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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP MARIA RENEUDE DE SÁ ANALFABETISMO E ALFABETIZAÇÃO: REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-ALFABETIZADORAS DE CAMPONESES QUILOMBOLAS JOVENS E ADULTOS DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

MARIA RENEUDE DE SÁ

ANALFABETISMO E ALFABETIZAÇÃO:

REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-ALFABETIZADORAS DE CAMPONESES

QUILOMBOLAS JOVENS E ADULTOS

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

SÃO PAULO

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

MARIA RENEUDE DE SÁ

ANALFABETISMO E ALFABETIZAÇÃO:

REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-ALFABETIZADORAS DE CAMPONESES

QUILOMBOLAS JOVENS E ADULTOS

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Doutor em

Educação: Currículo, sob a orientação da Profa. Dra

Marina Graziela Feldmann.

SÃO PAULO

2012

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BANCA EXAMINADORA

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A Fátima, minha irmã.

A Gracinha Jardim, in memoriam.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Marina Feldmann, por assumir comigo os riscos da produção deste trabalho,

manifestando seu apoio nos momentos necessários.

Às professoras: Ana Maria Saul, Eliete Santiago, Helenice Ciampi e Solange D’Água, pelas

valiosas contribuições.

À Universidade Federal de Alagoas pela liberação para o curso e à CAPES pela concessão da

bolsa Prodoutoral.

A Ana Cláudia, Josafá, Cristiane e Vera, funcionários da Secretaria Municipal de Educação

de União dos Palmares, pela colaboração na realização da pesquisa.

A Claudete, Jane, Roberta e Salete, do Programa Brasil Alfabetizado de União dos Palmares,

pelo apoio logístico e acompanhamento nas visitas às classes de alfabetização no campo.

A Patrícia, Márcio Bruno e Maria Luiza, Enrique e Vanessa, por acreditarem que eu seria

capaz de dar conta desta tarefa.

Ao meu pai, irmãos, irmãs e demais familiares, por me incentivarem a “ir tocando em frente”.

Às minhas amigas e aos meus amigos que sempre estiveram presentes, mesmo quando

ausentes. São tantos! Poderia nomeá-los, mas creio desnecessário. Eles sabem que são meus

amigos e que os quero tanto que me são indispensáveis.

A Ana Maria, Ana Paula e Jailza, em nome das quais agradeço às professoras e aos

professores-alfabetizadores do PBA de União dos Palmares, que participaram deste trabalho.

A Pai Toinho, pela hospedagem luxuosa em União dos Palmares.

Um agradecimento especial à Comunidade de Muquém, nas pessoas de Dona Sônia e Seu

Adalto, meus anfitriões, pela acolhida generosa.

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Tocando em frente

Almir Sater e Renato Teixeira

Ando devagar porque já tive pressa

levo esse sorriso porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe

só levo a certeza, de que muito pouco eu sei, eu nada sei

Conhecer as manhas e as manhãs

o sabor das massas e das maçãs

é preciso amor pra poder pulsar

é preciso paz pra poder sorrir

é preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida seja simplesmente

compreender a marcha e ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro levando a boiada

eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou

estrada eu sou

Conhecer as manhas e as manhãs

o sabor das massas e das maçãs

é preciso amor pra poder pulsar

é preciso paz pra poder sorrir

é preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia todo mundo chora

um dia a gente chega e no outro vai embora

cada um de nós compõe a sua história

cada ser em si carrega o dom de ser capaz

de ser feliz

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RESUMO

Instalando-se no Brasil desde a colonização, o analfabetismo vai-se tornando,

progressivamente, um problema histórico. Além da negação de um direito constitucional,

conferido a todos os cidadãos, a condição de analfabeto reduz o exercício da cidadania no

mundo contemporâneo. Sua existência inquieta pesquisadores das ciências sociais e humanas,

que buscam realizar estudos que contribuam para sua compreensão e enfrentamento. Neste

trabalho, procurei desenvolver um estudo sobre o analfabetismo por meio da análise de

representações de professoras-alfabetizadoras de camponeses quilombolas jovens e adultos,

relacionando-as ao contexto socioeconômico e cultural e à formação docente. Para isso, adotei

uma metodologia qualitativa com investigação etnográfica, realizada no ano de 2010, na

comunidade de Muquém, descendente do Quilombo dos Palmares, localizada no município de

União dos Palmares, no Estado de Alagoas. Os resultados da análise apontaram, na

construção das representações das professoras sobre alfabetização e analfabetismo,

fragmentos de conhecimentos formais adquiridos, provavelmente, em ações de formação

docente, leituras de material específico da área, como o livro didático utilizado nas classes de

alfabetização, entre outros; crenças sedimentadas no imaginário coletivo sobre o

analfabetismo e a alfabetização; saberes desenvolvidos em e sobre sua própria prática

pedagógica no exercício da alfabetização; troca de experiências com seus pares em diversas

situações, entre outras fontes de conhecimento. Por meio de suas representações, as

professoras buscam explicações e justificativas que respondam a suas inquietações em sala de

aula. Ora essas representações evidenciam o ocultamento de questões relacionadas à prática

docente, que podem estar contribuindo para o problema do analfabetismo, ora anunciam

possibilidades de mudança. Entre as considerações conclusivas, o estudo aponta a importância

de se priorizar, nas ações de formação docente, um princípio fundamental defendido por

Paulo Freire desde seus primeiros estudos na década de 1950, a reflexão crítica sobre a

prática, possibilitando aos professores reverem suas concepções e reorientarem suas práticas

pedagógicas.

Palavras-chave: Alfabetização. Analfabetismo. Representações de professores. Formação de

professores.

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ABSTRACT

Settling in Brazil since colonial times, illiteracy is becoming, increasingly, a historical

problem. In addition to the denial of a constitutional right granted to all citizens, the illiterate

condition reduces the exercise of citizenship in the contemporary world. Its existence uneasy

social and human sciences researcher who seek carry studies that can contribute to their

understanding and facing. In this work I decided to develop a study on illiteracy through the

analysis of representations about this issue from literacy-teachers of young and adult peasants

descendent of historical African people (quilombolas), relating these representations to their

socio-economic and cultural context and to their teacher training. For this, I adopted a

qualitative methodology with ethnographic research conducted in the year 2010 in Muquém

community, descendent of the Quilombo dos Palmares, located in the municipality of União

dos Palmares, in Alagoas state. The results of the analysis showed, in the construction of

representations of the teachers on alphabetization and illiteracy, fragments of formal

knowledge, acquired, probably in teacher training activities, reading material of the specific

area, such as the textbook used in alphabetization classes, among others; established beliefs in

the collective imaginary about illiteracy and literacy; and on knowledge developed in and

about their own teaching practice in the exercise of literacy; exchange experiences with their

peers in several situations, among other sources of knowledge. Through their representations,

the teachers seek explanations and justifications that respond to their concerns in the

classroom. Sometimes these representations indicate the concealment of issues related to the

teaching practice, which may be contributing to the problem of illiteracy, sometimes advertise

possibilities for change. Among the conclusive considerations, the study shows the

importance of priority in the formation courses for teacher, a fundamental principle advocated

by Paulo Freire, from his early studies in the 1950s - a critical reflection on practice, allowing

for the teachers to revise their views and redirect their pedagogical practices.

Key-words: Alphabetization. Illiteracy. Representations of teachers. Teachers formation.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Crescimento absoluto (●) e taxa de crescimento (■) da população

analfabeta com 15 anos ou mais de idade no Brasil - de 1900 a 2000 ......

23

Figura 2 Lagoa Encantada dos Negros. Serra da Barriga. União dos Palmares -AL 54

Figura 3 Residência de um artesão na comunidade de Muquém ............................. 64

Figura 4 Aula de capoeira infantil na comunidade de Muquém .............................. 74

Figura 5 Escola municipal no povoado de Muquém ................................................ 81

Figura 6 Classe de alfabetização de jovens e adultos no Muquém .......................... 89

Figura 7 Sala de aula no Centro Comunitário de Muquém....................................... 107

Figura 8 Professora Anita durante uma aula na escola municipal de Muquém ....... 147

Figura 9 Aula de alfabetização de jovens e adultos no Centro Comunitário de

Muquém .....................................................................................................

154

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais de idade - Brasil – 1900/2000 22

Tabela 2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Taxa de Analfabetismo da

População de 15 anos ou mais – 2000 .........................................................

24

Tabela 3 Taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional das pessoas com 15

anos ou mais de idade, por situação de domicílio, nas grandes regiões

brasileiras – 2005 .........................................................................................

25

Tabela 4 Taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional das pessoas com 15

anos ou mais de idade, por situação de domicílio, na região Nordeste –

2005 ..............................................................................................................

26

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CNAEJA - Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos

CNE - Conselho Nacional de Educação

EJA - Educação de Jovens e Adultos

FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

GPT - Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

PBA - Programa Brasil Alfabetizado

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas

SECADI - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

UFAL - Universidade Federal de Alagoas

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 ANALFABETISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES 18

1. O analfabetismo no Brasil: um problema histórico ............................................. 18

2. No campo, o problema do analfabetismo piora ..................................................... 28

3. Formação de professores: uma visão crítica .......................................................... 31

3.1 A formação docente na visão de pensadores progressistas ................................. 31

3.2. A formação de professores na legislação nacional .............................................. 38

3.3. A formação do professor de Educação de Jovens e Adultos (EJA) .................. 45

CAPÍTULO 2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA DE CAMPO ................

49

1. Orientação teórico-metodológica ........................................................................... 49

2. Desenvolvimento da pesquisa de campo ................................................................ 50

CAPÍTULO 3 O CONTEXTO DA PESQUISA ..................................................... 54

1. O Município de União dos Palmares ..................................................................... 54

1.1 Do Quilombo à União dos Palmares ..................................................................... 54

1.2 Caracterização socioeconômica do Município ..................................................... 56

1.3 Atendimento escolar aos jovens e adultos ............................................................ 58

1.4 O Programa Brasil Alfabetizado e seu funcionamento no Município ............... 59

2. O Muquém e sua comunidade ................................................................................. 64

2.1 Origem e meios de vida ......................................................................................... 65

2.2 Habitação ................................................................................................................. 67

2.3 Alimentação ............................................................................................................. 68

2.4 Espiritualidade e práticas religiosas ..................................................................... 72

2.5 Práticas de preservação da cultura e transmissão de saberes ............................ 73

2.6 Atendimento escolar ............................................................................................... 80

CAPÍTULO 4 REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-

ALFABETIZADORAS SOBRE ANALFABETISMO E

ALFABETIZAÇÃO .........................................................................

83

1. Professora Anita ....................................................................................................... 83

1.1 Dados biográficos da professora ........................................................................... 84

1.2 Relação da professora com a questão étnico-racial ............................................. 87

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1.3 A classe de alfabetização da professora Anita .................................................... 89

1.4 Representações sobre analfabetismo ................................................................... 90

1.5 Representações sobre alfabetização ..................................................................... 99

2. Professora Mariana ................................................................................................. 104

2.1 Dados biográficos da professora .......................................................................... 104

2.2 Relação da professora com a questão étnico-racial ........................................... 105

2.3 A classe de alfabetização da professora Mariana .............................................. 107

2.4 Representações sobre analfabetismo .................................................................. 110

2.5 Representações sobre alfabetização .................................................................... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 118

REFERÊNCIAS............................................................................................................ 121

APÊNDICES

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista com a gestora local do PBA no município

de União dos Palmares ................................................................................................

128

APÊNDICE B - Roteiro de entrevista com coordenadoras de turma do PBA...... 130

APÊNDICE C - Questionário – Coordenadora de EJA.......................................... 132

APÊNDICE D - Relatório de visitas a classes de alfabetização de jovens e

adultos em áreas rurais do município de União dos Palmares...

136

APÊNDICE E – Caracterização dos professores entrevistados.............................. 144

APÊNDICE F – Roteiro de entrevista com professores-alfabetizadores................ 145

APÊNDICE G – Formulário de coleta de dados dos professores-alfabetizadores 146

APÊNDICE H – Uma aula da professora Anita ..................................................... 147

APÊNDICE I – Uma aula da professora Mariana .................................................. 154

ANEXOS

ANEXO A - Extrato da LDB ...................................................................................... 159

ANEXO B – Programa Brasil Alfabetizado – Formação Inicial ............................ 162

ANEXO C - Programa Brasil Alfabetizado – Formação Continuada..................... 165

ANEXO D - Letra da música Marinheiro Só............................................................ 167

ANEXO E - Hino do Município de União dos Palmares – AL ............................... 168

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INTRODUÇÃO

Meu interesse pelo estudo do problema do analfabetismo em populações jovens e

adultas originou-se das atividades acadêmicas que venho desenvolvendo ao longo de 39 anos

de vida profissional, no exercício da docência e de atividades correlatas na educação básica e

na educação superior.

Integrando o corpo docente da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) nos últimos

17 anos, venho lecionando nos cursos de Pedagogia e nas demais licenciaturas. Tenho

participado de pesquisas e de projetos de extensão na área de educação de jovens e adultos,

por meio de convênios da UFAL com órgãos públicos federais, a Secretaria Estadual de

Educação de Alagoas, secretarias municipais de educação e organizações da sociedade civil.

Desde 1998, tenho me dedicado, mais especificamente, a atividades de extensão e pesquisa

relacionadas à educação de populações do campo.

Essas vivências levaram-me, no curso de mestrado, a eleger essa área como campo de

estudo. Por meio de uma pesquisa qualitativa, analisei a visão de camponeses, residentes em

assentamentos rurais de Alagoas, sobre necessidades de conhecimentos letrados e demandas

de escolarização (SÁ, 2002)1. A escolha desse objeto de estudo originou-se do desejo de

investigar o problema histórico do baixo aproveitamento dos programas nacionais de

alfabetização de jovens e adultos no Brasil, constatado por diversos estudos da área2.

No mestrado investiguei a visão de camponeses egressos de programas de

alfabetização de jovens e adultos sobre as razões que os levavam a buscar, insistente e

reiteradamente, matrícula em classes de alfabetização de jovens e adultos, porém, quando

conseguiam acesso, em pouco tempo, a maioria as abandona sem ter adquirido, pelo menos,

habilidades mínimas de leitura e escrita.

Entre as suposições apontadas pela pesquisa, constatei que a insistência dos

camponeses na busca de matrícula em classes de alfabetização devia-se à percepção da

1 A pesquisa de campo foi realizada em 11 assentamentos rurais de seis municípios de Alagoas, com 30

camponeses na faixa etária de 16 a 58 anos, egressos de classes de alfabetização do Programa Nacional de

Educação da Reforma Agrária (PRONERA). 2 Cf. Di Rocco (1979); Freitag (1984); Romanelli (1986); Paiva (1987); Freire (1993); Di Pierro (2000); Haddad

e Di Pierro (2000); Ferraro (2009), entre outros.

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necessidade de conhecimentos letrados em sua vida cotidiana, conforme concluo nas

considerações finais da dissertação:

[...] conhecimentos letrados são percebidos pelas camadas populares rurais como

necessários ao melhor desempenho de atividades práticas na vida cotidiana. São

atividades relacionadas, predominantemente, ao trabalho no contexto atual de

desenvolvimento do meio rural brasileiro, em áreas onde conhecimentos científicos

e processos tecnológicos foram incorporados à produção econômica. Essa

necessidade relaciona-se, também, às expectativas da família camponesa em

melhorar sua qualidade de vida (SÁ, 2002, p. 141).

Essa percepção parece justificar o abandono das classes de alfabetização pelos

camponeses, na medida em que eles constatam que os processos de ensino não estão lhes

proporcionando as aprendizagens almejadas, levando-me a supor que:

[...] se os processos escolares possibilitarem o atendimento às suas expectativas e

necessidades, os camponeses, além de buscarem acesso à escola, nela permanecerão

para concretizar as aprendizagens desejadas e esperadas, apesar de condições

pessoais adversas, tais como: pouca disponibilidade de tempo, cansaço,

preocupações com a família e o trabalho, distância da escola e, até mesmo,

problemas de saúde. Isto leva à suposição de que os camponeses perdem a

motivação, se desinteressam e abandonam os processos de escolarização porque

percebem que não estão se concretizando as aprendizagens desejadas e esperadas.

(Ibid, p. 141).

Desse modo, sem desconsiderar os efeitos negativos de fatores de ordem

socioeconômica sobre a escolarização das camadas populares, as suposições registradas na

pesquisa do mestrado mostraram relação direta entre o insucesso dos programas de

alfabetização de jovens e adultos e fatores pedagógicos referentes aos processos de ensino,

decorrentes, provavelmente, do tipo de políticas de educação destinadas à escolarização

básica da população jovem e adulta no Brasil.

Em termos gerais, a pesquisa reiterou resultados de outros estudos, ao concluir que as

próprias políticas educacionais têm contribuído para a manutenção do analfabetismo no

Brasil.

[...] é possível afirmar que as políticas de educação inclusas nas políticas sociais

desenvolvidas pelo Estado brasileiro, especialmente aquelas destinadas às

populações jovens e adultas, produzem a exclusão escolar por meio de um processo

de “inclusão marginal”, dada a forma perversa como têm promovido a exclusão

escolar (Ibid, p. 142).

Essas conclusões levaram-me à decisão de ampliar, no doutorado, os estudos

realizados no mestrado, investigando o analfabetismo por meio de uma análise de

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representações de professores-alfabetizadores3 sobre o problema. Abordar o analfabetismo

sob esse ângulo deve-se à compreensão, fundamentada em trabalhos sobre o tema

(KLEIMAN, 2001; PENIN, 1989, 1994), da relação existente entre o fazer pedagógico do

professor (prática de ensino) e sua visão (concepções) sobre questões que envolvem esse fazer

(representações).

Desse entendimento decorreu a definição do objetivo geral deste estudo: analisar

representações de professores-alfabetizadores de camponeses quilombolas jovens e adultos

sobre analfabetismo e alfabetização, estabelecendo relação com o contexto sociocultural, sua

formação docente e suas práticas pedagógicas alfabetizadoras.

Na versão inicial do projeto de pesquisa, previ um estudo de representações sobre

analfabetismo. Entretanto, ao começar as entrevistas com os primeiros professores, constatei

que, ao tratarem do analfabetismo, a alfabetização surgia entrelaçada a ele, sem que um tema

se limitasse a ser o contrário do outro, conforme esclarece Ferraro, fundamentando-se no

pensamento de Paulo Freire: “[...] nem o analfabetismo se reduz à simples ausência de

alfabetização, ou a mero desconhecimento da técnica de ler, escrever e contar, nem a

alfabetização se limita à aprendizagem e domínio da técnica de ler, escrever e contar”

(FERRARO, 2009, p. 21). Na base dessa concepção, reside a dimensão política do

analfabetismo como um problema social e a alfabetização como um processo de

conhecimento.

Com esse entendimento, reorientei a abordagem do problema do analfabetismo,

passando a considerar a alfabetização no estudo das representações das professoras-

alfabetizadoras.

O referencial teórico que fundamenta este estudo situa-se no campo do pensamento

crítico-dialético. Nesse campo, selecionei autores de algumas áreas de conhecimento

pertinentes ao estudo em questão, mais especificamente, de filosofia, sociologia, antropologia,

história e educação. Na análise das representações priorizei o pensamento de Lefebvre (1991,

2006) como referência principal.

Adotei, neste trabalho, uma abordagem metodológica de pesquisa qualitativa com

orientação etnográfica4, realizada por meio de contato direto com o campo de pesquisa, na

convivência com a comunidade selecionada para esse fim.

3 As expressões professor e professores estão sendo utilizadas com o único objetivo de simplificar a

comunicação. Não têm, portanto, nenhuma conotação de prioridade ou de discriminação. 4 Cf. Ezpeleta e Rockewell (1986); Bogdan e Biklen (1994); Chizzotti (2001).

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A pesquisa foi realizada no município de União dos Palmares, no Estado de Alagoas,

cuja opção se deu em decorrência de minha vinculação profissional à UFAL, associada ao

propósito de, com este estudo, produzir conhecimentos capazes de contribuir para a definição

de políticas educacionais que conduzam à superação do analfabetismo e à elevação dos níveis

de escolaridade da população alagoana, cujo Estado registra, historicamente, os mais elevados

índices de analfabetismo do Brasil.

No contexto do município de União dos Palmares, escolhi a comunidade quilombola

de Muquém para realizar a investigação etnográfica. Essa escolha deveu-se, especialmente, à

sua provável descendência do Quilombo dos Palmares, fato que lhe confere características

singulares na sua organização e vida cotidiana.

As marcas da cultura do Quilombo estão no modo de vida das comunidades

quilombolas existentes na região, entre elas, a comunidade de Muquém, sediada num povoado

próximo à Serra da Barriga, onde existiu o referido quilombo, entre os séculos XVI e XVII.

Direcionar o foco deste estudo para um espaço limitado e um contingente específico

de uma população - uma comunidade quilombola – foi o motivo principal que me levou a

adotar uma abordagem de pesquisa que me possibilitasse investigar os contextos material e

simbólico do lugar e da vida da comunidade: sua história, sua origem, sua organização, seus

meios de vida, costumes, crenças, visões de mundo, modos de educar as novas gerações e de

conservar e dar continuidade à cultura de seus ancestrais. Fatores que caracterizam aquela

comunidade conferindo-lhe uma identidade própria, diferenciada de outros contingentes

populacionais campesinos, existentes na mesma região. Assim, a investigação etnográfica

mostrou-se como um dos caminhos mais adequados ao estudo em questão.

Este trabalho compõe-se de quatro capítulos. No primeiro, discuto o problema do

analfabetismo no Brasil por meio de uma abordagem histórica, sob a ótica do

descumprimento do direito constitucional, que assegura a todos os brasileiros o acesso à

escolarização básica. Abordo, também, a formação do professor na visão de pensadores

progressistas. Examino concepções e modalidades de formação, sua normatização na

legislação educacional brasileira e a formação específica do professor da educação de jovens e

adultos.

No segundo capítulo, anuncio a fundamentação teórico-metodológica que orientou

este estudo e descrevo o desenvolvimento da pesquisa de campo, explicitando os

procedimentos adotados.

Exploro, no terceiro capítulo, o contexto da pesquisa empírica, compreendendo uma

caracterização do Município de União dos Palmares, sua origem histórica, o cenário

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socioeconômico atual e o atendimento escolar à população de jovens e adultos, finalizando

com uma síntese do Programa Brasil Alfabetizado no município. Com dados da investigação

etnográfica, apresento uma síntese da vida cotidiana da comunidade de Muquém, a partir da

minha convivência com ela. Procuro destacar aspectos que contribuam para a análise que

desenvolvo das representações das professoras.

Analiso, no quarto capítulo, as representações das professoras-alfabetizadoras de

Muquém sobre analfabetismo e alfabetização, estabelecendo relação com a vida cotidiana da

comunidade, a formação docente e suas práticas pedagógicas na alfabetização de camponeses

quilombolas jovens e adultos. Finalizo, expondo algumas considerações gerais decorrentes

deste estudo.

Os apêndices e anexos inclusos no final do texto, além de documentar o trabalho, têm

a finalidade de ampliar a compreensão do leitor.

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CAPÍTULO 1 - ANALFABETISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

1. O analfabetismo no Brasil – um problema histórico5

Este estudo aborda o analfabetismo da população brasileira, especialmente, de jovens

e adultos na faixa etária de 15 anos ou mais de idade. A delimitação deve-se ao propósito de

examinar o analfabetismo como problema, numa perspectiva histórica, analisando-o no

contexto de descumprimento do direito constitucional, que garante a todos os brasileiros o

acesso à escolarização básica. Aos 14 anos de idade toda criança no Brasil deve concluir o

ensino fundamental (9 anos de escolaridade).

Entretanto, as estatísticas educacionais mostram que, além de não se cumprir a

determinação constitucional, um contingente considerável de crianças de 7 a 14 anos de idade

não domina nem mesmo a leitura e a escrita em nível elementar, ampliando as taxas gerais de

analfabetismo no Brasil. Parte do contingente que continua analfabeta contribui para a

reposição do estoque de analfabetos jovens e adultos, conforme mostra o estudo realizado no

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) por Souza (1999).

O ensaio analisa a evolução do analfabetismo no Brasil de 1980 a 1991 e apresenta

projeções com vistas à sua superação até o ano 2020, segundo alguns cenários. Trabalhando

com a relação entre dinâmica demográfica e nível educacional da população a partir do

indicador taxa de analfabetismo, o autor mostra que, além do envelhecimento de gerações de

analfabetos, a manutenção do analfabetismo ao longo do tempo relaciona-se, também, com

condições que produzem novos analfabetos, garantindo a reposição de seu estoque. Entre

essas condições, Souza aponta a ineficiência das políticas educacionais: “[...] o analfabetismo

atual é resultado tanto da insuficiência quanto da demora na melhoria da alfabetização ao

longo da segunda metade deste século.” (SOUZA, 1999, p. 17, grifos do autor).

Estudos históricos sobre a educação brasileira, mostram que o analfabetismo tem suas

raízes no início da colonização portuguesa, no começo do século XVI, constituindo-se como

problema no decorrer do processo da construção da nação (FREIRE, 1993)6.

5 Neste estudo serão considerados dois níveis de analfabetismo: analfabetismo absoluto e analfabetismo

funcional, conforme conceitos adotados pelo IBGE e por outros órgãos que lidam com a questão. 6 Convém assinalar que até o início da colonização não se aplicava o termo analfabetismo às populações

indígenas que habitavam o território ocupado pelos portugueses, visto tratarem-se de sociedades ágrafas

(TFOUNI, 2000).

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19

Desse modo, estendendo-se até o final do século XIX, o analfabetismo atravessou o

império, chegou ao período republicano e ainda persiste no século XXI. Porém, somente na

segunda metade do século XX, o Estado passou a considerar o analfabetismo um problema

nacional, encaminhando ações destinadas a combatê-lo, mas que não têm surtido efeitos

satisfatórios, conforme afirma Ferraro:

Desde as últimas décadas do século XIX, quando o analfabetismo se transformou,

quase que de repente, num problema nacional, sucederam-se inúmeros discursos,

juras, projetos, campanhas e até declarações de guerra contra o analfabetismo,

acompanhados de periódicas reformas de ensino. De tais esforços empenhados na

escolarização e alfabetização do povo, resultaram, não há dúvida, alguns avanços

reais que se traduziram em alargamento da escolarização e em queda lenta, porém

continuada, das taxas de analfabetismo durante todo o decorrer do século XX. No

entanto, em que pesem tais esforços e conquistas, permanece de pé um fato

inegável: o Brasil findou o século XX e adentrou o século XXI com um número

verdadeiramente preocupante de pessoas ainda não alfabetizadas (FERRARO, 2009,

p. 25).

Freitag (1984, p. 48-49), em análise fundamentada em Gramsci, retrocedendo

historicamente e contextualizando o estudo da mesma questão, situa a emergência da atenção

do Estado brasileiro com a educação de sua população, entre o fim do Império e o começo da

República, em decorrência do fortalecimento do Estado como sociedade política. Considera

que a definição de uma política educacional estatal tem origem nesse período: “Até então, a

política educacional era feita quase exclusivamente no âmbito da sociedade civil, por uma

instituição todo-poderosa, a Igreja”.

Entre outros autores, Freitag considera a Constituição de 1934 o marco histórico

regulatório de uma política educacional no Brasil, ao estabelecer, pela primeira vez, a

gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário, as formas de financiamento da rede oficial

em quotas fixas para a Federação, os Estados e os Municípios (Art. 156), fixando, também, as

competências dos respectivos níveis administrativos para os níveis de ensino (Art. 150); a

necessidade de elaboração de um Plano Nacional de Educação (Art. 150), além de tornar o

ensino religioso facultativo (FREITAG, 1984, p. 50-51).

Romanelli (1986), analisando a necessidade de escolarização da população brasileira,

também do ponto de vista socioeconômico e político, atribui o analfabetismo e a baixa

escolaridade até o início do século XX, ao pouco interesse do Estado e à baixa demanda da

população por esse serviço. Considera que, numa economia comandada pelo modelo agrário

exportador dependente, a ausência de conhecimentos escolares não era sentida pelas massas

trabalhadoras, nem mobilizava as ações do Estado. Haja vista que mais da metade das pessoas

de 15 anos ou mais de idade era analfabeta, conforme o censo demográfico realizado pelo

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20

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 1900, que registrou 65,3% de

analfabetismo nessa faixa etária.

Porém, com a intensificação do processo de industrialização, a partir da década de 30

do século passado, que passou a demandar mão-de-obra minimamente escolarizada, o Estado

brasileiro, enfim, assumiu, constitucionalmente, a responsabilidade pela escolarização da

população que, até então, conforme já mencionando, havia sido tacitamente delegada à Igreja

Católica.

Haddad e Di Pierro (2000) também constatam que a educação de jovens e adultos só

vai se tornar, formalmente, um problema nacional no final da década de 40, após sua inclusão

no ensino primário gratuito e de frequência obrigatória, no texto da Constituição Federal de

1934.

Na mesma linha de análise, Souza (2000), situando a EJA no contexto socioeconômico

e político da segunda metade da década de 1940, afirma que as ações do Estado brasileiro

dirigidas para os jovens e adultos não escolarizados destinaram-se, prioritariamente, às

populações do campo, destacando os interesses eleitorais e o formato de campanha que a

caracterizaram:

Com o fim da ditadura estadonovista, era importante não só incrementar a produção

econômica, como também aumentar as bases eleitorais dos partidos políticos e

integrar ao setor urbano as levas migratórias vindas do campo. Por outro lado, no

espírito da “guerra fria”, não convinha ao país exibir taxas elevadas de populações

analfabetas. É nesse período que a educação de jovens e adultos assume a dimensão

de campanha. Em 1947 é lançada a Campanha de Educação de Adolescentes e

Adultos, dirigida principalmente para o meio rural. (Ibid., p. 111).

Entretanto, mesmo com o desenvolvimento econômico centrado na industrialização,

gerando demandas crescentes de mão-de-obra escolarizada, acompanhado da urbanização das

cidades e de movimentos deflagrados por intelectuais e políticos progressistas em defesa da

extensão da escola pública e gratuita para todos, somados às pressões da própria classe

trabalhadora, o Brasil ultrapassou o século XX sem cumprir a obrigação constitucional de

universalizar a escolarização básica de sua população.

Assim, o Brasil não chegou nem a cumprir a promessa de “erradicar” o analfabetismo

absoluto, conforme previsto em planos, programas e projetos educacionais. Previsão que se

repete nas constituições e leis complementares, a exemplo da Constituição de 1988, em vigor,

que fixa no Art. 214 o estabelecimento em lei de um plano nacional de educação, com

duração decenal, no qual devem ser definidas “diretrizes, objetivos, metas e estratégias” que

conduzam, entre outras finalidades, a “erradicação do analfabetismo”.

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21

Essas considerações mostram que o analfabetismo vai se tornando, progressivamente,

um problema mais grave na vida das pessoas e das sociedades contemporâneas, como

previam estudiosos da área, a exemplo de Souza (1999):

Como a simples alfabetização pode ser atualmente considerada insuficiente para

atender as necessidades mínimas de educação de um indivíduo, o fato de ser

analfabeto daqui a uma ou duas décadas poderá ser qualitativamente pior do que

atualmente. Analogicamente, é possível afirmar que o peso do baixo nível

educacional será muito mais grave no futuro. Se não forem revertidas as condições

de propagação da população com baixo nível educacional através das gerações,

fração significativa da população se encontrará em uma situação de pobreza

educacional nas próximas décadas (Ibid., p 17).

Analisando o analfabetismo na população de 15 anos ou mais de idade no último

século, conforme mostra a Tabela 1, dois pontos aparentemente contraditórios chamam a

atenção. Em números relativos, há uma redução extraordinária do analfabetismo ao longo do

século XX, cujas taxas caíram de 65,3% em 1900 para 13,6% no ano 2000. Entretanto, a

quantidade de pessoas analfabetas cresceu a cada decênio até o censo de 1980, começando a

diminuir a partir do censo de 1991, conforme é demonstrado, também, na Figura 1, construída

com dados da Tabela 1.

A esse respeito, Ferraro (2009), em estudo sobre a trajetória do analfabetismo no

Brasil, no período de 1872 a 2000, analisando as taxas de analfabetismo e seus números

absolutos, considera que há “meias verdades” nas afirmações sobre a redução do

analfabetismo no Brasil.

Em sua análise, Ferraro (2009, p. 85) afirma que trata do analfabetismo absoluto7

porque: ‘‘Saber ler e escrever é a única característica educacional da população que foi

investigada em todos os censos brasileiros, sem exceção”. Decorre daí sua importância em

estudos históricos sobre a educação brasileira.

Do mesmo modo, a análise aborda a população de 5 anos ou mais de idade porque é

nessa faixa etária que, também, o analfabetismo foi apurado em todos os censos brasileiros.

Outros indicadores educacionais e outras faixas etárias só foram incluídos a partir do censo de

1940, quando o IBGE passou a assumir os recenseamentos. Ferraro ainda esclarece que

desconsiderou, em sua análise, o censo de 1900 devido às suas deficiências, especialmente, na

parte referente à escolarização (FERRARO, 2009, p. 88-91).

7 Estado ou condição das pessoas que não sabem ler e escrever, segundo conceito usado pelo IBGE.

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22

Tabela 1 - Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais de idade - Brasil – 1900/20008

Ano

População de 15 anos ou mais

Total (1)

Analfabeta (1)

Taxa de

Analfabetismo

(%)

1900 9.728 6.348 65,3

1920 17.564 11.409 65,0

1940 23.648 13.269 56,1

1950 30.188 15.272 50,6

1960 40.233 15.964 39,7

1970 53.633 18.100 33,8

1980 74.600 19.356 26,0

1991 94.891 18.682 19,7

2000 119.533 16.295 13,6

Fonte: IBGE. Censos demográficos.

Nota: (1) Em milhares.

Trabalhando com as faixas etárias de “5 anos ou mais” e “10 anos ou mais” de idade,

Ferraro (2009, p. 86) mostra que, de 1872 até 1890, início da República, houve “[...]

estabilidade da taxa nacional de analfabetismo em nível extremamente elevado, situada entre

82% e 83% para as crianças de 5 anos ou mais [de idade]”.

Prosseguindo a análise, Ferraro observa que essas altas taxas começaram a declinar a

partir da última década do século XIX, dando início ao movimento de queda contínua das

taxas de analfabetismo no Brasil. Entretanto, até 1980, o número de pessoas analfabetas

cresceu gradativamente, provocando equívocos nas afirmações sobre a diminuição do

analfabetismo no País:

Dizer que o analfabetismo caiu continuamente a partir do final do século XIX não é

mais do que uma meia verdade. Essa meia verdade constitui o seguinte: em termos

percentuais, mesmo que muito lentamente, a taxa de analfabetismo efetivamente

veio diminuindo de censo a censo, a contar da última década do século XIX até o

ano 2000. Em números absolutos, porém, o analfabetismo conheceu, por mais de um

século, exatamente o movimento inverso: aumentou. Com efeito, [...], do Censo de

1872 até o Censo de 1980 o contingente ou o número absoluto de não-alfabetizados

(as) entre pessoas de 5 anos ou mais aumentou 4,5 vezes, passando sucessivamente

de 7,3 milhões em 1872, para 10,1 milhões em 1890 [...], até atingir o ponto máximo

de 32,7 milhões em 1980. (FERRARO, 2009, p. 101).

8 A periodicidade dos censos passou de 20 para 10 anos, a partir de 1940, quando o IBGE assumiu sua

realização. Em decorrência de problemas político-governamentais, o censo de 1990 só foi realizado em 1991.

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23

Portanto, os estudos de Ferraro confirmam as observações apontadas a respeito dos

dados sobre o analfabetismo na população de 15 anos ou mais de idade.

Figura 1 – Crescimento absoluto (●) e taxa de crescimento (■) da população analfabeta com 15 anos ou

mais de idade no Brasil, no período de 1900 a 2000.

Entre outras consequências, o analfabetismo contribuiu para enquadrar o Brasil, no

último decênio do século XX, nas piores posições em desenvolvimento humano, conforme

mostra a Tabela 2 (BRASIL, 2012a). Entre os 100 países participantes da pesquisa, o Brasil

encontrava-se na 73ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com 13,6% de

analfabetismo na faixa etária de 15 anos ou mais de idade, enquanto os países localizados até

a 21a posição em IDH apresentavam taxa de 0% de analfabetismo.

Essa posição ocupada pelo Brasil agrava o problema quando se consideram os avanços

científicos e tecnológicos e a sofisticação dos meios de informação e comunicação

incorporados aos processos produtivos e à vida cotidiana da sociedade. Avanços que exigem

de toda a população, nas cidades e no campo, nas regiões mais e menos desenvolvidas

economicamente, o domínio de conhecimentos e habilidades básicas, adquiridos nos

processos de escolarização, considerados indispensáveis à formação e ao exercício da

cidadania.

6.348

11.409 13.269

15.272 15.964

18.100 19.356 18.682

16.295

65,3 65

56,1 50,6

39,7

33,8

26

19,7

13,6

0

10

20

30

40

50

60

70

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

Ta

xa

de

an

alf

ab

etis

mo

(%

)

Po

pu

laçã

o a

na

lfa

bet

a

ANO

População analfabeta (N) Taxa de analfabetismo (%)

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24

Tabela 2 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Taxa de Analfabetismo da População de 15 anos ou

mais – 2000

País

IDH

Posição

Taxa de

Analfabetismo

(%)

Noruega 0,942 1º 0,0

Austrália 0,939 5º 0,0

Áustria 0,926 15º 0,0

Espanha 0,913 21º 0,0

Portugal 0,880 28º 7,8

Argentina 0,844 34º 3,2

Chile 0,831 38º 4,2

Costa Rica 0,820 43º 4,4

Trinidad e Tobago 0,805 50º 1,7

México 0,796 54º 8,8

Colômbia 0,772 68° 8,4

Brasil9 0,757 73° 13,6

Peru 0,747 82º 10,1

Equador 0,732 93º 8,4

Cabo Verde 0,715 100º 26,2 Fonte: PNUD e UNESCO.

Com o aceleramento desse quadro no final do século XX, o Brasil entra no século XXI

mantendo o analfabetismo em níveis ainda muito elevados. Conforme mostram os dados da

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada em 2005 (BRASIL, 2006a),

a taxa nacional de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade decresceu menos

de 2 pontos percentuais, passando dos 13,6%, registrados pelo censo de 2000, para 11%.

Do mesmo modo, outros itens se mantêm, mostrando que houve poucas alterações no

quadro do analfabetismo no Brasil, a exemplo da acentuada desigualdade entre as regiões

geográficas. A Tabela 3 mostra que as taxas mais baixas na mesma faixa etária foram

registradas nas regiões Sul com 5,9%, Sudeste com 6,5% e Centro Oeste com 8,9%, enquanto

a região Norte registrou 11,5% e o Nordeste, mantendo uma tendência histórica, registrou

21,9%.

A PNAD/2005 revelou que também continuam elevadas as disparidades entre os

meios urbano e rural, como se verifica na mesma tabela. Enquanto no meio urbano, o

analfabetismo na população com 15 anos ou mais de idade caiu para 8,4%, no meio rural

foram registrados 25%.

9 Grifos meus.

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25

Tabela 3 - Taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional das pessoas com 15 anos ou mais de idade, por

situação de domicílio, nas grandes regiões brasileiras – 200510

Brasil/

Regiões

Analfabetismo % Analfabetismo Funcional %

Total Urbano Rural Total Urbano Rural

Brasil 11,0 08,4 25,0 23,5 19,3 45,8

Norte 11,5 08,9 20,5 27,1 21,9 43,7

Nordeste 21,9 16,4 36,4 36,3 28,5 56,7

Sudeste 6,5 5,7 17,2 17,5 15,8 38,4

Sul 5,9 5,1 9,8 18,0 15,6 29,5

Centro-oeste 8,9 07,9 15,4 21,4 18,9 36,8

O problema assume maior gravidade quando se aplica, na análise, o conceito de

analfabetismo funcional, mais adequado à realidade contemporânea. Comparando os dois

indicadores, observa-se na Tabela 3 que a taxa nacional de analfabetismo da população de 15

anos ou mais de idade eleva-se dos 11% de analfabetismo absoluto para 23,5% de

analfabetismo funcional. Assim, considerando o segundo parâmetro adotado pelo IBGE,

quase ¼ da população brasileira com 15 anos ou mais de idade, no ano de 2005, não era

alfabetizada.

As reflexões desenvolvidas até o momento, já sugerem, entre outras suposições, a

necessidade de serem intensificados estudos sobre a relação entre pobreza e analfabetismo,

produzindo conhecimentos que fundamentem a definição de políticas públicas que associem

os programas de combate ao analfabetismo com programas sociais, capazes de elevar a

qualidade de vida das camadas mais pobres da população.

Focando a Região Nordeste, que continua apresentando os índices mais elevados de

analfabetismo entre as regiões brasileiras, a PNAD/2005 mostra que o estado de Alagoas,

onde foi desenvolvida esta pesquisa, continua na liderança do problema, com 29,3% de

analfabetismo e 42,1% de analfabetismo funcional, atingindo o percentual alarmante de

60,4% no meio rural (Tabela 4).

É importante ressaltar que o conceito de analfabetismo funcional começou a ser

adotado pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura

(UNESCO11

) somente no final da década de 70, ao considerar “[...] alfabetizada

10

Tabela construída com dados da PNAD/2005 (BRASIL, 2006a). 11

United Nations Educational, Scientific and Cultural

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funcionalmente, a pessoa capaz de utilizar a leitura, a escrita e habilidades matemáticas para

fazer frente às demandas de seu contexto social e utilizá-las para continuar aprendendo e se

desenvolvendo ao longo da vida” (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, AÇÃO

EDUCATIVA, 2001, p. 3).

Tabela 4 - Taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional das pessoas com 15 anos ou mais de idade, por

situação de domicílio, na região Nordeste – 200512

Brasil /

Nordeste

Analfabetismo (%) Analfabetismo Funcional (%)

Total Urbano Rural Total Urbano Rural

Brasil 11,0 08,4 25,0 23,5 19,3 45,8

Nordeste 21,9 16,4 36,4 36,3 28,5 56,7

Alagoas 29,3 22,1 44,0 42,1 33,3 60,4

Piauí 27,4 18,5 42,9 41,8 30,3 62,2

Maranhão 23,0 17,3 35,1 40,5 31,7 59,1

Paraíba 25,2 20,8 41,7 38,3 32,9 58,3

Ceará 22,6 17,7 38,4 35,6 29,0 57,1

Sergipe 19,7 15,4 39,6 34,1 28,8 58,6

Bahia 18,8 12,7 31,6 35,6 26,1 55,6

Pernambuco 20,5 15,5 38,0 32,4 25,9 55,1

R. G. Norte 21,5 17.4 32,6 32,3 27,1 46,4

Entretanto, o Brasil só passou a utilizar esse conceito cerca de 20 anos após sua

adoção pela UNESCO, quando o IBGE, na década de 1990, começou a levantar índices de

analfabetismo funcional, utilizando como referência o número de anos de estudo concluídos

pelas pessoas. Segundo esse critério, são consideradas analfabetas funcionais as pessoas com

menos de quatro anos de estudo bem sucedidos. Supunha-se, portanto, que somente com o

primeiro segmento do ensino de 1º grau concluído (atual ensino fundamental), uma pessoa

estaria alfabetizada.

Passados mais de 20 anos, o IBGE continua utilizando a mesma “medida” para

considerar uma pessoa “alfabetizada funcionalmente”. Medida seguramente obsoleta frente às

12

Tabela construída com dados da PNAD 2005 (BRASIL, 2006a).

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27

mudanças na vida das sociedades humanas, no contexto de crescente globalização mundial, o

que amplia a gravidade do problema do analfabetismo.

A literatura que estuda o analfabetismo no Brasil, por meio da análise das políticas

educacionais (ANDRADE e DI PIERRO, 2007; FERRARO, 2009; FREIRE, 1993;

HADDAD e DI PIERRO, 2000; KLEIMAN, 2001; SÁ, 2002, entre outros), aponta uma

diversidade de fatores que contribuem para sua manutenção. Mostram que, além de não

disponibilizarem condições necessárias e suficientes à ação escolar, entre outros aspectos, têm

se caracterizado pela oferta de uma educação desvinculada da vida cotidiana das camadas

populares, que ignora suas necessidades pessoais e os interesses coletivos da sociedade, em

especial, das camadas mais pobres da classe trabalhadora.

Os problemas decorrentes dessas políticas instalam-se na base do sistema educacional,

ou seja, no interior das unidades escolares, onde são desenvolvidas as práticas educativas que

devem concretizar a escolarização da população. Nesse espaço particular, situam-se

problemas relacionados aos conteúdos curriculares, à formação, remuneração e prática

docente dos professores, à gestão da escola, às condições materiais dos espaços físicos

escolares, à relação da escola com os estudantes e suas famílias, entre outros.

Estudos que abordam, mais especificamente, a educação de jovens e adultos, apontam

uma diversidade de fatores que têm contribuído para o fracasso de programas de

alfabetização, conforme passou a ser considerado em análises críticas sobre o problema.

Kleiman (2001), por exemplo, referindo-se aos programas nacionais de alfabetização

de jovens e adultos, promovidos pelo Estado brasileiro desde as primeiras décadas do século

XX, destaca a concepção negativa sobre a capacidade cognitiva do adulto, que fundamentava

esses programas, e sua repercussão, até o presente, na prática dos professores:

Muitos são os fatores que podem ser mencionados como causas de tantas tentativas

fracassadas. Nas décadas de 30 e 40, colocava-se abertamente o ônus do fracasso no

próprio adulto, até nos meios educacionais. O adulto que não sabia ler nem escrever

era considerado deficiente e incapaz de aprender. Em círculos acadêmicos, ou entre

especialistas, essa visão deixou de ser aceita já no início da década de 50, graças aos

trabalhos de educadores e de psicólogos que trouxeram evidências importantes

contra essa concepção. Entretanto, esse preconceito não sumiu do imaginário

nacional e continua influenciando o trabalho de muitos professores, os quais, assim

justificam o fracasso de seus alunos. Mais recentemente, fatores sociais e políticos

são apontados como relevantes para explicar o fracasso da alfabetização de adultos.

(Ibid., p. 17).

Observa-se, nessa linha de análise, um deslocamento do fracasso escolar da vítima (o

educando) para o processo de escolarização (políticas públicas e ações escolares). A mudança

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de direção altera radicalmente a compreensão do problema, no sentido da identificação de

fatores responsáveis pela sua manutenção e da formulação de proposições capazes de

contribuir para sua superação.

Sem desconsiderar estudos existentes na área, a exemplo de alguns que serão

abordados a seguir, o quadro apresentado suscita a necessidade de novos estudos sobre o

analfabetismo no Brasil, que diversifiquem, ampliem e aprofundem o conhecimento sobre o

problema, de modo a fundamentar a definição e execução de políticas educacionais que

garantam o seu combate e efetivem, pelo menos, a escolarização básica da população

brasileira, conforme as demandas e necessidades da sociedade e as imposições constitucionais

do País. Sem esquecer que a eficácia das políticas educacionais exige, do Estado, a adoção de

outras políticas sociais que possibilitem a elevação das condições de vida das camadas

populares, capazes de lhes possibilitar, entre outros direitos, frequentar a escola na idade

apropriada.

2. No campo, o problema do analfabetismo piora

As estatísticas do IBGE sobre o analfabetismo por domicílio registram, como visto

anteriormente, índices bem mais elevados nas populações do campo. A disparidade nas taxas

entre cidade e campo, associadas aos indicadores educacionais de evasão, reprovação,

repetência, distorção idade-série, entre outros, denuncia a inadequação das políticas de

educação do campo, no âmbito de um quadro social mais amplo13

.

Há estudos que são unânimes em afirmar que desde o período da colonização

brasileira as ações destinadas à educação das populações campesinas priorizaram os interesses

dos grupos economicamente dominantes, em detrimento das demandas gerais da sociedade e

dos interesses dos próprios destinatários.

Neste sentido, Leite (1999, p. 14) afirma: “A educação rural no Brasil, por motivos

socioculturais, sempre foi relegada a planos inferiores e teve, por retaguarda ideológica, o

elitismo acentuado do processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação

político-ideológica da oligarquia rural”.

13

Cf. Brandão (1990); Leite (1999); Sá, 2002; Brasil (2004a); Damasceno e Bezerra (2004); Andrade e Di Pierro

(2007); Pessoa (2007).

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Pessoa (2007), em estudo sobre a educação do campo no Brasil, aponta a inadequação

do sistema de ensino como uma das causas do problema, na medida em que se transpõe para o

campo a “escola pensada e praticada na cidade”, apontando, como consequência, a incidência

maior do analfabetismo nas áreas rurais:

(...) Uma consequência direta, entre outras, é uma incidência muito maior do

analfabetismo na zona rural que nas cidades. Segundo a Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de

2004, a taxa de analfabetismo entre os brasileiros com mais de 15 anos é de 11,6%,

com 8,9% entre a população urbana contra 27,2% entre a população rural (Ibid., p.

29-30).

Damasceno e Bezerra (2004), por meio de uma análise de pesquisas que estudam as

condições gerais de ensino e aprendizagem nas escolas do campo, verificaram que esses

trabalhos, embora constatem a inadequação do tipo de escolarização destinada às populações

campesinas, destacam a importância da educação escolar para essas populações:

Apesar de reconhecerem que a escola pública rural é limitada e precária, tanto as

populações rurais pesquisadas como os estudiosos consideram que essa instituição

tem papel fundamental na divulgação do saber universal para a população rural,

devendo, por isso, ser avaliada e, sobretudo, ter sua função sócio-pedagógica e

conteúdos curriculares redefinidos para que de fato venha a atender aos reais

interesses dos grupos sociais a que se destina. (Ibid., p. 79).

Em documento publicado pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2004a), no qual são

apresentados subsídios para definição de uma política educacional para o campo, o Grupo

Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT), reconhecendo a desigualdade

histórica na oferta de educação para as populações rurais, também atribui o estado atual da

área à origem elitista da educação brasileira, direcionando a análise para os fatores localizados

nos espaços escolares:

(...) Esse panorama condicionou a evolução da educação escolar brasileira e nos

deixou como herança um quadro de precariedade no funcionamento da escola do

campo: em relação aos elementos humanos disponíveis para o trabalho pedagógico,

a infraestrutura e os espaços físicos inadequados, as escolas mal distribuídas

geograficamente, a falta de condições de trabalho, salários defasados, ausência de

uma formação inicial e continuada adequada ao exercício docente no campo e uma

organização curricular descontextualizada da vida dos povos do campo. (Ibid., p. 7)

Caracterização semelhante é apresentada por Andrade e Di Pierro (2007) em trabalho

que, embora tenha o objetivo de analisar o Programa Nacional de Educação na Reforma

Agrária (PRONERA), traz uma síntese histórica de ações destinadas à educação das

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populações do campo, abordando programas promovidos pelo Estado e iniciativas de

organizações da sociedade civil.

Sobre ações mais recentes, Andrade e Di Pierro (2007) constataram que os programas

analisados não chegavam a configurar uma política universal de educação para o campo, dada

a fragmentação, falta de coerência, abrangência limitada, além de disparidades nas suas

orientações:

Perspectivas compensatórias de educação, que não questionam as desigualdades

sócio-territoriais, convivem com projetos educativos que aspiram fortalecer os

movimentos dos trabalhadores rurais para transformar as relações sociais no campo

e também as relações campo/cidade. Há projetos descontextualizados que tendem a

desenraizar o homem do campo e propostas que respeitam o modo de vida e a

cultura da população que aí vive e trabalha. Há quem privilegie a formação de mão-

de-obra para o mercado em resposta às necessidades da agricultura moderna, e quem

se proponha a formar sujeitos sociais engajados em processos de mudança

econômica, cultural e política. Há quem inscreva como objetivo educar com mais

qualidade dentro do modelo escolar urbano e quem reconhece a especificidade do

campo. Há programas que pensam a educação para o campo e programas que se

propõem a pensar a educação com os sujeitos do campo (ANDRADE, DI PIERRO

2007, p. 78).

Entre as contribuições que esses estudos oferecem para a compreensão do

analfabetismo e da alfabetização na realidade brasileira, destaco a necessidade que eles

sugerem de se intensificarem as pesquisas sobre a educação das populações do campo, tendo

em vista especificidades que precisam ser consideradas no seu atendimento escolar.

Neste sentido, convém ressaltar, também, o Art. 28 da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (nº 9394/1996), o qual estabelece que: “Na oferta da educação básica para a

população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação

às peculiaridades da vida rural e de cada região [...]”, incluindo conteúdos curriculares,

metodologias e até um calendário escolar apropriado. Entretanto, parece que essas

determinações são pouco consideradas pelos sistemas de ensino.

Quanto às pesquisas, suponho que é necessário se investigarem as repercussões na

vida das populações campesinas provocadas por mudanças na estrutura socioeconômica das

áreas rurais, em especial o avanço da agroindústria, a diversificação e mecanização da

produção, a difusão dos meios de comunicação e informação, entre outras, que vêm

ampliando e intensificando, no campo, exigências da cultura letrada14

, conforme já vem sendo

constatado há décadas por estudiosos da área (MARTINS, 1978, 2005; SÁ, 2002;

WHITAKER, 1992; WHITAKER, ANTUNIASSI, 1993; entre outros).

14

A cultura letrada está sendo considerada, neste trabalho, como aquela que é desenvolvida na prática social com

base nos conhecimentos sistematizados que têm, na escola, o locus privilegiado de seu acesso.

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3. Formação de professores: uma visão crítica

A formação profissional dos docentes constitui-se, desde o advento da escola

moderna, num dos fatores relevantes do debate sobre a função da educação escolar, a

qualidade do ensino e o próprio desenvolvimento da carreira profissional do professor

(TARDIF, LESSARD, 2005, 2008).

A inclusão do tema, neste estudo, responde ao propósito de análise das relações entre

as representações de professores-alfabetizadores e sua formação docente.

Inicio a abordagem do tema desenvolvendo uma reflexão apoiada em autores filiados a

uma linha de pensamento progressista (FELDMANN, 2004, 2009; FREIRE, 1979, 1981,

2007; GARCIA, 1999; TARDIF, LESSARD, 2005, outros), destacando, nas produções

consultadas, pontos que considero mais pertinentes aos objetivos deste trabalho.

Dou destaque à produção de Freire, em cuja obra construiu um pensamento

pedagógico que expressa uma teoria da educação, situada no campo do pensamento crítico-

dialético. De sua obra, selecionei textos que abordam sua concepção de educação, prática

pedagógica e formação docente.

Examino, também, estudos de Tardif e Lessard, especialmente, sobre

profissionalização do professor e perspectivas de análise do trabalho docente.

Para situar a formação do professor na realidade brasileira, examino, na legislação,

como o Estado conceitua o trabalhador da educação, além de conceber e normatizar a

formação docente. Por fim, analiso a formação do professor para atuar na educação de jovens

e adultos, ressaltando a especificidade da formação do professor-alfabetizador.

3.1 A formação docente na visão de pensadores progressistas

Paulo Freire afirma que “Não há docência sem discência”, nomeando o primeiro

capítulo de seu último livro publicado em vida – Pedagogia da autonomia (FREIRE, 2007,

p. 21). Nele, expõe uma série de exigências que, ao serem consideradas fundamentais ao

exercício da prática educativa crítica, constituem-se em saberes indispensáveis à formação

docente.

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Iniciando a discussão do primeiro tema, o autor diz que “[...] ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (Ibid., p.

22, grifos do autor). Anuncia, assim, uma concepção de educação que entende o ato

pedagógico como processo de conhecimento, o professor e o aluno como sujeitos produtores

de conhecimento e a relação pedagógica, necessariamente, uma relação democrática.

Essa concepção, cujas bases conceituais já se encontram em sua primeira obra -

Educação como prática da liberdade (FREIRE, 1979) - contrapõe-se à pedagogia

tradicional, que o autor denomina de educação bancária, porque considera o ensino um ato

estrito de transmissão de conhecimento, o professor, o detentor do saber e o aluno, o ser

passivo a quem cabe absorver os conteúdos transmitidos pelo professor (grifos meus).

Nessa primeira obra, Paulo Freire apresenta uma análise da pedagogia tradicional, ao

desenvolver uma crítica radical à escola brasileira. Intensifica sua análise no livro Pedagogia

do oprimido (FREIRE, 1981), escrito no exílio após o golpe militar de 1964 no Brasil, ao

mesmo tempo em que aprofunda sua concepção crítica de educação, denominando-a de

concepção problematizadora, que vai sendo revista e ampliada ao longo das suas obras, até

o final de sua vida, em 1997 (grifos meus).

Ao criticar a escola brasileira pelo ensino de conteúdos desconectados da realidade

social, econômica, política e cultural, pelas práticas pedagógicas autoritárias, conservadoras e

discriminatórias, pelos métodos de ensino arcaicos, desvinculados da pesquisa, da produção

de conhecimentos, afeitos à verbosidade e à memorização mecânica, dentre outras

características, Freire propõe uma educação contextualizada, que possibilite o

desenvolvimento da consciência crítica das camadas oprimidas, na perspectiva da sua

emancipação.

A concepção bancária, ao privilegiar a memorização mecânica como meio de

aprendizagem, em resposta à transferência de conhecimentos como meio de ensino, poda a

curiosidade e freia a criatividade do educando e do educador, impede o desenvolvimento da

autonomia de ensinar, estudar e aprender. Nesse processo pedagógico, a função do professor é

depositar, nos alunos, os “conteúdos que são retalhos da realidade, desconectados da

totalidade em que se engendram e em cuja visão eles ganhariam significação” (Ibid., p. 65).

Aos alunos cabe, paciente e disciplinadamente, receber os conteúdos, memorizá-los e repeti-

los em exercícios e provas, que definem sua ascensão na carreira escolar.

Na concepção pedagógica crítica, o ato de aprender, em interação com o ato de

ensinar, constitui um processo vivenciado por sujeitos cognoscentes, no qual “Quem ensina

aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Nesse processo, afirma Freire: “[...]

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quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender, tanto mais se constrói e

desenvolve [...] a curiosidade epistemológica, sem a qual não alcançamos o conhecimento

cabal do objeto” (FREIRE, 2007, p. 24-25).

Ao revelar a dimensão epistemológica e democrática do processo pedagógico, as

reflexões acima mostram a interconexão entre o ato de ensinar e o ato de aprender, ancorando

a afirmação do autor:

Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que,

historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim,

socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam

que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de

ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na

experiência realmente fundante de aprender (FREIRE, 2007, p. 23-24).

Convém ressaltar que a democratização da relação pedagógica, segundo a concepção

pedagógica freireana, não anula o papel do professor na direção do processo pedagógico. Pelo

contrário, redimensiona e amplia sua responsabilidade, exigindo-lhe competência para exercer

a ação docente, com a autoridade que o papel lhe confere, por meio de conhecimentos e

habilidades necessárias à prática pedagógica, conforme afirma o autor:

Especificamente humana, a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é

artística, é moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos,

desejos. Exige de mim, como professor, uma competência geral, um saber de sua

natureza e saberes especiais ligados à minha atividade docente (Ibid., p. 70).

Reforçando sua posição sobre a exigência da competência técnica do professor, que

não deixa de ser política, dirigindo-se especificamente ao professor-alfabetizador, Freire

indaga: “Como alfabetizar sem conhecimentos precisos sobre a aquisição da linguagem, sobre

linguagem e ideologia? Sobre técnicas e métodos do ensino da leitura e da escrita?” (Ibid., p.

81).

À competência técnica, que implica rigorosidade metódica, o autor associa a dimensão

afetiva da prática pedagógica, exigida na formação do professor, consequentemente, em sua

ação docente:

Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do

exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à

curiosidade epistemológica, e de outro, sem o reconhecimento do valor das

emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação (Ibid., p. 45).

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A reflexão sobre a prática é um dos princípios fundamentais da formação docente

recorrente no pensamento freireano. Em suas primeiras obras, Freire aborda a questão por

meio do conceito de práxis, entendida como movimento de ação e reflexão, correspondente ao

“quefazer” exercido exclusivamente pelos seres humanos: “[...] se os homens são seres do

quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. [...] é teoria e prática”.

Assim sendo, toda prática exige uma teoria que a ilumine, do contrário, o fazer humano

poderá reduzir-se a um verbalismo ou a um ativismo (FREIRE, 1981, p. 145).

O autor retoma, em outros textos ao longo de sua obra, o princípio da reflexão sobre a

prática como exigência da prática pedagógica crítica: “A prática pedagógica crítica,

implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar

sobre o fazer” (FREIRE, 2007, p. 38)15

. Portanto, se o pensar certo é uma condição para a

prática pedagógica crítica e se a prática pedagógica crítica requer uma reflexão crítica, então,

esses devem ser conteúdos indispensáveis à formação docente.

Essa posição é compartilhada por Feldmann, em artigo que defende uma formação

docente com qualidade social e compromisso político, apontada como tendência em pesquisas

recentes na área:

As recentes investigações nacionais e internacionais sobre a formação de professores

apontam a necessidade de se tomar a prática pedagógica como fonte de estudo e

construção de conhecimento sobre os problemas educacionais, ao mesmo tempo em

que se evidencia a inadequação do modelo racionalista-instrumentista em dar

resposta às dificuldades e angústias vividas pelos professores no cotidiano escolar,

embora seja esse o paradigma mais presente em nossas escolas. (FELDMANN,

2009, p. 75).

Tardif e Lessard (2005) também entendem o trabalho docente como uma profissão

que, associada a outros requisitos necessários ao seu exercício, exige formação específica.

No estudo que desenvolvem a esse respeito, criticam as visões normativas e

moralizantes, prevalecentes nas pesquisas sobre o trabalho docente e optam por desenvolver

uma análise que privilegia o fazer cotidiano dos professores em seus locais de trabalho,

abordando suas atividades materiais e simbólicas, numa visão de totalidade.

Os autores entendem que, do ponto de vista sociológico, assim como todo trabalho

humano socializado, é possível analisar o trabalho do professor em função de determinadas

dimensões. Na análise que realizam, abordam o trabalho docente como atividade, status e

experiência, ressaltando que, na prática, essas dimensões se mantêm interligadas. Entretanto,

15

Para Freire, o pensar certo se contrapõe ao pensar ingênuo. Exige a rigorosidade metódica que caracteriza a

curiosidade epistemológica (FREIRE, 2007, p. 38).

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no plano teórico da análise, exigem distinção sem, contudo, perderem-se de vista as conexões

entre elas (TARDIF, LESSARD, 2005, p. 48-49).

Uma análise que aborde a dimensão do trabalho docente como atividade, em seus

aspectos organizacionais e dinâmicos, foca o ensino como núcleo central do trabalho do

professor. Nesse sentido, ensinar no contexto escolar “[...] é agir na classe e na escola em

função da aprendizagem e da socialização dos alunos, atuando sobre sua capacidade de

aprender, para educá-los e instruí-los com a ajuda de programas, métodos, livros, exercícios,

normas, etc.” (Ibid., p. 49).

Considerar a atividade docente como um trabalho implica, necessariamente, entendê-

la como uma atividade profissional exercida por profissionais especializados. Atividade que

requer formação específica, com vistas ao cumprimento dos fins e objetivos inerentes à sua

função precípua: a escolarização. Desse ponto de vista, a análise da atividade docente pode ter

como foco as estruturas organizacionais, que condicionam seu desenvolvimento, ou seus

aspectos dinâmicos que, na prática, são interligados, na medida em que o trabalho docente

desenvolve-se num ambiente organizado - a escola.

Sendo uma atividade profissional a ser exercida por profissionais especializados, o

trabalho docente confere ao professor um status, expresso numa identidade profissional que o

distingue no interior da organização do trabalho e no espaço da organização social.

Tardif e Lessard (2005, p. 50 ) supõem que “[...] o status dos professores, tanto no

plano normativo quanto no das funções cotidianas que eles precisam exercer, atualmente

parece por demais fragilizado e como que sacudido por expectativas, necessidades, pressões

antagônicas.” Nesse contexto, entendem esses autores que a identidade docente, além de se

apresentar muito heterogênea, destaca mais o professor do que a instituição escolar.

Decorrente dessa tendência, ou como consequência dela, a construção da identidade docente

vem, progressivamente, se tornando uma tarefa mais do professor do que da instituição

escolar.

Essas suposições mostram-se relevantes nas reflexões sobre a formação docente em

função da qualificação da escolarização oferecida à população, tanto quanto sobre a

organização e luta dos profissionais da educação, em prol da sua valorização enquanto

categoria de trabalhadores, conforme dispõe a Constituição do País e a legislação pertinente.

A terceira dimensão, que os autores citados se dispuseram a examinar em sua análise,

é a docência como experiência, que pode ser abordada sob dois ângulos. No primeiro, a

experiência é compreendida como “[...] um processo de aprendizagem espontânea, que

permite ao trabalhador adquirir certezas quanto ao modo de controlar fatos e situações do

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trabalho que se repetem. Essas certezas correspondem a crenças e hábitos cuja pertinência

vem da repetição de situações e de fatos” (Ibid., p.51).

A visão de experiência, como meio de aquisição de conhecimentos advindos da prática

cotidiana no trabalho docente, corresponde ao que a maioria dos professores entende como

competência profissional. A ela, os professores opõem a visão sobre a aquisição de

conhecimentos nos processos de formação, predominante na fala da maioria ao se referir à

relação teoria-prática, expressa na afirmação: “na prática, a teoria é outra”.

Com essa expressão, os professores pretendem, por um lado, justificar os

procedimentos que adotam nas suas práticas pedagógicas, aprendidos no fazer cotidiano da

escola e, especialmente, da sala de aula. Por outro lado, revelam a rejeição ou a falta de crença

na eficácia dos conhecimentos e habilidades ensinados nos cursos de formação, os quais

denominam de “conhecimentos teóricos”, em oposição aos “saberes práticos” construídos nas

práticas escolares cotidianas.

Dentre os diferentes sentidos, que a expressão “na prática, a teoria é outra” sugere,

está implícita uma crítica à dissociação entre teoria e prática nos cursos e em outras atividades

de formação, levando os professores a supervalorizarem os saberes produzidos na prática e a

desqualificarem os conhecimentos sistematizados, presentes nos livros e no discurso dos

professores formadores.

A análise do trabalho como experiência pode incidir, também, sobre “[...] a

intensidade e a significação de uma única situação vivida por um indivíduo” (TARDIF e

LESSARD, 2005, p.51). No contexto do trabalho docente, esse tipo de experiência consiste

em situações únicas vividas por um professor enquanto sujeito individual, por exemplo, na

sua relação com os alunos. Trata-se de experiências singulares que podem marcar

profundamente a vida profissional do professor:

Os docentes dizem muitas vezes: nas primeiras vezes que você entra numa sala de

aula, você sabe se foi feito para essa profissão; essa experiência é única, mas ela

tem valor de confirmação e de justificação. Trata-se, de qualquer modo, de uma

experiência de identidade que não pertence ao saber teórico ou prático, mas da

vivência, e onde se misturam intimamente aspectos pessoais e profissionais:

sentimento de controle, descoberta de si no trabalho, etc. (Ibid., p. 52, grifos do

autor).

Em relação às duas visões sobre a dimensão do trabalho docente como experiência, os

autores alertam para a tendência que elas encerram de “[...] privilegiar uma concepção

estritamente individualista, ou mesmo, ‘psicologizante’ da experiência”. Em contraposição,

apelam para o pensamento de outros autores que defendem o caráter social do trabalho

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docente, mesmo quando uma experiência é vivenciada individualmente por um único

professor, posto que, como ator social, ele “[...] partilha o mesmo universo de trabalho, com

todos os seus desafios e condições” (Ibid., p.52-53).

Ao consultar o pensamento de outros autores contemporâneos, que se dedicam ao

estudo da formação de professores numa perspectiva crítica, observo que há um consenso

quanto à defesa da profissionalização da função docente, tanto do ponto de vista da exigência

de competência profissional, quanto da organização da carreira, no seio de uma concepção de

totalidade, que entende o trabalho docente como trabalho humano socializado, desenvolvido

em contextos sociais, econômicos, políticos e culturais determinados.

Feldmann (2004), por exemplo, compreendendo a formação docente como dimensão

da identidade pessoal e profissional do professor, ressalta a necessidade de revisão da

concepção de formação, de modo que assegure sua vinculação com contextos e relações

sociais, enfatizando a necessidade da reflexão, pelos professores, das práticas e teorias do seu

fazer pedagógico:

A formação docente, entendida como dimensão de reconstrução permanente da

identidade pessoal e profissional, não pode mais ser vista como um processo de

acumulação de conhecimentos dispostos de forma estática (cursos, teorias, livros,

técnicas). Este processo deve estar vinculado à concepção e à análise dos contextos e

relações sociais que produzem um conjunto de valores, saberes e atitudes, os quais

imprimem significados ao saber educativo. Por essa razão, torna-se fundamental a

valorização de paradigmas de formação que desencadeiem nos professores a

reflexividade crítica sobre as suas práticas e teorias (FELDMANN, 2004, p. 75).

Garcia (1999), em estudo no qual discute a conceituação da formação de professores,

sua formação inicial e seu desenvolvimento profissional, ressalta, entre outros aspectos, o

caráter sistemático e organizado da ação docente e sua vinculação com a qualidade da

educação. Entende que, sendo a docência uma profissão, os profissionais que a exercem

precisam dominar, adequadamente, a ciência, a técnica e a arte de ensinar, ou seja, precisam

possuir competência profissional para “[...] intervir profissionalmente no desenvolvimento do

seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que

os alunos recebem” (Ibid, p. 26).

As ideias aqui expostas, representando uma pequena parcela do pensamento crítico

contemporâneo no campo dos estudos sobre formação docente, dão contribuição significativa

nas reflexões que desenvolvo ao longo deste trabalho, especialmente, na análise do

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pensamento e da prática pedagógica dos professores-alfabetizadores, ou seja, na análise de

suas representações sobre o analfabetismo e a alfabetização – objeto de estudo deste trabalho.

3.2. A formação de professores na legislação nacional16

No Brasil, a profissão de professor, atualmente em vigor, tem seu primeiro marco

regulatório na Constituição Federal (BRASIL, 2011), no Art. 206, com a fixação dos

princípios a serem observados no ensino, especificamente, nos incisos: “V. valorização dos

profissionais da educação escolar [...]” e “VIII. piso salarial profissional nacional para os

profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal”.

No Parágrafo Único do mesmo artigo, a Constituição determina que a lei disponha

“[...] sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e

sobre a fixação de prazo para a adequação ou elaboração de seus planos de carreira no âmbito

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Desse modo, a atividade educacional escolar é legalmente reconhecida como trabalho

e profissão e o trabalhador, que a exerce, como profissional investido de direitos, dentre os

quais, o de ter sua profissão valorizada, incluindo a definição de piso salarial profissional,

unificado em âmbito nacional.

Essas prerrogativas são fundamentais para os profissionais da educação, pois

representam conquista de parte das reivindicações históricas da categoria, ao fixarem

princípios que, obrigatoriamente, devem reger sua normatização e regulamentação em leis e

atos complementares, legitimando e legalizando suas lutas.

Assim, em cumprimento à Constituição Federal, são fixadas na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB) - Título VI, artigos 61 a 67 - as disposições que

regulamentam a composição, a formação e a valorização dos profissionais da educação

escolar no Brasil (BRASIL, 1996)17

.

Inicialmente, a LDB define, no Art. 61, as categorias de profissionais da educação

escolar básica, condicionando-as à formação em cursos reconhecidos e ao efetivo exercício

16

Todos os grifos na totalidade do texto desta seção são meus. 17

Cf. Anexo A – Extrato da LDB - Lei nº 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,

com alterações introduzidas por outros instrumentos legais.

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em funções do magistério, estabelecendo, no Art. 62, a exigência da formação de acordo

com os níveis e etapas da educação básica, conforme síntese apresentada a seguir:

Professores habilitados em cursos de nível superior de licenciatura plena, para a

docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; “[...] admitida

como formação mínima para exercício do magistério na educação infantil e nas quatro

primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade

normal” (Art. 61, inciso I; Art. 62, caput).

Trabalhadores em educação habilitados em administração, planejamento, inspeção,

supervisão e orientação educacional, em curso de Pedagogia e os com títulos de

mestrado ou doutorado nas mesmas áreas (Art. 61, inciso II; Art. 64).

Trabalhadores em educação com diploma de curso técnico ou superior em área

pedagógica “[...] que queiram se dedicar à educação básica” (Art. 61, inciso III e Art.

63, inciso II).

Analisando as disposições acima, julgo que alguns pontos merecem considerações.

Primeiramente, ressalto que a Constituição Federal estabelece uma categoria ampla para

abrigar os profissionais que desempenham atividades escolares, denominando-a de

“profissionais da educação escolar”.

Entretanto, a Constituição transfere para lei complementar a definição das “categorias

de trabalhadores” a serem considerados “profissionais da educação básica” sem, contudo,

conceituar essa expressão, nem delimitar sua composição. Provavelmente, essa lacuna

suscitou a exclusão, na regulamentação da LDB, de grupos de trabalhadores em educação que

desempenham outras atividades escolares, tradicionalmente denominadas de atividades

técnicas e administrativas.

Diferentemente da LDB, o documento do MEC intitulado: Conselho Escolar e

valorização dos trabalhadores em educação (BRASIL, 2006b) inclui, na categoria de

trabalhadores em educação, todos os segmentos da escola que desempenham atividades

escolares, distinguindo-as por meio de elementos que caracterizam a identidade profissional

de cada segmento:

É na articulação dialética das duas vertentes [...] – campo do conhecimento ao qual

se vincula e [sic] forma social de atuação – que se estabelece a identidade de cada

um dos sujeitos sociais individuais que compõem o grupo de trabalhadores em

educação. Devido a ela, também, podemos caracterizar, no âmbito dos

trabalhadores em educação, um subgrupo que pode ser designado de profissionais da

educação, composto por professores e pelos assim chamados gestores e

‘especialistas’ que, juntamente com os servidores técnico-administrativos (também

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designados como ‘funcionários da escola’) integram o conjunto aqui focalizado

[trabalhadores em educação] (Ibid., p. 12).

Assim, estendendo a análise ao texto da LDB, que dispõe sobre os Profissionais da

Educação, observo que ela apresenta imprecisões e ambiguidades tanto na definição e

denominação dos segmentos de trabalhadores em educação, quanto na explicitação de suas

funções, além de outras questões pertinentes.

Ao estabelecer a composição da categoria profissionais da educação escolar básica,

a LDB, da forma como os cita, escalona dois segmentos: professores e trabalhadores em

educação (Art. 61). No primeiro, inclui apenas o docente, para o qual é exigida habilitação

específica para a docência. No segundo segmento são incluídos dois grupos, porém, sem

denominações profissionais explícitas: 1) os trabalhadores portadores de diploma de

pedagogia com habilitações específicas, juntamente com os portadores de títulos de mestrado

e doutorado nas mesmas áreas; e 2) os portadores de diploma em curso técnico ou superior em

área pedagógica ou afim.

Apenas em relação ao primeiro grupo, a LDB dá indícios de denominação

profissional, quando especifica as habilitações desse segmento - administração, planejamento,

inspeção, supervisão e orientação educacional - e quando se refere aos “Especialistas em

Educação” (Art. 67, § 2º). Neste aspecto, a LDB em vigor recupera a figura do “especialista

em educação”, introduzida na educação brasileira com a Lei 5.692/1971, por ela revogada.

Ainda mais obscura é a situação dos “portadores de diploma em curso técnico ou

superior em área pedagógica ou afim”. A denominação desses profissionais não fica clara

nem mesmo quando a Lei estabelece no inciso II do Art. 63, entre os cursos a serem mantidos

pelos Institutos Superiores de Educação, “programas de formação pedagógica para portadores

de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica”. Não há, no

texto da LDB, nenhum esclarecimento sobre o que significa “[...] se dedicar à educação

básica;” que pudesse suscitar a que profissional a Lei está se referindo.

Parece-me relevante destacar, ainda, a imprecisão que se verifica ao se sobreporem os

“profissionais da educação” à categoria maior dos “trabalhadores em educação”, na qual se

incluem os primeiros. Do mesmo modo, aponto como equívoco, apresentar o segmento de

professores diferenciando-o da categoria “trabalhadores em educação”, como se dela não

fizessem parte, conforme se observa no Art. 61.

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Quanto às funções atribuídas aos profissionais da educação, a docência figura, no

texto da LDB, como função exclusiva dos professores ou docentes. Função que, também, é

citada como exercício do magistério, conforme se verifica no caput do Art. 62.

Entretanto, nos três parágrafos do mesmo artigo, a referência a profissionais do

magistério parece aplicar-se a outros segmentos, além do professor. Suposição que se

confirma na redação dos dois parágrafos do art. 67, que trata da “valorização dos profissionais

da educação”, ao fixar como “[...] funções de magistério as exercidas por professores e

especialistas em educação [...] incluídas além da docência, as de direção de unidade escolar e

as de coordenação e assessoramento pedagógico”.

Imprecisão maior se observa na definição de funções dos dois segmentos classificados

como “trabalhadores em educação”. No primeiro, a Lei permite entrever suas funções na

exigência das habilitações específicas (administração, planejamento, inspeção, supervisão e

orientação educacional), que se confirma no segundo parágrafo do Art. 67. Entretanto, não há

indícios em relação ao segundo grupo, mesmo quando são definidos, no Art. 63, os cursos e

programas de formação a serem mantidos pelos Institutos Superiores de Educação, conforme

já apontado anteriormente: “II – programas de formação pedagógica para portadores de

diploma de educação superior que queiram se dedicar à educação básica”. A que funções

corresponde a expressão: “se dedicar à educação básica”? A Lei não esclarece.

Quanto à formação dos profissionais da educação básica, a LDB estabelece suas

normas no Parágrafo Único do Art. 61 e nos artigos 62, 63, 64, 65 e 66.

Inicialmente, são estabelecidos os fundamentos a serem observados na formação,

conforme síntese a seguir:

sólida formação básica, definida como aquela que proporcione “fundamentos

científicos e sociais” relativos às competências de trabalho dos referidos

profissionais;

associação entre teoria e prática, por meio de “estágios supervisionados e

capacitação em serviço”.

“aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de

ensino e em outras atividades”.

Analisando os fundamentos citados, entendo que alguns pontos suscitam

questionamentos imediatos. A Lei, acertadamente, exige “sólida formação básica” e “a

associação entre teoria e prática” na formação dos profissionais da educação, entretanto,

limita a associação entre teoria e prática a estágios e capacitação em serviço, quando os

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estudos sobre essa questão apontam a exigência de que a relação teoria-prática atravesse os

currículos de formação desde o início dos cursos, quer sejam de formação inicial ou

continuada, tanto nas atividades de estudo desenvolvidas nas agências formadoras, quanto em

atividades de estágio em unidades do sistema escolar.

No terceiro ponto, a Lei não esclarece que tipo de “formação e experiências

anteriores” e que “outras atividades” devem ser aproveitadas na formação dos profissionais da

educação, deixando um espaço considerável para improvisações e arranjos inadequados.

Inicialmente, ao anunciar os fundamentos, a LDB estabelece a necessária vinculação

da formação com as “especificidades do exercício” profissional do magistério e com os

“objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica” (Art. 61, Parágrafo

Único).

Neste sentido, entendo que, embora a Lei estabeleça essa vinculação, a formação dos

profissionais da educação, parece-me, deve ter como ponto de partida a concepção de

educação estabelecida para a formação do cidadão brasileiro, conforme anunciada nos seus

dois primeiros artigos.

O Art. 1º anuncia uma concepção de educação ampla e abrangente, entendida como

processo de formação do humano que ocorre em diversos contextos e espaços sociais: a

família, o trabalho, instituições de ensino e pesquisa, movimentos sociais e organizações da

sociedade civil, incluindo as manifestações culturais.

A essas primeiras disposições, segue-se a finalidade da educação nacional: “A

educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 2º).

É importante destacar que a LDB, fiel à Constituição Federal, fixa a preparação do

educando para o exercício da cidadania como fundamento e finalidade da educação, nela

incluída a educação escolar. Portanto, a formação para a cidadania estende-se a todos os

níveis e modalidades de educação e de ensino, independentemente, da idade da pessoa.

Ressalto, ainda, que, embora cite no objetivo geral da educação “o pleno

desenvolvimento do educando” e “sua qualificação para o trabalho”, é importante entender

que esses são requisitos indissociáveis à formação para o exercício da cidadania.

Dessas definições gerais decorre o objetivo da educação básica, à qual a Lei atribui a

função de assegurar ao educando “a formação comum indispensável para o exercício da

cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Art. 22).

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Os objetivos específicos das etapas e modalidades da educação básica constituem-se

de definições relacionadas ao desenvolvimento do educando, por meio de conhecimentos,

habilidades e atitudes, visando à concretização do objetivo geral desse nível de educação,

fixados no texto da LBD nos seguintes dispositivos: educação infantil (Art. 29), ensino

fundamental (Art. 32), ensino médio (Art. 35), educação profissional (Art. 36), educação de

jovens e adultos (Art. 37), educação especial (Art. 58) e educação indígena (Art. 78).

Além de exigir vinculação da formação com as atividades profissionais e os objetivos

da educação básica, a LDB estabelece as seguintes modalidades de formação: formação

inicial, formação continuada e capacitação para os profissionais do magistério público,

priorizando o ensino presencial na formação inicial e atribuindo a promoção da formação, em

suas três modalidades, a todos os níveis da administração pública.

A Lei fixa, também, a experiência docente como “pré-requisito para o exercício

profissional de quaisquer outras funções de magistério”, as quais são definidas no parágrafo

1º do Art. 67 da seguinte forma:

[...] são consideradas funções do magistério as exercidas por professores e

especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando

exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e

modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade

escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.

Sobre a valorização dos profissionais da educação (Art. 67), a LDB determina que

conste dos “estatutos e dos planos de carreira do magistério público”, incluindo “ingresso

exclusivamente por concurso público”, “aperfeiçoamento profissional continuado” mediante

licença remunerada, “piso salarial profissional”, “progressão funcional”, período remunerado

para estudo, planejamento e avaliação e “condições adequadas de trabalho”.

Em síntese, observo que, apesar das imprecisões apontadas ao longo da análise

realizada, as disposições da LDB sobre os profissionais da educação básica se aproximam das

concepções predominantes no pensamento educacional progressista. Tendência que vem se

constituindo, especialmente, desde a década de 1970, em contraposição às correntes

educacionais conservadoras em suas variadas versões, especialmente a concepção pedagógica

tecnicista, que predominou nas políticas educacionais dos governos autoritários, nas décadas

de 1960 a 1990, no Brasil e em toda a América Latina e Caribe, conforme constatam diversos

estudos sobre a questão.

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A normatização dos cursos de formação dos profissionais da educação básica é

estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio de atos normativos

(pareceres e resoluções) em cumprimento à Constituição Federal, à LDB e a outras leis e

decretos.

A Resolução CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c), decorrente dos Pareceres CNE/CP

nº 009/2001 (BRASIL, 2002a) e nº 27/2001 (BRASIL, 2002b), é o instrumento que estabelece

as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em

cursos de nível superior de licenciatura plena, para atuarem em todas as etapas da educação

infantil, do ensino fundamental e do ensino médio.

São diretrizes gerais constituídas de princípios, fundamentos e procedimentos, que as

instituições de ensino superior devem aplicar na organização e funcionamento dos cursos.

Além das diretrizes curriculares gerais, o CNE instituiu diretrizes específicas para o curso de

Pedagogia (Parecer 05/2005 (BRASIL, 2005a); Parecer 3/2006 (BRASIL, 2006c); Resolução

CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006d) e para as licenciaturas diversas (Letras, Matemática,

Geografia, História e outras) em resoluções específicas.

Conforme estabelece a legislação, o curso de Pedagogia forma professores para atuar

na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental (de crianças, jovens e adultos) e

no curso normal de nível médio, enquanto as licenciaturas diversas formam os professores

que assumem a docência nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.

A formação de professores para a educação infantil e os anos iniciais do ensino

fundamental, de acordo com a LDB, pode ser realizada em curso normal em nível médio,

cujas diretrizes constam do Parecer CNE/CEB nº 1/1999 (BRASIL, 1999a) e da Resolução

CNE/CEB Nº 2/1999 (BRASIL, 1999b), embora seja concedida às unidades da Federação

autonomia para adotar ou não essa possibilidade.

Entre as diretrizes gerais a serem observadas na organização de todos os cursos de

nível superior de formação de professores para a educação básica, destaco as competências

fixadas na Resolução CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c), por representarem a concepção

norteadora da formação.

As competências a serem consideradas na construção do projeto pedagógico dos

cursos de formação dos docentes, relacionadas no Art. 6º da citada resolução, referem-se:

ao comprometimento com valores inspirados na sociedade democrática;

à compreensão do papel social da escola;

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ao domínio dos conteúdos a serem socializados, seus significados em diferentes

contextos e sua articulação interdisciplinar;

ao domínio do conhecimento pedagógico;

ao conhecimento de processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento

da prática pedagógica e ao gerenciamento do próprio desenvolvimento

profissional.

Essas competências, conforme estabelece o parágrafo 2º do referido Artigo, deverão

ser contextualizadas e complementadas com competências específicas das etapas e

modalidades de ensino e das áreas de conhecimento.

3.3. A formação do professor de Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Numa discussão sobre a formação de professores para a docência na educação de

jovens e adultos é importante observar, inicialmente, os dispositivos da LDB (Lei 9394/1996)

que definem o atendimento escolar a esse contingente, fixando normas para garantir sua

efetivação.

No Art. 37, a Lei estabelece a oferta de EJA para as pessoas que “não tiveram acesso

ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”, devendo ser

consideradas “as características do alunado, seus interesses, condições de vida e trabalho”.

Para isso, determina que o Poder Público estimule “o acesso e a permanência do trabalhador

na escola”.

Neste sentido, é de fundamental importância iniciar a reflexão ressaltando que a

existência da educação de jovens e adultos como modalidade da educação básica revela o

descumprimento, pelo Estado e a sociedade, de um direito de cidadania que deveria ter se

efetivado no período de vida denominada pela legislação de “idade própria”, ou seja, dos seis

aos 17 anos, incluindo os nove anos do ensino fundamental mais, no mínimo, três anos do

ensino médio.

Constata-se, portanto, que os jovens e adultos que não receberam a educação básica na

idade apropriada têm o “exercício da cidadania” comprometido, visto ser a escolarização meio

para sua formação, conforme reconhece a Constituição e a legislação complementar.

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Entretanto, a própria Constituição Federal (BRASIL, 2011), mesmo reconhecendo o

direito que têm os jovens e adultos de acesso à educação básica, por esta lhes ter sido

expropriada na “idade própria”, não a considera prioridade, ao fixar em seu Art. 211, § 5º18

,

no dispositivo que regulamenta a organização dos sistemas de ensino, que: “A educação

básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.” (Grifo meu).

Tratar da formação do professor de EJA requer, inicialmente, destacar o Parecer

CNE/CEB nº 11/2000 (BRASIL, 2000a) e a Resolução CNE/CEB nº 1/2000 (BRASIL,

2000b), que instituem as Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos. Fruto

de um processo de construção democrática, as diretrizes foram discutidas em diferentes

eventos, com diversos interlocutores comprometidos com a educação das camadas populares.

O Parecer 11/2000 faz uma ampla abordagem da EJA no Brasil, incluindo, entre

outros pontos, um apanhado histórico de suas bases legais até o momento de sua elaboração.

Em relação à formação do professor para a EJA, o parecer defende uma formação qualificada,

que considere as especificidades dos segmentos atendidos por essa modalidade de educação:

Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA

deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas

relativas à complexidade diferencial dessa modalidade de ensino. Assim, esse

profissional do magistério deve estar preparado para agir empaticamente com essa

parcela de estudantes e estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor

aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e,

sim, um docente que se nutra do geral e, também, das especificidades que a

habilitação, como formação sistemática, requer (BRASIL, 2000a, p. 56).

A seguir, comento trabalhos de autores que desenvolvem estudos nessa área,

merecendo destaque aqueles que abordam a relação da formação docente com a visão dos

professores sobre a educação em geral e, particularmente, sobre a escolarização.

Analisando a concepção freireana de alfabetização crítica, Giroux (1990) relaciona

dois pontos que se apresentam relevantes na reflexão sobre a formação de professores. O

autor aponta a necessidade de se conhecer o pensamento que dá suporte à prática dos

professores em sua ação docente, aliado à compreensão das condições de ensino que lhes são

disponibilizadas pelo Estado e a sociedade:

A tarefa de uma teoria da alfabetização crítica é alargar nossa concepção a respeito

de como os professores produzem, mantêm e legitimam ativamente o significado e a

experiência nas salas de aula. Ademais, uma teoria da alfabetização crítica obriga

18

Esse parágrafo foi incluído na Constituição Federal (1988) pela Emenda Constitucional no 53, de 2006.

(JUSBRASIL, 2012).

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uma compreensão mais profunda de como as condições mais amplas do Estado e da

sociedade produzem, negociam, transformam e se abatem sobre as condições de

ensino, de tal modo que possibilitam ou impossibilitam que os professores ajam de

modo crítico e transformador (GIROUX, 1990, p. 14-15).

Conhecer o pensamento dos professores sobre “sua experiência em sala de aula” tem

importância fundamental para os gestores que definem, planejam e desenvolvem ações de

formação docente, considerando que o professor age nos processos de ensino conforme o que

ele acredita que funciona na aprendizagem do aluno, mesmo que não funcione.

Ignorar, nos processos de formação, o pensamento, as concepções, as representações

do professor sobre o ensino e a aprendizagem parece resultar na desconfiança e no descrédito,

por parte dos professores, da aplicabilidade e eficácia dos conhecimentos obtidos nos cursos e

outras atividades de formação, sobrepondo, a eles, sua própria prática como única fonte de

aprendizagem.

Em estudo, no qual investiga “Os processos de construção de conhecimento e

significados culturais do professor e as contradições entre o saber especializado e o saber

cotidiano”, Penin (1994), identifica e explora, por meio da análise do discurso de uma

professora primária19

, sua crença na eficácia da prática no seu processo de aprendizagem

sobre o ensino. Do mesmo modo, identifica o descrédito da professora sobre os cursos de

formação, vistos como teóricos, na medida em que “não consideram a realidade” da escola e

dos alunos.

Aprofundando a análise, a autora constata que, ao justificar sua afirmação sobre o

distanciamento dos cursos em relação à realidade, a professora refere-se, principalmente, à

situação socioeconômica dos alunos, pelas carências e dificuldades dela decorrentes que,

segundo sua visão, interferem nos processos de ensino.

Partindo dessas reflexões, Penin (1994, p. 105), sugere que os cursos de formação de

professores “tratem a ‘pobreza’ dos alunos de baixa renda não só nos seus aspectos teóricos,

mas, sobretudo, por meio de uma real aproximação da mesma [...]”.

Em sequência, a autora sugere que o tratamento teórico-didático da situação

socioeconômica dos alunos ocorra nos cursos de formação inicial e continuada, quanto na

formação em serviço no interior da escola, justificando sua sugestão nos seguintes termos:

[...] sendo sentida e trabalhada em termos teóricos a ‘realidade’ sociocultural dos

alunos, então é possível passar para o verdadeiro fazer profissional docente:

19

A expressão “professora primária” é utilizada referindo-se à professora que exerce a docência na educação

infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, conforme acepção constante de legislação anterior.

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ensinar esses alunos. A impossibilidade de os alunos comprarem determinados

materiais ou de se vestirem de determinada forma não pode apresentar-se como

problema ou empecilho ao seu ensino: ela constitui dado de realidade. Como tal, é

com base nela que todo o ensino deve ser pensado, o que implicará ações

adequadas da escola e do professor (PENIN, 1994, p. 105-106. Grifos da autora).

Ressalto os estudos de Penin como extremamente pertinentes às reflexões que

desenvolvo neste trabalho, especificamente, por tratar do problema do analfabetismo na

população jovem e adulta, reconhecidamente, um contingente das camadas economicamente

mais pobres da sociedade.

Na mesma direção, aponto estudo de Possani (2007) sobre exclusão escolar de jovens

e adultos no Brasil que, analisando a prática docente frente às mudanças atuais na sociedade,

considera necessária uma revisão do papel do professor, enfatizando seu caráter profissional.

A autora citada destaca, na ação docente, a função do professor na construção do

conhecimento, vinculando o ensino à realidade e aos saberes do educando:

Trata-se de ressignificar o seu papel, recuperar a sua imagem de educador, sem

perder a dimensão da profissão enquanto conquista de direitos trabalhistas e de

espaço para a sua formação. Devolver-lhe o papel de profissional da educação a

serviço da construção de conhecimentos, onde essa construção seja feita

coletivamente e a partir da realidade e dos saberes dos alunos (POSSANI, 2007, p.

83).

No prefácio de um livro sobre formação de alfabetizadores de jovens e adultos (SÁ,

2007), analisando condições de oferta de escolarização para jovens e adultos, por meio de

programas de alfabetização oferecidos no Brasil, aponto a improvisação dos professores

alfabetizadores como um dos fatores contributivos para o insucesso desses programas:

Focando-se a análise nos programas e projetos nacionais de alfabetização,

desenvolvidos, em sua maioria, à margem dos sistemas de ensino, constata-se, além

da precariedade das condições gerais, a improvisação de professores, ao admitirem o

acesso de pessoas sem formação mínima exigida para o magistério, com baixos

níveis de escolaridade, sem vínculo empregatício, remuneradas por meio de

artifícios como bolsas de trabalho, bolsas de estágio e bolsas de monitoria, em

geral, com valores inferiores a um salário mínimo (SÁ, 2007, p. 11. Grifos da

autora).

Desse modo, é evidente a posição dos estudiosos da Educação de Jovens e Adultos

sobre a necessidade de garantir, para os professores dessa modalidade de ensino, uma

formação profissional competente, que leve em consideração as especificidades desse

segmento populacional.

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CAPÍTULO 2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA DE CAMPO

1. Orientação teórico-metodológica

Com o objetivo de analisar representações de professoras-alfabetizadoras de

camponeses quilombolas jovens e adultos sobre analfabetismo e alfabetização, estabelecendo

relação com o contexto sociocultural, sua formação docente e suas práticas pedagógicas,

procurei fundamentar este estudo numa abordagem crítico-dialética. Para isso, consultei

trabalhos de diversas áreas de conhecimento relacionadas aos temas abordados, mais

especificamente, das áreas de filosofia, sociologia, antropologia, história e educação.

Na análise das representações das professoras, dei prioridade ao pensamento de Henri

Lefebvre, escolhendo, como referências básicas, duas de suas obras (LEFEBVRE, 1991,

2006). Consultei, também, estudos de Sônia Penin (PENIN, 1989, 1994) e de outros autores

(ALMEIDA NETO, 2002; CARDOSO, 2007) fundamentados em Lefebvre.

Segundo Lefebvre (2006), as representações são o intermédio entre o vivido (ações) e

o concebido (ideias), é o terceiro termo que se interpõe entre os outros dois. Desse modo, o

fenômeno ou o objeto representado pelo sujeito cognoscente está, ao mesmo tempo, presente

e ausente na representação, ou seja, o representado está presente em sua própria ausência.

Porém, as representações podem, por meio de deslocamentos e manipulações, substituir o

representado.

Para que se compreendam as representações dos sujeitos sobre a realidade é necessário

conhecer sua vida cotidiana. É nesse espaço que os sujeitos constroem suas representações,

com dados provenientes de suas vivências pessoais e de seu grupo social, associados às

concepções que formulam sobre as questões que buscam conhecer.

As representações são, segundo essa concepção, um nível de conhecimento que, ao

serem construídas por sujeitos movidos pela curiosidade e o desejo de explicar e compreender

a realidade, podem conter tanto o germe da manutenção, quanto o da transformação.

Por isso, Lefebvre adverte sobre a necessidade de se distinguir representação de

ideologia, concebida como falseamento da realidade, esclarecendo que “... as representações

não são nem falsas nem verdadeiras, senão, ao mesmo tempo, falsas e verdadeiras:

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verdadeiras como respostas a problemas ‘reais’ e, falsas, como dissimuladoras das finalidades

‘reais’ (LEFEBVRE, 2006, p. 68, tradução minha)”.

Assim, somente uma análise rigorosa da origem e desenvolvimento das representações

possibilitará o desvelamento de sua natureza, de seu poder e de seus efeitos sobre as ações dos

sujeitos que as constroem.

Segundo essa concepção, me parece possível inferir que as representações construídas

pelos professores sobre o analfabetismo, mantendo interface com a alfabetização, podem ser

simultaneamente falsas (ao dissimularem ou ocultarem fatores que contribuem para o

analfabetismo) e verdadeiras (na medida em que busquem explicações, justificativas e

prováveis meios para compreender e resolver o analfabetismo, um problema real).

Portanto, suponho que as representações das professoras-alfabetizadoras de Muquém

sobre analfabetismo e alfabetização, construídas com dados de suas vivências pessoais e de

seu grupo social, associadas às concepções que elaboram sobre as questões que representam,

explicam, justificam, esclarecerem, ocultam e dissimulam a realidade, tanto encerram

possibilidades de manutenção, quanto apontam perspectivas de mudança.

2. Desenvolvimento da pesquisa de campo

A pesquisa de campo deste estudo foi desenvolvida em duas fases. Na primeira, fiz

uma delimitação geral do campo mais amplo da pesquisa, compreendendo o município de

União dos Palmares. Na segunda fase, instalei-me na comunidade de Muquém, onde realizei a

investigação etnográfica.

A primeira fase foi iniciada em fevereiro de 2010, quando fiz os primeiros contatos

com autoridades e funcionários da Secretaria Municipal de Educação. Por meio de audiências

e conversas informais, entrevistas20

, questionário21

e consulta em documentos, obtive dados

sobre o atendimento escolar aos jovens e adultos no sistema municipal de educação e sobre o

Programa Brasil Alfabetizado (PBA)22

.

20

Cf. Apêndice A– Roteiro de entrevistas com a gestora local do PBA e Apêndice B - Roteiro de entrevista com

as coordenadoras de turma do PBA. 21

Cf. Apêndice C - Questionário aplicado à Coordenadora de EJA do Município de União dos Palmares. 22

Esses dados foram complementados com informações obtidas com professores, por meio de entrevistas e

conversas informais, e com alfabetizandos, em conversas informais durante as visitas às classes de alfabetização.

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Algumas dificuldades foram enfrentadas nos primeiros contatos, decorrentes de

mudanças na equipe dirigente da secretaria de educação, que retardaram as visitas em,

aproximadamente, uma semana. Entretanto, dispus do acompanhamento de coordenadoras do

PBA e de transporte motorizado na realização das referidas visitas.

As visitas às áreas rurais deram continuidade à primeira fase, após aceitação, por parte

das autoridades educacionais do Município, da realização da pesquisa.

Visitei 18 classes de alfabetização de jovens e adultos, situadas em variados espaços

rurais: no único distrito do município, em duas fazendas de plantio de cana-de-açúcar e

criação de gado, em dois sítios de camponeses e num povoado quilombola. Essas visitas me

proporcionaram uma visão geral do contexto e do atendimento escolar à população do campo,

conforme a descrição constante do relatório de visita23

.

A maioria dessas visitas ocorreu no período noturno, no horário de funcionamento das

classes. Excetuou-se o distrito rural, onde fiz três visitas, duas delas iniciadas no período

diurno e que se estenderam até à noite, quando, além de uma classe diurna, visitei outras

classes noturnas e entrevistei professores. O mesmo ocorreu na visita aos sítios que, além de

se localizarem distantes da cidade, eram de difícil acesso. Nesses, comecei pela visita noturna

às duas classes existentes naquela localidade, onde pernoitei e, no dia seguinte, entrevistei os

dois professores.

Nas classes visitadas, observei: as instalações físicas (condições de funcionamento das

salas de aula), os alfabetizandos (número, idade, sexo, e outros) e os professores (opiniões

sobre o trabalho, material didático, e outros). Observei, também, o ambiente físico (condições

de acesso; equipamentos públicos, meios de comunicação, meios de vida dos moradores, entre

outros).

Complementando o reconhecimento do campo de pesquisa, por meio de entrevista

semiestruturada, entrevistei dez professores, escolhidos, aleatoriamente, entre os dezoito das

classes visitadas. Essas entrevistas me permitiram obter um conhecimento geral sobre os

professores que assumem a docência nas classes de alfabetização de jovens e adultos24

.

Tomando como foco da investigação o objetivo geral definido para este estudo, parti

das questões seguintes para elaborar o roteiro usado nas entrevistas semiestruturadas25

,

realizadas com os professores:

23

Cf. Apêndice D - Relatório de visitas a classes de alfabetização de jovens e adultos em áreas rurais do

município de União dos Palmares - AL. 24

Cf. Apêndice E - Caracterização dos professores entrevistados. 25

Cf. Apêndice F - Roteiro de Entrevista com Professores-Alfabetizadores.

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O que os professores entendem por analfabetismo?

A que atribuem o analfabetismo?

Veem repercussões do analfabetismo na vida das pessoas e da sociedade?

O que entendem por alfabetização?

Como agem em sala de aula na prática de alfabetização?

Para coletar informações sobre escolaridade, formação e experiência profissional dos

professores, entre outras, fiz uso de um formulário26

.

A 2ª fase da pesquisa foi iniciada na segunda quinzena do mês de março (2010), após

a conclusão da primeira fase, com a elaboração de relatórios, escolha da comunidade para a

pesquisa etnográfica e realização de novos contatos em função dessa nova fase.

Escolhida a comunidade quilombola de Muquém, onde me instalei. Hospedei-me na

residência de uma família nativa pelo tempo total de três semanas, em períodos diferentes.

Durante minha convivência com a comunidade, observei sua vida cotidiana e

participei de algumas atividades, realizei entrevistas e conversas informais com lideranças

comunitárias, artesãos, jovens e outras pessoas, com a finalidade de obter informações sobre o

contexto socioeconômico, político e cultural da comunidade.

Para conhecer a prática docente das professoras de Muquém, realizei observações em

duas classes de alfabetização de jovens e adultos, que funcionaram, initerruptamente, durante

o desenvolvimento da pesquisa. As observações totalizaram dez horas em cada classe.

Quando fiz a primeira visita ao Muquém havia três classes, porém, uma foi desativada

pela coordenação do Programa, em decorrência do número insuficiente de alfabetizandos. Por

esse motivo, essa classe não foi incluída na pesquisa.

Selecionei, para observar a prática das professoras, os seguintes aspectos: composição

da classe (número de alfabetizandos, idade, sexo e outras características), assuntos e

conteúdos da aula, procedimentos pedagógicos, interação dos alfabetizandos com as

atividades pedagógicas, relacionamento entre professora e alfabetizandos, conversas dos

alfabetizandos durante a aula, outros.

Em momentos alternados com minha estada em Muquém, procurei ampliar o

conhecimento do contexto local e obter novos dados, vivenciando o cotidiano da cidade de

União dos Palmares, por meio de visitas a órgãos públicos (Secretaria de Educação, Secretaria

de Cultura, representação da Fundação Palmares, unidade do IBGE), ao Parque Memorial

26

Cf. Apêndice G - Formulário de Coleta de dados dos Professores-Alfabetizadores.

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Quilombo dos Palmares na Serra da Barriga, ao museu Casa Jorge de Lima, onde estão sendo

depositados os achados das escavações arqueológicas na Serra da Barriga, à igreja matriz da

cidade, à estação ferroviária e ao mercado de artesanato. Realizei compras em feiras de rua,

mercados públicos, lojas e em outros estabelecimentos comerciais; utilizei serviços bancários

e frequentei restaurantes e salões de beleza da cidade.

O registro dos dados da pesquisa foi feito em cadernos de campo, fotografias e vídeos,

os quais serviram de base para a elaboração dos relatórios e desta tese na sua totalidade.

Na citação das falas das pessoas entrevistadas, procurei manter a linguagem por elas

utilizada, efetuando o mínimo de correção ortográfica e gramatical, quando entendi que isso

facilitaria a compreensão de seus depoimentos. Entretanto, para preservar a identidade das

pessoas citadas, adotei pseudônimos. A divulgação das fotos que ilustram este trabalho foi

devidamente autorizada pelas pessoas fotografadas ou seus responsáveis.

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CAPÍTULO 3. O CONTEXTO DA PESQUISA

1. O município de União dos Palmares

Irmão do quilombo:

Eu sou,

Fortalecido por tua coragem de luta,

Sou mais resistente que mil generais,

Sou mais negro que a África inteira,

Mais potente que uma manada de

búfalos

No cio.

Preto Cosme não morreu.

Juro!

(CORREIA, 1993)

1.1. Do Quilombo à União dos Palmares

Figura 2 – Lagoa Encantada dos Negros - Serra da Barriga, “[...] onde os quilombolas repousavam, saciavam

a sede, afiavam suas armas e ferramentas [...].” À direita, vê-se a Gameleira Sagrada (Irôco) – árvore

primordial trazida da África – que, segundo a lenda, tem mais de 300 anos. (Foto: Reneude Sá).

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O território que hoje é ocupado pelo Estado de Alagoas, até 1817, integrava a

Capitania de Pernambuco. Em terras dessa capitania, onde se localiza, atualmente, o

município de União dos Palmares - numa região montanhosa, coberta por uma floresta

tropical inóspita, de vegetação alta e densa, repleta de onças, chacais, serpentes e outros

animais selvagens - por volta do ano de 1580, um grupo de negros, fugidos de um engenho de

açúcar, após muitos dias de exaustiva caminhada, instalou-se no topo de uma das serras – a

Serra da Barriga - dando origem ao núcleo primitivo do Quilombo dos Palmares (FREITAS,

1978).27

Nascia, assim, a República Independente do Quilombo dos Palmares, símbolo da

resistência negra à escravidão e do anseio de liberdade, tendo, entre seus diversos heróis,

homens e mulheres, como Ganga Zumba, Dandara, Aqualtune, Acotirene e, seu líder maior,

Zumbi. No entanto, somente em 1996, o governo brasileiro o reconheceu como Herói

Nacional.

Considerado o maior quilombo da diáspora negro-africana no Brasil, O Quilombo dos

Palmares resistiu, por aproximadamente 100 anos, às muitas investidas da Coroa portuguesa

para destruí-lo. Intento alcançado em 1694, em uma batalha sangrenta, quando, pela primeira

vez, se usou canhão na guerra contra Palmares. A esse respeito, Freitas assim se posiciona:

Na história das revoltas escravas brasileiras, a de Palmares ocupa lugar ímpar. Não

foi apenas a primeira, mas, também, a de maior envergadura. No decurso de quase

um século, os escravos da então capitania de Pernambuco resistiram às investidas

das expedições continuamente enviadas por uma das maiores potências coloniais do

mundo. Projeta-se como o acontecimento dominante da história pernambucana na

segunda metade do século XVII e como um dos mais sérios problemas que a

administração colonial lusitana teve de enfrentar no Brasil (FREITAS, 1978, p. 12).

Embora haja divergências entre historiadores sobre ser, o Quilombo dos Palmares,

uma democracia, Freitas (1978, p. 47)28

, por exemplo, afirma: “Havia entre os palmarinos

igualdade civil e política”. O quilombo se compunha de povoações, relativamente autônomas.

Cada povoação era comandada por um chefe, “escolhido pelos méritos de força, inteligência e

destreza”. Havia um conselho que se reunia para resolver questões gerais, que afetavam o

conjunto do Quilombo. “As decisões sobre os problemas cruciais eram tomadas por uma

assembleia”, constituída por todos os habitantes adultos do quilombo. Entretanto, as normas

que regiam a vida social do Quilombo estabelecia a punição com pena de morte: roubo,

adultério, homicídio e deserção.

27

Para aprofundamento do assunto, ver também: Carneiro (1966); Gomes (2005); Moura (1983; 2001). 28

A síntese que apresento sobre o modo de vida dos quilombolas de Palmares tem como referência esse autor.

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Os palmarinos, segundo o autor citado, produziam os alimentos de que necessitavam

para seu consumo. Plantavam milho, feijão, mandioca, cana-de-açúcar, batata e legumes.

Mantinham pomares com grande variedade de árvores frutíferas. Criavam porcos e galinhas e

praticavam a pesca e a caça, destinados à alimentação.

Da palmeira, existente em abundância na região, que deu origem ao seu nome e ao do

quilombo, colhiam frutos, dos quais extraíam um óleo e uma manteiga comestíveis, um óleo

combustível para iluminação, comiam a polpa e, ainda, fabricavam um vinho. Com suas

palhas teciam esteiras, cestos e abanos e cobriam as casas. Das cascas da mesma palmeira

fabricavam cachimbos.

Não havia propriedade individual da terra, ela pertencia a todo o povoamento e seu

cultivo era feito de modo coletivo.

A Serra da Barriga que abrigou a capital do Quilombo, denominada, na época, de

Cerca Real dos Macacos, levou quase três séculos, após a destruição do Quilombo, para ser

tombada em 1985, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),

como Conjunto Histórico Paisagístico, o qual foi transformado, em 2006, em Parque

Memorial Quilombo dos Palmares.

Nas palavras de Rios (2008, p. 58):

Palmares não é apenas o primeiro parque temático cultural afro-brasileiro. É também

o primeiro complexo cultural-histórico com uma arquitetura inspirada na

africanidade, erguido em todo o continente americano, cujos países foram o centro

da diáspora que se estabeleceu a partir da escravidão. A história do Quilombo e os

seus personagens está presente no Memorial, ao lado das manifestações de fé e da

cultura afro-brasileira, no simbolismo de que a história ali vivida transcendeu aos

mais de 300 anos da morte de Zumbi.

1.2. Caracterização socioeconômica do Município

O Estado de Alagoas, localizado na porção centro-oriental do Nordeste brasileiro,

possui uma área de 27.767,66 km2, onde vivem cerca de 3.120.494 habitantes, segundo dados

do Censo Demográfico de 2010 (BRASIL, 2012b).

O IBGE divide o território alagoano, para fins de planejamento, em três mesorregiões

geográficas: Sertão, Agreste e Leste, que são subdivididas em microrregiões. Na mesorregião

Leste, encontra-se a microrregião Serrana dos Quilombos, da qual faz parte o município de

União dos Palmares.

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O município, que dista 83 km da cidade de Maceió (capital do Estado), faz parte da

Área Piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e da Área de Proteção Ambiental de

Murici. Em seu território está localizado, também, o Sítio Arqueológico da Serra da Barriga.

Predomina o clima quente subsumido, com excedente hídrico no inverno e déficit no verão.

As médias térmicas mensais vão de 22o

C, em julho e agosto, a 25,5o

C, em janeiro e fevereiro

(LIMA, 2006).

A cidade de União dos Palmares tem despertado para a vocação turística, destacando-

se como atrativos (UNIÃO DOS PALMARES, s/d.): a) o fato de ali ter nascido o poeta Jorge

de Lima (1895-1953), vinculado à Segunda Geração do Modernismo; b) exposição de

artefatos arqueológicos encontrados em escavações da Serra da Barriga; c) grupos de música e

dança afro (capoeira, coco-de-roda e guerreiro); d) artesanato de barro confeccionado por

remanescentes quilombolas (uma das suas maiores expressões); e) Parque Memorial

Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, principalmente, após esta ter sido reconhecida

como Patrimônio Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.

Dados do IBGE (BRASIL, 2012c) indicam que o Município de União dos Palmares,

em 2010, tinha uma população estimada em 62.400 habitantes (sendo 76,4% na área urbana e

23,6% na área rural), representando 2,0 % da população total do Estado, ocupando uma área

de 420, 258 km2. Apresentava, portanto, uma alta concentração demográfica de 148,48

hab/km2.

O município tem como base de sua economia a agricultura que, segundo Carvalho

(2006), está marcada pela combinação dos canaviais, pastos para pecuárias (avicultura,

suinocultura e bovinocultura de corte e leiteira) e uma produção agrícola diversificada

(banana, abacaxi, feijão, milho, mandioca, batata-doce, laranja e manga) que sofre as

consequências de vários problemas decorrentes da ausência do poder público na atenção às

comunidades das áreas rurais. Dentre esses problemas, destacam-se: falta de assistência

técnica e orientação sobre comercialização dos produtos, carência de assistência por parte de

órgãos governamentais de financiamento, péssimas condições das estradas vicinais, além do

total descaso com o bem estar da população, no que diz respeito aos seus direitos básicos

garantidos pela Constituição Federal. A essa realidade deve ser atribuída a causa da grande

migração rural que, segundo Carvalho (2006, p. 340), “em uma década, transferiu um terço de

sua população para a cidade”, agravando os problemas já enfrentados pela população da

periferia da área urbana. A maior parte desses migrantes encontra, como única alternativa de

renda, emprego temporário no corte da cana-de-açúcar em fazendas da região e, na

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entressafra, a migração para outros estados, como Mato Grosso e Minas Gerais, onde vão

realizar as mesmas tarefas.

Alguns indicadores socioeconômicos compilados por Carvalho (2006, p. 340-341)

traduzem a realidade do município. Dados de 2002 indicam que o setor da economia que mais

gera renda para o município é o setor de serviços, seguido da agricultura e da indústria

(indústria sucroalcooleira, complexo avícola e laticínios). Para Tenório (2006, p. 339),

destaca-se, também, a produção artesanal do município: “cerâmica produzida, principalmente,

pela comunidade quilombola do Muquém e as cestarias, trançados e brinquedos populares”.

Dados de 2006 (CARVALHO, 2006, p. 341) mostram que 52,8% das famílias do

município de União dos Palmares eram classificadas como “pobres” e o perfil do eleitorado

indicava que 53,9% não tinham “instrução”, enquanto 30,9% haviam concluído o 1º grau

(ensino fundamental), 14%, o 2º grau (ensino médio) e, apenas, 1,3% declararam ter

concluído um curso superior.

1.3. Atendimento escolar aos jovens e adultos

No contexto de um quadro socioeconômico extremamente precário, marcado por

desigualdades profundas, que penalizam a maioria da população alagoana, o analfabetismo se

apresenta como um dos problemas mais sérios que, ao mesmo tempo em que reflete esse

quadro, contribui para seu agravamento.

O Censo Demográfico de 2010 registrou, na população de 15 anos ou mais de idade,

537.538 pessoas que “não sabem ler nem escrever” no estado de Alagoas. Representando

24,3% desse contingente populacional, essa é a taxa mais elevada de analfabetismo do País,

nessa faixa etária.

De um modo geral, sem subestimar as questões socioeconômicas, as políticas

educacionais contribuem para os baixos níveis de escolaridade da população alagoana.

Em União dos Palmares, o atendimento escolar à população jovem e adulta, que não

teve “acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”

(Lei 5.692/1996) é feito por meio de cursos presenciais, oferecidos no turno noturno, de

acordo com a Resolução do Conselho Municipal de Educação nº 002/2008 (UNIÃO DOS

PALMARES, 2008a).

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A alfabetização inicial para jovens e adultos é oferecida exclusivamente pelo

Programa Brasil Alfabetizado, mantido pelo Governo Federal, o qual funciona com uma

administração autônoma, mas que deveria manter relação com a Secretaria Municipal de

Educação.

Dados obtidos em um questionário, respondido por um representante da Secretaria

Municipal de Educação, mostram um quadro crítico no atendimento de EJA pela rede

municipal de ensino, conforme se observa a seguir. Calculados sobre a matrícula total, os

indicadores registram:

Desistência – 70%

Evasão – 10%

Aprovação – 15%

Reprovação – 5%

A principal causa, apontada no questionário citado, que contribui para esse alto índice

de desistência é o trabalho:

Muitos dos nossos alunos são cortadores de cana e agricultores e dependem dos

períodos de safra para garantir seu sustento. Diante deste fato ocorre a migração dos

mesmos para outros estados, em busca de trabalho, fazendo com que os mesmos

desistam ou evadam das escolas.

Entretanto, embora constate que a maioria dos alunos é constituída de camponeses e

trabalhadores rurais, o Município ainda não adota um calendário, nem outras medidas, para

adequar o atendimento escolar às condições de vida dos jovens e adultos, conforme estabelece

a legislação educacional.

1.4. O Programa Brasil Alfabetizado e seu funcionamento no Município

O Programa Brasil Alfabetizado (PBA) foi criado pelo Governo Federal, no segundo

semestre de 2003 (BRASIL, 2004b). Seus objetivos, conforme estabelece a Resolução nº

12/2009, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), são: “I - contribuir

para superar o analfabetismo no Brasil, promovendo o acesso à educação como direito de

todos [...] e II - colaborar com a universalização do ensino fundamental [...]”. (BRASIL,

2009).

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Financiado com recurso do FNDE, o PBA mantém uma estrutura organizacional que

envolve diversos órgãos da administração pública, aos quais são atribuídas responsabilidades

no planejamento, execução e avaliação do referido programa.

No nível federal, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão (SECADI/MEC) e o FNDE atuam na formulação e financiamento do Programa,

enquanto a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA),

na condição de órgão consultivo, presta-lhe assessoramento e acompanha suas ações. Os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios, denominados de Entes Executores (EEx),

assumem a execução das ações estabelecidas pelos entes federais, com vistas ao alcance dos

objetivos do PBA.

Todas as ações de execução, desde a elaboração de um Plano Plurianual de

Alfabetização até o controle de frequência dos alfabetizandos, são estabelecidas em uma

resolução do FNDE, renovada anualmente, que fixa, também, o período de início e conclusão

das aulas daquele ano29

.

Embora se vincule aos órgãos educacionais nos três níveis da administração pública, o

PBA tem uma estrutura autônoma, que se manifesta desde a dotação e administração dos

recursos financeiros, a constituição do corpo de pessoal, até o acompanhamento e controle de

suas ações.

Nos municípios, o Programa é administrado por um gestor local, indicado pela

administração municipal, que seleciona coordenadores de turmas e alfabetizadores, entre

pessoas que tenham, no mínimo, formação de nível médio, devendo dar prioridade a

professores das redes públicas.

Não é estabelecido vínculo empregatício e a remuneração do trabalho consiste no

pagamento de uma “bolsa”, fixada em Resolução FNDE. No ano de 2010, quando o salário

mínimo era de R$ 510,00, o valor mensal da bolsa era de R$ 250,00 para o alfabetizador de

uma turma (aumentando para R$ 275,00, quando houvesse, na turma, alfabetizandos com

necessidades especiais) e R$ 500,00 para o coordenador de turmas.

Somente a partir do ano 2007, foram incluídos nas ações para financiamento do

Programa: material didático, merenda, transporte escolar e aquisição de óculos.

Em União dos Palmares, o PBA funciona desde 2003, quando matriculou 780

alfabetizandos, em 39 turmas. No período 2009-2010, o Município registrou uma matrícula

29

A Resolução FNDE nº 12/2009 (BRASIL, 2009), em seu art. 9º fixa o seguinte prazo limite para execução do

PBA 2009: 30/11/2009 até 31/10/2010.

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de, aproximadamente, 3.800 alfabetizandos, distribuídos em 85 turmas na área urbana e 95 na

área rural.

O programa funciona em diversos espaços físicos, desde salas de escolas municipais e

de sedes de entidades sociais, galpões de fazenda, garagens e salas de residências de

professores e até alpendres e terreiros de casas na área rural. A maioria desses locais apresenta

condições inadequadas para atividades escolares, especialmente as salas improvisadas em

prédios não escolares: espaço físico limitado, má iluminação, especialmente, no horário

noturno, pouca ventilação, além da falta ou inadequação de assentos e quadros de giz.

Durante o período de realização da pesquisa de campo deste trabalho, estava em

execução o projeto30

referente ao período 2009-2010, que tinha sido iniciado em novembro de

2009, com previsão de encerramento em agosto ou setembro de 2010.

A execução desse projeto, segundo a gestão local, estava tendo problemas em

decorrência de atraso na liberação dos recursos financeiros para aquisição de merenda,

material didático e outras ações que vinham afetando o funcionamento das classes, e

provocando seu abandono pelos alfabetizandos. Do mesmo modo, mudanças na administração

da Secretaria Municipal de Educação estavam agravando a situação.

As consequências desse quadro se refletiam nas salas de aula, conforme observei nas

visitas realizadas às classes na área rural31

. Os professores e alunos se queixavam da falta de

merenda e material didático. Muitos professores declararam que, para tentar manter os

alfabetizandos nas classes, compravam, com seus próprios recursos, cadernos e lápis. Em

alguns dias da semana distribuíam, também, lanche. Não distribuíam todos os dias porque

seus recursos financeiros não eram suficientes. Os alfabetizandos, principalmente, os idosos

com dificuldade de visão, queixavam-se da demora na realização dos exames oftalmológicos

e distribuição de óculos, conforme previa o Programa.

A dimensão pedagógica do projeto de alfabetização se expressa no plano pedagógico

distribuído com os professores, na programação dos encontros de formação docente e no

acompanhamento das coordenadoras de turma e na prática das professoras em sala de aula.

O plano pedagógico, denominado de Planejamento Mensal, consiste em uma planilha, na qual

constam o tema gerador, a ser trabalhado no período de um mês, e o detalhamento de

conteúdos e sugestões de atividades, distribuídos nas disciplinas: Português, Matemática e

30

A gestão local denomina de projeto cada curso de alfabetização que, segundo regulamentação do FNDE, pode

ter duração de 6 (seis) meses com, no mínimo, 240 horas/aula; 7 (sete) meses com, no mínimo, 280 horas/aula ou

8 (oito) meses, com 320 horas/aula, no mínimo. 31

Cf. Apêndice D - Relatório de Visita a Classes de Alfabetização de Jovens e Adultos em Áreas Rurais do

Município de União dos Palmares – AL.

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Ciências da Natureza e da Sociedade. Consta, também, da planilha, um calendário de datas

comemorativas. Parte dos temas geradores refere-se a eventos citados nesse calendário32

. Os

conteúdos e a maioria das atividades provêm do livro didático (VÓVIO E MANSUTTI, 2008)

adotado pelo Programa.

A formação dos alfabetizadores é dividida em formação inicial, planejada para o

início de cada projeto (curso de alfabetização) e formação continuada, a ser realizada,

mensalmente, durante o período de execução do projeto.

Na programação da formação inicial do projeto 2009/201033

, prevista para ser

realizada em dez dias, constam dez blocos temáticos, incluindo, desde temas referentes à

história e legislação da EJA, até conteúdos de português e matemática, tratados na

alfabetização de jovens e adultos.

A formação continuada, programada para o mesmo projeto34

, prevê a realização de

nove encontros mensais. Cada encontro inclui: a) a realização de uma palestra sobre o tema

gerador, a ser trabalhado pelos alfabetizadores com os alfabetizandos, naquele mês; b) o

planejamento das atividades sobre o referido tema e c) orientações para o uso adequado do

livro didático.

Durante o período da pesquisa, observei um encontro pedagógico, no qual foi tratado o

tema ÁGUA. A palestra foi proferida por uma técnica da área de meio ambiente, da Secretaria

Municipal de Educação. Para tratar o tema, além da legislação pertinente, a palestrante

abordou a situação da bacia hidrográfica do rio Mundaú, que corta o município, utilizando

uma exposição e projeção de fotos. No decorrer de sua exposição oral, tentou interagir com os

professores, fazendo perguntas sobre o assunto e mostrando-se disponível para ouvi-los,

porém, ninguém se dispôs a falar.

O encontro transcorreu num clima muito conturbado. Teve início com mais de uma

hora de atraso e, apesar da qualidade do trabalho apresentado, as condições mostraram-se

inadequadas para mobilizar a atenção dos professores, estimulando-os a participarem da

atividade.

Aliado ao estado da sala (que estava sendo usada para depósito de material de

construção), o número de professores pareceu-me excessivo, para aquele evento. Muitos deles

passaram, a maior parte do tempo, inquietos e conversando, provocando um burburinho no

32

Por exemplo: No planejamento do período 01/03 a 01/04/2010, o tema gerador foi: Mulher Contemporânea.

No calendário, consta a data comemorativa: 08/03 – Dia Internacional da Mulher. 33

Cf. Anexo B - Programa Brasil Alfabetizado – Formação Inicial. 34

Cf. Anexo C - Programa Brasil Alfabetizado – Formação Continuada.

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ambiente, ampliado pelo choro persistente de crianças pequenas que acompanhavam suas

mães-professoras.

Ao se aproximar o horário previsto para o encerramento, aumentou a inquietação da

maioria dos professores, que procurava as coordenadoras, pedindo o planejamento e querendo

entregar-lhes as fichas de controle de frequência dos alfabetizandos. Instalou-se uma confusão

generalizada, levando a palestrante a encerrar os trabalhos sem concluir a palestra. Assim,

foram recolhidas as fichas de frequência e distribuída a planilha do planejamento pedagógico,

sem que as coordenadoras de turma orientassem os professores nas atividades pedagógicas,

conforme consta da programação dos encontros.

Após o encerramento, alguns professores me falaram que os encontros sempre

ocorriam daquele modo muito confuso e barulhento. Uns atribuíam à falta de condições da

sala, outros apontaram o atraso no início das atividades, levando a uma redução do tempo de

exposição, provocando correrias no final, fazendo com que muitos professores se

inquietassem e saíssem antes do encerramento do encontro. Esclareceram-me que essa atitude

ocorre porque os professores que moram nos sítios e fazendas dependem de transporte

motorizado para se locomoverem até a cidade. Para muitos locais, o transporte faz uma única

viagem de ida e volta por dia, com horário marcado. E acrescentaram que: “quando a pessoa

perde o transporte, tem que dormir na rua [cidade] e só voltar pra casa no dia seguinte”.

De um modo geral, os problemas registrados no funcionamento do PBA em União dos

Palmares, assim como em outras localidades do País, que produzem resultados que atestam o

fracasso desses programas, entre eles, o abandono das classes pelos alfabetizandos e os baixos

níveis de aproveitamento, são comuns nesse tipo de política de alfabetização de jovens e

adultos, conforme foi discutido no primeiro capítulo deste trabalho.

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2. O Muquém e sua comunidade35

Figura 3 – Residência de um artesão na comunidade de Muquém – março/2010. (Foto: Reneude Sá)

Se a mão livre do negro tocar na argila

O que é que vai nascer?

Vai nascer pote pra gente beber

Nasce panela pra gente comer

Nasce vasilha, nasce parede

Nasce estatuinha bonita de se ver.

Lobo, Gianfrancesco Guarnieri, 1998.

35

Localizei poucos estudos sobre o Muquém e sua comunidade (SANTOS, 2008; MOURA, 2009; CAMPOS,

s/d.). Esta constatação foi confirmada por um professor de história, da equipe da Secretaria Municipal de

Educação de União dos Palmares.

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2.1. Origem e meios de vida

O Muquém é um pequeno povoado rural, pertencente ao município de União dos

Palmares. Situado a 4 km da cidade sede do município, o Muquém é habitado por uma

“comunidade remanescente de quilombo”, conforme certificação emitida em 2005 pela

Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, publicada no Diário

Oficial da União (BRASIL, 2005b). Sua população, no período da pesquisa, era estimada em,

aproximadamente, 507 pessoas, distribuídas entre 123 famílias36

.

As pessoas declaram-se integrantes de uma única família que, segundo uma das

versões relatadas por uma pessoa entrevistada, formou-se a partir de um casal, cujo cônjuge

era “um negro fugido da Serra da Barriga, depois da destruição do Quilombo”, que se casou

com uma jovem da região. O negro chamava-se Muquém, originando-se daí o nome do

povoado.

A suposição de que todos fazem parte da mesma família é reforçada pelo uso do

sobrenome Nunes, usado por quase todos os moradores.

O sentimento de pertencimento a uma mesma família se expressa no modo de vida

comunal, pautado em valores como a solidariedade. Até o modo de partilhar o espaço físico,

sem separação por cercas entre as parcelas pertencentes a cada família, caracteriza o modo de

organização coletiva da comunidade.

Até meados do século passado, a comunidade de Muquém era referência na região

pela produção artesanal de cerâmica utilitária, atividade tipicamente feminina, que era

repassada de mãe para filha, desde a infância, num movimento histórico natural. Os homens

participavam com a apanha de lenha para queima das peças e na comercialização dos

produtos nas feiras da região. Em depoimentos, mulheres da própria comunidade informaram:

“A gente aprendia fazer as louça brincando, vendo as mães fazer. A tradição do barro era um

costume natural, que passava de mãe pra filha. Toda mulher de Muquém sabia trabalhar no

barro. Hoje isso mudou”.

A produção de cerâmica artesanal era o principal meio de vida da comunidade, ao lado

do trabalho dos homens na agricultura e na pesca no rio Mundaú, às margens do qual se

localiza o povoado e do qual se retiravam o barro para o artesanato. As mulheres fabricavam,

36

Informações fornecidas verbalmente pela presidente da Associação de Moradores de Muquém.

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em grande quantidade, todo tipo de peças, que denominavam de “louça”, usadas na cozinha e

na mesa: panelas, potes, jarras, chaleiras, cuscuzeiros, pratos, tigelas, aribés37

e outras.

Explicando o desaparecimento da procura de utensílios de cerâmica, uma das senhoras

entrevistadas afirmou: “Com a modernização, aos poucos, foram aparecendo vasilhas de

alumínio, de vidro, de louça branca e de plástico, e o barro foi sumindo da cozinha e da

mesa”.

Hoje, restam apenas duas senhoras que ainda resistem, fabricando panelas de barro

para vender: “São mulheres da cidade que compram as panelas de barro como folclore, pra

dizer assim pras visitas – ‘Olhe, eu vou fazer uma feijoada lá em casa na panela de barro’.

Tem, também, uns restaurantes que compra” (moradora entrevistada).

Há, aproximadamente, dez anos, o Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas

Empresas (Sebrae) implantou um projeto em Muquém para incentivar a produção de cerâmica

decorativa, com o objetivo de atrair o turismo para o povoado, gerando renda para a

comunidade. Foi construído um barracão para reunir todos os artesãos no mesmo local, com

salas individuais para cada artesão confeccionar suas peças e uma área de exposição coletiva

destinada às vendas.

O projeto não teve o sucesso esperado, segundo a presidente da Associação, “porque

as pessoas são desunidas”. Apenas uma artesã, a única cujos trabalhos foram projetados fora

dos limites da comunidade e até fora do país, mantém seu “ateliê” no barracão. Outros

artesãos, incluindo homens que passaram a fazer peças decorativas, trabalham em suas

próprias residências, mas se queixam da falta de apoio dos órgãos públicos.

Destacam-se, dentre as peças de cerâmica produzidas atualmente, miniaturas das

“louças” que eram fabricadas anteriormente para uso doméstico – panelinhas, potinhos,

jarrinhas e outras, que os artesãos passaram a denominar de souvenir, termo introduzido no

universo vocabular da comunidade, provavelmente, com a intervenção de órgãos públicos e

privados ligados à área de turismo.

A perda do mercado de cerâmica utilitária como fonte de renda da comunidade

provocou mudanças em seus meios de vida. No presente, a comunidade busca garantir sua

existência através da agricultura de subsistência, criação de animais domésticos para

consumo, ocupações subalternas na agroindústria canavieira, em declínio na região, e das

aposentadorias rurais das pessoas idosas.

37

“a.ri.bé sf. Frigideira grande, de barro, usada na região do rio São Francisco ( MICHAELIS, 1998, p. 212).

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Com a escassez do trabalho assalariado na região, os homens migram,

temporariamente, para cortar cana nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e

Paraná. Os casados deixam suas mulheres e filhos desamparados, aguardando envio de algum

dinheiro para sua manutenção. Entre os solteiros, muitos deixam suas namoradas e noivas

aguardando sua volta com dinheiro para realizarem o sonho de casar e constituir uma família.

Em diversos depoimentos, são relatadas as condições extremamente precárias dessa

migração, desde o transporte clandestino dos trabalhadores, financiado pelos proprietários de

usinas e fazendas de plantação de cana dos estados de destino, até casos de regime de trabalho

semiescravo. Dificilmente, esse tipo de trabalho é registrado, conforme assegura a legislação

trabalhista do País.

Apesar de condições tão adversas, a maioria das pessoas entrevistadas considera que

vale a pena os homens correrem os riscos das migrações, pois há casos de trabalhadores que

conseguem retornar com “um bom dinheiro”. Mas há, também, relato de casos de

trabalhadores que não suportaram o regime exaustivo e as condições precárias de trabalho,

adoeceram, não receberam assistência dos empregadores, penalizando suas famílias, que se

viram obrigadas a enviar-lhes, por outros migrantes que se dirigiram para o mesmo local,

alimentos e dinheiro destinado à passagem de volta para casa38

.

A migração é citada, por alguns professores entrevistados, como uma das causas do

abandono das classes de alfabetização pelos homens adultos.

2.2. Habitação

Neste item, decidi descrever a casa, na qual me hospedei, como exemplo da habitação

no Muquém com seu movimento cotidiano.

A casa da família que me hospedou era de alvenaria, coberta de telha canal, sem

estuque. Tinha uma pequena área na entrada e seis cômodos também pequenos - uma sala de

visita, três dormitórios, uma copa-cozinha e um banheiro com pia, bacia sanitária e chuveiro.

A casa ficava na parte dianteira de um pequeno lote de terra, constituído de uma área

destinada ao plantio de roça e criação de pequenos animais para o consumo doméstico

(suínos, caprinos, ovinos, galináceos, etc.).

38

Durante minha estada na comunidade de Muquém, a professora Anita e sua família estavam angariando

recursos financeiros para pagar a passagem de volta para um de seus irmãos, que se encontrava doente, num

estado do Sudeste.

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Como todas as demais casas do povoado, a casa de D. Severina e de seu Amaro é bem

conservada – paredes, portas e janelas com pintura nova; terreiros limpos, com plantas

ornamentais e muitas fruteiras. Ao lado da casa de alvenaria, há uma pequena casa de taipa,

coberta de telha, com uma porta e uma janela na parte da frente e outra porta na parte traseira.

Logo nos primeiros dias de minha estada no Muquém, observei que D. Severina pouco

usava a cozinha da casa de alvenaria. Além disso, nas horas de refeição, ela levava a porção

de comida para eu me servir dentro da casa, mas ninguém me acompanhava em nenhuma

refeição. No segundo dia, no horário do almoço, me aproximei da casinha de barro e vi que

toda a família estava sentada em círculo no chão, ao lado do fogão de lenha, com os pratos no

colo, comendo. Afastei-me e depois, conversando com D. Severina, pedi para ver a casinha

por dentro.

A casinha tem dois cômodos – uma pequena sala com cadeiras, um pote grande com a

boca coberta e alguns apetrechos de roça pelo chão. Nas paredes – imagens de santos, fotos

envelhecidas, cartazes eleitorais de políticos, rede e outros instrumentos de pesca, gaiolas de

pássaros, chapéus de palha surrados, roupas de trabalho, etc. O segundo cômodo é uma

pequena cozinha, onde há um fogão de lenha muito rústico, construído de paus e de barro,

potes de água, jiraus com panelas empretecidas pelo uso, pratos e outros utensílios de barro,

plástico e louça.

D. Severina me explicou que é ali que ela gosta de fazer as coisas de casa. Era numa

casa como aquela que todas as famílias do Muquém moravam até quando o governo mandou

fazer as casas de alvenaria há, aproximadamente, 25 anos, por causa da doença de Chagas. A

secretaria de saúde, de tempos em tempos, tenta que derrubem aquelas casinhas, mas o povo

não concorda.

Além da casinha de taipa, no terreiro atrás da casa de alvenaria há um espaço coberto,

onde são colocadas as galinhas para chocar ovos que darão pintos. Um pouco afastado, tem

um chiqueiro para engordar porcos. As galinhas são criadas soltas. À tardinha, elas se

recolhem para dormir na copa de uma mangueira, que fica ao lado da chocadeira.

2.3. Alimentação

A base da alimentação das famílias do Muquém continua sendo feijão, arroz e farinha,

complementada com uma variedade de carne, prioritariamente, bovina. O consumo de

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legumes, verduras e frutas era eventual, limitando-se aos produtos cultivados na região,

conforme as épocas de safra, dependentes dos períodos de chuva, tais como: abóbora, maxixe,

quiabo, batata doce, inhame, macaxeira, milho, melancia, banana, laranja, manga, mamão,

jaca, etc. Entretanto, constatei que outros alimentos que há, aproximadamente, cinco décadas

eram estranhos aos hábitos das populações rurais nordestinas, passaram a fazer parte da dieta

cotidiana da comunidade do Muquém. Entre eles, uma variedade de legumes e verduras, tais

como: batata inglesa, cenoura, chuchu, tomate, pimentão, alface, repolho, outras, e de frutas

provenientes de outros centros produtores do Sul e Sudeste, tais como: maçã, pera, uvas,

melão, etc. Da mesma forma, produtos industrializados: mortadelas, salsichas, linguiças,

molhos, margarinas e refrigerantes, entre outros, também são consumidos pelas famílias,

conforme as condições financeiras de cada uma.

Mesmo assim, antigos hábitos alimentares são mantidos, mesclando-se com hábitos

mais modernos. Em uma das conversas com D. Severina ela me disse - “De vez em quando eu

faço quarenta39

porque os meninos gostam muito. Eles comem com mortadela frita e

refrigerante”, e me explicou: “quarenta é comida de pobre. A gente faz com fubá de milho,

água e sal. Bota a água com o sal pra ferver, joga o fubá dentro de uma vez, mexendo ligeiro.

Hoje, eu boto margarina na água pra ficar mais gostoso. Aí tira do fogo e quebra ele todinho

com a colher. Não deixa nem um bolinho. Quando fica algum bolinho, as meninas reclamam.

Antigamente a gente fazia quarenta quando não tinha outra coisa pra comer, hoje a gente faz

porque gosta”.

Em outra ocasião, D. Severina, respondendo a uma indagação minha, falou que o café

usado em sua casa é Seu Amaro quem torra e explicou o processo - “é feito como

antigamente: bota um tacho de barro no fogo, bota o açúcar pra derreter, depois joga os grãos

de café e mexe até dá o ponto. Aí espalha ele na mesa do fogão, que já tá forrada de cinza.

Quando ele tá frio, fica duro como um beiju, então a gente limpa a cinza, quebra ele todinho

em pedaço e pisa no pilão. Depois peneira, junta ele com um pouco de café de pacote

(industrializado) e guarda numa lata bem tampada. Tá pronto pra usar”. Perguntei por que

juntar com café de pacote e ela respondeu que “antigamente não misturava, mas agora a gente

mistura pro café não ficar muito forte, porque a médica disse que café forte faz mal pra

saúde.”

Continuando a conversa, D. Severina me explicou como o café é preparado – “bota

água no fogo numa chaleira, quando ela tá fervendo, bota o café e o açúcar, mexe bem, tira do

39

Investiguei com D. Sônia e com outros moradores do Muquém, mas não encontrei explicação para a

denominação “quarenta”, dada ao prato citado.

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fogo e deixa ele assentar, o pó fica todinho no fundo da chaleira, aí pode botar na xicra e

tomar.” Ela comentou que uma das suas noras lhe deu um coador de café, mas ela não se

acostumou com “essa novidade” – “o café não fica com o mesmo gosto do que a gente faz

sem coador”.

Logo no meu primeiro dia na casa de D. Severina, comecei a observar, atenta e

curiosamente, tudo à minha volta - o espaço físico interno e externo à casa, o movimento das

pessoas da família e de outras moradores do povoado, que transitavam nos caminhos em

frente e ao lado da casa. Foi assim que presenciei hábitos, costumes e fatos que,

aparentemente, deixaram de existir com a aproximação das comunidades camponesas com a

“vida moderna”, tipificada como urbana.

Nos primeiros dias no Muquém, tive a sensação de estar vivendo diversos tempos

históricos ao mesmo tempo - o velho e o novo, o arcaico e o moderno se entrecruzando,

convivendo em harmonia, sem conflitos aparentes.

Minha rotina começava ao me acordar, aproximadamente, às 6h da manhã, seguindo o

costume da família. Após cuidar de minha higiene pessoal, antes de tomar o café da manhã,

normalmente, eu saia ao terreiro da casa para observar o movimento das pessoas.

No primeiro dia, presenciei D. Severina, Seu Amaro e Tonho varrendo o terreiro em

redor da casa com vassouras de mato. Observei que não havia lixo proveniente de produtos

industrializados, mas apenas folhas de árvores, que eles juntavam e lançavam nas áreas do

terreno reservadas ao plantio de roça durante o inverno. Em seguida, vi D. Severina pegar

uma cuia com milho e chamar as galinhas, imitando o cacarejar das mesmas. As aves corriam

e pulavam em sua volta, enquanto ela jogava o milho. No meio das galinhas e aves menores,

um galo vistoso e altivo se destacava – era o tradicional “pai do terreiro”, cuja função é cobrir

as galinhas para fertilizá-las. D. Severina explicou que num terreiro não pode ter mais de um

galo. Se botar mais de um, eles brigam, disputando o “posto”, até um dos dois morrer.

D. Severina mantém o modo antigo de criação livre. Durante o dia as aves circulam

pelo terreiro comendo vegetais, insetos rasteiros e outras coisas. Por esse motivo, algumas

donas de casa, quando pretendem abater uma dessas aves para consumo, confinam-na num

chiqueiro próprio, por um tempo determinado, para engordar a ave e “limpar” a carne. A ave é

alimentada apenas com alimentos limpos, principalmente, com milho e sobras de comida

caseira.

Nesse sistema de criação, a reprodução das aves também é feita de forma livre. As

galinhas são cobertas pelo galo “pai do terreiro”, que as fecunda. Os ovos postos por essas

galinhas são colocados para “chocar” por uma delas, sobre um ninho de capim ou outras

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folhas, localizado num espaço coberto e fechado, normalmente um chiqueiro apropriado, para

evitar que sejam depredados por outros animais, como a raposa, por exemplo. A galinha

“choca” só se ausenta do ninho para se alimentar.

Ao entardecer, quando começa a escurecer, as aves se dirigem ao poleiro, onde

dormem em segurança, sem risco de serem atacadas por algum predador. Normalmente, é

escolhida uma árvore alta para poleiro. Na casa de D. Severina o poleiro é uma mangueira

localizada no terreiro, na qual foram escorados alguns paus para facilitar o acesso das aves.

Durante o inverno, quando são feitos os plantios de roça, para evitar que a destruam,

as aves são confinadas no chiqueiro, à exceção das galinhas que estão com pintos novos.

Essas são amarradas por um barbante forte a uma árvore no terreiro da casa. Desta forma, os

pintinhos podem circular livremente em volta da galinha-mãe e se alimentarem de sementes,

ervas e insetos encontradas no chão.

Presenciei esse evento quando retornei ao Muquém, após o primeiro período de minha

estada na comunidade. Ao chegar, surpreendi-me com a mudança: nos espaços das roças,

antes secos, onde as galinhas ficavam soltas, havia crescido milho, feijão e mandioca.

A família mantém outro hábito tradicional na criação e consumo de animais

domésticos. Observei, logo no segundo dia de minha permanência na casa, uma porca grande

confinada em um chiqueiro, na parte traseira da casa. D. Severina me explicou que sempre

tem um porco ou uma porca engordando no chiqueiro. Ela compra o animal ainda filhote e vai

alimentando com ração e sobras de comida doméstica. Quando ele atinge a idade adulta e está

gordo, ela manda abater. O abate é feito por homens do povoado que adquiriram essa

habilidade e fazem dela uma fonte de renda.

A maior parte da carne e do toucinho é vendida aos vizinhos, o restante fica em casa,

juntamente com as vísceras do animal. Uma parte da carne de casa é conservada no

refrigerador; a outra parte, as vísceras e o toucinho são conservados no sal para serem

consumidos assados na brasa. Todos em casa gostam muito desse alimento.

D. Severina me disse que aquela porca, que eu vi no chiqueiro, estava quase no “ponto

de matar”. A parte da carne a ser vendida já estava toda encomendada pelos vizinhos,

discriminando: “dois quilo dum quarto traseiro é pra fulana, três quilo dum quarto dianteiro é

pra sicrano...” Esse costume é comum na comunidade, funciona como um intercâmbio

comercial informal, de modo que sempre há uma família abatendo e fornecendo carne de

porco para outras famílias. No meu retorno, observei, também, que a porca não estava mais no

chiqueiro. Havia sido abatida. Ainda provei de um pedaço de toucinho assado na brasa, que

D. Severina me ofereceu.

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2.4. Espiritualidade e práticas religiosas

Apesar da ancestralidade negra africana, a comunidade de Muquém se declara

católica, cultua os santos e pratica rituais dessa religião, embora algumas pessoas informem,

discretamente, que existem, entre seus integrantes, “rezadeiras” e pessoas que “botam mesa

branca”.

A reação dessas pessoas revela um silenciamento diante de perguntas referentes a

tradições religiosas de origem africana. Postura explicada com o seguinte depoimento do

mestre de capoeira, quando perguntado se havia, no Muquém, algum grupo religioso ligado a

tradições africanas:

Lá não. Mas tem pessoas que trabalham... Que prestam serviço de Candomblé.

Existem pessoas... Eu conheço pessoas que trabalham... Agora, eles não têm terreiro

de Candomblé. Não existe isso. Até porque, eu acho que a repressão foi muito

grande, desde aquele quebra de 1912... Que houve aquele quebra em Maceió40

, que

as pessoas que trabalhavam no Candomblé ficaram muito afastadas, com medo...

Né?

Em Alagoas, a fratura criada por esse acontecimento, reforçada historicamente pelo

processo de desqualificação da cultura africana, no seio da exploração e aniquilamento da

população afrodescendente, associadas à ação pastoral da Igreja Católica, parece ter

favorecido o surgimento de uma ambiguidade na formação e prática religiosas dessa

população. Neste sentido, a fala do mestre é, também, ilustrativa da postura geral da

comunidade de Muquém:

Agora, eu pergunto: “E se no Muquém tivesse um terreiro de Candomblé? Será que

as pessoas que trabalham, que são ligadas à igreja católica, será que iam aceitar

como se aquilo ali pertencesse à igreja? Acho que não. Acho que não porque os

costumes são diferentes.

Em outro trecho de seu depoimento, o mestre de capoeira, rechaçando a fala da

presidente da associação de moradores de Muquém, refere-se a uma relação entre as práticas

artístico-culturais de origem africana com a dimensão religiosa, embora sua fala não chegue a

esclarecer essa relação:

40

O depoente refere-se ao episódio ocorrido em 1912, no estado de Alagoas, conhecido como “Operação

Xangô” ou “Quebra de 1912”, que promoveu, em Maceió e municípios vizinhos, a invasão e destruição dos

terreiros de cultos afro-brasileiro, denominados de Terreiros de Xangô (RAFAEL, 2004, 2010).

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Eu sou mestre de capoeira e trabalho no Muquém há 24 anos. Ensino capoeira. Por

isso que eu digo que ela [presidente da Associação do Muquém]41

, se confundiu um

pouquinho, porque quando a senhora perguntou a ela se há no Muquém alguma

manifestação ligada à religião afro, ou seja, africana, ela esqueceu que nós temos lá

a capoeira e, também, a dança afro, o reggae...

A convivência com a família que me acolheu, possibilitou-me o conhecimento de

determinadas práticas que, parece-me, a comunidade reserva para as pessoas que vão

ganhando sua confiança. Assim foi, quando conversando com D. Severina e as meninas, eu

lhes perguntei se havia alguma prática religiosa na comunidade. Diante da resposta

afirmativa, eu indaguei se tinha relação com alguma tradição africana. A resposta veio rápida

em coro – “não! A gente é católica. O padre de União [dos Palmares] vem sempre rezar missa

aqui no Muquém”. Esperei outra ocasião, que julguei oportuna, e insisti no assunto,

perguntando se havia algum rezador ou curador na comunidade. Indagaram se eu estava

sentindo alguma coisa e se eu acreditava nisso. Então me falaram de uma prima delas que

herdou o dom da avó, que “era uma rezadeira fina. Curou muita gente, inclusive Tonho, de

uma fraqueza na cabeça”, que preocupava muito a família.

2.5. Práticas de preservação da cultura e transmissão de saberes

Os sentidos de ensinar e aprender na comunidade de Muquém estão presentes em suas

práticas cotidianas, no fazer de cada atividade, misturados com o viver, como me explicou

uma artesã: “aqui, uma filha aprende com a mãe, vendo a mãe fazer o pote, a quartinha...”.

Embora a modernidade se mostre nos telhados, pelas antenas parabólicas, nas mãos

das pessoas, pelos aparelhos celulares, nas faixas que anunciam: “1º DESFILE UNIÃO

FASHION WEEK CLOTHES, no Chimbra’s Bar”, as mães continuam ensinando as filhas a

pescar com puçá no Rio Mundaú, a criar galinhas no terreiro e engordar porcos no quintal,

como se fazia há 300 anos no quilombo.

Entre as atividades educativas da comunidade de Muquém, identifiquei a ação de um

mestre de capoeira, que, segundo seu depoimento, luta pela recuperação, difusão e

preservação de práticas culturais afro-brasileiras, herança dos ancestrais quilombolas que

habitaram o Quilombo dos Palmares.

41

Referência ao depoimento da presidente da Associação do Muquém, entrevistada antes do mestre de capoeira.

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Figura 4 – Aula de capoeira infantil na comunidade de Muquém – maio/2010. (Foto: Reneude Sá)

Assim, escolhi uma aula de capoeira do Mestre Nei, desenvolvida com crianças, para

analisar os modos de ensinar na Comunidade de Muquém. Pretendo, com a descrição e

análise dessa aula, mostrar como, por meio de uma prática educativa não institucional42

, um

representante do movimento negro local busca contribuir para a formação e fortalecimento de

uma identidade étnico-racial de uma comunidade negra, a partir da educação das crianças.

No depoimento a seguir, o Mestre Nei revela como o ensino de capoeira na

comunidade de Muquém insere-se nesse propósito mais amplo:

Nas minhas aulas de capoeira, que eu dou lá [no Muquém], eu prego muito isso pras

crianças. Já começo a ensinar a eles historicamente. Já falo muito sobre a Serra da

Barriga... Eu, também, sou cantor. A gente tem músicas sobre a Serra da Barriga,

que falamos muito sobre a história de Zumbi e o extermínio do Quilombo [dos

Palmares]. (...) e a gente já passa isso em forma de história, conversando com eles,

informando, dizendo pra eles que eles são remanescentes do Quilombo [dos

Palmares] e que Zumbi foi o maior líder negro das Américas. Foi o cara que lutou

pela liberdade dos negros. Já é uma conscientização das crianças, porque tem muitas

pessoas adultas que vai morrer e não vai acreditar nem sequer que eles são

descendentes de africanos. Existem pessoas que pensam dessa forma, mas as

42

Embora, segundo informação do mestre, as aulas de capoeira integrem um projeto da Prefeitura de União dos

Palmares - “pegando carona na Lei 10.639/1993” (BRASIL, 2012d) - essa ação vem sendo desenvolvida por ele,

voluntariamente, desde o ano de 1987, sob sua inteira responsabilidade.

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crianças... Nós temos que trabalhar muito as crianças porque nós tamos preparando

elas pro futuro, pra que amanhã elas possam ter orgulho de dizer: eu sou

descendente de africanos, eu sou remanescente de quilombo legítimo. Tenho

orgulho de ser negro.

A esse respeito, Cabengele Munanga (2008), em estudo sobre mestiçagem e

identidade no Brasil, discutindo as dificuldades enfrentadas pelos movimentos sociais para

mobilizar seus membros e avançar em suas lutas, afirma a necessidade de construção de uma

nova consciência pelos grupos em questão, que passa pela definição de uma identidade

própria ou “personalidade coletiva”, esclarecendo:

Essa identidade, que é sempre um processo e não um produto acabado, não será

construída no vazio, pois seus constitutivos são escolhidos entre os elementos

comuns aos membros dos grupos (...). No que diz respeito aos movimentos negros

contemporâneos, eles tentam construir uma identidade a partir das peculiaridades de

seu grupo: seu passado histórico como herdeiros dos escravizados africanos. Sua

situação como membros de grupo estigmatizado, racializado e excluídos das

posições de comando na sociedade cuja construção contou com seu trabalho

gratuito, como membros de grupo étnico-racial que teve sua humanidade negada e a

cultura inferiorizada. Essa identidade passa por sua cor, ou seja, pela recuperação de

sua negritude, física e culturalmente (MUNANGA, 2008, p. 14).

O mestre Nei dá aulas de capoeira, uma vez por semana, a crianças de 3 a 12

anos de idade que frequentam a escola municipal do Muquém. Para jovens e adultos, além de

capoeira, o mestre ministra aulas de dança-afro, maculelê, coco-de-roda e outras práticas

artístico-culturais.

No dia anterior à observação da aula de capoeira infantil, entrevistei o mestre em uma

sala na Secretaria de Cultura do município, onde ele ocupa o cargo de assessor de cultura. Na

ocasião, me informou que é compositor e cantor de reggae, tem um programa na rádio local,

faz shows com sua banda de reggae, integra o movimento negro e participa de diversos

eventos relacionados à defesa da cultura negra. No depoimento a seguir, o entrevistado, que

informa ter concluído o ensino médio, fala da sua origem:

Eu nasci na Serra da Barriga. Eu nasci na Serra... Fui um garoto que veio do corte da

cana. Eu cortei cana até os 16 anos. Cortei cana, limpei mato... Aos sábados, eu

vinha praqui pra cidade [União dos Palmares]. Vendia picolé, pegava carreto... Eu

fui um cara trabalhador, né? Comecei a estudar pra ver se me dava uma qualidade de

vida melhor. Graças a Deus, melhorou. Hoje eu não corto mais cana.

Ao final da entrevista, indagado se eu poderia assistir a uma de suas aulas na

comunidade de Muquém, o Mestre convidou-me, então, para assistir à aula de capoeira, que

ministraria no dia seguinte para crianças que frequentam a escola municipal do povoado.

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As aulas de capoeira são ministradas no espaço físico da escola, mas, conforme

informação do mestre, não há nenhuma ligação com a escolarização das crianças. A

professora apenas cede o local e libera os alunos, uma vez por semana, para que ele possa

ministrar a aula de capoeira.

Segundo seu entendimento, a escola deveria valorizar o ensino da capoeira,

relacionando-o à formação escolar das crianças. Justifica sua posição, argumentando que é

importante e necessário que as crianças cresçam valorizando a cultura de seus ancestrais,

reconhecendo e se orgulhando de sua descendência africana, aceitando sua etnia e

combatendo a discriminação étnico-racial.

A seguir, descrevo analisando a aula que observei. Para maior clareza, organizei o

relato em quatro fases interligadas, obedecendo à sequência dos acontecimentos, segundo

minha percepção:

1ª fase - Aquecendo o corpo

O mestre iniciou a aula correndo em círculo com as crianças, prosseguindo com uma

série de exercícios de alongamento (pernas, braços, tronco e pescoço), realizados

coletivamente. Ao todo, 16 crianças compareceram à aula, que teve duração de,

aproximadamente, 90 minutos. Mantendo as crianças em círculo, cada movimento era

intercalado com caminhadas ágeis e ritmadas.

Ao longo da aula, mantendo-se atento a cada criança, ele ia orientando e corrigindo,

individualmente, aquelas que não executavam os movimentos adequadamente. Sua fala era

firme, sem ser ríspida ou impaciente. Aos acertos, elogiava – “Legal! Ok! Isso!” À distração e

inadequação, reclamava – “Presta atenção! Tá errado! Faça de novo!” Demonstrava

familiaridade com as crianças, dirigindo-se a cada uma pelo nome próprio.

Além de orientar verbalmente, o mestre demonstrava, com seu próprio corpo, cada

movimento que ensinava. Quando alguma criança demorava a entender uma orientação ou a

executar um movimento, ele se aproximava e movimentava o corpo da criança, ensinando-a

como fazer. Repetia cada orientação tantas vezes quantas ele considerava necessárias.

Durante toda a aula, as crianças mostraram-se ativas, alegres e envolvidas com as

atividades, interagindo intensamente com o mestre, mesmo conversando e rindo a maior parte

do tempo, principalmente as crianças menores.

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Inicialmente, minha presença pareceu dispersar a atenção das crianças, levando o

mestre a adverti-las – “Prestem atenção que vocês estão sendo gravados. Vamos fazer tudo

direitinho.” Porém, passados alguns minutos, “esqueceram-se de mim”, ignorando minha

presença. Assim, pude acompanhar toda a atividade sem intervir, fotografando e filmando.

Apenas no final, agradeci e pedi que posassem com o mestre para uma foto, que lhe enviei,

posteriormente.

2ª fase - Exercitando os movimentos iniciais do jogo

Após os exercícios de alongamento, mantendo as crianças em círculo, o mestre pediu a

todas que se levantassem e, coletivamente, repetissem os movimentos iniciais do jogo de

capoeira, à medida que ele as orientava, executando os movimentos junto com elas.

Em seguida, mandou as crianças sentarem no chão, mantendo-se em círculo.

Chamando uma a uma, foi orientando, passo-a-passo, uma sequência de movimentos,

enquanto as outras observavam. Além de ensinar os movimentos, na sequência seguinte, o

mestre perguntava e mandava que todos repetissem o nome de cada movimento:

A bênção – A criança, posicionada de frente para o mestre, erguia a perna direita

esticada, tocando a perna direita do mestre, que simulava ser o parceiro com quem ela

vai jogar.

Ginga – a criança começa a balançar o corpo para frente e para trás, alternando pernas

e braços, num molejo cadenciado. O mestre orientava – “Pé direito pra frente, mão

esquerda pra trás. Troca. Cabeça erguida. Olhar pra frente, altivo. Nunca para o chão.”

Em frente à criança, ele ia demonstrando os movimentos, enquanto corrigia e

incentivava – “Continua. Não para de gingar. Olha pra mim. Ergue o corpo, levanta a

cabeça”.

AU estrela – a criança saltava para um lado, da esquerda para a direita. Apoiando a

mão direita no chão, lançava o corpo para cima na mesma direção e aterrissava sem

cair. Repetia o movimento de volta, da direita para a esquerda, sempre sob a

orientação do mestre.

Cada criança exercitou, individualmente, esses movimentos básicos por diversas

vezes, mostrando desempenhos variados. Umas ficavam mais atentas, outras menos; umas

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demonstravam mais habilidade que outras, porém, a atenção do mestre pareceu ser a mesma

para todas as crianças.

3ª fase - Jogando o jogo

Em seguida, mantendo as crianças sentadas no chão em círculo, o mestre as orientou a

baterem palmas cadenciadamente, a fim de acompanharem o jogo, que seria realizado por

duplas. As crianças começaram a bater palmas distraidamente, sem cadenciarem as batidas.

Distração que levou o mestre a mandá-las treinar por alguns minutos, antes de iniciar o jogo.

Chamando a primeira dupla, ele mandou se cumprimentarem, apertando as mãos. Em

seguida, mandou se benzerem, fazendo o sinal da cruz (da religião católica) e se afastarem,

posicionando-se para iniciar o jogo, que seguiu a sequência exercitada na fase anterior.

Enquanto as duplas se revezavam, as outras crianças batiam palmas, marcando a

cadência do jogo. O mestre, sempre atento a todas as crianças, orientava e incentivava os

jogadores, corrigia seus movimentos e, ao mesmo tempo, comandava a ação das demais

crianças na roda.

4ª fase - Exibição do mestre e despedida

Depois que todas as crianças participaram do jogo, o mestre disse para permaneceram no

círculo, sentadas no chão. Em seguida, as crianças passaram a cantar animadamente várias

melodias puxadas pelo mestre. Entre elas, “Marinheiro Só”43

foi uma das mais cantadas.

Enquanto as crianças cantavam e batiam palmas, o mestre, no centro da roda, como

num ritual, fez uma rápida demonstração do jogo de capoeira. As crianças atentas aplaudiram

animadamente durante toda a exibição.

Para finalizar, ele mandou se posicionarem de pé mantendo-se em círculo, juntarem as

pernas, colocarem a mão direita sobre o peito e o braço esquerdo dobrado para trás, sobre as

43

Cf. Anexo D – Letra da música Marinheiro Só.

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costas. Então, iniciou a recitação da oração do Pai Nosso (da religião católica). Elas entoaram

a reza em alto e bom-tom, recitando a oração de memória.

Depois, o mestre perguntou se faltava cantar alguma música e as crianças responderam

em coro: o “Hino de Zumbi” 44

.

Todas participaram do canto do hino, entoando, animadamente, seu estribilho:

Zumbi, Zumbi, teu grito de liberdade foi tão grande,

Que ecoou pelo Brasil, mais tarde libertou teus semelhantes.

A seguir, o mestre bradou em tom bem alto a saudação repetida por duas vezes:

“SALVE A CAPOEIRA”! As crianças responderam em coro: “SALVE”!

Finalmente, em fila, uma a uma, as crianças cumprimentaram o mestre, tocando sua

mão direita com o punho fechado e inclinando o corpo em reverência. Quando a última

criança cumpriu o ritual, espontaneamente, todas correram e se abraçaram ao mestre, gritando

e rindo contentes.

Embora não caiba discutir, neste trabalho, concepções e modalidades de capoeira,

registro, a título de esclarecimento, que o mestre entrevistado pratica e ensina a linhagem

tradicional de capoeira identificada como Capoeira Angola45

.

Mesmo não sendo uma atividade institucional, a referida prática tem uma

sistematização claramente observável. Sua organização obedece a normas, regras, distribuição

de tempo e outros critérios, associados a procedimentos metodológicos e a técnicas

específicas da capoeira, com passos bem delimitados e movimentos bem marcados.

No desenvolvimento da aula, pude observar claramente, uma concepção de ensino e

aprendizagem constituindo uma ação pedagógica na qual esses dois atos se articulam, tendo,

na oralidade e na demonstração prática, seu meio de comunicação por excelência46

.

O processo pedagógico é desenvolvido segundo um movimento simultâneo teoria-

prática, que associa a orientação do mestre com o exercício desempenhado pelos educandos,

sob sua observação atenta.

É notável a simultaneidade entre ensino-aprendizagem-avaliação, quando o mestre

registra, oralmente, no processo, a aprendizagem avaliada como adequada e corrige aquela

que considera inadequada. Assume, nessa dinâmica, uma postura pedagógica positiva de

44

Cf. Anexo E- Letra do Hino do Município de União dos Palmares. 45

Cf. Araújo (2004). 46

A análise pedagógica da aula de capoeira foi fundamentada no pensamento freireano, especialmente no livro

Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (FREIRE, 1997).

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incentivo à aprendizagem, mesmo quando se mostra rigoroso na correção da aprendizagem e

na exigência da disciplina comportamental das crianças.

Observa-se, também, um movimento de ensino e aprendizagem que articula ação

individual com ação coletiva. Mesmo quando cada criança executa, individualmente, os

passos ensinados pelo mestre, a aprendizagem mostra se processar coletivamente, na medida

em que todas as outras crianças, sentadas na roda, observam e acompanham a ação dos

colegas que se encontram no centro.

Todas as ações, mesmo na fase de exercício individual, são executadas por todas as

crianças e toda ação individual é seguida coletivamente na sua execução, ou seja, todas as

crianças acompanham, simultaneamente, a ação individual de cada uma delas.

Observa-se, ainda, na prática de ensino da capoeira, a presença de diversos sentidos

que parecem se associar numa rede simbólica: preservação de uma prática cultural ancestral;

valorização de um povo historicamente explorado, discriminado e desumanizado; formação e

afirmação de uma identidade étnico-racial; associação de uma prática artístico-cultural com

uma dimensão espiritual, relacionada a um sentido sagrado.

Em síntese, a prática de ensino da capoeira em Muquém parece expressar uma

concepção ampla de educação como processo cultural, no sentido mais completo de formação

do humano. (BRANDÃO, 1989).

2.5. Atendimento escolar

A oferta de educação escolar no povoado do Muquém limita-se ao 1º segmento do

ensino fundamental (1ª a 5ª série) em duas classes multisseriadas. O povoado dispõe de uma

única escola, administrada pela Secretaria de Educação do Município. O prédio compõe-se de

uma sala de aula, um banheiro coletivo, a cozinha e uma área coberta, mas todos se encontram

em péssimo estado de conservação.

Para dar continuidade aos estudos, os educandos do Muquém necessitam se deslocar

até a cidade, onde estão localizadas as escolas que oferecem o segundo segmento do ensino

fundamental e o ensino médio.

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Figura 5 – Escola municipal no povoado de Muquém. Maio/2010. (Foto: Reneude Sá).

A maioria dos adultos não é alfabetizada. A oferta de alfabetização para esse

contingente limita-se a projetos temporários, a exemplo do PBA que, no início desta pesquisa,

mantinha três classes na comunidade.

Nas observações das classes de alfabetização de jovens e adultos, constatei as mesmas

precariedades observadas em outros espaços rurais visitados. Além do que, essas classes

apresentavam um dos graves problemas que têm caracterizado, historicamente, os programas

de alfabetização de jovens e adultos no Brasil, que é seu abandono pelos alfabetizandos,

registrado nas estatísticas educacionais como “evasão escolar”.

Durante minha permanência na comunidade, uma das classes foi desativada porque os

alfabetizandos pararam de frequentá-la. As explicações das coordenadoras e professoras para

o abandono das classes parecem contraditórias: ora o abandono é atribuído à “falta de

interesse e à dificuldade de aprendizagem”, principalmente, dos adultos idosos; ora são

apontados o cansaço e a escassez de tempo, gerados pelo trabalho a que estão sujeitos os

alfabetizandos por serem pobres, como impeditivo da frequência às aulas. Raramente, são

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citados fatores relacionados às políticas educacionais que, também, contribuem para o

analfabetismo.

Curiosamente, a situação de escolaridade dos jovens aponta na direção de mudança

dessa realidade. Diversas moças e rapazes têm o ensino médio concluído e pretendem fazer

curso universitário. Os mais citados foram: Direito, Letras, Administração, Enfermagem,

outros. Entretanto, a maioria dos jovens entrevistados acha que a falta de condições

financeiras dificulta a concretização de seu “sonho”.

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CAPÍTULO 4 - REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-ALFABETIZADORAS

SOBRE ANALFABETISMO E ALFABETIZAÇÃO

Na análise das representações, procurei observar influências da vida cotidiana da

comunidade e dos processos de formação docente na construção das representações das

professoras, além de prováveis repercussões em suas práticas de alfabetização.

As representações das professoras sobre analfabetismo e alfabetização vão-se revelando

no decorrer de um discurso proferido em diversos momentos, aparentemente, construído com

fragmentos de conhecimentos e informações adquiridos em ações de formação, no livro

didático distribuído pelo PBA, em prováveis leituras de outros textos sobre o assunto, em

conversas com outras professoras, em saberes e crenças sedimentadas no imaginário coletivo,

especialmente, sobre os temas foco da investigação – analfabetismo e alfabetização - e em

suas práticas pedagógicas no exercício docente.

1. Professora Anita

Meu primeiro contato com a professora Anita deu-se no dia 11 de março de 2010,

quando visitei sua classe pela primeira vez. Foi uma “visita-surpresa”, acompanhada da

coordenadora do PBA, que me esclareceu agir sempre desse modo a fim de “evitar que os

professores se preparassem para mostrar uma realidade que não existia47

”.

No momento dessa visita, havia oito alfabetizandos jovens e adultos e algumas

crianças que acompanhavam seus pais. A coordenadora apresentou-me, dizendo que eu estava

fazendo uma pesquisa e, em seguida, cedeu-me a palavra. Cumprimentei a professora e os

educandos e pedi licença para explicar o motivo da minha visita.

47

Em entrevista, a administração do PBA explicou que aboliu o cronograma de visitas, no qual discriminava os

dias em que os coordenadores de turma visitavam cada classe. A medida foi adotada após perceberem haver

casos de simulação de funcionamento de classes por parte de professores que, não tendo alfabetizandos

frequentando-as, nos dias de visita colocavam um grupo de pessoas (parentes e vizinhos), para ocuparem a sala

de aula, fingindo serem alunos. Um caso mais grave foi identificado: uma professora que pagava R$ 1,00 (um

real) a cada jovem de uma área periférica da cidade, para fingir frequentar sua classe. Segundo depoimentos de

pessoas entrevistadas, esses professores agiam desse modo para não perderem a bolsa paga pelo PBA, que era de

R$ 250,00 mensais. Atitude atribuída “à falta de profissionalismo, compromisso e responsabilidade de

professores que tiveram acesso ao Programa por meio de interferências políticas”.

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Iniciei minha fala estabelecendo um diálogo com eles a respeito de educação e de

pesquisa. Comecei perguntando quem sabia ou já havia ouvido falar em pesquisa. No início,

os educandos mostravam-se inibidos, sorriam, desviavam o olhar de minha pessoa, mas não

emitiam qualquer opinião. Incentivei-os, lembrando que estávamos em um ano eleitoral e, em

anos assim, os noticiários de rádio e televisão falam muito em pesquisa. Eles se animaram e

começaram a falar das pesquisas de intenção de voto que haviam visto na TV. Citei outros

tipos de pesquisas, relacionadas com atividades agropecuárias, com as quais eles lidam no

campo. Interessaram-se, fazendo intervenções, dando exemplos e formulando questões.

A partir daí, passei a explicar o tipo de pesquisa que eu estava desenvolvendo, com a

finalidade de estudar o analfabetismo e a alfabetização das populações jovens e adultas do

campo. Nesse ponto, desencadeei uma reflexão sobre o direito que tem todo cidadão brasileiro

de frequentar escola desde a infância, e o dever do Estado em oferecer a escolarização, de

modo que todos tenham condições de concluir, pelo menos, o ensino fundamental.

Finalizei esclarecendo que esse era o motivo pelo qual eu estava visitando classes do

Programa Brasil Alfabetizado e esperava contar com a colaboração deles e das professoras

para realizar meu trabalho. Tanto a professora quanto os educandos manifestaram

disponibilidade para me ajudar.

Após essa primeira visita, minha convivência com a professora Anita estendeu-se pelo

período de duração da pesquisa de campo, em diversas situações: na escola, observando suas

aulas na classe de alfabetização de jovens e adultos, em visitas à classe infantil de 1ª a 4ª

série, nas entrevistas e conversas informais em outros espaços do povoado, na eleição da

diretoria da Associação de Moradores do Muquém e num encontro de formação do PBA, na

cidade de União dos Palmares.

1.1. Dados biográficos da professora

A professora Anita é uma jovem negra, franzina e de baixa estatura física. Na época

dessa pesquisa, estava com 28 anos de idade, era solteira e morava com os pais no Muquém.

Tinha o curso normal de nível médio concluído e, havia dois anos, estava assumindo a

docência numa classe infantil multisseriada, de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, por meio

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de um contrato temporário com a Prefeitura de União dos Palmares. Era remunerada com um

salário mínimo mensal48

, por quatro horas diárias de trabalho.

Em novembro do ano anterior (2009), assumiu, pela primeira vez, uma classe de

alfabetização de jovens e adultos, pelo Programa Brasil Alfabetizado. Por esse segundo

trabalho recebia uma bolsa no valor equivalente a meio salário mínimo mensal, como

alfabetizador voluntário49

sem vínculo empregatício. Antes de atuar na área de educação,

além de tarefas domésticas na residência dos pais, havia trabalhado no corte de cana e com

vendas de produtos diversos, em sua própria residência e numa lanchonete da cidade.

No início do período de convivência com a professora Anita, ela me pareceu uma

moça tímida, que se expressava com reservas, especialmente sobre seu trabalho. Mas, com o

passar do tempo, mesmo mantendo uma postura contida, ela foi se revelando uma pessoa

comunicativa. Tanto nas entrevistas, quanto nas conversas informais, aparentava estar à

vontade, falava com desenvoltura e fartamente sobre quaisquer questões que lhe fossem

propostas. Demonstrava senso de responsabilidade em relação à atividade docente que

desempenhava. Nos momentos em que permaneci em sua classe, observando suas aulas,

pareceu-me que ela mantinha um comportamento que lhe era habitual: calma e atenciosa com

os alunos, organizada e segura na exposição e orientação das atividades didáticas. Não percebi

que se incomodava com minha presença.

A família50

dela, como quase todas as famílias do Muquém, vive em condições

financeiras muito escassas. Mantém-se com os rendimentos do trabalho dos homens, jovens e

adultos, provenientes de atividades agrícolas, especialmente, no corte de cana-de-açúcar em

usinas e fazendas do próprio estado de Alagoas, mas, principalmente, de outras regiões do

país. Além do trabalho das duas filhas mais jovens, na área de educação, as mulheres

contribuem para o sustento da família com o desempenho de atividades temporárias: cultivo

de roça, pesca no rio que corta o povoado e criação de pequenos animais para consumo

doméstico, entre outras.

Para caracterizar com mais precisão as condições de vida de sua família, Anita relata a

situação de sua mãe que, aos 10 anos de idade, perdeu a mãe, que “morreu de parto” do 11º

filho. Desde então, sua mãe teve que cuidar dos dez irmãos mais novos até os 24 anos de

idade, quando se casou com o pai de Anita, um homem, também, muito pobre. Exemplifica a

48

O valor do salário mínimo no ano de 2010 era de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais). 49

Denominação do professor-alfabetizador no Programa Brasil Alfabetizado. 50

Na comunidade de Muquém, a família compreende a família ampliada que inclui os pais, os filhos solteiros,

os filhos casados, netos, bisnetos, etc. Essa compreensão reflete-se num sentimento comunitário que une todos

numa grande família, desde sua origem secular.

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pobreza da mãe, relacionando-a com a impossibilidade de estudar: “[...] ela nunca pôde

estudar, por isso ficou analfabeta”. Destaca, ainda, com muita ênfase, o fato de a mãe, “até a

juventude, nunca ter podido comprar uma roupa nova”.

Essas questões parecem marcar fortemente a visão de Anita a respeito das condições

de vida, não só de sua família, mas de toda a comunidade de Muquém. Refletindo sobre sua

própria situação, ela afirma que estudou com muita dificuldade até concluir o curso normal

médio. Em sua fala, destaca, enfaticamente, a questão da roupa:

Quando eu iniciei a escola eram duas roupas para passar uma semana. Não tinha

condições de ter outra roupa. Quando eu fiz a 5ª série, minha mãe me deu um peru

que eu criei até ele ficar bonitinho e vendi para comprar uma roupa. Eu andei dois

meses com uma roupa só, até conseguir comprar outra. Chegava da escola (gastava

uma hora e meia quando vinha cansada), lavava a roupa e vestia no outro dia essa

mesma [roupa]. Tinha uma de vestir em casa, bem velhinha.

Suponho que, na compreensão da professora, a sociedade constitui-se de pessoas ricas

e pobres, brancas e negras, boas e más. Essa divisão aparece em sua fala como um fato

natural e, como tal, seu sentimento em relação a essa realidade é de lamentação. Em nenhum

momento, ela expressou alguma crítica, contestação ou intenção de combate a essa situação.

As pessoas podem mudar suas condições de vida, mas com muito esforço, sorte e ajuda

divina.

A sua formação docente foi realizada no Curso Normal de nível médio, onde ela

aprendeu apenas a “ensinar a crianças”. Não se recorda de ter ouvido falar, nesse curso, em

educação de jovens e adultos.

Quando assumiu a classe de alfabetização de jovens e adultos no Muquém, já

trabalhava com uma classe de crianças na escola municipal. Com o tempo, foi entendendo que

deveria tratar os adultos, em sala de aula, diferentemente do modo como tratava as crianças,

porque “Se falar com eles dando ordem, repreendendo, contrariando, eles abandonam a

classe”.

Segundo seu entendimento, os encontros de formação e o acompanhamento

pedagógico do PBA ajudam pouco no seu trabalho em sala de aula, na alfabetização dos

jovens e adultos. Do mesmo modo, considera o livro didático do programa “muito adiantado”.

Para usá-lo, ela adapta as atividades a fim de “alcançar o nível dos alunos”51

.

51

Cf. Apêndice H - Uma aula da professora Anita.

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1.2. Relação da professora com a questão étnico-racial

A família da professora Anita habita o Muquém há muitas gerações. Ela acredita ter,

assim como a maioria das famílias do povoado, uma descendência histórica dos negros que

viveram no Quilombo dos Palmares há mais de 300 anos, simbolizados na figura de Zumbi,

líder da resistência negra à escravidão.

Entretanto, a professora revela que até pouco tempo, antes de a comunidade ser

reconhecida, pelo Ministério da Cultura, como remanescente de quilombo, os habitantes de

Muquém não gostavam de ser identificados como descendentes dos negros do Quilombo,

conforme revela o depoimento a seguir:

[...] porque as pessoas eram muito discriminadas, desvalorizadas e até perseguidas,

principalmente pelos moradores da cidade. Agora, todo mundo está interessado no

Muquém, na história de Muquém, no artesanato, na cultura... Todo mundo quer tirar

vantagem do Muquém: os políticos, as pessoas da cidade, os professores, os

estudantes de universidade... Agora sim, os moradores de Muquém podem se

orgulhar de ser negros, de ser descendentes de quilombo.

A fala de Anita parece expressar um olhar crítico para as questões étnico-raciais, ao

destacar as relações discriminatórias sofridas historicamente pela comunidade, e apontar os

riscos que ela corre, após seu reconhecimento como remanescente de quilombo, de ser

explorada por pessoas não comprometidas com suas causas.

Ao mesmo tempo, a professora ressalta, em sua fala, um dado positivo ao apontar uma

mudança na representação dos moradores de Muquém sobre si próprios – o orgulho “de ser

negros, de ser descendente de quilombo” 52

.

Com o objetivo de examinar melhor a relação da professora Anita com a questão

étnico-racial, que envolve a comunidade de Muquém, perguntei-lhe se ela se considerava

descendente do povo negro, trazido escravizado de países da África para o Brasil.

A professora respondeu: “Isso é o que eu passo para todo mundo”, referindo-se aos

alunos de suas duas classes, mas, na sequência da fala, ela menciona uma situação de conflito

52

Essa representação parece estar em processo de construção coletiva, liderado por representantes comunitários

e do movimento negro local. Aparentemente, os habitantes de Muquém aderiram a esse movimento, conforme

observei em entrevistas e conversas informais com professores, artesãos, donas de casa, jovens e outras pessoas

que veem, na nova condição de comunidade quilombola formalmente reconhecida, oportunidades de melhoria de

suas condições de vida.

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entre as crianças: “Nós temos alunos mestiços. Se brigar vai logo xingar. Se é branco, se é

negro, vai logo xingando. É uma xingação só! [Xinga] de branquelo e de negro”.

Insistindo na questão anterior, perguntei se ela havia estudado a história do Quilombo

dos Palmares nas escolas que frequentou. Anita afirmou que no ensino fundamental “era

contada a história, tinha trabalho e visitas à Serra [da Barriga]”. Mas, no curso normal, não.

Então, indaguei se ela participava do movimento negro local. Respondeu-me dizendo

que nunca tinha ido às comemorações do Dia da Consciência Negra, mas, quando foi a

primeira vez, no ano passado, “amou”. Sua resposta sugere que, provavelmente, a professora

tenha pouco envolvimento com essas questões.

Em relação à sua ação docente, não presenciei nenhuma abordagem da questão étnico-

racial na classe de alfabetização de adultos, durante o período de observação. Porém, em

entrevista revelou-me que pretendia, no Dia da Consciência Negra daquele ano (20 de

novembro de 2010), levar as crianças para conhecerem a Serra da Barriga, porque “eles nunca

estiveram lá”. Pensava em pedir à irmã, dirigente da escola, para providenciar um transporte.

Essas considerações ganham relevância ao se tomar conhecimento da existência de

uma política educacional destinada às comunidades quilombolas, com o propósito de

assegurar, na escolarização de seus habitantes, o tratamento de questões específicas,

relacionadas às populações negras no Brasil, conforme estabelece o objetivo do programa de

Educação Quilombola do MEC:

Fortalecer os sistemas municipais, estaduais e do Distrito Federal de Educação,

envolvendo o apoio à coordenação local na melhoria de infraestrutura, formação

continuada de professores que atuam nas comunidades remanescentes de quilombos,

visando à valorização dos valores étnico-raciais na escola e proporcionando

instrumentos teóricos e conceituais necessários para compreender e refletir

criticamente sobre a educação básica oferecida nas comunidades remanescentes de

quilombos (BRASIL, 2012e, p. 1).

Conforme se verifica na transcrição acima, além da melhoria da infraestrutura das

escolas e da formação de professores, inclui-se, entre as ações da Educação Quilombola, a

produção de material didático específico para apoiar o trabalho docente.

Portanto, é estranho que uma escola municipal, sediada numa comunidade quilombola,

não esteja, aparentemente, sendo atendida por essa política, conforme constatei nas

observações que realizei. Entretanto, tomei conhecimento de um documento impresso,

produzido pela secretaria de educação do município, para orientar as escolas na inclusão e no

tratamento de “conteúdos programáticos relativos ao estudo da história do município e da raça

negra, na sua formação sócio-política e cultural”. (UNIÃO DOS PALMARES, 2008b).

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1.3. A classe de alfabetização da professora Anita

Figura 6 – Sala de aula no Muquém, onde se observa a presença de crianças acompanhando os pais-

alfabetizandos – maio/2010. (Foto: Reneude Sá).

A classe de alfabetização de jovens e adultos, dirigida pela professora Anita, funcionava

na única sala da escola municipal do Muquém, onde ela também trabalhava com a classe de

crianças no turno da tarde.

Além da sala de aula, localizada do lado direito do prédio, a escola dispunha de uma

pequena cozinha com depósito de merenda e um gabinete sanitário, situados do outro lado,

separados por uma área coberta, aberta na frente e na parte de trás. O estado de deterioração

do prédio (paredes, telhado, piso e instalações elétricas e hidráulicas) indicava que,

provavelmente, ele não recebia manutenção há muito tempo. Só havia iluminação noturna no

interior da sala de aula; a área interna e a parte externa da escola ficavam totalmente no

escuro. O mobiliário, também, apresentava falta de manutenção (bancas e armários

quebrados).

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A matrícula inicial da classe de alfabetização de adultos, em novembro de 2009, era de

20 alunos. Em março de 2010, quando fiz minha primeira observação, havia apenas oito

alunos (duas senhoras idosas, três senhoras mais jovens, duas moças jovens e um senhor de,

aproximadamente, 50 anos de idade) frequentando as aulas. Em maio, quando retornei para

dar continuidade às minhas observações, a frequência variava de 4 a 5 alunos por noite.

Durante o período em que acompanhei a classe, observei a presença de crianças na sala

(Figura 5). Elas estavam acompanhando suas mães (ou pai) porque não havia quem cuidasse

delas em suas casas enquanto frequentavam a aula. Essa questão figura, entre os problemas

apontados pela professora Anita, como responsável pelo abandono das classes de

alfabetização pelas mulheres.

1.4. Representações sobre analfabetismo

As entrevistas com a professora Anita foram intermediadas com as observações em

sua classe de alfabetização de adultos. Tive oportunidade, ainda, de observar uma aula na sua

classe multisseriada, de crianças de 1ª a 4ª série, que funcionava à tarde, na mesma sala de

aula onde, à noite, funcionava a classe de alfabetização de jovens e adultos.

Assim, foi possível, na identificação e análise das representações da professora sobre

analfabetismo e alfabetização, observar, na sua constituição, o cruzamento de sua vivência

com sua interpretação da prática vivida. Ou, tomando como fundamento o pensamento de

Lefebvre (2006), identificar, na construção das representações da professora sobre os

fenômenos estudados, a intermediação entre o vivido e o concebido.

Esse procedimento metodológico me possibilitou, também, observar as repercussões

das representações da professora sobre sua prática alfabetizadora, conforme a descrição que

fiz da última aula que observei em sua classe de alfabetização de jovens e adultos53

.

Assim, comecei a investigar a concepção de analfabetismo e alfabetização da

professora Anita por meio de uma entrevista, pedindo para ela falar sobre analfabetismo: o

que ela conhecia e entendia sobre o assunto e se o considerava um problema54

. Sua reação

inicial foi reticente. Ficou um pouco em silêncio, depois começou a falar, afirmando ser

53

Cf. Apêndice H - Uma aula da professora Anita. 54

Foram realizadas duas entrevistas semiestruturadas com a Professora Anita, além de conversas informais e de

observações em sala de aula e em outros contextos e situações.

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“muito alta a taxa de analfabetismo na comunidade de Muquém”, atribuindo-a aos próprios

adultos que “não querem estudar”:

A taxa de analfabetismo aqui é muito alta. Quando vem projeto pra cá, eles

[analfabetos] nunca querem estudar; ficam dois ou três meses e param, aí não

aprenderam nada. Quando um consegue ser alfabetizado é uma benção! Se todos

viessem, aqui não teria pessoas que não são alfabetizadas, todo mundo saberia de

algo. Pelo menos, assinar seu nome, porque tem uma quantia muito alta [de pessoas

analfabetas]. Tem até adolescente que não é alfabetizado.

A professora Anita repetiu várias vezes que “a taxa de analfabetismo é muito alta”

referindo-se, também, ao Estado de Alagoas e ao Brasil, porém, ela usa o termo “taxa” como

sinônimo de quantidade de pessoas.

Do mesmo modo, continuou repetindo que “os adultos não querem estudar”, razão

pela qual continuam analfabetos, aumentando as taxas de analfabetismo. Entretanto, em

algumas falas, ela procura justificar o comportamento dos adultos idosos, afirmando que “eles

não querem estudar porque acham que não conseguem mais aprender”. Ela refuta essa crença,

afirmando: “[...] mas eles aprendem” e dá, como exemplo, sua mãe que, na época da pesquisa,

frequentava a classe de alfabetização sob sua direção pedagógica:

Eu tenho o exemplo de minha mãe, que nunca pegou num lápis e, hoje, ela consegue

ler umas palavrinhas! Ela consegue movimentar a mão direita! Ela está na etapa de

cobrir, mas ela ainda não tira do quadro, mas se fizer uma pergunta para ela, ela

responde, mas ela não vai saber passar para o caderno. Ela conhece números, mas aí

[se mostrar os numerais no quadro], ela não vai falar se conhece ou não, ela fica

naquela dúvida...

Este discurso, construído com referências da prática da professora em sala de aula,

além da intenção de mostrar sua crença na capacidade de aprendizagem dos adultos, revela

uma compreensão sobre a relação entre processos sistematizados de aprendizagem e saber

popular: “Ela conhece números, mas aí [se mostrar os numerais no quadro], ela não vai falar

se conhece ou não, ela fica naquela dúvida...”. Começa a revelar, também, uma concepção de

alfabetização, por exemplo, nas afirmações sobre as habilidades da mãe: “Ela está na etapa de

cobrir, mas ela ainda não tira do quadro [...]”.

Prosseguindo na busca de identificar as representações da professora sobre

analfabetismo, perguntei se ela sabia o que era analfabetismo funcional. Após um instante em

silêncio, ela falou com uma expressão de dúvida: “Funcional? Eu acho que é o analfabetismo

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que não funciona”. Então me indagou: “É isso?” Eu lhe respondi: “Não será o contrário?” Ela:

“Ah! É a alfabetização que não funciona”.

Esse entendimento vai aparecer em reflexões posteriores, nas quais a professora trata

de dificuldades enfrentadas pelas pessoas que têm domínio limitado da leitura e da escrita.

Continuei instigando a professora a refletir mais sobre o que ela supunha que contribui

para o analfabetismo. A pobreza, como causa do analfabetismo, é recorrente em seu discurso,

porém, quase sempre, rivalizando com a falta de vontade das pessoas para estudar: “A maioria

chega na velhice analfabeta porque teve uma vida de pobre e não tinha condições de ir para a

escola, ou porque simplesmente não quis”.

Na perspectiva de compreensão das representações que a professora Anita construiu

sobre o analfabetismo, convém ressaltar que, no depoimento acima, ela estabelece a relação

entre a falta de condições para as pessoas frequentarem a escola e a pobreza.

Do mesmo modo, é importante assinalar que a professora Anita apoia seu discurso em

situações e fatos de seu cotidiano, ocorridos, em sua maioria, com pessoas de sua família,

vizinhos e alunos. Esse me parece ser um recurso usado como estatuto de verdade para

confirmar suas crenças e suposições.

Em um trecho de outro depoimento, no qual a professora insiste na tese da pobreza

como causa do analfabetismo, refletindo sobre a situação de sua família, ela cita a irmã mais

nova: “Minha irmã está com 19 anos. Ela já não pegou mais esse ritmo de muita pobreza.

Quando ela nasceu, já tínhamos umas coisinhas”. Aqui, ela aparenta abandonar ou, pelo

menos, pôr em dúvida a tese do “querer”, concluindo: “Eu acho que é isso [a pobreza] que faz

com que as pessoas fiquem adultas não alfabetizadas”.

Estendendo a reflexão ao conjunto da comunidade, a professora Anita continua

atribuindo o analfabetismo aos mesmos fatores, porém, reforça a justificativa do “querer”,

visto que a tese da “pobreza” parece tornar-se incompatível com a nova situação do Muquém

após seu reconhecimento como comunidade remanescente de quilombo que, na sua

concepção, tornou “todo mundo bem rico”, possibilitando-lhes a frequência à escola:

Muita gente não tinha condições, era pobreza demais [no Muquém]! Mas, hoje,

todos têm como ir pra uma escola. Só não vão os que não querem participar, não

querem ir pra escola, mesmo que o professor mande. Hoje, todo mundo é bem rico

(sic), graças a Deus! Hoje, nós temos ajuda de tudo quanto é lugar55

.

55

A entrevistada refere-se às mudanças ocorridas no povoado de Muquém após a comunidade receber o

reconhecimento de “comunidade remanescente de quilombo”, em 2005.

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Entretanto, com o desenvolvimento das entrevistas, parece-me que a professora Anita

vai pondo em dúvida a certeza na crença do “querer” das pessoas como fator que contribui

para o analfabetismo, à medida que, além de experiências vividas, ela vai sacando da memória

informações adquiridas, provavelmente, em leituras, conversas e outras fontes.

Ampliando o questionamento sobre possíveis causas do analfabetismo, perguntei à

professora Anita porque os adultos abandonam as classes de alfabetização. Ela iniciou suas

reflexões citando um problema vivenciado em sua classe que, embora se mostre contraditório

com uma afirmação anterior: “[...] hoje, todos têm como ir pra uma escola; só não vão os que

não querem participar, não querem ir pra escola [...]”, relaciona-se com a situação de pobreza

da comunidade:

Algumas [mulheres] não querem [frequentar as aulas] para não deixar os filhos em

casa sozinhos. Eu perdi cinco mães de família, todas com filho novo. Andou comigo

[frequentou aula] três meses, depois não andou mais porque o menino toda noite

ficava chorando e ela não podia trazer. Se pudesse trazer os filhos, deixar quietinhos

no cantinho, trazer um brinquedinho e eles ficassem no canto brincando caladinho,

aí ela vinha com eles.

Avançando na reflexão, a professora aponta outro problema relacionado à questão

social, provocado pelo declínio da produção sucroalcooleira no Nordeste, que é a migração

temporária dos homens para outras regiões do país a fim de trabalharem no corte de cana-de-

açúcar e, em menor escala, em outras ocupações. Desse modo, a migração aparece como

causa do abandono das classes pelos homens:

As classes [de alfabetização] daqui têm mais mulher do que homem. A minha tinha

mais homem, só que foram viajar pra trabalhar. Vão viajar para ter condições

melhores. [Vão] pra Minas, São Paulo... Vão cortar cana e uns pra outros trabalhos.

Eu tenho dois [alfabetizandos] em São Paulo, que estão trabalhando nos abatedouros

e três em Minas, que estão no corte de cana. Os de São Paulo vão passar dois ou três

anos e os de Minas passam de oito meses a um ano.

Com a intenção de explorar essa questão, pergunto-lhe se os migrantes conseguem

voltar com algum dinheiro dessas viagens. A resposta da professora, além de ser afirmativa,

indica vantagens decorrentes da migração, embora ressalte o fato de as mulheres ficarem sem

seus maridos:

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Conseguem [ganhar dinheiro]. Meu irmão todo ano viaja. Ele passou por muitas

dificuldades, mas o ano passado ele comprou essa moto56

e está construindo a casa

dele. Ele está namorando. Eu e ele somos solteiros. Essas casas novatas que temos

aqui são todas de pessoas que vão trabalhar fora. Nem uma mãe de família que

estuda comigo está com o seu marido, porque eles estão viajando.

Pergunto-lhe, então, se há casos de maridos que não retornam, abandonando a família.

A professora afirmou que isso não ocorria, mas apontou a ausência dos maridos como causa

do abandono das classes pelas mulheres, problema citado anteriormente em outro

depoimento:

Todo mundo volta. Mas, a gente perde muito aluno por causa disso. Eu tenho três ou

quatro [maridos] que a mãe não vem [à aula] para não deixar o menino sozinho.

Quando os maridos estavam aqui, elas deixavam os meninos com o pai e vinham pra

aula. Agora, elas não podem vir mais. Por isso, também, tem tão pouco aluno na

classe.

Os depoimentos seguintes começam a apontar questões relacionadas às políticas

públicas que, mesmo não demonstrando ter consciência dessa dimensão, a professora Anita vê

os aspectos que ela vai apontando como problemas que interferem nos processos de

escolarização. Por exemplo, na fala a seguir, para explicar o esvaziamento de sua classe de

alfabetização, ela cita a falta de iluminação, que favorece a presença de animais no pátio da

escola, onde funcionava a referida classe:

Se tivesse luz e não tivesse esses cachorros aqui todo santo dia, a sala estava cheia.

Aqui é muito escuro e tem muito sapo, tem dia que tem tanto sapo aqui que Deus me

livre! Então, eu acho que evadiram por causa disso57

.

No depoimento seguinte, a professora Anita, pondo em suspeita a justificativa do

“querer” para explicar porque as pessoas não se escolarizam, cita a falta de escolas e de

professores em determinados locais, como prováveis motivos que levam as pessoas a não

estudarem:

Eu já ouvi falar que tem pessoas que não estudam não é porque não querem, e sim

pela falta de oportunidade. Por exemplo, tem locais que não têm escolas. Tem locais

de tribos que não tinha professor e aí levaram e colocaram lá professores de outros

cantos.

56

O irmão da professora é um rapaz de, aproximadamente, 25 anos de idade, que estava nos observando,

encostado na moto, enquanto eu a entrevistava. 57

A falta de iluminação e a presença dos animais, citadas pela professora, foram constatadas por mim, desde a

primeira visita até o final das observações, em maio/2010. Durante esse período, usei uma lanterna para me

dirigir à escola e para me movimentar na área interna e ao seu redor.

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Na continuação do depoimento anterior, a professora cita, novamente, fatos

relacionados ao seu contexto local para exemplificar suas afirmações:

Eu me lembro de que aqui [no Muquém] quando eu era menina, também não tinha

professores. Só colocaram professor aqui quando eu já tinha mais de 7 anos [de

idade]58

. A escola que tinha aqui ficava lá na pista, e as pessoas não iam pra aula por

medo, porque antigamente era só mato.

A distância das escolas em relação à moradia dos alunos, acompanhada de riscos no

deslocamento, apareceu na fala da professora, também, como fatores dificultadores da

escolarização. A resposta da professora associa uma questão de política educacional a um

problema de segurança pública. Entretanto, ela acredita que as dificuldades não se limitem a

esses fatores:

Daqui, de onde a gente mora [para a cidade], dá uns 30 minutos a pé, mas as pessoas

não iam por causa disso, que tinha muito maloqueiro que ficavam atocaiando e

faziam medo. Isso foi dificultando mais [a frequência à escola]. Eu acredito que isso

acontece em vários cantos. Tem a distância e tem o medo de pessoas más. Mas, eu

acredito que não seja só isso (silêncio).

Seguindo seu modo de refletir, a professora cita um caso real, ocorrido na

comunidade, que ressalta o problema de segurança pública na localidade, interferindo na

escolarização da população:

Teve um mês aqui que foi massacrante! Mataram um rapaz no centro de Muquém.

Foi tanto que as meninas [outras professores do PBA] passaram mais de uma

semana largando cedo por medo. Teve muito tiro lá para os lados da pista. Na sala

da menina da pista evadiram muitos, ela disse. Não sei se já voltaram... Tinha um

homem do carro preto dando tiro para tudo quanto é lugar. E como eles moram

distantes da casa dela59

, evadiram muitos. Eu perguntei: “Por que vocês não colocam

a aula à tarde?” É fácil, mas eles não vão à tarde. Nem de manhã porque as mães, de

manhã, tem o café, tem as crianças. E à tarde, também, não vão porque tem que

fazer a janta. Só têm tempo à noite.

Continuei inquirindo a professora sobre a questão do abandono das classes pelos

adultos. Suas reflexões evoluíram para fatores relacionados à política de alfabetização em

vigor, referentes ao fornecimento de material escolar e de merenda:

58

A entrevistada estava com 28 anos de idade no período da pesquisa. 59

A classe da professora a que a entrevistada se refere funciona num salão anexo à residência da mesma.

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O abandono é mais porque quando o projeto chega, vem dizendo que tem

materiais... Esse mesmo, o que é que prometia? Prometia tudo: ah! Porque vêm os

livros, material didático completo - caderno, lápis, tudo; vem merenda... Depois,

vem a coordenadora duas vezes no mês pra dizer que não tem nada disso. Todos os

projetos do Brasil Alfabetizado dizia que tinha merenda todos os dias. Aí, eles

[alfabetizandos] me perguntavam: “Ô professora, tem merenda hoje?” Eu digo:

“Não chegou merenda”. Toda vez que eu vejo a coordenadora, ela fala que não tem

recurso para comprar, que não tem dinheiro. Quando a gente começou60

, eu comprei

R$ 10,00 de caderno.

Perguntei à professora com que dinheiro ela comprou os cadernos. Ela me respondeu

que comprou com seu dinheiro61

. Comprou, também, merenda, embora não pudesse oferecê-

la todos os dias da semana:

[Compro] com meu dinheiro. Eu comprei tudo pra todo mundo e a gente iniciou as

aulas. Eu perguntei em que dias eles queriam a merenda e eles responderam que

queriam todos os dias. Eu disse que eu não podia. Que eu só poderia dar [merenda]

um dia na semana. Sempre quando terminou [os projetos anteriores] com todo

mundo [com todos os alunos que iniciaram] é porque tinha merenda, tinha materiais,

tinha tudo. As meninas (outras professoras) que iniciaram aqui tinham tudo. Esse

ano eu não sei o que aconteceu que não tem nada.

O depoimento acima sugere que a informação da professora, sobre sua impossibilidade

de fornecer merenda aos alunos todos os dias, dá suporte à sua crença, ou suposição, de que

os alunos abandonam a classe porque não recebem material escolar e merenda.

Consequentemente, se tiverem esses benefícios, eles permanecerão na classe até o final do

curso: “Sempre quando terminou [os projetos anteriores] com todo mundo [os alunos que

iniciaram] é porque tinha merenda, tinha materiais, tinha tudo”.

No processo de investigação das representações da professora Anita, procurei

examinar, também, seus conhecimentos e opiniões sobre repercussões e consequências do

analfabetismo na vida das pessoas e da sociedade. Em seus depoimentos, predominaram

dificuldades enfrentadas pelas pessoas em situações práticas da vida cotidiana, que requerem

o uso de habilidades de leitura e escrita, às vezes, de cálculos.

As situações mais citadas, embora sejam recorrentes em depoimentos de outros

professores em contextos onde predomina a cultura letrada (compras, transporte, localização

de endereços, outras) mantêm relação explícita com a realidade local, ou seja, com o contexto

mais próximo de vivência da professora: a cidade de União dos Palmares e o povoado de

Muquém. O depoimento seguinte exemplifica essa afirmação:

60

O projeto a que a entrevistada se refere tem duração de 8 meses. Na ocasião daquela entrevista (março/2010),

já haviam se passado 4 meses de aula. 61

Essa atitude é comum entre os professores, conforme depoimento de integrantes da administração do PBA no

Município.

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Quando uma pessoa tem que ir guiada até um local e não sabe onde fica o local ou a

rua onde a pessoa tem que ir, se não sabe ler, ela pode até ir de taxi62

, mas é muito

caro. Aí, é assim: nos cantos que a pessoa vai, mas não sabe, vamos supor que ela

vai fazer uma visita no colégio Rocha Cavalcanti [na cidade de União dos Palmares]

e não sabe onde fica, então ela pode perguntar pra alguém de onde fica próximo. Se

a pessoa não sabe ler, às vezes ela consegue encontrar, mas é difícil. A outra

[pessoa] explica, diz que fica na rua tal, próximo da loja tal, mas a pessoa não sabe

ler, ela pode não encontrar... É difícil pra ela encontrar. Se soubesse ler, era fácil -

lia o nome da rua, o nome da loja e encontrava.

União dos Palmares, no contexto do Estado de Alagoas, é uma cidade de porte médio

que, no período desta pesquisa, dispunha de cinco agências bancárias. Entre outros

atendimentos, a rede bancária é utilizada para pagamento de benefícios provenientes de

programas sociais e proventos de aposentadorias de idosos.

Por isso é comum pessoas não alfabetizadas, geralmente, provenientes dos sítios e de

outras localidades da área rural, solicitarem ajuda a outras, supostamente, moradores da

cidade, para operarem os equipamentos bancários. Esse quadro favorece a ocorrência

frequente de casos em que pessoas, principalmente, idosas, são lesadas por outras que,

simulando ajudá-las, roubam-lhes seus parcos recursos.

Por sua recorrência, esses eventos ganharam ampla repercussão local, passando a fazer

parte das conversas cotidianas dos segmentos populares da cidade e do campo. É nesse

contexto, que se situam vários depoimentos da professora Anita, relacionados a dificuldades

das pessoas analfabetas, como o que se segue:

Eu já vi pessoas, no banco, que não são alfabetizadas, passando muita dificuldade.

Eu, uma vez, vi uma menina de lá de União falar bem assim, pra uma senhora do

sítio que pediu ajuda a ela: “Você é burra? Não tá vendo os números?” E a mulher

respondeu: “Eu não sei ler não, moça. Só tô te perguntando quanto é esse [número]”.

Muita gente já passou por isso aqui.

Solicitei à professora que refletisse, agora, sobre consequências ou repercussões do

analfabetismo sobre a sociedade. Sua primeira fala, nesse sentido, estabelecendo uma

comparação do Brasil com os Estados Unidos, ressalta a questão do emprego:

Se no Brasil tivesse uma taxa de analfabetismo baixa, o Brasil seria quase como os

Estados Unidos. Haveria mais oportunidade de emprego. Quem não sabe ler, hoje,

não tem emprego. Até para trabalhar como empregada doméstica tem que ter o

básico, mas tem pessoas que não sabem escrever nem seu próprio nome.

62

A entrevistada cita o transporte de táxi porque a cidade de União dos Palmares dispõe desse serviço.

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A fala da professora, mesmo expondo um dado da realidade contemporânea, parece

mesclada de resquícios da concepção conhecida como “entusiasmo pela educação”, que

atribuía à educação o poder de solucionar os problemas do Brasil, visto que seu principal

problema era a ignorância do povo.

Essa concepção, que começou a ganhar força a partir do fim da primeira guerra

mundial, entre políticos ocupantes do aparelho de Estado, reforçou, também, “[...] o

preconceito contra o analfabeto, como elemento incapaz, responsável pelo escasso progresso

do País e pela impossibilidade de o Brasil participar do conjunto ‘das nações de cultura’

(PAIVA, 1987, p. 28)”. Ou seja, o Brasil não atingia o status de país desenvolvido em

consequência do analfabetismo.

Examinando ainda, o depoimento acima, observo que, mesmo abordando o

analfabetismo no âmbito da sociedade, a professora Anita volta o foco de sua reflexão para a

dimensão individual.

Retomando a mesma questão em outro momento, a professora entrevistada repetiu

outros aspectos mencionados anteriormente, reforçando representações já identificadas,

conforme se observa no depoimento seguinte:

A taxa de pessoas não alfabetizadas é alta demais! Se não fosse tão alta, o Brasil

teria muitas conquistas. Ele tem, mas seria mais ainda. Ele não tem tanto recurso.

Agora é que ele está pensando em buscar as pessoas [para alfabetizar] com os

projetos que vem [do governo federal]. É tão bonito quando passa aquelas pessoas

na televisão que, depois de velhas, aprenderam a escrever o nome, pelo menos o

primeiro nome. Minha tia já faz o nome dela completo.

Nesse depoimento, além da referência à intenção do Estado em alfabetizar as pessoas,

reportando-se a projetos de alfabetização, provavelmente, ao PBA, a fala da professora Anita,

ao reportar-se à beleza de ver “[...] pessoas na televisão que, depois de velhas, aprenderam a

escrever o nome, pelo menos, o primeiro nome [...]63

”, parece resultar do fracasso dos

programas de alfabetização de adultos, registrados em ações desse tipo, desde as primeiras

campanhas nacionais, empreendidos no Brasil ao longo de sua história (FERRARO, 2009;

PAIVA, 1987).

63

No período da pesquisa, estavam sendo divulgados, amplamente, pela mídia brasileira, mensagens e imagens

sobre o Programa Brasil Alfabetizado.

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1.5. Representações sobre alfabetização

Na investigação das representações da professora Anita sobre alfabetização, parti de

um depoimento no qual ela, falando sobre seus alunos da classe de alfabetização de jovens e

adultos, ressaltou, como dificuldade pedagógica, a heterogeneidade da turma. Afirmou que

tinha alunos que já eram alfabetizados, junto com alunos analfabetos, explicando essa

configuração com o seguinte relato:

Tem a Renata que parou na 3ª ou 4ª série. Ela sabe escrever seu nome todo, mas não

sabe escrever mais nada. Temos muitas pessoas assim. Os meninos que eu tinha, a

maioria sabia de alguma coisinha: escrever o nome, ler umas palavrinhas e outros,

não. Eu coloco o textinho [no quadro de giz] e leio duas vezes, depois eu soletro.

Ali, eles não sabem, mas eles gravam e vão seguindo meu dedo. Quando eu

pergunto: “que palavra é essa?” eles dizem: “Eu esqueci, professora”. Eu digo

sempre para eles pegarem as letras e ir soletrando em casa para ter uma noção:

“pesquise e recorte palavras em revista e cole no caderno, palavras com isso e

aquilo”. Eu não sei se é falta de atenção, ou se ainda não deu para eles conseguir

aprender aquilo (pausa). Eu não sei o que está acontecendo (pausa).

Nesse depoimento, as representações da professora sobre analfabetismo e

alfabetização começam a aparecer no relato de habilidades de leitura e escrita, demonstradas

por alguns alunos, assim como na inabilidade de outros, em relação aos mesmos aspectos:

“Ela sabe escrever seu nome todo, mas não sabe escrever mais nada”; “Os meninos que eu

tinha, a maioria sabia de alguma coisinha: escrever o nome, ler umas palavrinhas e outros,

não”.

Do mesmo modo, as representações da professora são mostradas no relato de

procedimentos pedagógicos utilizados por ela na perspectiva de promover a aprendizagem dos

alunos: “Eu coloco o textinho e leio duas vezes, depois eu soletro. Ali, eles não sabem, mas

eles gravam e vão seguindo meu dedo”.

É notável, na finalização do referido depoimento, a preocupação da professora em

descobrir por que os alunos não estão conseguindo aprender. Levanta hipóteses sobre

prováveis causas: “falta de atenção dos alunos” e, me parece que, insuficiência de tempo para

a aprendizagem: “[...] ainda não deu pra eles conseguir [...]”, então, ela acaba concluindo,

com um semblante, ao mesmo tempo, de dúvida e desânimo: “Eu não sei o que está

acontecendo”.

Na mesma entrevista, solicitei à professora Anita que continuasse falando sobre a

prática de alfabetização de adultos. Ela passou a relatar um procedimento pedagógico de

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alfabetização, invocando sua vivência no cotidiano de sua classe de jovens e adultos,

conforme constatei em observação64

:

Quando eu iniciei foi com a, e, i, o, u. Aí, [um aluno falou]: “Ô Anita, eu já vi essa

letra, só que eu não sei o que é... Ela parece uma xícara, mas eu não sei o nome

dela”. Eu perguntei: “Que letra é essa?” Eles responderam: “É uma xícara.” Eu

disse: “Você está vendo uma xícara, mas não é uma xícara, é a letra a”. Olhem pra

mim: “Essa é a letra a”. Falem [junto] comigo: “a”. Vejam: “A xícara pode ter o

formato do a, mas isso não é uma xícara, é a letra a.” Isso já aconteceu, também,

com os pequenos.

Ao final desse relato, perguntei-lhe: “Então, você ensina primeiro as vogais? O que

você ensina depois”? Ela me olhou com o semblante espantado, provavelmente, estranhando

minha pergunta e me respondeu:

Sim. Depois, passo para as consoantes e ensino a juntar as letras: “b com a se lê o

que?” Eles [respondem] “ba!”. Eu [pergunto]: Têm certeza? Um aluno [responde]:

“Eu tenho, se a senhora falou que é ba, é porque é ba”. Agora, que está no fim, a

gente pula para algo mais alto. Mas tem pessoas que não aprendem... Eu não sei por

quê... Não sei se eu ensino de um modo errado ou se é porque [elas] não querem

aprender...

O depoimento dá continuidade ao relato da técnica de ensino da leitura, começado no

depoimento anterior. Porém, continua a angústia pedagógica da professora Anita com a

aprendizagem dos alunos, ou melhor, com a não aprendizagem: “Mas tem pessoas que não

aprendem...”. Persistem, também, suas dúvidas sobre as causas do problema: “Eu não sei por

quê...”. Repete hipóteses levantadas em outros depoimentos: “[elas] não querem aprender”.

Surge uma nova hipótese. Esta, relacionada à sua prática pedagógica, pondo-a em dúvida:

“Não sei se eu ensino de um modo errado [...]”.

Em outro momento, perguntei à professora Anita se ela havia aprendido a alfabetizar

adultos no curso normal. Ela me respondeu que não. No curso, aprendeu como alfabetizar

crianças. Perguntei se ela achava que havia diferença entre alfabetizar criança e alfabetizar

adulto. Sua resposta foi afirmativa e, sem nenhuma indagação, explicou-me, com um relato

muito extenso, como ela se relacionava na sala de aula com os adultos, fazendo comparação

com o tratamento dispensado às crianças:

64

Cf. Apêndice H – Uma aula da Professora Anita.

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Eu não vou estar aqui gritando com uma pessoa mais velha do que eu! Se eu disser:

“Isso está errado”, com um tom mais alto, eles não voltam mais. Você tem que

sempre ir brincando e rindo, se não for assim, no outro dia você não tem nenhum. E

com os pequenos, às vezes, a professora fala em um tom mais alto. Tem uns

[adultos] que levantam e saem. Quando voltam, eu pergunto: “Foi pra onde?” Eles

dizem: “Fui lá fora fazer xixi”. Eu não digo nem que peçam licença! Se eu falar isso,

no outro dia, eles não vêm. Isso eu não faço de jeito nenhum! Sempre é brincando

com eles.

Conforme se observa no depoimento acima, não há referência à prática pedagógica, ao

processo de ensino e aprendizagem. A professora limita-se a tratar de seu relacionamento com

os adultos na sala de aula pautado na tolerância como meio de evitar que eles abandonem a

classe.

No seu segundo depoimento sobre a mesma questão, a professora Anita, após

reafirmar que é diferente alfabetizar uma criança de alfabetizar um adulto, começa

justificando essa diferença apontando traços da prática pedagógica: “Porque com a criança

você está mais ali brincando, é mais com pintura. Eles [adultos] já não gostam de pintura, não

gostam de desenhar, querem que eu já traga feito.”

Entretanto, na evolução de sua fala, apesar de insistir que há diferença entre alfabetizar

uma criança e alfabetizar um adulto, a professora continua apontando seu modo de se

relacionar com os dois segmentos.

A diferença permanece na tolerância e no cuidado no trato com os adultos, evitando

contrariá-los, o que, segundo sua visão, os levaria a abandonar a classe. Entretanto, apesar de

afirmar que é necessário tratar os adultos como adultos, a professora infantiliza seu tratamento

com eles, coforme se vê no depoimento a seguir, muito longo, mas importante nesta análise:

Eu digo: “Vocês não são nenhuma criancinha, já são bem adultinhos”. Eu falo assim

com eles, num tom bem devagarinho. Às vezes eles dizem: “Professora, vem aqui.

Como é isso?” Eu digo: “Mas já está feito. Está perguntando o quê, se já está feito?

É assim mesmo, não está nada errado. Quando está errado, eu passo o X”. Eu vou

assim nesse método, o mesmo que eu faço com os meninos da tarde eu faço à noite,

só que eu não falo alto, não mando sentar, nada. E com os pequenos: “Vá sentar no

seu lugar! Está em pé por quê?”. Com os grandes, não. Se eles chegam e ligam o

som, eu peço para abaixar um pouquinho e digo: “Deixe só pra você ouvir, abaixe o

som e fique bem quietinho no seu lugar”. As meninas dizem: “Anita, é pra

descontrair! Deixa um pouquinho mais alto para nós ouvir, é ouvindo e

aprendendo”. Eu digo: “Não! Deixe baixo”. E quando tem dia que uma mãe traz a

filha, eu digo: “Fique quieta”. Ela já olha pra mim de cara feia. Se eu reclamar de

novo, no outro dia ela não vem.

Procurando explorar mais questões relacionadas às políticas educacionais, indaguei à

professora sobre material didático, planejamento e acompanhamento pedagógico às classes de

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alfabetização. Sua primeira fala aponta inadequação do livro didático adotado pelo PBA, em

relação às possibilidades de aprendizagem dos alfabetizandos:

Ela [coordenadora] falou: “Vocês, quando forem usar o livro, vão seguindo o

planejamento65

”. Só que quando vamos seguir o planejamento... Vamos supor: tem a

página 80 [do livro] que é para estudar os números, só que os números são altos

demais, então eu não pego o livro [do PBA], pego outro livro e, às vezes, crio

números menores e na próxima aula eu pego o livro. É assim que eu vou. Eu tive

que parar já duas semanas com o livro porque eles não querem saber do livro, eles

só querem no quadro. Eu uso muito [o livro didático], mas eu uso uma semana sim e

uma semana não. Eu só pego pra mim e, aí, passo para o caderno com palavras

menores, números menores, leituras menores, tudo menor.

Insisto na questão do uso do livro. A professora Anita reforça sua visão sobre a

inadequação do material, porém, revela sua dificuldade no entendimento de perguntas que o

livro contém. Entretanto, diante dessa constatação, ela mostra uma atitude, segundo Paulo

Freire (2007), de humildade pedagógica, apontando a vontade de superar a falta do

conhecimento em questão:

Ele vem como se o aluno já fosse bem alfabetizado. Tem pergunta do livro que eu

não entendo e não vou passar para eles sem eu saber. Então, primeiro eu vou olhar o

que aquilo está significando... Quando eu estou com dúvida, eu digo pra eles:

amanhã eu trago a resposta.

Direcionando os questionamentos para o planejamento pedagógico, pergunto à

professora Anita como é feito o plano pedagógico e peço que ela me fale mais sobre ele.

Inicialmente ela informa que o planejamento “já vem pronto” e relata como ele é repassado

para as professoras:

Já vem pronto. Nós vamos pra reunião [encontro de formação] e elas

[coordenadoras] entregam o planejamento pra gente. Elas falam: “Esse planejamento

é para um mês”. Tem vez que falamos: “Mas, do planejamento passado, ficou uns

três assuntos”. Elas respondem: “Inclua nesse, se não deu para passar [no mês

anterior] pode passar pra esse [mês]. Você pega os três [assuntos] que faltaram,

inicia com os três e depois (...)”.

Perguntei-lhe, então, sobre os encontros de formação. Ela me explicou que são dois

encontros mensais, nos quais é realizada uma palestra sobre temas do plano pedagógico, a ser

trabalhado naquele mês. Em seguida, as coordenadoras distribuem o referido plano e orientam

sua execução.

65

A entrevistada refere-se a um plano que é distribuído com todos os professores durante os encontros de

capacitação.

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Entretanto, em seguida, ela falou que os encontros não ocorrem exatamente como

deveriam ocorrer. Geralmente, começam atrasados, há muito barulho, a maioria dos

professores não presta atenção na palestra e, ao final, as coordenadoras apenas entregam o

plano às professoras. Às vezes, dão uma breve explicação e, em seguida, recolhem as fichas

de frequência dos alfabetizandos.

O relato da professora Anita correspondeu à situação observada por mim no encontro

que acompanhei, em abril/2010, realizado num salão da Secretaria Municipal de Educação.

Dando continuidade à busca de identificar as representações da professora Anita sobre

alfabetização, passei a questioná-la sobre o acompanhamento pedagógico, feito em sua classe.

Comecei perguntando-lhe em que consistia o acompanhamento pedagógico e qual sua

periodicidade. Ela respondeu: “Era pra ela [coordenadora] vir duas vezes no mês, só que ela

não vem porque diz que não tem carro disponível. Quando ela vem, fica aqui um instante,

conversa e vai embora”.

Perguntei-lhe, então, como ela imaginava que deveria ser o acompanhamento

pedagógico para ajudá-la no seu trabalho de alfabetização. Ela entende que a coordenadora

deve assistir às suas aulas, a fim de ver se ela está “acertando ou não” e observar o

comportamento dos alunos. Entretanto, voltou a ressaltar a falta de transporte para a

coordenadora visitar as classes, acrescentando, a essa dificuldade, o fato de a coordenadora ter

mais uma área para acompanhar66

:

Ela deve vir duas vezes no mês para assistir [a aula] e ver se tou acertando ou não.

Observar e ver o comportamento deles [alunos]. Tem dias que eles estão bem

comportados, agora tem dias que eles estão virados! E conversar com eles. Eu acho

que seria isso. Mas, ela não é só daqui. Ela é de dois ou três lugares. Aí, fica a

dificuldade porque não tem carro e ela mora distante. Ficou essa dificuldade dela vir

observar, porque isso sempre ocorreu da coordenadora vir (sic!).

66

De acordo com as normas do PBA (BRASIL, 2009) uma coordenadora pode acompanhar de uma a treze

turmas nas áreas rurais.

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2. Professora Mariana

Conheci a professora Mariana no dia 09 de abril de 2010, durante um encontro de

formação de professores do PBA, realizado em um salão da Secretaria Municipal de

Educação de União dos Palmares.

Após ser apresentada a ela pela coordenadora pedagógica de sua área, falei sobre

minha pesquisa, a possibilidade de entrevistá-la e de observar sua classe de alfabetização de

jovens e adultos. Após concordar com minha solicitação, combinei com ela uma data para

minha primeira visita à sua classe.

Na data agendada - 19 de maio de 2010 - visitei a classe da professora Mariana.

Conforme procedi nas visitas às outras classes de alfabetização, apresentei-me aos alunos,

falei sobre o direito constitucional de acesso da população brasileira à educação, expus o

objetivo de minha pesquisa, esclareci o motivo da minha visita e solicitei a colaboração de

todos para o meu trabalho. Aprovada minha solicitação, os alunos se interessaram em saber

quando eu começaria as observações. Respondi que começaria após concluir meu

acompanhamento à classe da professora Anita.

2.1. Dados biográficos da professora

Mariana tinha 20 anos de idade na época desta pesquisa. Era uma jovem nativa, de

baixa estatura física, pele morena e cabelos crespos, que revelavam sua origem mestiça. Sua

mãe tinha pele branca, cabelos claros e crespos, enquanto seu pai tinha a pele negra, além de

outras características físicas marcantes da descendência africana. Morava com os pais, irmãos

e sobrinhos, numa casa grande, localizada à margem de uma das vias de acesso ao centro de

Muquém.

Durante nossa convivência, mostrou-se uma jovem alegre, expansiva, responsável e

muito dinâmica. Qualidades que ela estendia para a sala de aula e que, me parece, conferiam-

lhe autoridade e respeito dos educandos e de suas famílias.

Nas conversas que manteve comigo, nunca se referia a uma situação de pobreza

extrema, como ocorreu com a outra professora, participante desta pesquisa. Aparentemente,

sua família mantinha-se em melhores condições de vida.

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A professora Mariana concluiu o curso normal de nível médio há dois anos e, há oito

meses assumiu uma classe de alfabetização de jovens e adultos. Sua experiência limitava-se à

docência de três meses, numa classe de educação infantil, substituindo uma professora.

Disse-me que não havia aprendido a alfabetizar jovens e adultos no curso normal: “[A

educação de adultos] não era tratado muito não... Não ouvia falar muito, pegava mais da

educação infantil à 4ª série”.

Mesmo tendo feito o curso normal médio, Mariana dominava mal a variante culta da

língua portuguesa, tanto escrita, quanto falada. Suas dificuldades eram de ordem ortográfica e

gramatical, assim como de construção do discurso, observadas em entrevistas, conversas

informais e em sua atuação na sala de aula.

Entretanto, seus depoimentos demonstram acuidade, curiosidade e criatividade na

abordagem de questões da vida cotidiana e, especialmente, em suas reflexões sobre as

questões educacionais tratadas nesta pesquisa.

Nesse sentido, além de mostrar empenho na atividade docente, Mariana demonstrou

interesse na aquisição de conhecimentos formais. Por diversas vezes, afirmou que gostava de

ensinar e achava necessário que o professor, para alfabetizar, além do curso normal, tivesse

um curso superior e até uma pós-graduação.

Disse-me que gostava de ler e de “inventar coisas novas” para as aulas serem mais

dinâmicas. Acreditava que se o professor não motivar os alunos, a aula “fica chata”, eles não

aprendem e abandonam a classe.

Embora a professora Mariana manifestasse o desejo de fazer um curso superior e

depois uma pós-graduação, até aquele momento, a continuidade de sua formação docente

sistematizada dava-se nos encontros de formação do PBA e no acompanhamento pedagógico

da coordenação do PBA, que ela considerava insuficiente e inadequado.

2.2. Relação da professora com a questão étnico-racial

A relação da professora Mariana com a questão étnico-racial parece que se dá pelo

sentimento de pertencimento a uma mesma família, descendente do Quilombo dos Palmares.

Mariana afirma, com muita ênfase na voz, orgulhar-se de ser descendente do

Quilombo dos Palmares, fazer parte da comunidade de Muquém e poder contribuir, como

professora, para ajudar as pessoas, conforme se observa, em seu depoimento:

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Eu me vejo, também, uma descendente do Quilombo. Eu nasci aqui, fui criada aqui

e minha família, todos são: tios, primos, tem vô. Eu me sinto bem orgulhosa. Eu não

tenho vergonha de dizer que eu sou do Muquém. Porque tem pessoas que diz: “Ah!

Eu num sou do Muquém, não”. Eu não sou negra. Eu tenho orgulho de dizer: “Eu

moro no Muquém”. E eu fico orgulhosa! Eu não vou querer ter vergonha da pessoa

que eu sou. Eu sou eu mesmo e sou isso. As pessoas dizem: “Ah, sou do Muquém

não, o Muquém só tem negro”. Negro, mas de uma descendência boa e que se

orgulha [de ser negro]. Por que qual a pessoa que não se orgulha de ter nascido

numa comunidade dessa e ser bem valorizado? Eu fico bem orgulhosa de fazer parte

dessa comunidade e ajudar as outras pessoas a subir mais na vida, ter mais uma vida

adequada e saber ler e escrever ajuda mais.

Estendendo sua reflexão para a comunidade, como se vê no depoimento anterior,

Mariana afirma existir um sentimento de negação à descendência negra, por parte de outras

pessoas, ao dizerem que não são negras e não moram no Muquém, porque no “Muquém só

tem negro”. Ela rechaça essa posição, afirmando: “Negro, mas de uma descendência boa e

que se orgulha [de ser negro]”.

É temerário supor que Mariana reproduz, na sua fala, a discriminação disfarçada na

ideologia do “negro de alma branca”. Pela entonação de sua voz no momento da entrevista e a

análise do conjunto de seus depoimentos, parece-me mais provável que Mariana teve a

intenção de acentuar e reforçar o orgulho de descender dos negros do Quilombo dos Palmares.

Na sequência da entrevista, pergunto à professora Mariana se ela trata das questões

étnico-raciais na classe de alfabetização de jovens e adultos. Afirmando tratar do assunto,

presente no plano pedagógico do curso de alfabetização, ela reproduz uma situação de diálogo

na sala de aula, na qual o foco do debate entre os alfabetizandos é a história de Muquém:

A gente trata, quando vem [no planejamento do PBA] um assunto de história sobre

família e sobre essa identidade de cada um. Tem o Quilombo dos Palmares, o Dia da

Consciência Negra... A gente fala: “Por que é uma família só? E como foi a

libertação dos negros?” Aí, na sala de aula, a gente debate: “O Muquém é o quê? É

uma comunidade o quê? Tem história, né?” E todo mundo já sabe. Lá uns conta

cada novidade! Porque [é] um mais velho que o outro... Aí - “Não é isso”. Aí já - “O

Muquém faz parte disso por causa disso”. Aí vai, junta em uma história só, porque

cada um tem uma história diferente, dos antepassados que já se foram e que eles

sabem. Os antigos sabem mais do que os mais novos.

Parece-me relevante ressaltar que a professora aproveita, pedagogicamente, os temas

do programa do curso de alfabetização para introduzir o estudo de questões do contexto local.

Recurso pedagógico que presenciei, nas observações de suas aulas, ela usar com frequência.

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2.3. A classe de alfabetização da professora Mariana

A classe de alfabetização da professora Mariana funcionava no Centro Social de

Muquém, chamado pelos moradores de “centrinho”, localizado ao lado da casa de seus pais,

com quem ela morava.

O prédio de alvenaria, coberto de telhas canal, foi construído e era mantido pelos

moradores com ajuda da paróquia de União dos Palmares. Medindo, aproximadamente, 10m2

de área, tinha um salão, uma pequena cozinha com despensa e um gabinete sanitário, em

estado médio de conservação.

Figura 7 – Sala de aula no Centro Comunitário de Muquém, decorada para evento religioso. Maio/2010.

(Foto: Reneude Sá).

Nesse espaço, eram desenvolvidas atividades assistenciais e práticas religiosas, como a

celebração de missa em alguns domingos do mês, novenas e terços. A classe de alfabetização

funcionava à noite.

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O salão era amplo, com capacidade para, aproximadamente, 30 pessoas. Além da porta

de entrada, dispunha de uma porta de acesso à cozinha e janelas, que favoreciam a ventilação

do ambiente. Durante o período em que observei a classe, o salão estava organizado em dois

ambientes. De um lado, cinco bancos grandes de igreja e, do outro, dezesseis bancas escolares

do tipo universitário, dispostas em fileiras de quatro em quatro.

Na parte da frente, havia uma mesa grande, utilizada pela professora, durante as aulas,

para depositar o material escolar. Nas celebrações religiosas, virava altar. Na parede em

frente, bem no centro, havia uma grande cruz de madeira, ladeada à direita por um pequeno

oratório com uma imagem de Nossa Senhora, numa caixa de vidro. Do lado contrário, um

pequeno quadro de giz, medindo cerca de 1m x 80 cm, colocado na frente das bancas

escolares. No fundo da sala, havia alguns bancos de igreja, depositados uns sobre os outros.

Provavelmente, para serem usados em eventos com maior número de pessoas.

Minhas observações ocorreram no mês de maio, denominado, pela igreja católica, de

mês mariano, por ser dedicado a Maria, mãe de Jesus. Assim, em sua homenagem, o salão

permaneceu decorado com flores artificiais, fitas e outros adereços. Todas as noites, antes da

aula, a professora e os alunos rezavam o terço, conduzido por sua mãe, Dona Silvana, uma

senhora muito dinâmica, que me pareceu ocupar um lugar de liderança junto aos moradores

daquela área de Muquém.

Nos eventos festivos, tanto relacionados às atividades religiosas, quanto às escolares,

era Dona Silvana que, também, assumia sua organização, tomando as providências

necessárias, como a preparação de bolos e outros pratos, em sua residência, que ficava ao lado

do “centrinho”.

Obtive essas informações por meio do relato dos alunos, mas, tive oportunidade de

presenciar a ação de Dona Silvana na festinha que a turma promoveu na minha despedida, na

última noite de observação.

O quadro de controle das turmas rurais registrava o total de 20 alfabetizandos na classe

da professora Mariana67

. Entretanto, a professora informou que, além de não comparecerem

todos no início das aulas, parte deles abandonou a classe por diversos motivos.

Durante o período de minhas observações, 13 alfabetizandos frequentaram as aulas

regularmente: um senhor com, aproximadamente, 53 anos de idade; oito mulheres adultas, na

67

Cf. BRASIL (2009). A matrícula inicial nas classes de alfabetização de jovens e adultos nas áreas rurais, de

acordo com as normas vigentes no período da pesquisa, era de, no mínimo 7 e, no máximo, 25 alfabetizandos.

Nos quadros de controle da gestão local do PBA em União dos Palmares, o número de alfabetizandos

matriculados por classe varia de 17 a 25, nas 95 turmas das áreas rurais.

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faixa etária de 25 a 48 anos de idade; dois rapazes, um com 27 e outro com 37 anos e dois

adolescentes com 14 e 15 anos de idade, respectivamente.

Guardada a interferência ou repercussão da minha presença na sala de aula, como

pessoa estranha ao ambiente, durante o período de uma semana em que acompanhei,

diariamente, a classe da professora Mariana, observei uma interação pedagógica positiva entre

a professora e os alfabetizandos68

.

Todas as noites, ela levava a aula preparada. Seguindo a programação pedagógica do

PBA, adaptava os conteúdos, abordando situações cotidianas e variava as atividades de modo

a envolver os educandos. Eles interagiam participando atentamente, demonstrando satisfação

em estarem ali, com exceção dos dois adolescentes, que pareciam não fazer parte daquela

turma, mesmo com o empenho pedagógico da professora Mariana para engajá-los nas

atividades69

.

Quase sempre, ao começar a aula, algum aluno perguntava – “E aí, professora, que

temos hoje?” Eu interpretava essa pergunta como uma manifestação de interesse e

curiosidade, expressão do que se poderia denominar de “motivação” do aluno para a atividade

pedagógica.

A professora respondia com ar de satisfação. Às vezes, dizia que esperassem a

surpresa e dava início às atividades da noite.

Mantinha-se em constante movimento na sala de aula. Após anunciar o assunto ou

tema da noite e orientar a atividade a ser realizada, normalmente em grupo, ela passava a

circular entre os grupos, olhando o trabalho, explicando, corrigindo, incentivando. Não

presenciei nenhum momento de apatia, nenhuma atitude de impaciência ou indelicadeza com

algum aluno ou desvalorização de seus trabalhos.

As aulas começavam e terminavam sempre no horário marcado e, havia dias em que

se estendiam um pouco mais. Não vi, em nenhum momento, algum aluno insistindo para que

a professora encerrasse a aula antes do horário.

68

Cf. Apêndice I - Uma aula da professora Mariana. 69

Cf. Apêndice I - O caso de Breno e Daniel.

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2.5. Representações sobre analfabetismo

Seguindo o caminho metodológico escolhido para a pesquisa, busquei conhecer as

representações da professora Mariana por meio de entrevistas, conversas informais e da

observação de sua prática docente na classe de alfabetização de jovens e adultos.

Realizei uma entrevista formal com a professora após alguns dias de observação de

sua classe, dando continuidade na noite daquele mesmo dia. Portanto, já havia uma

aproximação que, me parece, facilitou nossa comunicação. Suponho que isso tenha

contribuído para que ela se mostrasse à vontade, embora, no início, me parecesse estar um

pouco apreensiva.

Após informar o objetivo da entrevista, lembrando que eu já havia tratado do assunto

na primeira visita à sua classe, pedi para Mariana falar sobre o analfabetismo. Ela começou a

falar indecisa, com um discurso fragmentado e confuso, citando vários aspectos relacionados

à questão:

Analfabetismo? Assim, eu já ouvi falar assim, muito, que uns eles têm problemas

tanto na visão quanto na escrita, desde pequenos... E muito assim de analfabetismo,

os alunos, eles, não é muito que tem, mas é a maioria, né? Que tem dificuldade de

quando era pequeno não estudar prá ajudar as famílias. E, muito, o governo ajuda e

pouco também ajuda no alfabetismo (sic!). Aí, tem muitos programas e, também,

pouco ajuda no alfabetismo (sic!). Tem muitos programas que dá acesso... Né? Pros

professores ensinar. Porque pra ter trabalho tem que ter, saber o quê? Assinar. Né?

A assinatura. E eu acho assim muito lindo um adulto, um jovem, um idoso já saber

ler, assinar, quando vai arrumar um emprego, assinar uma certidão... Porque, qual é

o adulto que gostaria de ir lá num canto assim... “Eita! Sabe fazer o nome!” Por aqui

existem muitos [analfabetos]. Principalmente tem dificuldade o pessoal do campo,

que não pode sair à noite pra rua70

. Às vezes aqui não tem carro. As condições não

ajuda muito.

Conforme se observa nesse primeiro depoimento, Mariana começa apontando fatores

relacionados a questões de ordem social, que ela considera dificultadores da escolarização

(problema de visão, seguido do trabalho infantil, por necessidade de ajuda à família). Aponta,

também, questões relacionadas a políticas públicas, referindo-se, indiretamente, à ausência de

escolas no campo, ao citar a falta de transporte para deslocamento das pessoas para a cidade, a

fim de frequentarem escola. Numa linguagem ambígua, cita, ainda, o governo e programas (?)

que ajudam e não ajudam no “alfabetismo”.

70

Referência à cidade de União dos Palmares.

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A professora Mariana ressalta, no mesmo depoimento, a existência “por aqui” de

muitos analfabetos, referindo-se, suponho, ao município de União dos Palmares, e não apenas

ao Muquém. Por fim, cita a necessidade da alfabetização para acesso a emprego (trabalho).

Retomando, em outra fala, a questão da escolarização no campo, Mariana supõe que o

analfabetismo seja maior no meio rural, voltando a apontar a falta de escola e de transporte:

Eu acho que [o analfabetismo] deve ser assim mais no meio rural, devido o que eu já

contei que é muita dificuldade dum aluno, um adulto! Ele tem vontade de estudar,

mas só que não tem condições de sair do sítio bem longe pra vir prá União [dos

Palmares], pra cidade. Fica muito... O que corrompe (sic!) é, acho assim, a distância

e que não tem transporte em muitos sítios.

Pergunto-lhe se ela acha que existem outros fatores que possam contribuir para as

pessoas chegarem analfabetas à idade adulta. Novamente, Mariana retoma questões citadas

anteriormente (trabalho infantil), mas, aponta um aspecto de ordem pedagógica, que se refere

às relações em sala de aula entre colegas e entre professor e alunos. Atribui a dificuldade de

aprendizagem de alguns alunos a traumas provocados por tratamento depreciativo por parte

do professor e de colegas:

Tem aluno que não... Que tem problema de falar porque tem medo de chegar na sala

de aula e errar. Às vezes, acontece da pessoa errar e tem alunos, colegas, que fica

mangando e, assim, o aluno fica traumatizado numa coisa. Aí não vai mais para o

colégio porque ficou traumatizado. Às vezes, pode pegar uma professora que diz:

“Não, não é assim não, você é burro”. Porque muitas professoras fazem. Né?

Chamar o aluno de burro, aí o aluno fica descontagiado (sic!) e aí ele não vai mais

para o colégio porque foi chamado de burro. De burro assim na frente [da turma] e

assim não aprende. Aí o aluno fica com trauma e leva isso até a vida adulta.

Dando continuidade à exploração das representações da professora Mariana, peço que

ela continue refletindo sobre questões relacionadas à escola e ao ensino, que ela supõe ou

acredita que possam contribuir para o analfabetismo. Mariana pensa um pouco e passa a falar

das condições físicas dos ambientes escolares, relatando, sem identificar explicitamente, a

situação real das salas de aula do PBA, que eu havia constatado nas visitas que fiz às classes

das áreas rurais do município71

.

Assim, salas inadequadas que o aluno não tem (?). Tem que ser uma sala bem

organizada, com uma estrutura bem legal. Em vários sítios tem gente que ensina na

sua própria casa, em uma salinha apertada e com um bocado de zuada, aí o aluno

não interage bem com a professora. Quando chove e tem pingueira no colégio... E

quando vai ensinar numa casa de farinha... Aí, fica ruim do professor e aluno se

71

Cf. Apêndice D - Relatório de visitas a classes de alfabetização de jovens e adultos em áreas rurais do

município de União dos Palmares - AL.

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relacionar com tantas desavenças (sic!) na sala de aula, no cotidiano, na estrutura da

sala. O aluno tem que estar numa sala bem equipada para poder desenvolver um

trabalho bom... Se reunir junto [com colegas]. Aí não pode, numa sala

pequenininha!.... Como é que um grupo vai falar, vai debater junto se ficar perto um

do outro? Aí fica difícil dos alunos, dos colegas e dos professores se relacionar. Aí,

fica difícil do professor ensinar... E o aluno de aprender... Né?

No depoimento acima, Mariana aponta a inadequação e as más condições das salas de

aula improvisadas, relacionando-as às atividades pedagógicas. Seu discurso, embora

fragmentado, permeado de reticências e palavras estranhas ao sentido que ela, supostamente,

pretende dar (“Aí... Fica ruim do professor e aluno se relacionar com tantas desavenças (sic!)

na sala de aula, no cotidiano, na estrutura da sala”), mostra como as situações citadas

interferem na prática pedagógica (“em uma salinha apertada e com um bocado de zuada, aí o

aluno não interage bem com a professora”), comprometendo o ensino e a aprendizagem (“Aí,

fica difícil do professor ensinar... E o aluno de aprender...”).

Então, convido Mariana a pensar sobre as repercussões ou consequências do

analfabetismo, perguntando-lhe se a condição de analfabeto traz alguma dificuldade para a

vida de uma pessoa. Mariana começa apontando, novamente, a dificuldade de acesso a

emprego. Para exemplificar, relata uma matéria que ela viu na televisão, tratando do caso de

um homem que, tendo sido aprovado num concurso para um cargo de vigia, não pôde assumir

o emprego porque não sabia ler e escrever:

A dificuldade, assim como eu falei, de arrumar um emprego. Porque o emprego

requer você ter sua carteira de identidade, a sua assinatura... E ali a pessoa não vai

poder conseguir aquele objetivo que ele quer - trabalhar numa coisa melhor para

ajudar sua família. Que nem teve um caso que passou na televisão: um homem, ele

fez um concurso e passou, ele não sabia ler e nem escrever, ele ganhou em um dos

primeiros colocados para trabalhar de vigia. Aí não pôde ir porque não sabia assinar

o nome e nem ler, mas passou no concurso.

Questiono como o homem do seu exemplo conseguiu ser aprovado numa prova

escrita, se não sabia ler e escrever. Ela deduz que “a prova era de colocar X” e explica como a

pessoa agiu para conseguir resolver as questões sem saber ler.

Na sua explicação, conforme observei no acompanhamento à sua sala de aula, Mariana

recorre a situações conhecidas, semelhantes às práticas vivenciadas no seu cotidiano docente:

“Ele queria ler, por exemplo, a palavra para. E fazia: pê-a-erre-a, mas não conseguia ler,

nem decifrar a palavra. Aí ele tentou, mas só que não sabia ler e nem escrever o próprio nome

para poder ficar nesse trabalho”. Então, conclui, reafirmando uma de suas hipóteses

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explicativas sobre repercussões do analfabetismo na vida das pessoas: “Aí, uma das

consequências é essa de arrumar um emprego”.

Ainda em relação a emprego, Mariana ressalta problemas e consequências decorrentes

da falta de domínio da leitura e da escrita, no exercício de trabalhos que exigem essas

habilidades. Cita, como exemplo, a empregada doméstica, que necessita, no seu trabalho,

fazer lista de feira, realizar compras, preparar receitas, atender ao telefone e anotar recados,

entre outras atividades. Quando a empregada não sabe ler e escrever corre o risco de perder o

emprego, conforme ela declara, supondo a reação da patroa: “Não, você não sabe ler, então eu

não vou querer você na minha casa”.

Continuando suas reflexões, assim como a professora Anita, Mariana cita outras

situações, comuns no cotidiano de um contexto letrado, que mostram as dificuldades sofridas

por pessoas não alfabetizadas: identificação do destino e itinerário de transportes coletivos no

meio urbano, especialmente para pessoas do meio rural; identificação de preço, composição,

validade e outras informações constantes das embalagens de produtos vendidos em

supermercados e em outros estabelecimentos comerciais; compra e administração de

medicamentos, alertando que se a pessoa não sabe ler a receita e a bula, põe em risco sua

saúde e de outras pessoas.

Peço à professora Mariana que pense sobre repercussões do analfabetismo e da

alfabetização na vida das pessoas no campo. Considerando, na sua reflexão, a relação campo-

cidade, ela entende que, as atividades do campo não requerem que as pessoas saibam ler e

escrever, mas elas precisam dessas habilidades quando vão resolver coisas na cidade. Ela cita,

em um trecho de seu depoimento, a venda de produtos agrícolas:

Eles [camponeses] botam uma roça aqui [no meio rural] e já vai pra cidade. Botar o

quê? Botar sua venda lá. Pra quê? Vender mais mercadoria. Prá não só vender aqui,

porque aqui não vende muito e lá na cidade... não... tem muitas pessoas e já compra

aquilo que ele tá vendendo. Aí, já é mais um meio de sobrevivência para ele.

Em outro trecho, a professora Mariana cita, como exemplo, um aluno de sua classe de

alfabetização que, apesar de ter problema de visão, se esforça para se alfabetizar porque sente

necessidade de “saber mais” para “melhorar a vida”. Ela reproduz o pensamento do aluno,

ressaltando conhecimentos de operações matemáticas aplicados à atividade de venda:

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Ele diz que tenta ler, ele quer aprender a ler, mas a visão dele não ajuda, fica muito

ruim dele... Ele fica mais na frente do quadro e diz: “Eu não sei ler, mas eu estou

aprendendo porque é bom pra mim [...]. Quando chego em casa, eu boto pra ler

porque eu vou melhorar a minha vida. [...]Tiro um tempinho do trabalho, saio e fico

estudando, lendo alguma coisa prá mim saber mais do que eu já sei.” Aí, ele trabalha

em casa, na roça. Ele vai e planta e depois de plantar, ele vai vender na cidade. Ele

disse assim prá mim: “Eu não sabia matemática, agora eu sei. Quando eu quero

vender uma coisa... Eu quero vender 1 kg por R$1,00, eu já sei dá o troco”. E ele

não sabia. Agora, ele já dá troco. Por exemplo, se ele vendeu uma coisa por R$ 1,50

e ele recebeu R$ 2,00, ele diz: “já vou dar uma [moeda] de 50 [centavos]. Eu aprendi

isso”. Ele vai passando a entender melhor como o estudo é bom pra ele.

A professora destaca, ainda, nas repercussões do analfabetismo, a discriminação que

as pessoas do campo sofrem por parte dos moradores da cidade, por serem analfabetas. Ela

entende que, de posse de conhecimentos sistematizados, as pessoas do campo serão

valorizadas, consequentemente, não serão discriminadas - o conhecimento das letras eliminará

a desigualdade social:

O pessoal do campo precisa e muito [se alfabetizar]! Porque assim, eles conhecendo

mais, eles se sentem mais valorizados e se sentem mais como assim... Todos iguais.

Porque tem gente [da cidade] que diz: “Não, você mora no sítio, você não é igual a

mim, você é muito diferente. Você vive assim... Coisa de porco (sic). Eu não, já vivo

numa cidade, um lugar mais limpo e você num sítio bem velho, que não tem muito

valor”. Muitas pessoas dos sítios são discriminadas pelo pessoal da zona urbana! Aí

eles ficam assim meio diferentes, mas todos têm que ter a mesma semelhança e o

mesmo direito, tanto do sítio quanto da cidade.

2.5. Representações sobre Alfabetização

Aproveito a fala anterior da professora para dar continuidade à reflexão sobre o tema

da alfabetização, observando que, quando falamos de analfabetismo, estamos falando,

também, da necessidade de conhecimentos escolares. Pergunto-lhe, então, se no Brasil todas

as pessoas precisam estudar.

A resposta da professora Mariana, conforme se vê no depoimento abaixo, aponta, mais

uma vez, a necessidade da alfabetização para acesso a emprego. Entretanto, mesmo referindo-

se ao País, sua visão volta-se para a questão individual:

Precisa! Porque assim, o Brasil ganha mais oportunidade de aumentar mais os

empregos e aumentar mais a renda para as pessoas, porque cada pessoa que vai se

alfabetizando, está aumentando o mercado de trabalho. Por exemplo: se eu já leio, se

já sou alfabetizada, já sou formada, eu posso abrir um negócio e vou dar

oportunidade àquelas pessoas que está se alfabetizando para elas entrar no mercado

de trabalho. Vai crescendo cada vez mais. Quando uma pessoa se alfabetiza, vai

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crescendo cada vez mais o Brasil todo, não só o Nordeste, como o sul e outros

[outras regiões].

O depoimento da professora me leva a supor que, no seu pensamento, o problema da

desigualdade social, que gera a necessidade de emprego, advém da carência de escolarização

(alfabetização) das pessoas, a qual produz a dificuldade de acesso ao emprego. Assim sendo, a

solução da desigualdade social parece estar na promoção da escolarização, que possibilitará às

pessoas, não só terem acesso ao emprego, como gerarem empregos para outras pessoas que

vão se alfabetizando, “aumentando o mercado de trabalho”. Conclusão de sua reflexão:

“Quando uma pessoa se alfabetiza, vai crescendo cada vez mais o Brasil todo.”

Estendendo a reflexão para processos de alfabetização, Mariana afirma que alfabetizar

pessoas do campo deve ser diferente de alfabetizar pessoas da cidade. Interpretando sua fala,

ela entende que é necessário relacionar o conteúdo do estudo com situações do contexto local

dos alfabetizandos. Para justificar sua posição, ela cita um exemplo, usando a questão do

saneamento básico, simulando, inclusive, uma problematização no tratamento do tema, que

parece dar indícios de criticidade no trato da questão:

Porque é assim: na cidade você trabalha de acordo com o que ele vive na cidade. Se

for trabalhar sobre higiene, na cidade você vai trabalhar que na cidade já tem

higiene, [por exemplo,] como é que a higiene é tratada. Já, no campo, vai ser

totalmente diferente porque já no campo não tem higiene e saneamento básico, é

lixo a céu aberto. Aí já tem uma maneira diferente de trabalhar com eles. Aqui [na

cidade] é uma coisa e no campo já é outra. Aí vai dificultando a relação de trabalhar

com os dois juntos. Temos que ver a parte do campo e a parte da cidade e ver qual a

solução: ”Por que não tem [saneamento no campo]?”... “[Por que] tem na cidade e

não tem no campo?”

O discurso de Mariana parece ser construído com fragmentos de textos da formação

docente e do livro didático adotado pelo PBA, mesclado de traços da ideologia que valoriza a

cidade como lugar ideal, onde há melhores condições de vida, e desqualifica o campo, como

lugar atrasado. Além disso, nesse depoimento, a realidade parece se misturar com a fantasia72

.

72

Durante minha permanência no município, na fase de campo da pesquisa, observei maior incidência do

problema de saneamento básico na cidade e no distrito rural. Situação bem visível nas margens do rio Mundaú,

que atravessa o município, para onde são canalizados os esgotos residenciais e de pequenas indústrias. Do

mesmo modo, observei a presença de grandes quantidades de lixo (proveniente de produtos industrializados)

disperso pelas ruas da cidade e do único distrito do Município, com maior presença nas áreas populares. Nas

localidades rurais, especialmente, nas de menor aglomerado humano, observei um quadro diferente em relação à

presença de lixo. Mesmo no Muquém, onde a comunidade se aglomera em uma área limitada, próxima à cidade,

pouco vi lixo disperso. Ao contrário, observei as donas de casa varrendo os terreiros de suas casas e queimando e

enterrando o lixo.

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Decido explorar mais a dimensão pedagógica nas representações da professora

Mariana. Aproveitando a fala anterior, pergunto-lhe como o alfabetizador pode tratar de

temas, como o problema do saneamento básico, no processo de alfabetização.

Respondendo à questão que lhe dirigi, a professora relata, no depoimento transcrito a

seguir, trechos de aulas vivenciadas em sua classe, nos quais ela mostra como tratou do tema

do lixo por meio de debate e de atividades realizadas com os alunos, porém não explicita

como relaciona essa abordagem com o ensino da leitura e da escrita:

Ele deve tratar assim, cautelosamente (sic). Porque se já não tem um saneamento

básico, assim de lixo: “Vamos fazer uma coleta, vamos reciclar”. Trabalhando sobre

a reciclagem: “Como devemos reciclar o plástico, o vidro? Devemos reciclar e

mandar para uma fábrica que possa pegar cada um? Ou, senão, queimar?” Porque

[mandar para a fábrica] fica menos poluição para o campo e, para a fábrica, vai ter

mais emprego e renda. [...] Aí vamos fazer isso, vamos falar da reciclagem e o

professor fala como cada aluno faz a sua maneira de higiene na sua casa. [...] Aí, o

professor vai e, diariamente, é feito com o aluno, fazendo as perguntas e como

trabalhar: “Vamos fazer um trabalho de reciclagem, vamos fazer um painel, fazer

uns objetos com a garrafa pet, para não jogar ela [no lixo]. Vamos fazer um desenho,

criar uma árvore”73

. E, com isso, vai interagindo mais com os alunos [...]. Aí, eles

falam: “Eu vou fazer para botar em casa. Já que é prá não ficar no meu terreiro, eu

faço em casa e já fica com uma reciclagem pra ficar menos poluição”.

Insisto no exame da questão pedagógica, perguntando à professora Mariana como ela

trabalha aqueles temas, e outros que estão no plano pedagógico do PBA, ensinando os

alfabetizandos a ler e escrever. Ela introduz, no relato do processo pedagógico, um modo de

proceder na abordagem de uma palavra, extraída do texto que está sendo usado no debate de

um tema, com a finalidade de ensinar a leitura:

Quando eu estou ensinando sobre a higiene e a reciclagem? Eu uso um texto do

cotidiano. Aí a gente vamos indo debatendo e depois a gente vamos focar essa

palavra. “O que essa palavra quer dizer?” Vamos separar ela [em sílabas], vamos

debater o que eles entendem sobre ela. Aí, naquele texto, eles vão tendo mais

conhecimento, não só ficar na cabeça de cada um entregar. Cada um [recebe] o texto

xerocado e ali eles vai debatendo e vai tendo mais conhecimento [...].

Prosseguindo na exploração do tema da alfabetização nas representações da professora

Mariana, pergunto se ela vê diferença entre alfabetizar uma criança e alfabetizar um adulto.

Ela afirma que sim, justificando: “A criança não tem muito conhecimento como já tem um

adulto” e continua seu depoimento, exemplificando como proceder pedagogicamente com um

e com outro:

73

A professora realiza em sala de aula, com os alfabetizandos, essas atividades práticas, conforme presenciei em

minhas observações. Cf. Apêndice I - Uma aula da professora Mariana.

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Por exemplo, com a criança eu vou pegar brinquedos e vou contar quantos tem, já

com o adulto tem que ser um objeto mais do dia-a-dia deles. Como por exemplo: se

ele trabalha na roça, eu pergunto: “O que você mais planta, o que você mais vende?”

E aí ele vai dizer de acordo com o que ele planta e vende. Com criança não é assim.

Só dá pra perguntar quantos anos eles têm, por exemplo, e pedir para eles contar nos

dedos. Com o adulto já é uma coisa mais avançada, é diferente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões desenvolvidas na abordagem dos temas sobre analfabetismo e formação

de professores (capítulo 1) e a descrição e análise do contexto onde foi desenvolvida a

pesquisa empírica (capítulo 3), à luz de uma orientação teórico-metodológica de cunho

crítico-dialética (capítulo 2), representaram um esforço na busca de construir uma base de

conhecimento que me possibilitasse compreender as representações de professoras-

alfabetizadoras sobre analfabetismo e alfabetização.

A busca dessa compreensão foi empreendida por meio da análise do pensamento e da

prática de duas professoras (capítulo 4), olhadas enquanto categoria profissional específica,

componente de uma camada subalterna da classe trabalhadora, situada na estrutura

socioeconômica capitalista, que caracteriza a sociedade brasileira.

Esse procedimento me leva a supor que as representações das referidas professoras

superam o limite individual, com possibilidades de se constituírem em referência das

representações de seus pares, enquanto categoria socioprofissional.

Uma primeira consideração de âmbito geral, partindo de depoimentos dos diversos

sujeitos envolvidos nesta pesquisa, diz respeito a uma provável influência, nas representações

coletivas sobre analfabetismo e alfabetização, de concepções tradicionais de educação e

alfabetização, que fundamentaram, no Brasil, as primeiras campanhas nacionais de

alfabetização de jovens e adultos e que ainda permanecem no imaginário de professores,

fundamentando sua prática pedagógica. (KLEIMAN, 2001; FERRARO, 2009).

A concepção mais difundida no Brasil entende a alfabetização como a habilidade de

ler e escrever, no sentido de o sujeito ser capaz de decifrar e grafar o código linguístico.

Consequentemente, alfabetizar compreende a aplicação, pelo professor, de uma técnica de

ensinar a leitura e escrita. Portanto, alfabetizar consiste em ensinar os alunos a ler e escrever

por meio de: memorização e traçado das letras do alfabeto (com distinção entre consoantes e

vogais), seguida, sucessivamente, da formação de sílabas pela junção de consoantes e vogais,

de palavras pela junção de sílabas, de frases pela junção de palavras, evoluindo para a

formação de textos pela reunião de frases.

Em decorrência dessa concepção de alfabetização, analfabetismo significa exatamente

o seu inverso – o não domínio da leitura e da escrita. Analfabeto, portanto, é a pessoa que não

sabe ler e escrever.

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O IBGE, no último recenseamento (2010), considerou “alfabetizada a pessoa capaz

de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhecesse” e, “analfabeta a pessoa que

aprendeu a ler e escrever, mas que esqueceu devido a ter passado por um processo de

alfabetização que não se consolidou e a que apenas assinava o próprio nome” (BRASIL,

2012e, p. 35. Grifos meus). Essas informações foram coletadas por meio de declaração verbal

do recenseado. Pergunto: e as pessoas “analfabetas” que nunca tiveram passagem por

processos de alfabetização? E as que não assinam o próprio nome? Como foram computadas

no censo?

Assim, observo que o IBGE continua usando a concepção de alfabetização adotada

desde os primeiros censos, para investigar a escolarização da população brasileira, em

especial, o estado de alfabetização e de analfabetismo. Fato que, certamente, tem contribuído

para sedimentar essa concepção no imaginário da população em geral, ajudando a consolidá-

la como senso comum.

Entre os professores, mesmo os que participam de cursos e outras ações formativas e

neles são postos em contato com outras concepções e práticas alfabetizadoras, há aqueles que

parecem continuar acreditando na concepção tradicional como saber irrefutável e utilizando

técnicas, dela decorrentes, como eficazes, a despeito de, em sua prática cotidiana de sala de

aula, verem poucos resultados em sua aplicação.

Essas considerações apoiam-se, também, no estudo que realizei no mestrado, no qual

investiguei a visão de camponeses sobre conhecimentos letrados e escolarização (SÁ, 2002).

Não só os professores, mas, os camponeses não alfabetizados também citavam, detalhando

passo a passo, a técnica de ensino da leitura e da escrita referida anteriormente, mesmo não

conseguindo justificar, quando questionados porque não aprendiam, se o professor usava

aquele modo de ensinar. Os professores apegavam-se tanto àquele procedimento, que

substituíam o livro didático, distribuído pelo programa de alfabetização, por uma carta de

ABC74

, comprada com seus próprios recursos.

A análise das representações das professoras que participaram do presente estudo

indica uma provável influência da concepção tradicional de alfabetização, apontada nas

considerações acima.

Em síntese, os resultados deste estudo apontam, na construção das representações das

professoras sobre alfabetização e analfabetismo: a presença de saberes cotidianos, crenças

sobre modos de conhecer, ensinar e aprender, sedimentadas no imaginário coletivo;

74

Pequena cartilha que, normalmente, traz o alfabeto, a formação de sílabas, frases e pequenos textos. Durante a

pesquisa, encontrei cartas de ABC à venda em feiras de rua e em mercadinhos.

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fragmentos de conhecimentos formais, adquiridos, provavelmente, em cursos e outras ações

de formação docente, em leituras de material específico da área, por exemplo, o livro didático

utilizado nas classes de alfabetização; saberes desenvolvidos em e sobre sua própria prática

pedagógica no exercício da alfabetização; troca de experiências com seus pares em diversas

situações, entre outras fontes de conhecimento.

Por meio de suas representações, as professores buscam explicações e justificativas

que respondam a suas inquietações em sala de aula. Ora suas representações evidenciam o

ocultamento de questões relacionadas à prática docente, que podem estar contribuindo para o

problema do analfabetismo, ora desvelam questões que anunciam possibilidades de mudança.

Entre as considerações conclusivas, o estudo aponta a importância de se priorizar,

nas ações de formação docente, um princípio fundamental, defendido por Paulo Freire desde

seus primeiros estudos na década de 1950, a reflexão crítica sobre a prática, possibilitando,

aos professores, reverem suas concepções e reorientarem suas práticas pedagógicas.

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nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial [da] República

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BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução

CNE/CP 1/2002. 18 de fev. 2002. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de

Professores da Educação Básica em nível superior, em curso de licenciatura de graduação

plena. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF, 9

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APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A GESTORA LOCAL DO PBA

NO MUNICÍPIO DE UNIÃO DOS PALMARES

1. Como você vê o analfabetismo no Brasil?

2. Dê sua opinião sobre o fato de muitos jovens e adultos, que frequentaram classes de

alfabetização por diversas vezes, não terem aprendido nem a ler e escrever pequenos

textos.

3. Como você avalia o índice elevado de abandono das classes de alfabetização pelos

educandos de jovens e adultos?

4. Segundo seu entendimento, o que facilita e o que dificulta a alfabetização dos jovens e

adultos?

5. Como você avalia a importância da alfabetização para as camadas populares residentes em

cidades e no campo, considerando os contextos e as relações sociais, econômicas, políticas

e culturais contemporâneas?

6. Qual sua opinião sobre os programas nacionais de alfabetização de jovens e adultos no

Brasil? Exemplos: Mobral, Alfabetização Solidária e outros.

7. Quais os fatores que você considera favoráveis ao sucesso de programas de alfabetização

de jovens e adultos?

8. A que você atribui o fracasso dos programas de alfabetização de jovens e adultos no

Brasil?

9. Fale sobre o Programa Brasil Alfabetizado, enquanto uma política nacional de

educação/alfabetização de jovens e adultos, refletindo sobre sua organização e

funcionamento no município de União dos Palmares, sob os seguintes aspectos:

a) Estrutura, organização administrativa e recursos financeiros.

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b) Relação com o Sistema Municipal de Educação.

c) Concepções pedagógicas sobre alfabetização e material pedagógico.

d) Assistência à saúde oftalmológica dos alfabetizandos.

e) Condições físicas e materiais dos locais e salas de alfabetização.

f) Seleção, formação profissional, situação funcional e remuneração dos professores.

g) Acompanhamento e avaliação das práticas pedagógicas.

h) Acompanhamento dos resultados de aprendizagem dos alfabetizandos.

i) Especificidades na aplicação do Programa nas áreas rurais.

10. Há quanto tempo o Programa Brasil Alfabetizado funciona em União dos Palmares?

11. Quantos jovens e adultos foram atendidos nesse período? Quais os índices de abandono e

de aproveitamento?

12. O que você acha que precisa mudar no programa para que haja melhor aproveitamento?

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APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM COORDENADORAS DE TURMA

DO PBA

ANALFABETISMO – CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS INDIVIDUAIS E SOCIAIS

1. Como você vê o analfabetismo no Brasil?

2. Como você vê a situação do analfabetismo no Nordeste, em Alagoas e em União dos

Palmares?

3. Você conhece as taxas de analfabetismo absoluto e funcional?

4. Situação nas áreas urbanas e rurais.

5. Fale sobre os analfabetos jovens e adultos (situação socioeconômica e cultural).

6. Dê sua opinião sobre as causas do fracasso escolar na alfabetização de jovens e adultos.

7. Fale sobre necessidades de conhecimentos escolares por parte das populações residentes

nas cidades e no campo (relacionados à vida cotidiana nas práticas de trabalho, nas

práticas sociais, nas relações interpessoais e outras)

ALFABETIZAÇÃO – PROCESSOS E RELAÇÃO COM A SOCIEDADE

1. Fale sobre a importância da alfabetização para as camadas populares residentes em

cidades e no campo, considerando os contextos e as relações sociais, econômicas, políticas

e culturais atuais.

2. Em sua opinião, todas as pessoas no Brasil precisam ser alfabetizadas (pessoas residentes

em grandes médias e pequenas cidades; pessoas que moram em fazendas, sítios, nas

florestas, em praias de pescadores e outros espaços do campo)? Fale sobre isso.

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PROFESSOR ALFABETIZADOR/ PRÁTICA ALFABETIZADORA

1. O que você entende sobre concepções e práticas de alfabetização?

2. Você acha que deve haver diferença entre alfabetizar uma pessoa da cidade e

alfabetizar uma pessoa do campo? Fale sobe isso.

3. Há diferença entre alfabetizar uma criança e alfabetizar uma pessoa adulta?

4. Fale sobre a formação profissional, condições de trabalho, salários e outros fatores que

você considera necessários para o professor alfabetizador desempenhar sua função na

alfabetização dos jovens e adultos.

5. Fale sobre as condições físicas e materiais das salas de aula, os horários de aula e

outros fatores que você considera necessários ao funcionamento de uma classe de

alfabetização de jovens e adultos.

6. Dê sua opinião sobre o abandono das classes de alfabetização pelos alfabetizandos

jovens e adultos.

7. Por que existem jovens e adultos que frequentaram classes de alfabetização por

diversas vezes e não aprenderam nem a ler e escrever pequenos textos?

8. Segundo seu entendimento, o que facilita e o que dificulta a alfabetização dos jovens e

adultos?

9. Você considera necessário o acompanhamento pedagógico às classes de alfabetização

de jovens e adultos?

10. Como deve ser esse acompanhamento?

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APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO - COORDENADORA DE EJA

ATENDIMENTO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL PARA JOVENS E

ADULTOS NO MUNICÍPIO DE UNIÃO DOS PALMARES - ESTADO DE ALAGOAS

Conforme estabelece a Resolução no 002/2008, do Conselho Municipal de Educação

de União dos Palmares, Estado de Alagoas, que regulamenta a Educação de Jovens e

Adultos (EJA) no Município, o atendimento escolar aos jovens e adultos, maiores de 15 anos

de idade, no Ensino Fundamental é organizado em dois segmentos. O primeiro segmento

(correspondente ao período do 1º ao 5º ano do ensino fundamental regular), com duração

total de 600h, constitui-se de três etapas, e o segundo (correspondente ao período do 6º ao 9º

ano do ensino fundamental regular) também com duração de 600h e três etapas.

1. Para ingressar na 1ª. Etapa de EJA o educando já deve dominar a alfabetização inicial? Ou

essa iniciação é feita no início da 1ª Etapa?

2. Como é feito o ingresso na EJA dos educandos provenientes das classes do Programa

Brasil Alfabetizado?

3. Existem outros programas de alfabetização no Município, além do Brasil Alfabetizado?

Quais são e que órgãos ou entidades os administram?

A Resolução faz referências ao uso da avaliação em situações de acesso, avaliação no

processo e avanço para reclassificação dos educandos nas etapas da EJA.

4. Existe uma resolução específica que regulamente a avaliação do ensino e da aprendizagem

para todos os níveis e modalidades de ensino, oferecidos pelo Município, inclusive a EJA?

5. Como está regulamentada a avaliação do ensino e da aprendizagem?

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6. Como é realizada, na prática docente, a avaliação da aprendizagem dos educandos de

EJA?

7. Há avaliação da prática pedagógica docente? Como é feita?

8. No Art. 7º, a Resolução fixa a carga horária mínima da EJA (ensino fundamental) em

1.600 horas para cada etapa, totalizando 3.200 horas. Qual a duração de cada etapa, em

número de dias, semestres e anos letivos?

A Resolução estabelece no Art. 9º, os princípios a serem seguidos pelas unidades escolares,

na organização e funcionamento da EJA: flexibilidade com adequação às necessidades dos

educandos, podendo ser oferecida na forma presencial e à distância. Na elaboração das

propostas pedagógicas, as unidades escolares deverão observar a articulação da “base

comum com os aspectos da vida cidadã” e “os princípios pedagógicos da

interdisciplinaridade e contextualização dos conhecimentos...”.

9. Há definição do número de educandos para as turmas de EJA na forma presencial? Qual a

quantidade mínima e a máxima?

10. Qual a idade média dos educandos de EJA?

11. Quais as principais ocupações dos educandos de EJA?

12. Qual a proporção de homens e mulheres nas classes de EJA?

13. As unidades escolares têm autonomia para definir os horários de funcionamento das

classes de EJA para atender às necessidades dos educandos?

14. As unidades escolares organizam o calendário de EJA de modo a adequá-lo aos períodos

de plantio e colheita na agricultura e de outras atividades em outras áreas de trabalho dos

educandos?

15. O Município oferece a EJA na forma à distância? Como está organizada e como funciona?

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16. Quais os materiais didáticos utilizados nas aulas de EJA, tanto presenciais como à

distância?

17. De que modo, na prática, os professores desenvolvem a articulação de conhecimentos com

a vida cotidiana dos educandos, a interdisciplinaridade e a contextualização de

conhecimentos?

A Resolução estabelece, no Art. 5º, que os professores que atuam na EJA tenham habilitação

adequada e preparação específica para essa modalidade de ensino, atribuindo à Prefeitura a

responsabilidade na formação dos seus docentes.

18. Que cursos de formação inicial são exigidos do professor de EJA?

19. Que atividades de formação continuada são oferecidas pela Prefeitura aos professores de

EJA? Como funcionam essas atividades, com que periodicidade e duração?

20. Todos os professores que atuam na EJA são do Quadro Funcional da Prefeitura?

21. O professor de EJA pode assumir mais de uma turma?

22. Qual é a carga horária semanal do professor de EJA por turma?

23. Qual o valor bruto do salário mensal de um professor de EJA que tenha uma turma e

esteja em início de carreira? E daqueles que estão no final da carreira?

No Art. 22, a Resolução atribui à Secretaria Municipal de Educação a responsabilidade da

supervisão, acompanhamento, inspeção e avaliação da EJA no Município.

24. Que profissionais do quadro da Secretaria assumem essas atividades?

25. Como essas atividades são desenvolvidas?

26. Existe coordenador pedagógico nas unidades escolares? Que atividades eles assumem?

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27. Como é feito o planejamento de aulas e de outras atividades da EJA?

28. A Secretaria faz o controle estatístico da EJA? (matrícula, evasão, repetência, aprovação,

reprovação, etc.)

29. Quais os percentuais de aprovação, reprovação, desistência, evasão e repetência na EJA?

30. Em que etapa da EJA o número de desistentes e reprovados é maior?

31. A que fatores a Secretaria atribui a reprovação e a desistência (evasão)?

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APÊNDICE D - RELATÓRIO DE VISITAS A CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS EM ÁREAS RURAIS DO MUNICÍPIO DE UNIÃO DOS

PALMARES

1. Distrito Rocha Cavalcanti

Realizei três visitas ao distrito Rocha Cavalcanti nos dias 11, 15 e 19 de março de

2010. Localizado a 7 km da sede do Município, à margem do rio Mundaú é o único distrito de

União dos Palmares. Anteriormente denominado Barra do Canhoto, a prefeitura mudou seu

nome para distrito Rocha Cavalcanti, porém, a população continua chamando-o Barra do

Canhoto.

A sede do Distrito compõe-se de um aglomerado de casas residenciais, pequenos

estabelecimentos comerciais e alguns equipamentos públicos. Na rua principal, há uma

estação desativada da linha ferroviária que ligava o Estado de Alagoas a Pernambuco. Essa

linha está em processo de recuperação, integrando o projeto federal da Ferrovia

Transnordestina.

Entre os equipamentos públicos, há uma escola municipal que oferece ensino

fundamental completo, uma creche e um posto de saúde. Na mesma rua há uma capela, onde

são celebradas missas, novenas e outros rituais da Igreja Católica. Durante uma de minhas

visitas ao distrito, no período da Semana Santa, observei e registrei em fotografia uma

procissão alusiva à “Via Sacra de Jesus Cristo”.

As habitações são construções modestas, porém, em sua quase totalidade dispõem de

antenas parabólicas, que captam com exclusividade a programação televisiva transmitida

diretamente do Rio de Janeiro e de São Paulo.

O Distrito dispõe de energia elétrica, serviço de telefonia fixa e água encanada, porém

não conta com serviço de telefonia móvel, não tem acesso à Internet, nem rede de esgoto. Os

dejetos domésticos são lançados diretamente no rio Mundaú, que o banha.

Os meios de vida da população são muito precários, limitando-se a atividades braçais

nas fazendas e usinas da região, alguns poucos empregos permanentes e temporários em

órgãos públicos municipais e pequenos serviços avulsos. Desta forma, é compreensível a

ansiedade das pessoas com a reativação da rede ferroviária, na expectativa da criação de

novos postos de trabalho, especialmente para os homens.

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Segundo depoimentos das pessoas com as quais conversei, o Distrito oferece poucas

opções de lazer, limitando-se a bares, em frente dos quais rapazes da cidade estacionam

automóveis com caixas de som potentes, instaladas nos porta-malas. Em alto volume,

reproduzem músicas sertanejas, axé music e similares, atraindo as mocinhas do distrito, que

acompanham o som dançando com os rapazes em volta dos carros, conforme observei em

uma de minhas visitas.

A televisão parece ser o único veículo que estabelece conexão da população com o

“mundo moderno”. Para as pessoas que não dispõem de aparelho de TV em seus domicílios, a

prefeitura instalou um “aparelho público” numa praça ao lado da estação ferroviária. O

aparelho de, aproximadamente, 20 polegadas, é mantido numa caixa gradeada de varões de

ferro, sob um pedestal de alvenaria. Informações de depoentes locais dão conta de que são as

pessoas dos sítios que compõem a audiência da “televisão da praça”, quando vêm à sede do

Distrito para resolver alguma coisa.

A área do Distrito, além da sede, compõe-se de fazendas de-cana-de-açúcar e criação

de gado e de algumas pequenas propriedades rurais, normalmente pequenos sítios.

O distrito Rocha Cavalcanti, no período da pesquisa, contava com 12 classes de

alfabetização de jovens e adultos vinculadas ao Programa Brasil Alfabetizado. Visitei todas as

classes, acompanhada da coordenadora local do Programa, e entrevistei cinco dos doze

professores.

De um modo geral, as condições físicas das classes são muito precárias, com exceção

das três que funcionam na escola municipal, sob a responsabilidade de três professoras. O

prédio da escola, situado na rua principal do Distrito, é uma construção de alvenaria, bem

conservada e com uma área suficiente para o número de estudantes atendidos. Dispunha de

mobiliário e equipamentos escolares adequados e em bom estado de conservação, os quais

aparentavam terem sido adquiridos recentemente. Além de outros ambientes, as salas de aula

eram amplas, ventiladas e bem iluminadas.

Outras três classes, que funcionam também no período noturno, apresentam condições

físicas medianas. Duas delas funcionavam no prédio de uma creche. Diferentemente da

escola, a creche, também localizada na rua central do distrito, funcionava em um prédio

adaptado. As salas, decoradas com motivos infantis, eram de tamanho razoável, porém, muito

estreitas. O quadro de giz, as bancas escolares e a mesa da professora estavam, relativamente,

conservados, porém, parte deles necessitava de reparos.

A terceira classe, instalada no prédio de uma associação comunitária, localizada na

sede do Distrito, funcionava no período da tarde. A sala era ampla, bem ventilada e com boa

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iluminação natural. O quadro de giz, as bancas escolares e a mesa da professora apresentavam

estado razoável de conservação, embora, também carecessem de manutenção.

As outras seis classes do distrito Rocha Cavalcanti dispunham das piores condições

físicas. Dessas, duas localizavam-se na sede do Distrito; uma funcionava na garagem da

residência da professora. O espaço físico era muito pequeno e a ventilação muito precária,

provocando um calor insuportável! Essa classe era constituída exclusivamente de mulheres,

donas-de-casa que desejam se alfabetizar, mas que alegavam não dispor de tempo no período

noturno.

Por isto, escolheram o horário das 13h às 15h. Conforme me falaram as alfabetizandas,

esse horário lhes permitia cuidarem da casa, prepararem e servirem o almoço aos maridos e

filhos e frequentarem as aulas na parte da tarde. E, ainda, retornavam para suas casas com

tempo para lavarem as louças do almoço, prepararem e servirem o jantar, cuidarem de outros

afazeres domésticos e acompanharem as novelas na televisão.

A outra classe funciona no turno noturno e também era improvisada na sala da

residência do professor. O espaço era muito pequeno e comportava, no máximo, cinco

pessoas, incluindo o professor. Dispunha de um quadro de giz muito pequeno. Não tinha

cadeiras escolares. Os alfabetizandos sentavam-se no sofá e em cadeiras sem suporte.

Escreviam com o caderno apoiado no colo.

Outras três classes, instaladas em pequenas salas do galpão da fazenda, funcionavam

no período noturno. Os quadros de giz eram muito pequenos e as cadeiras escolares

desconfortáveis e mal conservadas.

A décima segunda classe, instalada num galpão de uma fazenda produtora de cana-de-

açúcar, funcionava no período noturno. As condições da sala eram muito ruins! Embora fosse

ampla, a iluminação era insuficiente. Dispunha de uma lâmpada muito fraca, posicionada no

centro da sala, o que obrigava os alfabetizandos a se apertarem embaixo dessa lâmpada a fim

de enxergarem melhor. O quadro de giz, pintado de verde sobre a parede da sala, estava muito

desgastado, obrigando o professor a escrever nos espaços entre os inúmeros buracos.

Os alfabetizandos aproveitaram minha visita, acompanhada da coordenadora

pedagógica, para reclamar da má iluminação da sala, do atraso no envio da merenda e na falta

de encaminhamento deles ao médico para realizarem exames oftalmológicos e receberem

óculos, conforme consta nas ações do Programa Brasil Alfabetizado.

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2. Sítios Duas Barras e Água Fria

Visitei os sítios Duas Barras e Água Fria nos dias 17 e 18 de março de 2010. Situados

no topo de uma serra a, aproximadamente, 10 km do município de União dos Palmares, o

primeiro localiza-se nesse município e o segundo no município de Santana do Mundaú. Os

referidos sítios constituem-se de extensas áreas de terras subdivididas em pequenas

propriedades familiares.

Embora localizadas em municípios diferentes, as duas classes de alfabetização do

Programa Brasil Alfabetizado (PBA), ficam próximas, distando, aproximadamente, 1 km uma

da outra. Ambas são administradas pela gerência do PBA, sediada na cidade de União dos

Palmares.

O acesso à serra, saindo da cidade de União dos Palmares, é feito pela rodovia federal

BR-104 até sua base. A subida é efetuada por uma estrada de terra muito precária, estreita e

acidentada, por onde é possível passar apenas um veículo motorizado. Quando ocorre de dois

veículos trafegarem em direções opostas, um deles precisa retornar de marcha à ré até

encontrar um espaço para dar passagem ao outro.

A paisagem na Serra difere das áreas planas, onde ainda se avistam vastos canaviais ao

lado de terras inóspitas, destruídas por cinco séculos de exploração predatória da monocultura

da cana-de-açúcar, introduzida no Brasil desde a colonização portuguesa.

Ao lado de grandes latifúndios, subsistem pequenos sítios familiares, onde a pobreza

apresenta melhores condições de vida, comparada à situação pobreza extrema, beirando a

miséria, das famílias que sobrevivem do trabalho braçal nas fazendas de cana-de-açúcar e de

criação de gado bovino.

Na Serra, as terras aparentam ter maior fertilidade. Correntes de água brotam de suas

encostas, molhando o chão, formando lagoas, alimentando uma vegetação diversificada.

Árvores remanescentes da Mata Atlântica se intercalam com jaqueiras e mangueiras que dão

frutos anos a fio, ao lado de culturas temporárias, especialmente, uma variedade grande de

bananas e laranjas, base da renda familiar dos sitiantes, ao lado de plantios de mandioca,

inhame, batata-doce, feijão e milho, cultivados para consumo doméstico e comercialização

nas feiras da região.

Mesmo no verão, o clima na serra é mais ameno do que nas áreas planas do

Município. À noite, a temperatura cai um pouco, chegando a fazer frio, porém o céu é limpo,

podendo-se observar as estrelas e outros astros e se identificar constelações com facilidade.

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Dada a distância e a dificuldade de transporte para a serra75

, precisei hospedar-me na

residência da professora Rose, responsável pela classe do sítio Duas Barras. Ela mora com os

pais e dois irmãos pequenos, num pequeno lote de terra que garante à família viver “uma vida

de pobre, mas uma vida decente, com comida na mesa, sem ter que morrer na palha da cana”,

conforme palavras do seu pai.

Sua família mostrou-se bem acolhedora. Como é comum nas pessoas do campo, o

casal e os filhos me trataram com muita atenção. Receberam-me para jantar com uma mesa

farta e variada - macaxeira e banana comprida cozida, galinha guisada, doce de banana e bolo,

mas tinha, também, uma sacola de pão e refrigerante. Suponho que pensam que "pessoas da

cidade" não podem passar sem essas coisas. Com jeito, disse-lhes que preferia os alimentos

naturais, produzidos por eles no sítio. Mostraram-se surpresos, mas demonstraram aprovação.

Até poucos anos atrás, a família da professora vivia agregada em propriedade alheia.

Com muito trabalho e sacrifício, conseguiu adquirir uma parcela de terra, situar roça e

construir uma casa de alvenaria que, embora ainda necessite de acabamento, é mostrada com

muito orgulho e contentamento. A casa tem alpendre em todo seu contorno e dispõe de

cômodos suficientes para toda a família, inclusive com banheiro e bacia sanitária, apesar de

não dispor de água encanada.

Rose, a filha mais velha, com 22 anos de idade, conseguiu concluir o ensino médio e

desejava cursar o ensino superior. Assim afirmava: “Quero fazer Pedagogia porque adoro

ensinar! Quero ser professora!” Mas ela considera muito difícil realizar seu sonho porque a

UFAL76

, mesmo tendo unidades no interior que oferecem o curso de Pedagogia, estas ficam

distantes e a família não tem condições de pagar hospedagem. Nos municípios mais

próximos, onde também é oferecido o curso, as instituições de ensino são particulares,

portanto, pagas.

Como os poucos jovens do lugar, que conseguiram cursar o ensino médio, Rose disse

que estudou com muita dificuldade e sacrifício, decorrentes tanto das más condições de vida

de sua família, quanto da falta de escola de ensino fundamental completo e de ensino médio,

na área rural.

75

O único transporte motorizado regular é o caminhão que transporta as crianças e jovens para as escolas na

cidade de União dos Palmares, porém. Ele faz apenas uma viagem por dia. Seu proprietário, embora more na

cidade, dorme na serra durante a semana. Pela manhã, ele transporta as crianças da serra para a cidade, onde

permanece até o final da tarde, quando leva as crianças de volta para suas residências na serra. 76

Universidade Federal de Alagoas.

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Os irmãos menores da professora frequentavam uma escola municipal, mas,

provavelmente, não concluirão o ensino fundamental. Seus pais e parentes adultos são todos

analfabetos. Naquele momento, frequentavam a classe de alfabetização na qual ela leciona.

A classe do Sítio Água Fria era dirigida por um rapaz de 21 anos, que tinha o ensino

médio concluído, mas não tinha formação docente. Também vivia com os pais e irmãos numa

parcela de terra própria. A agricultura e a criação de animais domésticos eram o principal

meio de vida de sua família que, pela qualidade da moradia e outros aspectos significativos,

aparentava condições melhores de vida, quando comparadas à situação de outras famílias

camponesas da área rural.

A família do professor Jack mantinha uma casa na cidade de União dos Palmares, para

onde mandavam os filhos a fim de darem continuidade à escolarização e a usavam, também,

para se hospedarem em dias de feira, nas festas e em outros eventos da cidade.

Mesmo tendo uma melhor condição de vida, comparando com os familiares da

professora Rose, os pais e outros parentes adultos de Jack eram todos analfabetos e, naquele

momento, também frequentavam a classe de alfabetização dirigida por ele.

Jack, diferentemente de outros jovens da área rural, tinha uma moto para seu

transporte próprio77

. Na entrevista, mostrou-se desinibido, comunicando-se com facilidade e

com fluência verbal ao expor suas opiniões a respeito dos temas tratados. Desejava cursar

medicina veterinária na UFAL, com o objetivo de montar uma clínica em União dos

Palmares, para dar atendimento a animais domésticos de estimação (cães, gatos, outros).

Supunha ser rentável essa atividade, uma vez que não existia esse serviço na cidade.

A oferta de escolarização na serra, assim como em toda a área rural do município de

União dos Palmares, limita-se ao primeiro segmento do ensino fundamental, em escolas

municipais. Para concluir esse nível de ensino e cursar o ensino médio, as crianças e jovens

precisam se deslocar da área rural para a Cidade – sede do município.

Além das dificuldades das famílias camponesas para liberar seus filhos do trabalho por

boa parte do dia, as condições de deslocamento para a cidade são muito precárias. A

Prefeitura disponibiliza um pequeno caminhão antigo, adaptado com cobertura de lona e com

tábuas colocadas na carroceria, as quais servem de assento para os educandos. Esse caminhão,

de propriedade do marido de uma das coordenadoras do PBA, é alugado pela Prefeitura. Foi

nesse transporte que me desloquei para as visitas às classes situadas na Serra.

77

Foi nessa moto que ele me transportou da residência da professora Rose para sua residência, na ocasião em

que visitei sua classe de alfabetização.

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Durante a viagem, em conversa com o proprietário do caminhão, fui informada de que,

há nove anos, ele presta aquele serviço para a Prefeitura. Sabe da proibição do uso daquele

tipo de veículo no transporte de estudantes, mas justifica dizendo que outro tipo de viatura

não consegue transitar na Serra:

Só esse tipo de carro consegue rodar nessas estradas de terra [estreitas, esburacadas,

cheias de curvas e com subidas íngremes]. Ônibus não passa nessa estrada. Se tentar,

fica. Às vezes, a gente tem que se livrar da Federal78

, quando ela tá na BR [BR 104].

Outras vezes, a gente não consegue escapar dela, aí toma multa. No momento, tou

devendo duas multas de mais de R$ 500,00.

O senhor Silvério acrescentou que, todos os anos, durante o período do inverno, a

população da serra fica isolada porque as chuvas são intensas, os cursos d’água transbordam

inundando as áreas mais baixas e destroem as estradas; nenhum transporte motorizado

consegue transitar. Em alguns trechos, é possível transitar apenas a cavalo para resolver

alguma necessidade de extrema urgência.

Desse modo, durante o inverno, os estudantes dessa e de outras áreas rurais do

município em condições semelhantes, deixam de frequentar a escola.

A maioria das pessoas que habita a serra não é alfabetizada. Os adultos, com os quais

conversei nas classes visitadas, expressaram uma visão sobre a necessidade de escolarização

como “uma coisa muito importante para os pobres melhorarem de vida”. Por isso, dizem que

lutam e fazem todos os sacrifícios para os filhos estudarem.

Quando indagados em relação à sua condição de analfabetos, justificaram, ora como

dificuldade de frequentar escola na infância, em decorrência da pobreza, ora como

incapacidade cognitiva.

As classes de alfabetização de jovens e adultos do PBA, instaladas nos sítios Duas

Barras e Água Fria, funcionam nas residências das famílias dos professores. Ambas, embora

em locais diferentes, são improvisadas nos alpendres das respectivas casas. São áreas

cobertas, porém estreitas e abertas. Dispõem de um pequeno quadro de giz e de cadeiras e

bancos cedidos pelas famílias. Como os assentos não têm apoio, os alfabetizandos usam o

material didático sobre as pernas, inclusive os cadernos, no momento de escrever.

Os professores informaram que, pelas normas do PBA, ao aceitarem assumir uma

classe de alfabetização, tornam-se responsáveis por providenciar o local e o mobiliário

necessário ao seu funcionamento. A administração do Programa distribui livros, cadernos,

lápis, outros materiais e merenda. Informaram que o PBA também é responsável pela

78

Polícia Rodoviária Federal.

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realização de exames oftalmológicos e pela distribuição de óculos para aqueles que

necessitarem. Entretanto, até aquele momento, isto não havia acontecido.

3. Fazenda Brejo do Vieira

Visitei a fazenda Brejo do Vieira, situada próxima à cidade de União dos Palmares, na

noite do dia 18/03/2010, acompanhada da coordenadora de turma, que informou haver duas

classes de alfabetização de jovens e adultos no local.

A primeira classe a ser visitada e que, segundo a coordenadora, funcionava numa

pequena escola municipal, encontrava-se fechada, quando lá chegamos, às 19h. Não havia

nenhuma pessoa no local para dar qualquer informação. A coordenadora disse não ter

conhecimento da suspensão das aulas, nem do motivo. O prédio da escola fica num local ermo

e mal iluminado, no meio de uma área de mato. Não visualizei nenhuma residência em suas

proximidades.

A segunda classe estava tendo aula quando chegamos. Havia quatro alunos.

Funcionava no terreiro da casa da professora. Havia um caminhão estacionado, delimitando o

espaço da “sala de aula” de um lado e, do outro, a calçada da casa, em plano mais elevado,

onde havia um pequeno quadro de giz apoiado numa cadeira. No espaço (muito estreito) entre

o caminhão e a calçada ficavam quatro cadeiras velhas, onde os alunos estavam sentados. A

professora escrevia no quadro, quando chegamos.

Após ser apresentada pela coordenadora, expliquei o motivo da minha visita para os

alunos e a professora, que ouviram atenciosos, porém sem emitirem comentários. Indagados

sobre como se sentiam tendo aulas naquele espaço, os alunos responderam que estava bom,

que a professora ensina bem e eles tinham esperança de aprender a ler e escrever.

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APÊNDICE E – CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES ENTREVISTADOS

Na primeira fase da pesquisa de campo do projeto - Analfabetismo e Alfabetização:

representações de professores-alfabetizadores de camponeses quilombolas jovens e adultos -

foram entrevistados 10 professores, selecionados entre os 18 das classes visitadas nas áreas

rurais de União dos Palmares. No grupo, havia professores dos diferentes localidades das

áreas rurais que constituem o município: sede do único distrito rural, fazendas de plantação de

cana e criação de gado, povoados, pequenos sítios de propriedade de pequenos agricultores e

a comunidade quilombola, onde foi desenvolvido o estudo etnográfico desta pesquisa.

O grupo de professores compunha-se de nove mulheres e um homem. Todos exerciam

a docência em classes de alfabetização de jovens e adultos do Programa Brasil Alfabetizado,

único programa que oferecia alfabetização de jovens e adultos no município.

As mulheres, com exceção de uma delas, se declaravam “vocacionadas” para a

docência, tendo a profissão de professor como projeto de vida que lhes conferia prestígio

social. Uma minoria considerava a profissão mal remunerada.

O único professor do sexo masculino, que assumia uma classe na residência de sua

família num sítio distante da cidade, o fazia pela carência absoluta de outra pessoa no local

com escolaridade mínima para assumir a atividade de alfabetização. Com o ensino médio

concluído, seu desejo era cursar Veterinária na UFAL, em Maceió, a fim de abrir uma clínica

na cidade de União dos Palmares, para atendimento a animais domésticos de estimação.

O grupo tinha entre 20 a 47 anos de idade, sendo que a maioria estava na faixa etária

de 20 a 26 anos e todos eram nativos. A maioria nasceu nos locais onde residia e trabalhava.

Os demais nasceram na cidade de União dos Palmares e em cidades da redondeza, em

decorrência do deslocamento de suas mães para terem os filhos em maternidade.

A maioria (seis) tinha formação em curso normal de nível médio. A professora de

maior idade (47 anos) estava concluindo graduação em História e apenas uma, com ensino

fundamental, estava cursando o último ano do ensino médio. A maioria (seis) tinha

experiência em alfabetização de crianças, mas, apenas duas tinham em alfabetização de

jovens e adultos. Quatro não tinham nenhuma experiência docente.

Metade do grupo mantinha vínculo com a rede pública de ensino do município,

assumindo, em um turno, uma classe do primeiro segmento do ensino fundamental e, em

outro turno, normalmente à noite, uma classe de alfabetização de jovens e adultos79

.

79

Norma do Programa Brasil Alfabetizado a partir de 2010.

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APÊNDICE F - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PROFESSORES-

ALFABETIZADORES

ANALFABETISMO

1. O que é o analfabetismo?

2. Você sabe o que é analfabetismo funcional?

3. Você sabe quais são as taxas de analfabetismo no Brasil e em Alagoas?

4. O que provoca o analfabetismo?

5. Por que existem jovens e adultos que frequentaram classes de alfabetização e não

aprenderam nem a ler e escrever?

6. Por que muitos jovens e adultos abandonam as classes de alfabetização?

7. O analfabetismo interfere na vida dessas pessoas?

8. O analfabetismo interfere na sociedade?

ALFABETIZAÇÃO

1. O que é alfabetização?

2. A alfabetização tem importância na vida das pessoas?

3. Todas as pessoas precisam ser alfabetizadas?

4. As pessoas que moram em cidades precisam se alfabetizar?

5. As pessoas do campo precisam se alfabetizar?

6. Há diferença entre alfabetizar uma criança e alfabetizar um adulto?

7. Há diferença entre alfabetizar uma pessoa do campo e alfabetizar uma pessoa da cidade?

8. Que formação precisa ter o professor para ser alfabetizador?

9. O professor-alfabetizador precisa de acompanhamento pedagógico?

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APÊNDICE G - FORMULÁRIO DE COLETA DE DADOS DOS PROFESSORES-

ALFABETIZADORES

Data: _____/_____/_____

1. Identificação do (a) professor (a)

Nome: Pseudônimo:

Sexo: F ( ) M ( )

Idade: .......................

Local de nascimento (município/cidade): ........................................

.................................................................................. UF: ................

Residência:

E-mail: Fone:

2. Escolarização: Fundamental concluído ( ) Ensino Médio concluído ( ) Superior ( )

3. Formação profissional: Normal Médio ( ) Pedagogia ( ) outros cursos ( )

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4. Experiência anterior de trabalho:

Instituição Curso/série Tempo serviço

5. Trabalho atual:

Instituição Curso/série Tempo serviço

6. Relação de trabalho: estatutário ( ) contrato temporário ( ) monitoria ou estágio ( )

Voluntário sem remuneração ( )

7. Salário mensal aproximado: Menos de 1 SM ( ) - 1 SM ( ) - Mais de 1 SM ( )80

80

Valor do Salário Mínimo (SM) no ano da pesquisa – R$ 510,00

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APÊNDICE H - UMA AULA DA PROFESSORA ANITA

Figura 8 – Professora Anita durante uma aula na escola municipal de Muquém. Maio de 2010. (Foto:

Reneude Sá).

Decidi transcrever aqui a última aula que observei na classe de alfabetização de jovens

e adultos da professora Anita. Pretendo, com essa descrição, mostrar o que me pareceu ser a

dinâmica cotidiana da sua sala de aula, ressaltando elementos que, possivelmente, entram na

construção de suas representações sobre analfabetismo e alfabetização.

Por outro lado, busco identificar pontos que mostram repercussões das representações

da professora na sua prática pedagógica na alfabetização de jovens e adultos quilombolas.

Segue-se, portanto, a transcrição da aula da professora Anita.

No dia 21 de maio de 2010, como eu fazia habitualmente, jantei por volta das 18h.

Peguei minha bolsa que continha o gravador, a máquina fotográfica, o caderno de campo e

outros materiais. Chamei Toni, o filho da senhora que me hospedou, acendi a lanterna e

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seguimos pelo caminho de terra que passava por dentro das roças até a escola. Mais ou menos

na metade do caminho, encontramos duas jovens que, também, se dirigiam ao mesmo local.

Seguimos conversando até chegar ao nosso destino. Aproximadamente, 1 km de caminhada.

Não havia iluminação na frente da escola, nem no pátio interno. Apenas a sala de aula

era iluminada. Toni me disse que havia muito tempo as lâmpadas haviam queimado e a

prefeitura não as substituíra.

Sentindo nossa presença, os cachorros, que sempre se encontravam no terreiro da

escola, correram em nossa direção, latindo e abanando seus rabos. Sempre aparecia algum

sapo-cururu que, incomodado com nossa chegada, saía pulando para dentro do mato. Com o

correr dos dias, eu acabei me acostumando com eles, que já não me assustavam mais.

Toni sentou-se no chão, recostando-se na parede do pátio junto à porta da sala, como

costumava fazer. Eu entrei na sala de aula e sentei. Havia três senhoras, uma jovem e algumas

crianças que acompanhavam suas mães. Não chegaram mais alunos até o final da aula. A

frequência média da turma, durante meu período de observação, era de oito alfabetizandos.

A professora Anita chegou logo após a minha entrada na sala. Eram 19h. Colocou

sobre a mesa os cadernos e outros materiais que trouxera nos braços. Olhou para as alunas,

sorriu timidamente e me cumprimentou: “Boa noite, professora!” Depois, dirigiu-se ao quadro

de giz e, em silêncio, escreveu:

Muquém, 21 de maio de 2010 – 6ª feira.

Vevisão da semana - sílabas estudadas

Percebendo o engano, apagou a palavra “vevisão” e escreveu corretamente – Revisão.

Ficou, um momento, olhando em silêncio para o quadro de giz. Sem se voltar para as alunas,

disse que sua letra estava feia. Apagou e escreveu novamente. Não satisfeita, apagou de novo

e reescreveu mais uma vez, completando o título:

Revisão da semana - sílabas estudadas: lha, lhe, lhi, lho, lhu

As alunas, que já estavam conversando quando eu entrei na sala, continuaram num

tom de voz baixo, falando uma de cada vez, abordando fatos variados de suas vidas cotidianas

e da comunidade. Em alguns momentos, falando em voz baixa, parecia que estavam pensando

alto:

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“As mulheres da secretaria81

, que estiveram aqui ontem de manhã, mandaram as mães

se organizar para ir à prefeitura cobrar, do prefeito, o conserto da escola e a merenda, que esse

ano ainda não chegou.”

A conversa das alunas ia se intercalando com a fala da professora e a realização das

suas atividades. A professora não demonstrava se incomodar com aquilo. Quando o assunto

lhe interessava, ela participava da conversa. Apenas quando concluía a escrita no quadro de

giz, ela pedia para as alunas prestarem atenção na sua orientação, a fim de realizarem a

atividade82

.

Ao concluir a escrita do título da aula, a professora pediu que as alunas escrevessem,

em seus cadernos, as sílabas que ela registrou no quadro: lha, lhe, lhi, lho, lhu. Passados

alguns minutos, foi solicitando às alunas, uma a uma, que lessem as sílabas escritas. Apenas

uma aluna pronunciou corretamente. As demais leram: “la, le, li, lo, lu”. Então, a professora

leu corretamente cada sílaba e pediu que cada aluna repetisse, individualmente,

acompanhando-a.

Em seguida, escreveu no quadro a palavra “milho” e pediu para reconhecerem letra

por letra: “m – i – l – h – o”. As alunas, individualmente, tentaram identificá-las, mas poucas

conseguiram reconhecer alguma letra.

Nesse momento, as alunas falavam sobre a viagem que fariam ao Juazeiro do Padre

Cícero [no Ceará]. A professora entrou na conversa:

- “Eu, também, preciso ir ao Juazeiro este ano, porque preciso pagar uma promessa”.

Voltou-se para o quadro, pronunciou a palavra milho pausadamente e pediu às alunas

para repetirem em coro: mi-lho. E perguntou: “Qual o bicho que come milho”? Uma senhora

respondeu: “Nós mesmo come”. Não satisfeita, a professora insistiu: “Pra qual bicho a gente

compra milho pra dar”? As alunas: “cavalo, vaca, galinha...”. A professora: “Isso! Muito

bem”! Chamou uma aluna ao quadro: “Circule a sílaba lho na palavra milho”. A aluna não

81

No dia anterior, estiveram, em visita à escola, algumas técnicas da Secretaria Municipal de Educação de União

dos Palmares. 82

Presenciei essa dinâmica em todas as aulas que observei, mas, raramente, vi ou ouvi a professora repreender

algum aluno.

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sabia o que significava “circular”, ela explicou, mostrando como fazer um círculo. A aluna

levou alguns segundos vacilando até identificar e circular a sílaba lho.

A conversa continuou:

- “Eu queria ir pra novena no centrinho83

, mas não fui porque vim pra aula”.

- “Sabia que o namorado da filha de Madalena tá aí”?

- “Ele foi cortar cana no Espírito Santo. Voltou com dinheiro”.

- “Dessa vez, eles casam”.

A professora escreveu no quadro a palavra abelha e pediu que lessem soletrando: a – b

– e – l – h – a. Como as alunas não conseguiam reconhecer as letras, a professora mudou a

atividade: “A palavra é abe....” As alunas completaram: lha. Chamou outra aluna para

circular a sílaba lha na palavra “abelha”, mostrando a sílaba isolada já circulada. Mesmo

assim, a aluna não conseguiu entender.

Uma aluna falou para outra que estava se queixando de um problema com o filho:

- “Deus toma conta de tudo. Quando tem uma necessidade, chama por Deus que ele

ajuda”.

- “Amanhã eu vou pescar no rio. Eu tenho mais ciúme do meu puçá84

do que do meu

marido.”

A professora escreveu outra palavra no quadro: orelhudo. Pediu às alunas para lerem.

Como elas não conseguiam, ela falou:

“Vou dar umas dicas: os animais têm isso muito grande”. Silêncio... “A gente,

também, chama esse nome com as pessoas”.

As alunas não conseguiam adivinhar. Então ela passou a soletrar: o-r-e-l-h-u-d-o.

“Agora, repitam de uma vez só: orelhudo”. Mesmo assim, as alunas diziam que não estavam

entendendo. Então, ela mesma leu a palavra e pediu para repetirem: orelhudo.

Enquanto a professora estava escrevendo outra atividade no quadro, as alunas

continuavam conversando:

83

Referência a um centro social localizado em uma das entradas do povoado Muquém. 84

Instrumento de pesca muito usado na região. É uma rede cônica, com um aro de arame na boca. Assemelha-se

a um coador de café.

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- “Todo mundo tem medo do mês de São João [junho], de Santana [julho] e de

agosto”.

- “É por causa das chuvas”.

- “Quando chove muito, morre muita gente nesses meses85

”.

- “Minha menina foi enterrada no chão e a chuva levou ela com caixão e tudo”.

- “Essa minha menina dava surra nessas meninas tudinho daqui. Ela era bonita! Tinha

o cabelo escorrido”.

A professora concluiu a escrita do exercício, leu-o em voz alta e mandou as alunas

fazerem o que estava sendo pedido:

Atividade de Português (Revisão)

1º - Circule as sílabas lha, lhe, lhi, lho, lhu nas palavras:

Milhão

Abelha

Abelhuda

Agulha

Olho

Milho

Palhaço

Bilhete

Toalha

Palha

Orelhudo

Palhoça

A professora circulou a sílaba lhão na primeira palavra, mostrando às alunas como

deveriam fazer.

2º - Complete as palavras com as sílabas: lha – lhe – lhi – lho – lhu:

85

Um mês, aproximadamente, após a conclusão do meu trabalho de campo, deu-se uma tragédia nos estados de

Alagoas e Pernambuco, decorrente de grandes temporais que destruíram cidades, provocaram mortes e deixaram

milhares de pessoas desabrigadas. O município de União dos Palmares foi um dos mais atingidos, conforme

temiam as alunas. A tragédia foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação nacionais.

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Pa______

Mi _____

Bi _____ te

Joe ____

Ore ___ do

Pa ____ ço

Abe ____

As alunas se inclinaram sobre o caderno no braço da banca, aparentando estarem

fazendo a atividade, mas a conversa continuava:

“No São João eu ia sair de casa, mas nem vou. Ia pra Branquinha86

”.

“Eu quero pagar um plano funerário.”

“Pois eu quero me enterrar na cova de vô.”

Após alguns minutos, a professora foi ao quadro e perguntou “como ficou” cada

palavra completada com as sílabas, à medida que ia apontando, com o dedo, algumas delas e

formulando perguntas para as alunas descobrirem:

Bi ___ te - “O que os namorados escrevem para suas namoradas”?

Pa ___ço - “Hoje tem marmelada? Olhe o nariz vermelho dele!”

Pa ____ - “O que os maridos de vocês vão cortar no canavial”?

Joe ____ - “De que Dona Maria se queixa que dói muito”?

Abe ____ - “Que bicho ferroa a gente e dói muito”?

As alunas continuaram tentando fazer o exercício no caderno, mas não pararam de

conversar:

- “Pai, hoje, foi botar fogo no forno pra queimar as panelas e estourou oito ovos da

minha galinha. Eu tive uma dó!”

– “E, por que a galinha foi botar ovo no forno?”

– Num sei, porque, antes, ela botava na minha cama”.

86

Município próximo a União dos Palmares.

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- “Os maridos que vão cortar cana no Espírito Santo, quando assinam a carteira é bom

porque eles voltam e ficam três meses recebendo seguro desemprego.”

- “Eu já cortei muita cana.”

- “Eu também!” Disse a professora, que acabou entrando na conversa.

A professora aproximou-se de uma senhora (sua mãe), que estava tentando fazer o

exercício, pegou em sua mão e, conduzindo-a, foi traçando as letras lentamente. Depois,

dirigiu-se ao quadro. Em silêncio, fez o exercício, completando a escrita das palavras. Leu-as

em voz alta e pediu às alunas que repetissem com ela. Depois, encerrou a aula. Eram 21h.

Ao final, as alunas se dirigiram a mim, perguntando quanto tempo eu ainda iria

observar a classe, e me convidaram para vir ao encerramento do curso [previsto para o mês de

julho]. Lamentaram quando eu disse que aquela tinha sido minha última noite de observação

na classe delas.

Saímos todos juntos, conversando, até tomarmos, cada um, a direção de suas

moradias.

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APÊNDICE I - UMA AULA DA PROFESSORA MARIANA

Figura 9 – Aula de alfabetização de jovens e adultos no Centro Comunitário de Muquém. Maio de 2010.

(Foto: Reneude Sá)

Durante o período de uma semana, em que observei a classe da professora Mariana,

fiquei hospedada na cidade de União dos Palmares a, aproximadamente, 4 km do povoado de

Muquém, para onde me deslocava todas as noites.

Como procedi durante todo o período de observação, no dia 25/05/2010, cheguei ao

Centrinho às 18h30min. A professora e os alunos, incluindo sua mãe, Dona Silvana, que

também participava da classe de alfabetização, estavam se preparando para começar a reza do

terço, em comemoração ao mês mariano.

A cerimônia começou com a leitura de um trecho do evangelho, realizada por D.

Silvana que, em seguida, convidou todos para “refletir sobre a palavra de Deus”. Ela ia

fazendo perguntas e os alunos, espontaneamente, iam respondendo. Naquela noite, ela exaltou

os efeitos da prática do terço, que vinha sendo rezado desde o início do mês: “O Espírito

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Santo baixou em nossa classe. Até a semana passada, poucos alunos iam ao quadro. A maioria

ficava inibida, mas, a partir de 2ª feira, todos se modificaram, principalmente os alunos que

não gostavam de ir ao quadro.”

D. Silvana falou, ainda, por alguns minutos e, depois, incentivou os alunos a se

pronunciarem. Concordando com ela, alguns fizeram comentários reafirmando sua fala.

Outros relataram episódios ocorridos fora da sala de aula. Em seguida, recitaram o terço, com

D. Silvana falando a parte inicial das orações do Pai-Nosso e da Ave-Maria e os alunos

respondendo com a segunda parte. A cerimônia foi finalizada com a recitação da oração da

Salve-Rainha.

Concluído o terço, a professora deu início às atividades. Os 13 alunos, que

frequentavam regularmente as aulas, estavam presentes. Como de costume, havia várias

crianças na companhia das mães e outras maiores, que ficavam observando a aula, do mesmo

modo que alguns jovens, que não participavam da classe87

.

Mariana dirigiu-se ao quadro de giz e escreveu na parte superior: 25-05-10. Voltou-se

para a turma e disse que aquele era o Dia do Trabalhador Rural. Por isso, iria trabalhar um

assunto de Geografia: Animais e Plantação. Um aluno falou que no dia 1º de maio já tinham

estudado o dia do trabalhador. Por que tinha mais um dia? A professora explicou que foi

criado esse dia porque o trabalhador rural é muito importante para o Brasil. São os

trabalhadores rurais que plantam os alimentos e criam os animais para alimentar toda a

população. Então é para todos que moram na roça se orgulharem de ser trabalhador rural.

Feitos esses esclarecimentos, a professora comunicou aos alunos que havia preparado

uma aula especial para aquela noite. Fixou, no quadro de giz, uma folha de cartolina com uma

montagem feita por ela, e explicou que eles iriam seguir aquele modelo no trabalho de grupo

que realizariam, para ser apresentado na segunda parte da aula.

Na parte superior da folha, estava o título: 25 de maio dia dos trabalhadores rural

(sic!). Abaixo do título, a folha era dividida em duas colunas. Na primeira, o subtítulo:

Criação e ilustrações alusivas ao tema (colagem de folhas naturais, uma miniatura de um boi

em material plástico e desenhos com lápis de cor). Na segunda: Plantação, também, com

ilustrações de folhas naturais e desenhos, mostrando uma paisagem rural.

Mandou os alunos se organizarem em três grupos. Distribuiu, com cada grupo, uma

folha de cartolina com os referidos títulos e a divisão em duas colunas. A professora

87

Segundo a professora, alguns estavam ali por curiosidade, por conta de minha presença. Outros gostavam de

“olhar a aula”. Às vezes, ela mandava entrar e participar das atividades.

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distribuiu, também, folhas de plantas naturais, lápis de cor, cola, fita adesiva e várias

miniaturas de animais (boi, cavalo, porco, outros) em material plástico.

Os alunos acolheram a atividade animadamente. Demonstrando familiaridade com

aquele procedimento didático, lançaram-se ao trabalho com empenho e alegria: conversavam

sobre o assunto, decidiam quem faria cada tarefa, escolhiam o material a ser colado na

cartolina, combinavam sua disposição.

Dos 13 alunos, apenas dois, mais jovens, não se juntaram aos grupos. Sentaram-se em

bancos no fundo da sala e ficaram folheando um livro didático. A professora insistiu,

animando-os a participarem do trabalho, mas eles não se moveram do lugar, onde

permaneceram por algum tempo, até que saíram da sala e não retornaram mais naquela noite.

Os alunos agiam de modo efetivamente coletivo, tanto nas decisões quanto no fazer.

Como a folha de cartolina era grande, dois grupos usaram a mesa para estendê-la e, os outros

dois, estenderam-na no piso. Debruçaram-se sobre ela e todos os componentes do grupo

trabalharam, ao mesmo tempo, colando as folhas e os bichinhos, pintando a paisagem,

retocando, etc. À medida que trabalhavam, alguns dramatizavam situações do seu cotidiano:

- “Vamos meus boizinhos, comer o capinzinho pra ficar gordinho!”

- “Lá vem a chuva! Vai molhar a terra pra gente plantar.”

Durante todo o processo, os alunos mantiveram-se concentrados na atividade,

raramente algum fazia um comentário estranho ao assunto da aula.

A professora circulava entre os grupos para observar o trabalho de cada um, fazia

comentários sobre o assunto, fazia alguma sugestão, apontava o modelo no quadro lembrando

que deviam segui-lo e elogiando o trabalho de cada grupo:

-“Muito bem! Está ótimo! Continuem assim! A apresentação vai ser linda!”

Após concluírem os painéis, os alunos perguntaram a ordem da apresentação e

retornaram às suas carteiras. O primeiro grupo foi à frente. Dois alunos ficaram segurando o

painel, enquanto os demais se postaram ao lado. Um senhor, que participava ativamente das

aulas, foi escolhido pelos pares como relator. Ele pegou o microfone88

e fez uma introdução:

88

O Centro Social dispunha de um pequeno sistema de autofalante, usado nas cerimônias religiosas e em outros

eventos, inclusive nas aulas de alfabetização.

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Nós já tínhamos nosso dia, que é o dia 1º de maio, junto com todos os trabalhadores.

Esse ano nós já comemoramos ele. É um dia feriado. Mas, agora, nós temos um dia

só nosso – o dia do trabalhador rural. Ele foi deferido por lei, é um direito do

trabalhador rural. Algumas usinas aqui deram feriado hoje. Mas muitas fazendas não

deram. Essas não respeitam a lei.

Em seguida, passou a citar os elementos contidos nas cenas do painel. À medida que o

relator ia apontando para o painel, outros membros do grupo faziam comentários alusivos à

vida no campo e ao dia do trabalhador rural:

- “As pessoas da cidade dependem das pessoas da zona rural para se alimentarem, por

isso é muito importante ser trabalhador rural.”

- “O campo é muito lindo! Nós somos privilegiados de morar na zona rural.”

- “Devemos usar a água com cuidado porque ela pode se acabar”.

- “A água é muito importante para nossa vida”.

- “Sem água não tem nada: plantação, animais...”

Enquanto o grupo apresentava seu trabalho, os componentes dos outros dois grupos

assistiam atentos, aplaudindo efusivamente ao final da apresentação.

Os outros dois grupos seguiram a mesma dinâmica em suas apresentações. Concluídas

as apresentações, a professora, mostrando-se muito satisfeita, elogiou todos os grupos e

encerrou a aula, despedindo-se até a próxima.

O caso Breno e Daniel

Perguntei à professora Mariana por que os alunos Breno e Daniel não se engajavam na

turma. Durante uma semana de observação, os dois se mantinham alheios às atividades da

classe, apesar da relação cordial que ela mantinha com eles, associada ao seu esforço

pedagógico, que eu havia presenciado durante as aulas. Ela me falou que estava tendo

dificuldade para “motivar aqueles dois alunos que eram novatos”.

Breno, que estava com 15 anos de idade, e Daniel, com 14, eram irmãos. Mariana me

explicou que no final do ano (2009), quando começou o projeto de alfabetização que estava

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em execução89

, recebeu Breno, vindo de uma escola municipal. Ao completar 15 anos, sem

ter “conseguido se alfabetizar”, ele foi dispensado do ensino regular e encaminhado para o

Brasil Alfabetizado. No início daquele ano letivo (março/2010), recebeu Daniel, atendendo a

um apelo desesperado da mãe do menino.

Daniel cursava a 4ª série do ensino regular, no turno diurno de uma escola municipal

na cidade de União dos Palmares. Nas palavras da professora Mariana: “Ele não estava bem

alfabetizado. Sabia escrever, tirava do quadro direitinho, mas não sabia ler”. Entretanto, ele

foi dispensado porque “estava fora da faixa etária”, tinha repetido algumas vezes.

A diretora orientou a mãe a matricular Daniel numa classe noturna do Programa Brasil

Alfabetizado, na mesma escola. A mãe recusou-se a seguir a orientação, insistindo com a

diretora para mantê-lo na classe regular diurna. Justificava sua insistência, alegando a

distância da escola em relação à sua residência no Muquém, a irregularidade do transporte

noturno e os riscos que a criança correria, em decorrência de perigos noturnos (consumo de

drogas, incidência frequente de roubos, assassinatos, entre outros). Mesmo assim, ela não

conseguiu fazer a diretora mudar sua decisão.

Daniel foi dispensado (expulso) da escola regular, juntando-se ao irmão na classe de

alfabetização de jovens e adultos. A mãe tinha esperança de que a professora Mariana, que já

tinha alfabetizado muita gente, conseguisse alfabetizar seus meninos, “pelo menos, assinar o

nome e ler alguma coisinha”, para não terem que “assinar com o dedo”.

89

Cada curso do Programa Brasil Alfabetizado, com duração de 6 meses, é denominado de projeto. O que estava

em desenvolvimento havia começado em novembro de 2009, com previsão de ser concluído em julho de 2010.

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ANEXO A - EXTRATO DA LDB

LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996

Vide Adin 3324-7, de 2005 Vide Decreto nº 3.860, de 2001 Vide Lei nº 12.061, de 2009

Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

TÍTULO VI

Dos Profissionais da Educação

Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: (Regulamento)

I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras

atividades.

Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)

I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)

II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)

III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim. (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)

Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos: (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)

I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)

II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)

III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades. (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro

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primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (Regulamento)

§ 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009).

§ 2º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e tecnologias de educação a distância. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009).

§ 3º A formação inicial de profissionais de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a distância. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009).

Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão: (Regulamento)

I - cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;

II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica;

III - programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis.

Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.

Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas.

Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico.

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:

I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;

III - piso salarial profissional;

IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;

V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;

VI - condições adequadas de trabalho.

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§ 1o A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras

funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino.(Renumerado pela Lei nº 11.301, de 2006)

§ 2o Para os efeitos do disposto no § 5

o do art. 40 e no § 8

o do art. 201 da Constituição Federal,

são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de ativi1dades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico. (Incluído pela Lei nº 11.301, de 2006)

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ANEXO B – p.1/3

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ANEXO B – p. 2/3 (cont.)

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ANEXO B – p. 3/3 (cont.)

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ANEXO C – p. 1/2 (continua)

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ANEXO C – p. 2/2 (cont.)

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ANEXO D – LETRA DA MÚSICA MARINHEIRO SÓ

Adaptação e Arranjo: Caetano Veloso 90

Eu não sou daqui, Marinheiro só

Eu não tenho amor,

Marinheiro só

Eu sou da Bahia

Marinheiro só

De São Salvador

Marinheiro só

Lá vem, lá vem

Marinheiro só

Como ele vem faceiro

Marinheiro só

Todo de branco

Marinheiro só

Com seu bonezinho

Marinheiro só

Ô, marinheiro, marinheiro

Marinheiro só

Ô, quem te ensinou a nadar

Marinheiro só

Ou foi o tombo do navio

Marinheiro só

Ou foi o balanço do mar

Marinheiro só

90

Cf. Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Philips; J. S.: Salvador, BA; São Paulo: Scatena, 1969. 1 disco sonoro.

Lado A, faixa 3.

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ANEXO E- HINO DO MUNICÍPIO DE UNIÃO DOS PALMARES – AL

ZUMBI DOS PALMARES

Letra: João Armando Assunção

Melodia: Antônio de Almeida Soriano Filho

Eu vou contar uma historia sofrida,

Uma historia de séculos passados,

Que se passou lá na Serra da Barriga,

O grande “Quilombo dos Palmares”. (bis)

Zumbi, Zumbi, teu grito de liberdade foi tão grande,

Que ecoou pelo Brasil mais tarde libertou teus semelhantes.

Os negros refugiaram-se lá na serra,

E fundaram uma republica poderosa,

Vinte mil negros lutaram com afinco,

Pela liberdade gloriosa. (bis)

Zumbi, Zumbi, teu grito de liberdade foi tão grande,

Que ecoou pelo Brasil mais tarde libertou teus semelhantes.

De repente o sonho acabou,

Domingos Jorge velho chegou e destruiu,

O grande ‘Quilombo dos Palmares’,

Foi traído, tombou não resistiu.

Zumbi, Zumbi, teu grito de liberdade foi tão grande,

Que ecoou pelo Brasil mais tarde libertou teus semelhantes.