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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
Márcio Roberto Camarotto
Novas técnicas e práticas de gestão no setor da saúde e seus impactos sobre
os trabalhadores (médicos e enfermeiros): o hospital Stella Maris
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo – SP
2014
Márcio Roberto Camarotto
Novas técnicas e práticas de gestão no setor da saúde e seus impactos sobre
os trabalhadores (médicos e enfermeiros): o hospital Stella Maris
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Tese apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em Ciências
Sociais sob a orientação da Profª. Doutora
Noêmia Lazzareschi
São Paulo
2014
Banca Examinadora
À Adriana, com amor.
Aos meus filhos Victor, Gustavo e
Lucas, fontes de vida e motivação.
Agradecimentos
A Deus, que sempre, me protegeu e acompanhou nessa caminhada.
Aos meus pais Alberto e Rosaly, pelo incentivo aos estudos e apoio incondicional em
todos os momentos importantes da minha trajetória.
À minha orientadora Prof(a) Nôemia Lazzareschi pelo acolhimento, pela dedicação,
pela paciência, pelas correções e pelos ensinamentos que me proporcionaram uma visão
analítica mais abrangente das questões sociais.
Aos professores do Programa de Ciências Sociais que tive a oportunidade de conhecer,
conviver e aprender ao frequentar as aulas do curso.
As irmãs da Congregação Filhas de Nossa Senhora Stella Maris que abriram as portas
do hospital e possibilitaram a pesquisa junto aos trabalhadores do hospital.
A Irmã Sebastiana e a Laine, secretária executiva do hospital, pelas informações
disponibilizadas, pelo apoio e contribuição no levantamento de dados.
Aos médicos e enfermeiros entrevistados no hospital Stella Maris, pela disponibilidade
de tempo e boa vontade em responder as questões propostas.
As escolas de ensino superior e seus profissionais que nos últimos 19 anos me
proporcionaram trabalho como docente de ensino superior: Unicid, Unicastelo, FMU,
FIAP, Unisal, Anhembi Morumbi, PUC-SP, Mackenzie, FAAP, SENAC-SP, UBS e
Fatec-SP.
Aos meus amigos Marcelo Antonio Treff e Luiz Claudio Gonçalves que de diversas
formas, ao longo dos últimos anos, me incentivaram a elaborar essa tese.
Aos milhares de alunos que me proporcionaram a atividade docente.
Ao professor Mauro Neves Garcia (em memória), orientador da minha dissertação de
mestrado. Pela sua imprescindível contribuição em minha formação acadêmica.
“O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado.
Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto,
abrange mais que um momento de atenção. Representa
uma atitude de ocupação, preocupação, de
responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.”
Leonardo Boff
RESUMO
O propósito desta tese foi identificar as mudanças no trabalho vivenciadas por
médicos e enfermeiros no ambiente hospitalar. Nos últimos anos surgiram inovações,
novas tecnologias e práticas de gestão que impuseram a esses profissionais esforços de
adaptação em uma realidade crescentemente complexa. Além disso, há outros “atores”
importantes no Sistema de Saúde que, direta ou indiretamente, tomam decisões que
afetam o cotidiano e o trabalho desses profissionais. Assim, a pesquisa demonstrou
como a implantação de Políticas Públicas, a necessidade de aquisição de novas
competências e as mudanças no atendimento realizado ao paciente afetaram o trabalho
de médicos e enfermeiros no espaço hospitalar. O método de investigação utilizado foi o
estudo de caso, com entrevistas semiestruturadas junto aos sujeitos, no hospital Stella
Maris, localizado na cidade de Guarulhos. Os resultados indicaram que a Saúde
continua “doente” no Brasil, embora o SUS tenha proporcionado alguns avanços em
relação à situação anterior. Ademais, as transformações tecnológicas e as novas práticas
de gestão não contribuíram, considerando-se a população que demanda por serviços
públicos de saúde, para uma melhora na qualidade do trabalho de médicos e enfermeiros
e dos serviços prestados.
Palavras-Chave: Saúde no Brasil, Hospitais, Médicos, Enfermeiros, Inovação
Tecnológica
ABSTRACT
The goal of this thesis was to identify the changes on the work experienced by
physicians and nurses on the hospital environment. During the last few years have
emerged innovations, new technologies and management practices that imposed to these
professionals efforts to adapt in a reality that is increasingly complex. Thereby, the
research evidenced how Public Policies implementation, acquisition of new
competences and changes on the care delivered to the patient affected the work of
physicians and nurses on the hospital environment. The investigation method used was
the case study, with semi-structured interviews held with the subjects in Stella Maris
Hospital, located in the city of Guarulhos. The results indicated that the Health in Brazil
is still “sick”, although SUS has provided a few advances over the previous situation.
Nonetheless, the technological transformation and the new management techniques
have not contributed, considering the population demand for public health services, to
an improvement on the quality of the work provided by physicians and nurses and the
services provided.
Key-words: Health in Brazil; Hospitals; Physicians; Nurses; Technological Innovation
Lista de Figura
Figura 1: O Sistema Brasileiro de Saúde ......................................................................... 33
Lista de tabelas
Tabela 1 Beneficiários dos Planos Privados de Saúde (2000 – 2011)............................ 51
Tabela 2 Receita (R$) de contraprestações e despesa assistencial das operadoras de
plano de saúde (2000 – 2011)......................................................................................... 52
Tabela 3 Taxa de variação do número de beneficiário por tipo de contratação............. 53
Tabela 4 Beneficiários de planos privados de assistência médica por sexo e faixas
etárias.............................................................................................................................. 54
Tabela 5 Distribuição de médicos por região..................................................................91
Tabela 6 Piso salarial de enfermeiros............................................................................108
Tabela 7 Atendimentos Realizados no Hospital Stella Maris em 2012........................111
Tabela 8 Exames e procedimentos realizados no Hospital Stella Maris em 2012........113
Lista de abreviaturas e siglas
ABH - Associação Brasileira de Hospitais
ABI - Associação Brasileira de Imprensa
AMB - Associação Médica Brasileira
ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CAP - Caixas de Aposentadoria e Pensão
CEP - Controle Estatístico do Processo
CEQ - Controle estatístico da qualidade
CES - Conselhos Estaduais de Saúde
CFM - Conselho Federal de Medicina
CIB - Comissões Intergestores Bipartites
CIT - Comissão Intergestores Tripartite
CMS - Conselho Municipal de Saúde
CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
CNS - Conselho Nacional de Saúde
COFEN - Conselho Federal de Enfermagem
CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
CONASS - Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde
COREN - Conselho Regional de Enfermagem
COSEMS - Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde
CRM - Conselho Regional de Medicina
DENERU - Departamento Nacional de Endemias Rurais
EAD - Educação à Distância
FBH - Federação Brasileira de Hospitais
FMI - Fundo Monetário Internacional
FSESP - Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública
FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
GC - Gestão do Conhecimento
GQT - Gestão da Qualidade Total
HMCA - Hospital Municipal da Criança e do Adolescente
HMPB - Hospital Municipal Pimentas
HMU - Hospital Municipal de Urgência
IAP – Institutos de Aposentadoria e Pensões
IAPB - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários
IAPC - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários
IAPETEL - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores e Transportadores de
Cargas
IAPI - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários
IAPM - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MCT - Ministério de Ciência e Tecnologia
MS - Ministério da Saúde
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
OMS - Organização Mundial de Saúde
OPAS - Organização Pan Americana de Saúde
PAI - Programa Ampliado de Imunização
PIB – Produto Interno Bruto
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNI - Programa Nacional de Imunizações
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
RUTE - Rede Universitária da Telemedicina
SAMDU - Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência
SBS - Sistema Brasileiro de Saúde
SES - Secretaria Estadual de Saúde
SIMESP - sindicato dos médicos de São Paulo
SIPS - Sistema de Indicadores de Percepção Social
SNVS - Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
SUCAM - Superintendência de Campanhas da Saúde Pública
SUDS - Sistema Único Descentralizado de Saúde
SUS - Sistema Único de Saúde
TI - tecnologia de informação
TIC - tecnologias de comunicação e informação
TII - Tecnologias de Comunicação e Internet
TQC - Total Quality Control
TQM - Total Quality Management
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
URV - Unidade Real de Valor
UTI – Unidade Tratamento Intensivo
WHO - World Health Organization
Sumário
Introdução ........................................................................................................................ 1
Problema .......................................................................................................................... 7
Objetivos .......................................................................................................................... 7
Hipóteses ......................................................................................................................... 8
Metodologia ..................................................................................................................... 8
Capitulo 1 – Os Sistemas de Saúde ............................................................................... 15
1.1Características dos Sistemas de Saúde Existentes em alguns países do Mundo ...... 17
1.2 A Saúde no Brasil .................................................................................................... 21
1.2 a Antecedentes do Sistema Brasileiro de Saúde ..................................................... 21
1.2.1 Dos anos 1500 até o 1º Reinado (1890) .................................................... 21
1.2.2 Início da República até 1930 .................................................................... 23
1.2.3 O Nascimento da Previdência Social..........................................................25
1.2.4 Previdência Social no Estado Novo............................................................26
1.2.5 Saúde Pública no Brasil nos anos 30 a 60..................................................28
1.2.6 O Regime Militar e suas consequências para a Saúde Nacional................29
1.2.b Saúde no Brasil e o SUS (Sistema Único de Saúde).............................................32
1.2.1 A Criação do Sistema Único de Saúde.......................................................35
1.2.2 Estrutura e Funcionamento do Sistema Único de Saúde............................37
1.2.2.1 O Sistema de Imunização e as Vacinas...................................................39
1.2.2.2 Medicamentos Genéricos........................................................................40
1.2.2.3 Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)............................43
1.2.2.4 Saneamento Básico e Saúde....................................................................45
1.2.c Sistema Privado de Saúde Brasileiro.....................................................................47
1.2.1 O Impacto dos Planos de Saúde no Sistema Privado Brasileiro.................50
Capítulo 2 – Os Hospitais no Sistema Brasileiro de Saúde.............................................55
2.1 Contexto Histórico.....................................................................................................55
2.2 Os Hospitais no Brasil...............................................................................................58
2.3 Os Hospitais Filantrópicos.........................................................................................61
2.4 Os Hospitais e seus “Atores”.....................................................................................63
2.5 A Gestão Hospitalar...................................................................................................65
2.5.1 Especificidades da Gestão Hospitalar.........................................................67
2.5.2 A Produção na Saúde..................................................................................69
Capítulo 3 – Novas Tecnologias e Formas de Gestão.....................................................71
3.1 Globalização..............................................................................................................71
3.2 Globalização da Saúde...............................................................................................73
3.3 Impactos de Tecnologia no Setor de Saúde...............................................................76
3.4 Novas Tecnologias em Saúde....................................................................................80
3.5 Impactos da Tecnologia para o Trabalhador de Saúde..............................................84
3.6 Impactos da Tecnologia nas Novas Formas de Gestão da Saúde..............................88
3.7 Impactos da Tecnologia na Qualificação dos Profissionais de Saúde.......................95
3.8 Gestão de Qualidade na Saúde..................................................................................97
3.8.1 O Conceito de Qualidade............................................................................99
3.8.2 Gestão de Qualidade.................................................................................101
3.8.3 Gestão da Qualidade na Saúde..................................................................103
Capítulo 4 – O Estudo de Caso......................................................................................108
4.1 A Pesquisa...............................................................................................................116
4.1.1 As Entrevistas...........................................................................................117
5. Considerações Finais.................................................................................................143
Referências Bibliográficas............................................................................................ 148
1
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 em seu título VIII, capítulo II, seção II
determinou as regras da Saúde para o Brasil. Segundo o artigo 196, “a Saúde é um
direito de todos e um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Poucos anos antes, em 1986, o conferencista Antonio Sergio da Silva Arouca, então
presidente da Fundação Oswaldo Cruz proferiu a palestra “Saúde é Democracia”. Nos
Anais da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986, p. 37) Arouca afirmou: “Saúde não é
simplesmente ausência de doença, mas é bem estar físico, mental, social e político; as
sociedades criam ciclos que são de miséria ou de desenvolvimento. Ao acontecer o ciclo
de miséria, é vital que ele seja transformado, rompido”.
Tanto o artigo quanto a afirmação acima são audaciosos e pretensiosos tendo em
vista a realidade vivenciada pela sociedade. Constata-se, mais de 20 anos após a
promulgação da Constituição, que muitos milhões de brasileiros ainda não se
beneficiaram de sua boa intenção.
A questão da saúde certamente é uma das mais complexas no Brasil, marcado
por diversos tipos de demandas sociais, políticas e econômicas. A Constituição nacional
define que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, mas também, como tantas
outras obrigações do Estado brasileiro para com seus cidadãos, tem sido historicamente
difícil de ser atendida.
Ao se voltar para tempos mais distantes, A Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão de 1789 (declaração culminante da primeira fase da revolução francesa)
foi um dos documentos mais importantes referentes aos papéis do Estado em relação
aos cidadãos. Segundo o artigo 1º da Declaração, “os homens nascem e são livres e
iguais em direitos. As destinações sociais só podem fundamentar-se na utilidade
comum”. No que diz respeito à saúde, não é exagero afirmar que, no Brasil, e mesmo
em outros países classificados como desenvolvidos, esse artigo ainda é uma utopia
longe de ser realizada. Observa-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948 afirma em seu artigo 25 que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida
2
adequado para a saúde e bem estar próprio e de sua família, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito a
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou falta de meios
para subsistência em circunstâncias fora de seu controle”. (grifo do autor).
Entender o setor da saúde no Brasil ou em outras partes do mundo continua
sendo uma tarefa complexa e interdisciplinar. Em outras palavras, há várias causas para
erros e acertos.
Em se tratando da política de saúde brasileira, há um longo caminho a percorrer,
seja sob o aspecto do equacionamento da capacidade do Estado de financiar sua
obrigação constitucional, seja pela busca de soluções alternativas mediante o que se
convencionou chamar de saúde suplementar.
O Direito à Saúde ficou à margem de diversas constituições no Brasil. Ribeiro e
Julio (2010) afirmam que as constituições de 1824 e 1891 não “cuidaram” do tema da
saúde. A Carta Magna de 1934 foi à primeira constituição a fazer uma referência ao
Direito à Saúde onde, no artigo 10 inciso II, afirma ser de competência concorrente da
União e dos Estados o cuidado com a Saúde. Já a Constituição de 1937, outorgada por
Getúlio Vargas, não apresentou nenhuma efetividade aos direitos fundamentais e repetiu
a tímida iniciativa da Constituição anterior, mencionando no artigo 16 inciso XXVII
que caberia à União legislar privativamente sobre “normas fundamentais da defesa e da
proteção a saúde, especialmente da saúde da criança”.
A Constituição de 1946 e a Carta Constitucional de 1967 (outorgada com o
intuito de legitimar o golpe de 1964) também abordaram a questão da Saúde de modo
superficial e pouco efetivo. Em 1969, foi outorgada a Emenda Constitucional número 1
que não previu, novamente, o Direito a Saúde. No entanto, no inciso IV do artigo 25
apresentou uma inovação ao determinar que os municípios aplicassem 6% do repasse da
União a título de fundo de participação dos municípios na Saúde.
A ausência de legitimidade e as arbitrariedades cometidas durante o regime
militar fizeram com que diversas organizações (tais como a Ordem dos Advogados do
Brasil – OAB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e a Associação
3
Brasileira de Imprensa – ABI) mobilizassem a sociedade na busca de uma participação
política democrática. O movimento das Diretas Já levou Tancredo Neves à presidência
da República em 1985. Com a morte deste, José Sarney, seu vice-presidente, assumiu a
presidência em novembro de 1985. Logo após a sua posse, Sarney convocou a
Assembléia Nacional Constituinte.
Assim sendo, foi com a Constituição de 1988 que se institui o Sistema Único de
Saúde (SUS), no qual a universalidade, a eqüidade e a integralidade da assistência à
saúde de todos os cidadãos são preceitos básicos. Configurou-se aí o lema "Saúde,
direito de todos e dever do Estado". Embora o conceito do SUS tenha sido um enorme
avanço em relação à situação anterior, já que abriu a perspectiva de atendimento a
parcelas da população inteiramente desassistidas, a realidade tem sido muito mais
desafiadora do que a pretensão dos legisladores e a capacidade dos executores públicos.
A saúde é premissa básica no exercício da cidadania, pois essa diz respeito à
qualidade de vida, escopo de todo cidadão, no exercício de seus direitos. Todavia,
conforme destaca Pires (2007), a construção da política de saúde no Brasil foi um
último suspiro do Welfare State1, assim como um paciente na UTI, que após súbita
melhora, volta ao estágio de letargia indicando a parada das funções vitais.
A Constituição Federal de 1988 foi um importante ensaio de garantias legais e
expansão de direitos. Entretanto, os indivíduos devem efetivamente ter acesso a esse
direito, fato que muitas vezes não ocorre em nosso país. Garantir os direitos e,
conseqüentemente, o acesso à saúde é condição sine qua non para que uma sociedade
assegure maiores oportunidades de igualdade social e cidadania.
Os direitos à vida e à saúde devem ser garantidos pelo Estado que pretende ser
democrático, como já afirmou Antonio Arouca na Conferência Nacional de Saúde em
1986. É função do Estado garantir o acesso a todos aos meios de recuperação de saúde:
conforme texto da Constituição Federal brasileira, “a saúde é direito de todos e dever do
1 “O Welfare State representou um esforço de reconstrução econômica, moral e política.
Economicamente, significou um abandono da ortodoxia da pura lógica do mercado, em favor da
exigência de extensão da segurança do emprego e da justiça social, solidariedade e universalismo”.
(ESPING-ANDERSEN, 1995, p.75)
4
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos ao acesso universal igualitário às ações e serviços para
sua promoção”. Porém, o que se pode avaliar é que, após todo o tempo decorrido da
promulgação da Constituição de 1988, a saúde padece de enfermidades profundas,
fazendo com que o direito à saúde, enquanto direito fundamental não tenha a total
efetivação conforme os ditames constitucionais.
Dessa forma, o cumprimento do direito à saúde é de responsabilidade da
sociedade civil e do Estado, porém entre o legal e o real constata-se um hiato. Nesse
sentido, basta a consulta a jornais locais que cotidianamente fornecem inúmeras notícias
com informações a respeito da violação desse direito, seja pela falta dos serviços
necessários, ou por sua baixa qualidade. Em pesquisa publicada em 09 de fevereiro de
2011, o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), órgão ligado ao Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou os resultados de uma pesquisa sobre a
percepção da população em relação aos serviços públicos e privados de saúde.
Destacam-se nesse relatório:
- o atendimento em centros/ postos de saúde foi classificado como ruim ou muito ruim
por 31,1% dos entrevistados pacientes. Para os acompanhantes, o percentual é
praticamente o mesmo, ou seja, 31,4%;
- o atendimento de urgência/ emergência obteve 31,4% de avaliações classificadas como
ruim ou muito ruim;
- a falta de médicos especialistas foi identificada como grande problema para 18,8% dos
entrevistados (media Brasil).
Outros agravantes e contrastes sociais impactam diretamente nos serviços de
saúde: um dado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009
indica que 40,9% das residências brasileiras não tinham acesso a saneamento básico e
sua ausência implica altos custos sanitários. Segundo estudos publicados pelo instituto
Trata Brasil, a universalização do acesso à rede de esgoto traria uma economia de R$
745 milhões anuais em internações, apenas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
5
Assim como em outras partes do mundo, a qualidade do gasto público no Brasil
encontra-se no centro dos debates relativos ao setor da saúde. Segundo Perillo e
Amorim (2011), há notório problema de gestão que emperra a máquina pública e suga
recursos sempre escassos em face das necessidades.
O setor da saúde foi impactado ainda pela queda da produtividade do sistema
capitalista, alta da inflação em determinados períodos e tímido crescimento econômico
(especialmente nas duas últimas décadas do século XX). Outro agravante: muitos países
tiveram aumento no déficit orçamentário ou imposição, como aconteceu com o Brasil,
do Fundo Monetário Internacional (FMI) em atuar com superávits fiscais anuais. A
queda da produtividade e os impactos dos fenômenos acima afetaram a acumulação de
capital e os lucros de empresas privadas de diversos setores.
Constatou-se ainda uma crescente pressão por parte do setor privado sobre o
modo de atuação do Estado em relação ao financiamento de programas sociais, dentre
os quais aqueles relacionados à área da saúde (proliferação de políticas neoliberais).
A crise instalada em cada país ocasionou redução na demanda e o capital passou
a circular mais intensamente no mercado internacional. Houve, então, um incremento da
concorrência acentuada pelas facilidades de sua operacionalização graças ao uso de
novas tecnologias e sistemas de informação. Não é exagero afirmar que organizações de
todos os setores precisaram se adaptar a esse novo cenário. O setor hospitalar (hospitais,
prestadores de serviços, fornecedores, indústrias farmacêuticas) precisou se reinventar
também.
Com o propósito de alcançar melhor produtividade e se beneficiando do
surgimento dessas novas tecnologias, as empresas do ramo industrial iniciaram, nos
anos 1970, a implantação de mudanças em suas estruturas produtivas com destaque para
técnicas japonesas implantadas naquele país e que permitiram maior competitividade e
maiores lucros. De acordo com Alves (2000), as características mais importantes dessas
técnicas são: just in time – produção de acordo com a demanda, estoque quase zero,
produção ajustável às oscilações do mercado possibilitando flexibilidade na produção,
diminuição da estabilidade do trabalhador no emprego, trabalhador multifuncional,
6
terceirização e uso de novas tecnologias. As práticas descritas acima foram utilizadas e
adaptadas por organizações ocidentais estabelecidas na Europa e nos Estados Unidos
com o propósito de manter sua competitividade e, em alguns casos, sua própria
sobrevivência, uma vez que o cenário econômico era de crise. Posteriormente,
organizações estabelecidas nos países em desenvolvimento, dentre os quais o Brasil,
adotaram muitas dessas técnicas em suas práticas de gestão.
No Brasil, até meados dos anos 1980, as políticas desenvolvimentistas
vigoraram com importante participação do Estado na economia. Nos anos 1990, já com
presidentes eleitos democraticamente, as diretrizes do Estado, na visão de Figueiras
(2000) foram: liberalização comercial e financeira, privatizações, câmbio valorizado,
desregulamentação, abertura de mercado e flexibilização do mercado de trabalho.
Para as organizações de saúde localizadas no Brasil, o cenário esteve conturbado
na década de 1990 uma vez que o câmbio estava valorizado artificialmente, houve uma
diminuição dos investimentos do governo e a revolução tecnológica estava em curso.
De modo geral, os hospitais, como um dos importantes agentes desse setor, passaram
por muitas dificuldades, pois os recursos eram escassos e os custos crescentes.
Conforme Alzuguir (2005), o plano real de 1994 agravou ainda mais a situação
financeira da saúde, na medida em que a fixação de valores em Unidade Real de Valor
(URV), baseada na paridade do dólar, não levava em consideração o avanço dos preços
dos insumos hospitalares e dos medicamentos, calcados no valor do mercado
internacional.
Considerando-se a primeira década do século XXI, muitas organizações já
haviam implantadas mudanças para se adaptar à nova realidade competitiva, mais
acirrada e disputada em praticamente todos os setores empresariais.
Em meio a todas essas transformações presentes nas organizações de saúde,
mudanças tecnológicas com novos equipamentos e procedimentos, informações mais
apuradas, pacientes mais exigentes e sabedores de seus direitos e diferentes agentes se
inter-relacionando, tais como o Estado em suas diversas esferas, os convênios médicos,
as cooperativas médicas e fornecedores de insumos e materiais, torna-se relevante
investigar os impactos no cotidiano do trabalhador da saúde, especificamente dos
7
médicos e enfermeiros, justamente aqueles que diretamente executam e/ou coordenam a
realização do atendimento.
Assim, esta tese tem o seguinte problema de pesquisa:
Quais foram os impactos das mudanças organizacionais, tecnológicas e sociais no
cotidiano e no desempenho do trabalhador de saúde do setor hospitalar, bem como no
atendimento à população?
Dessa forma, pretende-se investigar o que mudou no trabalho executado por
profissionais de enfermagem e médicos uma vez que se trata de uma atividade
fundamental para a sociedade e para os cidadãos. O profissional da saúde trabalha com
a vida humana em seu momento mais vulnerável, quando debilitado e, em seu dia a dia,
se vê obrigado a enfrentar problemas de toda ordem.
A partir desse problema, essa pesquisa tem como principal objetivo investigar
como efetivamente as práticas e as exigências do trabalho em hospitais que impactam o
cotidiano, o desempenho e o atendimento do profissional de saúde do setor hospitalar.
Em termos específicos, o trabalho tem os seguintes objetivos:
- Apresentar o que mudou para o trabalhador (médicos e profissionais de enfermagem)
com as novas técnicas de gestão no que se refere ao seu cotidiano e ao seu desempenho
no trabalho.
- Identificar as conseqüências para esses profissionais com a implantação de políticas
públicas e privadas das novas práticas no serviço prestado em hospitais.
- Analisar como impactou no trabalhador a necessidade de aquisição de novas
competências profissionais, especialmente em função do surgimento de novas
tecnologias no setor.
- Verificar o que mudou, pela óptica de médicos e enfermeiros no atendimento realizado
junto aos pacientes.
No que se refere ao trabalho de coleta de dados, a presente tese fará uso de uma
pesquisa qualitativa a ser realizada por meio de entrevistas com médicos e enfermeiros,
8
que atendem tanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como pelo sistema de saúde
suplementar.
Por fim, a partir das afirmações expostas nos parágrafos anteriores, o presente
trabalho apresenta as seguintes hipóteses:
- A luta por maior competitividade, pela sobrevivência e pela obtenção de taxas
elevadas de lucros graças às novas técnicas de gestão não respeitou as especificidades
da atividade médica e o funcionamento do atendimento de enfermagem em hospitais;
- Boas condições de trabalho e alocação de recursos necessários para um atendimento
digno ao paciente não são prioridades para os órgãos públicos e para as empresas
privadas de saúde suplementar no atendimento hospitalar, tanto na rede SUS quanto nos
serviços prestados por convênios e seguradoras médicas, ocasionando elevados níveis
de stress e problemas para a execução do trabalho de médicos e profissionais de
enfermagem.
Montmollin (1990) apud Segura (2004), define condições de trabalho como tudo
o que caracteriza uma situação de trabalho e permite ou impede a atividade dos
trabalhadores. O autor distingue as condições:
- Físicas, que se referem às máquinas, equipamentos, instrumentos e ambiente da
posição (exposição a perigos, intensidade de ruídos, poeira, temperatura);
- Temporais, que diz respeito à jornada de trabalho;
- Organizacionais, que são os regulamentos, regras, ritmos impostos, ou seja, o que se
relaciona com o conteúdo do trabalho em si;
- Aspectos subjetivos que incluem idade, saúde e formação;
- Condições sociais que envolvem remuneração, transporte, em certos casos alojamento
e vantagens sociais.
Cabe também aqui explicitar que o método de investigação a ser usado nessa
pesquisa é o Estudo de Caso, que permite uma investigação significativa de
experiências vivenciadas pelos trabalhadores entrevistados, objetivo central desta tese.
9
A respeito dessa metodologia, Yin (2005) considera que o estudo de caso é uma
investigação empírica de um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida
real. Esse autor entende também que o estudo de caso é adequado quando há dificuldade
em se determinar os limites entre fenômeno e o contexto da investigação.
Ao se comparar o método do Estudo de Caso com outros métodos, Yin (2005)
diz ser necessário refletir sobre as questões colocadas pela pesquisa. De modo geral, o
Estudo de Caso é recomendado para responder questões explicativas (como e porque) e
trata de relações ao longo do tempo, diferentemente de investigações que demandam
incidências e freqüências.
Yin (2005) ressalta que outra vantagem desse método refere-se à variedade de
documentos, evidências, observações e entrevistas que podem ser usados na coleta de
informações. Para Bell (1993), o método do Estudo de Caso é adequado em análises
profundas de um sujeito considerado individualmente. Por sujeito, entende-se uma
unidade que nessa pesquisa é o Hospital Stella Maris, espaço de atuação dos médicos e
enfermeiros que serão entrevistados. Esse autor considera interessante ainda a
possibilidade de se concentrar em um caso específico para identificar os diversos
processos interativos em curso.
Na realização da pesquisa serão utilizadas entrevistas semi estruturadas com a
utilização de um roteiro previamente elaborado. Para Quaresma (2005), o pesquisador
deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um
contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. Assim, cabe ao entrevistador
dirigir, quando oportuno, a discussão para o assunto que o interessa fazendo perguntas
adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o
contexto.
. Para Triviños (1987, p.146) “a entrevista semi-estruturada tem como
característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que são
relacionados com o tema de pesquisa”. O foco principal seria colocado pelo
investigador/ entrevistador. Complementa Triviños (1987, p.152), “a entrevista semi-
estruturada favorece a descrição dos fenômenos sociais, sua explicação e a compreensão
10
de sua totalidade, além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no
processo de coleta de informações.”
Para Manzini (1990, 1991, p. 154), “a entrevista semi-estruturada está focalizada
em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais,
complementadas por questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista.” O
autor ressalta que dessa forma, as respostas não estão condicionadas a uma
padronização de alternativas e que as informações podem emergir de modo mais livre.
Manzini (1990, 1991) recomenda ainda que o pesquisador estabeleça perguntas básicas
e principais para se atingir o objetivo da pesquisa.
Para o presente trabalho, as questões básicas que nortearam a entrevista foram:
1) O Senhor (a) obteve sua formação em que ano?
Pretendeu-se entrevistar principalmente profissionais que estejam atuando como
médicos ou enfermeiros há pelo menos 10 anos. Considerou-se esse tempo de
experiência ser necessário para que o entrevistado tenha condições de observar as
mudanças que são objeto de investigação desse trabalho.
2) Nos últimos anos (desde os anos 2000) O Senhor (a) observou mudanças nas
práticas da administração hospitalar? (exemplos de mudanças: diminuição dos
estoques de insumos, redução de custos com pessoal e insumos, pressão por
maior produtividade, maior rapidez no atendimento, terceirização de serviços de
apoio como segurança e limpeza). Em caso afirmativo quais foram os efeitos
dessas mudanças nas relações estabelecidas dentro do hospital entre os diversos
setores e para os pacientes?
O eixo dessa pergunta visa identificar como esses profissionais lidaram com as
mudanças sob as orientações dos gestores para o atendimento efetuado por médicos
e enfermeiros. Observa-se que os hospitais, como inúmeros outros tipos de
empresas no sistema capitalista, buscam cada vez maior produtividade para
sobreviver em um mercado crescentemente competitivo.
3) As políticas públicas (desenvolvidas pelo SUS que propõe o tratamento integral)
implementadas nos últimos anos favoreceram uma melhora na qualidade do
11
atendimento hospitalar? Houve alterações nas condições e na execução do seu
trabalho? Se sim, quais foram essas alterações?
Com esse questionamento busca-se analisar, ao longo dos anos, se as Políticas
Públicas, no que se refere ao Sistema Único de Saúde (SUS), contribuíram para uma
evolução na qualidade dos serviços prestados em hospitais e de que forma as
condições e a execução do trabalho foram afetados, ou seja, como os profissionais e
os pacientes foram impactados com as políticas governamentais.
4) As empresas de saúde suplementar (operadoras, convênios, etc) utilizam os
hospitais para atender os seus “clientes/ pacientes”. A saúde suplementar
contribuiu nos últimos anos para uma melhora na qualidade dos serviços
prestados aos pacientes? As condições e a execução do seu trabalho foram
afetadas de alguma maneira? Se sim, como?
Nos últimos anos houve um crescimento de mercado no setor de convênios
médicos e seguros saúde. A pergunta acima busca analisar, ao longo dos anos, se a
atuação dessas empresas privadas contribuiu para uma evolução na qualidade dos
serviços prestados em hospitais e de que forma as condições e a execução do
trabalho foram afetados, ou seja, como os profissionais e os pacientes foram
afetados pelas práticas dessas empresas.
5) Novas tecnologias, métodos de tratamento e de execução do trabalho surgiram
na área da saúde nos últimos anos. O senhor (a) precisou adquirir novas
competências profissionais em função disso? Se sim, houve algum apoio ou
recurso disponibilizado para aquisição desses conhecimentos? (exemplos de
apoio: dispensa do trabalho para participação de cursos e congressos, recursos
financeiros do SUS, do hospital ou das operadoras de saúde)
Com essa questão pretende-se analisar o processo de aquisição de competências
profissionais nos últimos anos e como o entrevistado avalia se está atualizado na sua
área de atuação. Procurar-se-á também investigar se há apoio e recursos para
aquisição dessas competências.
12
6) Quais são os seus critérios de avaliação quanto ao seu desempenho? Esses
critérios sofreram alterações nos últimos anos? Eles estão em sintonia com
aqueles que o motivaram a escolher a sua profissão?
Essa pergunta pretende investigar se aquilo que o profissional considera bom
desempenho difere ou não daquilo que os gestores consideram em relação à
performance do trabalho executado.
7) Em seu cotidiano, a carga de trabalho que o Senhor (a) executa é compatível
com o tempo disponível necessário para um atendimento adequado às
responsabilidades de sua função? Quais são os impactos de sua resposta para os
usuários/ pacientes?
Essa pergunta procurou analisar se há sobrecarga de trabalho para médicos e
enfermeiros e em caso de resposta afirmativa investigar como isso interfere em seu
cotidiano e na qualidade dos atendimentos realizados.
8) A área da Saúde possui especificidades (como os protocolos) e o trabalho do
médico (ou do enfermeiro) é acompanhado por órgãos como o Conselho
Regional de Medicina (CRM) e o Conselho Regional de Enfermagem
(COREN). As práticas e técnicas implantadas pela administração nos últimos
anos respeitaram essas especificidades e acataram as recomendações desses
órgãos? Há algum impacto, positivo ou negativo, no atendimento realizado ao
paciente?
O eixo dessa pergunta investiga como o profissional entrevistado executa sua
função recebendo diversas orientações e abordagens. Os conselhos de classe acima
zelam pelo trabalho ético de seus profissionais e possuem papel fiscalizador
importante. Eles examinam periodicamente os locais e as condições de trabalho,
elaboram determinações que minimizem os riscos de imprudência e imperícia e
analisam o dimensionamento de pessoal. Em entrevista à Revista de Enfermagem,
publicada em dezembro de 2012, Marcelo Santos, gerente de fiscalização do
COREN de SP, afirma que as instituições não realizam as adequações de pessoal
com a alegação de falta de recursos orçamentários e afirma que tanto em hospitais
públicos como em privados o número de profissionais é insuficiente. Enquanto os
13
conselhos regionais fiscalizam o cotidiano e as atividades desenvolvidas,
hierarquicamente, o profissional está subordinado aos gestores hospitalares. Como
esses interesses e essas prioridades divergentes afetam o seu trabalho? Como isso
afeta o paciente?
Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2012
apontam que vivem no município de Guarulhos cerca 1.244.000 habitantes, o que o
coloca como o 13º município brasileiro em quantidade de habitantes.
A cidade possui apenas três hospitais municipais: O HMU (Hospital Municipal de
Urgência), o HMCA (Hospital Municipal da Criança e do Adolescente) e o HMPB
(Hospital Municipal Pimentas) no povoado bairro do Bonsucesso. Há um hospital
público estadual, o complexo hospitalar Padre Bento e uma Organização Social de
Saúde, o Hospital Geral de Guarulhos.
Estão também instalados na cidade três hospitais particulares: o Hospital Bom
Clima, o Hospital Carlos Chagas e o Hospital Saúde Guarulhos.
Complementam a rede de assistência dois hospitais filantrópicos: a Associação
Beneficente Jesus, José e Maria e o Hospital Stella Maris que permitiu que a presente
pesquisa fosse realizada.
Foram entrevistados 9 médicos de diversas especialidades e 9 enfermeiros que
possuem, em sua grande maioria, vasta experiência profissional (a maior parte dos
entrevistados atua profissionalmente há mais de 10 anos). O tempo de experiência
tornou-se necessário para que a análise efetuada pelo entrevistado considere mudanças e
transformações do trabalho ao longo do tempo.
O estudo foi realizado no Hospital Stella Maris, localizado na cidade de Guarulhos.
Trata-se de um hospital fundado por uma ordem religiosa católica nos anos 1960,
filantrópico, que atende tanto o Sistema Único de Saúde (SUS) como a rede conveniada
(seguradoras e convênios médicos). O atendimento ao SUS representa cerca de 70% dos
procedimentos realizados pelo hospital Stella Maris. A rede conveniada representa 25%
dos atendimentos e os outros 5% são os atendimentos particulares.
14
O Hospital Stella Maris é um dos principais estabelecimentos de saúde de
Guarulhos. A seguir algumas informações sobre essa organização hospitalar:
- trata-se de um hospital geral com capacidade de atendimento de 220 leitos;
- possui aproximadamente 800 funcionários, sendo a maior parte deles alocada no setor
de enfermagem;
- único hospital da cidade e da região que atende emergências cardíacas com estrutura
para cirurgias complexas;
- principal hospital da cidade que realiza partos pelo Sistema Único de Saúde (SUS);
- principal centro de atendimento em Hemodiálise da região;
- único hospital de grande porte da cidade que possui uma escola de formação de
auxiliares e técnicos de enfermagem;
- único hospital de Guarulhos com vários programas de residência médica.
O Hospital Stella Maris é o típico hospital filantrópico brasileiro: foi fundado
por uma ordem religiosa católica, passa por dificuldades financeiras crônicas, enfrenta
desafios diários de toda ordem para atender os pacientes que batem à sua porta e tem
procurado se re-inventar como organização empresarial para atender a missão das irmãs
fundadoras que colocaram como objetivo central da entidade, nos anos 1940, a proteção
à vida e dignidade humana.
15
CAPÍTULO I - OS SISTEMAS DE SAÚDE
1. SISTEMA DE SAÚDE
Para um maior e melhor entendimento da estrutura do Sistema Brasileiro de Saúde
(SBS), sugere-se inicialmente a explicitação do conceito de sistema de saúde e seus
principais objetivos.
Para tal, recorre-se à Organização Pan Americana de Saúde (OPAS, 2007), a qual
menciona que um sistema de saúde, como todo sistema social, depende da história e das
condições políticas e socioambientais da cada país. Os sistemas de saúde refletem
importantes valores sociais que se expressam nos limites jurídicos e institucionais
relacionados com a formulação e implantação das políticas de saúde de uma
determinada nação. Consequentemente, os objetivos e os limites são específicos de cada
nação, conforme valores e princípios próprios. Sendo assim, Roemer (1993) e Mendes
(2002) reiteram que são respostas sociais organizadas deliberadamente para as
necessidades, demandas e representações das populações em determinada sociedade e
em determinado momento. Dessa forma, os Sistemas de Saúde são sistemas sociais que
se propõem e se organizam com o intuito de prestar assistência à saúde a uma população
definida.
Com relação à definição de sistemas de saúde, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) destaca que esses podem ser entendidos como “o conjunto de atividades cujo
principal propósito é promover, restaurar e manter a saúde de uma população” (World
Health Organization - WHO, p.8, 2000). Nessa definição, os sistemas de saúde
englobam, além dos próprios estabelecimentos de saúde, os cuidados de saúde nos
domicílios, os fornecedores privados, compreendendo também ações de outros setores
que impactam direta e indiretamente no setor de saúde.
Em se tratando dos impactos dos sistemas de saúde para a população e sociedade,
Mendes (2001) salienta que, embora toda sociedade compartilhe das crenças de que a
Saúde tem um valor intrínseco para as pessoas e que os serviços de saúde são
16
necessários para manter a vida e aliviar o sofrimento das pessoas, os objetivos dos
sistemas de saúde variam de um país para outro, assim como as suas concepções, ainda
que se explicitem valores subjacentes bastante semelhantes, tais como o alcance da
eqüidade (ou superação das desigualdades) e o bem-estar de toda a população. Na
realidade, sob a ótica desse autor, apesar da explicitação desses valores, a estruturação e
o funcionamento dos sistemas de serviços de saúde estão longe de cumprirem os
requisitos mínimos para alcançá-los. Além disso, ainda que os objetivos e valores se
mantenham, as propostas de reforma e de mudanças nem sempre possibilitam
transformações positivas.
Com relação aos objetivos dos Sistemas de Saúde, Mendes (2002) afirma que,
independente da forma de organização social e econômica, a maioria dos países tem
objetivos comuns com relação a esses sistemas. Segundo esse autor, os principais
objetivos dos Sistemas de Saúde são:
alcance de um nível ótimo de saúde, distribuído de forma eqüitativa;
garantia de uma proteção adequada dos riscos para todos os cidadãos;
acolhimento dos cidadãos;
a efetividade dos serviços de saúde;
a eficiência dos serviços de saúde.
Assim, para atingir esses objetivos, os Sistemas de Saúde devem atuar na
articulação de atores sociais envolvidos no processo com o intuito de mediar os seus
interesses e conflitos. Os principais componentes de um sistema de saúde são a
população e as instituições prestadoras de serviços, embora existam outros atores
importantes como o Governo, as universidades, os conselhos profissionais, a indústria
farmacêutica, dentre outros.
Para maior compreensão do Sistema de Saúde no Brasil, torna-se relevante
investigar aspectos importantes de Sistemas de Saúde de outros países uma vez que
muitas práticas dessa área são introduzidas após sua implantação em outros países.
17
1.1 CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS DE SAÚDE EXISTENTES EM
ALGUNS PAÍSES DO MUNDO
Com relação às características dos sistemas de saúde pelo mundo, Almeida
(1996a) destaca que, nos Estados Unidos, embora os gastos com a saúde tenham se
elevado acima da inflação, as políticas neo-liberais excluem milhões de cidadãos de
atendimentos básicos em saúde. Sendo assim, para Almeida (1999), a atenção
gerenciada (managed care), precursora da competição gerenciada (managed
competition), tem longo percurso histórico nos Estados Unidos. Nos anos 1970, o
governo Nixon institucionalizou o managed care (atenção gerenciada) com a aprovação
da lei Health Maintenance Organizations Act (1973), uma alternativa política para
preservar a assistência médica empresarial e, ao mesmo tempo, diminuir a taxa de
crescimento com gastos sanitários. Essa proposta foi fruto do trabalho conjunto de
executivos de grandes empresas e seguradoras e desenvolveu-se de modo consistente
durante os anos 1980 (ALMEIDA, 1996a).
A mesma autora destaca que a atenção gerenciada (managed care) diz respeito a
um pré-pagamento do plano de saúde que fornece assistência médica para grupos
específicos por meio de pacotes negociados. Fazem parte desses grupos específicos:
pessoas com mais de 65 anos de idade; pessoas com alguma deficiência e menos de 64
anos; pessoas de qualquer idade com doença renal em estágio terminal. O objetivo do
programa é controlar o uso de serviços, articular a sua prestação, trabalhar
simultaneamente seu financiamento, além de diminuir custos favorecendo o
atendimento generalista e dificultando a atenção especializada. Há uma rigidez com os
profissionais da saúde devido à preocupação com os valores gastos nos procedimentos,
procurando-se conter, especialmente, a demanda por procedimentos mais onerosos.
Segundo Andrade e Lisboa (2000), cerca de 70% da população americana
possuem seguros de saúde privado, oriundos principalmente da sua relação de emprego.
Esses mesmos autores afirmam ainda que o Estado americano desenvolveu políticas de
atendimento apenas para idosos e pessoas de baixa renda e que, mesmo assim, gastam
cerca de 14% do PIB (Produto Interno Bruto) com a saúde. A justificativa se dá com os
18
altos custos com pesquisa e tecnologia, mas há evidentes sinais de ineficiências no
sistema.
A administração do presidente Barack Obama conseguiu, após enfrentar forte
oposição da direita americana representada pelos deputados e senadores do Partido
Republicano, aprovar em março de 2010 a reforma da saúde nos Estados Unidos da
América. Dois dos principais aspectos dessa reforma foram:
- passaram a ter direito à Saúde cerca de 16% dos habitantes do território americano
(mais de 46 milhões de pessoas) que estavam excluídos de qualquer atendimento;
- foram desenvolvidos mecanismos para controlar os excessivos valores cobrados pelos
seguros de saúde privados sem comprometimento da qualidade dos serviços prestados.
O desenvolvimento do novo programa de saúde teve como premissa a entrada do
governo na disputa pelo mercado, o que ocasionaria uma pressão sobre os concorrentes
privados, levando a uma diminuição dos preços, à uma melhoria na qualidade dos
serviços pela criação de subsídios que proporcionassem o atendimento da população de
baixa renda. Nota-se que a reforma apresenta, no geral, pontos positivos para a
população americana. Porque tantas críticas e controvérsias? A votação no congresso foi
bastante equilibrada e a reforma foi aprovada com 219 votos contra 212 votos
contrários. Além das questões políticas e de outros interesses que envolvem a aprovação
de uma reforma dessa magnitude, torna-se importante identificar o que há por trás das
críticas e que argumentos preocupam os profissionais da área e os administradores e
estudiosos das questões públicas. Para o economista Bandow (2010), a reforma de
saúde deveria ser feita visando à capacidade de escolha dos pacientes e não a partir de
profissionais decidindo que direitos os pacientes deveriam ou não possuir. O autor
argumenta ainda que, se a essência do problema diz respeito aos custos altos, é
inevitável que esses custos continuem aumentando em função das novas tecnologias
médicas e dos novos produtos farmacêuticos. Para o autor, uma maior atuação do
governo servirá para a realização de um serviço de baixa qualidade com provável
aumento de gastos, o que implicará em aumento de impostos.
Observa-se que as controvérsias se repetem no modo como diversos países
estabelecem os serviços de saúde para a população.
19
Segundo Almeida (1999), um Sistema de Saúde com características específicas
interessantes é o canadense, onde as províncias e o governo federal sustentam em
conjunto a operacionalização do processo de atendimento. Nessa parceria, cabe ao
governo federal parte do financiamento (cerca de 25%) e a determinação de regras para
os planos de seguro, enquanto as províncias são responsáveis pelo gerenciamento, pelo
planejamento e pelo atendimento médico - hospitalar. Nesse sistema, as províncias
recebem recursos per capita e está determinado que todo cidadão canadense tem direito
ao acesso aos serviços de saúde públicos. Observa-se que a escolha do médico é livre e
que o mesmo, diferentemente das práticas observadas no modelo americano, tem
autonomia para designar o tratamento que julgar conveniente. Cabe ao médico, ainda,
na busca pela racionalização, selecionar os pacientes que devem ser atendidos
prioritariamente. Os médicos são remunerados por tarefa e na maioria das províncias é
proibida a criação de seguros privados que ofereçam os mesmos serviços que os
providos pelo seguro público. Normalmente, os serviços privados são complementares,
ou seja, estão relacionados àquilo que não é ofertado pelo Estado, como enfermagem
qualificada e transporte de ambulância para não urgências.
Conforme Butler (1994) e Andrade e Lisboa (2000), o modelo de sistema de
saúde utilizado na Inglaterra está na vanguarda do sistema europeu de saúde, sendo que
o National Health Service foi implantado a partir de 1948, para promover a sua
nacionalização e a universalização do acesso aos serviços de saúde. Enfermeiros,
médicos especialistas e o pessoal das áreas administrativas eram financiados pelo
Estado, enquanto os médicos generalistas permaneceram como autônomos e mantinham
sua remuneração por meio de captação e reembolso por consultas. Faziam o
atendimento primário encaminhando os pacientes, quando necessário, para profissionais
especialistas. A alta nos gastos do Estado ao longo dos anos com esse sistema o tornou
insustentável, uma vez que a demanda por serviços era crescente e o acesso integral e
irrestrito levou à superutilização do sistema. A situação foi ainda agravada pela
demanda de recursos e investimentos em novas tecnologias e pelo envelhecimento da
população. Assim, em 1989, foi implantada a reforma inglesa no sistema de saúde em
um ambiente político que exacerbava e generalizava a ineficiência do Estado na
utilização de recursos. O governo da primeira ministra Margaret Thatcher priorizava o
setor privado como “espaço“ mais adequado para a execução de políticas, ademais,
20
defendia a predominância dos princípios econômicos, em detrimento da proteção social,
e do mercado versus a hierarquia burocratizada (BUTLER, 1994).
A reforma ocorrida no sistema de saúde inglês reiterou os princípios de acesso e
integralidade e enfatizou-se a eficiência do uso dos recursos com mudança nos métodos
de alocação e fortalecimento do Estado na regulação do sistema. Foco gerencial e
adoção de políticas de terceirização, sobretudo nos serviços de hotelaria, representaram
esforços na contenção dos crescentes custos que se apresentavam. Segundo Andrade e
Lisboa (2000), os grandes dilemas do sistema não foram solucionados com a reforma e
o racionamento continua funcionando como o mecanismo de alocação dos recursos e
contenção da demanda, ou seja, os ganhos obtidos não foram suficientes para garantir a
sustentabilidade financeira necessária do sistema no longo prazo.
Por fim, sendo considerado um dos melhores sistemas de saúde do mundo, na
França, segundo Wdson (2009), a saúde é um dos componentes do Sistema de
Seguridade Social, de solidariedade social e de natureza pública, sob a base de cotização
obrigatória de empregados e empregadores. Apresenta como princípios de organização
a coexistência do setor público de prestação de serviços ao lado do privado, com ou sem
fins lucrativos, a livre escolha de profissionais e estabelecimentos de saúde, a autonomia
para a instalação de consultórios; o pagamento direto, pelos usuários, aos profissionais e
serviços de saúde, com reembolso parcial das despesas, a liberdade de prescrição e o
segredo profissional.
Na prática, ainda conforme Wdson (2009), o sistema de saúde francês, após as
reformas ocorridas nos anos 90, representa um programa de seguro público
compulsório, que tanto remunera médicos particulares pela assistência, quanto exerce
relativo controle regulador sobre o valor de consultas e procedimentos. Por sua
característica mista, esse sistema de saúde disponibiliza, ainda, serviços de natureza
pública e privada aos usuários. Trata-se de um sistema com alto nível de recursos e
prestação de serviços, cobrindo a assistência médico-odontológica, farmacêutica,
domiciliar de enfermagem, transportes sanitários, curas termais e fornecimento de
órteses e próteses, incluindo óculos.
21
1.2 A SAÚDE NO BRASIL
1.2.a ANTECEDENTES DO SISTEMA BRASILEIRO DE SAÚDE
De acordo com Polignano (2001), a crise do sistema de saúde no Brasil está presente
no nosso dia a dia sendo constatada por meio de fatos amplamente conhecidos e
divulgados pela mídia, como:
filas freqüentes de pacientes nos serviços de saúde;
falta de leitos hospitalares para atender a demanda da população;
escassez de recursos financeiros, materiais e humanos para manter os serviços de
saúde operando com eficácia e eficiência;
atraso no repasse dos pagamentos do Ministério da Saúde para os serviços
conveniados;
baixos valores pagos pelo SUS aos diversos procedimentos médicos-
hospitalares;
aumento de incidência e o ressurgimento de diversas doenças transmissíveis;
denúncias de abusos cometidos pelos planos privados e pelos seguros de Saúde.
Em pesquisa divulgada em 09 de fevereiro de 2011 e realizada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) para o Sistema de Indicadores de Percepção
Social (SIPS), os maiores problemas da saúde no Brasil são: a falta de médicos, a
demora para se conseguir atendimento nos centros de saúde ou nos hospitais da rede
pública e a demora para se conseguir ser atendido por um médico especialista.
Para que se possa avaliar a realidade hoje existente, é necessário conhecer os
determinantes históricos envolvidos nesse processo. Dessa forma, como somos frutos
do nosso passado e da nossa história, o setor da saúde também sofreu as influências de
todo o contexto político-social pelo qual o Brasil passou ao longo do tempo, conforme
descrito a seguir.
1.2.1 Dos anos 1500 até o 1º REINADO (1890)
Um país colonizado, basicamente por degredados e aventureiros desde o
descobrimento até a instalação do império, o Brasil não dispunha de qualquer modelo
22
de atenção à saúde da população e tampouco o interesse, por parte do governo de
Portugal, em criá-lo.
Desse modo, a atenção à saúde limitava-se aos próprios recursos da terra
(plantas, ervas) e àqueles que, por conhecimentos empíricos (curandeiros),
desenvolviam as suas habilidades na arte de curar. A vinda da família real ao Brasil
criou a necessidade de organização de uma estrutura sanitária mínima, capaz de dar
suporte ao poder que se instalava na cidade do Rio de Janeiro (POLIGNANO, 2009).
Sendo assim, até 1850, as atividades de saúde pública no país estavam limitadas ao
seguinte:
1 - Delegação das atribuições sanitárias às juntas municipais.
2 - Controle de navios e saúde dos portos.
Dessa forma, o interesse primordial estava limitado ao estabelecimento de um
controle sanitário mínimo da capital do império, tendência que se alongou por quase um
século.
A carência de profissionais médicos no Brasil Colônia e no Brasil Império era
enorme. Como exemplo, conforme cita Salles (1971), no Rio de Janeiro, em 1789, só
existiam quatro médicos exercendo a profissão. Em outros estados brasileiros a situação
era similar, em alguns casos não havia médicos.
A inexistência de uma assistência médica estruturada fez com que proliferassem
pelo país os Boticários (farmacêuticos). Aos boticários cabia a manipulação das
fórmulas prescritas pelos médicos, mas a verdade é que eles mesmos tomavam a
iniciativa de indicá-los, fato comum até hoje.
Não dispondo de um aprendizado acadêmico, o processo de habilitação na
função consistia tão somente em acompanhar um serviço de uma botica já estabelecida
durante um certo período de tempo, ao fim do qual prestavam um exame perante a
23
fisicatura2 e, se aprovado, o candidato recebia a “carta de habilitação”, e estava apto a
instalar sua própria botica (SALLES, 1971).
Em 1808, Dom João VI fundou na Bahia o Colégio Médico Cirúrgico no Real
Hospital Militar da Cidade de Salvador. No mês de novembro do mesmo ano foi criada
a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro, anexa ao real Hospital Militar.
1.2.2 INÍCIO DA REPÚBLICA ATÉ 1930
Segundo Polignano (2009), naturalmente, a falta de um modelo sanitário para o
país deixavam as cidades brasileiras à mercê das epidemias.
No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro apresentava um quadro
sanitário caótico caracterizado pela presença de diversas doenças graves que acometiam
a população, como a varíola, a malária, febre amarela e, posteriormente, a peste, o que
acabou gerando sérias conseqüências tanto para saúde coletiva quanto para outros
setores, como o do comércio exterior, visto que os navios estrangeiros não mais queriam
atracar no porto do Rio de Janeiro em função da situação sanitária existente na cidade.
O então presidente do Brasil, Rodrigues Alves, nomeou Oswaldo Cruz Diretor
do Departamento Federal de Saúde Pública, que se propôs a erradicar a epidemia de
febre-amarela na cidade do Rio de Janeiro.
Foi criado um verdadeiro exército de 1.500 pessoas que passaram a exercer
atividades de desinfecção no combate ao mosquito, vetor da febre-amarela. A falta de
esclarecimentos e as arbitrariedades cometidas pelos “guardas-sanitários” causaram
revoltas na população.
Esse modelo de intervenção ficou conhecido como “campanhista”, e foi
concebido dentro de uma visão militar segundo a qual os fins justificam os meios e o
uso da força e da autoridade eram considerados os instrumentos preferenciais de ação
(POLIGNANO, 2009).
2 Assim denominada a instituição reguladora das profissões da área de saúde em Portugal e no Brasil, no
período compreendido desde a época da Colonia até 1828 quando o imperador Dom João VI extingue o
cargo de fisico-mor do império.
24
A população, com receio das medidas de desinfecção, trabalho realizado pelo
serviço sanitário municipal, revoltou-se tanto que, certa vez, o próprio presidente
Rodrigues Alves chamou Oswaldo Cruz ao Palácio do Catete, pedindo-lhe para, apesar
de acreditar no acerto da estratégia do sanitarista, não continuar queimando os colchões
e as roupas dos doentes.
A onda de insatisfação se agravou com outra medida de Oswaldo Cruz, a Lei
Federal nº 1261, de 31 de outubro de 1904, que instituiu a vacinação anti-varíola
obrigatória para todo o território nacional. Surge, então, um grande movimento popular
de revolta que ficou conhecido na história como a “revolta da vacina”.
Apesar das arbitrariedades e dos abusos cometidos, o modelo campanhista
obteve importantes vitórias no controle das doenças epidêmicas, conseguindo inclusive
erradicar a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro, o que fortaleceu o modelo
proposto e o tornou hegemônico como proposta de intervenção na área da saúde
coletiva durante décadas.
Nesse período, Oswaldo Cruz procurou organizar a diretoria geral de saúde
pública, criando uma seção demográfica, um laboratório bacteriológico, um serviço de
engenharia sanitária e de profilaxia da febre-amarela, a inspetoria de isolamento e
desinfecção e o instituto soroterápico federal, posteriormente transformado no Instituto
Oswaldo Cruz.
Para Bravo, (2001) foi em 1920 que Carlos Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz,
reestruturou o Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça e
introduziu a propaganda e a educação sanitária na técnica rotineira de ação, inovando o
modelo campanhista de Oswaldo Cruz que era puramente fiscal e policial.
Criaram-se órgãos especializados na luta contra a tuberculose, a lepra e as
doenças venéreas. A assistência hospitalar, infantil e a higiene industrial se destacaram
como problemas individualizados. Expandiram-se as atividades de saneamento para
outros Estados além do Rio de Janeiro e criou-se a Escola de Enfermagem Anna Nery.
Enquanto a sociedade brasileira esteve dominada por uma economia
agroexportadora, apoiada na monocultura cafeeira, o que se exigia do sistema de saúde
25
era, sobretudo, uma política de saneamento destinado aos espaços de circulação das
mercadorias exportáveis e a erradicação ou controle das doenças que poderiam
prejudicar a exportação. Por esta razão, desde o final do século passado até o início dos
anos 60, predominou o modelo do sanitarismo campanhista (MENDES, 1992).
Gradativamente, com o controle das epidemias nas grandes cidades brasileiras, o
modelo campanhista deslocou a sua ação para o campo e para o combate das
denominadas endemias rurais, dado ser a agricultura a atividade hegemônica da
economia da época. Este modelo de atuação foi amplamente utilizado pela Sucam
(Superintendência de Campanhas de Saúde Pública) no combate a diversas endemias
(Chagas, Esquistossomose, e outras), sendo esta posteriormente incorporada à Fundação
Nacional de Saúde.
1.2.3 O NASCIMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Como se sabe, no início do século a economia brasileira era basicamente
agroexportadora, assentada na monocultura do café. A acumulação capitalista advinda
do comércio exterior tornou possível o início do processo de industrialização no país,
que se deu principalmente no eixo Rio-São Paulo.
Tal processo foi acompanhado de uma urbanização crescente e da utilização de
imigrantes, especialmente europeus, como mão-de-obra nas indústrias, visto que
possuíam grande experiência neste setor, já muito desenvolvido na Europa. Os operários
na época não tinham quaisquer garantias trabalhistas, tais como: férias, jornada de
trabalho definida, pensão ou aposentadoria.
Os imigrantes, particularmente os italianos, traziam consigo a história do
movimento operário na Europa e dos direitos trabalhistas que já tinham sido
conquistados pelos trabalhadores europeus e, assim, procuraram mobilizar e organizar a
classe operária no Brasil na luta pela conquistas dos seus direitos.
Em função das péssimas condições de trabalho existentes e da falta de garantias
de direitos trabalhistas, o movimento operário organizou e realizou duas greves gerais
no país, uma em 1917 e outra em 1919.
26
Por meio desses movimentos os operários começaram a conquistar alguns
direitos sociais;
Em 24 de janeiro de 1923, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Eloy
Chaves, marco inicial da previdência social no Brasil (BRASIL, 2012).
Na visão de Marques (2003), por meio dessa lei foram instituídas as Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAP’s).
A propósito desta lei devem ser feitas as seguintes considerações:
a lei deveria ser aplicada somente ao operariado urbano. Para que fosse aprovada
no Congresso Nacional, dominado na sua maioria pela oligarquia rural, foi
imposta a condição de que este benefício não seria estendido aos trabalhadores
rurais. Fato que na história da previdência do Brasil perdurou até a década de 60,
quando foi criado o FUNRURAL.
Outra particularidade refere-se ao fato de que as caixas deveriam ser organizadas
por empresas e não por categorias profissionais.
A criação de uma CAP também não era automática, dependia do poder de
mobilização e organização dos trabalhadores de determinada empresa para
reivindicar a sua criação.
A primeira CAP criada foi a dos ferroviários, o que pode ser explicado pela
importância que este setor desempenhava na economia do país naquela época e
pela capacidade de mobilização que a categoria dos ferroviários possuía.
A criação das CAP’s deve ser entendida, assim, no contexto das reivindicações
operárias no início do século, como resposta do empresariado e do Estado à crescente
importância da questão social (MENDES, 2003).
Em 1930, o sistema abrangia 47 caixas, com 142.464 segurados ativos, 8.006
aposentados, e 7.013 pensionistas.
1.2.4 PREVIDÊNCIA SOCIAL NO ESTADO NOVO
27
No que tange a previdência social, a política do estado pretendeu estender a
todas as categorias do operariado urbano organizado os benefícios da previdência.
Dessa forma, as antigas CAP’s são substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e
Pensões (IAP). Nesses institutos os trabalhadores eram organizados por categoria
profissional (marítimos, comerciários, bancários) e não por empresa (POLIGNANO,
2009).
Em 1933, foi criado o primeiro Instituto de Aposentadoria e Pensões: o dos
Marítimos (IAPM). Seu decreto de constituição definia, no artigo 46, os benefícios
assegurados aos associados:
a) aposentadoria;
b) pensão em caso de morte para os membros de suas famílias ou para os beneficiários,
na forma do art. 55;
c) assistência médica e hospitalar, com internação até trinta dias;
d) socorros farmacêuticos, mediante indenização pelo preço do custo acrescido das
despesas de administração.
§ 2o - O custeio dos socorros mencionados na alínea c não deverá exceder à importância
correspondente ao total de 8% da receita anual do Instituto, apurada no exercício
anterior, sujeita a respectiva verba à aprovação do Conselho Nacional do Trabalho.
Mendes (2003) destaca que, os IAP’s foram criados de acordo com a capacidade
de organização, mobilização e importância da categoria profissional em questão. Assim,
em 1933, foi criado o primeiro instituto, o de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
(IAPM); em 1934, o dos Comerciários (IAPC) e dos Bancários (IAPB); em 1936, o dos
Industriários (IAPI) e, em 1938, o dos Estivadores e Transportadores de Cargas
(IAPETEL). Ainda segundo essa mesma autora, além de servir como importante
mecanismo de controle social, os IAP’s tinham, até meados da década de 50, papel
fundamental no desenvolvimento econômico deste período, como “instrumento de
captação de poupança forçada” por meio de seu regime de capitalização.
28
Polignano (2009) salienta que, as seguidas crises financeiras dos IAP’s, e,
mesmo o surgimento de outros mecanismos captadores de investimentos,
principalmente externos, fizeram com que progressivamente a previdência social
passasse a ter importância muito maior como instrumento de ação político-eleitoreira
nos governos populistas de 1950-64, especialmente, pela sua vinculação clara ao Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), e a fase áurea de “peleguismo sindical”.
Até o final dos anos 50, a assistência médica previdenciária não era importante.
Os técnicos do setor a consideram secundária no sistema previdenciário brasileiro e os
segurados não faziam dela parte importante de suas reivindicações.
Em 1949, foi criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência
(SAMDU) mantido por todos os institutos e as caixas ainda remanescentes.
1.2.5 SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL NOS ANOS 30 A 60
Na visão de Bertolozzi & Greco (1996) e Polignano (2009), na era do Estado
Novo poucas foram as investidas no setor da saúde pública, destacando-se:
- Em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, com desintegração das
atividades do Departamento Nacional de Saúde Pública (vinculado ao Ministério da
Justiça), e a pulverização de ações de saúde a outros diversos setores como: fiscalização
de produtos de origem animal que passa para o Ministério da Agricultura (1934);
higiene e segurança do trabalho (1942) que se vincula ao Ministério do Trabalho.
- Em 1941, instituiu-se a reforma Barros Barreto, em que se destacam as seguintes
ações:
instituição de órgãos normativos e supletivos destinados a orientar a assistência
sanitária e hospitalar;
criação de órgãos executivos de ação direta contra as endemias mais importantes
(malária, febre amarela, peste);
fortalecimento do Instituto Oswaldo Cruz, como referência nacional;
descentralização das atividades normativas e executivas por 8 regiões sanitárias;
destaque aos programas de abastecimento de água e construção de esgotos, no
âmbito da saúde pública;
29
atenção aos problemas das doenças degenerativas e mentais com a criação de
serviços especializados de âmbito nacional (Instituto Nacional do Câncer).
A escassez de recursos financeiros associada à pulverização desses diversos órgãos
e setores, aos conflitos de jurisdição e gestão e superposição de funções e atividades, fez
com que a maioria das ações de saúde pública no Estado Novo se reduzisse a meros
aspectos normativos, sem efetivação no campo prático de soluções para os grandes
problemas sanitários existentes no país naquela época (BERTOLOZZI & GRECO,
1996).
Em 1953, foi criado o Ministério da Saúde, que, na verdade, limitou-se a um mero
desmembramento do antigo Ministério da Saúde e Educação sem que isto significasse
uma nova postura do governo e uma efetiva preocupação em atender aos importantes
problemas de saúde pública de sua competência.
1.2.6 O REGIME MILITAR E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE
NACIONAL
A repressão militar seria incapaz de sozinha justificar por um longo tempo um
governo ditatorial. Diante deste quadro, o regime instituído procura atuar através da
formulação de algumas políticas sociais na busca de uma legitimação do governo
perante a população (BRAVO, 2001).
Visto que os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP’s) eram limitados a
determinadas categorias profissionais mais mobilizadas e organizadas política e
economicamente, o governo militar procurou garantir para todos os trabalhadores
urbanos e os seus dependentes os benefícios da previdência social.
Segundo Nicz (1982), o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
produto da fusão dos IAP’s, sofreu forte influência dos técnicos oriundos do maior
deles, o IAPI. Esses técnicos, que passaram a história conhecidos como “os cardeais do
IAPI”, de tendências absolutamente privatizantes, criam as condições institucionais
necessárias ao desenvolvimento do “complexo médico-industrial”, característica
marcante deste período.
30
A criação do INPS, conforme destacam Nicz (1982) e Bravo (2003), propiciou a
unificação dos diferentes benefícios ao nível do IAP’s. Na medida em que todo o
trabalhador urbano com carteira assinada era automaticamente contribuinte e
beneficiário do novo sistema, foi grande o volume de recursos financeiros capitalizados.
O fato do aumento da base de contribuição, aliado ao crescimento econômico da década
de 70, o chamado milagre econômico, do pequeno percentual de aposentadorias e
pensões em relação ao total de contribuintes, fez com que o sistema acumulasse um
grande volume de recursos financeiros.
Para Scorel (1998), ao unificar o sistema previdenciário, o governo militar se viu
na obrigação de incorporar os benefícios já instituídos fora das aposentadorias e
pensões. Um desses era a da assistência médica, oferecido pelos vários IAPs, sendo que
alguns já possuíam serviços e hospitais próprios.
O sistema desenvolvido pelos IAPs foi se tornando cada vez mais complexo
tanto do ponto de vista administrativo quanto financeiro dentro da estrutura do INPS, o
que acabou levando à criação de uma estrutura própria administrativa, o Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), em 1978.
Com relação ao período do regime militar, segundo Polignano (2009), no campo da
organização da saúde pública no Brasil foram desenvolvidas as seguintes ações:
Promulgação do Decreto Lei 200 (1967), estabelecendo as competências do
Ministério da Saúde: formulação e coordenação da política nacional de saúde;
responsabilidade pelas atividades médicas ambulatoriais e ações preventivas em
geral; controle de drogas e medicamentos e alimentos; pesquisa médico-
sanitário.
Em 1970, criou-se a SUCAM (Superintendência de Campanhas da Saúde
Pública) com a atribuição de executar as atividades de erradicação e controle de
endemias, sucedendo o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERU)
e a campanha de erradicação da malária.
Em 1975, foi instituído no papel o Sistema Nacional de Saúde, que estabelecia
de forma sistemática o campo de ação na área de saúde dos setores públicos e
privados, para o desenvolvimento das atividades de promoção, proteção e
31
recuperação da saúde. O documento reconhece e oficializa a dicotomia da
questão da saúde, afirmando que a medicina curativa seria de competência do
Ministério da Previdência e a medicina preventiva de responsabilidade do
Ministério da Saúde.
Entretanto, o governo federal destinou poucos recursos ao Ministério da Saúde que,
dessa forma, foi incapaz de desenvolver as ações de saúde pública propostas, o que
significou na prática uma clara opção pela medicina curativa, mais cara e que, no
entanto, contava com recursos garantidos através da contribuição dos trabalhadores para
o INPS.
O fim do regime militar é marcado pelo movimento das “Diretas Já” e a eleição de
Tancredo Neves, fatos esses que geraram diversos movimentos sociais, inclusive na
área de saúde, que culminaram com a criação das associações dos secretários de saúde
estaduais (CONASS) ou municipais (CONASEMS), e com a grande mobilização
nacional por ocasião da realização da VIII Conferência Nacional de Saúde (Congresso
Nacional, 1986), a qual lançou as bases da reforma sanitária e do SUDS (Sistema Único
Descentralizado de Saúde). Esses eventos ocorreram concomitantemente com a eleição
da Assembléia Nacional Constituinte em 1986 e a promulgação da nova Constituição
em 1988.
De acordo com Polignano (2009) é necessario fazer aqui um pequeno corte nessa
seqüência para se entender como o modelo médico neo-liberal procurou se articular
nesse momento da crise. O setor médico privado que se beneficiou do modelo
médico-privativista durante quinze anos a partir de 64, tendo recebido nesse período
vultuosos recursos do setor público e financiamentos subsidiados, cresceu, desenvolveu-
se e “engordou”.
A partir do momento em que o setor público entrou em crise, o setor liberal
começou a perceber que não mais poderia se manter e se nutrir daquele e passou a
formular novas alternativas para sua estruturação. Direcionou o seu modelo de atenção
médica para parcelas da população, com destaque para a classe média e categorias de
assalariados, procurando por meio da poupança desses setores sociais organizar uma
nova base estrutural. Desse modo foi concebido um subsistema de “Atenção Médico-
32
Supletiva” composta de cinco modalidades assistenciais: medicina de grupo,
cooperativas médicas, auto-gestão, seguro-saúde e plano de administração
(POLIGNANO, 2009).
1.2.b Saúde no Brasil e o SUS (Sistema Único de Saúde)
No que se refere ao Sistema Brasileiro de Saúde (SBS), Paim (2006, 2011)
salienta que esse é constituído por uma variedade de organizações públicas e privadas
estabelecidas em diferentes períodos históricos. No início do século XX, conforme já
destacado anteriormente, campanhas realizadas sob moldes quase militares implantaram
atividades de saúde pública. A natureza autoritária dessas campanhas gerou oposição de
parte da população, políticos e líderes militares. Tal oposição levou à Revolta da
Vacina, em 1904, episódio de resistência a uma campanha de vacinação obrigatória
contra a varíola sancionada por Oswaldo Cruz, o então Diretor Geral de Saúde Pública.
Cabe destacar que o modelo de intervenção do Estado brasileiro na área social data das
décadas de 1920 e 1930, quando os direitos civis e sociais foram vinculados à posição
do indivíduo no mercado de trabalho.
Ainda nas visões de Paim (2011) e Freire (2009), o SBS é formado por uma rede
complexa de prestadores e compradores de serviços que competem entre si, gerando
uma combinação público-privada financiada tanto por recursos públicos como por
recursos privados. O SBS apresenta três subsetores: o subsetor público, no qual os
serviços são financiados e providos pelo Estado nos níveis federal, estadual e municipal,
incluindo os serviços de saúde militares; o subsetor privado (com fins lucrativos ou
não), no qual os serviços são financiados de diversas maneiras com recursos públicos ou
privados; e, por último, o subsetor de saúde suplementar, com diferentes tipos de planos
privados de saúde e de apólices de seguro, além de subsídios fiscais. Os componentes
público e privado do sistema são distintos, mas estão interconectados, e as pessoas
podem utilizar os serviços de todos os três subsetores, dependendo da facilidade de
acesso ou de sua capacidade de pagamento (PAIM, 2011).
33
Corroborando com a descrição da estrutura do SBS, Freire (2009) destaca que
este está segmentado em público e privado (figura 1). O sistema público, tal como
preconizado na Constituição nacional, busca garantir à população atenção integral,
acesso universal e gratuito às ações e serviços de saúde e envolve tanto os prestadores
públicos como os privados. Já o sistema privado abrange o sistema de saúde
suplementar (operadoras de planos, seguros de saúde, etc.) e o sistema de desembolso
direto, representado pelos serviços de saúde adquiridos em prestadores privados
mediante gastos diretos dos bolsos das pessoas ou das famílias.
Figura 1: O Sistema Brasileiro de Saúde
Fonte: Freire (2009)
No intuito de explicitar a atual estrutura do SBS, é necessário destacar que,
apesar da imensa relevância de outros eventos históricos para a estruturação do referido
sistema de saúde, a presente pesquisa, apoiada em diversos autores, considera que o
marco fundamental para a sua efetiva reestruturação foi a promulgação da Constituição
Brasileira de 1988, por meio do seu capítulo VIII da Ordem Social, na seção II referente
à Saúde, a qual, de acordo com Polignano (2001), buscou aplicar os conceitos de
Universalidade (acesso garantido à saúde a todas as pessoas; Equidade (igualdade da
assistência à saúde a todas as pessoas) e Integralidade (as pessoas são vistas como um
todo, para que as ações de saúde atendam a todas as suas necessidades) na criação de
um modelo de sistema de saúde voltado às reais necessidades da população.
34
Sendo assim, conforme salientam Freire (2009) e OPAS (1998), o SBS passou
por uma profunda reestruturação a partir da Constituição Brasileira de 1988, nos seus
artigos 196 a 200, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)3 na tentativa de
instituir a universalidade de acesso público aos serviços de saúde em nosso país4. A
proposta de criação do SUS de caráter público, federativo, descentralizado, participativo
e de atenção integral foi de grande importância no contexto da saúde brasileira, pois
que, até então, o sistema vigente discriminava a população com relação à assistência à
saúde em três classes: aqueles com condições de pagar pelos serviços de saúde, por
meio de convênios ou de recursos próprios; os que tinham direito à assistência prestada
pela rede pública por serem contribuintes do Instituto Nacional de Assistência Médica
da Previdência Social (INAMPS), e os que não tinham condições financeiras nem
direito à assistência, pois não pertenciam ao mercado formal da economia. Esses
últimos disputavam a assistência médico-hospitalar prestada, principalmente, pelas
instituições filantrópicas. Apesar de o SUS ter sido definido pela Constituição de 1988,
esse somente foi regulamentado em 19 de setembro de 1990, por meio da Lei 8.080, a
qual definiu o seu modelo operacional, propondo a sua forma de organização e de
funcionamento.
Dessa forma, conforme Barros, Piola, Vianna (1996) e Brasil (2001), o SUS foi
regulamentado em 1990, constituindo-se em um conjunto de ações e serviços de saúde,
prestados por instituições públicas federais, estaduais e municipais ou por instituições
privadas contratadas, cujo principal objetivo é organizar um sistema público de saúde de
3 O SUS é definido pelo artigo 198 do seguinte modo:
“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um
sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I. Descentralização , com direção única em cada esfera de governo;
II. Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
III. Participação da comunidade:
Parágrafo único - o sistema único de saúde será financiado, com recursos do orçamento da seguridade
social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”. 4 A luta pela instituição do SUS basicamente partiu da sociedade, cujas reinvindicações nortearam o
movimento conhecido por “Movimento Sanitarista”, as quais fundamentalmente foram apresentadas por
meio dos secretários municipais de saúde e foram catalisadas na 8ª Conferência Nacional de Saúde,
realizada em 1986.
35
forma descentralizada, regionalizada e hierarquizada, visando garantir o acesso integral
da população a todos os níveis de atenção médico-hospitalar.
1.2.1. A CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Para um melhor entendimento das razões que levaram à criação do SUS, cabe
aqui alguns esclarecimentos a respeito de fatos e instituições relevantes desse processo.
Nesse sentido, de acordo com Brasil (2002) e Souza (2002), anteriormente a
criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde (MS), com o apoio
dos estados e municípios, desenvolvia quase que exclusivamente ações de promoção da
saúde e prevenção de doenças, com destaque para as campanhas de vacinação e controle
de endemias. Essas ações eram desenvolvidas com caráter universal, ou seja, sem
nenhum tipo de discriminação com relação à população beneficiária. Na assistência à
saúde, o MS apenas atuava por meio de poucos hospitais especializados nas áreas de
psiquiatria e tuberculose, além da ação da Fundação de Serviços Especiais de Saúde
Pública (FSESP) em algumas regiões específicas, com destaque para o interior do Norte
e Nordeste.
Souza (2002) destaca que a grande atuação do poder público nessa área se dava
por meio do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) que depois, como já
relatado, passou a ser denominado Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS), autarquia do Ministério da Previdência e Assistência
Social criada pela lei 6.439 em 1977, cuja responsabilidade era prestar assistência à
saúde de seus associados, o que justificava a construção de grandes unidades de
atendimento ambulatorial e hospitalar, como também da contratação de serviços
privados nos grandes centros urbanos onde estava a maioria dos seus beneficiários.
Na visão de Tanaka et al. (1992), a criação do INAMPS acarretou um processo
de centralização técnico-administrativa das decisões no âmbito da assistência médica
individual de caráter curativo. Entretanto, esse tipo de assistência à saúde desenvolvida
pelo INAMPS beneficiava apenas os trabalhadores da economia formal, com “carteira
assinada”, e seus dependentes, ou seja, não tinha o caráter universal que passa a ser um
dos princípios fundamentais do SUS (BRASIL, 2002).
36
O INAMPS aplicava nos estados, por meio de suas Superintendências
Regionais, recursos para a assistência à saúde de modo mais ou menos proporcional ao
volume de recursos arrecadados e de beneficiários existente. Portanto, quanto mais
desenvolvida a economia do estado, com maior presença das relações formais de
trabalho, maior o número de beneficiários e, consequentemente, maior a necessidade de
recursos para garantir a assistência a essa população. Dessa forma, o INAMPS aplicava
mais recursos nos estados das Regiões Sul e Sudeste, mais ricos, e nessas e em outras
regiões, em maior proporção nas cidades de maior porte. Essa diretriz na aplicação de
recursos intensificou a desigualdade já existente tanto entre as regiões quanto no interior
dos diversos estados. Por essa lógica, os Estados e Municípios mais ricos recebiam mais
recursos, enquanto os mais carentes amargavam sérias dificuldades e escassez em todo
o funcionamento do sistema de saúde. Nota-se que essa ambigüidade teve
conseqüências que podem ser observadas até os dias de hoje.
Ainda segundo Brasil (2002), em função da crise de financiamento da
Previdência, que começa a se manifestar a partir de meados da década de 70, o
INAMPS adotou várias providências para racionalizar suas despesas e começou, na
década de 80, a “comprar” serviços do setor público (redes de unidades das Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde), inicialmente por meio de convênios. A assistência à
saúde prestada pela rede pública, apesar do financiamento do INAMPS apenas para os
seus beneficiários, preservou o seu caráter de universalidade da clientela.
Tanaka et al. (1992) e Brasil (2002) salientam que, também nessa época, o
INAMPS passa a dar aos trabalhadores rurais, até então precariamente assistidos por
hospitais conveniados com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
(FUNRURAL), um tratamento equivalente àquele prestado aos trabalhadores urbanos.
Mesmo com a crise que já se abatia sobre o INAMPS, essa medida significou uma
grande melhoria nas condições de acesso dessa população aos serviços de saúde,
particularmente na área hospitalar.
37
Já no final da década de 80, conforme Souza (2002), o INAMPS adotou uma
série de medidas que o aproximaram ainda mais de uma cobertura universal de clientela,
dentre as quais se destaca o fim da exigência da Carteira de Segurado do INAMPS para
o atendimento nos hospitais próprios e conveniados da rede pública. Esse processo
culminou com a instituição do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS),
desenvolvido por meio da celebração de convênios entre o INAMPS e os governos
estaduais.
Dessa forma, sob a ótica de Souza (2002) e Brasil (2002) pode-se verificar que
se iniciava no Brasil um sistema de saúde com tendência à cobertura universal, mesmo
antes da aprovação da Lei 8.080 que instituiu o SUS. Esse fato foi motivado pela
crescente crise de financiamento do modelo de assistência médica da Previdência Social
existente no período e também pela forte mobilização política dos trabalhadores da
saúde, de centros universitários e de setores organizados da sociedade, que constituíam
o então denominado “Movimento da Reforma Sanitária”, no contexto da
democratização do país.
1.2.2 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
De acordo com o Brasil (2000), o SUS é formado pelo conjunto de todas as
ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais
e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder
Público, sendo que é permitida a participação da iniciativa privada nesse sistema de
modo complementar.
Em termos gerais, segundo o Brasil (2000), o SUS é um sistema de saúde de
abrangência nacional, que coexiste na forma de subsistemas em cada estado (SUS
estadual), e em cada município (SUS municipal). Dessa forma, a totalidade das ações e
de serviços de atenção à saúde prestados pelo SUS é desenvolvida em um conjunto de
estabelecimentos organizados em rede regionalizadas e hierarquizadas, disciplinados
segundo os subsistemas municipais de saúde, voltados ao atendimento integral da
população local, devidamente integrados aos subsistemas estadual e nacional de saúde.
38
Os estabelecimentos desses subsistemas municipais não obrigatoriamente
necessitam ser de propriedade da prefeitura local, tampouco necessitam ter sede no
território do município. Suas ações podem ser desenvolvidas pelas unidades estatais
(próprias, estaduais ou federais) ou privadas (contratadas ou conveniadas, com
prioridade para as entidades filantrópicas). Entretanto, essas ações devem estar
plenamente organizadas e coordenadas, de modo que o gestor municipal possa garantir
à população do respectivo município o total acesso aos serviços e meios para o
atendimento integral.
Conforme apresentado anteriormente, em se tratando do modelo de descentralização
adotado pelo SUS, sua estrutura define como gestores co-responsáveis os três níveis de
governo com mecanismos previstos para negociação e pactuação das políticas adotadas
na saúde. Nesse contexto, surgem as Comissões Intergestores Bipartites (CIBs) no
âmbito estadual e a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) no âmbito nacional:
As CIBS - são compostas igualmente de forma partidária, sendo integrada pelas
representações da Secretaria Estadual de Saúde (SES) e do Conselho Estadual de
Secretários Municipais de Saúde (COSEMS) ou órgão equivalente. Um dos
representantes dos municípios é o secretário de saúde da capital. A Bipartite
pode operar com subcomissões regionais.
A CIT – é composta paritariamente por representantes do Ministério da Saúde
(MS), do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e do
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS).
Sendo assim, fica evidente que a responsabilidade de gestão do SUS é
solidariamente compartilhada entre municípios, estados, Distrito Federal e União, por
meio de seus respectivos órgãos gestores.
Outro órgão obrigatório e imprescindível para o funcionamento do SUS é o
Conselho de Saúde5, também estruturado nos três níveis de governo, ou seja, existe um
5 Conselho de Saúde é um órgão colegiado de caráter permanente e deliberativo, em cada esfera do
governo, integrante da secretária de saúde dos estados e municípios, com composição, organização e
competências visando consolidar a efetiva participação da sociedade organizada na discussão das
políticas de saúde e gestão do SUS. Como exemplo da importância dos Conselhos de Saúde na gestão do
SUS, salienta-se que, os municípios somente podem receber recursos do Ministério da Saúde, ou estarem
39
conselho de saúde em cada município, denominado de Conselho Municipal de Saúde
(CMS); um em cada estado, que são os Conselhos Estaduais de Saúde (CES) e outro no
contexto federal, que é o Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Além dos órgãos, conselhos e secretarias de saúde devem ser observados outros
aspectos e agentes que apresentam relevância no Sistema de Saúde no Brasil. A seguir
serão apresentadas algumas evoluções e ambigüidades existentes no Sistema Brasileiro
de Saúde (SBS).
1.2.2.1 O SISTEMA DE IMUNIZAÇÃO E AS VACINAS
Segundo Gadelha & Temporão (1999), a partir da década de 1970 houve uma
intensificação no esforço internacional contra doenças de maior incidência por meio de
iniciativas de diversas agências, tais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o
Fundo das Nações Unidas para Criança (Unicef) e a Organização Pan-Americana de
Saúde (OPA). Os recursos e esforços internacionais conseguiram erradicar a varíola na
década de 1960 e contribuíram para o alcance da redução quase total da poliomielite, do
sarampo e do tétano neonatal em diversos países.
Conforme abordado anteriormente, a história da vacinação no Brasil teve inicio
em 1904 com a introdução da vacina contra a varíola. Ao longo do século XIX, esse foi
o principal mal a ser combatido. Em 1887, houve uma epidemia no Rio de Janeiro e em
1904 tornou-se obrigatória a vacinação contra a varíola. Essa campanha foi idealizada
por Oswaldo Cruz que enfrentou forte oposição daqueles que eram contra a
obrigatoriedade da vacina. O movimento conhecido como Revolta da Vacina conseguiu
que sua obrigatoriedade fosse revogada e seguiu-se uma epidemia que ocasionou a
morte de milhares de vítimas. Já nas primeiras décadas do século XX a febre amarela
preocupou os agentes de saúde. Em 1942, após muitos esforços do Estado, a febre
amarela urbana foi considerada erradicada.
Na década de 1960, houve o início da produção nacional de vacina contra a
varíola e se realizaram as primeiras campanhas com a vacina oral contra a poliomielite.
Em 1972, foi promovida a primeira campanha anti-sarampo. habilitados aos programas desse, somente se o conselho municipal existir e estiver em pleno
funcionamento (BRASIL, 2000).
40
Com o objetivo de integrar as ações de imunizações realizadas no país, em 1973
o governo brasileiro criou o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Dentre as
primeiras ações do programa, destacam-se a determinação do 1º calendário de
vacinação para crianças e gestantes e a realização de campanhas contra o sarampo em
diversos Estados brasileiros. Obteve-se ainda a Certificação Internacional da
Erradicação da Varíola no Brasil.
Em 1974, foi criado o Programa Ampliado de Imunização (PAI), vinculado a
OPAs e a OMS.
Desde a criação do PNI constatou-se significativo avanço no controle de doenças
classificadas como imunopreveníveis. Segundo relatório sobre o PNI da SAÚDE
(2003), além da varíola e da febre amarela, em 1989 conquistou-se a erradicação da
poliomielite. O relatório também apontou outras conquistas importantes, dentre as quais
se destacam a grande redução nos anos 1990 do sarampo e o sucesso das campanhas de
vacinação contra a gripe. Observa-se que na área de imunização houve grande avanço e
diminuição de epidemias.
1.2.2.2 MEDICAMENTOS GENÉRICOS
Outra área de destaque diz respeito aos medicamentos genéricos. Sob a ótica de
Vandergrift et al. (1997), as políticas de saúde e as políticas industriais enfrentam
claros conflitos já em seus objetivos primeiros: o governo, ao mesmo tempo em que
busca a contenção dos custos para fazer frente aos orçamentos crescentes da saúde, é
responsável pelo apoio à indústria, dentre elas as da saúde. Sua integração, entretanto, é
tão delicada como necessária, dado que o segmento de assistência à saúde e os
segmentos industriais que o abastecem são elos de uma mesma cadeia produtiva. Nesse
sentido, Gadelha, Quental e Fialho (2003) salientam que a favor dessa integração está
ainda o fato de o governo desempenhar papel forte na dinâmica desses setores, através
da prestação de serviços assistenciais, da compra de bens e serviços e das atividades
regulatórias, que delimitam as estratégias dos agentes econômicos. No Brasil, segundo
Brasil (1990) são responsabilidades do Estado a formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que visem estabelecer condições que assegurem acesso universal
às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Neste contexto se
41
insere a política nacional de medicamentos, cujo propósito, conforme Brasil (1998) é
garantir o acesso da população aos medicamentos considerados essenciais, bem como a
sua necessária segurança, eficácia e qualidade.
Dentre as estratégias para a promoção do acesso a medicamentos, encontra-se a
política de medicamentos genéricos, que são, em geral, mais baratos que os
medicamentos inovadores devido, em grande parte, ao fato de não recaírem sobre o
genérico os custos relativos ao desenvolvimento da nova molécula e dos estudos
clínicos necessários. Outro fator que contribui para um custo mais baixo é o menor
investimento em propaganda para tornar a marca conhecida. De acordo com Brasil
(2000), os medicamentos genéricos são medicamentos similares a um produto de
referência ou inovador, que pretende ser com esse intercambiável, geralmente produzido
após a expiração ou renúncia da proteção por patente ou de outros direitos de
exclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade.
De acordo com Universia-Knowledge (2006), a história dos genéricos no Brasil
teve início a partir da definição da Lei de Patentes, que regulamentou o instituto das
patentes no país, dando caráter internacional a essa noção de que há direitos de
exploração sobre um determinado produto, serviço ou ideia inovadora. Diante da
proteção aos direitos dos detentores de patentes, o governo brasileiro decidiu
regulamentar o setor de medicamentos, um dos mais criticados até então por não
respeitar os direitos internacionais. Em 1999, o governo aprovou a Lei dos Genéricos,
permitindo às empresas fabricar legalmente medicamentos que são cópias perfeitas das
drogas cujo prazo de patente expirou. O resultado foi a introdução dos genéricos no
Brasil, uma situação que incomodou, de início, os grandes laboratórios.
Conforme Brasil (1998, 2000), a regulamentação da Lei dos Genéricos por meio de uma
Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), em 1999, possibilitou, naquele momento, a introdução de conceitos nunca
antes empregados para o registro de um medicamento no Brasil, como, por exemplo, a
equivalência farmacêutica (comprovada por ensaios in vitro) e a bioequivalência
(comprovada por ensaios in vivo). Desse modo, a Lei dos Genéricos estabeleceu um
42
novo padrão para o desenvolvimento e o registro de medicamentos no país. Em um país
repleto de desigualdades e com grande parte de sua população com baixa renda, a
implementação dessa política pública possibilitou um significativo acesso a
medicamentos para parcela importante da população.
Os medicamentos genéricos devem apresentar o mesmo fármaco, na mesma
quantidade e forma farmacêutica do medicamento eleito como referência, ou seja,
devem ser caracterizados como um equivalente farmacêutico do medicamento de
referência, devendo também cumprir os requisitos dos estudos de bioequivalência. O
medicamento de referência é, geralmente, o inovador cuja biodisponibilidade foi
determinada durante o desenvolvimento do produto e que teve sua eficácia e segurança
comprovadas por meio de ensaios clínicos antes da obtenção do registro para
comercialização (BRASIL, 2000).
A implantação da política de genéricos no Brasil, iniciada em 1999, meses após
a criação da ANVISA, segundo Maciel et al. (2010) refletiu um esforço do Ministério
da Saúde de reduzir significativamente os custos da terapia farmacológica por meio dos
medicamentos genéricos, possibilitando acesso de maior parcela da população aos
tratamentos. Além disso, a instituição de uma política de genéricos visava também
disponibilizar ao mercado brasileiro medicamentos com qualidade assegurada, tendo em
vista sua intercambialidade com o medicamento de referência que, em geral,
corresponde ao medicamento inovador registrado após a comprovação de sua eficácia e
segurança.
Entretanto, para Quental et al (2008) e Maciel et al. (2010), a promulgação da
Lei dos Genéricos tornou necessária a sua regulamentação técnica para normatizar os
procedimentos adequados aos estudos de bioequivalência. Após essa primeira
regulamentação, observou-se que a ANVISA adotou um processo de revisão constante,
que culminou na publicação de novas resoluções que visavam à introdução de novos
procedimentos ou ao aprimoramento daqueles já existentes.
43
Em síntese, a política de genéricos se mostrou acertada, permitiu ganhos
estáticos de aumento da oferta e redução de preços, mas ainda deve avançar no sentido
de sua contribuição para a superação das duas lacunas centrais do complexo industrial
da saúde: a base empresarial local de inovação e o comprometimento com as condições
de saúde da população brasileira.
1.2.2.3 AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITÁRIA
(ANVISA)
Corroborando com as afirmações anteriores, Pimenta (2004) destaca que as
ações voltadas ao controle sanitário do exercício da medicina e da farmácia, da
produção, circulação e venda de produtos de interesse da saúde, assim como da
circulação de pessoas, apresentam, no Brasil, uma trajetória vinculada à constituição dos
serviços sanitários iniciada no começo do século XIX, com a instalação da Corte
portuguesa, em 1881. Desde então, foram criados um imenso conjunto normativo e
vários órgãos públicos destinados a esses serviços, em resposta às características de
ordem econômica, política, institucional, sociosanitária e técnico-científica, nos diversos
contextos. Entretanto, a singularidade desses serviços somente se consolidou como um
saber específico na área da Saúde Coletiva no final do século XX, requerendo para tanto
trabalhadores com formação especializada (COSTA, 2004).
Assim sendo, de acordo com Costa (1999), Vigilância Sanitária (VISA) pode ser
entendida como subárea da Saúde Coletiva e campo singular de articulações complexas
entre o domínio econômico, o jurídico-político e o médico-sanitário, englobando
atividades de natureza interdisciplinar, multiprofissional e interinstitucional. Suas ações
preventivas e de caráter regulatório perpassam todas as práticas médico-sanitárias e
demandam conhecimentos de diversas áreas do saber que se intercomplementam de
forma articulada. Ainda na visão de Costa (2004), as funções de VISA envolvem o
controle de riscos de variados objetos, tanto aqueles que respondem às necessidades
sociais em saúde, quanto outros desenvolvidos pelo mercado para necessidades
artificialmente criadas. Tais funções são compartilhadas com os diferentes níveis de
gestão do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), componente do Sistema
44
Único de Saúde (SUS) e outros setores institucionais, como Agricultura e Pecuária,
Meio Ambiente e Trabalho.
Para tal, no Brasil, foi criada pela Lei 9.782 de janeiro de 1999, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), visando proteger a saúde do cidadão, por
meio do controle sanitário da produção e comercialização de produtos e serviços
submetidos à vigilância sanitária. Esse órgão também exerce controle de portos,
aeroportos e fronteiras e faz a interlocução do Ministério das Relações Exteriores com
instituições estrangeiras para tratar de assuntos internacionais na área de vigilância
sanitária. É uma autarquia vinculada ao Ministério da Saúde e trabalha em regime
especial, caracterizado pela independência administrativa, estabilidade de seus
dirigentes e autonomia financeira. A gestão da ANVISA está sob responsabilidade de
uma Diretoria Colegiada, composta por cinco membros, e abre espaços para a sociedade
opinar sobre assuntos importantes na área da saúde e garantir a transparência na atuação
regulatória (ANVISA, 2012).
Conforme Brasil (1999), a ANVISA, primeira agência reguladora na área social
do país, é responsável pela execução de um conjunto de atribuições no âmbito federal e
coordenação do SNVS. Surgiu em 1999, no contexto da reforma gerencial do Estado
brasileiro, cuja política foi expressa no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado. Esse plano buscava a evolução do modelo burocrático de administração, focado
em padrões hierárquicos rígidos e no controle de processos, para um modelo de
administração gerencial, baseado na eficiência, controle de resultados e atendimento
com qualidade ao cidadão. Essa agência reguladora deveria substituir a estrutura
burocrática e ultrapassada da Secretaria ministerial de Vigilância Sanitária, combater os
graves e históricos problemas sanitários nacionais relacionados a produtos e serviços e
fornecer respostas mais ágeis ao mercado globalizado.
Para Costa (1999), o novo modelo organizacional instituído pela ANVISA foi
caracterizado pela independência administrativa, estabilidade de dirigentes e autonomia
financeira, características essas que propiciaram uma maior autonomia para a realização
de ações em prol da saúde dos cidadãos.
45
1.2.2.4 SANEAMENTO BÁSICO E SAÚDE
Um aspecto diretamente relacionado à Saúde e que afeta o SBS como um todo é
o saneamento básico. Sob a ótica de Souza (2002), o saneamento básico, em seu sentido
lato, abrange um conjunto de ações que o homem estabelece para manter ou alterar o
ambiente, no sentido de controlar doenças, promovendo saúde, conforto e bem-estar.
Incorpora, pois, políticas de abastecimento d’água, esgotamento sanitário, sistemas de
drenagem, coleta e tratamento dos resíduos sólidos. Reflete e condiciona diretamente a
qualidade de vida determinada historicamente através de políticas públicas envolvendo
aspectos socioeconômicos e culturais e mantendo uma interface com as políticas de
saúde, meio ambiente e desenvolvimento urbano.
Ainda segundo Souza (2002), o saneamento básico deve ser incluído, pois, no
conjunto dos indicadores de qualidade de vida. Além de cuidar da água, esgoto e
resíduos sólidos, o saneamento básico envolve, também, ações referentes à recuperação
de mananciais e de reservatórios d’água poluídos, eliminando-se as fontes
contaminadoras, a drenagem pluvial por meio de galerias fechadas ou a céu aberto, a
implantação e manutenção de parques urbanos e aos problemas da sub-habitação.
Já para Philippi Jr. (2004), tendo em vista a definição elaborada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), saneamento básico é entendido como o
gerenciamento ou controle dos fatores físicos que podem exercer efeitos nocivos ao
homem, prejudicando seu bem-estar físico, mental e social.
Em se tratando da íntima relação existente entre Saneamento Urbano e Saúde,
Rosen (1994) salienta que o reconhecimento da importância do saneamento básico e de
sua associação com a saúde humana remonta às mais antigas culturas. Nesse sentido,
ruínas de uma grande civilização ao Norte da Índia, com mais de 4.000 anos, indicam
evidências da existência de hábitos higiênicos, incluindo a presença de banheiros e
sistemas de coleta de esgotos sanitários nas edificações, além da drenagem nos
arruamentos. Já os egípcios dispunham de sistemas de drenagem de água e grandes
aquedutos. Destacam-se também os cuidados com o destino dos dejetos na cultura
creto-micênica e as noções de engenharia sanitária dos romanos.
46
Mais de um bilhão de habitantes na Terra não têm acesso à habitação segura e a
serviços básicos, embora todo ser humano tenha direito à uma vida saudável e
produtiva, em harmonia com a natureza. No Brasil, as doenças resultantes da falta ou de
um inadequado sistema de saneamento, especialmente em áreas pobres, têm agravado o
quadro epidemiológico (BRASIL, 2006).
No Brasil, no início da década de 1990, a Lei 8.080 que dispõe sobre o
funcionamento dos serviços de saúde no país, reconheceu em seu artigo III que a saúde
tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, o saneamento básico.
Logo, houve o reconhecimento legal da existência de uma relação de causalidade entre
condições inadequadas de saneamento básico e o quadro epidemiológico existente
(BRASIL, 1990).
Mais recentemente, conforme Brasil (2007), a Lei 11.4456, chamada Lei do
Saneamento Básico, estabeleceu que os serviços públicos de saneamento básico serão
prestados com base em 12 princípios fundamentais, destacando-se: a universalização do
acesso; a integralidade dos diversos serviços de saneamento básico; a prestação dos
serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos
resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio
ambiente; e a disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e
manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e dos patri-
mônios público e privado.
Cabe destacar que, segundo Guimarães, Carvalho, Silva (2007) e o PNUD
(2006b), na atualidade o benefício mais difundido do saneamento básico está
relacionado com sua característica de prevenção. Estudos comprovam que para,
aproximadamente, cada 1 real investido em saneamento básico, tem-se uma economia
de 4 reais com assistência médica. Com o acesso à água potável e condições mínimas de
higiene, inúmeras doenças podem ser evitadas, dispensando o tratamento e todos os
custos implicados.
6 Lei que foi regulamentada pelo então presidente Lula, por decreto nº 7217 no dia 21/06/2010, após
quase dez anos de discussões no Congresso.
47
Com relação ao cenário internacional, dados preliminares do segundo relatório
da ONU sobre o recursos hídricos no mundo apontam que aproximadamente 2,4 bilhões
de pessoas não têm condições básicas de saneamento, o que multiplica o número de
mortes por diarréia e malária. Esses dados alertam que a precariedade do saneamento
reflete na situação da saúde global. Segundo a United Nations Educational, Scientific
and Cultural Organization (UNESCO), enfermidades relacionadas à diarréia e à malária
podem matar, em média, anualmente, cerca de mais de 3,5 milhões de pessoas pelo
mundo. A UNESCO afirma ainda que aproximadamente 1,6 milhões de vidas poderiam
ser salvas anualmente com o fornecimento de água potável, saneamento básico e
higiene (PNUD, 2006a, 2006b).
Nota-se com esses órgãos e iniciativas avanços e esforços em diversas áreas para
promoção da saúde. Por outro lado, há diversas reclamações e insatisfação,
especialmente das classes menos favorecidas. Faltam médicos em diversas regiões,
costumeiramente greves afetam o setor, há um sucateamento das instalações, diversos
hospitais apresentam sérias dificuldades para se manter em funcionamento. Essas
ambigüidades serão detalhadas no próximo capítulo dessa tese.
1.2.c SISTEMA PRIVADO DE SAÚDE BRASILEIRO
A assistência médica suplementar constitui parte significativa do mercado de
serviços privados de saúde no Brasil7 e, na década de 1990, apresentou crescimento
expressivo, pari passu à implantação do Sistema Único de Saúde (ALMEIDA, 1998).
Para delimitar a área sob análise, o que caracteriza o mercado de serviços
privados de saúde é a natureza mercantil-contratual das relações entre atores que, por
sua vez, confere à demanda caráter seletivo. Segundo Burgos et al. (1991) e Medici
7 Em seu trabalho pioneiro, Médici (1991a) identificou os seguintes segmentos no mercado privado de
saúde no Brasil: 1) segmento privado contratado pelo setor público, que são clínicas (ambulatoriais e de
exames complementares para diagnóstico) e hospitais (lucrativos e filantrópicos) que vendem serviços
para atendimento de uma clientela indiferenciada; 2) segmento médico assistencial das empresas que, por
meio de diversas modalidades, atendem a clientelas específicas vinculadas ao mercado formal de
trabalho; 3) segmento médico assistencial das famílias, cujas modalidades, atendem a indivíduos e/ou
famílias que voluntariamente compram serviços diretamente aos prestadores ou estabelecem contratos por
meio de planos e seguros de saúde; e 4) segmento beneficente filantrópico, voltado para clientelas abertas
e fechadas.
48
(1991, 1994), nessa perspectiva, o mercado de serviços privados de saúde é composto
pelas formas de produção e gestão da assistência médico-hospitalar que têm por
objetivo atender a determinada demanda ou clientela restrita.
Portanto, a exigência básica é o pagamento pela utilização dos serviços (ou seja,
é a sua compra), que pode assumir diferentes modalidades, desde as mais tradicionais,
compra direta pelo usuário ao prestador de serviços, até as mais complexas, que
envolvem a intermediação de terceiros, contratos entre indivíduos-famílias/ empresas
com a medicina de grupo, cooperativas médicas e seguradoras, além dos programas
suplementares de saúde autogeridos por empresas empregadoras (públicas e privadas).
Com relação às principais formas de serviços privados de assistência de saúde
disponíveis no Brasil, Almeida (1998) aponta que esses podem ser classificados em:
a) Medicina de Grupo: constituída por empresas médicas que administram planos de
saúde para empresas, indivíduos ou famílias, e trabalham com vários tipos de planos. É
a forma dominante no mercado. A abrangência das empresas de medicina de grupo em
geral é regional e os maiores grupos atuam nas grandes cidades. A estrutura de
atendimento compõe-se de serviços próprios e credenciados, sendo que as diferentes
empresas combinam ou não as duas formas de oferta. O acesso à rede própria ou
credenciada é livre e o uso de serviços não credenciados é previsto nos planos mais
caros, implicando o ressarcimento dos gastos segundo valores calculados por múltiplos
da tabela da Associação Médica Brasileira (AMB) e da Associação Brasileira de
Hospitais (ABH), o que não garante a reposição total das despesas efetuadas.
b) Cooperativas Médicas: é a modalidade em que os médicos são simultaneamente
sócios e prestadores de serviços e recebem pagamento de forma proporcional à
produção de cada um (tipo e quantidade de atendimento), valorada segundo a tabela da
Associação Médica Brasileira (AMB), além de que participam do rateio do lucro final
obtido pelas unidades municipais. Operam com planos de pré-pagamento e a maioria de
seus beneficiários é proveniente de convênios-empresa.
49
c) Planos de Saúde Próprios das Empresas: são aqueles em que as empresas ou
administram programas de assistência médica para seus funcionários (autogestão) ou
contratam terceiros para administrá-los (co-gestão ou planos de administração). Na
maior parte dos casos das empresas/instituições estatais e da administração pública, os
programas são geridos pelas próprias empresas ou por instituições privadas sem fins
lucrativos (caixas e fundações), promovidas e mantidas pelas empresas/instituições
(patrocinadoras) juntamente com seus funcionários. Em geral, a autogestão combina a
compra de serviços de saúde administrada pela própria empresa com outras
modalidades e algumas empresas ainda acrescentam o auto-seguro para contornar a
ampliação dos limites para uso da livre escolha e a cobertura adicional para
aposentados. Em ambos os casos o ônus adicional é coberto pelo empregado.
d) Seguro-Saúde: trata-se da modalidade em que há intermediação financeira de uma
entidade seguradora que cobre ou reembolsa gastos com assistência médica, ao
prestador ou ao segurado, segundo as condições estabelecidas em contrato. Sendo
assim, as seguradoras não seriam prestadoras de serviços, mas cobririam os custos por
ocasião de sinistros relativos à saúde, segundo a apólice de seus segurados. Os produtos
das seguradoras são apólices, que se transformam em prêmios pagos aos beneficiários
do sistema de acordo com o valor de ressarcimento estabelecido em contrato. A atual
legislação faculta às seguradoras o credenciamento de prestadores e os convênios com
empresas, associações profissionais e/ou grupos específicos.
Para Almeida (1998), de uma forma geral, todas as modalidades mencionadas
anteriormente, em maior ou menor medida, prestam assistência por meio de serviços
tanto próprios quanto credenciados, assim como reembolsam as despesas efetuadas
pelos usuários com prestador de sua livre escolha segundo valores estabelecidos em
tabela ou um teto anual por usuário. Isso é válido, porém, apenas para a atenção
ambulatorial, pois a assistência hospitalar tem regras mais rígidas, tanto no que se refere
à livre escolha quanto ao reembolso. Na realidade, a restrição aos serviços próprios ou
contratados e a combinação com a possibilidade do reembolso são o que distingue um
plano do outro, em uma mesma modalidade e determina também os diferentes preços,
conseqüentemente, a segmentação interna de clientela em uma mesma modalidade.
50
Todavia, a atenção hospitalar de alta complexidade, internações de longo prazo e
doenças crônicas, em razão das restrições impostas pelos planos, acabam por ser
prestadas pelo setor público, principalmente naqueles casos em que o paciente não tem
condições financeiras de bancar o custo adicional por seus próprios meios.
1.2.1 O IMPACTO DOS PLANOS DE SAÚDE NO SISTEMA
PRIVADO BRASILEIRO
De importância vital para a expansão e investimentos do mercado de saúde
nacional, os planos de saúde exercem enorme impacto no sistema privado de saúde,
pois, de certa forma, quanto maior é o número de beneficiários dos planos de saúde,
menor é a pressão de atendimento no SUS (MINISTÉRIO DA SAÚDE BRASIL,
2012).
Conforme o Ministério da Saúde do Brasil (2012), esse cenário se iniciou há 12
anos, com o surgimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que ficou
responsável pela regulamentação do setor e proporcionou um crescimento desse
mercado8, haja vista que, mesmo com o total de operadoras ligeiramente reduzido de
1.418, em 2003, para 1.386, em 2011, o número de beneficiários dos planos de saúde
cresceu cerca de 50% nesses últimos oito anos, atendendo a quase 48 milhões de
beneficiários e registrando um faturamento de R$ 81,3 bilhões, três vezes maior que em
2003. Esses dados demonstram, de modo consistente e ininterrupto, forte demanda
pelos serviços privados e uma clara indicação de que os serviços prestados pelo SUS
não atendem as expectativas e anseios de boa parte dos cidadãos.
8 O crescimento de 4,2% em relação ao mesmo mês do ano anterior (2010) é bem inferior ao observado
entre dezembro/2009 e dezembro/2010 (8,5%). O crescimento no trimestre de 1,04% (setembro/2011 a
dezembro/2011), entretanto, demonstra uma recuperação do crescimento do mercado, o qual apresentava
reduzidas taxas desde o primeiro trimestre de 2011 (BRASIL, 2012).
51
Tabela 1: Beneficiários dos planos privados de saúde (2000-2011)
Data Beneficiários
Fonte: Ministério da Saúde Brasil (2012)
A tabela a seguir mostra a evolução ano a ano desde 2000 das receitas de
contraprestações e das despesas assistenciais. Nota-se que os dois indicadores crescem
de modo consistente e indicam significativo crescimento no dispêndio de recursos com
a saúde.
52
Tabela 2: Receita (R$) de contraprestações e despesa assistencial das operadoras
de planos de saúde (2000-2011)
Fonte: Ministério da Saúde do Brasil (2012)
Em termos gerais, hoje no Brasil existem dois grandes tipos de planos de saúde:
1) Individual ou familiar – o próprio beneficiário escolhe as características
desejadas e faz a contratação diretamente com a operadora.
2) Coletivos – aqui, o beneficiário é incluído em um plano de saúde contratado por
uma empresa ou órgão público (coletivo empresarial), associação profissional,
sindicato ou entidade profissional (coletivo por adesão). Nesses casos, um
representante negocia e define as características gerais e cabe ao beneficiário
avaliar a compatibilidade entre seus interesses pessoais e os da organização que
fez o contrato.
53
Tabela 3: Taxa de variação do número de beneficiário por tipo de contratação
Fonte: Ministério da Saúde do Brasil (2012)
A tabela 4 (a seguir) apresenta a distribuição de planos privados por faixa etária.
Nota-se que a maior parte dos beneficiários (cerca de 72,4%) possui até 39 anos.
Observa-se que os planos privados preferem e estimulam a comercialização para a
população mais jovem, uma vez que ela utiliza os serviços disponíveis de modo mais
esporádico do que a população mais madura e idosa. Assim, maiores lucros são obtidos
pelas operadoras dos planos.
Essa é uma importante contradição do sistema, uma vez que a população que
inspira mais cuidados e que demanda maior número de atendimentos e procedimentos
não interessa, do ponto de vista comercial, às empresas que vendem planos privados de
assistência médica. Em outras palavras, quanto mais idoso (a) a pessoa fica, mais difícil
se torna o seu acesso da mesma aos planos privados. Esse aspecto reforça a importância
do SUS que, além de atender a grande massa de cidadãos que não tem acesso aos planos
privados, atende também as populações madura e idosa, as que mais necessitam de
atendimento médico hospitalar.
54
Tabela 4: Beneficiários de planos privados de assistência médica por sexo e faixas
etárias.
Faixa Etária (anos) Homem (milhões) Mulher (milhões) Total (milhões)
0 – 9 3,24 3,12 6,39
10 – 19 2,95 2,94 5,89
20 – 29 4,42 4,82 9,24
30 – 39 4,31 4,83 9,14
40 – 49 3,18 3,55 6,73
50 – 59 2,26 2,66 4,92
60 – 69 1,18 1,58 2,76
70 -79 0,62 0,97 1,59
Maior ou igual a 80 0,30 0,59 0,89
Fonte: Adaptado de Ministério da Saúde do Brasil (2012)
A gestão, a estruturação e a operacionalização dos sistemas de saúde
representam um dos maiores desafios para os gestores públicos. Diversos países,
inclusive os classificados como desenvolvidos, enfrentam dificuldades e obstáculos
complexos para atender com dignidade suas respectivas populações. Considerando-se a
situação brasileira, observa-se que alguns passos foram dados nas últimas décadas, mas
ainda há muito por fazer, especialmente para a população mais carente e distante dos
grandes centros. No próximo capítulo serão detalhados os hospitais, uma vez que é no
espaço dos hospitais que acontece a maior parte da prestação dos serviços.
55
CAPÍTULO II – OS HOSPITAIS NO SISTEMA BRASILEIRO DE
SAÚDE
Os hospitais estão no centro dos cuidados da saúde no Brasil. Afirma Boff
(2002) que o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Complementa o autor
que cuidar é uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e de
envolvimento afetivo com o outro.
Quando está doente, boa parte dos brasileiros vai diretamente para o hospital na
falta de um “médico da família” ou de uma rede primária de atendimento. Os hospitais
representam parte crítica do orçamento do governo, absorvendo aproximadamente 70%
das despesas públicas em saúde (FORGIA & COUTTOLEC, 2009). Ainda na visão
desses autores, as instituições hospitalares lideram a prestação de serviços de saúde e
empregam os principais profissionais da área no País. Observa-se também que é no
espaço hospitalar que novas tecnologias são adotadas e treinamentos para capacitação
profissional são realizados. Ademais, os hospitais influenciam o fluxo e refluxo das
carreiras de políticos quando as suas mazelas chegam às manchetes dos jornais ou os
refletores recaem sobre eles com alto ou baixo desempenho. Assim, os hospitais estão
na vanguarda das discussões políticas no Brasil. As discussões refletem a promessa dos
hospitais como centros de inovação tecnológica e avanços médicos, bem como a
unânime preocupação com relação ao seu custo e qualidade. Os hospitais brasileiros são
importantes para muitas pessoas por diferentes motivos. Embora seja fácil compreender
o que torna os hospitais importantes, é mais difícil entender o que os leva a prestarem
um atendimento de qualidade de forma eficiente ou não. Antes da análise do contexto
brasileiro faz-se necessária a apresentação de uma abordagem histórica do tema.
2.1 Contexto Histórico
A palavra hospital é de raiz latina (Hospitalis) e de origem relativamente
recente. Vem de hospes – hóspedes, porque antigamente nessas casas de assistência
eram recebidos peregrinos, pobres e enfermos. O termo hospital tem hoje a mesma
56
acepção de nosocomium, de fonte grega, cuja significação é – tratar os doentes – como
nosodochium quer dizer receber os doentes.
Hospitium era chamado o lugar em que se recebiam hóspedes. Desse vocábulo
derivou-se o termo hospício. A palavra hospício foi indicada para os estabelecimentos
ocupados por pobres, insanos e incuráveis. Sob a denominação de hospital ficaram
designados os locais para tratamento temporário dos enfermos.
Desde o antigo Egito o hospital significa um espaço especial, pois era
representado pelo templo de Saturno e o médico era tido em alta conta. Na Odisséia
(Livro IV-182), Homero afirma que os médicos excediam todos os homens:
“De fono Egípcia espôsa, cuja terra
Os reproduz saudáveis ou nocivos
E onde o médico excede os homens todos
E de Peon descende. Helena exclama,
Preparada a poção: “De heróis procedem,
Sim, divo Menelao; mas poderoso
Dispensa o Eterno as máguas e os prazeres.
Discursando o festim saboremos;”
Já no antigo Egito a medicina era subdividida em especialidades e cada médico
tratava uma determinada especialidade. Médicos eram mantidos pelo Estado para tratar
os enfermos durante as guerras e as viagens. O mesmo acontecia com os exércitos
romanos, pois estes exigiam cuidados médicos. Nas viagens de navio, por exemplo,
havia constante presença desses profissionais que tinham o posto de “profissional”,
respondendo diretamente para o comandante.
Os hospitais militares romanos tinham cozinha, farmácia e enfermarias que se
comunicavam por corredores com um pátio central quadrangular. Foram encontradas
ruínas dessas instituições próximas das margens do rio Danúbio. Outras cidades da
Europa, como Viena, na Áustria, e Baden, na Suíça, apresentavam estruturas
semelhantes.
57
Na Idade Média, houve forte influência religiosa na constituição das instituições
hospitalares. Diversas congregações religiosas católicas desenvolveram projetos de
assistência hospitalar sob várias denominações, tais como os beneditinos e os
seguidores de São Vicente de Paula.
Com o passar dos anos, os monges passaram a exercer a prática médica fora dos
conventos, atendendo ao chamado da comunidade. O Concílio de Viena, reunido em
1312, determinou que o tratamento dos enfermos não seria realizado por religiosos e
sim por leigos, cabendo aos religiosos a assistência espiritual.
Nos séculos seguintes, houve altos e baixos na evolução e no crescimento das
instituições hospitalares em função de movimentos, como a Reforma, quando alguns
retrocessos foram verificados. O consistente desenvolvimento científico a partir do
século XVII alavancou também a área da saúde com inovações no atendimento
hospitalar e nas construções com separação dos enfermos em pavimentos previamente
planejados.
O século XVIII foi marcado pelas grandes construções hospitalares,
especialmente na França. Já naquela época, a Academia de Ciências de Paris elaborou
recomendações, dentre as quais se destacam:
1- Redução do número de leitos de cada hospital – 1200 leitos (máximo);
2- Redução do número de leitos de cada enfermaria;
3- Maior isolamento de salas, umas das outras;
4- Nova disposição das salas de modo a permitir a abertura de todos os lados para
renovação do ar;
5- Colocação dos pavilhões em ordem paralela e orientados de modo criterioso.
O século XIX foi marcado pelo intenso uso de novas tecnologias aplicadas tanto
na construção de hospitais como nas metodologias de tratamento. Nos Estados Unidos,
hospitais arranha-ceús (com 6 a 8 pavimentos) estavam em operação nas primeiras
décadas do século XX em diversas cidades, tais como Detroit e Nova Iorque.
58
Com melhores instalações e rápido progresso científico, a qualidade das
cirurgias evoluiu significativamente. No entanto, essa melhora demandou instalações e
tecnologias mais complexas e dispendiosas. Especialidades médicas, como a neuro -
cirurgia, a oftalmologia e a cirurgia estética se desenvolveram. A primeira grande guerra
mundial (1914 a 1918) foi um campo experimental, especialmente para a cirurgia. É
importante observar que nessa época os hospitais tiveram aumento em seus custos para
aquisição e manutenção de aparelhos indispensáveis para execução dos serviços.
Os hospitais precisaram ainda de profissionais técnicos especializados para lidar
com novos serviços de laboratórios, tais como a imunologia, a bacteriologia e
parasitologia, entre outros. Esses serviços tiveram também forte impacto nas despesas
dos hospitais ao longo do século XX, levando a área da saúde ao centro dos debates
políticos em diversos países devido à necessidade crescente de maior alocação de
recursos para o cuidado da população. Nas últimas décadas do século XX e no início do
século XXI, esse continuou sendo o cenário da saúde em todos os lugares, uma vez que
novas patologias e novos métodos de tratamentos surgiram e ainda surgem com
freqüência. Ressalta-se que a pesquisa e a implantação de novos tratamentos demandam
investimentos crescentes e são realizados costumeiramente por empresas privadas que o
fazem com o objetivo de lucro para remuneração do capital investido.
2.2 Os Hospitais no Brasil
Para Santos (2007), a história dos hospitais no Brasil está ligada à história da
medicina brasileira, onde alguns agentes como a igreja e o exército atuaram para o
surgimento desse tipo de organização. Em 1727, têm início os serviços do primeiro
hospital militar que deu origem ao hospital Real Militar. Paralelamente, as Santas Casas
atendiam excluídos diversos, tais como, as mães solteiras, os idosos e os cidadãos das
classes menos favorecidas.
As comunidades estrangeiras também prestavam serviços médicos, com
destaque para as Beneficências Portuguesas que atendiam os recém chegados de
Portugal. Em 1855, foi inaugurado o Real Hospital Português de Beneficência do
59
Recife. Posteriormente, surgiram as Beneficências Portuguesas nas cidades de Salvador,
Rio de Janeiro e São Paulo.
Com o advento da República, uma nova forma de organização política – jurídica
foi estabelecida. Essa nova forma do Estado assegurou apenas as condições formais de
representação, especialmente pelo voto direto. Tradicionalmente, no entanto, o controle
político representava os interesses capitalistas agrários e era exercido pelos grandes
proprietários de terra (os chamados coronéis). Diante desse quadro político, os
investimentos em saúde se demonstravam insuficientes, ou seja, continuavam aquém
das necessidades da população menos abastada.
No início do século XX, com o incremento do número de imigrantes, outras
comunidades estimularam a criação de hospitais para o atendimento de seus patrícios.
Isso ocorreu especialmente nas regiões Sul e Sudeste, localidade onde o maior número
de imigrantes se estabeleceu. Para ilustrar, em 1923, foi inaugurado um hospital alemão
em São Paulo (depois batizado por Oswaldo Cruz); em 1924, a comunidade japonesa
abriu as portas do hospital Santa Cruz e, em 1927, a cidade de Porto Alegre inaugura
seu hospital alemão (depois chamado de Moinhos de Vento).
As campanhas sanitárias, no início do século XX, que objetivavam combater
epidemias, como a febre amarela, a peste bubônica e a varíola, contribuíram para o
surgimento de hospitais públicos de porte e especializados. Essa tendência espalhou-se
pelo país e algumas organizações hospitalares públicas se associaram a faculdades de
medicina, de onde surgiram os hospitais escola. Esses são, até nos tempos atuais,
considerados fundamentais para:
- Formação de mão de obra especializada;
- Desenvolvimento de pesquisas;
- Atendimento a demanda de cirurgias complexas.
Ernesto Campos coordenou um censo nos hospitais do Brasil nos anos de 1941 e
1942.
60
Esse trabalho durou 20 meses. Segundo o Ministério da Saúde do Brasil (1944),
em 1942, havia cerca de 1225 instituições hospitalares no Brasil e a população do país
era de cerca de 41 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
O estudo do autor apontou uma série de deficiências no sistema, dentre eles:
- a organização e a administração hospitalar não estão devidamente sistematizadas por
especialidade;
- falta de enfermagem técnica;
- falta tratamento adequado ao doente, especialmente àqueles das classes menos
favorecidas.
Sete décadas se passaram e não é exagero afirmar que as deficiências relatadas
permanecem, embora com outros números e em novo contexto.
Nas últimas décadas do século XX, o setor hospitalar cresceu de forma
exponencial e continua ascendendo em importância e economicamente. Segundo site da
Federação Brasileira de Hospitais (FBH – www.fbh.org), em junho de 2011, havia 6801
hospitais, ou seja, em aproximadamente 70 anos houve um crescimento de quase 6
vezes no número de estabelecimentos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE – 2010), a população passou dos 190 milhões de habitantes em 2010.
Ainda segundo a FBH, os hospitais estão assim distribuídos:
- 4616 hospitais privados, sendo 2761 lucrativos e 1855 sem fins lucrativos;
- 2011 hospitais públicos, sendo 1502 municipais, 456 estaduais e 53 federais;
- 174 hospitais universitários e de escola.
Os hospitais públicos são geridos pelas esferas governamentais e são financiados
quase que exclusivamente pelo poder público, principalmente pelos Estados e
Municípios. Cabe ao governo federal a administração dos hospitais universitários por
meio dos Ministérios da Saúde e da Educação.
61
Na esfera privada, segundo Grabrielli (2009), 70% das unidades hospitalares
recebem financiamento público. O mesmo autor ressalta que os recursos públicos
contribuem com o funcionamento integral ou parcial de cerca de 80% das unidades
hospitalares. O autor ressalta ainda que, de 1976 a 2002, o setor público ganhou 1620
hospitais que aumentaram em 27000 unidades a oferta de leitos. Esses números
apresentam uma média de 16,6 leitos por hospital, ou seja, representou um grande
avanço de pequenas unidades hospitalares. As políticas de investimentos do Sistema
Único de Saúde (SUS) e a descentralização no atendimento da rede pública com o
propósito de melhorar o atendimento explicam essa opção na distribuição dos recursos
governamentais. Para La Forgia & Couttolenc (2009), políticos se valeram de emendas
parlamentares para alocar investimentos em pequenas unidades hospitalares e, assim,
auferiram benefícios políticos em suas respectivas bases eleitorais com a construção
dessas pequenas unidades. Por outro lado, a manutenção e o custeio dessas unidades
ficaram em segundo plano. Muitas unidades funcionam de modo precário e com
recursos escassos e demonstram claramente as dificuldades sistêmicas do setor que
envolve muitos agentes, como poderá ser observado a seguir.
2.3 Os Hospitais Filantrópicos
A palavra filantropia tem origem do grego, philos, que significa “aquele que
gosta de” e anthropos, que significa homem.
Dados do Portal da Saúde (http://portal.saude.gov.br), acesso em 11/04/2013, o
Brasil conta com 3594 hospitais filantrópicos que representam cerca de 44% das
unidades hospitalares do SUS. Esses hospitais disponibilizam aproximadamente 123000
leitos para o SUS, ou seja, 34% do total da rede assistencial do Sistema Único de Saúde.
Estão instalados no Estado de São Paulo mais de 800 desses hospitais que, em seu
conjunto, oferecem em torno de 34000 leitos para atendimento do SUS. Constata-se,
com esses números, a grande importância desse tipo de instituição para o sistema de
saúde brasileiro.
62
Pela regulamentação vigente, são consideradas filantrópicas as entidades
portadoras do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social. Tal certificado
é concedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão subordinado
ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Dentre as exigências para
os hospitais obterem esse certificado estão: oferta e efetiva prestação de 60% ou mais de
internações ao SUS; na impossibilidade de contratação de 60% de internações SUS, a
entidade deverá aplicar um percentual de receita bruta em gratuidade de 5% a 20%.
Os números acima mostram que a saúde é umas das áreas em que a iniciativa
privada vem ocupando espaços e atribuições do Estado. Para Wanderlei (2009), houve
uma publicização do privado pela intervenção dos poderes públicos na manutenção da
ordem social, na regulação da economia, na promulgação de leis e diretrizes para as
políticas sociais (na saúde, educação, etc). O autor afirma ainda que houve também uma
privatização do público, expressa pela apropriação privada dos recursos públicos.
Ressalta-se que os setores dominantes, sobretudo as elites, abocanham parcela
significativa dos recursos públicos em função da força de seus lobbies e maior acesso às
altas esferas do Estado.
Esse cenário é bastante visível no setor da saúde onde algumas instituições
recebem apoio e verbas, os hospitais filantrópicos lutam por sua sobrevivência e muitos
estão à beira de um colapso financeiro. Dentre os diversos aspectos que originaram essa
situação está a defasagem do valor repassado pelo SUS aos hospitais. Em 2011, as
Santas Casas, por exemplo, gastaram R$ 14,7 bilhões de reais em atendimentos do SUS
e receberam, por esse trabalho, R$ 9,6 bilhões de reais, uma diferença que implicou em
um alto endividamento desses hospitais. Segundo a Federação das Santas Casas e
Hospitais Beneficentes de São Paulo, para cada R$ 100 reais investidos/ gastos pelo
instituições no atendimento aos pacientes SUS, apenas R$ 60 reais são repassados pelo
Estado às entidades (www.globo.com).
Segundo levantamento da Confederação Nacional das Santas Casas de
Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas, a dívida acumulada dos hospitais
chegou a R$ 11 bilhões em 2012 (www.fehosp.com.br,), o que para muitos é impagável.
63
Diante desse contexto, muitos hospitais permanecem com suas portas abertas
com inúmeras dificuldades. Em trabalho apresentado no Simpósio em Gestão e
Tecnologia, Bernard et al (2010) afirmam que a maior parte dos hospitais filantrópicos
sofre com a falta de recursos para custeio e investimentos e que muitas caminham para a
insolvência financeira.
2.4 Os Hospitais e seus “Atores”
Segundo La Forgia & Couttolenc (2009), o Brasil tem um sistema hospitalar
altamente pluralista, composto por arranjos financeiros, organizacionais e são de
propriedade pública e privada.
Esses e outros aspectos, como a própria natureza dos serviços prestados, tornam
o funcionamento dos hospitais bastante complexo. Trata-se de um espaço onde diversos
atores com objetivos e interesses distintos se encontram.
Como o Estado é o principal financiador do sistema, determinados atributos
devem ser executados nas Políticas Públicas. Para Wanderley (2010), atributos
interconectados e que não podem ser ignorados numa perspectiva de conjunto devem
ser manifestados nas Politicas Públicas. São eles, para o autor: a Universalidade, que
implica no atendimento de toda uma população, sem discriminações de qualquer tipo; a
Visibilidade Social, que supõe transparência nas ações governamentais e nas ações dos
atores sociais; o Controle Social que significa acesso de instâncias governamentais e da
Sociedade Civil na fiscalização sobre as regras, uso de recursos e prestação de contas;
Sustentabilidade, que trata do equilíbrio entre objetivos e orçamentos, recursos
materiais e humanos, necessidades da administração, atendendo a legislação do país;
Cultura Pública, que supõe a superação da cultura privatista de apropriação do público
pelo privado, do autoritarismo, do fisiologismo, do paternalismo, vigentes
historicamente nas sociedades latino-americanas) e Democratização que implica em
sistemas abertos e autônomos de representação e de escolhas de representantes
(WANDERLEY, 2010, p.125).
64
Um importante papel do Estado na questão da Saúde é a regulação do sistema. A
regulação refere-se às normas sobre a disposição privada dos recursos e está no campo
da política onde forças e interesses se encontram até que as decisões sobre a regulação
se concretize. Assim, os hospitais podem ser públicos (controlados pelo Estado) ou de
controle privado e, nesse caso, o Estado atua como regulador, uma vez que a área da
saúde é de interesse público.
O Estado possui, portanto, um papel ativo na cobertura de demandas de saúde e
suas intervenções ocorrem de diversas formas, dentre as quais se destacam: regulação
da utilização privada, compra de serviços de prestadores privados e financiamento.
Observa-se ainda que o Estado historicamente regulamentou a atividade dos médicos e
serviços de saúde especialmente no que diz respeito às normas sanitárias e certificações.
Também fazem parte da cadeia hospitalar os fornecedores de insumos, sendo os
medicamentos e os equipamentos os mais relevantes. Conforme Andreazzi (2002), os
insumos representam fortes impactos nos custos e na qualidade dos serviços prestados.
Cabe ao Estado oferecer subsídios aos hospitais para investimentos e consumo por meio
de contratos de custeio.
Além das 03 esferas do Estado e dos fornecedores citados acima, há os
profissionais que trabalham na área da saúde, na administração hospitalar e os
convênios, seguradoras e operadoras dos planos de saúde complementar.
Como já observado no capítulo anterior, os planos privados de saúde tiveram
constante crescimento no número de beneficiários nos últimos anos e representam um
importante agente do sistema. Segundo relatório da Agência Nacional de Saúde (ANS,
2012), em dezembro de 2011, mais de 47 milhões de brasileiros eram filiados à uma
operadora ou seguradora. Esse dado ilustra a importância desses planos privados
especialmente porque atendem parcela significativa da população e possuem poder
econômico e politico para estabelecer barganha com o Poder Público. Ressalta-se que
muitos hospitais atendem tanto o SUS quanto os pacientes encaminhados pelas
65
operadoras privadas e precisam negociar tabelas de preços com ambos. Assim, os
hospitais enfrentam difíceis negociações, pois o seu poder de barganha é menor do que
os daqueles que financiam seus serviços (o Estado que possui recursos limitados em
relação à demanda por verbas públicas e as Operadoras que, como empresas capitalistas,
buscam o maior lucro possível).
Os profissionais da área da saúde são aqueles que efetivamente fazem as coisas
acontecerem nos hospitais. Esses profissionais precisaram se adaptar às mudanças que
tiveram início nas últimas duas décadas do século XX e que ainda estão em curso. Sob a
ótica do Observatório de Recursos Humanos em Saúde (ORHS, 2004), no Brasil houve
uma precarização das relações laborais, a municipalização do emprego em saúde, o
crescimento do mercado de trabalho da medicina supletiva e o crescimento do mercado
informal de trabalho. Assim como aconteceu em outros setores da economia, houve
movimentos de terceirização e flexibilização da produção e serviços do setor. Esses
impactos afetam o funcionamento do hospital e o atendimento dos pacientes.
2.5 A Gestão Hospitalar
Na visão de Bernardes et al (2006), vive-se hoje um crescente processo de
racionalização das práticas médico-hospitalares. A medicina se integra cada vez mais na
atividade econômica global: assim, é suscetível a avaliação custo benefício como
acontece em outros setores empresariais. Nesse processo, o hospital passa a ser pensado
como empresa, tornando-se um estabelecimento central para as estratégias das
indústrias de equipamentos, bem como para a indústria farmacêutica. Ademais, decisões
cruciais para os hospitais são tomadas em instâncias e órgãos externos a ele, o que
muitas vezes causa transtornos e dificuldades para seus trabalhadores e pacientes que
ficam à mercê dessas decisões que nem sempre consideram as peculiaridades e o
contexto de cada hospital em atividade.
Ainda conforme Bernardes e outros (2006), a decomposição do ato médico em
atividades isoladas, diversificadas e centralizadas pela organização hospitalar,
decorrente da intensificação da especialização, implica novos e complexos problemas
66
no processo de coordenação do trabalho de um grande número de profissionais que se
mobilizam em torno do cuidado dos pacientes.
O cuidado depende do trabalho de vários profissionais e, por isso, possui
natureza multidisciplinar. Para Cecilio e Merhy (2003), o cuidado, de forma idealizada,
recebido/ vivido pelo paciente é constituído pela somatória de um grande número de
pequenos cuidados parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos
consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do
hospital. Sendo assim, atos, procedimentos, rotinas e processos (fluxos) vão compondo
o que se classifica como cuidado em saúde. Como as diversas atividades estão
fragmentadas não há uma visão holística do paciente.
O fracionamento do trabalho, com impactos sobre os profissionais de saúde e
pacientes, prejudica a integralidade do atendimento. Observam ainda Cecilio e Merhy
(2003) que a atenção integral de um paciente no hospital seria o esforço de uma
abordagem completa, holística, portanto integral, de cada pessoa portadora de
necessidades de saúde que, por um certo período de sua vida, precisasse de cuidados
hospitalares. Essa abordagem implicaria disponibilizar as tecnologias de saúde para
prolongar e melhorar a vida e também o oferecimento de um ambiente humanizado que
proporcionasse conforto e segurança para o hospitalizado. Os mesmos autores
consideram que as necessidades singulares dos pacientes devem ser o ponto de partida
para qualquer intervenção hospitalar.
Há duas perspectivas quanto à analise da intervenção hospitalar: uma delas
refere-se aos trabalhadores que atuam no hospital (o hospital em si) e outra diz respeito
àqueles que analisam a partir do hospital, tendo como referência a sua inserção como
elemento do Sistema de Saúde.
Considerando-se a intervenção hospitalar sob a óptica dos trabalhadores
alocados em hospitais, constatam-se grandes dificuldades por parte da gerência em
coordenar os atos fragmentados, especializados e diversificados executados pelos
trabalhadores em seu cotidiano. Nicacio, apud Silveira (2003), afirma que é possível
67
pensar o trabalho em equipe como somatória de ações específicas de cada profissional,
como linha de montagem no tratamento da doença, com hierarquia e rigidez de papéis.
No entanto, torna-se necessário pensar arranjos institucionais que resultem em um
trabalho em equipe que possibilite uma atuação mais solidária e participativa dos
envolvidos com o cuidado do paciente.
A análise, a partir do hospital, o considera como elemento do Sistema de Saúde.
A noção de sistema implica uma visão harmoniosa de partes em relação ao todo. Em
outras palavras, a boa funcionalidade de cada parte contribui para um melhor
funcionamento do todo. Para Cecilio e Merhy (2003), o conceito de saúde denota uma
concepção idealizada, de caráter normativo, que não se sustenta na prática. Isso porque
possuí várias lógicas de funcionamento, múltiplos circuitos e fluxos de pacientes, nem
sempre racionais que são, algumas vezes, interrompidos e truncados. Ademais são
submetidos a interesses e protagonismos que não se submetem à uma racionalidade
institucional ordenadora. Tem-se, como conseqüência, grande dificuldade em se
conseguir a integralidade do cuidado, bem como inconvenientes de toda ordem para o
trabalhador da saúde executar as atividades que estão sob sua responsabilidade.
2.5.1 Especificidades da Gestão Hospitalar
Convivem nos hospitais muitas formas de coordenação apoiadas por lógicas
diferentes. Isso ocorre porque profissões diferentes convivem sistematicamente com
prioridades e preocupações distintas. O pessoal de enfermagem, por exemplo,
estabelece escalas de trabalho, trocas de plantão e rotinas de atendimento. Os médicos
cobrem escalas, solicitam uma “segunda opinião” de colegas e, costumeiramente,
possuem diversificada atuação profissional (atuam em clínicas, consultórios, hospitais,
etc). Na assistência ao paciente há ainda outros profissionais de nível superior, tais
como os fisioterapeutas, os nutricionistas, os assistentes sociais e os dentistas.
A coordenação das atividades executadas pelos profissionais das diversas áreas
segue, muitas vezes, a lógica de unidades de produção onde pacotes de serviços
68
prestados são classificados como “produtos”. Nesses pacotes, além do atendimento,
estão incluídos os insumos usados no cuidado ao paciente. Destaca-se que a
administração desses insumos, os processos de trabalho e a oferta desses pacotes de
serviços implicam uma lógica diferente daquela que forma médicos e enfermeiros.
Acrescenta-se ainda que as chefias procuram defender seus espaços de poder e
autonomia.
Para Feuerwerker e Cecilio (2007), o hospital funciona como um subsistema de
um sistema social mais amplo. Esse subsistema consome insumos (humanos, materiais,
tecnológicos, financeiros) para desenvolver processos internos que resultam em serviços
para seus clientes. Considerando-se a lógica do mercado, é esse feedback da satisfação
do usuário que realimenta o sistema e fecha o ciclo.
Sob a óptica de Cecilio e Merhy(2003), sobrevive o hospital que oferece
melhores produtos/ serviços com a utilização de tecnologias e aprimoramento de
processos e controles internos. Os autores salientam ainda que quem não se atualiza
buscando reengenharias internas e não moderniza seus processos de gestão termina
ultrapassado pela onda de modernização, competitividade e eficiência, aspectos
marcantes nos tempos atuais.
Carapinheiro, apud Cecilio e Merhy (2003), aborda aspectos sociais no que se
refere à gestão hospitalar. A autora afirma que o hospital é uma instituição burocrática
especial por também possuir características adocraticas (sistema temporário variável e
adaptativo). Ressalta ainda que o poder, enquanto disciplina, merece consideração
especial uma vez que os médicos o exercem sobre a instituição hospitalar, os pacientes e
outras categorias profissionais presentes nos hospitais.
Dessa forma, o hospital é espaço onde atuam atores institucionais com certo grau
de liberdade, de construção complexa de redes de contratos e onde se configuram
coalizões e grupos de interesse e disputa.
69
O conjunto dessas características que envolvem o funcionamento e a
administração dos hospitais afeta diretamente o trabalho e o cotidiano dos profissionais
de saúde que se vêem obrigados a se adaptar e a se reciclar em função das várias
mudanças em curso.
2.5.2 A Produção na Saúde
A produção em saúde não resulta em um produto físico comercializável, sendo o
produto indissociável do processo. A manutenção da vida, a recuperação da saúde e o
restabelecimento do bem estar exigem cada vez mais novas competências profissionais
e isso impõe aos gestores e profissionais da área condições de aprendizagem que
atendam as novas demandas.
Para Cianciarullo (2003), a maioria dos hospitais brasileiros, ainda hoje, tem
dificuldade para adotar modelos de gestão ágeis e voltados para as necessidades dos
cidadãos.
Afirma Zarafian (2003) que a renovação e o revigoramento requerem mudanças
nos hospitais e que as atividades inovadoras e empreendedoras precisam ser aprendidas
pelos profissionais para o aumento da competência dos serviços prestados. Na óptica de
Pereira (2005), a inovação na gestão deve ser voltada para resultados. Indicam
Emmerick e outros (2007) que o modelo de gestão é a filosofia e as práticas
administrativas incorporadas como competências pelos membros da organização. Os
autores afirmam ainda ser necessária a priorização da aprendizagem organizacional para
que ocorra uma evolução do estado presente para a criação de novas competências.
Aponta Berwick (1997) que a criação do ambiente de aprendizagem começa pela
criação de oportunidades de participação para todos.
Segundo Emmerick e outros (2007), na Sociedade do Conhecimento a
aprendizagem é a verdadeira atividade produtiva, tendo efeito imaterial e intangível na
atividade produtiva. Senge (1998) corrobora com essa idéia ao afirmar que o pleno
70
desenvolvimento das pessoas é a mudança mais radical em relação às praticas
tradicionais de gestão. Para o mesmo autor, baixas capacidades de aprendizagem
coletiva restringem a possibilidade da mudança. Em outras palavras, se os grupos de
trabalho não tiveram capacidade de aprender, a organização também não terá.
Ao se considerar as particularidades dos hospitais, o estimulo à aprendizagem é
difícil porque as equipes são integradas por especialistas e profissionais de diferentes
áreas técnicas.
De acordo com Merhy e Franco (2009) a produção do cuidado se dá por uma
complexa trama que tem como protagonistas sujeitos individuais e coletivos, carregados
de certas intencionalidades onde eles mesmos produzem o cuidado. Os autores
observam ainda que nesse cenário há diferentes objetivos, interesses e rede de relações
nos processos de trabalho que se mantêm dinâmicos e têm sofrido alterações em grande
velocidade impulsionadas pela transição tecnológica em curso.
Os trabalhadores se veem, então, diante de um cenário que os obriga a constante
atualização, pressionados por um sistema em transformação, repleto de ambigüidades.
Ademais, se relacionam com profissionais de áreas diferentes da sua, lidam com pessoas
(pacientes) muitas vezes em seu estado mais vulnerável e devem seguir várias regras,
protocolos e regulamentos.
71
CAPÍTULO III – NOVAS TECNOLOGIAS E FORMAS DE
GESTÃO
Mudanças de toda ordem estão em curso desde a intensificação do fenômeno da
Globalização e novas tecnologias e formas de gestão têm surgido com frequência,
afetando de muitas maneiras as relações de trabalho e o modo como são realizadas e
vivenciadas pelo trabalhador.
3.1 GLOBALIZAÇÃO
Para Santos (2005), a Globalização é um fenômeno social complexo e
multifacetado com dimensões sociais, culturais, políticas, jurídicas e religiosas, em
relação ao qual ainda não existe uma uniformidade teórico-conceitual, embora numa
avaliação objetiva seja definido como o incremento dos fluxos de bens e serviços entre
nações. Nesse sentido, há aqueles que optam por entender a globalização como um
estágio superior da internacionalização, expressão usada como referência a fenômenos
que envolvem investimentos externos, estruturas de mercado, organização da produção
e tecnologia.
Na visão de Vasconcelos et al (2008), a expressão Globalização passou, de fato,
a incorporar o repertório vocabular do mundo dos negócios a partir da década de 70,
refletindo o gradativo aprofundamento das relações entre países e grupos econômicos.
As diferentes datas atribuídas ao início da globalização decorrem das diferentes
definições existentes e do foco de abordagem. Esses autores destacam que existem
aqueles que atribuem à globalização uma origem remota e ressaltam, visivelmente, a
abordagem econômica do fenômeno. Já os que atribuem uma origem mais recente,
enaltecem, como elementos de abordagem, as dimensões políticas, comunicacionais e
culturais.
Ainda em relação ao entendimento do termo “Globalização”, Pereira (2008)
afirma que tem sido usado pelos meios de comunicação de massa em parte como forma
de construção de um senso comum em torno da palavra, que significaria um movimento
72
inexorável e que incluiria, entre outras coisas, a liberalização do comércio internacional,
com a abertura das fronteiras para a entrada de bens e serviços, certas políticas
econômicas, como o controle inflacionário, e também certos padrões de organização
política, como a democracia representativa liberal, além de outros ditames sociais e
culturais.
Tendo em vista a explanação acima citada, Santos (2000, p. 23) ressalta que “a
Globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo
capitalista”. A partir desse pressuposto, pode-se afirmar que há um novo delineamento
do modo capitalista de produção, que pode ser traduzido pela aceleração das mudanças
espaciais e territoriais em diferentes escalas.
Dessa forma, Santos (2000) vê a Globalização como fábula e falácia, pois
esconde as verdadeiras dimensões da pobreza, da fome e do desemprego que estão se
difundindo nos diferentes países, principalmente aqueles tidos como periféricos. Ao
invés da homogeneização do planeta, conforme atestam os defensores do mundo global,
ampliam-se as diferenças. Para esse autor, na verdade, há uma busca de uniformidade ao
serviço dos atores hegemônicos. Porém, o mundo se torna menos unido, tornando mais
distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal (SANTOS, 2000).
Com a Globalização, as interações transnacionais se intensificam a cada dia e
assumem formatos distintos: variam, em escala, desde a internacionalização do sistema
produtivo e financeiro à disseminação e compartilhamento de informações de toda
natureza (VASCONCELOS et al., 2008). Assim sendo, é um processo que coloca a
sociedade como um sistema aberto onde os acontecimentos locais podem ser
influenciados ou condicionados por fatos ocorridos em localidades distantes. Essa é
uma característica que ressalta a Globalização como um processo não-linear ou mesmo
uniformizador porque nem a compreensão de seu significado é uniforme ou consensual:
A globalização, longe de ser consensual, é, como
veremos, um vasto e intenso campo de conflitos
entre grupos sociais, Estados e interesses
73
hegemônicos, por um lado, e grupos sociais,
Estados e interesses subalternos, por outro; e
mesmo no interior do campo hegemônico há
divisões mais ou menos significativas (SANTOS,
p. 27, 2005).
Para Vieira (2002), a Globalização surge por meio das mais diversas dimensões,
sendo elas: econômica, política, social, ambiental e cultural. Nessa classificação, o autor
destaca o papel da economia e da cultura no cenário da globalização.
Nesse contexto de interpretações, outros autores, dentre esses, Therborn (2001) e
Santos (2000) indicam que um dos principais elementos da Globalização é a dimensão
econômica, a qual se refere a novos padrões de comércio, investimento, produção e
empreendimento. Outro elemento, geralmente derivado do primeiro, é o sócio-político,
concentrando-se no papel cada vez menor do Estado e de um tipo de organização social
a ele associada. Em terceiro lugar, a globalização surgiu como centro de um discurso e
de um protesto sócio-crítico, como uma nova forma que assume forças adversas: o
inimigo da justiça social e de valores culturais particulares. Há também outros dois
entendimentos, mais especializados e igualmente importantes, acerca dos papéis da
Globalização. Existe o discurso cultural, dos estudos antropológicos e culturais, que
apresenta a globalização como fluxo, encontros e hibridismo culturais. E por fim, como
responsabilidade social, a globalização é parte de um discurso ecológico e de
preocupações ambientais planetárias (THERBORN, 2001).
3.2 GLOBALIZAÇÃO DA SAÚDE
Segundo Faria & Bortolozzi (2009), as maiores preocupações da ciência no
limiar do século XXI estão relacionadas com as condições da existência humana. O
discurso dos problemas sociais, ambientais e de saúde de proporções internacionais
ganhou consistência e recentemente alarmou a sociedade mundial sobre a possibilidade
de um aquecimento global irreversível. Ainda que as consequências desse processo
sejam distribuídas desigualmente nas diversas regiões do mundo, essas questões
74
começam a preocupar os países desenvolvidos, já que a natureza não reconhece as
fronteiras territoriais.
As mudanças impostas pela sociedade moderna, que se desenvolveram a partir
da década de 1970, vêm fortalecer a categoria espaço e território nas pesquisas em
saúde pública. Por um lado, as mudanças no perfil de morbimortalidade da população,
caracterizada pela redução das doenças infecciosas e o aumento das doenças crônico-
degenerativas. Por outro, a emergência de novas enfermidades, como a Aids, são
responsáveis pela crise que se instaura na ciência epidemiológica no sentido de buscar
formas mais eficientes de entender a doença como manifestação coletiva (FARIA &
BORTOLOZZI, 2009).
Conforme Pinheiro et al. (2010), quando se foca o olhar nas repercussões da
Globalização na saúde das populações, notam-se diversos impactos sensivelmente
preocupantes. A disseminação das doenças infectocontagiosas, o bioterrorismo e os
novos padrões comportamentais em saúde são alguns deles. Nos anos 90, as doenças
transmissíveis se tornaram uma prioridade de saúde em âmbito global, contrariando a
expectativa de que tais doenças estavam sendo efetivamente controladas. Essa
concepção linear explicitava-se no modelo da transição epidemiológica, o qual
identificava o risco de morte por doenças transmissíveis e a alta prevalência de doenças
endêmicas causadas por agentes infecciosos como atributos exclusivos do chamado
“subdesenvolvimento” socioeconômico. Pinheiro et al (2010) ressaltam, também, que a
pandemia da AIDS foi o evento decisivo que obrigou a uma revisão dessa perspectiva.
Na atualidade, associa-se também a pandemia de gripe causada pelo vírus H1N1 que,
em 2009, afetou cerca de 400.000 pessoas em todo o mundo.
Diante dessa perspectiva de Globalização da saúde, segundo Sabroza & Waltner-
Toews, (2001) é necessário entender a saúde e as doenças como um processo vivido
pelos seres humanos individualmente, todavia com fortes influências de dimensões
coletivas, e, a partir daí, busca-se identificar as relações entre as condições de saúde e
seus determinantes biológicos, culturais, socioeconômicos e ambientais, nos
ecossistemas modificados pelo trabalho humano.
75
Corroborando com a afirmação acima citada, segundo Pinheiro et al. (2010), a
saúde deve ser encarada como questão global e como um bem e um valor, pelos quais se
deve trabalhar de modo explícito e programado, consenso em nível mundial. Desse
modo, a luta contra as desigualdades é um poderoso estímulo para esse objetivo. Pode-
se observar que, com a Globalização, o direito à saúde no mundo vem sofrendo uma
relativa regressão nas últimas décadas. Nos países emergentes, dentre esses o Brasil, a
ameaça mais grave é a sobreposição de perfis epidemiológicos em que se observa a
difusão de doenças decorrentes de diferenças nas condições ambientais, na nutrição, na
organização social e cultural e pela presença ou ausência de agentes e de vetores
biológicos das doenças transmissíveis. A partir desse cenário, doenças como a varíola, o
sarampo, a febre amarela e a sífilis, entre outras, mostraram quadros epidemiológicos
muito desiguais que rapidamente afetam diversas partes do planeta com surtos cíclicos.
Além desses e de outros danos e riscos provocados pelas infecções, pode-se acrescentar
a escala global da poluição ambiental, da utilização de tóxicos e da violência.
Segundo o World Bank (2001), em um cenário de mundo Globalizado,
destacam-se os avanços positivos no campo da comunicação e da biotecnologia.
Todavia, a sua repercussão na saúde da população mundial pobre tende a ser muito mais
negativa do que positiva, uma vez que a pobreza está intimamente relacionada às
condições e expectativas de saúde. Nesse sentido, World Bank (2001) destaca que, na
virada do milênio, dos cerca de 6 bilhões de habitantes do mundo, 2,8 bilhões, ou seja,
quase a metade, viviam com menos de 2 dólares por dia e 1,2 bilhões com menos de 1
dólar por dia, sendo que 44% viviam no Sul da Ásia. Passados treze anos, o estado de
pobreza continua o mesmo, além do incremento de 1 bilhão de pessoas a mais. Dessa
forma, os países com grandes populações pobres têm a seu cargo 90% das doenças que
ocorrem no mundo, mas não têm mais de 10% dos recursos globalmente gastos em
saúde, o que reflete no inexpressivo desenvolvimento econômico desses países devido à
perda de pessoas em idade jovem e produtiva. Crianças com menos de cinco anos na
África têm 7 vezes mais probabilidade de morrer do que as crianças da Europa, assim
como pessoas com idade entre 15 e 59 anos na África têm 4,5 vezes mais probabilidade
de morrer do que as pessoas na Europa, sendo que as taxas de mortalidade materna são
16 vezes mais altas na África do que na Europa (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2002).
76
Para François (2008), o sistema institucional de saúde no Brasil apresenta
deficiências que impedem a assistência a todos por inacessibilidade de numerosos
segmentos da população ao atendimento que são consequência da inexistência ou
escassez dos serviços de saúde, devendo-se, entre outras, a questões de ordem
geográfica, cultural, econômica e funcional. Esse autor destaca também que o acesso à
saúde, além da proporcionalidade entre serviços e usuários, implica uma relação
dinâmica entre as necessidades, aspirações e cultura da população, a demanda de
serviços e os recursos disponíveis para satisfazê-la. Ademais, o acesso à saúde depende
de recursos como informação e conhecimento, meios para superar os desafios logísticos
(percorrer distâncias para executar o atendimento) e verbas para cobrir os custos que
isso requer. No Brasil, com suas grandes distâncias e desigualdades econômicas,
populacionais e de distribuição, significa vencer um longo e difícil caminho entre a
doença e a cura.
Em se tratando do processo de trabalho no setor de saúde, cabe salientar que ele
vai se ajustando às transformações de mercado próprias da globalização: de um lado, os
trabalhadores com vínculos empregatícios e direitos trabalhistas preservados atuam na
assistência direta, nos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, na gerência, no
ensino e na produção de tecnologia. E, do outro lado, os trabalhadores terceirizados e
em situações de vínculo empregatício precário, que também atuam na maioria dos
setores, excetuando-se a gerência institucional. Essa dimensão do trabalho no setor
saúde é semelhante ao que vem ocorrendo em outros setores do mundo do trabalho
(MEDEIROS & ROCHA, 2004).
3.3 IMPACTOS DA TECNOLOGIA NO SETOR DE SAÚDE
Com relação aos impactos trazidos pelo uso intensivo de tecnologias no setor de
saúde, Castells (2005) ressalta que o nosso mundo está em um intenso processo de
transformação estrutural desde há duas décadas. Trata-se de um processo
multidimensional, associado à emergência de um novo paradigma tecnológico, baseado
nas tecnologias de comunicação e informação (TIC), as quais começaram a tomar forma
nos anos 60 e que se difundiram de forma desigual por todo o mundo. Para esse autor,
essas tecnologias não determinam a sociedade, nem a sociedade determina o curso da
77
transformação tecnológica, visto que muitos outros fatores, como criatividade e
iniciativa empreendedora influenciam o processo de descoberta científica, inovação
tecnológica e aplicações sociais, de forma que o resultado depende de todo um conjunto
de fatores. Para Castells (2005), embora não determine a evolução histórica e a
transformação social, a tecnologia incorpora a capacidade de transformação das
sociedades, bem como o uso que as sociedades decidem dar ao seu potencial
tecnológico. Entretanto, cabe salientar que, por outro lado, é a sociedade que dá forma à
tecnologia de acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que a
utilizam. Além disso, as tecnologias de comunicação e informação são particularmente
sensíveis aos efeitos dos usos sociais da própria tecnologia.
Falar especificamente dos impactos da tecnologia no setor de saúde, segundo
Lima (2003), implica fazer-se referência obrigatória ao processo mundial de
reestruturação produtiva, intensificado a partir da década de 1970, e suas incursões nos
diversos setores da economia.
Com o processo de reestruturação produtiva, Pires (2008) ressalta que, a partir
das três últimas décadas do século XX, ocorreu grande destaque para a inovação
tecnológica na reorganização da produção, na utilização da força de trabalho e na
estrutura das empresas; as expressões “novas tecnologias”, “high technology ou
hightech”, “tecnologia de ponta” e “inovação tecnológica” assumem um lugar de
destaque na mídia e na literatura científica. As inovações tecnológicas estão presentes
nos diferentes setores da economia mundial, dentre esses, os serviços de saúde, sendo
que sua utilização e impactos são influenciados por diversos fatores e pelo contexto
histórico-social em que ocorrem (PIRES et al, 2010).
Corroborando com a afirmação anterior, Barra et. al (2006) salientam que o
processo de industrialização trouxe consigo, além da modernização, o avanço
tecnológico e a valorização da ciência que ocasionaram transformações no cotidiano do
homem. Esses sensíveis avanços tecnológicos também ocorreram no setor de saúde,
com a introdução da informática e do surgimento de equipamentos sofisticados que
acarretaram muitos benefícios e rapidez na luta contra as diversas doenças. Essa
moderna tecnologia, desenvolvida pelo homem para o homem, tem em larga escala
78
contribuído para a solução dos problemas no setor de saúde, provocando ou
possibilitando melhores condições de vida e saúde para os pacientes.
Ainda de acordo com Barra et al. (2006), a tecnologia é inseparável de qualquer
realidade, permeando todas as atividades do homem. Nesse sentido, esses autores
alegam que, na atualidade, todos vivenciam uma era tecnológica, na qual muitas vezes a
concepção do termo tecnologia tem sido na prática diária utilizada de forma equivocada,
uma vez que é concebida corriqueiramente somente como um produto ou equipamento.
Cabe aqui explicitar que a temática tecnologia não deve ser tratada apenas por meio de
uma concepção reducionista ou simplista, associada somente às máquinas.
A incorporação das tecnologias de ponta nos cenários de assistência, segundo
Barbosa, (1999) implicou um redimensionamento do espaço do cuidado, com
repercussões diretas no trabalho dos enfermeiros e dos médicos, na medida em que traz
mais uma atribuição para eles que, além de cuidarem do cliente/ paciente, devem
controlar a(s) máquina(s) e todo o arsenal de equipamentos e artefatos inerentes a
determinadas terapias. Embora se pense que as tecnologias são utilizadas na prática
hospitalar como ferramentas auxiliares, suprindo as necessidades crescentes do aumento
da complexidade do cuidado oferecido por médicos e enfermeiros e possibilitando a
prestação de um serviço de saúde de qualidade, com obtenção de maior eficácia e
redução do tempo gasto na realização dos procedimentos, é também necessário avaliar
os sensíveis efeitos que esse avanço tecnológico acarreta na vida dos profissionais
envolvidos.
Nita et al. (2010) afirmam que tecnologias em Saúde incluem um amplo
conjunto de intervenções, tais como medicamentos, equipamentos e procedimentos
técnicos, sistemas organizacionais, educacionais, de informação e de suporte e os
programas e protocolos assistenciais, por meio dos quais a atenção e os cuidados com a
saúde são prestados à população.
Barbosa (1999) ressalta ainda que a ampla difusão dessas novas tecnologias vem
imprimindo mudanças gradativas nos cuidados prestados em hospitais. Isso, por vezes,
tende a gerar medo e angústia para alguns, enquanto para outros representa status,
incentivo à busca de aperfeiçoamento técnico-científico, determinando condutas
79
ambivalentes de maior proximidade ou afastamento do cliente/paciente. Enfim, esse
fenômeno da tecnologia em saúde, pela complexidade e demandas diferenciadas que por
vezes acarretam no manejo do cuidado ao cliente, faz com que os profissionais pensem,
reflitam, discutam e troquem experiências profissionais em um ambiente tecnológico.
Para DallSasso & Barbosa (2000), o crescente avanço científico e tecnológico na
área da saúde cria a necessidade dos profissionais buscarem intensiva atualização.
Assim, a utilização da informática se constitui em suporte que impulsiona o rápido
acesso às informações e ao conhecimento expandido mundialmente. Isso exige do setor
atualização contínua de conhecimentos, por meio de cursos de especialização,
treinamentos e formação fornecidos pelos hospitais, fornecedores, faculdades, etc.
Embora essa seja a realidade em todas as profissões, há na área da saúde o emprego
obrigatório de maquinários para a aprendizagem.
As inovações na área da saúde são intensas e abrangentes, dizem respeito a uma
diversidade de situações vivenciadas por médicos, enfermeiros e incluem:
- novos aparelhos de ressonância magnética, ecocardiográfico, raio x, etc;
- novos aparelhos de imagem específicos para especialidades, dentre elas, a neurologia,
a angiografia e a oncologia;
- novos equipamentos hospitalares para as especialidades, tais como, anestesia,
reanimação e cardiologia;
- diversos tipos de aquecedores, aspiradores cirúrgicos, balanças digitais,
broncoscópios, etc.
Os exemplos acima representam pequena amostra da revolução que atinge o
setor. Essa velocidade nas mudanças expõe as fragilidades e as contradições do Sistema
de Saúde vigente e escancaram as desigualdades sociais do país. Por um lado, tem-se
uma elite com acesso a hospitais particulares que possuem recursos e capacidade de
investimento para oferecer a seus pacientes/ clientes tratamentos de excelente qualidade
(equipamentos de última geração e pessoal qualificado para executar os procedimentos).
Por outro lado, há o atendimento do SUS, único acesso à saúde para a maior parcela da
população. O SUS possui orçamento apertado e apresenta inúmeras dificuldades de
80
operacionalização do sistema. Há problemas de estrutura nos postos de saúde e nos
hospitais credenciados. A aparelhagem está defasada, faltam materiais com frequência e
os investimentos são insuficientes para a demanda existente. As consequências dessa
situação estão expostas na mídia sistematicamente e foram alvo das manifestações de
junho de 2013 em todo país. Para os médicos e enfermeiros essa situação é motivo de
stress e preocupação. Observa-se também que muitos médicos não aceitam trabalhar em
postos de saúde e hospitais que não apresentam condições para o bom exercício da
medicina. Há falta de médicos em muitos Estados brasileiros e em algumas
especialidades faltam médicos até nos grandes centros. Em reportagem publica no portal
UOL em 19 de agosto de 2013 (www.folha.uol.com.br), levantamento efetuado pelo
Observatório de Recursos Humanos em Saúde de Minas Gerais indica que, entre 2008 e
2011, aumentou de 32,1% para 66,8% o número de hospitais com “imensa dificuldade”
para contratar pediatras. O estudo apontou que há carência também nas áreas de
psiquiatria, anestesia e neurologia. Em meados de 2013, o governo federal iniciou o
processo de contratação de centenas de médicos estrangeiros, principalmente cubanos,
que atuarão em diversos munícipios desassistidos até mesmo de atendimento básico.
A proliferação de novas tecnologias representa, para a área da saúde, mais um
desafio a ser superado. Para Siqueira (2009), uns terão todo acesso à tecnologia
disponível enquanto outros pouco ou nada receberão. O autor afirma que a medicina de
alto custo (tecnologia de ponta) será para parcelas cada vez menores da sociedade; de
outro lado, longas e intermináveis filas de despossuídos e, portanto, desassistidos.
3.4 NOVAS TECNOLOGIAS EM SAÚDE
No que se refere às tecnologias aplicadas ao setor de saúde, recorre-se a Mehry
et al (1997), os quais salientam que a tecnologia compreende certos saberes constituídos
para a geração e utilização de produtos e para organizar as relações humanas, podendo
ser aplicadas na saúde, de acordo com três categorias de classificação, a saber:
81
a) Tecnologia dura: representada pelo material concreto como equipamentos, mobiliário
permanente ou de consumo. Aparelhos de ressonância magnética e de tomografia são
exemplos de tecnologia dura.
b) Tecnologia leve-dura: incluindo os saberes estruturados representados pelas
disciplinas que operam em saúde, a exemplo da clínica médica, odontológica,
epidemiológica, entre outras.
c) Tecnologia leve: que se expressa como o processo de produção da comunicação, das
relações, de vínculos que conduzem ao encontro do usuário com necessidades de ações
de saúde.
Nesse contexto, a tecnologia em saúde não está relacionada apenas com
procedimentos, máquinas e instrumentos. Westin et al (2012) afirmam que ela se refere
também a aplicação de conhecimentos e processos organizacionais, e, para que isso
ocorra, é necessário embasamento teórico e científico proporcionado pelas pesquisas
feitas na área.
Ainda com relação a essa classificação das tecnologias aplicadas à saúde, Barra
et. al. (2006) acreditam que as três categorias apresentadas anteriormente estão
estreitamente interligadas e presentes no agir do setor de saúde, embora nem sempre de
modo transparente.
Em termos dessas novas tecnologias e seus impactos, Santos e Marques (2006)
ressaltam que globalmente a tecnologia de informação (TI) aplicada à saúde vem se
consolidando desde a década de 60, e que, atualmente, a internet tornou-se uma
ferramenta para todas as instâncias profissionais. A utilização da Internet cresce
vertiginosamente em países desenvolvidos, e é frequentemente utilizada pela estrutura
universitária de saúde, acarretando diversos benefícios para essa área. Já nos países em
desenvolvimento, a utilização desses recursos varia de acordo com a tecnologia
disponível de país a país e com as iniciativas locais.
Tendo como base o uso da internet, Guimarães, Martin e Rabelo (2005)
salientam que a Educação à Distância (EAD) é uma das estratégias de ensino-
82
aprendizagem que permite acesso a um grande volume de profissionais a programas
educativos, independente de tempo e localização dos interessados.
Cabe também destacar que, igualmente, para a educação em saúde do paciente,
família e comunidade, os recursos das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)
têm sido utilizados com maior frequência e abrangência, seja por meio de ambientes
virtuais de aprendizagem, seja por meio de web conferências, dentre outras estratégias
de ensino-aprendizagem. O que se torna importante em tal prática é a relação
construtiva e dialógica dos sujeitos envolvidos no processo educativo. (SANTOS &
MARQUES, 2005)
Já para Brownson (2005), a busca das áreas de saúde pelo aprimoramento
educacional e pela qualificação profissional é uma premissa básica e as tecnologias de
informação e comunicação (TICs) empregadas são um efetivo recurso no intuito de se
obter êxito nesse processo. Brownson (2005) e Jang et al. (2005) alegam ainda que,
dentre as TICs, a internet vem sendo utilizada como um recurso que suplanta as
barreiras físicas e possibilita a interatividade com troca de informações entre os
participantes, obtendo grande vantagem em custo x benefício.
Essa busca de conhecimentos e aprimoramento profissional na área de saúde
com o suporte de recursos tecnológicos, segundo Behring et. al. (2012), também
acontece no Brasil por meio de um esforço conjunto do Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT) e do Ministério da Saúde (MS), que incentivam a utilização das
TICs para a educação permanente e educação em saúde, com a manutenção do
programa Telessaúde Brasil9e a Rede Universitária da Telemedicina (RUTE).
Cabe também destacar que, conforme Pereira (2009), nos últimos anos, vem
ocorrendo uma relevante e sensível revolução na área da tecnologia de diagnóstico por
9O Programa Telessaúde Brasil Redes é uma ação nacional que busca melhorar a qualidade do
atendimento e da atenção básica no Sistema Único da Saúde (SUS), integrando ensino e serviço por meio
de ferramentas de tecnologias da informação, que oferecem condições para promover a Teleassistência e
a Teleducação.
83
imagem. Pesquisas realizadas por médicos, engenheiros e físicos, trazem novas
descobertas e desenvolvem as mais diversas aplicações da radiação em equipamentos de
diagnóstico por imagem. Dessa forma, de acordo com Funari & Queiroz (2011), a
figura do antigo médico radiologista trabalhando muitas vezes longe do paciente em
uma sala escura, tem ficado cada vez mais remota. O médico “imaginologista”, como é
chamado atualmente, representa um papel fundamental nas decisões clínicas
relacionadas aos pacientes, participando ativamente não somente do diagnóstico e
estabelecimento da conduta, como também da terapêutica instituída. Os avanços na área
de diagnósticos por imagem têm permitido diagnósticos mais precisos de diferentes
doenças, possibilitando um planejamento terapêutico mais precoce e adequado ao
paciente.
Funari & Queiroz (2011) afirmam ainda que a maior precisão dos equipamentos
de tomografia, ultrassonografia, ressonância magnética e raios X tem contribuído para
melhorar a acurácia diagnóstica e guiar procedimentos intervencionistas, como biópsias
e punções aspirativas dos mais variados órgãos e estruturas, drenagem de coleções
líquidas (com a substituição, muitas vezes, de atos cirúrgicos de menor morbidade e
consequente redução do tempo de internação e custos hospitalares), terapêuticas
ablativas (radio, crioablação e, mais recentemente, o laser, aplicados na terapia
oncólogica). Nesse sentido, na última década, a radiologia intervencionista vascular
apresentou grande evolução com os angiógrafos digitais, guiando a realização de
angioplastias, introdução de stents e, mais recentemente, embolizações de miomas,
tumores e aneurismas cerebrais, tornando a imaginologia cada vez mais integrada à
assistência global ao paciente.
Em se tratando ainda dos impactos das tecnologias no setor de saúde, Pires
(2010) salienta o fato de a literatura registrar que, em termos gerais, a introdução de
uma inovação tecnológica implica mudança de processos e na prática da assistência em
saúde. Essas mudanças tendem a resultar, ao menos na fase inicial, em aumento do
volume de trabalho, com efeitos sobre as cargas de atividades desenvolvidas, pois os
trabalhadores necessitam ser capacitados para o manuseio dos novos equipamentos ou
para trabalhar de outra maneira. Sendo assim, em um primeiro momento, o trabalhador
84
necessita utilizar o “novo” e o “velho” modos de fazer, aumentando o volume do
trabalho, devido à necessidade de adaptação visando avaliar o seu domínio sobre a
tecnologia, bem como se essa se mostra segura e efetiva no âmbito da assistência em
saúde.
Ademais, sua vida e seus afazeres pessoais são afetados, uma vez que ele precisa
dedicar parte de seu tempo livre para adquirir conhecimento e competências
profissionais para acompanhar a acelerada evolução tecnológica em curso.
3.5 IMPACTOS DA TECNOLOGIA PARA O TRABALHADOR DE
SAÚDE
De acordo com Malagutti (2012), o avanço da tecnologia, associado à
globalização, faz com que os profissionais de saúde estejam cada vez mais direcionados
ao saber-fazer, focando suas habilidades para prestarem assistência aos pacientes, com
qualidade no cenário de saúde atual, sejam essas de caráter assistencial, administrativa,
educativa e/ou gerencial.
Para Pires (2010), o setor saúde tem sido bastante sensível à inovação
tecnológica, especialmente a do tipo material, utilizada na realização de exames
diagnósticos e em ações terapêuticas, além do significativo uso da informática.
Dessa forma, Mourão & Neves (2007) afirmam que a informática na área de
saúde tem como principal objetivo colocar o computador no ponto de assistência, ou
seja, no consultório médico, ambulatorial, enfermaria, sala de cirurgia e no próprio leito
hospitalar, permitindo o acesso à informação clínica, medicamentos, prontuário do
paciente e monitoração dos sinais. Sem um sistema adequado de informações, a criação,
o armazenamento e a recuperação das informações dos pacientes são feitos de forma
trabalhosa e redundante, exigindo muito tempo e esforço para documentar e permitir o
compartilhamento das informações a todos os profissionais que delas necessitam.
85
Tendo em vista a aplicação dos sistemas informatizados à saúde, Hannan, Ball,
Edwards (2009) verificaram que os sistemas de informação em uso na área da saúde
podem ser genericamente classificados em três tipos:
1) O primeiro é composto de sistemas limitados quanto ao objetivo e ao escopo. O
mais comum é o sistema isolado (stand-alone) direcionado à uma área específica
de aplicação. Como exemplos, destacam-se aqueles dedicados a calcular a carga
horária dos enfermeiros dos hospitais. Nos hospitais, os sistemas incluídos nesse
grupo são direcionados a laboratórios, controle financeiro, radiologia,
eletrocardiografia, controle de funções pulmonares, sistema de farmácia e
nutrição. Na área da saúde pública, os sistemas de imunização podem ser
considerados como outro bom exemplo dessa categoria.
2) O segundo tipo é composto de sistema de informação hospitalar que, com
frequência, consiste de uma rede de comunicação, um componente clínico e um
componente administrativo e financeiro. O componente de comunicação geral
integra essas três grandes partes em um sistema de informação mais coeso. Um
sistema típico de informação hospitalar nessa categoria possibilita ter terminais
de computadores em cada posto de enfermagem, assim como terminais que
estão ou podem ser acessados em cada área do hospital. Os terminais são unidos
por meio de um ou mais computadores de grande porte, que podem estar no
local ou fora dele. Em geral, são direcionados para a prestação de cuidado
intensivo e organizados de acordo com as funções dos departamentos.
3) O terceiro tipo, os sistemas corporativos de informação em saúde, estão em
expansão nos ambientes de saúde. Tais sistemas capturam e armazenam
informações mais completas, provenientes da assistência à saúde contínua
realizada por diferentes organizações, usando um modelo integrado de prestação
de serviços. Esses registros são capturados e depositados em diversos tipos de
mídia, incluindo som, imagem, animação e impressão. Os registros podem ser
armazenados de modo central, em um formato total e abstrato, usando a
abordagem dos datawarehouse (sistemas que realizam tratamento de dados
86
armazenados). Como alternativa, esses registros podem ser fisicamente
armazenados no ponto de captura e interligados a um registro virtual, que será
unido somente quando for solicitado. Esses sistemas são caracterizados por focar
o paciente que está recebendo o cuidado, em diversos setores (por exemplo,
ambulatório, unidade de tratamento intensivo, internação de longa permanência),
com uma estrutura própria e muito bem organizada.
Em se tratando da aplicação de tecnologias de informação móveis no setor de
saúde, Vogt (2012) observa que a utilização dessas tecnologias vem ganhando cada vez
mais espaço em todo o mundo, principalmente nos últimos cinco anos. Nesse sentido,
pesquisas realizadas pelo instituto Manhattan Research, nos Estados Unidos, apontaram
que 71% dos médicos consideram o uso de um smartphone essencial para a sua prática,
enquanto 84% citaram que a Internet é fundamental para o cotidiano da profissão.
Esse mesmo autor salienta que o uso dessas tecnologias impacta diretamente o
trabalho da equipe médica e o atendimento ao paciente. Atualmente é comum ver
profissionais da saúde circulando com tablets e celulares em mãos, visando acessar
desde informações na Internet até dados clínicos dos pacientes via Prontuário
Eletrônico, recurso que faz toda a diferença na tomada de decisão, pois ao ter acesso às
informações clínicas dos pacientes, (tais como doenças pré-existentes, medicação e
alergias), a qualquer hora e a qualquer lugar é possível traçar um diagnóstico mais
preciso e rápido ou até mesmo fazer uma prescrição médica.
Um estudo americano apontou ainda que o uso desses aparelhos vai além da
simples consulta, incluindo também o compartilhamento de informações entre médicos
e pacientes, possibilitando-os entender melhor seu estado clínico. Com um tablet em
mãos, o médico tem a mobilidade necessária para mostrar imagens de qualquer lugar do
hospital e não apenas da sala de consulta (VOGT, 2012). Outro fator que vem
influenciando a classe médica a adotar a mobilidade é a redução de erros gerada pela
eliminação do trabalho manual. Vogt (2012) afirma ainda que algumas pesquisas
recentes realizadas pela empresa Motorola relatam que funcionários que utilizam
aplicações móveis podem reduzir os erros manuais em até 31%. Quando o assunto é a
87
área de saúde, onde um erro humano pode ser a diferença entre a vida e a morte, reduzir
riscos é primordial.
Conforme Massahud (2005), a medicina, bem como outras áreas de cuidado com
a saúde vem, nos últimos anos, passando por intensas transformações e disseminação de
informações e descobertas, originárias de um intenso progresso das Tecnologias de
Comunicação e Internet (TII) em todo o mundo. O advento das ferramentas de
Tecnologia da Informação trouxe à prática médica a oportunidade de otimizar as
atividades de armazenamento e recuperação mais estruturada de dados clínicos.
De acordo com Wen (2000), o crescente interesse pela informatização de
consultórios e clínicas começou quando os microcomputadores ficaram mais baratos e
suas capacidades de armazenamento e processamento alcançaram uma boa relação
custo-benefício para uso diário. Entretanto, cabe destacar que esse processo de
informatização mal planejado e executado em consultórios e clínicas provocou a
médicos prejuízos e perdas diretas com equipamentos mal empregados e aproveitados,
gastos com treinamento para uso de sistemas informatizados, e foram abandonados
pouco tempo depois. Esse mesmo processo também trouxe perdas indiretas, como
provocar diminuição da confiança das pessoas envolvidas nesses processos de
informatização em termos do surgimento de sensíveis dúvidas acerca da efetividade dos
sistemas e consequente resistência às futuras implantações (WEN, 2000).
Em função da ocorrência dos fatos acima citados, Wen (2000) destaca que foi
necessária a qualificação de um profissional com formação híbrida: um médico com
conhecimentos em informática ou um profissional da informática com conhecimentos,
no mínimo razoáveis, em medicina. Esse profissional tem a função de conduzir um
processo de informatização de forma dinâmica e independente, inclusive nas questões
referentes à concepção de recursos computacionais específicos para as atividades
médicas, com definição de recursos de software, hardware e capacitação humana
visando a integração efetiva de um sistema computacional em um ambiente médico.
Nesse sentido, a Residência de Informática Médica, relacionada ao grupo responsável
88
pela Disciplina de Informática Médica do Departamento de Patologia da Faculdade de
Medicina da USP, busca formar médicos especialistas nessa área (WEN, 2000).
Muitas das novas tecnologias aplicadas à medicina têm resultado em impactos
de grande significação, tanto positivos quanto negativos, sobre a maneira como a
própria medicina é exercida. Essas tecnologias influenciam o modo como os médicos
diagnosticam e tratam os problemas de saúde e o modo como se relacionam com o
paciente, podendo também ter contribuído para um maior distanciamento entre paciente
e profissional de saúde, conforme avaliação de Grouse (1981) no editorial do Journal of
the American Medical Association, o qual formulou a seguinte questão: “Será que a
máquina se tornou o médico?”.
Por fim, cabe uma nova reflexão acerca da utilização da tecnologia na área de
saúde. Dessa forma, recorre-se a Koerich et al. (2006) ao destacarem que a ampla
aplicação e difusão das tecnologias no setor de saúde certamente remetem a uma gama
infinita de possibilidades e a negação dessa questão seria mero reducionismo. Por outro
lado, aceitá-las passivamente, sem questionamentos, consequentemente leva à adesão às
novas tendências e as suas possíveis influências no modo de “bem-viver”. Isso não
significa que se deva questionar a intenção benéfica de sua aplicabilidade, mas
considerando o crescente avanço dessas tecnologias e suas implicações no cenário
social e nas relações sociais, deve-se sim lançar sobre essas um “olhar crítico” no que se
refere ao impacto que podem causar.
3.6 IMPACTOS DA TECNOLOGIA NAS NOVAS FORMAS DE
GESTÃO DA SAÚDE
De acordo com Herédia (2004), o processo de introdução de novas tecnologias
no cenário competitivo contemporâneo acarretou uma série de efeitos sociais que
afetaram os trabalhadores e sua organização. Esses efeitos impactaram nos processos de
trabalho, na qualificação dos trabalhadores, nas condições de trabalho e na saúde do
trabalhador. A utilização dessas novas tecnologias trouxe para muitos países a redução
do trabalho necessário, repercutindo na economia líquida do tempo de trabalho, haja
89
vista que, com o crescimento dos processos automatizados, tem início uma diminuição
dos coletivos operários, bem como a transformação na estrutura e organização dos
processos de trabalho. Para Borba & Kliemann (2008), as transformações ocorridas nos
processos de trabalho em todos os segmentos da economia, aliadas à ampliação dos
sistemas de saúde e ao aumento da complexidade do atendimento, têm fortalecido a
importância de uma gestão mais efetiva sobre os recursos do setor e a qualidade do
atendimento. Nesse contexto, diferentes práticas de gestão, somente utilizadas no setor
industrial, têm sido adaptadas à área de saúde. Dentre essas práticas, destacam-se;
Gestão da Qualidade Total (GQT), Gestão do Conhecimento (GC), Pensamento Enxuto
(Learn Thinking) e a Terceirização (Outsourcing) que serão apresentadas a seguir:
a) Gestão da qualidade total (GQT)10
– na visão de Campos (1999), a Gestão da
Qualidade Total pode ser definida como uma filosofia de gestão com o foco no
cliente, que faz uso da melhoria contínua (Kaizen)11
como um de seus princípios
visando alcançar os melhores resultados. Nesse sentido, segundo Johnson &
Omachonu (1995), no atual contexto competitivo globalizado, as organizações
de saúde públicas e privadas, que não fazem uso da prática de gestão da
qualidade em seus processos, acabam por empregar seus recursos de forma
ineficiente e ineficaz, impactando não apenas nos seus resultados, como também
afetando a sua capacidade de sobrevivência no mercado, tornando-as incapazes
de acompanhar tanto a evolução tecnológica e epidemiológica, no setor de
saúde, bem como a regulação estatal e a busca da excelência no atendimento e
cuidados a seus clientes.
A saúde no Brasil enfrenta demandas crônicas, como sobrecarga de
atendimentos de urgência, longos períodos de espera por uma consulta na rede
pública, falta de equipamentos e déficit de vagas em hospitais.
10
Em função da importância da Gestão da Qualidade Total no contexto da saúde, esse tema está
detalhado no item 3.8 desse capítulo.
11 Segundo Imae (1999, p.3) “A essência do Kaizen é simples e direta: Kaizen significa melhoramento.
Mais ainda, Kaizen significa contínuo melhoramento, envolvendo todos, inclusive gerentes e operários.
A filosofia do Kaizen afirma que o nosso modo de vida, seja no trabalho, na sociedade ou em casa
merece ser constantemente melhorado”
90
Uma das críticas mais comuns ao SUS refere-se ao uso ineficiente dos recursos
disponíveis. O ministério da Saúde receberá, em 2013, um montante de R$ 99,8
bilhões para investimentos, custeio e financiamentos (www.globo.com, acesso
em 19/08/2013). Em 2012, os valores destinados à saúde foram de R$ 91, 7
bilhões (www.portalsaude.gov.br) e, em 2011, de 77 bilhões
(www.brasil.gov.br).
Nos anos anteriores, os números foram inferiores aos de 2011 e esse aumento
significativo de recursos financeiros não impactou positivamente na qualidade
do serviço oferecido ao paciente. Em pesquisa realizada em 2012 por Heider
Pinto, 63% dos usuários classificaram como regular, ruim ou muito ruim os
serviços prestados pelo SUS (www.portalsaude.gov.br). A pesquisa traz
números mais positivos na avaliação de médicos e enfermeiros e o autor ressalta
avanços em relação a períodos anteriores. Em 2013, muitas matérias jornalísticas
relataram graves problemas em diversos Estados brasileiros. Em matéria
divulgada pelo site www.estadao.com.br em 10 de agosto de 2013, a presidente
Dilma Rousseff reconheceu que a falta de médicos não é o único problema da
saúde do país, embora ela o considere o mais grave.
b) Gestão do Conhecimento (GC) - de acordo com Gonçalo e Borges (2010), as
organizações de saúde, reconhecidas como intensivas em conhecimento,
requerem que o conhecimento seja gerido como um recurso essencial e
estratégico. Assim sendo, necessitam implantar um processo contínuo de “ga-
rimpar” e “compartilhar” experiências vivenciadas em todas as atividades
participantes da cadeia de valor da prestação dos serviços de saúde. A gestão
dos recursos e a qualidade do atendimento no setor da saúde vem recebendo
maior atenção devido ao aumento da complexidade do atendimento, bem como
da ampliação dos sistemas de saúde. Todavia, tendo em vista esse cenário,
Porter & Teisberg, (2007) salientam que as organizações de saúde necessitam
estabelecer tanto estratégias mais eficazes, quanto modelos de gestão mais
efetivos, buscando incentivar o desenvolvimento do conhecimento como um
recurso que agrega valor na cadeia de serviços e, em particular, que agrega valor
91
para os pacientes. Para tal, surge a teoria de gestão de conhecimento em saúde
para alinhar pessoas, processos e tecnologias e otimizar informações,
colaboração, especializações e experiências com habilidade para impactar
positivamente a performance organizacional. Guptill (2005) ressalta que o
processo de gestão do conhecimento tende a ocorrer no longo prazo e
proporciona um compromisso sustentado para a mudança da cultura nas
organizações de saúde, tornando-as mais colaborativas, transparentes e
pró-ativas.
Há em todo país uma crise sistêmica de formação profissional que, somada à
desigual distribuição de mão-de-obra por regiões, deixa a saúde brasileira em
péssima situação. Além dos problemas na formação profissional, há falta de
médicos. Dados do Conselho Federal de Medicina indicam que o país possuía
388.015 médicos registrados em 2012 (www.cremesp.org.br). A tabela 5
apresenta a distribuição dos médicos no Brasil por região.
Tabela 5 Distribuição de médicos por região
REGIÕES
MÉDICOS REGISTRADOS NO CFM
CENTRO-OESTE 29.634
SUL 57.851
SUDESTE 217.460
NORTE 16.538
NORDESTE 66.532
TOTAL 388.015
Fonte: CFM, Pesquisa Demográfica Médica, 2012
Nota-se que 71% dos médicos atuam nas regiões sul e sudeste, o que
demostra a carência de profissionais nas demais regiões do país. Considerando-
se o número de médicos por 1000 habitantes, pode-se observar grandes
discrepâncias (dados do cremesp 2012):
92
- 1,01 médicos por mil habitantes na região norte;
- 1,23 médicos por mil habitantes na região nordeste;
- 2,05 médicos por mil habitantes na região centro-oeste;
- 2,09 médicos por mil habitantes na região sul e
- 2,67 médicos por mil habitantes na região sudeste.
Ademais, dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo indicaram, em
pesquisa realizada em 2012 que 54% dos médicos não obtiveram aprovação
mínima em prova elaborada aos formandos que se cadastram no conselho.
(www.cremesp.org.br). Nota-se a gravidade na situação ao se constatar:
- faltam médicos;
- parcela significativa dos médicos disponíveis apresenta deficiência em sua
formação.
A realidade dos trabalhadores em enfermagem também é preocupante em função
da formação deficitária existente na área. Procedimentos simples, como a
retirada de curativos e a aplicação de soro, são realizados de modo impróprio
algumas vezes. Especialistas, como o presidente do COFEN (Conselho Federal
de Enfermagem), apontam para a formação inadequada e a falta de consciência
sobre a função exercida como as principais causas de erros de enfermagem
(www.r7.com). Silva et al (2007) afirmam que erros na medicação representam
uma triste realidade no trabalho de enfermeiros com sérias consequências para
pacientes e para a organização hospitalar. As autoras ressaltam ainda que,
quando o erro é identificado, ações punitivas são adotadas imediatamente. Elas
observam que faltam iniciativas educativas para que os erros não ocorram
novamente.
Constata-se, portanto, que a má formação dos profissionais de saúde ocasiona
diversos transtornos para a sociedade e as perspectivas são pouca animadoras
pois há necessidade de apoio e investimentos em capacitação para que a longo
prazo essa realidade seja transformada positivamente.
93
c) Pensamento Enxuto - em muitos países, dentre esses o Brasil, o setor de saúde
está marcado por custos crescentes na assistência, juntamente com uma piora na
qualidade dos serviços e restrições crescentes no acesso aos serviços pela
população (ARAUJO, 2007). Nesse sentido, ainda segundo Araujo (2007), os
serviços de saúde apresentam fortes evidências de fontes de ineficiência e
problemas de qualidade que constituem um verdadeiro desafio para os gestores
dessa área. No intuito de solucionar os problemas de ineficiência e qualidade
apontados no setor de saúde, surge a teoria de pensamento enxuto, a qual,
conforme Ben-Tovin et al (2007), trata-se de um abordagem de gestão baseada
de princípios e métodos12
desenvolvidos e amplamente aplicados nas indústrias
de manufatura, principalmente a indústria automotiva, que tem como principal
objetivo aumentar a satisfação do cliente por meio da melhor utilização dos
recursos. Como a indústria automotiva, o setor de saúde também enfrenta
enormes desafios visando atender a elevada demanda que exige alta velocidade e
flexibilidade, associados a altos padrões de qualidade e segurança, fato que
justifica o crescimento da aplicação daquela prática.
Torna-se necessário vincular pensamento enxuto e gestão do conhecimento uma
vez que novas competências são fundamentais para que resultados mais efetivos
sejam alcançados. Os princípios do pensamento enxuto demandam novas
práticas e métodos, bem como mudanças de comportamento dos profissionais na
execução dos trabalhos. A implantação dessas transformações exige a
participação dos envolvidos no processo, sejam gestores ou profissionais da
saúde e devem ser orquestradas pelo Estado.
d) Terceirização (Outsourcing) - segundo MacDonald & Horton (2009), as
mudanças tecnológicas, políticas e sociais das décadas de 1970 e 1980 alteraram
profundamente o ambiente de operações das empresas, dentre essas as de saúde,
imprimindo diretrizes de reorganização competitiva que popularizaram
conceitos como subcontratação ou terceirização, que reconfiguraram o processo
12
De acordo com Åhlström (2004) esses princípios e métodos podem ser resumidos em: Eliminação de
desperdícios (Muda), Zero Defeito, Puxar ao invés de empurrar, Equipes multifuncionais,
Descentralização de responsabilidades, Sistemas verticais de informação, Melhoria Contínua (Kaizen).
94
de flexibilização do trabalho. Para Cherchglia (1999), Terceirização
(Outsourcing é o termo original em inglês) é um neologismo derivado da
palavra “terceiro”, entendido como intermediário, interveniente, que, na
linguagem empresarial, caracteriza-se como uma técnica de gestão por meio da
qual se interpõe um terceiro, geralmente uma empresa, na relação típica de
trabalho. Pode-se, assim, definir a terceirização como o processo pelo qual a
empresa, visando alcançar maior qualidade, produtividade e redução de custos,
repassa a uma outra empresa um determinado serviço ou a produção de um
determinado bem. A atual e crescente tendência de terceirização da contratação
de trabalho no setor da saúde vai além dos serviços gerais de limpeza, vigilância,
alimentação, manutenção, etc, já tradicionais, e atinge, também, os serviços
profissionais e técnicos de saúde (laboratórios, serviços de imagem, pronto-
socorro e até atendimento médico).
Em entrevista publicada pelo portal UOL em 03 de novembro de 2012, o
médico e presidente do sindicato dos médicos de São Paulo (SIMESP), Cid
Carvalhães, afirmou que a terceirização da saúde pública cria diversos
problemas, pois gera a mercantilização de um sistema que por dever é de
responsabilidade do poder público. Além disso, a terceirização gera uma
rotatividade desastrosa, pois os profissionais são contratados sem concurso
público e muitos não possuem a qualificação adequada, o que gera
desassistência aos usuários do sistema (www.uol.com.br).
Em entrevista publicada pelo Repórter Brasil em 09 de dezembro de
2012, o procurador geral do Ministério Público do Trabalho, Luis Antonio
Camargo de Melo afirmou que há problemas decorrentes da terceirização, como
o aumento no número de acidentes de trabalho e a dificuldade do trabalhador em
pleitear seus direitos na Justiça. Os setores da saúde, da construção civil e
bancário estão entre os que mais terceirizaram nos últimos anos
(www.reporterbrasil.org.br).
Segundo Girardi et al (1999), a terceirização ganhou espaço e vem
atingindo de forma crescente áreas antes protegidas, como os serviços
profissionais especializados e essenciais, a gerência dos serviços e inclusive a
95
gestão financeira. Para os autores, o aumento da produtividade e da eficiência na
produção de serviços via transferência dos custos dos passivos trabalhistas e da
administração dos conflitos para os agentes terceiros contratados se colocava
entre as principais vantagens comparativas da terceirização. Assim, a
terceirização na saúde apresenta aspectos positivos, especialmente em função da
redução de custos para a gestão hospitalar mas, por outro lado, implica,
costumeiramente, a precarização dos direitos dos trabalhadores.
3.7 IMPACTOS DA TECNOLOGIA NA QUALIFICAÇÃO DOS
PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Sob a ótica de Bomfin (2010) e Ciuffo & Brant-Ribeiro (2008), as
transformações tecnológicas e organizacionais ocorridas a partir dos anos 90, aliadas ao
processo de globalização, tornaram o mercado de trabalho mais complexo e dinâmico,
exigindo de todos os profissionais uma maior qualificação visando uma eficiência para
aumentar ganhos, racionalizar processos e alta capacidade de adaptação às constantes
mudanças do cenário econômico mundial.
As implicações oriundas dessas transformações criaram um mercado de trabalho
cada vez mais competitivo, bem como clientes mais exigentes e organizações que
incorporam os termos qualidade, redução de custos, flexibilidade e qualificação
profissional em suas estratégias.
Dessa forma, na visão de Bonfim (2010), o atual desenvolvimento científico e
tecnológico vem causando transformações constantes nos ambientes de trabalho e,
consequentemente, exigindo um profissional com perfil mais aberto e capaz de adaptar-
se às mudanças, instrumentalizado e motivado a continuar aprendendo ao longo de sua
vida. Nesse contexto, as organizações de saúde foram obrigadas a desenvolver um novo
perfil dos profissionais do setor por meio do investimento e desenvolvimento de novos
cursos de saúde e no incentivo à formação continuada.
Para Bonfim (2010), o novo perfil do profissional de saúde possui educação
especializada, é aberto as novas técnicas e práticas de sua área de atuação e participa de
96
treinamentos para aprimoramento contínuo de suas habilidades. Ele deve ser capaz de
avaliar e identificar problemas de cuidados de saúde de pacientes em situações de crise.
Além disso, esse profissional deve ser capaz de: estabelecer prioridades, avaliar a
situação do paciente e auxiliar as famílias no contexto do cuidado. Afirma Palmeira
(2011) que o profissional de saúde deve ter habilidade técnica e prática para cuidar de
pacientes em situação de emergência. Esse autor afirma também que o profissional deve
ter raciocínio lógico para resolução de problemas em qualquer ambiente. Além dessas,
há outras competências a serem desenvolvidas por médicos e profissionais de
enfermagem, tais como:
- conhecimento técnico e capacidade de utilização dos equipamentos disponíveis em sua
área de atuação;
- autocontrole e equilíbrio emocional;
- autocrítica e motivação para busca de um aprimoramento contínuo;
- capacidade de administrar o tempo escasso e de trabalhar sob pressão.
Assim, esse profissional é importantíssimo em todo o percurso clínico.
Silva, Ogata e Machado (2007) afirmam que é necessária a formulação de novas
estratégias e métodos de capacitação para melhorar os resultados dos trabalhadores da
saúde. Para esses autores, a adequação profissional exige modificações nas
capacitações, pois muitas vezes os cursos, treinamentos e outras modalidades de
educação ocorrem desarticulados do contexto dos serviços e de uma visão integral. Para
atender a esta perspectiva é fundamental estabelecer um modelo de capacitação que
considere a articulação de saberes e práticas profissionais a partir de um conceito
ampliado de saúde, que promova a atenção integral à saúde, alicerçado na aprendizagem
significativa: a Educação Permanente em Saúde.
A Educação Permanente em Saúde ainda é uma utopia para os profissionais da
saúde no Brasil.
Para Silva, Ogata e Machado (2007), poucos profissionais participam de cursos
de capacitação, mesmo os gratuitos, em função de motivos tais como: falta de estímulo
97
financeiro, falta de um plano de cargos e salários, necessidade de custear transportes e
oferta de cursos fora do expediente.
Quanto aos cursos pagos, acrescenta-se a dificuldade em se obter recursos
financeiros uma vez que a grande maioria das instituições hospitalares não destina
verbas para capacitação de médicos e enfermeiros. Agrava ainda mais essa situação a
sobrecarga de trabalho da maioria dos profissionais, o que diminui o tempo para
reciclagem, e os baixos salários, especialmente na área da enfermagem, que limitam ou
impedem investimentos próprios em formação continuada.
Assim, a falta de profissionais com perfil adequado e competências
desenvolvidas é um dos principais obstáculos para a melhoria da qualidade e da
efetividade dos serviços de saúde.
Considerando-se a realidade brasileira, existem ilhas de conhecimento, pesquisa
e usos de tecnologias de ponta, especialmente em hospitais como o Sírio Libanês e o
Albert Einstein, ambos localizados na cidade de São Paulo.
No entanto, para a grande maioria da população, que é atendida pelo SUS ou por
convênios médicos que oferecem serviços de qualidade duvidosa, há falta de
investimentos em tecnologia e não há programas de capacitação continuada para os
profissionais da saúde que atendam as expectativas e demandas da população.
Assim, causa indignação constatar que tecnologias existem, salvam vidas e
oferecem tratamentos significativamente melhores apenas para pequena parcela de
indivíduos. Por outro lado, a grande maioria da população é atendida por profissionais
pouco qualificados e em hospitais com equipamentos tecnológicos ultrapassados.
3.8 GESTÃO DA QUALIDADE NA SAÚDE
De acordo com Rosa et al. (2011), a preocupação com a Qualidade surgiu no
ambiente industrial, sobretudo influenciada pela produtividade e competitividade da
indústria automobilística. No princípio, no final do século XIX, a ênfase era com a
98
inspeção dos produtos e a preocupação com as necessidades dos clientes foi deixada de
lado. Após a I Guerra Mundial, a ênfase da qualidade passou a ser a incorporação das
técnicas estatísticas substituindo a inspeção final pelo Controle Estatístico do Processo
(CEP), isso é, a Qualidade deveria ser avaliada por amostragem ao longo do processo de
produção. Cabe destacar que, a II Guerra Mundial contribuiu sensivelmente para uma
nova mudança na forma de definir Qualidade e, a partir dessa data a Qualidade passou a
ser associada a ausência de falhas, de modo a possibilitar a produção de produtos com
garantia.
A crise econômico-financeira decorrente da Guerra influenciou para que as
organizações se preocupassem com a qualidade de modo a reduzir custos com a
produção sem defeitos. Nesta mesma época, o Japão que saiu arruinado da II Guerra
Mundial definiu o movimento da qualidade como a estratégia de sair da crise e eliminar
as perdas. Dessa forma, percebeu-se uma modificação na forma de se definir qualidade,
ao buscar e incorporar os comprometimentos das pessoas da organização na
implantação das ferramentas e técnicas que objetivam a satisfação do cliente (ROSA et
al., 2011).
Nesse sentido, segundo Campos (2004) é nesse momento que surge o Total
Quality Control (TQC), o qual se tornou um movimento que contribuiu para a inserção
das empresas japonesas no mercado internacional com qualidade e produtividade.
Assim, a gestão da qualidade deixou de ser preocupação apenas do setor industrial e
tornou-se um diferencial também para as empresas prestadoras de serviço. A abordagem
de Qualidade predominante deixou de ser apenas focada na correção de defeitos
passando a ser direcionada à prevenção desses, desde o projeto de desenvolvimento do
produto.
A partir dos anos 80, os países do ocidente implantaram o momento conhecido
como Total Quality Management (TQM) como uma reação a perda de mercado
competitivo em função do avanço japonês. A partir de então, a qualidade passou a ser
vista como uma estratégia competitiva integrada com as demais estratégias da
organização. A qualidade tornou-se um dos critérios competitivos inserindo a
99
preocupação com a satisfação dos clientes, com os fornecedores ao longo da cadeia de
produção e com o envolvimento de todos na organização. Assim, a gestão da qualidade
deixou de ser preocupação apenas do setor industrial e tornou-se um diferencial também
para as empresas prestadoras de serviço. A abordagem predominante deixou de ser a
correção de defeitos para a prevenção desde o projeto de desenvolvimento do produto.
3.8.1 O CONCEITO DE QUALIDADE
Na visão de Juran e Gryna (1991), a palavra Qualidade possui dois significados:
1) O primeiro - Qualidade é um conjunto de características do produto que satisfaz
as necessidades dos clientes, que leva a satisfação em relação ao produto.
2) O segundo - Não deverão existir falhas em um bem a ser consumido.
Para Feigenbaum (1994), o significado de Qualidade, em termos de bens e serviços,
nada mais é do que a combinação de características que envolvam ações de Marketing,
produção e manutenção, visando atender às expectativas dos clientes. O importante é
reconhecer que questões como a confiança, acesso e manutenção de bens ou serviços
são exigências naturais para a determinação da qualidade e fidelidade do cliente, ou
seja, é necessário sempre haver um planejamento da qualidade.
Já na abordagem de Crosby (1999), Qualidade é investimento. Para garantir esse
investimento é preciso que todas as pessoas envolvidas dentro de uma organização,
desde a alta direção até os departamentos, comprometam-se a desempenhar sua função
o melhor possível. A questão de garantir a qualidade, com o comprometimento de
todos, pode ser estimulada pelo profissional responsável pela qualidade da empresa.
Todavia, sob a ótica de Paladini (2012), definir a qualidade não é uma tarefa fácil,
isso por que essa não diz respeito a apenas um aspecto isolado. O primeiro passo para
definí-la é considerá-la como um conjunto de elementos ou atributos que compõem o
bem ou serviço. Dessa forma, Paladini (2012, p.28) ressalta que uma definição
100
adequada considera que a Qualidade “[...] envolve muitos aspectos simultaneamente, ou
seja, uma multiplicidade de itens [...]” e “[...] sofre alterações conceituais ao longo do
tempo, isto é, trata-se de um processo evolutivo”. É um grande equívoco considerar que
a Qualidade possa ficar restrita, apenas, a um ou alguns aspectos conceituais.
Em função da dificuldade em se definir corretamente Qualidade, baseado em
estudos comparativos entre o número de falhas norte-americanas e japonesas, David A.
Garvin, professor da Harvard Business School, desenvolveu uma obra voltada ao
esclarecimento do conceito e aplicação da Qualidade. Nas palavras desse autor “se a
qualidade deve ser gerenciada, precisa ser primeiro entendida”. Assim sendo, Garvin
(1992), ao invés de apenas uma abordagem, identificou a existência de cinco principais
abordagens para a definição da qualidade, conforme segue:
1) Abordagem Transcendental – sob a visão transcendental, a Qualidade é
sinônimo de excelência absoluta e universalmente reconhecível, marca de
padrões irretorquíveis e de alto nível de realização. Há algo de intemporal e
duradouro nas obras de alta qualidade. Percebe-se, com essa visão, que a
Qualidade não é passível de análise e que se aprende a reconhecê-la apenas pela
experiência.
2) Abordagem baseada no Produto – em relação à abordagem fundamentada no
produto, a Qualidade é considerada uma variável precisa e mensurável. As
diferenças de Qualidade são refletidas nas diferenças de algum ingrediente ou
atributo do produto. Essa abordagem confere uma dimensão vertical ou
hierárquica à Qualidade, pois os produtos podem ser classificados de acordo
com a quantidade do atributo desejado. Entretanto, uma classificação sem
ambiguidade só se torna possível se os atributos em questão forem classificados
com o mesmo critério praticamente por todos os usuários.
3) Abordagem baseada no Usuário – a premissa básica da abordagem
fundamentada no usuário é de que a qualidade está diante dos olhos de quem a
observa. Admite-se que cada cliente tem diferentes desejos e necessidades, e que
101
o produto que melhor atender às suas preferências será por esse considerado o de
melhor qualidade. Trata-se de uma visão pessoal e, portanto, subjetiva da
qualidade.
4) Abordagem baseada na Produção – a abordagem focada na produção, sobretudo,
se interessa pelas práticas relacionadas diretamente com a engenharia e a
fabricação. Essa identifica a Qualidade conforme as especificações, ou seja, uma
vez estabelecido o projeto, qualquer desvio implica queda de Qualidade. A
partir daí surge o conceito: fazer certo da primeira vez. Essa mesma abordagem
vale para a prestação de serviços. Seu enfoque básico é interno, porque se supõe
que um bem ou serviço que se desvie das especificações, provavelmente será
malfeito e não confiável, proporcionando menos satisfação ao cliente.
5) Abordagem baseada no Valor: essa abordagem é tida como um passo adiante em
relação às anteriores. Define Qualidade em termos de preço e benefícios
ofertados. Dessa forma, um produto de qualidade oferece desempenho ou
conformidade a um preço aceitável. Pelo fato de trabalhar com dois conceitos
relacionados, mas, distintos, essa abordagem também é de difícil aplicação
prática, porque seus limites não são bem definidos, além de depender da
variabilidade das necessidades e opiniões de cada cliente.
3.8.2 GESTÃO DA QUALIDADE
Conforme Paladini (2012), a gestão da qualidade é entendida como a abordagem
adotada e o conjunto de práticas utilizadas para obter-se, de forma efetiva, a Qualidade
pretendida para o produto. A gestão da qualidade de uma empresa envolve seus
processos e se estende aos fornecedores e clientes.
Garvin (1992) considera que a gestão da qualidade evoluiu, ao longo dos
tempos, em quatro estágios, que denomina “eras” da qualidade: inspeção, controle
estatístico da qualidade, garantia da qualidade e gestão estratégica da qualidade. São
elas:
102
1) Inspeção: refere-se ao período em que a gestão da qualidade se limitava apenas a
inspeção dos produtos acabados. Trata-se de um enfoque meramente corretivo
de inspeção do produto acabado, com o propósito de segregar as unidades não
conformes. De modo geral, as práticas adotadas não são baseadas em métodos
científicos.
2) Controle estatístico da qualidade (CEQ): corresponde à era do desenvolvimento
das ferramentas estatísticas de amostragem e de controle estatístico de processo,
orientadas à avaliação da qualidade no processo. O controle do processo é um
enfoque preventivo centrado no acompanhamento e controle das variáveis do
processo que podem influir na qualidade final dos produtos. Foi responsável por
um grande salto nos padrões de qualidade da indústria e pela elevação do
controle da qualidade ao status de disciplina científica.
3) Garantia da qualidade: aqui, a gestão da qualidade, de uma teoria restrita ao chão
de fábrica ou à produção fabril, assume um papel mais proeminente no
gerenciamento da empresa. Deixa de ser apenas a aplicação de técnicas
estatísticas para a prevenção e o controle da qualidade, assumindo o papel de
garantir a qualidade em todas as áreas e atividades da empresa por meio de
sistemas da qualidade. Os sistemas de garantia da qualidade estão associados a
um enfoque relativamente mais amplo e preventivo que procura, por meio de um
gerenciamento sistêmico, garantir a qualidade em todas as etapas do ciclo do
produto, desde a identificação das necessidades, ao uso e descarte do produto.
4) Gestão estratégica da qualidade: essa é a fase de evolução, na qual a gestão da
qualidade se encontrara atualmente, passando a ter uma dimensão estratégica.
Nessa etapa, as empresas gerenciam a qualidade de forma pró-ativa como fonte
de vantagem competitiva, utilizando-se de um processo de planejamento
estratégico para a qualidade e de um amplo conjunto de ações (programas,
treinamento, grupos de melhoria, ferramentas de análise e melhoria de
processos, qualidade no desenvolvimento do produto, etc.) visando atingir os
103
objetivos de satisfação total do cliente. Essa era se concretiza por meio da gestão
da qualidade total, que se refere a uma visão de como gerenciar globalmente os
negócios com uma visão orientada para a satisfação total do cliente e para a
melhoria contínua, sendo composta por um conjunto integrado de princípios,
ferramentas e metodologias que apoiam a melhoria contínua dos processos e
produtos.
3.8.3 GESTÃO DA QUALIDADE NA SAÚDE
De acordo com Johnson & Omachonu (1995) e Lima (2006), o movimento de
gestão da qualidade no setor de saúde iniciou sua expansão bem depois do movimento
da qualidade na área industrial, e nos primórdios era muito questionável se os conceitos
e ferramentas da qualidade poderiam ser aplicados também na área de saúde.
Para Nogueira (1996), a preocupação com a qualidade na prestação de serviços
em saúde é antiga. Destaca-se como exemplo a pioneira Florence Nightingale (1820-
1910), enfermeira inglesa que implantou o primeiro modelo de melhoria contínua de
qualidade em saúde no ano de 1854, baseando-se em dados estatísticos e gráficos. Sua
participação na guerra da Criméia foi impressionante. Seis meses após sua chegada ao
Hospital Scutari, as taxas de mortalidade recuaram de 42,7% para 2,2%, com os rígidos
padrões sanitários e de cuidados de enfermagem por ela estabelecidos.
Nogueira (1996) destaca também como outro exemplo das aplicações iniciais da
gestão da qualidade no setor de saúde, o fato do médico Donald Berwick, professor de
Pediatria da Universidade de Harvard que, em 1987, coordenou um estudo patrocinado
pela Fundação John A. Hartford e pelo Harvard Community Health Plan, com o
objetivo de comprovar ou não a aplicabilidade dos conceitos e práticas da gestão da
qualidade industrial na área da saúde. Assim sendo, grupos de trabalho de vinte e uma
instituições de saúde foram assistidos por consultores de qualidade oriundos de
empresas da área industrial de conhecido êxito nos seus programas de qualidade,
consultores que não possuíam maiores conhecimentos ou experiência na área da saúde.
Sob a orientação desses consultores, os grupos trabalharam problemas específicos de
104
suas instituições, utilizando os mesmos métodos e ferramentas aplicadas na indústria.
Os resultados do estudo apontaram diminuição dos custos, melhoria na qualidade,
aumento de produtividade, apresentando, assim, forte tendência que a gestão da
qualidade poderia ser também aplicada à área da saúde.
Apesar dos exemplos Lima (2006) ressalta que alguns cuidados devem ser
tomados com a aplicação da teoria da gestão da qualidade no setor de saúde, em função
das características do setor, pois, muito embora um hospital possa ser visto como uma
instituição humanitária, apresenta características operacionais diferenciadas, bem como
os mesmos problemas econômico-financeiros das outras empresas. A grande diferença
entre um hospital e outras empresas prestadoras de serviços é que, ele recebe um
paciente enfermo e deve, caso seja possível, devolvê-lo ou permitir a sua saída com
saúde. Dessa forma, o paciente é o cliente cuja saúde e o próprio corpo não funcionam
adequadamente. Trata-se, portanto, de um ser humano, em um momento frágil,
debilitado, que sofre e que se desequilibra. O ser humano é a razão da existência das
Organizações de Saúde, sendo imprescindível que seja muito bem recebido,
compreendido e devidamente assistido.
Pereira, Galvão e Chanes (2005), com relação ao setor hospitalar, abordam a
relevância e necessidade do desenvolvimento e aplicação de um modelo de gestão da
qualidade que deve estar baseado na premissa de que o paciente é o centro da
assistência, e é por ele que a prestadora de serviços hospitalares se propõe a definir suas
estratégias e focar suas ações. O produto resultante das atividades de um hospital é o
cuidado com o paciente e ele não pode e não deve ser considerado como uma simples
peça de uma linha de produção. A maioria dos serviços de saúde tem como
peculiaridade o fato de que esses serviços vinculam-se diretamente às pessoas. O
serviço de saúde somente tem a sua razão de ser no momento em que atende às
necessidades de saúde do paciente.
Na visão de Lima (2006), é natural questionar se as práticas da gestão da qualidade
industrial realmente poderiam auxiliar nos processos de assistência à saúde, haja vista
que são nítidas as diferenças entre uma linha de montagem e um consultório médico.
Nesse sentido, existem três básicas características dos hospitais, que muito diferem de
105
outras empresas e que constituem grandes desafios à aplicação bem sucedida da teoria
de gestão da qualidade:
Falta de clareza de quais atividades estão acarretando quais resultados clínicos,
bem como as relações de causa e efeito raramente definidas.
Os pacientes têm dificuldade em distinguir o atendimento de elevada qualidade
do de baixa qualidade.
Os hospitais muitas vezes operam com linhas distintas de autoridade, ou seja, o
administrativo, de enfermagem e médico, em vez da pirâmide única de
autoridade comum na indústria.
As organizações hospitalares, sejam públicas ou privadas, estão inseridas em um
ambiente complexo e singular que as condiciona a um funcionamento inadequado
diante da lógica da acumulação lucrativa dos mercados (NOGUEIRA, 1996).
Independentemente de sua natureza, ambas as condições estão subordinadas a princípios
éticos e legais que normatizam o setor da saúde e às políticas governamentais que
colocam os hospitais frente a uma diversidade de interesses divergentes a contemplar.
Os hospitais, no que se refere à Qualidade, apresentam alguns problemas
comuns ao setor industrial, como a cultura do desperdício, a falta de planejamento e
mapeamento dos processos e a estrutura fragmentada e complexa desta organização.
Trata-se de um ambiente onde há fortes interações entre profissionais de diversas
especialidades, com muitos procedimentos e rotinas. Diante dessa complexidade, é
importante investir nas pessoas, a fim de conseguir o atendimento que todos desejam
(MELLO, 2011). Portanto, há fortes indícios que os processos dos serviços de saúde
também podem ser melhorados com a implantação da gestão da qualidade.
Apesar das possibilidades de aplicação da gestão da qualidade no setor de saúde,
Berwick (1994a, 199b) ressalta que, no setor hospitalar, observa-se uma grande
resistência aos programas de Qualidade em função dos médicos que, historicamente,
detêm o poder dentro dessas organizações e não veem com bons olhos a ideia de
contenção de custos, nem uma avaliação do seu trabalho em uma perspectiva de medir a
106
qualidade, por se sentirem fiscalizados e terem medo de perder sua autonomia na
condução clínica dos pacientes. Há também o fator financeiro que não atrai a
participação da categoria médica nesses processos. Remunerados, em sua maioria, pela
produção de serviços, os médicos não desejam desperdiçar o horário de trabalho com
programas dessa natureza (BERWICK, 1994a). Além disso, a formação médica ainda é
fundamentada no modelo flexneriano13
, que dá ênfase à clínica em sua dimensão
biológica e no qual os aspectos sociológicos, políticos e administrativos ficam relegados
ao segundo plano. Na visão da OMS (1994), essas questões são pouco observadas nos
currículos das escolas médicas, por isso há obstáculos à adesão dos médicos aos
programas de qualidade por deficiência e limitação na sua formação.
De modo geral, conforme Gutierres (2008), o setor de serviços médico-
hospitalares, tanto no Brasil como em outros países, principalmente nos países em
desenvolvimento, deixa a desejar em termos de desempenho em qualidade.
Normalmente, os clientes estão acostumados com serviços de baixa qualidade,
prestados pelo setor privado e, principalmente, pelo setor público, no caso brasileiro. O
Brasil investe, anualmente, em saúde cerca de 7% de seu Produto Interno Bruto (US$
204 per capita), enquanto os Estados Unidos aplicam 15,4% do PIB, (US$ 3.000 per
capita); o Canadá, 9,8% (US$ 2.400 per capita); e a Argentina, 9,6% (US$ 251 per
capita) (VINHAL, 2008). Assim, sobram poucos recursos para investimentos na
melhoria da qualidade.
Observa-se, ainda, considerando-se a visão de Vinhal (2008), que o desperdício
de recursos e a falta de padronização das práticas no setor de saúde são flagrantes, fatos
que podem ser observados a partir de dados do Ministério da Saúde como, por exemplo,
a taxa de 15,6% de infecção hospitalar que atinge cerca de 700 mil usuários por ano. Por
fim, segundo alguns estudos internacionais, o custo de um usuário que contrai infecção
hospitalar é de duas a cinco vezes mais alto (em torno de oito mil dólares) do que o
custo com um usuário sem infecção. Tendo em vista esses dados, Damaceno (2009)
afirma que iniciativas que contemplem a melhoria de processos e a sistematização de
13
O modelo Flexneriano recebeu esse nome em homenagem a Flexner, autor do relatório que
fundamentou, em 1911, as faculdades de medicina americana e canadense.
107
atividades, como a implantação de Sistemas de Gestão da Qualidade, mostram-se
bastante oportunas diante desse contexto.
Constata-se, portanto, que as novas tecnologias e formas de gestão não estão
verdadeiramente incorporadas ao setor da saúde. O Estado, as organizações privadas e
filantrópicas, de modo geral, têm sido incompetentes na disseminação e no uso das
novas tecnologias e práticas de gestão. Os benefícios não chegam para a ampla maioria
dos usuários do sistema, o que causa inúmeros problemas pessoais e sociais.
108
CAPÍTULO IV – O ESTUDO DE CASO
Para demonstrar a revolução na saúde e seus impactos no trabalho e na vida do
trabalhador foi realizado um estudo de caso.
A pesquisa ocorreu nos meses de fevereiro e março de 2013 junto a
trabalhadores médicos e enfermeiros que atuam no Hospital Stella Maris (HSM),
localizado na cidade de Guarulhos, município pertencente a grande São Paulo.
Praticamente todos os entrevistados estão no mercado de trabalho há mais de 10
anos e atuam no hospital frequentemente (observa-se que alguns médicos costumam
visitar e atuar em diversos hospitais. Parte dos enfermeiros também possui outras
atividades profissionais). Dos nove médicos entrevistados, apenas um atua
exclusivamente no Stella Maris. Das nove enfermeiras entrevistadas, somente três
trabalham exclusivamente no Stella Maris. Nota-se, assim, que mesmo tendo uma carga
horária mínima de 36 horas/ semana no HSM, seis enfermeiras entrevistadas possuem
outro emprego, e em outro hospital, o que implica jornadas de trabalho que ultrapassam
doze horas diárias. A maior parte dos entrevistados, é importante frisar, afirmou que tem
como principal fonte de renda os serviços prestados no HSM.
O salário dos enfermeiros tem como base o piso da categoria e o plano de cargos
e salários está constituído conforme demonstra a tabela 6.
Tabela 6 – Piso salarial de enfermeiros
Cargo Horas trabalhadas/ semana Salário Bruto
Enfermeiro Junior 36 R$1.702,84
Enfermeiro Pleno I 44 R$ 2.081,20
Enfermeiro Pleno 36 R$ 2.731,21
Enfermeiro Pleno 44 R$ 3.337,40
Fonte: Hospital Stella Maris
109
Nota-se, na tabela acima, que o salário dos enfermeiros é bastante baixo quando
se consideram as responsabilidades e atribuições de sua função. O enfermeiro é um
profissional de nível superior que, dentre outras coisas, trabalha pelo cuidado, faz
curativos, administra remédios com orientação médica, aplica injeções, e é um dos
responsáveis pela promoção, prevenção e recuperação da saúde dos indivíduos. O
exercício das atividades e tarefas exige cautela e atenção total, pois erros muitas vezes
causam danos irreparáveis aos pacientes. A falta de preparo e jornadas excessivas de
trabalho são fatores que aumentam a incidência de erros que, nos últimos anos, foram
amplamente divulgados pela mídia e estão no centro dos debates sobre esse setor.
Os médicos do hospital Stella Maris são remunerados como prestadores de
serviços. Nesse modelo, grupos de profissionais são responsáveis por determinadas
atividades e áreas de atendimento obtendo sua remuneração por tempo dedicado e
atendimentos realizados. Ao final do mês, as equipes médicas emitem nota fiscal de
prestação de serviços conforme os trabalhos executados. Como os principais recursos
do hospital são repassados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), metas de produtividade
são exigidas, conforme determinações do Ministério da Saúde. Assim, o hospital recebe
os repasses de acordo com o número de atendimentos e procedimentos realizados,
classificados como pequena, média ou alta complexidade. Tais recursos devem
remunerar as equipes médicas e custear despesas com pessoal administrativo e de
enfermagem, além dos custos com insumos, manutenção, medicamentos e
investimentos. Ressalta-se que o hospital Stella Maris, assim como grande parte dos
hospitais brasileiros que atendem principalmente o SUS, é deficitário, uma vez que os
repasses efetuados pelo sistema são insuficientes para custear todos os gastos que
envolvem as atividades hospitalares.
O Hospital Stella Maris foi inaugurado em 03 de junho de 1965 por irmãs
católicas da Congregação Filhas de Nossa Senhora de Stella Maris. Ao longo desses 47
anos de história, a estrutura e as instalações do hospital se desenvolveram e, nos dias de
hoje, ocupam importante espaço no atendimento hospitalar do município de Guarulhos
e cidades vizinhas.
A história do hospital, cujo princípio norteador é o atendimento humanizado, e
da Congregação Religiosa se misturam, pois se trata da principal finalidade das irmãs
110
católicas. Embora a Congregação possua outras obras, tais como o internato Santa
Teresinha na cidade de Carapicuíba e um parque infantil de mesmo nome em
Guarulhos, o hospital representa a principal obra das Irmãs, isso porque atendeu
milhares de pacientes nas últimas décadas e é um dos mais tradicionais do município.
Em 1965, o hospital foi inaugurado com um ambulatório e 25 leitos. Onze anos
depois, em 1976, um prédio com cinco andares já estava em pleno funcionamento. Ao
longo das décadas de 1980 e 1990, o hospital cresceu em estrutura e serviços oferecidos
e disponibiliza mais de 240 leitos distribuídos em vários pavimentos.
O hospital está localizado no bairro de Itapegica, próximo ao entroncamento das
rodovias Presidente Dutra e Fernão Dias, e é classificado como um hospital geral.
Fazem parte dos serviços oferecidos:
- Pronto Atendimento Cardiológico.
- Habilitação para Cirurgias Cardíacas, Implante de Marcapasso e Angioplastias, todos
procedimentos de alta complexidade.
- UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) Geral com doze leitos, três deles destinados a
Cardiologia.
- Cento e oitenta e dois leitos habilitados em 2013 no CNES (Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde).
- Atendimento cardiológico que contempla Cirurgia Cardíaca, Hemodinâmica,
Cardiologia Clínica, Ecocardiograma, Holter, MAPA, Teste Ergométrico e
Eletrocardiograma.
- UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) neonatal.
Outros serviços oferecidos:
Maternidade/ Obstetrícia; Hemodiálise; Oncologia e Radioterapia; Pronto Atendimento
Geral; Cirurgia Pediátrica; Cirurgia Geral; Urologia; Cirurgia Plástica; Oftalmologia;
Ortopedia; Métodos de Diagnósticos por Imagem; Métodos de Diagnósticos
Laboratoriais; Gastroenterologia; Endoscopia, Broncoscopia e Colonoscopia;
111
Otorrinolaringologia; Pneumologia; Cirurgia Vascular; Bucomaxilofacial; Ginecologia;
Clínica Médica; Neuropediatria; Fonoaudiologia; Fisioterapia; Psicologia; Nutrição e
Dietética; Farmácia.
Esse conjunto de serviços oferecidos possibilita milhares de procedimentos com
as mais diversas finalidades. A tabela abaixo informa a quantidade de atendimentos
realizados no ano de 2012.
Tabela 7: Atendimentos Realizados no hospital Stella Maris em 2012
Atendimentos Internações Altas Óbitos Pacientes/Dia
Pacientes SUS 8.599 8.514 85 19.623
Pacientes
Convênios
3.512 3.448 55 9.953
Pacientes
Particulares
583 579 4 953
Total 12.694 12.541 144 30.529
Fonte: Hospital Stella Maris (2012)
A tabela 7 apresenta um total de 30.529 pacientes atendidos pelo hospital em
2012. Nota-se que prevalece o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que
representa entre 60% e 70% dos atendimentos e procedimentos realizados pelo hospital.
O Stella Maris, como hospital filantrópico, representa importante braço do atendimento
público de saúde à população da região de Guarulhos.
Mesmo com essa importante quantidade de atendimentos, o hospital apresentou
ocupação média de 48,8% de seus leitos em 2012, um percentual bastante aquém de sua
capacidade. Esse baixo percentual se deve principalmente à falta de profissionais de
enfermagem, à escassez de equipamentos e à necessidade de reformar alguns setores
desgastados pelo tempo. Tais aspectos refletem a dificuldade financeira que o hospital
enfrenta desde 2008 em função do alto endividamento ocasionado por diversos fatores,
dentre os quais, os baixos valores da tabela SUS que, quando repassados pelo Estado,
112
são insuficientes para custear o sistema de atendimento. Como acontece com grande
parte dos hospitais filantrópicos que operam no Brasil, faltam recursos, tanto para os
investimentos como para o custeio.
No que diz respeito a investimentos, o hospital apresenta déficit de
equipamentos e tem enorme dificuldade em adquirir aparelhagem com tecnologia
moderna, o que o impede de oferecer melhores tratamentos aos pacientes que o
procuram. Em relação ao custeio das atividades operacionais, há atraso no pagamento
de médicos e fornecedores, o que traz problemas de toda ordem. Já o alto
endividamento bancário agrava essa situação, uma vez que parte importante do
faturamento é destinada a pagamento de juros da dívida contraída ao longo dos anos.
Considerando-se os altos juros praticados no Brasil, tem-se obtido déficits consecutivos
no Balanço Contábil do hospital.
Diante desse cenário, em maio de 2013, o hospital operava com uma oferta de
180 leitos, número inferior há 10 anos atrás quando chegou a disponibilizar 243 leitos.
Ainda em maio, havia duas alas fechadas, sem atendimento de nenhuma ordem.
Observa-se que, mesmo com uma diminuição no total de atendimentos, o Stella
Maris ainda é um dos principais hospitais da cidade. Em algumas especialidades, como
cardiologia, hemodiálise e obstetrícia é o que oferece maior número de atendimentos
pelo SUS.
A cidade vive uma situação tão dramática na área da saúde que há relatos de
casos de pessoas que chegaram a perder a vida pela ausência de um pronto socorro
cardiológico. Até meados de 2012, os cidadãos que sofriam de ataque cardíaco eram
conduzidos para São Paulo, muitos deles para o hospital Beneficência Portuguesa,
distante vários quilômetros de Guarulhos. Sabe-se que a demora nesse tipo de
atendimento de urgência influencia diretamente no salvamento da vítima. Em 2013, esse
problema diminuiu porque o Hospital Stella Maris passou a ser habilitado para esse tipo
de atendimento. De todo modo, ainda há muito a ser feito nessa especialidade para uma
cidade/ região tão populosa. Outras demandas da Saúde, como atendimentos de
pediatria e de obstetrícia, também não são atendidas a contento.
113
A tabela 8 apresenta o total de alguns dos principais exames e procedimentos
realizados pelo Stella Maris no ano de 2012.
Tabela 8 Exames e procedimentos realizados no hospital Stella Maris em 2012
Exames/
Procedimentos
SUS Convênios Particulares Total
Tomografia 586 84 77 747
Ressonância 2228 149 570 2947
Radiologia (no
centro cirúrgico)
304 36 1 341
Radiologia 18.588 9.064 932 28.584
Mamografia 4.127 34 177 4.338
Laboratório
Clínico
176.938 89.284 11.017 277.239
Atendimento
Ambulatorial
73.354 6.429 8.236 88.019
Serviços de
Diagnose
(Audiometria,
colonoscopia, etc)
4.132 1.589 578 6.299
Partos Realizados 2.043 489 120 2.652
Hemodinâmica 2.281 278 13 2.572
Cardiologia 16.548 136 394 17.078
Cirurgias
Realizadas
4.988 1.345 285 6.618
114
Hemodíalise 12.730 3.641 0 16.371
Fonte: Hospital Stella Maris (2012)
A tabela 8 mostra a importância dos serviços prestados pelo hospital Stella
Maris. Alguns números apresentados merecem destaque:
- foram realizados 2.652 partos em 2012, o que significa uma média de 5,5 partos por
dia (aproximadamente 15% dos partos da cidade são realizados no Stella Maris);
- os diversos pacientes que necessitam dos serviços de hemodiálise receberam 16.371
atendimentos/ procedimentos no ano, o que representa uma média de 44,8 atendimentos
por dia;
- pelo atendimento ambulatorial passaram 277.239 pacientes, um número expressivo
que demonstra a importância do hospital para a região;
- mais de 6.000 cirurgias são realizadas anualmente nas instalações do hospital,
números que apontam para uma média de 18 cirurgias efetuadas por dia.
Observa-se também que em todos os serviços oferecidos é significativa a participação
do SUS.
Ressalta-se ainda que Guarulhos é um munícipio importante da Grande São
Paulo. Faz divisa com as cidades de Nazaré Paulista, Itaquaquecetuba, Arujá e Santa
Isabel. Além dessas cidades, distritos de São Paulo marcados por exclusão social, tais
como: Cangaíba, Ermelino Matarazzo, São Miguel Paulista e Jardim Helena também
estão na região fronteiriça de Guarulhos. Essa população busca serviços públicos nos
dois municípios (Guarulhos e São Paulo).
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) indicam
que Guarulhos representa o 2º maior PIB do Estado de São Paulo, o 9º maior do país e
uma população de pouco mais de 1.300.000 (um milhão e trezentas mil pessoas). O
Plano Municipal de Guarulhos (2010-2013) ilustra grave desigualdade social e
diferenças significativas na condição sócio econômica da população. Dentre essas:
115
- 48,8% dos trabalhadores ganham até 03 salários mínimos;
- 3,03% dos trabalhadores ganham acima de 30 salários mínimos;
- cerca de 23% da população não possuem acesso a saneamento básico;
Ademais, como acontece em muitos outros municípios brasileiros, milhares de
habitantes vivem em moradias precárias, falta acesso às condições básicas de higiene e
enfermidades de todo tipo acometem essa população carente.
A cobertura municipal de coleta de esgoto sanitário é de 77,09% (SEADE,
2000). Além da dificuldade na coleta, há problemas na destinação do esgoto que é quase
totalmente jogado in natura nos corpos de água. Apenas em 2010 iniciou-se o
tratamento de esgoto no município com a construção de redes coletoras, coletor-tronco e
interceptores.
Com relação ao atendimento, Guarulhos possui os seguintes hospitais públicos
municipais:
- Hospital Municipal de Urgência (HMU) no bairro do Bom Clima;
- Hospital Municipal da Criança e do Adolescente (HMCA) localizado no centro;
- Hospital Municipal Pimentas (HMPB) no bairro imperial em Bonsucesso.
Há ainda 02 hospitais filantrópicos conveniados SUS: O hospital Jesus, José e Maria no
bairro Parque Renato Maia e o Hospital Stella Maris no bairro de Itapegica.
Também está estabelecido na cidade o complexo hospitalar Padre Bento, no
bairro de Tranquilidade, sob a administração do poder público estadual. Há ainda 03
hospitais privados: Hospital Bom Clima, Hospital Carlos Chaga e o Hospital Saúde
Guarulhos.
Com uma grande população, a oferta de hospitais em Guarulhos é deficitária
pelo tamanho e importância da cidade para a região. Segundo reportagem do Diário de
Guarulhos de fevereiro de 2011, há um déficit de 40% nos leitos oferecidos para a
população. A portaria número 1.102/2002 do Ministério da Saúde determina que um
município deve disponibilizar de 2,5 a 3 leitos para cada mil habitantes. Considerando a
116
população da cidade (1.300.000 no censo de 2010) pelo IBGE, o número de leitos
ofertados deveria ser de 3.575. O total ofertado em 2011 era de 2.153, ou seja, havia um
déficit de 1.422 leitos. Esse déficit ocasiona transtornos e necessidade de grandes
deslocamentos para muitos moradores do município.
4.1 A Pesquisa
Foi realizada uma pesquisa qualitativa com amostra não probabilística junto a
médicos e enfermeiros que atuam no Hospital Stella Maris. Procurou-se entrevistar
profissionais, em sua grande maioria, com vasta experiência profissional, em áreas e
especialidades diferentes e que consideram seu trabalho no Stella Maris a principal ou
uma de suas principais ocupações profissionais.
As entrevistas foram semiestruturadas e buscou-se permitir que o entrevistado
aprofundasse as respostas de acordo com suas experiências e vivências no contexto
social do hospital.
É importante lembrar que a pesquisa apresenta os seguintes objetivos:
- Apresentar o que mudou para o trabalhador (médicos e profissionais de enfermagem)
com as novas técnicas de gestão no que se refere ao seu cotidiano e ao seu desempenho
no trabalho.
- Identificar as consequências, para médicos e enfermeiros, da implantação de políticas
públicas e privadas das novas práticas no serviço prestado em hospitais.
- Analisar o impacto sobre o trabalhador da necessidade de aquisição de novas
competências profissionais, especialmente em função do surgimento de novas
tecnologias no setor.
- Verificar o que mudou, pela óptica de médicos e enfermeiros, no atendimento
realizado junto aos pacientes.
Foram entrevistadas nove enfermeiras com vasta experiência que atuam em
setores e escalas de trabalho diferentes. Procurou-se obter a visão geral dos
trabalhadores da área. O mesmo critério foi adotado na escolha dos médicos. Abaixo as
especialidades médicas dos nove trabalhadores entrevistados:
117
- 01 Oftalmologista.
- 01 Pediatras.
- 01 Cirurgião Geral.
- 01 Ginecologista.
- 01 Anestesista.
- 01 Cardiologista.
- 01 Nefrologista.
- 01 Cardiologista e Auditor Médico.
- 01 Cirurgião Plástico.
4.1.1 As Entrevistas
a) A primeira pergunta abordou o tempo de formados dos entrevistados. Como
o objetivo era verificar as mudanças ao longo do tempo, buscou-se constatar há quanto
tempo o trabalhador atua em sua profissão.
Das nove enfermeiras entrevistadas, quatro atuam há mais de vinte anos na
profissão. Três atuam entre dez e vinte anos, uma há nove anos e uma há dois anos.
Optou-se por entrevistar uma profissional com menos tempo de formação para que
fosse possível identificar padrões de respostas diferentes.
Sete dos nove médicos atuam em hospitais em suas respectivas especialidades há
mais de 20 anos. Um deles há treze anos e outro há seis anos.
Assim, com relação à experiência profissional, a larga experiência de
praticamente todos os profissionais entrevistados possibilitou o atendimento da
principal expectativa do presente trabalho que era investigar as mudanças provocadas
pelas novas técnicas e práticas de gestão no setor da saúde para médicos e enfermeiros.
b) A segunda pergunta convidou os médicos e enfermeiros a expressarem se
ocorreram, e em caso afirmativo, como ocorreram, as mudanças nas práticas de gestão
118
hospitalar. Ainda nessa questão buscaram-se informações sobre o impacto dessas
mudanças nas relações estabelecidas no cotidiano dos profissionais de saúde e dos
pacientes.
De modo geral, as profissionais de enfermagem entrevistadas consideram que há
grande foco na redução de custos e uma crescente preocupação com o uso racional dos
materiais utilizados. Técnicas muito difundidas, como a eliminação de desperdícios e a
diminuição de estoques, disseminadas há várias décadas pela administração japonesa,
estão presentes. Segundo uma das enfermeiras entrevistadas, o estoque baixo representa
riscos e estresse. Nas palavras dela:
- “o atraso de medicamentos pela ausência de estoque causa estresse no
enfermeiro, já que o paciente sabe exigir seus direitos”.
Uma entrevistada ressaltou:
- “a administração e a assistência (enfermagem) dificilmente caminham juntas,
já que os administradores olham apenas para os números e a enfermagem olha para as
pessoas”.
Outra trabalhadora da área destaca que:
- “a enfermagem em si não está preparada adequadamente para que essas
mudanças ocorram de maneira benéfica”.
A necessidade de maior orientação também foi comentada por outra enfermeira
que disse:
- “se existe boa orientação quanto às mudanças, o atendimento é impactado
positivamente”.
Outras entrevistadas abordaram também essa questão, uma vez que os cursos de
enfermagem pouco ou quase nada enfatizam as questões administrativas da área. Uma
das entrevistadas considerou que as enfermeiras de meia idade e mais experientes
apresentam dificuldades em se adaptar ao uso das novas tecnologias e não aceitam a
nova cultura da eficiência em primeiro lugar.
119
As práticas de gestão disseminadas nas últimas décadas adotam, dentre outras
ideias, o uso racional de recursos e disseminam o conceito e a aplicação de estoques
baixos.
Esses métodos, quando bem implementados, proporcionam à gestão resultados
mais efetivos, ocasionando redução de custos e de desperdícios com armazenagem,
pessoal, tempo e espaço físico. Ademais, estoques altos geram perdas e afetam
negativamente o fluxo de caixa da organização.
Deve-se frisar que baixos estoques requerem a formação de redes empresariais,
o que implica, na gestão hospitalar, integração entre laboratórios, farmácias, indústrias e
prestadores de serviços. Além disso, torna-se necessário capacitar os profissionais
envolvidos, tanto os usuários dos materiais, nesse caso as enfermeiras, como os
compradores desses insumos que atuam na área administrativa. As mudanças devem
considerar a cultura organizacional e as consequências que atingem os trabalhadores
envolvidos.
A administração eficiente, no que diz respeito ao uso racional dos recursos,
promove mudanças proporcionando capacitação técnica e comportamental para os
trabalhadores. Na gestão hospitalar, é preciso conscientizar as enfermeiras da
importância do uso dos recursos e os compradores e gestores devem estimular a
participação e o entendimento de todos em algumas decisões como, por exemplo, na
definição de estoques mínimos que eliminem a falta de materiais de atendimento. Da
mesma forma, fornecedores e prestadores de serviços precisam ser envolvidos nesse
processo. Assim, são respeitadas as especificidades da área e torna-se possível a
implantação das práticas que reduzam custos para a organização envolvida.
Na organização hospitalar, o distanciamento entre os profissionais da saúde e os
administradores gera ruídos de comunicação e divergência de interesses que impactam
negativamente para o hospital e os pacientes. As respostas das enfermeiras nos levam a
essa constatação.
Os médicos, em sua maioria, entendem que as mudanças na administração
hospitalar trouxeram problemas para o exercício da atividade uma vez que os
profissionais são pressionados a atender com agilidade e rapidez. Há uma
120
supervalorização da redução de custos, o que muitas vezes diminui a qualidade dos
materiais e instrumentos utilizados. Um dos médicos afirmou:
- “a segurança está em risco em função da redução de custos”.
Outra observação comum a vários profissionais refere-se à pequena ou
inexistente participação dos médicos nas decisões administrativas, o que causa muitos
conflitos entre os diversos setores do hospital. Um dos médicos declarou:
-“a gestão está preocupada em cortar custos, não ter desperdício e sofre
pressão das fontes pagadoras. Há muito estresse. Nessa cadeia sobra para os
pacientes”.
Outro entrevistado afirmou:
-“o sistema quer redução de custos mas não há treinamento para diminuição de
desperdícios”.
Outro profissional comentou:
- “houve muitas mudanças ao mesmo tempo. Se elas viessem separadas haveria
maior assimilação dos envolvidos. Concordo que há necessidade de diminuição de
estoque, mas para isso, a logística deve ser adequada”.
Outro médico afirmou:
- “existia um desperdício exagerado e hoje a situação foi para o outro extremo,
ou seja, o médico é obrigado a trabalhar no limite”.
Um exemplo em relação a essa afirmação é o chamado “kit cirurgia”, que inclui
os insumos e materiais para determinado procedimento. Os médicos não podem usar
materiais extras. Iniciativas como essa combatem o desperdício e melhoram a
produtividade. No entanto, é preciso haver bom senso e definição de regras e critérios
para casos excepcionais, pois há médicos que chegam a ser penalizados quando utilizam
materiais extras e não seguem os trâmites burocráticos para explicar essa necessidade.
Também foi abordada a falta de integração para os processos funcionarem
adequadamente. Muitos hospitais e pesquisadores da área criticam a “indústria dos
121
exames”, ou seja, a solicitação exagerada de exames sem necessidade. Trata-se de uma
maneira encontrada pelo médico para agilizar o atendimento. Nesse processo, o
profissional faz duas ou três perguntas ao paciente sobre os sintomas e já solicita uma
série de exames. Segundo alguns críticos, alguns deles sem real necessidade. Em
seguida o médico analisa os exames e dá sequência ao tratamento. Essa é uma das
consequências da falta de integração entre os diversos agentes envolvidos.
No que se refere às relações entre os setores médico e de enfermagem, houve
respostas divergentes, ou seja, alguns colocaram que há certa harmonia, enquanto outros
ressaltaram os conflitos que são comuns no dia a dia de trabalho. Isso ocorre por
diversos motivos, dentre os quais: quantidade insuficiente de profissionais, falta de
materiais, sobrecarga de trabalho e rotatividade do pessoal de enfermagem.
Quanto as relações entre a administração e os médicos, ocorrem constantes
conflitos do ponto de vista da maioria dos entrevistados. Isso em função de metas
estabelecidas, exigência na rapidez, qualidade dos materiais e atrasos nos pagamentos (é
importante ressaltar que os pagamentos repassados pelo Estado são auditados e variam
de acordo com a produtividade estabelecida pelo SUS).
Um profissional afirmou:
-“gosto de examinar os pacientes e sou pressionado para atender mais rápido.
Atender bem é difícil”.
No que diz respeito a esses conflitos uma médica afirmou:
- “a relação com a administração não é muito boa porque, ao invés de haver
uma adaptação, as mudanças se estabelecem como imposições”.
Reforça ainda esse entendimento dos médicos o comentário de um deles:
-“médicos pedem mas não são atendidos, há pouca participação dos médicos
nas decisões administrativas”.
As diversas mudanças que aconteceram nas últimas décadas atingiram
frontalmente os médicos e enfermeiros que atuam em hospitais. Simultaneamente foram
impostas mudanças como a otimização no uso de materiais, pressão por produtividade e
122
rapidez no atendimento. Para que essas mudanças sejam efetivas, é preciso estabelecer
diversas políticas e iniciativas, tais como:
- melhorar significativamente a formação profissional dos médicos e
enfermeiros;
- valorizar os trabalhadores (especialmente os enfermeiros), oferecendo uma
remuneração mais digna e condizente com suas responsabilidades;
- capacitar sistematicamente os trabalhadores (tanto os aspectos técnicos de sua
área quanto as questões éticas e comportamentais).
- habilitar os trabalhadores para o uso das novas tecnologias que se impõem.
As inter-relações entre as áreas médica, de enfermagem e administrativa são
tensas e conflitos acontecem com certa frequência. Entre os médicos e os enfermeiros,
os conflitos são menos intensos uma vez que, em relação aos pacientes, “eles estão no
mesmo barco”, ou seja, possuem interesses comuns, como proporcionar um
atendimento digno ao paciente. Com a administração, o relacionamento é mais tenso e
as responsabilidades e interesses são divergentes. Os gestores trabalham para otimizar o
uso dos limitados recursos disponíveis e buscam atender os objetivos financeiros
necessários à sobrevivência e manutenção da organização hospitalar. Com esse foco,
suas decisões afetam as atividades desenvolvidas por médicos e enfermeiros
interferindo, inclusive, na qualidade dos serviços prestados ao paciente. Assim, as
diferentes responsabilidades das áreas representam fontes de potenciais conflitos.
Causa indignação, ainda em relação a essa temática, a postura passiva do Estado,
representado pelo SUS, que, ciente dessa situação, se omite e não promove políticas e
práticas que visem soluções para os problemas estruturais do setor da saúde. Ademais,
esses aspectos implicam no não aproveitamento do desenvolvimento da medicina.
c) A terceira questão colocada aos entrevistados solicitou uma análise quanto à
implementação das Políticas Públicas, considerando que o SUS se propõe ao tratamento
integral. Procurou-se, então, identificar como a execução e as condições de trabalho
foram atingidas por essas políticas.
123
A análise e a avaliação das Políticas Públicas implementadas por meio do SUS
foram controversas entre os profissionais de enfermagem em determinados aspectos.
Alguns entrevistados acreditam que houve uma melhora no atendimento e que o modelo
SUS trouxe melhorias para a Saúde como um todo. As seguintes afirmações de alguns
profissionais demonstram essa visão:
- “o cliente SUS possui mais benefícios hoje do que há alguns anos”;
- “o SUS oferece bom atendimento ao paciente”;
- “o conceito e o modelo do SUS são muito bons”;
- “O SUS trouxe melhorias e cobre cirurgias que os convênios, às vezes, não cobrem.
Outros, no entanto, criticaram o Sistema Único de Saúde. Algumas alegações:
- “os hospitais recebem menos do governo do que gastam com os pacientes, o que
causa inúmeros problemas, como a longa espera”;
- “a má remuneração do SUS causa transtornos no atendimento, pois com menos
recursos a qualidade cai”;
De modo mais crítico, umas das enfermeiras afirmou:
- “o SUS não melhorou o atendimento dos pacientes, pois o sistema não libera verbas
para medicamentos, aparelhamento e contratação de funcionários. Precariedade e falta
de atendimento são marcas do SUS”.
Os médicos também veem as Políticas Públicas do SUS sob ângulos divergentes.
Alguns fazem severas críticas, como afirmações a seguir:
- “os hospitais que atendem SUS estão sucateados ou fechados. Não houve
melhora nas condições de trabalho.”
- “o SUS remunera mal e não dá para fazer atendimento de qualidade”.
Corrobora um colega de profissão ao afirmar:
124
- “não houve melhora, o médico trabalha mais e em condições piores, com falta de
materiais e de recursos de toda ordem. O paciente é prejudicado, pois os hospitais
estão sucateados”.
Observa de modo completamente diferente outro médico que afirmou:
- “o SUS é um sistema nacional que ajudou médicos e pacientes......olhando de
20, 10, 5 anos pra cá só vejo melhora”.
Seguindo essa linha de raciocínio, uma das entrevistadas afirmou:
- “o conceito SUS é excelente, mas a implantação é deficiente em vários
aspectos. Houve uma grande melhora no atendimento dos pacientes. As esperas são um
grande problema do SUS, mas ainda assim as melhoras são mais notáveis”.
Ainda considerando essa questão, um dos entrevistados criticou o uso político
dos recursos ao colocar:
- “o SUS conceitualmente é bom, mas é usado politicamente pelas secretarias de
saúde. O SUS libera recursos sob pressão e parte de uma lógica não real. O SUS cria
uma dependência política porque paga mal e os hospitais precisam solicitar mais
verbas constantemente. Se a estrutura não funciona, o resultado final é ruim”.
Nota-se que parte dos entrevistados gosta do modelo e do conceito proposto pelo
SUS. Parece haver certa compreensão quanto à complexidade dos problemas do setor da
saúde e o SUS trouxe melhoras, considerando-se o cenário caótico e excludente anterior
à sua implantação.
Entretanto, há muito a fazer e o Estado enfrenta enormes dificuldades para
atender os anseios dos trabalhadores envolvidos no atendimento. Assim, o Estado
enfrenta desafios consideráveis, dentre eles:
- necessidade de investimento em equipamentos, instalações e demandas de
hospitais;
- insatisfação dos hospitais e seus gestores que recebem repasses de verbas
insuficientes para uma prestação de serviços de qualidade;
125
- necessidade de capacitação dos diversos agentes do sistema e aumento da
capacidade de atendimento para minimizar problemas de fila;
- falta de médicos em diversas especialidades e localidades.
d) A quarta questão procurou investigar se a participação das empresas que
prestam serviços de saúde suplementar contribuiu com um aumento da qualidade para
os pacientes e com as condições de trabalho de médicos e enfermeiros. Ressalta-se que
a saúde suplementar ocupa papel crescentemente importante no sistema de atendimento
à saúde no Brasil.
A maior parte das enfermeiras acredita que os convênios precisam melhorar
muito, especialmente na autorização de procedimentos. Praticamente todas as
entrevistadas relataram que vivenciam situações constrangedoras frequentemente em
função da demora na autorização dos convênios quanto aos procedimentos definidos
pelos médicos. Um dos entrevistados afirmou:
- “o enfermeiro é prejudicado, pois ele lida com os pacientes e suas reações em
relação às permissões ou negações dos convênios. O enfermeiro fica encurralado já
que não pode resolver um problema que não depende dele”.
Como são empresas com fins lucrativos, as organizações que comercializam a
saúde suplementar oferecem, em muitos casos, um serviço aquém das necessidades
básicas de seus conveniados. Disse uma das entrevistadas:
-“os convênios pensam no lucro final, travam exames e procedimentos, afetando
assim as condições de trabalho de médicos e enfermeiros”.
Uma enfermeira afirmou:
- “às vezes os pacientes ficam dias na fila. Existe essa espera para que haja
desistência dos pacientes ou dos médicos”.
Alguns entrevistados observaram ainda que parte dos pacientes de convênio tem
a expectativa de receber atendimento diferenciado e que, em determinados hospitais, os
enfermeiros são levados a dedicar atenção especial a esses pacientes, uma vez que a
remuneração tende a ser melhor do que a do SUS e a administração dos hospitais tem
126
interesse em fidelizar esses pacientes que oferecem melhor rentabilidade. Essa não é
uma orientação das religiosas que estabelecem as diretrizes do hospital Stella Maris.
Eis um dos relatos:
- “os convênios oferecem mais qualidade e acesso rápido. O enfermeiro é
conduzido a dar mais apoio aos pacientes de convênio, a segregação se dá, na maioria
dos hospitais, graças à falta de recursos oferecidos pelo governo”.
Os médicos foram ainda mais críticos na questão relativa à participação dos
convênios no Sistema de Saúde. Alguns acreditam que alguns convênios atendem seus
pacientes pior do que o SUS, tamanho é o descaso com seus clientes. Eles afirmam que
a burocracia imposta pelo uso do serviço inviabiliza inúmeros atendimentos. Um dos
médicos mencionou:
- “aumentou a quantidade de pacientes e os médicos não conseguem atender.
Há filas enormes e médicos mal remunerados, prejudicando os pacientes. A lógica do
lucro das operadoras prejudica a qualidade do atendimento”.
Outro entrevistado disse:
- “existe uma pressão em cima do médico, feita pelos convênios, para que baixe
o custo de exames e procedimentos”.
Como existem muitas empresas que comercializam esse serviço, um dos
entrevistados pontuou:
- “Há aqueles que oferecem serviços de alta qualidade e outros que são tão
burocráticos para autorizar procedimentos que demoram mais do que o SUS”.
De modo assertivo, um entrevistado observou:
- “a lógica da operadora de saúde é o lucro e pagar o mínimo possível. O que
importa para essas empresas é o custo do atendimento e não a qualidade dele, inclusive
em situações de vida ou morte! Para os médicos isso é desmotivante, frustrante”.
Outro médico afirmou:
127
- “a saúde suplementar não contribuiu para uma melhora nos serviços
hospitalares porque houve um aumento na quantidade de pacientes e as operadoras
não conseguem atender a demanda. Há filas enormes e médicos mal remunerados. A
lógica do lucro das operadoras prejudica a qualidade do atendimento”.
Os demais entrevistados fizeram afirmações similares às acima.
As respostas dadas por médicos e enfermeiros escancararam as contradições
relativas aos convênios médicos. Como são empresas capitalistas, buscam o lucro em
seus processos administrativos e comerciais. É claro que os pacientes que utilizam os
serviços e demandam atendimento atrapalham os resultados financeiros, pois há custos
altos envolvidos em muitos tratamentos e procedimentos. A agência nacional de saúde
(ANS) já puniu diversas vezes pelo não cumprimento de suas obrigações contratuais
com seus clientes/ pacientes. Os médicos e enfermeiros ficaram reféns, em muitas
situações, das operadoras de planos de saúde. Elas, como fonte pagadora que são,
exercem poder sobre os hospitais e seus profissionais para que seus objetivos sejam
atingidos.
Essa situação faz com que os profissionais se deparem, em seu trabalho, com o
seguinte dilema: de um lado, a vida do paciente e todos os cuidados que envolvem o
atendimento; de outro, as operadoras de planos de saúde que exigem uso racional de
recursos, questionam pedidos de exames e procedimentos e atrasam autorizações com
propósitos mal esclarecidos. Ilustra essa realidade a simples afirmação de uma das
enfermeiras:
- “onde eles enxergam números, nós, os profissionais da assistência, vemos
pessoas”.
Nota-se também em relação a essas respostas um descaso do Estado que
“terceiriza” sua obrigação constitucional de atendimento universal e integral a empresas
cuja lógica capitalista expõe ao risco, inclusive de morte, milhões de brasileiros.
Observa-se que cerca de 50 milhões de brasileiros possuem convênio particular e muitos
deles estão sujeitos a empresas que não cumprem as exigências de atendimento da
Agência Nacional de Saúde. Nos últimos anos, dezenas dessas empresas já foram
autuadas e algumas foram impedidas de vender novos planos enquanto não
128
melhorassem a qualidade dos serviços prestados. Nesse cenário, a população se vê
diante de escolhas quase sempre ruins: buscar o atendimento do SUS e ficar à mercê da
falta de estrutura, da demora no atendimento e da qualidade duvidosa; ou buscar o
atendimento privado e correr o risco de não receber (ou recebê-lo com péssima
qualidade) o serviço que contratou. Considerando-se os últimos anos, o Estado
demonstra incapacidade de oferecer as respostas que a sociedade espera.
e) Na quinta questão, perguntou-se aos profissionais sobre as novas tecnologias e
métodos de tratamento que surgiram nos últimos anos e ainda estão em curso. A questão
teve o objetivo de investigar aspectos relacionados à atualização profissional, tais como,
disponibilização de recursos e apoio para aquisição de competências e se os
profissionais têm por hábito buscar novos conhecimentos e de que forma, em caso
afirmativo.
As respostas dadas pelos enfermeiros quanto a esse questionamento foram
praticamente as mesmas. Todos os entrevistados consideram ser de fundamental
importância a aquisição de novas competências dada a velocidade no surgimento de
novos tratamentos, medicamentos e diagnósticos. Embora haja clareza quanto à
necessidade de aquisição de novos conhecimentos e habilidades, todos os entrevistados
indicaram que não recebem apoio nem tampouco recurso algum para esse tipo de
demanda. Uma das enfermeiras entrevistadas afirmou:
- “não existe apoio das instituições para bancar um treinamento, curso ou
congresso, e nem apoio quanto às horas ficadas no curso, ou seja, se o profissional vai
buscar uma especialização, além de gastar com o preço do curso, deixa de ganhar e as
vezes é até descontado pela falta no trabalho. ”
Uma das entrevistadas observou:
- “é preciso adquirir novas competências e atualização dos conhecimentos já
adquiridos.” O enfermeiro se atualiza no horário que tem livre e às suas custas.”
Uma enfermeira afirmou:
129
- “há nítida defasagem de conhecimento de parte dos enfermeiros que atuam
nos hospitais”.
Outra entrevistada disse:
- “é preciso desenvolver uma política para aprimoramento das habilidades dos
enfermeiros”.
Os relatos dos médicos quanto às competências profissionais estão em sintonia
com os das enfermeiras. Eles, em sua totalidade, reconhecem a necessidade e a
importância da atualização em suas respectivas áreas de atuação e, em sua maioria,
afirmaram que fazem esforços sobre-humanos para adquirir essas competências. Há
apoios pontuais promovidos por indústrias farmacêuticas e por convênios, como a
Unimed, que estão cada vez mais escassos, segundo os relatos obtidos. Ressalta-se,
nessa questão, a resposta de um médico que disse:
- “estudo na internet e de madrugada. Só durmo três horas por dia para me
atualizar. Tudo eu pago por minha conta, me atualizo com meus recursos”.
Muitos médicos afirmaram que se atualizam participando de congressos e
fazendo cursos de especialização. Outra ferramenta utilizada é a internet.
Um dos médicos relatou:
- “no geral os médicos frequentam poucos congressos porque são caros e as
pessoas não estão se atualizando. Os médicos estão defasados em competência
profissional. Cada um se atualiza por conta e recurso próprio. Não há apoio nenhum
para atualização profissional”.
Uma médica disse:
- “novas doenças surgem rapidamente assim como novos tratamentos e exames.
Meus livros de medicina estão todos desatualizados.”
Outra médica confirmou essa constatação:
- “tudo muda muito rápido na medicina.”
130
Observa-se pelo conjunto de respostas a essa pergunta que não há apoio
institucional para o aprimoramento profissional de médicos e enfermeiros. Os esforços
para capacitação profissional ficam a cargo dos indivíduos e não há direcionamento ou
coordenação de competências a serem adquiridas. Quando um novo equipamento chega,
o fornecedor ensina seu mecanismo para um grupo de profissionais e esses repassam a
técnica para os colegas. Muitas vezes as ações não são registradas e oficiais. Os
entrevistados concordaram com alguns pontos: as novas tecnologias estão aí e
continuam chegando; a atualização é necessária e importante; não há apoio praticamente
de nenhum tipo, seja de hospitais, operadoras ou do SUS para capacitação de médicos e
enfermeiros.
Para o setor, torna-se necessária a atualização contínua de conhecimentos e é
fundamental que as instituições envolvidas deem importância a essa demanda: na saúde,
o emprego de maquinário é obrigatório para a aprendizagem; novas patologias e
métodos de tratamento e de procedimentos surgem com frequência e não há esforços
coordenados para construção de conhecimentos e atualização profissional para médicos
e enfermeiros. O Estado, como responsável pelo SUS, deveria estimular e coordenar
esse trabalho. Como reflexo houve, em meados de 2013, muitos protestos espalhados
pelo país. Ocorreu uma vasta pauta de reinvindicações quanto aos serviços públicos, e,
dentre elas, a saúde. Em reportagem de capa da revista Época, publicada em 02 de
setembro de 2013, um dos subtítulos afirmou: “As faculdades de medicina brasileiras
estão na UTI”. Nota-se, assim, que além dos problemas na atualização acima
destacados, há também desafios imensos na questão da formação de médicos. E na área
da enfermagem não é diferente.
As incongruências são evidentes. É clara a falta de direcionamento e de
planejamento do setor. Exige-se qualidade, utilização racional de recursos, atendimento
rápido e ágil de profissionais que não possuem boa formação, não se atualizam, estão
sob pressão e ficam submetidos às empresas de saúde suplementar e às diretrizes do
SUS, que muitas vezes não consideram as especificidades das diversas regiões.
f) A sexta questão procurou investigar aspectos relacionados ao desempenho
profissional dos entrevistados. Os médicos são prestadores de serviços, ou seja,
suas equipes são remuneradas como pessoa jurídica de acordo com as
131
responsabilidades assumidas em contrato. Por exemplo, há uma equipe
responsável pelo Pronto Atendimento. Ela faz a prestação de serviços e recebe
uma remuneração pelo funcionamento da área. Em outros casos, a remuneração
é vinculada à produtividade da equipe determinada pelo SUS: nesse caso, a
equipe deve realizar um determinado número de atendimentos e/ou
procedimentos e recebe sua remuneração de acordo com essa quota de trabalhos
executados. Isso ocorre porque o SUS repassa os valores para o hospital com
base nessas quotas e o hospital remunera os médicos com base nesses repasses.
Essa situação é fonte de conflitos porque os valores que o SUS repassa são
considerados insuficientes para cobrir os custos totais envolvidos no
atendimento. Além disso, os médicos são pressionados a realizar o seu trabalho
rapidamente para que a produtividade determinada pelo SUS seja atendida.
Como já informado, as enfermeiras são funcionárias do hospital e seus salários
são definidos pelo piso da categoria, que é considerado baixo pelos sindicatos
considerando-se as responsabilidades do cargo.
Em relação ao desempenho, parte das enfermeiras apontou questões técnicas
como as mais importantes no atendimento. Algumas respostas, no entanto, enfatizaram
aspectos comportamentais e de humanização como as mais relevantes:
- “Muitos profissionais saem da faculdade com conhecimento técnico, mas lidar
com o paciente é aprendido na prática.”
Essa afirmação de uma das entrevistadas sinaliza uma das deficiências das
faculdades, a formação prática.
Uma enfermeira declarou:
- “meu critério é o ser humano. Alguns hospitais e profissionais tratam o
paciente como número, há uma indiferença e um desrespeito pelo ser humano”.
Outra afirmou:
- “o comprometimento e a responsabilidade são meus critérios de desempenho,
além da ausência de críticas da gerência”.
132
Outras respostas apontaram a satisfação dos pacientes como critério de avaliação
de desempenho e houve duas menções destacando a satisfação dos colegas já que as
equipes de enfermagem apresentam significativa interdependência na execução do
trabalho. Destaca-se também o comentário de uma enfermeira em relação a essa
questão:
- “eu busco trabalhar em empresas que tenham valores alinhados com os meus,
pois se isso não acontecer, os interesses da administração ficam em conflito com meus
valores pessoais”.
Uma enfermeira afirmou:
- “os resultados e a eficácia dos processos são meus critérios, além da
satisfação do paciente e a redução de custos”.
Essa foi à única resposta do grupo de enfermeiras entrevistadas que citou um
critério considerado importante para a administração: a redução de custos.
No que diz respeito aos médicos, significativa parte das respostas apontou para a
satisfação do paciente como principal critério de desempenho. O médico anestesista
afirmou:
- “o paciente acordar bem é meu critério de desempenho”.
Além dessa, houve outras respostas pragmáticas:
- “conjunto entre equipe de trabalho próxima, o paciente e sua família. O
resultado no paciente. Esses são os meus critérios”.
Outro médico relatou:
- “ajudar as pessoas é meu critério de desempenho, escolhi ser médico para
ajudar o próximo, não me importo com o dinheiro”.
Seguindo a mesma linha de raciocínio outro afirmou:
- “médico que é médico coloca a qualidade em primeiro lugar. É preciso ter
ética e respeito ao ser humano”.
133
Também foram abordadas a família dos pacientes e o feedback das equipes de
trabalho como importantes critérios de avaliação de desempenho. Houve, no entanto,
uma resposta controversa às respostas acima. Um dos entrevistados afirmou:
-“a sociedade muda e o médico muda junto com a sociedade. Hoje, a
remuneração ocupa boa parte de minhas preocupações”.
É importante observar nas respostas acima que os entrevistados não consideram
o cumprimento de metas ou a utilização produtiva dos recursos como critério de
avaliação de desempenho, o que demonstra que para médicos e enfermeiros as
deliberações e determinações dos administradores hospitalares não interferem em suas
autoavaliações de desempenho.
Uma das médicas, inclusive, disse:
- “existe um hiato entre a administração hospitalar e as exigências feitas pelos
conselhos que regem as regras da medicina, um exemplo, na área da pediatria: o
requerimento do SUS é para que o médico atenda um paciente a cada 15 minutos. É
impossível atender a todos se seguirmos esse requerimento pois a demanda é muito
superior a quatro pacientes por hora. Dá a impressão, pra nós médicos, que eles
desconhecem nossa rotina.”
Ao se analisar essas respostas, verifica-se que os objetivos traçados pelos
gestores, que buscam a adoção de práticas de administração racional e melhor uso
possível dos recursos, não são considerados relevantes para os entrevistados. As
respostas indicam que os gestores do SUS e do hospital não focam nem priorizam o
aspecto humano do atendimento, enquanto os profissionais da saúde declaram que
escolheram sua profissão justamente por isso, para atender, ajudar e, sempre que
possível, recuperar a saúde dos pacientes.
Esse hiato entre as expectativas e metas de áreas interdependentes é fonte de
conflitos, desconfiança e prejudica as relações no ambiente hospitalar. Ademais, há
muitos agentes, como o Estado, os gestores e os diversos profissionais da saúde, com
prioridades distintas interagindo sistematicamente. Eles parecem não falar a mesma
língua e a comunicação é repleta de ruídos. Assim, como é sabido em nosso país, os
134
pacientes são os maiores prejudicados por essa falta de integração e sintonia entre os
diversos agentes.
g) Na sétima questão, foi perguntado aos pesquisados se há sobrecarga de trabalho
considerando o tempo disponível para atendimento e execução dos
procedimentos. Além disso, procurou-se identificar quais são as consequências
para os pacientes da resposta dada.
Quanto às horas diárias de trabalho, as enfermeiras, em sua grande maioria,
afirmaram que o tempo disponível não é suficiente para atender as demandas que
surgem. Uma das entrevistadas relatou:
- “a cada 48 horas eu trabalho 36 horas. Tenho três horas de sono por dia, na
média”.
Outra entrevistada respondeu:
- “em média a cada 24 horas descanso 4 horas, ou seja, trabalho 20 horas por
dia”.
Esses foram os dois depoimentos mais impressionantes no que diz respeito à
carga de trabalho das enfermeiras. Destaca-se que seis das nove enfermeiras
entrevistadas possuem outro emprego, a maior parte em outros hospitais. Apenas três
das nove respondentes disseram que trabalham entre oito e nove horas por dia,
justamente aquelas que atuam apenas no hospital Stella Maris. As outras seis
entrevistadas atuam mais de 10 horas por dia.
Uma delas afirmou:
- “existe uma sobrecarga muito grande para a maioria dos enfermeiros, a
questão é salarial. Trabalho muito para ganhar um pouco melhor.”
Outra disse:
- “Há uma demanda exagerada sobre os enfermeiros e isso afeta nossa vida
profissional e pessoal.”
Uma enfermeira se emocionou ao dizer:
135
- “fico triste e deprimida pois não tenho tempo nem pra mim nem pra minha
família.”
Nessa questão, as respostas daquelas que possuem dois empregos seguiram as
afirmações acima. Quanto as que trabalham de 8 a 10 horas, houve duas respostas
diferentes. Uma delas disse:
-“o estresse é normal na profissão do enfermeiro, com o tempo o profissional
amadurece. Tenho tempo para a família e o lazer.”
Outra enfermeira declarou:
- “consigo organizar meu tempo e tenho horas para o descanso e o lazer.”
Com relação aos efeitos para os pacientes, todos os enfermeiros entrevistados
acreditam que a qualidade dos serviços prestados é diretamente afetada pela sobrecarga
de trabalho. Abaixo alguns depoimentos:
- “o paciente sofre com o mau estado do enfermeiro, já que o profissional cansado está
mais sujeito a erros, seja pela desatenção ou pelo cansaço;”
- “o paciente é prejudicado pois a sobrecarga de trabalho afeta o enfermeiro
negativamente e o atendimento perde qualidade;”
- “a sobrecarga de trabalho aumenta o número de erros, veja o número de prescrições
erradas.”
Alguns entrevistados comentaram que os erros de enfermagem, amplamente
divulgados na mídia, estão relacionados ao excesso de horas trabalhadas por
enfermeiros.
Considerando-se a sobrecarga de trabalho segundo as respostas acima é possível
entender alguns dos erros absurdos que foram cometidos por profissionais de
enfermagem nos últimos anos e noticiados pela média. Nota-se que a baixa
remuneração leva esses trabalhadores a buscar novas fontes de renda, o que prejudica
seu desempenho, tanto em função do cansaço e da enorme fadiga, quanto seu tempo
livre, que fica resumido a poucas horas diárias.
136
Os médicos afirmaram, em sua maioria, que também possuem uma jornada de
trabalho bastante extensa.
Apenas dois médicos trabalham entre 8 e 10 horas por dia. Um deles disse:
- “trabalho 8 horas por dia. O atendimento ao paciente piora muito quando há
sobrecarga de trabalho.”
O outro afirmou:
- “quando o médico excede a carga, fica sonolento, perde a atenção, fica
estressado e desanimado.”
Os outros sete entrevistados, no entanto, dedicam mais de 12 horas diárias à
medicina, todos atuam em outras clínicas e/ou hospitais além do Stella Maris. Um deles
afirmou:
- “minha jornada de trabalho é das seis da manhã às oito da noite, não tenho
tempo para família, esportes ou lazer”.
Outro entrevistado disse:
-“saio de casa às cinco da manhã e volto às nove da noite. Isso impacta na
minha família e não tenho tempo para meus afazeres pessoais”.
Um depoimento marcante deu um dos médicos quanto à sua rotina diária:
-“às vezes saio de caso às três, três meia da manhã para passar as visitas e
cumprir com minhas obrigações durante o dia. Trabalho de dezoito a vinte horas,
inclusive aos sábados e domingos. O paciente recebe de mim a mesma atenção. Eu me
prejudico para não transparecer ao paciente minha situação física. Minha esposa e
filha reclamam minha ausência. Converso com meus colegas, a média de trabalho dos
médicos é de dezesseis horas”.
O conjunto das respostas a essa pergunta ilustra um dos problemas mais
intrigantes da saúde no Brasil. Os pacientes e a sociedade, de modo geral, esperam
receber atendimento digno e atenção dos profissionais que os atendem, especialmente
porque trata-se de momentos em que as pessoas estão fragilizadas, clamando por
137
melhora, atenção e cuidado. Costumeiramente, cada enfermo ou parente possui enorme
expectativa de que o melhor possível estará sendo realizado em termos de procedimento
e de atenção e cuidados.
No entanto, a maior parte dos profissionais demonstrou alto grau de esgotamento
físico para o exercício do trabalho. Tanto aqueles que possuem uma jornada compatível
(a minoria), quanto os que possuem carga excessiva, concordaram que a qualidade do
atendimento é diretamente afetada pelo cansaço, estresse e alto número de atividades
profissionais.
O pior, a incidência de erros, seja da área médica ou de enfermagem, aumenta
em função desse aspecto. Quantos pacientes e cidadãos já sofreram danos ou perderam a
própria vida em situações que poderiam ter sido evitadas se os trabalhadores tivessem
uma jornada de trabalho menos intensa?
Ressalta-se que menos intensa é seguir a jornada de trabalho mais comum, 8
horas diárias ou no sistema de plantão, trabalhar 12 horas e descansar 36 horas.
Ora, quais são os danos para os trabalhadores e para os pacientes ao se constatar
jornadas de 14, 16 e até 20 horas diárias?
h) a oitava questão procurou identificar se as práticas e técnicas de administração
implantadas nos últimos anos respeitaram e acataram as recomendações dos
órgãos de classe a que pertencem médicos e enfermeiros.
Os enfermeiros entrevistados ressaltaram, em sua totalidade, a importância do
trabalho desenvolvido pelo Conselho Regional de Enfermagem (COREN) que
determina regras e procedimentos de atendimento buscando maximizar a segurança dos
pacientes.
O COREN acompanha, por meio de visitas sistemáticas e esporádicas, o trabalho
de enfermagem realizado nos hospitais. É bastante comum a aplicação de multas, em
função do não atendimento de regras estabelecidas na legislação. Dentre as
recomendações do COREN, destacam-se:
138
- determinação de intervalos obrigatórios de descanso para a área de enfermagem
durante o expediente de trabalho;
- determinação de número limite de leitos a serem assistidos por enfermeiro, conforme a
área de atuação e a especialidade que demanda os atendimentos;
- dimensionamento do pessoal de enfermagem, para qualquer tipo de instituição de
saúde e considerando a assistência requerida: cuidados mínimos, intermediários,
cuidados semi-intensivos e cuidados intensivos. Nesse caso, trata-se da resolução do
Conselho Federal de Enfermagem, COFEN número 293/ 2004.
Todavia, muitos entrevistados observaram que os hospitais não conseguem
cumprir as recomendações devido aos altos custos para serem implantadas. Disse uma
das enfermeiras:
- “a instituição precisa desrespeitar as regras impostas pelo COREN, já que o
ideal para o Conselho é muito distante do possível a ser feito”.
Os entrevistados acreditam que há uma relação direta entre qualidade e
segurança do atendimento e cumprimento das recomendações do COREN. As
afirmações a seguir foram pronunciadas nas entrevistas:
- “o não cumprimento das normas do COREN faz com que o atendimento seja básico ou
até precário”;
- “o respeito e o atendimento das normas do COREN leva a uma maior eficiência do
trabalho de enfermagem, o paciente é beneficiado com isso”;
- “se as recomendações não são cumpridas o paciente acaba recebendo um tratamento
pior.”
Algumas respostas indicam que os gestores hospitalares desconhecem as
responsabilidades dos enfermeiros, o que causa estresse e conflito.
O gestor hospitalar precisa possuir diversas competências para executar bem sua
função. A organização hospitalar demanda ampla gama de conhecimentos e habilidades,
eis alguns deles:
139
- conhecimentos pertinentes à administração, como finanças, planejamento,
custos, logística, recursos humanos, suprimentos, sistemas, etc;
- conhecimento de aspectos legislativos relativos ao SUS e aos principais órgãos
de classe, como o COREN e o CRM;
- habilidades de comunicação, negociação, relacionamento interpessoal, etc.
Assim, há carência de profissionais com esse conjunto de competências. Para
realizar a interface entre os médicos e a administração, os hospitais possuem um diretor
clínico, que é um médico que representa o corpo clínico junto a administração. Há
também um médico que deve ocupar o cargo de diretor técnico que, além de assessorar
a instituição em assuntos técnicos, tem como incumbência garantir boas condições de
trabalho, coordenar os serviços técnicos desenvolvidos e observar o cumprimento das
normas.
Embora esses cargos possam contribuir para a melhoria da gestão hospitalar,
normalmente apresentam perspectivas diferentes e sua falta de sintonia ocasiona
problemas no cotidiano dos trabalhadores.
Segundo as entrevistadas:
- “a dificuldade financeira é a primeira justificativa dos hospitais para não
cumprirem as regras estabelecidas pelo COREN.”;
- “O administrador não tem conhecimento sobre o trabalho de médicos e
enfermeiros e é essa falta de conhecimento que causa o descumprimento das exigências
do COREN.”
- “O paciente é afetado, já que pode receber atendimento de má qualidade e
falta de atenção.”
Ressalta-se que as atividades laborais dos enfermeiros seriam mais harmônicas
caso fossem seguidas as regras, determinações e procedimentos estabelecidos pelos
Conselhos de Enfermagem que estabelecem limites quanto à quantidade de pacientes
por profissional e tempo para descanso e escala.
140
As respostas dadas pelos médicos para essa questão indicaram que, no geral, há
um desconhecimento dos gestores hospitalares no que se refere às especificidades da
área médica. Para um dos entrevistados:
-“o gestor hospitalar não leva a sério como devem ser os protocolos e as
determinações porque a bomba sempre estoura na mão dos médicos e acaba afetando
os pacientes e a imagem do hospital”.
Outro médico disse:
-“existe um gap entre médicos e administração”.
Ainda outro afirmou:
- “a administração não respeita, não conhece as especificidades e os
regulamentos. Os médicos não participam de reuniões sobre isso com a
administração.”
Diferentemente das respostas dadas pelas enfermeiras entrevistadas que
elogiaram a atuação do COREN, alguns médicos criticaram os métodos de trabalho da
Associação Médica Brasileira (AMB) e dos Conselhos Federal e Regional de Medicina
(CFM e CRM). Em relação aos órgãos de classe médica, abaixo algumas declarações
dos entrevistados:
- “ao invés de oferecer educação continuada para a Saúde, eles brigam entre si e não
suportam os trabalhadores da área.”
- “os profissionais não são ouvidos nesses órgãos viciados. Eles deveriam se preocupar
menos com dinheiro e mais com o trabalho”.
- “o CRM é punitivo, não ajuda os médicos”.
- “existe um hiato entre os órgãos de medicina e os profissionais que estão na ponta,
executando os trabalhos.”
Nota-se que os médicos entrevistados não identificam apoio para o exercício de
suas atribuições e responsabilidades. Relataram nessa última questão que os interesses e
141
preocupações da administração e dos órgãos de classe são divergentes daqueles que
estão em sintonia com seus valores e expectativas em relação ao trabalho.
Ao se analisar as respostas dos enfermeiros nessa questão, constata-se uma certa
admiração e entendimento quanto ao trabalho dos conselhos de enfermagem. Nota-se
que há concordância quanto as regras, regulamentações e recomendações. No entanto,
existe grande distância entre o recomendável e o realizado. Com o tempo, parece haver
um conformismo e uma aceitação passiva, pois a justificativa é sempre a mesma: não há
recursos para cumprir as normas do COREN.
Em relação aos médicos, a situação é mais dramática: tanto a administração
hospitalar quanto os órgãos de classe (Associação Médica Brasileira e os Conselhos
Federal e Regional) parecem ignorar suas reivindicações, preocupações e anseios. É
notório que os resultados do trabalho executado são afetados de alguma forma.
O conjunto de respostas indica que as novas técnicas e práticas de gestão no
setor da saúde foram negativas para médicos e enfermeiros. A velocidade, os métodos e
as políticas de implantação dessas técnicas e práticas não ocasionaram melhora no
atendimento do paciente também.
Algumas forças propulsoras das empresas capitalistas, que buscam
produtividade e eficiência, custe o que custar, aumentaram a carga de trabalho e a
pressão sobre médicos e enfermeiros.
Ademais, os gestores hospitalares parecem desconhecer as especificidades da
área da saúde. Da mesma forma, os profissionais da área não estão capacitados em
gestão e ainda não compreenderam/ aceitaram a importância da racionalização do
trabalho e a necessidade de otimização no uso de recursos para uma gestão que
possibilite a viabilidade financeira da unidade hospitalar.
Assim, faltam capacitação e competência para implantação de melhorias
significativas ao Sistema de Saúde. O Estado, gestor do SUS, por sua vez, embora tenha
dado alguns passos positivos, está longe de oferecer soluções consistentes que
proporcionem significativas melhorias ao sistema, mesmo no longo prazo. As Políticas
142
Públicas constituídas não tiraram proveito das novas tecnologias. O mesmo ocorreu
com os novos métodos de gestão.
143
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O setor da saúde é um dos mais complexos e problemáticos da sociedade
brasileira. É marcado por contradições e inúmeras demandas sociais, políticas e
econômicas. Não é exagero afirmar que, de modo geral, a Saúde no país continua
“doente”.
Historicamente, o Direito à Saúde ficou à margem das diversas constituições
promulgadas pelo Governo Federal, exceção feita à Constituição de 1988 que instituiu o
SUS.
Considerando que a saúde é premissa básica no exercício da cidadania, a
Constituição de 1988 representou um ensaio de garantias legais que, passados mais de
25 anos, não se efetivou.
O Sistema de Saúde existente, como sistema social, reflete o contexto histórico e
as condições políticas e socioambientais do país. Assim como ocorre com outras
demandas da sociedade, em relação à área da Saúde o Estado não é eficaz na promoção,
restauração e manutenção da saúde da população, e esses são, justamente, os propósitos
desse setor.
No entanto, é necessário e justo ponderar que houve alguns avanços nas últimas
décadas, especialmente porque a situação anterior era excludente para ampla parcela da
população. É importante lembrar que o INPS, e posteriormente o INAMPS, ofereciam
assistência médica apenas à uma parcela da população (trabalhadores das metrópoles
com carteira assinada, depois esse direito foi estendido ao trabalhador rural). Foi essa
situação que alguns entrevistados na pesquisa consideraram que o SUS melhorou o
atendimento à população. Mas essa melhora é pequena e insuficiente para as exigências
e demandas atuais da sociedade.
Embora o Estado seja o principal agente e o responsável pelas políticas a serem
implementadas pelo Sistema de Saúde, setores privados, como os convênios médicos,
ocuparam crescente espaço na complexa rede de empresas que, direta e/ou
indiretamente, executam a prestação de serviços nessa área. Essas empresas, como
organizações capitalistas, atuam sob a lógica do lucro. Essa é a finalidade para a qual
144
foram criadas e, independentemente das consequências dessa lógica, seguem esse
propósito mesmo que isso signifique aumentar os riscos para a saúde do paciente. Pode-
se afirmar, nessa perspectiva, que os números são mais importantes que o cuidado das
pessoas. Isso significa que o Estado e a sociedade ao aceitarem essa situação estão em
profunda crise.
Observa-se que há instrumentos e instituições, como a Agência Nacional de
Saúde, que regulamentam as atividades e monitoram a prestação dos serviços privados.
Para os entrevistados, porém, muitas dessas empresas, na prática, oferecem péssima
assistência à população. Essa realidade causa diversos transtornos no cotidiano de
médicos e enfermeiros no exercício do trabalho.
Os hospitais são o principal espaço para os cuidados da saúde. Como
praticamente inexistem médicos de família e redes primárias de atendimento, boa parte
dos brasileiros vai diretamente para o hospital quando está doente. Assim, os hospitais
absorvem cerca de 70% do orçamento do governo federal para a área.
Mesmo com tantos recursos (o Ministério da Saúde é o que recebe mais recursos
do Governo Federal, supera inclusive o Ministério da Educação), causam indignação e
perplexidade a falta de aparelhamento, a não adoção das inovações tecnológicas e o
fraco desempenho médico nos hospitais. Embora existam ilhas de excelência nas
principais metrópoles, a maior parte dos hospitais, sejam públicos ou privados, está
sucateada e administra dívidas altíssimas, o que limita de modo crucial a melhora na
gestão e impede investimentos que elevem a qualidade do atendimento aos pacientes e
as condições de trabalho para os profissionais da área.
O Brasil possui mais de 3500 hospitais filantrópicos (aproximadamente 40% das
unidades hospitalares do SUS) e o Hospital Stella Maris, como típico estabelecimento
filantrópico, passa pelas dificuldades expostas acima.
O ambiente hospitalar possui diversos atores que possuem interesses comuns e
divergentes: fornecedores de insumos, de equipamentos e de serviços específicos e de
apoio; os trabalhadores, médicos, enfermeiros, equipe administrativa e outros
profissionais da saúde; indústria de equipamentos e de medicamentos; órgãos de classe
como o CRM e o COREN; o Estado, responsável pela regulação, manutenção e controle
145
do sistema; convênios médicos e seguradoras; o paciente e aqueles que o acompanham,
os usuários do sistema. Esses diferentes grupos possuem visão parcial e não atuam de
modo sintonizado e integrado. Faltam planejamento e perspectiva de longo prazo. A
gestão hospitalar adotou algumas novas práticas e técnicas, mas não houve competência
na implementação de novas formas de trabalho e atuação.
Na gestão empresarial contemporânea, a aprendizagem contínua e o uso
eficiente das novas tecnologias são a verdadeira atividade produtiva. Seu efeito possui
evidências físicas, mas é essencialmente intangível. As respostas das entrevistas, tanto
dos médicos como dos enfermeiros, indicam que não há estímulos à aprendizagem.
Também são escassos os recursos para investimentos em novas tecnologias. Assim, o
setor hospitalar no Brasil, com raras exceções, está desatualizado e não tirou proveito do
progresso tecnológico e dos novos conhecimentos existentes nessa área. O efeito dessa
situação é sentido pelo paciente e pelos trabalhadores responsáveis pelo cuidado, dentre
eles, médicos e enfermeiros.
A Globalização, as novas tecnologias e práticas de gestão, somadas à natureza
do trabalho, afetaram de modo contundente o trabalho de médicos e enfermeiros. Isso
porque novas exigências e demandas são apresentadas todos os dias e não há apoio e
preocupação em preparar os trabalhadores para aquisição dos conhecimentos e
habilidades que surgiram com essas transformações. É como se “cada um estivesse por
conta própria”.
As mudanças das novas técnicas de gestão não foram positivas para os
trabalhadores entrevistados. Todos os entrevistados observaram mudanças na
administração hospitalar, especialmente nos seguintes aspectos: redução de custos,
pressão por maior produtividade, que no trabalho de médicos e enfermeiros refere-se à
execução do trabalho de modo mais rápido. Os efeitos dessas mudanças foi negativo nas
relações entre administradores, médicos e enfermeiros. Também para o paciente, na
visão dos entrevistados, houve diminuição na qualidade do serviço prestado.
A visão dos entrevistados em relação ao SUS foi heterogênea. Alguns acreditam
que houve avanços no atendimento à população e outros criticaram enfaticamente,
especialmente a implantação das políticas públicas. O conceito e a proposta de
146
atendimento integral do SUS trouxeram algum progresso à área da Saúde no Brasil. No
entanto, há muitas falhas e aspectos a serem trabalhados, tais como:
- os cálculos de custos dos procedimentos autorizados pelo SUS são inferiores
aso custos efetivos, o que ocasiona prejuízos constantes aos hospitais conveniados ao
sistema;
- os investimentos são inconstantes e realizados, muitas vezes, por motivações
políticas e técnicas;
- o foco está, essencialmente, baseado em produção, ou seja, em números de
atendimentos e procedimentos. A qualidade do trabalho realizado está em segundo
plano;
- falta um plano de capacitação e educação continuada para os trabalhadores do
setor executarem suas atribuições de modo mais competente.
Em relação à atuação das empresas privadas, em especial os seguros e convênios
médicos, a realidade é caótica. Médicos e enfermeiros vivenciam, costumeiramente, a
falta de preocupação com a vida humana. Onde as organizações veem números, esses
profissionais veem seu semelhante. Assim, os conflitos são constantes. Diante desse
cenário, o Estado, nos últimos anos, tem punido diversas empresas que não cumprem as
regulamentações do setor e não entregam aos seus clientes aquilo que venderam
(atendimento e procedimentos de saúde particular). Infelizmente, essas punições não
surtem efeitos e nem as multas aplicadas são pagas pelas empresas. Muitas delas vão à
justiça e discutem por anos essas penalidades, tirando proveito da morosidade da
aplicação de penas no Brasil. Ademais, o Estado parece “perdido” diante da
complexidade dos problemas da área. Uma estratégia e uma linha de ação de médio e
longo prazo inexistem. Em outras palavras, os problemas são resolvidos quando
surgem, ou melhor, quando os escândalos são amplamente divulgados pela mídia.
Nesses casos, “apagam-se os incêndios” a fim de acalmar a população e dar uma
resposta política às injustiças praticadas.
A revolução tecnológica em curso também na área da saúde beneficiou apenas
as parcelas mais abastadas da população. Isso porque os recursos para investimentos em
147
novos equipamentos e maquinários são insuficientes diante das demandas existentes.
Além disso, não há programas de capacitação em massa para médicos e enfermeiros. O
cotidiano desses profissionais é absorvido essencialmente no atendimento e nos
procedimentos que precisam realizar. Não estão previstas, no expediente de trabalho,
horas para atualização, treinamento, capacitação. Cada profissional deve buscar o
aprimoramento profissional por conta própria e em seu tempo livre. Assim, boa parte
desses profissionais desconhece o uso e o benefício das novas tecnologias e práticas de
gestão. Há resignação e conformismo com a dura realidade do cotidiano (recheada de
sobrecarga de trabalho e conflitos) e as motivações que um dia conduziram esses
profissionais a escolher o nobre trabalho que executam vão diminuindo com o passar do
tempo.
Por outro lado, ainda há esperança. Os entrevistados demonstram que o foco do
seu trabalho está no paciente. Enfermeiros e médicos se avaliam segundo os benefícios
que conseguem proporcionar aos pacientes. Cabe ao Estado e aos outros agentes do
sistema demonstrarem, efetivamente, que eles não estão sozinhos nesse objetivo. Faltam
conhecimento e ações planejadas para promover um alinhamento dos diversos atores
para que esse objetivo chegue efetivamente para a população assistida.
Portanto, as considerações finais dessa tese reforçam a necessidade urgente de
uma profunda revisão no modelo de saúde em vigor. O clamor das ruas, ocorrido nos
protestos espalhados pelo país em meados de 2013, comunicaram a evidente
insatisfação da sociedade no que diz respeito aos serviços públicos.
Cabe ao Estado promover reformas e avanços no sistema que provoquem as
transformações necessárias com maior agilidade e assertividade. Médicos e enfermeiros
devem participar desse debate como protagonistas. Afinal, o cuidado ao usuário é
executado por esses profissionais que, desde sempre, ficaram à mercê das decisões
tomadas por políticos e empresários do setor.
148
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