que lhe fora feito e tomára, portanto a única atitude que lhe impunha sua dignidade, e, si os exigissem os interesses da pátria, não regeataria o seu sangue para lavar uma afronta. Orgam do povo – conclui o nosso redactor – “A Gazeta estará ao seu lado nesta como em outra ou qualquer emergência na defesa dos seus direitos e da sua honra. Prolongadas salvas de palmas e vivas cobriram as ultimas palavras do vibrante discurso do nosso redactor, allias interrompido por freqüentes applausos pela incalculável massa popular. Prosseguindo em marcha, o cortejo cívico chegou a praça Antonio Prado (...)138”

O jornal impresso, como meio de comunicação, tem sua relevância não

apenas como fonte de se reproduzir um fato/cotidiano, mas se apresenta

138 Jornal, A Gazeta, 11/04/1917. Matéria da Capa.

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também como uma maneira de preservação da memória coletiva, como

elemento concreto da memória social.

A matéria acima narra, quase em tom romântico, a passeata realizada

em São Paulo, denotando significado patriótico, valorizando o número de

manifestantes e a conduta dos mesmos. O redator se utiliza de recursos de

adjetivação relacionados à multidão. Termos como colossal e majestosa são

empregados, ao longo do texto, com intuito de enaltecer a postura dos

cidadãos. Por outro lado, o que chama a atenção é a riqueza de detalhes com

que é descrita a movimentação popular pelas ruas centrais da cidade. Tal

recurso atribui valor de fidelidade ao fato noticiado, causando no leitor a

sensação de proximidade com o ocorrido.

São dignos de menção, os locais visitados pelos manifestantes

paulistanos e não é mera coincidência que o cortejo popular pare em frente à

sede dos cinco maiores jornais de São Paulo, “Jornal do Commercio, A Gazeta,

O Estado de São Paulo, Diário Popular e Fanfulla”139 e espere ansiosamente o

discurso dos seus redatores, uma vez que os mesmos são responsáveis pela

veiculação das informações concernentes a guerra. O roteiro seguido pela

população pode ser visto como um ato de apoio às publicações realizadas

pelos mesmos.

A notícia encerra-se com notícias sobre o último local visitado pelos

manifestantes:

(...) No entanto, uma considerável parte do povo havia se dirigido para rua Libero Badaró, onde fez manifestação de desagrado ao “ Diário Allemão”.140

O final do primeiro dia de manifestações ganhou contornos dramáticos

para a população alemã de São Paulo, pois, se antes as agressões eram

verbais, agora infringiam a integridade física dos alemães. A capa do jornal A

Gazeta do dia 12/04/1917 nos proporciona a dimensão do ocorrido

139 A matéria não foi citada na integra por ser extensa. 140 Idem.

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A exacerbação popular chegou ao seu ápice, na noite de 11 de abril;

manifestantes exaltados atacaram diversos estabelecimentos alemães como

bancos, casas comerciais e galerias de moda, como por exemplo, a Casa

Alemã; entretanto o dano mais considerável e violento ocorreu na sede do

jornal alemão “Deutsche Zeitung”, descrevendo os fatos, o periódico A Gazeta

nos traz:

O ASSALTO AO “DIARIO ALLEMÃO” Ao defrontar o cortejo civico com a ladeira S. João, uma voz se ergueu: - Ao “Diario Allemão”! Ate aquelle momento reinára a mais completa ordem nas justas manifestações de jubilo. A’quelle incitamento, porém, em um impeto irresistivel, a onda humana rolou por aquella ladeira, afluindo para a rua Libero Badaró, onde se achavam a redacção e officinas do orgaum tedesco. Não se descreve o que depois se passou. A pequena força de guarda-civicos que montava guarda ao prédio, foi levada de roldão de encontro às portas, que afinal cederam, depois de luctas terriveis em que ficaram feridas varias praças e o delegado (...) Arrombadas as portas, penetraram no edificio innumeros populares, que, em um abrir e fechar d’olhos, despejaram para a rua tudo quanto havia no interior do predio: machinas de escrever, typos, caixas, bobinas de papel, moveis, retratos, tintas, emfim, tudo

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o que mais á mão estava (...) E por fim, incenndiaram o prédio(...)141

Nos meses que antecedem a guerra, essa manifestação foi o mais

virulento ataque a estabelecimentos alemães. Através da descrição feita pelo

jornalista, pode-se observar a semântica do seu discurso, em que o mesmo

justifica esse ato desmedido, como sendo algo inevitável, demonstrando que os

manifestantes agiram por um impulso incontrolável.

Os relatos do jornalista Paulo Duarte dimensionam a intensidade dos

ataques aferidos contra os alemães:

“Houve agitação nas ruas. O Delegado Geral, Tirso Martins, passou por maus bocados. Nós (...) participamos da grande arruaça, mas na rua Direita, quando eu vi um sujeito bêbado animando a multidão a arrombar a Casa Alemã para matar que lá estivesse, xinguei o sujeito e o grupo dele veio para cima de nós. (...) Tive sorte. UM grupo de policiais do Tirso interpôs-se entre mim e o grupo de desatinados e eu escapei de uma agressão e coisa pior, porque já éramos xingados de inimigos do Brasil...”142

Ambos os relatos apresentavam a violência desencadeada sobre os

alemães em São Paulo, dando uma visão prévia do que ocorreria nos meses

seguintes, com a declaração de guerra para a Alemanha. Todavia, vale

salientar que o jornal A Gazeta, a priori, deixava explicíta sua reprovação frente

aos acontecimentos, exigindo das autoridades medidas enérgicas contra os

exaltados manifestantes143.

Em atendimento às solicitações, o governo paulista reforçou a

segurança nas praças públicas, sem contudo proibir as manifestações,

exercendo apenas o controle enérgico das reações. Outra preocupação foi a

intensificação da vigilância, nas proximidades das casas e estabelecimentos

comerciais alemães, os quais vinham sofrendo agressões constantemente.

141 Jornal, A Gazeta, 12/04/1917. Matéria da Capa 142 CAMARGO, op. cit., p. 248. 143 Jornal, A Gazeta, 12/04/1917. Matéria da Capa.

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Para tanto, a força policial deslocou soldados para proteger estes

estabelecimentos.

O centro da capital paulista apresentava, segundo o jornal A Gazeta: “A

tarde apresentava a cidade o aspecto de uma praça de guerra”144, e pelo

reforço policial de aproximadamente 550 soldados no local, além de todo o

contingente policial que foi convocado para se apresentar nos quartéis, mesmo

estando em férias ou folgas. Essas medidas controlaram os ânimos dos

manifestantes, amenizando a situação tensa em São Paulo145.

Esta pesquisa buscou uma comparação da forma dos jornais noticiarem

o mesmo fato, no entanto, tal intenção sofreu solução de continuidade, pois, o

jornal Germania, cerrou suas portas em 11 de abril de 1917, apenas um dia

após os incidentes. Não tendo possibilidade de estabelecer dialética com o

outro jornal. Pouco o periódico menciona a respeito do rompimento diplomático,

apenas uma pequena nota com nove linhas. Nesse mesmo dia, o jornal

apresenta um artigo denominado: “Horas Amargas”, de onde se transcreveu a

seguinte citação:

(...) Infelizmente não só do longe que intrigam, aqui no nosso meio procuram excitar as almas e bem sabem os allemães que muita pedra lançada em territorio brazileiro sobre suas casas não partiu de mão brazileira. A colonia allemã esta confiada na proteção do governo, e não é de seu seio que partirão provocações.146

O jornal Germania comportou-se de maneira “diplomática” e realçou a

confiança na proteção das forças governamentais. Essa atitude muito

provavelmente está relacionada ao ocorrido com o jornal alemão Deutsche

Zeitung (Diário Alemão)147. Não se sabe se redação do Germania foi invadida e

destruída, como outros estabelecimentos; entretanto, a publicação do jornal foi

suspensa por 10 dias, por iniciativa do próprio jornal. Desse modo, esta

144 Jornal, A Gazeta, 13/04/1917. Matéria da Capa. 145 Idem. 146 Jornal, Germania, 11/04/1917. Matéria da Capa. 147 O jornal Deutsche Zeitung, posterior destruição da redação e o incêndio do prédio, o jornal alemão só volta circular em 1919.

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pesquisa ficou limitada em analisar o rompimento das relações entre Brasil e

Alemanha a partir da ótica dos alemães148.

Entre 15 de abril e 19 de outubro de 1917, poucas matérias foram

publicadas nos jornais paulistas, que remetiam à situação dos alemães, em

São Paulo, e nenhuma destacava outro ataque, cenário que seria alterado com

a declaração de guerra.

3.3 “Boches” Malditos: os alemães em São Paulo durante a Primeira Guerra Mundial segundo o Jornal A Gazeta

O mês de outubro de 1917 foi decisivo para a entrada do Brasil na

Primeira Guerra Mundial, após ataques de submarinos alemães a

embarcações mercantis brasileiras; no caso, a primeira ocorrendo no dia 18 de

outubro quando o navio Mercante Macau veio a pique e posteriormente, no dia

23 do mesmo mês, ocorreu o torpedeamento do cargueiro Macau, com a prisão

de seu comandante, quando o governo brasileiro então decidiu declarar, no dia

26 de outubro, entrar em estado de guerra contra a Alemanha.

Com a declaração de guerra, a situação dos alemães residentes no

Brasil transformou-se drasticamente. Em Porto Alegre, a população saqueava

estabelecimentos comerciais, como o Hotel Schmidt, a Sociedade Germania, o

clube Turnebund, locais que foram invadidos, pilhados e queimados149. No Rio

de Janeiro, as manifestações não foram diferentes; no dia 1 de novembro, um

número considerável de pessoas danificou casas, clubes e fábricas

em Petrópolis, entre eles o restaurante Brahma (completamente destruído),

a Gesellschaft Germania, a escola alemã, a empresa Arp, o Diário Alemão,

dentre outros150.

Assim como em outros Estados brasileiros, as manifestações contra os

alemães também ocorreram em São Paulo. Os dias vivenciados em abril

148 Procuramos outras fontes que nos possibilitassem informações como, diários e revistas alemãs, todavia não encontramos registros significativos. 149 CAMARGO, op. cit., p. 246. 150 GOMES, A. M. C. Histórias de imigrantes e de imigração no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ed. 7Letras, 2000. p. 206.

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voltaram a aterrorizar a comunidade germânica; entretanto, naquele momento,

a perseguição não vinha apenas de uma multidão enfurecida, mas de diversos

setores da sociedade como jornal, policia e do poder federal.

Com a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial, as publicações

sobre o conflito mundial cresceram acintosamente nas páginas dos jornais,

Nelson Werneck, nos aponta:

A guerra começa em 28 de julho de 1914, mas é só na sua etapa final que se torna mais dramática para o Brasil, ocupando maior atenção dos jornais151.

Seguindo este prisma, o periódico A Gazeta reservou a capa do jornal

na íntegra, para noticiar os acontecimentos da guerra, além da última página

abrigar mapas e roteiros da movimentação militar das tropas na Europa.

Todavia, o foco é caracterizar como o jornal estava mostrando a comunidade

alemã de São Paulo. Se durante o período que corresponde ao início da

República, os jornais eram os principais veículos na propagação da ideia de

“perigo alemão”, com o eclodir da guerra, os periódicos passaram a ser um dos

principais órgãos repressores contra os alemães.

Em São Paulo, durante a Primeira Guerra, A Gazeta foi o jornal que

mais direcionou ataques contra os alemães aqui residentes. Ora com colunas

vexatórias, ora acusatórias, o jornal, diariamente, divulgava o perigo que os

alemães representavam para sociedade brasileira em uma coluna denominada:

“Cuidado com os allemães!”.

151 SODRE, op. cit., p. 133.

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Nessa coluna, o articulista do jornal buscou informar diversos

procedimentos que a população paulista deveria ter ao encontrar um alemão

pelas ruas da capital paulista, desde as situações mais inusitadas como o

cuidado que se deve ter em conversar perto de alemães, evitando o contato,

pois, segundo o jornal, todo e qualquer alemão estaria a serviço da Alemanha.

Outro fato relevante é o de que o jornal conclamava o povo a investigar e

fiscalizar os inimigos.

O jornal A Gazeta enfatizava de que maneira os alemães deveriam ser

tratados no Brasil, no dia 30 de outubro de 1917, na coluna “Cuidado com os

allemães”, com o subtítulo “A situação dos allemães no Brasil” o jornal

apresenta a seguinte matéria:

Entrevistado por um jornalista carioca, o eminente jurisconsulto Dr. Paulo de Lacerda declarou que a situação dos subditos allemães residentes no Brasil se define facilmente. Deve ser em regra respeitada a propriedade, assim como a pessoa delles, seus direitos de familia e mesmo suas crenças religiosas. Todavia, a nação brasileira tem o direito de exigir dos allemães residentes no seu territorio a mais inteira circumspecção. De modo que poderá usar contra quaesquer desmandos de todos os recursos admittidos em direito internacional para obrigal-os a respeitar a posição de hospedes originarios de paiz inimigo e pois contra os quaes o governo deve estar em continua vigilancia (...).152

O excerto acima demonstra a hostilidade com que os alemães passaram

a ser tratados em São Paulo. Após a declaração de guerra, Lacerda passou a

denominá-los súditos, meros hóspedes advindos de uma nação inimiga, ou

seja, uma generalização. Já não se consideram os cidadãos em sua

individualidade, mas sim como se todos os alemães e seus descendentes que

aqui residiam fossem os mais cruéis inimigos, com os quais se devessem ter o

máximo de atenção e cuidado. Em segundo plano, tem-se a afirmação de que

o direito à propriedade deveria ser legitimado, assim como, a individualidade

étnica, condições que não foram respeitadas como se verá mais adiante.

152 Jornal, A Gazeta, 30/10/1917. Matéria da Capa.

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No fascículo do dia seguinte, o jornal apresentava as “investidas” dos

alemães em São Paulo, demonstrando planos sensacionais de espionagem153,

segundo o próprio jornal, que possibilitaram visualizar como as críticas feitas

pelo jornal aos alemães eram recebidas e aceitas por uma parte dos paulistas.

Tratava-se de uma carta enviada por um leitor do jornal, que indagava:

Recebemos hoje “de um constante leitor” um cartão postal a qual pede resposta á seguinte pergunta: - Podem continuar os allemães como empregados publicos depois mesmo da nossa declaração de guerra? Essa pergunta, aliás ingenua, está por si só respondida. As nossas leis sobre o funccionalismo publico são claras: nenhum extrangeiro póde ser nomeado para qualquer emprego official. É claro que os allemães que estiverem occupando os cargos deixarão de ser “personas gratas” do governo, impondo-se por isso a sua demissão. Esse é unico caso que se pode admittir boches154 como empregados públicos, porque nos cargos dependentes de concursos elles não são admittidos (...) Na hora actual, em face das constantes affrontas que nos foram dirigidas pela Allemanha, outra cousa não fará o governo sinão demitir todos os allemães, que por acaso estejam percebendo vencimentos dos cofres da Nação ou do Estado. Mesmo que fosse illegal, mesmo que contra isso se insurgissem razões fortes de ordem administrativa, o procedimento do governo, nesse sentido, só merecerá applausos, porque, conhecido como é o methodo de espionagem dos súbditos do Kaiser, não se poderia esperar delles sinão traições.155

A resposta dada pelo redator esclarecia de forma consistente, a postura

adotada pelo jornal em seu discurso, e enfatizava que a pessoa que procurava

o auxílio do jornal para dirimir sua inquietação era um leitor constante,

remetendo à ideia de que esse fiel leitor confiava plenamente nas palavras e

nas opiniões ali expostas, conferindo maior credibilidade ao periódico156.

Cabe destaque à forma como a pergunta é recebida pelo redator:

julgando-a como ingênua, o redator trata a dúvida do leitor de maneira irônica,

haja vista que, antes mesmo de discorrer sobre a mesma, mencionava que a

153 Jornal, A Gazeta, 31/10/1917, p. 4. 154 Idem. 155 Idem. 156 Catalogamos 25 cartas respondidas pelo jornal entre o período de 30 de outubro a 30 de novembro de 1917.

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dúvida já estava respondida por si só. Ao longo da resposta, evidenciou-se

que, a partir de então, todos os alemães, fossem eles imigrantes ou seus

descendentes, tornar-se-iam estrangeiros em terras brasileiras, perdendo seu

espaço na sociedade.

O jornal, ao se referir aos alemães, usava não mais um substantivo

comum, mas sim um adjetivo depreciativo para atingi-los, chamando-os de

boches157, expressão que em francês tem como significado “cabeça de

madeira; cabeça dura”, termo que será recorrente no jornal. O artigo frisava

ainda a necessidade da demissão dos alemães, independentemente das

consequências de ordem administrativa que pudessem ocorrer, e elogiava o

governo, se, por ventura, realizassem essas medidas, tendo como ensejo que,

cada alemão, pudesse ser um espião a serviço do Kaiser, logo traidores da

nação.

Se a demissão de alemães dos cargos públicos ainda levaria ao menos

15 dias, nas empresas privadas as falácias publicadas pelo jornal ecoariam

mais rapidamente e, na mesma semana, empresas de grande expressão como

a São Paulo Railway demitiria todos os empregados alemães ou seus

descendentes.

Depois de amanhã segundo nos consta a São Paulo Railway vai despedir todos os funcionários allemães, a importante empresa ferroviária conservando boches

157 Termo depreciativo com que os Franceses designam os Alemães. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, 2009.

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em seu seio, esta sujeita de um momento para outra aos mais sérios perigos (...) De alemães tudo se deve esperar158.

A São Paulo Railway era uma empresa ferroviária que ligava o litoral de

Santos ao interior de São Paulo. As medidas adotadas pela São Paulo Railway

devem ser avaliadas com cuidado, pois a mesma tinha investimentos de

empresários ingleses, contudo, a atitude por ela empreendida acarretara

decisões semelhantes de empresas paulistas159. Ao se pesquisarem os

relatórios de demissão da empresa, notam-se que todos os funcionários que

tinham sobrenome alemão foram demitidos no dia 05/11/1917, assim como

destaca a matéria, com a justificativa apenas de serem “possíveis" súditos

inimigos.

Que perigo os funcionários descendentes de alemães poderiam

representar para empresa? Não se consegue encontrar nenhuma justificativa

plausível, apenas cometeram o “crime” de serem descendentes de alemães, ou

mesmo, como o jornal ressaltava no final da coluna, “de alemães tudo devemos

esperar”.

Com a decisão tomada pela São Paulo Railway, intensificaram as

retaliações do jornal A Gazeta, em que as colunas como a já mencionada

“Cuidado com os alemães”, agora se transformaram em “expulsemos os

alemães”.

As notícias ecoavam entre as mais diversas esferas do cotidiano

paulista, principalmente as relacionadas à espionagem alemã. Diversos pontos

foram classificados como suspeitos, por exemplo, a serra da Mantiqueira160, a

represa de Santo Amaro161 e as estações de rádio espalhadas por toda São

158 Jornal, A Gazeta, 03/11/1917. Matéria da Capa. 159 Segundo o jornal mais 121 empresas do Brasil deixam de comercializar com os alemães ou demitem os alemães de suas funções. Jornal, A Gazeta, 05/12/1917, p. 4. Matéria: “Brasil – Alemanha: a necessidade da guerra econômica contra o império Alemão”. 160 Jornal, A Gazeta, 04/11/1917, p. 4. Matéria: “Uma excursão ‘cynegetica’ de allemães e germanophilos na Serra da Mantiqueira”. 161 Jornal, A Gazeta, 08/11/1917. Matéria da Capa: “A represa de Santo Amaro ao alcance da sabotagem boche”.

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Paulo162. Mas os pontos mais corriqueiros identificados como núcleo de

espionagem alemã eram as escolas alemãs de São Paulo. Mais uma vez, o

delator das atividades alemãs não era um órgão policial ou estatal, mas sim os

próprios moradores ao redor da escola;

Na rua Augusta, uma escola allemã é antro de “feras” Tem chamado a attenção de diversos moradores da rua Augusta, uma luz mysteriosa que diariamente, illumina o ultimo andar do predio em que funcciona uma escola allemã naquella rua. Conhecido como é o methodo de espionagem dos boches, essa noticia não deixa de merecer o maximo interesse, mesmo porque para confirmar a desconfiança, de tratar-se de um desses casos, uma das familias da vizinhança deu-se ao trabalho de observar, de binoculos, o que se passava naquela água-furtada, e, teve occasião de verificar que a horas mortas de 10 em 10 minutos, figuras extranhas penetravam pelas portas dos fundos do referido collegio, ficando em conferencias até amanhecer o dia163.

Esta pesquisa ressalta que atitudes como essas fazem refletir sobre a

importância da imprensa como instituição formadora de opinião, ou até mesmo

de consenso, pois boa parte dessas alegações não são encontradas em

boletins policiais, apenas nas páginas de jornais, ou seja, muitos paulistas

enviavam suas queixas via imprensa, que respondia as dúvidas e incertezas,

criando uma relação de reciprocidade.

Em um primeiro momento, o título da matéria, “Uma escola allemã é

antro de “feras” sugere que os alemães que ali vivenciavam a vida acadêmica

eram figuras animalescas. Com o decorrer da coluna, nota-se que uma família

paulista, investigando por conta própria uma movimentação de alemães,

chegou à conclusão de que estes exerciam atividades suspeitas, todavia, não

foi encontrada nos prontuários policiais, qualquer referência às atividades

subversivas de alemães na escola referida acima.

162 Jornal, A Gazeta, 15/11/1917, p.3. Matéria: “Estação radiographica em Capão Redondo?” 163 Jornal, A Gazeta, 10/11/1917. Matéria da Capa.

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Mais adiante, na mesma coluna, tem-se a conclusão do jornalista:

É necessária um aprovidencia energica de repressão da espionagem (...) elles não devem merecer de nós brasileiros esse sentimento de compaixão (...) são desumanos, são monstros destituidos de sentimentos que nós não podemos ter para com elles (...).164

A partir desse momento, o jornal deixou de ser apenas um vinculador de

fatos ao impor atitudes ao governo, que deveriam ser tomadas com caráter de

urgência, fazendo uso de afirmações categóricas. A Gazeta, que outrora pedia

para a população paulista que não cometesse exageros em suas

manifestações, agora adjetivava os alemães como monstros e desumanos e,

como atitude, propunha o fim da compaixão dos brasileiros para com os

alemães.

Nos dias seguintes, as escolas alemãs no Brasil e em São Paulo, mais

especificamente, apresentaram notável relevância nas páginas do jornal. A

Gazeta propôs que as disciplinas lecionadas e o idioma, no caso o alemão,

fossem provas contundentes das articulações alemãs, para que o Brasil se

transformasse em uma possessão do Império Alemão. Uma vez mais, o jornal

apresentou outra escola alemã em São Paulo:

Vila Mariana uma escola allemã em foco O governo precisa tomar providencias energicas sobre a falta de respeito e desconsideração pelo Brasil, por parte de uma escola allemã, instalada nas proximidades da rua A, no bairro da Vila Mariana. Pois todos que passam por esse delicioso sitio ouvem pela manhã e a tarde o hymno allemão, esguelado estridentemente pelas alumnas daquela escola, que de há muito deveria estar fechada, e lacradas as portas... É positivamente uma falta de consideração pelo paiz que, devido ao seu grande coração, ainda suporta pacificamente que os inimigos do direito, da justiça e da civilização, passeiem soltos e garantidos por todos os recantos do Brasil. 165

164 Idem. 165 Jornal, A Gazeta, 16/11/1917. Matéria da Capa.

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A Gazeta cobrou uma postura incisiva contra as escolas alemãs, que até

então, por abrigar, na maioria das vezes, crianças, não tinham sido foco de

depredações públicas e perseguições, todavia, em tom exaurido, o jornal

conclamava o fim dos direitos dos alemães, dirigindo-se a estes como seres

dotados integralmente de más intenções contra a sociedade brasileira, como se

os alemães fossem nocivos à convivência e devessem, portanto, ser impedidos

do seu direito de ir e vir.

A situação na cidade de São Paulo se manteve no decorrer de alguns

dias, as notícias trazidas pelos periódicos, continuavam enfatizando a

perseguição aos alemães, assim como noticiando informações relevantes

sobre a participação do Brasil na guerra e o seu discorrer no velho mundo.

Porém, no dia 20 de novembro de 1917, ocorreu a censura oficial da

imprensa, impactando diretamente os veículos de comunicação; desse modo,

as notícias veiculadas deixaram de ser publicadas:

A censura para a imprensa Começou hoje a exercer-se a censura official an imprensa. O “Correio Paulistano” – quem diria que a estréa seria do orgaum official? – já appareceu com um pedaço de columna em branco (...)166

Seria, portanto, a última vez que o jornal cobraria medidas enérgicas por

parte do governo. Com o torpedeamento de mais dois navios brasileiros, em

novembro de 1917, o senado votou o projeto de lei 3. 393 de 16 de novembro,

que entraria em vigor no dia 7 de dezembro de 1917.

Uma série de medidas foi tomada, entre elas o fechamento de

associações beneficentes, escolas, jornais e qualquer outro estabelecimento

que pertencesse aos alemães ou tivesse ligação com eles167.

166 Jornal, A Gazeta, 20/11/1917. Matéria da Capa. 167 Decreto n° 12.740, de 7 de dezembro de 1917. Art. 3º O Governo poderá, a titulo de represalia, decretar: j) fiscalização especial sobre as emprezas inimigas, qualquer que seja a sua natureza, podendo suspender suas operações, ou cassar-lhes a autorização para funccionar no Brasil; Art. 6º Os estabelecimentos commerciaes ou industriaes, associações, sociedades, inclusive as anonymas, bancos, usinas, ou armazens, serão considerados de

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A suspensão das atividades dos estabelecimentos como os jornais,

dificultou a possibilidade de mostrar como os alemães estavam vivenciando as

perseguições dirigidas pela imprensa e por um setor da sociedade; todavia,

galgando informações que suscitassem essas memórias, encontra-se, no

arquivo Martius-Staden, o diário da senhora Frieda Stupakoff, redigido em

alemão, correspondente ao período de 1885 a 1977, intitulado “Familie

Stupakoff in São Paulo”.

As informações correspondentes ao diário foram de valor inestimável,

para que se pudesse reconstruir, mesmo que parcialmente, a ótica da

comunidade alemã de São Paulo diante dos ocorridos. A relevância do diário

para a pesquisa histórica, segundo Maria Teresa Santos Cunha:

Se protegidos em acervos pessoais, conformam um corpo documental de inestimável valor como fonte histórica e podem fornecer informações e indícios sobre práticas cotidianas expressas em hábitos, costumes, valores e representações de uma época e, como tal, analisados a partir do conceito de lugares de memória.168

Poucos se sabe sobre a senhora Frieda; mesmo tendo em mãos o seu

diário, a tradução total seria inviável. Sendo assim, selecionaram-se, para

tradução, apenas os trechos condizentes com o balizamento temporal entre os

anos de 1917 – 1918.

Sobre a situação das escolas alemãs a senhora Frieda comenta:

Escolas que tinham sido fechados foram reabertas como escolas brasileiras. Novos métodos foram executados no âmbito do sistema brasileiro e removeram as aulas de alemão. No entanto, foi difícil para nós, que mandamos nossos filhos para essas escolas.169.

propriedade inimiga sempre que a totalidade do respectivo capital, ou a sua maior parte, pertencer a subditos inimigos, qualquer que seja a respectiva séde, no Brasil ou no estrangeiro. 168 CUNHA, M.T.S. Do baú ao arquivo: escritas de se, escritas do outro. Patrimônio e memória. UNESP – FCLAs – CEDAP – vl. 3, n.1, 2007, p. 53. 169 Diário de Frieda Stupakoff, p. 61.

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As escolas alemãs foram desapropriadas pelo governo do Estado,

transformando-se, no período de guerra, em instituições educacionais nos

moldes brasileiros; as aulas em alemão foram suspensas e o ensino de história

alemã proibido. Situações como essas foram repetidas na campanha de

nacionalização, implementada no governo de Getúlio Vargas, nos anos 30. É

compreensível a preocupação demonstrada por Frieda, uma vez que as

escolas alemãs não somente tinham, em seus currículos escolares conteúdos

ligados à Alemanha, mas o próprio modelo educacional era reproduzido,

refletindo-se diretamente na educação e no cotidiano das crianças

descendentes de alemães em São Paulo.

Em outras páginas, Frieda relata, com uma riqueza de detalhes

primorosa, as perseguições sociais sofridas pela comunidade germânica,

residente em São Paulo, através de suas memórias consegui-se compreender

a sensação de medo e de privação sentida por eles, haja vista que, diversas

vezes, as atitudes violentas não se restringiam aos ataques a instituições e

estabelecimentos, mas sim à própria integridade física dos alemães:

(...) nem a cabeça loira do meu filho podia aparecer no muro do jardim, pois senão pedras voavam sobre o muro (...)170

A relevância dos escritos de Frieda é inestimável, os trechos abaixo

descrevem como se dava o difícil cotidiano dos alemães na cidade de São

Paulo, durante a Primeira Guerra, possibilitando uma profunda reflexão acerca

da postura adotada por parte da população paulista, uma vez que esta, sem

motivos claros deixou de respeitar pessoas que até então conviviam

pacificamente com ela, para cometer atos repugnantes. Frieda discorre:

(...) Se nós alemães no Bonde Elétrico sentássemos, em lugares que ao nosso lado eram quase sempre vazios, estávamos indo contra o costume. Poucos brasileiros eram pró-Alemanha e trabalhou fielmente e incansavelmente para o esclarecimento no interesse dos alemães. Nós, alemães, ficávamos firmemente em

170 Diário de Frieda Stupakoff, p. 47.

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conjunto, e nunca houve pessoas tão quentes com amigos como nós naqueles longos anos. (...).171 (...) Nas noites tínhamos música e ao final tocávamos os hinos nacionais brasileiro, francês e inglês. Nós descendentes de alemães devíamos sempre nos apressar com a comida para deixar a sala de jantar primeiro. A primeira vez que colocaram-nos os olhos era como se nos exigissem que levantássemos para os hinos, como aconteceu. Eles se conheciam de vista, porque quase todos os europeus viviam em Hygienopolis. Se nós estávamos em nosso café no terraço Saasen, todos saíam e sentavam-se lá também. Nunca nos aconteceu, com exceção dos franceses, de passarem por nós mostrando a língua e nos chamando de "Boche". Isso se fazia especialmente em seus elegantes banheiros. (...) Por agora, os jornais não podem imprimir, mais tarde, as máquinas foram destruídas e o jornal foi proibido (...).172

Este excerto ajuda a compreensão da importância do diário como fonte

histórica, pois a riqueza de detalhes do cotidiano é impressionante. Os

preconceitos dirigidos aos alemães ficavam palatáveis, quando a autora

apresentava os ocorridos nos transportes públicos, ou até mesmo a sensação

transmitida no texto em que a senhora Frieda sente-se estrangeira em seu

próprio país. Um dado relevante, citado no diário, são os encontros nos bares e

restaurantes, a receptividade das pessoas de outras nacionalidades e a

obrigatoriedade da execução dos hinos nacionais dos aliados.

Tem-se a convicção de que os jornais, ao expressarem informações

caluniosas sobre o “perigo alemão” exerceram fundamental influência sobre as

atitudes violentas contra os alemães. Como citado anteriormente, com o início

da República, iniciam-se as criticas às colônias alemãs homogêneas,

principalmente na região sul do Brasil e o perigo que as mesmas poderiam

representar para a soberania da nação brasileira. Durante a primeira guerra

mundial, as críticas saiam das redações dos jornais e se transformam em uma

implacável perseguição no cotidiano.

As perseguições aos alemães, em São Paulo, durante o período

belicista, partem de duas vertentes: a primeira advinda de setores como a

171 Idem p. 49. 172 Idem p. 48.

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imprensa e parte da sociedade, e a segunda, com o rompimento das relações

entre o Brasil e a Alemanha, quando iniciam-se as investigações policiais, fato

este que é tema do próximo tópico.

3.4 A vigilância policial sobre os alemães durante a Primeira Guerra Mundial

Optou-se por denominar este tópico como “vigilância policial” e não

“repressão policial”, devido ao fato de que as fontes mostram que a maioria dos

alemães não foram detidos, apenas fichados. Nesse tópico, as fontes são os

relatórios policias; todavia, antes de se adentrar os prontuários policiais, tem-se

que fazer algumas ressalvas sobre a análise metodológica utilizada.

As fontes policiais utilizadas em pesquisas históricas são recursos

importantes; entretanto, não devem ser a única base para um trabalho, mesmo

aqueles que objetivem enfocar os órgãos repressores necessitam buscar

outras fontes, para dar legitimidade à pesquisa. Alguns exemplos de aportes

são a imprensa, a legislação, as instituições governamentais, entre outros. Ao

discorrer sobre as fontes policiais, Bérlière afirma que:

Suas condições de produção deturpam o reconhecimento da matriz concreta – o “mundo objetivo” de que é representação – e as fontes policiais funcionam principalmente como um espelho das instituições que as fabricam. “Um relatório de polícia é tudo menos um documento neutro e objetivo. Ao contrário, ele é uma variante original do arquivo fabricado (...) informa antes e essencialmente sobre aqueles que o escrevem, sobre o poder e o pessoal político que o utiliza (...) [o policial] pode ser vítima de seus preconceitos, de sua cultura profissional ou manipulado, instrumentalizado por seu informante, abusado por suas fontes”.173

As fontes a serem analisadas são prontuários da Polícia Civil de São

Paulo. É digno de menção que, levando-se em conta o balizamento temporal

estudado, os órgãos policiais das primeiras décadas do século XX no Brasil, 173 BÉRLIÈRE, Jean-Marc. “Archives de police: du fantasme au mirage”. In: PETIT, J.G. e CHAVAUD, F. (dir.). L’Histoire Contemporaine et les Usages des Archives Judiciaires 1800-1939. Paris: H. Champion, Collection Archives et Histoire, 1998. IN: ROSEMBERG, A. e SOUZA, L.A.F. Notas dobre o uso de documentos judiciais e policias como fonte de pesquisa histórica. UNESP – FCLAs – CEDAP, v. 5, n.2, p. 168-182 - dez. 2009, p 179.

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serviam de repositório das mais diversificadas demandas, assumindo a

competência de lidar com assuntos de procedências variadas. Com isso, os

arquivos da polícia reproduzem materialmente o resultado de sua função, ou

seja, reproduzem a dinâmica sociopolítica desempenhada pela polícia.

Ao se realizar uma pesquisa com levantamento de fontes primárias,

como esta, deve-se sempre levar em consideração a época e as circunstâncias

nas quais a fonte foi produzida, assim como sua especificidade, função,

condições de produção e intenção. Sem lançar mão desses aspectos, o

historiador/pesquisador realizará apenas um estudo superficial e acrítico,

deixando de explorar a fonte em suas características fundamentais, como a

possibilidade de se apreender sobre o cotidiano da época analisada.

Pois bem, os prontuários policiais que serão mencionados foram

encontrados na íntegra no arquivo da Academia de Polícia de São Paulo,

localizado dentro da cidade universitária. Os inquéritos policiais foram

encadernados em capa dura, e o titulo da pasta é: Atividades subversivas de

alemães no Brasil; a pasta corresponde às investigações realizadas pela

polícia paulista entre os anos de 1917 e 1918, tendo como foco evidentemente

os alemães radicados em São Paulo.

O relatório tem um montante de aproximadamente 85 páginas, que não

estão organizadas em ordem cronológica; divididas, em fotos dos alemães

suspeitos, registros de prontuários, alguns recortes de jornais, telegramas,

investigações e conclusões das mesmas. Ao folhear as primeiras páginas,

depara-se com a lista dos prontuários dos suspeitos:

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A lista consta com nomes de 24 eventuais suspeitos, sendo que, destes,

apenas sete são alemães, os outros são descendentes de alemães ou alemães

naturalizados brasileiros. Vale salientar que as investigações da polícia se

iniciaram antes mesmo da declaração de guerra do Brasil contra a Alemanha,

tendo prontuários de abril de 1917. Todavia, selecionaram-se apenas os

prontuários correspondentes ao triênio de novembro de 1917 a janeiro de 1918,

para se evitar a prolixidade, procurou-se selecionar prontuários com os quais

se iria trabalhar.

Os nomes constantes na lista acima pertencem aos indivíduos

envolvidos nas investigações, na posição de suspeitos, nos mais variados

casos. Dentre eles, pode-se mencionar o Sr. Luiz Maurer – R.G 207.866 –

alemão, dono de uma pensão e um bar na cidade de São Paulo, acusado por

Prontuários

Nome

R.G 39.830 Eduardo Hofmeister R.G 39.838 Otto Schmiet R.G 39.840 João Fischer R.G 39.887 João Fisch R.G 40.427 Otto Thiele R.G 40.428 Otto Koch R.G 40.572 Carlos Weber R.G 40.654 Carlos Weber R.G 40.802 Martin Wagner R.G 41.097 Rodolpho Bartoss R.G 68.266 Walter Milker R.G 77.052 George Ulrich R.G 80.824 Henrique Schwarz Koppe R.G 96.333 Otto Schimidt R.G 207.866 Luiz Maurer R.G 493.335 Otto Weber I. 248.733 Gustavo Kiiublsz I. 248.734 Alexandre Martein Schrage I. 248.735 Waldemar Stolberg I. 248.736 Otto Trebes I. 248.739 Georg Tokont I. 248.740 Windau Grampner I. 248. 741 Tullins Selgent

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um anônimo de guardar em sua casa armas de grosso calibre, o que após

investigação, foi totalmente descartado.174

Em outra investigação, sob a chegada suspeita de alemães a uma

fazenda no interior de São Paulo, nada foi averiguado de ilegal, porém foram

encontradas duas armas de fogo em posse dos Srs. Walter Milke – R.G

248.734 e Rodolpho Bartoss – R.G 41.097. As armas foram apreendidas pelo

Tenente Comandante e os suspeitos liberados.175

Uma situação inusitada foi encontrada em meio aos prontuários, um

abaixo assinado endereçado ao Delegado Geral do Estado de São Paulo,

solicitando autorização para que alguns operários alemães pudessem se reunir

para realizar reuniões de interesse do operariado. Assinavam o documento os

Srs. Otto Schmidt – R.G 96.333, George Ulrich – R.G 77.052, Gustavo Kiiulblsz

– I. 248.733, Tulins Selgent – I. 248.741, George Tokont – I. 248.739, Otto

Koch – R.G 40.428, João Fischer – R.G 39.840 e Eduardo Hofmeister – R.G

39.830.176

O primeiro prontuário da pasta traz a solicitação do Delegado geral do

Estado de São Paulo, que exige:

Senr. Dr. Delegado Geral da Policia deste Estado. Estando esta administração empenhada em exercer, como o maior rigor, sobre a correspondência dos súditos allemães, naturalisados ou não, a censura determinada pelo Governo da República solícito as vossas providencias de maneira a me ser enviada uma lista completa de todos os allemães até hoje identificados na Policia177. São Paulo, 8 de novembro de 1917

174 Arquivo Histórico Policial. Atividades subversivas de alemães no Brasil, vl XII. São Paulo, 18 de maio de 1917. 175 Idem, 13 de novembro de 1917. 176 Idem, 2 de dezembro de 1917. 177 Idem, 8 de novembro de 1917.

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Como se vê, a criação e a generalização do estereótipo alemão/perigo,

não ficou apenas nas redações dos jornais, a polícia procurou taxar todos os

alemães como súditos da Alemanha, intensificando a vigilância sobre as

relações sociais dos alemães, tendo como foco as correspondências trocadas

pelos mesmos, os encontros e até mesmo a fiscalização de suas casas.

Um fato curioso é que a maioria das queixas registradas, sob a alegação

de espionagem e sabotagem inimiga não advinham do serviço de “inteligência”

da polícia, mas sim de populares, que denunciavam qualquer atitude tida como

suspeita. O inquérito abaixo retrata uma dessas ações:

Tendo O SR. Fausto de Moraes Salles me trazido uma denuncia sobre a existência de uma estrada de rodagem, aberta por engenheiros alemães, do Norte do Estado do Paraná às raias de Cananéa, com fito de invadir nosso Estado, resolvi mandar proceder a uma vigorosa pesquiza, de cujos resultados o Snr. José Alves Feitosa (...) apresentou um relatório, do qual tenho a honra de transmitir a copia178. Snr. Dr. Alfredo Braga.

Os comentários prévios redigidos pelo Delegado Alfredo Braga suscitam

uma indagação: seria procedente a denúncia de que uma estrada de rodagem

que possibilitaria a invasão dos alemães, ao interior de São Paulo. Pois bem,

de onde viriam esses alemães? Do Paraná? Um Estado da federação que

recebeu contingente migratório de alemães, entretanto um número

inexpressivo, se comparado a outros estados. Os resultados das investigações

são tão curiosos quanto sua delatação.

Recebendo a presente comunicação no dia 16 deste, já a 17, sem perda de tempo, segui para Cananéa com fim de lá proceder uma rigorosa syndicancia sobre os graves factos comunicados ao snr. Dr. Candido Motta, (...) os meus sentimentos de ilimitado patriotismo levaram-me a dedicar o mais interesse possível. (...) Quanto à estrada de rodagem aberta por engenheiros allemães, do norte do Estado do Paraná ás raias do Cananéa, segundo as informações que colhi, todas concordes, parece tratar-se da estrada

178 Arquivo Histórico Policial. Atividades subversivas de alemães no Brasil, vl XII. Colônia de Pariquéra – Assú, 26/11/1917.

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construída por austríacos, o que hoje vale dizer allemães (...) E ahi está traçado o caminho, provavelmente conhecido dos taes austríacos ou alemães – e quem diz alemães diz espiões, o qual permite a tropas de infantaria inimiga, desembarcadas no Porto de Cananéa, indefeso, aberto, completamente desabrigado, attingir em alguns dias, sem serem molestados, o Planalto do nosso Estado È verdade que as intenções... apparentes, com que foi feita a estrada em questão, são inocentes. Também para fins mais inocentes deste mundo, construíram os alemães em Antuérpia, em plena paz, as bases de concreto para os formidáveis canhões, com que bombardearam a cidade. Parece-me, pois, que o nosso Governo deve dedicar a maior attenção ao caso aqui exposto, mandando reconhecer e vigiar pelos departamentos competentes179. Colônia de Pariquéra – Assú, 26/11/1917

Compreende-se que um inquérito policial tenha como função principal

investigar, antes mesmo de acusar, o que não ocorreu no inquérito da Colônia

de Pariquéra-Assú, em que a ordem lógica foi invertida. As informações

levantadas pelo investigador afirmam que a estrada havia sido construída por

austríacos e não por alemães, contudo, o investigador generaliza alemães e

austríacos, embora tendo semelhanças culturais como idioma, a distinção entre

as duas nacionalidades deveria ser evidente. O Brasil, ao declarar guerra à

Alemanha não fez o mesmo com relação à Áustria180, sendo assim, se torna

uma contradição dentro da investigação a generalização austríaco – alemão.

Assim como recorrente em diversos prontuários, o investigador traça

uma relação, transformando primeiro austríacos em alemães, logo sendo

alemães serão espiões. O receio dos policiais incumbidos das investigações

residia no fato de Cananéia ser uma pequena cidade do extremo sul do litoral

de São Paulo, sugerindo que a mesma poderia ser a porta de desembarque da

marinha alemã e a possível invasão de terras paulistas.

179 Idem. 180 Lembrando que as potencias centrais durante a Primeira Guerra Mundial eram, Alemanha, Áustria – Hungria e Turquia.

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Concluindo o inquérito, o investigador José Feitosa, chamou a atenção

para o fato d que os intuitos da construção da estrada eram aparentemente

inocentes, mas realça que os intuitos inocentes da Alemanha levaram o planeta

a um conflito de ordem mundial. E se contradiz na conclusão da investigação,

pois mesmo não encontrando evidencias de que a estrada havia sido obra dos

alemães, alertava as autoridades competentes para reconhecer as localidades

e vigiá-las.

Acusações como a anterior foram embasadas no preconceito instituído

contra os alemães, em que os mesmos eram tratados, pelo investigador, como

sujeitos de má índole e que deveriam merecer, por parte do governo, uma

vigilância especial.

O que chama a atenção, em alguns prontuários, são os limites de

veracidade apontados pelas denúncias; entende-se que, em um período de

guerra qualquer atitude suspeita pode sugerir uma investigação com mais

afinco, mas algumas mostram o despreparo policial. No mês de dezembro de

1917, alguns jornais noticiavam a existência de um possível aeroplano

fantasma, construído por alemães no interior de São Paulo. A polícia deslocou

um investigador para rastrear possíveis inserções aéreas das forças alemãs. O

resultado das investigações segue abaixo:

Aeroplanos Phantasmas Por mais de uma vê, no Sudoeste Paulista, sobre o vale do rio Paranapanema, tem sido observado um aeroplano (phantasma?) espiando talvez os núcleos avançados das populações sertanejas. (...) Agora, há poucos dias, Apparicido Gomes Fernandes, ex-prefeito da cidade de Campos Novos disse-me ter visto em companhia de um seu camarada, ao sol poente, para os lados do rio Paranapanema, um vulto negro pequeno approximar-se até adquirir o tamanho e a forma de um barril (quinto) visto de frente, depois tornar-se cumprido, retomara a forma primitiva e sumir velozmente, como um pássaro, no céo, limpo de nuvens, para os lados do sertão Paranaense fronteiro. Disseram-me que Olympio Viriato, fazendeiro, residente no município de Conceição de Monte Alegre, a mesma hora e distante approximadamente 12 (doze)

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legoas de Gomes Fernandes, presenciou a mesma apparição. Ora, um aeroplano visto de frente, de lado e por traz, apresenta indubitavelmente as três formas seguintes A, B, C; para os espectadores collocados nas posições 1,2,3. De onde teria vindo o aeroplano? (...) è sem duvida, objecto de attenção para um paiz de população densa, activa, de gênio tradicionalmente conquistador e que opprimido n’um tracto relativamente pequeno de território entre os Andes e os atlântico, naturalmente acarecia um sonho de conquista, alias tenatdor181. 2 de dezembro de 1917.

Dentro das 85 páginas da pasta, referente às atividades subversivas de

alemães no Brasil, este é o único prontuário em que não aparece nenhuma

referência explicita aos alemães. Apenas há uma alusão, nas entrelinhas, do

último parágrafo, em que o investigador menciona um “país de gênio

tradicionalmente conquistador”, e as possibilidades de conquista de uma fração

da América do Sul.

Mesmo não fazendo uma referência clara sobre os alemães, vale

observar alguns detalhes expostos nos prontuários. Mais uma vez, tem-se

como território ameaçado, o Estado de São Paulo, e novamente na região

fronteiriça com um estado do sul, muito provavelmente, as autoridades policiais

acreditavam que toda região sul do Estado estivesse sob ameaça, devido à

propagação, no imaginário popular, através de periódicos e livros, de que a

porta de entrada de uma invasão alemã seria a partir de Santa Catarina e do

Rio Grande do Sul, estados que receberam a maior quantidade de ondas

migratórias alemãs.

O que chama atenção - além do objeto não identificado, com diâmetro e

tamanho de um barril, que poderia ser avistado a 48 kilômetros (12 léguas) em

três locais diferentes - é o cotidiano das pessoas durante o período de guerra,

o medo, a supervalorização de algumas ações, os gestos mais simples como

181 Arquivo Histórico Policial. Atividades subversivas de alemães no Brasil, vl XII. Aeroplano phantasma. São Paulo, 2 de dezembro de 1917.

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fabricar pães poderiam ser motivo de investigação, é o que traz o próximo

prontuário:

Comunnico-vos, que no dia 11 do corrente mez compareceu a este gabinete Antonio Alves de lima, para relatar o seguinte facto: - Um seu criado, hontem, quando comia um pedaço de pão, proveniente de um padaria allemã da rua Helvetia numero 90 ou 92, sintiu a bocca ferida suppondo que tal se desse em conseqüência de qualquer substância nociva contida no pão, que incontinente atirou fora, não sendo possível ao communicante encontral-os por mais que procurasse. Disse mais Antonio Alves de Lima que foi a 3ª Delegacia onde deu parte do occorrido. As 10 horas da noite, achando se ele em sua casa foi procurado pelo proprietário da referida padaria, e cujo o nome ele ignora, o qual, tendo conhecimento da denúncia dada pelo declarante ameaçou-o com palavras insultuosas182. 12 de janeiro de 1918.

Uma padaria sabotadora, um aeroplano fantasma no interior de São

Paulo, que poderia ser uma eventual base ou uma estrada no litoral sul que

suscitasse a invasão de tropas inimigas. Esses fatos permitem afirmar que

acontecimentos triviais e boatos forneram material para que a polícia

reforçasse sua atenção no que se refere ao imigrante alemão aqui residente.

Tal contexto, é claro, não surge apenas dos fatos aqui mencionados,

mas de toda uma conjuntura político-social, que se criou no período de tempo

recortado para esse estudo. Sendo assim, a associação de uma conjuntura

nacional e internacional, aliada a uma forte crítica traçada pela imprensa,

culminaram na formação da imagem de um cidadão estrangeiro representante

de perigo à soberania nacional, como se vê aqui, perigo muitas vezes

infundado, mas que acabou gerando em todo o contexto social brasileiro a

ideia de ameaça que deveria ser digna de inspeção policial.

182 Arquivo Histórico Policial. Atividades subversivas de alemães no Brasil, vl XII. O prontuário não apresenta nome de investigação. São Paulo, 12 de janeiro de 1918.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho, procurou-se demonstrar de que maneira a

imprensa paulista contribuiu para a disseminação das ideias de um “perigo

alemão” em São Paulo, mediante ao período correspondente entre a

proclamação da República e a Primeira Guerra Mundial.

Inicialmente, durante o processo seletivo do Mestrado, o objetivo era de

analisar o “perigo alemão” em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial,

sobretudo no balizamento entre 1942 e 1945, tendo como fonte metodológica

os prontuários do DEOPS-SP. Todavia, o contato com novas fontes, os jornais

mencionados nesta pesquisa (O Estado de São Paulo, Germania e A Gazeta),

possibilitou um novo recorte temporal, trazendo novas perspectivas para o

trabalho.

Analisando as fontes nota-se que o “perigo alemão” não era resultado da

ascensão de Hitler ou tampouco, como se pressupunha, da campanha

nacionalista de Getúlio Vargas, a partir de 1938, mas sim resultado de uma

conjuntura de fatores internacionais do final do século XIX que, refletiam

diretamente nas colônias alemãs no Brasil.

Como se mencionou no decorrer desta pesquisa, o “perigo alemão” no

Brasil pode ser visto sobre três vieses; o primeiro deles a partir da corrida

imperialista das nações da Europa em busca de matérias-primas e mercados

consumidores, pois a unificação tardia da Alemanha, junto com suas ambições

de conquistar novos territórios, levou outros países europeus (Inglaterra e

França) a propagarem informações, de que a Alemanha teria interesse de

conquistar o sul do Brasil, sendo que os imigrantes alemães e seus

descendentes seriam súditos da Alemanha aqui radicados. Em seguida tem-se

o Deutschtum, conceito que definia os alemães por uma herança cultural e não

por local de nascimento, dificultando a inserção do imigrante alemão ou

descendente na sociedade receptora, e, por fim a All Deutsche Verband (Liga

Pangermânica), organização de caráter nacionalista que pregava a

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manutenção dos costumes culturais alemães aos imigrantes alemães

espalhados pelo globo.

É notório que os vieses apontados contribuíram de forma significativa

para a existência do receio da população brasileira para com os imigrantes

alemães e seus descendentes, todavia, indagou-se durante este trabalho,

como a imprensa disseminava as informações sobre o “perigo alemão” e de

que maneira a sociedade paulista recebia tais informações.

As manchetes publicadas suscitavam sentimentos como desconfiança,

temor e até repulsa aos imigrantes aqui residentes, nota-se que, com o

decorrer do período entre 1889 e 1918, até mesmo a maneira como a imprensa

produzia suas criticas também foi sendo alterada. Se, no final do século XIX o

receio por parte da imprensa era de que o governo alemão conquistasse ou

anexasse parte do território brasileiro, no início do século XX, o temor

correspondia à grande quantidade de alemães que viviam no Brasil, sendo

esses súditos da Alemanha e não cidadãos brasileiros.

A influência da imprensa era tamanha que, até mesmos nos prontuários

policiais encontram-se recortes de jornais, enfatizando a espionagem alemã, os

esconderijos de bombas, entre outros. Os jornais deixavam de ser um órgão

informativo, portador de uma ideologia e, transformavam-se em uma instituição

de investigação social.

No início deste trabalho levantaram-se algumas problemáticas, como por

exemplo, a dúvida, se realmente existiu um “perigo alemão”. Postuladas as

fontes, não foi encontrado nenhum documento, em jornais e associações

pertencentes à comunidade alemã de São Paulo, que justificasse o receio da

imprensa.

Sobre o embate entre os jornais O Estado de São Paulo, que divulgava

periodicamente “O “perigo alemão””, e o jornal Germania, que respondia, com a

mesma freqüência, através da publicação de matérias intituladas

Germanofobia, notou-se que, em ambos existiam exageros, entretanto, como já

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foi mencionado, não encontrou-se absolutamente nada que, justificasse o

temor dos jornais paulistas ao descrever em suas páginas, o perigo

representado pelos alemães, levando a acreditar que, o que ocorreu, foi

realmente um ato chauvinista.

No que tange ao período beligerante, ocorreu nesta pesquisa, a

substituição do jornal O Estado de São Paulo, pelo periódico A Gazeta, mais

sensacionalista e sarcástico. O jornal A Gazeta divulgou em suas páginas, não

apenas um suposto perigo, mas sim um perigo “real”. Nesse momento, a

comunidade alemã sofreu as críticas mais duras vindas de um jornal, adjetivos

depreciativos como “boches” tornaram-se constantes, no ano de 1917.

Por fim, os prontuários de investigação policial, onde a polícia dispensa

constantemente atenção sobre a colônia alemã. Como apontou-se, as

investigações resultaram apenas em fichamentos, e, não em repressão. Aliás,

um fato que se faz necessário ressaltar, é que durante a Primeira Guerra

Mundial, a repressão que chegou até mesmo à agressões físicas, não partiu de

instituições federais ou estatais, mas sim da população de cada estado, o que

dá subsídios para acreditar na importância da imprensa na construção do

“perigo alemão”. Como foi mostrado, no capítulo três desta dissertação, com a

declaração de guerra do Brasil às potências do eixo, uma parte da população

paulista foi para frente dos estabelecimentos dos jornais em busca de

informações proferidas pelos redatores dos mesmos, para depois, sair em

passeata, destruindo estabelecimentos alemães.

Buscou-se com este trabalho, discutir o “perigo alemão” em São Paulo

em um novo balizamento temporal, anterior a ascensão nazista ou varguista.

Não entendemos que o tema foi saturado com este trabalho, ao contrário,

mostrou-se que apenas foi dada uma pequena contribuição, para que,

despertasse em outros pesquisadores, o interesse por novas discussões sobre

o “perigo alemão”.

As últimas palavras corresponderam a uma tentativa de resumir o

“perigo alemão”, esse nada mais foi, do que uma dificuldade de interpretação

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de valores culturais como o Deutschtum, fator esse que desperta certo

desconforto até os dias de hoje na imprensa, uma vez que, recentemente foi

veiculada em determinados programas televisivos183, uma série de matérias

que destacaram algumas comunidades no sul do país, mais especificamente

Pomerode e Brusque, duas cidades de Santa Catarina. Em suas chamadas

estavam presentes os seguintes discursos: “cidades alemãs no Brasil”,

“crianças nascidas no Brasil que falam apenas alemão, isto seria certo?”. E

assim sucessivamente. Mas essas... são outras histórias...

183 Globo repórter, Fantástico e A Liga.

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Jornais A Gazeta de São Paulo e A Platéia, correspondente ao período entre 26 de outubro de 1917 (Declaração de Guerra a Alemanha) a 20 de dezembro de 1917 (data da censura dos jornais).

Jornais alemães

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Prontuários Policiais ARQUIVO HISTÓRICO DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, GABINTE DE INVESTIGAÇÕES. Pasta: atividades subversivas de alemães no Brasil.

Diário pessoal da senhora Frieda Stupakoff : “Familie Stupakoff in São Paulo”

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