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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Edson Tomaz de Aquino A Dimensão do Atlântico Sul na Política Externa e na Defesa do Brasil, dos Anos 70 ao Limiar do Século XXI DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Edson Tomaz de Aquino

A Dimensão do Atlântico Sul na Política Externa e na Defesa do Brasil, dos Anos 70 ao Limiar do Século XXI

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Edson Tomaz de Aquino

A Dimensão do Atlântico Sul na Política Externa e na Defesa do Brasil, dos Anos 70 ao Limiar do Século XXI

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Paulo Edgar Almeida Rezende.

SÃO PAULO 2008

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BANCA EXAMINADORA

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Dedico aos meus pais, que me incentivaram o tempo todo na realização de um sonho; Aos amigos, colegas e alunos que compartilharam comigo os anseios, dúvidas e felicidades pelo caminho trilhado.

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AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos ao meu orientador, Profº Dr. Paulo Edgar Almeida

Rezende, que incentivou a participação nesta jornada de conhecimentos,

compartilhando suas idéias e reflexões e possibilitando assim a realização deste

trabalho.

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RESUMO

O objetivo principal deste trabalho consiste em demonstrar a crescente

importância do Atlântico Sul na política externa e nos assuntos de defesa do Brasil,

desde a década de 70 até o limiar do século XXI.

A crise do petróleo, no início da década de 70 transformou a percepção

do Brasil sobre sua fronteira marítima. O alargamento do mar territorial para 200

milhas e a aproximação diplomática da África foram estratégicos para assegurar os

interesses do Brasil no Atlântico Sul.

O papel central do Brasil em construir a Zona de Paz e Cooperação do

Atlântico Sul reforçou a escolha pelo multilateralismo e pelo direito internacional.

Essa escolha foi decorrente do contexto regional e hemisférico.

No início do século XXI, o Brasil percebe possibilidades de projetar uma

capacidade militar para defender sua fronteira marítima. Recursos econômicos,

como grandes reservas de petróleo, podem tornar o Atlântico Sul uma área

vulnerável para os interesses brasileiros.

No entanto, idealismo e realismo em política externa e defesa tendem a

combinar-se na projeção do Brasil no Atlântico Sul.

Palavras-chave: Atlântico Sul – Política Externa Brasileira – Defesa Nacional – Mar

Territorial

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ABSTRACT

The main purpose of this work is to show the growing importance of South

Atlantic Ocean to Brazil’s foreign policy and security issues, from the seventies to

21st century.

The oil crises in the early seventies changed brazilian perception about its

maritime frontier. The enlargement of territorial sea to 200 miles and a diplomatic

approach to Africa were strategic to assure Brazilian interests in the South Atlantic.

The central role of Brazil to build the Zone of Peace and Cooperation of

the South Atlantic stresses the choice to the multilateralism and the international law.

This choice results from regional and hemispheric context.

In the early 21st century, the international system allows Brazil to drawn a

military capability towards its maritime frontier. Economic resources as great stocks

of oil could turn the South Atlantic a vulnerable zone to Brazilian interests.

Idealism and Realism on foreign politics and defense issues tend to

combine themselves on Brazil’s projection at South Atlantic.

Keywords: South Atlantic – Brazilian Foreign Policy – National Defense – Territorial

Sea

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa da América do Sul e do Atlântico Sul..............................................18

Figura 2 - Mapa do Atlântico Sul de Henderine Drogenhams (1600).........................21

Figura 3 - Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul – ZPCAS...........................488

Figura 4 - Reivindicações sobre os territórios antárticos............................................52

Figura 5 - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP........................677

Figura 6 - Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental.............................877

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Países visitados por Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos.....................823 Tabela 2 - Comércio Brasil-África (Em bilhões de Dólares).......................................98 Tabela 3 - Embaixadas brasileiras na África............................................................106 Tabela 4- Orçamento da Marinha............................................................................110 Tabela 5 - Evolução da produção anual de petróleo cru no Brasil nas bacias terrestres e marítimas (valores em milhares de barris). ......................................11111

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LISTA DE SÍMBOLOS

AGI Ano Geofísico Internacional ALCSA Área de Livre Comércio Sul-Americana BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CIB Comissão Internacional da Baleia CNUDM Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CSN Conselho de Segurança Nacional ESG Escola Superior de Guerra EUA Estados Unidos da América FHC Fernando Henrique Cardoso FNLA Frente Nacional para a Libertação de Angola IBAS Índia, Brasil e África do Sul INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IIRSA Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana ISBA Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos LEPLAC Limites Exteriores da Plataforma Continental LOA Lei Orçamentária Anual MDB Movimento Democrático Brasileiro MERCOSUL Mercado Comum do Sul MPLA Movimento Para a Libertação de Angola NAFTA Acordo de Livre Comércio da América do Norte OEA Organização dos Estados Americanos OMC Organização Mundial do Comércio ONU Organização das Nações Unidas OPA Operação Pan-Americana OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PDN Política de Defesa Nacional P&D Pesquisa e Desenvolvimento PEI Política Externa Independente PIB Produto Interno Bruto PND Plano Nacional de Desenvolvimento PROANTAR Programa Antártico Brasileiro PT Partido dos Trabalhadores SADC Southern África Development Council SEAP/PR Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República SIVAN Sistema de Vigilância da Amazônia TIAR Tratado Interamericano de Assistência Recíproca TNP Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares UNAVEN United Nations Angola Verification Mission UNITA União Nacional pela Independência de Angola VANT Veículo Aéreo Não Tripulado ZEE Zona Econômica Exclusiva ZPCAS Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................12

2 O ATLÂNTICO SUL: UMA BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA.........................188

3 OS ANOS 70 E O REDIMENSIONAMENTO DO ATLÂNTICO SUL PARA O

BRASIL .....................................................................................................................30

4 ANOS 90: NOVOS VENTOS NO ATLÂNTICO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA......56

5 O ATLÂNTICO SUL NO HORIZONTE ESTRATÉGICO DO BRASIL NO

SÉCULO XXI ..........................................................................................................83

6 CONCLUSÃO.......................................................................................................119

7 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................124

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1 INTRODUÇÃO

Diz a lenda que, no século XVII, piratas ingleses saquearam um galeão

espanhol carregado com centenas de objetos de ouro e prata, roubados da catedral

de Lima, após a independência do Peru. Esconderam o tesouro num túnel esculpido

pelo mar, no paredão da ilha de vários cumes, o maior chegando a 600 metros de

altura.

Além desse tesouro, até hoje não encontrado, a ilha foi palco de diversos

naufrágios, o que fortalece boatos sobre supostos tesouros que repousam há

séculos no fundo do mar.

Em 1501, o navegante espanhol João da Nova, a serviço da corte

portuguesa, partiu de Lisboa com destino à Índia. Quando se encontrava na costa

africana, uma forte tempestade forçou-o a mudar de rota. Alguns dias depois avistou,

no meio do Atlântico Sul uma porção de terra, o que resultou no descobrimento da

Ilha de Assunção.

No ano seguinte, Estevão da Gama, navegador português aportou na ilha,

dando a ela o nome de Trindade, sem saber que outro desbravador já lá estivera.

Passaram-se muitos anos, com tentativas de colonização e disputas entre

Portugal e Inglaterra pela posse da ilha de pouco mais de 9 quilômetros quadrados.

Foi quando em 1895, no início da vida republicana brasileira, que a

Inglaterra voltou a ocupar a ilha, desta vez sob o pretexto de usá-la como ponto de

apoio ao projeto de ligar Londres a Buenos Aires com cabo submarino. Era o auge

da presença inglesa na América do Sul, com negócios que se multiplicavam a cada

dia. A comunicação via telégrafo tornava-se uma das marcas do imperialismo

britânico.

O Brasil evitou o enfrentamento militar para retomar o controle sobre

Trindade. Utilizou as vias diplomáticas e ganhou a questão com o arbitramento de

Portugal.

Finalmente, em 1897, o cruzador brasileiro Benjamin Constant aporta em

Trindade para tomar posse dessa pequena ilha, distante 1.200 quilômetros da costa

do Estado do Espírito Santo. Na encosta do morro do Pão de Açúcar, foi colocado

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um marco que até hoje lá se encontra com a seguinte inscrição: “O direito vence a

força”.1

Desde o período colonial, o oceano foi para o Brasil porta de entrada e de

partida, tanto de pessoas quanto de mercadorias. Ao longo da costa, pode-se ainda

hoje observar a existência de diversas fortificações, usadas para repelir visitantes

indesejados, enquanto o desbravamento do interior ia delineando novas fronteiras

ao que viria a ser o Brasil.

Um século após o trabalho de Rio Branco nas negociações dos marcos

terrestres, a questão da fronteira ainda se constitui como um desafio à diplomacia e

à defesa.

E não é apenas a porosidade da Amazônia que se constitui como questão

a ser enfrentada pela política externa e pela defesa nacional. O Atlântico Sul é a

última fronteira nacional a ser consolidada. Não apenas como porta de entrada e

saída, mas um limite a ser expandido, onde riquezas se encontram desde a

superfície até as profundezas.

O Brasil possui 7.480 quilômetros de fronteira marítima, um convite

permanente para a reflexão e busca da ressignificação do oceano, lido

freqüentemente como espaço vazio e de implicações menores aos interesses

nacionais, principalmente quando comparado à fronteira terrestre.

O crescente uso dos recursos econômicos do planeta tende a provocar

cobiças, e quiçá, conflitos. Tornar-se soberano sobre esses recursos e diminuir a

vulnerabilidade do país frente às potências estrangeiras surgem como desafios ao

Brasil no século XXI.

Para tanto, o país pode apoiar-se no direito e no pressuposto que os

outros o respeitará. Na insuficiência desse recurso quando as circunstâncias se

mostrarem adversas, o uso da força pode ser considerada.

Assim surge o Atlântico Sul para o Brasil, no limiar do século XXI.

O Atlântico Sul foi porta de entrada dos europeus, primeiramente e de

grande parte dos contatos estabelecidos pelo Brasil com o mundo. Comércio, mão-

de-obra escrava e imigrante, construção do território e das identidades culturais,

relações políticas, enfim, impossível falar sobre o percurso do Brasil, do período

colonial ao século XXI sem considerar o papel do Atlântico Sul.

1 MARINHA DO BRASIL. Arquivo do Navio Graça Aranha.

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Entretanto, não se deve perder de vista que a idéia de que o Atlântico Sul

é, sobretudo uma designação geográfica de uma área que engloba distintas regiões

e sub-regiões, nem sempre maleáveis a um enfoque generalizador. No âmbito desse

espaço, subsumem-se outros conceitos espaciais tão específicos ou fluidos como

América do Sul, América Latina, América Portuguesa, América Espanhola, América

Amazônica, América Platina, Mercosul, África Ocidental, África Subsaariana, África

Austral, África Portuguesa, África Negra, Hemisfério Sul, Hemisfério Ocidental,

Antártida, dentre outros.

No âmbito regional, as relações do Brasil com seus vizinhos platinos,

andinos e amazônicos surgem de modo cada vez mais intenso nos meios

governamentais, empresariais e acadêmicos. A superação de tensões e

desconfianças tende a abrir novas perspectivas à integração sul-americana. E a

imagem de um Brasil “de costas” aos seus vizinhos desvanece paulatinamente.

Em momento propício a discutir arranjos regionais, fenômeno favorecido

por um sistema internacional multipolar, a dimensão atlântica surge de modo

crescente como área vital aos interesses do Brasil em diversos aspectos.

O Atlântico Sul une o Brasil à África. Do ponto de vista geográfico, o Brasil

está mais próximo da África do que da América do Norte. Da perspectiva histórica, é

uma das principais referências da construção da cultura brasileira. A África é o

continente que busca superar no século XXI os traumas produzidos pelo

colonialismo. O aprofundamento de relações com povos do outro lado do Atlântico

não representa apenas novas oportunidades em política externa e comércio, mas

também a possibilidade de redescobrir raízes da cultura brasileira.

E o Atlântico Sul permite ao país participar do futuro da Antártica, um

continente inóspito, mas essencial para a biodiversidade do planeta e dos oceanos,

em especial. Alvo de especulações sobre riquezas minerais, a Antártica abriga

bases de diversos países, de todos os continentes. A influencia sobre o clima, a flora

e a fauna das águas que banham grande parte da costa brasileira, também tornam o

continente antártico relevante para o Brasil.

Também se buscará neste trabalho abordar as articulações que buscaram

garantir soberania sobre recursos econômicos existentes no que se tem chamado de

“Amazônia Azul”, principalmente a pesca e a exploração de jazidas de petróleo na

plataforma continental e a adequação dessas atividades com a agenda ambiental.

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Basicamente, defender-se-á que o Atlântico Sul tem se projetado de

forma mais intensa na política externa brasileira e no delineamento de uma política

de defesa nacional, a partir dos anos 70, principalmente. As crises do petróleo e a

nítida mudança de postura em relação à África são emblemáticas a esse aspecto.

O aprofundamento de uma valorização da fronteira atlântica, nos planos

militar e diplomático, no entanto, se faz perceber no limiar do século XXI, com o

aumento de sua relevância como depositária de recursos econômicos, sobretudo o

petróleo.

O objetivo central deste trabalho consiste em contribuir para uma reflexão

sobre a projeção de interesses do Brasil na sua fronteira marítima, o Atlântico Sul,

da década de 70 do século XX ao primeiro decênio do século XXI, que engloba parte

do segundo mandato do presidente Lula. Buscaremos verificar a elaboração e

aplicação de políticas, tanto no aspecto diplomático quanto no da defesa nacional,

que demonstrem a crescente importância do Atlântico Sul para o país.

Nessa trilha, surge a África na outra margem, com seu papel histórico e

cultural para o Brasil. Em que medida o continente africano pode contribuir para a

consecução dos interesses do Brasil no Atlântico Sul?

A Antártica, com sua importância para o clima e o ecossistema marinho

da costa brasileira, também pode converter-se em elemento para garantir os

interesses do Brasil na sua fronteira atlântica?

E no seu entorno imediato, a América do Sul, também investigaremos de

que forma as relações entre Brasil e Argentina, principalmente, repercutem para a

vertente sul-atlântica da política externa e da defesa do país.

Não menos importante será a análise sobre a relevância estratégica do

Atlântico Sul para o sistema internacional no período coberto por este trabalho. Os

Estados Unidos, principalmente, a margem de autonomia que permitem ao Brasil

atuar no Atlântico Sul também será perquirido, haja vista seu papel hegemônico

hemisférico e global.

E afinal, quais são os interesses do Brasil no Atlântico Sul e que meios

tem sido usados, diante das oportunidades e desafios que se colocam, para a

defesa dos mesmos?

Para tentar dar respostas a essas e outras questões que se colocam

quando refletimos sobre os interesses do Brasil no Atlântico Sul, este trabalho se

baseará na análise de bibliografia abrangente, de enfoques variados, mas que

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confluem ao objeto aqui estudado. Também se buscará subsídios à analise em

fontes primárias, como discursos, declarações e entrevistas de representantes

governamentais e autoridades em áreas específicas.

No capitulo I, buscar-se-á uma abordagem histórica sucinta do papel do

Atlântico Sul na formação do Brasil, do ponto de vista territorial, diplomático,

econômico e cultural.

O capítulo II se pautará pela nova perspectiva que o Atlântico Sul adquiriu

no âmbito diplomático, especialmente nas relações do Brasil com a África dos anos

70. É nesse período que o Brasil proclama seu mar territorial de duzentas milhas e

muda significativamente sua política para o continente africano. Esses dois

acontecimentos estão estreitamente relacionados com a crise do petróleo e seus

impactos para o desenvolvimento econômico do país.

Nesse mesmo capítulo, o trabalho avança para a década de 80, período

de significativas transformações no plano doméstico e no entorno regional do Brasil.

A liderança do país em construir acordos de cooperação, como a Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS), a aproximação com os países africanos de

Língua Portuguesa e o início do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR),

denotam o redimensionamento do Atlântico Sul na política externa brasileira.

No terceiro capítulo será abordado o período pós Guerra Fria e seus

reflexos para o país na sua fronteira marítima. O Consenso de Washington e suas

implicações para a soberania nacional e a questão ambiental estarão presentes

nesse mesmo capítulo. O Plano de Defesa Nacional (PDN), de 1996, do governo

FHC, até a atualização desse documento, ocorrida em 2005, no governo Lula

encaminham ponderações sobre as conexões do Atlântico Sul com a defesa

nacional.

No IV e último capítulo será analisada a crescente projeção do Atlântico

Sul para a política externa e a defesa nacional. A promulgação de uma nova PDN

em 2005, a ampliação da soberania na plataforma continental, o surgimento da

designação “Amazônia Azul” para o Atlântico Sul, o significativo aumento de

produção de petróleo no mar, tendo em consideração o pós 11/09, a vulnerabilidade

energética mundial e o estreitamento das relações com a África são fatores que

inserem-se numa visão sul-atlântica redimensionada para o Brasil no século XXI.

Neste capítulo, procuraremos ainda demonstrar que dado o crescente

valor estratégico do Atlântico Sul para o Brasil, e a vulnerabilidade aí presente, a

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idéia de uma “potência pacífica” se torna insuficiente para defender os interesses do

país. Ao mesmo tempo, o cenário regional e global não apresenta obstáculos à

consecução desse propósito.

Por fim, verificaremos a combinação de elementos tradicionais da política

externa brasileira, como o universalismo, o pacifismo e seu papel central na defesa

de uma agenda social, que amplia sua projeção junto aos países africanos.

Paralelamente, analisaremos a projeção de um poder militar e de que modo o

pensamento geopolítico brasileiro, por vezes latente, por vezes aflorado, coaduna-se

com esse propósito.

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2 O ATLÂNTICO SUL: UMA BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA

O “Atlântico Sul” , como área geográfica marítima, está delimitado ao

norte pela linha do equador, ligando as terras do Amapá, na América do Sul até a

Mauritânia, na África, contornando o arquipélago de Cabo Verde, e ao sul, pela

Antártica. A delimitação defendida por Flores inclui Trinidad e Tobago, onde tem

início o Caribe estratégico.2

É o cenário da construção e expansão do que se chama hoje de

“Ocidente”, tendo como ponto inicial o predomínio português sobre o comércio no

Atlântico Sul até o advento da “Pax Britannica” no século XIX.

As análises geopolíticas formuladas por Castro explicitam a

“orientalidade” da América do Sul e do Brasil, especialmente, em relação à América

do Norte, mais ocidental. Envolvendo-se no meridiano de 35 graus de longitude, o

território brasileiro coloca-se a apenas 10 graus de Cabo Verde, o arquipélago mais

ocidental da África, e somente a 18 graus de Dakar, na zona de estrangulamento do

Atlântico.

Figura 1 – Mapa da América do Sul e do Atlântico Sul 2 FLORES, M.C. Reflexões Estratégicas – Repensando a Defesa Nacional. São Paulo: É Realizações, 2002, p. 64.

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Embora o Brasil não seja bioceânico, Castro salienta que o país é dotado

de duas faces litorâneas – uma voltada para o hemisfério continental, o hemisfério

norte, onde se concentra a maior parte dos territórios, e a outra, linha costeira bem

maior, dependente do hemisfério oceânico, o hemisfério sul, onde as águas cobrem

a maior parte da superfície. E ao comparar as costas das Américas no Atlântico e no

Pacífico, Castro lembra que as maiores articulações, tanto na América do Norte

quanto na América do Sul, se encontram no lado do Atlântico, onde a natureza mais

baixa da costa favorece a instalação de melhores portos. “Nessas condições, o

Pacífico, de navegação extensiva, contrasta com o Atlântico, de navegação

intensiva, orientando ainda mais para o leste o conjunto americano”.3

Para Cortesão:

O traço geográfico fundamental que imprimiu caráter à História do Brasil é a sua posição no hemisfério e no Atlântico Meridional. O Brasil participa forçosamente, de certos caracteres de posição comuns à América do Sul, mas desde logo se distancia dos demais países do continente pelas suas relações atlânticas com a Europa e a África.4

Na virada do milênio, perguntado pelo The New York Times sobre qual

teria sido a maior invenção do homem nos últimos mil anos, Humberto Eco é

categórico ao afirmar ser o arado com tração animal, ao provocar a primeira grande

onda de desemprego em massa. A nova tecnologia, ao permitir que a ferramenta

fizesse o trabalho de dezenas de homens, provocou êxodo rural e o renascimento

das cidades ou burgos. A crescente necessidade por especiarias adequadas à

preservação de alimentos destinados a alimentar gente que não tinha mais o campo

como quintal de casa. Surge daí a própria dicotomia cidade/campo.

Além do comércio local, o comércio marítimo é altamente dinamizado

pelas necessidades das especiarias do Oriente, especialmente da Índia.

As dificuldades à época em utilizar-se da rota mediterrânica, fizeram de

Portugal protagonista privilegiado na navegação transcontinental. A posição

geográfica de Portugal estimulou sua vocação ultramar e o desenvolvimento de

tecnologia da navegação. “A conquista do mar alto deu à Europa a sua primazia

3 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 45. 4 CORTESÃO, J. História do Brasil nos Velhos Mapas. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores. Instituto Rio Branco, 1971, p. 11.

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universal, e isto durante séculos. A técnica, desta vez – a navegação do mar alto –

criou uma assimetria à escala mundial, um privilégio”, segundo Braudel5. O “mar

português”, na definição de Miceli, “... reconhecido em seus limites extremos,

transformou-se em caminho para circulação de homens, coisas e idéias, fazendo

dele um território de disputas e inaugurando um novo e duradouro desenho das

relações entre as várias regiões do planeta”.6

No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels afirmam que:

Com a descoberta da América e a circunavegação da África abriram-se para a burguesia, em ascensão, novas possibilidades. A Índia e a China, com vastos mercados, a América em processo de colonização, o ativo comércio das colônias, a evolução fantástica dos mecanismos de troca e o aumento das mercadorias, em geral, são os fatores que determinaram o desenvolvimento jamais antes verificado, do comércio, da navegação, da indústria, acarretando conseqüentemente a aceleração do processo revolucionário no bojo da já combalida sociedade feudal.7

A exploração de terras e mares desconhecidos dos europeus põe nos

mapas a África até seu extremo meridional, quando o português Bartolomeu Dias

contorna o Cabo das Tormentas, em 1488, rebatizado posteriormente como Cabo da

Boa Esperança. Estava aberta nova rota para o Oriente e estabelecia-se uma nova

geopolítica nas relações internacionais da época, com o fim do monopólio da rota

mediterrânica. No costa ocidental do Atlântico Sul chega Cabral em 1500 e séculos

mais tarde, em 1819, uma expedição russa descobre terras no círculo polar

antártico, embora registros em mapas dão indícios que europeus teriam lá chegado

já no século XVI.

Com as descobertas, os mapas, aliás, tornam-se documentos que

“legitimavam” a conquista em época em que se começava a pensar no direito sobre

os mares.

5 BRAUDEL, F. Civilização Material e Capitalismo. Ed. Cosmos, 1970. 6 MICELI, P. A Febre de Navegar. Revista História Viva – Grandes Temas, nr. 14, p. 15. 7 MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Editora Global, São Paulo: 1981 p. 20.

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Figura 2 – Mapa de Henderine Drogenhams, sem local de produção, datado de aproximadamente 1600.

O holandês Hugo Grotius (1583-1645) percebe a importância dessa

questão para seu país, que participa ativamente do comércio transatlântico,

principalmente de açúcar, e estabelece colonização no nordeste brasileiro, quando

Portugal cai sob o domínio espanhol por cerca de 60 anos. Suas obras Law of Prize

and Booty (1604-1605), Freedom of the Seas (1609) e Law of War and Peace

(1625), tornam-se marco para o desenvolvimento do Direito Internacional.

Ainda assim, por séculos, praticamente até a construção do Canal de

Suez, em 1869, o Atlântico Sul se converterá num dos principais palcos de disputa

entre nações, companhias de navegação e piratas.

“No fracasso de um consenso absoluto sobre o Novo Mundo a força foi a

Realpolitik mais freqüente”, explica Karnal, com os freqüentes ataques de ingleses,

holandeses e franceses à rica costa brasileira, de onde saia boa parte dos produtos

que impulsionavam o mercantilismo europeu.8

Identificamos em Alencastro que a ocupação da costa brasileira com a

produção açucareira, principalmente no nordeste, visava também subordinar os

territórios coloniais de ambas as margens do Atlântico Sul ao domínio português,

utilizando-se da mão-de-obra escrava nas plantações da cana.

Para Prado Jr.:

8 KARNAL, L. Revista História Viva Grandes Temas, n. 14, p. 85.

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Se o índio, por natureza nômade, se dera mais ou menos bem com o trabalho esporádico e livre da extração do pau-brasil, já não acontecia o mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade organizada e sedentária como a agricultura.9

Escravos adquiridos nas costas da África já eram utilizados na agricultura

por portugueses nas ilhas da Madeira e Cabo Verde, tornando-se a principal força

de trabalho nas grandes propriedades açucareiras do nordeste brasileiro.

Além da finalidade econômica, o comércio de escravos da África servia

também como medida para subordinar os territórios coloniais de ambas as margens

do Atlântico Sul à política da Coroa portuguesa, principalmente aqueles oriundos de

Angola. Portugal não contava com população suficiente para promover o

povoamento da extensa costa brasileira. Segundo Alencastro, nestas circunstâncias,

o comércio negreiro, ao permitir a reprodução da produção colonial, seria um

instrumento decisivo para a elaboração do edifício colonial português no Atlântico

Sul, baseado na plantation e no trabalho escravo.10

Depois de 60 anos sob a dominação da Espanha, de 1580 a 1640,

Portugal perde o comércio asiático, o que vem a reforçar sua presença no Brasil e

em possessões africanas como fornecedoras de escravos.

Navios negreiros partiam da Bahia e Pernambuco abarrotados de

cachaça e tabaco rumo à costa central e meridional da África, de onde comerciantes

portugueses primeiramente, e brasileiros também mais tarde, regressavam com

suas naus carregados de escravos.11

A ocupação da costa atlântica, desde os primórdios da colonização, torna-

se fator estratégico, tanto no desenvolvimento das atividades econômicas quanto na

primazia sobre o território.

Na argumentação de Castro, o posicionamento da costa brasileira no

Atlântico, atraindo os invasores, bem mais que os territórios espanhóis no Pacífico,

viria a ser coroado por uma linde de geoestratégicos fortes, constituindo autêntico

cinturão defensivo. Ainda segundo Castro:

9 PRADO JR., C. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. 10 ALENCASTRO, L. F. Tratado dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 11 CURTO, J. C. Vinho verso Cachaça – A Luta Luso-Brasileira pelo Comércio do Álcool e de Escravos em Luanda, c. 1648-1703. In: PANTOJA, S. e SARAIVA, J. F. (orgs). Angola e Brasil nas Rotas do Atlântico Sul.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p.73.

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Cinturão defensivo de fortalezas que se destinava a manter integrada ao Estado do Brasil toda essa vasta área cobiçada pelos ingleses, franceses e holandeses. Cinturão defensivo que procurava obstar o avanço estrangeiro na frente litorânea e também na zona interiorizada que os espanhóis viriam a reclamar, mas que o uti possidetis do Tratado de Madrid (1750) viria consagrar.12

Para além da costa atlântica, as características geográficas não

favoreciam a penetração do território, seja no nordeste com o semi-árido ou as

elevadas escarpas do planalto brasileiro em sua parte mais meridional, o que

favorecerá a formação de núcleos litorâneos, acentuando o papel do Atlântico Sul na

formação econômica, política e social do Brasil.

Como visto anteriormente, o suprimento da maior parte de mão-de-obra

para trabalhar nas atividades econômicas do Brasil-colônia, agricultura e mineração

principalmente, chegará pelo Atlântico, da costa africana.

Os interesses entre as lideranças locais, tanto no Brasil como nas

colônias portuguesas na África, que se enriqueceram em torno do comércio de

escravos era tal que se esforçaram para juntar-se numa única unidade política de

dimensões sul-atlântica:

As colônias portuguesas da África, à época da Independência, estavam mais ligadas ao Brasil que a Portugal. O comércio bilateral era intenso, como também os vínculos culturais, sociais e humanos. Com a Independência, parte significativa das elites locais, sobretudo em Luanda e Bengala, pretendia romper os vínculos com Portugal e unir-se ao Brasil. A sublevação agitou a colônia, opondo as lideranças angolanas aos governadores e ao bispo, fiéis a Portugal. O seqüestro dos bens dos brasileiros foi decidido pela autoridade local em 1823, em represália à medida similar decretada no Brasil contra os portugueses. Não há indícios de ação positiva por parte de José Bonifácio e dom Pedro para acatar essas aspirações, embora seus decretos lá chegassem e fosse nomeado um cônsul brasileiro, em 1826, que foi rejeitado por Lisboa. Frustrou-se o movimento de união, pela firme oposição de Portugal e Inglaterra, cujos representantes impuseram ao governo brasileiro, no tratado de paz de 1825, o distanciamento político da África portuguesa. Desde então houve grande esforço no sentido de readequar a colônia ao tipo de exploração diferente e adequado ao interesse da metrópole.13

12 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 144. 13 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p.45.

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É relevante também notar o fato histórico de ter sido o Obá (rei) de

Daomé (atual Benin), o primeiro soberano a reconhecer a independência do Brasil,

em 1824, sobretudo devido ao grande fluxo comercial (escravos que vinham para o

Brasil, aguardente, tecidos e armamentos que iam para Daomé) entre os dois lados

do Atlântico.

Além do distanciamento político da África portuguesa, que perdurará até a

segunda metade do século XX, a Independência irá também repercutir no espaço do

Atlântico Sul na organização da Marinha brasileira, principalmente devido ao plano

português de guerra de reconquista. Segundo Cervo, ao analisar a força naval

brasileira, diz que: “... comparáveis, possivelmente superiores, às forças dos Estados

Unidos, o que representava uma tentação para aventuras no Sul, onde se agravava

o conflito com Buenos Aires em torno da Cisplatina”.14

As pressões da Inglaterra pelo fim do tráfico de escravos no Atlântico Sul,

desde a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, culminarão

com conflitos e ruptura, em 1845. A dependência de mão-de-obra escrava fará o

Brasil transgredir os acordos firmados pelo fim do tráfico, que oficialmente só se dará

em 1850, tornando a imigração livre uma das metas prioritárias do governo.15

A mediação junto a Portugal no processo de independência do Brasil

resultou à Inglaterra vantagens tarifárias, com a assinatura do Tratado de Amizade,

Navegação e Comércio. Segundo Cervo, a cláusula de nação mais favorecida,

firmado em 1828, enquadrava as relações bilaterais no sistema internacional do

capitalismo industrial, sem nenhuma originalidade.16

Em 1823, época da restauração na Europa, desenhava-se nos Estados

Unidos, com a Doutrina Monroe, a supremacia dos Estados Unidos no continente.

De fato, a Doutrina Monroe só se transformara em ação de Washington no final do

século XIX. Na Conferência Internacional dos Estados Americanos, 1890, em

Washington, a delegação americana proclama a “A América para os americanos”.

Moura sintetiza com clareza como os Estados Unidos traduziram essa

idéia:

14 Idem. 15 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p.80. 16 Idem.

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Que “a América para os americanos” constituía uma articulação destinada a assegurar a hegemonia política dos EUA no continente já ficaria claro na década de 1890. Em 1895, Washington impôs sua arbitragem numa disputa entre Venezuela e a Grã-Bretanha e em 1898 iniciou sua expansão além-mar, a partir de uma guerra contra a Espanha. No primeiro caso, o governo americano viu numa disputa de limites entre Venezuela e Guiana Inglesa a oportunidade de impor-se a uma potência européia sob a alegação (real ou fictícia) de que essa potência estava intervindo no continente e poderia transformar uma nação americana em colônia. Foi no contexto dessa imposição, que o Secretário de Estado Olney disse a famosa frase “Hoje em dia, os EUA são praticamente soberanos nesse continente”.17

Com o financiamento à construção do Canal do Panamá e com o

estabelecimento de bases navais em Cuba, após afastar a Espanha do controle

sobre a ilha, no início do século XX, a parte ocidental do Atlântico Norte se converte

em área de influência exclusiva dos Estados Unidos, que só será abalada sessenta

anos mais tarde, no episódio da Crise dos Mísseis, envolvendo também Cuba.

Por outro lado, o Atlântico Sul permanecerá em segundo plano nos

interesses dos Estados Unidos, exceto em alguns momentos, como por ocasião da

Segunda Guerra Mundial, com a implantação de bases militares no nordeste do

Brasil, cuja menor distância da costa africana permitia a manutenção de aeronaves

de vôos transcontinentais.

No pós-guerra, enquanto o Atlântico Norte ganhava o seu tratado, a

OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), por engenharia dos Estados

Unidos, o Atlântico Sul voltava à calmaria, distante do conflito Leste/Oeste.

Ainda que de forma menos explícita, não estará totalmente fora do “radar”

de Washington.

O TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), resultado da

Conferência Interamericana, realizado no Rio de Janeiro, em 1947, veio a reforçar a

hegemonia norte-americana no hemisfério. O TIAR, para os chefes militares dos

Estados Unidos, segundo Moura, em relatório do Secretário de Defesa em 1949, era

um instrumento para garantir “a segurança do hemisfério ocidental e nosso acesso

17 MOURA, G. Estados Unidos e América Latina: As relações políticas no século XX; xerifes e cowboys; um povo eleito e o continente selvagem. São Paulo: Ed. Contexto, 1991, p. 18.

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aos recursos do hemisfério, que sejam essenciais a qualquer projeção transoceânica

de um maior poder ofensivo dos EUA”.18

O TIAR deveria, portanto, ajudar os objetivos estratégicos dos EUA na América Latina, a saber: matérias-primas, manter aberta a possibilidade de utilização de bases latino-americanas por forças americanas, proteger linhas de comunicação e finalmente assegurar o apoio latino-americano às posições internacionais dos EUA. Pode-se perceber que o TIAR não era propriamente um tratado de defesa hemisférica, mas um canal de articulação da hegemonia político-militar dos EUA sobre o conjunto do continente.19

Moura ainda ressalta que a influência dos Estados Unidos na América

Latina atinge as forças armadas da região, exercendo “um monopólio virtual do

fornecimento de armas, treinamento e influência sobre os militares latino-

americanos”. E complementa ao dizer que:

Além de armas e do treinamento vieram também as noções de segurança nacional e segurança coletiva cujo significado, voltado para as ameaças “internas”, distanciava-se enormemente das velhas concepções de defesa nacional e defesa coletiva, que tinham alimentado até então as forças armadas. As “escolas de guerra”, montadas a partir do modelo do ‘War College’ de Washington, disseminavam as novas doutrinas militares geradas do norte.20

Essa influência será percebida na questão africana, como veremos mais

adiante.

A OEA (Organização dos Estados Americanos), criada em Bogotá, em

1948, no contexto do pós-Segunda Guerra, constituía, segundo Moura, “apenas um

pedaço de um sistema de poder mais vasto, de escala virtualmente planetária, o

grande sistema norte-americano”.21

Se a costa ocidental do Atlântico Sul, área de influência direta dos

Estados Unidos não virá a constituir-se como palco de conflito de proporções

significativas no contexto da Guerra Fria, o mesmo não ocorrerá no outro lado do

Oceano, na costa africana. A influência de Washington se deu principalmente

18 MOURA, G. Estados Unidos e América Latina: As relações políticas no século XX; xerifes e cowboys; um povo eleito e o continente selvagem. São Paulo: Ed. Contexto, 1991, p. 44. 19 MOURA, G. Estados Unidos e América Latina: As relações políticas no século XX; xerifes e cowboys; um povo eleito e o continente selvagem. São Paulo: Ed. Contexto, 1991, p. 44. 20 Idem. 21 Idem, p. 45.

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através da África do Sul, que procurava atuar na região austral de modo a afastar a

presença soviética em países circunvizinhos, como na Namíbia e em Angola. Em

troca, os Estados Unidos evitavam que qualquer proposta de censura fosse aplicada

contra a África do Sul na ONU por seu regime de segregação racial, o apartheid.

Desde os anos 50, pode-se verificar evolução das percepções e atitudes

do Brasil em relação à África, ainda que com avanços e recuos.

O Tratado que institui formalmente a Comunidade Luso-Brasileira, de

1955, acabou por reforçar a subordinação do Brasil à política colonial portuguesa.

Ademais, o “liberalismo associado”, de aproximação com os centros financeiros

ocidentais, característica do governo Kubitschek, reforçou mais ainda posições

conservadoras em relação à ordem colonial.

Na dimensão econômica, a criação do Mercado Comum Europeu, em

1957, assegurou aos países africanos, inclusive aqueles sob regime colonial, acesso

privilegiado na Europa e colaborou para o surgimento de conflito de interesses entre

o Brasil e a África, especialmente em relação ao comércio de produtos agrícolas.

A PEI (Política Externa Independente), dos governos de Jânio Quadros

(1961) e João Goulart (1961-64) marcou período de desenvolvimento de uma

política externa que se pautava pela eqüidistância entre as superpotências, mas

sinalizava principalmente a Washington o rompimento com alinhamentos e a

frustração por maior cooperação, como propunha a OPA (Operação Pan-Americana)

de Kubitschek.

Nesse contexto, e dadas às características étnicas e culturais que ligavam

o Brasil à África, o governo de Jânio Quadros defendia papel de destaque do país

naquela região, que em processo de descolonização, necessitava de uma “ponte”

com o Ocidente.

Em 1961 é criada a Divisão da África, um novo departamento do

Itamaraty, que além de seu valor simbólico, veio a cuidar das relações com os novos

países africanos.

O Brasil defendia o princípio da autodeterminação dos povos, que se

coadunava inclusive com as próprias diretrizes de sua PEI. Mas o fazia de modo a

não romper com a tradicional amizade mantida com Portugal. A nova postura do

Brasil em relação à África também sofria no plano doméstico objeções oriundas de

setores conservadores dos quadros político e militar nacionais.

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Saraiva enfatiza que a Comissão Militar Conjunta Brasil-Estados Unidos

temia a vulnerabilidade da política externa de Quadros, que poderia ser influenciada

por visões a favor dos regimes comunistas.22

Em relação a Angola, Bueno salienta que o então chefe da delegação

brasileira na ONU observou que a posição do país era determinada pela

autodeterminação, pelo anticolonialismo, mas também pelos seus laços históricos,

culturais e de amizade que o ligavam a Portugal. O Brasil desejava uma solução

pacífica, rápida, que compatibilizasse os interesses de portugueses e angolanos, e

que preservasse os ‘elementos culturais e humanos que são característicos da

presença portuguesa na África’. Apesar da ênfase que a PEI emprestava ao

anticolonialismo, a tradicional amizade com Portugal inibia a Chancelaria brasileira

na tomada de uma posição mais contundente na questão angolana.23

Mário Gibson Barboza, então Ministro-Conselheiro do Brasil na ONU

durante o governo de Jânio Quadros, lembra que, no que dizia respeito à África, a

posição geral de Jânio, aconselhado por Arinos, era a de procurar com o continente

negro uma aproximação real e anticolonialista, contrariamente ao que haviam

praticado governos anteriores. Mas ainda aí vacilava, quando menos era de se

esperar. “Assim, definiu-se entre Jânio e Arinos que passaríamos a votar contra

Portugal nas Assembléias-Gerais das Nações Unidas, onde sucessivamente se

adotavam resoluções anticolonialistas, que apertavam, cada vez mais, o cerco a

Portugal”.24

No entanto, o Embaixador de Portugal no Brasil, Manuel Rocheta, que

tinha grande penetração na sociedade brasileira, comandou um lobby intenso nos

meios políticos, com o intuito de mudar a posição do Itamaraty nas Nações Unidas.

Barboza descreve que “foi assim, com perplexidade, que Afonso Arinos recebeu a

visita do Embaixador português, que regressava de Brasília, onde fora recebido pelo

Presidente, e o informou de que este mudara de decisão e resolvera votar a favor de

Portugal”.25

22 SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África. In: CERVO A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 266. 23 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 342. 24 BARBOZA, M. G. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007, p. 342. 25 BARBOZA, M. G. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007, p. 342.

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Ainda assim, o Brasil avançou na implementação da política africana. No

governo Goulart as relações com o continente foram ampliadas com o

estabelecimento de três embaixadas brasileiras, em Lagos, Dacar e Acra. Esta

última, sendo ocupada inclusive pelo primeiro embaixador negro da história do

Brasil. Em 1962, Gana e Senegal estabelecem suas embaixadas em Brasília.

No governo militar de Castelo Branco, a grande preocupação relacionava-

se ao Atlântico Sul e à costa ocidental da África.

Segundo Gonçalves e Shiguenoli:

O maior receio de nossos estrategistas era uma possível instalação de regimes hostis ao mundo ocidental naquela parte do continente africano, ameaçando a segurança brasileira na sua imensa fronteira leste. Para mostrar a exeqüibilidade dessa hipótese, recorriam à experiência histórica da Segunda Guerra Mundial, quando as forças aliadas utilizaram-se do litoral nordestino como cabeça-de-ponte para alcançar o norte da África, palco de decisivos combates no confronto com as forças do Eixo.26

O forte teor ideológico dos militares predominou no posicionamento do

Brasil na questão africana e conforme salientado por Saraiva, inibiram as iniciativas

do período anterior. E então Gonçalves e Miyamoto afirmam que:

Objetivando guarnecer esse flanco defensivo, reverteu-se a orientação política desenvolvida pelo governo anterior de afastar o país do regime português de Salazar, devido à sua obstinação em manter o império colonial a salvo do processo de descolonização. Movido pelo interesse geopolítico de assegurar o arquipélago de Cabo Verde e Angola adstritos ao bloco ocidental, o governo Castelo Branco buscou a reaproximação com o governo português. Após as visitas mútuas do chanceler português Franco Nogueira e do chanceler brasileiro Juracy Magalhães, foi restabelecido o status quo ante, o que proporcionou ao Brasil, em troca de seu apoio ao sistema colonial de Portugal, a assinatura de um tratado de comércio pelo qual se lhe abriam os portos coloniais27.

26 GONÇALVES, W. e MIYAMOTO, S. Os Militares na Política Externa Brasileira: 1964-84. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 6, n. 12, 1993, p. 211-246. 27 Idem.

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3 OS ANOS 70 E O REDIMENSIONAMENTO DO ATLÂNTICO SUL PARA O BRASIL

No inicio dos anos 70, a política externa brasileira ganhou novas

orientações, em sintonia com cenários doméstico e internacional desafiadores. As

relações do Brasil com Portugal e o continente africano passam por sensível

transformação. E com o Estados Unidos inicia-se a chamada “rivalidade emergente”.

Passados os primeiros anos do regime autoritário, apoiado pelos Estados

Unidos, frustravam-se no Brasil as expectativas por um papel mais cooperativo, em

termos econômicos, principalmente, por parte de Washington. Por outro lado,

aumentavam os protestos contra o regime nos meios intelectuais, artísticos e

sindicais, apesar da repressão exercida pelos militares.

A “rivalidade emergente” se manifestou em temas diversos, como no

protecionismo comercial, com restrições às importações de manufaturados

brasileiros (café solúvel, têxteis, calçados, bolsas), a incompatibilidade das políticas

nucleares, que se evidenciou nas resistências de Washington ao acordo nuclear

teuto-brasileiro, embates em fóruns multilaterais sobre questões de poluição, defesa

do meio ambiente, renovação dos acordos internacionais do café e do açúcar e no

decreto brasileiro em fixar a extensão do mar territorial em 200 milhas.

Em segundo lugar, e concernente ao citado acima, era necessário garantir

o desenvolvimento econômico que se verificava no início dos anos 70, o chamado

“milagre econômico”. Com a rápida expansão industrial, o país necessitava garantir

mercados, tanto para exportação como para fornecimento de matérias-primas,

especialmente o petróleo. Para Saraiva, com a vulnerabilidade energética acelerada

com a crise do petróleo, tinha que levar em conta esse componente no xadrez da

crise colonial em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde.28

Antes da Segunda Guerra Mundial, os interesses brasileiros se

orientavam quase que exclusivamente no sentido Atlântico norte-sul.

Desde 1972, no entanto, toma grande impulso a Rota Africana, partindo

da trijunção de Corredores de Exportação Santos-Rio de Janeiro-Vitória, que atinge

a zona ocidental do continente. A Rota do Cabo, da qual o Brasil já participava

28 SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África. In: CERVO A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 266.

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ativamente no comércio triangular com Portugal durante o período colonial, também

adquire maior importância face da aproximação do Brasil com a Ásia e Oriente

Médio.29

O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), vigente no período 1972-

1974 do governo Médici, lançou o slogan “Brasil-Grande Potência”, com a proposta

de promover o desenvolvimento do país, de forma acelerada e controlada, no

mesmo nível das grandes potências econômicas do mundo. A diplomacia do

nacionalismo-autoritário que se estabelece, tinha como objetivo primordial a

neutralização de todos os fatores externos que pudessem contribuir para limitar o

Poder Nacional, segundo análise de Moniz Bandeira.30

A região do Atlântico Sul surge de modo mais intenso na política externa

brasileira a partir daí, e a questão de desenvolvimento passa a estar mais

nitidamente vinculada ao conceito de segurança.

Nesse aspecto, a África passou a ser percebida de modo diferenciado,

tanto no campo estratégico-militar como no diplomático.

Em primeiro lugar, uma administração descentralizada conferiu maior

autonomia ao Itamaraty no interior do Estado autoritário, o que permitiu ao Ministro

das Relações Exteriores, Mário Gibson Barboza defender sua “Diplomacia da

Prosperidade”, bastante semelhante às diretrizes da PEI. A nova linha de política

externa exigia enfrentar o problema do colonialismo português. Barboza, em

exposição de motivos ao Presidente Médici, disse: País Atlântico, o Brasil tenderá, num futuro que se aproxima com rapidez, a ter crescentes interesses e responsabilidades no outro lado do oceano que banha nossas costas. Conviria por isso que, desde já, procurássemos aumentar, dentro de nossas possibilidades e recursos, a presença brasileira naquela parte da África que chamaremos atlântica. Os países que a formam não são apenas nossos co-ribeirinhos. Deles proveio a esmagadora maioria do contingente negro de nossa formação. Da área situada entre o rio Volta e o rio dos Óleos vieram instituições e costumes que se impuseram como algumas das matrizes de nosso comportamento social. Com essa região mantivemos durante o Império, intenso e permanente contato, de que ainda sobram reminiscências, nos simples bairros brasileiros de Acra, de Lagos e de toda a costa do Daomé e do Togo, bem como nas famílias que conservam nomes de origem portuguesa e reclamam com orgulho a condição de

29 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 45-6. 30 SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África. In: CERVO A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 266.

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descendentes de brasileiros. Com esses países é que sustentamos a maior parte de nosso diálogo nas iniciativas internacionais para a estabilização dos preços dos produtos primários. São eles os nossos principais competidores nos mercados de produtos tropicais e, ao mesmo tempo, nossos principais parceiros para o seu ordenamento racional. Influem decisivamente alguns desses países – como a Costa do Marfim, a Nigéria e Gana – nas decisões políticas do grupo africano, sobretudo nos organismos internacionais, onde hoje a África forma o mais numeroso grupo de Estados.31

Em sua explanação a Médici, o Chanceler ainda salientou que a África

Atlântica deveria ser escolhida para um novo esforço criador da diplomacia

brasileira:

Dentro da área, penso deveríamos concentrar esforços naqueles países que se apresentam como de maior importância para o Brasil, quer por razões econômicas, como a Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Camarões e Zaire, quer por seu relevo político, como o Senegal, a Costa do Marfim, Gana e Nigéria, quer por sua influente presença cultural em toda a África, como o Senegal, quer pela relevância dos laços que mantiveram com o Brasil no passado e que ali continuam vivos, como o Togo, o Daomé e a Nigéria.32

E concluiu assim sua exposição:

Dessa forma, se Vossa Excelência houver por bem assim autorizar-me, aceitarei o convite que me fizeram a Costa do Marfim e o Senegal para visitar aqueles países, no próximo ano de 1972, e estenderei a viagem a Gana, ao Togo, ao Daomé, à Nigéria, aos Camarões e ao Zaire, com os objetivos de: -(1) revigorar a presença brasileira na área; -(2) examinar os interesses comuns no Atlântico Sul e as possibilidades de uma política coerente de mar territorial; -(3) ampliar os mecanismos de consulta e colaboração sobre produtos primários; -(4) estimular a criação de correntes efetivas de comércio; -(5) estabelecer novos modelos de cooperação cultural e de assistência técnica.33

O Presidente Médici aprovou, sem qualquer modificação, essa nova linha

de política externa, deixando Barboza com as mãos livres para a ação diplomática

decorrente. Nesse aspecto, a opção pela África, em detrimento da ligação com

31 BARBOZA, M. G. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007, p. 346-7. 32 Idem. 33 Idem.

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Portugal, fez com que o Brasil avançasse nas ações diplomáticas em relação a esse

continente, e em especial a Angola, alguns anos mais tarde, já durante o governo

Geisel, como veremos adiante.

O rápido e acelerado crescimento econômico do Brasil no início da

década tornavam o suprimento energético crucial para sustentar o “milagre”, vindo a

influenciar no delineamento de uma nova política externa para a África. Saraiva

salienta que a vulnerabilidade energética do país era uma preocupação para os

formuladores da política externa no Brasil. Nigéria e Angola seriam fornecedoras de

petróleo e, em certo sentido, representariam para o Brasil um espaço de

diversificação da sua própria vulnerabilidade. Mas não apenas. O aumento do

comércio exterior do país no período, em que 90% dele era transportado pelo mar, e

em especial a importação de petróleo, transportado principalmente pela Rota do

Cabo, circundando a África do Sul, representaram nova dimensão geopolítica para o

Atlântico Sul. A guerra árabe-israelense e conseqüente fechamento do canal de

Suez reforçaram a importância estratégica dessa vertente para a chancelaria

brasileira.

Para Ferreira, “esse conflito localizado, numa área em que o Brasil só tem

como interesse vital o petróleo que compramos dos países árabes, veio revelar o

grau de despreparo estratégico do Brasil no mar”.34

Até então, a Guerra Fria orientava a política externa e de defesa para o

interior, onde as fronteiras terrestres encontravam-se vulneráveis a guerrilha e ao

inimigo ideológico.

A questão ideológica, entretanto, em decorrência dos interesses

econômicos e estratégico-militares, logo deu lugar ao pragmatismo. Tomava corpo

nas esferas de tomada de decisão em política externa e defesa, o Itamaraty e o

Conselho de Segurança Nacional (CSN), principalmente, que o Atlântico Sul era vital

para a segurança do Estado brasileiro, e que a África ocuparia papel relevante

nesse aspecto. Na avaliação de Miyamoto, “para um país que nutria a aspiração de

em breve tempo ingressar no rol das grandes potências, o controle da fronteira leste

parecia estrategicamente fundamental; tratava-se, pois, de fazer do Atlântico Sul um

verdadeiro maré nostrum.”35

34 FERREIRA, O. S. A Crise da Política Externa. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001, p.73. 35 GONÇALVES, W. S. e MIYAMOTO, S. Os militares na Política Externa Brasileira: 1964-1984. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 6, nº 12, 1983, p. 211-246.

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Tornava-se necessário conciliar a visão ideológica matizada pela Guerra

Fria, fortemente presente no regime militar com os objetivos que se pretendia

alcançar. Por um lado, afastar o perigo representado pelo comunismo, que

alcançava o continente africano. Por outro, fortalecer a presença brasileira no

Atlântico Sul, em vistas dos interesses econômicos e estratégicos que representava.

O primeiro governo angolano teve como base o MPLA (Movimento Para a

Libertação de Angola), apoiado pela União Soviética. Os Estados Unidos, por seu

turno, apoiavam a FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) e a UNITA

(União Nacional pela Independência de Angola). Esses partidos, organizados no

esteio dos movimentos pela autodeterminação dos povos, intensificaram suas

disputas com a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, que pôs fim ao

regime ditatorial naquele país.

A questão angolana tornava-se delicada para o Brasil por dois aspectos.

Em primeiro lugar, resistências por parte de militares, que não aceitavam o

reconhecimento de um governo de esquerda. Em segundo lugar, significava a

quebra de um tratado não-escrito com Portugal, que perdurou desde a

independência do Brasil.

Acabou prevalecendo a opção pela África, quando em 1975, o Brasil se

torna o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com Luanda, sob

governança do MPLA, contrariando inclusive a posição norte-americana na questão.

Como vemos, o reconhecimento brasileiro da independência de Angola

constituiu-se um importante fato no novo perfil das relações entre Brasil e Estados

Unidos, mas não o único.

Algum tempo antes, em 1972, a expulsão a tiros de canhão de barcos

norte-americanos dessas águas e a apreensão de barcos pesqueiros de diversas

nacionalidades marcaram a afirmação da soberania brasileira na faixa reivindicada.

Isto levou o Congresso norte-americano a apresentar projetos de retaliação ao Brasil

caso não fosse revogado o decreto das 200 milhas assinado pelo presidente

Médici.36

Amparado pelo “milagre econômico”, de alto endividamento externo, o

governo brasileiro realizou investimentos em estradas, hidrelétricas e

telecomunicações. Intensificou-se a procura por petróleo na plataforma continental e,

36 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 408.

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em 1974, a Petrobrás descobriu pela primeira vez grande jazida na bacia de

Campos, no campo de Garoupa.

Indícios de petróleo nessa região já haviam sido verificados no final dos

anos 60, em torno de 150 milhas da costa. Como as 12 milhas de mar territorial

então vigente não garantiam a soberania sobre recursos minerais como os

descobertos pela Petrobrás, ganhava força a idéia de ampliar esse limite para 200

milhas.

O Decreto-lei nº 1.098 de 25 de março de 1970, que instituiu as 200

milhas, originou-se de proposta do Chanceler Mário Gibson Barbosa e foi elaborado

por grupo de trabalho orientado pelos Ministérios das Relações Exteriores e da

Marinha, e aprovado por unanimidade pelo Conselho de Segurança Nacional.

O Conselho de Segurança Nacional, criado através da Constituição de

1937, com a função de estudar todas as questões relativas à segurança nacional,

tornou-se, pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969, “o órgão de mais alto nível de

assessoramento direto do Presidente da República, na formulação e na execução da

política de segurança nacional”.37 Passou a ocupar papel central nos assuntos de

fronteiras, terrestres e marítimas.

A repercussão positiva da instituição das 200 milhas, por parte dos meios

políticos, inclusive do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido de oposição

legalmente instituído pelo regime, da mídia e da sociedade em geral, denota o

sentimento ufanista que vigorava então. “Esse mar é meu”, título de samba de João

Nogueira, incorporava-se a outras manifestações do gênero, como “Com brasileiro

não há quem possa”, do famoso jingle da Copa de 70, e do “Ninguém segura este

país”, verbetes propagandistas do governo militar.38

Para Cerri: O símbolo de massa de mar passa a participar mais intensamente da propaganda política do regime, e, mesmo não sendo representado no mapa usual do território nacional, confere um sentido novo ao desenho das costas litorâneas, envolvendo-as com um sentido de união, de força, de pertencimento, de integração, transferidos do significado do mar enquanto um símbolo da massa que é a nação. “O Brasil começa no mar”, afirma o anúncio da Petrobrás, atribuindo esse sentido de uma fronteira dinâmica e integrada ao sentimento de um espaço que “nos” pertence, que faz parte do que somos enquanto coletividade; conquistar e manter esse espaço é dignificar

37 PALÁCIO DO PLANALTO. Brasília: Decreto-Lei nº 900, de 29/09/1969. 38 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 Milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999, p. 113.

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o conjunto, e especialmente a classe dirigente, tradutora e executora firme e competente dos anseios do grupo, tanto no aspecto moral, quanto econômico, e também no identitário, unindo o mar simbólico da massa nacional ao mar físico que lhe pertence.39

Na ocasião, o Itamaraty recebeu diversas notas de contestação da

medida, a maioria vinda de países industrializados de grande atividade pesqueira,

como Bélgica, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Japão, Noruega, Reino

Unido, República Federal da Alemanha, Suécia e União Soviética.40

A medida enquadrava-se na proposta do nacional-autoritarismo de

neutralizar todos os fatores externos que pudessem contribuir para limitar o Poder

Nacional.

Argumenta Moniz Bandeira que:

Aquela ocasião, diplomaticamente bem calculada, visou a produzir efeitos internos, como demonstração de nacionalismo, sobretudo para as Forças Armadas, e externos, atingindo os Estados Unidos em um ponto não tanto sensível, que pudesse provocar fortes retaliações, mas suficientemente sensível, quando suas pressões sobre o café solúvel e os têxteis de algodão, bem como a redução das quotas de importação de açúcar e das vendas de armamentos afetavam os interesses do Brasil. Tanto Gibson Barbosa, que fora Embaixador do Brasil em Washington, quanto Araújo Castro, nomeado para o substituir, sabiam que a invocação da “amizade tradicional”, “solidariedade continental” etc., como argumentos, não sensibilizavam os norte-americanos, com os quais se tornava necessário falar com firmeza e energia, para discutir problemas concretos.41

Na costa atlântica da América do Sul, Argentina em 1966 e Uruguai em

1969, adotaram igualmente a medida das 200 milhas. Assim, o Brasil uniformizava a

largura de seu mar territorial com o de seus vizinhos austrais.

Segundo Saraiva, a decisão brasileira constituiu-se também em

reafirmação de sua política para a África. Se para setores militares estrategistas

predominava o tema da hegemonia militar do Brasil no Atlântico Sul, a questão das

200 milhas ajudava a projetar a imagem de um poder tropical industrial e convencer

os estados negros africanos que as relações históricas do Brasil com Portugal não

39 CERRI, L. F. Ensino de História e Nação na Propaganda do “Milagre Econômico”. Tese de doutorado defendida na Unicamp. Campinas: 2000. 40 Idem, p. 113. 41 BANDEIRA, M. Relações Brasil-EUA no Contexto da Globalização. São Paulo: Editora Senac, 1997, p. 112.

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deveriam inibir o desenvolvimento de relações intensas com a África negra

independente. Além disso, a solidariedade africana era um importante trunfo junto

aos organismos multilaterais.42

Certa inflexão da política externa do regime autoritário, em um sentido

mais favorável a Angola, Moçambique e Guiné-Bissau ocorreu ao fim do Governo

Médici, pois até então as manifestações brasileiras sobre a auto-determinação da

África se davam em meio a contradições, principalmente na ONU, em apoio a

Portugal.

Como visto anteriormente, além do petróleo, a pesca também foi um dos

interesses que o Brasil buscou defender na nova delimitação do mar territorial.

Carvalho aponta para caráter inovador do conceito de Zona Econômica

Exclusiva (ZEE) que se consolida no período de 1971 e 1972, e que veio a ser o

elemento central de todo o processo de negociações sobre o direito do mar que viria

a se desenvolver posteriormente. Em 1973, a III Conferência das Nações Unidas

sobre o Direito do Mar, cuja realização deveu-se em grande parte ao decreto

brasileiro, veio a solucionar o impasse sobre o limite de 200 milhas. Mas somente

em 1982, em Montego Bay, na Jamaica, a III Conferência alcança seu objetivo, uma

Convenção. Desde 1973, no entanto, um novo regime internacional sobre o Mar já

regulava interesses dos Estados adjacentes a ele.

Bueno argumenta que:

Ao Brasil interessava também os direitos soberanos sobre a plataforma continental. Não obstante a zona econômica exclusiva protegesse praticamente toda a plataforma brasileira, o País apoiou a solução que acabou prevalecendo: a que estendia a soberania dos países ao talude e ao sopé das plataformas, em razão da possibilidade da ocorrência de jazidas petrolíferas.43

Mas antes disso, a indefinição sobre a faixa de mar territorial e a

soberania sobre essas águas suscitou diversos conflitos, como a “Guerra do

Salmão”, em 1956, envolvendo a apreensão de barcos pesqueiros peruanos pelos

Estados Unidos. Em 1958, a “Guerra do Bacalhau”, entre Inglaterra e Islândia e a

42 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 309. 43 BUENO, C. A política multilateral do Brasil. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 309.

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“Guerra do Arenque”, em que barcos noruegueses adentraram águas da Guatemala,

foram fatos ocorridos pala ausência de tratado internacional sobre a questão.44

Durante o governo Goulart, entre 1961 e 1963, Brasil e França

protagonizam a “Guerra da Lagosta”, em águas do litoral de Pernambuco. Flagrados

por pescadores nordestinos, pesqueiros franceses foram convidados a se retirar da

área pela Marinha, desencadeando um conflito pouco conhecido na história das

relações internacionais do Brasil. Um contingente naval francês chegou a se

deslocar para a área do conflito, o que foi respondido pelo Brasil com a mobilização

da aeronáutica e do exército, além da própria marinha. A imprensa francesa

acalorou a discussão e questões curiosas foram levantadas. Se a lagosta fosse

capturada nadando, isto é, sem estar repousando no assoalho submarino,

considerado território brasileiro, então estaria o crustáceo em águas internacionais.

Após debates diplomáticos entre os dois países, a questão foi encerrada a favor do

Brasil. O episódio evidenciou imprecisões não apenas a respeito da fauna marinha,

mas também em relação aos direitos de soberania sobre o mar territorial.45

Em 1971, evento semelhante se dá contra embarcações dos Estados

Unidos que pescavam a 75 milhas da costa brasileira. O Brasil foi acusado de atacar

oito barcos pesqueiros norte-americanos dentro do limite das 200 milhas. A Marinha

brasileira negou o ocorrido, argumentando que uma eventual apreensão de barcos

pesqueiros não demandaria o uso da força, mesmo porque os pesqueiros não

disporiam de capacidade de reação.46

Carvalho salienta outros fatores econômicos de importância para o país,

resguardados através da soberania na faixa de 200 milhas, como o controle de

pesquisas nas águas e nos fundos da área de 200 milhas e da preservação do meio

ambiente marinho; contenção de atividades que pudessem causar a poluição das

águas e danos aos recursos marinhos; e obstar iniciativas de estabelecimento e

utilização de estruturas nocivas aos interesses do Estado brasileiro, tanto em termos

econômicos como de segurança nacional.47

44 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999. 45 BRAGA, C. C. A Guerra da Lagosta. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha (SDM), 2004. 46 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999. 47 idem

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O governo Médici projetou um papel de relevo para o Brasil, uma

“potência emergente” no concerto das nações. Desenvolvimento e Segurança

Nacional mesclaram-se de forma mais intensa sob a influência do pensamento

militar, sempre mais propenso a tecer análises baseadas em considerações sobre

guerra e defesa. O contexto da Guerra Fria contribuiu significativamente para

tonificar a doutrina de segurança do Brasil e do modo como o Atlântico Sul

vinculava-se a esse pensamento.

Além de resguardar para si o uso dos recursos econômicos do oceano, na

sua faixa de 200 milhas, o Brasil visava também impedir a presença de navios e

submarinos praticando espionagem, pesquisas marinhas para fins militares ou

qualquer outra atividade que fosse um atentado à soberania nacional. Na época,

temia-se que colaboração externa às guerrilhas que atuavam contra o regime, com o

envio de armamentos, pudesse ser realizada mais facilmente sem a jurisdição do

Estado em faixa ampliada do mar territorial.

Medida que proibisse o uso de artefatos militares no fundo dos oceanos,

incluindo testes nucleares, foi defendida pelo Brasil e materializada em Tratado.

Nos anos 70, as crises do petróleo e as restrições de ordem econômica

que vieram a reboque colocaram por terra o mito do “milagre”, e a realidade

mostrou-se amarga com o alto endividamento externo que sustentou o projeto

“Brasil-grande potência”.

As dificuldades enfrentadas pelo Brasil na década de 70 foram

acompanhadas por deterioração das relações com os Estados Unidos. De ambos os

lados verificava-se manifestações de animosidades. E Geisel, apesar de convidado

em 1975, nunca se dispôs a visitar os Estados Unidos. Por outro lado, o país

diversificava suas iniciativas diplomáticas, em especial com Europa e Japão.

Aproximou-se da China e em relação à África, posicionou-se claramente a favor da

descolonização, como visto anteriormente.

O “pragmatismo responsável e ecumênico”, rótulo dado à política externa

do governo Geisel, é definido por Brigagão e Rodrigues como a habilidade que teve

esse governo para usar os recursos de acordo com interesses práticos. Segundo os

autores, esse postulado representaria a consolidação da posição brasileira na

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América Latina, um novo ensaio de penetração nos mercados africanos e uma

espécie de ‘nacionalização’ da internacionalização brasileira.48

Segundo Fonseca Jr., a linha autonomista de Geisel estaria, basicamente,

determinada por imposições de lógica diplomática:

Se a política externa independente nasce de um projeto político, de uma concepção intelectual, o pragmatismo será tentativa de superar uma história que começa em 1964 e que resulta, de um lado, em algum isolamento diplomático (especialmente no campo multilateral) e, de outro, em uma teia de contradições reais com a potência hegemônica (em áreas variadas, com direito do mar, energia nuclear, comércio etc.). Isso não impede que a política externa venha a ter efeitos ou impulsos domésticos, (p.ex. a necessidade ampliar o espaço econômico do país, com o incremento de exportações: afinidade com o esquema de abertura de Geisel), mas não é a dinâmica interna a base privilegiada para explicá-la. Em suma, em vista de novas circunstâncias da presença internacional do país, mudam os próprios parâmetros brasileiros de interpretar o mundo.49

Saraiva analisa que as crises do petróleo, a Revolução dos Cravos em

Portugal, as próprias modificações no sistema internacional e a eficácia do método

do pragmatismo ecumênico e responsável de Geisel permitiram a opção brasileira

pelas independências em Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné Bissau.50

A partir de 1975, segundo Saraiva, a inflexão da política exterior brasileira

para a África ficou mais evidente com a primeira visita de um presidente brasileiro,

João Figueiredo, à África negra. “A política africana adquirira consistência própria e

penetração em vários setores da sociedade política dos dois lados do Atlântico Sul”,

pondera.51

Desde os anos 70, a diplomacia brasileira vinha se articulando com

habilidade junto aos governos da Nigéria e de Angola para conter a África do Sul no

seu propósito de construir uma área de segurança regional no Atlântico Sul

semelhante à Otan.52

48 BRIGAGÃO, C. e RODRIGUES, G. M. A. Política Externa Brasileira – Da Independência aos desafios do século XXI. São Paulo: Ed. Moderna, 2006, p. 66. 49 FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais – Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 302-303. 50 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 314. 51 Idem, p. 314. 52 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 315.

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Na América do Sul, buscou apoio de Buenos Aires para declarar o

Atlântico Sul como zona de paz e cooperação.

Entretanto, o caráter militar dos regimes políticos no Brasil e na Argentina

constituía-se em fator complicador a entendimentos diplomáticos, haja vista a

percepção geopolítica que orientava as decisões em política exterior.

Como vimos anteriormente, a crise do petróleo no início dos anos 70

influenciou na aproximação do Brasil com a África.

O suprimento energético, entretanto, dependia também de outros

recursos, como o hidrelétrico.

A construção de Itaipu, em parceria com o Paraguai, tornou-se vital para o

processo de industrialização do Brasil. Porém, encontrou forte oposição da Argentina

pelas suas implicações geopolíticas. Buenos Aires temia que a região se

transformasse em um pólo de desenvolvimento que alterasse significativamente sua

influência na Bacia do Prata.

No extremo sul do continente, a soberania sobre o Canal de Beagle, rota

de passagem entre o Atlântico Sul e o Pacífico, constituiu-se em conflito entre a

Argentina e o Chile. Além de sua motivação geopolítica, tanto o canal de Beagle

como Itaipu inseriam-se na estratégia do regime militar argentino para reforçar seu

prestígio.

A invasão argentina das ilhas Malvinas/Falklands insere-se nessa

perspectiva, a de restaurar a credibilidade de um regime cada vez mais contestado e

combatido.

Para Fausto e Devoto:

A invasão das Malvinas gerou na Argentina um fenômeno de unidade nacional como o país jamais conhecera, embora o entusiasmo maior corresse por conta da classe média. Foram esquecidas ou deixadas de lado as violências do governo militar, assim como as agruras decorrentes da instabilidade econômica. Não era o grito da “pátria em perigo” que unia o país, mas o de afirmação da soberania, acompanhada de um golpe em uma potência imperialista. Na consciência e no inconsciente da maioria dos argentinos, a recuperação das Malvinas, ocupada pelos britânicos desde 1833, constituía também uma questão de honra, uma reivindicação nacional martelada nos bancos escolares e nos livros didáticos. 53

53 FAUSTO, B. e DEVOTO J. Brasil e Argentina – Um ensaio de história comparada (1850-2002). São Paulo: Editora 34, 2004, p. 458.

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Buenos Aires esperava poder contar com o apoio dos Estados Unidos,

uma vez que os argentinos se colocavam como país-chave e satélite privilegiado de

Washington na América do Sul, principalmente após terem participado das

operações anti-sandinistas na Nicarágua. Entretanto, os militares argentinos

equivocaram-se sobre o posicionamento norte-americano, e levaram adiante um

conflito que à época surgia como oportunidade para resgatar a popularidade de um

regime enfraquecido. Nesse caso, as relações Norte-Sul prevaleceram sobre a

dinâmica Leste-Oeste da Guerra Fria.

Segundo Jaguaribe, ao comentar sobre a tentativa americana de mediar o

conflito:

O insucesso da mediação Haig levou o governo Reagan, ante a pressão de sua opinião pública, a um lamentável trânsito brusco da posição de mediador à de declarado partidário da Grã-Bretanha. Ademais do apoio político e moral, os Estados Unidos passaram a dar diversas importantes formas de assistência logística, notadamente através de seus satélites. Suspeita-se, assim, que a localização do cruzador Belgrano, que permitiu seu torpedeamento por um submarino britânico, tenha sido passada por informações americanas.54

A Argentina contou com a solidariedade do Brasil, não apenas moral. De

modo geral a posição adotada por Brasília foi de “neutralidade não eqüidistante”, na

definição de Jaguaribe, dado a seus interesses de curto prazo, estreitamente ligados

ao sistema econômico ocidental.55 Embora não apoiasse o confronto armado como

forma de solucionar o conflito, o Brasil impediu que seu território fosse usado como

escala e ponto de apoio para abastecimento e reparos de aeronaves militares

britânicas.

O apoio do Brasil à Argentina se fez perceber também após o

encerramento do conflito. Com o embargo imposto pela Comunidade Econômica

Européia, o comércio internacional argentino passou a ser realizado pelos portos

brasileiros. A embaixada brasileira em Londres também representou os interesses

de Buenos Aires até que as relações diplomáticas fossem normalizadas.

O contencioso das Falkland/Malvinas teve reflexos óbvios sobre a

segurança do Atlântico Sul. A razoável presença militar na ilha e em seu entorno, por

54 JAGUARIBE, H. Reflexões sobre o Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 19. 55 Idem.

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mais discreta que fosse, sinalizava a intenção britânica em não abrir mão de sua

possessão no Atlântico Sul. Os investimentos na ilha, ampliados pela grande

distância que separa o Reino Unido das Falklands, giravam em torno dos 100

milhões de libras anuais e refletiam os interesses presentes e futuros dos britânicos

sobre as ilhas.

Sobre a presença britânica no Atlântico Sul, Pereira afirma que:

O Reino Unido, malgrado a disputa com a Argentina e na suposição plausível de que uma solução definitiva para o dissídio está além do horizonte, é parte integrante do Atlântico Sul e assim deve ser considerado, como de fato tem sido, nas negociações que visam à progressiva transformação dessa área em uma região integrada, pois é essa, afinal, a maneira percebida pelos países ribeirinhos do Atlântico Sul de afastar as tensões, reduzir os riscos e aumentar a segurança da região, não apenas através de medidas no campo militar, mas por meio da cooperação para o desenvolvimento.56

No contexto hemisférico, os Estados Unidos perderam a credibilidade com

a desmoralização da Doutrina Monroe, do Tratado Interamericano de Assistência

Recíproca e de todas as suas demais políticas. Evidenciou-se a profunda divisão

entre a América Latina e Washington, na avaliação de Cervo.57

Na mesma linha de pensamento, pondera Jaguaribe que a OEA perdeu

legitimidade porque perdeu representatividade. E o TIAR perdeu visibilidade porque

os inimigos deixaram de ser comuns no âmbito interamericano.58

Logo após o término do conflito entre Argentina e Reino Unido, no dia 8

de dezembro de 1982, os Estados Unidos puseram um Comando Central com base

na Flórida, composto por uma Força de Intervenção Rápida, em condições de se

deslocar imediatamente, em caso de necessidade. Na análise de Castro, essa

iniciativa resultou da grande importância geoestratégica do Atlântico Sul e da Rota

do Cabo, especificamente, como trânsito para a região petrolífera do Golfo Pérsico.

Assim, com o enfraquecimento do TIAR, Castro conclui que para os Estados Unidos,

...o Brasil deve ser atraído como um país amigo e bem orientado para uma aliança que o coloque como peça importante numa região

56 PEREIRA, A. C. Brasil, o Reino Unido e a Segurança do Atlântico Sul, na Visão de um Observador Brasileiro. Seminário Brasil-Reino Unido, 18 e 19 de setembro de 1997. Rio de Janeiro: IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). 57 BANDEIRA, M. O Brasil e o Continente. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 198. 58 JAGUARIBE, H. Reflexões sobre o Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 30

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de contenção do Atlântico, ante uma área conflitual caribenha, com a presença de Cuba, e uma zona vulnerável que envolve as vias marítimas da costa da África Ocidental até o Índico.59

Além do enfraquecimento da aliança hemisférica, a crise financeira

mexicana, em 1982, também contribuiu para um realinhamento latino-americano e

facilitou entendimentos entre Brasil e Argentina em torno de projetos regionais, até

então obstaculizados devido ao predomínio do pensamento militar que gracejava por

quase todo o continente.

A aproximação entre os dois países na década de 80, impulsionada pela

redemocratização, possibilitou avanços no caminho da cooperação, até a assinatura

do Tratado de Assunção que instituiu o Mercosul, juntamente com Uruguai e

Paraguai.

Até então, as relações entre Brasília e Buenos Aires estiveram matizadas

por hipóteses de guerras, em que os argentinos também apareciam como os

inimigos mais prováveis. Uma das maiores preocupações era justamente uma

suposta ameaça nuclear da Argentina.

À época, o Conselho de Segurança Nacional fez referências à

superioridade da Argentina no campo nuclear, em documento preparado pelo órgão,

intitulado “Cenários 2000”. No item “Avaliação Político Estratégica Sul-Americana”,

no ponto que trata do “Estágio Científico e Tecnológico”, o documento aponta a

educação deficiente, gerando sociedades despreparadas, a falta de recursos

humanos e financeiros, a evasão de cérebros e o fosso acentuado em relação aos

países centrais, tendendo a aumentar. O estudo é direto no diagnóstico comparativo

nuclear entre Brasil e Argentina ao apontar vantagem do país vizinho no campo

nuclear. Além da tecnologia nuclear, no âmbito do Projeto Condor, a Argentina

encontrava-se em fase avançada quanto ao desenvolvimento de míssil teleguiado

de alcance médio, com capacidade para transportar ogiva nuclear, com a

cooperação do Irã e da Síria.

O documento ainda evidencia que os militares brasileiros consideraram

como relevantes para estudos de projeção de cenários apenas Argentina, Estados

Unidos e União Soviética.

59 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 358-9.

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Os militares brasileiros justificavam o interesse pela observação detalhada

sobre a Argentina por ser o país sul-americano com potencial e poder para se

contrapor, de forma mais significativa, aos interesses brasileiros, além de apresentar

ressentimentos históricos, de estar buscando sua autonomia estratégica - com

respaldo na política nuclear - e de possuir privilegiada posição geoestratégica em

relação ao Atlântico Sul e à Antártica.

Em outro ponto do documento, quando analisa quais devem ser os

principais interesses estratégicos do Brasil no continente, aparecem listados em

seqüência “evitar a hegemonia nuclear argentina no continente” e “preservar o

Atlântico Sul como zona de paz e cooperação”. 60

O Programa Nuclear Paralelo, que envolvia pesquisas não oficiais sobre

energia atômica, foi interrompido no governo Collor, diante de atitude idêntica

tomada pela Argentina. O governo Menem (1990-2000), alinhado aos Estados

Unidos, praticamente interrompeu projetos de pesquisa na área nuclear que vinham

sendo desenvolvidos.

No terreno militar, a aproximação Brasil-Argentina dava-se em velocidade

mais lenta do que na arena diplomática.

No entanto, a aproximação entre os países do Cone Sul, no final dos anos

80, favoreceu também ao deslocamento de considerável contingente militar para a

região amazônica, onde se fazia mais necessário para fazer frente a problemas

como o narcotráfico. Esse cenário impulsionou os países da região a assinar o

Tratado Amazônico.

A fronteira atlântica, entretanto, permanecia desguarnecida de

instrumento de cooperação e regulação, cuja importância se evidenciava com o

conflito protagonizado por Argentina e Reino Unido.

Mas essa não era a única questão que tornava o Atlântico Sul área de

implicações estratégicas para o Brasil.

Pesava nas ponderações brasileiras, assim como aquelas feitas em

relação à Argentina, a provável capacidade tecnológica de Pretória em desenvolver

armas nucleares, o que provocaria desequilíbrio de poder no Atlântico Sul. A

posição estratégica da África do Sul, na rota entre o Atlântico e o Índico, por onde

60 CENÁRIOS 2000. Conselho de Segurança Nacional. Brasília: Arquivo Nacional, 1987.

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passava grande parte do comércio exterior brasileiro, incluindo aí o petróleo

importado do Oriente-Médio, também era computada nas análises de Brasília.

Desta forma, a proposta brasileira de criação de uma Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS) foi defendida pela característica da região,

com “identidade específica”, “apesar de não se encontrar discriminado em nenhum

momento o que isto significa exatamente”, de acordo com observação de

Miyamoto.61

Miyamoto argumenta que:

Na verdade, pode-se imaginar que uma das idéias da proposta brasileira é justamente a de impedir que a África do Sul possa, devido às suas condições tecnológicas mais favoráveis, antecipar-se na corrida para a confecção de um artefato nuclear, causando um desequilíbrio regional, desfavorável aos interesses de Brasília. E, o que é pior, a África do Sul mantendo o controle estratégico das rotas de navegação do Atlântico Sul. A cooperação argentino-brasileira poderia fazer frente a esse possível elemento complicador. Trata-se de um problema de competição e de competência para ver quem chega primeiro “.62

O documento apresentado pelo Ministério das Relações Exteriores,

fortemente influenciado pelas Forças Armadas, traz no seu tópico 11 importantes

elementos de análise sobre a proposta brasileira:

Vale notar que o tratamento a ser dado à questão da não-militarização do Atlântico Sul refere-se especificamente às atividades relacionadas às questões e interesses internacionais alheios aos da região, de maneira a não afetar, de modo algum, os programas de modernização e desenvolvimento tecnológico das Forças Armadas dos países da área. É importante, pois, que fique claramente entendido que o conceito de não-militarização da área por países a ela estranhos não pode ser confundido com o de desmilitarização, no sentido de redução da capacidade de atuação militar dos países da região. Neste contexto, a iniciativa brasileira para o Atlântico Sul, ao acentuar o papel próprio dos países da área, tem como princípio que cabe a esses países assumir maiores responsabilidades para a defesa da paz e da segurança regionais, sendo necessário, por conseguinte, que disponha dos meios de atuação para tanto.63

61 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p.118. 62 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p.118. 63 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - Resenha de política exterior do Brasil, especial sobre Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, edição suplementar, dez. 1986.

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O documento acima deixa claro a intenção do Brasil em fortalecer sua

presença na região frente aos demais países, e nesse momento, frente à África do

Sul, especialmente, através do desenvolvimento científico-tecnológico, “...

desequilibrando a balança de poder regional, ao seu favor, de forma definitiva. Ou

seja, não se procura a hegemonia, mas esta decorre do próprio desenvolvimento

visado pelo país nestas áreas”.64

Desde a década de 70, o Brasil vinha desenvolvendo sua indústria bélica,

com sucesso. A partir de incentivos do Estado e utilizando tecnologia média, de

baixo custo, essa indústria conseguiu significativa participação em mercados que

demandavam equipamentos bélicos com esse perfil, como na África, Oriente-Médio

e América Latina.

Segundo Miyamoto, “a resolução do Ministério das Relações Exteriores

pode ser entendida, assim, como um mecanismo para inibir a república sul-africana

a não acelerar seu projeto de construir seu artefato atômico, principalmente antes do

Brasil”.65

O Brasil só veio a aderir ao TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas

Nucleares), na década de 90, no governo FHC. Alguns anos antes, o seu Programa

Paralelo já havia sido desmantelado, quando outros flancos de concorrência pelo

artefato já haviam se desvanecidos, ou seja, Argentina e África do Sul.

O Brasil apresentou em 1985, proposta à XL Assembléia Geral da ONU e

teve sua aprovação através da Resolução 41/11, em 27 de outubro de 1986, que

declarou a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.

A ZPCAS foi formada pelos países da costa ocidental da África e pelos

banhados pelo Atlântico Sul, na América Latina, totalizando 24 membros. Na

América do Sul, além do Brasil, participam Argentina e Uruguai. E pela África,

integram a ZPCAS a África do Sul, Angola, Benin, Camarões, Cabo Verde, Congo,

Costa do Marfim, Guiné Equatorial, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Bissau,

Libéria, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Zaire.

64 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p.120-121. 65 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p.121.

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Figura 3 - Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul – ZPCAS.

A ZPCAS foi aprovada de forma quase unânime, 124 votos a favor,

abstenções de Bélgica, França, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Portugal e

República Federal da Alemanha, e o voto contra dos Estados Unidos, que viram a

criação da ZPCAS como possível obstáculo ao seu exercício hegemônico.

Nesse sentido, o posicionamento do Senador Richard G. Lugar

exemplifica as preocupações dos Estados Unidos:

Nossas forças armadas dependem da liberdade de navegação nos, sobre e sob os oceanos a fim de proteger os interesses de segurança do país em todo o mundo. A Convenção reforça a segurança nacional dos Estados Unidos ao preservar os direitos de navegação e sobrevôo em todos os oceanos do mundo. Esses dois direitos são fundamentais para a proteção dos interesses norte-americanos no mundo.66

Esperava-se que o Reino Unido seguisse os Estados Unidos na sua

oposição ao estabelecimento da ZPCAS. “A diplomacia britânica, porém, deu um

golpe de mestre, aproveitando-se da iniciativa brasileira para afirmar que o Reino

Unido é parte integrante da comunidade do Atlântico Sul, aceitando, como os

demais países da área, os direitos e as obrigações inerentes a essa condição”.67

No contexto da Guerra Fria, a idéia de uma ZPCAS representou a

preponderância do pensamento militar brasileiro, que pretendia basicamente

consolidar uma hegemonia do país no Atlântico Sul. Utilizava, no entanto, a retórica

66 LUGAR, R. G. Tratado sobre o Direito do Mar Contempla Interesses Mundiais e dos Estados Unidos. Revista Questões Globais, abril de 2004. 67 PEREIRA, A. C. Brasil, o Reino Unido e a Segurança do Atlântico Sul, na Visão de um Observador Brasileiro. Seminário Brasil-Reino Unido, 18 e 19 de setembro de 1997. Rio de Janeiro: IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG).

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de que o Atlântico Sul não se converteria em palco de conflitos de interesses entre

potências exógenas.

Modificações no sistema internacional, desde os anos 70, de uma

polaridade rígida para um relativo declínio de poder dos Estados Unidos, o

fortalecimento da Europa e do Japão, sobretudo no plano econômico, vis-à-vis

novos cenários no plano regional, tanto na América Latina como na África,

provocaram igualmente mudanças nas percepções brasileiras, incluindo setores

estrategistas, sobre o Atlântico Sul.

Nesse aspecto, Pereira analisa que:

O ingresso da África do Sul no rol dos países democráticos certamente eliminou um dos mais graves fatores de tensão no Atlântico Sul, não apenas porque o apartheid constituía uma das mais abomináveis formas de discriminação racial e de supressão de direitos civis, mas porque era fator impeditivo de soluções conjuntas. A Eliminação do apartheid e a instituição da democracia racial na África do Sul foram precedidas pela destruição física dos artefatos nucleares que o regime de Pretória havia construído clandestinamente e pela submissão de todo o programa nuclear sul-africano às regras estritas e às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica. Afastou-se, assim, da zona a ameaça da proliferação nuclear.68

O suposto programa nuclear sul-africano contou, segundo especulações

nos meios diplomáticos e militares com a assistência israelense, tendo sido

realizado, inclusive, um teste no Atlântico Sul em 1979.69

Saraiva salienta a relevância extraordinária do continente africano como

fonte potencial de apoio para demandas comuns no diálogo Norte-Sul, nas Nações

Unidas e em outros órgãos multilaterais. Menciona também a crescente importância

do Atlântico Sul como área vital ao comércio exterior do país, estratégica quando se

pondera que a importação de petróleo passa, principalmente pela Rota do Cabo,

circundando a África do Sul.70

68 PEREIRA, A. C. Brasil, o Reino Unido e a Segurança do Atlântico Sul, na Visão de um Observador Brasileiro. Seminário Brasil-Reino Unido, 18 e 19 de setembro de 1997. Rio de Janeiro: IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). 69 MAGNOLI, D. Do Projeto Manhattan ao TNP. Mundo – Geografia e Política Internacional. São Paulo: Pangea Ed. Ano 14, nº 6, outubro/2006, p. 7. 70 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 198.

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E no âmbito da América do Sul, a Argentina aos poucos via diminuída sua

capacidade em investir em programas cientifico-tecnológicos, situação que se

agravou a partir de 1982, quando tentou recuperar as Malvinas pelo uso da força. A

negociação de protocolo de cooperação na indústria bélica entre Brasília e Buenos

Aires, que chegou a ser discutida nos governos Sarney-Alfonsin, nunca foi levada

adiante. Isso demonstra a relação de concorrência que havia entre os dois países

nessa área. A sensível vantagem do Brasil no setor assegurava posição confortável

no contexto regional, e a cooperação deveria se limitar a garantir a manutenção

desse status quo.

A ZPCAS não incluiu o continente antártico, mesmo porque esse

continente sem divisão geopolítica insere-se no Tratado Antártico, objetivo

estratégico-diplomático do Brasil no Atlântico Sul, como veremos adiante.

Diversas versões são encontradas sobre o descobrimento da Antártica.

Mas foi durante o Império Britânico que expedições, como a de James Cook (1772-

75), conseguiram explorar áreas desconhecidas em direção ao Pólo Sul.

Com uma extensão de cerca de 14 milhões de quilômetros quadrados, a

Antártica é considerada uma das áreas mais inóspitas à presença humana do

planeta, onde as baixíssimas temperaturas restringem a existência de vida vegetal e

animal.

No entanto, o continente antártico tem despertado o interesse e cobiça de

diversos países, que se valem de teorias e argumentos para reivindicar soberania

sobre porções do território, em sua maior parte encoberto por densa camada de

gelo. Especula-se sobre a existência de riquezas minerais, como o petróleo e a água

potável em forma de gelo, que chegaria a 90% das reservas do planeta.

A presença de animais como a baleia e a foca também se constitui fator

de disputa pela Antártica e seu entorno.

Além de interesses econômicos, é importante salientar que o Oceano

Glacial Antártico se conecta com o Atlântico Sul, Pacífico e Indico, tornando-se

estratégico para a navegação marítima.

O uso militar da Antártica também chegou a ser cogitado durante a

Guerra Fria, principalmente como área para realização de experiências nucleares e

para depósito de lixo atômico.

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O declínio do império britânico abriu espaço para disputas entre outras

potências, como a Alemanha, que enviou navios e submarinos em operações no

Atlântico Sul e na circunvizinhança antártica.

Durante a Guerra Fria, nem mesmo a Antártica esteve imune às disputas

entre Estados Unidos e União Soviética, que buscavam superar e ampliar seu poder

sobre o inimigo, e a Antártica constituía-se região vulnerável à cobiça internacional.

No âmbito sul-americano, Argentina e Chile protagonizaram conflito sobre

o Canal de Beagle, no extremo meridional da América do Sul, como visto

anteriormente. Mas as disputas entre os dois países por terras austrais também

chegaram à Antártica, precisamente pela Península Antártica, a porção mais

setentrional do continente, e, portanto a que apresenta melhores condições

climáticas, distante mil quilômetros da América do Sul.

Na América do Sul, além de Chile e Argentina, Uruguai, Peru e Equador

também reivindicam presença no continente antártico.

Em 1991, o Brasil marcou sua presença na Antártica, com a instalação da

Estação Comandante Ferraz, localizada justamente na Península Antártica. A

Estação foi estruturada para receber a comunidade científica do Programa Antártico

Brasileiro (Proantar), subordinado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

Na observação de Vieira, o fato do Brasil ter homenageado a Marinha

dando à sua base o nome de um militar daquela força, “Comandante Ferraz”,

demonstrava a disposição do país e dos outros países sul-americanos que adotaram

critério idêntico, de afirmarem politicamente (e não apenas cientificamente) a

posição de seus respectivos Estados sobre o continente gelado”.71

Vieira observa que paises marcaram sua presença na Antártica com a

utilização de “ícones de pesado valor ideológico” na denominação de suas bases. O

libertador Artigas empresta seu nome à base do Uruguai, enquanto a Argentina

homenageia os líderes militares Belgrano e Rivadavia. O Chile faz o mesmo ao

denominar suas bases de Prat e O’Higgins, enquanto o Peru recorreu ao Império

Inca para homenagear Machu Pichu suas instalações na Antártica.72

71 VIEIRA, F. B. O Tratado da Antártica: Perspectivas Territorialista e Internacionalista. Cadernos PROLAM/USP (ano 5 – vol. 2 – 2006), p. 49-82. 72 Idem.

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Além dos países sul-americanos, Reino Unido, França e até mesmo a

distante e nórdica Noruega incorporaram a seus territórios diversas ilhas da região

antártica.

Figura 4 – Reivindicações sobre os territórios antárticos

As reivindicações sobre a Antártica se assentam sobre duas perspectivas

apontadas por Vieira, a territorialista e a internacionalista.

A primeira se baseia nas idéias de descobrimento, ocupação,

contigüidade e continuidade. Insere-se nessa perspectiva a Teoria da Defrontação,

que dá direito a um país parcela de território de acordo com a projeção de seu litoral

sobre a Antártica.73 A partir dessa perspectiva, França, Noruega, Reino Unido,

Argentina, Chile, Austrália e Nova Zelândia reivindicam territórios, conforme indicado

pelo mapa (figura 3). No entanto, o Tratado proíbe, até 2058, a posse de territórios

por qualquer parte.

Ao Brasil, a Teoria da Defrontação tem especial importância, pois caberia

ao país a projeção longitudinal que vai da Ilha Martin Vaz, no litoral do Espírito

Santo, a leste, ao Chuí, no Rio Grande do Sul, a oeste. Estudos geopolíticos no

73 Idem.

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âmbito da Escola Superior de Guerra (ESG), sinalizam de maneira semi-oficial a

reivindicação territorial por parte do Brasil. 74

A perspectiva do Internacionalismo baseia-se no Direito Internacional, em

seus tratados e organizações legitimados nas negociações multilaterais, e é essa a

linha oficialmente defendida pelo Brasil.

O TIAR, em 1947, estabeleceu a área estratégica americana do Pólo

Norte ao Pólo Sul, incluindo, portanto, parte da Antártica. E em 1959 foi concluído

do Tratado da Antártica, celebrado entre doze países que participaram do Ano

Geofísico Internacional (AGI), dedicado a defender a Antártica.

No entanto, o artigo IV do Tratado não esclarece questões de

reivindicação territorial na Antártica ao afirmar que:

Nada que contenha no presente Tratado poderá ser interpretado como: Renúncia, por quaisquer das Partes Contratantes, a direitos previamente invocados ou a pretensões de soberania territorial na Antártida; Renúncia ou diminuição, por quaisquer das Partes Contratantes, a qualquer base de reivindicação de soberania territorial na Antártida que possa ter, quer como resultado de suas atividades, ou de seus nacionais, na Antártida, quer por qualquer outra forma. 75

Vieira observa que, inicialmente, o Tratado da Antártica tomou a forma de

um “clube”, em que apenas os 12 países signatários76 discutiam questões inerentes

à Antártica.

No entanto, as decisões consultivas do Tratado da Antártica já resultaram

em normas de ampla aceitação internacional, como foi o caso das Medidas

Acordadas para a Conservação da Fauna e Flora Antárticas, em 1964, da

Convenção para Conservação das Focas Antárticas, em 1972, e da Convenção

Sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, em 1980.77

O Tratado, no seu Artigo I, declara que a Antártica será utilizada somente

para fins pacíficos, proibindo o estabelecimento de bases e fortificações militares,

74 VIEIRA, F. B. O Tratado da Antártica: Perspectivas Territorialista e Internacionalista. Cadernos PROLAM/USP, ano 5, vol. 2, 2006, p. 49-82. 75 RANGEL, V. M. Direito e Relações Internacionais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 616-617. 76 São signatários do Tratado da Antártida: Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, República Francesa, Japão, Nova Zelândia, Noruega, União da África do Sul, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos. 77 VIEIRA, F. B. O Tratado da Antártica: Perspectivas Territorialista e Internacionalista. Cadernos PROLAM/USP, ano 5, vol. 2, 2006, p. 49-82.

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bem como experiência com quaisquer tipos de armas. E adiante, no Artigo II,

proclama a liberdade de pesquisa científica e de cooperação com essa finalidade.

Além do interesse científico pelo continente gelado, em especial pelo

monitoramento meteorológico, estudo da atmosfera antártica e suas implicações

para o Brasil, evolução da biodiversidade local, impacto do aquecimento global em

ecossistemas terrestres da Antártica marítima, entre outros temas, a presença

brasileira na Antártica insere-se no pensamento geopolítico do país, “seja de

expansão, de integração do território, seja de ocupação da Antártica, feitas de forma

constante.”78

O próprio Tratado, ao fortalecer a visão de uma Antártica

internacionalizada no âmbito das pesquisas científicas, não é conclusivo a respeito

das reivindicações territoriais, deixando em aberto a perspectiva territorialista.

A perspectiva internacionalista, entretanto, tem se sobressaido, em parte

devido ao gradual e constante fortalecimento do multilateralismo nas relações

internacionais, especialmente no que se refere à agenda ambiental, que tem sido

influenciada também de forma crescente pela participação da sociedade organizada.

Na Antártica, além de Estados, Organizações Não-Governamentais também operam

bases de pesquisa cientifica, o que reforça a perspectiva internacionalista sobre o

futuro da Antártica.

Ainda assim, a perspectiva internacionalista pode ser a mais interessante

sob o ponto de vista geopolítico, ao menos para o Brasil. Quando o Brasil opta pelo

Tratado Antártico, em 1975, uma vez que o Tratado possibilitava a adesão de novos

estados, visava primordialmente abrir uma frente austral, que permitisse ao

Itamaraty estabelecer uma nova série de pressões sobre Buenos Aires, que à época

já tinha as Malvinas e o Canal de Beagle para se preocupar.79

No entanto, o fim da Guerra-Fria trouxe novas perspectivas para a visão

internacionalista, fortalecida pelo multilateralismo e proeminência da agenda

ambiental, que em muito se conecta à Antártica. A crescente participação da

sociedade organizada em fóruns de debates sobre mudança climática e proteção

aos ecossistemas pode ser observada também em relação à Antártida. O próprio 78 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis, Ed. Vozes, 1990, p.114-115. 79 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A de (org.) Temas de Integração Latino Americana. Petrópolis, Ed. Vozes, 1990, p.114-115.

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caráter estritamente científico das atividades previstas no Tratado possibilita que até

Organizações Não-Governamentais possuam bases em solo antártico.

Deve-se ressaltar também que as pesquisa científicas envolvem em maior

ou menor grau a cooperação entre as diversas bases e estações internacionais

instaladas na Antártica, o que torna o Proantar de grande importância estratégica

para o Brasil. Segundo o coordenador Jorge Alexandre Silva, “com a existência do

Programa, o país tem a oportunidade de participar ativamente de pesquisas e da

história de um continente que não é de ninguém, e ao mesmo tempo é de todos”.80

80 OPERAÇÃO brasileira na Antártida desenvolverá 15 projetos. Jornal O Estado de São Paulo, 25/12/2007.

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4 ANOS 90: NOVOS VENTOS NO ATLÂNTICO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

O fim da Guerra Fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlin e o

colapso da União Soviética, acelerou processos em curso, como a Revolução

Científico-Tecnológica, a competição econômica e outros adventos, que foram

inseridos no que se costuma chamar de globalização.

Embora apresentado como fenômeno homogêneo, Vizentini a define

como “seletiva, pois visa a determinadas regiões, atividades e segmentos sociais a

serem integrados mundialmente”. Assim, a globalização integra determinados

segmentos e regiões, enquanto outras são excluídas, produzindo um mundo

assimétrico, com concentração de riquezas, tanto entre países como dentro deles.81

A integração regional surge nesse contexto como ferramenta de

enfrentamento aos desafios colocados pela globalização. Aos países ricos, visa o

fortalecimento dos pólos econômicos no contexto da competição internacional. O

desafio representado pela União Européia e pelo Japão, que alcançaram grande

desenvolvimento no período que se seguiu à Segunda Guerra, leva os Estados

Unidos a responderem com o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do

Norte). Aos países em desenvolvimento, apresentou-se como esforço para não

ficarem marginalizados na nova ordem internacional, com melhores condições de

barganha. Também buscavam complementaridade entre suas economias e

cooperação cientifico-tecnológica que pudesse melhorar a competitividade no

mercado global.

Em uma análise mais superficial, entretanto, fica evidenciado que os

Estados, de modo generalizado, encontram-se em situação de competição acirrada,

tanto pelos mercados consumidores como pelas áreas fornecedoras de matérias

primas e insumos. A competição capitalista exige que o Estado seja seu agente, de

modo que a soberania nacional esteja inserida dentro dessa lógica, a de garantir

condições materiais para a reprodução do capital. Assim deve ser vista a integração

regional, a cooperação internacional e todo o esforço do Estado em preservar sua

“soberania” e sua “segurança”.

81 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005, p.93.

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Desde esse período, diversos pesquisadores se debruçaram a estudar os

fenômenos da globalização e da integração regional, com o desenvolvimento de

teorias interpretativas, muitas das quais complementares entre si. No entanto, não

avançaremos nessa questão, pois o mais importante com esta breve

contextualização é permitir uma análise das implicações que o Atlântico Sul terá na

política externa e de segurança do Brasil, face o avanço do regionalismo.

À América Latina e ao Brasil, o desafio internacional se torna maior, muito

devido à estagnação econômica dos anos 80, a chamada “década perdida”, e às

históricas desigualdades sociais. A renegociação da divida externa dos países da

região impôs um conjunto de políticas econômicas conhecido como Consenso de

Washington. Basicamente, dizia respeito à liberalização econômica, ajuste fiscal e

desestatização. Esta última, aliás, representa bem o processo de diminuição do

Estado, o declínio do welfare state.

A redemocratização de Brasil e Argentina ocorre diante de cenário

externo adverso, de subordinação e perda de autonomia no âmbito econômico. No

entanto, Vizentini salienta que “a criação do Mercosul em 1991, por outro lado,

articulou um pólo relativamente autônomo na América do Sul, apesar do perfil

neoliberal do processo de integração”.82

Vizentini refere-se, especificamente, às parcerias diversificadas que

caracterizam o Brasil como global trader, à proposta do Itamaraty de criação da

ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana), que se vincularia à Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul, envolvendo países da América do Sul e da África,

numa estratégia de “círculos concêntricos” a partir do Mercosul.83

No esteio das grandes transformações na ordem mundial no início dos

anos 90, do outro lado do Atlântico a África do Sul extingue seu regime do apartheid

racial, que por anos levou o país ao isolamento internacional, com a perda, inclusive,

do apoio dos Estados Unidos.

Se o fim da União Soviética significou uma vitória ideológica dos Estados

Unidos, sua liderança mundial não poderia se dar mais nos mesmos moldes do

período da Guerra Fria. Para tornarem-se competitivos diante de potências

econômicas, como a União Européia, Japão e a emergente China, os Estados

82 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005, p.67. 83 Idem.

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Unidos precisariam reduzir os custos de sua liderança, rateando-os com o sistema

multilateral. Vizentini aponta que “Washington trata de estabelecer novos códigos

morais e de conduta, ancorados em organizações e regimes internacionais, como

forma de exercer sua hegemonia mundial”.84

Para o Brasil, portanto, além do Mercosul, abriu-se um outro flanco de

articulação regional. Vizentini analisa que:

A idéia era criar outro círculo concêntrico em volta do Atlântico Sul, através da cooperação do Mercosul com a África do Sul pós-Apartheid e com os países recentemente pacificados da África Austral. Este novo espaço constituiria uma área de crescimento econômico, tirando proveito das complementaridades existentes e potenciais. Além disso, esta iniciativa amplia o quadro de cooperação Sul-Sul, além de abrir uma rota permanente para os Oceanos Índico e Pacífico, propiciando, ainda, alianças estratégicas com potências médias e/ou mercados emergentes do Terceiro Mundo. Este último aspecto parece ser particularmente importante para a diplomacia brasileira.85

A esse aspecto, o Secretário-Geral do Itamaraty durante o governo Itamar

Franco, Roberto Abdenur, enfatiza o Brasil como um pólo em si mesmo:

Os senhores querem exemplos? Vejam o Mercosul. Vejam a Área de Livre Comércio Sul-Americana. O Ministro Celso Amorim disse, na sua palestra, do nosso desejo de construir o espaço sul-americano como um espaço com identidade própria no plano político e econômico. E nós estamos fazendo isso. Os senhores viram o Chile e a Bolívia, em dias recentes, buscarem, com muito interesse e empenho, uma associação com o Mercosul. É o Brasil que está criando a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que nos dá uma dimensão inédita: nenhum outro país, entre os países ibéricos e latino-americanos, está ao mesmo tempo em todos esse foros de concertação. É o Brasil que inspira a idéia da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul. É o Brasil hoje o coordenador do Grupo do Rio. É o Brasil uma presença decisiva no foro ibero-americano. É o Brasil que leva adiante nas Nações Unidas a tentativa de equilibrar a Agenda para a Paz de Boutros Ghali com uma Agenda para o Desenvolvimento, que reintroduza, em termos atualizados, a idéia de desenvolvimento no debate internacional. O Brasil, portanto, - é importante saber – é em si mesmo um pólo. O Brasil tem o que creio cabível chamar de “capacidade polar”. Não temos porque nos assustarmos com avaliações pessimistas de uma unilateralidade que seria tolhedora ou cerceadora da nossa capacidade de atuação. E é importante dizer também, a esse respeito, que o Brasil e sua política externa não buscam um ajustamento passivo a novas realidades

84 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005, p. 83. 85 Idem, p. 77.

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internacionais. O que buscamos é um engajamento ativo no desenho da nova ordem internacional que vai surgindo. O Brasil foi um ator importante nas negociações do GATT; foi um ator decisivo nas negociações sobre meio-ambiente, nas negociações sobre direitos humanos; o Brasil é decisivo no MERCOSUL; o Brasil é decisivo no diálogo com os Estados Unidos, na preparação da Cúpula das Américas. E assim por diante, em múltiplos foros e iniciativas, é o Brasil país com uma singular capacidade de mobilização e articulação no plano internacional. Isso tem que ver até com as origens mesmas da nossa nacionalidade, com caráter pacífico da formação de nosso território e da negociação de nossas fronteiras.86

O neoliberalismo que se instalou na América Latina, através do Consenso

de Washington, também atingiu o continente africano, impondo limites a um maior

estreitamento das relações entre os dois lados do Atlântico Sul.

Por outro lado, o fim do regime do apartheid na África do Sul foi, sem

dúvida, fato extraordinário para o continente. Mas os conflitos étnicos e disputas pelo

poder, marcas do colonialismo, ainda estavam bastante presentes em grande parte

da região, afetando diretamente as possibilidades do Brasil ter um maior volume de

comércio e cooperação com aqueles países.

Saraiva aponta que os níveis do comércio do Brasil com a África Negra

retornam aos das décadas de 1950 e 1960. “No início da década de 1990, o

comércio do Brasil com a África não chega aos 2% das relações comerciais do

Brasil, depois de ter alcançado níveis em torno dos 10% no início da década

passada”, acrescenta.87

A vulnerabilidade energética vivenciada pelo Brasil nos anos 70 e 80, que

influenciou na adoção de uma política externa de aproximação com a África, havia

se desvanecido, bem como as suspeitas de desenvolvimento de armas nucleares

por parte da África do Sul.

Assim, o Atlântico Sul se fortalece como região desnuclearizada, devido

aos acordos de Tlatelolco para a América Latina, Pelindaba para a África, além do já

existente Tratado da Antártica.

86 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - Transcrição de Palestra no Curso de Atualização de Diplomatas, sobre As Linhas Gerais das Ações de Política Externa no Governo Itamar Franco. Brasília, 17/08/1994. 87 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 320.

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Desta forma, e com o fim da Guerra Fria, começa-se a se esboçar um

descolamento da América do Sul do restante do continente, principalmente na

questão da segurança hemisférica, que estava sistematizada desde o final da

Segunda Guerra através do TIAR (Tratado Interamericano de Assistência

Recíproca).

O TIAR, inclusive, já havia sido abalado em 1982, com a Guerra das

Malvinas. Desde sua criação, em 1947, o TIAR enquadrou-se no contexto do conflito

Leste/Oeste como área de segurança estratégica dos Estados Unidos. Porém, sua

efetividade também esteve desafiada pelo receio por parte dos países

latinoamericanos de envolverem-se diretamente, transferindo o conflito à região. A

América Latina, de modo geral, e ao contrário da Europa, não se constituía como

palco da Guerra Fria.

Desde os anos 90, “negligência benigna” se tornou jargão corriqueiro nos

meios diplomático e acadêmico, para referir-se ao descaso com que Washington

tratava os problemas dos países latinoamericanos, especialmente com relação ao

Brasil.

Tal negligência permitia ao país empreender uma política externa mais

autônoma, sem as pressões de Washington.

Tem se empregado o termo “negligência benigna” para explicar, por

exemplo, as iniciativas de integração regional na América do Sul, sob liderança

brasileira, sem que Washington tente interferir nos processos quando alguma

medida possa prejudicar seus interesses.

No plano das vastas discussões teóricas sobre o regionalismo no pós

Guerra Fria, é pertinente citar a visão dos neo-realistas, por sua aproximação com a

idéia de “negligência benigna” aqui discutida.

Hurrell reconhece a escassez de desenvolvimento teórico sobre o

relacionamento entre hegemonia e regionalismo. Mas aponta quatro caminhos para

analisar arranjos regionais sob a perspectiva da hegemonia.

Primeiro, o regionalismo pode ser visto como uma resposta ao poder

hegemônico, representado aqui pelos Estados Unidos, de modo a equilibrar a

balança de poder. A idéia aqui é aumentar o poder dos países quando atuando

como grupo concertado, que isoladamente não conseguiriam projetar seus

interesses frente à potência hegemônica.

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Uma segunda consideração feita por Hurrell refere-se à tentativa de

restringir o livre exercício hegemônico, por meio da criação de instituições regionais.

Os arranjos regionais se tornariam atores com estruturas mais ou menos

institucionalizadas, ou seja, normatizadas, de acordo com a vulnerabilidade da

região frente aos Estados Unidos.

Uma terceira via de análise refere-se a estados fracos e fortemente

vinculados à potência hegemônica, o que tornaria mais interessante suas adesões

aos arranjos regionais liderados pela própria potência hegemônica.

Finalmente, Hurrell aponta para o envolvimento ativo da hegemonia nos

processos de construção de arranjos regionais, de modo que seus interesses sejam

projetados nessas áreas. A esse respeito, podemos fazer duas considerações. A

primeira se refere ao próprio Brasil, em situação de ascendência hegemônica no

Atlântico Sul. Desse modo, a participação ativa do país em diversas iniciativas

regionais explicitaria sua intenção de projetar sua posição dominante através de

arranjos institucionais. Uma segunda possibilidade analítica refere-se à hegemonia

declinante, neste caso, os Estados Unidos. Washington veria o regionalismo como

mecanismo de influenciar regiões a adotar políticas e condutas condizentes com

seus interesses. O declínio de seu poder aumenta o custo de seu exercício

hegemônico, e o regionalismo desponta como alternativa, haja vista que são ainda

suficientemente fortes para desempenhar certa liderança em tais arranjos

regionais.88

Assim, podemos ver que a “negligência benigna” dos Estados Unidos

pode também explicar os espaços de manobra que teve o Brasil para articular

acordos de caráter militar, tanto nas suas fronteiras terrestres quanto marítimas.

Nesse aspecto, podemos citar a aproximação com a Argentina na questão nuclear, a

entrada em vigor do Tratado de Tlatelolco, idealizado pelo Brasil nos anos 60 e que

também visava afastar o risco de um confronto nuclear na região, e a Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul.

Lamazière define “negligência benigna” como “vácuo de poder”, referindo-

se, principalmente à idéia de uma geopolítica ao revés. Isto é, não busca projeção

88 FAWCETT, L. e HURRELL, A. Regionalism in World Politics. New York: Oxford University Press, 1995, p. 50-53.

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de poder, mas sim preservar o espaço que tem, um “vácuo” deixado pela potência

hegemônica.89

Nessa linha de pensamento, Golbery do Couto e Silva pondera que a

posição do Brasil se caracteriza pelo afastamento não apenas dos principais eixos

de circulação de riquezas, mas também das principais linhas de tensão dos

antagonismos internacionais.90

Golbery foi um dos principais pensadores de geopolítica no Brasil. Seu

pensamento evidencia a percepção do espaço que nos cerca como área de projeção

de interesses, com relativa autonomia. Essa visão, de alguma forma, tornou-se vetor

da política externa e de defesa do Brasil no Atlântico Sul, principalmente no período

aqui estudado.

No pensamento geopolítico, uma das primeiras teorias desenvolvidas foi

justamente a do poder marítimo, do almirante americano Alfred Thayer Mahan. No

final do século XIX, Mahan defendia o desenvolvimento da marinha de guerra dos

Estados Unidos para garantir o controle dos mares. Buscava defender interesses

comerciais e militares, além da projeção de poder do país no contexto internacional.

O pensamento de Mahan inspirou a construção do Canal do Panamá, unindo os

oceanos Atlântico e Pacífico através do istmo centro-americano.91

A idéia de “vácuo de poder” no pensamento geopolítico brasileiro, se

amplia consideravelmente no pós-Guerra Fria. Guerra dos Bálcãs, do Golfo, conflito

israelo-palestino, dentre outros, mantinham a América Latina “fora do radar” de

Washington.

Lamazière também cita outra reflexão geopolítica de Golbery, que se

compatibiliza com uma política externa menos subordinada a Washington e mais

direcionada ao seu entorno terrestre e marítimo:

Ainda que a posição brasileira apresenta desvantagens pela preeminência hemisférica dos Estados Unidos, essas desvantagens são minimizadas pelo fato de que, geopoliticamente, as Américas do Norte e do Sul, não são tão integradas como se pensa, tendo os norte-americanos descoberto que o globo reflete mais fielmente a realidade do que Mercator, o que tornaria a América do Sul mais

89 LAMAZIÈRE, G. Cooperação político-militar na América do Sul – Revista Política Externa, vol. 9, nr. 4, mar/abr/mai 2001, p.44. 90 COUTO E SILVA, G. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. 91 MAGNOLI, D. Santos Dumont, Pioneiro do Poder Aéreo. Mundo – Revista Geografia e Política Internacional. São Paulo: Pangea Ed. Ano 14, nº 6, outubro/2006, p. 11.

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distante do que pensavam, constituindo, na verdade, um território de ultramar. 92

O pensamento geopolítico brasileiro, que além de Golbery, teve também

Meira Mattos como expoente, considera a posição estratégica do continente

africano, que o torna como a fronteira avançada do território brasileiro, um “destino

manifesto”.

A esse respeito, Meira Mattos pondera que:

Esta linha de pensamento... de que o Brasil possui as condições geográficas e humanas para vir a ser uma das grandes nações do planeta, vem sendo uma constante na mente e na avaliação dos melhores pensadores, no perpassar de nossa história: Pombal, Alexandre Gusmão, José Bonifácio, Rio Branco, Alberto Torres, Oliveira Vianna e Cassiano Ricardo. Entre os nossos geopolíticos, Mario Travassos, Backheuser, Golbery e Terezinha de Castro, todos reconhecem esta possibilidade de grandeza, ao alcance do Estado Brasileiro. Não se trata de um sonho de patriotas, mas uma avaliação baseada em valores geográficos e demográficos analisados numa prospectiva cientifica. Renomados científicos estrangeiros também já se manifestaram sobre a nossa possibilidade de grandeza política, entre os quais destacamos – Stefan Zweig, Ray Cline, Henry Kissinger. Não se trata, portanto, de um sonho utópico, mas, repetimos, de avaliação baseada em prospecção científica de valores mensuráveis.93

E ao se indagar qual seria a estratégia que deveria ser adotada para

conseguir alcançar o objetivo de tornar o país uma potência, Meira Mattos conclui

que a posição do Brasil no planeta já traçou as linhas mestras desta estratégia. Uma

larga fachada oceânica no Atlântico e uma extensa fronteira terrestre com dez

Estados vizinhos. “Nosso espaço geográfico cobre, praticamente, a metade da

América do Sul. Somos o 4º país do mundo em extensão territorial contínua. O 5º

em população”.94

A importância estratégica do Atlântico Sul, para os proeminentes

geopolíticos brasileiros, como Golbery e Meira Mattos, vai além dos recursos

92 LAMAZIÈRE, G. Cooperação político-militar na América do Sul – Revista Política Externa, vol. 9, nr. 4, mar/abr/mai 2001, p.44. 93 MATTOS, C. M. O Brasil e sua Estratégia. Revista do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (ESG). Rio de Janeiro: 2002 p. 39. 94 Idem.

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econômicos assegurados pelas 200 milhas. Constitui-se também como interesse da

segurança brasileira, entendida como defesa da soberania, das fronteiras e de seu

entorno estratégico.

Podemos concluir então que, a política externa brasileira guiada para seu

entorno terrestre e marítimo (e ultramarino), também tem como ponto de reflexão o

“vácuo de poder”, sua extensão e níveis de autonomia que permitem ao Itamaraty

promover seus desígnios.

A esse respeito, Miyamoto faz uma ponderação sobre as diretrizes da

política externa brasileira:

A atuação dos países, e, no caso, o posicionamento do Brasil não se encontra respaldado meramente nos fatores geopolíticos. O que se observa no período pós-64 é que a geopolítica pode ter guiado, mas não influenciado as decisões no âmbito da política externa do Brasil (como, aliás, ocorre em políticas de qualquer Estado), porque, se assim fosse, não se encontraria explicação para as políticas do pragmatismo e do universalismo, ou mesmo dos anos anteriores.95

Proença Jr. e Diniz, por sua vez, afirmam que no Brasil percebe-se uma

tendência a substituir assuntos de defesa por “assuntos estratégicos”, numa

tentativa de refutar a influência militar na política externa. Sobre esse aspecto,

avaliam que:

A discussão efetiva sobre assuntos de defesa acaba reduzida ou a contribuições pontuais de alguns civis dedicados ao assunto ou ao debate interno ao grupo dos corporativamente interessados. Especialistas de outros campos, para quem os assuntos de defesa seriam complementares, vêem-se levados a ignorá-los ou a acreditarem que os assuntos militares não têm relevância para temas como relações internacionais, ciências sociais ou o desenvolvimento científico-tecnológico da sociedade brasileira.96

Torna-se apropriado analisar as reflexões de Miyamoto, Proença Jr. e

Diniz, pois se percebe que uma visão estritamente realista, bem como outra que se

guie basicamente pelo idealismo, não dão conta de interpretar a política externa

brasileira no passado e no presente, nem projetá-la para o que estiver por vir.

95 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A. (orgs). Temas de Integração Latino-Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p. 116. 96 PROENÇA Jr.D. e DINIZ, E. Política de defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1998, p. 33-34.

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Percebe-se a partir dos anos 90, tendência de descolamento do foco da

atenção brasileira para seu entorno imediato, que se tornou mais claro com a

Política de Defesa Nacional (PDN), promulgada em 1996, como veremos adiante.

A ZPCAS, no entanto, permaneceu quase no ostracismo durante a

década de 90. Os outros dois integrantes da ZPCAS na América do Sul, Uruguai e

Argentina, encontraram dificuldades num maior engajamento na organização, pela

falta de lastro histórico e cultural com o continente africano.

Miyamoto, ao comentar o discurso geopolítico argentino, observa que ele

tem se pautado quase que exclusivamente por criticar o “expansionismo” brasileiro,

herança do período imperial, e não apresenta um pensamento próprio. “Ao invés de

desenvolver uma geopolítica nacional, a grande preocupação argentina foi a de criar

um discurso antibrasileiro”.97

Penha também tece análise semelhante sobre o pensamento argentino,

que despreza a tese da construção de identidade regional definida pelo Atlântico

Sul. E cita Cohen, para quem o Atlântico Sul se divide em duas áreas distintas, o

Atlântico Sudeste (África Subsahariana) e o Atlântico Sudoeste (América do Sul),

ambas com identidades geopolíticas independentes, tanto em termos culturais com

em termos econômicos. E cita Cohen, para quem:

O fato de ser um eixo de comunicação Norte-Sul, não apenas não vincula os de uma costa a outra, senão que de fato os separa; de modo que falar por ora de uma área sul-atlântica com uma significação que vá mais além da geográfica é abusar de uma semelhança formal com o outro hemisfério.98

Além de dificuldades de engajamento de Uruguai e Argentina, o

esvaziamento da ZPCAS, como visto anteriormente, decorreu de transformações

políticas nos dois lados do Atlântico Sul.

Num primeiro momento, é como se seus formuladores, o Brasil em

especial, não soubessem o que fazer com ela, uma vez que os riscos de

militarização no Atlântico Sul, tanto em decorrência de fatores globais como

regionais, haviam desaparecido. Por outro lado, a África do Sul encontrava-se ainda

em fase recente de democratização, sob a liderança de Mandela. 97 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos, em SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A. (orgs). Temas de Integração Latino-Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p. 116. 98 PENHA, E. A. Relações Brasil-África: os avatares da cooperação sul-atlântica. Santiago: Clacso, 1998.

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No restante do continente, instabilidade política, escassez de alimentos, a

dimensão da Aids na saúde pública, dentre outros fatores, causavam o caos social,

constituindo-se entraves a um maior nível de cooperação internacional, seja através

de arranjos de integração regional, como a SADC (Southern África Development

Council) ou a própria ZPCAS.

O SADC tem suas origens no ano de 1980, como aliança formada por

Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Moçambique, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e

Zimbábue, que buscavam diminuir sua dependência econômica da segregacionista

África do Sul, bem como diminuir a influência política de Pretória sobre países na

parte austral da África, no contexto da Guerra Fria.

Em 1992, com o fim do apartheid, o grupo de países passa a ser

composto também pela África do Sul, que desempenha papel fundamental no

processo de integração regional. Como economia mais desenvolvida, consegue criar

complementaridade econômica com países de baixo nível de desenvolvimento.

Namíbia, que esteve sob ocupação sul-africana, Congo, Seicheles e Maurício,

também aderiram ao SADC na sua nova fase.

Mas como já dito anteriormente, os anos 90 foram frustrantes em termos

de crescimento econômico em ambos os lados do Atlântico Sul. Para a África, no

entanto, a estagnação ganhou maior impacto, dado a herança de um colonialismo

ainda recente.

Nesse mesmo ano de 1996, é criada a CPLP (Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa), composta por Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-

Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com sede em Lisboa.

Em 1989, o governo brasileiro foi anfitrião da I Cúpula de Chefes de

Estado dos Países de Língua Oficial Portuguesa, realizada em São Luiz do

Maranhão. Assim, abria-se espaço para mais uma ponte do Brasil com a África,

baseada em laços culturais, e que visava estreitar a cooperação, especialmente na

área da educação. Sobre a CPLP voltaremos a nos deter mais adiante.

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Figura 5 - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP.

Ao final do ano de 1996, o Brasil divulga a sua primeira política de defesa

nacional depois da ditadura militar e do final da Guerra Fria. A Política de Defesa

Nacional (PDN), sintetiza as transformações do cenário internacional e seus reflexos

para o país. Aponta objetivos e diretrizes para alcançá-los.

A PDN foi elaborada pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa

Nacional, criada no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, da qual faziam

parte, além do presidente da República, os quatro ministros militares, os ministros da

Justiça, das Relações Exteriores, da Casa Civil e da Secretaria de Assuntos

Estratégicos. Um dos principais ideólogos dessa nova política, o Chefe do Gabinete

Militar da Presidência, General Alberto Cardoso, defendia o engajamento da

sociedade civil e de todos os setores do Governo nos assuntos da defesa nacional.

O documento foi estruturado com uma introdução, seguida de uma breve

análise do “quadro internacional”, “um ambiente internacional multipolar indefinido e

instável, gerado pela falta de correspondências entre os centros de poder

estratégico-militar, político e econômico, cuja evolução ainda é difícil de prever”.99

Na seqüência, a PDN enfatiza os “conflitos localizados que ocorrem na

atualidade em quase todos os continentes”, como os de origem étnica, nacionalista e

religiosa.

99 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996.

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A PDN reflete, de modo mais claro, o novo contexto das relações entre

Brasil e Argentina, que vinha sendo desenhado desde a década anterior. Por outro

lado, as atenções voltavam-se para a Amazônia. As guerrilhas colombianas

baseadas na selva e o narcotráfico exigiam que o Brasil aumentasse o controle das

fronteiras naquela área, com o deslocamento de grande parte do contingente militar

que antes se encontrava no sul do país. A implantação do SIVAN (Sistema de

Vigilância da Amazônia) também refletia a prioridade da defesa nacional.

O General Cardoso, à época do lançamento da PDN, declarou que:

Quem trabalha com defesa nacional, trabalha com hipóteses. O Mercosul nos aliviou de muitas rivalidades desnecessárias e hoje a hipótese de conflito na fronteira sul é quase zero. Onde estão os alvos tentadores atualmente? Somos obrigados a raciocinar sempre com a pior hipótese.100

Ao abordar o contexto da América do Sul, a PDN analisa que:

Distante dos principais focos mundiais de tensão é considerada a região mais desmilitarizada do mundo. A redemocratização ocorrida no continente tende a reduzir a probabilidade de ocorrência de conflitos. Os contenciosos regionais têm sido administrados em níveis razoáveis.101

E cita o Brasil como país de diferentes regiões internas e de diversificado

perfil “ao mesmo tempo amazônico, atlântico, platino e do Cone Sul“. A PDN inclui

também o Atlântico Sul na concepção do espaço regional que extrapola a massa

continental sul-americana, “o que exige uma inserção regional múltipla, baseada em

uma política de harmonização de interesses”.102

Por fim, ao concluir a análise do quadro internacional, a PDN menciona as

articulações regionais sob liderança brasileira que “conformam um verdadeiro anel

de paz em torno do País”, como o Mercosul, o Tratado de Cooperação Amazônica, a

CPLP e a ZPCAS, “viabilizando a concentração de esforços com vistas à

consecução de projeto nacional de desenvolvimento e de combate às desigualdades

sociais”.103

100 AMAZÔNIA é prioridade da política de defesa. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo: 04/11/1996. 101 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996. 102 Idem. 103 Idem.

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O documento, nesse ponto, evidencia a vinculação entre defesa e

desenvolvimento, como já observado em fases anteriores da história brasileira.

A esse propósito, os anos 90 mostram-se pródigos para a proposição de

uma “Agenda para o Desenvolvimento” no âmbito das Nações Unidas, em que o

Brasil procurou desempenhar papel relevante. Tratava-se de vincular temas

emergentes no pós-Guerra Fria, como direitos humanos, meio-ambiente, barreiras

ao comércio, fluxos financeiros e acesso a tecnologias de ponta, como elementos

centrais nas relações internacionais. Nesse sentido, as iniciativas regionais no

Atlântico Sul revestem-se de conceitos que se imbricam, ou seja, segurança e

desenvolvimento.

O presidente Itamar Franco na Cúpula Ibero-Americana, realizada em

Salvador, enfatizou que:

A realidade de nosso tempo exige que todos os esforços, para a paz e o desenvolvimento, se articulem em dois planos: o interno, sob a vontade soberana de cada Estado, e outro, externo, de responsabilidade da comunidade internacional.104

No capítulo dos “objetivos”, o documento salienta “o sentido da

formulação de uma política de defesa nacional, com recursos para implementá-la,

que integre as visões estratégicas de cunho social, econômico, militar e diplomático,

e que conte com o respaldo da Nação”.105

Fato é que o mundo pós-Guerra Fria abriu desafios e oportunidades para

o Brasil no cenário internacional. O “vácuo de poder” permite à política externa

brasileira ampliar e aprofundar suas articulações regionais, ao mesmo tempo em que

crescia a vinculação de temas como democracia, direitos humanos e meio-ambiente

na agenda econômica internacional. Essa vinculação pôde ser percebida na inclusão

da “cláusula democrática” no Mercosul. Na Alca, além da democracia, os Estados

Unidos também tentaram vincular o livre comércio com o respeito ao meio-ambiente

e a certas condutas trabalhistas, de modo a permitir-lhes a proteção de seu

mercado, quando conveniente, inclusive com a alegação de dumping por parte de

parceiros “desleais”.

104 AGENDA para o Desenvolvimento. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 03/05/1994. 105 Idem.

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Desse modo, a manutenção de um entorno estável e afinado com as

demandas de um sistema internacional multipolar, com fluxos internacionais

crescentes de comércio e investimentos, era exigência sine qua non da globalização

financeira, representada por Wall Street e outros centros do capitalismo mundial.

O fim da Guerra Fria também abriu o debate sobre a reforma do Conselho

de Segurança das Nações Unidas, cuja composição refletia o contexto do pós-

Segunda Guerra Mundial, defasada, portanto, do cenário que se desenhava nos

anos 90.

Nesse aspecto, a PDN incluiu como objetivo “a projeção do Brasil no

concerto das nações e sua maior inserção no processo decisório internacional” e “a

contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais”.106

A aproximação com novos Estados africanos baseada na defesa de uma

agenda que incluísse a segurança no Atlântico Sul e em questões ambientais já se

tornara perceptível, como pode ser observado em 1995, no discurso do Ministro das

Relações Exteriores do governo FHC, Luís Felipe Lampreia:

Vemos a Namíbia como um país-chave na abordagem de questões como a manutenção e a instauração da paz na África, o desarmamento, a cooperação para o desenvolvimento e, é claro, a transformação do Atlântico Sul em uma zona livre de armas nucleares e uma região para cooperação em várias áreas – da proteção do meio-ambiente marinho a iniciativas que visem ao desenvolvimento do comércio livre na região.107

Assim, com a ampliação de sua projeção regional, não apenas no espaço

sul-americano, mas buscando aproximar-se das nações africanas através do

“Atlântico Sul”, o Brasil visava fortalecer seu pleito a um assento permanente no

Conselho de Segurança.108

Em relação a Angola, as ligações históricas e culturais permitiam ao Brasil

participar diretamente da reconstrução do país, ao participar das Forças de Paz das

Nações Unidas. Ao participar do UNAVEM (United Nations Angola Verification

Mission), o Brasil buscava ampliar sua projeção no continente africano, e em

especial com um país de grandes reservas minerais, como o petróleo.

106 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996. 107 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, na Cerimônia de Encerramento da I Reunião da Comissão Mista Brasil-Namíbia. Brasília: 07/03/1995. 108 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996.

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A UNAVEM foi estabelecida para ajudar o governo de Angola e a UNITA a

restabelecer a paz e lograr a reconciliação nacional. Teve por base os Acordos de

Paz para Angola, firmados em 31 de maio de 1991, o Protocolo de Lusaka, firmado

em 20 de novembro de 1994 e as resoluções do Conselho de Segurança.

De agosto de 1995 a julho de 1997, o Brasil contribuiu com um batalhão

de infantaria (800 homens), uma companhia de engenharia (200 homens), dois

postos de saúde avançados (40 oficiais de saúde, entre médicos, dentistas,

farmacêuticos e auxiliares de saúde) e aproximadamente 40 oficiais de Estado-Maior

para a UNAVEM III. Durante todo o período da missão, o Brasil também contribuiu

com uma média de 14 observadores militares e 11 observadores policiais. O Brasil

chegou a ser o maior contribuinte de tropas para a Missão, que durante quase dois

anos foi a maior operação de paz das Nações Unidas. A participação brasileira na

UNAVEM III fez com que o Brasil ocupasse, no início de 1996, a posição de quarto

maior contribuinte de tropas para operações de paz das Nações Unidas.109

A presença de tropas brasileira na África nos anos 90 não se constituiu

um fato inédito na política externa brasileira. O Brasil já havia estado presente em

mais de 20 operações de manutenção da paz da ONU, desde sua criação, em várias

regiões. No entanto, a participação brasileira em tais missões se dava em meio a

atrasos na sua aprovação, principalmente por razões de austeridade econômica.

Mas ao analisar essas participações, não se pode ignorar o contexto em

que elas se deram, o sistema internacional, bem como os objetivos a que se

pretendia alcançar. Desse modo, a participação brasileira na operação de paz no

Oriente Médio, em 1956, por exemplo, não pode ser compreendida fora do contexto

da Guerra Fria, em que as relações Brasil-Estados Unidos estavam vinculadas. O

mesmo dever ser aplicado à participação do Brasil em Angola, com interesses no

plano regional, ou seja, a ampliação de sua influência no Atlântico Sul, e com

objetivos no plano global, o fortalecimento de sua candidatura a um assento

permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Na parte que trata da orientação estratégica, a PDN enfatiza uma “postura

estratégica de caráter defensivo”, com “valorização da ação diplomática como

instrumento primeiro de solução de conflitos e na existência de uma estrutura militar

de credibilidade capaz de gerar efeito dissuasório eficaz”. Nesse ponto, a PDN

109 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. UNAVEM III – United Nations Angola Verification Mission III. Disponível em www.un.org Acesso em: 15/02/08.

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procura desfazer interpretações sobre um possível armamentismo, que poderia criar

dificuldades nos arranjos regionais. A PDN, a esse propósito, deixa claro a

manutenção de certos princípios – não intervenção, autodeterminação e solução

pacífica dos conflitos – só admitindo o uso de forças militares fora do território

nacional nas operações de paz das Nações Unidas.110

No capítulo seguinte, a Política de Defesa Nacional estabelece uma série

de diretrizes para a consecução dos objetivos. Além de enfatizar a posição brasileira

de apoio ao desarmamento global, especialmente no que se refere aos arsenais

nucleares, a PDN busca “atuar para a manutenção de um clima de paz e

cooperação ao longo das fronteiras nacionais, e para a solidariedade na América

Latina e na região do Atlântico Sul”. Também menciona a vigilância na plataforma

continental, dos tráfegos marítimos e o objetivo de “promover o conhecimento

científico da região antártica e a participação ativa no processo de decisão de seu

destino”.111

Para Cavagnari Filho:

Existe coerência entre a política externa e a política de defesa, apesar de sua excessiva generalização, e essa coerência revela uma finalidade não-explícita, intencional ou não, de manter a força excluída do jogo político-estratégico, desqualificando a ação militar como substituto da ação diplomática.112

Cavagnari Filho, no entanto, adverte que segurança nacional não pode

ser pensada sem que se projete uma capacidade militar condizente com o status

regional que se quer alcançar. A formulação de uma concepção para a defesa

nacional não pode ser pensada a partir da escassez de recursos, mas a partir do

peso de seu poder no continente que se pretende ter.113

A aspiração a grande potência regional, ou o “Brasil Grande Potência” dos

anos 70, de forte inspiração geopolítico-militar, associava-se a um histórico de

expansão territorial desde o período imperial. A diluição das desconfianças exigia

mudança no status que se pretendia alcançar para o país.

Nas palavras de Brigagão e Proença Jr., ao analisar os anos 90: 110 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996. 111 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 1996. 112 CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para Revisão da Política de Defesa Nacional. Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. Texto feito a pedido do Ministério da Defesa para redefinição da Política de Defesa Nacional – Campinas, 30/06/2000. 113 Idem.

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Assume-se agora um papel de liderança consentida na América do Sul e, conseqüentemente, um caminho à inserção internacional sistêmica. Trata-se da analogia de passar de um potencial negociador global (global trader), em termos políticos, para o de um múltiplo ator global (global player). É esse o perfil que parece caracterizar a inserção internacional de segurança do Brasil nos anos vindouros.114

Como vimos até agora, a criação de múltiplos canais de inserção regional

se dava a partir de espaço de manobra permitido no contexto hemisférico, com

convergência entre os temas desenvolvimento e segurança. E as novas

características do sistema internacional, vinham ao encontro de princípios

tradicionais da diplomacia brasileira, de modo a permitir com maior facilidade a

projeção dos interesses externos do país.

Com a África do Sul, as perspectivas de fortalecimento de comércio e

cooperação bilaterais se ampliavam com a consolidação da democracia pós-

apartheid. Em visita ao país, em 1996, FHC declarava que:

Somos próximos em termos de geografia. O Atlântico Sul é um espaço de união entre nossos dois países. As linhas de transportes marítimos e aéreos operam a favor de uma intensificação dos fluxos de comércio e de investimentos. O Mercosul oferece à África do Sul uma perspectiva ampliada de negócios, assim como sabemos que este país tem laços comerciais com toda a África Meridional, é uma porta de entrada para uma série de países. Tratemos de criar um quadro normativo que propicie uma expansão dos fluxos comerciais entre o sul da África e o Cone Sul. Tratemos de dar vida e expressão concreta ao imenso potencial existente entre nossos países. Isto reforçará nossas credenciais para que possamos nos inserir de maneira bem-sucedida na economia internacional.115

De certa forma, delineava-se na década de 90 um enquadramento entre

política externa e política de defesa, baseado no fortalecimento da democracia no

Atlântico Sul.

A esse respeito, Brigagão e Proença Jr. analisavam que:

Do ponto de vista mais geral da política externa, o compromisso com a democracia e a institucionalização do regime democrático como

114 BRIGAGÃO, C. e PROENÇA JR. D. Concertação Múltipla – Inserção Internacional de Segurança do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002, p. 34. 115 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Conferência do Presidente Fernando Henrique Cardoso na Universidade de Witwatersrand. Joanesburgo, África do Sul: 27/11/1996.

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único interlocutor válido (por exemplo, na cláusula da democracia do Mercosul) emprestou um rumo particular para a ação diplomática brasileira, influenciando a consideração das questões de paz e segurança, inclusive junto às Forças Armadas.116

Nesse sentido, os autores tangenciam questão que invariavelmente

permeia análises sobre política externa e política de defesa. Para eles, as duas

políticas vinculam-se uma à outra, ao mesmo tempo em que reflete a dinâmica da

política interna, ainda que esse vínculo não se dê num conjunto organizado. “Uma

política diplomática ‘imaculada’, sem quaisquer elementos de defesa ou uma política

de defesa ‘pura’, sem quaisquer elementos diplomáticos. Uma e outra seriam

aberrações”.117

Para Lafer, Ministro das Relações Exteriores de FHC em seu segundo

mandato (1999-2002), as relações cordiais que o Brasil vinha mantendo com seus

vizinhos nos últimos 130 anos, desde a Guerra do Paraguai, credenciavam o país a

ampliar sua influência na região. Assim:

A diplomacia brasileira vem exercitando o potencial de geração de poder inerente ao papel de soft power no plano internacional, com o objetivo de assegurar espaço para a defesa dos interesses nacionais. O exercício deste papel gerador de soft power é, assim, um componente da nossa identidade internacional voltado para o tema da estratificação internacional.118

O ativo envolvimento do Brasil em temas de uma ampliada agenda

internacional refletia a idéia de fortalecimento das organizações internacionais,

especialmente da ONU, como atores reguladores das relações internacionais. O

Mercosul como iniciativa de regionalismo, o Grupo do Rio e a Cúpula Ibero-

Americana, de concertação política, eram tidos pelo Itamaraty como instrumentos de

projeção internacional do Brasil, com matizes de defesa nacional.

Os custos que o Brasil enfrentaria em projetar-se como potência militar na

sua região (hard power), tanto pelas suscetibilidades regionais e pelos

constrangimentos hemisféricos, como também por questões financeiras e

tecnológicas, fortaleceram o aspecto universalista da política externa brasileira. A

116 BRIGAGÃO, C. e PROENÇA JR. D. Concertação Múltipla – Inserção Internacional de Segurança do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002, p. 39. 117 Idem, p. 41-42. 118 LAFER, C. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira. Passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 77-78.

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necessidade em reduzir gastos públicos, no âmbito do consenso de Washington,

que atingiu diretamente o orçamento da defesa, conjugou-se com a oportunidade

legada pelo sistema internacional pós-guerra fria, que propiciou explorar e ampliar o

multilateralismo e o regionalismo na política externa brasileira.

E o Atlântico Sul apresentava-se como oportunidade de estreitar relações

com países de língua portuguesa.

A CPLP constituiu nova estrutura de relacionamento entre o Brasil e

países africanos com os quais compartilhava afinidades étnicas, históricas e

culturais, tendo no idioma português o elemento identitário mais forte.

A Comunidade apresentou-se como oportunidade de projeção do Brasil

na África, em período de reduzido volume de comércio entre os dois lados do

Atlântico. A liberalização tarifária empreendida pelo Brasil beneficiava mais os

produtos industrializados. E a instabilidade vivenciada pelos principais produtores de

petróleo na África, Nigéria e Angola, reduzia ainda mais as possibilidades de

intercâmbio comercial.

Para o Itamaraty, a Comunidade constituía-se como apoio à estabilização

de Angola e Moçambique, no curto prazo, mas tinha também por objetivos a

concertação político-diplomática, em particular no âmbito das organizações

internacionais, o incremento do intercâmbio cultural, educacional, científico e

tecnológico. Buscava, portanto, a projeção de influência na região e o apoio à

candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança das

Nações Unidas. Na declaração final da II Reunião do Conselho de Ministros da

CPLP, realizada em Salvador:

Os ministros reiteraram a necessidade de reforçar os mecanismos de concertação político-diplomática entre os Estados-membros no sentido de preservar os seus legítimos interesses no cenário internacional, em particular no processo de reforma em curso no sistema das Nações Unidas e nas organizações regionais de que são membros. Na perspectiva do alargamento do número de membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas de forma a assegurar a integrarão de três países em desenvolvimento e mais dois desenvolvidos, os ministros reafirmam o seu desejo de apoiar a inclusão do Brasil como membro permanente daquele órgão.119

119 COMUNIDADE DE PAÍSES DE LINGUA PORTUGUESA (CPLP). II Reunião do Conselho de Ministros da CPLP. Salvador, 17 e 18 de julho de 1997.

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Na área econômica, a cooperação tinha por objetivo estimular o

relacionamento empresarial, tanto na área pública como privada, de modo a criar

condições para a chegada de empresas brasileiras em solo africano.

A esse respeito, Cervo observa que:

As reformas neoliberais que se espalharam pela África nos anos 1990 aproximaram o continente da América Latina em termos de mau desempenho interno e de inserção dependente. Pouco proveito tiveram, nesse contexto, as empresas brasileiras que se haviam instalado na África subsaárica, como a Petrobrás e a Odebrecht. As exportações brasileiras entraram em declínio a partir de 1986 e só recobraram alento no ano de 1999. As expectativas da África do Sul, após o fim do apartheid, bem como da Nigéria e de Angola, quanto à cooperação do Brasil para o desenvolvimento, frustraram-se.120

As melhores expectativas de avanço nas relações comerciais

encontravam-se justamente fora da CPLP. Em 1999, o comércio bilateral com a

Nigéria chegava quase a 1 bilhão de dólares, e a visita do presidente Obasanjo à

Brasília nesse mesmo ano refletia a importância do país africano para a diplomacia

brasileira. A Petrobrás, por seu turno, dava novos impulsos aos negócios que

haviam sido interrompidos por conta da instabilidade de anos anteriores.

Ainda que nas declarações de intenção os interesses do Brasil pela África

transcendessem objetivos mercantilistas, as frustrações puderam ser percebidas

pela retração do número de embaixadas brasileiras e investimentos de empresas

estatais e privadas.

O embaixador Ítalo Zappa, que nos anos 70 desempenhou papel crucial

no estabelecimento de relações do Brasil com países africanos, foi uma das poucas

vozes da diplomacia brasileira a criticar a visão “mercantilista” que passou a

predominar no Itamaraty.

Ao defender a intensificação da ação diplomática dos anos 70 para o

continente africano, Ítalo Zappa lembra que o Brasil tinha à época apenas seis

embaixadas num continente onde já existiam 49 países independentes. E afirma

que:

Para dar um exemplo, a China tinha representação diplomática em todos eles, atendia por mais de quarenta embaixadas. O Brasil, que

120 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2002, p. 482.

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costuma ser descrito como o maior país africano fora da África, não podia continuar a manter numa única cidade da Europa, como Paris ou Roma, mais diplomatas do que em todo o continente africano. Se for confirmada a intenção de diminuir as 22 embaixadas brasileiras na África, vamos voltar à situação anterior: teremos mais diplomatas brasileiros em Londres do que num continente inteiro. Para os diplomatas, pode ser bom. Mas para o país é péssimo. 121

Entre 1998 e 1999, por causa de cortes no orçamento, segundo o

governo de FHC, o Itamaraty teve que desativar as embaixadas no Congo (antigo

Zaire), em Camarões, na Zâmbia, em Togo e na Tanzânia, todos integrantes da

ZPCAS, além da embaixada da Tunísia. E permanecia sem representação

diplomática em São Tomé e Príncipe, membro da CPLP.122

Em contrapartida, Fernando Henrique Cardoso inaugurou em 2000 o novo

endereço da embaixada em Berlin, considerada a mais cara do mundo. O aluguel de

um prédio de nove andares numa das regiões mais valorizadas da cidade, onerava o

Itamaraty em cerca de 130 mil dólares por mês, mais de três vezes o valor pago no

antigo endereço.123

Zappa já criticava os gastos das “grandes embaixadas inúteis no cobiçado

circuito Elizabeth Arden (Londres, Paris e Roma), nas cidades européias e

americanas para as quais tantos diplomatas querem ir”, e lembrava que as

representações na África custavam muito pouco. Todas na África poderiam ser

sustentadas só com a verba da embaixada em Paris.124

A criação do Ministério da Defesa, em 1999, colocando sob uma

autoridade civil o comando das três Forças Armadas, ajustava-se ao pensamento

contido na PDN, de “postura estratégica dissuasória de caráter defensivo” e para

“sensibilizar e esclarecer a opinião pública, com vistas a criar e conservar uma

mentalidade de Defesa Nacional, por meio do incentivo ao civismo e à dedicação à

Pátria”. Mas também se inseria no contexto dos cortes orçamentários dos anos 90.

Sobre as vulnerabilidades a que o país estaria submetido, o diplomata

Edmundo Fujita teceu algumas hipóteses, dentre as quais:

121 A FUNÇÃO do diplomata é promover os interesses globais do país e não se transformar em agente comercial, diz embaixador. Revista Veja. São Paulo: 03/03/93. 122 BRASIL pretende reabrir embaixadas na África. Jornal Folha de São Paulo. São Paulo: 14/02/2003. 123 BRASIL inaugura embaixada mais cara do mundo em Berlin. Jornal O Globo. Rio de Janeiro: 05/10/2000. 124 A FUNÇÃO do diplomata é promover os interesses globais do país e não se transformar em agente comercial, diz embaixador. Revista Veja. São Paulo: 03/03/93.

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Proteção da faixa estratégica do Atlântico Sul por onde trafegam 95% do comércio exterior brasileiro e estão localizadas as maiores aglomerações humanas bem como as principais facilidades portuárias e produtivas do país. A intensificação, no futuro, da exploração dos recursos da plataforma continental e da zona econômica exclusiva poderá vir a dar margem a focos de tensão ou fricções com entidades estatais ou não-estatais, demandando um atento monitoramento aéreo e naval.125

Cavagnari Filho ponderava à época que:

As Forças Armadas não estão bem equipadas nem bem adestradas, estão sem condições de emprego oportuno e eficaz em uma guerra convencional de média intensidade – ou seja, sua atual capacidade ofensiva é insuficiente para a pronta resposta. Por ora, estão sem condições de operar num sistema de forças sofisticado – por exemplo, a Otan -, dado o seu baixo nível de operacionalidade, de mobilidade estratégica e de apoio logístico. Assim, estratégia da dissuasão convencional no contexto dessa realidade é apenas um recurso de retórica militar.126

Em 1995, o orçamento do Brasil para a Defesa não passava de 13 bilhões

de reais, atrás do Chile e da Venezuela, que no mesmo ano destinaram 57 e 45

bilhões, respectivamente, para a área. Em 2000, foram destinados pouco mais de 20

bilhões de reais, boa parte para a aquisição do SIVAM (Sistema de Vigilância da

Amazônia).127

Segundo o International Institute of Strategic Studies, a América Latina

ainda é a região do mundo que menos gasta em equipamento militar: 1,3% do PIB,

contra 2% na Europa e 5,5% no Oriente Médio.

Para o General Alberto Cardoso:

Vivemos um período de poucas disponibilidades, e isso é compreensível, pois o esforço do governo é no sentido de garantir primeiro a estabilidade da economia e depois voltar-se para problemas sociais. É natural que a segurança, nessa escala de valores, fique numa prioridade mais baixa.128

125 FUJITA, E. S. Uma política de defesa sustentável para o Brasil. Revista Parcerias Estratégicas. Brasília, 1998. 126 CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para revisão da política de defesa nacional. Campinas: Núcleo de Estudos Estratégicos, Unicamp, 30/06/2000. 127 International Institute of Strategic Studies, London, UK. 128 RODRIGRES, B., e MONTEIRO, T. Amazônia é prioridade da política de defesa. Jornal O Estado de São Paulo, 04/11/1996.

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A democratização na África do Sul e sua renúncia em produzir armas

nucleares, bem como a maior participação da ONU no processo de pacificação no

resto do continente, diminuíam as ameaças no Atlântico Sul. E o retorno à

democracia no Brasil e em outros países da região inibia investimentos em

armamentos.

Para Cervo, o abandono do realismo na arena internacional levou o Brasil

a desmontar o sistema nacional de segurança. A PDN “foi ambígua quanto à

competência de sua execução por diplomatas, instituições civis e militares, quanto a

seus meios de dissuasão e defesa, e quanto aos fins a que pode servir”. 129

O mundo pós-Guerra Fria abriu oportunidades para o Brasil ampliar sua

influência no quadro regional, através da construção de organizações de baixa

institucionalidade. Dessa forma, visava não provocar suspeitas quanto a pretensões

hegemônicas. Por outro lado, instituições com estruturas simples e de caráter

intergovernamental garantiam ao país poder para influenciar a agenda e o processo

decisório das mesmas, como no caso do Mercosul.

Quanto a ZPCAS, depois da reunião de 1998, em que se adotou um

Plano de Ação, a instituição entrou no ostracismo. A falta de estrutura burocrático-

administrativa que implementasse o Plano de Ação, o fim do perigo nuclear

representado pela África do Sul e a persistência de guerra civil em diversos países

da região, contribuíram para o esvaziamento da organização sul-atlântica. Dessa

forma, a cúpula em Benin não se realizou e a Argentina manteve-se na presidência

pro-tempore da ZPCAS.

As restrições orçamentárias provocadas pela adesão do país ao

Consenso de Washington fizeram com que a fronteira marítima recebesse pouca

atenção em termos diplomáticos e de segurança. O Mercosul, no aspecto

econômico-político e a Amazônia, no aspecto de defesa, dominaram a agenda

regional da diplomacia brasileira.

A década de 90 foi momento de adaptação do Itamaraty a novos

cenários, tanto no âmbito externo como no doméstico. Por um lado, o neoliberalismo

provocou enfraquecimento do Itamaraty no processo decisório em política exterior,

como nas áreas da alfândega, das finanças externas e da abertura empresarial,

deslocadas para as autoridades econômicas, “que aplicavam diretrizes monetaristas

129 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília. Ed. Universidade de Brasília, 2002, p. 471.

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e liberais”. Rompe-se o ciclo desenvolvimentista no Itamaraty, iniciado em Vargas e

transita-se entre uma conduta subserviente e outra que transfere à sociedade

“responsabilidades empreendedoras” ·130

A sociedade, por outro lado, passa também a cobrar maior transparência

por parte do Itamaraty sobre suas ações em política externa, ao mesmo tempo em

que também queria participar do processo decisório. De fato, os anos 90 marcam

uma maior popularização da política externa brasileira, através de debates

acadêmicos, cobertura da mídia, e o crescente interesse de entidades sindicais,

empresariais e outras do terceiro setor, as chamadas Organizações Não-

Governamentais (ONG’s).

As negociações da Alca tornaram-se emblemáticas sobre os diversos

interesses em jogo. Alguns setores empresariais defendiam as negociações com os

Estados Unidos, pelas vantagens que teriam com o livre comércio. Outros situavam-

se em posição cautelosa, pedindo negociações equilibradas, enquanto outros

reclamavam das assimetrias entre os dois mercados, da defasagem tecnológica, da

impossibilidade de competir com produtos norte-americanos e a conseqüente perda

de postos de trabalho.131

Também recaia sobre o Itamaraty forte crítica sobre a falta de qualidade e

quantidade de seu corpo diplomático para negociar nos diversos fóruns em que

participava, como no Mercosul, na Alca, na OMC (Organização Mundial do

Comércio), em acordos bilaterais e birregionais.

Podemos concluir que durante os anos 90, a vertente sul-atlântica da

política externa brasileira acabou situando-se em plano secundário, tanto por parte

do Itamaraty como pela sociedade, de modo geral. Os interesses econômicos mais

imediatos, sejam com a formação do Mercosul e com as negociações da Alca, e

questões emergentes na segurança regional, especialmente na Amazônia,

concentraram a ação diplomática na América do Sul.

A reunião de presidentes dos países da América do Sul realizada em

Brasília, em 2000, a primeira até então com essa amplitude, para discutir projetos de

integração da região, refletiu e envolvimento do Brasil com seus vizinhos.

130 Idem, p. 460. 131 AQUINO, E. T. De Miami a Quebec: O Brasil nas Negociações da Alca. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 11/09/2003.

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No encontro, o lançamento da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infra-

estrutura Regional Sul Americana), veio a conferir dimensão prática a projetos de

integração, notadamente aqueles relacionados à infra-estrutura de transporte,

energia e comunicações. Dentre os projetos que fazem parte da IIRSA, destaca-se o

Eixo Interoceânico Brasil-Bolívia-Peru-Chile (São Paulo-CampoGrande-Santa Cruz-

La Paz-Ilo-Matarani-Arica-Iquique). A abertura de uma via terrestre que ligue o Brasil

ao Pacífico tornou-se um dos destaques da IIRSA, principalmente tendo-se em vista

o crescente fluxo de comércio do país com a Ásia, e a China especialmente. A rota

também abre opções logísticas com portos das Américas no Pacífico, evitando-se o

Canal do Panamá e ao Cabo Horn, no extremo sul do continente.

Por outro lado, há que se considerar que a rota é uma via de mão dupla.

Isto é, abre igualmente opção logística aos países andinos com os portos brasileiros

no Atlântico Sul e na bacia amazônica, com alterações geopolíticas significativas na

região.

O Paraguai, país interior, realiza seu comércio exterior marítimo pelos

portos brasileiros, principalmente o de Paranaguá, com isenção de taxas, uma

cortesia que estreita as relações entre os dois países.

A IIRSA tornou-se elemento de materialização da integração sul-

americana. A idéia subjacente era que o Brasil deveria dedicar-se ao seu entorno

imediato com o fortalecimento do conceito de “América do Sul”, descolando-se da

tradicional denominação de “América Latina”, termo que se tornara inapropriado para

o contexto dos regionalismos, uma vez que o México se encontrava integrado aos

mercados dos Estados Unidos e do Canadá através do NAFTA (Área de Livre

Comércio da América do Norte).

O presidente Fernando Henrique Cardoso, em suas viagens ao exterior,

buscava por prestígio e apoio junto aos países desenvolvidos, especialmente quanto

à reforma do Conselho de Segurança da ONU, ao qual o Brasil colocava-se como

postulante.

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Tabela 1 - Países visitados por Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos.

CONTINENTE PAÍSES

América do Sul Visitou todos, menos o Suriname

América do Norte Viajou por todos os países

Europa Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Portugal, Espanha, Vaticano, Bélgica, Suíça, Holanda, Rússia, Ucrânia, Suécia, Polônia e Eslováquia.

África Angola, Moçambique e África do Sul

Ásia Japão, China, Malásia, Indonésia, Índia, Coréia do Sul, Timor Leste e Macau (incorporado à China em 2000).

Fonte: Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Assim, no conjunto dos interesses da política externa brasileira nos anos

90, a África situou-se num plano secundário.

Para Cervo, o desenvolvimento não desapareceu no horizonte da política

exterior brasileira com o fim do ciclo desenvolvimentista. “Deixou apenas de ser o

elemento de sua racionalidade”.132

132 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2002, p. 460.

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5 O ATLÂNTICO SUL NO HORIZONTE ESTRATÉGICO DO BRASIL NO SÉCULO XXI

O início do século XXI é marcado por acontecimentos nos planos

internacional e doméstico que favoreceram a dimensão do Atlântico Sul nas políticas

externa e de defesa do Brasil.

Em primeiro lugar, a estagnação econômica e a diminuição do Estado

enquanto provedor de benefícios sociais, levaram ao descrédito popular sobre as

políticas macroeconômicas adotadas de forma generalizada pelos países

latinoamericanos nos anos 90. Por outro lado, repercutiu na eleição de diversos

governos de esquerda na região.

No Brasil, Luís Inácio Lula da Silva derrota em 2002 o candidato

governista José Serra, e chega à presidência da República como o primeiro

representante dos trabalhadores a ocupar o cargo máximo do Executivo.

O governo Lula deu novos contornos à política externa brasileira,

privilegiando as relações Sul-Sul e devolvendo ao Itamaraty parte de suas

prerrogativas que haviam sido repassadas à área econômica.

Na análise de Vizentini:

Lula desenvolve uma intensa agenda internacional, mas como porta-voz de um projeto que transcende objetivos de projeção pessoal e adesão subordinada à globalização. Aliás, esta é a grande diferença: o desalinhamento da política externa em relação ao ‘consenso’ liberal norte-atlântico como forma de recuperar a capacidade de negociação. Ao aceitar previamente os postulados e agendas dos países desenvolvidos, não havia muito que negociar, apenas adaptar-se (desde os anos 70 FHC criticava o desenvolvimentismo em suas conferências nos EUA).133

No seu discurso de posse, Lula já sinalizava caminhos de sua política

externa, ao afirmar que “aprofundaremos as relações com grandes nações em

desenvolvimento: a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, entre ouros”. E ainda

“reafirmaremos os laços profundos que nos unem a todo o continente africano e a

nossa disposição de contribuir ativamente para que ele desenvolva as suas enormes

potencialidades”.134

133 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Editora Leitura XXI, 2005, p. 162-3. 134 BRASIL. PALÁCIO DO PLANALTO. Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de Posse, no Congresso Nacional. Brasília, 01/01/2003.

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De fato, a inovação na política externa brasileira no início do século XXI

foi buscar os espaços não ocupados, por opção do governo anterior.

Lula, pela sua origem e pelo seu discurso, falava com naturalidade sobre

as desigualdades sociais, a fome e a necessidade de se construir um mundo mais

justo. A aproximação com a África Austral inseria-se no projeto de construção de

alianças de “geometria variável”, como o G-3 (Brasil, Índia e África do Sul) e o G-20,

constituído por países que defendiam interesses agrícolas nas negociações na

OMC.135

Somava-se à agenda social a questão da segurança internacional, com

os ataques de 11/09. O desprezo dos Estados Unidos pela ONU na “guerra contra o

terror”, com sua ação unilateral no Iraque, mantinha no discurso diplomático

brasileiro a necessidade de reformar o Conselho de Segurança da instituição.

E com habilidade, a política externa do governo Lula procurava associar

desenvolvimento social e econômico com a segurança internacional.

Em seu discurso de posse, Lula afirmava que “neste novo século, é

necessário construir uma ordem mundial mais pacífica e solidária, com

desenvolvimento e justiça social”. Enfatizou também a cooperação internacional, a

preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, sinalizando o

fortalecimento da via multilateral na política externa brasileira.136

Em seu primeiro mandato, Lula realizou 102 visitas ao exterior, tornando-

se o presidente da República que visitou o maior número de países. Foram 40 visitas

a paises da América do Sul, cerca de 39% do total e 20 para paises africanos.137

Dos diversos acordos de cooperação firmados entre o Brasil e a África,

destacam-se três áreas significativas, que se ajustam com o discurso do governo. A

primeira, que já havia sido iniciada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, foi

no combate à Aids, um dos mais graves problemas de saúde pública vivenciado pelo

continente africano. A segunda área é a da pesquisa agropecuária, inclusive com a

instalação de um escritório da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas

Agropecuárias) em Gana. Essa iniciativa ilustra um dos principais slogans do

presidente Lula, tanto no nível doméstico como no exterior, o “combate à fome”. Por

fim, a cooperação na área educacional, que além dos programas de intercâmbio 135 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Editora Leitura XXI, 2005, p. 163. 136 BRASIL. PALÁCIO DO PLANALTO. Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de Posse, no Congresso Nacional. Brasília, 01/01/2003. 137 LULA dá 18 voltas ao redor do mundo em 4 anos. Jornal Folha de São Paulo, 10/12/2006.

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acadêmico, inclui também a ajuda dada ao PALOP (Países Africanos de Língua

Oficial Portuguesa), através da CPLP, com a cooperação técnica em programas de

alfabetização.

Em visita a Angola, em 2003, o presidente Lula prometeu ajuda

econômica, pediu o apoio dos organismos internacionais, criticou o protecionismo

dos países desenvolvidos e prometeu reduzir os impostos de importação para

produtos angolanos. Em troca, o presidente angolano, José Eduardo dos Santos,

apoiou a candidatura do Brasil a membro permanente do Conselho de Segurança da

Organização das Nações Unidas.138

Mas a aproximação do Brasil com a África sob o governo Lula não se

inseria apenas na lógica de angariar apoio à sua candidatura a membro permanente

do Conselho de Segurança da ONU, caso esse fosse reformado.

De acordo com dados do Banco Mundial, a África subsaariana cresceu

entre 5 e 6% ao ano, em média, entre 2003 e 2007.139 Além de satisfatório controle

sobre a inflação, a África adentrou o século XXI com melhores perspectivas de

apaziguamento em seus conflitos internos. Tornava-se uma região atraente aos

investimentos externos, principalmente na exploração de recursos minerais, como o

petróleo e na construção de infra-estrutura. Para o Brasil, significava oportunidade

para a chegada de empresas nacionais e ampliação dos negócios àquelas que já lá

se encontravam, como a Petrobrás e a Odebrecht.

Além da forte presença do Banco Mundial como fomentador de projetos, o

BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) também destinou

crescentes quantias às empresas brasileiras que se dirigiam ao continente africano.

A Petrobrás chega ao século XXI como uma das maiores empresas de

produção de petróleo do mundo, com tecnologia para explorar em plataformas

marítimas e em águas profundas, o que criou oportunidades para a atuação

internacional da empresa, com destaque para os países africanos como Angola,

Líbia, Nigéria e Tanzânia.

A presença internacional da Petrobrás, que além da África, também

operava em outros continentes, exigiu que o Itamaraty se preparasse para atuar de

forma mais direta na área energética. Os biocombustíveis, também presentes nos

138 GOVERNO de Angola promete apoiar Brasil na ONU. BBC Brasil. Rio de Janeiro: 03/11/2003. 139 FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL & BANCO MUNDIAL. Africa Foreign Investment Survey 2006. Washington: IMF, 2007.

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temas de aproximação entre Brasil e a África, exigiram que o Itamaraty passasse a

ter uma área que concentrasse o tratamento institucional do assunto.

Críticas ao neoliberalismo na América Latina atingiram mais fortemente a

Argentina, que durante os anos 90 viveu período de prosperidade baseada

principalmente na dolarização da economia. O governo Menem chegou inclusive a

sugerir aos Estados Unidos a adesão da Argentina à OTAN, e colocava-se como

rival do Brasil como aspirante a membro permanente no Conselho de Segurança.

A defasagem tecnológica da industria argentina, acentuada pela crise

econômica e política que se instalara no país no período pós-Menem, retraem as

manifestações de Buenos Aires quanto a desempenhar maior protagonismo

regional, embora essa situação não tenha se convertido em virtual apoio à

candidatura brasileira.

O risco de militarização no Atlântico Sul parecia pouco provável, mesmo

após os atentados de 11 de setembro de 2001. O “Plano Colômbia”, de assistência

militar dos Estados Unidos ao combate do narcotráfico, ainda surgia como principal

ameaça à segurança regional, tanto pela tentativa inicial de envolvimento de forças

militares sul-americanas no referido plano, como pela possibilidade de que o conflito

pudesse transbordar as fronteiras de países vizinhos.

A região da Tríplice Fronteira, entre Brasil, Argentina e Paraguai, chegou

a ser mencionada por autoridades norte-americanas como possível foco de apoio ao

terrorismo internacional, através de remessas financeiras da comunidade

muçulmana ali presente, porém a idéia não ganhou força no meio governamental.

Ainda assim, a “Guerra Contra o Terror”, empunhada pelos Estados

Unidos, ressuscitou a preocupação com a defesa, como veremos adiante.

O meio-ambiente, no entanto, tem se revelado tema mais sensível no

cenário do Atlântico Sul no que se refere à segurança. Ele reveste-se de importância

fundamental por causa da conservação das florestas tropicais, uma vez que este

oceano as possui em ambas as margens, principalmente na Amazônia e na costa da

Mata Atlântica. O problema básico aqui é o dilema entre a preservação e o

desenvolvimento. Certamente houve um grande avanço com a adoção da tese do

“desenvolvimento sustentado”, expressão que se incorporou no vocabulário

diplomático do Brasil desde a realização da Rio-92.

A Conferência de 92, na avaliação de Silveira:

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Teve o mérito de reduzir a tese do “patrimônio da humanidade” a níveis baixos, uma vez que ela trazia consigo a ameaça do dever de ingerência das Forças Armadas para conservar o território. Este foi mais um passo para realizar os objetivos da ONU ao transformar, em 1982 – mesmo ano da aprovação da ZPCAS –parte do Atlântico Sul em ZEE, isto é, em abrir caminho para a exploração do mar. 140

Um século após o trabalho de Rio Branco no estabelecimento de limites

de fronteira terrestre do país, principalmente na região amazônica, o desafio

encontra-se na fronteira marítima, nos limites do Mar Territorial, “para concluir o

traçado definitivo da base física de Nação”, na colocação do Comandante José

Eduardo Borges de Souza, para quem o Ministério das Relações Exteriores

desempenha importante papel.

Não há hoje uma figura emblemática como a do Barão do Rio Branco

para liderar essa tarefa. Mesmo porque a tarefa da diplomacia brasileira no século

XXI é conduzida de modo mais descentralizado e com o apoio técnico-científico de

outros ministérios e organismos governamentais e não-governamentais.

Numa analogia à Amazônia defendida por Rio Branco, o Comandante da

Marinha Roberto de Guimarães Carvalho batizou a área marítima brasileira de

“Amazônia Azul”, pelas riquezas e recursos existentes na imensa área da Plataforma

Continental.

Figura 1 - Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental.

140 SILVEIRA, C. C. As Novas Ameaças e o Pensamento Estratégico na Marinha do Brasil. Washington, D.C.: Center for Hemispheric Defense Studies, 2003.

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A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM),

realizada em 1982, em Montego Bay, na Jamaica, como visto anteriormente, surgiu

como desdobramento dos debates do início dos anos 70, em que o Brasil teve papel

relevante ao fixar o limite das 200 milhas náuticas.

Desde então, o caráter multilateral que a questão ganhou com a

Convenção tornou-se estratégica para o Brasil, pois ampliava-se o poder de

negociação.

A CNUDM, em seu artigo 76, estabeleceu o processo pelo qual os países

deveriam demarcar os Limites Exteriores da Plataforma Continental além das 200

milhas náuticas (LEPLAC). Segundo a Convenção, cada país deveria apresentar

pedido de ampliação de sua plataforma no prazo de dez anos, depois que tivesse

ratificado a convenção. O Brasil ratificou a CNUDM em 1994 e, portanto, deveria

encaminhar seu pedido até 2004.

Em 1987, o Brasil iniciou o mapeamento cientifico da sua plataforma

continental, que poderia chegar a 1 milhão de km². O trabalho foi coordenado pela

Marinha, em que foram investidos US$ 40 milhões, metade desse custo financiado

pela Petrobrás. O levantamento, finalizado em 2004, foi apresentado à ONU, em que

foi reivindicada a inclusão em sua plataforma de cinco áreas: cone do Amazonas,

cadeia Norte brasileiro, cadeia Vitória e Trindade, platô de São Paulo e margem

continental Sul.

Para o comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto:

Estamos discutindo limites de fronteiras porque essa é uma questão de Estado... não podemos garantir se nessa área há ou não petróleo, se há ou não outra riqueza. Só que, tão importantes quanto os aspectos econômicos, são os limites do Brasil, dos quais não podemos abrir mão.141

Somente em abril de 2007 a ONU autorizou o Brasil a ampliar os limites

de sua fronteira marítima, ao aprovar integralmente a inclusão do platô de São

Paulo. As demais áreas reivindicadas foram aprovadas em 75%. Entretanto, a

Marinha informou que o país continuaria reivindicando o restante da área mapeada.

Moura Neto conclui que:

141 ONU autoriza Brasil a ampliar limites de sua fronteira marítima. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, 06/05/2007.

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Mais de 700 mil quilômetros quadrados já foram aprovados e vamos continuar discutindo se temos ou não direito aos outros quase 250 mil que tínhamos pleiteado de início. Esses 950 mil quilômetros quadrados correspondem aos Estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e um pouco mais do que Santa Catarina. O Brasil tem de entender que o mar é fundamental para sua economia.142

A reivindicação brasileira apresentada à ONU provou que a plataforma

continental brasileira, que é o prolongamento natural da massa terrestre de um

Estado costeiro, é de 350 milhas em áreas da Guiana até Natal e do Espírito Santo

até o Rio Grande do Sul, e não só as 200 milhas a que todos os países podem ter

direito, como definido pela Convenção. Com a decisão da ONU, a área marítima sob

jurisdição do Brasil passou a pouco mais de 4 milhões de quilômetros quadrados,

área maior que a Amazônia.143

A Rússia foi o primeiro país a apresentar à ONU pedido de extensão de

sua plataforma continental. No entanto, seu pedido foi rejeitado pela instituição, pois

conflitava com interesses de outros Estados costeiros. No caso brasileiro, a ausência

de litígios ao norte, com a Guiana Francesa, ao sul, com o Uruguai, bem como a

leste, onde a costa africana encontra-se a longa distância, contribuíram para a

decisão favorável.

Embora a defesa da soberania sobre os recursos minerais, especialmente

o petróleo, se torne evidente com a participação da Petrobrás no mapeamento da

plataforma continental, o Brasil também tem se envolvido nos trabalhos da

Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISBA), criada pela Convenção de

Montego Bay, e que tem a incumbência de normatizar a exploração e o

aproveitamento dos recursos minerais dos fundos marinhos que se situam além das

áreas sob jurisdição dos Estados, isto é, em áreas consideradas “patrimônio comum

da humanidade”.144

Nessas áreas, as atividades de pesca também receberam atenção da

CNUDM, que estabeleceu, em seu artigo 119º, os parâmetros para a conservação

dos recursos marinhos vivos em alto mar. Com vistas a sustentabilidade das

atividades de pesca, o Itamaraty assinou em 1995 o “Acordo de Nova York”,

instrumento de coordenação e cooperação internacionais. 142 ONU autoriza Brasil a ampliar limites de sua fronteira marítima. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, 06/05/2007. 143 Idem. 144 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. A Importância do Mar nas Relações Internacionais. Brasília: 31/01/2008.

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Outro foro de destaque no âmbito do Atlântico Sul para o Brasil é a

Comissão Internacional da Baleia (CIB).

O Atlântico Sul tem sido palco de caça indiscriminada da maioria das

espécies de grandes baleias. A caça costeira de baleias teve seu início na época da

colonização européia, mas em décadas mais recentes tem sido feita por frotas

oceânicas estrangeiras, vindas de países muito distantes dos interesses legítimos

das nações do Atlântico Sul no tocante à gestão dos recursos representados pelas

baleias. Algumas dessas frotas habitualmente capturam espécies protegidas e

desrespeitaram as regulamentações feitas pela própria CIB, conseqüentemente

causando danos progressivos a espécies e populações e impedindo até hoje uma

avaliação adequada dos impactos da caça oceânica de baleias no contexto regional.

A proposta de um Santuário do Atlântico Sul visa reafirmar os interesses

de conservação à luz da crescente e altamente qualificada contribuição regional à

pesquisa, e do interesse econômico de muitos países da região no desenvolvimento

do uso sustentável não-letal de baleias, particularmente a observação turística

desses animais. Essa indústria representa o uso perfeitamente viável dos recursos

de baleias, e que tem necessidade urgente de bases científicas mais sólidas para

sua administração.

O Atlântico Sul é de significativa importância para a reprodução,

amamentação, migração e alimentação para 11 das 14 espécies de baleias que

existem no mundo, entre elas, a baleia-azul, o maior animal do planeta. Os ciclos

marítimos presentes no Atlântico Sul são determinados por importantes

características oceanográficas presentes na bacia oceânica, com impactos nos

nutrientes presentes no mar. O desequilíbrio biológico, portanto, segundo estudos

científicos, põe em risco espécies de animais endógenos e migratórios,

comprometendo a exploração sustentável dos recursos econômicos do Atlântico Sul.

O Santuário do Atlântico Sul se somaria ao Santuário da Antártica,

fortalecendo ainda a idéia de criação de um santuário no Pacífico Sul, perfazendo

uma imensa área dedicada à preservação ao habitat das baleias no Hemisfério

Sul.145

Dentre os objetivos principais do Santuário, o documento destaca:

145 BRASIL lança proposta para santuário de baleias no Atlântico Sul. Eco Agência de Notícias, Florianópolis, 05/11/2007.

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a) Maximizar a taxa de recuperação de populações de baleias até atingirem seus níveis naturais; b) Promover a conservação a longo prazo das grandes baleias durante seu ciclo de vida e de seus habitats; c) Estimular a pesquisa coordenada na região, especialmente por países em desenvolvimento, e através da cooperação internacional, com participação ativa da CIB; d) Desenvolver O uso econômico sustentável e não-letal de baleias para o benefício das comunidades costeiras da região; e) Fornecer um marco abrangente para o desenvolvimento de medidas localizadas que possam maximizar os benefícios da conservação no nível da bacia oceânica; f) Integrar pesquisas nacionais, esforços e estratégias de conservação e manejo em uma estrutura cooperativa.146

Segundo o Embaixador Everton Vargas, diretor da Divisão de Meio

Ambiente e Assuntos Especiais do Ministério das Relações Exteriores, o Ministério

do Meio Ambiente e o Itamaraty têm dedicado empenho total nos contatos com

nações que ainda estão indecisas quanto a seu posicionamento na CIB, onde são

necessários três em cada quatro votos dos 40 países membros.147

A atuação firme do Brasil no Atlântico Sul nas questões ambientais,

especialmente quanto às atividades de pesca por embarcações estrangeiras reflete

a estratégia do país em definir sua soberania sobre seu mar territorial. Para além do

mar territorial, visa manter o Atlântico Sul afastado dos interesses de potências

estrangeiras.

O posicionamento pacifista e ecológico do Brasil no Atlântico Sul pode ser

analisado sob três ângulos distintos. Em primeiro lugar, o Brasil busca a preservação

do Atlântico Sul por constituir-se em sua fronteira oriental de mais de 8 mil

quilômetros de extensão e onde concentra-se a maior parte de sua população. O

avanço científico e tecnológico no mapeamento dos oceanos demonstra a

importância econômica do Atlântico Sul para o Brasil, não apenas pelos seus

recursos econômicos, mas também pela sua influência no clima, com repercussões

na agricultura. Nesse aspecto insere-se também o Programa Antártico.

Em segundo lugar, buscava o Brasil firmar-se como potência pacífica, na

lógica dos recursos limitados.

146 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Atlântico Sul: Um Santuário de Baleias. Documento apresentado pelos Governos da Argentina, Brasil e África do Sul à 57 Reunião Anual da Comissão Internacional da Baleia. Ulsan, Coréia do Sul: junho de 2005. 147 BRASIL lança proposta para santuário de baleias no Atlântico Sul. Eco Agência de Notícias, Florianópolis: 05/11/2007.

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Na visão de Manduca:

A potência pacífica seria resultado de uma conjunção de fatores que alia uma economia desenvolvida e competitiva e integrada, a referida tradição pacifista e a respeitabilidade adquirida através da adesão aos vários mecanismos internacionais de controle de meios de guerra. Para isso, também era necessário que o país desse mostras de que esforçava-se por resolver as contradições internas na área de Direitos Humanos, meio-ambiente e etc.148

Afastar a presença de potências e garantir a manutenção do Atlântico Sul

como área de paz e cooperação, como no contexto da ZPCAS ou atuando para a

preservação das baleias, por exemplo, permitiam que os gastos com a defesa

fossem minimizados. Os anos 90, desde Collor, foram marcados por cortes

orçamentários que recaíram inclusive sobre a área da defesa. Havia uma

coincidência na proporcionalidade entre a percepção de ameaças provenientes da

fronteira marítima, e a possibilidade de defesa a que o Estado estava capacitado e

disposto a desenvolver.

Por fim, como potência pacífica, o Brasil associava outros elementos de

poder soft, como afinidades culturais com países africanos, com os quais buscava

reforçar seus interesses no plano do Atlântico Sul, além de apoio em fóruns

multilaterais, como na OMC e na ONU.

Sobre esse aspecto, Proença Jr. e Diniz ponderam que:

Um Estado pacífico é pacífico por seus compromissos e propósitos, não por sua timidez, nem por seus arsenais. Mesmo o Estado mais pacífico não pode abrir mão de arranjos de defesa adequados, nem de forças armadas capazes de respaldar suas políticas, dando substância a suas posições. 149

Em 30 de junho de 2005, o presidente Lula assinou o Decreto n.º 5.484

aprovando uma nova Política de Defesa Nacional (PDN), voltada principalmente

para ameaças externas.

148 MANDUCA, Paulo César. Política Externa e Segurança Internacional: Brasil Potência ao Fome Zero Global. E-Premissas – Revista de Estudos Estratégicos. Nr. 1, Junho/Dezembro 2006. 149 PROENÇA JR. e DINIZ, E. Política de defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 60.

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Embora semelhante a PDN de 1995 quanto à estrutura, composta por

uma parte política e outra, estratégica, a nova PDN afina-se às transformações

ocorridas no cenário regional e global.

Inova ao apresentar um capítulo sobre “O Estado, a Segurança e a

Defesa”, em que são adotados os seguintes conceitos:

I – Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício os direitos e deveres constitucionais; II – Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.150

Ao analisar o ambiente internacional, a PDN menciona a preocupação

com temas que não constaram na PDN de 1996, como a intensificação de disputas

por áreas marítimas, pelo domínio aeroespacial e por fontes de água doce e de

energia, “cada vez mais escassas”, e que “poderão levar a ingerências em assuntos

internos, configurando quadros de conflito”.151

No mesmo capítulo, a PDN cita a criação de blocos econômicos como

arranjos competitivos, e que o desafio para os países em desenvolvimento é ter uma

inserção positiva no mercado mundial.

Alem de mencionar que “a crescente exclusão de parcela significativa da

população mundial dos processos de produção, consumo e acesso à informação

constitui fonte potencial de conflitos”, a PDN também insere na sua análise as

assimetrias de poder e o terrorismo internacional. A questão ambiental também

surge como preocupação ao considerar que “países detentores de grande

biodiversidade, enormes reservas de recursos naturais e imensas áreas para serem

incorporadas ao sistema produtivo podem tornar-se objeto de interesse

internacional”.

“O Ambiente Regional e o Entorno Estratégico” ganham projeção na PDN

de 2005 e cita os processos que contribuem para reduzir a possibilidade de conflitos,

como: o fortalecimento do processo de integração, a partir do Mercosul, da

150 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 2006. 151 Idem.

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Comunidade Andina de Nações e da Comunidade Sul-Americana de Nações; o

estreito relacionamento entre os países amazônicos, no âmbito da Organização do

Tratado de Cooperação Amazônica; a intensificação da cooperação e do comércio

com países africanos, facilitados pelos laços étnicos e culturais; e a consolidação da

Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul. 152

Uma parte sobre “O Brasil” também é contemplada na PDN, com

destaque ao Atlântico Sul como área vital pela riqueza de recursos e vulnerabilidade

de acesso pelas fronteiras terrestre e marítima:

O mar sempre esteve relacionado com o progresso do Brasil, desde o seu descobrimento. A natural vocação marítima brasileira é respaldada pelo seu extenso litoral e pela importância estratégica que representa o Atlântico Sul. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar permitiu ao Brasil estender os limites da sua Plataforma Continental e exercer o direito de jurisdição sobre os recursos econômicos em uma área de cerca de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, região de vital importância para o País, uma verdadeira “Amazônia Azul”. Nessa imensa área estão as maiores reservas de petróleo e gás, fontes de energia imprescindíveis para o desenvolvimento do País, além da existência de potencial pesqueiro. A globalização aumentou a interdependência econômica dos países e, conseqüentemente, o fluxo de cargas. No Brasil, o transporte marítimo é responsável por movimentar a quase totalidade do comércio exterior.153

Ao mencionar o repúdio ao terrorismo nas relações internacionais como

um dos princípios da Constituição Federal de 1988, em sintonia com o contexto

internacional pós 11/09, a PDN, no âmbito do Atlântico Sul, atribui prioridade

especial aos países da África Austral e aos de língua portuguesa, “buscando

aprofundar seus laços com esses países”.154

Destaca, por fim, ainda nesse capítulo, a adesão do país ao Tratado de

Não-Proliferação de Armas Nucleares, o uso da tecnologia nuclear como bem

econômico para fins pacíficos e que o contínuo desenvolvimento brasileiro traz

implicações crescentes para o campo energético com reflexos em sua segurança.

“Cabe ao país assegurar matriz energética diversificada que explore as

potencialidades de todos os recursos naturais disponíveis”, conclui.155

152 Idem. 153 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 2006. 154 Idem. 155 Idem.

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No capítulo seguinte, “Orientações Estratégicas”, a PDN destaca a

integração regional da indústria da defesa, e que “no Atlântico Sul, é necessário que

o País disponha de meios com capacidade de exercer a vigilância e a defesa das

águas jurisdicionais brasileiras, bem como manter a segurança das linhas de

comunicação marítimas”.156

Também ressalta o perfil de potência pacífica, ao reafirmar seu

compromisso com a defesa da paz e com a cooperação entre os povos. “O Brasil

deverá intensificar sua participação em ações humanitárias e em missões de paz

sob a égide de organismos multilaterais”.

E como orientação estratégica no combate ao terrorismo, a PDN cita que

“é imprescindível que o País disponha de estrutura ágil, capaz de prevenir ações

terroristas e de conduzir operações de contraterrorismo”.157

Na parte final, denominada “Diretrizes”, das 26 linhas de atuação

mencionadas, destacam-se as seguintes, que se referem ao espaço sul-atlântico:

V – aprimorar a vigilância, o controle e a defesa das fronteiras, das águas jurisdicionais e do espaço aéreo do Brasil; VI – aumentar a presença militar nas áreas estratégicas do Atlântico Sul e da Amazônia brasileira; X – proteger as linhas de comunicações marítimas de importância vital para o país; XI – dispor de estrutura capaz de contribuir para a prevenção de atos terroristas e de conduzir operações de contraterrorismo; XX – intensificar o intercâmbio com as Forças Armadas das nações amigas, particularmente com as da América do Sul e as da África, lindeiras ao Atlântico Sul. 158

A PDN promulgada em 1996, segundo Flores, foi formulada por militares

e servidores “compreensivelmente influenciados por concepções doutrinárias,

corporativas e/ou funcionais consolidadas ao longo de muito tempo, no vácuo

proporcionado pela apatia política e societária, pela apatia das instituições e dos

instrumentos representativos da política e da sociedade”.

Para Flores, “o resultado foi uma política imprecisa como orientação, um

conjunto de objetivos, conceitos e valores praticamente óbvios, de consenso fácil,

válidos para qualquer país médio, não fundamentalista”.159

156 MINISTÉRIO DA DEFESA. Política de Defesa Nacional. Brasília: 2006. 157 Idem. 158 Idem.

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A PDN de 2005 é mais explicita que a anterior e reflete objetivos da

política externa brasileira no âmbito do Atlântico Sul, a partir de novas configurações

da política internacional no início do século XXI.

Os atentados de 11/09 e o tema “terrorismo” na agenda internacional

surgem menos como elementos de tensão no Atlântico Sul e mais como

oportunidade de se repensar a política de defesa do Brasil, considerando-se a

ampliação de sua área estratégica.

A expressão “segurança nacional”, não citada na PDN de 1996, na nova

política de defesa nacional conjuga-se com questões de dois tipos diferentes.

A primeira, de natureza focalizada, procura fortalecer programas

estratégicos, como o da energia nuclear.

Ao declarar que apóia a energia nuclear como bem econômico para fins

pacíficos, a PDN reflete a ação governamental na área, que autorizou a liberação de

130 milhões de reais até 2015 para o programa nuclear da Marinha, interrompido

durante os anos 90 e que inclui, principalmente, as pesquisas de enriquecimento de

urânio, em escala industrial. Além do projeto do submarino nuclear, o governo Lula

também declarou a pretensão de concluir a usina nuclear de Angra III e a

industrialização em território nacional de combustível nuclear em todas as suas

etapas.160

Na mesma linha, a retomada da indústria bélica nacional, a partir de

demanda das Forças Armadas por equipamentos militares, insere-se na estratégia

de modernização e ampliação da defesa do espaço estratégico. Por outro lado, visa

também o desenvolvimento e a transferência de tecnologia através de acordos entre

empresas nacionais e estrangeiras.

Na opinião de Cavagnari Filho:

Com meios militares tecnologicamente atualizados pode-se obter resultados rápidos e decisivos nas operações militares. Mas não se pode depender totalmente do mercado externo, há necessidade de se obter parte desses meios no próprio mercado interno – que pressupõe uma indústria bélica e uma P&D militar. A modernização da força militar pode não ser a questão central, mas deve ser uma das principais para a política de defesa, cuja solução depende, em

159 FLORES, M. C. Reflexões Estratégicas: repensando a defesa nacional. São Paulo: É Realizações, 2002, p. 95. 160 OPINIÃO. Folha de São Paulo. São Paulo, 12/07/07.

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parte, do grau de desenvolvimento tecnológico já alcançado pelo Brasil.161

Assim, a defesa nacional, contra ameaças externas, ganha novas

possibilidades de formulação e execução, diante de uma agenda internacional em

que o terrorismo ocupa lugar de destaque desde os ataques de 11/09.

Nesse sentido, observamos que o tema terrorismo, presente na PDN de

2005, configura-se como elemento que permite ao Brasil ampliar suas manobras

regionais, dentro do espaço hemisférico. Permite converter em desenvolvimento de

programas militares que permitem, por um lado, o desenvolvimento e a transferência

tecnológica, e por outro, o aumento da vigilância do espaço estratégico.

No âmbito do Atlântico Sul, tal vigilância se traduz em defesa de uma área

que vem sendo divulgada como “Amazônia Azul”, cada vez mais estratégica ao

Brasil quanto aos seus recursos econômicos, principalmente o petróleo.

A questão energética, para Lucchesi, continuará determinando, no século

XXI, a geopolítica mundial:

O mundo precisa de energia, que está disponível, mas é cara e concentrada. O efeito da concentração será a chave do jogo – como os atores irão se movimentar, quem depende de quem. A Europa não pode brigar com a Rússia, os Estados Unidos não podem brigar com a Arábia Saudita. Enfim, esse é o jogo que tem sido jogado e vai continuar sendo.162

A intensificação da cooperação e do comércio com países africanos,

citada na PDN de 2005, também se insere na estratégia de consolidar o Atlântico Sul

como região de sua influência.

Surgem como prioridades do Brasil as áreas de educação e saúde

pública, com destaque aos programas de combate à Aids. Também receberam

recursos os programas de treinamento na área agrícola, com a capacitação

profissional das instituições de pesquisa agropecuárias de Angola, Cabo Verde e

Moçambique.

161 CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para Revisão da Política de Defesa Nacional. Texto feito a pedido do Ministério da Defesa para redefinição da Política de Defesa Nacional. Campinas: Núcleo de Estudos Estratégicos, Unicamp, 30/06/2000. 162 LUCCHESI. C. F. Geopolítica do Petróleo e Gás, In: GONÇALVES, A. e RODRIGUES, G. M. A. (org.) Direito do Petróleo e Gás – Aspectos Ambientais e Internacionais. Santos: Ed. Universitária Leopoldianum, 2007, p. 120.

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Outro programa que tem recebido apoio do governo brasileiro é o de

intercâmbio estudantil, nas áreas de graduação, pós-graduação e técnicos, em que

jovens africanos estudam gratuitamente no Brasil.

Em Portugal, percebe-se a perda de influência desse país sobre suas ex-

colônias africanas:

Seja como for, são visíveis os indícios de que os países africanos que integram a CPLP estão a substituir Lisboa por Brasília em quase todos os processos de desenvolvimento. Quando se pergunta a razão, os africanos dão vários exemplos. Um deles, talvez o mais paradigmático, refere-se a que o Brasil vai oferecer, a partir de 2005, os medicamentos que produz (são oito dos 16 utilizados em todo o mundo) conta a SIDA a todos os portadores de HIV em Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Segundo um jornal caboverdiano, um dos aspectos que preocupam os portugueses é a aproximação de Cabo Verde ao Brasil, “sobretudo a intensificação das relações econômicas com o Ceará, por parte das autoridades e empresários, rompendo o quase monopólio português sobre o comércio, para além das novas parcerias estratégicas que o primeiro-ministro anda à procura com os EUA, Angola, África do Sul e China.163

Tabela 2 – Comércio Brasil-África (Em bilhões de Dólares)

0

2

4

6

8

10

12

14

2002 2006

Comércio Brasil-África (Em bilhões deDólares)

Fonte: Ministério das Relações Exteriores

Para Saraiva:

O Brasil, que se lança novamente para a África, por meio dos movimentos dinâmicos de sua política exterior e de uma pauta comercial de produtos diversificados e que evolui percentualmente para já representar cerca de 6% das trocas internacionais do Brasil, tem possibilidades importantes de ocupar a brecha africana. Aproveitar a dinâmica do renascimento africano e da autoconfiança

163 PRAGMATISMO brasileiro conquista os países da Comunidade Lusófona. Porto: Jornal de Notícias, 26/09/04.

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que emerge lá para propor diálogo de interesses mútuos e valores abrangentes para a nova geografia política internacional é agenda convidativa para a fronteira atlântica do Brasil.164

A projeção do Brasil na África banhada pelo Atlântico Sul incorpora, além

de interesses econômicos, que vão do comércio à presença de empresas como

Petrobrás e Odebrecht, interesses políticos, com a busca de apoio desses países às

pretensões brasileiras a ocupar assento permanente no Conselho de Segurança da

ONU e às disputas na OMC.

As afinidades étnicas e a defesa de interesses comuns nos dois lados do

Atlântico Sul, elementos importantes para a aproximação, ganham também

dimensão estratégica, ao possibilitar que o Brasil fortaleça sua presença nessa área,

ao mesmo tempo em que afasta potências externas. A defesa do Atlântico Sul como

zona de paz, através da ZPCAS e a proposta de santuário ecológico são exemplos

que fortalecem a perspectiva brasileira.

Na visão de Csurgai:

Factors that defining power projection capacities of states in the international system has been evolving rapidly since the end of the Cold War. Though traditional geopolitical conflicts didn’t disappear, geo-economic competition has become an important element in the distribution of power among states. A functioning geo-economic disposition can help the state to achieve or maintain a position of force in the world system of the 21st century.165

Em 2007, representantes dos países membros da ZPCAS reuniram-se em

Luanda, Angola, com o propósito de avançar na implementação da organização, que

desde 1998 encontrava-se sob a presidência argentina, praticamente inoperante.

Para a política externa brasileira, a ZPCAS constituía-se como fator de

apoio à sua projeção no Atlântico Sul. O Itamaraty, na ocasião, trabalhou ativamente

para a aprovação de um plano de ação, que identificava áreas estratégicas para

aprofundar a cooperação com os países africanos. O ambiente se apresentava

164 SARAIVA, J. F. S. Desafios Africanos para o “Mundo que vem aí: A África Contemporânea na Fronteira Atlântica do Brasil. Palestra proferida na Segunda Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – CNPEPI: O Brasil no mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Palácio Itamaraty, 5 e 6 de novembro de 2007. 165 CSURGAI, G. Geopolitics, Geo-Economics and Competitive Intelligence in Power Projection Strategies of the Staten in the 21st Century. Palestra proferida na Segunda Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – CNPEPI: O Brasil no mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Palácio Itamaraty, 5 e 6 de novembro de 2007.

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favorável, uma vez que as relações entre os dois lados do Atlântico Sul se

intensificaram desde o início do governo Lula.

A ministra da Defesa de Cabo Verde, Cristina Fontes Lima, declarou que

os países membros da organização deveriam se esforçar para manter a estabilidade

na região, após anos de guerra civil:

Esperamos todos a revitalização da ZPCAS, pois há 21 anos que as Nações Unidas entenderam por bem proclamar esta zona entre a América do Sul e África, de paz e cooperação, fazendo um apelo para que se mantenha desmilitarizada, livre de armas nucleares e de destruição maciça. Trata-se agora de conseguirmos ter mais ambição e podermos construir ativamente soluções de segurança e defesa, principalmente face às novas ameaças não convencionais, mas ligadas aos tráficos de outro tipo: de pessoas, de armas, de droga, criminalidade organizada que merece e precisa de contínuas ações de cooperação.166

Para Carlos Gustavo dos Anjos, ministro das Relações Exteriores,

Cooperação e Comunidades de São Tomé e Príncipe, o Plano de Ação e a

Declaração de Luanda são instrumentos que podem revitalizar a ZPCAS e contribuir

para a cooperação em temas sensíveis para os países africanos, como o controle da

pesca, a segurança e proteção dos recursos de modo geral e a luta contra doenças,

como a malária e a Aids.167

Em outubro de 2007, teve início a Operação Antártica XXVI, com a partida

do Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rangel, do Rio de Janeiro para a Antártida.

Durante o verão antártico, o programa teve como objetivo o desenvolvimento de 15

projetos científicos.

Como visto anteriormente, a Antártida tem importância estratégica para o

Brasil, pela sua influência no clima e no ecossistema marinho em todo o Atlântico

Sul. Na nova PDN, recebe referência na parte “Diretrizes”, no item XXII: “Participar

ativamente nos processos de decisão do destino da região Antártica”. Por outro lado,

a indefinição sobre o futuro do continente gelado e de sua importância geopolítica

gera insegurança, uma vez que pode se configurar situações para a presença de

potências estrangeiras ao Atlântico Sul nessa região. Até 2058, o Tratado da

166 BRASIL celebra “nova fase de cooperação” no Atlântico Sul. Portal UOL. São Paulo: Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/lusa/> Acesso em: 19 junho 2007. 167 Idem.

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Antártida garante a perspectiva internacionalista do continente, a que mais interessa

ao Brasil.

Os 25 anos da presença brasileira na Antártica foram comemorados com

a visita inédita de um presidente da República. Lula visitou as instalações da base

Comandante Ferraz, onde são realizadas pesquisas de oceanografia, biologia

marinha, clima e até de agricultura. Dos 19 projetos desenvolvidos atualmente na

estação, nove estão integrados a projetos internacionais. 168

A visita do presidente pretendeu indicar, acima de tudo, para os outros

países, o interesse do país em participar do futuro do continente.

Enfim, a atuação do Brasil no que tange a interesses no Atlântico Sul,

caminha para a construção de uma área que extrapola o continente sul-americano e

inclui a sua fronteira marítima, até à África. Como potência pacífica, ao menos na

etapa de consolidação de sua hegemonia regional, pretende poder projetar

crescentemente seus interesses no Atlântico Sul, que configura-se com área

estratégica para o Brasil no século XXI.

No horizonte do momento aqui analisado, a decisão final sobre a

extensão da plataforma continental brasileira surge como interesse de maior

envergadura, haja vista as reservas petrolíferas que têm sido descobertas pela

Petrobrás longe da costa. Como Zona Econômica Exclusiva (ZEE), a “exclusividade”

nessa faixa ao Brasil está condicionada à capacidade tecnológica e operacional do

país em implementar a exploração de recursos aí existentes. Caso não detenha

tecnologia a esse fim, perde-se a exclusividade. No caso do petróleo, a Petrobrás se

consolidou como uma das principais empresas do de exploração do mundo com

capacidade de prospectar em águas profundas.

Sobre a centralidade do tema “energia” para o Itamaraty, segundo o

embaixador Antônio José Ferreira Simões:

No futuro, as negociações de temas energéticos serão cada vez mais importantes no jogo diplomático. O núcleo das negociações energéticas é político. O ponto central é a possibilidade de ter acesso a recursos energéticos e disso dependem gestões políticas e a capacidade de avaliar o complexo jogo de poder no cenário mundial.169

168 LULA visita Antártida de olho em futuro do continente. BBC Brasil, 15/02/2008. 169 SIMÕES, A. J. F. Energia, Diplomatas e a Ação do Itamaraty: Passado, Presente e Futuro. Texto apresentado na II Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – O Brasil no Mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Palácio Itamaraty, 5 e 6 de novembro de 2007.

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Com a intensificação das relações entre as duas margens do Atlântico

Sul, abre-se caminho para a construção de uma bacia econômica. Penha analisa

que a bacia econômica tem de contemplar os diferentes estágios de

desenvolvimento dos países ribeirinhos, mas com problemas comuns,

principalmente aqueles relacionados à pobreza. “Nesse sentido, seria preciso que o

arcabouço institucional da ZPCAS tivesse um estatuto mais bem definido, no intuito

de inserir a bacia sul-atlântica com referência válida projetada na política mundial”,

pondera. Penha acrescenta ainda que a bacia econômica do Atlântico Sul “tem que

considerar o eixo histórico brasileiro-africano, que dá a ela identidade e consistência,

particularmente no tocante aos projetos de cooperação.”170

A partir dos anos 70, a fronteira marítima brasileira ganha maior projeção

na política externa e nos assuntos de defesa nacional. A soberania sobre o mar

territorial e seus recursos, a garantia de manter o Atlântico Sul afastado dos

interesses de potências estrangeiras, o esforço em evitar rivalidades regionais em

ambas as margens e ainda, a projeção de poder por intermédio da cooperação e de

afinidades histórico-culturais, demonstram os desafios e as oportunidades colocados

ao Brasil.

O fato de o Atlântico Sul situar-se distante dos principais palcos de

tensões e conflitos mundiais, torna-se elemento extremamente importante, diante da

limitada capacidade de defesa do Brasil, pois enfraquece possíveis corridas

armamentistas por parte de outros países da região.

Sobre esse aspecto, argumentam Proença Jr. e Diniz que um dos

paradoxos centrais na discussão de questões estratégicas é o dilema da segurança:

Quando um Estado procura incrementar sua segurança por meio da reorganização de seus arranjos de defesa ou pelo fortalecimento de suas forças armadas pode, ao contrário, acabar por diminuí-la. Isto porque, na ausência de um entendimento, de diplomacia, suscitará, principalmente em seus vizinhos, o temor de que essa reorganização ou esse fortalecimento tenham fins agressivos. Inseguros sobre os propósitos dessas ações, outros Estados tenderão a responder pelo incremento de suas próprias capacidades, diminuindo, dessa forma, a segurança de todos.171

170 PENHA, E. A. Relações Brasil-África: os avatares da cooperação sul-atlântica. Santiago: Clacso, 1999. 171 PROENÇA JR. D. e DINIZ, E. Política de defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 60.

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Assim, torna-se mister para o Brasil a manutenção do Atlântico Sul como

zona de paz e cooperação, afastado do interesse das grandes potências.

Mas até que ponto o Atlântico Sul permanecerá longe do interesse, e

porventura, da presença de potências estrangeiras, haja vista que, além de rota

marítima, constitui-se como reserva de recursos econômicos que poderão se tornar

cada vez mais escassos?

Como observado por Silveira e Mathias:

Com o século XXI, inaugurou-se um novo cenário mundial muito diferente daquele dos últimos lustros do século anterior. Neste, a bipolaridade já não funciona como parâmetro para as relações internacionais e ao contrário das previsões e esperanças, sua derrocada não significou o estabelecimento da paz mundial. No novo sistema que se constrói, o eixo de divisão do sistema deslocou-se para as diferenças Norte-Sul. Neste novo cenário, antigos problemas voltam à cena, como a pobreza, as doenças endêmicas, as questões ambientais, etc. ampliando a noção de segurança.172

As questões relacionadas à pobreza, ao meio-ambiente e aos direitos

humanos não apenas ampliam a noção de segurança, mas também conferem

sentido de comunidade e de universalidade aos interesses brasileiros no Atlântico

Sul. Apóiam-se no coletivo e não no individual, no consenso e não na força.

A defesa de interesses baseada na norma, na construção de arcabouço

jurídico-institucional e na multilateralidade das relações internacionais, apresenta um

dilema sobre o limite entre a legitimidade e o argumento de poder.

Um problema sobre o recurso à norma é a subjetividade, as

interpretações a partir de perspectivas unilaterais, de interesses de poder. Segundo

Fonseca Jr.:

...porque o direito e a política se confundem permanentemente no processo internacional, porque as normas se sustentam essencialmente em legitimidade e, sociologicamente, as desigualdades são marcantes entre países, o espaço da crítica à ordem não se reduz à fórmula de “oposição”, mas freqüentemente de questionamento da legitimidade.173

172 SILVEIRA, C. C. e MATHIAS, S. K. As Novas Ameaças e o Pensamento Estratégico na Marinha do Brasil. Washington, D.C.: Center for Hemispheric Defense Studies, 2002. 173 FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 185.

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Fonseca Jr. apresenta dois modelos básicos sobre o questionamento da

legitimidade nas relações entre Estados, admitindo a definição de regras mínimas de

convivência consagradas na Carta da ONU e em convenções sobre questões

específicas, como as que dizem respeito ao Atlântico Sul. No primeiro modelo,

aceitar-se-ia a sociedade internacional como constituída por soberanos, mas se

contestariam as bases pelas quais os Estados se candidatam a participar do jogo

internacional ou as regras fundamentais de relacionamento entre os Estados. No

segundo modelo, a contestação seria mais radical, “uma vez que negaria a própria

idéia de soberania, ao identificar o egoísmo estatal, a origem dos males da guerra e,

nesse passo, estaria uma longa tradição utópica de projetos de governo mundial”.174

De acordo com Lafer, toda política exterior resulta de um esforço de

compatibilizar necessidades internas com possibilidades externas. Nestas interações

existem dados imutáveis – como o da localização geográfica de um país numa

determinada região do globo – e certos fatores externos de maior durabilidade –

como o da estruturação do poder em escala mundial – que explicam as linhas de

continuidade que, via de regra, norteiam uma política externa. Por isso, ela tem,

quando comparada com a política interna, o ritmo mais lento de uma coerência

derivada de certos interesses básicos, condicionados pela relativa estabilidade das

modalidades possíveis de inserção de um país no sistema internacional.175

Uma política externa competente sempre agrega uma abertura à

mudança das circunstâncias, tanto internas quanto externas, e uma avaliação

pragmática dos recursos de poder de que dispõe um país para harmonizar, da

melhor maneira possível, o quadro interno das necessidades com o quadro externo

das possibilidades.

A harmonização das necessidades internas com as possibilidades

externas se faz em três significativos campos de atuação: o campo estratégico-

militar, que traduz o que um país significa, ou pode significar, para outros como

aliado, protetor ou inimigo em termos de riscos de guerra e desejos de paz; o campo

das relações econômicas, que explicita a importância efetiva ou potencial de um país

para outros como mercado; e o campo dos valores, que revela a importância de um

país enquanto modelo de sociedade. A atuação de um país nestes três campos se 174 FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 185. 175 LAFER, C. Novas Dimensões da Política Externa Brasileira. São Paulo: Revista Brasileira de Ciência Política, 2003.

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faz em distintos contextos diplomáticos, entre eles o das grandes potências, ou seja,

o dos países que pelo poder que detém buscam estabelecer os parâmetros

estruturados da ordem mundial; o contexto regional, que resulta dos inter-

relacionamentos que ocorrem entre países que compartilham uma mesma área

geográfica; e o contexto contíguo, que é o que diz respeito à interação entre países

que têm fronteiras em comum.

Estas considerações analíticas são úteis no exame da dimensão da

política exterior brasileira para o Atlântico Sul, pois permitem identificar quais são os

fatores de mudança que, combinados com os da persistência, vêm presidindo os

rumos diplomáticos do país.176

De acordo com a análise de Fonseca Jr., tanto o Itamaraty como as

Forças Armadas “pensam” em função de interesses, de uma determinada visão de

seu papel como burocracias permanentes, ou ainda, de conjunturas, faltando, por

isso mesmo, ao seu pensamento, as condições de originalidade e de sentido crítico

que normalmente devem trazer as interpretações intelectuais ou acadêmicas da

realidade.177

O pensamento institucional brasileiro, ainda segundo Fonseca Jr, se

articula, no marco ocidental, por uma combinação das forças nacionais

hegemônicas, a tradição cultural e a geografia política. As opções do pensamento

institucional estão permanentemente condicionadas ao jogo combinado de

movimentos internos e mudanças internacionais.178

Na análise de Brigagão e Rodrigues, as duas últimas décadas do século

XX marcaram transformações significativas nas relações exteriores do Brasil, ainda

que determinados princípios permaneçam como perenes, dadas as características

geográficas, sociológicas e econômicas. O processo de democratização dos anos 80

tornou mais transparente os interesses, compromissos e objetivos nacionais. As

forças políticas representadas no Parlamento e a maior participação da sociedade

civil nos assuntos internacionais também conferiram maior transparência à política

externa. Por outro lado, a integração regional, a globalização e a interdependência

176 LAFER, C. Novas Dimensões da Política Externa Brasileira. Texto apresentado na Anpocs _ Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - Águas de São Pedro: 1987. 177 FONSECA JR. G. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 263. 178 Idem.

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também contribuíram para ampliar a influência de diversos setores da sociedade na

definição dos interesses nacionais no plano internacional.

Assim, para os autores:

Dessa forma, mesmo que o Itamaraty continue a ser a principal instituição formuladora e executora de nossa política externa, novos atores vieram se juntar para ampliar o leque de opções de nossos interesses internacionais.179

A eleição de Lula para presidente da República em 2002 também deve

ser vista como fator que contribuiu para matizar a política externa brasileira com

características já discutidas anteriormente, como o combate à pobreza, a defesa do

meio-ambiente e do desenvolvimento sustentável. São temas mais maleáveis a um

governo que se manifesta como alinhado com movimentos sociais, de esquerda. No

entanto, sua presença de forma mais acentuada na agenda externa não representa

ruptura com a tradição diplomática do País.

No entanto, a abertura de embaixadas em países fora do eixo de

preocupação neoliberal do Brasil, de “baixa rentabilidade”, como Camarões,

Tanzânia, Guiné Equatorial e Sudão, além da articulação com a Índia e a África do

Sul para a formação do IBAS, no âmbito das relações Sul-Sul, foram vistas com

desprezo por segmento mais conservador do Itamaraty. Acusam a política externa

de Lula de “ideológica” e “terceiro-mundista”.

Tabela 3 – Embaixadas brasileiras na África

0

5

10

15

20

25

30

2002 2006

Embaixadas brasileirasna África

Fonte: Ministério das Relações Exteriores

179 BRIGAGÃO, C. e RODRIGUES, G. M. A. Política Externa Brasileira – Da Independência aos desafios do século XXI. São Paulo: Moderna, 2006, p. 105.

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107

Para o embaixador Marcos Azambuja:

O Brasil soube – e não de hoje – fazer com que sua política externa fosse uma força de aglutinação e convergência de interesses e legítimas ambições nacionais, e não o terreno em que, por razões diversas, tendências e objetivos apenas sectários se manifestassem.180

Para o Embaixador José Botafogo Gonçalves, o maior problema da

política externa de Lula é sua projeção diversificada:

O Brasil está atuando simultaneamente em várias frentes, em torno das questões norte-sul e leste-oeste, quando deveria concentrar todo o seu poder de fogo na América Latina e, mais precisamente, no Mercosul, com a bem acertada estratégia de atrair novos sócios, como a própria Venezuela, Bolívia e Peru.181

A ampliação das relações do Brasil com países e regiões fora do eixo

tradicional da diplomacia, como apontado pelo Embaixador José Botafogo

Gonçalves, reforça a característica universalista da política externa brasileira.

A origem sindical do Partido dos Trabalhadores (PT), do governo Lula,

pode ser considerada como fator que colaborou para a defesa de uma agenda de

política externa de forte conteúdo social. Temas como desenvolvimento, combate à

pobreza e às desigualdades nas relações Norte-Sul, se tornaram recorrentes em

diferentes contextos internacionais, desde a proposta da OPA (Operação Pan-

Americana) de Juscelino Kubitschek. No entanto, tais temas aparecem de modo

acentuado sob o governo Lula, especialmente na agenda entre o Brasil e os países

africanos, como visto anteriormente. Desse modo, percebe-se o desenvolvimento de

uma política externa do “Pragmatismo Solidário”, que combina elementos típicos do

interesse nacional, projetado através de canais em que confluem interesses

compartilhados com outros países, como verificado nos processos de integração e

cooperação regional. Constitui-se no fortalecimento de valores e interesses comuns,

“solidários”, notadamente no eixo Sul-Sul, tanto em aspectos culturais e históricos

como econômicos e políticos.

180 RACHA no corpo diplomático brasileiro. Revista Diplomacia & Negócio. Curitiba: 29/10/2006. 181 RIBAS, O. A hora e a vez da integração regional. Revista Problemas Brasileiros. Nº 376 – jul/ago 2006.

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108

A realização da I Cúpula África-América do Sul, em 2006, na Nigéria, por

iniciativa do governo brasileiro, teve como objetivo maior impulsionar a cooperação

entre os dois continentes.

Ao discursar na abertura do encontro, Lula afirmou que:

O vasto mar que nos separa é, na realidade, um simples rio chamado Atlântico; hoje estamos construindo uma ponte sobre ele... A África é para o Brasil uma prioridade indiscutível. Sempre temos os olhos voltados para o norte e não nos damos conta de que muitas soluções podem ser encontradas com o diálogo entre nossos países... Demonstrar que o século XXI poderá ser muito melhor para a África e a América do Sul do que foi o século XX depende apenas de nossas decisões políticas.182

Adiante em seu discurso, Lula ressalta que “o Conselho de Segurança

responde a um sistema internacional que já não existe” e destaca a necessidade do

órgão ser “mais democrático”, condição necessária para “adaptar a instituição aos

novos desafios.”183

A reivindicação brasileira por uma vaga permanente no Conselho de

Segurança da ONU encontrava maior apoio junto aos países africanos, ao menos

nos discursos de seus governantes, do que na própria América Latina. Na Nigéria,

Muamar Kadhafi declarou que “cada região deve ter pelo menos uma vaga

permanente no Conselho de Segurança; não é normal que três ou quatro países nos

imponham suas decisões”.184

No seu próprio continente, o Brasil encontrava dificuldades em angariar

apoio ao seu pleito. Obviamente, em caso de indicação geográfica, além de

pretensões idênticas da Argentina e do México, surgia na região a idéia de que a

vaga permanente que coubesse à América Latina fosse ocupada num sistema de

rodízio entre países.

Em 2007, a cooperação militar entre o Brasil e seus vizinhos sul-

americanos, no entanto, se mostrava mais promissora. Além da construção de

navios-patrulha, a Marinha desenvolvia projetos em conjunto com as demais forças

da região para a construção do Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), os Sistemas

182 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Discursos do Senhor Presidente da República. Disponível em: <www.mre.gov.br>. Acesso em 07/03/08. 183 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Discursos do Senhor Presidente da República. Disponível em: <www.mre.gov.br>. Acesso em 07/03/08. 184 Idem.

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de Gerenciamento Logístico e os Sistemas de Comando e Controle. Esses sistemas

de gerenciamento e controle tornavam-se prioritários aos países banhados pelo

Atlântico Sul, principalmente. Além de vigiar e monitorar seu mar territorial cabe ao

Brasil como signatário da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida

Humana no Mar e da Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimo,

determinadas obrigações. Dentre elas, destaca-se o estabelecimento de um sistema

de controle de posição de navios localizados no interior de área marítima sob sua

responsabilidade, e resgate e salvamento de embarcações e náufragos. Para essas

atividades, a área marítima considerada vai além dos 4,5 milhões de km²

consagrados pelos limites da plataforma continental brasileira e atinge quase 14

milhões de km².185

A ampliação da área marítima sob a soberania brasileira incorporou novas

obrigações do país no Atlântico Sul. Ao mesmo tempo, a conquista da auto-

suficiência em petróleo, em 2006, também veio a reforçar a importância estratégica

da fronteira marítima.

Para o comandante da Marinha Roberto de Guimarães Carvalho, a “auto-

suficiência” na produção de petróleo é alvissareiro. No entanto, alerta que:

“Plataformas de exploração de petróleo são alvos potencialmente tentadores para

ações terroristas. A Marinha necessita patrulhar de forma permanente todo o imenso

mar que nos cerca, prioritariamente as áreas marítimas de exploração de

petróleo”.186

No mar, a Petrobras possui 43 sondas de perfuração marítima e 109

plataformas de produção, sendo 77 fixas e 32 flutuantes.187

Por lei, a Marinha deveria receber parcela equivalente a 1% dos royalties

da exploração do petróleo. Esse imposto tem como destino prioritário a proteção das

plataformas de petróleo e dos 4,5 milhões de km² de mar territorial, bem como o

desenvolvimento do programa nuclear brasileiro. Na prática isso não ocorre, por

causa da forma como é elaborada a Lei Orçamentária Anual (LOA). “Como o

montante de royalties arrecadado anualmente é superior ao valor alocado à Marinha

em seu Orçamento de Custeio e de Capital (OCC), o Tesouro Nacional retém a

185 MARINHA DO BRASIL. Clippings de notícias. Disponível em: <www.marinha.gov.br>. Acesso em 07/03/08. 186 RIO acusa governo federal de calote. Jornal Correio Braziliense. 30/05/2006. 187 PETROBRAS. Dados referentes ao ano de 2007. Disponível em: www.petrobras.com.br. Acesso em 03/02/2008.

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110

diferença, registrando-a como ‘superávit financeiro’”, explica o comandante da

Marinha.188

Tabela 4- Orçamento da Marinha.

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1995 1997 1999 2001 2003

Orçamento da Marinha (Embilhões de Reais)

Fonte: Marinha do Brasil

A percepção da vulnerabilidade do país no Atlântico Sul aproximou o

Brasil da Argentina, tornando viável algo quase impensável algumas décadas atrás:

a cooperação no desenvolvimento nuclear e em outros projetos na área militar. Os

dois países acordaram, no início de 2008, criar uma planta binacional de

enriquecimento de urânio e a fabricação conjunta de um reator nuclear para a

propulsão de um submarino. Para Cavagnari Filho, “a vantagem destes submarinos

é que, ao contrário dos convencionais, são silenciosos, mais velozes e podem ficar

submersos por mais tempo com a redução da demanda por combustível”.189

Para o patrulhamento do espaço aéreo, a brasileira Embraer e a argentina

Área Material Córdoba também decidiram trabalhar em cooperação para a

construção de aeronaves de uso militar.

Na terra, os exércitos de Brasil e Argentina firmaram em 2005 acordo para

fabricar em série um veículo militar leve, o “Gaúcho”.

Em visita à Argentina, o ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobin,

declarou que a idéia de desenhar as forças militares sul-americanas atende aos

interesses estratégicos de proteger recursos regionais como água, biodiversidade,

188 RIO acusa governo federal de calote. Jornal Correio Braziliense. 30/05/2006. 189 BRASIL e Argentina abrem era de cooperação militar. Agência de Notícias Inter Press Service (IPS), São Paulo: 29/02/2008.

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hidrocarbonetos e a pesca. “Estamos fazendo um estudo muito profundo de um

projeto estratégico de defesa. Cremos que é um assunto não apenas de nosso país,

mas da região”.190

No pacote de acordos de cooperação entre os dois países, também foi

incluído o desenvolvimento de um satélite para observação do Atlântico Sul. Para o

diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Gilberto Câmara, “um

satélite conjunto nos permitiria mostrar nossa capacidade de cooperar em uma área

de tecnologia de ponta”.191

A Helibrás, fabricante de helicópteros, em parceria com a francesa

Eurocopter, além de guarnecer as Forças Armadas, também fornece os

fundamentos para a manutenção e operação dos helicópteros de maneira

independente. A empresa brasileira também firmou em 2007 acordo com a sul-

africana ATE, que além do aspecto tecnológico, também se insere na estratégia da

cooperação na região do Atlântico Sul na área da defesa.192

As descobertas de grandes jazidas de petróleo e gás na Bacia de Santos

e o crescimento da produção de petróleo verificado desde a década de 70,

fortaleceram a necessidade de se ampliar a vigilância sobre o mar territorial.

Tabela 5 - Evolução da produção anual de petróleo cru no Brasil nas bacias terrestres e marítimas (valores em milhares de barris).

Fonte: Relatório Anual (ANP, diversos), Petrobras

190 Idem. 191 Idem. 192 ECONOMIA e Negócios. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, 10/07/07.

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A insegurança mundial sobre o fornecimento de petróleo recai também

sobre a Venezuela, segunda maior produtora na América Latina, pelas relações

conflituosas que entre Caracas e Washington, desde a tentativa de deposição do

presidente Chávez. No Golfo do México, onde se concentra a maior produção nas

Américas, a vulnerabilidade recai sobre fenômenos meteorológicos comuns naquela

área.

O Mar Mediterrâneo, o Golfo Pérsico, o Estreito de Bósforo e o Canal de

Suez, principais corredores de transporte do petróleo, são regiões consideradas de

alto risco, situadas do bojo de tensões e conflitos de longa data.

O Golfo Pérsico representa cerca de 25% da produção mundial de

petróleo e possui estimados 64% das reservas globais. A Rússia e os países do Mar

Cáspio outros 13%.

Nesse quadro geopolítico, o Atlântico Sul tende a despontar como área

estratégica na produção de petróleo, do Golfo da Guiné e da costa angolana, na

África à costa atlântica na América do Sul, com destaque às Bacias de Campos e

Santos, no Brasil.

Se nos anos 70, as crises do petróleo colocaram em destaque o Atlântico

Sul para a política externa e para segurança nacional, pelo seu papel como via de

ligação aos mercados produtores, no Oriente Médio e na costa ocidental da África,

no limiar do século XXI o mesmo petróleo reforça o significado do Atlântico Sul para

o Brasil. Menos como via de ligação e muito mais como área de produção.

Apesar do Atlântico Sul ser uma das regiões mais estáveis do planeta,

não está totalmente isenta de conflitos, principalmente na costa africana. Alguns

enclaves, como Cabinda, que representa 2/3 da produção petrolífera de Angola, a

Península de Bakassi, entre Camarões e Nigéria, podem evoluir para conflitos de

maiores proporções.

Também tem sido freqüente a ocorrência de saqueadores na costa

africana, ataques de piratas às embarcações e mesmo às instalações de

empreendimentos estrangeiros localizados nessa área. No pós 11/09, não menos

freqüente tem sido a classificação desses atos como “terrorismo”, o que pode levar a

implicações imprevisíveis.

Em julho de 2007, uma Força Tarefa da OTAN, constituída de navios de

seis nações (Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Dinamarca, Holanda e Portugal)

partiu da Espanha para uma missão de circunavegação do continente africano. O

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objetivo da missão foi demonstrar a capacidade da OTAN de manter e assegurar a

lei internacional no alto mar.

Apesar da imensa área de mar territorial que o Brasil possui no Atlântico

Sul, o país sequer foi consultado sobre essa operação militar, anda que não faça

parte da OTAN. Segundo a organização, o deslocamento procura responder a

situações de crise em uma escala global e estabelecer laços operacionais com

marinhas regionais, o que pode tornar-se desafio à ZPCAS e aos interesses do

Brasil no Atlântico Sul.193

Além disso, muitas ilhas sob administração britânica, como Santa Helena,

Tristão da Cunha e Assunção, situadas no meio do Atlântico Sul, assumem um novo

papel geopolítico, diferenciado daquele dos tempos da Guerra Fria.

O mesmo pode ser dito sobre a presença francesa na América do Sul. A

Guiana Francesa, território ultramarino francês, com sua base militar de lançamento

de foguetes, localiza-se em ponto estratégico, próximo à linha do Equador, o que

diminui o uso de combustíveis para por em órbita satélites de diversas

nacionalidades que usam aquela base.

Próximo dali, a base de lançamentos de Alcântara, no Maranhão, foi

motivo de controvérsias quando o governo de FHC, em seu segundo mandato,

propôs a sua revitalização com o aluguel desse espaço ao consórcio americano-

australiano Orion. A idéia era utilizar a base para lançar ao espaço satélites com fins

comerciais, militares e científicos.

O assunto ganhou certo destaque na mídia, nos meios científico e

acadêmico e o projeto acabou sendo engavetado pelo Congresso.

A percepção da crescente importância estratégica do Atlântico Sul para o

Brasil começava a repercutir no plano da defesa nacional.

Além dos acordos de cooperação com a Argentina na área militar, a

Marinha do Brasil apresentou em 2005 ao ministério da Defesa o Programa de

Reaparelhamento da Marinha, para o período de 2006-2025. De acordo com o

Comando da Marinha:

O novo programa, que se coaduna com a Política de Defesa Nacional e com outras orientações de nível estratégico, destina-se, prioritariamente, a repor os diversos navios que foram sendo

193 NATO news:NATO Naval force sets sail for Africa. 30/07/2007. Disponível em: www.nato.int. Acesso em 10/04/2008.

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desincorporados ao longo dos últimos anos, bem como aqueles que, a curto ou médio prazo, também terão que ser retirados do serviço ativo, devido ao elevado grau de obsolescência ou longo tempo de operação que atingirão.194

No entanto, apesar da reconhecida necessidade de investimentos em

reaparelhamento e modernização das Forças Armadas, não se verificou sua

imediata implementação por parte do governo e as expectativas generalizadas entre

os militares mostravam-se modestas sobre o futuro do programa.

Além do aspecto militar, o projeto visava também estimular diversos

setores que atuam associados a industria marítima, com a incorporação e

desenvolvimento de tecnologia, com a conseqüente diminuição da dependência

externa, e geração de empregos no país.

Por outro lado, o crescimento da produção de petróleo nas bacias

marítimas também provocou efeito semelhante. A indústria naval brasileira

apresentou recuperação vertiginosa no período 2006-2007, com crescimento de

100% no nível de empregos, atingindo a marca de 40 mil funcionários diretos. Os

empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)

deram um salto de 520% no mesmo período, chegando na marca dos R$ 3,6 bilhões

no mesmo período.195

Parte dos investimentos refere-se à construção do maior estaleiro do

hemisfério Sul, o Atlântico Sul, em Pernambuco, além de outras 70 unidades em

vários pontos do país.

Em 2007, o faturamento do setor atingiu R$ 4,5 bilhões e encomendas

equivalentes a R$ 14,4 bilhões, sendo R$ 5,4 bilhões em plataformas de petróleo e

R$ 9 bilhões em navios.

Além de produção voltada para o setor petrolífero, a expansão da

indústria naval brasileira também atinge a construção de navios porta-containeres de

longo curso, tanto no comércio exterior como na cabotagem, que é o transporte de

mercadorias ao longo da costa brasileira. “O mercado mundial de exportações e

importações movimentou US$ 20 trilhões em 2006, 85% por via marítima. O Brasil é

o maior exportador de grãos, e hoje consome milhões com afretamento de

194 MINISTÉRIO DA DEFESA. Marinha tem programa de modernização para 2006-2025. Revista defesa@net. Disponível em: www.defesa.gov.br. Acesso em 03/02/2008. 195 PETRÓLEO impulsiona reação da indústria naval no país. Jornal Folha de São Paulo. São Paulo: 01/12/2007.

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embarcações”, afirma Carlos Camerato, presidente do Conselho de Administração

do estaleiro Atlântico Sul.196

Observa-se, assim, que a evolução da produção brasileira de petróleo nas

bacias marítimas, principalmente, vincula-se às orientações estratégicas e de defesa

nacional, com estímulos ao desenvolvimento de “tecnologia de arrasto”, isto é,

repercute numa cadeia produtiva (spill-over).

O ministro da Defesa, Nelson Jobin, ao divulgar a criação de um grupo de

trabalho para atualizar a Política de Defesa Nacional, de 2005, afirmou que:

Vamos fazer com que a questão da Defesa possa ser também algo da agenda nacional, imbricada com o desenvolvimento do país e com a possibilidade de termos o poder dissuasório que assegure as autonomias necessárias no mundo monopolar.197

O grupo de trabalho presidido pelo ministro da Defesa e coordenado pelo

ministro da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, Mangabeira Unger, criada

no segundo mandato do presidente Lula, foi composto também pelos comandantes

da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Durante a gestão de Rio Branco no Itamaraty, os desafios da política

externa brasileira encontravam-se na delimitação das fronteiras terrestres, mais

especificamente na Amazônia.

Um século depois, a região ainda encontra-se envolta em especulações

sobre seu futuro. O fortalecimento da presença militar e a implantação do SIVAM

(Sistema de Vigilância da Amazônia), a partir dos anos 90, expressam a

vulnerabilidade que emerge a partir das pressões internacionais sobre a preservação

da floresta, da dificuldade em coibir atividades de tráfico de drogas, de espécies

nativas da fauna e da flora local. Enfim, o interesse externo pela Amazônia tende a

se equivaler com a sua importância econômica e vital para o sistema internacional.

O Atlântico Sul, por outro lado, a fronteira marítima do Brasil, em fase de

consolidação no limiar do século XXI, guarda suas semelhanças com a questão

amazônica, considerando-se as devidas proporções que cabem a cada uma das

regiões.

196 Idem. 197 MINISTÉRIO DA DEFESA. Assessoria de Comunicação Social. 07/09/2007.

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No entanto, a ocupação sócio-econômica dos espaços vazios se constitui

em uma ação de defesa nacional, o que é possível, e tem sido feito na Amazônia, a

despeito das críticas e protestos de organizações ambientalistas no Brasil e no

exterior e, por vezes, de governos, pressionados pelas mesmas organizações

ambientalistas ou por grupos de interesse econômico.

No Atlântico Sul, políticas públicas para o desenvolvimento da pesca, com

a criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da

República (SEAP/PR), o projeto de se incrementar a navegação de cabotagem ao

longo da costa, do Amazonas ao Rio Grande, o desenvolvimento de pesquisas

científicas por instituições civis e militares, e mesmo as atividades turísticas, são

estratégias que buscam aliar fatores não tradicionais de poder às ações de defesa

nacional.

Na avaliação de Fujita:

Na costa atlântica da América do Sul, um corredor marítimo integrado pode desenvolver-se, unindo portos da Venezuela até a Argentina, desta maneira esticando o sistema estratégico de barateamento, mais intensivo e mais efetivo de elos marítimos entre cidades da América do Sul.198

Uma postura de defesa nacional abrangente, segundo Santos Filho, não

necessária e exclusivamente pautada pela utilização de recursos e por objetivos

militares, acaba se configurando como uma estratégia eficiente para uma, digamos,

ação “autônoma, mas cooperativa”.199

A criação do Ministério da Defesa, conjugando as três forças militares sob

um comando civil, a cooperação militar entre países da região e o estímulo às

atividades econômicas no mar territorial, configuram-se como ações pautadas por

uma “política de defesa nacional abrangente”, como apontado por Santos Filho.

A Convenção de Montego Bay, conforme assinalado por Barros, acabou

por definir a soberania dos Estados costeiros na zona econômica exclusiva,

estabelecendo que os mesmos tem deveres de proteção e preservação do meio

marinho, tendo em conta os direitos e deveres dos outros Estados, e considerando a

198 FUJITA, E. The Brazilian policy of sustainable defense. In: International Affairs, nº 74, 3, 1998, p. 584. 199 SANTOS FILHO, J. L. N. dos. A Defesa Nacional abrangente e o contexto sul-americano. Texto apresentado no 1º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa. São Carlos, SP: UFSCar, setembro de 2007.

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importância respectiva dos interesses em causa para as partes e para o conjunto da

comunidade internacional.200

Barros salienta ainda que a Agenda 21 menciona expressamente as

disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, alertando os

Estados para que fiquem atentos com relação à questão dos estoques localizados

no limite das 200 milhas – ou estoques partilhados – e a questão das espécies

altamente migratórias. E enfatiza a necessidade de zelar pela conservação e

utilização de forma sustentável dos recursos marinhos vivos.201

Os oceanos, como o Atlântico Sul, e as florestas, como no caso da

Amazônia, situam-se no bojo dos debates sobre soberania nacional e perspectiva

internacionalista, reforçada pelos processos de integração regional e pela vinculação

ao direito internacional.

Desse modo, temas que afetam o Brasil na sua costa atlântica, como a

especulação imobiliária, a poluição industrial, as atividades agropecuárias, os portos,

a pesca predatória, o desmatamento, a mineração e a expansão urbana

desenfreada, podem tornar-se difusos quanto à esfera de domínio a que se

submetem.

Em 2002, um estudo da ONU mostrou que 70% dos rios brasileiros que

deságuam no Oceano Atlântico estão poluídos. O mapa apontou o Brasil como um

dos países mais poluídos do planeta. A costa do Brasil nas regiões Sul e Sudeste,

obteve o pior conceito no índice “poluição”. Segundo o coordenador da pesquisa, o

engenheiro sueco Dag Daler, “são necessárias ações urgentes, para não

comprometer ainda mais a qualidade de vida das próximas gerações”.202

A estratégia de ocupação do espaço encerra duplo sentido. No primeiro,

reside o caráter intrínseco que tais atividades manifestam, ou seja, sua expressão

econômica. No segundo, a ocupação visa contribuir para a defesa desse espaço,

onde se encontram, além dos interesses econômicos que o Estado procura

resguardar, a defesa territorial como um dos princípios primordiais da soberania

nacional.

O caráter dissuasório dessa política, como vimos, harmoniza-se com a

escassez de recursos alocados no orçamento militar. Ainda que se considere um

200 BARROS, J. F. C. de. Direito do Mar e do Meio Ambiente. São Paulo: Aduaneiras, 2007, p. 80-81. 201 Idem. 202 RELATÓRIO da ONU sobre a poluição das águas. Jornal O Globo, 13/02/2002.

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aumento expressivo nos investimentos militares para a defesa dos interesses

brasileiros no Atlântico Sul, para as próximas décadas, é improvável que a imensa

área marítima do Brasil possa ser defendida exclusivamente ou, prioritariamente

através do poder militar.

Segundo a análise de Cavagnari Filho, se está presente a possibilidade

real de o País via a ser uma grande potência regional num futuro não muito remoto,

faz-se necessário adotar uma concepção que dela resultem a organização, a

doutrina, a instrução, o equipamento e o armamento, na perspectiva de tal perfil

estratégico. Nessa perspectiva, prossegue Cavagnari Filho, o limite extremo do

esforço de guerra deverá ser a negação de qualquer ocupação do território nacional

– estando incluídos o mar territorial e a zona econômica exclusiva. Assim, pensar a

defesa nacional, ainda com o perfil de potência média, mas na perspectiva de

grande potência regional, impõe-se como necessidade para se formar a massa

crítica no campo da segurança.203

Na visão de Miyamoto, os interesses nacionais e o conceito de soberania

– mesmo repensado – mais do que nunca sobrevivem e encontram-se presentes em

todas as circunstâncias. Cada um procura salvaguardar seus próprios interesses,

proteger suas fronteiras, seus domínios e fortalecer-se o mais possível, acumulando

capacidades econômica, bélica, ao mesmo tempo em que investem em itens como

ciência e tecnologia.204

Fatores históricos, geopolíticos e econômicos deverão, no século XXI,

reforçar princípios tradicionalmente consagrados pela postura diplomática brasileira,

que em última análise atuam como parte da ação de defesa nacional voltada para o

Atlântico Sul.

No decorrer do século XXI, tornar-se-á desafio à política externa e à

defesa nacional se ajustarem aos quadros regional e global, que afetem os

interesses do Brasil no Atlântico Sul. Há que se avaliar constantemente a eficácia de

se apoiar exclusivamente na tradição diplomática do país, na ênfase aos tratados e

convenções e numa estratégia de política de defesa ampla e dissuasória. Até que

ponto serão respeitadas num cenário de acirramento e disputas pelos recursos

econômicos globais? 203 CAVAGNARI FILHO, G. L. Subsídios para Revisão da Política de Defesa Nacional. Campinas: Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, 2000. 204 MIYAMOTO, S. O Mercosul e a Segurança Regional. Uma agenda comum? São Paulo: Revista São Paulo em Perspectiva, vol. 16, nº 1, 2002.

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119

6 CONCLUSÃO

O Atlântico Sul não é elemento novo na política externa brasileira nem

nos assuntos sobre a defesa nacional. Está presente desde a formação do país. Sua

relevância, no entanto, torna-se mais perceptível no século XX a partir dos anos 70,

com a crise do petróleo. Desde então, abre-se uma nova fronteira a ser conquistada,

defendida e explorada.

As crises do petróleo dos anos 70, as modificações no sistema

internacional e a eficácia do método do “pragmatismo ecumênico e responsável” de

Geisel, modificaram a postura brasileira de distanciamento em relação à África, que

desde então ganha novo dimensionamento para a política externa brasileira.

A crescente relevância do Atlântico Sul para o desenvolvimento

econômico do Brasil pode também ser observada pelo esforço que o país empregou

para a delimitação de seu mar territorial em 200 milhas. O projeto antártico brasileiro,

com a instalação de base científica no continente gelado, reforça igualmente a idéia

de ampliar sua presença no Atlântico Sul.

Por outro lado, o fim dos regimes ditatoriais no Brasil e na Argentina e o

fim do regime segregacionista na África do Sul, colaboram para a construção de um

multilateralismo em ambas as margens do Atlântico Sul, com vistas a afastar

possibilidades da presença de potências estrangeiras à região. O fim da Guerra Fria

também contribuiu para a criação da ZPCAS (Zona de Paz e Cooperação do

Atlântico Sul). A desmilitarização do Atlântico Sul tornava-se peça-chave para a

segurança do Brasil na sua fronteira atlântica.

Ao mesmo tempo, a adoção de uma postura ambientalista no Atlântico

Sul constituía-se outra frente de “preservação” do Atlântico Sul.

A idéia era criar um círculo concêntrico em volta do Atlântico Sul, através

da cooperação do Mercosul com a África do Sul pós-Apartheid e com os países

ribeirinhos. Ampliava-se o quadro de cooperação Sul-Sul, além de abrir uma rota

permanente para os Oceanos Índico e Pacífico, propiciando, ainda, alianças

estratégicas com potências médias e/ou mercados emergentes.

O espaço de manobra encontrado pelo Brasil no Atlântico Sul reflete a

importância secundária desse oceano para o sistema internacional, principalmente

para os Estados Unidos. A idéia de “negligência benigna” refere-se, principalmente à

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idéia de um “vácuo” deixado pela potência hegemônica, o que permitiu ao Brasil

certa autonomia para projetar seus interesses na região.

Posto desta forma, podemos concluir que a política externa brasileira

guiada para seu entorno oceânico também tem como ponto de reflexão o “vácuo de

poder”, sua extensão e graus de autonomia que permitem ao Itamaraty promover

seus objetivos.

Assim, com a ampliação de sua projeção regional, não apenas no espaço

sul-americano, mas buscando aproximar-se das nações africanas através do

“Atlântico Sul”, o Brasil visava a reboque fortalecer-se no cenário mundial. Nesse

aspecto, a partir dos anos 90 procurou obter apoio ao seu pleito a um assento

permanente no Conselho de Segurança da ONU e às disputas comerciais levadas à

OMC.

Buscava-se, destarte, converter a ação diplomática como meio de

assegurar a defesa, mantendo a força excluída do jogo político-estratégico.

A criação de múltiplos canais de inserção regional se dava a partir de

espaço de manobra permitido no contexto hemisférico, com convergência entre os

temas desenvolvimento e segurança. E as novas características do sistema

internacional, vinham ao encontro de princípios tradicionais da diplomacia brasileira,

de modo a permitir com maior facilidade a projeção dos interesses externos do país.

De certa forma, delineava-se na década de 90 um enquadramento entre

política externa e política de defesa, baseado no fortalecimento da democracia no

Atlântico Sul.

O ativo envolvimento do Brasil em temas de uma ampliada agenda

internacional refletia a idéia de fortalecimento das organizações internacionais,

especialmente da ONU, como atores reguladores das relações internacionais. O

Mercosul como iniciativa de regionalismo, O Grupo do Rio e a Cúpula Ibero-

Americana, de concertação política, eram tratados pelo Itamaraty como instrumentos

de projeção internacional do Brasil, com matizes de defesa nacional.

Os custos que o Brasil enfrentaria em projetar-se como potência militar na

sua região (hard power), tanto pelas suscetibilidades regionais e pelos

constrangimentos hemisféricos, como também pelas restrições financeiras e

tecnológicas, fortaleceram o aspecto universalista da política externa brasileira. A

necessidade em reduzir gastos públicos, no âmbito do Consenso de Washington,

que atingiu diretamente o orçamento da defesa, conjugou-se com a oportunidade

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criada pelo sistema internacional pós-Guerra Fria, que propiciou explorar e ampliar o

multilateralismo e o regionalismo na política externa brasileira.

Podemos concluir que durante os anos 90, a vertente sul-atlântica da

política externa brasileira acabou situando-se em plano secundário, ofuscada pelos

processos de integração regional e pelo neoliberalismo que gracejou nesse período,

tanto por parte do Estado como pela sociedade, de modo geral. Os interesses

econômicos mais imediatos, seja com o Mercosul e com a Alca, e questões

emergentes na segurança regional, como o narcotráfico na Amazônia, concentraram

a ação diplomática no espaço sul-americano.

O protagonismo do Brasil no Atlântico Sul nas questões ambientais, por

outro lado, expressa a ênfase sobre uma das características da política externa

brasileira, o pacifismo, apropriado como instrumento estratégico de dissuasão.

Afastar a presença de potências e garantir a manutenção do Atlântico Sul

como área de paz e cooperação e santuário ecológico, por exemplo, permitiam que

os gastos com a defesa fossem minimizados. Houve uma feliz coincidência na

proporcionalidade entre a percepção de ameaças provenientes da fronteira marítima,

e a possibilidade de defesa a que o Estado estava capacitado e disposto a

desenvolver.

A publicação da Política de Defesa Nacional (PDN) de 1996, durante o

primeiro governo de FHC, a criação do Ministério da Defesa, conjugando as três

forças militares sob um comando civil, a cooperação militar entre países da região e

o estímulo às atividades econômicas no mar territorial, configuram-se como ações

que buscavam estabelecer uma “política de defesa nacional abrangente”.

Os atentados de 11/09 e o tema “terrorismo” na agenda internacional

surgem menos como elementos de tensão no Atlântico Sul e mais como

oportunidade de se repensar a política de defesa do Brasil, considerando-se a

ampliação de sua área estratégica e a retomada de projetos de desenvolvimento de

tecnologia militar, inclusive para fins comerciais.

Nesse sentido, observamos que o tema terrorismo, presente na PDN de

2005, permitiu ao Brasil ampliar suas manobras regionais, dentro do espaço

hemisférico de hegemonia dos Estados Unidos. Possibilitou o desenvolvimento de

programas militares com transferência tecnológica, vital para a vigilância do espaço

estratégico.

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Com a intensificação das relações entre as duas margens do Atlântico

Sul, a partir da paulatina pacificação do continente africano, abriu-se caminho para a

construção de uma bacia econômica no Atlântico Sul.

A eleição de Lula também favoreceu a aproximação do Brasil com a

África. Temas como o combate à pobreza, a defesa do meio-ambiente e do

desenvolvimento sustentável, tornavam-se mais maleáveis a um governo próximo

aos movimentos sociais. A presença de tais temas, de forma mais acentuada na

agenda externa, reforçou características tradicionais da diplomacia brasileira.

A percepção da vulnerabilidade do país no Atlântico Sul diante da sua

baixa capacidade de defesa aproximou Brasil e Argentina no campo da cooperação

militar. Com a África do Sul esboça-se caminho semelhante.

Políticas públicas para o desenvolvimento da pesca, da navegação de

cabotagem, de pesquisas científicas, e mesmo atividades turísticas, englobam

estratégias que buscaram aliar fatores não tradicionais de poder às ações exclusivas

à esfera militar. Por outro lado, desdobram-se em políticas desenvolvimentistas no

plano doméstico.

O caráter dissuasório dessa política, como vimos, harmoniza-se com a

escassez de recursos alocados no orçamento militar. Ainda que se considere um

aumento expressivo nos investimentos militares para a defesa dos interesses

brasileiros no Atlântico Sul, para as próximas décadas, é improvável que a imensa

área marítima do Brasil possa ser defendida exclusivamente ou, prioritariamente

através do poder militar.

Dentro de uma visão realista das relações internacionais, os interesses

nacionais e o conceito de soberania sobrevivem, assim como o pensamento

geopolítico que redimensionou o Atlântico Sul para o Brasil nos anos 70.

Enfim, conclui-se que a evolução do relacionamento do Brasil com países

africanos, a presença brasileira na Antártica, o protagonismo na defesa do ambiente

marinho e da não militarização do Atlântico Sul, além do esforço empreendido desde

os anos 70 na ampliação do mar territorial, compõem um conjunto de iniciativas que

buscam valorizar a fronteira marítima como área estratégica. Verifica-se, outrossim,

a proeminência de determinadas características da política externa brasileira nessa

direção, como o universalismo, o pacifismo e o multilateralismo.

Transformações ocorridas nos planos regional e global também

favorecem a projeção da defesa numa área onde os interesses se ampliam. Uma

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defesa pautada não apenas na estruturação de um quadro normativo, com a ênfase

de características tradicionais da diplomacia brasileira. Mas uma defesa que

contemple o poder militar, que se adapta às circunstâncias do cenário internacional

regional e global, e que se estrutura em conformidade com os interesses perquiridos

pelo Brasil no Atlântico Sul.

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