Upload
trinhminh
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Edson Tomaz de Aquino
A Dimensão do Atlântico Sul na Política Externa e na Defesa do Brasil, dos Anos 70 ao Limiar do Século XXI
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO 2008
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Edson Tomaz de Aquino
A Dimensão do Atlântico Sul na Política Externa e na Defesa do Brasil, dos Anos 70 ao Limiar do Século XXI
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Paulo Edgar Almeida Rezende.
SÃO PAULO 2008
BANCA EXAMINADORA
Dedico aos meus pais, que me incentivaram o tempo todo na realização de um sonho; Aos amigos, colegas e alunos que compartilharam comigo os anseios, dúvidas e felicidades pelo caminho trilhado.
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos ao meu orientador, Profº Dr. Paulo Edgar Almeida
Rezende, que incentivou a participação nesta jornada de conhecimentos,
compartilhando suas idéias e reflexões e possibilitando assim a realização deste
trabalho.
RESUMO
O objetivo principal deste trabalho consiste em demonstrar a crescente
importância do Atlântico Sul na política externa e nos assuntos de defesa do Brasil,
desde a década de 70 até o limiar do século XXI.
A crise do petróleo, no início da década de 70 transformou a percepção
do Brasil sobre sua fronteira marítima. O alargamento do mar territorial para 200
milhas e a aproximação diplomática da África foram estratégicos para assegurar os
interesses do Brasil no Atlântico Sul.
O papel central do Brasil em construir a Zona de Paz e Cooperação do
Atlântico Sul reforçou a escolha pelo multilateralismo e pelo direito internacional.
Essa escolha foi decorrente do contexto regional e hemisférico.
No início do século XXI, o Brasil percebe possibilidades de projetar uma
capacidade militar para defender sua fronteira marítima. Recursos econômicos,
como grandes reservas de petróleo, podem tornar o Atlântico Sul uma área
vulnerável para os interesses brasileiros.
No entanto, idealismo e realismo em política externa e defesa tendem a
combinar-se na projeção do Brasil no Atlântico Sul.
Palavras-chave: Atlântico Sul – Política Externa Brasileira – Defesa Nacional – Mar
Territorial
ABSTRACT
The main purpose of this work is to show the growing importance of South
Atlantic Ocean to Brazil’s foreign policy and security issues, from the seventies to
21st century.
The oil crises in the early seventies changed brazilian perception about its
maritime frontier. The enlargement of territorial sea to 200 miles and a diplomatic
approach to Africa were strategic to assure Brazilian interests in the South Atlantic.
The central role of Brazil to build the Zone of Peace and Cooperation of
the South Atlantic stresses the choice to the multilateralism and the international law.
This choice results from regional and hemispheric context.
In the early 21st century, the international system allows Brazil to drawn a
military capability towards its maritime frontier. Economic resources as great stocks
of oil could turn the South Atlantic a vulnerable zone to Brazilian interests.
Idealism and Realism on foreign politics and defense issues tend to
combine themselves on Brazil’s projection at South Atlantic.
Keywords: South Atlantic – Brazilian Foreign Policy – National Defense – Territorial
Sea
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapa da América do Sul e do Atlântico Sul..............................................18
Figura 2 - Mapa do Atlântico Sul de Henderine Drogenhams (1600).........................21
Figura 3 - Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul – ZPCAS...........................488
Figura 4 - Reivindicações sobre os territórios antárticos............................................52
Figura 5 - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP........................677
Figura 6 - Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental.............................877
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Países visitados por Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos.....................823 Tabela 2 - Comércio Brasil-África (Em bilhões de Dólares).......................................98 Tabela 3 - Embaixadas brasileiras na África............................................................106 Tabela 4- Orçamento da Marinha............................................................................110 Tabela 5 - Evolução da produção anual de petróleo cru no Brasil nas bacias terrestres e marítimas (valores em milhares de barris). ......................................11111
LISTA DE SÍMBOLOS
AGI Ano Geofísico Internacional ALCSA Área de Livre Comércio Sul-Americana BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CIB Comissão Internacional da Baleia CNUDM Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CSN Conselho de Segurança Nacional ESG Escola Superior de Guerra EUA Estados Unidos da América FHC Fernando Henrique Cardoso FNLA Frente Nacional para a Libertação de Angola IBAS Índia, Brasil e África do Sul INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IIRSA Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana ISBA Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos LEPLAC Limites Exteriores da Plataforma Continental LOA Lei Orçamentária Anual MDB Movimento Democrático Brasileiro MERCOSUL Mercado Comum do Sul MPLA Movimento Para a Libertação de Angola NAFTA Acordo de Livre Comércio da América do Norte OEA Organização dos Estados Americanos OMC Organização Mundial do Comércio ONU Organização das Nações Unidas OPA Operação Pan-Americana OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PDN Política de Defesa Nacional P&D Pesquisa e Desenvolvimento PEI Política Externa Independente PIB Produto Interno Bruto PND Plano Nacional de Desenvolvimento PROANTAR Programa Antártico Brasileiro PT Partido dos Trabalhadores SADC Southern África Development Council SEAP/PR Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República SIVAN Sistema de Vigilância da Amazônia TIAR Tratado Interamericano de Assistência Recíproca TNP Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares UNAVEN United Nations Angola Verification Mission UNITA União Nacional pela Independência de Angola VANT Veículo Aéreo Não Tripulado ZEE Zona Econômica Exclusiva ZPCAS Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................12
2 O ATLÂNTICO SUL: UMA BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA.........................188
3 OS ANOS 70 E O REDIMENSIONAMENTO DO ATLÂNTICO SUL PARA O
BRASIL .....................................................................................................................30
4 ANOS 90: NOVOS VENTOS NO ATLÂNTICO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA......56
5 O ATLÂNTICO SUL NO HORIZONTE ESTRATÉGICO DO BRASIL NO
SÉCULO XXI ..........................................................................................................83
6 CONCLUSÃO.......................................................................................................119
7 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................124
12
1 INTRODUÇÃO
Diz a lenda que, no século XVII, piratas ingleses saquearam um galeão
espanhol carregado com centenas de objetos de ouro e prata, roubados da catedral
de Lima, após a independência do Peru. Esconderam o tesouro num túnel esculpido
pelo mar, no paredão da ilha de vários cumes, o maior chegando a 600 metros de
altura.
Além desse tesouro, até hoje não encontrado, a ilha foi palco de diversos
naufrágios, o que fortalece boatos sobre supostos tesouros que repousam há
séculos no fundo do mar.
Em 1501, o navegante espanhol João da Nova, a serviço da corte
portuguesa, partiu de Lisboa com destino à Índia. Quando se encontrava na costa
africana, uma forte tempestade forçou-o a mudar de rota. Alguns dias depois avistou,
no meio do Atlântico Sul uma porção de terra, o que resultou no descobrimento da
Ilha de Assunção.
No ano seguinte, Estevão da Gama, navegador português aportou na ilha,
dando a ela o nome de Trindade, sem saber que outro desbravador já lá estivera.
Passaram-se muitos anos, com tentativas de colonização e disputas entre
Portugal e Inglaterra pela posse da ilha de pouco mais de 9 quilômetros quadrados.
Foi quando em 1895, no início da vida republicana brasileira, que a
Inglaterra voltou a ocupar a ilha, desta vez sob o pretexto de usá-la como ponto de
apoio ao projeto de ligar Londres a Buenos Aires com cabo submarino. Era o auge
da presença inglesa na América do Sul, com negócios que se multiplicavam a cada
dia. A comunicação via telégrafo tornava-se uma das marcas do imperialismo
britânico.
O Brasil evitou o enfrentamento militar para retomar o controle sobre
Trindade. Utilizou as vias diplomáticas e ganhou a questão com o arbitramento de
Portugal.
Finalmente, em 1897, o cruzador brasileiro Benjamin Constant aporta em
Trindade para tomar posse dessa pequena ilha, distante 1.200 quilômetros da costa
do Estado do Espírito Santo. Na encosta do morro do Pão de Açúcar, foi colocado
13
um marco que até hoje lá se encontra com a seguinte inscrição: “O direito vence a
força”.1
Desde o período colonial, o oceano foi para o Brasil porta de entrada e de
partida, tanto de pessoas quanto de mercadorias. Ao longo da costa, pode-se ainda
hoje observar a existência de diversas fortificações, usadas para repelir visitantes
indesejados, enquanto o desbravamento do interior ia delineando novas fronteiras
ao que viria a ser o Brasil.
Um século após o trabalho de Rio Branco nas negociações dos marcos
terrestres, a questão da fronteira ainda se constitui como um desafio à diplomacia e
à defesa.
E não é apenas a porosidade da Amazônia que se constitui como questão
a ser enfrentada pela política externa e pela defesa nacional. O Atlântico Sul é a
última fronteira nacional a ser consolidada. Não apenas como porta de entrada e
saída, mas um limite a ser expandido, onde riquezas se encontram desde a
superfície até as profundezas.
O Brasil possui 7.480 quilômetros de fronteira marítima, um convite
permanente para a reflexão e busca da ressignificação do oceano, lido
freqüentemente como espaço vazio e de implicações menores aos interesses
nacionais, principalmente quando comparado à fronteira terrestre.
O crescente uso dos recursos econômicos do planeta tende a provocar
cobiças, e quiçá, conflitos. Tornar-se soberano sobre esses recursos e diminuir a
vulnerabilidade do país frente às potências estrangeiras surgem como desafios ao
Brasil no século XXI.
Para tanto, o país pode apoiar-se no direito e no pressuposto que os
outros o respeitará. Na insuficiência desse recurso quando as circunstâncias se
mostrarem adversas, o uso da força pode ser considerada.
Assim surge o Atlântico Sul para o Brasil, no limiar do século XXI.
O Atlântico Sul foi porta de entrada dos europeus, primeiramente e de
grande parte dos contatos estabelecidos pelo Brasil com o mundo. Comércio, mão-
de-obra escrava e imigrante, construção do território e das identidades culturais,
relações políticas, enfim, impossível falar sobre o percurso do Brasil, do período
colonial ao século XXI sem considerar o papel do Atlântico Sul.
1 MARINHA DO BRASIL. Arquivo do Navio Graça Aranha.
14
Entretanto, não se deve perder de vista que a idéia de que o Atlântico Sul
é, sobretudo uma designação geográfica de uma área que engloba distintas regiões
e sub-regiões, nem sempre maleáveis a um enfoque generalizador. No âmbito desse
espaço, subsumem-se outros conceitos espaciais tão específicos ou fluidos como
América do Sul, América Latina, América Portuguesa, América Espanhola, América
Amazônica, América Platina, Mercosul, África Ocidental, África Subsaariana, África
Austral, África Portuguesa, África Negra, Hemisfério Sul, Hemisfério Ocidental,
Antártida, dentre outros.
No âmbito regional, as relações do Brasil com seus vizinhos platinos,
andinos e amazônicos surgem de modo cada vez mais intenso nos meios
governamentais, empresariais e acadêmicos. A superação de tensões e
desconfianças tende a abrir novas perspectivas à integração sul-americana. E a
imagem de um Brasil “de costas” aos seus vizinhos desvanece paulatinamente.
Em momento propício a discutir arranjos regionais, fenômeno favorecido
por um sistema internacional multipolar, a dimensão atlântica surge de modo
crescente como área vital aos interesses do Brasil em diversos aspectos.
O Atlântico Sul une o Brasil à África. Do ponto de vista geográfico, o Brasil
está mais próximo da África do que da América do Norte. Da perspectiva histórica, é
uma das principais referências da construção da cultura brasileira. A África é o
continente que busca superar no século XXI os traumas produzidos pelo
colonialismo. O aprofundamento de relações com povos do outro lado do Atlântico
não representa apenas novas oportunidades em política externa e comércio, mas
também a possibilidade de redescobrir raízes da cultura brasileira.
E o Atlântico Sul permite ao país participar do futuro da Antártica, um
continente inóspito, mas essencial para a biodiversidade do planeta e dos oceanos,
em especial. Alvo de especulações sobre riquezas minerais, a Antártica abriga
bases de diversos países, de todos os continentes. A influencia sobre o clima, a flora
e a fauna das águas que banham grande parte da costa brasileira, também tornam o
continente antártico relevante para o Brasil.
Também se buscará neste trabalho abordar as articulações que buscaram
garantir soberania sobre recursos econômicos existentes no que se tem chamado de
“Amazônia Azul”, principalmente a pesca e a exploração de jazidas de petróleo na
plataforma continental e a adequação dessas atividades com a agenda ambiental.
15
Basicamente, defender-se-á que o Atlântico Sul tem se projetado de
forma mais intensa na política externa brasileira e no delineamento de uma política
de defesa nacional, a partir dos anos 70, principalmente. As crises do petróleo e a
nítida mudança de postura em relação à África são emblemáticas a esse aspecto.
O aprofundamento de uma valorização da fronteira atlântica, nos planos
militar e diplomático, no entanto, se faz perceber no limiar do século XXI, com o
aumento de sua relevância como depositária de recursos econômicos, sobretudo o
petróleo.
O objetivo central deste trabalho consiste em contribuir para uma reflexão
sobre a projeção de interesses do Brasil na sua fronteira marítima, o Atlântico Sul,
da década de 70 do século XX ao primeiro decênio do século XXI, que engloba parte
do segundo mandato do presidente Lula. Buscaremos verificar a elaboração e
aplicação de políticas, tanto no aspecto diplomático quanto no da defesa nacional,
que demonstrem a crescente importância do Atlântico Sul para o país.
Nessa trilha, surge a África na outra margem, com seu papel histórico e
cultural para o Brasil. Em que medida o continente africano pode contribuir para a
consecução dos interesses do Brasil no Atlântico Sul?
A Antártica, com sua importância para o clima e o ecossistema marinho
da costa brasileira, também pode converter-se em elemento para garantir os
interesses do Brasil na sua fronteira atlântica?
E no seu entorno imediato, a América do Sul, também investigaremos de
que forma as relações entre Brasil e Argentina, principalmente, repercutem para a
vertente sul-atlântica da política externa e da defesa do país.
Não menos importante será a análise sobre a relevância estratégica do
Atlântico Sul para o sistema internacional no período coberto por este trabalho. Os
Estados Unidos, principalmente, a margem de autonomia que permitem ao Brasil
atuar no Atlântico Sul também será perquirido, haja vista seu papel hegemônico
hemisférico e global.
E afinal, quais são os interesses do Brasil no Atlântico Sul e que meios
tem sido usados, diante das oportunidades e desafios que se colocam, para a
defesa dos mesmos?
Para tentar dar respostas a essas e outras questões que se colocam
quando refletimos sobre os interesses do Brasil no Atlântico Sul, este trabalho se
baseará na análise de bibliografia abrangente, de enfoques variados, mas que
16
confluem ao objeto aqui estudado. Também se buscará subsídios à analise em
fontes primárias, como discursos, declarações e entrevistas de representantes
governamentais e autoridades em áreas específicas.
No capitulo I, buscar-se-á uma abordagem histórica sucinta do papel do
Atlântico Sul na formação do Brasil, do ponto de vista territorial, diplomático,
econômico e cultural.
O capítulo II se pautará pela nova perspectiva que o Atlântico Sul adquiriu
no âmbito diplomático, especialmente nas relações do Brasil com a África dos anos
70. É nesse período que o Brasil proclama seu mar territorial de duzentas milhas e
muda significativamente sua política para o continente africano. Esses dois
acontecimentos estão estreitamente relacionados com a crise do petróleo e seus
impactos para o desenvolvimento econômico do país.
Nesse mesmo capítulo, o trabalho avança para a década de 80, período
de significativas transformações no plano doméstico e no entorno regional do Brasil.
A liderança do país em construir acordos de cooperação, como a Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS), a aproximação com os países africanos de
Língua Portuguesa e o início do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR),
denotam o redimensionamento do Atlântico Sul na política externa brasileira.
No terceiro capítulo será abordado o período pós Guerra Fria e seus
reflexos para o país na sua fronteira marítima. O Consenso de Washington e suas
implicações para a soberania nacional e a questão ambiental estarão presentes
nesse mesmo capítulo. O Plano de Defesa Nacional (PDN), de 1996, do governo
FHC, até a atualização desse documento, ocorrida em 2005, no governo Lula
encaminham ponderações sobre as conexões do Atlântico Sul com a defesa
nacional.
No IV e último capítulo será analisada a crescente projeção do Atlântico
Sul para a política externa e a defesa nacional. A promulgação de uma nova PDN
em 2005, a ampliação da soberania na plataforma continental, o surgimento da
designação “Amazônia Azul” para o Atlântico Sul, o significativo aumento de
produção de petróleo no mar, tendo em consideração o pós 11/09, a vulnerabilidade
energética mundial e o estreitamento das relações com a África são fatores que
inserem-se numa visão sul-atlântica redimensionada para o Brasil no século XXI.
Neste capítulo, procuraremos ainda demonstrar que dado o crescente
valor estratégico do Atlântico Sul para o Brasil, e a vulnerabilidade aí presente, a
17
idéia de uma “potência pacífica” se torna insuficiente para defender os interesses do
país. Ao mesmo tempo, o cenário regional e global não apresenta obstáculos à
consecução desse propósito.
Por fim, verificaremos a combinação de elementos tradicionais da política
externa brasileira, como o universalismo, o pacifismo e seu papel central na defesa
de uma agenda social, que amplia sua projeção junto aos países africanos.
Paralelamente, analisaremos a projeção de um poder militar e de que modo o
pensamento geopolítico brasileiro, por vezes latente, por vezes aflorado, coaduna-se
com esse propósito.
18
2 O ATLÂNTICO SUL: UMA BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA
O “Atlântico Sul” , como área geográfica marítima, está delimitado ao
norte pela linha do equador, ligando as terras do Amapá, na América do Sul até a
Mauritânia, na África, contornando o arquipélago de Cabo Verde, e ao sul, pela
Antártica. A delimitação defendida por Flores inclui Trinidad e Tobago, onde tem
início o Caribe estratégico.2
É o cenário da construção e expansão do que se chama hoje de
“Ocidente”, tendo como ponto inicial o predomínio português sobre o comércio no
Atlântico Sul até o advento da “Pax Britannica” no século XIX.
As análises geopolíticas formuladas por Castro explicitam a
“orientalidade” da América do Sul e do Brasil, especialmente, em relação à América
do Norte, mais ocidental. Envolvendo-se no meridiano de 35 graus de longitude, o
território brasileiro coloca-se a apenas 10 graus de Cabo Verde, o arquipélago mais
ocidental da África, e somente a 18 graus de Dakar, na zona de estrangulamento do
Atlântico.
Figura 1 – Mapa da América do Sul e do Atlântico Sul 2 FLORES, M.C. Reflexões Estratégicas – Repensando a Defesa Nacional. São Paulo: É Realizações, 2002, p. 64.
19
Embora o Brasil não seja bioceânico, Castro salienta que o país é dotado
de duas faces litorâneas – uma voltada para o hemisfério continental, o hemisfério
norte, onde se concentra a maior parte dos territórios, e a outra, linha costeira bem
maior, dependente do hemisfério oceânico, o hemisfério sul, onde as águas cobrem
a maior parte da superfície. E ao comparar as costas das Américas no Atlântico e no
Pacífico, Castro lembra que as maiores articulações, tanto na América do Norte
quanto na América do Sul, se encontram no lado do Atlântico, onde a natureza mais
baixa da costa favorece a instalação de melhores portos. “Nessas condições, o
Pacífico, de navegação extensiva, contrasta com o Atlântico, de navegação
intensiva, orientando ainda mais para o leste o conjunto americano”.3
Para Cortesão:
O traço geográfico fundamental que imprimiu caráter à História do Brasil é a sua posição no hemisfério e no Atlântico Meridional. O Brasil participa forçosamente, de certos caracteres de posição comuns à América do Sul, mas desde logo se distancia dos demais países do continente pelas suas relações atlânticas com a Europa e a África.4
Na virada do milênio, perguntado pelo The New York Times sobre qual
teria sido a maior invenção do homem nos últimos mil anos, Humberto Eco é
categórico ao afirmar ser o arado com tração animal, ao provocar a primeira grande
onda de desemprego em massa. A nova tecnologia, ao permitir que a ferramenta
fizesse o trabalho de dezenas de homens, provocou êxodo rural e o renascimento
das cidades ou burgos. A crescente necessidade por especiarias adequadas à
preservação de alimentos destinados a alimentar gente que não tinha mais o campo
como quintal de casa. Surge daí a própria dicotomia cidade/campo.
Além do comércio local, o comércio marítimo é altamente dinamizado
pelas necessidades das especiarias do Oriente, especialmente da Índia.
As dificuldades à época em utilizar-se da rota mediterrânica, fizeram de
Portugal protagonista privilegiado na navegação transcontinental. A posição
geográfica de Portugal estimulou sua vocação ultramar e o desenvolvimento de
tecnologia da navegação. “A conquista do mar alto deu à Europa a sua primazia
3 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 45. 4 CORTESÃO, J. História do Brasil nos Velhos Mapas. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores. Instituto Rio Branco, 1971, p. 11.
20
universal, e isto durante séculos. A técnica, desta vez – a navegação do mar alto –
criou uma assimetria à escala mundial, um privilégio”, segundo Braudel5. O “mar
português”, na definição de Miceli, “... reconhecido em seus limites extremos,
transformou-se em caminho para circulação de homens, coisas e idéias, fazendo
dele um território de disputas e inaugurando um novo e duradouro desenho das
relações entre as várias regiões do planeta”.6
No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels afirmam que:
Com a descoberta da América e a circunavegação da África abriram-se para a burguesia, em ascensão, novas possibilidades. A Índia e a China, com vastos mercados, a América em processo de colonização, o ativo comércio das colônias, a evolução fantástica dos mecanismos de troca e o aumento das mercadorias, em geral, são os fatores que determinaram o desenvolvimento jamais antes verificado, do comércio, da navegação, da indústria, acarretando conseqüentemente a aceleração do processo revolucionário no bojo da já combalida sociedade feudal.7
A exploração de terras e mares desconhecidos dos europeus põe nos
mapas a África até seu extremo meridional, quando o português Bartolomeu Dias
contorna o Cabo das Tormentas, em 1488, rebatizado posteriormente como Cabo da
Boa Esperança. Estava aberta nova rota para o Oriente e estabelecia-se uma nova
geopolítica nas relações internacionais da época, com o fim do monopólio da rota
mediterrânica. No costa ocidental do Atlântico Sul chega Cabral em 1500 e séculos
mais tarde, em 1819, uma expedição russa descobre terras no círculo polar
antártico, embora registros em mapas dão indícios que europeus teriam lá chegado
já no século XVI.
Com as descobertas, os mapas, aliás, tornam-se documentos que
“legitimavam” a conquista em época em que se começava a pensar no direito sobre
os mares.
5 BRAUDEL, F. Civilização Material e Capitalismo. Ed. Cosmos, 1970. 6 MICELI, P. A Febre de Navegar. Revista História Viva – Grandes Temas, nr. 14, p. 15. 7 MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Editora Global, São Paulo: 1981 p. 20.
21
Figura 2 – Mapa de Henderine Drogenhams, sem local de produção, datado de aproximadamente 1600.
O holandês Hugo Grotius (1583-1645) percebe a importância dessa
questão para seu país, que participa ativamente do comércio transatlântico,
principalmente de açúcar, e estabelece colonização no nordeste brasileiro, quando
Portugal cai sob o domínio espanhol por cerca de 60 anos. Suas obras Law of Prize
and Booty (1604-1605), Freedom of the Seas (1609) e Law of War and Peace
(1625), tornam-se marco para o desenvolvimento do Direito Internacional.
Ainda assim, por séculos, praticamente até a construção do Canal de
Suez, em 1869, o Atlântico Sul se converterá num dos principais palcos de disputa
entre nações, companhias de navegação e piratas.
“No fracasso de um consenso absoluto sobre o Novo Mundo a força foi a
Realpolitik mais freqüente”, explica Karnal, com os freqüentes ataques de ingleses,
holandeses e franceses à rica costa brasileira, de onde saia boa parte dos produtos
que impulsionavam o mercantilismo europeu.8
Identificamos em Alencastro que a ocupação da costa brasileira com a
produção açucareira, principalmente no nordeste, visava também subordinar os
territórios coloniais de ambas as margens do Atlântico Sul ao domínio português,
utilizando-se da mão-de-obra escrava nas plantações da cana.
Para Prado Jr.:
8 KARNAL, L. Revista História Viva Grandes Temas, n. 14, p. 85.
22
Se o índio, por natureza nômade, se dera mais ou menos bem com o trabalho esporádico e livre da extração do pau-brasil, já não acontecia o mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade organizada e sedentária como a agricultura.9
Escravos adquiridos nas costas da África já eram utilizados na agricultura
por portugueses nas ilhas da Madeira e Cabo Verde, tornando-se a principal força
de trabalho nas grandes propriedades açucareiras do nordeste brasileiro.
Além da finalidade econômica, o comércio de escravos da África servia
também como medida para subordinar os territórios coloniais de ambas as margens
do Atlântico Sul à política da Coroa portuguesa, principalmente aqueles oriundos de
Angola. Portugal não contava com população suficiente para promover o
povoamento da extensa costa brasileira. Segundo Alencastro, nestas circunstâncias,
o comércio negreiro, ao permitir a reprodução da produção colonial, seria um
instrumento decisivo para a elaboração do edifício colonial português no Atlântico
Sul, baseado na plantation e no trabalho escravo.10
Depois de 60 anos sob a dominação da Espanha, de 1580 a 1640,
Portugal perde o comércio asiático, o que vem a reforçar sua presença no Brasil e
em possessões africanas como fornecedoras de escravos.
Navios negreiros partiam da Bahia e Pernambuco abarrotados de
cachaça e tabaco rumo à costa central e meridional da África, de onde comerciantes
portugueses primeiramente, e brasileiros também mais tarde, regressavam com
suas naus carregados de escravos.11
A ocupação da costa atlântica, desde os primórdios da colonização, torna-
se fator estratégico, tanto no desenvolvimento das atividades econômicas quanto na
primazia sobre o território.
Na argumentação de Castro, o posicionamento da costa brasileira no
Atlântico, atraindo os invasores, bem mais que os territórios espanhóis no Pacífico,
viria a ser coroado por uma linde de geoestratégicos fortes, constituindo autêntico
cinturão defensivo. Ainda segundo Castro:
9 PRADO JR., C. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. 10 ALENCASTRO, L. F. Tratado dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 11 CURTO, J. C. Vinho verso Cachaça – A Luta Luso-Brasileira pelo Comércio do Álcool e de Escravos em Luanda, c. 1648-1703. In: PANTOJA, S. e SARAIVA, J. F. (orgs). Angola e Brasil nas Rotas do Atlântico Sul.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p.73.
23
Cinturão defensivo de fortalezas que se destinava a manter integrada ao Estado do Brasil toda essa vasta área cobiçada pelos ingleses, franceses e holandeses. Cinturão defensivo que procurava obstar o avanço estrangeiro na frente litorânea e também na zona interiorizada que os espanhóis viriam a reclamar, mas que o uti possidetis do Tratado de Madrid (1750) viria consagrar.12
Para além da costa atlântica, as características geográficas não
favoreciam a penetração do território, seja no nordeste com o semi-árido ou as
elevadas escarpas do planalto brasileiro em sua parte mais meridional, o que
favorecerá a formação de núcleos litorâneos, acentuando o papel do Atlântico Sul na
formação econômica, política e social do Brasil.
Como visto anteriormente, o suprimento da maior parte de mão-de-obra
para trabalhar nas atividades econômicas do Brasil-colônia, agricultura e mineração
principalmente, chegará pelo Atlântico, da costa africana.
Os interesses entre as lideranças locais, tanto no Brasil como nas
colônias portuguesas na África, que se enriqueceram em torno do comércio de
escravos era tal que se esforçaram para juntar-se numa única unidade política de
dimensões sul-atlântica:
As colônias portuguesas da África, à época da Independência, estavam mais ligadas ao Brasil que a Portugal. O comércio bilateral era intenso, como também os vínculos culturais, sociais e humanos. Com a Independência, parte significativa das elites locais, sobretudo em Luanda e Bengala, pretendia romper os vínculos com Portugal e unir-se ao Brasil. A sublevação agitou a colônia, opondo as lideranças angolanas aos governadores e ao bispo, fiéis a Portugal. O seqüestro dos bens dos brasileiros foi decidido pela autoridade local em 1823, em represália à medida similar decretada no Brasil contra os portugueses. Não há indícios de ação positiva por parte de José Bonifácio e dom Pedro para acatar essas aspirações, embora seus decretos lá chegassem e fosse nomeado um cônsul brasileiro, em 1826, que foi rejeitado por Lisboa. Frustrou-se o movimento de união, pela firme oposição de Portugal e Inglaterra, cujos representantes impuseram ao governo brasileiro, no tratado de paz de 1825, o distanciamento político da África portuguesa. Desde então houve grande esforço no sentido de readequar a colônia ao tipo de exploração diferente e adequado ao interesse da metrópole.13
12 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 144. 13 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p.45.
24
É relevante também notar o fato histórico de ter sido o Obá (rei) de
Daomé (atual Benin), o primeiro soberano a reconhecer a independência do Brasil,
em 1824, sobretudo devido ao grande fluxo comercial (escravos que vinham para o
Brasil, aguardente, tecidos e armamentos que iam para Daomé) entre os dois lados
do Atlântico.
Além do distanciamento político da África portuguesa, que perdurará até a
segunda metade do século XX, a Independência irá também repercutir no espaço do
Atlântico Sul na organização da Marinha brasileira, principalmente devido ao plano
português de guerra de reconquista. Segundo Cervo, ao analisar a força naval
brasileira, diz que: “... comparáveis, possivelmente superiores, às forças dos Estados
Unidos, o que representava uma tentação para aventuras no Sul, onde se agravava
o conflito com Buenos Aires em torno da Cisplatina”.14
As pressões da Inglaterra pelo fim do tráfico de escravos no Atlântico Sul,
desde a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, culminarão
com conflitos e ruptura, em 1845. A dependência de mão-de-obra escrava fará o
Brasil transgredir os acordos firmados pelo fim do tráfico, que oficialmente só se dará
em 1850, tornando a imigração livre uma das metas prioritárias do governo.15
A mediação junto a Portugal no processo de independência do Brasil
resultou à Inglaterra vantagens tarifárias, com a assinatura do Tratado de Amizade,
Navegação e Comércio. Segundo Cervo, a cláusula de nação mais favorecida,
firmado em 1828, enquadrava as relações bilaterais no sistema internacional do
capitalismo industrial, sem nenhuma originalidade.16
Em 1823, época da restauração na Europa, desenhava-se nos Estados
Unidos, com a Doutrina Monroe, a supremacia dos Estados Unidos no continente.
De fato, a Doutrina Monroe só se transformara em ação de Washington no final do
século XIX. Na Conferência Internacional dos Estados Americanos, 1890, em
Washington, a delegação americana proclama a “A América para os americanos”.
Moura sintetiza com clareza como os Estados Unidos traduziram essa
idéia:
14 Idem. 15 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p.80. 16 Idem.
25
Que “a América para os americanos” constituía uma articulação destinada a assegurar a hegemonia política dos EUA no continente já ficaria claro na década de 1890. Em 1895, Washington impôs sua arbitragem numa disputa entre Venezuela e a Grã-Bretanha e em 1898 iniciou sua expansão além-mar, a partir de uma guerra contra a Espanha. No primeiro caso, o governo americano viu numa disputa de limites entre Venezuela e Guiana Inglesa a oportunidade de impor-se a uma potência européia sob a alegação (real ou fictícia) de que essa potência estava intervindo no continente e poderia transformar uma nação americana em colônia. Foi no contexto dessa imposição, que o Secretário de Estado Olney disse a famosa frase “Hoje em dia, os EUA são praticamente soberanos nesse continente”.17
Com o financiamento à construção do Canal do Panamá e com o
estabelecimento de bases navais em Cuba, após afastar a Espanha do controle
sobre a ilha, no início do século XX, a parte ocidental do Atlântico Norte se converte
em área de influência exclusiva dos Estados Unidos, que só será abalada sessenta
anos mais tarde, no episódio da Crise dos Mísseis, envolvendo também Cuba.
Por outro lado, o Atlântico Sul permanecerá em segundo plano nos
interesses dos Estados Unidos, exceto em alguns momentos, como por ocasião da
Segunda Guerra Mundial, com a implantação de bases militares no nordeste do
Brasil, cuja menor distância da costa africana permitia a manutenção de aeronaves
de vôos transcontinentais.
No pós-guerra, enquanto o Atlântico Norte ganhava o seu tratado, a
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), por engenharia dos Estados
Unidos, o Atlântico Sul voltava à calmaria, distante do conflito Leste/Oeste.
Ainda que de forma menos explícita, não estará totalmente fora do “radar”
de Washington.
O TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), resultado da
Conferência Interamericana, realizado no Rio de Janeiro, em 1947, veio a reforçar a
hegemonia norte-americana no hemisfério. O TIAR, para os chefes militares dos
Estados Unidos, segundo Moura, em relatório do Secretário de Defesa em 1949, era
um instrumento para garantir “a segurança do hemisfério ocidental e nosso acesso
17 MOURA, G. Estados Unidos e América Latina: As relações políticas no século XX; xerifes e cowboys; um povo eleito e o continente selvagem. São Paulo: Ed. Contexto, 1991, p. 18.
26
aos recursos do hemisfério, que sejam essenciais a qualquer projeção transoceânica
de um maior poder ofensivo dos EUA”.18
O TIAR deveria, portanto, ajudar os objetivos estratégicos dos EUA na América Latina, a saber: matérias-primas, manter aberta a possibilidade de utilização de bases latino-americanas por forças americanas, proteger linhas de comunicação e finalmente assegurar o apoio latino-americano às posições internacionais dos EUA. Pode-se perceber que o TIAR não era propriamente um tratado de defesa hemisférica, mas um canal de articulação da hegemonia político-militar dos EUA sobre o conjunto do continente.19
Moura ainda ressalta que a influência dos Estados Unidos na América
Latina atinge as forças armadas da região, exercendo “um monopólio virtual do
fornecimento de armas, treinamento e influência sobre os militares latino-
americanos”. E complementa ao dizer que:
Além de armas e do treinamento vieram também as noções de segurança nacional e segurança coletiva cujo significado, voltado para as ameaças “internas”, distanciava-se enormemente das velhas concepções de defesa nacional e defesa coletiva, que tinham alimentado até então as forças armadas. As “escolas de guerra”, montadas a partir do modelo do ‘War College’ de Washington, disseminavam as novas doutrinas militares geradas do norte.20
Essa influência será percebida na questão africana, como veremos mais
adiante.
A OEA (Organização dos Estados Americanos), criada em Bogotá, em
1948, no contexto do pós-Segunda Guerra, constituía, segundo Moura, “apenas um
pedaço de um sistema de poder mais vasto, de escala virtualmente planetária, o
grande sistema norte-americano”.21
Se a costa ocidental do Atlântico Sul, área de influência direta dos
Estados Unidos não virá a constituir-se como palco de conflito de proporções
significativas no contexto da Guerra Fria, o mesmo não ocorrerá no outro lado do
Oceano, na costa africana. A influência de Washington se deu principalmente
18 MOURA, G. Estados Unidos e América Latina: As relações políticas no século XX; xerifes e cowboys; um povo eleito e o continente selvagem. São Paulo: Ed. Contexto, 1991, p. 44. 19 MOURA, G. Estados Unidos e América Latina: As relações políticas no século XX; xerifes e cowboys; um povo eleito e o continente selvagem. São Paulo: Ed. Contexto, 1991, p. 44. 20 Idem. 21 Idem, p. 45.
27
através da África do Sul, que procurava atuar na região austral de modo a afastar a
presença soviética em países circunvizinhos, como na Namíbia e em Angola. Em
troca, os Estados Unidos evitavam que qualquer proposta de censura fosse aplicada
contra a África do Sul na ONU por seu regime de segregação racial, o apartheid.
Desde os anos 50, pode-se verificar evolução das percepções e atitudes
do Brasil em relação à África, ainda que com avanços e recuos.
O Tratado que institui formalmente a Comunidade Luso-Brasileira, de
1955, acabou por reforçar a subordinação do Brasil à política colonial portuguesa.
Ademais, o “liberalismo associado”, de aproximação com os centros financeiros
ocidentais, característica do governo Kubitschek, reforçou mais ainda posições
conservadoras em relação à ordem colonial.
Na dimensão econômica, a criação do Mercado Comum Europeu, em
1957, assegurou aos países africanos, inclusive aqueles sob regime colonial, acesso
privilegiado na Europa e colaborou para o surgimento de conflito de interesses entre
o Brasil e a África, especialmente em relação ao comércio de produtos agrícolas.
A PEI (Política Externa Independente), dos governos de Jânio Quadros
(1961) e João Goulart (1961-64) marcou período de desenvolvimento de uma
política externa que se pautava pela eqüidistância entre as superpotências, mas
sinalizava principalmente a Washington o rompimento com alinhamentos e a
frustração por maior cooperação, como propunha a OPA (Operação Pan-Americana)
de Kubitschek.
Nesse contexto, e dadas às características étnicas e culturais que ligavam
o Brasil à África, o governo de Jânio Quadros defendia papel de destaque do país
naquela região, que em processo de descolonização, necessitava de uma “ponte”
com o Ocidente.
Em 1961 é criada a Divisão da África, um novo departamento do
Itamaraty, que além de seu valor simbólico, veio a cuidar das relações com os novos
países africanos.
O Brasil defendia o princípio da autodeterminação dos povos, que se
coadunava inclusive com as próprias diretrizes de sua PEI. Mas o fazia de modo a
não romper com a tradicional amizade mantida com Portugal. A nova postura do
Brasil em relação à África também sofria no plano doméstico objeções oriundas de
setores conservadores dos quadros político e militar nacionais.
28
Saraiva enfatiza que a Comissão Militar Conjunta Brasil-Estados Unidos
temia a vulnerabilidade da política externa de Quadros, que poderia ser influenciada
por visões a favor dos regimes comunistas.22
Em relação a Angola, Bueno salienta que o então chefe da delegação
brasileira na ONU observou que a posição do país era determinada pela
autodeterminação, pelo anticolonialismo, mas também pelos seus laços históricos,
culturais e de amizade que o ligavam a Portugal. O Brasil desejava uma solução
pacífica, rápida, que compatibilizasse os interesses de portugueses e angolanos, e
que preservasse os ‘elementos culturais e humanos que são característicos da
presença portuguesa na África’. Apesar da ênfase que a PEI emprestava ao
anticolonialismo, a tradicional amizade com Portugal inibia a Chancelaria brasileira
na tomada de uma posição mais contundente na questão angolana.23
Mário Gibson Barboza, então Ministro-Conselheiro do Brasil na ONU
durante o governo de Jânio Quadros, lembra que, no que dizia respeito à África, a
posição geral de Jânio, aconselhado por Arinos, era a de procurar com o continente
negro uma aproximação real e anticolonialista, contrariamente ao que haviam
praticado governos anteriores. Mas ainda aí vacilava, quando menos era de se
esperar. “Assim, definiu-se entre Jânio e Arinos que passaríamos a votar contra
Portugal nas Assembléias-Gerais das Nações Unidas, onde sucessivamente se
adotavam resoluções anticolonialistas, que apertavam, cada vez mais, o cerco a
Portugal”.24
No entanto, o Embaixador de Portugal no Brasil, Manuel Rocheta, que
tinha grande penetração na sociedade brasileira, comandou um lobby intenso nos
meios políticos, com o intuito de mudar a posição do Itamaraty nas Nações Unidas.
Barboza descreve que “foi assim, com perplexidade, que Afonso Arinos recebeu a
visita do Embaixador português, que regressava de Brasília, onde fora recebido pelo
Presidente, e o informou de que este mudara de decisão e resolvera votar a favor de
Portugal”.25
22 SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África. In: CERVO A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 266. 23 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 342. 24 BARBOZA, M. G. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007, p. 342. 25 BARBOZA, M. G. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007, p. 342.
29
Ainda assim, o Brasil avançou na implementação da política africana. No
governo Goulart as relações com o continente foram ampliadas com o
estabelecimento de três embaixadas brasileiras, em Lagos, Dacar e Acra. Esta
última, sendo ocupada inclusive pelo primeiro embaixador negro da história do
Brasil. Em 1962, Gana e Senegal estabelecem suas embaixadas em Brasília.
No governo militar de Castelo Branco, a grande preocupação relacionava-
se ao Atlântico Sul e à costa ocidental da África.
Segundo Gonçalves e Shiguenoli:
O maior receio de nossos estrategistas era uma possível instalação de regimes hostis ao mundo ocidental naquela parte do continente africano, ameaçando a segurança brasileira na sua imensa fronteira leste. Para mostrar a exeqüibilidade dessa hipótese, recorriam à experiência histórica da Segunda Guerra Mundial, quando as forças aliadas utilizaram-se do litoral nordestino como cabeça-de-ponte para alcançar o norte da África, palco de decisivos combates no confronto com as forças do Eixo.26
O forte teor ideológico dos militares predominou no posicionamento do
Brasil na questão africana e conforme salientado por Saraiva, inibiram as iniciativas
do período anterior. E então Gonçalves e Miyamoto afirmam que:
Objetivando guarnecer esse flanco defensivo, reverteu-se a orientação política desenvolvida pelo governo anterior de afastar o país do regime português de Salazar, devido à sua obstinação em manter o império colonial a salvo do processo de descolonização. Movido pelo interesse geopolítico de assegurar o arquipélago de Cabo Verde e Angola adstritos ao bloco ocidental, o governo Castelo Branco buscou a reaproximação com o governo português. Após as visitas mútuas do chanceler português Franco Nogueira e do chanceler brasileiro Juracy Magalhães, foi restabelecido o status quo ante, o que proporcionou ao Brasil, em troca de seu apoio ao sistema colonial de Portugal, a assinatura de um tratado de comércio pelo qual se lhe abriam os portos coloniais27.
26 GONÇALVES, W. e MIYAMOTO, S. Os Militares na Política Externa Brasileira: 1964-84. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 6, n. 12, 1993, p. 211-246. 27 Idem.
30
3 OS ANOS 70 E O REDIMENSIONAMENTO DO ATLÂNTICO SUL PARA O BRASIL
No inicio dos anos 70, a política externa brasileira ganhou novas
orientações, em sintonia com cenários doméstico e internacional desafiadores. As
relações do Brasil com Portugal e o continente africano passam por sensível
transformação. E com o Estados Unidos inicia-se a chamada “rivalidade emergente”.
Passados os primeiros anos do regime autoritário, apoiado pelos Estados
Unidos, frustravam-se no Brasil as expectativas por um papel mais cooperativo, em
termos econômicos, principalmente, por parte de Washington. Por outro lado,
aumentavam os protestos contra o regime nos meios intelectuais, artísticos e
sindicais, apesar da repressão exercida pelos militares.
A “rivalidade emergente” se manifestou em temas diversos, como no
protecionismo comercial, com restrições às importações de manufaturados
brasileiros (café solúvel, têxteis, calçados, bolsas), a incompatibilidade das políticas
nucleares, que se evidenciou nas resistências de Washington ao acordo nuclear
teuto-brasileiro, embates em fóruns multilaterais sobre questões de poluição, defesa
do meio ambiente, renovação dos acordos internacionais do café e do açúcar e no
decreto brasileiro em fixar a extensão do mar territorial em 200 milhas.
Em segundo lugar, e concernente ao citado acima, era necessário garantir
o desenvolvimento econômico que se verificava no início dos anos 70, o chamado
“milagre econômico”. Com a rápida expansão industrial, o país necessitava garantir
mercados, tanto para exportação como para fornecimento de matérias-primas,
especialmente o petróleo. Para Saraiva, com a vulnerabilidade energética acelerada
com a crise do petróleo, tinha que levar em conta esse componente no xadrez da
crise colonial em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde.28
Antes da Segunda Guerra Mundial, os interesses brasileiros se
orientavam quase que exclusivamente no sentido Atlântico norte-sul.
Desde 1972, no entanto, toma grande impulso a Rota Africana, partindo
da trijunção de Corredores de Exportação Santos-Rio de Janeiro-Vitória, que atinge
a zona ocidental do continente. A Rota do Cabo, da qual o Brasil já participava
28 SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África. In: CERVO A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 266.
31
ativamente no comércio triangular com Portugal durante o período colonial, também
adquire maior importância face da aproximação do Brasil com a Ásia e Oriente
Médio.29
O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), vigente no período 1972-
1974 do governo Médici, lançou o slogan “Brasil-Grande Potência”, com a proposta
de promover o desenvolvimento do país, de forma acelerada e controlada, no
mesmo nível das grandes potências econômicas do mundo. A diplomacia do
nacionalismo-autoritário que se estabelece, tinha como objetivo primordial a
neutralização de todos os fatores externos que pudessem contribuir para limitar o
Poder Nacional, segundo análise de Moniz Bandeira.30
A região do Atlântico Sul surge de modo mais intenso na política externa
brasileira a partir daí, e a questão de desenvolvimento passa a estar mais
nitidamente vinculada ao conceito de segurança.
Nesse aspecto, a África passou a ser percebida de modo diferenciado,
tanto no campo estratégico-militar como no diplomático.
Em primeiro lugar, uma administração descentralizada conferiu maior
autonomia ao Itamaraty no interior do Estado autoritário, o que permitiu ao Ministro
das Relações Exteriores, Mário Gibson Barboza defender sua “Diplomacia da
Prosperidade”, bastante semelhante às diretrizes da PEI. A nova linha de política
externa exigia enfrentar o problema do colonialismo português. Barboza, em
exposição de motivos ao Presidente Médici, disse: País Atlântico, o Brasil tenderá, num futuro que se aproxima com rapidez, a ter crescentes interesses e responsabilidades no outro lado do oceano que banha nossas costas. Conviria por isso que, desde já, procurássemos aumentar, dentro de nossas possibilidades e recursos, a presença brasileira naquela parte da África que chamaremos atlântica. Os países que a formam não são apenas nossos co-ribeirinhos. Deles proveio a esmagadora maioria do contingente negro de nossa formação. Da área situada entre o rio Volta e o rio dos Óleos vieram instituições e costumes que se impuseram como algumas das matrizes de nosso comportamento social. Com essa região mantivemos durante o Império, intenso e permanente contato, de que ainda sobram reminiscências, nos simples bairros brasileiros de Acra, de Lagos e de toda a costa do Daomé e do Togo, bem como nas famílias que conservam nomes de origem portuguesa e reclamam com orgulho a condição de
29 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 45-6. 30 SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África. In: CERVO A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 266.
32
descendentes de brasileiros. Com esses países é que sustentamos a maior parte de nosso diálogo nas iniciativas internacionais para a estabilização dos preços dos produtos primários. São eles os nossos principais competidores nos mercados de produtos tropicais e, ao mesmo tempo, nossos principais parceiros para o seu ordenamento racional. Influem decisivamente alguns desses países – como a Costa do Marfim, a Nigéria e Gana – nas decisões políticas do grupo africano, sobretudo nos organismos internacionais, onde hoje a África forma o mais numeroso grupo de Estados.31
Em sua explanação a Médici, o Chanceler ainda salientou que a África
Atlântica deveria ser escolhida para um novo esforço criador da diplomacia
brasileira:
Dentro da área, penso deveríamos concentrar esforços naqueles países que se apresentam como de maior importância para o Brasil, quer por razões econômicas, como a Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Camarões e Zaire, quer por seu relevo político, como o Senegal, a Costa do Marfim, Gana e Nigéria, quer por sua influente presença cultural em toda a África, como o Senegal, quer pela relevância dos laços que mantiveram com o Brasil no passado e que ali continuam vivos, como o Togo, o Daomé e a Nigéria.32
E concluiu assim sua exposição:
Dessa forma, se Vossa Excelência houver por bem assim autorizar-me, aceitarei o convite que me fizeram a Costa do Marfim e o Senegal para visitar aqueles países, no próximo ano de 1972, e estenderei a viagem a Gana, ao Togo, ao Daomé, à Nigéria, aos Camarões e ao Zaire, com os objetivos de: -(1) revigorar a presença brasileira na área; -(2) examinar os interesses comuns no Atlântico Sul e as possibilidades de uma política coerente de mar territorial; -(3) ampliar os mecanismos de consulta e colaboração sobre produtos primários; -(4) estimular a criação de correntes efetivas de comércio; -(5) estabelecer novos modelos de cooperação cultural e de assistência técnica.33
O Presidente Médici aprovou, sem qualquer modificação, essa nova linha
de política externa, deixando Barboza com as mãos livres para a ação diplomática
decorrente. Nesse aspecto, a opção pela África, em detrimento da ligação com
31 BARBOZA, M. G. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007, p. 346-7. 32 Idem. 33 Idem.
33
Portugal, fez com que o Brasil avançasse nas ações diplomáticas em relação a esse
continente, e em especial a Angola, alguns anos mais tarde, já durante o governo
Geisel, como veremos adiante.
O rápido e acelerado crescimento econômico do Brasil no início da
década tornavam o suprimento energético crucial para sustentar o “milagre”, vindo a
influenciar no delineamento de uma nova política externa para a África. Saraiva
salienta que a vulnerabilidade energética do país era uma preocupação para os
formuladores da política externa no Brasil. Nigéria e Angola seriam fornecedoras de
petróleo e, em certo sentido, representariam para o Brasil um espaço de
diversificação da sua própria vulnerabilidade. Mas não apenas. O aumento do
comércio exterior do país no período, em que 90% dele era transportado pelo mar, e
em especial a importação de petróleo, transportado principalmente pela Rota do
Cabo, circundando a África do Sul, representaram nova dimensão geopolítica para o
Atlântico Sul. A guerra árabe-israelense e conseqüente fechamento do canal de
Suez reforçaram a importância estratégica dessa vertente para a chancelaria
brasileira.
Para Ferreira, “esse conflito localizado, numa área em que o Brasil só tem
como interesse vital o petróleo que compramos dos países árabes, veio revelar o
grau de despreparo estratégico do Brasil no mar”.34
Até então, a Guerra Fria orientava a política externa e de defesa para o
interior, onde as fronteiras terrestres encontravam-se vulneráveis a guerrilha e ao
inimigo ideológico.
A questão ideológica, entretanto, em decorrência dos interesses
econômicos e estratégico-militares, logo deu lugar ao pragmatismo. Tomava corpo
nas esferas de tomada de decisão em política externa e defesa, o Itamaraty e o
Conselho de Segurança Nacional (CSN), principalmente, que o Atlântico Sul era vital
para a segurança do Estado brasileiro, e que a África ocuparia papel relevante
nesse aspecto. Na avaliação de Miyamoto, “para um país que nutria a aspiração de
em breve tempo ingressar no rol das grandes potências, o controle da fronteira leste
parecia estrategicamente fundamental; tratava-se, pois, de fazer do Atlântico Sul um
verdadeiro maré nostrum.”35
34 FERREIRA, O. S. A Crise da Política Externa. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001, p.73. 35 GONÇALVES, W. S. e MIYAMOTO, S. Os militares na Política Externa Brasileira: 1964-1984. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 6, nº 12, 1983, p. 211-246.
34
Tornava-se necessário conciliar a visão ideológica matizada pela Guerra
Fria, fortemente presente no regime militar com os objetivos que se pretendia
alcançar. Por um lado, afastar o perigo representado pelo comunismo, que
alcançava o continente africano. Por outro, fortalecer a presença brasileira no
Atlântico Sul, em vistas dos interesses econômicos e estratégicos que representava.
O primeiro governo angolano teve como base o MPLA (Movimento Para a
Libertação de Angola), apoiado pela União Soviética. Os Estados Unidos, por seu
turno, apoiavam a FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) e a UNITA
(União Nacional pela Independência de Angola). Esses partidos, organizados no
esteio dos movimentos pela autodeterminação dos povos, intensificaram suas
disputas com a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, que pôs fim ao
regime ditatorial naquele país.
A questão angolana tornava-se delicada para o Brasil por dois aspectos.
Em primeiro lugar, resistências por parte de militares, que não aceitavam o
reconhecimento de um governo de esquerda. Em segundo lugar, significava a
quebra de um tratado não-escrito com Portugal, que perdurou desde a
independência do Brasil.
Acabou prevalecendo a opção pela África, quando em 1975, o Brasil se
torna o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com Luanda, sob
governança do MPLA, contrariando inclusive a posição norte-americana na questão.
Como vemos, o reconhecimento brasileiro da independência de Angola
constituiu-se um importante fato no novo perfil das relações entre Brasil e Estados
Unidos, mas não o único.
Algum tempo antes, em 1972, a expulsão a tiros de canhão de barcos
norte-americanos dessas águas e a apreensão de barcos pesqueiros de diversas
nacionalidades marcaram a afirmação da soberania brasileira na faixa reivindicada.
Isto levou o Congresso norte-americano a apresentar projetos de retaliação ao Brasil
caso não fosse revogado o decreto das 200 milhas assinado pelo presidente
Médici.36
Amparado pelo “milagre econômico”, de alto endividamento externo, o
governo brasileiro realizou investimentos em estradas, hidrelétricas e
telecomunicações. Intensificou-se a procura por petróleo na plataforma continental e,
36 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 408.
35
em 1974, a Petrobrás descobriu pela primeira vez grande jazida na bacia de
Campos, no campo de Garoupa.
Indícios de petróleo nessa região já haviam sido verificados no final dos
anos 60, em torno de 150 milhas da costa. Como as 12 milhas de mar territorial
então vigente não garantiam a soberania sobre recursos minerais como os
descobertos pela Petrobrás, ganhava força a idéia de ampliar esse limite para 200
milhas.
O Decreto-lei nº 1.098 de 25 de março de 1970, que instituiu as 200
milhas, originou-se de proposta do Chanceler Mário Gibson Barbosa e foi elaborado
por grupo de trabalho orientado pelos Ministérios das Relações Exteriores e da
Marinha, e aprovado por unanimidade pelo Conselho de Segurança Nacional.
O Conselho de Segurança Nacional, criado através da Constituição de
1937, com a função de estudar todas as questões relativas à segurança nacional,
tornou-se, pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969, “o órgão de mais alto nível de
assessoramento direto do Presidente da República, na formulação e na execução da
política de segurança nacional”.37 Passou a ocupar papel central nos assuntos de
fronteiras, terrestres e marítimas.
A repercussão positiva da instituição das 200 milhas, por parte dos meios
políticos, inclusive do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido de oposição
legalmente instituído pelo regime, da mídia e da sociedade em geral, denota o
sentimento ufanista que vigorava então. “Esse mar é meu”, título de samba de João
Nogueira, incorporava-se a outras manifestações do gênero, como “Com brasileiro
não há quem possa”, do famoso jingle da Copa de 70, e do “Ninguém segura este
país”, verbetes propagandistas do governo militar.38
Para Cerri: O símbolo de massa de mar passa a participar mais intensamente da propaganda política do regime, e, mesmo não sendo representado no mapa usual do território nacional, confere um sentido novo ao desenho das costas litorâneas, envolvendo-as com um sentido de união, de força, de pertencimento, de integração, transferidos do significado do mar enquanto um símbolo da massa que é a nação. “O Brasil começa no mar”, afirma o anúncio da Petrobrás, atribuindo esse sentido de uma fronteira dinâmica e integrada ao sentimento de um espaço que “nos” pertence, que faz parte do que somos enquanto coletividade; conquistar e manter esse espaço é dignificar
37 PALÁCIO DO PLANALTO. Brasília: Decreto-Lei nº 900, de 29/09/1969. 38 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 Milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999, p. 113.
36
o conjunto, e especialmente a classe dirigente, tradutora e executora firme e competente dos anseios do grupo, tanto no aspecto moral, quanto econômico, e também no identitário, unindo o mar simbólico da massa nacional ao mar físico que lhe pertence.39
Na ocasião, o Itamaraty recebeu diversas notas de contestação da
medida, a maioria vinda de países industrializados de grande atividade pesqueira,
como Bélgica, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Japão, Noruega, Reino
Unido, República Federal da Alemanha, Suécia e União Soviética.40
A medida enquadrava-se na proposta do nacional-autoritarismo de
neutralizar todos os fatores externos que pudessem contribuir para limitar o Poder
Nacional.
Argumenta Moniz Bandeira que:
Aquela ocasião, diplomaticamente bem calculada, visou a produzir efeitos internos, como demonstração de nacionalismo, sobretudo para as Forças Armadas, e externos, atingindo os Estados Unidos em um ponto não tanto sensível, que pudesse provocar fortes retaliações, mas suficientemente sensível, quando suas pressões sobre o café solúvel e os têxteis de algodão, bem como a redução das quotas de importação de açúcar e das vendas de armamentos afetavam os interesses do Brasil. Tanto Gibson Barbosa, que fora Embaixador do Brasil em Washington, quanto Araújo Castro, nomeado para o substituir, sabiam que a invocação da “amizade tradicional”, “solidariedade continental” etc., como argumentos, não sensibilizavam os norte-americanos, com os quais se tornava necessário falar com firmeza e energia, para discutir problemas concretos.41
Na costa atlântica da América do Sul, Argentina em 1966 e Uruguai em
1969, adotaram igualmente a medida das 200 milhas. Assim, o Brasil uniformizava a
largura de seu mar territorial com o de seus vizinhos austrais.
Segundo Saraiva, a decisão brasileira constituiu-se também em
reafirmação de sua política para a África. Se para setores militares estrategistas
predominava o tema da hegemonia militar do Brasil no Atlântico Sul, a questão das
200 milhas ajudava a projetar a imagem de um poder tropical industrial e convencer
os estados negros africanos que as relações históricas do Brasil com Portugal não
39 CERRI, L. F. Ensino de História e Nação na Propaganda do “Milagre Econômico”. Tese de doutorado defendida na Unicamp. Campinas: 2000. 40 Idem, p. 113. 41 BANDEIRA, M. Relações Brasil-EUA no Contexto da Globalização. São Paulo: Editora Senac, 1997, p. 112.
37
deveriam inibir o desenvolvimento de relações intensas com a África negra
independente. Além disso, a solidariedade africana era um importante trunfo junto
aos organismos multilaterais.42
Certa inflexão da política externa do regime autoritário, em um sentido
mais favorável a Angola, Moçambique e Guiné-Bissau ocorreu ao fim do Governo
Médici, pois até então as manifestações brasileiras sobre a auto-determinação da
África se davam em meio a contradições, principalmente na ONU, em apoio a
Portugal.
Como visto anteriormente, além do petróleo, a pesca também foi um dos
interesses que o Brasil buscou defender na nova delimitação do mar territorial.
Carvalho aponta para caráter inovador do conceito de Zona Econômica
Exclusiva (ZEE) que se consolida no período de 1971 e 1972, e que veio a ser o
elemento central de todo o processo de negociações sobre o direito do mar que viria
a se desenvolver posteriormente. Em 1973, a III Conferência das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar, cuja realização deveu-se em grande parte ao decreto
brasileiro, veio a solucionar o impasse sobre o limite de 200 milhas. Mas somente
em 1982, em Montego Bay, na Jamaica, a III Conferência alcança seu objetivo, uma
Convenção. Desde 1973, no entanto, um novo regime internacional sobre o Mar já
regulava interesses dos Estados adjacentes a ele.
Bueno argumenta que:
Ao Brasil interessava também os direitos soberanos sobre a plataforma continental. Não obstante a zona econômica exclusiva protegesse praticamente toda a plataforma brasileira, o País apoiou a solução que acabou prevalecendo: a que estendia a soberania dos países ao talude e ao sopé das plataformas, em razão da possibilidade da ocorrência de jazidas petrolíferas.43
Mas antes disso, a indefinição sobre a faixa de mar territorial e a
soberania sobre essas águas suscitou diversos conflitos, como a “Guerra do
Salmão”, em 1956, envolvendo a apreensão de barcos pesqueiros peruanos pelos
Estados Unidos. Em 1958, a “Guerra do Bacalhau”, entre Inglaterra e Islândia e a
42 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 309. 43 BUENO, C. A política multilateral do Brasil. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 309.
38
“Guerra do Arenque”, em que barcos noruegueses adentraram águas da Guatemala,
foram fatos ocorridos pala ausência de tratado internacional sobre a questão.44
Durante o governo Goulart, entre 1961 e 1963, Brasil e França
protagonizam a “Guerra da Lagosta”, em águas do litoral de Pernambuco. Flagrados
por pescadores nordestinos, pesqueiros franceses foram convidados a se retirar da
área pela Marinha, desencadeando um conflito pouco conhecido na história das
relações internacionais do Brasil. Um contingente naval francês chegou a se
deslocar para a área do conflito, o que foi respondido pelo Brasil com a mobilização
da aeronáutica e do exército, além da própria marinha. A imprensa francesa
acalorou a discussão e questões curiosas foram levantadas. Se a lagosta fosse
capturada nadando, isto é, sem estar repousando no assoalho submarino,
considerado território brasileiro, então estaria o crustáceo em águas internacionais.
Após debates diplomáticos entre os dois países, a questão foi encerrada a favor do
Brasil. O episódio evidenciou imprecisões não apenas a respeito da fauna marinha,
mas também em relação aos direitos de soberania sobre o mar territorial.45
Em 1971, evento semelhante se dá contra embarcações dos Estados
Unidos que pescavam a 75 milhas da costa brasileira. O Brasil foi acusado de atacar
oito barcos pesqueiros norte-americanos dentro do limite das 200 milhas. A Marinha
brasileira negou o ocorrido, argumentando que uma eventual apreensão de barcos
pesqueiros não demandaria o uso da força, mesmo porque os pesqueiros não
disporiam de capacidade de reação.46
Carvalho salienta outros fatores econômicos de importância para o país,
resguardados através da soberania na faixa de 200 milhas, como o controle de
pesquisas nas águas e nos fundos da área de 200 milhas e da preservação do meio
ambiente marinho; contenção de atividades que pudessem causar a poluição das
águas e danos aos recursos marinhos; e obstar iniciativas de estabelecimento e
utilização de estruturas nocivas aos interesses do Estado brasileiro, tanto em termos
econômicos como de segurança nacional.47
44 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999. 45 BRAGA, C. C. A Guerra da Lagosta. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha (SDM), 2004. 46 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999. 47 idem
39
O governo Médici projetou um papel de relevo para o Brasil, uma
“potência emergente” no concerto das nações. Desenvolvimento e Segurança
Nacional mesclaram-se de forma mais intensa sob a influência do pensamento
militar, sempre mais propenso a tecer análises baseadas em considerações sobre
guerra e defesa. O contexto da Guerra Fria contribuiu significativamente para
tonificar a doutrina de segurança do Brasil e do modo como o Atlântico Sul
vinculava-se a esse pensamento.
Além de resguardar para si o uso dos recursos econômicos do oceano, na
sua faixa de 200 milhas, o Brasil visava também impedir a presença de navios e
submarinos praticando espionagem, pesquisas marinhas para fins militares ou
qualquer outra atividade que fosse um atentado à soberania nacional. Na época,
temia-se que colaboração externa às guerrilhas que atuavam contra o regime, com o
envio de armamentos, pudesse ser realizada mais facilmente sem a jurisdição do
Estado em faixa ampliada do mar territorial.
Medida que proibisse o uso de artefatos militares no fundo dos oceanos,
incluindo testes nucleares, foi defendida pelo Brasil e materializada em Tratado.
Nos anos 70, as crises do petróleo e as restrições de ordem econômica
que vieram a reboque colocaram por terra o mito do “milagre”, e a realidade
mostrou-se amarga com o alto endividamento externo que sustentou o projeto
“Brasil-grande potência”.
As dificuldades enfrentadas pelo Brasil na década de 70 foram
acompanhadas por deterioração das relações com os Estados Unidos. De ambos os
lados verificava-se manifestações de animosidades. E Geisel, apesar de convidado
em 1975, nunca se dispôs a visitar os Estados Unidos. Por outro lado, o país
diversificava suas iniciativas diplomáticas, em especial com Europa e Japão.
Aproximou-se da China e em relação à África, posicionou-se claramente a favor da
descolonização, como visto anteriormente.
O “pragmatismo responsável e ecumênico”, rótulo dado à política externa
do governo Geisel, é definido por Brigagão e Rodrigues como a habilidade que teve
esse governo para usar os recursos de acordo com interesses práticos. Segundo os
autores, esse postulado representaria a consolidação da posição brasileira na
40
América Latina, um novo ensaio de penetração nos mercados africanos e uma
espécie de ‘nacionalização’ da internacionalização brasileira.48
Segundo Fonseca Jr., a linha autonomista de Geisel estaria, basicamente,
determinada por imposições de lógica diplomática:
Se a política externa independente nasce de um projeto político, de uma concepção intelectual, o pragmatismo será tentativa de superar uma história que começa em 1964 e que resulta, de um lado, em algum isolamento diplomático (especialmente no campo multilateral) e, de outro, em uma teia de contradições reais com a potência hegemônica (em áreas variadas, com direito do mar, energia nuclear, comércio etc.). Isso não impede que a política externa venha a ter efeitos ou impulsos domésticos, (p.ex. a necessidade ampliar o espaço econômico do país, com o incremento de exportações: afinidade com o esquema de abertura de Geisel), mas não é a dinâmica interna a base privilegiada para explicá-la. Em suma, em vista de novas circunstâncias da presença internacional do país, mudam os próprios parâmetros brasileiros de interpretar o mundo.49
Saraiva analisa que as crises do petróleo, a Revolução dos Cravos em
Portugal, as próprias modificações no sistema internacional e a eficácia do método
do pragmatismo ecumênico e responsável de Geisel permitiram a opção brasileira
pelas independências em Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné Bissau.50
A partir de 1975, segundo Saraiva, a inflexão da política exterior brasileira
para a África ficou mais evidente com a primeira visita de um presidente brasileiro,
João Figueiredo, à África negra. “A política africana adquirira consistência própria e
penetração em vários setores da sociedade política dos dois lados do Atlântico Sul”,
pondera.51
Desde os anos 70, a diplomacia brasileira vinha se articulando com
habilidade junto aos governos da Nigéria e de Angola para conter a África do Sul no
seu propósito de construir uma área de segurança regional no Atlântico Sul
semelhante à Otan.52
48 BRIGAGÃO, C. e RODRIGUES, G. M. A. Política Externa Brasileira – Da Independência aos desafios do século XXI. São Paulo: Ed. Moderna, 2006, p. 66. 49 FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais – Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 302-303. 50 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 314. 51 Idem, p. 314. 52 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 315.
41
Na América do Sul, buscou apoio de Buenos Aires para declarar o
Atlântico Sul como zona de paz e cooperação.
Entretanto, o caráter militar dos regimes políticos no Brasil e na Argentina
constituía-se em fator complicador a entendimentos diplomáticos, haja vista a
percepção geopolítica que orientava as decisões em política exterior.
Como vimos anteriormente, a crise do petróleo no início dos anos 70
influenciou na aproximação do Brasil com a África.
O suprimento energético, entretanto, dependia também de outros
recursos, como o hidrelétrico.
A construção de Itaipu, em parceria com o Paraguai, tornou-se vital para o
processo de industrialização do Brasil. Porém, encontrou forte oposição da Argentina
pelas suas implicações geopolíticas. Buenos Aires temia que a região se
transformasse em um pólo de desenvolvimento que alterasse significativamente sua
influência na Bacia do Prata.
No extremo sul do continente, a soberania sobre o Canal de Beagle, rota
de passagem entre o Atlântico Sul e o Pacífico, constituiu-se em conflito entre a
Argentina e o Chile. Além de sua motivação geopolítica, tanto o canal de Beagle
como Itaipu inseriam-se na estratégia do regime militar argentino para reforçar seu
prestígio.
A invasão argentina das ilhas Malvinas/Falklands insere-se nessa
perspectiva, a de restaurar a credibilidade de um regime cada vez mais contestado e
combatido.
Para Fausto e Devoto:
A invasão das Malvinas gerou na Argentina um fenômeno de unidade nacional como o país jamais conhecera, embora o entusiasmo maior corresse por conta da classe média. Foram esquecidas ou deixadas de lado as violências do governo militar, assim como as agruras decorrentes da instabilidade econômica. Não era o grito da “pátria em perigo” que unia o país, mas o de afirmação da soberania, acompanhada de um golpe em uma potência imperialista. Na consciência e no inconsciente da maioria dos argentinos, a recuperação das Malvinas, ocupada pelos britânicos desde 1833, constituía também uma questão de honra, uma reivindicação nacional martelada nos bancos escolares e nos livros didáticos. 53
53 FAUSTO, B. e DEVOTO J. Brasil e Argentina – Um ensaio de história comparada (1850-2002). São Paulo: Editora 34, 2004, p. 458.
42
Buenos Aires esperava poder contar com o apoio dos Estados Unidos,
uma vez que os argentinos se colocavam como país-chave e satélite privilegiado de
Washington na América do Sul, principalmente após terem participado das
operações anti-sandinistas na Nicarágua. Entretanto, os militares argentinos
equivocaram-se sobre o posicionamento norte-americano, e levaram adiante um
conflito que à época surgia como oportunidade para resgatar a popularidade de um
regime enfraquecido. Nesse caso, as relações Norte-Sul prevaleceram sobre a
dinâmica Leste-Oeste da Guerra Fria.
Segundo Jaguaribe, ao comentar sobre a tentativa americana de mediar o
conflito:
O insucesso da mediação Haig levou o governo Reagan, ante a pressão de sua opinião pública, a um lamentável trânsito brusco da posição de mediador à de declarado partidário da Grã-Bretanha. Ademais do apoio político e moral, os Estados Unidos passaram a dar diversas importantes formas de assistência logística, notadamente através de seus satélites. Suspeita-se, assim, que a localização do cruzador Belgrano, que permitiu seu torpedeamento por um submarino britânico, tenha sido passada por informações americanas.54
A Argentina contou com a solidariedade do Brasil, não apenas moral. De
modo geral a posição adotada por Brasília foi de “neutralidade não eqüidistante”, na
definição de Jaguaribe, dado a seus interesses de curto prazo, estreitamente ligados
ao sistema econômico ocidental.55 Embora não apoiasse o confronto armado como
forma de solucionar o conflito, o Brasil impediu que seu território fosse usado como
escala e ponto de apoio para abastecimento e reparos de aeronaves militares
britânicas.
O apoio do Brasil à Argentina se fez perceber também após o
encerramento do conflito. Com o embargo imposto pela Comunidade Econômica
Européia, o comércio internacional argentino passou a ser realizado pelos portos
brasileiros. A embaixada brasileira em Londres também representou os interesses
de Buenos Aires até que as relações diplomáticas fossem normalizadas.
O contencioso das Falkland/Malvinas teve reflexos óbvios sobre a
segurança do Atlântico Sul. A razoável presença militar na ilha e em seu entorno, por
54 JAGUARIBE, H. Reflexões sobre o Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 19. 55 Idem.
43
mais discreta que fosse, sinalizava a intenção britânica em não abrir mão de sua
possessão no Atlântico Sul. Os investimentos na ilha, ampliados pela grande
distância que separa o Reino Unido das Falklands, giravam em torno dos 100
milhões de libras anuais e refletiam os interesses presentes e futuros dos britânicos
sobre as ilhas.
Sobre a presença britânica no Atlântico Sul, Pereira afirma que:
O Reino Unido, malgrado a disputa com a Argentina e na suposição plausível de que uma solução definitiva para o dissídio está além do horizonte, é parte integrante do Atlântico Sul e assim deve ser considerado, como de fato tem sido, nas negociações que visam à progressiva transformação dessa área em uma região integrada, pois é essa, afinal, a maneira percebida pelos países ribeirinhos do Atlântico Sul de afastar as tensões, reduzir os riscos e aumentar a segurança da região, não apenas através de medidas no campo militar, mas por meio da cooperação para o desenvolvimento.56
No contexto hemisférico, os Estados Unidos perderam a credibilidade com
a desmoralização da Doutrina Monroe, do Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca e de todas as suas demais políticas. Evidenciou-se a profunda divisão
entre a América Latina e Washington, na avaliação de Cervo.57
Na mesma linha de pensamento, pondera Jaguaribe que a OEA perdeu
legitimidade porque perdeu representatividade. E o TIAR perdeu visibilidade porque
os inimigos deixaram de ser comuns no âmbito interamericano.58
Logo após o término do conflito entre Argentina e Reino Unido, no dia 8
de dezembro de 1982, os Estados Unidos puseram um Comando Central com base
na Flórida, composto por uma Força de Intervenção Rápida, em condições de se
deslocar imediatamente, em caso de necessidade. Na análise de Castro, essa
iniciativa resultou da grande importância geoestratégica do Atlântico Sul e da Rota
do Cabo, especificamente, como trânsito para a região petrolífera do Golfo Pérsico.
Assim, com o enfraquecimento do TIAR, Castro conclui que para os Estados Unidos,
...o Brasil deve ser atraído como um país amigo e bem orientado para uma aliança que o coloque como peça importante numa região
56 PEREIRA, A. C. Brasil, o Reino Unido e a Segurança do Atlântico Sul, na Visão de um Observador Brasileiro. Seminário Brasil-Reino Unido, 18 e 19 de setembro de 1997. Rio de Janeiro: IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). 57 BANDEIRA, M. O Brasil e o Continente. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 198. 58 JAGUARIBE, H. Reflexões sobre o Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 30
44
de contenção do Atlântico, ante uma área conflitual caribenha, com a presença de Cuba, e uma zona vulnerável que envolve as vias marítimas da costa da África Ocidental até o Índico.59
Além do enfraquecimento da aliança hemisférica, a crise financeira
mexicana, em 1982, também contribuiu para um realinhamento latino-americano e
facilitou entendimentos entre Brasil e Argentina em torno de projetos regionais, até
então obstaculizados devido ao predomínio do pensamento militar que gracejava por
quase todo o continente.
A aproximação entre os dois países na década de 80, impulsionada pela
redemocratização, possibilitou avanços no caminho da cooperação, até a assinatura
do Tratado de Assunção que instituiu o Mercosul, juntamente com Uruguai e
Paraguai.
Até então, as relações entre Brasília e Buenos Aires estiveram matizadas
por hipóteses de guerras, em que os argentinos também apareciam como os
inimigos mais prováveis. Uma das maiores preocupações era justamente uma
suposta ameaça nuclear da Argentina.
À época, o Conselho de Segurança Nacional fez referências à
superioridade da Argentina no campo nuclear, em documento preparado pelo órgão,
intitulado “Cenários 2000”. No item “Avaliação Político Estratégica Sul-Americana”,
no ponto que trata do “Estágio Científico e Tecnológico”, o documento aponta a
educação deficiente, gerando sociedades despreparadas, a falta de recursos
humanos e financeiros, a evasão de cérebros e o fosso acentuado em relação aos
países centrais, tendendo a aumentar. O estudo é direto no diagnóstico comparativo
nuclear entre Brasil e Argentina ao apontar vantagem do país vizinho no campo
nuclear. Além da tecnologia nuclear, no âmbito do Projeto Condor, a Argentina
encontrava-se em fase avançada quanto ao desenvolvimento de míssil teleguiado
de alcance médio, com capacidade para transportar ogiva nuclear, com a
cooperação do Irã e da Síria.
O documento ainda evidencia que os militares brasileiros consideraram
como relevantes para estudos de projeção de cenários apenas Argentina, Estados
Unidos e União Soviética.
59 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 358-9.
45
Os militares brasileiros justificavam o interesse pela observação detalhada
sobre a Argentina por ser o país sul-americano com potencial e poder para se
contrapor, de forma mais significativa, aos interesses brasileiros, além de apresentar
ressentimentos históricos, de estar buscando sua autonomia estratégica - com
respaldo na política nuclear - e de possuir privilegiada posição geoestratégica em
relação ao Atlântico Sul e à Antártica.
Em outro ponto do documento, quando analisa quais devem ser os
principais interesses estratégicos do Brasil no continente, aparecem listados em
seqüência “evitar a hegemonia nuclear argentina no continente” e “preservar o
Atlântico Sul como zona de paz e cooperação”. 60
O Programa Nuclear Paralelo, que envolvia pesquisas não oficiais sobre
energia atômica, foi interrompido no governo Collor, diante de atitude idêntica
tomada pela Argentina. O governo Menem (1990-2000), alinhado aos Estados
Unidos, praticamente interrompeu projetos de pesquisa na área nuclear que vinham
sendo desenvolvidos.
No terreno militar, a aproximação Brasil-Argentina dava-se em velocidade
mais lenta do que na arena diplomática.
No entanto, a aproximação entre os países do Cone Sul, no final dos anos
80, favoreceu também ao deslocamento de considerável contingente militar para a
região amazônica, onde se fazia mais necessário para fazer frente a problemas
como o narcotráfico. Esse cenário impulsionou os países da região a assinar o
Tratado Amazônico.
A fronteira atlântica, entretanto, permanecia desguarnecida de
instrumento de cooperação e regulação, cuja importância se evidenciava com o
conflito protagonizado por Argentina e Reino Unido.
Mas essa não era a única questão que tornava o Atlântico Sul área de
implicações estratégicas para o Brasil.
Pesava nas ponderações brasileiras, assim como aquelas feitas em
relação à Argentina, a provável capacidade tecnológica de Pretória em desenvolver
armas nucleares, o que provocaria desequilíbrio de poder no Atlântico Sul. A
posição estratégica da África do Sul, na rota entre o Atlântico e o Índico, por onde
60 CENÁRIOS 2000. Conselho de Segurança Nacional. Brasília: Arquivo Nacional, 1987.
46
passava grande parte do comércio exterior brasileiro, incluindo aí o petróleo
importado do Oriente-Médio, também era computada nas análises de Brasília.
Desta forma, a proposta brasileira de criação de uma Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS) foi defendida pela característica da região,
com “identidade específica”, “apesar de não se encontrar discriminado em nenhum
momento o que isto significa exatamente”, de acordo com observação de
Miyamoto.61
Miyamoto argumenta que:
Na verdade, pode-se imaginar que uma das idéias da proposta brasileira é justamente a de impedir que a África do Sul possa, devido às suas condições tecnológicas mais favoráveis, antecipar-se na corrida para a confecção de um artefato nuclear, causando um desequilíbrio regional, desfavorável aos interesses de Brasília. E, o que é pior, a África do Sul mantendo o controle estratégico das rotas de navegação do Atlântico Sul. A cooperação argentino-brasileira poderia fazer frente a esse possível elemento complicador. Trata-se de um problema de competição e de competência para ver quem chega primeiro “.62
O documento apresentado pelo Ministério das Relações Exteriores,
fortemente influenciado pelas Forças Armadas, traz no seu tópico 11 importantes
elementos de análise sobre a proposta brasileira:
Vale notar que o tratamento a ser dado à questão da não-militarização do Atlântico Sul refere-se especificamente às atividades relacionadas às questões e interesses internacionais alheios aos da região, de maneira a não afetar, de modo algum, os programas de modernização e desenvolvimento tecnológico das Forças Armadas dos países da área. É importante, pois, que fique claramente entendido que o conceito de não-militarização da área por países a ela estranhos não pode ser confundido com o de desmilitarização, no sentido de redução da capacidade de atuação militar dos países da região. Neste contexto, a iniciativa brasileira para o Atlântico Sul, ao acentuar o papel próprio dos países da área, tem como princípio que cabe a esses países assumir maiores responsabilidades para a defesa da paz e da segurança regionais, sendo necessário, por conseguinte, que disponha dos meios de atuação para tanto.63
61 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p.118. 62 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p.118. 63 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - Resenha de política exterior do Brasil, especial sobre Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, edição suplementar, dez. 1986.
47
O documento acima deixa claro a intenção do Brasil em fortalecer sua
presença na região frente aos demais países, e nesse momento, frente à África do
Sul, especialmente, através do desenvolvimento científico-tecnológico, “...
desequilibrando a balança de poder regional, ao seu favor, de forma definitiva. Ou
seja, não se procura a hegemonia, mas esta decorre do próprio desenvolvimento
visado pelo país nestas áreas”.64
Desde a década de 70, o Brasil vinha desenvolvendo sua indústria bélica,
com sucesso. A partir de incentivos do Estado e utilizando tecnologia média, de
baixo custo, essa indústria conseguiu significativa participação em mercados que
demandavam equipamentos bélicos com esse perfil, como na África, Oriente-Médio
e América Latina.
Segundo Miyamoto, “a resolução do Ministério das Relações Exteriores
pode ser entendida, assim, como um mecanismo para inibir a república sul-africana
a não acelerar seu projeto de construir seu artefato atômico, principalmente antes do
Brasil”.65
O Brasil só veio a aderir ao TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas
Nucleares), na década de 90, no governo FHC. Alguns anos antes, o seu Programa
Paralelo já havia sido desmantelado, quando outros flancos de concorrência pelo
artefato já haviam se desvanecidos, ou seja, Argentina e África do Sul.
O Brasil apresentou em 1985, proposta à XL Assembléia Geral da ONU e
teve sua aprovação através da Resolução 41/11, em 27 de outubro de 1986, que
declarou a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.
A ZPCAS foi formada pelos países da costa ocidental da África e pelos
banhados pelo Atlântico Sul, na América Latina, totalizando 24 membros. Na
América do Sul, além do Brasil, participam Argentina e Uruguai. E pela África,
integram a ZPCAS a África do Sul, Angola, Benin, Camarões, Cabo Verde, Congo,
Costa do Marfim, Guiné Equatorial, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Bissau,
Libéria, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Zaire.
64 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p.120-121. 65 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p.121.
48
Figura 3 - Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul – ZPCAS.
A ZPCAS foi aprovada de forma quase unânime, 124 votos a favor,
abstenções de Bélgica, França, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Portugal e
República Federal da Alemanha, e o voto contra dos Estados Unidos, que viram a
criação da ZPCAS como possível obstáculo ao seu exercício hegemônico.
Nesse sentido, o posicionamento do Senador Richard G. Lugar
exemplifica as preocupações dos Estados Unidos:
Nossas forças armadas dependem da liberdade de navegação nos, sobre e sob os oceanos a fim de proteger os interesses de segurança do país em todo o mundo. A Convenção reforça a segurança nacional dos Estados Unidos ao preservar os direitos de navegação e sobrevôo em todos os oceanos do mundo. Esses dois direitos são fundamentais para a proteção dos interesses norte-americanos no mundo.66
Esperava-se que o Reino Unido seguisse os Estados Unidos na sua
oposição ao estabelecimento da ZPCAS. “A diplomacia britânica, porém, deu um
golpe de mestre, aproveitando-se da iniciativa brasileira para afirmar que o Reino
Unido é parte integrante da comunidade do Atlântico Sul, aceitando, como os
demais países da área, os direitos e as obrigações inerentes a essa condição”.67
No contexto da Guerra Fria, a idéia de uma ZPCAS representou a
preponderância do pensamento militar brasileiro, que pretendia basicamente
consolidar uma hegemonia do país no Atlântico Sul. Utilizava, no entanto, a retórica
66 LUGAR, R. G. Tratado sobre o Direito do Mar Contempla Interesses Mundiais e dos Estados Unidos. Revista Questões Globais, abril de 2004. 67 PEREIRA, A. C. Brasil, o Reino Unido e a Segurança do Atlântico Sul, na Visão de um Observador Brasileiro. Seminário Brasil-Reino Unido, 18 e 19 de setembro de 1997. Rio de Janeiro: IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG).
49
de que o Atlântico Sul não se converteria em palco de conflitos de interesses entre
potências exógenas.
Modificações no sistema internacional, desde os anos 70, de uma
polaridade rígida para um relativo declínio de poder dos Estados Unidos, o
fortalecimento da Europa e do Japão, sobretudo no plano econômico, vis-à-vis
novos cenários no plano regional, tanto na América Latina como na África,
provocaram igualmente mudanças nas percepções brasileiras, incluindo setores
estrategistas, sobre o Atlântico Sul.
Nesse aspecto, Pereira analisa que:
O ingresso da África do Sul no rol dos países democráticos certamente eliminou um dos mais graves fatores de tensão no Atlântico Sul, não apenas porque o apartheid constituía uma das mais abomináveis formas de discriminação racial e de supressão de direitos civis, mas porque era fator impeditivo de soluções conjuntas. A Eliminação do apartheid e a instituição da democracia racial na África do Sul foram precedidas pela destruição física dos artefatos nucleares que o regime de Pretória havia construído clandestinamente e pela submissão de todo o programa nuclear sul-africano às regras estritas e às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica. Afastou-se, assim, da zona a ameaça da proliferação nuclear.68
O suposto programa nuclear sul-africano contou, segundo especulações
nos meios diplomáticos e militares com a assistência israelense, tendo sido
realizado, inclusive, um teste no Atlântico Sul em 1979.69
Saraiva salienta a relevância extraordinária do continente africano como
fonte potencial de apoio para demandas comuns no diálogo Norte-Sul, nas Nações
Unidas e em outros órgãos multilaterais. Menciona também a crescente importância
do Atlântico Sul como área vital ao comércio exterior do país, estratégica quando se
pondera que a importação de petróleo passa, principalmente pela Rota do Cabo,
circundando a África do Sul.70
68 PEREIRA, A. C. Brasil, o Reino Unido e a Segurança do Atlântico Sul, na Visão de um Observador Brasileiro. Seminário Brasil-Reino Unido, 18 e 19 de setembro de 1997. Rio de Janeiro: IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). 69 MAGNOLI, D. Do Projeto Manhattan ao TNP. Mundo – Geografia e Política Internacional. São Paulo: Pangea Ed. Ano 14, nº 6, outubro/2006, p. 7. 70 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 198.
50
E no âmbito da América do Sul, a Argentina aos poucos via diminuída sua
capacidade em investir em programas cientifico-tecnológicos, situação que se
agravou a partir de 1982, quando tentou recuperar as Malvinas pelo uso da força. A
negociação de protocolo de cooperação na indústria bélica entre Brasília e Buenos
Aires, que chegou a ser discutida nos governos Sarney-Alfonsin, nunca foi levada
adiante. Isso demonstra a relação de concorrência que havia entre os dois países
nessa área. A sensível vantagem do Brasil no setor assegurava posição confortável
no contexto regional, e a cooperação deveria se limitar a garantir a manutenção
desse status quo.
A ZPCAS não incluiu o continente antártico, mesmo porque esse
continente sem divisão geopolítica insere-se no Tratado Antártico, objetivo
estratégico-diplomático do Brasil no Atlântico Sul, como veremos adiante.
Diversas versões são encontradas sobre o descobrimento da Antártica.
Mas foi durante o Império Britânico que expedições, como a de James Cook (1772-
75), conseguiram explorar áreas desconhecidas em direção ao Pólo Sul.
Com uma extensão de cerca de 14 milhões de quilômetros quadrados, a
Antártica é considerada uma das áreas mais inóspitas à presença humana do
planeta, onde as baixíssimas temperaturas restringem a existência de vida vegetal e
animal.
No entanto, o continente antártico tem despertado o interesse e cobiça de
diversos países, que se valem de teorias e argumentos para reivindicar soberania
sobre porções do território, em sua maior parte encoberto por densa camada de
gelo. Especula-se sobre a existência de riquezas minerais, como o petróleo e a água
potável em forma de gelo, que chegaria a 90% das reservas do planeta.
A presença de animais como a baleia e a foca também se constitui fator
de disputa pela Antártica e seu entorno.
Além de interesses econômicos, é importante salientar que o Oceano
Glacial Antártico se conecta com o Atlântico Sul, Pacífico e Indico, tornando-se
estratégico para a navegação marítima.
O uso militar da Antártica também chegou a ser cogitado durante a
Guerra Fria, principalmente como área para realização de experiências nucleares e
para depósito de lixo atômico.
51
O declínio do império britânico abriu espaço para disputas entre outras
potências, como a Alemanha, que enviou navios e submarinos em operações no
Atlântico Sul e na circunvizinhança antártica.
Durante a Guerra Fria, nem mesmo a Antártica esteve imune às disputas
entre Estados Unidos e União Soviética, que buscavam superar e ampliar seu poder
sobre o inimigo, e a Antártica constituía-se região vulnerável à cobiça internacional.
No âmbito sul-americano, Argentina e Chile protagonizaram conflito sobre
o Canal de Beagle, no extremo meridional da América do Sul, como visto
anteriormente. Mas as disputas entre os dois países por terras austrais também
chegaram à Antártica, precisamente pela Península Antártica, a porção mais
setentrional do continente, e, portanto a que apresenta melhores condições
climáticas, distante mil quilômetros da América do Sul.
Na América do Sul, além de Chile e Argentina, Uruguai, Peru e Equador
também reivindicam presença no continente antártico.
Em 1991, o Brasil marcou sua presença na Antártica, com a instalação da
Estação Comandante Ferraz, localizada justamente na Península Antártica. A
Estação foi estruturada para receber a comunidade científica do Programa Antártico
Brasileiro (Proantar), subordinado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Na observação de Vieira, o fato do Brasil ter homenageado a Marinha
dando à sua base o nome de um militar daquela força, “Comandante Ferraz”,
demonstrava a disposição do país e dos outros países sul-americanos que adotaram
critério idêntico, de afirmarem politicamente (e não apenas cientificamente) a
posição de seus respectivos Estados sobre o continente gelado”.71
Vieira observa que paises marcaram sua presença na Antártica com a
utilização de “ícones de pesado valor ideológico” na denominação de suas bases. O
libertador Artigas empresta seu nome à base do Uruguai, enquanto a Argentina
homenageia os líderes militares Belgrano e Rivadavia. O Chile faz o mesmo ao
denominar suas bases de Prat e O’Higgins, enquanto o Peru recorreu ao Império
Inca para homenagear Machu Pichu suas instalações na Antártica.72
71 VIEIRA, F. B. O Tratado da Antártica: Perspectivas Territorialista e Internacionalista. Cadernos PROLAM/USP (ano 5 – vol. 2 – 2006), p. 49-82. 72 Idem.
52
Além dos países sul-americanos, Reino Unido, França e até mesmo a
distante e nórdica Noruega incorporaram a seus territórios diversas ilhas da região
antártica.
Figura 4 – Reivindicações sobre os territórios antárticos
As reivindicações sobre a Antártica se assentam sobre duas perspectivas
apontadas por Vieira, a territorialista e a internacionalista.
A primeira se baseia nas idéias de descobrimento, ocupação,
contigüidade e continuidade. Insere-se nessa perspectiva a Teoria da Defrontação,
que dá direito a um país parcela de território de acordo com a projeção de seu litoral
sobre a Antártica.73 A partir dessa perspectiva, França, Noruega, Reino Unido,
Argentina, Chile, Austrália e Nova Zelândia reivindicam territórios, conforme indicado
pelo mapa (figura 3). No entanto, o Tratado proíbe, até 2058, a posse de territórios
por qualquer parte.
Ao Brasil, a Teoria da Defrontação tem especial importância, pois caberia
ao país a projeção longitudinal que vai da Ilha Martin Vaz, no litoral do Espírito
Santo, a leste, ao Chuí, no Rio Grande do Sul, a oeste. Estudos geopolíticos no
73 Idem.
53
âmbito da Escola Superior de Guerra (ESG), sinalizam de maneira semi-oficial a
reivindicação territorial por parte do Brasil. 74
A perspectiva do Internacionalismo baseia-se no Direito Internacional, em
seus tratados e organizações legitimados nas negociações multilaterais, e é essa a
linha oficialmente defendida pelo Brasil.
O TIAR, em 1947, estabeleceu a área estratégica americana do Pólo
Norte ao Pólo Sul, incluindo, portanto, parte da Antártica. E em 1959 foi concluído
do Tratado da Antártica, celebrado entre doze países que participaram do Ano
Geofísico Internacional (AGI), dedicado a defender a Antártica.
No entanto, o artigo IV do Tratado não esclarece questões de
reivindicação territorial na Antártica ao afirmar que:
Nada que contenha no presente Tratado poderá ser interpretado como: Renúncia, por quaisquer das Partes Contratantes, a direitos previamente invocados ou a pretensões de soberania territorial na Antártida; Renúncia ou diminuição, por quaisquer das Partes Contratantes, a qualquer base de reivindicação de soberania territorial na Antártida que possa ter, quer como resultado de suas atividades, ou de seus nacionais, na Antártida, quer por qualquer outra forma. 75
Vieira observa que, inicialmente, o Tratado da Antártica tomou a forma de
um “clube”, em que apenas os 12 países signatários76 discutiam questões inerentes
à Antártica.
No entanto, as decisões consultivas do Tratado da Antártica já resultaram
em normas de ampla aceitação internacional, como foi o caso das Medidas
Acordadas para a Conservação da Fauna e Flora Antárticas, em 1964, da
Convenção para Conservação das Focas Antárticas, em 1972, e da Convenção
Sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, em 1980.77
O Tratado, no seu Artigo I, declara que a Antártica será utilizada somente
para fins pacíficos, proibindo o estabelecimento de bases e fortificações militares,
74 VIEIRA, F. B. O Tratado da Antártica: Perspectivas Territorialista e Internacionalista. Cadernos PROLAM/USP, ano 5, vol. 2, 2006, p. 49-82. 75 RANGEL, V. M. Direito e Relações Internacionais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 616-617. 76 São signatários do Tratado da Antártida: Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, República Francesa, Japão, Nova Zelândia, Noruega, União da África do Sul, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos. 77 VIEIRA, F. B. O Tratado da Antártica: Perspectivas Territorialista e Internacionalista. Cadernos PROLAM/USP, ano 5, vol. 2, 2006, p. 49-82.
54
bem como experiência com quaisquer tipos de armas. E adiante, no Artigo II,
proclama a liberdade de pesquisa científica e de cooperação com essa finalidade.
Além do interesse científico pelo continente gelado, em especial pelo
monitoramento meteorológico, estudo da atmosfera antártica e suas implicações
para o Brasil, evolução da biodiversidade local, impacto do aquecimento global em
ecossistemas terrestres da Antártica marítima, entre outros temas, a presença
brasileira na Antártica insere-se no pensamento geopolítico do país, “seja de
expansão, de integração do território, seja de ocupação da Antártica, feitas de forma
constante.”78
O próprio Tratado, ao fortalecer a visão de uma Antártica
internacionalizada no âmbito das pesquisas científicas, não é conclusivo a respeito
das reivindicações territoriais, deixando em aberto a perspectiva territorialista.
A perspectiva internacionalista, entretanto, tem se sobressaido, em parte
devido ao gradual e constante fortalecimento do multilateralismo nas relações
internacionais, especialmente no que se refere à agenda ambiental, que tem sido
influenciada também de forma crescente pela participação da sociedade organizada.
Na Antártica, além de Estados, Organizações Não-Governamentais também operam
bases de pesquisa cientifica, o que reforça a perspectiva internacionalista sobre o
futuro da Antártica.
Ainda assim, a perspectiva internacionalista pode ser a mais interessante
sob o ponto de vista geopolítico, ao menos para o Brasil. Quando o Brasil opta pelo
Tratado Antártico, em 1975, uma vez que o Tratado possibilitava a adesão de novos
estados, visava primordialmente abrir uma frente austral, que permitisse ao
Itamaraty estabelecer uma nova série de pressões sobre Buenos Aires, que à época
já tinha as Malvinas e o Canal de Beagle para se preocupar.79
No entanto, o fim da Guerra-Fria trouxe novas perspectivas para a visão
internacionalista, fortalecida pelo multilateralismo e proeminência da agenda
ambiental, que em muito se conecta à Antártica. A crescente participação da
sociedade organizada em fóruns de debates sobre mudança climática e proteção
aos ecossistemas pode ser observada também em relação à Antártida. O próprio 78 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis, Ed. Vozes, 1990, p.114-115. 79 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis, Ed. Vozes, 1990, p.114-115.
55
caráter estritamente científico das atividades previstas no Tratado possibilita que até
Organizações Não-Governamentais possuam bases em solo antártico.
Deve-se ressaltar também que as pesquisa científicas envolvem em maior
ou menor grau a cooperação entre as diversas bases e estações internacionais
instaladas na Antártica, o que torna o Proantar de grande importância estratégica
para o Brasil. Segundo o coordenador Jorge Alexandre Silva, “com a existência do
Programa, o país tem a oportunidade de participar ativamente de pesquisas e da
história de um continente que não é de ninguém, e ao mesmo tempo é de todos”.80
80 OPERAÇÃO brasileira na Antártida desenvolverá 15 projetos. Jornal O Estado de São Paulo, 25/12/2007.
56
4 ANOS 90: NOVOS VENTOS NO ATLÂNTICO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA
O fim da Guerra Fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlin e o
colapso da União Soviética, acelerou processos em curso, como a Revolução
Científico-Tecnológica, a competição econômica e outros adventos, que foram
inseridos no que se costuma chamar de globalização.
Embora apresentado como fenômeno homogêneo, Vizentini a define
como “seletiva, pois visa a determinadas regiões, atividades e segmentos sociais a
serem integrados mundialmente”. Assim, a globalização integra determinados
segmentos e regiões, enquanto outras são excluídas, produzindo um mundo
assimétrico, com concentração de riquezas, tanto entre países como dentro deles.81
A integração regional surge nesse contexto como ferramenta de
enfrentamento aos desafios colocados pela globalização. Aos países ricos, visa o
fortalecimento dos pólos econômicos no contexto da competição internacional. O
desafio representado pela União Européia e pelo Japão, que alcançaram grande
desenvolvimento no período que se seguiu à Segunda Guerra, leva os Estados
Unidos a responderem com o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do
Norte). Aos países em desenvolvimento, apresentou-se como esforço para não
ficarem marginalizados na nova ordem internacional, com melhores condições de
barganha. Também buscavam complementaridade entre suas economias e
cooperação cientifico-tecnológica que pudesse melhorar a competitividade no
mercado global.
Em uma análise mais superficial, entretanto, fica evidenciado que os
Estados, de modo generalizado, encontram-se em situação de competição acirrada,
tanto pelos mercados consumidores como pelas áreas fornecedoras de matérias
primas e insumos. A competição capitalista exige que o Estado seja seu agente, de
modo que a soberania nacional esteja inserida dentro dessa lógica, a de garantir
condições materiais para a reprodução do capital. Assim deve ser vista a integração
regional, a cooperação internacional e todo o esforço do Estado em preservar sua
“soberania” e sua “segurança”.
81 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005, p.93.
57
Desde esse período, diversos pesquisadores se debruçaram a estudar os
fenômenos da globalização e da integração regional, com o desenvolvimento de
teorias interpretativas, muitas das quais complementares entre si. No entanto, não
avançaremos nessa questão, pois o mais importante com esta breve
contextualização é permitir uma análise das implicações que o Atlântico Sul terá na
política externa e de segurança do Brasil, face o avanço do regionalismo.
À América Latina e ao Brasil, o desafio internacional se torna maior, muito
devido à estagnação econômica dos anos 80, a chamada “década perdida”, e às
históricas desigualdades sociais. A renegociação da divida externa dos países da
região impôs um conjunto de políticas econômicas conhecido como Consenso de
Washington. Basicamente, dizia respeito à liberalização econômica, ajuste fiscal e
desestatização. Esta última, aliás, representa bem o processo de diminuição do
Estado, o declínio do welfare state.
A redemocratização de Brasil e Argentina ocorre diante de cenário
externo adverso, de subordinação e perda de autonomia no âmbito econômico. No
entanto, Vizentini salienta que “a criação do Mercosul em 1991, por outro lado,
articulou um pólo relativamente autônomo na América do Sul, apesar do perfil
neoliberal do processo de integração”.82
Vizentini refere-se, especificamente, às parcerias diversificadas que
caracterizam o Brasil como global trader, à proposta do Itamaraty de criação da
ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana), que se vincularia à Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul, envolvendo países da América do Sul e da África,
numa estratégia de “círculos concêntricos” a partir do Mercosul.83
No esteio das grandes transformações na ordem mundial no início dos
anos 90, do outro lado do Atlântico a África do Sul extingue seu regime do apartheid
racial, que por anos levou o país ao isolamento internacional, com a perda, inclusive,
do apoio dos Estados Unidos.
Se o fim da União Soviética significou uma vitória ideológica dos Estados
Unidos, sua liderança mundial não poderia se dar mais nos mesmos moldes do
período da Guerra Fria. Para tornarem-se competitivos diante de potências
econômicas, como a União Européia, Japão e a emergente China, os Estados
82 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005, p.67. 83 Idem.
58
Unidos precisariam reduzir os custos de sua liderança, rateando-os com o sistema
multilateral. Vizentini aponta que “Washington trata de estabelecer novos códigos
morais e de conduta, ancorados em organizações e regimes internacionais, como
forma de exercer sua hegemonia mundial”.84
Para o Brasil, portanto, além do Mercosul, abriu-se um outro flanco de
articulação regional. Vizentini analisa que:
A idéia era criar outro círculo concêntrico em volta do Atlântico Sul, através da cooperação do Mercosul com a África do Sul pós-Apartheid e com os países recentemente pacificados da África Austral. Este novo espaço constituiria uma área de crescimento econômico, tirando proveito das complementaridades existentes e potenciais. Além disso, esta iniciativa amplia o quadro de cooperação Sul-Sul, além de abrir uma rota permanente para os Oceanos Índico e Pacífico, propiciando, ainda, alianças estratégicas com potências médias e/ou mercados emergentes do Terceiro Mundo. Este último aspecto parece ser particularmente importante para a diplomacia brasileira.85
A esse aspecto, o Secretário-Geral do Itamaraty durante o governo Itamar
Franco, Roberto Abdenur, enfatiza o Brasil como um pólo em si mesmo:
Os senhores querem exemplos? Vejam o Mercosul. Vejam a Área de Livre Comércio Sul-Americana. O Ministro Celso Amorim disse, na sua palestra, do nosso desejo de construir o espaço sul-americano como um espaço com identidade própria no plano político e econômico. E nós estamos fazendo isso. Os senhores viram o Chile e a Bolívia, em dias recentes, buscarem, com muito interesse e empenho, uma associação com o Mercosul. É o Brasil que está criando a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que nos dá uma dimensão inédita: nenhum outro país, entre os países ibéricos e latino-americanos, está ao mesmo tempo em todos esse foros de concertação. É o Brasil que inspira a idéia da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul. É o Brasil hoje o coordenador do Grupo do Rio. É o Brasil uma presença decisiva no foro ibero-americano. É o Brasil que leva adiante nas Nações Unidas a tentativa de equilibrar a Agenda para a Paz de Boutros Ghali com uma Agenda para o Desenvolvimento, que reintroduza, em termos atualizados, a idéia de desenvolvimento no debate internacional. O Brasil, portanto, - é importante saber – é em si mesmo um pólo. O Brasil tem o que creio cabível chamar de “capacidade polar”. Não temos porque nos assustarmos com avaliações pessimistas de uma unilateralidade que seria tolhedora ou cerceadora da nossa capacidade de atuação. E é importante dizer também, a esse respeito, que o Brasil e sua política externa não buscam um ajustamento passivo a novas realidades
84 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005, p. 83. 85 Idem, p. 77.
59
internacionais. O que buscamos é um engajamento ativo no desenho da nova ordem internacional que vai surgindo. O Brasil foi um ator importante nas negociações do GATT; foi um ator decisivo nas negociações sobre meio-ambiente, nas negociações sobre direitos humanos; o Brasil é decisivo no MERCOSUL; o Brasil é decisivo no diálogo com os Estados Unidos, na preparação da Cúpula das Américas. E assim por diante, em múltiplos foros e iniciativas, é o Brasil país com uma singular capacidade de mobilização e articulação no plano internacional. Isso tem que ver até com as origens mesmas da nossa nacionalidade, com caráter pacífico da formação de nosso território e da negociação de nossas fronteiras.86
O neoliberalismo que se instalou na América Latina, através do Consenso
de Washington, também atingiu o continente africano, impondo limites a um maior
estreitamento das relações entre os dois lados do Atlântico Sul.
Por outro lado, o fim do regime do apartheid na África do Sul foi, sem
dúvida, fato extraordinário para o continente. Mas os conflitos étnicos e disputas pelo
poder, marcas do colonialismo, ainda estavam bastante presentes em grande parte
da região, afetando diretamente as possibilidades do Brasil ter um maior volume de
comércio e cooperação com aqueles países.
Saraiva aponta que os níveis do comércio do Brasil com a África Negra
retornam aos das décadas de 1950 e 1960. “No início da década de 1990, o
comércio do Brasil com a África não chega aos 2% das relações comerciais do
Brasil, depois de ter alcançado níveis em torno dos 10% no início da década
passada”, acrescenta.87
A vulnerabilidade energética vivenciada pelo Brasil nos anos 70 e 80, que
influenciou na adoção de uma política externa de aproximação com a África, havia
se desvanecido, bem como as suspeitas de desenvolvimento de armas nucleares
por parte da África do Sul.
Assim, o Atlântico Sul se fortalece como região desnuclearizada, devido
aos acordos de Tlatelolco para a América Latina, Pelindaba para a África, além do já
existente Tratado da Antártica.
86 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - Transcrição de Palestra no Curso de Atualização de Diplomatas, sobre As Linhas Gerais das Ações de Política Externa no Governo Itamar Franco. Brasília, 17/08/1994. 87 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 320.
60
Desta forma, e com o fim da Guerra Fria, começa-se a se esboçar um
descolamento da América do Sul do restante do continente, principalmente na
questão da segurança hemisférica, que estava sistematizada desde o final da
Segunda Guerra através do TIAR (Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca).
O TIAR, inclusive, já havia sido abalado em 1982, com a Guerra das
Malvinas. Desde sua criação, em 1947, o TIAR enquadrou-se no contexto do conflito
Leste/Oeste como área de segurança estratégica dos Estados Unidos. Porém, sua
efetividade também esteve desafiada pelo receio por parte dos países
latinoamericanos de envolverem-se diretamente, transferindo o conflito à região. A
América Latina, de modo geral, e ao contrário da Europa, não se constituía como
palco da Guerra Fria.
Desde os anos 90, “negligência benigna” se tornou jargão corriqueiro nos
meios diplomático e acadêmico, para referir-se ao descaso com que Washington
tratava os problemas dos países latinoamericanos, especialmente com relação ao
Brasil.
Tal negligência permitia ao país empreender uma política externa mais
autônoma, sem as pressões de Washington.
Tem se empregado o termo “negligência benigna” para explicar, por
exemplo, as iniciativas de integração regional na América do Sul, sob liderança
brasileira, sem que Washington tente interferir nos processos quando alguma
medida possa prejudicar seus interesses.
No plano das vastas discussões teóricas sobre o regionalismo no pós
Guerra Fria, é pertinente citar a visão dos neo-realistas, por sua aproximação com a
idéia de “negligência benigna” aqui discutida.
Hurrell reconhece a escassez de desenvolvimento teórico sobre o
relacionamento entre hegemonia e regionalismo. Mas aponta quatro caminhos para
analisar arranjos regionais sob a perspectiva da hegemonia.
Primeiro, o regionalismo pode ser visto como uma resposta ao poder
hegemônico, representado aqui pelos Estados Unidos, de modo a equilibrar a
balança de poder. A idéia aqui é aumentar o poder dos países quando atuando
como grupo concertado, que isoladamente não conseguiriam projetar seus
interesses frente à potência hegemônica.
61
Uma segunda consideração feita por Hurrell refere-se à tentativa de
restringir o livre exercício hegemônico, por meio da criação de instituições regionais.
Os arranjos regionais se tornariam atores com estruturas mais ou menos
institucionalizadas, ou seja, normatizadas, de acordo com a vulnerabilidade da
região frente aos Estados Unidos.
Uma terceira via de análise refere-se a estados fracos e fortemente
vinculados à potência hegemônica, o que tornaria mais interessante suas adesões
aos arranjos regionais liderados pela própria potência hegemônica.
Finalmente, Hurrell aponta para o envolvimento ativo da hegemonia nos
processos de construção de arranjos regionais, de modo que seus interesses sejam
projetados nessas áreas. A esse respeito, podemos fazer duas considerações. A
primeira se refere ao próprio Brasil, em situação de ascendência hegemônica no
Atlântico Sul. Desse modo, a participação ativa do país em diversas iniciativas
regionais explicitaria sua intenção de projetar sua posição dominante através de
arranjos institucionais. Uma segunda possibilidade analítica refere-se à hegemonia
declinante, neste caso, os Estados Unidos. Washington veria o regionalismo como
mecanismo de influenciar regiões a adotar políticas e condutas condizentes com
seus interesses. O declínio de seu poder aumenta o custo de seu exercício
hegemônico, e o regionalismo desponta como alternativa, haja vista que são ainda
suficientemente fortes para desempenhar certa liderança em tais arranjos
regionais.88
Assim, podemos ver que a “negligência benigna” dos Estados Unidos
pode também explicar os espaços de manobra que teve o Brasil para articular
acordos de caráter militar, tanto nas suas fronteiras terrestres quanto marítimas.
Nesse aspecto, podemos citar a aproximação com a Argentina na questão nuclear, a
entrada em vigor do Tratado de Tlatelolco, idealizado pelo Brasil nos anos 60 e que
também visava afastar o risco de um confronto nuclear na região, e a Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul.
Lamazière define “negligência benigna” como “vácuo de poder”, referindo-
se, principalmente à idéia de uma geopolítica ao revés. Isto é, não busca projeção
88 FAWCETT, L. e HURRELL, A. Regionalism in World Politics. New York: Oxford University Press, 1995, p. 50-53.
62
de poder, mas sim preservar o espaço que tem, um “vácuo” deixado pela potência
hegemônica.89
Nessa linha de pensamento, Golbery do Couto e Silva pondera que a
posição do Brasil se caracteriza pelo afastamento não apenas dos principais eixos
de circulação de riquezas, mas também das principais linhas de tensão dos
antagonismos internacionais.90
Golbery foi um dos principais pensadores de geopolítica no Brasil. Seu
pensamento evidencia a percepção do espaço que nos cerca como área de projeção
de interesses, com relativa autonomia. Essa visão, de alguma forma, tornou-se vetor
da política externa e de defesa do Brasil no Atlântico Sul, principalmente no período
aqui estudado.
No pensamento geopolítico, uma das primeiras teorias desenvolvidas foi
justamente a do poder marítimo, do almirante americano Alfred Thayer Mahan. No
final do século XIX, Mahan defendia o desenvolvimento da marinha de guerra dos
Estados Unidos para garantir o controle dos mares. Buscava defender interesses
comerciais e militares, além da projeção de poder do país no contexto internacional.
O pensamento de Mahan inspirou a construção do Canal do Panamá, unindo os
oceanos Atlântico e Pacífico através do istmo centro-americano.91
A idéia de “vácuo de poder” no pensamento geopolítico brasileiro, se
amplia consideravelmente no pós-Guerra Fria. Guerra dos Bálcãs, do Golfo, conflito
israelo-palestino, dentre outros, mantinham a América Latina “fora do radar” de
Washington.
Lamazière também cita outra reflexão geopolítica de Golbery, que se
compatibiliza com uma política externa menos subordinada a Washington e mais
direcionada ao seu entorno terrestre e marítimo:
Ainda que a posição brasileira apresenta desvantagens pela preeminência hemisférica dos Estados Unidos, essas desvantagens são minimizadas pelo fato de que, geopoliticamente, as Américas do Norte e do Sul, não são tão integradas como se pensa, tendo os norte-americanos descoberto que o globo reflete mais fielmente a realidade do que Mercator, o que tornaria a América do Sul mais
89 LAMAZIÈRE, G. Cooperação político-militar na América do Sul – Revista Política Externa, vol. 9, nr. 4, mar/abr/mai 2001, p.44. 90 COUTO E SILVA, G. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. 91 MAGNOLI, D. Santos Dumont, Pioneiro do Poder Aéreo. Mundo – Revista Geografia e Política Internacional. São Paulo: Pangea Ed. Ano 14, nº 6, outubro/2006, p. 11.
63
distante do que pensavam, constituindo, na verdade, um território de ultramar. 92
O pensamento geopolítico brasileiro, que além de Golbery, teve também
Meira Mattos como expoente, considera a posição estratégica do continente
africano, que o torna como a fronteira avançada do território brasileiro, um “destino
manifesto”.
A esse respeito, Meira Mattos pondera que:
Esta linha de pensamento... de que o Brasil possui as condições geográficas e humanas para vir a ser uma das grandes nações do planeta, vem sendo uma constante na mente e na avaliação dos melhores pensadores, no perpassar de nossa história: Pombal, Alexandre Gusmão, José Bonifácio, Rio Branco, Alberto Torres, Oliveira Vianna e Cassiano Ricardo. Entre os nossos geopolíticos, Mario Travassos, Backheuser, Golbery e Terezinha de Castro, todos reconhecem esta possibilidade de grandeza, ao alcance do Estado Brasileiro. Não se trata de um sonho de patriotas, mas uma avaliação baseada em valores geográficos e demográficos analisados numa prospectiva cientifica. Renomados científicos estrangeiros também já se manifestaram sobre a nossa possibilidade de grandeza política, entre os quais destacamos – Stefan Zweig, Ray Cline, Henry Kissinger. Não se trata, portanto, de um sonho utópico, mas, repetimos, de avaliação baseada em prospecção científica de valores mensuráveis.93
E ao se indagar qual seria a estratégia que deveria ser adotada para
conseguir alcançar o objetivo de tornar o país uma potência, Meira Mattos conclui
que a posição do Brasil no planeta já traçou as linhas mestras desta estratégia. Uma
larga fachada oceânica no Atlântico e uma extensa fronteira terrestre com dez
Estados vizinhos. “Nosso espaço geográfico cobre, praticamente, a metade da
América do Sul. Somos o 4º país do mundo em extensão territorial contínua. O 5º
em população”.94
A importância estratégica do Atlântico Sul, para os proeminentes
geopolíticos brasileiros, como Golbery e Meira Mattos, vai além dos recursos
92 LAMAZIÈRE, G. Cooperação político-militar na América do Sul – Revista Política Externa, vol. 9, nr. 4, mar/abr/mai 2001, p.44. 93 MATTOS, C. M. O Brasil e sua Estratégia. Revista do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (ESG). Rio de Janeiro: 2002 p. 39. 94 Idem.
64
econômicos assegurados pelas 200 milhas. Constitui-se também como interesse da
segurança brasileira, entendida como defesa da soberania, das fronteiras e de seu
entorno estratégico.
Podemos concluir então que, a política externa brasileira guiada para seu
entorno terrestre e marítimo (e ultramarino), também tem como ponto de reflexão o
“vácuo de poder”, sua extensão e níveis de autonomia que permitem ao Itamaraty
promover seus desígnios.
A esse respeito, Miyamoto faz uma ponderação sobre as diretrizes da
política externa brasileira:
A atuação dos países, e, no caso, o posicionamento do Brasil não se encontra respaldado meramente nos fatores geopolíticos. O que se observa no período pós-64 é que a geopolítica pode ter guiado, mas não influenciado as decisões no âmbito da política externa do Brasil (como, aliás, ocorre em políticas de qualquer Estado), porque, se assim fosse, não se encontraria explicação para as políticas do pragmatismo e do universalismo, ou mesmo dos anos anteriores.95
Proença Jr. e Diniz, por sua vez, afirmam que no Brasil percebe-se uma
tendência a substituir assuntos de defesa por “assuntos estratégicos”, numa
tentativa de refutar a influência militar na política externa. Sobre esse aspecto,
avaliam que:
A discussão efetiva sobre assuntos de defesa acaba reduzida ou a contribuições pontuais de alguns civis dedicados ao assunto ou ao debate interno ao grupo dos corporativamente interessados. Especialistas de outros campos, para quem os assuntos de defesa seriam complementares, vêem-se levados a ignorá-los ou a acreditarem que os assuntos militares não têm relevância para temas como relações internacionais, ciências sociais ou o desenvolvimento científico-tecnológico da sociedade brasileira.96
Torna-se apropriado analisar as reflexões de Miyamoto, Proença Jr. e
Diniz, pois se percebe que uma visão estritamente realista, bem como outra que se
guie basicamente pelo idealismo, não dão conta de interpretar a política externa
brasileira no passado e no presente, nem projetá-la para o que estiver por vir.
95 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A. (orgs). Temas de Integração Latino-Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p. 116. 96 PROENÇA Jr.D. e DINIZ, E. Política de defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1998, p. 33-34.
65
Percebe-se a partir dos anos 90, tendência de descolamento do foco da
atenção brasileira para seu entorno imediato, que se tornou mais claro com a
Política de Defesa Nacional (PDN), promulgada em 1996, como veremos adiante.
A ZPCAS, no entanto, permaneceu quase no ostracismo durante a
década de 90. Os outros dois integrantes da ZPCAS na América do Sul, Uruguai e
Argentina, encontraram dificuldades num maior engajamento na organização, pela
falta de lastro histórico e cultural com o continente africano.
Miyamoto, ao comentar o discurso geopolítico argentino, observa que ele
tem se pautado quase que exclusivamente por criticar o “expansionismo” brasileiro,
herança do período imperial, e não apresenta um pensamento próprio. “Ao invés de
desenvolver uma geopolítica nacional, a grande preocupação argentina foi a de criar
um discurso antibrasileiro”.97
Penha também tece análise semelhante sobre o pensamento argentino,
que despreza a tese da construção de identidade regional definida pelo Atlântico
Sul. E cita Cohen, para quem o Atlântico Sul se divide em duas áreas distintas, o
Atlântico Sudeste (África Subsahariana) e o Atlântico Sudoeste (América do Sul),
ambas com identidades geopolíticas independentes, tanto em termos culturais com
em termos econômicos. E cita Cohen, para quem:
O fato de ser um eixo de comunicação Norte-Sul, não apenas não vincula os de uma costa a outra, senão que de fato os separa; de modo que falar por ora de uma área sul-atlântica com uma significação que vá mais além da geográfica é abusar de uma semelhança formal com o outro hemisfério.98
Além de dificuldades de engajamento de Uruguai e Argentina, o
esvaziamento da ZPCAS, como visto anteriormente, decorreu de transformações
políticas nos dois lados do Atlântico Sul.
Num primeiro momento, é como se seus formuladores, o Brasil em
especial, não soubessem o que fazer com ela, uma vez que os riscos de
militarização no Atlântico Sul, tanto em decorrência de fatores globais como
regionais, haviam desaparecido. Por outro lado, a África do Sul encontrava-se ainda
em fase recente de democratização, sob a liderança de Mandela. 97 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos, em SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A. (orgs). Temas de Integração Latino-Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p. 116. 98 PENHA, E. A. Relações Brasil-África: os avatares da cooperação sul-atlântica. Santiago: Clacso, 1998.
66
No restante do continente, instabilidade política, escassez de alimentos, a
dimensão da Aids na saúde pública, dentre outros fatores, causavam o caos social,
constituindo-se entraves a um maior nível de cooperação internacional, seja através
de arranjos de integração regional, como a SADC (Southern África Development
Council) ou a própria ZPCAS.
O SADC tem suas origens no ano de 1980, como aliança formada por
Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Moçambique, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e
Zimbábue, que buscavam diminuir sua dependência econômica da segregacionista
África do Sul, bem como diminuir a influência política de Pretória sobre países na
parte austral da África, no contexto da Guerra Fria.
Em 1992, com o fim do apartheid, o grupo de países passa a ser
composto também pela África do Sul, que desempenha papel fundamental no
processo de integração regional. Como economia mais desenvolvida, consegue criar
complementaridade econômica com países de baixo nível de desenvolvimento.
Namíbia, que esteve sob ocupação sul-africana, Congo, Seicheles e Maurício,
também aderiram ao SADC na sua nova fase.
Mas como já dito anteriormente, os anos 90 foram frustrantes em termos
de crescimento econômico em ambos os lados do Atlântico Sul. Para a África, no
entanto, a estagnação ganhou maior impacto, dado a herança de um colonialismo
ainda recente.
Nesse mesmo ano de 1996, é criada a CPLP (Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa), composta por Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-
Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com sede em Lisboa.
Em 1989, o governo brasileiro foi anfitrião da I Cúpula de Chefes de
Estado dos Países de Língua Oficial Portuguesa, realizada em São Luiz do
Maranhão. Assim, abria-se espaço para mais uma ponte do Brasil com a África,
baseada em laços culturais, e que visava estreitar a cooperação, especialmente na
área da educação. Sobre a CPLP voltaremos a nos deter mais adiante.
67
Figura 5 - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP.
Ao final do ano de 1996, o Brasil divulga a sua primeira política de defesa
nacional depois da ditadura militar e do final da Guerra Fria. A Política de Defesa
Nacional (PDN), sintetiza as transformações do cenário internacional e seus reflexos
para o país. Aponta objetivos e diretrizes para alcançá-los.
A PDN foi elaborada pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional, criada no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, da qual faziam
parte, além do presidente da República, os quatro ministros militares, os ministros da
Justiça, das Relações Exteriores, da Casa Civil e da Secretaria de Assuntos
Estratégicos. Um dos principais ideólogos dessa nova política, o Chefe do Gabinete
Militar da Presidência, General Alberto Cardoso, defendia o engajamento da
sociedade civil e de todos os setores do Governo nos assuntos da defesa nacional.
O documento foi estruturado com uma introdução, seguida de uma breve
análise do “quadro internacional”, “um ambiente internacional multipolar indefinido e
instável, gerado pela falta de correspondências entre os centros de poder
estratégico-militar, político e econômico, cuja evolução ainda é difícil de prever”.99
Na seqüência, a PDN enfatiza os “conflitos localizados que ocorrem na
atualidade em quase todos os continentes”, como os de origem étnica, nacionalista e
religiosa.
99 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996.
68
A PDN reflete, de modo mais claro, o novo contexto das relações entre
Brasil e Argentina, que vinha sendo desenhado desde a década anterior. Por outro
lado, as atenções voltavam-se para a Amazônia. As guerrilhas colombianas
baseadas na selva e o narcotráfico exigiam que o Brasil aumentasse o controle das
fronteiras naquela área, com o deslocamento de grande parte do contingente militar
que antes se encontrava no sul do país. A implantação do SIVAN (Sistema de
Vigilância da Amazônia) também refletia a prioridade da defesa nacional.
O General Cardoso, à época do lançamento da PDN, declarou que:
Quem trabalha com defesa nacional, trabalha com hipóteses. O Mercosul nos aliviou de muitas rivalidades desnecessárias e hoje a hipótese de conflito na fronteira sul é quase zero. Onde estão os alvos tentadores atualmente? Somos obrigados a raciocinar sempre com a pior hipótese.100
Ao abordar o contexto da América do Sul, a PDN analisa que:
Distante dos principais focos mundiais de tensão é considerada a região mais desmilitarizada do mundo. A redemocratização ocorrida no continente tende a reduzir a probabilidade de ocorrência de conflitos. Os contenciosos regionais têm sido administrados em níveis razoáveis.101
E cita o Brasil como país de diferentes regiões internas e de diversificado
perfil “ao mesmo tempo amazônico, atlântico, platino e do Cone Sul“. A PDN inclui
também o Atlântico Sul na concepção do espaço regional que extrapola a massa
continental sul-americana, “o que exige uma inserção regional múltipla, baseada em
uma política de harmonização de interesses”.102
Por fim, ao concluir a análise do quadro internacional, a PDN menciona as
articulações regionais sob liderança brasileira que “conformam um verdadeiro anel
de paz em torno do País”, como o Mercosul, o Tratado de Cooperação Amazônica, a
CPLP e a ZPCAS, “viabilizando a concentração de esforços com vistas à
consecução de projeto nacional de desenvolvimento e de combate às desigualdades
sociais”.103
100 AMAZÔNIA é prioridade da política de defesa. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo: 04/11/1996. 101 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996. 102 Idem. 103 Idem.
69
O documento, nesse ponto, evidencia a vinculação entre defesa e
desenvolvimento, como já observado em fases anteriores da história brasileira.
A esse propósito, os anos 90 mostram-se pródigos para a proposição de
uma “Agenda para o Desenvolvimento” no âmbito das Nações Unidas, em que o
Brasil procurou desempenhar papel relevante. Tratava-se de vincular temas
emergentes no pós-Guerra Fria, como direitos humanos, meio-ambiente, barreiras
ao comércio, fluxos financeiros e acesso a tecnologias de ponta, como elementos
centrais nas relações internacionais. Nesse sentido, as iniciativas regionais no
Atlântico Sul revestem-se de conceitos que se imbricam, ou seja, segurança e
desenvolvimento.
O presidente Itamar Franco na Cúpula Ibero-Americana, realizada em
Salvador, enfatizou que:
A realidade de nosso tempo exige que todos os esforços, para a paz e o desenvolvimento, se articulem em dois planos: o interno, sob a vontade soberana de cada Estado, e outro, externo, de responsabilidade da comunidade internacional.104
No capítulo dos “objetivos”, o documento salienta “o sentido da
formulação de uma política de defesa nacional, com recursos para implementá-la,
que integre as visões estratégicas de cunho social, econômico, militar e diplomático,
e que conte com o respaldo da Nação”.105
Fato é que o mundo pós-Guerra Fria abriu desafios e oportunidades para
o Brasil no cenário internacional. O “vácuo de poder” permite à política externa
brasileira ampliar e aprofundar suas articulações regionais, ao mesmo tempo em que
crescia a vinculação de temas como democracia, direitos humanos e meio-ambiente
na agenda econômica internacional. Essa vinculação pôde ser percebida na inclusão
da “cláusula democrática” no Mercosul. Na Alca, além da democracia, os Estados
Unidos também tentaram vincular o livre comércio com o respeito ao meio-ambiente
e a certas condutas trabalhistas, de modo a permitir-lhes a proteção de seu
mercado, quando conveniente, inclusive com a alegação de dumping por parte de
parceiros “desleais”.
104 AGENDA para o Desenvolvimento. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 03/05/1994. 105 Idem.
70
Desse modo, a manutenção de um entorno estável e afinado com as
demandas de um sistema internacional multipolar, com fluxos internacionais
crescentes de comércio e investimentos, era exigência sine qua non da globalização
financeira, representada por Wall Street e outros centros do capitalismo mundial.
O fim da Guerra Fria também abriu o debate sobre a reforma do Conselho
de Segurança das Nações Unidas, cuja composição refletia o contexto do pós-
Segunda Guerra Mundial, defasada, portanto, do cenário que se desenhava nos
anos 90.
Nesse aspecto, a PDN incluiu como objetivo “a projeção do Brasil no
concerto das nações e sua maior inserção no processo decisório internacional” e “a
contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais”.106
A aproximação com novos Estados africanos baseada na defesa de uma
agenda que incluísse a segurança no Atlântico Sul e em questões ambientais já se
tornara perceptível, como pode ser observado em 1995, no discurso do Ministro das
Relações Exteriores do governo FHC, Luís Felipe Lampreia:
Vemos a Namíbia como um país-chave na abordagem de questões como a manutenção e a instauração da paz na África, o desarmamento, a cooperação para o desenvolvimento e, é claro, a transformação do Atlântico Sul em uma zona livre de armas nucleares e uma região para cooperação em várias áreas – da proteção do meio-ambiente marinho a iniciativas que visem ao desenvolvimento do comércio livre na região.107
Assim, com a ampliação de sua projeção regional, não apenas no espaço
sul-americano, mas buscando aproximar-se das nações africanas através do
“Atlântico Sul”, o Brasil visava fortalecer seu pleito a um assento permanente no
Conselho de Segurança.108
Em relação a Angola, as ligações históricas e culturais permitiam ao Brasil
participar diretamente da reconstrução do país, ao participar das Forças de Paz das
Nações Unidas. Ao participar do UNAVEM (United Nations Angola Verification
Mission), o Brasil buscava ampliar sua projeção no continente africano, e em
especial com um país de grandes reservas minerais, como o petróleo.
106 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996. 107 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, na Cerimônia de Encerramento da I Reunião da Comissão Mista Brasil-Namíbia. Brasília: 07/03/1995. 108 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996.
71
A UNAVEM foi estabelecida para ajudar o governo de Angola e a UNITA a
restabelecer a paz e lograr a reconciliação nacional. Teve por base os Acordos de
Paz para Angola, firmados em 31 de maio de 1991, o Protocolo de Lusaka, firmado
em 20 de novembro de 1994 e as resoluções do Conselho de Segurança.
De agosto de 1995 a julho de 1997, o Brasil contribuiu com um batalhão
de infantaria (800 homens), uma companhia de engenharia (200 homens), dois
postos de saúde avançados (40 oficiais de saúde, entre médicos, dentistas,
farmacêuticos e auxiliares de saúde) e aproximadamente 40 oficiais de Estado-Maior
para a UNAVEM III. Durante todo o período da missão, o Brasil também contribuiu
com uma média de 14 observadores militares e 11 observadores policiais. O Brasil
chegou a ser o maior contribuinte de tropas para a Missão, que durante quase dois
anos foi a maior operação de paz das Nações Unidas. A participação brasileira na
UNAVEM III fez com que o Brasil ocupasse, no início de 1996, a posição de quarto
maior contribuinte de tropas para operações de paz das Nações Unidas.109
A presença de tropas brasileira na África nos anos 90 não se constituiu
um fato inédito na política externa brasileira. O Brasil já havia estado presente em
mais de 20 operações de manutenção da paz da ONU, desde sua criação, em várias
regiões. No entanto, a participação brasileira em tais missões se dava em meio a
atrasos na sua aprovação, principalmente por razões de austeridade econômica.
Mas ao analisar essas participações, não se pode ignorar o contexto em
que elas se deram, o sistema internacional, bem como os objetivos a que se
pretendia alcançar. Desse modo, a participação brasileira na operação de paz no
Oriente Médio, em 1956, por exemplo, não pode ser compreendida fora do contexto
da Guerra Fria, em que as relações Brasil-Estados Unidos estavam vinculadas. O
mesmo dever ser aplicado à participação do Brasil em Angola, com interesses no
plano regional, ou seja, a ampliação de sua influência no Atlântico Sul, e com
objetivos no plano global, o fortalecimento de sua candidatura a um assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Na parte que trata da orientação estratégica, a PDN enfatiza uma “postura
estratégica de caráter defensivo”, com “valorização da ação diplomática como
instrumento primeiro de solução de conflitos e na existência de uma estrutura militar
de credibilidade capaz de gerar efeito dissuasório eficaz”. Nesse ponto, a PDN
109 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. UNAVEM III – United Nations Angola Verification Mission III. Disponível em www.un.org Acesso em: 15/02/08.
72
procura desfazer interpretações sobre um possível armamentismo, que poderia criar
dificuldades nos arranjos regionais. A PDN, a esse propósito, deixa claro a
manutenção de certos princípios – não intervenção, autodeterminação e solução
pacífica dos conflitos – só admitindo o uso de forças militares fora do território
nacional nas operações de paz das Nações Unidas.110
No capítulo seguinte, a Política de Defesa Nacional estabelece uma série
de diretrizes para a consecução dos objetivos. Além de enfatizar a posição brasileira
de apoio ao desarmamento global, especialmente no que se refere aos arsenais
nucleares, a PDN busca “atuar para a manutenção de um clima de paz e
cooperação ao longo das fronteiras nacionais, e para a solidariedade na América
Latina e na região do Atlântico Sul”. Também menciona a vigilância na plataforma
continental, dos tráfegos marítimos e o objetivo de “promover o conhecimento
científico da região antártica e a participação ativa no processo de decisão de seu
destino”.111
Para Cavagnari Filho:
Existe coerência entre a política externa e a política de defesa, apesar de sua excessiva generalização, e essa coerência revela uma finalidade não-explícita, intencional ou não, de manter a força excluída do jogo político-estratégico, desqualificando a ação militar como substituto da ação diplomática.112
Cavagnari Filho, no entanto, adverte que segurança nacional não pode
ser pensada sem que se projete uma capacidade militar condizente com o status
regional que se quer alcançar. A formulação de uma concepção para a defesa
nacional não pode ser pensada a partir da escassez de recursos, mas a partir do
peso de seu poder no continente que se pretende ter.113
A aspiração a grande potência regional, ou o “Brasil Grande Potência” dos
anos 70, de forte inspiração geopolítico-militar, associava-se a um histórico de
expansão territorial desde o período imperial. A diluição das desconfianças exigia
mudança no status que se pretendia alcançar para o país.
Nas palavras de Brigagão e Proença Jr., ao analisar os anos 90: 110 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996. 111 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996. 112 CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para Revisão da Política de Defesa Nacional. Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. Texto feito a pedido do Ministério da Defesa para redefinição da Política de Defesa Nacional – Campinas, 30/06/2000. 113 Idem.
73
Assume-se agora um papel de liderança consentida na América do Sul e, conseqüentemente, um caminho à inserção internacional sistêmica. Trata-se da analogia de passar de um potencial negociador global (global trader), em termos políticos, para o de um múltiplo ator global (global player). É esse o perfil que parece caracterizar a inserção internacional de segurança do Brasil nos anos vindouros.114
Como vimos até agora, a criação de múltiplos canais de inserção regional
se dava a partir de espaço de manobra permitido no contexto hemisférico, com
convergência entre os temas desenvolvimento e segurança. E as novas
características do sistema internacional, vinham ao encontro de princípios
tradicionais da diplomacia brasileira, de modo a permitir com maior facilidade a
projeção dos interesses externos do país.
Com a África do Sul, as perspectivas de fortalecimento de comércio e
cooperação bilaterais se ampliavam com a consolidação da democracia pós-
apartheid. Em visita ao país, em 1996, FHC declarava que:
Somos próximos em termos de geografia. O Atlântico Sul é um espaço de união entre nossos dois países. As linhas de transportes marítimos e aéreos operam a favor de uma intensificação dos fluxos de comércio e de investimentos. O Mercosul oferece à África do Sul uma perspectiva ampliada de negócios, assim como sabemos que este país tem laços comerciais com toda a África Meridional, é uma porta de entrada para uma série de países. Tratemos de criar um quadro normativo que propicie uma expansão dos fluxos comerciais entre o sul da África e o Cone Sul. Tratemos de dar vida e expressão concreta ao imenso potencial existente entre nossos países. Isto reforçará nossas credenciais para que possamos nos inserir de maneira bem-sucedida na economia internacional.115
De certa forma, delineava-se na década de 90 um enquadramento entre
política externa e política de defesa, baseado no fortalecimento da democracia no
Atlântico Sul.
A esse respeito, Brigagão e Proença Jr. analisavam que:
Do ponto de vista mais geral da política externa, o compromisso com a democracia e a institucionalização do regime democrático como
114 BRIGAGÃO, C. e PROENÇA JR. D. Concertação Múltipla – Inserção Internacional de Segurança do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002, p. 34. 115 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Conferência do Presidente Fernando Henrique Cardoso na Universidade de Witwatersrand. Joanesburgo, África do Sul: 27/11/1996.
74
único interlocutor válido (por exemplo, na cláusula da democracia do Mercosul) emprestou um rumo particular para a ação diplomática brasileira, influenciando a consideração das questões de paz e segurança, inclusive junto às Forças Armadas.116
Nesse sentido, os autores tangenciam questão que invariavelmente
permeia análises sobre política externa e política de defesa. Para eles, as duas
políticas vinculam-se uma à outra, ao mesmo tempo em que reflete a dinâmica da
política interna, ainda que esse vínculo não se dê num conjunto organizado. “Uma
política diplomática ‘imaculada’, sem quaisquer elementos de defesa ou uma política
de defesa ‘pura’, sem quaisquer elementos diplomáticos. Uma e outra seriam
aberrações”.117
Para Lafer, Ministro das Relações Exteriores de FHC em seu segundo
mandato (1999-2002), as relações cordiais que o Brasil vinha mantendo com seus
vizinhos nos últimos 130 anos, desde a Guerra do Paraguai, credenciavam o país a
ampliar sua influência na região. Assim:
A diplomacia brasileira vem exercitando o potencial de geração de poder inerente ao papel de soft power no plano internacional, com o objetivo de assegurar espaço para a defesa dos interesses nacionais. O exercício deste papel gerador de soft power é, assim, um componente da nossa identidade internacional voltado para o tema da estratificação internacional.118
O ativo envolvimento do Brasil em temas de uma ampliada agenda
internacional refletia a idéia de fortalecimento das organizações internacionais,
especialmente da ONU, como atores reguladores das relações internacionais. O
Mercosul como iniciativa de regionalismo, o Grupo do Rio e a Cúpula Ibero-
Americana, de concertação política, eram tidos pelo Itamaraty como instrumentos de
projeção internacional do Brasil, com matizes de defesa nacional.
Os custos que o Brasil enfrentaria em projetar-se como potência militar na
sua região (hard power), tanto pelas suscetibilidades regionais e pelos
constrangimentos hemisféricos, como também por questões financeiras e
tecnológicas, fortaleceram o aspecto universalista da política externa brasileira. A
116 BRIGAGÃO, C. e PROENÇA JR. D. Concertação Múltipla – Inserção Internacional de Segurança do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002, p. 39. 117 Idem, p. 41-42. 118 LAFER, C. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira. Passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 77-78.
75
necessidade em reduzir gastos públicos, no âmbito do consenso de Washington,
que atingiu diretamente o orçamento da defesa, conjugou-se com a oportunidade
legada pelo sistema internacional pós-guerra fria, que propiciou explorar e ampliar o
multilateralismo e o regionalismo na política externa brasileira.
E o Atlântico Sul apresentava-se como oportunidade de estreitar relações
com países de língua portuguesa.
A CPLP constituiu nova estrutura de relacionamento entre o Brasil e
países africanos com os quais compartilhava afinidades étnicas, históricas e
culturais, tendo no idioma português o elemento identitário mais forte.
A Comunidade apresentou-se como oportunidade de projeção do Brasil
na África, em período de reduzido volume de comércio entre os dois lados do
Atlântico. A liberalização tarifária empreendida pelo Brasil beneficiava mais os
produtos industrializados. E a instabilidade vivenciada pelos principais produtores de
petróleo na África, Nigéria e Angola, reduzia ainda mais as possibilidades de
intercâmbio comercial.
Para o Itamaraty, a Comunidade constituía-se como apoio à estabilização
de Angola e Moçambique, no curto prazo, mas tinha também por objetivos a
concertação político-diplomática, em particular no âmbito das organizações
internacionais, o incremento do intercâmbio cultural, educacional, científico e
tecnológico. Buscava, portanto, a projeção de influência na região e o apoio à
candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança das
Nações Unidas. Na declaração final da II Reunião do Conselho de Ministros da
CPLP, realizada em Salvador:
Os ministros reiteraram a necessidade de reforçar os mecanismos de concertação político-diplomática entre os Estados-membros no sentido de preservar os seus legítimos interesses no cenário internacional, em particular no processo de reforma em curso no sistema das Nações Unidas e nas organizações regionais de que são membros. Na perspectiva do alargamento do número de membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas de forma a assegurar a integrarão de três países em desenvolvimento e mais dois desenvolvidos, os ministros reafirmam o seu desejo de apoiar a inclusão do Brasil como membro permanente daquele órgão.119
119 COMUNIDADE DE PAÍSES DE LINGUA PORTUGUESA (CPLP). II Reunião do Conselho de Ministros da CPLP. Salvador, 17 e 18 de julho de 1997.
76
Na área econômica, a cooperação tinha por objetivo estimular o
relacionamento empresarial, tanto na área pública como privada, de modo a criar
condições para a chegada de empresas brasileiras em solo africano.
A esse respeito, Cervo observa que:
As reformas neoliberais que se espalharam pela África nos anos 1990 aproximaram o continente da América Latina em termos de mau desempenho interno e de inserção dependente. Pouco proveito tiveram, nesse contexto, as empresas brasileiras que se haviam instalado na África subsaárica, como a Petrobrás e a Odebrecht. As exportações brasileiras entraram em declínio a partir de 1986 e só recobraram alento no ano de 1999. As expectativas da África do Sul, após o fim do apartheid, bem como da Nigéria e de Angola, quanto à cooperação do Brasil para o desenvolvimento, frustraram-se.120
As melhores expectativas de avanço nas relações comerciais
encontravam-se justamente fora da CPLP. Em 1999, o comércio bilateral com a
Nigéria chegava quase a 1 bilhão de dólares, e a visita do presidente Obasanjo à
Brasília nesse mesmo ano refletia a importância do país africano para a diplomacia
brasileira. A Petrobrás, por seu turno, dava novos impulsos aos negócios que
haviam sido interrompidos por conta da instabilidade de anos anteriores.
Ainda que nas declarações de intenção os interesses do Brasil pela África
transcendessem objetivos mercantilistas, as frustrações puderam ser percebidas
pela retração do número de embaixadas brasileiras e investimentos de empresas
estatais e privadas.
O embaixador Ítalo Zappa, que nos anos 70 desempenhou papel crucial
no estabelecimento de relações do Brasil com países africanos, foi uma das poucas
vozes da diplomacia brasileira a criticar a visão “mercantilista” que passou a
predominar no Itamaraty.
Ao defender a intensificação da ação diplomática dos anos 70 para o
continente africano, Ítalo Zappa lembra que o Brasil tinha à época apenas seis
embaixadas num continente onde já existiam 49 países independentes. E afirma
que:
Para dar um exemplo, a China tinha representação diplomática em todos eles, atendia por mais de quarenta embaixadas. O Brasil, que
120 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2002, p. 482.
77
costuma ser descrito como o maior país africano fora da África, não podia continuar a manter numa única cidade da Europa, como Paris ou Roma, mais diplomatas do que em todo o continente africano. Se for confirmada a intenção de diminuir as 22 embaixadas brasileiras na África, vamos voltar à situação anterior: teremos mais diplomatas brasileiros em Londres do que num continente inteiro. Para os diplomatas, pode ser bom. Mas para o país é péssimo. 121
Entre 1998 e 1999, por causa de cortes no orçamento, segundo o
governo de FHC, o Itamaraty teve que desativar as embaixadas no Congo (antigo
Zaire), em Camarões, na Zâmbia, em Togo e na Tanzânia, todos integrantes da
ZPCAS, além da embaixada da Tunísia. E permanecia sem representação
diplomática em São Tomé e Príncipe, membro da CPLP.122
Em contrapartida, Fernando Henrique Cardoso inaugurou em 2000 o novo
endereço da embaixada em Berlin, considerada a mais cara do mundo. O aluguel de
um prédio de nove andares numa das regiões mais valorizadas da cidade, onerava o
Itamaraty em cerca de 130 mil dólares por mês, mais de três vezes o valor pago no
antigo endereço.123
Zappa já criticava os gastos das “grandes embaixadas inúteis no cobiçado
circuito Elizabeth Arden (Londres, Paris e Roma), nas cidades européias e
americanas para as quais tantos diplomatas querem ir”, e lembrava que as
representações na África custavam muito pouco. Todas na África poderiam ser
sustentadas só com a verba da embaixada em Paris.124
A criação do Ministério da Defesa, em 1999, colocando sob uma
autoridade civil o comando das três Forças Armadas, ajustava-se ao pensamento
contido na PDN, de “postura estratégica dissuasória de caráter defensivo” e para
“sensibilizar e esclarecer a opinião pública, com vistas a criar e conservar uma
mentalidade de Defesa Nacional, por meio do incentivo ao civismo e à dedicação à
Pátria”. Mas também se inseria no contexto dos cortes orçamentários dos anos 90.
Sobre as vulnerabilidades a que o país estaria submetido, o diplomata
Edmundo Fujita teceu algumas hipóteses, dentre as quais:
121 A FUNÇÃO do diplomata é promover os interesses globais do país e não se transformar em agente comercial, diz embaixador. Revista Veja. São Paulo: 03/03/93. 122 BRASIL pretende reabrir embaixadas na África. Jornal Folha de São Paulo. São Paulo: 14/02/2003. 123 BRASIL inaugura embaixada mais cara do mundo em Berlin. Jornal O Globo. Rio de Janeiro: 05/10/2000. 124 A FUNÇÃO do diplomata é promover os interesses globais do país e não se transformar em agente comercial, diz embaixador. Revista Veja. São Paulo: 03/03/93.
78
Proteção da faixa estratégica do Atlântico Sul por onde trafegam 95% do comércio exterior brasileiro e estão localizadas as maiores aglomerações humanas bem como as principais facilidades portuárias e produtivas do país. A intensificação, no futuro, da exploração dos recursos da plataforma continental e da zona econômica exclusiva poderá vir a dar margem a focos de tensão ou fricções com entidades estatais ou não-estatais, demandando um atento monitoramento aéreo e naval.125
Cavagnari Filho ponderava à época que:
As Forças Armadas não estão bem equipadas nem bem adestradas, estão sem condições de emprego oportuno e eficaz em uma guerra convencional de média intensidade – ou seja, sua atual capacidade ofensiva é insuficiente para a pronta resposta. Por ora, estão sem condições de operar num sistema de forças sofisticado – por exemplo, a Otan -, dado o seu baixo nível de operacionalidade, de mobilidade estratégica e de apoio logístico. Assim, estratégia da dissuasão convencional no contexto dessa realidade é apenas um recurso de retórica militar.126
Em 1995, o orçamento do Brasil para a Defesa não passava de 13 bilhões
de reais, atrás do Chile e da Venezuela, que no mesmo ano destinaram 57 e 45
bilhões, respectivamente, para a área. Em 2000, foram destinados pouco mais de 20
bilhões de reais, boa parte para a aquisição do SIVAM (Sistema de Vigilância da
Amazônia).127
Segundo o International Institute of Strategic Studies, a América Latina
ainda é a região do mundo que menos gasta em equipamento militar: 1,3% do PIB,
contra 2% na Europa e 5,5% no Oriente Médio.
Para o General Alberto Cardoso:
Vivemos um período de poucas disponibilidades, e isso é compreensível, pois o esforço do governo é no sentido de garantir primeiro a estabilidade da economia e depois voltar-se para problemas sociais. É natural que a segurança, nessa escala de valores, fique numa prioridade mais baixa.128
125 FUJITA, E. S. Uma política de defesa sustentável para o Brasil. Revista Parcerias Estratégicas. Brasília, 1998. 126 CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para revisão da política de defesa nacional. Campinas: Núcleo de Estudos Estratégicos, Unicamp, 30/06/2000. 127 International Institute of Strategic Studies, London, UK. 128 RODRIGRES, B., e MONTEIRO, T. Amazônia é prioridade da política de defesa. Jornal O Estado de São Paulo, 04/11/1996.
79
A democratização na África do Sul e sua renúncia em produzir armas
nucleares, bem como a maior participação da ONU no processo de pacificação no
resto do continente, diminuíam as ameaças no Atlântico Sul. E o retorno à
democracia no Brasil e em outros países da região inibia investimentos em
armamentos.
Para Cervo, o abandono do realismo na arena internacional levou o Brasil
a desmontar o sistema nacional de segurança. A PDN “foi ambígua quanto à
competência de sua execução por diplomatas, instituições civis e militares, quanto a
seus meios de dissuasão e defesa, e quanto aos fins a que pode servir”. 129
O mundo pós-Guerra Fria abriu oportunidades para o Brasil ampliar sua
influência no quadro regional, através da construção de organizações de baixa
institucionalidade. Dessa forma, visava não provocar suspeitas quanto a pretensões
hegemônicas. Por outro lado, instituições com estruturas simples e de caráter
intergovernamental garantiam ao país poder para influenciar a agenda e o processo
decisório das mesmas, como no caso do Mercosul.
Quanto a ZPCAS, depois da reunião de 1998, em que se adotou um
Plano de Ação, a instituição entrou no ostracismo. A falta de estrutura burocrático-
administrativa que implementasse o Plano de Ação, o fim do perigo nuclear
representado pela África do Sul e a persistência de guerra civil em diversos países
da região, contribuíram para o esvaziamento da organização sul-atlântica. Dessa
forma, a cúpula em Benin não se realizou e a Argentina manteve-se na presidência
pro-tempore da ZPCAS.
As restrições orçamentárias provocadas pela adesão do país ao
Consenso de Washington fizeram com que a fronteira marítima recebesse pouca
atenção em termos diplomáticos e de segurança. O Mercosul, no aspecto
econômico-político e a Amazônia, no aspecto de defesa, dominaram a agenda
regional da diplomacia brasileira.
A década de 90 foi momento de adaptação do Itamaraty a novos
cenários, tanto no âmbito externo como no doméstico. Por um lado, o neoliberalismo
provocou enfraquecimento do Itamaraty no processo decisório em política exterior,
como nas áreas da alfândega, das finanças externas e da abertura empresarial,
deslocadas para as autoridades econômicas, “que aplicavam diretrizes monetaristas
129 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília. Ed. Universidade de Brasília, 2002, p. 471.
80
e liberais”. Rompe-se o ciclo desenvolvimentista no Itamaraty, iniciado em Vargas e
transita-se entre uma conduta subserviente e outra que transfere à sociedade
“responsabilidades empreendedoras” ·130
A sociedade, por outro lado, passa também a cobrar maior transparência
por parte do Itamaraty sobre suas ações em política externa, ao mesmo tempo em
que também queria participar do processo decisório. De fato, os anos 90 marcam
uma maior popularização da política externa brasileira, através de debates
acadêmicos, cobertura da mídia, e o crescente interesse de entidades sindicais,
empresariais e outras do terceiro setor, as chamadas Organizações Não-
Governamentais (ONG’s).
As negociações da Alca tornaram-se emblemáticas sobre os diversos
interesses em jogo. Alguns setores empresariais defendiam as negociações com os
Estados Unidos, pelas vantagens que teriam com o livre comércio. Outros situavam-
se em posição cautelosa, pedindo negociações equilibradas, enquanto outros
reclamavam das assimetrias entre os dois mercados, da defasagem tecnológica, da
impossibilidade de competir com produtos norte-americanos e a conseqüente perda
de postos de trabalho.131
Também recaia sobre o Itamaraty forte crítica sobre a falta de qualidade e
quantidade de seu corpo diplomático para negociar nos diversos fóruns em que
participava, como no Mercosul, na Alca, na OMC (Organização Mundial do
Comércio), em acordos bilaterais e birregionais.
Podemos concluir que durante os anos 90, a vertente sul-atlântica da
política externa brasileira acabou situando-se em plano secundário, tanto por parte
do Itamaraty como pela sociedade, de modo geral. Os interesses econômicos mais
imediatos, sejam com a formação do Mercosul e com as negociações da Alca, e
questões emergentes na segurança regional, especialmente na Amazônia,
concentraram a ação diplomática na América do Sul.
A reunião de presidentes dos países da América do Sul realizada em
Brasília, em 2000, a primeira até então com essa amplitude, para discutir projetos de
integração da região, refletiu e envolvimento do Brasil com seus vizinhos.
130 Idem, p. 460. 131 AQUINO, E. T. De Miami a Quebec: O Brasil nas Negociações da Alca. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 11/09/2003.
81
No encontro, o lançamento da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infra-
estrutura Regional Sul Americana), veio a conferir dimensão prática a projetos de
integração, notadamente aqueles relacionados à infra-estrutura de transporte,
energia e comunicações. Dentre os projetos que fazem parte da IIRSA, destaca-se o
Eixo Interoceânico Brasil-Bolívia-Peru-Chile (São Paulo-CampoGrande-Santa Cruz-
La Paz-Ilo-Matarani-Arica-Iquique). A abertura de uma via terrestre que ligue o Brasil
ao Pacífico tornou-se um dos destaques da IIRSA, principalmente tendo-se em vista
o crescente fluxo de comércio do país com a Ásia, e a China especialmente. A rota
também abre opções logísticas com portos das Américas no Pacífico, evitando-se o
Canal do Panamá e ao Cabo Horn, no extremo sul do continente.
Por outro lado, há que se considerar que a rota é uma via de mão dupla.
Isto é, abre igualmente opção logística aos países andinos com os portos brasileiros
no Atlântico Sul e na bacia amazônica, com alterações geopolíticas significativas na
região.
O Paraguai, país interior, realiza seu comércio exterior marítimo pelos
portos brasileiros, principalmente o de Paranaguá, com isenção de taxas, uma
cortesia que estreita as relações entre os dois países.
A IIRSA tornou-se elemento de materialização da integração sul-
americana. A idéia subjacente era que o Brasil deveria dedicar-se ao seu entorno
imediato com o fortalecimento do conceito de “América do Sul”, descolando-se da
tradicional denominação de “América Latina”, termo que se tornara inapropriado para
o contexto dos regionalismos, uma vez que o México se encontrava integrado aos
mercados dos Estados Unidos e do Canadá através do NAFTA (Área de Livre
Comércio da América do Norte).
O presidente Fernando Henrique Cardoso, em suas viagens ao exterior,
buscava por prestígio e apoio junto aos países desenvolvidos, especialmente quanto
à reforma do Conselho de Segurança da ONU, ao qual o Brasil colocava-se como
postulante.
82
Tabela 1 - Países visitados por Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos.
CONTINENTE PAÍSES
América do Sul Visitou todos, menos o Suriname
América do Norte Viajou por todos os países
Europa Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Portugal, Espanha, Vaticano, Bélgica, Suíça, Holanda, Rússia, Ucrânia, Suécia, Polônia e Eslováquia.
África Angola, Moçambique e África do Sul
Ásia Japão, China, Malásia, Indonésia, Índia, Coréia do Sul, Timor Leste e Macau (incorporado à China em 2000).
Fonte: Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Assim, no conjunto dos interesses da política externa brasileira nos anos
90, a África situou-se num plano secundário.
Para Cervo, o desenvolvimento não desapareceu no horizonte da política
exterior brasileira com o fim do ciclo desenvolvimentista. “Deixou apenas de ser o
elemento de sua racionalidade”.132
132 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2002, p. 460.
83
5 O ATLÂNTICO SUL NO HORIZONTE ESTRATÉGICO DO BRASIL NO SÉCULO XXI
O início do século XXI é marcado por acontecimentos nos planos
internacional e doméstico que favoreceram a dimensão do Atlântico Sul nas políticas
externa e de defesa do Brasil.
Em primeiro lugar, a estagnação econômica e a diminuição do Estado
enquanto provedor de benefícios sociais, levaram ao descrédito popular sobre as
políticas macroeconômicas adotadas de forma generalizada pelos países
latinoamericanos nos anos 90. Por outro lado, repercutiu na eleição de diversos
governos de esquerda na região.
No Brasil, Luís Inácio Lula da Silva derrota em 2002 o candidato
governista José Serra, e chega à presidência da República como o primeiro
representante dos trabalhadores a ocupar o cargo máximo do Executivo.
O governo Lula deu novos contornos à política externa brasileira,
privilegiando as relações Sul-Sul e devolvendo ao Itamaraty parte de suas
prerrogativas que haviam sido repassadas à área econômica.
Na análise de Vizentini:
Lula desenvolve uma intensa agenda internacional, mas como porta-voz de um projeto que transcende objetivos de projeção pessoal e adesão subordinada à globalização. Aliás, esta é a grande diferença: o desalinhamento da política externa em relação ao ‘consenso’ liberal norte-atlântico como forma de recuperar a capacidade de negociação. Ao aceitar previamente os postulados e agendas dos países desenvolvidos, não havia muito que negociar, apenas adaptar-se (desde os anos 70 FHC criticava o desenvolvimentismo em suas conferências nos EUA).133
No seu discurso de posse, Lula já sinalizava caminhos de sua política
externa, ao afirmar que “aprofundaremos as relações com grandes nações em
desenvolvimento: a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, entre ouros”. E ainda
“reafirmaremos os laços profundos que nos unem a todo o continente africano e a
nossa disposição de contribuir ativamente para que ele desenvolva as suas enormes
potencialidades”.134
133 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Editora Leitura XXI, 2005, p. 162-3. 134 BRASIL. PALÁCIO DO PLANALTO. Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de Posse, no Congresso Nacional. Brasília, 01/01/2003.
84
De fato, a inovação na política externa brasileira no início do século XXI
foi buscar os espaços não ocupados, por opção do governo anterior.
Lula, pela sua origem e pelo seu discurso, falava com naturalidade sobre
as desigualdades sociais, a fome e a necessidade de se construir um mundo mais
justo. A aproximação com a África Austral inseria-se no projeto de construção de
alianças de “geometria variável”, como o G-3 (Brasil, Índia e África do Sul) e o G-20,
constituído por países que defendiam interesses agrícolas nas negociações na
OMC.135
Somava-se à agenda social a questão da segurança internacional, com
os ataques de 11/09. O desprezo dos Estados Unidos pela ONU na “guerra contra o
terror”, com sua ação unilateral no Iraque, mantinha no discurso diplomático
brasileiro a necessidade de reformar o Conselho de Segurança da instituição.
E com habilidade, a política externa do governo Lula procurava associar
desenvolvimento social e econômico com a segurança internacional.
Em seu discurso de posse, Lula afirmava que “neste novo século, é
necessário construir uma ordem mundial mais pacífica e solidária, com
desenvolvimento e justiça social”. Enfatizou também a cooperação internacional, a
preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, sinalizando o
fortalecimento da via multilateral na política externa brasileira.136
Em seu primeiro mandato, Lula realizou 102 visitas ao exterior, tornando-
se o presidente da República que visitou o maior número de países. Foram 40 visitas
a paises da América do Sul, cerca de 39% do total e 20 para paises africanos.137
Dos diversos acordos de cooperação firmados entre o Brasil e a África,
destacam-se três áreas significativas, que se ajustam com o discurso do governo. A
primeira, que já havia sido iniciada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, foi
no combate à Aids, um dos mais graves problemas de saúde pública vivenciado pelo
continente africano. A segunda área é a da pesquisa agropecuária, inclusive com a
instalação de um escritório da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas
Agropecuárias) em Gana. Essa iniciativa ilustra um dos principais slogans do
presidente Lula, tanto no nível doméstico como no exterior, o “combate à fome”. Por
fim, a cooperação na área educacional, que além dos programas de intercâmbio 135 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Editora Leitura XXI, 2005, p. 163. 136 BRASIL. PALÁCIO DO PLANALTO. Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de Posse, no Congresso Nacional. Brasília, 01/01/2003. 137 LULA dá 18 voltas ao redor do mundo em 4 anos. Jornal Folha de São Paulo, 10/12/2006.
85
acadêmico, inclui também a ajuda dada ao PALOP (Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa), através da CPLP, com a cooperação técnica em programas de
alfabetização.
Em visita a Angola, em 2003, o presidente Lula prometeu ajuda
econômica, pediu o apoio dos organismos internacionais, criticou o protecionismo
dos países desenvolvidos e prometeu reduzir os impostos de importação para
produtos angolanos. Em troca, o presidente angolano, José Eduardo dos Santos,
apoiou a candidatura do Brasil a membro permanente do Conselho de Segurança da
Organização das Nações Unidas.138
Mas a aproximação do Brasil com a África sob o governo Lula não se
inseria apenas na lógica de angariar apoio à sua candidatura a membro permanente
do Conselho de Segurança da ONU, caso esse fosse reformado.
De acordo com dados do Banco Mundial, a África subsaariana cresceu
entre 5 e 6% ao ano, em média, entre 2003 e 2007.139 Além de satisfatório controle
sobre a inflação, a África adentrou o século XXI com melhores perspectivas de
apaziguamento em seus conflitos internos. Tornava-se uma região atraente aos
investimentos externos, principalmente na exploração de recursos minerais, como o
petróleo e na construção de infra-estrutura. Para o Brasil, significava oportunidade
para a chegada de empresas nacionais e ampliação dos negócios àquelas que já lá
se encontravam, como a Petrobrás e a Odebrecht.
Além da forte presença do Banco Mundial como fomentador de projetos, o
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) também destinou
crescentes quantias às empresas brasileiras que se dirigiam ao continente africano.
A Petrobrás chega ao século XXI como uma das maiores empresas de
produção de petróleo do mundo, com tecnologia para explorar em plataformas
marítimas e em águas profundas, o que criou oportunidades para a atuação
internacional da empresa, com destaque para os países africanos como Angola,
Líbia, Nigéria e Tanzânia.
A presença internacional da Petrobrás, que além da África, também
operava em outros continentes, exigiu que o Itamaraty se preparasse para atuar de
forma mais direta na área energética. Os biocombustíveis, também presentes nos
138 GOVERNO de Angola promete apoiar Brasil na ONU. BBC Brasil. Rio de Janeiro: 03/11/2003. 139 FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL & BANCO MUNDIAL. Africa Foreign Investment Survey 2006. Washington: IMF, 2007.
86
temas de aproximação entre Brasil e a África, exigiram que o Itamaraty passasse a
ter uma área que concentrasse o tratamento institucional do assunto.
Críticas ao neoliberalismo na América Latina atingiram mais fortemente a
Argentina, que durante os anos 90 viveu período de prosperidade baseada
principalmente na dolarização da economia. O governo Menem chegou inclusive a
sugerir aos Estados Unidos a adesão da Argentina à OTAN, e colocava-se como
rival do Brasil como aspirante a membro permanente no Conselho de Segurança.
A defasagem tecnológica da industria argentina, acentuada pela crise
econômica e política que se instalara no país no período pós-Menem, retraem as
manifestações de Buenos Aires quanto a desempenhar maior protagonismo
regional, embora essa situação não tenha se convertido em virtual apoio à
candidatura brasileira.
O risco de militarização no Atlântico Sul parecia pouco provável, mesmo
após os atentados de 11 de setembro de 2001. O “Plano Colômbia”, de assistência
militar dos Estados Unidos ao combate do narcotráfico, ainda surgia como principal
ameaça à segurança regional, tanto pela tentativa inicial de envolvimento de forças
militares sul-americanas no referido plano, como pela possibilidade de que o conflito
pudesse transbordar as fronteiras de países vizinhos.
A região da Tríplice Fronteira, entre Brasil, Argentina e Paraguai, chegou
a ser mencionada por autoridades norte-americanas como possível foco de apoio ao
terrorismo internacional, através de remessas financeiras da comunidade
muçulmana ali presente, porém a idéia não ganhou força no meio governamental.
Ainda assim, a “Guerra Contra o Terror”, empunhada pelos Estados
Unidos, ressuscitou a preocupação com a defesa, como veremos adiante.
O meio-ambiente, no entanto, tem se revelado tema mais sensível no
cenário do Atlântico Sul no que se refere à segurança. Ele reveste-se de importância
fundamental por causa da conservação das florestas tropicais, uma vez que este
oceano as possui em ambas as margens, principalmente na Amazônia e na costa da
Mata Atlântica. O problema básico aqui é o dilema entre a preservação e o
desenvolvimento. Certamente houve um grande avanço com a adoção da tese do
“desenvolvimento sustentado”, expressão que se incorporou no vocabulário
diplomático do Brasil desde a realização da Rio-92.
A Conferência de 92, na avaliação de Silveira:
87
Teve o mérito de reduzir a tese do “patrimônio da humanidade” a níveis baixos, uma vez que ela trazia consigo a ameaça do dever de ingerência das Forças Armadas para conservar o território. Este foi mais um passo para realizar os objetivos da ONU ao transformar, em 1982 – mesmo ano da aprovação da ZPCAS –parte do Atlântico Sul em ZEE, isto é, em abrir caminho para a exploração do mar. 140
Um século após o trabalho de Rio Branco no estabelecimento de limites
de fronteira terrestre do país, principalmente na região amazônica, o desafio
encontra-se na fronteira marítima, nos limites do Mar Territorial, “para concluir o
traçado definitivo da base física de Nação”, na colocação do Comandante José
Eduardo Borges de Souza, para quem o Ministério das Relações Exteriores
desempenha importante papel.
Não há hoje uma figura emblemática como a do Barão do Rio Branco
para liderar essa tarefa. Mesmo porque a tarefa da diplomacia brasileira no século
XXI é conduzida de modo mais descentralizado e com o apoio técnico-científico de
outros ministérios e organismos governamentais e não-governamentais.
Numa analogia à Amazônia defendida por Rio Branco, o Comandante da
Marinha Roberto de Guimarães Carvalho batizou a área marítima brasileira de
“Amazônia Azul”, pelas riquezas e recursos existentes na imensa área da Plataforma
Continental.
Figura 1 - Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental.
140 SILVEIRA, C. C. As Novas Ameaças e o Pensamento Estratégico na Marinha do Brasil. Washington, D.C.: Center for Hemispheric Defense Studies, 2003.
88
A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM),
realizada em 1982, em Montego Bay, na Jamaica, como visto anteriormente, surgiu
como desdobramento dos debates do início dos anos 70, em que o Brasil teve papel
relevante ao fixar o limite das 200 milhas náuticas.
Desde então, o caráter multilateral que a questão ganhou com a
Convenção tornou-se estratégica para o Brasil, pois ampliava-se o poder de
negociação.
A CNUDM, em seu artigo 76, estabeleceu o processo pelo qual os países
deveriam demarcar os Limites Exteriores da Plataforma Continental além das 200
milhas náuticas (LEPLAC). Segundo a Convenção, cada país deveria apresentar
pedido de ampliação de sua plataforma no prazo de dez anos, depois que tivesse
ratificado a convenção. O Brasil ratificou a CNUDM em 1994 e, portanto, deveria
encaminhar seu pedido até 2004.
Em 1987, o Brasil iniciou o mapeamento cientifico da sua plataforma
continental, que poderia chegar a 1 milhão de km². O trabalho foi coordenado pela
Marinha, em que foram investidos US$ 40 milhões, metade desse custo financiado
pela Petrobrás. O levantamento, finalizado em 2004, foi apresentado à ONU, em que
foi reivindicada a inclusão em sua plataforma de cinco áreas: cone do Amazonas,
cadeia Norte brasileiro, cadeia Vitória e Trindade, platô de São Paulo e margem
continental Sul.
Para o comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto:
Estamos discutindo limites de fronteiras porque essa é uma questão de Estado... não podemos garantir se nessa área há ou não petróleo, se há ou não outra riqueza. Só que, tão importantes quanto os aspectos econômicos, são os limites do Brasil, dos quais não podemos abrir mão.141
Somente em abril de 2007 a ONU autorizou o Brasil a ampliar os limites
de sua fronteira marítima, ao aprovar integralmente a inclusão do platô de São
Paulo. As demais áreas reivindicadas foram aprovadas em 75%. Entretanto, a
Marinha informou que o país continuaria reivindicando o restante da área mapeada.
Moura Neto conclui que:
141 ONU autoriza Brasil a ampliar limites de sua fronteira marítima. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, 06/05/2007.
89
Mais de 700 mil quilômetros quadrados já foram aprovados e vamos continuar discutindo se temos ou não direito aos outros quase 250 mil que tínhamos pleiteado de início. Esses 950 mil quilômetros quadrados correspondem aos Estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e um pouco mais do que Santa Catarina. O Brasil tem de entender que o mar é fundamental para sua economia.142
A reivindicação brasileira apresentada à ONU provou que a plataforma
continental brasileira, que é o prolongamento natural da massa terrestre de um
Estado costeiro, é de 350 milhas em áreas da Guiana até Natal e do Espírito Santo
até o Rio Grande do Sul, e não só as 200 milhas a que todos os países podem ter
direito, como definido pela Convenção. Com a decisão da ONU, a área marítima sob
jurisdição do Brasil passou a pouco mais de 4 milhões de quilômetros quadrados,
área maior que a Amazônia.143
A Rússia foi o primeiro país a apresentar à ONU pedido de extensão de
sua plataforma continental. No entanto, seu pedido foi rejeitado pela instituição, pois
conflitava com interesses de outros Estados costeiros. No caso brasileiro, a ausência
de litígios ao norte, com a Guiana Francesa, ao sul, com o Uruguai, bem como a
leste, onde a costa africana encontra-se a longa distância, contribuíram para a
decisão favorável.
Embora a defesa da soberania sobre os recursos minerais, especialmente
o petróleo, se torne evidente com a participação da Petrobrás no mapeamento da
plataforma continental, o Brasil também tem se envolvido nos trabalhos da
Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISBA), criada pela Convenção de
Montego Bay, e que tem a incumbência de normatizar a exploração e o
aproveitamento dos recursos minerais dos fundos marinhos que se situam além das
áreas sob jurisdição dos Estados, isto é, em áreas consideradas “patrimônio comum
da humanidade”.144
Nessas áreas, as atividades de pesca também receberam atenção da
CNUDM, que estabeleceu, em seu artigo 119º, os parâmetros para a conservação
dos recursos marinhos vivos em alto mar. Com vistas a sustentabilidade das
atividades de pesca, o Itamaraty assinou em 1995 o “Acordo de Nova York”,
instrumento de coordenação e cooperação internacionais. 142 ONU autoriza Brasil a ampliar limites de sua fronteira marítima. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, 06/05/2007. 143 Idem. 144 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. A Importância do Mar nas Relações Internacionais. Brasília: 31/01/2008.
90
Outro foro de destaque no âmbito do Atlântico Sul para o Brasil é a
Comissão Internacional da Baleia (CIB).
O Atlântico Sul tem sido palco de caça indiscriminada da maioria das
espécies de grandes baleias. A caça costeira de baleias teve seu início na época da
colonização européia, mas em décadas mais recentes tem sido feita por frotas
oceânicas estrangeiras, vindas de países muito distantes dos interesses legítimos
das nações do Atlântico Sul no tocante à gestão dos recursos representados pelas
baleias. Algumas dessas frotas habitualmente capturam espécies protegidas e
desrespeitaram as regulamentações feitas pela própria CIB, conseqüentemente
causando danos progressivos a espécies e populações e impedindo até hoje uma
avaliação adequada dos impactos da caça oceânica de baleias no contexto regional.
A proposta de um Santuário do Atlântico Sul visa reafirmar os interesses
de conservação à luz da crescente e altamente qualificada contribuição regional à
pesquisa, e do interesse econômico de muitos países da região no desenvolvimento
do uso sustentável não-letal de baleias, particularmente a observação turística
desses animais. Essa indústria representa o uso perfeitamente viável dos recursos
de baleias, e que tem necessidade urgente de bases científicas mais sólidas para
sua administração.
O Atlântico Sul é de significativa importância para a reprodução,
amamentação, migração e alimentação para 11 das 14 espécies de baleias que
existem no mundo, entre elas, a baleia-azul, o maior animal do planeta. Os ciclos
marítimos presentes no Atlântico Sul são determinados por importantes
características oceanográficas presentes na bacia oceânica, com impactos nos
nutrientes presentes no mar. O desequilíbrio biológico, portanto, segundo estudos
científicos, põe em risco espécies de animais endógenos e migratórios,
comprometendo a exploração sustentável dos recursos econômicos do Atlântico Sul.
O Santuário do Atlântico Sul se somaria ao Santuário da Antártica,
fortalecendo ainda a idéia de criação de um santuário no Pacífico Sul, perfazendo
uma imensa área dedicada à preservação ao habitat das baleias no Hemisfério
Sul.145
Dentre os objetivos principais do Santuário, o documento destaca:
145 BRASIL lança proposta para santuário de baleias no Atlântico Sul. Eco Agência de Notícias, Florianópolis, 05/11/2007.
91
a) Maximizar a taxa de recuperação de populações de baleias até atingirem seus níveis naturais; b) Promover a conservação a longo prazo das grandes baleias durante seu ciclo de vida e de seus habitats; c) Estimular a pesquisa coordenada na região, especialmente por países em desenvolvimento, e através da cooperação internacional, com participação ativa da CIB; d) Desenvolver O uso econômico sustentável e não-letal de baleias para o benefício das comunidades costeiras da região; e) Fornecer um marco abrangente para o desenvolvimento de medidas localizadas que possam maximizar os benefícios da conservação no nível da bacia oceânica; f) Integrar pesquisas nacionais, esforços e estratégias de conservação e manejo em uma estrutura cooperativa.146
Segundo o Embaixador Everton Vargas, diretor da Divisão de Meio
Ambiente e Assuntos Especiais do Ministério das Relações Exteriores, o Ministério
do Meio Ambiente e o Itamaraty têm dedicado empenho total nos contatos com
nações que ainda estão indecisas quanto a seu posicionamento na CIB, onde são
necessários três em cada quatro votos dos 40 países membros.147
A atuação firme do Brasil no Atlântico Sul nas questões ambientais,
especialmente quanto às atividades de pesca por embarcações estrangeiras reflete
a estratégia do país em definir sua soberania sobre seu mar territorial. Para além do
mar territorial, visa manter o Atlântico Sul afastado dos interesses de potências
estrangeiras.
O posicionamento pacifista e ecológico do Brasil no Atlântico Sul pode ser
analisado sob três ângulos distintos. Em primeiro lugar, o Brasil busca a preservação
do Atlântico Sul por constituir-se em sua fronteira oriental de mais de 8 mil
quilômetros de extensão e onde concentra-se a maior parte de sua população. O
avanço científico e tecnológico no mapeamento dos oceanos demonstra a
importância econômica do Atlântico Sul para o Brasil, não apenas pelos seus
recursos econômicos, mas também pela sua influência no clima, com repercussões
na agricultura. Nesse aspecto insere-se também o Programa Antártico.
Em segundo lugar, buscava o Brasil firmar-se como potência pacífica, na
lógica dos recursos limitados.
146 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Atlântico Sul: Um Santuário de Baleias. Documento apresentado pelos Governos da Argentina, Brasil e África do Sul à 57 Reunião Anual da Comissão Internacional da Baleia. Ulsan, Coréia do Sul: junho de 2005. 147 BRASIL lança proposta para santuário de baleias no Atlântico Sul. Eco Agência de Notícias, Florianópolis: 05/11/2007.
92
Na visão de Manduca:
A potência pacífica seria resultado de uma conjunção de fatores que alia uma economia desenvolvida e competitiva e integrada, a referida tradição pacifista e a respeitabilidade adquirida através da adesão aos vários mecanismos internacionais de controle de meios de guerra. Para isso, também era necessário que o país desse mostras de que esforçava-se por resolver as contradições internas na área de Direitos Humanos, meio-ambiente e etc.148
Afastar a presença de potências e garantir a manutenção do Atlântico Sul
como área de paz e cooperação, como no contexto da ZPCAS ou atuando para a
preservação das baleias, por exemplo, permitiam que os gastos com a defesa
fossem minimizados. Os anos 90, desde Collor, foram marcados por cortes
orçamentários que recaíram inclusive sobre a área da defesa. Havia uma
coincidência na proporcionalidade entre a percepção de ameaças provenientes da
fronteira marítima, e a possibilidade de defesa a que o Estado estava capacitado e
disposto a desenvolver.
Por fim, como potência pacífica, o Brasil associava outros elementos de
poder soft, como afinidades culturais com países africanos, com os quais buscava
reforçar seus interesses no plano do Atlântico Sul, além de apoio em fóruns
multilaterais, como na OMC e na ONU.
Sobre esse aspecto, Proença Jr. e Diniz ponderam que:
Um Estado pacífico é pacífico por seus compromissos e propósitos, não por sua timidez, nem por seus arsenais. Mesmo o Estado mais pacífico não pode abrir mão de arranjos de defesa adequados, nem de forças armadas capazes de respaldar suas políticas, dando substância a suas posições. 149
Em 30 de junho de 2005, o presidente Lula assinou o Decreto n.º 5.484
aprovando uma nova Política de Defesa Nacional (PDN), voltada principalmente
para ameaças externas.
148 MANDUCA, Paulo César. Política Externa e Segurança Internacional: Brasil Potência ao Fome Zero Global. E-Premissas – Revista de Estudos Estratégicos. Nr. 1, Junho/Dezembro 2006. 149 PROENÇA JR. e DINIZ, E. Política de defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 60.
93
Embora semelhante a PDN de 1995 quanto à estrutura, composta por
uma parte política e outra, estratégica, a nova PDN afina-se às transformações
ocorridas no cenário regional e global.
Inova ao apresentar um capítulo sobre “O Estado, a Segurança e a
Defesa”, em que são adotados os seguintes conceitos:
I – Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício os direitos e deveres constitucionais; II – Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.150
Ao analisar o ambiente internacional, a PDN menciona a preocupação
com temas que não constaram na PDN de 1996, como a intensificação de disputas
por áreas marítimas, pelo domínio aeroespacial e por fontes de água doce e de
energia, “cada vez mais escassas”, e que “poderão levar a ingerências em assuntos
internos, configurando quadros de conflito”.151
No mesmo capítulo, a PDN cita a criação de blocos econômicos como
arranjos competitivos, e que o desafio para os países em desenvolvimento é ter uma
inserção positiva no mercado mundial.
Alem de mencionar que “a crescente exclusão de parcela significativa da
população mundial dos processos de produção, consumo e acesso à informação
constitui fonte potencial de conflitos”, a PDN também insere na sua análise as
assimetrias de poder e o terrorismo internacional. A questão ambiental também
surge como preocupação ao considerar que “países detentores de grande
biodiversidade, enormes reservas de recursos naturais e imensas áreas para serem
incorporadas ao sistema produtivo podem tornar-se objeto de interesse
internacional”.
“O Ambiente Regional e o Entorno Estratégico” ganham projeção na PDN
de 2005 e cita os processos que contribuem para reduzir a possibilidade de conflitos,
como: o fortalecimento do processo de integração, a partir do Mercosul, da
150 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 2006. 151 Idem.
94
Comunidade Andina de Nações e da Comunidade Sul-Americana de Nações; o
estreito relacionamento entre os países amazônicos, no âmbito da Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica; a intensificação da cooperação e do comércio
com países africanos, facilitados pelos laços étnicos e culturais; e a consolidação da
Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul. 152
Uma parte sobre “O Brasil” também é contemplada na PDN, com
destaque ao Atlântico Sul como área vital pela riqueza de recursos e vulnerabilidade
de acesso pelas fronteiras terrestre e marítima:
O mar sempre esteve relacionado com o progresso do Brasil, desde o seu descobrimento. A natural vocação marítima brasileira é respaldada pelo seu extenso litoral e pela importância estratégica que representa o Atlântico Sul. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar permitiu ao Brasil estender os limites da sua Plataforma Continental e exercer o direito de jurisdição sobre os recursos econômicos em uma área de cerca de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, região de vital importância para o País, uma verdadeira “Amazônia Azul”. Nessa imensa área estão as maiores reservas de petróleo e gás, fontes de energia imprescindíveis para o desenvolvimento do País, além da existência de potencial pesqueiro. A globalização aumentou a interdependência econômica dos países e, conseqüentemente, o fluxo de cargas. No Brasil, o transporte marítimo é responsável por movimentar a quase totalidade do comércio exterior.153
Ao mencionar o repúdio ao terrorismo nas relações internacionais como
um dos princípios da Constituição Federal de 1988, em sintonia com o contexto
internacional pós 11/09, a PDN, no âmbito do Atlântico Sul, atribui prioridade
especial aos países da África Austral e aos de língua portuguesa, “buscando
aprofundar seus laços com esses países”.154
Destaca, por fim, ainda nesse capítulo, a adesão do país ao Tratado de
Não-Proliferação de Armas Nucleares, o uso da tecnologia nuclear como bem
econômico para fins pacíficos e que o contínuo desenvolvimento brasileiro traz
implicações crescentes para o campo energético com reflexos em sua segurança.
“Cabe ao país assegurar matriz energética diversificada que explore as
potencialidades de todos os recursos naturais disponíveis”, conclui.155
152 Idem. 153 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 2006. 154 Idem. 155 Idem.
95
No capítulo seguinte, “Orientações Estratégicas”, a PDN destaca a
integração regional da indústria da defesa, e que “no Atlântico Sul, é necessário que
o País disponha de meios com capacidade de exercer a vigilância e a defesa das
águas jurisdicionais brasileiras, bem como manter a segurança das linhas de
comunicação marítimas”.156
Também ressalta o perfil de potência pacífica, ao reafirmar seu
compromisso com a defesa da paz e com a cooperação entre os povos. “O Brasil
deverá intensificar sua participação em ações humanitárias e em missões de paz
sob a égide de organismos multilaterais”.
E como orientação estratégica no combate ao terrorismo, a PDN cita que
“é imprescindível que o País disponha de estrutura ágil, capaz de prevenir ações
terroristas e de conduzir operações de contraterrorismo”.157
Na parte final, denominada “Diretrizes”, das 26 linhas de atuação
mencionadas, destacam-se as seguintes, que se referem ao espaço sul-atlântico:
V – aprimorar a vigilância, o controle e a defesa das fronteiras, das águas jurisdicionais e do espaço aéreo do Brasil; VI – aumentar a presença militar nas áreas estratégicas do Atlântico Sul e da Amazônia brasileira; X – proteger as linhas de comunicações marítimas de importância vital para o país; XI – dispor de estrutura capaz de contribuir para a prevenção de atos terroristas e de conduzir operações de contraterrorismo; XX – intensificar o intercâmbio com as Forças Armadas das nações amigas, particularmente com as da América do Sul e as da África, lindeiras ao Atlântico Sul. 158
A PDN promulgada em 1996, segundo Flores, foi formulada por militares
e servidores “compreensivelmente influenciados por concepções doutrinárias,
corporativas e/ou funcionais consolidadas ao longo de muito tempo, no vácuo
proporcionado pela apatia política e societária, pela apatia das instituições e dos
instrumentos representativos da política e da sociedade”.
Para Flores, “o resultado foi uma política imprecisa como orientação, um
conjunto de objetivos, conceitos e valores praticamente óbvios, de consenso fácil,
válidos para qualquer país médio, não fundamentalista”.159
156 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 2006. 157 Idem. 158 Idem.
96
A PDN de 2005 é mais explicita que a anterior e reflete objetivos da
política externa brasileira no âmbito do Atlântico Sul, a partir de novas configurações
da política internacional no início do século XXI.
Os atentados de 11/09 e o tema “terrorismo” na agenda internacional
surgem menos como elementos de tensão no Atlântico Sul e mais como
oportunidade de se repensar a política de defesa do Brasil, considerando-se a
ampliação de sua área estratégica.
A expressão “segurança nacional”, não citada na PDN de 1996, na nova
política de defesa nacional conjuga-se com questões de dois tipos diferentes.
A primeira, de natureza focalizada, procura fortalecer programas
estratégicos, como o da energia nuclear.
Ao declarar que apóia a energia nuclear como bem econômico para fins
pacíficos, a PDN reflete a ação governamental na área, que autorizou a liberação de
130 milhões de reais até 2015 para o programa nuclear da Marinha, interrompido
durante os anos 90 e que inclui, principalmente, as pesquisas de enriquecimento de
urânio, em escala industrial. Além do projeto do submarino nuclear, o governo Lula
também declarou a pretensão de concluir a usina nuclear de Angra III e a
industrialização em território nacional de combustível nuclear em todas as suas
etapas.160
Na mesma linha, a retomada da indústria bélica nacional, a partir de
demanda das Forças Armadas por equipamentos militares, insere-se na estratégia
de modernização e ampliação da defesa do espaço estratégico. Por outro lado, visa
também o desenvolvimento e a transferência de tecnologia através de acordos entre
empresas nacionais e estrangeiras.
Na opinião de Cavagnari Filho:
Com meios militares tecnologicamente atualizados pode-se obter resultados rápidos e decisivos nas operações militares. Mas não se pode depender totalmente do mercado externo, há necessidade de se obter parte desses meios no próprio mercado interno – que pressupõe uma indústria bélica e uma P&D militar. A modernização da força militar pode não ser a questão central, mas deve ser uma das principais para a política de defesa, cuja solução depende, em
159 FLORES, M. C. Reflexões Estratégicas: repensando a defesa nacional. São Paulo: É Realizações, 2002, p. 95. 160 OPINIÃO. Folha de São Paulo. São Paulo, 12/07/07.
97
parte, do grau de desenvolvimento tecnológico já alcançado pelo Brasil.161
Assim, a defesa nacional, contra ameaças externas, ganha novas
possibilidades de formulação e execução, diante de uma agenda internacional em
que o terrorismo ocupa lugar de destaque desde os ataques de 11/09.
Nesse sentido, observamos que o tema terrorismo, presente na PDN de
2005, configura-se como elemento que permite ao Brasil ampliar suas manobras
regionais, dentro do espaço hemisférico. Permite converter em desenvolvimento de
programas militares que permitem, por um lado, o desenvolvimento e a transferência
tecnológica, e por outro, o aumento da vigilância do espaço estratégico.
No âmbito do Atlântico Sul, tal vigilância se traduz em defesa de uma área
que vem sendo divulgada como “Amazônia Azul”, cada vez mais estratégica ao
Brasil quanto aos seus recursos econômicos, principalmente o petróleo.
A questão energética, para Lucchesi, continuará determinando, no século
XXI, a geopolítica mundial:
O mundo precisa de energia, que está disponível, mas é cara e concentrada. O efeito da concentração será a chave do jogo – como os atores irão se movimentar, quem depende de quem. A Europa não pode brigar com a Rússia, os Estados Unidos não podem brigar com a Arábia Saudita. Enfim, esse é o jogo que tem sido jogado e vai continuar sendo.162
A intensificação da cooperação e do comércio com países africanos,
citada na PDN de 2005, também se insere na estratégia de consolidar o Atlântico Sul
como região de sua influência.
Surgem como prioridades do Brasil as áreas de educação e saúde
pública, com destaque aos programas de combate à Aids. Também receberam
recursos os programas de treinamento na área agrícola, com a capacitação
profissional das instituições de pesquisa agropecuárias de Angola, Cabo Verde e
Moçambique.
161 CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para Revisão da Política de Defesa Nacional. Texto feito a pedido do Ministério da Defesa para redefinição da Política de Defesa Nacional. Campinas: Núcleo de Estudos Estratégicos, Unicamp, 30/06/2000. 162 LUCCHESI. C. F. Geopolítica do Petróleo e Gás, In: GONÇALVES, A. e RODRIGUES, G. M. A. (org.) Direito do Petróleo e Gás – Aspectos Ambientais e Internacionais. Santos: Ed. Universitária Leopoldianum, 2007, p. 120.
98
Outro programa que tem recebido apoio do governo brasileiro é o de
intercâmbio estudantil, nas áreas de graduação, pós-graduação e técnicos, em que
jovens africanos estudam gratuitamente no Brasil.
Em Portugal, percebe-se a perda de influência desse país sobre suas ex-
colônias africanas:
Seja como for, são visíveis os indícios de que os países africanos que integram a CPLP estão a substituir Lisboa por Brasília em quase todos os processos de desenvolvimento. Quando se pergunta a razão, os africanos dão vários exemplos. Um deles, talvez o mais paradigmático, refere-se a que o Brasil vai oferecer, a partir de 2005, os medicamentos que produz (são oito dos 16 utilizados em todo o mundo) conta a SIDA a todos os portadores de HIV em Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Segundo um jornal caboverdiano, um dos aspectos que preocupam os portugueses é a aproximação de Cabo Verde ao Brasil, “sobretudo a intensificação das relações econômicas com o Ceará, por parte das autoridades e empresários, rompendo o quase monopólio português sobre o comércio, para além das novas parcerias estratégicas que o primeiro-ministro anda à procura com os EUA, Angola, África do Sul e China.163
Tabela 2 – Comércio Brasil-África (Em bilhões de Dólares)
0
2
4
6
8
10
12
14
2002 2006
Comércio Brasil-África (Em bilhões deDólares)
Fonte: Ministério das Relações Exteriores
Para Saraiva:
O Brasil, que se lança novamente para a África, por meio dos movimentos dinâmicos de sua política exterior e de uma pauta comercial de produtos diversificados e que evolui percentualmente para já representar cerca de 6% das trocas internacionais do Brasil, tem possibilidades importantes de ocupar a brecha africana. Aproveitar a dinâmica do renascimento africano e da autoconfiança
163 PRAGMATISMO brasileiro conquista os países da Comunidade Lusófona. Porto: Jornal de Notícias, 26/09/04.
99
que emerge lá para propor diálogo de interesses mútuos e valores abrangentes para a nova geografia política internacional é agenda convidativa para a fronteira atlântica do Brasil.164
A projeção do Brasil na África banhada pelo Atlântico Sul incorpora, além
de interesses econômicos, que vão do comércio à presença de empresas como
Petrobrás e Odebrecht, interesses políticos, com a busca de apoio desses países às
pretensões brasileiras a ocupar assento permanente no Conselho de Segurança da
ONU e às disputas na OMC.
As afinidades étnicas e a defesa de interesses comuns nos dois lados do
Atlântico Sul, elementos importantes para a aproximação, ganham também
dimensão estratégica, ao possibilitar que o Brasil fortaleça sua presença nessa área,
ao mesmo tempo em que afasta potências externas. A defesa do Atlântico Sul como
zona de paz, através da ZPCAS e a proposta de santuário ecológico são exemplos
que fortalecem a perspectiva brasileira.
Na visão de Csurgai:
Factors that defining power projection capacities of states in the international system has been evolving rapidly since the end of the Cold War. Though traditional geopolitical conflicts didn’t disappear, geo-economic competition has become an important element in the distribution of power among states. A functioning geo-economic disposition can help the state to achieve or maintain a position of force in the world system of the 21st century.165
Em 2007, representantes dos países membros da ZPCAS reuniram-se em
Luanda, Angola, com o propósito de avançar na implementação da organização, que
desde 1998 encontrava-se sob a presidência argentina, praticamente inoperante.
Para a política externa brasileira, a ZPCAS constituía-se como fator de
apoio à sua projeção no Atlântico Sul. O Itamaraty, na ocasião, trabalhou ativamente
para a aprovação de um plano de ação, que identificava áreas estratégicas para
aprofundar a cooperação com os países africanos. O ambiente se apresentava
164 SARAIVA, J. F. S. Desafios Africanos para o “Mundo que vem aí: A África Contemporânea na Fronteira Atlântica do Brasil. Palestra proferida na Segunda Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – CNPEPI: O Brasil no mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Palácio Itamaraty, 5 e 6 de novembro de 2007. 165 CSURGAI, G. Geopolitics, Geo-Economics and Competitive Intelligence in Power Projection Strategies of the Staten in the 21st Century. Palestra proferida na Segunda Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – CNPEPI: O Brasil no mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Palácio Itamaraty, 5 e 6 de novembro de 2007.
100
favorável, uma vez que as relações entre os dois lados do Atlântico Sul se
intensificaram desde o início do governo Lula.
A ministra da Defesa de Cabo Verde, Cristina Fontes Lima, declarou que
os países membros da organização deveriam se esforçar para manter a estabilidade
na região, após anos de guerra civil:
Esperamos todos a revitalização da ZPCAS, pois há 21 anos que as Nações Unidas entenderam por bem proclamar esta zona entre a América do Sul e África, de paz e cooperação, fazendo um apelo para que se mantenha desmilitarizada, livre de armas nucleares e de destruição maciça. Trata-se agora de conseguirmos ter mais ambição e podermos construir ativamente soluções de segurança e defesa, principalmente face às novas ameaças não convencionais, mas ligadas aos tráficos de outro tipo: de pessoas, de armas, de droga, criminalidade organizada que merece e precisa de contínuas ações de cooperação.166
Para Carlos Gustavo dos Anjos, ministro das Relações Exteriores,
Cooperação e Comunidades de São Tomé e Príncipe, o Plano de Ação e a
Declaração de Luanda são instrumentos que podem revitalizar a ZPCAS e contribuir
para a cooperação em temas sensíveis para os países africanos, como o controle da
pesca, a segurança e proteção dos recursos de modo geral e a luta contra doenças,
como a malária e a Aids.167
Em outubro de 2007, teve início a Operação Antártica XXVI, com a partida
do Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rangel, do Rio de Janeiro para a Antártida.
Durante o verão antártico, o programa teve como objetivo o desenvolvimento de 15
projetos científicos.
Como visto anteriormente, a Antártida tem importância estratégica para o
Brasil, pela sua influência no clima e no ecossistema marinho em todo o Atlântico
Sul. Na nova PDN, recebe referência na parte “Diretrizes”, no item XXII: “Participar
ativamente nos processos de decisão do destino da região Antártica”. Por outro lado,
a indefinição sobre o futuro do continente gelado e de sua importância geopolítica
gera insegurança, uma vez que pode se configurar situações para a presença de
potências estrangeiras ao Atlântico Sul nessa região. Até 2058, o Tratado da
166 BRASIL celebra “nova fase de cooperação” no Atlântico Sul. Portal UOL. São Paulo: Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/lusa/> Acesso em: 19 junho 2007. 167 Idem.
101
Antártida garante a perspectiva internacionalista do continente, a que mais interessa
ao Brasil.
Os 25 anos da presença brasileira na Antártica foram comemorados com
a visita inédita de um presidente da República. Lula visitou as instalações da base
Comandante Ferraz, onde são realizadas pesquisas de oceanografia, biologia
marinha, clima e até de agricultura. Dos 19 projetos desenvolvidos atualmente na
estação, nove estão integrados a projetos internacionais. 168
A visita do presidente pretendeu indicar, acima de tudo, para os outros
países, o interesse do país em participar do futuro do continente.
Enfim, a atuação do Brasil no que tange a interesses no Atlântico Sul,
caminha para a construção de uma área que extrapola o continente sul-americano e
inclui a sua fronteira marítima, até à África. Como potência pacífica, ao menos na
etapa de consolidação de sua hegemonia regional, pretende poder projetar
crescentemente seus interesses no Atlântico Sul, que configura-se com área
estratégica para o Brasil no século XXI.
No horizonte do momento aqui analisado, a decisão final sobre a
extensão da plataforma continental brasileira surge como interesse de maior
envergadura, haja vista as reservas petrolíferas que têm sido descobertas pela
Petrobrás longe da costa. Como Zona Econômica Exclusiva (ZEE), a “exclusividade”
nessa faixa ao Brasil está condicionada à capacidade tecnológica e operacional do
país em implementar a exploração de recursos aí existentes. Caso não detenha
tecnologia a esse fim, perde-se a exclusividade. No caso do petróleo, a Petrobrás se
consolidou como uma das principais empresas do de exploração do mundo com
capacidade de prospectar em águas profundas.
Sobre a centralidade do tema “energia” para o Itamaraty, segundo o
embaixador Antônio José Ferreira Simões:
No futuro, as negociações de temas energéticos serão cada vez mais importantes no jogo diplomático. O núcleo das negociações energéticas é político. O ponto central é a possibilidade de ter acesso a recursos energéticos e disso dependem gestões políticas e a capacidade de avaliar o complexo jogo de poder no cenário mundial.169
168 LULA visita Antártida de olho em futuro do continente. BBC Brasil, 15/02/2008. 169 SIMÕES, A. J. F. Energia, Diplomatas e a Ação do Itamaraty: Passado, Presente e Futuro. Texto apresentado na II Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – O Brasil no Mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Palácio Itamaraty, 5 e 6 de novembro de 2007.
102
Com a intensificação das relações entre as duas margens do Atlântico
Sul, abre-se caminho para a construção de uma bacia econômica. Penha analisa
que a bacia econômica tem de contemplar os diferentes estágios de
desenvolvimento dos países ribeirinhos, mas com problemas comuns,
principalmente aqueles relacionados à pobreza. “Nesse sentido, seria preciso que o
arcabouço institucional da ZPCAS tivesse um estatuto mais bem definido, no intuito
de inserir a bacia sul-atlântica com referência válida projetada na política mundial”,
pondera. Penha acrescenta ainda que a bacia econômica do Atlântico Sul “tem que
considerar o eixo histórico brasileiro-africano, que dá a ela identidade e consistência,
particularmente no tocante aos projetos de cooperação.”170
A partir dos anos 70, a fronteira marítima brasileira ganha maior projeção
na política externa e nos assuntos de defesa nacional. A soberania sobre o mar
territorial e seus recursos, a garantia de manter o Atlântico Sul afastado dos
interesses de potências estrangeiras, o esforço em evitar rivalidades regionais em
ambas as margens e ainda, a projeção de poder por intermédio da cooperação e de
afinidades histórico-culturais, demonstram os desafios e as oportunidades colocados
ao Brasil.
O fato de o Atlântico Sul situar-se distante dos principais palcos de
tensões e conflitos mundiais, torna-se elemento extremamente importante, diante da
limitada capacidade de defesa do Brasil, pois enfraquece possíveis corridas
armamentistas por parte de outros países da região.
Sobre esse aspecto, argumentam Proença Jr. e Diniz que um dos
paradoxos centrais na discussão de questões estratégicas é o dilema da segurança:
Quando um Estado procura incrementar sua segurança por meio da reorganização de seus arranjos de defesa ou pelo fortalecimento de suas forças armadas pode, ao contrário, acabar por diminuí-la. Isto porque, na ausência de um entendimento, de diplomacia, suscitará, principalmente em seus vizinhos, o temor de que essa reorganização ou esse fortalecimento tenham fins agressivos. Inseguros sobre os propósitos dessas ações, outros Estados tenderão a responder pelo incremento de suas próprias capacidades, diminuindo, dessa forma, a segurança de todos.171
170 PENHA, E. A. Relações Brasil-África: os avatares da cooperação sul-atlântica. Santiago: Clacso, 1999. 171 PROENÇA JR. D. e DINIZ, E. Política de defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 60.
103
Assim, torna-se mister para o Brasil a manutenção do Atlântico Sul como
zona de paz e cooperação, afastado do interesse das grandes potências.
Mas até que ponto o Atlântico Sul permanecerá longe do interesse, e
porventura, da presença de potências estrangeiras, haja vista que, além de rota
marítima, constitui-se como reserva de recursos econômicos que poderão se tornar
cada vez mais escassos?
Como observado por Silveira e Mathias:
Com o século XXI, inaugurou-se um novo cenário mundial muito diferente daquele dos últimos lustros do século anterior. Neste, a bipolaridade já não funciona como parâmetro para as relações internacionais e ao contrário das previsões e esperanças, sua derrocada não significou o estabelecimento da paz mundial. No novo sistema que se constrói, o eixo de divisão do sistema deslocou-se para as diferenças Norte-Sul. Neste novo cenário, antigos problemas voltam à cena, como a pobreza, as doenças endêmicas, as questões ambientais, etc. ampliando a noção de segurança.172
As questões relacionadas à pobreza, ao meio-ambiente e aos direitos
humanos não apenas ampliam a noção de segurança, mas também conferem
sentido de comunidade e de universalidade aos interesses brasileiros no Atlântico
Sul. Apóiam-se no coletivo e não no individual, no consenso e não na força.
A defesa de interesses baseada na norma, na construção de arcabouço
jurídico-institucional e na multilateralidade das relações internacionais, apresenta um
dilema sobre o limite entre a legitimidade e o argumento de poder.
Um problema sobre o recurso à norma é a subjetividade, as
interpretações a partir de perspectivas unilaterais, de interesses de poder. Segundo
Fonseca Jr.:
...porque o direito e a política se confundem permanentemente no processo internacional, porque as normas se sustentam essencialmente em legitimidade e, sociologicamente, as desigualdades são marcantes entre países, o espaço da crítica à ordem não se reduz à fórmula de “oposição”, mas freqüentemente de questionamento da legitimidade.173
172 SILVEIRA, C. C. e MATHIAS, S. K. As Novas Ameaças e o Pensamento Estratégico na Marinha do Brasil. Washington, D.C.: Center for Hemispheric Defense Studies, 2002. 173 FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 185.
104
Fonseca Jr. apresenta dois modelos básicos sobre o questionamento da
legitimidade nas relações entre Estados, admitindo a definição de regras mínimas de
convivência consagradas na Carta da ONU e em convenções sobre questões
específicas, como as que dizem respeito ao Atlântico Sul. No primeiro modelo,
aceitar-se-ia a sociedade internacional como constituída por soberanos, mas se
contestariam as bases pelas quais os Estados se candidatam a participar do jogo
internacional ou as regras fundamentais de relacionamento entre os Estados. No
segundo modelo, a contestação seria mais radical, “uma vez que negaria a própria
idéia de soberania, ao identificar o egoísmo estatal, a origem dos males da guerra e,
nesse passo, estaria uma longa tradição utópica de projetos de governo mundial”.174
De acordo com Lafer, toda política exterior resulta de um esforço de
compatibilizar necessidades internas com possibilidades externas. Nestas interações
existem dados imutáveis – como o da localização geográfica de um país numa
determinada região do globo – e certos fatores externos de maior durabilidade –
como o da estruturação do poder em escala mundial – que explicam as linhas de
continuidade que, via de regra, norteiam uma política externa. Por isso, ela tem,
quando comparada com a política interna, o ritmo mais lento de uma coerência
derivada de certos interesses básicos, condicionados pela relativa estabilidade das
modalidades possíveis de inserção de um país no sistema internacional.175
Uma política externa competente sempre agrega uma abertura à
mudança das circunstâncias, tanto internas quanto externas, e uma avaliação
pragmática dos recursos de poder de que dispõe um país para harmonizar, da
melhor maneira possível, o quadro interno das necessidades com o quadro externo
das possibilidades.
A harmonização das necessidades internas com as possibilidades
externas se faz em três significativos campos de atuação: o campo estratégico-
militar, que traduz o que um país significa, ou pode significar, para outros como
aliado, protetor ou inimigo em termos de riscos de guerra e desejos de paz; o campo
das relações econômicas, que explicita a importância efetiva ou potencial de um país
para outros como mercado; e o campo dos valores, que revela a importância de um
país enquanto modelo de sociedade. A atuação de um país nestes três campos se 174 FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 185. 175 LAFER, C. Novas Dimensões da Política Externa Brasileira. São Paulo: Revista Brasileira de Ciência Política, 2003.
105
faz em distintos contextos diplomáticos, entre eles o das grandes potências, ou seja,
o dos países que pelo poder que detém buscam estabelecer os parâmetros
estruturados da ordem mundial; o contexto regional, que resulta dos inter-
relacionamentos que ocorrem entre países que compartilham uma mesma área
geográfica; e o contexto contíguo, que é o que diz respeito à interação entre países
que têm fronteiras em comum.
Estas considerações analíticas são úteis no exame da dimensão da
política exterior brasileira para o Atlântico Sul, pois permitem identificar quais são os
fatores de mudança que, combinados com os da persistência, vêm presidindo os
rumos diplomáticos do país.176
De acordo com a análise de Fonseca Jr., tanto o Itamaraty como as
Forças Armadas “pensam” em função de interesses, de uma determinada visão de
seu papel como burocracias permanentes, ou ainda, de conjunturas, faltando, por
isso mesmo, ao seu pensamento, as condições de originalidade e de sentido crítico
que normalmente devem trazer as interpretações intelectuais ou acadêmicas da
realidade.177
O pensamento institucional brasileiro, ainda segundo Fonseca Jr, se
articula, no marco ocidental, por uma combinação das forças nacionais
hegemônicas, a tradição cultural e a geografia política. As opções do pensamento
institucional estão permanentemente condicionadas ao jogo combinado de
movimentos internos e mudanças internacionais.178
Na análise de Brigagão e Rodrigues, as duas últimas décadas do século
XX marcaram transformações significativas nas relações exteriores do Brasil, ainda
que determinados princípios permaneçam como perenes, dadas as características
geográficas, sociológicas e econômicas. O processo de democratização dos anos 80
tornou mais transparente os interesses, compromissos e objetivos nacionais. As
forças políticas representadas no Parlamento e a maior participação da sociedade
civil nos assuntos internacionais também conferiram maior transparência à política
externa. Por outro lado, a integração regional, a globalização e a interdependência
176 LAFER, C. Novas Dimensões da Política Externa Brasileira. Texto apresentado na Anpocs _ Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - Águas de São Pedro: 1987. 177 FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 263. 178 Idem.
106
também contribuíram para ampliar a influência de diversos setores da sociedade na
definição dos interesses nacionais no plano internacional.
Assim, para os autores:
Dessa forma, mesmo que o Itamaraty continue a ser a principal instituição formuladora e executora de nossa política externa, novos atores vieram se juntar para ampliar o leque de opções de nossos interesses internacionais.179
A eleição de Lula para presidente da República em 2002 também deve
ser vista como fator que contribuiu para matizar a política externa brasileira com
características já discutidas anteriormente, como o combate à pobreza, a defesa do
meio-ambiente e do desenvolvimento sustentável. São temas mais maleáveis a um
governo que se manifesta como alinhado com movimentos sociais, de esquerda. No
entanto, sua presença de forma mais acentuada na agenda externa não representa
ruptura com a tradição diplomática do País.
No entanto, a abertura de embaixadas em países fora do eixo de
preocupação neoliberal do Brasil, de “baixa rentabilidade”, como Camarões,
Tanzânia, Guiné Equatorial e Sudão, além da articulação com a Índia e a África do
Sul para a formação do IBAS, no âmbito das relações Sul-Sul, foram vistas com
desprezo por segmento mais conservador do Itamaraty. Acusam a política externa
de Lula de “ideológica” e “terceiro-mundista”.
Tabela 3 – Embaixadas brasileiras na África
0
5
10
15
20
25
30
2002 2006
Embaixadas brasileirasna África
Fonte: Ministério das Relações Exteriores
179 BRIGAGÃO, C. e RODRIGUES, G. M. A. Política Externa Brasileira – Da Independência aos desafios do século XXI. São Paulo: Moderna, 2006, p. 105.
107
Para o embaixador Marcos Azambuja:
O Brasil soube – e não de hoje – fazer com que sua política externa fosse uma força de aglutinação e convergência de interesses e legítimas ambições nacionais, e não o terreno em que, por razões diversas, tendências e objetivos apenas sectários se manifestassem.180
Para o Embaixador José Botafogo Gonçalves, o maior problema da
política externa de Lula é sua projeção diversificada:
O Brasil está atuando simultaneamente em várias frentes, em torno das questões norte-sul e leste-oeste, quando deveria concentrar todo o seu poder de fogo na América Latina e, mais precisamente, no Mercosul, com a bem acertada estratégia de atrair novos sócios, como a própria Venezuela, Bolívia e Peru.181
A ampliação das relações do Brasil com países e regiões fora do eixo
tradicional da diplomacia, como apontado pelo Embaixador José Botafogo
Gonçalves, reforça a característica universalista da política externa brasileira.
A origem sindical do Partido dos Trabalhadores (PT), do governo Lula,
pode ser considerada como fator que colaborou para a defesa de uma agenda de
política externa de forte conteúdo social. Temas como desenvolvimento, combate à
pobreza e às desigualdades nas relações Norte-Sul, se tornaram recorrentes em
diferentes contextos internacionais, desde a proposta da OPA (Operação Pan-
Americana) de Juscelino Kubitschek. No entanto, tais temas aparecem de modo
acentuado sob o governo Lula, especialmente na agenda entre o Brasil e os países
africanos, como visto anteriormente. Desse modo, percebe-se o desenvolvimento de
uma política externa do “Pragmatismo Solidário”, que combina elementos típicos do
interesse nacional, projetado através de canais em que confluem interesses
compartilhados com outros países, como verificado nos processos de integração e
cooperação regional. Constitui-se no fortalecimento de valores e interesses comuns,
“solidários”, notadamente no eixo Sul-Sul, tanto em aspectos culturais e históricos
como econômicos e políticos.
180 RACHA no corpo diplomático brasileiro. Revista Diplomacia & Negócio. Curitiba: 29/10/2006. 181 RIBAS, O. A hora e a vez da integração regional. Revista Problemas Brasileiros. Nº 376 – jul/ago 2006.
108
A realização da I Cúpula África-América do Sul, em 2006, na Nigéria, por
iniciativa do governo brasileiro, teve como objetivo maior impulsionar a cooperação
entre os dois continentes.
Ao discursar na abertura do encontro, Lula afirmou que:
O vasto mar que nos separa é, na realidade, um simples rio chamado Atlântico; hoje estamos construindo uma ponte sobre ele... A África é para o Brasil uma prioridade indiscutível. Sempre temos os olhos voltados para o norte e não nos damos conta de que muitas soluções podem ser encontradas com o diálogo entre nossos países... Demonstrar que o século XXI poderá ser muito melhor para a África e a América do Sul do que foi o século XX depende apenas de nossas decisões políticas.182
Adiante em seu discurso, Lula ressalta que “o Conselho de Segurança
responde a um sistema internacional que já não existe” e destaca a necessidade do
órgão ser “mais democrático”, condição necessária para “adaptar a instituição aos
novos desafios.”183
A reivindicação brasileira por uma vaga permanente no Conselho de
Segurança da ONU encontrava maior apoio junto aos países africanos, ao menos
nos discursos de seus governantes, do que na própria América Latina. Na Nigéria,
Muamar Kadhafi declarou que “cada região deve ter pelo menos uma vaga
permanente no Conselho de Segurança; não é normal que três ou quatro países nos
imponham suas decisões”.184
No seu próprio continente, o Brasil encontrava dificuldades em angariar
apoio ao seu pleito. Obviamente, em caso de indicação geográfica, além de
pretensões idênticas da Argentina e do México, surgia na região a idéia de que a
vaga permanente que coubesse à América Latina fosse ocupada num sistema de
rodízio entre países.
Em 2007, a cooperação militar entre o Brasil e seus vizinhos sul-
americanos, no entanto, se mostrava mais promissora. Além da construção de
navios-patrulha, a Marinha desenvolvia projetos em conjunto com as demais forças
da região para a construção do Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), os Sistemas
182 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Discursos do Senhor Presidente da República. Disponível em: <www.mre.gov.br>. Acesso em 07/03/08. 183 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Discursos do Senhor Presidente da República. Disponível em: <www.mre.gov.br>. Acesso em 07/03/08. 184 Idem.
109
de Gerenciamento Logístico e os Sistemas de Comando e Controle. Esses sistemas
de gerenciamento e controle tornavam-se prioritários aos países banhados pelo
Atlântico Sul, principalmente. Além de vigiar e monitorar seu mar territorial cabe ao
Brasil como signatário da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida
Humana no Mar e da Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimo,
determinadas obrigações. Dentre elas, destaca-se o estabelecimento de um sistema
de controle de posição de navios localizados no interior de área marítima sob sua
responsabilidade, e resgate e salvamento de embarcações e náufragos. Para essas
atividades, a área marítima considerada vai além dos 4,5 milhões de km²
consagrados pelos limites da plataforma continental brasileira e atinge quase 14
milhões de km².185
A ampliação da área marítima sob a soberania brasileira incorporou novas
obrigações do país no Atlântico Sul. Ao mesmo tempo, a conquista da auto-
suficiência em petróleo, em 2006, também veio a reforçar a importância estratégica
da fronteira marítima.
Para o comandante da Marinha Roberto de Guimarães Carvalho, a “auto-
suficiência” na produção de petróleo é alvissareiro. No entanto, alerta que:
“Plataformas de exploração de petróleo são alvos potencialmente tentadores para
ações terroristas. A Marinha necessita patrulhar de forma permanente todo o imenso
mar que nos cerca, prioritariamente as áreas marítimas de exploração de
petróleo”.186
No mar, a Petrobras possui 43 sondas de perfuração marítima e 109
plataformas de produção, sendo 77 fixas e 32 flutuantes.187
Por lei, a Marinha deveria receber parcela equivalente a 1% dos royalties
da exploração do petróleo. Esse imposto tem como destino prioritário a proteção das
plataformas de petróleo e dos 4,5 milhões de km² de mar territorial, bem como o
desenvolvimento do programa nuclear brasileiro. Na prática isso não ocorre, por
causa da forma como é elaborada a Lei Orçamentária Anual (LOA). “Como o
montante de royalties arrecadado anualmente é superior ao valor alocado à Marinha
em seu Orçamento de Custeio e de Capital (OCC), o Tesouro Nacional retém a
185 MARINHA DO BRASIL. Clippings de notícias. Disponível em: <www.marinha.gov.br>. Acesso em 07/03/08. 186 RIO acusa governo federal de calote. Jornal Correio Braziliense. 30/05/2006. 187 PETROBRAS. Dados referentes ao ano de 2007. Disponível em: www.petrobras.com.br. Acesso em 03/02/2008.
110
diferença, registrando-a como ‘superávit financeiro’”, explica o comandante da
Marinha.188
Tabela 4- Orçamento da Marinha.
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1995 1997 1999 2001 2003
Orçamento da Marinha (Embilhões de Reais)
Fonte: Marinha do Brasil
A percepção da vulnerabilidade do país no Atlântico Sul aproximou o
Brasil da Argentina, tornando viável algo quase impensável algumas décadas atrás:
a cooperação no desenvolvimento nuclear e em outros projetos na área militar. Os
dois países acordaram, no início de 2008, criar uma planta binacional de
enriquecimento de urânio e a fabricação conjunta de um reator nuclear para a
propulsão de um submarino. Para Cavagnari Filho, “a vantagem destes submarinos
é que, ao contrário dos convencionais, são silenciosos, mais velozes e podem ficar
submersos por mais tempo com a redução da demanda por combustível”.189
Para o patrulhamento do espaço aéreo, a brasileira Embraer e a argentina
Área Material Córdoba também decidiram trabalhar em cooperação para a
construção de aeronaves de uso militar.
Na terra, os exércitos de Brasil e Argentina firmaram em 2005 acordo para
fabricar em série um veículo militar leve, o “Gaúcho”.
Em visita à Argentina, o ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobin,
declarou que a idéia de desenhar as forças militares sul-americanas atende aos
interesses estratégicos de proteger recursos regionais como água, biodiversidade,
188 RIO acusa governo federal de calote. Jornal Correio Braziliense. 30/05/2006. 189 BRASIL e Argentina abrem era de cooperação militar. Agência de Notícias Inter Press Service (IPS), São Paulo: 29/02/2008.
111
hidrocarbonetos e a pesca. “Estamos fazendo um estudo muito profundo de um
projeto estratégico de defesa. Cremos que é um assunto não apenas de nosso país,
mas da região”.190
No pacote de acordos de cooperação entre os dois países, também foi
incluído o desenvolvimento de um satélite para observação do Atlântico Sul. Para o
diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Gilberto Câmara, “um
satélite conjunto nos permitiria mostrar nossa capacidade de cooperar em uma área
de tecnologia de ponta”.191
A Helibrás, fabricante de helicópteros, em parceria com a francesa
Eurocopter, além de guarnecer as Forças Armadas, também fornece os
fundamentos para a manutenção e operação dos helicópteros de maneira
independente. A empresa brasileira também firmou em 2007 acordo com a sul-
africana ATE, que além do aspecto tecnológico, também se insere na estratégia da
cooperação na região do Atlântico Sul na área da defesa.192
As descobertas de grandes jazidas de petróleo e gás na Bacia de Santos
e o crescimento da produção de petróleo verificado desde a década de 70,
fortaleceram a necessidade de se ampliar a vigilância sobre o mar territorial.
Tabela 5 - Evolução da produção anual de petróleo cru no Brasil nas bacias terrestres e marítimas (valores em milhares de barris).
Fonte: Relatório Anual (ANP, diversos), Petrobras
190 Idem. 191 Idem. 192 ECONOMIA e Negócios. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, 10/07/07.
112
A insegurança mundial sobre o fornecimento de petróleo recai também
sobre a Venezuela, segunda maior produtora na América Latina, pelas relações
conflituosas que entre Caracas e Washington, desde a tentativa de deposição do
presidente Chávez. No Golfo do México, onde se concentra a maior produção nas
Américas, a vulnerabilidade recai sobre fenômenos meteorológicos comuns naquela
área.
O Mar Mediterrâneo, o Golfo Pérsico, o Estreito de Bósforo e o Canal de
Suez, principais corredores de transporte do petróleo, são regiões consideradas de
alto risco, situadas do bojo de tensões e conflitos de longa data.
O Golfo Pérsico representa cerca de 25% da produção mundial de
petróleo e possui estimados 64% das reservas globais. A Rússia e os países do Mar
Cáspio outros 13%.
Nesse quadro geopolítico, o Atlântico Sul tende a despontar como área
estratégica na produção de petróleo, do Golfo da Guiné e da costa angolana, na
África à costa atlântica na América do Sul, com destaque às Bacias de Campos e
Santos, no Brasil.
Se nos anos 70, as crises do petróleo colocaram em destaque o Atlântico
Sul para a política externa e para segurança nacional, pelo seu papel como via de
ligação aos mercados produtores, no Oriente Médio e na costa ocidental da África,
no limiar do século XXI o mesmo petróleo reforça o significado do Atlântico Sul para
o Brasil. Menos como via de ligação e muito mais como área de produção.
Apesar do Atlântico Sul ser uma das regiões mais estáveis do planeta,
não está totalmente isenta de conflitos, principalmente na costa africana. Alguns
enclaves, como Cabinda, que representa 2/3 da produção petrolífera de Angola, a
Península de Bakassi, entre Camarões e Nigéria, podem evoluir para conflitos de
maiores proporções.
Também tem sido freqüente a ocorrência de saqueadores na costa
africana, ataques de piratas às embarcações e mesmo às instalações de
empreendimentos estrangeiros localizados nessa área. No pós 11/09, não menos
freqüente tem sido a classificação desses atos como “terrorismo”, o que pode levar a
implicações imprevisíveis.
Em julho de 2007, uma Força Tarefa da OTAN, constituída de navios de
seis nações (Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Dinamarca, Holanda e Portugal)
partiu da Espanha para uma missão de circunavegação do continente africano. O
113
objetivo da missão foi demonstrar a capacidade da OTAN de manter e assegurar a
lei internacional no alto mar.
Apesar da imensa área de mar territorial que o Brasil possui no Atlântico
Sul, o país sequer foi consultado sobre essa operação militar, anda que não faça
parte da OTAN. Segundo a organização, o deslocamento procura responder a
situações de crise em uma escala global e estabelecer laços operacionais com
marinhas regionais, o que pode tornar-se desafio à ZPCAS e aos interesses do
Brasil no Atlântico Sul.193
Além disso, muitas ilhas sob administração britânica, como Santa Helena,
Tristão da Cunha e Assunção, situadas no meio do Atlântico Sul, assumem um novo
papel geopolítico, diferenciado daquele dos tempos da Guerra Fria.
O mesmo pode ser dito sobre a presença francesa na América do Sul. A
Guiana Francesa, território ultramarino francês, com sua base militar de lançamento
de foguetes, localiza-se em ponto estratégico, próximo à linha do Equador, o que
diminui o uso de combustíveis para por em órbita satélites de diversas
nacionalidades que usam aquela base.
Próximo dali, a base de lançamentos de Alcântara, no Maranhão, foi
motivo de controvérsias quando o governo de FHC, em seu segundo mandato,
propôs a sua revitalização com o aluguel desse espaço ao consórcio americano-
australiano Orion. A idéia era utilizar a base para lançar ao espaço satélites com fins
comerciais, militares e científicos.
O assunto ganhou certo destaque na mídia, nos meios científico e
acadêmico e o projeto acabou sendo engavetado pelo Congresso.
A percepção da crescente importância estratégica do Atlântico Sul para o
Brasil começava a repercutir no plano da defesa nacional.
Além dos acordos de cooperação com a Argentina na área militar, a
Marinha do Brasil apresentou em 2005 ao ministério da Defesa o Programa de
Reaparelhamento da Marinha, para o período de 2006-2025. De acordo com o
Comando da Marinha:
O novo programa, que se coaduna com a Política de Defesa Nacional e com outras orientações de nível estratégico, destina-se, prioritariamente, a repor os diversos navios que foram sendo
193 NATO news:NATO Naval force sets sail for Africa. 30/07/2007. Disponível em: www.nato.int. Acesso em 10/04/2008.
114
desincorporados ao longo dos últimos anos, bem como aqueles que, a curto ou médio prazo, também terão que ser retirados do serviço ativo, devido ao elevado grau de obsolescência ou longo tempo de operação que atingirão.194
No entanto, apesar da reconhecida necessidade de investimentos em
reaparelhamento e modernização das Forças Armadas, não se verificou sua
imediata implementação por parte do governo e as expectativas generalizadas entre
os militares mostravam-se modestas sobre o futuro do programa.
Além do aspecto militar, o projeto visava também estimular diversos
setores que atuam associados a industria marítima, com a incorporação e
desenvolvimento de tecnologia, com a conseqüente diminuição da dependência
externa, e geração de empregos no país.
Por outro lado, o crescimento da produção de petróleo nas bacias
marítimas também provocou efeito semelhante. A indústria naval brasileira
apresentou recuperação vertiginosa no período 2006-2007, com crescimento de
100% no nível de empregos, atingindo a marca de 40 mil funcionários diretos. Os
empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)
deram um salto de 520% no mesmo período, chegando na marca dos R$ 3,6 bilhões
no mesmo período.195
Parte dos investimentos refere-se à construção do maior estaleiro do
hemisfério Sul, o Atlântico Sul, em Pernambuco, além de outras 70 unidades em
vários pontos do país.
Em 2007, o faturamento do setor atingiu R$ 4,5 bilhões e encomendas
equivalentes a R$ 14,4 bilhões, sendo R$ 5,4 bilhões em plataformas de petróleo e
R$ 9 bilhões em navios.
Além de produção voltada para o setor petrolífero, a expansão da
indústria naval brasileira também atinge a construção de navios porta-containeres de
longo curso, tanto no comércio exterior como na cabotagem, que é o transporte de
mercadorias ao longo da costa brasileira. “O mercado mundial de exportações e
importações movimentou US$ 20 trilhões em 2006, 85% por via marítima. O Brasil é
o maior exportador de grãos, e hoje consome milhões com afretamento de
194 MINISTÉRIO DA DEFESA. Marinha tem programa de modernização para 2006-2025. Revista defesa@net. Disponível em: www.defesa.gov.br. Acesso em 03/02/2008. 195 PETRÓLEO impulsiona reação da indústria naval no país. Jornal Folha de São Paulo. São Paulo: 01/12/2007.
115
embarcações”, afirma Carlos Camerato, presidente do Conselho de Administração
do estaleiro Atlântico Sul.196
Observa-se, assim, que a evolução da produção brasileira de petróleo nas
bacias marítimas, principalmente, vincula-se às orientações estratégicas e de defesa
nacional, com estímulos ao desenvolvimento de “tecnologia de arrasto”, isto é,
repercute numa cadeia produtiva (spill-over).
O ministro da Defesa, Nelson Jobin, ao divulgar a criação de um grupo de
trabalho para atualizar a Política de Defesa Nacional, de 2005, afirmou que:
Vamos fazer com que a questão da Defesa possa ser também algo da agenda nacional, imbricada com o desenvolvimento do país e com a possibilidade de termos o poder dissuasório que assegure as autonomias necessárias no mundo monopolar.197
O grupo de trabalho presidido pelo ministro da Defesa e coordenado pelo
ministro da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, Mangabeira Unger, criada
no segundo mandato do presidente Lula, foi composto também pelos comandantes
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Durante a gestão de Rio Branco no Itamaraty, os desafios da política
externa brasileira encontravam-se na delimitação das fronteiras terrestres, mais
especificamente na Amazônia.
Um século depois, a região ainda encontra-se envolta em especulações
sobre seu futuro. O fortalecimento da presença militar e a implantação do SIVAM
(Sistema de Vigilância da Amazônia), a partir dos anos 90, expressam a
vulnerabilidade que emerge a partir das pressões internacionais sobre a preservação
da floresta, da dificuldade em coibir atividades de tráfico de drogas, de espécies
nativas da fauna e da flora local. Enfim, o interesse externo pela Amazônia tende a
se equivaler com a sua importância econômica e vital para o sistema internacional.
O Atlântico Sul, por outro lado, a fronteira marítima do Brasil, em fase de
consolidação no limiar do século XXI, guarda suas semelhanças com a questão
amazônica, considerando-se as devidas proporções que cabem a cada uma das
regiões.
196 Idem. 197 MINISTÉRIO DA DEFESA. Assessoria de Comunicação Social. 07/09/2007.
116
No entanto, a ocupação sócio-econômica dos espaços vazios se constitui
em uma ação de defesa nacional, o que é possível, e tem sido feito na Amazônia, a
despeito das críticas e protestos de organizações ambientalistas no Brasil e no
exterior e, por vezes, de governos, pressionados pelas mesmas organizações
ambientalistas ou por grupos de interesse econômico.
No Atlântico Sul, políticas públicas para o desenvolvimento da pesca, com
a criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da
República (SEAP/PR), o projeto de se incrementar a navegação de cabotagem ao
longo da costa, do Amazonas ao Rio Grande, o desenvolvimento de pesquisas
científicas por instituições civis e militares, e mesmo as atividades turísticas, são
estratégias que buscam aliar fatores não tradicionais de poder às ações de defesa
nacional.
Na avaliação de Fujita:
Na costa atlântica da América do Sul, um corredor marítimo integrado pode desenvolver-se, unindo portos da Venezuela até a Argentina, desta maneira esticando o sistema estratégico de barateamento, mais intensivo e mais efetivo de elos marítimos entre cidades da América do Sul.198
Uma postura de defesa nacional abrangente, segundo Santos Filho, não
necessária e exclusivamente pautada pela utilização de recursos e por objetivos
militares, acaba se configurando como uma estratégia eficiente para uma, digamos,
ação “autônoma, mas cooperativa”.199
A criação do Ministério da Defesa, conjugando as três forças militares sob
um comando civil, a cooperação militar entre países da região e o estímulo às
atividades econômicas no mar territorial, configuram-se como ações pautadas por
uma “política de defesa nacional abrangente”, como apontado por Santos Filho.
A Convenção de Montego Bay, conforme assinalado por Barros, acabou
por definir a soberania dos Estados costeiros na zona econômica exclusiva,
estabelecendo que os mesmos tem deveres de proteção e preservação do meio
marinho, tendo em conta os direitos e deveres dos outros Estados, e considerando a
198 FUJITA, E. The Brazilian policy of sustainable defense. In: International Affairs, nº 74, 3, 1998, p. 584. 199 SANTOS FILHO, J. L. N. dos. A Defesa Nacional abrangente e o contexto sul-americano. Texto apresentado no 1º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa. São Carlos, SP: UFSCar, setembro de 2007.
117
importância respectiva dos interesses em causa para as partes e para o conjunto da
comunidade internacional.200
Barros salienta ainda que a Agenda 21 menciona expressamente as
disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, alertando os
Estados para que fiquem atentos com relação à questão dos estoques localizados
no limite das 200 milhas – ou estoques partilhados – e a questão das espécies
altamente migratórias. E enfatiza a necessidade de zelar pela conservação e
utilização de forma sustentável dos recursos marinhos vivos.201
Os oceanos, como o Atlântico Sul, e as florestas, como no caso da
Amazônia, situam-se no bojo dos debates sobre soberania nacional e perspectiva
internacionalista, reforçada pelos processos de integração regional e pela vinculação
ao direito internacional.
Desse modo, temas que afetam o Brasil na sua costa atlântica, como a
especulação imobiliária, a poluição industrial, as atividades agropecuárias, os portos,
a pesca predatória, o desmatamento, a mineração e a expansão urbana
desenfreada, podem tornar-se difusos quanto à esfera de domínio a que se
submetem.
Em 2002, um estudo da ONU mostrou que 70% dos rios brasileiros que
deságuam no Oceano Atlântico estão poluídos. O mapa apontou o Brasil como um
dos países mais poluídos do planeta. A costa do Brasil nas regiões Sul e Sudeste,
obteve o pior conceito no índice “poluição”. Segundo o coordenador da pesquisa, o
engenheiro sueco Dag Daler, “são necessárias ações urgentes, para não
comprometer ainda mais a qualidade de vida das próximas gerações”.202
A estratégia de ocupação do espaço encerra duplo sentido. No primeiro,
reside o caráter intrínseco que tais atividades manifestam, ou seja, sua expressão
econômica. No segundo, a ocupação visa contribuir para a defesa desse espaço,
onde se encontram, além dos interesses econômicos que o Estado procura
resguardar, a defesa territorial como um dos princípios primordiais da soberania
nacional.
O caráter dissuasório dessa política, como vimos, harmoniza-se com a
escassez de recursos alocados no orçamento militar. Ainda que se considere um
200 BARROS, J. F. C. de. Direito do Mar e do Meio Ambiente. São Paulo: Aduaneiras, 2007, p. 80-81. 201 Idem. 202 RELATÓRIO da ONU sobre a poluição das águas. Jornal O Globo, 13/02/2002.
118
aumento expressivo nos investimentos militares para a defesa dos interesses
brasileiros no Atlântico Sul, para as próximas décadas, é improvável que a imensa
área marítima do Brasil possa ser defendida exclusivamente ou, prioritariamente
através do poder militar.
Segundo a análise de Cavagnari Filho, se está presente a possibilidade
real de o País via a ser uma grande potência regional num futuro não muito remoto,
faz-se necessário adotar uma concepção que dela resultem a organização, a
doutrina, a instrução, o equipamento e o armamento, na perspectiva de tal perfil
estratégico. Nessa perspectiva, prossegue Cavagnari Filho, o limite extremo do
esforço de guerra deverá ser a negação de qualquer ocupação do território nacional
– estando incluídos o mar territorial e a zona econômica exclusiva. Assim, pensar a
defesa nacional, ainda com o perfil de potência média, mas na perspectiva de
grande potência regional, impõe-se como necessidade para se formar a massa
crítica no campo da segurança.203
Na visão de Miyamoto, os interesses nacionais e o conceito de soberania
– mesmo repensado – mais do que nunca sobrevivem e encontram-se presentes em
todas as circunstâncias. Cada um procura salvaguardar seus próprios interesses,
proteger suas fronteiras, seus domínios e fortalecer-se o mais possível, acumulando
capacidades econômica, bélica, ao mesmo tempo em que investem em itens como
ciência e tecnologia.204
Fatores históricos, geopolíticos e econômicos deverão, no século XXI,
reforçar princípios tradicionalmente consagrados pela postura diplomática brasileira,
que em última análise atuam como parte da ação de defesa nacional voltada para o
Atlântico Sul.
No decorrer do século XXI, tornar-se-á desafio à política externa e à
defesa nacional se ajustarem aos quadros regional e global, que afetem os
interesses do Brasil no Atlântico Sul. Há que se avaliar constantemente a eficácia de
se apoiar exclusivamente na tradição diplomática do país, na ênfase aos tratados e
convenções e numa estratégia de política de defesa ampla e dissuasória. Até que
ponto serão respeitadas num cenário de acirramento e disputas pelos recursos
econômicos globais? 203 CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para Revisão da Política de Defesa Nacional. Campinas: Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, 2000. 204 MIYAMOTO, S. O Mercosul e a Segurança Regional. Uma agenda comum? São Paulo: Revista São Paulo em Perspectiva, vol. 16, nº 1, 2002.
119
6 CONCLUSÃO
O Atlântico Sul não é elemento novo na política externa brasileira nem
nos assuntos sobre a defesa nacional. Está presente desde a formação do país. Sua
relevância, no entanto, torna-se mais perceptível no século XX a partir dos anos 70,
com a crise do petróleo. Desde então, abre-se uma nova fronteira a ser conquistada,
defendida e explorada.
As crises do petróleo dos anos 70, as modificações no sistema
internacional e a eficácia do método do “pragmatismo ecumênico e responsável” de
Geisel, modificaram a postura brasileira de distanciamento em relação à África, que
desde então ganha novo dimensionamento para a política externa brasileira.
A crescente relevância do Atlântico Sul para o desenvolvimento
econômico do Brasil pode também ser observada pelo esforço que o país empregou
para a delimitação de seu mar territorial em 200 milhas. O projeto antártico brasileiro,
com a instalação de base científica no continente gelado, reforça igualmente a idéia
de ampliar sua presença no Atlântico Sul.
Por outro lado, o fim dos regimes ditatoriais no Brasil e na Argentina e o
fim do regime segregacionista na África do Sul, colaboram para a construção de um
multilateralismo em ambas as margens do Atlântico Sul, com vistas a afastar
possibilidades da presença de potências estrangeiras à região. O fim da Guerra Fria
também contribuiu para a criação da ZPCAS (Zona de Paz e Cooperação do
Atlântico Sul). A desmilitarização do Atlântico Sul tornava-se peça-chave para a
segurança do Brasil na sua fronteira atlântica.
Ao mesmo tempo, a adoção de uma postura ambientalista no Atlântico
Sul constituía-se outra frente de “preservação” do Atlântico Sul.
A idéia era criar um círculo concêntrico em volta do Atlântico Sul, através
da cooperação do Mercosul com a África do Sul pós-Apartheid e com os países
ribeirinhos. Ampliava-se o quadro de cooperação Sul-Sul, além de abrir uma rota
permanente para os Oceanos Índico e Pacífico, propiciando, ainda, alianças
estratégicas com potências médias e/ou mercados emergentes.
O espaço de manobra encontrado pelo Brasil no Atlântico Sul reflete a
importância secundária desse oceano para o sistema internacional, principalmente
para os Estados Unidos. A idéia de “negligência benigna” refere-se, principalmente à
120
idéia de um “vácuo” deixado pela potência hegemônica, o que permitiu ao Brasil
certa autonomia para projetar seus interesses na região.
Posto desta forma, podemos concluir que a política externa brasileira
guiada para seu entorno oceânico também tem como ponto de reflexão o “vácuo de
poder”, sua extensão e graus de autonomia que permitem ao Itamaraty promover
seus objetivos.
Assim, com a ampliação de sua projeção regional, não apenas no espaço
sul-americano, mas buscando aproximar-se das nações africanas através do
“Atlântico Sul”, o Brasil visava a reboque fortalecer-se no cenário mundial. Nesse
aspecto, a partir dos anos 90 procurou obter apoio ao seu pleito a um assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU e às disputas comerciais levadas à
OMC.
Buscava-se, destarte, converter a ação diplomática como meio de
assegurar a defesa, mantendo a força excluída do jogo político-estratégico.
A criação de múltiplos canais de inserção regional se dava a partir de
espaço de manobra permitido no contexto hemisférico, com convergência entre os
temas desenvolvimento e segurança. E as novas características do sistema
internacional, vinham ao encontro de princípios tradicionais da diplomacia brasileira,
de modo a permitir com maior facilidade a projeção dos interesses externos do país.
De certa forma, delineava-se na década de 90 um enquadramento entre
política externa e política de defesa, baseado no fortalecimento da democracia no
Atlântico Sul.
O ativo envolvimento do Brasil em temas de uma ampliada agenda
internacional refletia a idéia de fortalecimento das organizações internacionais,
especialmente da ONU, como atores reguladores das relações internacionais. O
Mercosul como iniciativa de regionalismo, O Grupo do Rio e a Cúpula Ibero-
Americana, de concertação política, eram tratados pelo Itamaraty como instrumentos
de projeção internacional do Brasil, com matizes de defesa nacional.
Os custos que o Brasil enfrentaria em projetar-se como potência militar na
sua região (hard power), tanto pelas suscetibilidades regionais e pelos
constrangimentos hemisféricos, como também pelas restrições financeiras e
tecnológicas, fortaleceram o aspecto universalista da política externa brasileira. A
necessidade em reduzir gastos públicos, no âmbito do Consenso de Washington,
que atingiu diretamente o orçamento da defesa, conjugou-se com a oportunidade
121
criada pelo sistema internacional pós-Guerra Fria, que propiciou explorar e ampliar o
multilateralismo e o regionalismo na política externa brasileira.
Podemos concluir que durante os anos 90, a vertente sul-atlântica da
política externa brasileira acabou situando-se em plano secundário, ofuscada pelos
processos de integração regional e pelo neoliberalismo que gracejou nesse período,
tanto por parte do Estado como pela sociedade, de modo geral. Os interesses
econômicos mais imediatos, seja com o Mercosul e com a Alca, e questões
emergentes na segurança regional, como o narcotráfico na Amazônia, concentraram
a ação diplomática no espaço sul-americano.
O protagonismo do Brasil no Atlântico Sul nas questões ambientais, por
outro lado, expressa a ênfase sobre uma das características da política externa
brasileira, o pacifismo, apropriado como instrumento estratégico de dissuasão.
Afastar a presença de potências e garantir a manutenção do Atlântico Sul
como área de paz e cooperação e santuário ecológico, por exemplo, permitiam que
os gastos com a defesa fossem minimizados. Houve uma feliz coincidência na
proporcionalidade entre a percepção de ameaças provenientes da fronteira marítima,
e a possibilidade de defesa a que o Estado estava capacitado e disposto a
desenvolver.
A publicação da Política de Defesa Nacional (PDN) de 1996, durante o
primeiro governo de FHC, a criação do Ministério da Defesa, conjugando as três
forças militares sob um comando civil, a cooperação militar entre países da região e
o estímulo às atividades econômicas no mar territorial, configuram-se como ações
que buscavam estabelecer uma “política de defesa nacional abrangente”.
Os atentados de 11/09 e o tema “terrorismo” na agenda internacional
surgem menos como elementos de tensão no Atlântico Sul e mais como
oportunidade de se repensar a política de defesa do Brasil, considerando-se a
ampliação de sua área estratégica e a retomada de projetos de desenvolvimento de
tecnologia militar, inclusive para fins comerciais.
Nesse sentido, observamos que o tema terrorismo, presente na PDN de
2005, permitiu ao Brasil ampliar suas manobras regionais, dentro do espaço
hemisférico de hegemonia dos Estados Unidos. Possibilitou o desenvolvimento de
programas militares com transferência tecnológica, vital para a vigilância do espaço
estratégico.
122
Com a intensificação das relações entre as duas margens do Atlântico
Sul, a partir da paulatina pacificação do continente africano, abriu-se caminho para a
construção de uma bacia econômica no Atlântico Sul.
A eleição de Lula também favoreceu a aproximação do Brasil com a
África. Temas como o combate à pobreza, a defesa do meio-ambiente e do
desenvolvimento sustentável, tornavam-se mais maleáveis a um governo próximo
aos movimentos sociais. A presença de tais temas, de forma mais acentuada na
agenda externa, reforçou características tradicionais da diplomacia brasileira.
A percepção da vulnerabilidade do país no Atlântico Sul diante da sua
baixa capacidade de defesa aproximou Brasil e Argentina no campo da cooperação
militar. Com a África do Sul esboça-se caminho semelhante.
Políticas públicas para o desenvolvimento da pesca, da navegação de
cabotagem, de pesquisas científicas, e mesmo atividades turísticas, englobam
estratégias que buscaram aliar fatores não tradicionais de poder às ações exclusivas
à esfera militar. Por outro lado, desdobram-se em políticas desenvolvimentistas no
plano doméstico.
O caráter dissuasório dessa política, como vimos, harmoniza-se com a
escassez de recursos alocados no orçamento militar. Ainda que se considere um
aumento expressivo nos investimentos militares para a defesa dos interesses
brasileiros no Atlântico Sul, para as próximas décadas, é improvável que a imensa
área marítima do Brasil possa ser defendida exclusivamente ou, prioritariamente
através do poder militar.
Dentro de uma visão realista das relações internacionais, os interesses
nacionais e o conceito de soberania sobrevivem, assim como o pensamento
geopolítico que redimensionou o Atlântico Sul para o Brasil nos anos 70.
Enfim, conclui-se que a evolução do relacionamento do Brasil com países
africanos, a presença brasileira na Antártica, o protagonismo na defesa do ambiente
marinho e da não militarização do Atlântico Sul, além do esforço empreendido desde
os anos 70 na ampliação do mar territorial, compõem um conjunto de iniciativas que
buscam valorizar a fronteira marítima como área estratégica. Verifica-se, outrossim,
a proeminência de determinadas características da política externa brasileira nessa
direção, como o universalismo, o pacifismo e o multilateralismo.
Transformações ocorridas nos planos regional e global também
favorecem a projeção da defesa numa área onde os interesses se ampliam. Uma
123
defesa pautada não apenas na estruturação de um quadro normativo, com a ênfase
de características tradicionais da diplomacia brasileira. Mas uma defesa que
contemple o poder militar, que se adapta às circunstâncias do cenário internacional
regional e global, e que se estrutura em conformidade com os interesses perquiridos
pelo Brasil no Atlântico Sul.
124
7 BIBLIOGRAFIA
A FUNÇÃO do diplomata é promover os interesses globais do país e não se
transformar em agente comercial, diz embaixador. Revista Veja, São Paulo,
03/03/93.
AGENDA para o Desenvolvimento. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 03/05/1994.
ALENCASTRO, L. F. Tratado dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000.
AMAZÔNIA é prioridade da política de defesa. Jornal O Estado de São Paulo, São
Paulo, 04/11/1996.
AQUINO, E. T. De Miami a Quebec: O Brasil nas Negociações da Alca. Dissertação
de Mestrado apresentada no Programa de Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 11/09/2003.
BANDEIRA, M. O Brasil e o Continente. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio
Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.
BARBOZA, M. G. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 2007.
BARROS, J. F. C. de. Direito do Mar e do Meio Ambiente. São Paulo: Aduaneiras,
2007.
BRAGA, C. C. A Guerra da Lagosta. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da
Marinha (SDM), 2004.
BRASIL. PALÁCIO DO PLANALTO. Discurso do Senhor Presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de Posse, no Congresso Nacional. Brasília,
01/01/2003.
125
BRASIL celebra “nova fase de cooperação” no Atlântico Sul. UOL, São Paulo,
19/06/2007 em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/lusa/ Acesso em: 19 junho 2007.
BRASIL e Argentina abrem era de cooperação militar. Agência de Notícias Inter
Press Service (IPS). São Paulo: 29/02/2008.
BRASIL inaugura embaixada mais cara do mundo em Berlin. Jornal O Globo. Rio de
Janeiro, 05/10/2000.
BRASIL lança proposta para santuário de baleias no Atlântico Sul. Eco Agência de
Notícias, Florianópolis, 05/11/2007.
BRASIL pretende reabrir embaixadas na África. Jornal Folha de São Paulo,
14/02/2003.
BRAUDEL, F. Civilização Material e Capitalismo. Ed. Cosmos, 1970.
BRIGAGÃO, C. e PROENÇA JR. D. Concertação Múltipla – Inserção Internacional
de Segurança do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002.
BRIGAGÃO, C. e RODRIGUES, G. M. A. Política Externa Brasileira – Da
Independência aos desafios do século XXI. São Paulo: Ed. Moderna, 2006.
CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 Milhas: Estratégia e
Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de
Brasília. Brasília: março de 1999.
CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército Editora, 1994.
CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para Revisão da Política de Defesa Nacional.
Campinas: Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, 2000.
126
CENÁRIOS 2000. Conselho de Segurança Nacional. Brasília: Arquivo Nacional,
1987.
CERRI, L. F. Ensino de História e Nação na Propaganda do “Milagre Econômico”.
Tese de doutorado defendida na Unicamp, Campinas: 2000.
CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2002.
COMUNIDADE DE PAÍSES DE LINGUA PORTUGUESA (CPLP). II Reunião do
Conselho de Ministros da CPLP – Salvador, 17 e 18 de julho de 1997.
CORTESÃO, J. História do Brasil nos Velhos Mapas. Tomo I. Rio de Janeiro:
Ministério das Relações Exteriores. Instituto Rio Branco, 1971.
COUTO E SILVA, G. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
CSURGAI, G. Geopolitics, Geo-Economics and Competitive Intelligence in Power
Projection Strategies of the Staten in the 21st Century. Palestra proferida na
Segunda Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional –
CNPEPI: O Brasil no mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Palácio do Itamaraty, 5 e 6
de novembro de 2007.
CURTO, J. C. Vinho verso Cachaça – A Luta Luso-Brasileira pelo Comércio do
Álcool e de Escravos em Luanda, c. 1648-1703, In: PANTOJA, S. e SARAIVA, J. F.
(orgs). Angola e Brasil nas Rotas do Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1999.
ECONOMIA e Negócios. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, 10/07/07.
FAUSTO, B. e DEVOTO J. Brasil e Argentina – Um ensaio de história comparada
(1850-2002). São Paulo: Editora 34, 2004.
127
FAWCETT, L. e HURRELL, A. Regionalism in World Politics. New York: Oxford
University Press, 1995.
FERREIRA, O. S. A Crise da Política Externa. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
FLORES, M. C. Reflexões Estratégicas – Repensando a Defesa Nacional. São
Paulo: É Realizações, 2002.
FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Poder e ética
entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
FUJITA, E. S. The Brazilian policy of sustainable defense. International Affairs, nº 74,
3. Londres: 1998, p. 584.
______. Uma política de defesa sustentável para o Brasil. Revista Parcerias
Estratégicas. Brasília, 1998.
FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL e BANCO MUNDIAL. Anuário Africa
Foreign Investment Survey 2006. Washington: IMF, 2007.
GONÇALVES, W. e MIYAMOTO, S. Os Militares na Política Externa Brasileira:
1964-84. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993.
GOVERNO de Angola promete apoiar Brasil na ONU. BBC Brasil, 03/11/2003.
JAGUARIBE, H. Reflexões sobre o Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
KARNAL, L. Revista História Viva Grandes Temas, n. 14, 2005.
LAFER, C. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira.
Passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001.
______. Novas Dimensões da Política Externa Brasileira. São Paulo: Revista
Brasileira de Ciência Política, 2003.
128
LAMAZIÈRE, G. Cooperação político-militar na América do Sul – Política Externa,
vol. 9, nr. 4, mar/abr/mai 2001.
LUCCHESI. C. F. Geopolítica do Petróleo e Gás, In: GONÇALVES, A. e
RODRIGUES, G. M. A. (org.) Direito do Petróleo e Gás – Aspectos Ambientais e
Internacionais. Santos: Ed. Universitária Leopoldianum, 2007.
LULA dá 18 voltas ao redor do mundo em 4 anos. Jornal Folha de São Paulo,
10/12/2006.
LULA visita Antártida de olho em futuro do continente. BBC Brasil, 15/02/2008.
LUGAR, R. G. Tratado sobre o Direito do Mar Contempla Interesses Mundiais e dos
Estados Unidos. Revista Questões Globais. São Paulo: abril de 2004.
MAGNOLI, D. Do Projeto Manhattan ao TNP. Revista Mundo – Geografia e Política
Internacional. São Paulo: Pangea Ed. Ano 14 nº 6, outubro/2006.
MAGNOLI, D. Santos Dumont, Pioneiro do Poder Aéreo. Revista Mundo – Geografia
e Política Internacional. São Paulo: Pangea Ed. Ano 14 nº 6, outubro/2006.
MANDUCA, Paulo César. Política Externa e Segurança Internacional: Brasil
Potência ao Fome Zero Global. E-Premissas – Revista de Estudos Estratégicos. Nr.
1, Junho/Dezembro 2006.
MARINHA DO BRASIL. Arquivo do Navio Graça Aranha, 2000.
______. Clippings de notícias. Disponível em: <www.marinha.gov.br>. Acesso em
07/03/08.
MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Editora
Global, 1981.
129
MATTOS, C. M. O Brasil e sua Estratégia. Revista do Centro de Estudos
Estratégicos da Escola Superior de Guerra (ESG). Rio de Janeiro: 2002.
MICELI, P. A Febre de Navegar. Revista História Viva – Grandes Temas, nr. 14.
MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos, In:
SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana,
Petrópolis: Ed. Vozes, 1990.
______. O Mercosul e a Segurança Regional. Uma agenda comum? São Paulo:
Revista São Paulo em Perspectiva, vol. 16, nº 1, 2002.
MINISTÉRIO DA DEFESA. Assessoria de Comunicação Social. 07/09/2007.
______. Marinha tem programa de modernização para 2006-2025. Revista
defesa@net. Disponível em: www.defesa.gov.br. Acesso em 03/02/2008.
______. Política de Defesa Nacional. Brasília, 1996.
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. A Importância do Mar nas Relações
Internacionais. Brasília, 31/01/2008.
______. Conferência do Presidente Fernando Henrique Cardoso na Universidade de
Witwatersrand. Joanesburgo, África do Sul: 27/11/1996.
______. Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia na
Cerimônia de Encerramento da I Reunião da Comissão Mista Brasil-Namíbia.
Brasília, D.F. 07/03/1995.
______. Discursos do Senhor Presidente da República. Disponível em:
<www.mre.gov.br>. Acesso em 07/03/08.
______. Resenha de política exterior do Brasil, especial sobre Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul, edição suplementar, dezembro 1986.
130
______. Transcrição de Palestra no Curso de Atualização de Diplomatas, sobre as
Linhas Gerais das Ações de Política Externa no Governo Itamar Franco. Brasília:
17/08/1994.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Atlântico Sul: Um Santuário de Baleias.
Documento apresentado pelos Governos da Argentina, Brasil e África do Sul a 57ª
Reunião Anual da Comissão Internacional da Baleia. Ulsan, Coréia do Sul: junho de
2005.
MOURA, G. Estados Unidos e América Latina: As relações políticas no século XX;
xerifes e cowboys; um povo eleito e o continente selvagem. São Paulo: Ed.
Contexto, 1991.
ONU autoriza Brasil a ampliar limites de sua fronteira marítima. Jornal O Estado de
São Paulo. São Paulo, 06/05/2007.
OPERAÇÃO brasileira na Antártida desenvolverá 15 projetos. Jornal O Estado de
São Paulo. São Paulo, 25/12/2007.
OPINIÃO. Jornal Folha de São Paulo. São Paulo, 12/07/07.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. UNAVEM III – United Nations Angola
Verification Mission III. Disponível em: www.un.org. Acesso em: 15/03/2008.
OTAN. NATO news: NATO Naval force sets sail for Africa. 30/07/2007. Disponível
em: www.nato.int. Acesso em 10/04/2008.
PALÁCIO DO PLANALTO. Brasília: Decreto-Lei nº 900, de 29/09/1969.
PEREIRA, A. C. Brasil, o Reino Unido e a Segurança do Atlântico Sul, na Visão de
um Observador Brasileiro. Seminário Brasil-Reino Unido. Rio de Janeiro: IPRI –
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de
Gusmão (FUNAG), 18 e 19 de setembro de 1997.
131
PENHA, E. A. Relações Brasil-África: os avatares da cooperação sul-atlântica.
Santiago: Clacso, 1999.
PETROBRAS. Dados referentes ao ano de 2007. Disponível em:
www.petrobras.com.br. Acesso em 03/02/2008.
PETRÓLEO impulsiona reação da indústria naval no país. Jornal Folha de São
Paulo. São Paulo, 01/12/2007.
PRADO JR., C. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
PRAGMATISMO brasileiro conquista os países da Comunidade Lusófona. Jornal de
Notícias. Porto, 26/09/04.
PROENÇA Jr. D. e DINIZ, E. Política de defesa no Brasil: uma análise crítica.
Brasília: Ed. UnB, 1998.
RACHA no corpo diplomático brasileiro. Revista Diplomacia & Negócio. Curitiba:
29/10/2006.
RANGEL, V. M. Direito e Relações Internacionais. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2000.
RELATÓRIO da ONU sobre a poluição das águas. Jornal O Globo. Rio de Janeiro,
13/02/2002.
RIBAS, O. A hora e a vez da integração regional. Revista Problemas Brasileiros. Nº
376 – jul/ago 2006.
RIO acusa governo federal de calote. Jornal Correio Braziliense. 30/05/2006.
RODRIGRES, B., e MONTEIRO, T. Amazônia é prioridade da política de defesa.
Jornal O Estado de São Paulo, 04/11/1996.
132
SANTOS FILHO, J. L. N. dos. A Defesa Nacional abrangente e o contexto sul-
americano. Texto apresentado no 1º Encontro Nacional da Associação Brasileira de
Estudos de Defesa. São Carlos, SP: UFSCar, setembro de 2007.
SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África, In:
CERVO, A. L. (org.). O Desafio Internacional. Brasília: Editora UnB, 1994.
______. Desafios Africanos para o “Mundo que vem aí: A África Contemporânea na
Fronteira Atlântica do Brasil. Palestra proferida na Segunda Conferência Nacional de
Política Externa e Política Internacional – CNPEPI: O Brasil no mundo que vem aí.
Palácio Itamaraty, Rio de Janeiro, 5 e 6 de novembro de 2007.
SILVEIRA, C. C. e MATHIAS, S. K. As Novas Ameaças e o Pensamento Estratégico
na Marinha do Brasil. Washington, D.C.: Center for Hemispheric Defense Studies,
2002.
SIMÕES, A. J. F. Energia, Diplomatas e a Ação do Itamaraty: Passado, Presente e
Futuro. Texto apresentado na II Conferência Nacional de Política Externa e Política
Internacional – O Brasil no Mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Palácio Itamaraty, 5 e
6 de novembro de 2007.
VIEIRA, F. B. O Tratado da Antártica: Perspectivas Territorialista e Internacionalista.
Cadernos PROLAM/USP, ano 5, vol. 2, 2006.
VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005.
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo